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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA MESTRADO ACADÊMICO EM GEOGRAFIA ANTONIA CLEIDE DA SILVA MADEIRO O DIREITO À CIDADE E A GEOGRAFIA DA PARTICIPAÇÃO POPULAR EM FORTALEZA/CE (2005 A 2012) FORTALEZA CEARÁ 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

MESTRADO ACADÊMICO EM GEOGRAFIA

ANTONIA CLEIDE DA SILVA MADEIRO

O DIREITO À CIDADE E A GEOGRAFIA DA PARTICIPAÇÃO POPULAR EM

FORTALEZA/CE (2005 A 2012)

FORTALEZA – CEARÁ

2017

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ANTONIA CLEIDE DA SILVA MADEIRO

O DIREITO À CIDADE E GEOGRAFIA DA PARTICIPAÇÃO POPULAR EM FORTALEZA/CE (2005 A 2012)

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Geografia do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual do Ceará como requisito parcial para à obtenção do título de mestra em Geografia. Área de Concentração: Análise Geoambiental e Ordenamento de Territórios de Regiões Semiáridas e Litorâneas.

Orientador: Prof. Dr. José Meneleu Neto

FORTALEZA – CEARÁ

2017

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ANTONIA CLEIDE DA SILVA MADEIRO

O DIREITO À CIDADE E A GEOGRAFIA DA PARTICIPAÇÃO POPULAR EM

FORTALEZA/CE (2005 a 2012).

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado Acadêmico em Geografia do Programa de Pós-Graduação em Geografia do Centro de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de mestre em Geografia. Área de Concentração: Análise Geoambiental e Ordenamento de Territórios de Regiões Semiáridas e Litorâneas.

Aprovada em: 07 de abril de 2017.

BANCA EXAMINADORA

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À minha família pelo incentivo,

À minha mãe, Maria de Fátima da Silva

Madeiro por ser a minha base forte

Ao meu pai, Francisco Firmino Madeiro por

me fazer trilhar os caminhos certos.

À professora Claudia Granjeiro (in

memorian) que com afeto me apoiou e me

fez acreditar que eu sempre posso mais.

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AGRADECIMENTOS

A energia positiva da natureza que nos faz acreditar em algo maior.

À minha mãe, Maria de Fátima da Silva Madeiro e ao meu pai, Francisco Firmino

Madeiro, agradeço pela lição de vida e exemplo de garra, de força de vontade, que

sempre demonstrou ao longo da vida e ensinou aos seus filhos.

Aos meus irmãos, Claudemiro da Silva Madeiro e Claudiana da Silva Madeiro Ferreira

pelo apoio e incentivo e Claudia Maria Madeiro de Queiroz, responsável por me

ensinar a ler e escrever.

As sobrinhas Thais Karine Madeiro de Queiroz, Ana Shofia Madeiro de Queiroz,

Isabele Maria Campos Madeiro e Isis Maria da Silva Madeiro Ferreira por serem a

minha luz e minha alegria.

Aos colegas de trabalho da SEPOG, Marcelle Feitosa Alves Barbosa, Marcelo

Maximiliano da Costa, Antônio Ézio Martins Pereira, Marcelo Sobreira Carneiro,

Shesllyda Lindolfo da Silva Pinheiro, Isabella Maria Coelho Veloso pelo incentivo e de

forma especial a minha ex-chefe Maria Aparecida Rodrigues Façanha, pelo o apoio e

confiança.

Aos amigos de turma Aryberg de Souza Duarte, Edmundo Rodrigues de Brito, Maria

Bonfim Casemiro e carinhosamente gostaria de agradecer as minhas grandes

incentivadoras Francisca Fernanda Batista de Castro, Karinne Wendy Santos de

Menezes e Patrícia Andrade de Araújo com elas, o pesado rigor acadêmico ficou mais

leve.

Aos amigos Daniel Welton Arruda Cabral, Karla Maria Marques Peixoto, Camila

Marques Peixoto, Cícera Fernanda Sousa do Nascimento, Tatiana Rodrigues de

Oliveira, Maria Edivania Vieira, Raiane Santos Pinheiro, Carla Souza Araújo, Marcus

Rodrigo Lima de Almeida, Janaina Marques Coutinho, Rafael Tomyama Toledo, Ana

Cecília Nogueira de Vasconcelos, Leonardo Oliveira de Almeida e Erivando Pereira

Medeiros, cada um, de forma particular, contribuiu com palavras de incentivo, com

apoio nos momentos difíceis e também na hora de lazer, eles foram e são meu porto

seguro, a minha segunda família.

Aos professores do programa Prof. Dr. Edilson Alves Pereira Júnior, Prof. Dr. Luiz

Cruz Lima, Prof. Dr. Marcos José Nogueira de Souza, Profª. Drª. Maria Lúcia Brito da

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Cruz e Prof. Dr. Otávio José Lemos Bastos pela rica experiência de aprendizado nas

disciplinas por eles ministradas.

Agradeço especialmente a Profª. Drª Zenilde Baima Amora, Profª. Drª Virgínia Célia

Cavalcante de Holanda, Profª. Drª Adryane Gorayeb Nogueira Caetano, Prof. Dr. Átila

de Menezes Lima e Prof. Dr. José Borzacchiello da Silva por integrarem as bancas de

avaliação, com contribuições valiosas para a minha pesquisa.

Aos participantes das entrevistas, por compartilharem suas experiências, por

dedicarem seu tempo e me proporcionarem momentos de descontração regados a

café e muitas risadas.

À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento científico e tecnológico –

FUNCAP, pelo fundamental custeio financeiro da bolsa de estudos, o que me

proporcionou dedicação exclusiva à pesquisa.

Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. José Meneleu Neto, pela dedicação, paciência

e, principalmente, por acreditar na minha capacidade de superação, suas valiosas

orientações me guiaram pelas trilhas corretas.

E por fim, agradeço imensamente a minha eterna orientadora espiritual, Profª Drª

Claudia Maria Magalhães Granjeiro, foram dela todas as palavras de incentivo desde

a minha graduação, foram dela as dicas de quais caminhos seguir, que temas estudar,

foram dela os abraços me parabenizando pelas conquistas e foram dela também a

cobrança de que eu sempre podia fazer mais e melhor.

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“De repente, as pessoas percebem que

não estão sozinhas. O que sentem, o que

pensam, outros também sentem e

pensam. E quando não estão sozinhas, as

pessoas são mais fortes.”

(Manuel Castells)

“Eu sonho com outro tipo de cidade, e

nessa cidade que eu sonho o OP tem que

existir”

(Zé Tabosa, sapateiro e morador do

Pirambu)

“Vou mostrando como sou e vou sendo

como posso, jogando meu corpo no

mundo, andando por todos os cantos

e pela lei natural dos encontros eu deixo e

recebo um tanto.”

(Novos baianos)

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RESUMO

A crise da democracia representativa e a questão urbana no Brasil se colocam como

problemas candentes para o pensamento geográfico. A lógica do Estado capitalista, a

distribuição do poder no espaço e os processos urbanos de exclusão e segregação

formam o campo de análise a partir do qual se articula essa dissertação. Partindo da

experiência brasileira de orçamento participativo iniciada em Porto Alegre – RS, em

1989, foi investigado o caso da implementação do OP na cidade de Fortaleza entre

os anos de 2005 a 2012. Buscou-se compreender como se deu essa geografia da

participação, expressa através da sua cartografia; quais foram suas conquistas, quais

foram os percalços, como a prática de elaborar o orçamento participativo afetou

segmentos sociais historicamente excluídos, redefinindo no espaço urbano as

prioridades do gasto público. Buscou-se avaliar o OP como instrumento efetivo para

levar às áreas mais carentes, obras e serviços essenciais para a construção de uma

democracia urbana na qual a justiça social possa prevalecer.

Palavras-chave: Orçamento participativo. Direito à cidade. Sociedade civil.

Democracia.

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ABSTRACT

The crisis of representative democracy and the urban question in Brazil are posed as

burning issues for geographic thought. The logic of the capitalist state, the distribution

of power in space and the urban processes of exclusion and segregation form the field

of analysis from which this dissertation is articulated. Starting from the Brazilian

experience of participatory budgeting (PB) initiated in Porto Alegre - RS, in 1989, the

case of the implementation of PB in the city of Fortaleza between 2005 and 2012 was

investigated. It was sought to understand how this geography of participation was

expressed, through its cartography; what were its achievements, what were the

obstacles, how the practice of elaborating the participatory budget affected historically

excluded social segments, redefining the priorities of public spending in urban space.

It was sought to evaluate PB as an effective instrument to lead to the most needy

areas, essential works and services for the construction of an urban democracy in

which social justice can prevail.

Keywords: Participatory budgeting. Right to the city. Civil society. Democracy.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Países com experiências de orçamento participativos ..................... 46

Figura 2 – Ciclo orçamento .................................................................................... 52

Figura 3 – Distribuição populacional do Município de Fortaleza por Bairro ...... 60

Figura 4 – Índice de Desenvolvimento Humano dos Bairros de Fortaleza ........ 61

Figura 5 – Valor do rendimento nominal mensal por bairro ................................ 64

Figura 6 – Índice sintético de condições domiciliares por bairro em Fortaleza 65

Figura 7 – Extrema pobreza por bairro em Fortaleza ........................................... 66

Figura 8 – Ciclo do orçamento participativo de Fortaleza de 2005 a 2009 ........ 82

Figura 9 – Área de participação e IDH por bairro de Fortaleza .......................... 88

Figura 10 – Número de participantes por ano no OP de Fortaleza ..................... 94

Figura 11 – Números da participação popular, por território, por segmento e

_________ OP criança ............................................................................................. 95

Figura 12 – Valores destinados as demandas do OP nas LOAS 2006 a 2011.... 99

Figura 13 – Valores destinados as demandas do OP nas LOAS 2006 a 2011

__________comparados ao orçamento total do município ............................... 100

Figura 14 – Bairros com o maior número de participação no OP ..................... 101

Figura 15 – Densidade das demandas do OP executadas em Fortaleza por

__________hectare ................................................................................................ 106

Figura 16 – Folha da LOA apresentando obras do OP ...................................... 111

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Significado da participação como intervenção dos agentes

__________sociais nas atividades públicas segundo diversos autores ............ 32

Quadro 2 – Países e cidades com o orçamento participativo implantado ......... 47

Quadro 3 – Participantes por sexo e regional ...................................................... 90

Quadro 4 – Demandas do OP de 2005 a 2010 ....................................................... 96

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LISTA DE SIGLAS

AP’s Áreas de Participação

APF Administração Popular de Fortaleza

CE Ceará

CEDECA Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará

CMP Central de Movimentos Populares

CEPEMA Fundação Centro de Educação Popular em Defesa do Meio _________

_________ Ambiente COP Conselho do Orçamento Participativo

CUCA Centros Urbanos de Cultura, Arte, Ciência e Esporte

CUT Central Única dos Trabalhadores

FUNCI Secretaria Municipal de Educação e a Fundação da Criança e da Família

_________ Cidadã

ICD Índice Sintético de Condições Domiciliares

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

IDH-B Índice de Desenvolvimento Humano dos Bairros

IPECE Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará

LDO Lei de Diretrizes Orçamentárias

LOA Lei Orçamentária Anual

LGBT Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros

MCP Movimento dos Conselhos Populares

MLB Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

ONG Organização Não-Governamental

OP Orçamento Participativo

OPCA Orçamento Participativo da Criança e do Adolescente

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PMF Prefeitura Municipal de Fortaleza

POS Plano de Obras de Serviços

PPA Plano Plurianual

PT Partido dos Trabalhadores

SEPLA Secretaria de Planejamento e Orçamento

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 16

1.1 RAZÕES DE UMA ESCOLHA TEMÁTICA .................................................... 16

1.2 MÉTODO - O CAMINHO ............................................................................... 21

1.3 PERCURSO METODOLÓGICO: CONSTRUÇÃO DA PESQUISA ............... 23

2 REFLEXÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS......................................... 27

2.1 PARTICIPAÇÃO POPULAR COMO OBJETO DE PESQUISA ______

______ GEOGRÁFICA ............................................................................................. 27

2.1.1 Conceito de Sociedade civil ....................................................................... 27

2.1.2 Conceito de participação ............................................................................ 29

2.2 DEMOCRACIA: UMA CONQUISTA DA CLASSE TRABALHADORA ........... 33

2.2.1 Democracia Participativa: partilha do poder entre Estado e sociedade

_______civil .............................................................................................................. 35

3 O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO: NOVA FORMA DE RELAÇÃO

_______ENTRE SOCIEDADE CIVIL E ESTADO ..................................................... 38

3.1 A REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL E O DIREITO À PARTICIPAÇÃO

____ POPULAR .................................................................................................... 38

3.2 O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO: AS NOVAS RELAÇÕES DE PODER E

____ _ APERFEIÇOAMENTO DA DEMOCRACIA ................................................... 40

3.3 IMPLANTAÇÃO E EXPERIÊNCIAS DO OP NO BRASIL E NO MUNDO .... 44

3.3.1 As cidades precursoras da experiência do OP no Ceará ....................... 48

3.3.1.1 Icapuí ........................................................................................................... 48

3.4 O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO CONFORME A LEI ............................... 51

4 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO EM FORTALEZA: A VOZ E A VEZ DOS

______ SEM VOZ? ................................................................................................... 58

4.1 FORTALEZA FRAGMENTADA E DESIGUAL – A QUESTÃO SOCIAL DA

______CIDADE ......................................................................................................... 58

4.2 OP FORTALEZA: CONQUISTAS E PERCALÇOS DA PARTICIPAÇÃO ...... 72

4.2.2.3 Os segmentos sociais ................................................................................... 89

4.2.3 O Orçamento Participativo em números........................................................ 93

4.3 AS MARCAS ESPACIAIS DA PARTICIPAÇÃO POPULAR ...................... 101

4.3.1 CONQUISTAS DA PARTICIPAÇÃO POPULAR ......................................... 104

4.3.1 A DEMOCRACIA NÃO CABE NO ORÇAMENTO: PERCALÇOS DA

______PARTICIPAÇÃO .......................................................................................... 109

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5 ____CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 113

______REFERÊNCIAS ........................................................................................... 117

______ANEXOS ..................................................................................................... 122

ANEXO A – ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM SECRETÁRIOS

________________MUNICIPAIS E COORDENADORESDO OP EM

________________FORTALEZA/CE......................................................................123

______ANEXO B – ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM A EQUIPE TÉCNICA

________________DO ORÇAMENTO...................................................................124

_____ ANEXO C – ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA DELEGADOS E

_______________CONSELHEIROS DO OP..........................................................125

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1 INTRODUÇÃO

1.1 RAZÕES DE UMA ESCOLHA TEMÁTICA

O título deste estudo revela duas situações constantes nas grandes

cidades: o incômodo e a reivindicação. O incômodo vem das degradantes condições

de vida de uma parcela significativa da população, das políticas públicas ineficientes

e da inércia do Estado em garantir direitos básicos de qualidade para todos. Do

incômodo vem a reivindicação: Como não questionar? Como não exigir o usufruto de

direitos sociais em condições de igualdade? Como não exigir o direito à cidade?

Vivemos em uma democracia, onde temos direito a eleger nossos representantes,

mas isso basta? Que outros mecanismos podem ser usados em que essas

reivindicações possam ser de fato atendidas?

A constatação de fragilidades, enfrentadas no funcionamento da

democracia representativa, evidencia que não bastam instaurar os princípios gerais

de liberdade e direitos civis para que a ordem democrática obtenha plenitude. Ter

direto ao voto, mesmo que no regime do sufrágio universal, em uma sociedade

dividida em classes, não é garantia da efetivação dos direitos, nem tão pouco garante

que todas as decisões políticas tomadas pelos representantes sejam de interesse e

em benefício do povo.

Estes fatos não tornam a democracia menos importante. Pelo contrário,

entende-se que a democracia contemporânea não está pronta, e sim está em um

processo contínuo de melhoramento, no qual há espaço para se construírem formas

efetivas de participação, e para que se possa buscar uma maior garantia de direitos e

decisões menos desiguais. Para isso, outros mecanismos de fortalecimento do

processo democrático se fazem necessários.

Um dos mecanismos inovadores de organização política, considerado

capaz de diminuir as limitações do processo democrático representativo é o

Orçamento Participativo – OP. Este mecanismo permite que o povo possa participar

diretamente da elaboração, destino e monitoramento do orçamento de uma gestão

pública, produzindo um salto qualitativo no processo democrático: a democracia

participativa.

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A experiência exitosa de implantação do OP teve início em 1989, no

governo Olívio Dutra, do Partido dos Trabalhadores – PT, em Porto Alegre. Como os

resultados dessa nova experiência de participação popular mostraram-se positivos,

várias outras cidades brasileiras adotaram o modelo nos anos subsequentes. A cidade

de Fortaleza/CE foi uma delas. No período de 2005 a 2012, correspondente às duas

gestões da prefeita Luizianne Lins, do PT, a população foi convidada a participar

diretamente da elaboração do orçamento municipal.

Souza (2010, p. 338) salienta que o “orçamento público é um dos

instrumentos mais importantes, assim como um dos mais corriqueiros de gestão da

vida econômica das coletividades politicamente organizadas.” Assim, possui um

conteúdo político, uma vez que o que está em jogo é a deliberação sobre os fins, e

não apenas sobre possíveis formas de otimização dos meios. Isto é, trata-se da

gestão dos recursos públicos que deverão ser investidos nas principais necessidades

da população.

A participação popular na elaboração desse instrumento busca, segundo

Souza (2010 p. 342) “repolitizar o orçamento (...) no sentido de um controle direto e

efetivo da administração pela sociedade civil, ao mesmo tempo em que a população

se beneficia político-pedagogicamente”.

Souza (2010 p. 344) afirma ainda que “na sua essência, o orçamento

participativo consiste em uma abertura do aparelho do Estado à possibilidade de a

população participar, diretamente, nas decisões a respeito dos objetivos dos

investimentos públicos”, portanto, o OP é o processo através do qual a população

participa da definição dos valores gastos do orçamento público municipal, incidindo

sobre as decisões acerca da implantação de certas políticas públicas em

determinadas áreas da cidade.

Desta forma, o presente estudo tem como objetivo a análise crítica da

participação popular na elaboração do orçamento da cidade de Fortaleza. Para isso

se buscou compreender como essa participação, proveniente dessa inovadora forma

de processo democrático, contribui para um rearranjo ou espacialização menos

desigual das políticas públicas, mesmo no contexto de uma cidade onde as

desigualdades econômicas e sociais são alarmantes. De forma específica, objetiva-

se: a) identificar os atores do processo de elaboração do OP, suas conquistas e

percalços, b) examinar e georreferenciar as demandas provenientes da participação

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na elaboração do orçamento e que foram executadas pela PMF, e c) investigar se

essas demandas foram destinadas para as áreas mais carentes de equipamentos

sociais.

O interesse na análise deste tema surge da necessidade de saber como

foram implementadas as reivindicações aprovadas, na maior parte das vezes

decorrentes de embates fervorosos durante os congressos e assembleias do OP, ora

entre os próprios participantes, ora entre os participantes e representantes da gestão.

E, se foram de fato implementadas, emergem as seguintes questões:

a) Qual o papel da participação popular na elaboração do orçamento de

Fortaleza?

b) O OP conseguiu ‘empoderar’ os grupos historicamente excluídos dos

processos decisórios?

c) Conseguiu redirecionar recursos e construir equipamentos sociais nas

áreas de menor IDH?

d) Conseguiu deixar marcas espaciais significativas?

e) Essa participação teve importância na luta pelo ‘Direito à Cidade’?

Entendendo aqui, como direito à cidade, o conceito defendido por Lefebvre

(2001), cujo significado é interpretado como o batalhar pelo seu sentido igualitarista,

o de uma cidade para todos, com educação de qualidade, moradia digna, em que os

pobres tenham voz e que tenham poder de decisão sobre como ela será feita e refeita.

A busca por tais respostas tornou possível identificar se o OP pôde inverter

as prioridades no orçamento, forçando o Estado a redistribuir a renda.

E por que estudar esse tema em Geografia? Por concordar com Silva (1992

p. 11), ao afirmar que a “abordagem contemporânea da Geografia como ciência,

busca no espaço seu objeto e na sociedade seu objetivo”. Concordando também com

Santos (2004, p. 163) “quando se admite que o espaço é um fato social, é o mesmo

que recusar sua interpretação fora das relações sociais que o definem”.

Essa relação social, que vem da participação direta da população, gera um

novo tipo de agentes produtores do espaço. A geografia deve avançar nesse campo

de pesquisa como forma de contribuir para o entendimento e quem sabe melhoria dos

mecanismos participativos.

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Ao considerar que a participação popular, por meio do OP, força o Estado

a redistribuir renda e reorienta a sua aplicação, permite supor que:

a) O OP pode inverter as prioridades no orçamento;

b) O OP pode levar recursos para espaços mais carentes;

c) A participação direta do povo pode reorganizar a cidade, com justiça

social.

d) A política de participação afeta positivamente a classe trabalhadora e

retoma parte do poder alienado ao Estado.

Por tanto, é possível que o OP seja uma ferramenta importantíssima no

contexto histórico atual. Estudá-lo, analisar as conquistas e os percalços da

participação é fundamental para o incremento e melhoria desta tecnologia social.

Trilhar os caminhos da(s) geografia(s) política, social e urbana é um

desafio. Por isso, foi necessário um esforço para abordar alguns conceitos que

serviram como pilares para o estudo: Sociedade Civil, Democracia, participação

popular, orçamento participativo, território e espaço urbano. Nenhuma dessas

categorias está dissociada da noção de Estado e de poder, fazendo com que o desafio

ganhasse certos meandros comparáveis a um labirinto.

Afirmar que não há estudos suficientes sobre participação popular na área

de geografia não é o suficiente para justificar uma pesquisa aprofundada do tema. No

entanto, expor o pouco interesse dos geógrafos brasileiros sobre um tema pulsante,

atual e capaz de gerar marcas espaciais em qualquer território, já é um fator a ser

considerado e questionado.

Pesquisar este tema foi um impulso motivador ou um ‘despertador’ de

interesse, mesmo que seja um despertar para as críticas. O estudo justificou-se

também pelo fato de poder explorar aspectos positivos da participação, bem como

apontar seus percalços, podendo servir de modelo para futuras correções do OP como

um processo social.

Talvez a justifica mais contundente – e tem muito a ver com a curiosidade

da pesquisadora – é que desse estudo e do mapeamento das demandas, os

movimentos populares perceberão como se deu a distribuição das suas reivindicações

no espaço urbano.

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O interesse pelo tema se inicia antes mesmo dos estudos acadêmicos da

autora, desde os 14 anos, quando ainda residente na cidade de Mulungu, começou a

participar dos cursos de formação e qualificação em agricultura ecológica e educação

ambiental, direcionados para agricultores e filhos de agricultores do Maciço de

Baturité. Os cursos promovidos pela Fundação Centro de Educação Popular em

Defesa do Meio Ambiente – CEPEMA auxiliaram na formação da associação de

cafeicultores florestais e capacitaram cerca de 200 jovens, para temas como:

cidadania, participação popular, democracia e segurança alimentar.

Depois da capacitação, já aos 16 anos, trabalhou como agente de

agricultura ecológica, visitando os cafeicultores nas cidades de: Mulungu, Aratuba,

Pacoti e Guaramiranga, com o objetivo de auxiliar no manejo adequado do cafezal e

sensibilizar para a participação na associação de cafeicultores. Aos 17 anos, esta

autora começou a militância no movimento ambientalista, participou da fundação do

Partido dos Trabalhadores em Mulungu e se integrou à equipe técnica da Organização

Não-Governamental (ONG) ambientalista, chamada INSTITUTO TERRAZUL. Dos 20

aos 24 anos, fez parte da coordenação da Central de Movimentos Populares – CMP,

representando o movimento juvenil chamado Ecotopia – juventude, socialismo e meio

ambiente, conforme nossas bandeiras de luta. A militância em movimentos populares

sempre foi uma prioridade, desde a adolescência, e influenciou na escolha do curso

acadêmico. A geografia surgiu como o curso que poderia proporcionar o estudo da

sociedade e suas interações com o meio.

A chegada à universidade se deu com uma bagagem ampla de

conhecimento adquirido nas riquíssimas experiências junto ao movimento popular,

mas não continha aporte teórico, leituras aprofundadas, nem nenhuma experiência

com a escrita acadêmica. Aos poucos, esta estudante sente que ainda está se

adaptando ao rigor acadêmico, mas sem jamais se esquecer do valor do

conhecimento empírico.

Enquanto fazia a graduação em geografia, foi servidora pública da

prefeitura de Fortaleza e acompanhou a elaboração do Plano Diretor e também a

conformação do orçamento, ambas de forma participativa. As duas experiências

chamaram a atenção e foi escolhido o OP como objeto de estudo. A monografia

intitulada: “Geografia da participação: análise do processo de elaboração do

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orçamento de Fortaleza 2005 a 2008”, analisou a participação na primeira gestão de

Luizianne Lins e nos motivou a continuar a pesquisa.

A pretensão é que a atual pesquisa possa servir como norteadora para

futuros planos de gestão que levem em conta a efetiva participação popular, e também

manter viva a memória dessa experiência inovadora em Fortaleza.

A investigação aqui desenvolvida se destaca em meio aos demais estudos

feitos do Orçamento Participativo de Fortaleza por três razões: a primeira, por ter uma

abrangência temporal que contempla o funcionamento do OP Fortaleza da sua criação

até o desfecho da gestão. A segunda razão deve-se ao fato de ter vivenciado

inúmeros momentos decisórios dos diferentes ciclos do OP Fortaleza, ocorridos

durante todo o período observado. A terceira justifica-se pelo OP Fortaleza ter sido

analisado sob um enfoque que vai além de um relato dos dados e fatos vividos e

apresenta, de forma georreferenciada, as marcas espaciais deixadas por essa

participação.

1.2 MÉTODO - O CAMINHO

Como caminhar por entre os meandros e atingir o objetivo? Por qual

caminho seguir? De antemão essa pesquisa pretende ser uma contribuição na

organização da luta dos movimentos populares e por isso a escolha do método para

a pesquisa foi o que permitisse um olhar crítico.

Nesse sentido, a pesquisa utilizou a análise regressiva-progressiva onde

Lefebvre reconhece a existência de:

Uma dupla complexidade da realidade social: horizontal e vertical. Trata-se, de uma concepção teórica e metodológica da realidade, onde se identificam, por um lado, as distinções existentes no presente, por intermédio da complexidade horizontal, e, por outro lado, se identificam as diferentes datas das relações no passado, por intermédio da análise da complexidade vertical. E, mais do que isto, desvendam-se, assim, as aparências da realidade. [...] Por intermédio deste instrumento, capaz de identificar no presente as diferentes temporalidades da história, pode-se analisar o real sobrepondo-se à concepção de contemporaneidade das relações sociais. (GODOY, 2010 p. 168)

De acordo com GODOY (2010 p. 184), “esse método aponta a realidade

como rica em possibilidades, as quais podem ser criadas no seio da própria

contradição”. O autor afirma ainda que, a essência do método regressivo-progressivo

é ter o cotidiano como categoria de análise, se detendo no miúdo, no elementar,

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considerando na vida banal o momento do extraordinário, do possível. Martins (2000,

p.57), ao trabalhar com essa interpretação do cotidiano, coloca que “É no pequeno

mundo de todos os dias está também o tempo e o lugar da eficácia das vontades

individuais, daquilo que faz a força da sociedade civil, dos movimentos sociais”.

Segundo Lefebvre (1981), o cotidiano é, de um lado, modalidade de

organização empírica da vida humana e, de outro, um conjunto de representações

que mascaram essa organização, sua contingência e seus riscos. A partir do cotidiano

não generalizamos o domínio do mundial no lugar, pois necessariamente será

considerado o viver (que está no plano social) e o vivido (que está no plano pessoal)

e encontrando nessas relações mútuas a identificação dos indivíduos com sua

história, que é local.

O método lefebvriano, prevê três momentos de investigação: o descritivo,

o analítico-regressivo e o histórico-genético.

O primeiro momento do método – o descritivo – se dá pela observação do

objeto de estudo, com diversas técnicas que possam ajudar na descrição. Martins

(1996 p. 21) afirma que “A complexidade horizontal da vida social pode e deve ser

reconhecida na descrição do visível. Cabe ao pesquisador reconstituir, a partir de um

olhar teoricamente informado, a diversidade das relações sociais, identificando e

descrevendo o que vê”. Não se trata, portanto, da descrição pura e simples dos fatos,

pois isso fatalmente levaria a uma análise parcial do fenômeno.

O segundo momento é o analítico-regressivo, que prevê a análise da

realidade descrita, sem fechá-la totalmente, isto é, deverão ser consideradas as

contradições e as possibilidades. Nessa fase do método, nos diz Martins:

a realidade é analisada, decomposta. É quando o pesquisador deve fazer um esforço para datá-la exatamente. Cada relação social tem sua idade e sua data, cada elemento da cultura material e espiritual também tem a sua data. O que no primeiro momento parecia simultâneo e contemporâneo é descoberto agora como remanescente de época específica. De modo que no vivido se faz de fato a combinação prática de coisas, relações e concepções que de fato não são contemporâneas (MARTINS, 1996 p. 21).

O terceiro momento previsto pelo método é o histórico-genético, fase

também conhecida como regressiva-progressiva, onde se encontra o presente já

descrito, trata-se do momento em que será buscada a gênese das formações dessas

estruturas, apontando um marco geral de transformação sem perder o processo de

conjunto.

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Nesse momento regressivo-progressivo é possível descobrir que as contradições sociais são históricas e não se reduzem a confrontos de interesses entre diferentes categorias sociais. Ao contrário, na concepção lefebvriana de contradição, os desencontros são também desencontros de tempos e, portanto, de possibilidades. Na descoberta da gênese contraditória de relações e concepções que persistem está a descoberta de contradições não resolvidas, de alternativas não consumadas, necessidades insuficientemente atendidas, virtualidade não realizadas. Na gênese dessas contradições está de fato a gestação de virtualidades e possibilidades que ainda não se cumpriram. (MARTINS, 1996 p. 22)

Desenvolver a pesquisa sobre participação popular usando este método é

assumir que o saber tem múltiplas sistema de ideias e que cabe à pesquisa desvendar

o que está escondido na aparência dos fenômenos sociais, particularmente na

experiência cotidiana da vida em sociedade. Vai permitir ainda, identificar problemas

por meio do por quê. As respostas serão buscadas nas contradições e nos conflitos

que estão na estrutura da vida social indo para além das suas manifestações externas.

1.3 PERCURSO METODOLÓGICO: CONSTRUÇÃO DA PESQUISA

Uma construção sólida da pesquisa se faz necessária para se obter uma

melhor abrangência e principalmente compreender os fenômenos sociais a serem

investigados, tanto no caráter específico quanto em sua unidade dialética com o

mundo material e social.

O objetivo geral da pesquisa é: Compreender como a participação popular

na elaboração do Orçamento da cidade de Fortaleza/CE se relaciona com as formas

de produção do espaço urbano. Para isso, foi feito um esforço no percurso

metodológico para alcançar as condições reais em que se deram os processos

participativos.

Os seguintes passos e instrumentos foram utilizados no percurso

metodológico:

A) Pesquisa bibliográfica e definição do referencial teórico

O primeiro procedimento metodológico foi a pesquisa bibliográfica. Foi feita

uma cuidadosa pesquisa sobre o tema da participação popular em diversos materiais

publicados: livros, artigos científicos, dissertações e teses. Através desta pesquisa, foi

possível delimitar alguns conceitos a serem aprofundados.

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Os conceitos escolhidos foram: sociedade civil, participação popular,

democracia, orçamento participativo – todos associados aos conceitos de Estado e

poder. Diversos são os autores que discorrem sobre esses conceitos, no entanto

foram selecionados os que permitissem uma investigação e exposição crítica do

conteúdo.

Para o aprofundamento dos conceitos, autores como: Ana Fani, David

Harvey (2004, 2011), Milton Santos (2004), Hermínia Maricato (1997, 2008) e Henri

Lefebvre (2008a, 1991; 2008b, 1971, 1977, 2001, 2008), são imprescindíveis. Cada

um deles traz um enfoque de discussão que nos auxilia na discussão sobre o direito

à cidade. Sobre o conceito de Estado e poder, os autores de referência são: Paul

Claval, Antônio Gramsci (2000; 2004), Claude Raffestin, Francisco de Oliveira e

Bernardo de Souza. Sobre democracia e participação popular, os autores são:

Boaventura de Sousa Santos, Hannah Arendt, Evelina Dagnino, Domenico Losurdo,

Wellen Wood (2003), Habermas, Tocqueville, Manuel Castells, Marilena Chauí. Sobre

orçamento participativo, foram consultadas teses e dissertações de autores que

pesquisaram o tema tanto em Fortaleza, quanto em outras capitais, como: Luciano

Fedozzi, Marianne Nassuno e Marcelo Lopes de Souza, são nossos norteadores.

Esses autores são requisitados ao longo da pesquisa, em diversos graus e

comparados.

a) Coleta de dados

A coleta de dados esteve atrelada tanto ao objetivo geral, quanto aos

objetivos específicos da pesquisa. O marco temporal são as duas gestões da prefeita

Luizianne Lins, do PT, no período de 2004 a 2012, de antemão, foi dada prioridade as

fontes primárias:

Entrevistas com os atores sociais do processo:

- Sociedade civil (participantes, delegados e conselheiros do OP)

- Gestão (coordenadores do processo, secretários de governo do período)

Para cada grupo foi elaborado um roteiro de entrevista semiestruturado,

com questões abertas, em que foi possível explorar amplamente o tema, bem como

obter o maior número possível de informações, a partir da visão do entrevistado.

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b) Documentos oficiais

A documentação oficial de todo o processo, proveniente da Prefeitura

Municipal de Fortaleza – PMF e também dos movimentos populares, constituem

elementos significativos para análise. São documentos considerados neste estudo:

atas preparatórias do início do processo, material de divulgação e convocação para

assembleias, listas de frequências, demandas apresentadas, registros do processo

de votação, atas das assembleias com as deliberações, registros dos movimentos

populares sobre as deliberações, as Leis Orçamentárias Anuais – LOAs e Leis de

Diretrizes Orçamentárias – LDOs do período, entrevistas feitas pela prefeitura com os

participantes, banco de dados com números oficiais de participação e das demandas.

c) Periódicos

Foram analisados os principais jornais impressos, no recorte temporal da

pesquisa, para compreender como as notícias sobre o processo de elaboração do

orçamento participativo eram difundidas para a população.

d)Teses e dissertações

De fundamental importância foi tomar conhecimento das visões de outros

pesquisadores sobre o objeto de estudo. Por isso, as dissertações e teses acerca do

OP em Fortaleza, e também nas demais capitais brasileiras, servem como

norteadoras do trabalho.

A pesquisa foi dividida em 4 capítulos assim definidos: O primeiro capítulo

é a Introdução, com os objetivos da pesquisa, os motivos que levaram a ter a

participação popular como objeto de estudo, a metodologia e o método adotado para

chegar aos resultados.

O segundo apresenta os conceitos que fundamentam a pesquisa, tais

como: sociedade civil, democracia, participação popular e os principais autores que

discorreram sobre o tema.

No terceiro e quarto capítulos é apresentado o OP desde sua origem até

sua implantação em Fortaleza. É abordada também a participação popular e os limites

do Estado democrático de Direito. Aqui se identificam as lacunas nos mecanismos da

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democracia representativa e o surgimento do orçamento participativo como alternativa

para o aperfeiçoamento da democracia, bem como sua importância na partilha do

poder entre Estado e sociedade. Apresentam-se também as reivindicações populares

na elaboração do orçamento de Fortaleza, as marcas espaciais deixadas pela

participação popular, as conquistas, os percalços e o perfil dos participantes.

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2 REFLEXÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS

2.1 PARTICIPAÇÃO POPULAR COMO OBJETO DE PESQUISA GEOGRÁFICA

A sociedade civil reivindicando, e mais além, opondo-se ao planejamento e à

gestão conservadores é um importantíssimo agente modelador do espaço

urbano, capaz de protagonizar resistência e pressões que abrem caminho

para ganhos de autonomia (...) a sociedade civil não pode ser apenas uma

interlocutora ou uma “parceira” do Estado em matéria de planejamento e

gestão: é preciso que ela geste as suas próprias propostas e, à revelia do

Estado, apesar do Estado e contra o Estado, busque concretizá-las. (SOUZA

2006, p. 273)

Entendendo a participação popular como a influência direta da sociedade

civil em atividades públicas, incumbe a geografia contemporânea examinar com mais

afinco o fundamental papel desta participação na construção de um outro modelo de

cidade menos desigual.

No entanto, faz-se necessário ressaltar a diversidade de significados que

carregam as expressões ‘sociedade civil’ e ‘participação’. Muitas vezes tal

diversidade se expressa em uma intensa contradição, o que ocasiona em

implicações políticas das mais distintas nuances, uma vez que, nenhuma definição é

neutra.

Na verdade, toda definição conceitual é relativa e contingente, ou seja,

um reflexo de um momento histórico, de um ambiente cultural, de uma localização

geográfica, de um status social, de uma personalidade individual e, finalmente, de

um comprometimento político. (SCHOLTE, 2002)

O desafio que se coloca, então, é o de se buscar uma definição crítica de

tais conceitos a fim não só de melhor entender a realidade contemporânea, mas

também de se buscar sua transformação.

2.1.1 Conceito de Sociedade civil

Quanto ao conceito de sociedade civil, atualmente, se destacam quatro

matrizes teóricas: neotocquevilliana, neoliberal, habermasiana, e gramsciana. Para

essa pesquisa, a matriz escolhida é a gramsciana, por permitir uma compreensão

ampliada do objeto de estudo.

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Pode-se por enquanto fixar dois grandes planos superestruturais: o que pode ser chamado de sociedade civil (isto é, o conjunto de organizações chamadas comumente de “privadas”) e o da “sociedade política” ou Estado, que correspondem à função de “hegemonia” que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela de “domínio direto” ou de comando, que se expressa no Estado e no governo “jurídico” (GRAMSCI, 1977 p. 1518).

A Sociedade civil em Gramsci seria formada pelas organizações

responsáveis tanto pela elaboração quanto pela difusão de ideologias como os

sindicatos, partidos, igrejas, meios de comunicação de massa, associações de

bairros, movimentos populares, entre outros. São organizações ligadas à iniciativa

privada que não pertencem à esfera pública. Seriam organismos sociais coletivos

voluntários e relativamente autônomos em face da sociedade.

No entanto, é importante notar que essa distinção entre sociedade civil e

política é considerada como uma ordem metodológica e não orgânica, uma vez que,

na realidade concreta, sociedade civil e Estado se confundem. Contudo, conforme

afirma Coutinho (1982), tal distinção se justifica por duas razões: em primeiro lugar,

porque há uma diferença na função que ambas as esferas exercem na organização

da vida social, na articulação e na reprodução das relações de poder. Embora ambas

sirvam para conservar ou promover uma determinada base econômica, o modo como

se dá tal conservação/promoção varia; no âmbito e através da sociedade civil as

classes buscam exercer sua hegemonia através de direção política e consenso.

Já no tocante à sociedade política as classes exercem uma dominação

mediante a coerção. Isso aponta para a novidade introduzida por Gramsci, a saber, a

concessão de uma base material própria, de um espaço autônomo e específico de

manifestação para a hegemonia enquanto figura social.

Em segundo lugar, tais esferas se distinguem por possuírem uma

materialidade social própria. Enquanto a sociedade política tem seus portadores

materiais nos aparelhos repressivos do Estado, os portadores materiais da sociedade

civil são os “aparelhos privados de hegemonia”. A esfera ideológica ganha assim, nas

sociedades capitalistas avançadas, uma autonomia material em relação ao Estado em

seu sentido restrito.

Para Gramsci, a consciência crítica é obtida através de uma disputa de

hegemonias contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no âmbito político,

culminando, finalmente, numa elaboração superior de uma concepção do real. Por

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isso, ele enfatiza a necessidade de se conceber o desenvolvimento político do

conceito de hegemonia não apenas como progresso político-prático, mas também

Um grande progresso filosófico, já que implica e supõe necessariamente uma unidade intelectual e uma ética adequadas a uma concepção do real que superou o senso comum e tornou-se crítica, mesmo que dentro de limites ainda restritos (Gramsci, 1978a, p. 21).

Em outra passagem afirma que:

A realização de um aparato hegemônico, enquanto cria um novo terreno ideológico, determina uma reforma das consciências e dos métodos de conhecimento, é um fato de conhecimento, um fato filosófico (Gramsci, 1978a, p. 52).

Gramsci acredita que a classe operária não chega a essa consciência

crítica de maneira espontânea, não se torna independente “por si” sem se organizar;

esta organização deve partir “de fora” e remete diretamente à questão política dos

intelectuais. Na medida em que em Gramsci não existe organização sem intelectuais,

estes representam o elemento de ligação teórico-prática, o nexo que liga a estrutura

à superestrutura.

A importância de uma orientação externa ao grupo social se deve à

necessidade de que a nova concepção do mundo não se limite à relação imediata

operário-patrão, mas que possa abranger as relações de todas as classes sociais

entre si e suas relações com o Estado; que proporcione uma visão global da

sociedade e não a experiência imediata do proletariado (Gruppi, 1978, p. 36). Por isso,

Wood (2003 p. 208) afirma que “para Gramsci, o conceito de sociedade civil deveria

ser, uma arma contra o capitalismo, nunca uma acomodação a ele”.

2.1.2 Conceito de participação

É apresentado o significado da participação, segundo três autores,

limitando-o ao âmbito político, ou seja, como intervenção dos agentes sociais nas

atividades públicas.

A noção de Participação em Tocqueville está associada ao processo de

capacitar o cidadão comum para conviver ou mesmo se contrapor ao poder

constituído, que é representado pelo governo centralizado na democracia norte-

americana. Segundo Nassuno (2011 p. 67), Tocqueville, analisa o papel dessa

participação sob duas perspectivas: a primeira trata da vitalidade da sociedade norte-

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americana para formar associações civis e com isso evitar a ocorrência da tirania. A

segunda refere-se ao exercício pelos cidadãos de funções no governo das comunas,

constituindo um poder que pode se contrapor ao poder centralizado.

Para Tocqueville, a cidadania não se esgota no mero exercício do ato de

votar, ao contrário, a cidadania pressupõe um exercício cívico constante, que se

expressa entre outros, na responsabilidade assumida pelos cidadãos na gestão dos

negócios da comuna.

Nessa esfera restrita que está ao seu alcance, ele tenta governar a

sociedade, habitua-se às formas sem as quais a liberdade a liberdade só

procede por meio de revoluções, imbui-se do espírito delas, toma gosto pela

ordem, compreende a harmonia dos poderes e reúne enfim ideias claras e

práticas sobre a natureza de seus deveres, bem como a extensão de seus

direitos (TOCQUEVILLE, 2001, p. 80).

Hannah Arendt (2001) oferece uma contribuição importante para a

identificação dos aspectos específicos que constituem o fenômeno da participação.

Procura recuperar o valor da atividade política naquilo que depende apenas da

presença constante dos indivíduos sem a mediação da coisa, ou seja, das atividades

do labor e do trabalho.

Considera que a participação nos negócios públicos significa mais que a

formação de cidadãos e a criação de condições para a obediência às leis que

possibilitem a vida em comunidade. “O fato de que o homem é capaz de agir significa

que se pode esperar dele o inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente

improvável” (ARENDT, 2001, p. 191)

Habermas dá continuidade à reflexão de Arendt quando leva em

consideração a existência de indivíduos capazes de agir e falar para especificar as

condições nas quais a participação corresponde à racionalidade que lhes é específica.

Trata-se da racionalidade comunicativa, orientada para o entendimento, diversa da

racionalidade estratégica, voltada para o alcance de determinados fins. Ou seja,

Habermas propõe a Teoria da Ação Comunicativa, na qual os sujeitos deliberariam

igualmente em um espaço público, atendendo a algumas condições pragmáticas de

fala para tomar as decisões que orientariam uma sociedade.

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Trata-se de uma obra Teoria do Agir Comunicativo de arquitetura complexa. O objetivo é a formulação de uma teoria orgânica da racionalidade crítica e comunicativa; uma teoria fundada sob a dialética entre agir instrumental e agir comunicativo ou, como ele diz, entre “sistema e mundo da vida”. O sistema está vinculado ao agir instrumental; é o Estado com seu aparato e a sua organização econômica. O mundo da vida está vinculado ao agir comunicativo; é o conjunto de valores que cada um de nós individualmente ou comunitariamente “vive” de maneira imediata, espontânea e natural (OLIVEIRA, 2008, p. 18-19).

Para Habermas, são nos procedimentos da discussão livre e igualitária

onde se pode atingir os potenciais de emancipação, uma vez que os consensos

podem ser falíveis, ou seja, mesmo não chegando a um consenso, é preciso que a

prática comunicativa venha através da máxima liberdade de expressão.

Percebe-se que esses três autores, em relação à participação, têm pontos

em comum, mas avançam distintamente em alguns aspectos, como por exemplo:

Tocqueville ressalta a formação de associações para a realização de atividades

coletivas e exercício das funções de governo. Para Arendt, a participação seria a

expressão da sua singularidade como cidadão através do discurso e, em Habermas,

seria uma comunicação voltada para o entendimento, tendo em vista a formação da

opinião e da vontade que possa influenciar os âmbitos institucionalizados de tomada

de decisão. Para facilitar o entendimento, são apresentadas as convergências,

conforme o pensamento de cada autor sobre a participação (Quadro 1).

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Quadro 1 - Significado da participação como intervenção dos agentes sociais nas atividades públicas segundo diversos autores

Tocqueville Arendt Habermas

Elaboração de leis

Livre expressão de opiniões

Formação de associações civis

Exercício de funções do governo

Distinção como cidadão

Entendimento mútuo

Prestação de serviços públicos

Desenvolvimentos cidadãos

Controle de poder

Fonte: Nassuno, 2011.

Diante do exposto sobre sociedade civil e participação popular cabe uma

interrogação: onde está a geografia, por qual motivo fazer da participação um objeto

de estudo geográfico? Santos (2001, p. 172) ajuda a encontrar respostas quando

afirma que “a práxis, ingrediente fundamental da transformação da natureza humana,

é um dado socioeconômico mas é também tributária das imposições espaciais”

Caillois (1964, p. 58) expõe que “o espaço impõe a cada coisa um conjunto de

relações porque cada coisa ocupa um certo lugar no espaço”. Santos afirma ainda

que:

O espaço é a matéria trabalhada por excelência. Nenhum dos objetos sociais tem tanto domínio sobre o homem, nem está presente de tal forma no cotidiano dos indivíduos. A casa, o lugar de trabalho, os pontos de encontro, os caminhos que unem entre si estes pontos são elementos passivos que condicionam a atividade dos homens e comandam sua prática social (SANTOS, 2001 p. 172).

Entendendo o espaço como “testemunho de um modo de produção”

(Santos, 2001 p. 153) é compreensível entende-lo também como testemunho das

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reivindicações provenientes da participação popular e até indutor dessas

reivindicações. Ou seja, as periferias são ocasionadas por um modo de produção

excludente e são também o lugar de origem da maioria dos movimentos

reivindicatórios e onde a participação tem uma maior expressividade.

Por isso, é salutar para a geografia examinar se o ‘espaço’ induz a

participação e se essa participação por sua vez promove mudanças no espaço. De

forma imediata pode-se até afirmar que sim, porém cabem outras interrogações: que

tipo de participação? Quais reivindicações? Que tipo de mudanças podem surgir? É

a esse ponto que este estudo pretende chegar: fazer da participação um objeto de

estudo geográfico, para entender como se pode fazer uso de tecnologias sociais para

auxiliar na busca constante pelo o direito à cidade.

2.2 DEMOCRACIA: UMA CONQUISTA DA CLASSE TRABALHADORA

O ponto de partida, segundo Dagnino (2002), é a concepção de um “direito

a ter direitos”. Essa concepção não se limita a provisões legais, ao acesso a direitos

definidos previamente ou à efetiva implementação de direitos formais abstratos. Ela

inclui a invenção/criação de novos direitos, que surgem de lutas específicas e de suas

práticas concretas. Nesse sentido, a própria determinação do significado de “direito”

e a afirmação de algum valor ou ideal como um direito são, em si mesmas, objetos de

luta política.

As discussões em torno da democracia desafiam a geografia a participar

mais ativamente do debate sobre ela. Parte-se do suposto que a democracia é uma

forma de governo, este necessariamente implica considerar a sociedade e o território

e, consequentemente, questões como: extensão, distância, escala, população,

densidade, infraestrutura, urbanização, estrutura social, etc. Isso leva à prerrogativa

de que a democracia não pode ser pensada sem considerar a geografia e que a sua

existência ou ausência afeta o cotidiano das sociedades.

Nesse sentido, a própria determinação do significado de “direito” e a

afirmação de algum valor ou ideal como um direito são, em si mesmas, objetos de luta

política. Chauí (2000) ressalta que as ideias de igualdade e liberdade como direitos

civis dos cidadãos vão muito além de sua regulamentação jurídica formal. Significam

que os cidadãos são sujeitos de direitos e que, onde tais direitos não existam nem

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estejam garantidos, tem-se o direito de lutar por eles e exigi-los. É esse o cerne da

democracia.

Segundo Santos (2003) a democracia representativa é uma conquista da

classe trabalhadora, mesmo que apresentada socialmente como concessão que lhes

foi feita pelas classes dominantes. A democracia representativa é, pois, uma

positividade e como tal deve ser apropriada pelo campo social da emancipação. O

autor acrescenta ainda que:

A democracia representativa constitui até agora o máximo de consciência política possível do capitalismo. Este máximo não é uma quantidade fixa, é uma relação social. A complementação ou o aprofundamento da democracia representativa através de outras formas mais complexas de democracia pode conduzir à elasticização e aumento do máximo de consciência possível. (...) essa renovação da teoria democrática assenta, antes de mais, formulação de critérios democráticos de participação política que não confinem esta ao ato de votar. Implica, pois, uma articulação entre democracia representativa e democracia participativa (SANTOS, 2003, p. 179).

Concordando com Losurdo (2004), ao afirmar que a democracia como hoje

a entendemos faz parte, em qualquer caso, o sufrágio universal, cujo advento foi por

muito tempo impossibilitado por cláusulas de exclusão, ou seja, uma grande maioria

não tinha direito a voto.

O autor desmitifica a tese dominante que quer fazer crer que a democracia

e livre mercado se identificam. Pelo contrário, a democracia, como é conhecida hoje,

só foi possível por conta da luta dos segmentos historicamente excluídos pelo direito

a participar. Assim sendo, o entendimento é que a democracia existe apesar do livre

comércio e não por conta dele.

Wood (2010) já denota, desde o título de seu livro, o objetivo da

democracia: Democracia contra o capitalismo, obra em que se revela a defesa da

democracia como mecanismo econômico, e que se sugere ainda que a “democracia

precisa ser repensada não apenas como categoria política, mas também como

categoria econômica (...) um mecanismo regulador econômico, um mecanismo

acionador da economia”.

O desafio da democracia, segundo Wood (2010) é o governo do povo e

pelo o povo, e esta ideia se exclui na prática e se fragiliza, diante do capitalismo, que

em sua essência é incompatível com a democracia. Não existe um capitalismo

governado pelo poder popular, nem há capitalismo em que a vontade do povo tenha

precedência sobre os imperativos do lucro e da acumulação. Tampouco há

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capitalismo em que as exigências de maximação dos lucros não definam as condições

mais básicas da vida.

Por isso, para Wood (2010) pensar a democracia também como uma

categoria econômica é uma possibilidade de desvelar a tendência oculta da relação

de exploração e de dominação existente na sociedade. Sob a égide da própria

democracia. Esta separação entre o político e o econômico talvez seja o mecanismo

mais eficiente de defesa do capitalismo, de ocultar a essência da democracia de um

governo de classes.

2.2.1 Democracia Participativa: partilha do poder entre Estado e sociedade civil

A democracia representativa não consegue sozinha responder às

necessidades da sociedade. É preciso investir em outras formas de democracia e,

entre elas, está a participação popular. Souza (2006 p.186) afirma que para

“convencer os céticos é preciso demonstrar que, embora difícil, a participação popular

consistente é possível e, em vários sentidos, compensadora” o autor afirma ainda que:

A introdução de elementos de democracia direta pode ser extremamente relevante, de um ponto de vista político-pedagógico, como estimula a prática política ao aprofundamento de uma consciência de direitos, para além dos eventuais benefícios materiais/redistributivos de curto e médio prazos, desde que essa introdução seja feita de maneira realmente ousada e consistente. Sob tais circunstâncias, mesmo um eventual término ou declínio de experiência participativa não impedirá que se herdem úteis ensinamentos que a lembrança da trajetória e dos acertos permaneça como uma referência

positiva na memória das lutas populares. (SOUZA, 2006, p. 186)

Castells1, afirma que quando os cidadãos percebem que não estão

satisfeitos com as alternativas que existem, cria-se uma insatisfação. Então, rompe-

se a confiança básica entre os cidadãos e aqueles que os deveriam representar. Esse

desencontro entre o que as pessoas pensam e seus representantes significa que os

representantes da democracia caminham para um lado, enquanto o sentimento dos

representados vai por outro. Castells afirma que há algo mais importante: É a criação

de novas formas de democracia, a partir dos processos de debates em curso. O mais

importante, segundo o autor, não é o que se propõe, mas como se propõe. Não é

tanto o que se faz, mas como se faz. Pois é aí que está a questão.

1 CASTELLS, Manuel. Diálogo com acampados em Barcelona. Disponível em:

<htt://outraspalavas.net>. Acesso em: 25 ago.2016.

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Uma democracia futura não sairá de documentos, por mais completos e

bem formulados que sejam. Sairá de práticas coletivas, que vão experimentando

novos mecanismos de deliberação, representação e decisão. O autor acrescenta que

slogan mais difundido por quem se encontra indignado, é: “vamos devagar, porque

vamos longe”. Vamos longe para onde? Se uma mudança se produz na mente dos

cidadãos, depois de algum tempo ela se converterá em mudança social.

Castells (2016) aposta em saídas políticas provenientes da união das

pessoas, conforme disse em uma entrevista, quando foi interrogado se alimentava

esperanças em mudanças significativas na sociedade:

Sempre – mas só porque os movimentos têm esperança. (...) indignação e esperança, são os dois sentimentos que existem no movimento. A indignação foi fundamental para superar o medo, porque o medo é a emoção que todas as sociedades impõem para não mudar nada. As pessoas têm medo de que, se fizerem algo que não está dentro das normas do sistema, no mínimo perdem o emprego. Como se supera o medo? As próprias experiências neurocientíficas mostram que é com a indignação. Quando se sente muito indignado, você não se importa com o que pode acontecer. Isso já se deu. Mas se não se transforma em um sentimento positivo, se a indignação é pura raiva, isso leva a um enfrentamento. Qual é o sentimento positivo? A esperança. A esperança de que algo irá mudar. Como se constrói a esperança? Quando as pessoas se juntam (CASTELLS, 2016)

Segundo Milani (2005), o fomento à participação de diversos atores em

sentido abrangente e a criação de uma rede de informação, elaboração,

implementação e avaliação das decisões políticas tornou-se paradigma de inúmeros

projetos de desenvolvimento local (auto)qualificados de inovadores e de políticas

públicas (auto)consideradas progressistas.

Para Albuquerque (2005), a participação democrática nas decisões e ações

que definem os rumos da sociedade brasileira tem sido conquistada pela própria

sociedade. Ao longo da década de 1990, torna-se cada vez mais clara, para os

movimentos sociais, a reivindicação de participar na redefinição de direitos e gestão

da sociedade.

Essa proposição e ativação da sociedade civil se opera por meio da participação, que, em meu entender, deve ser vista como instrumento de política pública visando alterar métodos autoritários, elitistas e tradicionais de gestão pública. Serve também para orientar boas práticas de educação popular, pelo exercício do controle social, e criar espaços de interlocução, consensos e pactuação, que definem os rumos e orientações e invertem prioridades nas políticas públicas (GADELHA, 2010, p. 39).

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Segundo Chauí (2000) as lutas populares por participação política

ampliaram os direitos políticos (civis) e, a partir destes, criaram os direitos sociais -

trabalho, moradia, saúde, transporte, educação, lazer, cultura -, os direitos das

chamadas ‘minorias’ - mulheres, idosos, negros, homossexuais, crianças, índios - e o

direito à segurança planetária -, as lutas ecológicas e contra as armas nucleares.

Conforme o entendimento de Harvey, Engels conceitua o Estado da

seguinte forma:

Assim, o Estado não é, de modo algum, um poder, de fora, imposto sobre a sociedade; assim como não é “a realidade da ideia moral”, “a imagem e a realidade da razão”, como sustenta Hegel. Em vez disso, o Estado é o produto da sociedade num estágio específico de seu desenvolvimento; é o reconhecimento de que essa sociedade se envolveu numa autocontradição insolúvel, e está rachada em antagonismos irreconciliáveis, incapazes de ser exorcizados. No entanto para que esses antagonismos não destruam as classes com interesses econômicos conflitantes e a sociedade, um poder aparentemente situado acima da sociedade, tornou-se necessário para moderar o conflito e mantê-lo nos limites da “ordem”; e esse poder, nascido da sociedade, mas se colocando acima dela e, progressivamente, alienando-se dela, é o Estado (HARVEY, 2005, p. 79-80).

Dessa forma, no Estado combina-se então um duplo aspecto: seu papel de

instância de defesa da ordem social, encarnada nos seus aparelhos repressivos

(“governo sobre as pessoas”); e como instrumento do “poder público”, ao qual se

obriga para assumir a aparência universalista que pretende exercer (“administração

das coisas”). Para suprimir essa contradição, eliminando o “governo sobre as

pessoas” e instaurando a plena e democrática “administração das coisas”, não basta

“tomar” ou “ocupar” o Estado. É preciso quebrar a máquina de repressão.

Hermínia Maricato (1997) entende o planejamento enquanto competência

do Estado, e este, enquanto expressão das classes dominantes, o que gera a

impossibilidade de um planejamento democrático e igualitário. Por isso, a

participação, nesse novo contexto, vem garantir, como afirma Dagnino (2002), a

“partilha efetiva do poder” entre Estado e sociedade civil. Entendendo, como afirma

Santos (2003), que o Estado assume agora um papel de “novíssimo movimento

social”, uma vez que está ainda mais diretamente comprometido com os critérios de

redistribuição e, portanto, com os critérios de inclusão e exclusão. Então, ao forçá-lo

à prática de uma democracia redistributiva, o monopólio do Estado como coordenador

e regulador de recursos deixa de existir quando se assumem mecanismos de

participação popular, como é o caso do Orçamento Participativo.

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3 O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO: NOVA FORMA DE RELAÇÃO ENTRE SOCIEDADE CIVIL E ESTADO

O Brasil apesar de ainda ser um país que apresenta profundas injustiças,

obteve avanços nas últimas décadas no caminho da garantia e aperfeiçoamento da

jovem democracia. Entre esses avanços está, certamente, a criação de um modelo

de gestão democrática que aproxima cada vez mais o cidadão do poder de decisão.

Estamos falando do Orçamento Participativo, uma tecnologia social genuinamente

brasileira. Segundo Lima e Pini (2014, p. 07) tecnologia social é:

um conceito amplo e pode compreender tanto produtos e técnicas como metodologias reaplicáveis, desenvolvidas em interação com a comunidade e que reapresentam propostas efetivas de transformação social. Ela pressupõe a participação dos sujeitos beneficiados pelo projeto ou produto desde a sua organização e implementação até a sua avaliação final. As tecnologias sociais buscam o desenvolvimento autônomo das comunidades em suas diferentes demandas: alimentação, habitação, renda, educação, energia, saneamento, saúde, meio ambiente, fazendo dialogar o saber técnico-científico com o saber popular. Nesse conceito amplo de tecnologia social, podemos enquadrar, perfeitamente, o Orçamento Participativo (LIMA; PINI, 2014, p. 7).

O Orçamento Participativo aponta para um direito humano fundamental,

que é o direito do cidadão participar de tudo o que lhe diz respeito, e, certamente, a

gestão da cidade lhe diz respeito diretamente, pois mexe com todos os seus direitos.

No entanto, essa tecnologia social, não surgiu do nada, é preciso investigar o contexto

histórico de sua origem.

3.1 A REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL E O DIREITO À PARTICIPAÇÃO

POPULAR

Com o fim da ditadura militar, o país começa a experimentar a partir da

década de 1980 um processo de redemocratização, expondo intensas inovações no

campo político-institucional. O processo de redemocratização, mesmo que eivado por

intensos conflitos, trouxe também em seu bojo importantes modificações nas

modalidades de gestão pública. Conforme as autoras Lima e Pini (2014 p. 76).

A escolha de se formar um partido dos trabalhadores se deu num contexto de luta em que a ditadura era o primeiro inimigo, um adversário que cristalizava no movimento pela redemocratização uma unidade política capaz

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de solapar muitas diferenças, que, até então, eram bastante latentes. Lima e

Pini (2014 p. 76).

O conjunto de interesses que levaram à composição do PT e que

engendrou também a Central Única dos Trabalhadores – CUT e do Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST; materializou-se numa forma política

conhecida como “campo democrático e popular”. a unidade contra a ditadura e seus

métodos conformou o campo democrático que lutava pelo retorno do Brasil à

democracia. O “campo democrático e popular” incorporou a crítica às práticas

“autoritárias” do socialismo real.

A proposta petista incorporou uma vertente socialista, mas profundamente

democrática. No programa de governo defendido pelo candidato Luiz Inácio Lula da

Silva, em 1989, evidencia-se o objetivo do seu governo: “Para a classe trabalhadora,

para o povo, a democracia é um objetivo central. É um pré-requisito para a conquista

de uma sociedade justa, equilibrada e solidária”2.

O maior desafio que se propôs o partido para organizar os trabalhadores

foi o de construir um programa político cujas medidas atendessem às perspectivas da

classe trabalhadora, em seus diversos segmentos. “O PT não surge apenas para

defender os interesses e as reivindicações dos trabalhadores, veio para lutar pelo

poder. E não se constrói um partido sem um programa, e não se chega ao poder sem

força social e política” (GADOTTI, 1989, p.11).

O PT se constitui como parte e expressão da união das forças sociais que

eclodiram na década de 1970, caracterizadas principalmente pela imprescindível

necessidade da participação política dos “oprimidos”, em alusão a Paulo Freire (2005),

no cenário político da sociedade brasileira. É somente em 11 de fevereiro 1982, dois

anos após sua fundação, que o partido é reconhecido oficialmente pelo Tribunal

Superior da Justiça Federal. Entre 1983 e 1984, já oficialmente legitimado enquanto

organização política partidária, o PT participou do movimento pelas Diretas Já – cuja

bandeira de luta eram as eleições presidenciais. Também participou da Assembleia

Nacional Constituinte, que mais tarde culminaria na Constituição Federal de 1988.

A Constituição de 1988, chamada também de constituição cidadã, tendo

como balizas, as conquistas no plano dos direitos sociais, inovou ao apresentar

2 Programa de Governo Lula Presidente (1989). Disponível em: <http://www.

fpabramo.org.br/uploads/osocialismopetista>. Acesso em: 19 out. 2016.

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avanços no que diz respeito ao direito à participação social e estabeleceu que a

gestão das políticas sociais deveria ter, necessariamente, um caráter descentralizado

e participativo.

Avanços importantes e positivos foram possíveis graças à Constituição de

1988, porém, ao se pensar em políticas públicas de participação social muitos

desafios, conforme apontados por Lima e Pini (2014), precisam ser descortinados.

O primeiro desafio é fazer com que a participação popular seja vista como um direito, como um processo de conquista da sociedade. O segundo desafio é romper com a fragmentação dos processos e espaços de participação popular, promovendo um exercício de intersetorialidade. Terceiro, ampliar a participação popular nos debates a respeito de questões ligadas à política econômica e à infraestrutura de grande impacto. O quarto desafio é ampliar e articular as práticas de participação e controle social em âmbito nacional. Pensar a sustentabilidade dos processos participativos é o quinto desafio, com propostas de financiamento, formação, transparência e comunicação. O sexto desafio está em incorporar as novas formas de linguagem e interação da cultura da internet na democracia participativa. O sétimo desafio é promover uma reforma política que garanta novos modelos de representação política, mais voltados à participação popular (LIMA; PINI, 2014 p. 60).

Essa demanda por participação foi canalizada no interior do sistema

político pela teoria e prática dos governos do Partido dos Trabalhadores, que logo que

venceram algumas eleições e assumiram suas primeiras administrações públicas,

começaram a encaminhar mudanças no modelo dominante de gestão de políticas

públicas, dando ênfase à participação popular.

Por isso, ao analisar a origem da proposta do orçamento participativo, é

importante ressaltar suas raízes comuns relacionadas ao chamado “modo petista de

governar”. Apresenta-se o OP como uma criação petista, surgida nas circunstâncias

da formação do partido e das características marcantes da conjuntura no final dos

anos 1980”.

3.2 O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO: AS NOVAS RELAÇÕES DE PODER E APERFEIÇOAMENTO DA DEMOCRACIA

Concordando com Raffestin (1993 p. 53) quando afirma que “toda relação

é um ponto de surgimento de poder, e isso fundamenta a sua multidimensionalidade”.

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Pode-se afirmar que o OP proporciona não só esse novo ponto de poder,

como também favorece uma nova relação entre sociedade civil e Estado. E, que,

ainda segundo o autor:

O território não é menos indispensável, uma vez que é a cena do poder e o lugar de todas as relações, mas sem a população, ele se resume a apenas uma potencialidade, um dado estático a organizar e a integrar numa estratégia (RAFFESTIN, 1993, p. 58).

Para o autor o território, antes de qualquer outra coisa, é relação social, é

conflitualidade geograficizada é a expressão concreta e abstrata do espaço

apropriado, produzido. É formado, em sua multidimensionalidade, pelos atores sociais

que o (re)definem constantemente em suas cotidianidades, num “campo de forças”

relacionalmente emaranhado por poderes nas mais variadas intensidades e ritmos.

Sendo assim, o OP seria também mais um instrumento de redefinição do espaço e

consequentemente do território.

Afirma Raffestin (1993, p. 58), “será fácil compreender porque colocamos

a população em primeiro lugar: simplesmente porque ela está na origem de todo o

poder”. O poder, já que presente em todas as fissuras do corpo social, em todo

sistema de relações e de representações (objetivas e subjetivas) da realidade, torna-

se um elemento indissolúvel do território, concomitantemente, um a priori e um a

posteriori de todo sistema territorial. Nesta passagem, o autor estabelece um papel

central à população como elemento constitutivo do território, em sua perpétua

dinamicidade de inter-relações e imanências de poderes.

Organizando melhor o entendimento, pode-se afirmar que o OP pode

cumprir algumas funções primordiais: a) redefinição do espaço e consequentemente

do território; b) favorecer uma nova relação entre sociedade civil e o Estado e c)

proporcionar uma nova relação de poder.

A prática orçamentária no Brasil mostra que esse instrumento, fundamental

para a gestão sócio-estatal, não tem sido levado devidamente a sério nos

cumprimentos de suas finalidades básicas. Ao contrário, o orçamento público é um

reflexo fiel das práticas que presidem o modelo patrimonialista de gestão do Estado

brasileiro. Ele representa segundo Fedozzi (1999 p. 109) “tanto uma peça de ficção

(...) como um privilegiado instrumento de acesso ao clientelismo aos recursos

públicos, que ocorre na forma de barganha”.

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Isso por que o orçamento é o principal instrumento que pode possibilitar um

determinado controle das atividades públicas, é um instrumento de importância

fundamental para a gestão sócio-estatal e pode ser considerado como o núcleo duro

do processo de planejamento governamental, fazendo parte das decisões políticas

fundamentais de qualquer gestão.

O que ocorre em geral é o total desconhecimento por parte do povo, do que

é, e de como funciona o orçamento. Aqueles que não têm o privilégio e nem a

intimidade com os círculos de poder governamentais ou não entendem do assunto ou

acabam por não ter possibilidades de acessar esse instrumento, não tendo como

cobrar transparência. Assim o orçamento segue como uma peça técnica à mercê do

usufruto de quem está no governo, e segue alheia ao conhecimento de quem mais

interessa: o povo.

Elaborar o orçamento de forma participativa objetiva, principalmente, a

democratizar o Estado, na sua dimensão local, e na intenção de poder democratizá-

lo também nas esferas estadual e federal. Democratização que significa a luta para

desconcentrar a riqueza e descentralizar o poder, capacitando as pessoas como

sujeitos, e não objetos da política.

O orçamento participativo é uma importante inovação na gestão pública,

que se caracteriza como uma das alternativas para o aperfeiçoamento da jovem

democracia brasileira. Uma vez que uma sociedade que quer avançar deve ter como

foco ampliar a cidadania, deve combater a falácia da proclamação de direitos, como

se dá usualmente, por exemplo, democracia formal, mas sem permitir sua oferta a

todos e todas. Esta sociedade deve enfrentar os desafios e garantir a participação

cidadã como um direito humano e não só tão somente um direito constitucional.

Boaventura Sousa Santos (1998) pensa o OP como estrutura e processo

de participação dos cidadãos na tomada de decisão sobre os investimentos públicos

municipais, assentado em três princípios:

A. Participação aberta dos cidadãos, sem discriminação positiva atribuída às

organizações comunitárias;

B. Articulação entre democracia representativa e direta, que confere aos

participantes um papel essencial na definição das regras do processo;

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C. Definição das prioridades de investimento público processada de acordo com

critérios técnicos, financeiros e outros de carácter mais geral, que se prendem,

sobretudo, com as necessidades sentidas pelas pessoas.

De acordo com o grupo de trabalho sobre “Democracia Participativa e

Orçamentos Participativos”3 entendeu-se que o OP, concebido como um instrumento

de aprofundamento da democracia, deve ter as seguintes características:

A. auto-regulamentado, vinculante, com eleição de delegados, com

espaços deliberativos, que promova a democracia direta (um

homem, uma mulher, um voto), com sistema de monitorização que

permita o controle dos participantes sobre o aprovado e o

executado;

B. com prestação de contas, direcionado para promover a inclusão e

suprimir as desigualdades, que favoreça a formação e a apropriação

do processo por parte dos cidadãos e cidadãs, que coloque a

estrutura autárquica a serviço do processo.

Yves Sintomer (2007) propõe uma definição metodológica do OP com base

em cinco critérios:

A. O OP deve contemplar um debate explícito da dimensão financeira

e orçamental;

B. O OP necessita de ser organizado ao nível das estruturas de

governo local (municipal ou freguesia);

C. Tem de ser um processo continuado e repetido no tempo;

3 A declaração foi o resultado dos trabalhos realizados durante os dias 28, 29, 30 e 31 de março de

2007, em Málaga, durante a Jornada Internacional sobre Orçamento Participativo, o qual constituiu o Grupo de Trabalho sobre “Democracia Participativa e Orçamentos Participativos”.

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D. Tem que incluir alguma forma de deliberação pública sobre a

componente orçamental;

E. Tem que promover publicamente a prestação de contas relativa aos

resultados do processo.

Apesar do Brasil ter “vivenciado experiências” de democracia participativa

por meio de mecanismos constitucionais, é necessário afirmar que ela não é algo

acabado. Ao contrário: a democracia na sociedade brasileira é um processo

circunscrito a dinâmicas de retrocessos e avanços. E, por isso, a democracia

participativa é uma construção permanente, que envolve vários sujeitos, com

diferentes projetos políticos e interesses antagônicos.

Historicamente, as classes dominantes sempre estiveram à frente do

cenário político da sociedade brasileira, tendo o Estado como legitimador de seu

domínio. Tal fato, articulado com outras determinações que constituem a totalidade

das relações sociais, contribuiu para a construção de uma cultura política marcada

pela dominação, marginalização e exclusão da maioria da população, formada por

trabalhadores(as), das decisões políticas do país. As lutas entre as classes ocorrem

sob as determinações históricas da totalidade social, entretanto, elas não estão

determinadas. O mundo, como dizia Paulo Freire, “não é, ele está sendo”.

É nesse sentido que se pode elencar o OP como uma alternativa para o

aperfeiçoamento da democracia. Ele é um programa estratégico, de estado, portanto,

de longo prazo. Essa tecnologia social tem um componente educativo e utópico

fundamental. Não se pode pensar numa proposta como a do OP apenas em termos

de definição de prioridades orçamentárias. Discutir orçamento é também discutir o

futuro, discutir como intervir no governo das coisas, no rumo, no “mundo como

possibilidade”, como dizia Paulo Freire, e não como fatalidade.

3.3 IMPLANTAÇÃO E EXPERIÊNCIAS DO OP NO BRASIL E NO MUNDO

No período de 1975 a 1986 se desenvolveram as primeiras experiências

brasileiras de Orçamento Participativo, contemplando os municípios de Piracicaba

(SP), Lajes (SC), Campinas (SP), Vila Velha (ES), Boa Esperança (ES), Rio Branco

(AC), Toledo (PR), Prudente de Morais (MG), Juiz de Fora (MG) e Pelotas (RS). Estas

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iniciativas, ao mesmo tempo em que atenderam a um objetivo específico – a

participação social na elaboração dos orçamentos locais – serviram de impulso ao

exercício da democracia participativa, sob outras formas.

Uma leitura histórica da emergência e disseminação do OP identificou seus

maiores êxitos, por Cabannes e Baierle, (2004); Cabannes, (2008) sistematizou este

conhecimento em quatro grandes fases:

Fase I: experimentações (1989-1997), marcada pelas experiências no

Brasil (Porto Alegre e Santo André) e Uruguai (Montevidéu);

Fase II: massificação brasileira (1997-2000), segundo a rede de orçamento

participativos4 mais de 300 municípios brasileiros adotaram o OP, sendo 14

experiências na região Norte do país, 79 no Nordeste, nove no Centro-Oeste, 100 na

região Sul e, no Sudeste, somaram-se 151 experiências de OP’s implantados. Cada

uma dessas realizações teve variações pontuais;

Fase III: (2000 em diante) expansão fora do Brasil e diversificação,

numerosas cidades passam a desenvolver experiências de OP, geralmente

adaptando modelos já existentes;

Fase IV: construção de redes nacionais e internacionais de OP.

Segundo Yves Cabannes e Sergio Baierle (2004 p. 44-62) é possível

diferenciar as experiências de OP com base em 4 grandes dimensões: Orçamental

(ou financeira), Participativa, Normativa e Jurídica, Territorial/Setorial.

Nas diferentes experiências de OP existentes é possível identificar também

três grandes tendências na forma como se entende e processa a participação cidadã:

a) Sistema de participação individual – modelo de participação individual e direta das

pessoas, sem ser através de representantes de estruturas comunitárias, sindicais ou

outras. O número de participantes nas reuniões públicas (comunitárias ou temáticas)

varia de ano para ano, verificando-se mesmo uma grande rotatividade de pessoas

nestes processos. As taxas de participação situam-se entre 2% e 7% da população

total de cada território. b) Sistema de representação comunitária – modelo de

participação indireta, através de representantes das organizações comunitárias,

sindicais e outras. c) Sistema misto – modelo de participação que associa os dois

4 Pesquisa realizada pela rede de orçamento participativos denominada ‘pesquisa OPQUANTI’ que

teve como objetivo quantificar as experiências de orçamento participativo no território brasileiro.

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anteriores, abrindo o processo do OP às organizações comunitárias, mas mantendo

a consulta pública a quem interessar.

Na (Figura 1) conforme dados da rede brasileira de OP, pode ser verificado,

partindo da primeira experiência exitosa que foi o OP de Porto Alegre, o alcance das

iniciativas de orçamentos participativos em cidades de outros países.

Figura 1 – Países com experiências de orçamento participativos

Fonte: Rede brasileira de OP, 2016. Adaptado pela autora

Em cada país a implantação do OP chegou a diversas cidades, desde

grande porte a médio porte. No (Quadro 2) são apresentados os países e cidades

onde foram implantados os orçamentos participativos:

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Quadro 2 – Países e cidades com o orçamento participativo implantado

País Cidades

Brasil Recife, Belém, Belo Horizonte, Campinas, Alvorada, Pelotas, Gravataí, Fortaleza,

Canoas, Timóteo, Viamão, Santa Maria, Mauá, Barra Mansa, Santos, Betim,

Governador Valadares, Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, etc.

El Salvador Micro-região de Juayúa, Nejapa, Alegría

Colômbia Marsella, Puerto Asis, Versalles, Pasto

Equador Cotacachi, Cuenca, Esmeraldas, Pedro Moncayo e Colta, Nabón

Argentina Buenos Aires, Rosário, La Plata, Trelew, Malargue, Villa Maria, Viamonte

Peru O OP está previsto na Constituição da República, passando a ser uma política de

Estado de caráter obrigatório

Bolívia Uncía, Ciudad de El Alto (La Paz), Pintada

Chile Associação de Municípios da Província de Arauco

Costa Rica Escazu

México: Cidade do México (Delegação Cuauhtémoc)

República

Dominicana

O OP foi decretado como lei nacional em 2007

Canadá Guelph, Toronto Community Housing Corporation, Montreal

EUA 49ª Seção Administrativa de Chicago

China Chengdu

Senegal Matam

Cabo Verde Santa Cruz, Mosteiros, S. Miguel, Paul

Inglaterra Salford

Bélgica Mons

França Saint-Denis, Bobigny, Morsang sur Orge

Itália Região de Lazio, Pieve Emanuele, Grottomare

Alemanha Rheinstetten, Lichtenberg (Berlim)

Espanha Albacete, Getafe, San Sebastian, Pilar de la Horadada, Algete, Sant Joan

Dalacant, Puerto Genil, Rubi, Córdoba e Sevilha

Portugal Alcochete, Alvito, Avis, Aljustrel, Batalha, Braga, Castelo de Vide, Castro Verde,

Faro, Lisboa, Marvão, Palmela, Santiago do Cacém, São Brás de Alportel, Serpa,

Sesimbra, Tomar, Vila Real de Santo António (Concelhos), Agualva - Sintra,

Carnide – Lisboa, Castelo – Sesimbra, São Sebastião – Setúbal (Freguesias),

Cascais

Fonte: Dados da rede brasileira de OP, 2017.

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3.3.1 As cidades precursoras da experiência do OP no Ceará

Neste item, a pretensão é apresentar a singularidade das outras

experiências pioneiras no Ceará, mas sem fazer uma análise amiúde, visto que o

objetivo principal é o OP Fortaleza. No entanto, trazer um pouco das ricas experiências

advindas das cidades do interior, é fundamental para contextualizar a experiência da

capital.

As cidades de Icapuí e Sobral tiveram experiências distintas, desde a sua

concepção ao momento em que foi implantando. Houve também experiências em

outros municípios cearenses, como é o caso de Quixadá e Caucaia.

3.3.1.1 Icapuí

No Ceará a primeira experiência de orçamento participativo aconteceu no

município de Icapuí em julho de 19975, depois do Centro de Estudos, Articulação e

Referência sobre Assentamentos Humanos (ONG CEARAH) propor ao município

que sediasse um curso Norte-Nordeste sobre Orçamento Participativo.

O município aceitou. Sete pessoas da Prefeitura de Icapuí fizeram o curso e o então prefeito Francisco José Teixeira6, ou Dedé Teixeira, do PT, implementou institucionalmente a ideia. O município recebeu, em consequência do Orçamento Participativo de Icapuí o Prêmio “Melhores Prefeitos do Ceará” em 2002, único município cearense consagrado em quinze edições. Além da conquista do Selo UNICEF, 2ª edição. O Orçamento Participativo de Icapuí funcionou a partir de reuniões nas comunidades organizadas pelos representantes da Prefeitura e pelos delegados do OP das respectivas comunidades. Eles compunham o chamado Fórum do OP. Icapuí, administrativamente, foi dividida em cinco regiões para operacionalização do OP Icapuí. Após cada reunião local, onde era feita a prestação de contas da Prefeitura e também a definição da prioridade de onde o recurso público seria investido, os delegados iam para a plenária regional e, posteriormente, para a Assembleia Geral, votar a aprovação do orçamento municipal para o ano seguinte (MOREIRA, 2015 p. 98).

Na época da implantação do OP, Icapuí possuía uma população de 16.343

pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. De acordo

5 As informações sobre o Orçamento Participativo em Icapuí foram extraídas da Tese de mestrado:

MORAES, Ana Cristina de. “Os Desejos de Participar no Processo do Orçamento Participativo em Icapuí – CE: Um Olhar Sócio-poético.” UFC - T 323 042 098 131 M 818d.

6 Em 1982, engajou-se no movimento de emancipação política de Icapuí, o que ocorreu em 1984. Formado pela Escola de Governantes do Ceará, Dedé Teixeira exerceu o cargo de Secretário de Comunicação e Turismo em 1987, na Prefeitura de Icapuí, tendo sido eleito prefeito do município em 1988, voltando ao cargo em outras duas gestões (1997-2000 e 2001-2004).

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com o relatório do município sobre o Orçamento Participativo 2001-2002,

participaram 1.160 pessoas, o que correspondeu a 14% de participação da população

na época. Deste total foram eleitos 116 delegados (representantes do Fórum do OP)

distribuídos pelas comunidades

O cálculo para a escolha de delegados em relação aos participantes era

de 10%. Ou seja, o número de delegados por região variava conforme a quantidade

de participantes respectivamente. Logo, o critério para gerar o percentual de

representatividade por cada uma das cinco regiões da cidade no Conselho era

exclusivamente quantitativo.

No OP Icapuí, cada comunidade possuía percentual de recursos

financeiros disponível para ser utilizado na execução da proposta do OP e este

percentual era definido tendo por base dois critérios: 1. Novamente o número de

habitantes por comunidade e 2. A maior carência de infraestrutura e serviços

As plenárias temáticas seguiam os seguintes eixos: Saúde; Educação e

Cultura; Habitação; Gênero; Dia Feliz; Obras, Turismo e Desenvolvimento;

Juventude e Melhor Idade. Segundo o relatório do OP de 2001, elaborado pela

Prefeitura, as críticas mais frequentes feitas pelos participantes desse processo

político eram: a) pouco recurso para atender às demandas; b) algumas demandas

não realizadas e deficiência na fiscalização; e c) transparência durante a execução

das obras.

O OP Icapuí desenvolveu o programa “Dia Feliz”, como forma de envolver as

crianças e adolescentes. Eles também escolhiam delegados que compunham o Conselho

Infantojuvenil, onde propostas do seu interesse eram discutidas para serem apresentadas

à Prefeitura. Contudo, o Conselho Infantojuvenil não tinha representação dentro do

Fórum do OP, que era o órgão deliberativo maior e que formava a Assembleia Geral para

a definição das demandas.

O OP de Icapuí foi interrompido em 2005 com a saída de Dedé Teixeira, após vinte anos de administração petista. O Partido dos Trabalhadores

esteve à frente do Executivo desde a emancipação daquele município, em 1984. O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) venceu as eleições de 2004 com a escolha de José Edilson da Silva. Contudo, José Edilson da Silva, após ser reeleito, teve, em setembro de 2011, seu mandato cassado a partir de ação movida por Dedé Teixeira. O PT volta à prefeitura em novembro de 2011 e retoma o Orçamento Participativo de Icapuí ainda no final de 20127 (MOREIRA, 2015 p. 99).

7 Ver notícia em sít io vir tual da região de Icapuí . Disponível em:

<http://peixegordonews.blogspot.com.br> Acesso em 12 jan. 2017.

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A política orçamentária participativa em Icapuí, segundo Moreira (2015)

caracteriza-se como uma política do tipo top-down8, esteve dependente da iniciativa

vinda do Partido dos Trabalhadores quando à frente da gestão municipal e não por

pressão popular.

3.3.1.2 Sobral

Em 1996, consolidou-se a candidatura denominada de “Sobral no rumo

certo”, tendo à frente como candidato Cid Gomes, naquele momento filiado ao Partido

da Social Democracia Brasileira – PSDB e tendo como candidato a vice-prefeito

Edilson Aragão, do PT. A candidatura foi fruto de uma ampla aliança dos Partidos

PSDB, PSB, PT e PC do B, assegurou a vitória eleitoral com uma maioria de 75% dos

votos,

A nova administração buscou criar um canal de participação da sociedade, uma das estratégias de participação que marcou a nova administração foi à estruturação dos vários Conselhos Municipais de Políticas Públicas, em consonância com o que preconizava a Constituição Federal de 1988, estimulando as bases a se inserirem em espaços institucionais de participação direta, através de estratégias de descentralização política pela via da participação popular, da transparência governamental, e da inversão de prioridades como requisitos à cidadania. Para tanto, criou e apoiou as condições de funcionamento dos diversos Conselhos Municipais de Políticas públicas. Alguns destes conselhos não estão mais em funcionamento. Vale ressaltar que todos esses conselhos foram criados ou reativados na gestão de 1997 a 2004, com exceção do Conselho Municipal da Cultura; Conselho Municipal do Turismo; Conselho Municipal do Transporte Urbano e o do Conselho do Orçamento Participativo, que funcionaram num lapso espaço de tempo. Hoje, somente 50% dos Conselhos estão em funcionamento. Outra estratégia, do ponto de vista da estimulação da participação social, consubstanciou-se na decisão política de implantar o OP, com o objetivo de democratizar a relação do poder local, estreitando as relações com a sociedade civil (ROCHA, 2009 p. 65).

Diferente das demais cidades, onde o OP está ligado ou à Secretaria de

Finanças ou à Secretaria de Planejamento, o OP de Sobral foi coordenado pela

Secretaria de Cultura Política e Social, conforme atestam as palavras do

então, Secretário da pasta, em entrevista concedida a Rocha (2009 p. 66)

A concepção da política cultural do município de Sobral não se restringia a apoiar e estimular a criação, formação, produção e difusão das atividades artísticas.[...] Interessava-nos o jeito de ser dos sobralenses, a sua atitude

8 Mota elenca duas estratégias de formulação de políticas, a partir de um extenso estudo bibliográfico:

Top-down, estabelecimento da agenda a partir de ações provenientes de cima (dos governantes) para baixo.

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diante do mundo vivenciado naquele território e com as suas relações, sua expressão política de um cidadão ou cidadã protagonista, ativo ou submisso, alienado, passivo [...] A ideia é que a arte faça a crítica da vida, da cultura. Isto na perspectiva de construir uma nova cultura política, no processo de superação da cultura de privilégios, fisiológica e patrimonialista, por uma cultura afirmativa de direitos e deveres, fundada nos princípios democráticos e republicanos, como também, nos princípios da solidariedade, da pluralidade e do humanismo. Neste sentido, o estranhamento inicial do OP ser coordenado pela Secretaria da Cultura era superado. Pois era necessário entender que: a população conhecer a origem dos recursos públicos, decidir sobre a sua aplicação e definir uma hierarquia de prioridades faz parte do exercício instituinte de uma nova relação social, matriz de uma nova cultura política, e não apenas uma tarefa técnica de burocratas da Secretaria de Finanças (EX-SECRETÁRIO DA CULTURA, 2008).

Essa visão tornou o orçamento público um instrumento central da gestão

municipal, remetendo-o a uma responsabilidade coletiva, contando com a

participação popular através da implantação do OP, pautado nos princípios da

transparência, da participação social e da democratização.

No ano de 2005, na sua nona versão, o OP no município de Sobral passou

por uma série de dificuldades que comprometeram a sua credibilidade em relação aos

propósitos preconizados: democratizar as informações e a tomada de decisões

coletivas, bem como superar a cultura paternalista. Alguns fatores favoreceram essa

situação. Dentre eles, é possível destacar: a falta de estrutura administrativa e as

dificuldades em acompanhar os diferentes momentos do OP. OP, em dias atuais,

encontra-se paralisado sem previsão de retomada.

3.4 O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO CONFORME A LEI

A Constituição Federal de 1988 inovou na questão orçamentária, criando

um ciclo em que seus componentes guardam conexão entre si. Ademais, valorizou,

na gestão pública, a função do orçamento de elaborar e implementar projetos,

programas e ações voltadas para o atendimento às demandas postas pela sociedade.

O Plano Plurianual – PPA é o instrumento de planejamento estratégico de

ações do município, contemplando um período de quatro anos. É um documento de

planejamento em médio prazo e dele se derivam as Leis de Diretrizes Orçamentárias

e as Leis de Orçamentos Anuais. Como se observa na (Figura 02).

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Figura 2 Ciclo orçamento

Fonte: Manual de elaboração do PPA

O governo, no primeiro ano do seu mandato, formaliza os projetos e

programas a serem cumpridos em médio prazo, ou seja, nos três anos seguintes de

sua gestão e também no primeiro ano do mandato do seu sucessor na Chefia do

Executivo. Deve também elaborar e encaminhar ao Legislativo, para discussão e

votação, e para execução no ano seguinte, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)

no primeiro semestre e a Lei Orçamentária Anual (LOA) no segundo semestre,

completando-se, assim, o ciclo orçamentário que deve garantir a compatibilidade do

PPA com a LDO e a LOA para cada exercício, isto é, para cada ano abrangido por

esse PPA.

Em relação à participação, merece destaque o art. 29, inciso XII, da CF/88

que preconiza a inclusão na respectiva Lei Orgânica de cada município, entre outros

princípios, a obrigatoriedade da "cooperação das associações representativas no

planejamento municipal". Considerando-se os termos da mesma Constituição, nos

artigos disciplinadores da elaboração e votação das leis orçamentárias, irá se

constatar que o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) e a

Lei Orçamentária Anual (LOA) não implicam apenas em controle, prevenção de

despesas e fontes de arrecadação para a manutenção da máquina administrativa

pública.

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A exigência contida na Constituição e a preocupação em buscar um mínimo

de efetividade para o Estatuto da Cidade, a par de outros avanços legislativos

envolvendo questões municipais, motivaram a atualização das Leis Orgânicas em

várias localidades, entre as quais Fortaleza. Na versão revisada (datada de 2006) da

Lei Orgânica do Município de Fortaleza, no art. 6º está disposto:

Art. 6º. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos: I – órgãos colegiados de políticas públicas; II – debates, audiências e consultas públicas; III – conferência sobre os assuntos de interesse público; IV – iniciativa popular de planos, programas e projetos de desenvolvimento; VI – a elaboração e a gestão participativa do Plano Plurianual, nas diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para a sua aprovação pela Câmara Municipal.

O objetivo básico do Estatuto da Cidade, denominação dada à Lei federal

nº 10.257/01, de 10 de julho de 2001, foi regulamentar os arts. 182 e 183 da

Constituição Federal de 1988, dispondo o 182 sobre a função social da propriedade

urbana e o 183 sobre a função social da propriedade rural. Com isso, definiu como

objetivos da política urbana: o ordenamento do pleno desenvolvimento das funções

sociais da cidade e a garantia do bem-estar dos seus habitantes.

Com essa finalidade, estabeleceu a exigência do Plano Diretor para o

direcionamento ou redirecionamento da ocupação do espaço físico da cidade, de

modo a possibilitar o planejamento dessa ocupação e, consequentemente, da divisão

territorial do município por áreas específicas (residenciais, comerciais, industriais, de

preservação, de interesse social, etc.). A exigência do Plano Diretor veio a facilitar o

planejamento da administração municipal, uma vez que o zoneamento, propiciado

pelo Plano, veio exatamente para ordenar as atividades econômicas e administrativas

locais. Aproveitou-se, então, para inserir no Estatuto, com vistas também à

democratização da gestão da cidade, o 5º capítulo, relativo à gestão democrática da

cidade, para a qual criou, entre outros instrumentos, a obrigatoriedade do Orçamento

Participativo.

Faz-se aqui apenas uma síntese do conteúdo do Estatuto da Cidade, já

que, neste trabalho, a ênfase deve ser para a gestão democrática da cidade, colocada

logo no inciso II do Art. 1º, como uma das diretrizes gerais da política urbana nos

seguintes termos:

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Gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano. Art. 44. No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a alínea f do inciso III do art. 4º desta Lei incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal.

Portanto, ao aludir à alínea f do inciso III do Art. 4º, a qual se refere à gestão

orçamentária participativa da cidade, o Art. 44 detalha os procedimentos a serem

observados para essa gestão orçamentária, colocando como obrigatório o Orçamento

Participativo. A expressão "como condição obrigatória para sua aprovação pela

Câmara" não deixa dúvida de que o Prefeito fica obrigado a utilizar o

Orçamento Participativo na fase de elaboração das propostas de leis orçamentárias,

compreendendo todo o ciclo orçamentário exigido para todos os entes federativos na

Constituição Federal, isto é, o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes

Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA).

Oportuno se torna lembrar o que orienta a boa doutrina em Direito Administrativo: o processo administrativo se torna passível de nulidade quando um dos atos nesse processo foi viciado. Considerando-se que a proposta orçamentária do Município, na sua fase de elaboração e redação, ainda não se constitui num processo legislativo e sim administrativo, a conclusão é de que, no caso de descumprimento da exigência do Orçamento Participativo contido no Art. 44 do Estatuto da Cidade, um ato, a participação popular, não foi praticado. Logo, estará criada margem legal para a anulação dessa proposta orçamentária como processo administrativo (LIMA, 2010, p. 14).

Assim, quando prevista como obrigatória – como, por exemplo, no caso previsto pelo Art. 40, parágrafo 4º, do Estatuto da Cidade, a falta de sua realização (das audiências) vicia o ato com nulidade, o que também acontece nas hipóteses previstas nos Arts. 43 e 44 do mesmo diploma legal, podendo haver a caracterização de improbidade administrativa do prefeito, quando impeça sua realização ou deixe de garanti-la (FERRARI, 2003, p. 345).

Posteriormente, idênticos posicionamentos quanto ao assunto seriam

externados por juristas, tendo sido um deles Régis Fernandes Oliveira (2006). Ele

defende a obediência ao disposto no Estatuto da Cidade quanto ao Orçamento

Participativo. São palavras suas:

Em verdade, a lei criou um requisito de validade das diversas leis orçamentárias. Caso não tenha havido audiências públicas e consultas populares, poderão as leis ser questionadas, em sua validade, perante o Judiciário (OLIVEIRA, 2005, p. 397).

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Oliveira (2005) já preconizava a advertência:

Em verdade, a participação popular no orçamento, por exemplo, passa a ser obrigatória, o que leva à conclusão de que, em sua ausência, o processo de elaboração do orçamento é viciado, podendo ensejar disputa judicial (...) Ressalte-se que, ao impor os debates, as audiências e as consultas públicas ‘como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara’, quer parecer que se cuida de condição de validade do orçamento. Poderá qualquer das leis orçamentárias ser contestada em juízo, no caso de não satisfazerem a tais exigências (OLIVEIRA, 2005, p. 140).

Infelizmente o Estatuto da Cidade, permanece desconhecido,

descumprido, ignorado, deliberadamente ou não, especialmente pelos gestores

públicos. Não fica no esquecimento absoluto graças a vozes isoladas, otimistas

quanto ao crescimento de espaços para a democracia participativa na prática.

Continuam cobrando o seu cumprimento e que seus instrumentos, com vistas à

efetividade, sejam recepcionados nas Leis Orgânicas Municipais. Um desses

entusiastas é o geógrafo José Borzacchielo da Silva, que, em artigo no jornal O Povo,

diz que o ideal republicano implantado no Brasil em 1989 "assumiria nova significação

se os preceitos do Estatuto da Cidade fossem considerados como meio de legitimação

de uma sociedade realmente democrática" (SILVA, 2009, p. 7).

Não há dúvida de que o Estatuto da Cidade vem trazer sustentação legal

para a aplicação de vários instrumentos capazes de viabilizar políticas urbanas mais

eficazes e um melhor planejamento administrativo para os municípios. Há alguns

pontos, no entanto, que chamam a atenção. O primeiro deles é que a Lei se intitula

“Estatuto da Cidade”, quando, de fato, se refere ao município como um todo e não

apenas à sede, criando uma equivalência de sentido entre os dois termos.

É importante ressaltar que pelo menos mais duas leis complementares

recepcionam a participação popular na elaboração e discussão das leis orçamentárias

municipais: a Lei Complementar nº 101/ 2000, e a Lei Complementar nº 131/2009, de

27 de maio de 2009. Mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a

LC 101 trata nos Artigos 48 e 49 da transparência na gestão fiscal na Administração

pública em todos os níveis (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). No Art. 48

está posto que essa transparência fica assegurada também "mediante incentivo à

população popular e realização de audiências públicas durante o processo de

elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos".

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Mesmo sem a mesma ênfase do Estatuto da Cidade, porque, ao contrário

deste, coloca apenas indiretamente a obrigatoriedade do Orçamento Participativo,

porém não deixa de ser mais um elemento, em matéria de legislação, que reforça a

necessidade de efetividade do Orçamento Participativo, apresentando ainda uma

vantagem sobre o Estatuto da Cidade, que é a de passar uma exigência legal para os

demais entes federativos, além dos municípios.

Ao apresentar o orçamento participativo conforme as leis vigentes tanto em

nível nacional como municipal, a pesquisa busca ir de encontro ao pensamento de

críticos do orçamento participativo, que apresentam objeções à sua implantação

alegando de forma presunçosa a sua ilegalidade ou a sua inconstitucionalidade. Como

esclarece Souza (2010):

Indubitavelmente, a responsabilidade legal pela elaboração e o posterior encaminhamento da peça orçamentária ao Legislativo municipal para discussão e votação é o Executivo, isto é, a Prefeitura. Sem embargo, nada impede que o prefeito, da mesma maneira que poderia contratar uma firma de consultoria para assessorar tecnicamente a confecção da peça orçamentária (...) resolva delegar poderes à sociedade civil para decidir o conteúdo do orçamento (SOUZA, 2010 p. 351).

O que é preciso ainda amadurecer é a ideia sobre uma lei específica para

o orçamento participativo. Para muitos dos estudiosos do tema, o receio é que,

segundo Souza (2010 p. 352) “uma ancoragem legal, acabaria por engessar o

mecanismo” e por isso seria preferível a auto regulação no âmbito da sociedade civil,

quando estabelece e vota ano a ano o regimento interno. Não seria apenas uma

questão legal, mas também uma questão política, uma vez que a conjuntura, tanto em

nível municipal quanto em nível de participação, podem sofrer mudanças significativas

de um ano para o outro.

Mesmo com a crescente implantação de OP’s no Brasil e mesmo com a

sua obrigatoriedade conforme a lei, ainda é um instrumental pouco (e mal) utilizado.

Muitas das experiências ditas ‘participativas’, não passam de um engodo para ser

usado em propagandas partidárias. O problema que se coloca, então, é: Por que o

atendimento à essa exigência legal não acontece? Deixando margem para outras

questões: Quais as causas desse descumprimento? O que pode ser feito para

modificar essa situação? O que precisa ser discutido e aperfeiçoado com relação ao

assunto? São questões a serem elucidadas. Pois quando se fala na utilização do

Orçamento Participativo, não se pode abstrair o seu vínculo profundo com a

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democracia, por se constituir em um processo de intervenção direta da população na

definição de itens fundamentais das leis orçamentárias, principalmente os que dizem

respeito à fruição dos direitos sociais.

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4 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO EM FORTALEZA: A VOZ E A VEZ DOS SEM VOZ?

No capítulo anterior foi apresentado o Orçamento participativo como

tecnologia social promissoras de estímulo ao diálogo entre sociedade civil e Estado.

Em Fortaleza sua implantação foi precedida de expectativas e foi apoiada, pelo menos

nos primeiros anos, pelos mais significativos movimentos populares da cidade.

Neste capítulo será apresentado de forma sucinta quais as razões de haver

atores sociais sem direito a voz, quais os motivos de haver segmentos sociais

deixados à margem das decisões sobre as cidades que querem. Para isso, serão

apresentados indicadores e as questões sociais em Fortaleza. A pretensão não é

aprofundar o estudo sobre a desigualdade na cidade, mas apenas pontuar, para

facilitar o entendimento.

Depois será apresentada a análise da participação popular, na elaboração

do orçamento entre os anos de 2004 a 2012, os resultados alcançados e as marcas

espaciais deixadas pela participação.

4.1 FORTALEZA FRAGMENTADA E DESIGUAL – A QUESTÃO SOCIAL DA

CIDADE

“é certo ser frequente a miséria abrigar-se em vielas escondidas, embora próximas aos palácios dos ricos; mas em geral, é lhe designada uma área à parte, na qual, longe do olhar das classes mais afortunadas, devem safar-se, bem ou mal, sozinha. (...) as piores casas na parte mais feia da cidade, quase sempre, uma longa fila de construções de tijolos (...) dispostas de maneira irregular. (...) Habitualmente, as ruas não são planas, nem calçadas, são sujas, tomadas por detritos vegetais e animais, sem esgotos ou canais de escoamento, cheias de charcos estagnados e fétidos” (ENGELS, 1844, p. 18)

A citação acima assemelha-se a um relato dos bairros periféricos de

Fortaleza, mas não é, trata-se da descrição feita por Friedrich Engels, dos bairros

londrinos, em seu livro sobre A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, escrito

entre os anos de 1842 e 1844. Isso nos revela que as algumas cidades sob a égide

do capitalismo, mesmo após séculos, guardam em comum a segregação e a

desigualdade.

Fortaleza, a capital do Ceará, e a quinta maior do país em termos

populacionais, “aparece aos nossos olhos como aglomeração, e essencialmente o

lócus da produção, concentração dos meios de produção, do capital, da mão-de-obra,

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mas é também concentração de população e bens de consumo coletivo.” (CARLOS,

1997 p. 82)

No contexto histórico, a cidade se apresenta como uma das grandes

capitais do Brasil e se insere numa dinâmica marcada pela exploração e

desigualdades sociais. Uma cidade segregadora, como afirma Irlys Barreira:

[...] é uma cidade segregadora, onde são visíveis as marcas de diferencial social na construção e uso do espaço, nas afirmações evidentes do poder, nos símbolos de ostentação presentes nas edificações, que vai direcionar o espaço fecundo da rebeldia social. Isso significa dizer que as diferenciações sociais estão mais demarcadas através do uso da moradia e equipamentos sociais, visto que as formas de consciência a respeito das desigualdades não vieram fundamentalmente do sistema produtivo (BARREIRA, 1992, p. 48).

Segundo o IBGE9, a cidade tem uma estimativa para o ano de 2016, de

2.609.716 de pessoas, morando, trabalhando, vivendo em uma área de 314,93 km²,

mas que não se distribui uniformemente por esse espaço. Ou seja, Fortaleza, mesmo

com suas particularidades, não é diferente das demais cidades. É o espaço da

reprodução do capital. E este fato impõe uma determinada configuração ao urbano.

Na figura 3, observa-se como se dá a distribuição populacional na cidade.

9 Disponível em: <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?codmun=230440&idtema=130>. Acesso

em: 08 mar. 2017.

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Fonte: PMF (2015)

Verifica-se que os bairros onde tem uma maior densidade demográfica são

os periféricos, logradouros da classe trabalhadora, onde as políticas públicas e os

equipamentos sociais são escassos e onde o índice de desenvolvimento humano -

IDH são os mais baixos.

Conforme o PNUD 2010, o Índice de desenvolvimento humano do

município é de 0,754, considerado alto. Porém quando analisado esse índice por

bairro, de acordo com a figura 4, é identificada a diferença de um bairro para outro.

Figura 3 - Distribuição populacional do Município de Fortaleza por Bairro

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Fonte: PMF 2010

Comparando as figuras 3 e 4 constata-se que os bairros com maior

densidade demográfica são os que apresentam os menores índices do IDH. Na

imagem parecem revelar fragmentos do espaço, onde as condições de vida da

população residente são degradantes e onde as políticas públicas, quando existem,

são ineficientes.

Por isso, o índice considerado alto no município não representa o conjunto,

os números não revelam a desigualdade intrínseca à cidade. Bomfim, (2010 p. 72)

afirma que “perguntar a uma pessoa de que cidade ela é, não a constrange tanto

quanto a perguntar em que bairro vive, porque, no último caso, há uma localização

mais precisa do seu status social”.

Figura 4 - Índice de Desenvolvimento Humano dos Bairros de Fortaleza

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Fortaleza é uma cidade com espaços fragmentados do ponto de vista

urbanístico, social e cultural. As fontes dessa fragmentação são diversas, podendo

resultar de fatores tão distintos como comportamentos sociais, estratégias imobiliárias

ou políticas públicas urbanas. Mas a consequência é a mesma: incomunicabilidade.

Como afirma Ferrão (2004, p. 1) “esta incomunicabilidade é ampliada pelo efeito da

distância. Neste caso, não se trata de distância métrica ou euclidiana, mas sim de

distância social e cultural, aquela que se pode intrometer nos canais de coesão e

interação social”.

Por falta de tempo, de vontade ou de capacidade, através de estratégias

explícitas de distinção ou simplesmente como consequência da voracidade dos novos

tempos, a cidade cresce e torna-se mais complexa num contexto de fragmentação

cada vez mais acentuada.

Na cidade fragmentada cresce a dessolidarização do entorno próximo porque as elites auto-encerradas participam cada vez mais em redes de relações à distância e reconhecem menos o outro, aquele que vive nas proximidades, para além da barreira separadora destes mundos. Por exemplo, nos enclaves de luxo, seus residentes nada trocam com os vizinhos que os cercam, “usam o território, o da cidade e para além dela, de forma discreta e pontual, frequentam, com maior ou menor regularidade, outros fragmentos para desenvolver as práticas que constituem o seu quotidiano” (SALGUEIRO, 2005, p. 310).

A história da cidade fragmentada, segundo Salgueiro (2005) tem sido

também marcada pelos denominados “bairros sociais”. Na maior parte dos casos, esta

habitação social produz áreas desqualificadas, quase sempre de baixa qualidade de

construção, concentrando problemas de pobreza e exclusão social, de marginalidade

geográfica e de insegurança.

Estigmatizada pelo local de residência, parte desta população está

associada a comportamentos de risco de uma comunidade na qual é baixo o nível de

qualificações e habilitações. Estes são territórios explosivos. Uma concentração

híbrida de minorias étnicas, toxicodependentes, jovens desempregados, idosos

isolados. A degradação do habitat e dos espaços públicos, as carências das

acessibilidades, infraestruturas e equipamentos sociais de apoio à população

dificultam sua integração “socioterritorial”.

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4.1.1 Desigualdade e segregação andando de mãos dadas

Harvey (1973) entende que a dinâmica urbana não apenas reflete a

estrutura social de uma dada sociedade, como também constitui-se em um

mecanismo específico de reprodução das desigualdades, das oportunidades de

participar na distribuição da riqueza gerada por tal sociedade.

A segregação sócio-espacial interfere diretamente nos direitos sociais,

uma vez que recursos e/ou equipamentos materializados no espaço urbano, em razão

da localização e da sua distribuição desigual, limitam o acesso aos serviços urbanos.

A distribuição desigual da riqueza é evidenciada pelas faltas ou falhas na

educação, saúde, moradia, transporte. Esses conjuntos de situações podem ser

denominado, segundo KOWARICK, (2000, p.22) “de espoliação urbana, ou seja, a

somatória de extorsões que se opera pela inexistência ou precariedade de serviços

de consumo coletivo”

Fortaleza, segundo a ONU, é a 5ª cidade mais desigual do mundo10. Na

(Figura 05) o que se observa é a caracterização de uma cidade dividida: por um lado,

regiões com forte concentração de renda, como na Regional II, habitada pelas classes

mais abastadas da cidade, e que concentra áreas de lazer, praias balneáveis e

comércio. Por outro lado, nas demais regionais administrativas, predominam os

bairros mais pobres economicamente, que apresentam uma média de renda pessoal

de até 2 salários mínimos.

10 Nações Unidas State of the World Cities 2010/2011: Bridging the Urban Divide.

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Fonte: IPECE, 2012.

Numa espécie de média ponderada de cinco critérios avaliados no Censo

2010 (rede de água, rede de esgoto, rede de energia, banheiro e coleta de lixo), o

Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará – IPECE apresentou em 2012,

conforme (Figura 6) o Índice Sintético de Condições Domiciliares (ICD).

Figura 5 - Valor do rendimento nominal mensal por bairro

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Figura 6 – Índice sintético de condições domiciliares por bairro em Fortaleza

Fonte: IPECE, 2012.

Os indicadores11 que serviram de base para a elaboração do ICD foram:

domicílios ligados à rede geral de água, banheiros exclusivos, esgotamento sanitário

adequado, presença de energia elétrica e coleta de lixo realizada por serviço de

limpeza. Mais uma vez é observada a desigualdade em distribuição de serviços

básicos.

Os três indicadores aqui apresentados (IDH, renda per capita e IDC)

revelam que a extrema pobreza em Fortaleza tinge a cidade de leste a oeste,

conforme a (Figura 7).

11 Os dados dos indicadores foram coletados no senso 2010 do IBGE

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Figura 7 - Extrema pobreza por bairro em Fortaleza

Fonte: IPECE, 2012.

Nesse contexto, o destaque negativo fica situado nos bairros: Conjunto

Palmeiras, Jangurussu, Granja Lisboa, Barra do Ceará, Mondubim, Canindezinho,

Vicente Pinzon, Granja Portugal, Genibaú e Siqueira, todos com elevado quantitativo

populacional em situação de extrema pobreza e consequentemente uma grave

ineficifiencia de serviços públicos, como: hospitais, postos de saúde, escolas, enfim,

áreas desprovidas de serviços essenciais à vida social e à vida individual.

Mesmo não analisando a cidade de Fortaleza, Santos (2011), pontua

questões sobre às cidades que se aplicam à ela:

“apesar de uma certa densidade demográfica, tais serviços estão igualmente ausentes. É como se as pessoas nem lá estivessem. Quais os programas para atenuar tais fragilidades e reverter a situação? No caso das cidades, bastaria um projeto consequente para dotar a população desses “fixos” sociais” (SANTOS, 2011 p. 120).

Seria então o OP um desses projetos consequentes, de que fala Milton

Santos? Será que essa população de Fortaleza, tão desprovida e esquecida pelo o

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Estado, terá sido apática? A desigualdade e a segregação andam de mãos dadas em

Fortaleza, porém as desigualdades sociais também se configuram em expressões de

lutas nos bairros por melhorias urbanas, por transporte coletivo e equipamentos

públicos, e que forjam a resistência da classe trabalhadora, tais como a luta contra a

expulsão de seu lugar de moradia.

O bairro representa o lugar de reorganização da luta, onde as

possibilidades associativas podem promover fortes experiências de solidariedade e

podem se transformar em espaços de resistências. Portanto, essa Fortaleza

fragmentada, desigual, segregada também encontra espaços de resistência e tem um

histórico de luta. É também uma Fortaleza que não se cala.

4.1.2 Das carências às mobilizações: A cidade que não se cala. Breve histórico

dos movimentos reivindicatórios de Fortaleza

A elite foi pros prédios e o povo sem perceber, que a fortaleza bela ninguém mais podia ver. Culpa desses governantes que nos pisam com poder A minha pergunta é séria, e eu nem sei se eu sei dizer: Minha fortaleza veia, o que fizeram com você? A minha pergunta espera o que eu nem sei mais saber. Minha Fortaleza veia eu sofro junto com você Fortaleza eu te conheço desde o dia em que eu nasci Foi-se o tempo e a esperança é tudo que eu aprendi Guardo tudo nas lembranças que é pra nunca desistir (Cidadão instigado).

Os movimentos reivindicatórios de Fortaleza, segundo Silva (1992),

surgiram nas fábricas e nos sindicatos, principalmente por conta da insegurança com

relação ao emprego. Mas é no ‘espaço morada’ onde é percebida a necessidade de

reivindicação, conforme as seguintes afirmações:

Se o espaço da fábrica foi a princípio o espaço da consciência da luta inicial, é no espaço morada, ou seja no local de residência, que o trabalhador vai sentir as agruras de uma vida em bairros periféricos, onde as condições de existência são as piores possíveis. Os baixos salários, as condições desfavoráveis de trabalho, o desemprego, um nível altíssimo de carência, sem meios de prover o sustento da família, mesmo com a mais elementar subsistência e condições subumanas de moradia, levam o trabalhador a participar, de uma forma ou de outra, dos movimentos populares (SILVA, 1992, p. 121)

Silva reforça o argumento:

Na sociedade capitalista o espaço é produzido a partir do trabalho social. Só que, embora todos os trabalhadores sejam ao mesmo tempo os produtores do espaço, ou seja, atores desse processo, o seu espaço morada, o seu

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espaço de vida é altamente diferenciado. Estamos fixados em espaços diferenciados, este trabalhador-produtor torna-se por sua condição de força produtiva, portador de necessidades, impostas e criadas numa sociedade de classes, que para serem satisfeitas exigem reivindicações que, para sua obtenção (ou seja, satisfação), requerem participação da classe trabalhadora espoliada. Para tanto ela deve encontrar formas variadas de organização. (SILVA, 1992, p. 131).

Ainda segundo Silva (1992) os movimentos ligados à Igreja católica tiveram

um papel fundamental. A base filosófica desses movimentos foi a Teologia da

Libertação. A Igreja passou a ser basilar no processo de conscientização das

comunidades para participação e mobilização popular:

Com a criação das CEB’s – Comunidade Eclesial de Base, a partir da década de 70, os movimentos sociais religiosos assumem papel de destaque. Neles os participantes se reúnem e tratam dos assuntos numa dimensão social, a partir da bíblia e da reflexão sobre os problemas comunitários (SILVA, 1992, p. 113).

Irlys Barreira (1992), em seu estudo, indica que: Em Fortaleza, as

organizações populares, com vistas à obtenção de melhorias urbanas, não são

recentes e obedecem a uma lógica descontínua, isto é, movimento de trabalhadores

e mobilizações de caráter político-partidário, vigentes no período de 1960-1964, foram

substituídos desde o final da década de 1970 por moradores da periferia urbana; Os

movimentos urbanos são expressões de uma metrópole em fase de expansão, de

transformação da esfera do poder político, a partir da visibilidade da moradia e

pobreza urbanas como questões sociais; Os novos sujeitos sociais em formação

incorporam elementos de denúncia advindos de sua experiência junto aos partidos de

esquerda e aos setores progressistas da Igreja Católica, mais especificamente, as

Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e pastorais sociais; A maleabilidade do objeto

urbano, como expressão do poder em sua feição paternalista, induz à formação de

um discurso oposicionista, questionando a dotação desigual de condições de moradia

e equipamentos básicos de consumo da cidade; E, por fim, que em Fortaleza

inexistem grandes concentrações operárias, os bairros populares são a evidência das

desigualdades, da dignidade expressa no contraste entre a pobreza, antes integrada

à paisagem natural e à modernidade em expansão.

Desse modo, segundo Souto (2013), em Fortaleza há uma articulação

histórica entre os movimentos sociais urbanos que forjaram novas formas de

consciência a respeito das desigualdades expressas nas lutas urbanas. Considerando

a identidade de classes, como em Thompson (1987), a concepção em que se forja a

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consciência de uma identidade de interesses entre esses diversos grupos de

trabalhadores contra os interesses de outra classe, isto é uma teoria que se constitui

“em ato”. É sobre essas bases que a luta dos trabalhadores, as contradições

mediadas por conflitos e concepções acerca do funcionamento da sociedade

constroem experiências de mobilização e resistência que permitem transformar as

práticas sociais em polaridades de interesses (BARREIRA, 1992). A cidade é o

espaço em que se expressam essas contradições.

Um resultado desta Fortaleza que não se cala foi a surpreendente derrota

dos dois grandes pesos pesados na eleição municipal de novembro em 1985, eleição

que levou Maria Luiza Fontenele ao cargo de prefeita de Fortaleza pelo Partido dos

Trabalhadores. Segundo Calixto (2002) os elementos que levaram a vitória foi um

combinado de sua trajetória pessoal e da singular conjuntura política nacional e local,

além dos elementos das técnicas da mídia

Com o slogan “Construir o novo com o povo”, a campanha política de Maria Luiza Fontenele foi marcada pela relação umbilical com as atividades de mobilização de ruas, como também pela inédita e sensibilizante propaganda televisiva. Com apenas cinco minutos na televisão o PT junto com os “meninos do marketing” produziu um brilhante programa segundo os analistas e estudiosos do marketing político. Como resultado, além da vitória, também se constituiu um importante segmento como núcleo de poder durante a campanha política: “os militantes publicitários” Na produção do programa de televisão diversas técnicas de produção de imagens foram utilizadas. Uma das mais significativas e memoráveis foi o uso da música de Milton Nascimento/Fernando Brant, “Maria, Maria” que era muito popular à época. Nos programas televisivos da campanha eleitoral esta canção acompanhava Maria Luiza Fontenele nas imagens, mostrando-a atuante em greves e mobilizações populares. A produção do texto televisivo era baseada em roteiro prévio, recriado por Maria Luiza na ocasião das gravações. (...) Em novembro de 1985 a cidade de Fortaleza vivenciou uma inesquecível festa popular. Foi um dia histórico (CALIXTO, 2002 p. 52-53).

Ainda em dezembro de 1985, antes mesmo de tomar posse, Maria Luiza

Fontenele, numa entrevista12, apresentaria com esta frase contundente as premissas

da Administração Popular de Fortaleza: “[...] romper não só com a política que vinha

da nova República, mas com o continuísmo que vinha da velhíssima República”. Essa

simbologia da ruptura constituiu-se no fio condutor de toda a gestão, de maneira que

os confrontos políticos foram de todas as ordens possíveis.

A origem dos principais sujeitos históricos que fizeram a Administração

Popular de Fortaleza – APF teve lugar nos movimentos sociais reivindicativos, no

12 Entrevista de Maria Luiza Fontenele ao jornal Fazendo o Amanhã. Dez. 1985, p. 11.

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esteio da democracia direta e participativa, em contraposição às instituições

democrático-representativas do Estado. Por tudo isso, as lideranças da APF partiram

para uma postura bastante rígida quanto à negociação com as demais forças políticas,

baseando o seu poder de fogo exclusivamente nas pressões da mobilização popular.

Esta perspectiva deixou a questão da governabilidade sempre instável nos três anos

e simbolicamente situou a APF como “um estranho no ninho” (BARREIRA, 1992b,

p.38), na esfera da política tradicional.

Calixto (2002), as principais dificuldades enfrentadas pela gestão de Maria

Luiza:

Em meio à grande expectativa, a população aguardava as primeiras providências administrativas para a cidade. Os problemas da Fortaleza cidade herdados pelas administrações anteriores eram sabidamente enormes. Funcionalismo com três meses em atraso. Dívida pública impagável. Máquina administrativa carregada, emperrada e viciada no clientelismo. (...) Em menos de um mês de gestão da APF, evidenciava-se a instalação do caos administrativo em Fortaleza. Herdeira de uma dívida impagável acumulada das administrações anteriores, a APF viu-se paralisada por greves parciais em quase todos os setores da administração municipal, que reivindicavam o pagamento salarial de três meses de atraso da gestão anterior. (...) Uma greve de funcionários públicos municipais ligados ao saneamento e à limpeza pública deixou vários locais da cidade cheia de lixo. As ruas esburacadas com a chegada das primeiras chuvas representaram outro grave problema de infra-estrutura na cidade. O atraso do funcionalismo de três meses de salários gerou descontentamento generalizado, com perspectivas de desdobramentos imprevisíveis. (...) Outro episódio marcante no primeiro ano da APF foi o levantamento da situação real da Prefeitura Municipal de Fortaleza com relação ao quadro dos funcionários públicos da Administração Municipal de Fortaleza: o Dossiê Fortaleza Nunca Mais. A publicação do Dossiê que relatava os desmandos administrativos das administrações anteriores gerou mais polêmica junto ao funcionalismo municipal. As medidas administrativas tomadas pela APF como o recadastramento do funcionalismo e a proposta de parcelamento dos salários atrasados também acirraram os ânimos, especialmente, dos funcionários municipais que ficaram mais propensos às greves (CALIXTO, 2002 p. 60-61).

Em relação a essas dificuldades Maria Luiza se posicionou para o jornal O

Povo:13 “No primeiro ano, nossa posição era a de um boxeador junto às cordas do

ringue, defendendo-se de um ataque que parecia tornar iminente o nocaute. No

segundo ano, graças ao mérito de resistir e de mostrar – honesta e que não concilia

com a corrupção -, tivemos condições de trabalhar.” Noutro momento, a prefeita

resumiria: “Como em toda ruptura, passamos por um período de definição,

vivenciando boicotes e confrontos tensos, especialmente logo no primeiro ano de

administração”.

13 Publicada no jornal O POVO, 31.31.88. p. 05

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No final de sua gestão a prefeita Maria Luiza Fontenele decretou Estado de

Calamidade Pública na cidade. Em Carta Aberta à população, em 23.12.88, publicada

em todos os jornais da cidade a gestora municipal expõe todas as dificuldades

administrativas, desde o início da gestão em 1º de janeiro de 1986. Os principais

parágrafos da carta estão transcritos no fragmento abaixo:

Desde janeiro de 1986, quando assumimos a Prefeitura temos lutado incansavelmente em favor do melhor para nosso povo cearense (...). O povo de Fortaleza está diretamente atingido pelo bloqueio dos recursos da Prefeitura, está também atingindo pelo desgoverno da Nova República. (...) Solidário com nossa gente e com a responsabilidade que nos confere o cargo de dirigente da cidade é que decretamos ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA, no sentido de criar prerrogativas para solução de problemas urgentes de nossa urbe, bem como, alertar as autoridades para o crime que se comete contra uma população de quase 2 milhões de habitantes. (...) Vamos resistir, lutar e denunciar até que um dia surja uma nova ordem, surja o verdadeiro novo construído pelo povo (O POVO, 23.12.88. p.06).

Contudo, nem tudo resultou em fracasso. Algumas fontes de jornais

consideradas imparciais apontaram algumas das contribuições da APF à frente da

Prefeitura Municipal. Um editorial que teve um tom ameno. O editorial de O POVO

reconhece as dificuldades encontradas, bem como, algumas iniciativas importantes

efetivadas ao longo da APF.

Mas nem tudo foi errado na Administração Popular. Maria Luiza assumiu com o caos financeiro e administrativo instalado. O recolhimento do lixo já era precário. A buraqueira das ruas só seria evitada com serviços de infraestrutura (esgotos, drenagem). Essas premissas, ainda que atenuantes, não a isenta da responsabilidade direta do agravamento dessas questões. Mas há méritos que não se pode esquecer. Em Maria Luiza, a moralidade no tratamento da coisa pública não foi apenas um discurso, foi prática reconhecida. Consciente da inevitável transitoriedade do poder, não se tornou arrogante. Soube conviver com a crítica. Jamais deixou de prestar contas. (...) Em termos administrativos, não se caracterizam como fracassos os desempenhos, do IJF, da CTC, do FRIFORT e do IPM (O POVO, 23.12.88. p. 06).

Os três anos que abalaram Fortaleza, como ficou conhecida a gestão de

Maria Luíza, deixaram grandes lições: a primeira foi que a administração popular, ao

tentar romper com a lógica da política tradicional, sofreu duros boicotes, as parcelas

políticas afetadas não pensaram na população, nem no bem da cidade, apenas em

derrotar a forma administrativa com a qual eles não concordavam. A segunda lição é

que não basta eleger. É preciso uma base forte de apoio popular para garantir a

efetividade de resultados nas gestões que tentam “fazer o novo”. Dentre esses

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momentos de uma Fortaleza que não se cala, ocorre a eleição da segunda mulher

prefeita de Fortaleza, a ser apresentada no próximo capítulo.

4.2 OP FORTALEZA: CONQUISTAS E PERCALÇOS DA PARTICIPAÇÃO 4.2.1 Luizianne Lins 2004: Voz das ruas contra os acordos de gabinete.

O fomento à participação popular foi uma das principais bandeiras da

trajetória política de Luizianne Lins, filiada ao Partido dos trabalhadores do Ceará

desde 198914. Antes de se candidatar a prefeita de Fortaleza em 2004, Luizianne, a

“Lôra do PT”, como ficou conhecida na campanha, já tinha exercido os cargos de

vereadora de Fortaleza e deputada estadual15. Em outubro de 2004, foi eleita prefeita

de Fortaleza, obtendo 620.174 votos.

A candidatura foi fruto de uma série de disputas internas. O "campo

majoritário"16, e o diretório nacional do PT defendiam uma aliança para apoiar a

candidatura de Inácio Arruda, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). As tendências

denominadas de “esquerda do PT”17, como eram conhecidas internamente,

defendiam candidatura própria do partido e lançaram o nome de Luizianne Lins como

a candidata.

Apresentou-se então à sociedade uma campanha marcada pela crise interna do PT, iniciada na fase pré-eleitoral, entre a cúpula estadual (sob comando do campo majoritário) e municipal (sob a direção da esquerda petista). A tese de apoio à candidatura do PCdoB, esteve fundamentada tanto pelos arranjos eleitorais definidos em âmbito nacional como pela liderança de Inácio Arruda nas pesquisas de intenção de voto. A tese de candidatura própria do PT, representada por Luizianne Lins e seu grupo, acarretou uma longa e difícil

14 Filia-se ao Partido dos Trabalhadores em 1989, como militante dos movimentos de esquerda desde

1987. Jornalista, formada pelo curso de Comunicação social da Universidade Federal do Ceará (UFC), iniciou a faculdade em 1988, tornando-se presidente do Centro Acadêmico (CA) em 1990. Dois anos depois, foi eleita presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFC e, em 1993, diretora da União Nacional dos Estudantes (UNE). Com a militância no Movimento estudantil se credencia para o cargo de secretária estadual de Juventude do PT. 15 Foi a vereadora mais votada do Partido dos Trabalhadores (PT) em 1996, eleita com 5.336 votos e,

em 2000, reeleita. Na Câmara Municipal, ocupou o cargo de presidente da Comissão de Educação, Cultura e Desporto e de presidente da Comissão de Defesa da Mulher, da Juventude e da Criança, criada na Câmara Municipal a partir de um projeto de resolução de sua autoria. Em 2002, foi eleita deputada estadual, tendo sido a quarta mais votada no Estado e a mulher mais votada entre todas, com 60.821 votos. Na Assembleia, ocupou o cargo de presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania e foi titular da Comissão de Agropecuária e Recursos Hídricos. É ainda suplente das Comissões de: Orçamento, Finanças e Tributação; Educação, Cultura e Desporto; Ciência e Tecnologia e de Defesa Social. Sua atividade parlamentar sempre priorizou, dentre as várias áreas de atuação, a Educação, a Juventude, a Cultura, a Sexualidade, o Movimento Popular, as questões de Gênero, de Meio Ambiente e de defesa dos Direitos Humanos. 16 O campo majoritário do PT era composto pelas correntes internas do partido DR e ARTICULAÇÃO, as quais possuíam maioria na direção do PT estadual. 17 A esquerda do PT era composta tela Tendência Marxista e o Fórum Socialista. Essas tendências detinham a maioria do diretório municipal de Fortaleza e divergiam da política do campo majoritário.

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batalha interna, a vitória da tese se deu com a diferença de um voto dos encontros zonais do partido. O encontro municipal realizado em 15 de fevereiro de 2004 “ampliou” a diferença para dois votos, e, finalmente a convenção municipal, realizada sob o boicote de aproximadamente metade dos delegados, vinculados ao campo majoritário, foi o retrato do momento em que se configurou a tese de candidatura própria. Entretanto, o cumprimento das exigências estatutárias não garantiria, por si só, a candidatura de Luizianne Lins, pois a direção nacional do partido esteve empenhada em reforçar, na prática, o acordo eleitoral com o PCdoB (SOUTO, 2012 p. 50).

A Pesquisa Datafolha18 para a Prefeitura de Fortaleza no primeiro turno

mostrava Inácio Arruda (PCdoB) com 28% das intenções de voto, seguido por Moroni

Torgan (PFL), com 23%, e Antônio Cambraia (PSDB), com 21% e a candidata do PT,

Luizianne Lins, aparecia com apenas com 3%. Para muitos, Luizianne não tinha

chances reais de chegar ao segundo turno. Como então veio a grande mudança?

Quais foram as estratégias políticas usadas na campanha que reverteram o quadro

negativo da falta de apoio de uma parcela significativa do PT e da baixa intenção de

votos?

Buscar o apoio da população foi a tática basilar da campanha de Luizianne

Lins. Ainda na construção do seu programa de governo, começou o diálogo com a

população. Foram realizados seminários regionais nas diversas comunidades da

cidade e houve a contribuição voluntária de militantes profissionais especialistas em

áreas distintas que se dispuseram a refletir sobre as propostas oriundas das

lideranças e representações sociais participantes. Essas propostas formaram o

programa de governo, sob o slogan: “Por amor a Fortaleza” que, segundo Luizianne,

tinha a “clara intenção de dizer que a cidade, tão rica em belezas naturais, precisava

de cuidados básicos, tanto na sua estrutura, quanto na sua alma” (PROGRAMA DE

GOVERNO, 2006, p. 7).

O outro apoio veio do PSB que indicou como candidato a vice-prefeito José

Carlos Veneranda, sindicalista e militante do movimento negro. Assim, a candidatura

se configurou como a candidatura das minorias, das mulheres, dos negros e dos sem

apoio. A Lôra do PT, que se dizia ‘marxista-esotérica e radical’ foi se afirmando no

gosto popular.

No entanto, a sociedade civil desempenhou um papel fundamental, nos

trabalhos de organicidade e consistência política nos comitês criados

18 O instituto ouviu 612 eleitores nos dias 20 e 21 de julho de 2004

http://noticias.terra.com.br/eleicoes2004/interna/0,,OI350096-EI4067,00.html acessado em 06/02/2017

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espontaneamente pelos bairros da cidade. A campanha teve a participação de

diversos movimentos e mais ativamente do Movimento dos Conselhos Populares

(MCP). Criado em 2000 e tendo como mentor o filósofo Auto Filho19 e como

integrantes intelectuais marxistas, ecologistas, feministas, lideranças de organizações

de bairro, sindicalistas da CUT, o MCP foi um dos movimentos responsáveis pela

convocação e realização da maioria dos encontros em bairros populares durante a

campanha. Desses encontros saíram 3 cadernos de debates: um sobre conselhos

populares, outro sobre meio ambiente e o último sobre diretrizes de governo municipal

democrático e popular. O coordenador da campanha na época, Antônio Ortins,

[...] nos meses de abril e maio de 2004 houve várias discussões. Foram realizadas sobre o Plano de Governo, foram realizadas várias plenárias no PT [...] o que resultou no Plano de Governo que foi elaborado, e sistematizado por uma equipe de intelectuais, alguns setoriais, e de representantes do movimento popular [...]. A partir daí, começou a discussão com os movimentos populares, que foi participativa [...] e que foi aglutinando gente [...] a campanha foi se fortalecendo [...] (Antônio Ortins, entrevista realizada em 25 de outubro de 2011 In: SOUTO, 2012, p. 57).

Foi então, com esse apoio vindo das bases, que Luizianne seguiu para o

segundo turno e se elegeu prefeita de Fortaleza, logicamente não se pode esquecer

a composição e os apoios do segundo turno, o que é importante ressaltar foi o apoio

da sociedade civil e confiança depositada na gestão:

Agora, com a eleição de uma candidata socialista para a prefeitura da cidade, comprometida com os valores democráticos e os princípios da participação popular e de gestão democrática da cidade, espera-se que a retomada do trabalho em favor da criação de uma ampla e sólida rede de conselhos populares independentes, autônomos e democráticos possa encontrar condições melhores para a sua concretização. Como a nova prefeita não tem maioria parlamentar na câmara de vereadores, a única maneira que ela tem de evitar governar submetida à política de clientela ou sob permanente crise institucional é promover a gestão democrática da cidade com base nessa rede de conselhos populares. Só assim será possível garantir o cumprimento do programa democrático e popular aprovado pelo o povo nas urnas (CARTILHA DO MCP, 2005 p. 9).

Este, portanto, foi o cenário da eleição de Luizianne Lins para o primeiro

mandato que foi de 2004 a 2008. O segundo mandato, manteve apoio de alguns

19 Graduado em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (1971) é Professor Adjunto da

Universidade Estadual do Ceará, atua principalmente nos seguintes temas: Economia, Filosofia, Política. Disponível em: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4219662J0 data de acesso: 06 fev. 2017.

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movimentos, enquanto costurava-se nos bastidores coligações com outros partidos,

fato que desagradou apoiadores. Um acontecimento marcante do segundo mandato

foi Luizianne Lins tomar posse em processo de ruptura com seu vice, Tim Gomes

(PHS), episódio que foi batizado pela impressa local como “fogo amigo”20.

Luizianne não conseguiu fazer do vereador Elpídio Nogueira (PSB) o novo presidente da Casa. Eleger um nome do PSB para presidir o Legislativo era parte de um acordo firmado ainda durante o período pré-eleitoral. O acerto previa que caberia a Gomes indicar o nome do primo, Tin Gomes (PHS), então presidente da Câmara, para candidato a vice-prefeito na chapa da prefeita de Fortaleza. Em contrapartida, ao PSB - aliado histórico de Luizianne -, caberia o apoio dela para eleger o novo presidente da Casa. Mas, ironicamente, a derrota do candidato apoiado pela prefeita foi articulada pelo próprio Tin Gomes. No discurso de posse, a prefeita afirmou que se sentiu traída. "Estou triste por ver que se faz política com lealdade e gratidão, mas que, às vezes, ela também é feita com traidores e conspiradores", declarou. Por diversas vezes, ela condenou "a política da malandragem, da traição, da ''trairagem''." Na saída da cerimônia, afirmou: "A vida é feita de traidores e de pessoas com dignidade." Cid Gomes, que acompanhou tudo, mostrou-se resignado. "Na política, é assim. Ganha-se, perde-se. Faz parte", disse. Já Tin Gomes, depois de ver Salmito Filho eleito com 24 votos contra 16 do candidato de Luizianne, retirou-se do Legislativo, não acompanhou a cerimônia de posse da prefeita e nem mesmo tomou posse como vice. Antes de sair, negou ter articulado contra a petista (Jornal Estadão, 02/02/2009).

Sob ‘fogo amigo’, foi todo o seu segundo mandato, as dificuldades da

máquina estatal foram se acentuando. As críticas aos planos de governo, entre eles o

OP, começaram a vir de movimentos que apoiavam. O cenário do segundo mandato,

foi de continuidade e também dificuldades, foi assim até o final e reverberou no

candidato apoiado por Luizianne na eleição seguinte.. Em 2012, Elmano de Freitas,

candidato que seria sucessor de Luizianne, não consegue votos para ir ao segundo

turno. Elege-se nesse turno, o candidato apoiado pela a família ‘Ferreira Gomes’.

Em 2016, Luizianne Lins candidata-se novamente à prefeita, porém o

cenário nacional em relação ao Partido dos Trabalhadores era de denúncia de

corrupção. Os principais dirigentes do Partido, entre eles o ex-presidente Lula, foram

acusados e começaram a responder processos na operação Lava a Jato deflagrada

pela Polícia Federal. A visão negativa que a sociedade teve desses acontecimentos

respingaram na candidatura de Luizianne e ela conseguiu somente 15.06% dos votos

válidos, ficando em 3º lugar na disputa.21

20 Informações acessadas no http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,prefeita-de-fortaleza-rompe-

com-vice-prefeito,301806, dia 01/02/2017 21 Dados coletados no site: https://www.eleicoes2016.com.br/luizianne-lins/ Acesso em: 04 fev. 2017

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4.2.2 O desenho do Orçamento Participativo de Fortaleza

Com a eleição de Luizianne Lins, a abertura dos canais de participação na

gestão, foi uma coincidência de interesses: de um lado a sociedade civil reivindicando

o direito às decisões, para além da democracia representativa, e do outro o governo

comprometido “em democratizar os processos de administração da cidade através da

efetiva participação popular”. Pelo menos era o que dizia seu programa de governo.

Um dos canais de participação foi a implantação do Orçamento participativo

tendo como exemplo outras capitais governadas pelo PT. Segundo Neiara de

Morais22, a motivação da gestão em implantar o OP:

Nascia no modo petista de governar, o que era trabalhado em todas as gestões do partido. Um dos pontos fundamentais desse modo petista de governar é a participação da população, era uma tentativa de construção, de exercício de democracia representativa diferente, que pudesse envolver a população em vários momentos, através de conselhos, de escolas, até mesmo do próprio OP. A participação da população, antes mesmo de (Luizianne) assumir, quando ainda na realização do programa de governo para a primeira gestão, já tinha ali todo um capítulo de como seria a participação. Eu e algumas outras pessoas tivemos a oportunidade de discutir isso ainda no programa, e, posteriormente, quando ela foi eleita. Antes mesmo de (Luizianne) assumir nós fizemos um grupo de trabalho com outras pessoas que estudavam esse tema. Estudávamos a experiência de Porto Alegre, que para todo o mundo é a referência do OP. Alguns dos nomes, como o ex-prefeito de Porto Alegre, esteve em Fortaleza para debater as possibilidades que o OP teria de se realizar aqui. Aí, então não tinha nem o que discutir, o OP seria uma das peças na gestão. Na gestão da Luizianne, o OP seria ferramenta importante para algo que também foi importante na trajetória parlamentar dela, que era o trabalho com alguns segmentos discriminados, que eram os historicamente afastados dos espaços de participação, então a ideia era que o OP também servisse para fortalecer esses grupos, fortalecer esses segmentos e para trazê-los mais perto das formulações das políticas da gestão. Por isso, apesar de estudar o OP de Porto Alegre, o formato do OP de Fortaleza teve muito a ver com a experiência do OP de São Paulo. O paulistano tinha esse trabalho com os segmentos. Claro, respeitando as características daquela cidade, tinha lá o OP da população de rua, tinha o OP indígena. Fortaleza aparece com outros grupos, mas também mantendo alguns que já existiam em São Paulo. A aproximação com o pessoal que foi responsável pelo OP de São Paulo contribuiu para a construção do desenho do que viria a ser o OP de Fortaleza. A motivação veio de uma trajetória política que apostava na participação, que apostava em uma outra democracia, que apostava no modo petista de governar. E o fato de nós, petistas, termos desenvolvido esse processo, e,

22 É advogada, doutoranda do programa democracia no século XXI, tendo como objeto de estudo as

relações entre conhecimento e democracia, sua trajetória política passa pela militância na área de direitos humanos no CEDECA/Ce onde trabalhou em um programa sobre o direito a participação de crianças e adolescente, foi coordenadora do OP nos anos de 2005 a 2009 o que corresponde a primeira gestão da prefeita Luizianne Lins.

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pra gente, para as pessoas que estavam trabalhando, era uma aposta em um outro tipo de governo. Era acreditar em um outro tipo de participação, não uma participação vazia, mas uma participação que era meio e fim. Era fim porque era direito das pessoas e meio porque a participação era um meio de levar mais justiça social. Então esse era o desejo das pessoas que estavam mais à frente do desenho do OP de Fortaleza (Neiara de Morais, entrevista concedida em: 06/01/2017).

O primeiro convite ‘aos novos canais’ de participação foi na elaboração do

PPA – Plano Plurianual. O PPA, sempre tido como uma peça técnica em que as ações

advinham somente dos planos de governo, na gestão de Luizianne Lins, segundo

Neiara de Morais23 (2009, p.16), “foi o primeiro Plano Plurianual Participativo do Brasil

(…) mais de 6.000 pessoas participaram das assembleias”:

A grande ousadia do primeiro ano foi fazer um PPA também participativo. Como o PPA só é feito uma vez em cada gestão, a equipe não quis perder a oportunidade de já fazer uma discussão participativa. O desenho da participação foi muito voltado para a divisão regional da cidade, seguindo as linhas territoriais e por segmento. Nesse primeiro momento, a gente procurou movimentos das cidades, principalmente o Movimento dos Conselhos Populares, que estava surgindo na mesma época. Com a ajuda deles conseguimos mobilizar e realizar o PPA. O resultado das discussões foram encaminhadas para a equipe técnica, que ia formatando o PPA enquanto outra equipe já ia desenhando o OP. Muitas coisas, com a experiência do PPA, foram reavaliadas, por exemplo, a necessidade de se fazerem muito mais assembleias. Não dava para fazer apenas uma por regional, principalmente por conta do tamanho de Fortaleza dificultando o deslocamento, o que acabaria por priorizar o bairro em que a assembleia estivesse sendo feita. Claro que isso foi feito com grandes dificuldades, pois como não se tinha uma estrutura administrativa, também não tinha uma previsão orçamentária. A participação pressupõe investimentos também, até para garantir uma infra-estrutura para realizar as atividades (Neiara de Morais, entrevista concedida em: 06/01/2017).

O PPA agregou as demandas de forma regionalizada por quatro eixos

fundamentais da gestão municipal:

a) democratização e participação popular;

b) distribuição da riqueza;

c) meio ambiente urbano;

d) direitos humanos para todos e todas.

23 É advogada, doutoranda do programa democracia no século XXI, tendo como objeto de estudo as

relações entre conhecimento e democracia, sua trajetória política passa pela militância na área de direitos humanos no CEDECA/Ce onde trabalhou em um programa sobre o direito a participação de crianças e adolescente, foi coordenadora do OP nos anos de 2005 a 2009 o que corresponde a primeira gestão da prefeita Luizianne Lins.

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Ao todo, no PPA, foram apresentadas 650 propostas de programas para a

Prefeitura de Fortaleza. Estas propostas foram discutidas entre os 168 delegados e

delegadas eleitos(as) nas assembleias deliberativas e com os Secretários Municipais,

nas reuniões do Fórum Municipal de Delegados e Delegadas do PPA Participativo. Do

total destas propostas, 141 foram incorporadas pela Prefeitura Municipal de Fortaleza

ao PPA 2006-2009, aprovado pela Câmara Municipal de Fortaleza através da Lei

9.044, de 30 de novembro de 2005 (PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA,

2005).

Ao implementar o PPA Participativo, além de testar a metodologia pensada

para o OP, a ideia da PMF era a de já no primeiro ano de governo tornar a cidade uma

referência em planejamento de políticas públicas e em práticas de democracia

participativa, conforme a mensagem que acompanha a Lei do PPA 2006-2009:

Ao discutir o planejamento integrado das políticas públicas municipais, o PPA Participativo de Fortaleza se coloca como referência para os demais municípios do Brasil e do mundo e contribui com o aprofundamento das práticas de democracia participativa (...) O primeiro passo foi dado com a realização do PPA Participativo. Os resultados não deixam dúvidas sobre a vontade e capacidade da população de Fortaleza em dividir com a Prefeitura a enorme responsabilidade de esta Cidade, tornando-a mais bela, justa e radicalmente democrática. E é só o começo. Vem aí o Orçamento Participativo, que vai discutir, a partir dos eixos definidos no PPA Participativo, quais as obras e serviços que deverão ser priorizados pela administração pública municipal (PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA, 2006, p. 40-41).

Quando foi instituído, o OP trazia em seu cerne dois desafios: o primeiro

era a enorme expectativa em relação ao atendimento de demandas historicamente

reprimidas, até então pelo poder público. O outro era acomodar esses anseios dentro

dos limites do orçamento e da realidade pública. Por isso, o desenho do OP, tanto

para a gestão como para a população, precisava contemplar essas vontades. A

participação exigia uma readequação da máquina administrativa, incentivando a

abertura de caminhos para que esse diálogo pudesse acontecer.

Para isso foram definidos oito princípios norteadores do OP de Fortaleza:

que constituem a base de todas as suas ações, sendo assim delineados: (Morais et

al, 2005)

a) Deliberação Popular – Essa característica de decisão aponta para a

existência de um compromisso político e financeiro do governo em

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relação ao processo de participação. As deliberações da população, por

meio de conselhos de representantes especialmente eleitos, são

transformadas em valores que integrarão o planejamento orçamentário

para o próximo exercício.

b) Territorialidade (Assembleias Territoriais) – Priorizando as reuniões nos

bairros onde se originam as demandas, o Orçamento Participativo

fortalece os vínculos do cidadão com a sua região e incentiva a

ampliação de laços de vizinhança e sociais. Assim, o Orçamento

Participativo constitui um mecanismo de ampliação do espaço público

e fortalece os laços de integração e solidariedade entre as

microrregiões, tornando-se uma ferramenta de planejamento capaz de

reverter a lógica da exclusão social e territorial. Autorregulamentação –

As regras a serem seguidas no processo são elaboradas pelos próprios

membros do Conselho do Orçamento Participativo (COP). É tarefa do

COP, em que somente os representantes diretamente eleitos pela

população têm direito a voto, definir o Regimento Interno do Orçamento

Participativo e modificá-lo, quando necessário, para adaptação às

mudanças da dinâmica social.

c) Formação Cidadã – O aprendizado coletivo viabilizado pelo Orçamento

Participativo, sobre os problemas da cidade e as formas de constituição

das políticas públicas, se transforma em veículo de inclusão e de

compartilhamento de ideias e vivências do dia a dia. Visto dessa forma,

o Orçamento Participativo é, mais do que um instrumento de

democratização da gestão, transparência e eficiência administrativa, um

verdadeiro mecanismo de inclusão e cidadania ativa.

d) Cidadania Ativa – O Orçamento Participativo procura promover o

exercício da cidadania ativa em todos os seus aspectos, quando

procura viabilizar um estado pleno de autonomia que possibilite ao

cidadão saber escolher, poder escolher e garantir efetividade às

escolhas.

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e) Universalidade, Autonomia e Voluntariedade da Participação – O

Orçamento Participativo é um espaço em que qualquer cidadão,

independentemente de credo religioso, etnia, idade ou orientação

sexual, pode discutir e decidir sobre as ações do município. Dessa

forma, o Orçamento Participativo contribui para reverter a lógica da

gestão das políticas públicas propagadas pelos modelos tradicionais,

ao ampliar, com cumplicidade e colaboração, os canais de diálogo entre

população e governo.

f) Segmentos Sociais – O Orçamento Participativo incentiva e fortalece a

participação dos grupos sociais marginalizados, realizando atividades

específicas a eles afetas e, dessa forma, contribuindo para uma melhor

representatividade desses segmentos sociais no processo.

g) Cogestão das Políticas Públicas – O Orçamento Participativo procura

combinar a democracia representativa com a democracia direta,

fortalecendo a gestão pública e o exercício da cidadania e ampliando

os canais de diálogo entre população e governo.

h) Controle Social – O Orçamento Participativo democratiza o acesso às

informações sobre a execução orçamentária, ensejando que a

população acompanhe e fiscalize as ações do governo e, assim,

mantenha o controle social dos gastos públicos, o que contribui para

maior transparência da gestão.

4.2.2.1 Os ciclos do OP

As atividades do OP são chamadas de ciclos por se renovarem

anualmente. A metodologia do OP envolveu mecanismos de participação direta e

indireta; recorrendo à participação direta da população, sobretudo na fase

preparatória e deliberativa. Nesta última, é onde se discutiam e se elegiam prioridades

para serem aprovadas pelo Conselho do Orçamento Participativo para as diferentes

regiões da Cidade. Esse formato prevaleceu até 2009 e toda a metodologia tinha um

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regimento interno que normatizava cada etapa do ciclo.

Algumas coisas de Porto Alegre a gente julgava que eram muito importantes serem trazidas para Fortaleza. Por exemplo, o fato de que era população quem redigia o regulamento. A prefeitura não tinha direito a voto no desenho das regras do OP. Era umas características importantes de Porto Alegre e também uma característica rara, que não se consegue encontrar em outros lugares. Não encontrei em outras oportunidades que tive o privilégio de acompanhar. Mas Fortaleza tinha isso. E outra coisa que fizemos foi com que o OP não tivesse apenas a determinação com investimento, com obras físicas. A maioria dos OP’s faz, mas a gente não queria fazer isso. A gente acreditava que grande parte da discussão das políticas públicas e dos serviços podia ter espaço para discussão dentro do OP. Então esse formato, não estabelecendo um valor, incluindo os segmentos, dando ênfase ao OP criança, a discussão do regulamento e o formato do conselho. Esse desenho de Fortaleza também previa algumas regras que ajudassem a distribuição geográfica desses recursos, que tivessem a ver com a realidade socioeconômica desses grupos. É importante também lembrar que esse formato precisava ser refeito todo ano. Então houve mudanças ano a ano. Todos os anos a experiência era avaliada e o regimento era revisto e alterado para o ano seguinte (Neiara de Morais, entrevista concedida em: 06/01/2017).

Em Fortaleza, o processo que formatou o desenho do OP seguiu a

premissa de facilitar ou permitir a participação, independentemente dos participantes

estarem organizados ou não. Ou seja, a gestão Municipal, na expectativa de estimular

a participação, ainda que individual, e na tentativa de evitar o monopólio em torno da

atuação política de lideranças comunitárias, adotou o princípio do direito geral de

participação.

O OP tem uma vantagem que é de chegar às demais pessoas. Outros instrumentos de participação normalmente, não trazem cidadãos que não carregam uma história ou um histórico de participação que não venha de uma organização política, mesmo que seja uma associação comunitária. O OP traz outros tipos de pessoas. Tinham coisas que aconteciam nas assembleias que não vão acontecer em discussões grandes. Por exemplo, estava em uma assembleia na Regional III, e vinha passando uma catadora, que viu a reunião e perguntou o que era aquilo. Ela estacionou o carrinho, com os resíduos que ela havia recolhido, entrou, quis apresentar uma proposta sobre a reciclagem de lixo na Regional III e foi embora. Em outro momento, teve um final de uma assembleia na Regional VI, acho que foi no bairro Dias Macedo e tinha um senhor que não saía nunca lá da escola. A gente já estava desmontando tudo e ele não saía. Daí fui conversar com ele para perguntar o que ele tinha achado da reunião, se tinha gostado. Ele disse, ‘Sim, gostei, achei interessante’. Aí insisti em perguntar: ‘O que senhor queria? O senhor esperava algo mais da assembleia?’ Ele disse: ‘Não. Eu sabia que aqui ia ter muita gente, e tô querendo muito arranjar uma namorada nova...’ (Risos). Enfim, o que importa é que ele compareceu à assembleia do OP. O que quero demonstrar aqui é que as assembleias do OP eram mais abertas, mais inclusivas e que traziam pessoas e podiam aproximar pessoas, trazendo suas demandas e discutindo suas demandas de uma forma mais interessante (Neiara de Morais, entrevista concedida em: 06/01/2017).

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O ciclo do Orçamento Participativo se estrutura basicamente em quatro

grandes momentos: preparação, deliberação, negociações do COP e Controle Social,

conforme (Figura 8).

Fonte: PMF, 2008.

Momentos de preparação – Reuniões e Assembleias Preparatórias: as

reuniões preparatórias eram direcionadas para as comunidades, associações, grupos

organizados, escolas, universidades, etc; e as assembleias preparatórias

compreendiam atividades públicas de abertura do ciclo no OP nas regionais da

cidade. As duas atividades informam o que é o orçamento público e preparam para a

etapa das decisões.

Momento deliberativo – Assembleias Deliberativas: ocorriam com o objetivo

de eleger delegados e delegadas do Orçamento Participativo, bem como era o espaço

onde cada participante votava e priorizava proposta de obras e serviços que atendiam

aos eixos de atuação da prefeitura. A eleição dos delegados se dava por livre escolha

Figura 8 Ciclo do orçamento participativo de Fortaleza de 2005 a 2009

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dos presentes, a partir das candidaturas apresentadas e votadas no próprio momento

em que ocorrem as assembleias deliberativas. Os delegados funcionam como

intermediários entre a população e o Conselho do Orçamento Participativo,

individualmente ou como participantes das organizações comunitárias e temáticas.

Também fiscalizam e supervisionam a implementação do Orçamento Participativo e

a atuação do Executivo.

As propostas apresentadas nessa fase do ciclo do OP devem estar de acordo com as áreas de atuação da Prefeitura, segundo 13 eixos temáticos: meio ambiente, assistência social, saúde, trabalho e renda, educação, segurança, infraestrutura, direitos humanos, turismo, cultura, transporte, habitação, esporte e lazer. Cada participante pode votar em três das propostas apresentadas, sendo que cada uma deve pertencer a um eixo diferente e receberá uma pontuação. A proposta escolhida em primeiro lugar pelo participante receberá 3 pontos, a escolhida em segundo lugar 2 pontos, e a escolhida em terceiro receberá 1 ponto. Após esse momento de contagem dos pontos, é feito um ranking de propostas por ordem de prioridade de demanda, começando pela de maior votação. Eleitos os delegados dos Fóruns Regionais, elegem-se os conselheiros entre seus pares, os quais irão compor o Conselho do Orçamento Participativo (COP), que se constitui no órgão máximo de deliberação do OP (PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA, 2009, p. 23).

Segundo o artigo 5º do Regimento Interno do OP, o número de

conselheiros territoriais a serem eleitos em cada um dos Fóruns Regionais de

Delegados(as) do Orçamento Participativo devia obedecer à seguinte proporção:

1. Até 30 delegados(as): 6 conselheiros

2. De 31 a 45 delegados(as): 7 conselheiros

3. De 46 a 60 delegados(as): 8 conselheiros

4. De 61 a 75 delegados(as): 9 conselheiros

5. De 76 a 85 delegados(as): 10 conselheiros

6. De 86 a 100 delegados(as): 11 conselheiros

7. De 101 a 115 delegados(as): 12 conselheiros

8. De 116 a 130 delegados(as): 13 conselheiros

9. De 131 a 145 delegados(as): 14 conselheiros

10. A partir de 146 delegados(as): 15 conselheiros

No caso dos conselheiros a serem eleitos para representar os segmentos

sociais (mulheres, população negra, portadores de deficiência, jovens, idosos e

LGBTT) a proporção é a seguinte:

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1. Até 15 delegados(as): 2 conselheiros(as)

2. De 16 a 30 delegados(as): 3 conselheiros(as)

3. De 31 a 45 delegados(as): 4 conselheiros(as)

4. De 46 a 75 delegados(as): 5 conselheiros(as)

5. De 76 a 105 delegados(as): 6 conselheiros(as)

6. De 106 a 135 delegados(as): 7 conselheiros(as)

Para representar o segmento criança e adolescente, os delegados eleitos

por este setor devem escolher por votação, 12 conselheiros(as) titulares e 12

conselheiros(as) suplentes.

Momento de negociações do COP: os fóruns de delegados e de delegadas

escolhem os conselheiros de cada regional para compor o Conselho do Orçamento

Participativo (COP). Todas as demandas classificadas nas deliberativas vão para a

negociação no COP com o governo.

No Artigo 4º do Regimento Interno do Orçamento Participativo, o COP é

definido da seguinte maneira:

Artigo 4º - O Conselho do Orçamento Participativo (COP) é um órgão de participação direta da comunidade, tendo por finalidade mobilizar, planejar, propor, fiscalizar e deliberar sobre a receita e despesa do Orçamento do Município de Fortaleza, na forma prevista no presente regimento (FORTALEZA, 2007, p. 2).

O Conselho do Orçamento Participativo – COP – era a instância máxima

de deliberação do processo do Orçamento Participativo. O COP reunia os(as)

conselheiros(as) do Orçamento Participativo indicados: pelas plenárias dos Fóruns de

Delegados(as); pelos Conselhos Municipais de Co-gestão (como, por exemplo,

Conselho Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente, Conselho Municipal de

Assistência Social, Conselho Municipal de Habitação, Conselho Municipal de Saúde,

etc.); e os conselheiros da Gestão Municipal, estes indicados pelo Poder Executivo

Municipal. Segundo o Regimento Interno do Orçamento Participativo, os conselheiros

que representam a gestão municipal são os únicos que não têm direito a voto nos

trabalhos do COP24. O mandato de Conselheiro do Orçamento Participativo dura

aproximadamente um ano e se encerra no ato de posse dos conselheiros do ano

24 Conforme § 1º do artigo 5º do Regimento Interno do Orçamento Participativo.

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subsequente. A cada conselheiro é permitida somente uma reeleição.

A principal função do COP é deliberar junto aos secretários municipais e

técnicos da PMF sobre quais propostas de obras e serviços, aprovadas nas

assembleias deliberativas, deverão constar no Plano de Obras de Serviços (POS).

Após as deliberações no COP, as demandas são incluídas na LOA com as outras

ações do governo. Este é o documento final do processo do Orçamento Participativo

enviado à Câmara de Vereadores de Fortaleza (CMF). Também competia ao COP a

apreciação, o acompanhamento e fiscalização da execução das obras e serviços que

integram o POS, junto aos órgãos executores da PMF.

4.2.2.2 Áreas/Territórios de participação do OP

A dimensão e as diferenças marcantes tanto econômicas, populacionais e

sociais das secretarias regionais de Fortaleza, compeliram, no processo de

implementação do OP, a um rearranjo e criação de novas áreas, chamadas aqui de

áreas de participação – AP’s. As AP’s eram as bases territoriais para a realização de

assembleias preparatórias e deliberativas de 2005 a 2009 e das assembleias

preparatórias e eletivas de 2009 a 2012. Sobre a criação das AP’s, a gestão defendia

o seguinte:

[...] os vínculos do cidadão com sua região e incentivar a articulação dos laços sociais. Dessa forma, ele se constitui como um mecanismo de ampliação do espaço público, possibilitando a integração e a solidariedade entre as microrregiões, tornando-se uma ferramenta para o planejamento que inverte a lógica da exclusão social e territorial (CADERNOS DE FORMAÇÃO, Nº 1, 2005, p. 8).

O OP começa em 2005 com quatorze áreas de participação (AP’s),

distribuídas da seguinte forma: duas nas Regionais I, II, III, IV, e três nas Regionais V

e VI. No segundo ano de OP Fortaleza, o número de AP’s sobe para 40 e de 2007 a

2009 aumenta ainda mais, para 51 AP’s. Mas, a partir de 2010, o número de AP’s

começa a ser reduzido. Ficando em 26 no final da proposta.

Muitas coisas, com a experiência do PPA, foram reavaliadas, por exemplo, a necessidade de se fazerem muito mais assembleias. Não dava para fazer apenas uma por regional, principalmente por conta do tamanho de Fortaleza dificultando o deslocamento, o que acabaria por priorizar o bairro em que a assembleia estivesse sendo feita. Claro que isso foi feito com grandes dificuldades, pois como não se tinha uma estrutura administrativa, também não tinha uma previsão orçamentária. A participação pressupõe investimentos também, até para garantir uma infra-estrutura para realizar as atividades. Então os primeiros anos foram feitos de uma forma improvisada.

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Improvisado mesmo, a gente pedia e contava com as outras Secretarias para que custeassem a convocação e a realização das assembleias. Algumas emprestavam cadeiras, outras cediam os locais, outras bancavam os lanches, tudo meio improvisado. Foi difícil, mas tinha um lado positivo, porque aí fortalecia um entrosamento nosso (equipe do OP) com as outras Secretarias (Neiara de Morais, entrevista concedida em: 06/01/2017).

As áreas de participação foram segmentadas a partir de relativas

semelhanças. Os critérios utilizados foram principalmente aqueles referentes às

carências sociais. Um dos indicadores utilizado foi o IDH dos bairros, para compor

áreas com bairros com perfis similares. Acerca disso, é interessante lembrar neste

ponto das afirmações de Saquet (2003), sobre a efetivação de um território:

[...] as forças econômicas, políticas e culturais, reciprocamente relacionadas, efetivam um território, um processo social, no (e com o) dos indivíduos, em diferentes centralidades/temporalidades/territorialidades. A apropriação é econômica, política e cultural, formando territórios heterogêneos e sobrepostos fundados nas contradições sociais (SAQUET, 2003, p.28).

Desta forma, é possível afirmar que as áreas de participação podem ser

definidas como territórios ou territorialidade

Pode vir a ser encarada tanto como o que se encontra no território, estando sujeito à sua gestão, como, ao mesmo tempo, o processo subjetivo de conscientização da população de fazer parte de um território [...] A formação de um território dá às pessoas que nele habitam a consciência de sua participação, provocando o sentido da territorialidade que, de forma subjetiva, cria uma consciência de confraternização entre elas (ANDRADE, 1995, p. 20).

Santos (2011) também discorre sobre o território e a política redistributiva:

A localização das pessoas no território é, na maioria das vezes produto de uma combinação entre forças de mercado e decisões de governo. Como o resultado é independente da vontade dos indivíduos atingidos, frequentemente se fala de migrações forçadas pelas circunstâncias a que se alude acima. Isso equivale também a falar de localizações forçadas. Muitas destas contribuem para aumentar a pobreza e não para a suprimir ou atenuar. Uma política efetivamente redistributiva visando a que as pessoas não sejam discriminadas em função do lugar onde vivem, não pode, pois, prescindir do componente territorial. É a partir dessa constatação que se deveria estabelecer como dever legal - e mesmo constitucional - uma autêntica instrumentação do território que a todos atribua, como direito indiscutível, todas aquelas prestações sociais indispensáveis a uma vida decente e que não podem ser objeto de compra e venda no mercado, mas constituem um dever impostergável da sociedade como um todo e, neste caso, do Estado (SANTOS 2011 p. 192).

Em entrevista a um dos participantes do OP, foi possível perceber que a

divisão das AP’s facilitou a participação

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Eu antes não participava de nada, tudo que acontecia aqui na Regional era longe. Tinha que pegar ônibus. Quando foram dividas as áreas e as assembleias passaram a ser perto de casa, passei a ir a todas. Não só a ir, como a convidar os vizinhos para irem também. A gente teve a sensação de que finalmente estavam olhando pra gente, pras nossas necessidades. A gente passou a lutar pelas demandas aqui do bairro. E quando a gente conseguiu, foi lá apoiar as demandas do bairro vizinho, porque a gente era da mesma área (Delegada do OP de 2006 a 2011, moradora do bairro Barra do Ceará, entrevista concedida no dia 15/01/2017).

Para apresentar as áreas e ou territórios de participação, optou-se por

apresentar o mapa com o maior número de áreas usadas, ou seja, as 51. Pelo motivo

de ter sido a divisão mais utilizada na elaboração do OP. O mapa 01 apresenta o IDH-

B das 51 áreas de participação e evidencia a dimensão da desigualdade

socioeconômica de cada uma, Os bairros com IDHB baixo e muito baixo somam a

maioria da cidade e se localizam, principalmente nas regionais I, V e VII.

Também é apresentado no (Mapa 1) a delimitação das Zonas Especiais de

Interesse Social – ZEIS, tipo I, delimitadas no plano diretor participativo de Fortaleza

- PDPFOR. As ZEIS tipo I são compostas por assentamentos irregulares com

ocupação desordenada, em áreas públicas ou particulares, constituídos por

população de baixa renda, precários do ponto de vista urbanístico e habitacional e

destinados à regularização fundiária, urbanística e ambiental. Os polígonos das ZEIS

tipo I ocupam uma área aproximada de 3% do município, porém, de acordo com os

dados do Censo 2010, abrigam uma população de cerca de 9% dos fortalezenses.

Estes dados mostram a importância de se realizarem investimentos nessas áreas,

visto que abrigam parcela significativa da população da cidade, em condições de

vulnerabilidade social e, muitas vezes, ambiental.

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Figura 9 – Área de participação e IDH por bairro de Fortaleza

Fonte: Madeiro, 2017

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Essa forma de redividir Fortaleza atendeu a um princípio fundamental do

OP, que é a ideia do poder local e da vida comunitária. Assim se poderia capturar com

maior especificidade as peculiaridades e as necessidades expressadas nas

demandas de cada área. A territorialidade é o único princípio dos nove que privilegia

diretamente as grandes massas populacionais.

4.2.2.3 Os segmentos sociais

A criação de um ciclo exclusivo para os segmentos sociais do OP teve o

objetivo de levar a discussão para além da desigualdade social. Foi principalmente

para dar voz às ditas minorias que sofrem exclusões específicas. A política de

participação popular em Fortaleza esteve pautada principalmente na inclusão de

sujeitos ou segmentos sociais historicamente excluídos, como: crianças e

adolescentes, jovens, mulheres, idosos, LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis

e transgêneros), população negra e pessoas com deficiência.

O termo “segmento” mobiliza outros conteúdos simbólicos e semânticos – sentido estático e fracionado, como parte de um todo que ali está – em detrimento da ideia de identidade coletiva e mobilidade, que o termo movimentos sociais denota (CAMARÃO, 2011, p. 71,72).

O protagonismo dos segmentos sociais surgiu como inovador na gestão

Luizianne Lins, tanto que as representações dos segmentos sociais estiveram

presentes nos próprios quadros do governo. Logo, no primeiro ano da gestão

municipal foram criadas Coordenadorias de segmentos sociais (mulher, população

negra, juventude, deficientes, idosos, GLBT etc.) interligadas diretamente ao gabinete

da prefeita, todas elas constituídas com o objetivo de pensar políticas públicas

específicas. Tomaram à frente dessas coordenadorias lideranças de movimentos

sociais, que exerceram um papel preponderante no sentido de mediar a interlocução

dos movimentos sociais com a gestão pública. Isso não significa dizer que a inclusão

dos segmentos nas discussões do OP foi uma tarefa fácil, como se pode perceber na

fala de Neiara:

No começo do OP, teve um episódio marcante para mim até hoje, que inclusive me levou à escolha do meu tema para a tese que estou trabalhando. Houve um impasse entre o movimento de mulheres feministas, que já vinham ali com uma lista de demandas específicas, inclusive muitas discutidas em vários outros espaços e as mulheres das comunidades, que estavam participando das assembleias pela primeira vez e que vinham com demandas mais gerais, tipo: posto de saúde, reforma na escola. Então houve toda uma

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discussão ali, sobre o que seria a participação da mulher no orçamento participativo. Será que existiam mesmo algumas políticas e algumas demandas específicas que eram importantes de serem colocadas pelas mulheres, porque se assim não as fizessem elas não seriam colocadas de forma alguma? Algumas feministas passaram a fazer críticas às mulheres das comunidades por defenderam apenas essas demandas mais gerais e levantaram a questão que essas mulheres precisavam passar por formações políticas. E essas discussões sobre formações perpassavam por todo o OP. Então acho que se a gente quer discutir o direito à cidade, a gente tem que incluir outros olhares sobre o significado desse direito à cidade. Outro olhar sobre as políticas públicas. A importância do OP para mim tem a ver com isso. Ele traz muitas vozes e ele coloca ali, em uma situação de igualdade em uma

assembleia, essas diferentes vozes (Neiara de Morais entrevista

concedida em: 06/01/2017).

Um dado que interessante é o quantitativo superior de participação

feminina do OP, de 2005 a 2010, em todas as regionais, apresentados (Quadro 3)

Quadro 3 – Participantes por sexo e regional

PARTICIPANTES POR SEXO E REGIONAL

REGIONAL SEXO

M F

SER 1 2373 3860

SER 2 1298 2245

SER 3 1670 2831

SER 4 1472 2228

SER 5 3667 6282

SER 6 3807 6888

TOTAL 14287 24334

Fonte: PMF, 2011

A respeito disso, uma das participantes do OP deu o seguinte depoimento:

Quando comecei a ir para as reuniões do OP, nem sabia o que era orçamento. Fui porque uma vizinha chamou. Disse pra gente ir votar pela construção de uma creche aqui no bairro. Tenho quatro filhos e, naquela época, era tudo pequeno. Eu queria ganhar meu ‘dinheirim’ mas não tinha com quem deixar os meninos. Uma creche iria ajudar muito. Lá conheci um movimento de mulheres feministas. E foi lá que aprendi que tinha outros direitos. Eu tinha um marido alcoólatra, que me batia muito e batia nos meninos. Foi na conversa com essas mulheres que tomei coragem de me separar. Não denunciei, mas devia ter denunciado. Mas só de me separar já foi uma vitória,

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pois hoje vivo em paz. Fui pro OP para votar por uma creche, mas acabei depois foi votando pela construção de casa de apoio para as mulheres vítimas de violência, pelo hospital da mulher, pelo papel da casa ser no nome das mulheres e hoje faço parte de um movimento feminista. A minha grande conquista dentro do OP foi saber que eu, mulher, tenho outros direitos (moradora do bairro Vila Velha e participante do OP nos anos de 2005 a 2010, entrevista concedida no dia 11/01/2017).

Um outro segmento que teve uma expressiva participação no OP foi o de

crianças e adolescentes. De forma ousada, a gestão apostou na possibilidade deste

segmento apontar, de igual para igual com os demais, as propostas de realização de

serviços e obras que consideravam importantes para seu bairro ou para a cidade em

sua totalidade. Assim como os adultos, eles debateram, opinaram e propuseram

soluções para os problemas dos lugares em que viviam. Assim como os adultos eles

também escolheram o que consideravam importante para si mesmos e para o

conjunto da população. Não houve distinção no valor dos votos e das propostas

apresentadas. Neiara lembra:

quem vai esquecer o menino inconformado porque sua proposta de aumentar o tempo do recreio nas escolas não foi priorizada? (REVISTA OP, 2009 p. 53).

Na fala do estudante da escola Monsenhor Linhares, José Wellington da

Silva, 12 anos, é possível perceber o empoderamento ocasionado pela abertura da

gestão para esse segmento, ele afirma: “criança também sabe o que quer”.

O OP Criança e Adolescente foi realizado em parceria com a Secretaria

Municipal de Educação e a Fundação da Criança e da Família Cidadã – FUNCI. As

atividades contaram com metodologias e linguagens adequadas às faixas etárias.

Para o OP criança foram realizados 3 tipos de assembleias: a)

assembleias territoriais (uma em cada regional), b) assembleias escolares (em uma

escola municipal de cada regional) e assembleias com os projetos da FUNCI. Cada

uma dessas assembleias possuíam momentos preparatórios e deliberativos.

Camila Maciel, em artigo na Revista OP de 2009. Afirmou o seguinte

“Crianças e adolescentes representam 35% da população, mas quase nunca têm voz

no debate público. Presenciar uma assembleia do OPCA e ver uma criança ocupando

a cadeira central e dirigindo os trabalhos é lembrar a personificação utópica cantada

por Milton Nascimento 'os meninos e o povo no poder eu quero ver'”.

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O OP criança corrobora com a visão de Paulo Freire25 sobre a “utopia do

inédito viável”, trazer as crianças para discutir o orçamento de uma cidade é fomentar

uma participação que contribui com uma visão de que um 'outro mundo, uma outra

cidade é possível'. Uma cidade inclusiva, participativa onde as crianças não serão

consideradas como a esperança para um 'futuro melhor’, mas sim que elas, as

crianças, já estavam contribuindo para um presente melhor.

O pedagogo marroquino-espanhol César Muñoz, entende que o OP criança

é uma opção duplamente válida: em primeiro lugar, por que enseja a participação das

crianças na definição das políticas públicas que o município vai colocar na LOA a elas

dirigidas, ou seja, rompe-se o hábito de que as políticas infanto-juvenis são da alçada

unicamente de adultos e não delas, meras destinatárias, e que nessa condição,

sabem, sentem na pele as próprias carências, em termos de educação, lazer, saúde,

etc. Em segundo lugar, o OP criança funciona como instrumento pedagógico voltado

para a formação de uma consciência cidadã, levando ao público infantil as primeiras

noções de cidadania e, consequentemente, o começo de uma conscientização para

a prática democrática.

Em artigo à Revista OP (2009), Muñoz afirma:

“crianças, adolescentes e jovens tem ideias novas, primeiras, verdes, fruto de suas espontaneidades, de sua capacidade de imaginar e criar. Nós, os adultos, temos ideias fruto de nossa experiência, de nossas memórias e estruturas. As novas cidades surgiriam da cumplicidade entre esses dois tipos de ideias” (CARTILHA OP 2009, pg. 54).

O autor afirma ainda que “participação não se improvisa, requer um

processo de: informação, sensibilização e formação” Por isso defende que essa

participação venha desde a infância.

Muito poderia ser comentado sobre os demais segmentos, mas o enfoque

principal foi destacar que a gestão optou por não tratar de forma igual os desiguais,

deu a eles voz e vez de forma separada, para que suas lutas e bandeira políticas não

ficassem diluídas. Na sessão seguinte, do OP em números, vão ser apresentadas as

demandas aprovadas e o quantitativo por cada segmento.

25 O conceito do inédito viável foi abordado por Paulo Freire nos livros Pedagogia do

oprimido e Pedagogia da esperança, com espaço de vinte anos entre as duas publicações. Uma na década de 1960, no exílio, e a outra já de retorno ao Brasil, na década de 1980.

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4.2.3 O Orçamento Participativo em números

Nesta sessão serão apresentados os números do orçamento participativo,

a quantidade de participantes por ano, a quantidade de demandas aprovadas e

executadas provenientes das assembleias territoriais e por segmento.

Primeiro, é possível destacar que, segundo documentos oficiais da

prefeitura 1.243 organizações populares participaram da elaboração OP durante os

anos de 2005 a 2012. A maioria eram associações de bairro, movimentos sociais

organizados, pastorais, conselhos populares, federações e ONG’s. Alguns

movimentos como a Central de Movimentos Populares (CMP), Movimento de

Conselhos Populares (MCP), a ONG Cearah Periferia, o Movimento de Luta nos

Bairros, Vilas e Favelas – MLB, a Federação de Bairros e Favelas, o Centro de Defesa

da Criança e do Adolescente – CEDECA, eram os mais expressivos em quantidades

de representantes. Mas também uma particularidade do OP Fortaleza era a de incluir

participantes que não necessariamente estavam vinculados a algum tipo de

associação. Essas entidades citadas eram as principais mobilizadoras da população

para participar do ciclo do OP.

Nos anos de 2005 a 2011, conforme (Figura 9) houve significativas

diferenças nos números de participação

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Figura 10 – Número de participantes por ano no OP de Fortaleza

Fonte: SEPLA 2011, elaboração da autora.

As inconstâncias na participação em cada ano têm diversas motivações,

pretende-se apresentar aqui algumas variantes que levaram tanto ao acréscimo

quanto ao declínio dos números.

Em 2005, primeiro ano de OP, um dos fatores que pode ter contribuído para

o número reduzido dos participantes foi a novidade. A mobilização ocorreu

principalmente entre as associações e movimentos populares, não alcançando um

número maior. Outro fator foi que as áreas de participação eram somente 14, o que

atuou como um dificultador do deslocamento de pessoas de um bairro para outro.

Em 2006, 2007 e 2008 os números da participação chegaram aos

patamares mais elevados. Nesses anos as áreas de participação aumentaram. Em

2006 foram para 40 e de 2007 até 2009 as áreas somaram 51. O aumento das áreas

possibilitou a participação de mais pessoas. Nesses anos, a crença positiva no OP e

a mobilização advinda principalmente das associações de bairro, buscando reunir o

maior número de votos em apoio às suas demandas, e na eleição de delegados, foram

cruciais. Também havia o incentivo por parte da gestão quando disponibilizava ônibus

ou vale transporte para fazer o deslocamento de um bairro a outro.

2009 foi um ano singular para o OP. Primeiro houve a mudança de

regimento, o OP passou a ter apenas dois momentos: a assembleia preparatória, e a

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assembleia eletiva. Não havia mais eleição de delegados. Alguns grupos

descontentes, como o MCP, retiraram a participação e o atraso ou não execução de

demandas aprovadas nos anos anteriores, geraram descrença. Houve também a

saída de grupos que já tinha conseguido eleger suas demandas e como já estavam

sendo executadas, deram por encerradas suas participações. Sobre a não execução

das demandas e suas consequências, na sessão de desafios do OP, será abordada

novamente com mais profundidade.

2010 houve um pequeno aumento, mas em 2011 novamente foi

apresentado declínio no número de participantes, pelos mesmos motivos

apresentados anteriormente e também por conta da redução das áreas de

participação do OP.

Na (Figura 10) apresenta-se de forma detalhada essa participação tanto

por território como por segmento e OP criança. Constam os dados até 2010. Os de

2011 não estavam disponíveis em documentos oficiais da PMF.

Fonte: SEPLA, 2011.

No (Quadro 4) serão apresentadas as demandas dos anos de 2005 a 2010,

por segmentos sociais, pelo OP criança e pelas áreas de participação. Aqui foram

2005 2006 2007 2008 2009 2010

0

5000

10000

15000

20000

25000

8020

20373

16971

13975

6332

14722

180

2610

7507

14125

6302

9215

1580

476

17621169

1833

TOTAL DE PARTICIPANTES TERRITORIAIS

TOTAL DE PARTICIPANTES DE SEGMENTOS

TOTAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Figura 11 – Números da participação popular, por território, por segmento e OP criança

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elencadas apenas 29, por conta do redimensionamento que o OP sofreu em 2009,

quando foram reduzidas as atividades. As demandas serão apresentadas em

separado entre: não concluídas e concluídas. O total geral de cada e a porcentagem

de execução ou não, revelam uma realidade que será discutida amiúde nas sessões

de conquistas e percalços do OP.

Quadro 4 – Demandas do OP de 2005 a 2010

(continua)

2005-2010

DEMANDAS TERRITORIO – ADULTO

AP NÃO

CONCLUIDAS CONCLUÍDAS TOTAL

% NÃO CONCLUIDAS

% CONCLUIDAS

FORTALEZA 15 117 132 11 89

1 16 11 27 59 41

2 18 37 55 33 67

3 29 50 79 37 63

4 14 10 24 58 42

5 14 22 36 39 61

6 7 5 12 58 42

7 6 11 17 35 65

8 9 21 30 30 70

9 7 19 26 27 73

10 9 20 29 31 69

11 11 26 37 30 70

12 17 34 51 33 67

13 17 19 36 47 53

14 9 10 19 47 53

15 13 15 28 46 54

16 5 15 20 25 75

17 13 29 42 31 69

18 15 36 51 29 71

19 17 58 75 23 77

20 27 52 79 34 66

21 5 6 11 45 55

22 31 26 57 54 46

23 28 24 52 54 46

24 14 37 51 27 73

25 12 23 35 34 66

26 16 20 36 44 56

27 8 25 33 24 76

28 5 8 13 38 62

29 16 21 37 43 57

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Quadro 4 – Demandas do OP de 2005 a 2010

(conclusão)

Total Resultado

423 807 1230 34 66

DEMANDAS SEGMENTOS SOCIAIS

SEGMENTO NÃO

CONCLUIDAS CONCLUÍDAS TOTAL

% NÃO CONCLUIDAS

% CONCLUIDAS

IDOSOS 8 8 16 50 50

JUVENTUDE 22 22 44 50 50

LGBTT 12 14 26 46 54

MULHERES 11 28 39 28 72

PESSOAS COM

DEFICIÊNCIA 5 11 16 31 69

POPULAÇÃO NEGRA

5 13 18 28 72

Total Resultado 63 96 159 40 60

DEMANDAS DO OPCA

OP SER NÃO

CONCLUIDAS CONCLUÍDAS TOTAL

% NÃO CONCLUIDAS

% CONCLUIDAS

FORTALEZA 5 87 92 5 95

OPCA SER I 9 71 80 11 89

OPCA SER II 3 33 36 8 92

OPCA SER III 7 38 45 16 84

OPCA SER IV 9 28 37 24 76

OPCA SER V 14 24 38 37 63

OPCA SER VI 8 37 45 18 82

Total Resultado

55 318 373 15 85

Total Geral 541 1221 1762 31 69

Fonte: SEPLA, 2011.

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As demandas apresentadas no OP podiam ser de obras ou de serviços.

Podiam ser votadas demandas desde a construção de postos de saúde, por exemplo,

como as que solicitavam a ampliação do horário de funcionamento dos postos de

saúde, ou a ampliação do quadro de funcionários e médicos. Também não havia um

limite orçamentário que, segundo Neiara:

Esse formato tinha vantagens e desvantagens. Esse formato mais aberto onde não se estabelece um valor, tem uma vantagem pois tem um potencial democratizante maior, porque se pode colocar muito mais coisas em discussão [...] mas, por outro lado, tem-se uma dificuldade de monitoramento. O OP poderia aparecer em qualquer serviço ou obra, o valor não estava determinado. Então era uma coisa dispersa em toda a Lei Orçamentária, dificultando muito esse acompanhando (Neiara de Morais entrevista concedida em: 06/01/2017).

Como pode ser observado no quadro 04, 69% das demandas dos anos de

2005 a 2010 foram concluídas. Os valores destinados a essas demandas podem ser

observados na figura 11. Houve variações de investimento ao longo dos anos. Apenas

com exceção do ano de 2009, nos demais os investimentos foram crescentes. No

entanto, quando se compara esses valores destinados às demandas do OP com o

valor do orçamento total do município, figura 12, percebe-se como esses

investimentos têm pouca expressividade com relação ao montante total.

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Figura 12 – Valores destinados as demandas do OP nas LOAS 2006 a 2011

Fonte: SEPOG, PMF, 2016

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Figura 13 – Valores destinados as demandas do OP nas LOAS 2006 a 2011

comparados ao orçamento total do município

Fonte: SEPOG, PMF, 2016

Como essa pouca expressividade do orçamento destinado ao OP, pode

fazer diferença em uma cidade como Fortaleza? Para obter a resposta foi preciso

identificar onde e como esses investimentos foram executados.

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4.3 AS MARCAS ESPACIAIS DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

Para apresentar o que chamamos aqui de marcas espaciais da

participação popular, optou-se por trazer as ideias de Lefebvre (2001) e Harvey (2014)

sobre o direito à cidade, os resultados empíricos das entrevistas com os participantes

do OP e a apresentação das demandas georreferenciadas. Nas palavras de Harvey:

Reivindicar o direito à cidade no sentido que aqui proponho, equivale a reivindicar algum tipo de poder configurador sobre os processos de urbanização, sobre o modo como as nossas cidades são feitas e refeitas (HARVEY, 2014 p. 30).

A proposta desta sessão é buscar elementos no orçamento participativo

em Fortaleza que o valide como um dos instrumentos que propiciou à população,

poder de intervenção nos processos de planejamento da cidade. Sendo, portanto, um

instrumento de reivindicação do direito à cidade.

No (Mapa 01) já foi visto que a cidade de Fortaleza foi dividida em 51 áreas

de participação, nas regionais I, V e VII se concentram as áreas com menores IDH-B,

mas também foram as regionais com bairros que obtiveram o maior número de

participação nos anos de elaboração do OP, como pode ser visto na (Figura 13).

Figura 14 – Bairros com o maior número de participação no OP

Fonte: PMF, 2011

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A participação no OP em Fortaleza veio dos “incomodados”, os que

residem em bairros com maior necessidade de políticas públicas. Destacam-se aqui

as afirmativas de Harvey (2001) e Lefebvre (2014) sobre os grupos ou classes sociais

que podem reivindicar o direito à cidade:

A ideia de direito à cidade não surge fundamentalmente de diferentes caprichos e modismos intelectuais (embora eles existam em grande número, como sabemos). Surge basicamente das ruas, dos bairros, como um grito de socorro e amparo de pessoas oprimidas em tempos de desespero (HARVEY, 2014 p. 15).

Aprofundando o tema, Lefebvre (2001) apresenta a seguinte afirmativa:

Apenas grupos, classes ou frações de classes sociais capazes de iniciativas revolucionárias podem se encarregar das, e levar até sua plena realização, soluções para os problemas urbanos; com essas forças sociais e políticas, a cidade renovada se tornará a obra. Trata-se inicialmente de desfazer as estratégias e as ideologias dominantes na sociedade atual (LEFREBVRE, 2001 p. 113).

A partir dessas citações apresentamos a força da organização popular na

participação no OP em Fortaleza, que foi capaz de barrar um projeto de urbanização

que os atingia de forma negativa e conseguiu propor e aprovar um novo, como foi o

caso do projeto Vila do Mar. A fala de um dos mais respeitados moradores da região,

o Sr. José Tabosa26, relembra um pouco da histórica luta:

A gente tinha uma luta danada aqui no Pirambu, sobre a construção do projeto Costa Oeste, a gente questionava muito, (...) eles queriam desapropriar, eles queriam fazer uma intervenção para pegar a costa e fazer uma avenida, dessas que aguentam carga pesada, para levar mercadoria para o porto do Pécem. A gente não concordou porque essa avenida ia tirar 50 mil pessoas e não tinha onde butar essas pessoas (...) A gente fincou o pé e disse que a gente queria era a urbanização. A gente não queria uma avenida daquele tamanho. A gente queria que o povo tivesse melhor condição. A gente dizia: então nós só sai daqui, se construir moradia pra gente aqui próximo. A gente fez muita manifestação. Acionamos o Ministério Público e eles nunca que conseguiram fazer, porque a gente não aceitava. A gente fazia assembleia geral e conseguia barrar as obras da Costa Oeste. Quando a Luizianne ganhou pra prefeita e começaram aqui no bairro as assembleias do OP, o mesmo povo que se reunia contra o projeto Costa Oeste passou a se reunir, agora dentro do OP. E começamos a apresentar a nossa reivindicação de urbanização. Depois de aprovado no OP, passou a ser chamado Vila do Mar. Conseguimos as moradias do pessoal. Só saíram das casas que iam ser desapropriadas quando as casas novas estavam prontas. Na minha visão, o OP foi muito bom. Nós conseguimos muitas coisas: conseguimos a urbanização da costa oeste (...) Há algumas falhas

26 Sapateiro, aposentado e político, morador do Pirambu desde que nasceu, foi preso e torturado

durante a ditadura militar, foi delegado do OP e participa ativamente dos movimentos populares do bairro.

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porque foi uma experiência muito grande, muito profunda e isso tudo foi através do OP. Outras coisas a gente também aprovou, como: as reformas dos postos de saúde e das escolas, conseguimos o CUCA (...) (José Tabosa, ex delegado do OP, entrevista concedida no dia 23/02/2017).

Os processos sociais modelam o espaço de acordo com os sistemas

incorporados (Santos, 1978), afirma que o espaço urbano:

é um verdadeiro campo de forças cuja formação é desigual (...) O espaço por suas características e por seu funcionamento, pelo que ele oferece a alguns e recusa a outros, pela seleção de localização feita entre as atividades e entre os homens, é o resultado de uma práxis coletiva que reproduz as relações sociais, (...) o espaço evolui pelo movimento da sociedade (SANTOS, 1978, p. 215).

Por isso, concordando com Barbalho (2008), quando afirma que através

do processo democrático, da participação e da cidadania ativa, a participação do povo

na construção de um orçamento participativo não assume uma relação de

consumidor-provedor, mas uma relação de reivindicação de direitos, que vão além

dos direitos clássicos.

Não foram eles, portanto, consumidores dos benefícios ofertados pelo

Estado, mas autores de suas conquistas. Silva (1992, p. 10) afirma que “mudanças

de atitudes dos trabalhadores, as reações do poder organizado, as perdas e os

ganhos políticos (...) vem deixando marcas espaciais significativas”.

Destas marcas espaciais advindas da participação popular três delas

merecem destaques: a construção dos Centros Urbanos de Cultura, Arte, Ciência e

Esporte – CUCAs, o Projeto Vila do Mar e o Hospital da Mulher.

Nos dias atuais, Fortaleza conta com os CUCAs em funcionamento. O

primeiro a ser entregue à população foi CUCA Che Guevarra, que a gestão que

sucedeu mudou o nome para CUCA da Barra.

Os CUCAs foram criados com o objetivo de proporcionar a vivência plena

da condição juvenil, através da disposição de espaços e alternativas de

desenvolvimento sociocultural e econômico. A principal diferença desses

equipamentos é a localização. Todos eles estão localizados em áreas periféricas com

índices de desenvolvimentos baixos e onde não possuíam nenhum outro equipamento

semelhante.

O Projeto Vila do Mar, como foi batizado pela gestão da prefeita Luizianne

Lins, com dimensões ambiental, social e econômica, teve sua redefinição nas ações

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do OP. As obras de urbanização abrangeram as praias da Barra do Ceará, Cristo

Redentor e Pirambu, bairros que formam o chamado Grande Pirambu. Aprovado em

2005, no Orçamento Participativo (OP), o projeto obteve investimentos de R$ 184,2

milhões, provenientes do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC do Governo

Federal, do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social e de uma parceria com

o governo do estado. A ação era esperada havia mais de cinquenta anos pelos

moradores do Pirambu.

Em relação ao Hospital da Mulher, é o segundo equipamento de saúde

gerido pelo município, além do Instituto Dr. José Frota – IJF. A sua importância social

pode ser entendida a partir de que a mais de 50% da população de Fortaleza é do

sexo feminino e esse olhar específico para a saúde feminina foi a principal bandeira

levantada dentro dos movimentos de mulheres.

4.3.1 CONQUISTAS DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

Sobre as conquistas da participação popular, a primeira pergunta que

precisa ser respondida é: Conseguiu redirecionar recursos e construir equipamentos

sociais nas áreas de menor IDH?

Antes de responder à pergunta um dado precisa ser apresentado. No

decorrer dos dez anos, os números mostram que para uma cidade com mais de

2.447.40927 habitantes, apenas 25.770 – maior número de pessoas participantes em

um ciclo do OP Fortaleza, registrada em um mesmo ano – participaram, ou seja,

aproximadamente 1% da população. Como então, esse 1% da população poderia

conseguir redirecionar recursos e influenciar uma gestão em construir equipamentos

sociais em áreas antes esquecidas pelas gestões passadas?

A priori, a resposta poderia até ser negativa, mas é apenas analisando os

números da participação, as demandas executadas, georreferenciando e cruzando as

informações que é possível obter a resposta. Para isso, a opção foi elaborar um mapa

com a metodologia de Kernel.

Através do programa Arcgis, utilizando os seus recursos de geoestatística

espacial é possível através de interpolação de pontos, determinar os locais que

concentram a maior densidade de AP, através da função de Kernel.

27 Números referentes ao censo IBGE, 2010.

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Mapas temáticos Kernel estão se popularizando em vários estudos em

decorrência da possibilidade de espacializar um fenômeno, seja este natural ou social.

Entre os estudos que utilizam a função destacam-se os da área de segurança para

medir a densidade de crimes de uma região e os de climatologia para determinar as

regiões mais quentes da cidade. Nesta pesquisa os “pontos” analisados

corresponderam às ações do Orçamento Participativo em Fortaleza.

É válido ressaltar que a investigação dos “pontos” nos mapas temáticos de

Kernel também podem ser enquadrados como análise de "padrões pontuais", também

denominada de análise de padrões pontuais univariados. Neste tipo de análise,

somente a localização dos pontos é considerada. O mesmo não tem qualquer valor a

ele agregado. Seu único atributo é a localização, diferente das análises de

geoestatística em que os atributos relacionados aos pontos são relevantes. Ou seja,

em nossa pesquisa não é levada em consideração o tipo de ação realizada, apenas

sua localização, desta maneira sendo possível determinar quais as áreas que

possuem uma maior concentração de ações do OP.

Ao observar o mapa 02 e comparar com o mapa 01, onde são apresentados

os bairros com menor IDH, é possível verificar a localização das demandas.

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Figura 15 – Densidade das demandas do OP executadas em Fortaleza por hectare

Fonte: Madeiro, 2017.

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No (Mapa 2), as concentrações das demandas estão nas áreas onde

apresentam o menor a IDH. Então pode ser afirmado que o OP de Fortaleza, por conta

da participação popular, conseguiu redirecionar recursos e levar equipamentos sociais

para as áreas mais pobres da cidade. Conseguiu, no ponto de vista desse estudo,

reconfigurar a cidade de modo que ela possa passar uma imagem social diferente

daquela que lhe foi dada.

Quem eram então esses 1%? Que classes sociais participaram? Um dos

coordenadores do OP esclarece:

tinham muitos moradores, que participavam de movimento pela moradia. Eles tinham um peso muito grande. Quem participava era a população trabalhadora. Muitas mulheres. Militantes de esquerda, sem partido, estavam lá porque queriam ver a coisa acontecer e gostavam da discussão. Essa foi a cara do OP! Foram os extratos mais populares, ou seja, sem poder econômico, que viram no OP uma possibilidade, de se inserir na decisão de como o gasto público é feito. De fato se inseriram e fizeram isso. Fizeram com agressividade e coragem. (ex-coordenador do OP, entrevista concedida no dia 22/02/2017)

As conquistas do OP vão para além da execução das obras e serviços.

Estão principalmente no papel da participação popular na elaboração do orçamento,

no empoderamento dos grupos historicamente excluídos dos processos decisórios e

na luta pelo o direito à cidade. Talvez a maior conquista do OP não possa ser resumida

em obras, mas sim na conquista do direito de participar. Como explica o Sr. Zé

Tabosa:

Eu particularmente achei que o OP foi uma experiência rica. É para ser uma norma. Nós pagamos os impostos do governo, e quem tem que decidir é a gente o que nós queremos. Vi a primeira experiência do OP no Rio Grande do Sul, quando fui para o Fórum Social Mundial, e achei muito interessante aquilo ali. Achei que aqui também funcionou. A gente tinha o movimento popular de todos os bairros. A gente se juntava nas regionais, discutia. Era aquela euforia de nova visão política dos descamisados. Ô bicho pra não gostar de política são os descamisados, o povo pobre. Mas a gente fazia assembleia geral com 600, 700 pessoas aqui no Carlito Pamplona. Juntavam-se os 14 bairros para tirar os delegados, apresentar propostas. Aquilo era uma efervescência, que não tinha nas outras administrações. Passei por muitas administrações. Tinha assim: na época do Juracy, ele tentou trazer a Câmara para os bairros, mas aí era só para ouvir a ‘lamentação’ da gente. Lamentar que estava faltando isso ou aquilo. Lá na rua onde eu moro, na minha rua, no meu bairro, a gente ficava lamentando e eles anotando. Já o OP tinha outra conexão, a gente conseguia aprovar e ia para o conselho e no conselho a gente decidia as demandas mais importantes, emergencial. Achei aquela experiência rica, o povo participava e o OP era assunto a semana toda. As mulheres conversavam aqui nas calçadas. O vizinho passava e perguntava da reunião do OP. O OP fez a gente ter voz. A gente não era só ouvido. A gente decidia as coisas. (José Tabosa, ex delegado do OP, entrevista concedida no dia 23/02/2017).

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Nessa perspectiva, o cidadão, aqui representado pelo o Sr. José Tabosa

além de ser alguém que exerce o direito, cumpre deveres e goza de liberdade em

relação ao Estado, foi também titular, ainda que parcialmente, de uma função ou poder

público. Milton Santos no seu livro o espaço da cidadania (2011) fala do inalienável

direito a uma vida descente:

Do direito à cidade aos direitos territoriais por exemplo, na esteira do que escreveu Henri Lefebvre, muito se fala em “direito à cidade”. Trata-se, de fato, do inalienável direito a uma vida decente para todos, não importa o lugar em que se encontre, na cidade ou no campo. Que um direito à cidade, o que está em jogo é o direito a obter da sociedade aqueles bens e serviços mínimos, sem os quais a existência não é digna. Esses bens e serviços constituem um encargo da sociedade, através das instâncias do governo, e são devidos a todos. Sem isso, não se dirá que existe o cidadão (SANTOS 2011 p. 209)

As conquistas do OP apontam para o direito de obter esses bens e serviços,

na tabela 04, aponta que 69% das demandas aprovadas durante os anos de 2005 a

2012 foram executadas, e conforme o mapa 01, nas áreas onde havia necessidades

reais.

O que não pode ser afirmado a contento é se houve inversão de prioridade

no orçamento por conta do OP ou por conta das demais políticas da gestão, conforme

o depoimento de Neiara:

Acho que houve uma inversão de prioridade, mas eu não sei dizer em que medida isso é apenas consequência do OP. Não dá para separar isso. Quer dizer, já foi uma gestão que pelo seu programa de governo, por tudo que a gestão era, ela propunha uma mudança, uma inversão de prioridades. Acho difícil a gente conseguir isolar um desses fatores: foi OP, foi a gestão? Foi o OP fez a gestão ser, ou a gestão que fez o OP ser? A coisa pode ficar muito confusa aí, mas eu acho que no encontro do geral houve uma inversão e acho que essa inversão foi uma das principais razões para o descontentamento de uma parcela da sociedade. Estava bem claro a prioridade de redistribuir, de inverter os gastos com investimentos com obras que anteriormente eram obras que só aconteciam na Regional II e ponto final. Era a Fortaleza cartão postal. Então isso desapareceu. Quando a gente ia para a discussão sobre obras no OP, as regionais que começaram a ter mais recursos, por conta do OP, foram as regionais V e VI. Então o OP tentava através daquela conta matemática que levava em consideração o IDH, também promover essa redistribuição. Acho que sem dúvida foi essa redistribuição que incomodou muita gente. Não saberia era dizer corretamente qual a parcela do OP nisso, da gestão, da pressão popular... Aí é melhor a gente entender que são muitas as variáveis que incidem. Uma das discussões que eu achava infrutífera que acontecia no começo no OP lá em Porto Alegre, era quem criou o OP? O OP foi uma criação da sociedade civil ou do governo? É uma discussão que não cabe, são as duas coisas. Muitas pessoas, inclusive muita gente que passou a fazer parte do governo, era sociedade civil até ontem, e também ajudou a desenhar aquilo. Acho que é importante o OP ser apontado como uma das ferramentas que levam a isso. Inclusive apontar o por quê. Aqui tentei dizer algumas: em todo o processo do OP essas Regionais (se referindo as de menor IDH) tinham mais delegados, mais recursos. Essas pessoas tinham o

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mesmo acesso que as outras, que pela primeira vez os Secretários iam para lá. Elas tinham uma quantidade de conselheiros e delegados também que favorecia isso, então, tudo isso é uma tentativa de promover a igualdade, de redistribuir os recursos de uma maneira mais igualitária na cidade (Neiara de Morais, entrevista concedida em: 06/01/2017).

4.3.1 A DEMOCRACIA NÃO CABE NO ORÇAMENTO: PERCALÇOS DA

PARTICIPAÇÃO

Afirmar que a participação popular na elaboração do orçamento nesses

anos de gestão não sofreu percalços seria assumir que não houve erros e que todo o

processo foi legítimo, sem falhas e plenamente satisfatório. No entanto, ao aprofundar

a pesquisa foi possível perceber que muitos fatores contribuíram para que o processo

participativo implementado pela gestão sofresse críticas.

O principal problema enfrentado foi a não execução de obras aprovadas

no OP. A gestão incentivou a participação, criou canais participativos e as demandas

por serviços e obras chegaram em grande volume, porém não houve, a priori, a

compatibilização dos recursos orçamentários com a elevada demanda, acarretando a

não execução em parte de demandas aprovadas. Como efeito, muitos setores da

sociedade passaram a desacreditar o processo participativo, isso pode ser observado

na queda do número de participantes em 2009, conforme a figura 09.

As demandas quando começaram a ser analisadas esbarraram em uma

série de restrições legais, em tecnicidades e em burocracias da máquina pública.

Neiara esclarece a origem dos problemas:

O OP tinha problema de execução. O OP de Fortaleza tinha o problema que se deliberava muita coisa e a gestão não tinha capacidade para executar tudo aquilo. Como era o conselho quem fazia o regimento, às vezes a quantidade e coisas que eram aprovadas se tornavam inviáveis. Não havia interesse da gestão em aprovar coisas no OP e não executar, o que precisava aí era ter a noção mesmo de capacidade da gestão. Para o OP, a confiança é fundamental e não executar aquilo que se compromete a executar é muito ruim para o processo. Termina gerando expectativas muito altas e a relação da expectativa com o resultado vai ser o determinante na confiança. Tenho visto outras experiências em Portugal, por exemplo, em que optaram em começar pequeno, começar com um valor pequeno e uma quantidade pequena de obras, mas mostrar à população que isso é levado a sério, que vai ser executado e o processo vai crescendo ao longo dos anos. Acho que, a situação de Fortaleza, onde a possibilidade de se comprometer com muitas coisas principalmente nos primeiros anos, teve o problema de execução e algumas mudanças que ocorreram na segunda gestão foram por conta disso. Era uma maneira de repactuar com a cidade, com os conselheiros, com os delegados e trazer um novo formato que desse conta disso aí e gerasse

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confiança nas pessoas (Neiara de Morais, entrevista concedida em: 06/01/2017).

Vanda Souto (2013), em sua pesquisa do mestrado, realizou uma entrevista

com o coordenador do OP, à época, Elmano de Freitas, onde foi revelado o seguinte:

[...] quando assumimos a coordenação, criamos uma Comissão de Participação Popular que incluía outros setores como: sindical, e as coordenadorias de mulheres, juventude e movimento populares. [...] e que institucionalmente passou a ser ligado ao Gabinete da Prefeita. [...] Com relação às assembleias, continuou no mesmo formato; o que mudou é que nas assembleias deliberativas, as demandas sociais mais votadas vinham antes para o governo. [...] A Secretaria de Planejamento, ao planejar o Orçamento Público, cruzava estas demandas (do OP) com as demais que já estão comprometidas, e só depois desta articulação sai o que é destinado às demandas do OP [...] porque o governo não consegue abarcar todas as demandas. E também passam por um processo de viabilidade técnica para depois voltar para o Conselho do OP. Então, realizava-se uma devolutiva para os conselheiros, uma lista de demandas, demonstrando o que era viável ou não de ser executado das demandas aprovadas nas assembleias. (Entrevista com Elmano de Freitas, realizada em 15/01/2011 pela pesquisadora Vanda Souto, 2013, p. 84).

O que é perceptível nas duas afirmativas é que por conta do grande número

de demandas era inevitável ter problemas com a execução. A metodologia do

processo do OP, fez com que democraticamente fossem eleitas demandas que não

cabiam no orçamento. Talvez por isso, ao longo dos anos, houve mudanças tanto

metodológicas, como nas áreas de participação, já identificadas na pesquisa nas

sessões anteriores.

Um outro fator foi a prática de algumas lideranças comunitárias, ou melhor

dizendo, cabos eleitorais, que arregimentavam um grande número de pessoas para

votarem em suas propostas e na maioria das vezes vinculavam a aprovação da

demanda com a ‘ajuda do vereador do bairro’. A base política desses indivíduos

estaria ainda exposta às antigas regras do jogo, à velha lógica clientelista.

Outro fator extremamente recorrente foram as demandas por questões

pontuais, onde o proponente buscava resolver somente o problema de sua rua, do

seu entorno sem a preocupação maior com os problemas do seu bairro ou regional.

Muitos deles participavam para conseguir o asfalto na sua rua, mas não tinham

conhecimento dos indicadores sociais sobre saúde e educação da sua regional, do

seu bairro, muito menos conhecimento sobre a quantidade de equipamentos públicos

e qualidade de funcionamento. Esse desconhecimento vem justamente da falta de um

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diagnóstico que deveria ser fornecido pela prefeitura aos participantes como mais um

instrumento de formação cidadã para o processo participativo.

As demandas depois de incluídas na LDO precisam ser aprovadas na

Câmara de Vereadores. Para que as propostas não fossem barradas, foi preciso

desenvolver estratégias que as identificassem como obras do OP, visto que como a

peça orçamentária é técnica, corriam o risco de não serem aprovadas. Para prevenir,

os técnicos que elaboravam o orçamento, acrescentaram na frente de cada demanda

a identificação de OP, conforme (Figura 16).

Figura 16 – h Folha da LOA apresentando obras do OP

Fonte: LOA, 2007.

Esse era outro percalço: não bastava apenas a demanda ser aprovada e

incluída na LOA, era preciso garantir que ela fosse aprovada também na Câmara de

Vereadores.

Muitos outros percalços foram encontrados, dos quais citamos os mais

relevantes. Porém, ainda assim necessitam de aprofundamento em cada item, para

diagnosticar como cada um interferiu no processo participativo. O que pode ser

salientado é que não há como não ter percalços na participação popular. Não há uma

fórmula perfeita e é justamente através do reconhecimento e análise dos percalços

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que a ferramenta pode ir melhorando. A efetividade da participação popular na

elaboração do orçamento é um processo relativamente novo, mas a luta social é muito

antiga, em que cada uma das partes, tanto governo quanto sociedade, precisam de

avaliação, amadurecimento e mudança. É através dos percalços, e superando-os, que

será possível construir uma ferramenta de participação popular capaz de diminuir o

grande distanciamento que o cidadão comum tem da máquina governamental e da

gestão dos recursos públicos.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa objetivou compreender como se deu a geografia da

participação na elaboração do orçamento em Fortaleza durante os anos de 2005 a

2012, período correspondente aos dois mandatos de Luizianne Lins, do PT, e como

essa participação se efetivou na luta dos que se sentem incomodados pela ineficácia

dos serviços públicos e buscam reivindicar o direito à cidade.

Com base nos dados apresentados foi possível chegar a algumas

conclusões acerca desse processo. A primeira delas é que Fortaleza é uma metrópole

economicamente desigual e a participação popular não poderia ser diferente. A

desigualdade econômica reflete inversamente na participação popular: quanto menor

é o favorecimento econômico, maior é o nível de participação.

A ausência de setores médios em assembleias do OP deve indicar que por

terem suas necessidades básicas melhor atendidas, há pouco interesse dessa

camada em participar de um processo que discute o orçamento para minimizar os

problemas da cidade e dos menos abastados. Ou seja, a classe média não se utiliza

dos mecanismos de participação para sanar seus problemas objetivos. Essa

desigualdade da participação reflete a desigualdade que também é sentida no espaço.

O espaço tem uma forma de apropriação desigual. A experiência de democracia

participativa demonstra uma inversão geográfica da estrutura do poder político e

econômico de Fortaleza.

Constata-se também que a não execução de uma porcentagem

significativa de demandas aprovadas e constantes nas LOAs de 2006, 2007 e 2008

gerou frustrações e descrédito no processo participativo por parte de alguns

segmentos da sociedade. A problemática do nível execução, mesmo que chegando a

70%, das obras e serviços, levou inclusive a gestão a mudar a metodologia de

aprovação das demandas. Porém, as obras e serviços implementados tiveram um

impacto significativo na redistribuição orçamentária em bairros com menor IDHM,

como pode ser visto nos mapas apresentados na pesquisa. O OP seria um dos

caminhos para incrementar tais indicadores objetivamente.

Embora a experiência do orçamento participativo tenha se mostrado viável

politicamente, enfrentou vários obstáculos e ainda requer muitos aperfeiçoamentos.

Percebeu-se que, comparando a população total de Fortaleza com a quantidade de

participantes no Orçamento Participativo, somente cerca de 1% desta população total

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chegou a participar. Mesmo assim, esses 1% conseguiram mexer na estrutura

arraigada do poder público e conseguiram obter conquistas nunca antes sequer

pautadas nas gestões governamentais. Um exemplo real disso foi a inclusão de

demandas advindas e dos segmentos historicamente excluídos, como foi o caso das

demandas provenientes da população negra, mulheres, idosos, LGBTTs, crianças,

adolescentes e juventude.

O acesso ao governo, sem intermediários, foi o princípio da democracia

direta como forma de amenizar as falhas da democracia representativa. A democracia

representativa não tem logrado resultados positivos para as camadas populares. Vê-

se então na democracia participativa, uma ferramenta para a diminuição da

desigualdade e da busca de justiça social.

Certamente, o processo participativo estudado aqui ainda não é o ideal.

Contribuiu para que os participantes tivessem uma visão sobre a prática política e

acentuasse a luta pelos direitos coletivos. Incidiu para forçar o Estado a socializar e

distribuir o orçamento, mas ainda não se mostrou suficiente para conseguir mexer

com a estrutura social e no sistema político.

O OP foi um método político inovador de tomada de decisão, foi uma

maneira diferente de planejar e decidir sobre os investimentos públicos municipais. O

OP trouxe para o cenário político atores, segmentos sociais que não tinham voz

perante a administração pública e, como foi intitulado pela ONU, é uma “prática de

boa governança local”.

O que é importante salientar é que antes de ‘ir as ruas’ é preciso muito

trabalho interno, capaz de gerar um verdadeiro compromisso de governo com a

participação. Isso exige mais que vontade de chefe de poder executivo e mais que um

grupo de funcionários públicos comprometidos. A máquina administrativa não está

prepara para a participação cidadã, tanto do ponto de vista orçamentário, quanto do

aparato do corpo administrativo já habituados de trabalhar de outra forma. O grande

esforço de sensibilização, formação, planejamento e monitoramento também tem que

vir de dentro.

O OP não pode ser reduzido a meras técnicas de planejamento. Deverá

em razão disso, ser realizado com responsabilidade e compromisso político de quem

sabe que, ao pôr um processo participativo em marcha, está em jogo muito mais que

uma somatória de procedimento, muito mais que uma relação administrativa e

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institucional entre sociedade civil e Estado. Existe o envolvimento de pessoas,

expectativas, sonhos, responsabilidade com o que é público, modelos de

desenvolvimento, desenhos de cidades, direitos humanos, inclusão e exclusão e

cultura política, é um movimento que tem como objetivo desenhar de forma

participativa e descentralizada os novos contornos para o conceito de democracia.

O OP apresentou-se como um dos instrumentos de planejamento da cidade

com maior potencial de reunir uma pluralidade de atores, com capacidade de quebrar

a segmentação existente entre os próprios movimentos sociais, colocando na mesma

arena, por exemplo, movimentos ambientalistas, articulações de mulheres, grupos

juvenis, grupo de idosos, negros e deficientes físicos, LGBTT’s possibilitando um

inédito diálogo entre eles e principalmente um diálogo com cidadãos não organizados.

A abertura do Estado à participação na gestão da cidade, assinala para a

garantia do direito humano fundamental, que é o direito do cidadão participar de tudo

o que lhe diz respeito. Democratiza a luta para desconcentrar a riqueza e

descentralizar o poder, capacitando as pessoas como sujeitos e não objetos da

política.

Como foi apresentado nas entrevistas dos que participaram ativamente do

processo, talvez a maior obra do OP Fortaleza não seja aquelas feitas com concreto

e cimento ou aqueles serviços tanto esperado e finalmente realizados. A maior obra

foi dar voz e vez aos sem voz, foi permitir que os cidadãos pudessem planejar e decidir

quais as melhores intervenções em seu logradouro, foi dar a eles o direito de decidir

sobre a sua cidade. Mesmo que muitas vezes tivessem que viver a frustação de não

ter seus anseios atendidos.

Foi também de mostrar como funciona o orçamento, antes tido como uma

peça técnica a mercê do usufruto de quem está no poder e seguindo alheia ao

conhecimento de quem mais interessava, o povo. Aqueles que antes não tenham o

privilégio e nem intimidade com o poder ou não eram entendidos no assunto

acabavam por não ter possibilidade de acesso. Com o conhecimento desse

instrumento foi dado o poder à população de cobrar transparência e efetividade.

Porém, se faz imprescindível que esta ferramenta venha a caminhar rumo

à sua independência e autonomia. Embora seja necessário manter o governo como

apoiador e facilitador do processo, a ferramenta precisa transcender e deixar de ser

bandeira política de um partido para se tornar uma política de Estado.

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A pesquisa gera ainda uma pergunta: será que somente participar no OP é

suficiente? A luta em torno do destino do orçamento está longe de resolver a

segregação espacial e a reversão do IDHM de Fortaleza. A participação reivindica

aquilo o que já é de direito e que não foi implementado. Cria novas possibilidades de

melhorias de serviços públicos e busca uma maior justiça social. Conforme os dados

apresentados, é possível constatar que o OP configura-se como uma das

possibilidades de enfrentamento de diferentes questões relativas à intervenção do

Estado e à participação popular no espaço urbano e é uma das tecnologias sociais

que a população tem à mão para lutar pelo o seu direito à cidade.

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REFERÊNCIAS

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ANEXOS

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ANEXO A – Roteiro de entrevistas com secretários municipais e coordenadores do

OP em Fortaleza/CE

ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM SECRETÁRIOS MUNICIPAIS E

COORDENADORES DO OP EM FORTALEZA/CE

1. Qual a motivação em elaborar o orçamento de forma participativa?

2. Que tipo de participação foi pensada para o OP e por quê?

3. Como foi se deu a composição da equipe do OP?

4. Como foi se deu a organização do OP na cidade de Fortaleza, que estrutura

foi utilizada, formato e mobilização e qual metodologia foi adotada?

5. Como a participação popular foi recebida pelas as demais secretarias?

6. Na sua opinião, quais foram as principais conquistas do OP?

7. Na sua opinião, quais foram os percalços? O que poderia ser feito para a

melhoria da ferramenta?

8. O OP conseguiu inverter prioridades no orçamento?

9. Você avalia que o OP teve potencial para mudança de comportamento

político nos componentes da burocracia do Estado e dos participantes do

processo?

10. Como foi a relação entre OP e Câmara de vereadores?

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ANEXO B – Roteiro de entrevistas com a equipe técnica do orçamento

1. Como a elaboração do orçamento exige uma burocracia, como foi recebida e

incorporada as demandas provenientes da participação popular?

2. As demandas vindas da participação popular tinham alguma identificação? Se

sim por quê?

3. As demandas do OP conseguiam atender as exigências da Lei para a sua

incorporação no orçamento?

4. Havia entraves técnicos para incorporação de algumas demandas?

5. O orçamento do município conseguia incorporar todas as demandas?

6. Quais os limites do orçamento em relação à participação popular?

7. Que alternativas técnicas foram utilizadas para incorporação das demandas

do OP?

8. Do ponto de vista orçamentário, como as secretarias recebiam e

incorporavam as demandas do OP?

9. As demandas do OP eram incorporadas apenas na LOA? Por quê?

10. Tecnicamente como o orçamento poderia ser modificado na câmara de

vereadores?

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ANEXO C – Roteiro de entrevista para delegados e conselheiros do OP

1. O que levou você a participar do Orçamento Participativo?

2. Para você, qual foi a importância do OP?

3. Você avalia que o processo de participação popular contribuiu para a

organização da comunidade ou do seu bairro?

4. Na sua opinião, quais foram as principais conquistas do OP?

5. Na sua opinião, quais foram os percalços? O que poderia ser feito para a sua

melhoria?

6. O OP conseguiu inverter prioridades no orçamento?

7. Você avalia que o OP teve potencial para mudança de comportamento

político nos componentes da burocracia do Estado e dos participantes do

processo?

8. Como foi a relação entre OP, governo e Câmara de vereadores?

9. Você considera que o Orçamento Participativo teve potencial para mudança

de comportamento político, no sentido de romper com o clientelismo e outras

formas da política tradicional?

10. Que legado OP deixou para você, para sua comunidade ou seu bairro?