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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNICAS EXATAS E NATURAIS. CURSO DE HISTÓRIA O CAMPO E A POLÍTICA: A participação do campesinato na política maranhense (1955-1979) DESNI LOPES ALMEIDA São Luis 2008

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE …Os índices de pobreza se agravaram naqueles últimos sete anos de administração da governadora Roseana e a concentração de terras

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNICAS EXATAS E NATURAIS.

CURSO DE HISTÓRIA

O CAMPO E A POLÍTICA: A participação do campesinato na política maranhense (1955-1979)

DESNI LOPES ALMEIDA

São Luis 2008

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DESNI LOPES ALMEIDA

O CAMPO E A POLÍTICA: A participação do campesinato na política maranhense (1955-1979)

Trabalho apresentado ao curso de História Licenciatura Plena da Universidade Estadual do Maranhão, como pré-requisito para obtenção do título de licenciado em História. Orientador: Prof. Dr. Paulo Roberto Rios Ribeiro

São Luis 2008

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Almeida, Desni Lopes. O campo e a política: a participação do campesinato na política maranhense/ Desni Lopes Almeida. – São Luís, 2008. 78 f. Monografia (Graduação) Curso de História, Universidade Estadual do Maranhão, 2008.

Orientador: Prof. Paulo Roberto Rios Ribeiro. 1. Campesinato. 2. Organização. 3. Mobilização. 4. Resistência. I. Título.

CDU: 323.32 (812.1) “1955/1979”

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DESNI LOPES ALMEIDA

O CAMPO E A POLÍTICA: A participação do campesinato na política maranhense (1955-1979)

Aprovada em São Luís em ____/____/______.

______________________________________________ Prof. Dr. Paulo Roberto Rios Ribeiro

Orientador Faculdade de São Luís

______________________________________________ Profa. Dra. Zulene Muniz Barbosa

1º Examinador

______________________________________________ Profa. Msc. Júlia Constança Pereira Camêlo

2º Examinador

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, pelo amor e pelo carinho de sempre. Pelo apoio total e irrestrito sem o qual não teria sido possíveis a conclusão do curso e, conseqüentemente, a realização deste trabalho. A Johnatha, meu amor... Que embora distante nunca se fez ausente. Pelo amor, carinho, apoio e incentivo. E por nunca ter deixado de acreditar em mim, mesmo quando eu mesma já não acreditava mais. A Venícius e Ives, irmãos queridos, pelo carinho e pelo apoio. Pelo auxílio que me foi tão caro em momentos tão tensos, fosse como digitadores, “babás” e o que mais se fizesse necessário. Aos amigos e colegas da turma 2003.2 (e agregados). Pela amizade e pelo carinho nesses quase 05 anos de UEMA. Pelos risos e pelo aprendizado, pelas alegrias e pela força quando surgiram as dificuldades compartilhadas nessa nossa jornada. Muitas vezes, chegar a UEMA só foi possível para encontrá-los. Em especial à minha amiga e “comadre” do coração, Lane. Com quem compartilhei mais intensamente as angústias, dificuldades e superação da monografia. Pela amizade de sempre, o carinho, o apoio e incentivo que foi tão importante nessa caminhada. Roberta, menina grande, pela amizade, carinho e cuidado que sempre teve comigo, principalmente durante minha gravidez. Fred, meu “compadre”, e Neila, pela amizade e carinho. Dayse, pela amizade e acima de tudo pelo aprendizado. Dani, pela alegria contagiante de sempre. Flávio, o “sempre presente” que sempre me faz rir. In memorium a Esdras Thiago, meu querido Thi... pelo carinho e pela amizade... por ter cuidado tanto de mim na minha gravidez. E por ter me feito rir tantas vezes. Com toda a minha saudade. Zayra e Jonas, Lenilde e Inês, em quem sempre encontrei palavras de incentivo, carinho e amizade. Aos mestres agradeço pelo aprendizado, não de conteúdos, mas de vida. Aos que souberam nos entender, nos compreender, minha eterna admiração e sincera amizade e carinho. Em especial, à professora Elizabete, ou simplesmente Bete... em quem sempre encontrei palavras de incentivo, e por sempre ter acreditado tanto em mim. Fábio, pela sinceridade, honestidade, o carinho e a alegria (quando crescer quero ser uma professora como você!!). Júlia pela atenção e pelo material cedido que me foi muito útil. Adriana, pelo carinho e incentivo.

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À Professora Zulene, a quem devo muito do meu crescimento acadêmico, por todo o carinho, as contribuições sempre tão pertinentes, e por sempre me ouvir. Marivânia, professora querida, mais do que isso, uma amiga querida pra toda vida. Ao “meu mestre”... Professor Paulo Rios, querido Paulo, que foi muito mais que um orientador nesses quase dois anos de orientação. Por ter me ouvido, me ajudado... por compreender minhas limitações e sempre ter buscado o melhor em mim. Pela paciência, por me ajudar a sair das “crises”. Esse trabalho não teria sido possível sem sua orientação atenta e dedicada. À “dona” Roberta e Márcio, pela atenção. Mesmo quando havia muito stress. Obrigada por poder ter contado com vocês nos momentos em que precisei. Às professoras Aurora e Helciane, pelo material cedido que foi de grande ajuda na elaboração desse trabalho. Agradeço a todos os que de forma direta ou indireta colaboraram com a realização deste trabalho. Se a memória me traiu, e deixei de citar alguém, foi apenas um lapso motivado pelo cansaço. Todas a colaborações são lembradas, apreciadas, e reconhecidas a importância.

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Aos meus pais, a quem devo muito do que sou. Johnatha, companheiro de vida, minha inspiração. Ao lado de quem compreendi que a revolução não é uma utopia, mas uma realidade que precisamos construir a cada dia. Vladimir, meu raio de sol, alegria dos meus dias. Que espero, possa crescer em um mundo melhor e mais justo. Para você, meus melhores sonhos. Aos homens e mulheres, do campo e da cidade, que lutam por um mundo melhor. Aos que tombaram, sem deixar de acreditar na justeza e na necessidade da luta. Aos que dedicam suas vidas à luta por um mundo mais justo. Aos que seguem na luta, acreditando, resistindo, sonhando, e nos mostrando que um mundo melhor, justo e solidário é não apenas possível, mas necessário.

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Terra não é pra vender. É pra produzir... Essa terra aí, que tá encarnada de sangue é uma terra muito cara pro lavrador. (Depoimento de Lavrador)

Quando a sociedade atingir formação econômica superior, a propriedade privada de certos indivíduos sobre parcelas do globo terrestre parecerá tão monstruosa como a propriedade privada de um ser humano sobre o outro. Karl Marx.

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RESUMO Estudo da realidade agrária do estado do Maranhão, no período entre 1955-1979, enfatizando a mobilização do campesinato maranhense. Buscamos perceber e analisar as diversas formas de organização e resistência dos homens e mulheres do campo, com os problemas característicos da expansão do latifúndio e a expropriação da terra do pequeno camponês. Entendendo que não é possível compreender o estado do Maranhão sem entender a dinâmica do campo, buscamos perceber os diversos matizes da realidade agrária do estado: os conflitos entre os pequenos camponeses e latifundiários, a presença dos grileiros; a mobilização do homem do campo e as respostas do estado e das classes dominantes à essa mobilização. Abordamos também a participação dos diversos segmentos sociais que se envolvem nesse processo de mobilização camponesa, como o PCB e a Igreja Católica, que deram importante contribuição nessa organização, mas que também buscavam ser a voz desse movimento. Palavras-chave: Campesinato, Organização, Mobilização, Resistência.

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ABSTRACT Study of the agrarian reality of the state of the Maranhão, in the period between 1955-1979, emphasizing the mobilization of the maranhense campesinato. We search to perceive and to analyze the diverse forms of organization and resistance of the men and women of the field, with the characteristic problems of the expansion of the large state and the expropriation of the land of the small peasant. Understanding that it is not possible to understand the state of the Maranhão without understanding the dynamics of the field, we search to perceive the diverse shades of the agrarian reality of the state: the conflicts between the small peasants and large estate owners, the presence of the squatters; the mobilization of the man of the field and the answers of the state and the ruling classes to the this mobilization. We also approach the participation of the diverse social segments that if involve in this process of mobilization peasant, as the PCB and the Church Catholic, who had given important contribution in this organization, but that also they searched to be the voice of this movement. Keywords: Campesinato, organization, mobilization, Resistance.

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LISTA DE SIGLAS AP Ação Popular ATAM Associação dos Trabalhadores Agrícolas do Maranhão. CEB’s Comunidades Eclesiais de Base CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil COLONE Companhia de Colonização do Nordeste COMARCO Companhia Maranhense de Colonização CPT Comissão Pastoral da Terra ETR Estatuto do Trabalhador Rural. MEB Movimento de Educação de Base MIRA Movimento Intermunicipal Rural Arquidiocesano PCB Partido Comunista Brasileiro STR Sindicato de Trabalhadores Rurais SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste ULTAB União de Trabalhadores Agrícolas do Brasil

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SUMÁRIO Introdução...................................................................................................................... 13 1. Maranhão: O “Eldorado” do Campo......................................................................... 17 1.1. O Maranhão no Contexto da Luta pela Terra ......................................................... 19 1.2. A Formação do Campesinato.................................................................................. 21 1.2.1. O Fluxo migratório............................................................................................... 22 1.3. Terra de Herança: Os donos somos nós.................................................................. 24 1.4. Os Conflitos............................................................................................................ 26 1.4.1. Fogo no Gado: A defesa das lavouras e a omissão do poder público.................. 28 1.4.2. Grilagem............................................................................................................... 30 2. “A Gente Quer Ter Voz Ativa, no Nosso Destino Mandar”: a organização da luta camponesa no Maranhão................................................................................................

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2.1. As Formas de Organização..................................................................................... 34 2.1.1. As Associações.................................................................................................... 35 2.1.2. Os Sindicatos........................................................................................................ 37 2.1.3. “E a Igreja se fez Povo”: A atuação da Igreja frente a mobilização camponesa.......................................................................................................................

41

2.2. A Disputa pelo Controle das Lutas Camponesas..................................................... 45 3. Projetos, Leis, Repressão: As respostas do Estado e da Classe Dominante à mobilização do campesinato...........................................................................................

50

3.1. Leis e Estatutos........................................................................................................ 50 3.1.1. A Lei de Terras de 1850....................................................................................... 50 3.1.2. O Estatuto do Trabalhador Rural (ETR) e o Estatuto da Terra............................ 51 3.1.3. Maranhão: A lei de terras do governo Sarney...................................................... 53 3.2. Os Projetos de Colonização..................................................................................... 55 3.3. A Repressão............................................................................................................. 59 Considerações Finais...................................................................................................... 63 Referências .................................................................................................................... 69 ANEXOS 74

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca discutir a mobilização campesina e as respostas do Estado

e da sociedade do Maranhão, no período entre 1955-1979, a essa mobilização. A relevância

deste trabalho deve-se ao fato de o Maranhão, ainda nos dias atuais, continuar sendo um

dos estados com maior índice de conflitos e violência no campo. Além disso, acreditamos

não ser possível compreender a realidade histórica do estado do Maranhão sem conhecer as

problemáticas do campo. Problemáticas que levam o Maranhão a figurar entre os estados

brasileiros campeões em “exportação” de mão-de-obra escrava, conforme nos relata

Nepomuceno (2007, p.24-25)

Estudos da Organização Internacional do Trabalho mostram o que na região todos sabem: a fonte dessa mão-de-obra vitimada de escravidão se concentra em dois estados do Nordeste miserável, Maranhão e Piauí. Quase todos são desempregados expulsos pelas cidades que não encontram trabalho ou terra para trabalhar e acabam se dirigindo às regiões dos grandes empreendimentos da Amazônia, em especial no Pará.

Além da “exportação” da mão-de-obra para o trabalho escravo, não podemos

esquecer também dos muitos maranhenses que, fugindo dos conflitos no Maranhão,

acabaram se envolvendo em conflitos em outros estados, principalmente no Pará. Um

exemplo dessa realidade foi o Massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 17 de abril

de 1996, onde 19 trabalhadores sem terras foram assassinados. As notícias a cerca do

massacre divulgavam que grande parte desses 19 trabalhadores assassinados pela polícia

paraense era de origem maranhense. Como podemos ler no periódico Jornal Pequeno

(30/07/2005)

Os índices de pobreza se agravaram naqueles últimos sete anos de administração da governadora Roseana e a concentração de terras nas mãos de poucos bateu recorde em todo o Brasil, concorrendo para o Maranhão se transformar de Oásis do Nordeste no maior exportador de mão-de-obra escrava do país. No massacre de Eldorado dos Carajás, dos 19 sem terra mortos, 11 haviam nascido no Maranhão, um estado de rios perenes e de chuvas regulares.

Diante disso, entendemos ser de grande relevância para a história, assim como para

todas as áreas de ciências sociais e humanas, o estudo da realidade agrária maranhense.

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Tema que, ao nosso ver, não tem tido um espaço significativo – diante da sua importância –

na Academia.

O Maranhão é um estado onde o latifúndio impera em meio à pobreza de milhares

de famílias sem terra, reflexo do mandonismo das sucessivas oligarquias e abusos do poder

político e econômico. Ocupando a 8ª maior área territorial do país e a 2ª maior do nordeste, o

Maranhão ainda possui uma parcela muito significativa da população morando no campo.

Segundo PEDROSA(2002), “somente nas estatísticas do ano de 1996 a população urbana

ultrapassou em número à população rural. Mas a diferença é pouca: 2.711.557 (51,92%) contra

2.511.008 (48,08%)”.

A terra como valor de troca foi, sistematicamente, concentrando a maior parte de

terras agricultáveis nas mãos de poucos. Prática que ao mesmo tempo expulsa homens e

mulheres que se definem como camponeses, deixando-os(as) sem terra e sem trabalho. O

processo que mostra a concentração fundiária é o mesmo que mostra a resistência dos

trabalhadores e trabalhadoras sem terra, que buscam se organizar para lutarem pelo direito

de ter uma vida digna no campo. A realidade conflituosa do campo maranhense revela dois

aspectos importantes da questão agrária no estado. O 1º é a concentração fundiária. O 2º é o

descontentamento das famílias camponesas que ao serem expulsas do seu lugar de trabalho

e de vivência, resolvem lutar pelo direito de viver e trabalhar dignamente no campo.

Historicamente, algumas famílias são detentoras das terras e riquezas, enquanto a

maior parte da população vive na miséria. Além de ser uma herança colonial, a questão

da concentração de terras, no Brasil e no Maranhão, contou com a interveniência do

próprio Estado. De acordo com Maestri e Macedo (2004, p.67)

Em meados do século 19, apenas cinco por cento da população rural possuía terras. Paralelamente ao processo de crise do sistema escravista, diversas leis procuraram regular as formas de acesso à propriedade, proibindo a distribuição gratuita de terras às comunidades necessitadas, restringindo as possibilidades de aquisição pelas camadas mais pobres e facilitando a concentração fundiária das oligarquias locais, sobretudo através da apropriação de terras públicas e devolutas.

A concentração de terras e riquezas é, ainda hoje, uma realidade no campo

brasileiro. Segundo Oliveira (2001)

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Os dados referentes a 1992, divulgados pelo INCRA, mostravam que havia no Brasil 3.114.898 imóveis rurais e, entre eles, 43.956 (2,4%) com área acima de mil hectares, ocupando 165.756.665 hectares. Enquanto isso, outros 2.628.819 imóveis (84,4%), com área inferior a 100 hectares, ocupavam apenas 59.283.651 hectares (17,9%). Estudos realizados revelam que se o Incra aplicasse na totalidade os preceitos da Lei 8.624, que define o que é terra produtiva e improdutiva no país, teríamos algo em torno de 115.054.000 hectares (20% da área total) como propriedades improdutivas. O Atlas Fundiário Brasileiro, publicado pelo Incra, indicava que 62,4% da área dos imóveis cadastrados fora classificada como não-produtiva e apenas 28,3% como produtiva. Estas informações revelam, pois, a contradição representada pela propriedade privada da terra no Brasil, retida para fins não-produtivos.

Essa intensa concentração de terras é das principais razões dos intensos conflitos no

campo. E, como coloca Oliveira (2001), é uma realidade ainda bem atual no país. Os

conflitos de disputa pela posse da terra são marcados pela violência contra os camponeses

que decidem lutar para assegurar seu direito de permanecer na terra. De acordo com

Almeida (2000, p. 30)

Desde a instalação dos governos democráticos, em 1985, foram recenseados pela Comissão Pastoral da Terra, ligada à Igreja católica, 7.843 conflitos, dentre os quais 4.866 diretamente ligados à luta pela posse da terra. Ocorreram também, nesse período, 1.169 assassinatos de agricultores, sindicalistas, advogados e religiosos.

O Brasil é um dos países com maior concentração fundiária do planeta, de acordo

com levantamento feito pela ONU em 1995, baseado no Índice de Gini1. Segundo este

levantamento, “o Brasil é o segundo país do mundo com maior concentração de

propriedade da terra. Ou seja, esse paraíso dos latifundiários só perde para o Paraguai, que

está em primeiro lugar. O Índice de Gini aponta que o índice de concentração no Paraguai é

de 0,880; no Brasil é de 0,856”. Stédile (2000, p. 198).

No presente trabalho buscamos perceber a realidade social da questão agrária

maranhense, e para tal objetivo, estruturamos o trabalho em três capítulos.

1 O índice de terras total seria equivalente a 1,000. Numa divisão perfeita de todas as terras, para todas as pessoas da sociedade esse índice seria de 0,0001. Quanto mais próximo de 1,000 a divisão é desigual, e mostra concentração de terras.

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No primeiro capítulo, intitulado “Maranhão: o ‘Eldorado’ do Campo”, abordamos a

idéia do Maranhão como um estado que atraia um intenso contingente de migrantes

movidos pela idéia de um estado de terras livres, um verdadeiro “Eldorado” que poderia ser

a solução para a fuga do latifúndio. Nesse capítulo, tratamos também da formação do

campesinato maranhense, abordando a questão do fluxo migratório que ocorre para o

Maranhão desde o século XIX. Tratamos dos conflitos, resultados da expansão do

capitalismo no campo, que expulsa camponeses de suas terras, muitas delas terras de

herança, nas quais as famílias estavam fixadas já há várias gerações. Também abordamos a

questão do gado, assunto que mobilizou o campo maranhense no final da década de 1950 e

início dos anos 60. Além de falarmos da Grilagem, outro problema de grande repercussão

nas discussões sobre a reforma agrária no Estado.

O segundo capítulo, cujo título é “’A gente quer ter voz ativa, no nosso destino

mandar’: a organização da luta camponesa no Maranhão”, trata das várias formas de

organização das lutas camponesas no estado, a partir de década de 1950. Abordamos a

atuação das associações, dos sindicatos, assim como a atuação e influência da Igreja nas

mobilizações campesinas. É ponto deste capítulo a disputa pelo controle e

representatividade das lutas campesinas no estado, que ocorre principalmente entre o PCB

– Partido Comunista Brasileiro - e a Igreja.

O terceiro e último capítulo trata das respostas do Estado e das classes dominantes

às mobilizações dos camponeses. Abordamos as leis e estatutos aprovados no período que

tinham o intento de conter as mobilizações no campo, assim como os projetos de

colonização cujo objetivo era promover a atenuação dos conflitos no campo. E como não

poderia deixar de ser, falamos da repressão, prática comum e usual do latifúndio para a

expulsão do camponês da terra.

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1. MARANHÃO: O “Eldorado” do Campo.

Assim como ocorre no Brasil, a estrutura agrária do Maranhão é arcaica, marcada

pelo latifúndio, que remonta às estruturas dos períodos colonial e imperial. Na Colônia e no

Império a grande propriedade é parte integrante do sistema escravocrata, como nos diz

Martins (1983, pg. 37 e 38)

o monopólio da terra não se constituía na condição do trabalho escravo; ao contrário, a escravidão é que impunha a necessidade do monopólio rígido e de classe sobre a terra, para que os trabalhadores livres, os camponeses, mestiços, não viessem a organizar uma economia paralela, livre da escravidão e livre, por tanto, do tributo representado pelo escravo, pago pelo fazendeiro aos traficantes, já que a concorrência do trabalho livre tornaria economicamente insuportável o trabalho escravo.

A partir de 1850, com o fim oficial do tráfico negreiro, e conseqüentemente com a

perspectiva do fim da escravatura, a propriedade da terra passa a ser o objeto de valor, em

detrimento da mão-de-obra escrava. Se antes do fim do tráfico importava mais a mão-de-

obra que iria lavrar a terra, agora que se antevia a possibilidade do fim da escravidão, dá-se

maior importância a propriedade em si. Daí a aprovação da Lei de Terras de 1850 que

“instituía um novo regime fundiário para substituir o regime de sesmarias suspenso em

julho de 1822 e não mais restituído”. (MARTINS, 1983, pg.41). A Lei de Terras de 1850

limitou o acesso do camponês à propriedade. Ainda conforme Martins (1983, p.42)

A Lei de Terras proibia a abertura de novas posses, estabelecendo que ficavam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não fosse a compra.[...] Diante do fim previsível da escravidão, era previsível [...] o advento de uma modalidade de trabalho livre que permitisse a substituição do escravo sem destruir a economia da grande fazenda.

Para Pedrosa (20072)

Com efeito, a partir da vigência desta Lei, findou-se o regime de posses no Brasil e impô-se a aquisição das terras devolutas do Império mediante a compra. O novo regime do trabalho livre impunha não somente uma política de importação de mão-de-obra, como também a manutenção do

2 Data do último acesso.

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emergente meio de produção (a terra) nas mãos dos mesmos privilegiados. Assim, colonos e escravos libertos seriam obrigados a constituir a força de trabalho necessária aos grandes estabelecimentos agrícolas, pelo obstáculo do preço mais elevado à aquisição das terras devolutas do Império.

Para Stédile (2000, p.178), “a principal conseqüência social da Lei de Terras de

1850 foi que manteve os pobres e negros na condição de sem-terra e legalizou, agora como

propriedade privada, as grandes extensões de terra sob a forma de latifúndio”.

Após 49 anos da Lei de Terras de 1850, o período republicano inicia-se já com a

escravidão abolida, e com as estruturas econômicas em novas bases.

A propriedade fundiária constituída agora no principal instrumento de subjugação do trabalho, o oposto exatamente do período escravista, em que a forma da propriedade, o regime das sesmarias, era o produto da escravidão e do tráfico negreiro. O monopólio de classe sobre o trabalhador escravo se transfigura no monopólio de classe sobre a terra. (...) a terra que até então fora desdenhada em face da propriedade do escravo passa a constituir objeto de disputas amplas.(MARTINS, 1983,pg. 44-45).

Os latifúndios, que dominam o cenário agrário brasileiro, geram intensos conflitos

no campo. Conflitos esses que se desenham entre a busca do campesino por terra e moradia

no campo, e do grande latifundiário por lucro e propriedade. Para os grandes latifundiários,

a terra serve como uma reserva de capital, de acordo com OLIVEIRA (2001, p.187), que

nos coloca que “essas grandes extensões de terras estão concentradas nas mãos de grupos

econômicos porque, no Brasil, estas funcionam ora como reserva de valor, ora como

reserva patrimonial”. Opinião que também é compartilhada por Manuel da Conceição – em

seu relato intitulado Essa Terra é Nossa (1980, p.151)

Lá o campo, os grandes proprietários às vezes exploram uma pequena parte de suas terras, a outra eles deixam como reserva. É seca: só montanha, rocha, não produz nada. Mas o proprietário quer aquela terra. É importante pra ele, porque, quando ele vai ao crédito, é o tamanho da propriedade que conta.[...] Ele quer a terra como base do seu financiamento, do seu crédito financeiro.

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Enquanto o camponês vê na terra o valor de uso, daquilo que produz, o latifundiário

só busca o seu valor comercial, independente do uso – ou desuso – que faz da área em

questão. O que realmente importa para o posseiro não é o valor das terras, mas do trabalho

realizado nessa. Dessa maneira “a terra não tem preço, não tem valor. ‘É um bem coletivo

que pode ser apropriado por quantos o desejarem’. É esta a concepção da apropriação da

terra que embasa toda uma prática de vida do posseiro” (LUNA 1984, p. 20)

Essa forma de perceber o uso da terra, e o direito sobre ela, também nos esclarece a

razão pela qual o posseiro não busca a regularização da posse. Entendendo que tem o

direito por trabalhar na terra, o camponês não entende essa face mercantilizada da

propriedade privada da terra, conforme Luna (1984, p. 22)

Os camponeses não conseguem perceber imediatamente a lógica do capitalismo e não aceitam que a terra possa ser um negócio legitimado juridicamente. Esta é uma linguagem institucional que lhe é de difícil acesso e compreensão. O que existe entre eles é uma consciência de que eles têm o direito de permanecer na terra.

O que leva a conflitos e à expropriação quando surgem os “donos” da terra. Luna

(1984, p.56), nos ajuda a entender essa questão, quando nos coloca que

A abundância de terras – a concepção de que a terra era “liberta” – e a relativa ausência de outros grupos nela interessados nas décadas de 50 e 60 parecem constituir os principais motivos que levaram o camponês a não atentar para a formação legal da posse, enquanto, para os novos grupos interessados na terra, é esta formalização que garante os direitos individuais sobre ele, e não o trabalho.

1.1. O MARANHÃO NO CONTEXTO DA LUTA PELA TERRA.

O Maranhão tem uma história marcada pela violência quando se trata da luta pela

terra. Desde o período colonial aos dias atuais, passando pela década de 1950, temos relatos

da mobilização dos camponeses.

Conforme Pedrosa (2007)

Grande parte das terras do Estado, principalmente aquelas localizadas nas regiões de colonização antiga (Baixadas Ocidental e Oriental, Pindaré, Mearim, Vale do Itapecuru e Baixo Parnaíba), estão ocupadas por comunidades negras, cuja história da posse territorial remontam ao período da escravidão. Juntamente com elas, outros grupos sociais

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campesinos consolidaram seus apossamentos, no longo e tormentoso processo de expansão da fronteira agrícola do Estado.

Os levantes escravos, a resistência indígena, os quilombos, são marcas da

resistência dos camponeses na história do Maranhão. Ainda de acordo com Pedrosa (2007)

Os outros grupos tradicionais – os extrativistas, os descendentes dos índios, os ribeirinhos e os posseiros antigos – consolidaram formas de apossamentos semelhantes, na luta pela permanência nos seus territórios, enfrentando a dinâmica da expansão da frente agrícola, segundo conjuntura de “modernização” do campo maranhense, a partir da introdução dos grandes empreendimentos agropecuários e dos grandes projetos de monocultura.

Durante os anos de 1950, a questão do gado e o avanço da grilagem fizeram com

que os camponeses se mobilizassem, e o Maranhão figurou no cenário nacional como um

verdadeiro celeiro de conflitos agrários.

Durante o regime militar no país, as imensas áreas de terras não ocupadas no

Maranhão, são vistas pelo governo federal como um “escape” dos intensos conflitos que

ocorriam principalmente no nordeste. Em diversos momentos – a partir da década 1950 as

fronteiras do Maranhão são vistas como um verdadeiro “Eldorado” do campo, pois absorvia

os contingentes populacionais advindos de outras regiões. Conforme Arcangeli (1987, p.

72-73) “durante as décadas de 50 e 60, a fronteira desempenhou o seu papel [...]. Os

contingentes de nordestinos expulsos de suas regiões de origem, principalmente do Ceará,

Piauí e Pernambuco, encontrariam terras para trabalhar nas áreas da fronteira agrícola,

especialmente no Maranhão”. No final da década de 1970 o Maranhão era o estado com

maior número de grandes conflitos fundiários da federação3.

O contingente populacional que se deslocou para o Maranhão vinha em busca de

oportunidade de uma vida mais tranqüila, muitas vezes já fugindo dos conflitos de sua

região de origem. No entanto, nem sempre encontraram aqui essa vida tranqüila que

pensaram. As terras que foram sendo desbravadas, e nas quais eles iam se instalando,

posteriormente passaram a ser regiões de novos conflitos, despertando interesse dos

3 Segundo pesquisa realizada pelo Secretariado Nacional da Pastoral da Terra da CNBB, citado por Arcangeli (1987 p. 91).

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latifundiários, grandes empresas, e como não poderia deixar de ser, dos grileiros. Nada

diferente do que ocorria no restante do país, como nos diz Martins (1983, p.98)

Não só ali, mas em praticamente todos os estados do país, eclodiram conflitos e lutas pela terra envolvendo camponeses, de um lado, e grandes empresas e latifundiários, de outro lado. Só no estado do Maranhão havia 128 conflitos, em 1979, quatro dos quais envolviam mais de mil pessoas cada um. (grifo meu)

Se levarmos em conta o levantamento feito pela ONU, em 1995, analisando a

concentração fundiária a partir do Índice de Gini, o Maranhão é o estado com maior

concentração de terras no país. Conforme Stédile (2000, p. 198) “a aplicação desses

cálculos para as diversas regiões e estados brasileiros mostra que, em 1995, no estado do

Maranhão, o índice de concentração de terras era de 0,903, confenrido àquela região o

maior índice de concentração da propriedade da terra”.

1.2. A FORMAÇÃO DO CAMPESINATO.

Os períodos Colonial e Imperial não contam apenas com senhores e escravos. Entre

estes havia os homens livres pobres, que atendiam às mais diversas necessidades dos

habitantes da colônia e do império. De acordo com Schwartz (2001, p.123) “a escravidão

era a forma predominante de trabalho no Brasil, mas sempre à margem da economia de

exportação e, com o passar do tempo, passou a existir uma população de trabalhadores

rurais e famílias que constituíam uma classe camponesa”. De acordo com Pedrosa (2007)

Sobreviveu durante o período escravista um segmento camponês que não aceitou as rígidas condições de trabalho nas plantações de algodão e de cana e nem tampouco as formas de endividamento por trabalho futuro, presentes desde a implantação do sistema de sesmarias. Fixavam suas posses, de forma clandestina, apesar das proibições e dos riscos da repressão do sistema imobilizador de mão-de-obra. Viviam nas proximidades dos caminhos das boiadas, com seus roçados e com suas trocas regulares de animais[...].

Eram esses camponeses que atendiam às necessidades internas da colônia, um

segmento que, conforme Schwartz (2001, pg. 125), passou a maior parte da história

esquecida ou oculta

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A classe agrária brasileira [...] não tinha memória popular coletiva de passado grandioso. Era, pelo contrário, uma classe rural “reconstituída”, resultado direto da economia colonial e da escravidão, que surgiu à margem da economia escravagista e cresceu em importância ao seu lado. [...] essa população rural livre de pequenos agricultores, arrendatários e dependentes permaneceu, em grande parte, sem rosto e sem nome. Raramente se usava a palavra “camponês” para referir-se a eles e foi trocada por uma série de termos que descreviam variantes em domínio, dependência ou rusticidade.

Esse segmento de livres pobres, juntamente com indígenas, quilombolas, forros, e

escravos que produziam algum alimento e vendiam os excedentes, podem ser apontados

como a base da formação do campesinato brasileiro. Junte-se a estes os imigrantes europeus

vindos para o Brasil a partir da segunda metade do século XIX, e os ex-escravos que serão

lançados à própria sorte após a abolição da escravatura em 13 de maio de 1888. No caso do

Maranhão, além dos elementos colocados, é importante ressaltar a importância de

migrantes, vindos das mais diversas partes do país, desde o último quartel do século XIX e

durante o século XX.

De acordo com Luna (1980, p.3), “com a decadência do algodão a pequena

produção encontrou condições à sua expansão. Alguns estudiosos vêm, aí, o início da

formação de um campesinato, gerado pela liberação dos escravos, mas submetido ao grande

proprietário, em terras do próprio latifúndio”.

1.2.2 FLUXO MIGRATÓRIO

O Maranhão, desde o último quartel do século XIX, recebe imigrantes advindos de

várias regiões do país. Levas de pessoas que chegavam ao estado muitas vezes fugindo de

catástrofes naturais, ou em busca de um lugar pra viver em meio às abundantes “terras

livres” 4 do Maranhão - já que “embora tenha sido iniciada a sua ocupação [o estado do

Maranhão] desde o século XVII, até o início da segunda metade do século atual [XX] ainda

se caracterizava pela existência de grandes vazios demográficos” (LIMA JÚNIOR, 1987,

pg. 24). O número de imigrantes chegados ao estado, na década de 1870, foi tamanho que,

segundo Faria (2001, p.174), 4 Termo usado por LUNA (1980), ao referir-se às terras não ocupadas no Maranhão.

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a política de criação de núcleos coloniais, sugerida algumas vezes, terminou sendo adotada inesperadamente para abrigar os imigrantes nordestinos que procuram refúgio no Maranhão, acossados pela famosa seca de 1877 a 1879 – a “maldita dos três sete” – que neste ano assolou o semi-árido nordestino. Esses retirantes foram denominados genericamente de “emigrantes cearenses”, mas, apesar dos cearenses serem a maioria, entre eles haviam também paraibanos, pernambucanos, rio-grandenses e piauienses.

Esse fluxo migratório sentido Nordeste-Maranhão que ocorreu desde o século XIX,

se estendeu pelo século XX, conforme nos coloca Luna (1984 p. 4-5)

Conquanto desde 1920 já existisse considerável corrente migratória de nordestinos para o Maranhão “a sua importância do ponto de vista da economia maranhense está ligada à formação de uma “frente pioneira agrícola”, nas áreas controladas ou parcialmente ocupadas pelo processo anterior de colonização”. [...] O Maranhão, a partir de 1950, torna-se centro de um processo geral de abertura de “frentes de expansão agrícola” que vão ocupando o estado, a partir da região do Itapecuru, em direção à região do Mearim, até as “terras livres” da região do Pindaré.

Essa massa de camponeses que se deslocava para o Maranhão percebia o estado

como um “Eldorado” no sentido em que buscavam nas terras de fronteira do estado, a

perspectiva de possuir seu pedaço de terra e assim poder viver em uma região sem

conflitos. De acordo com Arcangeli (1987, p. 109) “as metas dos migrantes nordestinos,

atraído pelo verde e pela chuva, eram a ocupação da terra livre e a obtenção de produção e

subsistência. A frente, que assim se constitui frente de expansão, tem alta mobilidade

espacial, dado o caráter itinerante que o nível tecnológico lhe impõe”.

Em um estudo mais aprofundado sobre o fluxo migratório maranhense, Manuel

Correia de Andrade (ARCANGELI, 1987, p. 110-111) nos indica que a intenção e o

sentido dessa migração ocorrida no Maranhão pode ser dividida em três grandes ramos. O

primeiro, com intenções agrícolas “ultrapassa a cidade de Caxias (microrregião do

Itapecuru), rumo a oeste, [...] alcançando a cidade de Codó, em 1920, a de Pedreiras, em

1940, a de Bacabal, em 1950 e a de Santa Inês, em 1957. [...] Este ramo, saído do

Itapecuru, atinge a região do Pindaré”. Ainda de acordo com o autor, esse ramo agrícola,

bifurcou-se na cidade de Bacabal, originando dois sub-ramos, um seguindo para o noroeste

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chegando a atingir o limite com o Pará, e o outro no sentido sudoeste, até a cidade de

Imperatriz.

O segundo ramo, também citado por Manuel Correia de Andrade, tem intenções de

produção agrícola, mas também de pecuária, e atingirá “os altos cursos dos rios Mearim,

Grajaú e Pindaré, lá desenvolvendo sua agricultura”. O ramo de intenções pecuárias

“atingirá a região de Barra do Corda”. Já o terceiro e último ramo descrito pelo autor, com

intento de produção pecuarista “sai de Floriano (cidade do Piauí, mais ao sul do que

Caxias), dirigindo-se a oeste até chegar a cidade Pastos bons” e daí até alcançar a cidade de

Imperatriz.

Pode-se perceber o fluxo migratório dos campesinos como uma tentativa de

manutenção da sua condição de camponês, já que quase sempre saem das suas regiões de

origem tentando escapar da sujeição e da violência do latifúndio. De acordo com Luna

(1984 p. 17-18)

As famílias dos posseiros deslocam-se dos locais onde residiam em virtude das dificuldades de reprodução, como camponeses e buscam, nas “terras livres”, sair da “sujeição” a que estão submetidos, pelo processo de expropriação dos meios de trabalho. Sair do “cativeiro”, sair da “sujeição” torna-se possível, na visão do posseiro, à medida que ele encontra "terras livres”, “terras sem dono”. Esse deslocamento constante dos posseiros em busca de “terras de trabalho” pode ser entendido como uma busca, uma alternativa de sobrevivência de sua condição camponesa.

Segundo Martins (1983, p. 122) “as migrações dos posseiros em direção à Amazônia Legal

não são mero fenômeno demográfico. São expressões de um amplo movimento social que tem a sua

essência na luta pela terra”.

1.3. TERRAS DE HERANÇA: Os donos somos nós.

Como já mencionado acima, o Maranhão recebeu desde o último quartel do século

XIX e por todo o século XX, um grande contingente de imigrantes advindos de outros

estados da federação. Esse contingente que se refugiou e se fixou no Maranhão veio ao

estado em busca de terra, e quase sempre fugindo de alguma catástrofe natural – como as

secas – , ou foram expulsas de suas regiões de origem pelo latifúndio. Embora chegassem

ao estado em busca das “terras livres”, ainda assim o latifúndio chegava também às terras

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antes despovoadas do Maranhão. Só que dessa vez, os camponeses não quiseram deixar pra

trás o que tinham construído, o que haviam plantado, não pretendiam abandonar as “terras

de herança”, que tinham sido recebidas de seus pais e avós. E ao tomarem a decisão de

resistir, teve-se o desencadeamento dos conflitos que marcaram a história do campo

maranhense. Conforme nos relata Manuel da Conceição (06/02/2003)

Na década de 50/60 quando os coronéis, os capitães do mato né, começaram um processo do tomada de terras dos pequenos posseiros que já tinham lá suas terras, algumas vindas de herança dos avós, dos pais, etc. foi ai que começou, quando começou a resistência, foi quando eles começaram a mexer nessas terras.[...]Só começou a resistência, como eu te falei aqui, quando os trabalhadores foram ficando mais permanentes, começou a ser posseiro de determinadas áreas, receber herança de pais, avós, e estas terras foram sendo ameaçadas pelos fazendeiros, na época capitães do mato. É que eles resistiam sem sair. Ai nesse momento tinha cacete mesmo.

Nesses conflitos a violência é regra. Com a resistência dos camponeses em

permanecerem em suas posses, o latifundiário fez uso do meio que melhor lhe atendia. E

para isso, contava tanto com seus jagunços particulares, como muitas vezes contava com o

efetivo policial do Estado. Contando ainda com outro depoimento de Conceição (1980, p.

54)

Às vezes o patrão tem vários jagunços municipais, que andam de patrulha pra ver se o cara está por lá. Esses jagunços quando querem fazer uma ação violenta – quer dizer, não são eles, é o patrão – comunicam à polícia a necessidade da invasão. Às vezes o prefeito, o delegado ou o sargento que está lá, manda um cabo e um soldado que se reúnem com os jagunços municipais. Então, não é preciso que o município lá no interior tenha muita polícia, porque tem os jagunços que compõem a polícia, quando é necessário maior força.

Um caso emblemático do uso da força do Estado contra os trabalhadores rurais –

quando da disputa entre estes e o latifúndio - foi o ocorrido em Pirapemas, quando os

camponeses que haviam sido expulsos de suas terras, resolvem entrar no sítio e colher os

frutos resultado do seu trabalho. Recorrendo novamente às memórias de Conceição (1980,

p. 69-70), que foi partícipe do ocorrido, nos fala que

Aí a viúva do capitão Soares foi pra São Luís. Colocou pras autoridades que no município de Pirapemas [...] tinha ladrões invadindo as terras

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delas, roubando tudo o que tinha nessas propriedades e que eram de orientação comunista. O governo tinha que tomar providências.

Com a expectativa de esclarecer o acontecido e assegurar o direito dos associados,

o presidente da Associação Rural de Pirapemas se dirigiu à capital, com o intento de contar

a versão da associação e dos camponeses. Tendo falado inclusive com o governador, foi

orientado a convocar assembléia extraordinária com os associados, em dia e hora

combinados com a Secretaria de Segurança Pública, para que todos pudessem participar da

reunião, e para não haver a necessidade de “andar de casa em casa”. Conforme orientado, o

presidente da associação convocou a assembléia. No dia e hora marcado

Foi todo mundo pra lá. Quando deu exatamente a hora marcada, a Secretaria de Segurança Pública mandou vinte e oito soldados, um cabo e um tenente. Teve um que começou “quem é o presidente dessa merda aí?” O pessoal ficou meio assombrado. - Não, aqui todos nós somos iguais, não tem presidente aqui não. “ah! São assim, né?”; passaram fogo. Foi fuzil, metralhadora, morreram logo dentro de casa sete pessoas transpassadas de bala. Uma dezena ou mais um pouco saíram feridas. O que teve de gente de braço arrancado, perna quebrada, tampo de cabeça arrancado na bala... outros saíram todos retalhados na peixeira. Nessa época, alguns camponeses já tinham sido invadidos noutros lugares. Esses, por mais que o pessoal estivesse dizendo que a Secretaria vinha pacificamente, não acreditaram. Levaram uma arma que tinham em casa, um rifle velho. E, nessa hora tocaram fogo. Mataram um tenente. Até hoje ninguém sabe quem foi que matou. Outro soldado morreu também porque um camponês arrancou uma peixeirinha e correu pra polícia: “Se eu morrer, mato pelo menos um”. Ele cravou um soldado. [...] Mas quando ele derrubou o soldado no chão, outro soldado lá com o fuzil em cima, passou-lhe um tiro no pé da orelha e o camponês morreu. Sabe o que aconteceu depois? Em vez de dona Guida Soares ser presa, foi preso o presidente da Associação. Foi amarrado e levado pra São Luís. Passou três anos na cadeia.

1.4 OS CONFLITOS

Tanto os campesinos maranhenses, quanto os imigrantes que chegam ao estado em

busca da possibilidade de uma vida tranqüila e a posse de um pedaço de terra para

trabalhar, acabam tendo que enfrentar muitos conflitos. Roças invadidas por gados e o

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avanço da grilagem eram alguns dos conflitos que permeavam o campo maranhense. De

acordo com Almeida (1981, p.14)

Além dos casos de invasão da roça pelo gado muitos outros mobilizavam os trabalhadores rurais desta região do Maranhão na primeira metade dos anos [19]50. Eram freqüentes as práticas de adulteração de documentos em cartórios de Codó, Timom, Rosário e Itapecuru, assim como o roubo de escrituras registradas. Os que assim agiam pretendiam se apossar fraudulentamente das terras em que os pequenos proprietários trabalhavam e tinham “sítios”.

A expropriação de terras que expulsa esses camponeses de suas regiões de origem

não pára ao longo da marcha desses homens e mulheres. Pelo contrário, à medida que

avançam em busca das “terras livres” do estado, em seu encalço vem quase sempre o

grande latifundiário, que busca “comprar” as terras agora ocupadas, conforme nos fala

Manoel da Conceição (1980, pg. 55)

Eu digo assim comprada, mas na verdade não é comprada. Eles vão lá no Departamento do Estado e dizem: “olha, em tal região eu queria um requerimento de 30, 40.000 hectares. São terras que não têm dono, não têm morador, não têm benefício nenhum. Eu queria trabalhar nessas terras, legalizar e ficar com elas”.

Os conflitos existentes entre os pequenos lavradores e os grandes latifundiários são

parte da dinâmica política do campo maranhense, de modo que o estado está entre os

primeiros do país quando o assunto refere-se à conflitos no campo.De acordo com Oliveira

(2006, p. 5)

A distribuição regional e estadual dos conflitos de terra é bem diferente daquela das ocupações e acampamentos, pois estas se concentraram no Nordeste e no Centro Sul (Centro Oeste, Sudeste e Sul). Enquanto isso os conflitos de terra apareceram fortemente concentrados na região da Amazônia legal, que respondeu por 55% dos conflitos (421) sendo que somente no estado do Pará, ocorreram 135 conflitos, ou seja, 18% deles. Se ao Pará adicionar-se o Maranhão com 91 conflitos e o Tocantins com 37, verificar-se-á que estes três estados responderam por 34% dos conflitos de terra em 2005.(grifo meu)

Segundo Pedrosa (2007), os conflitos no campo maranhense mudam de acordo com

a conjuntura fundiária, sendo que

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antes da Lei de Terras de 1969, predominavam os conflitos característicos das regiões de colonização antiga, em função das abusivas cobranças de rendas e da exploração dos produtos do extrativismo. Com a ocorrência dos movimentos migratórios, inclusive aqueles com destino à zona de extração da borracha, no Pará, desde a década de 20, emergiu o desequilíbrio na demanda camponesa por terras, principalmente nas áreas decadentes do vale do Itapecuru. A violência dos proprietários impulsionou a nova corrente migratória em busca das terras livres, compondo a frente agrícola maranhense.A partir da década de sessenta, tiveram início os confrontos decorrentes da pressão da grilagem pelas terras devolutas do Estado, somando-se às expropriações forçadas empreendidas pelas grandes empresas, sobretudo no Médio Mearim.

Os conflitos entre os pequenos produtores, em sua maioria os chamados posseiros,

e os grandes latifundiários são mediados pela violência. Violência essa que atinge quase

que exclusivamente os camponeses, já que são estes que são assassinados, têm suas roças

destruídas, são expulsos de suas posses. Nesses conflitos os latifundiários contavam com

jagunços, e muitas vezes com a força policial e até com o judiciário. Além dos conflitos

diretos com os grandes latifundiários, ainda existiam os conflitos com os grileiros, que

também podiam contar com o auxílio da força policial e com a conivência do executivo e

do judiciário.

1.4.1. FOGO NO GADO: A defesa das lavouras e a omissão do poder público.

No final da década de 1950 e início de 1960, uma questão que repercutiu muito

entre os campesinos foi a chamada questão do gado, principalmente na região de Pindaré-

Mirim. Segundo relato de Manoel da Conceição (06/02/2003)

A maior perseguição que se tinha na época era porque o município tinha dito que tais e tais áreas eram para lavoura e tais e tais áreas para a criação de animais, que fizesse roça lá tinha que cercar. E quem entrasse na área que foi definida para lavoura não precisava cercar. O que fazia o fazendeiro, naquele tempo não se fazia pasto, o pasto era natural, o gado criado extensivo. Em qualquer canto que ele achasse comida (...) E aí como gado não entendia da lei quem entendia era os fazendeiros, já que eles não fizeram cerca, uma divisão para definir a área da lavoura, o gado atravessava a fronteira e ia comer onde ele tivesse em qualquer lugar.

A lei municipal de Pindaré-Mirim que legislava sobre essa questão, áreas de lavoura e áreas

de criação, datava de 1949. E nesta lei podemos perceber o comprometimento do poder público

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com os grandes criadores em detrimento dos pequenos lavradores. Conforme Conceição (1980,

p.103)

Mesmo a roça sendo cercada, caso o gado invadisse destruindo tudo a produção do camponês, ele não tinha o direito de abater o gado. Tinha que ir à casa do fazendeiro dizer que o gado estava na roça. Se depois de denunciar três vezes o fazendeiro não tomasse nenhuma providência, o camponês devia denunciar outras três vezes à prefeitura. Ora, só pra se fazer isso aí, se bota um percurso de quinze dias. Ir três vezes na prefeitura. Marcar o dia pra falar com ele. Tem que ter intermediário, pistolão, essa coisa toda. Em quinze dias o gado já comeu o arroz, a mandioca, o milho, não tem mais nada. Está só o chão limpo.

O problema do gado destruindo as lavouras tomou grande dimensão, já que em toda

a região próxima ao município de Pindaré essa era uma prática comum. Os fazendeiros

deixavam o gado solto, que por sua vez buscava pasto nas lavouras. Desse modo, a luta do

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pindaré ultrapassou os limites municipais, e passou

a receber apoio nos mais diferentes povoados e municípios vizinhos. O resultado de toda

essa mobilização foi uma grande assembléia-geral extraordinária, que reuniu quatro mil

trabalhadores.

Essa mobilização, e todos os problemas advindos da questão do gado acabou por

trazer as lideranças do STR de Pindaré a São Luís. Com a promessa de que as autoridades

competentes iriam a Pindaré resolver a questão do gado, os camponeses aguardaram. As

autoridades não compareceram, e o gado continuou a invadir as roças. Os campesinos

tomaram a decisão e a iniciativa de resolver o problema por seus próprios meios. Segundo

Conceição (1980, 111)

Então, em fevereiro de 1964, foi convocada uma assembléia-geral extraordinária [...]. - Como é, mata o gado ou não mata? O pessoal começou logo a perguntar. - Fogo no gado. O gado está comendo a roça. Fogo no gado e mais ainda. A carne é pra ser distribuída em pé de igualdade com os trabalhadores que tiveram prejuízo. Deve ser vendida e com o dinheiro compra-se a produção que o gado está destruindo, nova produção pra poder agüentar o inverno. Começou a morrer gado. Tinha dia que morria oito, dez cabeças. Os fazendeiros, vendo a força que a gente estava tendo no município, começaram a negociar.

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A questão do gado ganhou notoriedade. Os animais invadiam as roças, os

camponeses matavam as reses. Em 1964 Manoel da Conceição retornou a São Luís para

falar com as autoridades competentes. Dessa feita encontrou-se com o governador do

estado, e pela fala deste percebe-se o comprometimento do governo com os criadores

latifundiários. Segundo Manoel da Conceição (1980, p. 117), ao encontrar com o

governador Newton de Barros Bello, o que ouviu foi que “se o senhor não quiser ser preso

com a sua denúncia, volta por ali, pelo mesmo caminho, porque se o senhor continuar

insistindo, eu mando lhe tocar na cadeia. Pra lavrador que mata gado, o que tem é bala”.

Em março de 1964 o STR de Pindaré contava com mais de oito mil associados, e

incluindo na conta os outros municípios que estavam no raio de ação do sindicato, o

número chegava a dez mil pessoas.

1.4.2. GRILAGEM

Os campesinos que buscavam se fixar no estado enfrentavam uma série de

dificuldades. As levas de campesinos que se moviam pelo estado refletiam sempre uma

realidade: a expropriação do homem e da mulher do campo, que tinham sido expulsos de

suas regiões de origem pelo interesse do latifúndio. Se havia resistência, os fazendeiros

usavam da força e da violência. Assim, homens e mulheres, famílias inteiras, vagavam pelo

estado em busca de terras onde pudesse habitar. Chegar em novos locais, desbravar terras

não era fácil, mas valia o esforço em busca da possibilidade de viver com tranqüilidade e

ter um pedaço de chão de onde tirar o sustento. Essas tentativas seguiam os focos

espontâneos de migração, ou iam rebocados pelos projetos de abertura de rodovias, como

nos fala Conceição (1980, p. 73)

Nesse local ainda não tinha quase moradores. A Petrobrás fez um contrato de abrir estradas à procura de petróleo, na grande parte da mata do Pindaré-Mirim até a foz do Caru. [...] Essas matas não tinham sido ainda ocupadas. Só tinha o rio, e como no verão não entrava nenhum transporte porque o rio era entupido de pau, o pessoal tinha que ficar lá ilhado. [...] Mas quando abriram esse picos, o pessoal começou a situar-se na beira da estrada. [...] Na viagem, algumas pessoas, que também estavam querendo se mudar, com a notícia de que agente ia pra esse local novo, começaram a acompanhar. E aí foi chegando, foi chegando, foi chegando gente.

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Essas terras que foram “abertas” por esses posseiros, migrantes, que buscavam sua

permanência no campo, não passaram desapercebidas pelos grandes latifundiários, que

enxergaram nessas novas terras uma nova oportunidade de lucratividade. Dessa maneira, ao

conseguirem se estabelecer em novas terras, os campesinos acabaram sendo alcançados

novamente pela expropriação do latifúndio, de forma que “o que aconteceu na realidade, foi

que, na medida em que as estradas levavam a valorização das terras e facilitavam a

instalação da grande empresa, à pequena produção nada restava a não ser submeter-se ao

processo geral de expropriação do seu meio de produção - a terra”. (LUNA, 1984, p. 6).

O fenômeno da grilagem não ocorreu apenas em áreas de povoamento antigo, mas

também nas áreas de fronteira. Conforme nos coloca Arcangeli (1987, p.73) “na década de

60 e mais ainda na de 70, agrava-se o fenômeno da grilagem de terras na fronteira, que abre

o caminho à expansão capitalista nas novas áreas”.

De acordo com Luna (1984, p. 46), o apossamento ilegítimo de terras por meio da

grilagem envolve processos complexos, sendo que:

- As terras são tomadas dos posseiros, para simples especulação e permanecem como reserva de valor. [...] - As terras são tomadas dos posseiros e destinados a atividades agropecuárias[...]. - As terras são tomadas por um dos herdeiros do dono que possui o título de terra, promovendo a expulsão dos outros (grilagem em situações de herança sem partilha). - As terras são objeto de grilagem cartorial, falsificação de títulos e documentos em cartórios, dificultando a reconstituição da cadeia dominial e permitindo a ação dos grileiros com maior dificuldade. - As terras indígenas são invadidas por empresas ou fazendeiros.

Como é possível observar, há diversas formas de grilagem, ou melhor dizendo, de

apropriar-se de maneira ilícita de terras. Via de regra, a violência é corrente na expulsão

dos campesinos dessas áreas griladas.

Grande parte dos conflitos de terras existentes no estado devem-se à ação dos

grileiros, quando da resistência dos camponeses em deixarem as áreas griladas. Conforme

Arcangeli (1987, p. 91)

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Segundo pesquisa parcial e provisória da CNBB [...] de julho de 1981, havia no país 916 litígios fundiários, na maior parte já em curso em 1979/1980; na pesquisa, a grilagem das terras é apontada, em 496 casos, como a principal causa de disputas, concentradas especialmente no Pará e no Maranhão; segundo o levantamento, 261.900 famílias localizam-se no Maranhão, onde o número estimado de conflitos (de grandes conflitos) é de 207.

Segundo Pedrosa (2007) “a partir da década de sessenta, tiveram início os

confrontos decorrentes da pressão da grilagem pelas terras devolutas do Estado, somando-

se às expropriações forçadas empreendidas pelas grandes empresas”.

A situação dos camponeses expulsos pela grilagem tornava-se ainda mais delicada

já que os grileiros contavam quase sempre com a conivência de diversos elementos,

incluindo o poder público, como nos relata Arcangeli (1987, p. 120)

Com esta grilagem ou roubo de terras, são coniventes os cartórios, que se prestam ao fornecimento de falsos títulos de propriedade; o poder público, que faz vista grossa (quando não é o próprio impulsionador de vendas simbólicas de terras devolutas); políticos locais, veiculadores do sofisma segundo o qual em nome do “progresso” vale tudo; e, naturalmente, a polícia, aliciada por políticos e patrões, em detrimento da defesa dos direitos camponeses.

Situação que podemos evidenciar, conforme queixa-crime realizada por Leodegário

Aguiar contra o grileiro João Costa Vieira. De acordo com o documento “em 1962

principiou-se a ambição do grileiro João Costa Vieira, pelas terras do peticiário,

materializada por perseguições”. Ainda no ano de 1962, o grileiro com os seus capangas

tomou uma roça toda plantada do peticiário e a entregou a um de seus capangas. O senhor

Leodegário Aguiar recorreu ao delegado local, senhor José Antônio de Azevedo, conhecido

pela alcunha de João Gago, que devolveu a terra ao peticiário. E então, o caso ganha a

interferência do juiz local:

Poucos dias depois, o peticiário recebeu uma solicitação do juiz Jose Ribamar Ramos Filgueiras, afim de que comparecesse à sua presença, como também o delegado. O magistrado marcou a reunião em sua casa, estando presente João Costa Vieira, João Gago e o peticiário. Resultou dessa reunião ter o juiz determinado verbalmente ao peticiário que abandonasse a sua roça. O juiz e o grileiro estavam mancomunados e juntos promoveram a usurpação de sua roça e suas terras. Isso porque, nessa reunião, o peticiário apresentou ao juiz José Ribamar Ramos

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Filgueiras, os documentos procedentes do Departamento de Terras, Geografia, Colonização e Migração de São Luiz, em razão do que foi ameaçado de ser preso. (Fonte: Arquivo DOPS)

Este é apenas um caso, que exemplifica como os grileiros usam de diversas formas

para apropriar-se de terras de posseiros, fazendo uso de influência política e do poder

judiciário.

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2. “A GENTE QUER TER VOZ ATIVA, NO NOSSO DESTINO MANDAR”: a

organização da luta camponesa no Maranhão.

Na luta por seus direitos, as famílias camponesas buscaram formas de luta e

organização. Quase sempre essa mobilização não partia de um projeto coletivo de

transformação social, mas era fruto de vários fatores que levaram à necessidade de

organização. Segundo Luna (1984, p.69)

Na maioria das vezes, pôde-se observar que os posseiros organizam-se a partir do local onde vivem e o alvo é o inimigo comum, ou seja, o grileiro ou o fazendeiro que se diz dono da terra e os está ameaçando de expulsão. A possibilidade de uma organização mais ampla desses lavradores, que vá além do nível local, depende da análise de vários fatores que se situam em outro âmbito e que se relacionam com a organização sindical e a direção dada, por esses organismos, ao encaminhamento das lutas.

Essa organização muitas vezes não é norteada por uma consciência de classe, mas

principalmente pela necessidade de autopreservação das comunidades, e de defesa de suas

posses. Como podemos observar na fala de Manoel da Conceição (06/02/2003)

Só começou a resistência, como te falei, quando os trabalhadores foram ficando mais permanentes, começou a ser posseiro de determinadas áreas, receber herança de pais, avós, e estas terras foram sendo ameaçadas pelos fazendeiros, na época capitães do mato. [...] Bom, e aí minha filha, acontece a resistência. Junta essa questão das mortes do Mearim, junta estas questões das mortes de Pirapemas, aquele compromisso firmado, eu não era um cara politizado, tivesse consciência política, social, econômica, sabe o que aconteceu? Todo esse massacre se transformou em revolta aí eu estava revoltado, sem consciência política nenhuma. [...] Depois essa compreensão foi evoluindo, eu tenho mesmo é um compromisso de classe.

2.1. AS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO

Para resistir à expropriação das terras, à violência, ao latifúndio e a tudo o que ele

representa, os campesinos buscaram várias formas de organização ao longo da história. E

todas essas formas de organização visavam assegurar sua permanência no campo. Essas

formas de organização mudaram conforme a necessidade e conjuntura de determinado

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período ou local. Assim, temos as associações e sindicatos, e temos uma certa divisão nas

formas de atuação desses segmentos.

Nas palavras de Manoel da Conceição (06/02/2003) “no começo nós não tínhamos

ainda legalidade para se organizar, ainda não, era uma rebeldia, mas sem se juntar com as

outras famílias, para se formar um grupo, cada um resistia a seu modo”. Com o

agravamento dos conflitos, e a necessidade de melhor se organizar, os camponeses

buscaram formas coletivas de organização, como podemos observar na continuidade do

relato de Manoel da Conceição:

No segundo ano apareceu na cidade um sujeito chamado Manacé de Castro, filho do delegado que morava muitos anos e protegia as famílias, tinha muitos filhos inclusive este Manacé.[...]Manacé era comerciante e criador de gado. Aí este Manacé botou na cabeça que aquelas terras pertencia a ele e foi lá para a gente sair dos terrenos. O pessoal disse rapaz quando agente chegou aqui só tinha mato, não tinha dono como é que agora apareceu dono, veio de onde. Ele disse: não esta terra nós registramos no departamento de terras lá em São Luís. Não tinha dono mesmo, mas agora eu sou o dono.[...] Pediram pra eu ir a Bacabal para ir conversar com o presidente de uma associação rural. Ele disse: rapaz a melhor forma para vocês poder lá resistir e brigar pelos direitos, é vocês criarem uma delegacia da associação.

Na década de 1950, mais precisamente a partir de 1954/1955 – ano da II Conferência

Nacional de Trabalhadores Agrícolas - as associações de segmentos rurais se espalharam pelo

Maranhão. O avanço das associações no interior do estado deveu-se ao aumento dos conflitos no

campo e à atuação de comissões regionais que foram criadas para discutir o tema da reforma agrária

e divulgar os resultados da II Conferência Nacional. (ALMEIDA, 1981,p.10).

2.1.1. AS ASSOCIAÇÕES

As associações de organização de trabalhadores rurais ganharam impulso no

Maranhão a partir da II Conferência Nacional de Trabalhadores agrícolas, ocorrida em São

Paulo, em setembro de 1954. Dessa conferência, saiu a deliberação de lançar uma grande

campanha de assinaturas reclamando do Congresso Nacional a realização de uma reforma

agrária democrática. O trabalho da coleta de assinaturas ficou a cargo das comissões pró-

reforma agrária, que acabaram por formar várias associações rurais no estado.

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As associações foram a via legalizada que os posseiros encontraram de lutar por

seus direitos, para resistir ao avanço do latifúndio. Esse modo de organização foi a maneira

que os campesinos encontraram de permanecer na terra. De acordo com Araújo (2000,

p.157)

A primeira forma de organização coletiva nos vales do Itapecuru e Mearim, apontada do relato, se expressa através das Associações dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas que reuniam diferentes segmentos. Através desse canal de representação, os chamados posseiros buscavam a sobrevivência por meio da incorporação de um dos elementos da lógica capitalista, referente ao reconhecimento jurídico da posse da terra.

As associações tinham caráter político, mas também assistencial. Ao mesmo tempo

em que era instrumento legal de luta por direitos, fazia às vezes de espaço recreativo e

assistencial aos associados. Mas, de acordo com Almeida (1981, p.18)

O denominado caráter recreativo e assistencial das Associações não pode ser separado de seu caráter político organizativo. O assistencial não excede o político, integra-o visto que o caráter voluntário das associações lhe conferia uma autonomia que antes de tudo era uma forma de defesa política.

Sendo espaço de discussão e de meio legal de luta pelos direitos dos campesinos, as

associações experimentam um grande crescimento entre a segunda década de 1950 e a

primeira de 1960. De acordo com Luna (1984, p. 85)

Com a atuação da ATAM, as associações espalharam-se pelo estado passando a ter uma ação mais conjugada. Em 1957, foram criadas pela ATAM associações de trabalhadores em Rosário, Santa Rita, Independência, Bacabal, e Pedreiras. [...] No período de 1955 a 1 963 existiam, no Maranhão, em torno de 50 Associações de Lavradores filiados a ATAM, alcançando mais de 20 mil filiados.

A legalização que as associações davam ao conjunto dos trabalhadores não impedia

que estes buscassem outras maneiras de se proteger e defender suas posses. Se o gado

continuava a invadir suas roças, estes reclamavam junto aos órgãos competentes via

associação, mas também buscavam formas de impedir que o gado chegasse às roças.

Dessa maneira, a associação é o braço legal de representatividade do campesinato,

mas não a única via de luta. Além do que, era uma representação dos camponeses onde

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eram eles que se organizavam em busca de seus direitos, e não precisavam do intermédio

de terceiros, tirando o controle da ação campesina da mão das oligarquias locais. Conforme

Almeida (1981, p. 13)

Devidamente registrada em cartório e dispondo de um advogado como assessor, a Associação funcionava como emprestando aos lavradores uma condição absolutamente legal de recorrer à justiça. Consideravam-se agindo dentro de seus direitos legalmente reconhecidos. Exerciam as garantias inerentes a seus direitos de cidadão através da consultoria jurídica de sua entidade de representação formal. Como o processo em andamento na justiça estava em pauta uma redefinição de posição política dos trabalhadores rurais. Até então só tinham acesso aos dispositivos legais por intermédio dos detentores do poder a nível municipal ou das “oligarquias”, como sugerem alguns estudiosos. Ao mobilizar efetivamente os lavradores, em defesa de seus interesses econômicos, e ao assegurar um desdobramento do conflito ao nível dos aspectos jurídicos a Associação deslocava os mediadores tradicionais.

O avanço dos conflitos na década de 1950 – principalmente no que se refere à

questão do gado e a grilagem – levaram a um crescimento do número de associações de

trabalhadores rurais.

Em 1956 foi realizada a Conferência Maranhense de Estudo da Reforma Agrária,

cujo objetivo era a divulgação das lutas dos campesinos, além de servir para pressionar o

poder público, já que dessas reuniões participavam diferentes grupos sociais em torno do

debate sobre reforma agrária. Dessa conferência, uma das principais resoluções aprovadas

foi “a criação de uma entidade estadual para orientar e articular as lutas das associações”.

(ALMEIDA, 1981, p. 17).

2.1.2. OS SINDICATOS

O processo de sindicalização rural no Brasil, até a primeira metade do século XX, é

lento e de pouco alcance nacional. Conforme Welch (2006, p. 60)

Dependendo de sua perspectiva e sua garra como pesquisador, é possível encontrar evidências da existência de movimentos sociais de trabalhadores rurais da época colonial até hoje, mas não seria possível encontrar registro de um movimento sindical rural até o século passado.[...] No início do século XX, a influência de anarquistas e socialistas sustentou movimentos clandestinos nas fazendas de cana-de-

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açúcar, estimulando levantamentos e greves até prolongados. Mas a questão do movimento sindical é outra.

O aumento dos conflitos sociais no campo, a partir da década de 1950, acabou por

impulsionar o movimento sindical rural. Segundo Martins (1983, p. 78) “como

conseqüência do próprio avanço do movimento camponês durante os anos 50, quando

Goulart assumiu em 1961, já existia praticamente montado um sistema sindical rural”.

Os sindicatos rurais que na década de 1950 eram apenas cinco – os reconhecidos

oficialmente segundo Andrade (1986, p.25), chegaram aos milhares no final da década de

1970, que se reuniram no 3º Congresso Nacional de Trabalhadores rurais. Segundo

Houtzager (2004, p.42)

Contudo, nos decorrente quinze anos do governo militar o Brasil desenvolveu, pela primeira vez em sua história, um movimento sindical rural de verdadeiro alcance nacional. Em 1979, delegados do Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais (MSTR), representando 2.275 sindicatos rurais e 21 federações de nível estadual, reuniram-se em seu 3º Congresso Nacional para traçar um rumo durante a transição para a democracia.

O processo de sindicalização rural foi acompanhado de muitas disputas pela

representatividade desse segmento social. Com a crescente organização das lutas

campesinas vários setores e personalidades buscavam ser o referencial ou representante das

lutas do campo. Por outro lado, o estado buscava controlar essas lutas, o que no período

pós-1959 justificava-se pelo medo de uma revolução como a ocorrida em Cuba em

território brasileiro. Conforme nos coloca Houtzager (2004, p. 43)

A preocupação com a integração nacional foi impelida pelo pesadelo dos oficiais – induzido pela Guerra Fria – de uma revolução ao estilo da cubana no escuro, vasto e desconhecido interior do Brasil. [...] O movimento sindical de trabalhadores rurais regulado pelo Estado incorporaria o trabalho rural à sociedade nacional e institucionalizaria um novo relacionamento entre Estado e o trabalho rural. Esse novo relacionamento foi formado sobre o controle do Estado e a despolitização do trabalho.

Além do interesse do Estado, há também o interesse da Igreja no processo de

sindicalização rural. Ao mesmo tempo em que buscava uma organização das massas

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camponesas, a Igreja também tinha o anseio de conter o “avanço comunista”, que seria

representado por sindicatos autônomos ou ligados ao PCB, e dessa maneira “o medo da

'ameaça vermelha' [...] levou a Igreja Católica a investir na organização de sindicatos rurais

na época” (WELCH, 20075).

Ainda de acordo com Welch (2007)

a luta pela sindicalização dos trabalhadores rurais no Brasil é mais bem entendida como uma luta da vanguarda revolucionária contra a classe dominante reacionária. Entre os amigos da causa de sindicalização, a competição foi feroz mais produtiva. A partir de 1960, a Igreja Católica, as Ligas Camponesas e políticos populistas entraram na concorrência para ser identificados como representantes autênticos do trabalhadores rurais.

No caso do Maranhão, o processo de sindicalização rural ganhou espaço na década

de 1960, impulsionado pela campanha de sindicalização lançada pela ULTAB – União de

Trabalhadores Agrícolas do Brasil. De acordo com Almeida (1981, p. 58)

A delegação maranhense ao I Congresso programou uma série de comícios para que as resoluções finais fossem divulgadas. Nos comícios realizados em Bacabal e Caxias, em dezembro de 1961, ficou marcada a nova etapa de organização e luta: a ATAM segundo determinações mais gerais iria preparar algumas associações para passarem à condição de sindicato.

O avanço do sindicalismo rural no Maranhão, também tem a colaboração da Igreja,

através do MEB – Movimento de Educação de Base. Os sindicatos fundados a partir da

orientação do MEB ficaram conhecidos como sindicatos dos padres. Um dos sindicatos

mais combativos do estado, o Sindicato de Pindaré-Mirim, é organizado a partir de cursos

realizados pelo MEB. Conforme nos relata Manoel da Conceição (1980, p. 89), “no mesmo

ano de 1962 aparece a história do sindicalismo rural. Sabia-se que no jornal saia notícia do

sindicalismo em luta, para se legalizar. Mas para nós, foi através do pessoal do MEB [...]

que chegou o sindicalismo”.

5 Data do último acesso.

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O sindicato de Pindaré foi fundado em 18 de outubro de 1963. E influenciou a

criação de outros sindicatos na região, a exemplo do sindicato de Santa Luzia, conforme

depoimento de um sindicalista6 de Santa Luzia (LUNA, 1981.p.78)

No 2º semestre de [19]70 a gente ouvia falar da movimentação dos trabalhadores rurais aqui da região do Pindaré, em 1962 o município de Santa Luzia ganha autonomia. Então, neste intervalo de 1962 a 1970 houve grande movimentação sindical aqui nas proximidades, em Pindaré na época do Manoel da Conceição [...] A história que o povo daqui sabia é que era tudo por causa do sindicato. O poder político de Pindaré se coligava com o de Santa Luzia e a gente sabia da perseguição que ia sobrar pra nós. Mas, em [19]70, a gente pensou em criar uma organização aqui e criamos o Sindicato de Santa Luzia em [19]71.

O Sindicato de Santa Luzia foi fundado em 21 de novembro de 1971, e chegou a

contar com 8000 filiados no ano de 1972 (LUNA, 1981.p.78). Em 1963, o avanço do

sindicalismo no Maranhão foi noticiado no periódico Terra Livre7, de circulação nacional

(nº 122/1963)

Como nos demais estados, no Maranhão a sindicalização rural vai ganhando campo, apesar de uma série de dificuldades e do desespero dos latifundiários. Incentivado pela ATAM, pelas associações de lavradores locais e por algumas cooperativas, já foram fundados nesse estado 4 sindicatos e quando esta edição de Terra Livre estiver circulando, outros sindicatos terão sido formados nos municípios de São Mateus, Governador Arché, Codó e Santo Antônio dos Lopes.

O estudo sobre o processo de sindicalização rural, no Brasil e no Maranhão, precisa

ser mais aprofundado, já que há vários elementos de disputa pelo controle dessa forma de

organização. Os sindicatos podem ser tanto instrumento de emancipação quanto de controle

desses trabalhadores.

6 O depoente foi identificado pela autora. 7 Periódico de circulação nacional, editado sob a responsabilidade do setor do PCB designado para tratar os assuntos do campo, que circulou entre 1949 a 1964, que tinha por objetivo identificar e denunciar as principais problemáticas do campo, e mobilizar os trabalhadores rurais.

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2.1.3. “E A IGREJA SE FEZ POVO!” A atuação da Igreja frente a mobilização

camponesa.

A partir da segunda metade do século XX, a Igreja Católica busca inserção junto aos

movimentos do campo. Isso se deve a um “processo de renovação da Igreja Católica, a

partir dos aos 50 e 60” (COSTA 1994, p. 9) do século XX. No entanto, o processo de

renovação da Igreja não atingiu o totum da instituição, de forma uniliar, pois de acordo com

Costa (1994, p. 16) “na verdade, apenas uma parcela da instituição assumiu a idéia de

formação de uma Igreja Popular, comprometida com a causa dos oprimidos e defendendo a

transformação social”.

Para Houtzager (2004, p.136), no caso do Brasil

O fechamento do regime político e uma profunda crise institucional da Igreja Católica brasileira enquanto lutava para ajustar-se a uma sociedade cada vez mais urbana e secular, pressionaram o clero como um todo a abraçar as mudanças propostas por uma minoria progressista dentro da Igreja. As mudanças emergiram a partir da reorientação internacional da Igreja, que seguia o Vaticano II (1962-1965), e do episcopado da América Latina, após assembléia regional em Medellím (1968). Os bispos de Medellín, em particular, advogavam a revogação de alianças políticas conservadoras há muito existentes, bem como a prática religiosa para constituir o que se tornou conhecido como a “opção para os pobres”. A Igreja, anunciaram os bispos da América Latina, precisava aproximar-se das massas e tornar-se uma voz de justiça social, uma voz para os mudos. No Brasil, isso acarretou um esforço dramático de redefinir o relacionamento da Igreja com a sociedade e, conforme a Igreja se distanciava do regime autoritário, o clero lançou uma campanha inédita de organização popular. De acordo com Mainwaring, a Igreja brasileira, na década que se sucedeu, tornou-se a mais progressista do mundo e a força principal de oposição ao regime autoritário, visto que quase todos os canais políticos foram fechados

A atuação da Igreja, junto aos trabalhadores do campo se deu de maneiras distintas:

ações sociais, educação popular e a realização de discussões que tinham por tema a questão

agrária no Brasil e no estado, assim como a atuação de pastorais.

A primeira tentativa da Igreja de inserção junto aos segmentos do campo deu-se na

linha de ação social. De acordo com Almeida (1981, p.47),

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A partir de 1952, a Igreja Católica no Maranhão iniciou um intenso programa de ação social junto às populações rurais. Preocupado com a gravidade dos conflitos [...] e com a debilidade das forças da Igreja nesta área o Arcebispo Metropolitano de São Luís, D. José de Medeiros Delgado elaborou um programa voltado para os “problemas sociais” Encetou formas de mobilização, que assegurassem uma forte presença da instituição no interior do estado, principalmente, junto à população de lavradores e trabalhadores rurais. [...] Com a finalidade de realizar empréstimos às cooperativas agrícolas existentes e aos pequenos proprietários a Arquidiocese fundou a Cooperativa Banco Rural do Maranhão. [...] Os incentivos creditícios proporcionados por este estabelecimento possibilitavam à Igreja atuar numa área de financiamento da produção que, inclusive, apresentava-se como problemática para os órgãos públicos.

Para Costa (1994, p. 18) a atenção da Igreja não estava voltada apenas para a

questão do crédito, e

O Ruralismo da Igreja se desdobrou em várias atividades, a saber:

a) A criação da Cooperativa Banco Rural do Maranhão, para atuar na área do financiamento agrícola para pequenos produtores e cooperativas; b) O incentivo ao cooperativismo rural, atividade desenvolvida pelo Movimento Intermunicipal Rural Arquidiocesano (MIRA), criado em 1952; c) A crítica aos projetos de reforma agrária democrática e radical, defendidos pelas Associações de Trabalhadores Agrícolas; d) A mobilização de diferentes segmentos sociais em torno de suas concepções, concorrendo neste aspecto com outras orientações políticas (especialmente com a ATAM); e) Realização de experiências-piloto de reforma agrária, as quais não obtiveram os resultados esperados por serem por demais limitadas.

E a instituição passa a investir também na formação de professores para as áreas

rurais. Incentivada pela atuação com os incentivos creditícios, a Igreja resolve investir em

planos de reforma agrária no início da década de 1960.

A atuação da Igreja cresceu tanto no campo maranhense, que “em setembro de 1957

a expansão dos organismos de inspiração religiosa rivalizava com a ATAM” (ALMEIDA,

1981, p. 52).

A partir de 1962 a CNBB volta-se para a questão do sindicalismo rural, que se

constituía, de acordo com Costa (1994, p. 18), “na criação de organismos confessionais

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paralelos aos sindicatos e associações”. A partir desse ano, a Igreja passa a atuar na área de

educação sindical, e para essa função o principal instrumento do qual a Igreja se utiliza é o

MEB – Movimento de Educação de Base.

Segundo Costa (1994, p. 19)

Já há nesse período a presença de grupos dentro da Igreja identificados com os ideais da Igreja progressista. Contudo, esses grupos são minoria dentro da instituição até pelo menos o final da década de 1960. No Maranhão, estes setores se fazem notar desde 1961, data em que o Padre Alípio de Freitas defendeu a palavra de ordem das Ligas Camponesas (“Reforma Agrária na lei ou na marra”) em sua Carta Aberta aos Lavradores.

O surgimento do MEB deve ser compreendido dentro do contexto da Igreja Popular,

da Igreja dos pobres, que começa a se formar nas décadas de 1960/1970. Assim, voltando-

se para a formação popular, os cursos sobre sindicalização do MEB ajudaram a difundir o

processo de sindicalização rural já em curso no Brasil e no estado. Nas palavras de

Conceição (1980, p.91-92), que foi “aluno” dos cursos de sindicalização promovidos pelo

movimento, a atuação do MEB se dava de maneira a levá-los a refletir sobre os problemas

que vivenciavam.

O pessoal do MEB fez toda uma estrutura do ponto de vista político, ligando município com o estado, a presidência da república. Na região, nós classificamos o curso de seminário para analfabetos, porque não precisava ler. Você via através do retrato das coisas pintadas lá no quadro, na cartolina. [...] – Então, como é que elege o prefeito? O pessoal lá votando – na pintura. Depois de eleito o prefeito, você via logo uma cadeia, polícia. Na segunda página você via os movimentos camponeses ligados, de mãos dadas. Alguns tombados, mortos na terra e as balas saindo da boca dos fuzis da polícia, que estava lá na prefeitura. O MEB questionava se esse sistema de eleição era suficiente pra conseguir a terra, já que aquelas brigas eram em função do problema da terra. [...] Aquilo tudo agente tinha que interpretar: o que era o quadro? A partir da interpretação é que se dizia alguma coisa. O pessoal da MEB ia fazendo outras perguntas e anotavam nossas respostas.

A atuação do MEB foi importante para a criação de muitos sindicatos rurais, no

entanto deve-se observar que a atuação da Igreja em relação ao campo variava de acordo

com a visão política dos padres das regiões. Assim, nos locais onde os padres eram ligados

à “ala progressista” da Igreja, os sindicatos formados a partir da atuação dos movimentos

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de base da Igreja, se desenvolviam sem hostilização às Ligas e aos movimentos campesinos

não ligados à Igreja, e de orientação autônoma e mais radical, a exemplo dos Padres

Francisco Lages e Alípio de Freitas (ALMEIDA, 1981, p.56).

Nas regiões onde os padres eram mais afinados com a “ala conservadora” da

instituição, a atuação deles dava-se justamente no sentido de oposição das Ligas e dos

movimentos autônomos, como os padres Melo e Crespo, que organizaram sindicatos em

Pernambuco em oposição às Ligas e à ULTAB (ALMEIDA, 1981, p. 56). Um caso que

pode bem exemplificar essa atuação dos padres conservadores, é o depoimento de Bebelo

(Onofre Alves Siqueira – 01/05/96), ao falar sobre o Padre Luís Simão, que perseguia a

Liga Camponesa fundada no município de Sítio Contador Buíque – PE. Quando perguntado

sobre o Pe. Luis Simão, ele nos coloca que

Bebelo -Aqui ele era contra demais. Cléa - Mais o que o senhor acha que atrapalhou esse movimento? Bebelo- A persiga política do padre Luís. O Povo se afastou. Cléa - Wilson Porto chegou a ser preso? Bebelo - Ele era meio marcado pelo padre, de vez em quando prendiam...soltavam. [...] Bebelo – Padre Luis era o perseguidor daqui.

Na década de 1970, podemos destacar como marco da atuação da Igreja na luta

camponesa a criação da CPT - Comissão Pastoral da Terra, em 1975. A CPT é uma das

muitas pastorais sociais que nascem nesse contexto de renovação da Igreja e da opção da

Igreja pelos pobres, a Igreja Popular. Para entendermos o nascimento da CPT, é preciso

considerar o momento de renovação pelo qual a Igreja Latino-americana passava no

período, impulsionado principalmente pela Teologia da Libertação8, a partir da

Conferência de Medellín9 (Colômbia, 1968).

Em 1976, o Jornal O Imparcial, noticiou o debate realizado por bispos maranhenses

acerca da questão fundiária do estado. Segundo o periódico (01/06/1976)

8 Movimento teológico que a partir da Conferência de Medellín pensa uma Igreja compromissada com as causas do povo, pelos pobres e pela justiça social. É a base da chamada Igreja Progressista, ou Igreja Popular, onde o povo se faz Igreja, e A Igreja se fez Povo. No Brasil, um dos principais nomes da Teologia da Libertação, foi o Frei Franciscano Leonardo Boff. 9 II Assembléia Geral da Conferência Episcopal Latino-Americana (CELAM). Onde temos o surgimento da Teologia da Libertação, e a decisão de uma popularização da Igreja e da ampliação das CEB’s (COSTA, 1994, p. 10).

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Dez bispos do Maranhão estão discutindo desde ontem, no Centro de Formação de Líderes, o problema fundiário do estado e a situação de insegurança em que vivem os pequenos produtores, pressionados pelos grupos empresarias agropastoris. As discussões de ontem foram formuladas em dados estatísticos oficiais relacionados com a organização da propriedade agrícola, cujas análises iniciais levaram a assembléia a concluir que o maior problema fundiário no Maranhão está diretamente vinculado à inexistência de uma estrutura fundiária adequada a atender as necessidades do ruralista.

A Igreja, pelos menos seus segmentos mais progressistas, investia na atuação junto

ao campesinato, como pudemos observar, de várias maneiras e ocupando os mais diversos

espaços. Fosse nas pastorais, na educação popular ou nas ações sociais, a Igreja buscou

investir no processo de mobilização campesina. Alguns membros do clero se preocupavam

mais em conter o avanço do comunismo, mais uma parcela significativa buscavam

realmente a emancipação desse homem do campo, dentro de uma opção de Igreja que

valorizava a solidariedade e a luta por justiça social.

2.2. A DISPUTA PELO CONTROLE DAS LUTAS CAMPESINAS.

Historicamente, os camponeses nunca foram encarados como uma classe

revolucionária. Pelo contrário, eram vistos como um segmento que não tinha papel ativo na

política. Nas palavras de Schwartz (2001, 125) “tendo raramente recebido papel ativo na

história do Brasil, os roceiros eram tidos como população “telúrica”, fixa no interior, a ser

catalogada pelos observadores como flora e fauna, e obrigados a ver a história passar por

eles”.

Dessa maneira, não havia um projeto político que englobasse a participação política

do campesinato, mesmo o Brasil sendo um país predominantemente rural.

Até 1930 o país era essencialmente rural, toda a vida econômica e social desenvolveu-se à volta da economia cafeeira. Depois dessa data o país industrializou-se, porém até às vésperas do golpe militar de 1964 a maioria da população ainda vivia no campo, daí porque a reforma agrária era então uma proposta incendiária. (ALMEIDA, 2000, p. 31).

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Com o avanço das lutas camponesas, principalmente no Norte-Nordeste a partir da

década de 1950, o campesinato passa a ser percebido pelos diversos grupos sociais como

força política, de maneira que se começa uma disputa pelo controle dessa massa que

começa se organizar. Os principais grupos envolvidos nesse processo de disputa pela tutela

desse movimento camponês são o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e a Igreja Católica.

Para Martins (1983, p. 83) “a história política do campesinato brasileiro não pode ser

reconstituída separadamente da história das lutas pela tutela política do campesinato”.

Para Welch (2006, p.62) “a partir de 1960, a Igreja Católica, as Ligas Camponesas e

políticos populistas entraram na concorrência para ser identificados como representantes

autênticos dos trabalhadores rurais”.

Segundo Andrade (1986, p. 25)

As lutas camponesas não foram, por muitos decênios, objeto de preocupação dos partidos políticos nacionais, nem os agricultores receberam apoio destes às suas reivindicações. [...] O primeiro partido que levantou o problema do camponês foi o [...] Partido Comunista Brasileiro [...] Mas, admitindo que cabia ao operariado o comando da revolução comunista, ficava o camponês colocado, em seus programas e em sua linha de ação, em um segundo plano.

Para Welch (2007) “na ideologia deste partido, o camponês faria parte da classe

trabalhadora e deveria ser organizado e mobilizado junto aos operários urbanos para

construir e fortalecer o proletariado que um dia tomaria o poder e constituiria o comunismo

no mundo”.

Sobre a disputa entre o PCB, a Igreja e as Ligas, no dizer de Castanho (2006, p.

205),

Enquanto o PCB lutava por uma união operário-camponesa para organizar os trabalhadores em sindicatos e lutar por uma legislação trabalhista que beneficiasse os trabalhadores rurais pela lei, as Ligas Camponesas [...] lutavam por uma reforma agrária radical, defendendo medidas urgentes para a solução do problema agrário. Enquanto isso, o avanço do comunismo preocupava a Igreja Católica, que temia a expansão dessa tendência no meio rural, a qual atingiria a referência espiritual da população rural, abalando, principalmente, a estabilidade na defesa da propriedade privada.

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Assim, o PCB e a Igreja - embora com interesses distintos - possuíam um objetivo

comum: ser o referencial das lutas do campo. Nessa disputa, buscando espaço junto a esse

segmento que começa a se destacar no cenário político-nacional, o PCB lança o primeiro

jornal camponês de circulação nacional, o Terra Livre, que seria o “voz” dos camponeses

do país.. Segundo Martins (1983, p. 84) Luis Carlos Prestes, na época secretário do PCB,

assinala durante o IV Congresso do PCB a questão dos camponeses, apontando como uma

fraqueza do partido a subestimação do trabalho entre camponeses e assalariados rurais, e

que era necessário “ganhar as massas camponesas para a luta ativa sob a direção do

partido”, sendo necessário para isso “levantar a bandeira da reforma agrária radical, criar

em diversos municípios governos democráticos de libertação nacional”.

No tocante à participação da Igreja na organização das lutas no campo, Martins

(1983, p. 88) nos coloca que

a Igreja entrou na questão agrária, através da pastoral de D. Inocêncio, por uma porta extremamente reacionária. [...] A preocupação era com a agitação que estava chegando ao campo, com a possibilidade da Igreja perder os camponeses, como tinha perdido os operários. A questão era desproletarizar o operário dos campos, evitar o êxodo que levava os trabalhadores para a cidade e os tornava vulneráveis à agitação e ao aliciamento dos comunistas, como assinalariam outros documentos produzidos por outros membros do episcopado.

Uma postura condizente com uma instituição que esteve “secularmente

comprometida com os interesses dos grupos dominantes” (COSTA, 2004. p. 9). No entanto,

essa postura conservadora da Igreja não pode ser generalizada para todo o clero. Nas

palavras de Dom Xavier (2008)

Dentro da Igreja tem duas categorias. Tem gente que não honrou a Igreja, entram na comunidade pelo dinheiro [...] a Teologia da Prosperidade. Alguns querem dizer o louvor de Deus, o louvor de Deus, o louvor de Deus, e alguns que dizem que a caminhada com Deus é luta pela justiça, e isso é feito em nome da caridade. Que diz, eu estava preso e me libertaram [...] essa diferenciação entre duas, três maneiras de viver o segmento de Jesus Cristo, isso é em toda igreja Cristã.

A fala de Dom Xavier, sobre a divisão da Igreja, coincide com o colocado por Costa

(1994, p.16) que nos diz que

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A grande maioria da Igreja continua tendo posturas políticas conservadoras e ligadas à manutenção do status quo, sendo que alguns setores chegam mesmo a acusar de subversiva e comunista a Igreja Progressista. Percebe-se desse modo uma nítida divisão interna da Igreja, gerando fortes tensões dentro da instituição; divisão que não é propriamente entre a Igreja “oficial” e Igreja Popular, entre a cúpula e a base, pois há “progressistas” na cúpula da Igreja, do mesmo modo que há “conservadores” na base. A divisão é política: entre aqueles engajados no processo de mudança das estruturas e aqueles ligados aos grupos dominantes, havendo também um amplo setor de “moderados”, oscilando entre as duas posições polares.

A Igreja atuou nas lutas do campo, em várias frentes. Já em 1961, com a criação do

MEB (Movimento de Educação de Base) passou a atuar na área da educação popular,

através de cursos onde eram debatidos os temas referentes às questões sociais dos

campesinos, como a luta pela terra e a organização sindical. As CEB’s (Comunidades

Eclesiais de Base) são o outro elemento dessa “nova Igreja”, a Igreja dos pobres. A partir

da Conferência de Medellim (Colômbia, 1968), “a Igreja se impôs também a tarefa de

criação e ampliação das comunidades eclesiais de base (CEB’s), a principal forma de

incorporação do povo à Igreja” (COSTA, 1994, p. 10).

Não há como generalizar a atuação da Igreja, visto que o clero tem posições

diferenciadas em relação às lutas do campo, de maneira que se pode perceber a atuação de

religiosos tanto ao lado do campesinato quanto ao lado dos latifundiários.

Além da Igreja e do PCB, não se pode deixar de notar o interesse de políticos, ainda

que com fins eleitoreiros, no campesinato. No caso do Maranhão, é interessante observar a

fala de Manoel da Conceição sobre os candidatos Zé Antônio, candidato à prefeito de

Pindaré-Mrim, e José Sarney, candidato à governador do estado. Sobre Zé Antônio,

Conceição (1980, p. 126-127) coloca que

Agora, Zé Antônio, como é que ele fazia? Entrava na cozinha com as mulheres, metia as mãos na cumbuca, comia lá feijão com arroz. - Sou caboclo como vocês, a mesma coisa, somos irmãos Estamos do mesmo lado. Esses caras aqui vão nos pagar. Chovendo, relampeando, Zé Antônio ficava de joelho na tábua do caminhão e dizia assim: “Meu Deus, meu Jesus, e quero aqui neste momento fazer um compromisso com Deus e com esse povo. Se eu não cumprir isso que acabo de falar – fazer justiça aos trabalhadores de terra, fazer que o gado não coma mais a produção de

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vocês, um preço justo da produção, assistência médica, acabar com a doença -, se eu for eleito e não fizer isso, meu Deus, pode mandar um raio que me parta aqui nesse momento”.

Sobre José Sarney, Manuel da Conceição nos diz que

Na época fui o maior cabo eleitoral de Zé Sarney de toda essa região aqui em volta do Pindaré-Mirim [...] quando ele era deputado federal que criticava a perseguição feita pelo governador de [Newton] Barro Bello [...] ele era assim um cara enfático na crítica, no ataque. [...] abril [...] não tinha nem campanha ainda, né, mas já ia nos povoados, dizendo que ele era candidato a governo do estado e uma das suas tarefas era acabar com a violência no Maranhão e fazer a reforma agrária, deixar que os sindicatos voltassem de novo a se organizarem, a se movimentarem no estado do Maranhão, quer dizer, apoiar essa luta dos sindicatos.

Com esse discurso e essas promessas de apoiar a luta dos camponeses, esses

políticos buscavam votos para as eleições, mas também buscavam ser uma referência para

esse segmento, de maneira a ter algum controle sobre os movimentos de lutas organizadas

no campo.

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3. PROJETOS, LEIS, REPRESSÃO: As respostas do Estado e da Classe Dominante à mobilização do campesinato.

O campesinato, via de regra, foi deixado à margem dos processos políticos. Vistos

quase sempre como “massa de manobra”, o segmento campesino, embora fosse a maior

parcela da população, não integrava os projetos políticos nem dos partidos e nem do

governo.

Historicamente, os que levantavam a bandeira de reforma agrária eram vistos como

políticos populistas, cujo interesse era apenas arregimentar votos. No entanto, a partir da

década de 1950, com uma efetiva mobilização campesina em todo território nacional - fosse

através das associações, sindicatos, das Ligas camponesas – o Estado se viu na obrigação

de dar respostas a esses conflitos.

Essas respostas vieram em formas de leis, projetos e repressão.

3.1. LEIS E ESTATUTOS

3.1.1. A LEI DE TERRAS DE 1850.

A primeira lei do Brasil que rege o sistema fundiário brasileiro, data de 1850. Antes

disto, a questão fundiária era regida pela concessão de Sesmarias, estabelecida por

Portugal, desde o período colonial. A aprovação da Lei e Terra de 1850 pode ser percebida

como um instrumento que visava assegurar o poder econômico dos grandes proprietários, e

uma maneira de inserir o Brasil no cenário capitalista do século XIX. Segundo Cavalcante

(2005)

O século XIX inicia-se marcado pelas transformações do sistema capitalista mundial, que aos poucos deixava de se basear numa economia comercial e avançava para uma economia industrial. Esse processo vai apresentar modificações no cenário das relações socioeconômicas em vários países, trazendo novas práticas para a obtenção de lucros. [...] Nesse sentido, várias discussões geradas pelas modificações econômicas e comerciais entraram na pauta mundial. Entre elas, a questão da terra. Segundo Emilia Viotti da Costa, as transformações na economia mundial provocaram uma reavaliação da política da terra, e em diferentes países foram decretadas leis em torno desta questão. No século XIX, a terra passou a ser incorporada à economia comercial, mudando a relação do proprietário com este bem. A terra, nessa nova perspectiva, deveria transformar-se em uma valiosa mercadoria, capaz de gerar lucro, tanto por seu caráter específico quanto por sua capacidade de gerar outros bens. Procurava-se atribuir à terra um caráter mais comercial e não apenas um

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status social, como era característico da economia dos engenhos do Brasil colonial.

A Lei de Terras é um passo importante no processo de concentração fundiária no

Brasil. Como impunha pagamentos pela regularização das terras, a lei acabou

impossibilitando o acesso dos pequenos lavradores, posseiros, a terem a propriedade da

terra. O intento de incluir o Brasil no cenário capitalista do século XIX faz com que a terra

passe ter um valor comercial, naquilo que Martins (1983) denomina de mercantilização da

terra. Essa idéia de que a terra deve ser um bem comercial, que é inaugurada no Brasil com

a Lei de Terras de 1850, é provavelmente a principal causa de tantos conflitos no campo

brasileiro ainda nos dias atuais.

3.1.2. O ESTATUTO DO TRABALHADOR RURAL (ETR) E O ESTATUTO DA

TERRA

Uma das primeiras medidas do Estado, na década de 1960, para assegurar o controle

sobre a mobilização campesina foi a criação do Estatuto do Trabalhador Rural (ETR). De

acordo com Houtzager (2004, p. 47)

O governo tentou assegurar o controle estatal sobre os movimento rurais, estendendo para a zona rural o regime trabalhista corporativista que regulava o trabalho urbano, com o Estatuto do Trabalhador Rural (ETR) de 1963. O ETR reuniu a legislação trabalhista rural existente em um único corpo de leis, do mesmo modo que a Consolidação da Leis do Trabalho (CLT) havia feito pelo trabalho urbano, em 1943.

A aprovação do ETR deu-se ainda no governo João Goulart, e podemos destacar a

sua aprovação diante da crescente mobilização no campo. Não foi uma medida que

aconteceu pelo interesse do governo em realizar as tão propaladas reformas de base, mas

pela urgência em dar uma resposta à intensa mobilização campesina que a cada momento

ganhava mais espaço no cenário político nacional. Uma reforma agrária era inevitável,

diante da crescente mobilização campesina, por tanto alguma medida devia ser tomada. De

acordo com Santos (200710,p. 6)

10 Data do último acesso.

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Se havia um consenso quanto à necessidade de reforma agrária, variava o entendimento do que ela deveria constituir [...]. Uma das preocupações era por quais instrumentos se faria a reforma agrária. Duas vias se apresentavam no período [1950-1964], ambas descartando a participação direta e substancial das organizações camponesas e do movimento dos trabalhadores rurais. Uma procurava o apoio das massas rurais para o projeto político da época de João Goulart, enquanto a outra, embora evitando se colocar frontalmente contra as reivindicações do campo, tratava de descartar projetos mais radicais.

Como é possível perceber, a aprovação do ETR buscava uma maneira de ao menos

atenuar as tensões no campo brasileiro, que avançava desde a década de 1950.

Mesmo com a promulgação do ETR, os campesinos continuavam em mobilização.

A mobilização campesina avançou tanto, a ponto de ocorrerem disputas entre vários

segmentos sociais pelo seu controle, conforme já explanado. Dessa maneira, o Estado

buscava formas de conter essa mobilização, que ganhou contornos de medida de segurança

nacional.

É nesse contexto que, em novembro de 1964, é aprovado o Estatuto da Terra. Para

Ramos (2006, p.167) “em novembro de 1964, foi aprovado, em pleno regime de ditadura

militar, o Estatuto da Terra, cujos objetivos consistiam na execução da reforma agrária e na

promoção de políticas de desenvolvimento agrícola”.

Já na opinião de Martins (1983, p. 96), o Estatuto da Terra tinha objetivos distintos.

Segundo o autor

O Estatuto faz [...] da reforma agrária brasileira uma reforma tópica, de emergência, destinada a desmobilizar o campesinato sempre e onde o problema da terra se tornar tenso, oferecendo riscos políticos. O Estatuto procura impedir que a questão agrária se transforme numa questão nacional, política e de classe.

Em relação às leis pré-existentes que legislavam sobre as questões do campo, um

dos pontos que pode ser considerado como avanço no Estatuto da Terra de 1964 é a questão

da desapropriação por interesse social, mediante pagamento em títulos da dívida pública.

Antes do Estatuto da Terra a indenização tinha que ser prévia e em dinheiro (RAMOS,

2006,p. 167). Embora tenha sido colocado, pelo governo, como um instrumento que

viabilizaria a realização de uma reforma agrária no país, o Estatuto fomenta muito

discussão em torno dos objetivos do Estado com sua promulgação.

Segundo Houtager (2004,p.51)

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O Estatuto foi apresentado como uma lei de reforma agrária, mas como Martins sugeriu, era “uma lei de desenvolvimento rural”, que visava “racionalizar” a agricultura, modernizando o latifúndio e consolidando o minifúndio em empreendimentos capitalistas. A reforma agrária tornou-se questão de segurança nacional, um meio de difundir o conflito social explosivo em regiões particularmente voláteis.

Na opinião de José Gomes, “o Estatuto da Terra continha os aspectos fundamentais

para promover a reestruturação agrária do país, não obtida, então, devido ao abandono da

legislação pelo governo militar e ao seu desvirtuamento pelo órgão responsável por

conduzir a reforma agrária no país, o IBRA”.(RAMOS, 2006,p.168).

Para Teixeira (2006,p.11), embora o estatuto absorvesse os pontos relevantes dos

conflitos no campo, as forçar políticas favoráveis ao latifúndio fizeram da possibilidade de

reforma , uma contra-reforma. Nas palavras da autora

Assim, o Estado absorvia grande parte das reivindicações que afloraram ns décadas anteriores, disciplinando-as, criando condições institucionais que possibilitaram a desapropriação por interesse social, como saída para os conflitos no campo. No entanto, as forças políticas que se seguiram ao golpe colocaram de lado a reforma agrária com base na desapropriação em favor da modernização da agricultura nos moldes da revolução verde. Assim, o Estatuto da Terra, que surgiu como reconhecimento pela ditadura da questão agrária no país, foi interpretado e aplicado de tal forma que possibilitou a modernização do latifúndio, ou seja, uma contra-reforma.

As discussões acerca do ETR e do Estatuto da Terra não estão esgotadas, ao

contrário, constituem-se em documentos cujo estudo precisa ser mais aprofundado,

levando-se em conta o contexto de mobilização dos camponeses. Nenhuma das leis,

estatutos ou projetos devem ser entendidos e analisados sem a percepção da força política

que a mobilização campesina representa no período.

3.1.3. MARANHÃO: A LEI DE TERRAS DO GOVERNO SARNEY.

No Maranhão, além do ETR e do Estatuto da Terra, a partir de 1969 passou a

vigorar a Lei de Terra do Maranhão de 1969.

A mobilização camponesa no Maranhão ganhou espaço no cenário político a partir

da década de 1950. No final dos anos 60, muitas dessas lideranças eram perseguidas pelo

regime militar, a exemplo de Manoel da Conceição e o Pe. Alípio de Freitas. Com o avanço

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das lutas, assim como ocorreu com o governo federal, o estado no Maranhão também

precisou tomar medidas para aliviar as tensões no campo. Nesse contexto, foi aprovada a

Lei de Terras de 1969. O problema aqui é que, assim como ocorreu com as leis federais

(Estatuto da Terra), a chamada Lei de Terras do Maranhão beneficiou o latifúndio, e a

COMARCO – criada em 1971, serviu para “regularizar” as terras griladas no estado.

Conforme nos relata Pedrosa (2007)

O instrumental jurídico para as transferências das áreas era a Lei de Terras de 17 de junho de1969 (Lei n.º 2.979). Para tanto, foi criada a Comarco – Companhia Maranhense de Colonização – a 6 de dezembro de 1971 (Lei 3.230), que logo incorporou ao seu patrimônio uma área de 1.700.000 hectares de terras, localizada no Centro-Oeste do Estado, englobando parte dos Municípios de Grajaú, Lago da Pedra, Vitorino Freire, Pindaré-Mirim, Santa Luzia e Amarante e outra de 400.000 hectares na região do Maracassumé, atingindo o município de Turiaçu e limitando-se com as terras da Colone. Do montante dos 1.7000.000 hectares, 300.000 seriam destinados aos pequenos colonos (dez mil famílias). O Restante seria vendido a grandes empresas, que deveriam empreender a chamada ocupação racional do solo, a partir da utilização da mão-de-obra dos lavradores sem terra. A legitimação dos grilos nessas regiões ocorreu principalmente a partir da vigência da Lei das Ações Discriminatórias (Lei n.º 6.383/76), com a exclusão dos primeiros ocupantes, dentro de um procedimento exíguo para habilitação dos posseiros e de uma sistemática inacessível (ao homem do interior) para o conhecimento dos prazos – via editais.

A análise de Pedrosa não é uma voz isolada quando o assunto é a Lei de Terras do

governo Sarney. Silva (200811,p.179) também é da opinião de que a Lei de Terras e a

COMARCO, serviram aos interesses do latifúndio e da “regulamentação” da grilagem.

O marco do processo de ocupação capitalista das terras foi a aprovação da lei Nº 2979/69, Estatuto da Terra do Maranhão, a lei de terras do Governo Sarney (1966-1970). “Incentivar a apropriação de terras, à medida que abre o campo para as ocupações de terras, via sociedade anônima, provocando o esmagamento da pequena propriedade e a institucionalização da grilagem” (COSTA,1994: 3).

A percepção da Lei de Terras como instrumento que beneficia a concentração de

terras, servindo ao interesse do latifúndio, é compartilhada também por Barbosa (2002).

Segundo a autora

11 Data do último acesso.

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Data desse período a “lei da terra”, instituída entre 1966 e 1970 pelo governo Sarney e promulgada pelo seu sucessor Pedro Neiva de Santana. Estabeleceu-se um verdadeiro mercado de terras, responsável por um conjunto de transformações nas relações sociais do campo. [...] a questão da terra foi, portanto assumindo termos radicais, definidos pelo confronto entre trabalhadores rurais e latifundiários, e com a intervenção do Estado, através de ações de indenização e expulsão de pequenos produtores rurais e posseiros. Estes enfrentaram a mata, abriram as fronteiras agrícolas e prepararam a terra, mas em seguida, chegava o “grileiro”. A intervenção do Estado no processo de reprodução do capitalismo no campo adquiriu diversas formas, especialmente através de projetos de “apoio à pequena produção rural”, projetos de colonização, políticas de assentamento, etc.

A Lei de Terras do Maranhão serviu muito mais aos interesses do latifúndio do que

ao pequeno produtor. O que se percebe é a legitimação da expropriação do homem do

campo, que deve se tornar mão-de-obra barata para as grandes empresas que se instalam

nas terras que deviam ser destinadas à reforma agrária. Pior que isso, assiste-se à

legitimação do “grilo”, e com a conivência clara do Estado.

3.2. OS PROJETOS DE COLONIZAÇÃO

Além da aprovação de leis e estatutos, outra forma utilizada pelo Estado de tentar

conter o avanço das lutas camponesas são os chamados projetos de colonização. A idéia,

assim como acontecia com as leis, é “aliviar” as tensões sociais nas áreas de maior conflito,

de maneira a passar a idéia de que alguma coisa está sendo feita.

Os projetos de colonização de fronteira foram uma alternativa que visava substituir

uma verdadeira política de reforma agrária. As áreas colonizadas nem sempre ofereciam

condições para o assentamento de uma massa de migrantes pobres. Faltava crédito e a

estrutura necessária para o desenvolvimento dessas áreas. O Maranhão, que ainda hoje é

uma área de intensos conflitos no campo, teve suas fronteiras vendidas. Nesse processo as

oligarquias locais não foram passivas. Segundo Barbosa (2002) o próprio Estado passou a

promover a venda de terras públicas para os grandes empresários por preço abaixo do

mercado. Instalou-se o que foi denominado de “eldorado” do campo uma vez que a frente

e expansão foi acompanhada da grilagem de terra.

Segundo Medeiros (2000,p.37)

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Durante las décadas del ’50, ’60 y ’70 los conflictos agrarios em Brasil adoptaram fundamentalmente la forma de resistencia: “posseiros”, “foreiros”, “arrendatarios” se organizaron e resistieron las amenazas de expulsión por parte de los proprietarios o pretendidos proprietarios de tierra que deseaban retomar el control sobre ésta, ya sea para introducir nuevos cultivos o bien para uso especulativo. En torno a esas luchas se constituyeron las primeras organizaciones de trabajadores rurales en los años ’50.

Nessa perspectiva, o “Eldorado” do campo era o Maranhão, porta de entrada da

Amazônia, com suas vastas terras livres. Quando governador do estado, José Sarney não

media palavras ao descrever o Maranhão como um paraíso, como podemos perceber em seu

discurso na sessão de instalação do II Encontro de Investidores em Salvador (SARNEY, p.

61-62)

Seria fácil vender um estado excelentemente localizado do ponto de vista geoeconômico como o Maranhão, com suas terras reconhecidamente exuberantes, onde não se verificam os excessos do Nordeste árido ou da Amazônia dos charcos e pantanais. Não seria difícil conseguir que os olhos e as intenções dos investidores se voltassem para o Maranhão, onde uma população de 3,5 milhões de habitantes continua recebendo, anualmente milhares de nordestinos que para lá se dirigem, à procura dos vales dos seis ou sete grandes rios perenes que fertilizam nossas terras, e criam, conosco, uma Nova Fronteira Econômica para o Nordeste.

Esse tom de que o Maranhão é o “paraíso” na terra, pode ser percebido em outra

fala do governador, em uma palestra no auditório da Folha de São Paulo:

O Maranhão é de impressionante riqueza potencial e o único Estado amazônico que pode oferecer, a curto prazo, energia elétrica a baixo custo, estradas em perene ligação com o nordeste e a Amazônia, recursos naturais parcialmente levantados e que poderão orientar a carga de recursos financeiros e humanos para a região. As manchas de fertilidade de seu solo são imensas e sem a acidez dos solos tipicamente amazônicos e sua agropecuária, embora nômade e extensiva, pode suscitar investimentos maciços, como efetivamente já vem recebendo nas áreas de Açailândia e Lago do Junco.

O discurso do Maranhão como um espaço de terras livres, de riquezas naturais,

atraiu não apenas as empresas, mas principalmente camponeses de outras regiões, que

sendo já expulsos de suas áreas, buscam um novo lugar pra se fixar. Esse movimento de

migração do campesino é comumente denominado de colonização espontânea, que se refere

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ao lavrador que migra para determinada região sem ser no bojo de algum projeto oficial de

colonização. Mas, para Arcangeli (1987,p. 13)

Este termo [colonização espontânea] é bastante questionável. A idéia de espontaneidade pressupõe ausência de pressões e condicionamentos, o que, logicamente, não vem a ser o caso, em se tratando do camponês migrante. “Na realidade a colonização espontânea é muito mal batizada; ela não tem geralmente esta característica de espontaneidade, seja entendida como ausência de necessidade ou de compulsão (uma vez que o pequeno lavrador, agente típico da colonização, saí de sua terra pressionado por diversas premências), seja entendida pejorativamente no sentido de iniciativa desordenada, com falta de previsão.

Sendo espontânea ou não, a colonização da Amazônia maranhense é encarada como

a via de escape dos conflitos agrários que se intensificam no Nordeste, assim como em todo

o país, a partir da década de 1960. Conforme Lima Júnior (1987,p. 55)

A partir de 1960, com a criação da SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) e elaboração dos seus objetivos e metas, inicia-se uma fase de interferência do Estado no processo de povoamento, de forma mais direta através de definição de objetivos gerais onde estava contido o Projeto de Povoamento do Maranhão (PPM), cujo intento básico era o de solucionar os problemas estruturais agrários do Nordeste brasileiro. Inserido nesse intento ficou o Projeto de Colonização do Alto Turi (PCAT), que passou a ser executado a partir de 1972 pela Companhia de Colonização do Nordeste – COLONE – subsidiária da SUDENE.

O processo de migração dos posseiros, rumo às terras do Maranhão, é resultado da

penetração do capital no campo, que por sua vez necessita expulsar os camponeses das

áreas ocupadas. A migração para a Amazônia maranhense é uma tentativa desse camponês

de permanecer na terra, na sua terra, sem precisar ser mão-de-obra barata para as grandes

empresas agropecuárias que o seguem na sua rota migratória. Para Arcangeli (1987,p.14)

O referido deslocamento, que resulta na colonização, dirigida ou não, nada mais é do que a resposta dos “sem terra” à promessa de terra por parte do Estado, que assim justifica , ao nível ideológico, a implementação da colonização como instrumento aliviador de tensões sociais nas áreas consideradas problema.

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Assim, podemos concluir que os projetos de colonização são na realidade um

paliativo para as tensões sociais no campo, onde o Estado busca as regiões despovoadas do

país para receberem o fluxo das áreas de maior conflito. Podemos dizer então, que está é

uma maneira de ao mesmo tempo não fazer nada, dando a idéia de que se estava fazendo

uma reforma agrária. Na realidade, distribui-se um pouco de terra – que ainda não estavam

inclusas na economia capitalista – para evitar que se realizasse uma verdadeira reforma

agrária. Era o distribuir pouco, para não ter que distribuir muito. Nas palavras de Arcangeli

(1987,p. 14-15)

Por trás destas promessas [de terras] estaria uma “contra-reforma”, uma vez que as mesmas são motivadas pela necessidade de controle, pelo Estado, do exército de trabalhadores de reserva; este exército não deveria ser tão grande a ponto de causar tensões sociais que exijam mudanças radicais, como a reforma agrária, e nem tão pequeno, porque se assim fosse, elevaria o nível dos salários de forma a prejudicar a reprodução do capital. Os movimentos de colonização dirigida até agora empreendidos, quando envolvendo pequenos produtores, teriam este sentido, nas intenções do Estado.

No discurso oficial, os projetos de colonização são parte de um projeto de reforma

agrária, que visa “acomodar” os camponeses que estão em áreas de conflito, e que são

levados a desbravar o Brasil, onde se resolveria o problema dos conflitos do campo, e a

ocupação de um vasto território despovoado – a Amazônia. Dessa forma, solucionaria-se o

problema dos camponeses em busca de terra, e estes por sua vez estariam ajudando na

integração do território nacional, o que também era tido como uma questão de segurança

nacional para o governo militar.

De acordo com Pedrosa (2002,p.119)

Foi para “ordenar” a ocupação das novas regiões que o governo resolveu criar projetos de colonização que objetivavam assentar grandes quantidades de famílias camponesas na região centro-oeste do estado, englobando parte dos municípios de Grajaú, Lago da Pedra, Vitorino Freire, Pindaré-Mirim, Santa Luzia e Amarante do Maranhão, bem como os projetos de colonização de Barra do Corda e a COLONE.

Como mencionado, os projetos de colonização fazem parte de um projeto que busca

dar a impressão de que está se efetuando uma reforma agrária no país. Essa idéia de que

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algo estava sendo feito era necessário, já que era mais do que claro, face à mobilização dos

campesinos, a urgência da reforma agrária. No entanto, de acordo com Arcangeli

(1987,p.17)

A colonização dirigida acaba salvando o latifúndio e não o colono e é uma forma de distribuir pouca terra para não distribuir muita, na reprodução da contradição originária da migração, que tem por base o problema da estrutura fundiária concentrada e o monopólio capitalista da terra.

3.3. A REPRESSÃO

A política voltada para o campo não se restringia apenas às leis, estatutos e projetos

de colonização. Uma prática muito comum, do Estado e das classes dominantes, foi a

repressão.As diversas maneiras que os camponeses buscavam para se organizar, fosse em

associações ou sindicatos, eram constantemente vítimas da repressão, que podia ser por

meio do aparelho do Estado (polícia) ou dos jagunços dos latifundiários.

As lideranças dos camponeses eram constantemente alvos de violência. Muitos

foram presos, tantos outros mortos pelo latifúndio. Segundo Oliveira (2002,p. 27)

Uma das bandeiras do movimento militar de [19]64, foi a extirpação do movimento das ligas camponesas e a liquidação do processo de reforma agrária deflagrada no início do ano de 1964 pelo então presidente João Goulart. O movimento militar promoveu verdadeira “caçada” às lideranças das ligas camponesas e não tardou que as estatísticas passassem a registrar a morte ou o “desaparecimento” dessas lideranças.

No Maranhão, também há muitas vítimas da violência no Campo. Essa violência

muitas vezes é desencadeada pela resistência do camponês, que ao resolver lutar por seus

direitos, acaba sendo massacrado pelo grileiro ou grande fazendeiro. Como o ocorrido no

povoado Copaíba, segundo relato de Conceição (1980,p. 67-68)

Logo no dia da primeira reunião da Associação pra discutir as medidas a serem tomadas, seu Manacé de Castro entrou no povoado com cerca de 25 jagunços municipais.[...] tudo armado de rifle, revólver, faca. Nem perguntaram se ninguém era bonito ou feio. Fecharam as portas da casa todinhas, rodearam o fundo da casa que ficou cercada pelos jagunços, meteram bala. Mataram cinco pessoas, dentro de casa, a sangue frio. Todos rapazes novos, tudo novo. Uma velhinha, que tinha mais ou menos setenta anos, viu os gritos do filho dela morrendo na peixeira, na faca, encostando assim na parede. Correu de joelhos, pedir pra aquele

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desgraçado do Manacé não matar o filho. E ele já estava morto. Manacé só fez soltar o rapaz no chão. Deu um tapa perto do pescoço, jogou a velhinha no chão, cravou-lhe a faca nas costas até entrar na terra. A mulher dava gritos, a faca entrando. E uma criança gritava assim “Papai! Papai! Papai! Pelo amor de Deus”. A criança tinha entre três e quatro anos. Um dos jagunços pegou nos pés desse menino, atirou numa parede e lascou a cabeça de meio a meio. Ficou miolo ali na sala espalhado, ali na terra, ali no chão, o chão da casa, chão de barro.

O exemplo de Copaíba é apenas um dos muitos massacres que ocorreram no interior

do Maranhão. Manoel da Conceição foi partícipe de vários desses confrontos com

jagunços, e com a força policial também. Em um desses confrontos, Manoel da Conceição

foi ferido na perna. Ferimento que o levou a perder a perna. Segundo requerimento12 de

2002

Os latifundiários, o prefeito, o governador José Sarney e a ditadura passaram a perseguir nosso movimento e ficaram enciumados quando em julho de 1968 nós chamamos o médico João Bosco para tentar erradicar a malária que estava matando muitas famílias de lavradores. O Sindicato tinha quatro mil filiados e, apesar de fechado pela ditadura, funcionava nos povoados onde estavam suas sub-sedes.. Em 13 de julho de 1968 nós estávamos reunidos numa delas, em Anajá, perto de Santa Inês, região de Pindaré-Mirim, quando a polícia municipal invadiu a casinha onde o médico dava consultas. Os policias chegaram atirando e alvejando as pessoas. Eu fui ferido por balas na perna direita e novamente preso. Depois de seis dias de prisão, sem receber tratamento, a minha perna direita gangrenou e teve que ser amputada dias depois em São Luís(MA). (http://www.lainsignia.org/2002/julio/der_011.htm)

Devido à repercussão do caso da amputação da perna de Manuel da Conceição, o

governo teve que se pronunciar publicamente sobre o caso, e para preservar a imagem,

necessitava se colocar ao lado dos camponeses. Nas suas memórias, Manoel da Conceição

(1980,p.160-161), relata esse momento.

Os camponeses ficaram na maior revolta com isso da minha perna. Ao mesmo tempo, em São Luís, o pessoal da Igreja e estudantes fizeram muita denúncia e um pessoal bom da Rádio Educadora também ajudou a divulgar. Sarney se viu na obrigação de pelo menos dizer que estava solidário. Foi pro jornal, pra televisão, esculhambar com a agressividade: ele não era responsável por isso de jeito nenhum, era um cara que estava

12 Requerimento de Manoel da Conceição à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, solicitando indenização ao governo pelas torturas sofridas durante o regime militar no país.

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a favor dos componeses, contra grilagem de terra, ia providenciar a minha hospitalização e pagava as despesas.

Além de tentar tirar proveito da situação, se passando por interlocutor dos

camponeses, há por parte do governo uma tentativa de cooptação de Manoel da Conceição.

Em troca de benesses materiais, o governo queria a sua intermediação para tratar com os

campesinos e mediar os problemas do campo maranhense.

- Você perdeu essa perna, mas isso não é problema. A gente vai pagar o teu tratamento. Vamos mandar botar uma perna mecânica. Você não volta mais pro interior do Maranhão, vai ficar aqui em São Luís. A gente vai procurar um apartamento pra vocês, um emprego onde você possa trabalhar sem fazer muito esforço. E arranjar um emprego pra sua mulher. E ver se arranjamos um carro, pra quando você for sair de casa. Queremos também uma coisa: que você colabore com a gente no sentido político. Você sabe, nós somos a oposição a esse regime que está aí.

A recusa de Manoel da Conceição à tentativa de cooptação por parte do governo

Sarney virou a palavra de ordem “minha perna é minha classe”.

As lutas campesinas no Maranhão avançavam, mesmo no período militar. Manoel

da Conceição transformou-se em uma referência da luta camponesa no estado. Preso por

engano em 1972, ao descobrirem de quem se tratava, foi encaminhado ao DOPS –

Departamento de Política e Social - de São Luís. Daí foi encaminhado para outros

presídios, passando pelo Rio de Janeiro, Bahia, Alagoas, Pernambuco e Ceará. Durante os

três anos e quatro meses em que passou preso, foi torturado, quiseram que ele negasse sua

identidade e que assumisse ser organizador de guerrilha no Nordeste.

O caso de Manoel da Conceição serve para exemplificar a violência da qual é vítima

o homem do campo, principalmente aquele que ousa lutar por seus direitos. Violência que é

praticada pelo grileiro, pelo latifundiário e pelo próprio Estado. Outro caso de violência que

pode ser destacado no cenário nacional, é o caso da prisão do Padre Alípio de Freitas.

Português, chegou ao Maranhão na década de 1950, e encampou a luta campesina. Foi

secretário- geral das Ligas Camponesas, militante na AP – Ação Popular. “Caçado” desde

1964, caiu nas mãos dos militares em 1970. Passou oito anos na prisão, e assim como

Manuel da Conceição passou por vários presídios, foi torturado nos porões da ditadura. Ao

sair da prisão, em fevereiro de 1978, perguntado o que faria, respondeu “– O que sempre fiz

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[...] política” (FREITAS,1981,p.279). A tortura, a prisão, não foram suficientes para afastar

esses dois homens da luta pelo direito dos trabalhadores.

Esses dois casos, Manoel da Conceição e Alípio de Freitas, são casos que foram

amplamente divulgados. No entanto, há muitos outros que são vitimas da violência no

campo, e que não têm tanta visibilidade, mas engrossam as estatísticas de mortos em

conflitos do campo, ou de desaparecidos no período militar. Muitas lideranças camponesas

foram presas, torturadas, mortas. Sob a acusação de subversão, muitos homens e mulheres

foram presos. Seus “crimes”? Lutar pelos direitos dos homens e mulheres do campo.

O Maranhão é um estado em que a violência impera, em meio aos desmandos

políticos e a conivência do Estado. Segundo Oliveira (2002, p. 31), no período entre 1964 a

1994, o campo maranhense teve 202 mortos em conflitos no campo. No Maranhão, ser

militante da luta do campo é motivo pra temer a morte, e não são apenas as lideranças que

se destacam nacionalmente que estão na “listas da morte”. Ser presidente ou outro membro

da direção do sindicato, por exemplo, é motivo pra ser vitima de emboscada, ter a morte

encomendada. Segundo Almeida (1981, p.70)

Algumas lideranças sindicais foram assassinadas ou feridas. O Ex-presidente do S.T.R de Imperatriz sr. João Palmeiras Sobrinho foi morto por jagunços no mês de janeiro de 1975.Segundo versão de O IMPARCIAL, de 14 de março de 1975, João Palmeiras encontrava-se, ao meio-dia, num tijupá no meio de sua roça com alguns companheiros de trabalho, quando foi atacado por doze homens armados de revólveres, peixeiras e facões. Um pequeno combate foi travado e foram mortos três trabalhadores rurais sendo João Palmeiras um deles. Saíram também feridos o gerente da fazenda Pindaré, conhecido como Curica, e um jagunço. Em agosto de 1979 o grileiro Antônio Abreu assassinou o trabalhador rural Firmino Guerreiro, em Bom Jardim, e feriu um trabalhador e o presidente do S.T.R de Bom Jardim. [...] Neste mesmo mês em Barra do Corda, nos povoados de São Pedro dos Cacetes e Arame, foram mortos dois guajajaras e vários feridos ao tentarem defender suas terras que vem sendo invadidas desde o início dos anos [19]60.

Os latifundiários e grileiros que expulsão os camponeses do campo usam de todos

os meios de que dispõe para conseguir seus objetivos: concentrar cada vez mais as terras.

Os artifícios que utilizam passam quase sempre pelo uso da força e da violência.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história brasileira está marcada por exemplos de mobilização dos homens e

mulheres do campo. Desde a colônia até os dias atuais, a história mostra a mobilização dos

camponeses.Conforme Oliveira (2001,p.190)

Simultaneamente à luta dos povos indígenas, nasceram as lutas dos escravos negros contra os senhores fazendeiros rentistas. Dessas lutas e das figuras dos escravos nasceram os quilombos, verdadeiras terras da liberdade e do trabalho de todos no seio do território capitalista colonial. [...] Os posseiros são outra parcela dos camponeses sem terra, que vêm historicamente lutando numa ponta contra a expropriação que os gera e, na outra, contra os jagunços, “gendarmes de plantão” dos latifundiários especuladores e grileiros.

A história nacional é marcada por conflitos, pela resistência dos campesinos que

insistem em permanecer na terra, apesar da força do latifúndio e da grilagem: os levantes

escravos, os quilombos, Canudos, Contestado, Trombas e Formoso, Corumbiara, Eldorado

dos Carajás. Esses e tantos outros conflitos, nos rincões do Brasil, marcam a resistência dos

camponeses.

Desde a colônia, a política agrícola brasileira foi voltada para a exportação. A

monocultura, em grandes latifúndios, deu a tônica das políticas voltadas para o campo. A

opção do estado pelo latifúndio e pelo grande proprietário é, dessa maneira, uma

característica histórica dos governos brasileiros, da colônia aos dias atuais. Dessa maneira,

pode-se perceber que a imensa concentração fundiária existente no país é uma herança dos

tempos coloniais.

Essa estrutura fundiária arcaica que herdamos do período em que o Brasil não

passava de uma grande área de produção de matérias-primas é marca do campo brasileiro

ainda hoje. O diferencial é que essa estrutura arcaica hoje convive com a modernidade do

agronegócio. A monocultura, a exploração da mão-de-obra camponesa continuam

marcando a realidade agrária do nosso país, só os atores mudaram. Antes, precisava-se de

escravos para o cultivo da cana-de-açúcar, hoje a mão-de-obra do latifúndio são

camponeses expropriados da terra, que precisam ser expulsos da terra, para serem o

exército de reserva necessário às grandes empresas agrícolas, ou ainda, o que é mais

degradante, são pessoas escravizadas em pleno século XXI.

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A questão do trabalho análogo à escravidão é uma triste realidade do país, e o

Maranhão é um dos estados com maior índice de vítimas dessa situação. Segundo dados do

Repórter Brasil e do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia13,

entre os anos de 1995-2007, dos 25.850 libertados do trabalho escravo, 2.992 foram

libertados no Maranhão, perfazendo um total de 8,9% do total. E, um dado ainda mais

alarmante: entre 2003-2007, de 9.762 trabalhadores submetidos a trabalho análogo à

escravidão, 3.347 eram de origem maranhense, um total de 34,3%.

Um outro aspecto que revela a urgência de medidas sérias referente à realização de

uma reforma agrária no país é o índice de violência no campo, no país como um todo, e

principalmente na região amazônica, onde se situa o Maranhão.

O Maranhão pertence à Amazônia Legal, região que concentrou 52% dos mortos em

conflitos no campo no período entre 1964-1984, um total de 1046 mortos. Desse total, 10%

das mortes ocorreram no Maranhão. (OLIVEIRA, 2002, p. 31). Entre os anos 1987- 1994,

ocorreram no Maranhão 334 conflitos no campo, que representam 7,9% dos conflitos

ocorridos na Amazônia, área que concentrou 38,4% dos conflitos no Brasil. (OLIVEIRA,

2002, p. 52). Segundo o relatório Conflitos no Campo 2007, produção da CPT, em 2007 no

Maranhão ocorreu 151 conflitos envolvendo 42.401 pessoas. Foram 03 assassinatos e 11

ameaças de morte, e 201 famílias foram expulsas e 296 sofreram ações de despejo.

Esses dados apontam a realidade conflituosa que permeia o campo maranhense. Os

problemas que impulsionaram o avanço das lutas camponesas no estado, na década de

1950, ainda estão presentes nos dias atuais. E essa realidade é reflexo da atuação de um

Estado que historicamente comprometeu-se com o latifúndio.

As leis e projetos instituídos e estabelecidos que visavam a realização de uma

reforma agrária, na realidade se mostraram favoráveis não ao pequeno produtor, mas à

grande empresa agrícola. Um dado que pode exemplificar o comprometimento do Estado

com o latifúndio é a informação acerca dos valores liberados pelo governo aos

latifundiários e aos pequenos produtores, conforme nos coloca Azar (2005)

A expressão da discrepância de tratamento dispensado pelo governo se encontra nos valores liberados para os segmentos produtivos agrícolas. Segundo dados da Secretaria de Agricultura Familiar – SAF/MDA, em

13 Dados disponíveis em http://www.reporterbrasil.com.br/maranhao/

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2004, 300 mil fazendeiros com áreas a partir de 200 hectares tiveram crédito rural disponibilizado em bancos públicos e privados na ordem de vinte e sete bilhões de reais, enquanto no mesmo ano, 1.575.712 pequenos agricultores dividiram entre si 5,6 bilhões de reais. Enquanto cada um desses agricultores familiares teve direito a R$ 3.700,00 (três mil e setecentos reais), apenas cinco empresas transnacionais receberam 2,86 bilhões de reais.

Como podemos perceber, parece haver uma clara opção do governo pela grande

empresa rural, opção que permanece desde o período colonial até os dias atuais, agora em

novos “trajes”, sob a denominação de agronegócio. Essa opção pela grande indústria

agrícola leva a uma política de expropriação do homem do campo, que por essa razão, nas

palavras de Oliveira (2001,p. 1889)

Lutam no Brasil em duas frentes: uma para entrar na terra, para se tornarem camponeses proprietários; e, em outra frente, lutam para permanecer na terra como produtores de alimentos fundamentais à sociedade brasileira. São, portanto, uma classe em luta permanente, pois os diferentes governos não os têm considerado em suas políticas públicas.

Embora tenham o apoio do Estado, os latifundiários encontram as mais diversas

formas de resistência da parte dos camponeses: associações, sindicatos, entidades civis.

Além de, quando necessário, resistirem por meios não institucionais, como a matança do

gado quando da destruição das lavouras e a omissão das autoridades.

Apesar de ter “meios legais” de expulsar o camponês da terra, ainda assim este

ousa resistir, e o latifúndio na sua ânsia de concentrar mais ainda a terra usa de vários meios

para “limpar” as áreas das quais se apropria, muitas vezes indevidamente. Atrás do

latifúndio e do grilo, a violência deixa um rastro de sangue, de pessoas que queriam apenas

um pedaço de chão pra plantar, que buscavam condições de vida digna no campo.

A percepção do camponês como à margem da política é um equívoco histórico. A

mobilização campesina está presente em todos os momentos da história nacional, da

colônia aos dias atuais. A realidade do campo, no Brasil e no Maranhão, é uma conjuntura

marcada por conflitos, e a atitude do Estado em optar pelo latifúndio só tem agravado a

situação.

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A dinâmica conflituosa do campo, explica o surgimento no final da década de

1970, em pleno regime militar, de entidades e movimentos ligados à luta pela terra.

Movimentos e entidades que continuam atuando e tendo relevante importância no cenário

nacional, a exemplo da CPT – Comissão Pastoral da Terra, e o MST – Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra, que embora tenha sido fundado em 1984, tem sua gênese

no final da década de 1970.

Dentro do exposto, entendemos que a compreensão da realidade maranhense não

é possível sem conhecermos a realidade agrária desse estado, e sem conhecermos a história

de luta e mobilização dos homens e mulheres do campo.

A conivência do Estado se faz clara nas políticas públicas que não avançam,

apesar de os camponeses não ficarem calados diante dessa realidade. Os projetos, as leis, as

medidas tomadas pelo governo têm o intento de apenas atenuar os conflitos nas áreas de

maior tensão social. As medidas tomadas pelo Estado, via de regra, tem o intento apenas de

desmobilizar as lutas organizadas, usando de medidas paliativas que dão a idéia de que lago

está sendo feito.

Um outro aspecto que chama a atenção em relação aos conflitos do campo é a

impunidade dos envolvidos na ação criminosa de morte e ameaça de trabalhadores rurais,

sindicalistas, advogados, religiosos, e todos os que reconhecem a necessidade da luta dos

camponeses. Dois exemplos podem exemplificar bem o aspecto de impunidade que impera

no país, quando a questão são os assuntos das lutas no campo: o julgamento dos policias

envolvidos no massacre de Eldorado dos Carajás e o julgamento do fazendeiro Vitalmiro

Bastos de Moura, acusado de envolvimento na morte da Irmã Dorothy Stang.

Primeiro, vejamos o decorrer do processo sobre o Massacre de Eldorado dos

Carajás. Foram indiciados 154 policiais, entre os quais o coronel Pantoja, o major Oliveira

e o capitão Raimundo Alandra Lameira. Os três foram inocentados no primeiro julgamento

(NEPOMUCENO,2007,p.201). Devido à repercussão negativa da sentença, o julgamento

foi anulado oito meses depois, em abril de 2000. Com o juiz afastado, devido à sua conduta

claramente à favor dos policias, outro juiz da comarca de Belém deveria assumir o

julgamento, no entanto dos 18 juízes, 17 não aceitaram conduzir o julgamento alegando

serem favoráveis aos policiais e contra o Movimento Sem Terra.

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A juíza que aceitou o cargo, a magistrada Eva do Amaral, segundo Nepomuceno

(2007,p. 201) “esclareceu : eu não tenho medo do MST”.Com novo julgamento marcado, a

juíza mandou retirar dos autos do processo a principal prova da defesa: um laudo

mostrando que os primeiros tiros não haviam partido dos sem terra, como alegado pelos

policiais. Pela clara parcialidade da magistrada, os advogados do MST pediram o

afastamento da juíza. Assim, assumiu o caso o magistrado que conduziu o julgamento, o

juiz Roberto Moura. Após as cinco sessões de julgamento, o resultado: 02 condenados.

Apenas o coronel Pantoja e o Major Oliveira foram condenados. Todos os outros 154

policias envolvidos no massacre ocorrido na curva do S - em 17 de abril de 1996, no qual

19 sem terras foram assassinados e 69 pessoas ficaram mutiladas – foram considerados

inocentes. A condenação dos dois oficiais não saiu do papel. Conforme nos relato

Nepomuceno (2007,p. 204)

Condenados, Mario Colares Pantoja e José Maria Pereira Oliveira apresentaram, por meio de seus advogados, diversos recursos. Finalmente, foram detidos em novembro de 2004 – mais de dois anos depois de terem recebido penas de 228 e 158 anos, respectivamente – e levados para quartéis da PM em Belém do Pará. Novos recursos foram apresentados e, em setembro de 2005, os dois foram soltos. Até meados de 2007- mas de 11 anos depois do massacre – , não havia nenhuma previsão para o julgamento de seus recursos.

O caso da Irmã Dorothy Stang é outro exemplo da impunidade em nosso país. O

fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, acusado de ser o mandante do assassinato

de missionária Dorothy Stang – morta com seis tiros em 12 de fevereiro de 2005 - após ser

condenado no primeiro julgamento a 30 anos de prisão, foi inocentado no segundo

julgamento, por 05 votos a 02. O resultado causou perplexidade e indignação nos mais

diversos setores e agentes sociais, como a OAB, os movimentos sociais. A CPT se

manifestou em uma nota pública na qual coloca que

Com esta decisão a impunidade ganha mais uma batalha e se fortalece. É aí que a perplexidade se torna indignação. A CPT tem contabilizado de 1971 a 2007, 819 assassinatos no campo no Pará, sendo que somente 22 destes casos foram julgados, com a condenação de sete mandantes e 13

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executores. O único mandante que estava preso era Bida que agora, inocentado, está livre. (Pastoral da Terra, ano 33, nº 192).

Mesmo diante do avanço do capital, da expropriação da terra, do aumento dos

conflitos, do assassinato das lideranças, e da impunidade, a mobilização campesina não

cessou. Eles parecem não se conformar com “a parte que [lhes] cabe nesse latifúndio”, e

fazem da máxima de Alípio de Freitas, “Resistir é preciso”, o grito que anima suas lutas.

A história da qual trata este trabalho não se encerra no recorte aqui estabelecido,

pelo contrário, a luta pela terra continua a cada dia, assim como os conflitos e as mortes

promovidas pelo latifúndio. Sindicalistas, religiosos, advogados, os que auxiliam e apóiam

a luta dos camponeses podem vir a ser alvos da violência do latifúndio. Violência que se

propaga devido à inoperância da justiça, que ainda parece ser conivente com a situação da

violência no campo.

Apesar de todos os entraves à reforma agrária, o preconceito do qual muitas vezes

são vítimas, da marginalização que sofrem por parte dos grandes meios de comunicação, os

milhares de sem terras que existem no país não desistem de lutar, de se mostrarem.

Continuam na caminhada: marchando, estudando, ocupando, resistindo e produzindo,

participando ativamente da vida política do país. Seja através da CPT, do MST, dos STR’s,

eles estão na luta. Conscientes que são sujeitos da história, e lutando para escrever sua

própria história.

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ANEXOS

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EXPANSÃO DO MOVIMENTO SINDICAL DOS TRABALHADORES RURAIS

Ano FETAG (a) SRT’s (b) Trabalhadores Sindicalizados Antes de1960 - 05 - Até 1963 29 (c) 475 - 1968 11 632 - 1973 18 1.582 2.110.774 1978 20 2.275 5.734.113 1980 21 2.447 6.898.257 1983 21 2.564 8.248.375 1984 22 2.626 9.000.789 1995 24 2.036 12.000.000 Fonte:OLIVEIRA (2002)

(a) FETAGs – Federação de Trabalhadores na Agricultura. (b) STR’s – Sindicato de Trabalhadores Rurais. (c) Dessas 29 federações existentes em 1963, algumas foram dissolvidas, outras reagrupadas,

restando somente 11 em 1968.

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BRASIL: Mostos em Conflitos no Campo 1964-1994

64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 Total % Brasil 14 5 8 10 3 5 11 22 19 29 22 39 44 51 37 66 91 131 58 96 123 222 302 154 104 66 79 49 46 52 47 2005 1000,0 Amazônia 5 3 - 3 1 4 1 1 11 16 15 35 14 17 19 37 50 26 37 44 60 98 183 100 66 33 49 30 22 34 33 1.046 52,0 RR - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 15 10 - 4 - - - - 29 1,4 AP - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 5 5 0,2 AC - - - - - - - - - - - - - - - - 2 1 - 1 1 1 1 3 5 2 - - - - - 17 1,0 RO - - - - - - - 1 - - 4 - - 2 1 3 1 2 1 - 2 2 27 19 2 2 2 1 - 1 2 75 3,7 AM - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 3 3 7 14 3 1 1 - - 1 35 1,7 PA 4 3 - 3 1 4 1 - 3 14 10 5 9 6 6 15 34 15 20 30 29 59 93 35 20 12 20 14 13 19 12 509 25,4 TO - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 4 1 2 1 1 5 - 13 0,6 MT - - - - - - - - 7 - 1 4 3 5 2 8 5 4 2 4 11 11 51 7 4 9 10 - 1 4 5 158 8,0 MA 1 - - - - - - - 1 2 - 26 1 4 9 11 8 3 14 9 17 22 8 12 7 6 8 13 7 5 8 202 10

Nordeste 9 1 8 6 2 1 7 21 6 3 1 1 8 9 7 15 10 66 14 32 36 29 47 24 27 12 18 10 14 9 6 459 22,8 PI - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 1 2 1 1 - - 1 1 2 1 - 10 0,5 CE - - - - - - - 10 1 - - 1 - 1 1 - 1 - 2 1 2 4 8 1 3 2 1 - - - - 39 2,0 RN 6 - - - - - - 3 - - - - - - - - - - - 2 1 - 2 - - - - 2 - 1 - 17 1,0 PB 2 - - - - - - 2 - - - - - - - - - 2 1 2 3 - 1 2 4 2 1 1 4 - - 27 1,3 PE 1 1 8 3 1 5 3 5 3 1 3 2 3 1 5 2 4 8 5 11 6 3 - 3 - 4 5 1 97 5,0 AL - - - - - - - - - - - - - 1 1 2 3 1 4 7 2 1 1 - - - 2 1 3 29 1,5 SE - - - - - - - - - - - - 2 - 4 - - - - - - 1 - 1 - - - - 1 - - 10 0,5 BA - - - - - - - 1 - - 1 - 5 5 - 11 6 55 9 22 17 10 22 10 16 8 12 6 1 1 2 220 11,0 C/Sudeste - - - 3 1 1 2 1 1 3 2 1 22 15 7 14 20 32 6 18 25 91 66 25 10 8 10 3 6 5 3 401 20,0

ES - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 2 - 1 - 2 4 1 - - 1 - 11 0,5 MG - - - 1 1 - 1 - 1 - - - - - 1 1 2 1 - 2 11 46 35 8 5 2 3 2 3 - - 126 6,3 RJ - - - - - 1 1 - - 2 - - 1 1 3 5 4 7 2 1 - - 5 3 1 - 4 - 1 4 - 46 2,3 SP - - - 2 - - - 1 - - 1 1 20 13 - 1 9 17 1 - 2 31 9 1 - - 1 - - 2 - 112 5,6 GO - - - - - - - - - 1 1 - 1 - 2 4 5 6 3 9 10 14 13 7 1 2 1 1 - - 1 82 4,1 MS - - - - - - - - - - - - - 1 1 3 - 1 - 6 - - 3 6 2 - - - 2 - - 25 1,2 DF - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - SUL - 1 - 1 - - 3 - 1 7 4 2 1 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

PR - - - 1 - - 2 - 1 7 4 2 1 5 4 - 11 7 1 2 2 4 1 - - 6 2 4 3 3 2 71 3,5 SC - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 3 1 1 1 - 1 - 1 3 12 0,6 RS - 1 - - - - 1 - - - - - - 4 - - 1 - 1 - - - 2 4 - 6 - 1 1 - - 23 1,1

Fonte: OLIVEIRA (2002)

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Tabela Vítimas de Conflitos no Campo, Trabalho Escravo e Manifestações. Brasil – 2007

Conflitos Vítimas Trabalho Escravo Manifestações

Região

UF

Nº de Conflitos

Pessoas Envolvidas

Assassinatos

Ameaçados de Morte

Presos Nº de Conflitos

Trab. Denúncias

Trab. Libertos

Ocorrências Pessoas

Centro-Oeste DF 4 5250 9 28 66095 GO 46 31459 2 2 11 704 658 29 14075 MS 36 18359 2 4 13 1634 1634 22 8114 MT 46 19119 1 19 16 19 315 117 16 5322 132 74187 5 19 31 43 2653 2409 95 93606 Nordeste AL 76 43650 2 3 64 43775 BA 72 56275 1 3 22 5 175 175 53 46750 CE 26 12714 2 9 4 2 19 19 37 74585 MA 151 42401 3 11 32 732 378 17 8055 PB 29 14765 2 33 18980 PE 68 80758 1 1 20 101 761000 PI 34 14201 10 4 241 171 10 8470 RN 13 12920 2 19 5646 SE 9 2950 3 2 10 13190 478 280634 9 41 51 43 1167 743 344 295551 Norte AC 5 2797 1 2 2 3 8330 AM 28 7795 2 18 1 10 10 6 1350 AP 48 6645 PA 300 135561 5 75 77 133 3317 1933 56 27040 RO 31 23790 1 2 14 18 15570 RR 7 22220 63 5 1150 TO 112 8125 2 18 21 570 91 6 126 531 206933 10 176 91 156 3899 2036 94 54700 Sudeste ES 9 5807 1 22 22 19 6200 MG 88 41993 2 3 202 6 532 425 44 33270 RJ 17 24174 21 4 49 49 20 3460 SP 141 67706 6 3 102 61 60 34150 255 139680 2 3 229 14 705 557 143 77080 Sul PR 89 36683 2 18 11 5 130 130 78 34196 RS 37 21782 1 15 1 47 47 118 61646 SC 16 35442 1 3 52 52 33 12250 142 93907 2 20 26 9 229 2229 229 108092 Total Brasil 1538 795341 28 259 428 265 8653 5974 905 629029

(Fonte: Conflitos no Campo 2007 – CPT)

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Despejos, Expulsões, Ocupações e Acampamentos. Brasil 2007

Conflitos por Terra Vítimas de Despejos e

Expulsões Ocupações Acampamentos

Região

UF

Ocorrências Famílias Famílias expulsas

Famílias Despejadas Presos

Nº de Ocupações Famílias Nº de Acampament

os

Famílias

Centro-Oeste DF 4 1050 150 2 750 GO 31 4376 750 20 2579 3 200 MS 22 3205 630 110 8 1345 2 350 MT 21 3052 268 1139 1 350 1 230 78 11683 898 2149 31 5024 6 780 Nordeste AL 73 6826 57 698 44 4469 5 80 BA 62 10458 2035 37 5874 3 1615 CE 13 1730 280 6 806 1 130 MA 82 6680 201 296 8 1471 1 196 PB 29 2953 217 12 763 3 710 PE 58 12282 105 190 41 8341 1 56 PI 27 2310 RN 7 1366 3 530 SE 9 590 100 1 100 1 100 360 45195 643 3536 152 22354 15 2887 Norte AC 4 559 AM 23 1360 20 4 AP 46 1309 1 PA 138 21250 1593 1340 29 4599 1 217 RO 26 1669 306 RR 7 4444 1 60 TO 41 1229 30 223 7 232 2 283 285 31820 1644 1873 37 4891 3 500 Sudeste ES 7 1154 56 3 544 MG 52 4457 350 65 26 2745 1 150 RJ 10 865 4 433 1 100 SP 121 13343 85 3325 75 7737 6 335 190 19819 435 3446 108 11459 8 585 Sul PR 73 6838 220 2077 17 2445 10 597 RS 32 3875 940 13 1615 6 950 SC 9 3170 500 200 6 1370 114 13883 720 3217 36 5430 16 1547 Total Brasil 1027 122400 4340 14221

364 49158

48 6299 (Fonte: Conflitos no Campo 2007 – CPT)