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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ– UNIOESTE
CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS – CCHEL
COLEGIADO DE HISTÓRIA
JOSELENE IEDA DOS SANTOS LOPES DE CARVALHO
DESLOCAMENTOS DE TRABALHADORES DE GUAÍRA PARA FRIGORÍFICOS
NO OESTE DO PARANÁ: DINÂMICA HISTÓRICA DA INDUSTRIALIZAÇÃO
REGIONAL
MARECHAL CÂNDIDO RONDON
2013
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ– UNIOESTE
CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS – CCHEL
COLEGIADO DE HISTÓRIA
JOSELENE IEDA DOS SANTOS LOPES DE CARVALHO
DESLOCAMENTOS DE TRABALHADORES DE GUAÍRA PARA FRIGORÍFICOS
NO OESTE DO PARANÁ: DINÂMICA HISTÓRICA DA INDUSTRIALIZAÇÃO
REGIONAL
Trabalho de Conclusão de Curso- TCC sob a orientação do Prof. Dr.
Antonio de Pádua Bosi apresentado à Banca Examinadora, como
requisito básico para obtenção do título de Licenciatura Plena em
História, pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus De
Marechal Cândido Rondon.
MARECHAL CÂNDIDO RONDON
2013
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ– UNIOESTE
CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS – CCHEL
COLEGIADO DE HISTÓRIA
JOSELENE IEDA DOS SANTOS LOPES DE CARVALHO
DESLOCAMENTOS DE TRABALHADORES DE GUAÍRA PARA FRIGORÍFICOS
NO OESTE DO PARANÁ: DINÂMICA HISTÓRICA DA INDUSTRIALIZAÇÃO
REGIONAL
Monografia aprovada como requisito parcial para a obtenção do título de Licenciatura em
História, na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, campus de Marechal
Cândido Rondon, pela seguinte Banca Examinadora:
__________________________________________
Prof. Dr. Antonio de Pádua Bosi
Orientador
__________________________________________
Prof. Dr. Rodrigo Ribeiro Paziani
__________________________________________
Profa. Ms. Cíntia Fiorotti
DECLARAÇÃO DE AUTORIA
Eu Joselene Ieda dos Santos Lopes de Carvalho, declaro para os devidos fins que o
conteúdo deste Trabalho de Conclusão de Curso é de minha exclusiva autoria, assumindo,
portanto totais direitos e responsabilidades sobre ele.
JOSELENE IEDA DOS SANTOS LOPES DE CARVALHO
_________________________________
ASSINATURA
A máquina acomoda-se à debilidade do ser humano
para tornar o ser humano débil uma máquina.
Manuscritos econômico-filosóficos -Karl Marx
As cabeças levantadas
Máquinas paradas
Dia de pescar
Pois quem toca o trem pra frente
Também de repente
Pode o trem parar
Linha de Montagem- Chico Buarque
AGRADECIMENTOS
Em uma sociedade da qual estamos tão acostumados a pedir, a hora de agradecer é
sempre mais difícil. Este trabalho não é só meu, é de cada amigo, companheiro, familiar que
acompanhou estes anos de minha graduação. E neste espaço espero lembrar de todos aqueles
que se fizeram inesquecíveis.
Meus pais José e Arlene que são a minha base e o meu sustento em todos os
momentos da vida. Me lembro de como passamos por momentos difíceis, principalmente na
questão financeira. Do quanto trabalhamos duro para conseguirmos sobreviver. Vocês
construíram uma vida de luta, com muito trabalho e suor. Sempre mostraram a persistência
como algo essencial, sonharamcom essa minha conquista e fizeram de tudo para que eu
conseguisse estudar (já que este era meu grande sonho). Obrigada por compreenderem minhas
dificuldades e minha ausência enquanto filha, meus estresses e meus milhares de textos pra
ler. Esta é uma conquista de vocês também. O meu amor por vocês ultrapassa qualquer
entendimento.
Meus irmãos, Giovanni Iago e José Igor, que sempre reclamavam do meu estresse,
mas, que me aturavam e me faziam rir e que me despertam um sentimento bonito de cuidado
e atenção (já que sou a filha mais velha), “ai de alguém se mexer com vocês!” Não quero que
cresçam nunca!
Antonio e Cidinha, sem dúvida vocês foram as pessoas mais importantes que conheci
na graduação. Foram mais do que professores, orientadores, foram meus amigos e souberam
me entender, ter paciência e também puxar minha orelha todas as vezes que foi necessário.
Foi através de vocês que pude compreender o quão importante é o engajamento do historiador
e o quanto nosso trabalho é essencial para que uma transformação social aconteça. E isso é
possível! Em cada sala de aula que eu estiver, em cada apresentação de pesquisa, sempre
lembrarei com imenso carinho de como maravilhosos professores e amigos vocês são (espero
que um dia possa ser assim com meus alunos!) Amo vocês!
Às minhas amigas: Franciele Turatto, Janaína Rodrigues, Patrícia Keller, Mara Dhulle,
Nádia Goehlen, Cíntia Mello, Rúbia Tadiotto, Ângela Glass, Franciele de Paula, Lucinéia
Fagnani, Karen Kraulich (Amarela), Alessandra Kontovski, Emily Leite; aos meus amigos:
Lucas Gaspar, Lucas Fano, Lúcio F. Tazinaffo, Alex Sanoto, Guilherme Grando, Daniel
Dutra, Gustavo Henrique, Marcus Vinícius, Caio Cesar. Vocês foram minha fortaleza mesmo
quando nem sabiam. As risadas, os conselhos, as broncas, tudo isso fez com que eu
permanecesse firme e lutasse por tudo aquilo que eu acredito. Obrigada pelas vezes que eu
precisei chorar e que mesmo quando não tinham palavras de conforto me ouviram e
ofereceram o ombro; as discussões teóricas e até mesmo as discordâncias em alguns pontos,
sempre foram válidas e complementares para o meu crescimento. Neste momento só quero
agradecer à vocês, as minhas amigas que sabem mais do que ninguém como sou sensível e
chorona; os meninos que sempre tentaram me entender mesmo quando não tinham muito o
que dizer. Vocês me fazem continuar, vocês me fazem acreditar que um mundo melhor é
possível.
Lucas Gaspar, preciso abrir uma observação e dizer à você um OBRIGADA, pelo
amigo e irmão que você é pra mim. Sempre fez de tudo para me ajudar: emocionalmente,
intelectualmente, financeiramente... sempre leu meus artigos, rabiscos, assistiu minhas
apresentações e me motivava dizendo: vai que você consegue, você é boa nisso! Sem dúvidas
que essa força e confiança foram centrais para esta conquista que é o meu TCC.
Aos meus companheiros de Movimento Estudantil, não os deixarei! Não poderei mais
votar nas eleições para o Centro Acadêmico, nem para o Diretório Central dos Estudantes
mas, aonde quer que eu esteja sempre estarei lutando por melhorias na educação. Continuem e
contem comigo sempre!
Aos meus colegas de projetos de extensão “Observatório do Mundo Contemporâneo”
e do “MIS” saibam que apreendi demais com vocês! E que cada mural que fizemos juntos,
cada apresentação, cada artigo estará sempre presente em minha memória de uma forma que a
saudade será certa! “As meninas do MIS” obrigada pela paciência e pelo conhecimento que
me passaram, não tenho palavras que descreveriam o quanto cresci por ter pessoas tão
incríveis como vocês por perto.
Às professoras: Maria José Castelano e Edina Rautenberg que foram orientadoras dos
dois estágios supervisionados do: 3°e 4° ano. As contribuições, discussões, correções e
companheirismo de vocês, fizeram com que essa experiência que era tão esperada por mim,
fosse encantadora e só confirmou ainda mais minha vontade em ser professora. Levarei todas
as dicas e observações que me deram com muito carinho e consideração. Obrigada!
Aos meus professores do Colegiado do Curso de História de Marechal Cândido
Rondon, sei que muitos de vocês já foram agradecidos várias vezes e que talvez nem lerão
este singelo agradecimento. Mas, gostaria de dizer que cada texto, cada aula, cada
conferência, cada orientação, cada conversa de corredor, cada café, foram essenciais para
minha carreira acadêmica e que me fizeram compreender o porque estamos nas “Ciências
Humanas”, sem dúvida sempre haverá muito o que apreender com vocês. Um abraço com
muito carinho para cada um de vocês!
Por fim, não menos importante, gostaria de agradecer a todos os trabalhadores de
frigoríficos que compartilharam comigo suas experiências e lutas diárias, que concederam
entrevistas e à todos aqueles que nem tive o prazer de conhecer mas que escrevo por eles
também.
Deixo pra todos vocês que mencionei, a seguinte frase: “Um amigo me chamou pra
cuidar da dor dele, guardei a minha no bolso. E fui”. C.F.A.
RESUMO
CARVALHO, Joselene I. dos S. L. de. Deslocamentos de Trabalhadores de Guaíra para
Frigoríficos no Oeste do Paraná: Dinâmica Histórica da Industrialização Regional.2013.
56 f. Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná,
Marechal Cândido Rondon, 2013.
O presente texto monográfico é resultado de uma pesquisa de três anos que visa analisar e
compreender as relações de trabalho através das experiências dos trabalhadores guairenses de
frigoríficos. Desde 2007, os frigoríficos da Cvale (Palotina) e da Copagril (Marechal Cândido
Rondon) recebem trabalhadores guairenses que se deslocam para trabalharem como auxiliares
na linha de produção. Utilizamos entrevistas como fonte de pesquisa para compreendermos as
situações vivenciadas por estas pessoas. Analisamos suas trajetórias de: vida, trabalho e
cidade. Identificamos que com a industrialização no Oeste do Paraná o Capital se expandiu
não somente nas cidades onde se instalaram as indústrias mas em toda a região. Desta forma,
este trabalho também é composto de bibliografias que discutem relações de trabalho e que se
preocupam em compor uma história de pessoas comuns.
Palavras-chaves: Trabalhadores; experiências; Guaíra; industrialização;
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
FIGURA 1. MAPA DA CIDADE DE GUAÍRA COM IDENTIFICAÇÕES DOS
BAIRROS OPERÁRIOS ............................................................................................ 28
FIGURA 2. FOLDER DA CVALE ............................................................................... 49
FIGURA 3. MAPA DAS SEDES DA COPAGRIL NA REGIÃO .............................. 50
FIGURA 4. FUNCIONÁRIOS C-VALE ..................................................................... 52
FIGURA 5. FUNCIONÁRIOS C-VALE ..................................................................... 53
QUADROS
QUADRO 1. HORÁRIOS E PERCURSOS DO ÔNIBUS QUE LEVA OS
TRABALHADORES PARA A CVALE ...................................................................... 25
QUADRO 2.COOPERATIVAS EXISTENTES NA ATUALIDADE NA REGIÃO
OESTE DO PARANÁ .................................................................................................. 36
TABELA
TABELA 1. HORÁRIOS DOS TURNOS POR SETOR- FRIGORÍFICO DE AVES
DA COPAGRIL ............................................................................................................ 28
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................11
CAPÍTULO 1: A ESTIGMATIZAÇÃO DA CIDADE FRONTEIRIÇA: RELAÇÕES
SOCIAIS NA CIDADE DE GUAÍRA-PR ..............................................................................21
1.2. OS BAIRROS DE MÁ FAMA..............................................................................21
CAPÍTULO 2: RELAÇÕES DE TRABALHO NOS FRIGORÍFICOS DA CVALE E DA
COPAGRIL: TRABALHADORES GUAIRENSES E SUAS TRAJETÓRIAS......................32
2.1. EXPERIÊNCIAS COMPARTILHADAS EM COMUM......................................32
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................................54
FONTES ORAIS.......................................................................................................................55
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................56
INTRODUÇÃO
Este trabalho não é somente um trabalho de conclusão de curso. Está para além de
parâmetros e normas de ABNT, resultados de pesquisa e discussões bibliográficas. Estas são
reflexões acerca daquilo que compreendemos por sobrevivência, fatores essenciais para a luta
de classes. São singelas menções a situações que, às vezes, passam despercebidas (ou que não
são escritas). Há trabalhos que se dizem neutros. Não é o caso deste. Fazemos questão de
dizer que este é um trabalho que reflete nossa escolha. A escolha pela escrita da história da
gente comum (HOBSBAWM, 1998). E assim como nos lembra Hobsbawm em seu artigo
sobre o engajamento na ciência, não estamos apenas querendo modificar os fatos que foram
comprovados, mas, trazer para a historiografia a discussão daqueles sujeitos que são
despercebidos. Às vezes aparecem em livros, mas como números, como ilustrações ou como
uma massa amorfa para vangloriar o heroísmo de poucos. Neste sentido, não estamos
preocupados em vitimizá-los, mas de acordo com suas experiências, com suas lutas diárias,
trazer para o campo acadêmico discussões sobre a vida daqueles que compõem a História.
Durante os anos de graduação, lembro-me das inquietações, das quais a principal
pergunta era esta: “O que é História?” De fato demoramos um tempo até entendermos o
quanto esta pergunta é complexa. Discutir as construções acerca do que é História implica em
entender que estão para além de definições do Dicionário; não são as anotações e rabiscos de
textos e nem a descrição de diversos conceitos. A história é dialética, e se assim a
compreendermos, perceberemos que nosso objeto de estudo é o homem, “o homem no
tempo”1(BLOCH, 2001). Mas, no que estamos contribuindo para que aconteça de fato uma
transformação social? Esta é uma pergunta difícil e que com certeza tirou e tem tirado o sono
de muitos historiadores. Apenas escrever e discutir no campo acadêmico a situação de pessoas
comuns, não irá modificar a realidade das quais vivenciam. Diante disso, o engajamento
político se torna necessário e grande aliado de todos aqueles que para além de escrever uma
história destes sujeitos, lutam para que estes deixem de ser explorados e tentam contribuir na
construção de uma sociedade mais justa e certamente melhor.
Na graduação aprendemos também que para escrever sobre os trabalhadores de
frigoríficos, por exemplo, não temos a necessidade de nos tornarmos trabalhadores de
frigoríficos. Mas, com certeza as experiências vivenciadas por estas pessoas, mesmo não
1 Marc Bloch afirma que a História é a “ciência dos homens no tempo”.
12
citando teóricos, traduzem explicitamente o que lemos e estudamos sobre a exploração do
trabalho e as conseqüências do Capital.
Embora inseridos nas “Ciências Humanas”, há contribuições para a historiografia que
parecem não reconhecer que as oportunidades e condições não são as mesmas para todos.
Quando isso acontece, deixamos de ser uma ciência humana e passamos a fazer apenas o que
alguns outros profissionais fazem: contamos fatos. Quando há a escolha de pesquisar e lidar
com trabalhadores, é necessário que haja uma sensibilidade da qual não nos impeça de
concluirmos o trabalho, mas, que esteja presente em cada linha do que formos escrever.
Porém, entender as experiências de uma classe social não é tarefa fácil.
Não foram fáceis as análises, as entrevistas e a escrita deste trabalho, pois, em todos os
momentos, me lembrava que não são apenas análises de falas, são análises de vidas, são
experiências que foram a nós confiadas e das quais, o engajamento é o que nos diferencia de
outros profissionais.Talvez a principal dificuldade deste trabalho tenha sido a realização das
entrevistas. Afinal,estamos lidando com memórias daquilo que não é tão agradável para ser
constantemente lembrado. Mesmo que não tenha sido esquecido, já que a dor e as seqüelas de
doenças permanecem mesmo quando já não trabalham nos frigoríficos. Portanto, relembrar
em alguns momentos tem o sentido de fracasso, já em outros, recorda um período ruim, cheio
de complicações de saúde. Em outras situações, a lembrança é de um trabalho árduo, porém,
estar sem trabalho é pior. Considerando que este trabalho não é composto por histórias de
ficção, leva-nos a algumas preocupações que merecem cautela, por exemplo, substituir o
nome dos entrevistados. Portanto, os pseudônimos serão os nomes de alguns personagens da
obra “Helena”de Machado de Assis, que consideramos assim como Sidney Chalhoub(2003) ,
uma literatura contribuinte para o campo da historiografia.
Helena(trinta anos) é atual moradora da cidade de Guaíra, trabalhou cerca de nove
meses na Copagril. Mãe de quatro filhos trabalhava para sustentá-los como cozinheira nos
finais de semana. No entanto, não tinha carteira assinada, ao comparecer até o SINE da cidade
de Guaíra, sentiu tamanho interesse em trabalhar no frigorífico da Copagril já que este
propagandeava um trabalho que em sua avaliação era melhor do que o antigo e o que mais
chamou sua atenção: sua carteira de trabalho seria assinada. Escolhemos esta personagem do
livro, para representar esta entrevistada, porque Helena (personagem do livro) adoece e falece.
A entrevistada não faleceu, porém, também teve inúmeros problemas de saúde e sua condição
atual é a de alguém que depende dos outros, até mesmo para pentear os cabelos, já que
desenvolveu uma doença no braço esquerdo. Helena não trabalha mais no frigorífico da
Copagril.
13
Estácio(vinte e oito anos)morador guairense trabalhou no frigorífico da Cvale durante
três anos e oito meses. Durante suas férias no mês de Junho de 2007, fez um curso de
segurança e assim que voltou a trabalhar no frigorífico foi chamado para substituir um
segurança em uma agência bancária, por alguns meses. Sem pensar muito, mesmo que o
trabalho fosse provisório, Estácio aceitou e saiu imediatamente do frigorífico. Recebe o nome
deste personagem porque no livro Estácio é casado com Eugênia, e este entrevistado é casado
com outra trabalhadora do frigorífico. Atualmente, Estácio não trabalha no frigorífico da
Cvale.
Eugênia(trinta e seis anos)trabalha no frigorífico da Cvaledurante cinco anos e seis
meses. Assim como a personagem do livro, Eugênia não fala muito, mas, conheceu Estácio
trabalhando no frigorífico e se casaram. Embora Estácio tenha saído do frigorífico, Eugênia
que sente diversas dores no braço, ainda é trabalhadora do frigorífico. Porém, está afastada já
que a dor em seu braço tornou-se insuportável. Quando a entrevistei estava de atestado e iria
naquela semana consultar-se com um médico (que não é o médico responsável do frigorífico).
Dias depois quando a encontrei, disse-me que foi diagnosticada com LER.
Ângela(quarenta e oito anos) trabalha no frigorífico da Copagril, há três anos e três
meses e apesar de ter quarenta e oito anos e ter começado a trabalhar desde muito nova, este é
o seu primeiro emprego com carteira assinada. Ângela já havia trabalhado como camareira em
um hotel, porém quando foi até o SINE em busca de um emprego que ofertasse carteira de
trabalho assinada, foi a lista de auxiliar de produção do frigorífico da Copagril que possuía
mais vagas. Como não possuía muitas experiências de trabalho, inscreveu-se e ficou
extremamente feliz quando não se importaram com sua idade e a contrataram. Atualmente
Ângela continua trabalhando no frigorífico e sente muita dor nas pernas. Recebe este nome,
pois no livro Ângela é mãe e é a personagem com mais idade, e a entrevistada também é a
mais velha das quais entrevistei.
Salvador (quarenta e quatro anos)trabalhou no frigorífico da Cvale e ficou durante
muitos anos, já que como pai de família tinha a responsabilidade de sustentar sua família.
Começou a trabalhar no frigorífico, pois, não encontrava emprego com carteira assinada na
cidade de Guaíra. Por mais que tenha pensado em trabalhar como pedreiro, ao pensar que não
era um emprego garantido, decidiu ir atrás de algo que fosse mais concreto. No entanto, nos
primeiros meses a decepção havia o mostrado que o trabalho no frigorífico não tinha todos os
benefícios dos quais afirmavam. Atualmente não trabalha mais no frigorífico.
Úrsula(trinta e seis anos) trabalhou no frigorífico da Cvale durante um ano e três
meses. Era moradora do sítio e isso em suas entrevistas faz toda a diferença, pois, as
14
interpretações que esta tem do trabalho no frigorífico, sempre faz menções ao seu modo
anterior de viver e trabalhar no sítio. Desta forma, mesmo afirmando que o trabalho no
frigorífico não era “tão ruim”, no decorrer da entrevista demonstra que trabalhar neste local
impulsionou que ela pensasse mais adiante, em não querer ficar ali pra sempre. Sendo assim,
Úrsula resolveu estudar e se formar no CEEBJA da cidade de Guaíra. Atualmente mora e
trabalha em uma comunidade rural com seus pais.
Melchior (vinte e sete anos) trabalha atualmente no frigorífico e faz três anos que
conseguiu este emprego na Cvale. Melchior tem algumas dificuldades físicas e mentais, mas,
estas não impedem que ele consiga executar as atividades que requerem a linha de produção.
Afirma que quando foi entrevistado para conseguir este emprego, estava desanimado já que
nunca o aceitavam devido suas dificuldades. Porém, o representante da Cvale fez questão de
dizer que empregavam pessoas com deficiência. Melchior mora com seus pais em Guaíra e
continua trabalhando no frigorífico.
Camargo (vinte e três anos) trabalhou no frigorífico da Cvale durante três anos e há
quatro anos que não está mais neste emprego. Quando perguntamos o por queele afirma que
era extremamente cansativo e que só havia procurado esse emprego porque queria juntar
dinheiro pra poder cursar uma universidade. No entanto, diz que quando estava no terceiro
ano do Ensino Médio, a dor e o cansaço começaram a tomar conta. Aguentou por mais alguns
meses, pois, havia conhecido uma garota no trabalho do frigorífico e a única maneira de vê-la
era no trabalho. Mas, sem aguentar por muito tempo, pediu demissão. Atualmente Camargo
estuda e é instrutor de academia.
Percebemos que os motivos que levaram estas pessoas a procurar o emprego no
frigorífico não são os mesmos. Cada realidade é diferente, porém as experiências
compartilhadas na viagem e no trabalho nestes frigoríficos são semelhantes. Há fatores
biológicos e sociais que muitas vezes interferem na forma da qual estas pessoas lidam com
essa realidade. Por exemplo, segundo a atendente do SINE da cidade de Guaíra, a maioria dos
trabalhadores que procuram este emprego são jovens com cerca de vinte a trinta anos.
Portanto, quando um trabalhador como Ângela, que tem quarenta e oito anos, consegue este
emprego, tenta criar mecanismos de sobrevivência para que as dores que sente não a
atrapalhem de permanecer num emprego que já foi difícil de conseguir devido a sua idade.
Escrever história do tempo-presente tem suas implicações, porém, há vantagens como:
podemos entrevistar os trabalhadores que pesquisamos. Como estudaríamos os trabalhadores
sem perguntarmos à eles o que interpretam de suas realidades? Como poderíamos classificá-
los como vidas semelhantes, sem ao menos analisarmos se realmente os são? Portanto,
15
optamos por entrevistarmos os trabalhadores guairenses dos frigoríficos, visando
compreender o que estes interpretam de suas realidades. Utilizar-se da história oral embora
seja uma fonte riquíssima, há a necessidade de termos diversas precauções. Não devemos nos
infiltrar na vida destes trabalhadores de tal modo a dar-lhes conselhos ou em nossas análises
os julgarmos. Pois como nos afirma Yara Khoury:“Dialogar com o passado não é, apenas,
tornar mais visíveis experiências vividas em tempos anteriores; trata-se, sobretudo, de
explorar os sentidos em que esse passado assume no presente...”.( KHOURY, 2005, p.120)
Portanto, utilizamos as entrevistas como fonte possibilitando a escrita da História. É
fundamental levar em consideração as experiências vividas por estes trabalhadores da cidade
de Guaíra, dita por eles mesmos. É demonstrar a contradição de dados que aparecem
constantemente na mídia local (jornais, folders...) de que os frigoríficos trouxeram um amplo
desenvolvimento econômico para a região.
Alessandro Portelli, em seu texto “A filosofia e os fatos”(PORTELLI,1996),
demonstra que a História Oral tanto como fonte e metodologia é imensamente importante para
a construção do conhecimento histórico, desde que, o historiador saiba exatamente como
utilizá-la, ou seja, a interpretação de nossos entrevistados não deve ser feita apenas da
maneira que nos falam. Entre o entrevistador e o entrevistado, deve haver uma “ponte”, não
para que os afastem, mas para que cada qual com sua subjetividade entenda que são sujeitos
históricos, ambos muitas vezes com perspectivas diferentes.
Utilizar entrevistas como fontes acarreta uma série de desafios. Um dos fatores dos
quais presenciamos nas entrevistas e em outras pesquisas é o alto índice de rotatividade do
trabalho em frigoríficos, ou seja, o trabalhador sai de um determinado frigorífico, e depois de
algum tempo, retorna a trabalhar em algum outro frigorífico da região. O que podemos
interpretar disso? Se perguntarmos para um trabalhador que há meses está desempregado, e
que considerava o trabalho no frigorífico como extremamente precário e cansativo, se este
voltaria para o frigorífico, não devemos nos surpreender se a resposta for afirmativa. No
entanto, se formos analisar a entrevista apenas levando-se em consideração o que nos diz o
entrevistado, corremos o risco de não compreendermos o processo histórico presente em suas
falas, ou seja, trabalhar no frigorífico é ruim, mas não ter onde trabalhar é pior. Como nos diz
Alessandro Portelli em seu texto “O que faz a História Oral diferente”, as fontes orais contam-
nos nãoapenas o que o povo fez, mas o que queria fazer, o que acreditava estar fazendo e o
que agora pensa que fez. (PORTELLI,1997,p.29).
Um fator imprescindível que está sempre presente é a memória. Conforme escreveu
Chesneaux em seu livro “Devemos fazer tábula rasa do passado?” (1995), cada um escolhe o
16
que falar sobre seu passado, e essa escolha nunca é inocente. Há fatos que o entrevistado
realmente esqueceu, mas há outros que nos silencia ou simplesmente, nos dão respostas
breves. Quando isso acontece, é nosso papel enquanto historiador percebermos. Conseguir
entrevistas destes trabalhadores, nem sempre é fácil, principalmente se estes ainda estão
trabalhando nos frigoríficos. A maioria não trabalha no frigorífico porque sempre sonhou em
trabalhar em um frigorífico, mas, porque não havia mais opções( isto fica evidente quando se
considera o tanto de vagas específicas para o trabalho no frigorífico, disponíveis nas listas de
emprego do SINE). Portanto, o medo de que algo dito na entrevista seja usado contra ele,
permanece constantemente presente. Chesneaux, neste mesmo livro também escreve que o
poder ainda controla o passado, porém, de forma muito mais ativa e direta. Ele fundamenta
sua prática política, sua decisão, suas escolhas sobre o passado, sobretudo o passado mais
recente, tal como tem conhecimento por sua polícia, seus organismos de estudos, seus
relatórios administrativos. Devido à isso, devemos ter tamanha astúcia de entendermos que se
o entrevistado pouco se lamenta da precariedade de seu trabalho no frigorífico, não é porque
este atende suas necessidades de trabalhador. Mas através das evidências das fontes, sermos
capazes de perceber que o silêncio nos diz muito.
Através das entrevistas, podemos observar que a frase de Marx, em o “Manifesto do
Partido Comunista”(MARX e ENGELS, 1986, p.5) em que diz que “a História de toda a
humanidade é a história da luta de classes” não está ultrapassada e se faz bastante presente
nos dias de hoje. Há vários mecanismos utilizados pelo poder que estão constantemente
fazendo com que as pessoas aceitem cotidianamente que o trabalho não deve ser algo que
satisfaça, mas algo que dê lucro, portanto, se você se esforçar e cooperar, logo chegará a sua
vez de se tornar um “vencedor”. Mas esquecem de informar que a cada dia aumentam mais o
número de vendas de antidepressivos em farmácias, devido ao estresse no trabalho, à falta de
sentido da vida, porque as pessoas são vistas como seres feitos para trabalhar. Lazer e trabalho
são fatores distintos e quase nunca se complementam. As fontes orais podem muitas vezes
dizer-nos o que já sabemos, mas a construção da narrativa revela a relação do acontecimento
com o narrador de sua história. Portanto, assim como Alessandro Portelli afirma em seu texto
“O que faz a história oral diferente?”(1997, p.34), não existem fontes orais “falsas”, porque o
que nos interessa em especial não é a verificação do fato como verdadeiro ou falso, mas o que
faz com que o entrevistado o imagine e o narre de determinada forma.
Para além de coleta e análise de fontes, iniciamos nossa pesquisa com a proposta de
lermos e discutirmos bibliografias referentes ao processo de industrialização recente no Oeste
do Paraná e outros teóricos que discutissem acerca de trabalho e trabalhadores. Também
17
recorremos abibliografia de outras disciplinas, no intuito de compreendermos melhor as
consequências dos frigoríficos pela região. Inicialmente, através das leituras, buscamos
compreender sobre as Cooperativas, visando saber quando se instalaram e as mudanças
ocorridas com a vinda dos frigoríficos. Isso para que pudéssemos entrevistar os trabalhadores,
conhecendo minimamente o local onde trabalham e algumas informações que seriam úteis
para a construção deste trabalho. No trabalho de Adriana Alves “Cooperativismo agrícola e o
desenvolvimento sócio-econômico em Palotina e Região” (2007), a autora escreve que as
cooperativas foram criadas no Paraná, a partir da década de 40, visando aumentar a
competitividade do agricultor e da agroindústria (aves, suínos, leite...) como fontes de rendas
e desenvolvimento local. Porém, o que temos percebido é que entre os anos de 1996 e 2008, o
aumento de trabalhadores nas indústrias de alimentos foi superior a 240%, através das
entrevistas podemos perceber que a grande maioria destes trabalhadores executamtarefas
extenuantes e precárias (Bosi e Varussa, 2009). Ao contrário do que encontramos em
divulgações feitas pelos próprios frigoríficos que afirmam:
A valorização humana, o investimento no desenvolvimento social e cultural
são os maiores projetos desenvolvidos por empresas e organizações. Com
esse objetivo, a Cooperativa Agroindustrial Copagril fundou, em 06 de
setembro de 1973, a associação de funcionários AACC.2
Portanto, tais informações nos possibilitam questionarmos sobre este
“desenvolvimento”. Compreendemos que as afirmações feitas pelas Cooperativas não
condizem com a realidade vivida pelos trabalhadores guairenses. Neste sentido, a opção pela
escrita de uma História de gente comum (Thompson, 2001), nos possibilita de entrevistarmos
estes trabalhadores “volantes” visando compreender minimamente três aspectos principais:
1) Sua trajetória de vida. Ou seja, não nos interessa somente o trabalhador enquanto
esteve no frigorífico, desassociando-o de sua história do passado. Pois, a história tem uma
relação ativa com o passado. O passado está presente em todas as esferas da vida social.
(Chesneaux, 1987).
2) Sua trajetória de cidade. Como o trabalhador interpreta sua experiência em ir todos
os dias para outra cidade trabalhar. E quais foram os motivos pelos quais se inscreveu para
trabalhar nos frigoríficos. Também nos foi possível, com as entrevistas percebermos que os
locais dos quais os ônibus passam para buscar os trabalhadores dos frigoríficos da Cvale e da
Copagril, são bairros considerados como periféricos na cidade. Alguns recebem conotações
2Associação Atlética Cultural Copagril/ Disponível em http://www.copagril.com.br/aacc.
18
negativas como “Vai quem quer, volta quem pode”. Portanto, a experiência de cidade é
imprescindível, no sentido de que nos auxilia em compreender as causas/efeitos e as
perspectivas que existem nestes trabalhadores. E tentaremos expor isso mais evidentemente
no primeiro capítulo deste trabalho.
3) Sua trajetória de trabalho. Identificamos como trajetória de trabalho, não somente o
trabalho no frigorífico, mas toda e qualquer atividade que estes trabalhadores executaram
antes de irem trabalhar no frigorífico. Nestas trajetórias, podemos compreender diversos
aspectos interessantes, como por exemplo, porque alguns trabalhadores começam as
entrevistas afirmando que o trabalho no frigorífico não é tão difícil. Quando nos deparamos
com esta afirmação, no longo da entrevista é possível de descobrirmos que esta pessoa já
executou outros trabalhos difíceis, no entanto normalmente quando há tal afirmação, ao longo
da entrevista, o trabalhador se contradiz, dizendo-nos que o trabalho não era difícil, mas, que
era extenuante e cansativo, e que desenvolveu diversas dores que continuam até hoje.
Desta forma, acreditamos assim como escreve E. P. Thompson em “As Peculiaridades
dos ingleses e outros artigos”, que “A classe trabalhadora não se faz apenas com o
proletariado industrial fabril, assim como a história operária não é feita só de greves, levantes,
sindicatos e partidos”(2001). Portanto, as considerações das entrevistas sobre as relações para
além do local de trabalho no frigorífico nos possibilitam interpretar quem são estas pessoas e
como percebem suas experiências diárias. Para Thompson, a constituição da indústria
moderna e a formação do proletariado, não representam senão o resultado da lógica do capital
(isto é, da relação, a relação social de dominação capitalista). A lógica do capital (mesmo
entendido como relação social) não pode explicar o processo histórico real, o autor
compreende que somente a lógica deste processo é capaz de explicar o desenvolvimento do
capitalismo. Para Thompson, a grande indústria moderna é um resultado histórico da luta de
classes. Neste sentido, ele apresenta a formação da classe operária como condição e não
simplesmente resultado da industrialização.3
Segue uma notícia disponível no site do Portal Guaíra, que tem como objetivo divulgar
informações acerca da cidade de Guaíra, em especial sobre dados da Prefeitura Municipal:
Guaíra – Agência do Trabalhador divulga números do primeiro
quadrimestre
A Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Economia Solidária
divulgou, por meio do Escritório Regional de Umuarama, no último dia 09, o
3 Ibid.
19
balanço oficial dos serviços prestados pela agência guairense durante o
primeiro quadrimestre de 2013.
Segundo o documento emitido, foram inscritos em Guaíra 766 trabalhadores.
A agência ofertou durante este período 369 vagas de emprego, dos quais 318
trabalhadores foram encaixados. Entretanto, 1.738 pessoas foram
encaminhadas pela agência. De acordo com o documento, a meta mínima era
inserir 187 novos trabalhadores no mercado de trabalho.4
Esta notícia nos interessa, pois, os dados não são suficientes. Nãoé questionado em
momento algum quais as formas destes trabalhos oferecidos. Há uma grande divulgação das
inúmeras vagas semanalmente na cidade de Guaíra, porém, a maior quantidade de vagas
sempre são as de auxiliar de produção dos frigoríficos. Não há pesquisas por parte do SINE
referentes à forma de trabalho e o porque da rotatividade de trabalhadores nos frigoríficos.
Tornou-se comum, um mesmo trabalhador ir diversas vezes ao SINE em busca de emprego. E
isso, faz com que sejam ignorados os reais motivos do porque se muda constantemente de
emprego, e afirmações como “é porque não gosta de trabalhar” tornaram-se comuns.
Portanto, no primeiro capítulo deste trabalho tentaremos discutir como o fato de ser
uma cidade fronteiriça influencia diretamente nas relações de trabalho em toda a região Oeste
do Paraná e como são as experiências compartilhadas da vida destes trabalhadores acerca
deste trabalho. Levando-se em consideração características em comum como o tempo que
gastam em torno do trabalho (normalmente cerca de doze horas diárias!); as experiências
compartilhadas pela falta deste tempo para compartilhá-lo com a família; o cansaço derivado
da viagem até as cidades vizinhas para ter onde trabalhar; e as interpretações destes sujeitos
acerca de suas realidades. Um fator imprescindível é a estigmatização de bairros periféricos
na cidade de Guaíra. Bairros dos quais moram estes trabalhadores que diariamente se
deslocam para a cidade de Palotina e de Marechal Cândido Rondon. Neste sentido,
buscaremos analisar as características do Capital como propulsor de uma extensão viabilizada
no trabalho, significativa no que se refere a mudanças drásticas na vida destas pessoas.
No segundo capítulo, buscaremos analisar as condições de trabalho presentes nos
frigoríficos. Através de leituras realizadas e de análise de fontes (em especial as entrevistas),
tentaremos referenciar o trabalho no frigorífico como escasso e precário. Com péssimas
condições, faz com que sejam refletidas as consequências na vida das pessoas que por lá
trabalham. Tentaremos através das entrevistas, interpretar as realidades vividas por essas
pessoas e quais as experiências que compartilham em comum. Sabemos que este trabalho é
4Acessado dia 24/05/2013. Disponível em http://www.portalguaira.com/PG/guaira-agencia-do-trabalhador-
divulga-numeros-do-primeiro-quadrimestre/
20
apenas uma forma de interpretação de realidades em comuns, mas, gostaríamos que não
fossem atribuídos juízos de valor e nem preconceitos.
Quando afirmamos que o trabalho no frigorífico é uma das opções mais procuradas
por estas pessoas, avaliamos que há em evidência um fator que merece análise: trabalhar no
frigorífico tornara-se no decorrer dos anos, algo comum àqueles que possuem pouquíssimas
chances de conseguir algo melhor. E infelizmente, o trabalho tornou-se sinônimo de
sacrifício; do qual muitas vezes o que é sacrificado são as próprias vidas destes trabalhadores.
CAPÍTULO 1: A ESTIGMATIZAÇÃO DA CIDADE FRONTEIRIÇA: RELAÇÕES SOCIAIS
NA CIDADE DE GUAÍRA-PR
Nem sempre quem afirma “eu moro na cidade”, realmente vivencia o local que habita.
As pessoas das quais são fundamentais para esta pesquisa, há tempos não sabem o que é
pertencer a um lugar. Cotidianamente direcionam suas vidas para locais dos quais não querem
pertencer, mas não é tão simples, é preciso sobreviver!
Neste capítulo, discutiremos as relações sociais acerca da cidade de Guaíra e como o
fato de ser estigmatizada por ser uma cidade que faz fronteira com o Paraguai, interfere nas
relações de trabalho. Fator do qual propicia que os frigoríficos da Copagril em Marechal
Cândido Rondon e da Cvale em Palotina, recebam diariamente cerca de cento e sessenta
trabalhadores guairenses para executar tarefas na linha de produção. Portanto, utilizaremos as
entrevistas como fontes orais na perspectiva de construção da História e demais dados que
evidenciam a luta de classes presente no espaço da cidade.
1.2 OS BAIRROS DE MÁ FAMA5
Para muitos a cidade é apenas um amontoado de prédios, lojas, indústrias, igrejas, ruas
que se entrecruzam, parques compostos de arvoredos para serem visitados no fim de semana.
Alguns se orgulham em dizer “fui fazer compras na cidade”. O que podemos perguntar é “O
que faz da cidade, cidade?” Enfim, não são somente as estruturas, mas, a forma que se
organizam as pessoas perante estas estruturas. Se assim compreendermos, ficará mais
evidente o fato de que o viver na cidade não é o mesmo para todos. Durante as últimas
décadas, diversas foram as indústrias que se instalaram no Oeste do Paraná, juntamente com
estas, discursos como “progresso”, “desenvolvimento”, “cooperativa”, foram se tornando
comuns, criando-se assim avaliações irreais ou até mesmo ilusórias sobre o setor
agroindustrial no Oeste paranaense. Para que uma indústria se instale há modificações não
somente na cidade da qual irá se instalar, mas em toda a região, e esta não funciona sem
5Termo utilizado por Friedrich Engels em “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”, para descrever os
bairros nos quais havia forte presença da classe operária e que eram ausentes de infraestrutura sanitária. “Outros
bairros densamente habitados estão desprovidos de rede de esgotos- e esta, quando existe, é insuficiente. Em
muitas fileiras de casas, raramente se encontra um porão que não esteja úmido; em muitos bairros, as ruas estão
tomadas por uma lama em que os transeuntes se atolam. Inutilmente,os moradores procuram melhorá-las,
lançando-lhes pás de cinzas, apesar disso, o esterco e as águas sujas ficam espalhadas diante das casas até que o
sol e o vento os sequem e dispersem.” (cf. o relatório do Conselho Municipal no StatiscalJournal, v.2, p.404).
(ENGELS, p.84, 1988)
22
trabalhadores. Embora, há diversas pessoas habitando na cidade, para cada classe social, há
conseqüências específicas de uma vida urbana.
O Paraná, um dos Estados que mais se destaca economicamente no Brasil, sofreu
inúmeras transformações para se apropriar às indústrias que se instalaram em grande número,
portanto, criou-se a necessidade de dividir o Estado em regiões. A região da qual pesquisamos
é a do Oeste do Paraná, abarcando principalmente as cidades de Guaíra, Marechal Cândido
Rondon e Palotina.
A cidade de Guaíra tem uma característica particular em relação à maioria das cidades
da região, pois é uma cidade fronteiriça. Com apenas alguns minutos é possível atravessar a
ponte Airton Senna e chegar ao Paraguai. Para algumas pessoas, isto é de grande vantagem,
pois é possível adquirir mercadorias importadas pela metade do preço porque a tarifação sobre
mercadorias no Paraguai é mais baixa que no Brasil. Para outras pessoas, significa uma
chance a mais para sobreviver, pois trabalham no Paraguai diariamente. Porém, pouco se
questiona sobre o quanto a estigmatização em morar em uma cidade que faz fronteira com o
Paraguai, e que é conhecida como “corredor do tráfico” de entorpecentes, influencia na vida
de trabalhadores. Quando afirmamos que Guaíra possui especificidades, lidamos informações
estatísticas e reflexões sobreuma dinâmica social que ocupada e desocupa trabalhadores
diariamente. Além do trabalho na fronteira em atividades informais (e muitas ilegais), Guaíra
também exporta trabalhadores para frigoríficos sediados em cidades vizinhas. Com
aproximadamente 30.000 mil habitantes, Guaíra dispõe de cerca de cento e sessenta
trabalhadorespara os frigoríficos em outras cidades da região. Vale ressaltar que
semanalmente estes trabalhadores não são os mesmos. Diante disso, pretendemos evidenciar a
luta de classes presente nestas relações e questionarmos: quais as experiências que o viver em
uma cidade fronteira interfere nas relações de trabalho?
Estes trabalhadores são sujeitos atuantes e fazem sua própria história; compreendemos
que há relações que mesmo não ditas, compõem o campo da experiência destas pessoas. Se o
passado conta, é pelo que significa para nós. Ele é o produto de nossa
memória(CHESNEAUX,1995). Diante disso, o trabalho que consideramos árduo, pode não
ser a maior dificuldade na vida destas pessoas, que em diversos momentos relembram da falta
de trabalho no passado antes de trabalhar no frigorífico.Quando Marc Bloch afirma que “O
objeto de estudo da História, por natureza é o homem”(2001), fica evidente que se a História é
uma ciência humana, são os sujeitos históricos que são (ou deveriam ser) aqueles que
fundamentam nossas pesquisas.
23
O município de Guaíra está situado no extremo ocidental do Estado do Paraná, tendo o
Rio Paraná como divisor territorial com o Paraguai na porção Oeste. A área terrestre do
município é de 568,845km² e densidade demográfica é de 47,29 hab/km² (IPARDES,2000). O
grau de urbanização estimado pelo IBGE no ano 2000 foi de 86,81%, o que demonstra que
uma grande parcela da população encontra-se na zona urbana. Sendo o grau de urbanização
para o Estado do Paraná no ano de 2004 foi de 84%, segundo o IDB (2005).
O deslocamento efetuado por estes trabalhadores cotidianamente não será
compreensível se nos atermos apenas a aspectos econômicos. Porém, não desassociamos as
relações de trabalho também das relações familiares, econômicas e culturais. Dito isto, as
experiências vivenciadas por estes sujeitos não remetem apenas ao período que estão no
trabalho, mas influencia diretamente em todos os aspectos de suas vidas. Quando
mencionamos trabalhadores guairenses é como se soubéssemos distingui-los na linha de
produção dos demais trabalhadores. Porém, isso não acontece. Com cerca de quase seis mil
funcionários, estes frigoríficos pouco sabem sobre a vida das pessoas que lá trabalham. Não
sabem, por exemplo, que o filho de Helena é bastante doente e que este trabalho, embora não
permita a ela cuidar dele todos os dias, era o que propiciava que ela comprasse os remédios
para ele. Este é o sentido do capitalismo para a humanidade. Mas acreditamos que existem
alguns aspectos semelhantes na vida destas pessoas que são interpretados por aqueles que
fornecem o emprego, como fundamentais para que haja esta oferta de trabalho.
Embora a cidade de Guaíra seja relativamente pequena, é de fácil identificação sua
divisão social entre as áreas centrais e os bairros de má fama (Imagem 1). Visto que Engels
utilizou este termo para designar os bairros que abrigavam a maioria da população
trabalhadora e que continha péssimas condições de moradia e sobrevivência, assim
denominaremos os bairros habitados pelos trabalhadores na cidade de Guaíra. Estes bairros
recebem esta nomenclatura porque são habitados por trabalhadores, os quais sem muitas
opções encontram nestes lugares espaço para sobreviver. Porém, estes são os bairros distantes
do centro da cidade, são bairros periféricos e sem muitos atrativos. Há construções peculiares
que há anos não são modificadas e quase não se notam casas novas. São áreas constantemente
afirmadas pela mídia e poder local como “perigosas” e poucas são as condições básicas
oferecidas pela administração da cidade. Estes são os bairros bastante freqüentados por
aqueles que não têm tempo de viverem suas vidas. Estes são os bairros da classe trabalhadora.
Joselene: Por que você acha que essas pessoas mais novas, saem de Guaíra
pra procurar serviço em Palotina?
24
Eugênia: Talvez não acha opções melhor pra trabalhar né? E aí procura fora.
O que é importante ressaltar são os motivos pelos quais estas pessoas procuram
trabalho no frigorífico. É unânime entre estes trabalhadores o desejo de continuar residindo na
cidade de Guaíra, o que nos leva a acreditar que a procura pelo emprego não é no intuito de
mudar da cidade de Guaíra. Por mais que seja difícil e cansativo o processo de viagem durante
todos os dias, ainda é preferível para estas pessoaspermanecerem em Guaíra do que residirem
na cidade da qual trabalham. O de o trabalho em frigorífico ser bastante cansativo faz com
que os trabalhadores pensem sempre em sair rapidamente destes espaços, pois lembrar de
Palotina ou de Marechal Cândido Rondon é lembrar do frigorífico.
Na cidade de Guaíra, diariamente nos noticiários os bairros banalizados e considerados
perigosos são os de trabalhadores. Conhecendo a cidade de Guaíra, pode-se notar que há
divisões entre o espaço e que estes que são denominados como “perigosos”, bairros
portadores de ladrões. Mesmo em bairros que são considerados urbanos, há uma precariedade
dos direitos básicos. Engels nomeou esses bairros que tem por principais moradores os
operários, como “Bairros de má fama” (ENGELS, 1988). E a denominação desses bairros em
Guaíra é pejorativa: “Bairro: vai quem quer, volta quem pode” ou “Vila do Sapo”. As pessoas
que moram nestes locais apropriam-se destas nomeações. Muitas vezes nem notam que são
formas preconceituosas de lidar com os bairros mais pobres da cidade.
Há também uma contradição nos nomes de alguns bairros como, por exemplo, “Vila
Rica”. Estes bairros são os que mais contêm trabalhadores que vão pra Cvale e pra Copagril.
São bairros afastados do centro da cidade e seus moradores recebem a caracterização de
“pessoas que não prestam”. No entanto, são pessoas que vivem ali, pois não têm um lugar
melhor para morar. Trabalham nos frigoríficos, pois não tem um trabalho melhor para
realizar. São em lugares como a “Vila do Sapo” e a “Vila Rica” que entendemos como o
Capital se apropria de uma forma devastadora de tudo que puder, principalmente da força de
trabalho destas pessoas.
No quadro 1 relacionei os bairros onde as empresas de ônibus buscam os trabalhadores
para irem para a Cvale, em Palotina. Muitos dos pontos são em avenidas centrais, portanto, é
necessário que os trabalhadores percorram um caminho até chegar ao ponto para a espera do
ônibus.
25
TABELA 1: Horários e percursos do ônibus que leva os trabalhadores para a Cvale.
MOTORISTA: _________GUAIRA 1º TURNO
03:30 GINÁSIO DE ESPORTE
03:35 BAR DO DIDI
03:38 POSTO MAEDA
03:39 BANCO ITAÚ
03:40 LOJA LUDIMILA ( PRAÇA DUQUE DE CAXIAS )
03:43 BAR DO TERMINAL ( AO LADO DA BORRACHARIA DO BIBIU )
03:48 C.VALE
03:50 BAR DA LUCIA ( JARDIM GUAÍRA )
03:58 VILA PIONEIRA
04:05 ELETROSUL
04:10 VILA GUARANI
04:20 TREVO TERRA ROXA
MOTORISTA: _______ GUAIRA 1º TURNO
03:30 POSTO PAPALEGUAS / RESTAURANTE PAPALEGUAS
03:55 ELETROSUL
04:05 VILA GUARANI
04:10 SAÍDA DE GUAIRA SENTIDO TERRA ROXA
MOTORISTA: _______ GUAIRA 2º TURNO
13:40 TREVO MULTIRÃO ( VILA ALTA )
13:42 BAR DO DIDI
13:43 BANCO ITAÚ
14:45 POSTO LA PALOMA
13:48 C.VALE
13:50 BAR DA LUCIA
13:53 VILA MARGARIDA ( ESTRADA PRA ELETROSUL )
13:55 VILA PIONEIRA
14:00 ELETROSUL
Fonte: SINE –Guaíra-Pr
Fora o espaço da cidade da qual moram, há o espaço da cidade na qual trabalham. Só
que este é pouco freqüentadopor estas pessoas. Embora trabalhem em outra cidade, quase não
a conhecem, pois o frigorífico se localiza em uma das saídas da cidade, menos visível. Além
disso, quando chegam à cidade para trabalhar, normalmente estão dormindo e contando às
horas para retornar para casa.
26
Paradoxalmente, podemos perceber que o direito a cidade não tem sido um direito que
abrange toda população. Embora esteja na Constituição Brasileira. Vilma Fiorotti (2009), em
sua pesquisa, identifica que 77% dos trabalhadores jovens de Guaíra exercem o chamado
“trabalho informal”, o que caracterizamos nas falas desses entrevistados de que o trabalho no
frigorífico pode ser visto como uma fuga destes trabalhos vistos como “informais” e uma
constante busca pelo reconhecimento dessas pessoas enquanto trabalhadores com direito à
carteira assinada.
No entanto o que percebemos e nos questionamos é o fato de que diversas críticas são
feitas aos jovens trabalhadores que exercem trabalhos ditos como“informais” e até ilegais,
mas o que não se têm questionado é o fato de que não há trabalho suficiente para essas
pessoas na cidade. Quando buscam o SINE de Guaíra, o que encontram? Várias vagas e
promessas de um trabalho com carteira assinada que é justamente o trabalho de auxiliar de
linha de produção nos frigoríficos.
Os bairros dos quais moram os trabalhadores dos frigoríficos são de fácil
identificação. Vila Altaou Mutirãoéum dos bairros que predominantemente residem
trabalhadores. Há pedreiros, frentistas de posto de gasolina, mecânicos, motoristas, diaristas,
empregadas domésticas, cabeleireiras e os trabalhadores dos frigoríficos. Gostaria de chamar
atenção para as especificidades deste bairro. Se há a utilização de um estigma que caracteriza
este bairro como sendo o da “Vila Alta”, a vila que dirigindo em sentido ao final da cidade
passa pelos arredores da vila que só é perceptível as casas se adentrar entre suas ruas. O que
aparece visivelmente do bairro, é sua rua principal que de um lado é composta por diversas
árvores que encobrem uma aldeia indígena e do outro lado um asilo e um mercado. Porém,
quem por ali passa sem adentrar-se a sua rua principal, se quer imagina de como é conhecido
este bairro por todos os moradores da cidade de Guaíra.
A Vila Alta recebe este nome porque é uma vila que não deve ser atingível a todos.
Porém, para os moradores há uma outra versão daquilo que parece assombrar a burguesia
guairense. O bairro é conhecido também como “Mutirão”, devido as casinhas pequenas e
encostadas umas nas outras sem que haja um mínimo terreno qualquer para a separação
destas. Para os moradores deste lugar, o “Mutirão” é além de um bairro, é um local onde se
reúnem nos finais das tardes de sábado para dizer como foi o trabalho durante a semana, como
foi a faxina da casa que há dias estava sem ser limpa por falta de tempo. O termo “Mutirão” é
utilizado no sentido de ser uma comunidade em quepor possuírem características e
experiências em comum, faz com que se ajudem e que se reconheçam como pertencentes a
este espaço.
27
“Vai quem quer e volta quem pode!” Um dos bairros de má fama que é bastante
estigmatizado pela burguesia local e que possui péssimas condições para que pessoas possam
sobreviver neste espaço.Este assim como a Vila Alta é um dos bairros que há um número
considerável de trabalhadores que vão cotidianamente para os frigoríficos da Cvale e da
Copagril. Há diversos bairros que são caracterizados como bairros habitados por moradores
violentos. Neste sentido cria-se a exclusão destes bairros do centro fazendo com que seus
moradores sofram de inúmeros preconceitos. Vale ressaltar que estes bairros não são
excluídos ingenuamente. Mesmo a cidade sendo consideravelmente pequena, há uma
organização urbana que faz com que as pessoas que possuem menos condições de adquirir
uma casa no centro, vão morar nos bairros periféricos, estigmatizados por uma violência que
não há preocupação em saber onde se origina e que ganha especial destaque as divulgações de
oferta de trabalho nos frigoríficos.
Na imagem 1 tentamos localizar e expor os principais bairros dos quais há presença
forte de trabalhadores. As linhas amarelas são as principais avenidas da cidade e podemos
perceber que de certa forma todos os pontos estão à margem do centro da cidade. O círculo
roxo equivale à Vila São Francisco, popularmente conhecida como “Vila dos Pescadores” e
juntamente com nesta Vila, um pouco mais atrás é a famosa “Vai quem quer e volta quem
pode”. O círculo amarelo é o “Mutirão”, também conhecido pelos próprios trabalhadores
como “Vila Alta”, e é composto de muitas casas quase todas do mesmo formato e
consideravelmente pequenas. O círculo vermelho escuro representa o “Jardim Zeballos”, que
é um dos bairros que abarca diversas outras ruas onde residem trabalhadores dos frigoríficos.
O círculo rosa é onde se localiza o bairro “São Domingos”, que também é considerado uma
comunidade rural e fica perto do trevo de Guaíra. O círculo azul representa o “Parque
Hortência”, bairro onde moram muitos trabalhadores e que fica perto da Avenida Thomaz
Luiz Zeballos, um dos pontos dos ônibus que levam até os frigoríficos. O círculo verde
representa o “Parque Industrial”, que não têm qualquer indústria instalada, mas apenas
trabalhadores de indústrias. É um bairro próximo ao trevo da cidade rumo à Marechal e
Palotina. O círculo preto é o bairro “Jardim Higienópolis”, um bairro bastante escondido do
centro e que fica em uma zona periférica, próximo ao cemitério municipal. O círculo
vermelhorepresenta o “Jardim América”, que é um dos bairros mais próximos ao centro da
cidade. O círculo marrom representa a “Vila Margarida”, uma vila onde residem muitas
famílias que enfrentam dificuldades para sobreviver. E por fim, o círculo cinza, que
representa a “Vila Rica”. Seu nome é quase que uma zombaria com os moradores que ali
vivem. Embora não se localize tão distante do centro, fica em uma zona na cidade na qual as
28
ruas são estreitas e com poucos recursos. É uma vila escondida e bastante pobre, fica perto do
rio Paraná.
MAPA 1. Mapa da cidade de Guaíra com identificações dos bairros operários
Fonte: Elaboração de Joselene Carvalho6. Organização da legenda: Joselene Carvalho.
A viagem de Guaíra à Marechal Cândido Rondon equivale cerca de uma hora e vinte
minutos. Porém, até o ônibus conseguir buscar cada trabalhador em seu ponto totaliza uma
hora e quarenta minutos. Ao chegar no frigorífico o trabalhador vai até uma sala reservada
para se trocar e aí se veste com a roupa (nem sempre completamente adequada para o
ambiente) disponibilizada pelo frigorífico. Em seguida, o primeiro turno dirige-se até a sala da
linha de produção e o trabalho começa. Na tabela 1, constam os horários e turnos de trabalho
no frigorífico da Copagril.
TABELA 1: Horários dos turnos por setor– frigorífico de aves da Copagril
Setor 1°Turno 2°Turno
Abate 03:30 horas – 13:43 horas 13:50horas – 23:53 horas
Evisceração 03:40 horas – 13:53 horas 14:00 horas – 00:13 horas
Miúdo 04:10 horas – 14:23 horas 14:30 horas – 00:23 horas
Corte 05:00 horas – 15:03 horas 15:10 horas - 01:13 horas
Resfriamento 05:00 horas– 15:03 horas 15:10 horas – 01:13 horas
Embalagem 05:00 horas – 15:03 horas 15:30 horas – 01:33 horas
Expedição/Carregamento 08:00 horas – 18:00 horas Fonte: Silva (2010).
7
6 Este mapa fazia parte da divulgação de algumas empresas da cidade de Guaíra. Portanto, recortamos e
elaboramos os pontos de identificação dos bairros da classe trabalhadora.
29
A cidade é composta por muitos Joãos, por muitas Marias, e na correria dos dias,
atravessamos ruas, encontramos pessoas as quais não sabemos como lidam para sobreviver.
Mas o que acontece quando uma das únicas chances de sobrevivência é trabalhar em outra
cidade? Quando é que João poderá assistir a apresentação da escola de seu filho na semana do
dia dos pais? Quando é que Maria poderá chegar do trabalho e não ter que organizar sua casa,
cuidar dos filhos e preparar o almoço do dia seguinte? Estas são características presentes em
diversas formas de trabalho, mas, no industrial são predominantes. Trabalhar em outra cidade,
nem sempre é uma escolha. Angela tem quarenta e oito anos, trabalhou como camareira em
três hotéis diferentes na cidade de Guaíra, nenhum dos três trabalhos era com carteira
assinada. Dividia sua casa com mais quatro pessoas: seu esposo, sua filha, seu filho e sua
mãe. Sua mãe não trabalhava, pois é bastante doente, mas seus outros familiares trabalhavam.
A filha de Angela descobriu estar grávida e como corria riscos de perder seu filho, precisou
largar o emprego e permanecer de repouso. As responsabilidades aumentaram para e Angela
percebeu a necessidade de um emprego que possibilitasse garantias trabalhistas e um salário
melhor para sustentar sua família que iria aumentar.
Angela procurou trabalho no órgão responsável pela prefeitura SINE (Sistema
Nacional de Emprego) e se deparou com a oferta de trabalho no frigorífico. Mas, o fato de ser
em outra cidade não a amedrontou, pois, sabia que precisava daquele trabalho e as garantias
que este iria lhe proporcionar. Conforme os dias foram se passando, foi percebendo que para
além do trabalho cansativo, o fato de trabalhar em outra cidade fazia com que pelo menos 12
horas de seu dia fossem gastas mediante a trajetória de ida e vinda de seu trabalho e as horas
na linha de produção. Esta poderia ser uma história fictícia, mas não é, e diversos outros
trabalhadores enfrentam essa mesma relação referente ao trabalho no frigorífico. Como me
disse Angela, no frigorífico “tem gente de várias cidades que trabalha lá”.
Está é uma das características do que denominamos Capital. Sua expansão modifica
todo o cenário urbano, insere indústrias distantes dos grandes centros, divulga falsas
propagandas de que o progresso é derivante de suas instalações e finge oferecer inúmeros
recursos para aqueles que resolverem “contribuir” com a indústria. Mas expropriar-se apenas
da força de trabalho dos trabalhadores da cidade da qual se instalou a indústria não basta. É
necessário investir recursos que possam expandir território e fazer com que outros
7 GEMELLI, Diane D. Sob o metabolismo destrutivo do capital: a expansão do trabalho nasindústrias
alimentícias e a qualificação profissional em Toledo,Palotina e Marechal Cândido Rondon/PR Marechal
Cândido Rondon. In: Unioeste- Colegiado de Geografia, Marechal Cândido Rondon, 2008.
30
trabalhadores encontrem nessa “oportunidade” sua forma de sobrevivência. Sem perceberem
de início que a contradição é evidente: a procura do trabalho como forma de sobrevivência,
torna-se a sobrevivência para trabalhar.
Joselene: E por que você procurou o serviço em outra cidade?
Eugênia: Porque aqui na cidade de Guaíra, não conseguia serviço registrado
né? Aí procurei lá, queria trabalhar registrado né?
O bairro onde mora Eugênia é um dos mais movimentados por trabalhadores. No final
de semana que a entrevistei estava organizando uma festa na Capela do bairro. Haveria um
torneio de futebol suíço, masEugênia, que todos os anos participava desta festa, neste ano não
iria participar. Estava em casa de atestado médico há algumas semanas, não estava
conseguindo mexer seu braço esquerdo. Havia trabalhado durante meses com dor no braço e
não suportando mais havia procurado um médico por conta própria e estava afastada da linha
de produção. Eugênia reside num bairro denominado “Parque Hortência” que faz parte de um
conjunto de outros pequenos bairros dos quais possuem diversas casas de trabalhadores.
Assim como os demais bairros apresentados, este não possui muitas características que façam
com que a burguesia local queira comprar uma casa e ali viver. É um bairro afastado do
centro da cidade e divide uma das avenidas principais com o bairro “Vila Alta”.
Ao entrevistar Eugênia perguntei se haviam mais trabalhadores que moravam em seu
bairro e que trabalhavam em algum dos frigoríficos. Ela sorriu e disse-me que sim, então pude
perceber que há experiências de trabalho compartilhadas pelas pessoas que moram naquele
bairro.
Joselene: Quais cidades que você sabe que vai ônibus?
Eugênia: Cidade? Cidade tem bastante hein... têm Iporã, Terra Roxa e
aquelas cidadezinhas, que nem se fala Iracema...aquelas cidadezinhas que
tem perto de Palotina ali, tudo trabalham lá na Cvale e tem até do Mato
Grosso também né? De Mundo Novo, Japorã, esse pessoal ali.
Como podemos identificar através da entrevista, o Capital que impulsiona o
funcionamento destas indústrias se expande por toda a região utilizando-se principalmente de
cidades menores com menos de vinte mil habitantes e próximas à cidade que está o
frigorífico. Porém, Guaíra que possui aproximadamente trinta mil habitantes, localiza-se cerca
de quarenta e oito quilômetros da cidade de Palotina e sessenta e três quilômetros até
Marechal Cândido Rondon. A principal característica ara que trabalhadores guairenses se
31
tornem “volantes”8 é que a cidade não dispõe de outras perspectivas de trabalho que
possibilitem a permanência destas pessoas na cidade para que possam trabalhar.
Uma pergunta freqüente é a seguinte: porque esses trabalhadores não mudam para a
cidade onde está localizado o frigorífico? Já que em grande maioria, afirmam que o
deslocamento é um dos reais motivos pelos quais deixam o trabalho. Primeiramente, há algo
que não deve ser esquecido, estamos lidando com seres humanos, repletos de desejos, sonhos,
angústias e medos; relações afetivas e sociais compõem a vida destas pessoas e não é
simplesmente mudar de uma cidade para a outra. Outro fator é que amaioria dos entrevistados
afirma ter começado a trabalhar nos frigoríficos, pois não havia outras opções, mas que
interpretam este trabalho como algo provisório.
O frigorífico é composto de Joãos, Marias... que vêm de cidades diversas e que se
faltarem não influenciarão no rendimento do frigorífico e talvez sua falta nem seja notada. O
que percebemos é que se todos os Joãos e todas as Marias percebessem como são importantes
para que o frigorífico continue funcionando, talvez entendessem que as máquinas não
superaram a força de trabalho humano e que sua presença no frigorífico é essencial.
Joselene: E vocês conhecem gente de todo quanto é lugar?
Eugênia: É conhece.
Joselene: Quantas pessoas mais ou menos trabalham por turno?
Eugênia: Acho que dá mais de quinhentas pessoas.
Neste sentido, aprendemos com Marx (2004) nos “Manuscritos econômico-
filosóficos” que os trabalhadores não têm de lutar apenas por meios de vida físicos, mas
também por emprego. Ainda que este não exija muita especialização. Consideramos que
quanto mais a ciência interveio na vida humana mediante a indústria, teve que agilizar e criar
mecanismos que promovessem de imediato a desumanização.
O que nos cabe questionar é em qual sentindo
8 Termo que utilizamos para nos referir aos trabalhadores de Guaíra que cotidianamente saem dessa cidade e vão
trabalhar em Marechal Cândido Rondon no frigorífico da Copagril ou em Palotina no frigorífico da Cvale.
CAPÍTULO 2: RELAÇÕES DE TRABALHO NOS FRIGORÍFICOS DA CVALE E DA
COPAGRIL: TRABALHADORES GUAIRENSES E SUAS TRAJETÓRIAS
Este capítulo visa discutir as relações de trabalho considerando o “trabalho volante”
dos trabalhadores guairenses nos frigoríficos da Cvale e da Copagril. Discutiremos também
acerca da historiografia sobre como o trabalho do século XVIII se diferencia do trabalho
contemporâneo,caracterizamos drásticas mudanças ao longo dos anos e analisaremos a
influência disso nas experiências de vida destes trabalhadores guairenses. Portanto,
utilizaremos como principal fonte as entrevistas de trabalhadores que cotidianamente
vivenciam a exaustão e precariedade de um trabalho que é propagado pela Mídia local como
“cooperado”.
2.1. EXPERIÊNCIAS COMPARTILHADAS EM COMUM
Há aproximadamente cinco séculos, as máquinas, a alta tecnologia não era o mais
importante, o trabalho não era sinônimo de desgaste e era possível de viver bem sentindo
prazer em trabalhar. Atualmente, há pessoas que trabalham porque querem consumir bens que
simbolizam uma suposta “felicidade” e há aqueles que trabalham porque precisam sobreviver.
As filas de mercado nos finais de semanas, são grandes exemplos disso, há carrinhos de
supermercado cheios de bebidas, carnes, guloseimas, símbolos de um final de semana repleto
de promessas de diversão. Em uma mesma fila, há aquele carrinho que contém uma carne de
segunda, alimentos para sobrevivência e moedas contadas no bolso. A luta de classes está
evidente até mesmo nesta situação. O burguês e o proletário dividem a mesma fila, mas com
particularidades e condições diferentes. No capítulo anterior, discutimos como essa divisão
esta presente no espaço urbano. Nem sempre o morar na cidade significa utilizar-se de
recursos, pois, estes não são os mesmos para todos. A sociedade é desigual, as condições para
alguns são lamentáveis e precárias, há tempos o trabalhador foi expropriado de sua própria
forma de viver.
Durante o século XVIII o artesão poderia exercer seu trabalho de acordo com seus
prazos, sem que precisasse deixar seus outros afazeres. Quem organizava a forma de
distribuição do tempo de trabalho era o próprio artesão. Se quisesse, poderia nas segundas-
feiras sair e ir na taberna com outros artesãos sem que se preocupasse com o seu trabalho,
pois, já tinha estabelecido seus horários e formas para executar seu trabalho. Com o
33
surgimento do relógio, toda a sociedade mudou. A possível organização do tempo da vida do
artesão começou a ser contada pelo tempo determinado pelo relógio, havia agora a contagem
do tempo e a disciplina árdua no trabalho. O tempo tornara-se dinheiro.
Toda manhã às cinco horas, o diretor deve tocar o sino para o início do
trabalho, às oito horas para o café da manhã, depois de meia hora para o
retorno ao trabalho, meio dia para o almoço, a uma hora para o trabalho e às
oito, para o fim do expediente, quando tudo deve ser trancado.
(THOMPSON, 1998, p.290)
Não precisamos nos remeter até o século XVIII para entendermos quais as
consequências dessa disciplina no trabalho. É justamente o que pretendemos com este
capítulo, em entrevistas e pesquisas com os trabalhadores que residem na cidade de Guaíra e
trabalham nos frigoríficos de Marechal Cândido Rondon e Palotina, podemos identificar
resultados decadentes do Capital. O trabalhador é visto como mera mercadoria e então, exige-
se que este tente superar suas próprias limitações, sendo expropriado não somente sua força
física, mas também sua força e capacidade mental. Porém, grande parte das entrevistas
demonstra que há perspectivas que sonham com um futuro melhor, onde o trabalho não será
sinônimo de angústia. Há experiências comuns compartilhadas por estas pessoas e neste
trabalho, consideramos como essenciais para a compreensão do trabalho agroindustrial no
Oeste do Paraná. Neste sentido, Angela disse que “planejava assim, três meses que eu
consegui trabalhar aqui eu junto meu dinheiro e saio daqui, eu pensei né? Depois fui ficando e
estou lá até agora.”
Quando estes trabalhadores como Angela vão até o SINE procurar emprego, são
surpreendidos com promessas de um futuro promissor. São promessas que são divulgadas nos
próprios sites das Cooperativas. Ambos têm um ícone chamado: “responsabilidade social”; no
site da Copagril tem a seguinte descrição: “Atua de forma a envolver acomunidade, criando
um vínculo afetivo e participando de ações que busquem o desenvolvimento social, sobretudo
valorizando as pessoas.”9O que nos é possível de questionar para quem tem sido este
desenvolvimento social, senão para a própria Cooperativa? Prova real disso, é o anseio destes
trabalhadores emsaírem de imediato dos espaços do frigorífico. O que se torna motivo de
tristeza é quando percebem que os dias passam e as condições do trabalho fazem com que as
dores, a indisposição aumente, fatores que infelizmente contribuem para a permanência no
emprego, já que em outros lugares um braço com LER não terá serventia.
9 Acessado em 20/09/2013. Disponível em http://www.copagril.com.br/web/areasocial.html
34
Angela: Eu mesma, estou lá só por causa disso, só por causa que, pra manter
a carteira do INSS paga, né? Por isso que eu estou lá. Levanto todo dia na
marra, tem vez que eu vou e custo trabalhar... tenho vontade de voltar
dormir, dor nos pés, quero deitar só. Eu sou assim, e acho que é por causa da
idade também, já tenho quarenta e oito né? Mas as poucas as horas que eu
durmo.
Diante da fala de Angela, percebemos a procura pela causa de sua indisposição. Com
quarenta e oito anos, Angela afirma que não sente ânimo em ir trabalhar devido a sua idade,
porém, sentir dores e indisposição não são fatores derivados de sua idade e sim das condições
de seu trabalho. Exemplo disso, é Estácio que têm vinte e oito anos e afirma também ter
sentido dores enquanto trabalhava no frigorífico da Cvale em Palotina.
Joselene: E já teve alguma vez que estava doendo muito o seu braço e você
pensou até em não ir trabalhar?
Estácio: Ah sim! Já...
Joselene: E se você ou outro funcionário reclamasse de dor no braço, na
perna, eles liberavam pra você parar de trabalhar ou não tinha que continuar
mesmo com dor?
Estácio: Não, às vezes eles libera pra você ir até o CESMIT, daí vai lá passa
uma pomada, passa alguma coisa... de repente te trocam de função por
alguns dias ou até mesmo definitivo que foi o meu caso depois de um certo
tempo, eu fui lá e conversei né? Falei que não tinha condição mais de
trabalhar na faca que estava sentindo muito o braço, ai a gente conversou
junto com o encarregado e operador aí me trocaram de função, aí continuei
trabalhando no mesmo setor mas aí fazendo um serviço diferente que eram
movimentos diferentes, já não sentia tanto... então, às vezes eles fazem isso
né? Se você não está aguentando fazer uma determinada função, eles te
troca, põe numa outra que aí você já... movimento diferente, por exemplo,
alguma coisa assim, aí você, consegue trabalhar.
Se durante a Revolução Industrial, enorme foi o espanto acerca da capacidade da
máquina perante a força de trabalho humano, hoje são as máquinas que determinam o quão
veloz e forte deve ser um trabalhador. Mas o homem ainda não conseguiu diagnosticar estas
máquinas para medir o cansaço e angústia que o trabalho escasso resulta.Com a grande
expansão das fábricas, com o impulso de lucrar cada vez mais, o prazer em trabalhar, o
dedicar-se e especializar-se para tarefas que te impulsionasse a trabalhar foram sendo
substituídas pelo “ter que trabalhar”, pelo “ter que ganhar dinheiro”.
Conforme podemos observar no Trabalho de Conclusão de Curso, de Diane Gemelli,
“Sob o metabolismo do capital: a expansão do trabalho nas indústrias alimentícias e a
qualificação profissional em Toledo, Palotina e Marechal Cândido Rondon/PR” (2008) com a
implantação do frigorífico da Cvale, em 1997, e o da Copagril em 2005, houve uma mudança
perceptível não somente nas cidades que se instalaram as indústrias, mas por toda a região.
35
Para além, têm-se a estimativa que 50% dos trabalhadores que compõe o grupo de
funcionários destas indústrias, deslocam-se todos os dias de suas cidades para irem até o
destino de seu trabalho.
A Cvale surgiu em 1963 (conforme é possível observarmos na tabela abaixo), e é uma
cooperativa agroindustrial com atuação no Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso, Mato Grosso
do Sul e Paraguai. Possui 105 unidades de negócios, mais de 13.700 mil associados e 5.600
funcionários. E conforme dados do próprio site:
Destaca-se na produção de soja, milho, trigo, mandioca, leite, frango e
suínos, e atua na prestação de serviços, com mais de 150 profissionais que
dão assistência agronômica e veterinária aos associados. Para manter os
cooperados atualizados tecnologicamente, a C.Vale desenvolve cursos,
palestras, treinamentos e dias de campo.10
O frigorífico começou a utilizar a mão-de-obra dos trabalhadores guairenses desde
2007 com capacidade atual de abate de 600 mil frangos por dia e industrializa mais de 150
tipos de cortes de frango que são exportados para mais de 70 países e a maioria dos estados
brasileiros. Já a Copagril, conforme o site oficial: “devido a dificuldades enfrentadas pelos
suinocultores da época para aquisição de insumos e posteriormente, a comercialização da
produção. Desse movimento regional, foi fundada a Copagril, em 09 de agosto de 1970.”11
E
em janeiro de 2005, ingressou no mercado de carnes com o frigorífico e a partir de 2008, os
trabalhadores de Guaíra começaram a trabalhar neste frigorífico.
Conforme podemos observar no quadro 2, a região do Oeste do Paraná, desde a década
de 1960, conta com as instalações de Cooperativas espalhadas em diversas cidades.
10
Acessado dia 15/09/2013. Disponível em http://www.cvale.com.br/nossa_empresa.html 11
Acessado dia 15/09/2013. Disponível em http://www.copagril.com.br/web/institucional.html
36
QUADRO 2. Cooperativas Existentes na Atualidade na Região Oeste do Paraná
Nome Razão Social da Cooperativa Cidade/Sede Criação
AGROPAR Agropecuária do Médio Oeste do
Paraná
Assis
Chateaubriand
1995
C.VALE C. Vale Coop. Agroindustrial Palotina 1963
COODETEC Coodetec- Cooperativa Central
de Pesquisa Agrícola
Cascavel 1995
COOPAVEL Coopavel Coop. Agroindustrial Cascavel 1970
COOPERLAC Coop.dos Produtores de Suínos e
Leite do Oeste do Paraná
Toledo 1997
COPACOL Copacol-Cooperativa
Agroindustrial
Cafelândia 1963
COPAGRIL Coop.agroindustrialCopagril Marechal
Cândido Rondon
1970
COPERCACHAÇA Coop.dos produtores de Cachaça
Artesanal do Oeste do Paraná
Assis
Chateaubriand
2004
COTRIGUAÇU Cotriguaçu Cooperativa Central Cascavel 1975
FRIMESA Cooperativa Central
Agropecuária Sudoeste LTDA
Medianeira 1977
LAR Coop.Agro-industrial Lar Ltda Medianeira 1974
Fonte: BELUSSO, Diane. A cooperativa C.vale e as perspectivas dos produtores integrados à
agroindústria em Palotina-PR. Dissertação. UEM. 2007. P.43.
Segundo Janete Schaufelberger (2008), em seu Trabalho de Conclusão de Curso
“Experiências de trabalhadores da unidade industrial de aves Copagril: trajetórias de vida”, foi
a partir da década de 1970 que o capitalismo internacional aliado ao governo militar do Brasil,
teve a iniciativa da solução para o atraso agropecuário em algumas regiões. Esta foi à adoção
de cooperativas agropecuárias, que conduziram à modernização na agricultura, com isso
eliminando os intermediários na comercialização e aumento na capacidade de armazenagem.
Como podemos observar no quadro 2, o aumento das Cooperativas no Paraná é
evidente. De certa forma, todas as cidades são influenciadas por esse conjunto econômico.
Algumas cidades são atingidas mais especificamente, mas conforme mencionado, toda região
é modificada para que as cooperativas agroindustriais se estabeleçam.
Eugênia: Eu trabalhei no cone, né? Trabalhei durante uns três anos no cone.
Daí passei pelo médico lá né? Adiantaram eu pra passar pelo médico por
causa da dor no meu braço. Daí eles ia trocando. Ai ponharam eu lá na asa,
pra trabalhar na asa. Daí lá tinha bastante serviço assim diferente tipo
diferente serviço, tinha classificar, de pesar, aí lá na roda de cortar asa né?
Em três pedaços... que mais... ai tinha também as pontinhas da asa que a
gente pesava. Era de cinco quilo. Era isso ai. Ai eu ficava fazendo isso. Aí
trabalhei lá e começou a doer mais meu braço ainda. Trabalhando naquela
37
rota. Ai fui no médico de novo. Ai eles me tiraram da roda, e comecei a
trabalhar só mais pra baixo assim né, na classificação e pesando lá assim...
Eugênia trabalhou na Cvale durante cinco anos e dois meses. Ela faz parte da primeira
remessa de trabalhadores guairenses que a partir de 2007 começaram a trabalhar no frigorífico
em Palotina. Quando a entrevistei, percebi que havia algo de estranho com seu braço direito,
pois, ela não o mexia facilmente. De todas as pessoas das quais entrevistei, Eugênia foi a que
menos falou acerca de sua experiência no frigorífico. Era perceptível seu desconforto mesmo
tendo aceitado conceder a entrevista. Inicialmente, não consegui perceber a razão disso, mas
no decorrer da entrevista, através de sua fala, compreendi que a falta de movimentos em seu
braço derivaram dos inúmeros esforços na linha de produção e isso simbolizava um desânimo
perante a sua vida e isso não era tão fácil de ser exposto.
Quando ela afirma que sentia a dor mesmo mudando de setores na linha de produção,
podemos nos questionar: Como continuou trabalhando, mesmo sentindo dor? Realmente é
algo inexplicável se não acompanharmos de perto o que significa este trabalho no frigorífico.
Saber como se organiza uma linha de produção significa compreender quais as relações de
trabalho e o que cada um destes trabalhadores carrega consigo, como experiência. Eugênia,
por exemplo, sonhava e esperava ansiosamente em conseguir um emprego com carteira
assinada do qual tivesse estabilidade, seja para comprar uma casa, para pagar suas contas no
final do mês ou simplesmente para tentar sobreviver. Quando foi até o SINE e logo na
entrada, se deparou com um cartaz enorme colado na porta da frente contendo os inúmeros
“benefícios” em trabalhar no frigorífico, sua reação foi a de preencher logo a ficha de
inscrição e tentar conseguir algo do qual ela pudesse orgulhar-se em dizer: “este é o meu
trabalho!”.
Através disso, fica evidente o apelo feito pelos frigoríficos em busca de trabalhadores,
e como há vínculo com as próprias prefeituras que se utilizando de espaços públicos,
divulgam e persuadem aquelas pessoas que há tempos estão sem emprego. Imaginemos uma
pessoa da qual está cerca de seis meses sem trabalhar, e quenecessita sustentar sua família; ao
chegar no SINE ver um cartaz do qual o funcionário aparenta estar feliz por estar trabalhando
no frigorífico e no qual parece afirmar que realmente todas aqueles benefícios ali informados
são reais, a primeira ação é essa: almejar ir trabalhar no frigorífico.
Se observarmos as vagas oferecidas no SINE da cidade de Guaíra, semanalmente há
inúmeras vagas para auxiliar da linha de produção, para quem está desempregado interessa o
grande número de vagas, pois a possibilidade de conseguir o trabalho é maior. Porém,
devemos compreender que as relações não são tão fáceis de serem explicadas. Quando
38
caracterizamos alguém como empregado ou desempregado, devemos ter a compreensão de
que ter o emprego não é sinônimo de felicidade, inclusive, todos os outros problemas podem
ser derivados do próprio trabalho. Há uma imensa diferença entre uma pessoa desempregada
que preenche uma ficha pra ir trabalhar no frigorífico, porque não tem mais opções, do que
aquela pessoa que quer ir trabalhar no frigorífico porque almeja este trabalho acreditando ser
um ótimo lugar para se trabalhar. E durante as entrevistas é possível de conhecermos
trabalhadores com estas duas perspectivas.
Úrsula trabalhou no frigorífico da Cvale durante um ano e três meses, quando a
pergunto porque saiu do frigorífico ela me responde: “Pela distância, ir de Guaíra à Palotina
todo dia, todo dia, se fosse em Terra Roxa que é mais perto, talvez eu ainda estaria
trabalhando. Porque eu gostava de trabalhar lá.” Úrsula trabalhava na linha de produção, no
refino do peito, durante todo o tempo que esteve no frigorífico. Em diversos momentos da
entrevista, ela afirma como era bom trabalhar no frigorífico, como se sentia valorizada e como
o frigorífico a possibilitou de “crescer mentalmente”. Com o decorrer da entrevista, ao narrar
sua experiência, ela demonstra que o “crescer mentalmente”, foi no sentido de que este
trabalho a fez pensar se era realmente isso que queria fazer para o resto de sua vida. E ao se
deparar com sua resposta, sendo ela negativa, decidiu que iria voltar aos seus estudos e então
precisou sair do frigorífico para poder retomar os estudos no CEEBEJA. Entretanto,
diferentemente de Eugênia, Úrsula não trabalhava para se sustentar, morava com seus pais em
um sítio e portanto o trabalho no frigorífico foi em intuito de querer adquirir essa experiência
de trabalhar, e como não haviam outros trabalhos disponíveis, ela decidiu ir para a Cvale. Ao
lembrar o que foi o seu primeiro trabalho registrado ela diz sentir saudade das pessoas das
quais conheceu lá. Quando a pergunto se algumas dessas pessoas permaneceram no frigorífico
ela sorri e diz: “Não, hoje estão todos com uma situação de vida melhor e felizes!” Ou seja,
mesmo que inconscientemente, ela reconhece que o trabalho no frigorífico não é sinônimo de
uma vida feliz. Ela sente saudade das relações sociais que construiu no frigorífico.
Úrsula: Não, eu não. Mas uma colega minha teve trombose por causa do
frio, uma outra teve problema de leocemia. Mas eu, graças a Deus não. Mas
eu me inchava muito né? Porque também ficava parada e era frio né? O pé
congelava... eu sempre tinha dor de garganta, mas atrapalhar, atrapalhar não.
Dor de garganta eu tinha sempre porque a gente chegava e era quente né? Ai
a gente colocava a roupa térmica e a roupa térmica vem esterilizada e quente
e aí saia e entrava na câmara fria, tinha pessoas que tinha problema e tal, mas
eu graças a Deus nunca deu nada não.
39
O que podemos observar na fala de Úrsula é que era comum que as pessoas
apresentassem as mais diversas doenças durante o trabalho no frigorífico. Ela narra também o
caso de uma moça que teve hemorragia no útero devido a imensa temperatura e a falta de
equipamentos para conter o frio dos trabalhadores. Ou seja, o valor de uso da mercadoria, do
qual Marx escreveu em “O Capital”(1985), e que antes era a força de trabalho deste
trabalhador, transformara-se no decorrer dos anos no próprio trabalhador.
A utilização da força de trabalho é o próprio trabalho.Úrsula deixou de trabalhar no
frigorífico, mas as reclamações dos problemas de saúde derivados do trabalho que ela
menciona permanecem expostas na vida dos trabalhadores atualmente. Essas dores que a
maioria destes trabalhadores sentem durante o trabalho, que derivam dos inúmeros
movimentos repetitivos vão muito além do local do frigorífico; quando estão em casa, quando
vão dormir, quando chega o final de semana a dor não os deixam. Seria ingenuidade pensar
que as relações de trabalho se dão somente no espaço da indústria. Pode nos parecer estranho,
mas a presença da dor é um dos grandes motivos da permanência de alguns trabalhadores no
frigorífico. Sabendo que a condição que os levou a buscar este trabalho, significa uma luta
constante por sobrevivência, faz com que compreendam que não será fácil encontrar outro
trabalho que consiga suportar a dor que persiste à meses.Estamos lidando com pessoas que
possuem pouquíssimas possibilidades de sobrevivência, sabemque há um sistema que não se
preocupa se hoje seu braço dói e simse o rendimento será como o de ontem, pouco importa o
atestado médico que comprova a sua dor, ninguém sabe e nem quer saber sobre os seus
problemas. O sistema vomita homens (GALEANO,1984).
Joselene: E as pessoas que iam trabalhar com você pra lá, eram sempre as
mesmas ou mudavam bastante?
Úrsula: Ah, mudava bastante!
Joselene: E por que você acha que mudava?
Úrsula: Ah, sei lá! Parece que o povo não gosta muito de trabalhar né? Tinha
pessoas que ia no primeiro dia, ficava só até o intervalo e já saia. Sabe, sei
lá, tem pessoas que não se adapta muito bem né? Às vezes não gosta do
frio... às vezes, pensa que é uma coisa e é outra...sei lá, acho que as pessoas
não gostam muito de trabalhar.
Utilizar-se de entrevistas como fonte histórica, exige-se que a experiência presente nas
falas embora seja individual, sejam interpretadas num contexto coletivo. Quando Úrsula
afirma que existem pessoas que parecem não querer trabalhar e por isso acabam saindo do
frigorífico, deve-se levar em consideração que ela está dizendo isso baseada em sua
experiência, enquanto alguém que avalia o trabalho no frigorífico como algo cansativo,
40
porém, fácil. Ao descrever-nos suas experiências passadas inseridas em sua trajetória de vida,
Úrsuladiz que viveu e cresceu sempre no sítio e a experiência de trabalhar em uma grande
indústria, possibilitou conhecer gente nova, ter a carteira assinada e fez com que ela mudasse
para a cidade, comprovando em sua vida a afirmação de que a indústria representou algo
positivo. Porém, no decorrer da entrevista, Úrsula reconhece que o trabalho é extenuante e
causa inúmeros problemas para os trabalhadores, que embora alegue sentir saudade do espaço
da indústria, o que sente falta na verdade, foram as pessoas que conheceu e os momentos
agradáveis, porém, isso não significa que sempre foi assim. Afinal, um “trabalho fácil” não
resultaria em problemas de saúde.
Essa noção de que as pessoas não estão aptas para trabalhar é bastante presente na
mídia. As grandes indústrias são divulgadoras alegando-se promissoras de uma vida boa, uma
vida feliz e de um trabalho que digno, que possibilite melhorias na vida de seus trabalhadores.
Para algumas pessoas o frigorífico simbolizou a esperança de uma vida melhor. Diversas
vezes, a reprodução de um discurso de que a indústria é sinônimo de progresso é executada
até mesmo por aqueles que vivenciam essa contradição no seu dia-a-dia. Chegaríamos a
conclusões errôneas se nas entrevistas não déssemos importância para a trajetória de vida
destas pessoas.
A Copagril é uma instituição com grande potencial de multiplicação de
ações. Atua de forma a envolver a comunidade, criando um vínculo afetivo e
participando de ações que busquem o desenvolvimento social, sobretudo
valorizando as pessoas.(grifo nosso) Apóia, nas mais diversas formas, os
eventos promovidos nos municípios onde atua, cumprindo com o sétimo
princípio do cooperativismo: o interesse pela comunidade.Divulgando a
importância do Cooperativismo, a Copagril, de forma intensa, presta
informações sobre os mais diversos assuntos que dizem respeito à sociedade
e ao meio rural, divulgando muito conhecimento aos cooperados.
Com o objetivo de melhorar a qualidade de vida do quadro social e seus
familiares, promove inúmeros cursos, palestras e treinamentos, envolvendo
toda a família, sempre visando o seu crescimento e fortalecimento nas
atividades em que atuam.12
Diante de tais afirmações questionamo-nos: para quem é este desenvolvimento social
mencionado acima? Este vínculo afetivo é completamente contraditório. Expropria a força do
trabalho dos trabalhadores e em recompensa às suas dores os trocam de setores, havendo
pouca importância se o trabalhador consegue desenvolver as tarefas. Há tantas informações
que merecem ser questionadas, pois não condizem com a realidade vivenciada pelos
12
Disponível em http://www.copagril.com.br/web/areasocial.htmlAcessado dia 10/07/2013.
41
trabalhadores. As contradições das informações divulgadas pelos frigoríficos são evidentes
nas entrevistas destes trabalhadores que pagam por este preço cotidianamente.
O caso de Helena é bastante complexo, o primeiro trabalho que executou em sua vida
foi o de faxineira. E antes de conseguir o trabalho no frigorífico ela trabalhou como auxiliar
de cozinha em um restaurante durante um ano e meio. Ouvia diversos comentários sobre os
benefícios em se trabalhar no frigorífico, e o que mais a atraia era o valor fixo do salário, pois,
mãe de quatro filhos Helena era contratada, mas havia o medo de que um dia chegasse para
trabalhar e não precisassem mais de seu serviço.
Joselene: E por que você deixou de trabalhar nisso e foi procurar emprego na
Copagril?
Helena: Por uma garantia né? Serviço fichado, igual, tinha seguro de vida
em caso de acidente, que nem coisas assim, mas quando cheguei lá não
tinha, não era nada do que eles falavam. Eles prometeram uma coisa aí
chegava lá era outra.
Joselene: O que eles prometeram que era diferente do que você pensava?
Helena: O salário! Muito desconto. Até a associação que daqui ninguém
usava tinha que ser paga, coisa obrigatória, coisa que não tinha nada a vê. E
descontos, e descontos e descontos, mesmo que levasse um atestado tinha
desconto...
No entanto, a realidade que Helena conheceu do frigorífico, assim como diversos
outros trabalhadores guairenses, foi outra. Devido aos movimentos repetitivos e a
precariedade do trabalho na sala de corte, Helena teve uma distensão no nervo. Porém, mesmo
sentindo fortes dores ela continuava cotidianamente trabalhando, acreditava que era somente
uma dor que ao longo do tempo passaria, ou sentia necessidade em acreditar nisso. Helena
precisava trabalhar, tem quatro filhos e havia deixado os trabalhos anteriores em busca de
encontrar melhorias no trabalho do frigorífico. Em um dia comum de trabalho, ao ir até o
banheiro Helena escorregou e o tombo fez com que batesse seu braço no chão. Retornou à
sala de cortes e continuou trabalhando. No entanto, o tombo foi a causa de uma inflamação
que piorou a situação de seu braço, que já estava machucado desde o primeiro mês de trabalho
no frigorífico e Helena, sem agüentar mais, procurou ajuda e foi até o médico que a indústria
fornecia. Constantemente lhereceitavam analgésicos, e mesmo assim Helena trabalhava e
sentia dores insuportáveis, até que pediu para ser trocada de setor, pois não agüentava mais.
Aguentou essa dor durante meses, até que resolveu procurar ajuda fora da empresa. Ia nos
médicos na cidade de Guaíra para consultar e mesmo levando atestado médico a empresa
descontava de seu pagamento os dias que ela não comparecia por estar no médico. Devido aos
42
remédios fortes, ela desenvolveu também uma doença no estômago, úlcera nervosa, e isso
também pesou para que saísse do frigorífico.
Quando saiu do frigorífico, Helena estava em uma situação deplorável. Tinha quatro
filhos pra cuidar, os restaurantes nos quais havia trabalhado não a aceitaram mais, pois sabiam
de sua doença no braço. Foi então que ela decidiu procurar o advogado do sindicato e
reclamar seus direitos. No entanto, o advogado a auxiliou a dizer que o problema que se
desenvolveu em seu braço foi devido ao tombo, e não ao esforço repetitivo na sala de
produção. Sem alternativa, ela concordou e então, depois de meses lutando, conseguiu receber
do frigorífico. Porém, a distensão no braço de Helena a impossibilita de mexê-lo até hoje. É
necessário que sua filha penteie seu cabelo, sirva-lhe comida, e o pouco dinheiro que recebeu
da empresa não a sustentará para o resto de sua vida. É impossível escutá-la falando sobre
suas dificuldades e não se emocionar. O trabalho no frigorífico segundo ela “estragou sua vida
completamente”.
Joselene: Qual foi a doença que desenvolveu no seu braço?
Helena: Deu distensão dos nervos.
Joselene: E foi derivado do quê?
Helena: De um tombo, no momento em que eu cai eu não senti, só que aí eu
continuei trabalhando e daí inflamou os nervos, nossa! Não agüentava nem
pentear o cabelo, nem comer, com essa mão eu não agüentava... e hoje em
dia dói muito ainda, muito! Só que não... o tratamento não adiantou nada.
Joselene: E você continuou trabalhando depois que caiu?
Helena: Continuei trabalhando. (...)
Joselene: E depois que você saiu de lá, você já trabalhou em algum outro
lugar?
Helena: Não porque eu não consigo mais fazer o que eu fazia antes... antes
eu era faxineira, fazia tudo. Hoje em dia já não agüento mais.
Se observarmos Helena nos diz que o problema em seu braço, foi causado pelo tombo,
mas em outros momentos da entrevista ela diz que o braço começou a doer logo nos primeiros
meses que entrou no frigorífico e que havia dias que era impossível de ir trabalhar.
Muito se fala em indústrias e nos benefícios que estas trazem para uma região quando
se instalam, principalmente em seus materiais de divulgação.Há diversas conversas que
passam de boca em boca, até que se crie o pensamento de que a indústria está trazendo o
“progresso” para a cidade. No entanto, são em casos como o de Helena que podemos nos
questionar qual é o tipo de progresso que viabilizam estas indústrias das quais entendem que
os trabalhadores são simples geradores de lucro. Quando se avalia o progresso apenas em
âmbitos econômicos, a força humana envolvida passa a ser vista somente enquanto números e
então o lado humano, deixa de ser levado em consideração. Conforme escreve Antonio Bosi
43
em seu texto “Trabalho Degradado nas indústrias de alimentos no Oeste do Paraná (1980-
2009)”(2009), entre os anos de 1996 e 2008, o aumento de trabalhadores nas indústrias de
alimentos foi superior a 240%, mas o que pouco tem se questionado condiz respeito às
relações de trabalho acerca destas indústrias.
Joselene: E quais foram os motivos que fez você ira procura de trabalho em
outra cidade?
Angela: Porque aqui em Guaíra não tem indústria né? Pra trabalhar com a
carteira fixa.
Angela é uma representação dos tantos guairenses que partem diariamente para
trabalharem rumo aos frigoríficos da Cvale e da Copagril. Embora, queixe-se de seu trabalho,
continuará até se aposentar, já que aos quarenta e oito anos sua expectativa de encontrar outro
trabalho que disponha de carteira assinada, é menor do que a de outro trabalhador mais jovem.
No entanto, seria errôneo pensarmos que os quatro ônibus que partem de Guaíra, com cerca
de quarenta pessoas em cada um, para Palotina e Marechal Cândido Rondon, compõem-se
apenas de trabalhadores com a idade próxima à de Angela. Em sua grande maioria, estes
trabalhadores são de vinte a trinta anos de idade.
Joselene: (…) Você conseguia perceber, a faixa etária do pessoal que saia
daqui pra trabalhar pra lá?
Estácio: Ah... é bastante variado assim sabe? Entre, entre acho que era mais
assim entre 20, 30 anos, embora era bastante né? Mas, a maioria mais ou
menos nessa faixa...
Quando nos deparamos com tal realidade, logo surgem questões como: Por que estes
jovens trabalhadores escolhem trabalhar nestes frigoríficos nos quais as condições de trabalho
são péssimas? No decorrer das entrevistas, os fatos mostram que não existem respostas tão
simples. Como disse Marx, “os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem
arbitrariamente, nas condições escolhidas por eles, mas sim nas condições diretamente
determinadas ou herdadas do passado” (MARX, 1987, p.17).
Portanto, devemos ter cuidado ao mencionarmos “escolhas”,como se estas fossem
derivadas da vontade das pessoas. Nocapitalismo quase nunca se faz o que se gosta; exemplo
disso é que nenhum destes trabalhadores deseja que seus filhos se tornem trabalhadores de
frigorífico.As condições de trabalho que são apresentadas pelos frigoríficos em suas propagandas
e nos folders distribuídos para atrair estes jovens trabalhadores, são completamente
contraditórias quando comparados às entrevistas. Cria-se o “perfil do trabalhador”, aquele que
44
“viste a camisa da empresa”, e que mesmo estando doentee impossibilitado de executar todos os
movimentos que são precisos na desossa do frango,vai para a mesa de corte e ali percebe sua
vida girando em torno de seu trabalho no frigorífico. Além das péssimas condições de trabalho
nestas indústrias, os trabalhadores de Guaíra, necessitam deslocar-se diariamente gastando cerca
de doze horas diárias em torno do seu trabalho.
Joselene: E que horas que você tem pegar ônibus no ponto, aqui em Guaíra?
Angela: Eu pego, tem dias que é vinte pras duas, ou quinze pras duas, nesse
horário.
Joselene: Quinze pras duas, da tarde?
Angela: É. Nesse horário que eu saio daqui.(...)
Joselene: De que horário à que horário que você trabalha?
Angela: Nós pega das quatro horas da tarde e páraàs duas e meia da manhã.
Angela passa doze horas de seu dia em função de seu trabalho. Não há tempo para
descansar e mal consegue reclamar das dores nas pernas e nos ouvidos que a acompanham
todos os dias. Para além de pensarmos no deslocamento destes trabalhadores, como Angela,
compreende-se que há um alto fluxo de rotatividade dos trabalhadores em geral nos
frigoríficos. “Não resta (riso) alternativaao trabalhador ou ele se submete aos interesses do
capital, se mobilizando para o trabalho, ou fica a sorte da sobrevivência na sociedade
capitalista”.(Carvalhal e Gemelli, 2011:50-51) Com a instalação destes frigoríficos na
cidade de Marechal Cândido Rondon e em Palotina é possível percebermos a vasta extensão
do Capital em forma de mão-de-obra deplorável destes trabalhadores. Angela, além de ser
funcionária da Copagril, é mãe de dois filhos e avó. Não consegue acompanhar o que
acontece no dia-a-dia de sua família e, nos finais de semana, sua vontade maior é descansar
para que na segunda-feira, quando o ônibus se aproximar de seu ponto, ela consiga estar em
pé e ansiosamente torcer para que a semana acabe logo e assim, os meses, os anos, até que
possa se aposentar.
As entrevistas nos auxiliam a pensar na situação que se encontra a realidade acerca do
Capital. Tudo gira em torno do lucro, da competitividade, da ilusão de que quanto mais se
trabalha mais poderemos conseguir comprar um carro do ano, uma casa maior, fazer
viagens... e quando nos deparamos, a realidade condiz à horas cansativas, dias intermináveis e
a vida voltada para o trabalho. A mais-valia que é arrancada do suor destes trabalhadores fica
para aqueles que os exploram.
Uma das "vantagens" apresentadas pelos frigoríficos é a assistência médica. O que na
verdade é uma ilusão. Não há auxílio quando por desgaste físico devido aos movimentos
45
repetitivos, estes trabalhadores procuram o médico da empresa e o que conseguem? A
indicação de alguns analgésicos que usados diariamente perdem o efeito, fazendo com que a
dor aumente e que nada seja solucionado. Obrigando assimo trabalhador quando não agüenta
mais, a procurar um médico por sua conta própria. Angela já teve que diversas vezes deixar
de ir trabalhar e consultar com um médico da cidade onde reside (Guaíra) já que os médicos
da assistência médica que tem o vínculo com o frigorífico não atendem a maioria dos casos
que os funcionários reclamam, como o de Angela, envolvendo problemas no ouvido.
Infelizmente, em muitos casos quando o trabalhador se propõe a procurar outro médico que
não seja o do frigorífico, é porque a dor chegaa ser a ser intolerável, e quando se encontra
quase que imprestável para o trabalho.
Joselene: E essa dor começou mais ou menos quando?
Eugenia: Ah eu já estou com essa dor há uns... dois anos já!
Joselene: e mesmo assim você continuava trabalhando?
Eugênia: Sim...
Joselene: E já teve algum dia em que você não conseguiu ir trabalhar porque
a dor estava muito forte?
Eugênia: Ah já! Aí eu peguei o médico daqui mesmo daí né? Nem peguei
mais o da empresa, porque eu ia no da empresa e não dava certo.
Joselene: e você já pensou em parar de trabalhar por causa dessa dor?
Eugênia: eu já pensei, mas é ruim né? (silencia)Porque a gente precisa do
trabalho...
Durante a entrevista, quando perguntava aEugêniasobre o seu afastamento no trabalho do
frigorífico, mostrava-se em silêncio, mencionava pouquíssimas palavras. Era visível a
presença de um desconforto. Para ela é difícil falar a respeito de uma dor que a acompanha há
dois anos. É compreensível, pois é ela quem se sustenta e não conseguiria encontrar outro
trabalho em pouco tempo que não fosse o do frigorífico. A dor no braço era intolerável a
ponto denão mais movimentá-lo braço. De acordo com as pesquisas sobre as doenças geradas
pelo grande esforço do trabalho nos frigoríficos, Rinaldo Varussa em seu texto
“Trabalhadores em frigoríficos e a construção de direitos: Oeste do Paraná, décadas de 1990 e
2000” (2013) identifica que é comum os trabalhadores da linha de produção dos frigoríficos
adquirirem algum tipo de doença funcional em cerca de dezoito meses trabalhando.
Segundo o texto de Carvalhal e Masuzaki, “Territorialidade do trabalho fabril no
município de Marechal Cândido Rondon: paradigmas e agravos a saúde dos trabalhadores”,
(2008) o Capital territorializa-se e visa estratégias localizacionais que favorecem o
crescimento destas indústrias. Grande parte dos trabalhadores que vão ao SINE da prefeitura
de Guaíra em busca de trabalho, encontra vagas disponíveis para trabalhar nos frigoríficos,
46
juntamente com uma ficha cheia de “vantagens” tais como assistência médica, clube de lazer,
carteira de trabalho assinada e salário em dia. Para quem está sem trabalhar há tempos, as
propostas parecem cativantes esão a salvação para muitas famílias que até então estava
passando fome.
Neste contexto, mesmo não agüentando de dor o trabalhador se submete a dias
exaustivos nos frigoríficos devido à necessidade de ter que trabalhar e sustentar suas famílias.
Contudo, nos chama a atenção o fato de que tais trabalhadores, quando são empregados
nesses dois frigoríficos, não migram em definitivo para Marechal Cândido Rondon. Diante
disso, compreendemos que as relações de trabalho não são distintas de outras relações como
as familiares, por exemplo. Ter um trabalho não é o suficiente para querer construir uma vida
em torno deste trabalho. E o que fica evidente nas entrevistas é que a opção em se trabalhar
em um frigorífico é tida por estas pessoas como algo provisório, portanto, não há motivos
suficientes para modificar as relações familiares. Novamente, recordamos aquilo que nos
afirma Marx, os homens fazem sua História, mas nem sempre como querem. Mas, como nos
lembra Thompson(1987), os homens criam meios para sobreviver nas condições
historicamente estabelecidas, mesmo que tais meios sejam imperfeitos aos nossos olhos.
Na mesma direção, Thompson considera em “As Peculiaridades dos ingleses e outros
artigos”(2001) que a formação da classe trabalhadora não acontece somente por meio de
sindicatos e partidos, mas também em seu cotidiano, nas experiências comuns de exploração
do trabalho. De certa forma, em nossa atualidade, os trabalhadores não moram sobre o mesmo
teto que os donos dos frigoríficos, porém, suas vidas se remetem quase que exclusivamente ao
espaço do trabalho. Gastam doze horas diárias contando com a viagem e o período em que
estão a trabalhar, suas horas de lazer, em grande maioria são apenas dormir até mais tarde e
pouco se têm tempo de viver para algo que não esteja relacionadoao seu trabalho. É a partir
deste cotidiano que eles pensam suas vidas.
Um dos fatores primordiais de dificuldade destacados pelos entrevistados são as
longas viagens de ida e volta do trabalho. Com o decorrer dos dias, estas pessoas percebem
suas vidas passando, se resumindo na exaustão do trabalho e no percurso de ida e volta do
trabalho. Durante as entrevistas, ao responderem sobre o que faziam durante a viagem a
resposta foi unânime: dormimos. Pouco se fala dentro do ônibus. E nem se lembram se a
pessoa que estava sentada há semanas atrás ainda permanece no trabalho.
Joselene: E durante a viagem o que vocês vão fazendo?
Angela: Dentro do ônibus nós vai dormindo.
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Joselene: E o ônibus vai sempre cheio?
Angela: Sempre cheio, tem vez que esvazia. Tem vez que assim falta oito,
dez banco assim vazio.
No site da Cvale, consta o seguinte trecho:
O foco da C.Vale é industrializar para agregar valor à produção primária e,
ao mesmo tempo, criar novas oportunidades de trabalho, entre as quais para
jovens que estão buscando uma colocação profissional.13
As condições de trabalho que são impostas nestes frigoríficos têm sido, em grande
medida, responsáveis por doenças e exaustão de tantos trabalhadores. Na divulgação de
folders para recrutar trabalhadores as propostas são totalmente diferentes do que podemos
perceber nas entrevistas. Em algumas das informações que estas empresas divulgam em seus
sites e em revistas para os seus associados, a idéia de desenvolvimento social deve ser
questionada, pois certamente tal conceito não coincide com o trabalho seguido de oito horas
sob temperaturas desproporcionais das quais se referem os trabalhadores.
Angela: Porque quando eles entram é aquele entusiasmo que vai ganhar
bem, né? Aí depois chega lá, no primeiro mês, dois meses que você recebe
não é aquele salário que eles apresentam. Aí a pessoa desiste.
O texto abaixo está disponível no site da Prefeitura de Guaíra. Como é possível
perceber, o maior interesse não se relaciona com a forma do trabalho que está sendo oferecido
pelo SINE, mas na quantidade de carteiras assinadas que este órgão realiza. Esta mesma
concepção é direcionada para aqueles que batem à porta do SINE à procura de emprego. O
anseio por um trabalho com carteira assinada em uma cidade fronteiriça que possui diversas
pessoas que sobrevivem com o trabalho “informal”, desperta para estes trabalhadores uma
expectativa de uma vida melhor.
Agência do Trabalhador de Guaíra apresenta bons resultados
deempregabilidade.
De acordo com a avaliação feita pelos SETS (Secretaria Estadual de
Trabalho Emprego e Renda), de janeiro a Outubro de 2012 a Agência do
Trabalhador de Guaíra obteve uma média de 9,2, maior nota entre os 29
municípios que compõe a Regional de Umuarama. De acordo com o
CAGED de Brasília, nos últimos 4 anos a ATG realizou 9.500 atendimentos
de intermediação de mão de obra, conseguindo inserir, 3.823 pessoas no
mercado de trabalho (com carteira assinada). Além do bom resultado de
13
Acessado em 08/09/2013. Disponível em http://www.cvale.com.br/
48
empregabilidade, no mesmo período a agencia confeccionou e entregou mais
de 5.000 carteiras de trabalho. 14
A figura 2, que trás um folder da empresa, reflete minimamente a contradição com a
fala da entrevistada. A industrialização desde o fim do século XIX e início do século XX, têm
sido vista por algumas pessoas, como sinônimo de modernização. As promessas presentes nos
sites e nos folders são ilusórias. Não há um crescimento profissional, pois, não há uma rotina
de trabalho que permita que esses trabalhadores executem tarefas que contribuam para seu
desenvolvimento profissional. Os planos de saúde dos quais são identificados acima, são
descontados dos trabalhadores que quiserem tê-lo e mesmo assim não atende a maioria das
dificuldades destas pessoas. Como diz Angela,
(...) Só que daí agora, a firma deu um plano de saúde pra nós se trata em
Rondon, daí eu tenho que mês que vem eu vou consultar, aí tenho que paga a
consulta daí, é particular, aí tem que pagar a consulta pra consultar lá.
Porque lá disse que tem especialista, me falaram que tem, pelo menos
quando fiz o plano me falaram que lá em Rondon tem especialista do
ouvido. Aqui não. Aqui tem o Dr. Diogo, já mandou eu procurar um
especialista pra tratar do ouvido, porque eles num tem como tratar meu
ouvido aqui em Guaíra.
Ou seja, não é uma das vantagens do trabalho do frigorífico o plano de saúde, pois, o
trabalhador paga esse plano com parte de seu salário e em diversas vezes acaba nem
utilizando o plano de saúde que paga, porque mora em outra cidade e sente dificuldade em
agendar a consulta.
14
Acessado em 27/11/2012. Disponível emhttp://www.portalguaira.com/PG/agencia-do-trabalhador-de-guaira-
apresenta-bons-resultados-de-empregabilidade/
49
FIGURA 2. Folder da Cvale
Fonte: http://www.cvale.com.br/
A agroindústria mobilizaa grande maioria das cidades da região Oeste do Paraná. São
executados diversos planejamentos para viabilizar trabalhadores para os frigoríficos.
Joselene: Mas você acha que tem mais gente que trabalha na Cvale que é de
Palotina ou que é de fora?
Estácio: Não, de fora, de fora. De fora porque tem muita gente, essas
cidadezinhas aqui em volta mesmo toda cidade tem funcionário lá. Você vê
que daqui até Eldorado, tinha funcionário. Eldorado, Mundo Novo, Japorã,
Guaíra. Aí você já vai pra lado de Iporã. Assis Chateaubriand, então aqui, em
volta de Palotina, essas cidadezinhas tudo tem funcionário lá. Então é bem
mais funcionários de fora do que de Palotina.
Segundo consta no site da Copagril:
Buscando valorizar o bem-estar das pessoas que utilizam seus produtos e
serviços, a Copagril atua em 15 municípios, sendo 12 na região Oeste do
Paraná e três no Mato Grosso do Sul.Para melhor atender seus associados e
clientes, a cooperativa dispõe de 20 unidades de negócio, sendo cinco com
50
venda de insumos, loja agropecuária e atendimento técnico agrícola e
veterinário, e 15 unidades onde, além desses serviços, o associado tem toda a
estrutura necessária para o armazenamento de sua produção de cereais, com
capacidade total para 4,6 milhões de sacas. Os postos de recebimento e
vendas da Copagril estão estrategicamente instalados em diversas
localidades.15
No mapa abaixo constam as cidades que possuem sedes da Copagril. Podemos
observar que ultrapassam o Estado do Paraná, alcançando o Estado do Mato Grosso do Sul,
onde também há trabalhadores deste Estado que cotidianamente seguem rumo à Marechal
Cândido Rondon para trabalhar na Copagril.
FIGURA 3. Mapa das sedes da Copagril na região
Fonte: http://www.copagril.com.br/web/index.html
As principais repercussões que este trabalho provoca não estão restritas ao espaço da
cidade, ou durante a viagem, mas na vida dos trabalhadores. Não podemos separar a vida
pessoal do trabalho e do lazer. Essas pessoas percebem suas vidas sendo direcionadas apenas
ao trabalho e um trabalho que as consome completamente. Na discussão apresentada nesta
pesquisa, uma das entrevistadas, sendo professora de diversos filhos de trabalhadores da
Cvale, utilizouo seguinte termo para referir-se a este mundo do trabalho: “filhos da Cvale”.
Segundo ela, os pais não acompanham o crescimento dos filhos, não estão presentes em
reuniões da escola, e em muitos casos nem sabem quando seus filhos não vão à escola. O
15
Acessado em 09/09/2013. Disponível em http://www.copagril.com.br/web/administracao.html
51
problema não está no pai que não se importa com seu filho. O problema está na forma como o
trabalho é visto e transmitido em nossa sociedade, apenas como gerador de lucro para grandes
proprietários. E o trabalhador é a mercadoria, que mesmo lutando das formas possíveis, ainda
é visto como descartável.
Consideremos agora o resíduo dos produtos do trabalho. Não restou deles a
não ser a mesma objetividade fantasmagórica, uma simples gelatina de
trabalho humano indiferenciado, isto é, do dispêndio de força de trabalho
humano, sem consideração pela forma como foi despendida. O que essas
coisas ainda representam é apenas que em sua produção foi despendida força
de trabalho humano, foi acumulado trabalho humano. Como cristalizações
dessa substância social comum a todas elas, são elas valores — valores
mercantis. (Marx,1987, p. 157).
Interpretamos que os meios de comunicação, especialmente no século XX e XXI,
surgem para priorizar a classe dominantenaturalizando os acontecimentos. Cotidianamente
aparecem propagandas das quais nos mostram que pra você ser “alguém na vida”, precisa
trabalhar pra chegar aonde poucas pessoas chegam. Se você quer ser feliz, precisa adquirir
mais bens materiais. Pouquíssimas vezes refletimos acerca do que a Mídia faz conosco. Ela
nos faz imaginar que sem o capitalismo não conseguiríamos viver bem, e nos confunde
fazendo com que acreditemos que o poder comprar é sinônimo de felicidade. A exploração do
trabalho vem conotada de insuficiência pessoal: “você não é capaz, mas outros são.” Se você
tem um trabalho frustrante, uma vida lamentável e dias intermináveis, foi porque você não se
dedicou o suficiente, e faz com que acreditemos que as oportunidades são as mesmas para
todos. Triste engano. Essa é uma das formas de fortalecimento do Capitalismo, fazer com que
todos pensem que as condições são as mesmas, quando na verdade, a desigualdade social é o
que fundamenta este sistema.
As figuras 4 e 5 evidenciam este tipo de contradição que tento sublinhar.
52
FIGURA 4. Funcionários-Cvale
Fonte: Material impresso entregue no final do ano de 2012 para os funcionários.
Em primeiro plano aparecem três funcionários da empresa, vestidos com
equipamentos de segurança e compenetrados no trabalho. Um deles retém a atenção dos
outros dois, apresentando alguma argumentação a partir de uma prancheta, símbolo moderno
de conhecimento técnico. O operário vestido de azul, tradicional cor dos trabalhadores
manuais, mostra-se de compenetrado na explicação, olhando o conteúdo desenhado na
prancheta. Esta de protetor auricular, capacete e luvas. Estas últimas estão intactas, sem
manchas ou sujeira, o que indica que foram usadas exclusivamente para a foto. A imagem foi
projetada de baixo para cima, numa tomada vertical, enfatizando os três funcionários da
empresa, reproduzindo o recurso que imortalizou a foto de Che Guevara por Alberto Korda.
Em segundo plano aparece uma estrutura metálica agigantada, que parece valorizar a presença
dos funcionários, atribuindo importância ao que fazem.
53
FIGURA 5. Funcionários- Cvale
Fonte: Material impresso entregue no final do ano de 2012 para os funcionários.
Na figura 5, a imagem é menos elaborada, mas maneja simbologias e valores fortes.
Um deles está ressaltado na explicação dos comandos da máquina. Trata-se de um homem
negro ensinando a uma mulher branca. A intenção parece ter sido a de democratizar as
relações étnicas na composição da força de trabalho da empresa. Mas a imagem é ambígua,
uma vez que se preserva a hierarquia de gênero predominante. Os dois funcionários estão
vestidos com protetor auricular, capuz e uniformes, e tratam do funcionamento de uma
máquina que inspira tecnologia e complexidade. Em segundo plano, apresenta-se uma linha
de produção bastante iluminada, com trabalhadores em exercício, e uma dimensão profunda
da fábrica, sugerindo tratar-se de uma grande indústria. São esses elementos que, reunidos,
buscam seduzir homens e mulheres para o trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em síntese, o que nos propomos com esta pesquisa foi, através das entrevistas,
compreender quais são os fatores que levam um trabalhador sair da cidade de Guaíra ir rumo
à Marechal Cândido Rondon e à Palotina, e quais são as experiências que podemos
caracterizar neste processo de expansão industrial do Capital. O trabalho nos frigoríficos pode
até ser almejado por algumas pessoas, por possibilitar uma carteira de trabalho assinada,
maspor mais que algumas pessoas aguentem continuar trabalhando, a decepção é imensa. Não
há o cumprimento do que afirmam, e este tipo de trabalho faz com que a vida dos
trabalhadores se reduza a isso.
Você quer se divertir no final de semana, mas o seu braço dói; você quer estar presente
na vida de seus filhos, mas justamente por eles você continua agüentando firme o trabalho na
linha de produção do frigorífico.
As relações de trabalho não são de âmbito apenas dos espaços da indústria. A dor, a
decepção e a angústia permanecem em todas as esferas da vida. As relações familiares são
bastante presentes nas entrevistas, das quais nos possibilita compreender que não é
simplesmente deixar de trabalhar no frigorífico que irá se resolver os problemas. Nosso
sistema é organizado de forma com que a luta parece ser de todos os homens contra todos os
homens. No entanto, quando perceberem que compartilham as mesmas experiências a luta
será uma só.
Gostaríamos de trazer para a conclusão deste trabalho, histórias com finais felizes.
Mas nos comprometemos em estudar essas pessoas comuns e na maioria das vezes suas
histórias não são as mais procuradas para serem lidas, justamente porque não apresentam
finais felizes. Espero que quem ler este trabalho consiga sentir o que sentimos quando
entrevistamos cada um destes trabalhadores e quem sabe assim, lutarmos todos por uma
transformação social.
Não saberia finalizar este texto sem dizer que esta é uma história que ainda não tem
fim, mas, que a luta continua!
FONTES ORAIS
1) Entrevista realizada com Angela (48 anos), no dia 14 de Abril de 2012. Na cidade de
Guaíra-PR;
2) Entrevista realizada com Estácio (28 anos), no dia 20 de Maio de 2012. Na cidade de
Guaíra-Pr;
3) Entrevista realizada com Eugênia (36 anos), no dia 20 de Maio de 2012. Na cidade de
Guaíra-Pr;
4) Entrevista realizada com Helena (30 anos), no dia 01 de Novembro de 2012. Na
cidade de Guaíra-Pr;
5) Entrevista realizada com Úrsula (36 anos), no dia 01 de Novembro de 2012. Na cidade
de Guaíra-Pr;
6) Entrevista realizada com Melchior (27 anos), no dia 22 de Julho de 2013. Na cidade de
Guaíra-Pr;
7) Entrevista realizada com Salvador (44 anos), no dia 23 de Julho de 2013. Na cidade de
Guaíra-Pr;
8) Entrevista realizada com Camargo (23 anos), no dia 10 de Setembro de 2013. Na
cidade de Guaíra-Pr;
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