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Universidade Estadual do Oeste do Paraná Campus de Toledo _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ ALICE LUCAS DOS SANTOS A COMPREENSÃO DE NEGLIGÊNCIA FAMILIAR SEGUNDO OS ATORES DO SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DO MUNÍCIPIO DE CASCAVEL/PR _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ TOLEDO-PR 2016

Universidade Estadual do Oeste do Paraná Campus de Toledocac-php.unioeste.br/cursos/toledo/servico_social/arquivos/2015/... · ... atores representativos do SGD do ... LISTA DE SIGLAS

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Universidade Estadual do Oeste do Paraná Campus de Toledo

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

ALICE LUCAS DOS SANTOS

A COMPREENSÃO DE NEGLIGÊNCIA FAMILIAR SEGUNDO OS ATORES

DO SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE DO MUNÍCIPIO DE CASCAVEL/PR

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

TOLEDO-PR

2016

1

ALICE LUCAS DOS SANTOS

A COMPREENSÃO DE NEGLIGÊNCIA FAMILIAR SEGUNDO OS ATORES

DO SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE DO MUNÍCIPIO DE CASCAVEL/PR

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao curso de Serviço Social, Centro de Ciências

Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do

Oeste do Paraná – UNIOESTE, como requisito

parcial à obtenção do grau de Bacharel em

Serviço Social.

Orientadora: Luciana Vargas Netto Oliveira

TOLEDO-PR

2016

2

ALICE LUCAS DOS SANTOS

A COMPREENSÃO DE NEGLIGÊNCIA FAMILIAR SEGUNDO OS ATORES

DO SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE DO MUNÍCIPIO DE CASCAVEL/PR

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao curso de Serviço Social, Centro de Ciências

Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do

Oeste do Paraná – UNIOESTE, como requisito

parcial à obtenção do grau de Bacharel em

Serviço Social.

Orientadora: Luciana Vargas Netto Oliveira

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________

Profa. Dra. Luciana Vargas Netto Oliveira

(Orientadora)

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

__________________________________________

Profa. Dra. Cristiane Sander

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

__________________________________________

Profa. Ms. Ester Taube Toretta

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Toledo, 19 de fevereiro de 2016.

3

Dedico este trabalho a todas as

crianças e adolescentes vítimas

de violência, em especial para

aqueles que conheci e convivi

no Programa Família

Acolhedora. São crianças e

adolescentes que são exemplos

de esperança e de amor.

4

AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha família que sempre esteve ao meu lado e lutando para a

concretização deste sonho. Agradeço em especial aos meus pais, Lúcia Acsenen e José

Jaci Lucas dos Santos.

À minha mãe, pois sempre acreditou nos meus sonhos e sempre fez de tudo para

que eles se realizassem, agradeço também a ela por dar sempre o seu melhor, para que

eu e minha irmã tivéssemos uma boa educação. Obrigada mãe, Te amo! Ao meu Pai,

que apesar de sua ausência nestes anos, sempre nos deu carinho, obrigada por sempre

nos ajudar apesar de estar a quilômetros de nós. Obrigada pai, Te amo!

À minha irmã, Aline Lucas dos Santos, que apesar de ser complicadinha

(hahaha!) é uma irmã muito linda e compreensiva. Te amo mana!

Agradeço ao meu namorado Júnior. Obrigada por ser este menino que sempre

me apoiou e me ajudou. Sempre me entendeu, principalmente pelas angustias que as

provas me causavam e pela dificuldade em escrever este trabalho. Amo-te meu Júnior

pra sempre! (Você me faz tão bem!)

À minha querida orientadora, Dra. Luciana Vargas Netto Oliveira, pela sua

dedicação e inteligência como professora e orientadora. Sempre demonstrou ética com

seu trabalho e com seus alunos. Agradeço imensamente a oportunidade de ter sido sua

orientanda.

A meus lindos e amados amigos. Nesses quatro anos de graduação fiz amizades

que nunca esquecerei, as dificuldades da graduação se passaram de forma mais alegres e

fáceis. Assim, agradeço as minhas amigas Jéssica, Vanessa, Carol, Gabriela e Ana

Carolina, cada uma com suas características, mas que em todos os momentos estavam

comigo. Meninas vocês são muito especiais.

Não poderia deixar de agradecer as meninas mais lutadoras e divertidas que já

conheci e convivi, a Isabel e a Natália que sempre foram um exemplo de resistência e de

luta. Avante meninas! Adoro Vocês!

Aos professores do Curso de Serviço Social, em especial a profa. Marli que

sempre foi uma excelente tutora e professora. Foi uma grande experiência conviver com

a senhora e ser aluna petiana. Agradeço sempre! Obrigada também as profas. Cristiane

Sander e Ester Taube Toretta por terem aceitado o convite de compor a banca deste

trabalho.

5

Aos meus colegas e aos profissionais do campo de estágio Programa Família

Acolhedora, em especial a Sônia Saccol e a Neusa Cerutti pela dedicação de sempre.

Obrigada.

6

Até quando esperar?

Não é nossa culpa

Nascemos já com uma benção

Mas isso não é desculpa

Pela má distribuição

Com tanta riqueza por aí

Onde é que está, cadê sua fração?

Com tanta riqueza por aí

Onde é que está, cadê sua fração?

Até quando esperar?

E pra que a esmola

Que nós damos sem perceber?

Que aquele abençoado

Poderia ter sido você

Com tanta riqueza por aí

Onde é que está, cadê sua fração?

Com tanta riqueza por aí

Onde é que está, cadê sua fração?

(...)

Compositores: Joel Gutje / Philippe Seabra.

7

SANTOS, Alice Lucas dos Santos. A compreensão de negligência familiar segundo

os atores do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente do

munícipio de Cascavel/PR. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Serviço

Social). Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Universidade Estadual do Oeste do

Paraná – Campus Toledo – PR, 2016.

RESUMO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) tem por objetivo compreender e

analisar a negligência familiar sofrida por crianças e adolescentes a partir da visão dos

atores que compõem o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente do

munícipio de Cascavel/PR. Para alcançar o objetivo geral deste trabalho, elencou-se os

seguintes objetivos específicos: estudar as alterações historicamente vividas pela

família, especialmente a partir do modo de produção capitalista; discutir a negligência

familiar como um tipo de violência cometida contra crianças e adolescentes;

compreender e analisar como a negligência familiar vem sendo tratada pelos atores que

compõem o Sistema de Garantia de Direitos da criança e do adolescente do município

de Cascavel/PR. Para responder tais objetivos, a pesquisa utilizou-se da abordagem de

cunho qualitativo, a qual tem por finalidade a compreensão dos processos sociais a

partir da historicidade e do movimento dialético. Fez uso, assim, da pesquisa de

natureza exploratória, através da qual utilizou-se de referências teóricas e de

aproximações empíricas com a finalidade de conhecer e abordar o tema proposto.

Assim, após o levantamento bibliográfico, realizou-se a pesquisa de campo, onde foram

coletados dados a partir de 10 (dez) atores representativos do SGD do munícipio de

Cascavel, através de questionários estruturados com perguntas abertas enviadas via e-

mail a partir de contato prévio com os participantes. Com este estudo, procurou-se

entender uma das formas mais identificadas de violência contra crianças e adolescente,

mas que apesar disso é pouco problematizada entre os atores, profissionais, estudantes e

especialistas em direitos de crianças e adolescentes. Tem-se como um dos principais

resultados da pesquisa, a forma pela qual os atores relaram a responsabilização da

negligência familiar, pois constatou-se visões diferenciadas e também contraditórias nas

próprias respostas dos questionários. Concluindo, evidenciou-se entendimentos relativos

à responsabilização da família unicamente, assim como de profissionais que discutiram

o tema de maneira mais crítica, responsabilizando a sociedade e, principalmente, o

Estado pela falta de efetivação de políticas públicas de apoio a essas famílias.

Palavras-chave: Negligência Familiar contra crianças e adolescentes; Família;

Violência.

8

LISTA DE GRÁFICOS E TABELAS

Gráfico 1. Formação profissional dos participantes da pesquisa ................................... 49

Gráfico 2. Tempo de atuação na área da criança e do adolescente ................................ 50

Gráfico 3. Áreas representadas na pesquisa .................................................................. 51

Tabela 01- Violações de direitos contra crianças e adolescentes no estado do Paraná -

01/01/2015 a 31/12/2015 – SIPIA .................................................................................. 57

9

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CEDECA-CE Centro de Defesa da Criança e do Adolescente – Ceará

CF/1988 Constituição Federal de 1988

CMDCA Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente

Conanda Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

CPB Código Penal Brasileiro

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

OMS Organização Mundial da Saúde

ONU Organização das Nações Unidas

SGD Sistema de Garantia de Direitos

SIPIA

Sistema de Informação para Infância e Adolescência

s/p

Sem Página

TCC Trabalho de Conclusão de Curso

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paraná

10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 11

1 AS MUDANÇAS NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA E OS

REFLEXOS NA FAMÍLIA ......................................................................................... 14

1.1 CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA FAMÍLIA NO MODO DE PRODUÇÃO

CAPITALISTA .............................................................................................................. 14

1.2 A QUESTÃO SOCIAL E A FAMÍLIA NO BRASIL ............................................. 20

2 A VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: A

NEGLIGÊNCIA FAMILIAR EM DEBATE ............................................................. 29

2.1 BREVE ESTUDO APROXIMATIVO SOBRE A VIOLÊNCIA ............................ 29

2.2 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: A

NEGLIGÊNCIA FAMILIAR EM FOCO ...................................................................... 33

2.3 O SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE: UM MECANISMO DE PROTEÇÃO DA INFÂNCIA .................. 41

3. A COMPREENSÃO DE NEGLIGÊNCIA FAMILIAR A PARTIR DOS

ATORES QUE COMPÕEM O SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS DA

CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DO MUNICÍPIO DE CASCAVEL/PR ......... 46

3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA .................................. 46

3.2 APRESENTAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES DA

PESQUISA ..................................................................................................................... 49

3.3 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS .................................................... 51

3.1.1 Eixo 1: Família e o direito à convivência familiar e comunitária ................... 51

3.3.2 Eixo 2: A compreensão de negligência familiar a partir dos atores do SGD . 56

3.3.3 Eixo 3: Propostas para superação da negligência familiar .............................. 61

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 65

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 68

APÊNDICES..................................................................................................................74

ANEXO...........................................................................................................................78

11

INTRODUÇÃO

Não somente no Brasil, mas no mundo todo, observa-se que a violência se

manifesta e faz parte da vida e do cotidiano de várias crianças e adolescentes, retirando-

os do gozo de seus direitos fundamentais à vida, à liberdade, à saúde, à convivência

familiar e comunitária, entre outros. A criança e/ou adolescente vítima da violência

doméstica sofre diversos traumas e tem seu desenvolvimento físico, emocional e social

prejudicado.

Neste trabalho, o tipo de violência a ser analisado diz respeito à negligência

familiar, pois observa-se que esta violação não vem sendo tratada da mesma maneira

que as outras formas de violência na literatura especializada, embora seja uma das mais

frequentes nas estatísticas referentes às violações de direitos de crianças e adolescentes

brasileiros.

O interesse pela questão da negligência familiar surgiu a partir da experiência

proporcionada pelas disciplinas de Estágio Supervisionado I e II do curso de Serviço

Social, realizado no Programa Família Acolhedora do município de Cascavel- Paraná,

nos anos de 2014 e 2015. Essa vivência no campo de estágio estimulou o contato e os

estudos sobre a negligência familiar, pois se observou que esse tipo de violência era e é

um dos principais motivos para o afastamento de crianças e adolescentes do seu

convívio familiar.

Assim, durante o período de estágio, a acadêmica e pesquisadora obteve contato

com outras equipes e serviços que atendem crianças e adolescentes, a partir de então, ao

lidar com os casos concretos de negligência familiar e as diferentes equipes e órgãos do

Sistema de Garantia de Direitos (SGD), decidiu-se compreender, através dessa pesquisa,

como é o entendimento dos atores que compõem este sistema. Questionou-se, assim, se

este entendimento seria mais numa perspectiva conservadora, sendo a família

considerada a única responsável, ou então, sob o aspecto mais crítico, entendendo a

negligência familiar como fruto de um movimento contraditório do modo de produção

capitalista que se reflete nas múltiplas expressões da Questão Social.

A partir destes questionamentos, a presente pesquisa delimitou a seguinte

problemática: Qual seria a compreensão de negligência familiar para os atores que

integram o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente do município

de Cascavel/PR?

12

Neste sentido, o objetivo geral deste trabalho foi o de compreender e analisar a

negligência familiar a partir da visão dos atores que compõem o Sistema de Garantia de

Direitos da Criança e do Adolescente do munícipio de Cascavel/PR.

Para responder este objetivo geral, elencaram-se os seguintes objetivos

específicos: a) Estudar as alterações vividas pela família no modo de produção

capitalista; b) Discutir a negligência familiar como um tipo de violência cometida contra

crianças e adolescentes; c) Compreender e analisar como a negligência familiar é tratada

pelos atores que compõem o Sistema de Garantia de Direitos da criança e do

adolescente do município de Cascavel/PR.

A metodologia empregada neste trabalho baseou-se na abordagem qualitativa,

entendendo que os processos sociais devem ser compreendidos em seu significado, sua

historicidade e seu movimento dialético. Para tanto, utilizou-se a pesquisa exploratória,

a qual procura se aproximar do objeto para melhor compreendê-lo. Assim, no primeiro

momento desse trabalho, buscou-se realizar um levantamento bibliográfico para a

construção do referencial teórico e o tratamento das categorias elencadas: família,

violência e negligência familiar.

Num segundo momento da investigação, utilizou-se a pesquisa de campo a fim

de coletar as informações a partir do ponto de vista dos atores do SGD do município de

Cascavel sobre a negligência familiar. Os dados foram coletados por meio de

questionários estruturados com perguntas abertas, os quais foram enviados e

respondidos por e-mail mediante a aceitação e após o contato prévio a partir de

telefonemas e visitas. O universo da pesquisa compreendeu 10 (dez) atores que fazem

parte do SGD do município de Cascavel/PR de diferentes instituições e de diferentes

áreas profissionais.

A partir dessas premissas, o trabalho foi estruturado a partir de três capítulos. O

primeiro procurou discorrer sobre as mudanças ocorridas na família, especialmente após

as alterações trazidas pelo modo de produção capitalista. Buscou, ainda, analisar como

se deu a constituição e o desenvolvimento das famílias brasileiras neste processo, bem

como mostrar a precarização e as expressões da Questão Social no cotidiano de muitas

famílias, principalmente pela falta de responsabilização do Estado na fomentação das

políticas públicas.

O segundo capítulo teve como proposta apresentar as características da violência

e como ela é naturalizada por meio da violência estrutural. Buscou-se compreender

também a violência doméstica contra crianças e adolescentes e, em especial, conceituar

13

e analisar por meio da literatura especializada a negligência familiar, categoria central

neste trabalho. Neste mesmo capítulo, procurou-se entender como os mecanismos legais

e institucionais de proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente são

construídos e constituídos. Desse modo, enfocou-se nesse trabalho as funções e

importância do SGD, como órgão essencial para assegurar, promover e defender os

direitos de crianças e adolescentes.

No terceiro capítulo, apresentou-se os passos metodológicos detalhados que

foram utilizados na presente pesquisa, bem como para a coleta e o tratamento dos dados.

O capítulo procurou apresentar e traçar brevemente o perfil dos participantes da

pesquisa por meio de gráficos e, por fim, o mais relevante que foi a análise e a

interpretação dos dados coletados.

Ao final desse estudo, foram feitas as considerações que terão como objetivo

demostrar quais foram os resultados, as reflexões finais e algumas contribuições sobre o

trabalho realizado, especialmente em relação à negligência familiar.

14

1 AS MUDANÇAS NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA E OS

REFLEXOS NA FAMÍLIA

Este capítulo tem como proposta a apresentação das alterações e mudanças na

instituição família, principalmente após a estruturação do modo de produção capitalista,

assim se compreenderá quais foram às consequências deste modo de produção nas

relações familiares. Após a breve apresentação, em segundo momento, o capítulo

evidenciará as consequências e as expressões da Questão Social nas famílias brasileiras.

1.1 CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA FAMÍLIA NO MODO DE PRODUÇÃO

CAPITALISTA

De acordo com Catani (1986), o capitalismo pode ser entendido como uma

formação econômica e social surgida das novas condições decorrentes do

desaparecimento do Feudalismo1 e da ascensão da classe burguesa desde o final do

século XV. Com isso, o processo de gestação do capitalismo foi bastante longo,

originado a partir da crise do modo de produção feudal e perpassando pelo processo da

Revolução Industrial2.

É importante apreender que a história está em constante evolução, e que as

alterações podem, ou não, trazer benefícios e danos para os sujeitos, a exemplo tem-se a

Revolução Industrial que significou um amplo desenvolvimento para a sociedade,

porém as novas configurações deste modo de produção provocaram grandes

modificações na vida dos sujeitos e, consequentemente, nas relações familiares, tema do

presente estudo.

De acordo com Catani (1986), a ascensão do capitalismo fez com que o

trabalhador fosse forçado a vender sua força de trabalho para o capitalista, em troca de

um salário. Com isso, através da Revolução Industrial e da elevação da burguesia, os

artesãos e camponeses, que foram expulsos do campo, transformaram-se em

trabalhadores assalariados, isto é passaram a vender sua força de trabalho. Surgia deste

1 Segundo Braz e Netto (2006), o feudalismo encontrou-se plenamente estruturado na Europa por volta do

século XI. Neste modo de produção, fundado no trato da terra, o feudo pertencia a um nobre (senhor), que

sujeitava os produtores diretos (servos). A terra era dividida entre as partes do senhor e a parte que, em

troca de tributos e prestações, era ocupada pelos servos. 2 A Revolução industrial constituiu-se de um conjunto de mudanças que aconteceram na Europa nos

séculos XVIII e XIX. A principal particularidade dessa revolução foi a substituição do trabalho artesanal

pelo assalariado e com o uso das máquinas. Além do mais, a Revolução Industrial propiciou a ascensão

da classe burguesa e o surgimento do modo de produção capitalista. (CATANI, 1986).

15

modo, “[...] a grande massa proletarizada e pobre das cidades, cuja única mercadoria são

os seus músculos e o seu cérebro.” (CATANI, 1986, p. 35).

A sociedade capitalista é caracterizada por apresentar uma divisão entre classes:

a classe burguesa, que detém os meios de produção e a classe proletária que, para sua

sobrevivência, vende sua força de trabalho. Ao analisar a sociedade capitalista, a teoria

social de Marx3 colocou a questão das classes como fundamento, isso por que as

sociedades capitalistas são regidas por relações em que o capital e o trabalho assalariado

são dominantes e a propriedade privada é o fundamento e o bem maior a ser preservado.

Como a classe trabalhadora, neste sistema, só possui sua força de trabalho e a

“[...] mão-de-obra tende ser maior do que a procura, o trabalhador é forçado a bastar-se

com o mínimo vital, para não perder o emprego.” (CATANI, 1986, p. 36). Desta forma,

ao saírem dos campos e ingressarem nas grandes fábricas, grande parte dos

trabalhadores não tinha outra opção, a não ser a submissão às condições precárias e

horas exaustivas de trabalho. Com isso,

[...] a Revolução Industrial não foi apenas uma mera aceleração do

ritmo econômico e um simples avanço da técnica que resultaram em

maior eficácia e aumento da produtividade. Ela foi, principalmente a

inserção do trabalhador em novas formas de trabalho, impôs a mais

absoluta disciplina fabril e hierarquizou em definitivo as relações

entre capital e trabalho [...] (AMARO; BERUTTI, 2010, p. 37).

Neste contexto, segundo Bidarra e Woicolesco (2011), as mudanças políticas e

econômicas alteraram as relações de ordem social, desta forma, o crescimento

desenfreado da população urbana e proletária fez com que houvesse o aumento do

exército de operários de reserva e o número cada vez mais crescente de trabalhadores

sem direito à cidadania, sem direitos sociais.

A partir da crítica da Economia Política, Marx em seus estudos, analisa os

modos de produção como articulação entre forças produtivas e relações de produção. Os

distintos modos de produção apresentam suas peculiaridades que os diferenciam dos

demais, entretanto todos os modos de produção vivenciados pela humanidade oferecem

uma estrutura econômica da sociedade que se apresenta como base para a existência de

3 Karl Marx (1818-1883) foi um sociólogo alemão que deu origem, juntamente com seu colega Friedrich

Engels, à teoria social, política e econômica crítica, formulada a partir do materialismo histórico e

dialético, interpretando a vida social conforme a dinâmica da base produtiva das sociedades e das lutas de

classes, sendo a luta de classes o motor da história. (LENIN, 1994).

16

todo um conjunto de instituições e de ideias, geralmente denominado de superestrutura.

(BRAZ; NETTO, 2006, p. 61).

Portanto, as bases da estrutura em um modo de produção são caraterizadas pelas

condições econômicas, e as relações consequentes desta estrutura fazem surgir os

fenômenos e os processos extra-econômicos, como a cultura, as instituições, o Estado,

dentre outros. Segundo Braz e Netto (2006), em cada modo de produção, porém, as

relações entre estrutura e superestrutura não são similares, elas modificam suas

características dependendo das alterações nas relações sociais e das forças produtivas.

Assim, quando se altera o modo de produção, altera-se também o modo de reprodução

da sociedade e, consequentemente, modificam-se as configurações das superestruturas,

sendo a instituição familiar exemplo destas transformações.

Segundo Araújo (2011) as novas relações produtivas não alteram somente o

modelo econômico, mas também aspectos sociais, políticos e culturais da organização

da sociedade. Através das mudanças ocorridas nestes espaços, a instituição família

também acompanha essas transformações, incorporando novos valores e formas de

organização, de acordo com as ideologias dominantes e necessidades sociais, culturais,

econômicas e politicas de cada época. Assim, com o surgimento do capitalismo, aos

poucos a instituição família modificou suas características.

Conforme Engels (2009), a família deve ser apreendida quanto uma construção

histórica, no interior do desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de

produção em cada momento, pois essas forças produtivas e as relações dela decorrentes

fazem surgir os diferentes tipos e formas de organização familiar. Ao analisar a família

no capitalismo, entende-se que sua evolução histórica requer o estudo de configurações

anteriores, pois a origem da família e suas diferentes feições não estão isoladas dos

elementos econômicos, históricos, políticos e culturais que provocaram e provocam

alterações nas relações sociais.

Quanto à origem da família, pesquisas indicam que seu princípio é determinado

por formas de casamento entre grupos. Assim, entre o período do estado selvagem, que

consistia em condições de vida primitivas, reinava o comércio sexual sem limites, de

modo que cada mulher pertencia a todos os homens, bem como cada homem pertencia a

todas as mulheres. Devido a esse tipo de configuração, esta forma de família

denominou-se consanguínea, pois a família era dividida por gerações, “[...] todos os

avós, dentro dos limites da família são em seu conjunto maridos e mulheres entre si,

17

assim como o vínculo de irmão e irmã pressupõe por si a relação sexual entre ambos.”

(ENGELS, 2009, p. 52).

Neste momento histórico, o estágio de desenvolvimento das forças produtivas

era rudimentar, no qual a sobrevivência tinha como base a caça e a pesca, e a divisão do

trabalho se baseava pela divisão natural, isto é aqueles desenvolvidos por homens e

aqueles desenvolvidos pelas mulheres. (CARDOZO; PERETTI, 2010).

No próximo estágio de desenvolvimento da família são excluídas as relações

sexuais entre irmãos e posteriormente entre primos. Este movimento resulta em

agrupamentos que possibilitam o estabelecimento de comunidades fixas, que se

relacionam por graus de parentescos. Em consequência disso, neste estágio é possível

reconhecer apenas a linhagem feminina, ou seja, não é possível saber quem é o pai,

somente a mãe. Essa família é denominada de punaluana. (CARDOZO; PERETTI,

2010).

No desenvolvimento da família punaluana já se verificava uniões por pares, de

considerável duração, assim, analisou-se nesta fase um certo grau de proibições nos

casamentos, pois à medida que “[...] desenvolvia-se a gens4 e se tornavam mais

numerosas as classes de irmãos e irmãs, entre os quais agora era impossível o

casamento, a união conjugal por pares, baseada num certo costume, começou a se

consolidar.” (ENGELS, 2009, p. 63). Desta forma, as proibições do casamento entre

parentes consanguíneos, levou a substituição da família punaluana pela família pré-

monogâmica.

Na família pré-monogâmica, a mulher deveria constituir família com apenas um

homem, já o homem, apesar disso, teria o direito de se relacionar com várias mulheres.

O vínculo conjugal era, porém, facilmente dissolúvel por qualquer das partes e, tal como

anteriormente, os filhos permaneciam exclusivamente com a mãe. Além do mais, é a

partir do pensamento da família pré-monogâmica que a mulher tornou-se escrava do

homem, contrapondo e diferenciando-se de ideias de famílias e de gênero das fases

anteriores, pois “[...] entre todos os selvagens e em todas as tribos que se encontravam

nas fases inferior, média e até em parte superior da barbárie, a mulher não é só livre,

mas também muito considerada.” (ENGELS, 2009, p. 66).

Para que a família pré-monogâmica evoluísse até chegar a uma monogamia

estável foram necessárias causas diversas, principalmente relacionadas ao

4Gens significa um grupo de pessoas com descendência comum, que possui as mesmas instituições

sociais e religiosas, formando uma comunidade particular (ENGELS, 2009).

18

desenvolvimento de novas forças produtivas. Segundo Cardoso e Piretti (2010, p. 30),

essa nova fase possibilitou aos homens cultivar rebanhos e terras, “[...] as atividades que

foram sendo desenvolvidas tornaram-se fontes de riquezas, até então desconhecidas,

criando relações totalmente novas”.

Essas novas relações resultaram na criação da família monogâmica patriarcal, na

qual para assegurar a fidelidade da mulher e a paternidade dos filhos, a mulher é

entregue incondicionalmente ao poder do homem. Assim, nas palavras de Engels, a

família monogâmica:

[...] baseia-se no domínio do homem com a finalidade expressa de

procriar filhos cuja paternidade fosse indiscutível e essa paternidade é

exigida porque os filhos deverão tomar posse dos bens paternos, na

qualidade de herdeiros diretos [...] (2009, p. 80).

Desta forma, de acordo com Engels (2009), a mulher, neste tipo de casamento já

não decidia sobre o rompimento dos laços conjugais, como regra, apenas o homem teria

o direito de separação, além disto, o casamento não era resultante e “fruto de amor

sexual”, mas sim determinado pelas condições econômicas. A família, portanto, fazia-se

pelo triunfo da propriedade privada e para a procriação dos seus herdeiros.

A monogamia foi um grande progresso histórico, mas, ao mesmo

tempo, inaugura, juntamente com a escravidão e as riquezas privadas,

aquele período que dura até nossos dias, no qual cada progresso é

simultaneamente um relativo retrocesso e no qual o bem-estar e o

desenvolvimento de uns se realizam às custas da dor e da repressão de

outro [...] (ENGELS, 2009, p. 85).

Portanto, a família monogâmica patriarcal nasce pela concentração de riquezas

nas mesmas mãos, as de um homem, e do desejo de transmitir essas riquezas, por

herança, aos filhos herdeiros e considerados “legítimos”. Segundo Mark Poster (1978,

p. 64), “[...] os homens derrubaram o matriarcado por razões econômicas, a fim de

ratificarem uma paternidade inconteste”.

Observa-se que todo esse sistema reestrutura a família de modo completamente

diverso do que era em suas origens, ao mesmo tempo em que se modificam as relações

com a propriedade privada e com o trabalho.

Por volta do século XVIII, a ascensão da burguesia, a privatização da instituição

familiar e a passagem das funções socializadoras para o âmbito mais restrito do lar

19

burguês constituem-se como alguns dos mecanismos fundamentais para a constituição

da família moderna. (BRUSCHINI, 2000).

Segundo Marx e Engels, a base da família atual, a família burguesa, é o ganho

individual, isto é, a apropriação do capital. Assim, “[...] em sua plenitude, a família só

existe para a burguesia, mas encontra seu complemento na supressão forçada da família

entre os proletários [...].” (POSTER apud MARX; ENGELS, 1978, p. 62). Portanto,

evidencia-se que a família da burguesia constituía-se de maneira diferenciada em

relação às famílias dos trabalhadores.

Assim, evidenciou-se que o surgimento da grande indústria, a elevação da

intensidade da exploração, os baixos salários e o grande exército industrial de reserva,

subordinaram a família trabalhadora ao capital e às suas contradições. A lógica

capitalista, ao colocar a ideologia de liberdade, na realidade, obriga o trabalhador a

assumir as condições impostas, já que os mesmos não possuem os meios de produção

necessários para a produção de mercadorias, ocasionando, consequentemente a desigual

distribuição da riqueza socialmente produzida.

Portanto, segundo Poster (1978), com a revolução industrial, no século XVIII, o

capital começa a ganhar importância. As mercadorias são produzidas pelos homens,

mulheres e crianças e, quando alcançam o mercado de trabalho, sua força de trabalho é

vendida e seus lucros transformados em capital. Esses trabalhadores que a principio

trabalhavam em casa, com a família, não possuíam bens que pudessem ser vendidos e,

na ausência destes bens, somente vendiam sua força de trabalho.

É a partir daí que, segundo Bruschini (2000), a família da classe trabalhadora,

através das novas relações sociais, tem suas relações familiares desenvolvidas sob

condições de angústia social e econômica. Assim sendo, a família da classe burguesa

diferenciava-se da classe trabalhadora, pois a primeira tinha suas relações baseadas na

afetividade e na valorização dos filhos, em que a mãe era responsável pela educação

deles, enquanto o pai cuidava do sustento da família e do custeio dos estudos.

Constata-se, assim, que a família burguesa obtinha condições totalmente

adversas daquelas da classe trabalhadora, enquanto a burguesia tinha suas bases na

família individual e nuclear, a classe trabalhadora, pelo menos no início da

industrialização,

[...] tenta resistir à dominação capitalista mediante a preservação dos

mais antigos laços comunitários. Os casos que foram estudados

mostram que os trabalhadores fabris, sempre que isso era viável, se

20

juntavam em formas comunitárias de dependência e ajuda mútua, a

fim de melhorarem suas ásperas condições de vida. Somando-se a

alienação e exploração no trabalho, o proletariado tinha que enfrentar

ainda a fragmentação e atomização, na medida em que as velhas

formas rurais de vida coletiva eram ameaçadas nas cidades [...]

(POSTER, 1978, p. 210-211).

No entanto, segundo o mesmo autor, no decorrer do século XIX, a família da

classe trabalhadora começou a parecer-se muito com a família burguesa, isso por que a

ideologia dominante e as conquistas trabalhistas fizeram com que emergisse uma nova

forma de burguesia baseada na disseminação da moralidade nas camadas

subalternizadas, integrando-a ao modelo de família burguesa.

Com isso, ao término deste ponto, ao analisar a família no processo de produção

capitalista, entende-se que a partir da industrialização houve um agravamento da

condição social e econômica das famílias trabalhadoras, sua subordinação ao capital e à

exploração, ocasionando as contradições e as diferentes expressões da Questão Social5,

que serão estudadas no próximo item a partir, especialmente, das famílias brasileiras.

1.2 A QUESTÃO SOCIAL E A FAMÍLIA NO BRASIL

Segundo Szymanski (2002), a família é uma construção histórica que deve ser

pensada dentro de um contexto de mudanças e alterações na sua forma de organização,

pois ela absorve essas relações e se transforma, com isso as mudanças que ocorrem no

mundo social, histórico e econômico afetam a dinâmica familiar como um todo e, de

forma particular, cada família conforme sua composição, história e pertencimento

social.

As situações que caracterizam as famílias, a comunidade e a sociedade estão

inseridas num contexto de contradição e exploração e que se manifestam a partir da

5 Segundo Netto (2001, p.41-49), a expressão “Questão Social” surge para designar uma pobreza extrema,

que evidenciou-se entre os trabalhadores a partir da Revolução Industrial na terceira década do século

XVIII. O novo fenômeno, denominado pauperismo, constituiu-se em um dos aspectos mais imediatos da

instauração do capitalismo, a nova pobreza, era assim chamada, pois nunca na história o homem foi capaz

de produzir progressivamente bens e serviços, mas ao mesmo tempo excluir os que os produziam. Além

disso, segundo o mesmo autor, os trabalhadores não se conformaram com tal situação de pauperizados, e

a partir da segunda metade do século XIX iniciaram um processo de lutas e protestos que se configuraram

como uma ameaça real as instituições capitalistas. Foi neste momento que o pauperismo designou-se

como “questão social”. No entanto, a expressão “questão social” deixa de ser usada pelos críticos e pelos

trabalhadores, para lentamente, ser usado pelo vocabulário próprio do pensamento conservador. Assim,

ela perde sua estrutura histórica determinada e é crescentemente naturalizada, além de ser convertida

como objeto de ação moralista.

21

Questão Social. A Questão Social e suas múltiplas manifestações devem ser analisadas

como produtos de um processo resultante da divisão da sociedade em classes e da

concentração desigual da riqueza socialmente produzida pelo capitalismo. A desigual

concentração de riquezas afeta a classe trabalhadora, e provoca, entre várias

manifestações, a pobreza, a violência e a exclusão social. (IAMAMOTO, 2008).

Com isso, ao se considerar as mudanças ocorridas na sociedade contemporânea,

Yazbek (2008, p. 111) frisa que, além das alterações dos processos econômicos,

culturais e políticos, alterou-se, também, a organização das famílias, para muitas destas,

as transformações na sociedade colocaram-nas em situação de “vulnerabilidade e em

processos de exclusão social”.

Para explicar com mais detalhes as alterações ocorridas no Brasil e seus reflexos

na organização e desenvolvimento das formas de família, optou-se por um recorte

temporal que retorna à segunda metade do século XIX. Nesse período, de acordo com

Santos (2012), a economia brasileira passou por um processo de transformação

influenciada pelo desenvolvimento da lavoura cafeeira, além disso, outro fator essencial

para o desenvolvimento do capitalismo foi a substituição da força de trabalho escravo

pelo trabalho assalariado, principalmente com a chegada dos imigrantes europeus no

final do século XIX.

Observa-se através dos estudos de Santos (2012), que a permanência do trabalho

escravo já não se articulava com os interesses dos países nos quais predominava o

trabalho assalariado, em especial a Inglaterra. Assim, numa conjuntura de expansão do

capitalismo o trabalho baseado no escravismo não condizia com os interesses

econômicos dos países industrializados. Deste modo, este movimento foi necessário

para a constituição do capitalismo no Brasil, condição esta que permitiu a expansão do

mercado e da economia do país.

No entanto, salienta Santos (2012), que da mesma forma em que houve o

crescimento das atividades econômicas, houve também o acréscimo da pauperização

entre os trabalhadores, isso porque abolido o regime de trabalho escravo, a população

negra não foi imediatamente transformada em trabalhadores assalariados em face da

opção pela imigração europeia. Assim, explicita-se que

Seu papel foi, antes, o de população excedente para as necessidades

médias do capital agrário. Ressalta-se, neste ínterim, “a fase de

branqueamento da população brasileira, [...] e a marginalização do

negro” (POCHMANN, 2006, p. 25), dois ícones culturais da

22

sociedade brasileira, presentes até os dias atuais, inclusive em termos

de constituição do mercado de trabalho. (SANTOS, 2012, p. 138).

Diante disso, após a abolição do trabalho escravo, a situação da população negra

vai se configurar e se manifestar como uma das expressões da Questão Social, pois além

de não se transformarem em trabalhadores assalariados, a população negra se tornará

marginalizada e sentirá os efeitos do preconceito. A discriminação foi perceptível,

inicialmente, com a sua recusa no mercado de trabalho, na qual foi “[...] entendida, em

certas conjunturas, como uma questão de higiene pública.” (WANDERLEY, 1997, p.

92).

É neste contexto que surgem novas configurações de famílias no Brasil,

sobretudo após a Proclamação da República (1889), pois foi a partir desta conjuntura

que se introduziu no país um conjunto de modernizações que envolveram, como já

mencionado, o fim do trabalho escravo e a urbanização.

A ascensão e a consolidação do capitalismo, neste contexto de transformação da

família, colocam-se como um dos fatores determinantes para o declínio do modelo

patriarcal6. A tradicional família patriarcal foi absorvendo, portanto, gradativamente ao

longo do século XIX, os valores típicos da sociedade burguesa, no entanto mantendo

sua matriz patriarcal, hierárquica e autoritária reforçada pelos ideários cristão e

positivista. (NENDER, 1994).

Não somente a família branca, europeia e burguesa teve sua estrutura alterada

pelo processo de expansão do capitalismo, mas principalmente a família da classe

operária. No Brasil, nas décadas de 1910 a 1940, a família operária começa a sentir a

necessidade de trabalho de mulheres e crianças. É neste contexto que “[...] a indústria

têxtil, grande empregadora, exigia das crianças uma jornada igual à dos adultos, e a

disciplina imposta era rígida, com a conivência dos pais, que acreditavam que o trabalho

formava adultos íntegros.” (PEDROLLO, 2002, p. 5).

Em meio às pressões do desenvolvimento do capitalismo brasileiro, as famílias

não pertencentes à lógica de acumulação do capital, presenciaram a agudização de

6 No modelo de família patriarcal, o pai é o chefe da família e provedor das necessidades materiais de

seus membros, com o poder autoritário, todos deveriam respeitá-lo e obedecê-lo, em sua maioria

utilizava-se da violência para impor sua vontade. À mulher cabiam a educação dos filhos e as atividades

domésticas. Esse modelo predominou no Brasil até por volta da década de 1960, pois com a

intensificação da industrialização, a mulher também intensifica seu ingresso no mercado de trabalho.

(MARTINS; RIBEIRO, 2009).

23

várias manifestações da Questão Social como: o desemprego, a exploração excessiva de

trabalho, a fome, a má infraestrutura e a violência.

As consequências, entretanto, não foram tratadas de forma crítica, mas

direcionadas para o aspecto repressor e punitivo. Trata-se de abordar as expressões da

Questão Social, então emergentes, como caso de polícia e não de política. (SANTOS,

2007).

Confirmando esse tipo de tratamento, havia certa descrença na eficácia das

politicas públicas voltadas às famílias populares, pois estas eram ainda consideradas

bestiais/bestializadas. “[...] De que adianta boas escolas, com ensino de qualidade, para

seres „inferiores‟, incapazes de aprender?” (NENDER, 1994, p. 33). Assim, a máquina

do Estado não possuía preocupações com uma política voltada para a família.

Assim, explicita Santos (2012), que as bases para acumulação do capital

demandaram o estabelecimento de políticas sociais voltadas à recomposição da força de

trabalho e ao controle social e político da classe trabalhadora, combinando repressão,

atendimentos esporádicos e reivindicações trabalhistas.

Após esse referencial, compreende-se que as famílias da classe trabalhadora

foram excluídas de qualquer processo de apropriação de riquezas e colocadas numa

situação de controle social através da repressão e da exclusão. Portanto, os desafios

presentes na vida familiar contemporânea, portanto, são historicamente datados desde a

República Velha (1889-1930), pois é um período importante para a consolidação do

capitalismo no Brasil.

Segundo Filho (1982), no início do século XX, no entanto, a classe trabalhadora

dá início a um processo de luta por reconhecimento enquanto classe e por melhores

condições de vida no Brasil. Com a pressão feita pela classe trabalhadora, o Estado

começa admitir que a Questão Social é um problema político, que exige estratégias de

intervenções mais elaboradas.

Assim, o Estado começa a dar algumas respostas para a classe trabalhadora,

especialmente com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, no entanto ao

analisar a forma de acumulação do capital, constata-se que os ganhos obedeceram à

ordem da burguesia, pois segundo Filho (1982) a legislação de trabalho inédita no Brasil

seria responsável pela redução da força mobilizadora dos sindicatos, conduzindo setores

populares ao conformismo social. Com isso, os direitos conquistados foram uma forma

de acalmar a efervescência e as lutas da classe trabalhadora.

24

Apesar do avanço sobre o reconhecimento da Questão Social como problema

político, nas décadas seguintes com a consolidação do capitalismo industrial, suas

expressões tendem a crescer, pois o período entre as décadas de 1930 e 1960 é

referenciado por um modelo de acumulação baseado na industrialização, em especial

pela aliança entre Estado, capital nacional e internacional. (SANTOS, 2012).

Segundo Stolcke (1994), constatou-se que além dos negros e os operários, já

com condições de vida precarizadas, as cidades iriam receber mais um grande número

de famílias que se somariam à pobreza urbana. Isso porque, com o fim das grandes

produções de café, os emigrantes europeus, que trabalhavam fundamentados no modelo

familiar, aos poucos se transformaram em trabalhadores assalariados temporários.

Resulta deste quadro, agraves nas condições de trabalho e qualidade de vida, bem como

acabou por deslocar as famílias pertencentes às zonas rurais para as periferias das

cidades.

A proletarização e migração para as cidades também alterou a

qualidade das relações sociais. A vida era difícil nas fazendas, mas o

cultivo de subsistência, apesar de implicar considerável nível de

exploração, protegia os colonos das forças de mercados. A venda

individual da força de trabalho não gerou apenas um novo sentimento

de incerteza entre os trabalhadores; também forçou relações

interpessoais dentro da comunidade e da família de vários modos.

(STOLCKE, 1994, p. 88-89).

Em síntese, a família era responsável por desenvolver as tarefas nas fazendas

de café, cada membro da família desempenhava uma função: os homens eram

responsáveis por trabalhar de forma remunerada e gerenciar as finanças, as mulheres e

filhos tinham por função a limpeza das lavouras e atividades referentes à casa. No

entanto, com o fim do trabalho nas lavouras e o início da industrialização de forma mais

intensa, as famílias foram obrigadas a deixar o campo, e viver nas cidades em condições

precárias. (STOLCKE, 1994).

A unidade doméstica deixa de ser uma unidade de produção e

consumo para tornar-se [...] uma unidade assalariada. E ainda a

separação entre casa e local de trabalho, mais a perda [..] da

organização do trabalho, dificultaram sobremaneira a integração de

relações sociais e trabalho. (STOLCKE, 1994, p. 91).

Assim, observou-se que a estrutura e a dinâmica familiar se alteraram devido

às novas formas de trabalho, distanciando-se do passado, as novas relações familiares

25

não se baseavam em relações próximas, mas sim em vínculos totalmente monetarizados

e individualizados. (STOLCKE,1994).

As relações descritas irão se intensificar ao longo da década de 1970, pois uma

nova realidade, em escala planetária, se impôs e provocou mudanças histórico-

estruturais e também no âmbito da família. Na década de 1970 o modo de produção

capitalista passou por uma profunda crise7, a lógica de acumulação entra em declínio e

apresenta os primeiros sinais de um período de grande recessão (BATISTA, 1999). Em

face dessa crise e para viabilizar a continuação da apropriação das riquezas humanas, o

projeto burguês necessitava então “[...] revolucionar suas bases produtivas e suas

formulações ideológicas, prática indispensável para a classe burguesa manter a sua

existência.” (BATISTA apud MARX, 1999, p. 64).

O projeto burguês que se instaurou provocou a criação de um modelo social de

acumulação denominado de neoliberalismo8, que segundo Soares (2002, p. 12) inclui

por definição “[...] a informalidade no trabalho, o desemprego, o subemprego, a

desproteção trabalhista e, consequentemente, uma nova pobreza”.

O novo modelo social de acumulação, impulsionado pela crise econômica,

provoca também um maior avanço cientifico e tecnológico, abrindo condições

significativas para a reestruturação na produção, além do mais, “[...] estas novas

implementações do campo científico e tecnológico criaram condições essenciais para o

processo de globalização [...] aumentando, ao mesmo tempo [...] a exclusão social.”

(BATISTA, 1999, p. 64).

Além do mais, segundo Pereira-Pereira (2004), dentre as repercussões mais

incisivas produzidas por estes fatos, ressaltam as incidentes nos âmbitos da produção e

do trabalho, bem como a perda gradativa do sistema de proteção social gestado após a

Segunda Guerra Mundial nos países europeus e de forma residual e insipiente no Brasil.

7 A crise econômica mundial da segunda metade dos anos 1970 e dos anos 1980 conduziu a uma profunda

transformação nos modos de gestão do emprego nas empresas, com a introdução do sistema flexível, das

políticas públicas econômicas, de regulação do mercado de trabalho e de formação profissional que

buscavam gerir socialmente o problema do desemprego e minimizar a inflação competitiva entre os novos

trabalhadores. (OLIVEIRA, 2014). 8 Os princípios básicos do neoliberalismo se baseiam em restringir ao máximo a influência do Estado na

área econômica, permitir total liberdade de comércio e propiciar a máxima desregulação das economias, a

ponto de extinguirem-se a maior parte das medidas protecionistas, principalmente as dos países

subdesenvolvidos. Outra estratégia neoliberal é enfraquecer a garantia dos direitos dos trabalhadores

urbanos e rurais, privatizar as empresas públicas para favorecer o mercado e transformar os “cidadãos”

em simples “consumidores”, envoltos numa cultura padronizada e submetidos a valores distantes da sua

própria realidade. (TEIXEIRA; OLIVEIRA, 1998).

26

É nesta direção que o neoliberalismo criou suas bases para a continuação do

projeto burguês, e entre alguns princípios que fundamentam este projeto, foi sobrepor a

culpa do capital diante da crise e deslocar a responsabilidade para o Estado, mais

especificamente - pela fragilidade política, econômica e social – para os países

periféricos. (BATISTA, 1999).

No Brasil a crise irá se manifestar imediatamente na década de 1970, com isso

a crise econômica atinge o país e provoca a queda da taxa de lucro, baixas na produção

e na produtividade rebatendo diretamente na vida e reprodução social da classe

trabalhadora, neste instante apresenta-se uma diminuição no valor da força de trabalho e

aumento do desemprego. (CARDOZO; PERETTI, 2010).

Entretanto, aponta Batista (1999) que as determinações do governo autocrático

(1964-1985) e a permanente luta para expansão dos direitos democráticos, resultados de

conquistas politicas e sociais, fizeram com que o projeto neoliberal não fosse

implementado ainda nas décadas de 1970 e 1980.

Toda essa conjuntura, principalmente com a expansão do mercado e a crise no

mundo do trabalho, trouxe uma importante transformação na família. Assim, devido às

novas formas e condições de trabalho, a mulher intensificou sua vida de trabalhadora, e

a partir daí constatou-se uma precarização e um forte machismo no cotidiano da mulher,

pois além das atividades assalariadas, as mulheres continuaram com a responsabilidade

pela criação dos filhos e cuidados com o lar e marido. (CARDOZO; PERETTI, 2010).

Ainda neste período, observa-se a passagem do modelo hegemônico de família

hierárquica e autoritária para uma organização familiar mais igualitária e democrática,

no entanto, como mencionado, tudo isso aconteceria no plano do ideal, pois na prática a

“família igualitária” se defrontava com muitos conflitos e contradições. (CARDOZO;

PERETTI, 2010). Entre as várias contradições, tem-se como exemplo a desigualdade na

remuneração, a não liberdade e a opressão no cotidiano do trabalho profissional,

comunitário e familiar da mulher, além da precarização da vida social e econômica da

família da classe trabalhadora.

Essa condição acentua-se a partir de 1990 com a adoção das políticas e ajustes

neoliberais, pois com o governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992) e mais

intensamente com Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) o país adota e reformata o

Estado com políticas e ajustes neoliberalizantes que conduzem ao aumento do capital.

Os ajustes neoliberais são implantados com justificativas, tais como: o ingresso da

economia nacional no mercado internacional, ou seja, colocar o Brasil na economia

27

globalizada; reduzir a intervenção estatal, bem como incentivar os programas de

privatização e assim diminuir o déficit público. (BATISTA, 1999).

Segundo Yazbek (2001), as imposições neoliberais priorizarão a adoção de

políticas assistencialistas, focalizadas e seletivas caracterizadas por uma interpretação

de política social restritiva de direitos, assim o Estado brasileiro “[...] é um Estado no

qual as questões relativas à pobreza e à exclusão social são alvo de uma ação estatal

irregular e tímida, apenas suficiente [...] para minimizar as consequências negativas dos

programas de ajuste estrutural.” (YAZBEK, 2001, p. 37).

O agrave nos direitos sociais, bem como o empobrecimento da classe

trabalhadora terá reflexos na vida familiar, visto que a crise econômica e o processo de

adoção das políticas neoliberais das últimas décadas obrigaram as famílias a repensarem

e reformularem suas estratégias de vida, sobretudo no que diz respeito à obtenção de

recursos, seja na informalidade, na precarização e/ou no processo de terceirização do

trabalho. (RIBEIRO, 1994). Com isso,

[...] a questão social sinaliza contradições reveladoras da perversidade

do estágio atual de acumulação capitalista que inflexiona diretamente

a forma de ser da família na atualidade e se caracteriza por:

desemprego estrutural; aumento da violência (em todos os sentidos),

da criminalidade, das migrações internas; trabalho infantil; tráfico de

drogas; prostituição; exploração sexual infantil; trabalho feminino

precarizado; favelização; degradação das habitações; aumento dos

conflitos pela posse de terra; responsabilização privativa no cuidado

de idosos, doentes, pessoas com deficiência e crianças;

competitividade e individualismo nas relações pessoais, etc.

(SANTOS, 2007, p. 05).

Portanto, o impacto social da reforma do Estado, abalou e ainda abala a vida

das famílias, pois a realidade atual das famílias apresenta-se em um quadro de

agudização das condições de vida, influenciado, principalmente, pela pobreza e pela

exclusão social. Além disso, o Estado não propicia politicas sociais que alterem o estado

de vulnerabilidade social nas quais as famílias se encontram.

De acordo com Mioto, Silva e Silva (2007), a nova conjuntura das políticas

sociais, tanto na formulação quanto na gestão, apresenta características como: a

focalização, a privatização e a descentralização na execução de programas e projetos

sociais. Isso resulta na penalização das famílias, pois o Estado vem transferindo

28

gradativamente sua responsabilidade para a sociedade civil. Ainda segundo Mioto, Silva

e Silva (2008, p. 02), o Estado neoliberal ao focalizar as políticas

[...] orienta os gastos públicos para os grupos mais vulneráveis e

descuida da prestação de serviços universais”, resultando um quadro

de serviços públicos insuficientes para as famílias, [...] tanto aquelas

consideradas pobres, excluídas e vulneráveis e, portanto merecedoras

da atenção pública, como de um grande contingente de famílias [...]

que não dispõe dos recursos para a compra de serviços, ficando cada

vez mais expostas aos riscos e a deterioração.

Com esse tratamento, nota-se que no cotidiano das famílias houve o aumento

da violência, do subemprego e submissões a trabalhos precarizados, bem como o

acirramento da pobreza e da exclusão social, a partir disso evidencia-se que no âmbito

da satisfação das necessidades e reprodução da família da classe trabalhadora, são

presenciadas uma série de negações de bens materiais e culturais, nos quais são

considerados indispensáveis à conservação física, moral, social e cultural se seus

membros.

Ao final deste primeiro capítulo, evidenciou-se por meio da construção teórica,

que a família é historicamente constituída, suas alterações e modificações estão

atreladas às transformações do mundo, sobretudo por meio das transformações nas

relações de trabalho e de produção. Ao tratar do desenvolvimento histórico, cultural e

social da instituição familiar, entende-se que após a constituição do capitalismo,

especialmente, a família da classe trabalhadora, se constitui sob condições precárias. No

Brasil, a exemplo, desde o início da formação da sociedade capitalista, e atualmente

com suas reformulações, a família vêm sendo excluída de qualquer processo de

apropriação e de redistribuição de bens socialmente produzidos.

29

2 A VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: A

NEGLIGÊNCIA FAMILIAR EM DEBATE

A proposta deste capítulo, em seu primeiro ponto, é discutir de forma breve o

conceito e as características da violência; o segundo item tem o propósito de discutir a

violência doméstica, na qual a negligência familiar será contextualizada de forma mais

ampla do que os demais tipos de violações. E por fim, a partir dos documentos e

instrumentos legais de proteção a esse segmento populacional, o último ponto será

fundamentado no estudo sobre o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do

Adolescente, bem como sua importância para a promoção, defesa e controle dos direitos

da criança e do adolescente.

2.1 BREVE ESTUDO APROXIMATIVO SOBRE A VIOLÊNCIA

Por se tratar de um assunto complexo e conflitante, a violência sempre foi

estudada por vários autores,por diversificadas áreas de pesquisa e em diferentes

momentos da história. Desta maneira, ressalta-se que não há uma teoria ou definição

única para a questão da violência, mas sim estudos e pesquisas que se assemelham, se

completam ou mesmo se contradizem.

Nos seus estudos, Michaud (1989) relata que, etimologicamente, a palavra

“violência” advém do latim violentia, e tem por definição: a veemência, impetuosidade,

além do mais, na raiz latina, vis significa “força”, isto é a força em ação, o recurso da

força exercida em certo corpo, com a finalidade de provocar dor, sofrimento ou

prejuízos em suas posses. Contudo, embora a força seja o cerne da violência, ela não

deve ser reduzida como a única forma de definição para um ato violento.

De acordo com Balista et al (2004), além da violência física, a violência pode se

manifestar de outras formas, como a violência sexual, a psicológica e a negligência.

Neste sentido, a agressão física ou verbal, abuso sexual, abandono ou a violação dos

direitos humanos, dentre outros, podem também ser caracterizados e considerados como

atos de violência.

Ao buscar a definição pela Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a

violência, encontra-se a seguinte afirmativa:

30

A violência se expressa do uso da força física ou do poder, real ou em

ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou

uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar

em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou

privação. (SILVA; SILVA apud OMS, 2005, p. 15).

No entanto, contextualizam Silva e Silva (2005) que a conceituação acima citada

delimita o termo às agressões ao corpo, bem como restringe o exercício da violência

para determinado espaço ou tempo, ou ainda, determina quais são os atores e sujeitos

que vivenciarão a violência. Assim, “[...] a violência mais do que uma ação situada em

determinado momento e de modo localizado, pode se manifestar de forma continuada e

ampliada territorialmente.” (SILVA; SILVA, 2005, p. 15).

As mesmas autoras corroboram com a definição de Marilena Chauí, para a qual

a violência é uma expressão que envolve vários fatores à sua execução. Em primeiro

momento, a violência é algo que se vale da força para coagir um sujeito e esses atos

podem ser contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade. Em segundo momento, a

violência é todo ato de transgressão contra o que uma sociedade define como justo e

como um direito. Consequentemente, a “[...] violência é um ato de brutalidade, sevícia e

abuso físico e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais

definidas pela opressão e intimidação, pelo medo e o terror.” (SILVA; SILVA, apud

CHAUÍ, 2005, p. 15).

Portanto, a violência é uma forma de relação social e também caracterizada por

relações interpessoais. No primeiro caso, a violência se expressa por meio das relações

sociais, pois está atrelada ao modo pelo qual os homens produzem e reproduzem suas

condições sociais, econômicas e culturais, assim a violência expressa padrões de

sociabilidade, modos de vida ou de pensamentos vivenciados em algum momento do

processo histórico. (GUERRA, 2005).

Confirmando essa afirmativa, Silva e Silva (2005) expõem que

[...] como instrumental e mediática, a violência é detentora de uma

certa racionalidade, à medida que é eficaz em alcançar o fim que deve

justificá-la. Em virtude de sua instrumentalidade, a violência perde o

carácter mágico ou demoníaco que comumente lhe é atribuída.

(SILVA; SILVA,, 2005, p. 17).

31

Portanto, a violência deve ser analisada no campo das relações sociais, como

algo constituído e construído, além disso, deve ser caracterizada fora do contexto

organicista, como algo “natural” à vida humana. (SILVA; SILVA, 2005).

Ao mesmo tempo em que a violência é consequência das relações sociais, num

segundo prisma de análise é também fruto de relações interpessoais, isso significa que a

violência fica evidente nas relações particulares, seja entre homens e mulheres, entre

adultos e crianças, entre adultos e idosos, ou então entre profissionais de diferentes

categorias, entretanto sua consequência é frequentemente a mesma: a conversão de

sujeitos em objeto, sua coisificação. (GUERRA, 2005).

Para Balista et al (2004), a violência, apesar de atingir a todos, desenvolve-se e

atinge de forma mais hostil e intensa os grupos considerados mais vulneráveis da

sociedade, como as crianças e os adolescentes, os idosos, as mulheres, e também a

classe trabalhadora. Assim, é necessário entender que a violência está presente em todos

os meios e tem causas diversas, no entanto, suas manifestações tendem a serem maiores

em grupos vulneráveis, tanto pela questão do poder das relações interpessoais quanto

pela vulnerabilidade social e econômica, advindos da percepção da violência como uma

das expressões da Questão Social no modo de produção capitalista.

De acordo com Balista et al (2004), a violência é construída socialmente e vai

além das questões biológicas ou emocionais. A partir disso, é necessário compreender

os aspectos que ultrapassam as concepções organicistas e/ou naturalistas que insistem

em tratar a violência no modo de produção capitalista. Por este motivo, segundo Cavalli

(2009), a violência estrutural por muitas vezes deixa de ser questionada ou percebida,

além do mais, para a autora, a violência estrutural em muitos casos sequer é considerada

uma violência realmente.

Por conseguinte, a autora explicita que a violência estrutural é uma forma de

violência que é fruto das relações desiguais que surgem com o modo de produção

capitalista e se materializam devido à naturalização das relações de exploração. Assim,

[...] esta forma de violência consiste na imposição de regras, valores e

normas, de forma que estas pareçam naturais e necessárias ao

desenvolvimento da sociedade capitalista e ao progresso. Esta

violência envolve tanto o caráter econômico - da estrutura, quanto do

ideológico - superestrutura, uma vez que a ação violenta se dá no

plano material, mas que se utiliza da ideologia para legitimá-la

socialmente e torná-la imperceptível. (CAVALLI , 2009, p. 06).

32

Com isso, verifica-se que as questões que surgem a partir da violência estrutural

atingem especialmente a classe trabalhadora e, como mencionado acima, são

caracterizadas pela pobreza, pela miséria, exclusão e vulnerabilidade social. No entanto,

todas as questões descritas são camufladas pela ideologia da classe dominante, já que

“[...] a principal característica dessa forma de violência é a sua sutileza e discrição, uma

vez que seu circuito reprodutivo supõe um aliado central: o processo permanente de

naturalização de gestos e de procedimentos [...].” (CAVALLI, 2009, p. 6-7).

Em referência a este pensamento, Costa e Porto (2008) afirmam que o Estado,

através de suas instituições e de seu poder, restringe aos cidadãos o acesso às políticas e

aos direitos sociais básicos, e isso é reflexo de um Estado que organiza as políticas

públicas a fim de atender prioritariamente aos interesses do capital financeiro e apenas

residualmente às demandas postas pela classe trabalhadora.

A partir disso, as situações descritas vêm ocasionando uma incessante restrição

e/ou limitação dos recursos destinados aos serviços públicos e provocando queda da

qualidade das políticas públicas, sejam da educação, da saúde, da habitação, assim como

dos programas e projetos destinados a grupos vulneráveis. Essas situações propiciam,

como explicam Costa e Porto (2008, p. 09),

[...] todas as características de uma prática de violência estrutural: não

é natural, mas sim histórica e socialmente produzida; possui raízes

profundas nas relações de poder; apresenta resquícios de autoritarismo

social; é, política e geograficamente, demarcada; tem objetivos

determinados; define, propositadamente, seus destinatários; afeta

principalmente cidadão com reduzida capacidade de defesa; alimenta

a ostentação de poucos com o sofrimento de muitos; amplia as

disparidades sociais; cerceia oportunidades e legítimos projetos de

vida; inibe a escolha racional, favorecendo a escolha constrangida:

mendicância, tráfico, delinquência, por exemplo; fomenta

preconceitos e causa danos morais, psicológicos, físicos e até a morte.

Assim sendo, a forma de violência aqui estudada se traduz nas condições em que

as famílias se encontram na contemporaneidade, além do mais a violência estrutural

fomenta o surgimento de condições insalubres, moradias precárias, desemprego e não

usufruto de direitos sociais fundamentais essenciais para o desenvolvimento da

instituição familiar. (COSTA; PORTO 2008).

33

2.2 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: A

NEGLIGÊNCIA FAMILIAR EM FOCO

De acordo com Guerra (2005), a criança está de uma forma ou outra, submetida

constantemente aos adultos. Essa submissão, segundo a autora, na maior parte do tempo

é vista como algo natural e não como algo social. A autora relata que a criança quando

nasce é direcionada para um universo de relações em que suas necessidades serão

respondidas em detrimento das condições sociais do adulto, desta forma, segundo

Guerra (2005, p. 94), esse sentimento de superioridade do adulto sobre a criança “[...]

não é apenas de confronto entre o poder biológico da criança e seus desejos de fome,

sede, sono, mas sim entre este mesmo poder biológico e as condições sociais existentes

para satisfazer suas necessidades, ou seja, de como o adulto pode vir a satisfazer este

tipo de necessidade”.

Portanto, a criança é socialmente dependente do adulto e essa necessidade na

qual ela se encontra, de viver num mundo concebido pelo adulto, a obriga a se submeter

a ele. Portanto, “[...] as caraterísticas da infância devem ser percebidas em termos de

relação recíproca criança-adulto e não criança-natureza.” (GUERRA, 2005, p. 94).

Assim,

A criança dirige ao adulto um certo número de demandas, sejam elas

vitais, inconscientes, afetivas, sociais ou conscientes. O adulto reage a

estes aspectos em função de sua personalidade, seus conflitos, seus

problemas, seus desejos, etc. A sociedade responde às exigências da

criança em termos do seu modo de produção, suas estruturas, sua

organização, etc. [...] (GUERRA, 2005, p. 94).

No entanto, como mencionado, a autoridade do adulto sobre a criança é

analisada como algo constituído naturalmente e não como algo construído socialmente.

É pelo pensamento da autoridade natural que a criança, segundo a sociedade, deve se

submeter ao adulto, assim “[...] a criança deve se submeter-se ao adulto porque ele lhe é

naturalmente superior.” (GUERRA, 2005, p. 95). Além do mais, de acordo com a

mesma autora, a sociedade identifica a autoridade e a submissão da criança como algo

produtivo, ou seja, algo bom para o crescimento e desenvolvimento da criança. E na

maioria das vezes essa tarefa ou missão dos adultos em relação à criança é encarada de

forma positiva.

34

Em meio a essas determinações de caráter histórico e social, a violência contra

crianças e adolescentes se manifesta, materializando-se tanto em consequência das

relações subjetivas e/ou interpessoais quanto como resultado das relações sociais, como

por exemplo, através da violência estrutural. Além disso, ela pode se manifestar em

diversas formas e lugares, nas instituições, no Estado, assim como na família.

Entretanto, neste trabalho, se analisará de forma breve a violência doméstica, pois a

negligência familiar, tema do presente estudo, desenvolve-se de forma mais visível e

sob um olhar menos aprofundado no seio familiar.

Com isso, a violência doméstica contra a criança e/ou adolescente pode ser

definida como:

Todo ato ou omissão, praticado por pais, parentes ou responsáveis

contra crianças e/ou adolescentes que, sendo capaz de causar dano

físico, sexual e/ou psicológico à vítima, implica numa transgressão do

poder/dever de proteção do adulto e, por outro lado, numa coisificação

da infância, isto é, numa negação do direito que crianças e

adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição

peculiar de desenvolvimento. (GUERRA, 2005, p. 32-33).

Segundo Silva e Silva (2005), a violência doméstica apesar de possuir um alto

grau de incidência, é pouco registrada pelo Estado e discutida pela sociedade, isto

porque, a violência doméstica é reproduzida geralmente em meio privado e contêm uma

carga considerável de aceitação cultural. Somente há poucos anos, com o advento de

leis protetivas como o Estatuto da Criança e do Adolescente, os casos de violência

doméstica e intrafamiliar tem deixado de pertencer exclusivamente à esfera privada e

passaram a ser objeto de intervenção, de proteção e de punição aos agressores por parte

do Estado.

Ainda segundo as autoras, “[...] as pesquisas e os programas de atendimento ou

de defesa de direitos têm apontado que o agressor, na quase totalidade dos casos de

violência doméstica, é o pai ou a mãe, havendo casos em que os dois participam da

violência.” (SILVA; SILVA, 2005, p. 55).

No entanto, salienta Gregório (2007), que a violência doméstica carece ser

questionada e analisada num contexto além das concepções imediatistas. Em vista disso,

ela não pode ser antecipadamente concebida pela ótica em que de um lado está o

agressor motivado por sua “má índole” e, de outro uma vítima, pois como dito

35

anteriormente é preciso analisar o contexto em que ela ocorre para, então, apreender os

seus determinantes.

Para conceituar as formas de violência vivenciadas pela criança e/ou adolescente

no âmbito familiar, antes de tudo, é essencial compreender que apesar da literatura

subdividir e classificar as formas de violência, em muitos casos, a criança e/ou

adolescente acaba por vivenciar mais de um tipo de violência.

Assim sendo, segundo a literatura especializada9, a violência doméstica pode ser

classificada em: violência sexual; violência física; violência psicológica e negligência.

Ressalta-se, ainda, que os autores utilizam diversamente os termos: abuso, agressão ou

violência para as modalidades física, sexual e psicológica. Não obstante, geralmente as

conceituações se assemelham quanto ao seu conteúdo. Desta forma, em consequência

do tema proposto pela pesquisa, o trabalho irá analisar de forma breve os tipos de

violência, entretanto de forma mais aprofundada a negligência familiar.

De acordo com Guerra (2005), a violência sexual pode se configurar por um ato

ou o um jogo sexual, tendo por base a relação hetero ou homossexual, é praticada por

um ou mais adultos e uma criança e/ou adolescente. Além disso, a violência sexual tem

por objetivo o estímulo sexual da criança e/ou adolescente, ou então o próprio estímulo

sexual do agressor.

Ainda, segundo Gonçalves apud National Information Clearinghouse (2003, p.

161), o abuso sexual “[...] inclui a manipulação dos genitais da criança, o intercurso

sexual, o incesto, o estupro, a sodomia, o exibicionismo e a exploração comercial na

prostituição ou através da produção de material pornográfico”. O abuso sexual é de

difícil percepção, pois ele se desenvolve, em grande parte do seu tempo, através do

silêncio e da cultura do medo.

Assim, o silêncio é uma marca do abuso sexual intrafamiliar, já que ele envolve

mais diretamente a criança. Em certas conjunturas, mesmo quando percebido e

identificado, o abuso sexual não é anunciado ou impedido. Isso ocorre, atribui

Gonçalves (2003), por decorrência de diversos fatores, dentre eles a literatura traz

exemplos em que as questões familiares contribuem para a ocorrência e a continuidade

do abuso na família.

9 Entre autores especializados, o presente trabalho consultou: Maria Amélia Azevedo e Viviane Nogueira

de Azevedo Guerra (2000); Hebe Signorini Gonçalves (2003); Viviane Nogueira de Azevedo Guerra

(2005).

36

Já a violência física, conforme Gonçalves apud National Information

Clearinghouse (2003) se caracteriza pela produção de injuria física como resultado de

socar, bater, chutar, morder, queimar, sacudir ou outras formas de ferir a criança.

Considera-se a violência física como uma das formas mais cruéis e severas de abuso

contra crianças e/ou adolescentes. Segundo Gonçalves apud Deslandes (2003, p. 159),

“[...] no Brasil, a violência física é um dos tipos de abuso mais frequentemente

identificados nos diversos serviços, e usualmente essa alta incidência é associada ao

modelo cultural que justifica a punição corporal como medida educativa”.

Em seus estudos, Guerra (2005) define a violência psicológica como um

processo em que o adulto constantemente deprecia a criança e/ou adolescente,

causando-lhe geralmente um grande sofrimento mental. Além do mais, a violência

psicológica manifesta-se através de humilhações, ameaças que fazem diminuir a

autoestima daquele sujeito.

Nas páginas anteriores a discussão centrou-se na violência definida pela ação,

como, por exemplo, a violência física, o abuso sexual, assim como a violência

psicológica. Entretanto, a partir de agora, a discussão terá por objetivo a compreensão

da violência assinalada pela omissão, isto é, quando os direitos deixam de ser

assegurados no âmbito doméstico e que possam trazer riscos no desenvolvimento da

criança e/ou do adolescente, caracterizada, aqui, como negligência familiar.

Em matéria publicada no site G1, a jornalista Rosanne P‟Augustine (2014) relata

que a negligência familiar contra crianças e adolescentes encontra-se como a violação

de direitos que mais possuiu notificações nos Conselhos Tutelares do Brasil no ano de

2013, sendo aproximadamente 13.218 casos relatados no Sistema de Informação para

Infância e Adolescência (SIPIA), superando, até mesmo, a violência física e a sexual.

A respeito de uma possível penalização, a jornalista enfatiza a dificuldade de

definir e concretizar punições para o agente violador, isso porque, não há definições

legais no Estatuto da Criança e do Adolescente e nem no Código Penal que apontam a

negligência como conduta criminosa. Assim, não há como punir a negligência familiar,

no entanto em alguns casos específicos o Código Penal cita algumas penalizações. De

forma sucinta,

O ECA e a Constituição tratam da negligência, porém, não há uma

tipificação penal, nem no ECA, nem no Código Penal e ninguém pode

ser punido, exceto se o caso se configurar como maus-tratos ou

abandono de incapaz, previstos no Código Penal, [...]. O estatuto só

prevê penas de multa em casos de pais que descumprem os deveres do

37

poder familiar, como sustento, guarda e educação dos filhos. (G1,

2014, s/p.).

Desta forma, os crimes passíveis de penalização pelo Estado são o abandono de

incapaz e maus-tratos. O abandono de incapaz está tipificado no artigo 133 do Código

Penal Brasileiro e ocorre quando uma pessoa que está sob seu cuidado, guarda,

vigilância ou autoridade é abandonada por quaisquer motivo, e que seja incapaz de

defender-se dos riscos resultantes do abandono. A pena varia entre seis meses a três

anos de detenção, podendo ser mais grave se desse abandono resultar lesão corporal de

natureza grave ou morte, ou ainda, se o crime for praticado por ascendente, descente,

conjugue, irmão tutor ou curador da vítima, ou ainda, se a vítima for maior de 60 anos.

(BRASIL. CPB, 1940).

Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua

autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino,

tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados

indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado,

quer abusando de meios de correção ou disciplina:

Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa.

§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

§ 2º - Se resulta a morte:

Pena - reclusão, de quatro a doze anos.

§ 3º - Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra

pessoa menor de 14 (catorze) anos. (Incluído pela Lei nº 8.069, de

1990) (BRASIL.CPB, 1940 – grifo nosso).

Considerando estes elementos, identificou-se na literatura sobre os direitos da

criança e do adolescente, que a negligência no âmbito familiar não possui definições e

motivos claros para sua manifestação. De acordo com Costa et al. (2012), apesar de se

notar um esforço nos estudos referentes aos aspectos relacionados à negligência

familiar, é notório também que a maioria dos autores se lança na tarefa de apenas

delimitá-la como uma categoria, procurando separá-la do contexto social em que

famílias se encontram.

As diversas tentativas de descrição do conceito de negligência assinalam para

uma indefinição do termo, tem-se a exemplo, a indefinição que ocorre no próprio

Estatuto da Criança e do Adolescente, que não propõe qualquer definição de

negligência, embora o termo seja citado em alguns de seus artigos. (COSTA, et al.,

2012).

38

No entanto, mesmo possuindo o conhecimento sobre as falhas nos estudos sobre

a negligência familiar, alguns autores procuram discutir de forma crítica esta violação,

procurando, assim, seu real contexto. Com isso, numa primeira definição, o termo

negligência familiar se apresenta como

[...] uma omissão em termos de prover as necessidades físicas e

emocionais de uma criança ou adolescente. Configura-se quando os

pais (ou responsáveis) falham em termos de alimentar, de vestir

adequadamente seus filhos etc., e quando tal falha não é resultado das

condições de vida além do seu controle. (GUERRA, 2005, p. 33).

Nota-se que Guerra (2005), ao compreender a negligência no âmbito familiar,

identifica também que as falhas originadas da ação ou omissão dos pais ou responsáveis

podem constituir-se como consequências de condições de vida que extrapolam o

controle da família.

Com isso, por mais que se defenda que as crianças e adolescentes precisam de

amor e compreensão, bem como um lar para seu livre desenvolvimento, é notório que a

vivência da infância no Brasil é marginalizada e desigual. Assim, é preciso verificar

quais são as condições de vida que o Estado e a sociedade possibilitam para a família,

pois é preciso analisar antes de tudo se a família tem realmente possibilidades de

oferecer o amparo e a estrutura necessária à suas crianças e adolescentes, que tem por

direito o desenvolvimento sadio e harmonioso.

De forma resumida, a negligência familiar se manifesta pela ausência dos

cuidados físicos, emocionais e sociais. Segundo Gregório (2007), a presença de

condições que caracterizam a negligência em muitos momentos confunde-se com

condições de vulnerabilidade da família.

É nesta perspectiva que Gonçalves (2003) busca caracterizar a negligência,

representando-a como um fracasso em termos de prover as necessidades básicas da

criança ou do adolescente. Ainda, a autora classifica a negligência em: negligência

física, negligência educacional e negligência emocional.

A negligência física inclui recusa ou postergação na busca de cuidados de saúde,

abandono, expulsão do lar ou recusa da permissão de retorno ao lar, bem como a

supervisão inadequada. A negligência educacional inclui falhas em matricular o filho na

escola em idade de ensino obrigatório, assim como o não acompanhamento e

monitoramento da frequência e desempenho escolar. E por fim, a negligência emocional

39

consiste na negligência por desatenção, pela falta de cuidados psicológicos, e também

pela falta de noções de afetividade. (GONÇALVES, 2003).

Ainda em conformidade com Gonçalves (2003), torna-se complexo compreender

e diferenciara intencionalidade dos pais e as dificuldades e carências de recursos

socioeconômicos presentes na família. Estudos demonstram também o entendimento de

que a “[...] a negligência é a única modalidade de violência contra a criança que se

define não pela ação dos pais, mas ao contrário pela sua omissão.” (GONÇALVES,

2003, p. 166).

Além deste argumento, a autora relata que a negligência tem sua incidência em

famílias com maior grau de pobreza e de exclusão, embora não se possa generalizar.

Deste modo, no Brasil, a dificuldade em diferenciar negligência e pobreza é

particularmente aguda. Com isso,

O desamparo familiar e a privação econômica, associados ao baixo

nível de informação de grande parcela da população, são

características comuns num país marcado por profunda desigualdade

social; são também traços usualmente relacionados ao comportamento

negligente dos pais. (GONÇALVES, 2003, p. 166).

Além das condições socioeconômicas das famílias, Pfeiffe e Hirschheimer

(2011, p. 40-41), salientam “[...] que a negligência pode ser causada pela falta de

consciência dessa forma de mau trato pelos próprios pais, que ocorre por meio da pouca

valorização, da menor importância, da falta de tempo, da atenção que nunca aparece e

do carinho que nunca chega”.

Outros autores, como Pasian et al. (2013), discutem a negligência como

resultado de uma dinâmica entre vários fatores, sejam econômicos, sociais,

comunitários e ou pessoais. A análise sobre a negligência, segundo os autores, é

complexa, pois é de difícil identificação sobre quais omissões ou comportamentos

devem ser considerados casos de negligência.

Neste sentido, os autores afirmam que há muitas variáveis de contexto para que

ocorra a negligência, “[...] como a idade da criança, o nível de desenvolvimento, o

estado físico e mental, como também o entendimento dos pais da situação, seus esforços

e a existência e qualidade de programas e serviços na comunidade.” (PASIAN, 2013, p.

65).

Ainda, de acordo com Pasian et al. (2013, p. 65), a negligência pode ocorrer

independentemente da pobreza, pois a violência retratada é resultado de “[...] déficits de

40

habilidade/comportamentos parentais”. Essa afirmativa explicaria, segundo os autores, a

ocorrência de múltiplas situações de negligência em famílias que não possuem

dificuldades econômicas.

Afirma-se, também, que em vários casos a negligência costuma ser utilizada

para justificar e descrever quadros de pobreza, não culpabilizando, desta forma, a

negligência por parte dos pais ou responsáveis, mas da sociedade e das condições

adversas presenciadas pelas famílias. (PASIAN, 2013).

A pobreza e a carência de recursos materiais, embora se constituam

em fatores de risco para a negligência, conforme o mencionado, não

são em si suas causas, [...]. A pobreza, contudo, aumenta a

vulnerabilidade social das famílias potencializando outros fatores de

risco presentes e deve ser enfrentada pela intervenção de ajuda

idealizada, ou mais propriamente por políticas macrossociais de

melhor distribuição de renda. (PASIAN et al., 2013, p. 66).

Desta forma, por mais que as pesquisas na área social indiquem que a

negligência no âmbito familiar é um dos tipos de violência mais detectados entre os

serviços, a negligência até hoje não possui a devida atenção do Estado e da sociedade,

portanto, entre as políticas sociais, essa forma de violência recebe menos atenção do

que, por exemplo, a violência física ou a violência sexual. (GONÇALVES, 2003).

Por fim, segundo Berberian (2015), é evidente que as famílias que vivem e

convivem com condições de vida precarizadas, bem como perpassando pelas mais

diversas expressões da Questão Social, como o desemprego/subemprego, a exclusão

social, a pobreza, a violência, o uso/abuso de drogas, entre outros desdobramentos da

Questão Social, são constantemente avaliados pelos profissionais em relação a

capacidade protetiva de suas crianças e adolescentes, desempenhando, desta forma, um

lugar de completa responsabilização pela oferta de cuidados e serviços a esses sujeitos.

Assim, os profissionais em sua maioria, não trazem para o debate a fundamental

presença do Estado e da sociedade como provedores de um sistema de garantia de

direitos, tendo por referência a responsabilização apenas da família pela violação

presenciada. (BERBERIAN, 2015).

São estes conhecimentos que balizam a existência de um Sistema de Garantia de

Direitos que possa materializar e defender os direitos fundamentais das crianças e

adolescentes, é por isso que no próximo ponto, a discussão será centrada na análise e

discussão do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGD), que

41

posteriormente será fundamental para a construção do terceiro e último capítulo do

trabalho, na qual tem por objetivo: compreender e analisar como tem sido o

entendimento dos atores do SGD em relação à negligência familiar.

2.3 O SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE: UM MECANISMO DE PROTEÇÃO DA INFÂNCIA

O Brasil obteve significativo avanço na garantia de direitos na área da infância e

da adolescência a partir da década de 1980, de acordo com Guerra e Azevedo (2000),

pois em meados desta década inicia-se uma ampla luta e questionamentos sobre o então

vigente “Código de Menores” (1979) e da “Política Nacional de Bem-Estar do Menor”

(1964). Também se constatou o aumento de denúncias sobre as situações de violência e

pobreza nas quais as crianças brasileiras se encontravam.

Para as autoras, a mudança ocorrida a partir dos trabalhos e estudos na

Assembleia Nacional Constituinte, instaurada em 1986, foi essencial para construir

novas possibilidades para os direitos da criança e do adolescente, como a revogação da

legislação do período autoritário. Assim, se travou uma incessante luta para a aprovação

dos artigos que faziam menção aos direitos sociais, a exemplo do artigo 22710

, na qual

assegurava que

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao

adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e

comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,

discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL,

1988).

Da mesma forma, as conquistas sobre os direitos da criança e do adolescente no

Estado brasileiro foram consequências de Convenções e de documentos internacionais,

dos quais o Brasil foi signatário, tais como: os documentos da Organização das Nações

Unidas (ONU) emergidos com a Convenção dos Direitos da Criança em 1989, assim

10

Vale mencionar que a Emenda Constitucional nº 65, de 13 de julho de 2010, alterou o artigo 227 com a

finalidade de introduzir os interesses e direitos da juventude, desta forma, é dever da família, da sociedade

e do Estado assegurar à criança, ao adolescente, assim como ao jovem todos os direitos fundamentais e

com absoluta prioridade.

42

como posteriormente o Programa de Ação de Viena (1993).11

(BIDARRA; SALATA,

2013).

Para legitimar o reconhecimento dos direitos da criança e do adolescente e

revogar as legislações anteriores, iniciou-se uma nova luta a qual culminou com a

aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente no ano de 1990. (GUERRA;

AZEVEDO, 2000). Desta forma,

No Brasil antes da promulgação da Constituição de 1988 e do ECA

(1990) havia um descompasso entre as demandas de alguns dos

movimentos sociais pelo reconhecimento da importância da infância e

da adolescência e a inexistência de instrumentos legais que pudessem

garantir e oferecer direitos e proteção social a esse segmento

populacional. (GREGORIO; BIDARRA, 2007, p. 5).

Com isso, conforme as autoras foram os novos dispositivos legais que

confirmaram a mudança doutrinária em relação aos direitos da infância, a alteração se

desenvolveu pela substituição da denominada Doutrina da Situação Irregular12

para a

Doutrina da Proteção Integral, “[...] a qual presume que crianças e adolescentes são

pessoas em situação peculiar de desenvolvimento e por isso devem gozar de todos os

direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, competindo à família, à sociedade em

geral e ao Estado, garanti-los.” (GREGORIO; BIDARRA, 2007, p. 5).

Portanto, o Estatuto da Criança e do Adolescente compreende a criança e o

adolescente como sujeitos de direitos, deixando de entendê-los como objetos de

violência e repressão, na qual gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à

pessoa humana. Pode-se dizer também, que neste momento consolida-se a primazia em

receber proteção e socorro em qualquer circunstância; precedência no atendimento por

serviço ou órgão público de qualquer poder; preferência na formação e execução de

11

Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, ocorrida em Viena no ano de 1993: reafirma o

compromisso solene de todos os Estados em promover o respeito universal e a observância e proteção de

todos os direitos humanos e liberdades fundamentais de todas as pessoas, em conformidade com Carta

das Nações Unidas, outros instrumentos relacionados aos direitos humanos e o direito internacional.

(ONU, 1993. Disponível em:

<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/viena.htm.>. Acesso em 01

dez. 2015). 12

A Doutrina da Situação Irregular, presente no Código de Menores de 1979, configurou-se como um

conjunto de regras jurídicas que se dirigiam a um tipo de criança ou adolescente específico, aquele que

estava inserido num quadro de exclusão social, além do mais essa tutela enfatizava um entendimento

discriminador e inferiorizado em relação à criança e/ou adolescente vítimas da violência e negligência.

(VERONESE, 2013).

43

políticas sociais e destinação privilegiada de recursos públicos às áreas relacionadas

com a proteção da infância e juventude. (ARDIGO, 2009).

Para o enfrentamento e a garantia dos direitos da criança e do adolescente é

indispensável uma série de políticas que articulem ações governamentais e não-

governamentais. É nesta perspectiva, que Gregorio e Bidarra (2007, p. 6) relatam “[...] a

necessidade de se construir e propor políticas públicas que tenham por objetivo

assegurar de forma simultânea e articulada, um sistema de atendimento às vítimas de

violência”. Há que se considerar, ainda, a atenção de propor políticas públicas e um

sistema de garantia de direitos para a promoção e controle de serviços que possam

prevenir ações que ameacem o desenvolvimento de crianças e de adolescentes.

Devido à relevância deste fato, criou-se a partir do Estatuto da Criança e do

Adolescente um Sistema de Garantia de Direitos (SGD) que está disposto no artigo 86 e

na Resolução nº 113 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

(Conanda) no ano de 2006, nas quais se materializam através de uma rede estruturada

de proteção e de atendimento. (FERREIRA, 2013).

A partir disso, o SGD se caracteriza por articular e integrar as instâncias públicas

governamentais e da sociedade civil para a aplicação de instrumentos normativos e para

o funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle dos direitos humanos

da criança e do adolescente. Além disso, o SGD deve articular suas ações com outros

sistemas nacionais de operacionalização de políticas públicas, em especial nas áreas de

saúde, educação, assistência social, trabalho, segurança pública entre outras. (BRASIL,

2006).

Assim, no Art. 2º da referida Resolução, o Conanda dispõe que compete ao SGD

promover, defender e controlar a efetivação dos direitos civis, políticos, econômicos,

sociais, culturais e coletivos de crianças e adolescentes, colocando-os a salvo de

ameaças e violações a quaisquer de seus direitos. Significa a articulação e integração

das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil na aplicação de

instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e

controle para a efetivação dos direitos da criança e do adolescente, nos níveis Federal,

Estadual, Distrital e Municipal.

Assim, como mencionado, o SGD é composto por três eixos: o eixo de

promoção; o eixo de defesa e o eixo de controle e efetivação dos direitos de crianças e

adolescentes brasileiros. (BRASIL, 2006).

44

O primeiro eixo, a Promoção dos Direitos, possui como norte a política de

atendimento aos direitos humanos de crianças e adolescentes e operacionaliza-se por

meio de programas, serviços e ações públicas. Os principais atores e órgãos

responsáveis pela promoção de direitos humanos de crianças e adolescentes são as

instâncias governamentais e da sociedade civil que se dedicam ao planejamento das

políticas sociais básicas e específicas, bem como ao atendimento direto e indireto,

prestando serviços públicos e/ou de relevância pública, como os ministérios do governo

federal, secretarias estaduais e municipais, os Conselhos Setoriais (responsáveis por

planejar e deliberar sobre as políticas sociais básicas, como saúde, educação, assistência

social, etc.), os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, as Entidades de

Atendimento Governamentais e Não-governamentais, as fundações, etc. (CEDCA-CE,

2007).

O segundo eixo é disposto por mecanismos que defendem os direitos das

crianças e adolescentes através de instâncias públicas e legislações, assim como através

do acesso à justiça e de organismos jurídicos. Os principais atores e órgãos são o Poder

Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Sistema de Segurança Pública,

os Conselhos Tutelares, bem como As ouvidorias e entidades de defesa de direitos

humanos, incumbidas de prestar proteção jurídico-social.

E por fim, o terceiro eixo tem por objetivo o controle e efetivação das ações de

promoção e defesa dos direitos, desta forma o eixo se apresenta através dos Conselhos

nacional, estaduais e municipais dos direitos da criança e do adolescente, os conselhos

setoriais de formulação e controle de políticas públicas, assim como através de

representações da sociedade civil, de instituições, dos órgãos e os poderes de controle

interno e externo definidos na Constituição Federal.

Além disso, de forma geral, o controle social é exercido soberanamente pela

sociedade civil, por meio das suas organizações e articulações representativas. Em meio

aos direitos fundamentais da criança e do adolescente, neste trabalho, evidencia-se a

importância do direito ao convívio familiar e comunitário. Tal direito é disposto no Art.

227 da Constituição Federal de 1988 e particularmente no Art. 19 do Estatuto da

Criança e do Adolescente, na qual explicita que:

Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado educado no seio

da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada

a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença

de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. (BRASIL,

1990).

45

Assim, o reconhecimento deste direito torna-se essencial para a promoção de

políticas públicas na área da família, nas quais a promoção, defesa e controle se fazem

necessários para assegurar o convívio familiar e comunitário nas suas famílias de

origem, ou então em famílias substitutas. (BRASIL, 1990).

Portanto, a questão da violência contra crianças e adolescentes no âmbito

doméstico, em especial a negligência familiar é uma questão complexa que deve ser

enfrentada por uma equipe consciente e especializada, além disso, para a garantia de

direitos das crianças e adolescentes é essencial um conjunto de instituições e serviços

que se articulem para desempenhar de melhor forma seus papeis.

46

3. A COMPREENSÃO DE NEGLIGÊNCIA FAMILIAR A PARTIR DOS

ATORES QUE COMPÕEM O SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS DA

CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DO MUNICÍPIO DE CASCAVEL/PR

Este capítulo terá por finalidade a construção da análise e interpretação dos

dados coletados a partir da pesquisa de campo. Para isso, em primeiro momento, o

capitulo buscará apresentar os procedimentos metodológicos presentes na pesquisa, isto

é, expor quais os métodos, critérios e as técnicas utilizadas para a coleta de dados. Além

disso, em segundo momento, o capítulo apresentará e identificará os participantes da

pesquisa. E para finalizar, o último ponto trará a análise e interpretação dos dados

coletados através de três eixos, nos quais se buscará compreender e analisar as respostas

dos atores do SGD em relação à negligência familiar.

3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Os procedimentos metodológicos adotados para a realização de uma pesquisa

indicam, sistematizam e detalham a maneira como o pesquisador procede na execução

de sua investigação sobre o tema e o problema propostos, sempre em conformidade com

o aporte teórico adequado para apreensão, compreensão e análise de seu objeto de

pesquisa.

Considerando, assim, para identificar de que forma os atores que integram o

Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente do município de

Cascavel/PR entendem a negligência familiar, o presente trabalho utiliza a pesquisa com

abordagem qualitativa, a qual de acordo Minayo (1994), é aquela que proporciona maior

possibilidade de serem obtidos dados mais íntimos, mais profundos e pessoais,

semelhantemente àqueles obtidos em estudos de caso. Com esse tipo de pesquisa busca-

se responder qual o conhecimento e as concepções que as pessoas têm sobre o problema

em pauta.

Para desenvolver o estudo optou-se pela pesquisa exploratória, a qual, segundo

Gil (2009), é caracterizada por proporcionar maior familiaridade com o problema a fim

de explicitá-lo. Num primeiro momento, utilizou-se de um levantamento bibliográfico

que teve por objetivo definir as categorias de análise, assim como identificar quais

seriam os autores e obras estudadas. No segundo momento da pesquisa, passou-se à

investigação sobre o objeto através da pesquisa de campo.

47

A pesquisa de campo foi realizada, portanto, após o levantamento bibliográfico e

exploratório, através da técnica de coleta de dados através de questionários, que foram

enviados aos atores que fazem parte do SGD do município de Cascavel/PR. Desta

forma, na técnica do questionário, o informante escreve ou responde por escrito a um

elenco de questões cuidadosamente elaboradas. Tem-se vários benefícios no que diz

respeito à utilização de questionários, sendo que uma delas é a vantagem de possibilitar

aos participantes uma maior elaboração em suas respostas. Para a pesquisa proposta, foi

utilizado um questionário que oferece perguntas abertas, pois entende-se que as mesmas

não induzirão os participantes, além de se diminuir o conformismo e as respostas

objetivas sem a devida reflexão.

Assim, aplicou-se o questionário para aqueles que aceitaram fazer parte da

pesquisa, bem como concordaram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (Apêndice II). Além disso, antes da aplicação definitiva do questionário, a

pesquisadora entrou em contato com os participantes por meio de visitas institucionais

e/ou por meio de telefonemas, explicando os objetivos da pesquisa e combinando os

prazos para devolução do mesmo.

Sobre os participantes da pesquisa, é impossível precisar quantos atores fazem

parte do SGD no município de Cascavel, porém é possível identificar os órgãos e

entidades governamentais e não governamentais que o compõe. Neste sentido, optou-se

por trabalhar com uma parcela desses atores, através de uma amostra não probabilística,

que seleciona um subgrupo que possa ser considerado representativo de toda a

população. (BARROS; LEHFELD, 1999).

Várias instituições fazem parte do SGD, assim como profissionais, conforme já

detalhado no Capítulo 2 do presente estudo: os Conselhos Tutelares, os Conselhos

Municipais, Estadual e Federal dos Direitos da Criança e do Adolescente, os demais

Conselhos de políticas públicas (Saúde, Educação, Assistência Social, dentre outros),

instituições de acolhimentos, Vara da Infância e Juventude, Ministério Público,

Defensoria Pública, programas públicos e entidades não governamentais de atendimento

a crianças e adolescentes, entre outros.

A partir da diversidade dos componentes do SGD, a pesquisa procurou

selecionar diferentes atores, de diferentes instituições e de diferentes áreas,

considerando a experiência acadêmica e profissional da pesquisadora, da assistente

social supervisora de campo e da professora orientadora do presente Trabalho de

Conclusão de Curso. Assim, a amostra selecionada compõe-se de 10 (dez) profissionais

48

que integram e representam 08 (oito) órgãos do SGD do município de Cascavel/PR, por

considerá-los representativos. São eles: Ministério Público, Vara da Infância e

Juventude, Conselho Tutelar, Conselho Municipal dos Direitos da criança e do

Adolescente (CMDCA), Programa Família Acolhedora, Entidade não governamental de

atendimento a crianças e adolescentes, Hospital Universitário e Secretaria Municipal de

Educação.

Vale ressaltar que na pesquisa realizada não foram utilizadas informações das

instituições e órgãos em que os atores estão inseridos, pois os mesmos contribuíram a

partir de suas experiências como profissionais integrantes do SGD. Assim, o próximo

item do presente capítulo tem por objetivo apresentar e caracterizar brevemente os

participantes da pesquisa.

Após a coleta dos dados através da técnica do questionário foi necessário

proceder à sistematização, interpretação e análise das informações obtidas, para isso foi

utilizada a técnica de análise temática. A análise temática, segundo Minayo (1998, p.

209), “[...] consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação

cuja presença ou frequência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado

[...]”.

Assim, para se realizar a análise e a interpretação das informações obtidas, o

item 3.3 apresentará três eixos que se relacionam com o objeto da pesquisa. Estes três

eixos estão em conformidade com as perguntas e questionamentos feitos pela

pesquisadora através da técnica do questionário.

Desta forma, o primeiro eixo tratará sobre a questão da família, na qual será

analisada e interpretada a forma pelas quais os atores compreendem o direito à família,

assim como o direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes.

No segundo eixo, a pesquisa irá analisar as questões referentes à negligência familiar

como, por exemplo, os fatores causadores desse tipo de violência e os responsáveis pela

violação. Para finalizar, o terceiro eixo irá considerar as possibilidades que os atores

sinalizam para a superação das violações de direitos contra crianças e adolescentes, em

especial a negligência familiar.

Vale ressaltar que os nomes dos participantes e seu pertencimento aos órgãos do

SGD não serão identificados, em conformidade com a Resolução 466/2012-CNS/MS, a

fim de preservar a privacidade dos mesmos. Assim, para análise e interpretação dos

dados os participantes serão identificados por P1, P2,... P10.

49

Desse modo, antes de iniciar a análise e a interpretação dos dados, o trabalho irá

apresentar a caracterização dos participantes, assim tem-se a necessidade de conhecer e

identificar as áreas, a formação profissional dos mesmos, assim como o tempo de

atuação do profissional na área identificada.

3.2 APRESENTAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES DA

PESQUISA

Conforme as considerações metodológicas já apresentadas, foram 10 (dez) os

participantes considerados atores representativos do SGD do município de Cascavel/PR.

A pesquisa procurou envolver atores de diferentes áreas que promovem ações dispostas

nos eixos que representam o SGD, isto é, o eixo de promoção dos direitos humanos, o

eixo de defesa, e o por fim o eixo referente ao controle e a efetivação dos direitos das

crianças e adolescentes.

O gráfico a seguir tem por objetivo demostrar quais são as áreas de formação

dos profissionais participantes da pesquisa.

Gráfico 1. Formação profissional dos participantes da pesquisa

20%

30%20%

10%

20%

Serviço Social Psicologia Pedagogia Direito Enfermagem

Fonte: Dados da pesquisa (2015).

Os dados coletados através dos questionários permitem sinalizar que 30% dos

participantes, isto é 3 (três) profissionais são formados em Psicologia. A formação em

Serviço Social, Pedagogia e Enfermagem (Nível Técnico) aparecem em seguida com

20% de representação cada uma, ou seja, surgem com 2 (dois) profissionais

50

representantes da área profissional. E por fim, o Direito é representado com apenas 1

(um) profissional, totalizando 10% da representatividade da pesquisa

Gráfico 2. Tempo de atuação na área da criança e do adolescente

20%

20%

20%

20%

20%

Menos de 2 anos De 2 a 5 anos De 5 a 10 anos De 10 a 15 anos De 15 a 20 anos

Fonte: Dados da pesquisa (2015).

Observa-se, através do Gráfico 2, que os participantes estão divididos em cinco

grupos diferenciados em relação ao tempo de atuação profissional no SGD e nota-se que

os dez participantes estão divididos igualmente (dois em cada) nos períodos de atuação

na área, observando-se que a pesquisa de campo foi realizada com atores em diferentes

níveis de experiências e vivências. Esse é um fato relevante para a análise dos

resultados finais da pesquisa, pois poderão ser observadas diferenças de concepção

conforme o tempo de experiência dos profissionais.

51

Gráfico 3. Áreas representadas na pesquisa

10%

30%

10%20%

10%

10%

10%

Educação Assistência Social Poder Judiciário Saúde

Conselho de Direitos Ministério Público Conselho Tutelar

Fonte: Dados da pesquisa (2015).

No gráfico 3 estão registradas as áreas que serão representadas na presente

pesquisa, assim em primeira apresentação, a assistência social é a área que mais está

sendo representada na pesquisa, com um total de 30%. Em seguida, contabiliza-se 20%

de atores que representam a saúde, e por fim, com o mesmo número de participantes,

apresenta-se a área de educação, Conselho de Direitos, Ministério Público, Conselho

Tutelar e Poder Judiciário possuindo cada um 10% de representividade.

Ainda, vale ressaltar que a pesquisa abrangeu oito órgãos/entidades, no entanto,

apenas sete áreas de atuação são representadas na pesquisa, pois se identifica que mais

de um órgão se encaixa na mesma área.

3.3 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

3.1.1 Eixo 1: Família e o direito à convivência familiar e comunitária

Este eixo tem por objetivo a análise e a compreensão das respostas dadas pelos

atores em relação ao direito à família, assim como ao direito de crianças e adolescentes

ao convívio familiar e comunitário. Desta forma, analisando as respostas dadas,

observa-se que os atores possuem compreensões diferenciadas em relação ao direito à

família, como, por exemplo, para P9:

52

É o direito de “pertencer”, de segurança, de ser amparado física e

emocionalmente, de saber o seu lugar no mundo, de aprender amar e

ser amado e, além disso, de experienciar as primeiras emoções com

este grupo, bem como as primeiras regras sociais. Direito à família

em essência pode ser entendido como o direito de “existir”, de

tornar-se humano, e, por conseguinte, cidadão.

Observa-se através da resposta dada, que o participante P9 entende que a família

possui um papel importante para educar social e emocionalmente os indivíduos. Para o

participante, a família constituiu-se num grupo fundamental para moldar as

características presentes nos indivíduos, assim como se apresenta como um lugar de

segurança, pois seu papel seria garantir de forma segura a vida emocional e material dos

seus integrantes.

Além do mais, identifica-se por meio dos participantes P4 e P5 que o direito à

família significa, respectivamente:

Fazer parte de uma família é ter a devida atenção que o ser humano

em desenvolvimento necessita. Direito a atenção de adultos

experientes que demostrem as normas e regras da sociedade. (P4).

É o direito a ser criado por figuras humanas que permitam a criança

o seu adequado desenvolvimento em termos de nutrição, amparo

material, afeto, proteção, estabilidade emocional e formação da

personalidade. É um direito fundamental para a preservação e

continuidade da própria humanidade. (P5).

Ao se analisar os conteúdos das respostas, identifica-se que a família possui uma

função formativa e protetiva em relação aos seus membros, principalmente em relação à

criança e ao adolescente, neste sentindo, a família parece ser muito valorizada pelos

participantes. Porém, como já mencionado neste trabalho, as famílias, em alguns

momentos, não apresentam condições materiais e emocionais para desempenhar funções

protetivas e formativas, especialmente para aqueles sujeitos em desenvolvimento, ou

seja, crianças e adolescentes. Isso é relatado pelo participante P2 a qual expõe que

A família é o primeiro núcleo social com o qual o indivíduo se

relaciona, é na família que a criança aprende regras e normas

básicas de convivência, bem como estabelece laços de afetividade,

relevantes para o desenvolvimento da identidade do individuo [...].

(P2).

53

Não há como contestar o papel da família na formação dos indivíduos, como já

identificado no decorrer desse estudo, a família, apesar das suas diferentes

características, sempre se apresentou como fundamental na construção da sociedade.

Com isso, a família possui a particularidade de se alterar conforme as necessidades das

relações sociais, tais dados reforçam o entendimento que a definição de família não se

constitui como algo simples e fácil, pois este caminho pode restringir as inúmeras

possibilidades de constituição de um grupo familiar.

Este é, portanto, um entendimento essencial para não delimitar os sentidos que o

direito a família contém. Assim, o sentido de família constitui-se como um complexo,

em que há vários tipos de arranjos familiares, na qual cada indivíduo possui seu

reconhecimento e sentido pessoais para a instituição familiar. Ainda, nos registros dos

questionários, observa-se que um participante entende o direito à família como um

direito de

[...] viver em contato direto com pai, mãe e demais familiares. (P8).

A realidade, no entanto, demostra que o modelo e arranjo familiar citado por P8,

embora continue detendo a hegemonia vem se alterando e abrindo espaço para outros

arranjos familiares, que diferenciam-se desse padrão tradicional apresentado (FAVERO,

2001). Com isso, a família tradicional denominada de família nuclear, formada por pai,

mãe e seus filhos, não se encontram mais com a mesma intensidade na realidade, pois,

as relações sociais alteraram-se principalmente com as modificações no modo de

produção capitalista.

Com base no exposto, identifica-se que o participante P8 não parece apresentar

com ênfase os outros arranjos familiares. Assim, é importante considerar que existem

arranjos familiares em que, por exemplo, o grupo doméstico é maior que a família

nuclear, acrescentando outros parentes, como afilhados, primos, tios e também os avós.

Além do mais, têm-se também os casos em que os grupos têm uma composição

menor que a família nuclear, tais como casais sem filhos, por exemplo, irmãos solteiros

sem pais. Mas o caso mais comum de família assim “incompleta” para os padrões

tradicionais é o das famílias matrifocais, isto é, formadas basicamente por mães e filhos

ou avós e netos. (FÁVERO, 2001, p. 123).

Essa forma de pensar a família é relatada pelo participante P1 que descreve o

direito à família como

54

O direito à convivência familiar (independentemente da composição

familiar), desde que esta seja um lugar seguro para o

desenvolvimento da criança e/ou adolescente. (P1).

Ainda, para os participantes P10 e P7 o direito à família é o direito instituído

pelo Art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente, assim como instituído em outras

leis. Desta forma:

Toda criança ou adolescente tem o direito de ser criado e educado no

seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituída,

assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre

da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

(P10).

Os constantes na Constituição Federal, ECA e Legislação correlata.

(P7).

Assim, analisa-se que os participantes entendem o direito à família de acordo

com informações legais, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, a CF/1988, bem

como outros documentos. Desta forma, como já mencionado, a família passou por

grandes transformações. A família então patriarcal foi se alterando para arranjos mais

igualitários, tanto cultural e socialmente como em nível legal, especialmente após a

Constituição Federal de 1988 e as alterações promovidas pelo Novo Código Civil em

2002 (Lei Federal nº 10.406), em que a

Família deixa de ser aquela constituída unicamente através do

casamento formal, ou seja, composta de marido, mulher e filhos. Hoje,

abrange as unidades familiares formadas pelo casamento civil ou

religioso, união estável ou comunidade formada por qualquer dos pais

ou descendentes, ou mãe solteira (não há necessidade de um marido

para ser declarada uma família). Acaba, assim, com qualquer

discriminação entre cônjuges e estabelece a igualdade entre os filhos.

(SANTOS, 2003, s/p.).

Portanto, ao observar as respostas dadas pelos participantes P10 e P7

compreende-se que estes possuem uma visão de arranjos familiares mais expandidos do

que, como, por exemplo, o participante P8. No entanto, analisando-se as leis e o

cotidiano do trabalho na equipe do Serviço de Acolhimento familiar (experiência de

Estágio Supervisionado em Serviço Social I e II), especialmente com as famílias,

entende-se que no Brasil, o discurso legal em que a família é base da sociedade e que

deve ser protegida de forma especial pelo Estado, em muitos momentos, não se

55

apresenta de forma concreta na realidade dos serviços e programas ofertados pelo

próprio Estado.

Em comparação com a análise sobre o direito à família, os atores do SGD, de

uma forma geral não opinaram de maneira diferenciada no que diz respeito ao direito de

crianças e adolescentes ao convívio familiar e comunitário. Deste modo, observando as

respostas dadas nota-se que os profissionais apresentam conhecimentos claros sobre os

direitos de crianças e adolescentes. Assim, os participantes descreveram quais seriam os

direitos de crianças e adolescentes em relação ao convívio familiar e comunitário. Desta

forma, destaca-se o relato do participante P1:

Toda a criança e adolescente tem direito ao convívio familiar (exceto

quando ocorrem situações extremas, que coloquem a vida ou a

segurança da criança, ou adolescentes em risco) e comunitário,

inclusive num ambiente livre de drogas. A criança e o adolescente tem

direito ao desenvolvimento físico, moral, mental, espiritual e social.

Além de todos os direitos inerentes ao ser humano (à vida, à saúde, à

alimentação, à educação), ainda tem direito à proteção especial e de

estar a salvo de qualquer discriminação, negligência, exploração,

violação ou crueldade. Tem ainda direito ao lazer e ao esporte, à

cultura, à dignidade, ao respeito e à profissionalização, tendo assim o

direito ao convívio comunitário. (P1).

O direito à convivência familiar e comunitária é um direito

fundamental da criança e adolescente e conforme a lei, quando a

criança tem seus direitos violados por sua família de origem ela deve

ser retirada temporariamente [...]. (P3).

Constata-se, que os profissionais destacam que é direito da criança e do

adolescente o direito de conviver com sua família de origem e/ou natural, isto é, ser

criado(a) pelos seus pais ou então por qualquer deles, bem como sua família extensa.

Entretanto, identifica-se também, que os atores do SGD indicam que em casos de

violações de direitos a criança e ou adolescente sejam afastados de suas famílias de

origem, priorizando sempre o direito da convivência com uma família substituta e em

meio à comunidade.

Portanto, observou-se que os atores relatam que excepcionalmente a criança e ou

adolescente devem ser afastados do seu convívio familiar de origem, assim como citam

que as violações de direitos são as maiores causas destes afastamentos, porém não

especificaram nas respostas as causas e os motivos dessas violações.

Os dados apresentados nos questionários possibilitaram da mesma forma

analisar que apenas um participante demostrou a importância do Estado na fomentação

56

e garantias de direito de crianças e adolescentes ao convívio familiar e comunitário,

dessa maneira, o participante P2 explicita que:

[...] o Estado – poder público - deverá fomentar ações que priorizem

a convivência da criança e do adolescente, a sua família de origem e

em excepcionalmente em família substituta, essa conivência refere-se

ao fato de que haja esforço de todos a família, sociedade e Estado em

buscar estratégias para o não afastamento da criança e adolescente

de sua família natural e principalmente sua não institucionalização.

(P2).

O desejável seria que os profissionais relatassem a presença e a responsabilidade

do Estado e da sociedade na promoção e na prevenção para o não rompimento dos

vínculos familiares, entretanto este ponto será abordado com as discussões nos eixos

posteriores, com isso, os próximos eixos terão por objetivo a análise das questões sobre

a negligência familiar, isto é, quando já houve a violação de direito, e ainda, no último

eixo a discussão sobre uma possível superação da negligência familiar.

3.3.2 Eixo 2: A compreensão de negligência familiar a partir dos atores do SGD

Este eixo terá por objetivo a análise e interpretação dos dados que foram

coletados por meio de questionários enviados aos atores do SGD do munícipio de

Cascavel/PR quanto à negligência familiar. Para isso o questionário utilizou-se de

questões que permitissem o questionamento do que seria a negligência familiar na

compreensão dos participantes, além de questionamentos que indicassem os possíveis

responsáveis pela violação, assim como sobre a frequência e a identificação da

negligência familiar no cotidiano do seu trabalho, bem como da equipe profissional.

A violência contra crianças e adolescentes é uma realidade que deve ser

enfrentada como algo construído historicamente e não como algo natural, assim é

necessário que os profissionais, especialmente os que representam o SGD, protejam de

forma integral e saibam identificar de maneira crítica as violações, assim como garantir

os direitos fundamentais de crianças e adolescentes, na forma de promoção, proteção e

controle social.

No entanto, mesmo com o dever da família, Estado e sociedade de garantir os

direitos fundamentais de crianças e adolescentes, a realidade é que em muitos casos

crianças e adolescentes desenvolvem-se em meio à violência, sendo uma delas a

57

negligência familiar. Tendo em vista que a realidade demonstra essa forma de violência,

a pesquisa questionou os atores sobre a frequência e se a equipe à qual pertence já havia

identificado casos de negligência familiar, com isso constatou-se que todos os atores

representados na pesquisa já presenciaram, de variadas maneiras, esta forma de

violência,

Sim, a maioria dos casos de acolhimento que vem para este serviço

são resultados de negligência da família em relação à saúde, escola,

entre outras formas de negligência. (P3).

Infelizmente sim. Esta é uma realidade cotidiana dos serviços que

atuam no Sistema de Garantia de Direitos. (P9).

Infelizmente, vários casos. (P6).

Desta maneira, os dados apresentados permitem afirmar que há vários casos de

negligência familiar contra crianças e adolescentes identificados pelos atores que

compõem o SGD do município de Cascavel, pois relatam a presença frequente e

cotidiana nos seus espaços de atuação. Além do mais, observou-se na própria

experiência diária no campo de estágio supervisionado em Serviço Social que são

rotineiros os inúmeros casos de negligência que, num primeiro momento, aparentam ser

de responsabilidade única das famílias.

Embora tenha havido dificuldades para se obter dados específicos do munícipio

de Cascavel tendo em vista o objetivo da pesquisa, os dados coletados no site SIPIA

indicam que a negligência no âmbito familiar está presente no topo das violações

denunciadas e relatadas pelos conselheiros tutelares de todo o Brasil. Assim, constatou-

se que entre o período de 01/01/2015 a 31/12/2015 foram registrados 5.908 casos

apenas no estado do Paraná.

Tabela 01- Violações de direitos contra crianças e adolescentes no estado do

Paraná - 01/01/2015 a 31/12/2015 – SIPIA

Negligência Familiar 5.908

Violência Sexual 1.721

Violência Física 1.141

Violência Psicológica 990

FONTE: SIPIA, dados coletados para o TCC, 2016.

58

Apesar de a negligência familiar ser registrada com frequência como violação de

direitos, percebe-se que, ainda, é pouco estudada. Isso porque, ao fazer o levantamento

bibliográfico notou-se pouco material que discutisse a negligência no âmbito familiar,

na biblioteca da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, por exemplo, havia apenas

um trabalho em nível de graduação e pós-graduação.

Quando questionados em relação à definição de negligência familiar, a maioria

dos atores relatou a omissão e a falta de atenção e cuidados como as principais

características desta forma de violência.

A negligência familiar de modo geral está relacionada à falta de

cuidados e de investimentos sobre a criança e seria impossível

denominar todos os nuances dessa modalidade de violação de

direitos. Algumas situações são claramente observáveis tais como:

falta de nutrição adequada, falta de higiene, falta de atendimento

médico quando necessário, falta de inserção ou acompanhamento

escolar. (P5).

Considero negligência familiar como constantes omissões à criança e

ao adolescente, que colocam em risco seu desenvolvimento físico,

mental e intelectual. Pode ser dar em relação aos cuidados básicos,

como à higiene, à saúde, à alimentação, à escolarização e também

com relação ao afeto. (P9).

Toda e qualquer omissão do grupo familiar (genitores e família

extensa) em relação aos direitos e necessidades da

criança/adolescente. (P10).

Toda situação que os filhos ficam em situação de risco, abandono de

incapaz, abandono intelectual. (P6).

A partir disso, de acordo com os atores, a negligência no âmbito familiar possui

como características: a falta ou a omissão em suprir adequadamente os direitos

fundamentais da criança e do adolescente, tais como a falhas em termos de alimentar, de

vestir, a falta de acompanhamento e supervisão escolar, falhas nos cuidados relativos à

higiene e ou mesmo em cuidados médicos.

Observa-se por meio do participante P6 que a negligência familiar pode

caracterizar-se também por situações que coloquem em risco a segurança da criança e

do adolescente, como o abandono de incapaz. Anteriormente a pesquisa já evidenciou

que o abandono de incapaz, juntamente com os maus tratos, configura-se como as

únicas formas de negligência passíveis de punição pelo Código Penal. Portanto, as

59

violações acima representadas, especialmente o abandono de incapaz, também são

caracterizadas como negligência familiar embora não tipificadas como tal.

Além desses elementos apontados pelos participantes da pesquisa, a negligência

familiar foi também caracterizada como o não provimento de cuidados afetivos e

intelectuais. Essas situações foram identificadas nas respostas dos participantes P1 e P2:

A negligência familiar pode ocorrer de diversas formas, que pode se

configurar desde o abandono material, abandono afetivo, em relação

à saúde, educação. (P2).

É a omissão, [...] pode ser também a indiferença para com a criança.

(P2).

Assim, verifica-se que além das situações observáveis, outras requerem uma

maior apreensão para serem identificadas, a exemplo das situações por falta de afeto,

pois não são perceptíveis tanto quanto os indicadores físicos da criança e do

adolescente.

Tão importante quanto a definição e caracterização da negligência familiar por

parte dos atores do SGD, a presente pesquisa também questionou em relação à

responsabilização pela ocorrência da negligência familiar. A partir dos dados,

identificou-se que os atores tiveram opiniões diversas, pois em alguns casos eles

responsabilizaram ou enfatizaram em primeiro momento a família pela violação.

Todos os componentes do grupo familiar (genitores e família extensa)

da criança/adolescente. (P10).

O responsável pela negligência é a família. (P3).

Em primeiro lugar os pais e os demais familiares, depois a

comunidade em geral. (P8).

Com isso, verifica-se que em muitos momentos responsabiliza-se apenas e

unicamente a família pela negligência familiar. Como já evidenciado nos capítulos

anteriores, a família não é uma instituição isolada, ela absorve as relações sociais e

econômicas impostas pelo contexto em que vive.

Desta forma, é necessário considerar ambos os fatores que levam à violência: as

relações interpessoais e as relações sociais. No entanto, deve-se destacar, no caso da

negligência familiar, objeto dessa pesquisa, que quem comete a violência, geralmente a

família ou os adultos responsáveis pelos cuidados e atenção à criança e ao adolescente,

60

em sua maioria, são antes de tudo violentados por um modo de produção desigual, ou

ainda, por um Estado que defende os interesses do capital.

Desta forma, os fatores individuais, inerentes às relações subjetivas e

interpessoais, como os relatados no capítulo anterior, existem e devem ser levados em

conta, mas a violência que se desenvolve em forma de negligência familiar deve ser

observada a partir de um olhar mais crítico, especialmente pela violência estruturada

pelo modo de produção capitalista.

É perceptível também que a literatura estudada e alguns atores do SGD

relatarem que as violações de direitos contra crianças e adolescentes aconteçam

independentemente da situação social em que as famílias se encontram. Entretanto,

observando-se o cotidiano do trabalho da equipe do Serviço de Acolhimento Familiar e

demais instituições da rede de proteção dos direitos da criança e do adolescente,

identifica-se que poucos são os casos de negligência familiar apresentados em famílias

com um poder aquisitivo mais alto, especialmente em casos caracterizados pela omissão

de cuidados físicos e materiais.

Certamente a análise apresentada acima não deixa de considerar que a

negligência familiar possa acontecer também em famílias que possuem condições

econômicas e sociais favoráveis, entretanto, vale ressaltar que o Brasil possui e

apresenta um contexto social, histórico e cultural que possibilita questionamentos em

relação à responsabilização apenas da família, ou então, pensamentos que direcionem a

negligência familiar como algo “natural” e não como uma construção histórica.

Há que considerar, ainda, que apesar da negligência familiar se situar como

consequência de uma violência estrutural e em famílias vulneráveis, não

necessariamente deve-se concluir que a negligência familiar aconteça em todas as

famílias da classe trabalhadora. Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente

explicita que a situação de pobreza e de falta de recursos não sejam tomadas como

justificativas para o afastamento familiar, o que ocorreu num passado não muito distante

e ainda está presente nas práticas cotidianas.

Neste contexto, analisa-se que alguns atores participantes da pesquisa discutem,

ainda, a necessidade de responsabilizar o Estado e a sociedade pela ocorrência da

negligência familiar. Assim, para os atores:

61

Toda a sociedade, representada pelo Estado, pela comunidade e pela

família – esta que muitas vezes foi e continua sendo negligenciada

reiteradamente em seus direitos fundamentais. (P9).

A negligência pode ser praticada por pais e responsáveis; porém não

se pode esquecer que o Estado é o maior negligenciador dos direitos

fundamentais de crianças e adolescentes no Brasil. A falta de acesso à

educação infantil é um significativo exemplo de negligência praticado

pelo Estado. (P2).

É possível inferir que esses participantes da pesquisa apresentam uma ideia

diferenciada da perspectiva de alguns participantes citados anteriormente,

principalmente na resposta do participante P2, com isso, analisa-se que alguns atores

entendem que o Estado, assim como a sociedade, também são responsáveis pela

negligência, mesmo que estas aconteçam primeiramente em âmbito familiar.

Identifica-se que entre os atores há compreensões distintas sobre a

responsabilização da negligência familiar, desta forma, por meio das respostas,

identificou-se os atores que responsabilizam apenas a família (pai, mãe e família

extensa), assim como aqueles que sinalizam a responsabilidade do Estado e da

sociedade.

Desde modo, observa-se que o Estado, como problematizado no primeiro

capítulo, não vem estruturando e efetivando políticas públicas que fortaleçam a família.

Assim, apesar do avanço nas últimas décadas em relação às políticas públicas, constata-

se a fragilidade em efetivá-las, pois o Estado, na realidade, conduz as políticas públicas

para que elas não alterem a lógica do capital.

Portanto, diante das considerações foi possível apreender que em muitos casos

de abandono familiar e omissão por cuidados básicos com a criança e adolescente, a

família também foi e é abandonada pelo Estado a partir da não efetivação das políticas

públicas e das múltiplas expressões da Questão Social que vivenciam.

3.3.3 Eixo 3: Propostas para superação da negligência familiar

Os últimos questionamentos direcionados aos atores tiveram como objetivo a

indagação sobre uma possível superação da negligência familiar, para isso, foi

solicitado aos atores que se manifestassem tendo como princípio as experiências e

vivências profissionais na área da criança e do adolescente.

62

Diante dos dados, foi possível analisar que, em sua maioria, as respostas não

foram diferenciadas, contanto apenas com pequenas mudanças ou sugestões. Assim, em

primeiro momento, evidenciou-se que os profissionais destacam a importância das

politicas públicas no fortalecimento de vínculos familiares, para que assim, a questão da

negligência familiar seja superada. Entre alguns relatos, destacam-se os dos

participantes P5, P1, P2 e P8:

Investimento maciço em educação, saúde e demais políticas sociais

visando a prevenção e superação de situações de negligência. (P5).

[...] investir em políticas públicas mais abrangentes, menos

condicionantes. (P1).

Em minha opinião o melhor mecanismo para inibição da negligência

é a oferta de serviços públicos eficientes, prioritariamente

investimentos na política de educação e profissionalização. (P2).

Educação, emprego, estrutura familiar de acordo com a atualidade.

(P8).

A partir dos argumentos citados foi possível compreender que as políticas

públicas constituem-se como essenciais para potencializar a família, desta forma, a

família não deixaria de ser essencial para proteger os direitos. No entanto, a oferta de

políticas públicas como as de educação, saúde, assistência social e outras trazem

contribuições essenciais e apoio para melhorar o desempenho dos pais em relação às

garantias fundamentais da criança e do adolescente.

Constata-se também entre os relatos, a importância da prevenção sobre os casos

de negligência familiar, com isso, reafirmando, outra vez, o papel do Estado na

prevenção através de investimentos e efetivação de políticas públicas realmente

emancipatórias, na qual não sirvam apenas para a reprodução das expressões da Questão

Social.

Além disso, observou-se entre os atores, a importância da política de educação, a

qual tem o propósito de prevenir e tentar superar as violações de direitos vivenciadas

pela criança e/ou adolescente e pelas famílias. Assim, verificou-se que em cinco

questionários houve sugestões que se referiam à política de educação como uma das

principais ferramentas para superação da negligência familiar.

Em relação ao enfretamento à negligência familiar, os atores também destacaram

que é fundamental a melhoria nas condições de trabalho na área da criança e do

63

adolescente, e ainda, ressaltaram a importância de capacitações mais frequentes, para

que assim a rede de atendimento e o SGD proporcionem atendimentos mais específicos

em relação às violações de direitos contra crianças e adolescentes.

A efetivação de ações de qualificação profissional é fator

preponderante para a otimização das situações de violação de

direitos de crianças e adolescentes e de suas famílias. (P2).

Não se pode perder de vista a necessidade de capacitação constante

de todas as políticas para a detecção de famílias em situação de

vulnerabilidade e enfrentamento deste quadro. (P5).

Educação de qualidade com profissionais bem remunerados e

estimulados. (P7)

Percebo grandes dificuldades da rede de serviços básicos, talvez pela

falta de equipes, [...] acredito que para que a lei seja cumprida

necessita maior investimento nos serviços de atenção básica. (P3).

Essas informações confirmam que os profissionais demandam melhores

condições de trabalho para que, da mesma forma, tornem seus atendimentos mais

qualificados. Com a experiência adquirida através do Estágio Supervisionado em

Serviço Social I e II é possível afirmar que faltam equipes de trabalho na rede de

proteção e, geralmente, essas equipes não são capacitadas para realizar atendimentos de

forma crítica, no qual se espera que os profissionais compreendam criticamente e

objetivamente a realidade da criança e/ou do adolescente.

A falta de capacitações/orientações ofertadas pelos espaços de trabalho e pelo

Estado levam a atuações de cunho não reflexivo, de acordo com Berberian (2015), em

muitos momentos, a negligência familiar é compreendida de maneira diferenciada entre

os próprios membros da equipe, o conteúdo dos argumentos não permite identificar

quais são os critérios e métodos utilizados pelos profissionais para a definição e

identificação da negligência familiar, nem como realizar o acompanhamento específico

desses casos identificados.

As situações expostas, bem como as relatadas nas respostas do questionário,

inferem a necessidade de capacitações, orientações e informações sobre as diversas

formas de violência, assim como identificar as questões que se encontram além da

aparência apresentada ou do primeiro diagnóstico realizado. Portanto, considerando as

respostas dos participantes da pesquisa, observa-se a necessidade de investimentos em

capacitações e qualificações para os profissionais que atuam tanto na prevenção quanto

64

nas demais áreas que atuam com crianças, adolescentes e suas famílias, bem como

melhores condições de trabalho, entrosamento entre os componentes da rede de

proteção, estímulos e melhores salários.

Constatou-se, ainda, por meio das respostas dos questionários, que além de

sugestões que tinham por menção investimentos nas políticas públicas e na formação

dos profissionais, os atores apontaram sugestões que tinham como finalidade a mudança

na atuação e no comportamento da família. Este conteúdo está presente nas respostas

dos participantes P6 e P10, assim, como sugestão para a superação da negligência os

atores citados relataram que é necessário que:

Os pais exerçam suas funções e autoridade com amor e sabedoria,

sabendo seus limites, superando os desafios e adversidades do dia-a-

dia. Assim como: acompanhamento efetivo dos pais/ou responsáveis

aos seus filhos, no que se refere à saúde, à educação, a

responsabilidades, direitos e deveres. (P6).

[...] tenha maior orientação dos genitores e da família extensa quanto

à responsabilidade em relação às crianças/adolescente. (P10).

Analisando os relatos, observa-se que esses profissionais evidenciam a própria

família como o agente principal para a superação da negligência familiar, portanto,

nota-se que evidenciam a importância do papel da família no exercício e na função de

proteger seus filhos, assim como demonstram que os pais devem se responsabilizar para

garantir o acesso à saúde, à educação, à alimentação, isto é, os direitos fundamentais da

criança e do adolescente.

É possível perceber também que os participantes P6 e P10 entendem que a

criança e/ou adolescente vivencia a negligência familiar por falta de orientação ou por

falta de responsabilidade dos familiares. Entretanto, delimitar uma possível superação

dos casos de negligência familiar a partir, apenas, de orientações sobre as

responsabilidades das famílias para com suas crianças e adolescentes coloca-se como

uma sugestão parcial e unilateral, na medida em que esses profissionais parecem

culpabilizar a família de forma isolada pelas situações de negligência.

Não se pretende responsabilizar apenas o Estado, ou a sociedade sobre a

negligência familiar, mas é importante considerar que a família é uma instituição que

deve ser protegida pelo Estado, desta forma, o não acesso as políticas públicas e aos

direitos fundamentais contribuem para a perpetuação da pobreza, da violência, da

exclusão.

65

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo apresentou e teve como objetivo analisar a compreensão dos

atores do SGD do município de Cascavel em relação à negligência familiar vivenciada

por crianças e adolescentes. Para isso, foram elencados alguns objetivos específicos que

foram respondidos a partir da fundamentação teórica e com base nos dados da pesquisa

de campo. Diante disso, torna-se pertinente expor os resultados e considerações finais

sobre o trabalho realizado.

Histórica e contemporaneamente, constata-se que crianças e adolescentes sofrem

as mais diversas formas de violência, porém observou-se que a maioria dos casos

relatados no Brasil está relacionada com situações de negligência familiar,

especialmente quando se trata de violência doméstica. De acordo com Guerra (2005) e

Gonçalves (2003), a negligência familiar é o ato de omitir os direitos fundamentais da

criança e do adolescente, tais como o direito à saúde, à educação, à vestimenta, à

alimentação, além disso, a negligência familiar pode estar relacionada com a falta ou a

inexistência de afetividade e das necessidades emocionais. Nesta perspectiva, a família

é tomada como a única responsável pelas violações, retirando desse contexto o papel e a

responsabilidade do Estado e da sociedade sobre a promoção e defesa dos direitos

fundamentais de crianças e adolescentes como, por exemplo, à vida, à saúde, à

alimentação, à educação e à convivência familiar e comunitária.

No entanto, salientou-se neste trabalho, sobretudo a partir do primeiro capítulo,

que as famílias não se encontram como uma instituição isolada e que a partir das

mudanças ocorridas nas relações de produção ao longo do tempo, as relações sociais e

familiares também se transformam. Entre essas transformações, destacam-se as

mudanças na forma de organização e nos aspectos econômicos, sociais e culturais da

família.

Além disso, esse referencial teórico foi uma importante base para compreender

as formas anteriores da família, até chegar às alterações instituídas a partir da

estruturação do modo de produção capitalista. Compreendeu-se, por meio do estudo,

que as famílias da classe trabalhadora têm sido historicamente excluídas de qualquer

processo de apropriação da riqueza socialmente produzida.

Como consequência deste processo, observou-se que as famílias estão presentes

em uma relação antagônica e contraditória na sociedade burguesa, nas quais as

expressões da Questão Social desenvolvem-se a partir de suas múltiplas manifestações,

66

como a violência, a fome, o desemprego, dentre outras, que se tornam explícitas no

cotidiano e na vida de inúmeras famílias.

Tendo apontado o contexto social e histórico sobre as alterações na família, o

segundo capítulo demostrou brevemente o conceito sobre violência, explicitando que

sua construção é dada historicamente por relações interpessoais e também por meio de

relações sociais, sendo a violência estrutural exemplo desta. O desenvolvimento da

violência estrutural se dá pela concentração e pela apropriação particular da riqueza

gerada socialmente, limitando o acesso da classe trabalhadora a ínfimos meios para sua

sobrevivência.

É pertinente destacar que a pesquisadora discutiu a negligência familiar nesse

trabalho a partir de um espaço contraditório e crítico, embora o referencial construído

tenha exposto outras visões e compreensões a partir dos diferentes autores consultados,

que não evidenciam a negligência no âmbito familiar como algo gerado a partir das

expressões da Questão Social ou em uma visão mais crítica.

A partir desta construção teórica, assim como dos relatos obtidos a partir dos

atores que compõe o SGD do município de Cascavel/PR, acredita-se que o problema do

presente estudo foi respondido, no qual tinha por objetivo compreender qual é a visão

dos atores do SGD sobre a negligência familiar. Percebeu-se, então, com base na

interpretação e análise dos dados coletados, que os atores compreendem a negligência

familiar de maneira diferenciada, principalmente quanto à responsabilização sobre a

violação.

Em alguns relatos observou-se que a responsabilização recai sobre a família

unicamente, culpabilizando imediatamente o grupo familiar por suas ações. Por outro

lado, constatou-se, através dos relatos que outros atores evidenciam que a família não é

a única que deve ser penalizada, tendo em vista as falhas do Estado e das políticas

públicas em relação à função protetiva sobre as famílias. Assim, a partir das respostas

conclui-se que, principalmente, o Estado não vem efetivando os direitos e conquistas

que se expressam nos dispositivos legais, como os direitos sociais presentes na

Constituição Federal de 1988 e até mesmo no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Acredita-se que o conceito sobre o que seria negligência familiar, diferentemente

da responsabilização, obteve respostas semelhantes, nas quais a omissão, a falta de

atenção e cuidados caracterizam-se como os principais determinantes desta forma de

violência. Neste sentido, a negligência familiar, segundo os atores, está relacionada com

casos de omissão ou sobre a falta de cuidados com a saúde, educação, alimentação e

67

vestimenta. Verificou-se, também, que alguns profissionais relataram o abandono de

incapaz e a falta de cuidados afetivos e emocionais para com a criança e ou adolescente

como um tipo de negligência familiar.

Destaca-se, ainda, que os atores foram questionados em relação a uma possível

superação da negligência familiar, foi nesses relatos que evidenciou-se a falta de

capacitações e orientações para os próprios atores. Desse modo, a partir dos relatos

constatou-se o descontentamento dos profissionais em relação às condições de trabalho,

aos salários, à falta de equipe técnica, dentre outras questões.

Revelou-se, assim, alguns dos motivos da fragilidade de alguns atores por não

conseguirem relacionar e discutirem de forma mais crítica a negligência familiar, pois a

falta de oportunidades de capacitações específicas, de tempo, de recursos e de equipes

dificultam o trabalho e também a identificação mais precisa dos casos de negligência

familiar. Portanto, é evidente que não há como culpabilizar os atores, pois observa-se

que sofrem as mesmas pressões que os demais trabalhadores, envoltos numa cultura de

produtividade dentro do modo de produção capitalista e que há falhas em investimentos

nas próprias instituições por parte próprio Estado.

Embora a atuação do assistente social não tenha sido o objeto deste trabalho, o

Serviço Social não pode retirar-se deste debate, tendo em vista que o assistente social é

um dos principais atores que executam a política de atendimento à criança e ao

adolescente, assim como é um dos profissionais que mais possuem demandas

interventivas e investigativas relacionadas à negligência familiar e ao trabalho com as

famílias.

Entende-se que somente através da efetivação de políticas públicas, tanto para o

fortalecimento da família quanto para a melhoria nas condições de trabalho dos

profissionais, a realidade de inúmeras crianças e adolescentes terão por final a

transformação, especialmente quando a violência expressa seja uma forma de

reprodução social e historicamente produzida pelo modo de produção capitalista,

citando, como exemplo, a negligência familiar.

68

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APÊNDICES

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APÊNDICE I– FORMULÁRIO DE QUESTIONÁRIO COM OS

PROFISSIONAIS

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE

CURSO: SERVIÇO SOCIAL

PROFESSORA ORIENTADORA DE TCC: LUCIANA VARGAS NETTO OLIVEIRA

ACADÊMICO (A): ALICE LUCAS DOS SANTOS

OBJETIVO GERAL DA PESQUISA: Compreender e analisar a negligência familiar sofrida

por crianças e adolescentes a partir da visão dos atores que compõem o Sistema de

Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente do munícipio de Cascavel/PR

INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS: QUESTIONÁRIO

PARTICIPANTES DA PESQUISA: ATORES DO SISTEMA DE GARANTIAS DE DIREITOS DA

CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DO MUNÍCIPIO DE CASCAVEL/PR

IDENTIFICAÇÃO

NOME:

LOCAL DE TRABALHO:

1. Qual sua formação profissional?

2. Qual sua função ou cargo na instituição? Há quanto tempo o exerce?

3. O (a) Senhor (a) poderia descrever quais são os direitos da criança e adolescente em

relação ao convívio familiar e comunitário?

4. O que o (a) Senhor (a) entende por direito à família?

5. No trabalho cotidiano de sua equipe, o (a) senhor (a) já identificou algum caso de

negligência familiar?

6. O que o (a) senhor (a), com sua experiência na área da infância e adolescência,

considera o que seja a negligência familiar?

7. Em sua opinião, quem seria o(s) responsável (is) pela negligência vivenciada pelas

crianças e adolescentes?

8. Qual o papel do Estado e das políticas públicas em relação à família e suas

crianças/adolescentes?

9. Com o seu conhecimento, sua experiência o (a) Senhor (a) poderia dar alguma

sugestão ou opinião sobre o melhor caminho para superação da negligência familiar?

10. Em sua opinião o que falta para o Estatuto da Criança e do Adolescente ser

efetivado, principalmente em relação ao direito à convivência familiar e comunitária?

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APÊNDICE II- TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

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ANEXO

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