73
Universidade Estadual do Oeste do Paraná Campus de Toledo _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ MAIARA ALINE BAGETI VIOLÊNCIA FÍSICA DOMÉSTICA MOTIVADA POR MÉTODO EDUCACIONAL/DISCIPLINAR NO MUNICIPIO DE TOLEDO PARANÁ. _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ TOLEDO 2012

Universidade Estadual do Oeste do Paraná Campus de Toledocac-php.unioeste.br/cursos/toledo/servico_social/arquivos/2012/... · Por amor de Deus, me bata, mas não bata mais nessa

Embed Size (px)

Citation preview

0

Universidade Estadual do Oeste do Paraná Campus de Toledo _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

MAIARA ALINE BAGETI

VIOLÊNCIA FÍSICA DOMÉSTICA MOTIVADA POR MÉTODO

EDUCACIONAL/DISCIPLINAR NO MUNICIPIO DE TOLEDO – PARANÁ.

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

TOLEDO

2012

1

MAIARA ALINE BAGETI

VIOLÊNCIA FÍSICA DOMÉSTICA MOTIVADA POR MÉTODO

EDUCACIONAL/DISCIPLINAR NO MUNICIPIO DE TOLEDO – PARANÁ.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

curso de Serviço Social, Centro de Ciências

Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do

Oeste do Paraná, como requisito parcial à obtenção

do grau do Bacharel em Serviço Social.

Orientadora: Profa. Esp. Ane Barbara Voidelo

TOLEDO – PR

2012

2

MAIARA ALINE BAGETI

VIOLÊNCIA FÍSICA DOMÉSTICA MOTIVADA POR MÉTODO

EDUCACIONAL/DISCIPLINAR NO MUNICIPIO DE TOLEDO – PARANÁ.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

curso de Serviço Social, Centro de Ciências

Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do

Oeste do Paraná, como requisito parcial à obtenção

do grau de Bacharel em Serviço Social.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________

Orientadora: Profa. Esp. Ane Barbara Voidelo

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

___________________________________________________

Profa. Ms. Ester Taube Toretta

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

___________________________________________________

Profa. Dra. Zelimar Soares Bidarra

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Toledo, 28 de novembro de 2012

3

Aos meus pais Cléo e Ivonir, minha irmã

Daiana e meu namorado Leodacir, por serem

minhas bases de sustentação. Pelo amor,

carinho e dedicação despendidos. Amo vocês!

Também as crianças e aos adolescentes

vitimas da violência física doméstica motivada

por método educacional/disciplinar.

4

AGRADECIMENTOS

Obrigada Deus pela dádiva da vida, pelas possibilidades e pelas conquistas alcançadas

nesse percurso. Pelas pessoas maravilhosas que colocou na minha vida! Por ser o principio de

força e fé da nossa família!

Aos meus pais Cléo Francisco Bageti e Ivonir de Oliveira Bageti, por serem meus

pilares, minhas bases de sustentação. Obrigada por todo o amor despendido, pelos sacrifícios

que foram necessários para minha formação, por todos os momentos em que deixaram de lado

seus desejos, vontades ou até necessidades para saciarem os meus e as minhas! Obrigada por

cada palavra de apoio, pelo cuidado e atenção que mesmo por telefone me confortaram nos

meus momentos de crise (que não foram poucos)! Obrigada por tudo! Amo muito vocês!

A minha irmã Daiana Andressa Bageti, pelo amor, carinho e dedicação despendida em

todos os momentos, pelos desabafos, pelas risadas, pelas fofocas, pelas noites de sono que

passamos para conversar e matar a saudade, pela parceria na vida! Minha pequena eu amo

muito você! Ao meu cunhadinho e amigo Rafa que sempre me apoiou e me ajudou no que

necessitei, obrigada!

Ao amor mais apaixonante do mundo, pelo carinho, amor, atenção e cuidados

despendidos. Por estar ao meu lado em todos os momentos, principalmente na cansativa e

prazerosa construção desse trabalho. Obrigada por entender quando precisei me ausentar para

construir o TCC, estar por perto quando precisei do seu abraço, dar a sua opinião e ajudar a

construir a minha, por ditar os textos das citações e repetindo quando eu não escutava, por ir a

biblioteca comigo e me ajudar a procurar os livros, pela amizade, pelo companheirismo, pelo

apoio! Júnior eu amo muito você! Junto ao meu amor, quero agradecer aos seus pais pela

paciência, compreensão e apoio! Obrigada Leo e Iza!

A minha amiga-irmã Flávia, obrigada pelo apoio, carinho, pela dedicação. Por

comprar minha comida quando tive preguiça de ir ao mercado, pelos risos, choros, pelas

festas, pelas brigas, até mesmo pelas crises que foram muitas e que fortaleceram nossos laços.

Obrigada pela parceria, amo você!

As minhas amorinhas: Rafa, Cami, Jé, Ade, Val e Cacau, por todos os momentos

maravilhosos da universidade. Pelas risadas, pelas fofocas, pelos momentos “coleta para o

Butantã” (venenosas). Amo vocês e vou sentir saudades de incomodar, riscar, descabelar,

cantar, mas também por me escutarem e estarem ao meu lado nos perdidos e nas vitórias

dessa trajetória universitária!

5

Aos meus tios: Ivo, Loreci e Nair, pelo apoio, por se preocuparem comigo em todos os

momentos, principalmente nesse percurso que se encerra. Obrigada, amo vocês! Aos meus

avós Ema e Pedro (in memoriam), Venilda e Vidolino, pelo apoio, pela preocupação e atenção

despendidos a mim! Obrigada, amo muito vocês!

A professora Doutora Zelimar Soares Bidarra, pela trajetória de pesquisa e por todo

conhecimento proporcionado. Pelos puxões de orelha, pelos conselhos e pela contribuição na

minha formação! A cobrinha agradece! A querida Carminha pelo carinho e pela ajuda

prestada em todos os momentos que se fizeram necessários! Obrigada, você é um amor!

Ao Conselho Tutelar do município de Toledo – Paraná, obrigada pelo espaço cedido,

pela atenção propiciada para que as minhas Pesquisas de Iniciação Cientifica se realizassem,

pelas conversas, pelos conselhos. Obrigada!

A docente Diuslene pela oportunidade de bolsa na Seipas, pelos puxões de orelha,

pelas conversas, pela atenção e por contribuir para a minha formação! Obrigada! A professora

Marli pela continuidade de bolsa e pelos conselhos. Obrigada por contribuir com a minha

formação!

A minha orientadora e supervisora querida, obrigada pela dedicação, paciência e por

entender até o que eu não conseguia expressar e me orientar de modo a esclarecer as duvidas e

fazer o processo fluir! Obrigada Ane! Vou sentir saudades!

As queridas Elisangela e Maria Rita, pelo aprendizado proporcionado no Estágio em

Serviço Social na empresa Prati-Donaduzzi, pelos ótimos momentos! Obrigada, foi ótima a

contribuição para a minha formação! A equipe: Adeliany, Leoni, Elisiane, Dulce e Thiago.

Vou sentir saudades...

Obrigada a todos que de uma forma ou de outra contribuíram com o meu percurso

formativo, além disso, que propiciaram que esse percurso chegasse até aqui. Obrigada a todas

as minhas colegas e os meus colegas, aos docentes, amigos, familiares! Sucesso a todos!

6

“O cinto zunia com uma força danada sobre o meu corpo. Parecia que o cinto tinha mil

dedos e que me acertavam em qualquer parte do corpo. Eu fui caindo, me encolhendo no

cantinho da parede. Estava certo que ele ia me matar mesmo. Ainda pude ouvir a voz de

Glória que entrava para me salvar. Glória, a única russa como eu. Glória que ninguém

tocava. Ela segurou a mão de Papai e segurou o golpe.

– Papai. Papai. Por amor de Deus, me bata, mas não bata mais nessa criança.

Ele jogou o cinto sobre a mesa e passou as mãos sobre o rosto. Chorava por ele e por mim.

– Eu perdi a cabeça. Pensei que ele estava caçoando de mim. Fazendo pouco caso.

– Quando Glória me apanhou do chão, eu desmaiei.

Quando eu me apercebi das coisas, ardia em febre. Mamãe e Glória estavam à minha

cabeceira e me diziam coisas carinhosas. Na sala havia movimento de muita gente. Até

Dindinha tinha sido chamada. Eu doía todo a cada movimento. Depois eu soube que queriam

chamar o médico, mas não ficaria bem.

Glória me trouxe um caldo que fizera e tentou me dar algumas colheradas. Mal podia

respirar, quanto mais engolir. Ficava numa sonolência danada e quando acordava a dor ia

diminuindo. Mas Mamãe e Glória continuavam me velando. Mamãe passou a noite comigo e

só bem de madrugada se levantou para preparar-se. Precisava ir trabalhar. Quando ela veio

se despedir de mim eu me agarrei ao seu pescoço.

– Não vai ser nada, meu filho. Amanhã você ficará bom...

– Mamãe...

Falei baixinho, talvez a maior acusação da vida.

– Mamãe, eu não deveria ter nascido. Deveria ter sido como meu balão...

Ela alisou tristemente a minha cabeça.

– Todo mundo deve ter nascido como nasceu. Você também. Só que as vezes você, Zezé. É

levado demais...”

O Meu Pé de Laranja Lima.

(José Mauro de Vasconcelos, 1996, p.141-142).

7

BAGETI, Maiara Aline. Violência física doméstica motivada por método

educacional/disciplinar no Município de Toledo - Paraná. Trabalho de Conclusão de

Curso (Bacharelado em Serviço Social). Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Universidade

do Oeste do Paraná – Campus – Toledo, 2012.

RESUMO

O presente trabalho buscou investigar junto à documentação coletada em Registros de

Atendimento do Conselho Tutelar de Toledo – Paraná, a ocorrência da violência física e

analisar a partir das informações possibilitadas por esses documentos, como essa forma de

violência se dá como método educacional. A violência física é de fácil identificação devido às

características dessa tipificação sendo: hematomas, queimaduras, cortes entre outros. A

pesquisa proposta tem como tema: A Violência Física atuada como método de disciplinar

Crianças e Adolescentes no município de Toledo – Paraná, e como problema a seguinte

questão: Que fatores ocasionam a Violência Física relacionada aos métodos educacionais?

Um dos fatores que levam à violência física é de acordo com Cunha (2003, p.37) “a crença

dos pais de que a punição corporal dos filhos é um método educativo e uma forma de

demonstrar amor, zelo e cuidado”. Quando numa situação conflituosa entre crianças,

adolescentes e seus respectivos responsáveis, em muitos casos os segundos usam da violência

física para que os primeiros possam ser contidos, educados ou disciplinados. O agressor,

quando faz uso da violência física doméstica motivada por método educacional/disciplinar,

busca justificar o seu ato devido à motivação, ou seja, como o caso se deu para educar ou

disciplinar crianças e adolescentes; logo a prática é justificada e aceita como normal. O

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) tem como intuito elucidar os fatores que levam à

prática da violência física no ambiente doméstico e como essa prática interfere nas relações

familiares e no desenvolvimento de crianças e adolescentes. A pesquisa realizada perpassou

um total de 31 (trinta e um) casos, acometidos nos anos de 2009 e 2010. Buscou-se a partir da

leitura dos casos elucidar a violência física doméstica cometida como forma de

educar/disciplinar crianças e adolescentes, demonstrando que apesar da prática ser antiga,

ainda se faz presente na realidade e atinge crianças e adolescentes, violando o direito desses

sujeitos.

Palavras-chave: Crianças e Adolescentes; Violência Física Doméstica; Método Educacional.

8

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Motivo da Violência Física Doméstica (Dados Gerais).................................... 45

Gráfico 2 – Motivo da Violência Física Doméstica (2009)................................................. 46

Gráfico 3 – Motivo da Violência Física Doméstica (2010)................................................. 47

Gráfico 4 – Sexo da Vítima (Dados Gerais)........................................................................ 49

Gráfico 5 – Sexo da Vítima (2009)...................................................................................... 49

Gráfico 6 – Sexo da Vítima (2010)...................................................................................... 50

Gráfico 7 – Escolaridade da Vítima (Dados Gerais)............................................................ 51

Gráfico 8 – Escolaridade da Vítima (2009)......................................................................... 52

Gráfico 9 – Escolaridade da Vítima (2010)......................................................................... 52

Gráfico 10 – Idade da Vítima (Dados Gerais)...................................................................... 54

Gráfico 11 – Idade da Vítima (2009)................................................................................... 54

Gráfico 12 – Idade da Vítima (2010)................................................................................... 55

Gráfico 13 – Sexo do Agressor (Dados Gerais)................................................................... 57

Gráfico 14 – Sexo do Agressor (2009)................................................................................ 58

Gráfico 15 – Sexo do Agressor (2010)................................................................................ 58

Gráfico 16 – Relação Vítima e Agressor (Dados Gerais).................................................... 60

Gráfico 17 – Relação Vítima e Agressor (2009).................................................................. 60

Gráfico 18 – Relação Vítima e Agressor (2010).................................................................. 61

9

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Motivo da Violência Física Doméstica.............................................................. 45

Tabela 2 – Sexo da Vítima................................................................................................... 48

Tabela 3 – Escolaridade da Vítima...................................................................................... 50

Tabela 4 – Idade da Vítima................................................................................................. 53

Tabela 5 – Sexo do Agressor............................................................................................... 55

Tabela 6 – Relação Vítima e Agressor................................................................................. 59

10

SUMÁRIO

RESUMO............................................................................................................................ 07

LISTA DE GRÁFICOS..................................................................................................... 08

LISTA DE TABELAS........................................................................................................ 09

INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 11

1 INFÂNCIA E VIOLÊNCIA NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICA........................ 13

1.1 INFÂNCIA E VIOLÊNCIA NA SOCIEDADE BRASILEIRA................................... 17

1.2 A VIOLÊNCIA FÍSICA DOMÉSTICA QUE ACOMETE CRIANÇAS E

ADOLESCENTES...............................................................................................................

22

2 EDUCAR E DISCIPLINAR POR MEIO DA VIOLÊNCIA FÍSICA........................ 29

2.1 DESMISTIFICANDO O GRUPO FAMILIAR: O PAPEL DA FAMÍLIA.................. 32

2.2 A NATURALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA FÍSICA JUSTIFICADA COMO

DISCIPLINAR.....................................................................................................................

36

2.3 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A PROTEÇÃO

INTEGRAL..........................................................................................................................

40

3 A VIOLÊNCIA FÍSICA DOMÉSTICA COMO MÉTODO EDUCACIONAL NO

MUNICÍPIO DE TOLEDO – PARANÁ..........................................................................

43

3.1 A MOTIVAÇÃO PARA O ATO DA VIOLÊNCIA FÍSICA DOMÉSTICA............... 44

3.2 PERFIL DA VÍTIMA.................................................................................................... 47

3.2.1 Quanto ao Sexo da Vítima........................................................................................ 47

3.2.2 Quanto à Escolaridade da Vítima............................................................................ 50

3.2.3 Quanto à Idade da Vítima........................................................................................ 52

3.3 ASPECTO DO AGRESSOR E SUA RELAÇÃO COM A VÍTIMA............................ 55

3.3.1 Quanto ao Sexo do Agressor.................................................................................... 55

3.3.2 Quanto à Relação Vítima e Agressor...................................................................... 58

3.4 MÉTODO EDUCACIONAL/DISCIPLINAR CONTRA CRIANÇAS E

ADOLESCENTES...............................................................................................................

61

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 64

REFERÊNCIAS................................................................................................................. 67

APÊNDICE A..................................................................................................................... 71

ANEXO A........................................................................................................................... 72

11

INTRODUÇÃO

A instituição família tida pela sociedade como aquela que garante às crianças e aos

adolescentes proteção, atenção, carinho e cuidados para seu desenvolvimento pessoal e social

nem sempre corresponde a esta expectativa. É nesse ambiente familiar que a violência

intrafamiliar se manifesta e atinge de inúmeras formas, crianças e adolescentes, sendo elas:

violência física, negligência, abandono, violência sexual e violência psicológica. Para o

presente trabalho o foco está na tipificação violência física, que tem por tema: A Violência

Física atuada como método de disciplinar Crianças e Adolescentes no município de Toledo –

Paraná.

A saber, a violência física é uma das formas de violência doméstica e atinge crianças e

adolescentes de forma naturalizada, sem que seja considerada violência, devido aos traços

culturais e históricos. Em muitas situações, a violência física é justificada por motivo

educacional/ disciplinar, dessa forma a educação passa a ser de punição e mantém uma

relação de poder dos adultos sobre crianças e adolescentes e, de medo entre os familiares.

Perde-se nesse processo a proximidade proporcionada pelos cuidados e a relação passa a ser

de hostilidade.

No entanto, a denúncia desses casos nem sempre ocorre, devido à naturalização, ao

não estranhamento dessa prática, aceita como normal. Além de não acontecer a denúncia, o

ambiente familiar está acima de suspeitas devido às características dadas pela sociedade a este

espaço, é encoberto pelo sigilo, pelo silêncio que calam essas vítimas indefesas e também

demais familiares que passam a agir como co-autores das violações. O sigilo, típico desta

instituição, impossibilita que esses casos cheguem aos órgãos responsáveis, os quais podem

dar os devidos encaminhamentos aos casos de violência física.

Sobretudo, a violência intrafamiliar caracteriza-se pela violência que ocorre dentro do

grupo familiar, em que os responsáveis, nem sempre os pais, submetem seus filhos ou

crianças e adolescentes, sob sua responsabilidade, a diferentes formas de mando, agressões,

abuso e xingamentos. O abuso de poder faz com que o adulto tenha na criança e no

adolescente um objeto para a satisfação de suas vontades.

De acordo com Gregório (2007, p.19), “quando está-se diante da ameaça ou mesmo a

degeneração do exercício da autoridade, muitas vezes, costuma-se recorrer ao uso da força

para imputar ao outro obediência a uma regra ou norma. A este tipo de recurso de poder dá-se

o nome de violência.”. Nesse sentindo, quando as situações não seguem o percurso proposto

12

pelo adulto, quando estes se veem frustrados diante da não obediência de crianças e

adolescentes, passam a usar de força física para conter esses sujeitos de direito.

A violência pode ocorrer tanto entre sujeitos de grupos diferentes, quanto dentro de

um mesmo grupo. Crianças e adolescentes são vitimizadas, tanto por pessoas fora do âmbito

familiar, quanto na relação interna a este ambiente. Devido ao grau de desenvolvimento, esses

indivíduos tornam-se vítimas fáceis, justo porque não dispõem de estrutura biopsicossocial

formada que possibilite o alto cuidado ou ainda possam se defender dos agressores.

A violação sofrida por crianças e adolescentes no espaço familiar implica na perda de

direitos, bem porque crianças e adolescentes deixam de ser tratados como sujeitos e passam a

ser tratados como instrumentos de satisfação de vontades de seus respectivos responsáveis.

Nessa relação, os direitos ficam suprimidos ou ainda excluídos da vida de inúmeras crianças e

adolescentes, retirando desses indivíduos direitos como a convivência familiar e comunitária.

No que diz respeito à defesa de direitos das crianças e adolescentes, há dois grandes

instrumentos - a Constituição Federal (1988) e o Estatuto da Criança e do Adolescente/ ECA

(1990). O ECA estabelece parâmetros e recursos para que se garanta às crianças e aos

adolescentes os seus direitos. “Estabelece, como diretriz básica e única, a doutrinação de

proteção integral.” (ANDRADE, 2000, p.18).

Além destas premissas, a pesquisa buscou fazer valer o princípio fundamental 02 do

Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais (CFESS, 1993, p.17), que dispõe sobre a

“defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo”. Nessa

perspectiva, defender o direito de crianças e adolescentes se faz indissociável da profissão do

Serviço Social, que junto a esses sujeitos busca defender os seus direitos enquanto sujeitos em

peculiar condição de desenvolvimento, assim como se faz dever da família, da sociedade e do

Estado zelar pelos direitos de crianças e adolescentes, também se faz na profissão.

A violência que acomete crianças e adolescentes submete-os às mais distintas

situações de desrespeito que os desvalorizam na condição de cidadãos que devem receber

proteção integral de toda a sociedade. A proteção integral possibilita aos mesmos o

desenvolvimento de suas capacidades biopsicossociais. Proteger crianças e adolescentes e

orientá-los em seu desenvolvimento possibilita que os mesmos desenvolvam-se, tenham

autonomia e vivam dignamente como pessoas íntegras e respeitadas.

13

1 INFÂNCIA E VIOLÊNCIA NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICA

A violência1 praticada contra crianças e adolescentes perpassa toda a história e se

apresenta de forma diferente em cada momento. Até porque, a própria condição de sujeitos

em situação peculiar de desenvolvimento, é recente; nem sempre esses indivíduos foram

reconhecidos com tal perspectiva e nem mesmo como sujeitos que deveriam ter cuidados

apropriados, zelo e atenção diante de seu grau de desenvolvimento. Quando se busca a origem

do significado de infância, observa-se que este sujeito é colocado em um segundo plano,

como aponta Silva, Souza (2009, p.22 grifo dos autores) “A palavra infância é composta pelo

prefixo de negação in, e pelo radical fante, particípio passado do verbo latino fari,

significando falar, dizer. Então, infância em sua origem significa aquele que não fala, que não

tem palavra, não tem voz.”. Nesse sentido, a palavra infância remete a sujeitos que não se

expressam, não têm voz e assim também não têm vez para se manifestarem. Sujeitos que são

colocados aquém de seus desejos, vontades e necessidades.

Essa condição de não ter fala, não ter palavra e nem voz, não é uma característica

recente e perpassa a trajetória de crianças e adolescentes, antes mesmo, de serem considerados

como tais.

Na Idade Média, no início dos tempos modernos e por muito tempo ainda

nas classes populares, as crianças misturavam-se com os adultos assim que

eram capazes de dispensar a ajuda das mães ou das amas poucos anos –

depois de um desmame tardio – ou seja, aproximadamente aos 7 anos de

idade. A partir desse momento ingressavam imediatamente na grande

comunidade dos homens, participando com seus amigos jovens ou velhos

dos trabalhos e dos jogos de todos os dias [...] (ARIÈS apud GUERRA,

2001, p.50).

Eram então adultos de porte menor2, que realizavam atividades laborativas

3 como

homens feitos, ou seja, sujeitos em idade adulta, com características de adultos. Esse ponto

pode ser percebido quando nos traz Ariès (1981, p.50-51),

1De acordo com Guerra (1985, p.15) “[...] a violência também pode ser empregada para designar aquele

fenômeno em que uma pessoa impõe o seu poder a outra através de meios persuasivos, abatendo a resistência

que a ela se opõem.”. 2 As crianças eram consideradas adultos pequenos, não era considerada essa fase da vida, assim a característica

que diferenciava os adultos do supostos adultos era apenas o tamanho. 3 Como eram considerados adultos, crianças e adolescentes desenvolviam atividades laborativas, ou seja,

trabalhavam, assim como os demais adultos.

14

Uma miniatura otoniana do século XI nos dá uma idéia impressionante da

deformação que o artista impunha então aos corpos das crianças, num

sentido que nos parece muito distante de nosso sentimento e de nossa visão.

O tema é a cena do Evangelho em que Jesus pede que se deixe vir a ele as

criancinhas, sendo o texto latino claro: parvuli. Ora, o miniaturista agrupou

em torno de Jesus oito verdadeiros homens, sem nenhuma das características

da infância: eles foram simplesmente reproduzidos numa escala menor.

Apenas seu tamanho os distingue dos adultos.

Observa-se que, nesse período, não se considerava a criança como sujeito, essa fase da

vida era desconsiderada. Conforme Guerra (2001, p.50), “Se ela viesse a falecer – o que não

era raro – outra criança a substituiria.”. Como as crianças não eram consideradas sujeitos em

desenvolvimento que necessitavam de cuidados diferenciados e não havia a perspectiva de

proteção e afeto entre esses e seus respectivos pais ou responsáveis, a morte desses pequenos

adultos não causava estranhamento, uma vez que como os demais adultos tinham funções e

sofriam com as adversidades da vida (doenças e desgastes causados pelo trabalho). Mesmo

com tal condição de descaso com as crianças da Idade Média, período que corresponde do

século V ao século XV, tem-se que,

A descoberta da infância começou sem dúvida no século XIII, e sua

evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos

séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se

particularmente numerosos e significativos a partir do fim do século XVI e

durante o século XVII. (ARIÈS apud SOUZA; SILVA, 2009, p.47).

O processo de descoberta desta fase da vida inicia-se em meio a uma organização

social4 que não tem perspectivas de proteção

5 desses sujeitos e nem mesmo consciência da

condição peculiar de desenvolvimento que os integra. A tomada de consciência em relação à

criança ocorre paulatinamente, sendo que a condição de inserção de crianças à vida social e à

familiar viria a mudar no século XVII, quando “A criança deixou de ser misturada aos adultos

e de aprender a vida por meio de contatos com eles. Inicia-se o processo de escolarização

[...]” (ARIÈS apud GUERRA, 2001, p. 51). Passa a existir uma preocupação, a criança é vista

não mais como um pequeno adulto, mas como um sujeito em formação para uma vida adulta,

4 A organização social refere-se à sociedade, ao espaço de interesse social.

5 A proteção se dá por meio da garantia de direitos que possibilitam condições para o desenvolvimento de

crianças e adolescentes. “Os direitos da criança são constantemente apregoados. Assim é que, a 26.09.1923, na V

Sessão da Liga das Nações, por meio da Declaração de Genebra, faz-se o primeiro reconhecimento internacional

destes direitos. Eles também foram incluídos tacitamente, em 1948, quando a Assembléia Geral das Nações

Unidas aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Entretanto, foi somente a 20.11.1959, que esta

mesma Assembléia Geral formalizou uma Declaração específica dos Direitos da Criança.” (GUERRA, 2001,

p.91-92).

15

numa perspectiva de futuro e não de presente como ocorria na Idade Média. A criança que

antes era vista como um pequeno adulto, que desempenhava funções e recebia conhecimento

a partir do que lhe transmitiam os adultos na vida cotidiana, passa a ser vista sob a perspectiva

futura a partir da educação. Neste contexto, passa também a haver um investimento nesses

sujeitos para que viessem a desempenhar funções, ter um ofício num futuro adulto, separando

assim crianças e adolescentes do mundo adulto e despendendo a esses cuidados diferenciados.

Ainda referente aos séculos XVI e XVII, “A família não tinha as funções afetiva e

socializadora, mas era constituída visando apenas a transmissão da vida, a conservação dos

bens, a prática de um ofício, a ajuda mútua e a proteção da honra e da vida em caso de crise.”

(BRUSCHINI, 2005, p.51). A partir de Bruschini, observa-se que a família, nesse período,

não dispunha de caráter afetivo, mas de uma perspectiva mecânica, orientada à organização da

vida social, para as necessidades do cotidiano e não para a afetividade e a socialização.

Contudo, atentando-se para a escolaridade que iria mudar a condição de crianças, tem-se que,

Tanto a família como a escola arrancaram a criança da sociedade adulta. As

atenções da família, da Igreja e dos moralistas e administradores arrebataram

a liberdade que a criança desfrutara até então entre os adultos. Fizeram-na

conhecer a vara (...) em uma palavra os castigos reservados geralmente a

convictos provenientes dos mais baixos estratos da sociedade. (ARIÈS apud

GUERRA, 2001, p.51).

A educação de crianças e adolescentes, por meio da escolarização, surge como um

meio de preparar esses sujeitos para um futuro adulto foi transmitida pelas escolas junto à

família e à sociedade e realizava-se de forma restrita, ou seja, retiraram crianças e

adolescentes do convívio com os adultos e puseram-nas em espaços voltados à educação.

Observa--se que com a educação, vieram métodos disciplinadores6 por meio de uso de

força, de instrumentos de coerção7 como citada a vara

8. Dessa forma, percebe-se que o uso de

castigos9 para com crianças e adolescentes, teve início junto à condição de educar, de formar e

de disciplinar.

Todavia, a violência é usada na educação como forma de manter o controle, de conter

e disciplinar, contudo, essa prática não é exclusiva a essa perspectiva, ela também é usada

influenciada pela cultura, pelos costumes e pelas tradições.

6 Disciplinar relaciona-se a punir, castigar, ensinar, orientar por distintos meios algo considerado correto.

7 Forma de impor medo, reprimir atitudes ou situações.

8 Vara é um instrumento utilizado para coerção de crianças e adolescentes, é um instrumento natural, é um galho

fino que advém de árvores, são retiradas as folhas e a haste restante corresponde ao instrumento. 9 O castigo corresponde aos meios de repreender crianças e adolescentes, privando-os de algo ou ainda usando

de força física para contê-los.

16

Na Rússia do século XIX, as taxas de mortalidade situavam-se em torno de

50%, índice elevado que alguns autores creditaram aos excessos da

autoridade paterna. A severidade paterna, no entanto, deriva da tradição

russa, que organizava a família em torno da escassez afetiva do pai.

Esperava-se que o pai fosse hostil e restritivo, às vezes mesmo violento para

com os filhos; o castigo corporal para punir e educar era prática recorrente e

comum. Os altos índices de mortalidade deviam-se ainda a certas crenças

populares: até a segunda metade do século XIX, a tradição recomendava que

os recém nascidos fossem banhados em água fria e colocados sobre a neve,

procedimento tido como um teste básico de sobrevivência pelo qual os pais

avaliavam a adaptação da criança aos rigores do inverno tão comuns no

território russo. (GONÇALVES, 2003, p. 101).

Nesse caso, além de ser uma sociedade de caráter patriarcalista10

, ainda mantinha

culturas de teste, o que além da violência cometida pelos pais também vitimavam crianças

dessa época. O que se mostra interessante nesse período, era a imagem que se tinha e o que se

esperava do patriarca, que este fosse rígido e hostil. Com isso demonstrava também que a

violência praticada por esses pais era aceita, por ser desses sujeitos o que se esperava, além de

estarem inseridos em uma cultura permissiva de tal prática.

A preocupação com a violência se traduz ainda, ao longo da história, pela

presença de inúmeros dispositivos legais que visam o controle dos excessos

punitivos, indicando que o aval da cultura para certas <<violências>>

permaneciam sob vigilância e controle de mecanismos externos à família. A

tradição egípcia não punia o infanticídio, mas os pais que matassem uma

criança tinham por dever ninar seu corpo morto durante 72 horas; acreditava-

se com isso desencorajar a repetição do ato. Nas Ilhas Britânicas, a

comunidade aceitava o filicídio sob a condição de que ele fosse praticado

nas primeiras vinte e quatro horas de vida da criança; um filho que

sobrevivesse ao primeiro dia de vida passava a ser alvo da proteção de toda a

comunidade, e como tal não poderia ser morto. (GONÇALVES, 2003,

p.104).

Constata-se que a cultura tem grande influência na vida e na relação familiar. Nesse

sentido, a comunidade passava a intervir apenas quando não estava de acordo com a cultura,

ou seja, quando a família excedia aos limites permitidos pela cultura, a sociedade intervinha a

favor das crianças, antes disso os pais tinham autonomia para decidir sobre a vida dos filhos.

“Nas normas que vigoram na Antiguidade, fica implícita a associação entre o poder de punir e

o consentimento a certas formas de violência, admissíveis quando reguladas.”

(GONÇALVES, 2003, p. 106). A violência não era tratada como crime, mas como integrante

10

“No modelo de família patriarcal, o pai é o chefe da família e provedor das necessidades materiais de seus

membros, com poder autoritário. A ele todos deviam obediência, muitas vezes usava de violência na educação

dos filhos para impor sua vontade. À mulher cabiam a educação dos filhos e as atividades domésticas. Esse

modelo predominou no Brasil até por volta da década de 60 do século XX.”. (RIBEIRO; MARTINS, 2008, p.51)

17

de inúmeras culturas, assim muitas negligências e atrocidades foram cometidas baseadas em

culturas e costumes de inúmeros grupos de distintas sociedades e épocas. Com a aceitação da

violência como algo normal e que a ocorrência ou não ficava sob critérios da família acarretou

numa condição futura de aceitação dessa violência, o que compromete a defesa desses sujeitos

violados, vez que os traços de naturalização11

que acometiam outras épocas estão presentes na

organização social atual.

1.1 INFÂNCIA E VIOLÊNCIA NA SOCIEDADE BRASILEIRA

No que se refere ao Brasil, o uso de castigos não eram cultuados pelos índios que aqui

habitavam, passaram a ser usados depois da vinda dos portugueses para o país. De acordo

com Chaves (apud GUERRA, 2001, p.76), “‘[...] os diferentes relatos dos padres e em

diferentes capitanias comprovam que os índios não se utilizavam de castigos físicos para o

disciplinamento dos filhos’.”. Nesse sentido, padre Cardim faz referência sobre a educação de

crianças indígenas:

Nenhum gênero de castigo tem para os filhos; nem ha pai nem mãi que em

toda a vida castigue nem toque em filho, tanto os trazem nos olhos. Em

pequenos são obedientissimos a seus pais e mãis, e todos muito amáveis e

aprazíveis; têm muitos jogos a seu modo, que fazem com muito mais festa e

alegria que os meninos portuguezes. (apud GUERRA, 2001, p.76-77).

Observa-se que o uso de meios coercitivos como força física e castigos, surgiram a

partir da inserção da cultura portuguesa no país. Dessa forma,

O castigo físico em crianças não era nenhuma novidade no cotidiano

colonial. Introduzido, no século XVI, pelos padres jesuítas, para horror dos

indígenas que desconheciam o ato de bater em crianças, a correção era vista

como uma forma de amor. O ‘muito mimo’ devia ser repudiado. Fazia mal

aos filhos. [...]. O amor de pai devia inspirar-se naquele divino no qual Deus

ensinava que amar ‘é castigar e dar trabalhos nesta vida’. Vícios e pecados,

mesmo cometidos por pequeninos, deviam ser combatidos com ‘açoites e

castigos’. (PRIORE, 2004, p. 96-97)

11

A naturalização está associada ao não estranhamento da situação, ou seja, no caso da violência física como

método educacional, quando não há um estranhamento desta prática também não há denúncias da ocorrência

desse ato, devido ser considerado normal pela sociedade ou pelo grupo no qual se dá a violência.

18

A punição física aplicada contra crianças é de longa data e foi inicialmente cultuada

com a vinda dos portugueses para o Brasil. “Os jesuítas constituíam os principais agentes

educacionais até meados do século XVIII, quando foram expulsos pelo Marquês de Pombal,

em 1759.” (RIZZINI; RIZZINI, 2004, p.23). Já no decorrer do século XVIII, a educação de

crianças passa por outra perspectiva e tem como executores dessa tarefa além dos pais,

médicos e educadores. “Mais do que lutar pela sua sobrevivência, tarefa que educadores e

médicos compartilhavam com os pais, procurava-se adestrar a criança, preparando-a para

assumir responsabilidades.” (PRIORE, 2004, p.104). Demonstra-se nesse momento que,

apesar de crianças serem reconhecidas como tal, ainda não se fala em proteção desses sujeitos

e sim, em moldá-las, ou seja, torná-las um futuro adulto. Apesar do reconhecimento, a

condição peculiar de desenvolvimento das crianças não é considerada e nem há preocupação

em que seja vivida essa fase de desenvolvimento, sendo vista apenas como uma fase

intermediária para uma fase em que o sujeito dá conta da própria existência, saciando suas

necessidades.

O século XIX foi marcado pela institucionalização de crianças e adolescentes,

chamados de menores.

A ampla categoria jurídica dos menores de idade (provenientes das classes

pauperizadas) assume, a partir da segunda metade do século XIX, um caráter

eminentemente social e político. Os menores passam a ser alvo específico da

intervenção formadora/ reformadora do Estado e de outros setores da

sociedade, como as instituições religiosas e filantrópicas. (RIZZINI;

RIZZINI, 2004, p. 22).

Observa-se que esses meninos e meninas, que circulavam pelas ruas, causavam receio

à sociedade que buscava educar e doutriná-los, ajustando-os à perspectiva esperada. A

pobreza era vista com um problema a ser resolvido, assim trabalhavam as crianças advindas

dessa classe pauperizada, com objetivo de reformar ou formar esses sujeitos. “Na segunda

metade do século XIX, surge em várias capitais brasileiras a preocupação com a educação dos

pequenos vagabundos e indigentes que circulavam pelas ruas.” (RIZZINI; RIZZINI, 2004, p.

68). A educação que a sociedade queria transmitir aos “pequenos vagabundos” se dava por

meio da institucionalização desses, como forma de ajustar os que causavam medo e receio à

sociedade, ou seja, instituíam crianças e adolescentes como forma de proteger a sociedade

desses que perambulavam pelas ruas e não detinham educação. Para esses meninos e meninas,

advindos das ruas, usava-se a nomenclatura menor.

19

As instituições estatais, criadas após a instauração do regime republicano,

tiveram papel decisivo na construção jurídica e social da categoria menor.

No princípio, coube ao setor jurídico a sua identificação e análise, dividindo-

a em subcategorias que dessem conta da complexidade do universo a ser

assistido/controlado. Consolidado este processo, as áreas da assistência e dos

saberes científicos foram convocadas a contribuir na definição teórica e

metodológica de novos termos, visando a abarcar as variáveis surgidas com

a crescente complexidade dos problemas sociais enfrentados pela sociedade

brasileira. A cada categoria, se propôs uma modalidade de atendimento,

induzindo à especialização das instituições. As ações passaram a se dividir

em terapêuticas e preventivas, de acordo com as categorias de menor para as

quais eram destinadas. (RIZZINI; RIZZINI, 2004, p. 68 grifo das autoras).

Diante da condição de pobreza, exclusão e marginalização de crianças e adolescentes

de rua, percebe-se a mudança da nomenclatura quando trata desse grupo. Essa categoria

menor menospreza esses sujeitos e os coloca numa situação de subalternidade e de

inferioridade. A partir disso, tem-se que além de serem discriminados, eram divididos em

categorias distintas. Dessa forma, buscavam um controle mais preciso sobre o suposto

problema para a sociedade, os meninos pauperizados. “As meninas órfãs e desvalidas dos

séculos XVIII e XIX podiam contar com a proteção dos recolhimentos femininos, criados por

religiosos.” (RIZZINI; RIZZINI, 2004, p.25). A institucionalização de meninas não se

diferenciava apenas da institucionalização dos meninos, mas havia distinção entre as meninas

nos recolhimentos de órfãs.

Logo, a violência que assola crianças e adolescentes não é uma prática que ocorre

apenas no ambiente doméstico. Nessa época, os direitos desses sujeitos ficavam

comprometidos com a institucionalização que buscava reformá-los, ficando esquecida a

condição de sujeitos dos mesmos, pois além de colocá-los numa condição de menosprezo e de

marginalização, retiravam-nos do convívio familiar e comunitário, quebrando em muitos

casos os vínculos de afetividade. Além da institucionalização de crianças e adolescentes,

meninos e meninas, bastante presente na época, havia também no século XIX certo interesse

pela infância,

O interesse pela infância, nitidamente mais aguçado e de natureza diversa

daquela observada nos séculos anteriores, deve ser entendido como reflexo

dos contornos das novas idéias. A criança deixa de ocupar uma posição

secundária e mesmo desimportante na família e na sociedade e passa a ser

percebida como valioso patrimônio de uma nação; como ‘chave para o

futuro’, um ser em formação – ‘ductil e moldavel’ – que tanto pode ser

transformado em ‘homem de bem’ (elemento útil para o progresso da nação)

ou num ‘degenerado’ (um vicioso inútil a pesar nos cofres públicos).

(RIZZINI, 2008, p.24)

20

Nessa visão de futuro, de criança em formação e de perspectiva futura, que motivou

tamanha institucionalização de crianças e adolescentes, houve o interesse do país em formar

pessoas, cidadãos e indivíduos úteis à sociedade, que não causassem problemas. Para que isso

ocorresse, buscavam formar e reformar de acordo com os interesses da sociedade. Rizzini

(2008, p.24 grifo da autora), pontua “Sob esta ótica, zelar pela criança corresponde a um gesto

de humanidade descolado da religião; uma ação que transcende o âmbito das relações

privadas da família e da caridade para significar a garantia da ordem ou da ‘paz social’.”. Fica

claro a partir de então, que era buscada a ordem social e viam que isso seria possível a partir

da educação das crianças por serem elas seres em formação, sujeitos que poderiam ser

distintos dos adultos que não se queria para a sociedade. Nessa época, acreditava-se que o

problema da sociedade deveria ser resolvido em sua base, nessas condições estavam crianças

e adolescentes. Nessa perspectiva de educar, a violência é usada e muitas vezes justificada. A

criança e o adolescente são os sujeitos mais propícios para esse processo devido ao seu grau

de desenvolvimento, além de que esses sujeitos ficam sob os cuidados de um adulto, o qual

busca impor suas vontades e seus interesses, como se crianças e adolescentes fossem

propriedades a serviço de seus mandos e desmandos. Nesse sentido, quando os adultos se

veem frustrados devido a um problema pessoal ou à desobediência de crianças e adolescentes,

usam da punição física como forma de educar e corrigir o erro cometido. Ainda nessa

perspectiva de futuro, tem-se que,

Por um lado, a criança simbolizava a esperança – o futuro da nação. Caso

fosse devidamente educada ou, se necessário, retirada de seu meio (tido

como enfermiço) e reeducada, ela se tornaria útil à sociedade. A medicina

higienista com suas ramificações de cunho psicológico e pedagógico atuará

no âmbito doméstico, mostrando-se eficaz na tarefa de educar as famílias a

exercerem vigilância sobre seus filhos. Aqueles que não pudessem ser

criados por suas famílias, tidas como incapazes ou indignas, seriam de

responsabilidade do Estado. (RIZZINI, 2008, p. 25).

As crianças apenas significariam o futuro da nação quando bem orientadas, bem

educadas, assim por meio da educação tornar-se-iam úteis à sociedade. Assim também

acontece no espaço doméstico, quando crianças e adolescentes, submetem-se aos mais

distintos mandos e desmandos, não há porque puni-las; no entanto, não havendo “cooperação”

desses sujeitos com os seus respectivos responsáveis, a situação muda de figura, o que se

busca então, é corrigir para que não torne acontecer o erro. Assim usa-se da violência física

como forma de conter, educar e disciplinar. Observa-se na fala da autora, a influência dos

21

médicos higienistas12

neste período, a ponto de agirem como agentes que buscavam capacitar

os pais para que estes pudessem formar adequadamente seus filhos, de modo a não causarem

problemas à sociedade. Os pais que não se adequavam aos padrões, ou seja, que eram

indignos ou negligentes na educação dos filhos, estes eram passados à responsabilidade do

Estado. O ambiente doméstico via-se invadido pela sociedade por meio dos médicos

higienistas, perdendo a autonomia mantida pelo grupo familiar, assim o percurso natural desse

grupo ficava comprometido.

Por outro lado, a criança representava uma ameaça nunca antes descrita com

tanta clareza. Põe-se em dúvida a sua inocência. Descobrem-se na alma

infantil elementos de crueldade e perversão. Ela passa a ser representada

como deliqüente e deve ser afastada do caminho que conduz à criminalidade,

das ‘escolas do crime’, dos ambientes viciosos, sobretudo as ruas e as casas

de detenção. (RIZZINI, 2008, p.25-26).

Outro lado da situação apresenta-se nesse ponto trazido pela autora, ou seja, as

crianças não eram apenas vistas como futuros da nação, nestas condições estavam apenas as

bem educadas13

, eram também vistas como ameaça, no momento em que são vistas como

delinquentes, como sujeitos imperfeitos que precisavam ser reformados, adequados para uma

boa conduta. Educar crianças e adolescentes, quando não se adéquam aos pressupostos

impostos, não é exclusivo ao espaço doméstico, a sociedade tem seu caráter educativo e busca

reformas para acertar esses sujeitos.

Ainda referente ao século XIX, Mauad (2004, p.140), pontua que “Os termos criança,

adolescente e menino, já aparecem em dicionários da década de 1830. Menina surge primeiro

como tratamento carinhoso e, só mais tarde, também como designativo de ‘creança ou pessoa

do sexo feminino que está no período da meninice’.”. Nesse momento, amplia-se o

conhecimento sobre os primeiros períodos da vida e já se vê uma divisão quando se fala em

criança e adolescente, designando duas fases. Atenta-se nessa época para o significado de

criança, de acordo com Mauad (2004, p.140),

Criança, neste momento, é a cria da mulher, da mesma forma que os animais

e plantas também possuem as suas crianças. Tal significado provém da

associação da criança ao ato de criação, onde criar significa amamentar, ou,

como as plantas não amamentam, alimentar com sua própria seiva. Somente

com a utilização generalizada do termo pelo senso comum, já nas primeiras

décadas do século XIX, que os dicionários assumiram o uso reservado da

palavra ‘criança’ para a espécie humana.

12

Higienista: “especialista em higiene (‘medicina’); sanitarista”. (HOUAISS; VILLAR, 2001, p.1532) 13

Que receberam boa educação, boas instruções, crianças que foram bem criadas.

22

Infere-se a partir do que nos trouxe a autora, que o termo criança não tinha outra

pretensão senão falar da fase inicial da vida, tanto que era usada para animais e plantas da

mesma forma que era usada para seres humanos. No que se refere à adolescência, Mauad

(2004, p.140), aponta que essa fase “[...] demarcava-se pelo período entre 14 e 25 anos, tendo

como sinônimos mais utilizados mocidade ou juventude”. É a partir desse período então que

se fala dessas fases, definindo-as é que elas podem ser visualizadas diante da sociedade.

Em relação à condição de crianças no contexto de sociedade, segundo Guerra (2001,

p.94)

A criança, em nossas sociedades, está constantemente submetida aos adultos.

Sejam eles pais ou mestres, têm a tarefa de alimentá-la, vesti-la, propiciar-

lhe educação, mediar suas relações com a sociedade. A criança é socialmente

dependente do adulto, e sua inferioridade física e a necessidade na qual ela

se encontra de viver num mundo inteiramente concebido pelo adulto e para o

mesmo obrigaram-na a se submeter a ele, o que não exclui, evidentemente,

as explosões de cólera e de revolta.

A propósito, demonstra-se a dependência que a criança tem do adulto para dar conta

de suas necessidades, essa condição faz com que em mais um momento o adulto tenha

domínio sobre esse sujeito e imponha suas vontades, seus desejos, assim o adulto submete a

criança a seus mandos e desconta nesse sujeito, frustrações e descontentamentos presentes em

seu dia-a-dia.

Contudo, a violência atuada contra crianças e adolescentes, teve início com a vinda

dos portugueses para o país, e, sua razão de ser devia-se ao método educacional, ou seja, a

violência era e é usada como forma de modelar o indivíduo, de disciplinar, de educar, de

impor limites, como forma de afeto como colocado em outro momento com Priore. Assim,

essa prática não é algo novo, mas o que chama atenção é a permanência de tal violência e a

intensidade de como é exercida.

1.2 A VIOLÊNCIA FÍSICA DOMÉSTICA QUE ACOMETE CRIANÇAS E

ADOLESCENTES

Inicia-se esta análise por conceituar o que seria a violência em si e segue-se pela

violência doméstica, passando pela modalidade que interessa nesse processo de construção

que é a violência física. “A devida compreensão da violência não pode prescindir do seu

reconhecimento como uma prática incomodamente presente em nosso cotidiano, nos mais

23

diversos espaços sociais.” (SILVA; SILVA, 2005, p.16). A violência é um fenômeno que

perpassoa toda ordem social e pode atingir distintos seres humanos, uma vez que, não se

limita a um grupo de sujeitos sendo um fenômeno de amplo alcance. Dessa forma, a “Sua

compreensão exige antes de tudo, o reconhecimento de que se trata de um fenômeno mundial,

histórico e multideterminado [...]”. (CAMARNADO JUNIOR, 2007, p.12). Entender esse

fenômeno consiste em avaliar além de o que nos é apresentado num primeiro momento como

a violência em si, o ato de agressão podendo ser ele verbal ou físico14

, mas em compreender

de que forma se dá essa violência, como ela se encontra na sociedade, como ela passou a ser

usada e fazer parte da cultura da sociedade. Dessa forma, tem-se que “[...] não existe uma

violência, mas uma multiplicidade de manifestações de atos violentos, cujas significações

devem ser analisadas a partir das normas, das condições e dos contextos sociais, variando de

um período histórico a outro.” (WAISELFISZ apud PERES, 2009, p.115). Ou seja, a

violência configura-se em cada momento de uma forma, diante dos fatores que determinam

essa prática, determinantes que perpassam as relações sociais e que influenciam na ação.

Trata-se de um fenômeno tão complexo quanto incômodo e preocupante, que

vem minando o tecido social e infiltrando-se em todos os setores da vida

contemporânea. É um fenômeno diante do qual não há qualquer

possibilidade de neutralidade, ainda que solução não possa ser reduzida a

uma questão de mera aceitação ou rejeição. Afinal, não há como ignorá-la

nem como fugir dela, a violência se faz presente a qualquer hora e em toda

parte [...] (MOTTA, 2003, p.11).

A dificuldade para conceituar o fenômeno violência está no fato de ter que explorar

vários aspectos e, seu significado pode ser múltiplo diante das várias formas que pode

acontecer e atuar junto aos indivíduos. Mesmo com tal dificuldade e avaliando esses aspectos,

Michaud (apud CAMARNADO JUNIOR, 2007, p. 14), pontua que “[...] há violência quando,

numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça

ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja em sua

integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações

simbólicas e culturais.”. A prática da violência está relacionada ao ato em que o mais forte

impõe suas vontades ao mais fraco por meio de coerção, da força e da agressão. Além disso, a

violência também pode estar relacionada à condição de ameaça que o mais forte impõe sobre

o mais fraco. Nesse sentido, Velho (apud GONÇALVES, 2003, p. 222-223 grifo do autor)

14

Pode ocorrer por meio do insulto, da fala ou ainda por meio da agressão acometida contra o corpo, contra a

estrutura física.

24

traz que a violência “[...] não se limita ao uso da força física, mas à possibilidade ou ameaça

de usá-la constitui dimensão fundamental de sua natureza”.

A violência caracteriza-se por depreciação e desvalorização15

dos indivíduos em

condição de violência, por ser “[...] uma ação que envolve a perda da autonomia, de modo que

pessoas são privadas de manifestar sua vontade, submetendo-as à vontade e ao desejo de

outros.” (FERRARI, 2002, p. 82). Diante do ato de violência, o sujeito não manifesta a sua

vontade, seu desejo, sua necessidade, ao ser violentado ele se submete de forma involuntária,

aos desejos, mandos e vontade de outro indivíduo.

Inúmeros são os fatores apontados como desencadeantes, facilitadores e

perpetuadores para a violência contra a criança e o adolescente. Há, no

entanto, um fator comum a todas as situações, que é ‘o abuso do poder do

mais forte - o adulto - contra o mais fraco - a criança’. (ABRAPIA apud

MURILHO; LAZZAROTTO; BRAZ, 2006, p.39).

De sobremaneira, a violência se manifesta mais facilmente no uso da força do mais

forte sobre o mais fraco, dessa forma, o indivíduo em situação de violência, encontra-se em

desvantagem no que se refere à força e dessa forma é submetido à força do mais forte.

Observa-se que, a violência ocorre no caso de crianças e adolescentes, num campo desigual,

em que esses sujeitos são acometidos pela fragilidade que lhes é integrante do processo de

desenvolvimento.

Entretanto, a violência que atinge crianças e adolescentes pode se manifestar em

distintos espaços podendo ser eles privados ou públicos. Para o presente trabalho, será tratada

a violência no âmbito privado, do grupo familiar, ou seja, violência doméstica prática contra

crianças e adolescentes, sendo:

Todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra

crianças e adolescentes que – sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou

psicológico à vitima – implica, de um lado, uma transgressão do poder/dever

de proteção do adulto e, de outro, uma ‘coisificação’ da infância, isto é, uma

negação do direito que crianças e adolescentes têm de serem tratados como

sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento.

(AZEVEDO;GUERRA apud SILVA;SILVA, 2005, p.164).

A violência doméstica ocorre no espaço em que deveria imperar a proteção, os

cuidados e o zelo, local onde crianças e adolescentes deveriam sentir-se livres e receber

15

Não dar valor, menosprezar.

25

atenção, cuidados, carinho, em que o elo entre pais e filhos possibilita a esses sujeitos de

direitos, condições para desenvolvimento de suas habilidades de forma digna.

Como violência intersubjetiva, a violência doméstica consiste também:

a) numa transgressão do poder disciplinador do adulto, convertendo a

diferença de idade, adulto-criança/adolescente, numa desigualdade de poder

intergeracional;

b) numa negação do valor liberdade: ela exige que a criança ou

adolescente sejam cúmplices do adulto, num pacto de silêncio;

c) num processo de vitimização como forma de aprisionar a vontade e o

desejo da criança ou adolescente, de submetê-la ao poder do adulto a fim de

coagi-la a satisfazer os interesses, as expectativas e as paixões deste.

(GUERRA, 2001, p.31-32).

Neste contexto, o fenômeno se manifesta de diferentes formas de maus-tratos tais

como: violência sexual, abandono, negligência, violência psicológica e violência física. A

violência sexual “[...] é toda ação na qual uma pessoa, em situação de poder, obriga outra à

realização de práticas sexuais contra a vontade, por meio de força física, de influência

psicológica (intimidação, aliciamento, sedução) ou do uso de armas ou drogas.” (BARKER;

RIZZINI, 2003, p. 66). Essa violência consiste numa prática perversa e invasiva que impede a

preservação da intimidade de crianças e adolescentes e, traz consequências que perpassam o

desenvolvimento pessoal dos indivíduos vitimizados. Ainda sobre essa prática tem-se que,

A Violência Sexual se configura como todo ato ou jogo sexual, relação

hetero ou homossexual entre um ou mais adultos e uma criança ou

adolescente, tendo por finalidade estimular sexualmente esta criança ou

adolescente ou utilizá-los para obter uma estimulação sexual sobre sua

pessoa ou de outra pessoa. (AZEVEDO; GUERRA apud GUERRA, 2001,

p.33).

“O abandono se caracteriza pela ausência de responsável pela criança ou adolescente

na educação e demais.” (BRASIL apud GREGÓRIO, 2007, p. 27). A negligência se

caracteriza pelo “Ato de omissão do responsável em prover as necessidades básicas para o

desenvolvimento da criança ou adolescente.” (ABRAPIA apud BARKER; RIZZINI, 2003,

p.63).

A violência psicológica é “[...] definida como a atitude do adulto em depreciar e

inferiorizar de modo constante a criança ou o adolescente, causando-lhe sofrimento psíquico e

interferindo negativamente no processo de construção da sua identidade [...]” (MALTA, 2002,

p. 47). Devido aos danos psicológicos que estão agregados em todos os atos de violência,

pode-se dizer que em todas as formas de violência intrafamiliar ocorre violência psicológica.

26

Já a violência física, foco do presente trabalho, caracteriza-se segundo Malta (2002,

p.21), “[...] como qualquer dano físico provocado pelo familiar adulto contra a criança ou o

adolescente, podendo as consequências de tais danos variarem de lesões leves até a morte.”.

Com o que traz Malta, observa-se que essa tipificação16

pode ter consequências distintas,

devido aos diferentes graus de intensidade. Dessa forma, nem sempre é considerada uma

violência, apenas quando chega a ocasionar consequências mais graves, que causam

estranhamento aos sujeitos e os levam a uma possível denúncia. Considera-se ainda que,

A literatura é muito controvertida em termos de quais atos podem ser

considerados violentos: desde a simples palmada no bumbum até agressões

com armas brancas e de fogo, com instrumentos (pau, barra de ferro, taco de

bilhar, etc.) e imposição de queimaduras, socos, pontapés, etc. Cada

pesquisador tem incluído em seu estudo os métodos que considera violentos

no processo educacional pais-filhos, embora haja ponderações no sentido de

que a violência deve se relacionar a qualquer ato disciplinar que atinja o

corpo de uma criança ou de um adolescente. (GUERRA; SANTORO

JÚNIOR; AZEVEDO, s.d, s.p).

Mesmo diante de inúmeras características da violência física, a autora pontua o que se

faz importante, que a violência deve se relacionar ao ato de disciplinar. Assim, essa

tipificação de violência doméstica, se caracteriza por inúmeras formas de violência, podendo

ter consequências leves e gravíssimas. Em relação à ocorrência da violência física no âmbito

familiar, tem-se que,

Nas famílias nas quais existe violência física as relações do agressor com os

filhos vítimas se caracteriza por ser uma relação sujeito-objeto: os filhos

devem satisfazer as necessidades dos pais, pesa sobre eles uma expectativa

de desempenho superior às suas capacidades, são vistos como pessoas

criadoras de problemas. Por outro lado, pode haver uma idealização da

criança ou adolescente: os pais imaginam uma criança/adolescente que não

corresponde ao seu filho, e tudo pode representar um motivo para sua

rejeição, seja o seu aspecto físico, o seu caráter, o sexo etc. Além disso,

podem ser percebidos conflitos familiares significativos, seja entre os pais,

seja destes com outros elementos da família (avós, tios, etc.). Um outro

aspecto interessante que surge na dinâmica entre pais e filhos, reside no fato

de que as vítimas da violência física devem aprender que são “responsáveis”

por estes quadros de violência, ou seja, as causas do problema são

individuais, devem ser hipostasiadas como culpa e jamais remetidas a

questões mais amplas que se interliguem a problemas familiares, sociais etc.

O resultado deste tipo de prática: seres humanos que de antemão buscam o

erro em si mesmos (GUERRA, 2001, p.43 grifo da autora).

16

Tipificação associa-se à forma de violência, ou seja, a violência física uma das formas de ocorrência, um dos

tipos da violência atuada contra crianças e adolescentes.

27

A partir disso, observa-se que a motivação à prática de tal violência, pode ser advinda

de inúmeras situações, desde conflitos familiares, de frustrações, de idealizações de filhos, as

quais colocam crianças e adolescentes como culpados; assim, são responsáveis pelos atos de

agressão, com isso além de serem vítimas de agressões distintas, estes ainda se colocam como

aqueles que causaram a violência, os culpados ou os errados.

Essa forma de violência acomete crianças e adolescentes e tem fácil identificação

diante de seus sinais que correspondem a hematomas, cortes, queimaduras e marcas advindas

de agressão. Porém, apesar de ser identificada com mais facilidade, ainda se encontra

dificuldade de identificação dessa e das outras formas de violência. Essa dificuldade se dá,

justo porque a família é colocada acima de todas as suspeitas quando se relaciona ao

fenômeno violência e dessa forma ocorre a naturalização dessa prática. Segundo Gregório

(2007, p.21), “A violência torna-se naturalizada quando culturalmente entendida como

constitutiva de uma relação, tal como aquela entre pais e filhos. Nesta relação, a violência

costuma estar silenciada, dada a pouca visibilidade de espaço em que ocorre, o espaço privado

[...]”.

Devido ao vínculo que se mantém entre vítimas, agressores e co-agressores da

violência doméstica, impossibilita-se que a ocorrência chegue às autoridades, de forma que

esses casos sejam abafados no seio da família. Dessa forma, a prática da violência doméstica e

dentre as tipificações a violência física, é efetuada e aceita como normal, sendo usada como

método educacional, sinal de “amor” e de “atenção” dos pais para com os filhos.

Nessas condições, atribuída ao poder imposto do mais forte sobre o mais fraco,

crianças e adolescentes são submetidos a inúmeras atrocidades17

, sem que seja dada devida

atenção a este acontecimento. Com isso, crianças e adolescentes ficam jogados à própria

sorte, sem atenção apropriada, sem em muitos casos ter a quem recorrer devido à fragilidade18

que integra esses sujeitos.

Para que essa situação possa mudar, segundo Cunha (2003, p.18),

[...] é fundamental desfazer o mito da perfeição familiar e buscar

desenvolver mecanismos que ajudem na administração dos conflitos

domésticos. A família é sagrada, mas cheia de defeitos e falhas. Não

podemos encobri-la com o manto da impunidade. A privacidade da família

17

Atrocidade relaciona-se à crueldade, situação cruel em que crianças e adolescentes ficam em desvantagem em

relação ao agressor, que age de forma cruel. 18

“qualidade de frágil”. Frágil: “falto de vigor físico; franzino; sem solidez”. (HOUAISS; VILLAR, 2001,

p.1384).

28

deve terminar sempre que existir ameaça à integridade física e emocional de

seus membros.

Em outras palavras, a família deve ser vista como uma instituição advinda de uma

organização social, tendo pontos positivos e negativos. Como uma instituição que se integrou

a partir de uma necessidade e, que esse grupo teve que aprender a manter vínculos entre seus

integrantes. Como pontuado, no que trazem os autores sobre a história da infância, a família

nem sempre teve papel socializador e afetivo; essas características não se fazem inatas em

uma família, se dão a partir de uma construção de vínculos de afetividade, assim umas podem

desenvolver esse caráter e outras não. Neste sentido, prover a família como algo padronizado,

igual, faz-nos cair no erro da generalização.

“Por trás da violência esconde-se um modelo de educação tradicional que tem por fim

quebrar a vontade da criança, sufocar o que nela existe de vivo para transformá-la num ser

dócil, obediente” (GUERRA; SANTORO JÚNIOR; AZEVEDO, s/d, s/p).

29

2 EDUCAR E DISCIPLINAR POR MEIO DA VIOLÊNCIA FÍSICA

A violência consiste num fenômeno amplo e atinge toda a sociedade, caracteriza-se

por distintos atos agressivos que podem atingir tanto a integridade física quanto a psicológica

e não faz distinção de gênero, cor, religião ou idade. Acomete toda a sociedade de distintas

formas, podendo ser violência estrutural que ocorre na sociedade junto às instituições e

demais espaços da sociedade civil, entre gêneros, grupos, no espaço familiar. Sendo último o

que nos interessa nesse trabalho, a violência que ocorre nesse espaço distorce as relações

mantidas internamente, uma vez que os sujeitos mais vulneráveis e que necessitam de apoio

se veem desamparados à mercê de distintas violações; nesse grupo vulnerável, encontram-se

crianças e adolescentes, que devido ao seu grau de desenvolvimento estão em situação

desigual em relação ao agressor.

A violência manifesta-se [...] pela imposição do adulto sobre a criança e/ou

adolescente, em situações nas quais, a vítima da violência é sempre o

indivíduo que reagiu de alguma forma contrariando a vontade do adulto.

Para que seja corrigido, de maneira que não repita a ação, esse indivíduo

precisa ser punido pela imposição da autoridade “superior”. (RIBEIRO;

MARTINS, 2008, p.75-76).

Nesse sentido, fica explícita a subordinação que crianças e adolescentes desempenham

em relação aos adultos, os últimos, quando contrariados agem de modo coercitivo para

controlarem os que estão sob seu domínio, como julgam ser sua relação com crianças e

adolescentes, uma relação de superioridade, na qual estes últimos devem obediência e respeito

aos mandos e desmandos dos adultos. Quando se tem a desobediência desses sujeitos, os

responsáveis usam de meios para que a desobediência ou a má-criação não torne a se repetir.

A violência cometida pelos responsáveis contra crianças e adolescentes no ambiente

doméstico é o fenômeno que nos interessa no presente trabalho. Diante de tal, importa nesse

momento de construção, perpassar o ambiente familiar, sendo que é neste espaço que se dá a

ocorrência da violência física como método educacional. É na família que o indivíduo tem

suas primeiras experiências e referências - vista por muitos como instituição primária.

A família é, pois, a instituição que proporciona a socialização primária,

inicial, da criança. Nela se dá a aprendizagem dos primeiros padrões de

comportamento, percepções da realidade e hábitos de pensamento que são

característicos do meio social mais amplo e de outros que são típicos da

classe social a que pertence a família e, ainda, aqueles que são específicos da

própria família. (CAMPOS, 1985, p.18).

30

A transmissão da aprendizagem perpassa ainda pela cultura e pelos costumes que

acometem a família da qual faz parte a criança e o adolescente. A família, como é

apresentada, nem sempre correspondeu à essa estrutura e nem mesmo à lógica de proteção

que se tem hoje.

A concepção de família no Brasil, nasceu no século XIX, no período da

Revolução Industrial na Europa. Nessa época, diante das transformações dos

setores de produção a família diminuiu sua convivência com a comunidade

(vizinhos, amigos, amos, criados e outros), para fechar-se na unidade pai,

mãe e filhos, compondo um unidade econômica. (DIAS apud RIBEIRO;

MARTINS, 2008, p. 51).

Na sociedade tradicional, tinha-se uma produção voltada essencialmente aos setores

primários – tais como terra. Nessa organização, as famílias tinham uma lógica organizacional

voltada à cooperação de todos para gerar renda a partir do setor em que todos estavam

inseridos. No Brasil, por exemplo,

[...] a família detinha em suas mãos, como conseqüência de seu papel

econômico, o poder político, seja de forma direta ou indireta, ao mesmo

tempo que se tornava evidente seu papel de controle social e na atribuição de

status. Funções educativas no mais amplo sentido da palavra, desde o

processo de socialização da criança até a transmissão do ensino formal

sistematizado, faziam parte integrante de suas obrigações. (CAMPOS, 1985,

p.3-4 grifo do autor).

A família era responsável pela educação de forma ampla, uma vez que cabia à ela a

educação socializadora e ainda a educação curricular, tinha um papel que dava conta da

dimensão política, além da econômica e ainda uma certa atribuição no que se refere ao

controle social. “Transformações, entretanto, têm lugar na idade contemporânea, primeiro nos

países europeus e nos EUA, e depois em muitos outros por difusão do processo de

modernização ocorrida nesses países.” (CAMPOS, 1985, p.4). Essas transformações foram

significativas, alterando além da característica da instituição família, também o número que

passou a integrá-la.

A família, durante esse processo de modernização geral da sociedade,

apresentou mudanças muito importantes, tendo em vista o desenvolvimento

da sociedade como um todo e dos indivíduos enquanto personalidades

únicas, em particular. A diminuição de seu tamanho, passando de extensa a

conjugal ou nuclear, é decorrência da perda de sua função econômica na

sociedade, à medida que um ou mais de seus membros começam a deixar a

31

casa paterna para buscar emprego no mercado de trabalho. (CAMPOS, 1985,

p. 5).

Essa nova organização está atrelada às novas tendências e à nova configuração da

sociedade, em que a família perde o caráter econômico, no qual o grupo familiar deixa de ser

responsável por dar conta das necessidades econômicas que a integravam. Assim, “[...] a

família, enquanto grupo, não desempenha mais na sociedade industrializada funções

econômicas e políticas.” (CAMPOS, 1985, p.7). Os filhos, que até então estavam vinculados

aos pais motivados por este elo econômico, deixam o ambiente familiar em busca de objetivos

individuais. Diminuir o número de integrantes do grupo familiar, porém, não vem significar

que a tarefa dos pais tornou-se mais fácil. De acordo com Campos (1985, p.7), “[...] se a

família se reduziu em tamanho, nem por isso a tarefa paterna se tornou mais fácil, dada a

complexidade da sociedade atual, para a qual ela tem que preparar os filhos provenientes da

união conjugal.”. Assim como a família, a sociedade também passou por modificações, o que

altera as responsabilidades dos pais para com os filhos, para que os primeiros possam dar

conta das necessidades emocionais, materiais e sociais dos filhos gerados na relação conjugal.

Relativo ao século XIX tem-se que,

As relações pais-filhos não escapam à preponderância do dever, e isto,

paralelamente, à descoberta da criança. Tal circunstância concebe a

educação a educação e a promoção da criança como tarefa primeira

imperativa da família, pelo menos nas classes burguesas e pequeno-

burguesas. Assim, o dever principal dos pais era zelar pela educação dos

filhos, assegurar a sua escolarização, preparar-lhes um futuro melhor,

contribuindo para que a educação retomasse um modelo disciplinar centrado

na autoridade parental e nos deveres filiais de obediência. (RIBEIRO;

MARTINS, 2008, p. 42).

Dessa forma, fica evidente que na educação de cunho escolar, os pais com o dever de

educar optam por meios disciplinadores, que possibilitem modelar19

os filhos de acordo com o

padrão esperado ou a ideologia buscada. Assim, o cunho educativo disciplinar vem de longa

data e atinge crianças e adolescentes de inúmeras famílias. A disciplina vem nesse momento

como uma característica pertinente na prática disciplinar de hoje, ou seja, vista como meio de

zelar pela educação, pela boa conduta, como forma de cuidar. Essa característica persiste, uma

vez que foi aculturada como meio natural de corrigir e educar os filhos, fazendo com que este

método disciplinador não esteja pautado em uma forma de violência.

19

Ajustar, dar forma, ou seja, levar a ser algo, formar algo ou alguém.

32

O ambiente familiar está envolto pela relação de pais e filhos e em alguns casos, outro

familiar, levando em conta a relação pais e filho e a importância que tem a família no

desenvolvimento dos indivíduos, tem-se que,

Se os pais são elementos essenciais no crescimento e na socialização da

criança, a família será fundamental para o futuro dos filhos e poderá atuar

tanto de forma positiva como negativa, isto é, a família é capaz de formar

indivíduos seguros, criativos, responsáveis e cônscios do papel a ser

desempenhado por eles na sociedade, ou, ao contrário, indivíduos

perturbados, carentes, seja física ou emocionalmente, passivos,

irresponsáveis quanto a assumir uma função na sociedade ou

impossibilitados de dar uma contribuição ao grupo do qual fazem parte, por

não terem podido desenvolver as potencialidades recebidas ao nascer.

(CAMPOS, 1985, p.7).

2.1 DESMISTIFICANDO O GRUPO FAMILIAR: O PAPEL DA FAMÍLIA

O grupo familiar pode ter significado distinto diante do que possibilita aos

dependentes dessa instituição, uma vez que ao ser responsável pelas primeiras experiências,

pelas primeiras referências que o sujeito criança vai ter acesso pode supostamente delinear a

trajetória do desenvolvimento desses indivíduos, levando-os a desenvolver suas

potencialidades ou não, formando distintos sujeitos na sociedade. É importante frisar, que na

formação possibilitada pela família, a criança e o adolescente não se desvinculam de forma

alguma da sociedade na qual estão inseridos. A relação que mantém os integrantes do grupo

familiar pode ser a mais variada possível, diante da diversidade dos grupos familiares que são

detentores de cultura, costumes, organização e outras características próprias. Assim, dessa

possibilidade variada de relação familiar, os resultados podem ser os mais distintos. Nesse

sentido, Scodelário

a diversidade de sentimentos presentes nas relações familiares pode

desenvolver experiências de realização ou fracasso. Quando cada membro

do grupo familiar tiver suas necessidades físicas, emocionais e intelectuais

satisfeitas e puder experimentar, conter e utilizar adequadamente seus

conteúdos – amor, raiva, medo, alegria, agressividade, sexualidade etc. – ,

normalmente disponíveis nas interações, pode ter como resultado uma

família mais integrada [...] porém, quando as relações se desorganizam, o

potencial destrutivo é enorme, ocorrendo nas pessoas uma falta de

contenção que ocasiona enorme prejuízo na circulação dos conteúdos

pertinentes ao grupo familiar. (apud RIBEIRO; MARTINS, 2008, p.54 grifo

do autor).

33

A partir do que foi supracitado tem-se que é na família que o sujeito vai se

desenvolver e, como esse desenvolvimento vai se dar no âmbito familiar poderá ter resultados

diversos, bem porque ao ter uma relação tranquila na qual possa resolver suas necessidades,

interagir, expressar suas vontades e se entender enquanto sujeito, o resultado possibilitado por

essa relação será distinto do resultado que será oportunizado por uma situação contrária. Pode,

neste contexto, a família corresponder a um caráter construtivo ou a um caráter destrutivo,

com sérias consequências.

Outro aspecto que se faz constitutivo do grupo familiar, está na questão do afeto, o

qual é visto na nova organização da família da forma que a antecedeu.

[...] estudos têm mostrado que os conceitos de amor, maternidade,

paternidade, como nós os entendemos hoje em dia, são uma criação moderna

e que nos tempos antigos as pessoas estavam menos interessadas nesse tipo

de emoção na família e, mais ainda, que a infância não era altamente

valorizada [...] (D’INCAO, 1989, p.59).

Observa-se nesse ponto, que a condição de proteção e de cuidados que remetemos à

família é algo recente, até mesmo por ser também recente a construção da categoria infância e

sua respectiva valorização. Os estudos que a autora cita são os estudos de história

demográfica, de história da família e Abordagem dos Sentimentos que também são estudos

históricos; sobre esses, a autora traz que “Embora esses estudos não apresentem ainda

evidências suficientes para sustentar completamente suas hipóteses, eles têm, sem dúvida

alguma, sugerido muitos caminhos frutíferos para a reflexão sobre a família e suas

mudanças.” (D’INCAO, 1989, p.59). O que sugere que apesar da consistência ou não do que

esses estudos trazem, são pontos que possibilitam questionamentos e reflexões em relação à

família e à mudança de sua constituição na sociedade. Além do mais, a autora em sua

colocação traz a família e suas mudanças, dessa forma nos remete a pensar que a concepção

de família que se tem não é a mesma que de outras épocas, não sendo imbuído a elas o caráter

protetivo que a sociedade remete hoje a essa instituição.

Essa não valorização do afeto ou até da infância, a não demonstração de carinho ou de

sentimentos é uma condição que perpetuou a sociedade por um longo tempo e era uma

perspectiva que acometia também o Brasil.

Durante o século XIX e a primeira metade do século XX, os gestos e as

expressões de amor foram considerados em camadas médias e altas como

questões íntimas, que não deviam ser testemunhadas, nem admitiam

divulgação. Silenciava-se o amor pessoal, ainda quando sentido e partilhado

34

e mesmo cantado como sentimento despersonalizado, em forma de poesia e

canções. A expressão livre dos sentimentos foi contida não só na expressão

do amor entre os sexos. A manifestação do amor às crianças também não era

habitual. Uma severidade beirando a crueldade era considerada a maneira

eficiente de educar os filhos. (LEITE; MASSAINI, 1989, p.74).

Com o que pontuaram as autoras, tem-se que nesse momento da história, optava-se por

não demonstrar os sentimentos, vez que acreditavam na severidade como o método mais

apropriado para a educação dos filhos. O que se mostra também nessa passagem da história

que a proximidade, que a demonstração de afeto não eram situações bem vistas pela sociedade

em geral, e que essa condição afetava também as crianças, ou seja, o afeto que se delega para

a família em relação às crianças e aos adolescentes se dá numa perspectiva recente, não sendo

a prática que intrínseca as famílias de outras épocas, assim como também não o é de todas as

famílias da atualidade. Ainda Leite, Massaini (1989, p.86), pontuam que

“Contemporaneamente, o amor e a família são considerados como um sentimento incorporado

a uma instituição social, tanto nas relações do casal formador, como nas relações entre

gerações.”. Dessa forma, a colocação da autora remete à característica que enquanto

sociedade dá-se à instituição família, espaço que propicie às crianças e aos adolescentes uma

condição de afetividade, na qual o mesmo se sinta protegido e essa relação amor e família

como uma condição inata, como se no interior de uma família o afeto ocorresse de forma

natural.

“A evidência histórica apóia a hipótese de que, na Europa, a família nuclear só emerge

como socializadora por excelência das crianças a partir do século XVIII, junto com a

popularização da educação escolar.” (FONSECA, 1989, p.96). Nesse sentindo, observa-se que

essa organização teve início nas primeiras práticas educativas ligadas às escolas,

demonstrando o caráter educativo que se impõe aos núcleos familiares. Neste momento

trazido pela autora, a educação por parte dos pais vinha de encontro à perspectiva de ensino

escolar e, não era de sua plena responsabilidade os cuidados com crianças e adolescentes; essa

função era dividida com a sociedade por meio da função educativa e formativa desempenhada

pela escola neste momento histórico.

[...] a família, ao longo do tempo, é caracterizada por propiciar condições,

afetivas, materiais e morais necessárias ao desenvolvimento da pessoa. Cada

grupo familiar possui uma cultura, com identidade e regras próprias, que

difere de outros, embora existam normas constitucionais que definam seus

direitos e obrigações para com seus componentes e a sociedade. (RIBEIRO;

MARTINS, 2008, p. 52)

35

“Os conceitos de amor materno, da domesticidade conjugal, são particularmente

adequados à intimidade da família nuclear “moderna”, isto é, à unidade doméstica onde

moram só o pai, mãe e filhos e onde certa divisão de trabalho dá disponibilidade à mãe para se

dedicar inteiramente aos filhos.” (FONSECA, 1989, p. 104). É nesse grupo que crianças e

adolescentes têm suas primeiras referências; é também nesse espaço que são transmitidos

ensinamentos e se dão os cuidados necessários para que esses indivíduos, em condição

peculiar, possam se desenvolver de forma saudável e digna. Isso é o que se espera do

ambiente familiar, mas nem sempre essa é a realidade de crianças e de adolescentes. “Diante

da multiplicidade de modelos familiares, a família conserva sua função de “útero social”, um

espaço privilegiado de convivência, acolhimento, afeto e educação, mas não deixa de

apresentar conflitos e desentendimentos nos relacionamentos entre seus componentes.”

(RIBEIRO; MARTINS, 2008, p.53).

“O conflito entre as duas gerações, de que se compõe atualmente a família nuclear,

pode ser muito intenso, pelo fato de não haver outros adultos a quem a criança possa recorrer

em caso de abuso da autoridade paterna.” (CAMPOS, 1985, p.9). Baseando-se na condição de

responsáveis, abusam de seu poder e submetem crianças e adolescentes aos mais distintos

mandos e desmandos, fazendo desses sujeitos em situação peculiar de desenvolvimento,

propriedades suas que devem servir às suas vontades.

A violência doméstica, pelo seu envolvimento, em grande parte dos casos,

com relações familiares e o espaço do domicílio, é caracterizada como uma

questão relativa estritamente à esfera da vida privada, encoberta pela

ideologia que apresenta a família como uma instituição natural, sagrada, na

qual se desenvolvem apenas relações de afeto, carinho, amor e proteção, a

ser preservada pela sociedade. (ROCHA, 2007, p.29)

“Por tratar-se de um tipo de violência que se reproduz em sua maioria, em espaço

privado, em geral praticada pelos pais e responsáveis diretos da criança, e dada a carga

cultural de aceitação desta violação, suas manifestações ainda são pouco registradas.”

(SILVA; SILVA, 2005, p.53). O fato de tal violência ocorrer no espaço doméstico, diante do

vínculo que mantém vítimas e agressores, compromete a realização de registros que

demonstrem as ocorrências, isso resulta que os números que se têm em relação à violência

física doméstica sejam parcelas da realidade que se faz oculta.

A concepção da esfera doméstica como totalmente privatizada reitera o

entendimento da violência doméstica como uma prática natural de resolução

de conflitos, segundo os modelos e papéis instituídos pelo patriarcado e

36

pelas relações contraditórias de gênero. Vista como uma forma pré-jurídica

de praticar a justiça, o agressor assume sua aplicação diante da transgressão

daqueles que estão sob seu domínio [...] (ROCHA, 2007, p. 34).

Como pontua a autora, a violência quando ocorre no ambiente familiar, tende a ser

naturalizada e vista ainda como forma de praticar justiça. Dessa forma, a aceitação de tal

violência permite que ela se alastre e atinja um número cada vez mais considerável de

crianças e adolescentes. A proximidade que acomete o grupo familiar possibilita a

naturalização de que se fala, uma vez que a questão do educar a partir da agressão está

inserida na sociedade, de modo que esta prática seja vista como normal e assim o agressor

aplique a violência sobre os que estão em seu domínio. Nessa condição, encontram-se

crianças e adolescentes. “No Brasil, a violência física é um dos tipos de abuso mais

freqüentemente identificado nos diversos serviços, e usualmente essa alta incidência é

associada ao modelo cultural que justifica a punição corporal como medida educativa.”

(DESLANDES apud GONÇALVES, 2003, p.159). Observa-se que a violência que perpassa o

ambiente familiar ainda é justificada como método educacional, principalmente a violência

física doméstica, foco do presente trabalho.

2.2 A NATURALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA FÍSICA JUSTIFICADA COMO

DISCIPLINAR

“A violência física caracteriza-se pelo uso da força ou atos praticados pelos pais ou

responsáveis, como o objetivo claro de ferir ou não, deixando ou não marcas evidentes. São

comuns murros, tapas, agressões como diversos objetos e queimaduras por objetos ou líquidos

quentes.” (RIBEIRO; MARTINS, 2008, p.80). Todavia, a violência física pode ser cometida

usando distintas formas podendo ir de tapas a queimaduras. Além da intensidade, a violência

pode ter consequências distintas e vir a resultar até mesmo no óbito da(s) vítima(s). Logo,

entende-se que a agressão não é compatível aos carinhos que deveriam ser disponibilizados

aos cuidados para com crianças e adolescentes.

A violência cometida no grupo familiar é justificada, na maioria dos casos, como

forma de disciplinar e de educar. Quando os pais ou responsáveis se percebem sem o poder

que acreditam ter sobre crianças e adolescentes, adotam a pedagogia educativa referente ao

bater, como forma de controlar e de limitar os feitos desses sobre seu domínio, os quais ficam

submetidos às inúmeras atrocidades diante de seu grau de desenvolvimento. Além de

37

violência física, tem-se também o abuso físico, o qual de acordo com a National Information

Clearinghouse se caracteriza,

[...] pela produção de injúria física como resultado de socar, bater, chutar,

morder, queimar, sacudir ou outras formas de ferir a criança. Os pais ou

responsáveis podem não ter tido a intenção de machucar a criança; na

verdade, o dano pode ser resultante de excessos disciplinares ou punição

física. (NIC apud GONÇALVES, 2003, p.157).

O abuso físico não difere em suas características da violência física, sendo que ambos

têm sua ação sobre a integridade física de crianças e adolescentes. Consiste uma prática de

covardia, ao considerar que a vítima se encontra em condição inferior a do agressor, no

sentido de integridade biopsicossocial. Assim, crianças e adolescentes constituem um grupo

relativamente vulnerável aos mais diversos tipos de mandos e desmandos, aos mais distintos

graus de intensidade das agressões, sendo que podem resultar dessas situações sequelas

irreparáveis que irão prejudicar o desenvolvimento desses sujeitos fragilizando-os e anulando

suas potencialidades.

“O modelo educativo antigo pregava que os pais deveriam disciplinar severamente

seus filhos. Tal postura era adotada ao pé da letra e não existia, na cabeça da maioria dos pais,

qualquer dúvida a cerca da legitimidade e eficácia desse “método pedagógico”.” (CUNHA,

2003, p. 61). Portanto, esse método advém de longa data e, mesmo depois de tanto tempo,

essa prática não é questionada por parte da sociedade, utilizam-se desse meio considerando a

melhor forma de educar seus filhos. Observa-se a citação “disciplinar severamente”, como se

a severidade garantisse a eficácia da modalidade disciplinar.

Durante todo o percurso da história da humanidade sempre se acreditou que

a punição física era um método legítimo e saudável para corrigir e ensinar

nossas crianças. Só recentemente essa verdade, tida como absoluta, tem sido

questionada. Romper com paradigmas tão fortemente consolidados não é

algo fácil, mas precisamos evoluir e desenvolver caminhos que possibilitem

aos pais educarem seus filhos através de uma pedagogia sem violência.

(CUNHA, 2003, p.64).

A naturalização e a aceitação do método como legítimo, de certa forma impossibilita

que essa prática seja questionável por todos os responsáveis que a usam como forma de

educar e dar limites aos que acreditam ser suas propriedades - crianças e adolescentes. O fato

de tal fenômeno já estar sendo questionado é plausível, diante da situação que foi pontuada na

citação “Romper com paradigmas tão fortemente consolidados não é algo fácil”. Concorda-se

que parte da dificuldade para que essa pedagogia violenta usada na educação dos filhos é

38

resultante de paradigmas aceitos pela sociedade e quebrar com essa perspectiva é tarefa

difícil, além de que acreditam os responsáveis terem livre arbítrio para agirem em relação às

crianças e aos adolescentes.

A violência física familiar contra crianças e adolescentes não tem sido

adequadamente dimensionada (o mesmo ocorre com outros tipos de

violência), já que os dados obtidos, tanto em pesquisas como em serviços de

atendimento às vítimas, representam a parcela identificada do problema,

mantendo-se invisíveis as ocorrências que as famílias e as moradias

conseguem ocultar. (RIBEIRO et al, 2007, p. 278).

A violência física no espaço familiar não tem sido adequadamente dimensionada, de

acordo com a autora, chega-se à conclusão a partir disso que, o número relativo ao

acontecimento da violência física e às demais no espaço doméstico, demonstram que a prática

da denúncia não é aceita e nem realizada por todas as famílias que vivem com o sofrimento da

violação. Além do mais, as famílias na tentativa de perpetuarem a imagem e a sua posição

diante da sociedade, buscam encobrir os casos de violência e esses não chegam a ser

denunciados. Logo, não se contabiliza a realidade do fenômeno, o que se tem é uma

referência parcial da realidade que acomete a vida de crianças e adolescentes. Diante da

imagem que a sociedade constrói da família, numa situação de violação, essa opta por se

esquivar para manutenção da imagem e assim, não denuncia, justo porque a denúncia pode

desmoronar a imagem de equilíbrio, de espaço afetivo, de acordos, de amor e cuidados. O

zelo passa a dar lugar a uma constante violência acobertada por aqueles que deveriam

proteger crianças e adolescentes. Com isso, tem-se que crianças e adolescentes ficam à

margem da própria sorte, expostos a condições muitas vezes desumanas sem que possam se

defender diante de seu grau de desenvolvimento.

É importante frisar que, essa forma de violência não se atém apenas ao

disciplinamento aplicado aos filhos pelos pais ou responsáveis, mas que os atinge de forma

generalizada e por distintos motivos; nesse sentido, os fatos que motivam a violência podem

ser inúmeros, como apontados abaixo.

A crença dos pais de que a punição corporal dos filhos é um método

educativo e uma forma de demonstrar amor, zelo e cuidado;

Ver a criança e o adolescente como um objeto de sua propriedade e

não como sujeito de direitos;

A baixa resistência ao stress do agressor que projeta seu cansaço e

problemas pessoais nos filhos e demais dependentes. Exemplos de

problemas pessoais: desemprego, dívidas, desentendimento conjugal, etc;

O uso indevido de drogas;

39

Abuso de álcool;

Pais que quando crianças foram vítimas de violência doméstica e que

reproduzem nos filhos o mesmo quadro vitimizador.

Fanatismo religioso;

Problemas psicológicos e psiquiátricos. (CUNHA, 2003, p.37-39).

De acordo com Cunha, um dos motivos é o método educativo como forma de

demonstrar amor, zelo e cuidado. Observa-se a partir disso que, há uma distorção de

sentimentos, os quais naturalizam a violência e, sobretudo, legitimam também essa prática

como meio de zelar, de demonstrar afeto e interesse na condição de crianças e adolescentes.

Porém, acreditam pais ou responsáveis estarem submetendo os filhos a uma forma de cuidado.

Outra situação se dá no fato de os responsáveis não verem nas crianças e nos adolescentes

sujeitos de direito e, sim, objetos submissos aos seus mandos e desmandos. Nessa relação

hostil, os mais fortes mandam, enquanto os mais fracos devem obediência aos primeiros e

caso isso não ocorra usa-se da coerção para discipliná-los, na busca de a desobediência não

voltar a ocorrer. Outro fator está em os pais ou responsáveis descontarem seus problemas

pessoais em seus filhos, quando os primeiros não têm controle de suas frustrações ou

problemas. A violência também pode resultar de forma recíproca, ou seja, quando crianças e

adolescentes, os pais ou responsáveis foram violentados, o que os leva a praticarem o ato

violento junto aos seus filhos. Esses e outros fatores ocasionam a violência no espaço

doméstico; logo, o que ficou claro é que independente do motivo, crianças e adolescentes

estão na condição de vulnerabilidade que os faz vítimas fáceis de inúmeras agressões.

Enfatizando as motivações Ribeiro

As famílias que o usam o castigo físico apresentam também um outro

conjunto de características especificas ou sejam: consideram o castigo físico

como método de disciplinamento das gerações mais novas; as crianças e

adolescentes são submetidas aos desejos dos pais; estes têm projeto

idealizado sobre a criança e o adolescente, que quando não realizado

desencadeia rejeição; existem conflitos significativos ou crises de variadas

naturezas, inclusive financeiras; guardam segredo sobre esta prática, a fim de

se protegerem da desaprovação social. (et al, 2007, p.278),

Constata-se em mais um momento, a preocupação que as famílias têm em relação à

“desaprovação social” como colocam os autores. Nesse sentido, o que fica claro é que, diante

dessa situação, opta-se por ocultar as situações de violação, o que restringe a proteção, que

quando não possibilitada pela família, deve ser assumida pela sociedade e pelo Estado. Sem

saber da condição de violação, essas organizações não podem se mobilizar e adentrar o espaço

familiar para dar ou não solução à problemática.

40

2.3 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A PROTEÇÃO INTEGRAL

Conforme Art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do

Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação

dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à

educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,

ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária

(BRASIL, 2006).

A partir do Estatuto da Criança e do Adolescente, o dever de zelar pela vida e as

condições para que isso aconteça, é dever não apenas da família, mas se estende à sociedade e

ao Estado. Assim, denunciar casos de violência no espaço familiar, não significa apenas o que

parece num primeiro momento, o simples fato de trazer à tona uma questão de violência,

significa muito mais; relaciona-se ao compromisso que enquanto sociedade ou Estado tem-se

com crianças e adolescentes, de forma a proporcionar os cuidados necessários. Por essa

perspectiva, presume-se que crianças e adolescentes devem receber os devidos cuidados, que

não ficam a cargo dessa ou daquela instituição, mas de toda a sociedade, de modo a propiciar

proteção integral.

Ainda referente ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº. 8069/1990,

Art. 3°,

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes

à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei,

assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e

facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral,

espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. (BRASIL, 2006).

Nesse sentido, crianças e adolescentes devem receber proteção integral a qual deve ser

garantida por lei ou por outros meios, de modo a propiciar o desenvolvimento desses sujeitos

em todos os âmbitos e de forma plena. Infelizmente, a garantia de proteção integral não é uma

realidade de todas as crianças e de todos os adolescentes, isso remete a um campo de violação

de direitos, que impossibilita um desenvolvimento saudável e digno. Nesse campo de

violação, estão presentes as formas de violência que acometem crianças e adolescentes no

ambiente familiar, dentre essas, a violência física.

41

A violência física e as demais, quando ocorrem no ambiente doméstico, além de serem

acobertadas pelo grupo familiar diante da sociedade, também são justificadas pelos autores da

agressão como forma de disciplinar e fazer com que o erro cometido por crianças e

adolescentes não venha a se repetir. Para visualizar melhor tal situação, Cunha aponta a

seguinte situação,

Z.O.C., de seis anos, foi torturada no Rio pelo seu padrasto, J.M.P., de

22 anos, que a queimou nas nádegas, coxas e pés, com um ferro de

passar roupa: Na delegacia de polícia, ele explicou que a garota mexeu no

despertador, fazendo com que perdesse a hora. Além de queimar a menina,

colocou sal sobre os ferimentos “para arder bastante”. A mãe de Z.O.C.

estava viajando e por isso ela buscou ajuda de uma vizinha que a levou ao

posto policial. A garota depois de medicada foi entregue a uma unidade da

Febem. (O ESTADO DE SÃO PAULO apud CUNHA, 2003, p.73 grifo do

autor).

O ato de crueldade cometido pelo padrasto foi baseado em motivo insustentável e

superficial, foi motivado por um atraso ocorrido devido à menina ter mexido no despertador.

Logo, o padrasto se vê no direito de fazer o que bem entender para punir a menina, não

satisfeito com as queimaduras põe sal sobre os ferimentos tornando o fato ainda mais cruel. A

intensidade do caso é admitida pelo agressor quando o mesmo pontua que colocou sal “para

arder bastante,” o que torna a situação ainda mais trágica. Não bastasse queimar com ferro de

passar roupa, sentiu-se no direito de piorar a situação e relata isso com naturalidade,

demonstrando dessa forma como a agressão contra a criança e o adolescente se justifica a

partir do método punitivo ou do disciplinamento.

Nesse sentido, observa-se que apesar da garantia de proteção integral colocada pelo

Estatuto da Criança e do Adolescente e, ainda da condição de sujeito de direitos que esse

mesmo documento propõe, não são considerados esses sujeitos e, além disso, não são vistos

como tal e nem mesmo são respeitados dentro de suas condições de desenvolvimento. De

acordo com Ribeiro e Martins (2008, p.76), “A criança vítima da violência doméstica não é

tratada como sujeito pleno, e tanto sua ação quanto sua reação são restringidas pelo medo e

por ameaças. Só lhe resta permanecer calada frente ao poder disciplinador/repressor do

adulto.”.

Relativo à valorização da Criança em âmbito internacional, tem-se que “[...] foi muito

tardia. Legalmente, ela só se tornou um sujeito de direitos no século XX, em 1959, na

Assembléia Geral da ONU, na qual foi promulgada a Declaração dos Direitos da Criança.

(WEBER, VIEZZER, BRANDENBURG, 2004, p.228). A valorização tardia da criança pode

42

ter comprometido o processo de valorização que se seguiu a partir desse momento, diante do

fato de que a prática de violentar e ver em crianças e adolescentes objetos prontos a servir os

adultos vem de longa data. Mudar o que era até então normal não se constitui em tarefa fácil

e, a mesma dificuldade ainda é sentida nos dias de hoje, apesar de mais de 50 anos da

realização dessa Assembleia. A crença de que bater é a melhor forma de educar e de que

crianças e adolescentes têm o dever de servirem os adultos é pertinente e, os que lutam contra

essa coisificação de crianças e adolescentes, encontram-se diante de uma tarefa árdua tanto

para desmistificar a naturalização da prática de violência quanto para adentrar os espaços

familiares para intervenção quando necessário, diante do sigilo que perpetua essa instituição.

Em relação à condição de sujeito, Ribeiro e Martins (2008, p.56),

Foi a partir da Lei 8.069 de 13.07.1990, que a criança e o adolescente

passaram a ser considerados como cidadãos. Deixam de ser vistos como

“objetos” de guarda e passam a ser considerados como sujeitos de direitos e

deveres, sendo um grande avanço para essa faixa etária que, até então, foi

marginalizada pela sociedade. (RIBEIRO; MARTINS, 2008, p.56).

Apesar do que alegam Ribeiro e Martins, o que se percebe ao falar de violência contra

crianças e adolescentes, é que essa condição de objeto está intrínseca à relação desses com os

adultos, que ainda veem os primeiros como propriedades das quais fazem o que bem

entenderem e da forma que lhes convier. O que se observa em mais um momento, é a

perpetuação da relação fria e conflitante entre vítimas e agressores e, a condição subalterna

em que estão crianças e adolescentes nessa relação.

Entretanto, a questão de disciplinar está ligada não à questão do punir fisicamente para

controlar comportamentos não aceitos por adultos, liga-se à garantia de condições para que

crianças e adolescentes possam desenvolver-se de forma saudável e digna e, possa nesse

processo, também desenvolver seus potenciais, de modo a estarem preparados para a vida

adulta; sem, contudo, chegarem a essa fase da vida diante de um mundo turbulento advindo

da violência e sim de forma madura e tranquila, sem contratempos.

Disciplinar é ajudar uma criança a desenvolver seu autocontrole, estabelecer

limites, ensinar comportamentos adequados e corrigir os inadequados.

Disciplinar também envolve encorajar a criança, ajudá-la a desenvolver a sua

auto-estima e sua autonomia, ou seja, prepará-la para enfrentar o mundo sem

que precise emitir comportamentos simplesmente para evitar as punições e

aprender que a coerção é uma solução inaceitável para a resolução de

problemas. (WEBER, VIEZZER, BRANDENBURG, 2004, p.235).

43

3 A VIOLÊNCIA FÍSICA DOMÉSTICA COMO MÉTODO EDUCACIONAL NO

MUNICÍPIO DE TOLEDO – PARANÁ

A pesquisa realizada é de natureza qualitativa, classifica-se com pesquisa documental,

qual seja, “[...] um procedimento que se utiliza de métodos e técnicas para a apreensão,

compreensão e análise de documentos dos mais variados tipos.” (SÁ-SILVA, ALMEIDA,

GUINDANI, 2009, p.05). Por meio da pesquisa documental, buscou-se elencar dados que

possibilitassem traçar um perfil da vítima e analisar a relação entre a vítima e o agressor e

também o sexo do agressor. A pesquisa foi realizada a partir das informações contidas nos

documentos (Formulários de Coleta de Dados) utilizados nos Projetos de Iniciação Científica:

“Quantificar as Modalidades de Violência Doméstica Contra Crianças) e Adolescentes em

Registros de Atendimento do Conselho Tutelar de Toledo – Paraná” e “Tipificar as Formas de

Violência Intrafamiliar contra Crianças e Adolescentes em Registros de Atendimento do

Conselho Tutelar de Toledo – Paraná”, relativas aos períodos de 2009 a 2010 e 2010 e 2011.

Os dados foram coletados por meio do Formulário de Coleta de Dados (Apêndice A)

aprovado pelo Comitê de Ética conforme (Anexo A).

É a pesquisa que alimenta a atividade de ensino e a atualiza frente a

realidade do mundo. Portanto, embora seja uma prática teórica, a pesquisa

vincula pensamento e ação. Ou seja, nada pode ser intelectualmente um

problema, se não tem sido, em primeiro lugar, um problema da vida prática.

(MINAYO, 1994, p.18).

Nessa perspectiva, chamou atenção o fato de que apesar de antiga, a cultura de

disciplinar crianças e adolescentes por meio de punição física, a prática ainda se faz presente

na atualidade. Para análise dos dados utilizou-se de pesquisa qualitativa, a qual propicia

extrair a realidade escamoteada para apresentá-la em números.

A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se

preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser

quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos,

aspirações, crenças, valores e atitudes, o que responde a um espaço mais

profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser

reduzidos à operacionalização de variáveis. (MINAYO, 1994, p. 21-22).

Os dados quantitativos se diferenciam dos dados qualitativos, sendo os dados

quantitativos mensuráveis, palpáveis e exatos e os qualitativos saem da aparência

representada em dados quantitativos para a essência. Assim é que, na presente pesquisa, usou-

44

se num primeiro momento de pesquisa quantitativa para elencar dados referentes ao sexo,

escolaridade e idade da vítima, além da relação vítima e agressor, sexo do agressor e o motivo

que o levou à violência física doméstica; e num segundo momento, para análise desses dados,

usou-se de pesquisa qualitativa para chegar à leitura mais próxima da realidade. Apesar de

diferentes, segundo Minayo (1994, p.22), “O conjunto de dados quantitativos e qualitativos,

porém, não se opõem. Ao contrário, sem complementam, pois a realidade abrangida por eles

interage dinamicamente, excluindo qualquer dicotomia.”.

Nesse sentindo, para expressar a realidade de inúmeras crianças e adolescentes

trabalhou-se de forma associada com o quantitativo e o qualitativo, que possibilitou uma

aproximação maior com os reais aspectos dessa relação conflituosa que é a violência física

doméstica. “Uma vez manipulados os dados e obtidos os resultados, o passo seguinte é a

análise e a interpretação destes.” (LAKATOS, MARCONI, 1999, p.36).

3.1 A MOTIVAÇÃO PARA O ATO DA VIOLÊNCIA FÍSICA DOMÉSTICA

O motivo da violência corresponde ao fato que levou a ocorrência do ato, para a

pesquisa utilizou-se de duas modalidades sendo como método educacional/disciplinar (foco

da presente pesquisa) e outros, sem definir os demais motivos, devido a não ser o foco do

trabalho. Assim, elencou-se à categoria outros como forma de elencar ao total de violência

física doméstica, o número que corresponde à violência física doméstica, motivada por

método educacional/disciplinar. A violência física “Ocorre quando alguém causa ou tenta

causar dano a alguém utilizando força física, algum tipo de arma ou instrumento que possa

causar lesões internas (hemorragias, fraturas etc), externas (cortes, hematomas, feridas etc.)

ou ambas.” (BARKER, RIZZINI, 2003, p. 66).

O número que se obteve dessa violência, motivada por método educacional, não foi de

grande monta, sendo que no total de 31 (trinta e um) foram identificados 4 (quatro) casos, que

correspondem a 13% das ocorrências. Relativo ao ano de 2009, foram 8 (oito) casos; e

motivados por método educacional 3 (três); no ano de 2010, foi encontrado 1 (um) caso num

grupo de 23 (vinte e três) casos. Para que esses 4 (quatro) casos fossem elencados, usou-se da

leitura dos Formulários de Coleta de Dados supracitados, esse número advém de casos em que

a categoria disciplina pôde ser identificada na denúncia, ou seja, entre os demais casos, o

método educacional poderia ser a motivação que levou à violência física doméstica. Porém,

por não ter sido enfatizado no registro características de punição disciplinar, optou-se por não

45

registrar como método educacional/disciplinar, uma vez que a dedução de algo, não

possibilita um número real e, sim, uma possibilidade de ocorrência. O fato de não conter no

registro características do método educacional, pode estar relacionado à naturalização que se

faz dessa forma de violência, ou seja, quando a violência é usada pelos pais ou pelos

responsáveis para punir um ato errado, para disciplinar e para educar, busca-se justificá-la

como um ato de zelo. Por isso, não é denunciada e, muitas vezes, não é pontuada por não ser

vista como algo anormal, sendo que não causa mais estranhamento, logo, não vai levar a uma

denúncia se não chegar a casos mais extremos como o espancamento ou ainda a morte.

Tabela 1 – Motivo da Violência Física Doméstica

Motivo da Violência Física Doméstica Dados Gerais 2009 2010

Método Educacional/disciplinar 04 03 01

Outros 27 05 22

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

A violência física doméstica tem inúmeros motivos como apontados por Cunha no

segundo capítulo, sendo um dos motivos, o disciplinamento. Apesar de esse método ser uma

prática de longa data, ainda se faz presente na realidade de crianças e adolescentes e continua

a ser usado como forma de educar ou ainda, transmitir valores pelos responsáveis. Na

sequência, há gráficos com as porcentagens dos dados apresentados acima.

Gráfico 1 – Motivo da Violência Física Doméstica (Dados Gerais)

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

46

Observa-se em dados gerais, o número reduzido de ocorrências da violência física

doméstica motivada por método educacional/disciplinar. No entanto, o que se observa diante

da teoria pautada é a persistência desse fenômeno na sociedade brasileira. Já para 2009, não se

percebe tanta diferença como pode se analisar na sequência, assim não ocorre no ano de 2010.

Explica-se a pouca diferença obtida em 2009, devido ao menor número de ocorrências nesse

ano, sendo apenas 8 (oito) casos; já no ano de 2010, a diferença é maior por ter um número

menor de ocorrência de violência física doméstica motivada por método disciplinar, além de

um número maior de ocorrência, sendo um total de 23 (vinte e três) casos. A prática da

violência física para disciplinar crianças e adolescentes é constante e faz parte da realidade de

inúmeros indivíduos. Todavia, a sua naturalização implica que esses casos não sejam

denunciados, podendo ser um dos motivos do baixo número de registro da ocorrência de

violência física doméstica, motivada por método educacional/disciplinar.

Gráfico 2 – Motivo da Violência Física Doméstica (2009)

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

47

Gráfico 3 – Motivo da Violência Física Doméstica (2010)

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

3.2 PERFIL DA VÍTIMA

O perfil da vítima será analisado a partir dos seguintes aspectos: sexo, escolaridade e

idade. Diante da experiência propiciada pelas Pesquisas de Iniciação Científica, elencou-se

essas categorias acreditando que possam proporcionar uma aproximação mais precisa com as

características de crianças e adolescentes, vítimas de violência física doméstica, também

motivada por método educacional/disciplinar.

3.2.1 Quanto ao Sexo da Vítima

Em relação ao sexo, tem-se um número mais elevado para o feminino, o qual não é tão

desigual em relação ao masculino, o que apresenta uma paridade no que diz respeito ao

gênero; ou seja, a violência física doméstica não faz distinção de gênero e atinge de maneira

igual meninos e meninas. A violência, portanto, é um fenômeno amplo que não escolhe quem

vai atingir e decorre de motivações distintas. No ano de 2009, há uma proporção maior para o

sexo feminino, sendo uma diferença considerável uma vez que apenas 1 (um) caso

compreende vítima do sexo masculino. Já para o ano de 2010, o que acontece em dados

gerais, ocorre inversamente, ou seja, há um número mais elevado para o sexo masculino,

porém, nos dados gerais, a diferença não é elevada, o que demonstra em mais um momento

48

que a violência física doméstica não consiste na distinção de gêneros. Logo, não é o sexo que

irá definir a vítima e, sim, as condições que envolvem a relação no ambiente familiar.

Tabela 2 – Sexo da Vítima

Sexo da Vítima Dados Gerais 2009 2010

Masculino 17 01 16

Feminino 21 08 13

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

Constata-se que tanto em 2009 quanto em 2010, o sexo mais atingido pela violência

física doméstica foi o feminino, podendo ser hipoteticamente por inúmeros motivos: por ser

considerado como sexo mais frágil; por não haver tanta denúncia quanto à violência que

ocorre com meninos, pela crença de sexo mais forte entre outros fatores, os quais, apesar de

explicar, não justificam a motivação para a prática da violência física doméstica. Quando se

fala em sexo frágil, observa-se que apesar de inúmeras conquistas alcançadas pelo gênero

feminino, ainda se tem a perspectiva de ser o sexo masculino o mais resistente e o provedor.

Cumprir o papel masculino de provedor não configura, de fato, um problema

para a mulher, acostumada a trabalhar, sobretudo quando tem precisão; para

ela, está em manter a dimensão do respeito, conferida pela presença

masculina. Quando as mulheres sustentam economicamente suas unidades

domésticas, podem continuar designando, em algum nível, um “chefe”

masculino. Isso significa que, mesmo nos casos em que a mulher assume o

papel de provedora, a identificação do homem com a autoridade moral, a que

confere respeitabilidade à família, não necessariamente se altera. (SARTI,

2003, p.67).

Apesar das mudanças em relação ao grupo familiar, as funções despendidas por seus

integrantes e a mudança no papel da mulher, que antes tinha a função de cuidar dos filhos e da

casa como atividades próprias do gênero, hoje, divide com o parceiro o trabalho, que

ultrapassa o ambiente doméstico, ainda assim o homem é visto como autoridade moral e a

mulher ainda mantém uma certa dependência do gênero oposto.

Na sequência, apresentam-se os gráficos com as porcentagens para melhor

visualização dos dados acima.

49

Gráfico 4 – Sexo da Vítima (Dados Gerais)

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

Percebe-se que no ano de 2009, o número de vítimas do sexo feminino se destaca em

relação ao sexo masculino, com uma diferença considerável. O sexo feminino tem toda uma

trajetória de lutas e conquistas para o gênero, no entanto, também faz parte dessa trajetória a

submissão remetida aos homens, que as fizeram e ainda fazem em alguns casos, vulneráveis e

vítimas em potencial da violência do homem, ou do mais forte contra o mais fraco.

Gráfico 5 – Sexo da Vítima (2009)

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

Entretanto, no ano de 2010, o sexo masculino foi o mais atingido pelo fenômeno

violência física doméstica. Essa diferença não é tão dispare, de sobremaneira é interessante

50

como de um ano para o outro, o sexo da vítima quase que se igualou. A propósito, a diferença

leva a crer que o grande destaque do sexo feminino para o ano de 2009, seja algo casual não

relativo à característica da violência, ou seja, não é característica da violência distinguir o

sexo e pode ocorrer tanto com meninas quanto com meninos.

Gráfico 6 – Sexo da Vítima (2010)

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

3.2.2 Quanto à Escolaridade da Vítima

Tabela 3 – Escolaridade da Vítima

Escolaridade da Vítima Dados Gerais 2009 2010

5ª série 01 01 00

8ª série 02 01 01

Não consta 35 07 28

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

Com relação à escolaridade, pode-se dizer, num primeiro momento, que não se obteve

um número satisfatório, uma vez que o resultado revelou situação de escolaridade em apenas

3 (três) vítimas num total de 38 (trinta e oito). Contudo, isso leva a questionar o motivo de tal

categoria não ser elencada no registro de ocorrência. Uma hipótese para tal motivação, pode

ser que no momento do registro, outros aspectos estavam em pauta; outra explicação pode

residir no fato de que o caso tenha sido conturbado e o responsável pelo registro não se ateve

a essa categoria. No entanto, independente do motivo, o fator escolaridade, aliado à idade das

vítimas, apresentaria a situação das vítimas no âmbito escolar, ou seja, poderia ser analisado

51

se a idade é compatível com a série. Esta constatação, dependendo do seu resultado, abriria

campo para discutir as consequências da violência para além dos muros do ambiente

doméstico.

Nos três casos relacionados, conforme dados da pesquisa, tem-se as seguintes

situações: 15 anos na 8ª série, 16 anos na 8ª série e 11 anos na 5ª série. Observa-se nesses

dados, um pequeno atraso em relação à idade e à série dos casos em pauta, entretanto, esses

foram os dados que apareceram e os dados dos demais que ficaram ocultos na não

informação? Quantos pararam de estudar? Quais os motivos? Qual o prejuízo para o

desenvolvimento desses sujeitos?

Para melhor visualizar os dados apresentados, seguem gráficos com as porcentagens.

No gráfico que apresenta os dados gerais, cada série está de uma cor por serem de teores

diferentes, o mesmo ocorre para o ano de 2010; já para o gráfico que apresenta os dados de

2009, optou-se por colocar da mesma cor porcentagens de valor igual como forma de destacar

as maiores porcentagens.

Gráfico 7 – Escolaridade da Vítima (Dados Gerais)

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

52

Gráfico 8 – Escolaridade da Vítima (2009)

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

Gráfico 9 – Escolaridade da Vítima (2010)

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

3.2.3 Quanto à Idade da Vítima

Em relação à idade das vítimas, há um total de 14 (quatorze) crianças e 27 (vinte e

sete) adolescentes, tendo destaque as idades 6 (seis) e 11 (onze) anos para a faixa etária

criança e quase todas as idades da adolescência, exceto 17 (dezessete) anos que não ficou tão

abaixo das demais idades - o que ocorre é que se optou por destacar as idades mais atingidas

pela prática da violência. Diante da quantidade de dados apresentados nessa categoria, optou-

53

se por colorir tanto os dados postos na tabela como agrupá-los por cor e dar destaque às

idades com maiores porcentagens nos gráficos. Observa-se nos dados que, a grande maioria

das vítimas correspondem a adolescentes, sendo que o número de vítimas adolescentes

compreende a quase o dobro de vítimas crianças. Contudo, não é possível afirmar que a

violência ocorre em sua maioria com adolescentes e que, crianças são menos atingidas por

essa prática, o que se pode afirmar é que para 2009 e 2010, diante da documentação

pesquisada, foram estes dados que resultaram.

A violência não distingue idade ou sexo como se vê e atinge da mesma forma, crianças

e adolescentes. Assim, uma das hipóteses para esse número tão elevado de adolescentes em

relação às crianças, pode ser o fato de na adolescência, os sinais da violência física doméstica

ficarem mais visíveis, devido a não ser mais a idade de tombos normais ou de machucados

resultados de brincadeiras. Além de que, a condição de maior maturidade possibilita a esses

sujeitos contar o drama vivido ou, em alguns casos, ainda denunciar a violação sofrida. Como

quem foi o denunciante não foi uma das propostas do formulário de coleta de dados, não se

pode afirmar que a própria vítima tenha sido o denunciante.

Tabela 4 – Idade da Vítima

Idade da Vítima Dados gerais 2009 2010

03 anos 02 01 01

04 anos 01 00 01

05 anos 01 00 01

06 anos 03 01 02

08 anos 02 00 02

10 anos 01 00 01

11 anos 04 01 03

12 anos 03 01 02

13 anos 06 01 05

14 anos 04 01 03

15 anos 03 01 02

16 anos 06 02 04

17 anos 02 00 02

Não consta 03 00 03

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

Na sequência, apresentam-se os dados em porcentagem, frisando que os dados em

destaque correspondem a cores diferentes, compreendendo dados com porcentagem igual e as

demais porcentagens encontram-se com cores neutras.

54

Gráfico 10 – Idade da Vítima (Dados Gerais)

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

Gráfico 11 – Idade da Vítima (2009)

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

55

De acordo com os dados gerais, assim como nos anos de 2009 e 2010, que a grande

porcentagem de vítimas são adolescentes, o que pode justificar tal fator é o maior

discernimento da realidade que esses têm em comparação às crianças, justo porque se

encontram num estágio um pouco mais elevado de maturidade, logo, discernem de forma

mais clara sobre o certo e o errado. Esse número pode estar relacionado também ao fato de

que sendo os adolescentes mais entendidos e mais opinantes, os conflitos com os pais ou

responsáveis fiquem mais acirrados.

Gráfico 12 – Idade da Vítima (2010)

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

3.3 ASPECTO DO AGRESSOR E SUA RELAÇÃO COM A VÍTIMA

3.3.1 Quanto ao Sexo do Agressor

Tabela 5 – Sexo do Agressor

Sexo do Agressor Dados gerais 2009 2010

Masculino 16 02 14

Feminino 19 08 11

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

56

Em relação ao sexo do agressor, há o maior número de ocorrência com o sexo

feminino. Contudo, essa diferença não é tão significativa, sendo que no total atinge 3 (três)

casos, o que demonstra que quanto ao sexo da vítima, a violência não faz distinção de gênero.

Porém, é curioso o fato de que no ano de 2009, o sexo mais atingido pela violência e também

o sexo do agressor, eram do gênero feminino. Uma hipótese para ser o sexo feminino o maior

responsável pelas agressões cometidas contra crianças e adolescentes, pode estar ligado ao

fato de que apesar da independência que a mulher conquistou, ainda em muitos casos, as

mulheres são responsáveis pelo lar, além de suas atribuições no trabalho, tem como função

cuidar da casa e dos filhos, ao ser responsável pelo ambiente doméstico e estar mais próxima

dos filhos e esse ser um fator que propicie o maior contato e a ocorrência da violência por

parte de mulheres.

De acordo com Munhoz, baseada na pesquisa divulgada no Jornal Folha de São Paulo

(1998), a qual registra mudanças pela qual a família passou nos últimos tempos, em relação à

figura da mãe, tem-se que,

A mãe aparece como a figura da família; é o “faz-tudo” doméstico, sendo

responsável pela educação, pela disciplina e não dispensada como fonte de

afeto. No entanto, ainda é alvo de preconceitos, não pode “trair” e, embora

venha tendo sua importância ampliada com o correr da história, sendo

“gerente do cotidiano”, é sempre mais cobrada que o homem.

Repreende/impõe limites, mas também é em geral mais aberta para o

diálogo: a ela os filhos recorrem para tratar de assuntos os mais diversos.

Mas também é muitas vezes fonte de renda e expressão de autoridade.

(MUNHOZ, 2007, p.192).

No entanto, diante da pouca diferença quando analisado o número total de agressores

do sexo masculino e do sexo feminino, infere-se que a agressão pode ser imposta tanto por

homens quanto por mulheres, o que pode ocasionar a violência compreende um conjunto de

inúmeros aspectos de cunho social, emocional ou ainda biológicos que acometem os desejos,

as necessidades ou que respondam a impulsos possibilitados por distintas experiências.

Conforme Silva (apud Lavoratti, Costa, 2007, p.208),

Se a violência intrafamiliar é construída histórica, psicológica e socialmente,

é impossível apontar uma única causa. Temos de ter sempre em mente uma

visão mais abrangente. É preciso observar as características tanto pessoais

como circunstanciais dos membros familiares envolvidos, as condições

ambientais em que ocorre o fenômeno, as questões psicológicas de interação,

o contexto social e as implicações socioeconômicas.

57

Esses aspectos constituem fatores relevantes quando se trata de violência no espaço

familiar, uma vez que podem comprometer a relação de adultos com crianças e adolescentes,

resultando num ato de violência que pode atingir esses sujeitos de formas e graus distintos. A

violência é uma prática que perpassa toda a sociedade, não se faz exclusiva dos sujeitos

crianças e adolescentes. Porém, as vítimas desse fenômeno, devido à sua condição de

desenvolvimento, são bastante prejudicadas. Em muitos casos, associado à condição de

desenvolvimento vêm questões como credibilidade no que contam, ou ainda, condições de

defesa contra o agressor.

Gráfico 13 – Sexo do Agressor (Dados Gerais)

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

A porcentagem maior para o sexo feminino, assim como nos dados gerais, também é

destaque no ano de 2009; já no ano de 2010, a porcentagem maior se encontra no sexo

masculino. Assim como no critério sexo da vítima é que, a violência não se dá numa questão

de gênero, é um fenômeno mais amplo que atinge e é cometido por ambos os sexos.

58

Gráfico 14 – Sexo do Agressor (2009)

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

Gráfico 15 – Sexo do Agressor (2010)

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

3.3.2 Quanto à Relação Vítima e Agressor

No que diz respeito à relação da vítima com o agressor, em dados gerais, destaca-se a

figura da mãe, do pai, seguidos da madrasta e do padrasto. Quando somados os dados

relativos ao pai e ao padrasto e à mãe e à madrasta, observa-se pouca diferença na quantidade

de casos que em esses atuaram como sujeitos violadores. O que fica claro também, diante dos

destaques da tabela, é o grau de parentesco dos agressores com as vítimas, sendo que os

sujeitos violadores correspondem aos supostos protetores, ou seja, daqueles que se esperam

59

cuidados, atenção e zelo. Contudo, o que se tem nessa perspectiva são agressões e direitos

distintos violados.

Segundo os dados, em alguns casos, a violência foi cometida por mais de um agressor

tendo apenas uma vítima. Em outros casos, a violência foi atuada por apenas um agressor

sobre mais de uma vítima, o que leva a analisar quão díspare é a relação de desigualdade entre

vítimas e agressor e, principalmente, a situação de submissão e vulnerabilidade das vítimas

que sofrem com essa situação de violência física doméstica.

Devido ao grande número de informações em relação a esse aspecto, optou-se por

colorir os dados em destaque, cores iguais porcentagens iguais e, por em cor neutra o restante

dos dados.

Tabela 6 – Relação Vítima e Agressor

Relação Vítima e Agressor Dados gerais 2009 2010

Mãe e filha (o) (as/os) 11 05 06

Pai e filha (o) (os) 09 00 08

Avó e neta 01 01 00

Avó e netos 01 00 00

Pais, irmã e filho 01 01 00

Mãe, padrasto e filhos 01 00 01

Madrasta e enteado 02 00 02

Padrasto e enteado 02 00 02

Pais e filho 01 01 01

Irmão e irmã 01 00 01

Pai, madrasta e filho 01 00 01

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

Para melhor visualização dos dados apresentados acima, seguem gráficos projetando

as porcentagens.

60

Gráfico 16 – Relação Vítima e Agressor (Dados Gerais)

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

Gráfico 17 – Relação Vítima e Agressor (2009)

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

61

A relação de proximidade entre as vítimas e os agressores destaca, assim como, nos

dados gerais nos anos de 2009 e 2010, os supostos protetores: pai, mãe, padrasto e madrasta;

neste contexto, observa-se que crianças e adolescentes são colocados em situação complicada,

uma vez que são esses sujeitos suas referências, tanto no aprendizado quanto para buscarem

ajuda nos momentos conflituosos.

Gráfico 18 – Relação Vítima e Agressor (2010)

Fonte: Dados obtidos na pesquisa documental.

3.4 MÉTODO EDUCACIONAL/DISCIPLINAR CONTRA CRIANÇAS E

ADOLESCENTES

“Na maioria das famílias agressoras, o modelo de educação mais constante parece ser

aquele que inclui a violência física contra a criança como um dos seus métodos.” (GUERRA,

1985, p.104). O método educacional/disciplinar corresponde à punição física usada como

forma de conter, dar limites e educar, usadas pelos responsáveis pais, avós, madrastas,

padrastos, entre outros sujeitos que detêm responsabilidade para com crianças e adolescentes.

Esse método constituiu-se como foco para a presente pesquisa, devido a ser um fenômeno

pertinente, ou seja, apesar de prática antiga ainda é utilizada e legitimada pelos responsáveis

que fazem uso desse meio. A maior dificuldade no enfrentamento da violência intrafamiliar “é

62

que as pessoas em geral, e as próprias crianças e adolescentes, consideram as agressões como

normais, tornando desta forma a violência como parte integrante do processo educacional

dentro da família.” (ABRAPIA apud MURILHO, LAZZAROTTO, BRAZ, 2006, p.33). Isso

resulta que em muitos casos da ocorrência de violência, no âmbito doméstico, não são

denunciadas, ou seja, por não haver um estranhamento do ato por ser naturalizada tal prática,

não são registradas muitas ocorrências desse fenômeno.

“A prática da violência física doméstica ainda vista como um direito dos pais, reveste-

se muitas vezes de um caráter absolutamente sigiloso a partir do momento em que conta com

uma aliança solidária entre os cônjuges: um aplica o castigo, o outro aceita ou se omite em

termos desta ação.” (GUERRA, 2001, p.151). Outro entrave para que a denúncia ocorra, está

no sigilo que compreende esse espaço, na cumplicidade que os membros da família mantêm

que faz com se protejam e não denunciem os casos de violência. “A literatura aponta, de

forma geral, que os atos agressores são negados em sua maioria e talvez o sejam para não se

desvendar o mito de proteção que a família deve dar à criança.” (GUERRA, 1985, 113).

No que se refere ao método educacional/disciplinar, foram constatados 4 (quatro)

casos, esses contemplam também 4 (quatro) vítimas, sendo todas do sexo feminino,

compreendem 11, 12, 14 e 14 anos – sendo, uma criança e 3 (três) adolescentes. Apenas a

escolaridade da criança consta, sendo referente à 5ª série. A relação vítima e agressor ficou

evidente, assim como nos dados gerais, a relação de proximidade com os envolvidos; sendo

que, em 2 (dois) casos, o agressor corresponde ao pai e nos outros dois à mãe, enfatizando em

mais um momento, a agressão atuada pelos supostos protetores. Nesse sentindo, observa-se a

importância de desmitificar o espaço doméstico, sobretudo, a sociedade quer proteger crianças

e adolescentes no âmbito doméstico. No entanto, compreende-se que a proteção não é nata à

organização das famílias e, assim crianças e adolescentes ficam expostas a formas de

violência.

Um dos meios para garantir a crianças e adolescentes proteção integral é o Estatuto da

Criança e do Adolescente, o qual coloca esses sujeitos como seres humanos, que devem

receber os cuidados necessários para que se desenvolvam de forma digna e, além disso, sejam

respeitados.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, que adota uma doutrina de

proteção integral, em coerência com a Constituição Federal e a Convenção

de 1989, não visualiza a criança e o adolescente como menores de idade, ou

como problemas sociais; os têm, sim, como seres humanos em peculiar

condição de desenvolvimento, sujeitos das relações sociais desde seu

63

nascimento e que devem ser considerados não pela sua condição econômica

ou por seu agir social, mas, insista-se, pelo fato de que são pessoas e devem

receber trato estatal, social e familiar, trato este, apto a salva-los das

situações capazes de marginalizá-los. (MACHADO; MACHADO, 2009,

p.80)

O Estatuto da Criança e do Adolescente é um instrumento que coloca esses sujeitos

como seres humanos em peculiar condição de desenvolvimento e nessa perspectiva propõe a

proteção integral para que possam desenvolver suas capacidades. A proteção desses sujeitos

está delegada à família, à sociedade e ao Estado, mas a primeira instância que é a família nem

sempre cumpre esse papel.

Na verdade, a família que teria a “função de proteger os seus membros”,

talvez nunca tenha cumprido esta missão. Outrora, usando meios

disciplinares violentos, hoje menos coercitivos, mas também entremeados

com violência, ela nos mostra que sua face não é sagrada, mas extremamente

cruel. (GUERRA, 1985, p.56)

Assim, o ato de violência não irá propiciar educação, disciplina ou qualquer outra

perspectiva de auxílio ao desenvolvimento de crianças e adolescentes, possibilitará, sim, um

espaço de hostilidade em que o medo, a insegurança e outros aspectos advindos da violência

impossibilitem que o desenvolvimento desses sujeitos se dê de forma digna. A família deve

ser vista como realmente é como um grupo ligado primeiramente pelo vínculo consanguíneo e

que, pode desenvolver vínculos afetivos, bem porque a afetividade não pode ser imposta,

assim como é a consanguinidade. Nesse sentindo, deve-se ter clareza de que a proteção de

crianças e adolescentes depende da atenção e da responsabilidade da sociedade em geral e

que, o grupo familiar nem sempre irá propiciar às crianças e aos adolescentes a proteção que

lhe é incumbida.

64

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A violência a partir do momento que não é exclusiva de um ou de outro grupo, se

estende a todos os grupos, todas as classes e a todos os gêneros. Enfim, a violência não exclui

quem quer que seja. No ambiente familiar, consiste numa prática difícil de se visualizar

devido a ser um espaço onde os laços consanguíneos e de afetividade a perpetuam e por tal

razão é encoberta pelo silêncio que os membros do grupo familiar mantêm para proteger seus

integrantes. Contudo, essa proteção que perpassa as relações no espaço familiar, não é

integral, ou seja, quando em uma situação de não acordo ou de um atrito neste grupo, o

método de resolução desses problemas para muitas famílias, se dá por meio do uso da

violência. Essa pode ser atuada contra os mais diversos grupos, principalmente os mais

vulneráveis. Nessa condição de vulnerabilidade, encontram-se também crianças e

adolescentes, que devido ao seu grau de desenvolvimento tornam-se vítimas fáceis, pois não

detêm de uma estrutura biopsicossocial desenvolvida.

Todavia, a proteção que as crianças devem receber e sua condição de sujeitos são

situações recentes. Na idade média, crianças e adolescentes eram considerados miniaturas de

adultos, não sendo diferenciados dos adultos além do fator tamanho, desempenhavam funções

diante da sociedade. Assim que não dependiam de cuidados básicos, em torno dos 7 (sete)

anos e, como pontuado pelos autores, no caso de morte desse sujeito, logo viria a ser

substituído, demonstrando que nesse período não havia uma preocupação com essa fase da

vida e que não havia perspectiva distinta da vida adulta.

A situação viria a mudar apenas no século XVII, quando surge um processo de

escolarização. Nesta perspectiva, crianças e adolescentes eram separados da vida adulta e

foram trazidos para as famílias, que junto a meios de escolarização, desempenhavam a função

de educar e formar novos adultos. Apesar dessa mudança, a família não detinha de caráter

afetivo e socializador, desempenhava a função de transmitir a vida, a prática de um ofício,

ajuda mútua. Era uma relação mecânica mantida por um grupo para dar conta das

necessidades e da vida cotidiana.

A educação propiciada pela nova fase, a qual busca educar e formar crianças e

adolescentes em homens e mulheres de bem, fez estes sujeitos conhecerem os meios

coercitivos, ou seja, para educar usavam de métodos de violência como forma de conter, de

padronizar, de disciplinar e educar. No Brasil, a violência física como forma de disciplinar

crianças e adolescentes deu-se com a vinda dos portugueses para o país com a colonização.

65

Sabe-se que, os índios que habitavam o Brasil desconheciam essa prática e mantinham com

suas crianças e adolescentes uma relação harmoniosa pautada no respeito.

A inserção da punição física foi posta pelos jesuítas, que em seus ensinamentos

pontuavam a necessidade do uso da violência física como forma de educar, de ser respeitado e

de tornar melhores as crianças e os adolescentes. Sendo assim, a violência física que os pais

ou responsáveis delegam sobre os filhos, não se faz uma prática nova e sim de muito tempo.

Contudo, a violência quando ocorre no ambiente familiar, nem sempre é vista como

tal, ou seja, quando atuada pelos pais ou pelos responsáveis é legitimada como sendo

simplesmente uma forma de transmitir valores e de educar. Assim, quando essa prática

acontece, não ocorre um estranhamento por parte do grupo familiar a não ser quando esse

fenômeno chega a consequências mais graves, em que a criança ou o adolescente é

espancado, quando passa mal ou chega ao extremo que é a morte. Com o pretexto de educar,

muitos dos responsáveis usam de sua força e de sua função para se impor sobre crianças e

adolescentes e os submetem aos mais distintos mandos e desmandos, de modo a satisfazer as

suas vontades, os seus desejos e os seus anseios.

Percebe-se que o manto que encobre a família e suas relações impossibilita que esses

casos sejam levados às autoridades para a tomada de providências cabíveis. A família deve

perder a imagem de perfeição, não deve ser vista como um espaço em que tudo ocorre da

melhor forma, como sendo o melhor espaço e o mais propício para o desenvolvimento de

crianças e adolescentes. Não se tem a intenção de desmerecer o grupo familiar, o que está em

questão é o fato de analisar o grupo familiar como uma instituição, que como qualquer outra

tem seus problemas, desencontros, conflitos e que quando da ocorrência desses momentos, há

a necessidade de intervir para garantir às crianças e aos adolescentes a proteção que é dever

de toda a sociedade.

Para a análise da violência física doméstica, motivada por método

educacional/disciplinar, a pesquisa perpassou todos os casos de violência física doméstica e

elencou dados referentes à vítima e ao agressor, apresentando quem são as vítimas, quem são

os agressores, qual a relação mantida entre esses sujeitos no grupo familiar e o motivo da

violência física doméstica. Em relação à violência física doméstica, motivada por método

educacional/disciplinar, não foi encontrado um grande número, sendo que corresponde a

apenas 13% das ocorrências. Essa porcentagem corresponde a 4 (quatro) casos, os quais

fizeram 4 (quatro) vítimas, uma criança e três adolescentes. Observou-se no que diz respeito à

relação vítima e agressor que, assim como nos dados gerais da violência física doméstica,

motivada por método educacional, a relação mantida entre vítimas e agressores está ligada às

66

relações mais próximas, sendo pais, mães, madrastas e padrastos, os quais supostamente são

considerados protetores dos sujeitos que, nessa relação, encontram-se como vítimas de uma

prática desigual, que o adulto sendo mais forte, impõe sobre crianças e adolescentes que se

constituem como mais fracos devido ao grau de desenvolvimento que os compreende.

Referente ao sexo, tanto da vítima como do agressor observou-se que nos dois casos

tem-se um número mais elevado para o sexo feminino. Contudo, a diferença em relação ao

sexo masculino não é tão desigual, o que remete ao entendimento de que a violência física

doméstica não faz distinção de gêneros, nesse sentido, atinge meninos e meninas e pode ser

praticada tanto por homens quanto por mulheres.

A pesquisa resultou num total de 41 (quarenta e uma) vítimas, sendo 14 (quatorze)

crianças e 27 (vinte e sete) adolescentes e, no total de 35 (trinta e cinco) agressores para um

total de 31 (trinta e um) casos, observa-se que o número de vítimas e de agressores é superior

ao número de casos; ou seja, em alguns casos, a agressão fez mais de uma vítima e foi

também cometida por mais de um agressor, o que coloca crianças e adolescentes numa

situação preocupante de violação de seus direitos enquanto sujeitos em situação peculiar de

desenvolvimento.

Diante do exposto, decorre que a violência atua como um obstáculo para a efetivação

dos direitos de crianças e de adolescentes e coloca esses sujeitos em condições desumanas,

deixando de lado pontos fundamentais como o respeito, o cuidado, o carinho, o zelo, ou seja,

os cuidados fundamentais são substituídos pelos mais distintos meios de coerção e

impossibilitam o desenvolvimento saudável e digno desses sujeitos que necessitam de

proteção integral. A violência retira da relação de pais e filhos o afeto que propicia o elo

principal de confiança e cuidado, que os genitores ou responsáveis, devem despender para

com crianças e adolescentes. Observa-se também que, além da função colocada à família, o

dever de proteger esses sujeitos de direito estende-se à sociedade em geral. Não é uma

questão de julgar a família e, sim, dar suporte a esta que muitas vezes se vê sem subsídios,

sem condições ou até mesmo sem instruções de apoio para dar conta das demandas advindas

do espaço doméstico.

O que deve estar claro é que a família não pode ser vista como intocável, que diante da

violação de direito de crianças e adolescentes deve haver intervenção, que crianças e

adolescentes são compromissos de toda a sociedade e a eles devem voltar-se cuidados mais

diversos para que se desenvolvam e possam se tornar adultos estruturados e que tenham

autonomia para dar rumo às suas próprias vidas.

67

REFERÊNCIAS

ANDRADE, J. E. de. Conselho tutelar: sem ou cem caminhos?. São Paulo: Veras Editora,

2000.

ARIÈS, P. A Descoberta da Infância. In: História Social da Criança e da Família.

(tradução: Dora Flaksman) 2. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1981, p. 50-68.

BARKER, G; RIZZINI, I. Cuidar Sem Violência, Todo Mundo Pode! Guia Prático para

Famílias e Comunidades. Rio de Janeiro: Instituto PROMUNDO, 2003.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal nº. 8.069 de 13 de junho de

1990. Curitiba: IASP, 2006.

BRUSCHINI, C. Teoria Crítica da Família. In: Infância e violência doméstica: fronteiras do

conhecimento. AZEVEDO, M. A; GUERRA, V. N. de A. (Organizadoras). 4.ed. São Paulo:

Cortez, 2005, p. 49-79.

CAMARNADO JUNIOR, D. V. As faces da violência: da conceituação polissêmica à sua

emergência no campo da saúde. In: As faces da violência: aproximações, pesquisas e

reflexões/ROMARO, R. A; CAPITÃO, C. G. (Organizadores). São Paulo: Vetor, 2007, p.11-

31.

CAMPOS, M. C. S. de S. Educação: agentes formais e informais. São Paulo: EPU, 1985.

CUNHA, M. L. C. Módulo I do Curso de Capacitação: Violência doméstica contra

Crianças e Adolescentes na Modalidade Violência Física. Curitiba: CECOVI - Centro de

Combate à Violência Infantil, Unicef, 2003.

CFESS. Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais. In: Legislação Social:

Cidadania, Políticas Públicas e Exercício Profissional. Curitiba: Conselho Regional de

Serviço Social. CRESS 11ª Região, 2006, p. 13-25.

D’INCAO, M. A. Amor Romântico e Família Burguesa. In: Amor e Família no Brasil /

[organizado por] Maria Angela d’Incao e outros. São Paulo: Contexto, 1989, p. 59-64.

FERRARI, D.C.A. Definição de abuso na infância e na adolescência. In: O fim do silêncio

na violência familiar: teoria e prática / Dalka C. A. Ferrari, Tereza C.C. Vecina (orgs.). São

Paulo: Ágora, 2002, p. 81-94.

FONSECA, C. Pais e filhos na família popular (Início do Século XX). In: Amor e Família no

Brasil / [organizado por] Maria Angela d’Incao e outros. São Paulo: Contexto, 1989, p. 95-

128.

GONÇALVES, H. S. Infância e violência familiar. In: Infância e violência no Brasil. Rio de

Janeiro: NAU; Rio de Janeiro: FAPERJ, 2003, p. 91-176.

GONÇALVES, H. S. Violência em lares cariocas. In: Infância e violência no Brasil. Rio de

Janeiro: NAU; Rio de Janeiro: FAPERJ, 2003, p. 177-281.

68

GUERRA, V. N. de A. Violência de pais contra filhos: procuram-se vítimas. São Paulo:

Cortez, 1985.

GUERRA, V. N. de A. Violência de Pais Contra Filhos: a tragédia revisitada. 4ª edição. São

Paulo: Cortez, 2001.

GUERRA, V. N. A.; SANTORO JÚNIOR, M.; AZEVEDO, M. A. Violência Doméstica

contra Crianças e Adolescentes e Políticas de Atendimento: Do Silêncio ao Compromisso.

Disponível em: <http://www.abmp.org.br/textos/438.htm> Acesso em 26 de junho de 2012.

GREGÓRIO, F.J. Para Além dos “Entre Muros”: Desmistificando O Silêncio Que Encobre

A Violência Psicológica. Trabalho De Conclusão De Curso, Universidade Estadual Do Oeste

Do Paraná (UNIOESTE), 2007.

HOUAISS, A. VILLAR, M. de S. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Elaborado no

Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa S/C Ltda.

– Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

LAKATOS, E. M, MARCONI, M. A. Técnicas de pesquisa. São Paulo: Atlas S.A., 1999.

LAVORATTI, C. DA COSTA, L.C. Considerações sobre a Violência Intrafamiliar contra

Crianças e Adolescentes. In: Programa de Capacitação Permanente na Área da Infância e

da Adolescência: O germinar de uma experiência coletiva. (Organização) Cleide Lavoratti.

Ponta Grossa: UEPG, 2007, p. 207-218.

LEITE, M. M; MASSAINI, M. Representações do amor e da família. In: Amor e Família no

Brasil / [organizado por] Maria Angela d’Incao e outros. São Paulo: Contexto, 1989, p. 72-

87.

MACHADO, A. V; MACHADO, M. C. V. Escola que protege: Histórico Jurídico de

Proteção da Criança e do Adolescente In: Por uma escola que protege: a educação e o

enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes. 2. ed. rev./ organizado por Paulo

Vinicius Baptista da Silva, Jandicleide Evangelista Lopes e Arianne Carvalho. Ponta Grossa:

UEPG; Curitiba: Cátedra UNESCO de Cultura da Paz UFPR, 2009, p.75-93.

MALTA, S. B. B. Violência na família: uma matriz da violência na sociedade. 1 ed. Estado

de Alagoas: Prefeitura Municipal de Coruripe, 2002.

MAUAD, A. M. A vida das Crianças de Elite durante o Império. In: História das crianças

no Brasil. Mary Del Priore (Org.). 4. ed. São Paulo: Contexto, 2004, p.137-176.

MINAYO, M. C. S. Pesquisa Social: Teoria, método e criatividade. 6ª Ed. Petropólis, RJ:

Vozes, 1994.

MOTTA, M. E. Prefácio: A naturalização da violência contra a criança. In: Infância e

violência no Brasil. Rio de Janeiro: NAU; Rio de Janeiro: FAPERJ, 2003, p. 11-33).

MUNHOZ, D. E. N. Família: Configurações, Poder e Limites na Sociedade Brasileira. In:

Programa de Capacitação Permanente na Área da Infância e da Adolescência: O

69

germinar de uma experiência coletiva. (Organização) Cleide Lavoratti. Ponta Grossa: UEPG,

2007, p. 189-205.

MURILHO, M. N. de M.; LAZZAROTTO, E. M.; BRAZ, E. Crianças e adolescentes:

vítimas de violência sexual intrafamiliar. Cascavel: Coluna do Saber, 2006.

PERES, E. L. Da Violência Estrutural à Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes:

Aspectos Conceituais. In: Por uma escola que protege: a educação e o enfrentamento à

violência contra crianças e adolescentes. 2. ed. rev./ organizado por Paulo Vinicius Baptista

da Silva, Jandicleide Evangelista Lopes e Arianne Carvalho. Ponta Grossa: UEPG; Curitiba:

Cátedra UNESCO de Cultura da Paz UFPR, 2009, p. 111-124).

PRIORE, M. D. O Cotidiano da Criança Livre no Brasil entre a Colônia e o Império. In:

História das crianças no Brasil. Mary Del Priore (Org.). 4. ed. São Paulo: Contexto, 2004,

p. 84-106.

RIBEIRO, M. M. MARTINS, R. B. Violência doméstica contra a criança e o adolescente:

a realidade velada e desvelada no ambiente escolar. 1ª Ed. (ano 2004), 5ª reimpressão.

Curitiba: Juruá, 2008.

RIBEIRO, E. M. ECKERT, E. R. de SOUZA, A. I. J. da SILVA, A. M. F. Castigo físico

adotado por pais acompanhantes no disciplinamento de crianças e adolescentes.

Florianópolis, 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ape/v20n3/a06v20n3.pdf>.

Acesso em: 24 set 2012.

RIZZINI, Irene. RIZZINI, Irma. Parte I: A proteção da infância e da sociedade: percurso

histórico dos internatos para crianças pobres no Brasil. In: A institucionalização de crianças

no Brasil: percurso histórico e desafios do presente. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo:

Loyola, 2004, p. 19-41.

RIZZINI, Irene. RIZZINI, Irma. Parte III: Marcos referentes à prática de institucionalização

de crianças e adolescentes ao longo da história: permanências e mudanças. In: A

institucionalização de crianças no Brasil: percurso histórico e desafios do presente. Rio de

Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2004, p. 63-82.

RIZZINI, I. Introdução: Na Criança está o Futuro da Nação: A Dimensão Social da Infância.

In: O Século Perdido: Raízes Históricas das Políticas Públicas para a Infância no Brasil. 2ª

ed. São Paulo: Cortez, 2008, p. 23-43.

ROCHA, L. de M. L. N. Casas-abrigo: no enfrentamento da violência de gênero. São Paulo:

Veras, 2007.

SARTI, C. A. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. 2 ed. rev. São

Paulo: Cortez, 2003.

SÁ-SILVA, J. R, ALMEIDA, C. D, GUINDANI, J. F. Pesquisa documental: pistas teóricas

e metodológicas. Disponível em:

<http://www.rbhcs.com/index_arquivos/Artigo.Pesquisa%20documental.pdf>. Acesso em: 13

set 2012.

70

SILVA, H. E. de; SILVA, J. de S. e. Análise da Violência contra a Criança e o Adolescente

segundo o Ciclo de Vida no Brasil: Conceitos, Dados e Preposições. São Paulo: Global;

Brasília: Unicef, 2005.

SILVA, P. V. B. da; SOUZA, G. de. Notas sobre Estudos da Infância. In: Por uma escola

que protege: a educação e o enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes. 2. ed.

rev./ organizado por Paulo Vinicius Baptista da Silva, Jandicleide Evangelista Lopes e

Arianne Carvalho. Ponta Grossa: UEPG; Curitiba: Cátedra UNESCO de Cultura da Paz

UFPR, 2009, p. 21-44.

SOUZA, G. de; SILVA, P. V. B. da. Notas sobre História e Historiografia da Infância. In: Por

uma escola que protege: a educação e o enfrentamento à violência contra crianças e

adolescentes. 2. ed. rev./ organizado por Paulo Vinicius Baptista da Silva, Jandicleide

Evangelista Lopes e Arianne Carvalho. Ponta Grossa: UEPG; Curitiba: Cátedra UNESCO de

Cultura da Paz UFPR, 2009, p. 45-56.

VASCONCELOS, J. M. de. O Meu Pé de Laranja Lima. São Paulo: Melhoramentos, 1996

WEBER, L. N. D. VIEZZER, A. P. BRANDENBURG, O.J. O uso de palmadas e surras

como prática educativa. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2004. Disponível em: <

http://www.scielo.br/pdf/epsic/v9n2/a04v9n2.pdf>. Acesso em: 24 set 2012.

71

APÊNDICE A

FORMULÁRIO DE COLETA DE DADOS

VIOLÊNCIA FÍSICA DOMÉSTICA MOTIVADA POR MÉTODO EDUCACIONAL

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE

CURSO: SERVIÇO SOCIAL – 4º ANO

PROFESSORA ORIENTADORA DE TCC: ANE BARBARA VOIDELO CARNIEL

ACADÊMICA: MAIARA ALINE BAGETI

OBJETIVO GERAL DA PESQUISA: Analisar as informações identificadas sobre violência

física doméstica contra crianças e adolescentes e verificar como essa forma de violência é

usada como método educacional por parte dos responsáveis pela educação.

DATA DA COLETA: ____/____/_____

ANO DA OCORRENCIA:

MOTIVO DA VIOLÊNCIA FÍSICA DOMÉSTICA

Método Educacional/disciplinar ( ) Outros ( )

ASPECTOS DA VÍTIMA

Sexo: Masculino ( ) Feminino ( ) Idade:

Relação Vítima e Agressor: Escolaridade:

ASPECTO DO AGRESSOR

Sexo: Masculino ( ) Feminino ( )

72

ANEXO A