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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ
CENTRO DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES
COLEGIADO DE PEDAGOGIA
EDUCAÇÃO DO CAMPO: PERSPECTIVAS E REALIZAÇÕES NAS ESCOLAS ESTADUAIS LOCALIZADAS NO MUNICÍPIO DE CASCA VEL.
LUCIVANA PELICIOLI
CASCAVEL ABRIL / 2008
8 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ
CENTRO DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES
COLEGIADO DE PEDAGOGIA
EDUCAÇÃO DO CAMPO: PERSPECTIVAS E REALIZAÇÕES NAS ESCOLAS ESTADUAIS LOCALIZADAS NO MUNICÍPIO DE CASCA VEL.
LUCIVANA PELICIOLI
Monografia apresentada ao Curso de Especialização em História da Educação Brasileira do Colegiado de Pedagogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus de Cascavel, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Especialista, sob a orientação da Professora Ms. Margarete Apª Nath.
CASCAVEL ABRIL / 2008
9 LUCIVANA PELICIOLI
EDUCAÇÃO DO CAMPO: PERSPECTIVAS E REALIZAÇÕES NAS ESCOLAS ESTADUAIS LOCALIZADAS NO MUNICÍPIO DE CASCA VEL.
BANCA DE DEFESA
Profª Mestre Margarete Aparecida Nath (Orientadora)
Prof. Dr. Paulino José Orso
Prof. Mestre André Paulo Castanha
Cascavel, 29 de março de 2008.
10
A sobrevivência da vida humana depende da mãe natureza, e principalmente, de quem irá cultivá-la.
(autor desconhecido)
11
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, por estar sempre me iluminando e ter dado as condições
de realizar este trabalho;
À minha família, pelo apoio e compreensão nos momentos que foram dedicados a esta
construção;
À minha professora orientadora, pelo apoio, paciência e dedicação junto a mim;
Ao corpo docente do Curso de Especialização em História da Educação Brasileira,
que não mediram esforços em repassar um pouco de seus conhecimentos. Mestres
na arte de educar;
Às Escolas Estaduais do campo no município de Cascavel, pela recepção e
informações prestadas.
12 SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Nesta pesquisa pretende-se estudar a educação da população que vive e estuda em
escolas localizadas no campo, no município de Cascavel, vinculadas à rede Estadual de
Educação.
INTRODUÇÃO
07
CAPÍTULO 1 09
1.TRAJETÓRIA HISTÓRICA: A ORGANIZAÇÃO DO CAMPO AO LONGO DA HISTÓRIA
09
1.1 MST - A LUTA PELA EDUCAÇÃO E PELA TERRA NASCERAM JUNTAS 18
CAPÍTULO 2 25
2. AS LEGISLAÇÕES QUE REGEM A EDUCAÇÃO DO CAMPO 25
2.1 A EDUCAÇÃO NO ÂMBITO DAS LEGISLAÇÕES NACIONAIS 25
2.2 A EDUCAÇÃO DO CAMPO NAS DIRETRIZES DO ESTADO DO PARANÁ 34
CAPÍTULO 3 39
3. O PROJETO DE EDUCAÇÃO DO CAMPO NAS ESCOLAS ESTADUAIS DE CASCAVEL LOCALIZADAS NO INTERIOR DO MUNICÍPIO
38
3.1 A REALIDADE DE CADA ESCOLA DO CAMPO 39
3.2 ALGUMAS REFLEXÕES NECESSÁRIAS 53
CONSIDERAÇÕES FINAIS 60
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 62
13 Para refletir e entender esta questão, é importante retomar os acontecimentos que
marcaram a história brasileira no que se refere a esta temática. O contexto histórico aborda
dede 1.500, com o início da ocupação portuguesa no Brasil, como o campo foi se
organizando ao longo destes 507 anos e no caso específico da educação, será tomado como
base a constituição de 1988, quando a educação passou a ser um direito público subjetivo
e, a partir disto, esta especificidade começou a ser levada em conta.
Assim, abordamos teoricamente, através de pesquisa bibliográfica como aconteceu
a ocupação da terra, bem como o sistema educacional relacionado ao campo, em nível de
Brasil. Este trabalho compreende uma verificação prática de como está se realizando a
educação do campo em relação ao Ensino Fundamental, II segmento e ao Ensino Médio,
na atualidade, ou seja, durante o governo do Estado Roberto Requião com a criação do
Departamento de Educação do Campo na Secretaria de Estado da Educação e com o
lançamento das Diretrizes Curriculares Paranaenses para a Educação do Campo, em 2006.
No primeiro capítulo apresentamos uma retomada da questão agrária desde a época
do descobrimento do Brasil, levantando os principais elementos em torno desta questão.
Em seguida fazemos uma pequena abordagem em relação ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terras - MST, que, ao falar deste assunto é de primordial
importância falar deste movimento, que, foi o responsável por esta questão, ter sido posta
em debate no cenário nacional.
O segundo capítulo mostra as legislações, iniciando pela constituição de 1988, que
assegura a educação como um direito, pois é neste contexto que a luta pela educação do
campo ganha força. Serão analisadas a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de
1996, as Diretrizes Operacionais para a Educação básica aprovadas em 2002, as
considerações e prerrogativas do MST em relação à temática e as Diretrizes Curriculares
Paranaenses sobre a educação do campo de 2006.
Desta forma, o terceiro capítulo traz a pesquisa realizada nas oito escolas do campo
da rede estadual de Cascavel. Nestas entrevistas buscou-se perceber a realização prática
das propostas, confrontando o que está nas legislações e o que ocorre no dia-a-dia das
escolas.
Este estudo tem como objetivo analisar a escolarização que a população está
recebendo, e verificar até que ponto há uma diferenciação que considere esta
14 especificidade, ou se é a mesma educação realizada em uma escola da zona urbana. Há
um diferencial, assegurado em lei e apontado em documentos oficiais.
Esta pesquisa torna-se importante pela discussão do tema, este ainda no seu
processo inicial de construção. Toda a produção sobre o mesmo é bastante restrita e
recente e ela necessita estar presente no dia-a-dia da escola, e principalmente, ser
compreendida por todos os seus membros. A partir das Diretrizes Nacionais e Estaduais,
pretende-se analisar em que medida se concretizam na prática essas diretrizes, ou seja, se
verificará a sua efetivação ou não nas escolas pesquisadas.
CAPÍTULO 1
1. TRAJETÓRIA HISTÓRICA: A ORGANIZAÇÃO DO CAMPO AO LON GO
DA HISTÓRIA
15
Para compreender a questão agrária no Brasil e o modelo educacional visível e/ou
apontado nas escolas rurais brasileiras, mais especificamente nas escolas do campo (como
denominam os integrantes do Movimento Sem-Terra) localizadas no município de
Cascavel, Estado do Paraná, é importante remontarmos aos primórdios da colonização do
território brasileiro. Neste sentido, é necessário que se reflita como o campo foi se
constituindo ao longo da história e como o homem, principal ator neste cenário, foi
formando e transformando seu contexto social, histórico, político, econômico e cultural em
virtude das necessidades que foram se apresentando.
Portugal, país consagrado como o “descobridor do Brasil” foi o primeiro a se
aventurar na expansão marítima por obter a primazia em constituir-se em um Estado
absolutista capaz de apoiar as grandes navegações e também por sua localização
geográfica. O Estado absolutista formou-se pela união dos nobres com o propósito de
salvar o feudalismo das ruínas. Assim, Portugal no século XV, ainda era um Estado em
regime feudal, apesar deste regime estar se desagregando. Esta desagregação fora causada
por um conjunto de fatores que se interagiram e se completaram como o crescimento
populacional europeu, o desenvolvimento de técnicas agrícolas de produção e o
renascimento comercial e urbano provocando decisivamente a transformação da vida
econômica, política, social e cultural da Europa.
Para melhor compreensão necessitamos relembrar que a terra é a base do sistema
feudal. O servo podia usá-la, mas não era proprietário da mesma – devia tributos ao dono.
A sociedade era basicamente rural, quase todas as pessoas viviam no campo. Portanto,
pode-se afirmar que o Brasil nasce sob a égide do regime feudal. Como sinaliza Alberto
Passos Guimarães
[...] desde o instante em que a metrópole se decidira colocar nas mãos da fidalguia os imensos latifúndios que surgiram desta partilha, tornar-se-ia evidente o seu propósito de lançar, no Novo Mundo, os fundamentos econômicos da ordem de produção feudal (GUIMARÃES, 2005, p.39).
Portugal estava num processo de desenvolvimento de forma que, apesar do capital
comercial empregado no Brasil, não se obteve o mesmo resultado como na metrópole. A
conjuntura era outra, não sendo possível fazer a transposição do mesmo movimento de
desenvolvimento de Portugal para o Brasil. Em outras palavras, o processo de
16 transformação em andamento em Portugal foi impossibilitado de continuar no Brasil,
pelas condições específicas da colônia. Guimarães esclarece que
[...] não encontrando servos [...] o feudalismo colonial teve que regredir ao escravismo [...], teve, ainda, de dar outros passos atrás, em relação ao estágio mercantil, que correspondia ao seu modelo, restabelecendo muitos dos aspectos da economia natural. Mas em compensação pode desenvolver o caráter comercial de sua produção, não para o mercado interno, que não existia, mas para o mercado mundial [...]. Nenhuma dessas alterações a que se precisou amoldar-se o latifúndio colonial foi bastante para diluir o seu caráter feudal (GUIMARÃES, 2005, p. 44).
Em 1534 Portugal dividiu o Brasil em enormes quantidades de terra e entregou
cada uma delas a um nobre português, denominado de capitão donatário, sendo este não
exatamente dono daquela terra, mas responsável e pela permissão para doar pedaços de
terras que ficaram conhecidos como Sesmarias. As fatias eram territórios chamados de
Capitanias Hereditárias. A Coroa Portuguesa fez a distribuição das terras visando à
implantação do modelo agro exportador através da “concessão de uso”, isto é, a terra era
de direito hereditário, porém não podia ser vendida. As sesmarias eram entregues às
pessoas que dispunham de capital para investirem no território brasileiro visando à
produção de mercadorias para o mercado externo. Em síntese, não havia propriedade
privada, pois as terras continuavam sob o domínio da Coroa Portuguesa.
A escravidão foi a saída encontrada pelos colonizadores portugueses para resolver
um grave problema: como conseguir mão-de-obra para colonizar o Brasil? Os povos que
aqui viviam foram obrigados a se submeterem às leis, à cultura e ao modo de produção do
colonizador. Os índios perderam o direito de caçar, pescar, plantar, além de perderem
também sua liberdade, foram os primeiros escravos do Brasil. A partir do século XVII os
portugueses passaram a utilizar escravos africanos no lugar dos indígenas. A colônia nascia
para atender aos objetivos econômicos da metrópole. Primeiramente os produtos naturais e
a posteori os produtos cultivados pela grande fertilidade do solo. Podemos afirmar que
desde o início da colonização a produção brasileira é voltada para o mercado externo. A
base de toda a economia das colônias era a plantation, ou seja, a combinação de três
elementos: o latifúndio, a monocultura e a economia voltada para atender aos interesses do
mercado externo. Concomitante também havia a produção para a subsistência da colônia,
17 de forma que a alimentação dos habitantes da colônia brasileira era função subsidiária da
exportação.
Nos primórdios da formação social e econômica do Brasil os primeiros sinais da
formação do campesinato brasileiro se revelaram através do pequeno trabalhador, não
remunerado que ao mesmo tempo não era escravo e nem senhor. Esta era a grande maioria
da população livre da colônia que era composta de brancos pobres, negros e mulatos
alforriados ou fugitivos, de índios que haviam se afastado de sua vida tribal e de mestiços
de toda a espécie. Ou seja, estes, não sendo escravos, nem senhores de engenho, ou
proprietários não encontravam nenhuma posição social estável. A terra era o principal e
mais importante meio de produção, e conseqüentemente, a classe detentora da terra se
sobrepunha sobre as demais.
Anne Marie Speyer afirma que, foram os grandes ciclos que determinaram a
localização do campesinato brasileiro: o surto açucareiro (cerca de 200 anos -1550 a 1750 -
principalmente no nordeste brasileiro e algumas faixas do litoral leste), o ciclo do fumo e
do algodão (1775-1820 substituindo o açucareiro tanto no sertão como na zona canavieira),
o ciclo da borracha (1840-1902 na região amazônica), o café (no centro sul a partir de
1830), o cacau e o sisal a partir do século XIX e mais recentemente o trigo e a soja no Sul e
centro-oeste do país – o que se constata é que sempre a monocultura esteve voltada para a
exportação, ou seja, nosso país é condicionado pelo mercado externo. A produção de
alimentos para o mercado interno sempre foi caracterizada por uma produtividade
relativamente baixa, e desde os primórdios da colonização o camponês brasileiro tem sido
também um vendedor de gêneros alimentícios em feiras locais (SPEYER, 1983, p. 24).
Nos séculos XVI e XVII o Brasil se tornou o maior produtor mundial de açúcar.
Nas regiões onde se produzia a cana-de-açúcar a maioria das pessoas vivia no campo. As
poucas cidades que existiam ficavam no litoral e eram uma espécie de portos para a venda
de açúcar.
Não houve diferenciação essencial entre campo e cidade na época colonial. A
cidade era uma continuação das fazendas. O primeiro acontecimento marcante, que
começa a alterar esta relação, como aponta Speyer, ocorreu a partir da instalação da
Família Real no Brasil. A partir desta época, morar na cidade passou a ser equivalente a
morar na Corte. Com isto, o distanciamento entre campo e cidade foi se aprofundando.
Instalou-se em nosso país as instituições que representavam a escala de valores da nobreza
18 européia, e o capitalismo entra e passa a prevalecer de forma decisiva no Brasil, com a
abertura dos portos, onde o Brasil poderia comercializar com outros países. A cidade passa
a ser mais importante em termos culturais e políticos. Estimulou-se o crescimento destas,
muitos produtos estrangeiros começaram a entrar no país, a população foi aumentando,
surgiram novos prédios, o comércio se tornou mais variado e foram criadas instituições
como a Biblioteca Real, Escola de Medicina, entre outros. A Coroa, para cobrir os vastos
gastos da Metrópole, recolhia mais impostos da colônia. “Esta cobrança dava-se de forma
desigual, onde os ricos pagavam menos tributos” (SPEYER, 1983, p. 46).
Na primeira metade do século XIX há uma forte pressão da Inglaterra no sentido de
acabar com o tráfico de escravos. Esta luta pela emancipação não foi um movimento
puramente humanista, favorável aos direitos dos homens. Como o capitalismo estava
crescendo exorbitantemente nos países centrais e abarcando todos os setores da economia
necessitava-se de mais mercados consumidores. Uma parcela significativa da população
brasileira não consumia, logo era necessário modificar esta conjuntura. Assim,
intensificou-se na segunda metade do século XIX, a imigração de europeus para o Brasil, e
estes vieram substituir o trabalho escravocrata.
Antevendo a abolição da escravatura, foi promulgada em 1850 a 1ª lei de terras no
Brasil, lei nº. 601, de 1850. Esta lei normatizou a propriedade privada da terra e
estabeleceu um valor comercial para a mesma, ou seja, um preço. Outra característica desta
lei, é que qualquer cidadão brasileiro poderia ser um proprietário privado de terra, podendo
transformar sua concessão de uso, até então disponibilizada pela Coroa, em propriedade
privada, com direito a compra e venda, teria somente que pagar um valor respectivo à
Corte. Esta estratégia foi utilizada para que os ex-escravos, ao serem libertos não pudessem
tornar-se donos de terras e continuassem a trabalhar nas fazendas como trabalhadores
assalariados. Portanto esta lei consolidou o latifúndio1 no Brasil, regulamentado o modelo
de grande propriedade rural. E como afirma João Pedro Stedile, “a Lei de Terras é também
a ‘mãe’ das favelas nas cidades brasileiras” (STEDILE, 2005, p.24).
A partir de 1914, por ocasião da I Guerra Mundial é cessado o uso de navios para
transporte de imigrantes. No período que compreende o início do processo de abolição da
escravatura até a interrupção da imigração, período este de crise, como afirma Stedile
1 A Confederação Nacional da Agricultura - na publicação “Estudos e sugestões”, 1966, considera latifúndio
uma propriedade com área maior de 1.000 hectares. In: SPEYER, Anne Marie, 1983.
19 (2005, p.26), nasce no campo brasileiro, o campesinato. O referido autor explica que
esta formação do campesinato se deu através de duas vertentes:
1ª vertente: A vinda de quase dois milhões de camponeses pobres da Europa para
morar e trabalhar na agricultura nas regiões Sudeste e Sul, e no Estado do Espírito Santo.
2ª vertente: Originou-se nas populações mestiças que foram formando-se ao longo
dos 400 anos de colonização portuguesa, com a miscigenação da raça branca, indígena e
negra, e seus descendentes. Esta população, em geral, não se submetia ao trabalho escravo
e ao mesmo tempo não era capitalista. Eram agricultores pobres que nasceram no Brasil.
Impedidos pela Lei de Terras de adquirir uma pequena propriedade, esta população deu
início à migração pelo interior do país, uma vez que nas regiões litorâneas as melhores
terras já estavam ocupadas pelas fazendas que se dedicavam à exportação. A longa
caminhada para o interior do país e para os sertões provocou a ocupação do território
brasileiro por milhares de trabalhadores que foram povoando e se dedicando a atividades
de produção agrícola de subsistência. Não obtinham a propriedade privada de terras, mas a
ocupavam, individual ou coletivamente, provocando assim, o surgimento do camponês
brasileiro e de suas comunidades.
Assim, concomitante com a imigração européia houve a migração do brasileiro.
Esses dois movimentos têm contrastes marcantes: os grupos de europeus tinham muitas
vezes suas viagens financiadas, com residência garantida, com os gastos até a primeira
colheita assegurados, enquanto que ao migrante brasileiro não foi garantida ajuda de
nenhuma espécie. Ao contrário, ele já chegava endividado, uma vez que sua viagem era
financiada e a dívida agravada com as despesas de instalação, compra de mantimentos e
aquisição de utensílios de trabalho. Tinha que comprar tudo do proprietário, de forma que
estava sempre endividado e devendo favores ao dono das terras.
20 O ano de 19302, ano de crise mundial, há uma forte crise no modelo agro
exportador brasileiro. Getúlio Vargas assume o poder implantando o modelo de
industrialização dependente, conceito este derivado de Florestan Fernandes3, pois não
ocorre o rompimento da dependência econômica dos países centrais. A agricultura passa a
ser subordinada econômica e politicamente à indústria. Até então o poder político estava
nas mãos das oligarquias rurais. A burguesia industrial passa a deter o poder político,
entretanto as oligarquias permanecem donas das terras latifundiárias voltadas para a
produção para a exportação. A nascente burguesia industrial depende das oligarquias rurais
pelos seus laços hereditários, e pelo comércio exportador, uma vez que como era um
modelo de industrialização dependente necessitava importar máquinas e até operários da
Europa e EUA, e a importação destes somente era possível pela continuidade das
exportações agrícolas.
Em 1956, quando o presidente Juscelino Kubitschek toma posse, propõe-se a
acelerar o processo de industrialização, completar a integração física do território nacional
mediante a mudança da capital para o centro do país e, ainda uma construção ampla da
rede rodoviária para interligar todas as partes do país. O crescimento industrial intensificou
a urbanização, houve o incentivo por parte do governo ao trabalho nas indústrias e com
esta necessidade de mão-de-obra houve um expressivo acréscimo no êxodo rural, embora
também tenha ocorrido maior incentivo à agricultura com indústrias produtoras de
insumos, venenos, máquinas, ferramentas, herbicidas, entre outros, e também pela
agroindústria (beneficiamento de produtos agrícolas). Surge assim a burguesia agrária, que
moderniza a sua produção agrícola voltada para o mercado interno.
2 No início do século XX, os Estados Unidos viviam o seu período de prosperidade e de pleno
desenvolvimento, até que a partir de 1925, diante da contínua produção, gerada pela euforia norte-americana, e a falta de consumidores, houve uma crise de superprodução. Os agricultores, para armazenar os cereais, pegavam empréstimos, e logo após, perdiam suas terras. As indústrias foram forçadas a diminuir a sua produção e demitir funcionários, agravando mais a situação. A crise naturalmente chegou ao mercado de ações. Os preços na Bolsa de Nova York, um dos maiores centros capitalistas da época, despencaram, ocasionando o crash (quebra). Com isso, milhares de bancos, indústrias e empresas rurais foram à falência e pelo menos 12 milhões de norte-americanos perderam seu emprego. Abalados pela crise, os Estados Unidos reduziram a compra de produtos estrangeiros e suspenderam os empréstimos a outros países, ocasionando uma crise mundial. Como foi o caso do Brasil, que tinha os Estados Unidos como principal comprador de café. Com a crise, o preço do café despencou e houve uma superprodução, gerando milhares de desempregados no Brasil. In: http://www.historiadomundo.com.br/idade-contemporanea/crisede29
3 Setores da elite da nascente burguesia industrial dão um golpe, pois fazem uma revolução política “por
cima”, tomam o poder da oligarquia rural exportadora e impõem um novo modelo econômico para o país. (In: STEDILE, 2005, p.30).
21 A agricultura foi o setor mais forte da economia brasileira até os anos de 1950
quando as decisões sobre a política governamental começaram a serem tomadas em função
dos interesses e das perspectivas abertas à burguesia industrial (IANNI, 2005, p.129). A
partir de 1956 as relações capitalistas se tornaram hegemônicas no campo. Com a
modernização do sistema capitalista de produção os camponeses foram obrigados a
atuarem de acordo com as regras do mercado. Segundo Stedile este modelo reservou aos
camponeses quatro obrigações: os camponeses cumpriram seu papel de fornecer à indústria
que estava emergindo, mão-de-obra barata pelo estímulo do êxodo rural; o êxodo
pressionava para baixo os salários, através da formação do exército de reserva
(trabalhadores desempregados); os camponeses cumpriram sua função ao produzirem a
preços baixos os seus produtos, que também a preços irrisórios eram repassados aos
compradores. Isto viabilizava a reprodução da força de trabalho operária, os trabalhadores
que com seus míseros salários mal conseguiam sobreviver, enquanto que a indústria
brasileira lucrava mais e mais; e por fim, os camponeses foram induzidos a produzirem
matérias-primas agrícolas para o setor industrial (STEDILE, 2005, pp.29-30).
A distribuição de terras no Brasil, desde o início da colonização foi desigual,
enquanto que há regiões com fortes traços capitalistas, avançadas em tecnologia, com
emprego de produtos essencialmente modernos, há outras regiões que preservam ainda
hoje características de desenvolvimento precárias. Muitos dos problemas atuais do Brasil
como a má distribuição de renda e de terras teve sua origem ainda no tempo da
colonização.
A expulsão dos trabalhadores rurais para outras regiões do país foi conseqüência do
desenvolvimento capitalista da economia nacional e internacional. As leis elaboradas e
regulamentadas impediram o acesso à propriedade da terra tanto para os imigrantes quanto
para o camponês nacional. Portanto, pode-se afirmar que o trabalhador rural, mesmo após a
libertação dos escravos, caracterizou-se mais pelo uso da terra do que pela posse, e esta
situação perdura até os dias de hoje.
Os trabalhadores saem do campo e vão para as cidades em busca de melhores
condições de vida, como estas condições não estão postas para a maioria da população vão
se formando os bolsões de miséria e, em muitos casos, esta mesma população acaba
retornando ao trabalho no campo, mesmo morando nas cidades. Este movimento de
urbanização e industrialização obrigou o país a produzir mais alimentos. O trabalhador
22 agrícola passou a ser o proletário rural e começou, a partir de 1960 a organizar-se em
sindicatos rurais lutando por melhorias nas condições de trabalho, todavia estes, com a
ditadura militar sofrem violenta interrupção. Serão retomados com o processo de
redemocratização do país.
Anne Marie Speyer nos traz elementos que confirmam esta realidade: “no censo de
1970 registrou-se pela primeira vez na história brasileira uma população urbana maior que
a população rural: 52 milhões contra 41 milhões”, e esta disparidade foi aumentando
gradativamente a partir de então. Esta conjuntura foi gerada em função da “pobreza técnica
e material aliada à falta de oportunidades de desenvolvimento no meio rural”. Porém, não
podemos deixar de levar em conta que este movimento ocorreu de forma desigual nas
diversas regiões do país (SPEYER, 1983, p. 31).
Atualmente o proletariado rural é composto daqueles que vendem sua força de
trabalho ao proprietário, de três modos principais: os assalariados, registrados perante a lei
e com garantia dos seus direitos; os “bóias frias”, que são trabalhadores eventuais na
lavoura, principalmente em épocas de plantio e colheita e que não tem seus direitos
trabalhistas assegurados; e os parceiros que fazem parceria com o proprietário combinando
parte da produção pelo pagamento do uso da terra e que também não tem direitos
trabalhistas assegurados.
Segundo Octavio Ianni, a história política do trabalhador agrícola brasileiro se
divide em três períodos principais: “o escravo: período colonial, o lavrador: após a sua
libertação e o proletário: sob a égide do Estatuto do trabalhador rural de 1963” (IANNI,
2005 p. 127).
Na verdade o camponês nunca foi chamado a opinar sobre a política e nenhuma
coisa que excedesse o limite da sua comunidade. O campo era tido somente como lugar de
produção de mercadorias. Apesar do Brasil ser um país de origem eminentemente agrária,
e sua população ser essencialmente rural, a educação para os povos da zona rural não foi
sequer mencionada nas cartas constitucionais de 1824 e 1891, deixando claro, de um lado,
o descaso dos dirigentes com a educação desta população e, do outro, os resquícios de
matrizes culturais vinculadas a uma economia agrária apoiada no latifúndio e no trabalho
escravocrata, ou seja, a população rural ficou esquecida de qualquer política pública como
é o caso da educação.
23 Em relação à educação para a população que mora nas zonas rurais, segundo o
que recuperou Edla de Araújo Lira Soares, relatora das Diretrizes Operacionais para a
Educação do Campo, ao falar da demanda escolar que vai se constituindo que é
predominantemente das classes médias que visualizam na educação escolar um meio de
ascensão social, afirma
[...] para a população residente no campo, o cenário era outro. A ausência de uma consciência a respeito do valor da educação no processo de constituição da cidadania, ao lado das técnicas arcaicas de cultivo que não exigiam dos trabalhadores rurais preparação alguma, nem mesmo a alfabetização, contribuíram para a ausência de uma proposta de educação escolar voltada aos interesses dos camponeses, [...] a introdução da educação rural no ordenamento jurídico brasileiro remete as primeiras décadas do século XX, incorporando, no período, o intenso debate que se processava no seio da sociedade a respeito da importância da educação para conter o movimento migratório e elevar a produtividade do campo (2002, p.9).
Negligenciou-se a educação para a população do meio rural e nos momentos que
esta foi atendida impôs-se uma educação igual à planejada nas áreas urbanas, provocando
desta forma duas conseqüências: alto índice de evasão e repetência daqueles que não se
interessavam e/ou não compreendiam a educação proporcionada, e um alto índice no
êxodo rural, uma vez que, para àqueles que desejavam dar continuidade aos estudos
deveriam ir para os centros urbanos. Ainda hoje, muitas famílias deixam o meio rural e vão
para as cidades em busca de uma “melhor escola”, na crença de que ela garantirá um
emprego assalariado para seus filhos. Os que permanecem no campo, em se tratando de
políticas agrícolas, continuam sem saída, pois, a educação também não prepara para
permanecer no campo.
Com a redemocratização do Brasil a meta era corrigir a falta de acesso à escola, e
no caso das populações rurais, houve um grande esforço, entretanto por meio da
transferência dos alunos de seu espaço social, econômico e cultural para os espaços
urbanos, pela via do transporte escolar. Com isto, evidentemente, ocorreu a negação da
cultura entendida como rural e a forma e estilo de vida destas populações.
Não podemos falar atualmente em educação para a população do meio rural sem
falar do MST. Este movimento tem contribuído decisivamente no avanço da discussão com
vistas a melhorias para as populações rurais que além de lutarem por e pela terra, lutam por
uma qualidade de educação. Conforme Bernardo Fernandes e Mônica Molina
24
[...] o paradigma da educação do campo nasceu da luta pela terra e pela reforma agrária, [...] a educação do campo não poderia ficar restrita aos assentamentos rurais. Era necessária a sua espacialização para as regiões, para as comunidades da agricultura camponesa (FERNANDES & MOLINA, 2004, p.67).
Ressaltamos, entretanto que o foco principal desta pesquisa são as escolas
localizadas no campo, após a colonização de Cascavel, com o objetivo de suprimir a
demanda dos filhos dos trabalhadores residentes na zona rural. Na sua maioria, essas
escolas foram construídas num ponto central de cada comunidade rural. Pretendemos
analisar como acontece a educação atual nestas escolas que fazem parte da Rede Estadual
de Educação e que tem uma diferenciação com a escola apontada pelo MST - a escola
itinerante4.
1.1 MST – A luta pela educação e pela escola nasceram juntas
Todo movimento social não nasce por acaso, ele é fruto de uma construção
coletiva, uma organização que o projeta, o pensa, e o gesta a partir dos objetivos e lutas dos
diversos sujeitos que se movem tanto no seio da sociedade civil quanto do Estado.
Para compreender a questão agrária no Brasil é preciso compreender o processo
histórico de ocupação de terras, e da articulação das lutas pela terra, que foram retomadas a
partir do final da década de 70, do século XX, nascendo o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra ou MST. Ele foi gestado no período de 1979 a 1984 e criado
formalmente no Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Rurais Sem Terra, que
aconteceu na cidade de Cascavel, Estado do Paraná, de 21 a 24 de janeiro de 1984.
Desde 1984, além das ocupações de terra e marchas para pressionar para a
realização da reforma agrária no país, o MST luta pelo acesso à educação pública, gratuita
e de qualidade em todos os níveis para a população do campo. Para falar deste Movimento
tomar-se-à as idéias e apontamentos realizados por Roseli Salete Caldart5. O MST
reconhece-se como lugar de formação, especialmente de uma formação humana ética e
politicamente comprometida com a produção dos sujeitos capazes de fazer as
4 A escola itinerante, localizada em acampamentos do MST, não faz parte do nosso projeto de pesquisa nesse momento. Lembramos que essas escolas (itinerantes) não seguem as mesmas diretrizes das escolas da rede, possuem um diferencial que envolve o currículo como um todo. 5Faz parte do setor de educação do MST e da Articulação Nacional Por Uma Educação do Campo.
25 transformações sociais, que cada vez mais aparecem como necessárias, como garantias
da dignidade humana.
O Movimento tem como pressuposto a implantação de um processo de reforma
agrária qualitativo, onde as famílias efetivamente consigam melhorar a qualidade de vida,
concomitante com a elevação da escolarização dos trabalhadores. Segundo o Movimento, a
educação tem um papel fundamental na emancipação do ser humano, não só como escola,
mas como formação do sujeito, que acontece em todos os espaços de luta. O MST exige
uma organização própria de escola - a Escola Itinerante - que acompanha o Movimento por
onde ele for.
Este movimento, no decorrer de sua existência definiu duas grandes bandeiras e
compromissos, e reflete profundamente sobre os mesmos: 1 - “ajudar a acabar com o
‘pecado mortal’ do latifúndio”, desconcentrando e tornando socialmente produtivas as
terras deste imenso país; 2- “promover a humanização das pessoas, formando seres
humanos com dignidade, identidade e projeto de futuro” (CALDART, 2003, p.51).
Roseli Salete Caldart aponta as três dimensões principais da obra educativa do MST
1) o resgate da dignidade de milhares de famílias que voltam a ter raiz e projeto. Os pobres de tudo aos poucos vão se tornando cidadãos: sujeitos de direitos, sujeitos que trabalham, estudam, produzem e participam de suas comunidades, afirmando em seus desafios cotidianos uma nova agenda de discussões para o país; 2) a construção de uma identidade coletiva, que vai além de cada pessoa, família, assentamento. A identidade de Sem Terra, assim com letras maiúsculas e sem hífen, como um nome próprio que identifica não mais sujeitos de uma condição de falta: não ter terra (sem-terra), mas sim sujeitos de uma escolha: a de lutar por mais dignidade e justiça social para todos, e que coloca cada Sem Terra, através de sua participação no MST, em um movimento bem maior do que ele; um movimento que tem a ver com o próprio reencontro da humanidade; 3) a construção de um projeto educativo das diferentes gerações da família Sem Terra que combina escolarização com preocupações mais amplas de formação humana e de capacitação de militantes (CALDART, 2003, p.51).
Após o 5º congresso nacional, realizado de 11 a 15 de junho de 2007, em Brasília,
Trabalhadores Rurais Sem Terra de 24 estados do Brasil, convidados internacionais
representando organizações camponesas, e representantes de entidades e diversos
movimentos elaboram uma carta com os compromissos a serem seguidos para a
organização do povo na luta pela garantia de seus direitos e contra as desigualdades e
injustiças sociais. Nela são destacados alguns compromissos:
26
Articular com todos os setores sociais e suas formas de organização para construir um projeto popular que enfrente o neoliberalismo, o imperialismo e as causas estruturais dos problemas que afetam o povo brasileiro. Defender os nossos direitos contra qualquer política que tente retirar direitos já conquistados. Lutar contra as derrubadas e queimadas de florestas nativas para a expansão do latifúndio. Exigir do governo ações contundentes para coibir essas práticas criminosas contra o meio ambiente(...). Exigir o fim imediato do trabalho escravo, a super-exploração do trabalho e a punição de seus responsáveis (...). Lutar contra todas as formas de violência no campo, bem como a criminalização dos movimentos sociais. Exigir punição dos assassinos – mandantes e executores - dos lutadores e lutadoras pela reforma agrária, que permanecem impunes e com processos parados no poder judiciário. Lutar por um limite máximo do tamanho da propriedade da terra. Pela demarcação de todas as terras indígenas e dos remanescentes quilombolas. Lutar para que a produção dos agrocombustíveis esteja sob o controle dos camponeses e trabalhadores rurais, como parte da policultura, com preservação do meio ambiente e soberania energética de cada região. Defender a sementes nativas e crioulas. Lutar contas as sementes transgênicas. Difundir as práticas da agroecologia (...). Defender todas as nascentes, fontes e reservatórios de água doce. A água é um bem da natureza e pertence à humanidade. Não pode ser propriedade privada de nenhuma empresa. Preservar as matas e promover o plantio de árvores nativas e frutíferas em todas as áreas dos assentamentos e comunidades rurais, contribuindo para a preservação ambiental e na luta contra o aquecimento global. Lutar para que a classe trabalhadora tenha acesso ao ensino fundamental, escola de nível médio e a universidade pública, gratuita e de qualidade. Desenvolver diferentes formas de campanhas e programas para eliminar o analfabetismo no meio rural e na cidade, com uma orientação pedagógica transformadora. Lutar para que cada assentamento ou rádio do interior tenha seus próprios meios de comunicação popular (...), lutar pela democratização de todos os meios de comunicação da sociedade contribuindo para a formação da consciência política e valorização da cultura do povo (Carta do 5º Congresso Nacional do MST, junho de 2007).
Para o MST a educação ajuda a construir e a fortalecer identidades e formar os
sujeitos. São novos sujeitos que se formam e que passam a exigir seu lugar no mundo, na
história; sabem que podem e devem lutar pelo direito de ser humano. Ao assumir a
identidade social e coletiva: somos Sem Terra e somos do MST, as pessoas aos poucos vão
descobrindo também outras dimensões de sua identidade pessoal e coletiva. Educar é
ajudar a enraizar as pessoas em coletividades fortes, é potencializar o convívio social,
humano, na construção de identidades, de valores, de conhecimentos e de sentimentos.
27 Este movimento é uma coletividade. As pessoas não aprendem a ser humanas
sozinhas; ninguém conquista sua terra sozinho; as ocupações, os acampamentos, os
assentamentos, são obras coletivas. A força de cada pessoa é única, e sua participação está
ligada numa coletividade com memória e projeto de futuro. É fazendo parte do coletivo e
de suas obras que as pessoas se educam na relação umas com as outras, sem isto não
conseguem avançar na sua condição plenamente humana. Pessoas sem esta base são
pessoas desumanizadas, que não se reconhecem em nenhum passado e nem têm projeto de
futuro. No Movimento os Sem Terra aprendem que o mundo e o ser humano estão para ser
feitos, e que o movimento da realidade, constituído basicamente de relações que precisam
ser compreendidas, produzidas ou transformadas, deve ser o grande mestre deste fazer.
A conjuntura brasileira promoveu o ciclo do êxodo rural, e atualmente, em alguns
locais, está ocorrendo o inverso, inúmeros trabalhadores rurais e da periferia das cidades
(os excluídos da zona urbana) estão voltando ou indo para o campo em busca de melhores
condições de vida.
O MST tem como referência o educador Paulo Freire6, ele não foi educador apenas
pelo que disse ou escreveu, mas pelo testemunho de coerência entre o que pensou, disse e
efetivamente fez como pessoa e como militante das causas populares.
Para além das polêmicas existentes entre os estudiosos da questão agrária no Brasil,
a respeito dos avanços e retrocessos desta luta na conjuntura atual, e do papel político
desempenhado pelo MST na reentrada deste tema na agenda do país, há um fato social,
histórico, e que é quase um consenso entre os analistas, seja os movidos por preocupações
conservadoras, ou preocupados com o avanço das transformações sociais. O fato é que no
Brasil hoje, há um novo sujeito social que participa ativamente da luta de classes, com sua
identidade e seu nome próprio: Sem Terra. Neste sentido, Sem Terra é mais do que sem-
terra, exatamente porque é mais do que uma categoria social de trabalhadores que não têm
terra; é um nome que revela uma identidade, uma herança trazida e que já pode ser deixada
aos seus descendentes, que tem a ver com uma memória histórica, e uma cultura de luta e
de contestação social contra os princípios do sistema capitalista.
Representa constantes lutas não só pela reforma agrária, como também por um
projeto de desenvolvimento sustentável do campo (contrapondo-se ao latifúndio, ao
6 Paulo Freire nasceu em 19 de setembro de 1921, em Recife, e faleceu em 2 de maio de 1997. Foi grande
mestre na arte de ensinar utilizando a conscientização, método pedagógico que tinha como meta a libertação dos analfabetos.
28 agronegócio, a agroecologia e aos transgênicos); demarcação das terras indígenas;
fortalecimento e expansão da agricultura familiar/camponesa; relações e condições de
trabalho que respeitem os direitos trabalhistas e previdenciários das trabalhadoras e dos
trabalhadores rurais; erradicação do trabalho escravo e da exploração do trabalho infantil;
estímulo à construção de novas relações sociais e humanas, que combata todas as formas
de discriminação e desigualdade fundadas no gênero, geração, raça e etnia. O movimento
luta pela articulação campo - cidade, por um projeto de desenvolvimento do campo onde a
educação desempenhe um papel estratégico no processo de sua construção e
implementação. É constante a preocupação com os milhões de adolescentes e jovens que
estão fora da escola e de outros processos educativos formais ou que estão em escolas
inadequadas ou ainda, que precisam ir à cidade para estudar e que a cada dia se descobrem
sem alternativas sociais dignas de trabalho e de permanência no campo. Segundo Roseli
Salete Caldart, o MST
Trabalha o tempo todo no limite entre humanização e desumanização; sua luta é de vida ou morte para milhares de pessoas, que fazem da sua participação neste Movimento uma ferramenta de reaprender a ser humano. Este é o dia a dia da educação dos Sem Terra em cada ocupação, em cada marcha, em cada acampamento, assentamento... E é este mesmo dia-a-dia que mostra que esta é uma tarefa possível e necessária; e que se é possível resgatar uma humanidade quase perdida, e ajudar pessoas adultas ou já idosas neste reaprender a ser humano, tanto mais possível e necessário é ajudar nesta aprendizagem desde a infância (CALDART, 2003, p.52).
É no campo que se encontrarão os valores primitivos da cultura popular do povo
brasileiro e é a partir destes valores que deverão ser construídos novos parâmetros
educacionais para a parcela da população que tem uma relação direta e dependente com a
terra. A produção, cultivo e criação de animais dependem exclusivamente dela. O homem
conta com elementos e forças da natureza que foge absolutamente do seu controle. Por
questões ambientais e de trabalho o homem do campo tem especificidades diferentes do
homem da cidade e, para melhor compreensão do assunto estudado, faz-se necessário aqui
uma reflexão.
Os homens que são capazes de controlar seus instrumentos de trabalho, submetê-los a
sua vontade e condicioná-los a certas experiências não têm as mesmas reações e
concepções de mundo daqueles que, apesar dos avanços tecnológicos em relação á
melhoria do plantio e da produtividade depende diretamente daquilo que a natureza
29 determina a cada dia. Outro aspecto desta especificidade é a organização e necessidade
do espaço físico. A ocupação do homem urbano requer pouco espaço físico tanto para sua
moradia quanto para seu trabalho propriamente dito. Ao contrário, para o homem
camponês a necessidade de certa extensão territorial é primordial. Quanto mais terra, maior
a possibilidade de produzir e, conseqüentemente, mais rentabilidade. O urbano reflete a
heterogeneidade uma vez que os indivíduos se relacionam com diversos indivíduos, em
decorrência do trabalho e dos contatos pessoais serem mais numerosos. As relações
humanas do homem urbano estão baseadas na causalidade, superficialidade e na curta
duração. O nível de interação humana se dá em maior número ao mesmo tempo em que é
mais fracionada. Quase exclusivamente, este relacionamento se dá em maior grau a partir
do papel que exerce na sociedade e, em menor grau, nas relações de afetividade. No
campo há uma homogeneidade, apesar dos contatos serem mais reduzidos às pessoas se
conhecem mais. As relações são mais duráveis, estáveis e menos superficiais, são de
pessoas que se conhecem (sua história, angústias, incertezas). Entretanto, ao se fazer estas
distinções, não estamos querendo generalizar, supondo que essas relações se concretizem
em todos os espaços sociais. Necessitamos ter clareza de como é o homem, foco principal
deste estudo, e que tem no o seu lugar de vida e sustento.
Para o MST a luta não tem sido uma batalha fácil: cultivar e recuperar valores humanos
como a solidariedade, a lealdade, o espírito de sacrifício pelo bem estar do coletivo, o
companheirismo, a sobriedade, a disciplina, a indignação diante das injustiças, a
valorização da própria identidade Sem Terra, a humildade, numa sociedade que dia-a-dia
se corrompe nos contra-valores do individualismo, do consumismo, da insensibilidade e
indiferença social, da degradação do meio ambiente, do descompromisso com a vida, da
desqualificação de quem participa de lutas sociais, mas é somente assumindo a tarefa de
educar e reeducar as pessoas em seus valores, que o MST pode ajudar a realizar o que
projeta em sua história.
O termo “educação do campo” foi elaborado e difundido pelos movimentos sociais no
final de século XX, quando se tem o propósito de resgatar a cultura deste povo - o povo do
campo – reconhecendo-os e valorizando-os como sujeitos. Portanto, vai além de uma
designação jurídica configurando-se como um conceito político que leva em conta as
especificidades destes sujeitos e não somente sua localização espaço-geográfica no
território brasileiro. Este conceito de campo vem romper com o conceito de “escolinha
30 rural”, empregado ao longo dos tempos em nosso país. A educação do campo visa
desmistificar a crença de que a escola é o meio de sair do campo, e os que permanecem são
considerados ignorantes. Esta luta por escola se dá por ser um direito de todos, garantido
constitucionalmente.
Neste capítulo apontamos alguns aspectos da questão agrária no Brasil, os
trabalhadores do campo, primeiramente os indígenas, posteriormente os escravos e
atualmente o trabalhador livre. E que para estes, não foi pensado em escola. Nos poucos
momentos que o foi, a partir de século XX, deu-se uma adaptação à educação realizada nas
zonas urbanas. No final deste século os movimentos sociais colocaran na agenda nacional a
necessidade da educação destes povos levando em conta as suas particularidades. No
próximo capítulo abordaremos as legislações nacionais e estaduais que regem e abordam
este tema e os princípios do MST em relação à educação do campo.
31
CAPÍTULO 2
2. AS LEGISLAÇÕES QUE REGEM A EDUCAÇÃO DO CAMPO
2.1 A educação no âmbito das legislações nacionais
A Constituição de 1988 coloca no seu artigo 205 a educação como direito de todos
e dever do estado, transformando-a em um direito público subjetivo, independentemente
do local geográfico que habitam. Desta forma, os princípios e preceitos constitucionais da
educação abrangem todos os níveis e modalidades de ensino ministrados em qualquer parte
do país. Apesar de não se referir diretamente e especificamente ao ensino rural no corpo do
texto, possibilitou às Constituições Estaduais e à Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB9394/96) o tratamento da educação rural no âmbito do direito à igualdade e
do respeito às diferenças. No artigo 62 do ato das Disposições Constitucionais Transitórias
a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), mediante lei específica,
reabre a discussão sobre educação do campo e a definição de políticas para o setor.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - faz referência em apenas um de
seus artigos sobre a educação básica para a população rural. Assim segue delimitado no
capítulo II, da Educação Básica, artigo 28.
Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II – Organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III – Adequação à natureza do trabalho na zona rural (LDB 9394/96, p.43).
Em relação aos currículos, no artigo 26, estabelece
32 Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar por uma base nacional diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela (LDB 9394/96, p. 42).
Na verdade os textos constitucionais abordam a questão, mas deixam-na imprecisa,
à margem de inúmeras interpretações, não apontando efetivamente uma proposta, como é o
caso desta base nacional diversificada. A maioria faz uma abordagem de maneira
periférica, tratando as questões de forma superficial. As mudanças, quando identificadas,
decorrem da presença dos movimentos sociais do campo no cenário nacional. É dessa
forma que se pode explicar a realização da I Conferência Nacional por uma Educação
Básica do Campo, que teve como principal objetivo recolocar sobre outras bases o rural e a
educação que a ele se vincula.
Em 1998 foi constituída a Articulação Nacional Por Uma Educação do Campo,
integrada por representantes da Conferência Nacional dos Bispos no Brasil (CNBB),
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Universidade de Brasília (UnB)
Organização das Nações Unidas para a educação, ciência e cultura (UNESCO), e Fundo
das Nações Unidas para a infância (UNICEF), e, a partir deste momento, com a
participação de outros movimentos e entidades. Esta Articulação formou-se no processo de
preparação da I Conferência Nacional por Uma Educação Básica do Campo, realizada em
Luziânia - Goiás em 1998. Nesta conferência reafirmou-se que o campo existe e é legitima
a luta por políticas públicas e por uma identidade própria à educação e às escolas do
campo. Foi uma ação que teve papel significativo no processo de rearticulação da questão
da educação da população do campo para a agenda da sociedade e dos governos, e
inaugurou uma nova referência para o debate e a mobilização popular: a Educação do
Campo que é contraponto ao silêncio do Estado, às propostas da chamada educação para o
meio rural e, de uma nova forma de lutar e olhar a educação para as pessoas que vivem no
e do campo. No campo estão milhões de brasileiros que vivem e trabalham, brasileiros
estes de todas as idades.
Este movimento de luta traçou algumas linhas de ação na construção de um projeto
específico articulado a um projeto nacional de educação: trabalho pautado no ser humano,
nos processos de humanização, de formação integral com as questões de gênero, raça, de
respeito às diferentes culturas e às diferentes gerações, de soberania alimentar, de
desenvolvimento sustentável e de proteção ao meio ambiente. A educação e a escola do
33 campo estão na esfera dos direitos humanos, direitos das pessoas e dos sujeitos sociais
que vivem e trabalham no campo. E este direito deve ser garantido a todas as pessoas, uma
escola pública, gratuita e de qualidade a todos e em todos os níveis, voltada sempre aos
interesses da vida do campo. Luta-se pela vinculação deste movimento com o movimento
mais amplo do povo brasileiro: por um novo projeto de desenvolvimento para o Brasil.
Afirma Roseli Salete Caldart,
Construir uma escola do campo significa estudar para viver no campo. Ou seja, inverter a lógica que se estuda para sair do campo, e se estuda de um jeito que permite um depoimento como esse: foi na escola onde pela primeira vez senti vergonha de ser da roça. A escola do campo tem que ser um lugar onde especialmente as crianças e os jovens possam sentir orgulho desta origem e deste destino; não porque enganados sobre os problemas que existem no campo, mas porque dispostos e preparados para enfrentá-los, coletivamente (CALDART, 2002, pp.34-35).
Roseli S. Caldart destaca ainda que a educação deve ser DO e NO campo. “NO,
pois o povo tem direito a ser educado no local onde vive; DO: o povo tem direito a uma
educação pensada desde o seu lugar e com a sua participação, vinculada à sua cultura e as
suas necessidades humanas e sociais” (CALDART, 2002, p.26). Os povos e educadores
devem ter o direito de pensar e participar na definição da política educacional e na
construção do projeto educativo do povo que vive no campo. “O direito à educação
somente será garantido no espaço público, o Estado necessita ser pressionado para que se
torne um espaço de participação”. Os movimentos sociais (expressão do povo organizado
que faz e pensa sobre a vida no e do campo) “devem ser guardiões desse direito e o Estado
deve traduzir em políticas públicas” (Por uma educação do campo: Declaração 2002, In:
KOLLING, CEROLI e CALDART, 2002, pp. 19-20).
A discussão sobre a educação do campo e este olhar e novos paradigmas ainda é
recente. Nunca houve uma política de educação que contemplou os anseios do próprio
povo do campo. Houve políticas de ação domesticadora e atrelada ao capitalismo
expropriador. Esta Articulação Nacional surgiu a partir da conjuntura atual, de uma
distribuição desigual de renda, que exige transformações sociais urgentes. Estando na
esfera do direito, a educação não pode ser tratada como um serviço. “Políticas públicas são
a única maneira de universalizar o acesso de todo o povo brasileiro à educação,
concomitante com um projeto de desenvolvimento do país” (Caldart, 2002)). Busca-se
assim, construir uma qualidade de educação que constitua as pessoas do campo como
34 sujeitos de direitos, para que se articulem, organizem-se e construam a direção de seus
destinos.
As elites, através da história do Brasil, convenceram a classe trabalhadora do
campo que, para trabalhar na roça, não é preciso de escola, pois sabem que é fácil dominar
um povo ignorante, que não teve acesso à escola e ao conhecimento historicamente
acumulado e sistematizado.
Grande parte deste ideário que está sendo construído é novo e muito recente, e os
Estados que tem conseguido garantir maiores resultados são aqueles nos quais os
movimentos sociais têm maior organização. A necessidade de políticas públicas para a
formação de educadores é grande. Este olhar para a educação do campo como um direito
tem uma particularidade importante como aponta Caldart, “pensar uma política de
educação que se preocupe também com o jeito de educar quem é o sujeito deste direito, de
modo a construir uma qualidade de educação que forme as pessoas como sujeitos de
direitos” (CALDART, 2002, p.27). Continua a mesma autora, para que efetivamente
aconteçam estas mudanças, “todos precisam colocar as questões da educação do campo na
agenda de cada um dos seus sujeitos do campo: das famílias, das comunidades, dos
movimentos sociais e de organizações populares (pp.28-29)”.
A relação campo versus cidade não é hierárquica, mas de complementaridade: a
cidade não vive sem o campo e vice-versa. Segundo Mônica Castagna Molina
A educação do campo tem a tarefa central na perspectiva de contribuir com o desafio de repensar e redesenhar o desenvolvimento territorial brasileiro: educação do campo com desenvolvimento social, educação do campo com cultura, educação do campo com saúde, com infra-estrutura de transporte, de lazer, Educação do campo com cuidado do meio ambiente (MOLINA, 2002, pp. 39-40).
Através da Resolução do Conselho Nacional de Educação e da Câmara de
Educação Básica Nº 1, de 3 de abril de 2002, instituiu-se as Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas escolas do Campo que teve como Conselheira e Relatora Edla de
Araújo Lira Soares e, a partir desta data passam a vigorar. De acordo com o artigo 2.
“Estas diretrizes [...] constituem um conjunto de princípios e de procedimentos que visam
adequar o projeto institucional das escolas do campo às Diretrizes Curriculares Nacionais
[...]” Em seu parágrafo único está delineando que
35 A identidade da escola do campo é definida por sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país.
O artigo quatro ao falar do projeto institucional destaca “[...] expressão do trabalho
compartilhado em todos os setores comprometidos com a universalização da educação [...]
direcionados para o mundo do trabalho, bem como para o desenvolvimento social,
economicamente justo e ecologicamente sustentável”. O artigo quinto trata das propostas
pedagógicas para as escolas do campo afirmando, “respeitadas as diferenças e o direito à
igualdade [...] contemplarão a diversidade do campo em todos os aspectos: sociais,
culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia”.
No décimo artigo diz que o projeto institucional das escolas do campo “garantirá a
gestão democrática, constituindo mecanismos que possibilitem estabelecer relações entre
escola, a comunidade local, os movimentos sociais, os órgãos normativos do sistema de
ensino e os demais setores da sociedade” (p. 40). No seu Parágrafo único do artigo doze
contempla, “os sistemas de ensino, de acordo com o art. 67 da LDB desenvolverão
políticas de formação inicial e continuada, habilitando todos os professores leigos e
promovendo o aperfeiçoamento permanente dos docentes” (p. 41).
Em seu artigo treze afirma que os sistemas de ensino
[...] observarão, no processo de normatização complementar na formação de professores para o exercício da docência na escola do campo, os seguintes componentes: I – estudos a respeito da diversidade e o efetivo protagonismo das crianças, dos jovens e dos adultos do campo na construção da qualidade social da vida individual e coletiva, da região, do país e do mundo. II – propostas pedagógicas que valorizem, na organização do ensino, a diversidade cultural e os processos de interação e transformação do campo, a gestão democrática, o acesso ao avanço científico e tecnológico [...].
Aborda o financiamento da educação no seu artigo quatorze
O financiamento da educação nas escolas do campo, tendo em vista o que determina a Constituição Federal, no art. 212 e no art. 60 das Disposições Constitucionais Transitórias, a LDB, nos artigos. 68, 69,70 e 71 e a regulamentação do FUNDEF – Lei Nº. 9424 de 1996 será assegurado mediante
36 cumprimento da legislação a respeito do financiamento da educação escolar no Brasil.
E, em seu artigo quinze diferencia o custo-aluno e acrescenta
[...] diferenciação do custo-aluno com vistas ao financiamento da educação escolar nas escolas do campo o poder público levará em consideração: II – as especificidades do campo, observadas no atendimento das exigências de materiais didáticos, equipamentos, laboratórios e condições de deslocamento dos alunos e professores apenas quando o atendimento escolar não puder ser assegurado diretamente nas comunidades rurais. III – remuneração digna, inclusão nos planos de carreira e institucionalização de programas de formação continuada para os profissionais da educação que propiciem, no mínimo, o disposto nos arts. 13, 61, 62 e 67 da LDB (Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do campo, CNE/MEC, 2002).
Estas diretrizes foram uma grande conquista, pois traduzem muitas das aspirações
dos movimentos sociais, sendo proposta pelos mesmos. Entretanto, precisam ser
conhecidas por todos para acontecer. Bernardo Mançano Fernandes ao comentar tais
diretrizes diz que
[...] a aprovação das Diretrizes representa um importante avanço na construção do Brasil rural, de um campo de vida, onde a escola é espaço essencial para o desenvolvimento humano. É um novo passo dessa caminhada de quem acredita que campo e cidade se complementam e, por isso mesmo, precisam ser compreendidos como espaços geográficos singulares e plurais, autônomos e interativos, com suas identidades culturais e modos de organização diferenciados, que não podem ser pensados como relação de dependência eterna ou pela visão urbanóide e totalitária, que prevê a intensificação da urbanização como modelo de país moderno. A modernidade é ampla e inclui a todos e a todas, do campo e da cidade. Um país moderno é aquele que tem um campo de vida, onde os povos do campo constroem suas existências (FERNANDES, 2002, pp.91-92).
De 02 a 06 de agosto de 2004, também em Luziânia/Goiás, foi realizada a II
Conferência Nacional Por uma Educação do Campo, onde participaram representantes dos
movimentos sociais, movimento sindical, e organizações sociais de trabalhadores e
trabalhadoras do campo e da educação; das universidades, Organizações Não
Governamentais, de Centros Familiares de formação por Alternância, de secretarias
estaduais e municipais de educação e de outros órgãos de gestão pública com atuação
37 vinculada à educação do campo, trabalhadores e trabalhadoras do campo, educadores e
educandos do campo: de comunidades camponesas, ribeirinhas, pesqueiras e extrativistas,
de assalariados, quilombolas, povos indígenas e outros. Desta conferência nacional foi feita
uma declaração final assinada por 39 organizações, onde constam todas as reivindicações
feitas pelos participantes da mesma, suas lutas, indicando o que e como fazer para alcançá-
las. Foi reafirmada a luta social por um campo visto como espaço de vida, por políticas
públicas específicas para sua população e apontou-se os graves problemas enfrentados na
conjuntura atual: faltam escolas para atender a todas as crianças e jovens; a infra-estrutura
é precária; falta uma política de valorização do magistério; falta apoio às iniciativas de
renovação pedagógica; os currículos são deslocados das necessidades e interesses dos
sujeitos do campo; falta financiamento diferenciado e os mais altos índices de
analfabetismo estão no campo.
Para entendermos melhor esta questão, novamente referenciamos Roseli S. Caldart,
que aponta como um dos desafios deste movimento a contribuição na construção da
educação do campo no estado do Paraná. Ser um espaço de incentivo e vivência da
cultura popular, resgatando especialmente a cultura camponesa. Os princípios
pedagógicos da educação do MST são apontados a seguir: relação entre teoria e prática;
combinação metodológica entre processos de ensino e de capacitação; a realidade como
base da produção do conhecimento; conteúdos formativos socialmente úteis; educação
pelo trabalho; vínculo orgânico entre os processos educativos e os processos políticos;
vínculo orgânico entre educação e cultura; vínculo orgânico entre os processos
educativos e os processos econômicos; gestão democrática; auto-organização dos e das
estudantes; criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores e
educadoras; atitudes e habilidades de pesquisa; combinação entre processos pedagógicos
coletivos e individuais. O MST luta por uma educação que ajude a fortalecer um projeto
popular de agricultura que valorize e transforme a agricultura familiar/camponesa e que
se integre na construção social de um outro projeto de desenvolvimento sustentável de
campo e de país; uma educação que supere a oposição entre campo e cidade; uma
mudança da forma arbitrária atual de classificação da população e dos municípios como
urbanos ou rurais, pois dá uma falsa visão do significado da população do campo em
nosso país, e tem servido como justificativa para a ausência de políticas públicas
destinadas a ela; um campo como um lugar de vida, cultura, produção, moradia,
38 educação, lazer, cuidado com o conjunto da natureza, e novas relações solidárias que
respeitem as especificidades sociais, culturais e ambientais dos seus sujeitos, um
tratamento específico da Educação do Campo: a importância da inclusão da população
do campo na política educacional brasileira, que é condição de construção de um projeto
de educação nacional; e defesa de políticas públicas de educação articuladas ao conjunto
de políticas que visem a garantia do conjunto dos direitos sociais e humanos do povo
brasileiro que vive no e do campo. O direito à educação somente será garantido se
articulado ao direito à terra, à permanência no campo, ao trabalho, às diferentes formas
de produção e reprodução social da vida, à cultura, aos valores, às identidades e às
diversidades.
Os Eixos pedagógicos são: estudo, trabalho, organicidade, relações humanas,
gênero e valores. Estes eixos possibilitam o desenvolvimento de todas as dimensões da
pessoa humana.
Na experiência pedagógica do MST, a luta social aparece como base da educação
dos Sem Terra, exatamente porque aciona o movimento como princípio educativo. A
educação é concebida como uma oficina de formação humana. Pensar na escola como uma
oficina de formação humana, explicita Roseli Salete Caldart, quer dizer pensá-la como um
lugar onde o processo educativo ou o processo de desenvolvimento humano acontece de
modo intencionalmente planejado, conduzido e refletido para isso; processo que se orienta
por um projeto de sociedade e de ser humano, e se sustenta pela presença de pessoas com
saberes próprios do ofício de educar, pela cooperação sincera entre todas as pessoas que ali
estão para aprender e ensinar, e pelo vínculo permanente com outras práticas sociais que
começaram e continuam com esta tarefa. É preciso planejar estratégias pedagógicas
diversas, em vista dos diferentes aprendizados que compõem o complexo processo de
formação humana. Nesta escola concebida como oficina de formação humana educadores
são arquitetos, organizadores e animadores do ambiente educativo. Isto exige muita
sensibilidade e domínio das artes da pedagogia, para fazer as escolhas a partir de uma clara
percepção de como está se desenvolvendo o processo educativo em cada educando e na
coletividade como um todo; perceber as contradições e não se apavorar com elas: trabalhá-
las pedagogicamente; dar-se conta de que dimensões precisam ser enfatizadas num
momento ou noutro; que ações precisam ser provocadas e com que conteúdos, que relações
devem ser trabalhadas e em que momento.
39 Paulo Freire, grande defensor das causas populares nos oferece grandes reflexões
em seus livros Pedagogia do Oprimido e Pedagogia da Autonomia. Em uma de suas falas,
afirma que “nenhuma pedagogia realmente libertadora pode ficar distante dos oprimidos”
ou seja, pode fazer deles seres infelizes, “objeto de um tratamento humanitarista, para
tentar, através de exemplos retirados de entre os opressores, modelos para a sua
‘promoção’. Os oprimidos hão de ser o exemplo para si mesmos, na luta por sua redenção”
(FREIRE, 1987 p, 41)7.
O MST forma os Sem Terra colocando-os em ação permanente, ações estas da
dinâmica de uma luta social. Estas ações produzem e são produzidas através de relações
sociais colocando em movimento um outro elemento pedagógico fundamental que é o
convívio e a interação entre as pessoas mediada pela cultura das mesmas, possibilitando ao
mesmo tempo a construção e reconstrução de suas identidades, seu jeito de pensar, ser e
agir. Cada ação traz junto o jeito de ser humano que estas pessoas carregam; toda a sua
vivência anterior e o tipo de educação que receberam ou vivenciaram. Ao mesmo tempo,
sua ação coletiva também costuma ser a negação de algumas tradições que marcaram suas
vidas, e a projeção de valores que aprendem ou reaprendem no processo pedagógico do
Movimento. Os gestos, os símbolos, a arte, o jeito de lutar dos Sem Terra encarnam um
movimento cultural que nem começa nem termina no momento da ação. Todos os Sem
Terra que entram no MST entram também num mundo já produzido de símbolos, gestos,
exemplos humanos, valores, que a cada ação ensinam a significar e ressignificar.
Um dos grandes desafios pedagógicos do MST com sua base social tem sido
justamente ajudar as pessoas a fazer uma nova síntese cultural, que reúne seu passado,
presente e futuro numa nova e enraizada identidade coletiva e pessoal. Outro desafio
colocado é exatamente o de repensar as práticas educativas e as matrizes pedagógicas de
uma educação que se assuma como parte dos dilemas sociais deste final de século. Roseli
Salete Caldart diz que,
Como educadores precisamos ter clareza daquilo que está em questão cada vez que nos encontramos com nossos educandos: estamos diante de seres humanos, que merecem nosso respeito e dedicação, como seres humanos, e como sujeitos de uma organização que luta por dignidade. Nosso trabalho em uma escola onde estudam os Sem Terrinha, por exemplo, precisa ser pensado na perspectiva de uma obra
9 Recomenda-se a leitura destes dois livros que são riquíssimos em informações e discussões sobre as causas
populares.
40 educativa grandiosa, o que nos responsabiliza, fascina e compromete (CALDART, 2003, p.53).
A educação do campo convive com a rotatividade das famílias e, por isto deverá
levar em conta esta realidade. Na sociedade são criadas as concepções que deformam a
concepção de homem do campo. Estes preconceitos somente serão extintos se também o
forem do seio da própria sociedade. Por que os alunos sentem-se discriminados na escola
da cidade, tendo que engolir uma educação voltada exclusivamente para uma população
urbana, atrelada aos moldes de sustentação do capitalismo? A diferença (de cultura, de
onde vive, onde trabalha) deve proporcionar conhecimento ao outro e não serem tratadas
como desiguais.
A constituição de 1988 tem fragilidades, entretanto somente a partir dela a
educação passou a ser um direito público subjetivo, ou seja, dos 7 aos 14 anos a criança
tem garantida a escola. Devido a este direito, hoje a maioria das crianças do campo estão
na escola, ou seja, o ensino fundamental está praticamente universalizado.
Assim, a partir dos anos 90, os povos organizados do campo conseguem colocar na
esfera pública a questão da educação do campo como uma questão de interesse nacional
ou, pelo menos, se fazem ouvir como sujeitos de direito. A educação do campo que se quer
instituir não é aquela educação rural que nossa história vivenciou: extensão da escola
urbana com a intencionalidade de levar a modernidade para o campo, sendo onde o pólo
urbano se impõe ao rural, que estaria fadado a desaparecer (educação bancária, passiva e
adaptada) e a universalização sendo interpretada como homogeneização da cultura, onde a
história haveria de ser conduzida por uma elite social. Contrariamente a estes princípios,
luta-se pelo protagonismo dos sujeitos sociais do campo; uma nova postura frente a escola
e um novo projeto político pedagógico que leva em conta a tradição popular: o aluno é
sujeito de cultura (sua sobrevivência depende exclusivamente de sua ação direta com a
natureza).
2.2 A educação do campo nas diretrizes do Estado do Paraná
Segundo Yvelise Arco-Verde, superintendente da Educação no Estado do Paraná,
no prefácio dos Cadernos Temáticos - Educação do campo, publicados pela Secretaria de
Estado da Educação do Paraná, a educação do campo é uma política pública e se apresenta
41 também como expressão de uma política nacional que promove o resgate da dívida
histórica social, frente à obrigatoriedade da oferta de educação para toda a população.
A questão da educação do campo sempre esteve marginalizada na política
educacional brasileira até fins da década de 1980 quando a Constituição 1988 estabelece a
educação como direito de todos. No caso do Paraná não foi diferente. Entretanto, neste
Estado, a educação do campo é uma política pública que nos últimos anos vem sendo
discutida no Estado do Paraná. Em 2006 foi lançada as Diretrizes Curriculares da Rede
Pública de Educação Básica do Estado do Paraná, através da SEED – Secretaria de Estado
da Educação. São trazidos aqui os principais elementos contidos neste texto de diretrizes.
A educação do campo é caracterizada como um “resgate da dívida histórica do
Estado aos sujeitos do campo”, que tiveram seu acesso e direito à educação negados onde
os modelos pedagógicos “ora marginalizavam os sujeitos do campo, ora vinculava-se ao
mundo urbano, ignorando a diversidade sociocultural do povo brasileiro”. Nas diretrizes
afirma-se, “os sujeitos do campo têm direito a uma educação pensada, desde o seu lugar e
com a sua participação, vinculada a sua cultura e as sua necessidades humanas e sociais”.
Estas diretrizes têm o objetivo de auxiliar e contribuir na organização da prática
educativa do professor, com o intuito de torná-la mais próxima da realidade dos sujeitos,
para que estes criem um sentimento de pertença, passando a escola a ser algo vivo e com
sentido na vida de cada estudante. “A intenção é que as diretrizes possam motivar os
professores na observação e apropriação da riqueza que o campo brasileiro oferece à
ampliação dos conhecimentos escolares”.
No I ENERA - Encontro de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária, em
1997, foi lançado o desafio: pensar numa educação pública levando em conta o seu
contexto, identidade e sua cultura, surgindo, a partir disto o termo educação do campo. A
partir deste encontro e da I Conferência Nacional Por uma Educação Básica no Campo, o
espaço público reconheceu a necessidade de uma legislação específica para a educação
destes povos. Como anteriormente apontamos foi aprovado em âmbito nacional as
diretrizes Operacionais e em 2006 as Diretrizes Estaduais.
Em 2000 foi criada a Articulação Paranaense Por Uma Educação do Campo e uma
de suas reivindicações foi a criação de um departamento específico dentro da SEED para a
educação do campo efetivando-se em 2002, somente a partir da posse do governador
Roberto Requião. A partir de então “passou a ter espaço de articulação entre o poder
42 público e a sociedade civil organizada”. O Estado passou a adotar este termo como
atenção a estas demandas sociais que não podem ser compreendidas isoladas de seus
interesses políticos e contextos sociais.
O campo é compreendido como um lugar de trabalho, de cultura, de produção de
conhecimento em suas relações de sobrevivência e existência. Essa compreensão vai “além
de uma definição jurídica”, e configura-se num “conceito político ao considerar as
particularidades dos sujeitos e não apenas sua localização espacial e geográfica”.
As diretrizes tratam da questão da diversidade8, são os diferentes povos que fazem
parte da educação do campo e passou a ser um compromisso governamental. A educação
deve ser coerente com cada realidade, com cada cultura, considerando-a e valorizando.
Ao entender o campo como um “modo de vida social contribui para auto-afirmar a
identidade dos povos do campo, para valorizar o seu trabalho, a sua história, o seu jeito de
ser, os seus conhecimentos, a sua relação com a natureza e como ser da natureza”. Para
este modelo é imprescindível a construção de uma concepção de mundo, de escola, de
conteúdos e metodologias e de avaliação. Nesta concepção de mundo “o ser humano é
sujeito da história”, ele “não é atrasado e submisso”, apenas possui “um jeito de ser
peculiar” que pode tanto organizar suas atividades pelo relógio mecânico ou pela
observação do movimento da Terra. A escola é concebida como um “local de apropriação
de conhecimentos científicos construídos historicamente pela humanidade e local de
produção de conhecimentos em relações que se dão entre o mundo da ciência e o mundo da
vida cotidiana”. Os aspectos da realidade devem ser sempre o ponto de partida e nunca de
chegada. Cabe ao professor “definir os conhecimentos locais e aqueles historicamente
acumulados que devem ser trabalhados nos diferentes momentos pedagógicos”. Estamos
inseridos numa sociedade capitalista e estas relações precisam ser estudadas na escola. Os
conteúdos e metodologias deverão ser selecionados de acordo com a importância de cada
comunidade escolar. Isto requer do professor investigação, estudo, preparação das aulas e
relações dialógicas. O professor deve relacionar os conteúdos científicos com os da vida do
educando que trazem consigo para a sala de aula. Concepção de avaliação: um processo
8 A diversidade compreende as diferentes identidades socioculturais do povo do campo: assalariados rurais
temporários, posseiros, meeiros, arrendatários, acampados, assentados, reassentados atingidos por barragens, pequenos proprietários, vileiros rurais, povos das florestas, etnias indígenas, comunidades negras rurais, quilombos, pescadores, ribeirinhos, entre outros. Entre estes há ainda a vinculação ou não em organizações populares. Ou seja, são diferentes gerações, etnias, gêneros, crenças, modos diversos de trabalhar e olhar o mundo, de se organizar, lutar e resistir no campo.
43 contínuo e realizado em função de cada momento pedagógico, deve ser um diagnóstico
do processo pedagógico e que “faz emergir os aspectos que precisam ser modificados na
prática pedagógica”.
Para o campo aspira-se uma educação que seja crítica, tendo como característica
principal “a problematizarão dos conteúdos”, e a questão agrária deve ser um tema central
para desmistificar certas crenças preconceituosas. Há uma rica produção cultural e deve
estar presente na escola. A interpretação da realidade deve ser “mediada pelo trabalho no
campo, como produção material e cultural da existência humana”.
Muitas escolas foram retiradas de sua localidade, mesmo que a escola receba alunos
do campo ela “não pode recair no equívoco de privilegiar a cultura da cidade”,
desvalorizando a identidade desses povos, ao mesmo tempo em que “não pode reduzir o
processo pedagógico à realidade camponesa, desconsiderando a interdependência campo-
cidade” (SEED, 2006, pp. 7-44).
Atualmente este Departamento da educação do campo está sob coordenação de
Marciane Maria Mendes.
Neste capítulo abordou-se a constituição de 1988, quando fala da educação como
direito de todos, a Articulação Nacional Por Uma Educação do Campo formada em 1998,
as Diretrizes Nacionais que foram aprovadas em 2002, os princípios do MST e as diretrizes
Curriculares Paranaenses lançadas em 2006.
No capítulo seguinte iremos visualizar se todo este referencial apontado para a
educação do campo está se efetivando na prática diária das escolas do campo, através de
pesquisa de campo, tomando como base o Projeto Político-Pedagógico e entrevista
realizada junto à direção e equipe pedagógica das mesmas. Para efeitos desta pesquisa, a
análise se pautará a partir de 2002 por ocasião da criação do Departamento de Educação do
Campo dentro da SEED.
44
CAPÍTULO 3
3. O PROJETO DE EDUCAÇÃO DO CAMPO NAS ESCOLAS ESTADUAIS DE
CASCAVEL LOCALIZADAS NO INTERIOR DO MUNICÍPIO
No município de Cascavel temos 8 escolas que atendem alunos essencialmente do
campo, nas sedes de distritos e na zona rural, sendo elas: Escola Estadual Jangada da
Taborda - EF, Colégio Estadual Pedro Ernesto Garlet – EFM, Colégio Estadual Octávio
Tozo - EFM, Colégio Estadual São João – EFM, Colégio Estadual do Reassentamento São
Francisco - EFM, Escola Estadual São Salvador - EF, Colégio Estadual de Rio do salto -
EFM e Colégio Estadual de Juvinópolis - EFM, e serão foco deste estudo. Será tomado
como base o Projeto Político-Pedagógico de cada uma das escolas e entrevista realizada
junto às mesmas. Através de pesquisa de campo9 será analisado o Projeto Político-
Pedagógico, para o qual a autora Ilma Passos Veiga aponta que neste se “explicita os
fundamentos teórico-metodológicos, os objetivos, o tipo de organização e as formas de
implementação e a avaliação da escola” (VEIGA, 1998, p. 13). Assim podemos afirmar
que o PPP deveria retratar a realidade da escola. A análise dos mesmos se pautará na
apresentação, objetivos gerais e específicos, pressupostos teóricos e filosóficos, histórico
do estabelecimento, fundamentação teórica e conteúdos das diversas disciplinas, os
projetos que a escola realiza entre outras atividades relacionadas à realidade do campo.
Foram entrevistadas algumas pessoas de cada estabelecimento, as quais foram
questionadas em relação ao conhecimento do projeto de educação do campo, o que pensam
a respeito desta especificidade, a elaboração dos planejamentos de cada disciplina, se
contempla aspectos sa educação do campo, se há um trabalho diferenciado por parte dos
professores, como é a rotatividade dos professores, se possuem os mesmos recursos que as
escolas urbanas, se os professores conhecem os movimentos sociais e que ações fazem-se
necessárias para que a educação do campo realmente acontecer e se tornar algo permanente
e real.
9 Pesquisa de campo realizada na segunda quinzena do mês de fevereiro do ano de 2008. Segue a ordem das
entrevistas realizadas.
45
3.1 A realidade de cada escola do campo
A Escola Estadual Jangada da Taborda – Ensino Fundamental está localizada na
Rua Rio da Paz s/nº, no Distrito de Diamante, distante 30 Km do centro da cidade de
Cascavel e atende 67 alunos de 5ª a 8ª série, sendo na sua totalidade alunos residentes da
zona rural. Consta na apresentação de seu projeto Político-Pedagógico
A educação do campo tem uma especificidade, é uma educação voltada para as pessoas que têm o campo como seu lugar de vida e sustento. [...], não são suficientes apenas o ingresso e permanência dos alunos na escola. É imprescindível a realização de uma prática pedagógica efetiva, de aprendizagem real. Além disso, partindo sempre do pressuposto que o espaço escolar é um ambiente por excelência da cultura plural, por receber alunos heterogêneos, com experiências históricas marcadas por trajetória peculiar, expressão da diversidade (PPP, 2007, p.3).
Ao tratar do enfoque dos conteúdos contempla, “sendo uma escola que está situada
no campo todo o enfoque dos conteúdos e assuntos debatidos são direcionados ao aluno
que tem o campo como seu espaço de vida”. E acrescenta que todo o conhecimento já
adquirido pelos alunos, ao longo de suas vivências “é o ponto de partida nas práticas
pedagógicas” (PPP, 2007, p. 4).
Ao relatar como é a comunidade que atende, coloca
[...] comunidade que faz parte desta escola é formada por trabalhadores rurais assalariados e pequenos proprietários [...], muitos são proprietários de pequenas propriedades rurais, sendo em muitos casos, uma agricultura de subsistência. Alguns têm uma pequena área de terra (aproximadamente 5 alqueires) e trabalham assalariadamente em fazendas. Muitos de nossos alunos são de um Reassentamento (Movimento Sem Terra), o Reassentamento 400 e cada família já assentada recebeu uma área de 10 alqueires (PPP 2007, p.6).
Como nesta escola só há o Ensino Fundamental, os alunos, ao concluírem a 8ª
série, têm como única opção irem para escolas urbanas e muitos acabam por desistir dos
estudos devido a distância e pela condição das estradas até as mesmas.
São pressupostos filosóficos deste estabelecimento
46 Desenvolver de forma consciente e participativa o crescimento intelectual e afetivo do aluno, proporcionando através dos conteúdos trabalhados o desenvolvimento de conceitos, hábitos e atitudes que favoreçam a integração do educando nas relações que os mesmos estabelecem entre si, com os outros e com a natureza, para produzir sua própria existência e subsistência. A escola desenvolverá nos alunos esses conceitos através de um trabalho didático-pedagógico dinâmico e coerente com a realidade dos mesmos e que não apenas possamos interferir, como também possamos reconhecer nossos alunos como sujeitos da história e agentes da transformação social (PPP, 2007, p.10).
Em sua concepção educacional aponta que, o “aluno é o construtor do seu
conhecimento. A partir de suas experiências ele vai formando a sua consciência”, e todo o
conhecimento adquirido irá dar “condições para repensar seu modo de pensar e agir frente
ao mundo em que vive”. E nesta apropriação e construção do conhecimento científico o
professor tem papel fundamental sendo ele “o mediador”, usando como meios “os livros,
experiências de vida, valores culturais, revistas, jornais, documentários, filmes, ou seja, ele
garantirá, através da variedade de informações e em diferentes fontes, a possibilidade de
análise e reflexão” (PPP, 2007, p.11).
Nos objetivos gerais contempla que é um projeto educacional compreendido a
partir dos sujeitos que têm o campo como seu espaço de vida, e que deve ser NO e DO
campo. Cita que “a educação no campo tem características e necessidades próprias para os
alunos do campo no seu espaço cultural, sem abrir mão de sua pluralidade como fonte de
conhecimento em diversas áreas” e acrescenta
Existe uma forte e riquíssima produção cultural no campo e ela precisa estar presente na escola, [...]. É uma caminhada longa que precisa ser percorrida a passos lentos e seguros, pois mudanças duradouras precisam estar bem consolidadas. [...] assim, nossas ações estão voltadas na garantia e consolidação desta proposta de educação DO e NO campo. Temos a clareza que somente a escola não dará conta de resolver todos os problemas existentes na sociedade, mas acreditamos que a ação educativa contribui decisivamente para que possamos formar cidadãos conscientes dos seus direitos e deveres (PPP, 2007, p.12).
Um objetivo específico deste estabelecimento de ensino é a formação de um “aluno
crítico, criativo, autônomo e consciente, conhecedor do mundo em que vive e com a
compreensão da totalidade das relações da qual está inserido, faz parte e interfere” (PPP
2007, p.13). Apesar de contemplar no PPP várias questões como levar em conta a realidade
do aluno, sua cultura e o conhecimento adquirido no decorrer de sua vivência, na prática
47 evidencia-se muito pouco a valorização e o trabalho partindo desta cultura dos alunos.
Está muito presente ainda a utilização do livro didático que na sua maioria é deslocado da
realidade do aluno. Há rotatividade dos professores, sendo que menos da metade são
fixados no estabelecimento via concurso público, e como a maioria são professores
contratados muda de um ano para ano. Alguns destes professores contratados já estão a um
certo tempo na escola e conseguem fazer um trabalho diferenciado10. Quanto aos recursos
esta escola está aquém, falta uma estrutura física adequada e melhor. A escola, a partir de
2007 vem desenvolvendo o projeto de reciclagem do lixo e produzindo bons resultados.
Entre outras ações estão a coleta, separação e estudo científico do assunto.
O Colégio Estadual Pedro Ernesto Garlet - Ensino Fundamental e Médio - localiza-
se na rua Agibe Rosalino Vivian s/nº, no distrito de Sede Alvorada. Atende 193 alunos, na
sua totalidade alunos da zona rural sendo utilizados cinco veículos de transporte escolar
aos alunos que moram distante da escola.
O Projeto Político-Pedagógico deste estabelecimento escolar consta: “os esforços
despendidos pela nossa comunidade escolar vão em busca de uma sociedade mais justa,
igualitária, democrática, autônoma, emancipadora, que deve servir a todos os cidadãos,
com alunos responsáveis, críticos e participativos” (PPP, 2007). Entretanto não cita no seu
corpo a questão da educação do campo, quando é citada se dá de forma bastante
superficial. Em entrevista com a equipe pedagógica da escola, quando se questionou sobre
a educação do campo afirmou-se que tem se conhecimento de boa parte deste projeto e
percebe que as “coisas” deveriam ser diferentes. Acredita que este projeto é importante,
necessita ser implementado gradativamente e fazendo as adaptações que se fazerem
necessárias. Mas, é preciso ressaltar que esta visão não é maioria na escola.
A escola aborda este tema do campo em 3 projetos específicos: da Horta, de plantas
medicinais e em 2007, com a 5ª série, na disciplina de Português, realizou-se um projeto
onde os alunos visitaram pioneiros do distrito e coletaram junto a estes, a origem da
localidade, quem foram os pioneiros, as histórias marcantes, entre outros. Estes projetos
têm previsão de continuidade em 2008 pelo resultado favorável obtido.
Em relação aos professores, alguns moram nas proximidades da escola, sendo que
a maioria destes lecionam desde a inauguração da escola e tem um compromisso maior
10 Este trabalho diferenciado, quando citado, refere-se ao trabalho dos conteúdos sistematizados concomitante
com o diálogo da realidade do aluno do campo.
48 com a escola como um todo e, há também rotatividade, onde alguns professores (não
poucos) até comentam: “pegueis estas aulas, pois era a única opção”, e deixam
transparecer que estão fazendo um enorme favor e qualquer coisa a ser trabalhada serve
para os alunos. No geral os professores não tem uma simpatia pelos movimentos sociais,
tendo uma visão cristalizada, os vê como uma ameaça à sociedade.
Quanto a um currículo diferenciado, se esta diferenciação levar em conta os
aspectos significativos da realidade (tendo como pressuposto o princípio de alteridade,
colocando-se na condição do outro para compreender suas ações e seu modo de vida
obtendo com isto uma visão de totalidade e heterogeneidade) acrescido de um viés
democrático enriquecerá o trabalho. Não estar somente no campo, é necessário viver o
campo. Entretanto, este currículo exige uma série de mudanças, sendo uma luta gradativa,
“gota a gota”, que não poderá deixar de existir e acabar. Vale ressaltar que, o que segue em
relato não é a opinião da maioria do corpo docente e diretivo da escola. Esta discussão é
bastante recente, e o conhecimento sobre o assunto é superficial.
A escola sente que falta um convívio com as demais escolas do campo. Na zona
rural tudo chega depois das escolas urbanas e fica aquém de alguns recursos.
Ao relatar as ações necessárias apontou-se que falta uma base epistemológica, o
conhecimento que há uma diretriz da educação do campo e efetivá-la na prática, mesmo de
modo discreto, mas contínuo, todo o corpo da escola deve fazer mais leituras a respeito do
assunto. Com isso, repensar-se-á o planejamento de cada disciplina que não poderá mais
ser o mesmo, considerando assim todos os aspectos da realidade dos alunos. Somente há
intervenção quando se penetra na realidade. Raramente os professores pegam as diretrizes
(reclamam que, além da diretriz de sua área há mais outra, a do Campo, para ser lida) e
muitos acabam utilizando executando o mesmo planejamento que utiliza em escolas
urbanas, e há bastante tempo, tendo unicamente o livro didático como instrumento de
trabalho. Outra ação fundamental é a formação de grupos de estudos e seminários sobre a
temática e que devem ser contínuos, não apenas de um governo, mas permanentemente, e
com isto, o trabalho já existente não se perde.
O Colégio Estadual Octávio Tozo – Ensino Fundamental e Médio, localizado na
BR 277 km 587, na comunidade de Centralito, distrito de São João, atualmente atende 203
alunos sendo 95% destes da zona rural (a maioria pequenos agricultores, grande parte
49 empregados dependentes de salário mínimo e a minoria arrendatários) e 5% do núcleo
Industrial Theobaldo Bresolim.
A educação do campo está contemplada no Projeto Político-Pedagógico, no
Regimento Escolar e há o trabalho com o tema gerador. Este trabalho com o tema gerador
iniciou a partir de 2001, onde foram realizadas as primeiras discussões. Houve um
encontro com a participação de uma professora do Rio Grande do Sul, onde se fizeram
presentes este estabelecimento, o Reassentamento São Francisco e o Colégio São Marcos
de Catanduvas/PR. Pode-se dizer que a discussão e a implementação de algumas questões
sobre a educação do campo iniciou com o tema gerador e um dos movimentos que
impulsionou esta discussão foi a CRABI (Comissão Regional dos Atingidos por Barragens
do Rio Iguaçu), que, pelo motivo da desapropriação e até que a escola do reassentamento
São Francisco ficasse pronta, os alunos estudaram por um ano neste estabelecimento.
Este tema gerador é considerado um fio condutor, tem sua base na teoria de Paulo
Freire e tem a prerrogativa de fazer o diferencial. Eram escolhidos entre o corpo docente e
equipe pedagógica dois temas de extrema relevância, e todos os conteúdos deveriam ser
pensados e organizados de acordo com estes temas, sendo estes trabalhados durante todo o
ano e ao final de cada ano uma amostra de todos os trabalhos realizados. Atualmente este
trabalho tem se enfraquecido e um dos motivos é o próprio corpo docente e equipe
pedagógica que foram para outras escolas. O grupo presente hoje não é o mesmo que o
gestou, e muito das discussões iniciais foram perdendo-se.
Segundo a equipe pedagógica eram escolhidos e trabalhados dois temas por ano e
nos últimos anos tem sido escolhido e trabalhado anualmente um tema apenas.
Muitos professores não têm conhecimento profundo deste projeto de educação do
campo. Muitos confundem o tema gerador com um projeto, o que ele não é, pois não tem a
finalidade de algo com fim determinado. Deve ser permanente.
Em relação às lacunas desta especificidade da educação, é muito complicado pensar
em educação do campo sem pensar num projeto de mudança da sociedade. Numa
sociedade que está alicerçada no capitalismo, nos grandes latifúndios e pensar algo
diferente, destinado a classe trabalhadora, pensada principalmente pelos movimentos
sociais, requer uma mudança de pensamento e conseqüentemente na sociedade como um
todo. Falta estrutura física e de alternativas nas escolas. Na localidade está ocorrendo um
grau acentuado de êxodo rural e diante disto a escola se vê de mãos atadas, sem condições
50 de proporcionar às crianças outras opções. Falta uma política educacional voltada para o
homem do campo.
Em relação ao planejamento de cada disciplina inicialmente era feito integrado, a
partir da escolha do tema gerador o professor definia os conteúdos que estavam de acordo
com o mesmo. O livro didático teria a finalidade de apoiar o professor. Hoje não tem se
conseguido fazer muito esta junção, mas há um trabalho diferenciado, procura-se ir além
do que está no livro didático.
Acreditam os membros entrevistados, que seja necessário um currículo
diferenciado, com temáticas diferenciadas, como uma(s) disciplina(s) relacionada ao
campo na parte diversificada da matriz curricular ou projetos com as demais es colas do
campo, e também o trabalho de entidades ligadas a terra junto aos alunos no período
contrário ao que estuda. Não enriqueceria nem empobreceria o trabalho seria um
diferencial que se faz necessário. Um concurso para a educação do campo seria o ideal,
pois requer estudar para isto (formação mais ampla) e assim trabalharia nestes locais por
opção.
Há bastante rotatividade dos professores, há poucos fixados na escola através de
concurso público e sente-se que quem trabalha na escola é por opção e gostam dela. A
maioria do corpo docente conhece os movimentos sociais. Percebem que está havendo um
processo de mudança através das discussões sobre este tema, há uma afinidade e
reconhecem a importância destes.
Na concepção filosófica do colégio, contida no Projeto Político-Pedagógico assim
diz,
[...] por ser uma escola no e do campo, tem como compromisso uma educação como meio de desenvolvimento cultural que se constrói entre diferentes sujeitos que se produzem entre símbolos, os ritos, a técnica, a ciência, as narrativas, os saberes da tradição, ao mesmo tempo em que produzem geram novos valores sociais. Acreditamos que o ser humano é sujeito da História, podendo estar organizado em movimentos sociais, em associações ou estar atuando de forma isolada, mas necessita criar alternativas de sobrevivência econômica num mundo de relações capitalistas selvagens, e é na escola que ele irá apropriar-se de conhecimentos científicos, construídos historicamente pela humanidade e também para a produção deste conhecimento científico (PPP, 2007 p.29).
Nos pressupostos pedagógicos está dito que uma das conquistas foi as Diretrizes
Operacionais e cita ainda dois grandes objetivos para uma educação no campo, que é
51 mobilizar o povo que vive no campo para a construção de políticas públicas e contribuir
na reflexão política-pedagógica, partindo do que já existe e projetando novas ações
educativas, e para que isto se efetive
[...] é necessário que os professores, que são educadores, trabalhem com os saberes acumulados socialmente, contextualizados a partir da realidade do campo, passando necessariamente pelo entendimento de que a educação deve possibilitar a reflexão a partir do lugar onde se vive, na prática social dos sujeitos, afim de que se reconheça a construção de uma identidade cultural e de um sentimento de pertencer, condição fundamental para a formação humana (PPP, 2007, p.31).
O Colégio Estadual São João – Ensino fundamental e médio está localizado na rua
Acácia s/nº, na sede do distrito de São João. Atende 385 alunos sendo 90% da zona rural e
10% moradores na sede do distrito. Dentre os primeiros citados 72 alunos fazem parte de
dois acampamentos do Movimento Sem Terra. Há bastante rotatividade dos alunos por
conta da existência destes acampamentos.
Em entrevista com a direção do colégio, afirmou-se que, as escolas localizadas na
sede do distrito são consideradas urbanas uma vez que o IBGE considera toda a sede de
distrito como espaço urbano. “Há a luta para ser uma escola do campo” porque a realidade
dela é rural, as famílias vivem da agricultura, pecuária e criação de animais, entre outras
atividades ligadas a terra. Alguns trabalham em indústrias e moram no distrito. A realidade
é essencialmente rural, e esta particularidade está presente nas ações desenvolvidas pela
escola como um todo.
Cinco professores moram no distrito e a rotatividade depende muito de cada ano.
Neste ano de 2008 há menos professores e estes com mais aulas. Os professores gostam de
estar na escola, mesmo bastante distante do centro de Cascavel optam por trabalhar neste
local. O conhecimento teórico sobre os movimentos sociais é pouco, mas há um grande
aprendizado na vivência com os alunos. No ano de 2007 membros do colégio foram visitar
os acampamentos para apreender um pouco mais desta realidade. Inicialmente houve muita
discriminação em relação aos alunos dos acampamentos, mas hoje quase não há, foi uma
construção longa para a superação deste preconceito.
Por ser uma realidade onde os alunos, na sua maioria, dependem do transporte
escolar os professores usam de bom senso quando o aluno falta ou atrasa por motivos
alheios a sua vontade. Um material diferenciado iria valorizar a cultura do campo. Ao falar
52 de uma formação diferenciada para os professores, acredita não ser necessária, é preciso
que se aprenda na prática e se comungue da concepção de campo.
Na justificativa do Projeto Político-Pedagógico assim está explicitado
[...] por ser uma escola do campo, procura-se possibilitar a reflexão a partir da realidade da prática social dos sujeitos reais, contribuindo assim para a construção de uma identidade cultural e de um sentimento de pertença, que é a condição fundamental para a formação humana (PPP, 2007).
São princípios filosóficos da escola
O estabelecimento de ensino buscará construir a educação para a formação cidadã de seus discentes. E por ser um colégio do interior valorizar-se-á a formação do homem do campo, bem como sua identidade, respeitando as diferenças e o direito á igualdade de acordo com o parecer CNE/CEB nº36/2001 do ensino, sempre possibilitando a estes uma educação de qualidade (PPP, 2007).
Explicita ainda que “cabe à escola buscar na realidade do aluno, que é o ponto de
partida para a construção do conhecimento, possibilitando a ele interagir de diferentes
formas, no decorrer do processo”, desta forma, o aluno terá condições de compreender
essas transformações e identificar o conhecimento que apropriou com a intervenção da
escola, como parte integrante do seu cotidiano. “A contextualização evoca áreas, âmbitos
ou dimensões presentes na vida pessoal, social e cultural e mobiliza potencialidades
cognitivas já adquiridas”. Com tudo isto “serve de ponto de partida entre a teoria e a
prática. Pesquisamos a prática que leva a autonomia no processo ensino aprendizagem”
(PPP, 2007).
Ao trilhar os caminhos a serem percorridos e o ponto de chegada a ser alcançado,
afirma
[...] demonstrar a aplicabilidade do conhecimento requer [...] a superação de posturas metodológicas autoritárias fundamentadas na memorização e domínio das potencialidades técnicas, políticas e pessoais, transcendendo assim o saber do senso comum (PPP 2007).
O Projeto Político-Pedagógico cita as Diretrizes Operacionais que foram aprovadas
em 2002. Evidencia-se claramente a preocupação e a efetivação por parte de toda a equipe
da escola um trabalho, tanto teórico quanto prático, levando em conta e voltado para a
realidade dos alunos.
53 Atualmente a escola está realizando dentro do projeto Agenda 21, a preservação
da qualidade da água, a coleta seletiva do lixo, saúde (alimentação) e DST’s (sexualidade,
higiene pessoal e drogas).
O Colégio Estadual do Reassentamento São Francisco – Ensino Fundamental e
Médio, está localizado na BR 369 Km 511, no reassentamento São Francisco de Assis,
sendo que a área deste pertence ao município de Cascavel em quase sua totalidade, tendo
20% sediado no município de Corbélia. O colégio atende 229 alunos, sendo 98,84% alunos
da zona rural. As famílias que fazem parte são aquelas atingidas por barragens
hidrelétricas, que tiveram que desocupar suas terras e receberam uma quantidade neste
local. “Ao saírem de suas propriedades deixam para trás parte da sua história, desfazem
vínculos de amizade e perdem parte de sua identidade histórica cultural” (PPP, 2007, p.17),
fazendo parte da CRABI (Comissão Regional dos Atingidos por Barragens do Rio Iguaçu).
Há professores que trabalham desde o início do colégio (em 1999) e nestes percebe-
se um enfoque na realidade do campo, e aqueles que chegam novos na escola, que tem
como único modelo a escolarização urbanizada, trabalham-na com os alunos. A
rotatividade se dá nas disciplinas com menor carga horária. Reconhecem que deveria
existir um trabalho a mais com questões do campo, gostariam de fazer algo diferente mas
sentem-se desorientados da melhor forma de fazê-lo. Trabalham algumas questões como a
água, agrotóxicos, poluição, lixo, entre outros. Falta base científica aos alunos sobre estes
assuntos. A escola não tem muito claro como utilizar melhor o meio ambiente ao seu favor.
A estrutura física da escola é muito boa, a COPEL colaborou financeiramente
durante dois anos.
O coletivo da escola percebe que os alunos têm orgulho de serem do campo,
gostam de morar e viver neste local. Eles são incentivados a saírem em busca de
aperfeiçoamento (cursos, graduação) e a retornarem trazendo as contribuições.
Quanto ao currículo, alguns aspectos podem ser diferenciados, mas os gerais devem
estar presentes para, caso saíam do campo tenham condições de enfrentar os desafios.
Deveria ter um “a mais”, com conteúdos aprofundados de como, lidar com a terra, cultivar
uma horta, a questão da agricultura familiar, entre outros. Há uma horta é cuidada por um
funcionário do município. Assim os alunos não utilizam o espaço da horta como estudo.
54 Grande parte dos filhos dos acampados do MLST – Movimento de Libertação
Dos Sem Terra- que está situado as margens da BR 369, estudam na escola. Não percebem
discriminação e quando existe ela é mais camuflada.
São objetivos específicos do ensino fundamental
* desenvolver a consciência crítica que valorize a agricultura familiar e o respeito ao equilíbrio ecológico, bem como as particularidades regionais. * apoiar a divulgação de materiais didáticos e pedagógicos que tratem de questões de interesse direto de quem vive no campo. * promover pesquisas e ou trabalhos orientado nas propriedades rurais de abrangência da unidade escolar, visando o intercâmbio direto escola-comunidade. * implantar disciplinas específicas voltada para a compreensão dos problemas do homem e da mulher do campo e para o gerenciamento da propriedade do campo. * estimular a vivência em comunidade promovendo eventos a fim de fortalecer a identidade cultural do grupo. * desenvolver discussões visando a compreensão da cultura produzida através de relações sociais mediadas pelo trabalho do campo (PPP, 2007, p.11).
Quanto aos objetivos do ensino médio nada consta relacionado especificamente ao
campo.
O PPP diz, “destina-se a uma parcela da população que historicamente tem sido
excluída do acesso aos avanços científicos e tecnológicos, a população rural” (PPP, 2007,
p. 17), cita que “a educação do campo se identifica pelos seus sujeitos” (p. 18). No PPP de
2000 já contemplava como um objetivo, “proporcionar um ensino de qualidade e
diferenciado voltado para os interesses e necessidades do homem e da mulher do campo,
ampliando-lhes a visão de mundo”; “apoiar a divulgação de materiais didáticos e
pedagógicos que tratem de questões de interesse direto de quem vive no campo” (PPP,
2000).
A Escola Estadual São Salvador - Ensino Fundamental está localizada no distrito de
São Salvador e atende 96 alunos sendo na sua totalidade alunos da zona rural. Alguns
alunos são do acampamento do MST Dorcelina folador.
Este olhar diferente, voltado para a realidade do campo vem sendo trabalhado,
sendo que nos quatro últimos anos de forma mais acentuada. Ele deve ocorrer, pois não há
como pensar de outra forma, todos os alunos são ligados diretamente com a agricultura.
Consta no artigo quatro do Regimento Escolar
55 O estabelecimento de ensino objetiva a implantação e acompanhamento do Projeto Político-Pedagógico elaborado coletivamente, com observância aos princípios democráticos e submetido à aprovação do conselho escolar. A educação do campo tem sido historicamente marginalizada na construção de políticas públicas. Tratadas como políticas compensatórias suas demandas e sua especificidade raramente tem sido objeto de pesquisa no espaço da academia e nas formulações de currículos nos diferentes níveis e modalidades de ensino. Pelo estabelecido nas diretrizes operacionais [...] é preciso uma proposta pedagógica que atenda aos interesses do aluno que vive no meio rural, valorizando sua realidade, produção, lazer e qualidade de vida, e as possibilidades de trabalho que o campo oferece. A identidade da escola é definida pela sua vinculação às questões inerentes a sua realidade, ancorando-se na temporalidade e as saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções por estas questões à qualidade social da vida coletiva no país (Regimento Escolar, 2008, p. 7).
Um trabalho diferenciado é realizado, mas pela falta de maiores informações em
relação a esta temática, parte dos professores ainda se detém no livro didático. Quanto a
uma diferenciação com a escola da zona urbana, afirmam eles que não deveria existir,
embora seja necessária uma maior ênfase em relação à realidade dos alunos.
Há somente dois professores efetivos na escola, os demais, quando tem
oportunidade de deixar as aulas, deixam, pela localização da escola que é distante do
centro da cidade. Mas há professores que quando podem, ficam na escola. No geral,
conhecem os movimentos sociais teoricamente.
A escola está bem equipada de materiais e de infra-estrutura. Quanto aos projetos,
há o projeto Pipa ligado à geometria onde se faz um resgate das brincadeiras do dia a dia
do campo. Tem-se em mente a retomada da organização da horta.
Na justificativa do Projeto Político-Pedagógico consta
[...] a partir dele a escola tem possibilidades de superar suas barreiras indicando assim qual é a opção, a função e o rumo do fazer educativo. Faz-se necessário realizar uma proposta de trabalho que seja concernente com a realidade do campo, garantido os conteúdos necessários no currículo básico, porém discutindo e elaborando metodologias que sejam viáveis ao contexto do aluno, tendo a sua realidade como ponto de partida (PPP, 2007, p.6)
O PPP traz ainda que a compreensão da vida do homem não se limita ao nascer,
crescer e morrer; seu viver envolve ação e trabalho, visto que “ele é sujeito de sua cultura,
desenvolvida pela sua interação com o mundo”. O homem é um ser social, que ao interagir
56 com os outros homens e com a natureza “é capaz de se transformar na mesma medida
que é transformado por ela” (PPP, 2007, p. 6).
As ações necessárias para a realização de um trabalho diferenciado são apontadas:
fazer uma visita aos alunos em suas residências, ter um conhecimento mais aprofundado
sobre os mesmos, sobre sua cultura e sua relação com a terra; pautar-se em atividades que
aborde a realidade dele e trabalhar para que permaneça no campo com qualidade.
Trabalhar a questão que se sentem inferiorizados e todas as suas possibilidades de
mudanças do local onde vive para melhorá-lo. Todos os professores deveriam participar de
grupos de estudo (alguns poucos participam), e estes deveriam permanecer na escola do
campo para melhorar o seu trabalho junto aos alunos.
O Colégio Estadual de Rio do Salto - Ensino Fundamental e Médio está localizado
no distrito de Rio do Salto, na Rua Botafogo, 270 e atende 420 alunos, sendo alunos do
distrito e a maioria de dois acampamentos próximos s esse distrito, a saber, Dorcelina
Folador e 1º de agosto.
A escola sabe que existe um projeto de educação do campo, mas de forma
superficial, ainda não consegue fazer um trabalho muito diferenciado, de valorização das
“coisas do campo”.
A escola visualiza que não haveria de ter uma diferenciação de currículo, ou seja,
um currículo específico para as escolas do campo, mas, na realidade do campo, com
algumas particularidades. Teria sim que valorizar o trabalho realizado na zona rural,
trabalho este de pais e alunos para haver um crescimento de todos. Há ainda muito presente
a cultura da inferioridade dos povos da zona rural. Assim, se tornam indispensáveis os dois
conhecimentos juntos, o sistematizado e o que o aluno traz consigo.
Há professores efetivos e contratados que moram na localidade, mas a maioria é
contratados e pegam as aulas, pois não “as há em outro local mais próximo do centro” (fala
de alguns professores). Não há um conhecimento profundo sobre os movimentos sociais e
costumam se posicionar contra justamente por esta falta de conhecimento.
Existem os mesmos recursos materiais, o que falta acontecer é o custo-aluno
diferenciado como aponta as Diretrizes Operacionais. No mais, as famílias também
possuem os mesmos recursos, o acesso a telefone, Internet e hoje não se tem muitas
diferenças em relação ao acesso dos meios de comunicação entre o campo e a cidade.
57 O que está faltando é a mesma solução necessária às escolas urbanas, a fixação
do professor na escola, enquanto houver esta rotatividade os problemas não se resolverão.
Muitos pais tentam tirar os filhos da escola por não verem necessidade da mesma e
para ajudarem no trabalho diário. A escola acaba se adaptando a realidade das famílias.
Esse novo olhar está em processo de construção, os grupos de estudos sobre
educação do campo (fizeram um no ano de 2007) está auxiliando neste sentido. É
primordial que o professor tome gosto pela educação do campo e goste de trabalhar nestas
escolas.
Em seu Projeto Político-Pedagógico destaca
[...] nos últimos tempos, em virtude das freqüentes crises do setor agrícola, muitas famílias tem abandonado o campo na busca de melhores condições de vida nas grandes cidades. Além disso na própria vila há poucas opções de emprego, de modo que muitos estudantes acabem migrando para outros centros à procura de trabalho (PPP, 2007, p. 12).
Acrescenta também no PPP que é fundamental valorizar a cultura do próprio
grupo, sem escusar as demais, conhecendo assim, a cultura brasileira, no âmbito nacional e
regional.
O Colégio Estadual de Juvinópolis – Ensino Fundamental e Médio está localizado
na sede do distrito de Juvinópolis, na Avenida Castelo Branco, nº 400 e atende 223 alunos
sendo todos pertencentes ao distrito.
Em relação à educação do campo já ouviram falar, mas ainda não foi realizado um
trabalho diferenciado. Levantou-se a questão da capacitação que é a mesma para todas as
escolas, não é fornecido nenhum material a mais para esta especificidade. É preciso estar
mais clara esta concepção e o Departamento da Educação do campo deveria atuar mais
neste sentido. A escola levantou a questão que em muitos seminários sobre a temática a
discussão pauta-se no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, que tem a proposta de
escola itinerante, que na verdade é diferente das escolas que estão na zona rural. A
clientela é a mesma, alunos do campo, mas as abordagens são diferentes. É necessário a
discussão dos movimentos sociais, mas não pode-se ficar somente nelas.
Para a educação do campo realmente acontecer falta sair dos documentos legais,
necessita-se do calendário adaptado à realidade dos alunos, muitos faltam às aulas para
ajudarem em casa. Nos planejamentos das disciplinas não se percebe uma ênfase neste
aspecto, pauta-se no que está no livro didático. O diferencial são os projetos que o colégio
58 realiza em relação ao meio ambiente da localidade como a preservação das nascentes.
Aconteceram alguns cursos relacionados a temática do campo, como o de culinária rural,
mas estes foram financiados pela própria escola junto à outras entidades.
Os professores, na sua maioria, mudam de ano para ano, não criando vínculos com
a escola. De modo geral não conhecem os movimentos sociais, há pouco conhecimento
sobre os mesmos.
O que falta são políticas públicas voltadas para o campo, de valorização do campo
para a permanência neste local. Os jovens terminam o ensino médio e vão para outras
localidades estudar, trabalhar ou ambos. As ações necessárias seriam a implementação dos
documentos legais sobre o assunto. Um currículo diferenciado que a escola aponta seria
dentro de cada disciplina, além dos conteúdos específicos, outros relacionados ao campo.
Há um único auxílio transporte para o professor, ou seja, independente da distância até a
escola o valor que se recebe é o mesmo, e isto é algo que prejudica o corpo docente da
escola, haja vista que a escola fica a cerca de 50 km do centro e um professor que mora em
frente à escola que trabalha recebe o mesmo valor.
O tema é abordado de forma geral no Projeto Político-Pedagógico. Na filosofia da
escola, ela se reconhece como escola do campo
[...] por atender majoritariamente a alunos oriundos da zona rural, classificam-se como uma escola do campo, direcionando e adequando sua proposta pedagógica de acordo com sua clientela. Com efeito, buscamos despertar no educando o amor por suas raízes culturais estimulando-o a seguir sua carreira profissional sem perder sua identidade ligada à terra. [...] Diante da globalização é mister propiciar ao aluno um conhecimento de mundo mais abrangente que o prepare para a vida, de modo que, alem de sua cultura local, ele possa entender o mundo a sua volta (PPP, 2007, p. 16).
Estabelece também que, as Diretrizes Curriculares de cada disciplina, que são
resultado de uma construção coletiva, devem ser adaptadas à realidade do campo.
As oito escolas acreditam que deveria existir alguma diferenciação no currículo,
mas não um outro específico para estas escolas. O mesmo para todas, levando em conta,
nas escolas do campo, obrigatoriamente, as particularidades de sua população. E aí as
escolas apontam a inclusão de conteúdos diretamente ligados à vida na terra, projetos, uma
disciplina na parte diversificada e outros.
Todas têm conhecimento que existe um projeto de educação do campo, quatro delas
mais superficialmente e quatro com mais propriedade. Apenas uma escola não consta em
59 seu Projeto Político-Pedagógico sobre a educação do campo e sete se reconhecem como
sendo escolas do campo. Quanto a fazer algo prático, colocar em ação o que é aspirado nos
documentos legais como o PPP, Diretrizes Nacionais e Estaduais muito pouco se consegue.
Todas as escolas acreditam ser importante um material didático específico, voltado para a
realidade do campo concomitante com o aprendizado do conhecimento historicamente
acumulado. Cinco escolas conhecem com propriedade as diretrizes operacionais e quatro
conhecem as Diretrizes Estaduais.
Falando em recursos todas responderam que possuem os mesmos recursos que uma
escola urbana, mas algumas reclamam que ficam aquém, em relação à estrutura física. O
governo do Estado está investindo nas escolas com livros para o professor, livros para o
ensino médio, acesso a Internet e ao computador, uso de TV para diversificar as aulas e
toda esta tecnologia e recursos chega igualmente para todas as escolas da rede. Todas as
oito escolas já receberam os equipamentos do programa Paraná Digital11, estando em
funcionamento ou em processo de instalação. Isto mostra que os alunos estão tendo os
mesmos recursos, é necessário, no entanto, o professor utilizá-los ao seu favor. Em relação
à estrutura física algumas escolas precisam urgente de melhorias. Neste aspecto algumas
escolas sentem-se abandonadas e todas funcionam em dualidade administrativa com o
município, o que em muitos casos torna-se muito desgastante. O campo não é mais um
local de atraso e sem tecnologias avançadas como foi tido na história, porém não são
suficientes apenas os recursos, é necessária a formação do professor para saber utilizar-se
destes recursos em prol dos conteúdos a serem trabalhados.
Cinco escolas têm conhecimento que deve ser uma educação DO e NO campo.
Quanto a uma formação diferenciada, sete acreditam que deveria existir, mas não
explicitam como isto deveria acontecer. As escolas sugerem grupos de estudos promovidos
pela SEED sobre esta temática em todas as escolas do campo e um número maior de
professores participando em cursos e simpósios sobre o tema. Como há muita rotatividade
dos professores, muitos participam de cursos e simpósios e não há continuidade do
trabalho, o aprendizado recebido vai se perdendo e não se criam vínculos com a escola, de
forma que os pressupostos defendidos por esta proposta não são atingidos.
Percebeu-se nas entrevistas que ficou muito na visão e aspirações da direção e
equipe pedagógica das escolas, que as estes é solicitado de forma mais contundente o 11 Programa do Estado, de instalar um laboratório de informática em todas as escolas da rede para acesso a
Internet, tanto para professores quanto para os alunos. Os equipamentos possuem o sistema Linux.
60 trabalho com as diretrizes nacionais e as estaduais. Os PPPs apontam, refletem e
indagam mas, na prática, muito pouco está sendo realizado, e que, em última instância,
quem vai efetivá-la é o professor em sala de aula ou fora dela.
Em relação á clientela destas escolas não há muita diferenciação. São formados por
pequenos e médios proprietários; o proletariado rural, conforme apontado no 1º capítulo;
acampados e assentados do MST e reassentados atingidos por barragens.
3.2 Algumas reflexões necessárias
Como já foi mencionado estas escolas foram criadas para atender a demanda das
comunidades. A última a ser criada foi a do Reassentamento São Francisco no final da
década de 1990 com financiamento da COPEL (Companhia Paranaense de Energia
elétrica) para atender aos atingidos por barragens da construção de hidrelétricas.
O que define uma escola ser do campo é a clientela que ela atende, em outras
palavras, os parâmetros que definem não levam em conta como principal sua localização
geográfica, mas sim o “aspecto identitário de caráter sociocultural” (SOUZA, 2006, p. 51).
Há escolas que seus alunos são essencialmente do campo e a escola não se reconhece desta
forma, do campo, e há escolas que estão na zona urbana (não frutos desta pesquisa) e
recebem alunos da zona rural, via transporte escolar, e se reconhecem como sendo uma
escola do campo. Podemos assim afirmar que o que define ser do campo são os alunos. Na
verdade as Diretrizes e outros documentos já falam de levar em conta a realidade do aluno
constatando-se desta forma, que não está acontecendo na prática.
O artigo 28 da LDB traz algo novo que é a questão das diferenças sem transformá-
las em desigualdade, o que indica que os sistemas deverão se adequar num todo à realidade
específica do campo, sem deixar em segundo plano os conhecimentos sistematizados
historicamente.
Esta distinção entre escola urbana e escola rural, têm início após a metade do século
XX quando as escolas da zona urbana passaram a ser a maioria. Até então a vida estava
quase toda concentrada na zona rural e as poucas escolas existiam nestas localidades. Com
61 o êxodo rural, quando grande parcela da população sai do campo para as cidades,
aumentando o número de escolas na cidade.
Pela pesquisa realizada percebe-se que a educação do campo está prevista nas
diretrizes nacionais e estaduais e está acontecendo com poucos resultados satisfatórios,
como é almejada pelas pessoas e movimentos que estão preocupados com a completa
formação do homem do campo. Como são escolas da rede estadual devem seguir as
mesmas determinações da Secretaria Estadual, e uma matriz curricular comum a todas as
escolas. Por mais que as escolas tenham vontade de acrescentar uma disciplina específica
para tratar deste assunto e como aponta a LDB a conquista é muito difícil, fazendo muitas
escolas desistirem de lutar, mesmo porque faltam profissionais habilitados. Todo este
referencial para a educação do campo é muito recente, e ainda está longe de alcançar o
esperado.
Na verdade, o que se pode constatar é que todos estes pressupostos fora dos
movimentos sociais, onde foram gestados, não acontecem assim como também as escolas
itinerantes possuem grandes dificuldades para efetivar esse projeto de educação.
O material didático que estas escolas utilizam é o mesmo das escolas urbanas e isto
dificulta e muito o trabalho voltado para os sujeitos do campo, e projetos diferenciados
requerem recursos financeiros, o que não há para tal. A dificuldade com o transporte
escolar é outro agravante. Como os alunos moram longe da escola, para a locomoção até a
mesma necessita-se de transporte escolar. Segundo informações das escolas, os alunos, em
dias de chuva, acabam perdendo conteúdos.
Os professores, pela sua formação e pelo próprio sistema que estão inseridos são
levados a dar atenção exclusiva aos objetivos, as metodologias e a avaliação a serem
trabalhadas em sala de aula, atenção esta dispensada em relação aos conteúdos12. Assim,
esta tarefa acaba sendo feita pelas editoras dos livros didáticos que acabam selecionando os
conteúdos que vão integrar o currículo aleatoriamente e os abrange de forma superficial.
Distanciados da realidade da maioria dos alunos, estudam sem conseguir relacionar os
conteúdos trabalhados pelo professor com sua realidade imediata, perdendo-se assim o seu
12 O Estado do Paraná segue as Diretrizes Curriculares da Rede Pública de Educação Básica, estas
construídas coletivamente a partir do governo Roberto Requião. Cada diretriz apresenta os fundamentos teórico-metodológicos, a partir dos quais definem-se os rumos da disciplina, seja no que se refere ao tratamento a ser dado nos conteúdos, por meio de procedimentos metodológicos e avaliativos, seja na orientação para a seleção dos conteúdos e de referencial bibliográfico. Estabelece os conteúdos estruturantes e estes compõem os saberes, os conhecimentos de grande amplitude, os conceitos e práticas que identificam e organizam os campos de estudo de cada disciplina.
62 propósito. Do outro lado, os professores vêem os conteúdos constantes no livro como os
únicos possíveis, e quando há o interesse de se abordar outros conteúdos encontram-se
dificuldades em pesquisar e aprofundar os conteúdos que se deseja. Não havendo esta
inserção da realidade imediata de cada clientela atendida acaba-se por negar a cultura e
conhecimentos acumulados historicamente por estas populações. Ao se apontar à
necessidade de inclusão de conteúdos que reflitam sobre os aspectos históricos, políticos e
econômicos, bem como nas relações que se estabelecem é necessário ter a clareza que eles
devem ser o ponto de partida, e ao lado dos demais meios de aprendizagem que são
inúmeros e que ajudam o educando no exercício de aprendizado, da reflexão e da produção
de novos conhecimentos. Necessário será formação do professor com reflexão e
consciência do que é o projeto de educação do campo, considerando os contrastes
existentes.
Um exemplo para ilustrar é o caso das festas juninas, onde são postas que as únicas
características do homem do campo são suas roupas rasgadas, remendadas e maltrapilhas,
excesso de maquiagem, dentes mal cuidados, e roupas “fora da moda” e acaba-se
esquecendo das manifestações culturais como as danças e músicas típicas, comidas
naturais que utilizam os frutos da terra, suas crenças e entre outros aspectos da cultura
deste povo. Em tais comemorações acaba se enfatizando a discriminação do homem do
campo.
A população do campo, ao terem sua cultura valorizada, tem a possibilidade de
criar vínculos e isto leva a criação de uma identidade sócio-cultural que leva o aluno a
compreender o mundo e as suas relações para ter condições de intervir na realidade.
Nos diversos documentos sobre o assunto, verificou-se que são praticamente as
mesmas falas, uma vez que são poucas as pessoas que discutem e escrevem sobre o
mesmo. Baseado nestes documentos e na maioria dos citados nesta pesquisa, foram
elaborados os PPP das escolas.
Algumas escolas apontam que a educação deve ser para a vida e a opção ficar no
campo ou sair dele deve ser opção do indivíduo consciente. O que a escola deve
oportunizar é a preparação para enfrentar os desafios, independente do espaço geográfico
que ocupem. Há aqueles alunos que, se a educação se pautasse na sua realidade específica,
gostariam mais da escola, porém também não poderíamos deixar de possibilitar àqueles
63 que querem sair do campo, de uma formação ampla do conhecimento sistematizado, ou
seja, a escola tem a responsabilidade de trabalhar com esta totalidade.
Todas as escolas apontaram para a rotatividade de professores. Há dois vínculos
empregatícios de professores na rede estadual, um via concurso (e estes fixados na escola e
não fixados) e outro via contrato (Processo de Seleção Simplificado - PSS). Esta é uma
realidade que enfraquece as escolas, os fracos vínculos que tem o corpo de profissionais
com as escolas do campo, estes estão sempre de passagem, pois quando podem ir para
outra escola que seja mais próxima do centro da cidade, saem. Com estas condições
dificultam-se as discussões e a concretização de um trabalho direcionado ao campo.
Na entrevista constatou-se que há bastante rotatividade, todavia, boa parte dos
professores gosta de trabalhar nas escolas do campo, o que dificulta e muito é a distância
destas em relação ao centro. Tem que sair muito cedo de casa e o custo do transporte são
bastante elevados e depende exclusivamente do professor. O valor que cada professor
recebe de auxílio transporte é o mesmo para todos, independente da escola que irá
trabalhar.
Quem realmente faz a Educação do campo acontecer são os professores, é eles, que
definirão o trabalho a ser executado e que estão dia a dia com os alunos. Gentili & Alencar
apontam que o magistério e “missão e profissão”, sendo a profissão uma escolha, é um ato
de “professar, acreditar, apostar” e ser trabalhador (a) do ensino requer este mesmo
espírito, “essa fé”, “não é um fazer repetitivo”, “amanhecendo com energias renovadas”, e
ter consciência que não se repete, por que lidamos com pessoas; “é missão e luta”, há
muitos que cansados dizem que “não adianta mais batalhar” e com isto não preparam
aulas, tem uma “relação quase mecânica com os alunos” e não percebem que estão fazendo
justamente o jogo dos dominantes; e por fim, magistério é “missão e construção”, onde os
professores são “pedreiros” que assentam os “tijolos no edifício de uma nova sociedade” e
esta não “será feroz e excludente como a atual” (GENTILI & ALENCAR, 2002, pp.109-
110).
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE - considera como urbana
toda sede municipal, independentemente do número de seus habitantes e das funções que
esta aglomeração exerça, e rural o espaço existente em torno deste núcleo, onde a
população está dispersa ou se concentra em pequenos grupos de vizinhança. Segundo
64 Wanderley 13 o último censo demográfico realizado no Brasil, em 2000, informa que
cerca de 82% da população do país vivem em aglomerações definidas como urbanas. “As
populações rurais, minoritárias, tende a decrescer numa tal progressão que se poderia
prever, para 2030, sua completa extinção”. José Eli da Veiga coloca
A adoção desta concepção tende a superdimensionar o que é urbano no país, e conseqüentemente, o processo de urbanização da sociedade brasileira, ao mesmo tempo em que tende a desqualificar e anular a importância do “rural”. Dependendo da “cidade”, o “rural” se caracteriza pela ausência do poder público no seu espaço e mesmo a ausência da grande maioria dos bens e serviços, naturalmente concentrados nas áreas urbanas mais densamente povoadas. A idéia de um rural melhor é pouco assimilada. O rural quando melhora torna-se urbano (WANDERLEY, 2008, pp51-52).
Continua a autora, “analisando os dados do último Censo, Veiga calcula que de um
total de 5.507 sedes de municípios existentes em 2000, havia 1.176 com menos de 2.000
habitantes, 3.887 com menos de 10.000, e 4.642 com menos de 20 mil”. Assim, a grande
maioria do que é chamada indistintamente “cidade” não passa de pequenas aglomerações,
nas quais faltam as condições mínimas para uma efetiva vida urbana, e a base da economia
é a agricultura. Afirma ainda que os pequenos municípios fazem parte do mundo rural.
Reforço aqui as duas idéias centrais do livro. Primeiro, a afirmação de que o “mundo
urbano” no Brasil é menor do que o IBGE aponta, e segundo, o “mundo rural” não pode
ser associado indistintamente a espaços degradados, atrasados e vazios. (Wanderley, 2008,
pp 51-52).
Nesse sentido as escolas entrevistadas pertencem ao espaço geográfico rural, e de
acordo com as Diretrizes do Paraná o campo vai além de uma definição jurídica,
configurando-se “um conceito político ao considerar as particularidades dos sujeitos e não
apenas sua localização espacial e geográfica”, ou seja, o que define os sujeitos do campo é
a sua identidade (idem, p.22).
Falta sustentabilidade para que realmente a educação do campo se efetive, ela
precisa sair das paredes da escola, mas para acontecer necessita que, paralelo ao trabalho
da escola, haja políticas públicas que favoreçam o homem do campo, ou seja, necessita-se
estar postas as condições para que o homem permaneça no campo, estar associado à
13 Resenha descrita por Maria de Nazareth Baudel Wanderley, professora aposentada da UNICAMP, do livro
de José Eli da Veiga, Cidades Imaginárias: O Brasil é menos urbano do que se imagina, 2002.
65 valorização da pequena propriedade, incentivo à agricultura orgânica, distribuição de
renda, reforma agrária, valorização e preço aos seus produtos que motive o agricultor a
permanecer no campo.
O aluno do campo necessita compreender a realidade onde vive com o auxílio dos
conteúdos trabalhados, a realidade dele é o campo. O campo deve ser o ponto de partida e
de chegada. Não é ficar nele, é partir dele e com os conhecimentos adquiridos retornar ao
campo para melhorá-lo ou transformá-lo. A LDB aponta uma parte diversificada no
currículo, mas não delimita, e na realidade todas as escolas pesquisadas só oferecem a
língua estrangeira. A educação do campo necessita de projetos ou disciplinas
extracurriculares que priorizes questões que são específicas do campo, no sentido de
compreender e desvelar esta realidade, sendo imprescindível mão-de-obra especializada.
Para sua efetivação falta recursos humanos com formação para tal. O aluno necessita
conhecer as duas realidades, e a escolha de ficar no campo ou não será opção dele.
Também não se podem criar ilusões sobre o mundo urbano.
66 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho discutimos que o latifúndio sempre predominou durante toda a
história de nosso país sobre a pequena propriedade e para a grande parcela da população –
os trabalhadores - a questão da escolarização era visto como algo desnecessário. A atenção
para a educação para todas as populações do campo teve um início mais concreto no final
da década de 1990, quando os povos organizados do campo intensificaram esta
reivindicação. O MST é o principal movimento social que trava esta luta, que além de lutar
por terra, luta por educação pública, e de qualidade em todos os níveis de ensino.
As legislações contemplam o tema e aponta o seu trabalho, mas, como elas não
delimitam as ações acaba não se concretizando na prática. As Diretrizes Operacionais são
uma conquista dos movimentos sociais e o governo do Paraná também está preocupado
com a escolarização destas populações.
Pelo exposto verificou-se que a educação do campo ainda está no seu processo
inicial de realização, necessitando de um aprofundamento teórico por parte de todo o corpo
docente das escolas e de ordem material, ou seja, mais materiais bibliográficos que aborde
o tema e que sejam disponibilizados a todos os membros da escola.
O texto de Roseli S. Caldart aponta que deve ser NO e DO campo, o NO está
garantido, os estudantes estão estudando o mais próximo de suas residências, não tão perto,
pois andam vários quilômetros de transporte escolar e isto não tem como ser resolvido de
outra forma, pois as residências na zona rural são distantes umas das outras. O DO campo
que garante ao aluno uma educação pensada desde o seu lugar e com sua participação e
vinculada à sua cultura e às suas necessidades humanas e sociais está, na maioria das
escolas pesquisadas em processo inicial de construção. É inegável que já há uma
caminhada nos documentos legais da escola como o PPP, é necessário, entretanto sua
concretização real.
Enquanto processo inicial, somente a partir do momento em que o indivíduo se
reconhecer, valorizado em sua cultura e ter o sentimento de pertencer àquele local ele vai
lutar por melhorias, tanto para ele quanto para seus pares. Entretanto, há que se superar o
campo da individualidade para atingir a generalidade.
67 Os membros entrevistados nesta pesquisa apontam que dependem de muito
investimento, especialmente humano, para efetivamente concretizar o que prevê as
Diretrizes Operacionais e Estaduais para a educação do campo.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra é um movimento marginal na
sociedade, visto como anarquista, e assim, muitos professores acabam rejeitando esta
proposta por ela estar ligada a tal movimento social.
Esta clareza a ser proporcionada pela educação, quando ela realmente acontecer,
leva a desmistificação da visão dominante de super valorização das economias
desenvolvidas e promove a superação da dependência cultural que ocorre desde a
colonização brasileira. O Brasil, desde a colonização, é uma economia agro exportadora,
voltada sempre para o mercado exterior e ficando em segundo plano a própria população.
Temos ciência de que esse tema não se esgota nessa pesquisa, necessitando de um
aprofundamento maior em todas as questões que contribuem para que a educação do
campo, conforme proposta a nível estadual e federal, aconteça ou não.
68 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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