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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL BRUNO CÉSAR CANOLA IMPLICAÇÕES ÉTICO-JURÍDICAS DA PESQUISA EM EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS E A TUTELA DA VIDA HUMANA FRANCA 2009

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA … · dentários e a tutela da vida humana / Bruno César Canola. Franca : UNESP, 2009 Dissertação – Mestrado – Direito

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL

BRUNO CÉSAR CANOLA

IMPLICAÇÕES ÉTICO-JURÍDICAS DA PESQUISA EM EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS E A TUTELA DA VIDA HUMANA

FRANCA 2009

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BRUNO CÉSAR CANOLA

IMPLICAÇÕES ÉTICO-JURÍDICAS DA PESQUISA EM EMBRIÕES

EXCEDENTÁRIOS E A TUTELA DA VIDA HUMANA

Dissertação apresentada à Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como pré-requisito para obtenção do Título de Mestre em Direito. Área de Concentração: Direito Obrigacional Público e Privado.

Orientador: Prof. Dr. João Bosco Penna

FRANCA

2009

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Canola, Bruno César Implicações ético-jurídicas da pesquisa em embriões exce- dentários e a tutela da vida humana / Bruno César Canola. –Franca : UNESP, 2009 Dissertação – Mestrado – Direito – Faculdade de História, Direito e Serviço Social – UNESP. 1. Bioética. 3. Direito fundamentais – Embriões exceden- tários. 3. Dignidade da pessoa humana. CDD – 340.78

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BRUNO CÉSAR CANOLA

IMPLICAÇÕES ÉTICO-JURÍDICAS DA PESQUISA EM EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS E A TUTELA DA VIDA HUMANA

Dissertação apresentada à Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como pré-requisito para obtenção do Título de Mestre em Direito. Área de Concentração: Direito Obrigacional Público e Privado.

BANCA EXAMINADORA

Presidente: _________________________________________________________

Prof. Dr. João Bosco Penna

1ª Examinador: ____________________________________________________

2ª Examinadora: ____________________________________________________

Franca, _____ de ____________ de 2009.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais Julio e Rosy, por sempre estarem ao meu lado em todas as etapas da minha vida.

Aos meus irmãos Paulo e Lívia, pelos momentos e pela amizade sincera que compartilhamos.

Aos meus familiares, pelo ambiente confortante e carinhoso no qual fui criado e ao qual posso sempre recorrer.

À minha namorada Letícia, pelo amor, suporte, amizade e compreensão nos dias mais difíceis.

Aos meus amigos, pelas incontáveis manifestações de companheirismo e por neles sempre poder confiar.

Ao meu orientador, Prof. Dr. João Bosco Penna, por ter acreditado no meu potencial e por todo o seu apreço e auxílio, indispensáveis à conclusão dessa jornada.

A todos os professores e funcionários da Pós-graduação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Franca, pelo apoio, incentivo e paciência.

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“Com relação às grandes aspirações dos homens de boa vontade, já estamos demasiadamente atrasados. Busquemos não aumentar esse atraso com nossa incredulidade, com nossa indolência, com nosso ceticismo. Não temos muito tempo a perder” Norberto Bobbio

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CANOLA, Bruno César. Implicações ético-jurídicas da pesquisa em embriões excedentários e a tutela da vida humana. 2009. 155 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2009.

RESUMO A sociedade contemporânea passa por uma verdadeira revolução científica, especialmente no campo das biociências que tem por objeto a análise de estruturas originadas do ser humano e por fim a melhoria das condições de vida das pessoas. É exatamente esse o caso das pesquisas e terapias com células-tronco embrionárias obtidas de embriões excedentários da fertilização in vitro, sendo que, nessa situação especifica, a busca por uma tutela efetiva e coerente da vida humana passa pela análise dos benefícios que podem resultar dessas experimentações e pela observância de diversos preceitos éticos e jurídicos, entre eles, os direitos fundamentais à vida e à dignidade da pessoa humana. O certo é que os embriões excedentários não podem ser tratados da mesma forma que se pretende tratar os embriões concebidos dentro do corpo da mulher, pois enquanto estes se encontraram em pleno desenvolvimento, a caminho de se transformar em uma pessoa, aqueles foram fecundados em um laboratório, se encontram congelados e, por serem inviáveis ou não utilizados, nunca vão se transformar em uma vida humana. Assim, quanto aos embriões excedentários, inexiste a expressão de uma vida humana para ser protegida, já que esses embriões encontram-se em um ambiente fora do útero materno, sendo que a sua utilização como fonte de células-tronco embrionárias não representa uma afronta aos direitos fundamentais à vida e à dignidade da pessoa humana. Essa atividade, em verdade, representa uma concretização desses direitos fundamentais, tendo em vista que os resultados obtidos com estas experimentações podem vir a trazer inúmeros benefícios para a sociedade, inclusive a cura de diversas doenças, como a paralisia e o Mal de Parkinson. Essa discussão deu origem à Lei de Biossegurança Nacional, de 2005, que permitia a utilização desses embriões em pesquisas científicas. Mas, ainda nesse mesmo ano, o artigo permissivo foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, sendo que na decisão final a maioria dos ministros deliberou pela constitucionalidade do artigo exatamente nos termos estabelecidos pela Lei. Entretanto, cinco ministros, alegaram a necessidade de se estabelecer maiores limitações a este tipo de experimentação. Nesse sentido, deve-se ponderar essas exigências feitas por alguns ministros deixaram de observar todo o regramento que flutua em torno da norma impugnada. Contudo, a atuação jurídica, imbuída de valores éticos, deve buscar promover a tutela da vida humana através de mecanismos capazes de implementar os direitos fundamentais das pessoas que, diferentemente dos embriões excedentários, estão realmente vivas, para que possam ter uma existência digna. Palavras-chave: direitos fundamentais - dignidade da pessoa humana. embriões

excedentários. células-tronco embrionárias. tutela da vida humana.

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CANOLA, Bruno César. Ethical and legal implications of the research on surplus embryos and the guardianship of human life. 2009. 155 p. Dissertation (Master`s Degree in Law School) - Faculty of History, Law and Social Services, São Paulo State University “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2009.

ABSTRACT

The contemporary society goes through a scientific revolution, especially in the field of biosciences where occur the analysis of structures arising from humans and the goal is to improve the living conditions of people. It is exactly the case of research and therapies with embryonic stem cells obtained from surplus embryos from in vitro fertilization. In this particular situation, the search for an effective and consistent guardianship of human life is obtained by the analysis of benefits that may result from such experiments and the observance of various ethical and legal requirements, including the fundamental rights of life and human dignity. The truth is that surplus embryos can not be treated the same way of the embryos conceived in the body of the woman, because while these are in full development, on the path of becoming a person, those were fertilized in a laboratory, are frozen, and because they are not viable or not used, will never become a human life. Thus, in the case of surplus embryos there is an absent of a human life to be protected, since these embryos are in an environment outside the maternal womb, and its use as a source of embryonic stem cells does not represent an affront to fundamental rights of life and human dignity. This activity, in fact, represents a realization of these rights, since the results of these experiments are likely to bring many benefits to society, including the cure of several diseases such as paralysis and Parkinson's. This discussion led to the National Law on Biosafety, 2005, which allowed the use of embryos in scientific research. But, on that year, the permissive article was submitted to an Action of Direct Unconstitutionality. In the final decision most of the ministers decided for the constitutionality of the article in the exact terms of the law. However, five ministers, argued the need to establish greater limitations to this type of experimentation. There should be a consideration that the demands made by some of the ministers does not observe the rules that float around the contested provision. The legal action, imbued with ethical values, should seek to promote the guardianship of human life through mechanisms capable of implementing the fundamental rights of people who, unlike the surplus embryos, are truly alive, so they can have a dignified existence. Keywords: fundamental rights - human dignity. surplus embryos. embryonic stem

cells. guardianship of human life.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................10

CAPÍTULO 1 AS IMPLICAÇÕES DA APLICAÇÃO DOS PRECEITOS ÉTICO E

JURÍDICO NO ÂMBITO DAS BIOCIÊNCIAS ....................................15 1.1 A ética como Instrumento para a Criação de um Modelo de Conduta ... 15 1.2 A Diferenciação entre Ética e Moral.................................................................17 1.3 A Busca de uma Efetiva Aplicação da Ética como Instrumento de Controle

nas Experimentações Científicas ....................................................................18 1.4 Bioética ..............................................................................................................19

1.4.1 Evolução Histórica e Conceito da Bioética ......................................................20

1.4.2 Princípios e Abrangência da Bioética ...............................................................23

1.4.3 Bioética e Direito ..............................................................................................27

1.5 Biodireito............................................................................................................30

1.6 A Necessidade da Atuação do Direito no Controle da Atividade Científica ......34

CAPÍTULO 2 A EVOLUÇÃO CIENTÍFICA NO CAMPO DAS BIOCIÊNCIAS E A REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA..............................................36

2.1 As Pesquisas Científicas no Ramo das Biociências......................................36

2.1.1Clonagem..........................................................................................................40

2.2 As Subdivisões no Estudo da Genética Humana ...........................................44

2.2.1 Engenharia Genética........................................................................................44

2.2.2 Reprodução Assistida.......................................................................................46

2.2.2.1 Fertilização “In Vitro” .....................................................................................50

CAPÍTULO 3 OS EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS E AS PROMESSAS TERAPÊUTICAS DAS CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS.........55

3.1 Embriões Excedentários...................................................................................55

3.1.1 A Visão das Religiões.......................................................................................58

3.1.2 Principais Teorias Acerca da Origem da Vida Humana....................................60

3.1.3 Estágios do Desenvolvimento do Ser Humano ................................................63

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3.1.4 A Real Condição dos Embriões Excedentários ................................................66

3.2 As Células-tronco como Elemento Indispensável na Evolução das Experimentações Terapêuticas .......................................................................69

3.2.1 Diferenciação entre as Células-tronco Adultas e as Embrionárias ...................72

3.2.2 Células-tronco Adultas ....................................................................................74

3.2.2.1 Avanços nas pesquisas com Células-tronco adultas.....................................76

3.2.3 Células-tronco Embrionárias ............................................................................78

3.2.3.1 Aplicações das Células-tronco Embrionárias ................................................83

3.2.3.1.1 Medicina Regenerativa ..............................................................................84

3.2.3.2 Possíveis Problemas na Utilização de Células-tronco Embrionárias.............86

3.2.3.3 Origem das Células-tronco Embrionárias......................................................90

3.2.3.3.1 Criação de embriões em laboratório exclusivamente para fins de pesquisa

e terapia......................................................................................................91

3.2.3.3.2 Clonagem terapêutica ................................................................................92

3.2.3.3.3 A Utilização dos Embriões Excedentários como Fonte de Células-tronco

Embrionárias...............................................................................................95

CAPÍTULO 4 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DELINEADORES DA CONDUTA HUMANA E A TUTELA DA VIDA..................................105

4.1 Os Direitos Fundamentais ..............................................................................106

4.2 A Relação dos Direitos Fundamentais com a Evolução Científica .............110

4.3 Os Direitos Fundamentais à Dignidade da Pessoa Humana e à Vida.........112

4.3.1 Direito à Vida ..................................................................................................113

4.3.2 Dignidade da Pessoa Humana.......................................................................115

4.4 As Experimentações Científicas com Embriões Excedentários e a Tutela da Vida Humana ...................................................................................................117

CAPÍTULO 5 UMA ANÁLISE CRÍTICA DA LEI DE BIOSSEGURANÇA NACIONAL E DA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ..................122

5.1 Lei de Biossegurança Nacional......................................................................122

5.2 A Previsão da Possibilidade de Pesquisas Terapêuticas com os Embriões Excedentários .................................................................................................124

5.2.1 O Uso de Células-tronco Embrionárias no Direito Estrangeiro.......................129

5.3 A Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3510...........................................131

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5.4 Uma Análise Crítica da Decisão do Supremo Tribunal Federal ..................133

5.4.1 Votos que decidiram pela improcedência total da ação .................................134

5.4.2 Votos que decidiram pela constitucionalidade com reservas do artigo 5º da

Lei de Biossegurança Nacional......................................................................139

CONCLUSÃO .........................................................................................................147

REFERÊNCIAS.......................................................................................................152

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INTRODUÇÃO

O tema a ser debatido na presente dissertação encontra-se enraizado na

sociedade moderna, sendo objeto de uma das mais abrangentes e relevantes

discussões já travadas quanto à relação entre as inovações científicas, com os

benefícios e os perigos que delas podem resultar, e as limitações à essa atividade, a

serem impostas pela ética e pelo Direito.

Os avanços da ciência trouxeram importantes implicações para a

comunidade, sendo que foi exatamente do debate dessas consequências que

surgiram os ramos da bioética e, posteriormente, em face da necessidade de se

impor uma coercitividade legislativa a esses regramentos, do biodireito.

Os interesses e anseios da sociedade encontram-se justamente inseridos

nessa contenda, pois, ao mesmo tempo, todos objetivam a concretização das

melhoras e temem as aberrações que podem vir a decorrer dessas atividades, se

não for imposto um regramento correto e eficiente.

[...] a sociedade vem se deparando com inúmeros dilemas de cunho ético, grande parte deles oriundos do desenvolvimento tecnológico na área biomédica. As situações problemáticas, na realidade, são detectadas pela crescente tomada de consciência da necessidade de serem estabelecidos limites ao uso dessa tecnologia a fim de garantir a integridade da pessoa e do ambiente com todos os seus componentes. (CLOTET; FEIJÓ, 2005, p. 9).

Com os avanços da biotecnologia e da biomedicina, a liberdade de

investigação científica, principalmente quando realizadas tendo como objeto o

próprio ser humano, passou a ser submetida a diversos preceitos éticos e jurídicos,

visando, com isso, a obtenção de um equilíbrio, no qual a sociedade possa se

beneficiar de todas as possibilidades terapêuticas que podem decorrer dessa nova

realidade.

A pesquisa e a tecnologia na área das ciências da vida e da saúde do homem buscam, desde sua origem, alívio para o sofrimento humano, Grandes avanços nesse sentido tem sido obtidos em uma escala inigualável desde o último século. Dilemas morais quanto ao emprego de alguns procedimentos tem surgido quase na mesma proporção. (MATTE, 2005, p. 247).

Nesse contexto, de busca de legislação adequada, capaz de incentivar as

pesquisas e, ao mesmo tempo, impedir os possíveis abusos, é que, em razão das

promessas em relação ao emprego terapêutico das células-tronco embrionárias,

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surgiu a discussão se poderiam embriões humanos serem utilizados como objeto de

pesquisa, principalmente aqueles mantidos congelados em clínicas de reprodução

assistida que não foram, e provavelmente nunca serão, utilizados para fins

reprodutivos.

Assim, passou-se a promover uma busca sobre a definição da real natureza

dos embriões excedentes da técnica de reprodução assistida de fertilização in vitro,

sendo esta determinação indispensável para que se possa ter condições de

estabelecer o destino dos milhares de embriões criopreservados mundo afora. Isso

porque “[...] há uma lacuna quanto ao conceito de embrião humano.” (CASSETTARI,

2006, p. 228).

A busca por soluções compatíveis capazes de solucionar os problemas, cada

vez maiores, relacionados com a procriação dos seres humanos levou ao

desenvolvimento de diversas técnicas de reprodução assistida, que se incorporaram

ao cotidiano das pessoas.

Uma das técnicas de reprodução assistida é a fertilização in vitro, seguida de

transferência de embriões (FIVETE), pela qual há uma fecundação in vitro, ou seja,

em uma cultura fora do corpo da mulher. Nesta, são produzidos diversos embriões

que serão posteriormente introduzidos no útero da mulher. Durante essa técnica

são, em regra, produzidos vários embriões, para que, em caso de falha, possa-se

tentar novamente.

A discussão surge exatamente quando ocorre o sucesso e os pais não

desejam ter mais filhos ou quando desistem de tentar, restando ainda um número de

embriões inutilizados, sendo estes os chamados embriões excedentários.

O que fazer com esses embriões sempre foi uma discussão acalorada,

principalmente em face das implicações da adoção de qualquer das posições

existentes. Contudo, ela ganhou contornos mais relevantes após o aprofundamento

nas pesquisas acerca das possibilidades de utilização de células-tronco

embrionárias no tratamento de diversas doenças com grande impacto na sociedade,

como a doença de Parkinson, doenças cardíacas, doença de Alzheimer, paralisia,

acidentes vasculares cerebrais e a diabetes.

As células-tronco embrionárias possuem a extraordinária capacidade de se

auto-replicarem indefinidamente mantendo as suas características, ou seja, sem se

diferenciar em qualquer outro tipo de célula, e, também, de, quando estimulada, de

se diferenciar em qualquer uma dos tipos celulares que compõem a estrutura do

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corpo humano, o que representa incomensuráveis possibilidades na implementação

de terapias gênicas, visando a substituição de células defeituosas por sadias, e

inclusive de desenvolvimento de tecidos e até mesmo órgãos inteiros para

transplante.

Essas células podem ser obtidas através dos embriões excedentes, de

embriões criados especialmente para esta finalidade e através da chamada

clonagem terapêutica, sendo que as duas últimas possibilidades não proibidas pela

normatização brasileira. Com isso, os embriões excedentários representam a única

fonte desse elemento que, no futuro, pode representar a cura de diversas

enfermidades que assolam a humanidade.

Apesar de novas técnicas em desenvolvimento que possibilitam a retirada de

células-tronco embrionárias sem a destruição do embrião ou que promovem uma

reprogramação de células adultas para que elas retornem ao estágio de

embrionárias, as pesquisas com células-tronco embrionárias devem prosseguir e se

aprofundar, pois essas experimentações não se excluem, mas se completam. E,

nesse sentido não se sabe ao certo ainda quais os benefícios que cada uma delas

pode trazer, devendo todos essas investigações, que tem por finalidade última

melhor a qualidade de vida das pessoas, serem incentivadas.

Frente à essa realidade, diversas posições normativas foram discutidas e

adotadas pelas legislações estrangeiras. No Brasil, o posicionamento encontra-se

previsto na Lei de Biossegurança Nacional, a Lei 11.105, de março de 2005, que

prevê a possibilidade de utilização dos embriões excedentários na pesquisa

científica, quando respeitados alguns requisitos, que são: o congelamento por no

mínimo três anos antes da vigência da lei ou, seja já congelados quando dessa

vigência, que permaneçam congelados por no mínimo três anos; a aquiescência dos

genitores; e a aprovação de um comitê de ética.

Porém, tal posição, apesar de ter sido amplamente discutida no Congresso

Nacional, antes da aprovação da referida Lei, ainda encontrou certa resistência por

parte de uma parcela da sociedade brasileira, que, amparada em dogmas religiosos,

especialmente ligados ao cristianismo, considera, em sua maioria, os embriões

excedentes a expressão de uma pessoa humana, sendo, por isso, dotado de todos

os direitos fundamentais, como o direito basilar à vida e o da dignidade da pessoa

humana, entre outros.

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Tal entendimento resultou no ajuizamento de uma Ação Direta de

Inconstitucionalidade, cuja finalidade era a de expurgar do ordenamento jurídico

brasileiro a norma responsável pela permissão da pesquisa com os embriões

inviáveis e excedentes, da técnica da fertilização in vitro, sendo esta o artigo 5º da

Lei de Biossegurança.

A ação foi recentemente julgada improcedente, confirmando os ministros do

Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, a constitucionalidade do referido

artigo, exatamente nos moldes em que foi editado.

Entretanto, essa situação tornou aparente a necessidade de um

aprofundamento acerca dos conceitos e pensamentos relacionados ao tema, tais

como a definição da influência religiosa, o estabelecimento de um termo inicial para

a vida humana e, consequentemente, a natureza dos embriões não utilizados na

reprodução assistida, para que, deste modo, se possa chegar a um equilíbrio, no

qual nem a sociedade nem as pesquisas cientificas saiam prejudicadas, mesmo

porque as últimas são de extrema importância para o desenvolvimento da primeira.

Mostra-se relevante destacar ainda a importância da observância e do

respeito constante aos Direito Fundamentais, indispensáveis para o

desenvolvimento das experimentações científicas e, principalmente, para a

consolidação de uma vida humana digna, sendo que esta última é o seu objetivo

primordial e a razão do seu existir.

É justamente no sentido da busca de uma solidificação dos Direitos

Fundamentais da Vida Humana e da Dignidade da Pessoa Humana que as

investigações e terapias com células-tronco embrionárias se colocam, pois esses

princípios devem ser observados, nesse caso concreto, em relação aos benefícios a

serem alcançados em favor da sociedade, composta de pessoas efetivamente vivas,

e não em relação a um conjunto de células que tiveram o seu desenvolvimento

paralisado por defeitos próprios ou pelo congelamento e que, apesar de possuírem

as mesmas características genéticas dos seres humanos, nunca se transformarão

efetivamente em pessoas vivas.

Deste modo, a sociedade e, principalmente, a comunidade jurídica, não

podem furtar-se do aprofundamento no estudo referente a presente matéria. Tal

atitude poderia resultar em relevantes prejuízos e retrocessos, causando, assim, um

desequilíbrio no tênue relacionamento existente entre a ciência, a ética e o Direito.

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Faz-se necessário também se promover uma análise pormenorizada da

importantíssima decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em relação à Ação

Direita de Inconstitucionalidade em face do artigo 5º da Lei de Biossegurança

Nacional.

Dispositivo este que representou uma enorme evolução para o futuro das

pesquisas científicas no Brasil, fazendo com que o país possa sonhar em se colocar

entre os pioneiros dessa revolução a ser implantada na saúde humana. Essa atitude

inclusive já trouxe resultados, tendo em vista que recentemente foi noticiado o

desenvolvimento da primeira linhagem de células-tronco embrionárias produzida no

país.

Metodologicamente, a presente dissertação se embasa na utilização dos

métodos indutivo e dedutivo. O primeiro, pelo qual se chega a uma proposição geral

através de uma averiguação de conhecimentos particulares, foi utilizado

especialmente no levantamento bibliográfico realizado. E o segundo método, no qual

a conclusão alcançada tem por fundamento regras já previamente estabelecidas,

como é o caso dos princípios constitucionais que incidem na verificação da realidade

discutida no a partir do quarto capítulo, foi utilizado na análise crítica da decisão

proferida pelo Supremo Tribunal Federal em face da Ação Direta de

Inconstitucionalidade proposta contra o artigo permissivo das pesquisas com

embriões excedentários.

Contudo, em virtude da incontestável relevância dos pontos a serem

delineados, passa-se a uma análise detalhada de todas as suas características e

consequências.

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CAPÍTULO 1 AS IMPLICAÇÕES DA APLICAÇÃO DO PRECEITO ÉTICO E

JURÍDICO NO ÂMBITO DAS BIOCIÊNCIAS

O homem é, na sua essência, um ser social, sendo que a sua existência

somente se realiza quando ele se encontra em convívio com outros seres humanos.

Todas as suas ações afetam esse complexo sistema composto por diversas

pessoas, o que torna estritamente necessário a presença de preceitos capazes de

influenciar na distinção entre o certo e o errado em toda e qualquer conduta

humana, principalmente naquelas que trazem indiscutíveis conseqüências para a

sociedade como um todo, como é o caso das pesquisas científicas.

Esses preceitos indispensáveis ao convívio em sociedade se apresentam

através da interpretação e da aplicação dos valores defendidos pela ética.

É exatamente nesse sentido que o médico Miguel Kottow (2005, p. 24) afirma

que “La ética es una reflexión cuyo sustrato de análisis son los actos humanos.”

E, a coloca como sendo uma condição necessária para viver no mundo, tendo

em vista que somente através desse intercâmbio de valores se atingirá a solução

dos desafios da sociedade:

La ética es un fundamento transcedental de la vida humana, una condición necesaria para estar-en-el-mundo. Intereses y necesidades individuales determinan acción y comunicación, requiriendo la interacción con los demás frente a los problemas que el vivir plantea, y esta comunicación precisa del intercambio significativo de valores, la intención de consensuar soluciones a estos desafíos y de cooperar en su solución. (KOTTOW, 2005, p. 21).

1.1 A ética como Instrumento para a Criação de um Modelo de Conduta

A ética deve ser compreendida como a investigação sobre aquilo que é bom,

podendo ser expressa por um conjunto de regras, princípios ou maneiras de pensar

e de se comportar que orientam as ações humanas. “O objetivo da ética é a procura

do Bem e o afastamento do Mal.” (MATTAR, 2003, p. 133).

Com isso, a efetiva aplicação dos conceitos éticos resulta em uma análise

detalhada acerca das condições necessárias para que um ato humano possa ser

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avaliado como bom ou mau, justo ou injusto, moral ou imoral, sendo que tais

parâmetros são de extrema importância, pois antecedem e acompanham a prática

deste ato, além de definirem a maneira como ele será encarado e avaliada pela

sociedade.

Javier Sábada (2004, p. 51-52), utilizando-se dessa mesma concepção de ética,

afirma que “[...] esa ética estabelece relaciones internas entre todos los individuos. Y

estabelecer relaciones internas quiere decir que es necesario poseer una conciencia

moral para avergonzarse cuando uno obra mal o indignarse cuando otros obran mal.”

Assim, a ética pode ser conceituada como a análise dos juízos de valor que

se referem e interferem na conduta humana, qualificando esta conduta sob o ponto

de vista do bem e do mal.

Ela tem fundamento nos ideários de bem e de virtude, sendo estes os valores

a serem perseguidos por todo ser humano em todas as suas ações, inclusive e

especialmente naquelas relacionadas com o desenvolvimento das biociências, ante

a sua expressiva interferência no modo de vida das pessoas.

Os pressupostos imprescindíveis para que um ato humano possa ser

introduzido no âmbito da moral ou da ética e, com isso, analisado como bom ou

mau, justo ou injusto, são explicitados pelos autores Regina Sauwen e Severo

Hryniewicz, sendo eles as chamadas condições transcendentais do ato moral

(SAUWEN, HRYNIEWICZ, 1997, p. 4-5).

Essas condições são: Liberdade, pois o conjunto de virtudes que norteiam a

sua atuação somente pode ser expressado se o homem for livre para pensar e agir;

Conhecimento e Consciência, em face do fato de que na ausência de conhecimento

(incorporação à memória de algo) e consciência (compreender o seu mundo interior) o

ato praticado pelo ser humano não é efetivamente livre; e Normas, tendo em vista que

a inexistência de regras para reger o comportamento humano é contrária à moral, por

não considerar os seus preceitos (SAUWEN, HRYNIEWICZ, 1997, p. 4-5).

Assim como a ética, a religião também estabelece um padrão de conduta

humana que, apesar de não ser dotado de coercitividade estatal e jurídica, está

inegavelmente inserido no seio da sociedade.

Desta forma, é indubitável que os preceitos defendidos pela doutrina religiosa

predominante em determinado âmbito espacial terão uma grande influência na

produção legislativa e no comportamento daqueles inseridos neste ambiente.

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Nesse contexto, levando-se em consideração a realidade brasileira, os

conceitos expressados pelo cristianismo passam a influenciar o panorama da

sociedade, mesmo porque são pessoas participantes dessa coletividade, e dotadas

de dogmas ético-religiosos, as responsáveis pela produção das normas a serem

observadas e pelas decisões tomadas com base nestas regras.

Assim, apesar do Estado ser um ente laico, os conceitos religiosos

assumem certa relevância nas discussões importantes para a sociedade, o que,

entretanto, não impede que esses dogmas sejam afastados quando a posição por

eles defendida for contrária ao desenvolvimento almejado e, com isso, impedir a

concretização de direitos fundamentais do homem, como no caso da liberação das

pesquisas com células-tronco embrionárias oriundas de embriões excedentários.

1.2 A Diferenciação entre Ética e Moral

Há uma grande discussão acerca da convergência ou da separação das

palavras ética e moral. Na maioria das situações elas podem ser utilizadas como

sinônimos. Mas, mostra-se relevante promover tal diferenciação.

Nesse contexto, tem-se as palavras de Miguel Kottow (2005, p. 21-22):

Gustan algunos puristas semánticos de hacer un distingo entre moral y ética, [...]. La etimología no da mucho espacio para estas diferenciaciones, pues ética, proviene del griego ethos y moral del latín mores, ambos términos refiriéndose en su connotación principal a costumbres. [...]. Hay, no obstante, una diferencia importante que aparece cada vez que se presentan aseveraciones morales como si fuesesn argumentos éticos. La ética es una reflexión aprobatoria o reprobatoria sobre acciones humans. [...]. La moral, en cambio, es un conjunto de valores encarnados en una comunidad desde donde define modos correctos de convivencia de acuerdo a normas implícitas. La moral es más fiel a su origem de reflejar las costumbres, lo habitual y lo tolerado aunque no sea correcto, [...].

Com isso, a ética busca a valoração do comportamento humano sob o ponto de

vista do bem ou do mal, visando, assim, indicar os pressupostos necessários para

moralizar tal conduta. Enquanto que a moral busca designar o próprio agir humano,

tendo em vista a análise dos costumes de determinada sociedade ou pessoa.

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Ou seja:

A moral refere-se aos costumes, aos princípios, normas e códigos que tentam regulamentar o agir das pessoas sob o ponto de vista do que é bom ou mau como uma maneira de garantir seu viver-bem. A moral procura responder à pergunta: O que eu devo fazer? Em contrapartida o termo ética, muitas vezes usado em lugar da palavra moral, seria aqui considerado a ciência ou a filosofia da moral. A ética procura justificar racionalmente os princípios que regulam o agir humano estudando o que é bom, mau, justo ou injusto. Ela tenta responder à pergunta: Por que devemos agir dessa maneira? (CLOTET; FEIJÓ, 2005, p. 15, grifo do autor).

Assim, a distinção entre ética e moral encontra-se no fato da primeira se

apresentar como “[...] um conjunto de princípios, normas e regras que orientam o

comportamento humano; e seriam morais os comportamentos e ações em

consonância com estes códigos ditados pela ética.” (MATTAR, 2003, p. 133).

“A palavra ética esta ligada a valores (bem, mal, felicidade, justiça,

honestidade, etc...) e a moral, a comportamentos (bondoso, justo, verdadeiro,

honesto, mau, etc...)”. (MATTAR, 2003, p. 134).

Deste modo, tanto a ética como a moral são elementos indissolúveis e

indispensáveis na produção e na consolidação da realidade social, devendo elas

comporem um elemento inerente a todo tipo de atuação humana.

1.3 A Busca de uma Efetiva Aplicação da Ética como Instrumento de Controle

nas Experimentações Científicas

Na atualidade, a preocupação com a concretização de uma sociedade mais

igualitária e justa fez com que o campo de atuação da ética ultrapassasse os limites de

uma análise filosófica, passando-se para a busca de uma aplicação prática. Com isso,

os mais diversos ramos do conhecimento começaram a se preocupar com observância

dos seus preceitos, entre eles a economia, a sociologia, o Direito e a biologia.

Assim, a ética, apesar de ter origem em modelos de conduta abstratos,

passou a ser incorporada por estes diversos ramos do conhecimento, sendo que

dessa interação surgem inúmeras normas, que deixam de ser simplesmente

preceitos subjetivos para se tornarem obrigações de comportamento que podem ser

coercivamente exigidas.

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Tal realidade, no entanto, não exclui a sua origem ética, mas apenas visa dar

uma maior proteção às relações interpessoais, tendo em vista a cada vez mais

expressiva insegurança existente e à incerteza de que as pessoas agirão da forma

mais correta e em observância ao que é melhor para a coletividade como um todo.

É justamente nessa conjuntura que a ética assume um papel de grande

destaque nas relações referentes à biotecnologia, devendo ser amplamente observada

e efetivada nesse ambiente, pois as pesquisas nesta área podem ser implementadas

visando o desenvolvimento ou até mesmo a deturpação dos elementos constitutivos da

sociedade. Além da evolução constante e ininterrupta ao qual estão submetidas,

interferindo e atuando cada dia mais no dia-a-dia das pessoas.

Nesse contexto, cabe ressaltar as palavras do médico Miguel Kottow (2005, p. 62):

[...], es preciso reconocer la importancia de la expansión tecnocientífica en generar nuevos dilemas morales que requieren decisión. La expansión científica y técnica ha alarmado a las ciudadanías y dado urgencia al análisis de los valores que subyacen a las nuevas posibilidades de interferir en los procesos naturales.

Contudo, “[...] el mayor desafio de la medicina y la biologia contemporáneas

resida no tanto en la innovación tecnológica de sus procedimentos sino en la

formación moral de sus gestores.” (GARCÍA, 2006, p. 7).

É justamente em virtude dessa aspiração de se implementar valores éticos e

morais capazes de promover um controle, mesmo que restrito, no âmbito da atuação

biotecnológica

1.4 Bioética

A bioética, desta forma, é a busca pela aplicação do preceito ético nos

campos relacionados com as biociências.

La bioética toma por tarea la reflexión moral acerca de actividades biomédicas, siendo corolario evidente que privilegiará la conservación sobre la destrucción, el bienestar antes que la deprivación, la realización en plenitud antes que la restricción, la liberdad por sobre la imposición, el apoyo al necesitado más que la pleitesía al poder. (KOTTOW, 2005, p. 107-108).

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José Juan García (2006, p. 8-9) coloca que “[...] a la voz ‘bioética’ se agrupan

las investigaciones referidas al nacer, al vivir, y en general todo lo relacionado con la

vida humana desde una perspectiva moral.”

Assim, o seu estudo e a sua ampla e efetiva aplicação mostram-se de

extrema importância para toda a população, pois é somente quando se atingir uma

conclusão acerca do que é bom ou mal, ou do que é certo ou errado, que será

possível pregar pela efetiva utilização dos mecanismos alcançados pela

biotecnologia no cotidiano das pessoas.

Diante de tal relevância, é imperativo que a coletividade se envolva com esta

reflexão valorativa sobre a ciência e a manutenção da vida, fazendo com que as

questões ligadas à evolução científica devam, necessariamente, ser objeto de uma

ampla discussão bioética antes de serem realmente efetivadas.

Esta imprescindibilidade apresenta-se em face da necessidade da formação

de consciência por parte da sociedade, para que esta não seja apenas um

espectador leigo e pacífico dos avanços da ciência. Avanços estes que podem afetar

as suas vidas de forma maléfica ou benéfica, devendo esta última ser a forma de

atuação perseguida por todos os seus membros e em todos os momentos.

Nesse contexto, a bioética se apresenta como o instrumento responsável pelo

“[...] estabelecimento de marcos que possam sinalizar a caminhada da ciência sem

que a essência do humano seja perdida, pelo uso inconsequente da técnica, ou pela

inércia preconceituosa e aprisionadora.” (MINAHIM, 2003, p. 105).

1.4.1 Evolução Histórica e Conceito da Bioética

A doutrina traz como marco inicial da preocupação com a implementação da

ética na prática das biociências o Código de Nüremberg de 1947, que surgiu no fim

da II Guerra Mundial em razão do julgamento de criminosos de guerra nazistas pelo

Tribunal Militar Internacional, incluindo entre eles médicos que haviam realizado

atrocidades nos prisioneiros dos campos de concentração.

Foi justamente das decisões destes julgamentos que resultou o que hoje é

chamado de Código de Nuremberg, sendo este uma declaração composta por dez

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pontos que resumem aquilo que seria permitido na prática de experimentos médicos

em humanos.

Entre os diversos princípios básicos para implementação da ética nas pesquisas,

estabelecidos pelo código, estão: a necessidade do consentimento informado do sujeito

da experimentação; a sua capacidade para consentir, a sua liberdade para desistir a

qualquer momento; a compreensão dos riscos e benefícios envolvidos; e que os

pesquisadores sejam qualificados e utilizem os meios apropriados.

Nesse sentido:

Los aspectos éticos de experimentación emergieron explosivamente con los ensayos en humanos efectuados a gran escala por el regímen nacionalsocialista de Alemania entre 1933 y 1945, que tenían características de profunda inmoralidad y franca criminalidad (...). Tales prácticas motivaran en 1947 la promulgación del Código de Nüremberg que exige: participación voluntaria y revocable del sujeito, justificados motivos y datos sólidos de que el experimento puede ser benéfico y que no será dañino, relevancia del estudio planeado, calificación científica de los investigadores y evaluación técnica del protocolo experimental, suspensión de un proceso experimental que deja de cumplir con estas condiciones. (KOTTOW, 2005, p. 149-50).

Entretanto, o termo “Bioética” foi utilizado pela primeira vez somente em 1971

pelo oncologista e biólogo norte-americano Van Rensselder Potter, da Universidade de

Wisconsin, em sua obra: “Bioética: a ponte para o futuro”. Nesse momento inicial ela

apresenta-se como um compromisso com o equilíbrio e a preservação da relação dos

seres humanos com o ecossistema e a própria vida do planeta (DINIZ, 2001, p. 10).

Miguel Kottow (2005, p. 61) também demonstra que “[...] el término bioética,

de cuño reciente, es introducido por el oncólogo experimental norteamericano V. R.

Potter, para proponer una disciplina que enlace la biología con las humanidades en

una ‘ciencia de la sobrevivencia’.”

Atrelado a um movimento de evolução conceitual e de reconhecimento da

importância da matéria, André Hellegers, fundador na Universidade de Georgetown

do Joseph and Rose Kennedy Institude for the Study of Human Reproduction and

Bioethics, passou a avaliar a bioética como sendo a ética das ciências da vida.

Em 1978, a Encyclopedia of Bioethics definiu Bioética como “[...] o estudo

sistemático da conduta humana no campo das ciências da vida e saúde, enquanto

examinada à luz dos valores e princípios morais.” E, em sua segunda edição, de

1995, retirou a parte dos valores e princípios morais e passou a considerá-la como

“[...] o estudo sistemático das dimensões morais da ciência da vida e do cuidado da

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saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto

multidisciplinar.” (apud DINIZ, 2001, p. 10).

Já Sádaba (2004, p. 35) define Bioética “[...] como el estudio disciplinar de los

problemas derivados de los avances biológicos con especial atención a su

dimensión moral.”

Assim, “[...] la bioética implica una reflexión moral sobre las ciencias de la

vida.” (SÁDABA, 2004, p. 47) e, em uma visão ampla, pode ser considerada como a

ética da biomedicina e da biotecnologia, visando a implementação de modelos de

conduta a serem adotados frete às evoluções na ciência da saúde, à degradação do

meio ambiente e à busca pelo equilíbrio ecológico, que invariavelmente resultarão

em reflexos sobre a qualidade de vida do ser humano.

Utilizando-se das mesmas palavras Miguel Kottow (2005, p. 65) conceitua

Bioética, discorrrendo que “En su acepción más amplia la bioética se refiere a la

ética de la vida, con lo cual se convertiría en una redundancia porque lo ético

necesariamente se refiere a agentes morales, es decir, a seres vivos.”

E, continua alegando que “La bioética reflexiona, entounces, sobre los actos

humanos realizados en liberdad y con responsabilidad, que alteran radicalmente

radicalmente los procesos irreversibles de lo vivo.” (KOTTOW, 2005, p. 66).

Através de sua aplicação efetiva torna-se possível a exigência de uma

administração responsável das biociências, na busca pela preservação da vida

humana, sendo esta a razão e o fim da ciência. Além da reivindicação por uma

obediência máxima do valor supremo do ser humano, respeitando-se a sua

liberdade, dignidade e vida.

Ela se desenvolveu em razão da necessidade de um controle efetivo sobre as

crescentes inovações biotecnológicas, sendo o homem, ao mesmo tempo, objeto e

sujeito de tal matéria que “[...] é bio, mas que acima de tudo é ética” (HIRONAKA,

2006, p. 28).

Assim.

La bioética no puede aceptar la indiferencia frente a sus problemas, precisamente porque se ocupa de actos trancedentes que interesan y comprometen a todo ser vivo. Todos los miembros de la humanidad son afectados por dilemas ecológicos, todo ser humano nace, se enferma y eventualmente muere, no pudiendo marginarse a la reflexión bioética. (KOTTOW, 2005, p. 68).

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Contudo, a Bioética pode ser conceituada como o estudo dos problemas e

implicações morais despertados pelas pesquisas científicas em biologia e medicina, ou

seja, a ética aplicada nas atividades que interferem na vida (CUNHA, 2003, p. 34).

1.4.2 Princípios e Abrangência da Bioética

Os princípios da bioética são fundamentações básicas que tem por finalidade

auxiliar na resolução dos conflitos decorrentes das discussões relacionadas ao

desenvolvimento das biotecnologias.

“Os principios no pasan de ser fundamentaciones cuya validez termina con

su utilidad, aceptándolos para dirimir conflictos bioéticos.” (KOTTOW, 2005, p. 90).

Cabe destacar que “Los principios son elementos útiles en tanto no se

pretenda que agotan la reflexión bioética.” (KOTTOW, 2005, p. 102).

Quanto aos princípios básicos da Bioética, é importante demonstrar que “[...]

los cuatro princípios emanaron del informe Belmont (1978).” (KOTTOW, 2005, p. 90).

Nesse contexto:

O estabelecimento dos [...] princípios da bioética decorreu da criação pelo Congresso dos Estados Unidos de uma Comissão Nacional encarregada de identificar os princípios éticos básicos que deveriam guiar as investigação em seres humanos pelas ciências do comportamento e pela biomedicina. [...]. Iniciados os trabalhos em 1974, quatro anos após publicou a referida Comissão o chamado Informe Belmont, contendo três princípios: a) o da autonomia ou do respeito às pessoas por suas opiniões e escolhas, segundo valores e crenças pessoais; b) o da beneficência que se traduz na obrigação de não causar dano e de extremar os benefícios e minimizar os riscos; c) o da justiça ou imparcialidade na distribuição dos riscos e dos benefícios, não podendo uma pessoa ser tratada de maneira distinta de outra, salvo haja entre ambas alguma diferença relevante. A esses três princípios Tom L. Beauchamp e James F. Childress acrescentaram outro, em obra publicada em 1979: o princípio da ‘não-maleficência’, segundo o qual não se deve causar mal a outro e se diferencia assim do principio da beneficência que envolve ações de tipo positivo: prevenir ou eliminar o dano e promover o bem, mas se trata de um bem de um contínuo, de modo que não há uma separação significante entre um e outro principio. (BARBOZA, 2003, p. 55, grifo do autor).

Esses quatro princípios básicos visam enaltecer a pessoa humana e são:

princípio da autonomia, que prega a capacidade de atuar com conhecimento de

causa e sem qualquer coação ou influência externa, e requer que o profissional da

saúde respeite a vontade do paciente, ou de seu representante, levando em conta

seus valores morais e crenças; princípio da beneficência, que leva em conta o

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juramento de Hipócrates, pelo qual o profissional da saúde só pode usar o

tratamento visando o bem da pessoa e nunca o mal, resultando nas regras de não

causar dano e maximizar os benefícios; princípio da não-maleficência, que

apresenta-se como um desdobramento do princípio da beneficência, pois afirma a

obrigação de não ocasionar qualquer dano intencional; e princípio da justiça, que

trata da imparcialidade na distribuição de riscos e benefícios (DINIZ, 2001, p. 15-17).

Assim, o principio da autonomia se “[...] refiere el respeto que siempre ha de

guardarse por los derechos fundamentales del hombre, incluso aquel de la

mautodeterminación” (GARCÍA, 2006, p. 31), “[...] autorizando que todo ser humano

mentalmente competente puede tomar libremente decisiones aunque atenten contra

sus propios intereses.” (KOTTOW, 2005, p. 92).

Com isso:

Todo lo que se dice sobre autonomía en bioética se rifiere en sentido estricto a la capacidad de decidir en cosa propia, es decir, el principio debe entenderse como una decisión autóloga (coherente con la propia ley o esquema de intereses). [...]. Las deciones autónomas son coherentes con las normas que la persona ha decidido adoptar y que son parte del orden social reconocido. (KOTTOW, 2005, p. 93). Este principio guarda una inmediata relación con la cuestión del consentimiento informado de la persona actual o potencialmente enferma. Dicho consentimiento es requerido, sea para legitimar la experimentación terapéutica, sea para determinar la licitud de operaciones quirúrgicas [...]. (GARCÍA, 2006, p. 30, grifo do autor).

O princípio da beneficência estabelece que deve-se “[...] hacer todo el bien al

paciente.” (GARCÍA, 2006, p. 29).

Para Miguel Kottow (2005, p. 91):

Todo acto tiene por razón de ser la obtención de un beneficio; sin desconocer que el agente que otroga el servicio también ha de beneficiar [...]. La distorsión del princio de beneficencia ocurre cuando el agente abtiene mayor provecho que el paciente. [...]. Es en ese entendimento de beneficencia que se acepta el derecho del paciente a eventualmente negarse a una terapia médicamente recomendable.

Ele “Incluye su expresión minimalista: la no maleficiencia [...], porque no

comporta sólo el abstenerse de cometer cualquier daño, sino que conlleva la ideia

fuerte, el imperativo, de hacer positivamente el bien e incluso prevenir el mal.”

(GARCÍA, 2006, p. 29).

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Deste modo, o princípio da não-malefiência “[...] reconoce la invasividad y el

potencial lesivo de las práticas biomédicas, que requiere una ponderación

esclarecida de beneficios/efectos indeseados.” (KOTTOW, 2005, p. 102).

Em relação a este princípio, Miguel Kottow (2005, p. 91) alega que:

Posiblemente haya que entendeer este postulado como un llamado a la prudencia ya al reconocimienteo de la falibilidad de nuestros actos, que obligan a considerar los daños como parte irremedialble de toda propuesta terapéutica. Aunque un acto no beneficie, puede ser éticamente positivo en la medida que evite daños. La prudencia es una cualidad que evita accidentes y errores, con lo cual adquiere la virtud ética de se no maleficente.

E, no princípio de justiça tem-se que:

En el acto médico hay un tercer actor, la sociedad, en la que el médico y el paciente se insertan. En ella, todos los sujetos merecen el mismo respeto y tienen derecho a reivindicar su derecho a la vida, a la salud y a la equidad en la distributión de los recursos sanitarios. El principio de justicia refiere entonces a la obligación de igualdad en los tratamientos y, en lo que respecta al Estado, a la equitativa distribución de recursos para la sanidad, los hospitales, la investigación, etc. (GARCÍA, 2006, p. 31).

Ou seja:

La justicia describe preferencialmente las relaciones entre grupos sociales, enfatizando la equidad en la repartición de recursos y bienes cansiderados comunes, y propendiendo a igualar las oportunidades de acceder a estos bienes. La justicia ocupa un papel más protagónico en el análisis de materias bioéticas no médicas, como políticas ecológicas, destinación de recursos, programas de investigación que potencialmente alteran los biosistemas y otros. (KOTTOW, 2005, p. 95).

Cabe ainda destacar que grande parte dos autores que aprofundam o tema

prega pela necessidade da observância da doutrina do chamado doble efecto,

quando da atuação bioética.

Nesse sentido, José Juan García (2006, p. 32) afirma que:

Es lícita una acción buena, o al menos indiferente, de la cual se siguen diversos efectos, y con tal que se busque en la intención sólo el efecto bueno y no exista una reación de causalidad del efecto malo sobre el bueno. Debe darse una proporción entre le efecto bueno y el malo, tal de justificar el mal producido.

E Kottow (2005, p. 82) que “La doctrina del doblo efecto ha sido reeditada

para tratar dos situaciones bioéticas. “ Nesse contexto, ela “[...] intenta justificar

actos que producen un bien indispensable que no puede ser alcanzado sin aceptar

los daños que en sí son impermisibles.” (KOTTOW, 2005, p. 81).

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O mesmo autor conclui afirmando que “La doctrina del doble efecto tolera

provocar un mal si ello es necesario pra alcanzar un bien mayor.” (KOTTOW, 2005,

p. 87).

Quanto ao campo em que os seus preceitos devem atuar, Kottow destaca

que ao se definir biético como uma “[...] reflexión sobre actos que real o

potencialmente afectan irreversiblemente a los seres vivos requiere ser hecha

operativa y aplicada en aquellas práticas sociales en que estos actos acurren.”

(KOTTOW, 2005, p. 107).

Deste modo, a sua abrangência é extremamente vasta, incluindo, entre

outras, todas as questões relacionadas à manipulação genética em animais,

vegetais e seres humanos, aborto, eutanásia, eugenia, genoma humano,

transplantes de órgãos, recombinação de genes, criação e patenteamento de seres

vivos, ocorrências iatrogênicas, cirurgias intra-uterinas, diagnósticos de doenças

incuráveis, reprodução assistida em todos os seus aspectos e natureza jurídica do

embrião.

Assim, “[...] la bioética incursiona en otras disciplinas y, más transcendente

aún, intenta proyectar su reflexión hacia diversos campos sociales, en fidelidad

con su vocación de ser una ética aplicada.” (KOTTOW, 2005, p. 65).

Com isso, diante dessa necessidade de se empregar elementos oriundos

dos mais diversos ramos do conhecimento na busca de uma efetiva

implementação, ela assume uma proeminente característica de

multidisciplinaridade, ou transdisciplinaridade.

Este flujo de interacción con otras disciplinas se caracteriza por el término transdiciplinariedad, atributo que define corectamente el carácter disciplinar de la bioética, además de su permeabilidad para interactuar con otros ámbitos sociales y del saber. (KOTTOW, 2005, p. 65).

Nesse contexto, tem-se que “[...] la bioética es practicada por miembros de

diversas profesiones, lo cual la hace multidisciplinaria sin que ese término denote

más que la conjunción de una variedad de puntos de vista.” (KOTTOW, 2005, p. 64).

Um dos ramos do conhecimento mais importantes para o desenvolvimento e,

principalmente, para a concretização dos preceitos pregados pela bioética é

justamente o Direito, tendo em vista que somente através da sua atuação essas

cláusulas poderão ser efetivamente exigidas.

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1.4.3 Bioética e Direito

Todos os elementos da evolução biotecnológica “[...] atuam diretamente na

qualidade de vida do ser humano, ameaçando sua própria existência, exigindo eficaz

regulamentação jurídica.” (BARBOZA, 2003, p. 57).

Em decorrência dessa necessidade de se estabelecer uma regulamentação

das manipulações correlacionadas com as biotecnologias, apresenta-se como

imperioso que ela não seja relegada apenas aos princípios da Bioética, ás

resoluções de conselhos de classe e ao regramento ético pessoal pactuado pela

sociedade. Pois, essas normas de conduta, apesar de muito importantes, não

possuem a coercibilidade e a concretude características do Direito, indispensáveis

na busca de uma proteção efetiva no desenrolar destas atividades.

Edison Maluf, utilizando-se das palavras de María Fernandez, cita que “[...]

seria necessário que o Direito impedisse que o avanço da ciência ficasse

inteiramente nas mãos dos cientistas, unicamente limitados pela sua ética pessoal.”

(apud MALUF, 2002, p. 34).

Nesse mesmo sentido, Maria Auxiliadora Minahim (2003, p. 101, grifo do autor):

Nesta sociedade, os conceitos tradicionais de bem e mal, de justo e injusto, já não se apresentam com a segurança necessária para orientar a ação do homem. Há uma multiplicidade de situações que lhe são apresentadas pelo mundo contemporâneo e diante das quais o Bem é relativizado porque entre ele e a ação medeiam uma série de contingências.

“El hiato entre saber hacer y ponderar lo que se hace, crece y exige la

reflexión bioética para delimitar responsabilidades frente a tanto poder de ejecución.”

(KOTTOW, 2005, p. 62).

Assim,

Las responsabilidades del científico crecen a medida que se incrementa el saber y aumenta el podeío técnico. Ya ahora, en los comienzos de las preocupaciones éticas en estas materias, hay un desfase que muestra el lento despegue del discurso bioético en comparación con la aceleración instrumental de la humanidad civilizada. Por de pronto, la comunidad científica les reconoce a sus miembros una responsabilidad interna, expresada en el desarrollo de sus investigaciones en un clima de veracidad, lucidez, prudencia en el uso de recursos y lealtad en la competencia. (KOTTOW, 2005, p. 145).

A Bioética se preocupa com as implicações éticas decorrentes das

descobertas biotecnológicas com o intuito de estabelecer regras que possibilitem a

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melhor utilização dessa evolução científica. Porém, as regras por ela instituídas são,

na maioria das vezes, desprovidas de coerção, representando apenas conselhos

morais para a utilização eticamente correta das novas técnicas. É exatamente na

busca da implementação de normas com caráter coercitivo que entra o Direito.

Com isso, tem-se que:

[...] na maioria dos casos, a adequação dos comportamentos científicos à axiologia extracientífica se produz de forma espontânea, por meio de auto-restrições e controles autônomos, o que nem sempre é suficiente, devendo ser aclarados externamente de alguma maneira os modelos que vão ser adotados. [...], para tais casos não basta a invocação da consciência pessoal, que precisa de referencias coletivas. Para isso devem ficar estabelecidos os valores que a sociedade, em um momento histórico determinado, considera relevantes e merecedores portanto de proteção, o que superará além do jogo de convicções particulares, a determinação do permitido ou do obrigatório, transcendendo a sistema de proibições. (BARBOZA, 2003, p. 58-59).

Sendo que:

A difícil tarefa de estabelecer esses valores tem sido desempenhada pelo Direito [...]. Cabe ao Direito, por meio da lei, entendida como expressão da vontade da coletividade, definir a ordem social, na medida em que dispõe dos meios próprios e adequados para que essa ordem seja respeitada. (BARBOZA, 2003, p. 59).

Entretanto, é importante salientar que o Direito, ao regulamentar as condutas,

deve impor de forma sólida e eficiente as expectativas normativas,

“[...] não podendo se render a incertezas de qualquer natureza, sejam elas

resultantes da provisoriedade dos achados científicos, da fluidez da ética moderna

ou da necessidade de refletir expectativas de diferentes segmentos sociais.”

(MINAHIM, 2003, p. 102).

O Direito tem por finalidade regulamentar as condutas dos indivíduos na

sociedade através da imposição coercitiva pelo Estado de regras que visam

normatizar as condutas entre os indivíduos e entre os indivíduos e o Estado.

Deste modo:

Direito é o conjunto de normas e princípios que visam regular a vida do homem em sociedade, onde se procura, naturalmente, a ordem para chegar a fins de interesse comum. O homem pertence a ta sociedade na medida em que as regras comuns ao grupo regulam sua conduta. [...]. Dessas relações da ordem social, surgiram as relações jurídicas a que chamamos de obrigações. (BAÚ, 2005, p. 175-176).

Quanto às sanções que podem ser estabelecidas pelas normas morais e as

que podem ser implementadas pela norma jurídica, é importante destacar que:

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As normas morais estabelecem sanções de tipo individual interno, de consciência, como vergonha, remorso e, de tipo individual externo, relativa à opinião pública e à desconsideração social, mas não dão ao lesado o direito de exigir o seu cumprimento ou sua reparação. [...]. AS normas jurídicas são obrigatórias, estabelecem sanções sociais, em caso de descumprimento e, dão ao lesado o direito de exigir sua adimplência. (FERRARESI, 2007, p. 72)

Logicamente que quando as regras estabelecidas pelos preceitos defendidos

pela Bioética adentram regramentos de conselhos de um determinada profissão, por

exemplo, elas passam a ter força para estabelecer sanções administrativas.

Entretanto, essa força não se equipara à exigida na busca de um regramento capaz

de pacificar e implementar os anseios da sociedade como um todo, tanto no sentido

dos executores das ações como no sentido dos destinatários dessas atividades, o

que somente será alcançado com a inserção desses preceitos e valores no

ordenamento jurídico.

Numa sociedade ideal o simples comprometimento ético dos seus membros

seria o suficiente para estabelecer um padrão de conduta, fazendo com que a

aplicação do Direito possa ser reduzida a um número mínimo de situações, em que

esta se mostrar estritamente necessária. Contudo, esta não é a realidade da

humanidade atual. Pelo contrário, os patrões oriundos de fontes não coercitivas,

como a ética, apesar de exercerem certa influência em parcela da sociedade,

perdem cada vez mais sua autoridade e sua capacidade de controle social, fazendo

com que a atuação Direito seja imprescindível.

Nesse contexto, Edison Maluf (2002, p. 37), citando Emilssen Cancino coloca

que:

[...] os princípios éticos tradicionais estão ficando pequenos. A ética individual que fixa a responsabilidade do indivíduo enquanto vive e se firma no respeito dos valores e direitos de outros indivíduos [...] deve dar passagem a uma nova ética que ressalte a responsabilidade social e transcendente do indivíduo, como membro de uma comunidade democrática e como elo da cadeia de vida da espécie [...].

Diante de todo esse contexto desenrolou-se uma intima relação entre a

Bioética e o Direito, objetivando, em última análise, que aos valores defendidos pela

bioética fosse incorporada a exigibilidade necessária para que tenham uma atuação

efetiva no sentido de controlar a atividade cientifica. E, com isso, fazendo com que

esta atividade sempre observe o seu fim último, que é o de buscar elementos para

que as pessoas possam existir plenamente, de forma digna.

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Desta correlação entre a Bioética e o Direito – ela, poderosíssima aliada do mundo jurídico – nasce uma apresentação problematizada das novas situações da vida dos homens, oriundas destes avanços e conquistas de novas biotecnologias e até então não previsíveis, e que carecem da atenção e do apreço do jurista, no sentido de lhes dar os limitadores contornos legais, pois que indispensáveis à concretização da sobrevivência humana, dentro dos padrões da dignidade e da ética. (HIRONAKA, 2006, p. 29).

Assim, em face de tal realidade, é imperativo que o Direito regulamente os

fatos atinentes aos ramos da Bioética, tendo em vista que o desenvolvimento

biotecnológico é elemento indispensável à evolução dos seres humanos, exercendo

uma enorme influência em como as suas vidas são aproveitadas hoje e como o

serão no futuro, sendo exemplos dessa estimação os alimentos transgênicos, as

técnicas de reprodução assistida e as pesquisas com células-tronco (tanto

embrionárias como adultas) no tratamento de doenças.

Foi exatamente dessa expressiva relação entre Bioética e Direito que se deu

o surgimento e o desenvolvimento do estudo de um ramo próprio dentro do Direito: o

Biodireito.

1.5 Biodireito

O grande desafio na relação entre o Direito e o desenvolvimento constante

das biotecnologias e biomedicinas está relacionado com a capacidade do primeiro

em criar leis que possam regulamentar estas matérias de forma a proteger

efetivamente o ser humano, mas que não resultem em um empecilho ao avanço

tecnológico benéfico.

É nesse sentido que Jussara Ferreira conceitua o Biodireito como um “[...]

conjunto de normas esparsas que têm por objeto regular as atividades e relações

desenvolvidas pelas biociências e biotecnologias, com o fim de manter a integridade

e a dignidade humana frente ao progresso, benefício ou não, das conquistas

científicas em favor da vida.” (FERREIRA, 2000, p. 6).

Assim, o Biodireito “[...] consiste en el cuerpo de leyes y de jurisprudencia

referidas al uso de la técnicas biomédicas. Intentan salvar y proteger el bien jurídico

que significa la vida humana.” (GARCÍA, 2006, p. 221).

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Nas palavras de Marilise Baú (2005, p. 176):

[...] Biodireito, [...], seria o estudo sistemático das dimensões legais das ciências da vida e do cuidado com a saúde, da dignidade e da integridade do ser humano, assegurados na CF, em um contexto cultural, social e multidisciplinar abrangendo vários campos da atividade humana, atingindo, no Direito, as esferas pública (direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, direito sanitário, controle de epidemias, controle de natalidade...) e privada (direito à vida, à imagem, direito ao próprio corpo, direito de ter filhos, de utilizar as técnicas de reprodução assistida, direito de dar o consentimento livre e esclarecido).

Ele, com isso, assume um papel de extrema relevância no desdobramento

das tecnologias relacionadas às biociências e, desta forma, no incremento da própria

sociedade, tendo em vista que o potencial biotecnológico de um país já é utilizado

como parâmetro de riqueza e desenvolvimento deste, devendo tal panorama, num

futuro próximo, ser constantemente alargado.

Cabe ressaltar que o Biodireito tutela tanto interesses de ordem pública,

ligados à coletividade, como também de ordem particular, ao alcançar o ser humano

em sua individualidade, como, por exemplo, diante da sempre presente exigência de

um consentimento informado por parte de qualquer pessoa que seja submetida, ou

que tenha algo seu submetido, às experimentações científicas.

Apesar da discussão doutrinária, o Biodireito não deve ser considerado apenas

como um elemento que compõe e depende da Bioética, ou seja, como um simples

interação entre a bioética e o Direito, mas sim como um ramo autônomo de conhecimento

científico, tendo em vista que possui normas, doutrina e princípios próprios.

Nesse sentido, tem-se que o Biodireito vem, aos poucos, sendo capaz de reunir

“[...] doutrina, legislação e jurisprudência próprias, regulando, enfim, a conduta humana

em face dos avanços da biotecnologia e da biomedicina.” (BARBOZA, 2003, p. 57-58).

Assim, ele se apresenta como um ramo do conhecimento jurídico,

responsável pela promoção de uma análise que resulta na legislação sobre os

procedimentos e limites impostos às experimentações nas biociências. Ele se

embasa na Bioética, mas não se confunde com ela, pois enquanto esta é um estudo

ético-filosófico aquele é a positivação das normas dela oriundas.

Deste modo, “[...] não se trata da mera transposição de norma bioéticas para o

Direito; essas podem ser observadas e mesmo orientar a formulação de norma

jurídicas, desde que não colidam com os princípios de direito.” (BARBOZA, 2003, p. 71).

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É importante salientar que “[...] as leis sobre bioética deverão ser, na medida

do possível, ‘flexíveis’ para atender as evoluções futuras da ciência.” (BARBOZA,

2003, p. 60). Entretanto:

[...] adaptar a lei não significa que essa deva evoluir ao sabor dos progressos científicos, fornecendo conceitos adaptados às mudanças sociais que a pesquisa cientifica induz na definição de vida, visto que isso seria reduzir o direito a uma função instrumental, livre de todas as referencias a valores. [...]. Não é suficiente, portanto, a existência de regras. O direito não é somente um conjunto de regras, de categorias, de técnicas: ele veicula também um certo número de valores. Por conseguinte, se o direito deve evoluir para dar conta dos progressos científicos e assim se adaptar aos avanços médicos que permitem mudar a vida e não apenas prolongá-la, deve necessariamente ordenar essas intervenções sobre o homem. O sistema jurídico é feito de regras que constroem uma sociedade fundada em certos valores, tais como liberdade ou a igualdade que gera uma concepção de homem. O direito é a regra que uma sociedade se dá. (BARBOZA, 2003, p. 60).

Dentro da esfera de atuação do Biodireito pode-se observar uma

característica de forte multidisciplinaridade, pois inúmeros dos direitos por ele

protegidos o são tendo por fundamento, além dos seus próprios preceitos,

argumentos trazidos por diversos campos do conhecimento e diretrizes traçadas por

outros ramos do Direito.

A relação do Biodireito como os outros ramos do conhecimento jurídico pode

ser demonstrada por inúmeros exemplos, como no caso dos direitos de

personalidade, especificamente quanto se refere à aquisição e à perda, decorrentes

dos termos inicial e final da vida, dos diretos, e à disposição do próprio corpo, que

evidenciam a sua ligação com o Direito Civil.

Ângela Ferraresi (2007, p. 72) afirma que:

O Biodireito tenta contemplar princípios morais nas relações intersubjetivas dos seres humanos entre si e com o meio ambiente, nos seus diferentes campos, em especial no direito constitucional, no direito civil, no direitos ambiental e no direito penal, buscando a proteção ou tutela, do bem maior, a vida humana.

Em relação ao Direito Constitucional, os limites criados pelos Direitos

Fundamentais ao Estado também devem ser observados na legislação referente às

regulamentação das pesquisas relacionadas com o aprofundamento dos

conhecimentos biotecnológicos.

Com isso, os primeiros limites estabelecidos pelo Biodireito são aqueles

traçados na legislação Constitucional, que se refere, entre outros, à liberdade de

investigação científica e ao respeito de direitos mínimos dos indivíduos,

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indispensáveis à sua existência, como o direito à vida e o a dignidade da pessoa

humana.

O Biodireito se utiliza desses valores constitucionais ao perseguir a

implementação de regras capazes de promover a valorização da vida humana, que

deve sempre ser o objetivo último nas atividades científicas.

Assim, além dos preceitos da Bioética que também são observados por ele,

como os princípios da boa-fé (no sentido de lealdade, confiança e honestidade nas

experiências científicas), da prudência (na acepção de que o pesquisador deve

sempre agir com prudência, eliminando qualquer forma de negligência, imprudência

ou imperícia) e o da legalidade dos meios e fins (segundo o qual cabe ao biodireito

buscar a criação de normas jurídicas capazes de regulamentar as pesquisas

científicas, mas sem representar um obstáculo aos avanços científicos, ou seja, que

possam equilibrar e adequar de forma legal os meios utilizados e os fins objetivados

pelas biociências, sempre visando a defesa e a melhora da vida humana), o ramo do

Biodireito retira a maior parte dos seus princípios daqueles previstos pela

Constituição Federal. Mais especificamente quanto aos Direitos Humanos tem-se que todas as

normatizações trazidas pelo Biodireito visam resguardá-los, principalmente aqueles

ligados à dignidade da pessoa humana, à integridade física, à saúde e à vida.

Assim, cabe ao Biodireito “[...] la tarea fundamental de cautelar los derechos

humanos, arguyendo que todo problema específico en el ámbito de la bioética se

retrotrae indefectiblemente hacia los derechos humanos.” (KOTTOW, 2005, p. 36).

Contudo, é inegável que o Biodireito assume um papel de extrema relevância

para o desenvolvimento da coletividade, pois é em virtude da sua atuação que será

possível se atingir um equilíbrio entre a liberdade de pesquisa dos cientistas e a

busca da efetivação da dignidade de pessoa humana em todos os seus aspectos.

É exatamente em virtude da materialização desse meio-termo que será

possível se atingir uma normatização capaz de promover a evolução no campo das

biotecnologias e que, ao mesmo tempo, respeite os Direitos Fundamentais e sempre

busque melhorias para as condições de vida das pessoas.

Um exemplo da busca desse equilíbrio é a recente liberação, em razão de

uma decisão do Supremo Tribunal Federal, das pesquisas com células-tronco

embrionárias oriundas de embriões excedentários, o que pode resultar em inúmeros

benefícios no tratamento de doenças até então incuráveis.

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1.6 A Necessidade da Atuação do Direito no Controle da Atividade Científica

A atuação do Direito no campo das biociências se dá especialmente através

do Biodireito, que tem por finalidade instituir uma discussão legislativa e, em

consequência, implementar uma normatização coerente em relação às implicações

jurídicas das questões resultantes da evolução científica.

No seu contexto de atuação, para que suas decisões sejam eticamente

adequadas e justas, torna-se necessária a utilização dos princípios e conceitos

bioéticos.

É de extrema relevância salientar que o Direito, em consonância com o acima

explicitado, deve sempre, ao se deparar com novas indagações oriundas do

desenvolvimento das biotecnologias, tomar as suas decisões tendo como alicerce os

princípios basilares da dignidade da pessoa humana e do direito à vida.

Nessa conjuntura, a liberdade de criação científica, também consagrada como

um direito fundamental pela norma constitucional brasileira, em determinados

momentos, diante de conflitos insuperáveis com esses outros direitos fundamentais,

pode vir a ter que ser limitada pela atuação jurídica.

Além de ser o instrumento capaz de proporcionar essa tão almejada

estabilização entre todos os valeres envolvidos, a atuação do Direito também

mostra-se indispensável na delineação dos limites ao direito constitucionalmente

protegido da liberdade de investigação científica.

O equilíbrio objetivado na relação de intercambio entre a liberdade nas

pesquisas biocientíficas e a normatização pelo biodireito deve sempre ter como

fundamento básico e indissolúvel a orientação traçada pelos Direitos Fundamentais,

para que se possa alcançar o máximo de benefícios possíveis para a coletividade de

uma maneira consciente e eficaz.

A Constituição Federal, nos artigos 5º e 218, “consagra a liberdade de criação

cientifica (art. 5º, inc. IX, da CF), abrangendo o direito à liberdade de pesquisa ou

investigação como um dos direitos fundamentais, tornando-a, assim, a regra que

deve comandar toda atuação na área das ciências.” (SOUZA, 2001, pg. 82).

Assim, se a atuação científica não resultar em qualquer violação aos direitos

humanos, deve-se conceder uma ampla liberdade de investigação aos cientistas.

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Mas, em caso de ofensa a outros direitos também reconhecidos

constitucionalmente como fundamentais, como o direito à vida, à integridade e à

dignidade da pessoa humana, o Direito, por meio de uma técnica de ponderação

aplicada aos casos de conflito entre estes direitos, deve intervir, limitando tal liberdade.

Foi exatamente nesse sentido que a UNESCO, em sua 29ª reunião,

proclamou em novembro de 1997, por unanimidade, a Declaração sobre o Genoma

Humano e os Direitos Humanos, que em seu artigo 10 dispõe:

[...] nenhuma pesquisa ou aplicação de pesquisa relativa ao genoma humano, em especial nos campos da biologia, genética e medicina, deve prevalecer sobre o respeito aos direitos humanos, às liberdades fundamentais e à dignidade humana dos indivíduos ou, quando for o caso, de grupos de pessoas. (UNESCO, 1997, online).

Contudo, a liberdade de pesquisa não pode ser irrestrita, devendo ser

submetida a limitações imprescindíveis na busca pela preservação de uma vida

digna por parte do seres humanos, sendo que tais restrições serão implementadas

através das prerrogativas pregadas pelo Biodireito.

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CAPÍTULO 2 A EVOLUÇÃO CIENTÍFICA NO CAMPO DAS BIOCIÊNCIAS E A

REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

O desenvolvimento das pesquisas cientificas encontra-se em um ritmo cada

vez mais acelerado, resultando no surgimento de novas técnicas quase que

diariamente.

Tal progresso deve ser amplamente discutido, principalmente em razão de

sua implicações éticas e jurídicas, tendo vista que os seus resultados poderão ser

utilizados tanto para um favorecimento nobilitado como para o desmoronamento da

estrutura social.

Nesse sentido pode-se afirmar que as evoluções no campo de “[...] la

biotecnologia está exigiendo una redefinición de que es el ser humano.” (SÁDABA,

2004, p. 55).

Assim, cabe também aos juristas, sobrepondo os seus obstáculos e posições

ultrapassadas acerca dessa nova realidade, promover um debate conexo com

avanços nas mais diversas áreas das biotecnologias.

Hoje, o progresso científico já é parte integrante e permanente no cotidiano da

humanidade. O consumo de plantas geneticamente modificas (transgênicos) na

dieta diária, a existência de animas clonados e modificados nos rebanhos, a

erradicação de pestes das lavouras após o seu mapeamento genético, e o

tratamento de doenças com células-tronco são alguns dos exemplos que

representam a infiltração das descobertas cientificas no dia-a-dia das pessoas.

2.1 As Pesquisas Científicas no Ramo das Biociências

As intervenções cientificas, no campo das biociências, podem ser realizadas

em qualquer fase do desenvolvimento genético (gametas, pré-embrião, embrião,

feto, nascituro e indivíduo) e podem ser tanto de natureza terapêutica como não

terapêutica.

A experimentação terapêutica se apresenta como a aplicação de técnicas

novas sem eficácia comprovada, visando a cura de enfermidades. Já as não-

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terapêuticas podem ser de natureza experimental ou de intervenção pura em

sujeitos sadios e são aquelas que representarem dano ou perigo de dano à

integridade física, à saúde e à vida do homem e, por isso, consideradas ilícitas.

Quanto a estas intervenções, Paulo Vinicius Souza (2005, p. 208) afirma que

podem:

[...] ser dirigida a fins terapêuticos, ou seja, para a correção ou tratamento gênico (terapia gênica), ou para fins não necessariamente terapêuticos, isto é, científicos ou mesmos outros fins reprováveis, como a seleção eugênica (positiva) de determinados caracteres biológicos não-patológicos do genoma humano, ou através da criação de novos seres híbridos e aberrações humanas.

Na terapia gênica o que se busca é a substituição de genes defeituosos ou a

inserção de genes, com o interesse de promover a de doenças, pois a maioria das

enfermidades sofrem influencia deles. (FERRARESI, 2007, p. 157).

As técnicas científicas resultantes desta constante evolução que mais

ganham destaque e que resultam nas contendas mais acaloradas são aquelas

pautadas na manipulação de organismos pertencentes à estrutura do ser humano.

Isso porque elas podem ter como conseqüência um grande avanço na busca da

cura de doenças até então invencíveis ou, se utilizadas de forma incorreta e abusiva,

a desconfiguração de elementos genéticos constitutivos da espécie humana.

Em face da sua importância para com a sociedade moderna, a genética

passou a ser denominada como a ciência do século XXI (MALUF, 2002, p. 9), e,

neste contexto, ganha um destaque ainda maior a genética humana.

Ela pode ser entendida como a ciência que estuda a herança genética

humana, tendo, desta forma, por objetos, entre outros, a reprodução, o nascimento e

a origem do ser humano.

Algumas situações de destaque na sociedade contemporânea estão

intimamente ligadas ao estudo da genética humana. Entre elas estão: a discussão

acerca do mapeamento do genoma humano, a questão da eugenia genética, a

clonagem e a problemática dos embriões excedentários, sendo esta última o objeto

da presente dissertação.

O estudo do genoma humano está relacionado com o objetivo de desvendar

todas as estruturas genéticas que compõem o ser humano e, com isso, são as

responsáveis pela expressão de todas as suas características, desde a simples

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determinação da cor dos olhos até o complexo conjunto de alterações que resultam

no aparecimento de doenças de cunho genético.

“O termo genoma refere-se ao conteúdo total do material genético de um

organismo,” sendo que o Projeto Genoma Humano objetivava justamente mapear e

sequenciar o código genético humano. (FERRARESI, 2007, p. 151).

O seu conhecimento total desvelará a origem do conjunto de proteínas

responsáveis por todas as características do indivíduo, possibilitando a manipulação

desses elementos e a obtenção de diversas informações, como a predisposição para

doenças genéticas incuráveis.

“La genética está develando los secretos del genoma humanos en un esferzo

considerado admirable y muy promisorio para un mejor entendimento de los

processo genéticos que determinan la herancia.” (KOTTOW, 2005, p. 178).

Sendo que “[...] un tal mapeo ya está permitindo la localización de

enfeermidades de base hereditaria, que se espera podrá llevar a una eficaz terapia

genética.” (KOTTOW, 2005, p. 178).

A grande discussão é de que forma essas possibilidades e informações serão

utilizadas, devendo a sociedade discutir, por exemplo, se é aceitável que a

engenharia genética modifique essas características ou que as empresas

empregadoras e seguradoras tenham acesso a esses dados, interferindo, com isso,

na contratação do funcionário ou na realização da apólice de seguro.

Outro problema é quanto à titularidade dessas informações, tendo em vista

que o trabalho de mapeamento foi desenvolvido por instituições vinculadas a poucos

países desenvolvidos. Deste modo, as conquistas terapêuticas oriundas dessas

descobertas não podem ficar restritas aos interesses econômicos desses países.

Cabe ressaltar, nesse contexto, que:

A Declaração do Genoma Humano e sua Proteção em Relação à Dignidade Humana e aos Direitos Humanos da Unesco, reafirma que o genoma humano é o componente fundamental da herança comum da humanidade e precisa ser protegido para salvaguardar a integridade da espécie humana, como um valor em si, e a dignidade e direitos de cada um de seus membros. Também adverte que a personalidade de um individuo não pode ser reduzida apenas às suas características genéticas e que todos os indivíduos tem direito ao respeito pela sua dignidade a despeito dessas características. (MATTE, 2005, p. 248).

Quanto à eugenia genética, a sua discussão emergiu com a possibilidade de

se escolher as futuras características de uma pessoa através principalmente da

seleção do embrião com essa composição genética específica.

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“O termo Eugenia foi cunhado por F. Galton e consiste em melhorar o pool gênico

humano, dando às características desejáveis maiores chances de prevalecer.” (MATTE,

2005, p. 249).

O perigo da implementação no seio da sociedade de uma verdadeira

discriminação em face dos elementos genéticos manifestados por um conjunto de

pessoas tem sido associado à essa realidade.

O que se visa, desta forma, é impedir que a genética seja usada na busca de

uma seleção na raça humana.

La ingería genética con fines de perfeccionamento de ciertos rasgos podría desembocar en una raza de indivíduos privilegiados en el rasgo elegido: inteligencia, vigor, tamaño corporal, género sexual. La perficiencia genética ha sido en general rechazada por ser frívola, peligorsa y arbitraria, pues se deserrollaría en tipo de ser humano veleidosamente seleccionado por un genetista o caprichosamente ensalzado en un determinado contexto social. (KOTTOW, 2005, p. 179).

Assim, a triagem de embriões na fase de pré-implantação deve ter por

objetivo apenas eliminar os embriões portadores de doenças genéticas presentes

nas famílias dos genitores, sendo que se tal atitude nunca pode ser distorcida para a

simples busca de características fisiológicas do futuro filho, sob pena de trazer

resultados desastrosos.

É nesse sentido que o Conselho federal de Medicina brasileiro proíbe, nos

termos da Resolução n. 1358/92, a seleção de características e do sexo no embrião

a ser implantado, salvo no caso de doença genética hereditária.

Com isso, essa seleção embrionária somente é permitida quando visar a

eliminação das possibilidades de manifestação de doenças genéticas nos casos em

que os futuros filhos certamente teriam pré-disposição para tal, em face do histórico

familiar.

Essa técnica:

[...] é realizada através da analise do material genético do embrião, por meio de uma biópsia. É chamado diagnóstico pré-gestacional (PGD). Para a biópsia procede-se à retirada de uma blastômera (= célula embrionária), a qual é aspirada através de um orifício criado na zona pelúcida (= envoltório do óvulo) – geralmente no terceiro dia de cultivo, quando o embrião tem oito células. (BADALOTTI, 2005, p. 167).

Sendo que ela “[...] visa, primariamente, o diagnóstico de doenças genéticas.

A seleção do sexo também pode ser realizada dessa maneira, a fim de evitar

doenças ligadas ao sexo.” (BADALOTTI, 2005, p. 167).

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Já as discussões em relação à clonagem de seres humanos merecem um

destaque maior, inclusive em razão das suas possibilidades terapêuticas.

2.1.1 Clonagem

A clonagem já é amplamente aplicada e experimentada nos animais. Mas,

sua utilização na ambiência do ser humano traz debates acalorados, sendo

necessário, para uma melhor compreensão das suas características, estabelecer o

seu conceito e a sua diferenciação.

A Lei de Biossegurança Nacional (Lei n. 11.105/05) define clonagem como o “[...]

processo de reprodução assexuada, produzida artificialmente, baseada em um único

patrimônio genético, com ou sem utilização de técnicas de engenharia genética.”

Assim, “[...] un clon es uno copia genéticamente idéntica de un ser vivo. Es un

organismo o grupo de organismos que derivan de otro mediante la reproducción

asexual.” (GARCÍA, 2006, p. 132).

Deste modo, “O clone (indivíduo resultante do processo da clonagem) terá as

mesmas características genéticas cromossômicas do indivíduo doador do núcleo

(material genética) do óvulo.” (MUNARETTO, 2003, p. 2).

Até o presente estágio do desenvolvimento científico, duas são as técnicas de

clonagem em que já se atingiu um considerável sucesso a ponto de poderem ser

consideradas para a utilização em seres humanos. Assim, a “[...] clonagem, ou seja,

de reprodução/multiplicação assexuada” (FERRARESI, 2007, p. 175) pode ser

realizada por divisão do embrião ou por transferência nuclear.

“Na realidade, duas são as técnicas de clonagem conhecidas na literatura

biomédica que poderiam ser aplicadas em seres humanos: (a) clonagem por divisão

embrionária (embryo splitting) e (b) clonagem por transferência de núcleo, [...].”

(SOUZA, 2005, p. 211).

Quanto à clonagem por divisão embrionária “[...] cabe frisar que este

fenômeno pode acontecer na natureza espontaneamente como é o caso dos

gêmeos monozigóticos ou univitelíneos.” (SOUZA, 2005, p. 211).

Mas, essa divisão também pode ser estimulada em laboratório, para se gerar

um clone.

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Todavia este resultado também pode hoje ser obtido artificialmente, de forma induzida em laboratório, mediante a divisão de um embrião nos seus primeiros estágios de desenvolvimento. Portanto, a clonagem por divisão embrionária pode proporcionar a obtenção de indivíduos geneticamente idênticos (embriões clônicos), mas oriundos de diferentes progenitores. (SOUZA, 2005, p. 211).

E, quanto à clonagem por transferência nuclear, ela

[...] possibilita a obtenção de organismos idênticos geneticamente. Todavia, diferentemente da clonagem por divisão embrionária, a clonagem por transferência nuclear utiliza-se apenas de uma gameta para conseguir isso, ou seja, através da transferência do núcleo de uma célula somática (embrionário ou adulta) qualquer (de um individuo já nascido ou mesmo morto) a um óvulo previamente desnucleado é possível realizar-se a fecundação mediante impulsos elétricos - mesmo sem participação do gameta masculino (espermatozóide) - , na qual será obtido então um organismo embrionário clônico. (SOUZA, 2005, p. 212).

Cabe destacar que o primeiro clone de um mamífero adulto foi obtido em,

1997, justamente através desta técnica de transferência do núcleo de uma célula

somática, já dotada de todas as características genéticas necessárias (46

cromossomos), para um óvulo desnucleado, que posteriormente é implantado em

um útero para poder se desenvolver. Esse clone, que possuía caracteres genéticos

idênticos aos da doadora da célula somática, foi a ovelha Dolly, produzida por

cientistas no Roslin Institute, da Escócia.

Quanto ao procedimento que deu origem à ovelha Dolly tem-se que:

La oveja Dolly nació así: se extrajo una célula adulta de una oveja donante. El ADN de esa célula fue insertado en un óvulo sin fertilizar de otra oveja, óvulo al que previamente sacaron el núcleo. Finalmente, esse óvulo fue implantado en el útero de una tercera oveja. Perp faltaba algo. El núcleo celular implantado en el óvulo no tenía las ‘órdenes’ genéticas necesarias para dividirse, formar un embrión y desarrollarse como un individuo completo. [...], simularon entonces una fecundación. Lo hicieron mediante dos finos electrodos, a través de los cuales lanzaron una diminuta descarga eléctrica que dio a la célula una señal idéntica a la que se produce en la unión normal de dos sexos, cuando el óvulo y el espermatozoide se ponen en contacto. (GARCÍA, 2006, p. 132-133).

Depois dela, muitos outros mamíferos já foram clonados, como gatos,

cachorros e bezerros, como no caso brasileiro da Penta, que, em 2002, foi produzida

na Universidade Estadual Paulista, campus de Jaboticabal.

É extremamente importante salientar que o conhecimento mais importante

retirado dessa técnica é o de que células adultas, e, com isso, já diferenciadas para

atuarem como uma célula específica, podem ter a sua composição genética

reprogramada para voltarem a um estágio equivalente ao embrionário, fazendo com

que, ao serem transferidas para um óvulo desnucleado, sejam capazes de criar um

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embrião e de, se implantadas em um útero, se desenvolver até gerar um novo

indivíduo adulto, com as mesmas características genéticas do indivíduo originário.

Cabe ressaltar ainda que a clonagem pode ser realizada para fins

reprodutivos, que consiste naquela com o objetivo de obter um indivíduo idêntico ao

que foi submetido à técnica, ou para fins terapêuticos, que tem por finalidade a

obtenção de células-tronco embrionárias, a serem utilizadas em futuras terapias.

Na clonagem reprodutiva “[...] se reprueba el objetivo de gestar seres humanos

asexualmente.” (KOTTOW, 2005, p. 161), sendo que “[...] de un individuo nace otro

completo, genéticamente igual y sin intercurso sexual.” (SÁDABA, 2004, p. 84).

Assim, “[...] na clonagem reprodutiva o agrupamento de células (embrião) obtido

da fusão de duas células (reprodutiva anucleada e somática) é implantado no útero de

uma mulher, dando origem a um clone humano.” (MUNARETTO, 2003, p. 7).

Já na clonagem terapêutica “[...] lo que se clona es un embrión. Y el objetivo

de este tipo de clonación no es otro sino aporvechar la inmensa riquesa que se

esconde en sus células madre, troncales o maestras.” (SÁDABA, 2004, p. 84).

O que se busca é “[...] la producción de líneas celulares multipotentes a partie

de células estaminales de origem embrional (...) procedentes de embriones humanos

obtenidos através de la clonación.” (GARCÍA, 2006, p. 136).

Na clonagem terapêutica, as células são cultivadas em laboratório, dando origem a células-tronco, ainda indiferenciadas. Essas células são estimuladas a se transformar em um tecido específico e, daí utilizadas para a reposição de órgãos humanos afetados por doenças, como o mal de Parkinson, câncer e leucemia. (MUNARETTO, 2003, p. 7).

Desta forma, na clonagem terapêutica o embrião obtido nunca será

introduzido em um útero e, com isso, nunca se desenvolverá até o nascimento de

um novo ser, mas apenas será aproveitado como fonte de células-tronco, que serão,

por sua vez, utilizadas na implementação de terapias em favor do próprio doador do

material genético. Essa identidade genética entre o doador e o receptor do material,

em teoria, impede que se desenvolva um processo de rejeição.

Entretanto, a Lei de Biossegurança Nacional, ao determinar como conduta

delituosa a realização da clonagem humana 1, não promove tal distinção, proibindo,

desta forma, em tese, ambas as espécies.

1 Art. 26. Realizar clonagem humana: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

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Quanto a clonagem humana para fins reprodutivos é inegável que ela deve,

invariavelmente, ser combatida, tendo em vista que afronta a individualidade do ser

humano, pela qual cada pessoa constitui um individuo único, dotado de

características próprias.

A clonagem reprodutiva

[...] es contemplada como técnicamente difícil y moralmente problemática. [...]. Porque algunos la ven como perversa ya que dañaría la dignidad humana, rompería la unicidad de la especie y ofendería sentimientos muy arraigados de nustra personalidad. (SÁBADA, 2004, p. 18-19).

Porém, em relação à clonagem terapêutica, ela poderia ser objeto de uma

discussão mais abrangente, que será mais abaixo desenrolada, pois visa somente a

obtenção de material a ser utilizado na busca da cura de doenças, sem nunca pregar pela

produção de um novo homem, geneticamente idêntico àquele submetido à clonagem.

Javier Sábada (2004, p. 86) afirma que “[...] podríamos obtener grandes

bienes a partir de una colnación terapéutica.”

O que não se pode aceitar é que, em face ao medo das atrocidades que podem

ocorrer com o advento da clonagem reprodutiva, simplesmente se proíba também a

clonagem terapêutica, ignorando todos os benefícios que podem dela resultar.

Nesse sentido:

[...], ante el horror de la clonación reproductiva que transformaría la naturaleza humana cercenando su liberdad y alterando el orden moral por modificarse las asignaciones de responsabilidad, se recurre al argumento de la pendiente resbaladiza que sugiere sacrificar los eventuales progresos terapéuticos y abandonar la técnica del todo, ante el riesgo inmanejable de utilizaciones abusivas e inmorales. (KOTTOW, 2005, p. 182-183).

É justamente nesse contexto que Edison Maluf (2002, p. 89) cita um discurso

do ex-presidente americano Bill Clinton, no qual ele afirmou que “[...] não há nada de

imoral em usar a clonagem em beneficio da humanidade, mas é inconcebível cogitar

o nascimento de crianças clonadas.”

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2.2 As Subdivisões no Estudo da Genética Humana

O estudo da Genética Humana pode ser fracionado através da análise do

significado de duas palavras com origem no latim, sendo elas: genus e genere.

(MALUF, 2002, p. 11).

A primeira, genus, significa patrimônio, espécie, estando relacionada com a

possibilidade de investigação e alteração do patrimônio genético humano pela

engenharia genética.

Enquanto que a segunda, genere, quer dizer procriação, estando conectada

com os problemas infertilidade e, consequentemente, com todas as técnicas de

reprodução assistida.

2.2.1 Engenharia Genética

“Engenharia Genética é o conjunto de técnicas, que permitem alterar

caracteres hereditários. É a manipulação de genes, que são os responsáveis pelas

informações hereditárias dos seres vivos.” (FERRARESI, 2007, p. 144).

Stella Martinez (1998, p. 78) conceitua a Engenharia Genética como:

[...] o conjunto de técnicas que alteram ou modificam os caracteres hereditários de uma espécie, procurando eliminar malformações ou enfermidades de origem genética ou mesmo efetuar alterações ou transformações, com finalidade experimental, mudando mesmo as características até então inexistentes na espécie.

Já a Lei de Biossegurança Nacional define Engenharia Genética como sendo

a “Art. 3 º [...] VI- atividade de produção e manipulação de moléculas de ADN/ARN

recombinante”. Assim, essas manipulações genéticas estão intimamente ligadas à

técnica do DNA recombinante.

Esta técnica consiste na incorporação de segmentos de DNA de um

organismo em outro, formando uma nova seqüência híbrida. Ou seja, é um processo

laboratorial de “[...] intercâmbio de informação hereditária entre dois organismos

independentes, acarretando a produção de novas combinações de genes e

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facilitando o aparecimento de organismos variantes dentro de uma espécie

determinada.” (SOUZA, 2001, p. 39).

É através das manipulações decorrentes da Engenharia Genética que busca-

se promover a chamada terapia gênica , que “[...] se refere à cura ou prevenção de

enfermidades, anomalias ou defeitos graves devido a causas genéticas.” (SOUZA,

2001, p. 40).

A terapia gênica atua alterando a estrutura e as funções do patrimônio

genético do indivíduo por meio da adição, modificação, substituição ou supressão

dos seus genes, sendo que tal atuação objetiva o tratamento de anomalias

genéticas de caráter hereditário (transmitidas pelos genes dos pais), não-hereditário

(decorrentes de erros na formação das células sexuais) e congênito (que ocorrem no

desenvolvimento embrionário em razão de mutações).

Cabe salientar que essa terapia pode ser realizada tanto na linha somática

como na linha germinal. A primeira esta relacionada com a manipulação específica

de células somáticas (ou seja, corporais) do paciente, sendo que tal atuação não

afeta o seu patrimônio genético hereditário e pode ser apresentada como uma

terapia médica curativa. Já a segunda atua nas células de reprodução

(espermatozóides, óvulos ou até mesmo os pré-embriões), trazendo sérios

problemas ético-jurídicos, pois pretende promover a cura patologias genéticas

mediante a introdução de genes em células que se encontram em processo

germinativo e ainda não alcançaram uma fase de desenvolvimento celular

diferenciado, ou seja, células que por serem totipotentes são capazes de produzir

um ser humano completo (SOUZA, 2001, p. 42-43).

Assim:

[...], la manipulación genética puede ejercerse sobre células somáticas o sobre células germinales. Un intento terapéutico que altera las células somáticas [...] la interación genética no se incorpora al patrimonio hereditario y no pasa a las próximas generaciones. Si la manipulación genética se realiza sobre células germinales, los efectos tanto terapéuticos como secundarios y/o riesgosos son hereditariamente transmitidos. Con ello, la genética estaria aceptando una doble hipoteca: influir sobre seres humanos aún no existentes y que por ende quedan cautivos de las decisiones tomadas antes de su generación; por otro lado, actuar en desconocimiento de todos los efectos y las interacciones que la manipulación de un gen puede tenes sobre otros genes a lo largo del tiempo. De allí que haya acuerdo, aunque no unánime, de no intervir en la línea germinativa, com también existe acuerdo mayoritario de rechazar la manipulación del patrimonio genético de futuras geraciones. (KOTTOW, 2005, p. 180).

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Assim, a terapia gênica na linha germinal não altera somente o sujeito da

experimentação, mas toda a sua descendência, tendo em vista que modifica o seu

patrimônio genético hereditário ao substituir os seus genes nos primeiros estágios do

desenvolvimento sendo que, por isso, a Lei de Biossegurança Nacional tipifica

penalmente a sua realização. 2

2.2.2 Reprodução Assistida

A outra faceta da Genética Humana é a Reprodução Assistida, que tem por

finalidade o auxílio aos casais na luta contra a esterilidade 3, a infertilidade 4 ou a

sub-fertilidade 5, que podem ser de origem tanto masculina como feminina.

Um entre seis casais apresenta infertilidade e, para 20% deles, o único caminho para obter gestação – e, consequentemente, filhos – é a Reprodução Assistida (RA), que é um conjunto de técnicas laboratoriais que visa obter uma gestação substituindo ou facilitando uma etapa deficiente no processo reprodutivo. (BADALOTTI, 2005, p. 153).

É relevante salientar que ela também pode ser utilizada na prevenção da

transmissão de doenças genéticas ligadas à descendência.

Isso porque a já citada técnica que permite analisar as características

genéticas do embrião antes de implementá-lo, possibilita a exclusão daqueles que

são do sexo em que uma doença genética específica se manifesta ou portadores de

uma enfermidade de origem genética. Sendo que, como também já foi afirmado, a

realização dessa técnica somente é permitida nos casos em que o histórico genético

e familiar do casal a justifica, visando, com isso, combater a eugenia genética e a

banal seleção de características do filho por uma simples vontade dos pais.

O parágrafo. 7o do artigo 226, da Constituição Federal, estabelece que,

fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade

responsável, o planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao

2 Art. 25. Praticar engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião

humano: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. 3 Falta de capacidade definitiva e irreversível para conceber. 4 Incapacidade de gerar filhos vivos, mas com capacidade de promover o desenvolvimento do

embrião e, posteriormente, do feto. 5 Dificuldade de gerar filhos.

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Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício deste direito, o

que resulta na criação de um verdadeiro direito à reprodução assistida.

Esse preceito constitucional visa assegurar a pretensão das pessoas de

formar uma entidade familiar composta também por filhos. “A aspiração à

reprodução é tida como um objetivo essencial de vida, legítimo e incontestável.”

(BADALOTTI, 2005, p. 153).

A Reprodução Assistida pode ser conceituada como o “[...] conjunto de técnicas

que têm com fim provocar a gestação mediante a substituição ou a facilitação de

alguma etapa que se mostre deficiente no processo reprodutivo.” (SOUZA, 2001, p. 45).

Segundo a Resolução n. 1358/92 do Conselho Federal de Medicina ela pode

ser entendida como o conjunto de técnicas cujo papel é auxiliar na resolução dos

problemas da infertilidade humana.

Miguel Kottow (2005, p. 164) afirma que:

La infertilidad es por lo tanto un estigma tanto biológico como social y, por ende, psiquíco, por lo que ha sido considerada como blanco legítimo de esfuerzos terapéuticos. Enjuiciada como enfermidad, la infecundidad motiva importantes y muy sofisticados intentos de solución que incluyen la fertilización asistida, la inseminación artificial, la fecundación in vitro, la implantación del cigoto en úteros ajenos o en mujeres posmenopáusicas. Común a todas estas técnicas es que buscan soslayar la causa de esterelidad mediante la artificialización de alguna etapa del proceso biológico de reprodución.

E, que a “[...] beneficencia, no-maleficencia y autonomía se respetan más

cabalmente cuando la medicina es capaz de solucionar problemas de infertilidad

cada vez más complejos.” (KOTTOW, 2005, p. 166).

Deste modo, através das suas mais diversas técnicas, o que se busca com a

constante evolução da reprodução assistida é a efetivação do processo reprodutivo

por meio de estímulos não naturais, possibilitando a solução dos mais diversos

problemas de infertilidade que assolam os seres humanos.

Nesse sentido:

O nascimento de Louise Brown, o primeiro ‘bebê-de-proveta’, em 1978, deu nova perspectiva aos casais inférteis. Hoje milhares de crianças nascem anualmente através de técnicas de RA e os novos avanços tecnológicos aumentaram ainda mais as possibilidades de tratamento da infertilidade. (BADALOTTI, 2005, p. 153).

As técnicas de reprodução assistida, quando realizadas de acordo com as regras

estabelecidas, especialmente aquelas previstas na Resolução n. 1358/92 do Conselho

Federal de Medicina, não resultam em grandes conseqüências ético-jurídicas, salvo

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quanto aos problemas de filiação delineados pelo Direito de Família (principalmente nos

casos de inseminação heteróloga, regulamentados pelo Código Civil de 2002, no seu

artigo 1597) 6 e quanto aos abusos na sua utilização, que devem ser combatidos tanto

por mecanismos não-jurídicos como por todos os ramos do Direito.

Ao atingir a sua finalidade última, que é justamente a de promover a geração

de filhos para casais ou pessoas que teriam dificuldades em fazê-lo naturalmente, a

Reprodução Assistida traz enormes benefícios para a sociedade como um todo.

“Toda manipilación que lleva a la gestación de un feto sano, aun aquélla que

genera embriones supernumerarios eventualmente destinados a ser destruidos, es

legítima y constituye un invaluable ahorro de sufrimientos y costos.” (KOTTOW,

2005, p. 164).

Cabe destacar que o Conselho Federal de Medicina, em 1992, instituiu a

citada Resolução n. 1358/92, com a finalidade de estabelecer as normas éticas a

serem observadas pelos profissionais médicos na utilização das técnicas de

reprodução assistida,

As questões delineadas por este regramento que assumem uma maior

relevância são aquelas relacionadas com o consentimento informado dos envolvidos

na realização da técnica, a seleção do sexo e de características dos embriões (que é

proibida, salvo em razão da evidência de doenças ou problemas genéticos), a

redução embrionária (que é o procedimento de retirada de embriões do útero), a

doação anônima de gametas (espermatozóides e óvulos), a maternidade substitutiva

(comumente e erroneamente conhecida como barriga de aluguel, pois não pode ter

objetivos econômicos), a criopreservação a proibição do descarte de embriões

humanos.

Dentre as técnicas de reprodução assistida, as que mais se destacam são: a

inseminação intra-uterina; a transferência de gametas para a tuba uterina (GIFT); a

transferência de zigoto para a tuba uterina (ZIFT) e a fecundação in vitro com

posterior transferência do embrião para o útero (FIVETE).

Antes de se promover uma análise dessas técnicas, é relevante ressaltar que

em todas elas o material genético pode ser obtido de forma homóloga, ou seja, do

6 Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

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casal que pretende ter o filho, ou heteróloga, na qual os gametas são adquiridos por

meio de um terceiro doador.

A Inseminação Intra-uterina consiste na simples inserção de espermatozóides

dentro do útero da mulher, através da cavidade vaginal, por meio de um cateter

flexível, para que estes possam mais facilmente atingir o óvulo e promover a

fecundação.

Ela tem por finalidade “[...] fertilizar matrimonios que tienen la capacidads

gamética de procrear pero fracasan por falhas en los mecanismos de transporte.”

(KOTTOW, 2005, p. 165).

Na Transferência Intertubária de Gametas (GIFT) são retirados óvulos da

mulher, que posteriormente serão misturados aos espermatozóides e essa mistura

de gametas é colocada, por meio de um procedimento cirúrgico chamado

laparoscopia, diretamente na tuba uterina. Nesse ambiente eles irão promover a

fertilização natural, sendo que após tal acontecimento os embriões resultantes

chegarão até o útero para se implementar e dar início ao processo de

desenvolvimento do feto.

Assim, “[...] el GIFT es una técnica de fecundación artificial intracorpóreaque

comporta la transferencia simulánea, pero separada, de los gametas masculinos y

femininos en el interior de la tuba de Falopio.” (GARCÍA, 2006, p. 77).

Essa técnica produz resultados semelhantes aos da Fertilização in vitro e,

com isso, não é muito utilizada tendo em vista que exige um procedimento cirúrgico

para ser implementada.

Na Transferência intratubária de zigotos (ZIFT) os óvulos coletados da mulher

são fertilizados em laboratório, para que os zigotos resultantes dessa fertilização

sejam inseridos diretamente na tuba uterina. Essa colocação direta na tuba uterina

também é realizada por meio de uma laparoscopia.

Deste modo, “[...] el ZIFT–transferencia intrafalopiana del cigoto- que extrae el

óvulo, lo fecunda y lo reimplanta por medios laparoscópicos.” (KOTTOW, 2005, p. 165).

Essa técnica, em função do sucesso da fertilização in vitro e da necessidade

de um procedimento cirúrgico, também é muito pouco utilizada, sendo realizada

somente em casos excepcionais, como quando da impossibilidade de se inserir os

embriões através do colo uterino.

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E, por fim, tem-se a Fertilização In Vitro, com posterior transferência do

embrião para o útero (FIVETE). Esta técnica é a mais utilizada, tendo em vista que

pode resolver diversos problemas de infertilidade.

Ela se caracteriza por prover a fecundação em um ambiente fora do corpo da

mulher e pela posterior transferência dos embriões obtidos diretamente para o útero,

onde eles se implantam e se desenvolvem.

“La FIVET es la técnica de reproducción artificial por la cual se ponen en

contacto los espermatozoides nos los óvulos; se la llama in vitro porque tal

fecundación no sucede en el cuerpo de la mujer (in vivo) sino en la probeta”.

(GARCÍA, 2006, p. 76).

Diante a sua importância para a concretização do direito constitucional a um

planejamento familiar e das discussões acerca da destinação dos embriões

excedentes da sua realização, a análise dessa técnica de reprodução assistida deve

ser aprofundada.

2.2.2.1 Fertilização “In Vitro”

A fertilização in vitro, popularmente chamada de "bebê de proveta", é a

técnica pela qual a “[...] fertilização e o desenvolvimento inicial dos embriões

ocorrem fora do corpo, no laboratório, e os embriões resultantes são transferidos

habitualmente para o útero.” (BADALOTTI, 2005, p. 154).

Essa técnica foi:

Usada inicialmente para resolver o problema dos casais em que a mulher apresentava trompas danificadas de forma irreversível, a indicação foi ampliada e hoje é utilizada em casos de fator masculino severo, endometriose, fator imunológico e infertilidade sem causa. O índice médio de gravidez em laboratórios qualificados gira em torno de 20-50% por ciclo, de acordo com a idade feminina – quanto maior a idade, menor a chance de gravidez. (BADALOTTI, 2005, p. 154).

Ela visa reproduzir fora do corpo feminino os acontecimentos

correspondentes ao processo natural de reprodução.

Naturalmente, por volta do 14° dia do ciclo menstrual, sob a influência dos

hormônios femininos LH e FSH e se todas as condições estiverem favoráveis, ocorre a

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ovulação, sendo que o oócito (também chamado de óvulo) é enviado para a tuba uterina,

dentro da qual será fecundado por um espermatozóide, dando origem ao zigoto.

O zigoto percorre o caminho até o útero se desenvolvendo, atinge o útero no

estágio de blastocisto, por volta do quinto dia após a concepção, eclode, perdendo,

com isso, a proteção da zona pelúcida (que é a membrana de proteção do embrião),

e, entre o quinto e sétimo dia após a fecundação, se nida (implanta), aderindo

à parede do útero e dando início à formação da placenta, que será a responsável

pela nutrição do feto.

Já na realidade laboratorial, o procedimento da Fertilização in Vitro envolve

várias fases:

Por meio desse procedimento, os ovos são coletados da mãe depois de um tratamento hormonal que resulte em muitos óvulos produzidos de uma só vez. Os óvulos são fertilizados em uma placa de Petri com o esperma do pai presumível. Os embriões ficam sob observação durante três a seis dias, para verificar se estão se desenvolvendo de forma normal. Em seguida, um pequeno número deles é inserido na mãe, na espera de se alcançar uma gravidez. (COLLINS, 2007, p. 254)

Assim, num primeiro momento, denominado de estimulação ovariana, a

mulher recebe medicações hormonais para aumentar a produção de óvulos, com o

objetivo de produzir número suficiente de óvulos para a realização da técnica.

Visando a possibilidade de se promover uma seleção de embriões de

excelente qualidade para posterior transferência, o que aumenta muito a

probabilidade de êxito da técnica, busca-se promover a coleta de vários óvulos

maduros.

Nesse sentido:

Normalmente a mulher produz um óvulo por ciclo. Nos casos de FIV, para que se obtenha sucesso, são necessários vários óvulos. Para obtê-los, a mulher é submetida a aplicação diária de hormônios injetáveis, durante aproximadamente 20 dias. [...]. A coleta dos óvulos é feita por aspiração, sob guia ecográfica. (BADALOTTI, 2005, p. 154-155).

A fase seguinte é desenvolvida em laboratório e visa promover a fecundação.

Essa fecundação ser realizada através fertilização in vitro convencional (FIV),

que consiste na disponibilização de espermatozóides em um meio de cultura

especial onde o oócito aguarda para ser fecundado por um destes ou através da

injeção introcitoplasmática de espermatozóide (ICSI), que consiste na inserção de

um único espermatozóide diretamente no óvulo por meio de uma agulha especial.

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Quanto à ICSI, ela:

[...] consiste en la inyección de un solo espermatozoide en el interior del óvulo descongelado, obviamernte tras haber sido conservado en frío. Se suele recomendar cuando la cantidad o la cualidad de los espermatozoides es baja, o cuando la FIVET na ha dado frutos. (GARCÍA, 2006, p. 778).

Cabe ressaltar que utilização de uma ou outra técnica depende das situações

do caso concreto, sendo a FIV convencional mais amplamente utilizada. Um caso

específico em que a ICSI seria empregada é quando o espermatozóide apresenta

deficiências que dificultem a fecundação.

Nesse sentido:

A fertilização in vitro pode ocorrer de duas formas. Uma, dita convencional, através da aproximação de óvulos e espermatozóides; a segunda, através da deposição mecânica de um único espermatozóide no interior do citoplasma do óvulo, denominada injeção introcitoplasmática de espermatozóides (ICSI). A indicação de uma ou outra técnica depende da causa da infertilidade, da idade feminina, do número de óvulos obtidos e da avaliação dos gametas no dia do procedimento. A ICSI resolve o problema da infertilidade por fator masculina severo e permite gravidez até para indivíduos azospérmicos (que não apresentam espermatozóides no ejaculado), através da utilização de espermatozóides retirados do epidídimo e do testículo, além de ter a sua indicação estendida para alguns fatores femininos. (BADALOTTI, 2005, p. 155).

A seguir, se a fertilização for bem sucedida, o embrião é mantido em uma

cultura que oferece condições para que ele se desenvolva até o estágio anterior à

sua transferência.

Eles serão transferidos para o útero da mulher por meio de um cateter flexível

entre os dias 3 e 5 após a fertilização.

Cabe ressaltar que o desenvolvimento da técnica, tem-se chegado à

conclusão que a transferência por volta do quinto resultaria em maiores benefícios e

probabilidades de sucesso.

Nesse sentido:

Na fertilização in vitro os embriões são rotineiramente transferidos para o útero no dia 2 ou 3 de desenvolvimento, sendo os resultados de taxa de implantação e gravidez muito baixos. A transferência dos embriões no dia 5 ou 6 parece aumentar o sucesso da FIV por embrião transferido, não somente por haver uma melhor sincronização entre o estágio do embrião e o desenvolvimento endometrial, mas também por permitir uma seleção dos melhores embriões. Além disso, pode-se transferir poucos embriões sem afetar as taxas de gravidez e reduzir o risco de gravidez múltipla. (ALMODIN; PEREIRA; MINGUETTI-CÂMARA, 1999, p. 409)

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A transferência por volta do quinto dia é compatível com os acontecimentos in

vivo, pois é nesta fase de blastocisto que, no processo natural, o embrião estaria

atingindo o útero, o que representa uma maior possibilidade de que a sua eclosão e

a sua nidação na parede uterina ocorram de maneira mais eficiente.

Ocorrendo a implantação do embrião, ou dos embriões, no útero materno tem

início a gravidez.

Geralmente são produzidos diversos embriões, para que se promova uma

seleção eficaz dos mais viáveis, para que sejam transferidos em um número capaz

de aumentar as probabilidades de gravidez, para que, em caso de falha, possa-se

tentar novamente e para que, querendo os genitores, possa-se buscar uma nova

gravidez, sem a necessidade de se passar por todo o procedimento novamente.

Para se estabelecer o número de embriões a ser transferido por tentativa

leva-se em consideração diversos fatores relacionados à viabilidade do embrião,

como a morfologia dos óvulos, as características da fertilização e a velocidade de

divisão celular do embrião, além da idade da mulher e do desejo do casal em

relação à quantidade de filhos que, dentro dos limites naturais e legais, pretendem

ter naquela gravidez.

A normatização brasileira, pelo Conselho Federal de Medicina, permite que

seja inserido o número máximo de quatro embriões por tentativa, aumentando desta

forma as chances de sucesso da técnica e impedindo uma gravidez com um grande

número de fetos.

Cabe salientar que os índices de efetiva gravidez alcançados através da

técnica de fertilização in vitro se aproximam dos acontecimentos no mundo natural,

tendo em vista que a maioria das fecundações que ocorrem dentro do corpo da

mulher não resultam em gravidez. Isso de deve a inúmeros fatores, como simples

alterações morfológicas que tornam inviáveis também os embriões obtidos in vivo.

Assim, no âmbito da ciência ocorre o mesmo do que

[...] em ciclos espontâneos, onde se sabe que somente em torno de 40% dos embriões se implantam. Hoje se sabe que grande parte dos embriões - até 60% - tem alterações estruturais que os torna inviáveis, o que justifica, ao menos em parte, o que ocorre com os que não se implantam. Desta forma, este acontecimento da FIV reproduz o que ocorre em ciclos espontâneos e não deve ser considerado um atentado à vida humana. (BADALOTTI, 2005, p. 157).

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Os embriões não utilizados na técnica são congelados, para que

posteriormente possam ser aproveitados em uma nova gravidez ou, caso não ocorra

a gravidez, em uma nova tentativa.

Nesse sentido:

O congelamento tem como objetivo possibilitar a transferência dos embriões excedentes posteriormente, caso não ocorra a gravidez ou quando houver desejo de outra gestação. Desta forma, não haveria necessidade de submeter a mulher a um novo ciclo de indução da ovulação, que poderia gerar desconforto, riscos e até ser inviável por questões econômicas ou biológicas. A transferência de embriões congelados aumenta a chance de gestação num ciclo de tratamento em 10-20%. (BADALOTTI, 2005, p. 159).

Cabe salientar que é possível promover o desenvolvimento do embrião em

um ambiente laboratorial. Mas, após um determinado período, ele não poderá mais

ser implantado no útero feminino, pois terá perdido a capacidade de estabelecer a

nidação, e, com isso, torna-se incapaz de gerar uma vida humana, servindo apenas

para análises científicas.

Foi justamente no sentido de limitar esse lapso de desenvolvimento in vitro

que a mesma Resolução do Conselho Federal de Medicina limita esse tempo a 14

dias, pois esse é o momento em que se dá o surgimento dos primeiros indícios de

uma estrutura neural. Tal limitação se coaduna com a idéia de uma fase pré-

embrionária.

Destarte, no procedimento da fertilização in vitro o congelamento, que

paralisa o desenvolvimento do embrião no estagio em que ele se encontre, ocorre

por volta do terceiro ou quarto dias, na fase de mórula. Isso porque, nesta fase, já é

possível determinar a sua viabilidade e ele ainda não eclodiu, o que permite o seu

posterior descongelamento e utilização. Entretanto, os embriões que não são

reutilizados para fins de reprodução, permanecem congelados.

Contudo, carece de uma análise mais aprofundada as questões referentes à

problemática da destinação desse produto ocioso resultante da técnica específica da

fertilização in vitro com a posterior transferência de embriões, que são os chamados

embriões excedentários.

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CAPÍTULO 3 OS EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS E AS PROMESSAS

TERAPÊUTICAS DAS CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS

O principal meio de se obter as células-tronco embrionárias é exatamente

através da sua extração dos embriões não utilizados na técnica de reprodução

assistida da fertilização in vitro, com posterior transferência de embriões.

A descoberta de que essas células tem a capacidade de se transformar em

qualquer uma das células que compõem o organismo humano representou uma

revolução no campo da medicina regenerativa, pois, com isso, surgiu a possibilidade

de se alcançar a cura de diversas enfermidades que afligem uma relevante parcela

da sociedade.

Com isso, apesar estarem inseridos nas constantes discussões em relação à

delimitação do início da vida humana, esses embriões excedentários, com o advento

das possibilidades terapêuticas das células-tronco embrionárias, passaram a ter um

papel de destaque no desenvolvimento da sociedade.

3.1 Embriões Excedentários

Os embriões excedentários são aqueles não utilizados ao fim da técnica de

reprodução assistida da fertilização in vitro (FIV), seguida da transferência de

embriões, seja porque foram considerados inviáveis para a transferência, seja

porque já se atingiu com a técnica o resultado pretendido pelos genitores.

Esses embriões são congelados com a finalidade de estagnar o seu

desenvolvimento e de preservá-los, sendo que permanecerão nesta situação até

que se defina a sua destinação.

Eles podem ser doados anonimamente para a transferência em favor de casais

ou pessoas com problemas de fertilidade (inclusive casais gays, dependendo da

legislação do país), destruídos ou utilizados como fonte de células-tronco embrionárias.

Ou seja, “[...] a FIV pode gerar um número de embriões maior do que se

pretende transferir.” (BADALOTTI, 2005, p. 158), sendo estes os “[...] embriões

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excedentes, os quais poderiam ser congelados, utilizados para pesquisa, doados ou

destruídos.” (BADALOTTI, 2005, p. 159).

Nesse mesmo sentido, Miguel Kottow (2005, p. 166) afirma que a fertilização

in vitro requere “[...] una cantidad supernumeraria de embriones que en última

isntancia crerán el conflicto de su destino - congelamiento eterno, destrucción,

donación, utilización para experimentación biológica -.”

A alegação de que eles poderiam ser doados para casais que desejam ter

filhos é admirável, mas não ocorre e nunca ocorrerá na prática em número suficiente

para que todos esses embriões, ou até mesmo uma parte considerável deles, sejam

utilizados. E, também, com o cada vez mais crescente desenvolvimento das técnicas

de reprodução assistida, quase todos, e no futuro certamente todos, os problemas

de infertilidade serão resolvidos, inclusive com a ajuda das células-tronco

embrionárias (como no recente estudo que promoveu a criação de espermatozóides

em laboratório através dessas células). Assim, os casais, terão a oportunidade ter

filhos com a sua herança genética, fazendo com que a grande maioria deles escolha

esta opção à adoção de um embrião congelado, com uma genética totalmente

diversa da deles. Além disso, existem milhares de crianças já nascidas, e

abandonadas, que merecem mais atenção do que um grupo de “células”

congeladas, e que assim permanecerão, nas políticas de adoção.

Quanto a sua destruição, essa prática é proibida pelo regramento brasileiro

sobre a matéria, estabelecido pela Resolução n. 1358/92, do Conselho Federal de

Medicina. Entretanto, essa prática mostra-se como recorrente no cotidiano das

clínicas de reprodução assistida, principalmente em razão dos custos para a

manutenção desses embriões nesse estágio, pois os genitores não veem sentido em

arcar com as despesas para a preservação de algo que nunca mais utilizarão e para

as clínicas esses custos também são inviáveis.

E, quanto a utilização desses embriões excedentes como fonte de obtenção

de células-tronco embrionárias, que serão utilizadas em pesquisas e terapias

futuras, teve início uma grande contenda, envolvendo praticamente todos os setores

da sociedade. Entre eles: a comunidade cientifica, as pessoas portadoras de

doenças que poderiam ser curadas com essas terapias e as organizações religiosas.

Foi justamente em face dessas discussões acerca da possibilidade de sua

utilização como objeto de pesquisa que surgiu no Brasil, em 2005, o posicionamento

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permissivo, quando respeitados alguns requisitos, adotado pelo art. 5º da Lei de

Biossegurança Nacional (Lei n. 11.105/05).

Porém, tal posição, apesar de ter sido amplamente debatida pelos

parlamentares, representantes da população, antes da sua aprovação, deparou com

uma grande resistência de parcela da sociedade brasileira, principalmente daqueles

imbuídos de visões religiosas contrárias, fazendo com que o referido artigo fosse

objeto de uma Ação Direita de Inconstitucionalidade.

O mote principal da disputa era a delineação da natureza dos embriões

excedentes como uma pessoa humana, e, por conseguinte, titular dos mesmos

direitos destas, como o direito basilar à vida, ou como um conjunto de células que

ainda não representam a expressão de uma vida e, por isso, poderiam ser utilizadas

no desenrolar das pesquisas científicas.

A posição favorável à possibilidade de realização das pesquisas e, portanto, à

manutenção do artigo permissivo nos moldes em que foi criado prevaleceu,

declarando, desta forma, a sua constitucionalidade e, consequentemente, o fato de

que a implementação dessas experimentações não se apresenta como uma afronta

aos direitos fundamentais da vida e da dignidade da pessoa humana.

Desta forma, a decisão proferida não dotou esses embriões excedentários,

congelados e inanimados, de uma natureza humana capaz de representar uma

ofensa aos preceitos defendidos pelos direitos fundamentais, permitindo a sua

utilização como fonte de células-tronco embrionárias.

Existem milhares de embriões criopreservados nas clínicas de reprodução

assistida brasileiras, sem qualquer previsão de que um dia serão utilizados para fins

reprodutivos. Com isso, esses embriões, que certamente nunca virão a se

desenvolver em um ser humano, terão como destino mais provável o descarte,

parecendo óbvio que a sua destinação para pesquisas que futuramente poderão

resultar na cura de doenças que afligem uma parcela relevante da sociedade não se

apresenta como uma afronta aos direitos fundamentais, mas sim como uma

concretização desses direitos.

Toda essa discussão tem relação com a definição da real situação dos

embriões excedentários. Contudo, antes de se discorrer expressamente sobre esta,

parece indispensável a delimitação dos posicionamentos das religiões mais

influentes na sociedade, dos estágios de desenvolvimento da pessoa humana e das

principais teorias acerca do início da vida.

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3.1.1 A Visão das Religiões

Apesar do Estado brasileiro, de acordo com o previsto no artigo 19 da

Constituição Federal, ser uma entidade laica e, com isso, ter todas as suas decisões

desvinculadas dos ensinamentos religiosos, é inegável que a visão religiosa dos

seus membros irá influenciar, mesmo que minimamente, nas decisões a serem

tomadas.

Essa influência apresentou-se de maneira significativa na ação apresentada

ao Supremo Tribunal Federal combatendo a possibilidade de utilização dos embriões

excedentes em pesquisas e terapias, principalmente em face da atuação de

entidades ligadas à visão cristã, amplamente majoritária na sociedade brasileira,

como amicus curia e na audiência pública realizada.

Além da participação direta de pessoas com este mesmo ponto de vista, como o

Procurador-geral da República (Claudio Fonteles), responsável pela propositura da

contenda.

Assim, a posição defendida pelo cristianismo, principalmente com os

enfoques dados pelo catolicismo, assume destaque na sociedade brasileira. Mas,

parece interessante a demonstração da visão de outras religiões relevantes dentro

do panorama nacional e mundial.

Nesse sentido, para parcela dos seguidores do judaísmo, a vida começa

apenas no quadragésimo dia, quando acredita-se que o feto começa a adquirir a

forma humana. Enquanto que para uma outra parte, com bastante expressão, do

pensamento judaico, a vida se dá apenas no nascimento com vida. Para o judaísmo

a religião e a ciência se completam, devendo esta ser incentiva. Essas prerrogativas

estabeleceram uma grande influência na legislação do Estado judaico de Israel,

sendo esse um dos países onde a permissão de pesquisas em embriões se dá de

maneira mais ampla.

Já para o islamismo, o início da vida ocorre quando a alma é soprada por Alá

no feto, o que acontece aproximadamente cento e vinte dias após a fecundação. Um

exemplo desse entendimento é a normatização da República Islâmica do Irã, que

também não se apresenta como um Estado laico, ou seja, que também tem as suas

decisões políticas baseadas nos ensinamentos religiosos, e que, baseando-se

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nesses ensinamentos, permite a realização de pesquisas com embriões humanos

para a obtenção de células-tronco embrionárias.

E, para o budismo a vida é um processo contínuo e ininterrupto, estando

presente em tudo que existe. Assim, a vida não se dá quando ocorre a fecundação,

ela já existia com os avós e bisavós. Os seres humanos são uma forma de vida que

depende das outras formas para existir. Contudo, entende que é a ciência que vai

facilitar e melhor a qualidade de vida no planeta.

Destarte, quanto à visão do cristianismo, a vida te início no ato da concepção,

ou seja, quando o óvulo é fertilizado pelo espermatozóide, resultando na formação

de um embrião e, consequentemente, de um ser humano pleno, que deve ser

protegido independente do local onde esta fecundação foi realizada, em laboratório

ou dentro do corpo da mulher.

O papa João Paulo Segundo, no Evangelium Vitae n. 60, coloca que:

Desde el momento en que el óvulo es fecundado, se inaugura una vida que no es la del padre o la de la madre, sino la de un nuevo ser humano que se desarrolla por sí mismo [...] Con la fecundación inicia la aventura de una nueva vida humana, cuyas principales capacidades requieren un tiempo para desarrollarse y poder actuar. (apud GARCÍA, 2006, p. 51).

Assim, para o cristianismo “[...] ese conjunto de células diminuto anida un ser

humano que, aunque no haya desarrollado aún todo su potencial, merese el miesmo

tratamiento que un humano completamente diferenciado.” (SÁDABA, 2004, p. 85).

Para la Iglesia existe un ser humano que es un individuo completo desde la concepción; [...]. El individuo o la persona no comenzarían, por ejemplo, con la implementación en el útero, sino que, repetimos, estarían ya, según la doctrina vaticana, con plenos derechos en esa minúscula unión primigenia que aún carece de expresión genética alguma. (SÁDABA, 2004, p. 86).

Deste modo, para esta visão, mesmo que o embrião encontre-se congelado,

que nunca vá se desenvolver até se transformar em uma pessoa e que,

provavelmente, será, em algum momento, simplesmente destruído, ele representa

uma vida humana completa, que deve ser resguardada por todos os direitos

fundamentais inerentes a esta posição.

Quanto à influência desse posicionamento no mundo político, tem-se como

exemplo a legislação restritiva da Itália, que, possivelmente em razão da influência

direta e constante do Vaticano, é o único país da comunidade européia que não

permite a pesquisa com os embriões excedentários da fertilização in vitro.

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Contudo, as contendas acerca da possibilidade de pesquisa em embriões

humanos para a obtenção de células-tronco embrionárias parece sofrer algumas

influências das crenças religiosas predominantes nos países. Depara-se diretamente

com essa realidade quando das discussões sobre qual das teorias delineadoras do

termo inicial da vida humana deve ser a adotada.

3.1.2 Principais Teorias Acerca da Origem da Vida Humana

Existem diversas teorias7 acerca do termo inicial da vida humana, entre elas

estão aquelas que estabelecem como o primeiro marco desse fenômeno:

a) Fecundação - a vida tem início com a invasão do óvulo pelo espermatozóide,

tendo por justificativa a consolidação da presença de todos os componentes

genéticos necessários para a formação do ser humano.

Para essa teoria, “[...] o código genético ou genótipo está presente desde a

concepção, portanto o embrião humano é pessoa a partir da concepção ou

fecundação.” (FERRARESI, 2007, p. 75)

b) Nidação - o termo inicial da vida humana é a fixação do óvulo fecundado na parede

do útero, em face da impossibilidade do desenvolvimento das fases necessárias para

o desenvolvimento de uma pessoa humana fora do ambiente uterino.

Assim, nessa teoria, “[...] a vida somente começa quando o óvulo fecundado

se aloja no útero materno, entre o 6º e o 9º dia.” (FERRARESI, 2007, p. 75).

Nesse contexto se estaria “[...] reconociendo el comiezo de la vida embrionaria

con estuto moral irrestricto al iniciarsse el embarazo uterino.” (KOTTOW, 2005, p. 160).

7 Algumas delas não serão destacas no presente trabalho, como: Teoria ecológica: a vida começa quando o

feto pode viver fora do útero, sendo certo que para isso, é preciso que os pulmões estejam prontos, o que ocorre por volta da 25ª semana de gestação; Teoria do Início dos Batimentos Cardíacos: que ocorre entre as 3ª e 4ª semanas; Teoria fisiológica: a vida humana começa quando o indivíduo nasce e se torna independente da mãe, com seu sistema circulatório e respiratório; Teoria metabólica: a vida é um processo contínuo; portanto, não faz sentido discutir seu início já que o óvulo e o espermatozóide são apenas o meio da cadeia vital.

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Do ponto de vista técnico, um zigoto, geneticamente completo, tem potencial biológico para vir a ser um individuo desde sua origem, [...]. Mas, além do potencial biológico, o que o zigoto necessita após se formar é se implantar no útero materno para que tenha um lugar para se desenvolver e tenha acesso a oxigênio e a nutrientes. (ALHO, 2005, p. 56).

Contudo, a impossibilidade de se gerar uma pessoa humana em um ambiente

criado e distinto daquele encontrado no útero materno demonstra a

imprescindibilidade da nidação na formação de um ser humano completo, pois é

somente com o seu advento que terá início a formação da placenta e o embrião

receberá os nutrientes necessários para se desenvolver.

c) Primeiros Indícios do Sistema Neural - a vida humana começa no momento em

que o embrião acelera o seu desenvolvimento e começam a aparecer os

primeiros vestígios embrionários de formação das órgãos e do sistema nervoso.

Esse evento ocorre após duas semanas, ou catorze dias, tendo os preceitos

defendidos por esta corrente resultados na criação do termo pré-embrião.

Outro argumento utilizado é que a vida começa no 14º dia de gestação

porque é nesse momento que o embrião adquire individualidade, tendo em vista que

antes desse período ele pode se dividir.

Essa teoria ganhou grande destaque entre os juristas brasileiros, pois na

legislação sobre o termo final da vida humana, Lei dos Transplantes (Lei n. 9434/97),

tem-se que a vida termina com a fim das atividades cerebrais, sendo que, diante de

uma abordagem lógico-analógica, ela começaria com o início da formação dos

primeiros indícios do cérebro.

Nesse contexto, as células-tronco embrionárias teriam a mesma natureza que

os órgãos retirados para transplante, ou seja, apesar de terem origem humana, não

seriam a expressão de uma vida humana. Um porque a vida já se esgotou pelo fim

da atividade cerebral e a outra porque a vida ainda nem começou em face da

inexistência de qualquer indicio dessa atividade, podendo, com isso, ambos serem

utilizados em pesquisas e terapias.

d) Atividade Neurológica - a vida se dá com o início da atividade neurológica, o que

ocorre somente após a oitava semana de gestação, com a formação do tubo neural.

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José Juan García (2006, p. 48), discorrendo acerca dessa teoria, expõe a

alegação por ela defendida, de que “[...] ningún embrión puede considerarse

‘individuo humano’ y menos aún persona, hasta que no esté formado el sistema

nervioso central. Esto significa, hasta la 6ª – 8ª semana de fecundación.”

e) Transformação do Embrião em Feto - a vida tem início a partir desse momento,

que ocorre entre o início da oitava semana, ou quarenta dias, e a décima sexta

semana, e se caracteriza pelo aparecimento de membros e órgãos.

Quanto a esta teoria, faz-se necessária ressaltar que na maioria dos países

onde o aborto é permitido ele só pode ser realizado até esse momento.

f) Cérebro mais Desenvolvido - o começo da vida humana se dá por volta da

vigésima sétima semana, quando o sistema nervoso central esta mais

desenvolvido, representando a possibilidade do feto passar a efetivamente ter

sensações, como a dor.

Nesse sentido:

Cariecendo los embriones de la maduración neural necesaria para sentir dolor, no constituye para muchos investigadores lesión de derechos el utilizarlos como material de investigación, considerando siempre preferible emplear seres biológicos escasamente envolucionados si con ello se benefia a la humanidad. (KOTTOW, 2005, p. 153).

g) Nascimento – para essa corrente a vida somente tem início com o término da

gestação, mesmo que esta acontece antes dos nove meses característicos.

É importante salientar que a legislação civil nacional, no artigo 2º do Código

Civil, estabelece como o início da personalidade civil o nascimento com vida,

resguardando, entretanto, os direitos do nascituro desde a concepção.

Ou seja, “A personalidade jurídica da pessoa natural, para que ela possa

tutelar seus direitos inerentes à pessoa humana (direito à imagem, à integridade

física), exige o nascimento com vida.” (CASSETTARI, 2006, p. 228).

Contudo, tal previsão não visa determinar o marco inicial da vida humana

como sendo a concepção, mas apenas o momento a partir do qual as pessoas são

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capazes para exercer direitos e adquirir obrigações e, principalmente, proteger,

desde a fecundação, todos os diretos compatíveis com a situação do nascituro,

que é o organismo que já se encontra em desenvolvimento nas condições

adequadas dentro do útero materno e tem o seu nascimento como um evento certo

e esperado.

Diante de todo o exposto, o momento que representa o evento mais

importante para que o embrião efetivamente se desenvolva até se transformar em

uma pessoa humana é o instante da nidação.

Esse argumento ganha forças quando se observa que, no estágio atual do

desenvolvimento científico, é absolutamente impossível se conceber uma vida

humana fora do ambiente do útero materno.

Além disso, essa posição representa o momento de união entre a mãe e o

futuro filho, dando, com isso, ênfase a essa relação materno-fetal, que apresenta

características de uma ligação sentimental muito forte e muito bonita.

Assim, o termo inicial da vida se dá com a nidação, o que transforma os

acontecimentos ocorridos antes desse instante em uma fase na qual não há ainda a

presença da vida humana, principalmente nos casos em que essa fase se desenrola

em laboratório.

Isso se deve justamente ao fato de que esse embrião (ou pré-embrião),

apesar de ter potencialidade para se transformar em uma vida humana, somente o

fará se estiverem presentes diversas condições, sendo a primeira e a mais

importante delas a sua ligação a um útero materno.

Cabe ainda, para se concluir essa difícil tarefa de se estabelecer a

delimitação da natureza dos embriões excedentes, proceder uma pormenorização

dos diversos conceitos envolvidos nas fases de desenvolvimento do ser humano.

3.1.3 Estágios do Desenvolvimento do Ser Humano

Algumas denominações encontram-se intimamente relacionadas com a evolução

do organismo humano até que ele atinja a condição de uma pessoa completa, sendo as

principais: pré-embrião, embrião, feto, nascituro e recém-nascido.

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O termo pré-embrião foi criado por uma parcela da comunidade cientifica com

a finalidade de individualizar o período entre a fecundação e os primeiros estágios

de desenvolvimento das estruturas que compõem o organismo humano, sendo este

período de duas semanas.

Assim, após os 14 dias de desenvolvimento embrionário tem inicio a formação

dos três folhetos embrionários: o endoderma (parte mais interna, que vai formar o

pâncreas, fígado, tireóide, pulmão); o mesoderma (vai formar a medula óssea, músculo,

coração, vasos); e o ectoderma (vai formar pele, neurônios, hipófise, olhos, orelhas).

É justamente a partir desse momento que as células nervosas começam a ser

formadas, sendo que antes de período não há nenhum resquício de célula nervosa,

sendo esse o argumento utilizado para se criar o termo.

A individualização desse período de 14 dias foi “[...] proposta pela primeira

vez em 1979, pela Ethics Advisory Board (DHEW), nos Estados Unidos e vincula-se

à inexistência de algum esboço de estrutura nervosa, antes desse tempo.”

(FERRARESI, 2007, p. 75)

Entretanto, foi na Inglaterra em que se utilizou ”[...] pela primeira vez o termo

pré-embrião, para as células observáveis de 14 a 16 dias, após a concepção.” Nesse

contexto que esse país aprovou em 1990, após um amplo debate social, político e

científico, iniciado em 1982, uma legislação reguladora dos procedimentos de

reprodução assistida e das pesquisas embriológica e genética, na qual se permite a

manipulação científica dos embriões excedentes da fertilização in vitro, desde que

não transcorridos 14 dias da fecundação. (FERRARESI, 2007, p. 75).

Com isso, o termo pré-embrião passou a ser adotado expressivamente e

encontra-se presente de maneira expressa na Resolução do Conselho Federal de

Medicina brasileiro que cuida da matéria e nas normas estabelecidas pela Agência

Nacional de Vigilância Sanitária 8, que o define como o produto da fusão das células

germinativas até catorze dias após a fertilização, in vivo ou in vitro, sendo este o início

da formação da estrutura do sistema nervoso. (FERRARESI, 2007, p. 135-136).

Realidade esta que demonstra a adoção do termo por parte do regramento brasileiro.

Ângela Ferraresi, quanto ao pré-embrião, afirma que os especialistas

estabeleceram essa “[...] definição de embrião em seus primeiros estágios, referindo-

se a ser humano em potencial”. E continua alegando que, dessa forma, “[...] não é

8 Resolução n. 33 da Anvisa, de 17 de fevereiro de 2006.

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integrante da espécie humana porque não é ser humano atual”, sendo que “[...] tudo

o que se deve normatizar a seu respeito restringe-se a uma limitação do direito de

propriedade sobre ele.” (FERRARESI, 2007, p. 135, grifo do autor).

Cabe destacar que parte da doutrina, inclusive a autora acima citada,

combate a implementação deste conceito, afirmando que a sua intenção é

simplesmente facilitar a concretização da possibilidade de pesquisas cientificas que

os tem como objeto principal através da alegação de que eles não são uma

expressão do ser humano, mas apenas um amontoado de células. Essa corrente

afirma que desde a fecundação o que se tem é a fase embrionária.

Nesse mesmo sentido, o sacerdote José Juan García (2006, p. 46) alega que o

terno pré-embrião foi criado pela embrióloga A. McLaren diante de uma certa pressão

da comunidade científica. E que ”[...] en el fondo, era un neologismo que intentaba

esquivar fraudulentamente las objeciones de orden ético. No existe el preembrión,

como no existe tampoco un estadio prehumana.” (GARCÍA, 2006, p. 46).

Adotando-se a utilização do pré-embrião, a fase embrionária se desenrola a

partir do início da formação do sistema nervoso até o início da estruturação da forma

humana, com o desenvolvimento de órgãos e membros, ou seja, da segunda até o

início da oitava semana.

Interessa salientar que, como já foi enfatizado, é justamente neste período em

que se permite o aborto nos países onde tal prática é regulamentada, sendo que,

nesta fase, existe um perigo muito menor de surgirem complicações, mesmo porque

é nela em que ocorre a grande maioria dos abortos espontâneos.

Com o desenvolvimento de órgãos e membros e o surgimento da aparência

de ser humano, a partir da nona semana, apresenta-se a fase do feto.

Já o nascituro é entendido como o ser humano já concebido, cujo nascimento

se espera como um fato futuro e certo. E, o recém-nascido é o ser humano com

todas as características que acaba de nascer com vida.

Contudo, é indiscutível que, independente do termo utilizado para descrever a

fase do desenvolvimento em que se encontra os embriões congelados e da teoria

acerca do início da vida humana defendida, as pesquisas com células-tronco

embrionárias devem ser incentivadas, principalmente levando-se em consideração

os benefícios econômicos e sociais que o desenrolar dessas terapias podem trazer

para o Estado e para a sociedade.

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Assim, diante de tudo que já foi explicitado e do posicionamento em favor da

necessidade da concretização das pesquisas com células-tronco embrionárias

advindas dos embriões excedentários, torna-se mais fácil a tarefa de discorrer

acerca da sua situação.

3.1.4 A Real Condição dos Embriões Excedentários

A delimitação da real condição dos embriões excedentes da fertilização in

vitro em uma determinada sociedade encontra-se intimamente relacionada com as

visões religiosas dessa coletividade, com os conceitos acolhidos em relação às

fases do desenvolvimento embrionário e, principalmente, com a teoria adotada em

relação ao início da vida humana, sendo que, nessa busca pelo verdadeiro status

desses embriões, algumas teorias se destacam.

Nesse sentido:

O status moral do embrião, que está intimamente ligado com as questões de quando começa a vida humana e com a definição de pessoa, é um ponto-chave no debate ético. É controverso se o embrião é um ser humano desde o momento da fertilização. Para os que pensam que a vida humana começa no momento da fertilização, o embrião tem os mesmos direitos que uma pessoa, é merecedor de todo respeito e deve ser protegido como tal. Dois argumentos sustentam esse raciocínio: o primeiro é que o embrião tem o potencial de tornar-se uma pessoa, e o segundo é que o mesmo está vivo e tem direito à vida. Os que consideram o embrião apenas como um conjunto de células, julgam que ele não merece nenhuma diferença de tratamento que qualquer outro grupo celular. Há ainda quem se posicione de forma intermediária, defendendo que o embrião tem status especial, mas que não se justifica protegê-lo como a uma pessoa. (BADALOTTI, 2005, p. 157, grifo do autor).

Assim, as três as principais são: a concepcionista, a desenvolvimentista e a

que classifica este embrião como uma entidade autônoma.

A corrente concepcionista, utilizando-se especialmente das posições

defendidas pelos seguidores da doutrina cristão, estabelece a fecundação,

independente do local onde ocorra, como marco inicial da vida. E, combatendo a

utilização do termo pré-embrião, prega que o embrião é uma pessoa humana, e, por

isso, dotado de todos os direitos fundamentais, como o da preservação da vida e o

da existência digna, igual a qualquer outro membro da sociedade.

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La visión genética, conservadora, o concepcional, adoptada principalmente por las teologías, entiende el momento de la concepción como el inicio de la vida humana y potencalmente personal. La unión de los gametos parentales y la fusión de las dotaciones genéticas progenitoras otorgan estatus moral completo al cigoto, poseyendo los mismos derechos y mereciendo iguales protecciones que toda persona humana. Esta postura tembién se denomina ontológica, pues da por existente al sser humano desde la concepción, se bien se producen algunas rispideces en determinar el momento preciso de la fusión genética. (KOTTOW, 2005, p. 160).

Nesse sentido, o sacerdote José Juan García (2006, p. 51) afirma que “[...] el

cigot y el embrión son un sujeito humano, y como tal poseen todo el valor y la

dignidad fundamental de la persona humana.”

O autor continua alegando que: “El ciclo vital de un ser humano se inicia en el

momento de la fusión de los gametos, uno del padre y uno de la madre. Ciclo que

continúa, sin interrupción, su ritmo natural. [...]. Dicha continuidad del proceso implica la

unicidad del nuevo ser en su desarrollo.” (GARCÍA, 2006, p. 44).

Es decir, al producirse la fecundación de los ganetos se origina el cigoto, que reúne desde el mismo instante de su formación, toda la información genética necesaria para programar la formación del nuevo ser. No existe un estadio del desarrollo cualitativamente diverso o separado del proceso global iniciado en el momento de la concepción. (GARCÍA, 2006, p. 45).

E, Miguel Kottow (2005, p. 84) coloca que:

Para la visón concepcional del comienzo de la vida un embrión que evoluciona hasta constituir un ser humano con agencia moral, tiene desde ya una identidad moral y es acreedor al mismo trato ético que el neonato o el adulto. Es la identidad que permanece a través del tiempo la que es meritoria de un respeto constante.

Já a teoria desenvolvimentista, adotando uma visão totalmente contrária à

primeira, estabelece o embrião como um mero amontoado de células, não sendo, desta

forma, titular de qualquer um dos direitos fundamentais inerentes ao ser humano.

Com isso, esta corrente apresenta os embriões excedentários como um simples

organismo, passível de ser objeto de todos os tipos de manipulação cientifica.

Nesse contexto, o embrião não pode ser considerado como a expressão de uma

pessoa humana, devendo-se promover uma negação da aplicação dos direitos

humanos “[...] a las primeras etapas de la divisón celular, ya que las células

blastoméricas son totipotenciales como agregado, carecen de identidad y no tienen aún

determinado cuáles de ellas constituirán la placa embrionaria.” (KOTTOW, 2005, p. 84).

E, aquela que classifica os embriões excedentários como uma entidade

autônoma pugna pela delimitação de uma natureza própria para esses organismos,

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alegando que apesar de não serem uma pessoa humana, eles se originam da união

de elementos humanos e possuem, quando presentes todas as condições

necessárias, inclusive e principalmente a sua implantação no útero materno, a

potencialidade para vir a ser.

Combatendo essa teoria que estabelece a potencialidade do embrião de vir a

se tornar um ser humano, o sacerdote José Juan García coloca que:

Se entiende con claridad ahora cómo es equívoco hablar del embrión como si fuese un ‘ser humano con potencialidad’. Cierto es que sus capacidades tendrán necesidad de tiempo para su despliegue y encontrar las condiciones adecuadas para expresarse en las actividades propias de un ser consciente. Pero como el niño, el embrión es un ser humano que se desarrolla gradualmente, aunque todavía no es un adulto. Y se desarrolla por un dinamismo propio e intrínseco continuo y coordinado. Es adecuado entonces hablar del embrión como de un ser humano que, dadas las condiciones favorables del ambiente, desarrolla sus intrínsecas posibilidades. Es absolutamente distinta la condición de un óvulo no fecundado, que podrá o no llegar a ser persona humana si se encuentra y funde con el gameto masculino, que un óvulo ya fecundado, que por una orientación intrínseca está expresando la potencialidad de ese ser humano, que es en realidade actual. (GARCÍA, 2006, p. 47)

E Miguel Kottow (2005, p. 153) esclarece este mesmo ponto de vista

combativo colocando os argumentos dessa posição:

En discordancia con esta liberalidad está el respeto por el embrión como ser humano – potencial o real – que ya es depositarios de derechos, y que por lo tanto no puede ser degradado a la categoría de material de experimentación. El afán de conocimento o las necesidades terapéuticas de ciertas personas no poderían justificar investigaciones éticamente reprobables.

Contudo, com o advento das possibilidades terapêuticas das células-tronco

embrionárias, oriundas desses embriões humanos, essa discussão ganhou novos

contornos.

“Los argumentos sobre el comienzo de la vida [...] adquieren un nuevo giro

especialmete en lo referente a células troncales.” (KOTTOW, 2005, p. 162).

A posição mais coerente com a realidade atual em relação à necessidade da

sociedade e do Estado de promoção das pesquisas científicas neste ramo e em

relação à forma mais contemporânea de aplicação e de concretização dos direitos

fundamentais do homem é a adoção da terceira corrente.

Ela não exclui a composição dos embriões excedentários por elementos

humanos e a sua consequente potencialidade de vir a se tornar um ser humano

quando estiver presente todas as condições necessárias para tal, mas, ao mesmo

tempo, afirma ser possível a sua utilização como fonte de células-tronco

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embrionárias, tendo em vista que esses embriões ainda não se apresentam como a

expressão de um ser humano.

Nesse sentido, cabe destacar as palavras de Javier Sábada (2004, p. 85):

[...] muchos piensan que un embrión merece mayor respeto. Mas aún, algunos creen que estamos instrumentalizando a una persona para salvar a otro. Pero sólo se puede pensar así si se supone que en el embrión, a la altura de no más de cien células, existe un ser humano [...].

Assim, o argumento simplista de que a vida tem início com a fecundação e que,

com isso, a partir desse momento, todo e qualquer organismo, independente do local

onde foi concebido, do estado em que se encontra e da possibilidade ou não de vir a

se desenvolver em um ser humano deve ser indistintamente protegido por todos os

direitos inerentes ao homem, não pode e nem deve prosperar. Sendo que, ao ser

utilizado pela Ação Direita de Inconstitucionalidade que visava impugnar a legislação

permissiva da utilização destes embriões como objeto de pesquisa, foi corretamente

afastado, principalmente em face da sua apresentação em uma direção totalmente

contrária à visão moderna de concretização dos direitos fundamentais.

Contudo, em face das promessas oriundas das pesquisas com as células-

tronco embrionárias, faz-se necessário se aprofundar na análise dessas células que,

espera-se, serão o futuro das terapias em favor do ser humano.

3.2 As Células-tronco como Elemento Indispensável na Evolução das Experimentações Terapêuticas

As células-tronco se apresentam como um grupo de células não-especializadas,

indiferenciadas e que possuem a capacidade de se auto-renovar e de se diferenciar em

outros tipos celulares. Elas “[...] são tipos celulares que ainda não amadureceram, isto é,

que ainda não tem forma nem função definida.” (ALHO, 2005, p. 39).

“Stem cells are unique cell populations with the ability to undergo both self-

renewal and differentiation.” (ODORICO; KAUFMAN; THOMSON, 2001, p. 193).

“[…] stem cells are cells with the capacity for unlimited or prolonged self-

renewal that can produce at least one type of highly differentiated descendant.”

(WATT; HOGAN, 2000, p. 1427).

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Ou seja, são um grupo de células com a capacidade de se auto-renovar

indefinidamente, sem diferenciação, e de se diferenciar em outras células do

organismo quando estimuladas.

As células-tronco possuem duas importantes propriedades:

(I) a grande capacidade de se proliferar, isto é, de auto-replicação, o que significa que elas podem gerar cópias idênticas de si mesmas e (II) a capacidade de se diferenciar, isto é, amadurecerem de um estado sem forma nem função específica para um estado maduro com forma e função bem definidos. (ALHO, 2005, p. 39).

No mesmo sentido:

Estas células poseen dos características: 1) la capacidad de autorrenovación ilimitada, o sea de reproducirse sin diferenciarse; 2) la capacidad de dar origen a células progenitoras de tránsito, con una capacidad proliferativa limitada, de las cuales descienden poblaciones de células altamente diferenciadas. (GARCÍA, 2006, p. 109, grifo do autor).

Assim, uma das características que as diferenciam das demais células do

organismo é a sua capacidade de auto-renovação, com a aptidão, independente de

serem embrionárias ou adultas, de se renovarem por longos períodos de tempo,

através de mitoses, sem envelhecerem e sem se diferenciarem em tipos celulares

especializados.

As células-tronco não possuem estruturas específicas que as permitam

realizarem funções especializadas, como pulsar ou produzir insulina, sendo que as

condições e fatores que permitem esta multiplicação indiferenciada apresentam

ainda um vasto campo para estudos.

Os sinais que regulam a diferenciação, que é o processo pelo qual ocorre a

transformação de uma célula indiferenciada em uma específica, como um neurônio,

podem ser oriundos da expressão gênica e de elementos externos, como a

presença de substâncias químicas secretadas por outras células, o contato físico

com células vizinhas ou com moléculas do microambiente.

Nesse mesmo sentido: “Stem cells have the ability to choose between

prolonged self-renewal and differentiation. This fate choice is highly regulated by

intrinsic signals and the external microenvironment.” (ODORICO; KAUFMAN;

THOMSON, 2001, p. 193)

Um entendimento melhor dos sinais que ativam determinados genes para

influenciar a diferenciação pode gerar novas estratégias de terapias.

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Nesse contexto, é de extrema relevância ressaltar que uma vez diferenciadas,

todas as células que resultam dela terão as mesmas características, assim, por

exemplo, se uma célula-tronco se diferencia em uma célula do coração, todas as

que dela decorrem serão células do coração.

Porém, a grande dificuldade científica encontra-se relacionada com a delimitação

dos fatores específicos que regulam a proliferação, a auto-renovação e a diferenciação

das células-tronco, e promover o controle deste processo, sendo que, por exemplo, a

técnica de cultivo de células-tronco embrionárias in vitro sem a sua diferenciação

somente foi possível após aproximadamente vinte anos de investigações.

Deste modo, a pesquisa com células-tronco é de extrema relevância na

aquisição de uma visão mais correta e abrangente dos processos de

desenvolvimento do organismo, sendo crível obter, com o seu desenrolar, as

respostas de como o todo se origina de apenas uma única célula, através da

atuação das células-tronco embrionárias, e de como as células saudáveis

substituem as deterioradas em organismos amadurecidos, através da ação das

células-tronco adultas.

Prega-se também a possibilidade de que as pesquisas com as células-tronco

possam alcançar um estágio no qual será plausível utilizá-las no teste de drogas e

toxinas com prováveis implicações no desenvolvimento humano e em terapias

celulares, nas quais essas células, após a sua diferenciação in vitro, poderão suprir

o transplante de órgãos, como nas pesquisas com aplicação de células-tronco

adultas específicas em um coração lesado, resultando no surgimento de células

musculares cardíacas sadias.

Com isso, a sociedade terá enormes benefícios com o desenvolver das

possibilidades de sua aplicação no tratamento de doenças, promovendo uma

evolução da medicina regenerativa, na qual as células-tronco poderão se diferenciar

em tipos celulares específicos que sofreram lesão em decorrência de um acidente

ou de uma enfermidade, como no caso das paralisias (com a reconstrução do

sistema nervoso periférico) ou do mal de Parkinson (com a produção de neurônios).

Confirmando tais previsões, Garcia (2006, p. 110) afirma que:

El uso de estas células estaminales está dirigido hoy a reparar tejidos del organismo adulto que están dañados.” [...]. Hay un elenco de enfermidades que poderían se curadas con el uso de estas células madre: las células del sistema nervioso pueden ser empleadas para el tratamiento de infarto cerebral, del mal de Parkinson, del mal de Alzeiheimer, de la esclerosis múltiple. Las células del

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músculo cardíaco pueden servir para remediar el infarto de miocardio. Las células que sintetizan insulina, para la diabetes. Las células de la sangre, para la leucemia, cánceres e inmunodeficiencias. Las células del hígado,para remediar hepatitis y cirrosis. Las células óseas, para la osteoporosis.

Além desse relevante potencial terapêutico, é importante destacar também

que as células-tronco são indispensáveis na formação e no desenvolvimento do

organismo humano.

As células-tronco adultas atuam nos tecidos desenvolvidos, sendo

responsáveis pela renovação das células deterioradas por uma lesão, por doença ou

pelo transcorrer da vida, como as da medula óssea, dos músculos e do cérebro. Já

as células-tronco embrionárias são as que, durante a evolução do embrião, darão

origem aos tipos celulares especializados que constituem todos os seus elementos,

como o sistema nervoso, a pele, o pulmão, o coração e os demais

3.2.1 Diferenciação entre as Células-tronco Adultas e as Embrionárias

Nesse contexto, faz-se necessário promover uma diferenciação entre células-

tronco adultas e embrionárias, tendo em vista que se apresentam de modo

totalmente diverso.

As células-tronco são classificadas de acordo com a sua origem, isto é, de

acordo com a parcela ou a fase de desenvolvimento do organismo do qual são

extraídas, e de acordo com a sua potencialidade de diferenciação.

Aquelas obtidas de órgãos e tecidos não-embrionários, do cordão umbilical,

da placenta ou do cume gonadal 9 são as chamadas células-tronco adultas. E as

obtidas de embriões são as células-tronco embrionárias.

Em relação à sua potencialidade de diferenciação, as embrionárias são

inicialmente totipontentes, podendo gerar um indivíduo completo, e, depois,

pluripotentes, podendo se diferenciar em qualquer das células que compõem o

organismo, enquanto que as adultas tem sua diferenciação limitada a células do seu

tecido embrionário de origem.

9 Órgão sexual em cujo interior se formam os gametas – são as células sexuadas, conhecidas como

espermatozóide no masculino e óvulo no feminino.

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Javier Sábada (2004, p. 104) destaca:

En una breve síntesis se puede decir que las células troncales se clasifican o bien según su fuente o bien según su potencia de diferenciación. Según su fuente, proceden de los embriones en fase de blastocistos, de células germinales de fetos abortados con ocho semanas, de tejidos adultos e, incluso, del cordón umbilical. Según su potencial de diferenciación, las hay totipotentes, que podrían dar lugar a un organismo entero (tal totipotencia se mantendría hasta el estado de mórula, con dieciséis células); pluripotentes, capaces de generar cualquier tipo de célula; multipotentes, en donde la diferenciación es menor (las de la piel, por ejemplo), y unipotentes, las cuales producen una sola línea celular (las espermatogónicas,por ejemplo).

Com isso, tem-se que:

As primeiras CT derivadas do zigoto tem totipotencialidade, isto é, podem dar origem aos tipos celulares que formarão o embrião, a placenta e os anexos embrionários, como âmnio e córion. A linhagem de CT do embrião (células do embrioblasto, ou células dos três folhetos embrionários: endoderma, mesoderma e ectoderma) tem pluripotencialidade ou multipotencialidade, o que significa que seu potencial de diferenciação pode originar qualquer um dos tipos celulares presentes nos cerca de duzentos diferentes tecidos que formam o corpo do ser humano. (ALHO, 2005, p. 39).

Existem ainda as categorias de CT oligopotentes, aquelas que conseguem se diferenciar em poucos tecidos e as unipotentes, as que se diferenciam em um único tecido, [...]. À medida que as CT se comprometem com uma linhagem tecidual, diminui progressivamente seu potencial de diferenciação. (ALHO, 2005, p. 40).

Cabe destacar ainda que:

En el estadio de las primeras células que conforman al cigoto, hay una extraordinária propriedad: la totipotencia. Lo que significa que cada célula es capaz de producir todo lo que necesita el futuro desarrollo del organismo. La totipotencia se pierde cuando el embrión pasa al estadio de mórulo (16 células, 3 días de vida). (GARCÍA, 2006, p. 109, grifo do autor).

Assim, apesar de uma grande variedade de tecidos adultos possuírem

células-tronco adultas, essas células somente são capazes de se diferenciar em um

número limitado de tipos celulares. Em contraste, as células-tronco embrionárias,

retiradas dos embriões em estágio de blastocisto (por volta do quinto dia de

desenvolvimento), são pluripotentes, tendo a habilidade de formar qualquer tipo

celular do corpo.

Nesse mesmo sentido:

A wide variety of adult mammalian tissues harbors stem cells, yet “adult” stem cells may be capable of developing into only a limited number of cell types. In contrast, embryonic stem (ES) cells, derived from blastocyst-stage early mammalian embryos, have the ability to form any fully differentiated cell of the body. (ODORICO; KAUFMAN; THOMSON, 2001, p. 193).

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Outra importante diferença entre as células-tronco embrionárias e as adultas

é quanto a função por elas desenvolvida. As embrionárias tem por função se

diferenciar em todas as células do corpo, enquanto que as adultas tem por função

promover a regeneração dos tecidos onde estão inseridas.

Em outras palavras: “Stem cells are the natural units of embryonic generation,

and also adult regeneration, of a variety of tissues.” (WEISSMAN, 2000, p. 1442).

Quanto às possíveis terapias cabe salientar que as células-tronco adultas são

retiradas do próprio paciente, estando presentes em vários dos tecidos do organismo

adulto, como na medula óssea, no pâncreas, nos músculos e no tecido adiposo, e,

por isso, não representam qualquer risco de rejeição. Mas, geralmente, não

conseguem ser muito expandidas in vitro.

Com isso, “A vantagem que estas células apresentam em relação às CT

embrionárias é que não desencadeiam resposta imune devido à incompatibilidade.”

(ALHO, 2005, p. 48).

E, as embrionárias são obtidas através de um embrião humano, sendo que, com a

impossibilidade da clonagem terapêutica, terão origem diversa ao paciente, trazendo a

possibilidade de existirem problemas de rejeição quando da sua utilização em terapias

celulares. Entretanto, podem ser cultivadas em larga escala, o que é muito relevante em

face da necessidade de grandes quantidades de células-tronco nestas terapias.

3.2.2 Células-tronco Adultas

Células-tronco adultas são células indiferenciadas encontradas no meio de

células diferenciadas, em áreas específicas de órgãos ou tecidos como o cérebro, a

medula óssea, o sangue, o fígado, a pele e os músculos do organismo adulto, sendo

assim considerado após o nascimento.

Nas palavras de Clarice Alho (2005, p. 41):

Após o nascimento, podem ser encontradas CT adultas em uma vasta gama de tecidos humanos (biologicamente, consideram-se adultas células do individuo a partir do seu nascimento). [...]. Pâncreas, intestino, medula óssea, fígado, músculo esquelético, tecido adiposo e tecido nervoso são apenas alguns tecidos onde, comprovadamente, foi observado existir um estoque de CT. (ALHO, 2005, p. 41).

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Elas se mantêm em estado latente, no qual não se dividem e são encontradas

em baixa concentração, sendo que sob o estimulo de uma injúria ou da morte natural

de células da estrutura biológica onde estão, são ativadas, sofrendo divisões e se

diferenciando, buscando, desta forma, a regeneração do tecido ou órgão afetado.

Assim, elas “[...] contribute to replenishment of cells lost through normal cellular

senescence or injury.” (ODORICO; KAUFMAN; THOMSON, 2001, p. 193)

Deste modo, a sua principal função no organismo é a manutenção e o reparo

do lugar onde estão locadas. Ou seja, “[...] a função natural das CT adultas é a de

recompor tecidos do corpo já estruturados ao longo de toda a vida do indivíduo.”

(ALHO, 2005, p. 42).

O marco inicial do conhecimento acerca destas células se deu nos anos 60,

com a descoberta de dois tipos de células-tronco na medula óssea. A primeira dá

origem às células sanguíneas e a segunda à cartilagem, ao osso, à gordura e ao

tecido conjuntivo fibroso.

Também se desvelou, na mesma década, a existência de células-tronco

adultas em áreas do cérebro, inclusive com a capacidade de diferenciação em

neurônios, sendo que após tais revelações elas foram encontradas em outros vários

órgãos e tecidos, levando os pesquisadores a indagarem sobre a possibilidade de

sua utilização terapêutica, o que foi realizado com sucesso no caso da medula

óssea e é objeto de inúmeras pesquisas em outros casos.

Apesar do grande beneficio de serem retiradas do próprio paciente, o que

representa uma certeza de que não haverá qualquer tipo de rejeição, alguns

contratempos dificultam a sua utilização de forma ampla.

Os principais problemas no emprego das células-tronco adultas em terapias

celulares estão relacionados à maior dificuldade de se promover em laboratório a

sua auto-renovação sem se diferenciar, à impossibilidade de utilizá-las quando se

tratarem de doenças genéticas e à sua baixa plasticidade, ou seja, à sua

incapacidade de se transformar em diversas células do corpo humano.

Quanto à sua ineficiência no tratamento por terapia celular de doenças de origem

genética, ela se deve ao fato de que essas células, por serem retidas do próprio

paciente, também carregam em seu genoma a deformação genética responsável pela

expressão da doença a ser tratada. Assim, mesmo que seja injetada e que não resulte

em qualquer tipo de rejeição, as células obtidas, após a diferenciação, também serão

portadoras da doença genética que se deseja combater.

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E, quanto a essa baixa potencialidade de diferenciação, ela se justifica pelo

fato dessas células estarem inseridas dentro de uma estrutura celular definida do

organismo, tendo já passado, desde o desenvolvimento embrionário, por diversos

estímulos para que se comportem desta maneira, ou seja, como uma fonte de

células destinadas à regeneração daquele tecido, ou órgão, específico.

Entretanto, em face da crescente evolução nas pesquisas com as células-

tronco adultas, já se chegou à conclusão que existem no corpo humano alguns

conjuntos dessas células que possuem uma capacidade de diferenciação maior do

que se esperava e que é possível, em laboratório, promover estímulos capazes de

aumentar a sua plasticidade.

3.2.2.1 Avanços nas pesquisas com Células-tronco adultas

Assim, já foram encontradas células-tronco adultas com grande potencial de

diferenciação nos organismos adultos e alguns trabalhos científicos conseguiram,

mas sem atingir ainda um nível de repetibilidade adequado, promover a

diferenciação células-tronco adultas originadas de um determinado órgão ou tecido

em células de outro tecido completamente diferente.

É exatamente nesse sentido, Clarice Sampaio Alho destaca que em muitos

“[...] órgãos já formados do corpo adulto de um individuo, em qualquer que seja sua

idade, também são encontradas CT adultas com grande potencial de diferenciação

(multi ou pluripotentes).” (ALHO, 2005, p. 41).

E continua alegando que:

Acreditava-se inicialmente que as CT adultas tinham uma potencialidade limitada de diferenciação que apenas as permitia transformarem-se em alguns poucos tipos celulares. Porém, o avanço das investigações no campo das CT adultas tem mostrado que, in vitro, com tratamentos apropriados, as CT adultas podem adquirir pluriponcialidades, aumentando seu espectro de diferenciação. Assim, ainda que aceite que as CT embrionárias apresentem maior plasticidade de diferenciação, dado seu estado original, em relação às CT adultas, cada vez mais se verifica que a plasticidade de diferenciação das CT adultas pode estender-se com o uso de métodos indutivos artificiais. (ALHO, 2005, p. 42).

Porém, apesar dessa possibilidade de que as células-tronco adultas tenham

mais plasticidade do que se pensou originalmente e de que, talvez, seja possível induzi-

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la in vitro a adquirir pluripotencialidade, o que representaria uma capacidade de se

diferenciar em qualquer um dos tipos celulares que compõem o corpo humano, essa

células geralmente conseguem formar um número limitado de tipos celulares.

Ou seja: “Although stem cells in adult tissues may have more “plasticity” than

originally thought, they typically form only a limited number of cell types.”

(ODORICO; KAUFMAN; THOMSON, 2001, p. 193).

Cabe salientar ainda que “[...] o sangue do cordão umbilical e placentário (SCUP)

é outro exemplo de local onde há uma quantidade importante de CT adulta com

potencialidade de diferenciação elevada devido a sua imaturidade.” (ALHO, 2005, p. 41).

E, quanto à utilização dessas células-tronco, tem-se que:

As CT de SCUP não apresentam a plasticidade de diferenciação que há nas CT embrionárias, mesmo assim, as CT de sangue do cordão e placentário são capazes de cumprir o papel de reparação tecidual previsto e esperado, dada sua imaturidade. [...] Contudo, os ensaios com CT de SCUP também se deparam com o risco de incompatibilidade imunológica quando as CT são de SCUP de doadores geneticamente diferentes do receptor. [...]. Melhores resultados podem ser também obtidos com o uso de CT retiradas do SCUP do mesmo animal. (ALHO, 2005, p. 47).

Contudo, ao serem superadas as dificuldades, é indiscutível a importância

que as células-tronco terão no desenvolvimento da medicina regenerativa,

principalmente através da técnica do auto-transplante.

Essa técnica, na qual são retiradas células-tronco adultas do paciente para que

elas passam por um processo de purificação e estimulação em laboratório e,

posteriormente, sejam reimplantadas no próprio paciente, com a finalidade de que se

transformem em células sadias capazes de realizar a função das células comprometidas

pela enfermidade, já foi realizado com sucesso em diversas pesquisas terapêuticas

visando, por exemplo, o tratamento de doenças cardíacas e a diabetes tipo 2.

Com isso, “[...] ainda que as CT adultas não tenham a plasticidade das CT

embrionárias e que sejam menos imaturas [...], as CT adultas conseguem provar a

eficácia da sua potencialidade regenerativa.” (ALHO, 2005, p. 48).

Assim, as pesquisas com células-tronco adultas devem ser incentivas para

que possam prosperar até atingirem o estágio em que possam ser utilizadas no dia-

a-dia dos tratamentos médicos.

Entretanto, em momento algum deve haver uma disputa entre as terapias

decorrentes das células-tronco adultas com as decorrentes das embrionárias, mas

sim uma complementação, na qual os interesses dos seres humanos sejam

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alcançados e efetivados. E, como medida de concretização dos direitos

fundamentais da vida e da dignidade da pessoa humana.

Desta forma, apesar de ser necessário o desenvolvimento das pesquisas com

células-tronco adultas, isso não impossibilita ou interfere na necessidade de também

se promover e incentivar as pesquisas com células-tronco embrionárias.

3.2.3 Células-tronco Embrionárias

As células-tronco embrionárias são aquelas células que encontram-se

presentes no pré-embrião nos seus primeiros estágio de desenvolvimento. Dependo

do momento em que são observadas possuem a totipotencia ou a pluripotencia.

Nesse sentido:

As CT embrionárias totipotentes e pluripotentes são encontradas no inicio do desenvolvimento. As totipotentes estão presentes nas primeiras fases do divisão do zigoto, quando o embrião tem até 16 a 32 células, o que equivale aos três ou quatro dias de vida após a fertilização. As CT embrionárias passam a ser pluripotentes quando o embrião atinge a fase de blastocisto (a partir de 32 a 64 células, aproximadamente a partir do quinto dia de vida). (ALHO, 2005, p. 40).

A totipotencia esta relacionada com a sua capacidade de gerar um ser humano

completo, enquanto que pluripotencia está relacionada com a capacidade de se

transformar em qualquer uma dos 216 tipos de células que compõe o corpo humano.

Quanto às células-tronco embrionárias totipotentes, elas também serão

responsáveis pela criação de outras estruturas indispensáveis ao desenvolvimento

do embrião em uma pessoa completa, como é o caso da placenta e do cordão

umbilical, não sendo viável o seu aproveitamento na busca de procedimentos

ligados à terapia celular.

Cabe destacar que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio),

vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, através da Instrução Normativa 08/97,

proíbe a realização de pesquisas que as tenham como objeto. Essa mesma instrução

normativa conceitua células totipotentes como aquelas que apresentam a capacidade

de diferenciar-se em um indivíduo e estabelece a vedação da atividade de manipulação

genética, em humanos, dessas células. Realidade esta que também é observada

quando da análise da inteligência da Lei de Biossegurança Nacional (Lei n. 11.105/05).

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Assim, as células-tronco embrionárias que realmente interessam às

experimentações terapêuticas são justamente aquelas que são capazes de dar “[...]

origem a todos os outros tipos de células que formarão o corpo de um indivíduo.”

(ALHO, 2005, p. 39), sendo estas as pluripotentes.

Elas são consideradas pluripotentes justamente porque conseguem se transformar

em todas as células que compõem o organismo humano, ou seja, são capazes de dar

origem a linhas de células diferenciadas derivadas das “[...] três camadas germinativas

embrionárias: endoderma 10, (epitélio intestinal); mesoderma 11 (cartilagem, osso,

músculo liso e músculo estriado) e ectoderma 12 (epitélio neural).” (ALHO, 2005, p. 49).

Isso ocorre porque,

A função biológica natural das CT embrionárias é formar o embrião por completo. Para isso, utilizam das suas duas propriedades especiais: a auto-replicação e a diferenciação, com a finalidade de formar cada órgão, cada tecido em estrutura e função para que o corpo do indivíduo seja pleno em funcionalidade e organização espacial. (ALHO, 2005, p. 41).

Essas células ainda possuem outra característica relevante para a sua

utilização, que á a sua capacidade, mesmo em laboratório, de replicar

indefinidamente sem sofrer qualquer tipo de diferenciação, resultando, com isso, na

criação de uma linhagem de célula-tronco embrionárias, que continua a se auto-

renovar e que pode ser objeto de diversas pesquisas terapêuticas, visando,

principalmente, estabelecer os estímulos necessários para que se diferenciem nos

mais diferentes tipos celulares.

“In vitro, as células pluripotentes se caracterizam por poderem se proliferar

indefinidamente sem se diferenciar e, também, por poder se diferenciar quando

modificadas as condições de cultivo.” (ALHO, 2005, p. 39).

No mesmo sentido:

Human ES cells have a […] remarkable long-term proliferative potential, providing the possibility for unlimited expansion in culture. Furthermore, they can differentiate into derivatives of all three embryonic germ layers when transferred to an in vivo environment. (ODORICO et al, 2001, p. 193)

É precisamente em razão do que foi explicitado que as células-tronco

embrionárias pluripotentes são as utilizadas para a criação de linhagens de células-

tronco, que serão posteriormente utilizadas em pesquisas e terapias. Sendo que foi

10 Camada mais interna, da qual resultam o sistema respiratório e o digestivo. 11 Camada média, a qual se desenvolve em osso, cartilagem, sangue, músculos, etc. 12 Terceiro folheto constitutivo, que dá origem ao sistema nervoso, à epiderme e aos órgãos sensoriais.

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exatamente nesse sentido que se posicionou a liberação estipulada pela Lei de

Biossegurança Nacional.

Para que as células-tronco embrionárias estejam em estágio de pluripotência

elas devem ser retiradas do pré-embrião quando este se encontrar na fase de

blastocisto 13, possuindo aproximadamente cem células, o que ocorre por volta do

quinto dia de desenvolvimento.

Deste modo, “[...] para lograr lãs células madre hay que tomar um embrión em

su estádio de blastocistos (de cinco a siete dias) [...].” (SÁDABA, 2004, p. 85).

É importante salientar que são necessários vários embriões para que se

obtenha sucesso na criação de uma linhagem de células-tronco embrionárias,

principalmente quando são obtidas de embriões excedentários congelados, como no

caso da legislação brasileira e da maioria dos países onde as pesquisas são

permitidas, pois esses embriões são congelados em um estágio de desenvolvimento

anterior ao de blastocisto, devendo, após o seu descongelamento, serem

estimulados a se desenvolver até esse estágio para que possam ser retidas as

células-tronco. Além do fato de que o próprio processo de descongelamento, por si

só, já resulta na inviabilidade de uma parcela relevante desses embriões.

Assim,

Explica-se que os embriões excedentes, isto é, os que não foram transferidos para o útero da mãe, são congelados num período inicial do desenvolvimento (de três a quatro dias após a fertilização), e que para o uso das CT embrionárias eles devam estar num estágio de blastocisto (com cerca de 100 células), o qual se atinge no quinto ou sexto dia após a fertilização. As tentativas de viabilização dos embriões após o congelamento constatam que menos de 50% dos embriões congelados são capazes de chegar ao estágio de blastocisto. (ALHO, 2005, p. 54).

A primeira linhagem brasileira de células-tronco embrionárias foi desenvolvida já

no final de 2008, meses após a liberação das pesquisas com embriões excedentários,

decorrente da decisão do Supremo Tribunal Federal, em uma parceria entre

pesquisadores da Universidade de São Paulo e da Universidade Feral do Rio de Janeiro.

Para realizar a linhagem foram utilizados 308 embriões congelados, doados

de clínicas de reprodução assistida situadas em São Paulo e em Ribeirão Preto.

Cerca de 60% deles sobreviveu ao descongelamento e somente 36 embriões se

desenvolveram até o estágio de blastocisto, o que é necessário para que sejam

13 Fase do desenvolvimento embrionário em que as células não diferenciadas originadas pela segmentação

do ovo – os blastômeros – encontram-se dispostos em uma única camada, em torno da cavidade central.

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produzidas células-tronco. Em média, foram retiradas 50 células-tronco de cada um

desses 36 embriões, sendo que apenas um desses grupos de 50 células-tronco

sobreviveu, dando origem, assim, à primeira linhagem de células-tronco

embrionárias brasileira. E, dessa linhagem surgiram 100 milhões de células-tronco

após o prazo de três meses. 14

Quanto ao procedimento para o desenvolvimento de linhagens de células-

tronco embrionárias tem-se que:

Cleavage-stage human embryos, produced by in vitro fertilization for clinical purposes, are donated by individuals after informed consent. After embryos are grown to the blastocyst stage, the ICM is isolated and plated onto mitotically inactivated murine embryonic fibroblast (MEF) feeder layers in tissue culture. The ICM cell outgrowths are propagated in the presence of serum, and colonies with the appropriate undifferentiated morphology are subsequently selected and expanded. (ODORICO; KAUFMAN; THOMSON, 2001, p. 194).

Cabe destacar que o Brasil, antes de desenvolver sua própria linhagem,

importava células-tronco embrionárias de linhagens oriundas de outros países,

sendo que esse avanço dado pela comunidade cientifica brasileira foi muito

importante para incentivar e para baratear os custos das pesquisas.

A realização de pesquisas com células-tronco embrionárias com a utilização

de linhagens importadas, anteriores à decisão do Supremo tribunal Federal, se deve

ao fato de que essa discussão tinha como mote a possibilidade, ou não, de

utilização, em território nacional, dos embriões excedentários como fonte de células-

tronco embrionárias, não englobando uma proibição à realização de

experimentações científicas com células-tronco embrionárias.

Além disso, é importante salientar também que a aquisição de linhagens de

células-tronco embrionárias estrangeira para fins de pesquisa não incide na

proibição do comércio do material biológico, prevista na legislação brasileira, tendo

em vista que em momento algum essa atividade visou algum ganho econômico, mas

apenas o desenvolvimento de futuras terapias em favor da população.

Outra relevante conquista que decorre da criação da primeira linhagem de

células-tronco embrionárias brasileira é que qualquer técnica desenvolvida a partir

dessa linhagem terá patente brasileira, ao contrário do que acontece com as

pesquisas que utilizam células estrangeiras.

14 Dados retirados da reportagem: Neiva (2008, p. 168).

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Foi no começo da década de 80 que pesquisadores conseguiram isolar células-

tronco embrionárias de camundongos, resultando em um enorme salto nas pesquisas

sobre os estágios de desenvolvimento do embrião e a diferenciação celular. (ALHO,

2005, p. 47).

Dessa nova realidade surgiu a perspectiva de que células-tronco embrionárias

obtidas a partir de blastocistos humanos poderiam ser diferenciadas em laboratório

para assumir as características de qualquer um dos tecidos ou órgãos do corpo

humano.

Situação esta que ainda é perseguida pela comunidade científica e que,

quando alcançada, se corretamente utilizada, representará um avanço significativo

no tratamento ou até mesmo a solução de diversas doenças que debilitam

determinados tecidos ou órgãos de maneira que o próprio organismo não tenha

força para repará-los naturalmente.

As doenças em que se acredita que o tratamento com estas células-tronco

possa auxiliar de forma mais expressiva são o mal de Parkinson, o diabetes, o

trauma na coluna espinhal, a distrofia muscular, as doenças cardíacas, a perda de

visão e de audição, entre outras.

Mas, foi somente no final da década de 90 que células-tronco embrionárias

humanas, oriundos de embriões excedentários da técnica de fertilização in vitro,

foram efetivamente isoladas e diferenciadas em laboratório.

Assim:

El año de 1997 marca el inicio [...]. Efectivamente, en ese año J. T. Thompson y R. Pedersen conseguieron aislar y desarrollar líneas celulares desde embriones sobrantes y donados de la FIV. Es verdad que hacía más de veinte años que se había logrado aislar dichas células en ratones. Pero, por fin, se lograba en humanos también. Y es que Thompson y Pedersen obtuvieron cinco líneas celulares o potenciales tejidos y todo parece indicar que se desarrollaban con las habituales características que tienen nuestras diferenciadas células. (SÁDABA, 2004, p. 104).

Após essa revolução na pesquisa células-tronco embrionárias, o mundo

científico se empenhou na busca de terapias oriundas dessas células, fazendo com

que o número de trabalhos científicos nesse sentido crescesse de forma exponencial

com o passar dos anos.

“The number of publications on embryonic stem cells (ESCs) entered

exponential growth phase 2 years after Thomson et al. derived the first human ESC

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line, reflecting the potential of using ESCs in cell-based therapies for humans.”

(MEIRELLES; CAPLAN; NARDI, 2008, p. 2287).

Nesse contexto, em face das suas características, as células-tronco embrionárias

passaram a ter um papel de extrema importância no futuro da medicina regenerativa.

3.2.3.1 Aplicações das Células-tronco Embrionárias

As células-tronco embrionárias, além da sua importância na análise e no

delineamento do desenvolvimento embrionário, podem ser utilizadas como

instrumento na transgenia e na aplicação da medicina regenerativa, principalmente

através da terapia celular.

A transgenia “refere-se à mudança genética” (FERRARESI, 2007, p. 158), ou

seja, à manipulação dos componentes genéticos, tendo, desta forma, ligação com a

técnica de hibridismo, que “[...] refere-se a cruzamentos de espécies diferentes ou, a

mistura de genes de espécies diferentes.” (FERRARESI, 2007, p. 163).

Essa realidade possibilita a criação de quimeras, que são organismos

compostos por células derivadas de mais de um indivíduo, através da transferência

de alelos mutantes, obtidos por meio de células-tronco embrionárias do doador, para

o genoma receptor.

Desta forma, para ser implementada, essa técnica depende da realização de

engenharia genética nas células envolvidas, pois promove uma modificação da

composição genética do receptor. Por isso, é amplamente combatida e proibida 15

quando o ser humano é o receptor.

No entanto, ela pode ser utilizada “[...] com o objetivo de obter animais

geneticamente modificados, pra produção de substâncias terapêuticas, para

xenotransplantes e, para pesquisas de doenças e terapias.” (FERRARESI, 2007, p. 164).

Assim, células-tronco embrionárias transformadas podem ser utilizadas na

produção de quimeras transgênicos, visando, com isso, a obtenção de modificações

genéticas que resultem em condições interessantes para a sociedade e para a

15 Constitui um dos tipos penais previstos na Lei de Biossegurança Nacional: Art. 25. Praticar engenharia

genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião humano: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

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economia, como a criação de animais geneticamente modificados: para a produção

de substâncias terapêuticas, como a criação de vacas leiteiras modificadas para que

o seu leite contenha proteínas de interesse para a saúde do homem; para a prática

dos xenotransplantes, “[...] ou seja, o transplante do órgãos, células e tecidos, do

animal para o corpo humano” (FERRARESI, 2007, p. 166), como as pesquisas que

visam desenvolver porcos com órgãos compatíveis com o ser humano; e para serem

utilizados em pesquisas, visando especialmente estabelecer os efeitos que essas

terapias teriam nos seres humanos.

3.2.3.1.1 Medicina Regenerativa

As células-tronco embrionárias promoveram uma verdadeira revolução na

medicina regenerativa, pela qual será possível realmente promover o reparo e

substituição de tecidos que sofreram lesão ou degeneração, visando, com isso,

restaurar as suas funções.

Nesse sentido, Collins (2007, p. 251) afirma que:

Caso fosse possível encontrar uma maneira de regenerar os tecidos danificados nesses órgãos, as muitas doenças crônicas que hoje são progressivas e fatais poderiam ser tratadas com eficiência, ou mesmo curadas. Por esse motivo, a ‘medicina regenerativa’ constitui um tópico de enorme interesse na pesquisa médica. Atualmente, o estudo das células-tronco parece oferecer a maior promessa para a realização desse sonho.

E conclui alegando que:

O verdadeiro entusiasmo com os benefícios da pesquisa de células-tronco, entretanto, é o potencial embora ainda não comprovado, da utilização dessa abordagem para desenvolver novas terapias. Muitas doenças surgem porque um certo tipo de célula tem morte prematura. (COLLINS, 2007, p. 250)

O principal foco dessa medicina regenerativa é a terapia celular, que consiste

basicamente na utilização de células com objetivos terapêuticos, ou seja, visando a

cura ou tratamento das enfermidades.

Quando implementada com a utilização de células-tronco embrionárias, ela se

baseia na idéia de se criar uma cultura que possibilite a essas células-tronco se

diferenciar em uma determinada célula do corpo humano. Assim, ao serem inseridas em

uma pessoa com problemas relacionados a essas células específicas, como no caso das

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células da medula, para pessoas com paralisia, e dos neurônios da substância negra do

cérebro, para as pessoas portadoras do Mal de Parkinson, possam se diferenciar em

células saudáveis capazes de melhorar, ou até mesmo curar, o problema.

Nesse contexto, as células-tronco embrionárias, justamente através da terapia

celular, podem vir a “[...] ser úteis para reposição celular em tecidos lesados em uma

variada gama de doenças as quais são resultado de disfunção ou morte celular.”

(ALHO, 2005, p. 49).

Outro aspecto da medicina regenerativa, com a utilização de células-tronco

embrionárias, é quanto a diferenciação dessas células para que promovam a

formação de células, tecidos ou até mesmo órgãos completos.

Assim, a esperança é que seja possível a criação em laboratório, através dessa

diferenciação, de todos esses elementos do organismo humano, com a finalidade de

serem utilizados em medidas terapêuticas, como o transplante de tecidos.

Essa perspectiva se deve ao fato de as células-tronco embrionárias possuírem a

pluripotencialidade, o que as possibilita, quando estimuladas para isso, que se

transformem em qualquer uma das células que compõe o organismo humano.

Como já foi dito, a grande dificuldade para se promover a diferenciação in vitro

dessas células esta em se delinear exatamente quais os estímulos que devem ser nelas

aplicados para que se transformem na célula específica que se pretendo obter.

Não obstante, as pesquisas nesse campo vem se aprimorando cada vez

mais, sendo que a esperança é que, com o aperfeiçoamento dessas técnicas, as

células-tronco embrionárias possam fornecer um suprimento ilimitado de tecidos

para transplantes.

Nesse sentido:

Data are now emerging that demonstrate human ES cells can initiate lineage-specific differentiation programs of many tissue and cell types in vitro. Based on this property, it is likely that human ES cells will provide a useful differentiation culture system to study the mechanisms underlying many facets of human development. Because they have the dual ability to proliferate indefinitely and differentiate into multiple tissue types, human ES cells could potentially provide an unlimited supply of tissue for human transplantation. (ODORICO; KAUFMAN; THOMSON, 2001, p. 193)

Exemplos do aperfeiçoamento das pesquisas em relação aos estímulos

necessários para que as células-tronco embrionárias se diferenciem aparecem cada

vez mais, sendo que, hoje, já é possível, a partir de células-tronco embrionárias,

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promover a criação em laboratório de neurônios 16, de tecidos da pele (NISHIKAWA;

GOLDSTEIN; NIERRAS, 2008, p. 725) e, mais recentemente, de espermatozóides.

A criação de esperma humano em laboratório, a partir de células-tronco

embrionárias, foi alcançada por um grupo de cientistas da Universidade de Newcastle,

na Inglaterra, sendo que a pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de buscar

mecanismos para a solução dos problemas relacionados à infertilidade masculina.

No experimento, células-tronco oriundas de embriões masculinos (XY) foram

colocadas em uma solução rica em vitamina A e incubadas em temperatura

semelhante à do interior dos testículos, sendo, com isso, estimuladas a se

transformarem em células progenitoras de espermatozóide, ainda com conteúdo

genético completo (46 cromossomos). As de maior potencial reprodutivo foram

selecionadas e passaram por um processo de maturação e, ao final, foram dividas

pelo processo de divisão celular característico das células sexuais, que é meiose.

Assim, cada célula deu origem a dois espermatozóides com 23 cromossomos, sendo

que esses espermatozóides são idênticos aos criados naturalmente pelo sistema

reprodutor masculino, possuindo todos os elementos formadores (cabeça, cauda e

proteínas capazes de ativar um óvulo durante a fertilização) 17.

O mais interessante é que o mesmo procedimento quando efetuado em

células-tronco originadas de embriões femininos (XX) não obteve sucesso,

demonstrando a perfeição da genética.

Contudo, mostra-se inegável que as células-tronco embrionárias representam

um instrumento de extrema importância para o futuro da medicina humana.

Entretanto, antes que essas terapias possam ser efetivamente utilizadas em seres

humanos faz-se necessária a superação de alguns possíveis problemas.

3.2.3.2 Possíveis Problemas na Utilização de Células-tronco Embrionárias

As pesquisas com células-tronco embrionárias ainda encontram-se em

desenvolvimento, sendo que as maiores preocupações são quanto ao risco de

formação de tumores após a sua utilização em terapias celulares e quanto a sua

16 Informação obtida na reportagem: Neiva (2008, p. 168). 17 Dados retirados da reportagem: Romanini (2009, p. 138-139).

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possível rejeição por parte do organismo receptor, tendo em vista que o doador

possui uma composição genética diversa da recebida.

Nesse sentido:

Os ensaios que testam o grupo celular de CT embrionárias em modelos animais apresentam alguns resultados positivos, mas nas tentativas de regeneração tecidual, se deparam com riscos importantes causados ao animal, principalmente relacionados a dois aspectos: (I) a rejeição imunológica que o corpo do animal tem às CT oriundas de um embrião doador geneticamente diferente do animal receptor, e (II) a formação de teratomas que as CT embrionárias promovem. (ALHO, 2005, p. 46).

Quanto ao risco de formação da tumores, essa possibilidade se dá em face

da alta capacidade de diferenciação que possuem essas células-tronco e da rapidez

em que elas se dividem.

“O risco de teratomas ocorre porque as CT embrionárias tem a elevada

potencialidade de diferenciação e uma capacidade para se proliferar com grande

velocidade, a qual ainda não se tem como controlar.” (ALHO, 2005, p. 46).

Sendo que: “Teratomas são tumores formados por diferentes tipos celulares.

Estes teratomas são identificados quando se injetam CT embrionárias em um tecido e

estas células dão origem a outros variados tipos celulares diferentes do tecido em que

foram injetadas.” (ALHO, 2005, p. 46).

No entanto, é importante destacar que, muitas vezes, a obtenção desses

teratomas é proposital nos experimentos realizados pelos pesquisadores em animais

de laboratório. Esse experimento tem por finalidade averiguar se as células a serem

utilizadas em pesquisas são realmente pluripotentes e, com isso, podem formar

qualquer uma das células do organismo. Assim, elas são inseridas em animais para

que formem esse tumor, que é composto por células das três camadas germinativas,

o que demonstra com certeza que essas células analisadas possuem pluripotencia.

Cabe ainda ressaltar que esses tumores derivados das células-tronco

embrionárias aparecem, em animais, com maior freqüência quando essas estão

totalmente indiferenciadas, sob a possível justificativa de que ao entrarem em

contato com o organismo sofreriam estímulos das mais diversas estruturas celulares

para se diferenciarem. E que esses tumores, também em experimentos com

animais, se mostraram incapazes de sofrer metástase e não provocaram uma morte

rápida dos seus hospedeiros.

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Resumindo todas essas alegações:

[…], the possibility arises that transplantation of differentiated human ES cell derivatives into human recipients may result in the formation of ES cell-derived tumors. These tumors are not metastatic, and do not rapidly kill the host animals. Tumor growth in immunodeficient animals appears to be dependent on the presence of a stem cell population in undifferentiated cultures. Thus, as ES cells are allowed to fully differentiate into post-mitotic, terminally differentiated derivatives, they should deplete the undifferentiated stem cell pools, thereby reducing the probability of uncontrolled tumor growth. Ultimately, as the potential for tumor growth is a major safety consideration, a fail-safe method to prevent tumor growth may need to be developed. (ODORICO; KAUFMAN; THOMSON, 2001, p. 200)

Para impedir o desenvolvimento de tumores, o que se busca é atingir um

certo grau de diferenciação provocada dessas células-tronco embrionárias in vitro,

antes de efetuar a sua implementação no organismo do paciente. Ou seja, busca-se

que ela já tenha sido submetida a sinais capazes de influenciar a sua diferenciação

em células do tecido ou do órgão desejado.

Assim,

Estudos nos quais se usam CT embrionárias pré-diferenciadas (diferenciadas em ambiente laboratorial in vitro através de tratamento com compostos químicos especiais, antes da aplicação nos animais) foram mais efetivos, não tendo sido observada a formação de tumores [...]. (ALHO, 2005, p. 47).

Outro obstáculo a ser transposto na aplicação terapêutica das células-tronco

embrionárias é em relação a possibilidade de sua rejeição por parte do organismo do

paciente, tendo em vista que elas são obtidas através de uma cultura feita em

laboratório a partir de embriões com origem genética diversa da do paciente.

Assim, ”[...] por haver incompatibilidade genética entre doador e receptor, o

sistema imunológico do receptor cria anticorpos que atacam as CT do doador

implantadas no seu tecido.” (ALHO, 2005, p. 46).

Esse problema poderá ser resolvido através da administração de drogas

imunossupressoras, como já feito com sucesso no caso de transplantes de órgãos e

tecidos retirados de cadáveres, que também apresentam uma diferença entre a

composição genética do doador e do receptor.

“Estudos nos quais se usam drogas na tentativa de evitar a rejeição

imunológica (imunossupressores) simultâneas à terapia com CT embrionárias, ou

animais imunossuprimidos, são mais efetivos.” (ALHO, 2005, p. 46).

Existe ainda a possibilidade de que os cientistas consigam manipular

geneticamente essas células-tronco para que elas provoquem um mínimo de

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rejeição ou para que não promovam qualquer tipo de rejeição, mesmo tendo uma

composição genética diversa da do receptor, excluindo, desta forma, a necessidade

de se administrar imunossupressores.

“[...], by virtue of their permissiveness for stable genetic modification, ES cells

could be engineered to escape or inhibit host immune responses.” (ODORICO;

KAUFMAN; THOMSON, 2001, p. 198).

Uma outra forma de extirpar a possibilidade de rejeição é se obter células-

tronco embrionárias com uma composição genética idêntica à do paciente, o que

pode ser alcançado por meio clonagem terapêutica, na qual se promove o produção

de um clone, por meio da transferência do núcleo de uma célula somática a um

oócito desnucleado, com a única finalidade de se obter células-tronco embrionárias.

Porém, essa técnica é proibida pelo regramento brasileiro e nunca foi realizada

em seres humanos. Entretanto, alguns países, como a Inglaterra e Israel, antevendo os

possíveis benefícios da sua utilização, liberaram a prática desta técnica.

Por fim, é importante destacar que as pesquisas nesse campo ainda não se

desenvolveram o suficiente para que, em relação à sua utilização em humanos,

todas estas afirmações possam ser desmentidas ou até mesmo comprovadas.

A verdade é que ainda não se sabe como as células-tronco embrionárias se

comportarão ao serem inseridas em um ser humana, tendo em vista que isso nunca

aconteceu e que muitas possibilidades estão em aberto, como a citada possibilidade

de se manipular essas células para que elas não promovam um processo de

rejeição quando inseridas no paciente.

Contudo, apesar das incertezas e do tempo necessário para que as técnicas

terapêuticas decorrentes das experimentações com células-tronco embrionárias

sejam efetivamente aplicadas aos seres humanos, é imperativo a sua promoção,

pois a simples potencialidade de vir a trazer esses inúmeros benefícios à saúde

humana já justifica a necessidade de se liberar e incentivar as pesquisas.

Muitas das terapias hoje utilizadas, senão todas, passaram por uma longa

fase de experimentação até poderem ser efetivamente utilizadas, sendo que, neste

processo, muitas possibilidades não chegaram a ser confirmadas e foram excluídas.

As pesquisas com células-tronco embrionárias não alteram em nada a

possibilidade e a necessidade do desenvolvimento de outras pesquisas, como

aquelas referentes às células-tronco adultas e as referentes à possível

reprogramação de células somáticas adultas em células embrionárias.

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O importante é justamente não limitar as possibilidades, pois o argumento de que

possa vir a ter outras alternativas não justifica, por si só, o abandono das pesquisas.

Assim, apesar diversos dos problemas a serem superados, tanto de ordem

científica como de ordem ético-jurídica, e do fato de que determinadas

experimentações devam ser necessariamente combatidas, principalmente em face

dos absurdos que delas podem decorrer, o que não se deve é, utilizando-se de

justificativas simplórias e de argumentos sem qualquer substância, impedir o

desenvolvimento das terapias derivadas das células-tronco embrionárias.

3.2.3.3 Origem das Células-tronco Embrionárias

Frente a todas as evoluções já alcançadas e todas as possibilidades que

podem resultar das pesquisas com células-tronco embrionárias, a grande discussão

encontra-se exatamente em relação à origem dessas células, ou seja, de que

embriões elas poderão ser retiradas, principalmente porque na quase totalidade dos

casos a sua extração resulta na destruição do embrião.

Nesse contexto, tem-se que:

Há basicamente três fontes de obtenção de células-tronco embrionárias, que por sua vez podem ser utilizadas na terapia celular diretamente ou como produtoras de cultivos de tecidos (ou órgãos) in vitro para substituir in situ os tecidos e órgãos danificados. As fontes são as seguintes: (1) de embriões produzidos por fertilização in vitro que foram exclusivamente criados para este fim; (2) de embriões produzidos por fertilização in vitro que foram descartados em processos de reprodução assistida ou que foram congelados e não mais utilizados para fins reprodutivos (embriões excedentes); (3) de embriões obtidos por clonagem mediante transferência de núcleo ou por divisão embrionária. Este último é o caso da aplicação da técnica de clonagem não-reprodutiva com fins terapêuticos (clonagem terapêutica). (SOUZA, 2005, p. 229).

Assim, as opções para a obtenção de células-tronco embrionárias são através

da criação de embriões em laboratório exclusivamente para esta finalidade, da

clonagem terapêutica e da utilização de embriões excedentários (ou seja, os não

utilizados e os inviáveis), decorrentes da técnica de reprodução assistida da

fertilização in vitro.

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3.2.3.3.1 Criação de embriões em laboratório exclusivamente para fins de pesquisa e

terapia

Quanto à criação de embriões exclusivamente como fonte de células-tronco

embrionárias, ela é proibida pelo regramento brasileiro, pois o artigo 5º da Lei de

Biossegurança permite apenas que sejam utilizados os embriões excedentes da

fertilização in vitro, ou seja, os inviáveis e os não utilizados, e a já citada Resolução

n. 1358/92, do Conselho Federal de Medicina, proíbe a fecundação de oócitos

humanos com qualquer outra finalidade que não seja a procriação humana.

Nesse sentido

Quanto ao recurso de embriões para manipulação como fonte de estudo para as pesquisas, é importante lembrar que haverá um limite na quantidade de embriões disponíveis, uma vez que no Brasil permanece não sendo permitida a produção de embriões exclusiva para este fim. (ALHO, 2005, p. 54).

É interessante destacar que, diante da realidade social atual, apesar do fato

dos embriões serem produzidos em laboratório e não implementados no útero

materno, o que, considerando as alegações e teorias defendidas na presente

dissertação, resultaria na inexistência de uma vida humana, essa possibilidade não

tem sentido, pois existem milhares de embriões congelados em clínicas de

reprodução assistida, que se não forem utilizados em pesquisas e terapias

certamente não terão qualquer outra destinação razoável.

Entretanto, cabe salientar que a maioria das legislações que permitem a

pesquisa com embriões excedentários, inclusive a brasileira, estabelece um lapso

temporal sendo que somente os embriões congelados até aquele prazo poderiam

ser utilizados como fonte de células-tronco embrionárias. O que pode, de alguma

forma, vir a limitar essas investigações cientifica, fazendo com que se torne

necessário uma reavaliação desse prazo ou uma reavaliação da proibição de se

criar embriões exclusivamente para fins de pesquisa e terapia.

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3.2.3.3.2 Clonagem terapêutica

A técnica da clonagem terapêutica consiste na transferência do núcleo de

uma célula somática do paciente para um oócito desnucleado, o que possibilita a

sua reprogramação e o desenvolvimento de um embrião geneticamente idêntico ao

doador, ou seja, um clone, que, após alguns dias de cultivo, quando estiver na fase

de blastocisto, poderá ter as suas células-tronco embrionárias retiradas e cultivadas

em uma linhagem idêntica ao paciente que as receberá durante o tratamento, tendo

em vista que a célula somática foi obtida do seu próprio organismo.

“Además, los tejidos así abtenidos no oferecen el clásico problema de la

histocompatibilidad, puesto que los tejidos logrados así son compatibles con los del

donante del núcleo, el paciente mismo.” (GARCÍA, 2006, p. 138).

Assim, a clonagem terapêutica, quando as terapias celulares estiverem sendo

efetivamente aplicadas e quando essa técnica de clonagem puder ser realizada,

tanto no sentido científico - tendo em vista que nunca foi realizada - como no legal,

em seres humanos, representará a implementação de uma medicina regenerativa

sem o problema da rejeição.

Nesse sentido, “A utilização de terapia celular, baseada na transferência de

células e tecidos a tecidos e órgãos danificados é uma das grandes esperanças da

medicina no futuro, e a clonagem não-reprodutiva [...] poderia ser uma técnica eficaz

para realizar isso.” (SOUZA, 2005, p. 213).

A realização desse tipo de clonagem tem como única finalidade a obtenção

de células-tronco embrionárias para fins terapêuticos, ou seja, visando a cura das

enfermidades do paciente, sendo que nunca resultará na produção de um novo ser

humano idêntico ao submetido à técnica.

Com isso,

A clonagem terapêutica é uma biotécnica emergente que visa, a partir de certas células denominadas células-tronco – stem cells – (células com capacidade de auto-replicação e com potencialidade de diferenciarem-se em vários tipos de tecidos), desenvolver novas terapias na medicina regenerativa, para transplantes de tecidos e talvez, futuramente, de órgãos, pois segundo esta técnica se produz um embrião in vitro para sua utilização com fins denominados ‘terapêuticos’, isto é, de cura ou tratamento de enfermidades que afligem a humanidade; não há, portanto, o fim de se transferir o embrião produzido ao útero no sentido de procriar um individuo clônico. (SOUZA, 2005, p. 213).

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A grande discussão em relação à aplicação dessa técnica é justamente em

função do fato de que, diante da obtenção do embrião, mesmo que a entidade mais

manipulada tenha sido uma célula somática, se está diante de um clone, o que, em

teoria, traria diversas indagações de cunho ético.

Resumindo todo o exposto:

Nuclear transfer technology may provide a more precise means to prevent rejection of transplanted cells. This technique would lead to ES cell-derived cells that are an exact genetic match to the recipient. In this way, there should be minimal host immune response since all nuclear genes, including major and minor histocompatibility loci, would be seen as “self”. Here, a nucleus would be extracted from a normal somatic cell of a patient, say from a skin biopsy, and then injected into an enucleated oocyte. Oocyte cytoplasm has the ability to reprogram differentiated nuclei, and as such, would reestablish an embryonic gene expression program in the chromatin of the somatic cell nucleus. A blastocyst developing from this oocyte would be a source for the derivation of a new ES cell line, which would be genetically matched for each nuclear gene of the patient. […]. In fact, in cows and mice, investigators have successfully combined nuclear transfer technology and ES cell derivation to establish transgenic ES cell lines from reprogrammed somatic cell nuclei. Clearly though, the generation of human embryos by nuclear reprogramming to create novel human ES cell lines would be exceptionally controversial. Furthermore, the poor availability of human oocytes, the low efficiency of the nuclear transfer procedure, and the long population-doubling time of human ES cells make it difficult to envision this becoming a routine clinical procedure even if ethical considerations were not a significant point of contention. (ODORICO; KAUFMAN; THOMSON, 2001, p. 201)

A posição normativa brasileira quanto ao assunto foi estabelecida através da

Lei de Biossegurança Nacional e de uma Instrução Normativa, n. 08/97, da

Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), vinculada ao Ministério da

Ciência e Tecnologia, que foi editado logo após a já citada clonagem da ovelha

Dolly.

A Lei de Biossegurança Nacional estabelece clonagem como sendo o

processo de reprodução assexuada, produzida artificialmente, baseada em um único

patrimônio genético, com ou sem utilização de técnicas de engenharia genética.

Alem de diferenciar conceitualmente a clonagem para fins reprodutivos, como aquela

com a finalidade de obtenção de um indivíduo, da clonagem terapêutica, como

aquela com a finalidade de produção de células-tronco embrionárias para utilização

terapêutica.

Entretanto, em seu artigo 6º, IV, proíbe clonagem humana e em seu artigo 26

estabelece como um tipo penal a realização de clonagem humana, sendo que em

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ambos os casos o faz de maneira generalizada, sem promover a diferenciação

acima apontada.

E, a Instrução Normativa 08/97, da Comissão Técnica Nacional de

Biossegurança (CTNBio) estabelece como Clonagem radical o processo de

clonagem de um ser humano a partir de uma célula, ou conjunto de células

geneticamente manipulada(s) ou não, vedando nas atividades com humanos os

experimentos de clonagem radical através de qualquer técnica de clonagem.

Nesse contexto, apesar da das lacunas dos textos, a grande maioria da

doutrina jurídica e da comunidade científica entende que a técnica de clonagem

terapêutica também é proibida pela legislação nacional.

Contudo, com base nas próprias características dessa técnica, é possível se

estabelecer alguns contra-argumentos a esta posição.

O primeiro é que ela visa apenas a obtenção de células tronco embrionárias

com a mesma composição genética do paciente, o que tem por finalidade impedir o

aparecimento de um processo de rejeição quando ferem inseridas nesse mesmo

paciente, não sendo, em momento algum, nem cogitada a possibilidade de se

transferir esse embrião para um útero feminino, para que ele se desenvolva em uma

pessoa humana. Assim, diante dos preceitos já adotados, não há que se falar na

presença de uma vida humana.

Collins (2007, p. 257) afirma que é “[...] totalmente adequado exigir que o

produto da transferência de células somáticas jamais seja reimplantado no útero de

uma mãe hospedeira.”

E, o segundo se refere ao fato de que essa técnica de transferência nuclear

se utiliza da manipulação de uma célula somática do corpo, como uma célula da

pele, que depois é inserida em um óvulo que apenas foi desnucleado, sofrendo

estímulos para se reprogramar e voltar a se comportar como uma célula dotada de

totipotencia, ou seja, capacidade de transformar em um indivíduo completo, não

representando, com isso, uma fecundação do óvulo ou qualquer tipo de afronta à

composição genética da pessoa submetida à técnica, mas apenas visando a

obtenção de uma cultura de células que poderão ser utilizadas na cura da doença

desse paciente.

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Nesse sentido:

Praticamente todos concordariam que as células epidérmicas (da pele) de um doados inicial não tem nenhum valor moral particular; afinal de contas, nós desprendemos milhões delas todos os dias. Da mesma forma, a célula de um óvulo sem o núcleo, tendo perdido todo o seu DNA, não tem potencial para um dia se transformar num organismo vivo. Portanto, também não parece merecer condição moral. Ao juntar essas duas entidades, cria-se uma célula que não se forma naturalmente, mas que apresenta um potencial definitivo. (COLLINS, 2007, p. 256).

Contudo, uma vez implementadas as técnicas, se a legislação brasileira ainda

não tiver tomado uma posição contundente quanto à matéria, será possível, diante

da necessidade de realização da clonagem terapêutica em um caso concreto,

defender que, em face dos direitos fundamentais à vida e da dignidade da pessoa

humana do paciente que, sofrendo de uma enfermidade que somente será curada

pela utilização dessa técnica, a legalidade da sua realização como uma medida

necessária visando a concretização desses direitos fundamentais.

Assim, utilizando-se de uma interpretação lógico-teleológica, pautada nos

benefícios que podem ser alcançados e nos direitos fundamentais, e através de uma

análise dos objetivos da Constituição Federal e do próprio Direito como um todo, que

visa essencialmente estabelecer regras com a finalidade de proteger as pessoas,

mostra-se evidente que é palpável a defesa da possibilidade, quando as técnicas já

estiverem estabelecidas como práticas efetivas, da realização da clonagem

terapêutica.

Assim, em face de todas essas constatações, a clonagem terapêutica, como

fonte de células-tronco embrionárias, deveria, na verdade, trazer menos discussões

do que a utilização de embriões excedentários.

3.2.3.3.3 A Utilização dos Embriões Excedentários como Fonte de Células-tronco

Embrionárias

A outra possibilidade de obtenção de células-tronco embrionárias merece uma

análise mais detalhada, pois os embriões excedentes da fertilização in vitro foram

objeto de uma grande discussão envolvendo os direitos fundamentais do ser

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humano na Corte Suprema do país e representam o tema central da presente

dissertação.

Os embriões excedentários são aqueles produzidos durante a técnica de

fertilização in vitro e que, ao final desta, sobraram, seja porque, apesar de viáveis,

não foram utilizados, seja porque se mostraram inviáveis para serem transferidos ao

útero materno.

Nesse sentido, tem-se que “[...] convendería clasificar a los embriones [...], sobre

todo en lo que atañe a los sobrantes, entre viables e inviables. Estos últimos, y debido a

alguna malformación, nunca llegarían a buen término.” (SÁDABA, 2004, p. 104).

A legislação brasileira, no artigo 5º da Lei de Biossegurança Nacional, permite

que, preenchidos os requisitos de consentimento dos genitores e de aprovação por

comitê de ética, esses embriões sejam utilizados, em pesquisas e terapias, como

fonte de células-tronco embrionárias.

Quanto aos não utilizados, eles são dotados de um bom desenvolvimento

embrionário, ou seja, seriam capazes de promover a gravidez e, me decorrência,

gerar uma ser humano, mas, permanecem congelados porque já se alcançou o

objetivo traçada pelos genitores quando da realização da técnica.

Em relação a esses embriões a referida lei faz ainda uma exigência temporal

para que eles sejam utilizados nas pesquisas e terapias com células-tronco

embrionárias, somente podendo ser aproveitados aqueles que permaneceram

congelados por mais de três anos antes da lei ou que, se já congelados antes da lei,

que assim permaneçam por mais de três anos.

Quanto aos inviáveis, são aqueles portadores de algum problema no seu

desenvolvimento embrionário, que certamente os impossibilitará de promover o

desenrolar de um ser humano, não estando, desta forma, aptos a ser transferidos

para o útero.

A inviabilidade é analisada quando, após o decurso de um tempo depois da

fecundação, superior a 24 horas, os embriões, por exemplo, não estão se dividindo

ou estão muito fragmentados.

Entretanto, esses embriões, apesar de não poderem ser utilizados na

reprodução assistida, possuem a capacidade de gerar linhagens de células-tronco

embrionárias. Sendo exatamente nesse sentido que a lei brasileira estabelece uma

permissão expressa para que as pesquisas sejam realizadas também com esses

embriões inviáveis, cabendo destacar que, nesses casos, em face dessa

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incapacidade de gerar um ser humano, não existe a exigência temporal pra que

sejam utilizados em pesquisas e terapias com células-tronco embrionárias.

Cabe destacar que os embriões submetidos à técnica de diagnóstico pré-

implantatório nos quais se observa a presença da doença genética também se

tornam inviáveis, pois o casal buscou justamente a reprodução assistida com a

finalidade de impedir que o seu filho nasça com essa doença.

Esses embriões, contudo, podem ser preciosos para as pesquisas acerca

daquela doença específica, pois com a criação de tecidos derivados das células-

tronco desses embriões, que certamente terão a doença, será possível estudar o

efeito de drogas, as causas que levam aquela mutação genética a gerar aquela

doença específica e, principalmente, buscar meios para solucionar essa

enfermidade.

Nesse contexto todo, o Decreto n. 5.591/05, que tem por finalidade

regulamentar as previsões da Lei de Biossegurança Nacional, conceitua embriões

inviáveis como aqueles com alterações genéticas comprovadas por diagnóstico pré

implantacional, conforme normas específicas estabelecidas pelo Ministério da

Saúde, que tiveram seu desenvolvimento interrompido por ausência espontânea de

clivagem após período superior a vinte e quatro horas a partir da fertilização in vitro,

ou com alterações morfológicas que comprometam o pleno desenvolvimento do

embrião.

Os principais argumentos daqueles que são contrários à utilização dos

embriões excedentários em pesquisas e terapias com células-tronco embrionárias

são:

a) que a vida humana teria inicio no momento da fecundação independente

do local em que ela aconteceu e que, desta forma, qualquer manipulação

em embriões, principalmente a sua destruição para obter células-tronco,

seria uma afronta aos direitos fundamentais à vida e à dignidade da pessoa

humana;

b) a existência de uma técnica capaz de promover a retirada de células-tronco

embrionárias sem resultar na destruição do embrião; e

c) e que as células-tronco embrionárias injetadas em pacientes causariam

rejeição e tumores e que as terapias com células-tronco adultas ou

oriundas de outras técnicas como a da reprogramação de células

somáticas em células-tronco embrionárias seriam mais eficientes.

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Entretanto nenhuma dessas alegações pode prosperar, pois possuem vícios

que as tornam incapazes de inviabilizar a utilização dos embriões excedentários

nessas pesquisas e terapias. Sendo que foi nesse sentido que se posiciono o

Supremo Tribunal Federal, como será melhor explicitado adiante.

Quanto ao primeiro argumento, utilizando-se da posição já adotada, tem-se

que se não houver uma intervenção humana no sentido de promover a inserção do

embrião no útero será impossível que este se desenvolva em uma vida humana.

Assim, em relação aos embriões congelados, a transferência para o útero e a

posterior nidação se apresentam como condições indispensáveis para que seja

possível se falar da existência de uma vida humana e da necessidade de se

estabelecer a observância dos direitos fundamentais à vida e da dignidade da

pessoa humana na sua proteção.

E, quando são inviáveis os embriões, esse argumento perde totalmente o

sentido, pois mesmo nos seus primeiros estágios de desenvolvimento já se observou

que não possuem sequer a potencialidade para viverem a se desenvolver Assim,

mesmo que sejam transferidos para o útero não serão capazes de se desenrolar em

uma vida humana, sendo um contra-senso alegar a necessidade de proteção a uma

vida que nunca existirá.

Nesse contexto, mesmo os ministros que impuseram maiores exigências para

que a utilização dos embriões excedentários em pesquisas e terapias fosse

considerada constitucional, na decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade

proposta sobre o assunto, alegaram que a utilização dos embriões inviáveis não

configura uma afronta aos diretos fundamentais.

Contudo, não existe qualquer tipo de violação aos direitos fundamentais à

vida e da dignidade da pessoa humana quando da implementação de pesquisas e

terapias com células-tronco oriundos dos embriões excedentários, sejam eles

inviáveis ou, finda a técnica, simplesmente não utilizados.

O que existe é uma verdadeira afirmação desses direitos fundamentais, pois

esses embriões serão aproveitados com a finalidade de se buscar mecanismos

capazes de amenizar ou até mesmo extinguir diversas doenças que assolam a

sociedade.

Quanto ao segundo argumento, da existência de uma técnica que promove a

retirada de células-tronco do embrião ser promover a sua destruição, ela é muito

parecida com a técnica já citada que se destina a analisar as características

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genéticas do embrião antes que ele seja inserido, para selecionar os embriões que

não possuem doenças genéticas comuns na família dos genitores (técnica do

diagnóstico pré-implantatório), ou seja, promove a retirada de algumas poucas

células do embrião em desenvolvimento sem que, com isso, ele seja destruído.

O problema dessa técnica é que em alguns casos, apesar dos cuidados,

resulta na destruição do embrião e que a quantidade de material retirado

impossibilita a criação de uma linhagem de células-tronco embrionárias, o que a

torna inviável.

E, quanto ao terceiro argumento, em relação ao problema de rejeição e

tumores, apesar de já ter sido amplamente debatido, cabe destacar que em teoria

eles realmente poderiam ocorrer, principalmente em face da pluripotencialidade e da

rapidez de renovação dessas células e da diferença genética existente entre as

células-tronco obtidas de um embrião excedente da fertilização in vitro e o receptor.

Entretanto, não se sabe ainda ao certo como essas células se comportariam

em relação aos seres humanos e já existem várias pesquisas buscando meios

capazes de limitar ou até mesmo resolver esses problemas.

Soluções para esses problemas, caso eles se confirmem, são: a manipulação

das células-tronco para que elas não promovam a criação de tumores ou de um

processo de rejeição; a utilização de drogas imunossupressoras, o que já é feito no

caso de transplantes de tecidos e órgãos oriundos de cadáveres, que também

apresentam uma diferença entre a composição genética do doador e do receptor; e

a liberação da clonagem terapêutica, que também proporciona uma identidade entre

o material genético do receptor e do embrião doador, tendo em vista que ele foi

criado a partir de células somáticas do próprio paciente.

Quanto às células-tronco adultas, apesar da sua utilização também carecer

de uma comprovação cientifica mais aprofundada, elas certamente são e serão

muito importantes na busca de diversas terapias.

Nesse sentido, elas já foram testadas, em alguns casos com sucesso, no

tratamento de diversas doenças, como moléstias cardíacas, acidente vascular

cerebral, diabetes, esclerose lateral amiotrófica e lesionados medulares.

A principal técnica utilizada é o auto-transplante, no qual são recolhidas

células-tronco adultas de uma pessoa, sendo que elas passam por um processo de

purificação e estimulação e, posteriormente, são injetadas em um órgão especifico,

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lesado, dessa mesma pessoa. Nesse caso certamente não haverá qualquer

problema de rejeição, tendo em vista que o material é oriundo da mesmo paciente.

Entretanto, esse tratamento não poderá ser utilizado para o tratamento de

algumas doenças e para a criação de novos tecido e órgãos, tendo em vista a

diminuta capacidade de diferenciação dessas células.

Como já foi dito, elas também não podem ser utilizadas nos casos de

doenças genéticas, pois nessas situações a mutação genética que resulta na

doença encontra-se presente em todas as suas células do corpo. Assim, ao injetar

uma célula-tronco adulta oriunda daquela mesma pessoa, ela também carregará no

seu genoma a mutação responsável pela doença. Assim, as doenças genéticas

devem necessariamente ser combatidas com células-tronco embrionárias.

Quanto às outras técnicas, como a que promove a reprogramação de células

somáticas adultas para que elas se comportem com células-tronco embrionárias.

Uma das principais conquistas obtidas com a clonagem da ovelha Dolly, por

meio de técnica de transferência do núcleo de um a célula somática adulta, foi

mostrar que células já diferenciadas poderiam voltar a ser reprogramadas para

voltarem a ser totipotentes, e, com isso, ser capaz de formar um indivíduo completo.

Nesse contexto, células-tronco dotadas de pluripotencialidade, obtidas de

células somáticas reprogramadas, são a grande novidade nas pesquisas com

células-tronco, tendo sido amplamente bem-vindas pelos opositores das pesquisas

com embriões excedentários.

“Opponents of stem-cell research have welcomed iPS-cell technology as a

method for achieving an embryonic-like state without the ethical dilemma of

destroying human embryos.” (NISHIKAWA; GOLDSTEIN; NIERRAS, 2008, p. 725)

Elas são chamadas de Induced Pluripotency Stem Cells (IPS), sendo que se

apresentam como uma técnica na qual células somáticas do organismo adulto são

reprogramadas para que se comportarem como embrionárias.

Ou seja:

Induced pluripotent stem (iPS) cells are the product of somatic cell reprogramming to an embryonic-like state. This occurs by the introduction of a defined and limited set of transcription factors and by culturing these cells under embryonic stem (ES)-cell conditions. iPS-cell technology is a novel method for generating pluripotent stem cells. The method is striking in that it can convert somatic cells directly into pluripotent cells, in a manner that is totally independent of the availability of embryonic cells. (NISHIKAWA; GOLDSTEIN; NIERRAS, 2008, p. 725)

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Essa reprogramação é realiza através da introdução de um vírus específico

em uma célula somática, sendo que este inicia um processo de ativação de um

determinado grupo de genes, que, por sua vez, promovem a reprogramação da

célula para ela se comporte como uma célula-tronco embrionária.

Assim, tanto estas células como as células-tronco embrionárias poderiam ser

utilizadas na medicina regenerativa, sendo que a questão é justamente o quão perto

essas células somáticas reprogramadas chegam das células-tronco embrionárias, ou

seja, se elas realmente terão a mesma capacidade de se auto-replicar e a mesma

plasticidade. No entanto, é interessante destacar que em estudos com ratos de

laboratório essa equivalência foi observada.

Deste modo,

Both iPS cells and ES cells can be used as the pluripotent starting material for differentiated cells or tissues in regenerative medicine. As sources of pluripotent cells, iPS cells are inevitably compared with ES cells, but the pressing scientific question to ask is: how closely do iPS cells resemble conventional ES cells? Mouse iPS cells have been shown to be functionally equivalent to mouse ES cells. (NISHIKAWA; GOLDSTEIN; NIERRAS, 2008, p. 725)

A vantagem dessa técnica é que, assim como no caso das células-tronco

adultas e da clonagem terapêutica, o material utilizado na terapia será obtido da

mesma pessoa que o receberá, não havendo problemas em relação à rejeição

genética.

Entretanto, nesse contexto, cabe salientar que, assim como no caso das

células-tronco adultas e da clonagem terapêutica, se o problema for genético, a

utilização dessas células reprogramadas na terapia celular fica prejudicada, pois por

terem a mesma composição genética que o receptor, essas células também trarão

no seu conteúdo genético a expressão da doença que se pretende curar.

A grande dúvida, ainda não respondida, apesar dessa técnica já ter sido

realizado com sucesso com células somáticas humanas, é se essas células

reprogramadas poderão ser futuramente utilizadas em terapias específicas e se elas

se comportarão do mesmo jeito que as células-tronco embrionárias ao serem

induzidas a se diferenciar em uma outro célula do organismo humano.

Assim,

[…] iPS-cell technology has been successfully applied to human somatic cells, but the efficiency of derivation remains low. Human iPS cells might be an ideal cell source for cell therapy, given that iPS cells can be derived from the patient to be treated and thus are genetically identical cells that would avoid immune rejection. However, human iPS cells have not yet been

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directed to differentiate into a specific functional tissue or organ, although gene-expression profiles of in vitro differentiated human iPS cells modified cells face significant regulatory hurdles for therapeutic applications. (NISHIKAWA; GOLDSTEIN; NIERRAS, 2008, p. 725-726).

A resposta a estas perguntas ainda não pode ser alcançada, especialmente

porque ainda não existem certezas absolutas quanto às potencialidades tanto das

células-tronco embrionárias como das células somáticas reprogramadas. Sendo este

mais um dos motivos que estabelecem a necessidade de se promover e se

incentivar as pesquisas em ambos os sentidos.

Com isso, apesar de ter sido amplamente bem vinda pelos combatentes das

pesquisas com embriões excedentes, essa técnica não é antagônica à das células-

tronco embrionárias. Assim, ambas devem ser desenvolvidas, sendo esta a opinião

da grande maioria da comunidade cientifica.

Nesse sentido, Nishikawa (NISHIKAWA; GOLDSTEIN; NIERRAS, 2008, p. 725):

[…] we discuss the promise of iPS cells and the challenges of using these cells for therapy. Along with others, we strongly advocate continued support of research using both ES and iPS cells. The use of both of these cell types allows the comparison of developmental processes, with the promise of accelerating our understanding of human development..

Todos esses novos avanços, como o desenvolvimento de técnicas que não

resultem na destruição do embrião, a ampliação da utilização de células-tronco adultas

e a obtenção de células com as mesmas características das células-tronco

embrionárias através da reprogramação de células somáticas adultas, representam

uma evolução no sentido da busca de soluções para as enfermidades humanas. Mas,

em momento algum inviabilizam ou se contrapõem às pesquisas com células-tronco

embrionárias. Pelo contrario, elas se complementam, devendo serem comparadas para

se chegar à conclusões pertinentes sobre as suas semelhas e as suas diferenças,

determinando, com isso, o âmbito em que cada uma deverá ser aplicada.

Assim, é necessário incentivar também as pesquisas com células-tronco

embrionárias decorrentes dos embriões excedentários, pois os benefícios que

podem resultar de todas essas técnicas ainda são desconhecidos, representando

uma ignorância dos verdadeiros anseios da sociedade as tentativas de limitar

qualquer uma delas, inclusive e principalmente aquelas relacionadas com os

embriões não utilizados na fertilização in vitro..

Outro fato a ser considerado na utilização dos embriões excedentários em

pesquisas científicas é que, apesar dos mecanismos para impedir ou diminuir a

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criação de novos desses embriões, como a limitação de embriões a serem criados

na técnica, a obrigação de se implementar todos os embriões criados, mesmo que

sejam inviáveis, e o congelamento de gametas, ainda existem mundo afora milhares

de embriões já congelados, que se não forem usados pela ciência, certamente serão

simplesmente destruídos.

Nenhum dos argumentos contrários à utilização desses embriões em pesquisas

e terapias traz uma solução viável sobre o destino dos embriões já congelados

(milhares só no Brasil) ou uma justificativa para se desperdiçar a capacidade de cura

que pode resultar da utilização terapêutica das células-tronco embrionárias.

Os embriões excedentários são entidades diferentes do embrião que se

encontra em desenvolvimento dentro do corpo da mulher ou de qualquer outra fase

do desdobramento da vida humana. Assim, “[...] é possível afirmar inadequar-se ao

embrião humano in vitro a categoria de pessoa natural. Também não é nascituro. e

nem se caracteriza como prole eventual.” (MEIRELLES, 2003, p. 91).

Desta forma, eles devem ser submetidos a um tratamento ético, social e

jurídico próprio, diverso daquele destinados aos organismos que efetivamente são

dotados de vida humana, sendo que o art. 5º Lei de Biossegurança estabelece de

forma coerente e acertada este tratamento diferenciado.

É importante destacar também que a sociedade brasileira, na sua grande

maioria, apóia as pesquisas com embriões excedentários. Ela realidade pode ser

comprovada através da análise das pesquisas de opinião popular 18 realizadas perto

da decisão do Supremo Tribunal Federal.

Contudo, não se esta argumentando que esses embriões sejam utilizados em

manobras absurdas ou visando a destruição de seres humanos, pelo contrário, o

que se pretende é que, ao invés de serem simplesmente esquecidos em um estágio

inanimado, ou destruídos, eles sejam utilizados em pesquisas que tem por finalidade

última o desenvolvimento de terapias que serão responsáveis pelo tratamento ou até

mesmo a cura de diversas doenças que afligem uma parcela considerável da

população.

18 “De acordo com uma pesquisa realizada pelo Ibope — encomendada pelo ONG Católicas Pelo Direito

de Decidir –, 75% dos brasileiros acreditam que usar tais células para tratamento e recuperação de pessoas com doenças graves é uma "atitude em defesa da vida". Outros 20% acreditam parcialmente na tese e 5% discordam totalmente dela. A parcela de católicos que julga ser correto o uso de células-tronco em pesquisas também é alta: 94%. A porcentagem da população com nível superior que concorda com a iniciativa é ainda maior: 97%.” – (75% ..., 2008. online).

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Assim, “[...] es incongruente rehusar avances terapéuticos por temor a usos

indeseables, pareciendo más coherente buscar modos de control social que

permitan los benefícios y proscriban desarrollos moralmente inaceptables.”

(KOTTOW, 2005, p. 163).

A utilização dos embriões excedentários como fonte de células-tronco

embrionárias deve ser observada do ponto de vista dos direitos fundamentais das

pessoas que efetivamente compõem a sociedade, e não do suposto ponto de vista

de um conjunto de células que nem sequer podem ser considerados como sujeitos

de direito, tendo em vista que não possuem vida humana.

Diante de tal atitude, não será cabível qualquer alegação que possa limitar as

pesquisas e terapias com esses embriões, o que deve resultar em inúmeros

benefícios para a sociedade, sendo que, com isso, será possível atingir o objetivo

principal dessas atividades, que é justamente o de promover uma verdadeira

concretização dos diretos fundamentais à vida e da dignidade da pessoa humana.

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CAPÍTULO 4 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DELINEADORES DA

CONDUTA HUMANA E A TUTELA DA VIDA

Diante de todas as possibilidades científicas e de todas as controvérsias

relacionadas com a utilização dos embriões excedentes da técnica de fertilização in

vitro como fonte de células-tronco embrionárias, mostra-se necessária a promoção

de uma análise detalhada dos diretos fundamentais envolvidos nessa contenda.

Esses princípios, definidos constitucionalmente como direitos fundamentais,

atuam como balizadores da estrutura político-social do Estado e, principalmente,

como delineadores da conduta humana.

Com isso, estabelecem uma grande conexão com o Biodireito e com as

evoluções científicas, tendo em vista as implicações que a efetiva aplicação dessa

atividade acarreta aos seres humanos.

Nesse contexto, levando-se em consideração a experimentação com os

embriões excedentários, os direitos fundamentais que merecem evidência são

aqueles relacionados com a tutela da vida humana, especialmente o direto à vida e

o à dignidade de pessoa humana.

Esse destaque se deve ao fato de que teriam sido estes os diretos afrontados

pela permissão para a implementação de pesquisas e terapias com células-tronco

embrionárias oriundas desses embriões.

Visão esta que não prevaleceu nos termos da decisão proferida pelos

ministros do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade

proposta neste sentido.

E, que não pode prosperar, tendo em vista que, ante a tudo que já foi

explicitado e ao que será trazido por este capítulo, a experimentação nestas

células embrionárias não é uma afronta aos princípios fundamentais, mas sim

uma concretização dos valores neles defendidos.

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4.1 Os Direitos Fundamentais

Os Direitos Fundamentais tiveram origem com as declarações que visavam

estabelecer a observância dos Direitos Humanos, que, por sua vez, tem a finalidade de

promover a proteção de direitos pertencentes a todos os seres humanos, e que,

justamente por isso, se fundamentam na existência de um Direito Natural, ou seja, de

direitos que são inatos à condição humana.

A criação dessas declarações está intimamente relacionada com o surgimento das

modernas Constituições escritas.

Alexandre de Moraes (1998, p. 51), nesse sentido, afirma que “[...] o

estabelecimento de constituições escritas está diretamente ligado à edição de

declarações de direitos do homem.”

Assim, a lei suprema do Estado, composta por um conjunto de princípios,

garantias e regras, nasceu exatamente para implementar e concretizar estes

direitos, que, por sua vez, são imprescindíveis na realização da existência humana.

Direitos estes que diante da previsão constitucional deixam de ser conhecidos

como Direitos Humanos, de caráter internacional, e passam a ser chamados de

Direitos Fundamentais, assumindo, desta forma, a coercitividade necessária para

atuarem nos limites da soberania do Estado.

Assim, os direitos fundamentais são “[...] princípios que resumem a

concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico”

e que visam “[...] designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e

instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual

de todas as pessoas.” (SILVA, 1997, p. 176-177)

Ao serem tratados como fundamentais busca-se “[...] a indicação de que se

trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não

convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive.” (SILVA, 1997, p. 177).

Deste modo, somente aqueles que são indispensáveis para a concretização

de uma existência digna de todos os membros da sociedade adentram o rol desses

direitos e, com isso, são considerados fundamentais.

É importante desatacar que essa realidade progride em face de

acontecimentos históricos que modificam os anseios da coletividade. Assim, diante

da necessidade de se promover uma abstenção do Estado visando proteger a

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liberdade dos cidadãos, surgiram, como decorrência das conquistas da Revolução

Francesa, os direitos fundamentais de primeira geração (ou dimensão), de caráter

eminentemente individual. Posteriormente, em razão das desigualdades sociais

advindas com a Revolução Industrial, tornou-se imperativo que o Estado atuasse

implementando direitos mínimos para uma existência digna, dando, com isso,

origem a direitos fundamentais de caráter social, chamados de direitos de segunda

geração. E, em face da crescente necessidade de se proteger bens essenciais a

todos os seres humanos, como o meio ambiente, surgiram direitos que, através de

uma incidência global, visam promover uma coexistência fraternal dos seres

humanos, conhecidos como direitos de terceira geração. Sendo que

contemporaneamente já se fala em direitos fundamentais de quarta geração, que

serão melhor apresentados mais a frente e que se relacionam com a atual

revolução científica.

Desta forma, o rol de Diretos Fundamentais estabelecidos pela Constituição

tem por finalidade expressar os principais valores defendidos e compartilhados pelos

membros de uma determinada sociedade em um determinado período.

Entretanto, cabe salientar também que esses valores são dinâmicos, podendo

sofrer mutações que devem ser acompanhadas pelos responsáveis pela

interpretação, aplicação e efetivação dessas cláusulas abertas e delimitadoras da

conduta social.

A evolução dos direitos fundamentais fez com que eles perdessem “[...] o seu

caráter absoluto para ganhar uma dimensão mais relativa surgida da imperiosa

necessidade de compatibilizar o direito com outros princípios constitucionais.”

(BASTOS, 2001, p. 180).

Assim, “[...] os direitos e garantias fundamentais consagrados pela

Constituição Federal não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos

demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna.” (MORAES, 1998, p. 54)

Em face dessa inexistência de hierarquia entre eles e da inexistência de

direitos fundamentais absolutos, pode ocorrer uma colisão entre os valores

protegidos por dois ou mais desses direitos, o que se encontra dentro da mais

absoluta normalidade, cabendo ao aplicador, diante do conflito, conciliar o sistema.

Desta forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos

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outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição de princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade precípua. (MORAES, 1998, p. 54, grifo do autor)

Portanto, deve o aplicador utilizar-se da uma técnica de ponderação de

valores, pela qual, dentro de uma visão permeada pelo razoável e pelo proporcional

e analisando o caso concreto, busca-se a efetivação do direito fundamental que se

aplicar de forma mais correta e coerente, suprimindo, neste caso específico, a

aplicação do outro direito.

Outra característica importante dos direitos fundamentais é:

[...] servir como critério de interpretação das normas das normas constitucionais, seja ao legislador ordinário, no momento de criação das normas infraconstitucionais, seja aos juízes, no momento de aplicação do direito, seja aos próprios cidadãos, no momento da realização de seus direitos. (BASTOS, 2001, p. 161).

Os direitos fundamentais devem atingir as finalidades para as quais eles

foram estabelecidos, ou seja, devem, quando presentes as características

necessárias, de acordo com previsão expressa na própria Constituição brasileira, ser

dotados de uma aplicabilidade e efetividade imediata.

Cabe destacar que a aplicabilidade dos direitos fundamentais pode ter uma

eficácia vertical, estabelecendo a proteção dos seres humanos, individual ou

coletivamente, na sua relação com o Estado, ou uma eficácia horizontal, estabelecendo a

proteção quanto se tratar de uma relação entre cidadãos desse Estado.

Nesse sentido, os direitos fundamentais atuam como instrumento de controle

e de defesa, sendo estas funções explicitadas de por J. J. Gomes Canotilho (apud

MORAES, 1998, p. 51):

[...] a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).

Destarte, é somente através da materialização no mundo dos fatos de forma

plena que será possível o desempenho concreto da função social dos valores

defendidos nestes institutos jurídicos.

Quanto à relação dos direitos fundamentais com a atividade científica tem-se

que são justamente os valores por eles defendidos os responsáveis por estabelecer

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os limites, quando essa atividade tiver que ser restringida de modo a impedir o

aparecimento de abusos, e os incentivos, quando ela tiver que ser estimulada,

visando o desenvolvimento de técnicas capazes de melhorar ou garantir a vida

humana.

A necessidade de interação entre os valores defendidos pelos direitos

fundamentais e os anseios da atividade cientifica mostra-se ainda mais premente

quando as conseqüências dessas atuações tiverem como destinatário direto as

pessoas humanas, sendo indiscutível que, com base nesses valores, a ciência deve

buscar sempre o mais benéfico à humanidade.

Assim, “Toda investigación biológica, a medida que se hace más inmediata en

relación con la vida humana, y sobre todo si se hace con seres humanos, se jutifica

sólo si sus objetivos son claramente benéficos para la humanidad.” (KOTTOW, 2005,

p. 149).

Diante do embaraço dos seres humanos em face dessas evoluções

científicas, Gisselda Hironaka (2006, p. 26) alega que:

A perplexidade humana em face das impressionantes mutações das possibilidades de interferência dos homens nos assuntos até então exclusivos da natureza ou da divindade, promove sempre inquietantes indagações, algumas das quais nem sempre respondidas, ou não respondias satisfatoriamente.

E continua afirmando que

[...], é imprescindível reconhecer que estas respostas, posições ou soluções devem sempre ser buscadas – e só assim deve ser – com a atenção voltada aos matizes de ordem ética, sob a máxima consideração do principio constitucional – mas também principio da vida de cada um e de todos nós – da dignidade da pessoa humana. (HIRONAKA, 2006, p. 26).

Contudo, os direitos fundamentais encontram-se intimamente ligados às

atividades correlacionadas com essa verdadeira revolução científica, sendo que a

humanidade é cada dia mais influenciada, positiva ou negativamente, por esses

acontecimentos.

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4.2 A Relação dos Direitos Fundamentais com a Evolução Científica

Cabe aos valores protegidos pelos direitos fundamentais a difícil tarefa de

estabelecer um equilíbrio no qual as experimentações científicas não sejam podadas

e, ao mesmo tempo, somente sejam efetivamente implementadas quando forem

trazer resultados positivos aos seres humanos. Com isso, atuam limitando os

malefícios e maximizando os benefícios.

É justamente em virtude da busca por essa relação e da influência que a

evolução científica vem tendo na produção e na concretização de novos direitos

fundamentais que parte considerável da doutrina, com base nos ensinamentos de

Norberto Bobbio, passou a destacar como uma nova dimensão dos Direitos

Fundamentais aqueles relacionados com a proteção do patrimônio genético e com a

regulamentação do avanço tecnológico das biociências.

Nesse sentido o próprio Bobbio (2004, p. 25-26) afirma que:

Ao lado dos direitos sociais, que foram chamados de direitos de segunda geração, emergiram hoje os chamados direitos de terceira geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do efetivamente se trata. O mais importante deles é reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído. Mas já se apresentam novas exigências que só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração, referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo.

Dessa realidade tem-se que os direitos fundamentais são essências na

afirmação do ramo jurídico do Biodireito e no desenvolvimento consciente das

atividades cientificas.

Quanto ao Biodireito, é relevante constatar que:

O Direito, assim voltado a organizar as liberdades decorrentes das dimensões biotecnológicas que sem cessar despontam, bem como, voltado à sua função maior de revisor e guardião de valores fundamentais da esfera humana, se estrutura e opera sob sua nova ordem, vale dizer, sob a denominação de biodireito. E o duo inicial promovido pelo bio e pela ética, se pluraliza, se reforça e se redesenha neste viés jurídico novo, disponibilizado à garantia da preservação da dignidade humana e da dignidade da própria humanidade, num último assento. (HIRONAKA, 2006, p. 30, grifo do autor).

Assim, alguns dos diretos fundamentais de maior relevância são observados

e assegurados também no âmbito de atuação do Biodireito, passando inclusive a

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figurar como seus próprios princípios. Entre eles estão o referente à dignidade da

pessoa humana e o referente à vida.

Nesse sentido tem-se que:

Por sua natureza, [...], os princípios constitucionais devem constituir os princípios do Biodireito. Não sem razão, já se firmou que a recepção nos textos constitucionais de uma série de valores fundamentais, como a vida, a dignidade humana, a liberdade e a solidariedade e sua proteção enquanto direitos, tornou-se pedras angulares da bioética moderna. (BARBOZA, 2003, p. 73 grifo do autor).

Quanto à atividade científica, os direitos fundamentais atuam como o

instrumento capaz de promover a implementação de um meio-termo capaz de

estimular o direito fundamental à liberdade científica (art. 5º, IX, CF) e de impedir

que absurdos sejam praticados.

Assim, as determinações constitucionais decorrentes de direitos

fundamentais, como o dever do Estado de incentivar a ciência, assumem grande

destaque na análise dessa relação entre esses direitos e a atividade cientifica.

Especificamente em relação às pesquisas com os embriões excedentários

cabe destacar que a Constituição Federal estabelece algumas prerrogativas que

influenciam essa análise, sendo as principais a obrigação do Estado incentivar a

atividade científica e o direito da população a um planejamento familiar.

Segundo o artigo 218, da Constituição Federal, compete “[...] ao Estado

promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e capacitação

tecnológicas.” (MORAES, 1998, p. 557). Essa previsão tem por base o direito

fundamental à liberdade de expressão científica.

Com isso, deve o Estado estimular todas as experimentações científicas que

estejam em conformidade com as previsões dos direitos constitucionais e que, desta

forma, busquem melhorias nas condições de vida da sociedade, estando entre elas

as pesquisas com células-tronco embrionárias oriundos dos embriões excedentários.

Já a previsão de um verdadeiro direito ao planejamento familiar encontra-se

prevista no parágrafo 7º, do artigo 226, da Constituição Federal. Ele se basea no

direito fundamental da dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, Alexandre de Moraes coloca que, fundado no princípio da

dignidade da pessoa humana, “[...] o planejamento familiar é livre decisão do casal,

competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício

desse direito“ (MORAES, 1998, p. 562).

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E Celso Bastos (2001, p. 509) que:

O § 7º do art. 226 de nossa Lei Maior deixa claro que é um dever de todos, inclusive do Estado, garantir ao casal a liberdade de decidir responsavelmente, sem nenhum tipo de coação social ou legal, quantos filhos quer ter e como quer espaçar os nascimentos. Não se trata de procriação ilimitada ou falta de consciência do que implica educar os filhos, mas a faculdade que os cônjuges tem de usar a sua liberdade inviolável de modo sábio e responsável, tendo em conta tanto as realidades sociais e demográficas quanto a sua própria situação e desejos legítimos.

Assim, o planejamento familiar não é uma simples prerrogativa das entidades

familiares, mas sim um direito, não podendo o Estado restringi-lo de qualquer modo.

Pelo contrário, deve o Estado propiciar os meios, inclusive científicos, para que esse

direito seja efetivado.

Deste modo, as pessoas tem o direito de utilizar as técnicas de reprodução

assistida para resolver os seus problemas de infertilidade, independente dessas

técnicas produzem ou não produtos ociosos, não sendo legítimo ao Estado exigir,

sob qualquer argumento, que elas abandonem o seu sonho de ter filhos.

“[...] o desejo manifestado pelo casal de ter filhos é um bem moral tão forte

que justifica o procedimento.” (COLLINS, 2007, p. 255)

Contudo, os diretos fundamentais que mais interferem na atividade cientifica,

limitando-a ou incentivando-a, são justamente os diretos à vida e à dignidade da

pessoa humana.

4.3 Os Direitos Fundamentais à Dignidade da Pessoa Humana e à Vida

Primeiramente, é importante salientar que o modo como as pessoas encaram

o mundo que as cerca sofre modificações constantes, fazendo com que os seus

valores também sejam alterados.

Assim, a interpretação dos direitos fundamentais deve acompanhar esses

acontecimentos, fazendo com que esses preceitos indispensáveis à existência

humana se adaptem à novas realidades da sociedade.

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Nesse sentido,

As relações sociais e a vida grupal, criando novas formas de ação, novos hábitos e comportamentos, modificam, não sem certa luta, as manifestações de interpretação de princípios eternos. Sim, não são os princípios que se modificam, mas as interpretações destes mesmos princípios. (MATTAR, 2003, p. 137).

Uma das atividades que mais provocam mudanças nos valores defendidos

pela sociedade é justamente a ciência. Alguns séculos atrás a Terra era o centro do

universo, e alguns anos atrás não seria possível pensar na descodificação do

genoma humano.

Quanto a este último exemplo, Javier Sábada lembra que “[...], hay que

constatar que la relolución genética ha supuesto un cambio estraordinário en nuesta

visión del mundo.” (SÁDABA, 2004, p. 25).

O desenvolvimento da possibilidade de se criar embriões em um ambiente

fora do corpo da mulher e, mais recentemente, as promessas terapêuticas das

células-tronco embrionárias, também promoveram uma mudança em conceitos

defendidos pela humanidade a muitos anos, fazendo com que a visão da sociedade

em relação ao termo inicial da vida humana tenha se alterado.

Contudo, a pesar das barreiras a serem transpostas, é importante que se

promova uma nova abordagem dos direitos fundamentais, inclusive dos direitos à

vida e da dignidade da pessoa humana.

4.3.1 Direito à Vida

O direito à vida é uma prerrogativa inerente ao ser humano, sendo que a

efetivação desse bem vital, valorado de forma inestimável, pertencente a todo e

qualquer indivíduo, apresenta-se como um elemento incindível da existência

humana.

“O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui

em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos.” (MORAES,

1998, p. 56)

Ou seja, ela “[...] constitui a fonte primária de todos os outro bens jurídicos. De

nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais, como a

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igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana

num desses direitos.” (SILVA, 1997, p. 195)

Assim, apesar de não ser absoluto, como todos os demais direitos

fundamentais, a sua importância é inquestionável, tendo em vista que é somente a

partir da sua concretização que os outros direitos fundamentais passam a ser

exteriorados.

É importante lembrar que, em face de todas as mudanças sociais que

ocorreram, principalmente aquelas relacionadas com o campo da ciência médica,

houve uma alteração no modo como o direito à vida deve ser encarado e protegido.

Nesse sentido:

O direito à vida, atualmente assume uma importância muito diferente daquela tradicional, pois com os avanços científicos nas áreas da Biotecnologia, de Biomedicina e de Medicina, tendo como exemplo, as técnicas de reprodução humana assistida e de engenharia genética, estão a exigir a necessidade de proteção da vida em sua plenitude. (FERRARESI, 2007, p. 249).

São exemplos dessa nova realidade: a instituição de um definição jurídica do

momento em que a vida tem fim (morte cerebral), visando incentivar o transplante de

órgãos; as técnicas de diagnóstico que permitem verificar a anencefalia,

possibilitando, apesar das discussões, a interrupção da gravidez a fim de diminuir o

sofrimento dos pais; a fertilização in vitro, com a existência de milhares de embriões

congelas mundo afora; e as possibilidades terapêuticas das células-tronco

embrionárias, obtidas justamente desses embriões excedentários.

Com essas alegações não se está defendendo uma ablação do direito

fundamental à vida, mas apenas o desdobramento de nova visão dos seus preceitos.

Uma das formas de se estabelecer essa nova realidade é através da

implementação de uma visão social do direito à vida, pelo qual ele não deve ser

observado somente sob o aspecto dos indivíduos, mas também sob o ponto de vista da

sociedade, ou seja, buscando incentivar as medidas que possam trazer melhorias nas

condições de vida de uma parcela considerável ou de toda a comunidade.

É lógico que, quando afrontado, ele deve ser efetivamente e amplamente

protegido, como no caso do homicídio e de qualquer atitude, inclusive as

experimentações cientificas, que coloquem a vida humana em risco.

Assim, “La vida humana es un valor tan fundamental, tan en la base de otros

valores y derechos, que su defensa imide cualquier experimento injustificado que

pudiera ponerla en riesgo” (GARCÍA, 2006, p. 33).

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Entretanto, essa ofensa claramente não ocorre no caso da retirada de células-

tronco embrionárias dos embriões excedentes, pois inexiste a expressão de uma

vida humana para ser protegida, já que esse embrião encontra-se congelado e em

um ambiente fora do útero materno. Nesse contexto, cabe destacar que a demarcação de momentos definitivos no

desenrolar da vida humana é uma tarefa difícil, pois ela se apresenta como uma

sucessão de fases que parecem se intercalam, ou seja, como um processo contínuo

e dinâmico dotado de movimento e de desenvolvimento.

José Afonso da Silva (1997, p. 194), nesse sentido, afirma que ”[...] sua

riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma

incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo [...].”

Assim, os embriões excedentários, também por este argumento, não representam

uma vida humana, pois permanecem inanimados, paralisados no seu desenvolvimento,

sendo incapazes de desenrolar o processo responsável por gerar uma vida.

O outro aspecto do direito à vida é que não basta se assegurar a existência

das pessoas, faz-se necessário estabelecer meios para que essa existência se

desenvolva de forma digna.

Nas palavras de Alexandre de Moraes (1998, p. 56) cabe “[...] ao Estado

assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de

continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência.”

Essa alegação demonstra a intrínseca relação entre o direito à vida e o direito

à dignidade da pessoa humana.

4.3.2 Dignidade da Pessoa Humana

O Direito fundamental à dignidade da pessoa humana é um princípio

constitucional fundamental, tratado pela constituição brasileira, no inciso terceiro do

seu artigo primeiro, como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Ele visa assegurar uma existência digna a todos os cidadãos que compõem o

elemento humano do Estado, prevendo inclusive a necessidade de se prover um

mínimo para que as pessoas possam viver com a sua integridade, tanto física como

moral, intacta.

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Assim, é considerado como valor fundante do sistema jurídico nacional, sendo

a espinha dorsal dos direitos fundamentais, ou seja, responsável por concede “[...]

unidade aos direitos e garantias fundamentais.” (MORAES, 1998, p. 43).

Deste modo, a dignidade da pessoa humana “[...] é um valor supremo que

atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à

vida”. (SILVA, 1997, p. 106).

Na palavras de Sérgio Ferraz (1991, p. 47), o princípio da dignidade da

pessoa humana se apresenta como:

A base da própria existência do Estado Brasileiro e, ao mesmo tempo, fim permanente de todas as suas atividades, é a criação e manutenção das condições para que as pessoas sejam respeitadas, resguardadas e tuteladas, em sua integridade física e moral, assegurados o desenvolvimento e a possibilidade da plena concretização de suas possibilidades e aptidões.

A dignidade da pessoa humana “[...] coloca a pessoa humana como fim último

de nossa sociedade e não como simples meio para alcançar certos objetivos.”

(BASTOS, 2001, p. 166).

Com isso, a “[...] idea de dignidad se basa en la consideración de cada uno de los

individuos humanos como sujeito de derechos.” (SÁDABA, 2004, p. 51, grifo do autor).

Esse princípio constitucional também passou por uma grande revolução

quanto à sua aplicação e quantos aos valores embarcados na sua atuação,

deixando de ser considerado apenas como um dos fundamentos do Estado para se

tornar a base de todo ordenamento jurídico.

Assim, atualmente, tem-se a necessidade de se observar os preceitos da

dignidade da pessoa humana em todos os aspectos da atividade humana, incluindo

nesse contexto, por óbvio, as experimentações científicas.

Ângela Ferraresi (2007, p. 152) afirma, nesse sentido, que a dignidade da

pessoa humana “[...] dá sentido e razão de ser a toda e qualquer atividade ou não

atividade, material ou imaterial.”

Entretanto, as pesquisas com embriões excedentários não configuram uma

afronta a esse direito fundamental, pois a dignidade a ser protegida não é a de uma

entidade congelada, mas sim a das pessoas que estão efetivamente vivas e que

precisam dos benefícios que essas pesquisas podem vir a oferecer.

Nesse sentido, esse direito também deve ser observado sob um prisma

social, considerando os interesses de toda a coletividade na busca da concretização

de uma existência digna para todos

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Com isso, tem-se que dignidade visa “[...] proporcionar às pessoas condições

pra uma vida digna.” (BASTOS, 2001, p. 166).

Contudo, em face dessa evolução na visão de mundo da sociedade e,

consequentemente, na interpretação dos direitos fundamentais, entre eles os direitos

à vida e à dignidade da pessoa humana, tem-se que as pesquisas com embriões

excedentários não representam uma ofensa aos direitos fundamentais, mas sim uma

concretização desses valores e dos anseios da sociedade.

4.4 As Experimentações Científicas com Embriões Excedentários e a Tutela da Vida Humana

As pesquisas realizadas com embriões excedentários com a finalidade de

obter células-tronco embrionárias não representam uma afronta, mas uma

confirmação dos direitos fundamentais responsáveis pela concretização de tutela

efetiva da vida humana, tendo em vista que os resultados obtidos com estas

experimentações podem vir trazer inúmeros benefícios para a sociedade.

Assim, na análise da relação entre as experimentações com embriões

excedentários e a tutela da vida humana, a potencialidade benéfica das células-

tronco embrionárias deve ser considerada, sendo que a sua aplicação em terapias

importantes para o ser humano, como a regeneração de tecidos, as tornam

indispensáveis para o desenvolvimento da humanidade.

Quanto aos benefícios que podem advir com as células-tronco embrionárias,

Javier Sábada (2004, p. 84-85) afirma que:

Tales células ofrecerían un material neutro para ser convertidas, una vez aisladas, cultivadas y diferenciadas, en las células del organismo que nos interesarara obtener. Y, de esta manera, se abre una puerta extraordinariamente prometedora a la medicina regenerativa. Con estas células pluripotentes poderíamos reparar trastornos neurales, cardiopatías, etcétera; y algunos incluso se atreven a pronosticar que lograríamos órganos entereos.

Entretanto, há um posicionamento no qual os embriões excedentários são a

expressão de uma vida humana, mesmo que tenha sido produzidos in vitro e que

nunca cheguem a ser transplantados para um útero feminino.

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Diante da adoção desse ponto de vista a tutela da vida humana somente seria

eficaz se, com base nos direitos à vida e à dignidade da pessoa humana desses

embriões, as manipulações com eles fossem proibidas.

Nesse sentido, tem-se que

[...] em face da semelhança entre os embriões humanos e as pessoas já nascidas, não há como afastá-los da valorização personalista que emerge do texto constitucional. O respeito à dignidade e à vida da pessoa humana a eles se estende, fazendo-se concluir que toda atividade abusiva que venha atingir seres embrionários conflitará com o respeito à vida e à dignidade humanas assegurado constitucionalmente. Assim, [...] a ‘fabricação’ de órgãos de embriões para futuros transplantes, a utilização de embriões em pesquisas de natureza diversa à proteção de sua vida e de sua saúde, e a eliminação pura e simples dos embriões ‘excedentes’ aos projetos científicos. (MEIRELLES, 2003, p. 94).

E que

O valor da pessoa humana que informa todo o ordenamento estende-se, [...], a todos os seres humanos, sejam nascidos, ou desenvolvendo-se no útero, ou mantidos em laboratório, e o reconhecimento desse valor dita os limites jurídicos para as atividades biomédicas. A maior ou menor viabilidade em se caracterizarem uns e outros como sujeitos de direitos não implica diversificá-los na vida que representam e na dignidade que lhes é essencial. (MEIRELLES, 2003, p. 94).

Contudo, situações diferentes merecem tratamento diferente!

Com isso, não é admissível o argumento de que se deve dar o mesmo

tratamento ético e jurídico aos embriões dentro do corpo da mulher e aos embriões

excedentários. Tudo é diferente. Enquanto um foi concebido in vivo ou outro foi

produzido in vitro. Enquanto um encontra-se em pleno desenvolvimento e se

dirigindo ao útero materno, o outro encontra-se congelado, com o seu

desenvolvimento paralisado, e nunca vai ser transferido para um útero feminino. E,

enquanto um terá como fim provável o seu desenvolvimento até o nascimento de

uma criança, o outro terá como fim provável a lata do lixo.

Assim, com base nesses argumentos e nas teorias e previsões adotadas, não

há que se falar na existência de uma vida humana a ser protegida quanto aos

embriões excedentes, pois eles não foram submetidos ao requisito básico para que

se desenvolva uma pessoa humana, que é a nidação no útero materno.

A nidação se apresenta como um marco na diferença entre um ente que

poderá se desenvolver, nascer, adquirir personalidade e se tornar um sujeito de

direitos e um outro que permanecerá congelado.

Destarte, os embriões excedentários, antes da sua transferência para o útero

materno devem ser considerados simplesmente como um conjunto de células de

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origem humana que foram criadas em laboratório, pois é somente a partir da ligação

entre o embrião e o útero que surge a possibilidade dele se desenvolver em uma

pessoa humana. Sendo que, desta forma, esses embriões não são dotados de vida

humana.

A vida humana é um complexo e contínuo processo de desenvolvimento.

Com isso, afirmar que algo estagnado, que foi manipulado para se encontrar no

estágio em que se encontra e nunca chegará a se desenvolver em uma pessoa, é

dotado de vida humana apresenta-se como uma afronta à proteção dos direitos das

pessoas que realmente estão vivas, e, deste modo, necessitam que o seu do direito

à vida seja amparado.

Cabe destacar que quando os embriões a serem submetidos às

experimentações são os embriões excedentários que se mostraram inviáveis, toda

essa discussão torna-se ainda mais se razão, pois esses embriões sequer poderão

se desenvolver em uma vida humana e em algum momento serão destinados a uma

futura implementação no útero, sendo totalmente incoerente se falar na existência

de uma vida que merece proteção ética e jurídica.

Os embriões inviáveis, se não utilizados como objeto de pesquisa, serão

inevitavelmente destinados ao descarte, parecendo totalmente absurda qualquer tipo

de alegação no sentido da impossibilidade de seu aproveitamento em pesquisas

científicas que tem por finalidade última o desenvolvimento de terapias visando a

cura de diversas enfermidades do ser humano.

Nesse sentido, Sábada (2004, p. 18) afirma que “Una actidud irracional

prefería que se destruyesen o que quedaran inservibles, antes de ser utilizados para

la investigación y su posible aplicación.”

Sendo que esse absurdo se mostra ainda maior quanto são utilizados direitos

fundamentais destinados à proteção da vida humana como fundamentação para

essas alegações, pois eles serão empregados justamente no sentido de se buscar

um prolongamento, de forma digna, de muitas vidas humanas que efetivamente

existem.

Nesse contexto, não cabe a alegação de que as pesquisas com embriões

excedentários, incluindo os inviáveis e os viáveis, mas não utilizados, seriam uma

ofensa aos direitos fundamentais à vida e à dignidade da pessoa humana desses

embriões, pois simplesmente não há uma vida para ser protegida.

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Em verdade, essas experimentações são uma afirmação desses direitos, pois

possibilitam a sua concretização em relação às pessoas que tem a esperança que

as terapias delas decorrentes sejam capazes de lhes propiciar uma existência digna

ou até mesmo permitir que continuem vivendo.

Mesmo que se queira argumentar que um embrião produzido fora do corpo da

mulher e mantido criopreservado seja a expressão de uma pessoa humana, diante

de uma ponderação dos princípios fundamentais aplicáveis ao caso, chega-se à

conclusão de que deve-se permitir a experimentação com eles, pois as terapias que

decorrerão dessas pesquisas são muito mais benéficas à coletividade, do que a

simples manutenção desses embriões em estado congelado, o que inevitavelmente,

um dia, resultará na sua destruição.

É nesse sentido que, diante da constante mutação nos valores da sociedade

e, consequentemente, na interpretação dos direitos fundamentais, torna-se

necessária a adoção de uma visão social dos direitos fundamentais, para que seja

possível implementar uma efetiva tutela da vida humana.

“Além disso, a própria natureza dos direitos protegidos modificou-se. De um

lado porque se passou a reconhecer que muitas vezes é necessário proteger o

grupo e não o indivíduo isoladamente.” (BASTOS, 2001, p. 509).

Assim, os direitos fundamentais não devem ser observados da perspectiva

dessa entidade inanimada e congelada, e às vezes, até incapaz de se desenvolver

em uma vida, mas sim tendo como enfoque a sociedade como um todo. Isso porque

os membros dessa sociedade somente terão realmente uma existência digna se lhes

for ofertado todos os benefícios possíveis, sendo que entre eles encontram-se

exatamente os benefícios que podem resultar das pesquisas realizadas com células-

tronco embrionárias.

As terapias com células-tronco embrionárias visam, em última instância, a

afirmação dos valores defendidos pelos direitos fundamentais, pois através da cura

de doenças estão protegendo a dignidade e a vida das pessoas. Pessoas estas que

estão realmente vivas e que, por isso, devem necessariamente ter os seus direitos

fundamentais observados e protegidos.

Com isso, apesar da efetiva utilização de terapias decorrentes de pesquisas

com células-tronco embrionárias ainda ter um caminho longo a perseguir, o maior

crime de todos seria simplesmente, por argumentos simplistas e que não coadunam

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com a complexidade do ser humano e com as suas necessidades cada vez mais

crescentes, proibir a possibilidade dessas pesquisas e terapias.

Contudo, diante da busca de uma tutela da vida humana adequada e capaz

de efetivar os direitos fundamentais, independente das denominações e teorias

adotadas, é inegável que esses embriões excedentários, apesar de serem

compostos de um material de origem humana e de, quando não inviáveis, serem

capazes de, preenchidas algumas condições, se desenvolverem em uma pessoa,

devem ser tratados de uma forma própria e diferenciada.

Essa forma foi estabelecida no ordenamento jurídico brasileiro pelo artigo 5º

da Lei de Biossegurança Nacional, tendo esta previsão prevalecido mesmo em face

da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta para combatê-la.

Assim, considerando os benefícios à sociedade que podem ser alcançados, é

inegável que devem ser incentivadas as experimentações terapêuticas com células-

tronco embrionárias oriundas dessas entidades, que, em razão do lugar e do estado

em que se encontram, ainda não expressam uma vida humana.

Nesse sentido, agiram corretamente os legisladores brasileiros e,

posteriormente, os ministros do Supremo Tribunal Federal ao possibilitarem a

implementação dessa atividade no Brasil.

Destarte, faz-se necessário promover uma análise pormenorizada da Lei

responsável pela permissão dessas pesquisas e da posição adotada pelo Supremo

Tribunal Federal.

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CAPÍTULO 5 UMA ANÁLISE CRÍTICA DA LEI DE BIOSSEGURANÇA NACIONAL

E DA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A caracterização dos elementos componentes da Lei de Biossegurança

Nacional, do artigo da mesma lei responsável pela liberação das pesquisas com os

embriões excedentários e da Ação Direita de Inconstitucionalidade que atacou este

mesmo artigo, são, juntamente com todas as afirmativas já explicitadas,

indispensáveis na promoção de uma análise crítica da decisão proferida pela maioria

dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

A avaliação dessa decisão é relevante porque foi através dela que as

experimentações e terapias com células-tronco embrionárias retiradas de embriões

não utilizados na fertilização in vitro foram finalmente permitidas no âmbito do

território brasileiro.

5.1 Lei de Biossegurança Nacional

A Lei de Biossegurança Nacional, Lei n. 11.105, de março de 2005, é um

microssistema que objetiva regulamentar os aspectos administrativos, penais e civis

referentes às relações que envolvam os organismos geneticamente modificados e os

seus derivados.

Essa Lei revogou a antiga Lei n. 8.974, de janeiro de 1995, que disciplinava o

assunto, sendo considerada uma evolução natural no tratamento de uma matéria

que encontra-se em constante modificação. Alguns dos conceitos previstos na antiga

Lei foram mantidos, como a proibição da manipulação genética de células germinais

humanas. Ela também estabelecia a impossibilidade de produção, armazenamento

ou manipulação de embriões humanos para servir como material biológico

disponível, sendo que, nesse sentido, a nova Lei de Biossegurança inovou, ao

permitir utilização de embriões excedentários como objeto para a obtenção de

células-tronco embrionárias.

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A Lei n. 11.105/05, em seu artigo 1º, coloca que:

Art. 1º - Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados (OGM) e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente.

Sendo que esse artigo 1º “[...] delimita o objeto normativo desta lei e vincula

este objeto a diretrizes constitucionais “(FERRARESI, 2007, p. 202).

“As diretrizes constitucionais apontadas no art. 1º são”: a) o estímulo ao

avanço cientifico na área de biossegurança e biotecnologia – o art. 218, caput, CF;

b) a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal – que relaciona-se ao art.

225, caput, CF; e c) a observância do princípio da precaução para a proteção do

meio ambiente. (FERRARESI, 2007, p. 203-204).

Assim, a finalidade principal dessa legislação é a de regulamentar o previsto

no inciso segundo do parágrafo primeiro do artigo 225 da Constituição Federal. Esse

regramento constitucional traz a obrigação do Poder Público de “[...] preservar a

diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades

dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético.”

Ela prevê a criação e a manutenção de órgãos para o controle e a supervisão

das atividades com organismos geneticamente modificados, criando, desta forma,

um sistema de proteção composto pelo Conselho Nacional de Biossegurança

(CNBS, ligado à Presidência da República), a Comissão Técnica Nacional de

Biossegurança (CTNBio, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia) e as

comissões internas de biossegurança (CIBio, em cada instituição que realize

técnicas de engenharia genética).

Além de estabelecer tipos penais, infrações administrativas e de regulamentar

a utilização de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa terapêutica.

Uma das críticas que se faz à Lei de Biossegurança Nacional é que ela não

se aprofundou na análise da clonagem humana, pois, apesar de diferenciar

conceitualmente as clonagens reprodutiva e terapêutica, ela é vaga quando às

técnicas pelas quais a clonagem pode ser realizada e quando à proibição dessa

atividade.

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Outra crítica apresentada, essa muito relevante na avaliação da decisão do

Supremo Tribunal Federal sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias, é

que todos os órgãos governamentais de controle previstos na lei se destinam a atuar

em relação aos organismos geneticamente modificados, sendo que os embriões

excedentários não se incluem entre esses organismos.

Nesse sentido, o parágrafo primeiro, do artigo 3º, da lei estabelece que:

Art. 3º - Não se inclui na categoria de OGM o resultante de técnicas que impliquem a introdução direta, num organismo, de material hereditário, desde que não envolvam a utilização de moléculas de ADN/ARN recombinante ou OGM, inclusive fecundação in vitro, conjugação, transdução, transformação, indução poliplóide e qualquer outro processo natural.

Essa situação fez com que, do ponto de vista de alguns dos ministros do

Supremo Tribunal Federal, houvesse uma lacuna no sistema de proteção das

atividades relacionadas a esses embriões.

Contudo, a grande inovação que essa legislação trouxe ao ordenamento

jurídico nacional foi justamente a liberação de pesquisas e terapias com células-

tronco embrionárias obtidas de embriões excedentários.

5.2 A Previsão da Possibilidade de Pesquisas Terapêuticas com os Embriões Excedentários

Em seu artigo quinto, a Lei n. 11.105/05, passou a permitir a utilização de

experimentações terapêuticas com células-tronco embrionárias oriundas de

embriões criopresenvados, excedentes da técnica de reprodução assistida da

fertilização in vitro.

Essa mesma Lei, em contrapartida à citada permissão, prevê que o emprego

de embriões humanos em desacordo com o nela disposto configura a prática de uma

conduta penalmente punida. 19

O dispositivo permissivo impõe algumas condições a ser observadas para que

efetivamente seja legal esse tipo de experimentação, sendo elas: que os embriões

sejam inviáveis ou que tenham permanecido congelados por no mínimo três anos

19 Art. 24. Utilizar embrião humano em desacordo com o que dispõe o art. 5º desta Lei: Pena – detenção,

de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

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antes do advento da Lei, ou após três anos se, na data implementação dessa, já

estavam criopreservados; a liberação por parte dos genitores do material genético; e

a aprovação do comitê de ética ligado à instituição responsável pela pesquisa.

Assim, o artigo 5º da Lei de Biossegurança Nacional prevê que:

Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I - sejam embriões inviáveis; ou II - sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. §1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. §2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. §3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

A lei ainda conceitua células-tronco embrionárias como as células de embrião

que apresentam a capacidade de se transformar em células de qualquer tecido de

um organismo (art. 3º, XI).

Em decorrência dessa lei foi editado, em novembro de 2005, pelo Presidente

da República, o Decreto n. 5.591, com a finalidade de regulamentar os seus

dispositivos.

Esse decreto, no seu artigo 3º, acrescentado à matéria, conceitua:

Fertilização in vitro como a fusão dos gametas realizada por qualquer técnica

de fecundação extracorpórea (inc. X);

Embriões inviáveis como aqueles com alterações genéticas comprovadas por

diagnóstico pré-implantacional, conforme normas específicas estabelecidas pelo

Ministério da Saúde, que tiveram seu desenvolvimento interrompido por ausência

espontânea de clivagem após período superior a vinte e quatro horas a partir da

fertilização in vitro, ou com alterações morfológicas que comprometam o pleno

desenvolvimento do embrião (inc. XIII);

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Embriões congelados disponíveis como aqueles congelados até o dia 28 de

março de 2005, depois de completados três anos contados a partir da data do seu

congelamento (inc. XIV); e

Genitores como os usuários finais da fertilização in vitro (inc. XV).

Além de estabelecer que:

Cabe ao Ministério da Saúde promover levantamento e manter cadastro

atualizado de embriões humanos obtidos por fertilização in vitro e não utilizados no

respectivo procedimento (art. 64);

As instituições que exercem atividades que envolvam congelamento e

armazenamento de embriões humanos deverão informar, conforme norma

específica que estabelecerá prazos, os dados necessários à identificação dos

embriões inviáveis produzidos em seus estabelecimentos e dos embriões

congelados disponíveis (§ 1º, do art. 64);

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária estabelecerá normas para

procedimentos de coleta, processamento, teste, armazenamento, transporte,

controle de qualidade e uso de células-tronco embrionárias humanas (art. 65);

Os genitores que doarem, para fins de pesquisa ou terapia, células-tronco

embrionárias humanas obtidas em conformidade com o disposto na lei, deverão

assinar Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme norma específica do

Ministério da Saúde (art. 66); e

A utilização, em terapia, de células-tronco embrionárias humanas será

realizada em conformidade com as diretrizes do Ministério da Saúde para a

avaliação de novas tecnologias (art. 67).

E também determina como infrações administrativas a comercialização de

células-tronco embrionárias e a utilização dos embriões excedentários em pesquisas

e terapias sem o consentimento dos genitores, sem atender as disposições previstas

no decreto quanto ao controle da atividade e sem a aprovação do respectivo comitê

de ética em pesquisa, de acordo com norma do Conselho Nacional de Saúde.

Assim, esse decreto cumpre o seu papel de complementar a lei de

Biossegurança de forma coerente, estabelecendo os conceitos necessários para a

aplicação do disposto no artigo 5º da lei, como os de fertilização in vitro, embriões

inviáveis e genitores. Estabelece a data antes da qual devem os embriões não

utilizados terem sido congelados para se contar o prazo de três anos, que é 28 de

março de 2005.

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Cria ainda um sistema de levantamento e cadastro dos embriões

excedentários existentes nas clínicas de reprodução assistida que poderiam ser

utilizados em pesquisas, coordenado pelo Ministério da Saúde, e estabelece que a

Agência Nacional de Vigilância Sanitária designe as normas para coleta,

armazenamento, transporte e controle de qualidade e do uso de células-tronco

embrionárias humanas.

Prevê também que os genitores que doarem os embriões excedentários para

pesquisa e terapia devem assinar um termo de consentimento livre e esclarecido,

conforme norma específica do Ministério da Saúde, e que a utilização terapêutica

das células-tronco embrionárias deverá ser realizada em observância às diretrizes

do Ministério da Saúde.

Além de trazer um rol de infrações administrativas, estando entre elas a

ausência de aprovação do protocolo de pesquisa por parte do comitê de ética, nos

termos do regramento estabelecido pelo Conselho Nacional de Saúde.

Diante desse contexto, a Diretoria Colegiada da Agência Nacional de

Vigilância Sanitária, cumprindo as determinações do decreto, editou a Resolução n.

29, de maio de 2008, com a finalidade de instituir os procedimentos relativos ao

Cadastramento Nacional dos Bancos de Células e Tecidos Germinativos (BCTG) e à

averiguação de informações sobre a produção de embriões humanos pela

fertilização in vitro e não utilizados neste procedimento, criando para esta última

finalidade, o Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio).

Esse sistema visa promover um censo dos embriões excedentários existentes

nas clínicas de reprodução assistida do país, estabelecendo quais poderiam ser

utilizados nas pesquisas e terapias com células-tronco embrionárias, estabelecendo,

com isso, uma forma de monitoramento dessas experimentações.

E, o Ministério da Saúde, através da Portaria MS/GM n. 2.526, de dezembro

de 2005, também prevê a obrigação das clinicas de reprodução assistida enviarem

informações sobre os embriões excedetários à Agência Nacional da Vigilância

Sanitária para a formação de um cadastro.

Também define diagnóstico pré-implantacional como as técnicas que avaliam

a possibilidade de presença/ocorrência de doenças genéticas, direcionadas pela

história clínica dos indivíduos cujos gametas originaram o embrião, e determina as

diretrizes para a elaboração do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido a ser

assinado pelos genitores doadores dos embriões, devendo constar a destinação

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para fins de pesquisa e terapia e garantir que a identidade dos doadores será

mantida em sigilo.

Quanto ao consentimento, Clarice Alho (2005, p. 54) ainda afirma que:

[...], as clínicas de fertilização assistida, antes de receber o consentimento dos casais para que permitam a utilização de seus embriões em pesquisas, devem informá-los das chances que os embriões tem de permanecer viáveis mesmo após três anos de congelamento. Há registros de gravidez e nascimento de bebês a partir de embriões congelados a até nove anos.

Além de todos esses instrumentos, é importante destacar ainda a existência

da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), instituída pela Resolução n.

196/96, do Conselho Nacional de Saúde, vinculado ao Ministério da Saúde, cuja

atribuição é o exame dos aspectos éticos das pesquisas que envolvam material de

origem humana.

Cabe destacar que essa comissão tem independência funcional e possui uma

composição multidisciplinar, atuando de forma consultiva, educativa e normativa.

Ela tem como principal finalidade coordenar e fiscalizar a atuação dos

Comitês de Ética em Pesquisa das instituições. Nesse sentido, avalia e acompanha

os protocolos de pesquisa que qualquer um dos aspectos de sua atribuição, além de

constituir a instância de recurso das decisões proferidas pelos comitês de ética das

instituições.

Assim, as experimentações com células-tronco oriundos de embriões

excedentários, além da aprovação do comitê de ética da instituição onde se

desenvolverá a pesquisa, também são submetidas a esse controle efetuado pela

Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, podendo esta entidade inclusive

interromper as pesquisas se estas afrontarem diretrizes éticas e legais.

Diante de todas essas exigências, o regramento brasileiro sobre a matéria

tomou as medidas necessárias para que houvesse um controle efetivo das

atividades relacionadas com a liberação das pesquisas e terapias com células-tronco

embrionárias obtidas a partir de embriões excedentários, de modo a não impedir o

desenvolvimento da ciência e, ao mesmo tempo, minimizar os riscos de que abusos

sejam praticados.

Nesse contesto, mostra-se relevante uma análise de algumas das legislações

estrangeiras que, como a brasileira, permitem a pesquisa e terapia com células-

tronco embrionárias.

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5.2.1 O Uso de Células-tronco Embrionárias no Direito Estrangeiro

A decisão do Supremo Tribunal Federal brasileiro, que promoveu a liberação

das pesquisas com embriões excedentes da técnica de reprodução assistida da

fertilização in vitro, coloca o Brasil junto com diversos outros países que já

permitiam, em alguns casos a um bom tempo, esse tipo de experimentação.

Entre os países que permitem as pesquisas com células-tronco embrionárias

estão: a quase totalidade dos países da Comunidade Européia (França, Espanha,

Suíça, Finlândia, Dinamarca, Noruega, Suécia, Holanda, Portugal, Reino Unido,

sendo que somente a Itália proíbe tais experimentações), China, Japão, Índia,

Austrália, África do Sul, Estados Unidos, Canadá, Irã, Alemanha, Coréia, Israel e

Rússia. Sendo que na América Latina somente o Brasil e México permitem esse tipo

de pesquisa.

Nesse sentido:

O uso de CT embrionárias de embriões com até 14 dias para a realização de pesquisas está aprovado em muitos países da comunidade Européia, na Austrália, no Japão, na China, no Canadá, onde se permite que sejam utilizados nas pesquisas embriões que foram obtidos in vitro para este fim, ou que tenham sido obtidos para fins reprodutivos, em clinicas de reprodução assistida, mas que já não tenham nenhuma chance de serem inseridos no útero materno. (ALHO, 2005, p. 49).

Cabe destacar que muitos dos países que ainda nem sequer desenvolveram

a discussão acerca da utilização de embriões excedentários em pesquisas com

células-tronco embrionárias não o fizeram, entre outras coisas, como a interferência

religiosa, porque não possuem estrutura ou o conhecimento científico para

desenvolver esse tipo de pesquisa, sendo exemplo dessa realidade a quase

totalidade dos países da América Latina.

Todos os países, independente da autorização ter sido realizada através de

uma lei ou de um parecer da sua Comissão Nacional de Bioética ou do seu

Ministério da Saúde, fazem algum tipo de exigência para que os pré-embriões

humanos sejam utilizados como fonte de células-tronco embrionárias em pesquisas

científicas, sendo que as mais utilizadas são exatamente aquelas feitas pela

legislação brasileira, sendo elas: a exigência do consentimento dos genitores; a

aprovação dos protocolos de pesquisa por comitês de ética antes de sua execução;

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e a proibição do comércio desses embriões, sendo autorizada apenas a

comercialização das linhagens de células-tronco embrionárias.

A grande maioria dos países, como o Brasil, França, Holanda, Suíça e

Canadá autorizam apenas a pesquisa com embriões remanescentes das técnicas de

reprodução assistida. Outros países permitem também, além da utilização dos

embriões excedentes, a produção de embriões exclusivamente para fins de

experimentação científica, como o Japão, Cingapura, a China e a África do Sul. E

outros permitem ainda, além dessas duas possibilidades, a clonagem terapêutica,

como Israel e a Inglaterra. 20

Nesse contexto, mostra-se relevante o aprofundamento sobre algumas

características do regramento de determinados países.

A Inglaterra, na década de 90, foi um dos primeiros países a autorizar a

pesquisa com células-tronco embrionárias, sendo que da discussão realizada

resultou o chamado Relatório Warnock, no qual foi posposto o termo “pré-embrião”

para conceituar o conjunto de células humanas com até catorze dias de

desenvolvimento. (FERRARESI, 2007, p. 135)

A Alemanha possui uma situação peculiar, pois somente são permitidas as

pesquisas com linhagens de células-tronco embrionárias importadas, não podendo

ser utilizados embriões alemães nessas investigações científicas.

No caso de Israel, a influência dos dogmas religiosos no Estado é legalmente

instituída. E, sob a influência desses dogmas, possui uma das leis mais liberais

sobre a pesquisa com embriões humanos, possibilitando inclusive a criação de

embriões exclusivamente para fins de pesquisa e a realização da clonagem

terapêutica.

Nos Estados Unidos da América os embriões excedentários podem ser

doados ou destinados, com a autorização dos genitores, às pesquisas com para a

obtenção de células-tronco embrionárias (VALE, 2006, p. 56-57), sendo que o atual

presidente, Barack Obama, retirou a norma editada pelo antigo presidente, George

Bush (que é reconhecidamente defensor de dogmas religiosos e contrário a esse

tipo de experimentação), que proibia o financiamento federal dessas pesquisas,

mesmo porque diversos estados, como a Califórnia, já promoviam o financiamento

público das pesquisas.

20 Os dados em relação às características de cada um dos países citados: ANIS (2008, online).

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A Espanha possui uma legislação bem liberal, na qual os embriões, com o

consentimento dos genitores, podem ser destruídos, doados, inclusive para pessoas

solteiras, idosas e homossexuais, ou destinados à experimentação científica. (VALE,

2006, p. 56-57).

Já a Itália, pelo contrário, possui uma legislação muito rígida, na qual não são

permitidas as pesquisas com embriões humanos e, desde 2004, é proibido armazenar

embriões, devendo as clínicas de reprodução assistida fecundar no máximo três

óvulos por tentativa, que devem todos ser transplantados para o útero da mãe. Os

embriões já congelados antes da vigência dessa lei não podem ser destruídos,

doados ou destinados às investigações científicas. (VALE, 2006, p. 56-57).

5.3 A Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3510

A Ação Direita de Inconstitucionalidade proposta, ainda em maio de 2005,

contra o artigo 5º da Lei de Biossegurança Nacional tinha por fundamento a

alegação de que qualquer manipulação com embriões humanos, independente do

local onde eles tenham sido produzidos, do estado em que se encontrem e até da

sua viabilidade, seria uma afronta aos direitos fundamentais à vida e à dignidade da

pessoa humana.

A referida Ação foi proposta pelo Procurador-Geral da República em exercício

na época, Cláudio Fonteles, e argumentava que a vida tem início com a fecundação,

independente do local onde ela ocorra, sendo que os embriões excedentários são

dotados de vida humana, devendo, desta forma, também ser protegidos por todos os

diretos inerentes a esta condição.

Pregava, com isso, a necessidade de se garantir uma proteção absoluta e

inflexível do direito à vida a partir da concepção e solicitava a declaração de

inconstitucionalidade da norma permissiva das pesquisas e terapias com embriões

não utilizados na fertilização in vitro.

Assim, cabe destacar os principais pontos dessa Ação:

O principal argumento utilizado é que a vida humana acontece na, e a partir

da, fecundação, sendo que os embriões não constituem, então, um simples

amontoado de células , mas sim uma vida humana.

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Diante dessas alegações, o texto da referida ação assegura que:

A vida humana acontece na, e a partir da, fecundação: o zigoto, gerado pelo

encontro dos 23 cromossomos masculinos com os 23 cromossomos femininos;

Ela ocorre nesse momento porque a vida humana é contínuo desenvolver-se;

Contínuo desenvolver-se porque o zigoto, constituído por uma única célula,

imediatamente produz proteínas e enzimas humanas, é totipotente, vale dizer,

capacita-se, ele próprio, ser humano embrionário, a formar todos os tecidos, que se

diferenciam e se auto-renovam, constituindo-se em ser humano único e irrepetível;

A partir da fecundação, a mãe acolhe o zigoto, desde então propiciando o

ambiente a seu desenvolvimento, ambientação que tem sua etapa final na chegada

ao útero. Todavia, não é o útero que engravida, mas a mulher, por inteiro, no

momento da fecundação; e

A pesquisa com células-tronco adultas é, objetiva e certamente, mais

promissora do que a pesquisa com células-tronco embrionárias, até porque com as

primeiras resultados auspiciosos acontecem, do que não se tem registro com as

segundas.

E, estabelecendo tais premissas, conclui que o artigo 5º e parágrafos, da Lei

de Biossegurança Nacional, viola o direito à vida e afronta a dignidade da pessoa

humana.

Assim, pede que seja realizada uma Audiência Pública para que o assunto

pudesse ser discutido com a sociedade, sendo que esta foi efetivamente realizada e

configura como a primeira audiência publica da história do Supremo Tribunal

Federal, e, por fim, que seja declarada a inconstitucionalidade do artigo.

É importante destacar que alguns dos argumentos utilizados pelo Procurador-

Geral da República são efetivamente aplicáveis aos embriões concebidos dentro do

corpo da mulher. Entretanto, perdem totalmente o sentido quando analisados em

face dos embriões excedentários. Como no caso da verdadeira alegação de que a

vida humana é um contínuo desenvolver-se, pois é impossível aplicar essa

afirmação à realidade dos embriões excedentários, que são incapazes de se

desenvolver, no caso dos inviáveis, ou se encontram congelados, em um estado

inanimado, com o seu desenvolvimento paralisado.

Contudo, em razão desta ação, a aplicabilidade do citado dispositivo

legislativo ficou suspensa, sendo que essa realidade somente foi alterada em 2008,

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com o julgamento pelos ministros do Supremo Tribunal Federal da referida

contenda.

5.4 Uma Análise Crítica da Decisão do Supremo Tribunal Federal

A decisão dos ministros em relação à discussão trazida pela Ação Direta de

Inconstitucionalidade acima mencionada trouxe uma enorme repercussão em todos

os setores da sociedade.

Nesse contexto, a realização da referida audiência pública possibilitou aos

ministros a obtenção de maiores informações, através da oitiva de diversos

especialistas e de integrantes de organizações interessadas, fazendo com que a

sociedade tivesse uma participação efetiva no desfecho da contenda.

Na decisão final, a maioria dos ministros (sendo eles: Ellen Gracie, Carmen

Lucia, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio e Celso de Mello), seguiu a posição do

ministro relator, Carlos Ayres Britto, no sentido da constitucionalidade do artigo

exatamente nos termos estabelecidos pela Lei.

Entretanto, cinco ministros (sendo eles: Eros Grau, Ricardo Lewandoski,

Gilmar Mendes, Cezar Peluzo e Menezes Direito), apesar de aceitarem como

legítima a pesquisa com embriões excedentários, colocaram em seus votos a

necessidade do estabelecimento de outras limitações a este tipo de experimentação,

principalmente defendendo a criação de órgãos destinados à realização de um

controle maior sobre esta atividade.

Nesse contexto, é imprescindível que se promova uma análise mais

aprofundada de alguns dos votos dos ministros, tornando possível uma melhor

compreensão dos dois pontos de vista. Assim:

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5.4.1 Votos que decidiram pela improcedência total da ação

Ministro Ayres Brito (Relator):

O relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade, o ministro Ayres Brito,

afirma que a constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança deve ser

analisada em face de todo um Bloco de Constitucionalidade, composto, entre outras,

por normas referentes aos diretos fundamentais à vida e à dignidade humana, à

liberdade de investigação científica, ao direto à saúde e ao planejamento familiar.

Nesse contexto, afirma que todo esse conjunto normativo parte do

pressuposto que há uma intrínseca dignidade em toda forma de vida humana, ainda

que esta tenha sido configurada do lado de fora do corpo feminino.

Destaca de maneira importante as linhas de pesquisa com células-tronco

embrionárias não invalidam outras com as adultas, ou outros mecanismos, e vice e

versa, pois todas se somam em prol do mesmo objetivo, que é o enfrentamento e

cura de doenças que assolam o ser humano.

Alega que Constituição brasileira não diz quando começa a vida humana e

nem dispõe sobre nenhuma das formas de vida humana pré-natal.

Quanto à dignidade da pessoa humana, enfatiza que é um princípio tão

relevante que alcança, mesmo no plano das leis infraconstitucionais, a proteção de

tudo que se revele como o próprio início e continuidade de um processo que da

origem à pessoa humana.

Assim, conclui que o início da vida humana só pode coincidir com o preciso

instante da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozóide masculino,

pois não há outra matéria-prima da vida humana ou qualquer outro modo pelo qual a

vida possa começar.

Realça, entretanto, que quando a legislação protege uma entidade pré-natal,

quer em estado embrionário, quer em estado fetal, como no caso do aborto, está a

tutelando sempre no interior do corpo feminino. Não algo que se encontra em placa

de Petri, ou qualquer outro recipiente de embriões.

Desse modo, passa a destacar que os embriões a que a lei se refere são

aqueles derivados de uma fertilização que se obtém fora do ambiente de uma

relação sexual, ou seja, que ocorre do lado externo do corpo da mulher e dentro de

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tubos de ensaio. Nesse contexto, apesar de já ter ocorrido a fecundação, a gravidez

não ocorreu, e provavelmente nunca ocorrerá, pois esse embrião não utilizado é

submetido ao congelamento, o que paralisa o seu desenvolvimento, tornando-o

insuscetível a uma progressão reprodutiva. E continua concluindo que a Lei de

Biossegurança não veicula autorização para extirpar o embrião do corpo feminino.

Quanto ao planejamento familiar o ministro afirma que esse princípio

fundamental, decorrente da dignidade da pessoa humana, se apresenta como um

verdadeiro direito público subjetivo do casal à liberdade de escolha quanto à

intenção de ter ou não filhos, e como um instrumento destinado a implementar

condições planejas de bem-estar e assistência físico-afetiva entre os membros da

família. Com isso, o casal pode e deve utilizar de todos os meios capazes de

resolver os problemas de infertilidade, entre eles a fertilização in vitro.

Quanto à liberdade de expressão científica, pontua que esse direito

constitucional é oponível especialmente ao próprio Estado. Por isso, faz necessário

respeitá-la e promovê-la ao máximo, estabelecendo uma proteção jurídica eficaz e

equilibrada.

Passa então a detalhar a teoria pela qual a vida começaria com o início do

desenvolvimento da estrutura nervosa tendo em vista que, segundo a legislação

brasileira (Lei dos Transplantes), ela tem fim com a morte cerebral. Deste modo,

alega que ambos os diplomas normativos possuem a mesma fonte, pois o embrião

referido na Lei de Biossegurança não é jamais uma vida a caminho de outra vida

nova, faltam-lhe todas as possibilidades de ganhar as primeiras terminações

nervosas, que representam o indício biológico de um cérebro humano.

Destarte, esse embrião, sem a menor possibilidade de se transformar em uma

pessoa natural, tem como único cominho a ser percorrido a sua utilização em

pesquisas com a intenção de recuperar a saúde e até salvar a vida de pessoas.

E conclui que, se a morte encefálica representa a cessação da vida humana,

justificando inclusive a remoção de seus órgãos para fins de transplante, o embrião

humano a que se reporta o art. 5º da Lei de Biossegurança, por representar um ente

absolutamente incapaz de qualquer resquício de vida encefálica, não é a expressão

de uma vida humana. Então, a afirmação de incompatibilidade deste diploma legal

com a Constituição é de ser plena e prontamente rechaçada, sendo uma afirmativa

inteiramente órfã de suporte jurídico-positivo.

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Contudo, diante de todo esse contexto, julga totalmente improcedente a ação

direta de inconstitucionalidade.

Ministra Ellen Gracie:

A ministra Ellen Gracie afirma que não há previsão constitucional acerca do

termo inicial da vida, não cabendo a Supremo estabelecer esta marco, devendo ele

se limitar a analisar a constitucionalidade do art. 5º da Lei de biossegurança frente

aos direitos fundamentais. Ela critica a inexistência de preceitos legislativos

destinados à regulamentação da fertilização in vitro, apesar de existirem inúmeros

projetos de lei sobre o assunto.

A ministra desenvolve a teoria de que nos primeiros 14 dias de

desenvolvimento têm-se, em verdade, um pré-embrião e afirma que mesmo que não

se adote essa concepção, deve-se aplicar plenamente, no presente caso, o princípio

utilitarista, segundo o qual deve ser buscado o resultado de maior alcance com o

mínimo de sacrifício possível. O aproveitamento, nas pesquisas científicas com

células-tronco, dos embriões gerados no procedimento de reprodução humana

assistida é infinitamente mais útil e nobre do que o descarte vão dos mesmos.

Conclui que ao verificar um significativo grau de razoabilidade e cautela no

tratamento normativo dado à matéria pela referida Lei, não há qualquer ofensa à

dignidade humana na utilização de pré-embriões inviáveis ou congelados há mais de

três anos nas pesquisas de células-tronco, que não teriam outro destino que não o

descarte. E, deste modo, julga improcedente o pedido da ADIN.

Ministra Carmen Lucia:

A ministra Carmen Lúcia, inicialmente, expõe a sua preocupação com as

expectativas que parecem ter sido suscitadas na sociedade quanto aos efeitos

práticos e imediatos do julgamento, pois as efetivas terapias com células-tronco

embrionárias ainda depende de muitas pesquisas, não se podendo confundir a

esperança de cura com a ilusão de uma imediata cura.

Ela defende que, na solução da presente demanda não precisa o Supremo

estabelecer, juridicamente, quando começa a vida humana, mas apenas se a norma

em discussão é constitucionalmente válida ou não.

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Afirma que nenhum direito pode ser apresentado como absoluto, pois todo

princípio deve ser interpretado e aplicado de forma ponderada, levando-se em

consideração os outros princípios que igualmente se põem na busca de uma

sincronia do sistema constitucional. A Constituição não garante apenas o direito à

vida, mas um extenso plexo de direitos, entre eles a liberdade para que o ser

humano busque um viver digno.

Assim, alega não existir qualquer violação do direito à vida na pesquisa com

células-tronco embrionárias, pois esses embriões inviáveis ou congelados há mais

de três anos não serão objeto de implantação no útero materno e, com isso, não há

que se falar nem em vida, nem em direito que pudesse ser violado.

Para ela os embriões são matrizes de que poderia decorrer a vida, mas que

para essa não seguem pela sua não implantação no útero de uma mulher.

Em relação à dignidade da pessoa humana, afirma que não há que se falar

apenas em dignidade da vida para os embriões excedentários, que, no caso em

foco, nem irão se transformar em vida, mas sim no respeito à esse princípio para

aqueles que buscam com as terapias decorrentes dessas pesquisas um melhor viver

ou até mesmo apenas viver.

Deste modo, assegura que ao possibilitar que alguém tenha esperança e

possa lutar para viver compõe a dignidade da vida daquele que se compromete com

o princípio em sua largueza maior, com a existência digna para a espécie humana.

Nesse sentido, dispõe que:

A utilização de células-tronco embrionárias para pesquisa e, após o seu resultado consolidado, o seu aproveitamento em tratamentos voltados à recuperação da saúde não agridem a dignidade humana, constitucionalmente assegurada. Antes, valoriza-a. O grão tem de morrer para germinar. Se a células-tronco embrionária, nas condições previstas nas normas agora analisadas, não vierem a ser implantadas no útero de uma mulher, serão elas descartadas. Dito de forma direta e objetiva, e ainda que certamente mais dura, o seu destino seria o lixo. Estaríamos não apenas criando um lixo genético, como, o que é igualmente gravíssimo, estaríamos negando àqueles embriões a possibilidade de se lhes garantir, hoje, pela pesquisa, o aproveitamento para a dignidade da vida. A sua utilização é uma forma de saber para a vida, transcendendo-se o saber da vida, que com outros objetos se alcança. Conhecer para ser. Essa a natureza da pesquisa científica com células-tronco embrionárias, que não afronta, mas busca, diversamente, ampliar as possibilidades de dignificação de todas as vidas. 21

A ministra também constata a importância do direito constitucional da

liberdade na atividade científica, pois o desenvolvimento nessa área, pautado

21 Trecho retirado do voto da ministra proferido na ADIN 3510.

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sempre na busca da efetivação da dignidade da pessoa humana, pode servir à

melhoria das condições de vida para todos.

Ela ainda faz uma crítica quanto ao rigor do controle efetuado pelos comitês

de ética, estabelecido pelo dispositivo. Porém, afirma que tal déficit não parece

justificar uma declaração de inconstitucionalidade, e lembra que a Constituição,

quando fala do Meio Ambiente, em seu artigo 225, § 1º, inc. II, outorga ao poder

público o dever de “fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de

material genético.”

Lembra ainda que existem projetos de lei com a finalidade de estabelecer

maior rigor legislativo na matéria e que a aprovação de um projeto que restrinja e

torne mais seguros os mecanismos de controle de ética nas pesquisas e nos

tratamentos com células-tronco suprirão esse déficit de constitucionalidade e

tornarão mais seguros os direitos constitucionalmente afirmados.

Cita, por fim, que:

A ciência que pode matar, é certo, também pode salvar, é mais certo ainda. E se o direito ajusta o que a ciência pode melhor oferecer para que viva melhor àquele que mais precisa do seu resultado, não há razões constitucionais a impor o entrave desse buscar para a dignificação da espécie humana. Entendo que a utilização da célula-tronco embrionária para a pesquisa e, conforme o seu resultado, para o tratamento – indicado a partir de terapias consolidadas nos termos da ética constitucional e da razão médica honesta - não apenas não viola o direito à vida. Antes, torna parte da existência humana o que vida não seria, dispondo para os que esperam pelo tratamento a possibilidade real de uma nova realidade de vida. 22

Nesse contexto, conclui que o artigo em questão não se contraria a Constituição e

nem se afasta do princípio da dignidade da pessoa humana, julgando improcedente ação,

para considerar válido o art. 5º e parágrafos da Lei n. 11.105/2005.

22 Trecho retirado do voto da ministra proferido na ADIN 3510.

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5.4.2 Votos que decidiram pela constitucionalidade com reservas do artigo 5º da Lei

de Biossegurança Nacional

Ministro Gilmar Mendes:

O ministro Gilmar Mendes afirma que independentemente da concepção que

se tenha sobre o termo inicial da vida, não se pode perder de vista que, na presente

discussão, há um elemento vital digno de proteção jurídica.

Assim, a questão não está em saber quando, como e de que forma a vida

humana tem início ou fim, mas como o Estado deve atuar na proteção desse

organismo diante das novas tecnologias.

Ele critica o fato de, no Brasil, esse tão relevante e complexo assunto ter sido

regulamentado por um único artigo, enquanto que em outros países, como a

Espanha, existem leis inteiras discorrendo sobre o tema. Essa realidade atos do

Poder Executivo fossem os responsáveis pelo aprofundamento do assunto, como os

arts. 63 a 67 do Decreto n. 5.591, de 2005, além de atos administrativos específicos

de órgãos como o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Discorre ainda da eficácia vertical dos direitos fundamentais, pela qual eles

não se caracterizam apenas por seu aspecto subjetivo, mas também por uma feição

objetiva que os tornam verdadeiros mandatos normativos direcionados ao Estado.

Além de afirmar que diante de uma nova realidade jurisdicional o Supremo

Tribunal Federal não precisa se apresentar simplesmente como um legislador

negativo, podendo proferir decisões interpretativas com eficácia aditiva, sendo o

presente caso uma oportunidade para tal atuação.

Alega que o artigo 5º da Lei de Biossegurança viola o princípio da

proporcionalidade ao deixar de instituir um órgão central para análise, aprovação e

autorização das pesquisas e terapia com células-tronco originadas do embrião

humano. E que, com isso, o referido artigo deve ser interpretado no sentido de que a

permissão da pesquisa e terapia com células-tronco embrionárias, obtidas de

embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, deve ser condicionada à

prévia aprovação e autorização por Comitê (Órgão) Central de Ética e Pesquisa,

vinculado ao Ministério da Saúde.

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Deste modo, julga improcedente a ação, para somente declarar a

constitucionalidade do artigo em tese se for observada a citada exigência de se criar

um órgão central de controle, vinculado ao Ministério da Saúde.

Ministro Cezar Peluzo:

O ministro Peluzo afirma que mais importante do que fixar um ponto arbitrário

para situar o exato momento do início da vida, é discernir que: não se verifica a

fluência necessária para caracterização da vida; a origem da matéria-prima genética

considerada é sua concepção in vitro; e não se dá interrupção do curso da vida,

porque, antes de este começar no ventre materno, lhe adveio a suspensão do

processo pelo congelamento.

Constata que as células-tronco embrionárias não são Organismos

Geneticamente Modificados (art. 3º, §1º, da Lei de Biossegurança), sendo que, com

isso, as pesquisas e experimentos que as tomem por objeto não se sujeitam a

controle direto por parte do órgãos criados pela mesma lei para promover o controle

das atividades científicas, que são o CNBS, a CTNBio, e a CIBio.

Assim, alega existir um grave problema quanto ao controle dessas pesquisas,

sendo necessário se promover a afirmação desses responsáveis.

Nesse sentido, julga improcedente a ação, mas ressalta a necessidade de se

instituir de forma mais adequada os mecanismos de controle, como através da

submissão das atividades de pesquisas ao crivo reforçado de outros órgãos de

controle e fiscalização estatal, como o Ministério da Saúde, o Conselho Nacional de

Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Ministro Eros Grau:

O ministro Eros Grau afirma que o embrião faz parte do gênero humano,

merecendo proteção da sua dignidade pela Constituição e lhe sendo assegurado o

direito à vida. Entretanto, alega que o termo “embrião” utilizado pela Lei de

Biossegurança não tem essa mesma conotação, pois o vocábulo embrião aponta um

ser humano durante as primeiras semanas de desenvolvimento intra-uterino, vale

dizer, um ser em processo de desenvolvimento vital, vivente, em movimento.

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No contexto do artigo 5º da Lei n. 11.105/05, embrião é óvulo fecundado fora

de um útero. Para a referida Lei, Embrião é óvulo fecundado congelado, isto é

paralisado à margem de qualquer movimento que possa caracterizar um processo.

Assim, nesses óvulos fecundados não há ainda vida humana.

Continua afirmando que embrião é o que é porque abrigado em um útero. Ou

seja, não há vida humana no óvulo fecundado fora de um útero, pois apesar de ter

ocorrido a fecundação, o processo de desenvolvimento vital não foi desencadeado.

Deste modo, não tem sentido cogitar, em relação a esses “embriões”, a

proteção da vida humana nem a dignidade que deve ser atribuída às pessoas

humanas.

Contudo, o ministro alega que as pesquisas e terapias não podem ser

praticadas de modo irrestrito, cabendo ao Supremo, para que tal liberalidade se

adéque à coerência da Constituição, estabelecer alguns limites e as circunstâncias

em que elas deverão ocorrer.

Nesse sentido, declara a constitucionalidade do artigo 5º e parágrafos da Lei

n. 11.105/05, estabelecendo, no entanto, em termos aditivos, que, para tanto,

devem ser observados os seguintes requisitos:

[i] pesquisa e terapia mencionadas no caput do artigo 5º será empreendidas unicamente se previamente autorizadas por comitê de ética e pesquisa do Ministério da Saúde [não apenas das próprias instituições de pesquisa e serviços de saúde, como disposto no parágrafo 2º do artigo 5º]; [ii] a “fertilização in vitro” referida no caput do artigo 5º corresponde à terapia da infertilidade humana adotada exclusivamente para fim de reprodução humana, em qualquer caso proibida a seleção genética, admitindo-se a fertilização de um número máximo de quatro óvulos por ciclo e a transferência, para o útero da paciente, de um número máximo de quatro óvulos fecundados por ciclo; a redução e o descarte de óvulos fecundados são vedados; [iii] a obtenção de células-tronco a partir de óvulos fecundados - ou embriões humanos produzidos por fertilização, na dicção do artigo 5º, caput - será admitida somente quando dela não decorrer a sua destruição, salvo quando se trate de óvulos fecundados inviáveis, assim considerados exclusivamente aqueles cujo desenvolvimento tenha cessado por ausência não induzida de divisão após período superior a vinte e quatro horas; nessa hipótese poderá ser praticado qualquer método de extração de céulas-tronco. 23

23 Trecho retirado do voto do ministro proferido na ADIN 3510.

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Ministro Ricardo Lewandowski:

O ministro Lewandowski também considera não ser o Judiciário o local para se

estabelecer discussões acerca do início da vida humana. Afirma que, em um plano

jurídico-positivo, o Brasil tem forte razões para adotar a tese de que a vida tem início a

partir da concepção, pois é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, o

denominado Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, que, ratificado em 2002,

entrou no ordenamento brasileiro como norma dotada de dignidade constitucional.

Assim, para os efeitos legais, a vida começa na concepção, iniciada quer in

utero, quer in vitro, sendo que a lei do Estado signatário da Convenção só pode

deixar de protegê-la eventualmente, em situações excepcionais, caso outros valores

estejam em jogo, sendo um exemplo dessa situação o aborto necessário, quando

não há outro meio de salvar a vida da gestante.

O ministro defende que a discussão não deve limitar-se a saber se os

embriões são ou não dotados de vida antes de sua introdução em um útero humano,

mas que ela deve se centrar na visão dos direitos à dignidade da pessoa humana e

à vida não apenas como um bem jurídico atribuído à determinada pessoa, mas como

um bem coletivo, pertencente à sociedade ou mesmo à humanidade como um todo.

Ele, posteriormente, promove uma extensa crítica sobre a construção do

artigo permissivo das pesquisas e terapias com embriões humanos, alegando

problemas com os termos utilizados e de lacunas nas limitações a serem impostas à

essa liberalidade.

Nesse contexto, julga procedente em parte a presente ação direta de

inconstitucionalidade para, sem redução de texto, conferir a seguinte interpretação

aos dispositivos abaixo discriminados:

i) art. 5º, caput: as pesquisas com células-tronco embrionárias somente poderão recair sobre embriões humanos inviáveis ou congelados logo após o início do processo de clivagem celular, sobejantes de fertilizações in vitro realizadas com o fim único de produzir o número de zigotos estritamente necessário para a reprodução assistida de mulheres inférteis; ii) inc. I do art. 5º: o conceito de “inviável” compreende apenas os embriões que tiverem o seu desenvolvimento interrompido por ausência espontânea de clivagem após período superior a vinte e quatro horas contados da fertilização dos oócitos; iii) inc. II do art. 5º: as pesquisas com embriões humanos congelados são admitidas desde que não sejam destruídos nem tenham o seu potencial de desenvolvimento comprometido;

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iv) § 1º do art. 5º: a realização de pesquisas com as células-tronco embrionárias exige o consentimento “livre e informado” dos genitores, formalmente exteriorizado; v) § 2º do art. 5º: os projetos de experimentação com embriões humanos, além de aprovados pelos comitês de ética das instituições de pesquisa e serviços de saúde por eles responsáveis, devem ser submetidos à prévia autorização e permanente fiscalização dos órgãos públicos mencionados na Lei 11.105, de 24 de março de 2005. 24

Assim, a maior crítica dos ministros que impuseram a observância de maiores

requisitos para que a norma em discussão se adequasse aos preceitos

constitucionais foi em relação à necessidade de se estabelecer um controle mais

abrangente através da criação de órgãos específicos destinados à esta finalidade,

para que a análise dos protocolos de pesquisa não fique apenas nas mãos dos

Comitês de Ética das próprias instituições onde as pesquisas serão realizadas.

Porém, alguns ministros, como Lewandowski e Eros Grau, alegaram também

que essa adequação somente ocorreria se fossem utilizados métodos de obtenção

de células-tronco embrionárias nas quais não houvesse a destruição dos embriões

congelados. Sendo que somente quanto aos embriões inviáveis, devendo estes

serem considerados como aqueles que tiveram os seu desenvolvimento cessado por

ausência de divisão após vinte e quatro horas, seria possível a prática de qualquer

método de extração, ou seja, somente eles poderiam ser destruídos para a obtenção

de céulas-tronco. Além de também pregarem a necessidade de se estabelecer

limitações à prática da técnica de fertilização in vitro, como o estabelecimento um

número máximo, ou o apenas o número necessário, de zigotos a serem produzidos

por ciclo e a proibição da destruição dos embriões excedentes.

Entretanto, é de extrema importância realçar que essas exigências já são

tratadas com sucesso pelo regramento brasileiro, mesmo quando essa normatização

se dá apenas no aspecto administrativo. É o caso da Resolução do Conselho

Federal de Medicina que, por exemplo, estabelece o número máximo de embriões a

serem implantados por tentativa, não havendo notícias de clinicas de reprodução

assistida no Brasil que a tenha descumprido.

Há também o Decreto que regulamenta a Lei de Biosseguranaça, que

estabelece, entre outras coisas, o conceito de embriões inviáveis, e o Regulamento

da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que prevê os meios de captação dos

dados e de fiscalização dos embriões excedentários existentes nas clínicas de

24 Trecho retirado do voto do ministro proferido na ADIN 3510.

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reprodução assistida e que podem ser destinados à pesquisa cientifica, de acordo

com os limites da citada lei. Além da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa

(CONEP), que é vinculada ao Conselho Nacional de Saúde e ao Ministério de

Saúde, e tem por finalidade fiscalizar a atuação dos Comitês de Ética das

instituições e acompanhar as pesquisas que envolvam material de origem humana,

como é caso das experimentações e terapias com células-tronco embrionárias

obtidas de embriões excedentários.

Assim, a verdade é que, apesar da improbabilidade de se afastar

definitivamente todas as possibilidades de desvio de conduta por parte da

comunidade científica, o regramento pátrio foi prudente e coerente nas limitações

que impôs para a realização destas experimentações.

Cabe ressaltar ainda que, no caso em tela, seria o Congresso Nacional o

responsável por uma produção legislativa e, com isso, caberia a ele a criação de leis

com a finalidade de estabelecer as diretrizes para a realização das técnicas de

reprodução assistidas ou de estabelecer a criação de órgãos destinados a promover

a fiscalização da atividade científica.

Nesse sentido, é relevante destacar que existem inúmeros projetos de lei em

trâmite no Congresso Brasileiro visando regulamentar a reprodução assistida e as

pesquisas com embriões excedentários, entre eles: Projeto de Lei n. 4.889/05 (visa

estabelecer normas e critérios para o funcionamento de Clínicas de Reprodução

Humana); Projeto de Lei n. 2.061/03 (busca disciplinar o uso de técnicas de

Reprodução Humana Assistida no auxílio do processo de procriação e estabelece

penalidades); e o Projeto de Lei n. 1.135/03 (que dispõe sobre a reprodução humana

assistida, definindo normas para realização de inseminação artificial, fertilização "in

vitro", barriga de aluguel (gestação de substituição ou doação temporária do útero, e

criopreservação de gametas e pré – embriões); e o Projeto de Lei n. 3.067/08, que

amplia o artigo 5º da Lei de Biossegurança, exigindo autorização especial para

pesquisas com embriões humanos congelados por instituições habilitadas e

autorizadas pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.

Não se está aqui fazendo a defesa de que o Supremo Tribunal Federal

brasileiro deve atuar apenas como um legislador negativo, retirando normas

inconstitucionais do ordenamento, pois essas novas técnicas de interpretação

constitucional, como a interpretação conforme a Constituição, representam um

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significativo avanço na hermenêutica constitucional e na atuação dessa Corte como

defensora da Carta Magna.

O que se está querendo enfatizar é que a presente discussão se limitava

quanto à constitucionalidade da liberação das pesquisas e terapias com embriões

excedentários da fertilização in vitro, em face dos diretos fundamentais à vida e da

dignidade da pessoa humana, constitucionalmente previstos.

Assim, parece claro que, nesta discussão, não caberia ao Supremo, por meio

dessas técnicas de hermenêutica, tentar estabelecer o procedimento a ser

observado quando da realização da técnica de fertilização in vitro, mesmo porque

algumas dessas limitações, como a limitação ao número de embriões a serem

criados por ciclo, são contrárias à realidade científica e econômica da técnica.

Além disso, parece estar em desacordo com a estruturação do ordenamento

brasileiro a preterição de regras que, apesar de não serem dotadas de força legal,

vem cumprindo com eficiência os seus papeis de complementar a legislação vigente

ou de regulamentar determinas atividades profissionais.

Felizmente, a decisão final da Suprema Corte foi no sentido da

constitucionalidade do artigo nos moldes em que ele foi produzido, o que não

impede que futuras legislações possam e devam se destinar a melhor regulamentar

a matéria, principalmente em face das implicações éticas, jurídicas e sociais que

dela decorrem .

O que o Direito, e consequentemente os Tribunais responsáveis pela sua

interpretação e pela sua aplicação, não podem é estabelecer limites injustificados

que resultem em uma castração de diversos direitos fundamentais, como o da

liberdade de pesquisa e o ao planejamento familiar. Direitos estes que se baseiam

justamente na premissa da concretização de uma existência digna.

Deste modo, a atuação jurídica deve se preocupar em buscar mecanismos de

implementação e consumação da dignidade das pessoas que realmente estão vivas,

sendo que, por hora, foi exatamente o alcançado com a liberação dessas pesquisas

terapêuticas, pois, no futuro, elas poderão representar a eliminação de diversas

doenças que impedem justamente a efetivação de uma vivência com dignidade para

milhões de pessoas mundo afora.

Outra ressalva que pode ser feita à decisão do Supremo Tribunal Federal é

que ele deveria ter estabelecido um termo inicial para a vida humana, pois esse

posicionamento é uma escolha jurídica, visando a implementação de uma política

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pública capaz de possibilitar pesquisas científicas e resolver várias discussões de

forma definitiva.

Nesse sentido:

Certo é que cabe ao Direito fixar seus marcos referenciais, isto é, o momento do início e do fim da produção de efeitos jurídicos de cada fenômeno. Assim, nos processos que delimitam a existência humana – vida e morte – cabe ao Direito estabelecer – para fins jurídicos – o momento em que ocorrem, ainda que esse seja distinto para outros fins e/ou ramos do conhecimento, como a medicina, a teologia. (BARBOZA, 2003, p. 79, grifo do autor).

Essa afirmação ganha força quando comparado ao que foi efetivamente

realizado no caso de delimitação do fim da vida humana. O estabelecimento de

morte cerebral como o termo final da existência humana foi uma opção visando

incrementar a realização de transplante de órgãos, tendo em vista que, com a atual

tecnologia seria possível manter um paciente com morte cerebral por muito tempo,

com os demais órgãos funcionando.

Cabe destacar que essa escolha não trouxe qualquer tipo de manifestação

contrária por parte da sociedade, pelo contrário, foi vista com bons olhos. Assim, a

delimitação do início da vida também poderia resultar em uma solução definitiva,

pelo menos nos âmbitos jurídico, estatal e legislativo, para as intermináveis

discussões.

Por exemplo, ao se estabelecer, com base na indispensabilidade do

acoplamento no útero para que o embrião possa se desenvolver, o momento da

nidação como o inicial da vida humana, todo embrião, ou qualquer outra

denominação que queira se dar a esta entidade, produzido e mantido fora do corpo

da mulher não será considerado uma pessoa humana, podendo, com isso, ser

utilizado como objeto de pesquisas científicas sem que seja sequer levantada a

hipótese de que tal atitude seria contrária aos direitos fundamentais.

Contudo, essa decisão do Supremo Tribunal Federal, que libera

definitivamente as pesquisas com células-tronco embrionárias obtidas de embriões

excedentários, representa um enorme salto para que o Brasil possa se firmar como

um dos países de ponta na produção cientifica e na elaboração de terapias capazes

de salvar milhões de vidas humanas, o que será de extrema importância para o seu

desenvolvimento econômico, político e social.

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CONCLUSÃO

Em face das recentes evoluções científicas que tem por objeto estruturas

originadas do ser humano e por fim a melhoria das condições de vida da sociedade,

como é o caso das pesquisas e terapias com células-tronco obtidas de embriões

excedentários da fertilização in vitro, tem-se que a busca por uma tutela efetiva e

coerente da vida humana passa pela análise dos benefícios que podem resultar

dessas experimentações e pela observância de diversos preceitos éticos e jurídicos,

sendo que entre eles, os mais importantes são justamente os direitos fundamentais

à vida e à dignidade da pessoa humana.

A ética deve ser compreendida através de uma análise dos juízos de valor

que interferem na conduta humana, qualificando esta conduta sob o ponto de vista

do bem e do mal. Ela se fundamento nos ideários de bem e de virtude, sendo

estes os valores a serem perseguidos por todo ser humano em todas as suas ações,

especialmente naquelas que interferem no modo de vida das pessoas, como é o

caso das biociências.

A Bioética surge exatamente dessa busca por uma administração ética e

responsável do desenvolvimento das biociências, visando sempre a preservação da

vida humana através do respeito à sua existência, liberdade e dignidade.

Nesse contexto, desenrolou-se uma intima relação entre a Bioética e o

Direito, objetivando que aos valores defendidos pela bioética fosse incorporada a

exigibilidade do Direito, necessária para que exista um controle coerente e

equilibrado da atividade científica.

Dessa relação surgiu o Biodireito, que se apresenta como o ramo do

conhecimento jurídico responsável por uma análise aprofundada das

experimentações científicas, que tem como finalidade a criação de uma legislação

sobre os procedimentos e os limites a serem impostos. Assume, com isso, um papel

relevante no desdobramento das biociências e, desta forma, no incremento da

própria sociedade, pois o potencial biotecnológico de um país é um dos parâmetros

para determinar a sua riqueza e desenvolvimento.

Assim, cabe também aos juristas se adaptarem a essa nova realidade e

promover um debate conexo com o constante avanço das biotecnologias, sendo que

as técnicas científicas que mais ganham destaque e que resultam nas contendas

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mais acaloradas são aquelas pautadas na manipulação de organismos pertencentes

à estrutura do ser humano, ou seja, à Genética Humana.

O estudo da Genética Humana pode ser dividido em dois campos. Um

relacionado com a engenharia genética e outro com a reprodução assistida. A

engenharia genética consiste no conjunto de técnicas que permitem alterar

caracteres hereditários, enquanto que a reprodução assistida consiste no conjunto

de técnicas que tem por finalidade o auxílio aos casais na luta contra a infertilidade.

Dentre as técnicas de reprodução assistida, a que mais se destaca é a

fecundação in vitro com posterior transferência do embrião para o útero (FIVETE),

na qual a fertilização e o desenvolvimento inicial dos embriões ocorre fora do corpo

da mulher, em laboratório, sendo que geralmente são produzidos diversos embriões,

para que se promova uma seleção dos mais viáveis e para que, em caso de falha,

possa-se tentar novamente.

Porém, alguns embriões se mostram inviáveis e outros, ao fim da técnica, não

foram utilizados, sendo estes os embriões excedentarios. Eles podem ser doados

anonimamente para a transferência, destruídos ou utilizados como fonte de células-

tronco embrionárias. A primeira opção é incentivada, mas não utilizada, a segunda é

proibida, mas pratica, e a terceira causou uma grande discussão acerca do termo

inicial da vida humana.

Apesar das diversas teorias sobre o inicio da vida humana, deve-se

considerar o momento da nidaçao como o evento mais importante para que o

embrião efetivamente se desenvolva até se transformar em uma pessoa humana.

Essa alegação se sustenta pela presente impossibilidade de se promover o

desenvolvimento de uma vida humana em um ambiente distinto daquele do útero

feminino.

Com isso, os acontecimentos ocorridos antes desse instante representam

uma fase na qual ainda não há a presença da vida humana, principalmente nos

casos em que essa fase se desenrola em laboratório.

Diante desse posicionamento, quanto às teorias acerca da natureza dos

embriões excedendários, deve ser adotada aquele que considera que esses

embriões podem ser objeto de pesquisas científicas, pois apesar ter terem

potencialidade para, quando preenchidos alguns requisitos, entre eles a ligação com

o útero materno, poderem vir a se transformar em uma pessoa humana, eles não

são a expressão de uma vida humana.

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Esses embriões excedentarios serão utilizados nas experimentações

científicas como fonte de células-tronco embrionárias. As células-tronco se

apresentam como um grupo de células não-especializadas, indiferenciadas e que

possuem a capacidade de se auto-renovar e de se diferenciar em outros tipos

celulares. Elas podem ser adultas, sendo capazes de se diferenciar em um número

limitado de tipos celulares, e embrionárias, retiradas dos embriões em estágio de

blastocisto (por volta do quinto dia de desenvolvimento), e que são pluripotentes,

tendo a habilidade de transformar em qualquer tipo celular do corpo humano.

As células-tronco embrionárias promoveram uma verdadeira revolução na

medicina regenerativa, pela sua capacidade de promover o reparo e substituição de

tecidos que sofreram lesão ou degeneração, visando, com isso, restaurar as suas

funções, através da terapia celular, além do seu potencial de poderem ser

diferenciadas em qualquer um dos tipos celulares, como ocorreu recentemente com

a produção em laboratório de espermatozóides.

As pesquisas com células-tronco embrionárias não alteram em nada a

possibilidade e a necessidade do desenvolvimento de outras pesquisas, como

aquelas referentes às células-tronco adultas e as referentes à possível

reprogramação de células somáticas adultas em células embrionárias.

As opções para a obtenção de células-tronco embrionárias são através da

criação de embriões em laboratório exclusivamente para esta finalidade, da

clonagem terapêutica e da utilização de embriões excedentários. Sendo que, apesar

da possível argumentação, com base nos direitos fundamentais e nas lacunas da lei,

sobre a possibilidade de realização da clonagem terapêutica, as duas primeiras são

combatidas pelo regramento brasileiro, restando aos embriões excedentarios, com

fundamento no artigo 5º da Lei de Biossegurança Nacional a função de fornecer

células-tronco embrionárias.

Os embriões excedentários não podem ser tratados da mesma forma que se

pretende tratar os embriões concebidos dentro do corpo da mulher, pois enquanto

aqueles foram fecundados em um laboratório, se encontram congelados e, por

serem inviáveis ou não utilizados, nunca vão se transformar em uma vida humana,

estes se encontraram em pleno desenvolvimento, a caminho de se transformar em

uma pessoa.

Assim, a utilização dos embriões excedentarios como fonte de céluas-tronco

embrionárias não representa uma afronta aos direitos fundamentais à vida e à

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dignidade da pessoa humana, pois inexiste a expressão de uma vida humana para

ser protegida, já que esse embrião encontra-se congelado e em um ambiente fora

do útero materno.

Em verdade, essa atividade representa uma concretização desses direitos

fundamentais indispensáveis à consolidação de uma tutela efetiva da vida humana,

tendo em vista que os resultados obtidos com estas experimentações podem vir a

trazer inúmeros benefícios para a sociedade, inclusive a cura de diversas doenças,

como a paralisia e o Mal de Parkinson.

Entretanto, mesmo que se queira argumentar que um embrião produzido fora

do corpo da mulher e mantido criopreservado seja a expressão de uma vida

humana, diante de uma ponderação dos princípios fundamentais aplicáveis ao caso,

chega-se à conclusão de que as experimentação com eles devem ser permitidas,

pois as terapias que decorrerão dessas pesquisas são muito mais benéficas à

coletividade do que a simples manutenção desses embriões nesse estado

congelado.

É nesse sentido que se mostra necessária a adoção de uma visão social dos

direitos fundamentais, pela qual busca-se a efetivação dos direitos à dignidade da

pessoa humana e à vida das pessoas que estão realmente vivas.

A Lei de Biossegurança Nacional, Lei n. 11.105, de março de 2005, em seu

artigo quinto, estabeleceu a permissão para utilização de células-tronco

embrionárias oriundas de embriões excedentários em experimentações terapêuticas.

Essa norma foi regulamentada pelo Decreto n. 5.591/05 e teve as suas

previsões complementadas por Resoluções da Agencia Nacional de Vigilância

Sanitária e do Ministério da Saúde. Além da atuação da Comissão Nacional de Ética

em Pesquisa, que tem a função de acompanhar as pesquisas e de fiscalizar a

atuação dos comitês de ética das instituições.

Destarte, esse artigo foi objeto de uma Ação Direita de Inconstitucionalidade,

sob o argumento de que qualquer manipulação com embriões humanos,

independente do local onde eles tenham sido produzidos, do estado em que se

encontrem e até da sua viabilidade, seria uma afronta aos direitos fundamentais à

vida e à dignidade da pessoa humana, tendo em vista que esses embriões são,

desde a fecundação, a expressão de uma vida humana.

Na decisão final a maioria dos ministros deliberou pela constitucionalidade

do artigo exatamente nos termos estabelecidos pela Lei. Entretanto, cinco

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ministros, apesar de aceitarem a pesquisa com embriões excedentários, alegaram

a necessidade de se estabelecer outras limitações a este tipo de experimentação,

principalmente defendendo a necessidade de criação de órgãos públicos

destinados ao controle desta atividade, para que a fiscalização não ficasse na

mãos apenas dos comitês de éticas das instituições, e de modificação das

diretrizes da fertilização in vitro.

Nesse sentido, duas ponderações merecem destaque quanto a essa decisão.

A primeira é que as exigências feitas por alguns ministros para que a norma fosse

considerada constitucional deixaram de observar todo o regramento que flutua em

torno da norma impugnada, como, por exemplo, ao ignorar a existência da Comissão

Nacional de Ética em Pesquisas, que é vinculada ao Conselho Nacional de Saúde e

ao Ministério da Saúde e tem a função justamente de fiscalizar as pesquisas e os

comitês de éticas das instituições.

E, a segunda é que o Supremo deveria ter estipulado o momento que deve

ser considerado, para fins jurídicos, como o inicio da vida humana, resolvendo, com

isso, de forma definitiva, inúmeras questões. Essa adoção de uma posição jurídica é

totalmente cabível e inclusive já foi feita no ordenamento jurídico brasileiro quando

da demarcação do termo final da vida humana como sendo a morte cerebral, para,

desta forma, incentivar o transplante de órgãos.

Contudo, a atuação jurídica, imbuída de valores éticos, deve buscar promover

a tutela da vida humana através de mecanismos capazes de implementar e

concretizar os preceitos pregados pelos direitos fundamentais, principalmente

aqueles relacionados ao direito à dignidade da pessoa humana e ao direito à vida.

Foi exatamente nesse sentido que se posicionou a liberação das pesquisas e

terapias com células-tronco embrionárias oriundas de embriões excedentários, pois

elas representam uma esperança de se obter uma evolução do tratamento ou até

mesmo a cura de diversas doenças que afligem uma grande parcela da sociedade,

impedindo que essas pessoas, que, diferentemente dos embriões excedentarios,

estão realmente vivas, tenham uma existência digna.

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