Upload
others
View
5
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL
BRUNO CÉSAR CANOLA
IMPLICAÇÕES ÉTICO-JURÍDICAS DA PESQUISA EM EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS E A TUTELA DA VIDA HUMANA
FRANCA 2009
BRUNO CÉSAR CANOLA
IMPLICAÇÕES ÉTICO-JURÍDICAS DA PESQUISA EM EMBRIÕES
EXCEDENTÁRIOS E A TUTELA DA VIDA HUMANA
Dissertação apresentada à Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como pré-requisito para obtenção do Título de Mestre em Direito. Área de Concentração: Direito Obrigacional Público e Privado.
Orientador: Prof. Dr. João Bosco Penna
FRANCA
2009
Canola, Bruno César Implicações ético-jurídicas da pesquisa em embriões exce- dentários e a tutela da vida humana / Bruno César Canola. –Franca : UNESP, 2009 Dissertação – Mestrado – Direito – Faculdade de História, Direito e Serviço Social – UNESP. 1. Bioética. 3. Direito fundamentais – Embriões exceden- tários. 3. Dignidade da pessoa humana. CDD – 340.78
BRUNO CÉSAR CANOLA
IMPLICAÇÕES ÉTICO-JURÍDICAS DA PESQUISA EM EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS E A TUTELA DA VIDA HUMANA
Dissertação apresentada à Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como pré-requisito para obtenção do Título de Mestre em Direito. Área de Concentração: Direito Obrigacional Público e Privado.
BANCA EXAMINADORA
Presidente: _________________________________________________________
Prof. Dr. João Bosco Penna
1ª Examinador: ____________________________________________________
2ª Examinadora: ____________________________________________________
Franca, _____ de ____________ de 2009.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais Julio e Rosy, por sempre estarem ao meu lado em todas as etapas da minha vida.
Aos meus irmãos Paulo e Lívia, pelos momentos e pela amizade sincera que compartilhamos.
Aos meus familiares, pelo ambiente confortante e carinhoso no qual fui criado e ao qual posso sempre recorrer.
À minha namorada Letícia, pelo amor, suporte, amizade e compreensão nos dias mais difíceis.
Aos meus amigos, pelas incontáveis manifestações de companheirismo e por neles sempre poder confiar.
Ao meu orientador, Prof. Dr. João Bosco Penna, por ter acreditado no meu potencial e por todo o seu apreço e auxílio, indispensáveis à conclusão dessa jornada.
A todos os professores e funcionários da Pós-graduação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Franca, pelo apoio, incentivo e paciência.
“Com relação às grandes aspirações dos homens de boa vontade, já estamos demasiadamente atrasados. Busquemos não aumentar esse atraso com nossa incredulidade, com nossa indolência, com nosso ceticismo. Não temos muito tempo a perder” Norberto Bobbio
CANOLA, Bruno César. Implicações ético-jurídicas da pesquisa em embriões excedentários e a tutela da vida humana. 2009. 155 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2009.
RESUMO A sociedade contemporânea passa por uma verdadeira revolução científica, especialmente no campo das biociências que tem por objeto a análise de estruturas originadas do ser humano e por fim a melhoria das condições de vida das pessoas. É exatamente esse o caso das pesquisas e terapias com células-tronco embrionárias obtidas de embriões excedentários da fertilização in vitro, sendo que, nessa situação especifica, a busca por uma tutela efetiva e coerente da vida humana passa pela análise dos benefícios que podem resultar dessas experimentações e pela observância de diversos preceitos éticos e jurídicos, entre eles, os direitos fundamentais à vida e à dignidade da pessoa humana. O certo é que os embriões excedentários não podem ser tratados da mesma forma que se pretende tratar os embriões concebidos dentro do corpo da mulher, pois enquanto estes se encontraram em pleno desenvolvimento, a caminho de se transformar em uma pessoa, aqueles foram fecundados em um laboratório, se encontram congelados e, por serem inviáveis ou não utilizados, nunca vão se transformar em uma vida humana. Assim, quanto aos embriões excedentários, inexiste a expressão de uma vida humana para ser protegida, já que esses embriões encontram-se em um ambiente fora do útero materno, sendo que a sua utilização como fonte de células-tronco embrionárias não representa uma afronta aos direitos fundamentais à vida e à dignidade da pessoa humana. Essa atividade, em verdade, representa uma concretização desses direitos fundamentais, tendo em vista que os resultados obtidos com estas experimentações podem vir a trazer inúmeros benefícios para a sociedade, inclusive a cura de diversas doenças, como a paralisia e o Mal de Parkinson. Essa discussão deu origem à Lei de Biossegurança Nacional, de 2005, que permitia a utilização desses embriões em pesquisas científicas. Mas, ainda nesse mesmo ano, o artigo permissivo foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, sendo que na decisão final a maioria dos ministros deliberou pela constitucionalidade do artigo exatamente nos termos estabelecidos pela Lei. Entretanto, cinco ministros, alegaram a necessidade de se estabelecer maiores limitações a este tipo de experimentação. Nesse sentido, deve-se ponderar essas exigências feitas por alguns ministros deixaram de observar todo o regramento que flutua em torno da norma impugnada. Contudo, a atuação jurídica, imbuída de valores éticos, deve buscar promover a tutela da vida humana através de mecanismos capazes de implementar os direitos fundamentais das pessoas que, diferentemente dos embriões excedentários, estão realmente vivas, para que possam ter uma existência digna. Palavras-chave: direitos fundamentais - dignidade da pessoa humana. embriões
excedentários. células-tronco embrionárias. tutela da vida humana.
CANOLA, Bruno César. Ethical and legal implications of the research on surplus embryos and the guardianship of human life. 2009. 155 p. Dissertation (Master`s Degree in Law School) - Faculty of History, Law and Social Services, São Paulo State University “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2009.
ABSTRACT
The contemporary society goes through a scientific revolution, especially in the field of biosciences where occur the analysis of structures arising from humans and the goal is to improve the living conditions of people. It is exactly the case of research and therapies with embryonic stem cells obtained from surplus embryos from in vitro fertilization. In this particular situation, the search for an effective and consistent guardianship of human life is obtained by the analysis of benefits that may result from such experiments and the observance of various ethical and legal requirements, including the fundamental rights of life and human dignity. The truth is that surplus embryos can not be treated the same way of the embryos conceived in the body of the woman, because while these are in full development, on the path of becoming a person, those were fertilized in a laboratory, are frozen, and because they are not viable or not used, will never become a human life. Thus, in the case of surplus embryos there is an absent of a human life to be protected, since these embryos are in an environment outside the maternal womb, and its use as a source of embryonic stem cells does not represent an affront to fundamental rights of life and human dignity. This activity, in fact, represents a realization of these rights, since the results of these experiments are likely to bring many benefits to society, including the cure of several diseases such as paralysis and Parkinson's. This discussion led to the National Law on Biosafety, 2005, which allowed the use of embryos in scientific research. But, on that year, the permissive article was submitted to an Action of Direct Unconstitutionality. In the final decision most of the ministers decided for the constitutionality of the article in the exact terms of the law. However, five ministers, argued the need to establish greater limitations to this type of experimentation. There should be a consideration that the demands made by some of the ministers does not observe the rules that float around the contested provision. The legal action, imbued with ethical values, should seek to promote the guardianship of human life through mechanisms capable of implementing the fundamental rights of people who, unlike the surplus embryos, are truly alive, so they can have a dignified existence. Keywords: fundamental rights - human dignity. surplus embryos. embryonic stem
cells. guardianship of human life.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................10
CAPÍTULO 1 AS IMPLICAÇÕES DA APLICAÇÃO DOS PRECEITOS ÉTICO E
JURÍDICO NO ÂMBITO DAS BIOCIÊNCIAS ....................................15 1.1 A ética como Instrumento para a Criação de um Modelo de Conduta ... 15 1.2 A Diferenciação entre Ética e Moral.................................................................17 1.3 A Busca de uma Efetiva Aplicação da Ética como Instrumento de Controle
nas Experimentações Científicas ....................................................................18 1.4 Bioética ..............................................................................................................19
1.4.1 Evolução Histórica e Conceito da Bioética ......................................................20
1.4.2 Princípios e Abrangência da Bioética ...............................................................23
1.4.3 Bioética e Direito ..............................................................................................27
1.5 Biodireito............................................................................................................30
1.6 A Necessidade da Atuação do Direito no Controle da Atividade Científica ......34
CAPÍTULO 2 A EVOLUÇÃO CIENTÍFICA NO CAMPO DAS BIOCIÊNCIAS E A REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA..............................................36
2.1 As Pesquisas Científicas no Ramo das Biociências......................................36
2.1.1Clonagem..........................................................................................................40
2.2 As Subdivisões no Estudo da Genética Humana ...........................................44
2.2.1 Engenharia Genética........................................................................................44
2.2.2 Reprodução Assistida.......................................................................................46
2.2.2.1 Fertilização “In Vitro” .....................................................................................50
CAPÍTULO 3 OS EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS E AS PROMESSAS TERAPÊUTICAS DAS CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS.........55
3.1 Embriões Excedentários...................................................................................55
3.1.1 A Visão das Religiões.......................................................................................58
3.1.2 Principais Teorias Acerca da Origem da Vida Humana....................................60
3.1.3 Estágios do Desenvolvimento do Ser Humano ................................................63
3.1.4 A Real Condição dos Embriões Excedentários ................................................66
3.2 As Células-tronco como Elemento Indispensável na Evolução das Experimentações Terapêuticas .......................................................................69
3.2.1 Diferenciação entre as Células-tronco Adultas e as Embrionárias ...................72
3.2.2 Células-tronco Adultas ....................................................................................74
3.2.2.1 Avanços nas pesquisas com Células-tronco adultas.....................................76
3.2.3 Células-tronco Embrionárias ............................................................................78
3.2.3.1 Aplicações das Células-tronco Embrionárias ................................................83
3.2.3.1.1 Medicina Regenerativa ..............................................................................84
3.2.3.2 Possíveis Problemas na Utilização de Células-tronco Embrionárias.............86
3.2.3.3 Origem das Células-tronco Embrionárias......................................................90
3.2.3.3.1 Criação de embriões em laboratório exclusivamente para fins de pesquisa
e terapia......................................................................................................91
3.2.3.3.2 Clonagem terapêutica ................................................................................92
3.2.3.3.3 A Utilização dos Embriões Excedentários como Fonte de Células-tronco
Embrionárias...............................................................................................95
CAPÍTULO 4 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DELINEADORES DA CONDUTA HUMANA E A TUTELA DA VIDA..................................105
4.1 Os Direitos Fundamentais ..............................................................................106
4.2 A Relação dos Direitos Fundamentais com a Evolução Científica .............110
4.3 Os Direitos Fundamentais à Dignidade da Pessoa Humana e à Vida.........112
4.3.1 Direito à Vida ..................................................................................................113
4.3.2 Dignidade da Pessoa Humana.......................................................................115
4.4 As Experimentações Científicas com Embriões Excedentários e a Tutela da Vida Humana ...................................................................................................117
CAPÍTULO 5 UMA ANÁLISE CRÍTICA DA LEI DE BIOSSEGURANÇA NACIONAL E DA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ..................122
5.1 Lei de Biossegurança Nacional......................................................................122
5.2 A Previsão da Possibilidade de Pesquisas Terapêuticas com os Embriões Excedentários .................................................................................................124
5.2.1 O Uso de Células-tronco Embrionárias no Direito Estrangeiro.......................129
5.3 A Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3510...........................................131
5.4 Uma Análise Crítica da Decisão do Supremo Tribunal Federal ..................133
5.4.1 Votos que decidiram pela improcedência total da ação .................................134
5.4.2 Votos que decidiram pela constitucionalidade com reservas do artigo 5º da
Lei de Biossegurança Nacional......................................................................139
CONCLUSÃO .........................................................................................................147
REFERÊNCIAS.......................................................................................................152
INTRODUÇÃO
O tema a ser debatido na presente dissertação encontra-se enraizado na
sociedade moderna, sendo objeto de uma das mais abrangentes e relevantes
discussões já travadas quanto à relação entre as inovações científicas, com os
benefícios e os perigos que delas podem resultar, e as limitações à essa atividade, a
serem impostas pela ética e pelo Direito.
Os avanços da ciência trouxeram importantes implicações para a
comunidade, sendo que foi exatamente do debate dessas consequências que
surgiram os ramos da bioética e, posteriormente, em face da necessidade de se
impor uma coercitividade legislativa a esses regramentos, do biodireito.
Os interesses e anseios da sociedade encontram-se justamente inseridos
nessa contenda, pois, ao mesmo tempo, todos objetivam a concretização das
melhoras e temem as aberrações que podem vir a decorrer dessas atividades, se
não for imposto um regramento correto e eficiente.
[...] a sociedade vem se deparando com inúmeros dilemas de cunho ético, grande parte deles oriundos do desenvolvimento tecnológico na área biomédica. As situações problemáticas, na realidade, são detectadas pela crescente tomada de consciência da necessidade de serem estabelecidos limites ao uso dessa tecnologia a fim de garantir a integridade da pessoa e do ambiente com todos os seus componentes. (CLOTET; FEIJÓ, 2005, p. 9).
Com os avanços da biotecnologia e da biomedicina, a liberdade de
investigação científica, principalmente quando realizadas tendo como objeto o
próprio ser humano, passou a ser submetida a diversos preceitos éticos e jurídicos,
visando, com isso, a obtenção de um equilíbrio, no qual a sociedade possa se
beneficiar de todas as possibilidades terapêuticas que podem decorrer dessa nova
realidade.
A pesquisa e a tecnologia na área das ciências da vida e da saúde do homem buscam, desde sua origem, alívio para o sofrimento humano, Grandes avanços nesse sentido tem sido obtidos em uma escala inigualável desde o último século. Dilemas morais quanto ao emprego de alguns procedimentos tem surgido quase na mesma proporção. (MATTE, 2005, p. 247).
Nesse contexto, de busca de legislação adequada, capaz de incentivar as
pesquisas e, ao mesmo tempo, impedir os possíveis abusos, é que, em razão das
promessas em relação ao emprego terapêutico das células-tronco embrionárias,
surgiu a discussão se poderiam embriões humanos serem utilizados como objeto de
pesquisa, principalmente aqueles mantidos congelados em clínicas de reprodução
assistida que não foram, e provavelmente nunca serão, utilizados para fins
reprodutivos.
Assim, passou-se a promover uma busca sobre a definição da real natureza
dos embriões excedentes da técnica de reprodução assistida de fertilização in vitro,
sendo esta determinação indispensável para que se possa ter condições de
estabelecer o destino dos milhares de embriões criopreservados mundo afora. Isso
porque “[...] há uma lacuna quanto ao conceito de embrião humano.” (CASSETTARI,
2006, p. 228).
A busca por soluções compatíveis capazes de solucionar os problemas, cada
vez maiores, relacionados com a procriação dos seres humanos levou ao
desenvolvimento de diversas técnicas de reprodução assistida, que se incorporaram
ao cotidiano das pessoas.
Uma das técnicas de reprodução assistida é a fertilização in vitro, seguida de
transferência de embriões (FIVETE), pela qual há uma fecundação in vitro, ou seja,
em uma cultura fora do corpo da mulher. Nesta, são produzidos diversos embriões
que serão posteriormente introduzidos no útero da mulher. Durante essa técnica
são, em regra, produzidos vários embriões, para que, em caso de falha, possa-se
tentar novamente.
A discussão surge exatamente quando ocorre o sucesso e os pais não
desejam ter mais filhos ou quando desistem de tentar, restando ainda um número de
embriões inutilizados, sendo estes os chamados embriões excedentários.
O que fazer com esses embriões sempre foi uma discussão acalorada,
principalmente em face das implicações da adoção de qualquer das posições
existentes. Contudo, ela ganhou contornos mais relevantes após o aprofundamento
nas pesquisas acerca das possibilidades de utilização de células-tronco
embrionárias no tratamento de diversas doenças com grande impacto na sociedade,
como a doença de Parkinson, doenças cardíacas, doença de Alzheimer, paralisia,
acidentes vasculares cerebrais e a diabetes.
As células-tronco embrionárias possuem a extraordinária capacidade de se
auto-replicarem indefinidamente mantendo as suas características, ou seja, sem se
diferenciar em qualquer outro tipo de célula, e, também, de, quando estimulada, de
se diferenciar em qualquer uma dos tipos celulares que compõem a estrutura do
corpo humano, o que representa incomensuráveis possibilidades na implementação
de terapias gênicas, visando a substituição de células defeituosas por sadias, e
inclusive de desenvolvimento de tecidos e até mesmo órgãos inteiros para
transplante.
Essas células podem ser obtidas através dos embriões excedentes, de
embriões criados especialmente para esta finalidade e através da chamada
clonagem terapêutica, sendo que as duas últimas possibilidades não proibidas pela
normatização brasileira. Com isso, os embriões excedentários representam a única
fonte desse elemento que, no futuro, pode representar a cura de diversas
enfermidades que assolam a humanidade.
Apesar de novas técnicas em desenvolvimento que possibilitam a retirada de
células-tronco embrionárias sem a destruição do embrião ou que promovem uma
reprogramação de células adultas para que elas retornem ao estágio de
embrionárias, as pesquisas com células-tronco embrionárias devem prosseguir e se
aprofundar, pois essas experimentações não se excluem, mas se completam. E,
nesse sentido não se sabe ao certo ainda quais os benefícios que cada uma delas
pode trazer, devendo todos essas investigações, que tem por finalidade última
melhor a qualidade de vida das pessoas, serem incentivadas.
Frente à essa realidade, diversas posições normativas foram discutidas e
adotadas pelas legislações estrangeiras. No Brasil, o posicionamento encontra-se
previsto na Lei de Biossegurança Nacional, a Lei 11.105, de março de 2005, que
prevê a possibilidade de utilização dos embriões excedentários na pesquisa
científica, quando respeitados alguns requisitos, que são: o congelamento por no
mínimo três anos antes da vigência da lei ou, seja já congelados quando dessa
vigência, que permaneçam congelados por no mínimo três anos; a aquiescência dos
genitores; e a aprovação de um comitê de ética.
Porém, tal posição, apesar de ter sido amplamente discutida no Congresso
Nacional, antes da aprovação da referida Lei, ainda encontrou certa resistência por
parte de uma parcela da sociedade brasileira, que, amparada em dogmas religiosos,
especialmente ligados ao cristianismo, considera, em sua maioria, os embriões
excedentes a expressão de uma pessoa humana, sendo, por isso, dotado de todos
os direitos fundamentais, como o direito basilar à vida e o da dignidade da pessoa
humana, entre outros.
Tal entendimento resultou no ajuizamento de uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade, cuja finalidade era a de expurgar do ordenamento jurídico
brasileiro a norma responsável pela permissão da pesquisa com os embriões
inviáveis e excedentes, da técnica da fertilização in vitro, sendo esta o artigo 5º da
Lei de Biossegurança.
A ação foi recentemente julgada improcedente, confirmando os ministros do
Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, a constitucionalidade do referido
artigo, exatamente nos moldes em que foi editado.
Entretanto, essa situação tornou aparente a necessidade de um
aprofundamento acerca dos conceitos e pensamentos relacionados ao tema, tais
como a definição da influência religiosa, o estabelecimento de um termo inicial para
a vida humana e, consequentemente, a natureza dos embriões não utilizados na
reprodução assistida, para que, deste modo, se possa chegar a um equilíbrio, no
qual nem a sociedade nem as pesquisas cientificas saiam prejudicadas, mesmo
porque as últimas são de extrema importância para o desenvolvimento da primeira.
Mostra-se relevante destacar ainda a importância da observância e do
respeito constante aos Direito Fundamentais, indispensáveis para o
desenvolvimento das experimentações científicas e, principalmente, para a
consolidação de uma vida humana digna, sendo que esta última é o seu objetivo
primordial e a razão do seu existir.
É justamente no sentido da busca de uma solidificação dos Direitos
Fundamentais da Vida Humana e da Dignidade da Pessoa Humana que as
investigações e terapias com células-tronco embrionárias se colocam, pois esses
princípios devem ser observados, nesse caso concreto, em relação aos benefícios a
serem alcançados em favor da sociedade, composta de pessoas efetivamente vivas,
e não em relação a um conjunto de células que tiveram o seu desenvolvimento
paralisado por defeitos próprios ou pelo congelamento e que, apesar de possuírem
as mesmas características genéticas dos seres humanos, nunca se transformarão
efetivamente em pessoas vivas.
Deste modo, a sociedade e, principalmente, a comunidade jurídica, não
podem furtar-se do aprofundamento no estudo referente a presente matéria. Tal
atitude poderia resultar em relevantes prejuízos e retrocessos, causando, assim, um
desequilíbrio no tênue relacionamento existente entre a ciência, a ética e o Direito.
Faz-se necessário também se promover uma análise pormenorizada da
importantíssima decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em relação à Ação
Direita de Inconstitucionalidade em face do artigo 5º da Lei de Biossegurança
Nacional.
Dispositivo este que representou uma enorme evolução para o futuro das
pesquisas científicas no Brasil, fazendo com que o país possa sonhar em se colocar
entre os pioneiros dessa revolução a ser implantada na saúde humana. Essa atitude
inclusive já trouxe resultados, tendo em vista que recentemente foi noticiado o
desenvolvimento da primeira linhagem de células-tronco embrionárias produzida no
país.
Metodologicamente, a presente dissertação se embasa na utilização dos
métodos indutivo e dedutivo. O primeiro, pelo qual se chega a uma proposição geral
através de uma averiguação de conhecimentos particulares, foi utilizado
especialmente no levantamento bibliográfico realizado. E o segundo método, no qual
a conclusão alcançada tem por fundamento regras já previamente estabelecidas,
como é o caso dos princípios constitucionais que incidem na verificação da realidade
discutida no a partir do quarto capítulo, foi utilizado na análise crítica da decisão
proferida pelo Supremo Tribunal Federal em face da Ação Direta de
Inconstitucionalidade proposta contra o artigo permissivo das pesquisas com
embriões excedentários.
Contudo, em virtude da incontestável relevância dos pontos a serem
delineados, passa-se a uma análise detalhada de todas as suas características e
consequências.
CAPÍTULO 1 AS IMPLICAÇÕES DA APLICAÇÃO DO PRECEITO ÉTICO E
JURÍDICO NO ÂMBITO DAS BIOCIÊNCIAS
O homem é, na sua essência, um ser social, sendo que a sua existência
somente se realiza quando ele se encontra em convívio com outros seres humanos.
Todas as suas ações afetam esse complexo sistema composto por diversas
pessoas, o que torna estritamente necessário a presença de preceitos capazes de
influenciar na distinção entre o certo e o errado em toda e qualquer conduta
humana, principalmente naquelas que trazem indiscutíveis conseqüências para a
sociedade como um todo, como é o caso das pesquisas científicas.
Esses preceitos indispensáveis ao convívio em sociedade se apresentam
através da interpretação e da aplicação dos valores defendidos pela ética.
É exatamente nesse sentido que o médico Miguel Kottow (2005, p. 24) afirma
que “La ética es una reflexión cuyo sustrato de análisis son los actos humanos.”
E, a coloca como sendo uma condição necessária para viver no mundo, tendo
em vista que somente através desse intercâmbio de valores se atingirá a solução
dos desafios da sociedade:
La ética es un fundamento transcedental de la vida humana, una condición necesaria para estar-en-el-mundo. Intereses y necesidades individuales determinan acción y comunicación, requiriendo la interacción con los demás frente a los problemas que el vivir plantea, y esta comunicación precisa del intercambio significativo de valores, la intención de consensuar soluciones a estos desafíos y de cooperar en su solución. (KOTTOW, 2005, p. 21).
1.1 A ética como Instrumento para a Criação de um Modelo de Conduta
A ética deve ser compreendida como a investigação sobre aquilo que é bom,
podendo ser expressa por um conjunto de regras, princípios ou maneiras de pensar
e de se comportar que orientam as ações humanas. “O objetivo da ética é a procura
do Bem e o afastamento do Mal.” (MATTAR, 2003, p. 133).
Com isso, a efetiva aplicação dos conceitos éticos resulta em uma análise
detalhada acerca das condições necessárias para que um ato humano possa ser
avaliado como bom ou mau, justo ou injusto, moral ou imoral, sendo que tais
parâmetros são de extrema importância, pois antecedem e acompanham a prática
deste ato, além de definirem a maneira como ele será encarado e avaliada pela
sociedade.
Javier Sábada (2004, p. 51-52), utilizando-se dessa mesma concepção de ética,
afirma que “[...] esa ética estabelece relaciones internas entre todos los individuos. Y
estabelecer relaciones internas quiere decir que es necesario poseer una conciencia
moral para avergonzarse cuando uno obra mal o indignarse cuando otros obran mal.”
Assim, a ética pode ser conceituada como a análise dos juízos de valor que
se referem e interferem na conduta humana, qualificando esta conduta sob o ponto
de vista do bem e do mal.
Ela tem fundamento nos ideários de bem e de virtude, sendo estes os valores
a serem perseguidos por todo ser humano em todas as suas ações, inclusive e
especialmente naquelas relacionadas com o desenvolvimento das biociências, ante
a sua expressiva interferência no modo de vida das pessoas.
Os pressupostos imprescindíveis para que um ato humano possa ser
introduzido no âmbito da moral ou da ética e, com isso, analisado como bom ou
mau, justo ou injusto, são explicitados pelos autores Regina Sauwen e Severo
Hryniewicz, sendo eles as chamadas condições transcendentais do ato moral
(SAUWEN, HRYNIEWICZ, 1997, p. 4-5).
Essas condições são: Liberdade, pois o conjunto de virtudes que norteiam a
sua atuação somente pode ser expressado se o homem for livre para pensar e agir;
Conhecimento e Consciência, em face do fato de que na ausência de conhecimento
(incorporação à memória de algo) e consciência (compreender o seu mundo interior) o
ato praticado pelo ser humano não é efetivamente livre; e Normas, tendo em vista que
a inexistência de regras para reger o comportamento humano é contrária à moral, por
não considerar os seus preceitos (SAUWEN, HRYNIEWICZ, 1997, p. 4-5).
Assim como a ética, a religião também estabelece um padrão de conduta
humana que, apesar de não ser dotado de coercitividade estatal e jurídica, está
inegavelmente inserido no seio da sociedade.
Desta forma, é indubitável que os preceitos defendidos pela doutrina religiosa
predominante em determinado âmbito espacial terão uma grande influência na
produção legislativa e no comportamento daqueles inseridos neste ambiente.
Nesse contexto, levando-se em consideração a realidade brasileira, os
conceitos expressados pelo cristianismo passam a influenciar o panorama da
sociedade, mesmo porque são pessoas participantes dessa coletividade, e dotadas
de dogmas ético-religiosos, as responsáveis pela produção das normas a serem
observadas e pelas decisões tomadas com base nestas regras.
Assim, apesar do Estado ser um ente laico, os conceitos religiosos
assumem certa relevância nas discussões importantes para a sociedade, o que,
entretanto, não impede que esses dogmas sejam afastados quando a posição por
eles defendida for contrária ao desenvolvimento almejado e, com isso, impedir a
concretização de direitos fundamentais do homem, como no caso da liberação das
pesquisas com células-tronco embrionárias oriundas de embriões excedentários.
1.2 A Diferenciação entre Ética e Moral
Há uma grande discussão acerca da convergência ou da separação das
palavras ética e moral. Na maioria das situações elas podem ser utilizadas como
sinônimos. Mas, mostra-se relevante promover tal diferenciação.
Nesse contexto, tem-se as palavras de Miguel Kottow (2005, p. 21-22):
Gustan algunos puristas semánticos de hacer un distingo entre moral y ética, [...]. La etimología no da mucho espacio para estas diferenciaciones, pues ética, proviene del griego ethos y moral del latín mores, ambos términos refiriéndose en su connotación principal a costumbres. [...]. Hay, no obstante, una diferencia importante que aparece cada vez que se presentan aseveraciones morales como si fuesesn argumentos éticos. La ética es una reflexión aprobatoria o reprobatoria sobre acciones humans. [...]. La moral, en cambio, es un conjunto de valores encarnados en una comunidad desde donde define modos correctos de convivencia de acuerdo a normas implícitas. La moral es más fiel a su origem de reflejar las costumbres, lo habitual y lo tolerado aunque no sea correcto, [...].
Com isso, a ética busca a valoração do comportamento humano sob o ponto de
vista do bem ou do mal, visando, assim, indicar os pressupostos necessários para
moralizar tal conduta. Enquanto que a moral busca designar o próprio agir humano,
tendo em vista a análise dos costumes de determinada sociedade ou pessoa.
Ou seja:
A moral refere-se aos costumes, aos princípios, normas e códigos que tentam regulamentar o agir das pessoas sob o ponto de vista do que é bom ou mau como uma maneira de garantir seu viver-bem. A moral procura responder à pergunta: O que eu devo fazer? Em contrapartida o termo ética, muitas vezes usado em lugar da palavra moral, seria aqui considerado a ciência ou a filosofia da moral. A ética procura justificar racionalmente os princípios que regulam o agir humano estudando o que é bom, mau, justo ou injusto. Ela tenta responder à pergunta: Por que devemos agir dessa maneira? (CLOTET; FEIJÓ, 2005, p. 15, grifo do autor).
Assim, a distinção entre ética e moral encontra-se no fato da primeira se
apresentar como “[...] um conjunto de princípios, normas e regras que orientam o
comportamento humano; e seriam morais os comportamentos e ações em
consonância com estes códigos ditados pela ética.” (MATTAR, 2003, p. 133).
“A palavra ética esta ligada a valores (bem, mal, felicidade, justiça,
honestidade, etc...) e a moral, a comportamentos (bondoso, justo, verdadeiro,
honesto, mau, etc...)”. (MATTAR, 2003, p. 134).
Deste modo, tanto a ética como a moral são elementos indissolúveis e
indispensáveis na produção e na consolidação da realidade social, devendo elas
comporem um elemento inerente a todo tipo de atuação humana.
1.3 A Busca de uma Efetiva Aplicação da Ética como Instrumento de Controle
nas Experimentações Científicas
Na atualidade, a preocupação com a concretização de uma sociedade mais
igualitária e justa fez com que o campo de atuação da ética ultrapassasse os limites de
uma análise filosófica, passando-se para a busca de uma aplicação prática. Com isso,
os mais diversos ramos do conhecimento começaram a se preocupar com observância
dos seus preceitos, entre eles a economia, a sociologia, o Direito e a biologia.
Assim, a ética, apesar de ter origem em modelos de conduta abstratos,
passou a ser incorporada por estes diversos ramos do conhecimento, sendo que
dessa interação surgem inúmeras normas, que deixam de ser simplesmente
preceitos subjetivos para se tornarem obrigações de comportamento que podem ser
coercivamente exigidas.
Tal realidade, no entanto, não exclui a sua origem ética, mas apenas visa dar
uma maior proteção às relações interpessoais, tendo em vista a cada vez mais
expressiva insegurança existente e à incerteza de que as pessoas agirão da forma
mais correta e em observância ao que é melhor para a coletividade como um todo.
É justamente nessa conjuntura que a ética assume um papel de grande
destaque nas relações referentes à biotecnologia, devendo ser amplamente observada
e efetivada nesse ambiente, pois as pesquisas nesta área podem ser implementadas
visando o desenvolvimento ou até mesmo a deturpação dos elementos constitutivos da
sociedade. Além da evolução constante e ininterrupta ao qual estão submetidas,
interferindo e atuando cada dia mais no dia-a-dia das pessoas.
Nesse contexto, cabe ressaltar as palavras do médico Miguel Kottow (2005, p. 62):
[...], es preciso reconocer la importancia de la expansión tecnocientífica en generar nuevos dilemas morales que requieren decisión. La expansión científica y técnica ha alarmado a las ciudadanías y dado urgencia al análisis de los valores que subyacen a las nuevas posibilidades de interferir en los procesos naturales.
Contudo, “[...] el mayor desafio de la medicina y la biologia contemporáneas
resida no tanto en la innovación tecnológica de sus procedimentos sino en la
formación moral de sus gestores.” (GARCÍA, 2006, p. 7).
É justamente em virtude dessa aspiração de se implementar valores éticos e
morais capazes de promover um controle, mesmo que restrito, no âmbito da atuação
biotecnológica
1.4 Bioética
A bioética, desta forma, é a busca pela aplicação do preceito ético nos
campos relacionados com as biociências.
La bioética toma por tarea la reflexión moral acerca de actividades biomédicas, siendo corolario evidente que privilegiará la conservación sobre la destrucción, el bienestar antes que la deprivación, la realización en plenitud antes que la restricción, la liberdad por sobre la imposición, el apoyo al necesitado más que la pleitesía al poder. (KOTTOW, 2005, p. 107-108).
José Juan García (2006, p. 8-9) coloca que “[...] a la voz ‘bioética’ se agrupan
las investigaciones referidas al nacer, al vivir, y en general todo lo relacionado con la
vida humana desde una perspectiva moral.”
Assim, o seu estudo e a sua ampla e efetiva aplicação mostram-se de
extrema importância para toda a população, pois é somente quando se atingir uma
conclusão acerca do que é bom ou mal, ou do que é certo ou errado, que será
possível pregar pela efetiva utilização dos mecanismos alcançados pela
biotecnologia no cotidiano das pessoas.
Diante de tal relevância, é imperativo que a coletividade se envolva com esta
reflexão valorativa sobre a ciência e a manutenção da vida, fazendo com que as
questões ligadas à evolução científica devam, necessariamente, ser objeto de uma
ampla discussão bioética antes de serem realmente efetivadas.
Esta imprescindibilidade apresenta-se em face da necessidade da formação
de consciência por parte da sociedade, para que esta não seja apenas um
espectador leigo e pacífico dos avanços da ciência. Avanços estes que podem afetar
as suas vidas de forma maléfica ou benéfica, devendo esta última ser a forma de
atuação perseguida por todos os seus membros e em todos os momentos.
Nesse contexto, a bioética se apresenta como o instrumento responsável pelo
“[...] estabelecimento de marcos que possam sinalizar a caminhada da ciência sem
que a essência do humano seja perdida, pelo uso inconsequente da técnica, ou pela
inércia preconceituosa e aprisionadora.” (MINAHIM, 2003, p. 105).
1.4.1 Evolução Histórica e Conceito da Bioética
A doutrina traz como marco inicial da preocupação com a implementação da
ética na prática das biociências o Código de Nüremberg de 1947, que surgiu no fim
da II Guerra Mundial em razão do julgamento de criminosos de guerra nazistas pelo
Tribunal Militar Internacional, incluindo entre eles médicos que haviam realizado
atrocidades nos prisioneiros dos campos de concentração.
Foi justamente das decisões destes julgamentos que resultou o que hoje é
chamado de Código de Nuremberg, sendo este uma declaração composta por dez
pontos que resumem aquilo que seria permitido na prática de experimentos médicos
em humanos.
Entre os diversos princípios básicos para implementação da ética nas pesquisas,
estabelecidos pelo código, estão: a necessidade do consentimento informado do sujeito
da experimentação; a sua capacidade para consentir, a sua liberdade para desistir a
qualquer momento; a compreensão dos riscos e benefícios envolvidos; e que os
pesquisadores sejam qualificados e utilizem os meios apropriados.
Nesse sentido:
Los aspectos éticos de experimentación emergieron explosivamente con los ensayos en humanos efectuados a gran escala por el regímen nacionalsocialista de Alemania entre 1933 y 1945, que tenían características de profunda inmoralidad y franca criminalidad (...). Tales prácticas motivaran en 1947 la promulgación del Código de Nüremberg que exige: participación voluntaria y revocable del sujeito, justificados motivos y datos sólidos de que el experimento puede ser benéfico y que no será dañino, relevancia del estudio planeado, calificación científica de los investigadores y evaluación técnica del protocolo experimental, suspensión de un proceso experimental que deja de cumplir con estas condiciones. (KOTTOW, 2005, p. 149-50).
Entretanto, o termo “Bioética” foi utilizado pela primeira vez somente em 1971
pelo oncologista e biólogo norte-americano Van Rensselder Potter, da Universidade de
Wisconsin, em sua obra: “Bioética: a ponte para o futuro”. Nesse momento inicial ela
apresenta-se como um compromisso com o equilíbrio e a preservação da relação dos
seres humanos com o ecossistema e a própria vida do planeta (DINIZ, 2001, p. 10).
Miguel Kottow (2005, p. 61) também demonstra que “[...] el término bioética,
de cuño reciente, es introducido por el oncólogo experimental norteamericano V. R.
Potter, para proponer una disciplina que enlace la biología con las humanidades en
una ‘ciencia de la sobrevivencia’.”
Atrelado a um movimento de evolução conceitual e de reconhecimento da
importância da matéria, André Hellegers, fundador na Universidade de Georgetown
do Joseph and Rose Kennedy Institude for the Study of Human Reproduction and
Bioethics, passou a avaliar a bioética como sendo a ética das ciências da vida.
Em 1978, a Encyclopedia of Bioethics definiu Bioética como “[...] o estudo
sistemático da conduta humana no campo das ciências da vida e saúde, enquanto
examinada à luz dos valores e princípios morais.” E, em sua segunda edição, de
1995, retirou a parte dos valores e princípios morais e passou a considerá-la como
“[...] o estudo sistemático das dimensões morais da ciência da vida e do cuidado da
saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto
multidisciplinar.” (apud DINIZ, 2001, p. 10).
Já Sádaba (2004, p. 35) define Bioética “[...] como el estudio disciplinar de los
problemas derivados de los avances biológicos con especial atención a su
dimensión moral.”
Assim, “[...] la bioética implica una reflexión moral sobre las ciencias de la
vida.” (SÁDABA, 2004, p. 47) e, em uma visão ampla, pode ser considerada como a
ética da biomedicina e da biotecnologia, visando a implementação de modelos de
conduta a serem adotados frete às evoluções na ciência da saúde, à degradação do
meio ambiente e à busca pelo equilíbrio ecológico, que invariavelmente resultarão
em reflexos sobre a qualidade de vida do ser humano.
Utilizando-se das mesmas palavras Miguel Kottow (2005, p. 65) conceitua
Bioética, discorrrendo que “En su acepción más amplia la bioética se refiere a la
ética de la vida, con lo cual se convertiría en una redundancia porque lo ético
necesariamente se refiere a agentes morales, es decir, a seres vivos.”
E, continua alegando que “La bioética reflexiona, entounces, sobre los actos
humanos realizados en liberdad y con responsabilidad, que alteran radicalmente
radicalmente los procesos irreversibles de lo vivo.” (KOTTOW, 2005, p. 66).
Através de sua aplicação efetiva torna-se possível a exigência de uma
administração responsável das biociências, na busca pela preservação da vida
humana, sendo esta a razão e o fim da ciência. Além da reivindicação por uma
obediência máxima do valor supremo do ser humano, respeitando-se a sua
liberdade, dignidade e vida.
Ela se desenvolveu em razão da necessidade de um controle efetivo sobre as
crescentes inovações biotecnológicas, sendo o homem, ao mesmo tempo, objeto e
sujeito de tal matéria que “[...] é bio, mas que acima de tudo é ética” (HIRONAKA,
2006, p. 28).
Assim.
La bioética no puede aceptar la indiferencia frente a sus problemas, precisamente porque se ocupa de actos trancedentes que interesan y comprometen a todo ser vivo. Todos los miembros de la humanidad son afectados por dilemas ecológicos, todo ser humano nace, se enferma y eventualmente muere, no pudiendo marginarse a la reflexión bioética. (KOTTOW, 2005, p. 68).
Contudo, a Bioética pode ser conceituada como o estudo dos problemas e
implicações morais despertados pelas pesquisas científicas em biologia e medicina, ou
seja, a ética aplicada nas atividades que interferem na vida (CUNHA, 2003, p. 34).
1.4.2 Princípios e Abrangência da Bioética
Os princípios da bioética são fundamentações básicas que tem por finalidade
auxiliar na resolução dos conflitos decorrentes das discussões relacionadas ao
desenvolvimento das biotecnologias.
“Os principios no pasan de ser fundamentaciones cuya validez termina con
su utilidad, aceptándolos para dirimir conflictos bioéticos.” (KOTTOW, 2005, p. 90).
Cabe destacar que “Los principios son elementos útiles en tanto no se
pretenda que agotan la reflexión bioética.” (KOTTOW, 2005, p. 102).
Quanto aos princípios básicos da Bioética, é importante demonstrar que “[...]
los cuatro princípios emanaron del informe Belmont (1978).” (KOTTOW, 2005, p. 90).
Nesse contexto:
O estabelecimento dos [...] princípios da bioética decorreu da criação pelo Congresso dos Estados Unidos de uma Comissão Nacional encarregada de identificar os princípios éticos básicos que deveriam guiar as investigação em seres humanos pelas ciências do comportamento e pela biomedicina. [...]. Iniciados os trabalhos em 1974, quatro anos após publicou a referida Comissão o chamado Informe Belmont, contendo três princípios: a) o da autonomia ou do respeito às pessoas por suas opiniões e escolhas, segundo valores e crenças pessoais; b) o da beneficência que se traduz na obrigação de não causar dano e de extremar os benefícios e minimizar os riscos; c) o da justiça ou imparcialidade na distribuição dos riscos e dos benefícios, não podendo uma pessoa ser tratada de maneira distinta de outra, salvo haja entre ambas alguma diferença relevante. A esses três princípios Tom L. Beauchamp e James F. Childress acrescentaram outro, em obra publicada em 1979: o princípio da ‘não-maleficência’, segundo o qual não se deve causar mal a outro e se diferencia assim do principio da beneficência que envolve ações de tipo positivo: prevenir ou eliminar o dano e promover o bem, mas se trata de um bem de um contínuo, de modo que não há uma separação significante entre um e outro principio. (BARBOZA, 2003, p. 55, grifo do autor).
Esses quatro princípios básicos visam enaltecer a pessoa humana e são:
princípio da autonomia, que prega a capacidade de atuar com conhecimento de
causa e sem qualquer coação ou influência externa, e requer que o profissional da
saúde respeite a vontade do paciente, ou de seu representante, levando em conta
seus valores morais e crenças; princípio da beneficência, que leva em conta o
juramento de Hipócrates, pelo qual o profissional da saúde só pode usar o
tratamento visando o bem da pessoa e nunca o mal, resultando nas regras de não
causar dano e maximizar os benefícios; princípio da não-maleficência, que
apresenta-se como um desdobramento do princípio da beneficência, pois afirma a
obrigação de não ocasionar qualquer dano intencional; e princípio da justiça, que
trata da imparcialidade na distribuição de riscos e benefícios (DINIZ, 2001, p. 15-17).
Assim, o principio da autonomia se “[...] refiere el respeto que siempre ha de
guardarse por los derechos fundamentales del hombre, incluso aquel de la
mautodeterminación” (GARCÍA, 2006, p. 31), “[...] autorizando que todo ser humano
mentalmente competente puede tomar libremente decisiones aunque atenten contra
sus propios intereses.” (KOTTOW, 2005, p. 92).
Com isso:
Todo lo que se dice sobre autonomía en bioética se rifiere en sentido estricto a la capacidad de decidir en cosa propia, es decir, el principio debe entenderse como una decisión autóloga (coherente con la propia ley o esquema de intereses). [...]. Las deciones autónomas son coherentes con las normas que la persona ha decidido adoptar y que son parte del orden social reconocido. (KOTTOW, 2005, p. 93). Este principio guarda una inmediata relación con la cuestión del consentimiento informado de la persona actual o potencialmente enferma. Dicho consentimiento es requerido, sea para legitimar la experimentación terapéutica, sea para determinar la licitud de operaciones quirúrgicas [...]. (GARCÍA, 2006, p. 30, grifo do autor).
O princípio da beneficência estabelece que deve-se “[...] hacer todo el bien al
paciente.” (GARCÍA, 2006, p. 29).
Para Miguel Kottow (2005, p. 91):
Todo acto tiene por razón de ser la obtención de un beneficio; sin desconocer que el agente que otroga el servicio también ha de beneficiar [...]. La distorsión del princio de beneficencia ocurre cuando el agente abtiene mayor provecho que el paciente. [...]. Es en ese entendimento de beneficencia que se acepta el derecho del paciente a eventualmente negarse a una terapia médicamente recomendable.
Ele “Incluye su expresión minimalista: la no maleficiencia [...], porque no
comporta sólo el abstenerse de cometer cualquier daño, sino que conlleva la ideia
fuerte, el imperativo, de hacer positivamente el bien e incluso prevenir el mal.”
(GARCÍA, 2006, p. 29).
Deste modo, o princípio da não-malefiência “[...] reconoce la invasividad y el
potencial lesivo de las práticas biomédicas, que requiere una ponderación
esclarecida de beneficios/efectos indeseados.” (KOTTOW, 2005, p. 102).
Em relação a este princípio, Miguel Kottow (2005, p. 91) alega que:
Posiblemente haya que entendeer este postulado como un llamado a la prudencia ya al reconocimienteo de la falibilidad de nuestros actos, que obligan a considerar los daños como parte irremedialble de toda propuesta terapéutica. Aunque un acto no beneficie, puede ser éticamente positivo en la medida que evite daños. La prudencia es una cualidad que evita accidentes y errores, con lo cual adquiere la virtud ética de se no maleficente.
E, no princípio de justiça tem-se que:
En el acto médico hay un tercer actor, la sociedad, en la que el médico y el paciente se insertan. En ella, todos los sujetos merecen el mismo respeto y tienen derecho a reivindicar su derecho a la vida, a la salud y a la equidad en la distributión de los recursos sanitarios. El principio de justicia refiere entonces a la obligación de igualdad en los tratamientos y, en lo que respecta al Estado, a la equitativa distribución de recursos para la sanidad, los hospitales, la investigación, etc. (GARCÍA, 2006, p. 31).
Ou seja:
La justicia describe preferencialmente las relaciones entre grupos sociales, enfatizando la equidad en la repartición de recursos y bienes cansiderados comunes, y propendiendo a igualar las oportunidades de acceder a estos bienes. La justicia ocupa un papel más protagónico en el análisis de materias bioéticas no médicas, como políticas ecológicas, destinación de recursos, programas de investigación que potencialmente alteran los biosistemas y otros. (KOTTOW, 2005, p. 95).
Cabe ainda destacar que grande parte dos autores que aprofundam o tema
prega pela necessidade da observância da doutrina do chamado doble efecto,
quando da atuação bioética.
Nesse sentido, José Juan García (2006, p. 32) afirma que:
Es lícita una acción buena, o al menos indiferente, de la cual se siguen diversos efectos, y con tal que se busque en la intención sólo el efecto bueno y no exista una reación de causalidad del efecto malo sobre el bueno. Debe darse una proporción entre le efecto bueno y el malo, tal de justificar el mal producido.
E Kottow (2005, p. 82) que “La doctrina del doblo efecto ha sido reeditada
para tratar dos situaciones bioéticas. “ Nesse contexto, ela “[...] intenta justificar
actos que producen un bien indispensable que no puede ser alcanzado sin aceptar
los daños que en sí son impermisibles.” (KOTTOW, 2005, p. 81).
O mesmo autor conclui afirmando que “La doctrina del doble efecto tolera
provocar un mal si ello es necesario pra alcanzar un bien mayor.” (KOTTOW, 2005,
p. 87).
Quanto ao campo em que os seus preceitos devem atuar, Kottow destaca
que ao se definir biético como uma “[...] reflexión sobre actos que real o
potencialmente afectan irreversiblemente a los seres vivos requiere ser hecha
operativa y aplicada en aquellas práticas sociales en que estos actos acurren.”
(KOTTOW, 2005, p. 107).
Deste modo, a sua abrangência é extremamente vasta, incluindo, entre
outras, todas as questões relacionadas à manipulação genética em animais,
vegetais e seres humanos, aborto, eutanásia, eugenia, genoma humano,
transplantes de órgãos, recombinação de genes, criação e patenteamento de seres
vivos, ocorrências iatrogênicas, cirurgias intra-uterinas, diagnósticos de doenças
incuráveis, reprodução assistida em todos os seus aspectos e natureza jurídica do
embrião.
Assim, “[...] la bioética incursiona en otras disciplinas y, más transcendente
aún, intenta proyectar su reflexión hacia diversos campos sociales, en fidelidad
con su vocación de ser una ética aplicada.” (KOTTOW, 2005, p. 65).
Com isso, diante dessa necessidade de se empregar elementos oriundos
dos mais diversos ramos do conhecimento na busca de uma efetiva
implementação, ela assume uma proeminente característica de
multidisciplinaridade, ou transdisciplinaridade.
Este flujo de interacción con otras disciplinas se caracteriza por el término transdiciplinariedad, atributo que define corectamente el carácter disciplinar de la bioética, además de su permeabilidad para interactuar con otros ámbitos sociales y del saber. (KOTTOW, 2005, p. 65).
Nesse contexto, tem-se que “[...] la bioética es practicada por miembros de
diversas profesiones, lo cual la hace multidisciplinaria sin que ese término denote
más que la conjunción de una variedad de puntos de vista.” (KOTTOW, 2005, p. 64).
Um dos ramos do conhecimento mais importantes para o desenvolvimento e,
principalmente, para a concretização dos preceitos pregados pela bioética é
justamente o Direito, tendo em vista que somente através da sua atuação essas
cláusulas poderão ser efetivamente exigidas.
1.4.3 Bioética e Direito
Todos os elementos da evolução biotecnológica “[...] atuam diretamente na
qualidade de vida do ser humano, ameaçando sua própria existência, exigindo eficaz
regulamentação jurídica.” (BARBOZA, 2003, p. 57).
Em decorrência dessa necessidade de se estabelecer uma regulamentação
das manipulações correlacionadas com as biotecnologias, apresenta-se como
imperioso que ela não seja relegada apenas aos princípios da Bioética, ás
resoluções de conselhos de classe e ao regramento ético pessoal pactuado pela
sociedade. Pois, essas normas de conduta, apesar de muito importantes, não
possuem a coercibilidade e a concretude características do Direito, indispensáveis
na busca de uma proteção efetiva no desenrolar destas atividades.
Edison Maluf, utilizando-se das palavras de María Fernandez, cita que “[...]
seria necessário que o Direito impedisse que o avanço da ciência ficasse
inteiramente nas mãos dos cientistas, unicamente limitados pela sua ética pessoal.”
(apud MALUF, 2002, p. 34).
Nesse mesmo sentido, Maria Auxiliadora Minahim (2003, p. 101, grifo do autor):
Nesta sociedade, os conceitos tradicionais de bem e mal, de justo e injusto, já não se apresentam com a segurança necessária para orientar a ação do homem. Há uma multiplicidade de situações que lhe são apresentadas pelo mundo contemporâneo e diante das quais o Bem é relativizado porque entre ele e a ação medeiam uma série de contingências.
“El hiato entre saber hacer y ponderar lo que se hace, crece y exige la
reflexión bioética para delimitar responsabilidades frente a tanto poder de ejecución.”
(KOTTOW, 2005, p. 62).
Assim,
Las responsabilidades del científico crecen a medida que se incrementa el saber y aumenta el podeío técnico. Ya ahora, en los comienzos de las preocupaciones éticas en estas materias, hay un desfase que muestra el lento despegue del discurso bioético en comparación con la aceleración instrumental de la humanidad civilizada. Por de pronto, la comunidad científica les reconoce a sus miembros una responsabilidad interna, expresada en el desarrollo de sus investigaciones en un clima de veracidad, lucidez, prudencia en el uso de recursos y lealtad en la competencia. (KOTTOW, 2005, p. 145).
A Bioética se preocupa com as implicações éticas decorrentes das
descobertas biotecnológicas com o intuito de estabelecer regras que possibilitem a
melhor utilização dessa evolução científica. Porém, as regras por ela instituídas são,
na maioria das vezes, desprovidas de coerção, representando apenas conselhos
morais para a utilização eticamente correta das novas técnicas. É exatamente na
busca da implementação de normas com caráter coercitivo que entra o Direito.
Com isso, tem-se que:
[...] na maioria dos casos, a adequação dos comportamentos científicos à axiologia extracientífica se produz de forma espontânea, por meio de auto-restrições e controles autônomos, o que nem sempre é suficiente, devendo ser aclarados externamente de alguma maneira os modelos que vão ser adotados. [...], para tais casos não basta a invocação da consciência pessoal, que precisa de referencias coletivas. Para isso devem ficar estabelecidos os valores que a sociedade, em um momento histórico determinado, considera relevantes e merecedores portanto de proteção, o que superará além do jogo de convicções particulares, a determinação do permitido ou do obrigatório, transcendendo a sistema de proibições. (BARBOZA, 2003, p. 58-59).
Sendo que:
A difícil tarefa de estabelecer esses valores tem sido desempenhada pelo Direito [...]. Cabe ao Direito, por meio da lei, entendida como expressão da vontade da coletividade, definir a ordem social, na medida em que dispõe dos meios próprios e adequados para que essa ordem seja respeitada. (BARBOZA, 2003, p. 59).
Entretanto, é importante salientar que o Direito, ao regulamentar as condutas,
deve impor de forma sólida e eficiente as expectativas normativas,
“[...] não podendo se render a incertezas de qualquer natureza, sejam elas
resultantes da provisoriedade dos achados científicos, da fluidez da ética moderna
ou da necessidade de refletir expectativas de diferentes segmentos sociais.”
(MINAHIM, 2003, p. 102).
O Direito tem por finalidade regulamentar as condutas dos indivíduos na
sociedade através da imposição coercitiva pelo Estado de regras que visam
normatizar as condutas entre os indivíduos e entre os indivíduos e o Estado.
Deste modo:
Direito é o conjunto de normas e princípios que visam regular a vida do homem em sociedade, onde se procura, naturalmente, a ordem para chegar a fins de interesse comum. O homem pertence a ta sociedade na medida em que as regras comuns ao grupo regulam sua conduta. [...]. Dessas relações da ordem social, surgiram as relações jurídicas a que chamamos de obrigações. (BAÚ, 2005, p. 175-176).
Quanto às sanções que podem ser estabelecidas pelas normas morais e as
que podem ser implementadas pela norma jurídica, é importante destacar que:
As normas morais estabelecem sanções de tipo individual interno, de consciência, como vergonha, remorso e, de tipo individual externo, relativa à opinião pública e à desconsideração social, mas não dão ao lesado o direito de exigir o seu cumprimento ou sua reparação. [...]. AS normas jurídicas são obrigatórias, estabelecem sanções sociais, em caso de descumprimento e, dão ao lesado o direito de exigir sua adimplência. (FERRARESI, 2007, p. 72)
Logicamente que quando as regras estabelecidas pelos preceitos defendidos
pela Bioética adentram regramentos de conselhos de um determinada profissão, por
exemplo, elas passam a ter força para estabelecer sanções administrativas.
Entretanto, essa força não se equipara à exigida na busca de um regramento capaz
de pacificar e implementar os anseios da sociedade como um todo, tanto no sentido
dos executores das ações como no sentido dos destinatários dessas atividades, o
que somente será alcançado com a inserção desses preceitos e valores no
ordenamento jurídico.
Numa sociedade ideal o simples comprometimento ético dos seus membros
seria o suficiente para estabelecer um padrão de conduta, fazendo com que a
aplicação do Direito possa ser reduzida a um número mínimo de situações, em que
esta se mostrar estritamente necessária. Contudo, esta não é a realidade da
humanidade atual. Pelo contrário, os patrões oriundos de fontes não coercitivas,
como a ética, apesar de exercerem certa influência em parcela da sociedade,
perdem cada vez mais sua autoridade e sua capacidade de controle social, fazendo
com que a atuação Direito seja imprescindível.
Nesse contexto, Edison Maluf (2002, p. 37), citando Emilssen Cancino coloca
que:
[...] os princípios éticos tradicionais estão ficando pequenos. A ética individual que fixa a responsabilidade do indivíduo enquanto vive e se firma no respeito dos valores e direitos de outros indivíduos [...] deve dar passagem a uma nova ética que ressalte a responsabilidade social e transcendente do indivíduo, como membro de uma comunidade democrática e como elo da cadeia de vida da espécie [...].
Diante de todo esse contexto desenrolou-se uma intima relação entre a
Bioética e o Direito, objetivando, em última análise, que aos valores defendidos pela
bioética fosse incorporada a exigibilidade necessária para que tenham uma atuação
efetiva no sentido de controlar a atividade cientifica. E, com isso, fazendo com que
esta atividade sempre observe o seu fim último, que é o de buscar elementos para
que as pessoas possam existir plenamente, de forma digna.
Desta correlação entre a Bioética e o Direito – ela, poderosíssima aliada do mundo jurídico – nasce uma apresentação problematizada das novas situações da vida dos homens, oriundas destes avanços e conquistas de novas biotecnologias e até então não previsíveis, e que carecem da atenção e do apreço do jurista, no sentido de lhes dar os limitadores contornos legais, pois que indispensáveis à concretização da sobrevivência humana, dentro dos padrões da dignidade e da ética. (HIRONAKA, 2006, p. 29).
Assim, em face de tal realidade, é imperativo que o Direito regulamente os
fatos atinentes aos ramos da Bioética, tendo em vista que o desenvolvimento
biotecnológico é elemento indispensável à evolução dos seres humanos, exercendo
uma enorme influência em como as suas vidas são aproveitadas hoje e como o
serão no futuro, sendo exemplos dessa estimação os alimentos transgênicos, as
técnicas de reprodução assistida e as pesquisas com células-tronco (tanto
embrionárias como adultas) no tratamento de doenças.
Foi exatamente dessa expressiva relação entre Bioética e Direito que se deu
o surgimento e o desenvolvimento do estudo de um ramo próprio dentro do Direito: o
Biodireito.
1.5 Biodireito
O grande desafio na relação entre o Direito e o desenvolvimento constante
das biotecnologias e biomedicinas está relacionado com a capacidade do primeiro
em criar leis que possam regulamentar estas matérias de forma a proteger
efetivamente o ser humano, mas que não resultem em um empecilho ao avanço
tecnológico benéfico.
É nesse sentido que Jussara Ferreira conceitua o Biodireito como um “[...]
conjunto de normas esparsas que têm por objeto regular as atividades e relações
desenvolvidas pelas biociências e biotecnologias, com o fim de manter a integridade
e a dignidade humana frente ao progresso, benefício ou não, das conquistas
científicas em favor da vida.” (FERREIRA, 2000, p. 6).
Assim, o Biodireito “[...] consiste en el cuerpo de leyes y de jurisprudencia
referidas al uso de la técnicas biomédicas. Intentan salvar y proteger el bien jurídico
que significa la vida humana.” (GARCÍA, 2006, p. 221).
Nas palavras de Marilise Baú (2005, p. 176):
[...] Biodireito, [...], seria o estudo sistemático das dimensões legais das ciências da vida e do cuidado com a saúde, da dignidade e da integridade do ser humano, assegurados na CF, em um contexto cultural, social e multidisciplinar abrangendo vários campos da atividade humana, atingindo, no Direito, as esferas pública (direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, direito sanitário, controle de epidemias, controle de natalidade...) e privada (direito à vida, à imagem, direito ao próprio corpo, direito de ter filhos, de utilizar as técnicas de reprodução assistida, direito de dar o consentimento livre e esclarecido).
Ele, com isso, assume um papel de extrema relevância no desdobramento
das tecnologias relacionadas às biociências e, desta forma, no incremento da própria
sociedade, tendo em vista que o potencial biotecnológico de um país já é utilizado
como parâmetro de riqueza e desenvolvimento deste, devendo tal panorama, num
futuro próximo, ser constantemente alargado.
Cabe ressaltar que o Biodireito tutela tanto interesses de ordem pública,
ligados à coletividade, como também de ordem particular, ao alcançar o ser humano
em sua individualidade, como, por exemplo, diante da sempre presente exigência de
um consentimento informado por parte de qualquer pessoa que seja submetida, ou
que tenha algo seu submetido, às experimentações científicas.
Apesar da discussão doutrinária, o Biodireito não deve ser considerado apenas
como um elemento que compõe e depende da Bioética, ou seja, como um simples
interação entre a bioética e o Direito, mas sim como um ramo autônomo de conhecimento
científico, tendo em vista que possui normas, doutrina e princípios próprios.
Nesse sentido, tem-se que o Biodireito vem, aos poucos, sendo capaz de reunir
“[...] doutrina, legislação e jurisprudência próprias, regulando, enfim, a conduta humana
em face dos avanços da biotecnologia e da biomedicina.” (BARBOZA, 2003, p. 57-58).
Assim, ele se apresenta como um ramo do conhecimento jurídico,
responsável pela promoção de uma análise que resulta na legislação sobre os
procedimentos e limites impostos às experimentações nas biociências. Ele se
embasa na Bioética, mas não se confunde com ela, pois enquanto esta é um estudo
ético-filosófico aquele é a positivação das normas dela oriundas.
Deste modo, “[...] não se trata da mera transposição de norma bioéticas para o
Direito; essas podem ser observadas e mesmo orientar a formulação de norma
jurídicas, desde que não colidam com os princípios de direito.” (BARBOZA, 2003, p. 71).
É importante salientar que “[...] as leis sobre bioética deverão ser, na medida
do possível, ‘flexíveis’ para atender as evoluções futuras da ciência.” (BARBOZA,
2003, p. 60). Entretanto:
[...] adaptar a lei não significa que essa deva evoluir ao sabor dos progressos científicos, fornecendo conceitos adaptados às mudanças sociais que a pesquisa cientifica induz na definição de vida, visto que isso seria reduzir o direito a uma função instrumental, livre de todas as referencias a valores. [...]. Não é suficiente, portanto, a existência de regras. O direito não é somente um conjunto de regras, de categorias, de técnicas: ele veicula também um certo número de valores. Por conseguinte, se o direito deve evoluir para dar conta dos progressos científicos e assim se adaptar aos avanços médicos que permitem mudar a vida e não apenas prolongá-la, deve necessariamente ordenar essas intervenções sobre o homem. O sistema jurídico é feito de regras que constroem uma sociedade fundada em certos valores, tais como liberdade ou a igualdade que gera uma concepção de homem. O direito é a regra que uma sociedade se dá. (BARBOZA, 2003, p. 60).
Dentro da esfera de atuação do Biodireito pode-se observar uma
característica de forte multidisciplinaridade, pois inúmeros dos direitos por ele
protegidos o são tendo por fundamento, além dos seus próprios preceitos,
argumentos trazidos por diversos campos do conhecimento e diretrizes traçadas por
outros ramos do Direito.
A relação do Biodireito como os outros ramos do conhecimento jurídico pode
ser demonstrada por inúmeros exemplos, como no caso dos direitos de
personalidade, especificamente quanto se refere à aquisição e à perda, decorrentes
dos termos inicial e final da vida, dos diretos, e à disposição do próprio corpo, que
evidenciam a sua ligação com o Direito Civil.
Ângela Ferraresi (2007, p. 72) afirma que:
O Biodireito tenta contemplar princípios morais nas relações intersubjetivas dos seres humanos entre si e com o meio ambiente, nos seus diferentes campos, em especial no direito constitucional, no direito civil, no direitos ambiental e no direito penal, buscando a proteção ou tutela, do bem maior, a vida humana.
Em relação ao Direito Constitucional, os limites criados pelos Direitos
Fundamentais ao Estado também devem ser observados na legislação referente às
regulamentação das pesquisas relacionadas com o aprofundamento dos
conhecimentos biotecnológicos.
Com isso, os primeiros limites estabelecidos pelo Biodireito são aqueles
traçados na legislação Constitucional, que se refere, entre outros, à liberdade de
investigação científica e ao respeito de direitos mínimos dos indivíduos,
indispensáveis à sua existência, como o direito à vida e o a dignidade da pessoa
humana.
O Biodireito se utiliza desses valores constitucionais ao perseguir a
implementação de regras capazes de promover a valorização da vida humana, que
deve sempre ser o objetivo último nas atividades científicas.
Assim, além dos preceitos da Bioética que também são observados por ele,
como os princípios da boa-fé (no sentido de lealdade, confiança e honestidade nas
experiências científicas), da prudência (na acepção de que o pesquisador deve
sempre agir com prudência, eliminando qualquer forma de negligência, imprudência
ou imperícia) e o da legalidade dos meios e fins (segundo o qual cabe ao biodireito
buscar a criação de normas jurídicas capazes de regulamentar as pesquisas
científicas, mas sem representar um obstáculo aos avanços científicos, ou seja, que
possam equilibrar e adequar de forma legal os meios utilizados e os fins objetivados
pelas biociências, sempre visando a defesa e a melhora da vida humana), o ramo do
Biodireito retira a maior parte dos seus princípios daqueles previstos pela
Constituição Federal. Mais especificamente quanto aos Direitos Humanos tem-se que todas as
normatizações trazidas pelo Biodireito visam resguardá-los, principalmente aqueles
ligados à dignidade da pessoa humana, à integridade física, à saúde e à vida.
Assim, cabe ao Biodireito “[...] la tarea fundamental de cautelar los derechos
humanos, arguyendo que todo problema específico en el ámbito de la bioética se
retrotrae indefectiblemente hacia los derechos humanos.” (KOTTOW, 2005, p. 36).
Contudo, é inegável que o Biodireito assume um papel de extrema relevância
para o desenvolvimento da coletividade, pois é em virtude da sua atuação que será
possível se atingir um equilíbrio entre a liberdade de pesquisa dos cientistas e a
busca da efetivação da dignidade de pessoa humana em todos os seus aspectos.
É exatamente em virtude da materialização desse meio-termo que será
possível se atingir uma normatização capaz de promover a evolução no campo das
biotecnologias e que, ao mesmo tempo, respeite os Direitos Fundamentais e sempre
busque melhorias para as condições de vida das pessoas.
Um exemplo da busca desse equilíbrio é a recente liberação, em razão de
uma decisão do Supremo Tribunal Federal, das pesquisas com células-tronco
embrionárias oriundas de embriões excedentários, o que pode resultar em inúmeros
benefícios no tratamento de doenças até então incuráveis.
1.6 A Necessidade da Atuação do Direito no Controle da Atividade Científica
A atuação do Direito no campo das biociências se dá especialmente através
do Biodireito, que tem por finalidade instituir uma discussão legislativa e, em
consequência, implementar uma normatização coerente em relação às implicações
jurídicas das questões resultantes da evolução científica.
No seu contexto de atuação, para que suas decisões sejam eticamente
adequadas e justas, torna-se necessária a utilização dos princípios e conceitos
bioéticos.
É de extrema relevância salientar que o Direito, em consonância com o acima
explicitado, deve sempre, ao se deparar com novas indagações oriundas do
desenvolvimento das biotecnologias, tomar as suas decisões tendo como alicerce os
princípios basilares da dignidade da pessoa humana e do direito à vida.
Nessa conjuntura, a liberdade de criação científica, também consagrada como
um direito fundamental pela norma constitucional brasileira, em determinados
momentos, diante de conflitos insuperáveis com esses outros direitos fundamentais,
pode vir a ter que ser limitada pela atuação jurídica.
Além de ser o instrumento capaz de proporcionar essa tão almejada
estabilização entre todos os valeres envolvidos, a atuação do Direito também
mostra-se indispensável na delineação dos limites ao direito constitucionalmente
protegido da liberdade de investigação científica.
O equilíbrio objetivado na relação de intercambio entre a liberdade nas
pesquisas biocientíficas e a normatização pelo biodireito deve sempre ter como
fundamento básico e indissolúvel a orientação traçada pelos Direitos Fundamentais,
para que se possa alcançar o máximo de benefícios possíveis para a coletividade de
uma maneira consciente e eficaz.
A Constituição Federal, nos artigos 5º e 218, “consagra a liberdade de criação
cientifica (art. 5º, inc. IX, da CF), abrangendo o direito à liberdade de pesquisa ou
investigação como um dos direitos fundamentais, tornando-a, assim, a regra que
deve comandar toda atuação na área das ciências.” (SOUZA, 2001, pg. 82).
Assim, se a atuação científica não resultar em qualquer violação aos direitos
humanos, deve-se conceder uma ampla liberdade de investigação aos cientistas.
Mas, em caso de ofensa a outros direitos também reconhecidos
constitucionalmente como fundamentais, como o direito à vida, à integridade e à
dignidade da pessoa humana, o Direito, por meio de uma técnica de ponderação
aplicada aos casos de conflito entre estes direitos, deve intervir, limitando tal liberdade.
Foi exatamente nesse sentido que a UNESCO, em sua 29ª reunião,
proclamou em novembro de 1997, por unanimidade, a Declaração sobre o Genoma
Humano e os Direitos Humanos, que em seu artigo 10 dispõe:
[...] nenhuma pesquisa ou aplicação de pesquisa relativa ao genoma humano, em especial nos campos da biologia, genética e medicina, deve prevalecer sobre o respeito aos direitos humanos, às liberdades fundamentais e à dignidade humana dos indivíduos ou, quando for o caso, de grupos de pessoas. (UNESCO, 1997, online).
Contudo, a liberdade de pesquisa não pode ser irrestrita, devendo ser
submetida a limitações imprescindíveis na busca pela preservação de uma vida
digna por parte do seres humanos, sendo que tais restrições serão implementadas
através das prerrogativas pregadas pelo Biodireito.
CAPÍTULO 2 A EVOLUÇÃO CIENTÍFICA NO CAMPO DAS BIOCIÊNCIAS E A
REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA
O desenvolvimento das pesquisas cientificas encontra-se em um ritmo cada
vez mais acelerado, resultando no surgimento de novas técnicas quase que
diariamente.
Tal progresso deve ser amplamente discutido, principalmente em razão de
sua implicações éticas e jurídicas, tendo vista que os seus resultados poderão ser
utilizados tanto para um favorecimento nobilitado como para o desmoronamento da
estrutura social.
Nesse sentido pode-se afirmar que as evoluções no campo de “[...] la
biotecnologia está exigiendo una redefinición de que es el ser humano.” (SÁDABA,
2004, p. 55).
Assim, cabe também aos juristas, sobrepondo os seus obstáculos e posições
ultrapassadas acerca dessa nova realidade, promover um debate conexo com
avanços nas mais diversas áreas das biotecnologias.
Hoje, o progresso científico já é parte integrante e permanente no cotidiano da
humanidade. O consumo de plantas geneticamente modificas (transgênicos) na
dieta diária, a existência de animas clonados e modificados nos rebanhos, a
erradicação de pestes das lavouras após o seu mapeamento genético, e o
tratamento de doenças com células-tronco são alguns dos exemplos que
representam a infiltração das descobertas cientificas no dia-a-dia das pessoas.
2.1 As Pesquisas Científicas no Ramo das Biociências
As intervenções cientificas, no campo das biociências, podem ser realizadas
em qualquer fase do desenvolvimento genético (gametas, pré-embrião, embrião,
feto, nascituro e indivíduo) e podem ser tanto de natureza terapêutica como não
terapêutica.
A experimentação terapêutica se apresenta como a aplicação de técnicas
novas sem eficácia comprovada, visando a cura de enfermidades. Já as não-
terapêuticas podem ser de natureza experimental ou de intervenção pura em
sujeitos sadios e são aquelas que representarem dano ou perigo de dano à
integridade física, à saúde e à vida do homem e, por isso, consideradas ilícitas.
Quanto a estas intervenções, Paulo Vinicius Souza (2005, p. 208) afirma que
podem:
[...] ser dirigida a fins terapêuticos, ou seja, para a correção ou tratamento gênico (terapia gênica), ou para fins não necessariamente terapêuticos, isto é, científicos ou mesmos outros fins reprováveis, como a seleção eugênica (positiva) de determinados caracteres biológicos não-patológicos do genoma humano, ou através da criação de novos seres híbridos e aberrações humanas.
Na terapia gênica o que se busca é a substituição de genes defeituosos ou a
inserção de genes, com o interesse de promover a de doenças, pois a maioria das
enfermidades sofrem influencia deles. (FERRARESI, 2007, p. 157).
As técnicas científicas resultantes desta constante evolução que mais
ganham destaque e que resultam nas contendas mais acaloradas são aquelas
pautadas na manipulação de organismos pertencentes à estrutura do ser humano.
Isso porque elas podem ter como conseqüência um grande avanço na busca da
cura de doenças até então invencíveis ou, se utilizadas de forma incorreta e abusiva,
a desconfiguração de elementos genéticos constitutivos da espécie humana.
Em face da sua importância para com a sociedade moderna, a genética
passou a ser denominada como a ciência do século XXI (MALUF, 2002, p. 9), e,
neste contexto, ganha um destaque ainda maior a genética humana.
Ela pode ser entendida como a ciência que estuda a herança genética
humana, tendo, desta forma, por objetos, entre outros, a reprodução, o nascimento e
a origem do ser humano.
Algumas situações de destaque na sociedade contemporânea estão
intimamente ligadas ao estudo da genética humana. Entre elas estão: a discussão
acerca do mapeamento do genoma humano, a questão da eugenia genética, a
clonagem e a problemática dos embriões excedentários, sendo esta última o objeto
da presente dissertação.
O estudo do genoma humano está relacionado com o objetivo de desvendar
todas as estruturas genéticas que compõem o ser humano e, com isso, são as
responsáveis pela expressão de todas as suas características, desde a simples
determinação da cor dos olhos até o complexo conjunto de alterações que resultam
no aparecimento de doenças de cunho genético.
“O termo genoma refere-se ao conteúdo total do material genético de um
organismo,” sendo que o Projeto Genoma Humano objetivava justamente mapear e
sequenciar o código genético humano. (FERRARESI, 2007, p. 151).
O seu conhecimento total desvelará a origem do conjunto de proteínas
responsáveis por todas as características do indivíduo, possibilitando a manipulação
desses elementos e a obtenção de diversas informações, como a predisposição para
doenças genéticas incuráveis.
“La genética está develando los secretos del genoma humanos en un esferzo
considerado admirable y muy promisorio para un mejor entendimento de los
processo genéticos que determinan la herancia.” (KOTTOW, 2005, p. 178).
Sendo que “[...] un tal mapeo ya está permitindo la localización de
enfeermidades de base hereditaria, que se espera podrá llevar a una eficaz terapia
genética.” (KOTTOW, 2005, p. 178).
A grande discussão é de que forma essas possibilidades e informações serão
utilizadas, devendo a sociedade discutir, por exemplo, se é aceitável que a
engenharia genética modifique essas características ou que as empresas
empregadoras e seguradoras tenham acesso a esses dados, interferindo, com isso,
na contratação do funcionário ou na realização da apólice de seguro.
Outro problema é quanto à titularidade dessas informações, tendo em vista
que o trabalho de mapeamento foi desenvolvido por instituições vinculadas a poucos
países desenvolvidos. Deste modo, as conquistas terapêuticas oriundas dessas
descobertas não podem ficar restritas aos interesses econômicos desses países.
Cabe ressaltar, nesse contexto, que:
A Declaração do Genoma Humano e sua Proteção em Relação à Dignidade Humana e aos Direitos Humanos da Unesco, reafirma que o genoma humano é o componente fundamental da herança comum da humanidade e precisa ser protegido para salvaguardar a integridade da espécie humana, como um valor em si, e a dignidade e direitos de cada um de seus membros. Também adverte que a personalidade de um individuo não pode ser reduzida apenas às suas características genéticas e que todos os indivíduos tem direito ao respeito pela sua dignidade a despeito dessas características. (MATTE, 2005, p. 248).
Quanto à eugenia genética, a sua discussão emergiu com a possibilidade de
se escolher as futuras características de uma pessoa através principalmente da
seleção do embrião com essa composição genética específica.
“O termo Eugenia foi cunhado por F. Galton e consiste em melhorar o pool gênico
humano, dando às características desejáveis maiores chances de prevalecer.” (MATTE,
2005, p. 249).
O perigo da implementação no seio da sociedade de uma verdadeira
discriminação em face dos elementos genéticos manifestados por um conjunto de
pessoas tem sido associado à essa realidade.
O que se visa, desta forma, é impedir que a genética seja usada na busca de
uma seleção na raça humana.
La ingería genética con fines de perfeccionamento de ciertos rasgos podría desembocar en una raza de indivíduos privilegiados en el rasgo elegido: inteligencia, vigor, tamaño corporal, género sexual. La perficiencia genética ha sido en general rechazada por ser frívola, peligorsa y arbitraria, pues se deserrollaría en tipo de ser humano veleidosamente seleccionado por un genetista o caprichosamente ensalzado en un determinado contexto social. (KOTTOW, 2005, p. 179).
Assim, a triagem de embriões na fase de pré-implantação deve ter por
objetivo apenas eliminar os embriões portadores de doenças genéticas presentes
nas famílias dos genitores, sendo que se tal atitude nunca pode ser distorcida para a
simples busca de características fisiológicas do futuro filho, sob pena de trazer
resultados desastrosos.
É nesse sentido que o Conselho federal de Medicina brasileiro proíbe, nos
termos da Resolução n. 1358/92, a seleção de características e do sexo no embrião
a ser implantado, salvo no caso de doença genética hereditária.
Com isso, essa seleção embrionária somente é permitida quando visar a
eliminação das possibilidades de manifestação de doenças genéticas nos casos em
que os futuros filhos certamente teriam pré-disposição para tal, em face do histórico
familiar.
Essa técnica:
[...] é realizada através da analise do material genético do embrião, por meio de uma biópsia. É chamado diagnóstico pré-gestacional (PGD). Para a biópsia procede-se à retirada de uma blastômera (= célula embrionária), a qual é aspirada através de um orifício criado na zona pelúcida (= envoltório do óvulo) – geralmente no terceiro dia de cultivo, quando o embrião tem oito células. (BADALOTTI, 2005, p. 167).
Sendo que ela “[...] visa, primariamente, o diagnóstico de doenças genéticas.
A seleção do sexo também pode ser realizada dessa maneira, a fim de evitar
doenças ligadas ao sexo.” (BADALOTTI, 2005, p. 167).
Já as discussões em relação à clonagem de seres humanos merecem um
destaque maior, inclusive em razão das suas possibilidades terapêuticas.
2.1.1 Clonagem
A clonagem já é amplamente aplicada e experimentada nos animais. Mas,
sua utilização na ambiência do ser humano traz debates acalorados, sendo
necessário, para uma melhor compreensão das suas características, estabelecer o
seu conceito e a sua diferenciação.
A Lei de Biossegurança Nacional (Lei n. 11.105/05) define clonagem como o “[...]
processo de reprodução assexuada, produzida artificialmente, baseada em um único
patrimônio genético, com ou sem utilização de técnicas de engenharia genética.”
Assim, “[...] un clon es uno copia genéticamente idéntica de un ser vivo. Es un
organismo o grupo de organismos que derivan de otro mediante la reproducción
asexual.” (GARCÍA, 2006, p. 132).
Deste modo, “O clone (indivíduo resultante do processo da clonagem) terá as
mesmas características genéticas cromossômicas do indivíduo doador do núcleo
(material genética) do óvulo.” (MUNARETTO, 2003, p. 2).
Até o presente estágio do desenvolvimento científico, duas são as técnicas de
clonagem em que já se atingiu um considerável sucesso a ponto de poderem ser
consideradas para a utilização em seres humanos. Assim, a “[...] clonagem, ou seja,
de reprodução/multiplicação assexuada” (FERRARESI, 2007, p. 175) pode ser
realizada por divisão do embrião ou por transferência nuclear.
“Na realidade, duas são as técnicas de clonagem conhecidas na literatura
biomédica que poderiam ser aplicadas em seres humanos: (a) clonagem por divisão
embrionária (embryo splitting) e (b) clonagem por transferência de núcleo, [...].”
(SOUZA, 2005, p. 211).
Quanto à clonagem por divisão embrionária “[...] cabe frisar que este
fenômeno pode acontecer na natureza espontaneamente como é o caso dos
gêmeos monozigóticos ou univitelíneos.” (SOUZA, 2005, p. 211).
Mas, essa divisão também pode ser estimulada em laboratório, para se gerar
um clone.
Todavia este resultado também pode hoje ser obtido artificialmente, de forma induzida em laboratório, mediante a divisão de um embrião nos seus primeiros estágios de desenvolvimento. Portanto, a clonagem por divisão embrionária pode proporcionar a obtenção de indivíduos geneticamente idênticos (embriões clônicos), mas oriundos de diferentes progenitores. (SOUZA, 2005, p. 211).
E, quanto à clonagem por transferência nuclear, ela
[...] possibilita a obtenção de organismos idênticos geneticamente. Todavia, diferentemente da clonagem por divisão embrionária, a clonagem por transferência nuclear utiliza-se apenas de uma gameta para conseguir isso, ou seja, através da transferência do núcleo de uma célula somática (embrionário ou adulta) qualquer (de um individuo já nascido ou mesmo morto) a um óvulo previamente desnucleado é possível realizar-se a fecundação mediante impulsos elétricos - mesmo sem participação do gameta masculino (espermatozóide) - , na qual será obtido então um organismo embrionário clônico. (SOUZA, 2005, p. 212).
Cabe destacar que o primeiro clone de um mamífero adulto foi obtido em,
1997, justamente através desta técnica de transferência do núcleo de uma célula
somática, já dotada de todas as características genéticas necessárias (46
cromossomos), para um óvulo desnucleado, que posteriormente é implantado em
um útero para poder se desenvolver. Esse clone, que possuía caracteres genéticos
idênticos aos da doadora da célula somática, foi a ovelha Dolly, produzida por
cientistas no Roslin Institute, da Escócia.
Quanto ao procedimento que deu origem à ovelha Dolly tem-se que:
La oveja Dolly nació así: se extrajo una célula adulta de una oveja donante. El ADN de esa célula fue insertado en un óvulo sin fertilizar de otra oveja, óvulo al que previamente sacaron el núcleo. Finalmente, esse óvulo fue implantado en el útero de una tercera oveja. Perp faltaba algo. El núcleo celular implantado en el óvulo no tenía las ‘órdenes’ genéticas necesarias para dividirse, formar un embrión y desarrollarse como un individuo completo. [...], simularon entonces una fecundación. Lo hicieron mediante dos finos electrodos, a través de los cuales lanzaron una diminuta descarga eléctrica que dio a la célula una señal idéntica a la que se produce en la unión normal de dos sexos, cuando el óvulo y el espermatozoide se ponen en contacto. (GARCÍA, 2006, p. 132-133).
Depois dela, muitos outros mamíferos já foram clonados, como gatos,
cachorros e bezerros, como no caso brasileiro da Penta, que, em 2002, foi produzida
na Universidade Estadual Paulista, campus de Jaboticabal.
É extremamente importante salientar que o conhecimento mais importante
retirado dessa técnica é o de que células adultas, e, com isso, já diferenciadas para
atuarem como uma célula específica, podem ter a sua composição genética
reprogramada para voltarem a um estágio equivalente ao embrionário, fazendo com
que, ao serem transferidas para um óvulo desnucleado, sejam capazes de criar um
embrião e de, se implantadas em um útero, se desenvolver até gerar um novo
indivíduo adulto, com as mesmas características genéticas do indivíduo originário.
Cabe ressaltar ainda que a clonagem pode ser realizada para fins
reprodutivos, que consiste naquela com o objetivo de obter um indivíduo idêntico ao
que foi submetido à técnica, ou para fins terapêuticos, que tem por finalidade a
obtenção de células-tronco embrionárias, a serem utilizadas em futuras terapias.
Na clonagem reprodutiva “[...] se reprueba el objetivo de gestar seres humanos
asexualmente.” (KOTTOW, 2005, p. 161), sendo que “[...] de un individuo nace otro
completo, genéticamente igual y sin intercurso sexual.” (SÁDABA, 2004, p. 84).
Assim, “[...] na clonagem reprodutiva o agrupamento de células (embrião) obtido
da fusão de duas células (reprodutiva anucleada e somática) é implantado no útero de
uma mulher, dando origem a um clone humano.” (MUNARETTO, 2003, p. 7).
Já na clonagem terapêutica “[...] lo que se clona es un embrión. Y el objetivo
de este tipo de clonación no es otro sino aporvechar la inmensa riquesa que se
esconde en sus células madre, troncales o maestras.” (SÁDABA, 2004, p. 84).
O que se busca é “[...] la producción de líneas celulares multipotentes a partie
de células estaminales de origem embrional (...) procedentes de embriones humanos
obtenidos através de la clonación.” (GARCÍA, 2006, p. 136).
Na clonagem terapêutica, as células são cultivadas em laboratório, dando origem a células-tronco, ainda indiferenciadas. Essas células são estimuladas a se transformar em um tecido específico e, daí utilizadas para a reposição de órgãos humanos afetados por doenças, como o mal de Parkinson, câncer e leucemia. (MUNARETTO, 2003, p. 7).
Desta forma, na clonagem terapêutica o embrião obtido nunca será
introduzido em um útero e, com isso, nunca se desenvolverá até o nascimento de
um novo ser, mas apenas será aproveitado como fonte de células-tronco, que serão,
por sua vez, utilizadas na implementação de terapias em favor do próprio doador do
material genético. Essa identidade genética entre o doador e o receptor do material,
em teoria, impede que se desenvolva um processo de rejeição.
Entretanto, a Lei de Biossegurança Nacional, ao determinar como conduta
delituosa a realização da clonagem humana 1, não promove tal distinção, proibindo,
desta forma, em tese, ambas as espécies.
1 Art. 26. Realizar clonagem humana: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Quanto a clonagem humana para fins reprodutivos é inegável que ela deve,
invariavelmente, ser combatida, tendo em vista que afronta a individualidade do ser
humano, pela qual cada pessoa constitui um individuo único, dotado de
características próprias.
A clonagem reprodutiva
[...] es contemplada como técnicamente difícil y moralmente problemática. [...]. Porque algunos la ven como perversa ya que dañaría la dignidad humana, rompería la unicidad de la especie y ofendería sentimientos muy arraigados de nustra personalidad. (SÁBADA, 2004, p. 18-19).
Porém, em relação à clonagem terapêutica, ela poderia ser objeto de uma
discussão mais abrangente, que será mais abaixo desenrolada, pois visa somente a
obtenção de material a ser utilizado na busca da cura de doenças, sem nunca pregar pela
produção de um novo homem, geneticamente idêntico àquele submetido à clonagem.
Javier Sábada (2004, p. 86) afirma que “[...] podríamos obtener grandes
bienes a partir de una colnación terapéutica.”
O que não se pode aceitar é que, em face ao medo das atrocidades que podem
ocorrer com o advento da clonagem reprodutiva, simplesmente se proíba também a
clonagem terapêutica, ignorando todos os benefícios que podem dela resultar.
Nesse sentido:
[...], ante el horror de la clonación reproductiva que transformaría la naturaleza humana cercenando su liberdad y alterando el orden moral por modificarse las asignaciones de responsabilidad, se recurre al argumento de la pendiente resbaladiza que sugiere sacrificar los eventuales progresos terapéuticos y abandonar la técnica del todo, ante el riesgo inmanejable de utilizaciones abusivas e inmorales. (KOTTOW, 2005, p. 182-183).
É justamente nesse contexto que Edison Maluf (2002, p. 89) cita um discurso
do ex-presidente americano Bill Clinton, no qual ele afirmou que “[...] não há nada de
imoral em usar a clonagem em beneficio da humanidade, mas é inconcebível cogitar
o nascimento de crianças clonadas.”
2.2 As Subdivisões no Estudo da Genética Humana
O estudo da Genética Humana pode ser fracionado através da análise do
significado de duas palavras com origem no latim, sendo elas: genus e genere.
(MALUF, 2002, p. 11).
A primeira, genus, significa patrimônio, espécie, estando relacionada com a
possibilidade de investigação e alteração do patrimônio genético humano pela
engenharia genética.
Enquanto que a segunda, genere, quer dizer procriação, estando conectada
com os problemas infertilidade e, consequentemente, com todas as técnicas de
reprodução assistida.
2.2.1 Engenharia Genética
“Engenharia Genética é o conjunto de técnicas, que permitem alterar
caracteres hereditários. É a manipulação de genes, que são os responsáveis pelas
informações hereditárias dos seres vivos.” (FERRARESI, 2007, p. 144).
Stella Martinez (1998, p. 78) conceitua a Engenharia Genética como:
[...] o conjunto de técnicas que alteram ou modificam os caracteres hereditários de uma espécie, procurando eliminar malformações ou enfermidades de origem genética ou mesmo efetuar alterações ou transformações, com finalidade experimental, mudando mesmo as características até então inexistentes na espécie.
Já a Lei de Biossegurança Nacional define Engenharia Genética como sendo
a “Art. 3 º [...] VI- atividade de produção e manipulação de moléculas de ADN/ARN
recombinante”. Assim, essas manipulações genéticas estão intimamente ligadas à
técnica do DNA recombinante.
Esta técnica consiste na incorporação de segmentos de DNA de um
organismo em outro, formando uma nova seqüência híbrida. Ou seja, é um processo
laboratorial de “[...] intercâmbio de informação hereditária entre dois organismos
independentes, acarretando a produção de novas combinações de genes e
facilitando o aparecimento de organismos variantes dentro de uma espécie
determinada.” (SOUZA, 2001, p. 39).
É através das manipulações decorrentes da Engenharia Genética que busca-
se promover a chamada terapia gênica , que “[...] se refere à cura ou prevenção de
enfermidades, anomalias ou defeitos graves devido a causas genéticas.” (SOUZA,
2001, p. 40).
A terapia gênica atua alterando a estrutura e as funções do patrimônio
genético do indivíduo por meio da adição, modificação, substituição ou supressão
dos seus genes, sendo que tal atuação objetiva o tratamento de anomalias
genéticas de caráter hereditário (transmitidas pelos genes dos pais), não-hereditário
(decorrentes de erros na formação das células sexuais) e congênito (que ocorrem no
desenvolvimento embrionário em razão de mutações).
Cabe salientar que essa terapia pode ser realizada tanto na linha somática
como na linha germinal. A primeira esta relacionada com a manipulação específica
de células somáticas (ou seja, corporais) do paciente, sendo que tal atuação não
afeta o seu patrimônio genético hereditário e pode ser apresentada como uma
terapia médica curativa. Já a segunda atua nas células de reprodução
(espermatozóides, óvulos ou até mesmo os pré-embriões), trazendo sérios
problemas ético-jurídicos, pois pretende promover a cura patologias genéticas
mediante a introdução de genes em células que se encontram em processo
germinativo e ainda não alcançaram uma fase de desenvolvimento celular
diferenciado, ou seja, células que por serem totipotentes são capazes de produzir
um ser humano completo (SOUZA, 2001, p. 42-43).
Assim:
[...], la manipulación genética puede ejercerse sobre células somáticas o sobre células germinales. Un intento terapéutico que altera las células somáticas [...] la interación genética no se incorpora al patrimonio hereditario y no pasa a las próximas generaciones. Si la manipulación genética se realiza sobre células germinales, los efectos tanto terapéuticos como secundarios y/o riesgosos son hereditariamente transmitidos. Con ello, la genética estaria aceptando una doble hipoteca: influir sobre seres humanos aún no existentes y que por ende quedan cautivos de las decisiones tomadas antes de su generación; por otro lado, actuar en desconocimiento de todos los efectos y las interacciones que la manipulación de un gen puede tenes sobre otros genes a lo largo del tiempo. De allí que haya acuerdo, aunque no unánime, de no intervir en la línea germinativa, com también existe acuerdo mayoritario de rechazar la manipulación del patrimonio genético de futuras geraciones. (KOTTOW, 2005, p. 180).
Assim, a terapia gênica na linha germinal não altera somente o sujeito da
experimentação, mas toda a sua descendência, tendo em vista que modifica o seu
patrimônio genético hereditário ao substituir os seus genes nos primeiros estágios do
desenvolvimento sendo que, por isso, a Lei de Biossegurança Nacional tipifica
penalmente a sua realização. 2
2.2.2 Reprodução Assistida
A outra faceta da Genética Humana é a Reprodução Assistida, que tem por
finalidade o auxílio aos casais na luta contra a esterilidade 3, a infertilidade 4 ou a
sub-fertilidade 5, que podem ser de origem tanto masculina como feminina.
Um entre seis casais apresenta infertilidade e, para 20% deles, o único caminho para obter gestação – e, consequentemente, filhos – é a Reprodução Assistida (RA), que é um conjunto de técnicas laboratoriais que visa obter uma gestação substituindo ou facilitando uma etapa deficiente no processo reprodutivo. (BADALOTTI, 2005, p. 153).
É relevante salientar que ela também pode ser utilizada na prevenção da
transmissão de doenças genéticas ligadas à descendência.
Isso porque a já citada técnica que permite analisar as características
genéticas do embrião antes de implementá-lo, possibilita a exclusão daqueles que
são do sexo em que uma doença genética específica se manifesta ou portadores de
uma enfermidade de origem genética. Sendo que, como também já foi afirmado, a
realização dessa técnica somente é permitida nos casos em que o histórico genético
e familiar do casal a justifica, visando, com isso, combater a eugenia genética e a
banal seleção de características do filho por uma simples vontade dos pais.
O parágrafo. 7o do artigo 226, da Constituição Federal, estabelece que,
fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade
responsável, o planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao
2 Art. 25. Praticar engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião
humano: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. 3 Falta de capacidade definitiva e irreversível para conceber. 4 Incapacidade de gerar filhos vivos, mas com capacidade de promover o desenvolvimento do
embrião e, posteriormente, do feto. 5 Dificuldade de gerar filhos.
Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício deste direito, o
que resulta na criação de um verdadeiro direito à reprodução assistida.
Esse preceito constitucional visa assegurar a pretensão das pessoas de
formar uma entidade familiar composta também por filhos. “A aspiração à
reprodução é tida como um objetivo essencial de vida, legítimo e incontestável.”
(BADALOTTI, 2005, p. 153).
A Reprodução Assistida pode ser conceituada como o “[...] conjunto de técnicas
que têm com fim provocar a gestação mediante a substituição ou a facilitação de
alguma etapa que se mostre deficiente no processo reprodutivo.” (SOUZA, 2001, p. 45).
Segundo a Resolução n. 1358/92 do Conselho Federal de Medicina ela pode
ser entendida como o conjunto de técnicas cujo papel é auxiliar na resolução dos
problemas da infertilidade humana.
Miguel Kottow (2005, p. 164) afirma que:
La infertilidad es por lo tanto un estigma tanto biológico como social y, por ende, psiquíco, por lo que ha sido considerada como blanco legítimo de esfuerzos terapéuticos. Enjuiciada como enfermidad, la infecundidad motiva importantes y muy sofisticados intentos de solución que incluyen la fertilización asistida, la inseminación artificial, la fecundación in vitro, la implantación del cigoto en úteros ajenos o en mujeres posmenopáusicas. Común a todas estas técnicas es que buscan soslayar la causa de esterelidad mediante la artificialización de alguna etapa del proceso biológico de reprodución.
E, que a “[...] beneficencia, no-maleficencia y autonomía se respetan más
cabalmente cuando la medicina es capaz de solucionar problemas de infertilidad
cada vez más complejos.” (KOTTOW, 2005, p. 166).
Deste modo, através das suas mais diversas técnicas, o que se busca com a
constante evolução da reprodução assistida é a efetivação do processo reprodutivo
por meio de estímulos não naturais, possibilitando a solução dos mais diversos
problemas de infertilidade que assolam os seres humanos.
Nesse sentido:
O nascimento de Louise Brown, o primeiro ‘bebê-de-proveta’, em 1978, deu nova perspectiva aos casais inférteis. Hoje milhares de crianças nascem anualmente através de técnicas de RA e os novos avanços tecnológicos aumentaram ainda mais as possibilidades de tratamento da infertilidade. (BADALOTTI, 2005, p. 153).
As técnicas de reprodução assistida, quando realizadas de acordo com as regras
estabelecidas, especialmente aquelas previstas na Resolução n. 1358/92 do Conselho
Federal de Medicina, não resultam em grandes conseqüências ético-jurídicas, salvo
quanto aos problemas de filiação delineados pelo Direito de Família (principalmente nos
casos de inseminação heteróloga, regulamentados pelo Código Civil de 2002, no seu
artigo 1597) 6 e quanto aos abusos na sua utilização, que devem ser combatidos tanto
por mecanismos não-jurídicos como por todos os ramos do Direito.
Ao atingir a sua finalidade última, que é justamente a de promover a geração
de filhos para casais ou pessoas que teriam dificuldades em fazê-lo naturalmente, a
Reprodução Assistida traz enormes benefícios para a sociedade como um todo.
“Toda manipilación que lleva a la gestación de un feto sano, aun aquélla que
genera embriones supernumerarios eventualmente destinados a ser destruidos, es
legítima y constituye un invaluable ahorro de sufrimientos y costos.” (KOTTOW,
2005, p. 164).
Cabe destacar que o Conselho Federal de Medicina, em 1992, instituiu a
citada Resolução n. 1358/92, com a finalidade de estabelecer as normas éticas a
serem observadas pelos profissionais médicos na utilização das técnicas de
reprodução assistida,
As questões delineadas por este regramento que assumem uma maior
relevância são aquelas relacionadas com o consentimento informado dos envolvidos
na realização da técnica, a seleção do sexo e de características dos embriões (que é
proibida, salvo em razão da evidência de doenças ou problemas genéticos), a
redução embrionária (que é o procedimento de retirada de embriões do útero), a
doação anônima de gametas (espermatozóides e óvulos), a maternidade substitutiva
(comumente e erroneamente conhecida como barriga de aluguel, pois não pode ter
objetivos econômicos), a criopreservação a proibição do descarte de embriões
humanos.
Dentre as técnicas de reprodução assistida, as que mais se destacam são: a
inseminação intra-uterina; a transferência de gametas para a tuba uterina (GIFT); a
transferência de zigoto para a tuba uterina (ZIFT) e a fecundação in vitro com
posterior transferência do embrião para o útero (FIVETE).
Antes de se promover uma análise dessas técnicas, é relevante ressaltar que
em todas elas o material genético pode ser obtido de forma homóloga, ou seja, do
6 Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
casal que pretende ter o filho, ou heteróloga, na qual os gametas são adquiridos por
meio de um terceiro doador.
A Inseminação Intra-uterina consiste na simples inserção de espermatozóides
dentro do útero da mulher, através da cavidade vaginal, por meio de um cateter
flexível, para que estes possam mais facilmente atingir o óvulo e promover a
fecundação.
Ela tem por finalidade “[...] fertilizar matrimonios que tienen la capacidads
gamética de procrear pero fracasan por falhas en los mecanismos de transporte.”
(KOTTOW, 2005, p. 165).
Na Transferência Intertubária de Gametas (GIFT) são retirados óvulos da
mulher, que posteriormente serão misturados aos espermatozóides e essa mistura
de gametas é colocada, por meio de um procedimento cirúrgico chamado
laparoscopia, diretamente na tuba uterina. Nesse ambiente eles irão promover a
fertilização natural, sendo que após tal acontecimento os embriões resultantes
chegarão até o útero para se implementar e dar início ao processo de
desenvolvimento do feto.
Assim, “[...] el GIFT es una técnica de fecundación artificial intracorpóreaque
comporta la transferencia simulánea, pero separada, de los gametas masculinos y
femininos en el interior de la tuba de Falopio.” (GARCÍA, 2006, p. 77).
Essa técnica produz resultados semelhantes aos da Fertilização in vitro e,
com isso, não é muito utilizada tendo em vista que exige um procedimento cirúrgico
para ser implementada.
Na Transferência intratubária de zigotos (ZIFT) os óvulos coletados da mulher
são fertilizados em laboratório, para que os zigotos resultantes dessa fertilização
sejam inseridos diretamente na tuba uterina. Essa colocação direta na tuba uterina
também é realizada por meio de uma laparoscopia.
Deste modo, “[...] el ZIFT–transferencia intrafalopiana del cigoto- que extrae el
óvulo, lo fecunda y lo reimplanta por medios laparoscópicos.” (KOTTOW, 2005, p. 165).
Essa técnica, em função do sucesso da fertilização in vitro e da necessidade
de um procedimento cirúrgico, também é muito pouco utilizada, sendo realizada
somente em casos excepcionais, como quando da impossibilidade de se inserir os
embriões através do colo uterino.
E, por fim, tem-se a Fertilização In Vitro, com posterior transferência do
embrião para o útero (FIVETE). Esta técnica é a mais utilizada, tendo em vista que
pode resolver diversos problemas de infertilidade.
Ela se caracteriza por prover a fecundação em um ambiente fora do corpo da
mulher e pela posterior transferência dos embriões obtidos diretamente para o útero,
onde eles se implantam e se desenvolvem.
“La FIVET es la técnica de reproducción artificial por la cual se ponen en
contacto los espermatozoides nos los óvulos; se la llama in vitro porque tal
fecundación no sucede en el cuerpo de la mujer (in vivo) sino en la probeta”.
(GARCÍA, 2006, p. 76).
Diante a sua importância para a concretização do direito constitucional a um
planejamento familiar e das discussões acerca da destinação dos embriões
excedentes da sua realização, a análise dessa técnica de reprodução assistida deve
ser aprofundada.
2.2.2.1 Fertilização “In Vitro”
A fertilização in vitro, popularmente chamada de "bebê de proveta", é a
técnica pela qual a “[...] fertilização e o desenvolvimento inicial dos embriões
ocorrem fora do corpo, no laboratório, e os embriões resultantes são transferidos
habitualmente para o útero.” (BADALOTTI, 2005, p. 154).
Essa técnica foi:
Usada inicialmente para resolver o problema dos casais em que a mulher apresentava trompas danificadas de forma irreversível, a indicação foi ampliada e hoje é utilizada em casos de fator masculino severo, endometriose, fator imunológico e infertilidade sem causa. O índice médio de gravidez em laboratórios qualificados gira em torno de 20-50% por ciclo, de acordo com a idade feminina – quanto maior a idade, menor a chance de gravidez. (BADALOTTI, 2005, p. 154).
Ela visa reproduzir fora do corpo feminino os acontecimentos
correspondentes ao processo natural de reprodução.
Naturalmente, por volta do 14° dia do ciclo menstrual, sob a influência dos
hormônios femininos LH e FSH e se todas as condições estiverem favoráveis, ocorre a
ovulação, sendo que o oócito (também chamado de óvulo) é enviado para a tuba uterina,
dentro da qual será fecundado por um espermatozóide, dando origem ao zigoto.
O zigoto percorre o caminho até o útero se desenvolvendo, atinge o útero no
estágio de blastocisto, por volta do quinto dia após a concepção, eclode, perdendo,
com isso, a proteção da zona pelúcida (que é a membrana de proteção do embrião),
e, entre o quinto e sétimo dia após a fecundação, se nida (implanta), aderindo
à parede do útero e dando início à formação da placenta, que será a responsável
pela nutrição do feto.
Já na realidade laboratorial, o procedimento da Fertilização in Vitro envolve
várias fases:
Por meio desse procedimento, os ovos são coletados da mãe depois de um tratamento hormonal que resulte em muitos óvulos produzidos de uma só vez. Os óvulos são fertilizados em uma placa de Petri com o esperma do pai presumível. Os embriões ficam sob observação durante três a seis dias, para verificar se estão se desenvolvendo de forma normal. Em seguida, um pequeno número deles é inserido na mãe, na espera de se alcançar uma gravidez. (COLLINS, 2007, p. 254)
Assim, num primeiro momento, denominado de estimulação ovariana, a
mulher recebe medicações hormonais para aumentar a produção de óvulos, com o
objetivo de produzir número suficiente de óvulos para a realização da técnica.
Visando a possibilidade de se promover uma seleção de embriões de
excelente qualidade para posterior transferência, o que aumenta muito a
probabilidade de êxito da técnica, busca-se promover a coleta de vários óvulos
maduros.
Nesse sentido:
Normalmente a mulher produz um óvulo por ciclo. Nos casos de FIV, para que se obtenha sucesso, são necessários vários óvulos. Para obtê-los, a mulher é submetida a aplicação diária de hormônios injetáveis, durante aproximadamente 20 dias. [...]. A coleta dos óvulos é feita por aspiração, sob guia ecográfica. (BADALOTTI, 2005, p. 154-155).
A fase seguinte é desenvolvida em laboratório e visa promover a fecundação.
Essa fecundação ser realizada através fertilização in vitro convencional (FIV),
que consiste na disponibilização de espermatozóides em um meio de cultura
especial onde o oócito aguarda para ser fecundado por um destes ou através da
injeção introcitoplasmática de espermatozóide (ICSI), que consiste na inserção de
um único espermatozóide diretamente no óvulo por meio de uma agulha especial.
Quanto à ICSI, ela:
[...] consiste en la inyección de un solo espermatozoide en el interior del óvulo descongelado, obviamernte tras haber sido conservado en frío. Se suele recomendar cuando la cantidad o la cualidad de los espermatozoides es baja, o cuando la FIVET na ha dado frutos. (GARCÍA, 2006, p. 778).
Cabe ressaltar que utilização de uma ou outra técnica depende das situações
do caso concreto, sendo a FIV convencional mais amplamente utilizada. Um caso
específico em que a ICSI seria empregada é quando o espermatozóide apresenta
deficiências que dificultem a fecundação.
Nesse sentido:
A fertilização in vitro pode ocorrer de duas formas. Uma, dita convencional, através da aproximação de óvulos e espermatozóides; a segunda, através da deposição mecânica de um único espermatozóide no interior do citoplasma do óvulo, denominada injeção introcitoplasmática de espermatozóides (ICSI). A indicação de uma ou outra técnica depende da causa da infertilidade, da idade feminina, do número de óvulos obtidos e da avaliação dos gametas no dia do procedimento. A ICSI resolve o problema da infertilidade por fator masculina severo e permite gravidez até para indivíduos azospérmicos (que não apresentam espermatozóides no ejaculado), através da utilização de espermatozóides retirados do epidídimo e do testículo, além de ter a sua indicação estendida para alguns fatores femininos. (BADALOTTI, 2005, p. 155).
A seguir, se a fertilização for bem sucedida, o embrião é mantido em uma
cultura que oferece condições para que ele se desenvolva até o estágio anterior à
sua transferência.
Eles serão transferidos para o útero da mulher por meio de um cateter flexível
entre os dias 3 e 5 após a fertilização.
Cabe ressaltar que o desenvolvimento da técnica, tem-se chegado à
conclusão que a transferência por volta do quinto resultaria em maiores benefícios e
probabilidades de sucesso.
Nesse sentido:
Na fertilização in vitro os embriões são rotineiramente transferidos para o útero no dia 2 ou 3 de desenvolvimento, sendo os resultados de taxa de implantação e gravidez muito baixos. A transferência dos embriões no dia 5 ou 6 parece aumentar o sucesso da FIV por embrião transferido, não somente por haver uma melhor sincronização entre o estágio do embrião e o desenvolvimento endometrial, mas também por permitir uma seleção dos melhores embriões. Além disso, pode-se transferir poucos embriões sem afetar as taxas de gravidez e reduzir o risco de gravidez múltipla. (ALMODIN; PEREIRA; MINGUETTI-CÂMARA, 1999, p. 409)
A transferência por volta do quinto dia é compatível com os acontecimentos in
vivo, pois é nesta fase de blastocisto que, no processo natural, o embrião estaria
atingindo o útero, o que representa uma maior possibilidade de que a sua eclosão e
a sua nidação na parede uterina ocorram de maneira mais eficiente.
Ocorrendo a implantação do embrião, ou dos embriões, no útero materno tem
início a gravidez.
Geralmente são produzidos diversos embriões, para que se promova uma
seleção eficaz dos mais viáveis, para que sejam transferidos em um número capaz
de aumentar as probabilidades de gravidez, para que, em caso de falha, possa-se
tentar novamente e para que, querendo os genitores, possa-se buscar uma nova
gravidez, sem a necessidade de se passar por todo o procedimento novamente.
Para se estabelecer o número de embriões a ser transferido por tentativa
leva-se em consideração diversos fatores relacionados à viabilidade do embrião,
como a morfologia dos óvulos, as características da fertilização e a velocidade de
divisão celular do embrião, além da idade da mulher e do desejo do casal em
relação à quantidade de filhos que, dentro dos limites naturais e legais, pretendem
ter naquela gravidez.
A normatização brasileira, pelo Conselho Federal de Medicina, permite que
seja inserido o número máximo de quatro embriões por tentativa, aumentando desta
forma as chances de sucesso da técnica e impedindo uma gravidez com um grande
número de fetos.
Cabe salientar que os índices de efetiva gravidez alcançados através da
técnica de fertilização in vitro se aproximam dos acontecimentos no mundo natural,
tendo em vista que a maioria das fecundações que ocorrem dentro do corpo da
mulher não resultam em gravidez. Isso de deve a inúmeros fatores, como simples
alterações morfológicas que tornam inviáveis também os embriões obtidos in vivo.
Assim, no âmbito da ciência ocorre o mesmo do que
[...] em ciclos espontâneos, onde se sabe que somente em torno de 40% dos embriões se implantam. Hoje se sabe que grande parte dos embriões - até 60% - tem alterações estruturais que os torna inviáveis, o que justifica, ao menos em parte, o que ocorre com os que não se implantam. Desta forma, este acontecimento da FIV reproduz o que ocorre em ciclos espontâneos e não deve ser considerado um atentado à vida humana. (BADALOTTI, 2005, p. 157).
Os embriões não utilizados na técnica são congelados, para que
posteriormente possam ser aproveitados em uma nova gravidez ou, caso não ocorra
a gravidez, em uma nova tentativa.
Nesse sentido:
O congelamento tem como objetivo possibilitar a transferência dos embriões excedentes posteriormente, caso não ocorra a gravidez ou quando houver desejo de outra gestação. Desta forma, não haveria necessidade de submeter a mulher a um novo ciclo de indução da ovulação, que poderia gerar desconforto, riscos e até ser inviável por questões econômicas ou biológicas. A transferência de embriões congelados aumenta a chance de gestação num ciclo de tratamento em 10-20%. (BADALOTTI, 2005, p. 159).
Cabe salientar que é possível promover o desenvolvimento do embrião em
um ambiente laboratorial. Mas, após um determinado período, ele não poderá mais
ser implantado no útero feminino, pois terá perdido a capacidade de estabelecer a
nidação, e, com isso, torna-se incapaz de gerar uma vida humana, servindo apenas
para análises científicas.
Foi justamente no sentido de limitar esse lapso de desenvolvimento in vitro
que a mesma Resolução do Conselho Federal de Medicina limita esse tempo a 14
dias, pois esse é o momento em que se dá o surgimento dos primeiros indícios de
uma estrutura neural. Tal limitação se coaduna com a idéia de uma fase pré-
embrionária.
Destarte, no procedimento da fertilização in vitro o congelamento, que
paralisa o desenvolvimento do embrião no estagio em que ele se encontre, ocorre
por volta do terceiro ou quarto dias, na fase de mórula. Isso porque, nesta fase, já é
possível determinar a sua viabilidade e ele ainda não eclodiu, o que permite o seu
posterior descongelamento e utilização. Entretanto, os embriões que não são
reutilizados para fins de reprodução, permanecem congelados.
Contudo, carece de uma análise mais aprofundada as questões referentes à
problemática da destinação desse produto ocioso resultante da técnica específica da
fertilização in vitro com a posterior transferência de embriões, que são os chamados
embriões excedentários.
CAPÍTULO 3 OS EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS E AS PROMESSAS
TERAPÊUTICAS DAS CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS
O principal meio de se obter as células-tronco embrionárias é exatamente
através da sua extração dos embriões não utilizados na técnica de reprodução
assistida da fertilização in vitro, com posterior transferência de embriões.
A descoberta de que essas células tem a capacidade de se transformar em
qualquer uma das células que compõem o organismo humano representou uma
revolução no campo da medicina regenerativa, pois, com isso, surgiu a possibilidade
de se alcançar a cura de diversas enfermidades que afligem uma relevante parcela
da sociedade.
Com isso, apesar estarem inseridos nas constantes discussões em relação à
delimitação do início da vida humana, esses embriões excedentários, com o advento
das possibilidades terapêuticas das células-tronco embrionárias, passaram a ter um
papel de destaque no desenvolvimento da sociedade.
3.1 Embriões Excedentários
Os embriões excedentários são aqueles não utilizados ao fim da técnica de
reprodução assistida da fertilização in vitro (FIV), seguida da transferência de
embriões, seja porque foram considerados inviáveis para a transferência, seja
porque já se atingiu com a técnica o resultado pretendido pelos genitores.
Esses embriões são congelados com a finalidade de estagnar o seu
desenvolvimento e de preservá-los, sendo que permanecerão nesta situação até
que se defina a sua destinação.
Eles podem ser doados anonimamente para a transferência em favor de casais
ou pessoas com problemas de fertilidade (inclusive casais gays, dependendo da
legislação do país), destruídos ou utilizados como fonte de células-tronco embrionárias.
Ou seja, “[...] a FIV pode gerar um número de embriões maior do que se
pretende transferir.” (BADALOTTI, 2005, p. 158), sendo estes os “[...] embriões
excedentes, os quais poderiam ser congelados, utilizados para pesquisa, doados ou
destruídos.” (BADALOTTI, 2005, p. 159).
Nesse mesmo sentido, Miguel Kottow (2005, p. 166) afirma que a fertilização
in vitro requere “[...] una cantidad supernumeraria de embriones que en última
isntancia crerán el conflicto de su destino - congelamiento eterno, destrucción,
donación, utilización para experimentación biológica -.”
A alegação de que eles poderiam ser doados para casais que desejam ter
filhos é admirável, mas não ocorre e nunca ocorrerá na prática em número suficiente
para que todos esses embriões, ou até mesmo uma parte considerável deles, sejam
utilizados. E, também, com o cada vez mais crescente desenvolvimento das técnicas
de reprodução assistida, quase todos, e no futuro certamente todos, os problemas
de infertilidade serão resolvidos, inclusive com a ajuda das células-tronco
embrionárias (como no recente estudo que promoveu a criação de espermatozóides
em laboratório através dessas células). Assim, os casais, terão a oportunidade ter
filhos com a sua herança genética, fazendo com que a grande maioria deles escolha
esta opção à adoção de um embrião congelado, com uma genética totalmente
diversa da deles. Além disso, existem milhares de crianças já nascidas, e
abandonadas, que merecem mais atenção do que um grupo de “células”
congeladas, e que assim permanecerão, nas políticas de adoção.
Quanto a sua destruição, essa prática é proibida pelo regramento brasileiro
sobre a matéria, estabelecido pela Resolução n. 1358/92, do Conselho Federal de
Medicina. Entretanto, essa prática mostra-se como recorrente no cotidiano das
clínicas de reprodução assistida, principalmente em razão dos custos para a
manutenção desses embriões nesse estágio, pois os genitores não veem sentido em
arcar com as despesas para a preservação de algo que nunca mais utilizarão e para
as clínicas esses custos também são inviáveis.
E, quanto a utilização desses embriões excedentes como fonte de obtenção
de células-tronco embrionárias, que serão utilizadas em pesquisas e terapias
futuras, teve início uma grande contenda, envolvendo praticamente todos os setores
da sociedade. Entre eles: a comunidade cientifica, as pessoas portadoras de
doenças que poderiam ser curadas com essas terapias e as organizações religiosas.
Foi justamente em face dessas discussões acerca da possibilidade de sua
utilização como objeto de pesquisa que surgiu no Brasil, em 2005, o posicionamento
permissivo, quando respeitados alguns requisitos, adotado pelo art. 5º da Lei de
Biossegurança Nacional (Lei n. 11.105/05).
Porém, tal posição, apesar de ter sido amplamente debatida pelos
parlamentares, representantes da população, antes da sua aprovação, deparou com
uma grande resistência de parcela da sociedade brasileira, principalmente daqueles
imbuídos de visões religiosas contrárias, fazendo com que o referido artigo fosse
objeto de uma Ação Direita de Inconstitucionalidade.
O mote principal da disputa era a delineação da natureza dos embriões
excedentes como uma pessoa humana, e, por conseguinte, titular dos mesmos
direitos destas, como o direito basilar à vida, ou como um conjunto de células que
ainda não representam a expressão de uma vida e, por isso, poderiam ser utilizadas
no desenrolar das pesquisas científicas.
A posição favorável à possibilidade de realização das pesquisas e, portanto, à
manutenção do artigo permissivo nos moldes em que foi criado prevaleceu,
declarando, desta forma, a sua constitucionalidade e, consequentemente, o fato de
que a implementação dessas experimentações não se apresenta como uma afronta
aos direitos fundamentais da vida e da dignidade da pessoa humana.
Desta forma, a decisão proferida não dotou esses embriões excedentários,
congelados e inanimados, de uma natureza humana capaz de representar uma
ofensa aos preceitos defendidos pelos direitos fundamentais, permitindo a sua
utilização como fonte de células-tronco embrionárias.
Existem milhares de embriões criopreservados nas clínicas de reprodução
assistida brasileiras, sem qualquer previsão de que um dia serão utilizados para fins
reprodutivos. Com isso, esses embriões, que certamente nunca virão a se
desenvolver em um ser humano, terão como destino mais provável o descarte,
parecendo óbvio que a sua destinação para pesquisas que futuramente poderão
resultar na cura de doenças que afligem uma parcela relevante da sociedade não se
apresenta como uma afronta aos direitos fundamentais, mas sim como uma
concretização desses direitos.
Toda essa discussão tem relação com a definição da real situação dos
embriões excedentários. Contudo, antes de se discorrer expressamente sobre esta,
parece indispensável a delimitação dos posicionamentos das religiões mais
influentes na sociedade, dos estágios de desenvolvimento da pessoa humana e das
principais teorias acerca do início da vida.
3.1.1 A Visão das Religiões
Apesar do Estado brasileiro, de acordo com o previsto no artigo 19 da
Constituição Federal, ser uma entidade laica e, com isso, ter todas as suas decisões
desvinculadas dos ensinamentos religiosos, é inegável que a visão religiosa dos
seus membros irá influenciar, mesmo que minimamente, nas decisões a serem
tomadas.
Essa influência apresentou-se de maneira significativa na ação apresentada
ao Supremo Tribunal Federal combatendo a possibilidade de utilização dos embriões
excedentes em pesquisas e terapias, principalmente em face da atuação de
entidades ligadas à visão cristã, amplamente majoritária na sociedade brasileira,
como amicus curia e na audiência pública realizada.
Além da participação direta de pessoas com este mesmo ponto de vista, como o
Procurador-geral da República (Claudio Fonteles), responsável pela propositura da
contenda.
Assim, a posição defendida pelo cristianismo, principalmente com os
enfoques dados pelo catolicismo, assume destaque na sociedade brasileira. Mas,
parece interessante a demonstração da visão de outras religiões relevantes dentro
do panorama nacional e mundial.
Nesse sentido, para parcela dos seguidores do judaísmo, a vida começa
apenas no quadragésimo dia, quando acredita-se que o feto começa a adquirir a
forma humana. Enquanto que para uma outra parte, com bastante expressão, do
pensamento judaico, a vida se dá apenas no nascimento com vida. Para o judaísmo
a religião e a ciência se completam, devendo esta ser incentiva. Essas prerrogativas
estabeleceram uma grande influência na legislação do Estado judaico de Israel,
sendo esse um dos países onde a permissão de pesquisas em embriões se dá de
maneira mais ampla.
Já para o islamismo, o início da vida ocorre quando a alma é soprada por Alá
no feto, o que acontece aproximadamente cento e vinte dias após a fecundação. Um
exemplo desse entendimento é a normatização da República Islâmica do Irã, que
também não se apresenta como um Estado laico, ou seja, que também tem as suas
decisões políticas baseadas nos ensinamentos religiosos, e que, baseando-se
nesses ensinamentos, permite a realização de pesquisas com embriões humanos
para a obtenção de células-tronco embrionárias.
E, para o budismo a vida é um processo contínuo e ininterrupto, estando
presente em tudo que existe. Assim, a vida não se dá quando ocorre a fecundação,
ela já existia com os avós e bisavós. Os seres humanos são uma forma de vida que
depende das outras formas para existir. Contudo, entende que é a ciência que vai
facilitar e melhor a qualidade de vida no planeta.
Destarte, quanto à visão do cristianismo, a vida te início no ato da concepção,
ou seja, quando o óvulo é fertilizado pelo espermatozóide, resultando na formação
de um embrião e, consequentemente, de um ser humano pleno, que deve ser
protegido independente do local onde esta fecundação foi realizada, em laboratório
ou dentro do corpo da mulher.
O papa João Paulo Segundo, no Evangelium Vitae n. 60, coloca que:
Desde el momento en que el óvulo es fecundado, se inaugura una vida que no es la del padre o la de la madre, sino la de un nuevo ser humano que se desarrolla por sí mismo [...] Con la fecundación inicia la aventura de una nueva vida humana, cuyas principales capacidades requieren un tiempo para desarrollarse y poder actuar. (apud GARCÍA, 2006, p. 51).
Assim, para o cristianismo “[...] ese conjunto de células diminuto anida un ser
humano que, aunque no haya desarrollado aún todo su potencial, merese el miesmo
tratamiento que un humano completamente diferenciado.” (SÁDABA, 2004, p. 85).
Para la Iglesia existe un ser humano que es un individuo completo desde la concepción; [...]. El individuo o la persona no comenzarían, por ejemplo, con la implementación en el útero, sino que, repetimos, estarían ya, según la doctrina vaticana, con plenos derechos en esa minúscula unión primigenia que aún carece de expresión genética alguma. (SÁDABA, 2004, p. 86).
Deste modo, para esta visão, mesmo que o embrião encontre-se congelado,
que nunca vá se desenvolver até se transformar em uma pessoa e que,
provavelmente, será, em algum momento, simplesmente destruído, ele representa
uma vida humana completa, que deve ser resguardada por todos os direitos
fundamentais inerentes a esta posição.
Quanto à influência desse posicionamento no mundo político, tem-se como
exemplo a legislação restritiva da Itália, que, possivelmente em razão da influência
direta e constante do Vaticano, é o único país da comunidade européia que não
permite a pesquisa com os embriões excedentários da fertilização in vitro.
Contudo, as contendas acerca da possibilidade de pesquisa em embriões
humanos para a obtenção de células-tronco embrionárias parece sofrer algumas
influências das crenças religiosas predominantes nos países. Depara-se diretamente
com essa realidade quando das discussões sobre qual das teorias delineadoras do
termo inicial da vida humana deve ser a adotada.
3.1.2 Principais Teorias Acerca da Origem da Vida Humana
Existem diversas teorias7 acerca do termo inicial da vida humana, entre elas
estão aquelas que estabelecem como o primeiro marco desse fenômeno:
a) Fecundação - a vida tem início com a invasão do óvulo pelo espermatozóide,
tendo por justificativa a consolidação da presença de todos os componentes
genéticos necessários para a formação do ser humano.
Para essa teoria, “[...] o código genético ou genótipo está presente desde a
concepção, portanto o embrião humano é pessoa a partir da concepção ou
fecundação.” (FERRARESI, 2007, p. 75)
b) Nidação - o termo inicial da vida humana é a fixação do óvulo fecundado na parede
do útero, em face da impossibilidade do desenvolvimento das fases necessárias para
o desenvolvimento de uma pessoa humana fora do ambiente uterino.
Assim, nessa teoria, “[...] a vida somente começa quando o óvulo fecundado
se aloja no útero materno, entre o 6º e o 9º dia.” (FERRARESI, 2007, p. 75).
Nesse contexto se estaria “[...] reconociendo el comiezo de la vida embrionaria
con estuto moral irrestricto al iniciarsse el embarazo uterino.” (KOTTOW, 2005, p. 160).
7 Algumas delas não serão destacas no presente trabalho, como: Teoria ecológica: a vida começa quando o
feto pode viver fora do útero, sendo certo que para isso, é preciso que os pulmões estejam prontos, o que ocorre por volta da 25ª semana de gestação; Teoria do Início dos Batimentos Cardíacos: que ocorre entre as 3ª e 4ª semanas; Teoria fisiológica: a vida humana começa quando o indivíduo nasce e se torna independente da mãe, com seu sistema circulatório e respiratório; Teoria metabólica: a vida é um processo contínuo; portanto, não faz sentido discutir seu início já que o óvulo e o espermatozóide são apenas o meio da cadeia vital.
Do ponto de vista técnico, um zigoto, geneticamente completo, tem potencial biológico para vir a ser um individuo desde sua origem, [...]. Mas, além do potencial biológico, o que o zigoto necessita após se formar é se implantar no útero materno para que tenha um lugar para se desenvolver e tenha acesso a oxigênio e a nutrientes. (ALHO, 2005, p. 56).
Contudo, a impossibilidade de se gerar uma pessoa humana em um ambiente
criado e distinto daquele encontrado no útero materno demonstra a
imprescindibilidade da nidação na formação de um ser humano completo, pois é
somente com o seu advento que terá início a formação da placenta e o embrião
receberá os nutrientes necessários para se desenvolver.
c) Primeiros Indícios do Sistema Neural - a vida humana começa no momento em
que o embrião acelera o seu desenvolvimento e começam a aparecer os
primeiros vestígios embrionários de formação das órgãos e do sistema nervoso.
Esse evento ocorre após duas semanas, ou catorze dias, tendo os preceitos
defendidos por esta corrente resultados na criação do termo pré-embrião.
Outro argumento utilizado é que a vida começa no 14º dia de gestação
porque é nesse momento que o embrião adquire individualidade, tendo em vista que
antes desse período ele pode se dividir.
Essa teoria ganhou grande destaque entre os juristas brasileiros, pois na
legislação sobre o termo final da vida humana, Lei dos Transplantes (Lei n. 9434/97),
tem-se que a vida termina com a fim das atividades cerebrais, sendo que, diante de
uma abordagem lógico-analógica, ela começaria com o início da formação dos
primeiros indícios do cérebro.
Nesse contexto, as células-tronco embrionárias teriam a mesma natureza que
os órgãos retirados para transplante, ou seja, apesar de terem origem humana, não
seriam a expressão de uma vida humana. Um porque a vida já se esgotou pelo fim
da atividade cerebral e a outra porque a vida ainda nem começou em face da
inexistência de qualquer indicio dessa atividade, podendo, com isso, ambos serem
utilizados em pesquisas e terapias.
d) Atividade Neurológica - a vida se dá com o início da atividade neurológica, o que
ocorre somente após a oitava semana de gestação, com a formação do tubo neural.
José Juan García (2006, p. 48), discorrendo acerca dessa teoria, expõe a
alegação por ela defendida, de que “[...] ningún embrión puede considerarse
‘individuo humano’ y menos aún persona, hasta que no esté formado el sistema
nervioso central. Esto significa, hasta la 6ª – 8ª semana de fecundación.”
e) Transformação do Embrião em Feto - a vida tem início a partir desse momento,
que ocorre entre o início da oitava semana, ou quarenta dias, e a décima sexta
semana, e se caracteriza pelo aparecimento de membros e órgãos.
Quanto a esta teoria, faz-se necessária ressaltar que na maioria dos países
onde o aborto é permitido ele só pode ser realizado até esse momento.
f) Cérebro mais Desenvolvido - o começo da vida humana se dá por volta da
vigésima sétima semana, quando o sistema nervoso central esta mais
desenvolvido, representando a possibilidade do feto passar a efetivamente ter
sensações, como a dor.
Nesse sentido:
Cariecendo los embriones de la maduración neural necesaria para sentir dolor, no constituye para muchos investigadores lesión de derechos el utilizarlos como material de investigación, considerando siempre preferible emplear seres biológicos escasamente envolucionados si con ello se benefia a la humanidad. (KOTTOW, 2005, p. 153).
g) Nascimento – para essa corrente a vida somente tem início com o término da
gestação, mesmo que esta acontece antes dos nove meses característicos.
É importante salientar que a legislação civil nacional, no artigo 2º do Código
Civil, estabelece como o início da personalidade civil o nascimento com vida,
resguardando, entretanto, os direitos do nascituro desde a concepção.
Ou seja, “A personalidade jurídica da pessoa natural, para que ela possa
tutelar seus direitos inerentes à pessoa humana (direito à imagem, à integridade
física), exige o nascimento com vida.” (CASSETTARI, 2006, p. 228).
Contudo, tal previsão não visa determinar o marco inicial da vida humana
como sendo a concepção, mas apenas o momento a partir do qual as pessoas são
capazes para exercer direitos e adquirir obrigações e, principalmente, proteger,
desde a fecundação, todos os diretos compatíveis com a situação do nascituro,
que é o organismo que já se encontra em desenvolvimento nas condições
adequadas dentro do útero materno e tem o seu nascimento como um evento certo
e esperado.
Diante de todo o exposto, o momento que representa o evento mais
importante para que o embrião efetivamente se desenvolva até se transformar em
uma pessoa humana é o instante da nidação.
Esse argumento ganha forças quando se observa que, no estágio atual do
desenvolvimento científico, é absolutamente impossível se conceber uma vida
humana fora do ambiente do útero materno.
Além disso, essa posição representa o momento de união entre a mãe e o
futuro filho, dando, com isso, ênfase a essa relação materno-fetal, que apresenta
características de uma ligação sentimental muito forte e muito bonita.
Assim, o termo inicial da vida se dá com a nidação, o que transforma os
acontecimentos ocorridos antes desse instante em uma fase na qual não há ainda a
presença da vida humana, principalmente nos casos em que essa fase se desenrola
em laboratório.
Isso se deve justamente ao fato de que esse embrião (ou pré-embrião),
apesar de ter potencialidade para se transformar em uma vida humana, somente o
fará se estiverem presentes diversas condições, sendo a primeira e a mais
importante delas a sua ligação a um útero materno.
Cabe ainda, para se concluir essa difícil tarefa de se estabelecer a
delimitação da natureza dos embriões excedentes, proceder uma pormenorização
dos diversos conceitos envolvidos nas fases de desenvolvimento do ser humano.
3.1.3 Estágios do Desenvolvimento do Ser Humano
Algumas denominações encontram-se intimamente relacionadas com a evolução
do organismo humano até que ele atinja a condição de uma pessoa completa, sendo as
principais: pré-embrião, embrião, feto, nascituro e recém-nascido.
O termo pré-embrião foi criado por uma parcela da comunidade cientifica com
a finalidade de individualizar o período entre a fecundação e os primeiros estágios
de desenvolvimento das estruturas que compõem o organismo humano, sendo este
período de duas semanas.
Assim, após os 14 dias de desenvolvimento embrionário tem inicio a formação
dos três folhetos embrionários: o endoderma (parte mais interna, que vai formar o
pâncreas, fígado, tireóide, pulmão); o mesoderma (vai formar a medula óssea, músculo,
coração, vasos); e o ectoderma (vai formar pele, neurônios, hipófise, olhos, orelhas).
É justamente a partir desse momento que as células nervosas começam a ser
formadas, sendo que antes de período não há nenhum resquício de célula nervosa,
sendo esse o argumento utilizado para se criar o termo.
A individualização desse período de 14 dias foi “[...] proposta pela primeira
vez em 1979, pela Ethics Advisory Board (DHEW), nos Estados Unidos e vincula-se
à inexistência de algum esboço de estrutura nervosa, antes desse tempo.”
(FERRARESI, 2007, p. 75)
Entretanto, foi na Inglaterra em que se utilizou ”[...] pela primeira vez o termo
pré-embrião, para as células observáveis de 14 a 16 dias, após a concepção.” Nesse
contexto que esse país aprovou em 1990, após um amplo debate social, político e
científico, iniciado em 1982, uma legislação reguladora dos procedimentos de
reprodução assistida e das pesquisas embriológica e genética, na qual se permite a
manipulação científica dos embriões excedentes da fertilização in vitro, desde que
não transcorridos 14 dias da fecundação. (FERRARESI, 2007, p. 75).
Com isso, o termo pré-embrião passou a ser adotado expressivamente e
encontra-se presente de maneira expressa na Resolução do Conselho Federal de
Medicina brasileiro que cuida da matéria e nas normas estabelecidas pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária 8, que o define como o produto da fusão das células
germinativas até catorze dias após a fertilização, in vivo ou in vitro, sendo este o início
da formação da estrutura do sistema nervoso. (FERRARESI, 2007, p. 135-136).
Realidade esta que demonstra a adoção do termo por parte do regramento brasileiro.
Ângela Ferraresi, quanto ao pré-embrião, afirma que os especialistas
estabeleceram essa “[...] definição de embrião em seus primeiros estágios, referindo-
se a ser humano em potencial”. E continua alegando que, dessa forma, “[...] não é
8 Resolução n. 33 da Anvisa, de 17 de fevereiro de 2006.
integrante da espécie humana porque não é ser humano atual”, sendo que “[...] tudo
o que se deve normatizar a seu respeito restringe-se a uma limitação do direito de
propriedade sobre ele.” (FERRARESI, 2007, p. 135, grifo do autor).
Cabe destacar que parte da doutrina, inclusive a autora acima citada,
combate a implementação deste conceito, afirmando que a sua intenção é
simplesmente facilitar a concretização da possibilidade de pesquisas cientificas que
os tem como objeto principal através da alegação de que eles não são uma
expressão do ser humano, mas apenas um amontoado de células. Essa corrente
afirma que desde a fecundação o que se tem é a fase embrionária.
Nesse mesmo sentido, o sacerdote José Juan García (2006, p. 46) alega que o
terno pré-embrião foi criado pela embrióloga A. McLaren diante de uma certa pressão
da comunidade científica. E que ”[...] en el fondo, era un neologismo que intentaba
esquivar fraudulentamente las objeciones de orden ético. No existe el preembrión,
como no existe tampoco un estadio prehumana.” (GARCÍA, 2006, p. 46).
Adotando-se a utilização do pré-embrião, a fase embrionária se desenrola a
partir do início da formação do sistema nervoso até o início da estruturação da forma
humana, com o desenvolvimento de órgãos e membros, ou seja, da segunda até o
início da oitava semana.
Interessa salientar que, como já foi enfatizado, é justamente neste período em
que se permite o aborto nos países onde tal prática é regulamentada, sendo que,
nesta fase, existe um perigo muito menor de surgirem complicações, mesmo porque
é nela em que ocorre a grande maioria dos abortos espontâneos.
Com o desenvolvimento de órgãos e membros e o surgimento da aparência
de ser humano, a partir da nona semana, apresenta-se a fase do feto.
Já o nascituro é entendido como o ser humano já concebido, cujo nascimento
se espera como um fato futuro e certo. E, o recém-nascido é o ser humano com
todas as características que acaba de nascer com vida.
Contudo, é indiscutível que, independente do termo utilizado para descrever a
fase do desenvolvimento em que se encontra os embriões congelados e da teoria
acerca do início da vida humana defendida, as pesquisas com células-tronco
embrionárias devem ser incentivadas, principalmente levando-se em consideração
os benefícios econômicos e sociais que o desenrolar dessas terapias podem trazer
para o Estado e para a sociedade.
Assim, diante de tudo que já foi explicitado e do posicionamento em favor da
necessidade da concretização das pesquisas com células-tronco embrionárias
advindas dos embriões excedentários, torna-se mais fácil a tarefa de discorrer
acerca da sua situação.
3.1.4 A Real Condição dos Embriões Excedentários
A delimitação da real condição dos embriões excedentes da fertilização in
vitro em uma determinada sociedade encontra-se intimamente relacionada com as
visões religiosas dessa coletividade, com os conceitos acolhidos em relação às
fases do desenvolvimento embrionário e, principalmente, com a teoria adotada em
relação ao início da vida humana, sendo que, nessa busca pelo verdadeiro status
desses embriões, algumas teorias se destacam.
Nesse sentido:
O status moral do embrião, que está intimamente ligado com as questões de quando começa a vida humana e com a definição de pessoa, é um ponto-chave no debate ético. É controverso se o embrião é um ser humano desde o momento da fertilização. Para os que pensam que a vida humana começa no momento da fertilização, o embrião tem os mesmos direitos que uma pessoa, é merecedor de todo respeito e deve ser protegido como tal. Dois argumentos sustentam esse raciocínio: o primeiro é que o embrião tem o potencial de tornar-se uma pessoa, e o segundo é que o mesmo está vivo e tem direito à vida. Os que consideram o embrião apenas como um conjunto de células, julgam que ele não merece nenhuma diferença de tratamento que qualquer outro grupo celular. Há ainda quem se posicione de forma intermediária, defendendo que o embrião tem status especial, mas que não se justifica protegê-lo como a uma pessoa. (BADALOTTI, 2005, p. 157, grifo do autor).
Assim, as três as principais são: a concepcionista, a desenvolvimentista e a
que classifica este embrião como uma entidade autônoma.
A corrente concepcionista, utilizando-se especialmente das posições
defendidas pelos seguidores da doutrina cristão, estabelece a fecundação,
independente do local onde ocorra, como marco inicial da vida. E, combatendo a
utilização do termo pré-embrião, prega que o embrião é uma pessoa humana, e, por
isso, dotado de todos os direitos fundamentais, como o da preservação da vida e o
da existência digna, igual a qualquer outro membro da sociedade.
La visión genética, conservadora, o concepcional, adoptada principalmente por las teologías, entiende el momento de la concepción como el inicio de la vida humana y potencalmente personal. La unión de los gametos parentales y la fusión de las dotaciones genéticas progenitoras otorgan estatus moral completo al cigoto, poseyendo los mismos derechos y mereciendo iguales protecciones que toda persona humana. Esta postura tembién se denomina ontológica, pues da por existente al sser humano desde la concepción, se bien se producen algunas rispideces en determinar el momento preciso de la fusión genética. (KOTTOW, 2005, p. 160).
Nesse sentido, o sacerdote José Juan García (2006, p. 51) afirma que “[...] el
cigot y el embrión son un sujeito humano, y como tal poseen todo el valor y la
dignidad fundamental de la persona humana.”
O autor continua alegando que: “El ciclo vital de un ser humano se inicia en el
momento de la fusión de los gametos, uno del padre y uno de la madre. Ciclo que
continúa, sin interrupción, su ritmo natural. [...]. Dicha continuidad del proceso implica la
unicidad del nuevo ser en su desarrollo.” (GARCÍA, 2006, p. 44).
Es decir, al producirse la fecundación de los ganetos se origina el cigoto, que reúne desde el mismo instante de su formación, toda la información genética necesaria para programar la formación del nuevo ser. No existe un estadio del desarrollo cualitativamente diverso o separado del proceso global iniciado en el momento de la concepción. (GARCÍA, 2006, p. 45).
E, Miguel Kottow (2005, p. 84) coloca que:
Para la visón concepcional del comienzo de la vida un embrión que evoluciona hasta constituir un ser humano con agencia moral, tiene desde ya una identidad moral y es acreedor al mismo trato ético que el neonato o el adulto. Es la identidad que permanece a través del tiempo la que es meritoria de un respeto constante.
Já a teoria desenvolvimentista, adotando uma visão totalmente contrária à
primeira, estabelece o embrião como um mero amontoado de células, não sendo, desta
forma, titular de qualquer um dos direitos fundamentais inerentes ao ser humano.
Com isso, esta corrente apresenta os embriões excedentários como um simples
organismo, passível de ser objeto de todos os tipos de manipulação cientifica.
Nesse contexto, o embrião não pode ser considerado como a expressão de uma
pessoa humana, devendo-se promover uma negação da aplicação dos direitos
humanos “[...] a las primeras etapas de la divisón celular, ya que las células
blastoméricas son totipotenciales como agregado, carecen de identidad y no tienen aún
determinado cuáles de ellas constituirán la placa embrionaria.” (KOTTOW, 2005, p. 84).
E, aquela que classifica os embriões excedentários como uma entidade
autônoma pugna pela delimitação de uma natureza própria para esses organismos,
alegando que apesar de não serem uma pessoa humana, eles se originam da união
de elementos humanos e possuem, quando presentes todas as condições
necessárias, inclusive e principalmente a sua implantação no útero materno, a
potencialidade para vir a ser.
Combatendo essa teoria que estabelece a potencialidade do embrião de vir a
se tornar um ser humano, o sacerdote José Juan García coloca que:
Se entiende con claridad ahora cómo es equívoco hablar del embrión como si fuese un ‘ser humano con potencialidad’. Cierto es que sus capacidades tendrán necesidad de tiempo para su despliegue y encontrar las condiciones adecuadas para expresarse en las actividades propias de un ser consciente. Pero como el niño, el embrión es un ser humano que se desarrolla gradualmente, aunque todavía no es un adulto. Y se desarrolla por un dinamismo propio e intrínseco continuo y coordinado. Es adecuado entonces hablar del embrión como de un ser humano que, dadas las condiciones favorables del ambiente, desarrolla sus intrínsecas posibilidades. Es absolutamente distinta la condición de un óvulo no fecundado, que podrá o no llegar a ser persona humana si se encuentra y funde con el gameto masculino, que un óvulo ya fecundado, que por una orientación intrínseca está expresando la potencialidad de ese ser humano, que es en realidade actual. (GARCÍA, 2006, p. 47)
E Miguel Kottow (2005, p. 153) esclarece este mesmo ponto de vista
combativo colocando os argumentos dessa posição:
En discordancia con esta liberalidad está el respeto por el embrión como ser humano – potencial o real – que ya es depositarios de derechos, y que por lo tanto no puede ser degradado a la categoría de material de experimentación. El afán de conocimento o las necesidades terapéuticas de ciertas personas no poderían justificar investigaciones éticamente reprobables.
Contudo, com o advento das possibilidades terapêuticas das células-tronco
embrionárias, oriundas desses embriões humanos, essa discussão ganhou novos
contornos.
“Los argumentos sobre el comienzo de la vida [...] adquieren un nuevo giro
especialmete en lo referente a células troncales.” (KOTTOW, 2005, p. 162).
A posição mais coerente com a realidade atual em relação à necessidade da
sociedade e do Estado de promoção das pesquisas científicas neste ramo e em
relação à forma mais contemporânea de aplicação e de concretização dos direitos
fundamentais do homem é a adoção da terceira corrente.
Ela não exclui a composição dos embriões excedentários por elementos
humanos e a sua consequente potencialidade de vir a se tornar um ser humano
quando estiver presente todas as condições necessárias para tal, mas, ao mesmo
tempo, afirma ser possível a sua utilização como fonte de células-tronco
embrionárias, tendo em vista que esses embriões ainda não se apresentam como a
expressão de um ser humano.
Nesse sentido, cabe destacar as palavras de Javier Sábada (2004, p. 85):
[...] muchos piensan que un embrión merece mayor respeto. Mas aún, algunos creen que estamos instrumentalizando a una persona para salvar a otro. Pero sólo se puede pensar así si se supone que en el embrión, a la altura de no más de cien células, existe un ser humano [...].
Assim, o argumento simplista de que a vida tem início com a fecundação e que,
com isso, a partir desse momento, todo e qualquer organismo, independente do local
onde foi concebido, do estado em que se encontra e da possibilidade ou não de vir a
se desenvolver em um ser humano deve ser indistintamente protegido por todos os
direitos inerentes ao homem, não pode e nem deve prosperar. Sendo que, ao ser
utilizado pela Ação Direita de Inconstitucionalidade que visava impugnar a legislação
permissiva da utilização destes embriões como objeto de pesquisa, foi corretamente
afastado, principalmente em face da sua apresentação em uma direção totalmente
contrária à visão moderna de concretização dos direitos fundamentais.
Contudo, em face das promessas oriundas das pesquisas com as células-
tronco embrionárias, faz-se necessário se aprofundar na análise dessas células que,
espera-se, serão o futuro das terapias em favor do ser humano.
3.2 As Células-tronco como Elemento Indispensável na Evolução das Experimentações Terapêuticas
As células-tronco se apresentam como um grupo de células não-especializadas,
indiferenciadas e que possuem a capacidade de se auto-renovar e de se diferenciar em
outros tipos celulares. Elas “[...] são tipos celulares que ainda não amadureceram, isto é,
que ainda não tem forma nem função definida.” (ALHO, 2005, p. 39).
“Stem cells are unique cell populations with the ability to undergo both self-
renewal and differentiation.” (ODORICO; KAUFMAN; THOMSON, 2001, p. 193).
“[…] stem cells are cells with the capacity for unlimited or prolonged self-
renewal that can produce at least one type of highly differentiated descendant.”
(WATT; HOGAN, 2000, p. 1427).
Ou seja, são um grupo de células com a capacidade de se auto-renovar
indefinidamente, sem diferenciação, e de se diferenciar em outras células do
organismo quando estimuladas.
As células-tronco possuem duas importantes propriedades:
(I) a grande capacidade de se proliferar, isto é, de auto-replicação, o que significa que elas podem gerar cópias idênticas de si mesmas e (II) a capacidade de se diferenciar, isto é, amadurecerem de um estado sem forma nem função específica para um estado maduro com forma e função bem definidos. (ALHO, 2005, p. 39).
No mesmo sentido:
Estas células poseen dos características: 1) la capacidad de autorrenovación ilimitada, o sea de reproducirse sin diferenciarse; 2) la capacidad de dar origen a células progenitoras de tránsito, con una capacidad proliferativa limitada, de las cuales descienden poblaciones de células altamente diferenciadas. (GARCÍA, 2006, p. 109, grifo do autor).
Assim, uma das características que as diferenciam das demais células do
organismo é a sua capacidade de auto-renovação, com a aptidão, independente de
serem embrionárias ou adultas, de se renovarem por longos períodos de tempo,
através de mitoses, sem envelhecerem e sem se diferenciarem em tipos celulares
especializados.
As células-tronco não possuem estruturas específicas que as permitam
realizarem funções especializadas, como pulsar ou produzir insulina, sendo que as
condições e fatores que permitem esta multiplicação indiferenciada apresentam
ainda um vasto campo para estudos.
Os sinais que regulam a diferenciação, que é o processo pelo qual ocorre a
transformação de uma célula indiferenciada em uma específica, como um neurônio,
podem ser oriundos da expressão gênica e de elementos externos, como a
presença de substâncias químicas secretadas por outras células, o contato físico
com células vizinhas ou com moléculas do microambiente.
Nesse mesmo sentido: “Stem cells have the ability to choose between
prolonged self-renewal and differentiation. This fate choice is highly regulated by
intrinsic signals and the external microenvironment.” (ODORICO; KAUFMAN;
THOMSON, 2001, p. 193)
Um entendimento melhor dos sinais que ativam determinados genes para
influenciar a diferenciação pode gerar novas estratégias de terapias.
Nesse contexto, é de extrema relevância ressaltar que uma vez diferenciadas,
todas as células que resultam dela terão as mesmas características, assim, por
exemplo, se uma célula-tronco se diferencia em uma célula do coração, todas as
que dela decorrem serão células do coração.
Porém, a grande dificuldade científica encontra-se relacionada com a delimitação
dos fatores específicos que regulam a proliferação, a auto-renovação e a diferenciação
das células-tronco, e promover o controle deste processo, sendo que, por exemplo, a
técnica de cultivo de células-tronco embrionárias in vitro sem a sua diferenciação
somente foi possível após aproximadamente vinte anos de investigações.
Deste modo, a pesquisa com células-tronco é de extrema relevância na
aquisição de uma visão mais correta e abrangente dos processos de
desenvolvimento do organismo, sendo crível obter, com o seu desenrolar, as
respostas de como o todo se origina de apenas uma única célula, através da
atuação das células-tronco embrionárias, e de como as células saudáveis
substituem as deterioradas em organismos amadurecidos, através da ação das
células-tronco adultas.
Prega-se também a possibilidade de que as pesquisas com as células-tronco
possam alcançar um estágio no qual será plausível utilizá-las no teste de drogas e
toxinas com prováveis implicações no desenvolvimento humano e em terapias
celulares, nas quais essas células, após a sua diferenciação in vitro, poderão suprir
o transplante de órgãos, como nas pesquisas com aplicação de células-tronco
adultas específicas em um coração lesado, resultando no surgimento de células
musculares cardíacas sadias.
Com isso, a sociedade terá enormes benefícios com o desenvolver das
possibilidades de sua aplicação no tratamento de doenças, promovendo uma
evolução da medicina regenerativa, na qual as células-tronco poderão se diferenciar
em tipos celulares específicos que sofreram lesão em decorrência de um acidente
ou de uma enfermidade, como no caso das paralisias (com a reconstrução do
sistema nervoso periférico) ou do mal de Parkinson (com a produção de neurônios).
Confirmando tais previsões, Garcia (2006, p. 110) afirma que:
El uso de estas células estaminales está dirigido hoy a reparar tejidos del organismo adulto que están dañados.” [...]. Hay un elenco de enfermidades que poderían se curadas con el uso de estas células madre: las células del sistema nervioso pueden ser empleadas para el tratamiento de infarto cerebral, del mal de Parkinson, del mal de Alzeiheimer, de la esclerosis múltiple. Las células del
músculo cardíaco pueden servir para remediar el infarto de miocardio. Las células que sintetizan insulina, para la diabetes. Las células de la sangre, para la leucemia, cánceres e inmunodeficiencias. Las células del hígado,para remediar hepatitis y cirrosis. Las células óseas, para la osteoporosis.
Além desse relevante potencial terapêutico, é importante destacar também
que as células-tronco são indispensáveis na formação e no desenvolvimento do
organismo humano.
As células-tronco adultas atuam nos tecidos desenvolvidos, sendo
responsáveis pela renovação das células deterioradas por uma lesão, por doença ou
pelo transcorrer da vida, como as da medula óssea, dos músculos e do cérebro. Já
as células-tronco embrionárias são as que, durante a evolução do embrião, darão
origem aos tipos celulares especializados que constituem todos os seus elementos,
como o sistema nervoso, a pele, o pulmão, o coração e os demais
3.2.1 Diferenciação entre as Células-tronco Adultas e as Embrionárias
Nesse contexto, faz-se necessário promover uma diferenciação entre células-
tronco adultas e embrionárias, tendo em vista que se apresentam de modo
totalmente diverso.
As células-tronco são classificadas de acordo com a sua origem, isto é, de
acordo com a parcela ou a fase de desenvolvimento do organismo do qual são
extraídas, e de acordo com a sua potencialidade de diferenciação.
Aquelas obtidas de órgãos e tecidos não-embrionários, do cordão umbilical,
da placenta ou do cume gonadal 9 são as chamadas células-tronco adultas. E as
obtidas de embriões são as células-tronco embrionárias.
Em relação à sua potencialidade de diferenciação, as embrionárias são
inicialmente totipontentes, podendo gerar um indivíduo completo, e, depois,
pluripotentes, podendo se diferenciar em qualquer das células que compõem o
organismo, enquanto que as adultas tem sua diferenciação limitada a células do seu
tecido embrionário de origem.
9 Órgão sexual em cujo interior se formam os gametas – são as células sexuadas, conhecidas como
espermatozóide no masculino e óvulo no feminino.
Javier Sábada (2004, p. 104) destaca:
En una breve síntesis se puede decir que las células troncales se clasifican o bien según su fuente o bien según su potencia de diferenciación. Según su fuente, proceden de los embriones en fase de blastocistos, de células germinales de fetos abortados con ocho semanas, de tejidos adultos e, incluso, del cordón umbilical. Según su potencial de diferenciación, las hay totipotentes, que podrían dar lugar a un organismo entero (tal totipotencia se mantendría hasta el estado de mórula, con dieciséis células); pluripotentes, capaces de generar cualquier tipo de célula; multipotentes, en donde la diferenciación es menor (las de la piel, por ejemplo), y unipotentes, las cuales producen una sola línea celular (las espermatogónicas,por ejemplo).
Com isso, tem-se que:
As primeiras CT derivadas do zigoto tem totipotencialidade, isto é, podem dar origem aos tipos celulares que formarão o embrião, a placenta e os anexos embrionários, como âmnio e córion. A linhagem de CT do embrião (células do embrioblasto, ou células dos três folhetos embrionários: endoderma, mesoderma e ectoderma) tem pluripotencialidade ou multipotencialidade, o que significa que seu potencial de diferenciação pode originar qualquer um dos tipos celulares presentes nos cerca de duzentos diferentes tecidos que formam o corpo do ser humano. (ALHO, 2005, p. 39).
Existem ainda as categorias de CT oligopotentes, aquelas que conseguem se diferenciar em poucos tecidos e as unipotentes, as que se diferenciam em um único tecido, [...]. À medida que as CT se comprometem com uma linhagem tecidual, diminui progressivamente seu potencial de diferenciação. (ALHO, 2005, p. 40).
Cabe destacar ainda que:
En el estadio de las primeras células que conforman al cigoto, hay una extraordinária propriedad: la totipotencia. Lo que significa que cada célula es capaz de producir todo lo que necesita el futuro desarrollo del organismo. La totipotencia se pierde cuando el embrión pasa al estadio de mórulo (16 células, 3 días de vida). (GARCÍA, 2006, p. 109, grifo do autor).
Assim, apesar de uma grande variedade de tecidos adultos possuírem
células-tronco adultas, essas células somente são capazes de se diferenciar em um
número limitado de tipos celulares. Em contraste, as células-tronco embrionárias,
retiradas dos embriões em estágio de blastocisto (por volta do quinto dia de
desenvolvimento), são pluripotentes, tendo a habilidade de formar qualquer tipo
celular do corpo.
Nesse mesmo sentido:
A wide variety of adult mammalian tissues harbors stem cells, yet “adult” stem cells may be capable of developing into only a limited number of cell types. In contrast, embryonic stem (ES) cells, derived from blastocyst-stage early mammalian embryos, have the ability to form any fully differentiated cell of the body. (ODORICO; KAUFMAN; THOMSON, 2001, p. 193).
Outra importante diferença entre as células-tronco embrionárias e as adultas
é quanto a função por elas desenvolvida. As embrionárias tem por função se
diferenciar em todas as células do corpo, enquanto que as adultas tem por função
promover a regeneração dos tecidos onde estão inseridas.
Em outras palavras: “Stem cells are the natural units of embryonic generation,
and also adult regeneration, of a variety of tissues.” (WEISSMAN, 2000, p. 1442).
Quanto às possíveis terapias cabe salientar que as células-tronco adultas são
retiradas do próprio paciente, estando presentes em vários dos tecidos do organismo
adulto, como na medula óssea, no pâncreas, nos músculos e no tecido adiposo, e,
por isso, não representam qualquer risco de rejeição. Mas, geralmente, não
conseguem ser muito expandidas in vitro.
Com isso, “A vantagem que estas células apresentam em relação às CT
embrionárias é que não desencadeiam resposta imune devido à incompatibilidade.”
(ALHO, 2005, p. 48).
E, as embrionárias são obtidas através de um embrião humano, sendo que, com a
impossibilidade da clonagem terapêutica, terão origem diversa ao paciente, trazendo a
possibilidade de existirem problemas de rejeição quando da sua utilização em terapias
celulares. Entretanto, podem ser cultivadas em larga escala, o que é muito relevante em
face da necessidade de grandes quantidades de células-tronco nestas terapias.
3.2.2 Células-tronco Adultas
Células-tronco adultas são células indiferenciadas encontradas no meio de
células diferenciadas, em áreas específicas de órgãos ou tecidos como o cérebro, a
medula óssea, o sangue, o fígado, a pele e os músculos do organismo adulto, sendo
assim considerado após o nascimento.
Nas palavras de Clarice Alho (2005, p. 41):
Após o nascimento, podem ser encontradas CT adultas em uma vasta gama de tecidos humanos (biologicamente, consideram-se adultas células do individuo a partir do seu nascimento). [...]. Pâncreas, intestino, medula óssea, fígado, músculo esquelético, tecido adiposo e tecido nervoso são apenas alguns tecidos onde, comprovadamente, foi observado existir um estoque de CT. (ALHO, 2005, p. 41).
Elas se mantêm em estado latente, no qual não se dividem e são encontradas
em baixa concentração, sendo que sob o estimulo de uma injúria ou da morte natural
de células da estrutura biológica onde estão, são ativadas, sofrendo divisões e se
diferenciando, buscando, desta forma, a regeneração do tecido ou órgão afetado.
Assim, elas “[...] contribute to replenishment of cells lost through normal cellular
senescence or injury.” (ODORICO; KAUFMAN; THOMSON, 2001, p. 193)
Deste modo, a sua principal função no organismo é a manutenção e o reparo
do lugar onde estão locadas. Ou seja, “[...] a função natural das CT adultas é a de
recompor tecidos do corpo já estruturados ao longo de toda a vida do indivíduo.”
(ALHO, 2005, p. 42).
O marco inicial do conhecimento acerca destas células se deu nos anos 60,
com a descoberta de dois tipos de células-tronco na medula óssea. A primeira dá
origem às células sanguíneas e a segunda à cartilagem, ao osso, à gordura e ao
tecido conjuntivo fibroso.
Também se desvelou, na mesma década, a existência de células-tronco
adultas em áreas do cérebro, inclusive com a capacidade de diferenciação em
neurônios, sendo que após tais revelações elas foram encontradas em outros vários
órgãos e tecidos, levando os pesquisadores a indagarem sobre a possibilidade de
sua utilização terapêutica, o que foi realizado com sucesso no caso da medula
óssea e é objeto de inúmeras pesquisas em outros casos.
Apesar do grande beneficio de serem retiradas do próprio paciente, o que
representa uma certeza de que não haverá qualquer tipo de rejeição, alguns
contratempos dificultam a sua utilização de forma ampla.
Os principais problemas no emprego das células-tronco adultas em terapias
celulares estão relacionados à maior dificuldade de se promover em laboratório a
sua auto-renovação sem se diferenciar, à impossibilidade de utilizá-las quando se
tratarem de doenças genéticas e à sua baixa plasticidade, ou seja, à sua
incapacidade de se transformar em diversas células do corpo humano.
Quanto à sua ineficiência no tratamento por terapia celular de doenças de origem
genética, ela se deve ao fato de que essas células, por serem retidas do próprio
paciente, também carregam em seu genoma a deformação genética responsável pela
expressão da doença a ser tratada. Assim, mesmo que seja injetada e que não resulte
em qualquer tipo de rejeição, as células obtidas, após a diferenciação, também serão
portadoras da doença genética que se deseja combater.
E, quanto a essa baixa potencialidade de diferenciação, ela se justifica pelo
fato dessas células estarem inseridas dentro de uma estrutura celular definida do
organismo, tendo já passado, desde o desenvolvimento embrionário, por diversos
estímulos para que se comportem desta maneira, ou seja, como uma fonte de
células destinadas à regeneração daquele tecido, ou órgão, específico.
Entretanto, em face da crescente evolução nas pesquisas com as células-
tronco adultas, já se chegou à conclusão que existem no corpo humano alguns
conjuntos dessas células que possuem uma capacidade de diferenciação maior do
que se esperava e que é possível, em laboratório, promover estímulos capazes de
aumentar a sua plasticidade.
3.2.2.1 Avanços nas pesquisas com Células-tronco adultas
Assim, já foram encontradas células-tronco adultas com grande potencial de
diferenciação nos organismos adultos e alguns trabalhos científicos conseguiram,
mas sem atingir ainda um nível de repetibilidade adequado, promover a
diferenciação células-tronco adultas originadas de um determinado órgão ou tecido
em células de outro tecido completamente diferente.
É exatamente nesse sentido, Clarice Sampaio Alho destaca que em muitos
“[...] órgãos já formados do corpo adulto de um individuo, em qualquer que seja sua
idade, também são encontradas CT adultas com grande potencial de diferenciação
(multi ou pluripotentes).” (ALHO, 2005, p. 41).
E continua alegando que:
Acreditava-se inicialmente que as CT adultas tinham uma potencialidade limitada de diferenciação que apenas as permitia transformarem-se em alguns poucos tipos celulares. Porém, o avanço das investigações no campo das CT adultas tem mostrado que, in vitro, com tratamentos apropriados, as CT adultas podem adquirir pluriponcialidades, aumentando seu espectro de diferenciação. Assim, ainda que aceite que as CT embrionárias apresentem maior plasticidade de diferenciação, dado seu estado original, em relação às CT adultas, cada vez mais se verifica que a plasticidade de diferenciação das CT adultas pode estender-se com o uso de métodos indutivos artificiais. (ALHO, 2005, p. 42).
Porém, apesar dessa possibilidade de que as células-tronco adultas tenham
mais plasticidade do que se pensou originalmente e de que, talvez, seja possível induzi-
la in vitro a adquirir pluripotencialidade, o que representaria uma capacidade de se
diferenciar em qualquer um dos tipos celulares que compõem o corpo humano, essa
células geralmente conseguem formar um número limitado de tipos celulares.
Ou seja: “Although stem cells in adult tissues may have more “plasticity” than
originally thought, they typically form only a limited number of cell types.”
(ODORICO; KAUFMAN; THOMSON, 2001, p. 193).
Cabe salientar ainda que “[...] o sangue do cordão umbilical e placentário (SCUP)
é outro exemplo de local onde há uma quantidade importante de CT adulta com
potencialidade de diferenciação elevada devido a sua imaturidade.” (ALHO, 2005, p. 41).
E, quanto à utilização dessas células-tronco, tem-se que:
As CT de SCUP não apresentam a plasticidade de diferenciação que há nas CT embrionárias, mesmo assim, as CT de sangue do cordão e placentário são capazes de cumprir o papel de reparação tecidual previsto e esperado, dada sua imaturidade. [...] Contudo, os ensaios com CT de SCUP também se deparam com o risco de incompatibilidade imunológica quando as CT são de SCUP de doadores geneticamente diferentes do receptor. [...]. Melhores resultados podem ser também obtidos com o uso de CT retiradas do SCUP do mesmo animal. (ALHO, 2005, p. 47).
Contudo, ao serem superadas as dificuldades, é indiscutível a importância
que as células-tronco terão no desenvolvimento da medicina regenerativa,
principalmente através da técnica do auto-transplante.
Essa técnica, na qual são retiradas células-tronco adultas do paciente para que
elas passam por um processo de purificação e estimulação em laboratório e,
posteriormente, sejam reimplantadas no próprio paciente, com a finalidade de que se
transformem em células sadias capazes de realizar a função das células comprometidas
pela enfermidade, já foi realizado com sucesso em diversas pesquisas terapêuticas
visando, por exemplo, o tratamento de doenças cardíacas e a diabetes tipo 2.
Com isso, “[...] ainda que as CT adultas não tenham a plasticidade das CT
embrionárias e que sejam menos imaturas [...], as CT adultas conseguem provar a
eficácia da sua potencialidade regenerativa.” (ALHO, 2005, p. 48).
Assim, as pesquisas com células-tronco adultas devem ser incentivas para
que possam prosperar até atingirem o estágio em que possam ser utilizadas no dia-
a-dia dos tratamentos médicos.
Entretanto, em momento algum deve haver uma disputa entre as terapias
decorrentes das células-tronco adultas com as decorrentes das embrionárias, mas
sim uma complementação, na qual os interesses dos seres humanos sejam
alcançados e efetivados. E, como medida de concretização dos direitos
fundamentais da vida e da dignidade da pessoa humana.
Desta forma, apesar de ser necessário o desenvolvimento das pesquisas com
células-tronco adultas, isso não impossibilita ou interfere na necessidade de também
se promover e incentivar as pesquisas com células-tronco embrionárias.
3.2.3 Células-tronco Embrionárias
As células-tronco embrionárias são aquelas células que encontram-se
presentes no pré-embrião nos seus primeiros estágio de desenvolvimento. Dependo
do momento em que são observadas possuem a totipotencia ou a pluripotencia.
Nesse sentido:
As CT embrionárias totipotentes e pluripotentes são encontradas no inicio do desenvolvimento. As totipotentes estão presentes nas primeiras fases do divisão do zigoto, quando o embrião tem até 16 a 32 células, o que equivale aos três ou quatro dias de vida após a fertilização. As CT embrionárias passam a ser pluripotentes quando o embrião atinge a fase de blastocisto (a partir de 32 a 64 células, aproximadamente a partir do quinto dia de vida). (ALHO, 2005, p. 40).
A totipotencia esta relacionada com a sua capacidade de gerar um ser humano
completo, enquanto que pluripotencia está relacionada com a capacidade de se
transformar em qualquer uma dos 216 tipos de células que compõe o corpo humano.
Quanto às células-tronco embrionárias totipotentes, elas também serão
responsáveis pela criação de outras estruturas indispensáveis ao desenvolvimento
do embrião em uma pessoa completa, como é o caso da placenta e do cordão
umbilical, não sendo viável o seu aproveitamento na busca de procedimentos
ligados à terapia celular.
Cabe destacar que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio),
vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, através da Instrução Normativa 08/97,
proíbe a realização de pesquisas que as tenham como objeto. Essa mesma instrução
normativa conceitua células totipotentes como aquelas que apresentam a capacidade
de diferenciar-se em um indivíduo e estabelece a vedação da atividade de manipulação
genética, em humanos, dessas células. Realidade esta que também é observada
quando da análise da inteligência da Lei de Biossegurança Nacional (Lei n. 11.105/05).
Assim, as células-tronco embrionárias que realmente interessam às
experimentações terapêuticas são justamente aquelas que são capazes de dar “[...]
origem a todos os outros tipos de células que formarão o corpo de um indivíduo.”
(ALHO, 2005, p. 39), sendo estas as pluripotentes.
Elas são consideradas pluripotentes justamente porque conseguem se transformar
em todas as células que compõem o organismo humano, ou seja, são capazes de dar
origem a linhas de células diferenciadas derivadas das “[...] três camadas germinativas
embrionárias: endoderma 10, (epitélio intestinal); mesoderma 11 (cartilagem, osso,
músculo liso e músculo estriado) e ectoderma 12 (epitélio neural).” (ALHO, 2005, p. 49).
Isso ocorre porque,
A função biológica natural das CT embrionárias é formar o embrião por completo. Para isso, utilizam das suas duas propriedades especiais: a auto-replicação e a diferenciação, com a finalidade de formar cada órgão, cada tecido em estrutura e função para que o corpo do indivíduo seja pleno em funcionalidade e organização espacial. (ALHO, 2005, p. 41).
Essas células ainda possuem outra característica relevante para a sua
utilização, que á a sua capacidade, mesmo em laboratório, de replicar
indefinidamente sem sofrer qualquer tipo de diferenciação, resultando, com isso, na
criação de uma linhagem de célula-tronco embrionárias, que continua a se auto-
renovar e que pode ser objeto de diversas pesquisas terapêuticas, visando,
principalmente, estabelecer os estímulos necessários para que se diferenciem nos
mais diferentes tipos celulares.
“In vitro, as células pluripotentes se caracterizam por poderem se proliferar
indefinidamente sem se diferenciar e, também, por poder se diferenciar quando
modificadas as condições de cultivo.” (ALHO, 2005, p. 39).
No mesmo sentido:
Human ES cells have a […] remarkable long-term proliferative potential, providing the possibility for unlimited expansion in culture. Furthermore, they can differentiate into derivatives of all three embryonic germ layers when transferred to an in vivo environment. (ODORICO et al, 2001, p. 193)
É precisamente em razão do que foi explicitado que as células-tronco
embrionárias pluripotentes são as utilizadas para a criação de linhagens de células-
tronco, que serão posteriormente utilizadas em pesquisas e terapias. Sendo que foi
10 Camada mais interna, da qual resultam o sistema respiratório e o digestivo. 11 Camada média, a qual se desenvolve em osso, cartilagem, sangue, músculos, etc. 12 Terceiro folheto constitutivo, que dá origem ao sistema nervoso, à epiderme e aos órgãos sensoriais.
exatamente nesse sentido que se posicionou a liberação estipulada pela Lei de
Biossegurança Nacional.
Para que as células-tronco embrionárias estejam em estágio de pluripotência
elas devem ser retiradas do pré-embrião quando este se encontrar na fase de
blastocisto 13, possuindo aproximadamente cem células, o que ocorre por volta do
quinto dia de desenvolvimento.
Deste modo, “[...] para lograr lãs células madre hay que tomar um embrión em
su estádio de blastocistos (de cinco a siete dias) [...].” (SÁDABA, 2004, p. 85).
É importante salientar que são necessários vários embriões para que se
obtenha sucesso na criação de uma linhagem de células-tronco embrionárias,
principalmente quando são obtidas de embriões excedentários congelados, como no
caso da legislação brasileira e da maioria dos países onde as pesquisas são
permitidas, pois esses embriões são congelados em um estágio de desenvolvimento
anterior ao de blastocisto, devendo, após o seu descongelamento, serem
estimulados a se desenvolver até esse estágio para que possam ser retidas as
células-tronco. Além do fato de que o próprio processo de descongelamento, por si
só, já resulta na inviabilidade de uma parcela relevante desses embriões.
Assim,
Explica-se que os embriões excedentes, isto é, os que não foram transferidos para o útero da mãe, são congelados num período inicial do desenvolvimento (de três a quatro dias após a fertilização), e que para o uso das CT embrionárias eles devam estar num estágio de blastocisto (com cerca de 100 células), o qual se atinge no quinto ou sexto dia após a fertilização. As tentativas de viabilização dos embriões após o congelamento constatam que menos de 50% dos embriões congelados são capazes de chegar ao estágio de blastocisto. (ALHO, 2005, p. 54).
A primeira linhagem brasileira de células-tronco embrionárias foi desenvolvida já
no final de 2008, meses após a liberação das pesquisas com embriões excedentários,
decorrente da decisão do Supremo Tribunal Federal, em uma parceria entre
pesquisadores da Universidade de São Paulo e da Universidade Feral do Rio de Janeiro.
Para realizar a linhagem foram utilizados 308 embriões congelados, doados
de clínicas de reprodução assistida situadas em São Paulo e em Ribeirão Preto.
Cerca de 60% deles sobreviveu ao descongelamento e somente 36 embriões se
desenvolveram até o estágio de blastocisto, o que é necessário para que sejam
13 Fase do desenvolvimento embrionário em que as células não diferenciadas originadas pela segmentação
do ovo – os blastômeros – encontram-se dispostos em uma única camada, em torno da cavidade central.
produzidas células-tronco. Em média, foram retiradas 50 células-tronco de cada um
desses 36 embriões, sendo que apenas um desses grupos de 50 células-tronco
sobreviveu, dando origem, assim, à primeira linhagem de células-tronco
embrionárias brasileira. E, dessa linhagem surgiram 100 milhões de células-tronco
após o prazo de três meses. 14
Quanto ao procedimento para o desenvolvimento de linhagens de células-
tronco embrionárias tem-se que:
Cleavage-stage human embryos, produced by in vitro fertilization for clinical purposes, are donated by individuals after informed consent. After embryos are grown to the blastocyst stage, the ICM is isolated and plated onto mitotically inactivated murine embryonic fibroblast (MEF) feeder layers in tissue culture. The ICM cell outgrowths are propagated in the presence of serum, and colonies with the appropriate undifferentiated morphology are subsequently selected and expanded. (ODORICO; KAUFMAN; THOMSON, 2001, p. 194).
Cabe destacar que o Brasil, antes de desenvolver sua própria linhagem,
importava células-tronco embrionárias de linhagens oriundas de outros países,
sendo que esse avanço dado pela comunidade cientifica brasileira foi muito
importante para incentivar e para baratear os custos das pesquisas.
A realização de pesquisas com células-tronco embrionárias com a utilização
de linhagens importadas, anteriores à decisão do Supremo tribunal Federal, se deve
ao fato de que essa discussão tinha como mote a possibilidade, ou não, de
utilização, em território nacional, dos embriões excedentários como fonte de células-
tronco embrionárias, não englobando uma proibição à realização de
experimentações científicas com células-tronco embrionárias.
Além disso, é importante salientar também que a aquisição de linhagens de
células-tronco embrionárias estrangeira para fins de pesquisa não incide na
proibição do comércio do material biológico, prevista na legislação brasileira, tendo
em vista que em momento algum essa atividade visou algum ganho econômico, mas
apenas o desenvolvimento de futuras terapias em favor da população.
Outra relevante conquista que decorre da criação da primeira linhagem de
células-tronco embrionárias brasileira é que qualquer técnica desenvolvida a partir
dessa linhagem terá patente brasileira, ao contrário do que acontece com as
pesquisas que utilizam células estrangeiras.
14 Dados retirados da reportagem: Neiva (2008, p. 168).
Foi no começo da década de 80 que pesquisadores conseguiram isolar células-
tronco embrionárias de camundongos, resultando em um enorme salto nas pesquisas
sobre os estágios de desenvolvimento do embrião e a diferenciação celular. (ALHO,
2005, p. 47).
Dessa nova realidade surgiu a perspectiva de que células-tronco embrionárias
obtidas a partir de blastocistos humanos poderiam ser diferenciadas em laboratório
para assumir as características de qualquer um dos tecidos ou órgãos do corpo
humano.
Situação esta que ainda é perseguida pela comunidade científica e que,
quando alcançada, se corretamente utilizada, representará um avanço significativo
no tratamento ou até mesmo a solução de diversas doenças que debilitam
determinados tecidos ou órgãos de maneira que o próprio organismo não tenha
força para repará-los naturalmente.
As doenças em que se acredita que o tratamento com estas células-tronco
possa auxiliar de forma mais expressiva são o mal de Parkinson, o diabetes, o
trauma na coluna espinhal, a distrofia muscular, as doenças cardíacas, a perda de
visão e de audição, entre outras.
Mas, foi somente no final da década de 90 que células-tronco embrionárias
humanas, oriundos de embriões excedentários da técnica de fertilização in vitro,
foram efetivamente isoladas e diferenciadas em laboratório.
Assim:
El año de 1997 marca el inicio [...]. Efectivamente, en ese año J. T. Thompson y R. Pedersen conseguieron aislar y desarrollar líneas celulares desde embriones sobrantes y donados de la FIV. Es verdad que hacía más de veinte años que se había logrado aislar dichas células en ratones. Pero, por fin, se lograba en humanos también. Y es que Thompson y Pedersen obtuvieron cinco líneas celulares o potenciales tejidos y todo parece indicar que se desarrollaban con las habituales características que tienen nuestras diferenciadas células. (SÁDABA, 2004, p. 104).
Após essa revolução na pesquisa células-tronco embrionárias, o mundo
científico se empenhou na busca de terapias oriundas dessas células, fazendo com
que o número de trabalhos científicos nesse sentido crescesse de forma exponencial
com o passar dos anos.
“The number of publications on embryonic stem cells (ESCs) entered
exponential growth phase 2 years after Thomson et al. derived the first human ESC
line, reflecting the potential of using ESCs in cell-based therapies for humans.”
(MEIRELLES; CAPLAN; NARDI, 2008, p. 2287).
Nesse contexto, em face das suas características, as células-tronco embrionárias
passaram a ter um papel de extrema importância no futuro da medicina regenerativa.
3.2.3.1 Aplicações das Células-tronco Embrionárias
As células-tronco embrionárias, além da sua importância na análise e no
delineamento do desenvolvimento embrionário, podem ser utilizadas como
instrumento na transgenia e na aplicação da medicina regenerativa, principalmente
através da terapia celular.
A transgenia “refere-se à mudança genética” (FERRARESI, 2007, p. 158), ou
seja, à manipulação dos componentes genéticos, tendo, desta forma, ligação com a
técnica de hibridismo, que “[...] refere-se a cruzamentos de espécies diferentes ou, a
mistura de genes de espécies diferentes.” (FERRARESI, 2007, p. 163).
Essa realidade possibilita a criação de quimeras, que são organismos
compostos por células derivadas de mais de um indivíduo, através da transferência
de alelos mutantes, obtidos por meio de células-tronco embrionárias do doador, para
o genoma receptor.
Desta forma, para ser implementada, essa técnica depende da realização de
engenharia genética nas células envolvidas, pois promove uma modificação da
composição genética do receptor. Por isso, é amplamente combatida e proibida 15
quando o ser humano é o receptor.
No entanto, ela pode ser utilizada “[...] com o objetivo de obter animais
geneticamente modificados, pra produção de substâncias terapêuticas, para
xenotransplantes e, para pesquisas de doenças e terapias.” (FERRARESI, 2007, p. 164).
Assim, células-tronco embrionárias transformadas podem ser utilizadas na
produção de quimeras transgênicos, visando, com isso, a obtenção de modificações
genéticas que resultem em condições interessantes para a sociedade e para a
15 Constitui um dos tipos penais previstos na Lei de Biossegurança Nacional: Art. 25. Praticar engenharia
genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião humano: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
economia, como a criação de animais geneticamente modificados: para a produção
de substâncias terapêuticas, como a criação de vacas leiteiras modificadas para que
o seu leite contenha proteínas de interesse para a saúde do homem; para a prática
dos xenotransplantes, “[...] ou seja, o transplante do órgãos, células e tecidos, do
animal para o corpo humano” (FERRARESI, 2007, p. 166), como as pesquisas que
visam desenvolver porcos com órgãos compatíveis com o ser humano; e para serem
utilizados em pesquisas, visando especialmente estabelecer os efeitos que essas
terapias teriam nos seres humanos.
3.2.3.1.1 Medicina Regenerativa
As células-tronco embrionárias promoveram uma verdadeira revolução na
medicina regenerativa, pela qual será possível realmente promover o reparo e
substituição de tecidos que sofreram lesão ou degeneração, visando, com isso,
restaurar as suas funções.
Nesse sentido, Collins (2007, p. 251) afirma que:
Caso fosse possível encontrar uma maneira de regenerar os tecidos danificados nesses órgãos, as muitas doenças crônicas que hoje são progressivas e fatais poderiam ser tratadas com eficiência, ou mesmo curadas. Por esse motivo, a ‘medicina regenerativa’ constitui um tópico de enorme interesse na pesquisa médica. Atualmente, o estudo das células-tronco parece oferecer a maior promessa para a realização desse sonho.
E conclui alegando que:
O verdadeiro entusiasmo com os benefícios da pesquisa de células-tronco, entretanto, é o potencial embora ainda não comprovado, da utilização dessa abordagem para desenvolver novas terapias. Muitas doenças surgem porque um certo tipo de célula tem morte prematura. (COLLINS, 2007, p. 250)
O principal foco dessa medicina regenerativa é a terapia celular, que consiste
basicamente na utilização de células com objetivos terapêuticos, ou seja, visando a
cura ou tratamento das enfermidades.
Quando implementada com a utilização de células-tronco embrionárias, ela se
baseia na idéia de se criar uma cultura que possibilite a essas células-tronco se
diferenciar em uma determinada célula do corpo humano. Assim, ao serem inseridas em
uma pessoa com problemas relacionados a essas células específicas, como no caso das
células da medula, para pessoas com paralisia, e dos neurônios da substância negra do
cérebro, para as pessoas portadoras do Mal de Parkinson, possam se diferenciar em
células saudáveis capazes de melhorar, ou até mesmo curar, o problema.
Nesse contexto, as células-tronco embrionárias, justamente através da terapia
celular, podem vir a “[...] ser úteis para reposição celular em tecidos lesados em uma
variada gama de doenças as quais são resultado de disfunção ou morte celular.”
(ALHO, 2005, p. 49).
Outro aspecto da medicina regenerativa, com a utilização de células-tronco
embrionárias, é quanto a diferenciação dessas células para que promovam a
formação de células, tecidos ou até mesmo órgãos completos.
Assim, a esperança é que seja possível a criação em laboratório, através dessa
diferenciação, de todos esses elementos do organismo humano, com a finalidade de
serem utilizados em medidas terapêuticas, como o transplante de tecidos.
Essa perspectiva se deve ao fato de as células-tronco embrionárias possuírem a
pluripotencialidade, o que as possibilita, quando estimuladas para isso, que se
transformem em qualquer uma das células que compõe o organismo humano.
Como já foi dito, a grande dificuldade para se promover a diferenciação in vitro
dessas células esta em se delinear exatamente quais os estímulos que devem ser nelas
aplicados para que se transformem na célula específica que se pretendo obter.
Não obstante, as pesquisas nesse campo vem se aprimorando cada vez
mais, sendo que a esperança é que, com o aperfeiçoamento dessas técnicas, as
células-tronco embrionárias possam fornecer um suprimento ilimitado de tecidos
para transplantes.
Nesse sentido:
Data are now emerging that demonstrate human ES cells can initiate lineage-specific differentiation programs of many tissue and cell types in vitro. Based on this property, it is likely that human ES cells will provide a useful differentiation culture system to study the mechanisms underlying many facets of human development. Because they have the dual ability to proliferate indefinitely and differentiate into multiple tissue types, human ES cells could potentially provide an unlimited supply of tissue for human transplantation. (ODORICO; KAUFMAN; THOMSON, 2001, p. 193)
Exemplos do aperfeiçoamento das pesquisas em relação aos estímulos
necessários para que as células-tronco embrionárias se diferenciem aparecem cada
vez mais, sendo que, hoje, já é possível, a partir de células-tronco embrionárias,
promover a criação em laboratório de neurônios 16, de tecidos da pele (NISHIKAWA;
GOLDSTEIN; NIERRAS, 2008, p. 725) e, mais recentemente, de espermatozóides.
A criação de esperma humano em laboratório, a partir de células-tronco
embrionárias, foi alcançada por um grupo de cientistas da Universidade de Newcastle,
na Inglaterra, sendo que a pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de buscar
mecanismos para a solução dos problemas relacionados à infertilidade masculina.
No experimento, células-tronco oriundas de embriões masculinos (XY) foram
colocadas em uma solução rica em vitamina A e incubadas em temperatura
semelhante à do interior dos testículos, sendo, com isso, estimuladas a se
transformarem em células progenitoras de espermatozóide, ainda com conteúdo
genético completo (46 cromossomos). As de maior potencial reprodutivo foram
selecionadas e passaram por um processo de maturação e, ao final, foram dividas
pelo processo de divisão celular característico das células sexuais, que é meiose.
Assim, cada célula deu origem a dois espermatozóides com 23 cromossomos, sendo
que esses espermatozóides são idênticos aos criados naturalmente pelo sistema
reprodutor masculino, possuindo todos os elementos formadores (cabeça, cauda e
proteínas capazes de ativar um óvulo durante a fertilização) 17.
O mais interessante é que o mesmo procedimento quando efetuado em
células-tronco originadas de embriões femininos (XX) não obteve sucesso,
demonstrando a perfeição da genética.
Contudo, mostra-se inegável que as células-tronco embrionárias representam
um instrumento de extrema importância para o futuro da medicina humana.
Entretanto, antes que essas terapias possam ser efetivamente utilizadas em seres
humanos faz-se necessária a superação de alguns possíveis problemas.
3.2.3.2 Possíveis Problemas na Utilização de Células-tronco Embrionárias
As pesquisas com células-tronco embrionárias ainda encontram-se em
desenvolvimento, sendo que as maiores preocupações são quanto ao risco de
formação de tumores após a sua utilização em terapias celulares e quanto a sua
16 Informação obtida na reportagem: Neiva (2008, p. 168). 17 Dados retirados da reportagem: Romanini (2009, p. 138-139).
possível rejeição por parte do organismo receptor, tendo em vista que o doador
possui uma composição genética diversa da recebida.
Nesse sentido:
Os ensaios que testam o grupo celular de CT embrionárias em modelos animais apresentam alguns resultados positivos, mas nas tentativas de regeneração tecidual, se deparam com riscos importantes causados ao animal, principalmente relacionados a dois aspectos: (I) a rejeição imunológica que o corpo do animal tem às CT oriundas de um embrião doador geneticamente diferente do animal receptor, e (II) a formação de teratomas que as CT embrionárias promovem. (ALHO, 2005, p. 46).
Quanto ao risco de formação da tumores, essa possibilidade se dá em face
da alta capacidade de diferenciação que possuem essas células-tronco e da rapidez
em que elas se dividem.
“O risco de teratomas ocorre porque as CT embrionárias tem a elevada
potencialidade de diferenciação e uma capacidade para se proliferar com grande
velocidade, a qual ainda não se tem como controlar.” (ALHO, 2005, p. 46).
Sendo que: “Teratomas são tumores formados por diferentes tipos celulares.
Estes teratomas são identificados quando se injetam CT embrionárias em um tecido e
estas células dão origem a outros variados tipos celulares diferentes do tecido em que
foram injetadas.” (ALHO, 2005, p. 46).
No entanto, é importante destacar que, muitas vezes, a obtenção desses
teratomas é proposital nos experimentos realizados pelos pesquisadores em animais
de laboratório. Esse experimento tem por finalidade averiguar se as células a serem
utilizadas em pesquisas são realmente pluripotentes e, com isso, podem formar
qualquer uma das células do organismo. Assim, elas são inseridas em animais para
que formem esse tumor, que é composto por células das três camadas germinativas,
o que demonstra com certeza que essas células analisadas possuem pluripotencia.
Cabe ainda ressaltar que esses tumores derivados das células-tronco
embrionárias aparecem, em animais, com maior freqüência quando essas estão
totalmente indiferenciadas, sob a possível justificativa de que ao entrarem em
contato com o organismo sofreriam estímulos das mais diversas estruturas celulares
para se diferenciarem. E que esses tumores, também em experimentos com
animais, se mostraram incapazes de sofrer metástase e não provocaram uma morte
rápida dos seus hospedeiros.
Resumindo todas essas alegações:
[…], the possibility arises that transplantation of differentiated human ES cell derivatives into human recipients may result in the formation of ES cell-derived tumors. These tumors are not metastatic, and do not rapidly kill the host animals. Tumor growth in immunodeficient animals appears to be dependent on the presence of a stem cell population in undifferentiated cultures. Thus, as ES cells are allowed to fully differentiate into post-mitotic, terminally differentiated derivatives, they should deplete the undifferentiated stem cell pools, thereby reducing the probability of uncontrolled tumor growth. Ultimately, as the potential for tumor growth is a major safety consideration, a fail-safe method to prevent tumor growth may need to be developed. (ODORICO; KAUFMAN; THOMSON, 2001, p. 200)
Para impedir o desenvolvimento de tumores, o que se busca é atingir um
certo grau de diferenciação provocada dessas células-tronco embrionárias in vitro,
antes de efetuar a sua implementação no organismo do paciente. Ou seja, busca-se
que ela já tenha sido submetida a sinais capazes de influenciar a sua diferenciação
em células do tecido ou do órgão desejado.
Assim,
Estudos nos quais se usam CT embrionárias pré-diferenciadas (diferenciadas em ambiente laboratorial in vitro através de tratamento com compostos químicos especiais, antes da aplicação nos animais) foram mais efetivos, não tendo sido observada a formação de tumores [...]. (ALHO, 2005, p. 47).
Outro obstáculo a ser transposto na aplicação terapêutica das células-tronco
embrionárias é em relação a possibilidade de sua rejeição por parte do organismo do
paciente, tendo em vista que elas são obtidas através de uma cultura feita em
laboratório a partir de embriões com origem genética diversa da do paciente.
Assim, ”[...] por haver incompatibilidade genética entre doador e receptor, o
sistema imunológico do receptor cria anticorpos que atacam as CT do doador
implantadas no seu tecido.” (ALHO, 2005, p. 46).
Esse problema poderá ser resolvido através da administração de drogas
imunossupressoras, como já feito com sucesso no caso de transplantes de órgãos e
tecidos retirados de cadáveres, que também apresentam uma diferença entre a
composição genética do doador e do receptor.
“Estudos nos quais se usam drogas na tentativa de evitar a rejeição
imunológica (imunossupressores) simultâneas à terapia com CT embrionárias, ou
animais imunossuprimidos, são mais efetivos.” (ALHO, 2005, p. 46).
Existe ainda a possibilidade de que os cientistas consigam manipular
geneticamente essas células-tronco para que elas provoquem um mínimo de
rejeição ou para que não promovam qualquer tipo de rejeição, mesmo tendo uma
composição genética diversa da do receptor, excluindo, desta forma, a necessidade
de se administrar imunossupressores.
“[...], by virtue of their permissiveness for stable genetic modification, ES cells
could be engineered to escape or inhibit host immune responses.” (ODORICO;
KAUFMAN; THOMSON, 2001, p. 198).
Uma outra forma de extirpar a possibilidade de rejeição é se obter células-
tronco embrionárias com uma composição genética idêntica à do paciente, o que
pode ser alcançado por meio clonagem terapêutica, na qual se promove o produção
de um clone, por meio da transferência do núcleo de uma célula somática a um
oócito desnucleado, com a única finalidade de se obter células-tronco embrionárias.
Porém, essa técnica é proibida pelo regramento brasileiro e nunca foi realizada
em seres humanos. Entretanto, alguns países, como a Inglaterra e Israel, antevendo os
possíveis benefícios da sua utilização, liberaram a prática desta técnica.
Por fim, é importante destacar que as pesquisas nesse campo ainda não se
desenvolveram o suficiente para que, em relação à sua utilização em humanos,
todas estas afirmações possam ser desmentidas ou até mesmo comprovadas.
A verdade é que ainda não se sabe como as células-tronco embrionárias se
comportarão ao serem inseridas em um ser humana, tendo em vista que isso nunca
aconteceu e que muitas possibilidades estão em aberto, como a citada possibilidade
de se manipular essas células para que elas não promovam um processo de
rejeição quando inseridas no paciente.
Contudo, apesar das incertezas e do tempo necessário para que as técnicas
terapêuticas decorrentes das experimentações com células-tronco embrionárias
sejam efetivamente aplicadas aos seres humanos, é imperativo a sua promoção,
pois a simples potencialidade de vir a trazer esses inúmeros benefícios à saúde
humana já justifica a necessidade de se liberar e incentivar as pesquisas.
Muitas das terapias hoje utilizadas, senão todas, passaram por uma longa
fase de experimentação até poderem ser efetivamente utilizadas, sendo que, neste
processo, muitas possibilidades não chegaram a ser confirmadas e foram excluídas.
As pesquisas com células-tronco embrionárias não alteram em nada a
possibilidade e a necessidade do desenvolvimento de outras pesquisas, como
aquelas referentes às células-tronco adultas e as referentes à possível
reprogramação de células somáticas adultas em células embrionárias.
O importante é justamente não limitar as possibilidades, pois o argumento de que
possa vir a ter outras alternativas não justifica, por si só, o abandono das pesquisas.
Assim, apesar diversos dos problemas a serem superados, tanto de ordem
científica como de ordem ético-jurídica, e do fato de que determinadas
experimentações devam ser necessariamente combatidas, principalmente em face
dos absurdos que delas podem decorrer, o que não se deve é, utilizando-se de
justificativas simplórias e de argumentos sem qualquer substância, impedir o
desenvolvimento das terapias derivadas das células-tronco embrionárias.
3.2.3.3 Origem das Células-tronco Embrionárias
Frente a todas as evoluções já alcançadas e todas as possibilidades que
podem resultar das pesquisas com células-tronco embrionárias, a grande discussão
encontra-se exatamente em relação à origem dessas células, ou seja, de que
embriões elas poderão ser retiradas, principalmente porque na quase totalidade dos
casos a sua extração resulta na destruição do embrião.
Nesse contexto, tem-se que:
Há basicamente três fontes de obtenção de células-tronco embrionárias, que por sua vez podem ser utilizadas na terapia celular diretamente ou como produtoras de cultivos de tecidos (ou órgãos) in vitro para substituir in situ os tecidos e órgãos danificados. As fontes são as seguintes: (1) de embriões produzidos por fertilização in vitro que foram exclusivamente criados para este fim; (2) de embriões produzidos por fertilização in vitro que foram descartados em processos de reprodução assistida ou que foram congelados e não mais utilizados para fins reprodutivos (embriões excedentes); (3) de embriões obtidos por clonagem mediante transferência de núcleo ou por divisão embrionária. Este último é o caso da aplicação da técnica de clonagem não-reprodutiva com fins terapêuticos (clonagem terapêutica). (SOUZA, 2005, p. 229).
Assim, as opções para a obtenção de células-tronco embrionárias são através
da criação de embriões em laboratório exclusivamente para esta finalidade, da
clonagem terapêutica e da utilização de embriões excedentários (ou seja, os não
utilizados e os inviáveis), decorrentes da técnica de reprodução assistida da
fertilização in vitro.
3.2.3.3.1 Criação de embriões em laboratório exclusivamente para fins de pesquisa e
terapia
Quanto à criação de embriões exclusivamente como fonte de células-tronco
embrionárias, ela é proibida pelo regramento brasileiro, pois o artigo 5º da Lei de
Biossegurança permite apenas que sejam utilizados os embriões excedentes da
fertilização in vitro, ou seja, os inviáveis e os não utilizados, e a já citada Resolução
n. 1358/92, do Conselho Federal de Medicina, proíbe a fecundação de oócitos
humanos com qualquer outra finalidade que não seja a procriação humana.
Nesse sentido
Quanto ao recurso de embriões para manipulação como fonte de estudo para as pesquisas, é importante lembrar que haverá um limite na quantidade de embriões disponíveis, uma vez que no Brasil permanece não sendo permitida a produção de embriões exclusiva para este fim. (ALHO, 2005, p. 54).
É interessante destacar que, diante da realidade social atual, apesar do fato
dos embriões serem produzidos em laboratório e não implementados no útero
materno, o que, considerando as alegações e teorias defendidas na presente
dissertação, resultaria na inexistência de uma vida humana, essa possibilidade não
tem sentido, pois existem milhares de embriões congelados em clínicas de
reprodução assistida, que se não forem utilizados em pesquisas e terapias
certamente não terão qualquer outra destinação razoável.
Entretanto, cabe salientar que a maioria das legislações que permitem a
pesquisa com embriões excedentários, inclusive a brasileira, estabelece um lapso
temporal sendo que somente os embriões congelados até aquele prazo poderiam
ser utilizados como fonte de células-tronco embrionárias. O que pode, de alguma
forma, vir a limitar essas investigações cientifica, fazendo com que se torne
necessário uma reavaliação desse prazo ou uma reavaliação da proibição de se
criar embriões exclusivamente para fins de pesquisa e terapia.
3.2.3.3.2 Clonagem terapêutica
A técnica da clonagem terapêutica consiste na transferência do núcleo de
uma célula somática do paciente para um oócito desnucleado, o que possibilita a
sua reprogramação e o desenvolvimento de um embrião geneticamente idêntico ao
doador, ou seja, um clone, que, após alguns dias de cultivo, quando estiver na fase
de blastocisto, poderá ter as suas células-tronco embrionárias retiradas e cultivadas
em uma linhagem idêntica ao paciente que as receberá durante o tratamento, tendo
em vista que a célula somática foi obtida do seu próprio organismo.
“Además, los tejidos así abtenidos no oferecen el clásico problema de la
histocompatibilidad, puesto que los tejidos logrados así son compatibles con los del
donante del núcleo, el paciente mismo.” (GARCÍA, 2006, p. 138).
Assim, a clonagem terapêutica, quando as terapias celulares estiverem sendo
efetivamente aplicadas e quando essa técnica de clonagem puder ser realizada,
tanto no sentido científico - tendo em vista que nunca foi realizada - como no legal,
em seres humanos, representará a implementação de uma medicina regenerativa
sem o problema da rejeição.
Nesse sentido, “A utilização de terapia celular, baseada na transferência de
células e tecidos a tecidos e órgãos danificados é uma das grandes esperanças da
medicina no futuro, e a clonagem não-reprodutiva [...] poderia ser uma técnica eficaz
para realizar isso.” (SOUZA, 2005, p. 213).
A realização desse tipo de clonagem tem como única finalidade a obtenção
de células-tronco embrionárias para fins terapêuticos, ou seja, visando a cura das
enfermidades do paciente, sendo que nunca resultará na produção de um novo ser
humano idêntico ao submetido à técnica.
Com isso,
A clonagem terapêutica é uma biotécnica emergente que visa, a partir de certas células denominadas células-tronco – stem cells – (células com capacidade de auto-replicação e com potencialidade de diferenciarem-se em vários tipos de tecidos), desenvolver novas terapias na medicina regenerativa, para transplantes de tecidos e talvez, futuramente, de órgãos, pois segundo esta técnica se produz um embrião in vitro para sua utilização com fins denominados ‘terapêuticos’, isto é, de cura ou tratamento de enfermidades que afligem a humanidade; não há, portanto, o fim de se transferir o embrião produzido ao útero no sentido de procriar um individuo clônico. (SOUZA, 2005, p. 213).
A grande discussão em relação à aplicação dessa técnica é justamente em
função do fato de que, diante da obtenção do embrião, mesmo que a entidade mais
manipulada tenha sido uma célula somática, se está diante de um clone, o que, em
teoria, traria diversas indagações de cunho ético.
Resumindo todo o exposto:
Nuclear transfer technology may provide a more precise means to prevent rejection of transplanted cells. This technique would lead to ES cell-derived cells that are an exact genetic match to the recipient. In this way, there should be minimal host immune response since all nuclear genes, including major and minor histocompatibility loci, would be seen as “self”. Here, a nucleus would be extracted from a normal somatic cell of a patient, say from a skin biopsy, and then injected into an enucleated oocyte. Oocyte cytoplasm has the ability to reprogram differentiated nuclei, and as such, would reestablish an embryonic gene expression program in the chromatin of the somatic cell nucleus. A blastocyst developing from this oocyte would be a source for the derivation of a new ES cell line, which would be genetically matched for each nuclear gene of the patient. […]. In fact, in cows and mice, investigators have successfully combined nuclear transfer technology and ES cell derivation to establish transgenic ES cell lines from reprogrammed somatic cell nuclei. Clearly though, the generation of human embryos by nuclear reprogramming to create novel human ES cell lines would be exceptionally controversial. Furthermore, the poor availability of human oocytes, the low efficiency of the nuclear transfer procedure, and the long population-doubling time of human ES cells make it difficult to envision this becoming a routine clinical procedure even if ethical considerations were not a significant point of contention. (ODORICO; KAUFMAN; THOMSON, 2001, p. 201)
A posição normativa brasileira quanto ao assunto foi estabelecida através da
Lei de Biossegurança Nacional e de uma Instrução Normativa, n. 08/97, da
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), vinculada ao Ministério da
Ciência e Tecnologia, que foi editado logo após a já citada clonagem da ovelha
Dolly.
A Lei de Biossegurança Nacional estabelece clonagem como sendo o
processo de reprodução assexuada, produzida artificialmente, baseada em um único
patrimônio genético, com ou sem utilização de técnicas de engenharia genética.
Alem de diferenciar conceitualmente a clonagem para fins reprodutivos, como aquela
com a finalidade de obtenção de um indivíduo, da clonagem terapêutica, como
aquela com a finalidade de produção de células-tronco embrionárias para utilização
terapêutica.
Entretanto, em seu artigo 6º, IV, proíbe clonagem humana e em seu artigo 26
estabelece como um tipo penal a realização de clonagem humana, sendo que em
ambos os casos o faz de maneira generalizada, sem promover a diferenciação
acima apontada.
E, a Instrução Normativa 08/97, da Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança (CTNBio) estabelece como Clonagem radical o processo de
clonagem de um ser humano a partir de uma célula, ou conjunto de células
geneticamente manipulada(s) ou não, vedando nas atividades com humanos os
experimentos de clonagem radical através de qualquer técnica de clonagem.
Nesse contexto, apesar da das lacunas dos textos, a grande maioria da
doutrina jurídica e da comunidade científica entende que a técnica de clonagem
terapêutica também é proibida pela legislação nacional.
Contudo, com base nas próprias características dessa técnica, é possível se
estabelecer alguns contra-argumentos a esta posição.
O primeiro é que ela visa apenas a obtenção de células tronco embrionárias
com a mesma composição genética do paciente, o que tem por finalidade impedir o
aparecimento de um processo de rejeição quando ferem inseridas nesse mesmo
paciente, não sendo, em momento algum, nem cogitada a possibilidade de se
transferir esse embrião para um útero feminino, para que ele se desenvolva em uma
pessoa humana. Assim, diante dos preceitos já adotados, não há que se falar na
presença de uma vida humana.
Collins (2007, p. 257) afirma que é “[...] totalmente adequado exigir que o
produto da transferência de células somáticas jamais seja reimplantado no útero de
uma mãe hospedeira.”
E, o segundo se refere ao fato de que essa técnica de transferência nuclear
se utiliza da manipulação de uma célula somática do corpo, como uma célula da
pele, que depois é inserida em um óvulo que apenas foi desnucleado, sofrendo
estímulos para se reprogramar e voltar a se comportar como uma célula dotada de
totipotencia, ou seja, capacidade de transformar em um indivíduo completo, não
representando, com isso, uma fecundação do óvulo ou qualquer tipo de afronta à
composição genética da pessoa submetida à técnica, mas apenas visando a
obtenção de uma cultura de células que poderão ser utilizadas na cura da doença
desse paciente.
Nesse sentido:
Praticamente todos concordariam que as células epidérmicas (da pele) de um doados inicial não tem nenhum valor moral particular; afinal de contas, nós desprendemos milhões delas todos os dias. Da mesma forma, a célula de um óvulo sem o núcleo, tendo perdido todo o seu DNA, não tem potencial para um dia se transformar num organismo vivo. Portanto, também não parece merecer condição moral. Ao juntar essas duas entidades, cria-se uma célula que não se forma naturalmente, mas que apresenta um potencial definitivo. (COLLINS, 2007, p. 256).
Contudo, uma vez implementadas as técnicas, se a legislação brasileira ainda
não tiver tomado uma posição contundente quanto à matéria, será possível, diante
da necessidade de realização da clonagem terapêutica em um caso concreto,
defender que, em face dos direitos fundamentais à vida e da dignidade da pessoa
humana do paciente que, sofrendo de uma enfermidade que somente será curada
pela utilização dessa técnica, a legalidade da sua realização como uma medida
necessária visando a concretização desses direitos fundamentais.
Assim, utilizando-se de uma interpretação lógico-teleológica, pautada nos
benefícios que podem ser alcançados e nos direitos fundamentais, e através de uma
análise dos objetivos da Constituição Federal e do próprio Direito como um todo, que
visa essencialmente estabelecer regras com a finalidade de proteger as pessoas,
mostra-se evidente que é palpável a defesa da possibilidade, quando as técnicas já
estiverem estabelecidas como práticas efetivas, da realização da clonagem
terapêutica.
Assim, em face de todas essas constatações, a clonagem terapêutica, como
fonte de células-tronco embrionárias, deveria, na verdade, trazer menos discussões
do que a utilização de embriões excedentários.
3.2.3.3.3 A Utilização dos Embriões Excedentários como Fonte de Células-tronco
Embrionárias
A outra possibilidade de obtenção de células-tronco embrionárias merece uma
análise mais detalhada, pois os embriões excedentes da fertilização in vitro foram
objeto de uma grande discussão envolvendo os direitos fundamentais do ser
humano na Corte Suprema do país e representam o tema central da presente
dissertação.
Os embriões excedentários são aqueles produzidos durante a técnica de
fertilização in vitro e que, ao final desta, sobraram, seja porque, apesar de viáveis,
não foram utilizados, seja porque se mostraram inviáveis para serem transferidos ao
útero materno.
Nesse sentido, tem-se que “[...] convendería clasificar a los embriones [...], sobre
todo en lo que atañe a los sobrantes, entre viables e inviables. Estos últimos, y debido a
alguna malformación, nunca llegarían a buen término.” (SÁDABA, 2004, p. 104).
A legislação brasileira, no artigo 5º da Lei de Biossegurança Nacional, permite
que, preenchidos os requisitos de consentimento dos genitores e de aprovação por
comitê de ética, esses embriões sejam utilizados, em pesquisas e terapias, como
fonte de células-tronco embrionárias.
Quanto aos não utilizados, eles são dotados de um bom desenvolvimento
embrionário, ou seja, seriam capazes de promover a gravidez e, me decorrência,
gerar uma ser humano, mas, permanecem congelados porque já se alcançou o
objetivo traçada pelos genitores quando da realização da técnica.
Em relação a esses embriões a referida lei faz ainda uma exigência temporal
para que eles sejam utilizados nas pesquisas e terapias com células-tronco
embrionárias, somente podendo ser aproveitados aqueles que permaneceram
congelados por mais de três anos antes da lei ou que, se já congelados antes da lei,
que assim permaneçam por mais de três anos.
Quanto aos inviáveis, são aqueles portadores de algum problema no seu
desenvolvimento embrionário, que certamente os impossibilitará de promover o
desenrolar de um ser humano, não estando, desta forma, aptos a ser transferidos
para o útero.
A inviabilidade é analisada quando, após o decurso de um tempo depois da
fecundação, superior a 24 horas, os embriões, por exemplo, não estão se dividindo
ou estão muito fragmentados.
Entretanto, esses embriões, apesar de não poderem ser utilizados na
reprodução assistida, possuem a capacidade de gerar linhagens de células-tronco
embrionárias. Sendo exatamente nesse sentido que a lei brasileira estabelece uma
permissão expressa para que as pesquisas sejam realizadas também com esses
embriões inviáveis, cabendo destacar que, nesses casos, em face dessa
incapacidade de gerar um ser humano, não existe a exigência temporal pra que
sejam utilizados em pesquisas e terapias com células-tronco embrionárias.
Cabe destacar que os embriões submetidos à técnica de diagnóstico pré-
implantatório nos quais se observa a presença da doença genética também se
tornam inviáveis, pois o casal buscou justamente a reprodução assistida com a
finalidade de impedir que o seu filho nasça com essa doença.
Esses embriões, contudo, podem ser preciosos para as pesquisas acerca
daquela doença específica, pois com a criação de tecidos derivados das células-
tronco desses embriões, que certamente terão a doença, será possível estudar o
efeito de drogas, as causas que levam aquela mutação genética a gerar aquela
doença específica e, principalmente, buscar meios para solucionar essa
enfermidade.
Nesse contexto todo, o Decreto n. 5.591/05, que tem por finalidade
regulamentar as previsões da Lei de Biossegurança Nacional, conceitua embriões
inviáveis como aqueles com alterações genéticas comprovadas por diagnóstico pré
implantacional, conforme normas específicas estabelecidas pelo Ministério da
Saúde, que tiveram seu desenvolvimento interrompido por ausência espontânea de
clivagem após período superior a vinte e quatro horas a partir da fertilização in vitro,
ou com alterações morfológicas que comprometam o pleno desenvolvimento do
embrião.
Os principais argumentos daqueles que são contrários à utilização dos
embriões excedentários em pesquisas e terapias com células-tronco embrionárias
são:
a) que a vida humana teria inicio no momento da fecundação independente
do local em que ela aconteceu e que, desta forma, qualquer manipulação
em embriões, principalmente a sua destruição para obter células-tronco,
seria uma afronta aos direitos fundamentais à vida e à dignidade da pessoa
humana;
b) a existência de uma técnica capaz de promover a retirada de células-tronco
embrionárias sem resultar na destruição do embrião; e
c) e que as células-tronco embrionárias injetadas em pacientes causariam
rejeição e tumores e que as terapias com células-tronco adultas ou
oriundas de outras técnicas como a da reprogramação de células
somáticas em células-tronco embrionárias seriam mais eficientes.
Entretanto nenhuma dessas alegações pode prosperar, pois possuem vícios
que as tornam incapazes de inviabilizar a utilização dos embriões excedentários
nessas pesquisas e terapias. Sendo que foi nesse sentido que se posiciono o
Supremo Tribunal Federal, como será melhor explicitado adiante.
Quanto ao primeiro argumento, utilizando-se da posição já adotada, tem-se
que se não houver uma intervenção humana no sentido de promover a inserção do
embrião no útero será impossível que este se desenvolva em uma vida humana.
Assim, em relação aos embriões congelados, a transferência para o útero e a
posterior nidação se apresentam como condições indispensáveis para que seja
possível se falar da existência de uma vida humana e da necessidade de se
estabelecer a observância dos direitos fundamentais à vida e da dignidade da
pessoa humana na sua proteção.
E, quando são inviáveis os embriões, esse argumento perde totalmente o
sentido, pois mesmo nos seus primeiros estágios de desenvolvimento já se observou
que não possuem sequer a potencialidade para viverem a se desenvolver Assim,
mesmo que sejam transferidos para o útero não serão capazes de se desenrolar em
uma vida humana, sendo um contra-senso alegar a necessidade de proteção a uma
vida que nunca existirá.
Nesse contexto, mesmo os ministros que impuseram maiores exigências para
que a utilização dos embriões excedentários em pesquisas e terapias fosse
considerada constitucional, na decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade
proposta sobre o assunto, alegaram que a utilização dos embriões inviáveis não
configura uma afronta aos diretos fundamentais.
Contudo, não existe qualquer tipo de violação aos direitos fundamentais à
vida e da dignidade da pessoa humana quando da implementação de pesquisas e
terapias com células-tronco oriundos dos embriões excedentários, sejam eles
inviáveis ou, finda a técnica, simplesmente não utilizados.
O que existe é uma verdadeira afirmação desses direitos fundamentais, pois
esses embriões serão aproveitados com a finalidade de se buscar mecanismos
capazes de amenizar ou até mesmo extinguir diversas doenças que assolam a
sociedade.
Quanto ao segundo argumento, da existência de uma técnica que promove a
retirada de células-tronco do embrião ser promover a sua destruição, ela é muito
parecida com a técnica já citada que se destina a analisar as características
genéticas do embrião antes que ele seja inserido, para selecionar os embriões que
não possuem doenças genéticas comuns na família dos genitores (técnica do
diagnóstico pré-implantatório), ou seja, promove a retirada de algumas poucas
células do embrião em desenvolvimento sem que, com isso, ele seja destruído.
O problema dessa técnica é que em alguns casos, apesar dos cuidados,
resulta na destruição do embrião e que a quantidade de material retirado
impossibilita a criação de uma linhagem de células-tronco embrionárias, o que a
torna inviável.
E, quanto ao terceiro argumento, em relação ao problema de rejeição e
tumores, apesar de já ter sido amplamente debatido, cabe destacar que em teoria
eles realmente poderiam ocorrer, principalmente em face da pluripotencialidade e da
rapidez de renovação dessas células e da diferença genética existente entre as
células-tronco obtidas de um embrião excedente da fertilização in vitro e o receptor.
Entretanto, não se sabe ainda ao certo como essas células se comportariam
em relação aos seres humanos e já existem várias pesquisas buscando meios
capazes de limitar ou até mesmo resolver esses problemas.
Soluções para esses problemas, caso eles se confirmem, são: a manipulação
das células-tronco para que elas não promovam a criação de tumores ou de um
processo de rejeição; a utilização de drogas imunossupressoras, o que já é feito no
caso de transplantes de tecidos e órgãos oriundos de cadáveres, que também
apresentam uma diferença entre a composição genética do doador e do receptor; e
a liberação da clonagem terapêutica, que também proporciona uma identidade entre
o material genético do receptor e do embrião doador, tendo em vista que ele foi
criado a partir de células somáticas do próprio paciente.
Quanto às células-tronco adultas, apesar da sua utilização também carecer
de uma comprovação cientifica mais aprofundada, elas certamente são e serão
muito importantes na busca de diversas terapias.
Nesse sentido, elas já foram testadas, em alguns casos com sucesso, no
tratamento de diversas doenças, como moléstias cardíacas, acidente vascular
cerebral, diabetes, esclerose lateral amiotrófica e lesionados medulares.
A principal técnica utilizada é o auto-transplante, no qual são recolhidas
células-tronco adultas de uma pessoa, sendo que elas passam por um processo de
purificação e estimulação e, posteriormente, são injetadas em um órgão especifico,
lesado, dessa mesma pessoa. Nesse caso certamente não haverá qualquer
problema de rejeição, tendo em vista que o material é oriundo da mesmo paciente.
Entretanto, esse tratamento não poderá ser utilizado para o tratamento de
algumas doenças e para a criação de novos tecido e órgãos, tendo em vista a
diminuta capacidade de diferenciação dessas células.
Como já foi dito, elas também não podem ser utilizadas nos casos de
doenças genéticas, pois nessas situações a mutação genética que resulta na
doença encontra-se presente em todas as suas células do corpo. Assim, ao injetar
uma célula-tronco adulta oriunda daquela mesma pessoa, ela também carregará no
seu genoma a mutação responsável pela doença. Assim, as doenças genéticas
devem necessariamente ser combatidas com células-tronco embrionárias.
Quanto às outras técnicas, como a que promove a reprogramação de células
somáticas adultas para que elas se comportem com células-tronco embrionárias.
Uma das principais conquistas obtidas com a clonagem da ovelha Dolly, por
meio de técnica de transferência do núcleo de um a célula somática adulta, foi
mostrar que células já diferenciadas poderiam voltar a ser reprogramadas para
voltarem a ser totipotentes, e, com isso, ser capaz de formar um indivíduo completo.
Nesse contexto, células-tronco dotadas de pluripotencialidade, obtidas de
células somáticas reprogramadas, são a grande novidade nas pesquisas com
células-tronco, tendo sido amplamente bem-vindas pelos opositores das pesquisas
com embriões excedentários.
“Opponents of stem-cell research have welcomed iPS-cell technology as a
method for achieving an embryonic-like state without the ethical dilemma of
destroying human embryos.” (NISHIKAWA; GOLDSTEIN; NIERRAS, 2008, p. 725)
Elas são chamadas de Induced Pluripotency Stem Cells (IPS), sendo que se
apresentam como uma técnica na qual células somáticas do organismo adulto são
reprogramadas para que se comportarem como embrionárias.
Ou seja:
Induced pluripotent stem (iPS) cells are the product of somatic cell reprogramming to an embryonic-like state. This occurs by the introduction of a defined and limited set of transcription factors and by culturing these cells under embryonic stem (ES)-cell conditions. iPS-cell technology is a novel method for generating pluripotent stem cells. The method is striking in that it can convert somatic cells directly into pluripotent cells, in a manner that is totally independent of the availability of embryonic cells. (NISHIKAWA; GOLDSTEIN; NIERRAS, 2008, p. 725)
Essa reprogramação é realiza através da introdução de um vírus específico
em uma célula somática, sendo que este inicia um processo de ativação de um
determinado grupo de genes, que, por sua vez, promovem a reprogramação da
célula para ela se comporte como uma célula-tronco embrionária.
Assim, tanto estas células como as células-tronco embrionárias poderiam ser
utilizadas na medicina regenerativa, sendo que a questão é justamente o quão perto
essas células somáticas reprogramadas chegam das células-tronco embrionárias, ou
seja, se elas realmente terão a mesma capacidade de se auto-replicar e a mesma
plasticidade. No entanto, é interessante destacar que em estudos com ratos de
laboratório essa equivalência foi observada.
Deste modo,
Both iPS cells and ES cells can be used as the pluripotent starting material for differentiated cells or tissues in regenerative medicine. As sources of pluripotent cells, iPS cells are inevitably compared with ES cells, but the pressing scientific question to ask is: how closely do iPS cells resemble conventional ES cells? Mouse iPS cells have been shown to be functionally equivalent to mouse ES cells. (NISHIKAWA; GOLDSTEIN; NIERRAS, 2008, p. 725)
A vantagem dessa técnica é que, assim como no caso das células-tronco
adultas e da clonagem terapêutica, o material utilizado na terapia será obtido da
mesma pessoa que o receberá, não havendo problemas em relação à rejeição
genética.
Entretanto, nesse contexto, cabe salientar que, assim como no caso das
células-tronco adultas e da clonagem terapêutica, se o problema for genético, a
utilização dessas células reprogramadas na terapia celular fica prejudicada, pois por
terem a mesma composição genética que o receptor, essas células também trarão
no seu conteúdo genético a expressão da doença que se pretende curar.
A grande dúvida, ainda não respondida, apesar dessa técnica já ter sido
realizado com sucesso com células somáticas humanas, é se essas células
reprogramadas poderão ser futuramente utilizadas em terapias específicas e se elas
se comportarão do mesmo jeito que as células-tronco embrionárias ao serem
induzidas a se diferenciar em uma outro célula do organismo humano.
Assim,
[…] iPS-cell technology has been successfully applied to human somatic cells, but the efficiency of derivation remains low. Human iPS cells might be an ideal cell source for cell therapy, given that iPS cells can be derived from the patient to be treated and thus are genetically identical cells that would avoid immune rejection. However, human iPS cells have not yet been
directed to differentiate into a specific functional tissue or organ, although gene-expression profiles of in vitro differentiated human iPS cells modified cells face significant regulatory hurdles for therapeutic applications. (NISHIKAWA; GOLDSTEIN; NIERRAS, 2008, p. 725-726).
A resposta a estas perguntas ainda não pode ser alcançada, especialmente
porque ainda não existem certezas absolutas quanto às potencialidades tanto das
células-tronco embrionárias como das células somáticas reprogramadas. Sendo este
mais um dos motivos que estabelecem a necessidade de se promover e se
incentivar as pesquisas em ambos os sentidos.
Com isso, apesar de ter sido amplamente bem vinda pelos combatentes das
pesquisas com embriões excedentes, essa técnica não é antagônica à das células-
tronco embrionárias. Assim, ambas devem ser desenvolvidas, sendo esta a opinião
da grande maioria da comunidade cientifica.
Nesse sentido, Nishikawa (NISHIKAWA; GOLDSTEIN; NIERRAS, 2008, p. 725):
[…] we discuss the promise of iPS cells and the challenges of using these cells for therapy. Along with others, we strongly advocate continued support of research using both ES and iPS cells. The use of both of these cell types allows the comparison of developmental processes, with the promise of accelerating our understanding of human development..
Todos esses novos avanços, como o desenvolvimento de técnicas que não
resultem na destruição do embrião, a ampliação da utilização de células-tronco adultas
e a obtenção de células com as mesmas características das células-tronco
embrionárias através da reprogramação de células somáticas adultas, representam
uma evolução no sentido da busca de soluções para as enfermidades humanas. Mas,
em momento algum inviabilizam ou se contrapõem às pesquisas com células-tronco
embrionárias. Pelo contrario, elas se complementam, devendo serem comparadas para
se chegar à conclusões pertinentes sobre as suas semelhas e as suas diferenças,
determinando, com isso, o âmbito em que cada uma deverá ser aplicada.
Assim, é necessário incentivar também as pesquisas com células-tronco
embrionárias decorrentes dos embriões excedentários, pois os benefícios que
podem resultar de todas essas técnicas ainda são desconhecidos, representando
uma ignorância dos verdadeiros anseios da sociedade as tentativas de limitar
qualquer uma delas, inclusive e principalmente aquelas relacionadas com os
embriões não utilizados na fertilização in vitro..
Outro fato a ser considerado na utilização dos embriões excedentários em
pesquisas científicas é que, apesar dos mecanismos para impedir ou diminuir a
criação de novos desses embriões, como a limitação de embriões a serem criados
na técnica, a obrigação de se implementar todos os embriões criados, mesmo que
sejam inviáveis, e o congelamento de gametas, ainda existem mundo afora milhares
de embriões já congelados, que se não forem usados pela ciência, certamente serão
simplesmente destruídos.
Nenhum dos argumentos contrários à utilização desses embriões em pesquisas
e terapias traz uma solução viável sobre o destino dos embriões já congelados
(milhares só no Brasil) ou uma justificativa para se desperdiçar a capacidade de cura
que pode resultar da utilização terapêutica das células-tronco embrionárias.
Os embriões excedentários são entidades diferentes do embrião que se
encontra em desenvolvimento dentro do corpo da mulher ou de qualquer outra fase
do desdobramento da vida humana. Assim, “[...] é possível afirmar inadequar-se ao
embrião humano in vitro a categoria de pessoa natural. Também não é nascituro. e
nem se caracteriza como prole eventual.” (MEIRELLES, 2003, p. 91).
Desta forma, eles devem ser submetidos a um tratamento ético, social e
jurídico próprio, diverso daquele destinados aos organismos que efetivamente são
dotados de vida humana, sendo que o art. 5º Lei de Biossegurança estabelece de
forma coerente e acertada este tratamento diferenciado.
É importante destacar também que a sociedade brasileira, na sua grande
maioria, apóia as pesquisas com embriões excedentários. Ela realidade pode ser
comprovada através da análise das pesquisas de opinião popular 18 realizadas perto
da decisão do Supremo Tribunal Federal.
Contudo, não se esta argumentando que esses embriões sejam utilizados em
manobras absurdas ou visando a destruição de seres humanos, pelo contrário, o
que se pretende é que, ao invés de serem simplesmente esquecidos em um estágio
inanimado, ou destruídos, eles sejam utilizados em pesquisas que tem por finalidade
última o desenvolvimento de terapias que serão responsáveis pelo tratamento ou até
mesmo a cura de diversas doenças que afligem uma parcela considerável da
população.
18 “De acordo com uma pesquisa realizada pelo Ibope — encomendada pelo ONG Católicas Pelo Direito
de Decidir –, 75% dos brasileiros acreditam que usar tais células para tratamento e recuperação de pessoas com doenças graves é uma "atitude em defesa da vida". Outros 20% acreditam parcialmente na tese e 5% discordam totalmente dela. A parcela de católicos que julga ser correto o uso de células-tronco em pesquisas também é alta: 94%. A porcentagem da população com nível superior que concorda com a iniciativa é ainda maior: 97%.” – (75% ..., 2008. online).
Assim, “[...] es incongruente rehusar avances terapéuticos por temor a usos
indeseables, pareciendo más coherente buscar modos de control social que
permitan los benefícios y proscriban desarrollos moralmente inaceptables.”
(KOTTOW, 2005, p. 163).
A utilização dos embriões excedentários como fonte de células-tronco
embrionárias deve ser observada do ponto de vista dos direitos fundamentais das
pessoas que efetivamente compõem a sociedade, e não do suposto ponto de vista
de um conjunto de células que nem sequer podem ser considerados como sujeitos
de direito, tendo em vista que não possuem vida humana.
Diante de tal atitude, não será cabível qualquer alegação que possa limitar as
pesquisas e terapias com esses embriões, o que deve resultar em inúmeros
benefícios para a sociedade, sendo que, com isso, será possível atingir o objetivo
principal dessas atividades, que é justamente o de promover uma verdadeira
concretização dos diretos fundamentais à vida e da dignidade da pessoa humana.
CAPÍTULO 4 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DELINEADORES DA
CONDUTA HUMANA E A TUTELA DA VIDA
Diante de todas as possibilidades científicas e de todas as controvérsias
relacionadas com a utilização dos embriões excedentes da técnica de fertilização in
vitro como fonte de células-tronco embrionárias, mostra-se necessária a promoção
de uma análise detalhada dos diretos fundamentais envolvidos nessa contenda.
Esses princípios, definidos constitucionalmente como direitos fundamentais,
atuam como balizadores da estrutura político-social do Estado e, principalmente,
como delineadores da conduta humana.
Com isso, estabelecem uma grande conexão com o Biodireito e com as
evoluções científicas, tendo em vista as implicações que a efetiva aplicação dessa
atividade acarreta aos seres humanos.
Nesse contexto, levando-se em consideração a experimentação com os
embriões excedentários, os direitos fundamentais que merecem evidência são
aqueles relacionados com a tutela da vida humana, especialmente o direto à vida e
o à dignidade de pessoa humana.
Esse destaque se deve ao fato de que teriam sido estes os diretos afrontados
pela permissão para a implementação de pesquisas e terapias com células-tronco
embrionárias oriundas desses embriões.
Visão esta que não prevaleceu nos termos da decisão proferida pelos
ministros do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade
proposta neste sentido.
E, que não pode prosperar, tendo em vista que, ante a tudo que já foi
explicitado e ao que será trazido por este capítulo, a experimentação nestas
células embrionárias não é uma afronta aos princípios fundamentais, mas sim
uma concretização dos valores neles defendidos.
4.1 Os Direitos Fundamentais
Os Direitos Fundamentais tiveram origem com as declarações que visavam
estabelecer a observância dos Direitos Humanos, que, por sua vez, tem a finalidade de
promover a proteção de direitos pertencentes a todos os seres humanos, e que,
justamente por isso, se fundamentam na existência de um Direito Natural, ou seja, de
direitos que são inatos à condição humana.
A criação dessas declarações está intimamente relacionada com o surgimento das
modernas Constituições escritas.
Alexandre de Moraes (1998, p. 51), nesse sentido, afirma que “[...] o
estabelecimento de constituições escritas está diretamente ligado à edição de
declarações de direitos do homem.”
Assim, a lei suprema do Estado, composta por um conjunto de princípios,
garantias e regras, nasceu exatamente para implementar e concretizar estes
direitos, que, por sua vez, são imprescindíveis na realização da existência humana.
Direitos estes que diante da previsão constitucional deixam de ser conhecidos
como Direitos Humanos, de caráter internacional, e passam a ser chamados de
Direitos Fundamentais, assumindo, desta forma, a coercitividade necessária para
atuarem nos limites da soberania do Estado.
Assim, os direitos fundamentais são “[...] princípios que resumem a
concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico”
e que visam “[...] designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e
instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual
de todas as pessoas.” (SILVA, 1997, p. 176-177)
Ao serem tratados como fundamentais busca-se “[...] a indicação de que se
trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não
convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive.” (SILVA, 1997, p. 177).
Deste modo, somente aqueles que são indispensáveis para a concretização
de uma existência digna de todos os membros da sociedade adentram o rol desses
direitos e, com isso, são considerados fundamentais.
É importante desatacar que essa realidade progride em face de
acontecimentos históricos que modificam os anseios da coletividade. Assim, diante
da necessidade de se promover uma abstenção do Estado visando proteger a
liberdade dos cidadãos, surgiram, como decorrência das conquistas da Revolução
Francesa, os direitos fundamentais de primeira geração (ou dimensão), de caráter
eminentemente individual. Posteriormente, em razão das desigualdades sociais
advindas com a Revolução Industrial, tornou-se imperativo que o Estado atuasse
implementando direitos mínimos para uma existência digna, dando, com isso,
origem a direitos fundamentais de caráter social, chamados de direitos de segunda
geração. E, em face da crescente necessidade de se proteger bens essenciais a
todos os seres humanos, como o meio ambiente, surgiram direitos que, através de
uma incidência global, visam promover uma coexistência fraternal dos seres
humanos, conhecidos como direitos de terceira geração. Sendo que
contemporaneamente já se fala em direitos fundamentais de quarta geração, que
serão melhor apresentados mais a frente e que se relacionam com a atual
revolução científica.
Desta forma, o rol de Diretos Fundamentais estabelecidos pela Constituição
tem por finalidade expressar os principais valores defendidos e compartilhados pelos
membros de uma determinada sociedade em um determinado período.
Entretanto, cabe salientar também que esses valores são dinâmicos, podendo
sofrer mutações que devem ser acompanhadas pelos responsáveis pela
interpretação, aplicação e efetivação dessas cláusulas abertas e delimitadoras da
conduta social.
A evolução dos direitos fundamentais fez com que eles perdessem “[...] o seu
caráter absoluto para ganhar uma dimensão mais relativa surgida da imperiosa
necessidade de compatibilizar o direito com outros princípios constitucionais.”
(BASTOS, 2001, p. 180).
Assim, “[...] os direitos e garantias fundamentais consagrados pela
Constituição Federal não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos
demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna.” (MORAES, 1998, p. 54)
Em face dessa inexistência de hierarquia entre eles e da inexistência de
direitos fundamentais absolutos, pode ocorrer uma colisão entre os valores
protegidos por dois ou mais desses direitos, o que se encontra dentro da mais
absoluta normalidade, cabendo ao aplicador, diante do conflito, conciliar o sistema.
Desta forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos
outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição de princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade precípua. (MORAES, 1998, p. 54, grifo do autor)
Portanto, deve o aplicador utilizar-se da uma técnica de ponderação de
valores, pela qual, dentro de uma visão permeada pelo razoável e pelo proporcional
e analisando o caso concreto, busca-se a efetivação do direito fundamental que se
aplicar de forma mais correta e coerente, suprimindo, neste caso específico, a
aplicação do outro direito.
Outra característica importante dos direitos fundamentais é:
[...] servir como critério de interpretação das normas das normas constitucionais, seja ao legislador ordinário, no momento de criação das normas infraconstitucionais, seja aos juízes, no momento de aplicação do direito, seja aos próprios cidadãos, no momento da realização de seus direitos. (BASTOS, 2001, p. 161).
Os direitos fundamentais devem atingir as finalidades para as quais eles
foram estabelecidos, ou seja, devem, quando presentes as características
necessárias, de acordo com previsão expressa na própria Constituição brasileira, ser
dotados de uma aplicabilidade e efetividade imediata.
Cabe destacar que a aplicabilidade dos direitos fundamentais pode ter uma
eficácia vertical, estabelecendo a proteção dos seres humanos, individual ou
coletivamente, na sua relação com o Estado, ou uma eficácia horizontal, estabelecendo a
proteção quanto se tratar de uma relação entre cidadãos desse Estado.
Nesse sentido, os direitos fundamentais atuam como instrumento de controle
e de defesa, sendo estas funções explicitadas de por J. J. Gomes Canotilho (apud
MORAES, 1998, p. 51):
[...] a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).
Destarte, é somente através da materialização no mundo dos fatos de forma
plena que será possível o desempenho concreto da função social dos valores
defendidos nestes institutos jurídicos.
Quanto à relação dos direitos fundamentais com a atividade científica tem-se
que são justamente os valores por eles defendidos os responsáveis por estabelecer
os limites, quando essa atividade tiver que ser restringida de modo a impedir o
aparecimento de abusos, e os incentivos, quando ela tiver que ser estimulada,
visando o desenvolvimento de técnicas capazes de melhorar ou garantir a vida
humana.
A necessidade de interação entre os valores defendidos pelos direitos
fundamentais e os anseios da atividade cientifica mostra-se ainda mais premente
quando as conseqüências dessas atuações tiverem como destinatário direto as
pessoas humanas, sendo indiscutível que, com base nesses valores, a ciência deve
buscar sempre o mais benéfico à humanidade.
Assim, “Toda investigación biológica, a medida que se hace más inmediata en
relación con la vida humana, y sobre todo si se hace con seres humanos, se jutifica
sólo si sus objetivos son claramente benéficos para la humanidad.” (KOTTOW, 2005,
p. 149).
Diante do embaraço dos seres humanos em face dessas evoluções
científicas, Gisselda Hironaka (2006, p. 26) alega que:
A perplexidade humana em face das impressionantes mutações das possibilidades de interferência dos homens nos assuntos até então exclusivos da natureza ou da divindade, promove sempre inquietantes indagações, algumas das quais nem sempre respondidas, ou não respondias satisfatoriamente.
E continua afirmando que
[...], é imprescindível reconhecer que estas respostas, posições ou soluções devem sempre ser buscadas – e só assim deve ser – com a atenção voltada aos matizes de ordem ética, sob a máxima consideração do principio constitucional – mas também principio da vida de cada um e de todos nós – da dignidade da pessoa humana. (HIRONAKA, 2006, p. 26).
Contudo, os direitos fundamentais encontram-se intimamente ligados às
atividades correlacionadas com essa verdadeira revolução científica, sendo que a
humanidade é cada dia mais influenciada, positiva ou negativamente, por esses
acontecimentos.
4.2 A Relação dos Direitos Fundamentais com a Evolução Científica
Cabe aos valores protegidos pelos direitos fundamentais a difícil tarefa de
estabelecer um equilíbrio no qual as experimentações científicas não sejam podadas
e, ao mesmo tempo, somente sejam efetivamente implementadas quando forem
trazer resultados positivos aos seres humanos. Com isso, atuam limitando os
malefícios e maximizando os benefícios.
É justamente em virtude da busca por essa relação e da influência que a
evolução científica vem tendo na produção e na concretização de novos direitos
fundamentais que parte considerável da doutrina, com base nos ensinamentos de
Norberto Bobbio, passou a destacar como uma nova dimensão dos Direitos
Fundamentais aqueles relacionados com a proteção do patrimônio genético e com a
regulamentação do avanço tecnológico das biociências.
Nesse sentido o próprio Bobbio (2004, p. 25-26) afirma que:
Ao lado dos direitos sociais, que foram chamados de direitos de segunda geração, emergiram hoje os chamados direitos de terceira geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do efetivamente se trata. O mais importante deles é reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído. Mas já se apresentam novas exigências que só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração, referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo.
Dessa realidade tem-se que os direitos fundamentais são essências na
afirmação do ramo jurídico do Biodireito e no desenvolvimento consciente das
atividades cientificas.
Quanto ao Biodireito, é relevante constatar que:
O Direito, assim voltado a organizar as liberdades decorrentes das dimensões biotecnológicas que sem cessar despontam, bem como, voltado à sua função maior de revisor e guardião de valores fundamentais da esfera humana, se estrutura e opera sob sua nova ordem, vale dizer, sob a denominação de biodireito. E o duo inicial promovido pelo bio e pela ética, se pluraliza, se reforça e se redesenha neste viés jurídico novo, disponibilizado à garantia da preservação da dignidade humana e da dignidade da própria humanidade, num último assento. (HIRONAKA, 2006, p. 30, grifo do autor).
Assim, alguns dos diretos fundamentais de maior relevância são observados
e assegurados também no âmbito de atuação do Biodireito, passando inclusive a
figurar como seus próprios princípios. Entre eles estão o referente à dignidade da
pessoa humana e o referente à vida.
Nesse sentido tem-se que:
Por sua natureza, [...], os princípios constitucionais devem constituir os princípios do Biodireito. Não sem razão, já se firmou que a recepção nos textos constitucionais de uma série de valores fundamentais, como a vida, a dignidade humana, a liberdade e a solidariedade e sua proteção enquanto direitos, tornou-se pedras angulares da bioética moderna. (BARBOZA, 2003, p. 73 grifo do autor).
Quanto à atividade científica, os direitos fundamentais atuam como o
instrumento capaz de promover a implementação de um meio-termo capaz de
estimular o direito fundamental à liberdade científica (art. 5º, IX, CF) e de impedir
que absurdos sejam praticados.
Assim, as determinações constitucionais decorrentes de direitos
fundamentais, como o dever do Estado de incentivar a ciência, assumem grande
destaque na análise dessa relação entre esses direitos e a atividade cientifica.
Especificamente em relação às pesquisas com os embriões excedentários
cabe destacar que a Constituição Federal estabelece algumas prerrogativas que
influenciam essa análise, sendo as principais a obrigação do Estado incentivar a
atividade científica e o direito da população a um planejamento familiar.
Segundo o artigo 218, da Constituição Federal, compete “[...] ao Estado
promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e capacitação
tecnológicas.” (MORAES, 1998, p. 557). Essa previsão tem por base o direito
fundamental à liberdade de expressão científica.
Com isso, deve o Estado estimular todas as experimentações científicas que
estejam em conformidade com as previsões dos direitos constitucionais e que, desta
forma, busquem melhorias nas condições de vida da sociedade, estando entre elas
as pesquisas com células-tronco embrionárias oriundos dos embriões excedentários.
Já a previsão de um verdadeiro direito ao planejamento familiar encontra-se
prevista no parágrafo 7º, do artigo 226, da Constituição Federal. Ele se basea no
direito fundamental da dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, Alexandre de Moraes coloca que, fundado no princípio da
dignidade da pessoa humana, “[...] o planejamento familiar é livre decisão do casal,
competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício
desse direito“ (MORAES, 1998, p. 562).
E Celso Bastos (2001, p. 509) que:
O § 7º do art. 226 de nossa Lei Maior deixa claro que é um dever de todos, inclusive do Estado, garantir ao casal a liberdade de decidir responsavelmente, sem nenhum tipo de coação social ou legal, quantos filhos quer ter e como quer espaçar os nascimentos. Não se trata de procriação ilimitada ou falta de consciência do que implica educar os filhos, mas a faculdade que os cônjuges tem de usar a sua liberdade inviolável de modo sábio e responsável, tendo em conta tanto as realidades sociais e demográficas quanto a sua própria situação e desejos legítimos.
Assim, o planejamento familiar não é uma simples prerrogativa das entidades
familiares, mas sim um direito, não podendo o Estado restringi-lo de qualquer modo.
Pelo contrário, deve o Estado propiciar os meios, inclusive científicos, para que esse
direito seja efetivado.
Deste modo, as pessoas tem o direito de utilizar as técnicas de reprodução
assistida para resolver os seus problemas de infertilidade, independente dessas
técnicas produzem ou não produtos ociosos, não sendo legítimo ao Estado exigir,
sob qualquer argumento, que elas abandonem o seu sonho de ter filhos.
“[...] o desejo manifestado pelo casal de ter filhos é um bem moral tão forte
que justifica o procedimento.” (COLLINS, 2007, p. 255)
Contudo, os diretos fundamentais que mais interferem na atividade cientifica,
limitando-a ou incentivando-a, são justamente os diretos à vida e à dignidade da
pessoa humana.
4.3 Os Direitos Fundamentais à Dignidade da Pessoa Humana e à Vida
Primeiramente, é importante salientar que o modo como as pessoas encaram
o mundo que as cerca sofre modificações constantes, fazendo com que os seus
valores também sejam alterados.
Assim, a interpretação dos direitos fundamentais deve acompanhar esses
acontecimentos, fazendo com que esses preceitos indispensáveis à existência
humana se adaptem à novas realidades da sociedade.
Nesse sentido,
As relações sociais e a vida grupal, criando novas formas de ação, novos hábitos e comportamentos, modificam, não sem certa luta, as manifestações de interpretação de princípios eternos. Sim, não são os princípios que se modificam, mas as interpretações destes mesmos princípios. (MATTAR, 2003, p. 137).
Uma das atividades que mais provocam mudanças nos valores defendidos
pela sociedade é justamente a ciência. Alguns séculos atrás a Terra era o centro do
universo, e alguns anos atrás não seria possível pensar na descodificação do
genoma humano.
Quanto a este último exemplo, Javier Sábada lembra que “[...], hay que
constatar que la relolución genética ha supuesto un cambio estraordinário en nuesta
visión del mundo.” (SÁDABA, 2004, p. 25).
O desenvolvimento da possibilidade de se criar embriões em um ambiente
fora do corpo da mulher e, mais recentemente, as promessas terapêuticas das
células-tronco embrionárias, também promoveram uma mudança em conceitos
defendidos pela humanidade a muitos anos, fazendo com que a visão da sociedade
em relação ao termo inicial da vida humana tenha se alterado.
Contudo, a pesar das barreiras a serem transpostas, é importante que se
promova uma nova abordagem dos direitos fundamentais, inclusive dos direitos à
vida e da dignidade da pessoa humana.
4.3.1 Direito à Vida
O direito à vida é uma prerrogativa inerente ao ser humano, sendo que a
efetivação desse bem vital, valorado de forma inestimável, pertencente a todo e
qualquer indivíduo, apresenta-se como um elemento incindível da existência
humana.
“O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui
em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos.” (MORAES,
1998, p. 56)
Ou seja, ela “[...] constitui a fonte primária de todos os outro bens jurídicos. De
nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais, como a
igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana
num desses direitos.” (SILVA, 1997, p. 195)
Assim, apesar de não ser absoluto, como todos os demais direitos
fundamentais, a sua importância é inquestionável, tendo em vista que é somente a
partir da sua concretização que os outros direitos fundamentais passam a ser
exteriorados.
É importante lembrar que, em face de todas as mudanças sociais que
ocorreram, principalmente aquelas relacionadas com o campo da ciência médica,
houve uma alteração no modo como o direito à vida deve ser encarado e protegido.
Nesse sentido:
O direito à vida, atualmente assume uma importância muito diferente daquela tradicional, pois com os avanços científicos nas áreas da Biotecnologia, de Biomedicina e de Medicina, tendo como exemplo, as técnicas de reprodução humana assistida e de engenharia genética, estão a exigir a necessidade de proteção da vida em sua plenitude. (FERRARESI, 2007, p. 249).
São exemplos dessa nova realidade: a instituição de um definição jurídica do
momento em que a vida tem fim (morte cerebral), visando incentivar o transplante de
órgãos; as técnicas de diagnóstico que permitem verificar a anencefalia,
possibilitando, apesar das discussões, a interrupção da gravidez a fim de diminuir o
sofrimento dos pais; a fertilização in vitro, com a existência de milhares de embriões
congelas mundo afora; e as possibilidades terapêuticas das células-tronco
embrionárias, obtidas justamente desses embriões excedentários.
Com essas alegações não se está defendendo uma ablação do direito
fundamental à vida, mas apenas o desdobramento de nova visão dos seus preceitos.
Uma das formas de se estabelecer essa nova realidade é através da
implementação de uma visão social do direito à vida, pelo qual ele não deve ser
observado somente sob o aspecto dos indivíduos, mas também sob o ponto de vista da
sociedade, ou seja, buscando incentivar as medidas que possam trazer melhorias nas
condições de vida de uma parcela considerável ou de toda a comunidade.
É lógico que, quando afrontado, ele deve ser efetivamente e amplamente
protegido, como no caso do homicídio e de qualquer atitude, inclusive as
experimentações cientificas, que coloquem a vida humana em risco.
Assim, “La vida humana es un valor tan fundamental, tan en la base de otros
valores y derechos, que su defensa imide cualquier experimento injustificado que
pudiera ponerla en riesgo” (GARCÍA, 2006, p. 33).
Entretanto, essa ofensa claramente não ocorre no caso da retirada de células-
tronco embrionárias dos embriões excedentes, pois inexiste a expressão de uma
vida humana para ser protegida, já que esse embrião encontra-se congelado e em
um ambiente fora do útero materno. Nesse contexto, cabe destacar que a demarcação de momentos definitivos no
desenrolar da vida humana é uma tarefa difícil, pois ela se apresenta como uma
sucessão de fases que parecem se intercalam, ou seja, como um processo contínuo
e dinâmico dotado de movimento e de desenvolvimento.
José Afonso da Silva (1997, p. 194), nesse sentido, afirma que ”[...] sua
riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma
incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo [...].”
Assim, os embriões excedentários, também por este argumento, não representam
uma vida humana, pois permanecem inanimados, paralisados no seu desenvolvimento,
sendo incapazes de desenrolar o processo responsável por gerar uma vida.
O outro aspecto do direito à vida é que não basta se assegurar a existência
das pessoas, faz-se necessário estabelecer meios para que essa existência se
desenvolva de forma digna.
Nas palavras de Alexandre de Moraes (1998, p. 56) cabe “[...] ao Estado
assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de
continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência.”
Essa alegação demonstra a intrínseca relação entre o direito à vida e o direito
à dignidade da pessoa humana.
4.3.2 Dignidade da Pessoa Humana
O Direito fundamental à dignidade da pessoa humana é um princípio
constitucional fundamental, tratado pela constituição brasileira, no inciso terceiro do
seu artigo primeiro, como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.
Ele visa assegurar uma existência digna a todos os cidadãos que compõem o
elemento humano do Estado, prevendo inclusive a necessidade de se prover um
mínimo para que as pessoas possam viver com a sua integridade, tanto física como
moral, intacta.
Assim, é considerado como valor fundante do sistema jurídico nacional, sendo
a espinha dorsal dos direitos fundamentais, ou seja, responsável por concede “[...]
unidade aos direitos e garantias fundamentais.” (MORAES, 1998, p. 43).
Deste modo, a dignidade da pessoa humana “[...] é um valor supremo que
atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à
vida”. (SILVA, 1997, p. 106).
Na palavras de Sérgio Ferraz (1991, p. 47), o princípio da dignidade da
pessoa humana se apresenta como:
A base da própria existência do Estado Brasileiro e, ao mesmo tempo, fim permanente de todas as suas atividades, é a criação e manutenção das condições para que as pessoas sejam respeitadas, resguardadas e tuteladas, em sua integridade física e moral, assegurados o desenvolvimento e a possibilidade da plena concretização de suas possibilidades e aptidões.
A dignidade da pessoa humana “[...] coloca a pessoa humana como fim último
de nossa sociedade e não como simples meio para alcançar certos objetivos.”
(BASTOS, 2001, p. 166).
Com isso, a “[...] idea de dignidad se basa en la consideración de cada uno de los
individuos humanos como sujeito de derechos.” (SÁDABA, 2004, p. 51, grifo do autor).
Esse princípio constitucional também passou por uma grande revolução
quanto à sua aplicação e quantos aos valores embarcados na sua atuação,
deixando de ser considerado apenas como um dos fundamentos do Estado para se
tornar a base de todo ordenamento jurídico.
Assim, atualmente, tem-se a necessidade de se observar os preceitos da
dignidade da pessoa humana em todos os aspectos da atividade humana, incluindo
nesse contexto, por óbvio, as experimentações científicas.
Ângela Ferraresi (2007, p. 152) afirma, nesse sentido, que a dignidade da
pessoa humana “[...] dá sentido e razão de ser a toda e qualquer atividade ou não
atividade, material ou imaterial.”
Entretanto, as pesquisas com embriões excedentários não configuram uma
afronta a esse direito fundamental, pois a dignidade a ser protegida não é a de uma
entidade congelada, mas sim a das pessoas que estão efetivamente vivas e que
precisam dos benefícios que essas pesquisas podem vir a oferecer.
Nesse sentido, esse direito também deve ser observado sob um prisma
social, considerando os interesses de toda a coletividade na busca da concretização
de uma existência digna para todos
Com isso, tem-se que dignidade visa “[...] proporcionar às pessoas condições
pra uma vida digna.” (BASTOS, 2001, p. 166).
Contudo, em face dessa evolução na visão de mundo da sociedade e,
consequentemente, na interpretação dos direitos fundamentais, entre eles os direitos
à vida e à dignidade da pessoa humana, tem-se que as pesquisas com embriões
excedentários não representam uma ofensa aos direitos fundamentais, mas sim uma
concretização desses valores e dos anseios da sociedade.
4.4 As Experimentações Científicas com Embriões Excedentários e a Tutela da Vida Humana
As pesquisas realizadas com embriões excedentários com a finalidade de
obter células-tronco embrionárias não representam uma afronta, mas uma
confirmação dos direitos fundamentais responsáveis pela concretização de tutela
efetiva da vida humana, tendo em vista que os resultados obtidos com estas
experimentações podem vir trazer inúmeros benefícios para a sociedade.
Assim, na análise da relação entre as experimentações com embriões
excedentários e a tutela da vida humana, a potencialidade benéfica das células-
tronco embrionárias deve ser considerada, sendo que a sua aplicação em terapias
importantes para o ser humano, como a regeneração de tecidos, as tornam
indispensáveis para o desenvolvimento da humanidade.
Quanto aos benefícios que podem advir com as células-tronco embrionárias,
Javier Sábada (2004, p. 84-85) afirma que:
Tales células ofrecerían un material neutro para ser convertidas, una vez aisladas, cultivadas y diferenciadas, en las células del organismo que nos interesarara obtener. Y, de esta manera, se abre una puerta extraordinariamente prometedora a la medicina regenerativa. Con estas células pluripotentes poderíamos reparar trastornos neurales, cardiopatías, etcétera; y algunos incluso se atreven a pronosticar que lograríamos órganos entereos.
Entretanto, há um posicionamento no qual os embriões excedentários são a
expressão de uma vida humana, mesmo que tenha sido produzidos in vitro e que
nunca cheguem a ser transplantados para um útero feminino.
Diante da adoção desse ponto de vista a tutela da vida humana somente seria
eficaz se, com base nos direitos à vida e à dignidade da pessoa humana desses
embriões, as manipulações com eles fossem proibidas.
Nesse sentido, tem-se que
[...] em face da semelhança entre os embriões humanos e as pessoas já nascidas, não há como afastá-los da valorização personalista que emerge do texto constitucional. O respeito à dignidade e à vida da pessoa humana a eles se estende, fazendo-se concluir que toda atividade abusiva que venha atingir seres embrionários conflitará com o respeito à vida e à dignidade humanas assegurado constitucionalmente. Assim, [...] a ‘fabricação’ de órgãos de embriões para futuros transplantes, a utilização de embriões em pesquisas de natureza diversa à proteção de sua vida e de sua saúde, e a eliminação pura e simples dos embriões ‘excedentes’ aos projetos científicos. (MEIRELLES, 2003, p. 94).
E que
O valor da pessoa humana que informa todo o ordenamento estende-se, [...], a todos os seres humanos, sejam nascidos, ou desenvolvendo-se no útero, ou mantidos em laboratório, e o reconhecimento desse valor dita os limites jurídicos para as atividades biomédicas. A maior ou menor viabilidade em se caracterizarem uns e outros como sujeitos de direitos não implica diversificá-los na vida que representam e na dignidade que lhes é essencial. (MEIRELLES, 2003, p. 94).
Contudo, situações diferentes merecem tratamento diferente!
Com isso, não é admissível o argumento de que se deve dar o mesmo
tratamento ético e jurídico aos embriões dentro do corpo da mulher e aos embriões
excedentários. Tudo é diferente. Enquanto um foi concebido in vivo ou outro foi
produzido in vitro. Enquanto um encontra-se em pleno desenvolvimento e se
dirigindo ao útero materno, o outro encontra-se congelado, com o seu
desenvolvimento paralisado, e nunca vai ser transferido para um útero feminino. E,
enquanto um terá como fim provável o seu desenvolvimento até o nascimento de
uma criança, o outro terá como fim provável a lata do lixo.
Assim, com base nesses argumentos e nas teorias e previsões adotadas, não
há que se falar na existência de uma vida humana a ser protegida quanto aos
embriões excedentes, pois eles não foram submetidos ao requisito básico para que
se desenvolva uma pessoa humana, que é a nidação no útero materno.
A nidação se apresenta como um marco na diferença entre um ente que
poderá se desenvolver, nascer, adquirir personalidade e se tornar um sujeito de
direitos e um outro que permanecerá congelado.
Destarte, os embriões excedentários, antes da sua transferência para o útero
materno devem ser considerados simplesmente como um conjunto de células de
origem humana que foram criadas em laboratório, pois é somente a partir da ligação
entre o embrião e o útero que surge a possibilidade dele se desenvolver em uma
pessoa humana. Sendo que, desta forma, esses embriões não são dotados de vida
humana.
A vida humana é um complexo e contínuo processo de desenvolvimento.
Com isso, afirmar que algo estagnado, que foi manipulado para se encontrar no
estágio em que se encontra e nunca chegará a se desenvolver em uma pessoa, é
dotado de vida humana apresenta-se como uma afronta à proteção dos direitos das
pessoas que realmente estão vivas, e, deste modo, necessitam que o seu do direito
à vida seja amparado.
Cabe destacar que quando os embriões a serem submetidos às
experimentações são os embriões excedentários que se mostraram inviáveis, toda
essa discussão torna-se ainda mais se razão, pois esses embriões sequer poderão
se desenvolver em uma vida humana e em algum momento serão destinados a uma
futura implementação no útero, sendo totalmente incoerente se falar na existência
de uma vida que merece proteção ética e jurídica.
Os embriões inviáveis, se não utilizados como objeto de pesquisa, serão
inevitavelmente destinados ao descarte, parecendo totalmente absurda qualquer tipo
de alegação no sentido da impossibilidade de seu aproveitamento em pesquisas
científicas que tem por finalidade última o desenvolvimento de terapias visando a
cura de diversas enfermidades do ser humano.
Nesse sentido, Sábada (2004, p. 18) afirma que “Una actidud irracional
prefería que se destruyesen o que quedaran inservibles, antes de ser utilizados para
la investigación y su posible aplicación.”
Sendo que esse absurdo se mostra ainda maior quanto são utilizados direitos
fundamentais destinados à proteção da vida humana como fundamentação para
essas alegações, pois eles serão empregados justamente no sentido de se buscar
um prolongamento, de forma digna, de muitas vidas humanas que efetivamente
existem.
Nesse contexto, não cabe a alegação de que as pesquisas com embriões
excedentários, incluindo os inviáveis e os viáveis, mas não utilizados, seriam uma
ofensa aos direitos fundamentais à vida e à dignidade da pessoa humana desses
embriões, pois simplesmente não há uma vida para ser protegida.
Em verdade, essas experimentações são uma afirmação desses direitos, pois
possibilitam a sua concretização em relação às pessoas que tem a esperança que
as terapias delas decorrentes sejam capazes de lhes propiciar uma existência digna
ou até mesmo permitir que continuem vivendo.
Mesmo que se queira argumentar que um embrião produzido fora do corpo da
mulher e mantido criopreservado seja a expressão de uma pessoa humana, diante
de uma ponderação dos princípios fundamentais aplicáveis ao caso, chega-se à
conclusão de que deve-se permitir a experimentação com eles, pois as terapias que
decorrerão dessas pesquisas são muito mais benéficas à coletividade, do que a
simples manutenção desses embriões em estado congelado, o que inevitavelmente,
um dia, resultará na sua destruição.
É nesse sentido que, diante da constante mutação nos valores da sociedade
e, consequentemente, na interpretação dos direitos fundamentais, torna-se
necessária a adoção de uma visão social dos direitos fundamentais, para que seja
possível implementar uma efetiva tutela da vida humana.
“Além disso, a própria natureza dos direitos protegidos modificou-se. De um
lado porque se passou a reconhecer que muitas vezes é necessário proteger o
grupo e não o indivíduo isoladamente.” (BASTOS, 2001, p. 509).
Assim, os direitos fundamentais não devem ser observados da perspectiva
dessa entidade inanimada e congelada, e às vezes, até incapaz de se desenvolver
em uma vida, mas sim tendo como enfoque a sociedade como um todo. Isso porque
os membros dessa sociedade somente terão realmente uma existência digna se lhes
for ofertado todos os benefícios possíveis, sendo que entre eles encontram-se
exatamente os benefícios que podem resultar das pesquisas realizadas com células-
tronco embrionárias.
As terapias com células-tronco embrionárias visam, em última instância, a
afirmação dos valores defendidos pelos direitos fundamentais, pois através da cura
de doenças estão protegendo a dignidade e a vida das pessoas. Pessoas estas que
estão realmente vivas e que, por isso, devem necessariamente ter os seus direitos
fundamentais observados e protegidos.
Com isso, apesar da efetiva utilização de terapias decorrentes de pesquisas
com células-tronco embrionárias ainda ter um caminho longo a perseguir, o maior
crime de todos seria simplesmente, por argumentos simplistas e que não coadunam
com a complexidade do ser humano e com as suas necessidades cada vez mais
crescentes, proibir a possibilidade dessas pesquisas e terapias.
Contudo, diante da busca de uma tutela da vida humana adequada e capaz
de efetivar os direitos fundamentais, independente das denominações e teorias
adotadas, é inegável que esses embriões excedentários, apesar de serem
compostos de um material de origem humana e de, quando não inviáveis, serem
capazes de, preenchidas algumas condições, se desenvolverem em uma pessoa,
devem ser tratados de uma forma própria e diferenciada.
Essa forma foi estabelecida no ordenamento jurídico brasileiro pelo artigo 5º
da Lei de Biossegurança Nacional, tendo esta previsão prevalecido mesmo em face
da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta para combatê-la.
Assim, considerando os benefícios à sociedade que podem ser alcançados, é
inegável que devem ser incentivadas as experimentações terapêuticas com células-
tronco embrionárias oriundas dessas entidades, que, em razão do lugar e do estado
em que se encontram, ainda não expressam uma vida humana.
Nesse sentido, agiram corretamente os legisladores brasileiros e,
posteriormente, os ministros do Supremo Tribunal Federal ao possibilitarem a
implementação dessa atividade no Brasil.
Destarte, faz-se necessário promover uma análise pormenorizada da Lei
responsável pela permissão dessas pesquisas e da posição adotada pelo Supremo
Tribunal Federal.
CAPÍTULO 5 UMA ANÁLISE CRÍTICA DA LEI DE BIOSSEGURANÇA NACIONAL
E DA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
A caracterização dos elementos componentes da Lei de Biossegurança
Nacional, do artigo da mesma lei responsável pela liberação das pesquisas com os
embriões excedentários e da Ação Direita de Inconstitucionalidade que atacou este
mesmo artigo, são, juntamente com todas as afirmativas já explicitadas,
indispensáveis na promoção de uma análise crítica da decisão proferida pela maioria
dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
A avaliação dessa decisão é relevante porque foi através dela que as
experimentações e terapias com células-tronco embrionárias retiradas de embriões
não utilizados na fertilização in vitro foram finalmente permitidas no âmbito do
território brasileiro.
5.1 Lei de Biossegurança Nacional
A Lei de Biossegurança Nacional, Lei n. 11.105, de março de 2005, é um
microssistema que objetiva regulamentar os aspectos administrativos, penais e civis
referentes às relações que envolvam os organismos geneticamente modificados e os
seus derivados.
Essa Lei revogou a antiga Lei n. 8.974, de janeiro de 1995, que disciplinava o
assunto, sendo considerada uma evolução natural no tratamento de uma matéria
que encontra-se em constante modificação. Alguns dos conceitos previstos na antiga
Lei foram mantidos, como a proibição da manipulação genética de células germinais
humanas. Ela também estabelecia a impossibilidade de produção, armazenamento
ou manipulação de embriões humanos para servir como material biológico
disponível, sendo que, nesse sentido, a nova Lei de Biossegurança inovou, ao
permitir utilização de embriões excedentários como objeto para a obtenção de
células-tronco embrionárias.
A Lei n. 11.105/05, em seu artigo 1º, coloca que:
Art. 1º - Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados (OGM) e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente.
Sendo que esse artigo 1º “[...] delimita o objeto normativo desta lei e vincula
este objeto a diretrizes constitucionais “(FERRARESI, 2007, p. 202).
“As diretrizes constitucionais apontadas no art. 1º são”: a) o estímulo ao
avanço cientifico na área de biossegurança e biotecnologia – o art. 218, caput, CF;
b) a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal – que relaciona-se ao art.
225, caput, CF; e c) a observância do princípio da precaução para a proteção do
meio ambiente. (FERRARESI, 2007, p. 203-204).
Assim, a finalidade principal dessa legislação é a de regulamentar o previsto
no inciso segundo do parágrafo primeiro do artigo 225 da Constituição Federal. Esse
regramento constitucional traz a obrigação do Poder Público de “[...] preservar a
diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades
dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético.”
Ela prevê a criação e a manutenção de órgãos para o controle e a supervisão
das atividades com organismos geneticamente modificados, criando, desta forma,
um sistema de proteção composto pelo Conselho Nacional de Biossegurança
(CNBS, ligado à Presidência da República), a Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança (CTNBio, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia) e as
comissões internas de biossegurança (CIBio, em cada instituição que realize
técnicas de engenharia genética).
Além de estabelecer tipos penais, infrações administrativas e de regulamentar
a utilização de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa terapêutica.
Uma das críticas que se faz à Lei de Biossegurança Nacional é que ela não
se aprofundou na análise da clonagem humana, pois, apesar de diferenciar
conceitualmente as clonagens reprodutiva e terapêutica, ela é vaga quando às
técnicas pelas quais a clonagem pode ser realizada e quando à proibição dessa
atividade.
Outra crítica apresentada, essa muito relevante na avaliação da decisão do
Supremo Tribunal Federal sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias, é
que todos os órgãos governamentais de controle previstos na lei se destinam a atuar
em relação aos organismos geneticamente modificados, sendo que os embriões
excedentários não se incluem entre esses organismos.
Nesse sentido, o parágrafo primeiro, do artigo 3º, da lei estabelece que:
Art. 3º - Não se inclui na categoria de OGM o resultante de técnicas que impliquem a introdução direta, num organismo, de material hereditário, desde que não envolvam a utilização de moléculas de ADN/ARN recombinante ou OGM, inclusive fecundação in vitro, conjugação, transdução, transformação, indução poliplóide e qualquer outro processo natural.
Essa situação fez com que, do ponto de vista de alguns dos ministros do
Supremo Tribunal Federal, houvesse uma lacuna no sistema de proteção das
atividades relacionadas a esses embriões.
Contudo, a grande inovação que essa legislação trouxe ao ordenamento
jurídico nacional foi justamente a liberação de pesquisas e terapias com células-
tronco embrionárias obtidas de embriões excedentários.
5.2 A Previsão da Possibilidade de Pesquisas Terapêuticas com os Embriões Excedentários
Em seu artigo quinto, a Lei n. 11.105/05, passou a permitir a utilização de
experimentações terapêuticas com células-tronco embrionárias oriundas de
embriões criopresenvados, excedentes da técnica de reprodução assistida da
fertilização in vitro.
Essa mesma Lei, em contrapartida à citada permissão, prevê que o emprego
de embriões humanos em desacordo com o nela disposto configura a prática de uma
conduta penalmente punida. 19
O dispositivo permissivo impõe algumas condições a ser observadas para que
efetivamente seja legal esse tipo de experimentação, sendo elas: que os embriões
sejam inviáveis ou que tenham permanecido congelados por no mínimo três anos
19 Art. 24. Utilizar embrião humano em desacordo com o que dispõe o art. 5º desta Lei: Pena – detenção,
de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
antes do advento da Lei, ou após três anos se, na data implementação dessa, já
estavam criopreservados; a liberação por parte dos genitores do material genético; e
a aprovação do comitê de ética ligado à instituição responsável pela pesquisa.
Assim, o artigo 5º da Lei de Biossegurança Nacional prevê que:
Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I - sejam embriões inviáveis; ou II - sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. §1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. §2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. §3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.
A lei ainda conceitua células-tronco embrionárias como as células de embrião
que apresentam a capacidade de se transformar em células de qualquer tecido de
um organismo (art. 3º, XI).
Em decorrência dessa lei foi editado, em novembro de 2005, pelo Presidente
da República, o Decreto n. 5.591, com a finalidade de regulamentar os seus
dispositivos.
Esse decreto, no seu artigo 3º, acrescentado à matéria, conceitua:
Fertilização in vitro como a fusão dos gametas realizada por qualquer técnica
de fecundação extracorpórea (inc. X);
Embriões inviáveis como aqueles com alterações genéticas comprovadas por
diagnóstico pré-implantacional, conforme normas específicas estabelecidas pelo
Ministério da Saúde, que tiveram seu desenvolvimento interrompido por ausência
espontânea de clivagem após período superior a vinte e quatro horas a partir da
fertilização in vitro, ou com alterações morfológicas que comprometam o pleno
desenvolvimento do embrião (inc. XIII);
Embriões congelados disponíveis como aqueles congelados até o dia 28 de
março de 2005, depois de completados três anos contados a partir da data do seu
congelamento (inc. XIV); e
Genitores como os usuários finais da fertilização in vitro (inc. XV).
Além de estabelecer que:
Cabe ao Ministério da Saúde promover levantamento e manter cadastro
atualizado de embriões humanos obtidos por fertilização in vitro e não utilizados no
respectivo procedimento (art. 64);
As instituições que exercem atividades que envolvam congelamento e
armazenamento de embriões humanos deverão informar, conforme norma
específica que estabelecerá prazos, os dados necessários à identificação dos
embriões inviáveis produzidos em seus estabelecimentos e dos embriões
congelados disponíveis (§ 1º, do art. 64);
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária estabelecerá normas para
procedimentos de coleta, processamento, teste, armazenamento, transporte,
controle de qualidade e uso de células-tronco embrionárias humanas (art. 65);
Os genitores que doarem, para fins de pesquisa ou terapia, células-tronco
embrionárias humanas obtidas em conformidade com o disposto na lei, deverão
assinar Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme norma específica do
Ministério da Saúde (art. 66); e
A utilização, em terapia, de células-tronco embrionárias humanas será
realizada em conformidade com as diretrizes do Ministério da Saúde para a
avaliação de novas tecnologias (art. 67).
E também determina como infrações administrativas a comercialização de
células-tronco embrionárias e a utilização dos embriões excedentários em pesquisas
e terapias sem o consentimento dos genitores, sem atender as disposições previstas
no decreto quanto ao controle da atividade e sem a aprovação do respectivo comitê
de ética em pesquisa, de acordo com norma do Conselho Nacional de Saúde.
Assim, esse decreto cumpre o seu papel de complementar a lei de
Biossegurança de forma coerente, estabelecendo os conceitos necessários para a
aplicação do disposto no artigo 5º da lei, como os de fertilização in vitro, embriões
inviáveis e genitores. Estabelece a data antes da qual devem os embriões não
utilizados terem sido congelados para se contar o prazo de três anos, que é 28 de
março de 2005.
Cria ainda um sistema de levantamento e cadastro dos embriões
excedentários existentes nas clínicas de reprodução assistida que poderiam ser
utilizados em pesquisas, coordenado pelo Ministério da Saúde, e estabelece que a
Agência Nacional de Vigilância Sanitária designe as normas para coleta,
armazenamento, transporte e controle de qualidade e do uso de células-tronco
embrionárias humanas.
Prevê também que os genitores que doarem os embriões excedentários para
pesquisa e terapia devem assinar um termo de consentimento livre e esclarecido,
conforme norma específica do Ministério da Saúde, e que a utilização terapêutica
das células-tronco embrionárias deverá ser realizada em observância às diretrizes
do Ministério da Saúde.
Além de trazer um rol de infrações administrativas, estando entre elas a
ausência de aprovação do protocolo de pesquisa por parte do comitê de ética, nos
termos do regramento estabelecido pelo Conselho Nacional de Saúde.
Diante desse contexto, a Diretoria Colegiada da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária, cumprindo as determinações do decreto, editou a Resolução n.
29, de maio de 2008, com a finalidade de instituir os procedimentos relativos ao
Cadastramento Nacional dos Bancos de Células e Tecidos Germinativos (BCTG) e à
averiguação de informações sobre a produção de embriões humanos pela
fertilização in vitro e não utilizados neste procedimento, criando para esta última
finalidade, o Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio).
Esse sistema visa promover um censo dos embriões excedentários existentes
nas clínicas de reprodução assistida do país, estabelecendo quais poderiam ser
utilizados nas pesquisas e terapias com células-tronco embrionárias, estabelecendo,
com isso, uma forma de monitoramento dessas experimentações.
E, o Ministério da Saúde, através da Portaria MS/GM n. 2.526, de dezembro
de 2005, também prevê a obrigação das clinicas de reprodução assistida enviarem
informações sobre os embriões excedetários à Agência Nacional da Vigilância
Sanitária para a formação de um cadastro.
Também define diagnóstico pré-implantacional como as técnicas que avaliam
a possibilidade de presença/ocorrência de doenças genéticas, direcionadas pela
história clínica dos indivíduos cujos gametas originaram o embrião, e determina as
diretrizes para a elaboração do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido a ser
assinado pelos genitores doadores dos embriões, devendo constar a destinação
para fins de pesquisa e terapia e garantir que a identidade dos doadores será
mantida em sigilo.
Quanto ao consentimento, Clarice Alho (2005, p. 54) ainda afirma que:
[...], as clínicas de fertilização assistida, antes de receber o consentimento dos casais para que permitam a utilização de seus embriões em pesquisas, devem informá-los das chances que os embriões tem de permanecer viáveis mesmo após três anos de congelamento. Há registros de gravidez e nascimento de bebês a partir de embriões congelados a até nove anos.
Além de todos esses instrumentos, é importante destacar ainda a existência
da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), instituída pela Resolução n.
196/96, do Conselho Nacional de Saúde, vinculado ao Ministério da Saúde, cuja
atribuição é o exame dos aspectos éticos das pesquisas que envolvam material de
origem humana.
Cabe destacar que essa comissão tem independência funcional e possui uma
composição multidisciplinar, atuando de forma consultiva, educativa e normativa.
Ela tem como principal finalidade coordenar e fiscalizar a atuação dos
Comitês de Ética em Pesquisa das instituições. Nesse sentido, avalia e acompanha
os protocolos de pesquisa que qualquer um dos aspectos de sua atribuição, além de
constituir a instância de recurso das decisões proferidas pelos comitês de ética das
instituições.
Assim, as experimentações com células-tronco oriundos de embriões
excedentários, além da aprovação do comitê de ética da instituição onde se
desenvolverá a pesquisa, também são submetidas a esse controle efetuado pela
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, podendo esta entidade inclusive
interromper as pesquisas se estas afrontarem diretrizes éticas e legais.
Diante de todas essas exigências, o regramento brasileiro sobre a matéria
tomou as medidas necessárias para que houvesse um controle efetivo das
atividades relacionadas com a liberação das pesquisas e terapias com células-tronco
embrionárias obtidas a partir de embriões excedentários, de modo a não impedir o
desenvolvimento da ciência e, ao mesmo tempo, minimizar os riscos de que abusos
sejam praticados.
Nesse contesto, mostra-se relevante uma análise de algumas das legislações
estrangeiras que, como a brasileira, permitem a pesquisa e terapia com células-
tronco embrionárias.
5.2.1 O Uso de Células-tronco Embrionárias no Direito Estrangeiro
A decisão do Supremo Tribunal Federal brasileiro, que promoveu a liberação
das pesquisas com embriões excedentes da técnica de reprodução assistida da
fertilização in vitro, coloca o Brasil junto com diversos outros países que já
permitiam, em alguns casos a um bom tempo, esse tipo de experimentação.
Entre os países que permitem as pesquisas com células-tronco embrionárias
estão: a quase totalidade dos países da Comunidade Européia (França, Espanha,
Suíça, Finlândia, Dinamarca, Noruega, Suécia, Holanda, Portugal, Reino Unido,
sendo que somente a Itália proíbe tais experimentações), China, Japão, Índia,
Austrália, África do Sul, Estados Unidos, Canadá, Irã, Alemanha, Coréia, Israel e
Rússia. Sendo que na América Latina somente o Brasil e México permitem esse tipo
de pesquisa.
Nesse sentido:
O uso de CT embrionárias de embriões com até 14 dias para a realização de pesquisas está aprovado em muitos países da comunidade Européia, na Austrália, no Japão, na China, no Canadá, onde se permite que sejam utilizados nas pesquisas embriões que foram obtidos in vitro para este fim, ou que tenham sido obtidos para fins reprodutivos, em clinicas de reprodução assistida, mas que já não tenham nenhuma chance de serem inseridos no útero materno. (ALHO, 2005, p. 49).
Cabe destacar que muitos dos países que ainda nem sequer desenvolveram
a discussão acerca da utilização de embriões excedentários em pesquisas com
células-tronco embrionárias não o fizeram, entre outras coisas, como a interferência
religiosa, porque não possuem estrutura ou o conhecimento científico para
desenvolver esse tipo de pesquisa, sendo exemplo dessa realidade a quase
totalidade dos países da América Latina.
Todos os países, independente da autorização ter sido realizada através de
uma lei ou de um parecer da sua Comissão Nacional de Bioética ou do seu
Ministério da Saúde, fazem algum tipo de exigência para que os pré-embriões
humanos sejam utilizados como fonte de células-tronco embrionárias em pesquisas
científicas, sendo que as mais utilizadas são exatamente aquelas feitas pela
legislação brasileira, sendo elas: a exigência do consentimento dos genitores; a
aprovação dos protocolos de pesquisa por comitês de ética antes de sua execução;
e a proibição do comércio desses embriões, sendo autorizada apenas a
comercialização das linhagens de células-tronco embrionárias.
A grande maioria dos países, como o Brasil, França, Holanda, Suíça e
Canadá autorizam apenas a pesquisa com embriões remanescentes das técnicas de
reprodução assistida. Outros países permitem também, além da utilização dos
embriões excedentes, a produção de embriões exclusivamente para fins de
experimentação científica, como o Japão, Cingapura, a China e a África do Sul. E
outros permitem ainda, além dessas duas possibilidades, a clonagem terapêutica,
como Israel e a Inglaterra. 20
Nesse contexto, mostra-se relevante o aprofundamento sobre algumas
características do regramento de determinados países.
A Inglaterra, na década de 90, foi um dos primeiros países a autorizar a
pesquisa com células-tronco embrionárias, sendo que da discussão realizada
resultou o chamado Relatório Warnock, no qual foi posposto o termo “pré-embrião”
para conceituar o conjunto de células humanas com até catorze dias de
desenvolvimento. (FERRARESI, 2007, p. 135)
A Alemanha possui uma situação peculiar, pois somente são permitidas as
pesquisas com linhagens de células-tronco embrionárias importadas, não podendo
ser utilizados embriões alemães nessas investigações científicas.
No caso de Israel, a influência dos dogmas religiosos no Estado é legalmente
instituída. E, sob a influência desses dogmas, possui uma das leis mais liberais
sobre a pesquisa com embriões humanos, possibilitando inclusive a criação de
embriões exclusivamente para fins de pesquisa e a realização da clonagem
terapêutica.
Nos Estados Unidos da América os embriões excedentários podem ser
doados ou destinados, com a autorização dos genitores, às pesquisas com para a
obtenção de células-tronco embrionárias (VALE, 2006, p. 56-57), sendo que o atual
presidente, Barack Obama, retirou a norma editada pelo antigo presidente, George
Bush (que é reconhecidamente defensor de dogmas religiosos e contrário a esse
tipo de experimentação), que proibia o financiamento federal dessas pesquisas,
mesmo porque diversos estados, como a Califórnia, já promoviam o financiamento
público das pesquisas.
20 Os dados em relação às características de cada um dos países citados: ANIS (2008, online).
A Espanha possui uma legislação bem liberal, na qual os embriões, com o
consentimento dos genitores, podem ser destruídos, doados, inclusive para pessoas
solteiras, idosas e homossexuais, ou destinados à experimentação científica. (VALE,
2006, p. 56-57).
Já a Itália, pelo contrário, possui uma legislação muito rígida, na qual não são
permitidas as pesquisas com embriões humanos e, desde 2004, é proibido armazenar
embriões, devendo as clínicas de reprodução assistida fecundar no máximo três
óvulos por tentativa, que devem todos ser transplantados para o útero da mãe. Os
embriões já congelados antes da vigência dessa lei não podem ser destruídos,
doados ou destinados às investigações científicas. (VALE, 2006, p. 56-57).
5.3 A Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3510
A Ação Direita de Inconstitucionalidade proposta, ainda em maio de 2005,
contra o artigo 5º da Lei de Biossegurança Nacional tinha por fundamento a
alegação de que qualquer manipulação com embriões humanos, independente do
local onde eles tenham sido produzidos, do estado em que se encontrem e até da
sua viabilidade, seria uma afronta aos direitos fundamentais à vida e à dignidade da
pessoa humana.
A referida Ação foi proposta pelo Procurador-Geral da República em exercício
na época, Cláudio Fonteles, e argumentava que a vida tem início com a fecundação,
independente do local onde ela ocorra, sendo que os embriões excedentários são
dotados de vida humana, devendo, desta forma, também ser protegidos por todos os
diretos inerentes a esta condição.
Pregava, com isso, a necessidade de se garantir uma proteção absoluta e
inflexível do direito à vida a partir da concepção e solicitava a declaração de
inconstitucionalidade da norma permissiva das pesquisas e terapias com embriões
não utilizados na fertilização in vitro.
Assim, cabe destacar os principais pontos dessa Ação:
O principal argumento utilizado é que a vida humana acontece na, e a partir
da, fecundação, sendo que os embriões não constituem, então, um simples
amontoado de células , mas sim uma vida humana.
Diante dessas alegações, o texto da referida ação assegura que:
A vida humana acontece na, e a partir da, fecundação: o zigoto, gerado pelo
encontro dos 23 cromossomos masculinos com os 23 cromossomos femininos;
Ela ocorre nesse momento porque a vida humana é contínuo desenvolver-se;
Contínuo desenvolver-se porque o zigoto, constituído por uma única célula,
imediatamente produz proteínas e enzimas humanas, é totipotente, vale dizer,
capacita-se, ele próprio, ser humano embrionário, a formar todos os tecidos, que se
diferenciam e se auto-renovam, constituindo-se em ser humano único e irrepetível;
A partir da fecundação, a mãe acolhe o zigoto, desde então propiciando o
ambiente a seu desenvolvimento, ambientação que tem sua etapa final na chegada
ao útero. Todavia, não é o útero que engravida, mas a mulher, por inteiro, no
momento da fecundação; e
A pesquisa com células-tronco adultas é, objetiva e certamente, mais
promissora do que a pesquisa com células-tronco embrionárias, até porque com as
primeiras resultados auspiciosos acontecem, do que não se tem registro com as
segundas.
E, estabelecendo tais premissas, conclui que o artigo 5º e parágrafos, da Lei
de Biossegurança Nacional, viola o direito à vida e afronta a dignidade da pessoa
humana.
Assim, pede que seja realizada uma Audiência Pública para que o assunto
pudesse ser discutido com a sociedade, sendo que esta foi efetivamente realizada e
configura como a primeira audiência publica da história do Supremo Tribunal
Federal, e, por fim, que seja declarada a inconstitucionalidade do artigo.
É importante destacar que alguns dos argumentos utilizados pelo Procurador-
Geral da República são efetivamente aplicáveis aos embriões concebidos dentro do
corpo da mulher. Entretanto, perdem totalmente o sentido quando analisados em
face dos embriões excedentários. Como no caso da verdadeira alegação de que a
vida humana é um contínuo desenvolver-se, pois é impossível aplicar essa
afirmação à realidade dos embriões excedentários, que são incapazes de se
desenvolver, no caso dos inviáveis, ou se encontram congelados, em um estado
inanimado, com o seu desenvolvimento paralisado.
Contudo, em razão desta ação, a aplicabilidade do citado dispositivo
legislativo ficou suspensa, sendo que essa realidade somente foi alterada em 2008,
com o julgamento pelos ministros do Supremo Tribunal Federal da referida
contenda.
5.4 Uma Análise Crítica da Decisão do Supremo Tribunal Federal
A decisão dos ministros em relação à discussão trazida pela Ação Direta de
Inconstitucionalidade acima mencionada trouxe uma enorme repercussão em todos
os setores da sociedade.
Nesse contexto, a realização da referida audiência pública possibilitou aos
ministros a obtenção de maiores informações, através da oitiva de diversos
especialistas e de integrantes de organizações interessadas, fazendo com que a
sociedade tivesse uma participação efetiva no desfecho da contenda.
Na decisão final, a maioria dos ministros (sendo eles: Ellen Gracie, Carmen
Lucia, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio e Celso de Mello), seguiu a posição do
ministro relator, Carlos Ayres Britto, no sentido da constitucionalidade do artigo
exatamente nos termos estabelecidos pela Lei.
Entretanto, cinco ministros (sendo eles: Eros Grau, Ricardo Lewandoski,
Gilmar Mendes, Cezar Peluzo e Menezes Direito), apesar de aceitarem como
legítima a pesquisa com embriões excedentários, colocaram em seus votos a
necessidade do estabelecimento de outras limitações a este tipo de experimentação,
principalmente defendendo a criação de órgãos destinados à realização de um
controle maior sobre esta atividade.
Nesse contexto, é imprescindível que se promova uma análise mais
aprofundada de alguns dos votos dos ministros, tornando possível uma melhor
compreensão dos dois pontos de vista. Assim:
5.4.1 Votos que decidiram pela improcedência total da ação
Ministro Ayres Brito (Relator):
O relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade, o ministro Ayres Brito,
afirma que a constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança deve ser
analisada em face de todo um Bloco de Constitucionalidade, composto, entre outras,
por normas referentes aos diretos fundamentais à vida e à dignidade humana, à
liberdade de investigação científica, ao direto à saúde e ao planejamento familiar.
Nesse contexto, afirma que todo esse conjunto normativo parte do
pressuposto que há uma intrínseca dignidade em toda forma de vida humana, ainda
que esta tenha sido configurada do lado de fora do corpo feminino.
Destaca de maneira importante as linhas de pesquisa com células-tronco
embrionárias não invalidam outras com as adultas, ou outros mecanismos, e vice e
versa, pois todas se somam em prol do mesmo objetivo, que é o enfrentamento e
cura de doenças que assolam o ser humano.
Alega que Constituição brasileira não diz quando começa a vida humana e
nem dispõe sobre nenhuma das formas de vida humana pré-natal.
Quanto à dignidade da pessoa humana, enfatiza que é um princípio tão
relevante que alcança, mesmo no plano das leis infraconstitucionais, a proteção de
tudo que se revele como o próprio início e continuidade de um processo que da
origem à pessoa humana.
Assim, conclui que o início da vida humana só pode coincidir com o preciso
instante da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozóide masculino,
pois não há outra matéria-prima da vida humana ou qualquer outro modo pelo qual a
vida possa começar.
Realça, entretanto, que quando a legislação protege uma entidade pré-natal,
quer em estado embrionário, quer em estado fetal, como no caso do aborto, está a
tutelando sempre no interior do corpo feminino. Não algo que se encontra em placa
de Petri, ou qualquer outro recipiente de embriões.
Desse modo, passa a destacar que os embriões a que a lei se refere são
aqueles derivados de uma fertilização que se obtém fora do ambiente de uma
relação sexual, ou seja, que ocorre do lado externo do corpo da mulher e dentro de
tubos de ensaio. Nesse contexto, apesar de já ter ocorrido a fecundação, a gravidez
não ocorreu, e provavelmente nunca ocorrerá, pois esse embrião não utilizado é
submetido ao congelamento, o que paralisa o seu desenvolvimento, tornando-o
insuscetível a uma progressão reprodutiva. E continua concluindo que a Lei de
Biossegurança não veicula autorização para extirpar o embrião do corpo feminino.
Quanto ao planejamento familiar o ministro afirma que esse princípio
fundamental, decorrente da dignidade da pessoa humana, se apresenta como um
verdadeiro direito público subjetivo do casal à liberdade de escolha quanto à
intenção de ter ou não filhos, e como um instrumento destinado a implementar
condições planejas de bem-estar e assistência físico-afetiva entre os membros da
família. Com isso, o casal pode e deve utilizar de todos os meios capazes de
resolver os problemas de infertilidade, entre eles a fertilização in vitro.
Quanto à liberdade de expressão científica, pontua que esse direito
constitucional é oponível especialmente ao próprio Estado. Por isso, faz necessário
respeitá-la e promovê-la ao máximo, estabelecendo uma proteção jurídica eficaz e
equilibrada.
Passa então a detalhar a teoria pela qual a vida começaria com o início do
desenvolvimento da estrutura nervosa tendo em vista que, segundo a legislação
brasileira (Lei dos Transplantes), ela tem fim com a morte cerebral. Deste modo,
alega que ambos os diplomas normativos possuem a mesma fonte, pois o embrião
referido na Lei de Biossegurança não é jamais uma vida a caminho de outra vida
nova, faltam-lhe todas as possibilidades de ganhar as primeiras terminações
nervosas, que representam o indício biológico de um cérebro humano.
Destarte, esse embrião, sem a menor possibilidade de se transformar em uma
pessoa natural, tem como único cominho a ser percorrido a sua utilização em
pesquisas com a intenção de recuperar a saúde e até salvar a vida de pessoas.
E conclui que, se a morte encefálica representa a cessação da vida humana,
justificando inclusive a remoção de seus órgãos para fins de transplante, o embrião
humano a que se reporta o art. 5º da Lei de Biossegurança, por representar um ente
absolutamente incapaz de qualquer resquício de vida encefálica, não é a expressão
de uma vida humana. Então, a afirmação de incompatibilidade deste diploma legal
com a Constituição é de ser plena e prontamente rechaçada, sendo uma afirmativa
inteiramente órfã de suporte jurídico-positivo.
Contudo, diante de todo esse contexto, julga totalmente improcedente a ação
direta de inconstitucionalidade.
Ministra Ellen Gracie:
A ministra Ellen Gracie afirma que não há previsão constitucional acerca do
termo inicial da vida, não cabendo a Supremo estabelecer esta marco, devendo ele
se limitar a analisar a constitucionalidade do art. 5º da Lei de biossegurança frente
aos direitos fundamentais. Ela critica a inexistência de preceitos legislativos
destinados à regulamentação da fertilização in vitro, apesar de existirem inúmeros
projetos de lei sobre o assunto.
A ministra desenvolve a teoria de que nos primeiros 14 dias de
desenvolvimento têm-se, em verdade, um pré-embrião e afirma que mesmo que não
se adote essa concepção, deve-se aplicar plenamente, no presente caso, o princípio
utilitarista, segundo o qual deve ser buscado o resultado de maior alcance com o
mínimo de sacrifício possível. O aproveitamento, nas pesquisas científicas com
células-tronco, dos embriões gerados no procedimento de reprodução humana
assistida é infinitamente mais útil e nobre do que o descarte vão dos mesmos.
Conclui que ao verificar um significativo grau de razoabilidade e cautela no
tratamento normativo dado à matéria pela referida Lei, não há qualquer ofensa à
dignidade humana na utilização de pré-embriões inviáveis ou congelados há mais de
três anos nas pesquisas de células-tronco, que não teriam outro destino que não o
descarte. E, deste modo, julga improcedente o pedido da ADIN.
Ministra Carmen Lucia:
A ministra Carmen Lúcia, inicialmente, expõe a sua preocupação com as
expectativas que parecem ter sido suscitadas na sociedade quanto aos efeitos
práticos e imediatos do julgamento, pois as efetivas terapias com células-tronco
embrionárias ainda depende de muitas pesquisas, não se podendo confundir a
esperança de cura com a ilusão de uma imediata cura.
Ela defende que, na solução da presente demanda não precisa o Supremo
estabelecer, juridicamente, quando começa a vida humana, mas apenas se a norma
em discussão é constitucionalmente válida ou não.
Afirma que nenhum direito pode ser apresentado como absoluto, pois todo
princípio deve ser interpretado e aplicado de forma ponderada, levando-se em
consideração os outros princípios que igualmente se põem na busca de uma
sincronia do sistema constitucional. A Constituição não garante apenas o direito à
vida, mas um extenso plexo de direitos, entre eles a liberdade para que o ser
humano busque um viver digno.
Assim, alega não existir qualquer violação do direito à vida na pesquisa com
células-tronco embrionárias, pois esses embriões inviáveis ou congelados há mais
de três anos não serão objeto de implantação no útero materno e, com isso, não há
que se falar nem em vida, nem em direito que pudesse ser violado.
Para ela os embriões são matrizes de que poderia decorrer a vida, mas que
para essa não seguem pela sua não implantação no útero de uma mulher.
Em relação à dignidade da pessoa humana, afirma que não há que se falar
apenas em dignidade da vida para os embriões excedentários, que, no caso em
foco, nem irão se transformar em vida, mas sim no respeito à esse princípio para
aqueles que buscam com as terapias decorrentes dessas pesquisas um melhor viver
ou até mesmo apenas viver.
Deste modo, assegura que ao possibilitar que alguém tenha esperança e
possa lutar para viver compõe a dignidade da vida daquele que se compromete com
o princípio em sua largueza maior, com a existência digna para a espécie humana.
Nesse sentido, dispõe que:
A utilização de células-tronco embrionárias para pesquisa e, após o seu resultado consolidado, o seu aproveitamento em tratamentos voltados à recuperação da saúde não agridem a dignidade humana, constitucionalmente assegurada. Antes, valoriza-a. O grão tem de morrer para germinar. Se a células-tronco embrionária, nas condições previstas nas normas agora analisadas, não vierem a ser implantadas no útero de uma mulher, serão elas descartadas. Dito de forma direta e objetiva, e ainda que certamente mais dura, o seu destino seria o lixo. Estaríamos não apenas criando um lixo genético, como, o que é igualmente gravíssimo, estaríamos negando àqueles embriões a possibilidade de se lhes garantir, hoje, pela pesquisa, o aproveitamento para a dignidade da vida. A sua utilização é uma forma de saber para a vida, transcendendo-se o saber da vida, que com outros objetos se alcança. Conhecer para ser. Essa a natureza da pesquisa científica com células-tronco embrionárias, que não afronta, mas busca, diversamente, ampliar as possibilidades de dignificação de todas as vidas. 21
A ministra também constata a importância do direito constitucional da
liberdade na atividade científica, pois o desenvolvimento nessa área, pautado
21 Trecho retirado do voto da ministra proferido na ADIN 3510.
sempre na busca da efetivação da dignidade da pessoa humana, pode servir à
melhoria das condições de vida para todos.
Ela ainda faz uma crítica quanto ao rigor do controle efetuado pelos comitês
de ética, estabelecido pelo dispositivo. Porém, afirma que tal déficit não parece
justificar uma declaração de inconstitucionalidade, e lembra que a Constituição,
quando fala do Meio Ambiente, em seu artigo 225, § 1º, inc. II, outorga ao poder
público o dever de “fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de
material genético.”
Lembra ainda que existem projetos de lei com a finalidade de estabelecer
maior rigor legislativo na matéria e que a aprovação de um projeto que restrinja e
torne mais seguros os mecanismos de controle de ética nas pesquisas e nos
tratamentos com células-tronco suprirão esse déficit de constitucionalidade e
tornarão mais seguros os direitos constitucionalmente afirmados.
Cita, por fim, que:
A ciência que pode matar, é certo, também pode salvar, é mais certo ainda. E se o direito ajusta o que a ciência pode melhor oferecer para que viva melhor àquele que mais precisa do seu resultado, não há razões constitucionais a impor o entrave desse buscar para a dignificação da espécie humana. Entendo que a utilização da célula-tronco embrionária para a pesquisa e, conforme o seu resultado, para o tratamento – indicado a partir de terapias consolidadas nos termos da ética constitucional e da razão médica honesta - não apenas não viola o direito à vida. Antes, torna parte da existência humana o que vida não seria, dispondo para os que esperam pelo tratamento a possibilidade real de uma nova realidade de vida. 22
Nesse contexto, conclui que o artigo em questão não se contraria a Constituição e
nem se afasta do princípio da dignidade da pessoa humana, julgando improcedente ação,
para considerar válido o art. 5º e parágrafos da Lei n. 11.105/2005.
22 Trecho retirado do voto da ministra proferido na ADIN 3510.
5.4.2 Votos que decidiram pela constitucionalidade com reservas do artigo 5º da Lei
de Biossegurança Nacional
Ministro Gilmar Mendes:
O ministro Gilmar Mendes afirma que independentemente da concepção que
se tenha sobre o termo inicial da vida, não se pode perder de vista que, na presente
discussão, há um elemento vital digno de proteção jurídica.
Assim, a questão não está em saber quando, como e de que forma a vida
humana tem início ou fim, mas como o Estado deve atuar na proteção desse
organismo diante das novas tecnologias.
Ele critica o fato de, no Brasil, esse tão relevante e complexo assunto ter sido
regulamentado por um único artigo, enquanto que em outros países, como a
Espanha, existem leis inteiras discorrendo sobre o tema. Essa realidade atos do
Poder Executivo fossem os responsáveis pelo aprofundamento do assunto, como os
arts. 63 a 67 do Decreto n. 5.591, de 2005, além de atos administrativos específicos
de órgãos como o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Discorre ainda da eficácia vertical dos direitos fundamentais, pela qual eles
não se caracterizam apenas por seu aspecto subjetivo, mas também por uma feição
objetiva que os tornam verdadeiros mandatos normativos direcionados ao Estado.
Além de afirmar que diante de uma nova realidade jurisdicional o Supremo
Tribunal Federal não precisa se apresentar simplesmente como um legislador
negativo, podendo proferir decisões interpretativas com eficácia aditiva, sendo o
presente caso uma oportunidade para tal atuação.
Alega que o artigo 5º da Lei de Biossegurança viola o princípio da
proporcionalidade ao deixar de instituir um órgão central para análise, aprovação e
autorização das pesquisas e terapia com células-tronco originadas do embrião
humano. E que, com isso, o referido artigo deve ser interpretado no sentido de que a
permissão da pesquisa e terapia com células-tronco embrionárias, obtidas de
embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, deve ser condicionada à
prévia aprovação e autorização por Comitê (Órgão) Central de Ética e Pesquisa,
vinculado ao Ministério da Saúde.
Deste modo, julga improcedente a ação, para somente declarar a
constitucionalidade do artigo em tese se for observada a citada exigência de se criar
um órgão central de controle, vinculado ao Ministério da Saúde.
Ministro Cezar Peluzo:
O ministro Peluzo afirma que mais importante do que fixar um ponto arbitrário
para situar o exato momento do início da vida, é discernir que: não se verifica a
fluência necessária para caracterização da vida; a origem da matéria-prima genética
considerada é sua concepção in vitro; e não se dá interrupção do curso da vida,
porque, antes de este começar no ventre materno, lhe adveio a suspensão do
processo pelo congelamento.
Constata que as células-tronco embrionárias não são Organismos
Geneticamente Modificados (art. 3º, §1º, da Lei de Biossegurança), sendo que, com
isso, as pesquisas e experimentos que as tomem por objeto não se sujeitam a
controle direto por parte do órgãos criados pela mesma lei para promover o controle
das atividades científicas, que são o CNBS, a CTNBio, e a CIBio.
Assim, alega existir um grave problema quanto ao controle dessas pesquisas,
sendo necessário se promover a afirmação desses responsáveis.
Nesse sentido, julga improcedente a ação, mas ressalta a necessidade de se
instituir de forma mais adequada os mecanismos de controle, como através da
submissão das atividades de pesquisas ao crivo reforçado de outros órgãos de
controle e fiscalização estatal, como o Ministério da Saúde, o Conselho Nacional de
Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Ministro Eros Grau:
O ministro Eros Grau afirma que o embrião faz parte do gênero humano,
merecendo proteção da sua dignidade pela Constituição e lhe sendo assegurado o
direito à vida. Entretanto, alega que o termo “embrião” utilizado pela Lei de
Biossegurança não tem essa mesma conotação, pois o vocábulo embrião aponta um
ser humano durante as primeiras semanas de desenvolvimento intra-uterino, vale
dizer, um ser em processo de desenvolvimento vital, vivente, em movimento.
No contexto do artigo 5º da Lei n. 11.105/05, embrião é óvulo fecundado fora
de um útero. Para a referida Lei, Embrião é óvulo fecundado congelado, isto é
paralisado à margem de qualquer movimento que possa caracterizar um processo.
Assim, nesses óvulos fecundados não há ainda vida humana.
Continua afirmando que embrião é o que é porque abrigado em um útero. Ou
seja, não há vida humana no óvulo fecundado fora de um útero, pois apesar de ter
ocorrido a fecundação, o processo de desenvolvimento vital não foi desencadeado.
Deste modo, não tem sentido cogitar, em relação a esses “embriões”, a
proteção da vida humana nem a dignidade que deve ser atribuída às pessoas
humanas.
Contudo, o ministro alega que as pesquisas e terapias não podem ser
praticadas de modo irrestrito, cabendo ao Supremo, para que tal liberalidade se
adéque à coerência da Constituição, estabelecer alguns limites e as circunstâncias
em que elas deverão ocorrer.
Nesse sentido, declara a constitucionalidade do artigo 5º e parágrafos da Lei
n. 11.105/05, estabelecendo, no entanto, em termos aditivos, que, para tanto,
devem ser observados os seguintes requisitos:
[i] pesquisa e terapia mencionadas no caput do artigo 5º será empreendidas unicamente se previamente autorizadas por comitê de ética e pesquisa do Ministério da Saúde [não apenas das próprias instituições de pesquisa e serviços de saúde, como disposto no parágrafo 2º do artigo 5º]; [ii] a “fertilização in vitro” referida no caput do artigo 5º corresponde à terapia da infertilidade humana adotada exclusivamente para fim de reprodução humana, em qualquer caso proibida a seleção genética, admitindo-se a fertilização de um número máximo de quatro óvulos por ciclo e a transferência, para o útero da paciente, de um número máximo de quatro óvulos fecundados por ciclo; a redução e o descarte de óvulos fecundados são vedados; [iii] a obtenção de células-tronco a partir de óvulos fecundados - ou embriões humanos produzidos por fertilização, na dicção do artigo 5º, caput - será admitida somente quando dela não decorrer a sua destruição, salvo quando se trate de óvulos fecundados inviáveis, assim considerados exclusivamente aqueles cujo desenvolvimento tenha cessado por ausência não induzida de divisão após período superior a vinte e quatro horas; nessa hipótese poderá ser praticado qualquer método de extração de céulas-tronco. 23
23 Trecho retirado do voto do ministro proferido na ADIN 3510.
Ministro Ricardo Lewandowski:
O ministro Lewandowski também considera não ser o Judiciário o local para se
estabelecer discussões acerca do início da vida humana. Afirma que, em um plano
jurídico-positivo, o Brasil tem forte razões para adotar a tese de que a vida tem início a
partir da concepção, pois é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, o
denominado Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, que, ratificado em 2002,
entrou no ordenamento brasileiro como norma dotada de dignidade constitucional.
Assim, para os efeitos legais, a vida começa na concepção, iniciada quer in
utero, quer in vitro, sendo que a lei do Estado signatário da Convenção só pode
deixar de protegê-la eventualmente, em situações excepcionais, caso outros valores
estejam em jogo, sendo um exemplo dessa situação o aborto necessário, quando
não há outro meio de salvar a vida da gestante.
O ministro defende que a discussão não deve limitar-se a saber se os
embriões são ou não dotados de vida antes de sua introdução em um útero humano,
mas que ela deve se centrar na visão dos direitos à dignidade da pessoa humana e
à vida não apenas como um bem jurídico atribuído à determinada pessoa, mas como
um bem coletivo, pertencente à sociedade ou mesmo à humanidade como um todo.
Ele, posteriormente, promove uma extensa crítica sobre a construção do
artigo permissivo das pesquisas e terapias com embriões humanos, alegando
problemas com os termos utilizados e de lacunas nas limitações a serem impostas à
essa liberalidade.
Nesse contexto, julga procedente em parte a presente ação direta de
inconstitucionalidade para, sem redução de texto, conferir a seguinte interpretação
aos dispositivos abaixo discriminados:
i) art. 5º, caput: as pesquisas com células-tronco embrionárias somente poderão recair sobre embriões humanos inviáveis ou congelados logo após o início do processo de clivagem celular, sobejantes de fertilizações in vitro realizadas com o fim único de produzir o número de zigotos estritamente necessário para a reprodução assistida de mulheres inférteis; ii) inc. I do art. 5º: o conceito de “inviável” compreende apenas os embriões que tiverem o seu desenvolvimento interrompido por ausência espontânea de clivagem após período superior a vinte e quatro horas contados da fertilização dos oócitos; iii) inc. II do art. 5º: as pesquisas com embriões humanos congelados são admitidas desde que não sejam destruídos nem tenham o seu potencial de desenvolvimento comprometido;
iv) § 1º do art. 5º: a realização de pesquisas com as células-tronco embrionárias exige o consentimento “livre e informado” dos genitores, formalmente exteriorizado; v) § 2º do art. 5º: os projetos de experimentação com embriões humanos, além de aprovados pelos comitês de ética das instituições de pesquisa e serviços de saúde por eles responsáveis, devem ser submetidos à prévia autorização e permanente fiscalização dos órgãos públicos mencionados na Lei 11.105, de 24 de março de 2005. 24
Assim, a maior crítica dos ministros que impuseram a observância de maiores
requisitos para que a norma em discussão se adequasse aos preceitos
constitucionais foi em relação à necessidade de se estabelecer um controle mais
abrangente através da criação de órgãos específicos destinados à esta finalidade,
para que a análise dos protocolos de pesquisa não fique apenas nas mãos dos
Comitês de Ética das próprias instituições onde as pesquisas serão realizadas.
Porém, alguns ministros, como Lewandowski e Eros Grau, alegaram também
que essa adequação somente ocorreria se fossem utilizados métodos de obtenção
de células-tronco embrionárias nas quais não houvesse a destruição dos embriões
congelados. Sendo que somente quanto aos embriões inviáveis, devendo estes
serem considerados como aqueles que tiveram os seu desenvolvimento cessado por
ausência de divisão após vinte e quatro horas, seria possível a prática de qualquer
método de extração, ou seja, somente eles poderiam ser destruídos para a obtenção
de céulas-tronco. Além de também pregarem a necessidade de se estabelecer
limitações à prática da técnica de fertilização in vitro, como o estabelecimento um
número máximo, ou o apenas o número necessário, de zigotos a serem produzidos
por ciclo e a proibição da destruição dos embriões excedentes.
Entretanto, é de extrema importância realçar que essas exigências já são
tratadas com sucesso pelo regramento brasileiro, mesmo quando essa normatização
se dá apenas no aspecto administrativo. É o caso da Resolução do Conselho
Federal de Medicina que, por exemplo, estabelece o número máximo de embriões a
serem implantados por tentativa, não havendo notícias de clinicas de reprodução
assistida no Brasil que a tenha descumprido.
Há também o Decreto que regulamenta a Lei de Biosseguranaça, que
estabelece, entre outras coisas, o conceito de embriões inviáveis, e o Regulamento
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que prevê os meios de captação dos
dados e de fiscalização dos embriões excedentários existentes nas clínicas de
24 Trecho retirado do voto do ministro proferido na ADIN 3510.
reprodução assistida e que podem ser destinados à pesquisa cientifica, de acordo
com os limites da citada lei. Além da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
(CONEP), que é vinculada ao Conselho Nacional de Saúde e ao Ministério de
Saúde, e tem por finalidade fiscalizar a atuação dos Comitês de Ética das
instituições e acompanhar as pesquisas que envolvam material de origem humana,
como é caso das experimentações e terapias com células-tronco embrionárias
obtidas de embriões excedentários.
Assim, a verdade é que, apesar da improbabilidade de se afastar
definitivamente todas as possibilidades de desvio de conduta por parte da
comunidade científica, o regramento pátrio foi prudente e coerente nas limitações
que impôs para a realização destas experimentações.
Cabe ressaltar ainda que, no caso em tela, seria o Congresso Nacional o
responsável por uma produção legislativa e, com isso, caberia a ele a criação de leis
com a finalidade de estabelecer as diretrizes para a realização das técnicas de
reprodução assistidas ou de estabelecer a criação de órgãos destinados a promover
a fiscalização da atividade científica.
Nesse sentido, é relevante destacar que existem inúmeros projetos de lei em
trâmite no Congresso Brasileiro visando regulamentar a reprodução assistida e as
pesquisas com embriões excedentários, entre eles: Projeto de Lei n. 4.889/05 (visa
estabelecer normas e critérios para o funcionamento de Clínicas de Reprodução
Humana); Projeto de Lei n. 2.061/03 (busca disciplinar o uso de técnicas de
Reprodução Humana Assistida no auxílio do processo de procriação e estabelece
penalidades); e o Projeto de Lei n. 1.135/03 (que dispõe sobre a reprodução humana
assistida, definindo normas para realização de inseminação artificial, fertilização "in
vitro", barriga de aluguel (gestação de substituição ou doação temporária do útero, e
criopreservação de gametas e pré – embriões); e o Projeto de Lei n. 3.067/08, que
amplia o artigo 5º da Lei de Biossegurança, exigindo autorização especial para
pesquisas com embriões humanos congelados por instituições habilitadas e
autorizadas pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.
Não se está aqui fazendo a defesa de que o Supremo Tribunal Federal
brasileiro deve atuar apenas como um legislador negativo, retirando normas
inconstitucionais do ordenamento, pois essas novas técnicas de interpretação
constitucional, como a interpretação conforme a Constituição, representam um
significativo avanço na hermenêutica constitucional e na atuação dessa Corte como
defensora da Carta Magna.
O que se está querendo enfatizar é que a presente discussão se limitava
quanto à constitucionalidade da liberação das pesquisas e terapias com embriões
excedentários da fertilização in vitro, em face dos diretos fundamentais à vida e da
dignidade da pessoa humana, constitucionalmente previstos.
Assim, parece claro que, nesta discussão, não caberia ao Supremo, por meio
dessas técnicas de hermenêutica, tentar estabelecer o procedimento a ser
observado quando da realização da técnica de fertilização in vitro, mesmo porque
algumas dessas limitações, como a limitação ao número de embriões a serem
criados por ciclo, são contrárias à realidade científica e econômica da técnica.
Além disso, parece estar em desacordo com a estruturação do ordenamento
brasileiro a preterição de regras que, apesar de não serem dotadas de força legal,
vem cumprindo com eficiência os seus papeis de complementar a legislação vigente
ou de regulamentar determinas atividades profissionais.
Felizmente, a decisão final da Suprema Corte foi no sentido da
constitucionalidade do artigo nos moldes em que ele foi produzido, o que não
impede que futuras legislações possam e devam se destinar a melhor regulamentar
a matéria, principalmente em face das implicações éticas, jurídicas e sociais que
dela decorrem .
O que o Direito, e consequentemente os Tribunais responsáveis pela sua
interpretação e pela sua aplicação, não podem é estabelecer limites injustificados
que resultem em uma castração de diversos direitos fundamentais, como o da
liberdade de pesquisa e o ao planejamento familiar. Direitos estes que se baseiam
justamente na premissa da concretização de uma existência digna.
Deste modo, a atuação jurídica deve se preocupar em buscar mecanismos de
implementação e consumação da dignidade das pessoas que realmente estão vivas,
sendo que, por hora, foi exatamente o alcançado com a liberação dessas pesquisas
terapêuticas, pois, no futuro, elas poderão representar a eliminação de diversas
doenças que impedem justamente a efetivação de uma vivência com dignidade para
milhões de pessoas mundo afora.
Outra ressalva que pode ser feita à decisão do Supremo Tribunal Federal é
que ele deveria ter estabelecido um termo inicial para a vida humana, pois esse
posicionamento é uma escolha jurídica, visando a implementação de uma política
pública capaz de possibilitar pesquisas científicas e resolver várias discussões de
forma definitiva.
Nesse sentido:
Certo é que cabe ao Direito fixar seus marcos referenciais, isto é, o momento do início e do fim da produção de efeitos jurídicos de cada fenômeno. Assim, nos processos que delimitam a existência humana – vida e morte – cabe ao Direito estabelecer – para fins jurídicos – o momento em que ocorrem, ainda que esse seja distinto para outros fins e/ou ramos do conhecimento, como a medicina, a teologia. (BARBOZA, 2003, p. 79, grifo do autor).
Essa afirmação ganha força quando comparado ao que foi efetivamente
realizado no caso de delimitação do fim da vida humana. O estabelecimento de
morte cerebral como o termo final da existência humana foi uma opção visando
incrementar a realização de transplante de órgãos, tendo em vista que, com a atual
tecnologia seria possível manter um paciente com morte cerebral por muito tempo,
com os demais órgãos funcionando.
Cabe destacar que essa escolha não trouxe qualquer tipo de manifestação
contrária por parte da sociedade, pelo contrário, foi vista com bons olhos. Assim, a
delimitação do início da vida também poderia resultar em uma solução definitiva,
pelo menos nos âmbitos jurídico, estatal e legislativo, para as intermináveis
discussões.
Por exemplo, ao se estabelecer, com base na indispensabilidade do
acoplamento no útero para que o embrião possa se desenvolver, o momento da
nidação como o inicial da vida humana, todo embrião, ou qualquer outra
denominação que queira se dar a esta entidade, produzido e mantido fora do corpo
da mulher não será considerado uma pessoa humana, podendo, com isso, ser
utilizado como objeto de pesquisas científicas sem que seja sequer levantada a
hipótese de que tal atitude seria contrária aos direitos fundamentais.
Contudo, essa decisão do Supremo Tribunal Federal, que libera
definitivamente as pesquisas com células-tronco embrionárias obtidas de embriões
excedentários, representa um enorme salto para que o Brasil possa se firmar como
um dos países de ponta na produção cientifica e na elaboração de terapias capazes
de salvar milhões de vidas humanas, o que será de extrema importância para o seu
desenvolvimento econômico, político e social.
CONCLUSÃO
Em face das recentes evoluções científicas que tem por objeto estruturas
originadas do ser humano e por fim a melhoria das condições de vida da sociedade,
como é o caso das pesquisas e terapias com células-tronco obtidas de embriões
excedentários da fertilização in vitro, tem-se que a busca por uma tutela efetiva e
coerente da vida humana passa pela análise dos benefícios que podem resultar
dessas experimentações e pela observância de diversos preceitos éticos e jurídicos,
sendo que entre eles, os mais importantes são justamente os direitos fundamentais
à vida e à dignidade da pessoa humana.
A ética deve ser compreendida através de uma análise dos juízos de valor
que interferem na conduta humana, qualificando esta conduta sob o ponto de vista
do bem e do mal. Ela se fundamento nos ideários de bem e de virtude, sendo
estes os valores a serem perseguidos por todo ser humano em todas as suas ações,
especialmente naquelas que interferem no modo de vida das pessoas, como é o
caso das biociências.
A Bioética surge exatamente dessa busca por uma administração ética e
responsável do desenvolvimento das biociências, visando sempre a preservação da
vida humana através do respeito à sua existência, liberdade e dignidade.
Nesse contexto, desenrolou-se uma intima relação entre a Bioética e o
Direito, objetivando que aos valores defendidos pela bioética fosse incorporada a
exigibilidade do Direito, necessária para que exista um controle coerente e
equilibrado da atividade científica.
Dessa relação surgiu o Biodireito, que se apresenta como o ramo do
conhecimento jurídico responsável por uma análise aprofundada das
experimentações científicas, que tem como finalidade a criação de uma legislação
sobre os procedimentos e os limites a serem impostos. Assume, com isso, um papel
relevante no desdobramento das biociências e, desta forma, no incremento da
própria sociedade, pois o potencial biotecnológico de um país é um dos parâmetros
para determinar a sua riqueza e desenvolvimento.
Assim, cabe também aos juristas se adaptarem a essa nova realidade e
promover um debate conexo com o constante avanço das biotecnologias, sendo que
as técnicas científicas que mais ganham destaque e que resultam nas contendas
mais acaloradas são aquelas pautadas na manipulação de organismos pertencentes
à estrutura do ser humano, ou seja, à Genética Humana.
O estudo da Genética Humana pode ser dividido em dois campos. Um
relacionado com a engenharia genética e outro com a reprodução assistida. A
engenharia genética consiste no conjunto de técnicas que permitem alterar
caracteres hereditários, enquanto que a reprodução assistida consiste no conjunto
de técnicas que tem por finalidade o auxílio aos casais na luta contra a infertilidade.
Dentre as técnicas de reprodução assistida, a que mais se destaca é a
fecundação in vitro com posterior transferência do embrião para o útero (FIVETE),
na qual a fertilização e o desenvolvimento inicial dos embriões ocorre fora do corpo
da mulher, em laboratório, sendo que geralmente são produzidos diversos embriões,
para que se promova uma seleção dos mais viáveis e para que, em caso de falha,
possa-se tentar novamente.
Porém, alguns embriões se mostram inviáveis e outros, ao fim da técnica, não
foram utilizados, sendo estes os embriões excedentarios. Eles podem ser doados
anonimamente para a transferência, destruídos ou utilizados como fonte de células-
tronco embrionárias. A primeira opção é incentivada, mas não utilizada, a segunda é
proibida, mas pratica, e a terceira causou uma grande discussão acerca do termo
inicial da vida humana.
Apesar das diversas teorias sobre o inicio da vida humana, deve-se
considerar o momento da nidaçao como o evento mais importante para que o
embrião efetivamente se desenvolva até se transformar em uma pessoa humana.
Essa alegação se sustenta pela presente impossibilidade de se promover o
desenvolvimento de uma vida humana em um ambiente distinto daquele do útero
feminino.
Com isso, os acontecimentos ocorridos antes desse instante representam
uma fase na qual ainda não há a presença da vida humana, principalmente nos
casos em que essa fase se desenrola em laboratório.
Diante desse posicionamento, quanto às teorias acerca da natureza dos
embriões excedendários, deve ser adotada aquele que considera que esses
embriões podem ser objeto de pesquisas científicas, pois apesar ter terem
potencialidade para, quando preenchidos alguns requisitos, entre eles a ligação com
o útero materno, poderem vir a se transformar em uma pessoa humana, eles não
são a expressão de uma vida humana.
Esses embriões excedentarios serão utilizados nas experimentações
científicas como fonte de células-tronco embrionárias. As células-tronco se
apresentam como um grupo de células não-especializadas, indiferenciadas e que
possuem a capacidade de se auto-renovar e de se diferenciar em outros tipos
celulares. Elas podem ser adultas, sendo capazes de se diferenciar em um número
limitado de tipos celulares, e embrionárias, retiradas dos embriões em estágio de
blastocisto (por volta do quinto dia de desenvolvimento), e que são pluripotentes,
tendo a habilidade de transformar em qualquer tipo celular do corpo humano.
As células-tronco embrionárias promoveram uma verdadeira revolução na
medicina regenerativa, pela sua capacidade de promover o reparo e substituição de
tecidos que sofreram lesão ou degeneração, visando, com isso, restaurar as suas
funções, através da terapia celular, além do seu potencial de poderem ser
diferenciadas em qualquer um dos tipos celulares, como ocorreu recentemente com
a produção em laboratório de espermatozóides.
As pesquisas com células-tronco embrionárias não alteram em nada a
possibilidade e a necessidade do desenvolvimento de outras pesquisas, como
aquelas referentes às células-tronco adultas e as referentes à possível
reprogramação de células somáticas adultas em células embrionárias.
As opções para a obtenção de células-tronco embrionárias são através da
criação de embriões em laboratório exclusivamente para esta finalidade, da
clonagem terapêutica e da utilização de embriões excedentários. Sendo que, apesar
da possível argumentação, com base nos direitos fundamentais e nas lacunas da lei,
sobre a possibilidade de realização da clonagem terapêutica, as duas primeiras são
combatidas pelo regramento brasileiro, restando aos embriões excedentarios, com
fundamento no artigo 5º da Lei de Biossegurança Nacional a função de fornecer
células-tronco embrionárias.
Os embriões excedentários não podem ser tratados da mesma forma que se
pretende tratar os embriões concebidos dentro do corpo da mulher, pois enquanto
aqueles foram fecundados em um laboratório, se encontram congelados e, por
serem inviáveis ou não utilizados, nunca vão se transformar em uma vida humana,
estes se encontraram em pleno desenvolvimento, a caminho de se transformar em
uma pessoa.
Assim, a utilização dos embriões excedentarios como fonte de céluas-tronco
embrionárias não representa uma afronta aos direitos fundamentais à vida e à
dignidade da pessoa humana, pois inexiste a expressão de uma vida humana para
ser protegida, já que esse embrião encontra-se congelado e em um ambiente fora
do útero materno.
Em verdade, essa atividade representa uma concretização desses direitos
fundamentais indispensáveis à consolidação de uma tutela efetiva da vida humana,
tendo em vista que os resultados obtidos com estas experimentações podem vir a
trazer inúmeros benefícios para a sociedade, inclusive a cura de diversas doenças,
como a paralisia e o Mal de Parkinson.
Entretanto, mesmo que se queira argumentar que um embrião produzido fora
do corpo da mulher e mantido criopreservado seja a expressão de uma vida
humana, diante de uma ponderação dos princípios fundamentais aplicáveis ao caso,
chega-se à conclusão de que as experimentação com eles devem ser permitidas,
pois as terapias que decorrerão dessas pesquisas são muito mais benéficas à
coletividade do que a simples manutenção desses embriões nesse estado
congelado.
É nesse sentido que se mostra necessária a adoção de uma visão social dos
direitos fundamentais, pela qual busca-se a efetivação dos direitos à dignidade da
pessoa humana e à vida das pessoas que estão realmente vivas.
A Lei de Biossegurança Nacional, Lei n. 11.105, de março de 2005, em seu
artigo quinto, estabeleceu a permissão para utilização de células-tronco
embrionárias oriundas de embriões excedentários em experimentações terapêuticas.
Essa norma foi regulamentada pelo Decreto n. 5.591/05 e teve as suas
previsões complementadas por Resoluções da Agencia Nacional de Vigilância
Sanitária e do Ministério da Saúde. Além da atuação da Comissão Nacional de Ética
em Pesquisa, que tem a função de acompanhar as pesquisas e de fiscalizar a
atuação dos comitês de ética das instituições.
Destarte, esse artigo foi objeto de uma Ação Direita de Inconstitucionalidade,
sob o argumento de que qualquer manipulação com embriões humanos,
independente do local onde eles tenham sido produzidos, do estado em que se
encontrem e até da sua viabilidade, seria uma afronta aos direitos fundamentais à
vida e à dignidade da pessoa humana, tendo em vista que esses embriões são,
desde a fecundação, a expressão de uma vida humana.
Na decisão final a maioria dos ministros deliberou pela constitucionalidade
do artigo exatamente nos termos estabelecidos pela Lei. Entretanto, cinco
ministros, apesar de aceitarem a pesquisa com embriões excedentários, alegaram
a necessidade de se estabelecer outras limitações a este tipo de experimentação,
principalmente defendendo a necessidade de criação de órgãos públicos
destinados ao controle desta atividade, para que a fiscalização não ficasse na
mãos apenas dos comitês de éticas das instituições, e de modificação das
diretrizes da fertilização in vitro.
Nesse sentido, duas ponderações merecem destaque quanto a essa decisão.
A primeira é que as exigências feitas por alguns ministros para que a norma fosse
considerada constitucional deixaram de observar todo o regramento que flutua em
torno da norma impugnada, como, por exemplo, ao ignorar a existência da Comissão
Nacional de Ética em Pesquisas, que é vinculada ao Conselho Nacional de Saúde e
ao Ministério da Saúde e tem a função justamente de fiscalizar as pesquisas e os
comitês de éticas das instituições.
E, a segunda é que o Supremo deveria ter estipulado o momento que deve
ser considerado, para fins jurídicos, como o inicio da vida humana, resolvendo, com
isso, de forma definitiva, inúmeras questões. Essa adoção de uma posição jurídica é
totalmente cabível e inclusive já foi feita no ordenamento jurídico brasileiro quando
da demarcação do termo final da vida humana como sendo a morte cerebral, para,
desta forma, incentivar o transplante de órgãos.
Contudo, a atuação jurídica, imbuída de valores éticos, deve buscar promover
a tutela da vida humana através de mecanismos capazes de implementar e
concretizar os preceitos pregados pelos direitos fundamentais, principalmente
aqueles relacionados ao direito à dignidade da pessoa humana e ao direito à vida.
Foi exatamente nesse sentido que se posicionou a liberação das pesquisas e
terapias com células-tronco embrionárias oriundas de embriões excedentários, pois
elas representam uma esperança de se obter uma evolução do tratamento ou até
mesmo a cura de diversas doenças que afligem uma grande parcela da sociedade,
impedindo que essas pessoas, que, diferentemente dos embriões excedentarios,
estão realmente vivas, tenham uma existência digna.
REFERÊNCIAS
ALHO, Clarice. Ética, genética e biotecnologia: o uso de células tronco. In: CLOTET, Joaquim; FEIJÓ, Anamaria; GERHARDT, Marília. (Coord.). Bioética: uma visão panorâmica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005.
ALMODIN, Carlos Gilberto; PEREIRA, Lis Andréia; Vânia; MINGUETTI-CÂMARA, Cibele. Co-cultura de embriões humanos em células vero e transferência em fase de blastocisto. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, Rio de Janeiro, v. 21, n. 7, p. 409-414, 1999.
ANIS. Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. Ação direta de inconstitucionalidade n. 3.510. 2008. Disponível em: <http://www.ccr.org.br/uploads/noticias/adi_3510_memorial_anis_2.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2008.
BADALOTTI, Mariângela. Bioética e reprodução assistida. . In: CLOTET, Joaquim; FEIJÓ, Anamaria; GERHARDT, Marília. (Coord.). Bioética: uma visão panorâmica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005.
BARBOZA, Heloisa Helena. Princípios do biodireito. In: BARBOZA, Heloisa Helena; MEIRELLES, Jussara Maria Leal de; BARRETTO, Vicente de Paulo. Novos temas de biodireito e bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. (Temas renovar).
BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de; PESSINI, Leo (Org.). Bioética: alguns desafios. São Paulo: Loyola, 2001.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
BAÚ, Marilise Kostelnaki. Direito e bioética: o principio do respeito à autonomia da vontade da pessoa como fundamento do consentimento Informado. In: CLOTET, Joaquim; FEIJÓ, Anamaria; GERHARDT, Marília. (Coord.). Bioética: uma visão panorâmica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005.
BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp>. Acesso em: 2008/2009.
CASABONA, Carlos M. R. Do gene ao direito. São Paulo: IBCCrim, 1999.
CASSETTARI, Christiano. Direitos da personalidade: questões controvertidas acerca das técnicas de reprodução assistida e o problema da clonagem humana. In: CANEZIN, Claudete Carvalho. (Coord.). Arte jurídica. Curitiba: Juruá, 2006. v. 3.
CLOTET, Joaquim; FEIJÒ, Anamaria. Bioética: uma visão panorâmica. CLOTET, Joaquim; FEIJÓ, Anamaria; GERHARDT, Marília. (Coord.). Bioética: uma visão panorâmica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005.
COLLINS, Francis S. A linguagem de Deus: um cientista apresenta evidências que ele existe. 5. ed. São Paulo: Gente, 2007.
CONTI, Matilde Carone Slaibi. Ética e direito na manipulação do genoma humano. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
CUNHA, Sérgio Sérvulo. Dicionário compacto de direito. São Paulo: Saraiva, 2003.
DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001.
FABRIZ, Daury Cesar. Bioética e direitos fundamentais. São Paulo: Mandamentos, 2003.
FERRAZ, Sérgio. Manipulações biológicas e princípios constitucionais: uma introdução. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1991.
FERRARESI, Angela Anunciata. Direitos fundamentais, biogenética e a tutela da vida. São Paulo: Ed. IPEJ, 2007.
FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Bioética e biodireito. São Paulo: Saraiva, 2000.
GARCÍA, José Juan. Compendio de bioética. Buenos Aires: Libraria Córdoba, 2006.
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Bioética e biodireito: revolução biotecnológica, perplexidade humana e prospectiva jurídica inquietante. In: CANEZIN, Claudete Carvalho. (Coord.). Arte jurídica. Curitiba: Juruá, 2006.
KOTTOW, Miguel. Introducción a la bioética. 2. ed. Santiago: Mediterraneo,2005.
MALUF, Edison. Manipulação genética e o direito penal. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.
MARTINEZ, Stella Maris. Manipulação genética e direito penal. São Paulo: IBCCrim, 1998.
MARTINS, Flademir Jerônimo B. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá, 2003.
MATTAR, Maria Olga. A ética crista e a eliminação dos embriões mais fracos no processo de reprodução humana. In: BARBOZA, Heloisa Helena; MEIRELLES, Jussara Maria Leal de; BARRETTO, Vicente de Paulo. Novos temas de biodireito e bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. (Temas renovar).
MATTE, Úrsula. Bioética e genética. In: CLOTET, Joaquim; FEIJÓ, Anamaria; GERHARDT, Marília. (Coord.). Bioética: uma visão panorâmica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005.
MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. Embriões humanos mantidos em laboratório e a proteção da pessoa: o novo código civil brasileiro e o texto constitucional. In: BARBOZA, Heloisa Helena; MEIRELLES, Jussara Maria Leal de; BARRETTO, Vicente de Paulo. Novos temas de biodireito e bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. (Temas renovar).
MEIRELLES, Lindolfo da Silva; CAPLAN, Arnold I.; NARDI, Nance Beyer. In search of the in vivo identity of mesenchymal stem cells. Stem Cells, Dayton, v. 26, n. 9, p. 2287–2299, jun. 2008.
MINAHIM, Maria Auxiliadora. A vida pode morrer? Reflexões sobre a tutela penal da vida em face da revolução biotecnológica. In: BARBOZA, Heloisa Helena; MEIRELLES, Jussara Maria Leal de; BARRETTO, Vicente de Paulo. Novos temas de biodireito e bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. (Temas renovar).
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1998.
MUNARETTO, Eduardo. Clonagem humana: realidade ou utopia!?: alguns aspectos técnicos, éticos e jurídicos. In: BARBOZA, Heloisa Helena; MEIRELLES, Jussara Maria Leal de; BARRETTO, Vicente de Paulo. Novos temas de biodireito e bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. (Temas renovar).
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
NEIVA, Paula. A célula da esperança. Veja, São Paulo, ed. 2081, ano 41, n. 40, p. 168, out. 2008.
NISHIKAWA, Shin-ichi; GOLDSTEIN, Robert A.; NIERRAS, Concepcion R. The promise of human induced pluripotent stem cells for research and therapy. Nature Reviews: Molecular Cell Biology, London, v. 9, n. 9, p. 725-729, sep. 2008.
ODORICO, Jon S; KAUFMAN, Dan S.; THOMSON, James A. Multilineage differentiation from human embryonic stem cell lines. Stem Cells, Dayton, v. 19, p. 193-204, 2001.
PRETO, Mércia Eugênia de Alencar. Embrião humano: ser ou não ser?, SIQUEIRA, José Eduardo; PROTA, Leonardo; ZANCANARO, Lourenço. Bioética: estudos e reflexões 3. 3. ed. Londrina: Ed. UEL, 2002.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 2000.
ROMANINI, Carolina. O sêmen de proveta. Veja, São Paulo, ed. 2121, ano 42, n. 28, p. 138-139, jul. 2009.
SÁDABA, Javier. Principios de bioética laica. Barcelona: Gedisa Editorial, 2004.
SAUWEN, Regina Fiúza; HRYNIEWICZ, Severo. O direito in vitro: da bioética ao biodireito. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 1997.
75% dos brasileiros apóiam pesquisa sobre células-tronco. Opinião e Notícia, [s.l.], 4 mar. 2008. Disponível em: <http://opiniaoenoticia.com.br/vida/saude/75-dos-brasileiros-apoiam-pesquisa-com-celulas-tronco/>. Acesso em: 13 jun. 2009.
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.
SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder de. A criminalidade genética. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001.
______. Direito (penal) e genoma humano. In: CLOTET, Joaquim; FEIJÓ, Anamaria; GERHARDT, Marília. (Coord.). Bioética: uma visão panorâmica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005.
UNESCO. A Declaração Universal sobre o genoma humano e os direitos humanos. 1997. Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/sangue/simbravisa/Declaracao%20Genoma%20Humano%20e%20Direitos%20Humanos.pdf>. Acesso em: 17 fev. 2009.
VALE, Juliana. Quantos vão chegar lá? Veja, São Paulo, ed. 1948, ano 39, n. 11, p. 56-57, mar. 2006.
WATT, Fiona M.; HOGAN, Brigid L. M. Out of Eden: stem cells and their niches. Science, Washington, v. 287, n. 5457, p. 1427-1430, feb. 2000.
WEISSMAN, Irving L. Translating Stem and Progenitor Cell Biology to the Clinic: Barriers and Opportunities. Science, Washington, v. 287, n. 5457, p. 1442-1446, feb. 2000.