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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro PRODUÇÃO FAMILIAR: POSSIBILIDADES E RESTRIÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL O EXEMPLO DE SANTA SILVANA PELOTAS RS Giancarla Salamoni Orientador: Profª Dra. Lucia Helena de Oliveira Gerardi Tese de Doutorado elaborada junto ao Curso de Pós-Graduação em Geogra- grafia - Área de Concentração em Organiza- ção do Espaço, para obtenção do Tí- tulo de Doutor em Geografia. Rio Claro SP 2000

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

Instituto de Geociências e Ciências Exatas

Campus de Rio Claro

PRODUÇÃO FAMILIAR: POSSIBILIDADES E RESTRIÇÕES

PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – O

EXEMPLO DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS

Giancarla Salamoni

Orientador: Profª Dra. Lucia Helena de Oliveira Gerardi

Tese de Doutorado elaborada junto ao Curso de Pós-Graduação em Geogra-grafia - Área de Concentração em Organiza- ção do Espaço, para obtenção do Tí-tulo de Doutor em Geografia.

Rio Claro – SP

2000

Bibliotecária Responsável Gabriela N. Quincoses

CRB 10/1327

S 159p Salamoni, Giancarla Produção familiar: possibilidades e restrições para o desenvolvi-

mento sustentável – o exemplo de Santa Silvana – Pelotas – R.S. / Giancarla Salamoni; orientador Profª Dra. Lucia Helena de Oliveira Gerardi. – Rio Claro, S.P.: Universidade Estadual Paulista, 2000.

325 p. Tese de Doutorado elaborada junto ao Curso de Pós-Graduação

em Geografia. 1. Produção familiar – Santa Silvana (Pelotas – R.S.) 2. Desen-

volvimento sustentável 3. Agricultura familiar 4. Rio Grande do Sul – ocupação do espaço 5. Imigração – Rio Grande do Sul. 6. Fumo I. Gerardi, Lucia Helena de Oliveira II. J.

338.634.816.57

Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra.

– Mas qual é a pedra que sustenta a ponte?

Pergunta Kublai Khan.

– A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra – responde

Marco – , mas pela curva do arco que estas formam.

Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo.

Depois acrescenta:

– Por que falar das pedras? Só o arco me interessa.

Polo Responde:

– Sem pedras o arco não existe.

(Ítalo Calvino)

Aos meus pais e irmãos – “pedras” na construção

deste trabalho –, e fonte de constante estímulo e

incondicional apoio, especialmente nos momentos

mais difíceis e conturbados.

Ao meu companheiro, interlocutor de todas as horas,

com quem partilho afetos e ideais.

Dedico

AGRADECIMENTOS

À Professora Lucia Helena de Oliveira Gerardi, pela admirável generosidade e

lucidez com que sempre orientou a minha trajetória acadêmica. Seus

comentários contribuíram, de forma decisiva, para aprimorar os argumentos,

evitar obscuridades e motivar a persistência na execução deste trabalho.

Ao Conselho do Curso de Pós-Graduação em Geografia, pela compreensão e

confiança em mim depositadas.

À CAPES, pelo auxílio financeiro concedido, o qual propiciou condições

favoráveis à realização da pesquisa.

Aos produtores familiares da comunidade de Santa Silvana, pela

disponibilidade e paciência com que forneceram as informações necessárias

para o conhecimento da realidade empírica.

À Professora Lígia Blank, pelo rigor na revisão gramatical e estilística do texto.

À Mara Lúcia, pela eficiência na digitação e formatação do trabalho.

À amiga Jussara, pela solidariedade de sempre, e à Luísa, meu “anjo bom”.

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ................................................................................... v

LISTA DE ANEXOS ..................................................................................... viii

LISTA DE FIGURAS .................................................................................... ix

LISTA DE QUADROS ................................................................................. x

LISTA DE TABELAS ................................................................................... xi

RESUMO ..................................................................................................... xiii

ABSTRACT ................................................................................................. xv

APRESENTAÇÃO ....................................................................................... xviii

INTRODUÇÃO ............................................................................................. 1 I HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO DO ESPAÇO GAÚCHO ......................... 10 1.1 Imigração e o processo de colonização: a formação das pequenas propriedades familiares ......................................... 22 1.2 A imigração alemã no Rio Grande do Sul: o caso da comunidade pomerana de Pelotas ................................................ 34 1.3 Organização do espaço pela agropecuária colonial .................... 46 II PRODUÇÃO FAMILIAR CAMPONESA: DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ÀS CARACTERÍSTICAS EMPÍRICAS ............................... 56 2.1 Perspectivas teóricas: conceitos e características ..................... 59 2.2 A teoria da organização da produção segundo A. V. CHAYANOV ............................................................................. 75

vii

2.3 Para entender o campesinato: a contribuição dos estudos chayanovianos .................................................................. 86 2.4 O camponês no contexto agrário atual ......................................... 96 III DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA ........................................... 106 3.1 Desnacionalização: a participação do capital estrangeiro na agricultura .............................................................. 114 3.2 Articulação da produção familiar ao complexo agroindustrial .................................................................................. 117 3.3 Transformação da agricultura tradicional em um complexo moderno ......................................................................... 124 3.4 A agroquímica e a produção familiar ............................................ 140 IV DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: DISCUSSÃO DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS ................................................... 151 4.1 Desenvolvimento econômico versus desenvolvimento sustentável ........................................................ 156 4.2 Princípios sobre ecodesenvolvimento: a visão de IGNACY SACHS ............................................................ 169 4.3 A sustentabilidade na agricultura .................................................. 183 4.4 A produção familiar e o desenvolvimento rural sustentável ....... 189 4.5 Estratégias alternativas para os produtores familiares ............... 193 V A ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO FAMILIAR EM SANTA SILVANA – MUNICÍPIO DE PELOTAS – RS .......................................... 208 5.1 Caracterização geral do município de Pelotas – RS .................... 208 5.2 A Comunidade de Santa Silvana ................................................... 215 5.2.1 Organização da Terra: posse e uso das unidades produtivas ............................................................................... 226 5.2.2 Relações sociais de trabalho ................................................ 230 5.2.3 Relações técnicas de produção: a modernização da unidade familiar ................................................................. 234 5.2.4 A organização da produção .................................................. 241 5.3 Alternativas de desenvolvimento para a comunidade de Santa Silvana .............................................................................. 271 5.3.1 Agricultura ecológica ............................................................. 271 5.3.2 Fruticultura: a retomada de uma potencialidade regional .. 281 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 299 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................... 319

LISTA DE ANEXOS

ANEXO 1 ROTEIRO DE ENTREVISTAS .................................................. 308

ANEXO 2 CLASSIFICAÇÃO DO FUMO – POSIÇÃO DA FOLHA NA PLANTA ................................................................ 315

ANEXO 3 CLASSIFICAÇÃO DO FUMO – COLORAÇÃO DAS FOLHAS ........................................................................... 316 ANEXO 4 PROGRAMA DE MANEJO ECOLÓGICO DO SOLO ............... 317

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 MAPA DO MUNICÍPIO DE PELOTAS – 1911 ...................... 21

FIGURA 2 FATORES SOCIOECONÔMICOS E AGROECOLÓGICOS .. 134 FIGURA 3 ETAPAS DA CONVERSÃO DO SISTEMA CONVEN- CIONAL PARA O SISTEMA AGROECOLÓGICO ................. 196 FIGURA 4 MODELO ILUSTRATIVO DA DINÂMICA DA RENDA DO AGRICULTOR DURANTE A CONVERSÃO PARA O MANE- JO AGROECOLÓGICO (EM DÓLARES POR HECTARE) ... 197 FIGURA 5 MAPA DA LOCALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE PELOTAS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E NA MICRORREGIÃO DA LAGOA DOS PATOS – 317 ......... 209 FIGURA 6 MAPA DA MORFOLOGIA DO RELEVO DO MUNICÍPIO DE PELOTAS – RS ............................................. 211 FIGURA 7 POPULAÇÃO RURAL E URBANA DO MUNICÍPIO DE PELOTAS – RS ............................................................... 214 FIGURA 8 MAPA DO MUNICÍPIO DE PELOTAS – DIVISÃO DISTRITAL ............................................................. 216 FIGURA 9 GRÁFICO DA SITUAÇÃO FLORESTAL DOS FUMICULTORES .......................................................... 250 FIGURA 10 MAPA DAS ZONAS DE CULTIVO DE FRUTAS DE CLIMA TEMPERADO NO RIO GRANDE DO SUL ............................ 282

FIGURA 11 GRÁFICO DA PRODUÇÃO DE FRUTAS E LATAS NA REGIÃO DE PELOTAS – PÊSSEGO ............................. 288 FIGURA 12 GRÁFICO DO NÚMERO DE PESSOAS EMPREGADAS NA CADEIA PRODUTIVA DA FRUTICULTURA NA REGIÃO DE PELOTAS ................................................... 291

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: COMPO- NENTES E OBJETIVOS DE CADA UM DOS CINCO PILARES DO ECODESENVOLVIMENTO ............................. 175 QUADRO 2 COMPARAÇÃO ENTRE AS TECNOLOGIAS DA REVOLUÇÃO VERDE E DA AGROECOLOGIA ................... 181

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 COLÔNIAS EXISTENTES EM PELOTAS ATÉ 1900 ........... 32 TABELA 2 RECURSOS DESTINADOS AO CRÉDITO AGRÍCOLA, BRASIL, 1979 – 1993 (MILHÕES DE DÓLARES) .................................................... 128 TABELA 3 INDICADORES DO GRAU DE MODERNIZAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS POR ESTRATOS DE ÁREA SELECIONADOS, BRASIL – 1985 ....................................... 131 TABELA 4 RENDIMENTOS FÍSICOS NOS ESTABELECIMENTOS DE ESTRATOS POR ÁREA SELECIONADOS, BRASIL – 1985 ...................................................................... 136 TABELA 5 ÁREA DOS ESTABELECIMENTOS E NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS POR GRUPOS DE ÁREA NO MUNICÍPIO DE PELOTAS – RS – 1995/1996 ................ 213 TABELA 6 NÚMERO E ÁREA TOTAL DAS UNIDADES FAMI- LIARES POR GRUPOS DE ÁREA, EM SANTA SILVANA – PELOTAS – RS ................................................. 227 TABELA 7 CONDIÇÃO LEGAL DAS TERRAS ENTRE AS UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS .................................................................... 228 TABELA 8 TIPOS DE MÃO-DE-OBRA UTILIZADA NAS UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS ................................................................... 233 TABELA 9 USO DE INSUMOS ENTRE AS UNIDADES FAMI- LIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS ............... 236

xii

TABELA 10 USO DE TRAÇÃO MECÂNICA E ANIMAL ENTRE AS UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS ..................................................................... 237 TABELA 11 UTILIZAÇÃO DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E CRÉDITO RURAL ENTRE AS UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS ........ 238 TABELA 12 ÓRGÃOS QUE FORNECEM ASSISTÊNCIA TÉCNICA E CIENTÍFICA ENTRE AS UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS ............................. 239 TABELA 13 PRINCIPAIS CULTIVOS DE SUBSISTÊNCIA PRESEN- TES NAS UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS .................................................. 262 TABELA 14 CANAIS DE COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO ENTRE AS UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS .................................................. 263 TABELA 15 PRINCIPAIS TIPOS DE REBANHOS ANIMAL PRE- SENTES NAS UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS .................................................. 265 TABELA 16 VALOR DAS EXPORTAÇÕES DE FRUTAS BRASILEIRAS ....................................................................... 293

RESUMO

Sabe-se que a produção de caráter familiar está presente na agricultura de

qualquer parte do mundo, apesar das vicissitudes econômicas, políticas e até

ambientais que ela tem que enfrentar. Foi, sem dúvida, a sua excepcional

capacidade de adaptação às condições impostas pelo meio natural ou às

exigências do mercado capitalista, que possibilitou sua permanência no

contexto produtivo, ao longo do tempo.

Entretanto, as transformações desencadeadas pelo processo de modernização

da agricultura têm provocado o rompimento da estabilidade dos ecossistemas e

a conseqüente redução da sustentabilidade do próprio desenvolvimento

econômico e social.

Busca-se, então, a partir de uma reflexão sobre o processo de integração entre

agricultura e indústria, repensar as relações que a produção familiar estabelece

com os demais setores da economia, os reflexos na organização interna das

unidades produtivas e as conseqüências sobre o meio ambiente.

Cabe ressaltar que a produção familiar tem grande potencial para promover o

desenvolvimento rural sustentável, não somente por ser responsável pela

xiv

preservação e fortalecimento de sistemas de produção agroecológicos, mas

por ser detentora de um patrimônio cultural que lhe confere um caráter

particular de organização interna. Pode-se afirmar ainda, que a racionalidade

camponesa constitui uma das estratégias de reprodução do produtor familiar,

frente ao processo de desenvolvimento capitalista.

Desse modo, o estudo da Produção Familiar no Distrito de Santa Silvana –

Pelotas, constitui a base referencial empírica para que se possam encontrar,

nesse espaço produtivo, possibilidades e restrições para uma proposta de

desenvolvimento sustentável.

Palavras chaves: agricultura, produção familiar, desenvolvimento sustentável,

agroecologia, fumo.

ABSTRACT

It is known that production of a family nature is present in the agriculture in any

part of the world, in spite of the economic, political, and even environmental

vicissitudes, that is has to face. It has been, no doubt, its exceptional capacity of

adaptation to the conditions imposed by the natural environment or to the

demands of the capitalist market, that has made its permanence possible in the

productive context, through time.

However, the transformations caused by the process of modernisation in

agriculture has provoked the breaking of the stability of ecosystems and a

consequent reduction in the sustainability of economic and social development.

So, after a reflection on the process of integration between agriculture and

industry, this study has reconsidered the relations which family production

establishes with the other economic fields of activity, the reflections on the

internal organisation of the productive units, and the consequences on the

environment.

It is important to emphasis that family production has a great potential to

promote sustainable rural development, not only because it is responsible for

xvi

the preservation and strengthening of agroecological production systems, but

for being the detainer of a cultural endowment that confers a particular

character of internal organisation to it. It can still be said that rural rationality

constitutes one of the family producer’s reproductive strategies, in relation to the

process of capitalist development.

In this way, the study of Family Production in the District of Santa Silvana –

Pelotas , constitutes the referential empirical base to find, in this productive

space, possibilities and restrictions for a process of sustainable development.

Key words: agriculture, family production, sustainable development,

agroecology, tobacco.

São muitas as motivações de um pesquisador. Mas o

fundamental é ter confiança na própria imaginação e saber

usá-la.

Essa confiança significa a percepção de que se pode

intuir uma realidade da qual se conhece apenas um aspecto,

à semelhança do que faz um palentólogo.

O valor do trabalho do pesquisador traduz, portanto, a

combinação de dois ingredientes: imaginação e coragem

para arriscar na busca do incerto.

(Celso Furtado, 1998)

APRESENTAÇÃO

O papel que venham a desempenhar nossas Universidades dependerá, certamente, da forma como elas se insiram na vida social. Para identificar os verdadeiros problemas da região – aqueles de cuja solução depende a melhoria das condições de vida da massa da população – faz-se neces- sário um contato direto com a realidade social em seus

múltiplos aspectos. (FURTADO, C., 1984, p. 61)

É de acordo com a visão de FURTADO (1984) que se estabelecem os

objetivos e a organização do presente trabalho, quais sejam: a elaboração de

um conhecimento sobre a realidade sociocultural, econômica e ambiental da

produção familiar presente no campo brasileiro; e a conseqüente difusão desse

conhecimento, a fim de ampliar as possibilidades de mudanças estruturais e

potencializar a ação por parte da sociedade. Como complementa FURTADO,

a interação entre os processos de invenção e difusão é evidente. Se não se dispõe de um verdadeiro conhecimento da realidade social, a difusão de conhecimentos é inócua ou reforçadora da dependência. (FURTADO, C., 1984, p. 61)

Desse modo, a partir do confronto entre raciocínio teórico e realidade

empírica, tornou-se possível identificar as especificidades contidas no meio

rural, particularmente no que se refere à formação e organização da produção

xix

familiar, sua integração com outros setores da economia e, ainda, as

potencialidades e restrições que este segmento agrega para viabilizar a noção

de desenvolvimento sustentável.

Em suma, com esse estudo, pretende-se contribuir na identificação dos

inter-relacionamentos complexos existentes entre a ação do homem e os

recursos naturais, com o propósito de fornecer subsídios à elaboração de

planos de desenvolvimento fundamentados na sustentabilidade ecológica,

social e econômica.

O capítulo inicial tem por objetivo compreender as circunstâncias que

permearam a formação e evolução da produção familiar no Estado do Rio

Grande do Sul e no município de Pelotas, especificamente. Para tal, procedeu-

se à reconstituição dos aspectos históricos que definiram as bases da

ocupação da terra e do desenvolvimento da “ sociedade agrária caponesa”, a

qual, como escreveu PRADO Jr. (1979), constitui uma organização socio-

econômica e espacial sui generis no contexto da colonização do Estado

gaúcho.

Pensar na produção passa pela questão do modo de produção e época

sob os quais o objeto de análise se situa. No segundo capítulo, buscam-se,

no referencial teórico elaborado por CHAYANOV (1974) e TEPICHT (1973),

elementos que permitam a análise da organização interna das unidades

produtivas familiares, independentemente do sistema econômico no qual a

produção camponesa se encontra inserida. Entretanto, foram abordados outros

enfoques para ampliar a compreensão dos conceitos apresentados, no sentido

xx

de dar conta da realidade concreta da produção familiar sob a vigência de

relações capitalistas de produção, como é o caso da agricultura brasileira.

Destaca-se a contribuição de WANDERLEY (1985 e 1988), que trata os

processos de proletarização dos produtores familiares e os elementos que

compõem a realização do chamado “projeto camponês”.

Ainda, utilizam-se as abordagens elaboradas pelos seguidores da visão

chayanoviana, como SANTOS (1978) e ABRAMOVAY (1992), entre outros, na

análise dos processos de subordinação dos produtores familiares ao capital

industrial, comercial e financeiro.

No terceiro capítulo, é tratado o desenvolvimento do capitalismo no

campo, no qual se insere a modernização da agricultura brasileira.

MÜLLER (1989) ressalta que o processo de modernização não se

reduz apenas às esferas tecnológicas e econômicas, mas se entrelaça,

também, com outros aspectos da vida social, provocando transformações na

sociabilidade das forças produtivas. Desse modo, a articulação da produção

familiar aos circuitos industriais é entendida a partir da adoção de pacotes

tecnológicos, das determinações externas na gestão das unidades produtivas e

da incorporação dos padrões urbanos de vida.

Finaliza-se essa parte, identificando as principais conseqüências da

modernização da agricultura, cuja orientação meramente econômica

(maximização de lucros) tem gerado danos sociais e ecológicos profundos.

Diante das constatações feitas no capítulo anterior, o quarto capítulo

propõe uma discussão do conceito de desenvolvimento, confrontando o

xxi

enfoque economicista – produtivista com outras visões sobre o tema, nas quais

a ênfase recai sobre a sustentabilidade.

De acordo com SACHS (1996), vive-se hoje uma situação de “crise”

dos modelos de desenvolvimento, implantados sob os auspícios das

determinações do sistema capitalista. A partir dos princípios teóricos

elaborados por SACHS, apresenta-se um novo paradigma: o

ECODESENVOLVIMENTO. Este conceito permite definir alternativas de

desenvolvimento ecologicamente sustentáveis, socialmente justas e

economicamente viáveis.

Finalmente, o quinto capítulo resgata a realidade empírica referente

às proposições teóricas apresentadas nos capítulos antecedentes. Toma-se

como exemplo uma área característica de produção familiar, localizada no

distrito de Santa Silvana – Pelotas , a fim de compreender como este segmento

produtivo se encontra organizado internamente, identificar as formas de

integração com os setores industrial e comercial, e, também, demonstrar como

se realiza a contínua reprodução do produtor familiar na área, a qual se

identifica com a racionalidade camponesa.

Nessa mesma parte do trabalho, reforça-se a idéia de que as

comunidades rurais representam o locus para a realização de propostas

alternativas de desenvolvimento, pois entende-se que o potencial endógeno

dessas comunidades (recursos naturais, sociais e culturais) representa o ponto

de partida para o processo de transição rumo à sustentabilidade ecológica,

social e econômica da sociedade.

xxii

Considera-se, por fim, que a produção familiar reúne as condições

necessárias para desenvolver sistemas produtivos que priorizem a produção de

alimentos saudáveis, garantam o emprego aos membros do grupo familiar,

diminuindo, assim, a pobreza rural, e evitando o êxodo de inúmeras famílias

para os centros urbanos.

Esses objetivos devem estar presentes tanto nas pesquisas científicas

e tecnológicas, quanto nas políticas públicas direcionadas à agricultura familiar,

e representam o desafio da época atual, no qual a idéia de desenvolvimento

sustentável está no centro das mudanças propostas.

Como declara CAPRA:

Ao observarmos a natureza dos nossos desafios – não os vários sintomas de crise, mas as mudanças subjacentes ao nosso meio ambiente natural e social – podemos reconhecer a confluência de diversas transições. Algumas delas estão relacionadas com os recursos naturais, outras com valores e idéias culturais, todos eles envolvem períodos de transição que acontece estarem coincidindo no presente momento. (CAPRA, F., 1999, p. 26)

INTRODUÇÃO

O modelo de desenvolvimento dominante no campo, atualmente,

corresponde a um período ínfimo nos dez milênios de história acumulada pela

agricultura, porém seus efeitos sobre a natureza foram proporcionalmente

muito maiores que a prática de séculos de exploração agrícola. Nos últimos

cinqüenta anos, percebeu-se um aprofundamento da crise econômica na

agricultura, ao lado da sistemática degradação dos ecossistemas.

Essa situação resultou na adoção de um paradigma produtivo que

provocou profundas transformações na organização física, técnica e social do

espaço rural, traduzido como modernização da agricultura. O processo

modernizante fundamentou-se através da mecanização das atividades

agrícolas e utilização de fertilizantes químicos e agrotóxicos. Esse conjunto de

técnicas ficou conhecido como Revolução Verde.

Após algumas décadas de vigência da estratégia modernizadora,

apesar dos vultosos investimentos realizados, os resultados revelaram uma

heterogeneidade de padrões produtivos no campo brasileiro, uma vez que

produtores e produtos foram atingidos de forma diferenciada pela

modernização agrícola.

2

Como esclarece QUESADA:

Sabe-se, hoje, que os objetivos da Revolução Verde em parte foram alcançados, especialmente quando se analisam determinados segmentos de produtores, alguns tipos de produtos e certas regiões produtoras do País. O certo, no entanto, é que os avanços tecnológicos e a melhoria das condições de vida não foram acessíveis a todos os produtores, o que caracteriza a tecnificação agrícola como um processo excludente. (QUESADA, et al., 1991, p. 17)

Vale lembrar que os aumentos de produtividade ficaram restritos às

culturas de exportação, enquanto a produção de alimentos para o mercado

interno teve um decréscimo de área plantada e estacionou seus índices de

produtividade. (FAO / INCRA, 1994)

Sabe-se que a produção familiar é a principal responsável pelo

abastecimento de produtos alimentares destinados para o consumo nacional,

daí a necessidade de garantir a permanência deste segmento da agricultura

brasileira, sob pena de serem inviabilizadas as metas de erradicação da fome e

da pobreza, tanto no campo como nas cidades.

Além disso, segundo estudo realizado pela FAO / INCRA (1994),

considera-se que o fortalecimento e desenvolvimento da agricultura familiar são

eficazes instrumentos de geração de emprego e renda, como explica o referido

relatório:

... por terem sistemas de produção mais intensivos, os estabelecimentos familiares permitem a manutenção de quase sete vezes mais postos de trabalho por unidade de área. (FAO / INCRA, 1994, p. 9)

3

E segue afirmando:

Enquanto na agricultura patronal1 são necessários cerca de 60 hectares para a geração de um emprego, na agricultura familiar bastam 9 hectares. (FAO / INCRA, 1994, p. 9)

Não resta dúvida de que as unidades de produção familiar devem

desempenhar um papel decisivo no conjunto da economia regional e, ainda,

propiciar a manutenção de inúmeras famílias rurais com relativo

desenvolvimento social e econômico, garantindo a sustentabilidade ambiental.

Sob o prisma do desenvolvimento sustentável, são muitas as vantagens

apresentadas pela organização familiar na produção agropecuária, devido à

sua ênfase na diversificação e à maior maleabilidade de seu processo

decisório.

As tantas contradições que envolvem a produção familiar têm levado a

indagações quanto à sua existência e permanência ao longo da história, diante

das constantes mudanças políticas e econômicas inerentes ao sistema

capitalista.

A concepção que permeia este trabalho diferencia-se daquela

defendida por cientistas e pesquisadores, de que a agricultura familiar estaria

em vias de extinção. Entende-se que, em todos os países, até hoje,

independentemente de qual seja o sistema político ou o tipo de mercado

econômico, a produção agrícola é sempre, em maior ou menor grau,

1 Por modelo patronal na agricultura, consideram-se os estabelecimentos que utilizam mão-de-

obra assalariada, com forte concentração de renda, e ocupam vastas extensões de área. Ver mais sobre esse assunto em FAO / INCRA. Diretrizes de Política Agrária e Desenvolvimento Sustentável para a Pequena Produção Familiar. Brasília: Projeto UTF/BRA/036, 1994. (versão preliminar)

4

assegurada por unidades familiares de produção, ainda que se reconheça a

existência de situações diferenciadas de desenvolvimento nesse segmento

produtivo, como explicita BROSE:

claramente existe uma grande diversidade: em alguns países a agricultura familiar é o ‘setor chave’ de crescimento agrícola e de sua inserção no mercado, em outros, permanece excluída, desacreditada e, às vezes, é apenas tolerada. (BROSE, M., 1999, P. 14)

Entretanto, cabe ressaltar as considerações feitas por CHAYANOV

(1976), de que a economia familiar não é um modo de produção, como se

entende o capitalismo e o socialismo, mas sim um “modo de produção

específico”, porém, subordinado e inserido no sistema dominante, capaz de

adaptar-se às regras gerais da formação econômica vigente.

Dessa forma, a partir dos pressupostos elaborados por CHAYANOV,

pretende-se refletir sobre o caráter próprio, original e histórico da formação e

permanência da produção familiar no cenário produtivo brasileiro. Os principais

elementos que diferenciam a produção familiar residem na natureza de sua

força de trabalho e nas estratégias adotadas para assegurar sua reprodução no

interior do modelo de produção capitalista.

Nesse enfoque, as diferenças que distinguem as unidades de produção

de caráter familiar não se estabelecem apenas em nível das relações com o

mercado, mas também, quanto às diferentes formas de organização interna.

Diante da disponibilidade de recursos – mão-de-obra, terra e capital – os

produtores realizam a combinação destes, a fim de gerarem a produção,

buscando um eqüilíbrio interno entre trabalho e consumo. Isso permite afirmar

5

que a sua lógica produtiva se encontra determinada pelas necessidades de

consumo da família e pela manutenção do patrimônio fundiário, sendo o maior

capital das unidades familiares o próprio trabalho.

De acordo com ABRAMOVAY (1992), muitas das unidades produtivas

familiares foram, ao longo do processo de modernização da agricultura,

incorporando técnicas e sistemas de produção inadequados à disponibilidade

de mão-de-obra, ao tamanho das propriedades e às condições ecológicas em

que estas se encontram. O mesmo autor observa que a produção familiar

convive com o capital ao entrar no mercado e estar subordinada às

determinações deste. Na maioria das vezes, o grupo familiar produz de acordo

com o interesse de grupos empresariais que necessitam de seus produtos e de

sua força de trabalho para realizar a complexa circulação do capital.

Quando se analisa o processo de integração dos produtores familiares

às agroindústrias, é importante desvendar as relações pelas quais acontece a

submissão do produtor ao capital industrial e comercial.

Muitas vezes, a articulação entre agricultura e indústria chega a

subverter os elementos que constituem a organização interna das unidades

familiares: o balanço trabalho / consumo, como fator determinante das decisões

econômicas do produtor familiar, cede lugar para as determinações impostas

pelo setor urbano-industrial. Desse modo, os produtores familiares integrados

sofrem uma perda da sua autonomia e personificam a idéia de trabalhador para

o capital. (WANDERLEY, 1985)

6

A compreensão desse processo e as contradições que dele emergem

são condições necessárias para se pensarem propostas de desenvolvimento

voltadas à agricultura familiar.

Novas concepções de desenvolvimento têm sido apresentadas como

alternativa ao modelo convencional2, uma vez que as sucessivas “crises

agrícolas” manifestadas, particularmente, nos anos mais recentes, têm

demonstrado que essa forma de desenvolvimento não se sustenta a longo

prazo, principalmente devido: à geração de impactos ambientais, cuja correção

exige custos monetários elevados; à finitude dos recursos naturais (não-

ampliação das áreas cultivadas), a qual tem sido um dos maiores entraves ao

modelo convencional; à queda real das rendas dos produtores, responsável

pelo agravamento da pobreza rural.

Em resumo, o desenvolvimento gerado pelo processo de modernização

não se enquadra perfeitamente em uma visão sistêmica e holística3 de

desenvolvimento, a qual deve ser evidenciada pelos elementos ecológicos,

sociais, culturais e econômicos, sobre os quais se estrutura a sociedade.

Nos últimos dez anos, a concepção de um desenvolvimento

sustentável para a agricultura vem sendo objeto de análise e discussão, não

2 Por modelo convencional de desenvolvimento na agricultura, entende-se a forma de

organização produtiva das atividades agrícolas, estruturadas a partir do ideário da Revolução Verde. (ALMEIDA e NAVARRO, 1997) 3 Holismo: “compreensão da realidade em totalidades integradas, onde cada elemento de um

campo considerado reflete e contém todas as dimensões do campo, conforme a indicação de um holograma, evidenciando que a parte está no todo, assim como o todo está na parte, numa inter-relação constante, dinâmica e paradoxal”. (MICHAELIS: Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998)

7

somente no meio acadêmico-científico, mas também entre vários segmentos da

sociedade, como produtores rurais e lideranças políticas.

Evidentemente, o tema tem recebido diferentes enfoques, porém

alguns princípios são comuns a todos, como expõem ALMEIDA e NAVARRO:

a manutenção dos recursos naturais e da produtividade agrícola no longo prazo, a realização de ações produtivas que produzam o mínimo de impactos adversos ao meio ambiente, a garantia de recursos adequados aos agricultores, a maximização da produção com o uso mínimo de insumos agroindustriais, o atendimento das necessidades sociais das famílias e das comunidades rurais, etc. (ALMEIDA e NAVARRO, 1997, p. 11)

Em tal concepção de desenvolvimento, a dimensão local desempenha

um papel preponderante. As comunidades rurais são consideradas portadoras

de um potencial endógeno, ou seja, do conhecimento empírico e das tradições

culturais – “saber camponês” – que , uma vez articulado com o conhecimento

científico, permite implementar sistemas de agricultura alternativa,

sustentadores da biodiversidade ecológica e do patrimônio sociocultural.

Diante dessa argumentação, ao trazer a análise para o contexto do

Estado do Rio Grande do Sul, verifica-se que, embora os produtores familiares,

em muitos casos, se encontrem integrados ao mercado, utilizem capital sob a

forma de insumos e tecnologias modernas, e orientem as ações da unidade

produtiva em função de custos e rendimentos, mantêm intrínseca sua

racionalidade camponesa, pela qual a agricultura é, em princípio, fonte de sua

sobrevivência, e não simplesmente alternativa de investimento para o capital.

(SALAMONI, G., 1992)

8

Com base nessas constatações, adota-se o argumento de que a

produção familiar é, pelas suas condições de produção e sua lógica econômica

de reprodução, o segmento da agricultura capaz de realizar a transição com

maior facilidade para um modelo de desenvolvimento sustentável.

Tendo por base empírica o distrito de Santa Silvana – Pelotas – RS,

procura-se desvendar as transformações ocorridas no espaço rural sobre o

qual se encontra localizada a produção familiar, evoluindo desde as condições

históricas de sua instalação, condições naturais e econômicas que propiciaram

seu desenvolvimento, até atingir a compreensão da situação atual dessa

comunidade rural, ressaltando as potencialidades e restrições para a

manutenção de sua sustentabilidade ecológica, social e econômica.

Cabe lembrar que, na agricultura sustentável, o sistema produtivo não

depende unicamente de uma simples orientação econômica, e valores como a

solidariedade, identidade, autonomia, são bens que, contrariamente a outros,

mais reais, não são calculáveis nem mensuráveis, mas trazem bem-estar e

satisfação para os produtores rurais. (ALMEIDA e NAVARRO, 1997)

O ponto de partida para o projeto de desenvolvimento sustentável é a

viabilização da agricultura familiar em termos de produção e comercialização,

acrescida de outras dimensões, ou seja, é preciso garantir aos produtores

familiares sua reprodução social, cultural e política.

Nesse processo, são ainda necessárias políticas públicas

corespondentes, que possibilitem aos produtores familiares se inserirem nos

espaços econômicos dos quais estiveram historicamente excluídos. Também

9

são imprescindíveis políticas diferenciadas pelas características regionais, que

promovam as unidades familiares já inseridas no mercado e minimizem a

exclusão das que se encontram em situação mais problemática.

Enfim, como declara FURTADO:

Na crise de civilização que vivemos, somente a confiança em nós mesmos poderá nos restituir a esperança de chegar a bom porto. (FURTADO, C., 1998, p. 67)

I HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO DO ESPAÇO GAÚCHO

As grandes extensões territoriais, onde apascenta o gado, atendido por um reduzidíssimo pessoal, jornaleiro, às vezes mal alimentado e mal pago, contribuem para aumentar o pauperismo das cidades. É preciso retaliar os latifúndios, dividí-los em pequenas glebas e cuidar da cultura intensiva dos campos. (Getúlio Vargas no III Congresso Rural do RS em 1929, apud BROSE, M., 1999, p. 21)

A paisagem resultante do inter-relacionamento do homem com o

espaço que este ocupa, não é fruto de conjunções repentinas, pois ela reflete,

entre seus elementos, a variável tempo. Se o tempo é variável importante na

organização espacial, a busca de causas explicadoras dos fenômenos

geográficos implica, comumente, remontar a um passado.

Ao estudarmos a produção familiar (camponesa) de origem pomerana

no município de Pelotas, em seu atual contexto, é imprescindível que se

aborde, a priori, alguns aspectos da formação histórica do espaço gaúcho.

Desse modo, facilita-se a compreensão de como se originou uma “massa” de

produtores rurais com determinadas características socioculturais, cujas

condições de produção atendiam, já de início, às necessidades imediatas do

capital.

11

A história econômico-social do Rio Grande do Sul teve início no século

XIX, com um marco decisivo no seu desenvolvimento: o surgimento das

colônias. Em decorrência disso, a nova fisionomia do Estado caracterizou-se

pela presença de pequenas propriedades sob a responsabilidade de

agricultores de origem européia, formadores de uma classe de agricultores

“independentes”, representando a tentativa pioneira de implantar uma

democracia rural no Brasil Monárquico.

Em virtude da distribuição geográfica das colônias, estas formaram

verdadeiras ilhas no meio de regiões ocupadas por grandes áreas de pecuária.

O fato de ser proprietário individual da terra assegurava aos colonos sua

independência político-econômica em relação ao poderio, quase feudal,

exercido pela classe dos grandes proprietários em outras regiões do País.

Entretanto, apesar da relativa impermeabilidade existente, a princípio, entre

estes dois segmentos da sociedade gaúcha, o relacionamento entre ambos

evolui até atingir laços de complementaridade, principalmente no que se refere

à troca de produtos.

COPSTEIN (1975) lembra que, especialmente os núcleos coloniais que

se formaram na porção sul do Estado do Rio Grande do Sul são testemunhos

do inter-relacionamento havido entre a sociedade luso-brasileira preexistente e

os grupos sociais formados por imigrantes europeus não-portugueses.

Segundo OCTÁVIO IANNI:

no longo processo de europeização de certas partes da terra, europeus têm sido colocados na contingência de ajustar-se não só a não-europeus, mas também a europeus mais ou menos transformados, no seu patrimônio étnico,

12

nos seus valores culturais, nas suas instituições, nos seus padrões de comportamento social. (IANNI, O., 1972, p. 172-173).

Tendo em vista que as possibilidades das colônias lograrem êxito

também estiveram atreladas às relações culturais, econômicas e políticas

estabelecidas entre o universo colonial-camponês e o mundo capitalista, pode-

se, a partir daí, esclarecer por que alguns grupos de colonos imigrantes

prosperaram mais que outros em comunidades vizinhas. Ou, por outro lado, por

que determinadas comunidades não progrediram e, até mesmo,

“acaboclizaram-se”, ou seja, apresentaram um retrocesso nas relações

técnicas de produção.

Evocando as origens das colônias, tornam-se perceptíveis os efeitos do

movimento geral do sistema econômico vigente no País, sobre o processo

específico de produção do campesinato no sul do Brasil. Constata-se que a

política de colonização esteve determinada pelos interesses dos grandes

proprietários, representantes do Complexo Cafeeiro, localizados no centro

dinâmico do País. Por outro lado, foi o próprio movimento de reprodução do

capital (não-localizado) que viabilizou a formação de uma economia

camponesa no Rio Grande do Sul.

Inicialmente, a política oficial estabeleceu que as pequenas

propriedades fossem implantadas em áreas de terras devolutas. Porém, em

1850, o Governo brasileiro decidiu alterar a legislação, substituindo a forma de

concessão de terras a título gratuito, pela venda mediante o pagamento de uma

quantia em dinheiro.

13

Nesse momento, a história rural do Rio Grande do Sul incorpora as

questões da dívida colonial, inserindo o campesinato em uma economia

monetarizada.

Dentro desse novo sistema, a aquisição de parcelas de terra passa a

ser limitada pela disponibilidade de capital dos imigrantes, cujo resultado foi o

aparecimento de uma variedade de formas de pequenas unidades produtivas,

com dimensões variadas, organizadas com base na divisão do trabalho familiar

e na atividade policultora de subsistência.

Portanto, analisar a implantação, a consolidação e as transformações

ocorridas no processo de trabalho de imigrantes estrangeiros em uma porção

do território gaúcho, significa compreender a produção do espaço, engendrada

pela relação de fatores interagentes homem-meio, ao longo do tempo.

BEAUJEU-GARNIER afirma que, tanto sob o prisma metodológico como

empírico, a busca de explicações se encontra em dois planos: o espacial e o

temporal. Disso decorre que os acontecimentos pretéritos são necessários para

explicar o presente e, portanto, são imprescindíveis à Geografia. (op. cit.

COPSTEIN, R., 1975).

A ocupação do Rio Grande do Sul traz como peculiaridade a sua tardia

integração ao processo geral de formação econômica do Brasil Colonial. A

tentativa pioneira que lançou as bases para a fixação do homem no território

sulino ocorreu por volta de 1605, quando se estabeleceram as reduções

jesuíticas portuguesas, porém não logrou êxito. Foi somente com a penetração

dos jesuítas espanhóis, procedentes do Paraguai (1626), que ocorreu a

14

fundação definitiva de núcleos populacionais por toda a região centro e oeste

da Província do Rio Grande. A população constituía-se basicamente por padres

jesuítas e índios missioneiros, dedicados a ofícios diversos, dentre os quais o

principal era o apresamento e criação do gado. Em cada local em que um

rebanho significativo foi aprisionado, originou-se uma nova Vacaria – isto é,

áreas de campos cobertos por uma reserva de gado – lançando os

fundamentos econômicos básicos da apropriação da terra no Rio Grande do

Sul.

No final do século XVII, a Coroa Portuguesa decidiu explorar

efetivamente as suas possessões e voltou-se para o extremo sul, buscando

consolidar as fronteiras em disputa com os espanhóis na zona do Prata. Em

1736, foram concedidas as primeiras sesmarias a ex-tropeiros e militares que

participaram da luta pela fixação dos limites portugueses ao sul do continente.

Foram ocupadas, inicialmente, as zonas do litoral, no centro e, por fim, as

fronteiras sul e oeste, conhecidas como “terras de campos”, onde foi

desenvolvida uma pecuária extensiva. As estâncias assim formadas tinham

como base a doação gratuita das terras e o legado econômico deixado pelos

jesuítas – o rebanho bovino. Cada propriedade desse gênero tinha, em média,

de 11 a 13 mil hectares de extensão.(THOMAS, C., 1976)

Durante o período subseqüente, intensificam-se as lutas platinas,

ocasionando conseqüências marcantes no povoamento sulino. As estâncias

proliferam rapidamente, atingindo áreas até então desabitadas. Foi dessa

forma que o primeiro donatário de Pelotas – Coronel Tomás Luís Osório –

ocupou os terrenos de campos próximos ao canal São Gonçalo e aí

15

desenvolveu a atividade criatória aliada a uma incipiente agricultura de

subsistência.(MAGALHÃES, M.O., 1981)

O amplo aproveitamento das terras pela pecuária provocou o

florescimento das atividades comerciais ligadas ao gado bovino gaúcho, cuja

produção passou a atender a demanda de um mercado consumidor local e

externo.

Nesse mesmo período, o Brasil Colonial enfrentou um processo de

transferência do pólo econômico centrado na atividade açucareira nordestina,

para a região mineradora ao sul do Estado de Minas Gerais.

Conseqüentemente, os rebanhos (bovino e muares) do sul do país assumem

importância comercial e passam a ser exportados, a fim de suprir as

necessidades de alimentação e transporte das massas populacionais fixadas

nesses centros mineradores. A exportação de gado de corte e de animais de

carga torna-se o primeiro elo de ligação do Estado com as regiões dinâmicas

do País. No último quartel do século XVIII, o Ciclo do Ouro entrou em

decadência, gerando a interrupção do comércio de animais vivos.

Com a crise da pecuária, a grande propriedade teve sua estrutura

produtiva ameaçada e só não provocou maiores conseqüências à economia

gaúcha porque a atividade produtiva do imigrante açoriano já despontava.

Ao lado das sesmarias e dos campos de criação de gado, o

povoamento do Rio Grande do Sul guarda na sua história a presença da

pequena propriedade, fruto da ação pioneira das populações procedentes das

ilhas dos Açores, Madeira e Ilhéus, que, posteriormente, foi seguida pela dos

16

imigrantes de origem européia. Esta colonização (açoriana) estendeu-se

principalmente pelo litoral da Província e imediações dos rios navegáveis,

formando nestas áreas um tipo de organização singular e diferenciada da

estabelecida no Brasil Colonial. CAIO PRADO JR. descreve as principais

características da colonização açoriana nos seguintes termos:

A propriedade fundiária é muito subdividida, o trabalho escravo é raro, quase inexistente, a população é etnicamente homogênea. Nenhum predomínio de grupos ou castas, nenhuma hierarquia marcada por classes sociais. Trata-se, em suma, de comunidades cujo paralelo encontramos apenas na América em suas regiões temperadas, e foge inteiramente a normas de colonização tropical, formando uma ilha neste Brasil de grandes domínios escravocratas e seus derivados.” (PRADO JR., C., 1979, p. 96).

A ocupação operada pela população ilhoa em 1748, foi originária de

uma conjuntura mais política do que produtiva. Mesmo assim, os colonos

açorianos dedicaram-se a uma policultura (milho, trigo, arroz, batatas, fumo,

legumes e frutas) nas áreas que o governo lhes tinha concedido, acompanhada

da isenção de encargos e assistida gratuitamente com vestimentas,

alimentação, ferramentas e, até mesmo, algum capital. Essas propriedades,

denominadas de datas, variavam em torno de 272,25 hectares e podiam ser

consideradas como pequenas chácaras, quando confrontadas com as

estâncias formadas nessa mesma época.

A produção obtida no interior das propriedades açorianas era reduzida,

porque limitava-se à satisfação das necessidades do grupo familiar e aos

pedidos de um mercado local inexpressivo.

17

As adversidades naturais da nova terra, aliadas ao tipo de aptidão

sociocultural do elemento açoriano, foram os principais empecilhos ao

desenvolvimento da agricultura. Por outro lado, este quadro revelou-se como

um forte estímulo à formação de vários núcleos urbanos, nos quais os

imigrantes se ocuparam com atividades ligadas ao comércio e, ainda, como

representantes das instituições jurídicas da Província.

Salvo nestes casos, onde os açorianos delinearam as praças das

futuras cidades gaúchas, o regime da pequena propriedade foi completamente

desprezado pelos imigrantes e seus descendentes. Especificamente nas zonas

de campo, o resultado da dispersão dos colonos foi o total abandono da

policultura, em favor da incorporação dos ilhéus às atividades pecuaristas. As

condições do meio físico apresentavam alternativas mais lucrativas ligadas ao

pastoreio do gado e à industrialização de carnes salgadas.

Em 1780, o influxo transmitido pela fundação das primeiras

charqueadas assinalou a fase primitiva da industrialização gaúcha e estimulou

o desenvolvimento e a multiplicação das estâncias, o que levou alguns autores

a afirmarem que o Rio Grande nasceu das estâncias e floresceu nas

charqueadas. (PESAVENTO, S.J., 1980)

Neste época, Pelotas já se constituía em um apreciável núcleo social,

estimulado pela vinda dos imigrantes açorianos e de antigos moradores luso-

brasileiros, refugiados da próxima vila de Rio Grande, então ocupada pelos

castelhanos. O primeiro recenseamento, feito em 1814, assinala uma

população de 2719 habitantes, dos quais mais da metade eram negros e

18

apenas 10% de brancos. Isso porque a safra das charqueadas construiu-se à

base do trabalho escravo. Pelo menos é o que afirmam alguns pesquisadores,

garantindo que as zonas de produção tiveram até suas senzalas. Mas

permanece uma grande controvérsia neste “pedaço” da história gaúcha, sobre

se realmente existiu o trabalho escravo negro e em que nível se deu sua

exploração.

Porém, foi com a chegada do pioneiro da indústria saladeril, o cearense

José Pinto Martins, que a dinâmica produtiva do município ganhou novos

rumos. As áreas próximas ao canal São Gonçalo e a outros arroios foram

amplamente ocupadas pelas charqueadas, responsáveis pela transformação

dos produtos oriundos da pecuária (carnes e couros). A indústria do charque

prosperou de tal forma que houve períodos em que funcionaram,

simultaneamente, 42 estabelecimentos desse gênero, tornando a cidade a mais

rica e adiantada da Província.

Frente à precariedade tecnológica da época e aos parâmetros do

progresso, no final do século XIX, a cidade de Pelotas ocupava um lugar de

destaque no cenário da incipiente economia estadual, justamente devido à

presença das indústrias do charque. A respeito da dinâmica deste tipo de

atividade industrial, o jornalista alemão KARL VON KOSERITZ traçou o

seguinte comentário sobre o município de Pelotas:

... nota-se ali, em geral, progresso mais rápido, abastança maior, fortunas mais sólidas. Cremos até que, para uma cidade nestas condições, não seria sorte se , de repente, se mudasse para ela a sede do governo e o mundo oficial. (op. cit. MAGALHÃES, M. O., 1981, p.24).

19

Desse modo, a figura do charqueador incorpora-se ao passado

histórico da formação econômica gaúcha, representando a fração de classe

dominante a influente da sociedade. Por isso, sempre esteve associada ao

poder político no Rio Grande.

Em relação ao contexto externo, a carne salgada e conservada para

consumo posterior motivou um novo interesse pelos produtos gaúchos. A

pecuária volta a se constituir em mercado abastecedor para as populações de

baixa renda, garantindo, principalmente, a sobrevivência da mão-de-obra

escrava utilizada no Complexo Cafeeiro. Desse modo, a economia sulina

consagrou seu caráter de produção periférica e subsidiária no conjunto do País.

Pode-se dizer que coube à pecuária e à indústria saladeril o papel

determinante na posse da maior parte do território do município de Pelotas,

principalmente nas áreas dos campos ao sul, uma vez que a porção norte e

noroeste mantinha-se inabitada.

Até então, a figura do estancieiro-charqueador prosperava e, com ele, a

economia da região. Mas, sem poder influenciar nas oscilações do mercado da

carne, e acossada pelo nível tecnológico das charqueadas argentinas, a

atividade declinou até acabar de modo melancólico, no final do século passado,

cedendo espaço para uma nova dinâmica imposta pela chegada dos imigrantes

europeus.

Os primeiros resultados obtidos pela produção colonial já se

afiguravam para o governo como “saída”, em termos econômicos, para as

atribulações enfrentadas pelas charqueadas e pela criação de gado,

20

ocasionadas tanto pela libertação dos escravos – maiores consumidores de

charque –, quanto pela concorrência platina.

Com a ação pioneira da população européia não-portuguesa, decidida

a ocupar as zonas de matas e encostas de serras, completa-se o povoamento

de Pelotas.

Em resumo, a ocupação definitiva do município ocorreu em duas

etapas, marcadas por características diferenciadas. A primeira deu-se até o

final do século XVIII, com a distribuição de sesmarias nas áreas de campos, ao

sul, onde os portugueses e seus descendentes desenvolveram a criação de

gado. As pequenas propriedades açorianas incrementaram o povoamento

nesta fase.

Na outra, a partir de 1820, foi a vez da porção norte, a qual foi dividida

em lotes para onde afluíram os imigrantes recém-chegados da Europa ou,

muitas vezes, vindos de colônias situadas em outras áreas da Província.

(FIGURA 1)

21

FIGURA 1 MAPA DO MUNICÍPIO DE PELOTAS – 1911

22

1.1 Imigração e o processo de colonização: a formação das pequenas

propriedades familiares

No Rio Grande do Sul, a imigração não era vista como solução

alternativa para aqueles cuja produção se baseava no trabalho escravo, mas

destinava-se a sanar dificuldades inerentes à particularidade da situação da

economia rio-grandense no contexto da economia nacional. E é nesse sentido

que a imigração para o Rio Grande do Sul assume um caráter peculiar, que a

diferencia do processo imigratório do resto do País. Tal peculiaridade,

provavelmente, se explique pelo caráter de dependência em que se coloca sua

economia em nível do sistema global.

O surto imigratório dirigido para o sul do Brasil também trouxe consigo

uma esperança de renovação econômica para o contexto de crise da região,

principalmente porque o contingente populacional vindo da Europa era formado

por agricultores, artesãos, entre outros, dotados de um espírito empreendedor

no trato com a terra e recursos naturais, beneficiando o extremo sul com uma

nova força de trabalho.

A atitude migratória constitui-se, portanto, em uma crítica à sociedade

tradicional em dois sentidos: introdução do trabalho livre e consolidação da

pequena propriedade.

O estabelecimento da pequena propriedade contou com a ajuda direta

do Poder Imperial. No século XIX, logo após a independência, a Corte,

representada pelo Imperador D. Pedro I, reconheceu a importância de instituir

medidas eficazes no sentido de assegurar definitivamente a posse das

23

fronteiras meridionais. Cogitava-se, ainda, como uma razão convincente, a

necessidade de contrapor ao latifúndio escravocrata das outras regiões, uma

forma de organização social que reproduzisse o “tipo europeu” da pequena

propriedade familiar. Nas palavras de LÉO WAIBEL,

O Brasil precisava de um novo tipo de colonos, pequenos proprietários livres que cultivassem as terras de matas com o auxílio das respectivas famílias e que não estivessem interessados nem no trabalho escravo, nem na criação de gado. (op. cit. BERNARDES, N., 1962, p. 614).

A reprodução dessa forma de organização valorizava a propriedade

individual da terra e as relações de produção baseadas no trabalho coletivo do

grupo familiar, formando as chamadas colônias.

A partir de meados do século XIX, foi implantando-se uma outra face

no processo de formação econômico-social do espaço gaúcho, expressa por

uma agricultura diversificada de alta produtividade, fundamentada

principalmente na intensidade do fator trabalho.

A política de colonização executada pela Coroa tomou verdadeiro

impulso na Província do Rio Grande, mas trazia no seu bojo algo mais que a

simples garantia do povoamento da porção sul, pois os interesses da burguesia

cafeeira apareciam claramente delineados nas medidas oficiais.

A paulatina desativação do regime escravocrata e a conseqüente

formação de um mercado de homens livres, provocou acréscimos na demanda

por gêneros alimentícios, pois a força de trabalho destituída dos meios de

produção e vinculada exclusivamente à produção de cultivo dominante –

24

café –, necessitava garantir sua sobrevivência às custas da produção de

terceiros, ou seja, dos produtores familiares do Rio Grande do Sul.

Os núcleos coloniais formados no sul do Brasil preenchiam os

requisitos exigidos para tal função, principalmente porque sua localização

geográfica, fora dos limites das fazendas cafeicultoras, não representava

nenhuma ameaça à hegemonia do latifúndio. Pelo contrário, a existência de

núcleos bem-sucedidos de pequenos proprietários agrícolas, produzindo em

termos de subsistência, atuou também como “chamariz” para atrair novas levas

de imigrantes que, posteriormente, seriam desviados para as fazendas de café,

engrossando ainda mais o contingente de mão-de-obra assalariada nestas

áreas.

Além do cunho político-ideológico, outro aspecto, este de ordem

produtiva, endossava a política de colonização, baseando-se na afirmação de

que a atividade policultura desenvolvida pelas colônias seria capaz de

abastecer a população com uma variedade de gêneros básicos à alimentação.

Desse modo,

a pequena propriedade colonial no Brasil não foi uma conquista de grupos pobres nacionais, nem resultado de transformações sociais que tivessem tornado inviável a grande propriedade monocultura, foi uma concessão das classes dominantes latifundiárias para com os estrangeiros, tendo como finalidade salvar os interesses da grande lavoura. Desde o início, pois, esteve a pequena propriedade programada em função de um sistema que a tolerava enquanto lhe era útil, e na medida em que podia tirar proveito dela.” (DE BONI, L. A.; COSTA, R., 1984, p. 223).

Os imigrantes que se dirigiam para o Rio Grande do Sul eram atraídos

por uma política governamental que pretendia, fixando-os à terra, formar

25

colônias que produzissem gêneros necessários ao consumo interno.

Geralmente os núcleos coloniais localizaram-se próximos a um centro urbano,

e, suficientemente distantes das áreas da grande propriedade, de modo a não

apresentar uma ameaça à sua hegemonia política e econômica.

Dependendo das facilidades de comunicação, os gêneros alimentícios

produzidos nas colônias abasteciam tanto os centros urbanos regionais como

outros centros de consumo do País. Portanto, verifica-se o caráter de

economia complementar ao setor exportador da economia nacional, que

sempre caracterizou a produção colonial gaúcha no âmbito regional, por isso a

política de implantação dos núcleos coloniais encontrou menor resistência por

parte dos grandes proprietários de terras. Primeiro pelo fato de que as áreas

ocupadas por estas duas formas de organização rural mantinham-se

geograficamente distintas e também porque, salvaguardando seus interesses,

os fazendeiros viam na consolidação da propriedade colonial possibilidades de

um intercâmbio produtivo. Pelo menos é o que demonstra esta afirmação de

JOSÉ VICENTE TAVARES DOS SANTOS:

A conjuntura favorecia no Rio Grande do Sul a opção pela colonização e a tendência a substituir a escravatura e a monocultura ganadeira pelo braço livre, a pequena propriedade e a agricultura, se não para substituir inteiramente a criação de gado, que era a base da economia da Província, ao menos para complementar uma economia com a outra. (SANTOS, J. V. T., 1978, p. 14).

É fato, o enorme significado que a colonização européia não-

portuguesa representou no processo de consolidação da pequena propriedade

rural no Rio Grande do Sul, porém, é necessário salientar que os chamados

26

“intrusos e posseiros” constituíram-se nos precursores da pequena propriedade

por meio da ocupação que garantia a posse da terra. Como afirmam LANDO e

BARROS,

“se atentarmos para as raízes sobre as quais se assenta o regime da pequena propriedade rural, veremos que nelas se encontram os intrusos e posseiros que, investindo contra o sistema de direito e o sistema de força da classe latifundiária, procurarão impor-se pela violência, no processo histórico de gestação da propriedade camponesa.” (LANDO, A .M. e BARROS, E.C., 1992, p. 38).

Posteriormente, o poder público passa a institucionalizar as pequenas

propriedades já formadas, concedendo títulos de posse legal da terra.

A colonização oficial que ocorreu no Rio Grande do Sul, durante o

século XIX, esteve embasada nas seguintes características : 1) a concentração

da propriedade deveria ser evitada, proibindo a concessão de mais de um lote

à mesma pessoa e a transferência das glebas antes da totalização de seu

pagamento; 2) as áreas concedidas deveriam ser efetivamente exploradas; 3) o

colono deveria morar no seu lote de terra, explorando-o pessoalmente, ou seja,

através da produção familiar. (LANDO e BARROS, 1992).

Nesse contexto, a partir de 1824, foi introduzida a colonização alemã.

Até praticamente a metade do século, o Governo foi o único responsável pela

formação das colônias no Rio Grande do Sul, controlando a doação de terras

aos imigrantes e subvencionando as condições básicas de trabalho. A fim de

atrair os imigrantes, foram oferecidas diversas vantagens aos que desejassem

deixar a Europa para fixar-se como produtor familiar no sul do Brasil. Destaca-

27

se que os imigrantes alemães foram, de certa forma, privilegiados pelas

normas do Projeto de Colonização em vigor no Período Imperial:

Os colonos viajaram às expensas do Governo brasileiro, aqui gozariam de liberdade de culto, receberiam uma propriedade de 160.000 braças quadradas (77 hectares) por família, parte em campo (para lavoura), parte em mata virgem, cavalos, vacas, bois,... bem como uma ajuda em dinheiro. (THOMAS, C., 1976, p. 21).

Os primeiros colonos alemães foram fixados nos vales situados na

região nordeste do Rio Grande do Sul, expandindo-se ao longo de toda a

Depressão Central, seguindo o curso dos rios Jacuí, Taquari, e Caí; porém,

esta vaga colonizadora estanca quando esbarra nos contrafortes da Serra

Geral. Destaca-se a colônia alemã de São Leopoldo, encravada no vale do rio

dos Sinos, considerada como a célula-mater da colonização européia não-

portuguesa no Brasil.

Após ter lançado as bases da política de colonização na região sul, o

Governo Imperial passou ao encargo de cada Província legislar sobre a

colonização das áreas sob a sua jurisdição.

A partir de então, o Governo Provincial operou efetivamente a

distribuição de terras públicas devolutas, a fim de assegurar a formação de

lotes coloniais. Esta iniciativa governamental, também chamada de

colonização oficial, pretendeu instituir definitivamente um novo padrão de

produção – tanto nas formas de propriedade da terra, como nos tipos de

relação de trabalho – na agricultura gaúcha. Porém, cabe considerar a

introdução de um fato importante no encaminhamento da política de

28

colonização, que foi a instituição da Lei de Terras de 1850. Em síntese, esta

medida estabeleceu que a posse não seria mais considerada como a origem da

propriedade, os interessados deveriam adquirir sua parcela de terra mediante

transações de compra e venda, cujo preço variava segundo as leis do mercado.

Na medida em que o colono passou a adquirir seu lote pagando um preço por

ele, a propriedade privada da terra vem a se constituir em um dos elementos

integrantes da pequena produção rural no Rio Grande do Sul.

Em 1848, o empenho da administração municipal de Pelotas propiciou

a criação de uma colônia agrícola denominada São Francisco de Paula. Porém,

apesar do interesse das autoridades locais em prol da colonização voltada para

a agricultura em pequenos lotes de base familiar, o projeto não foi executado

por ter recebido parecer desfavorável do Presidente da Província.

No Rio Grande do Sul, a liquidação definitiva do sistema de doações de

terras deu-se através da promulgação da Lei Provincial de 1854.

Com a vigência dessa lei, passou-se a exigir dos imigrantes europeus o

pagamento monetário quando da aquisição da parcela de terra, gerando a

existência da chamada dívida colonial. O colono imigrante deveria pagar ao

governo o preço da terra e reembolsá-lo pelo auxílio inicial, recebido para

financiar sua instalação nas colônias. Estava também embutida na nova

legislação, a suspensão de qualquer tipo de subsídio da parte do Governo à

implantação dos futuros núcleos coloniais.

Diante do recuo da ação oficial, surgiram as primeiras tentativas de

colonização empreendidas por particulares. O sucesso do pequeno domínio

29

atingiu as bases do regime latifundiário. Baseada nas experiências

governamentais, a própria classe de estancieiros e charqueadores sustentou

um movimento de desconcentração fundiária. A constituição da denominada

colonização privada resultou, em alguns casos, do fracionamento das antigas

propriedades entre os herdeiros ou da venda de parcelas aos imigrantes.

Essa expansão da agricultura sobre as áreas de campo, deveu-se às

sérias dificuldades econômicas enfrentadas pela pecuária em função do

declínio da indústria saladeril. Raciocinando economicamente, os pecuaristas

dividiram suas propriedades em parcelas a serem vendidas, posteriormente,

aos colonos.

A respeito desse processo, CAIO PRADO JR. declara que:

O grau de fracionamento da grande propriedade e, em conseqüência, a maior ou menor extensão de área que se transfere para o domínio da pequena propriedade é, em regra, nas diferentes zonas do País, função inversa da prosperidade e rentabilidade da grande exploração local. (PRADO JR., C., 1979, p. 72).

No município de Pelotas, a iniciativa partiu do empresário Thomaz José

dos Campos, o qual solicitou permissão do Governo Provincial a fim de

estabelecer famílias de imigrantes irlandeses em terras de sua propriedade, às

margens do rio Pelotas, dando origem à colônia Monte Bonito.

Sob a alegação de fazer ocupar, povoar e cultivar tais terras de modo

mais intensivo, diversas áreas do município foram retalhadas em terrenos,

multiplicando-se o número de donos, o que propiciou a expansão do

povoamento. Como resultado dessa ação simultânea, formaram-se vários

30

núcleos, sede dos atuais distritos do município de Pelotas, como é o caso do já

citado Monte Bonito, que, no ano de 1779, passou de sesmaria à colônia e hoje

sede distrital. (GRANDO, M.Z., 1989)

Segundo os levantamentos feitos por JEAN ROCHE (1969), houve em

Pelotas 14 empreendimentos privados, resultando em 16 núcleos coloniais.

Mesmo diante deste quadro, ainda permanecia, nesta época, uma considerável

quantidade de terras incultas na Serra de Tapes, situada ao norte do município.

A região de serras e matas foi, por muito tempo, desprezada pelos

luso-brasileiros. Sua valorização econômica só aconteceu quando a iniciativa

privada passou a interessar-se pela aquisição de terras e pela organização de

colônias de imigrantes europeus. A partir de então, a trajetória de

desenvolvimento assumiu feições diversas nos núcleos fundados. LÉO

WAIBEL chama a atenção para esta diferenciação na evolução das colônias

quando assinala que:

A colonização no Brasil tem sido sempre organizada, planejada, subvencionada, e dirigida por alguém: pelo governo central das províncias, ou estados e dos municípios, companhias particulares ou proprietários de terras individualmente. Por conseguinte, os métodos aplicados e os resultados alcançados diferem muito de acordo com o tipo de colonização. (WAIBEL, L., 1979, p. 233).

Até 1875, os imigrantes chegados ao Rio Grande do Sul eram

predominantemente alemães, porém, a promulgação do rescrito de Von Heydt4

4 Este decreto, promulgado em 1869 pelo governo da Prússia, proibia todo tipo de propaganda

e incentivo a empresas de transporte de emigrantes alemães para o Brasil. Foi a forma encontrada para repudiar os maus tratos sofridos pelos alemães no Estado de São Paulo. (ROCHE, J., 1969)

31

interrompeu o fluxo desses colonos para o Brasil. Diante dessa conjuntura,

abriu-se espaço para a segunda fase da colonização européia, baseada nas

correntes imigratórias italianas e, em menor escala, francesas. Os imigrantes

italianos deixavam sua pátria para engajar-se à política de colonização oficial

do Governo brasileiro, enquanto que os franceses migravam por conta própria

e, em seguida, incorporavam-se aos núcleos já formados.

Na seqüência, com o advento da República (1889), o Estado criou

mecanismos de financiamento à aquisição de terras públicas, a fim de

assegurar a formação de novas colônias. Estas medidas representaram uma

reformulação no antigo Decreto Provincial (1854), o qual proibia o subsídio do

Poder Público às iniciativas de colonização.

O primeiro Ato do Rio Grande Republicano, relativo à colonização, é de

1892, e um dos seus trechos determina aos interessados que:

“Nos territórios adjacentes ou próximos aos lotes coloniais, não se conceda área maior do que 30 hectares, preferindo-se para os lotes nestas condições elementos nacionais ou estrangeiros com família já residente nos núcleos e cujos antecedentes afianciem o aproveitamento das terras pretendidas. (LA SALVIA, F.; HANDSCHUCH, N.S.B., 1974, p. 5).

A ação oficial reapareceu no cenário da colonização do município, no

decênio de 1880. Tendo à frente a iniciativa do Governo Geral sobre as terras

devolutas, foram criados três núcleos coloniais: Aciolli, Afonso Pena e Maciel.

Aliada a este empreendimento, a Câmara Municipal finalmente concretizou

uma antiga aspiração e fundou a primeira colônia municipal, cujos lotes foram

repassados a agricultores brasileiros.

32

A tabela que segue mostra o balanço parcial da colonização até o final

do século passado, no município de Pelotas:

TABELA 1 COLÔNIAS EXISTENTES EM PELOTAS ATÉ 1900

Nº de ordem

Distri-tos

Colônias Data da Fundação

Nome dos Fundadores Observações

1 2 3 4 5 6 7 8 9

10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20

21

22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45

2º e 5º ¨ ¨

3º ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨

3º e 5º ¨ ¨ ¨

4º ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨

5º ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ ¨

Santa Eulália Santo Bento Sta. Izabel Arroio Grande S. Domingos S. João Sta. Clara Sta. Silvana Arroio do Padre S. Pedro Ramos Lopes Retiro Sta. Colleta Cerrito Progresso Continuação Accioli Affonso Pena Sta. Bernardina S. Domingos S. Luiz Catita Marina D. Marcolina Sto. Amor Morro Redondo Sta. Rita Visconde da Graça Maciel Municipal Sto. Antônio S. Simão Arroio Bonito Bismark Alliança S. Manoel Sta. Aurea Sta. Helena S. Zacharias Domingos Fragata

Manoel Dias Sta. Maria Triumpho Ritter

1889 1899 1893 1881 1875

1869 1869 1868

1866 1883

1868 1891 1881 1885 1885

1885 1891 1885

1885 1885

1885 1882 1881 1883 1869 1868 1881 1891 1893 1882 1885 1885 1892 1893

Heliodoro de Azevedo e Sousa José Bento de Campos Benjamim Leitão Jacob Rheingantz Herdeiros de Domingos de C. Antiquei João Baptista Scholl Joaquim de Sá Araujo Custódio Gonçalves Belchior Augusto Gerber e Guilherme Baner Pedro Nunes Baptista Antonio Ferreira Ramos Manoel da Fontoura Lopes Manoel da Fontoura Lopes Antonio Francisco Ribeiro Jacob Rheingantz Jacob Rheingantz Gottiel Neruberg Governo Imperial Governo Imperial Dr. Piratinino e Frederico Nachtigall Dr. Epaminondas Piratinino de Almeida Luiz Juvencio da Silva Leivas Luiz Juvencio da Silva Leivas Luiz Juvencio da Silva Leivas Luiz Juvencio da Silva Leivas Dr. Vicente Cypriano da Maia Dr. Vicente Cypriano da Maia Carlos Ritter & Irmão Carlos Ritter & Irmão Governo Imperial Municipalidade João Antonio Pinheiro Simão da Rocha Jacob Rheingantz Guilherme Bauer Augusto Hardt Pedro Antonio Toledo Manoel Baptista Teixeira Sigmar von Schiegll Zacharias Delgado Domingos Francisco dos Anjos Domingos Jacintho Dias João Schild João Baptista Scholl Carlos Ritter & Irmão

A 5º parte da área da colônia Sta. Eulália foi adicio-nada às colônias do 3º Distrito. As áreas das colônias Sta. Colleta, Cerrito, Progresso e Continuação foram repartidas em partes iguais, pelos territórios do 3º e 5º distritos. À exceção de três, as demais colônias são devidas à iniciativa particular. Agora mesmo o sr. dr. João Py Crespo está organizando colônias em seus campos do Contagem. Os colonos são pro-prietários das terras que ocupam.

FONTE: GRANDO, M. Z., 1989, p. 207-208.

33

Até 1909, ocorreu uma verdadeira expropriação amigável das terras,

cujo resultado foi o fracionamento do latifúndio no município de Pelotas. Os

imigrantes de origem européia ocuparam completamente a região montanhosa

de matas ao norte e formaram, com relativa predominância, a classe dos

proprietários rurais neste local. As porções de relevo plano com características

campestres, permaneceram nas mãos dos grandes proprietários luso-

brasileiros.

O resultado do trabalho, seja dos produtores familiares ao norte ou dos

estancieiros ao sul, imprimiu na paisagem local a impressão da mais completa

posse da terra pelo homem.

Pelas observações feitas anteriormente, percebe-se que, embora a

imigração tenha possibilitado a formação da pequena propriedade rural, esta

não se constituiu no único elemento gerador de tal processo, ainda que o

imigrante dotado de experiência e dinamismo tenha possibilitado a efetivação

desse processo. Da mesma forma, cabe evidenciar o papel da ação

governamental, ditada por fatores pertinentes à ocupação e à afirmação

definitiva da segurança, engendrando a pequena propriedade como única

forma capaz de unificar os espaços produtivos e, ainda, ocupar os vazios

indefesos das grandes extensões.

Em suma, segundo LANDO e BARROS (1992), houve realmente a

convergência de alguns fatores para que se consolidasse a pequena

propriedade rural no Rio Grande do Sul, a saber: a necessidade de

intensificação do povoamento nas zonas fronteiriças da Província, as

34

vantagens concedidas pelo poder público à imigração estrangeira, a

inexistência de concorrência entre a produção advinda dos latifúndios pastoris

e as atividades desenvolvidas pela agropecuária colonial e, por fim, a demanda

de consumo dos centros urbanos locais e regionais.

1.2 A imigração alemã no Rio Grande do Sul – o caso da comunidade

pomerana de Pelotas

Em vista das profundas transformações políticas e sociais ocorridas na

Europa desde o início do século passado, entre elas as lutas pela unificação

nacional da Alemanha, a guerra franco-prussiana e o crescimento do

capitalismo industrial, contingentes populacionais tornados supérfluos ao novo

contexto econômico-produtivo, passaram a encaminhar-se para a América

sendo o sul do Brasil um dos principais destinos.

De acordo com IANNI (1972), o processo imigratório está diretamente

ligado a mudanças estruturais, tanto dos países de emigração, como das

nações de imigração.

Até o início do século XIX, a Alemanha manteve-se essencialmente

rural. A revolução agrícola e demográfica, que ocorreu neste século, serviu de

fator propulsor ao desenvolvimento do processo de industrialização e

urbanização. O principal reflexo dessa revolução no campo foi o

desmantelamento da estrutura feudal, o que ocasionou a expulsão de grande

parte dos pequenos camponeses alemães. Essa conjuntura favorável à

35

imigração encontrou respaldo nos interesses do Governo Imperial em recrutar

colonos, a fim de estimular o desenvolvimento econômico através da ocupação

efetiva do território.

Os imigrantes dos anos 1830 a1850 vinham do sudoeste da Alemanha,

de regiões definidas como tendo estrutura econômica agrícola, em combinação

com o artesanato rural e com pequenas indústrias domésticas. No período de

1850 a 1865, provinham das regiões agrárias do norte e do leste. Do restante

da Alemanha, saíam, durante os anos 1865-1895, grupos sociais

empobrecidos, juntamente com artesãos e pequenos empresários. E, a partir

de 1880, a maioria dos emigrados passa a ser de procedência urbana.

(ALENCASTRO, L. F. de e RENAUX, M. L., 1997)

Os imigrantes europeus foram fundamentais para a organização de

novas estruturas socioeconômicas, políticas e culturais no sul do Brasil. Esse

processo exigiu dos imigrantes e de seus descendentes a construção de uma

identidade, em que as verdadeiras origens foram muitas vezes obscurecidas.

Nas palavras de JORGE LUIS DA CUNHA,

Em que pobres e miseráveis viraram aventureiros, em que deserdados viraram empreendedores e em que excluídos se tornaram participantes. (CUNHA, J. L. da, 1996, p. 255).

A diversidade existente entre os grupos de imigrantes, explicada pelo

fato de estes não terem a mesma procedência regional e, conseqüentemente,

não possuírem a mesma herança sociocultural, era por vezes muito acentuada,

capaz de levar os alemães a julgarem a si próprios estrangeiros.

36

Dentro dessa perspectiva, há que se reconhecer o “background” trazido

pelos imigrantes alemães, o qual se encontra refletido nos processos de

produção e nas relações de trabalho implementados nas colônias.

Enquanto alguns traziam uma concepção capitalista das relações de

produção, uma vez que eram provenientes de regiões mais desenvolvidas,

onde o surto industrial acabou por gerar uma massa de excluídos que foi

canalizada para a emigração, outros contingentes não tiveram a mesma

origem. Uma parcela significativa de imigrantes alemães eram oriundos de

regiões marcadas por um modelo econômico agrícola essencialmente servil, do

qual herdaram um modo de vida bastante específico. IANNI explica que,

Na maioria dos casos, o equipamento social básico do imigrante é aquele ‘sistema social tradicional’ do camponês preso a uma estrutura feudal de vida. Qualquer tentativa de compreensão do imigrante no Brasil não pode deixar de partir de uma análise, não somente das condições sociais e culturais na comunidade originária, como também das suas conexões com a estrutura total, bem como com instituições particulares, tais como as econômicas, políticas, religiosas, etc. O conhecimento das formas de vinculação da pessoa ao meio sociocultural onde se desenvolveu, são essenciais à compreensão dos mecanismos de ajustamento à sociedade adotiva. (IANNI, O., 1972, p.183).

Para ALENCASTRO e RENAUX (1997), nas camadas mais modestas

existia uma Heimatlosigkeit ( ausência de sentimento de pátria ), vivenciada

como a não-propriedade do solo, e esta condição de sem-terra, equivalia a de

ser alguém sem-pátria. Provavelmente, esse desprendimento do imigrante

alemão em relação às suas origens, levou-o a ver na emigração uma

alternativa para realizar seu desejo de ser proprietário de um pedaço de terra.

37

Sabe-se que, durante o século XIX a unificação alemã foi marcada por

profundas transformações determinadas pela expansão do capitalismo sobre

um quadro de declínio do feudalismo. Essas mudanças se processaram de

formas e ritmos diferenciados nas diversas regiões da Alemanha.

No caso específico da Pomerânia, terra de origem dos imigrantes

objeto de estudo no presente trabalho, esta localizava-se na região oriental da

Alemanha, sob o domínio do Império Prussiano. Nessa região, a transição do

sistema feudal para o capitalismo teve início em 1807, quando o Estado

Prussiano decretou a abolição definitiva da servidão camponesa. Contudo, a

maior parte dos camponeses perdeu parte ou todas as terras que cultivava,

sendo obrigada a se submeter ao trabalho nas propriedades senhorais ou,

então, buscar ocupação nas indústrias urbanas, engrossando a massa de

deserdados que passaram a viver nas cidades. Além dessas possibilidades

restava, ainda, a alternativa de migrar para a América, na busca de melhores

condições de vida.

Diante desse quadro, é possível entender que os camponeses, no caso

os de origem pomerana, habituaram-se a ser conduzidos pela mão por um

“senhor” que lhes ordenava e proibia, e, por fim, se ocupava dos problemas

fundamentais de sua existência.

De acordo com SCHIMITZ, os imigrantes pomeranos

eram de caráter fechado e reservado. Já que não haviam sido donos das terras em que trabalhavam, não estavam acostumados a tomar decisões. (op. cit. RADUNZ, R., 1995, p. 81)

38

Essa mentalidade atribuída aos imigrantes pode ser explicada em

razão das relações de servidão havidas na Pomerânia nos séculos precedentes

à colonização.

Segundo RADUNZ (1995), é preciso considerar essa característica

peculiar desses imigrantes como sendo fator limitante ao desenvolvimento no

interior das colônias recém-formadas. Essa falta de iniciativa poderia ter levado

à consolidação de um modelo produtivo mais voltado à subsistência do que à

produção de excedentes.

A chegada dos imigrantes de origem pomerana ao sul da Província do

Rio Grande do Sul esteve atrelada à colonização na chamada Serra dos Tapes,

localizada no interior dos atuais municípios de São Lourenço do Sul e Pelotas.

Várias tentativas de colonização tinham sido realizadas nessa área,

especialmente por empresas particulares, porém, não obtiveram o sucesso

esperado. Por outro lado, iniciativas como a do empresário alemão Jacob

Rheigantz lograram êxito, como observa VIVALDO COARACY:

(...) na série de insucessos das várias tentativas de colonização por iniciativa particular, notava-se uma exceção singular. Uma colônia houve que, vencendo as dificuldades e vicissitudes naturais a este gênero de empreendimento, se desenvolveu, cresceu e prosperou até atingir a autonomia sob a forma de município, única e exclusivamente sob a administração privada, sem que se apresentasse a necessidade de ser encampada pelo governo, para evitar que se aniquilasse e desaparecesse. (COARACY, V., 1957, p. 23).

39

Dotado de espírito empreendedor, Jacob Rheigantz, natural de

Sponheim – Alemanha, investiu no desenvolvimento de atividades agropecuá-

rias em áreas de matas. COARACY registra que:

A residência em Pelotas, para onde se transferiu depois do casamento, proporcionou-lhe ocasião de melhor conhecer as regiões vizinhas no mesmo município, onde vastas extensões de terras férteis permaneciam incultas e devolutas. À margem da Lagoa dos Patos, na embocadura do arroio São Lourenço, existiam as propriedades dos estancieiros José Antônio de Oliveira Guimarães e Francisco dos Santos Abreu, em torno de cujas residências se erguiam uns poucos e pobres ranchos, dependências dos estabelecimentos e moradias de “peões” e agregados. A isso se chamava o Porto de São Lourenço, que não atingia sequer as proporções de simples povoado. (COARACY, V., 1957, p. 37).

Em 1856, após ter obtido autorização do Governo Imperial, Rheigantz

formou uma sociedade com o lourenciano Cel. José Antonio de Oliveira

Guimarães, para a aquisição de terras destinadas aos núcleos coloniais.

No contrato social firmado em 15 de março de 1857, entre o Cel.

Guimarães e Jacob Rheigantz, constam as seguintes cláusulas, conforme

RODRIGUES:

“Primeira - A Sociedade entre José Antônio de Oliveira Guimarães e Jacob Rheigantz tem por fim estabelecer uma colônia agrícola em terras de que trata a cláusula segunda, na Serra dos Taipes, nesta Província; e durará pelo espaço de 5 anos, a contar do dia em que se verificar a compra das terras e, continuará por mais tempo, se assim convier aos sócios. Segunda - O sócio José Antônio de Oliveira Guimarães comprará para a sociedade as datas ou sesmarias e posses de terras que julgar convenientes e precisas para a colônia, entre os Arroio Grande e São Lourenço. Terceira - O sócio Rheigantz tomará sobre si encaminhar os colonos, por meios legais, para os estabelecimentos

40

coloniais da sociedade e fornecê-los, logo que cheguem ao porto dessa Província, de comestíveis e ferramentas pelo espaço de seis meses. Quarta - O sócio Guimarães deverá preparar com antecedência, agasalhos em grande escala para receber os colonos, no lugar ou lugares mais próximos do desembarque das datas destinadas aos colonos o transporte do Porto de São Lourenço para as datas, assim como animaes vaccuns, cavallares, ovelhuns e aves de criação. Quinta - O sócio Guimarães fica com poderes para tirar dinheiro a prêmio para as primeiras medições das datas compradas e subdivisões das colônias nas mesmas.” (RODRIGUES, A .F. 1909, p.165-166).

Os primeiros imigrantes assentados chegaram em 18 de janeiro de

1858, procedentes de Altona, Hannover, Saxônia, Hamburgo, Holstein,

România, Osterfeld, Lübeck e da Pomerânia.

Dessa última região, vieram os casais Gotllieb Heling (3 filhos), Wilhelm

Zíbell (1 filho) e Joahann Zíbell (5 filhos), os quais deram origem à comunidade

pomerana inserida nesse núcleo colonial. Posteriormente, foram se agregando

novos contingentes de pomeranos ou de descendentes, oriundos de outras

regiões do Brasil.

Dada as inúmeras dificuldades em que viviam os pomeranos em seu

país de origem, formou-se grande expectativa em relação ao futuro que os

esperava na nova pátria. Entretanto, as condições de infra-estrutura que os

aguardavam eram extremamente precárias.

A área destinada à formação das colônias era uma gleba de terra

coberta de mata virgem de topografia irregular. De acordo com COARACY,

41

Por trás das duas estâncias, subindo os suaves aclives da chamada Serra dos Tapes, uma sucessão de coxilhas mansas, desdobrava-se a mata virgem sobre um solo rico de húmus. (COARACY, V., 1957, p. 37).

Para a delimitação dos núcleos coloniais, foram abertas picadas e, aos

lados, marcavam lotes de tamanho que permitissem a sobrevivência das

famílias, obedecendo à topografia e ao relevo, o que fazia com que estas

fossem rigorosamente iguais. Os lotes tinham em média 484.000 m2 ou 48

hectares.

Além de Pelotas e São Lourenço do Sul, os pomeranos formaram

comunidades em Santa Cruz do Sul e São Leopoldo, e, ainda, nos Estados de

Santa Catarina e Espírito Santo.

Por meio da pequena propriedade familiar e da produção de gêneros

alimentícios diversificados, introduziu-se um novo padrão econômico e

sociocultural no Sul do Império. Da mesma forma, o fato de os imigrantes terem

ocupado a mesma condição de colonos, determinou a estruturação de uma

organização social original, nessa mesma porção do território nacional.

Apesar de ter sido um projeto dos fundadores das colônias, em

concordância com as diretrizes do Governo Imperial, o estabelecimento da

figura do colono também foi uma decorrência da própria origem dos imigrantes,

porque, como salientam ALENCASTRO e RENAUX,

... a situação econômica e social da maioria dos imigrantes não permitia que se envolvessem no grande comércio ou na grande agricultura de exportação. (ALENCASTRO, L. F. e RENAUX, M. L., 1997, p. 20)

42

As atividades produtivas dos colonos de origem pomerana embasava-

se, nos seus primórdios, numa agricultura de subsistência, o que lhes permitia

elevado grau de independência econômica em relação ao meio urbano. JEAN

ROCHE salienta que

A atividade de todas as colônias e de todos os seus habitantes, pelo menos no começo, era a cultura de subsistência, sobretudo de milho, do feijão-preto e da batata. Nessa época, firma-se entre os colonos a idéia de que as únicas terras propícias para a agricultura são de florestas. (ROCHE, J., 1969, p. 13)

Por essa razão, os imigrantes foram responsáveis pelo intenso

desmatamento, com o objetivo de formar lavouras.

Os colonos plantavam milho, feijão, batata, cebola, árvores frutíferas e

não costumavam cultivar arroz, com exceção de uma minoria, que plantava

arroz de “sequeiro” para o próprio consumo. Criavam eqüinos, bovinos, suínos

e aves, cujos subprodutos também comercializavam.

Uma vez que tinham condições de produzir “em casa”, grande parte do

que consumiam, comprando na própria comunidade quase tudo o de que

necessitavam para complementar suas necessidades, o capital gerado pelos

agricultores circulava exclusivamente na zona rural. As vendas coloniais

ofereciam, além de gêneros alimentícios, também ferramentas, tecidos,

utensílios domésticos, combustível, entre outros. Na própria colônia haviam

serrarias e carpintarias que fabricavam móveis, carroças, caixões, janelas,

portas, etc.

43

A presença, hoje, de alguns moinhos coloniais desativados, são

testemunhas de uma época em que houve plantio de trigo, sendo este cereal

trocado pelo produto já beneficiado – a farinha. Igual procedimento acontecia

com o milho, que não servia apenas para a alimentação dos animais.

ROCHE confirma esse fato quando diz que:

O trigo foi cultivado, em primeiro lugar, pelos colonos desejosos de afirmar a superioridade de sua condição, comendo pão branco. A produção tritícola, limitada à satisfação das necessidades domésticas, cedo declinou, pois essa cultura oferecia muitas possibilidades, mas não lucros suficientes para atrair os agricultores, apesar de os sucessivos governos a estimularem. (ROCHE, J., 1969, p. 245)

O tipo de economia colonial implantada pelos imigrantes alemães, teve

como característica marcante o estabelecimento da policultura a qual, segundo

a tradição alemã, deveria solidificar o caráter independente dos colonos. Ao

lado disso, o trabalho familiar serviria para reforçar essa idéia de

independência, uma vez que não se utilizava mão-de-obra externa entre os

colonos. Todos os membros da família envolviam-se nas tarefas domésticas e

na produção agrícola a fim de alcançar a autonomia econômica.

Não obstante, foi essa mesma organização, formada nos núcleos

coloniais auto-suficientes, que originou novas formas de convivência entre os

colonos. Em grande parte desses núcleos, os imigrantes tentaram recriar a

noção de Heimat (pátria), representada objetivamente pela região colonizada e

pelas relações sociais estabelecidas entre os colonos, motivadas por laços de

parentesco e amizade que, em última instância, estavam marcadas por um

mesmo passado. A noção de que pertenciam a uma mesma comunidade levou

44

os colonos alemães a promoverem o surgimento de uma série de associações,

cujo objetivo era, em princípio, a manutenção da sua herança cultural. As

primeiras iniciativas para o estabelecimento da vida comunitária, foram a

construção de igrejas e escolas e, em seguida, as associações destinadas a

promover o convívio social, como os clubes de tiro, corais comunitários, grupos

de danças folclóricas, entre outros.

No plano econômico, muitas vezes o associativismo manifestou-se

como expressão da vida privada, pelo fato de os colonos terem sido entregues

à própria sorte, depois de instalados nos seus lotes de terra. Não são raros os

casos de associações agrícolas surgidas nas colônias alemãs para buscar

soluções para os problemas relativos ao setor produtivo.

Em época posterior ao início da colonização, houve um incremento na

agricultura colonial, especialmente na área da fruticultura, quando foram

introduzidas novas variedades, pesquisadas, produzidas e distribuídas aos

agricultores pela Estação Experimental de Vitivinicultura, Enologia e Frutas de

Clima Temperado de Pelotas5 , como, por exemplo, caqui, pêssego, figo e

pêra.

Convém salientar que o pêssego permaneceu por muito tempo como

uma das culturas de maior importância econômica dessa região. Em

decorrência da instalação de indústrias conserveiras, por volta da década de

50, os agricultores foram incentivados a modificar seus sistemas de cultivo,

5 Essa Estação Experimental foi criada em 1937, fruto de um convênio entre o Ministério da

Agricultura e o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, e tinha por finalidade realizar trabalhos relativos à produção, melhoramento e defesa da vitivinicultura e frutas de clima temperado. (GRANDO, M. Z., 1989, p. 117)

45

passando a produzir , ao lado das culturas tradicionais de subsistência,

matérias-primas como o pêssego, aspargo, milho-doce, morango e ervilha.

A criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária –

EMBRAPA – em 1972, propiciou o desenvolvimento de pesquisas agronômicas

voltadas à geração de produtos que melhor se adaptassem às necessidades do

processo industrial. Nessa mesma época, foi instalado em Pelotas o Centro

Nacional de Pesquisa de Fruteiras de Clima Temperado, pertencente à

EMBRAPA, e responsável pelos experimentos relacionados à fruticultura, com

ênfase no desenvolvimento da cultura do pessegueiro.

Entretanto, devido à oscilação de preços e às crises econômicas de

âmbito nacional que atingiram as indústrias conserveiras, refletindo uma

política inadequada aos interesses do setor primário, os agricultores foram

levados a buscar no cultivo de outros produtos que servem de matérias-primas

para o setor industrial, maior rentabilidade para sua atividade produtiva.

A introdução dos cultivos comerciais, tanto da soja, implementado com

muito entusiasmo, como do fumo, produto ao qual, as indústrias induziram os

colonos a se dedicarem quase exclusivamente, provocou uma nova

instabilidade econômica na zona rural.

46

1.3 Organização do espaço pela agropecuária colonial

As terras de matas foram consideradas o centro de expansão das

colônias e, não importando qual tenha sido o agente colonizador, nem a

natureza étnica do povoamento nestas áreas, a consolidação da propriedade

agrícola familiar enfrentou a mesma série de dificuldades.

Diante das condições impostas pelo meio físico, a instalação das

atividades produtivas exigia um mínimo de capital que, por sua vez, os

imigrantes empobrecidos estavam longe de possuir. Assim, os colonos

lançaram mão apenas do seu trabalho na árdua tarefa de derrubar a mata e

tornar produtivos os solos – nesta época, colonizar e desmatar eram

sinônimos. Para tal, foi adotado o sistema primitivo de rotação de terras do tipo

roça.

As informações obtidas sobre os sistemas agrícolas das primeiras

colônias do Rio Grande do Sul mostram indícios da primitividade dos meios de

produção utilizados nas tarefas agrícolas. O isolamento em que se

encontravam, aliado à falta de iniciativa governamental no sentido de criar

condições de progresso, provocou um rebaixamento no padrão técnico do

imigrante, em relação ao utilizado na Europa. Muitos colonos abandonaram o

uso do arado e passaram a empregar apenas instrumentos para trabalhos

manuais.

MARINEZ Z. GRANDO confirma as condições primitivas em que a

natureza foi apropriada pelos colonos no município de Pelotas, quando declara

que estes adotaram

47

um sistema de culturas sobre queimadas, após a derrubada do mato virgem, ateavam fogo e em seguida, preparavam a terra só com o uso da enxada. (GRANDO, M. Z., 1989, p. 66).

Devido ao ambiente físico e econômico desfavorável, não conseguiram

manter o nível técnico trazido da Europa, e grande parte dos imigrantes

tornaram-se dependentes de sistemas agrícolas primitivos para obter uma

produção razoável que garantisse sua sobrevivência. Nesse processo, os

agricultores europeus fizeram-se herdeiros da tradição luso-brasileira, adotando

as práticas indígenas no cultivo do solo e não foram raros os casos de

alemães, italianos ou seus descendentes, que adquiriram terras de campo para

estabelecerem seus lares e tornarem-se grandes proprietários-criadores, cuja

produção esteve calcada sob moldes extensivos e com baixos índices de

produtividade.

Nas áreas em que os agricultores adotaram a diversificação de culturas

associada à tração animal, esperava-se que tivesse ocorrido uma maior

complementaridade entre a atividade criatória e a agricultura. Porém, como os

animais não eram criados confinados, não se difundiu a prática da adubação

orgânica, pelo menos durante os primeiros anos da colonização.

O montante de produção obtido basicamente em função da fertilidade

dos solos, destinava-se ao autoconsumo e ao abastecimento das tropas

militares que operavam na região. Nesta época, não existiam perspectivas de

comercializar em maior escala o excedente agrícola.

PIERRE DENIS esclarece a situação vivenciada pelos colonos sulinos

até meados do século passado na seguinte passagem:

48

A terra fornecia abundantes colheitas mas não se sabia o que fazer com elas. Os relatórios oficiais apresentam os colonos vivendo na abundância. Não mentem, pois cada lote alimentava abundantemente uma família; entretanto escondem uma parte da verdade já que esta abundância não era prova de riqueza. A fertilidade dos solos não bastava e a letargia econômica era completa. (DENIS, P., 1951, p. 236).

Além disso, os colonos sofreram grandes prejuízos devido às

sucessivas perdas da colheita, seja por conta das más condições climáticas ou

dos ataques de pragas, que dizimavam totalmente a produção. Por várias

vezes, o governo teve que intervir, subsidiando o abastecimento de víveres às

colônias, através da importação de produtos agrícolas dos países vizinhos. Foi

o que aconteceu em 1876, quando a lavoura tritícola foi totalmente destruída

pelos ratos, obrigando o Estado a comprar trigo no Uruguai, para depois vender

aos colonos. Tal fato provocou um acréscimo no efetivo da dívida do colono

junto ao Governo.

Alguns colonos, entretanto, evoluíram para um sistema intensivo de

rotação de culturas e buscaram desenvolver-se baseados na especialização

em determinados produtos.

Essa evolução está diretamente atrelada às possibilidades de romper o

isolamento inicial e atingir o mercado. As vias de acesso às zonas coloniais

eram precárias, acarretando uma elevação nos custos de transporte. Este

problema foi amenizado, em parte, pelas conexões com as vias navegáveis,

entre os portos do rio Taquari, com os tributários do Jacuí. Também, a

construção da ferrovia, ao longo da base da Serra Geral, e de seus ramais

secundários, foram decisivos à mudança da dinâmica econômica das colônias.

49

Para a região de Pelotas, ressalta-se a importância do ramal ferroviário que

ligava Porto Alegre com a fronteira argentina a oeste, possibilitando a

integração das áreas coloniais situadas nas Serras de Tapes (norte-noroeste

do município).

Quanto às condições naturais, estas parecem, já à primeira vista,

animadoras aos colonos que chegavam ao norte do município de Pelotas. Em

quase toda esta região, a qualidade do solo era ótima e, embora acidentada,

grande parte da terra cultivável poderia ser lavrada com arados.

O clima temperado da serra, associado ao tipo de solo, forneceram as

condições básicas para que se efetuassem cultivos diversificados. Porém,

privilegiou-se o desenvolvimento da fruticultura em escala comercial. Parte

dessa produção era remetida para fora da zona colonial, para ser vendida in

natura; o restante era localmente transformado em passas e doces, e, depois,

comercializado.

Os colonos inseridos nesse contexto passaram a contar com uma

razoável infra-estrutura em vias de comunicação, fruto da iniciativa dos agentes

colonizadores, preocupados em melhorar as condições de transporte para os

produtos de origem colonial. Esta ação planejada deu origem a uma numerosa

rede de caminhos vicinais e possibilitou o desenvolvimento das estradas de

rodagem.

Nos anos que se seguiram à colonização européia, a fisionomia do

território gaúcho foi sensivelmente modificada. Os grupos humanos nele

fixados imprimiram, sobre o espaço, formas típicas de adaptação às condições

50

do meio físico, e basta uma simples observação, para identificar os contrastes

resultantes da introdução de um elemento novo – o imigrante europeu não-

português – no espaço local dominado pelo estancieiro de origem luso-

brasileira. Seu modo particular de organização social e econômica pode ser

assimilado ao que MAX SORRE chama de gênero de vida,

... através do qual o modo de habitat, a estrutura agrária, partilha e forma dos campos – o tipo de propriedade e de exploração – inscrevem no solo, em traços materiais, o funcionamento do gênero de vida. (SORRE, M., 1963, p. 32).

O primeiro aspecto diferenciador instaurado pelos imigrantes foi quanto

ao tipo de povoamento, pois a zona colonial apresenta um caráter mais denso

em relação à dispersão das áreas de campos. A proximidade dos lotes

coloniais, reflexo da estrutura fundiária, favoreceu a formação de inúmeras

vilas e povoados – embriões dos futuros centros urbanos.

Por outro lado, as vastas extensões de terras que separavam as sedes

das fazendas não proporcionaram uma maior integração entre elas.

O extraordinário crescimento populacional do município de Pelotas

ocorreu, sem dúvida, em função da colonização sobre as áreas de serras ao

norte, uma vez que a faixa litorânea, ocupada pelas estâncias e pelos campos

de criação, mantinha-se com uma população escassa.

Os estudos mostram, além disso, que a fertilidade biológica presente

nas colônias foi um fator determinante para o rápido adensamento populacional

e conseqüente expansão dos imigrantes e seus descendentes.

51

Analisando o comportamento da agropecuária colonial nas primeiras

décadas do século XX, percebeu-se que a sua trajetória seguiria marcada pelo

contexto de crise que afetava a economia como um todo. A produção gaúcha

enfrentou a concorrência imposta pelas regiões agrícolas do centro do País

que, pelo simples fato de estarem geograficamente localizadas próximas dos

mercados mais dinâmicos, comercializavam seus produtos com melhores

condições de competitividade.

Outro agravante foi que os produtos de origem colonial não dispuseram

de nenhum tipo de amparo oficial, ficando em uma posição desvantajosa frente

ao capital comercial monopolista, o qual absorvia o excedente econômico,

gerado em nível de produção, via compressão de preços.

Aliada a todos estes fatores, a agricultura gaúcha enfrentava as

conseqüências do rápido esgotamento dos solos e o contínuo fracionamento

das propriedades coloniais. O resultado imediato destes problemas foi o

desencadeamento de um processo de migração interna dos descendentes dos

imigrantes europeus para áreas pioneiras ao norte do Estado. Esta expansão

da fronteira agrícola exigiu um tempo mínimo para que as novas áreas

colonizadas pudessem integrar-se efetivamente à economia regional.

Paralelamente, ocorria a expansão do processo de urbanização

(décadas de 30 e 40), aliada ao crescimento do emprego nas cidades,

permitindo a colocação efetiva do excedente físico da atividade policultura no

mercado. Este foi um dos motivos que determinou a sobrevivência continuada

da agropecuária colonial.

52

As relações mercantis estabelecidas com o setor urbano-industrial

marcaram definitivamente o atrelamento dos produtores familiares ao processo

de modernização deflagrado na agricultura do Estado do Rio Grande do Sul.

No bojo desse processo, operou-se uma mudança nas bases técnicas

da agropecuária colonial. A agroindústria, que surgiu na cidade, passou a exigir

melhor tecnificação e maior especialização dos produtores de matérias-primas,

estabelecendo um fluxo contínuo de venda de insumos e compra da produção.

Essa relação de dependência ao capital monopolista, representado

pelas grandes empresas, reduziu o produtor à situação de mero fornecedor de

matéria-prima e comprador de produtos industriais. E ainda, criou relações

diretas de exploração entre empresários industriais e produtores familiares,

quando o trabalho excedente na zona rural foi canalizado para a indústria.

Apesar das vicissitudes do processo de acumulação de capital em

curso, a agropecuária colonial encontrou formas de sobrevivência ao longo das

diferentes etapas de evolução econômica do País. Segundo os estudos da FEE

(1982), justamente por ser um segmento onde as relações familiares formam a

base do processo produtivo, reconhecidamente de caráter diversificado, e pelo

fato de o lucro não ser fundamento da sua existência, a agropecuária colonial

manteve uma certa estabilidade durante as alterações da economia nacional.

As colônias agrícolas, assim formadas, reuniam condições que

asseguravam a posse da terra aos agricultores, dando-lhes também aquele

sentimento de dignidade necessário a quem trabalha e procura produzir: a

propriedade dos seus meios de produção.

53

Independentemente da origem, os imigrantes que chegaram ao Rio

Grande do Sul tinham em comum o mesmo ideal que era:

A conquista de um pedaço de terra como patrimônio e meio de subsistência da família e explorado economicamente sem o auxílio de braços estranhos. (HOLANDA, S. B., 1960, p. 2430)

Esse “individualismo interno” constitui-se numa das características

inerentes à colonização européia não-portuguesa e, refere-se ao forte apego

existente entre os membros do grupo familiar, capaz de conservar unidas

diversas gerações, se não no mesmo lar, pelo menos nas proximidades.

Mesmo no caso de haver o fracionamento da propriedade original, o núcleo

familiar mantém-se agregado através do processo produtivo. Além disso, a

mão-de-obra não-remunerada também marcou, desde o início, a organização

desses núcleos coloniais.

O resultado desse processo foi o aparecimento de comunidades rurais

com determinadas características socioculturais que apresentam uma

variedade de formas de pequenas unidades produtivas, de dimensões

variadas, organizadas com base na divisão do trabalho familiar e na atividade

policultora de subsistência.

Por outro lado, o camponês inserido nesse sistema, possuindo uma

área restrita de terra e com precários meios de produção, buscou ocupar

imediatamente um espaço no circuito mercantil da economia, comercializando

os excedentes agrícolas e, por vezes, especializando-se em atividades de

maior demanda no mercado.

54

À medida que este segmento produtivo aprofundou suas relações com

o setor urbano-industrial, teve modificada sua base tecnológica e alteradas

suas relações sociais de produção. Torna-se, então, um membro efetivo do

complexo que comanda a dinâmica na moderna agricultura.

O que se percebe no município de Pelotas, é que a maior parte dos

produtores familiares caracteriza-se, hoje, por um tipo de subordinação ao

capital que não implicou necessariamente a perda do controle dos seus meios

de produção, principalmente da sua parcela de terra, a qual permanece

apropriada juridicamente. E apesar da relativa dependência econômica das

culturas comerciais, não significa que estes produtores eliminem uma das suas

características históricas que é a produção de subsistência.

Fica assegurada, assim, a reprodução permanente do produtor familiar

no contexto da agricultura brasileira.

A história anterior dos imigrantes, as condições específicas de sua

instalação no sul do Brasil – independentemente das grandes propriedades – e

a possibilidade de reprodução da família, explicam por que as colônias

meridionais puderam constituir comunidades camponesas genuínas.

Nessa perspectiva, o produtor familiar, criado e recriado no contexto da

agropecuária colonial, é um camponês – inserido nos circuitos mercantis da

produção agrícola, subordinado às diferentes formas assumidas pelo capital,

realizando um processo de trabalho definido por JOSÉ VICENTE TAVARES

DOS SANTOS como

55

... um processo de trabalho não-especificamente capitalista, reproduzido historicamente pelo modo de produção capitalista, determinado como produtor de mercadorias e criador de trabalho excedente. (SANTOS, J. V. T., 1978, p. 23).

Em síntese, os camponeses do sul do Brasil reafirmam continuamente

sua vinculação com a terra, baseada na organização do trabalho familiar e na

pequena propriedade.

II PRODUÇÃO FAMILIAR CAMPONESA: DOS PRESSUPOSTOS

TEÓRICOS ÀS CARACTERÍSTICAS EMPÍRICAS

Considera-se que a utilização de determinados conceitos e categorias, longe de ser um procedimento arbitrário, exprime e traduz perspectivas analíticas que remetem, por sua vez, a construções diferenciadas do objeto. (PORTO e SIQUEIRA, 1994, p. 76)

Sabe-se que a produção familiar de caráter camponês, está presente

na agricultura de qualquer parte do mundo, apesar das vicissitudes

econômicas, políticas e até ambientais que ela tem que enfrentar. Foi, sem

dúvida, a sua excepcional capacidade de adaptação às condições impostas

pelo meio/natural ou às exigências do mercado capitalista, que possibilitou sua

permanência no contexto produtivo, ao longo do tempo.

Nesse sentido, as análises teóricas a respeito do campesinato têm

enfocado, principalmente, os processos de reprodução e estratégias de

sobrevivência assumidas pela economia camponesa, vis-à-vis a consolidação

de modo capitalista de produção e suas diferentes formas de articulação com o

setor agrícola.

57

Os debates em torno desse tema produziram especulações bastante

diversificadas sobre o destino da produção familiar camponesa. Se muitos

tomaram sua defesa, mais de um profetizou seu desaparecimento, baseado em

um processo inexorável de decomposição que daria lugar a formas ditas

“evoluídas”, como a empresa agrícola capitalista ou a proletarização dos

camponeses.

Por outro lado, é sobretudo a partir da análise de obras clássicas

surgidas desde o final do século passado, que podem ser encontrados os

pressupostos básicos sobre as particularidades do desenvolvimento do modo

de produção capitalista, de tal forma que a produção familiar camponesa, não

sendo especificamente capitalista, surge como produto do desenvolvimento da

economia moderna. Longe, portanto, de ser um anacronismo histórico,

encontra-se integrada ao movimento de reprodução do capital ao longo das

gerações.

Isto se deve, em grande parte, à especificidade do processo de

trabalho no interior das unidades produtivas e à racionalidade particular da

produção familiar.

No sentido de dar conta ou contribuir para o entendimento da questão

da agricultura camponesa, Ariovaldo Umbelino de Oliveira (1991) apresenta as

três vertentes teóricas que vêm norteando os estudos feitos no Brasil.

A primeira preconiza o processo de generalização das relações de

produção especificamente capitalista, no interior do setor agrícola. As

conseqüências seriam o completo desaparecimento do campesinato ou,

58

através do processo de diferenciação interna, dado pela sua capacidade de

integração ao mercado, configurar-se-iam duas classes sociais distintas: os

camponeses abastados (pequenos capitalistas rurais) e os empobrecidos.

Estes últimos transformar-se-iam, gradativamente, em assalariados.

Um segundo ponto de vista traduz o processo de penetração das

relações capitalistas no campo através de etapas consecutivas de “separação”

para o camponês. Primeiro, este seria separado dos estreitos vínculos de

hierarquias comunitárias, o que destruiria a chamada economia natural,

transformando-o em produtor individual; em seguida, haveria a separação entre

a indústria rural e a agricultura, gerada pela introdução da economia de

mercado. Nesse momento, a produção artesanal daria lugar à produção

comercial. A terceira etapa seria a da separação total do camponês em relação

aos meios de produção, com sua conseqüente proletarização e a implantação

de formas capitalistas de produção na agricultura.

A terceira vertente teórica ressalta o processo contraditório de

desenvolvimento do modo capitalista de produção, ou seja, o próprio

movimento do capital seria capaz de gerar relações não-capitalistas de

produção, combinadas ou não, com as relações especificamente capitalistas,

sendo todas igualmente necessárias a sua reprodução ampliada. Como explica

MARTINS, J.S.,

“O capitalismo engendra relações de produção não-capitalistas como recurso para garantir a produção não-capitalista do capital naqueles lugares e naqueles setores da economia que se vinculam ao modo capitalista de produção, através das relações comerciais.(MARTINS, J. S., 1979, p. 21)

59

Dessa forma, a produção familiar camponesa, baseada em relações

não-capitalistas de produção, pode ser dominada e, ao mesmo tempo,

reproduzida pelo capital.

Tais proposições teóricas podem ser encontradas nas análises dos

estudos sobre economias camponesas. Entretanto, no sentido de validar sua

aplicabilidade à realidade do agro brasileiro, muitos conceitos são ampliados

com a introdução de novos termos ou, ainda, com novas interpretações para as

referências teóricas originais.

O resultado é a profusão de trabalhos que produzem um conjunto de

categorias empíricas, calcadas na multiplicidade de situações e de processos

econômicos, políticos e socioculturais que vêm sendo gestados no campo.

A questão fundamental que perpassa as abordagens sobre a realidade,

refere-se à necessidade de aprofundar estudos visando à redução do abismo

existente entre as evidências empíricas e a dimensão teórica, assim como a

ampliação da natureza excessivamente economicista das análises, que reduz

processos sociais a meras determinações das relações de produção. (ANJOS,

1995).

2.1 Perspectivas teóricas: conceitos e características

Tratar da agricultura familiar implica identificar, a priori, os argumentos

que permeiam os debates e alguns dos termos utilizados na análise deste

tema.

60

As discussões sobre a existência ou não de um campesinato em nossa

realidade agrária têm levantado questões acerca das relações e/ou

antagonismos capitalismo e feudalismo. De acordo com essas análises

dualistas, utiliza-se um conceito feudal de camponês para negar sua existência.

O camponês é considerado como um mero apêndice do sistema

capitalista, dono de um caráter transitório que o transforma em elemento

passivo frente aos ditames do capital, portanto, sem nenhuma autonomia, o

que significa sua gradativa expropriação como produtor direto.6

Esse ponto de vista sobre o destino do campesinato segue a linha do

pensamento marxista.

As proposições do chamado modelo clássico de Marx, exposto na sua

maior obra literária O Capital, afirmam que o capitalismo, ao penetrar no

campo, provoca o fenômeno de concentração da riqueza, como ocorre na

indústria. As grandes propriedades absorvem as pequenas e verifica-se a

proletarização das camadas mais pobres do campesinato, que não agüentam o

peso dos impostos e das dívidas cobradas pelos capitalistas e latifundiários.

(MARX, 1985)

Fica evidenciada a tendência à extinção dos camponeses e,

conseqüentemente, do próprio conceito de campesinato como instrumental

analítico dos estudos sobre o campo.

6 Sobre esse assunto, ver VELHO, O. G. (1979)

61

Posteriores a MARX, têm-se LENIN e KAUTSKY, conhecidos como

marxistas “reformistas, pois imprimiram novas dimensões em suas obras, tanto

com relação à natureza teórico-científica, como à amplidão que as caracteriza,

devido à projeção político-social que tiveram no contexto agrário de seus

países de origem – Rússia e Alemanha, respectivamente.

LENIN destacou-se na prática marxista, uma vez que se apossou dos

frutos da teorização feita por Marx a respeito do desenvolvimento do

capitalismo, e ampliou a sua formulação inicial. Na própria concepção, este era

um processo irreversível, que tendia a transformar tanto o espaço urbano

quanto o rural, através da formação de mercados para a produção. Em

conseqüência, a economia e a sociedade, sendo elementos do espaço, seriam

fatalmente alteradas.

No caso específico do espaço rural, LENIN destacou importantes

alterações quanto à natureza da propriedade familiar, chegando a formular a

denominada Lei de LENIN, quando fala sobre a extinção dos estabelecimentos

camponeses que não apresentam um mínimo de terra e de condições de

trabalho, necessárias para a reprodução da família camponesa em bases

capitalistas. Segundo ele, isso só seria possível a partir do desenvolvimento

das forças produtivas capitalistas no campo, isto é, a pequena exploração,

embora se conservando pequena pela sua extensão territorial, deve-se

transformar em grande exploração pelo volume da produção, pelo

desenvolvimento da criação, pela quantidade de adubos empregados, pelo

desenvolvimento do emprego de máquinas, enfim, por todos os fatores que

levariam à insatisfação da produção. (HEYNIG, 1982)

62

Essas mudanças teriam como contrapartida a presença de um

mercado já consolidado e, de acordo com a intensidade das relações

estabelecidas com este mercado, poderia ser distinguida uma pequena

produção mercantil e uma economia natural. LENIN formulou esta distinção em

nível da circulação no interior das unidades produtivas.

Sempre seguindo o raciocínio marxista, LENIN via uma tendência à

formação de duas classes distintas no campesinato, como resultado do

processo de transformação da economia camponesa. Tomando como

referência a extensão de terra de que o camponês dispõe para cultivar com sua

família, estabeleceu que ocorreria o seguinte: os que fossem capazes de

concentrar maior quantidade de terra compatível com o padrão de

desenvolvimento do capital, tornar-se-iam o que ele chamou de “burguesia

agrária”.

Por outro lado, um grande contigente de camponeses seria

expropriado, formando uma massa de trabalhadores assalariados, mesmo que,

em muitos casos, mantivessem a posse de uma parcela ínfima de terra.

A tese de LENIN, sobre a “diferenciação social”, constitui-se em

referência obrigatória ao estudo das questões relativas ao futuro da pequena

produção sob o impacto das transformações operadas pela penetração do

capitalismo no campo. O autor concebe que a constituição de um mercado

interno para os meios de produção, dá-se a partir da desintegração da

agricultura camponesa e das formas não-capitalistas de produção.

63

Visto sob este prisma, o camponês inserido na nova ordem econômica

e na divisão social do trabalho – a burguesia e o proletariado –, apresenta-se

como formação social fadada ao desaparecimento ao não se enquadrar em

nenhuma das duas categorias. Em termos objetivos, para LENIN o camponês

não vive da exploração do trabalho de outros, nem da venda de sua própria

força de trabalho.

ANJOS, esclarece que sob a perspectiva marxista,

O camponês não se identifica como proprietário fundiário porque não vive da renda da terra, nem como capitalista porque não obtém lucros na sua atividade econômica e nem mesmo como proletário porque não recebe salário. (ANJOS, F. S. dos, 1995, p. 6)

Ainda dentro da ótica marxista, KAUTSKY foi outro autor que se

dedicou a estudar o campesinato e partilhou com LENIN a opinião sobre as

influências provocadas pelo surgimento do mercado. Para entender a evolução

da economia camponesa, KAUTSKY partiu da definição da figura do camponês

tradicional da era medieval e de sua relação com a terra.

A família camponesa da Idade Média constituía uma sociedade

econômica que se bastava inteiramente, ou quase. Era uma sociedade que

provia materialmente sua subsistência, ao produzir os seus gêneros

alimentícios, construir sua casa, seus móveis e utensílios domésticos.

(KAUTSKY, 1980).

Nessa época, o camponês tinha um relacionamento muito tênue com o

mercado, apenas vendia algum excedente e comprava artigos considerados

64

supérfluos. Enfim, sua existência não dependia das transações mercantis,

podendo ser suprimidas se a família assim desejasse (ou decidisse).

O enclave da revolução econômica que se operou no seio do

campesinato tradicional foi o surgimento da indústria e do comércio urbanos.

Em contrapartida, ele determinou a dissolução da indústria doméstica, que

provia a sobrevivência do camponês com produtos de ordem variada, desde

aqueles para consumo próprio, até os utilizados no trabalho diário, e provocou

uma maior dependência da agricultura em relação aos setores externos a sua

esfera econômica.

À medida que esse processo avança sobre a agricultura, torna-se mister

que o camponês disponha de dinheiro para efetuar as transações de compra e

venda no mercado de bens industriais. KAUTSKY, então, expressa a situação

de dependência que passa a permear o cotidiano do camponês:

Ele não pode mais lavrar a sua terra, não pode mais prover a sua manutenção sem dinheiro”. (KAUTSKY, 1980, p. 31)

Segundo ele, os camponeses começam a se exaurir quando o produto

do seu trabalho, em lugar de servir ao seu uso pessoal, é conduzido ao

mercado. Sob a pressão da concorrência capitalista, o camponês é levado a

ampliar a duração da jornada de trabalho e a usar todo o potencial de mão-de-

obra disponível, para contrabalançar as carências, tanto da terra como de

instrumentos técnicos.

Para KAUTSKY, a possibilidade de auto-exploração encontrada pelos

camponeses representa um obstáculo à adoção de inovações tecnológicas e,

65

conseqüentemente, impede a completa generalização do modo capitalista de

produção.

Considerado como resquício do modo de produção feudal, o camponês

seria fatalmente destruído ante o efeito das reordenações impostas pela

necessária ampliação do mercado, decorrente da consolidação de relações

capitalistas de produção.

Observa-se que a ênfase na questão do desaparecimento do

camponês é retomada na perspectiva de KAUTSKY, porém sob um novo

enfoque. Ele procura demonstrar que a proletarização, como destino final do

camponês, é conseqüência da superioridade técnica e econômica da grande

exploração capitalista em relação à pequena exploração de caráter familiar;

essa última não encontraria condições de concorrer sob o impacto das

transformações decorrentes da evolução econômica, operadas no seio das

sociedades capitalistas.

Apesar das teses alarmistas sobre o desaparecimento da produção

camponesa, o desenvolvimento da economia capitalista contribui para sua

permanência, principalmente porque a produção camponesa contemporânea

nada tem a ver com o campesinato em plena autarquia, fora da economia de

mercado, como era regra no mundo rural do passado.

É sobretudo a partir do final da II Guerra Mundial que as análises

marxistas clássicas sofrem um processo profundo de revisão, na medida em

que o processo de extinção das formas de produção familiar não se

concretizou; ao contrário, sabe-se que o desenvolvimento nos países

66

capitalistas avançados, especialmente no caso da Europa, está vinculado à

contribuição de um grande número de explorações familiares que efetivamente

não podem ser consideradas como empresas agrícolas capitalistas. (ANJOS,

1995)

O importante é que a perspectiva marxista, ao centrar-se no âmbito das

determinações de natureza econômica, mostra-se incapaz de explicar as

distintas formas de existência de produção familiar camponesa na agricultura

moderna.

Há casos em que as denominações semânticas são portadoras de um

viés político-ideológico que, muitas vezes, funcionam como uma “camisa de

força” em termos de método de análise.

Nesse sentido, coloca-se que o emprego do termo “pequena produção”

contribui para uma relativa despolitização do tema. Ao contrário do conceito de

camponês, geralmente associado a uma conotação política-ideológica proposta

pelas ligas camponesas7, o “termo pequeno” produtor torna minimizada essa

polêmica.

A principal propriedade operacional do conceito de pequeno produtor é

a de permitir, por exemplo, agregar sob o mesmo rótulo uma grande

diversidade de categorias empíricas, inseridas em relações sociais distintas,

mas cuja característica comum, em termos práticos, é o tamanho da

7 Para análise mais específica sobre o tema, ver: JULIÃO, F. O Que São as Ligas

Camponesas. RJ: Civilização Brasileira,1962; AZEVEDO, F. Ligas Camponesas. São Paulo: Paz e Terra, 1982.

67

propriedade. Para este efeito, o conjunto de propriedades rurais de até 50

hectares passa a ser caracterizado como de pequena produção.

Por outro lado, segundo DINIZ (1984), um dos pontos mais complexos

na análise da agricultura é a definição das categorias dimensionais da

propriedade agrícola, ou seja, em determinado lugar e tempo, definir o que é

pequena, média e grande propriedade.

Através dos estudos feitos, comprovou-se que o critério dimensão física

é insuficiente para definir as diferentes classes. A alternativa adotada nas

classificações passou a ser o tipo de força de trabalho empregada na

propriedade. Assim, de acordo com DINIZ, a pequena propriedade é

conceituada nos seguintes termos:

“... essencialmente trabalhada pelo proprietário e sua família; podem ocorrer propriedades de tamanho tão pequeno que a maõ-de-obra se torne excedente e os membros da família procurem outra ocupação; ficaria, então, caracterizado o minifúndio. (DINIZ, 1984, p. 66)

No entanto, cabe salientar que a utilização do termo “pequena

produção” não significa, necessariamente, abandonar sua relação com o

campesinato. O conceito de pequeno produtor freqüentemente passa a se

articular com a noção de camponês e, não poucas vezes, em uma mesma

análise é possível encontrar referências a ambos.

O termo “pequena produção” aparece na qualidade de conceito

operacional, associado mais diretamente à caracterização empírica dos grupos

estudados e o de “campesinato” guarda, em certo sentido, uma função mais

teórica. Este último refere-se às questões mais abrangentes, relacionadas ao

68

contexto histórico, à lógica e especificidade de funcionamento e de organização

da unidade produtiva.

Muito se tem discutido, também, sobre a validade de se identificar e

analisar a produção camponesa no Brasil, a partir dos dados fornecidos pelo

INCRA8, ou, ainda, tomar como base as estatísticas dos Censos Agropecuários

do IBGE, uma vez que ambas as fontes trazem informações estratificadas em

classes de áreas.

Para OLIVEIRA (1991), uma vez que os dados dos censos sejam

utilizados de forma crítica, para evitar possíveis distorções da realidade, em

essência, o resultado das análises não ficará comprometido. Segundo ele,

pode-se abstrair das estatísticas o conjunto formado pelo campesinato, o que

fica comprovado em estudo feito sobre o tema pelo mesmo autor9.

HEYNIG (1982) manifesta sua preocupação quando se tenta a explicar a

realidade camponesa, segundo critérios estáticos de classificação, porque,

segundo ele, existe uma sensível mobilidade dos grupos sociais que,

dependendo das circunstâncias, poderão enquadrar-se ou não, em

determinadas definições teóricas.

SANTOS (1994) complementa, afirmando que o campesinato é

formado por um amplo espectro de tipos de produtores rurais, a saber:

pequenos proprietários, parceiros, pequenos arrendatários, posseiros e, ainda,

parceiros-pescadores.

8 Ver estudo feito por SILVA, J.G.da. Estrutura Agrária e Produção de Subsistência na

Agricultura Brasileira. São Paulo: Hucitec, 1978. 9 OLIVEIRA,A. U. A Agricultura Camponesa no Brasil. São Paulo: Contexto, 1991.

69

Essas argumentações reforçam a idéia sobre o poder aglutinador do

conceito de campesinato, uma vez que este engloba uma diversidade de

formas de acesso à terra e de relações sociais de produção. Normalmente, os

estudos feitos sob esta denominação teórica não privilegiam a propriedade

legal da terra como critério definidor do camponês.

À medida que o processo de modernização é deflagrado na agricultura

brasileira, na década de 60, as relações de produção tornam-se mais

complexas, e até os conceitos utilizados para caracterizar o camponês inserido

nesse contexto passam a ser submetidos à crítica. Esse redirecionamento

teórico enfatiza “a subordinação da pequena produção ao capital”, e a noção de

camponês é traduzida como um trabalhador para o capital. (WANDERLEY.

1988)

Nas décadas seguintes, principalmente nos anos 80, as pesquisas

realizadas tratam de priveligiar a existência de uma pequena produção

marcada pela incorporação de novas tecnologias. Os produtores, então, são

caracterizados de acordo com a sua capacidade de adesão ao processo de

modernização.

Por exemplo, os produtores que conseguem capitalizar-se para realizar

transformações nos sistemas produtivos representam a categoria dos

pequenos produtores tecnificados, em oposição aos pequenos produtores

tradicionais, que não fazem uso de tecnologia moderna.

Mais recentemente, a ênfase dos estudos recai no processo de

integração da agricultura aos Complexos Agro-industrais (CAI’S). As noções de

70

integração e exclusão permitem a seguinte polarização: pequenos produtores

integrados e pequenos produtores não-integrados.

Esse último grupo engloba desde os camponeses proprietários, que

não produzem para o mercado industrial, até aqueles despossuídos dos seus

meios de produção como, por exemplo, os assentados, sem-terra,....

O campesinato é um conceito de análise que define um modelo de

funcionamento bem particular de produção agrícola, perfeitamente descrito e

analisado por A. V. CHAYANOV (1974), retomado mais tarde por H.

MENDRAS (1979), J. TEPICHT (1973) e muitos outros autores.

O elemento central da análise de CHAYANOV é a “empresa familiar”,

enquanto unidade que agrega produção e consumo, sob a responsabilidade do

grupo doméstico10.

O termo “empresa familiar”, utilizado por CHAYANOV em várias

passagens de sua obra, é oportuno, pois revela a preocupação em montar um

arcabouço teórico abrangente, no sentido de definir com uma nomenclatura

mais exata essa forma de organização da produção e, pelo seu conteúdo,

proporcionar importantes reflexões acerca da sua articulação ao funcionamento

do sistema capitalista.

10

O grupo doméstico pode ser definido pelo conjunto de pessoas que trabalham e consomem, unidos por uma mesma unidade de exploração. Em sua maioria, é constituído por família elementar de duas gerações, isto é, o casal e seus filhos Todavia, nem sempre todas as pessoas que formam este grupo mantêm laços de consangüinidade entre si. (GARCIA,1983)

71

A partir de numerosas observações empíricas, CHAYANOV decidiu

generalizar suas conclusões sobre as peculiaridades da organização interna da

exploração camponesa e construiu o que ele chamou de uma

teoria aparte sobre la empresa familiar que trabaja para si misma que, em cierto modo difiere, en la naturaleza de su motivación, de una empresa organizada sobre la base de fuerza de trabajo controlada. (CHAYANOV, A., 1974, p. 43)

A adoção da expressão “empresa familiar”, na análise teórica das

unidades econômicas camponesas, é importante para diferenciá-la da

categoria marxista “empresa capitalista”. Embora as empresas familiares

apresentem traços coerentes com a lógica do capital, distinguem-se das

empresas capitalistas propriamente ditas pela sua dinâmica própria de

funcionamento.

Segundo CHAYANOV, a empresa familiar atua sob a responsabilidade

de um conjunto de trabalhadores que subordinam sua força de trabalho a uma

unidade de produção não-econômica – a família –, caracterizada como sendo:

una família que no contrata fuerza de trabajo exterior, que tiene una cierta extensión de tierra disponible, sus próprios medios de producción y que a veces se ve obligada a emplear parte de su fuerza de trabajo en ofícios rurales no agrícolas. (CHAYANOV, A., 1974, p. 44)

Nas análises feitas por H. MENDRAS (1970), encontram-se todas as

características da produção camponesa definidas por CHAYANOV e, em

particular, as que dizem respeito às relações entre a produção e a família.

Nesse sentido, MENDRAS também utiliza o termo “empresa”, seguindo o

72

significado atribuído por CHAYANOV, quando, referindo-se a sua teoria, afirma

que:

“La famille et la entreprise coincidente: le chef de la famille est, en même temps, le chef d’entreprise. Dans la plupart de ses activités, le paysan est l’un et l’autre et il vit sa vie professionelle et familale comme une totalité indissociable”. (MENDRAS, H., apud GERARDI, L. H. O, 1990, p. 200)

Ainda em MENDRAS, encontra-se uma dimensão mais

especificamente sociológica desse tema, quando sua análise leva em conta os

inter-relacionamentos estabelecidos entre o campesinato, a sociedade local e a

sociedade como um todo.

T. SHANIN (1980) vê o campesinato como um mundo diferente,

formado por elementos com características próprias, capazes de estabelecer

um padrão de relações sociais distintas do restante da sociedade. A unidade

familiar é extremamente auto-suficiente em si mesmo, e sua organização

interna orienta-se em função da produção, consumo, sociabilidade, suporte

moral e ajuda econômica mútua dos membros da família.

Na tentativa de explicar a existência do campesinato, SHANIN faz a

seguinte ressalva:

Não discutimos aqui a realidade imediata, mas uma generalização, ligada a um modelo conceitual – uma simplificação e uma formalização significativamente seletivas, com o propósito de melhor compreensão. (SHANIN, 1980, p. 75)

Para o autor, a posição ocupada pelos camponeses apresenta um

dualismo conceitual. Por um lado, são vistos como uma sociedade

independente, mas, quando inseridos no conjunto da formação social, podem

73

muito bem ser apenas uma classe, mesmo que dotada do que o autor chama

de “baixa classidade”, uma vez que geralmente se encontra dominada por

outras classes sociais.

Por outro lado, D. LEHMANN (1980) vê o campesinato sob outra ótica,

não como uma classe social, mas como uma forma de organização produtiva

nos moldes de uma empresa familiar. Ao resgatar os enunciados teóricos de

CHAYANOV acerca da empresa agrícola, afirma que:

la classe, en el sentido marxista es importante para el analisis de lo que eventualmente le sucederá al campesinato, pero no es un concepto adecuado para responder muchas perguntas cruciales. El concepto de empresa puede ajudar a penetrar la heterogeneidade de las relaciones agrárias. (LEHMANN, 1980, p. 12)

Na concepção de J. TEPICHT (1973), a economia camponesa apresenta

peculiaridades devido ao caráter familiar da divisão do trabalho, e são as regras

de parentesco que definem tanto a unidade de produção quanto a de consumo,

formando uma simbiose entre empresa agrícola e família. Novamente, vê-se a

utilização do termo“empresa”, cuja gênese assenta-se na teoria da unidade

econômica camponesa elaborada por CHAYANOV.

TEPICHT afirma, ainda, que o campesinato não é um “modo de

produção”, como concebemos o capitalismo, o socialismo, ou qualquer outro,

mas um “modo de produção particular subordinado”, que se insere no sistema

dito dominante e que adapta e interioriza as regras gerais do movimento de

uma determinada formação econômica. (SALAMONI, G., 1992)

74

Sob este aspecto, o chamado “modo de produção camponês” é

compatível com a economia capitalista, desde que não sejam rompidas as

relações de produção que lhe são próprias, dentre as quais se destaca o

trabalho familiar, seu traço dominante. Disso se deduz a importância da

especificação e operacionalização da terminologia, uma vez que esta

estabelece os limites analíticos e baliza o universo a ser investigado.

No conjunto dos conceitos examinados anteriormente, ressaltam-se as

características intrínsecas à produção camponesa presentes na maior parte

das análises, que podem ser resumidas nos seguintes enunciados:

a família configura-se como unidade de produção e de

consumo, marcada pelo caráter eminemente familiar do trabalho agrícola;

o camponês detém totalmente a posse dos meios de produção,

ou grande parte deles;

o fundamental na economia camponesa não é a propriedade,

mas sim a posse da terra, que mediatiza a produção de sua subsistência.

Todavia, acredita-se que apesar de ser possível identificar, na análise

da produção familiar, a presença dessas características definidoras de sua

organização interna, observa-se também uma certa heterogeneidade social,

técnica e econômica entre as unidades camponesas.

A idéia que permeia as investigações sobre a produção familiar é,

como declara CAUME, de que

75

a produção familiar na agricultura não apenas faz parte de uma totalidade multifacetada, complexa, mas que ela contém em si própria a diversidade. (CAUME, D. J., 1997, p. 19)

2.2 A teoria de organização da produção segundo A. V. CHAYANOV

Pouco se conhece sobre a vida de A. V. CHAYANOV, porque, até a

década de 60, praticamente não tinha sido feita nenhuma tradução de seus

trabalhos para a literatura ocidental. Sabe-se que ele nasceu em 1888 e, com

apenas 21 anos (1909), produziu seu primeiro trabalho, seguindo sua carreira

profissional no Instituto de Economia, junto à Academia Agrícola de Timiryazev,

em Moscou, de 1919 a 1930. Nesse período, produziu cerca de sessenta

textos, além de numerosos artigos em revistas, todos frutos de suas pesquisas

sobre as questões agrárias da Rússia, principalmente sobre aquelas surgidas

durante a Revolução. (WANDERLEY, 1989).

O que identifica a produção intelectual de CHAYANOV, nessa época, é

o que ele estabeleceu como linha-mestra de sua investigação: o estudo da

distribuição dos recursos – TERRA, TRABALHO E CAPITAL – interior das

unidades camponesas.

A versão espanhola de seu principal trabalho – LA ORGANIZACION

DE LA UNIDAD ECONÓMICA CAMPESINA - ainda é a mais conhecida pelos

estudiosos ocidentais. Cabe ressaltar que as limitações na divulgação da obra

escrita de CHAYANOV têm inibido uma reflexão mais profunda a respeito da

76

sua contribuição teórico-metodológica para o estudo do campesinato.

(SALAMONI, G., 1992)

No Brasil, apenas um texto encontra-se traduzido para o português,

intitulado SOBRE A TEORIA DOS SISTEMAS NÃO-CAPITALISTAS, publicado

na obra organizada por J. G. da SILVA (1981)11.

Continuando sua trajetória, CHAYANOV esteve por algum tempo ligado

ao governo de seu país e chegou a fazer parte do Ministério da Agricultura por

dois anos (1921 – 1922), logo após a Revolução Russa. Foi um período de

proeminência para ele, pois, ao assumir um posicionamento político no

governo, acabou por se envolver profundamente com o tema da coletivização

em massa da agricultura, imposta pelos bolcheviques. Colocando-se numa

posição contrária à política dirigida pelo Estado, sua proposta defendia um

processo de “autocoletivização”, centrado na iniciativa dos próprios

agricultores, único meio capaz de garantir sua sobrevivência. CHAYANOV

lançou-se à tarefa de propor alternativas de desenvolvimento da realidade

agrária russa adotando o “cooperativismo” – como modelo de transformação

técnica e econômica –, a ser adotado pelos camponeses.

Para concretizar esse projeto, a produção camponesa precisava ser

transformada e potencializada, mas sem que isso viesse a destruir a base de

sua existência: a unidade familiar produtiva, detentora dos seus meios de

produção.

11

Ver CHAYANOV, A. V. Sobre a Teoria dos Sistemas Não Capitalistas. In: SILVA, J. G. e STOLCKE, V. A Questão Agrária. São Paulo:Brasiliense,1981. p. 133-163.

77

Infelizmente, esse plano de desenvolvimento voltado à economia

camponesa foi impedido de tomar a dimensão e direção anunciadas por

CHAYANOV e seus principais seguidores (A. N. Chelintsev; N. P. Makarov; A.

A. Rybnikow, ...) devido à forte pressão política exercida pelo governo. Em

1930, muitos deles, inclusive CHAYANOV, foram acusados de subversivos e

de promover a Contra-Revolução, sendo por isso presos e condenados ao

esquecimento (alguns, como CHAYANOV, morreram na prisão). (HARRISON,

1975).

A despeito da trágica herança da era de LENIN, CHAYANOV ocupou

um lugar de destaque na história do campesinato. Suas idéias foram

representantes do pensamento neopopulista, no contexto das ciências sociais

de seu país de origem – a Rússia.

Os neopopulistas defendiam a viabilidade da agricultura camponesa,

enfatizando sua habilidade característica em sobreviver e prosperar sob

quaisquer circunstâncias; e mais, propugnavam que a terra deveria ser toda

transferida para unidades camponesas privadas. Isto pode ser visto como um

consistente projeto de Reforma Agrária.

Esse posicionamento provocou um sério confronto com o governo que,

sob a liderança de LENIN, propunha a imediata eliminação da propriedade

privada da terra, incluindo a expropriação dos camponeses, para a criação de

fazendas coletivas, gerenciadas pelo poder estatal. Assim o camponês, como

produtor individual, deveria ser eliminado, para assegurar o desenvolvimento

da agricultura.

78

A situação interna da economia camponesa vinha sendo estudada

desde 1870, por meio de um aparato técnico criado pelo governo, para efetuar

a coleta e o processamento de dados relativos ao campesinato russo. As

informações documentadas por estes órgãos regionais – as estatísticas

ZEMSTVO – revolucionaram muitos conceitos e teorias.

Da mesma forma que foram utilizadas para reformar os objetivos do

Estado, de coletivização da agricultura, forneceram as bases para a teoria da

economia camponesa construída por CHAYANOV e sua Escola da

Organização e Produção.

Esta Escola teve como fundamentos: primeiro, a afirmação de que o

comportamento econômico observado nos camponeses da zona rural russa

não se ajustava aos modelos de políticas agrárias propostas pelos marxistas-

leninistas. Estas políticas estavam baseadas na dinâmica das categorias

clássicas – renda, salário e lucros; porém, o que se percebia é que os

produtores familiares não maximizavam nenhum desses elementos, no interior

de suas propriedades.

Segundo, de acordo com sua posição teórica altamente específica, a

Escola de Organização e Produção propugnava que a distribuição dos recursos

– TERRA, TRABALHO E CAPITAL – nas unidades produtivas familiares,

estava guiada por uma racionalidade singular, capaz de tornar a propriedade

camponesa um elemento fundamental, tanto para o funcionamento geral da

economia, como para a organização do espaço, nas diferentes escalas.

79

Para entender a organização da economia camponesa nesses termos,

é necessário considerar alguns pontos básicos da teoria de A. CHAYANOV.

Principalmente, é necessário que se identifique o método empregado pelo autor

no exame da questão, suas principais hipóteses, bem como suas origens e

implicações.

CHAYANOV partiu do princípio de que, para compreender a produção

familiar camponesa, é necessário abstrair as condições externas que envolvem

as unidades produtivas, tais com as tendências do comércio inter-regional e

internacional, a expansão urbana e vários outros elementos da economia como

um todo. (HARRISON, 1975)

O modelo básico de CHAYANOV pode ser entendido como sendo uma

análise microeconômica interna das unidades camponesas. Segundo ele, cada

família possui uma dinâmica demográfica própria, dada em função do número

de membros que a compõem e de suas idades.

Esta composição familiar determinará a variação no volume de trabalho

e consumo, necessário para garantir a sobrevivência da família. Este

pressuposto é de extrema importância para compreender o campesinato sob o

ponto de vista de CHAYANOV, uma vez que ele afirma que:

el caráter de la família es uno de los factores principales em la organización de la unidade económica campesina. De hecho, la composición familiar definne ante todo los límites máximo y mínimo del volumen de su actividad económica. La fuerza de trabajo de la unidad de explotación doméstica está totalmente determinada por la disponobilidade de miembros capacitados en la família. (CHAYANOV, 1974, p.47)

80

O camponês formula subjetivamente um balanço entre necessidades

de subsistência e os recursos disponíveis na unidade familiar. As necessidades

podem ser tanto de ordem biológica, como é o caso da alimentação e

vestuário, como também aquelas impostas social ou economicamente ao grupo

familiar. Estas últimas são reflexo da sua integração ao circuito da economia

mercantil e, nesse caso, a aquisição de bens duráveis (maquinaria agrícola,

eletrodomésticos, automóvel...) e o pagamento de encargos públicos (taxas,

impostos...) passam a fazer parte do consumo familiar.

Quanto aos recursos, o suprimento de mão-de-obra não-remunerada é

o principal, dado pelo tamanho e composição da família. Os recursos ditos

complementares são terra e capital, variáveis em função dos mercado de terra

e da acumulação interna da família, respectivamente. A utilização intensiva ou

não dos recursos está intimamente ligada à satisfação das necessidades da

família.

CHAYANOV foi quem melhor procurou caracterizar a unidade de

produção camponesa, a partir do entendimento de que ela não pode ser

compreendida à luz das categorias conceituais utilizadas para interpretar o

comportamento das empresas capitalistas, na medida em que cada um desses

tipos de explorações apresentaria lógicas econômicas diferenciadas.

Pode-se perguntar, então, de que maneira o fator “econômico” norteia

as decisões dos camponeses e como CHAYANOV o analisou sem utilizar as

categorias marxistas clássicas?

81

Segundo ele, a unidade de produção camponesa, por não se

apresentar no seu funcionamento categorias como salário, renda, capital e

preços, possui uma estrutura econômica fundamentalmente distinta das

empresas capitalistas e por conseqüência, requer uma teoria econômica

distinta.

Foi a partir da constatação dessa necessidade que CHAYANOV se

propôs a explicar a “economia camponesa”, compreendendo que ela é regida

por uma relação entre trabalho e consumo familiar.

A influência de diversos fatores econômicos sobre os processos de

renovação e acumulação de capital, na exploração camponesa, é vista por

CHAYANOV sempre sob o prisma dos níveis de bem-estar da unidade familiar,

os quais somente poderão ser avaliados subjetivamente. Porém, ele

apresentou alguns indicadores de ordem econômica que poderão ser

quantificados no interior das unidades produtivas, tais como:

1. A renda bruta da exploração, resultante de produção total da família,

tanto em ofícios agrícolas como em ofícios não-agrícolas, definida por

CHAYANOV como sendo,

la totalidad del ingreso que percibe la família en el curso de un año, tanto lo que proviene de la agricultura como de las otras aplicaciones de su fuerza de trabajo en la explotación agrícola y en actividad artesanales y comerciales. (CHAYANOV, 1974, p. 69, grifo do autor)

Esta unicidade na composição dos ingressos financeiros é dada em

função de que todos os camponeses do grupo familiar atuam segundo suas

82

capacidades pessoais, a fim de atingir um nível de satisfação global das suas

necessidades.

Os rendimentos totais podem servir unicamente ao consumo familiar,

na forma de recursos para aquisição de mercadorias mais dispendiosas ou, às

vezes, até mesmo como fonte de poupança do grupo doméstico.

2. A parcela investida na reprodução e renovação dos meios de

produção, correspondendo ao que CHAYANOV chamou de “gastos

econômicos”, destinados à produção, e não ao consumo, servindo para equipar

a unidade familiar com instrumentos, ao longo do ano agrícola:

...incluímos en su total tanto los egresos relacionados com la circulación (...) como los de renovación y formación de capital fijo (...), ya que ambos constituyen igualmente capital adelantado com fines de producción. (CHAYANOV, 1974, p. 234)

Esta parcela é subtraída da renda bruta e refere-se basicamente aos

investimentos com elementos técnicos incorporados pela exploração agrícola,

incluindo os gastos com força animal e mecânica, insumos, construções,

reparos, compra de terras. Com isso, novos instrumentos de trabalhos podem

surgir, fazendo com que, a uma mesma unidade de trabalho, corresponda uma

produção maior, obtida com um desgaste menor de tempo e de esforço

pessoal.

3. O orçamento pessoal da família, o qual está relacionado ao auto-

consumo familiar. O produtor contabiliza os bens necessários à sobrevivência

do grupo doméstico, tanto em alimentação, vestuário e outros, como em bens

de uso na unidade produtiva.

83

CHAYANOV afirma que qualquer aumento nas taxas de consumo

dessa população depende:

... no sólo de um incremento en el ingresso y de la consiguiente ampliación del presupuesto, sino, tambien de uma expansión de las necessidades debido a que penetram en el campo elementos de una cultura urbana más elevada. (CHAYANOV, 1974, p.148)

Com isso, CHAYANOV chama atenção para o fato de que o camponês

tende a ajustar seus padrões de consumo ao se vincular ao mercado,

passando a absorver produtos de origem urbano-industrial. Porém, as reais

vantagens e desvantagens de qualquer inciativa desse tipo estarão mediadas

pela percepção intuitiva do camponês em melhorar o bem-estar da família.

4. A parcela não-investida diretamente na produção, destinada à

poupança familiar. As somas extraídas da venda só serão invertidas na

renovação de capital se estiverem garantidas as condições de sobrevivência da

família. Dessa forma, não existe a menor possibilidade de acumular capital,

nem que isso represente uma forma de herança futura a ser deixada aos

membros da família, se as necessidades elementares não forem atendidas

anteriormente. CHAYANOV esclarece a forma como os camponeses elegem

suas prioridades, em relação ao destino do capital, quando diz que:

en la unidad económica de explotación familiar los adelantos para renovar y formar capital se extraen del mismo presupuesto y están vinculados com el processo de satisfacción de las necessidades personales y que, en todos los casos, su importe depende de la medida en la que pueden satisfacerse estas necessidades. (CHAYANOV, 1974, p. 238)

84

Outra contribuição de CHAYANOV foi desenvolver “cálculos

econômicos” que explicitam as regras do processo produtivo do camponês,

tendo em vista os movimentos de expansão interna da família. Estes cálculos

fazem parte dos trabalhos mais antigos de CHAYANOV (1913), época em que

ele esteve preocupado com os baixos rendimentos obtidos pelos camponeses

produtores de linho, nas Províncias de Moscou e Smolensk (URSS).

Para entender a organização da produção nas propriedades

camponesas dessas regiões, CHAYANOV considerou dois aspectos, assim

resumidos por GERARDI e SALAMONI (1994):

a) as necessidades da família camponesa, geradas internamente, e

b) os recursos da unidade familiar, sobre os quais se encontra

assentado o processo produtivo.

Partindo dessas informações básicas, CHAYANOV buscou uma

resposta satisfatória para a questão de como os camponeses expandem o

emprego de seus recursos reprodutíveis, como é o caso da mão-de-obra, sobre

todo o ciclo de vida familiar. As evidências demonstradas pela realidade russa

comprovaram que os camponeses defrontam-se com baixos retornos por dia

trabalhado, em áreas de crescimento populacional acelerado, cujas terras

apresentam sinais de esgotamento da fertilidade.

Em resumo, quanto maior o número de trabalhadores unidos em uma

mesma família, menores serão as possibilidades de ver o seu produto

aumentado. Isto porque, à medida que um novo membro for adicionado ao

conjunto da mão-de-obra familiar, tem-se que a fração de produto suplementar

85

que ele obtém com seu trabalho tende a zero, e a parcela que corresponde à

renda individual decresce; é a chamada “lei dos rendimentos decrescentes”, um

dos ponto mais explorados por CHAYANOV, na análise da dinâmica interna

das unidades produtivas camponesas. É evidente que essa situação pressupõe

estar o excesso de mão-de-obra, combinado com limitados recursos de terra,

considerando-se, ainda, que não haja progresso técnico. (GERARDI e

SALAMONI, 1994)

Desse modo, do empirismo dos primeiros momentos do seu estudo,

CHAYANOV evolui, aos poucos, para uma sistematização teórica que assinala

as bases da sua teoria explicativa da ação e dos traços econômicos do

campesinato.

Apesar das pertinentes críticas aos pressupostos teóricos propostos

por CHAYANOV – a desconsideração do sistema social, como um todo; a

limitação a uma realidade específica da Rússia pré-capitalista, etc; –, é

inegável que ele muito contribuiu a fim de entender a produção familiar

enquanto conjugação de unidade mercantil e doméstica, isto é, como unidade

produtora e consumidora sob controle do grupo familiar. (CAUME, 1997)

Fundamentalmente, CHAYANOV inaugra uma nova epistemologia de

compreensão dos sistemas econômicos inseridos na realidade social

contemporânea e, em especial, sobre os destinos da agricultura familiar.

86

2.3 Para entender o campesinato: a contribuição dos estudos chaya-

novianos

CHAYANOV deixou claro que os estudos feitos por ele e pela Escola

de Organização e Produção Russa, no início do século, não teriam condições

de dar conta da problemática da “abertura” do mundo real aos padrões

produtivos modernos, representados pelo setor urbano-industrial, quando diz

que:

... com el aumento cuantitativo de los elementos de economia social en nuestro campo nos encontraremos com el desarrollo de una nueva psicologia económica y esperamos que la evolución de la agricultura, en muchos aspectos, vaya modificando gradualmente las bases da la unidad de explotación familiar que hemos estabelecido en nuestro estudio de la actual unidad económica campesina. (CHAYANOV, 1974, p. 320)

E, em outro trecho, registra sua proposta para que outros

pesquisadores engajem seus estudos nessa linha, a fim de atualizarem

sistematicamente os pressupostos teóricos básicos da Escola de Organização

e Produção:

Reconocemos claramente la necessidad de que la Escuela de Organización y Producción indique en las investigaciones individuales el lugar que ocupa la unidad económica campensina en el sistema total de la economía nacional de hoy y de que proporcione la conexión teórica de nuestro concepto organizativo com los principales criterios sobre la economía nacional y su desarrollo. (CHAYANOV, 1974, p. 42)

Segundo OLIVEIRA (1991), nos trabalhos que se constituem em uma

adaptação à realidade brasileira da proposta de CHAYANOV, destacam-se os

seguintes elementos caracterizadores da produção camponesa:

87

1º. A evidente predominância da força de trabalho familiar na

constituição das unidades produtivas camponesas. Da mesma forma, é a

capacidade de absorção dessa mão-de-obra no interior da unidade familiar que

vai determinar a combinação de outras relações sociais de trabalho, como o

trabalho assalariado, ajuda mútua, parceria, entre outros.

A questão que se deriva desse contexto é a forma como se define a

relação trabalho/consumo, isto é, o esforço exigido para a realização do

trabalho e o grau de satisfação das necessidades da família, estabelecidas

internamente ao longo do ciclo de vida familiar. CHAYANOV explica essa

relação:

Cada familia, entonces, según su edad, constituye en sus diferentes fases un aparato de trabajo completamente distinto de acuerdo com su fuerza de trabajo, la intensidad de la demanda de sus necessidades, la relación consumidor-trabajador, y la possibilidad de aplicar los

principios de la cooperación compleja. (CHAYANOV, 1974, p. 55-56)

À medida que a produção familiar se integra aos circuitos de

comercialização da produção, de especialização das atividades e de mudança

nas suas bases técnicas, há uma propensão inicial para refutar a teoria exposta

por CHAYANOV, e muitos o fazem mediante a alegação de que o movimento

interno à unidade de produção familiar, isto é, sua morfologia interna, perde a

importância diante dos processos de modernização adotados no agro.

Porém, a despeito de qualquer transformação que possa ter havido nas

unidades produtivas, a questão do caráter familiar do trabalho permanece no

88

contexto do setor agrário atual12, mantendo, inclusive, determinadas

modalidades de trabalho autônomas (artesanato rural, comércio em feiras,

prestação de serviços, entre outras) que nada mais são do que estratégias

internas do grupo familiar, para permanecer como agentes ativos no circuito da

economia.

2º. A reprodução da força familiar efetiva-se pela procriação e

complementação através do processo de socialização do trabalho, ou seja,

pela participação de todos os membros do grupo familiar nas tarefas

produtivas.

CHONCHOL (1986) ressalta que o grupo familiar é marcado por um

forte coletivismo interno, expresso na organização e divisão do trabalho, onde

cada família adapta sua capacidade de trabalho conforme as características de

sexo e idade dos seus membros. Em outras palavras, o “quantum” de trabalho

empregado no processo produtivo é equivalente ao número de membros da

unidade familiar e sua composição por sexo e idade; o esforço dispendido por

cada um é cedido “gratuitamente” a sua unidade produtiva, uma vez que não

tem como contrapartida imediata uma remuneração em dinheiro, mas sim a

garantia de sua contínua reprodução.

Com esta explanação baseada nas idéias de CHAYANOV,

evidenciam diferenças entre uma empresa familiar que funciona segundo

relações de cooperação interna e aquela em que, geralmente, o responsável

12

Sobre esse assunto, cita-se a importante contribuição dada por KAGEYAMA, A. e BERGAMASCO, S. M. P. Novos dados sobre a produção familiar no campo. Campinas: UNICAMP, 1989. (mimeografado).

89

não participa diretamente do processo produtivo e, além disso, paga com

salários o trabalho que os demais membros fornecem à empresa. A empresa

capitalista concebida nesses termos orienta-se no sentido da relação entre os

custos e os benefícios, estando voltada para o resultado monetário da

produção.

Ao contrário, a variável-chave do funcionamento da empresa familiar

não é a taxa de lucros, mas sim os rendimentos totais auferidos pelo grupo

familiar, utilizados para a satisfação das necessidades familiares. Conforme

definiu CHAYANOV,

la totalidad de rendimientos que recibe la familia en el curso de un año, tanto lo que provene de la agricultura como de las aplicaciones de su fuerza de trabajo en la explotación agícola y actividades artesanales y comerciales. (CHAYANOV, 1974, p. 69)

Enfim, o que diferencia o camponês, responsável pela empresa

familiar, do empresário capitalista, é que o primeiro é um trabalhador que vive

do produto da sua própria atividade, enquanto o outro vive do produto da sua

empresa gerado pela apropriação do trabalho alheio.

3º. Outro elemento singular da produção camponesa é a jornada de

trabalho. Nesse aspecto, não há uma rigidez de tempo, nem de intensidade, ou

seja, a jornada varia conforme as necessidades impostas pelas atividades

agrícolas.

No interior da unidade produtiva, encontram-se combinados períodos

de intensa atividade, onde nem mesmo o nascer e o pôr-do-sol representam

limites à jornada diária de trabalho, com períodos chamados “ociosos”, nos

90

quais o camponês poderá transferir sua mão-de-obra para atividades

acessórias, entre elas o assalariamento fora da propriedade.

Na visão chayanoviana, essa última situação limita-se a certos

períodos de entressafra, porque a principal inciativa do camponês para

aumentar seus rendimentos é, antes de mais nada, o investimento intensivo em

trabalho familiar, sobre sua própria terra. Nem que para isso as famílias tenham

que se submeter à auto-exploração, trabalhando um número maior de horas a

fim de obter um volume maior na produção.

Por outro lado, os baixos rendimentos per capita nas empresas

familiares podem estar ligados à existência de uma relação inadequada entre o

volume de trabalho disponível e o número de consumidores, ou seja, o número

de membros dependentes da unidade produtiva. A isso, CHAYANOV chamou

de balanço trabalho/consumo.

O equilíbrio nessa relação é atingido à medida que o número de

unidades de trabalho utilizadas no processo produtivo coincide com o das

unidades de consumo familiar dado pelo tipo de estrutura familiar presente em

cada unidade camponesa. Isto é: a relação trabalho/consumo torna-se variável,

de acordo com a proporção de membros que trabalham e dos que não

trabalham, ao longo do ciclo de vida da família.

Tomando como exemplo uma família jovem, constituída, basicamente,

pelo casal e por crianças menores que ainda não atuam como mão-de-obra,

haverá uma sobrecarga de trabalho sobre os membros em idade produtiva.

91

Estes terão que prover suas necessidades de consumo com muito mais

esforço.

Em outros casos, em que a família é composta por membros que já

atingiram uma idade madura e todos trabalham, haverá uma divisão equitativa

do volume de trabalho e consumo, proporcionando um equilíbrio entre braços e

bocas, no interior da unidade produtiva.

Este cálculo individual, feito pelas empresas familiares, parte do

princípio de que as necessidades consideradas como prioritárias devem ser

atendidas pelo esforço pessoal de todos os componentes do grupo doméstico.

Isso só é possível através do sobretrabalho familiar, onde cada membro

assume, diariamente, uma longa jornada de trabalho. Sua vida produtiva

também é significamente prolongada, porque inicia ainda em idade precoce e

estende-se até a velhice.

CHAYANOV conclui, justificando que a formulação da hipótese do

equilíbrio trabalho/consumo não surgiu simplesmente das ilações de um

teórico, mas foi resultado de observações diretas a respeito da conduta

econômica dos camponeses russos. Porém, mesmo diante de comprovações

empíricas, admite que:

- though this does always correspond with everyday reality - that available income is divided according to the equilibrium at production and consumation evaluations or, more accurately, a desire to maintain a constant level of well-being. (op. cit. HARRISON, 1975, p. 396)

Diante de uma possível pressão dos elementos demográficos, quando

a terra torna-se escassa e não há possibilidades de ampliar a área da

92

propriedade, seja pela compra ou arrendamento de terras, a empresa familiar

lança mão de uma racionalidade interna, para tomar a decisão de adotar uma

das alternativas a seguir:

A auto-exploração da força de trabalho, submetendo os

membros familiares a longas jornadas de trabalho, a fim de aumentar a

produção e, conseqüentemente, seus rendimentos totais, mantendo fixo o

estoque inicial de terra. O Know-how próprio da empresa familiar, expresso no

cálculo sobre a quantidade de trabalho a ser fornecida por cada membro da

família, significa que, com um maior desgaste da mão-de-obra familiar, se tenta

obter, da pouca terra disponível, a produção necessária à reprodução desta

mesma força de trabalho.

O desvio de parte da força de trabalho para atividades extra-

agrícolas. A família pondera sobre oportunidades de emprego mais rentáveis

para sua mão-de-obra excedente que, nesse caso, pode estar ligada ao

artesanato doméstico e/ou ao comércio. Porém, é muito importante esclarecer

que insuficiência de terra e de capital não são os únicos fatores que

determinam a transferência de força de trabalho para as atividades acessórias.

CHAYANOV declara que:

en numerosas situaciones no es una falta de medios de producción lo que origina ganancias provenientes de las aresanías y comercio, sino una situación de mercado más favorable para este tipo de trabajo... (CHAYANOV, 1974, p. 118)

Porém, é importante observar que, movido pela mesma lógica interna

de funcionamento da empresa familiar, o camponês pode chegar à conclusão

93

de que o produto necessário para ele obter rendimentos favoráveis exige mais

trabalho do que as possibilidades de auto-exploração do grupo doméstico. Isso

acontece sobretudo, nos “momentos de pico” do ciclo agrícola, e o camponês

pode, então, fazer uso do trabalho alheio. Pode ser tanto pela contratação de

assalariados temporários (ou permanentes), até pela ajuda de algum parente

ou vizinho. Essa última modalidade de trabalho extra, instituído pelas empresas

familiares, não encontra correspondente nos modelos de assalariamento

capitalista. Mas, entre as famílias camponesas, é muito comum a presença de

relações de trabalho não-formalizadas legalmente, nas quais a remuneração

em dinheiro não é sequer utilizada, como no caso da ajuda mútua. GARCIA Jr.

complementa, afirmando que a prática da ajuda mútua ou, como ele chama, a

troca de dia

está baseada nas redes de solidariedades locais, sejam elas definidas por parentesco ou por grupos de vizinhança. (GARCIA Jr., 1983, p. 70)

Enfim, o certo é que nenhuma dessas formas de mão-de-obra utilizada

pelas unidades produtivas derroga o caráter familiar do processo de trabalho

camponês, o que o torna singular no interior do sistema capitalista.

4º. Por fim, cabe destacar outro elemento intrínseco à produção

camponesa, que é a propriedade privada da terra. Desde logo, é oportuno

diferenciar a propriedade familiar da propriedade especificamente capitalista,

como explica A. OLIVEIRA:

A propriedade familiar não é propriedade de quem explora o trabalho alheio. Estamos diante da propriedade direta de instrumentos de trabalho que pertencem ao próprio trabalhador. É, portanto, propriedade do trabalhador, não é

94

fundamentalmente instrumento de exploração. (OLIVEIRA, 1991, p. 61)

Uma das críticas mais contundentes de MARX ao campesinato é o fato

de este estar ligado à propriedade privada da terra. Ele aponta isso como uma

das causas mais comuns da sua ruína, uma vez que o agricultor terá que

desembolsar uma quantia monetária para comprar terra, desviando um

montante de capital que poderia ser aplicado na produção agrícola ou no

tratamento e conservação da própria terra.

Nessa situação, o preço da terra torna-se, para o camponês, um

elemento adicional nos custos de produção e, segundo MARX, isso se

materializa toda vez que

é lhe adjudicada terra mediante pagamento de certa soma em dinheiro, nas partilhas de inventário, ou então, graças às transferências correntes de propriedades ou lotes delas; a terra é comprada pelo próprio agricultor, muitas vezes mediante empréstimo garantido por hipoteca. (MARX, 1985, p. 922)

Na visão de CHAYANOV os fatores de produção – TERRA,

TRABALHO e CAPITAL – não são todos da mesma natureza, passíveis de

serem definidos simplesmente em termos monetários. Não é com capital que a

família compra terra, mas com o fruto do seu próprio trabalho, despendido para

garantir a continuidade da família sobre as suas próprias bases materiais.

Desse modo, para CHAYANOV,

O preço da terra não é a expansão da capitalização da renda, mas da força de trabalho a ser empregada para cobrir as necessidades da família. (Op. cit. AMIN & VERGO-POLUS, 1977, p. 126)

95

De acordo com a racionalidade camponesa observada por

CHAYANOV, a dinâmica do mercado de terras só se fará presente no interior

das unidades familiares, à medida que permitir ajustar adequadamente a

quantidade de terra disponível às necessidades da exploração. Na maioria das

vezes, isso ocorre em função da pressão crescente do grupo familiar em

relação ao tamanho da propriedade. Porém, apesar de admitir a existência de

transações de compra e venda de terra entre os camponeses, a réplica de

CHAYANOV às condições marxistas desta questão está baseada em outros

argumentos. Ele afirma que o camponês, ao defrontar-se com a escassez de

terra, tendo que prover o necessário ao consumo familiar, procura intensificar o

trabalho por unidade de área. Fazendo isso, embora diminua a produtividade

por trabalhador, aumenta a produtividade por unidade de área e,

conseqüentemente, o produto total que será destinado ao consumo da família

também se eleva.

No caso da economia camponesa, a parcela dos gastos anuais

destinada para a compra de terras está inseparavelmente unida aos

pressupostos pessoais do camponês, em adequar o tamanho da família e o

tamanho da propriedade entre si.

Para CHAYANOV, a maior aspiração do camponês é ter terra em

quantidade suficiente para fazer pleno uso da força de trabalho da família. Com

isso, a propriedade da terra passa a ser uma condição indispensável para

distribuir, de forma equilibrada, a mão-de-obra disponível.

96

Enfim, a ação conjunta do grupo familiar está direcionada no sentido da

formação de um patrimônio fundiário e de reprodução do capital produtivo,

ambos elementos essenciais para a concretização do chamado “projeto

camponês”, que, nas palavras de WANDERLEY, pode ser assim definido:

A aquisição da propriedade traduz e expressa o projeto comum, da família, de acesso a uma certa forma de trabalhar nos seguintes termos: trabalhar para si, com os seus, no que lhe pertence. (WANDERLEY, 1988, p. 76)

Na análise de realidades específicas, todavia, outros elementos podem

ser identificados no contexto da produção familiar, e passíveis de serem

utilizados para definir o universo camponês, como por exemplo: a natureza da

renda familiar, a dimensão física da unidade produtiva, entre outros.

Esses critérios adicionais, conforme CAUME(1997), podem limitar a

configuração plena da complexidade da produção familiar, porém, em alguns

casos, adaptariam-se às demandas tanto científicas quanto político-

institucionais sobre o conjunto atual do campesinato.

2.4 O camponês no contexto agrário atual

A teoria de CHAYANOV fornece a “chave” para desvendar o

fenômeno da produção camponesa, a partir de elementos que permitem

penetrar-se na dimensão familiar das unidades produtivas, a fim de

verificar as alterações ocorridas no nível interno das famílias camponesas,

e de ver, na sua articulação externa, a própria capacidade de

97

sobrevivência no sistema capitalista. O próprio CHAYANOV, em trabalho

sobre a organização da Unidade Econômica Camponesa (1974), apontou

as perspectivas de integração em seus diferentes níveis:

En la actualidad, la unidad económica campesina en casi todas partes está ligada al mercado capitalista de mercancias; en muchos países sufre la influencia del capital financiero , que le há hecho empréstitos, y coexiste com la industria organizada al modo capitalista y, en algunos lugares, también com la agricultura capitalista.(CHAYANOV, 1974, p.42)

Complementando, afirma a seguir que o futuro da economia

camponesa deverá ser

un campo industrializado en todas las esferas del proceso técnico, mecanizado y eletrificado, un campo que há aprovechado todos los logros de la ciencia y la tecnologia agrícola. (CHAYANOV, 1974, p.44)

Dentro desse contexto, o setor agrícola é chamado a participar das

profundas transformações operadas no setor produtivo da economia,

reorganizando suas bases técnicas, condição “sine qua non” para o

avanço das relações capitalistas e sua introdução no campo.

Enfim, o reconhecimento da existência de um complexo de

relações socioeconômicas que forma o processo global de acumulação

capitalista, no qual a agricultura é apenas um dos segmentos envolvidos,

justifica o esforço em dimensionar a importância assumida pela produção

familiar, como um dos inputs desse sistema.

Nesse sentido, a reflexão atual dos pesquisadores volta-se para o

entendimento das situações em que a produção camponesa, mesmo não

98

sendo gerada diretamente pelo capital, acaba, de alguma maneira, a ele

subordinada. Ou seja, o próprio capital cria um espaço para a reprodução

da produção familiar camponesa, tornando-a não algo diferente do capital,

mas um elemento do seu próprio funcionamento. (WANDERLEY, 1988).

M. N. B. WANDERLEY complementa, ainda, que, ao ocupar este

espaço, o camponês tende a se transformar qualitativamente, em função

da sua integração, sob diversas formas, aos mecanismos de mercado.

O surgimento dos Complexos Agroindustriais (CAI’S) e das

cadeias alimentares promoveram a emergência de produtores modernos,

perfeitamente integrados ao sistema econômico e às novas técnicas de

produção. Nas palavras de M. N. B. WANDERLEY,

são produtores responsáveis por parcela da produção de mercadorias, que acionam em seus processos de produção um capital de certa magnitude, que adotam tecnologia moderna, que conseguem constituir certo patrimônio, especialmente em terras valorizadas, mas que apesar disso permanecem trabalhando, representando o essencial da força de trabalho da unidade familiar de produção. (WANDERLEY, 1988, p.14)

A produção integrada aos complexos agroindustriais, cooperativas ou

redes de comercialização de alimentos encontra-se subordinada ao capital,

através da obtenção de insumos, créditos e do fornecimento de matérias-

primas. Nesta situação, a maioria dos camponeses transformam-se em

produtores tecnologicamente modernos e, nem por isso, perdem sua

característica de produtores familiares.

99

Segundo WANDERLEY (1988), a sobrevivência da produção

familiar camponesa inserida em uma economia capitalista de caráter

industrial, depende de duas condições fundamentais:

1- Deriva da própria definição desse tipo de atividade, ou seja, o

trabalhador deve estar em condições de produzir para o mercado, com

base na propriedade de seus próprios meios de produção.

2- Refere-se à necessidade de que os bens e serviços produzidos

pelos camponeses sejam socialmente úteis, ou que apresentem uma certa

demanda no mercado.

Outro importante estudo de inspiração Chayanoviana foi realizado por

J. V. TAVARES DOS SANTOS, a respeito dos vínculos da produção

camponesa com a reprodução global do capital e seus representantes urbano-

industriais.13

O importante a destacar no trabalho de J. V. T. DOS SANTOS é a sua

preocupação em detalhar as diferentes situações de subordinação do processo

de trabalho do camponês, inserido no modo de produção capitalista. Segundo

ele, a partir da integração dos produtores familiares ao mercado, estabelece-se

uma relação “formal” de subordinação diferente da subordinação “real”, uma

vez que, no primeiro caso, não ocorre a separação entre os proprietários dos

instrumentos e a força de trabalho. Nesse tipo de subordinação formal, a

remuneração do trabalho não é feita com pagamento de salários, mas através

13

SANTOS, J.V.T. dos. Colonos do vinho: estudo sobre a subordinação do trabalho camponês ao capital. São Paulo: HUCITEC, 1979.

100

de contratos de produção firmados com o setor industrial, os quais nada mais

fazem do que mascarar a compra de força de trabalho camponesa e sua

exploração pelo capital. Isso vem confirmar o posicionamento de TEPICHT

(1973) sobre a clássica relação de dominação – “exploradores versus

explorados” – que se dá entre setores da economia, encontrando-se, a

agricultura, submetida aos monopólios agroindustriais. Porém, ressalta-se que,

apesar de as relações capitalistas terem penetrado no interior das unidades

familiares, o camponês mantém a autonomia do processo de trabalho, o que

lhe delega uma posição de trabalhador independente.

SANTOS (1994) prossegue analisando essa configuração específica do

campesinato vinculado às agroindústrias, em particular nos ramos da

avicultura, suinocultura e fumicultura no sul do País.

Nesses casos, os camponeses são proprietários privados da terra,

desenvolvem um padrão artesanal de trabalho combinado com o uso de

insumos químicos e orientam sua produção para o mercado.

A especificidade desse tipo de produção integrada reside nas relações

contratuais que esses camponeses estabelecem com os empresários

agroindustriais, em termos de contratos formais ou informais, sejam eles de

empresas privadas ou de grandes cooperativas.

Tais camponeses integrados encontram-se submetidos aos rígidos

regulamentos das agroindústrias, como, por exemplo: a delimitação da área de

produção, tipos de tratos culturais, condições de fornecimento dos insumos,

101

condições de aquisição dos produtos agrícolas e normas de pagamento aos

produtores. De acordo com J.V.T. SANTOS,

as relações contratuais entre os camponeses e os empresários agroindustriais estão na origem dos diferentes tipos de conflitos que se verificam, tais como: a fixação dos preços mínimos, fixados com ou sem a intervenção do Estado, estadual ou federal; o sistema de classificação dos produtos agrícolas e o poder sobre sua execução; e as condições sociais da relação mercantil, as quais podem variar desde os acordos pessoais, as relações de clientela, ou a assinatura de contratos de produção. (SANTOS, J. V. T. DOS, 1994, p. 150)

Nesse contexto, a unidade de produção camponesa organiza-se

internamente a partir do grau de integração com a economia de mercado.

ABRAMOWAY (1992) afirma que, mesmo o produtor familiar

subordinado aos complexos agroindustriais, estabelece uma conduta

especialmente camponesa diante do mercado capitalista. E prossegue

afirmando que, a partir dos postulados elaborados por CHAYANOV, é possível

identificar os determinantes das escolhas econômicas feitas pelos

camponeses.

O eixo interpretativo, nesse caso, é deslocado da esfera da produção

para o âmbito do consumo, que revela a conduta do grupo familiar no sentido

de efetuar uma análise subjetiva, cuja base não são os preços de mercado,

mas sim o imenso esforço dispendido para se atingir a produção de

subsistência.

Todas as iniciativas, no que se refere à produção, visam a atingir um

nível de equilíbrio entre produção e consumo, no interior da unidade produtiva

102

camponesa. Essa chamada racionalidade camponesa encontra-se apoiada em

variáveis internas, tais como: tamanho da propriedade, condições técnicas de

produção, entre outras.

De um outro ponto de vista, pode-se pensar que esse equilíbrio

subjetivo, o qual preside as escolhas da família camponesa, sofre interferências

efetivas do patrimônio sociocultural próprio a cada produtor e sua família.

Serve de referência a esse tipo de análise, o estudo feito por

SEYFERTH (1974) sobre os produtores familiares da região conhecida como

“Vale do Itajaí”, no Estado de Santa Catarina. No caso examinado, a autora

constata que a “racionalidade camponesa” encontra-se vinculada às tradições

culturais dos produtores de ascendência alemã.

A origem étnica e os valores herdados dos antepassados fornecem um

conjunto de regras que condicionam desde a organização interna da unidade

produtiva, até as práticas de transmissão do patrimônio fundiário.

Para LAMARCHE (1993), o funcionamento das unidades camponesas

deve ser analisado como resultante de uma dinâmica de forças. Ou seja, cada

tomada de decisão do camponês está sendo limitada e/ou determinada pela

força do passado (tradição) e pela força de um futuro – materializado pelos

projetos de sua reprodução como produtor familiar. Ele conclui afirmando que

os exploradores organizam suas estratégias, vivem suas lutas e fazem suas alianças em função destes dois domínios: a memória que guardam de sua história e as ambições que têm para o futuro. (LAMARCHE, H. 1993, p. 19)

103

Além disso, concorda-se com LAMARCHE quando afirma que a produ-

ção familiar na agricultura apresenta-se, atualmente, com uma diversidade de

características que extrapolam o universo analisado por CHAYANOV,

abrangendo desde lógicas produtivas que têm o mercado como determinante

básico até lógicas orientadas pela realização da reprodução familiar.

Contudo, a leitura de CHAYANOV (1974) fornece um quadro completo

de referências, capaz de fundamentar os estudos sobre a produção camponesa

e a sua racionalidade específica. Sua tentativa ímpar em demonstrar que, na

ausência das categorias próprias ao modo de produção capitalista, a

articulação da economia ao sistema dominante se faz sob uma lógica

diferenciada, teve como preocupação eleger o trabalho familiar como sendo a

“variável-chave” para estudar as especificidades da economia camponesa, pois

é este que impõe categorias econômicas particulares e, conseqüentemente, dá

origem a leis próprias de funcionamento.

Guardadas as devidas proporções, quanto ao contexto histórico-

espacial em que foram formuladas as concepções teóricas da obra de

CHAYANOV, estas revestem-se de uma atualidade surpreendente, ao explicar

as potencialidades da produção familiar na agricultura e, igualmente, o esforço

do camponês para reproduzir-se como tal.

Diante do que foi exposto, a unidade produtiva camponesa representa

um espaço de relações, organizado internamente a partir de três dimensões do

grupo familiar: a dimensão da produção, a do consumo e a do seu “modo de

vida”.

104

Esses elementos orientam a conduta do camponês e evidenciam que

não apenas a racionalidade econômica, mas também outros critérios de

natureza sociocultural participam da organização da vida familiar. Como

observa ANJOS,

mais do que atingir um nível de equilíbrio econômico, o que os colonos objetivam é a produção de um ‘modo de vida’ personificado no conjunto de relações estabelecidas com a terra que se constitui no sustentáculo e no referencial de suas tradições culturais. (ANJOS, 1995, p. 138)

A partir deste ponto de vista, entende-se necessária a inclusão de

aspectos e dimensões relacionados aos costumes e tradições dos

camponeses, os quais podem contribuir na análise sobre o campesinato e, de

alguma maneira, justificar sua própria existência no contexto atual da

agricultura. (JEAN, B., 1994)

Da mesma forma, admite-se que é a própria especificidade do trabalho

familiar e a lógica do camponês em estabelecer estratégias de sobrevivência,

que explicam o fato da permanência da produção camponesa no interior da

economia capitalista – marcada por modernos padrões de produção.

Assim, é possível compreender por que, com o desenvolvimento de

relações capitalistas em todos os setores da economia, a produção camponesa

não desaparece; ao contrário, se reproduz para permitir, em última instância, a

permanência do próprio capitalismo.

Por fim, sabe-se que a convivência da lógica camponesa, que rege o

funcionamento das unidades produtivas, com a lógica do capital, não é pacífica,

105

mas carregada de contradições e tensões de ordem social, política, cultural e

até ecológica.

III DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA

(...) a experiência desses vinte anos revelou à sociedade que o estilo de industrialização ‘liberal’, ‘produtivista’ – respandado no autoritarismo político que não admitiu debate algum a respeito de vins alternativos sobre uma modernização desejada por muitos – não operou como uma mancha de óleo, incorporando os produtores à sociabilidade moderna e melhorando as condições de vida de boa parte dessa gente. (MÜLLER, G., 1989, p. 77)

A agricultura, no seu sentido mais amplo, é entendida como sendo o

resultado das atividades desenvolvidas por indivíduos sobre uma determinada

área.

O objetivo primeiro dos grupos humanos, ao relacionarem-se com a

natureza, é extrair, através do seu trabalho, os elementos necessários à sua

sobrevivência. Com o passar do tempo, o espaço natural vai sendo produzido e

organizado, apresentando características peculiares dadas pelo grau de

desenvolvimento da sociedade.

Nos primeiros tempos de vida do homem sobre a terra, este era

extremamente dependente das condições oferecidas pela natureza. A partir da

descoberta e introdução de técnicas ligadas às atividades agrícolas, foi

107

alcançando um certo grau de independência em relação ao meio natural. Porém,

isso resultou na formação de organizações complexas e dependentes dos fatores

externos, onde o trabalho passa a ser dividido e o espaço reorganizado.

O rompimento com os anteriores sistemas de produção deflagra o início

de um novo período na história da agricultura. Nessa fase, as atividades

dominantes encontram-se alocadas no círculo urbano-industrial, em torno do qual

os demais setores econômicos passam a gravitar.

Atualmente, a principal característica da organização do espaço

geográfico é a sua subordinação às atividades industriais, comandadas pelas

grandes empresas nacionais e pelas corporações transnacionais, sediadas nos

países desenvolvidos. Essa situação estrutura o setor agrícola em função das

atividades externas, reorganizando as bases produtivas graças ao avanço da

tecnologia e à sua introdução no campo.

Observa-se, então, que, embora as paisagens do campo e da cidade

sejam diferentes, ambas formam um único sistema, sob o comando do setor

urbano-industrial, centro de controle das decisões econômicas, sociais e políticas

que movem o sistema produtivo do País.

Uma vez criado o “fetiche” do crescimento econômico, através da

integração da agricultura ao capital industrial, cabe a esta a tarefa de transformar-

se rapidamente, aumentando sua eficiência produtiva, via modernização

tecnológica.

Os produtores rurais ingressam no “círculo vicioso” do capital — expresso

pelos mecanismos de crédito financeiro — responsável pela sua transformação

108

em compradores/financiadores da produção agropecuária. Conseqüentemente,

surge a necessidade de se envolver mais nos circuitos monetários e de mercado,

introduzindo elementos que afetam a lógica e a própria natureza da forma de

produzir no agro, o que implica, nas palavras de MÜLLER,

... desconsiderar a terra e as relações sociais estabelecidas a partir da sua apropriação como núcleo de análise e interpretação e, por forma, como núcleo de entendimento das

atuais questões agrárias. (MÜLLER, 1985, p.79)

Porém, o mesmo autor esclarece que isso não significa que a terra e as

relações a ela atreladas sejam eliminadas dos estudos acerca da agricultura, mas

que, impreterivelmente, devem ser redefinidas, frente às modificações em curso

no campo. A partir da expansão do processo de modernização, as relações de

produção tornam-se mais complexas, a produção adquire certa independência

dos fatores naturais e o cultivo da terra deixa de estar ligado unicamente à

subsistência, passando a voltar-se para a agricultura de mercado, por vezes

especializada na produção de matérias-primas para a indústria. Certamente,

nesse momento, a produção realiza-se sob um suporte econômico e técnico-

científico superior ao da situação anterior, na qual predominava o auto-

abastecimento das unidades produtivas.

Ainda que atualmente a agricultura participe apenas com uma parcela de

10 a 12% do PIB do País, ela tem uma significativa importância para a economia

como um todo, especialmente para o desenvolvimento do setor industrial. (REV.

DA INDÚSTRIA, 1988)

109

Por isso, as transformações ocorridas nas atividades agropecuárias,

desde meados dos anos 60, ganham magnitudes tais, que impõem uma revisão

dos marcos teóricos utilizados na análise do desempenho das atividades dos

vários setores da economia brasileira. A necessidade de tal procedimento

justifica-se vis-à-vis à existência de um processo tecnoeconômico e sociopolítico

que solapou as bases tradicionais da agricultura, tornando-a inviável como fator

de reprodução social, a ponto de ser induzida a adotar os veículos de integração

(crédito, maquinaria, insumos industriais, entre outros) com outros setores, como

condição de sobrevivência dentro do contexto dos novos padrões reguladores da

economia.

Agora, deve-se compreender que o desempenho econômico das

atividades agropecuárias depende da dinâmica dos setores industriais e das

formas e graus de interação destes com o setor agrário. Esse desempenho

somente foi possibilitado devido ao advento da modernização das práticas

agrícolas (entendido como o uso de insumos de origem industrial), visto que a

agricultura pode parecer extremamente improdutiva quando o volume de

produção não atinge os índices exigidos pelo setor industrial.

Conseqüentemente ao aumento da produtividade, os produtores rurais

percebem uma melhoria nas suas condições socioeconômicas, muito embora

exista uma grande lacuna quanto à qualidade de vida, principalmente no que se

refere à saúde.

Além disso, pode-se perceber que a sustentabilidade ambiental vê-se

comprometida quando se realiza o uso predatório dos recursos naturais (solo,

110

cobertura vegetal, rios, ...), sem considerar a esgotabilidade destes. Da mesma

forma, a utilização inadequada de muitos insumos agrícolas — tais como os

agrotóxicos, corretivos químicos para o solo, mecanização pesada —, longe de

permitir a retomada da produtividade e rentabilidade dos solos, torna-os, na

maioria das vezes, improdutivos (é o caso da perda de solos por erosão, que, no

Brasil, chega a um bilhão de toneladas / ano). (BRINCKMANN, 1995)

Os graves impactos ambientais provocados pela agricultura moderna

podem ser entendidos como o rompimento da estabilidade dos ecossistemas e a

conseqüente redução da sustentabilidade do próprio desenvolvimento econômico

e social. Ainda que certos graus de artificialização e homogeneização sejam

imanentes a quase toda a atividade econômica, a tecnificação da agricultura tem

mostrado uma total falta de limites na agressão ao meio ambiente,

comprometendo, ao longo do tempo, a reprodução da sociedade como um todo

e, mais especificamente dos produtores rurais.

Nesse contexto, de acordo com KITAMURA (1993), a agricultura

brasileira tem, basicamente, problemas ambientais de dois tipos, a saber: o

primeiro, deve-se a sua intensificação, especialmente em determinados cultivos,

com o uso massivo de insumos químicos e de mecanização, resultando em

limitações quanto à manutenção dessa produção e de sua produtividade ao longo

do tempo. Observa-se que são crescentes os problemas de contaminação

química do solo e da água, de erosão e perda da capacidade produtiva do solo,

além de riscos de desertificação.

111

O segundo problema deriva das condições de concentração da atividade

econômica e, em especial, da concentração fundiária associada à modernização

conservadora. No caso da agricultura familiar, esta caracteriza-se pela

sobreutilização dos recursos naturais, devido ao fato de estar assentada em

unidades de produção com áreas exíguas, o que leva os produtores a

mobilizarem ecossistemas extremamente frágeis, muitas vezes não-

recomendáveis para as atividades agrícolas.

Busca-se, então, a partir de uma reflexão sobre as transformações

promovidas no espaço brasileiro pela modernização da agricultura, inaugurada no

País nas décadas de 1950-60, repensar as relações entre este processo, o

desenvolvimento rural sustentável e a produção familiar.

Cabe reconhecer que, se não forem viabilizadas alternativas de

sustentabilidade para a agricultura familiar, parcelas significativas da população

rural poderão não se integrar plenamente ao processo de desenvolvimento

socioeconômico, indo juntar-se ao enorme contingente de excluídos que já

perambulam, hoje, pelos centros urbanos.

Entende-se que, como a produção familiar tem demonstrado uma

surpreendente capacidade de adaptação às diversas mudanças que ocorreram

ao longo da história econômica e política do País, é a partir dela que poderão ser

implementadas, com sucesso, alternativas de desenvolvimento sustentável. Para

isso, tornam-se imprescindíveis investimentos em novas estruturas de produção e

de comercialização; pesquisas direcionadas às necessidades e condições do

112

produtor familiar, além de políticas que viabilizem a geração e difusão de novas

tecnologias, voltadas à proteção ambiental.

Como destaca SILVA:

A saída, a curto prazo, está no âmbito de políticas (por certo, paliativas) que sinalizem para práticas conservacionistas já disponíveis (e, todavia, quase nunca adotadas) e na indução de novas trajetórias científicas que não impliquem novas

degradações da natureza. (SILVA, 1993, p.20)

Finalmente, cabe ressaltar que a agricultura familiar tem grande potencial

para promover o desenvolvimento rural sustentável, não somente por ser

responsável pela preservação e fortalecimento dos sistemas de produção

agroecológicos, mas por ser detentora de um patrimônio cultural que lhe confere

um caráter particular de organização interna. De um lado, o domínio do uso de

insumos e técnicas e, de outro, os conhecimentos empíricos de gestão que

ultrapassam a esfera dos cultivos e orientam o funcionamento da unidade de

produção como um todo. Pode-se dizer que a racionalidade camponesa constitui

uma das estratégias de reprodução do produtor familiar, frente ao processo de

desenvolvimento capitalista.

No bojo do acelerado desenvolvimento industrial, a agricultura passou a

ser vista como um setor complementar, mas reconhecidamente importante no

desempenho de certas funções que viabilizam a acumulação crescente de

capital.

A atuação coadjuvante da agropecuária está representada nas seguintes

tarefas: fornecer alimentos e matérias-primas; liberar mão-de-obra; consumir

insumos industrializados e bens de consumo; transferir capital para as atividades

113

urbanas e, ainda, gerar divisas via exportação de produtos. Este conjunto de

funções constitui o principal recurso para financiar o desenvolvimento industrial.

Dentro dessa perspectiva, o Estado passa a dar apoio direto para o setor

primário, deflagrando a anunciada “prioridade agrícola”. Esse aspecto conjuntural

permanece equivocado quanto ao tratamento discriminado dado ao setor agrícola

e demonstra que as proclamadas prioridades agrícolas, dispensadas dos

produtores e às suas atividades, foram mais aparentes do que reais. Tanto no

que se refere a medidas mais específicas, como o crédito ou subsídios, quanto a

políticas de caráter mais geral, o apoio seletivo definido na intervenção estatal

reflete os objetivos dos grupos capitalizados na política de seleção de produtos e

produtores, a serem utilizados como suporte na reprodução contínua do padrão

de acumulação adotado para o sistema como um todo.

O processo de reprodução do capital, viabilizado pela integração

agricultura/indústria, nem sempre está de acordo com os objetivos de

desenvolvimento dos produtores rurais e de suas famílias. Os agricultores sofrem

o impacto de mudanças radicais, ao terem os seu processo produtivo submetido

ao processo de industrialização. Essas circunstâncias justificam a forma de

pensar a agricultura subordinada ao capital industrial, tanto em nível nacional

como internacional.

114

3.1 Desnacionalização: a participação do capital estrangeiro na

agricultura

As empresas multinacionais desempenham um papel relevante nas

transformações econômicas e sociais que vêm ocorrendo no espaço agrário

brasileiro.

Primeiramente, convém definir o que se entende por “empresa

estrangeira”: toda a empresa ou pessoa jurídica (nacional ou estrangeira), que

atue com capital, em sua maior parte, pertencente a grupos ou indivíduos de

origem estrangeira. (SAMPAIO, 1980)

As empresas estrangeiras ligadas à agricultura figuram no conjunto das

maiores empresas do País, com indicações de um caráter monopolista em vários

setores do mercado.

O capital estrangeiro penetra no setor agrícola especificamente e, nos

demais ramos de atividades ligados à agricultura, abrangendo as indústrias que

fabricam insumos (maquinarias, fertilizantes, defensivos, sementes, ...) utilizados

na produção agrícola, as indústrias de processamento de matérias-primas e, por

fim, as empresas de comercialização dos produtos agropecuários.

A legislação brasileira que coordena a aplicação de capital estrangeiro no

País caracteriza-se pela sua extrema liberalidade. A norma geral estabelece que

as remessas de lucros e dividendos inferiores a 12% do capital em investimentos,

estão isentos de imposto suplementar de renda. Este procedimento somente

pode ser alterado em períodos de crise na balança interna de pagamentos.

115

No que se refere aos aspectos de garantias e privilégios, o tratamento

legal dado ao capital estrangeiro é igual ao concedido às congêneres nacionais.

Os órgãos nacionais de planejamento fornecem amplo sistema de incentivos

políticos e econômicos, destinados a orientar os investimentos nas regiões e

setores considerados prioritários ao desenvolvimento econômico.

Se for observada a evolução história da penetração do capital

transnacional no cenário produtivo do País, identificar-se-á a consonância

existente entre os investimentos estrangeiros e as etapas do desenvolvimento

econômico brasileiro.

Até 1930, as “multinacionais da agricultura” orientam-se, fundamen-

talmente, para o controle dos produtos de exportação. Numa segunda fase, que

se estende de 1930 a 1960, surgem as primeiras grandes processadoras de

alimentos para o mercado interno, em função das mudanças no padrão de

acumulação, uma vez que era insuficiente a substituição de importações como

base para o crescimento da indústria nacional.

A partir de 1960, ocorre uma interiorização crescente da produção de

insumos para a agroindústria e, paralelamente, uma diversificação das indústrias

processadoras de alimentos para o mercado interno e externo. (SORJ, 1980)

Se, para o Brasil, as condições foram propícias à recepção de capital

estrangeiro, a mesma ênfase pode ser dada no que se refere aos países

emissores de capital. Os gigantescos empreendimentos sediados nestes países

tendem a expandir-se para áreas que oferecem condições institucionais e de

mercado favoráveis, para assim se converterem em empresas multinacionais.

116

O extraordinário avanço dessas empresas acarreta modificações

estruturais na economia mundial. Por exemplo: a eliminação de riscos e

incertezas no comércio exterior, através da organização da produção em nível

internacional; as ofertas e demandas mais estáveis nos mercados mundiais; uma

divisão internacional do trabalho, onde as economias dependentes passam a se

integrar em um processo conjunto de industrialização e acumulação de capital.

Países como o Brasil, considerado como de economia periférica,

encontram inúmeras barreiras na inserção no mercado de tecnologias e, em

conseqüência, qualquer estratégia “doméstica” de desenvolvimento sustentável

também sofre limitações do comércio internacional e dos organismos multilaterais

de funcionamento da agricultura.

Diante disso, é importante lembrar que as tecnologias disponíveis

(geralmente importadas dos países desenvolvidos), nem sempre são as mais

adequadas às condições socioeconômicas e ambientais presentes no campo

brasileiro.

Dessa formas, as multinacionais tornam-se os primeiros agentes na

consolidação de um novo perfil produtivo, o qual induz à concentração de renda,

sob o argumento de que esta constitui-se numa etapa necessária e transitória

para o crescimento econômico.

A ênfase dada ao capital transnacional justifica-se pelo poder dessa

forma de investimento em impulsionar e moldar o avanço do capitalismo na

agricultura, através do desencadeamento do processo de modernização, cuja

operacionalização se encontra na consolidação do Complexo Agroindustrial –

117

CAI, gerador, por sua vez, de um desenvolvimento associado e dependente.

(MÜLLER, 1985)

3.2 Articulação da produção familiar ao complexo agroindustrial

Sabe-se que, atualmente, grande parte dos agricultores familiares

encontram-se vinculados ao capital comercial e industrial, uma vez que a

produção agrícola é destinada à demanda dos setores externos à agricultura, os

quais sujeitam essa produção à competição e às leis do mercado capitalista. Em

conseqüência, estabelece-se um processo de autonomia-subordinação

camponesa, materializado em formas específicas de trabalhar a terra com os

meios de produção disponíveis.

Na maioria das vezes, a intensificação das relações de produção

capitalistas estabelecidas entre o setor industrial e agrícola, encontra seu reverso

na gradativa subordinação da pequena unidade produtiva familiar. Em regra, a

sua reorganização interna baseia-se na exploração da força de trabalho. A

redefinição das relações sociais de trabalho procura compatibilizar o potencial de

mão-de-obra familiar disponível e a utilização de tecnologia moderna. Nesse

sentido, a organização do trabalho sofre alterações na sua natureza, intensidade

e ritmo, e a mão-de-obra familiar vê ampliada sua capacidade de produzir,

expressa no aumento da produtividade do trabalho.

O fato de os produtores familiares integrados estarem submetidos à

tecnologia, ao financiamento e à comercialização prevalecentes na economia

118

capitalista não significa que não possam dispor de nenhuma autonomia no

processo produtivo. Mesmo estando incluídos nos parâmetros da produção

moderna e capitalizada, isso não eliminou sua capacidade de disporem de seus

meios de produção, segundo a lógica interna às unidades familiares camponesas.

Os resultado dessas inovações na agricultura atingiram de forma

marcante a produção familiar que, como foi visto anteriormente, se viu compelida

a tomar parte do movimento global de mudanças tecnoeconômicas. Tudo leva a

crer que as unidades produtivas familiares, postas frente à esta situação,

assumiram a empreitada de capitalizarem-se; caso contrário, estariam fadadas a

ocupar uma posição marginal no processo de desenvolvimento.

Esse processo de reorganização da produção familiar pode ser

periodizado em dois momentos principais:

– primeira fase: traduz-se pela ocorrência da transformação da

produção familiar tradicional (auto-suficiente) em mercado nacional para as

indústrias fornecedoras, quando estas colocam, à disposição dos produtores,

insumos e equipamentos gerados com altos níveis de sofisticação. Para garantir

a assimilação deste padrão tecnológico, estabelecido pelo segmento industrial,

são oferecidos aos agricultores incentivos financeiros e assistência do Estado,

como intermediário entre os setores;

– segunda fase: traduz-se pelo interesse das empresas industriais em

transformar as unidades produtivas familiares em fonte de matérias-primas

agropecuárias, pressionando a adoção de técnicas modernas, de forma a garantir

quantidade, qualidade e custos compatíveis com o processamento industrial.

119

Por outro lado, a reorganização das bases produtivas, sob a égide

capitalista, não transformou totalmente as formas tradicionais de atividade

agrícola. Determinadas áreas rurais continuam a desenvolver-se a partir da

reprodução da agricultura de base familiar, cuja dinâmica pode ser encarada no

contexto de subordinação às indústrias processadoras — as agroindústrias.

Ao adotar a perspectiva da integração intersetorial na economia, a noção

analítica do CAI mostra-se apropriada para retomar o fio condutor que move as

transformações operadas no setor agrícola. Permite também repensar as funções

assumidas pela agricultura e os conseqüentes reflexos sobre os grupos sociais

que têm suas bases materiais nesse complexo de inter-relações.

No caso específico dos produtores familiares (camponeses), considera-

se, a priori, que estes se encontram amparados pela sua condição de proprietário

individual dos meios básicos de produção; assim sendo, exercem uma certa

autonomia quando inseridos no complexo de relações intersetoriais.

Desse modo, os camponeses, ou seja, aqueles cujas atividades ainda

dependem em boa medida do uso intensivo dos fatores terra e trabalho, passam

a ingressar num processo em que as condições de sua reprodução, como

produtor familiar, se encontram atreladas ao capital urbano-industrial.

Tais transformações, emergentes na década de 60 e intensificadas na de

70, provocam significativas alterações na organização interna da unidade

produtiva familiar, principalmente através da especialização agrícola e da

mercantilização da produção e da mão-de-obra. Então, os produtores familiares

vêem-se compelidos a adotar um novo patamar técnico-produtivo, contando com

120

a elevada produtividade física do seu trabalho. Obviamente, a propriedade da

terra e o emprego de braços do grupo familiar continuam embasando o

desempenho das atividades produtivas no setor agrícola; porém, é visível que a

conduta dos produtores rurais volta-se para a conquista de mercados e

financiamentos, tornando-os elementos capitalizados e inseridos nas transações

monetárias; em conseqüência, também usuários de maquinaria, insumos

industriais e serviços técnicos.

Quando a nova combinação de elementos passa a mover o ciclo

produtivo, permitindo a obtenção de excedente em escala comercial, o produtor

projeta suas aspirações em termos dos rendimentos que o montante físico da

produção vai alcançar no mercado, de tal modo que lhe permita suprir as

necessidades básicas e, ainda, elevar seu padrão de vida. Assim, a reprodução

do seu empreendimento depende fundamentalmente de que os investimentos

monetários destinados à aquisição de elementos modernos estejam ajustados

aos preços recebidos pelos produtos nos mercados industriais e comerciais.

Percebe-se que a incorporação familiar nos circuitos externos (urbanos e

industriais) provoca mudanças estruturais no interior da unidade produtiva

familiar, tanto pelo lado da produção, como pelo incremento no consumo.

Segundo MÜLLER, passa a predominar uma produção familiar moderna e

tecnificada, na qual os próprios produtores rurais assumem o papel de agentes

econômicos, movimentando capital e investindo-o na produção de sua empresa

familiar. (MÜLLER, 1989)

121

Porém, devido à manutenção de características específicas que a

diferenciam como produção camponesa, essas "empresas" surgem na agricultura

como formas de um "capitalismo sem capitalistas", como diz a literatura corrente.

Neste tipo de empresas de caráter familiar, é o proprietário que organiza

e supervisiona diretamente o uso e a intensidade do uso da mão-de-obra, bem

como dos recursos naturais. E ainda, exerce sua autonomia gerenciando seus

custos de produção (em função deles, determina a intensificação do trabalho

familiar e/ou a ampliação da área explorada) e o nível de investimentos em capital

que a "empresa" é capaz de absorver.

Passada a fase inicial de transição no interior das unidades produtivas

familiares, a tendência é de que se configurem diferentes segmentos sociais em

termos de relações de produção e desenvolvimento tecnológico:

De um lado aqueles que se atrelam ao CAI, gerando uma camada de produtores familiares capitalizados. E, de outro, aqueles que ficam marginalizados, pela sua baixa produtividade, dos grandes circuitos produtivos urbano-industriais. (SORJ, 1980, p.24)

De fato, a realidade social demonstra que o tipo de industrialização do

campo no Brasil não funcionou de maneira igualitária para todos os produtores

rurais, uma vez que não só excluiu grande parte deles do processo de

modernização, como aumentou sua pobreza. Isso porque o fato de não estarem

efetivamente atrelados aos circuitos industriais funciona como fator restritivo na

própria concorrência por mercados para sua produção.

Este caráter seletivo é fruto de critérios estabelecidos pelo CAI em

relação à camada de agricultores passíveis de serem integrados. A saber, os

122

produtores não podem ser produtores comuns, devem possui uma propriedade

cuja área não esteja abaixo da média regional, localizarem-se em locais de

acesso à indústria e terem condições de obter crédito, para mover o processo

produtivo dentro dos padrões requeridos pela indústria. Deve ser um proprietário

que utilize basicamente mão-de-obra familiar, realize atividades voltadas ao

mercado e, ainda, desenvolva outras, diversificadas, como forma de garantir sua

sobrevivência.

Quaisquer que sejam as formas de integração associadas à produção

familiar, não representam, em hipótese alguma, as tendências inexoráveis

propostas pelas categorias analíticas de modo de produção capitalista, ou seja, o

seu total aburguesamento ou completa proletarização e,

... embora se formem unidades produtivas altamente capitalizadas e com uma alta produtividade do trabalho, as especificidades inerentes à produção familiar permitem um alto grau de desenvolvimento das forças produtivas, sem que haja necessariamente acumulação e centralização do capital, aumento da área média dos estabelecimentos e proletarização no seu stricto-senso. (CORADINI & FREDERICO, 1982, p. 63)

Uma análise mais específica das relações estabelecidas entre a

agricultura e o setor urbano-industrial permite identificar várias "nuances" nas

formas de integração que unem estes dois setores. Desse modo, a indústria pode

estabelecer relações formais de integração com os produtores rurais, por

intermédio de contratos de fornecimento de insumos e compra de produtos, até

ligações indefinidas de compra e venda de produtos, sem chegar realmente a

revolucionar os processos de produção agrícola.

123

Para o produtor formalmente integrado, a questão básica passa a ser sua

subordinação ao capital industrial, através de normas contratuais estabelecidas

entre produtores e empresa integradora.

Esta forma particular de subordinação caracteriza-se pelo fato de que o

capital não domina totalmente as relações sociais de produção. O produtor

familiar mantém a autonomia do processo de trabalho, o que lhe confere um

caráter de trabalhador independente, embora não alheio ao capital, mas antes um

elemento do funcionamento deste.

Atualmente, a subordinação dos produtores familiares se dá via

integração aos complexos agroindustriais específicos, como afirma

CALLEGARO:

Este é o sistema de produção de milhares de unidades produtivas camponesas no sul do País, a exemplo da produção de uvas, pêssego, morango, fumo, aves, suínos, do Rio Grande até Santa Catarina, onde o trabalho integral da família está voltado à produção destinada ao abastecimento da agroindústria processadora e distribuidora. (CALLEGARO, 1989, p.70-71)

O processo de integração ou não-integração de segmentos de

produtores implica ter presente a simultaneidade de ação das políticas

econômicas, geradoras de uma industrialização parcial da agricultura, respaldada

no autoritarismo político do Estado. Assim, a convergência de objetivos das

forças econômicas que agem no interior do CAI, torna a estrutura produtiva

agrária na atualidade marcada por uma

124

... concentração creditícia, concentração dos meios modernos de produção e de comercialização e fundiária. (MÜLLER et al., 1990, p.14)

Todavia, entende-se que esta última forma de concentração, a da terra,

não pode ser generalizada, pois assume várias faces em virtude das conexões

estabelecidas com os outros segmentos do CAI, isto é, muitas vezes é a própria

configuração da estrutura fundiária que favorece a integração da agricultura no

complexo moderno.

3.3 Transformação da agricultura tradicional em um complexo moderno

Considera-se que a chamada agricultura tradicional seja aquela em que

os fatores de produção — terra, trabalho e capital — encontram-se

dimensionados pelas condições dos ecossistemas naturais.

Nessa etapa, o processo de trabalho apresenta-se associado

inteiramente ao ecossistema, pois dele dependem, primeiro, a própria reprodução

da força de trabalho, considerando que na economia tradicional os produtos

agrícolas cultivados são destinados à subsistência; segundo, a reprodução dos

instrumentos de trabalho, que, mesmo pouco numeroso, estão na dependência

do ambiente — animais de tração, ferramentas rudimentares, ...

Nesse sentido, na agricultura tradicional, o sistema de produção é

altamente equilibrado do ponto de vista ecológico, existindo uma diversidade

animal e vegetal marcada por relações de complementariedade e de simbioses

naturais.

125

A autonomia dos produtores, no modelo tradicional, depende, ao mesmo

tempo, das condições ambientais e das estratégias de reprodução social

estabelecidas de acordo com o patrimônio cultural de cada grupo social. Merece

destaque o conhecimento que o agricultor possui do solo, clima, plantas e dos

sistemas ecológicos como um todo, que será transmitido de geração a geração.

De outra forma, a transformação do setor agrário em um complexo

moderno, refere-se ao aperfeiçoamento tecnológico, ao aproveitamento intensivo

dos recursos naturais e do capital e, ainda, a uma divisão social do trabalho. Esse

conjunto de fatores implica necessariamente mudanças estruturais em todos os

níveis do sistema agrícola.

Parte-se do princípio de que o desenvolvimento da agricultura está

intimamente relacionado com o "ambiente econômico" em que se processam

as atividades agrícolas, para o qual é de suma importância a formação de uma

infra-estrutura definida por ARAÚJO e SCHUCH como sendo,

O capital físico e instituições, organizações públicas e privadas que proporcionam serviços econômicos que tenham um grande efeito direta ou indiretamente sobre o funcionamento da empresa rural, mas que são estranhos à mesma. (ARAÚJO e SCHUCH, 1975, p. 249)

Uma das conseqüências imediatas dessa nova configuração das

atividades agrícolas foi a sua tecnificação e a substituição gradativa do modelo

tradicional de produzir no campo. Ou seja, inicia-se um processo de vinculação

direta da estrutura produtiva às empresas a montante (fornecedoras dos insumos

industriais, como máquinas, produtos químicos, sementes selecionadas, ...) e a

jusante (transformadoras dos produtos agrícolas) da agricultura.

126

Nas duas últimas décadas, o processo de modernização do setor agrário

está associado à implantação e expansão do complexo agroindustrial, resultado

das estratégias dos segmentos industriais e da adoção de políticas

governamentais que viabilizam a necessária configuração da estrutura produtiva,

promovendo grande heterogeneidade nas organizações rurais. O papel do

Estado nesse processo foi o de financiador, garantindo as remunerações para

que este pudesse avançar.

O Estado representado como agente primário de mudanças na infra-

estrutura econômica, social, institucional e política,teve sua ação corporificada

através de medias contidas no planejamento oficial, aplicadas por meio de

políticas agrícolas.

Política de crédito rural

Desde o final da década de 60 até o início dos anos 80, a política foi

direcionada no sentido de instalar um novo patamar para a produção

agropecuária, capaz de demonstrar a articulação estabelecida entre as atividades

agrárias e o capitalismo industrial.

Em 1966, foi criado o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), que

passou a contar com recursos crescentes por parte do governo.

A segunda fase do SNCR inicia-se por volta de 1976 e acaba

consolidando-se na década de 80, quando os recursos públicos para o crédito

agrícola diminuem, face ao recrudescimento do processo inflacionário.

127

O crédito rural teve sua origem nos fundos mútuos das cooperativas.

Posteriormente, essa atividade foi absorvida pelo Banco do Brasil. Com a reforma

bancária da década de 60, os serviços do crédito rural foram ampliados e

descentralizados, passando estes a ser administrados pelo Banco Central, e

tendo, como agentes de distribuição, os bancos comerciais privados e oficiais.

Os recursos do crédito rural podem ser divididos entre as parcelas

destinadas ao custeio e comercialização da safra, bem como para investimentos

fixos. A base desses recursos está calcada, principalmente, nas aplicações

compulsórias dos bancos privados, provenientes de percentuais sobre depósitos

à vista. (Ver TABELA 2)

Os empréstimos feitos em 1988, com dinheiro da “poupança verde”,

tinham correção atrelada à da poupança em geral, mas com o aumento das taxas

de juros durante o “choque-verão”, o governo foi obrigado a modificar este item e

cobrar dos agricultores apenas a variação do IPC (Índice de Preços ao

Consumidor). Estas medidas criaram um déficit nas contas do governo e do

Banco do Brasil. (FOLHA DE SÃO PAULO, 22/05/1989)

128

TABELA 2 RECURSOS DESTINADOS AO CRÉDITO AGRÍCOLA,

BRASIL, 1979 – 1993 (MILHÕES DE DÓLARES)

Ano Custeio Investim. Comercial. Total

1979 13.806 4.064 5.163 23.033

1980 15.477 3.533 5.614 24.625

1981 14.013 2.743 5.700 22.456

1982 14.971 2.090 4.770 21.727

1983 10.811 2.393 3.370 16.575

1984 7.761 997 1.658 10.416

1985 11.300 1.483 2.665 15.448

1986 13.564 4.427 3.190 21.181

1987 13.713 2.414 2.712 18.838

1988 11.220 2.388 2.688 16.294

1989 12.235 1.388 1.464 15.089

1990 5.738 516 1.148 7.402

1991 4.560 286 1.169 6.036

1992 4.430 290 2.118 6.826

1993* (1.932) (86) (969) (2.987)

(*) primeiro semestre.

FONTE: Banco Central do Brasil. In: FAO/INCRA, 1994, p. 95.

Freqüentemente, as normas do crédito rural são estabelecidas, em nível

governamental, incluindo o critério de aplicação das taxas de juros. Com isso, os

agentes financeiros ficam impossibilitados de garantir parcelas eqüitativas de

empréstimos entre os agricultores. Mas, as agências bancárias estabelecem

limites ao volume de financiamento para os diferentes segmentos de produtores.

Este limite é fixado de acordo com certos fatores: a capacidade administrativa e

129

financeira do cliente, o seu nível de endividamento e, por último, o patrimônio dos

produtores. O maior volume de crédito rural acaba privilegiando os médios e

grandes proprietários, ficando os pequenos produtores em posição secundária na

aquisição desse benefício.

Muitas vezes, a falta de informações e esclarecimentos sobre a utilização

do crédito agrícola, mantém à margem do sistema oficial de crédito, uma camada

considerável de pequenos produtores. Em conseqüência, parte desses

agricultores procuram fontes não-institucionais de financiamento para suas

atividades.

Mesmo assim, o crédito agrícola transformou-se no maior impulsionador

do processo de modernização, chegando a subsidiar mais da metade do valor

gasto em maquinaria agrícola. Isto significa o estabelecimento de um novo

patamar tecnológico na agropecuária brasileira, no qual os produtores familiares

também se encontram inseridos. Ao lançar mão dos benefícios do crédito rural,

os produtores tornam-se capazes de absorver os insumos modernos, chave para

o incremento da produção e, portanto, da viabilização da exploração familiar

como elemento do Complexo Agroindustrial.

Por outro lado, os fornecedores de insumos para o setor agropecuário

dependem diretamente das condições creditícias estabelecidas para os negócios

agrários, o que os induz a operar como grupos de pressão para a formulação de

políticas voltadas para a industrialização da agricultura.

130

Industrialização da agricultura

No Brasil, o processo de integração indústria/agricultura não se deu à

margem das relações entre as grandes empresas transnacionais, os grupos

econômicos nacionais e o Estado. Nesse conjunto de inter-relações, os

interesses convergem para a difusão de um novo paradigma: o paradigma

tecnológico — que acarreta a busca incessante de inovações (mecanização

pesada e concentrada, insumos químicos, ...) que façam evoluir os sistemas

produtivos.

SANTOS assim explica esse paradigma:

... temos (em parte) o controle da tecnologia como expressão refinada do próprio controle de acumulação e é por isso que ciência e técnica se geografizam nos mesmos locais de acumulação e transferência de tecnologia, é venda de mercadoria, é venda de bens de produção. (SANTOS, 1985, P.17)

É nesse momento que surge o chamado padrão agrário moderno, que

nada mais é do que a expressão da aplicação das conquistas da ciência moderna

na agricultura e nas formas de organização da produção rural. Com a

consolidação desse modelo, a agricultura passa a constituir-se no elo de uma

cadeia, negando as antigas condições de complexo rural tradicional, fechado em

si mesmo e, em grande parte, as condições de complexo agroexportador, vigente

até a década de 60. Desse processo de transição surgem os Complexos

Agroindustriais – CAI’S, conectando a agricultura ao capital industrial e financeiro,

cuja dinâmica se encontra “sintonizada” ao sistema global de acumulação

capitalista.

131

Um dos principais impactos do desempenho do Complexo Industrial

sobre a organização do setor agrícola refere-se à aquisição de bens de capital

(tratores, colheitadeiras, implementos agrícolas), fertilizantes, defensivos,

matrizes e sementes. Este conjunto de insumos de origem extra-agrícola garante

o fornecimento de matérias-primas em quantidades compatíveis com o

processamento industrial. (Ver TABELA 3)

TABELA 3 INDICADORES DO GRAU DE MODERNIZAÇÃO DOS

ESTABELECIMENTOS POR ESTRATOS DE ÁREA

SELECIONADOS, BRASIL – 1985

Estabelecimentos que: Particip. no estrato

20-100%

Particip. no estrato

500-10.000%

Tinham alguma assistência técnica 16 35

Tinham energia elétrica 24 34

Usavam tração mecânica 31 56

Tinham trator 13 48

Tinham veículos de tração mecânica 17 53

Usavam defensivos animais 58 81

Usavam defensivos vegetais 40 42

Usavam fertilizantes químicos 36 37

Usavam fertilizantes orgânicos 41 41

Usavam calcário e outros corretivos 10 15

Usavam práticas de conservação do solo 19 25

Usavam algum tipo de irrigação 5 8

Obtiveram crédito de custeio 17 15

Obtiveram crédito de investimento 2 3

FONTE: Censo Agropecuário de 1985. In: FAO/INCRA, 1994, p.91.

132

Os investimentos dispendidos com estes recursos técnicos, na sua maior

parte, são subsidiados pelos créditos governamentais. O retorno desse capital é

dado pelo aumento da produtividade da terra e do trabalho, e pela redução nos

custos de produção. Essa situação vem ao encontro dos interesses da indústria,

centrados na garantia de uma oferta estável e crescente de matérias-primas com

qualidade homogênea, ao menor custo possível. Quanto mais baixos forem os

preços pagos aos produtores, maiores serão os lucros e sua competitividade no

mercado.

Desse modo, as constantes exigências das indústrias sobre os

produtores em termos de qualidade e volume dos produtos, acaba por induzir

uma permanente difusão do progresso técnico.

Pacotes tecnológicos: "produção vide bula"

A agricultura, ao operar no âmbito das determinações do capital urbano-

industrial, encontra oligopólios estruturados que determinam as regras do

processo produtivo e da comercialização dos produtos agrícolas.

O produtor, anteriormente autônomo na função de dirigente do processo

produtivo, ao assumir a condição de integrado aos circuitos urbano-industriais,

passa a estar determinado pelas "prescrições externas", oriundas das empresas

industriais.

O cerco imposto à agricultura pelos setores industriais, comerciais e

financeiros a ela conexos, imprime-lhe a fórmula: "o que quando e como

133

produzir", a ser aplicada rigorosamente, sob pena de se obterem resultados

insatisfatórios, caso não seja seguido tal modelo.

O produtor rural, com praticamente nenhuma educação formal, guiado

pela intuição desenvolvida a partir da experiência acumulada, tem poucas

condições de apreender os níveis mais abstratos da informação relativa à

tecnologia por ele utilizada.

Por isso, na maioria das vezes, os agricultores representam meros

usuários dos pacotes tecnológicos, repassados pelas empresas industriais e

órgãos estatais de pesquisa e assistência rural.

Segundo MARTINE e GARCIA (1987), a tomada de decisão, quanto à

adoção de modernas tecnologias, por parte dos produtores, deverá estar

condicionada a várias circunstâncias de natureza física, econômica, cultural,

social e política do ambiente externo e interno à propriedade, como pode ser

observado no esquema a seguir:

Somente o conhecimento desse elenco de fatores e das ações

integradas entre eles é capaz de oferecer uma visão global dos chamados

sistemas de produção presentes no espaço agrário.

No entanto, poucos ousam admitir que as tecnologias transferidas, via

pacotes tecnológicos, podem ser inapropriadas às circunstâncias dos agricultores

e às características estruturais das propriedades, isto é, do conjunto de fatores e

meios que influem na sua decisão sobre a adoção do modelo modernizante.

134

FIGURA 2 FATORES SOCIOECONÔMICOS E AGROECOLÓGICOS

FATORES SOCIOECONÔMICOS

INTERNOS EXTERNOS

FATORES AGROECOLÓGICOS

Fatores que determinam maiores incertezas na tomada de decisão Fonte baseada em Byerlee et al. (1980) In: MARTINI, G. E. & GARCIA, R. C., 1987, p.225

Metas do produtor alimento, renda, risco Restrição de recursos terra, trabalho, capital

Mercado Preços Insumos

Instituições pesquisa extensão crédito

Política Agrícola

Tecnologia para um

dado produto

Climáticos chuvas geadas

Biológicas pragas

doenças

Edáticos topografia fertilidade

SISTEMA DE PRODUÇÃO lavouras, criações, processos de

cultivo, rotações, mecanização, etc

135

O conhecimento da realidade local deve ser o ponto de partida na

adoção de qualquer tecnologia. Os tipos de solos da propriedade orientam o uso

diferenciado de maquinarias, fertilizantes e demais insumos químicos, enquanto

que o tamanho da propriedade define os recursos técnicos.

Esses pré-requisitos, quando não devidamente observados pelo

produtor, podem comprometer o desenvolvimento da agricultura no seu sentido

mais amplo.

O crescimento do volume da produção agrícola, resultante do uso de

técnicas, não pode ser confundido com desenvolvimento neste setor. O que

ocorre, na maioria dos casos, é a substituição dos fatores tradicionais por outros

que necessitam dispender grandes somas de capital, sem, com isso, alterar o

nível de vida dos produtores rurais. Da mesma forma, tem-se observado que os

avanços tecnológicos testados e aprovados nos experimentos do campo não têm

sido adequadamente transferidos para os agricultores, uma vez que os níveis de

produtividade não estão compatíveis com a tecnologia por eles empregada.

Apesar de ter se operado uma verdadeira "revolução tecnológica" no campo, o

aumento do volume de produção agrícola, normalmente, resulta da ampliação da

área cultivada, associada às condições climáticas favoráveis.

No caso brasileiro, até recentemente, os parâmetros oficiais de avaliação

do desempenho da agricultura se resumiam-se à produtividade e ao volume físico

e financeiro da produção global e das exportações. (Ver TABELA 4)

136

TABELA 4 RENDIMENTOS FÍSICOS NOS ESTABELECIMENTOS DE

ESTRATOS POR ÁREA SELECIONADOS, BRASIL – 1985

Estrato 20-100 Estrato 500-10000 Unidades

Algodão 1,1 1,0 ton/ha

Trigo 1,6 1,4 ton/ha

Cacau 0,6 0,5 ton/ha

Banana 918 890 cachos/ha

Leite 997 841 l/vaca ordenhada

Arroz 1,6 2,0 ton/ha

Batata Inglesa 9,4 13,1 ton/ha

Cana-de-Açúcar 53 65 ton/ha

Milho 1,5 1,8 ton/ha

Tomate 19 21 ton/ha

Café 1,3 1,8 ton/ha

Laranja 91 102 mil frut/ha

FONTE: Censo Agropecuário de 1985. In: FAO/INCRA, 1994, p.93.

Muitas vezes, a adoção da agricultura capitalista, baseada no incremento

do uso de insumos industriais (químicos e mecânicos), tem reduzido a eficiência

energética do setor agrícola e elevado os custos de produção.

Inovações tecnológicas: uso de insumos químicos

Sabe-se que a ciência contribui largamente no desenvolvimento de

técnicas agrícolas a serem aplicadas no ecossistema rural, a fim de incrementar a

sua produtividade. O progresso técnico é de caráter milenar e, ao longo do

tempo, vem ocorrendo seu aperfeiçoamento científico, uma vez que os fatores

naturais permanecem praticamente os mesmos.

137

A partir das décadas de 60 e 70, o Brasil passa a engajar-se

definitivamente na chamada "Revolução Verde", a qual se baseava no aumento

da produtividade agrícola, a partir de variedades de altos rendimentos e do uso

intensivo de insumos químicos, mecanização e irrigação. Os objetivos dessa

revolução na agricultura estavam em consonância com o cenário mundial desse

período, de crise no mercado de grãos alimentícios e de rápido crescimento

demográfico.

Todavia, apesar dos resultados obtidos com termos de produção de

alimentos e matérias-primas, há, na atualidade, um reconhecimento de que a

Revolução Verde trouxe também sérios problemas de eqüidade social e

sustentabilidade da produção agrícola a longo prazo.

A despeito disso, no bojo desse processo de transformação da

agricultura, a "Revolução Verde" surge como representante maior dos padrões

modernos de se cultivar a terra. Foram propostas inovações institucionais e

técnicas, voltadas para os países subdesenvolvidos. Esses programas técnicos,

financiados por instituições internacionais, visavam a transformar a produção

agrícola das áreas tropicais, através do emprego massivo de inovações químicas

e biológicas, principalmente.

A expansão da indústria química mundial é relativamente recente e a

produção de biocidas está ligada às experiências e uso de venenos como armas

de guerra, durante a Segunda Guerra Mundial. É apenas no final da década de

40, e especialmente na década de 50, que começa a generalizar-se a utilização

de produtos químicos sintéticos na agricultura, seja na fertilização do solo ou no

138

combate às pragas. Os praguicidas passam a ser introduzidos no Terceiro Mundo

quase ao mesmo tempo em que nas áreas produtoras (EUA, Europa, Japão), a

partir de intensas campanhas de divulgação.

A valorização das lavouras temperadas, de técnicas européias,

japonesas e americanas de manejo do solo e controle de pragas (animais e

vegetais), fizeram parte do modelo agroexportador, de caráter industrial,

implantado no Brasil. O apoio a essa transformação foi fornecido por assessorias

técnicas encaminhadas pelos governos dos países industrializados, a fim de

prestarem orientação nos países subdesenvolvidos. Surgem, assim, os cursos de

atualização para técnicos nacionais, cursos de extensão rural, atividades

experimentais, propostas de modernização dos currículos universitários,

organização de sistemas de crédito financeiro e, ainda, passam a serem

veiculados diversos instrumentos de promoção da agricultura moderna, através

dos meios de comunicação.

Nesse quadro, insere-se a reforma do sistema educacional brasileiro,

onde os cursos universitários ligados às Ciências Rurais vão enfatizar um tipo de

modelo alienígena à realidade da agricultura brasileira. O próprio ensino da

geografia reforçou a cópia do modelo, ao utilizar textos que descrevem os

modelos agrícolas dos países subdesenvolvidos, não tendo preocupação com

análises mais detalhadas e profundas das causas que conduziram a tais

diferenciações, nem com discussão dos efeitos sobre o ambiente e a população.

A pesquisa orientada segundo os paradigmas químicos e mecânicos, não

ponderou em profundidade as variáveis ecológicas, ciclos biogeoquímicos, os

139

equilíbrios biológicos, em um setor onde o componente biológico deve constituir-

se no paradigma primordial.

A utilização de fertilizantes químicos altamente solúveis, de forma

desbalanceada, resulta em elevadas perdas por volatização, lixiviação e

imobilização dos nutrientes no solo, e, associada à monocultura extensiva, acirra

os problemas sanitários vegetais. O uso indiscriminado de agrotóxicos em

ecossistemas naturalmente diversificados e de equilíbrio instável, acentua os

desequilíbrios biológicos e induz o surgimento de resistência de insetos,

patógenos e invasoras aos produtos químicos, a ressurgência e o aparecimento

de pragas secundárias, a contaminação ambiental dos alimentos e a intoxicação

dos trabalhadores rurais.

O ônus social desse fato aparece revelado já há alguns anos em

pesquisas feitas pela Organização Mundial de Saúde - OMS (1983), as quais

constataram dados equivalentes a um morto a cada hora e meia, por intoxicação.

Essa situação demonstra o despreparo da população na aplicação desses

insumos, a falta de orientação de pessoal especializado e a não-fiscalização no

uso de produtos químicos.

A poluição por praguicida é o exemplo mais notório de degradação do

meio, causada por práticas agrícolas concebidas para combater os efeitos do

desequilíbrio motivado pela excessiva simplificação do ecossistema agrícola.

Sabe-se também que, além da contaminação dos solos, das águas e dos

produtos alimentares, a utilização sistemática de praguicidas provoca reações de

defesa nos organismos que se quer controlar, reação que os torna cada vez mais

140

resistentes aos tratamentos. É preciso, então, aumentar as dosagens e/ou

introduzir novos produtos, numa corrida sem fim contra as reações da natureza.

3.4 A agroquímica e a produção familiar

No Brasil, a agroquímica surgiu na segunda metade da década de 50 e

início da de 60, como parte do processo de modernização da agricultura.

Embora os mecanismos governamentais visassem a atender as grandes

propriedades sob diferentes formas e em graus variados, as médias e pequenas

também aderiram ao progresso técnico. Não obstante os benefícios advindos

com a modernização da agricultura, surgiram muitos efeitos negativos para a

população rural e urbana.

A crescente utilização de adubos químicos e o uso sistemático de

agrotóxicos contribuiu para melhorar a produtividade, mas trouxe efeitos

indesejáveis ou nocivos ao agricultor e ao meio ambiente. Estudos realizados

sobre a agricultura revelam que o uso mundial de agrotóxicos aumentou com a

Revolução Verde, devido às exigências de tratamentos antiparasitários e à

propagação de variedades que se mostraram menos resistentes do que as

culturas primitivas, autóctones a cada ecossistema.

No tocante à definição de agrotóxicos, cabe ressaltar que este é um tema

de controvérsias nos debates sobre a agricultura moderna. Freqüentemente,

utiliza-se uma terminologia similar para designar esse tipo de insumo químico,

como, por exemplo, praguicidas, defensivos agrícolas, entre outros.

141

O Rio Grande do Sul, através da Lei 7.747, de 22/12/1982, define

agrotóxico da seguinte forma:

Agrotóxicos e outros biocidas são substâncias e/ou processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso do setor de produção, armazenamento e beneficiamento de alimentos, e à proteção de florestas nativas ou implantadas, bem como a outros ecossistemas e ambientes domésticos, urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja de alterar a constituição faunística e florística dos mesmos, a fim de preservá-los da ação danosa dos seres vivos considerados nocivos. (ALMEIDA e SOARES, 1992, p. 86)

No que se refere aos defensivos agrícolas, de acordo com Bull &

Hathaway (apud ALMEIDA & SOARES, 1992), esta é uma designação adotada

no começo dos anos 70 pelas entidades governamentais e pela indústria química

para referir-se aos agrotóxicos. O uso deste eufemismo omite, na acepção, as

características tóxicas dos produtos e a sua capacidade de agressão ao meio

ambiente e às pessoas envolvidas direta ou indiretamente na produção agrícola.

A complexidade que envolve os agrotóxicos — classificação toxicológica,

legislação, interesses comerciais e o nível cognitivo dos produtores — tem como

conseqüência a crescente percentagem de intoxicações, mortes e deformações

físicas na população.

Estima-se que cerca de 2% da população brasileira é contaminada

anualmente por agrotóxicos. E as deformações congênitas são relatadas por Bull

& Hathaway apud ALMEIDA e SOARES na seguinte passagem:

No sul do País, cresce o número de bebês que nascem sem cérebro (anencefalia) em áreas de intensa utilização de agrotóxicos ... (ALMEIDA e SOARES, 1992, p. 99)

142

E, mais adiante, afirma que:

Das 20 mulheres que trabalharam na safra de 1985, de fumo, no município de Pien, a 80km de Curitiba, 12 abortaram em conseqüência do uso indevido e excessivo de agrotóxicos. (ALMEIDA e SOARES, 1992, p.99)

Embora, na maioria dos casos, as pessoas estejam conscientes de que

os agrotóxicos são nocivos à saúde, provocando às vezes problemas graves para

os agricultores, essa relação é remota quando ocorre uma doença na família.

As intoxicações agudas, efeitos mais imediatos das aplicações dos

insumos químicos, são efetivamente atendidas em hospitais. Entretanto, o

número de ocorrências é pouco representativo diante do contingente de pessoas

envolvidas com o uso e manuseio de agrotóxicos. Isso leva a atribuir a

intoxicação à eventualidade, e principalmente nos casos crônicos, em que os

sintomas só aparecem a médio e longo prazo, a relação entre a exposição aos

agrotóxicos e as enfermidades parece ser ainda mais remota para os produtores

rurais.

Uma atividade relacionada diretamente à produção familiar e, sem

dúvida, consumidora de agrotóxicos em larga escala, é o cultivo do fumo.

Sabe-se que a fumicultura exige uma série de técnicas agronômicas,

uma vez que se destina, exclusivamente, ao processamento industrial, onde todo

receituário repassado pelas indústrias tem como objetivo garantir uma melhor

qualidade do fumo, compatível com os padrões exigidos pelo mercado

internacional.

143

De acordo com os receituários agronômicos das companhias fumageiras

e as notas fiscais dos produtores, é possível identificar aproximadamente 50 tipos

de agrotóxicos entre inseticidas, fungicidas e herbicidas, cujo grau de toxicidade

varia de pouco tóxico até altamente tóxico.

A utilização acentuada dos produtos químicos, associada à ausência de

preocupação do agricultor, vem provocando contaminação do ar, água e solo,

além de desequilibrar os vários ecossistemas.

Essa deterioração do ambiente natural tem sido acompanhada de um

correspondente aumento das patologias humanas (doenças crônicas e

degenerativas, distúrbios psicológicos, entre outras).

Segundo estudos feitos por bioquímicos do Rio Grande do Sul, as

intoxicações agudas ou crônicas com agrotóxicos podem causar dores de

cabeça, ansiedade, confusão mental, irritabilidade e depressão.14

Alguns cientistas gaúchos chegaram, inclusive, a considerar a ocorrência

de elevados índices de suicídio entre os produtores de fumo, como conseqüência

extrema dos estados de depressão registrados nas áreas de fumicultura.15

14

O bioquímico Carlos Alexandre Neto, do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, explica que os organo fosforados (agrotóxicos utilizados no cultivo do fumo) são inibidores de uma enzima chamada acetilcolinesterase, cuja função é degradar o neurotransmissor acetilcolina. Entre outras atribuições, esses neurotransmissor desempenha importante papel no controle dos estados afetivos. Segundo o pesquisador, na intoxicação crônica e, em pessoas geneticamente suscetíveis, existe a possibilidade de que se tornem portadoras de estados de depressão profunda. (REV. GLOBO CIÊNCIA, 1996) 15

Na bibliografia científica dedicada ao assunto, destaca-se um estudo realizado em 1976, pelo toxicologista argentino Emilio Astolfi, da Organização Mundial de Saúde, que atribuía ao emprego de agrotóxicos os altos índices de suicídios registrados no Chaco, a região fumageira do seu País. (REV. GLOBO CIÊNCIA, 1996)

144

O exemplo mais notório dessa tese polêmica é o município de Venâncio

Aires, no Vale do Rio Pardo, principal região produtora de fumo no Rio Grande do

Sul. Este município é recordista mundial de suicídios, pois em 1995 ocorreram

37,2 casos para cada 100 mil habitantes, contra os 8,1 do Estado do Rio Grande

do Sul e os 3,2 do Brasil.16

Os resultados das pesquisas sobre o assunto foram organizados em um

Relatório, entregue à Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa

do Rio Grande do Sul, para ser encaminhado ao Ministério da Saúde.

Uma das principais dificuldades na realização de novos estudos que

mostrem objetivamente, através de pesquisa de campo, a relação entre o uso de

agrotóxicos e os casos de suicídio, tem sido a resistência dos representantes

políticos da região e dos próprios produtores de fumo, que temem o confronto

com as grandes empresas fumageiras.

Para os representantes da Associação Brasileira da Indústria do Fumo –

ABIFUMO e da Associação Nacional de Defensivos – ANDEF, essas denúncias

são apenas “mais uma campanha antitabagista liderada por ecologistas radicais”.

(CORREIO DO POVO, 1997)

Enquanto se espera por respostas conclusivas sobre o assunto e pela

adoção de medidas para impedir que os efeitos perversos dos agrotóxicos tomem

dimensões de verdadeiras “epidemias”, constata-se que os organofosforados

16

Os maiores índices de suicídios, em nível mundial, foram registrados na Hungria (em 1993), de 35,9 casos para cada 100 mil/hab.

145

continuam sendo utilizados em quantidades elevadas na lavoura de fumo do Rio

Grande do Sul.

Num cálculo aproximado, estima-se que são utilizados cerca de 30 kg por

hectare em cada safra. Quando há ocorrência de estiagem, como nas safras de

1995 e 1999, a quantidade de organofosforados chega a alcançar o patamar de

100 kg por hectare.

Ao lado disso, o mais alarmante quando se trata do consumo de

agrotóxicos, é a falta de uma legislação e controle adequados aos princípios de

proteção aos produtores e ao meio ambiente. Conforme alerta Sebastião

Pinheiro, agrônomo e ecologista do IBAMA / RS, o Governo Federal, através de

uma portaria do Ministério da Saúde (dez./1991), reclassificou os agrotóxicos

utilizados na fumicultura, passando quase todos da “faixa vermelha”

(extremamente tóxicos) para a “faixa azul” (medianamente tóxicos). Para agravar

ainda mais esse quadro, a mesma Portaria liberou as concentrações dos

ingredientes ativos, presentes nos produtos químicos, tornando-os ainda mais

potentes em graus de toxicidade.

Para o Presidente do Sindicato das Indústrias do Fumo – SINDIFUMO, o

que está faltando é um correto manuseio dos agrotóxicos nas lavouras. Para isso,

a indústria se propõe a implementar programas de conscientização, capacitação

e treinamento dos produtores. Segundo o SINDIFUMO, os técnicos das

empresas de fumo têm insistido com os produtores para que utilizem

corretamente os equipamentos, de forma a criarem hábitos. Os técnicos

ressaltam, no entanto, que há resistência por parte do fumicultor, em tomar os

146

cuidados necessários e, principalmente, em usar o Equipamento de Proteção

Individual (EPI). (CORREIO DO POVO, 13/10/97)

Sabe-se, porém, que a complexidade das instruções na aplicação dos

agrotóxicos, associada ao baixo nível educacional da população rural, contribui

para que as normas sobre a correta utilização dos produtos químicos não sejam

observadas pelos agricultores.

Por outro lado, o emprego de novas tecnologias e de produtos mais

eficazes estão oferecendo perspectivas de redução do uso de agrotóxicos na

lavoura de fumo.

Hainsi Gralow, Presidente da Associação dos Fumicultores Brasileiros –

AFUBRA, mostra-se otimista quando faz a seguinte afirmação:

A fumicultura brasileira tem assegurado aos compradores um produto limpo, isento de defensivos agrícolas. Uma vez que, potencialmente, vendemos para todos os países, temos que nos sujeitar à legislação em vigor junto aos diferentes mercados. Por isso, defensivos largamente utilizados nas lavouras de fumo de outros países, são proibidos no Brasil. Este controle é possível porque todo o abastecimento é feito pelas próprias empresas, ao contrário dos países concorrentes, onde cada produtor opta pelo defensivo que entender melhor. (ETGES, 1991, p.136)

As informações divulgadas pelo Sindicato da Indústria do Fumo – SINDI-

FUMO, apontam na mesma direção, ou seja, asseguram que o uso de

agrotóxicos nas lavouras de fumo vem caindo.

Em pesquisa realizada no município de Santa Cruz do Sul-RS, foi

observado que, num período de 10 anos, eram utilizados cerca de 100kg do

147

produto comercial por hectare, o que significa 26kg de princípio ativo (agrotóxico

puro). O número hoje caiu para cerca de 6kg de ativo por hectare e a previsão é

de que, nos próximos 3 anos, a quantidade de ingrediente ativo se reduza para

1,7kg por hectare. (CORREIO DO POVO, 06/04/1997)

O presidente do SINDIFUMO, Hélio Fensterseifer, garantiu que o setor

investirá anualmente US$ 5 milhões em pesquisas para o desenvolvimento de

variedades de tabaco resistentes a pragas e doenças, agentes de controle

biológico e técnicas de controle alternativo. Segundo ele, isso poderá mudar

significativamente o perfil da fumicultura do País nos próximos anos.

Além de estratégias imediatas, como o treinamento dos técnicos das

fumageiras que atuam junto aos produtores, e a capacitação dos próprios

fumicultores para o manuseio de insumos químicos, já existe um projeto que

prevê lavouras de fumo sem agrotóxicos. O município de Santa Cruz do Sul-RS

será pioneiro na instalação de áreas para cultivo demonstrativo. O projeto prevê

testes de 5 mil pés de fumo por famílias iniciantes na cultura, e de até 50 mil pés

para os produtores experientes.

O “float” é outra das novas tecnologias que permite menor uso de

agrotóxicos na fumicultura. O sistema consiste na produção de mudas sob

cobertura plástica, com substrato em bandejas flutuantes em uma lâmina de

água. A principal vantagem dessa técnica é a redução no uso de brometo de

metila.17

17

Esse produto é um gás volátil aplicado na esterilização dos canteiros de fumo. Além de altamente tóxico aos seres humanos, é prejudicial à camada de ozônio, tanto que terá seu uso proibido a partir de 2005. (REV. CIÊNCIA E AMBIENTE, 1994)

148

Outra novidade na questão dos agrotóxicos é apresentada por um

engenheiro agrônomo da AFUBRA, o qual informa que, mesmo nas lavouras as

quais usam produtos químicos, estes não são mais aplicados na área total, mas

colocados “planta a planta”, diminuindo a agressão ao meio ambiente e os

possíveis riscos de contaminação do aplicador. (JORNAL ZERO HORA, dez.

1999)

Sem dúvida, estão ocorrendo avanços na questão da redução dos

agrotóxicos, mas sabe-se que a maior parte da produção de fumo, entre os

produtores familiares do Rio Grande do Sul, registra elevado consumo destes

produtos nas lavouras.

A polêmica entre o uso de agrotóxicos e o seu abandono gera uma visão

deturpada do problema, de acordo com BULL e HATAWAY,

... implica que, no caso do uso dos pesticidas, a saúde e a segurança encontram-se essencialmente em oposição à produção agrícola e que o objetivo da política seria equilibrar de alguma maneira esses interesses opostos. (...) na verdade, a saúde, a segurança e a produtividade estão do mesmo lado, cada qual tendendo a reforçar as outras. (BULL e HATAWAY, apud ALMEIDA e SOARES, 1992, p. 103)

Sem dúvida, estudos e reflexões sobre o uso de agrotóxicos devem

continuar, a fim de orientar as políticas voltadas ao setor rural. Mas, sobretudo,

ações concretas devem ser urgentemente implementadas para conscientizar a

população rural sobre os perigos provenientes do uso desses produtos.

A atitude em relação à ação cumulativa dos agrotóxicos é reflexo da

racionalidade pragmática e imediatista da maior parte dos agricultores, quando se

trata de lidar com a tecnologia.

149

Segundo ALMEIDA e SOARES (1992), os produtores mais idosos, que

vêm trabalhando há mais tempo com os agrotóxicos sem utilizar as proteções

indicadas, duvidam de que estes produtos sejam de fato tóxicos para o homem.

Os mais jovens, com base na experiência dos mais idosos, não dão crédito à

possibilidade de serem intoxicados ao manusearem, sem proteção, os

agrotóxicos. Isso demonstra que o produtor assimila não só os efeitos positivos

decorrentes do uso da tecnologia (produção, produtividade, venda), mas também

aceita seus efeitos perversos, tais como as ameaças à saúde e ao meio

ambiente.

Em vista disso, políticas que visem à educação e à conscientização do

produtor rural para as práticas com os insumos químicos são imprescindíveis

para se minimizar ou, até mesmo, evitar conseqüências nefastas para o homem e

desastrosas para o meio ambiente.

Estes foram alguns casos em que se podem constatar as conseqüências

advindas da agroquímica. As perspectivas colocadas diante dessa realidade,

passam pela formulação de propostas de novas bases tecnológicas para a

agricultura, fundamentadas em métodos naturais de produção, adequadas a cada

realidade edafoclimática.

Cabe ressaltar que, nas análises mais profundas sobre a agricultura, as

preocupações ambientais não se resumem à contaminação química do meio

ambiente, como resultado da atividade agrícola, mas também à garantia de

manutenção da capacidade produtiva (sustentabilidade) da sua base de recursos

naturais.

150

Os debates atuais têm formulado e ampliado a idéia já consagrada de

desenvolvimento econômico, através da incorporação da noção de

sustentabilidade, dando ênfase às questões sociais e à preservação ambiental.

Sem dúvida, o meio ambiente ainda estabelece uma relação estreita com

a produção agrícola, apesar dos grandes avanços tecnológicos. Dessa forma, os

objetivos de sustentabilidade do meio ambiente rural estão associados ao

objetivo de sustentabilidade da produção agrícola. O desafio decorrente dessa

relação reside em conciliar produção agrícola, tecnologia e proteção ambiental.

IV DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: DISCUSSÃO

DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS

A consciência da grande carência de modelos é a condição preliminar de todo o progresso político e social na idéia de desenvolvimento. (MORIN, E. apud ALMEIDA, J. e NAVAR-RO, Z., 1997, p. 7)

Diante da crise ambiental provocada pelo modelo agrícola implantado

no mundo a partir das décadas de 50 e 60, muitos cientistas, governos,

organizações não-governamentais e parte da população consciente encon-

tram-se preocupados em encontrar alternativas de desenvolvimento que

propiciem ao meio ambiente a sua preservação e recuperação gradual e

sistemática, tendo em vista a sustentabilidade da vida humana na Terra.

Na atualidade, impõe-se a busca de sustentabilidade da produção a

longo prazo, sem ameaçar as condições socioeconômicas da população, o que

significa compreender, entre outros aspectos, a dinâmica dos ciclos da matéria

e energia, pilares da produtividade ecológica.

152

Nas palavras de GLICO:

Conforme a una definición estrictamente ecológica, la sustentabilidad es la capacidad de un sistema (o un ecossistema) de mantener constante su estado em el tiempo. Esto se logra ya sea manteniendo invariables los parámetros de volumen, tasas de cambio y circulación, ya sea flutúandolos cíclicamente em torno a valores promedios. (GLICO, 1994, p. 40)

De acordo com a Sociedade Internacional de Economia Ecológica, a

sustentabilidade é uma relação entre sistemas dinâmicos, econômicos e

ecológicos, orientada pelos requisitos de que a vida humana possa evoluir; de

que as culturas possam se desenvolver; e de que os efeitos das atividades

humanas permaneçam dentro dos limites que impeçam a destruição da

diversidade e da complexidade do contexto ambiental.

A partir do início da década de 80, aparece pela primeira vez em um

documento de grande alcance, o “World Conservation Strategy”, a idéia de

sustentabilidade, ou de suas variantes, como o crescimento sustentável e o

desenvolvimento sustentável, percebidas em diferentes contextos econômico-

sociais e ambientais.

Nesse sentido, a Comissão Mundial para o Meio Ambiente e

Desenvolvimento (CMMAD) tem contribuído para construir e divulgar o conceito

de desenvolvimento sustentável. A CMMAD define desenvolvimento

sustentável como o conjunto de ações que promovam a satisfação das

necessidades das gerações presentes, sem comprometer as possibilidades de

as futuras gerações satisfazerem suas necessidades. (KITAMURA, 1993)

153

A contribuição mais importante que este conceito apresenta é o

reconhecimento da existência de um processo de causação cumulativa entre

as condições de vida, a degradação ambiental e o subdesenvolvimento. Nesse

sentido, será preciso romper com as restrições que as populações possuem em

termos de produção, especialmente terra, recursos financeiros e assistência

técnica, de modo a permitir o desenvolvimento de estratégias e projetos que

envolvam a sustentabilidade, tanto social quanto econômica e também

ecológica.

Após a divulgação do relatório da CMMAD – também conhecido como

Relatório Brundtland –, generalizam-se em todo o mundo, inclusive no Brasil,

posições favoráveis à adoção de estratégias visando ao desenvolvimento

sustentável. Na medida em que a adoção deste conceito traz a oportunidade de

conciliar os objetivos de crescimento econômico com as questões sociais e de

preservação ambiental, os governos passaram a colocar a sustentabilidade na

ordem do dia dos seus programas de desenvolvimento.

Para SACHS, qualquer plano de desenvolvimento sustentável deveria

levar em consideração cinco aspectos de viabilidade, resumidos por

BRINCKMANN (1995) da seguinte forma:

1º) viabilidade social, cujo objetivo é o de constituir uma civilização

caracterizada por uma maior justiça na repartição das riquezas e das vendas,

tendo como meta principal a redução da distância no nível de vida entre os

providos e os desprovidos;

154

2º) viabilidade econômica, tornada possível pela repartição e pela

gestão mais eficiente dos recursos e por um fluxo regular de investimentos

públicos e privados;

3º) viabilidade ecológica, que poderia ser melhorada adotando-se as

seguintes medidas: aumentar a capacidade de carga da nave Terra; limitar o

uso de combustíveis fósseis; incitar os ricos a limitar o consumo de bens

materiais; intensificar as pesquisas em tecnologias que assegurem um bom

rendimento de recursos; definir regras de proteção ao meio ambiente;

4º) a viabilidade espacial, que deveria ter como objetivo conseguir um

melhor equilíbrio entre cidade e campo, e uma melhor repartição populacional

da atividade econômica sobre o território. Os objetivos principais seriam cessar

a destruição predatória dos ecossistemas, promovendo o emprego de métodos

modernos de agricultura e de agroflorestamento regenerativo para produtores

familiares, fornecendo, principalmente, módulos técnicos apropriados e

possibilidades de crédito e de acesso aos mercados;

5º) viabilidade cultural que implica a pesquisa das raízes endógenas

dos modelos de modernização e dos sistemas agrícolas integrados, assim

como dos processos que buscam mudanças na continuidade cultural, e

tradução dos conceitos normativos de ecodesenvolvimento em uma pluralidade

de soluções locais específicas para cada ecossistema, cada cultura e cada

situação.

GLICO confirma a relevância desse conjunto de elementos normativos

dos planos de desenvolvimento, quando afirma que:

155

Passar de la definición de sustentabilidad ecológica a la sustentabilidad ambiental no es una sutiliza. Todo lo contrario significa incorporar plenamente a problemática relación entre la sociedad y la naturaleza. La sustentabilidad ambiental de las estratégias de desarrollo debe incorporar conceptos temporales, tecnológi-cos y financieros. (GLICO, 1994, p.41)

A exigência de um desenvolvimento sustentável frente aos

desequilíbrios do mundo moderno, principalmente nos países de Terceiro

Mundo, desencadeou uma discussão ampla desse assunto, o que, aos poucos,

levou a uma mudança de paradigma: não são mais a tecnologia e a produção o

centro de alvos abstratos da política desenvolvimentista; ao contrário, espera-

se que as pessoas atingidas identifiquem seus próprios problemas e elaborem

por si mesmas soluções técnicas e institucionais, para promover um

desenvolvimento que seja sustentável.

Essas propostas ganharam estímulos consideráveis por parte de

organizações não-governamentais (ONG’s) preocupadas em rever o conceito

de desenvolvimento econômico, o qual deve ter seu conteúdo enriquecido

pelas dimensões socioculturais e políticas para poder expressar a complexa

reciprocidade entre o indivíduo e a comunidade, num dado ambiente ecológico.

A Conferência do Rio 92 identificou, com clareza, a relevância

ambiental em relação aos desejos racionais e uso dos recursos naturais.

Depois desse evento, a discussão sobre a sustentabilidade obteve maior

alcance de público, mesmo na Europa, podendo ser vista como continuação do

já generalizado trato com assuntos de meio ambiente. Também a Conferência

156

do Cairo, em 1994, mesmo que para discutir questões demográficas,

relacionou-se indiretamente com a disponibilidade e uso dos recursos naturais.

De forma geral, pode-se observar que os conceitos que trazem a idéia

de sustentabilidade incluem, dependendo do seu alcance, de forma explícita ou

implícita, os seguintes aspectos: a) uma visão antropocêntrica do uso e manejo

dos recursos naturais e do meio ambiente; b) o planeta Terra como suporte da

vida humana; c) a manutenção, a longo prazo, do estoque de recursos

biofísicos e da produtividade dos ecossistemas; d) a estabilidade das

populações humanas; e) um crescimento relativamente limitado das

economias; f) a manutenção permanente da qualidade dos ecossistemas e do

meio ambiente; g) a ênfase à pequena escala para a autodeterminação das

comunidades em relação ao uso e manejo dos recursos naturais; h) a eqüidade

inter e intrageracional no acesso e uso dos recursos naturais.

Em síntese, a discussão em torno da sustentabilidade é ampla e

complexa, uma vez que se refere à realidade social em seu conteúdo integral,

cuja análise deve partir de um ponto de vista crítico das relações entre

produção e consumo.

4.1 Desenvolvimento econômico versus Desenvolvimento sustentável

A partir da Conferência de Estocolmo, em 1972, os problemas

ecológicos assumem relevância na proposição de modelos de

desenvolvimento. Num primeiro momento, os aspectos econômicos e

157

ecológicos aparecem como antagônicos, porém, enfoques mais complexos

tendem a superar essa divergência.

Para SACHS (1986), a crise de desenvolvimento que hoje conhecemos

é essencialmente uma crise de crescimento mimético. Refazer, no Terceiro

Mundo, o caminho percorrido antes pelos países hoje industrializados,

resultará, na melhor das hipóteses, em recriar a sociedade industrial ocidental

para uma minoria, assegurada às custas da marginalização das massas pobres

do campo e da cidade. SACHS afirma que a crise atual não se absorverá por

uma fuga para diante, consistindo em produzir ‘mais a mesma coisa’, ou seja,

repetindo o passado. (SACHS, I., 1986, p. 23)

Diante desse axioma, passa-se a repensar os modelos de

desenvolvimento adotados pelo chamado Terceiro Mundo, especificamente na

América Latina, onde se encontra o Brasil. Não há dúvida de que é hora de

revisões dilacerantes, de uma avaliação crítica dos projetos de civilização, de

explicação das escolhas axiológicas, presentes nas metas dos planos

econômicos, de procura de estilos de vida diferentes, de desenvolvimento

endógeno e não mimético, voltado para a satisfação das necessidades reais da

sociedade e realizando, em harmonia com a natureza, uma verdadeira

simbiose entre homem e meio ambiente.

O desenvolvimento é, pois, menos o domínio da natureza (se bem que

esse domínio seja, até certo ponto, uma condição necessária) e mais um

processo de criação de valores, portanto, de avanço na racionalidade

158

substantiva a respeito dos fins desejados no processo de reprodução social

presentes em qualquer sociedade.

Como assegura FURTADO:

A visão que tenho do desenvolvimento é a de um processo criativo, de invenção da História pelos homens, em contraste com o quadro mimético e repetitivo de que são prisioneiras as sociedades dependentes. Em nossa civilização, o processo de desenvolvimento se faz com crescente ampliação da base material da cultura e também com enriquecimento do horizonte de expectativas do ser humano. Desenvolver-se é ascender na escala de realização das potencialidades dos homens como indivíduos e como coletividade. (FURTADO, C., 1984, p. 63)

Durante três séculos, a economia brasileira baseara-se na exploração

extensiva de recursos naturais, em grande parte não-renováveis: da exploração

florestal dos seus primórdios, até a grande fase da mineração, passando pelo

uso dos solos nos vários “ciclos” de monocultura agrícola. Com efeito, por

muito tempo o Brasil foi um caso exemplar do que hoje se conhece como

desenvolvimento não-sustentável.

O que veio a chamar-se desenvolvimento econômico, no Brasil, traduz

a expansão de um mercado interno que se revelou através da enorme

potencialidade natural do país. Longe de ser simples continuação da economia

primária e exportadora, que herdamos da era colonial, a industrialização

assumiu a forma de construção de um sistema econômico-produtivo apoiado

na assimilação de avanços tecnológicos e na acumulação de capital, que

ocorreram nas fases anteriores. O modelo de desenvolvimento industrial

baseou suas atividades na concentração de riqueza, na exclusão social (sabe-

se que uma grande parcela da humanidade se submete a diversas formas de

159

penúria, inclusive a fome) e no progressivo empobrecimento da biosfera. Ou

seja,

Geramos padrões de crescimento que se traduzem pela incorporação predatória de recursos naturais no fluxo da renda, o que significa descapitalizar a natureza. E porque ao mesmo tempo ainda geramos poluições, ou seja, tudo se passa como se o sistema de produção atual fosse um sistema de produção de riqueza, que se acompanha da reprodução ampliada da pobreza e da exclusão social, em nível da sociedade, e pela degradação ambiental. (SACHS, I., 1996, p. 10)

Chamar essa conjuntura de desenvolvimento é talvez inadequado, por

isso muitos estudiosos chamaram de “crescimento perverso” ou “mau

desenvolvimento”. O que está certo dizer, diante disso, é que crescimento

econômico não é sinônimo de desenvolvimento. Portanto, é necessário passar

a um outro paradigma de desenvolvimento.

O desafio que se coloca no limiar do século é nada menos do que

mudar o curso da civilização, deslocar o seu eixo de lógica dos meios a serviço

da acumulação num curto horizonte de tempo, para uma lógica dos fins em

função do bem-estar social e econômico dos povos, e da cooperação destes

com o meio ambiente.

Os novos parâmetros, portanto, são de caráter social-ecológico e não

basicamente econômico, como se observa no decorrer do desenvolvimento

capitalista. A busca de novos modelos de desenvolvimento, voltados para a

economia dos recursos não-renováveis e para a redução do desperdício,

ocupará um espaço significativo nas economias dos países latino-americanos,

nas próximas décadas. Essas mudanças na mentalidade coletiva dos povos e

160

de seus governantes passarão pela incorporação de novas utopias sociais. Nas

palavras de FURTADO,

Equivoca-se quem imagina que já não existe espaço para a utopia. Ao contrário do que profetizou MARX, a administração das coisas será mais e mais substituída pelo governo criativo dos homens. (FURTADO, C. 1998, p.33)

Dentro de uma perspectiva econômica, o desenvolvimento traz consigo

a idéia de crescimento econômico, onde a tecnologia deve incrementar as

atividades produtivas, transformando os recursos naturais por processos de

trabalho assimiláveis pelos produtores, tendo como critério de eficiência a

produtividade máxima. Os índices de produtividade, nesse caso, são obtidos

mediante a combinação de recursos ecológicos, tecnológicos e sociais.

Dessa forma, o instrumental conceitual e metodológico da teoria

econômica é insuficiente na abordagem de uma proposta de desenvolvimento

sustentável, onde os princípios de ecologia devem ser incorporados às

análises.

Sabe-se que, enquanto a ecologia busca um modo de vida sustentável,

a economia busca incrementar a produção de bens e serviços, na qual o

agente quer maximizar ganhos. Nesta lógica, os investimentos financeiros

devem priorizar as atividades com menores custos e maiores benefícios. No

entanto, o esgotamento dos recursos naturais e a poluição ambiental têm sido

itens ausentes da contabilidade dos custos econômicos.

Para os economistas, a natureza, além de ser considerada infinita,

carece de valor de mercado porque não é produto do trabalho humano, sendo

161

este um ponto comum entre os economistas clássicos e marxistas. A natureza

segundo MARX, deve ser dominada, transformada e colocada a serviço das

necessidades humanas. A ciência econômica tem-se negado a reconhecer os

limites naturais a partir de uma perspectiva diferente.

Conforme KAUTSKY,

Os meios de produção criados pelo trabalho humano se desgastam física e moralmente; moralmente se desgastam por novas descobertas e cedo ou tarde deixam de existir. Precisam ser constantemente renovados. O solo, ao contrário, é indestrutível e eterno – ao menos em relação à sociedade humana.”(KAUTSKY, K., 1980, p. 102)

MÉRICO (1996) lembra que os economistas clássicos (MARX,

RICARDO, MALTHUS) consideram a renda econômica como sendo o retorno

de três tipos de ativos: terra (recursos naturais), trabalho (recursos humanos) e

capital. Já os economistas neoclássicos retiraram os recursos naturais de seus

modelos e se concentraram em trabalho e capital. Quando essas teorias foram

aplicadas no Terceiro Mundo, depois da II Guerra Mundial, os recursos

humanos foram também deixados de lado, já que eram sempre excedentes, e o

desenvolvimento econômico passou a ser definido pela capacidade de

poupança e investimentos. Não é, portanto, difícil de entender por que a ciência

econômica passou a cometer uma série de equívocos na forma como analisou

e definiu o desenvolvimento, neles incluída a inexistência de contabilidade dos

recursos naturais.

Com base no trabalho de MÉRICO (1996), no cerne do novo

paradigma econômico-ambiental, colocam-se dois aspectos centrais:

162

– primeiro, a escassez dos recursos naturais e dos serviços ambientais

encontra-se em níveis elevados, constituindo ameaça à continuidade do padrão

de crescimento até aqui observado;

– segundo, um novo padrão, então, deve ser incentivado, por meio do

estabelecimento de novos preços relativos destes recursos naturais e serviços

ambientais.

É justamente nesse sentido que as análises têm procurado avançar,

incorporando a relação entre economia e ecologia, e, dessa forma, contabilizar

os custos da degradação ambiental e do consumo ilimitado dos recursos

naturais nos processos produtivos.

Essas vertentes da ciência econômica podem ser sintetizadas pela

chamada Economia de Recursos Naturais, bastante difundida nas décadas de

60 e 70, que tinha a sua ênfase na forma de utilização dos recursos naturais.

Seu principal objetivo era promover o desenvolvimento através do uso “ótimo”

dos recursos renováveis e não-renováveis. Percebeu-se, porém, que esse tipo

de exploração significava apenas maior retorno financeiro com menor custo,

não evitando a degradação ambiental e podendo levar os recursos naturais à

completa extinção.

Outra forma de análise que abordou questões relacionadas ao

ambiente natural, nas estruturas e modelos econômicos, foi a chamada

Economia Ambiental. Esta vertente alcançou grande destaque na década de 80

e teve sua ênfase voltada à questão da poluição. Nesse caso, os estudos

tratam a poluição como uma externalidade do processo de produção e

163

consumo, ou seja, uma falha dos mecanismos de mercado, cujos custos

ambientais podem ser incorporados aos preços dos produtos.

Mais recentemente, uma nova abordagem chamada de Economia

Ecológica propôs uma evolução das formas de análises do uso de recursos

naturais e as externalidades do processo produtivo, enfatizando e estendendo

o uso sustentável das funções ambientais; da mesma forma, avaliando a

capacidade de os ecossistemas suportarem a carga imposta pelos processos

econômicos, e considerando apropriadamente custos e benefícios da expansão

da atividade humana18.

Ainda que as análises apresentadas tenha se situado na interface entre

sociedade e natureza, não se mostraram suficientes para produzir uma ampla

introdução do ambiente natural na análise econômica, dado que não discute

em escala adequada o contínuo desenvolvimento das atividades econômicas

em relação aos ecossistemas, à própria bioesfera e, em última análise, em

relação às gerações futuras que habitarão o planeta.

MÉRICO mostra-se reticente quanto às análises da ciência econômica

diante das discussões atuais sobre desenvolvimento:

Não obstante esses esforços, a economia ainda se parece com uma grande máquina destinada a aumentar o consumo; e faz isso até independentemente da sociedade a que pertence, de suas aspirações e necessidades. Com a dimensão econômica colocada em primeiríssimo plano, não nos deve surpreender que uma forte característica do mundo atual seja a destruição de valores ecológicos, éticos e sociais. (MÉRICO, L.F.K., 1996, p. 15)

18

A leitura de MÉRICO, L. F. K. Introdução à Economia Ecológica. Blumenau: Ed. da FURB, 1996, fornece uma abordagem bastante esclarecedora sobre as vertentes da Ciência Econômica que tratam sobre os temas ambientais.

164

Se o instrumental conceitual e metodológico das teorias econômicas foi

considerado insuficiente na abordagem dos problemas do meio ambiente,

novas tentativas de aproximação entre economia, sociedade e natureza, vêm

sendo elaboradas, como mostram os estudos feitos por GÓMEZ (1996), que o

levaram a elaborar uma economia política do desenvolvimento sustentável.

Para a compreensão dessa orientação, entretanto, é necessário

primeiro o reconhecimento de que algo está errado: que as presentes políticas

econômicas não mais respondem aos desafios deste novo momento histórico,

no qual os limites da bioesfera foram encontrados e, em vários casos,

ultrapassados, provocando rupturas. As evidências econômicas e ecológicas

desses fatos precisam ser consideradas em profundidade, nas tomadas de

decisões.

Também é necessário o reconhecimento de que grande parte dos

problemas enfrentados pela humanidade estão hoje interligados: a queda da

produtividade econômica, queda da qualidade de vida e degradação ambiental

possuem vínculos muito estreitos.

Esta interação dos elementos que sustentam o processo de

desenvolvimento, pode ser resumida da seguinte forma:

– Qualidade ambiental e desenvolvimento econômico estão ligados, e o

meio ambiente e a economia devem estar integrados desde o início dos

processos de formulação de decisões, tanto dos indivíduos, como dos grupos

econômicos e, também, do Estado.

165

– Problemas ambientais e econômicos estão relacionados a muitos

fatores sociais e políticos. Por exemplo, o rápido crescimento populacional

causa um profundo efeito no desenvolvimento e no meio ambiente.

– Ecossistemas, poluição e fatores econômicos não respeitam

fronteiras nacionais, tornando imprescindível a cooperação regional, e até

mesmo internacional.

A percepção dessas relações explicitou a conveniência de que se

observem globalmente os sistemas econômicos e, em particular, os efeitos de

sua integração em escala planetária, o que torna clara a relação entre os fins e

os meios.

Reconhece-se, então, que o atual sistema econômico, baseado no

mercado e em uma ineficiente intervenção do Estado, é, em essência,

contraditório com a necessidade de conseguir equilíbrio entre o

desenvolvimento econômico-social e a reprodução e conservação dos recursos

naturais. Como esclarece TRIGO,

A situação atual de deterioração dos recursos não resulta da perversidade de setores individuais da sociedade, e sim do fracasso do mercado em fornecer os índices adequados para o acionamento correto dos agentes econômicos e da ineficiência do Estado em programar e implementar intervenções que corrijam a situação. (TRIGO, apud GÓMEZ, H., 1996, p. 149)

Os princípios da economia clássica supõem uma disponibilidade

ilimitada de recursos naturais e incentivam a sua exploração indiscriminada.

Portanto, as regras das economias de mercado não contemplam o

166

estabelecimento de critérios e mecanismos reguladores do manejo dos

recursos naturais.

Igualmente, as intervenções do Estado não têm se mostrado eficientes

na proteção do meio ambiente, cujas políticas de desenvolvimento global

deveriam estar voltadas para o ajustamento dos setores produtivos de bens e

serviços de forma harmônica e integrada com o bem-estar social e com a

preservação dos recursos naturais. Este é um dos complicadores no momento

em que são elaborados e institucionalizados os pacotes de políticas públicas,

nos quais é imperativo fazer coincidir o critério de rentabilidade econômica com

os critérios de eficiência social e ambiental.

FURTADO expressa sua idéia sobre esse impasse de forma mais

abrangente quando declara que

não podemos fugir à evidência de que a sobrevivência humana depende do rumo que tome nossa civilização, primeira a dotar-se dos meios de autodestruição. Que possamos encarar esse desafio é indicação de que ainda temos a possibilidade dos homens chamados a tomar certas decisões políticas no futuro. E, somente a cidadania consciente da universalidade dos valores que unem os homens livres pode garantir a justeza das decisões políticas. (FURTADO, C., 1998, p.67)

Deve-se lutar para que esta seja a tarefa maior dentre as que

preocuparão os homens no decorrer do próximo século: estabelecer novas

prioridades para a ação política, em função de uma nova concepção do

desenvolvimento, posta ao alcance de todos os povos e capaz de preservar o

equilíbrio ecológico.

167

A proposta, considerada de vanguarda, de responsabilidade dos países

industrializados do Primeiro Mundo sobre a destruição do patrimônio comum da

humanidade(constituído pelos recursos naturais e pela herança cultural), indica,

na verdade, um forte reducionismo da questão ambiental, ao apresentar a visão

de que os desequilíbrios ambientais causados pelo desenvolvimento capitalista

podem ser reduzidos a um valor monetário (impostos, preços).

Na própria Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, correntes de

ambientalistas defenderam a tese de que existe uma “fatura ecológica” a ser

paga pelos países que, ocupando posições de poder, se beneficiaram da

formidável destruição de recursos não-renováveis a elevados custos, a fim de

manterem o estilo de vida das populações ricas e de sustentarem o modo de

desenvolvimento difundido em todo o mundo pelas empresas capitalistas.

Porém, as ferramentas de análises do desenvolvimento econômico não

são adequadas para resolver os problemas de destruição ambiental e de

eqüidade social.

Segundo GÓMEZ (1996) existem, sob o enfoque da Ciência

Econômica, duas formas de entender as contradições de desenvolvimento

econômico, bem-estar social e preservação da natureza.

A primeira, considerada “otimista”, pensa ser possível aperfeiçoar a

teoria econômica para dar conta desse novo desafio. Os defensores dessa tese

reduzem a questão ambiental ao desequilíbrio na alocação de recursos e

afirmam que isso pode ser resolvido através da taxação desses recursos.

168

Acreditam que, incorporando o custo o qual a atividade empresarial inflige à

natureza, se estabeleceria o equilíbrio entre o “ótimo individual” e o “ótimo

coletivo”.

Assim, a determinação monetária dos elementos do meio ambiente

constitui o único caminho possível para que se alcance um desempenho

eficiente das empresas e um planejamento eficaz do Estado.

Dessa forma, o lucro continuaria a ser a alavanca do desenvolvimento,

preservando o mercado como mecanismo regulador.

Neste cenário, as restrições ambientais impostas pelo mercado externo

constituiriam barreiras no comércio internacional e poderiam transformar-se em

poderoso instrumento de competição.

BECKER confirma que esse é um processo irreversível dentro da

globalização da economia:

Esse novo padrão ambiental que se desenha e se avizinha desde fora, através de restrições ambientais crescentes a processos e produtos, compondo verdadeiras barreiras à entrada em determinados mercados, principalmente da Europa, eliminará quaisquer vantagens comparativas de determinados processos produtivos e de produtos de muitas regiões produtoras, distribuídas por esse mundo afora? (BECKER, O., 1996, p. 109)

A segunda forma de análise, considerada “pessimista”, afirma que o

pensamento econômico de desenvolvimento não será capaz de incorporar, no

seu arcabouço teórico e pragmático, a preocupação ambiental.

Questiona-se a validade de preservar os recursos naturais a partir da

determinação de preços sobre a degradação ambiental.

169

E pergunta-se: como calcular o preço da erosão dos solos e da

contaminação dos rios? do desmatamento e da extinção da fauna? Isso sem

falar nas conseqüências sobre a saúde da população.

A preocupação central dos “pessimistas” está em avaliar o grau de

irreversibilidade dos processos de destruição da natureza. Como diz VEIGA

reduzir os desgastes ambientais a simples custas de reposição, ou tentar estimá-los por meio de preços fictícios que lhes atribuem as sondagens, equivale a deixar de lado o essencial, uma vez que se trata de estragos nos mecanismos que asseguram a reprodução da biosfera. O fim de uma floresta, de um mar, ou de uma espécie, não é apenas o desaparecimento de um eventual valor mercantil, mas, sobretudo, o fim de determinadas funções em um meio natural. (VEIGA, apud GÓMEZ, H., 1996, p. 152)

Nos últimos anos, tem-se intensificado o debate pela sustentabilidade

do desenvolvimento econômico e social por parte de intelectuais das mais

diversas áreas do conhecimento (Economia, Biologia, Sociologia, Geografia,

entre outras). Entretanto, o ponto predominante em todas as análises é em

relação à busca de um modelo de desenvolvimento econômico e social que

esteja em harmonia com a natureza, permitindo a sustentabilidade e a vida das

gerações futuras, ou seja, um desenvolvimento global, que nos anos 70 e 80

ficou conhecido como ECODESENVOLVIMENTO.

4.2 - Princípios sobre ecodesenvolvimento: a visão de IGNACY SACHS

Espaço à criatividade e a consciência do possível. No nível teórico, abandono de veleidades e sofismas, estudando-se a realidade no maior número de suas facetas e de suas dimensões. (SACHS, I., 1986, p. 11)

170

Eis um resumo da trajetória de SACHS, o qual tem-se dedicado a

estabelecer uma concepção alternativa de desenvolvimento para a sociedade

atual.

A obra de SACHS, voltada desde o início para a interação

socioeconômica, vem-se aprofundando numa reconceptualização das teorias

de desenvolvimento que entraram em crise há três décadas, juntamente com a

crise do próprio desenvolvimento. Suas contribuições fecundas insistem na

busca de uma abordagem interdisciplinar, na qual se unam elementos de

economia, sociologia, antropologia e ecologia. E, graças à larga vivência que

teve com o Terceiro Mundo, esse socioeconomista encontrou uma posição

firme para poder transformar de imediato a crítica em indicações para a ação

possível.

Em síntese, pode-se dizer que SACHS definiu estratégias de

mudanças na relação homem e meio, apresentando suas idéias tanto contra o

crescimento econômico desenfreado do “capitalismo selvagem”, como contra

as atitudes radicais de um ecologismo abusivo.

A proposta de alternativas para um desenvolvimento socioeconômico

prevê um caminho de transição para, a longo prazo, minimizar a dilapidação

dos recursos não-renováveis e reorientar o aproveitamento dos recursos

renováveis. Assim, poderá garantir-se um desenvolvimento econômico cujo

produto terá uma utilização social eqüitativa, aliada a uma preocupação

ecologicamente consciente e sustentável.

171

Os princípios básicos do ecodesenvolvimento formulados por SACHS,

podem ser resumidos da seguinte forma:

a) a satisfação das necessidades básicas; b) a solidariedade com as gerações futuras; c) a participação da população evoluída; d) a preservação dos recursos naturais e do meio ambiente em geral; e) a elaboração de um sistema social, garantindo emprego, segurança social e respeito a outras culturas; f) programas de educação. (SACHS, I. apud GÓMEZ, H., 1996, p. 145)

No fundo, o ecodesenvolvimento, fundamentado nos objetivos acima

expostos, representa um apelo no sentido de ajudar as populações a

educarem-se e a organizarem-se, em vista da valorização sensata dos

recursos de cada ecossistema, com o propósito de atenderem as suas

necessidades fundamentais. Dessa forma, o conceito de desenvolvimento

adquire uma expressão qualitativa, ou seja, junto ao crescimento econômico

(crescimento de forças produtivas de bens produzidos, de necessidades e de

consumo), aparecem os custos ecológicos e os sociais, cujo resultado final

será o de chegar a uma vida digna de ser vivida, de acordo com o grau de

satisfação da população, e dotada de um senso de limite em relação à

utilização dos recursos naturais.

Nas palavras de SHRIMAN NARAYAN, uma idéia mais ampla de

desenvolvimento leva a redefinir a qualidade de vida ou nível de vida desejada

pela sociedade, quando assegura que

Há muito tempo que distinguimos entre o ‘nível de vida’ e o que MAHATMA GANDHI chamava o ‘grau da vida’. A primeira expressão abrange apenas a satisfação das necessidades materiais: alimentação, vestuário, moradia, equipamentos escolares e médicos, etc. Quanto à segunda expressão, implica necessariamente um nível de vida

172

razoável, no que se refere às necessidades físicas, mais uma certa qualidade de vida, fundamentada, entre outros, em valores morais, culturais e espirituais. Considerando-se que os recursos físicos e naturais dos diversos países não são ilimitados, devemos modificar radicalmente as nossas idéias sobre crescimento e desenvolvimento. A ‘mania do crescimento’ deveria doravante dar lugar à preocupação de assegurar um grau da vida decente para todos os habitantes de todos os países, desenvolvidos ou não. (NARAYAN, S apud BIROU, A. e HENRY, P., 1987, p. 292)

Não resta dúvida de que mudanças na produção e consumo, tomadas

no sentido mais amplo, englobando, pois, sistemas produtivos, tipos de

tecnologias, mercado e modos de vida, levam a profundas mudanças das

estruturas socioeconômicas e político-institucionais.

Segundo BECKER (1996), três princípios básicos fundamentam esse

novo padrão ambiental de produção e consumo, a saber: o princípio de uma

nova racionalidade no uso dos recursos naturais e humanos, significando uma

valorização das culturas locais; o princípio da diversidade, isto é o melhor

aproveitamento das potencialidades naturais e humanas de cada lugar,

representando uma valorização seletiva das diferenças regionais; o princípio

da descentralização, implicando não apenas a diferenciação da ocupação

espacial, baseada nas decisões de quem produz o espaço, mas sobretudo, a

forma renovadora de planejamento e gestão do território.

O último princípio pode ser entendido como um processo em que os

esforços de desenvolvimento encontram-se baseados na parceria construtiva

entre todos os setores da sociedade, porém, privilegiando o poder de decisão

local como base definidora do tipo de desenvolvimento que se deseja para

essa sociedade.

173

Portanto, o planejamento de estratégicas baseadas no ecodesen-

volvimento, vai exigir a participação democrática de diferentes escalas de poder

na tomada de decisões.

SACHS (1986) declara que as mudanças no rumo do desenvolvimento

decorrem da estreita imbricação dos objetivos estabelecidos pelo poder

institucional, com as escolhas das comunidades locais. O mesmo autor afirma

que:

Existem margens de escolhas importantes, mesmo nas situações de indigência material, em particular no que se refere à articulação dos diferentes níveis da economia nacional, à importância atribuída aos objetivos sociais, às modalidades de acesso aos recursos e de repartição de bens, deixado a parte real à iniciativa e à responsabilidade dos cidadãos. (SACHS, I., 1986, p. 25)

Caso se perceba que o desenvolvimento não é apenas um processo de

acumulação e de aumento do produto econômico, mas, principalmente, uma

via de acesso a formas sociais mais aptas para estimular a criatividade humana

e para responder às aspirações de uma sociedade, pode-se oferecer uma outra

visão de mundo, que está no centro do debate atual:

A idéia do desenvolvimento refere-se diretamente à realização das potencialidades do homem, é natural que ele contenha, ainda que apenas implicitamente, uma mensagem de sentido positivo. As sociedades são consideradas desenvolvidas na medida em que nelas o homem mais cabalmente logra satisfazer suas necessidades, manifestar suas aspirações e exercer seu gênio criador. A preocupação com a morfogênese social deriva dessa outra idéia simples de que é mediante a inovação e implementação de novas estruturas sociais que se cumpre o processo de desenvolvimento. (FURTADO, C., 1984, p. 105)

174

A partir desse pressuposto, o homem é visto como um fator de

transformação, tanto dos ecossistemas como das estruturas econômicas,

socioculturais e políticas. Nesse sentido, o ponto de partida conveniente para o

planejamento de ações baseadas no ecodesenvolvimento é o de harmonizar os

critérios de sustentabilidade social, econômica, ecológica, cultural e geográfica.

Os componentes e principais objetivos do ecodesenvolvimento, tal

como foi estruturado por SACHS, podem ser observados no quadro a seguir

(QUADRO 1):

SACHS (1993) propõe um conceito de sustentabilidade para o

desenvolvimento, a fim de que este possa melhorar as condições de vida das

comunidades humanas e, ao mesmo tempo, respeitar os limites da capacidade

dos ecossistemas. Convém ressaltar que essa noção de sustentabilidade

encontra-se fortemente alicerçada na, assim chamada pelo autor,

“extraordinária riqueza da cultura humana”; em outras palavras, nos

conhecimentos e tradições do homem em relação ao meio ambiente. A busca

de alternativas para atingir o ecodesenvolvimento passa, em primeiro lugar, por

uma tentativa de resgatar o que ainda se sabe e se conhece da riqueza

potencial de cada ecossistema e dos produtos que deles podem ser extraídos.

Certamente, na história ecológica da humanidade, podem-se encontrar

exemplos de como as diferentes culturas souberam aproveitar os elementos de

seus respectivos ecossistemas e extrair deles o necessário para sobreviver e

desenvolver-se.

175

QUADRO 1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: COMPONENTES E OBJETIVOS DE CADA UM DOS CINCO PILARES DO

ECODESENVOLVIMENTO

DIMENSÃO COMPONENTES PRINCIPAIS OBJETIVOS

SUSTENTABI-LIDADE SOCIAL

- Criação de postos de trabalho que permitam renda individual adequada (a melhor condição de vida e melhor qualificação profissional).

- Produção de bens dirigida prioritariamente às necessidades básicas sociais.

REDUÇÃO DAS DESIGUALDA-DES SOCIAIS

SUSTENTABI-LIDADE ECONÔMICA

- Fluxo permanente de investimentos públicos e privados (estes últimos com especial destaque para o cooperativismo),

- Manejo eficiente de recursos. - Absorção pela empresa dos custos

ambientais. - Endogeneização: contar com suas próprias

forças.

AUMENTO DA PRODUÇÃO E DA RIQUEZA SO-CIAL SEM DE-PENDÊNCIA EXTERNA

SUSTENTABI-LIDADE ECOLÓGICA

- Produção com respeito aos ciclos ecológicos dos ecossistemas.

- Prudência no uso dos recursos não-renováveis.

- Prioridade à produção de biomassa e à industrialização de insumos naturais renová- veis.

- Redução da intensidade energética e con- servação de energia.

- Tecnologia e processos produtivos de baixo índice de resíduos.

- Cuidados ambientais.

QUALIDADE DO MEIO AMBIEN- TE E PRESERVA-ÇÃO DAS FON-TES DE RECUR-SOS ENERGÉTI- COS E NATU-RAIS PARA AS PRÓXIMAS GE-RAÇÕES

SUSTENTABI-LIDADE ESPACIAL OU GEOGRÁFICA

- Desconcentração espacial de atividades da população...

- Descentralização e democratização local e regional do poder.

- Relação cidade-campo equilibrada (benefícios centrípetos).

EVITAR EXCES-SO DE AGLO-MERAÇÕES

SUSTENTABI-LIDADE CULTURAL

- Soluções adaptadas a cada ecossistema. - Respeito à formação cultural comunitária.

EVITAR CONFLI-TOS CULTURAIS COM POTENCIAL REGRESSIVO

FONTE: Ignacy Sachs, 1993.

176

O que vem acontecendo com a sociedade industrial é uma crescente e

acentuada uniformização dos padrões de produção e consumo, e, ao mesmo

tempo, uma perda do patrimônio cultural. Da mesma forma, a criatividade

humana encontra-se, hoje, orientada de forma obsessiva para a inovação

tecnológica a serviço da acumulação econômica.

Essa lógica, que orientou o desenvolvimento dos chamados países do

Primeiro Mundo, trouxe a países como o Brasil um modelo tecnológico

intensivo em capital (recurso escasso) e poupador de trabalho (recurso

abundante). Fica claro, então, que a racionalidade de um processo tecnológico

baseado apenas na instrumentalização dos ecossistemas (estes considerados

como mero insumos) é divergente da racionalidade do ecodesenvolvimento. A

dimensão ecológica, embutida nesse modelo de desenvolvimento, não é

somente um “capricho” de grupos descontentes com a sociedade capitalista de

consumo, mas surge como um profundo questionamento sobre o futuro das

sociedades frente à insustentabilidade do modo de produção vigente. SACHS

(1994) indica quatro premissas básicas para que se realize a transição para o

ecodesenvolvimento:

1º) Mudanças deverão cobrir um período de várias décadas.

2º) Mudanças no estilo de vida da sociedade capitalista deverão

ocorrer.

3º) Os países industrializados deverão assumir uma fatia mais que

proporcional dos custos de transição e do ajuste tecnológico.

4º) Deverá haver capacidade institucional para redicionar o modelo

tecnológico vigente.

177

Sabe-se que, no atual modelo de desenvolvimento, a produtividade é

resultado do incremento tecnológico (capital), depreciando as potencialidades

representadas pela mão-de-obra disponível e pelos ciclos naturais de formação

dos ecossistemas. Na lógica empresarial da produção capitalista, maximizar a

produção de cada trabalhador significa extrair o maior volume possível sem

elevar o custo, independentemente do volume produzido. Assim, o investimento

em tecnologia poupadora de mão-de-obra é o objetivo natural. Em outra

racionalidade, a busca é por maior auto-suficiência econômica das

comunidades e melhoria substancial das formas de consumo e qualidade de

vida, onde o emprego da técnica é visto como uma mediação necessária e

dinâmica entre a organização produtiva e os ecossistemas.

No caso específico da agricultura, considerada um agroecossistema19,

o modelo tecnológico, igualmente poupador de terra e mão-de-obra (o aumento

da produtividade ocorre pelo uso de maquinário, insumos químicos, sementes

selecionadas, etc) proporciona a manutenção da concentração fundiária, uma

vez que o recurso terra, mal aproveitado, permanece como reserva de valor.

Da mesma forma, a excessiva tecnificação do campo leva grandes

contingentes de pessoas ao desemprego rural e a situações de pobreza, bem

como provoca o êxodo rural para a periferia dos centros urbanos. Esses últimos

aspectos podem ser considerados como sendo impactos sociais.

19

Neste trabalho, define-se um agroecossistema como "um sistema ecológico e socioeconômico composto de plantas ou de animais domésticos e das pessoas que os administram, com o objetivo de produzir alimentos, fibras e outros produtos agrícolas". (CONWAY, G. 1998, p. 35)

178

No Brasil, o modelo de desenvolvimento da agricultura, instalado desde

a década de 50, denominado de Revolução Verde, tem-se baseado em altas

taxas de produtividade proporcionadas pela introdução de máquinas agrícolas,

fertilizantes químicos , agrotóxicos, sementes e mudas com material genético

melhorado e água para irrigação artificial. Somente nos últimos anos, vêm-se

reconhecendo e discutindo os resultados negativos introduzidos pela

modernização da agricultura.

Uma característica da agricultura que deve ser ressaltada é que, ao

funcionar em desequilíbrio, um agroecossistema tende a perder a capacidade

produtiva.

Para CAMPANHOLA (1996), o uso intensivo de fertilizantes e

corretivos, necessários à manutenção de níveis altos de produtividades, causa

alterações nas características químicas e biológicas naturais do solo, levando

ao desequilíbrio. As conseqüências disso vão desde a diminuição do potencial

produtivo deste solo, até a contaminação deste e, através da erosão, dos

recursos hídricos.

Já o uso intensivo de agrotóxicos tem um alto potencial de impacto

ambiental20 imediato, tanto dentro do agroecossistema, prejudicando a saúde

dos envolvidos na sua manipulação e alterando o equilíbrio biológico, o que

leva a uma diminuição do potencial produtivo, quanto fora deste, contaminando

20

Segundo Resolução do CONAMA (1986), impacto ambiental é qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, atentam contra a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; a qualidade dos recursos ambientais (MULLER-PLANTENBERG, C. e AB' SABER, A. N., 1994, p. 54)

179

os produtos e causando danos à saúde do consumidor e da população em

geral, através da poluição ambiental.

A partir da percepção de todas essas conseqüências negativas,

começa a se observar uma convergência entre preocupações ecológicas,

sociais e econômicas, dado que, ao longo do tempo, os desequilíbrios

causados aos ecossistemas tenderão a limitar a capacidade de produção,

reduzir a eficiência tecnológica e, conseqüentemente, ameaçar o retorno

lucrativo dos recursos investidos. Como explicaram SILVEIRA e DALMORA

(1993), os processos de erosão e degradação dos solos, causados por

tecnologia inadequada, provocam perdas irreparáveis de toneladas de húmus;

os agrotóxicos ameaçam a saúde da população e degradam os ecossistemas,

passando a ser considerados como antieconômicos e insustentáveis a longo

prazo.

Por essas razões, o processo de desenvolvimento na agricultura tem

basicamente duas estratégias a seguir. A primeira é uma estratégia corretiva ou

reparadora, na qual os indicadores da presença de impactos ambientais e

sociais são de fundamental importância para avaliar as alterações promovidas

nos agroecossistemas, e, se necessário, para adotar medidas que mantenham

e/ou recuperem a qualidade dos recursos naturais e, ainda assim, alcançar a

produtividade em níveis adequados de eficiência econômica.

A outra estratégia é dirigida à sustentabilidade. Nesse sentido, os

indicadores de sustentabilidade fornecem os elementos a serem considerados

“ex-ante” à adoção de tecnologias ou sistemas de produção. Após as análises

180

das alterações produzidas pelas práticas agrícolas na estrutura e

funcionamento dos agroecossistemas, é que se pode adotá-los ou não. Nessa

perspectiva, a variável tempo passa a ter papel preponderante. Deve haver

harmonia temporal entre o sistema ecológico e o sistema social e econômico, e

destes com os aspectos tecnológicos e político-organizacionais.

Qualquer das duas estratégias servirá para um planejamento

agroambiental mais efetivo e levará a uma mudança de paradigma, visto que o

desempenho da Revolução Verde atingiu seu patamar, encontrando-se em vias

de esgotamento. Nesse processo de transição, vários caminhos encontram-se

sob análise; entretanto, o paradigma agroecológico parece ser o caminho mais

razoável a ser seguido.

O modelo agroecológico poderá orientar o desenvolvimento na

agricultura de forma mais harmoniosa por basear-se nos pilares de

sustentabilidade propostos por SACHS, os quais permitem incorporar as

complexidades da eficiência econômica e tecnológica, da eqüidade social

(qualidade de vida) e da preservação ambiental, assegurando a qualidade dos

recursos naturais e dos produtos.

Como esclarece ALTIERI,

Essa abordagem destingue-se daquela da Revolução Verde não apenas tecnicamente, ao reforçar o emprego de tecnologias de baixo uso de insumos, mas também por critérios socioeconômicos, no que tange às culturas afetadas, beneficiários, necessidades de pesquisa e participação local. (ALTIERI, M., 1998, p. 35-36)

181

Bastante ilustrativo é também o quadro comparativo elaborado por

ALTIERI (1998), demonstrando a importância da agroecologia como ponto de

partida para uma estratégia de desenvolvimento, fundamentada na noção de

ECODESENVOLVIMENTO. (QUADRO 2)

QUADRO 2 COMPARAÇÃO ENTRE AS TECNOLOGIAS DA REVOLUÇÃO VERDE E DA AGROECOLOGIA

CARACTERÍSTICAS REVOLUÇÃO VERDE AGROECOLOGIA

Técnicas Cultivos afetados

Trigo, milho, arroz, etc;

Todos os cultivos;

Áreas afetadas Na sua maioria, áreas pla-nas e irrigáveis;

Todas as áreas, especialmente marginais (dependentes da chuva, encostas declivosas);

Sistema de cultivo dominante

Monocultivos geneticamen-te uniformes;

Policultivos genetica-mente heterogêneos;

Insumos predominantes

Agroquímicos, maquinário; alta dependência de insu-mos externos e combustível fóssil;

Fixação de nitrogênio, controle biológicos de pragas, corretivos orgâ-nicos, grande dependên-cia nos recursos renová- veis;

Ambientais Impactos e riscos à saúde

Médios a altos (poluição química, erosão, saliniza-ção, resistência a agrotóxi-cos, etc.); Riscos à saúde na aplica-ção dos agrotóxicos e nos resíduos destes no alimento;

Nenhum;

Cultivos deslocados Na maioria, variedades tradicionais e raças locais;

Nenhum;

Econômicas Custos das pesqui-sas

Relativamente altos;

Relativamente baixos;

Necessidades financeiras

Altas; Todos os insumos devem ser adquiridos no mercado;

Baixas; A maioria dos insumos está disponível no local;

182

CARACTERÍSTICAS REVOLUÇÃO VERDE AGROECOLOGIA

Retorno financeiro Alto; Resultados rápidos. Alta produtividade da mão-de-obra;

Médio; Precisa de um determinado período para obter resultados mais significativos; Baixa a média produtividade da mão-de-obra;

Institucionais Desenvolvimento tecnológico

Setor semipúblico, empre-sas privadas;

Na maioria, públicas; grande envolvimento de ONGs;

Socioculturais Capacitações necessárias à pesquisa

Cultivo convencional e ou-tras disciplinas de ciências agrícolas;

Ecologia e especializa- ções multidisciplinares;

Participação Baixa (na maioria, métodos de cima para baixo); Utili-zados para determinar os obstáculos à adoção das tecnologias;

Alta; Socialmente ativa- dora, induz ao envolvi-mento da comunidade;

Integração cultural Muito baixa; Alta; Uso extensivo de conhecimento tradicional e formas locais de orga- nização;

Fonte: ALTIERI, M. 1998, p. 34 e 35.

Por outro lado, deve-se promover a diversificação da produção,

incorporando padrões de qualidade aos produtos (visto que a viabilidade

econômica não está baseada somente em um produto, mas em vários, e, se

possível, este deve atender a um mercado mais exigente). Ainda se deve

incentivar o emprego de sistemas de produção que exijam uso intensivo de

mão-de-obra, o qual pode ajudar a fixar o homem no campo, evitando um

aumento da população urbana.

183

Considera-se esse um modelo de desenvolvimento mais apropriado

para os produtores familiares. Isso vai exigir políticas de médio e longo prazos,

específicas para sua viabilização, que aliem diretrizes produtivas às diretrizes

do meio ambiente.

Para tanto, impõe-se agora mais do que nunca, um desenvolvimento

regional responsável. Responsabilidade com a sustentabilidade do processo

produtivo, que vai além de sua dimensão ecológica. É uma sustentabilidade

econômica, social, cultural, política e tecnológica do processo de

desenvolvimento de cada local, de cada região produtora.

4.3 A sustentabilidade na agricultura

O processo de mudança na agricultura exige, em fase de transição, o

atendimento de dois aspectos fundamentais: projetos baseados na teoria do

planejamento e pesquisas em sistemas de produção. A importância da teoria

do planejamento reside na ultrapassagem da fragmentação das políticas

públicas para a agricultura, incluindo crédito e incentivos de mercados, geração

e difusão de tecnologia, e correção da dispersão de ações motivada pela

incoerência de objetivos entre os vários agentes envolvidos.

No Brasil, os modelos de pesquisa voltados para a criação de novas

tecnologias introduziram uma racionalidade tecnocrática no campo – tecnologia

como força social transformadora – via maximização do capital. Esse processo

de modernização contribuiu substancialmente para o uso inadequado dos

184

recursos naturais. Como destacam SILVEIRA e DALMORA (1993), as

condições agroecológicas e os sistemas de produção potencializam ou limitam

determinada tecnologia; conhecê-la, portanto, deve ser fundamental para a

geração de processos produtivos adequados.

Em regra, a modernização da agricultura brasileira esteve calcada em

modelos alienígenas importados do chamado Primeiro Mundo, cujo principal

objetivo era recuperar, em curto espaço de tempo, os séculos de “atraso” em

relação às economias desenvolvidas; entretanto, os procedimentos de geração

e difusão de tecnologia não consideraram as particularidades regionais, tais

como condições edafoclimáticas, sistemas de produção, estrutura fundiária,

relações sociais de trabalho no campo, entre outras. Não foi considerado,

outrossim, que a mesma tecnologia pode produzir efeitos diferenciados em

diferentes contextos.

A negligência em relação às condições ambientais (no sentido social e

ecológico) permitiu que os processos de desenvolvimento fossem conduzidos

pela linearidade econômica sem, no entanto, considerar os reflexos na

qualidade de vida da população.

Em meados dos anos 80, começaram a surgir os primeiros

diagnósticos sobre os resultados da modernização da agricultura: era chegada

a hora de avaliar as décadas de progresso técnico e, paradoxalmente, de

fracasso dos projetos de desenvolvimento socioeconômico, e ainda, a

deteriorização ambiental das áreas rurais.

185

Nas análises elaboradas para explicar esse “fenômeno”, cujas causas

parecem residir na heterogeneidade da realidade agrícola, foram apontadas

propostas comuns para a afirmação e êxito de um novo modelo de

desenvolvimento; ou seja, cientistas de diversas áreas reconhecem que o

processo de desenvolvimento agrícola carece de um princípio básico, o da

sustentabilidade, no sentido de expressar a continuidade desejada para

fenômenos sociais, econômicos, políticos, culturais e ecológicos.

De acordo com ANDRAE (1994), embora já existissem ações visando à

sustentabilidade da produção agrícola, foi em referência à exploração de

florestas que o alemão Carlowitz cunhou o termo sustentabilidade, em 1713.

Desde sua criação, o conteúdo do termo em pauta passou por vários

desmembramentos, transformações, interpretações, não sendo, portanto,

considerado de uso exclusivo da atividade florestal. Vale dizer que o conceito

de sustentabilidade, hoje, é um princípio conhecido e aplicado na prática, onde

o uso do solo (qualquer que seja) possa garantir, a longo prazo, rendimentos

estáveis.

Os debates recentes em torno das estratégias para um

desenvolvimento sustentável na agricultura têm apontado, de forma clara, a

necessidade de se considerar, além da produtividade – enfatizada no passa-

do –, outros indicadores como a estabilidade e a sustentabilidade da produção,

associados à eqüidade social.

A eqüidade torna-se um indicador importante para avaliar os resultados

do desenvolvimento agrícola e refere-se à forma com que os benefícios da

186

produção agrícola são divididos na sociedade, podendo ser aferida pelo grau

de desigualdade dessa distribuição.

GLICO (1994), um dos autores que mais tem estudado os problemas

ambientais na América Latina, adiciona a esse contexto, o fato de que uma

estratégia voltada ao desenvolvimento sustentável deve ter como filosofia

minimizar os efeitos das “perturbações” antrópicas no meio ambiente.

Para o autor, tal estratégia deve levar em conta pelo menos os

seguintes pontos: a) coerência, que nada mais é do que o uso dos recursos

naturais segundo a sua aptidão; b) estabilidade da estrutura social,

especialmente importante em função da dinâmica do desenvolvimento

capitalista na agricultura (processo de diferenciação/decomposição social); c)

dotação de infra-estrutura básica, já que todos os processos de

desenvolvimento agrícola implicam necessariamente uma artificialização dos

sistemas e, em conseqüência, a intensificação dos fluxos de energia, matéria e

informação; d) estabilidade de vendas ao produtor, dados os condicionantes

externos (mercado, políticas agrícolas, etc) ou eventos naturais (secas, granizo,

pragas) que possam comprometer o uso sustentável dos recursos naturais.

Resta adicionar, ainda, um enfoque analítico, que permita demonstrar

as interconexões das várias dimensões envolvidas na sustentabilidade da

produção agrícola. Nesse sentido, o referencial exposto por GUIVANT apud

SILVEIRA e DALMORA (1993), destaca quatro dimensões da sustentabilidade,

quais sejam:

187

1º) a sustentabilidade agronômica, que diz respeito ao modelo de

organização técnica para a exploração dos recursos naturais e está relacionada

aos fatores físicos e biológicos que garantem a produtividade agrícola;

2º) a sustentabilidade microeconômica, que se relaciona à manutenção

de unidades de produção capazes de atender às necessidades mínimas da

família. Esse processo resulta da interação de condicionantes externos

(mercado, atividades complementares fora das unidades de produção) e

internos (superfície da área útil, capital e mão-de-obra disponíveis).

3º) a sustentabilidade ecológica, que parte da perspectiva de que a

atividade agrícola provoca alterações no ecossistema regional. Pretende-se

que a produção agrícola seja, nesse caso, parte de um complexo interativo de

matéria e energia, a fim de não romper com a dinâmica ecossistêmica;

4º) a sustentabilidade macroeconômica, que se relaciona a planos e

políticas dos quais depende a base de sustentação das populações rurais e

urbanas.

Em resumo, o desenvolvimento sustentável na agricultura significa uma

máxima produção, sob restrições de conservação da base dos recursos

naturais em que está assentada (ou seja, sem degradação), além de obedecer

aos critérios de viabilidade econômica e de eqüidade social na distribuição dos

seus benefícios e custos.

Há, no entanto, um intenso debate sobre qual segmento da agricultura

ou, de outra parte, sobre quais os atores sociais que serão beneficiados com a

implantação de uma agricultura sustentável. De um lado, o empresário agrícola,

188

detentor de capital disponível para investimentos em tecnologias alternativas e,

atualmente, motivado pelo crescente mercado de “produtos ecológicos”; de

outro, o produtor familiar, depositário de práticas tradicionais de cultivo,

próximas da dinâmica agroecossistêmica regional.

Reconhecendo argumentos relevantes nas duas situações, entende-se

que a agricultura familiar reúne condições necessárias a um processo de

transição rumo ao desenvolvimento sustentável no campo. Em linhas gerais,

esta hipótese é formulada a partir do seguinte pressuposto:

O conceito de viabilidade econômica na unidade de produção familiar não pode ser definido apenas por critérios econômicos; a estes devem ser acrescentados critérios sociais e ecológicos. (SILVEIRA e DALMORA, 1993, p. 67)

Esta forma de agir explica-se pela escassa disponibilidade de recursos

e pela preocupação permanente com as necessidades básicas do núcleo

familiar. Nessa situação, ao invés de tecnologias intensivas em capital, a

escolha do produtor recairia em técnicas que permitissem uma melhor

utilização da mão-de-obra e do “saber camponês”, dispensando muitos

insumos externos à propriedade. Potencializar a mão-de-obra disponível, em

consonância com os ciclos naturais de formação dos ecossistemas, tem como

objetivo buscar uma maior auto-suficiência econômica das unidades produtivas

e uma melhoria substancial das formas de consumo e qualidade de vida.

Essa racionalidade, tipicamente camponesa, assemelha-se ao modo de

gestão das unidades de produção familiar, conforme esclarecem as palavras de

FERREIRA et al., apud SILVEIRA e DALMORA:

189

O conjunto unidade de produção-família como sistema finalizado, onde as decisões tomadas são consideradas como meio de adequar, por um lado, os objetivos (o mais geral é a reprodução da unidade de produção e da família) e, por outro, os condicionantes bioclimáticos e os condicionantes referentes às características internas da unidade de produção e referentes ao meio socioeconômico

externo. (SILVEIRA e DALMORA, 1993, p. 67)

4.4 A produção familiar e o desenvolvimento rural sustentável

As características intrínsecas da produção familiar podem ser

associadas às principais necessidades de base para o estabelecimento de uma

agricultura sustentável. A importância estrutural do núcleo familiar, que se

orienta primordialmente à garantia de reprodução social, traz consigo pelo

menos duas decorrências, segundo CANUTTO at al. (1994): uma primeira e

fundamental decorrência é a visão sobre a preservação dos recursos naturais

numa perspectiva, não da próxima colheita, mas das próximas gerações; a

segunda é a versatilidade em manejar os recursos agrícolas disponíveis.

Do ponto de vista produtivo, a experiência adquirida em condições

muitas vezes de limite, confere um caráter de resistência e uma garantia

adicional de continuidade de reprodução desse tipo de agricultura, ou seja, a

produção familiar camponesa. Ademais, existe, nesse caso, um maior controle

no processo de trabalho, que permite tratar adequadamente os processos

biológicos, climáticos, edáficos e de reprodução dos cultivos agrícolas, o que

equivale a dizer que a produção de base familiar possui uma habilidade nada

desprezível para “lidar” com a complexidade de um ecossistema.

190

Num sentido complementar, dada a disponibilidade relativa de mão-de-

obra e facilidade na sua alocação para tarefas agrícolas que exigem um trato

artesanal, a produção familiar apresenta-se com grande potencial para

alternativas agroecológicas no campo e, ainda, para a garantia da

sustentabilidade da própria agricultura.

Diferentemente da produção capitalista, em que as opções

tecnológicas se definem em função de um objetivo único e comum para todos

os produtores – a rentabilidade econômica –, as unidades de produção familiar

organizam-se internamente e estabelecem as suas ações em função da

reprodução do grupo familiar.

Na produção familiar, os objetivos e os critérios de rentabilidade

dependem das características do grupo familiar, ou seja, as unidades

produtivas organizam-se internamente de acordo com a disponibilidade de

recursos (mão-de-obra, capital, terra, etc), segundo as relações sociais às

quais estão submetidas (proprietários individuais, meeiros, arrendatários, etc),

seu grau de integração com setores urbano-industriais, bem como segundo as

condições conjunturais com que produzem (acesso a crédito agrícola,

flutuações de preços). Entretanto, apesar das diferenciações internas e

externas, o produtor familiar, geralmente, não prioriza o interesse de maximizar

os lucros, mas, sim, de otimizar a jornada de trabalho e de minimizar os riscos.

Por outro lado, mesmo reconhecendo a presença de uma racionalidade

camponesa, aglutinadora das unidades de produção familiar, faz-se necessária

uma abordagem que leve em consideração a diversidade de formas de

191

ocupação do espaço, dos recursos e dos critérios de decisão dos produtores

familiares.

Considerando como pressuposto para um projeto de mudança na

agricultura a sustentabilidade a longo prazo, devem-se definir as necessidades,

limites e potencialidades dos produtores-alvo, em cada situação.

WHITE (apud SILVEIRA e DALMORA, 1993) enfatiza que qualquer

tomada de decisão sobre possíveis mudanças deve derivar do conhecimento

prévio do modo pelo qual os atores envolvidos no processo de implementação

das alternativas estão gerindo os recursos de que dispõem.

Desse modo, a pesquisa sobre sistemas de produção tem uma

contribuição relevante na busca de alternativas para a agricultura familiar. Os

sistemas de produção fornecem o diagnóstico da realidade, além das ações

passíveis de implementação, isto porque representam uma combinação

coerente, no espaço e no tempo, dos fatores de produção – Terra, Trabalho e

Capital –, tendo em vista a obtenção de diferentes produtos agrícolas. Além

disso, a combinação destes fatores traduz a racionalidade socioeconômica

adotada pelo produtor para adequar objetivos e condicionantes internos e

externos às unidades de produção.

Para NEUMANN (1993), um dos grandes aspectos fundamentais a ser

considerado nas ações de pesquisa e nas políticas a respeito do

desenvolvimento sustentável na agricultura, reside no conhecimento da

racionalidade do produtor familiar, a qual permeia as suas decisões produtivas.

E mais, segundo o autor, o problema não reside somente em oferecer a cada

192

tipo de agricultor as técnicas e os conhecimentos mais apropriados a cada

situação, mas sim, em conceber e criar novas condições que façam com que

eles (os produtores rurais) tenham interesse em adotar sistemas de produção e

práticas alternativas. Para que isso aconteça, é preciso que algumas condições

e políticas favoráveis permitam a implantação deste modo de produzir e de

organizar a produção.

Forjar estas condições, diz respeito ao Estado e à sua função de

responsável pelas políticas agrícolas adequadas à agricultura familiar; ao

mercado e à sua forma de organizar e garantir a comercialização dos produtos

agrícolas; à pesquisa de tecnologias voltadas ao produtor familiar, uma vez

que, para competir no mercado capitalista, há que se buscar alternativas

tecnológicas apropriadas à sua realidade econômica e ecológica; e ainda, a

mudanças na ideologia vigente, que deverá incorporar a dimensão ambiental,

juntamente com as dimensões socioculturais e econômicas.

Por fim, ALTIERI reforça a participação dos produtores rurais nesse

processo, quando afirma que,

... é evidente, então, que os requisitos de uma agricultura sustentável englobarão aspectos técnicos, ambientais, institucionais e políticas agrárias, pois há uma grande necessidade de que os planos de desenvolvimento agrícola coincidam com as necessidades do pequeno agricultor. (ALTIERI, 1995, p. 385)

Deve-se levar em consideração, nessa discussão, que o

desenvolvimento da agricultura se produz em conseqüência de uma

multiplicidade de fatores e que um maior conhecimento do contexto agrícola

193

requer o estudo das relações entre os sistemas agrícolas, o meio ambiente e a

sociedade. É, pois, dessa profunda concepção de desenvolvimento que se

abrirão as portas às novas opções de gestão, mais adequadas e adaptadas

aos objetivos de uma verdadeira agricultura sustentável.

4.5 Estratégias alternativas para os produtores familiares

O meio ambiente não representa somente a base e o entorno de sua

estrutura de produção, mas uma dimensão abrangente, relacionada à

totalidade da vida do agricultor e fundamento da lógica de reprodução social da

família. Em geral, esta lógica reprodutiva é assegurada pelo fato de destinar-se

importante parte da produção para o consumo interno e pela determinação em

permanecer na terra; em resumo, pelo esforço em manter a autonomia.

Nesse sentido, identifica-se na produção familiar um grande potencial

com vistas ao novo patamar que conduz à sustentabilidade dos agrossistemas.

Seguindo essa mesma linha filosófica, a agricultura sustentável, de base

familiar, apresenta-se como alternativa ao modelo convencional (capitalista).

Ou seja, a agricultura sustentável é aquela que reduz, através de novas

técnicas de práticas agrícolas, o uso de insumos químicos, tendo como objetivo

central a sustentabilidade dos agroecossistemas. Outras perspectivas mais

radicais enfatizam uma maior proteção à saúde e ao meio ambiente, garantindo

a produtividade a longo prazo, e não procurando a maximização imediatista,

própria do modo de produção capitalista. (SILVEIRA e DALMORA, 1993)

194

Torna-se, então, necessária a criação de estratégias alternativas,

interessadas na compatibilidade simultânea da viabilidade econômica, da

eqüidade social, da autonomia tecnológica e da conservação ambiental, num

único projeto de desenvolvimento rural sustentável – tendo como alvo as

propriedades familiares. Sabe-se que, apesar das dificuldades econômicas e

das contrariedades políticas que o produtor familiar tem enfrentado ao longo

dos anos, é, sem dúvida, devido à sua excepcional capacidade de adaptação

que a agricultura familiar resiste ao jogo contraditório do próprio capitalismo.

Como bem diz GORENDER, apud STÉDILE:

O desenvolvimento do capitalismo, em seu conjunto, não pode dispensar o setor da pequena produção agropecuária familiar. Sem ele, os alimentos se tornariam ainda mais caros e a força de trabalho urbana teria de ser paga com salários monetários mais altos, comprometendo a acumulação capitalista industrial. (GORENDER, apud STÉDILE, 1994, p. 42-3)

Ao se falar, portanto, em desenvolvimento rural sustentável, é preciso

(re)conciliar aspectos econômicos e sociais aos aspectos que se referem aos

recursos naturais e à própria capacidade dos diferentes ecossistemas, em

responder à demanda a que lhes submete a sociedade humana.

Sem dúvida, a agricultura desenvolvida de forma intensiva e com

utilização maciça de insumos químicos e tecnológicos tem provocado impactos

ambientais de magnitude considerável. Para contrapor-se à evolução deste

processo, surgem novas demandas de natureza econômica, tecnológica e

sociocultural, com propostas de agricultura alternativa.

195

Pode-se dizer que a chamada agricultura alternativa está baseada em

processos agroecológicos de produção, os quais deverão contemplar os

seguintes elementos: a) a manutenção, a longo prazo, dos recursos naturais e

da produtividade dos solos; b) o mínimo de impactos adversos ao meio

ambiente e à sociedade (por exemplo, a contaminação das reservas hídricas e

do solo pelo uso constante de agrotóxicos, a devastação florestal para dar lugar

às lavouras de monoculturas, entre outras); c) o retorno satisfatório aos

produtores (preços dos produtos agrícolas, políticas agrícolas, assistência

técnico-científica, ...); d) a otimização da produção com um mínimo de insumos

externos à propriedade; e) a satisfação das necessidades básicas de consumo

das famílias (alimentos, vestuário, educação, saúde, lazer); f) a valorização da

herança cultural dos produtores rurais, visando ao fortalecimento das ações

comunitárias; e, por último, g) o privilégio à busca da eqüidade social. (SACHS,

1986)

Na busca de alternativas para a agricultura, a produção familiar torna-

se alvo prioritário das novas propostas de sustentabilidade, a fim de que, dadas

as condições agroecológicas restritivas, essa não venha a tornar-se inviável

economicamente.

Tomando como referência a proposta de ALTIERI (1998), entende-se

que o processo de transição dos sistemas de cultivo empregados na agricultura

convencional, para sistemas agroecológicos, não se resume apenas na retirada

dos chamados insumos externos, mas também na adoção de “medidas

compensatórias” que mantenham os índices de produtividade da agricultura.

196

Segundo o autor, a conversão do sistema convencional em um sistema

alternativo de baixo uso de insumos, pode levar de um a cinco anos,

dependendo do grau de artificialização e/ou degradação do ecossistema

original. Além disso, devem ser observadas quatro fases distintas nessa

transição de um manejo para outro, a saber: 1º) retirada progressiva dos

produtos químicos; 2º) racionalização e melhoramento da eficiência no uso de

insumos modernos; 3º) substituição de insumos, utilizando tecnologias

alternativas e de baixo consumo energético (por exemplo, manejo integrado de

pragas, manejo integrado de nutrientes, adubação orgânica, plantio direto,

entre outros.); 4º) replanejamento do sistema agrícola atual, visando a uma

maior diversidade de cultivos e, ainda, uma integração entre lavoura e criatório

animal. (Ver FIGURA 3)

FIGURA 3 ETAPAS DA CONVERSÃO DO SISTEMA CONVENCIONAL PARA O SISTEMA AGROECOLÓGICO.

TEMPO

Fonte: ALTIERI, M., 1998, p. 71.

CONVENCIONAL ORGÂNICA

Eliminação progressiva

de insumos

Uso eficaz de insumos

Substituição de insumos

Replanejamento

do sistema

PR

OD

UT

IVID

AD

E

AUMENTO DA BIODIVERSIDADE

197

ALTIERI (1998) observa que, em alguns casos, durante o período

inicial de conversão, é comum registrar-se queda na produção e,

conseqüentemente, na renda líquida das unidades produtivas. Entretanto, as

avaliações econômicas recentes demonstram que os benefícios dos sistemas

orgânicos podem exceder os lucros proporcionados pelos sistemas

convencionais, uma vez que os custos com os insumos da agricultura ecológica

(ou orgânica) são menores. Se essa contabilidade for comparada durante mais

de dois anos, conforme afirma o mesmo autor, o retorno líquido para os

produtores agroecológicos será aproximadamente 22,4% maior que o obtido

pelo manejo convencional. (Ver FIGURA 4)

FIGURA 4 MODELO ILUSTRATIVO DA DINÂMICA DA RENDA DO AGRICULTOR DURANTE A CONVERSÃO PARA O MANEJO

AGROECOLÓGICO (EM DÓLARES POR HECTARE).

Fonte: ALTIERI, M., 1998, p. 73.

manejo convencional

perdas atuais

manejo agroecológico

Tempo

(ganhos futuros)

R

en

da

bru

ta (

$/h

a)

198

Por outro lado, convém ressaltar a importância de haver políticas de

incentivos e/ou subsídios para atender os produtores que adotam o modelo

alternativo de produção na agricultura, a fim de que estes possam ter garantida

a sua manutenção na atividade agrícola, enquanto esperam seus sistemas

produtivos gerarem os ganhos garantidos pelo modelo agroecológico de

desenvolvimento.

Após um amplo processo de degradação ambiental, em razão de um

modelo de exploração inadequado, a passagem para uma agricultura

sustentável exige, como primeiro passo, a recuperação da produtividade dos

ecossistemas. Esta transição já ocorre em algumas regiões do Brasil e em

graus variados.

No Rio Grande do Sul, é cada vez maior a implantação de alternativas

como, por exemplo, a chamada de “insumos reduzidos”, que busca a

substituição parcial dos insumos químicos e das fontes renováveis de energia,

diminuindo os custos de produção. Para viabilizarem-se economicamente, as

unidades de produção familiares adotam práticas de recuperação dos

agrossistemas, destacando-se o plantio direto e o manejo integrado de pragas.

(SILVEIRA e DALMORA, 1993)

Em muitos casos, começa a delinear-se o que alguns pesquisadores

chamam de “exploração mista”, na qual o produtor associa práticas da

agricultura convencional (insumos químicos), com a agricultura orgânica

(adubação orgânica, controle biológico de pragas, ...)

199

Independentemente de como são chamadas as “tecnologias” ou

“práticas” alternativas, enfatiza-se a utilização do fator conhecimento – ou seja,

o saber camponês, adquirido culturalmente ao longo das gerações, ou aquele

conhecimento apropriado pelos agricultores através da difusão da pesquisa

sobre os ecossistemas.

Neste sentido, as práticas alternativas priorizam o ser humano sobre os

recursos materiais e melhoram a formação do produtor para que ele esteja em

condições de usar racional e eficientemente as potencialidades do meio,

substituindo, até onde seja possível, os insumos externos à unidade de

produção pelos recursos próprios e, principalmente, valorizando seus

conhecimentos empíricos.

Ao se enfatizar o uso de tecnologias alternativas, não se está

argumentando contra os sistemas e pesquisas sobre tecnologias sofisticadas;

desde que estas sejam adequadas às condições econômicas e sociais dos

produtores, e não ofereçam riscos ao meio ambiente, não podem ser

consideradas restritivas à produção familiar. Na realidade, a busca de uma

agricultura sustentável deve contemplar os avanços do conhecimento científico

moderno, conjugados com elementos e aprendizagens do conhecimento

tradicional e dos sistemas naturais.

Com o advento da informática e da biotecnologia na agricultura, o

dilema não está na rejeição das modernas tecnologias, mas no modo de

transferi-las e adaptá-las às condições ecológicas, econômicas, sociais e

culturais dos agricultores.

200

Cabe aos pesquisadores, técnicos e produtores, a busca dos meios

que viabilizem a difusão e adoção desse projeto de sustentabilidade para a

agricultura, bem como de uma avaliação sistemática de suas conseqüências e

da sua coerência em relação aos objetivos pretendidos pelos agentes sociais

envolvidos nesse processo.

Faz-se necessária, assim, uma abordagem que leve em consideração

a diversidade de situações das unidades de produção familiar e torne

complementares as ações da pesquisa e extensão rural. Em suma, um enfoque

que não priorize os interesses econômicos e políticos de grupos que vêem na

atividade agrícola a possibilidade de lucro a curto prazo, mas o produtor e sua

família, na tentativa de garantir a sua reprodução social a longo prazo.

Ao longo das últimas décadas, dado o desenvolvimento das atividades

agrárias calcado em ações e concepções de cunho meramente econômico,

processaram-se graves e severos danos ambientais e sociais no espaço

brasileiro.

Parece que, ao contrário das expectativas, a experiência dos últimos

anos deixou claro que a agricultura capitalista baseada na monocultura,

tecnologias avançadas e maciços investimentos em insumos químicos não têm

sido capazes de sustentar a base de recursos naturais e de garantir a

qualidade de vida da população rural e urbana.

Hoje, sabe-se que a extensão territorial e as riquezas naturais não são

mais os únicos elementos que constituem a grandeza das nações. O poder das

sociedades está cada vez mais centrado no seu desenvolvimento cultural e

201

científico. A agricultura do futuro, conforme já preconizam os especialistas, vai

depender muito mais de uma postura inteligente por parte daqueles que com

ela estão envolvidos, do que da própria qualidade da terra.

Em vista disso, BRINCKMANN (1995) afirma que, ao se pensar em

propostas para a manutenção e garantia da sustentabilidade ambiental, e para

o desenvolvimento rural sustentável, deve-se partir dos seguintes princípios:

1º) criar modelos de gestão compatíveis com a satisfação das

necessidades dos seres humanos, em nível local (rural e urbano), regional e

global; e, ainda, compatíveis com as necessidades dos demais fatores

ambientais;

2º) propor atividades de gestão com ótica participativa e orientada para

as comunidades locais;

3º) garantir o total comprometimento dos gestores (agricultores,

técnicos, empresários, políticos, entre outros) com os conceitos essenciais do

desenvolvimento sustentável, que são a força motriz desse processo;

4º) promover e difundir a consciência ecológica na gestão empresarial

e territorial.

Por outro lado, não se pode deixar de considerar, como o fazem outros

autores, entre eles KITAMURA (1993) que a implantação de uma estratégia de

desenvolvimento sustentável traz para a discussão diversos questionamentos,

entre eles: um, do ponto de vista ambiental, que pergunta até que ponto a

adoção de práticas ambientalmente saudáveis implicariam mudanças radicais

na estrutura de produção na agricultura, e em que medida estas afetariam os

202

lucros das atividades agrícolas a curto e longo prazo; da mesma forma,

questiona-se sobre a eqüidade social na distribuição dos resultados da

agricultura, disto resultando a necessidade de mediação do Estado para

conseguir-se a reestruturação das condições de acesso e uso dos recursos

naturais, e a reestruturação das condições de acesso físico e econômico aos

benefícios da agricultura. Sem dúvida, isso implica vontade política para

implantar mudanças estruturais nos projetos de desenvolvimento voltados à

agricultura.

Diante desse contexto, acredita-se que a produção familiar na

agricultura representa o espaço que possui as condições adequadas para

realizar a transição para um processo de desenvolvimento rural sustentável.

O conhecimento empírico dos produtores familiares, relacionado às

condições climáticas, ao solo, à vegetação, aos ciclos naturais, pode ser mais

bem aproveitado em práticas alternativas na agricultura.

Hoje, a descoberta cada vez maior da dimensão ecológica na prática

agrícola permite uma melhor utilização da própria natureza no controle de

invasores através de inimigos naturais, predadores, espécies concorrentes, etc.

A pesquisa desenvolve a luta integrada, que emprega meios físicos, químicos e

biológicos. Todavia, essas ações ainda serão, salvo exceções,

complementares ao uso dos produtos químicos. Mas, mesmo nessa hipótese, a

pesquisa tem viabilizado uma maior racionalização e economia no uso desses

produtos.

203

A consagração dos resultados obtidos através do controle biológico na

soja e na cana-de-açúcar está viabilizando, também, novas perspectivas para

várias culturas alimentares. E, mesmo o combate às ervas daninhas, cujo papel

na conservação dos solos foi redescoberto, está sendo pesquisado a partir das

leis da fitodinâmica vegetal que regem estas comunidades. Até o ano 2000,

talvez os agricultores possam ter reduzido o uso de herbicidas e capinas em

favor da aplicação de fungos, combinada com uma gestão de adubação verde

e rotações culturais, feitas num solo ecologicamente manejado.

Algumas experiências têm demonstrado que a viabilização econômica

e social da produção familiar deve basear-se em propostas que aliem a

produção agrícola com a conservação dos recursos naturais.

Em vários Estados do Brasil, já é possível observar produtores

familiares que vêm utilizando tecnologias alternativas. A produção de sementes

próprias, aliada à utilização da adubação orgânica, adubação verde,

conjugadas com práticas de conservação de solo e com a não-utilização de

agrotóxicos, possibilitam a esses produtores a diminuição dos custos de

produção, uma maior produtividade, o melhor aproveitamento dos seus

recursos naturais, o respeito à saúde dos agricultores e consumidores e,

conseqüentemente, uma melhor relação com o meio ambiente.

Essas conquistas tecnológicas têm uma alta significância para os

consumidores urbanos, que se preocupam, cada vez mais, com a qualidade

dos produtos oferecidos. Na vanguarda dessas questões, a população

organizada impõe normas e até restrições legais ao uso e manejo de

204

praguicidas agrícolas. Essa realidade está sendo cada vez mais considerada

nos centros de pesquisa.

Sabe-se que o sistema de pesquisa e os serviços de assistência

técnica e extensão rural foram montados e atuaram tendo como modelo o

padrão tecnológico da agricultura americana e da chamada “Revolução Verde”.

Porém, posteriormente, devido, em parte, às críticas que recebeu, o sistema

EMBRAPA-Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária abriu um espaço um

pouco maior para a pesquisa de técnicas não-convencionais, destinadas à

agricultura familiar.

A razão principal para a utilização de práticas agrícolas ditas

apropriadas à produção familiar, reside no fato de que, somente onde existe

disponibilidade de trabalho familiar, é possível tornar mais complexo e mais

intensivo o sistema produtivo.

Trata-se, na verdade, do aprimoramento de práticas utilizadas

tradicionalmente pela agricultura familiar no Brasil. Cabe destacar a rotação de

culturas, que nada mais é do que um modo eficiente de se obterem os

benefícios ecológicos da associação de culturas (diversidade e,

conseqüentemente, redução da susceptibilidade ao ataque de pragas).

Também o controle integrado de pragas, que não exclui totalmente o uso de

praguicidas, mas reserva seu uso como alternativa na ausência de um

controlador biológico eficiente. Mais importante, ainda, é notar que o controle

químico tende a se tornar pontual e não sistemático.

205

Outro fator que conduziu à diminuição no consumo de insumos

industriais foi a forte redução da disponibilidade de crédito rural, que teve um

impacto mais decisivo sobre os produtores familiares. À medida que o efeito da

degradação dos ecossistemas agrícolas sobre os custos de produção eram

minimizados pelo forte subsídio à compra de insumos e equipamentos, sua

progressiva eliminação tornou esse segmento mais suscetível a práticas menos

agressivas ao meio ambiente.

Se quisermos evitar milhares de intoxicações anuais, as mortes e

mutilações, bem como todos os outros problemas ambientais que estão

crescendo e aparecendo todos os dias, é urgente que se modifiquem as

políticas científicas e agrícolas. Torna-se necessário, ainda, maximizar os

mecanismos de controle e fiscalização das normas de segurança, a fim de se

evitarem, pelo menos em parte, os efeitos danosos dos praguicidas. Essa seria

uma forma mais correta de, como diz o slogan de uma grande empresa, “pôr a

química a serviço da vida”.

Enfim, não se trata apenas de “resgatar” a tradição das práticas dos

agricultores, muitas vezes já inadequadas às novas condições ambientais,

econômicas, fruto das transformações recentes na ocupação do espaço rural.

Não se trata, também, apenas de conhecer a cultura popular, com o interesse

restrito de transformá-la. Trata-se, sim, de identificar as inovações e

adaptações idealizadas e executadas pelos produtores familiares frente às

modificações a eles impostas pelo universo ecológico e econômico que os

cerca e está em constante mutação.

206

Em outras palavras, como bem expressa BRINCKMANN, é a partir da

produção familiar

... que se poderá encarar o desenvolvimento sustentável como um processo de aprendizagem da sociedade, orientado para a identificação e satisfação, em base sustentável, das necessidades humanas, materiais e não-materiais, social e culturalmente determinadas. (BRINCKMANN, 1995, p. 68)

Em suma, o desenvolvimento sustentável tem como ênfase a busca da

sobrevivência do homem a longo prazo. No entanto, é possível captar

diferentes percepções acerca das estratégias propostas para a sustentabilidade

dos ecossistemas e da sociedade. Essas diferenças não são mais do que

reflexos da própria diversidade ambiental e das expectativas e interesses dos

grupos sociais em relação ao seu uso.

Vale dizer, finalmente, que, mesmo partindo de perspectivas diferentes,

centradas mais na biologia, na economia, nos aspectos sociais, culturais ou

políticos, há praticamente consenso de que o objetivo final é sempre o homem,

não fazendo sentido a sustentabilidade da biosfera sem a presença deste.

(KITAMURA, 1993)

Dessa forma, apesar das incertezas que permeiam a idéia de

sustentabilidade dos sistemas agroecológicos, o grande desafio é atingir a

compreensão das diversas formas de organização adotadas pela produção

familiar, a partir da sistematização dos condicionantes ecológicos, econômicos,

socioculturais e políticos presentes na mesma.

207

Por fim, cabe reconhecer os argumentos relevantes que identificam a

produção familiar, particularmente a produção familiar de Santa Silvana –

Pelotas, RS, como detentora de condições necessárias à implementação de

um processo de transição rumo à agricultura sustentável.

V A ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO FAMILIAR EM SANTA

SILVANA – MUNICÍPIO DE PELOTAS – RS

Parece ser característica de la naturaleza humana que la gente aprende más efectivamente de errores – tanto propios como ajenos – que de éxitos. Revelar nuestros errores puede ser penoso, pero debemos hacerto para que otros puedam evitarlos. (BUNCH, R. apud BROSE, M., 1999, s.p)

5.1 Caracterização geral do município de Pelotas – RS

O município situa-se próximo ao Oceano Atlântico e às maiores lagoas

do litoral brasileiro: dos Patos e Mirim. (Ver FIGURA 5)

A posição litorânea não só contribui para o desenvolvimento da cidade

como centro comercial mas, também, influi no clima do município, tornando-o

úmido e regular, isto é, sem alterações bruscas de temperatura e sem frio ou

calor muito intensos. A temperatura média anual em Pelotas é de 17,6 graus

centígrados. A amplitude anual é relativamente baixa (10,6 graus), pois a

média de julho, mês mais frio, é de 12,4 graus, e a de janeiro, mês mais

quente, é de 23 graus. (ROSA, M., 1985)

209

FIGURA 5 MAPA DA LOCALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE PELOTAS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E NA MICRORREGIÃO

DA LAGOA DOS PATOS – 317

210

O município de Pelotas apresenta duas feições fisiográficas distintas,

ou seja, uma área de terrenos planos (parte da chamada Planície Costeira) e

outra de relevo mais ondulado (região denominada Encosta da Serra do

Sudeste). (Ver FIGURA 6)

A formação geológica da área de planície é constituída por sedimentos

recentes de origem fluvio-lacustre, arenosos em sua maioria.

Metade do município se inclui na planície costeira gaúcha, sendo, por isso, uma paisagem plana e baixa, resultante da sedimentação recente, que corresponde à faixa contígua ao canal São Gonçalo e a Lagoa dos Patos. (ROSA, M., 1985, p. 57)

Historicamente, essa área foi destinada à instalação das estâncias e

charqueadas. No contexto socioeconômico atual, a estrutura fundiária

permanece baseada nas grandes propriedades rurais e tem a utilização da

terra destinada às lavouras empresariais de arroz e à pecuária de grande porte.

A outra porção do município caracteriza-se por apresentar altitudes

mais elevadas (até 300 m), onde a declividade dos terrenos torna-se mais

acentuada. Os solos nessa área são oriundos da decomposição de rochas

cristalinas, como, por exemplo, granitos, gnaisses, basaltos, etc.

Cerca da metade da área municipal faz parte da Serra do Sudeste do Rio Grande do Sul, representada, em Pelotas, por uma parcela da Serra dos Tapes. Trata-se da paisagem suavemente ondulada e mais elevada de morros, correspondente ao núcleo do Escudo Cristalino Sul-rio-grandense e característica de todo o inteior do município, sobretudo da parte noroeste. (ROSA, M., 1985, p. 57)

211

FIGURA 6 MAPA DA MORFOLOGIA DO RELEVO

DO MUNICÍPIO DE PELOTAS – RS

212

Essa área de serras foi ocupada por imigrantes não-portugueses

(italianos, franceses. alemães, pomeranos, entre outros), a partir da segunda

metade do século XIX. O processo de organização espacial e territorial, como

decorrência do traçado dos antigos lotes destinados aos imigrantes, propiciou o

desenvolvimento da agricultura familiar baseada na pequena propriedade,

tendo como traço marcante um sistema produtivo baseado na policultura.

Forma-se, desse modo, a chamada área colonial de Pelotas. De uso

corrente até hoje, o significado da palavra colônia vincula-se à história das

áreas que foram alvo de povoamento com imigrantes europeus no sul do

Brasil. O termo colônia, como observa SEYFERTH, G.

(...) designa toda a região colonizada ou área colonial, ou seja, o conjunto de lotes de uma área previamente estabelecida pelo governo, juntamente com um núcleo populacional mais denso (a vila), servindo como sede administrativa e local onde se realizam os serviços religiosos, comércio, vida recreativa. Com o mesmo têrmo – colônia – os imigrantes alemães e seus descendentes designavam a pequena propriedade agrícola de uma família. (SEYFERTH, G., 1974, p. 54)

Portanto, o município de Pelotas, tanto do ponto de vista das suas

características físicas, quanto dos aspectos socioeconômicos, apresenta duas

paisagens geográficas distintas: a paisagem “serrana”, mais elevada e

ondulada, corresponde à colonização européia não-portuguesa, principalmente

de alemães e pomeranos, formando a área de produção familiar. E a paisagem

de planícies baixas e planas, representa a produção empresarial, baseada na

orizicultura e na pecuária, cuja composição étnica é predominantemente de

luso-brasileiros.

213

Nos 2.205 km2 que compreendem a área total do município, existem

4.137 estabelecimentos rurais, que totalizam 147.686 hectares, segundo dados

do Censo Agropecuário do IBGE 1995 / 1996.

Os dados da TABELA 5 mostram a distribuição dos estabelecimentos

segundo os grupos de área. Como se pode perceber, 92,5% dos

estabelecimentos rurais do município têm até 50 hectares, ocupando uma área

de 44,5% do total da área dos estabelecimentos.

TABELA 5 ÁREA DOS ESTABELECIMENTOS E NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS POR GRUPOS DE ÁREA NO

MUNICÍPIO DE PELOTAS – RS – 1995/1996

Grupos de Área Área total (ha) Nº de Estabelecimentos

De menos 1 até 50 ha

De 50 a menos 200 ha

De 200 ha a menos de 1000 ha

De 1000 a mais de 10000 ha

65710,107

18892

10529,709

52553,8

4221

286

36

20

FONTE: Baseado no Banco de Dados da Zona Sul-RS. ITEPA – 1999.

Frente aos dados apresentados, pode-se afirmar que esse significativo

segmento, formado por estabelecimentos com até 50 hectares, constitui a

produção familiar da agricultura no município de Pelotas. Esse conjunto

encontra-se organizado em unidades produtivas individuais, onde o processo

produtivo está sob a responsabilidade do chefe e membros da família, sendo

que as principais características desse segmento são a presença da mão-de-

214

obra familiar e um sistema de produção parcialmente especializada para o

mercado.

Atualmente, além da sede municipal, Pelotas encontra-se dividida em

nove distritos. Segundo dados fornecidos pelo Instituto Técnico de Pesquisa e

Assessoria-ITEPA, constata-se que 91,9% da população do Município reside

na cidade de Pelotas e nas sedes distritais (vilas), representando um

acentuado índice de urbanização. Em contrapartida, a população rural é de

apenas 8,1%. (Ver FIGURA 7)

FIGURA 7 POPULAÇÃO RURAL E URBANA

DO MUNICÍPIO DE PELOTAS – RS

FONTE: Banco de dados da zona sul – ITEPA Pelotas: Educat, 1999.

0

20

40

60

80

100

Zona rural

Zona urbana91,9%

8,1%

215

Tais indicadores refletem a situação do município em termos da

concentração populacional urbana e suas consequências socioeconômicas e

ambientais. Na maioria dos casos, quando o crescimento urbano ocorre devido

ao afluxo dos “refugiados do campo”, como diz SACHS (1993), a tendência é

aumentar o déficit de necessidades não-atendidas à população.

É o que se observa na zona urbana de Pelotas, onde a maior parte

dessa população migrante não tem acesso nem à infra-estrutura e serviços

adequados, nem à moradia decente, devido aos altos índices de desemprego e

subemprego, e às baixas rendas per capita.

5.2 A Comunidade de Santa Silvana

Com o objetivo de melhor entender a configuração da produção

familiar, tanto no que se refere à organização interna das unidades produtivas,

quanto às relações desse segmento com os demais setores da economia, e de

encontrar nesse espaço produtivo possibilidades e restrições para uma

proposta de desenvolvimento sustentável, apresenta-se como campo de

análise o 6º distrito de Pelotas, denominado de Santa Silvana. (Ver FIGURA 8)

O distrito de Santa Silvana está localizado na região serrana do

Município, com uma área de 444 km2 e uma população de cerca de 5.600

habitantes.

216

FIGURA 8 MAPA DO MUNICÍPIO DE PELOTAS – DIVISÃO DISTRITAL

Município de Canguçú

Vila Lange

Colônia Z-3

Cerrito Alegre

LAGOA DOS PATOS

Est

.

Quilo

mbo

Est

. Q

uilo

mbo

Quilombo

Rincão da Cruz

2° D

7° D

8° D

3° D

BR 116

Arroio do Padre

10° D

BR 1

16

Município de Morro Redondo Monte

Bonito

Est. Q

uilombo

Cascata

9° D

5° D

BR 392

BR 392

P E L O T A S

ESCALA GRÁFICA

0 1 2 4 6 8 Km

PORTO ALEGRESÃO PAULORIO DE JANEIRO

4° D

BR

116

Legenda:

ÁREA DE ESTUDO

PERÍMETRO URBANO

DIVISÃO DISTRITAL

ESTRADA FEDERAL

ESTRADA MUNICIPAL

SEDE DOS DISTRITOS

Fonte: Prefeitura Municipal de Pelotas - Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (SMUMA) - Secretaria Municipal de Desenvolvimento Rural (SMDR) - Departamento Municipal de Estradas de Rodagem (DMER), 1990.

Município de São Lourenço do Sul

Santa Silvana

6° D

217

Conforme informações obtidas em pesquisa feita anteriormente sobre

essa área21, em torno de 60% da população de Santa Silvana é constituída por

descendentes de imigrantes de origem pomerana, formadores do que pode se

chamar de uma comunidade rural. Nas palavras de ETGES

(...) isto é, ao mesmo tempo, um território definido por oposição dos territórios vizinhos, e um território construído que serve a seus habitantes de residência, de instrumento de trabalho e de quadro de sociabilidade. Este habitat faz coincidir o local de vida e o de trabalho, e combina a vida doméstica e a vida coletiva. (ETGES, V. E., 1991, p. 87)

Ao mesmo tempo em que se observa uma acentuada homogeneidade

étnica nessa comunidade, vale lembrar as considerações de MENDRAS

(1978), quando afirma que, ao observador vindo de fora a impressão é a de

estar entrando num mundo fechado, no qual todos têm em comum a mesma

herança cultural, baseada num mesmo sistema de valores e um mesmo

“instrumental” intelectual e verbal. Portanto, trata-se de uma verdadeira

“comunidade”.

Na realidade, segundo o mesmo autor, é o contraste com a sociedade

envolvente que ressalta a unidade interna, apesar das diferenças existentes

entre os membros formadores de uma comunidade.

21

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS. Valores Culturais da Família de Origem Pomerana no Rio Grande do Sul – Pelotas e São Lourenço do Sul. Coord. Giancarla Salamoni. Pelotas: EDUFPel, 1995.

218

De qualquer forma, essa “aparente” unidade vem sendo mantida entre

os descendentes dos imigrantes através de um código padronizado de valores

culturais (papéis sociais, práticas religiosas, festas comunitárias, hábitos

alimentares, entre outros) e, sobretudo, da manutenção de uma linguagem

comum, expressada, nesse caso, pelo uso do dialeto pomerano.

A comunidade de Santa Silvana tem sua organização espacial formada

por um pequeno aglomerado urbano22, representando a sede distrital, em torno

do qual se encontram localizadas as propriedades rurais de produção familiar

(até 50 ha).

Na sede da comunidade existe uma subprefeitura responsável pela

coordenação e execução de obras públicas, principalmente pela abertura e

conservação de estradas. A infra-estrutura é formada basicamente pela

presença de um estabelecimento comercial, uma central telefônica e um posto

de saúde.

A rede de ensino de Santa Silvana é composta por 12 escolas

municipais de 1º grau incompleto (1ª a 5ª séries), distribuídas pela área rural, e

por uma escola estadual de 1ª a 8ª séries do ensino fundamental, localizada na

sede da comunidade. Os filhos dos agricultores que decidem continuar seus

estudos, precisam deslocar-se até a cidade de Pelotas, distante 53 km da sede

de Santa Silvana.

22

Segundo o IBGE, define-se como situação urbana o conjunto de domicílios recenseados nas áreas urbanizadas, correspondentes às cidades (sedes municipais), às vilas (sedes distritais) ou às áreas urbanas isoladas. (IBGE, 1991)

219

Nessa comunidade, observa-se a existência de uma Igreja Católica e

outra Protestante (Confissão Livre), onde são realizadas as missas e cultos

dominicais. Aliás, é interessante ressaltar que os descendentes de pomeranos

pertencem à chamada Igreja de Confissão Livre.

Para a maioria dos membros da comunidade, esses encontros

dominicais representam os únicos momentos de lazer e descanso e, também, a

realização da sociabilidade entre as famílias dos produtores rurais e os

moradores da sede.

Os salões comunitários, construídos ao lado das Igrejas, são presença

marcante na comunidade. Esses locais são destinados à realização de festas

típicas (festa da colheita, quermesse e o “Stipper”23), além de casamentos e

batizados.

Essas festas comunitárias são, na verdade, um elemento característico

da cultura pomerana. A fartura de pratos originários da culinária trazida pelos

imigrantes se mantém até hoje, como o ganso defumado, carne de porco e

muitos doces, sendo servidos por ocasião dos festejos comunitários.

Recentemente, em 1998, foi inaugurado em Santa Silvana, um museu

etnográfico da cultura pomerana, fruto do trabalho de pesquisa e extensão

realizado por uma equipe multidisciplinar de pesquisadores da Universidade

Federal de Pelotas.

23

É assim chamado pelos pomeranos o ritual religioso e festivo da "Serenata da Páscoa". No sábado de Aleluia um grupo de homens veste roupas femininas e pinta os rostos e mãos. Em silêncio, deslocam-se em procissão, visitanto as casas dos descendentes dessa etnia; na chegada saúdam os moradores anunciando a Ressurreição de Cristo, tocando instrumentos musicais e cantando hinos religiosos. (Ver UFPel, 1995)

220

Sabe-se, assim, que essa comunidade, formada a partir de uma rede

de relações sociais, culturais, econômicas e territoriais, encontra-se hoje

fundamentada nas atividades desenvolvidas pelos produtores familiares, esses

os verdadeiros agentes do desenvolvimento presente na área.

A organização das unidades de produção teve sua origem na

implantação da agricultura colonial pelos imigrantes:

O conjunto unidade de produção-família como sistema finalizado, onde as decisões tomadas são consideradas como meios de adequar, por um lado, os objetivos (o mais geral é a reprodução da unidade de produção e da família) e, por outro lado, os condicionantes referentes ao meio socioeconômico externo. (NEUMANN, P., 1993, p. 67)

Entretanto, a partir da década de 50, revertendo o quadro de uma

agricultura colonial que se baseava na consolidação de uma estrutura produtiva

capaz de assegurar, acima de tudo, a subsistência dos membros da família

(através da apropriação direta dos frutos de seu trabalho), vem ocorrendo em

Santa Silvana uma tendência crescente em direção à especialização produtiva

voltada para o mercado industrial.

Como apresenta QUESADA,

Se, no passado a pequena propriedade sustentava-se no policultivo, intensificando a reciclagem de seus recursos locais (com baixo custo), hoje dela é exigida uma produção especializada, capaz de fazer frente às economias de escla mais capitalizadas. E a especialização, com menor eficiência energética, vem sendo acompanhada de severos desajustes nos padrões de utilização de mão-de-obra, uma vez que os novos processos são poupadores do fator humano. Soma-se a isso o fato de que, antes, a família rural possuía tarefas mais equilibradas, distribuídas ao longo do ano, fruto da diversificação de cultivos. (QUESADA, G. M. et al., 1991, p. 17)

221

O marco fundamental desse processo, em Santa Silvana, foi a

introdução do cultivo do fumo, que se constitui em matéria-prima para as

indústrias de cigarros e empresas de exportação de fumo em folha. Essa fase

de mudanças no sistema produtivo coincide com o que as recentes publicações

sobre agricultura no Brasil mencionaram como - Revolução Verde.

De forma sintética, os diversos autores24 asseguram que a formação

dos chamados Complexos Agroindustriais - CAI’S passa a orientar os

processos de produção no agro brasileiro. De setor responsável pelo

fornecimento de alimentos e matérias-primas, a agricultura converte-se,

também, em mercado consumidor dos produtos industriais, envolvendo

máquinas, equipamentos, insumos químicos, enfim, o conjunto de elementos

que definem o modelo tecnológico moderno.

Gradativamente, os produtores familiares de Santa Silvana passam a

incorporar a chamada industrialização da agricultura e modificam os sistemas

de produção através da substituição dos produtos tradicionalmente cultivados,

os quais cedem espaço para o cultivo de fumo. Ao lado disso, os produtores

vão perdendo as atitudes e práticas herdadas dos seus antepassados e

passam a adotar os pacotes tecnológicos repassados pelas indústrias

fumageiras.25

24

Sobre esse assunto, ver especialmente MÜLLER, G. (1985) e (1989); SORJ, B. (1980); WILKINSON, J. (1975) 25

ANJOS (1995) explica que o agricultor introjetou a idéia de que "plantar na técnica" está sempre em oposição ao modo tradicional de produzir, como se não pudessem ser complementares entre si. Por exemplo, usar o esterco de vaca é visto como uma prática ultrapassada, em relação ao adubo químico divulgado pela indústria.

222

Nesse caso, as indústrias utilizam-se da assistência técnica para

alterar os antigos conceitos dos agricultores quanto às formas de cultivar a

terra. Como explica SILVA,

Um bom exemplo é o caso dos pequenos produtores de fumo do Rio Grande do Sul, ligados por contratos às grandes empresas multinacionais do setor. Estas apropriam-se do ‘saber camponês’ dos produtores de fumo, através da contratação de técnicos, filhos de pequenos produtores, gerando assim uma tecnologia adequada àquela relação de dominação que as empresas multinacionais tinham interesse em estabelecer. (SILVA, T.G., 1993, p. 15)

Paralelamente, na ânsia de adequar a produção às exigências do

padrão industrial, tanto em termos de produtividade da terra como do trabalho,

os produtores familiares tornam-se dependentes de insumos técnicos e

químicos de origem externa à propriedade.

CHAYANOV traduz esta vinculação ao mercado industrial e comercial

quando expõe que,

a “máquina comercial” interessada numa qualidade normal de mercadorias que reúne, também começa a interferir ativamente na organização da produção. Dita as condições técnicas, adota sementes e fertilizantes, determina a rotação e converte seus fornecedores em executores técnicos de seus objetivos e seu plano econômico. (CHAYANOV, A.V., 1974, p. 310-11)

Além da perda de autonomia frente ao processo produtivo, pode-se

dizer que a fumicultura em Santa Silvana restringe o desenvolvimento

sustentável da agricultura, na medida em que os níveis de produtividade e

rendimentos econômicos são obtidos às custas de enormes desperdícios

energéticos e da aceleração do processo de degradação ambiental.

223

Por outro lado, identifica-se na produção familiar dessa área um

enorme potencial com vistas ao novo patamar que conduz à sustentabilidade

dos agroecossistemas.

Evidentemente, esse processo de transição exige mudanças nas

tomadas de decisão por parte dos produtores familiares. Em linhas gerais,

O conceito de viabilidade econômica na unidade de produção familiar não pode ser definido apenas por critérios econômicos; a estes devem ser acrescidos critérios sociais e ecológicos. (SILVEIRA, P. e DALMORA, E., 1993, p. 68)

Para melhor entender as singularidades da organização da produção

familiar, tornou-se necessário incorporar, às analises teóricas, a caracterização

empírica da realidade agrária da comunidade de Santa Silvana,

especificamente dos produtores de fumo.

Procurando avançar nesse sentido, pensou-se em entrevistar todos os

produtores rurais existentes no Distrito de Santa Silvana. Mas, após uma

consulta prévia aos cadastros do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de

Pelotas, abandonou-se esta idéia. Segundo essa fonte, encontram-se, na área

em questão, em torno de 700 produtores. Em vista disso, tal procedimento

ficou inviabilizado, dada a escassez de recursos financeiros e humanos, e a

própria disponibilidade de tempo para executar a tarefa.

Como alternativa, procedeu-se a um levantamento amostral referente a

80 produtores,no qual cada um deles representa uma unidade de produção

familiar, sendo, dessa forma, possível traçar um perfil quantitativo e qualitativo

224

destes. As informações foram obtidas através de contatos diretos, sob a forma

de entrevistas semi-estruturadas com as famílias. (Ver ANEXO 1)

Para proceder-se à escolha dos 80 produtores a serem entrevistados,

fez-se uma amostragem intencional baseada nos seguintes critérios:

1º) Os produtores deveriam estar localizados exclusivamente no distrito

de Santa Silvana - 6º distrito do Município de Pelotas;

2º) Os entrevistados deveriam ser de origem pomerana, conforme

identificação feita durante a realização de pesquisa antecedente26;

3º) Por último, deveriam ser identificados como sendo um produtor

familiar “típico”, isto é, um proprietário individual de sua terra, que trabalha

auxiliado pelos membros da família e, com eles, forma a unidade produtiva.

Nesse caso, em termos conceituais e empíricos, toma-se a “unidade

produtiva” como unidade básica de análise, tendo em vista que esta constitui o

espaço de produção, consumo e reprodução do grupo familiar.

Por grupo familiar entende-se o conjunto de todos os membros que

formam a unidade produtiva e participam direta e indiretamente do processo de

produção e reprodução camponesa. Desse modo, algum dos filhos que tenha

constituído nova família, se continua ligado à unidade produtiva, ou, ainda,

qualquer pessoa ligada por laços de parentesco na mesma situação, são todos

considerados como membros de um único grupo familiar.

26

Ver UFPel (1995)

225

Na elaboração do roteiro de entrevistas, procurou-se incluir vários

aspectos referentes à organização interna das unidades familiares (indicadores

sociais, econômicos, técnicos e de produção). Ainda, pretendeu-se identificar a

percepção dos produtores quanto aos processos de degradação ambiental

provocados pela fumicultura.

Nesse particular, percebeu-se a relevância de criar uma nova

“consciência social” sobre a produção, no seu sentido mais amplo. Ou seja, o

reconhecimento da correspondência existente entre as relações de produção e

a degradação ambiental.

Nas palavras de SILVA deve-se pensar além da “produção da

produção”, é necessário pensar, também, na “produção da consciência”. Este

autor complementa, afirmando:

As relações que se estabelecem entre os homens e a natureza são resultantes das relações que os homens estabelecem entre si. (SILVA, J. G. da, 1996, p. 13)

Dessa forma, torna-se relevante, nos estudos que abordam estratégias

de transição para um modelo sustentável de desenvolvimento, detectar-se

algumas das práticas sociais estabelecidas pelos produtores, cuja gênese

repousa no ideal de construção de uma vivência comunitária. Os principais

vínculos mantenedores dessa situação advêm da posição social homogênea

que os integrantes de uma comunidade têm. Conforme SANTOS,

Todos são proprietários privados da terra e todos utilizam força de trabalho familiar. Muitas vezes e, não casualmente, se lembrarmos a estabilidade geográfica de suas biografias, também têm relações de parentesco entre si. (SANTOS, J. V. T. dos, 1978, p. 158)

226

A seguir são analisados alguns dos elementos inerentes à organização

do processo produtivo da área em estudo, na qual se encontram inseridos os

produtores familiares e suas unidades de produção.

5.2.1 Organização da Terra: posse e uso das unidades produtivas

Na porção do Município de Pelotas onde se encontra localizada a

comunidade de Santa Silvana, a ocupação das terras esteve marcada pela

presença de propriedades de menores dimensões, uma vez que esta área

destinava-se ao projeto de colonização, implementado tanto pela iniciativa

pública quanto pela particular.

Desde o início da ocupação das terras, a norte e noroeste do

município, houve um flagrante predomínio, tanto em número quanto em área,

dos estabelecimentos rurais de 30 a 50 hectares.

Segundo dados da pesquisa de campo, o tamanho médio das unidades

produtivas familiares é de aproximadamente 21 hectares. Cabe lembrar que

vem ocorrendo, ao longo do tempo, um processo de parcelização das colônias

originais, através da divisão patrimonial por herança.

Observa-se, pela TABELA 6, que predominam as unidades familiares

com menos de 50 hectares, correspondendo a 90% delas, e apenas 8

unidades com mais de 50 ha, representando 10% do total.

227

TABELA 6 NÚMERO E ÁREA TOTAL DAS UNIDADES FAMILIARES

POR GRUPOS DE ÁREA, EM SANTA SILVANA – PELOTAS – RS

GRUPOS DE ÁREA (ha)

Nº DE ESTABELECIMENTOS ÁREA (ha)

ABSOLUTO % ABSOLUTO %

Menos de 1

De 1 a 10

De 11 a 20

De 21 a 30

De 31 a 40

De 41 a 50

Mais de 50

-

14

29

24

05

04

04

-

17,5

36,25

30

6,25

5

5

-

80,5

443,5

594,5

180,5

173

215,5

-

4,78

26,28

35,23

10,70

10,25

12,77

FONTE: Pesquisa de Campo, 1998/99.

Os produtores familiares da área de estudo são todos proprietários da

terra. A maioria dos produtores receberam parte de sua propriedade através de

herança e, posteriormente, aumentaram o patrimônio familiar com a compra de

novas parcelas de terra.

Ser proprietário é um aspecto supervalorizado pela ótica camponesa,

uma vez que a propriedade individual tem para o produtor um significado de

autonomia. É ele, na condição de proprietário, que tomará as decisões a

respeito do processo produtivo, tanto em termos da organização da produção,

como do controle do processo de trabalho. Isso significa, acima de tudo, que o

fator terra constitui a base sobre a qual irá empregar o trabalho coletivo do

grupo familiar.

228

Por outro lado, a segurança do acesso permanente à terra é um dos

condicionantes para que o produtor familiar tenha interesse em assegurar a

reprodução (simples e ampliada) das potencialidades dos recursos naturais e a

própria preservação do meio ambiente.

Os dados relativos à área pesquisada mostram a expressividade da

categoria de terras próprias (100%), sendo que alguns produtores (10%)

acumulam a condição de parceiros. Não se registra a presença de posseiros e

arrendatários. (Ver TABELA 7)

TABELA 7 CONDIÇÃO LEGAL DAS TERRAS ENTRE AS UNIDADES

FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS

NÚMERO DE FAMÍLIAS

CATEGORIAS

Própria

Parceria

Ocupada

Arrendada

Outras

ABSOLUTO RELATIVO

80 100

08 10

- -

- -

-

FONTE: Pesquisa de Campo, 1998/99.

Quanto ao uso das terras, parte-se do princípio de que nem toda a área

da propriedade é efetivamente utilizada com atividades agropecuárias. É

comum encontrarem-se áreas de mata nativa ou com reflorestamento

229

(principalmente de eucalipto e pinus), onde o relevo apresenta declividades

mais acentuadas.

De maneira geral, ocorre um predomínio das culturas temporárias, mas

alguns cultivos permanentes e forrageiras também são comuns na área.

Uma prática freqüente na utilização das terras em Santa Silvana é a

associação no cultivo de alguns produtos da lavoura temporária, como é o caso

do consórcio feijão e milho. Como o feijão é cultivado nas entrelinhas do milho,

esse tipo de prática agrícola acaba impedindo o uso de mecanização. Com

isso, as tarefas empregadas na lavoura são essencialmente manuais.

Embora com menor freqüência, o cultivo do milho também encontra-se

consorciado com outros produtos de autoconsumo dos produtores familiares,

como é o caso da associação com a batata-inglesa, abóbora e mandioca.

Muito embora o uso da terra nessa área seja reconhecido

empiricamente pela especialização da cultura do fumo, o estudo realizado

mostra a permanência da diversificação de culturas. Esse fato pode ser

considerado como um dos fatores que permitem a reprodução da unidade

produtiva e das próprias famílias, porque: a) permite satisfazer, de forma

adequada, suas necessidades de consumo; b) torna possível, através da

comercialização dos excedentes, as entradas sucessivas de recursos

monetários necessários à aquisição dos demais bens, provenientes do setor

urbano-industrial; e c) favorece a ocupação plena da força de trabalho familiar

ao longo do ano agrícola.

230

5.2.2 Relações sociais de trabalho

O trabalho familiar: os membros pertencentes à unidade produtiva

camponesa, envolvidos diretamente no processo produtivo, são consignados

como mão-de-obra familiar. Esse termo engloba os pais, filhos e outros

membros consangüíneos ou não, que trabalham unidos e apresentam uma

característica em comum quanto à remuneração, ou seja, nenhum desses

trabalhadores recebe, em troca de seus serviços, um pagamento monetário,

pelo menos não na forma de salário.

Observa-se que, se por um lado é a participação direta dos membros

no processo de trabalho que os define como mão-de-obra familiar, por outro

lado, o resultado do seu trabalho é compartilhado por todos os membros da

família, estejam ou não envolvidos diretamente na produção. Esse é o caso

dos velhos e crianças que não têm condições físicas para trabalhar,

participando apenas do consumo familiar.

Na fumicultura, a família desempenha um papel decisivo na

organização do trabalho. Todos os membros, em condições de assumir tarefas,

executam algum tipo de trabalho, estabelecido de acordo com os princípios

específicos da divisão de trabalho por sexo e idade. Por exemplo, o chefe da

família, geralmente o pai, auxiliado por outros membros do grupo (quase

sempre os filhos maiores e do sexo masculino), assumem a responsabilidade

de gerenciar a unidade familiar e executar as tarefas mais “pesadas” do

processo produtivo, isto é, o trabalho na lavoura, principalmente o cultivo do

fumo.

231

De outro lado, aparece o trabalho feminino e dos filhos menores, estes

últimos sem distinção de sexo. Mesmo que o critério comumente utilizado para

designar os encargos dessa mão-de-obra seja a participação em atividades

“leves”, ligadas às tarefas domésticas, cuidados com a horta e pequenos

animais, sabe-se que as mulheres e crianças atuam diretamente em toda a

produção agropecuária.

Segundo WANDERLEY (1989), o trabalho desempenhado pelas

mulheres encontra-se marcado por três características básicas: é constante,

intenso e diversificado. Confirma-se, assim, que a jornada diária das mulheres

é específica, porque combina as atividades desempenhadas na produção

agropecuária com a execução de tarefas domésticas. Estas últimas são, quase

sempre, realizadas nos períodos intercalares do tempo destinado à lavoura e

ao criatório animal.

A verdade é que a mulher camponesa, seja ela produtora de fumo ou

não, tem sido duplamente explorada. Primeiro, porque o fato de executar

tarefas domésticas, como cuidar dos filhos, da casa, da horta, dos animais

domésticos, da alimentação, além de ser igualmente responsável pela

sobrevivência do grupo familiar, não é devidamente valorizado, e isso, muitas

vezes, nem mesmo é considerado como trabalho.

Por outro lado, o trabalho que a mulher dedica às tarefas agrícolas

propriamente ditas, é considerado apenas como “ajuda”. Na prática, esse

procedimento demonstra o não-reconhecimento da mulher como agente no

232

processo produtivo, o que contribui para subestimar ainda mais o valor da mão-

de-obra familiar quando da contabilidade de custos de produção.

O certo é que, tanto para as mulheres, quanto para os outros membros

do grupo familiar, a complementariedade do trabalho é imprescindível para

satisfazer as suas necessidades e para manter o patrimônio da família. Por

isso, todos trabalham e alguns até se sobrecarregam de funções, como é o

caso das mulheres.

Esse tipo de coletivismo no processo de trabalho faz parte do raciocínio

tipicamente camponês e acompanha os produtores desde as gerações mais

jovens até a velhice, explicando a extensão da vida produtiva existente na

produção familiar. No caso da fumicultura, essa característica é ainda mais

explorada, devido às especificidades desse cultivo, no que tange ao trabalho

desenvolvido durante a produção.

O processo do fumo é intensivo, com mão-de-obra utilizada de forma

contínua durante todo o ano agrícola. Algumas das etapas nas quais não se

exige grande esforço físico, permitem o aproveitamento da mão-de-obra

“precoce”, isto é, desde cedo os filhos e filhas menores ajudam em algumas

das tarefas relacionadas a esse cultivo. O mesmo raciocínio aplica-se para os

mais idosos, os quais encontram na fumilcultura a possibiIidade de prolongar a

sua participação como membro ativo na unidade familiar27.

27

Conforme esclarece ETGES, “consideramos as pessoas de até 60 anos como unidades de força de trabalho em pleno vigor, porque esta é a prática entre os camponeses, ou seja, as pessoas trabalham até o fim de suas vidas, só deixando de fazê-lo em caso de doenças”. (ETGES, V. E., 1991, p. 119)

233

O Trabalho Contratado: mesmo que o trabalho dos membros do grupo

familiar seja predominante na produção de fumo (100%), em determinadas

situações ocorre a demanda por mão-de-obra externa. (TABELA 8)

TABELA 8 TIPOS DE MÃO-DE-OBRA UTLIZADA NAS UNIDADES

FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS

NÚMERO DE FAMÍLIAS QUE UTILIZAM

CATEGORIAS

Familiar

Permanente

Temporário

Ajuda Mútua

ABSOLUTO

80

4

26

20

RELATIVO

100

5

32,5

25

FONTE: Pesquisa de Campo, 1998/99

Até mesmo a utiIização de equipamentos e insumos industriais, cujo

objetivo é otimizar o trabalho dos membros da família, não elimina a

incompatibilidade entre o “timming” presente na produção agrícola e a mão-de-

obra disponível. Principalmente nos períodos críticos do ciclo agrícola, como,

por exemplo, durante a colheita, empregam-se trabalhadores externos. Entre

as 80 unidades familiares pesquidas, 37,5% utilizam mão-de-obra contratada,

sendo que, destas, 26 famílias empregam pessoal temporariamente, e apenas

4 utilizam trabalho externo de forma permanente. O trabalho de terceiros na

produção familiar representa a forma encontrada pelos produtores para suprir a

234

demanda suplementar de trabalho nas tarefas que exigem rapidez e muitos

braços, como é o caso da colheita do fumo. Porém, em nenhum momento,

implica a completa substituição da mão-de-obra familiar, mas é utilizada além

dela.

Ressalta-se que, entre 255 das famílias entrevistadas, é comum a

prática da ajuda mútua, ou seja, a troca de serviços entre parentes e vizinhos,

desde que não implique pagamento remunerado, mas sim a devolução dos

dias trabalhados sempre que for solicitado. Esse procedimento só acontece

nos períodos de safra agrícola ou em casos de situações emergenciais, como

doenças na família, perdas de patrimônio, etc...

5.2.3 Relações técnicas de produção: a modernização da unidade familiar

À medida que os fatores tradicionais – recursos naturais, principalmente

o fator terra, e suas combinações com mão-de-obra – são substituídos pelos

fatores modernos – recursos industriais e de serviços –, ocorrem profundas

repercussões, tanto de ordem econômica quanto social, na organização interna

da unidade familiar. O resultado dessa transformação, que faz surgir novas

combinações entre os fatores, é entendida como modernização da agricultura.

Uma das primeiras conseqüências desse processo é o aumento das

despesas monetárias, pois os itens embutidos na modernização são adquiridos

externamente às unidades produtivas, junto aos circuitos urbano-industriais.

Na área da produção familiar no distrito de Santa Silvana, o processo de

235

substituição de fatores tradicionais ocorreu paralelamente à expansão do

cultivo de fumo.

As empresas fumageiras, compradoras do produto, passam a exigir dos

produtores de fumo um cultivo adequado ao processamento industrial, forçando

a alteração das bases produtivas, como, por exemplo, o plantio de mudas

selecionadas, utilização de fertilizantes e adubação química, além de outras

prescrições técnicas, como o uso de inseticidas, herbicidas, etc...

Em regra, as despesas com custeio são financiadas com recursos

próprios, uma vez que o produtor familiar de fumo não tem obtido rendimentos

compatíveis com os elevados juros bancários. Isso configura uma relação de

interdependência existente entre o nível de renda dos produtores familiares e

os investimentos em tecnologia.

Tomando como referência as informações obtidas no campo (TABELA

9), constata-se que o uso de calcário é expressivo entre as unidades familiares:

85,9% delas realizam a correção do solo. Da mesma forma, os fertilizantes são

empregados por uma parcela significativa das famílias (80,77%), seguindo-se

os fungicidas, numa proporção de 67,85%. Por último, encontra-se a presença

dos herbicidas e inseticidas entre 66,67% das famílias.

Quanto à mecanização agrícola, percebe-se que não ocorreu uma

substituição total no emprego de técnicas tradicionais – tração animal em favor

do emprego da tração mecânica – nos trabalhos da lavoura.

236

TABELA 9 USO DE INSUMOS ENTRE AS UNIDADES FAMILIARES DE

SANTA SILVANA – PELOTAS – RS

NÚMERO DE FAMÍLIAS QUE UTILIZAM

TIPOS DE INSUMOS

Fertilizantes

Inseticidas

Calcário

Herbicidas

Fungicidas

Sementes e Mudas

ABSOLUTO

63

52

67

52

53

52

RELATIVO

80,77

66,67

85,90

66,67

67,95

66,67

FONTE: Pesquisa de Campo, 1998/99.

Pela TABELA 10, as informações da pesquisa de campo revelam que,

entre as 80 unidades produtivas estudadas, 83,3% utilizam a tração animal, e

em apenas 34 dessas (43,6%) emprega-se a mecanização, sendo que, nessas

últimas unidades, ocorre a utilização conjunta das duas modalidades de tração,

isto é, apesar de possuírem maquinaria agrícola, a tração animal não foi

eliminada.

237

TABELA 10 USO DE TRAÇÃO MECÂNICA E ANIMAL ENTRE AS

UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS –RS

NÚMERO DE FAMÍLIAS QUE UTILIZAM

TIPOS DE TRAÇÃO

Mecânica

Animal

ABSOLUTO

34

65

RELATIVO

43,59

83,33

FONTE: Pesquisa de Campo, 1998/99.

Para o produtor familiar, a aquisição de máquinas e instrumentos

representa um aumento no seu patrimônio que, juntamente com a propriedade

da terra, deve ser mantido como garantia da sua condição de proprietário

individual dos meios de produção.

Quanto aos serviços de assistência ao produtor, fornecidos pelo

Governo, encontram-se representados pela extensão rural exercida pela

EMATER e EMBRAPA. As agências locais têm como uma das suas filosofias

de trabalho o “atendimento ao pequeno produtor”. Porém, mesmo sendo o alvo

principal da ação dos técnicos, os produtores familiares não mantêm um

contato sistemático com esse tipo de serviço. Entre as 80 unidades

pesquisadas, somente 41% delas recebem assistência técnica sistemática,

enquanto 32 delas, na mesma proporção relativa, permanecem à margem dos

benefícios da pesquisa e extensão rural.

Já no que se refere ao crédito rural, os agricultores familiares, em regra,

deveriam beneficiar-se de financiamentos, a fim de terem acesso a meios mais

238

modernos de produção e, com isso, elevar seu padrão tecnológico. No entanto,

apenas 10,26% dos produtores pesquisados fazem uso sistemático do sistema

oficial de crédito. Muitos outros já o fizeram no passado e, atualmente, não o

fazem mais devido às altas taxas de juros cobradas pelos bancos. A maioria,

representada por 76,92% da amostra, não utilizam esta modalidade de

financiamento e, na faIta de recursos ou crédito, adquirem insumos industriais

e maquinaria agrícola no limite permitido pelos recursos obtidos com a

comercialização da sua produção. (TABELA 11)

TABELA 11 UTILIZAÇÃO DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E CRÉDITO RURAL

ENTRE AS UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS

NÚMERO DE FAMÍLIAS QUE UTILIZAM

TIPOS DE SERVIÇOS

SISTEMATICAMENTE EVENTUALMENTE NUNCA

ABSOL. RELAT. ABSOL. RELAT. ABSOL. RELAT.

Assistência Técnica Crédito Rural

32 8

41,04

10,26

17

11

21,80

14,10

32

60

41,03

76,92

FONTE: Pesquisa de Campo, 1998/99.

No que diz respeito aos produtores de fumo, existe um tipo específico de

relacionamento entre produtor/indústria, mediado pelos chamados instrutores

do fumo. A orientação dada pelo instrutor refere-se substancialmente à forma

de aquisição dos insumos por parte do produtor, ao padrão tecnológico a ser

posto em prática sob a orientação e assistência técnica da empresa e, ainda,

ao controle quanto à exclusividade na entrega do produto à empresa

239

fornecedora dos insumos.

Na área das 80 famílias entrevistadas, 51,28% recebem orientação

técnica fornecida pelas indústrias fumageiras e, em segundo plano, aparece o

trabalho de assistência desenvolvido pela agência local da EMATER, a qual

atende 38,46% das unidades familiares. (TABELA 12)

TABELA 12 ÓRGÃOS QUE FORNECEM ASSITÊNCIA TÉCNICA E

CIENTÍFICA ENTRE ÀS UNIDADES FAMILIARES DE

SANTA SILVANA – PELOTAS – RS

NÚMERO DE FAMÍLIAS QUE UTILIZAM

TIPOS DE ÓRGÃOS

EMBRAPA

EMATER

Indústrias

Outros

ABSOLUTO

9

34

40

3

RELATIVO

11,54

38,46

51,28

3,85

FONTE: Pesquisa de Campo, 1998/99.

A presença do técnico da indústria ultrapassa a esfera produtiva, uma

vez que, segundo ETGES, no manual do instrutor a regra básica é esta:

exercer atividades de relações públicas, com participação em festividades, auxílio aos produtores e seus familiares em caso de emergência ou no relacionamento com autoridades, etc; com a finalidade de manter uma posição de liderança na comunidade e, especificamente, junto aos produtores, visando a um bom nível de cooperação com a empresa. (ETGES, V. E., 1991, p. 112)

240

Geralmente, esse tipo de profissional reside na área produtora de fumo,

sendo, muitas vezes, ele próprio um fumicultor que possui um bom

relacionamento, capaz de inspirar a confiança das famílias produtoras.

Importa ressaltar a ação modernizadora corporificada pelos agentes da

extensão rural. A norma geral de conduta desses agentes consiste em negar o

saber tradicionalmente adquirido pelo produtor familiar, ou seja, o chamado

“saber camponês”, a fim de retirar dele o controle total sobre o processo

produtivo.

Não se deve perder de vista que os modelos tecnificados difundidos

junto aos produtores familiares fazem aumentar a dependência destes em

relação aos grupos comerciais e industriais fornecedores de insumos e

compradores da produção agrícola. O produtor rural passa a ter custos de

produção mais elevados, além de assumir os riscos associados à nova

conduta.

Em suma, esse processo de artificialização da agricultura assume um

caráter predatório de recursos naturais e humanos, impedindo o

desenvolvimento de sistemas produtivos sustentáveis a médio e longo prazo.

Porém, ainda observam-se casos em que a unidade produtiva familiar

adota indicadores da modernização tecnológica, mas, é o produtor quem coteja

dos recursos técnicos o que “serve” e o que “não serve”, de acordo com seus

interesses, possibilidades econômicas e condições específicas de sua terra,

em termos de potencialidades agroecológicas. Entretanto, essa situação

dificilmente é encontrada entre os produtores integrados às indústrias do fumo.

241

5.2.4 – A organização da produção

O cultivo do fumo: se, por um lado, as estratégias do processo de

modernização em nível nacional, levaram um contingente de produtores rurais

a serem excluídos do processo produtivo, por outro lado, uma parcela

considerável deles adaptou sua estrutura de produção, integrando-se aos

Complexos Agroindustriais, apoiados por políticas direcionadas aos produtos

que servem de matéria-prima para o setor industrial.

Assim, ao tomar parte desse processo de integração, os produtores

familiares passam a organizar sua produção considerando a exigência de

especialização para o mercado.

No caso do cultivo do fumo, ainda que este seja limitante em termos de

desenvolvimento tecnológico, representa uma opção viável diante da estrutura

agrária local, e, ainda, a possibilidade de equacionar um dos problemas

fundamentais enfrentados pelos produtores familiares – a comercialização.

Representa, portanto, a possibilidade de obtenção de recursos monetários

capazes de financiar a reposição e expansão dos bens industriais, ao mesmo

tempo em que ajuda garantir a reprodução do grupo familiar. Na área

pesquisada, dos 80 produtores familiares entrevistados, 52,6% são

fumicultores.

Cabe aqui explicitar mais detalhamente as especificidades relativas à

cultura do fumo.

O fumo é uma planta herbácea de ciclo anual (120 a 240 dias), cujo

porte vai de 0,8 até 2,8 metros de altura, conforme a variedade e o grupo de

242

fumo. Possui teor expressivo de um alcalóide chamado nicotina, cuja

porcentagem varia de acordo com a espécie cultivada.

Assim, a “Nicotina Tabacum” abrange um grande número de variedades

que se destinam ao fabrico dos tabacos comerciais.28

Em Santa Silvana, o grupo Estufa é, sem dúvida, o mais importante,

destacando-se o tipo Virgínia como o mais cultivado pelos produtores da área.

Esse tipo de planta requer um solo leve e se adapta bem a terrenos arenosos e

com baixos teores de matéria orgânica, necessitando apenas de algumas

correções de nutrientes (como fósforo e potássio) e sendo bastante resistente à

acidez dos solos.

Nos meses de maio e junho, inicia-se o processo de cultivo. Tais tarefas

envolvem o preparo da lenha a ser usada nas estufas, o preparo do viveiro de

mudas (desinfecção29, adubação e semeadura), o preparo do solo para onde

será feito o transplante das mudas, o plantio e tratos culturais da lavoura, como

capina, capação das flores e desbrote.30

28

Segundo ETGES (1991), pode-se classificar sob o ponto de vista comercial, os seguintes grupos de fumo: “a) Estufa: fumos curados com calor artificial em estufas. Nesse grupo, têm-se os tipos Virgínia e Amarelinho; b) Galpão: são curados com calor natural em ambiente de galpão. Os tipos desse grupo são Burley, Comum, Charuto e Aromático; c) Corda: fumos colhidos verdes, destalados e enrolados em forma de corda. Sua secagem é feita ao sol e a cura à sombra. Os tipos mais cultivados são Paulista, Rio Grande e Mineiro.” (ETGES, V. E., 1991, p. 97) 29

A preparação dos canteiros de fumo – retângulos de 50 m2 – demonstram o elevado poder

de contaminação ambiental desse cultivo. Para desinfecção, cobre-se o canteiro com uma lona plástica e aplica-se o “Brometo de Metila”, que age no solo, envenenando e destruindo os organismos prejudiciais ao desenvolvimento das mudas. O processo de aplicação desse produto químico exige muito cuidado, pois as conseqüências de um contato direto são fatais para o homem. (ETGES, V. E. 1991) 30

A “capação” consiste na eliminação das flores e de algumas folhas da ponteira da planta, e o “desbrote” é a retirada dos brotos laterais que prejudicam o desenvolvimento das folhas. Em geral, é feito com aplicação de produtos químicos. (ETGES, 1991)

243

Em dezembro e janeiro, inicia-se a colheita das folhas maduras. Esse é

um dos momentos mais trabalhosos no cultivo do fumo, pois ele é colhido em

etapas, conforme aconselham os instrutores das indústrias em publicação

distribuída aos agricultores:

As primeiras folhas a amadurecer são as da base do pé e as últimas são as da ponta (...). Cada vez que se colhe fumo para encher a estufa, deve-se passar a roça toda, não quebrando mais de duas folhas, em média, por pé. (LIEDKE, E. R., 1977, p. 72)

O fumo do tipo Virgínia, cultivado em Santa Silvana, apresenta uma

média de 2 a 4 folhas maduras por semana, o que faz com que a colheita seja

feita em intervalos de sete dias, em média.

Segundo os produtores entrevistados, a fase da colheita e, em seguida,

a da secagem do fumo, é o período em que o “colono mais sofre”, ou seja,

mais trabalha, e a “família toda precisa ajudar”.

Assim, após a colheita, faz-se a preparação das folhas para colocar na

estufa (são atadas em feixes de duas a três folhas e, depois, penduradas em

varas para a secagem).

Cada secagem leva, em média, de 4 a 5 dias, e durante esse tempo o

fogo precisa ser mantido permanentemente com temperaturas estáveis,

adequadas ao processo de retirada de toda a umidade das folhas. Na

secagem, as folhas passam por modificações físicas e químicas, que irão

244

determinar a qualidade final do fumo e sua classificação31.

Tanto na colheita como na secagem e classificação das folhas de fumo,

a jornada do grupo familiar torna-se mais intensa. As tarefas são realizadas

ininterruptamente, inclusive aos domingos, especialmente quando a família do

produtor é constituída de poucas pessoas, não permitindo um revezamento na

jornada de trabalho.

Pelas observações feitas, é justamente nesse período que o trabalho

infantil é mais utilizado, tanto que o calendário escolar deve ser cumprido até a

metade de dezembro, caso contrário as crianças simplesmente faltam às aulas,

porque são requisitadas para “ajudar” na colheita e classificação do fumo.

Outro aspecto relevante, observado junto aos produtores de fumo,

refere-se ao fato de não demonstrarem, estes, nenhum tipo de preocupação

em relação à possibilidade de contaminação através do manuseio do fumo,

principalmente por parte das crianças e idosos.

Sabe-se que, durante todo o processo de cultivo, o fumo recebe grandes

quantidades de agrotóxicos (inseticidas, herbicidas e fungicidas). Pode-se dizer

que a fumicultura, em todas as fases do seu cultivo, representa riscos de

intoxicação para o produtor e sua família.

31

Essa primeira classificação do fumo é feita pelo produtor, sendo as folhas agrupadas conforme sua posição no pé (baixeira, meeiras, ponteiras) e sua coloração (laranja-limão; laranja-limão-castanho; castanho-laranja-limão). Posteriormente, o fumo é reclassificado ao chegar à indústria. (Ver ANEXOS 2 e 3)

245

Não é raro observar-se, nessa área, as famílias fazerem suas refeições

nos galpões onde estão armazenado o fumo para a secagem.

Os produtores alegam que “não podem perder tempo”. Então, combinam

as tarefas de “amarração” do fumo com a sua alimentação.

Em Santa Silvana, o armazenamento dos insumos químicos é feito no

mesmo local que serve de depósito para o fumo. Trata-se de uma construção

de madeira, fechada pelos quatro lados, com uma porta e, às vezes, uma

janela. Como a ventilação é precária, o cheiro dos agrotóxicos é muito forte.

Observam-se, por exemplo, dentro do galpão do fumicultor, agrotóxicos,

aparelho de aplicação dos produtos, junto com produtos agrícolas (batata-

inglesa, feijão, milho, etc...). Em alguns casos, os produtos químicos, sobretudo

os altamente tóxicos, encontram-se armazenados nas próprias residências dos

produtores.

O fumicultor, quando faz as aplicações dos agrotóxicos, não toma

nenhuma medida preventiva contra possíveis intoxicações. Não se preocupa

com a posição em relação ao vento, nem com o horário do dia. Os

equipamentos de aplicação encontram-se, na maioria dos casos observados,

danificados (vazamentos nas mangueiras, nas válvulas de sucção, na tampa),

favorecendo um contato direito do produtor com os produtos químicos. É

freqüente, ainda, observar os produtores aplicando os agrotóxicos sem a

indumentária adequada.

Os equipamentos de proteção individual – EPI – são indicados de

acordo com o grau de toxicidade e vias de penetração dos pesticidas no

246

homem (ingestão, contato, inalação e abrasão). Os tipos de equipamentos

necessários, em cada situação de contato, como máscara, óculos, luvas,

chapéu, botas, macacão, são indicados nos rótulos das embalagens e nos

receituários agronômicos. (ALMEIDA e SOARES, 1992)

Em Santa Silvana, dificilmente os equipamentos de proteção são vistos

nas propriedades e, mais raro ainda, é ver o produtor utilizá-los. Tais

equipamentos não são adquiridos pelos fumicultores, e aqueles que possuem

algum dos itens, como botas de borrachas, usam-nas em épocas de chuvas

para outras atividades. As máscaras e óculos, quando excepcionalmente

encontrados nas propriedades, estão em desuso.

Sabe-se, também, que o lixo agrotóxico tem que ser eliminado para

evitar a contaminação do meio ambiente. As embalagens perecíveis podem ser

queimadas, e as demais devem ser enterradas em local específico para este

fim. Da mesma forma, são imprescindíveis os cuidados com restos dos

produtos químicos, os quais não podem ser despejados em cursos de água.

Na comunidade de Santa Silvana, as embalagens vazias são

abandonadas em qualquer lugar da propriedade ou jogadas nos arroios

próximos. Em um dos casos observados, o fumicultor reutilizava as

embalagens mais resistentes para outros fins (como depósito de sementes ou

como reservatório de ração e água para os animais), apesar da expressa

proibição nos rótulos dos produtos.

Outro aspecto importante é o relativo aos hábitos de higiene dos

produtores. Na comunidade, a higiene pessoal não é levada em consideração

247

pela maioria dos fumicultores, quando trabalham com agrotóxicos. Para se

alimentarem, raramente lavam as mãos e, no término das atividades, não se

preocupam em trocar de roupa ou tomar banho, para retirar resíduos

superficiais deixados pelos produtos químicos.

Pelo exposto, vê-se claramente que as normas e recomendações sobre

o uso correto de agrotóxicos na cultura do fumo, não são observados pelos

produtores rurais em Santa Silvana. Ficou comprovado que não existe uma

percepção clara por parte do produtor e de sua família, em relação às

conseqüências danosas dessa prática sobre o meio ambiente e à sua própria

saúde.

Segundo ALMEIDA e SOARES (1992), existem algumas variáveis

sociais que permitem explicar este comportamento, a saber:

a) o grau de escolaridade: a capacidade de leitura dos agricultores é

deficitária, pois estes não lêem ou lêem mal;

b) a linguagem técnica: os termos técnicos utilizados nos rótulos não são

de domínio congnitivo do produtor e, ainda, a quantidade de informações

existentes nos rótulos ocasiona confusão aos usuários;

c) a existência de problemas fisiológicos: refere-se à insuficiência visual

de grande parte dos produtores. Geralmente, as letras dos rótulos e do

receituário agronômico são pequenas, o que demandaria o uso de óculos para

serem lidas. Entretanto, poucos produtores rurais possuem esse meio de

correção da visão e, quando o possuem, limitam-se a utilizá-lo para assinar

documentos, assistir a programas de televisão, etc.

248

Ainda, segundo as informações dos fumicultores entrevistados, as

indústrias fumageiras responsáveis pela distribuição dos agrotóxicos não

oferecem uma orientação técnica eficiente sobre o correto manuseio desses

produtos. Tampouco responsabilizam-se pelo recolhimento e destino das

embalagens vazias, que se tornam, após o uso, lixo tóxico.

Fica evidente que as demandas externas à unidade de produção

familiar, baseadas em critérios puramente econômicos, produzem

irracionalidades ecológicas, tanto na organização interna das propriedades

rurais, quanto na degradação dos recursos básicos à reprodução da sociedade

como um todo (contaminação das reservas hídricas, dos solos e dos

alimentos).

Outra das restrições à sustentabilidade ambiental, impostas pelo cultivo

do fumo, é o acentuado desmatamento.

Segundo dados fornecidos pela Associação dos Fumicultores –

AFUBRA –, no Estado do Rio Grande do Sul, o consumo total de lenha a cada

safra equivale a 2.275.000 metros cúbicos, correspondendo à destruição de

6.070 hectares de matas. (ETGES, 1991)

As atividades relativas à produção de lenha para a fumicultura

concentram-se em dois períodos distintos durante o ano:

– o primeiro período é durante o inverno (junho, julho), quando é

efetuado o corte das árvores, seguido do armazenamento;

– o segundo corresponde aos meses de dezembro até março, quando a

lenha cortada no inverno é queimada nas estufas de fumo.

249

Conforme ETGES (1991), cada produtor, em média, enche a estufa de 8

a 10 vezes por safra, sendo que cada secagem leva de 4 a 5 dias, consumindo

de 5 a 8 metros cúbicos de lenha cada vez.

Cabe salientar que a maior parte do volume de lenha utilizado provém

do corte de matas nativas, uma vez que os próprios produtores admitem sua

preferência por espécies desse tipo, alegando que a lenha de eucalipto aquece

demasiadamente a tubulação das estufas. Esse superaquecimento provoca,

segundo os fumicultores, danos freqüentes na tubulação, aumentando as

despesas com reparos e manutenção das instalações.

Os dados da AFUBRA confirmam essa situação, pois estes dão conta

de que a mata nativa é, sem dúvida, a principal responsável pelo

abastecimento energético utilizado nas unidades fumicultoras do Estado do Rio

Grande do Sul. Já sobre as atividades de reflorestamento, as principais

espécies vegetais plantadas pelos produtores com destino específico para a

produção de lenha, são o eucalipto e a acácia negra.

Tomando como referência um levantamento feito sobre a situação

florestal dos fumicultores32 nas últimas safras, observa-se que a área de

florestas nativas tem superado expressivamente a área de matas artificiais na

produção de lenha. (Ver FIGURA 9)

32

Os dados obtidos referem-se à área média ocupada com florestas nativas e plantadas nas propriedades rurais produtoras de fumo, no RS. (Ver Cadernos de Pesquisa. Série Botânica, 1998)

250

FIGURA 9 SITUAÇÃO FLORESTAL DOS FUMICULTORES

FONTE: Caderno de Pesquisa Série Botânica, Santa Cruz do Sul, 1998, p. 62.

É oportuno esclarecer que os dados obtidos em relação à cobertura

florestal nativa referem-se não somente à floresta primária ou à floresta

secundária, ou, ainda, à floresta em formação, mas sim a toda a cobertura

florestal acima do porte arbustivo, que, na visão do produtor, passa a ser

caracterizada como “mato”. Isso também explica os altos índices de cobertura

florestal nativa nas propriedades dos fumicultores. (Cadernos de Pesquisa

Série Botânica, 1998)

Quando os produtores são inquiridos sobre se a produção de fumo está

causando danos às reservas florestais, eles são categóricos em concluir que,

uma vez feito o plantio de matas artificiais, como o reflorestamento com

eucalipto, não ocorre nenhum prejuízo ao meio ambiente. Também foi

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996

FLORESTA NATIVA FLORESTA PLANTADA

Áre

a (

%)

251

salientado, pela maioria dos produtores (83% dos entrevistados), que o fato de

eles adquirirem lenha em outros locais, fora do distrito de Santa Silvana,

contribui para a preservação ambiental na sua comunidade.

Contrariamente, à visão dos fumicultores pode-se dizer que a cultura do

fumo representa um modelo insustentável e autofágico, decorrente da

exploração predatória adotada no manejo e uso dos recursos florestais.

As perspectivas colocadas diante dessa realidade passam por

formulação de propostas em novas bases para a agricultura de mercado,

fundamentada em práticas conservacionistas, adequadas a cada realidade fito-

edafoclimática e, principalmente, que não coloquem em risco a sobrevivência

do ecossistema natural e dos produtores rurais.

A comercialização do fumo nos mercados industriais é feita de modo

direto e, por isso, não envolve nenhum tipo de intermediação entre produtores

e industrias. Essa relação coloca face a face produtores familiares e

empresários, sendo que estes últimos assumem uma tripla função: primeira, a

de comerciantes compradores do produto; segunda, a de industriais

transformadores do produto adquirido; e, por último, a de fornecedores de

insumos industriais e assistência técnica.

Desse relacionamento surgem os “contratos” de integração entre

produtor e agroindústria. Na área pesquisada, os itens e cláusulas desse

compromisso são formulados oralmente, no período que antecede a safra,

sendo mais um “acerto” informal entre as partes, do que propriamente um

contrato legal.

252

ETGES esclarece ainda que,

antes de concretizar a relação, a empresa avalia a situação do produtor como, por exemplo, tamanho da propriedade, número de pessoas disponíveis na família para trabalhar, reservas de matas para fins de obtenção de madeira para secagem do fumo, etc... (ETGES, V. G., 1991, p. 122)

Essa avaliação do produtor é feita pelo técnico que trabalha para as

fumageiras, chamado de “instrutor do fumo”. O resultado dessa seleção vai

determinar uma diferenciação entre os produtores familiares, os quais passam

a ser divididos em dois grupos distintos: os integrados e os não-integrados.

Nos termos do acordo feito com os produtores integrados, a empresa

compromete-se a fornecer a assistência técnica e os insumos necessários à

produção do fumo; em contrapartida, o produtor compromete-se a entregar

todo o fumo produzido à empresa contratante.

Quanto às instalações necessárias ao cultivo do fumo, como estufa e

galpão, são construídas com financiamento bancário, avalisado pelas

indústrias. Os produtores levam, em média, de 3 a 5 anos para saldar a dívida

com o banco33 e, durante esse período, permanecem atrelados à indústria

fumageira que serviu de avalista no contrato de crédito com o banco. Enquanto

existir a dívida do produtor, este não tem autonomia para optar por outra

empresa que esteja classificando melhor seu produto e, conseqüentemente,

oferecendo preços mais elevados pelo fumo.

33

Segundo alguns depoimentos, quando um produtor não consegue saldar sua dívida junto ao banco, a empresa “força-o” a plantar até 100% a mais, para que o custeio da nova safra possa cobrir a dívida do ano anterior.

253

Entre as indústrias fumageiras que atuam no distrito de Santa Silvana,

destaca-se a Souza Cruz, com 64,3% do mercado, ou seja, 27 produtores

familiares da amostra comercializam sua produção com esta indústria. Em

seguida, aparece a Companhia Rio-grandense, que detém 16,7% da

comercialização do fumo na área pesquisada.

O restante dos fumicultores encontram-se integrados a outras

indústrias, cuja presença não é tão expressiva como a das anteriormente

mencionadas.

As indústrias responsabilizam-se pelo transporte do produto da

propriedade rural até o local de processamento (no caso, o município de Santa

Cruz do Sul, distante 400 km de Pelotas) e pelo fornecimento das sementes e

dos insumos químicos. É interessante ressaltar que é a indústria que decide

sobre a variedade a ser plantada, cuja semente, para desenvolver-se, exige o

uso de agroquímicos produzidos por empresas estrangeiras, associadas às

fumageiras34.

Dessa forma, para produzir fumo com classificação adequada às

exigências do mercado, é necessário que o produtor disponha de capital que,

via de regra, só é obtido através do sistema de crédito oficial, intermediado pelo

crivo das indústrias.

34

Esse controle monopolista sobre o processo produtivo fica evidenciado pelo fato de que nenhum estabelecimento comercial do ramo de sementes e agroquímicos comercializa os insumos da lavoura do fumo.

254

As palavras de ETGES esclarecem essa situação, ao afirmar que

verifica-se, portanto, que na medida em que é a empresa que fornece as condições para a produção, ela assume o papel de agente financeiro dos produtores. Mas, como este financiamento se dá predominantemente via Banco do Brasil, configura-se aí a presença do Estado como elemento fundamental, pois este viabilizando o processo de exploração, criando as condições socioeconômicas para a acumulação, cria também as condições para a associação ou articulação com o capital externo e para o avanço no sentido da centralização e dinamização do capital monopolista. (ETGES, V. E., 1991, p. 124)

Esse processo tem como conseqüência a subordinação do trabalho

familiar às empresas fumageiras, que não é apenas de natureza técnica, mas

também econômica, através da qual a indústria realiza a extração do valor da

mão-de-obra familiar.

Além disso, endividados ao final de cada safra com os adiantamentos

para compra de insumos, resta aos produtores pouca margem para barganhar

ou fazer reivindicações de preços justos para o fruto do seu trabalho – a

produção de fumo.35

Concorre ainda, para agravar a posição desfavorável dos fumicultores

frente ao poder econômico das indústrias, a própria condição do produtor

familiar, ou seja, a de ser um trabalhador individual, que estabelece uma

relação individualizada com as empresas. Como os acordos de compra e

venda do fumo são tratados separadamente com cada produtor, isso acaba

35

ETGES (1991) acrescenta que “a relação (dos produtores) com a instituição bancária não é algo tranqüilo e se dá muito em função do ‘fenômeno’ fumo. O banco significa desde a possibilidade de fomentar a capitalização (aquisição de bois, terras, construção da estufa, etc), até a expropriação de parte da renda da terra, via cobrança de juros; neste último caso, financiar é sinônimo de tornar o banco um sócio compulsório dos resultados da produção”. (ETGES, V. E., 1995, p. 17)

255

dificultando uma atuação de caráter coletivo, no momento de reivindicar

melhores preços para o fumo.

Todos os produtores do fumo entrevistados nesta pesquisa têm a

mesma reclamação, ou seja, a sua exclusão das discussões que estabelecem

as regras para a classificação do fumo e a determinação do preço feitas pela

indústria no momento da entrega do produto.

Entre outras razões, o fato de estarem localizados geograficamente

distantes das indústrias e, até mesmo, da sede da Associação dos Produtores

(AFUBRA), faz com que os fumicultores de Santa Silvana não tenham

condições de acompanhar a classificação do fumo e também, não tenham

representatividade política junto à associação que os representa.

Observa-se que a relação dos produtores de fumo de Santa Silvana

com a AFUBRA dá-se via adesão destes ao Seguro Mútuo36 oferecido por esta

Entidade de Classe, uma vez a maioria dos fumicultores optam pelo “seguro do

fumo”, ao invés de utilizarem o PROAGRO (seguro agrícola oferecido pelo

governo como item das políticas oficiais para a agricultura brasileira).

A relação entre produtor familiar e as agroindústrias, via

estabelecimento de preços, caracteriza-se por regras estabelecidas quase

36

Seguro Mútuo da AFUBRA: A AFUBRA, fundada em 1955, com sede em Santa Cruz do Sul-RS, mantém, através do Departamento de Mutualidade, um seguro da lavoura de fumo, que dá cobertura a prejuízos causados por granizo e vendaval. Oferece ainda um Auxílio de Queima de Estufa, mediante pagamento de uma taxa. O seguro, conforme documento explicativo da própria Entidade, é feito através do instrutor do fumo das empresas que, como agenciador, preenche a Ficha de Inscrição e envia a 1ª via, acompanhada de ordem de pagamento, para a AFUBRA. A empresa com a qual o produtor se encontra integrado, compromete-se em descontar deste o valor do Seguro, no momento da comercialização e, em seguida, repassá-lo à AFUBRA. Observa-se, pela forma como o seguro é feito, que a autonomia da AFUBRA em relação às indústrias fumageiras, é bastante limitada. (ETGES, V. E., 1991)

256

unilateralmente pela indústria, a qual faz valer sua dominação através dos

mecanismos de controle, seleção e retardamento no recebimento do produto.

O preço pago pelo fumo, diferenciado por categoria de classificação, é

estabelecido anualmente no período que antecede a safra, e resulta de

acordos firmados entre representantes das empresas (SINDIFUMO) e a

Associação dos Produtores de Fumo (AFUBRA). Os valores obtidos pelo

acordo deveriam, em princípio, resultar do levantamento de custos da

produção. Entretanto, essa avaliação esbarra nas dificuldades em mensurar

quantitativamente cada um dos itens presentes no custeio da produção do

fumo.

No caso dos produtores familiares, as despesas não estão

discriminadas, mas apresentam-se como “custo total”. Dentro desse cálculo, o

produtor estabelece uma visão dicotômica entre os itens obtidos externamente,

aos quais atribuem valores monetários, e a força de trabalho familiar, que não é

contabilizada nos custos totais. Isso ocorre precisamente porque o produtor

não atribui para si e para os demais trabalhadores da família uma remuneração

específica, isto é, o grupo familiar é remunerado com vestuário, saúde, lazer,

entre outros, e não com salários monetários.

Nesse caso, no cálculo econômico realizado pelo produtor, são

computadas apenas as despesas efetivamente realizadas, sejam elas compra

de sementes, fertilizantes, herbicidas, inseticidas, aquisição e manutenção de

maquinaria, ou ainda, despesas com a mão-de-obra contratada e as

relacionadas aos financiamentos bancários. Entretanto, apesar de o trabalho

257

familiar ter um custo e de este estar embutido na geração dos produtos, não é

contabilizado nos custos de produção.

Em outros termos,

O trabalhador é explorado, mas não vende a sua força de trabalho, pelo contrário, é o produto do seu trabalho, o fumo, que contém todo o trabalho (ou sobretrabalho) não-remunerado que é apropriado pelo capital. (ETGES, V. E., 1991, p. 128)

A fixação de preços do fumo é, sem dúvida, o momento em que tanto a

relação de subordinação dos produtores ao capital industrial, como a auto-

exploração da mão-de-bra familiar tornam-se mais evidentes, como explica

CHAYANOV,

A intensidade do trabalho e o alto ingresso bruto se tornam atrativos para as unidades econômicas campesinas, que aceitam uma remuneração muito baixa para cada unidade de trabalho. Como resultado, se cria uma situação de mercado de preços tão baixos para os produtos que se torna desvantajosa a competição com a unidade de exploração capitalista (...) (CHAYANOV, A. V., 1974, p. 284)

Em vista dessa especificidade da produção familiar, em que o fator

trabalho se encontra subvalorizado, é possível admitir que o preço do produto,

na realidade, não proporciona sequer o lucro médio e, não raro, situa-se abaixo

do custo real de produção.

Diante do exposto, pode ser óbvio concluir que o cultivo de fumo é

desvantajoso, do ponto de vista puramente econômico; entretanto, na lógica

das unidades produtivas familiares, a manutenção dessa atividade assume

funções específicas, justificadas da seguinte forma pelos produtores: para

258

alguns, a produção de fumo funciona como única fonte de renda externa, e o

fato de a produção não ser devidamente valorizada pelo mercado, não implica

sua eliminação do contexto produtivo. As relações desfavoráveis estabelecidas

com a agroindústria são compensadas pela auto-exploração da mão-de-obra

familiar. Nesse caso, a intensificação do trabalho substitui os gastos com

outros fatores, rebaixando os custos de produção.

Para outros produtores, o cultivo de fumo pode ser considerado

rentável à medida que os ingressos obtidos com a comercialização possibilitem

sua capitalização, a ponto de permitir maiores investimentos na unidade

familiar, sejam eles diretamente na esfera produtiva ou na melhoria das

condições de vida (acesso a bens de consumo, como eletrodomésticos,

automóveis e construção ou reformas nas habitações familiares, entre outros).

Por outro lado, apesar de permanecerem como fumicultores, dos

produtores familiares entrevistados, apenas 14,2% responderam que adquirem

maquinaria agrícola, eletrodomésticos e móveis para a casa, ou ainda, fazem

aplicações em caderneta de poupança, com os rendimentos da venda do fumo.

Enquanto isso 81,0% dos entrevistados declararam que “não dá mais para

comprar terra, nem animais, nem máquinas, muito menos ‘luxo’ para a família

(como antena parabólica, televisão, freezer) com o dinheiro do fumo”.

A cada safra, os gastos com insumos tornam-se mais elevados, e o

preço pago pelo fumo não é suficiente para cobrir as despesas com a

fumicultura.

259

Dentro do conjunto de fatores que viabilizam a permanência do cultivo

de fumo destaca-se, como de fundamental importância, a presença de

atividades complementares no interior das unidades produtivas, como, por

exemplo, a produção para autoconsumo e as atividades de fabricação caseira

de alimentos.

Essas atividades subsidiam, indiretamente, o cultivo do fumo, ao

garantirem a contínua reprodução do grupo familiar, este responsável pelo

processo de trabalho utilizado na fumicultura.

Pode-se afirmar que os rendimentos das unidades de produção familiar

são compostos por duas partes, a saber:

1ª) rendimentos monetários, obtidos com a venda do fumo e do

excedente da produção de subsistência;

2ª) rendimentos em espécie, obtidos com a produção de alimentos

para consumo da família e do rebanho animal.

A composição destes rendimentos permite cobrir as despesas com a

produção agrícola e os gastos utilizados para suprir as necessidades básicas

do grupo familiar.

Produção Agropecuária de Subsistência: uma das particularidades

da produção familiar na agricultura do distrito de Santa Silvana, é o fato de esta

ser “especializada de forma incompleta”, na medida em que produz para o

mercado industrial, mas mantém ativa a produção agrícola destinada ao

autoconsumo (subsistência).

260

A permanência dessa produção complementar, associada ao cultivo do

fumo, constitui, de fato, uma alternativa de sobrevivência diante da

instabilidade enfrentada pelos produtores em relação ao mercado de preços

pagos pelo fumo.

Segundo os produtores, a manutenção dos cultivos de subsistência e

da fabricação artesanal de produtos para o consumo familiar, depende de

alguns fatores: primeiro, a rentabilidade da lavoura de fumo, isto é, nas safras

em que há previsão de preços baixos para o produto, ou em casos de perdas

por intempéries, pragas, etc., a lavoura de subsistência assume maior

importância por garantir o abastecimento da unidade produtiva, e, ainda, por

representar uma possibilidade de ingressos monetários com a venda dos

excedentes; segundo, o número de pessoas que formam o grupo familiar, ou

seja, a disponibilidade de mão-de-obra para dedicar-se aos outros cultivos,

além do fumo. Nessa situação, observa-se a capacidade do produtor familiar

de submeter-se a jornadas de trabalho muito intensas, caracterizando o que

CHAYANOV chama de auto-exploração camponesa,

O grau de auto-exploração da força de trabalho se estabelece pela relação entre a medida da satisfação das necessidades e a do peso do trabalho. (CHAYANOV, A. V., 1974, p. 84)

Na verdade, a combinação de atividades da policultura com o criatório

animal não é um elemento novo entre os produtores dessa área. Desde o início

da colonização, associações desse tipo formavam a base produtiva das

unidades familiares.

261

Genericamente, os tradicionais produtos agrícolas cultivados pelos

agricultores desde a sua fixação na área, que permanecem até hoje, são o

milho, feijão, batata-inglesa e, entre os hortigranjeiros, a cebola, tomate e

abóbora. Todos estes são produzidos visando ao autoconsumo, mas

frequentemente geram um excedente comercializável.

WANDERLEY, explica que

A diversificação das culturas, como é sabido, caracteriza a produção familiar tradicional. Ela é a forma adequada de prover as necessidades da família. Isto porque, por um lado, permite a manutenção de um equilíbrio entre produtos destinados ao autoconsumo e produtos cuja comercialização assegura os meios para aquisição dos demais bens de consumo e de trabalho; por outro lado, a diversidade de culturas ocupa mais plenamente a força de trabalho familiar durante todo o ano. Finalmente, a venda de diversos produtos, inclusive o excedente ao auto-consumo, em diversos momentos torna possível as entradas sucessivas de recursos ao longo do ano, favorecendo, assim um melhor equilíbrio. (WANDERLEY, M. N. B., 1989, p. 32)

Para que se pudesse avaliar a presença da produção de subsistência

no interior das unidades produtivas, foi pesquisada a freqüência das principais

culturas agrícolas praticadas entre as 80 famílias entrevistadas. O resultado

pode ser observado na TABELA 13.

262

TABELA 13 PRINCIPAIS CULTIVOS DE SUBSISTÊNCIA PRESENTES

NAS UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS

NÚMERO DE FAMÍLIAS QUE CULTIVAM

TIPOS DE CULTIVOS

Cebola

Feijão

Morango

Milho

Batata-inglesa

Outros

ABSOLUTO

50

66

53

69

65

39

RELATIVO

64,10

84,61

67,95

88,46

83,33

50

FONTE: Pesquisa de Campo, 1998/99.

Entre essas culturas, destaca-se o binômio milho - feijão. O milho é

cultivado por 88,5% das unidades familiares, tendo um duplo papel para estas.

Primeiro, servir à dieta alimentar dos produtores, depois de beneficiado, e, na

sua forma “in natura”, destinar-se à alimentação dos animais (especialmente

aves e suínos).

O feijão, cultivado por 84,6% das unidades familiares, seguido pela

batata-inglesa (83,3%) são produtos de grande expressividade na produção

agrícola da área, pois ambos representam os gêneros básicos na alimentação

dos descendentes de pomeranos que vivem em Santa Silvana.

A produção hortigranjeira também tem representantes significativos na

organização da produção das unidades familiares. Os hortigranjeiros são

importantes, não só do ponto de vista da alimentação (em pratos de preparo

263

simples ou na forma de doces, geléias e conservas), como também por serem,

freqüentemente, canalizados para o mercado, representado pelas feiras e pelo

comércio atacadista e varejista.

O envolvimento dos produtores com as atividades da horticultura e,

também, da fruticultura, requer uma utilização quase diária da mão-de-obra

familiar e proporciona um fluxo constante de ingressos monetários.

Conforme as informações da TABELA 14, vê-se que o fumo não

representa o único canal de comercialização entre os produtores familiares de

Santa Silvana. Apesar de parcela significativa das unidades familiares (53,7%)

praticar a venda de fumo, destacam-se também os altos índices de

comercialização do cultivo de morango. Nesse caso, 57,5% das famílias

entrevistadas fornecem esse produto para as indústrias de doces e conservas

locais.

TABELA 14 CANAIS DE COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO ENTRE AS

UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS

NÚMERO DE FAMÍLIAS QUE UTILIZAM

TIPOS DE PRO- DUTOS

COM. ATACADISTA

COM. VAREJISTA FEIRAS LIVRES AGROINDÚS TRIAS

ABSOL. RELAT. ABSOL. RELAT. ABSOL. RELAT. ABSOL. RELAT.

Cebola

Batata

Fumo

Feijão

Milho

Morango

23

15

-

06

11

04

28,75

13,751

-

7,50

13,75

5

10

11

-

05

08

01

12,50

13,75

-

6,25

10

1,25

09

08

-

05

03

05

11,25

10

-

6,25

3,75

6,25

-

-

43

-

-

46

-

-

53,73

-

-

57,5

FONTE: Pesquisa de Campo, 1998/99.

264

Ainda o excedente das culturas de subsistência é transferido para o

setor urbano através da venda a intermediários, que comercializam nas feiras

livres, ou diretamente aos representantes do comércio atacadista. A cebola e a

batata inglesa aparecem como os produtos mais comercializados pelos

produtores familiares junto ao mercado atacadista, sendo que 28,75% das

famílias vendem a cebola e 18,75% vendem a batata inglesa.

A presença de culturas que servem tanto para a subsistência humana

como para o consumo alimentar do criatório animal, revela que este tipo de

atividade encontra-se associado à organização produtiva de caráter familiar.

A criação de animais de pequeno porte é bastante comum na área,

servindo tanto para abastecer a unidade produtiva com carnes e derivados

(leite, queijos, manteiga, ovos, banha e outros), quanto para servir como força

de trabalho, no caso do rebanho bovino, uma vez que a tração animal é

largamente utilizada nas tarefas agrícolas.

Com base no levantamento feito pela pesquisa de campo, a presença

do criatório animal encontra-se representada por diversas espécies, conforme

pode ser observado na TABELA 15.

A presença expressiva dos rebanhos bovinos (em 97,44% das famílias)

e eqüinos (70,51%) refere-se, além do atendimento às necessidades

alimentares, ao seu aproveitamento como força de trabalho.

265

TABELA 15 PRINCIPAIS TIPOS DE REBANHOS ANIMAL PRESENTES

NAS UNIDADES FAMILIARES DE SANTA SILVANA – PELOTAS – RS

TIPOS DE NÚMERO DE FAMÍLIAS QUE POSSUEM

REBANHOS

Bovino

Equino

Aves

Suínos

Ovinos

ABSOLUTO

76

55

77

61

6

RELATIVO

97,44

70,51

98,72

78,20

7,70

FONTE: Pesquisa de Campo, 1998/99

Ainda com relação aos outros tipos de criatório, constata-se a

expressividade na criação de aves (principalmente galinhas, patos e gansos),

presente em 98,72% das unidades familiares. O consumo desse tipo de carne

segue uma tradição mantida pelos produtores familiares, tanto no que diz

respeito ao consumo diário, como na preparação de carnes defumadas.

A suinocultura é praticada por 78,20% das famílias e, assim como a

avicultura, destina-se basicamente ao autoconsumo.

A importância desse conjunto diversificado de atividades, evidenciada

pela concomitância da produção comercial, produção de autoconsumo e

produção caseira de alimentos, somente pode ser entendida quando se

extrapola o contexto interno (familiar) e se tomam, como referenciais de

análise, as especificidades da constituição do campesinato, vis-à-vis o tipo de

desenvolvimento capitalista gerado no campo brasileiro.

266

O fato de a economia familiar estar submetida a trocas excessivamente

desiguais com o setor urbano-industrial, faz com que o produtor se mobilize

para auferir uma renda maior, capaz de elevar seu poder aquisitivo junto ao

mercado capitalista. Uma das formas encontradas pelo produtor familiar para

alcançar esse objetivo é a de comercializar uma ampla variedade de produtos

de origem agropecuária, para, em troca, adquirir os bens industrializados de

que necessita.

Esse mecanismo de sobrevivência é inviabilizado a partir do momento

em que o produtor familiar (camponês) torna-se especializado completamente,

isto é, dependente de um único produto, passível de ser transformado em

mercadoria. Em oposição a esse tipo de situação, a produção de subsistência e

fabricação caseira de alimentos são vistas como elementos essenciais ao

equilíbrio da economia familiar, proporcionando, inclusive, uma certa

independência ao camponês, pelo menos no que diz respeito à sua reprodução

enquanto ser humano.

Nas palavras de ETGES ,

...é fundamental para as empresas que o produtor de fumo produza a sua subsistência. Ao tornar-se fumicultor contraditoriamente, tem que continuar sendo camponês, ou

seja, continuar produzindo, seus alimentos. (ETGES, V. E., 1991, p. 164),

Produção Caseira de Alimentos: não resta a menor dúvida de que

esta forma de “artesanato” esteve, desde o início da colonização, associada à

agricultura familiar, na forma de atividade complementar. Logo após ocuparem

os lotes adquiridos, através da compra ou por concessões oficiais, os

267

agricultores iniciaram suas atividades produtivas, inicialmente desmatando,

construindo moradias, formando as primeiras plantações, mas, também,

praticando o artesanato doméstico através da fabricação de produtos

alimentícios.

Passando de geração em geração, graças ao esforço e dedicação das

famílias, as aptidões trazidas dos países de origem dos primeiros imigrantes,

foram usadas como forma de melhor aproveitar os frutos de suas colheitas e

melhorar suas condições de vida, prolongando não só seu valor de uso, mas

propiciando gerar valor de troca.

A diversidade na produção caseira de alimentos encontra-se na direta

dependência dos recursos disponíveis na unidade familiar, seja na forma de

matérias-primas ou de instrumentos necessários à sua transformação. Além

disso, é importante ressaltar que o processo social que move tal produção, traz

embutido em si técnicas, costumes, valores simbólicos, concretizados no

produto final, que são fundamentais à reprodução do grupo familiar, no que diz

respeito ao domínio do conhecimento na elaboração dos produtos. Isso

significa a manutenção do saber camponês, o que lhe confere uma identidade

particular e diferenciada frente ao avanço do capital no meio rural, o qual tende

a homogeneizar os padrões de produção e consumo.

O artesanato rural que compreende, nesse caso, a elaboração de

alimentos para o autoconsumo, mantém a produção de gêneros

imprescindíveis à alimentação diária das famílias, como a banha e derivados

do leite.

268

Considerando a existência de produtos industriais similares, cujo

marketing alcança também a zona rural, seria de se esperar que ocorresse

uma substituição integral de gêneros alimentícios caseiros pelos encontrados

no mercado. Entretanto, grande parte dos produtores familiares optam por

investir mais esforço e tempo de trabalho na fabricação própria desses

gêneros, por conta dos cálculos efetuados para a relação preços/custos.

Obtém, assim, produtos a custos mais baixos do que se tivessem que adquiri-

los nos mercados urbano-industriais.

O produtor familiar considera mais econômico beneficiar os produtos

na própria unidade produtiva, uma vez que dispõe, de matérias-primas, de

instrumentos, até da mão-de-obra, isentando-se da maior parte dos itens que

implicam custos monetários.

Para a conservação e transformação de frutas e legumes, os

produtores adquirem somente os produtos não produzidos por eles, como, por

exemplo, o sal. No caso do vinagre e do açúcar, muitas vezes, estes são

oriundos da produção artesanal a partir da transformação da uva e da cana-de-

açúcar, respectivamente.

Essa prática de conservação de vegetais sempre esteve ligada aos

aspectos culturais da alimentação dos imigrantes pomeranos, que atualmente

os seus descendentes vêm tentando manter nas suas famílias.

Desde o início da colonização, os excedentes da produção vêm sendo

beneficiados pelos agricultores como forma de conservá-los para os períodos

269

de entressafra e, desse modo, atender as necessidades do consumo familiar

durante todo o ano.

As diversas formas assumidas pelo artesanato rural permitem dizer que

este funcione, portanto, mais como estratégia de sobrevivência do que como

solução para a descapitalização da propriedade rural. Isso decorre do fato de o

artesanato não estar voltado exclusivamente à comercialização, mas sim, de

representar uma forma de incrementar a eficiência do trabalho familiar e de

ampliar as opções de consumo próprio.

Quando questionados sobre o aproveitamento da produção agrícola,

49,7% dos produtores pesquisados responderam que produzem conservas

caseiras, geléias, banha e derivados do leite (manteiga, queijo, etc...), somente

para consumo próprio. Já 20,3% dos produtores, além de abastecer as

necessidades da família, também comercializam os produtos artesanais. E

ainda, 30% dos produtores informaram não terem produção caseira de

alimentos, adquirindo esses gêneros no comércio urbano local ou com os

vizinhos da própria comunidade.

Através do contato direto com os produtores familiares, constatou-se

que a parcela deles a qual não se dedica à produção artesanal é formada

exclusivamente por fumicultores. Essa situação é explicada pelos entrevistados

da seguinte forma: “a lavoura de fumo ocupa todo o tempo, não dá para cuidar

da horta, do pomar e das outras lavouras do ‘jeito’ que precisa”; “não sobra

tempo para fazer os produtos em casa, tem mesmo que comprar fora”; ou

ainda “, se não fosse o fumo a gente poderia diversificar a produção”.

270

Nesse sentido, dentre todos os fumicultores da área pesquisada, 32%

afirmaram que gostariam de deixar de plantar fumo e mudar para outros

cultivos, desde que tivessem garantias para a comercialização da produção.

Por outro lado, 20,6% responderam que não teriam condições de mudar de

atividade. Estes vêem na produção de fumo a condição para se manterem na

agricultura, dada a possibilidade de venda garantida para o produto.37

ETGES (1995) afirma que as perspectivas de mudanças para os

produtores familiares de fumo decorrem, principalmente, de dois aspectos:

1º) Uma das características dos camponeses é o apego à terra, à

propriedade da terra, e muitos deles estão se dando conta de que esta

condição lhes permite cultivar outros produtos, os quais, inclusive, podem gerar

novas fontes de renda para a unidade produtiva.

2º) O crescente empobrecimento desses produtores vem

demonstrando que a degradação das suas condições de vida é decorrente da

forma como esses vêm sendo integrados ao processo capitalista de produção,

presente no espaço agrário brasileiro.

Diante dessas constatações, apresentam-se algumas propostas de

desenvolvimento para a agricultura familiar, nas quais, além de considerar os

quesitos produtividade e eficiência no atendimento às demandas do mercado

urbano-industrial, enfatizados pelo modelo capitalista dominante, outros

indicadores como a sustentabilidade conômica e ecológica da produção e da

37

Os 47,4% restantes do universo de produtores entrevistados não são fumicultores.

271

eqüidade social, devem ser levados em conta na elaboração de projetos de

desenvolvimento para o setor primário.

Colocados frente a um novo cenário, os produtores familiares

percebem que a recuperação daquele “saber”, dominado por seus

antepassados, adquire importância fundamental.

As palavras de ETGES esclarecem que

Não se trata, no entanto, de fazer apologia do passado, resgatando afirmações do tipo ‘no passado tudo era melhor’ e sim de resgatar e, ao mesmo tempo, construir uma outra compreensão da natureza, da potencialidade do solo e das águas, transformando a incrível capacidade de trabalho e de produzir na terra em possibilidade de vida melhor, mais saudável e mais feliz. (ETGES, V. E., 1995, p. 24-25)

5.3 Alternativas de desenvolvimento para a comunidade de Santa Silvana

5.3.1 Agricultura ecológica

A agroecologia fornece as ferramentas metodológicas necessárias para que a participação da comunidade venha a se tornar a força geradora dos objetivos e atividades dos projetos de desenvolvimento. O objetivo é que os camponeses se tornem os arquitetos e atores de seu próprio desenvolvimento.” (ALTIERI, M., 1998, p. 21)

O conceito de agroecologia quer sistematizar todos os esforços em

produzir um modelo tecnológico abrangente, que seja socialmente justo,

econômicamente viável e ecologicamente sustentável. Um modelo que seja o

embrião de uma nova forma de relacionamento com a natureza, onde se

proteja toda a vida, a vida toda, estabelecendo assim uma ética ecológica que

272

implica o abandono de uma moral utilitarista e individualista, em favor da

promoção da solidariedade e defesa dos bens da criação como valores

indispensáveis.

A rigor, pode-se dizer que a agroecologia é a base científico-

tecnológica para um projeto de desenvolvimento sustentável.

Desta maneira, segundo NEUMANN (1993), o ponto de partida para o

processo de transição rumo à sustentabilidade na agricultura reside no

reconhecimento das diferentes racionalidades de decisões produtivas

presentes na produção familiar, se é que se pretende oferecer algum aporte

eficaz para enfrentar os problemas existentes na organização interna das

unidades produtivas familiares.

Não basta, entretanto, oferecer a cada tipo de produtor as técnicas e os

conhecimentos mais apropriados a cada situação, mas sim, conceber e criar

novas condições para que eles tenham interesse em praticar sistemas de

produção diversificados, apoiados na própria herança cultural e nas

especificidades do meio físico, social e econômico. É indispensável, ainda, que

seja despertada nos produtores familiares uma visão holística da sua atividade,

na qul as questões o que produzir, como produzir, para quem produzir

atendam as suas necessidades e os interesses da sociedade em geral,

principalmente no que se refere à demanda por alimentos saudáveis e de boa

qualidade.

As características intrínsecas à produção familiar podem perfeitamente

ser associadas aos princípios básicos da agroecologia. A importância estrutural

273

do núcleo familiar, que se orienta primordialmente à garantia da reprodução

social, traz consigo pelo menos duas decorrências: uma primeira e fundamental

é a visão sobre a preservação dos recursos naturais em uma perspectiva, não

da próxima colheita, mas da próxima ou próximas gerações. A segunda

decorrência é a versatilidade para manejar os recursos agroecológicos

disponíveis. Do ponto de vista produtivo, a experiência adquirida em condições

muitas vezes limite, confere uma garantia adicional de continuidade de

reprodução econômica aos sistemas produtivos de caráter familiar.

Ademais, existe maior controle no processo de trabalho, que permite

tratar de processos e cultivos com características genéticas, épocas de plantio,

tratos culturais, exigências climáticas e edáficas diversas, o que equivale dizer

que a produção familiar na agricultura adquiriu uma habilidade nada

desprezível para lidar com a complexidade de um sistema produtivo. Num

sentido complementar, há mais disponibilidade relativa de mão-de-obra e

facilidade na sua alocação em atividades que requerem tratos artesanais, como

a horticultura e a fruticultura.

Salienta-se, ainda, que a produção familiar tem grande potencial para a

agroecologia, não somente no âmbito específico do sistema de produção em si,

mas no domínio dos seus valores culturais. Pode-se dizer que, mesmo dentro

de um processo de modernização da agricultura, persiste um patrimônio

cultural camponês, identificável através dos conhecimentos sobre a gestão dos

agroecossistemas e da sociabilidade camponesa, expressa nas formas de

solidariedade comunitária (ajuda mútua, mutirões, etc...) que se estabelecem

no momento de superar as dificuldades no interior das unidades produtivas

274

familiares e, num plano geral, os problemas da própria comunidade a que os

produtores pertencem.

A agroecologia como modelo alternativo para comunidades rurais deve

associar os conhecimentos empíricos dos produtores ao conhecimento

científico, para que, em conjunto – pesquisadores, técnicos agrícolas e

agricultores –, possam desenvolver uma produção com padrões ecológicos

(respeito à natureza), econômicos (eficiência produtiva), sociais (eficiência

distributiva) e com sustentabilidade a longo prazo.

Faz-se necessária, assim, uma abordagem que torne complementares

as ações de pesquisa, extensão rural e as demandas dos produtores. O

desafio é aproximar a realidade dos laboratórios e estações experimentais das

condições dos agricultores, contemplando a participação destes nas ações de

planejamento e desenvolvimento agrícola.

Segundo ALTIERI (1998), Centros Internacionais de Pesquisa em

Agricultura, Ministérios da Agricultura, Faculdades de Agronomia e

Organizações Não-governamentais ONG’s, têm participado do desenvolvimen-

to e difusão de técnicas agroecológicas38 direcionadas para a produção

familiar.

Apenas como referência, a Empresa Brasileira de Pesquisa

Agropecuária – EMBRAPA, já domina o controle integrado e biológico das sete

principais pragas da agricultura brasileira. Faltam, porém, programas de

38

Combinação e rotação de culturas, adubação verde, adubação orgânica, defensivos naturais, entre outras.

275

extensão que permitam ao agricultor ter acesso a esse tipo de tecnologia

alternativa.

Na tentativa de preencher as lacunas deixadas pelas Instituições

Oficiais, destaca-se o papel que vem sendo desempenhado pelas ONG’s39 no

que se refere ao desenvolvimento de práticas conservacionistas e à sua

difusão entre os produtores familiares.

No Rio Grande do Sul, cita-se como exemplo-modelo o Centro de

Tecnologias Alternativas e Populares – CETAP, localizado na Fazenda Anoni –

Sarandi (assentamento do projeto de reforma agrária, no norte do Estado).

Este núcleo foi criado em 1986, por ocasião de um encontro sobre tecnologias

alternativas, que reuniu pesquisadores de várias áreas, comprometidos com a

agroecologia e com movimentos populares (Sindicatos Rurais, Movimento dos

Sem-Terra – MST, grupos de mulheres, trabalhadores rurais e produtores

familiares).

Além do CETAP, podem-se destacar outros organismos de caráter

idêntico atuando no Estado, como é o caso da ASPTA – Assessoria e Serviços

de Projetos em Agricultura Alternativa (Ijuí), do CAPA – Centro de Assessoria

ao Pequeno Agricultor (São Lourenço do Sul), para mencionar alguns.

Em Pelotas, a partir de 1984, a Pastoral Rural (ligada à Diocese da

Igreja Católica) começou um trabalho de incentivo à agroecologia junto aos

39

QUESADA lembra que, “nos anos oitenta, cresce a consciência política da sociedade civil em relação a essas questões. Na agricultura, o surgimento dos organismos não-governamentais, gestados pelas lutas populares, representa essa consciência, tornando-se uma força que vem convergindo positivamente para reduzir, “quiçá” transformar a hegemonia da produção tecnológica, imposta ao país”. (QUESADA, G. M. et al., 1991, p. 22)

276

produtores familiares do município, através de cursos de formação, visitas a

Centros de Agricultura Ecológica e implementação de experiências locais40.

Passada uma década, no ano de 1995, a Pastoral Rural priorizou o

trabalho de assessoria na organização dos agricultores que adotaram o modelo

agroecológico, a fim de que pudessem comercializar adequadamente os

produtos. Também, firmou convênio de cooperação com o CAPA (São

Lourenço do Sul), com o objetivo de oferecer assistência técnica, na área de

agroecologia, aos produtores familiares de Pelotas.

Como resultado dessa ação conjunta, em outubro de 1995, foi fundada

a ARPA – Sul (Associação Regional dos Produtores Agroecologistas da Região

Sul) e, em novembro do mesmo ano, foi inaugurada a primeira feira de

produtos ecológicos da região sul do Estado, na cidade de Pelotas.

Atualmente, fazem parte da ARPA – Sul, em torno de 100 famílias de

produtores rurais, distribuídas em 14 grupos. Sabe-se que vários outros grupos

estão se formando.

Os produtores associados comercializam seus produtos, duas vezes

por semana, em feiras ecológicas na cidade de Pelotas. A ARPA – Sul possui,

ainda, um entreposto fixo de venda a varejo e um restaurante natural, ambos

abastecidos pelos produtores agroecológicos.

40

A propriedade do Sr. José Luís Portantiollo, situada na zona rural de Pelotas, foi pioneira na adoção de técnicas da agricultura ecológica. A partir dessa experiência, várias famílias foram aderindo à proposta e, atualmente, a Pastoral Rural presta assessoria a 14 grupos de produtores familiares, em Pelotas e municípios vizinhos. (PASTORAL RURAL – Diocese de Pelotas, 1998)

277

Em seu programa de agricultura ecológica, a Associação tem as

seguintes prioridades:

1º) Experimentação: apesar de já existirem pesquisas tratando da

agroecologia, especialmente no desenvolvimento de técnicas que utilizem

insumos alternativos aos produtos derivados da petroquímica, sabe-se que

qualquer tecnologia deve estar adaptada às características de cada região.

Diante disso, a ARPA – Sul tem feito convênios e fomentado a troca de

experiências com instituições como o Centro de Agricultura Ecológica de Ipê, a

Fundação Gaia (Porto Alegre e Pantano Grande) e a Universidade Federal de

Pelotas, no sentido de desenvolver tecnologias alternativas que atendam às

demandas concretas dos produtores familiares e, ao mesmo tempo, aproveitem

os recursos disponíveis na própria região.

Uma dessas experiências, desenvolvida em Pelotas, trata do

aproveitamento de resíduos produzidos pelas indústrias locais, que podem ser

utilizados como fonte de fertilização do solo e proteção contra pragas nos

cultivos ecológicos. Para citar alguns exemplos: a casca de arroz e serragem

(produzidas pelos engenhos de beneficiamento de arroz) são usadas como

cobertura morta para o plantio direto; as cinzas da casca de arroz e de madeira

servem como fonte de potássio e micronutrientes para o solo; resíduos das

indústrias de doces e conservas alimentícias transformam-se em adubo

orgânico; resíduos das indústrias de laticínios são utilizados como defensivo

natural e na fabricação de composto orgânico; restos da atividade pesqueira

são usados como biofertilizante.

278

2º) Sistematização e Difusão: trata-se da organização das experiências

feitas nas “propriedades-referência” que a Pastoral Rural orienta, a fim de

produzir cartilhas técnicas, filmes e cursos que sirvam de apoio nas atividades

de difusão junto ao público, especialmente nas comunidades rurais, escolas

técnicas agrícolas, assentamentos e nas associações de produtores familiares

da região.

3º) Assistência Técnica de Campo: o apoio técnico é dado através de

calendários de cursos, palestras, seminários e dias de campo. A equipe técnica

envolve profissionais de várias áreas (agrônomos, biólogos, ecólogos,

geógrafos, técnicos agrícolas e voluntários), que independentemente da sua

formação, devem ter em comum a identidade com o “Projeto Agroecológico”.

4º) Comercialização: a experiência tem mostrado que os projetos de

agroecologia avançam com mais vigor, no momento em que a comercialização

dos produtos ecológicos está garantida, em que pese ser este um dos

principais dilemas dos produtores familiares. Constatou-se que, no momento

em que os pontos de comércio, como as feiras livres, restaurantes e

supermercados começaram a comercializar a produção agroecológica, muitos

agricultores buscaram integrar-se à associação – ARPA-Sul.

5º) Agroindustrialização: com a comercialização relativamente

organizada, o próximo passo será a agregação de valor aos produtos

ecológicos, através da industrialização, na forma de microempresas familiares.

No Rio Grande do Sul, o governo aprovou os primeiros projetos do

chamado Programa da Agroindústria Familiar. Todos os projetos contemplam a

279

produção agroecológica, reforçando a proposta de políticas oficiais que

valorizem a prática da agricultura sem agressão ao meio ambiente.

O Programa para a Agroindústria Familiar, além de financiar

equipamentos e infra-estrutura, atua na organização de grupos de produtores e

na assessoria à formulação e gerenciamento dos projetos.

Inicialmente, será disponibilizado um total de R$ 110 mil, beneficiando

22 famílias. Esses recursos são obtidos através do PRONAF (Programa

Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), com juros de 6% ao ano,

subsidiados pelo Governo do Estado, sendo que o prazo de pagamento é de

até 8 anos (três anos de carência e cinco para a amortização).

Esse Programa é acessível para agricultores familiares e assentados

de todo o Estado do Rio Grande do Sul, desde que preencham os seguintes

requisitos: tenham na atividade agropecuária, pesqueira e extrativista sua

principal fonte de renda; produzam a matéria-prima necessária, ou parte dela;

tenham a força de trabalho apoiada na mão-de-obra familiar; tenham até quatro

módulos fiscais; residam na propriedade ou em aglomerados rurais; tenham na

atividade agropecuária uma renda bruta anual de até R$ 27.500,00 por família.

(EMATER, 1999)

Propostas como essa podem apresentar-se como uma das alternativas

para acabar com a dependência dos agricultores integrados aos Complexos

Agroindustriais, em que o produtor familiar apenas “planta e colhe”, ficando

para a indústria a parte mais lucrativa – o fornecimento de insumos, o

280

beneficiamento e a distribuição da produção –, resultando numa remuneração

cada vez menor para o agricultor.

Da mesma forma, o redirecionamento produtivo, através do incentivo à

produção de alimentos, poderá vir a minimizar os problemas locais e regionais

de abastecimento e, em larga escala, combater a crise mundial da fome, que

assola parte considerável da população do planeta.

Nas palavras de LUTZEMBERGER, consta o alerta de que

Grande parte do que chamamos ‘modernidade’ é exatamente a causa da miséria, alienação, desestruturação e fome que hoje se alastram. (LUTZEMBERGER, J., 1993, p. 29)

Enfim, entende-se que os prejuízos econômicos, sociais, ambientais e

energéticos (para benefício imediato de poucos) causados pelo modelo da

agricultura moderna ou convencional, atingiram patamares de

insustentabilidade. Este, então, é o momento para a busca de estratégias

viáveis de desenvolvimento regional, fundamentadas nas potencialidades

naturais e tradições socioculturais de cada espaço, que poderão configurar-se

em ações competitivas economicamente e, ao mesmo tempo, capazes de

beneficiar eqüitativamente todos os setores envolvidos na cadeia produtiva,

sem esquecer a manutenção da diversidade dos agroecossistemas.

281

5.3.2 Fruticultura: a retomada de uma potencialidade regional

Em todo o mundo, nenhum outro país como o Brasil conta com esse

gigantesco território, onde é cultivada grande variedade de frutas. Devido a

condições favoráveis – diversidade climática e fertilidade natural dos solos –,

podem-se produzir frutos de regiões tipicamente tropicais (cujas espécies mais

comuns são a banana, mamão, abacaxi, ...), mas também frutificam aquelas

que se adaptam melhor ao clima temperado do sul do País, como é o caso do

pêssego, ameixa, maçã, uva e morango, entre outras.

A ocorrência de áreas com condições ecológicas favoráveis ao cultivo

de frutas de clima temperado no Estado do Rio Grande do Sul, é um fenômeno

extremamente localizado, diante da extensão do território brasileiro.

As regiões representadas na FIGURA 10 possuem características

físicas e socioeconômicas bastante similares. Ambas apresentam um relevo

acidentado (com altitudes que variam de 100 a 400 metros), são dotadas de

um clima ameno, com verões brandos e invernos sujeitos a geadas, além de

possuírem solos férteis, formados a partir da decomposição de rochas

eruptivas básicas. O equilíbrio pluviométrico nestes locais atinge índices

superiores a 1500 milímetros anuais. (SALAMONI, G., 1992)

Esse conjunto de fatores forma o quadro natural dessas duas regiões

coloniais do Estado gaúcho. A nordeste, na chamada Encosta Superior da

Serra Geral, apesar de a policultura vigorar plenamente, tanto o cultivo de uva

quanto o de maçã marcam com expressividade o contexto produtivo das

propriedades rurais.

282

FIGURA 10 MAPA DAS ZONAS DE CULTIVO DE FRUTAS

DE CLIMA TEMPERADO NO RIO GRANDE DO SUL

283

Da mesma forma, ao sul do Estado, na Serra dos Tapes (porção

individualizada do sistema de relevo formado pelas Serras do Sudeste do Rio

Grande do Sul), a fruticultura sempre teve uma importância significativa na

organização produtiva das propriedades familiares, particularmente

representada pelo cultivo do pêssego.

Em Pelotas, a porção localizada a norte e noroeste do município,

encontra-se incluída na região de cultivo de frutas de clima temperado do Rio

Grande do Sul.

Sabe-se que, desde a sua introdução no município de Pelotas, em

1874, a produção de frutas representou um sistema de cultivo que se adaptou

às características das áreas de colonização européia não-portuguesa,

responsáveis pela consolidação da agricultura de caráter familiar no município.

Entre os aspectos que caracterizam a fruticultura, pode-se dizer que,

por necessitar geralmente de pequenas áreas para seu desenvolvimento, esta

atividade encontra-se localizada em propriedades de até 50 hectares,

associada à produção da agropecuária colonial.

Também pode-se destacar a importância que assume a mão-de-obra

familiar nessa atividade, uma vez que os tratos culturais da fruticultura são

realizados, quase exclusivamente, de forma manual. Para garantir uma boa

qualidade aos frutos, exigem-se cuidados, no manejo das plantas, que só o

trabalho familiar pode desempenhar com eficiência.

284

A produção de frutas em Pelotas também foi responsável pela inserção

dos produtos familiares no circuito da comercialização. Estes destinavam o

montante produzido para a venda “in natura” nos mercados locais, muitas

vezes em troca de outros produtos de origem urbano-industrial. Apenas uma

pequena parcela dessa produção era destinada ao consumo familiar.

No início da colonização, a fruticultura possibilitou o surgimento de

várias formas de artesanato doméstico, especializado em fabricar doces,

passas e compotas. Atualmente, esse tipo de atividade ainda pode ser

encontrada no interior das unidades produtivas familiares, mas já com menor

freqüência.

Foi justamente o artesanato doméstico, desenvolvido pelos produtores

familiares, que formou o embrião das primeiras indústrias de doces e

conservas vegetais no município. Desde as agroindústrias rurais – que os

imigrantes fundaram no final do século passado, até a década de 80, fase

áurea do setor – formou-se um parque industrial de 40 indústrias conserveiras.

A partir de então, Pelotas, que sempre teve a fruticultura como uma

atividade econômica tradicional, cuja origem pode ser encontrada nas

potencialidade agroclimáticas regionais, sofreu uma grave crise na década de

90, que afetou toda a cadeia produtiva, da produção agrícola à indústria e,

ainda, a comercialização, tanto dos produtos industrializados, quanto dos

vendidos “in natura”.

Depois de uma década de dificuldades, que provocou a queda

sucessiva na produção de frutas e reduziu o número de indústrias de doces e

285

conservas de 40 para 16, vem sendo implementada uma política de

recuperação dessa atividade no contexto produtivo regional.

Ao longo dos últimos três anos, o Programa Regional de Fruticultura

Irrigada da Metade Sul do Estado do Rio Grande do Sul vem consolidando

suas bases e, hoje, pode ser considerado um novo pólo do setor no cenário

brasileiro.

A relevância desse Programa, coordenado pelo Comitê de Fruticultura

da Metade Sul, tem reconhecimento do governo federal, tanto que já foi

incluído no Orçamento Plurianual 2000/2003 do “Programa Avança Brasil”, pelo

qual serão obtidos recursos para projetos de pesquisa e desenvolvimento nas

seguintes áreas: Produção Integrada de Frutas, Pós-Colheita, Estações de

Aviso de Pragas e Doenças, Estações Climatológicas.

Segundo o referido Comitê, existem hoje em solo gaúcho, cerca de 6

mil hectares de pomares irrigáveis, que apresentam uma produtividade média

de 15 mil toneladas por hectare. O objetivo é aumentar a área para 10 mil

hectares e, com a irrigação, aumentar a produtividade para 20 mil toneladas

por hectare.

A atividade da fruticultura irrigada baseia-se na produção de espécies

típicas de clima temperado, cultivadas com sistemas de irrigação por

gotejamento e adubação orgânica41. Complementarmente a essa atividade,

visando a aproveitar os insumos e a irrigação da área, podem ser cultivados,

41

Essa tecnologia trazida de Israel pelos pesquisadores da EMBRAPA-Pelotas, consiste em misturar fertilizante orgânico à água e, depois, distribuir essa mistura em toda a circunferência da raiz, por meio de mangueiras que percorrem as fileiras de pés de frutas, respingando planta por planta. (Comitê da Fruticultura da Metade Sul, 1999)

286

de forma associada ao pomar, abóbora e milho (este último funciona como

quebra-vento, durante a formação do pomar).

Segundo os pesquisadores da EMBRAPA – Clima Temperado de

Pelotas, esse sistema reduz os custos de produção e promove a preservação

do meio ambiente.

Conforme mencionado anteriormente, o pêssego é o principal produto

da fruticultura no município de Pelotas. Atualmente a área com pomares ocupa

5 mil hectares e a média de produtividade é de sete a oito quilos por hectare.

Para os pesquisadores e técnicos que orientam a produção, é possível dobrar

esses valores, desde que se façam investimentos em tecnologia,

principalmente com o sistema de irrigação difundido pela EMBRAPA.

A ausência de investimentos na cultura do pêssego, nos últimos anos,

foi decorrente da crise econômica pela qual passou a cadeia produtiva desse

setor, cujos reflexos, para o produtor, deram-se nas baixas remunerações

recebidas do setor urbano-industrial. Na fase atual de retomada da fruticultura

local, a fim de garantir uma valorização justa para o pêssego e demais

produtos agrícolas comercializados com as indústrias do setor conserveiro, foi

criada a Associação da Cadeia Produtiva de Frutas e Hortaliças de Pelotas,

que agrega representantes dos produtores rurais e das indústrias de doces e

conservas.

Essa ação conjunta vem produzindo resultados positivos em todos os

segmentos envolvidos, tanto que, com a expansão da capacidade de

processamento industrial, outros produtos da fruticultura e também da

287

horticultura, começam a ocupar um lugar de destaque no contexto da produção

familiar do município. O morango é um exemplo: sua produção passou de mil

toneladas para duas mil toneladas na última safra. E produtos como pepino,

couve-flor e aspargo surgem como um novo “filão” para o setor conserveiro

local.

De qualquer forma, em Pelotas, a produção de pêssego ainda

representa o “carro-chefe” das espécies da fruticultura que abastecem o

mercado urbano-industrial local.

No final do mês de janeiro de 2000, quando as indústrias do setor de

Doces e Conservas Alimentícias fecharam seus cálculos, o Estado do Rio

Grande do Sul confirmou um recorde que foi comemorado por produtores e

empresários. A safra de pêssego para conserva chegou a 40 mil toneladas,

sendo processadas 50 milhões de latas, resultado superior ao do ano de 1981,

quando foram fabricadas 48 milhões de latas, considerado o maior volume do

setor. (Ver FIGURA 11)

O otimismo diante desses resultados vai além da excelente quantidade

e qualidade dos frutos, mas deve-se sobretudo à reversão do processo de

decadência que a produção nacional de pêssego vinha enfrentando nos últimos

anos. O ingresso do pêssego de origem grega no mercado brasileiro foi um dos

principais fatores que desencadearam a crise na cadeia produtiva de frutas no

município de Pelotas.

288

289

Como lembra o pesquisador João Carlos Madail, supervisor da Área de

Negócios Tecnológicos da EMBRAPA Clima Temperado de Pelotas, o produto

vindo da Grécia, subsidiado no país de origem, era colocado nos

supermercados nacionais por R$ 1,00 a lata. (Zero Hora, jan. 2000)

Por outro lado, no Brasil, o custo de processamento era de R$ 0,90,

chegando às prateleiras por, no mínimo, R$ 1,50. Essa concorrência desigual

com o similar estrangeiro desestabilizou o setor.

Na safra de 1990, por exemplo, a produção nacional ficou abaixo de 20

milhões de latas e muitos produtores foram reduzindo os investimentos na

atividade, deixando de renovar os pomares e, em muitos casos, como pode ser

observado no município de Pelotas, erradicaram os pés de pêssego das suas

propriedades.

A partir de 1995, o Governo Federal passou a implementar medidas

com vistas a assegurar o desenvolvimento da fruticultura e do setor conserveiro

da indústria nacional. No caso específico do pêssego, todo o produto vindo de

fora do Mercosul foi taxado em 44% e, em 1996, exigiu-se dos importadores o

pagamento à vista.

Porém, segundo os representantes da Cadeia Produtiva do Pêssego

de Pelotas, essas regras não são suficientes e reivindicam que a taxa sobre o

produto importado seja elevada, passando dos atuais 44% para 60%; outra

alternativa proposta é a fixação de um valor por caixa importada, em torno de

24 dólares por unidade.

290

A manutenção dessas políticas de apoio e incentivo a produtores e

agroindústrias é indispensável, pelo menos até que a fruticultura nacional

alcance um melhor estágio de desenvolvimento. Isso somente será viável a

médio prazo se, além dos ajustes nas diretrizes do comércio externo, o

Programa Regional de Fruticultura Irrigada da Metade Sul do Estado se tornar

uma meta prioritária nos projetos de desenvolvimento propostos para a região.

Em Pelotas, as 16 indústrias de doces e conservas instaladas no

município respondem por 97% da produção brasileira. No entanto, esse volume

ainda não é suficiente para atender à demanda nacional, estimada em 70

milhões de latas por ano. (SINDUCOPEL, 1999)

O Presidente do Sindicato da Indústria de Doces e Conservas

Alimentícias de Pelotas – SINDUCOPEL – prevê, para o ano de 2002, a

instalação de outras duas indústrias no município. O Presidente ressalta que,

uma vez ultrapassado o volume de consumo interno, a meta do setor “é partir

para a exportação, uma vez que as indústrias já estão adequando seus

sistemas de produção às exigências do mercado internacional”.

A importância do Programa de Fruticultura Irrigada passa também

pelas repercussões sociais, principalmente sobre o mercado de trabalho local.

Somente nesta safra de 1999, as empresas de Pelotas contrataram mais de 6

mil trabalhadores entre efetivos e temporários, e esse número deve crescer

com a estabilização da atividade. (Ver FIGURA 12)

291

292

Outra conseqüência positiva é que os 6 mil hectares de pomares vêm

contribuindo para a fixação do agricultor no meio rural, possibilitando emprego

para todo o grupo familiar. Também tem relevância o fato de que as ações do

referido Programa objetivam organizar os produtores em associações, para

buscar mercados para a comercialização “in natura” das frutas. Ainda

pretendem auxiliar no direcionamento e investimentos das pesquisas; criar selo

de qualidade para os produtos agroecológicos; organizar a produção de mudas

de novas variedades a partir de convênios com a EMBRAPA e as

Universidades do município – Universidade Federal de Pelotas-UFPel e

Universidade Católica de Pelotas-UCPel. Com essas Instituições de Pesquisa e

Extensão, também estão previstos programas de assessoria nas áreas de

defesa sanitária e de mercado.

Ressalta-se que o associativismo dos produtores é “peça-chave” para

debelar, tanto as dificuldades internas na organização da produção, quanto as

relações externas da unidade produtiva com outros setores da economia. Além

disso, a integração, sob a forma de parcerias com Órgãos de Pesquisa e

Extensão Rural, é uma das estratégias a serem adotadas pelos produtores

familiares para solucionar um dos principais “pontos de estrangulamento” da

sua atividade: a comercialização.

A médio e longo prazo, o Programa Regional de Fruticultura Irrigada

pretende, também, a exportação de variedades “in natura” de clima temperado.

Nas importações, segundo o Comitê que coordena o Programa, o país

investe um volume médio de US$ 300 milhões por ano, em frutas de clima

293

temperado, como o pêssego, pêra, ameixa, e maçã. A cifra já chegou a ser de

US$ 500 milhões, em 1996. A intenção é ampliar as divisas no exterior com a

produção da fruticultura do Rio Grande do Sul.

Até 2002, o Governo Federal pretende atingir US$ 2 bilhões em

exportações de frutas “in natura”. No ano de 1999, o montante ficou em torno

de US$ 200 milhões. (Ver TABELA 16)

TABELA 16 VALOR DAS EXPORTAÇÕES DE FRUTAS BRASILEIRAS

ANO VALOR (US$) VARIAÇÃO

1997

1998

1999

2002*

109 milhões

120 milhões

200 milhões

2 bilhões

-

10%

66%

900%

* estimativas

FONTE: Comitê da Fruticultura da Metade Sul. Zero Hora, jan, 1999.

Finalmente, vale lembrar que a fruticultura representa uma opção viável

tanto sob o ponto de vista econômico, quanto ecológico e social.

No município de Pelotas, a atividade do cultivo de frutas e hortaliças

sempre esteve vinculada à produção familiar das áreas coloniais. E, desde o

momento da sua implantação, estas atividades produtivas assumiram um

caráter comercial, no contexto da policultura colonial.

294

Então, a importância da sua manutenção passa pela valorização do

patrimônio cultural herdado dos antepassados e, ainda, pela formação do

escopo, tanto da diversificação agrícola, quanto econômica.

Cabe aqui uma digressão sobre o entendimento do que se considera

como diversificação agrícola (policultura) e diversificação econômico-produtiva,

haja vista que vários autores adotam estes conceitos como equivalentes e de

igual significado.

Ao analisar a organização da produção familiar, ANJOS esclarece:

Podemos encontrar estabelecimentos rurais nos quais há um sem número de atividades agropecuárias executadas pelos membros da família, sem que se caracterize um quadro de diversificação, na medida em que existe uma, e somente uma fonte principal de ingresso de dinheiro. No extremo oposto, existe outro tipo de estabelecimento, que apresenta distintas formas de prover a reprodução familiar, mediante o aporte de várias fontes de ingresso econômico, sem ocorrer uma diversificação agrícola. (ANJOS, F. S., 1995, p. 83)

Na presente análise da produção de frutas em Pelotas, entende-se que

esta preenche ambos os significados da diversificação. Primeiro, por

representar um dos elementos da policultura que, junto com outras lavouras e

criatório animal, formam a estrutura produtiva da agricultura familiar.

Em segundo lugar, por possibilitar várias formas de ingresso monetário,

a fim de garantir a sustentabilidade econômica da unidade produtiva. A

diversidade de acesso ao mercado dá-se através da venda dos produtos “in

natura” no mercado interno (local, regional, nacional) e externo; da

comercialização dos produtos derivados da agroindústria caseira (doces,

295

passas, geléias, licores, entre outros); e ainda, do fornecimento de matérias-

primas para as indústrias de doces e conservas locais, favorecendo o

desenvolvimento da agricultura, bem como de outros setores da economia do

município.

No que se refere à sustentabilidade ecológica, a fruticultura é, sem

dúvida, uma das atividades que melhor se adaptam às potencialidades edafo-

climáticas do município de Pelotas. E, ainda, contribui para a manutenção da

biodiversidade nessa área, uma vez que os pomares são formados por várias

espécies, típicas de clima temperado.

Nesse sentido, o Programa de Fruticultura Irrigada, ao promover a

manutenção de sistemas complexos e diversificados, aliada à preservação do

conhecimento empírico dos produtores, sem deixar de incorporar inovações

científicas que não danificam o meio ambiente, como é o caso da irrigação por

gotejamento associada à adubação orgânica, representa um modelo de

desenvolvimento rural cujos princípios da sustentabilidade se encontram

valorizados.

Entretanto, programas de culturas irrigadas, como o da fruticultura,

devem ser considerados mais que um meio para aumentar a produção e

preservar os ecossistemas; devem vir acompanhados de ações

complementares, como obras de infra-estrutura (estradas, centrais de

armazenamento, ...), garantindo aos produtores familiares acesso ao mercado,

a fim de consolidar sua atividade produtiva.

296

Como bem lembra ABREU,

A irrigação sozinha não traz os benefícios que o agricultor espera. A irrigação é mais uma ferramenta. É um meio a mais para se produzir melhor, com segurança. Portanto, sua adoção precisa estar bem entrosada com as outras operações e práticas recomendadas. (ABREU, L. S., 1994, p. 87)

Outro aspecto importante relacionado à fruticultura é que esta permite

otimizar a utilização da mão-de-obra familiar no interior das unidades

produtivas. Isso ocorre tanto pelos tratos culturais exigidos para a manutenção

e formação dos pomares, os quais se encontram distribuídos ao longo de todo

o ano agrícola, como pelas tarefas complementares relativas ao artesanato

doméstico. Além disso, ao ampliar as possibilidades de aproveitamento do

trabalho familiar nas próprias propriedades, a fruticultura contribui para diminuir

o êxodo rural.

Da mesma forma, a fruticultura proporciona a oportunidade de viabilizar

a reprodução do produtor rural e da sua família, e também da sociedade como

um todo, visto ser essa uma atividade que produz bens essenciais à

sobrevivência humana, ou seja, alimentos.

GÓMEZ argumenta que é possível a combinação da produção de

alimentos e fibras, com a noção de sustentabilidade, desde que o sistema

produtivo familiar:

a) aumente a produtividade dos recursos naturais e dos sistemas agrícolas, permitindo que os produtores respondam aos níveis de demanda engendrados pelo crescimento populacional e pelo desenvolvimento econômico; b) produza alimentos sadios, integrais e nutritivos que permitam o bem-estar humano; c) garanta

297

uma renda líquida suficiente para que os agricultores tenham um nível de vida aceitável e possam investir no aumento da produtividade do solo, da água e de outros recursos; d) corresponda às normas e expectativas da comunidade. (GÓMEZ, H. W., 1996, p. 155)

Sempre que forem cumpridas as condições mencionadas, os

interesses em torno da sustentabilidade social serão compartilhados entre

agricultores e sociedade.

Sem sonhos, sem ilusões, com os pés na realidade, mas nem por isso pessimista e/ou fatalista, pois, embora dentro de limites muito claros e barreiras muito precisas, é aconselhável reconhecer que existe nas transformações atuais uma vaga possibilidade de a humanidade galgar a um patamar superior nas suas relações. Seja nas relações entre os homens com a natureza, seja nas relações de poder, há uma possibilidade de recuperar, mesmo que em parte, a capacidade criativa e inovadora dos indivíduos, recuperar o sujeito enquanto sujeito do processo. Principalmente, recuperar a energia decorrente da participação direta no processo de construção da diferença.

(Dinizar Becker, 1996)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Difícil é a tarefa de empreender, a esta altura, conclusões definitivas

quanto às diversas questões tratadas, devido, sobretudo, ao caráter exploratório

em que se enquadra esse trabalho. Pode-se afirmar que o objetivo principal foi o

de explicitar e pôr em destaque as idéias mais importantes relativas ao tema

pesquisado, na convicção de que elas possam suscitar novas investigações e

aprofundamentos.

Nesse sentido, pretendeu-se refletir, a partir de pressupostos teóricos e

empíricos, sobre as possibilidades e restrições de se formular um projeto de

desenvolvimento sustentável para a produção familiar na agricultura, e sobre a

forma pela qual uma comunidade pode ser o ponto de partida para a transição de

um modelo convencional para outro alternativo.

Como esclarece LEROY:

Ao refletir sobre comunidade local e desenvolvimento sustentável, estamos no cerne da questão. Colocamos como hipótese que a construção de um novo projeto para o desenvolvimento da humanidade passa pelos experimentos, lutas e contradições da sociedade. Mais do que um projeto, trata-se de múltiplos projetos que talvez possam, aos poucos, configurar um novo modelo de desenvolvimento. (LEROY, apud BECKER, B, e MIRANDA, M., 1997, p. 251)

300

Sabe-se que a idéia de comunidade é freqüentemente associada a uma

configuração espacial-territorial (bairro, localidade, município ou, até mesmo, uma

sub-região). (BECKER e MIRANDA. 1997)

Cabe esclarecer que, na análise realizada, essa noção foi ampliada para

que fossem consideradas as características sociais, culturais, políticas e

econômicas que formam o verdadeiro amálgama de uma comunidade. No

entanto, não foi descartada a dimensão espacial, pois qualquer projeto de

desenvolvimento exige que os diferentes segmentos da sociedade se encontrem,

dialoguem, negociem e construam um território42 numa perspectiva sustentável.

A abordagem adotada preconiza que os produtores familiares, nas

comunidades rurais, devem receber apoio e acompanhamento no seu processo

de organização, para se fortalecer a capacidade de resolução conjunta dos

problemas. Isso não significa que não haja limitações e restrições de toda ordem

para esse tipo de mudança; ao contrário, os conflitos e contradições inerentes ao

processo devem ser de conhecimento das famílias envolvidas, para que essas

possam tomar decisões com maior grau de realismo.

Paralelamente, as instituições prestadoras de assistência aos produtores,

como órgãos públicos (locais, estaduais e federais) e também organizaçãoes

não-governamentais, devem atuar de forma articulada para responder com maior

42

Falar de comunidade é também falar de um território onde a convivência permite o conhecimento mútuo e possibilita a ação conjunta. Segundo BECKER e MIRANDA (1997), na escala humana, é o espaço onde os cidadãos podem fazer algo ao seu alcance, passível de ser entendido e que produz efeitos visíveis. Ver mais sobre comunidades territoriais e desenvolvimento sustentável em BECKER, B. e MIRANDA, M. A Geografia Política do Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1997.

301

eficácia às demandas das comunidades, ao invés de implementar pacotes e

projetos “de cima para baixo”.

Por ser um tema relativamente novo, a noção de desenvolvimento

sustentável para a agricultura precisa responder a alguns desafios: no campo

científico, exige uma proposta mais consistente, através de estudos técnicos que

demonstrem as etapas necessárias para implementar a adoção do modelo; os

conhecimentos técnicos e científicos sobre agroecologia ainda precisam ser

integrados aos conhecimentos acumulados pelos produtores rurais, além de

desenvolvê-los e adaptá-los às condições atuais.

A tradição camponesa e o avanço do conhecimento científico devem

convergir para produzir tecnologias compatíveis com as condições econômicas,

sociais e ecológicas do mundo de hoje.

Vale ressaltar que tanto os produtores familiares, como as instituições

públicas e organizações não-governamentais que tratam, hoje, com as propostas

da agricultura sustentável, não adotam a perspectiva simplista de que basta

buscar, “no passado e nas tradições”, as soluções para o futuro. Percebe-se que

a valorização do “saber empírico” do camponês, um dos elementos do

desenvolvimento sustentável, não significa o atraso da agricultura, como explica

LEROY:

Se um modelo de agricultura sustentável para um país tropical está em gestação, ele deve apoiar-se sobre e se produzir (sic), tanto no plano agronômico, quanto no da gestão, por uma combinação de tradição e inovação, de saber adquirido pela experiência e de saber técnico-científico. (LEROY. apud BECKER, B e MIRANDA, M., 1997, p. 255)

302

Em resumo, o desenvolvimento sustentável da agricultura significa uma

produção sob restrições de utilização da base dos recursos naturais em que se

encontra assentada (ou seja, sem degradação ambiental), além de obedecer aos

critérios de viabilidade econômica e de eqüidade43 social na distribuição dos seus

custos e benefícios. (KITAMURA, 1993)

ALTIERI (1998) é explícito em afirmar que o desenvolvimento sustentável

deverá contribuir para a igualdade social e, para que isto aconteça, os produtores

deverão reduzir os investimentos em insumos químicos, deversificar a produção

agrícola e investir nas potencialidades agroecológicas do meio em que vivem e

produzem.

No exemplo analisado, sobre a produção familiar do distrito de Santa

Silvana – Pelotas, constatou-se que a introdução do cultivo do fumo e a

conseqüente integração dos produtores às agroindústrias fumageiras, foram os

elementos responsáveis pela consolidação do processo de modernização nessa

área.

Os principais reflexos dessa articulação entre a agricultura familiar e os

circuitos urbano-industriais foram os seguintes: a tendência à especialização

produtiva; a dependência externa em relação ao setor industrial; a perda da

autonomia do produtor sobre o processo produtivo da unidade familiar; e, por

último, mas não menos importante, o agravamento dos impactos ambientais

provocados pelo uso excessivo de produtos químicos na cultura de fumo.

43

Eqüidade: “disposição para reconhecer imparcialmente o direito de cada qual; igualdade; justiça;” MICHAELIS: Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998.

303

Como foi visto anteriormente, na fumicultura, quem “dita as regras” na

organização do processo produtivo e nas relações sociais de trabalho é a

indústria fumageira. A busca de um padrão de qualidade para o produto,

adequado ao processamento industrial, bem como a intensificação do trabalho,

são estabelecidos fora da unidade de produção. Com isso, o produtor familiar

passa a ter uma nova concepção de autonomia, de tempo de trabalho e da

própria natureza.

Em vista disso, a questão ambiental torna-se secundária. É a lógica da

agroindústria que permeia as escolhas tecnológicas dos produtores, a fim de

elevar a produção a curto prazo e obter lucros imediatos. O meio ambiente é

tratado como provedor de bens comercializáveis, e não como um patrimônio que

pode ser explorado, mas também deve ser recuperado e preservado.

Diante dessas constatações, o fundamental a ser enfatizado é que o

tratamento dado às questões sociais reflete-se nas questões ambientais, ou, de

outro modo, a superação dos impasses ambientais passa por questões sociais

relevantes, a saber: uma é propiciar aos produtores ruraus interessados em

converter seus sistema produtivo, baseado na cultura do fumo, condições para

que realizem a transição para sistemas diversificados e sustentáveis; outra

questão, ligada diretamente à anterior, refere-se a diminuir a dependência

econômica vivenciada pelos fumicultores em relação às indústrias fornecedoras

de produtos químicos e às agroindústrias compradoras do seu produto – o fumo.

Entende-se que as alternativas de desenvolvimento, mesmo que numa

escala local, não podem dispensar a atuação do Estado. É necessário que sejam,

304

estabelecidas políticas oficiais, através das quais o Estado atue concretamente,

subsidiando uma agricultura preocupada em conjugar objetivos econômicos,

sociais e de preservação ambiental.

A implementação de programas alternativos44, a partir de experiências

locais, pode desencadear dinâmicas realmente impactantes de desenvolvimento

regional, e até nacional.

O desafio que se coloca é o de apostar no desenvolvimento da produção

familiar que, apesar de ocupar somente um quarto das terras agriculturáveis do

país e sofrer todo tipo de dificuldades impostas pela grande parte das políticas

agrícolas, as quais privilegiam outros segmentos da agricultura, continua sendo o

responsável pela produção de alimentos e pela geração de trabalho para a

população que vive no meio rural brasileiro. (FAO/INCRA, 1994)

Conforme declara JEAN:

A exploração agrícola familiar soube demonstrar uma extraordinária plasticidade nas diferentes conjunturas econômicas, técnicas e políticas. Também, nossa opinião é que o desenvolvimento de uma agricultura sustentável, hoje na agenda sócio-política da maioria das agriculturas nacionais, será realizado tão mais facilmente que se deixará os agricultores familiares convencionais operar uma transição para a agricultura ecológica, como se dizia ontem, a agricultura sustentável, como se diz hoje. e a agricultura integrada como se dirá, talvez, amanhã. (JEAN, B., 1994, p. 73)

Finalmente, foi muito interessante observar, na trajetória social dos

produtores familiares descendentes de pomeranos, o forte vínculo estabelecido

44

Cita-se como exemplo de iniciativa oficial, o Programa de Manejo Ecológico do Solo, oferecido pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul aos produtores familiares. (Ver ANEXO 4)

305

com a terra e, ao mesmo tempo, com a herança cultural dos seus antepassados,

expressos na importância atribuída à manutenção do patrimônio fundiário e à

permanência nas atividades da agricultura.

Apesar das dificuldades vivenciadas pelos produtores rurais, estes

manifestam o desejo de que os filhos continuem trabalhando nas unidades

produtivas. Acreditam, ainda, que a atividade agrícola oferece a garantia de

reprodução para o grupo familiar, e que, diante das possibilidades de alternativas

para seu desenvolvimento, esteja reservado um futuro melhor para seus

descendentes.

Nesse sentido, WANDERLEY sugere em seus estudos que a

persistência da produção familiar ou camponesa no agro brasileiro reside,

exatamente, na luta dos produtores para concretizar seus ideais de reprodução

social, quando afirma que:

Combinando trabalho, meios de vida e meios de produção, o produtor familiar constrói o seu patrimônio, condição de reprodução social da família, hoje e amanhã. Patrimônio, cujo elemento central é a propriedade da terra, mas que incorpora também as benfeitorias, os meios e os instrumentos de trabalho. É assim que capital e patrimônio familiar se confundem numa estratégia em que a forma de produzir hoje, baseada no próprio trabalho familiar, reflete as possibilidades, dadas e assumidas, a respeito das gerações seguintes. (WANDERLEY, M. N. B., 1989, p. 78)

Não resta, pois, dúvida sobre o caminho a seguir: garantir a permanência

da produção familiar e promover o desenvolvimento sustentável desta.

306

Esses princípios pertencem ao campo das “utopias concretas”, como

define ERNST BLOCH:

O espaço utópico passa a ser o laboratório e a festa dos possíveis. . (BLOCH apud SACHS, I., 1986, p. 23)

ANEXOS

308

ANEXO 1 ROTEIRO DE ENTREVISTAS

A – COMPOSIÇÃO DO GRUPO FAMILIAR

COMPONENTES IDADE SEXO M F

PAI

MÃE

FILHOS 1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

NETOS

OUTROS

B – FORMA COMO A EXPLORAÇÃO FOI CONSTITUÍDA

COMPRA (nº / ha) HERANÇA (nº / ha) POSSE (nº / ha)

309

C – CONDIÇÃO LEGAL DA TERRA

PRÓPRIA PARCERIA OCUPADA OUTROS

D – UTILIZAÇÃO DAS TERRAS

LAVOURAS PASTAGENS MATAS Não aproveitadas e construção

PERM. TEMP. PERM. TEMP. NAT. ART.

E – ATIVIDADES AGROPECUÁRIAS

TIPO DE CULTIVO

CULTIVO ÁREA QUANT.

Cebola

Fumo

Milho

Batata

Feijão

Morango

Outros

310

TIPO DE REBANHO

TIPO Nº DE CABEÇAS.

Bovino

Equinos

Aves

Suínos

Ovinos

F – SISTEMAS DE CULTIVO

TIPO SIM NÃO

Rotação de Terras

Rotação de Cultivo

Associação de Cultivo

Prática de Pousio

G – COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO

TIPO DE DESTINO DA PRODUÇÃO

PRODUTO C. ATAC. C. VAR. F. LIVRE AGRO IND.

Cebola

Fumo

Milho

Morango

Batata

Feijão

Outros

311

H – RELAÇÕES SOCIAIS DE TRABALHO

DIVISÃO INTERNA DA MÃO-DE-OBRA FAMILIAR

NÚMERO DE PESSOAS

SEXO IDADES

MASC.

FEM.

MÃO-DE-OBRA EXTRA-FAMILIAR

TIPOS DE MÃO-DE-OBRA (nº)

Empreg. Temp. Empreg. Perm. Ajuda Mútua

I – RELAÇÕES TÉCNICAS DE PRODUÇÃO

TIPOS DE INSUMOS

FERTILIZANTES CALC. FUNG. INSET. HERB. SEM/MUD

QUIM. ORG.

USO DA FORÇA MECÂNICA OU ANIMAL

TIPOS DE FORÇA PRÓPRIA ALUGADA

Mecânica

Animal

312

J – ASSISTÊNCIA TÉCNICA E CRÉDITO RURAL

ASSISTÊNCIA TÉCNICA

SISTEMÁTICA EVENTUAL NUNCA

CRÉDITO RURAL

SISTEMÁTICA EVENTUAL NUNCA

ÓRGÃOS DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E CIENTÍFICA

ÓRGÃO SIM NÃO

EMBRAPA

EMATER

Indústria

Outros

313

A TRANSFORMAÇÃO ECONÔMICA E CULTURAL DA COMUNIDADE

POMERANA DE SANTA SILVANA, PELOTAS. DESENCADEADA PELA

PENETRAÇÃO ESPACIAL DA CULTURA DO FUMO

ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA AS ENTREVIUSTAS

01 – Há quanto tempo planta fumo?

02 – Quais as razões que o levaram a plantar fumo?

03 – A escolha tem alguma relação com o incentivo comercial das indústrias de

fumo?

04 – Fornece o produto para qual a indústria?

05 – O processo de comercialização é estabelecido direto com a indústria ou via

cooperativa associação de produtores?

06 – Que tipo de contrato de venda existe entre o produtor e a indústria?

07 – Como os produtores recebem o pagamento de sua produção?

08 – Como são estabelecidas as relações de preços? Existe a pré-fixação de

preços mínimos para o produto?

09 – A comercialização do Fumo como agroindústria é atividade rentável?

10 – Quanto representa no total dos rendimentos familiares?

11 – Com o resultado de sua produção de Fumo o Sr. adquire seus imóveis,

animais, etc...?

314

12 – Quais os produtos e culturas que o Sr. está tendo que adquirir fora para a

sobrevivência?

13 – A produção de Fumo está prejudicando a reserva florestal?

14 – Quantas escolas existiam na região antigamente?

315

ANEXO 2 CLASSIFICAÇÃO DO FUMO – POSIÇÃO DA FOLHA NA PLANTA

CLASSIFICAÇÃO DE FUMO – GRUPO ESTUFA

CLASSES Segundo a posição da folha na planta A – Ponteiras

Últimas folhas, em torno de 5

B – Meeiras Folhas do meio superior da planta, em torno de 7

C – Semimeeiras

Folhas do meio inferior da planta, em torno de 6 D – Baixeiras

Primeiras folhas, em torno de 5

FONTE: ETGES, V. E., 1991, p. 193.

316

ANEXO 3 CLASSIFICAÇÃO DO FUMO – COLORAÇÃO DAS FOLHAS

SUB-CLASSE: Segundo a cor das folhas L – Folhas cor limão O – Folhas cor laranja R – Folhas com mais de 50% de cor acastanhada com fundo laranja ou limão.

TABACO EM FOLHA – GRUPO ESTUFA

Sub-Grupo Segundo Acondicio-namento das Folhas

Classe Posição

na Planta

Sub-Classe Coloração

das Folhas

Tipos

Qualidade

Sub-Tipos Anormali-

dades

Resíduos

FM-Folhas Manocadas

FS-Folhas Soltas

T B C X

O – Laranja L – Limão

R – Acasta-nhado

1 2 3

K G2

G3

SC (Fragmentos

de Lâminas)

ST

(Fragmentos de

Talos)

CLASSIFICAÇÃO DE FUMO – GRUPO ESTUFA

Combinando-se Classe Sub-Classe, Tipos e Sub-Tipos, obtém-se

48 classificações

T01 TL1 TR1 CO1 CL1 CR1 TO2 TL2 TR2 T2K CO2 CL2 CR2 C2K TO3 TL3 TR3 T3K CO3 CL3 CR3 C3K BO1 BL1 BR1 XO1 XL1 XR1 BO2 BL2 BR2 B2K XO2 XL2 XR2 X2K BO3 BL3 BR3 B3K XO3 XL3 XR3 X3K G2 SC G3 ST

Classificação do tabaco em folha portarias 875 de 22/09/78 e 309 de 02/10/80 – Ministé-

tério da Agricultura.

FONTE: ETGES, V. E., 1991, p. 194.

317

ANEXO 4 PROGRAMA DE MANEJO ECOLÓGICO DO SOLO

O Manejo Ecológico do Solo é um programa do Governo do Estado para

corrigir a fertilidade do solo do Rio Grande do Sul. Para implementá-lo, foi criada

uma linha de crédito subsidiado.

Terão acesso ao crédito os pequenos agricultores familiares e

assentados da reforma agrária, organizados em grupos de, no mínimo, cinco

famílias, com renda e área conforme as normas do FEAPER – Fundo Estadual

de Apoio aos Pequenos Estabelecimentos Rurais.

O objetivo do Programa é aumentar a renda da agricultura familiar,

corrigindo o desgaste do solo e, com isso, aumentar de forma permanente a

produção e a produtividade da terra.

O financiamento terá um prazo de até 5 anos para ser pago, com até um

ano de carência, com juros de 8,75% ao ano. Terão, ainda, redução de 5,75%

nas taxas de juros aqueles grupos de agricultores que cumprirem as diferentes

etapas do programa, ou seja, fizerem a correção da acidez e fertilidade (calcário,

fósforo e potássio, conforme análise do solo), e também usarem a adubação

verde.

Cada família terá direito a um financiamento de R$ 500,00 a R$ 1.500,00

e assistência técnica da Emater.

A Secretaria da Agricultura e Abastecimento – SAA, do Estado do RS,

responsável pela implementação do referido Programa, firmará convênio com as

seguintes Instituições, a fim de melhor operacionalizar as etapas do Programa de

Manejo Ecológico do Solo: Federação dos Trabalhadores na Agricultura

(FETAG), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Departamento Rural da

318

CUT, Cooperativa Central dos Assentados do Rio Grande do Sul (COCEARGS),

Banrisul e Prefeituras Municipais.

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