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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAS BEBITO MANUEL ALBERTO ENTRE O SILÊNCIO E O “LUCRO”: UM ESTUDO SOBRE A ONDA DE SEQUESTROS NAS CIDADES DE MAPUTO E MATOLA, EM MOÇAMBIQUE, PERÍODO DE 2011-2013 Salvador, Bahia 2015

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE …‡ÃO... · MAPUTO E MATOLA, EM MOÇAMBIQUE, PERÍODO DE 2011-2013 Salvador, Bahia 2015 . BEBITO MANUEL ALBERTO ... AGP Acordo Geral

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAS

BEBITO MANUEL ALBERTO

ENTRE O SILÊNCIO E O “LUCRO”: UM ESTUDO SOBRE A ONDA DE SEQUESTROS NAS CIDADES DE MAPUTO E MATOLA, EM MOÇAMBIQUE, PERÍODO DE 2011-2013

Salvador, Bahia 2015

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BEBITO MANUEL ALBERTO

ENTRE O SILÊNCIO E O “LUCRO”: UM ESTUDO SOBRE A ONDA DE SEQUESTROS NAS CIDADES DE MAPUTO E MATOLA, EM MOÇAMBIQUE,

PERÍODO DE 2011-2013

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Ciências Sociais.

Orientador: Prof. Doutor Luiz Claudio Lourenço

Salvador 2015

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                                 _____________________________________________________________________                   

                   Alberto, Bebito Manuel A334 Entre o silêncio e o “lucro”: um estudo sobre a onda de sequestros nas cidades de Maputo e Matola, em Moçambique, período de 2011-2013 / Bebito Manuel Alberto. – 2015. 174 f.: il. Orientador: Prof. Dr. Luiz Claudio Lourenço. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Salvador, 2015.

1. Violência urbana - Moçambique. 2. Sequestro Moçambique - 2011-2013. 3. Etnologia. I. Lourenço, Luiz Claudio. I. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

CDD: 364.154 ____________________________________________________________________ 

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In memory

Manuel Alberto e Emelita Bazamona. Meus pais.

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AGRADECIMENTOS

Embora a apresentação do presente trabalho represente também, o fim de

uma etapa de enorme esforço e dedicação, é imprescindível reconhecer com

sinceridade, que o percurso foi marcado com a colaboração e contribuições de

muitas pessoas que, sem as quais o mesmo não teria alcançado os resultados aqui

apresentados.

Em primeiro lugar, agradeço a Universidade Federal da Bahia, através do

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais pela oportunidade, em especial

ao respetivo coordenador, Prof. Doutor Clóvis Roberto Zimmermann pelo carinho

demostrado logo nos primeiros dias de contato com o programa e ao longo dos dois

anos. Estes agradecimentos são extensivos a Dôra Alencar, uma pessoa com um

profissionalismo maravilhoso, que sempre soube estar presente para responder

qualquer solicitação.

Ao Professor Luiz Claudio Lourenço, meu orientador, pela dedicação,

paciência e encorajamento tanto na introdução de novos conhecimentos quanto na

orientação do presente trabalho, que de forma incansável se responsabilizou na

“nova maneira” de pensar de forma (sociológica) que por razões da formação

anterior, inicialmente se demonstrava um pouco estranha.

As direções da Polícia de Investigação Criminal (PIC) da Cidade e Província

de Maputo, pela valiosa colaboração, sem qual a possiblidade de acessar as vítimas

e seus familiares se demostravam cada vez mais remota. De igual modo, agradeço

aos participantes da pesquisa, tanto aos profissionais das PIC, pela partilha do seu

cotidiano no esclarecimento desse fenômeno, quanto às vítimas e/ou seus

familiares, na partilha da difícil e marcante experiência vivenciada.

Agradeço ao Programa CNPq/MCT-MZ pela concessão da bolsa de estudo,

que sem a qual não teria como me manter nesta acolhedora terra de todos nós,

embora insuficiente porque dinheiro é sempre pouco. O meu muito obrigado pelo

apoio financeiro prestado.

Não deixaria de agradecer ao Ministério do Interior de Moçambique, a

instituição a qual estou profissionalmente vinculado, pela dispensa concedida no

sentido de frequentar o curso.

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Aos professores da UFBA, em especial aos professores Jorge Almeida, Paulo

Fábio, Maria Salate, Edward MacRae, Eduardo Paes-Machado e António Câmara,

pelos ensinamentos. Às professoras Ceci Vilar Noronha e Mariana Thorstensen

Possas, pelas contribuições valiosas quando o trabalho se encontrava na fase de

projeto em desenvolvimento. Mais uma vez ao Professor Clóvis Roberto

Zimmermann e a Professora Márcia Esteves de Calazans, no interesse manifestado

em participar da comissão examinadora, cujas contribuições serão levadas em

consideração com vistas o melhoramento do trabalho.

Aos colegas do mestrado, obrigado pela experiência. Aos colegas do

Laboratório de estudos em Segurança Pública, Cidadania e Sociedade – LASSOS,

Letícia, Natasha, Jalusa, Vanilton, Laiane e Josiel, o meu muito obrigado pelas

contribuições do trabalho e pelo carinho durante a conivência.

Ao tio Edmundo, que com seu estilo característico de um homem muito

calculista, sempre se dedicou no ensinamento das mazelas da vida. Pese embora,

de forma implícita, não concordar implicitamente com os caminhos e decisões que

tenho tomado na minha vida, agradeço o respeito que tem demostrado nas minhas

opções e carinho por mim.

A todos meus familiares, para não dar espaço as categorias de exclusão e

inclusão, não mencionar nomes, agradeço o carinho e amor que vocês têm

sabiamente demonstrado em toda minha vida.

Aos meus compatriotas Ilídio Lobato, Jonas Daniel e Pedro Francisco, pela

partilha da vida nessa cidade.

Aos meus grandes amigos brasileiro, Lana Santana e Alex Pereira, muito

obrigado pelos ensinamentos e carinho.

A todos meus amigos e os que direta ou indiretamente contribuíram para a

realização dessa etapa da vida, o meu muito obrigado.

A todos, “dinoutamalelani”.

Bebito Manuel Alberto

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RESUMO

A violência tem sido inequivocamente um fenômeno que afeta muitas cidades

brasileiras. Em Moçambique, as cidades de Maputo e Matola têm experimentado

também várias formas de manifestação da violência. É neste contexto que em 2011

emergem os sequestros, como uma “nova” manifestação da violência urbana. Uma

das características principais era a captura de cidadãos de nacionalidade

moçambicana ou não e de origem asiática ligados ao setor empresaria ou comercial.

Os sequestro tinham apenas por objetivo, a obtenção de vantagens de natureza

econômica com o pagamento dos resgates. O fenômeno atingido o seu pico, em

termos de ocorrência sistemática em 2013. Não ocasião, várias reações sociais e

institucionais, excetuando a acadêmica foram observadas um pouco pelo país. Daí

que o presente estudo é uma das primeiras contribuições de natureza acadêmica

sobre o fenômeno. O objetivo da dissertação é analisar e compreender as dinâmicas

sociais desse fenômeno e os possíveis determinantes da sua ocorrência sistemática

nas duas cidades. Para o efeito, foi adotada uma abordagem qualitativa, com

recurso a entrevistas às vítimas e/ou seus familiares e profissionais da polícia

investigativa que lidam com fenômeno no seu cotidiano e, pesquisa documental,

baseada em documentos institucionais e informações midiáticas. De uma maneira

geral, os resultados demostram que o silêncio tanto das vítimas e/ou seus familiares,

quanto do poder pública foi evidente nesse período e, uma vez que essa prática

criminal em Moçambique é altamente “lucrativa”, os praticantes continuaram se

dedicando de forma engajada. Por outro, houve atração de outros criminosos que se

dedicavam em outras práticas criminais, como por exemplo, roubos com recurso à

arma de fogo.

Palavras-chave: Moçambique, violência urbana, sequestro, onda de sequestros.

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ABSTRACT

Violence is clearly a phenomenon that affects many Brazilian cities. In

Mozambique, the cities of Maputo and Matola also have been experiencing many

manifestation ways of violence. It is in this context that in 2011 emerged kidnappings,

as a "new" manifestation of urban violence. One of the key features was the capture

of citizens from Mozambican nationality or not and from Asian origin linked to

business or commercial sector. The objectives of those kidnappings were only to

obtain economic advantages through the payment of the ransoms. The phenomenon

reached its peak in terms of systematic occurrence in 2013. This period has

observed many social and institutional reactions at a little over the country, except

the academic. Hence, this study is one of the first academic contributions. The main

objective of this work is to analyze and understand the social dynamics of this

phenomenon and the possible determinants of the systematic occurrence in both

cities. To achieve this purpose, was adopted a qualitative approach, based in

interviews with the victims and/or their families and investigative police professionals

who daily deal with phenomena and, documentary research based on institutional

documents and media information. In general, the results demonstrated that the

silence of both the victims and/or their families, and the public power was evident

during this period and, as this criminal practice in Mozambique is highly "profitable",

their practitioners continued engaged on it. On the other hand, it attracted other

criminals who were acting in other criminal practice, such as, robbery with a gun use.

Keywords: Mozambique, urban violence, kidnapping, kidnapping wave.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Esquema 1 Organograma de um grupo estruturado de sequestradores................37

Gráfico 1 Participantes da pesquisa ....................................................................45

Figura 1 Mapa de África ....................................................................................54

Figura 2 Mapa de Moçambique .........................................................................55

Gráfico 2 Evolução dos sequestros referente aos anos 2011 e 2013..................74

Gráfico 3 Sequestros por gênero referentes aos anos 2011 e 2013....................79

Gráfico 4 Duração de custódias versus resgate pago nos sequestros referente

aos anos 2011 e 2013...........................................................................83

Gráfico 5 Casos de roubo referente aos anos 2008-2013 ...................................93

Esquema 2 Modelo de seleção da vítima..............................................................112

Esquema 3 Modelo de planejamento de um sequestro.........................................116

Esquema 4 Tríade da interação nos sequestros ...................................................134

Imagem 1 Manifestações de 31 de Outubro de 2013 na Cidade de Maputo ......148

Esquema 5 Conexões telefônicas entre executores e mandante .........................160

Esquema 6 Conexões telefônicas entre executores, coordenador e mandante…160

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Dados criminais referentes ao ano de 2010 ........................................65

Tabela 2 Dados sobre crime, registrados pela Polícia, por província .................67

Tabela 3 Casos de sequestros referentes aos anos 2011 e 2013.......................73

Tabela 4 Situação de pagamento de resgate referente aos anos 2011 e 2013..75

Tabela 5 Valores de resgate pagos referentes aos anos 2011 e 2013...............76

Tabela 6 Pagamento de resgate por gênero referente aos anos 2011 e 2013 ..81

Tabela 7 Qualidade da vítima versus valor médio resgate pago nos sequestros

referente aos anos 2011 e 2013 ..............................................................86

Tabela 8 Relação de parentesco da vítima com o empresário versus resgate

médio pago nos sequestros referente aos anos 2011 e 2013..............87

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AGP Acordo Geral de Paz

CP Código Penal

CRM Constituição da República de Moçambique

EN4 Estrada Nacional no 4

FRELIMO Frente de Libertação de Moçambique

KFC Kentucky Fried Chicken

ONU Organização das Nações Unidas

PGR Procuradoria Geral da República

PIC Polícia de Investigação Criminal

PRM Polícia da República de Moçambique

RENAMO Resistência Nacional de Moçambique

RM Rádio Moçambique

TJCM Tribunal Judicial da Cidade de Maputo

TJPM Tribunal Judicial da Província de Maputo

USD United States Dollar

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 16 

1 SEQUESTROS NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA URBANA ................................ 23 

1.1 DO CONCEITO E SIGNIFICADO DA VIOLÊNCIA ............................................. 23 

1.1.1 O meio urbano e a violência .......................................................................... 24 

2.2 DO CONCEITO DO SEQUESTRO ..................................................................... 28 

2.2.1 Tipos de sequestros ....................................................................................... 30 

1.3 A ABORDAGEM DE ATIVIDADES ROTINEIRAS E OS FATORES

PROPICIADORES DE SEQUESTROS SISTEMÁTICOS ......................................... 33 

1.3.1 A presença de organizações ......................................................................... 35 

1.3.2 Os riscos ......................................................................................................... 37 

1.3.4 As recompensas ............................................................................................. 39 

2 METODOLOGIA .................................................................................................... 40 

2.1 NOTAS SOBRE A PESQUISA DE CAMPO – UMA EXPERIÊNCIA PARTILHADA

.................................................................................................................................. 40 

2.2 O MÉTODO ......................................................................................................... 43 

2.3 PARTICIPANTES DA PESQUISA ....................................................................... 45 

2.4 TÉCNICAS DE COLETA DE DADOS ................................................................. 46 

2.4.1 Entrevista ........................................................................................................ 46 

2.4.2 Pesquisa documental ..................................................................................... 48 

2.5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS .................................................... 49 

2.6 QUESTÕES ÉTICAS E RELAÇÃO PESQUISADOR-INFORMANTE ................. 50 

3.1 O CONTINENTE AFRICANO .............................................................................. 53 

3.2 MOÇAMBIQUE ................................................................................................... 54 

3.2.1 Moçambique e o contexto sócio-histórico ................................................... 56 

3.2.2 A cidades de Maputo e Matola e a violência, uma espécie de “laboratório

criminal” de Moçambique ....................................................................................... 63 

4 OS SEQUETROS NAS CIDADES DE MAPUTO E MATOLA: DADOS GERAIS E

ANÁLISE TEMPORAL COMPARATIVA .................................................................. 71 

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4.1 DADOS GERAIS DOS SEQÜESTROS NAS CIDADES DE MAPUTO E MATOLA

DE 2011-2013 ........................................................................................................... 71 

4.1.1 Evolução dos sequestros no período de 2011 e 2013 ................................. 72 

4.2 VALORES DE RESGATE PAGOS ...................................................................... 75 

4.2.1 Resgate pago em função do sexo, duração de cativeiro e qualidade da

vítima ........................................................................................................................ 78 

4.3 ANÁLISE TEMPORAL COMPARATIVA DA ONDA DE SEQUESTROS ............ 88 

4.3.1 Relações comerciais conflituosas na gênese do fenômeno ...................... 89 

4.3.2 Tendência para uma maior especialização .................................................. 91 

4.3.3 A disputa do mercado de sequestros ........................................................... 92 

5 OS SEQUESTROS E O SEU DESENROLAR ....................................................... 96 

5.1 PANORAMA DESCRITIVO DOS CASOS ESTUDADOS .................................... 96 

5.1.1 Cobrança do valor de resgate remanescente .............................................. 96 

5.1.2 Coragem e determinação para não pagar o resgate ................................... 98 

5.1.3 “Policiais” na captura da vítima .................................................................. 100 

5.1.4 Três locais de cativeiro para a mesma vítima ............................................ 101 

5.1.5 Quando rotinas são desconhecidas, o que fazer? .................................... 103 

5.1.6 Sequestro e roubo ........................................................................................ 105 

5.1.7 A vítima negociando o seu resgate ............................................................ 107 

5.1.8 Pagamento de resgate e libertação da vítima só após alguns dias ......... 108 

5.1.9 Quebra do vidro do carro se não abrir a porta .......................................... 109 

5.2 OS SEQUESTROS E AS SUAS FASES ........................................................... 111 

5.2.1 Planejamento ................................................................................................ 111 

5.2.2 Reconhecimento e sedução da vítima ........................................................ 117 

5.2.3 Captura e transferência da vítima ............................................................... 119 

5.3.4 Custódia ........................................................................................................ 122 

5.2.5 Vigilância da família da vítima ..................................................................... 126 

5.2.6 Negociações ................................................................................................. 128 

5.2.7 Pagamento do resgate ................................................................................. 130 

5.2.8 Libertação da vítima ..................................................................................... 131 

5.3 A NATUREZA DA INTERAÇÃO INTERSUBJETIVA NOS SEQUESTROS ...... 133 

5.3.1 Sequestradores e vítima .............................................................................. 134 

5.3.2 Sequestradores e parentes das vítimas ..................................................... 139 

6 REAÇÕES SOCIAIS, ATUAÇÃO POLICIAL E CORRUPÇÃO ........................... 143 

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6.1 REAÇÕES SOCIAIS E SEUS SIGNIFICADOS ................................................. 143 

6.1.1 A mídia .......................................................................................................... 144 

6.1.2 A sociedade civil .......................................................................................... 146 

6.1.3 O sistema de justiça ..................................................................................... 149 

6.1.4 O legislativo .................................................................................................. 152 

6.2 ATUAÇÃO POLICIAL ....................................................................................... 153 

6.2.1 Estrutura orgânica da Polícia da República de Moçambique ................... 154 

6.2.2 Do conhecimento dos casos à investigação ............................................. 156 

6.3 CORRUPÇÃO ................................................................................................... 161 

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 165 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ............................................................................ 168 

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16

INTRODUÇÃO

Entre o silêncio e o “lucro”: um estudo sobre a onda de sequestros nas

cidades de Maputo e Matola em Moçambique, período de 2011-2013”, é resultado

de uma inquietação e reflexão sobre a dinâmica da violência na sociedade

moçambicana. Durante os primeiros dois semestres de 2013 no Programa de Pós-

Graduação em Ciências Sociais da UFBA, constatou-se através da mídia

moçambicana, a ocorrência sistemática de casos de sequestros cujo objetivo é

exclusivamente extorquir dinheiro decorrente do pagamento de resgate. Esses

sequestros tinham como vítimas preferenciais, cidadãos moçambicanos ou não, de

origem asiática, sobretudo, indianos e paquistaneses.

No entanto, os casos de sequestro sistemáticos vinham sendo registrados em

Moçambique desde os finais do segundo semestre de 2011, porém com menor

atração, tanto mediática quanto social, sendo 2013, o ano de “explosão”, época em

que os mesmos passaram a ser frequentemente reportados nos meios de

comunicação de massa. Aliás, é atribuído aos meios de comunicação de massa, o

papel da difusão do termo “onda se sequestros” em Moçambique, o qual, por opção

se apropriou no presente trabalho. A onda de sequestro se referia essa ocorrência

sistemática de caso de sequestro.

Depois da reação midiática, houve outras reações nos diversos setores da

sociedade sobre o fenômeno, as quais se destacam os protestos de outubro de

2013. As reações subsequentes (as institucionais – no setor judiciário e legislativo)

surgem como uma espécie de resposta aos acontecimentos precedentes. É

importante esclarecer também que 2011 não foi o primeiro ano da ocorrência do

fenômeno, mas sim o ano da emergência da chamada “onda de sequestros”, ou

seja, ocorrência sistemática de casos de sequestros, pois se constatou a existência

de registro de um caso ocorrido em 2008. Portanto, as circunstâncias em que foram

sendo registrados os casos de sequestros no período de 2011 – 2013 não deixam

equívocos de que se trata de uma nova dinâmica da violência e criminalidade em

Moçambique.

Embora tenham sido registrados alguns casos em outras cidades

moçambicanas, as cidades de Maputo e Matola se transformaram em um verdadeiro

hot-spot dos sequestros em Moçambique, constituindo-se desta forma, uma nova

manifestação da violência urbana.

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17

Considerando que pretendemos discutir essa nova manifestação da violência

urbana em Moçambique, é importante frisar que em Ciências Sociais, o conceito de

violência pode assumir diversas acepções em função do contexto pelo qual é

aplicado. Daí que existam autores que distinguem o crime da violência, pois, existe

uma linha tênue entre crime e violência, todo o crime é uma violência, mas nem toda

violência é um crime, o que pressupõe que o conceito de violência seja amplo e

passível de uma delimitação (ESPINHEIRA et al, 2004, p. 123). Os autores

argumentam que a violência não é apenas o ato de matar, espancar ou estuprar, é

uma agressão, um constrangimento físico e moral, um produto da desigualdade

social que também pode ser entendida como a situação de miserabilidade que vivem

alguns seres humanos. Neste sentido, a desigualdade social, a exclusão, a má

qualidade de vida, além de condicionantes geradores podem ser considerados como

a própria violência. Porém, a violência a que se refere a presente pesquisa é aquela

cujo elemento definidor é a força (PUTY, 1982, p. 127) interpessoal praticada por

uma pessoa contra outrem, podendo causar danos corporais ou morais sobre a

vítima, ou seja, aquela que se configura em uma prática criminal. E os sequestros

cujo objetivo é extorquir dinheiro, objeto de estudo do presente trabalho, constituem

um exemplo desse tipo de violência.

Alguns estudos específicos (ALIX, 1978; BORGES, 1997; WRIGHT, 2009)

constataram que esta prática criminal é comumente cometida com excessivo uso da

força física, onde, muitas vezes, os seus perpetradores recorrem armas de fogo no

ato da captura das vítimas e, posteriormente, mantidas em cativeiro, em princípio,

lugar desconhecido até o pagamento do resgate. Esta forma peculiar de atuação

visa essencialmente, evitar resistência e/ou reação de qualquer natureza por parte

da vítima ou dos acompanhantes, bem como criar uma pressão de natureza

psicológica para a família da vítima de modo a pagar o resgate o mais breve

possível, pois na teoria da escolha racional aplicada na Sociologia do crime, a arma

de fogo, frequentemente representa um instrumento de controle da situação criminal

(HARDING, 1993 p. 88). Em alguns casos (ALIX, 1978), as vítimas são mortas como

forma de vingança ou persuasão para que os próximos eventos sejam pagos sem

resistência. O caso ocorrido na cidade da Beira1, província central de Sofala, embora

tenha sido único no país com um desfecho dessa natureza evidencia esta atitude.

1 Foi amplamente divulgado na mídia um caso um caso nos finais do mês de Outubro de 2013, em que um adolescente de origem asiática foi sequestrado quando regressava da escola. De acordo com

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18

No contexto da violência em Moçambique, além das cidades de Maputo e

Matola serem as que registram muitos casos criminais em comparação com outras

cidades (REISMAN & LALÁ, 2012), ambas têm sido ao longo dos últimos anos um

autêntico “laboratório criminal” do país, onde os autores do crime não param de

ensaiar novas práticas criminais que outrora não ocorriam tanto em ambas as

cidades quanto no país em geral. Dentre as várias formas de violência ensaiadas, os

sequestros cujo objetivo é exclusivamente extorquir às vítimas com o pagamento

dos respetivos resgates parecem ter se transformado, até hoje, numa manifestação

da violência comum no país. É importante realçar que diferentemente do Brasil,

onde os sequestros com fins extorsivos foram antecedidos pela ocorrência de

sequestros políticos (BORGES, 1997), em Moçambique, a emergência de

sequestros com fins extorsivos não foram antecedidos de nenhuma outra

modalidade de sequestros.

Em Moçambique, os sequestros começaram a ser reportados pela primeira

vez nos finais do segundo semestre de 2011. É importante frisar que antes desse

período, não houve nenhuma notícia sobre esse tipo fenômeno, embora o trabalho

de campo tenha constado à ocorrência de um caso em 2008, sobre o qual se

debruça ao longo do trabalho. O que se pretende realçar aqui é que o caso ocorrido

em 2008 não é de domínio público.

Após a sua emergência em 2011, com o decurso do tempo, ou seja, a cada

ano que foi passando, os sequestradores foram aprimorando as suas ações,

passando a desenvolvê-las de forma mais complexa. E nos finais de 2013 se

observou um registro médio de quatro casos por semana. Esta realidade não é

surpreendente quando os possíveis fatores propiciadores à ocorrência dos

sequestros, nomeadamente, a presença de organizações criminosas, os riscos as

recompensas (BRIGGS, 2001) encontram uma acomodação “natural” em um

determino lugar. A questão que se pode colocar é se Moçambique acomoda esses

fatores.

a mãe da vítima que aceitou falar na imprensa, os autores pediram em princípio, 100 000,00 USD e após intensas negociações, os seqüestradores aceitaram receber cerca de 30 000,00 USD e indicaram igualmente o local do encontro. Na seqüência, a senhora em referência comunicou a polícia local sobre todos os detalhes do provável encontro com os seqüestradores. Horas depois, ela teria recebido um telefonema dos seqüestradores dando conta do cancelamento do encontro, alegadamente porque teria metido a Polícia no negócio, por conseguinte, ela devia se deslocar a lugar indicado por eles para recuperar o corpo do adolescente já morto e queimado. E foi de fato o que aconteceu.

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Essa nova manifestação da violência em Moçambique gerou uma série de

reações em diversos setores da sociedade. Após as manifestações de outubro de

2013, as quais, podemos afirmar aqui que constituíram as primeiras reações sociais

na história do país com uma adesão abrangente, foi notório um conjunto de reações

institucionais subsequentes que visavam, essencialmente, dar uma resposta

“adequada”, tanto ao fenômeno como à opinião pública em voga na ocasião. Os

setores da polícia, do judiciário e do legislativo foram os principais cujas respostas

ao fenômeno foram evidentes. No entanto, a contribuição acadêmica se manteve

silenciosa, ou seja, até o presente momento não existe – pelo menos de domínio

público – um trabalho que se dedique a explorar as dinâmicas sociais e nuances

desse emergente fenômeno em Moçambique.

Nesta perspectiva, o presente estudo é um trabalho original no contexto

moçambicano. É efetivamente pelo fato de ser um estudo pioneiro onde dificuldades

de diversas ordens foram enfrentadas. Ciente de que se trata de uma situação

pontual que, poderá eventualmente, em médio prazo ser controlada, do ponto de

vistas acadêmico, o estudo se apresenta, por um lado, como uma oportuna

contribuição no campo da sociologia do crime no contexto moçambicano e, por

outro, no contexto brasileiro é, sobretudo, uma partilha de experiências, pois há

muito tempo que temáticas do gênero têm vindo a ser estudados por muitos

pesquisadores.

Pretende-se com estudo, descrever e analisar essa “nova” manifestação da

violência urbana em Moçambique que tem vindo a ser reportada um pouco por todo

país, principalmente nos principais centros urbanos, nomeadamente, as cidades

Maputo, Matola, Beira e Nampula, porém com maior expressividade numérica nas

cidades de Maputo e Matola, locais onde decorreu o trabalho de campo.

Constituiu objetivo geral do presente estudo, conhecer e descrever a

configuração dos sequestros e os possíveis fatores que propiciaram a sua

ocorrência nas cidades de Maputo e Matola, no período de 2011 a 2013. Para a

materialização desse objetivo, fez-se uma descrição e análise de: (a) todos os casos

registrados pela polícia e os respetivos valores decorrentes do pagamento de

resgate, avaliando variáveis como sexo, duração da custódia ou cativeiro e

qualidade da vítima em relação à empresa/estabelecimento comercial na qual se

encontrava ligada; (b) alguns casos que se teve acesso, nos quais especial atenção

se prestou nas dinâmicas e nas interações estabelecidas entre os sujeitos

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envolvidos; e finalmente, (c) a atuação policial nesses casos, tendo em atenção

algumas práticas que sugerem atos de corrupção.

Quanto a estrutura do trabalho, o mesmo está organizado em seis capítulos

antecedidos pela presente seção introdutória e sucedidos pela seção de

considerações finais.

Neste sentido, o primeiro capítulo apresenta a principal literatura que sustenta

o fenômeno em estudo. O mesmo está subdivido em duas seções. Recorrendo-se

uma abordagem dedutiva (LAKATOS & MARCONI, 1992), apresenta-se na

primeiramente, a literatura que aborda a temática da violência e posteriormente, a

literatura mais específica do crime de sequestro e a vítima. Uma vez que a violência

é multicausal, especial atenção é dada a algumas causas que contribuem para a sua

ocorrência no meio urbano. É importante chamar atenção mais uma vez que, a

violência que nos referimos no presente trabalho é aquela relacionada com o uso da

força física contra outrem, e que, o sequestro é apenas uma das manifestações

desse tipo de violência. Na segunda seção, busca-se apresentar uma literatura mais

específica do tema. A extorsão mediante sequestro é um fenômeno que foi

registrado de forma sistemática em países como os EUA (ALIX, 1978), em Sardinha,

na Itália (MORONGIU & CLARKE, 1993) e na América Lática, além do Brasil

(BORGES, 1997, CALDEIRA, 1996, 2002), foi registrado também, e em grande

número na Colômbia (RÚBIO, 2003) e no México (JIMÉNEZ-ORNELAS, 2004). Está

é essencialmente a razão fundamental pela qual a literatura apresentada na

segunda seção foca-se principalmente sobre estes países. Embora os contextos em

que os casos forram registrados sejam diferentes, as abordagens desses autores

nos ajudam a ter um grande ponto de referência sobre a dinâmica do fenômeno. Os

possíveis fatores que favorecem a ocorrência sistemática de sequestros em um

determinado lugar é um aspecto fundamental analisado no trabalho de Briggs

(2001), os quais são parte integrante dessa seção.

No segundo capítulo se apresenta toda a trajetória metodológica que permitiu

a coleta e sistematização do material apresentado no presente trabalho. Para a sua

materialização se adotou uma orientação metodológica de natureza essencialmente

qualitativa coadjuvada por algumas técnicas de método quantitativo. Este capítulo

está subdivido em cinco seções. A primeira seção visa essencialmente à partilha da

experiência do processo de coleta de dados com o leitor, pois este momento tem

sido permeado por enormes barreiras e desafios que precisam ser superados, sendo

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que, o presente trabalho não se distanciou dessa realidade. A segunda seção

descreve os participantes da pesquisa. Vítimas e/ou seus familiares e investigadores

da polícia que trabalham especificamente com casos de sequestros constituíram os

participantes da pesquisa. Na terceira seção são descritas as técnicas de coleta de

dados (entrevistas semiestruturadas e pesquisa documental) e as circunstâncias em

que os mesmos foram coletados. A quarta seção descreve como foi desenvolvida a

análise e intepretação dos dados coletados. Finalmente, a quarta seção aborda às

questões éticas respeitadas ao longo do desenvolvimento do trabalho.

O terceiro capítulo descreve o país e as cidades onde foi desenvolvido o

trabalho de campo. O mesmo tem como objetivo, atualizar o leitor sobre esse local,

provavelmente pouco conhecido entre leitores brasileiros. Este capítulo é constituído

por duas seções. Na primeira seção se descreve de maneira bastante resumida o

continente africano. A segunda seção apresenta as características sócio-históricas

dos principais marcos históricos do povo moçambicano, nomeadamente, o período

pré-colonial, o colonial, o da luta pela independência e a construção do novo Estado,

o da guerra civil e o atual período da democracia multipartidária. Em seguida, com

base em alguns dados, procura-se caracterizar o contexto da violência e do crime

em Moçambique e, uma atenção especial se dá às cidades de Maputo e Matola.

No quarto capítulo são apresentados e analisados os dados de casos de

sequestro registrados pela polícia nas duas cidades e no período em estudo. Este

capítulo está subdividido em três seções. Na primeira seção se descreve a

tendência evolutiva dos casos de sequestros nos três anos em estudos e em ambas

as cidades. Na segunda seção, discute-se os valores médios de resgate pagos em

função de algumas variáveis, como sexo da vítima, duração da custódia ou cativeiro

e qualidade da vítima em relação à emprese/estabelecimento comercial com a/o

qual estava ligada no momento do sequestro. Essas avaliações constituem um

valioso indicativo médio que permitem aferir sobre a rentabilidade dos casos. Na

terceira seção se faz uma análise comparativa dos principais elementos constitutivos

dos eventos nos três anos, visando observar as principais variações que foram

ocorrendo em cada ano.

O quinto capítulo trata das dinâmicas sociais estabelecidas nos eventos dos

sequestros. O capítulo está subdividido em três seções. A primeira seção é

basicamente descritiva, na qual são apresentados os nove casos acessados através

de entrevistas. Na segunda seção são definidas e analisadas as principais fases

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observadas nos eventos. A definição dessas fases teve, também, como referência

alguns estudos (MORONGIU & CLARKE, 1993; BORGES, 1997; WRIGHT, 2009)

que se propuseram a analisar as dinâmicas dos eventos. Na terceira seção se

discute a natureza da interação subjetiva estabelecida entre os sujeitos envolvidos, a

vítima, os sequestradores e as famílias das vítimas, cujo objetivo é observar como

esses três sujeitos interagem entre si.

No sexto capítulo são apresentadas e analisadas as reações sociais e

institucionais emergidas em Moçambique em 2013 por conta do fenômeno; a

atuação da polícia moçambicana nesses casos e a corrupção. O capítulo se

subdivide em três seções e cada um dos três assuntos anteriormente é discutido em

seção específica. Assim, as reações institucionais surgiram como respostas às

reações sociais manifestadas nos protestos de outubro de 2013, na Cidade de

Maputo, os quais foram bastante concorridos e com tendência de alastramento em

outras cidades do país. A atuação policial é também entendida como uma das

reações institucionais sobre o fenômeno, razão pela qual constituiu objeto de

discussão mais aprofundada. A corrupção tratada na terceira seção é caracterizada

pelo envolvimento de policiais e não só na prática de sequestros. No entanto, o

envolvimento de policiais nos casos de sequestros tanto como executores quanto

como encobridores foi descrito no trabalho de Caldeira (1997) como atos recorrentes

no momento em que a cidade de Rio de Janeiro registrava muitos casos de

sequestros. Na mesma seção, além da discussão sobre o envolvimento de policiais

em atos de corrupção, analisamos igualmente um caso muito midiatizado que, no

limite, sugere uma possível prática de ato de corrupção por parte de funcionários do

judiciário.

Finalmente, a seção de considerações finais, na qual se retomam as

principais questões tratadas no texto e se apresenta outras possíveis dimensões do

fenômeno que não foram exploradas e que podem servir de base para trabalhos

futuros.

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1 SEQUESTROS NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA URBANA

Neste capítulo se mobiliza a principal literatura que permeia o objeto de

estudo do presente trabalho. Os sequestros como uma manifestação de violência e,

no caso vertente, violência no meio urbano, primeiro, procura-se abordar a

conceituação da violência e as principais causas geradoras no meio urbano e,

posteriormente, apresentar-se-á a literatura específica do tema, a qual permite uma

compreensão adequada do fenômeno em estudo.

1.1 DO CONCEITO E SIGNIFICADO DA VIOLÊNCIA

A palavra violência provém do latim – violentia –, cujo elemento definidor é a

força. Entretanto, como um fenômeno social, a violência pode adquirir significados

diferenciados.

O uso que se faz do termo violência nas diversas ciências (Ciências Físicas,

Direito, Moral, Filosofia), refere-se a situações de força – sobretudo de procedência

exterior à pessoa que a sofre – que se opõe à espontaneidade, à naturalidade, à

responsabilidade jurídica, à liberdade moral, etc. Qualifica-se como violento aquele

movimento espontâneo ou livre de um ser (PUTY, 1082, p. 127).

A violência como fenômeno social não é uma realidade recente, ela sempre

existiu desde que o homem passou a viver em sociedade. O antropólogo Gilberto

Velho, no seu ensaio sobre Violência, reciprocidade e desigualdade: uma

perspectiva antropológica (VELHO & ALVINO, 2000 p. 11), afirma que a vida social,

em todas as formas que conhecemos na espécie humana, não está imune ao que se

denomina, no senso comum, de violência, isto é, o uso agressivo da força física de

indivíduos contra outros.

Numa perspectiva intercultural da violência, Gartner (1997) sustenta que o

modo como a violência é definida, legitimada e sancionada varia de forma

considerável de cultura para cultura. Esta perspectiva sugere, no entanto, a

existência de uma mesma prática violenta que pode ser tolerada em uma

determinada sociedade e não em outra. O ato de dar uma tapinha na criança

alegadamente como forma de educá-la, por exemplo, embora seja considerado

crime pela lei penal, continua sendo uma prática bastante tolerada em Moçambique.

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Portanto, ainda não existe uma consciência coletiva de assumi-la como violência,

mas sim, como um meio de educação.

A tolerância ou intolerância social de práticas violentas não é fixa, razão pela

qual, Stanko (2002) sugere que o significado da violência é e sempre será fluido,

não fixo e mutável. A autora acrescenta que é crucial que programas voltados para a

violência não estejam baseados apenas em definições da violência como

encontradas nos estatutos criminais. Esse entendimento é também partilhado por

outros autores (ESPINHEIRA et al, 2004, p. 123), que distinguem o crime da

violência, pois, existe uma linha ténue entre crime e violência, todo o crime é uma

violência, mas nem toda violência é um crime, o que pressupõe que o conceito de

violência seja amplo e passível de uma delimitação. Neste sentido, a violência não

pressupõe apenas matar, espancar ou estuprar, é uma agressão, um

constrangimento físico e moral, um produto da desigualdade social que também

pode ser entendida como a situação de miserabilidade em que vivem alguns seres

humanos. Neste sentido, a desigualdade, a exclusão, a má qualidade de vida, além

de condicionantes geradores podem ser considerados como a própria violência

(Ibidem).

Dado o significado amplo que o conceito de violência carrega, para o

presente estudo, utilizar-se-á no seu sentido mais restrito, ou seja, aquela violência

que pressupõe o uso que uma pessoa ou um conjunto de pessoas fazem da força

física e psicológica contra outrem ou grupo de pessoas com o objetivo de obter

ganhos de qualquer natureza, sobretudo materiais. Os sequestros fazem parte

desse tipo de violência.

Por outro lado, os centros urbanos têm se constituído empiricamente, em

princípio, em potenciais focos de ocorrência de violência em comparação com as

áreas rurais. Várias causas são apontadas em muitos estudos, como se demonstra

na seção a seguir.

1.1.1 O meio urbano e a violência

A revolução urbana, entendida como o conjunto das transformações que a

sociedade contemporânea atravessa, as quais permitem a transição do período em

que predominam as questões de crescimento e de industrialização para o período

caracterizado pela prevalência decisiva de problemas próprios da sociedade urbana,

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cuja busca de soluções tem sido posto em primeiro plano (LEFEBVRE, 2008),

constituiu e ainda continua constituindo uma realidade em muitas cidades. Dentre

vários fenômenos sociais do meio urbano que emergiram com a revolução urbana, a

segregação e a violência constituem parte integrantes.

Teresa Caldeira (2011) entende que a segregação social e espacial constitui

a origem de todos os problemas das cidades. Para ela, “as regras que organizam o

espaço urbano são basicamente padrões de diferenciação social e separação”

(CALDEIRA, 2011, p. 211).

A autora identifica três formas diferentes de segregação que marcaram a

cidade de São Paulo em três períodos também diferentes. A primeira forma de

segregação decorreu desde o final do século XIX até a década de 1940 e o produto

dessa forma de segregação foi uma cidade concentrada, na qual os diferentes

grupos sociais se comprimiam numa determinada área urbana e estavam

segredados por tipo de moradias.

A segunda forma de segregação, do tipo centro-periferia, ocorreu durante as

décadas de 1940 a 1980, período caracterizado pelo desenvolvimento das cidades.

Nesse tipo de segregação, os grupos sociais estavam separados por grandes

distâncias, sendo as classes média e alta concentradas nos bairros centrais da

cidade com boa infraestrutura, e os pobres nas periferias com precárias condições.

A terceira e última forma de segregação vem se configurando desde os anos

1980 até aos nossos dias, caracterizada não mais pela distância. Os grupos sociais

estão cada vez mais próximos, porém separados por muros e tecnologias de

segurança, e tendem a não circular ou interagir em áreas comuns. E “os enclaves

fortificados que são o principal instrumento do padrão de segregação são edificados

com justificação do medo do crime violento” (ibidem).

Embora seja um estudo específico da Cidade de São Paulo, pode ser tomado

como um ponto de referência para outras cidades, variando conforme diz a autora, o

contexto cultural historicamente construído de lugar para lugar. Nas cidades

moçambicanas, por exemplo, prevalece a segunda forma de segregação e a terceira

está apenas emergindo nas grandes cidades, como Maputo e Matola.

Os vários problemas decorrentes da revolução urbana tem sido objeto de

pesquisa em várias áreas de conhecimento e a violência é apenas um deles. A

Escola de Chicago foi a primeira a se propor a estudar sobre a violência, como um

problema da cidade. As pesquisas desenvolvidas na Escola de Chicago ao longo

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das primeiras décadas do Século XX, cujos objetivos eram de “convencer a opinião

pública da existência e gravidade de problemas sociais” (JOAS, 1999, p. 143) na

época, sendo a violência apenas um deles, enquadram-se nessa perspectiva, de

constatação de problemas próprios da revolução urbana. As pesquisas da Escola de

Chicago se concentravam na desorganização social decorrente do crescimento

desordenado da cidade com uma densidade populacional cada vez maior (ZALAUR,

2010), como fatores que influenciavam no comportamento desviante das pessoas,

sobretudo os jovens imigrantes. Embora as pesquisas dessa escola envolvessem

apenas as cidades de Chicago e Nova York, as respetivas abordagens contribuíram

sobremaneira no campo do estudo da violência, pois romperam com as abordagens

biológicas e psicológicas da criminalidade que vigoravam na época (GIDDENS,

2005).

Doravante, surgiram várias teorias explicativas da violência no meio urbano,

com maior destaque para as teorias de exclusão socioeconômica, do controle social,

e do crime organizado (GIDDENS, 2005; ZALUAR, 2010). O surgimento de várias

abordagens no estudo da violência no meio urbano e não só, é uma razão

inequívoca de que este fenômeno é multicausal.

O estudo de Young (2002) faz um diagnóstico das profundas mudanças do

tecido social ocorridas no mundo industrializado no último terço do século XX que

deram um movimento que ele chama de transição da sociedade inclusiva à

sociedade excludente, as quais deram lugar duas características marcantes da

sociedade, por um lado, a privação relativa e precariedades econômicas

aumentadas e, por outro, um individualismo exacerbado. Essas duas realidades são

as potenciais causas da violência na modernidade recente e,

A combinação da privação relativa e individualismo é uma causa poderosa

de criminalidade em situações em que decisões políticas não são possíveis:

ela engendra criminalidade, mas também engendra crimes de uma natureza

mais conflituosa e cruenta. As áreas operárias, por exemplo, vivem um

processo de implosão: vizinhos arrombam casas de vizinhos, multiplica-se a

incivilidade, a agressão é disseminada (YOUNG, 2002, p. 36).

As transformações tanto na manifestação de vários tipos de violência, quanto

na ocorrência de índices crescentes de criminalidade foram evidentes na sociedade

excludente. Porém, um aspecto importante que é ressaltado pelo autor, é que o

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aumento da criminalidade no período entre 1960-1975 ocorreu numa época em que

o pleno emprego e a expansão das prestações previdenciárias possibilitavam o

alcance de altos padrões de vida pela maioria da população (YOUNG, 2002, p. 62).

Esta constatação é bastante interessante, na medida em que põe em causa a

associação necessária entre as más condições sociais ou pobreza e o crime.

Numa perspectiva aproximada, Sérgio Adorno (2002) afirma que a tese que

sustenta relações de causalidade entre pobreza, delinquência e violência está hoje

bastante contestada em inúmeros estudos. Observando o comportamento da

criminalidade violenta na região metropolitana de Rio de Janeiro entre 1980 e 1983,

período caracterizado pela crise econômica e por elevadas taxas de desemprego, o

autor constata que as taxas de homicídio, de estupro e de roubo eram relativamente

baixas; no mesmo período, no Estado de Minas Gerais, os municípios de menor

incidência de crimes são justamente os mais pobres; ao contrário, a riqueza e a

circulação de dinheiro estão mais associadas à maior incidência e prevalência de

crimes, em especial os violentos.

Alba Zaluar (2010), no entanto, entende que as teóricas ecológicas do crime

não conseguem explicar adequadamente a violência que caracteriza as cidades

brasileiras, sobretudo as que recorrem maior ou menor criminalidade pelos

indicadores de capital social e eficácia coletiva, baseadas na maior sociabilidade

entre vizinhos. Este fato é decorrente, de acordo com a autora, a maneira pela qual

a violência se disseminou nas cidades brasileiras, que é distinta da de outras

cidades do mundo. Nas palavras da própria autora,

Uma das conclusões das pesquisas etnográficas feitas por nós no Rio de

Janeiro sugere que, no Brasil, impera a conjunção entre a facilidade de

obter armas de fogo e a penetração do crime organizado na vida

econômica, social e política do país. Aqui o estilo de tráfico da cocaína,

introduzido a partir do final dos anos 1970, trouxe uma corrida armamentista

entre quadrilhas e comandos de traficantes (ZALUAR, 2010).

Está constatação permitiu que os estudos recentes sobre violência urbana

realizados no Brasil mudassem de foco de análise, isto é, não procurar

necessariamente compreender as causas da violência urbana, mas sim,

compreender as interações intersubjetivas e as relações de sociabilidades

estabelecidas em várias formas de manifestação da violência, como por exemplo,

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na violência por pistolagem (BARREIA, 1998); violência como uma ordem social

instituída estruturante da vida cotidiana no meio urbano, configurando uma

sociabilidade violenta (SILVA, 2004); as dinâmicas do comércio ilegal de drogas a

partir dos modos de sociabilidade predominantes que particularizam as redes do

tráfico (GRILLO, 2008; FELTRAN, 2010); vitimização dos bancários por crimes

violentos (PAES-MACHADO & NASCIMENTO; 2006), entre outros. Esta diversidade

de análise sociológica sobre a violência urbana sugere a enorme complexidade do

fenômeno em muitas cidades brasileiras.

2.2 DO CONCEITO DO SEQUESTRO

Antes de avançar, é importante chamar atenção que o conceito de sequestro

aparece, muitas vezes, como uma categoria jurídica. Os vários conceitos que

existem estão articulados na concepção legal em vigor no local onde foi realizado o

estudo. Porém, o fenômeno apresenta mesmas características, razão pela qual, vale

a pena apresentar alguns deles, para nos familiarizar do mesmo.

Etimologicamente a palavra sequestro provém do vocabulário latino

sequestrare, que significa, apodera-se de uma pessoa para em contrapartida, exigir

resgate ou encarcerar de forma ilegal uma pessoa (JIMÉNEZ-ORNELAS, 2004). O

autor acrescenta que o sequestro é, normalmente, perpetrado com vista à obtenção

de resgate econômico, podendo também ser desencadeado com propósitos políticos

ou outros.

Um dos importantes estudos sociológicos sobre a temática realizado nos

Estados Unidos, Ernest Alix (1978) adota também um conceito essencialmente

normativo. Segundo ele, a “base legal do sequestro é a captura ou a detenção de

uma pessoa contra a sua vontade e sem nenhuma autorização legal” [p. xvi

(tradução nossa)]. O autor chama atenção para a necessidade da diferenciação

entre o crime de kidnapping e abduction, apesar deste último, em alguns casos,

também ser em associado ao crime do sequestro, ambos envolvem a captura ilegal

de uma pessoa.

In abduction, however, the illegality arises not from the lack of consent by

the victim but from unlawful interference with a family relationship, such as

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taking a child from its parents without lawful authority even if the child

consented” (ALIX, 1978, p. xvi).

Segundo o Dicionário Aurélio, o sequestro é um crime que consiste em reter

ilegalmente alguém, privando-o da sua liberdade (FERREIRA, 1986, p. 1572). Esta

definição de natureza jurídica se mostra bastante ampla, na medida em que, remete-

nos a ideia de que toda retenção ilegal de uma pessoa implica necessariamente um

sequestro.

No Brasil, o sequestro aparece pela primeira vez como tipo legal no Código

Penal de 1940, no seu artigo 159 com designação “extorsão mediante sequestro”,

cujo conteúdo era “sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem,

qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate”. A medida penal variava

entre 5 – 30 anos de reclusão, em função da gravidade do caso decorrente de

circunstâncias agravantes, como por exemplo, durante a execução do crime resultar

lesão ou morte da vítima. A Lei 11.923, de 17 de Abril de 2009 introduziu no

ordenamento jurídico a categoria de sequestro relâmpago2, fenômeno que emergiu

nos princípios do ano de 2000 (FRREIRA-SANTOS, 2006; AZEVEDO, 2011).

Em outros estudos (MARONGIU & CLARKE, 1993; RUBIO, 2003; ELSTER,

2004; JIMÉNEZ-ORNELAS, 2004), a noção de sequestro se encontra também, de

alguma forma, vinculada à concepção jurídica, a qual é definida na associação

cumulativa dos seguintes elementos: (i) detenção ilegal de uma pessoa; (ii)

condução para um lugar, normalmente desconhecido pela vítima e mantido em

segredo até a sua possível libertação; (iii) libertação mediante satisfação dos

interesses dos perpetradores. Portanto, pode se aferir que o último elemento é que

vai definir o tipo de sequestro em causa (por exemplo, para fins de extorsão ou

político).

A partir de cada um dos diferentes conceitos acima apresentados, fica

evidente que é difícil encontrar um conceito puramente sociológico, isto é, sem que

esteja vinculado à concepção jurídica, pois as categorias “ilegal” e “contra vontade”

evidenciam esta característica. Até aqui não está muito claro sobre o que é de fato

um sequestro. O estabelecimento da diferenciação dos tipos de sequestros, pode

2 Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa (Lei 11.923, de 17 de Abril de 2009).

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30

permitir uma compreensão adequada do fenômeno. Como se pode observar na

seção a seguir.

2.2.1 Tipos de sequestros

Embora haja uma notável aproximação na definição de sequestros adotada

por alguns autores anteriormente mencionados, constata-se uma nítida divergência

na classificação dos tipos de sequestros. A mais antiga classificação foi estabelecida

por Ernest Alix (1978). Usando a combinação das definições legais, a tipologia

proposta por Sutherland e Cressey3 e outras formas de tomada ilegal dos seres

vivos rotulados pela mídia4 como sequestros, o autor identifica 15 tipos5 de

sequestros, nomeadamente: White slavery: que consiste em capturar mulheres para

fins de prostituição; hostage situation: quando a vítima é usada como escudo para

facilitar a fuga ou proteção de um criminoso durante prática de outro crime; child

stealing: ocorre quando uma criança é levada dos pais ou da guarda legal sem a

devida autoridade para fins distintos de outros de sequestros; domestic relationship

kidnapping: quando uma criança é levada por qualquer um dos casais separado ou

membro da família, em violação do direito da guarda, ou captura ilegal de um

membro da família com o intuito de ganhar vantagens, frequentemente financeiras;

kidnapping for rape or other sexual assault: a vítima é levada para fins sexuais

diferente de prostituição comercial; kidnapping for murder or other nonsexual

assault: quando a vítima é levada com fins de assassinato ou agressão física com o

objetivo final de coagir alguma ação por parte da vítima ou de pessoas ligadas a ela;

kidnapping for robary: a vítima é levada com o objetivo de ser lhe ilegalmente

despojada à sua propriedade diferente de pagamento de resgate; romantic

kidnapping: quando a vítima é menor e acompanha voluntariamente o perpetrador

sem autorização dos pais ou guarda legal; ransom skyjacking: cuja motivação

primária tem sido o pagamento de resgate, às vezes tem tido também motivações

3 Kidnapping as a basis for the slave trade; impressing of men into formal naval service; shanghaiing of men onto ships; kidnapping of women for commercial prostitution (White Slaver); ransom kidnapping of underworld leaders by other members of the underworld; kidnapping of wealthy members of the upperworld by members of the underworld for purpose of ransom; kidnapping related to a hostage situation, as in bank robbery; kidnapping of children by persons wanting a child of their own; and illegal arrest and the child custody situation (SUTHERLAND e CRESSEY upud ALIX, 1978, p. 202). 4 New York Times, nos Estados Unidos durante um período de 100 anos (1874-1974). 5 Mantemos os termos em inglês para conservar a originalidade da classificação.

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políticas; ransom kidnapping hoax: naquelas situações em que o resgate é cobrado

alegadamente para cobrir diversos atos; plot or abortive ransom kidnapping: quando

a vítima é capturada a priori por conspiração ou quando há um sequestro com

resgate que é abortado antes do pagamento do resgate; ransom threat for extorsion:

quando há ameaça de sequestro por resgate com o intuito de extorquir dinheiro;

developmental ransom kidnapping: aquele que ocorre em simultâneo com outro tipo

de crime; classic ransom kidnapping: quando cuja motivação primária é se obter o

resgate, a vítima é levada para um cativeiro, o resgate é exigido, podendo ser pago

ou não, a vítima é ou não liberada sem lesões, e o autor pode ou não escapar com o

resgate; e miscellaneous kidnapping: quando são outros casos de captura ilegal de

pessoas que não se enquadram em nenhuma das categorias anteriores (ALIX, 1978,

p. xvi-xvii).

O estudo de JIMÉNEZ-ORNELAS (2004), sobre os sequestros no México

apresenta a seguinte classificação: (1) sequestro simples, ocorre quando se retém

ou oculta uma pessoa cujo propósito não é exigência de resgate. Por sua vez, o

sequestro simples se subdivide em rapto e simples propriamente dito. O rapto

acontece quando é executado por familiares, sobretudo quando as vítimas são

menores de idades e são conduzidos pelos seus pais, avós ou babas. Também se

enquadra nessa categoria, o caso de amantes, quando um deles é menor de idade.

E o simples propriamente dito ocorre quando se oculta uma pessoa com fins

distintos de extorsão; (2) sequestro extorsivo, consiste em reter ou ocultar uma

pessoa com a finalidade e para a sua liberdade, exige-se para que se aja ou omita

algo. Este tipo se encontra subdividido, igualmente em dois, econômico, cuja

finalidade é fundamentalmente pecuniária e político, quando em troca da liberdade

da vítima são feitas demandas de natureza política, como, por exemplo, a

publicação de ação de caráter político, para exigir ação ou omissão em torno de

políticas ou ações de um governo; (3) sequestro profissional, aquele que é

executado por grupos altamente treinados e bem organizados que trabalham com

planos devidamente desenhados; (4) sequestro improvisado, aquele que é

executado por autores inexperientes, geralmente sem muita educação, pois são

movidos pela ambição e ignorância; (5) sequestros de aviões, quando é executado

com grupos extremistas, cujo objetivo das suas ações é colocarem o mundo sob

intensa expectativa; (6) sequestro de veículos e outros bens, quando os

perpetradores retiram dos proprietários veículos ou outros bens e para a sua

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devolução exigem certa quantia monetária ou satisfação de outra necessidade e; (7)

auto-sequestro, ocorre frequentemente com jovens que se auto-retêm, sendo que

para sua auto-libertação, exigem dos pais ou familiares, certa quantidade de dinheiro

como forma de vingança ou resolução de gastos extras que de outra forma não

seriam satisfeitos [JIMÉNEZ-ORNELAS, 2004, p. 22-24(grifos nossos)].

Tanto a tipologia proposta por Ernest Alix (1978), quanto a de Jiménez-

Ornelas (2004) pressupõem que diversos tipos de sequestros podem ocorrer sem

que envolva necessariamente o pagamento de resgate, o que é absolutamente

plausível. No entanto, uma vez que muitos tipos de sequestros não ocorrem com

frequência na atualidade, estudos recentes têm restringido cada vez mais esta

classificação, reduzindo-a ao nível de pagamento de resgate ou alguma outra

compensação. Dos sequestros que envolvem o pagamento de resgate ou outra

compensação, destacam-se:

Sequestro de cativeiro: esta é a modalidade de sequestro mais conhecida.

Consiste em capturar a vítima e levá-la para um local onde é mantida sob forte

vigilância de modo a não se livrar facilmente e em seguida, contata-se à família ou

organização a qual a vítima esteja vinculada, solicitando-se o pagamento de um

resgate para sua libertação (SANTOS, 2006; WRIGHT, 2009). O longo período de

negociação é uma das características do sequestro de cativeiro que Wright (2009, p.

34) aponta no seu estudo, podendo variar de três dias a anos, dependendo da

localização dos sequestradores. É importante esclarecer mais uma vez, que este

tipo de sequestro é o que constitui o objeto do estudo do presente trabalho.

Sequestro express: conhecido no Brasil como sequestro relâmpago, é o nome

que se atribui aqueles sequestros que têm um desfecho num curto período de

tempo, normalmente menos de 24 horas (AZEVEDO, 2011). Enquanto a

característica principal do sequestro de cativeiro é negociação com terceiros, no

sequestro expresso predomina a ameaça contra a vítima, de modo a coagi-la a

ceder às exigências dos perpetradores o mais rápido possível. É comum nesse tipo

de sequestros, as vítimas serem obrigadas a entrar no carro dos perpetradores, no

qual, enquanto circulam pela cidade são severamente ameaçadas, posteriormente

levadas às caixas automáticas para fazer o maior saque possível e, em outros

casos, são obrigadas a contatarem às famílias de modo a coletar o maior dinheiro

possível (WRIGHT, 2009; AZEVEDO, 2011) e depois são libertadas.

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Sequestro psicológico: esta modalidade de sequestro é propriamente

extorsiva baseada no medo, no qual, os sequestradores ou extorsionários

comunicam por meio de ameaçam à família ou à organização que um ou mais

membros serão sequestrados, a não ser que se efetuem um pagamento (WRIGHT,

2009, p. 35). Nos países onde os índices de sequestros de cativeiro são altos, este

tipo de fenômeno acontece frequentemnte com sucesso, pois “in a climate of fear

and uncertainty in which numerous kidnapping are in fact occurring, a threat can be

sufficiently believable to cause a family or organization to pay almost as a form of

insurance” (WRIGHT, 2009, p. 35). Em Moçambique, este tipo de sequestro foi

registrado, justamente no segundo semestre de 2013, período em que houve maior

ocorrência sistemática de casos de sequestros de cativeiro, como veremos mais

tarde.

No entanto, a ocorrência sistemática de casos de sequestros de cativeiro em

um determinado lugar está associada a uma série de fatores, os quais são altamente

propiciadores para esta realidade. Na seção seguinte, apresentamos alguns destes

fatores.

1.3 A ABORDAGEM DE ATIVIDADES ROTINEIRAS E OS FATORES

PROPICIADORES DE SEQUESTROS SISTEMÁTICOS

A presente seção aborda os possíveis fatores que propiciam a ocorrência de

sequestros sistemáticos em um determinado local, dialogando-os com a perspectiva

da atividade rotineira.

A perspectiva de atividades rotineiras é um modelo explicativo desenvolvido

como um dos modelos alternativos na teoria criminológica para explicar o

recrudescimento da criminalidade, sobretudo os crimes predatórios. Na verdade,

trata-se de um modelo econômico, tanto do ponto de vista da vítima como do autor,

e inclusivamente, o modelo pode ser utilizado nas políticas de segurança pública.

A abordagem de atividades rotineiras ou do seu nome original, the routine

activity approach foi desenvolvida na teoria criminológica por Cohen e Felson (1979)

e parte do pressuposto segundo o qual, as mudanças estruturais nos padrões das

atividades rotineiras influenciam no aumento das taxas do crime. Essa perspectiva

se centra em três elementos considerados básicos, os quais quando convergem no

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espaço e no tempo resultam na ocorrência de uma ação criminosa efetiva, ou seja,

realizada com sucesso. Segundo os autores,

Each successfully completed violation minimally requires an offender with

both criminal inclinations and the ability to carry out those inclinations, a

person or object providing a suitable target for the offender, and absence

of guardians capable of preventing violations [COHEN & FELSON, 1979, p,

590 (grifos dos autores)].

Embora haja um possível infrator, fortemente motivado para cometer uma

ação criminosa, é necessário que exista um alvo ou vítima adequada, capaz de

proporcionar os objetivos pretendidos, e que todos os dispositivos de guarda que

possam bloquear a ocorrência do crime estejam ausentes. É importante realçar que

na sua formulação, os dispositivos de guarda não dizem respeito apenas à polícia ou

segurança privada, mas, sobretudo outras pessoas que podem prevenir a ocorrência

do crime (CLARKE & FELSON, 1993, p. 3). Nos sequestros, no entanto, nos quais

durante a fase da captura da vítima, o uso da força e ameaças são inevitáveis, é

pouco provável que outras pessoas sejam capazes de prevenir a sua ocorrência.

Alguns autores (BEATO, PEIXOTO & ANDRADE, 2004) argumentam que a

ideia segundo a qual os ofensores e vítimas devem convergir no tempo e no espaço

deu origem a estudos que visam identificar os processos e as dinâmicas pelas quais

os indivíduos proporcionam oportunidades para vitimização. Evidentemente, os

autores de crimes, quando suficientemente motivados, procuram explorar todas as

oportunidades que as atividades rotineiras proporcionam às suas vítimas (PAES-

MACHADO & RICCIO-OLIVEIRA, 2011). Neste sentido, quanto maior for o número

de oportunidades, maior pode ser a ocorrência sistemática de crimes.

O modelo de atividades rotineiras dialoga, em alguma medida, com os

possíveis fatores propiciadores na ocorrência sistemática de sequestros em um

determinado lugar discutidos por alguns autores. Como qualquer fenômeno social, a

prevalência de sequestros de cativeiro em um determinado lugar é influenciada por

diversos fatores. Briggs (2001) utiliza o termo “sequestros econômicos”, referindo-se

aos sequestros cuja finalidade é obter vantagens financeiras mediante o pagamento

de resgate. A autora dedica um longo capítulo no seu trabalho, no qual discute os

três principais fatores que influenciam na incidência de elevados índices de

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sequestros em um determinado espaço geográfico. Na visão desta autora, os

sequestros econômicos são influenciados por três fatores fundamentais: a presença

de organizações quer políticas (por exemplo, FARC6 e ELN7 que atuam tanto na

Colômbia, quanto em Equador e Venezuela) ou não, como gangs criminais

(traficantes de droga, por exemplo, no Brasil e México), tribais ou religiosos (Abu

Sayyaf – fundamentalistas islâmicos, na Filipina); os riscos e as recompensas.

Portanto, a presença de organizações engajadas na execução de sequestros ou

aquelas que fazem dela a sua atividade secundária articulados com as existência de

reféns capazes de pagar resgates, dialogam perfeitamente nos dois elementos do

modelo de atividades rotineiras (ofensor e vítima).

1.3.1 A presença de organizações

O sequestro econômico como uma categoria de violência que se pode

enquadrar no mundo do crime organizado (CALDEIRA, 2002; RIVERA, 2008), ele só

pode ocorrer como um negócio efetivo se operar através de redes devidamente

organizadas. Deste modo, a comunicação aparece como um mecanismo de grande

importância, através do qual os integrantes desses grupos mantêm uma interação

entre si, garantido, a estabilidade dos mesmos. Portanto, é importante reconhecer

que algumas organizações que não são puramente criminais, em algumas ocasiões,

envolvem-se também na prática de sequestros, com o objetivo exclusivo de se

fortalecerem economicamente. Os sequestros ocorridos em 1999 em países como

Colômbia, México, Brasil, Equador, Venezuela, Nigéria e Índia foram

desencadeados por redes de organizações (BRIGGS, 2011).

Em muitos estudos sobre sequestros, nas suas diversas modalidades,

reafirma-se a posição da Colômbia, como o país que registra o maior número de

casos no mundo devido, em grande medida, a presença de grupos armados.

Pshisva e Suarez (2006) constataram na sua pesquisa que de 1996 a 2002 foram

registrados 18. 867 casos, o que representa uma proporção de 2.700 casos por ano.

Do número total de casos, 56% foram atribuídos a grupos de guerrilha, 14% a

grupos criminais comuns e 5% à grupos paramilitares, entretanto, apesar de o

estudo não revelar a quem foram atribuídos os restantes 14%, evidencia,

6 Forças Armadas Revolucionárias de Colômbia. 7 Exército de Libertação Nacional da Colômbia.

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indubitavelmente, a influência dessas organizações de guerrilha no aumento de

casos de sequestros nesse país latino americano. Outros estudos (CALDEIRA,

2002; JIMÉNEZ ORNELAS, 2004; REVERA, 2008) destacam a presença de facções

criminais que se dedicam a outras atividades criminosas, como por exemplo, o

tráfico de drogas que, em algumas ocasiões praticam sequestros, cujo valor de

resgate conseguido é exclusivamente utilizado para financiar a sua principal

atividade ilegal.

Os estudos acima referenciados, remetem-nos a permissa segundo a qual, a

existência e atuação de qualquer grupo organizado pressupõem, sem dúvida, a

definição de hierarquias e o exercício do poder de forma a estabelecer uma ordem e

garantir a divisão de tarefas no seio do grupo. A forma de organização desses

grupos pode variar em função das especificidades de cada local. O trabalho de

Jiménez-Ornelas (2004) sobre os sequestros no México, apresenta o seguinte

modelo organizacional.

(1) Iniciador: es la personna que suministra la información de la víctima a la

banda; (2) Plantero: individuo que facilita y financia los recursos necessarios

para llevar a cabo el objetivo; (3) Grupo de aprehensión o “levante”:

delincuentes encargados de aprehender a la víctima y transladarlo al lugar

de cautiverio; (4) Grupo de vigilancia: se encarga de la vigilancia, cuidado y

manteniemento del secuestrado en la lugar de cautiverio; (5) Negociador:

Persona o personas encargadas de negociar la liberación de la víctima.

Tambien recogem el dinero acordado com la familia del secuestrado

(JIMÉNEZ ORNELAS, 2004, p. 25).

Como se pode observar, trata-se de um grupo devidamente estruturado e

com tarefas previamente distribuídas no seio dos seus integrantes, desde atividades

não violentas (1, 2 e 5) até as de natureza efetivamente violentas (3 e 4). Neste

sentido, a especialização em atividades específicas é fundamental para o bom

desempenho do grupo.

Borges (1997, p. 47) defende que um grupo de sequestradores bem

estruturado deve ser pensado como a estrutura de uma empresa, onde todos

integrantes têm funções e tarefas específicas e, para a garantia da segurança,

somente cada elemento integrado em determinado grupo no organograma estrutural

(Esquema 1) conhece apenas os elementos pertencentes ao seu grupo.

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Esquema 1. Organograma de um grupo estruturado de sequestradores

Fonte: Borges (1997).

De acordo com Borges (1997), ao grupo de comando, cabe toda

responsabilidade de planejamento, coordenação e de controle de todas as

operações, incluindo a interligação entre os diversos integrantes do grupo. No

entanto, no grupo de comando, normalmente, não figura o mandante do sequestro.

O grupo da captura é apenas responsável pela captura da vítima e posterior

encaminhamento para o local de cativeiro. O grupo de guarda tem a

responsabilidade de guarnecer a vítima no local do cativeiro. Ao grupo de

negociador cabe a responsabilidade de negociar o resgate junto da família ou

empresa da vítima. E, finalmente, o grupo de apoio presta toda assistência à

operação, conseguindo carros (roubando ou alugando), telefones, rádios, local de

cativeiro, armamento e todo matéria administrativo e operacional necessário para

uma ação bem sucedida.

Até aqui discutimos a questão da existência de grupos devidamente

estruturados que se dedicam aos sequestros. Porém, nada impede que grupos

pequenos e não estruturados também executem sequestros, tanto que um sequestro

pode ser executado por uma ou duas pessoas, sobretudo quando a vítima é uma

criança. O nosso objetivo nessa seção é reafirmar que a presença de grupos

criminais bem estruturados que se dedicam na prática de sequestros ou não, em um

determinado espaço geográfico, é um dos fatores que pode propiciar a ocorrência

sistemática de sequestros.

1.3.2 Os riscos

Este fator está estritamente vinculado ao funcionamento do sistema de

controle social formal (a polícia e o judiciário), sendo que a sua análise se alicerça

COMANDO

CAPTURA GUARDA DO REFÉM NEGOCIAÇÃO APOIO À OPERAÇÃO

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sobre a atuação dessas instituições: detecção, prisão, instrução de processos

criminais e aplicação das respectivas penas.

Economic kidnapping tends to take place in countries where the risks for

kidnappers are fairly lower. The main risks they face are detection, arrest,

prosecution, and the penalties they face if brought to justice. […] The

instability impacts on the state’s ability to function effectively. Corruption

within the police and judicial system breeds impunity, and a lack of

investment damages the government’s capacity to resource reforms in key

institutions that could bring long-term change, such as education, social

welfare, law enforcement and the judiciary (BRIGGS, 2001).

A ocorrência de elevado número de casos de sequestros tem sido também

associada ao mau funcionamento do sistema de justiça, aliado à corrupção de

policiais, quer se envolvendo diretamente na execução dos casos, quer exigindo dos

sequestradores dinheiro proveniente de resgate em troca de liberdade (CALDEIRA,

2002), diminuindo o risco de os sequestradores serem presos. Constatados esses

riscos, alguns países investem sobremaneira na reforma do sistema de justiça com

vistas a reduzi-los, daí a variação desses riscos em função de tempo e espaço.

Países como os Estados Unidos da América, a Itália, a Bolívia, o Paquistão que em

1991 eram hot-spots de sequestros, até 1999 deixaram de sê-lo, já o México, o

Brasil, a Venezuela reduziram os riscos no mesmo período e, em contrapartida, em

1999 surgiram outros ‘hot-spots’ em países como o Equador, a Nigéria e a África do

Sul (BRIGGS, 2001).

Na década de 90, o Estado do Rio de Janeiro foi considerado o maior hot-spot

de sequestros em todo o Brasil e por conta disso, a administração do governador

Marcello Alencar (1995-1998) empreendeu uma série de políticas de segurança

pública e controle da indústria de sequestros, as quais foram consideradas como de

grande sucesso, sendo a mais fundamental, a criação da Divisão Anti-Sequestro e o

seu efetivo funcionamento (CALDEIRA, 2002). A reforma do sistema de justiça com

o objetivo de aumentar os riscos e a possibilidades punição (ALIX, 1978) tem sido

uma prioridade para países afetados com esse tipo de violência.

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39

1.3.4 As recompensas

Morongiu e Clarique (1993, p. 182), afirmam que o sucesso resultante dos

sequestros anteriores, isto é, o pagamento do resgate sem que os perpetradores

tenham sido identificados, é, certamente, um dos fatores que motiva àqueles na

prática de ações posteriores. Neste sentido, a recompensa constitui efetivamente um

dos principais fatores motivacionais e impulsionadores para que o grupo continue a

desencadear mais ações, quiçá, atração de outros grupos. Briggs (2001) defende

que o contrabalanceamento entre as recompensas e os riscos supervenientes é um

aspecto importantes que tem sido levado em consideração pelos perpetradores para

levar a cabo a atividade.

Para analisar a compreensão do conceito de recompensa, Briggs (2001)

introduz duas categorias analíticas fundamentais que se complementam entre si e

que estão na origem da recompensa nos “sequestros econômicos”, nomeadamente

o “mercado de sequestro” e a “origem dos reféns”. No desenvolvimento da sua

análise, a autora defende que o mercado de sequestro depende da existência de

reféns e a disponibilidade de pagamento de resgate por familiares ou empresas, ou

seja, a existência de vítimas adequadas (COHEN & FELSON, 1979), pelo que, os

valores a serem pagos dependem de fatores como o estado da economia

doméstica, o valor social relativo de diferentes pessoas no interior de um país, o

medo das vítimas gerado pela violência praticada pelos sequestradores. Quanto aos

reféns, a autora refere que os sequestros praticados contra cidadãos estrangeiros

têm maior rendimento em termos de pagamento de resgate que os praticados contra

os nacionais. Esta hipótese pode se justificar na medida em que um cidadão

estrangeiro pode ter mais recursos que o cidadão nacional, por um lado e, estar

mais preocupado em se livrar do caso o mais rápido possível no lugar de prolongar

as negociações ou acionar o sistema de justiça, por outro. Entretanto, a despeito dos

sequestros praticados contra estrangeiros oferecerem maiores possibilidades de

recompensa, os mesmos apresentam também, um risco maior para os

sequestradores, pois provocam maior repercussão internacional (MORONGIU &

CLARIQUE, 1993), fazendo com que os Estados adotem medidas mais enérgicas

contra os seus autores.

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2 METODOLOGIA

Este capítulo aborda a metodologia adotada na execução do presente

trabalho com vistas ao alcance dos objetivos previamente propostos. Descrevem-se,

igualmente, as técnicas de coleta de dados, os respectivos instrumentos de coleta

de dados, assim como os sujeitos da pesquisa e os instrumentos de coleta de

dados. A pesquisa de campo tem sido muitas vezes, uma experiência marcada por

barreiras a serem superadas. O presente estudo não se distanciou dessa realidade,

razão pela, antes de abordarmos a metodologia propriamente dita que conduziu o

estudo, partilharemos antes a experiência vivenciada na pesquisa de campo na

seção a seguir.

2.1 NOTAS SOBRE A PESQUISA DE CAMPO – UMA EXPERIÊNCIA

PARTILHADA

A pesquisa de campo foi realizada nas cidades de Maputo e Matola, no

período compreendido entre 24 de Fevereiro e 05 de Maio de 2014, portanto,

sensivelmente dois meses. Tanto a direção da Polícia de Investigação Criminal (PIC)

da Cidade de Maputo quanto a da Província de Maputo foram bastante

determinantes, até certo ponto, para o sucesso do processo de coleta de dados, pois

o acesso à algumas vítimas apenas foi possível mediante intermediação dos

agentes da polícia, em particular investigadores vinculados aos setores que

trabalham especificamente com casos de casos de sequestros e não só.

Mesmo se tratando de uma instituição familiar ao pesquisado, a frequência

em ambas as direções da PIC só foi autorizada após um pedido formal redigido pelo

pesquisador para os diretores responsáveis. A direção da PIC é dirigida por um

diretor que se subordina diretamente ao Comandante Provincial da Polícia e, foi para

ele a quem foi encaminhado o pedido de autorização. Na verdade não se tratava de

nenhuma manobra visando um possível impedimento, mas sim, segundo se

constatou, tratava-se do cumprimento de “formalidades institucionais”, pois os

pedidos foram imediatamente autorizados.

Após a autorização, seguiu-se a apresentação e esclarecimento da natureza

e dos objetivos do estudo. Coincidentemente, ambos os diretores louvaram a

iniciativa, considerando não apenas como o primeiro trabalho conhecido (por eles)

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sobre o tema em Moçambique, mas também que possa produzir contribuições

valiosas tanto no campo acadêmico, quanto no âmbito profissional. Depois de uma

conversa que durou cerca de uma hora, o pesquisador foi direcionado aos setores

especializados que tratam especificamente das questões relacionadas aos casos em

estudo. A partir daí, o acesso a esses setores era irrestrito, isto é, podia ser feito a

qualquer período do dia, nas horas normais de expediente (08 – 15h). Essa abertura

possibilitou um diálogo permanente e mais amplo com todos os profissionais desses

setores, assim como o conhecimento do trabalho desenvolvido no mesmo.

Doravante, foi possível, além das entrevistas com os investigadores, a

intermediação para o acesso à quatro vítimas, número ínfimo, porém, possível na

ocasião, considerando o enorme desinteresse demonstrado por muitas vítimas em

falar sobre o fenômeno. A visita do pesquisador a esses sectores era efetuada duas

vezes por semana, com uma permanência mínima de cinco horas.

É sobejamente conhecido em Moçambique que fazem parte das vítimas

alguns cidadãos de nacionalidade portuguesa. Na expectativa de ter acesso a

algumas dessas vítimas, contatou-se ao Consulado Geral de Portugal em Maputo

para uma possível intermediação. Pelas 10 horas do dia 25 de Fevereiro de 2014, o

Cônsul-geral de Portugal em Maputo, gentilmente recebeu o pesquisar no seu

gabinete de trabalho. De acordo com aquele representante da República de Portugal

em Moçambique, desde a emergência do fenômeno até aquele dia, cinco cidadãos

portugueses tinham sido vítimas de sequestros, entretanto, três já haviam deixado

definitivamente o país. Os que ainda permaneciam no país foram pessoalmente por

ele contatados, e, apenas um aceitou conceder a entrevista, tendo em seguida,

passado o número de telefone do cidadão em referência. Tratava-se de um caso

cuja vítima foi um adolescente de 17 anos, portanto, filho do cidadão português.

Surpreendentemente, o cidadão em causa impôs a condição segundo qual,

querendo, o pesquisador apenas podia falar com ele, sem nenhuma possibilidade de

falar com a vítima, alegadamente porque a mesma se encontrava ainda em estado

profundamente traumático e recebendo tratamento psicológico. Após a aceitação

dessa condição, o cidadão em referência nunca mais aceitou atender a chamada do

pesquisador, muito menos responder mensagens eletrônicas – e-mails.

Aparentemente, estava evidente uma série de dificuldades a serem

enfrentadas, tanto no acesso quanto no convencimento das vítimas com vistas a

viabilização do processo de entrevistas. De fato, sem nenhuma intermediação se

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demonstrava quase impensável ter acesso a essas pessoas por conta do estilo de

vida (discreta) que levam após experimentarem o fenômeno, pois como afirma

Teresa Caldeira (2000, p. 33), as pessoas que experimentam crimes violentos,

mudam profundamente a dinâmica das suas vidas. Neste sentido, urgiu uma

necessidade de adotar várias estratégias com vistas ao alcance dos objetivos

previamente propostos. A frequência aos setores da PIC foi determinante, pois por

via deles foi possível acessar alguns dados relativos à casos de sequestros

registrados pela polícia, tais como, nome da vítima; data, local de captura e

libertação; duração de cativeiro; valor do resgate, no caso de ser conhecido; e

empresa ligada a vítima ou de seu familiar. Uma das primeiras ações achadas

viáveis foi à localização das empresas em referência e estudar uma possível

estratégia de contato. Com efeito, foi possível localizar quinze empresas, inclusive

estabelecer um diálogo com os respectivos gerentes ou representantes, os quais

foram informados sobre os objetivos da visita. Após uma explicação exaustiva sobre

a natureza do trabalho e certificação de que não se tratava de uma investigação

policial ou de um trabalho jornalístico, cinco representantes afirmaram que as

vítimas não se encontravam no país e, os outros dez prometeram contatar o

pesquisador com vistas a informar sobre o posicionamento dos visados. Neste

contexto, cinco aceitaram conceder entrevistas e outros cinco se mostraram

desinteressados em falar sobre o fenômeno.

Estava previsto no projeto de pesquisa, a realização de entrevistas com

autores – pelo menos acusados como tal – de terem cometido sequestros, os quais

se encontram encarcerados na Penitenciária de Máxima Segurança da Machava,

Cidade de Matola, local onde algumas estão cumprindo suas penas e outras

aguardando julgamento em virtude de terem sido condenados e acusados pela

prática de alguns casos de sequestros, respectivamente. O objetivo das entrevistas

com esse tipo de informantes era perceber as dinâmicas organizacionais e

operacionais por eles levados a cabo no desenvolvimento das suas ações.

Ciente de que fazer pesquisa na prisão equivale percorrer dois labirintos, no

quais se colocam os caminhos tortos, sinuosos, com idas e voltas, com autorizações

e negações, negociações e astúcias, para que se possa entrar nas prisões (SALLA,

2013, p. 13), o pesquisador se deslocou naquela penitência de máxima segurança,

munido da credencial que atestava o seu vínculo com alguma instituição de ensino,

neste caso a UFBA. Na verdade, foi o primeiro documento solicitado no

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atendimento, antes de ser encaminhado à sala do diretor da penitenciária, o qual se

pensava que iria autorizar as entrevistas. Depois de uma breve conversa

relacionada à natureza e objetivos da pesquisa, o diretor apresentando um rosto

visivelmente “desagradável”, afirmou:

Meu filho, o seu trabalho é interessante, mas não tenho como te ajudar. Como sabe, trata-se de pessoas envolvidas com casos complexos. Eu não sou competente para autorizar e sugiro que faça o pedido ao Diretor Nacional dos Serviços Penitenciários.

A partir desse momento, estava iniciando um difícil percurso com vistas à

transição dos labirintos acima descritos por Salla. Passados sete dias frequentando

a Direção dos Serviços Nacionais Penitenciários, numa expectativa mal sucedida de

tentar falar pessoalmente com o respectivo diretor-geral, o pesquisador se viu

obrigado a fazer uma carta para o efeito, pois se demonstrava cada vez mais difícil

em se encontrar com àquele responsável no seu setor de trabalho. Uma semana

depois, a secretaria daqueles serviços emitiu uma mensagem telefônica, informando

que o pedido ora formulado havia sido analisado pelo diretor, e que, o pesquisador

devia se encaminhar ao setor, de modo a se informar do respetivo despacho.

Tratava-se, no entanto, de mais uma desilusão, porque era um indeferimento,

porém, a justificativa mobilizada pelo diretor foi uma “falsa manobra” sem

precedentes, ao alegar que os informantes pretendidos estavam sob

responsabilidade da magistratura judicial e o ministério público, sendo a eles que

devia se dirigir o pedido. Sabe-se, porém, que durante a execução da pena, os

serviços penitenciários sãos os únicos competentes na gestão dos condenados.

Informação não confirmada dá conta de que se encontram aprisionados naquele

estabelecimento prisional cerca de cinquenta pessoas em conexão com os

sequestros, dos quais doze condenados e cumprindo suas penas (sobre os quais

recaia o pedido de realização de entrevistas) e os demais aguardando julgamento.

2.2 O MÉTODO

Para o desenvolvimento da pesquisa foi adotado essencialmente o método

qualitativo, porém, com recurso, em alguma medida, às técnicas da pesquisa

quantitativa, na interpretação de alguns dados. Todos os dados foram coletados com

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recurso exclusivo às técnicas de metodologia qualitativa. Durante a análise e

interpretação dos dados, além das técnicas qualitativas, foram igualmente

empregues algumas técnicas qualitativas. Uma vez que uma especial atenção no

trabalho foi atribuída ao método qualitativo, descrever-se-á a seguir, de forma

detalhada em que consiste o método.

De acordo com Strauss e Corbin (2009, 23), a pesquisa qualitativa é aquela

cujos resultados não são alcançados através de procedimentos que envolvem a

estatística ou outros métodos de quantificação. Por outro lado, Denzin e Lincoln

(2006, p. 23) defendem que a palavra qualitativa sugere necessariamente a

qualidade das entidades envolvidas sobre os processos e os significados que não

podem ser analisados ou medidos por meio de quantidade, volume, intensidade ou

frequência.

Os pesquisadores qualitativos ressaltam a natureza socialmente construída

da realidade, a íntima relação entre o pesquisador e o que é estudado, e as

limitações situacionais que influenciam a investigação. Esses pesquisadores

enfatizam a natureza repleta de valores de investigação. Buscam soluções

para as questões que realçam o modo como a experiência social é criada e

adquire significado (DENZIN & LINCOLN, p. 23).

A pesquisa qualitativa possui três componentes principais: primeiro, os

dados são coletados de fontes como entrevistas, documentos, registros e filmes;

segundo, para a interpretação e a organização dos dados, os pesquisadores usam

como procedimentos, a conceptualização e redação dos dados, elaboração de

categorias de análise, relacionando-as através de uma série de declarações

preposicionais e; terceiro, os relatórios são escritos e verbais (STRAUSS & CORBIN,

2008, p. 24).

Por outro lado, o método quantitativo, como o próprio nome indica,

caracteriza-se pelo emprego da quantificação tanto na coleta dos dados quanto no

tratamento deles por meio de técnicas estatísticas, desde as mais simples, como

percentual, média, desvio-padrão, às mais complexas, como coeficiente de

correlação, análise de regressão, etc. (RICHARDSON, 2014, p. 70).

Observa-se, portanto, que uma das principais diferenças que os autores

estabelecem entre os dois métodos é que o qualitativo afasta os procedimentos de

quantificação para a coleta dos dados, análise e tratamento dos resultados,

enquanto o método quantitativo vale-se de procedimentos de quantificação em todas

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as fases da pesquisa. No presente trabalho, com o método qualitativo se pretende,

necessariamente, dar significado aos enunciados dos participantes da pesquisas e

aos documentos consultados e, com o método quantitativo se pretende quantificar

os dados qualitativos (STRAUSS & CORBIN, 2008).

2.3 PARTICIPANTES DA PESQUISA

Dada a natureza exclusivamente qualitativa com qual se coletaram os dados,

utiliza-se por conveniência no presente trabalho o termo participantes da pesquisa

em detrimento de amostra. Esta opção se demonstra plausível na medida em que,

amostra se refere a um subconjunto que necessariamente é retirado de um universo

ou população alvo, que apresenta características mais ou menos idênticas desse

universo ou população alvo (GIL, 2008, p. 90). Portanto, os conceitos de “universo”

ou “população alvo” e “amostra”, que são usados frequentemente em pesquisas que

adotam a metodologia quantitativa, não têm um enquadramento substantivo no

presente trabalho.

Com efeito, constituíram participantes da pesquisa, todos os sujeitos que

participaram no processo de coleta de dados, através de entrevista, constituídos por

três categorias, nomeadamente, vítimas de sequestro, familiares de vítimas e

agentes da Polícia de Investigação Criminal (PIC), como se pode observar no gráfico

abaixo.

GRÁFICO 1. Participantes da pesquisa

Qualidade Sexo

Fonte: elaborado pelo autor.

Como se observa no gráfico acima, apenas um participante é do sexo

feminino e os demais catorze são do sexo masculino. As idades de todos

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participantes variaram de 25 a 77 anos, sendo a média de idade de 49 anos. No

momento em que ocorreram os casos, a idade média das vítimas das nove vítimas

era de 55 anos, variando de 24 a 75 anos. Uma das características comuns das

vítimas dos nove casos é que todas estão associadas ao mundo empresarial. De

igual, modo, todos são de raça branca e de descendência asiática, sendo alguns de

nacionalidade moçambicana (por nascimento ou aquisição), outros de nacionalidade

indiana e paquistanesa e professam a religião islâmica.

A escolha dos participantes foi feita de acordo com o critério de

acessibilidade, sobretudo das vítimas, que após experimentarem o sequestro, por

motivos de segurança, têm os seus endereços bastante preservados, enquanto

outros preferem não partilhar com ninguém a experiência vivenciada. Este último

elemento (a não partilha de experiência) constituiu um dos grandes obstáculos

enfrentados no processo de coleta de dados. Portanto, é comum, em algumas

ocasiões, a polícia ter conhecimento sobre alguns detalhes que permitam a

localização de vítimas de casos de sequestros sobre os quais tem conhecimento e,

por intermediação dela, foi possível identificar algumas vítimas. Ainda identificadas,

outras se recusaram de conceder entrevistas. Das nove entrevistas, quatro

resultaram da intermediação da polícia e as outras cinco do esforço do pesquisador.

Se por um lado, o fato do pesquisador ser um policial facilitou o acesso às

vítimas, por outro, as vítimas acessadas através da intermediação da polícia

demonstram uma enorme desconfiança em relação ao destino da informação,

embora tenham previamente recebido todos os esclarecimento necessários.

2.4 TÉCNICAS DE COLETA DE DADOS

2.4.1 Entrevista

A entrevista é sem dúvida, a técnica fundamental de coleta de dados

qualitativos. O meio pelo qual o pesquisador mantém uma interação com o

pesquisado, com o intuito de obter a informação necessária para a pesquisa (GIL,

2008, p. 109). Conforme afirmam Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1999, p. 168), a

entrevista possui uma natureza interativa e pelo fato, permite o tratamento de

questões complexas, explorando-as com profundidade, que dificilmente poderiam

ser investigados adequadamente utilizando o questionário.

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47

As três categorias dos participantes da pesquisa apresentadas no gráfico 1,

não representam necessariamente o número de entrevistas realizadas. No total

foram realizadas 13 entrevistas, das quais, nove foram realizadas com pessoas que

estiveram diretamente envolvidos no fenômeno (vítimas e/ou parentes) e, quatro

foram realizadas com investigadores da PIC. Três das sete vítimas entrevistadas se

apresentaram acompanhas com um de seus familiares que esteve diretamente

envolvido no sequestro, quatro se apresentaram sozinhas e, finalmente, dois se

apresentaram apenas na qualidade de sujeitos que tiveram seus parentes

sequestrados que no momento das entrevistas se encontravam fora da cidade. Por

esta razão se ter nove entrevistas com catorze participantes.

As entrevistas tiveram uma duração média de 1 hora e 15 minutos. A mais

curta teve duração de 45 minutos e a mais longa 1 hora e 30 minutos. Todas as

entrevistas foram realizadas nos estabelecimentos comerciais das vítimas, em

lugares previamente preparados para a entrevista. A priori, nenhum informante

aceitou gravar entrevista, embora tenha havido insistentemente esclarecimentos

quanto ao tratamento da informação coletada, como ficou claro em uma das falas

dos participantes: “epa, se você quer falar comigo não grava nada”.

Efetivamente, não raras vezes, era visivelmente notável a desconfiança do

destino dos dados, principalmente, nos participantes cujo acesso foi intermediado

pela polícia. Sendo assim, as informações coletadas foram detalhadamente

anotadas.

Com vistas a possibilitar à exploração de vários assuntos sobre o fenômeno

em função da experiência de cada participante da pesquisa, foi utilizada a técnica de

entrevista em profundidade ou não estruturada, que segundo Richardson (2014, p.

208), em vez de procurar responder à pergunta por meio de diversas alternativas

pré-formuladas, o entrevistador procura obter do entrevistado o que ele considera

como aspectos mais relevantes do problema, procurando saber como e por que algo

ocorre. Foi utilizado um roteiro-guia (vide apêndices) que permitiu que as questões

fossem tratadas em função de uma determinada ordem e, ao mesmo tempo,

permitindo o aprofundamento de assuntos que se demonstrassem pertinente no

decurso das entrevistas.

Com a primeira categoria de participantes da pesquisa (vítimas), procurou-se

basicamente perceber as experiências vivencidas durante todo o evento. A segunda

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categoria de participantes se demonstrou ser bastante útil na compreensão do

fenômeno sob o ponto de vistas do outro lado, do lado da família da vítima, embora

não estivesse previamente planejada a busca de informação dessa natureza.

Como não foi possível entrevistar os autores dos sequestros, os agentes da

PIC, como outra categoria de participantes, demonstraram ser uma importante fonte

de informação na compreensão do fenômeno em estudo. Com esse tipo de fonte foi

possível desvendar outras nuanças, como as estratégias utilizadas pelos autores

com vistas a obterem sucessos nas suas incursões. Igualmente permitiu conhecer a

atuação da polícia, após o conhecimento de um caso de sequestro, assim como os

“esforços” que têm vindo a ser envidados para o gerenciamento efetivo da “onda de

sequestros”. Para além destas entrevistas, nos dias em que se visitavam os setores

da PIC, foi possível obter outras informações diversificadas, bastante importantes

para a explicação do fenômeno, através de conversas informações com outros

agentes da PIC que trabalham com esse tipo de fenômenos, as quais foram

registradas no diário do campo.

2.4.2 Pesquisa documental

Para além da entrevista como a técnica de coleta de dados para a efetivação

dos objetivos propostos, utilizou-se, igualmente, a pesquisa documental. Richardson

(2014, p. 228), entende que a pesquisa documental é por definição, a observação

que tem como objeto não os fenômenos sociais, quando e como se produzem, mas

as manifestações que registram estes fenômenos e as ideias elaboradas a partir

delas. Ou seja, como o próprio nome diz, a pesquisa documental é aquela que

consiste na análise de informações registradas em documentos. Em Ciências

Sociais, existe uma variedade de elementos que possuem um valor documental,

como objetos, elementos iconográficos, documentos fotográficos, cinematográfico,

fotográficos, videocassetes, etc. (RICHARDSON, 2014, p. 228).

Numa perspectiva diferente, Gil (2008, p. 51), sugere que a pesquisa

documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico,

ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa, tais

como, documentos oficiais, relatórios de pesquisa, relatórios de empresas, tabelas

estatísticas, etc. Este entendimento corrobora perfeitamente com os propósitos

pelos quais se incluiu no presente estudo, a pesquisa documental como técnica de

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coleta de dados que permitiu aprofundar o entendimento do fenômeno em estudo foi

baseado em documentos institucionais. Com a pesquisa documental, pretendeu-se

explorar informações constantes na imprensa, relatórios policiais e processos-crime

nos tribunais judiciais da Cidade e Província de Maputo e atribui-las um tratamento

analítico.

Neste sentido, além de matérias de jornais impressos e on line, foi possível

ter acesso através da polícia, um quadro descritivo do fenômeno nas duas cidades,

desde a sua emergência até 2013. Quanto aos processos-crime, foi possível

compulsar apenas dois findos, sendo um no tribunal judicial da Cidade de Maputo e

outro no tribunal judicial da Província de Maputo (Matola). Não foi permitido

consultar nenhum processo não concluído ou sob condição de recurso.

2.5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

Certamente que análise e interpretação são conceitos diferentes, entretanto,

os dois elementos aparecem na pesquisa de forma inter-relacionada. O primeiro visa

organizar e sumarizar os dados, para permitir responder o problema de pesquisa

proposto, enquanto que o segundo tem por objetivo central, a atribuição de sentido

mais amplo as respostas coletadas (GIL, 2008, p. 156).

A análise e interpretação dos dados foram feitas na medida em que o

processo de coleta de dados foi decorrendo, como sugerem Alves-Mazzotti e

Gewandsznajder:

[...] à medida que os dados vão sendo coletados, o pesquisador vai

procurando tentativamente identificar temas e relações, construindo

interpretações e gerando novas questões e/ou aperfeiçoando as anteriores,

o que por sua vez, o leva a buscar novos dados, complementares ou mais

específicos, que testem suas interpretações, num processo de “sintonia

fina” que vai até a análise final (ALVES-MAZZOTTI & GEWANDSZNAJDER,

1999, p. 170).

Tendo em consideração a combinação de métodos (qualitativo e quantitativo)

utilizada no presente trabalho, o processo de análise e interpretação dos dados

obedeceu dois planos diferenciados. O primeiro consistiu na análise das entrevistas,

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em triangulação com dados de outras fontes, sobretudo da imprensa, e o segundo,

na análise de dados constantes do relatório policial sobre o fenômeno.

Relativamente aos dados das entrevistas, as respectivas categorias de

análise, a maioria não nativas, foram codificadas na medida em que os dados foram

sendo coletados.

A triangulação de dados foi uma técnica qualitativa utilizada na análise e

interpretação de dados. Na pesquisa qualitativa, a triangulação de dados para além

de examinar o mesmo fenômeno a partir de várias perspectivas, enriqueceu a nossa

compreensão, pois permitiu a emergência de novas dimensões (JICK, 1979). No

presente trabalho, a triangulação de dados permitiu um cruzamento de informações

da pesquisa documental com as da entrevista para aprofundar algumas questões.

Por sua vez, os dados qualitativos analisados quantitativamente foram

organizados em um banco de dados8, com recurso ao programa informático Le

Sphinx Pus2, o qual auxiliou também na sua análise. A análise foi feita de acordo

com recomendações estatísticas, como a descrição dos dados; a determinação da

correlação das forças das variáveis; análises multivariadas e; estabelecimento de

relações causais (GIL, 2008).

2.6 QUESTÕES ÉTICAS E RELAÇÃO PESQUISADOR-INFORMANTE

Com sua gênese em modelos de pesquisas biomédicas (DINIZ &

GUERRIERO, 2008), em Ciências Sociais, as discussões sobre ética e pesquisa,

geralmente, costumam investigar a questão das relações entre o pesquisador e os

participantes da pesquisa quando estas são vistas como complexas — na

perspectiva do pesquisador —, envolvendo assuntos problemáticos ou delicados,

cujo objetivo perpassa fundamentalmente em proteger os participantes da pesquisa,

ou seja, não prejudicá-los (HOONAARD, 2008, p. 84). O objeto de estudo do

presente trabalho pode, em alguma medida, configurar-se como problemático ou

delicado. Por esta razão, a observância de algumas questões éticas, não

necessariamente de modelo biomédico, mas sim, peculiares às Ciências Sociais

foram tidas em consideração.

8 O banco de dados está disponível para qualquer consulta.

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51

Neste sentido, antes da realização de cada entrevista, foi facultada a cada

participante, toda informação relacionada ao estudo: a natureza e os objetivos do

mesmo. Foi igualmente informado aos participantes que a participação na pesquisa

era de caráter voluntário e que no decurso da entrevista, querendo, o participante

estaria livre para abandonar a mesma. Além disso, a questão da garantia da

confidencialidade (sigilo) dos participantes e da informação foi acautelada, ou seja,

todos os participantes foram informados que os seus nomes não apareceriam de

maneira alguma citados em nenhuma parte do trabalho. De igual modo, foi também

facultada a informação segundo a qual toda informação coletada não teria nenhum

outro tratamento além de acadêmico.

Quanto às informações coletadas “informalmente” e registradas no caderno

de campo no âmbito das visitas frequentes efetuadas às brigadas da PIC da Cidade

e Província de Maputo, foi assegurado aos respectivos responsáveis desse setores

no momento da apresentação do pesquisador que todas as informações

consideradas pertinentes, resultantes de conversas “informais” seriam registradas e,

por conseguinte, fariam parte do trabalho, observando-se, igualmente, o critério de

garantia da confidencialidade dos informantes e da informação.

Para a materialização do anonimato acima referenciado, a apresentação dos

dados foi feita com recurso em códigos vinculados diretamente às qualidades dos

participantes da pesquisa e os casos9 sobre os quais estão relacionados. Neste

sentido, não aparece no trabalho nenhum nome dos participantes da pesquisa,

materializando-se deste modo, o compromisso de anonimato assumido perante os

participantes no momento da coleta de dados. Eis abaixo os códigos utilizados na

apresentação dos enunciados dos participantes:

VC“n” – Vítima do caso “n”, onde “n” é o número do caso correspondente;

FVC“n” – Filho da vítima do caso “n”;

PV “n” – Pai da vítima do caso “n”;

Inv. – Investigador;

P – Pesquisador e;

CC – Caderno de campo.

9 Vide Capítulo 6.

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52

Foi garantido à todos os participantes da pesquisa, querendo, terão acesso ao

trabalho final e duas cópias serão distribuídas às duas direções da PIC.

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53

3 MOÇAMBIQUE, CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO E VIOLÊNCIA

No presente capítulo vamos apresentar o marco sócio-histórico de

Moçambique, desde os primeiros contatos com os comerciantes árabes, com os

portugueses no período de colonização até a independência em 1975, e em

seguida, a guerra de desestabilização que assolou o país durante 16 anos, movida

pela RENAMO contra o governo da FRELIMO, tendo terminado em 1992. Destacar-

se depois as características das cidades de Maputo e Matola no que concernente à

violência. Porém, antes de falarmos sobre Moçambique é importantes antes, fazer-

se uma breve introdução ao continente africano. Considera-se que as informações

sobre o continente africano não estão atualizadas. Este fato é decorrente da

exiguidade de informações sistematizadas, atualizadas e publicadas. No entanto,

acredita-se que as informações abaixo apresentadas não se distanciam muito

daquilo que é a realidade do continente, razão pela qual embora não estejam

atualizadas se achou conveniente apresentá-las.

O objetivo deste capítulo é, evidentemente, tornar o leitor familiarizado,

primeiro, com o país onde se realizou a pesquisa e, segundo, de forma

pormenorizada, com as duas cidades. No que tange ao contexto da violência iremos

destacar mais sobre as cidades de Maputo e Matola e não o país como um todo.

3.1 O CONTINENTE AFRICANO

O continente africano é constituído por 54 países independentes (figura 1),

tem uma área total de 30.272.922Km2. Até o ano 2000, a população era cerca de

783.700.000 habitantes e uma densidade populacional de 25,88 hab/km2, da qual

63% (493.731.000), portanto, a maior parte se encontra a residir na zona rural. Até

2000, parte da população (43,3%) ainda era analfabeta. A idade média da população

até 1998 era de 18,3 anos, o que significa que boa parte população é jovem. A taxa

de natalidade e mortalidade é de 37% e 13%, respectivamente, até 1998 (SÓ

GEOGRAFIA).

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54

Figura 1. Mapa da África

Fonte: Maloa (2014).

3.2 MOÇAMBIQUE

Moçambique é um país que se localiza na costa oriental da África Austral e

está situado entre os paralelos 10˚ 27’ e 26˚ 52’ de Latitude Sul e entre os

meridianos 30˚ 12’ e 40˚ 51’ de Longitude Este. Em relação as suas fronteiras, a

este é banhado pelo Oceano Índico, ao norte faz fronteira com a República da

Tanzânia, ao noroeste com as repúblicas do Malawi e Zâmbia, a oeste com a

República do Zimbabwe, ao sudoeste com República da África do Sul e ao sul com o

Reino da Suazilândia. Salienta-se que ao longo do Canal de Moçambique existem

também algumas ilhas vizinhas, como são os casos das Ilhas Comores e

Madagascar (Figura 2). O país possui uma área territorial aproximada de 799 390

km2 e 2.470 km da faixa Este é banhada pelo Oceano Índico. De acordo com o

Senso Geral da População realizado em 2007, a população era de 20.366.795, dos

quais 9.942.760 homens e 10.524.035 mulheres (PORTAL DO GOVERNO DE

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55

MOÇAMBIQUE), atualmente (2015), de acordo com o Instituto Nacional de

Estatística (INE), Moçambique possui uma população estimada em 25.041.992,

sendo 12.419.014 homens e 13.308.897 mulheres. A população urbana é

constituída por 8.181.475 de habitantes (INSTITUTO NACIONAL DE

ESTATÍSTICA).

A República de Moçambique é um Estado unitário, que respeita na sua

organização os princípios da autonomia das autarquias locais (artigo 8 da CRM). O

país possui uma divisão regional (três regiões, norte, centro e sul) e administrativa

(em províncias, distritos, postos administrativos, localidades e povoações). No norte

do país existem três províncias, Cabo Delgado, Niassa e Nampula; no centro, quatro

províncias, Zambézia, Tete, Manica e Sofala e; no sul do país, três províncias,

nomeadamente, Inhambane, Gaza, Província de Maputo e a Cidade de Maputo (a

Cidade de Maputo é a capital do país e possui estatuto de uma província),

totalizando 11 províncias, como se pode observar na figura abaixo.

Figura 2. Mapa de Moçambique

Fonte: Maloa (2014).

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56

Quanto aos idiomas falados em Moçambique, o Português é a língua oficial.

Além do Português, existem muitas outras línguas locais, as chamadas línguas

nacionais, das quais se destacam o Emakhuwa, falado em toda zona norte do país e

a parte norte da Província da Zambézia, constituindo-se deste modo, a primeira

língua nacional mais falada no país, com cerca de 30% de falantes. No centro do

país, a língua nacional mais falada é cisena, com 7% de falantes, ocupando o

terceiro lugar. E na zona sul do país a língua nacional mais falada é o xichangana,

com 11,4% de falantes, ocupando o segundo lugar, de acordo com o Senso Geral

da População de 2007 (INE, 2010). As outras línguas nacionais mais faladas são

cicopi, cinyanja, cinyungwe, cishona, ciyao, echuwabo, ekoti, elomwe, gitonga,

maconde (ou shimakonde), kimwani, memane, suaíli (ou kiswahili), suazi (ou swazi),

xironga, xitswa e zulu (PORTAL DO GOVERNO DE MOÇAMBIQUE).

3.2.1 Moçambique e o contexto sócio-histórico

Não se tratando de um estudo essencialmente histórico ou antropológico,

procura-se apresentar na presente seção, as linhas gerais dos principais períodos

da história de Moçambique, nomeadamente, o período pré-colonial, colonial, a luta

pela independência, os processos de construção do estado moçambicano, a guerra

civil e o atual período democrático.

O período pré-colonial se refere ao espaço temporal anterior à invasão

portuguesa naquele território e os respetivos processos de organização sócio-

política das sociedades que lá habitavam. É importante chamar atenção aqui que,

muito antes dos portugueses chegarem em Moçambique, os povos árabes já

escalavam o território moçambicano, porém com intenções meramente comerciais

que eles estabeleciam com os povos que lá residiam. Consta na história de

Moçambique que uma parte da população naquele período havia se convertido ao

islamismo, sobretudo nas regiões costeiras de norte de Moçambique, cujas marcas

prevalecem até os tempos atuais.

A história reza que antes da invasão colonial e o estabelecimento de

fronteiras que atualmente se conhecem, o território hoje chamado por Moçambique

estava habitado por grupos étnicos, relacionados com unidades políticas de maior

ou menos dimensão. Como afirma Silva (2009), a história de Moçambique é muito

anterior à chegada dos portugueses e os povos que vieram por força da colonização

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57

portuguesa tinham sua organização em estágio, muitas vezes, mais adiantado que

outros povos da mesma época e que, como consequência de uma colonização

predatória, tiveram seus futuros interrompidos. Esses povos de origem bantu

chegavam paulatinamente ao território, idos do interior do continente, em busca de

melhores condições, proporcionadas pela natureza.

O trabalho de Rita-Ferreira (1982) traz uma enorme contribuição histórica do

período pré-colonial em Moçambique. De acordo com o estudo, as unidades

políticas da época se organizavam, primeiramente em clãs, depois em reinos,

posteriormente em “Estados” e esses, por sua vez deram lugar à impérios. Aos clãs

se referem às pequenas e remotas comunidades cujos membros habitavam uma

área comum e tinham relações consanguíneas, admitindo a sua descendência

comum. Essas comunidades eram basicamente agrícolas e se estabeleceram até ao

ano 1000 d. C., ao longo do litoral e dos grandes vales, como o Save, Zambeze e

Chire, pois essas áreas eram na ocasião bastante propícias para a prática da

agricultura e pastorícia, que posteriormente foi desenvolvida por essas

comunidades. Com o decorrer do tempo, as comunidades clãnicas foram se

expandido paulatinamente, formando unidades políticas mais vastas e estratificadas,

as quais foram denominadas tribos (RITA-FERREIRA, 1982). Essa expansão foi

consequência da propagação demográfica natural ou agregação de elementos

alheios, aceitos depois de obterem permissão para se instalarem. E como é obvio, a

aristocracia dirigente continuava a ser formada pelos núcleos de descendentes

diretos do ancestral do clã fundador.

Entre os diferentes “Estados” e reinos estabelecidos em Moçambique,

destacam-se três10. O primeiro foi o “Estado” do Grande Zimbabwe, formado por

volta dos anos 1100 d. C. no território zimbabweano, onde igualmente estava

situado o seu centro, expandiu-se até o território moçambicano. A sua decadência

deu origem a formação de outro império, os Mutapas, que se estabeleceu e se

consolidou ao longo do Rio Zambeze, na zona centro do país e uma parte do sul. E

por último, o Império de Gaza foi fundado no século XIX, como resultado das

grandes contradições sociais vividas na África do Sul, que resultaram na

fragmentação dos povos envolvidos, e uma parte veio a se fixar no sul de

10 Os primeiros portugueses presenciaram os processos de expansão do Estado dos Mutapas e a formação do Império de Gaza, tendo em consideração o período histórico no qual decorreram esses processos.

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Moçambique, tendo fundando o grande império de Gaza. No período do seu auge,

as áreas de influência do Império de Gaza abrangiam toda região sul do país e uma

grande parte da região centro e a sua capital estava estabelecida no Distrito de

Manjacaze, na atual Província de Gaza (RITA-FERREIA, 1982). Este último “Estado”

foi destruído pelos portugueses no período da consolidação do processo de

colonização em Moçambique.

O período colonial teve início com a chegada dos portugueses em

Moçambique. O contato dos portugueses com Moçambique teve início em 1498,

quando os primeiros portugueses dirigidos pelo navegador Vasco da Gama e

através do Oceano Índico atracaram em Inhambane, no sul de Moçambique. Consta

na história que a visita dessa tripulação a Moçambique aconteceu ao acaso, pois o

verdadeiro destino era a índia (MALOA, 2014). A hospitalidade com a qual os

portugueses foram recebidos e que ditou o batismo daquela região de “terra de boa

gente11” foi decorrente, igualmente, da maneira não agressiva com o qual eles se

apresentaram aos anfitriões (CABAÇO, 2007).

A chegada dos portugueses em Moçambique se enquadra no contexto do que

Arnold (2002) chama no seu trabalho de “era das descobertas”. Trata-se, de acordo

com o autor, de um período histórico peculiar, entre os séculos XV e princípios do

século XVII, durante o qual os europeus exploraram incessantemente os três

continentes, nomeadamente, África, Américas e Ásia, com o objetivo de busca de

novas rotas comerciais. Razão pela qual, os primeiros portugueses que

desembarcavam em Moçambique se dedicavam ao intercâmbio comercial, ou seja, a

primeira prioridade era a obtenção de ouro, prata e marfim, os quais trocavam com

objetos que eles portavam (CABAÇO, 2007). Posteriormente, além da obtenção de

ouro, prata e marfim, a escravatura passou a ser outra prática comum dos

portugueses na época (RITA-FERREIRA, 1982), através da qual, muitos

moçambicanos eram vendidos ou trocados, e por via disso, enviados para outros

países, onde eram submetidos ao trabalho forçado em grandes plantações e

construção de centros urbanos.

É perfeitamente plausível iniciar enquadrando o período colonial nessa época

da história, pois embora os portugueses estivessem “demandando novas rotas

comerciais”, umas das características que os diferenciava dos comerciantes árabes

11 O termo continua sendo utilizado até os nossos dias para se referir à província de Inhambane.

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que também na época exploravam àquele mercado, é que além de aumentar

progressivamente o seu contingente, os portugueses foram se fixando

definitivamente no território, e posteriormente se infiltrando aos poucos no Império

dos Mutapas, até que conseguiram fundar, sucessivamente, as comunidades

portuguesas de Sena, de Tete, ao longo do Rio Zambezi e de Quelimane, na costa

do Oceano Índico, nos anos de 1530, 1537 e 1544, respetivamente, passando a ter

maior controle das principais rotas comerciais entre interior e o oceano (RITA-

FERREIRA, 1982).

A instalação das comunidades portuguesas anteriormente mencionadas foi

determinante para a conquista progressiva de outros territórios estratégicos que

eram controlados por unidades políticas locais (reinos e impérios), que tentavam

resistir essa dominação. A esse respeito, uma das grandes e importantes batalhas

foi a decorada do Império de Gaza em 1895, que culminou com a captura do

respetivo rei, Ngungunhane e sua posterior deportação para a Ilha de Açores, em

Portugal (RITA-FERREIRA, 1982). Derrocado um dos grandes e últimos impérios da

época que lutava contra a penetração portuguesa em Moçambique, a conquista de

outas unidades políticas de pequenas dimensões ao longo do país, sobretudo na

zona norte foi efetivada sem grandes dificuldades. Neste sentido, Portugal foi

tomando o controle de todo território e seus habitantes.

Com a conferência de Berlim em 1884, na qual alguns países da Europa

decidiriam unilateralmente dividir e partilhar o continente africano, cabendo à

Portugal, além de Moçambique, mais quatro países (Angola, Cabo Verde, Guiné

Bissau e São Tomé e Príncipe), a dominação dos europeus sobre os povos

africanos foi ficando mais intensa. Constituiu, como afirma Cabaço (2007), a pedra

militar no estabelecimento do poder colonial que viria a caracterizar a ocupação total

de África no século XX e representou, simultaneamente, uma transição da fase

mercantil/escravista à “ocupação efetiva das colônias, traduzida na apropriação

direta das matérias-primas, do controle da produção e dos meios de produção nos

países e nos territórios ultramarinos, com vistas ao fortalecimento do capital

industrial e financeiro dos países europeus envolvidos”.

Nisso, resultaria uma das grandes marcas do período colonial em

Moçambique, que foi efetivamente, a extrema exploração dos moçambicanos, os

quais eram sistemática e coercivamente submetidos ao trabalho forçado, conhecido

como xibalo, cuja finalidade era a construção de infraestruturas de transportes (com

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especial destaque para estradas, pontes e linhas-férrea), indústrias e urbanas

(MALOA, 2014), quer em Moçambique ou enviando-os em outros territórios sob o

domínio português.

As relações sociais nesse período se caracterizavam na clara separação

entre o colonizador (branco) e o colonizado (assimilado ou indígena) em todos os

domínios da vida. A educação, por exemplo, constituía um dos setores mais

notáveis dessa estratificação social. A partir de 1930, a administração portuguesa

instituiu em Moçambique diferentes níveis de ensino em função na cor da pele dos

alunos (ZAMPARONI, 2002). Existia um ensino para os indígenas, os não indígenas

e os filhos dos portugueses, com objetivos igualmente distintos. De acordo com

Maloa (2014), o termo indígena era utilizado para se referir aos moçambicanos que

ainda não tinham adquirido hábitos “civilizados”; os não indígenas eram os mulatos,

indianos e outros moçambicanos assimilados e estes últimos eram aqueles que

moçambicanos que detinham algum poder econômico que lhes permitiam pagar

algum valor monetário para a aquisição de estatuto de assimilado, e todos aqueles

que praticavam hábitos portugueses. Os objetivos do ensino dos indígenas, no

entanto, encontravam-se resumidos em dois pontos: primeiro, o ensino indígena

tinha por fim conduzir, gradualmente, o indígena da vida de selvagem para a vida

civilizada, formar-lhe a consciência de cidadão português e prepará-lo para a luta da

vida, tornando-se mais útil à sociedade e a si próprio; e segundo, o ensino primário

rudimentar se destina a civilizar e nacionalizar os indígenas das colônias, difundindo

entre eles a língua e os costumes portugueses (MAZULA apud MALOA, 2014).

Evidentemente, esta prática visava limitar a maioria dos moçambicanos do

conhecimento das injustiças, as quais eram vítimas.

Moçambique se tornou independente em 1975, como resultado de uma

intensa guerra pela independência movida pela FRELIMO (Frente de Libertação de

Moçambique) contra o colonialismo português que durou 10 anos. A FRELIMO foi

um movimento que resultou da união de três movimentos, MANU (Mozambique

African National Union), UNAMI (União Nacional Africana para Moçambique

Independente) e UDENAMO (União Democrática Nacional de Moçambique), criados

entre os anos de 1959 e 1960 tendo em vista a luta pela independência. Aquando da

sua criação, não havia nenhum plano de fusão desses três movimentos, embora o

objetivo fosse o mesmo, as lutas seriam movidas de forma independente. Daí que

houve a necessidade de uni-los com vistas a criação de uma única força.

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O mérito vai para o saudoso Dr. Eduardo Chivambo Mondlane, o então

funcionário da ONU (Organização das Nações Unidas), quem teve a iniciativa de

persuadir os líderes daqueles movimentos da necessidade de uni-los e formar um

único movimento. Em 1961, quando da visita que efetuou a Moçambique na

qualidade de funcionário da ONU, Mondlane constatou que havia condições

objetivas para a condução de uma guerra bem-sucedida pela independência do país

(SILVA, 2009). Foi neste contexto que estabeleceu contatos com o então presidente

da República da Tanzânia, Julius Nherere, a fim de permitir que os moçambicanos

se organizassem naquele território. A FRELIMO foi oficialmente criada em 25 de

Junho de 1962, como um movimento nacionalista que tinha como objetivo central,

lutar pela independência de Moçambique, tendo a sua sede estabelecida em Dar-es-

salaam, na Tanzânia. Mondlane, na ocasião, Mondlane foi eleito presidente do

movimento, o qual dirigiu até a sua morte por assassinato, em fevereiro de 1969.

A guerra contra o colonialismo português iniciou oficialmente em dia 25 de

setembro de 1964. A mesma teve uma duração de dez anos e culminou com os

Acordos de Lusaka que pôs termo a guerra, assinados pelas delegações do governo

português e da FRELIMO em 7 de setembro de 1974, os quais reconheciam a

FRELIMO como o legítimo representante do povo Moçambique e instituíram um

governo de transição constituído por ambas as partes, cuja missão era promover a

transferência progressiva de poderes a todos os níveis e a preparação da

independência (ACORDOS DE LUSAKA, 1974), que foi solenemente proclamada

em 25 de junho de 1975.

Após a independência e para manter relações com o seu principal aliado da

guerra da Independência, a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

(URSS), a FRELIMO adotou um regime socialista-leninista (MACEDO & MALOA,

2013), foram instituídos campos de cultivo comuns, denominados machambas do

povo, aldeias comunais e todos os setores da sociedade estavam sob administração

estatal (MALOA, 2014).

No entanto, o período de paz durou pouco tempo, pois divergências internas

no seio da FRELIMO em relação ao regime político adotado geraram divisões que

mergulham o país numa guerra civil de 16 anos. Algumas figuras que não

concordavam com o regime político adotado, fundaram a Resistência Nacional de

Moçambique (RENAMO), com o apoio do regime racista de Ian Smith, moveram

uma guerra contra o governo da FRELIMO que gerou consequências

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socioeconômicas12 bastante desastrosas da jovem nação que acabara de nascer. A

maior parte dos guerrilheiros da RENAMO era recrutada nas comunidades após os

ataques.

Após intensas negociações entre as partes mediadas pela Igreja Católica

através da Comunidade de Santo Egídio, a guerra entre a RENAMO e o governo da

FRELIMO terminou com a assinatura pelo presidente moçambicano e o líder da

REMANO do Acordo Geral de Paz (AGP), a 4 de outubro de 1992 em Roma, na

Itália. Um dos pontos principais do AGP foi a instituição de uma democracia

multipartidária com eleições quinquenais (LEI 13/92, DE 14 DE OUTUBRO). Com

efeito, a RENAMO se transformou em um partido político e a FRELIMO havia se

transformado em partido único de natureza marxista-leninista em 1977 aquando da

realização do seu terceiro congresso. Esse acordo abriu espaço para a criação de

outros partidos políticos em Moçambique.

O AGP conduziu o país a um período de transição que durou até a realização

das primeiras eleições gerais, presidências e legislativas em 1994, inaugurando,

desta forma, o período da democracia multipartidária. As mesmas ocorreram

consecutivamente em 1999, 2004, 2009 e 2014, tendo todas sido ganhas por

candidatos presidenciais do e o partido FRELIMO. A esse respeito, o historiador

Mchel Cahen defende que os acordos de Roma deram fim à guerra civil, não foram

celebrados para democratizar, mas para pacificar, pois em Moçambique a fusão

entre partido (FRELIMO) e o Estado permaneceu, a qual era mais forte no tempo de

Samora Machel13, enfraqueceu um pouco no tempo de Joaquim Chissano14 e voltou

a ser mais forte no governo de Armando Guebuza15 (MACEDO & MALOA, 2013).

Um dos perigos dessa configuração são as tensões pré e pós-eleitores ou de outra

natureza que o país tem testemunhado, protagonizadas pelo partido RENAMO, com

maior destaque a tensão político-militar pré-eleitoral de 2013 (vide os detalhes dessa

tensão no capítulo 6).

12 Destruição de infraestruturas rodoviárias, mortes, deslocamento da população e êxodo rural. 13 Samora Moisés Machel foi o segundo presidente da FRELIMO, depois do assassinato de Eduardo Mondlane, tendo se tornado o primeiro presidente da República Popular de Moçambique da independência, em 1975, até 1986, quando morreu em um acidente de avião em Mbuzini, na África do Sul. 14 Joaquim Alberto Chissano foi o segundo presidente do país, sucedendo Samora Machel em 1986 e eleito democraticamente em 1994 e 1999. 15 Armando Emílio Guebuza foi o terceiro presidente de Moçambique, eleito democraticamente em 2004 e 2009.

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3.2.2 A cidades de Maputo e Matola e a violência, uma espécie de

“laboratório criminal” de Moçambique

Na presente seção se pretende descrever as principais manifestações da

violência nessas duas cidades. Porém, antes de discutir sobre a violência, descreve-

se as principais características dessas duas cidades.

A cidade de Maputo é a maior cidade e capital de Moçambique, localiza-se

nas margens da Bahia de Maputo, no sul do país (figura 2) e faz limite com o Distrito

de Marracuene a norte; Município da Matola a noroeste e este; Distrito de Boane a

Oeste; e o Distrito de Matituine a sul. A cidade possui uma área de 347 69 Km2, e

uma população de 1 094 315 habitantes, de acordo com o Censo Geral de 2007 e

atualmente (2015) a população é estimada em 1 241 702 habitantes (INSTITUTO

NACIONAL DE ESTATÍSTICA).

Administrativamente, a cidade é um município com estatuto de província

desde 1980 – não devendo se confundir com a Província de Maputo, a qual se

descreve mais adiante –, subdividida em sete unidades administrativas autárquicas

ou distritos municipais. Por sua vez, esses se encontram divididos em bairros/

povoações. Possui um governo eleito democraticamente desde 1998, ano em que

se realizaram as primeiras eleições autárquicas.

A cidade de Maputo possui uma posição central em termos de infraestruturas,

atividade económica, educação e saúde. Concentra a maior parte dos serviços e

sedes dos grandes grupos econômicos e empresas públicas e privadas. Embora

concentre apenas 5,4% da população do país, a cidade de Maputo é responsável

por 20,2% do PIB moçambicano, sendo os setores de comércio, transporte,

comunicações e indústria manufatureira, os mais significativos, contribuindo,

respetivamente, com 29,6%, 29,5% e 12,4% da produção nacional, de acordo com o

Relatório Nacional de Desenvolvimento Humano, de 2006 (UCCLA). Todas as sedes

do governo, diplomáticas e das principais empresas se encontram concentradas na

cidade de Maputo.

A cidade da Matola, por outro lado, é a capital da Província da Maputo.

Administrativamente, o município tem um estatuto de distrito, subdividindo-se em

três unidades administrativas autárquicas ou postos administrativos, e esses por sua

vez, por bairros/povoações (COELHO, 2004). Situa-se há aproximadamente 10 km

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do centro da Cidade de Maputo16 e faz limites, além da Cidade de Maputo a sul e

este; a norte com o distrito da Moamba; a sudoeste com o distrito de Boane; e a

noroeste com o distrito de Marracuene. A cidade da Motola possui uma área total de

373 km2 e uma população de 329.181 habitantes, conforme o Censo Geral da

População de 2007, e em 2015 a população é estimada em 927 123 habitantes

(INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA).

Como as outras cidades municipais do país, o município da Matola possui um

governo, representado pelo respetivo presidente, o qual é eleito por voto direto com

um mandato de 5 anos.

Considerando as características urbana, semi-urbana e rural que o município

apresentava até 2009, apenas 39% da população morava na zona urbana, 47% na

zona peri-urbana e 14% na zona rural (COELHO, 2004).

Em termos econômicos, o município da Matola é altamente industrializado,

concentrando cerca de 60% do total do parque industrial do país. As unidades

industriais são de variedades diversificadas, com maior destaque para os setores de

agroindústrias, metalomecânicas, materiais de construção e de transportes

(COELHO, 2004).

A violência tem sido um dos grandes problemas com o qual os habitantes das

duas cidades têm se debatido, uma vez que as duas cidades são as que

apresentam um índice elevado de crimes reportados ao nível do país (REISMAN &

LALÁ, 2012). Porém, é importante reafirmar que abordar o tema da violência em

Moçambique com base em dados secundários, não demonstra ser uma tarefa fácil,

pois existe uma enorme limitação decorrente do acesso aos dados nas instituições

especializadas, aliada a pouca produção acadêmica nessa área.

A outra questão, não menos importante que pode limitar os estudos sobre a

violência no país, é a falta de um banco de dados relativos a casos registrados,

assim como a falta de harmonização dos números de casos registrados nas

instituições competentes, como a Polícia e a Procuradoria-Geral da República. O

relatório sobre a avaliação do crime e da violência em Moçambique, organizado por

Reisman & Lalá (2012), diagnosticou, por exemplo, que enquanto a Polícia registrou

no ano de 2008, 27.454 casos, a Procuradoria-Geral da República registrou 40.312

casos de violência, portanto, uma diferença de 13.058 casos.

16 No caso da Bahia, poder-se-ia equiparar à distância entre as cidades de Salvador e Lauro de Freitas.

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Ainda de acordo com o relatório em referência, citando dados da

Procuradoria-Geral da República referentes ao ano 2010, os crimes de maior

prevalência em Moçambique são os de contra a propriedade (patrimônio), contra

pessoas e contra a ordem e tranquilidade pública, conforme descrito na tabela a

seguir. Embora os dados não estejam muito atualizados, tendo em consideração a

experiência profissional do autor, os mesmos nos permitem vislumbrar um sólido

ponto de referência em relação àquilo que são as características gerais da violência

e do crime em Moçambique.

Tabela 1. Dados criminais referentes ao ano de 2010

Tipo de crime Casos

Roubo 4.827 Furto qualificado 4.408 Furto simples 2.526 Ofensas corporais qualificadas 1.837 Ofensas Corporais Voluntárias simples17 1.112 Fogo posto18 544 Abuso sexual19 516 Homicídio qualificado 502 Corrupção 460 Homicídio voluntário simples 219

Fonte: Reisman & Lalá (2012)

Como se pode observar na tabela acima, roubo e furtos representam os

crimes mais cometidos em Moçambique. Este dado pode ser um indicador de que a

maior parte de autores do crime esteja preocupada com subtração de bens materiais

alheios. Ora, Moçambique é um dos países cujo PIB tem registrado nos últimos anos

índices de crescimento médio de 7% (WORLD BANK, S/D), portanto, considerado o

país com um dos maiores crescimentos ao nível dos países da África Austral. Não

obstante, o país continua colocado nos últimos lugares dos países mais pobres do

mundo, considerando o rendimento per capita do país. Por exemplo, tanto no

relatório do Banco Mundial quanto da ONU revelam que Moçambique ocupa a

posição 139 de um total de 152 países e, na posição 177 de um total de 195 países,

respectivamente (BOOM, 2011). Esta contradição, embora pequena, pode denotar

17 Lesão corporal. 18 Incêndio. 19 Estupro.

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que o crescimento que o país tem estado a registrar, beneficie um número restrito de

pessoas, sobretudo os homens de negócios e as classes sociais mais próximas do

poder, aumentando deste modo, o fosso de desigualdades entre o número restrito

de pessoas com poder de consumo bastante alto e a maior parte com opções de

consumo extremamente limitadas.

É de domínio acadêmico que a pobreza por si, não é um fator determinante

para o cometimento e recrudescimento do crime, caso contrário, na dimensão

empírica, teríamos por um lado, todas as pessoas pobres cometendo crimes e, por

outro, pessoas com padrão médio e alto de vida não cometendo crimes. Embora

essa “associação mecânica” tenha sido apregoada por alguns estudos pelo fato de

dados confirmarem que a maioria de pessoas que comete crimes e o perfil

carcerário serem majoritariamente provenientes de classes sociais mais baixas

(ADORNO, 2002). No entanto, uma das potenciais “armas” para o cometimento de

crimes, sobretudo os contra o património, é a privação relativa (YOUNG, 2002, p.

79). O autor esclarece, ainda, que a privação relativa sozinha não explica o aumento

da criminalidade e da desordem, ela origina um mal-estar que pode se manifestar de

várias maneiras, e o crime é somente uma delas. E a combinação letal é a privação

relativa e individualismo (YOUNG, 2002, p. 80).

Numa outra perspectiva, os dados polícias referentes aos anos 2001 a 2008

colocam as cidades de Maputo e Matola no topo, como as mais violentas do país

(tabela 2).

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Tabela 2. Dados sobre crime, registrados pela Polícia, por província.

Ano Total Niassa Cabo

Delgado Nampula Zambézia Tete Manica Sofala Inhambane

G

Gaza

Maputo

Província

Maputo

Cidade

2001 39.054 1.847 1.431 2.649 3.569 2.523 843 4.411 3.063 2.446 4.739 11.533

2002 39.061 1.116 1.485 2.382 4.220 2.886 736 4.556 3.452 2.480 4.980 10.768

2003 40.223 1.266 1.264 1.766 3.986 2.624 679 5.241 3.795 2.506 5.449 11.646

2004 40.496 1.331 1.224 2.003 4.159 2.912 296 5.419 3.973 2.164 6.079 10.936

2005 37.252 817 1.161 2.155 3.050 2.693 360 4.550 3.503 2.461 6.280 10.222

2006 30.786 586 1.063 2.001 1.668 1.474 469 3.499 2.328 1.668 5.819 10.212

2007 29.689 530 982 1.612 1.216 1.140 330 3.995 2.790 1.602 6.062 9.415

2008 27.454 466 961 1.342 921 1.408 441 3.324 1.944 1.297 7.010 8.340

Fonte: Reisman & Lalá (2012)

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Pode-se observar na tabela que de 2001 a 2004, os números totais de crimes

apresentaram uma tendência crescente, e de 2005 a 2008, a tendência foi

decrescente. Está evidente que a cidade e a Província de Maputo apresentam um

índice superior em relação as outras províncias. No entanto, além dos números da

Cidade de Maputo terem sido extremamente superiores às outras províncias não

houve um decréscimo significativo dos casos de 2005 a 2008. Por outro lado, na

província de Maputo, a tendência dos números foi crescente ao longo de todo

período em análise, exceto o ano de 2006, em que se observou um ligeiro

decréscimo em relação ao ano anterior. É importante esclarecer que os dados

relativos à Província de Maputo referem à província inteira e não apenas a cidade de

Matola, e acreditamos que a possiblidade de a maior parte desses casos ter sido

registrada na cidade da Matola não se demostra remota.

No que refere à situação socioeconômica em Moçambique, o relatório de

Boom (2011) sustenta que as novas estimativas indicam uma redução da pobreza

de 70% em 1997 para 61% em 2003 no país, e uma subsequente melhoria a um

ritmo inferior para 57% em 2009; tendo a cidade de Maputo – justamente a cidade

que regista maior números de casos criminais – reduzido substancialmente a

incidência da pobreza em comparação com as outras províncias. Este achado

reforça a permissa defendida por alguns autores (ADORNO, 2002; YOUNG, 2002),

segundo a qual, a pobreza não exerce uma influência direta no recrudescimento da

criminalidade no meio urbano e não só.

As cidades de Maputo e Matola não apresentam apenas maiores índices de

violência, como também são os centros de manifestação de diferentes formas de

violências, que posteriormente se propagam – frequentemente ou não – ao longo do

país. Com base em informações publicadas na mídia, vamos reconstituir algumas

delas, com vistas a fundamentar a nossa “hipótese”, segundo a qual, além de

registrarem índices de crimes relativamente maiores, as duas cidades representam

uma espécie de “laboratório criminal”, ou seja, locais onde os autores de crimes

experimentam vários modus operandi nas suas ações.

Em 2008 as cidades de Maputo e Matola viveram um momento pouco comum

no que concerne à violência e crime. Este momento se caracterizava por

assassinato de policiais. Dois momentos marcantes foram registrados no mês de

dezembro de 2008. O primeiro momento foi o assassinato do Diretor da Ordem

Pública do Comando da PRM da Cidade de Maputo. Os autores desse crime

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atiraram cerca de dez vezes contra o carro que a vítima dirigia. Após o crime, a

vítima foi socorrida ao Hospital Central de Maputo, onde perdeu a vida. O segundo

momento foi o assalto que aconteceu à uma esquadra da polícia localizada na

cidade da Matola, onde os autores recuperaram um carro que havia sido apreendido

e estacionado naquela esquadra. Além da recuperação bem-sucedida do carro, a

troca de tiros culminou com a morte de um policial (ARAUJO, 2008). Ao longo de

outras cidades do país não foram registrados casos da mesma natureza.

Ainda em 2008, no que se refere aos crimes de patrimônio, outra nova forma

de manifestação foi registada. Com recurso à artefatos explosivos, os autores desse

tipo de crimes explodiam caixas automáticas e, posteriormente se apoderavam do

dinheiro nelas depositadas. Foram registados casos tanto na cidade de Maputo

quanto na cidade da Matola (MOÇAMBIQUE MAGAZINE). Até então, em ambas as

cidade, não havia sido registrado casos dessa natureza, tanto que em nenhuma

outra cidade se registrou esse tipo crime.

Prosseguindo, em 2013 emergiu outra forma de atuação dos autores de crime

nas cidades de Maputo e Matola. Tratava-se de grupos que ficaram popularmente

conhecidos como G20, os quais se dedicavam à roubos em residências, e em

alguns casos à estupros, no período noturno. Dentre vários equipamentos que os

autores transportavam, constava um ferro de passar e um transformador de corrente

elétrica. Na possibilidade de conseguirem se introduzir no interior das residências,

usavam os transformadores elétricos para aquecer os ferros de passar e com eles

queimar as vítimas, como forma de evitar qualquer resistência aos pedidos por eles

formulados, como por exemplo, mostrar os locais onde as vítimas guardavam os

seus bens valiosos (MAHUMANE, 2013). Como forma de controlar o fenômeno,

uma vez que a polícia defendia a inexistência do G20 (A VERDADE, 2013), as

comunidades locais se organizaram em grupos, empunhando apitos, catanas20,

varas, enxadas, machados e, efetuavam patrulhamentos conjuntos nas noites

(JORNAL DOMINGO ONLINE, 2013), pois acreditavam que a polícia nada fazia para

responder as suas solicitações.

Contrariamente às declarações policiais proferidas em 2013, segundo as

quais, o G20 não existia e se tratava apenas de um simples boato, em Dezembro de

2014, o Comando da PRM na cidade da Matola, através do seu porta-voz,

20 Um tipo de espada utilizado nos campos de cultivo.

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apresentou publicamente um indivíduo, que a polícia acreditava se tratar de um dos

líderes do G20 (FOLHA DE MAPUTO, 2014). Este modus operandi violento não

prevalece até o presente momento (2015). Igualmente, não houve registro de casos

da mesma natureza em outras cidades do país.

Em 2011 emergiu uma das manifestações de violência que até o presente

momento constitui um problema de ordem pública, os sequestros cujo objetivo é

extorquir as vítimas com o pagamento do resgate, frequentemente valores altos. O

que diferencia este tipo de experiência violenta com as outras que as duas cidades

viveram é, além de continuarem a ser registrados até ao presente momento (2015),

casos da mesma natureza foram registados em outras cidades do país21,

nomeadamente, Inhambane, Beira, Chimoio e Nampula. Atualmente, apenas as

duas cidades em estudo continuam a registrar casos de sequestros, embora com

uma dinâmica distinta à que ocorriam nos anos anteriores.

21 Não tivemos acesso à dados sistematizados em relação ao número de casos registrados em cada uma das cidades acima mencionadas.

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4 OS SEQUETROS NAS CIDADES DE MAPUTO E MATOLA: DADOS

GERAIS E ANÁLISE TEMPORAL COMPARATIVA

Este capítulo aborda os dados genéricos referentes aos sequestros

registrados nas duas cidades, no período de 2011 e 2013. Alguma atenção é

prestada na relação existente entre os valores de resgate pagos com o sexo da

vítima, duração de cativeiro e qualidade da vítima. Os dados em referência refletem

os que oficialmente foram registrados pela polícia, não correspondendo

necessariamente a todos os casos ocorridos, pois não se descarta a possibilidade

de existência do que Jock Young (2002) chama de vítimas invisíveis. De acordo com

o autor, os crimes notificados tanto às agências oficiais como aos pesquisadores no

âmbito de pesquisas sobre vitimização, muito pouco refletem a realidade, podendo

em alguns casos ser três vezes maiores do que os dados oficiais (YOUNG, 2002, p.

64-64). No caso particular dos sequestros, por exemplo, Borges (1997) aponta que

muitos sequestros ocorrem, os resgates são negociados e nem a polícia nem a

imprensa tomam conhecimento do fato, pela decisão da família de manter o

sequestro sob o mais absoluto sigilo.

Por esta razão, no presente capítulo se utiliza o termo “casos registrados” em

detrimento de “casos ocorridos”, pois se trabalha com dados oficiais da polícia, que

não sugerem necessariamente a todos casos ocorridos durante o período em

análise.

Por outro lado, como mostraremos mais adiante, o silêncio tanto da vítima

como dos familiares, é uma das características marcantes deste tipo de violência,

independentemente dos casos serem ou não do domínio das autoridades policiais.

4.1 DADOS GERAIS DOS SEQÜESTROS NAS CIDADES DE MAPUTO E

MATOLA DE 2011-2013

Os dados apresentados na presente seção são baseados em relatórios que o

pesquisador teve acesso nas direções da PIC da Cidade e Província de Maputo. Os

mesmos são referentes aos casos registrados pela polícia nas duas cidades, desde

a emergência da “onda de sequestros”, em 2011 até 2013. Com base neles, é

possível refletir sobre a evolução dos casos, os valores de resgate envolvidos, entre

outros aspetos, como está demonstrado a seguir.

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4.1.1 Evolução dos sequestros no período de 2011 e 2013

Antes de se iniciar a discussão dos dados referentes à “onda de sequestros”,

é importar ressaltar que em 2008 houve registro de um caso de sequestro. O mesmo

ocorreu no dia 10 de julho de 200822, na Cidade de Maputo, em que foi vítima uma

mulher de nacionalidade holandesa, de 55 anos (na data da ocorrência do

sequestro). Após 18 horas de cativeiro precedidas por intensas negociações, os

autores, em número de quatro, apoderaram-se de 20 000,00 USD decorrentes do

pagamento de resgate, depois de o marido da vítima demonstrar a impossibilidade

de pagar 100 000,00USD, valor inicialmente proposto pelos autores. O caso em

referência ocorreu por volta das 17h, na Avenida Marginal, quando a vítima estava

fazendo seus exercícios habituais exercícios de caminhada, na companhia do seu

marido e da sua sobrinha (Processo 111/08/10a/TJCM). Uma análise cuidadosa

desse processo, conclui-se que se tratou de um caso de sequestro que pode ser

considerado amador. O mesmo foi planejado por um jovem estudante universitário

de classe média, residente na cidade de Maputo, o qual mobilizou mais três amigos

seus e os convenceu a praticar o crime. O local de cativeiro foi, curiosamente, numa

das propriedades da família, localizada nos arredores da Cidade de Matola. Um fato

interessante é que, quando os pais do jovem perceberam que o mesmo estava

preso por ter praticado um sequestro, procuraram os ofendidos e devolveram todo

dinheiro que havia sido pago, porém, os mesmos (os ofendidos) não manifestaram a

vontade de desistência do procedimento criminal. Durante as investigações, não

ficou provado nenhum envolvimento moral dos pais do jovem.

Este dado é apenas um indicativo que pode sugerir que os casos de

sequestro não começaram a ocorrer em 2011 em Moçambique, como tem vindo a

ser propalado pela mídia. Há uma possibilidade de os mesmos terem ocorrido antes

de 2011, de forma esporádica e sem alcance da mídia. A outra hipótese é que os

casos ocorridos no período anterior a 2011 não teriam vitimado pessoas influentes

da sociedade, como sugerem Marongiu & Clarke (1993, p. 179), o sequestro é um

tipo de violência de enorme cobertura midiática, principalmente quando as vítimas

são membros proeminentes da sociedade.

Na verdade o que aconteceu a partir de 2011 foi uma ocorrência quase que

sistemática seguida de publicação midiática. O primeiro caso de sequestro

22 Antes desse período não teve nenhuma notícia sobre sequestros.

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registrado no contexto da onda de sequestros ocorreu na Cidade de Maputo no dia

27 de julho de 2011, e na Cidade de Matola ocorreu no dia 24 de novembro do

mesmo ano. Por coincidência, em ambos os casos, os autores não conseguiram

alcançar os objetivos pelos quais as ações foram planejadas. De acordo com dados

policiais, a vítima do primeiro caso conseguiu engendrar uma fuga após 3 horas de

cativeiro, enquanto que no segundo caso, a vítima foi liberta mediante intervenção

policial. No entanto, não há informações precisas sobre os detalhes desses dois

casos, como por exemplo, as circunstâncias da fuga e a natureza da intervenção

policial, respectivamente.

Além da Cidade de Maputo ter sido o primeiro território onde foi registrado o

primeiro caso de sequestro, foi igualmente, onde mais casos foram registrados

durante o período em análise (tabela 3). Este fato pode se justificar por conta de a

Cidade de Maputo ser, por um lado, o maior centro urbano do país e, onde está

concentrado o maior número de empreendimentos comerciais e/empresariais ao

nível do país e, por conseguinte, maior número de empresários. Do ponto de vistas

teórico, pode-se aferir que a Cidade de Maputo tem o maior número de vítimas

potenciais de sequestros em relação à Cidade de Matola, pois o “mercado de

sequestros” depende de fatores como a existência de reféns e a disponibilidade de

pagamento de resgate (BRIGGS, 2001, p. 18). É importante esclarecer mais uma

vez que não se descarta a hipótese de o número total de casos ocorridos nas duas

cidades seja superior ao que os dados oficiais, pois durante a pesquisa de campo

constatamos que muitas vítimas e familiares manifestavam pouca vontade de tratar

os casos no fórum judicial.

Tabela 3. Casos de sequestros referentes aos anos 2011 e 2013

Cidade Número de casos

Frequência

Maputo 48 80,0% Matola 12 20,0%

Total 60 100,0%

Fonte : Elaborado pelo autor com base em dados policiais

A tabela acima mostra o número total de casos registrados durante o período

em análise e distribuídos em ambas as cidades. Enquanto na cidade de Maputo

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foram oficialmente registrados 48 casos que correspondem a 80%, na cidade de

Matola foram registrados 12, correspondentes a 20% dos casos analisados.

Portanto, é inequívoca a distribuição desproporcional dos casos nas duas cidades.

Noutra perspectiva, não é surpreendente que no mesmo período em análise,

a cidade de Maputo tenha registrado maior aumento anual dos casos de sequestro

comparativamente à cidade de Matola (Gráfico 2). Embora não seja considerada

uma fórmula estatisticamente recomendável para avaliar à variação de um

fenômeno em um determinado espaço geográfico e temporal23, os achados

numéricos demonstram uma clara tendência de evolução diferenciada do fenômeno

nas duas cidades. Em 2012, na cidade de Maputo houve um aumento de 9 casos,

enquanto que na Cidade da Matota foram registrados apenas mais 2 casos, em

comparação ao ano anterior. Já em 2013, as autoridades policiais da Cidade de

Maputo registraram 29 casos, portanto, 15 casos a mais que os registrados no ano

de 2012. No mesmo período, na Cidade da Matola foram registrados 8 casos, sendo

5 casos a mais que os registrados no ano anterior.

Gráfico 2. Evolução dos sequestros referente aos anos 2011 e 2013

Fonte: Elaborado pelo autor com base em dados fornecidos pela polícia

No gráfico acima, se observa uma evidente tendência de evolução contínua

dos casos de sequestros em ambas as cidades, porém com maior velocidade,

inequivocamente, para a cidade de Maputo. A maior evolução de casos de

sequestro ocorridos na Cidade de Maputo em comparação com os ocorridos na

23 Por exemplo, a fórmula aceite para medir a variação de homicídios em um determinado espaço geográfico temporal é o número de casos por 1000 ou 100.000 mil habitantes.

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Cidade da Matola é decorrente, por via de inferência, de a Cidade de Maputo ser o

centro urbano com o maior número de empreendimentos econômicos ao nível do

país e, por conseguinte, com maior número de alvos adequados (COHEN &

FELSON, 1979) em potencial. A esse respeito, Raquel Briggs (2001) defende

também que o mercado de sequestro depende, em boa parte, da existência de

reféns, ou seja, vítimas disponíveis em pagar o resgate.

4.2 VALORES DE RESGATE PAGOS

Os resgates pagos por sequestros como recompensas sobre essa atividade

podem constituir um fator propiciador e fortemente motivacional para que o

fenômeno ocorra de forma sistemática em um determinado lugar (BRIGGS, 2001),

sobretudo, quando os valores pagos são altos. É obvio que, como muito bem

defende a autora, este fator não funciona quando considerado isoladamente, ele

interage com outros fatores, nomeadamente, a presença de grupos que se dedicam

exclusivamente ou não a este tipo de crime e os riscos decorrentes da prática da

sua prática. É nesta perspectiva que a avaliação dos valores de resgates pagos nos

sequestros se demonstra relevante na análise da onda de sequestros em

Moçambique. É natural que nem todos os sequestros registrados tenham ocorrido

com sucesso, isto é, onde a libertação da vítima foi antecedida do pagamento de

resgate, como se pode ver na tabela a seguir.

Tabela 4. Situação de pagamento de resgate referente aos anos 2011 e 2013

Situação Número de casos

Frequência

Pago 34 56,66 % Não pago 13 21,66 %

Não se sabe 13 21,66 %

Total 60 100,0 % Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados policiais

Na tabela acima está apresentada a situação de pagamento de resgate nos

sequestros registrados nas duas cidades em análise. Dos 60 casos registrados

pelas autoridades policiais, 34 que representam 56.66% dos casos terminaram com

o pagamento de resgate, 13 casos que representam 21.66% deles terminaram sem

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o pagamento de resgate e, finalmente, em 13 casos, a polícia não teve informação

se houve ou não o pagamento de resgate. Neste sentido, existe uma enorme

possibilidade de os casos de sequestro findos com sucesso terem sido mais que os

34 oficialmente declarados. Todavia, os casos com situação de pagamento de

resgate desconhecida são decorrentes do silêncio sobre o qual se remetem muitas

vítimas deste tipo de violência, dificultando sobremaneira o esclarecimento dos

mesmos casos. Aliás, é esta a justificativa apresentada frequentemente pelos

órgãos de administração de justiça (polícia, Ministério Público e o judiciário).

Os valores de resgate apresentados na tabela a seguir são referentes aos 34

casos de sequestros oficialmente conhecidos cujas vítimas foram libertadas após o

pagamento de resgate. Embora os valores em causa estejam apresentados no

presente trabalho em dólar estadunidense (USD), não significa necessariamente que

em todos os casos registrados, os mesmo tenham sido pagos com essa moeda. De

fato, houve casos em que os resgates foram pagos em USD e outros em moeda

nacional moçambicana (Metical). Para viabilizar a análise, todos os valores pagos

em Meticais foram por conveniência e para mante a harmonia convertidos em USD,

utilizando o câmbio aplicado pelo Banco Central de Moçambique na época em que

ocorreu o sequestro.

Tabela 5. Valores de resgate pagos referentes aos anos 2011 e 2013

Resgate pago (USD) Número de casos

Frequência

Menos de 100 000 18 52.94% De 100 000 a 200 000 6 17.64% De 200 000 a 300 000 3 8.82% De 300 000 a 400 000 2 5.88% De 400 000 a 500 000 1 2.94% De 500 000 a 600 000 2 5.88% 600 000 e mais 2 5.88%

Total 34 100%

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados policiais

Os valores apresentados na tabela acima estão reagrupados em sete classes

de igual amplitude. Observa-se na tabela que os 18 casos, que representam a

maioria (52.94 %), as respectivas vítimas foram libertas mediante o pagamento de

um valor de resgate menor que 100 000,00 USD e no outro extremo, somente duas

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vítimas pagaram um valor superior a 600 000,00 USD, que corresponde a 5.88 %

dos casos. No entanto, na descrição geral da tabela pode se constatar que o valor

mínimo cobrado foi de 30,00 USD e máximo de 1 000 000,00 USD. Este dado

evidencia uma diferença irreconciliável entre os dois extremos, por conseguinte, em

última análise, sugere a participação de dois grupos completamente diferentes em

termos de suas estruturas e objetivos na “onda de sequestros”. A soma de todos os

valores pagos corresponde a 5 768 936,00 USD e média do resgate pago nos 34

casos é igual a 169 674,59 USD. É importante esclarecer que a despeito do valor de

resgate mínimo pago ter sido de 30,00 USD, os valores muito baixos foram

registrados em apenas mais três casos, nomeadamente, 33.00 USD, 300,00 USD,

2000,00 USD, respectivamente e, o valor imediatamente seguinte foi de 16 700,00

USD.

Agora peguemos o valor médio de resgate pago (169 674,59 USD) como

parâmetro de comparação com alguns indicadores econômicos do país com vistas a

avaliar a rentabilidade do fenômeno enquanto uma prática criminal que visa à

obtenção de fins exclusivamente econômicos. Moçambique é um país

subdesenvolvido, com um Produto Interno Bruto per capita de 592 USD, segundo

dados de 2013 do Fundo Monetário Internacional. Ora, este valor é 286,61 vezes o

valor médio de resgate pago nos sequestros, o que deixa claro que se trata de uma

“indústria” bastante rentável no contexto moçambicano.

No entanto, uma avaliação comparativa razoável e inteligível seria a que pode

ser estabelecida com os salários reais pagos em Moçambique. A título de exemplo,

o salário líquido pago para um funcionário público comum com nível de graduação24

varia de 700 a 1000 USD25. Neste sentido, considerando tanto o PIB per capita do

país – que é um valor muito abstrato – quanto os salários pagos para a classe de

funcionários públicos acima referenciada, existe um enorme distanciamento entre os

valores pagos nos sequestros e os salários reais pagos. Este dado evidencia mais

uma vez o quanto um sequestro bem sucedido é rentável em Moçambique, tendo

como base o valor médio de resgate pago, posteriormente subdivido aos membros

integrantes de um grupo bem estruturado com 6 a 8 membros.

24 A escolha desta classe de funcionários não é porque a mesma constitui a maioria em Moçambique, mas é a classe com a qual o pesquisador tem tido maior contato. 25 Este dado resulta da vivência empírica, sem prejuízo às exceções decorrentes de subsídios e outras regalias.

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Quando associado aos outros fatores elencados por Briggs (2001), as altas

recompensas aqui identificadas podem constituir, sem dúvida, um fator bastante

determinante para que grupos criminais continuem engajados na prática deste tipo

de crime em Moçambique.

4.2.1 Resgate pago em função do sexo, duração de cativeiro e qualidade

da vítima

Nesta seção se pretende analisar a variação dos valores de resgate pagos

em função do sexo da vítima e duração do cativeiro. Igualmente, far-se-á a avaliação

do resgate pago em função da qualidade da vítima com a propriedade em que

estava ligada, uma vez que a onda de sequestros em Moçambique no período em

estudo teve como vítimas preferenciais, empresários e/ou comerciantes ou seus

parentes. O cruzamento dessas variáveis podem nos elucidar melhor a razão pela

os valores são relativamente altos em alguns casos e em outros não. Importa realçar

que “resgate pago” é a variável dependente a qual será submetida à influência de

outras independentes anteriormente mencionadas. De notar que quanto ao sexo nos

referimos apenas ao masculino e feminino.

4.2.1.1 Sexo

O sexo da vítima pode ser uma das variáveis que influencia no maior ou

menor valor de resgate a ser pago. Na presente subseção, explorar-se-á essa

variável para explicar as possíveis razões pelas quais houve maior preeminência de

vítimas de um determinado sexo em detrimento do outro. Um paradoxo identificado

é que os sequestros envolvendo vítimas do sexo feminino apresentaram maior

rendimento para os sequestradores em comparação com os do sexo masculino, a

despeito disso, essa categoria de vítimas não constituiu a preferencial por parte dos

sequestradores (gráfico 3). Para o entendimento desta realidade, recorreu-se a dois

exercícios analíticos. O primeiro foi formulado a partir da análise das estruturas

organizacionais dos próprios grupos que operam nessa “indústria” e, o segundo é

decorre da interpretação dos próprios dados genéricos.

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Gráfico 3. Sequestros por sexo referentes aos anos 2011 e 2013

sexo

78,3%

21,7% Masculino

Feminino

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados policiais

O gráfico acima mostra a distribuição da vitimização por sequestros por sexo.

Dos 60 casos registrados, 47 vítimas eram do sexo masculino, correspondendo a

78,3% dos casos e, 13 eram do sexo feminino, correspondendo a 21,7%. Por outro

lado, temos a média dos valores de resgate pagos. Para além da sugestão

inequívoca, segundo a qual, as mulheres constituíram a categoria menos vitimizada

em comparação aos homens na onda de sequestros em Moçambique, são, por outro

lado, sobre as quais se pagou um valor de resgate médio (284 340,00 USD) maior,

relativamente às vítimas do sexo masculino (149 904,69 USD). A questão que

queremos responder é, por que essa configuração? Pois seria mais lógico que elas

fossem igualmente as mais vitimizadas, uma vez que as recompensas decorrentes

do sequestro de mulheres são maiores.

Em primeiro lugar, o sequestro de uma mulher, em muitos casos, sobretudo

em eventos com desfechos duradouros, podem implicar na integração de mulheres

na estrutura organizativa, sobretudo no grupo da guarda da vítima no local da

custódia ou cativeiro. Nos casos estudados, duas das vítimas são de sexo feminino,

as quais uma permaneceu sob custódia dos criminosos apenas um dia e outra, oito

dias. No primeiro caso não houve relato da presença de mulher no grupo de guarda

que desencadeou a ação, sendo que, todos os atos reconhecidos pela vítima foram

praticados por indivíduos do sexo masculino. Contrariamente no segundo caso, a

dupla que exercia a guarda era constituída por indivíduos de ambos os sexos, ainda

que o do sexo feminino tivesse menor protagonismo.

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Na casa estavam sempre duas pessoas, um homem e uma mulher. Quando queriam falar comigo falava o homem, mas quando eu queria tomar banho sempre aparecia a mulher para me controlar (VC8).

Procedimento similar foi igualmente midiatizado num dos casos que ocorrera

nos finais de outubro de 2013, no qual uma mulher que havia sido sequestrada e

permanecido dois dias sob custódia, conseguiu fugir antes do pagamento do

resgate. Na ocasião, a mulher afirmou em entrevista (JORNAL NOTÍCIAS,

28/10/2013) – com sua identidade resguardada – que a sua guarda era garantida

por uma dupla constituída por indivíduos de ambos os sexos que permaneciam

armados.

A necessidade de inclusão de mulheres nos grupos criminosos, sobretudo

quando a vítima é do sexo feminino visa dar resposta adequada em situações

eminentemente biológicas, minimizando, deste modo, o que Goffman (2013) chama

de uma das formas exposição contaminadora do eu26, sobretudo, aquela associada

ao corpo do sujeito. Por outro lado, este procedimento evidencia que, pelo menos,

os grupos criminosos mantêm o compromisso com algumas normas de natureza

moral da sociedade moçambicana, sendo uma delas, efetivamente, a não exposição

do corpo entre indivíduos de sexos opostos. Desta interpretação resulta que o menor

número de vítimas de sexo feminino na onda de sequestros em Moçambique é

resultante da falta de indivíduos de sexo feminino no seio das organizações

criminosas que possam responder, efetivamente, às demandas de vítimas do sexo

feminino, sem contrariar a ordem moral amplamente aceita na sociedade

moçambicana. A despeito de o fenômeno em si ser também contrário à ordem

moral, os seus praticantes procuram evitar, de alguma maneira, a transgressão de

outras normas morais, como por exemplo, um homem estranho cuidar de uma

mulher e vice-versa, em condições que possam facilitar a exposição do corpo.

Contudo, é importante esclarecer antes, que em todos os sequestros

registrados cujas vítimas são de sexo feminino, não foi relatado nenhum caso de

estupro ou tentativa de estupro.

A segunda interpretação é resultante da análise dos próprios dados genéricos

do fenômeno. Apesar de o número de vítimas do sexo feminino tenha sido

26 Goffman utiliza o conceito de exposição contaminadora do eu para descrever as relações estabelecidas em instituições que ele chama de totais (manicômios, prisões e conventos) que afetam a personalidade do sujeito admitido. Embora o presente estudo não verse sobre instituições totais, a fase de custódia ou cativeiro apresenta algumas características de uma instituição total, por exemplo, a vítima não auto-administra a sua vida.

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comparativamente menor ao número de vítimas do sexo masculino, os dados

genéricos separados de ambos os sexos mostram uma proporção maior de

mulheres que não pagaram e/ou com situação de pagamento de resgate

desconhecida em comparação aos homens (tabela 6). Este dado pode ser suficiente

para que os grupos evitem escolher mulheres como suas vítimas preferenciais, pois

além de representarem alvos inadequados (COHEN & FELSON, 1979), o mercado

de sequestros depende da existência de vítimas que proporcionam o pagamento de

resgate (BRIGGS, 2001).

No entanto, esta realidade é mais plausível num contexto onde as

informações sobre diferentes eventos de sequestros que ocorrem nas duas cidades

em análise possam circular no seio de diferentes grupos que desencadeiam essas

práticas o que não é, até um certo ponto, uma possibilidade descartável. O corolário

disso é que as atuações futuras de um determinado grupo criminoso podem ser

aprimoradas, tendo em consideração as experiências passadas menos sucedidas do

grupo ou de outros grupos, com vistas à obtenção de maior recompensa possível.

Tabela 6. Pagamento de resgate por gênero referente aos anos 2011 e 2013

Situação do

resgate

Pago N/pago S/informação Total

Casos % Casos % Casos % Casos %

Masculino 29 61.70 10 21.27 8 17.02 47 100

Feminino 5 38.46 3 23.07 5 38.46 13 100

Total 34 56.66 13 21.66 13 21.66 60 100

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados policiais

Constata-se na tabela acima, uma diferença nas frequências independentes

tanto nos sequestros findos sem o pagamento do resgate quanto aqueles cuja

situação de pagamento de resgate é desconhecida, as quais são comparativamente

maiores nas vítimas de sexo feminino. Observa-se que nos 13 casos dos sequestros

cujas vítimas foram libertadas sem o pagamento do resgate, 10 são do sexo

masculino e representam 21.27% do total de casos cujas vítimas são de sexo

masculino, enquanto que os 3 casos com vítimas do sexo feminino representam

23.07% do total de casos com essas categoria de vítimas. Recorrendo a uma

explicação análoga, para a coluna com casos cujo desfecho sobre a situação do

pagamento de resgate é desconhecida, constata-se que existe uma diferença em

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82

termos de frequência um pouco mais significativa a favor de casos envolvendo

vítimas de sexo feminino, pois representam 38.46% dos casos, contra 17.02% do

total de casos envolvendo vítimas de sexo masculino.

Assumindo apenas os casos de sequestro que ocorreram com sucesso, isto

é, aqueles cujos resgates foram efetivamente pagos, colocando os casos sobre os

quais a situação de pagamento de resgate é desconhecida na hipótese de terem

ocorrido sem sucesso, embora pouco provável, pode-se afirmar que a menor

preferência em vítimas do sexo feminino é decorrente do insucesso dos casos

envolvendo essa categoria de vítimas, pois de todos os casos registrados, apenas

38.46% ocorreram com sucesso, isto é, menos de metade não foram capazes de

produzir resultados pelos quais os atos foram planejados, diferentemente dos casos

envolvendo vítimas de sexo masculino, nos quais 61.70% ocorrem com sucesso. Em

outras palavras, dir-se-ia que a decisão de sequestrar uma vítima do sexo feminino

envolve duas ponderações, sendo a primeira, de se tratar de um evento com menor

possibilidade de se tornar bem sucedido e a segunda, na condição de ser bem

sucedido, o valor de resgate a ser pago poderá ser relativamente maior em

comparação com o valor médio de resgate pago nos sequestros envolvendo vítimas

do sexo masculino. Pois, se observa nos dados genéricos que o valor médio de

resgate pago em eventos cujas vítimas são de sexo feminino é maior em

comparação com a média de casos envolvendo vítimas de sexo masculino.

Sintetizando, o nosso argumento é seguinte, a menor ocorrência de casos de

sequestro envolvendo vítimas de sexo feminino é resultante de dois aspectos

básicos. Primeiro, pela exiguidade de grupos criminosos constituídos também por

indivíduos de sexo feminino capazes de responder às necessidades das vítimas

durante o período de custódia. Segundo, pela existência de maior número de

experiências menos sucedidas, tanto pelo mesmo grupo criminoso quanto por outros

grupos (através da pesquisa de informações), em que os sequestros de vítimas de

sexo feminino constituíram um “investimento sem retorno”, permitindo que os grupos

aprimorassem as suas ações futuras, isto é, direcionado as suas atividades sobre

uma categoria de vítimas que possa gerar maior recompensa.

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83

4.2.1.2 Duração de custódia

A duração de custódia pode ser um dado importante para avaliar a sua

influência no valor do resgate pago. Como destacam Detotto et al (2012) no seu

estudo sobre os determinantes da duração dos sequestros econômicos, após a

execução da captura surgem alguns dilemas econômicos em relação ao tempo.

Esses autores sugerem que cada dia que os criminosos mantêm a vítima sob sua

custódia, aumenta a chance de serem detectados. De igual modo, outro dia

proporciona uma possível chance de fuga ou doença do refém. Por outro lado, uma

compensação monetária deve ser obtida através de pagamento de resgate, por

conseguinte, o tempo será bastante necessário para convencer a família em pagar o

resgate e se desfazer dos dilemas. Nesta perspectiva, a duração do cativeiro pode

influenciar de forma decisiva no valor de resgate a ser pago. Porém, a relação pode

não ser direta em função de vários fatores, nomeadamente, a falta de

homogeneidade tanto dos grupos que executam os sequestros (estrutura

organizacional) como das vítimas (a capacidade de pagamento imediato do resgate

solicitado). Uma das ferramentas estatísticas utilizadas para descrever a associação

entre duas variáveis é a correlação através de um diagrama de dispersão (AGRESTI

& FINLAY, 2012), como está demonstrado a seguir.

Gráfico 4. Duração de custódias versus resgate pago nos sequestros referente aos anos 2011 e 2013

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados policiais

r = +0.37

Resgate pago

Duração da custódia

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84

No gráfico estão representados todos os casos de sequestrados ocorridos

com sucesso, distribuídos em função da duração de custódia e do valor de resgate

pago. O coeficiente de correlação (r) correspondente entre as variáveis em análise é

de +0,37, o que pressupõe que existe uma correlação positiva, porém

manifestamente fraca27. A razão da fraqueza resulta do fato de, por um lado, a

custódia de algumas vítimas ter sido menor e valores pagos maiores e, por outro

lado, houve o registro de alguns casos cujas vítimas estiveram sob custódia por um

tempo relativamente maior e os valores de resgate pagos foram também

relativamente menores. Este achado sugere a concepção segundo a qual, a maior

ou menor duração de cativeiro influencia no valor do resgate pago, não se enquadra

no contexto da onda de sequestros nas cidades de Maputo e Matola. As razões

podem ser variadas, tais como, a heterogeneidade estrutural dos grupos que

desencadeiam essas ações criminosas; a capacidade financeira da vítima e/ou de

seu familiar de pagar o valor solicitado ou aproximado, incluindo igualmente, a

capacidade de negociar, entre outras. Em alguns casos, sobretudo os que foram

estudados, a maior duração do sequestro foi motivada pela incapacidade do

pagamento do resgate solicitado por parte dos familiares da vítima.

Eles disseram que queriam 1000 000,00 USD. Eu disse que nós não tínhamos como conseguir esse montante [...]. Depois de uma semana eles pararam nos 2 500 000,00 MT e nós pagamos esse valor (FVC8). P – E se tivesses esse valor, vocês pagariam? R – Não sei, porque esse montante é muito demais, mas acho que podíamos pagar (FVC8). Numa primeira fase eles pediram 8 000 000,00 MT28, eu disse que não tinha aquele dinheiro. Com o tempo passaram a reduzir e chegou num momento em que disseram, ok, quanto dinheiro tu tens? Eu disse que tinha 1 500 000,00 MT29. Eles disseram, prontos dês-nos esse dinheiro e foi o valor que pagamos (FVC9).

A sugestão de que a estrutura organizacional dos grupos criminosos pode ser

levada em consideração na avaliação do resgate pago em cada evento é plausível,

pois esses grupos tendem a planejar adequadamente as suas ações. Embora possa

não ser tão linear, diferentemente dos grupos puramente amadores, os grupos com

uma organização bem estruturada planejam adequadamente as suas ações e a

27 Quanto maior for o valor absoluto de r, mais forte a associação linear. As variáveis com uma correlação linear de 0,80 estão mais e linearmente associadas do que as variáveis com a correlação de 0,40 (AGRESTI & FINLAY, 2012, p. 303). 28 Ao câmbio da época equivale a 266 666,67 USD. 29 Ao câmbio da época equivale a 50 000,00 USD.

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seleção da vítima é um elemento de crucial importância. A título ilustrativo, de todos

os casos registrados, o maior resgate pago foi de 1 000 000,00 USD e

coincidentemente, a custódia dessa vítima foi a que mais tempo durou, 30 dias.

Pode se compreender claramente que este caso em particular foi praticado por um

grupo que previamente planejou adequadamente esse sequestro.

4.2.1.3 Qualidade da vítima

Como se fez referência anteriormente, a onda de sequestros nas cidades de

Maputo e Matola no período em estudo teve como vítimas, empresários e/ou

comerciantes ou seus familiares, preferencialmente moçambicanos ou estrangeiros,

de descendência asiática. Com o termo “qualidade da vítima” se pretende denotar a

relação existente entre a vítima e a propriedade (empresa) sobre a qual está

associada, ou seja, se a vítima é efetivamente o proprietário da empresa ou alguém

da sua família, como cônjuge ou outro parente, ou mesmo se é um simples

trabalhador.

De uma maneira ou de outra, quase todas as pessoas que foram vítimas da

onda de sequestros nas duas cidades e no período em estudo estão vinculadas

direta ou indiretamente com algumas propriedades empresariais e/ou comerciais

localizadas em umas dessas cidades. Por conseguinte, este elemento pode ser de

capital importância em relação aos valores de resgate pagos, na medida em que,

considerando que os valores de resgate pagos têm sido frequentemente altíssimos,

o grau de facilidade de aceder aos recursos financeiros da propriedade com vistas

ao pagamento do resgate, inclusive, a capacidade de pagar muito ou pouco dinheiro

pode variar em função da qualidade da vítima, nos termos aqui expostos.

Como é sobejamente conhecido, uma empresa ou um estabelecimento

comercial pode ser constituído por um único proprietário ou mais através de ações.

Este elemento, no entanto, não constitui objeto de análise. Deste modo, a ideia

prevalecente na presente abordagem é que o empresário pode ser proprietário único

ou um dos proprietários (detentor de ações numa determinada propriedade

empresarial)30. De igual modo, com o termo parente pode se referir ao cônjuge, filho,

sobrinhos e tios.

30 Esta informação não aparece de forma precisa nos dados policiais em nosso poder.

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86

Tabela 7. Qualidade da vítima versus valor médio de resgate pago nos sequestros referente aos anos 2011 e 2013

Qualidade da Vítima

Número de casos Frequência Resgate médio

(USD)

Sem informação 12 20.0% 134 350,00 Empresário (a) 17 28.3% 259 575,00

Parente 27 45.0% 124 054,53 Trabalhador 04 6.6% 28 300,00

Total 60 100.0% 169 674,59 Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados policiais

Como está ilustrado acima, dos 60 casos registrados, apenas 4, que

correspondem a 6.7% dos casos foram executados contra simples trabalhadores de

estabelecimentos comerciais; 27 casos, que correspondem a 45%, foram

executados contra parentes de empresários; dezessete casos, que representam

28.3% dos casos, foram executados contra os próprios empresários, e finalmente,

doze casos que representam 20% dos casos, não se sabe ao certo da qualidade da

vítima. De realçar que na classificação acima, prevalecem os parentes dos

empresários como vítimas preferenciais dos grupos que executaram os sequestros.

Quanto aos valores de resgate médio pagos, com intervalo de confiança de 95%,

para o resgate dos trabalhadores se pagou valor de resgate médio de 28 300,00

USD, portanto, o mais baixo; os parentes dos empresários pagaram o resgate médio

baixo imediatamente seguinte, que foi de 124 054,53 USD; o resgate médio de 259

575,00 USD foi pago nos sequestros cujas vítimas foram os próprios empresários,

corresponde ao maior resgate médio pago em comparação as demais categorias de

qualidade das vítimas. Por último, o resgate médio pago nos sequestros com vítimas

cuja qualidade é desconhecida foi de 134 35,00 USD.

Note-se que a constatação observada na relação entre o sexo da vítima e o

resgate pago, segundo o qual, a despeito de o número de vítimas do sexo feminino

ter sido relativamente inferior às vítimas do sexo masculino, o resgate médio pago

no sequestro das primeiras foi maior, também se manifesta na relação entre a

qualidade da vítima e o resgate médio pago. No caso vertente, como se pode

depreender na tabela acima, os valores de resgate pagos nos sequestros cujas

vítimas são os proprietários de empresa são em média superiores em comparação

com o de seus parentes (esposa/o, filho/a ou outra relação de parentesco), porém

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87

estes últimos constituíram a categoria mais vitimizada. Este cenário se justifica pelo

fato de a maioria dos empresários, como ficou evidente nos casos estudados, ser

constituída por indivíduos na faixa etária da terceira idade31. Em tese, pessoas

dessa faixa etária têm poucas rotinas na via pública, minimizando dessa forma a

convergência no tempo e no espaço com os infratores (CLARKE & FELSON, 1993),

reduzindo, deste modo, as suas condições de vítimas em potencial da onda de

sequestros, pois a análise de rotinas e vulnerabilidades é tida em consideração na

fase de planejamento (BORGES, 1997). Se as rotinas e vulnerabilidades são de

difícil detecção, a fase imediatamente subsequente pode estar seriamente

comprometida, sendo que, uma opção plausível seria capturar uma pessoa mais

próxima daquela. Esta pode ser uma das razões pela qual os empresários ou

proprietários de centros comerciais não constituíram o maior número de vítimas.

Como se referiu acima, a categoria parente do empresário, subdividiu-se em

três subcategorias, nomeadamente, cônjuge, filho e outra relação de parentesco

(tabela 7). Dimensões sobre as quais o valor do resgate médio pago pode ser

avaliado. É importante esclarecer que a subcategoria cônjuge apenas diz respeito à

esposa do empresário/comerciante, pois não foi registrado pela polícia à ocorrência

de nenhum caso de sequestro cuja vítima é marido de uma empresaria ou

proprietária de um estabelecimento comercial. A categoria “outra relação de

parentesco” é representada por sobrinhos/as e tios, pois essas são as únicas que

constam dos registros policiais.

Tabela 8. Relação de parentesco da vítima com o empresário versus resgate médio pago nos sequestros referente aos anos 2011 e 2013 Relação de parentesco

com o empresário Casos Frequência

Resgate médio

pago (USD)

Cônjuge 05 18.5% 348 350,00

Filho (a) 13 48.1% 84 545,45

Outra 09 33.3% 8 409,00

Total 27 100.0%

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados policiais

31 Segundo a Organização Mundial da Saúde, é cronologicamente considerado idoso ou individuo da terceira idade, todo aquele que tem uma idade superior a 65 anos em países desenvolvidos e 60 anos em países em via de desenvolvimento.

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88

Como se pode depreender na tabela anterior, o valor médio de resgate num

evento cuja vítima é cônjuge do empresário é 4,12 vezes maior que o valor médio

pago num sequestro cuja vítima é filho do empresário e, 41,42 vezes maior que o

valor médio do resgate num sequestro cuja vítima é de outra relação de parentesco.

Esses dados sugerem que nos casos em que não foram sequestrados os próprios

empresários – como demonstrou anteriormente, é a classe de vítimas cujo valor

médio de resgate pago é relativamente maior em comparação com outras classes –

os cônjuges constituíram a categoria de vítimas imediatamente mais valiosa

relativamente às outras categorias. Por sua vez, os filhos foram os mais valiosos em

comparação aos outros parentes de outra relação de parentesco.

No entanto, a despeito dessa constatação, os cônjuges dos empresários

constituíram a categoria menos vitimizada, como se pode ver na tabela anterior. As

possíveis razões desta realidade são decorrentes em parte pelo sexo da vítima –

como se demonstrou na relação entre o sexo da vítima e o valor médio de resgate

pago – por um lado, e pela dificuldade de aceso dessa categoria (cônjuge) de

vítimas pelo fato de suas rotinas serem de pouca constatação, por outro.

4.3 ANÁLISE TEMPORAL COMPARATIVA DA ONDA DE SEQUESTROS

A dinâmica da manifestação em função do tempo e espaço é uma das

características pelas quais perpassam os fenômenos sociais. A onda de sequestros

como um fenômeno social, igualmente, pode apresentar dinâmicas diferenciadas em

função do tempo ou do lugar. Daí que, pretende-se na presente seção, não

apresentar dados gerais, mas descrever e analisar de forma mais aprofundada, as

principais transformações que foram se operando ao longo do período em estudo e,

as possíveis razões pelas quais essas transformações ocorreram.

Com efeito, o ponto de partida é a descrição das principais características que

o fenômeno apresentou durante a sua emergência em Moçambique, nos finais de

2011. Antes, porém, é fundamental analisar as causas da gênese do fenômeno e

relacioná-las com as principais características do mesmo no período em referência.

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4.3.1 Relações comerciais conflituosas na gênese do fenômeno

A emergência da onda de sequestros em Moçambique tem estado fortemente

associada às relações comerciais conflituosas no seio da comunidade empresarial,

sobretudo de descendência asiática, caracterizada por chantagens e perseguições

entre si.

O primeiro caso de sequestro bem-sucedido registrado na cidade de Maputo

foi descrito pela imprensa como tendo sido motivado por perseguições no seio da

comunidade empresarial (O PÚBLICO, 12/11/2011). Segundo essa fonte, o marido

da vítima participou do concurso de super dealer32, promovido por uma operadora de

telefonia móvel em Moçambique, e a sua proposta estava entre as selecionadas. E

quando a sua mulher foi sequestrada, duas exigências claras foram feitas:

abandonar o concurso ou pagar 500 000,00 USD e permanecer. O marido da vítima

pagou o resgate horas depois do sequestro e a vítima foi libertada. Mesmo assim,

mais tarde o marido da vítima achou conveniente abandonar do concurso.

Obviamente que no caso vertente se trata de um sequestro cujo objetivo não

era exclusivamente o pagamento de resgate, embora o mesmo tenha sido pago

conforme solicitado, motivações relacionadas com disputas comerciarias estiveram

na origem do sequestro.

Um entendimento copiosamente partilhado por alguns investigadores que

trabalham com o fenômeno é de que a emergência deste fenômeno esteve

relacionada com chantagens decorrentes de negócios pouco claros praticados no

seio da comunidade empresarial, e como forma de “acertar as contas” praticavam

sequestros contras pessoas devidamente identificadas e estas, por sua vez,

ofereciam pouca ou nenhuma resistência, pois sabiam claramente o que estava

acontecendo. Nesse contexto, o curto período de custódia das vítimas e os altos

valores de resgate pagos para a libertação das vítimas, se explicam pelo fato de as

pessoas envolvidas estarem cientes dos que estava acontecendo e as reais

motivações pelas quais o sequestro foi executado.

32 Um contrato celebrado entre a operadora e um comerciante (selecionado através de um concurso público) que permite ao comerciante distribuir e revender os serviços da operadora em regime de exclusividade.

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90

A observação atenta dos dados policiais dos seis casos registrados em 2011

nas duas cidades apresenta as seguintes características:

Registro médio de um caso por mês;

Dois dos seis casos encerraram com a fuga das vítimas;

Tanto nos dois casos que enceraram com a fuga das vítimas quanto

nos três que ocorreram com sucesso, as respectivas durações de custódia não

foram superiores a 24 horas;

Valores de resgate pagos relativamente superiores (500,00 USD; 133

400,00 USD e; 166 700,00 USD); e

Um caso que encerrou sem o pagamento do resgate, pois o pai da

vítima simplesmente se recusou a pagá-lo.

Quanto à fuga de algumas vítimas, é importante esclarecer o seguinte. A fuga

de uma vítima de sequestro apenas é possível mediante a existência de condições

favoráveis para o efeito, decorrentes, sobretudo, da ineficiência da segurança

provida na operação. O desenvolvimento de qualquer atividade, sobretudo no seu

início, é passível de falhas, as quais são levadas em consideração, como críticas

para o aprimoramento de ações futuras. Daí que é plausível que a emergências da

onda de sequestros tenha sido caracterizada por fugas de algumas vítimas. Por

outro lado, observa-se também que os regates pagos nos sequestros bem-

sucedidos nesse período são relativamente altos.

Um fato bastante peculiar do fenômeno nessa época é a custódia das vítimas

ter tido uma duração relativamente curta, em média não superior a 24 horas. Esta

característica se justifica não apenas pelas chantagens ou perseguições decorrentes

de relações comerciais conflituosas, mas, sobretudo, porque considerando que se

tratava de um fenômeno até então desconhecido no país, os familiares das vítimas

eram compelidos a pagar imediatamente o valor solicitado, sem oferecer resistências

através de negociações que pressuporiam possíveis diminuições dos valores de

resgate solicitados. O trabalho de Alix (1987) mostra uma realidade diferente durante

a emergência dos sequestros nos EUA, onde nos casos ocorridos no finai do século

XIX, que eram essencialmente caracterizados por sequestros de crianças de

famílias ricas, porém quando os resgates solicitados não eram pagos,

frequentemente os casos enceravam com a morte das vítimas. Diferente ainda da

realidade do Brasil, onde durante a emergência de sequestros com fins financeiros

na década de 80, esses estavam associados à existência de quadrilhas altamente

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91

especializadas em planejamento e execução, onde os alvos eram grandes

banqueiros e grandes empresários, quantias altíssimas foram conseguidas através

de pagamento de resgate após vários dias de custódia (BORGES, 1997).

4.3.2 Tendência para uma maior especialização

Em 2012, o fenômeno muda radicalmente as suas principais características

que o marcava no ano anterior. Os 16 casos registrados nesse ano (dos quais 13 na

Cidade de Maputo e três na Cidade de Matola), ocorriam em média 2 casos por

mês, exceto ao meses de Março, Abril e Novembro em que não houve registro de

nenhum caso.

Por outro lado, o período de custódia aumentou consideravelmente. Dos

casos registrados, apenas três deles não foram conhecidos o período de custódia,

tendo os demais variado de 2 a 25 dias, com a média de 9 dias. O maior tempo de

permanência pode significar que houve uma resistência por parte das famílias das

vítimas com relação ao pagamento imediato do resgate solicitado através de

intensos dias de negociações, ou as famílias não tinham os montantes solicitados no

momento, aproveitando cada dia para angariar recursos financeiros necessários

para o pagamento do resgate, acompanhado, obviamente, por algumas

negociações. No entanto, como nos ensinam Detotto, McCannon & Vannine (2012),

cada dia a mais que os sequestradores mantêm a vítima sob sua custódia, faz com

que os dilemas econômicos aumentem cada vez mais, tanto para os sequestradores

quanto para a família da vítima.

Quanto aos valores do resgate pagos durante esse período, destaca-se a

prevalência na maioria dos casos, o pagamento de valores altos, por um lado, e o

registro de alguns casos cujos valores de resgate foram baixos em comparação com

o ano anterior, por outro. Por exemplo, o maior resgate pago nesse ano foi de 656

700,00 USD cuja vítima permaneceu sob custódia durante 8 dias e, o menor resgate

foi de 30,00 USD, pago num caso envolvendo duas pessoas como vítimas, que

permaneceram sob custódia por um período de quatro dias.

No total foram registrados cinco casos em que foram pagos valores de

resgate iguais ou superiores a 200 000,00 USD. Este fato pode representar uma

maior especialização dos grupos criminosos no planejamento e execução dos

sequestros em relação ao ano anterior. A maior profissionalização é fruto do

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92

aprimoramento dos procedimentos operativos que norteavam as ações no ano

anterior. Simultaneamente, se observa a emergência de grupos não

profissionalizados a atuarem na onda de sequestros. Naturalmente, a estrutura

organizacional de um grupo criminal que consegue convencer a família de uma

vítima a pagar 200 000,00 USD é muito diferente de um grupo que após seis dias de

custódia aceita receber 30,00 USD num caso de sequestro envolvendo duas

pessoas como reféns. Neste último caso poder-se-ia afirmar que estamos perante

um sequestro executado por um grupo amador.

4.3.3 A disputa do mercado de sequestros

Os 34 casos registrados em 2013 nas duas cidades fizeram deste ano o mais

dramático da onda de sequestros em relação aos dois anos precedentes. Nos

primeiros seis meses do ano se observou um registro de um caso por mês e no

segundo semestre, a situação se alterou profundamente, pois somente o mês de

junho foram registrados três casos e nos demais meses se observou um registro de

quatro casos em média. No período em referência, a onda de sequestros atingiu o

seu auge em termos de ocorrência sistemática dos casos.

O aumento de casos de sequestros sistemáticos registrado em 2013 pode

estar relacionado com a disputa do mercado de sequestros, pois o fenômeno

representava uma atividade ilícita bastante promissora, por conseguinte, atraia

sobremaneira muitas pessoas do mundo do crime, como disse um dos

investigadores.

[...] bandidos que praticavam roubos e assaltos a mão armada também

passaram a raptar, acho que eles ganham mais raptando pessoas do que

assaltando [...] (Inv. 4).

No entanto, fazendo-se uma análise dos dados policias sobre roubos com

recurso à arma de fogo (em estabelecimentos comerciais e de carros), relativos ao

período compreendido entre 2007 a 201333 nas duas cidades, verifica-se uma

realidade demonstrada no gráfico a seguir.

33 A opção pelo período de 2008 a 2013 é para permitir a verificação da variação do fenômeno três anos antes da emergência da onda dos sequestros e durante o período.

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93

Gráfico 5. Casos de roubo referentes aos anos 2008 e 2013

25

19

3235

1815

60

68

55

73

59

35

0

10

20

30

40

50

60

70

80

2008 2009 2010 2011 2012 2013

Núm

ero

de c

asos

Anos

Roubo em est. Comercias

Roubo de caros

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados policiais

O gráfico mostra um crescimento de casos em ambos os tipos de crimes até

princípios de 2012, daí em diante houve uma tendência de queda. Em 2013,

portanto, o ano em que a onda de sequestros atingiu o seu auge nas duas cidades,

a queda dos crimes de roubo em estabelecimentos comerciais e roubo de carros foi

notória, pois atingiu números mais baixos ao longo dos cinco anos.

No entanto, a premissa de disputa do mercado de sequestros entre os grupos

que se dedicavam a roubos com recurso à arma de fogo evocada por alguns

investigadores e confirmada nos dados polícias, os quais mostram uma tendência de

queda desses crimes exatamente no momento em que a onda de sequestros atingiu

seu ague é também sugerida por Richard Wright, nos seguintes termos:

[…] Some are attracted to kidnapping because they perceive that it offers a better opportunity in risk–reward terms than the crimes they currently perpetrate. This is absolutely true in countries in which kidnapping has been referred to as the “best business going” or the “best business”. The attractiveness of a low-risk, high-reward business is undeniable for anyone, much less a criminal, and this leads to ever-greater numbers of kidnappers (WRIGHT, 2009, p. 37).

Evidentemente, esta realidade pode ser frequentemente comum quando o

sistema de justiça como um todo não consegue ou pelo menos é percebido pelos

criminosos como não tendo capacidade para controlar o fenômeno. Ora, dos 60

casos registrados durante os três anos, apenas quatro foram julgados e seus

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autores condenados. Número que pode ser considerado bastante menor num

conjunto de 60 casos. Um fato curioso é que dos quatros casos julgados, dois em

cada cidade, os réus são os mesmos, o que não retira a hipótese de lhes serem

forçosamente atribuídos alguns casos. A esse respeito, tanto Wright (2009) quanto

Briggs (2001) sustentam que os menores riscos relacionados com a detecção e

responsabilização em tempo útil de pessoas que praticam crimes dessa natureza é

um dos fatores estimuladores que permite, por um lado, que grupos que atuam

nesse mercado continuem engajados e, por outro, que outros grupos que praticavam

outras atividades criminosas visualizem essa realidade como sendo uma prática

criminal promissora e de menor risco no mundo do crime.

Por outro lado, o Processo no. 5/2013-A – TJCM mostra que todos os quatros

réus identificados e acusados pela prática de sequestros tiveram antecedentes

criminais, dos quais se destaca à prática de crimes de burla e roubo de viaturas com

recurso à arma de fogo, sobre os quais cumpriram no mínimo uma punição de

encarceramento.

A disputa do mercado de sequestros permitiu que emergissem alguns grupos,

essencialmente amadores. Foi nesse contexto que o ano de 2013 teve o registro de

muitos casos com desfechos malsucedidos em termos dos objetivos pelos quais o

crime é praticado. No total houve um registro de cinco casos que foram declarados

pelas autoridades policiais que as respectivas vítimas foram libertas sem o

pagamento de resgate. Simultaneamente, sem o prejuízo de casos cujos valores de

regaste permaneceram altos, registrou-se também um número elevado de casos

cujos valores de resgate eram relativamente baixos. A título de exemplo, foram

registrados pelo menos seis casos em que foram pagos valores de resgate menor

que 100 000,00 USD.

Umas das características que se manteve pouco inalterada em relação ao

ano anterior foi a duração de custódia das vítimas, a qual continuou longa. Dos 34

casos registrados nesse período, em dezessete, portanto, a metade, se observou

uma permanência de vítimas sob custódia em tempo igual ou superior a sete dias.

No entanto, foi durante este período que foi registrada a maior duração de custódia

em todos os casos, que foi de 30 dias.

Quanto à qualidade baseada na idade das vítimas, houve uma mudança, na

medida em que os sequestradores passaram a selecionar adolescentes, filhos

menores empresários ou comerciantes. No total houve um registro de seis casos,

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três em cada cidade, cujas vítimas tiveram idades compreendidas entre três e

dezessete anos. Esta categoria de vítimas não fazia parte das vítimas preferenciais

nos anos anteriores. Conforme alguns investigadores, este fato é decorrente da

estrutura de alguns grupos que executavam os sequestros.

O número de pessoa varia. Há grupos que são constituídos por quatro, cinco e outros mais organizados que tem seis ou mais (Inv. 2). P – Existe alguma diferença na atuação desses grupos em função do número de integrantes? Existe sim. Os grupos com menos pessoas raptam mais crianças (Inv. 2). [...] Olha, há casos em os são apenas duas pessoas que praticam o rapto, sobretudo quando a vítima é uma criança (Inv. 3).

Ao construir o seu esquema de estrutura organizativa dos sequestrados,

Borges (1997, p. 49), adverte que um sequestro pode ser realizado por um grupo de

qualquer tamanho ou até mesmo por uma pessoa, principalmente quando o refém é

uma criança.

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5 OS SEQUESTROS E O SEU DESENROLAR

O objetivo deste capítulo é descrever como se desenrolam os sequestros,

descrevendo primeiro, os casos estudados, as principais fases que permearam os

eventos e a natureza da interação subjetiva estabelecida entre os sujeitos

envolvidos. Daí que antes de avançar sobre qualquer outra abordagem, é

conveniente perceber de forma geral, a descrição de cada um dos casos estudados,

pois as abordagens seguintes terão como base esses casos, embora sempre que

que necessário se busque algumas informações de outras fontes.

5.1 PANORAMA DESCRITIVO DOS CASOS ESTUDADOS

Os casos de sequestros descritos a seguir, em número de nove,

correspondem aos casos em que o pesquisador teve acesso às vítimas, familiares

e/ou policiais envolvidos durante a pesquisa de campo, portanto, não houve nenhum

outro critério de escolha dos mesmos para além da acessibilidade, conforme foi

esclarecido detalhadamente no capítulo III (Metodologia). Com a presente descrição,

o leitor familiarizar-se-á com as experiências vivenciadas pelos sujeitos coagidos

(vítimas e seus familiares), e as circunstancias nas quais ocorreu cada caso. Embora

o planejamento corresponda uma das fases de capital importância do evento,

frequentemente, essa fase não é percebida por esses sujeitos, prevalecendo nas

suas narrativas os momentos que vão desde a execução da captura da vítima até a

sua libertação. Os casos estão apresentados de acordo com a ordem cronológica

em que ocorreram.

5.1.1 Cobrança do valor de resgate remanescente

Ocorreu no dia cinco de setembro de 2011, na Cidade de Maputo. A vítima

era esposa (31 anos) de um jovem empresário, proprietário de um estabelecimento

comercial, localizado na mesma cidade, ambos de nacionalidade paquistanesa. A

vítima foi capturada de fronte do seu prédio, no Bairro Alto Mãe, Av. Eduardo

Mondlane, pelas 19h, quando tentava estacionar o seu carro, ida do estabelecimento

comercial onde o seu marido havia permanecido, fechando as portas. A captura foi

executada por quatro indivíduos que, com recurso à arma de fogo retiraram a vítima

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do seu carro e a colocaram no carro com o qual chegaram naquele local. Na

sequência, a vítima foi transportada para um local que não conseguiu reconhecer,

por ter permanecido com rosto tapado com um pano preto durante toda trajetória,

tendo este sido retirado apenas no local do cativeiro. Durante o trajetória, a vítima foi

transferida para um carro mais espaçoso. No mesmo instante compareceu um

homem que orientou os seus companheiros no sentido de não fazer mal à vítima. No

cativeiro, a vítima foi deixada num quarto que só tinha uma cama, sem comunicação

com ninguém, pois as pessoas que a vigiavam permaneciam de lado de fora do

quarto.

O marido da vítima tomou conhecimento do caso quando chegou ao prédio,

uma vez que havia ainda muitas pessoas concentradas no local. Em seguida,

contatou seu amigo que conhecera outrora o qual teria prestado uma ajuda enorme

quando se envolveu em um acidente de trânsito. Porém, o homem demonstrou

indisponibilidade naquele momento, tendo mandado o seu sobrinho, quem o levou

para o Comando da Cidade da PRM, onde foram apresentar o caso ao Chefe de

Operações. Enquanto estava conversando com o policial, recebeu uma chamada

telefônica dos sequestradores, informando que eles tinham conhecimento que

naquele momento ele estava no Comando da PRM da Cidade, tendo o orientado a

abandonar imediatamente aquele local e nunca mais procurar a polícia, caso

contrário, matariam a sua esposa. Assim procedeu, tendo se deslocado ao seu

estabelecimento comercial. Por volta das 21h, quando se encontrava ainda no seu

estabelecimento comercial, os sequestradores ligaram e orientaram que introduzisse

um chip novo no celular, por meio do qual, doravante, passaria a conversar. Após a

mudança do chip, o mesmo ligou para o suposto número dos sequestradores, os

quais disseram que simplesmente queria dinheiro no valor de 500 000,00 USD em

troca da liberdade da esposa, caso contrário a mataria. Naquele instante, se

prontificou em pagar o valor sem nenhuma negociação e levou para casa 435

000,00 USD. Em seguida, os sequestradores orientaram que o valor fosse deixado

num dos quartos de um hotel, que havia sido previamente preparado, cuja porta se

abriria sem recurso a chaves. O dinheiro foi de fato deixado no local indicado pelo

próprio marido da vítima, cerca das 23h do mesmo dia.

Pelas quatro 4h do dia seguinte, os sequestradores ligaram, confirmando o

recebimento do resgate e o orientaram para que se deslocasse ao Shoprite da

Cidade da Matola, onde encontraria a mulher. Chegado ao local não a encontrou e

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os sequestradores voltaram a ligar, tendo o reorientando que retornasse à Cidade de

Maputo e que encontraria a mulher na área da portagem. Chegado ao locar

encontrou a sua esposa.

Pelas 06h os sequestradores retornaram a ligar, reclamando que o resgate

pago não correspondia o valor acordado, pelo que devia imediatamente pagar o

valor remanescente (65 000,00 USD). E como ele não tinha o valor naquele instante,

pediu emprestado a um dos amigos próximos. Após ter conseguido o valor, contatou

os sequestradores, os quais orientaram para que se deslocasse à um hotel (distinto

do primeiros). Chegado ao local, foi reorientado no sentido de se deslocar à uma

residencial localizada na zona da Costa de sol, local onde foi finalmente deixado o

dinheiro. Depois foi advertido de que não devia, de jeito nenhum, contatar a polícia,

pois o caso já estava encerrado.

Este caso nos elucida que durante a emergência da onda de sequestros,

além dos valores de resgate cobrados terem sido relativamente maiores, os

familiares se predispunham em pagá-los imediatamente.

5.1.2 Coragem e determinação para não pagar o resgate

Ocorreu no dia 13 de outubro de 2011, pelas 16h, na Cidade de Maputo, na

Avenida Eduardo Mondlane. A vítima foi um jovem de vinte e quatro anos, filho de

um empresário de origem asiática que explora o mercado hoteleiro. No momento da

captura, a vítima se encontrava no interior de umas das residenciais do pai, quando

surpreendentemente, três homens portando armas do tipo pistola compareceram ao

local, se fazendo passar de agentes da PIC, exibiram um mandato de detenção

falso, segundo o qual o jovem estava preso por ter atropelado mortalmente uma

criança. Na sequência, convidaram a vítima a sair do estabelecimento. No exterior

do estabelecimento, os dois homens tiraram as armas que portavam com o intuito de

coagir a vítima a entrar no carro que traziam, tendo em seguida o lavado ao

cativeiro. Como no caso anterior, no interior do carro, a vítima ficou mantida com o

rosto coberto até estar no interior da casa usada como cativeiro. A vítima

permaneceu ali por dois dias e posteriormente foi transferida para outro local, onde

permaneceu por mais três dias, perfazendo um total de cinco dias de custódia.

Contrariamente dos outros casos, durante o período de custódia, a vítima

permaneceu com as mãos amarradas com braçadeiras plásticas e a cabeça coberta

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com um gorro que apenas tinha uma abertura na região da boca para conseguir se

alimentar, o que não lhe permitiu visualizar adequadamente as características tanto

das duas casas quantos das pessoas que a vigiavam, uma vez que ficavam

próximas da vítima.

O pai da vítima tomou conhecimento do caso no mesmo instante, pois teria

sido informado por um dos seus empregados que presenciou a falsa prisão. Duas

horas depois, os sequestradores telefonaram dizendo, a princípio, que o seu filho

estava preso numa das esquadras afora da cidade. Mais tarde confirmaram que se

tratava de um sequestro, por conseguinte, devia ficar calmo, não procurar a polícia e

que eles telefonariam no dia seguinte. No mesmo dia, porém, retornaram a telefonar

dizendo que libertariam o filho mediante o pagamento de muito dinheiro, mas sem

quantificar o montante. O pai da vítima afirmou que não pagaria dinheiro algum. No

mesmo dia, na companhia do seu primo se dirigiu à esquadra mais próxima para

registrar a ocorrência. Uma vez que os seus movimentos estavam sendo

atentamente monitorados, quando estava na esquadra foi obrigado pelos

sequestradores a deixar as instalações, tendo ficado no local o seu primo que

registrou a ocorrência.

Desde o primeiro dia, o pai da vítima demonstrou claramente a

indisponibilidade de pagar o resgate. Nos dias que se seguiram, os sequestradores

insistiam em negociar o valor do resgate e o visado sempre negava, até que no

quinto dia de custódia, portanto, oito de outubro, informou aos sequestradores que

podiam fazer o que quisessem, mas que não haveria de pagar nenhum dinheiro. No

mesmo dia, pelas 18h, seu filho telefonou, informando que havia sido liberto e se

encontrava no Shoprite localizado na Cidade da Matola. Quando se deslocou ao

local, de fato, encontrou o filho, tendo o levado de volta para o convívio familiar.

Como se pode depreender neste caso, a coragem e determinação foram

determinantes para que o caso tivesse um desfecho sem o pagamento de resgate.

Este caso pode abrir uma hipótese de que alguns casos registrados pela polícia

como tendo terminados sem o pagamento de resgate, tenham resultado da coragem

e determinação dos familiares em resistir o pagamento do resgate.

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5.1.3 “Policiais” na captura da vítima

Ocorreu no dia 29 de dezembro de 2011, na cidade de Maputo, pelas 19h. A

vítima foi um homem de sessenta anos de idade, de origem asiática e nacionalidade

moçambicana. Na ocasião, se encontrava na companhia de sua filha, se dirigindo a

casa, após mais um dia laboral. Quando estavam percorrendo a Avenida Julius

Nyerere, dois homens trajados de uniforme policial mandaram parar o carro. Quando

a filha que na ocasião estava dirigindo, parou o carro, um dos supostos policiais

perguntou se a vítima chama-se Mommad34. Após a vítima confirmar, o suposto

policial solicitou seus documentos, alegando querer se certificar, inclusive os

documentos do carro e a licença de condução da filha. Em seguida, pediram para

revistar o carro, solicitando que abrissem o porta-malas. Quando a vítima estava

abrindo o porta-malas, apareceram mais dois homens que a agarraram, mostrando-

a uma arma e a levaram para o carro deles. Dentro do carro, um dos sequestradores

mantinha a arma apontada na cabeça, ameaçando atirar para matar se gritasse.

Coincidentemente, a via que seguiam estava estacionada uma brigada da polícia em

serviço de road block, onde todos os carros que por ali transitavam eram obrigados

a parar. Quando o carro em causa foi mandado parar, dois dos ocupantes se

identificaram como policias, argumentando que estavam transportando um homem

para o hospital e os agentes em serviços deixaram o carro passar. Dalí se dirigiram

ao cativeiro, que estava localizado num dos bairros da cidade de Matola, onde a

vítima permaneceu até treze horas do dia seguinte, pois o resgate foi imediatamente

pago. O local do cativeiro era um quarto de pequena dimensão, aparentemente

ainda em construção e no interior continha uma cadeira plástica, uma esteira35 e

mantas.

Duas horas depois da captura, os sequestradores ligaram para o filho da

vítima, para as tradicionais recomendações, porém naquele preciso momento ele se

encontrava no carro da polícia. Imediatamente o mandaram descer e ir à casa, e que

eles retornariam a ligação mais tarde. Chegado à casa, os sequestradores

retornaram a ligar, exigindo um resgate de 20 000 000,00 MT (667 000,00 USD),

tendo respondido que não tinha aquele dinheiro. Após uma breve negociação, o

34 Nome fictício. 35 Tapete de fabrico artesanal, feito basicamente de palha e corda, que pode ser utilizado para dormir sobre ele.

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resgate foi fixado 5 000 000,00 MT (167 000,00 USD). Os sequestradores

prometeram ligar na manhã do dia seguinte para as subsequentes orientações sobre

o local de entrega do resgate.

Pelas 8h do dia seguinte, os sequestradores ligaram e orientaram que o

dinheiro deveria ser embrulhado num saco plástico, e o próprio filho da vítima

deveria proceder à entrega. As recomendações detalhadas sobre o lugar da entrega

foram dadas ao longo do caminho. Num primeiro momento, orientaram que devia se

deslocar na Avenida Karl Marx, próximo ao COUTUR36. Após 15 minutos de espera,

recebeu outra chamada, orientando novamente que devia seguir em frente, ainda na

mesma avenida e parar próximo ao MILANO37. Neste segundo lugar, esperou mais

20 minutos, quando finalmente, foi mais uma vez orientado para se deslocar ao

Mercado Central, na Avenida 25 de Setembro e estacionar o carro de fronte da

HUGO BOSS38. Chegado ao local, foi orientado a deixar o saco plástico contendo o

dinheiro na cadeira de trás (dentro do carro) do lado da calçada e destrancar a porta

desse lado, pois viria alguém levar o saco e que ele deveria permanecer deitado

sobre o volante enquanto falava com os sequestradores. Após o homem ter retirado

o saco foi orientado a ir à da Costa de Sol, onde deveria aguardar orientações

ulteriores. Duas horas depois, os sequestradores ligaram confirmando estarem na

posse do valor e orientaram para que se deslocasse ao Cinema 700, Cidade da

Matola para levar o pai. Chegado ao local, encontro o pai e o levou para casa.

O envolvimento de policiais nesse fenômeno evidencia o nível de corrupção

de agentes da polícia, não só, caracterizado pelo envolvimento direto ou indireto de

pessoas, os quais se esperavam combater o fenômeno, como se discute mais

adiante no capítulo seis.

5.1.4 Três locais de cativeiro para a mesma vítima

Ocorreu na Cidade de Maputo no dia 08 de fevereiro de 2012, por volta das

20h, no cruzamento entre as avenidas Amílcar Cabral e Mão Tsu Tungo. A vítima foi

uma mulher de 75 anos, de nacionalidade sul-africana, esposa de um empresário

moçambicano de descendência asiática. A captura ocorreu quando o semáforo que

36 Uma agência de viagem. 37 Um estabelecimento de venda de roupa de moda. 38 Um estabelecimento de venda de roupa de moda.

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regula o trânsito naquele cruzamento sinalizava paragem obrigatória para carro que

a vítima seguia, na companhia do seu marido. Na ocasião, os sequestradores

simularam um acidente de transito, batendo atrás do carro em que o casal seguia.

Quando o marido tentava abrir a porta para ver o que havia acontecido, um dos

sequestradores o apontou com uma arma, enquanto outros dois batiam na porta do

lado onde estava a vítima. Quando ela abriu a porta, puxaram-na para fora, tendo

em seguida a levada para o carro deles, largando o marido no local. Eram, no total,

cinco homens, com o motorista incluído.

No interior do carro, com recurso a uma peça de roupa, a vítima foi lhe

coberta o rosto, de tal modo que não conseguia reconhecer o trajeto que estavam

percorrendo. Andaram aproximadamente uma hora e meia até que a vítima

percebeu que o carro estava andando em uma estrada de chão (não asfaltada).

Chegado ao local da custódia, a vítima apenas percebeu o barulho causado pela

abertura do portão principal, tendo em seguida desmaiada, o que a impossibilitou de

perceber os processos imediatamente subsequentes.

Quando despertou, percebeu que estava deitada no banheiro, no chão e ao

seu lado estava um homem encapuzado. Quando a vítima abriu os olhos, o homem

tentou a tranquilizar, dizendo que não queriam fazer mal nenhum à ela, apenas

queriam dinheiro. Naquele momento, a vítima disse que estava se sentindo mal e

pretendia descansar. O homem a levou para um quarto onde tinha um colchão e

lençóis e perguntou se ela estava sentindo fome para que providenciassem comida,

tendo respondido que não e que também sofria de hipertensão. Nessa casa, a vítima

permaneceu por dois dias, depois foi transferida para outra casa, onde ficou apenas

um dia e finalmente, para uma terceira casa onde permaneceu até a sua libertação.

Durante o tempo que a vítima estava sob custódia, alimentava-se com fast

food do KFC, acompanhado de Coca-Cola e melancia. A alimentação era servida

duas vezes por dia, meio-dia e a noite. A interação entre os sequestradores e a

vítima era feita sempre com os primeiros de rosto encapuzado. No dia em que a

transferiram para a terceira casa, apareceram três homens, nessa ocasião,

percebeu que dois deles aparentavam ser indianos. A interação entra a vítima e a

família era estabelecida dois em dois dias, com objetivo de confirmar que estava

tudo bem. Inclusive, os medicamentos que tomava em decorrência do seu estado de

saúde foram providenciados.

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Pelas 23h do mesmo dia que ocorreu a captura da vítima, os sequestradores

telefonaram para o telefone fixo da casa, tendo sido o filho da vítima quem atendeu

a chamada (com o qual somente passaram a conversar durante todo o processo).

Na ocasião, perguntaram se o que estava acontecendo era do seu domínio. Após ter

respondido que sim, advertiram para que não procurasse pela polícia, caso

contrário, as consequências seriam graves e prometeram ligar na manhã do dia

seguinte. Na ocasião, o filho da vítima disse que a vítima tomava alguns

medicamentos em decorrência da hipertensão que sofria e eles perguntaram o tipo

de medicamente e prometeram comprar no dia seguinte. No dia seguinte, pelas 9h

telefonaram e recomendaram que comprasse um chip para telefone celular, que

doravante, através do qual passariam a se comunicar. Após a compra do chip, no

contato seguinte, a primeira coisa que disseram foi que já tinham comprado o

medicamento recomendado. Em seguida, solicitaram 1 000 000,00 USD para a

libertação da mulher. Após sete dias de negociações, o resgate ficou acordado em

19 700 000,00 MT (657 000,00 USD). Os sequestradores recomendaram que fosse

o motorista da família o encarregado em entregar o valor no local previamente

indicado. Após a confirmação do resgate, a vítima foi abandonada ao longo da EN4

e posteriormente comunicaram à família onde podiam encontrá-la.

Dois aspectos importantes podem ser extraídos deste caso. O primeiro é

relativo à transferência da vítima de uma casa para outra durante na fase de

custódia. Este fato pode ser decorrente do reforço permanente de segurança, pois a

permanência da vítima em uma única casa por longo período pode despertar a

vizinhança sobre o fenômeno, e, por conseguinte, denunciarem à polícia. O segundo

aspecto que também foi comum nos outros casos, foi a preocupação com à saúde

das vítimas, manifestada não apenas com a providência da alimentação, mas

sobretudo, pela disponibilidade em prover medicamentos que as vítimas utilizavam

com vistas a controlar o seu estado de saúde.

5.1.5 Quando rotinas são desconhecidas, o que fazer?

Ocorreu na Cidade da Matola no dia 19 de maio de 2012, pelas 10h. A vítima

foi um homem de 59 anos, de nacionalidade moçambicana, de descendência

asiática e proprietário de uma fábrica de sucos. Para a captura da vítima, os

sequestradores seduziram a mesma, fazendo propaganda da existência de dois

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terrenos à venda, uma vez que a vítima gostava de comprar terrenos. A pessoa

encarregada de seduzir a vítima se deslocou ao escritório da mesma em três

momentos distintos antes da captura. No primeiro dia, dirigiu-se à vítima

simplesmente para informar que tinha dois terrenos à venda, porém naquele dia não

tinha tempo para mostrar os referidos terrenos. No segundo dia mostrou apenas um

terreno e disse que no dia seguinte iria mostrar o outro. No terceiro dia, a própria

vítima ligou para o sequestrador, chamando-o para o ver outro terreno e

posteriormente negociar os preços. Quando o sequestrador chegou, a vítima

convidou o seu neto de apenas seis anos e saíram no seu carro convencida de que

ia ver o terreno em referência, sendo que o sequestrador apenas indicava a direção

que deviam seguir. Chegado ao local, o sequestrador até estava indicando o

suposto terreno, quando, compareceram os seus companheiros, em número de três

que agarram a vítima juntamente com o seu neto. A vítima suplicou que libertassem

a criança e, com efeito, os sequestradores abandonaram a criança e o carro da

vítima próximo a uma mesquita.

As características do cativeiro não diferenciavam tanto dos outros locais.

Tratava-se de um quarto com banheiro ao lado, as janelas e a porta permaneciam

trancadas. No interior havia uma cama e cobertores. A alimentação era constituída

por fast food, acompanhado de frutas e para o café da manhã serviam chá e pão.

As negociações aconteceram entre os sequestradores e o irmão da vítima. A

vítima não soube, qual foi o valor inicial solicitado, porém, após cinco dias de

negociações o resgate ficou acordado em 500 000,00 USD. O próprio irmão da

vítima se encarregou de entregar o resgate, ato que aconteceu no dia 24 de maio,

pelas 19h, em local indicado pelos sequestradores, em baixo de uma ponte. Cerca

de 23h do mesmo dia, a vítima foi libertada. Posteriormente, os sequestradores

ligaram para o irmão informando onde podia encontrá-la. Na mesma noite da

libertação, a vítima viajou junto com a família para Johanesburgo, África do Sul com

o intuito de se recuperar, tendo permanecido lá por um período de três dias.

Este caso apresenta um elemento bastante peculiar. A execução desse tipo

de crime exige que os seus autores analisem previa e cuidadosamente as rotinas da

vítima. Porém, quando as mesmas não são constatadas e a vítima representar um

alvo adequado, torna-se necessário o estudo de alternativas com vistas a sua

captura. No caso vertente, a sedução da vítima recorrendo as atividades preferidas

por ela, demostrou ser uma arma frutífera.

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5.1.6 Sequestro e roubo

Ocorreu na Cidade de Maputo no dia 24 de junho de 2012, por volta de 14h. A

vítima era um homem de 53 anos, de nacionalidade indiana e proprietário de um

estabelecimento comercial. A captura foi executada momentos depois de ter

estacionado o seu carro no estacionamento do seu prédio. Após ter estacionado o

seu carro, desceu para levar as conservas que continham comida que se

encontravam no porta-malas quando, surpreendentemente três homens

encapuzados apareceram naquele local, dos quais um segurava uma arma de tipo

pistola que de imediato a apontou no abdômen, obrigando-a a entrar no seu próprio

carro. No interior do carro, a vítima foi obrigada a sentar no banco de trás e entregar

aos sequestradores as respectivas chaves. Um deles dirigia o carro enquanto os

demais garantiam a imobilização da vítima, com o rosto tapado. Chegaram ao

cativeiro após cerca de meia hora de viagem. Chegado ao cativeiro, a vítima foi

introduzida no quarto da casa ainda com o rosto coberto, o que impossibilitou que

reconhecesse a área ou o bairro. Na ocasião, os sequestradores não disseram

nada, apenas a deixaram no local e retornaram no período da noite. Quando

retornaram disseram que queriam dinheiro e quando a vítima disse que não tinha

dinheiro, pediram o número de telefone da esposa.

Doravante, os sequestradores não falaram mais com a vítima, a não ser a

pedido da esposa, cujo intuito era confirmar se estava tudo bem, portanto, a

conversa não durava mais de um minuto. Sempre que chegavam, mandavam a

vítima se ajoelhar, olhando para outro lado e lhe entregavam o celular para falar com

a mulher. Durante o período que estava sob custódia falou três vezes com a mulher,

cujo teor da conversar era confirmar que tudo estava bem.

No primeiro dia de custódia, a vítima dormiu numa esteira e se cobriu com um

lençol. Como estava fazendo muito frio solicitou que providenciassem um colchão e

uma manta, pedido que foi imediatamente atendido. Igualmente, a vítima informou

que utilizava uma bomba de respiração em decorrência de asma que sofria, no dia

seguinte trouxeram uma nova. No interior da casa, a vítima não conseguia ver as

pessoas que a vigiavam, pois permaneciam do lado exterior da casa, porém, a

mesma ouvia pessoas conversando e motor de caros que entravam e saiam do

local.

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A alimentação diária era constituída de chá, pão e bananas por opção da

própria vítima, uma vez que, nos primeiros dias, os sequestradores providenciavam

fast food todas as noites, porém, a vítima não comia pelo fato de não ter certeza de

que se tratava de uma comida alla all39

As negociações sobre o resgate foram realizadas entre os sequestradores e a

esposa da vítima, sem o envolvimento de terceiros. No primeiro dia que telefonaram

para sua mulher informaram que o marido tinha sido sequestrado e que eles não

tinham nenhuma intenção de fazer mal a ele, a única coisa que queriam era

dinheiro. Advertiram para que não procurasse a polícia, e que não envolvesse

terceiros no processo. No primeiro momento pediram 3 000 000,00 USD, e com o

tempo, diminuíram para 2 000 000,00 USD. Em seguida, diminuíram mais uma vez

para 1 000 000,00 USD. Uma vez que a mulher insistia que não tinha o dinheiro que

estava sendo solicitado, os sequestradores perguntaram quanto ela tinha para

pagar. Ela disse que tinha apenas 25 000,00 USD e eles aceitaram esse valor. A

vítima não se envolveu nas negociações do resgate, defendia que enquanto

permanecesse presa naquele lugar não teria como arranjar dinheiro.

Quanto à entrega do resgate, os sequestradores orientaram que o mesmo

devia ser entregue na Cidade da Matola, pelas 23h. Orientaram também para que o

dinheiro fosse embrulhado num saco plástico e depositado num contentor de lixo

previamente indicado. O motorista da família foi quem se responsabilizou em deixar

o dinheiro no local indicado.

No dia posterior ao pagamento do resgate, pelas 21h, a vítima foi libertada.

Voltaram a cobrir o seu resto, introduziram-na num carro e largaram-na numa

estrada pouco movimentada. Depois de largá-la, deram 500,00 MT para procurar os

serviços de taxi que a levasse à sua casa. De salientar que o carro da vítima nunca

mais foi recuperado. Trata-se de único caso, em que a vítima foi sequestrada e ao

mesmo tempo teve o seu carro roubado.

39 A tradição islâmica exige que os seus fiéis se alimentem preferencialmente de comida preparada pelos seus pares. A exigência é mais forte quando se trata de animais, como galinha, vaca, entre outros, os quais devem obrigatoriamente ser mortos por pessoas que professam àquela religião.

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5.1.7 A vítima negociando o seu resgate

Ocorreu na Cidade de Maputo, no Circuito de Manutenção Física António

Repinga, pelas sete horas do dia primeiro de dezembro de 2012, cuja vítima foi um

homem de sessenta anos, de nacionalidade paquistanesa. A captura ocorreu no

momento em que a vítima se dirigia ao seu carro após os rotineiros exercícios

matinais quando, de repente, dois homens, um dos quais portando uma arma de tipo

pistola apareceram na sua frente e a coagiram a entrar no carro que se encontrava

estacionado próximo ao local. No interior do carro, a vítima permaneceu com o rosto

tapado até a chegada ao cativeiro, viagem que durou cerca de uma hora.

Contrariamente de outros casos, durante o percurso para o cativeiro, os

sequestradores deixaram claro para a vítima que se tratava de um sequestro e que a

sua libertação seria mediante o pagamento de 6 000 000,00 MT (200 000,00 USD).

Até a chegada ao cativeiro, o valor de resgate já havia sido acordado em 4 000

000,00 MT (133 000,00 USD), ou seja, as negociações foram feitas diretamente com

a vítima durante o trajeto para o cativeiro. Chegado ao local do cativeiro, a vítima

telefonou para seu irmão no sentido de arranjar aquele valor o mais rápido possível.

Pelas 17h do mesmo dia, o irmão telefonou dizendo que havia conseguindo o valor.

Posteriormente, os sequestradores orientaram o irmão que fosse ele mesmo

entregar o resgate. Palas 19 horas, os sequestradores foram progressivamente

orientando o visado até que, finalmente, o valor foi deixado num contentor de lixo,

localizado ao longo da Avenida Kim Ill-Sung. Após a confirmação do pagamento do

resgate, a vítima foi libertada por volta das vinte e duas horas. As circunstâncias da

libertação não deferiram tanto dos outros casos. A vítima foi retirada da casa ainda

com o rosto tapado e largada num local onde seria fácil encontrar um taxi e, para o

efeito, os sequestradores a deixam com 1 000,00 MT (33,00 USD), valor suficiente

para pagar por esses serviços.

Embora se tratando de um sequestro de cativeiro, a própria vítima foi quem

negociou pessoalmente o seu resgate, deixando para os parentes, neste caso, o

irmão, o papel de procurar o dinheiro combinado e ir deixar no local indicado pelos

sequestrados.

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5.1.8 Pagamento de resgate e libertação da vítima só após alguns dias

Ocorreu na Cidade de Maputo, pelas 15h do dia dez de novembro de 2013,

na Avenida Filipe Samuel Magaia. A vítima foi um homem de 53 anos, de origem

asiática, de nacionalidade moçambicana e proprietária de um estabelecimento

comercial. Na ocasião, a vítima se deslocava ao seu estabelecimento comercial, na

companhia da sua esposa e seu segurança pessoal que seguia num outro carro

atrás. Os sequestradores simularam um acidente de trânsito, batendo

voluntariamente no carro do segurança. Com o sucedido, a vítima estacionou o seu

carro e desceu com o objetivo de se informar sobre o que estava acontecendo

quando, surpreendentemente, seis homens, todos portando armas de fogo saíram

do carro que supostamente causou o acidente, dois dos quais se dirigiram em

direção à vítima para capturá-la. Quando o seu segurança tentou reagir atiraram

contra ele, tendo caído no local e posteriormente socorrido por terceiros ao Hospital

Central de Maputo, onde se recuperou. Levaram a vítima para o carro deles, em

seguida, com recurso a um pano preto taparam o seu rosto, com o objetivo de

transportá-la para o cativeiro sem que tenha reconhecido a trajetória utilizada.

O cativeiro estava localizado numa zona aparentemente calma, pois a vítima

não conseguia ouvir nada, para além das conversas das pessoas que a guarneciam

e da locomotiva que circulava próximo do local. O mesmo (cativeiro) era um suíte

com duas janelas que não abriam. No interior continha uma cama, os respectivos

cobertores. A alimentação era constituída de chá, pão e frutas.

Pelas 23h do mesmo dia que ocorreu a captura, os sequestradores

telefonaram ao filho da vítima, perguntando se tinha conhecimento sobre o que

estava acontecendo com o seu pai. Também perguntaram se havia contatado à

polícia, tendo respondido que não. Em seguida, recomendaram para que não

tentasse procurá-la, pois as consequências seriam maiores e prometeram ligar no

dia seguinte. Pelas 9h do dia seguinte, portanto, 11 de novembro, os sequestradores

telefonaram para o filho da vítima, dizendo que queriam 1 000 000,00 USD para a

libertação da vítima. Naquele momento o filho da vítima respondeu que a família não

dispunha daquele valor. Após sete dias de negociações, o valor de resgate ficou

acordado em 2 500 000,00 MT (83 000,00 USD). Os sequestradores orientaram que

o valor devia ser entregue no bairro da Costa do Sol, pelas 19h. O filho da vítima

com quem negociaram se encarregou de entregar o resgate. As indicações

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concretas do local onde devia deixar o valor foram dadas no momento, até que,

quando chegou em um determinado local, orientaram para que largasse o valor no

chão. Horas depois confirmaram que o dinheiro já estava na sua posse e que eles (a

família) deviam aguardar a qualquer o momento pela libertação da vítima.

A vítima foi libertada no dia 21 de novembro pelas 22h, portanto, quatro dias

após o pagamento de resgate. Momentos antes de a vítima ser libertada, os

sequestradores voltaram a lhe tapar o rosto ainda no quarto e só depois a levaram

para o carro, tendo a abandonada no bairro da Machava, na Matola, próximo da

fábrica da Coca-Cola, após a terem informado que alguém da família viria buscá-la

naquele mesmo local. De imediato, ligaram para o filho informando que a vítima se

encontrava naquele local e que ele ou outro membro da família devia ir buscá-la. Foi

dada, também, uma última advertência no sentido de não se denunciar nada à

polícia.

A libertação da vítima alguns dias depois do pagamento do resgate, que é a

característica principal deste caso, pode ter sido decorrente da vigilância feita aos

parentes da vítima com vistas a certificar que os mesmos não estavam envolvendo

terceiros no caso, como por exemplo, a polícia ou a imprensa.

5.1.9 Quebra do vidro do carro se não abrir a porta

Ocorreu na Cidade de Maputo, no dia dezoito de novembro de 2013, pelas

18h e teve como vítima um homem de 60 anos, proprietário de um estabelecimento

comercial localizado na mesma cidade. A captura ocorreu quando a vítima, na

companhia do seu filho e da esposa acabava de chegar a casa após mais um dia

laboral. Ainda do lado de fora, isto é, antes de estacionar o carro na garagem, foram

surpreendidos com um carro que estacionou na sua retaguarda, no qual desceram

quatro homens encapuzados, todos armados que imediatamente se dirigiram no

carro onde estava a vítima e sua família, batendo as janelas para que abrissem as

portas. Uma vez que houve uma pequena resistência, um dos sequestradores

quebrou o vidro da porta do lado onde a vítima se encontrava sentada, tendo

imediatamente a retirado do carro. Quando o filho tentou reagir, os sequestradores

ameaçaram atirar contra ele, em seguida levaram a vítima para o carro e deixaram o

local em alta velocidade.

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No interior do carro, a vítima teve se rosto tapado. Após terem andado cerca

de meia hora, a vítima foi transferida para outro carro, com o qual andaram mais de

uma hora até ao cativeiro. Chegado ao local da custódia, a vítima foi transportada do

carro para o interior da casa com o rosto ainda coberto. O cativeiro era uma casa de

três compartimentos que não estava ainda rebocada e no quarto onde a vítima foi

mantida havia uma cama de solteiro e cobertores. Horas após ter permanecido no

cativeiro, os sequestradores trouxerem uma rede mosqueteira. No cativeiro, a vítima

era vigiada por duas pessoas que permaneciam num outro compartimento da casa.

Sempre que os sequestradores quisessem interagir com a vítima, obrigavam-na a

tapar o rosto. A alimentação era constituída de chá, leite, biscoitos e frutas, somente

nos últimos três dias passaram a trazer sopa de legumes. A vítima se servia desse

tipo de alimentação porque recusou outra alimentação por não ter a certeza de ser

alla all. Os dois homens que a guarneciam é que se responsabilizavam em levar a

comida para o quarto da vítima e a maneira de proceder (tapar o rosto) era sempre

observada.

No primeiro dia de custódia, os sequestradores pediram a vítima o número de

telefone do filho, com que passaram a negociar o resgate. Pelas 23h do mesmo dia

telefonaram para o filho, advertiram para que não procurasse a polícia, e que não

contasse à estranhos sobre o que estava acontecendo, ameaçando que matariam a

vítima no caso de desobediência, também prometeram que ligariam no dia seguinte.

Na manhã do dia seguinte retornaram o telefonema, informando que a libertação da

vítima só seria possível mediante o pagamento de um resgate de 8 000 000,00 MT

(267 000,00 USD). Desde então, seguiram-se as negociações. Uma vez que o filho

da vítima se mostrava incapaz de conseguir àquele valor, os sequestradores foram

diminuindo progressivamente o valor, até que depois de dezessete dias perguntam

quanto ele tinha, tendo respondido que estava em condições de pagar 1 500 000,00

MT (50 000,00 USD). Os sequestradores imediatamente aceitaram receber aquele

valor. Em seguida, orientaram que o valor deveria ser entregue no bairro da Costa

de Sol pelas 21h. O próprio filho da vítima se responsabilizou de deixar o dinheiro no

local acordado. Foi orientado a deixar o dinheiro numa das ruas do bairro, que

naquele momento se encontrava calma. Três horas depois, os sequestradores

confirmaram ter em posse o valor de resgate e informaram, igualmente, que a vítima

seria liberta a qualquer momento.

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Pelas 17h do décimo oitavo dia, a vítima foi liberta. Antes de ser retirada da

casa, taparam o seu rosto e levaram-na para o carro. Chegado ao local onde seria

abandonada – dez metros do ponto de taxi –, foi lhe entregue 1 000,00 MT (33,00

USD) para apanhar um taxi que a levaria para casa, antecedido de uma advertência

de não comentar nada com o taxista e muito menos procurar a polícia

posteriormente.

5.2 OS SEQUESTROS E AS SUAS FASES

As fases abaixo descritas são relativas aos sequestros praticados por grupos

com uma estrutura organizada, nos quais a divisão de trabalho é uma característica

central. Reconhece-se, porém, que em alguns sequestros, estas fases podem não

ser rigidamente seguidas por vários fatores, sobretudo nos casos de sequestros

cujas vítimas são crianças, os quais podem ser praticados com sucesso por duas ou

mesmo uma pessoa (ALIX, 1976, BORGES, 1997). Portanto, os casos de sequestro

estudados nas cidades de Maputo e Matola praticados por grupos mais organizados,

geralmente, obedecem às fases seguintes:

Planejamento;

Reconhecimento e sedução da vítima;

Captura e transferência da vítima;

Custódia;

Vigilância da família da vítima;

Negociações;

Pagamento do resgate e;

Libertação da vítima.

5.2.1 Planejamento

Com génese nas teorias de administração, o planejamento é uma feramente

bastante importante para uma efetiva execução de qualquer atividade, na qual se

almejam resultados positivos. Nele, mobiliza-se um conjunto de ações a serem

desenvolvidas para atingir um resultado claramente definido, tendo-se a plena

certeza da situação em que as ações acontecerão e do controle quase absoluto dos

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fatores que asseguram o sucesso no alcance dos resultados (ALDEY, 2000).

Portanto, o sequestro, como uma atividade criminal que visa à obtenção de maior

“recompensa” possível, o planejamento se apresenta como uma fase crucial para

melhor desencadeamento das fases subsequentes.

Borges (1997) construiu um modelo interessante que descreve,

essencialmente, como uma pessoa é escolhida para ser vítima de um sequestro

(Esquema 2). Este modelo permite, posteriormente, a possiblidade de se pensar

num modelo mais abrangente de todo o processo de planejamento.

Esquema 2: Modelo de seleção da vítima

Fonte: Borges (1997)

De acordo com Borges (1997, p. 51), para que uma pessoa seja escolhida

como vítima são analisados, a riqueza aparente, os meios de comunicação e o

círculo social de cada possível vítima. Esta primeira análise vai resultar na escolha

de três ou quatro possíveis vítimas, sobre as quais é checada a saúde financeira,

amizades, profissão, emprego ou não de segurança, grau de dificuldade para a

realização do sequestro, entre outros aspectos. Após a segunda análise, é

finalmente definida a vítima. No entanto, nada impede que o mandante do sequestro

possa previamente ter o nome da vítima. Nos sequestros ocorridos em Moçambique,

o critério de escolha de vítimas, pode não ter sido bastante distinto dos achados de

Borges (1997), como se pode observar na fala seguinte.

Riqueza aparente Meios de comunicação Círculo social

Análise

Possíveis vítimas

Análise

Vítima selecionada

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Olha, nós tivemos um caso em que foi sequestrado uma mulher de um empresário daqui e quando os sequestradores ligaram para o marido pedindo dinheiro, ele disse para eles que não tinha aquele valor. E eles disseram que sabiam que ele tinha depositado no dia anterior um valor superior àquele que pediram (Inv.1). P – E o que significa isso para o senhor? R – Isso significa que os mandantes ou alguns elementos dos sequestradores têm relações com as vítimas ou conseguem infiltrar pessoas para colherem esse tipo informações (Inv.1).

Na hipótese de o mandante ou um dos integrantes dos sequestradores fazer

parte da rede de relações sociais da vítima, ou conseguir filtrar informações

privilegiadas sobre a mesma, o processo de obtenção de informações relevantes

que possam viabilizar a seleção de possíveis vítimas, ocorreu sempre de forma

despercebida, tanto por parte da vítima quanto das pessoas mais próximas a ela.

P – O senhor suspeita de alguém que tenha planificado isso? R – Não, não. Não desconfiamos ninguém por enquanto (VC9). P – E o senhor tem alguma relação com o senhor Hussein Ally40? R – Não temos relação com ele, nem de familiaridade, nem comercial. Agente só sabe que é da nossa comunidade (Hindu). Nunca falamos com ele, senão cumprimentarmo-nos lá na comunidade (FVC9).

Após uma cuidadosa análise de informações atinentes à situação financeira,

segurança e vulnerabilidade dessas possíveis vítimas é, finalmente, escolhida a

vítima por sequestrar. De fato, não é estranho que a escolha recaia sobre aquela

pessoa que apresenta menos segurança pessoal.

Após a seleção da vítima, a mobilização financeira e logística é outra

atividade a ser incluída no processo de planejamento. Ela consiste basicamente na

criação de todas as condições financeiras e materiais necessárias para a execução

do sequestro, assim como à posterior manutenção da vítima durante a fase de

custódia. Embora aconteçam mais ou menos em simultâneo com o processo de

seleção da vítima, a mobilização logística e financeira é feita tendo em consideração

a vítima selecionada. Nela foram incluídas atividades como, (a) aluguel nos Rent

Cars41 ou empréstimo à amigos próximos dos sequestradores; (b) aluguel de casas

para serem usadas como cativeiros e, (c) disponibilização de um dinheiro extra para

40 Nome fictício de um jovem empresário de origem asiática, detido preventivamente em Abril de 2014, indiciado de ser um dos mandantes de uma série de sequestros de concidadãos de origem asiática com interesses empresariais na capital moçambicana. O mesmo foi apontado como tendo ordenado o seqüestro de quatro pessoas, sobre os quais exigiu avultadas somas de dinheiro para a sua libertação (JORNAL VERDADE, 14/04/2014). Optamos por nome fictício pelo fato de o caso se encontrar ainda no processo de investigação. 41 Serviços de aluguel de carros com opção de condutor.

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a aquisição de alimentação, medicamentos e outros produtos que permitam a

manutenção saudável da vítima.

De acordo com os processos-crime analisados e entrevistas com os

investigadores, sobre os modus operandi, constatou-se que durante a emergência

do fenômeno em 2011 até ao seu auge, em meados de 2013, os sequestradores

recorriam frequentemente aos serviços Rent Cars, para aluguel de carros, os quais

eram devolvidos após a execução dos sequestros, em bom estado de conservação

ou com pequenos danos. Os dados resultantes do mau uso dos carros eram da

inteira responsabilidade dos sequestradores e por via disso, ressarcidos. Depois que

os proprietários desses serviços terem descoberto que os serviços que prestavam

também eram usados para fins ilícitos, sobretudo, para a prática de sequestros, o

aluguel de carros sem condutor para pessoas desconhecidas passou a ser

desencorajado e, doravante, os sequestradores passaram a usar carros

emprestados de pessoas mais próximas, por exemplo, amigos.

Na mesma lógica, alugavam casas para servir de cativeiro. Os bairros

escolhidos eram preferencialmente os que se localizavam em bairros suburbanos de

ambas as cidades, sobretudo aqueles de menor movimentação. Como forma de

atrair irresistivelmente aos proprietários das casas, os sequestradores se

predispunham a pagar um valor de aluguel relativamente superior que o praticado no

mercado imobiliário e, frequentemente, o adiantamento das mensalidades

correspondentes de no mínimo três meses do valor do aluguel acordado.

[...] respondeu ser dona da casa usada como cativeiro, que foi contatada pelo [...] o qual afirmou ter um amigo sul-africano que viria trabalhar em Maputo por 6 meses, [...] que valor da renda era 300 USD, que o [...] pagou o valor de 900 USD, correspondente aos primeiros 3 meses de renda, que a procurou por várias ao [...] para formalizarem o contrato de renda e que o mesmo afirmava não ter tempo, [...] que sempre que se deslocava à casa encontrava ninguém, [...] que nunca lhe passou pela cabeça que a sua casa seria usada para servir de cativeiro (Processo 5/2012-A, p. 35).

Nota-se que quanto mais distante do centro da cidade e quanto maior a

dificuldade de acesso às casas disponíveis para aluguel, melhor era, pois dificultava

visitas constantes dos proprietários das mesmas, na medida em que, é comum em

Moçambique, os proprietários de casas alugadas visitarem os seus locatários nos

primeiros dias de aluguel para aferir o estado de conservação das mesmas,

considerando que os “contratos” têm, frequentemente, sido firmados entre o

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proprietário e o locatário, sem intermediação de empresas imobiliárias que oferecem

serviços especializados, não garantindo deste modo, a observância efetiva de

direitos e deveres entre as partes envolvidas.

Eles conseguem enganar algumas pessoas para arrendarem as suas casas (Inv.2).

P – Em que bairros se localizam as casas?

R – Olha, eles procuram casas localizadas fora da cidade [...], aquelas cujos os proprietários não moram lá. (Inv. 2).

P – E como são as condições das casas?

R – A maioria tem boas condições, [...] mas outras não. Tivemos um caso em que foi sequestrado uma criança de 5 anos. Ela foi colocada numa casa com quase tudo, até vídeo games [...]. Eles pagam muito dinheiro para convencer os proprietários a arrendarem as casas (Inv. 2).

Constata-se aqui que, por um lado, as atividades relativas à seleção da vítima

podem ser consideradas de natureza técnica, pois envolvem a coleta e

processamento de informações, por outro lado, as relativas à mobilização logística

correspondem ao investimento financeiro necessário para a execução dos

sequestros. Em ambas as atividades, as respectivas ações são racionalmente

executadas com objetivos, tanto para maximizar os ganhos, quanto para dificultar

uma possível investigação do poder público.

A opção pela utilização de carros alugados ou emprestados, por exemplo, a

despeito de carros pertencentes aos próprios sequestrados, não foi resultante do

fato de os sequestradores não possuí-los42, mas constituiu uma decisão considerada

por eles como racional, que parte do pressuposto segundo o qual, uma possível

investigação não estaria a priori, voltada para uma instituição de prestação de

serviços legalmente constituída, como os Rent Cars, na medida em que, esses

serviços só são prestados após uma declaração por escrito sobre o fim pelo qual se

aluga o carro e, frequentemente, com um motorista disponível pertencente a essas

empresas. Porém, há casos em que é permitido alugar um carro sem motoristas.

Por outro lado, é possível se pensar também, que a opção de alugar ou

emprestar carros, assim como alugar casas com propósitos ilícitos, pode se

demonstrar como uma opção de alto risco, visto que carros que prestam esses

42 Na pesquisa documental (consulta de processos-crime), se constatou que todos os sentenciados possuíam no momento do julgamento, no mínimo um carro pessoal, embora os mesmo tenham sido adquiridos com dinheiro proveniente de atividades ilícitas de acordo com as investigações policiais. Nesses casos, os carros em referência são apreendidos e revertidos a favor do Estado.

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serviços (alugados) podem ser facilmente identificados, quer pela vítima e/ou seus

familiares ou acompanhantes no momento da captura e no caso de uma possível

notificação policial ou judicial, os seus proprietários, naturalmente, colaborariam para

o esclarecimento do caso. De uma maneira ou outra, o aluguel de carros e casas

facilmente deixam marcas que, possíveis investigações policiais podem conduzir aos

autores dos sequestros. Esta prática pode evidenciar uma maior tendência ao

amadorismo e não necessariamente o profissionalismo, embora as estruturas dos

grupos apresentem divisão clara de tarefas no seio dos seus membros.

Em síntese, Borges (1997) não construiu um modelo abrangente de todo o

processo planejamento. A partir do modelo de seleção da vítima de Borges (1997),

articulando com os achados do presente trabalho, temos o seguinte modelo de

planejamento dos sequestros, o qual reflete a atuação de muitos grupos que

praticavam esse fenômeno em Moçambique.

Esquema 3. Modelo de planejamento de um sequestro

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de BORGES (1997).

Seleção da vítima

Relações sociais

Análise Possíveis

vítimas Análise Vítima selecionada

Mobilização financeira e logística

Aluguel ou empréstimo de casas e carros

Identificação do local do cativeiro

Dinheiro extra para manutenção da vítima

Riqueza aparente

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5.2.2 Reconhecimento e sedução da vítima

Terminado todo processo de planejamento, o reconhecimento e sedução da

vítima é a fase imediatamente seguinte. O objetivo desta fase é, naturalmente,

avaliar e criar todas condições objetivas para a execução da captura. O

reconhecimento consiste na observação da rotina da vítima selecionada com vista a

constatar vulnerabilidades, tais como, o que é que ela faz com frequência, horário de

saída do trabalho (loja), a estrada percorrida, o número de pessoas que o

acompanha, etc.

Depois tomei conhecimento que eles passaram alguns dias lá na loja, compraram alguns produtos e, se calhar falaram comigo sem que eu tenha percebido (VC7).

Caso existam condições, os primeiro contatos com a vítima selecionada,

incluindo algumas “provocações”, antes da execução da captura são necessários,

pois permitem conhecer o tipo de personalidade da vítima em questão para melhor

atuação não apenas na captura, mas também nas fases subsequentes. Borges

(1997, p. 52) defende que esta fase é extremamente meticulosa, na medida em que

os sequestradores coletam, de entre várias informações, a sua reação em diversos

eventos que à primeira vista parecem banais ou simples “barbeiragens” no trânsito,

mas que em realidade estão exatamente testando suas reações para saberem o que

esperar no dia da ação.

A identificação da rotina acaba se constituindo um elemento determinante na

execução efetiva da captura vítima.

Eram quase 6h da manhã, eu estava fazendo os meus habituais exercícios matinais, no circuito de manutenção física da Repinga43, quando de repente apareceram na minha frente três homens [...] (VC7). P – Havia passado quanto tempo que o senhor fazia exercícios na Repinga? R – Eu sempre fiz exercícios naquele lugar meu filho, mas depois disso (referindo-se ao sequestro), não fui mais pra lá (VC7). P – O senhor fazia exercícios nesse local todos os dias? R – Não. Eu fazia apenas três dias por semana, a idade já não ajuda, terça-feira, quinta e sábados (VC7). P – O senhor deslocava-se ao Repinga sempre sozinho ou acompanhado? R – Eu ia com um amigo, só que fazíamos exercícios diferentes. Eu fazia alongamentos e depois corria (VC7).

43 De nome original “Centro de Manutenção Física António Repinga”, localizado na baixa da Cidade de Maputo é uma praça pública destinada especialmente para efeitos de exercícios físicos.

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As falas acima evidenciam, inequivocamente, que a captura dessa vítima foi

antecedida de um reconhecimento minucioso das suas atividades rotineiras e os

sequestradores, naturalmente, encontraram o melhor momento para captura-la,

aquele que apresenta maior vulnerabilidade para a vítima e menor vulnerabilidade

para os sequestradores. Uma captura nas mesmas circunstâncias havia sido

registrada em 2008 – no primeiro caso de sequestro registrado oficialmente em

Moçambique – , quando a vítima, uma mulher de 55 anos estava fazendo os seus

habituais exercícios de caminhada ao longo da Avenida Marginal44, na companhia

do seu marido e sobrinha, quando surpreendentemente, três pessoas que estavam

num carro pararam na sua frente, e, utilizando arma de fogo, ameaçaram a vítima

incluindo os seus acompanhantes e a levaram para o cativeiro (Processo

111/08/10a/TJCM).

No entanto, cinco dos nove casos sobre os quais se realizou entrevistas, as

vítimas foram capturadas durante a trajetória “loja – casa”, findo o período laboral ou

não, o que pressupõe, igualmente, uma análise previa da rotina e trajetórias

frequentemente usadas pelas vítimas para a identificação de vulnerabilidades. A

trajetória casa-trabalho é a que apresenta menor variação. Porém, há casos em que

é difícil identificar rotinas, daí que a sedução se apresenta como uma “arma” efetiva

para a execução da captura.

No dia anterior veio um aqui na empresa, foi atendido com o meu empregado e disse queria falar comigo. Ele informou ao meu empregado que tinha dois terrenos à venda. Eu aceitei falar com ele e saímos no mesmo dia para ver um dos terrenos. Na verdade ele mostrou-me um e disse que não tinha tempo suficiente para mostrar-me o outro e combinamos para ver no dia seguinte. No dia seguinte de manhã, ele mesmo ligou, perguntou se eu estava livre para que ele viesse para vermos o outro terreno e daí acertarmos os preços. Eu disse que sim. Quando ele chegou, eu disse para o meu neto para sairmos juntos saímos e ele (o homem) na boleia45 e indicava-me a direção que tínhamos que seguir. Depois de uma hora e meia chegamos num local, paramos e de repente apareceram os seus amigos e me agarram. Naquele momento eu pedi, para que deixassem o meu neto (VC5). P – O senhor sempre compra terrenos? R – Se for bom eu compro sim. Muita gente aqui na Matola sabe disso (VC5).

44 Situada ao longo da orla marítima, proporciona uma ambiente propício para exercícios de caminha. Pode-se equiparar com a Avenida Oceânica ou Octávio Mangabeira, na Cidade de Salvador. 45 Termo usado em Moçambique para se referir “carona”.

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Note-se que neste caso, um homem de poucas rotinas, que numa primeira

análise, poder-se-ia concluir que se trata de uma pessoa de difícil acesso, acabou se

transformando em um alvo fácil por conta de atividades desejáveis que não

estivessem, necessariamente, vinculadas às atividades rotineiras, as quais forma

desvendadas e exploradas como recurso de sedução para a execução da captura.

Neste sentido, a sedução deve ser entendida como o conjunto de artefatos que

incidem sobre os desejos da vítima, visando à atração da mesma para a execução

da captura. Ela é acionada sempre que se constatam dificuldades na identificação

de atividades rotineiras.

5.2.3 Captura e transferência da vítima

A captura e transferência constituem uma das fases mais tensas entre as

partes envolvidas (os autores, as vítimas e seus acompanhantes, se houver) na

execução de um sequestro, sobretudo para os sequestradores, na medida em que

as suas ações devem ocorrer o mais rápido possível e com a necessária segurança

para evitar que sejam identificados. O uso de máscara e ameaças com recurso à

arma de fogo são as principais estratégias tanto para deter a vítima, quanto para

evitar a identificação.

A captura era frequentemente executada com recurso à força, portanto,

dependendo da reação da vítima, ela podia envolver confrontações entre as partes

ou não. Nos casos em que a vítima era surpreendida sozinha, o uso da força era é

mínima.

Tudo aconteceu quando acabava de chegar em casa, vindo da mesquita. Quando cheguei no meu prédio, estacionei o carro na cave, desci e abri a porta de trás para tirar tigelas, quando de repente, vi três homens mascarados, um deles tinha arma de fogo, apontou-me no estomago. Eles simplesmente disseram silêncio não se mexe. Obrigaram-me a entrar no seu carro, puseram-me sentado no banco de trás e taparam-me o rosto com pano preto (VC6).

Se no momento da captura, a vítima se encontrava na companhia de outras

pessoas, essas também eram ameaçadas no caso tentassem reagir.

[...] acabávamos de chegar a casa saindo da loja. Já no portão, fomos surpreendidos com um carro atrás, onde desceram quatro homens, todos armados. Todas as portas do carro estavam trancadas. Um deles bateu a porta do meu lado e pedia pra eu abri. Naquele momento eu disse, abrir pra quem? não vou abrir não. Dispararam umas três ou quatros vezes pra o ar,

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partiram o vidro da porta do lado do velho e retiraram ele do carro. Sabe, tudo foi muito rápido, uma coisa só de segundos. Eu tentei reagir e um deles apontou-me uma AKM (Avtomat Kalashnikova Modernizirovanniy)46 e disse: não se mexe, um passo em frente, dou-te um chumbo, nós queríamos eles, vocês vão pra casa e aguardem nossa ligação (FVC9).

Com o objetivo de aumentar a segurança, alguns empresários mobilizam os

serviços de segurança pessoal. Porém, a posse desses serviços pode não impedir à

execução do sequestro, pelo contrário, uma vez selecionada como vítima, a fase da

captura acaba se caracterizando por ações muito violentas. Referindo-se aos

sequestros políticos ocorrido no Brasil nos finais da década 60 e princípios de 70,

Borges (1997, p. 27-30) descreve quatros casos, dois dos quais, no momento da

captura, as vítimas se encontravam acompanhadas por seguranças pessoais e na

sequência, alguns (seguranças) foram mortos e outros feridos. Em Moçambique

existem alguns empresários que contratam os serviços de segurança pessoal, a

despeito de não se conhecer a existência de qualquer empresa especializada que

ofereça esses serviços, propiciando a contratação de pessoas que não reúnam

requisitos para desempenhar essa atividade. Esse seria, evidentemente, outro

debate, mas o que queremos ressaltar aqui é que quando a seleção da vítima recai

sobre uma pessoa que possui proteção de segurança pessoal, a atuação dos

sequestradores no momento da captura é mais enérgica, podendo resultar em

ferimentos ou mortes47 desses agentes de segurança.

De acordo com dados policiais, nos finais de 2013 foi registrado um caso

numa das avenidas da Cidade de Maputo, no qual a vítima seguia no seu carro e o

seu segurança pessoal seguia num outro carro atrás. Os sequestradores simularam

um acidente de trânsito, batendo o carro que transportava o segurança, com o

objetivo de obrigar a vítima a parar sem que tenha suspeitado nada. Após o embate,

tanto o segurança como os sequestradores pararam, tendo os últimos permanecidos

no interior do carro que os transportava. Como podia se esperar, a vítima estacionou

também o seu carro e saiu para se informar sobre o que estava acontecendo, sem

que tenha se desconfiando de absolutamente de nada. Contudo, contra todas as

expectativas por parte da vítima, saíram do carro que supostamente teria causado o

46 Fuzil automático de assalto, com o poder de fogo seletivo, podendo disparar tiro a tiro ou rajadas automáticas em um ritmo de 600 tiros/minuto. Em Moçambique, a arma é usada tanto pela polícia no policiamento ostensivo, quanto por criminosos. 47 No caso de Moçambique não houve registro de nenhum caso em que um agente de segurança pessoal foi morto em virtude de ter reagido durante a execução de uma captura.

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acidente, seis homens, todos encapuzados e portando armas de fogo, e que

imediatamente a agarraram. Na sequência, quando o seu segurança tentou reagir,

atiraram contra ele, tendo caído no local e posteriormente socorrido ao hospital,

onde se recuperou.

A transferência da vítima, por outro lado, corresponde aos procedimentos

posteriores à captura da vítima até ao local do cativeiro. Em quase todos os casos

estudados, ficou evidente que as atuações posteriores à captura não diferiam tanto

de caso para caso. Após a captura, as vítimas eram levadas para o carro dos

sequestradores, obrigadas a sentarem ou ajoelharem no banco de trás, com o rosto

tapado com um pano e cabeça virada para baixo. No mínimo, dois dos integrantes

da quadrilha, garantiam a permanência da vítima na posição acima referenciada,

frequentemente, com uma arma apontada para a sua cabeça, ameaçando atirar em

caso de desobediência.

Constatou-se também, que durante o percurso para o cativeiro ocorria, em

alguns casos, uma troca de carros, isto é, o carro usado na execução da captura era

abandonado, em substituição, utilizava-se outro. Em alguns casos, a

responsabilidade de levar a vítima para o cativeiro era encarregue a outras pessoas

que não participaram na execução da captura.

Cobriram-me a cara com um pano preto, eu não conseguia ver nada. Andamos quase meia hora, depois pararam e colocaram-me num outro caro. Só que pela voz percebi que as pessoas que estavam lá eram diferentes daquelas que estavam no primeiro carro. Depois, voltamos a andar mais uma hora, o carro já estava andar numa estrada sem asfalto [...] (VC1). [...] colocaram-me no banco de trás ajoelhado, com a cabeça virada para baixo e a cara tapada com um pano. Andamos uns 10 a 15 minutos, meteram-me num outro carro, sempre com a cara tapada. Já no outro carro, andamos quase uma hora e meia [...] (VC9).

Tratando-se de uma fase do sequestro em que a exposição física dos

sequestradores é maior, não apenas perante as vítimas e seus possíveis

acompanhantes, mas também perante outras pessoas que eventualmente se

encontrem no local durante a execução da captura, incluindo espectadores, a

cobertura dos rostos durante a execução da captura e a troca de carros durante a

trajetória para o cativeiro, se apresentam como estratégias viáveis para o despiste.

Sem dúvida que uma possível perseguição policial à posterior, far-se-ia, de princípio,

com base nas características do carro usado pelos sequestradores no local da

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execução da captura. Daí que a troca do primeiro carro possa não significar

necessariamente a sua retida na via pública, pelo contrário, merecerá pouca atenção

ou mesmo nenhuma, nas circunstâncias anteriormente referidas (uma possível

perseguição policial). A despeito dessas estratégias, durante a transferência da

vítima para o local do cativeiro, a fuga da possível detecção policial também se faz

seguindo um itinerário mais seguro possível (MARONGIU & CLARKE, 1993).

5.3.4 Custódia

A custódia é entendida como todo o período em que a vítima é mantida em

um lugar considerado seguro, sob controle total dos sequestradores (MARONGIU &

CLARKE, 1993). Alguns autores (BORGES, 1997; WRIGHT, 2009) denominam por

cativeiro. Portanto, o uso de termo custodia em detrimento do outro é apenas por

conveniência, não se trata de uma categoria nativa. A custódia da vítima não esgota

apenas com depósito da mesma no local escolhido para o efeito, existem muitos

outros aspetos que podem ser analisados, como por exemplo, as condições

matérias às quais permitem a manutenção da vítima “saudável”, a natureza da

intenção entre os sequestradores e a vítima, entre outros.

Como se referiu anteriormente, as casas escolhidas para efeitos de custódia

estavam localizadas, preferencialmente, em bairros suburbanos das duas cidades,

sobretudo na Cidade da Matola. Embora muitas casas visitadas pelos investigadores

que procuram esclarecer os casos, apresentarem condições condignas de

habitabilidade48, de uma forma geral, as vítimas não lhes era permitido acessar toda

casa, podendo para além do quarto onde se encontravam confinadas, usarem

apenas o banheiro. As janelas se mantinham trancadas com material adicional que

não permitia visualizar o seu exterior. As vítimas permaneciam com o rosto tapado

desde a captura até ao interior da casa, ou seja, o quarto onde era mantido sob

custódia, apenas lhes era permitido destapar o rosto, após os sequestradores

deixarem o local.

Quando chegamos no local, meteram-me numa casa e disseram que eu só devia tirar o pano da cara depois deles saírem (VC9). P – E como era a casa?

48 Segundo as falas dos investigadores entrevistados.

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R – A casa parecia um pouco boa. Na verdade eu estava num quarto que tinha banheiro de lado, uma suíte nem! Eles fecharam a porta do quarto, também as janelas estavam pregadas com tabuas de madeira e estava muito quente (VC9). P – O que foi que eles falaram antes de sair? R – Naquele momento não disseram nada. Voltaram 30 minutos depois e um deles disse: nós não vamos te fazer nenhum mal, apenas queremos dinheiro. E depois pediram que lhes entregasse o número da minha mulher ou filho (VC9).

Houve casos em que, por razões pouco claras, embora com pouca

frequência, as vítimas eram transferidas de uma casa para outra.

Ele ficou dois dias numa casa e depois levaram para outra casa, onde ficou mais três dias (PVC2). Fiquei dois dias na primeira casa, depois fui levada para uma outra casa onde fiquei um dia, depois fui levada para outra casa onde fiquei até a minha libertação (VC4) P – A senhora sabe dizer por que a levaram para essa outra casa? R – Eles não disseram nada, só chegaram à noite, voltaram a me tapar a cara e disseram que tínhamos que sair de lá (VC4). P – Havia alguma diferença entre essas duas casas? R – Existia sim. A primeira era uma casa boa, e segunda parecia uma garagem, a última era um pouco melhor (VC4).

Geralmente, o primeiro contato com a vítima acontecia em média, meia hora

após a chegada ao local de custódia. Nesse contato, os sequestradores deixavam

claro que se tratava de um sequestro, que não pretendiam fazê-la mal nenhum e

que a única coisa que precisavam era dinheiro. Em seguida, solicitavam o número

de telefone da pessoa mais próxima com a qual eles passariam a se comunicar, em

princípio, o cônjuge ou filho. A partir desse momento em diante, a interação entre os

sequestradores e a vítima era feita quando necessária e, preferencialmente, no

período noturno, caso contrário, com os rostos dos sequestradores ou da vítima

tapado ou virado para outro lado, ou seja, o ato de evitar o contato visual entre os

sequestradores e as vítimas não acontecia apenas durante a execução da captura,

ela era estendida nas fases subsequentes, sempre que havia necessidade de

interação. Esta prática demonstra que os sequestradores não excluíam a

possibilidade de serem procurados pela polícia. Neste sentido, na possibilidade de

ocorrer, a vítima não deveria ser capaz de identificá-los.

Ele disse que todo tempo que estava lá ficou sempre com a cara tapada com um gorro que apenas tinha um furo na boca para poder comer (PVC2).

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Eu não conseguia lhes ver porque sempre que queriam falar comigo me obrigavam a tapar a cara com pano com um pano preto, mas pela voz percebia que as pessoas eram as mesmas (VC9).

A despeito da interação entre os sequestradores e a vítima ocorrer, com os

primeiros de rostos encapuzados, como sugere a última fala, há também uma

tentativa de racionalização concernente às pessoas que devem interagir com a

vítima. Essa racionalidade pode também se decorrente da divisão de tarefas no seio

do grupo.

Geralmente o grupo responsáveis pela vigilância da vítima realizava suas

atividades a partir do exterior da casa ou outro compartimento da casa distinto do

local onde a vítima se encontrava, como forma de reduzir a interação com a vítima.

Ainda que a interação entre os sequestradores e as vítimas fosse reduzida, do lado

exterior da casa, a vigilância era maior, pois de acordo com maioria das vítimas

entrevistadas, era comum se ouvir vozes de pessoas falando, e, igualmente se

conseguia ouvir a constante entrada e saída de carros no local, sem que tenha

existindo nenhuma interação com as vítimas. Sobre este cenário, duas

interpretações podem ser feitas. A primeira, considerando que a vigilância sobre a

vítima deve ser maior, é necessário que as pessoas que a efetuam sejam

constantemente trocadas para evitar cansaços e garantir bons resultados. A

Segunda, considerando que a vítima constitui o único objeto de troca, é igualmente

imperioso que haja um supervisor, isto é, alguém responsável pela avaliação

contínua in loco, de modo a garantir que todo processo esteja desenrolando

conforme o planejado. Nada impede que as duas atividades aconteçam

simultaneamente.

Uma questão interessante constatada durante o período de custódia, é que a

interação entre os sequestrados e a vítima ocorria, muitas vezes, sem ameaça ou

maus tratos. Dos nove casos estudados, excetuando-se um49, as vítimas foram

unânimes em afirmar que não sofreram qualquer tipo de ameaça ou maus tratos

durante a custódia. Nessa fase do sequestro, existiu uma preocupação enorme na

providencia de alimentação.

49 Que permaneceu de braços e pés durante todos os cinco dias que esteve sob custódia dos seqüestradores e só desamarravam os as mãos na hora em que traziam refeições.

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[...] Eles traziam KFC50 duas vezes por dia, também traziam refresco e algumas frutas, como melancia e outras (VC4). Comida e frutas eles traziam, mas a comida eu..., eu não comia porque não tinha certeza que era halla all. Eu pedia chá e pão e comia também traziam frutas (VC6). Eu alimentava-se de pão, chá e frutas (VC9). P. É o único tipo de comida que eles traziam? R – Não. Nos primeiros dias eles traziam comida feita no KFC, mas não comia porque não sabia se era halla all ou não. Três dias antes de sair trouxeram sopa de legumes, perguntaram-me se eu podia comer. Eu disse que sim e os outros dois dias também trouxeram [...].

Na verdade, no que tange a alimentação, ficou evidente que havia um esforço

para providenciá-la, porém o seu consumo era condicionado a fatores religiosos, na

medida em que a maioria das vítimas desse fenômeno professa a religião islâmica.

Além da alimentação, pedidos relacionados com medicamentos feitos tanto

palas vítimas como pelos familiares, visando o controle de doenças que algumas

vítimas padeciam, eram prontamente respondidos.

Eu falei para eles que por motivos de saúde, ela tomava alguns medicamentos. Depois eles perguntaram o tipo de medicamentos que eu tomava e prometeram comprar (FVC4) Eu sofro de asma e disse para elas que precisava de uma bomba de respiração porque estava a passar mal. No dia seguinte eles trouxeram (VC6).

Uma vez que existia uma enorme preocupação por parte da família da vítima

em saber sobre o estado de saúde do seu membro da família, por parte dos

sequestradores, se observava uma necessidade de tranquilizá-la, permitindo que as

próprias vítimas conversem com seus familiares, em período bastante limitado. Com

efeito, as próprias vítimas se responsabilizam em informar aos seus parentes que

estava tudo bem. Este modo de proceder se verificava com maior incidência em

vítimas que que utilizam medicamentos.

No dia seguinte quando ligaram deixaram-me falar com ela e quando perguntei sobre os medicamentos, ela disse que já tinham comprado e estava tudo bem (FVC4). [...] no dia que trouxeram a bomba de oxigênio, deixavam-me falar com a minha esposa e sempre ela perguntava se estava tudo bem eu respondia que sim (VC6).

50 A palavra atribuída a comida rápida adquirida na Kentucky Fried Chicken (rede de restaurantes de comida rápida norte-americana, que explora a antiga receita de frango frito do Kentucky).

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A preocupação pela saúde das vítimas manifestada pelo ato de prover a

alimentação, medicamentos, caso seja necessário e, a necessidade de assegurar

junto à família que estes bens estão sendo providenciados, decorre do fato de a

vítima ser considerada o único “objeto da transação”, que apenas tem valor

enquanto estiver em ótimas condições de ser transacionada, que neste caso, implica

estar viva e saudável. Há uma percepção nos seio dos sequestradores segundo a

qual, os familiares da vítima apenas estarão dispostos a pagar o resgate enquanto

tiverem a certeza de que o seu membro da família está vivo. Por outro lado, uma

eventual doença grave ou morte da vítima, além de representar um “investimento

sem retorno”, pode também tornar complicada a situação dos sequestradores

perante a polícia, pois as chances de serem procurados com maior intensidade

podem ser maiores.

Como se sabe, a fase de custódia encera apenas com a libertação da vítima,

daí que ela ocorre simultaneamente com as fases subsequentes descritas a diante.

5.2.5 Vigilância da família da vítima

A era de comunicação que nós vivemos, a exigência para que a mídia não

tenha conhecimento de acontecimentos de grande repercussão sócio-política é

quase impossível de se materializar. Nos casos dos sequestros, embora as famílias

das vítimas não procurassem a mídia, esta acaba obtendo informações através de

outras fontes. Neste sentido, a exigência que se pode demonstrar exequível e

passível de mensurar o seu cumprimento é a procura pela polícia ou colaborar com

ela. Não há dúvidas que está exigência é feita em todos os casos de

sequestradores, porém, um aspecto provavelmente considerado novo no presente

estudo, não é apenas a simples exigência de não se procurar a polícia de per si,

mas sim, a checagem do cumprimento da mesma, através de uma minuciosa

vigilância dos membros da família, ou seja, feita a exigência, são mobilizados alguns

integrantes do grupo para vigiar a família com vistas a avaliar o se cumprimento.

Olha, os grupos (estrutura) variam, normalmente tem [...], dois que controlam a família da vítima, enquanto outros negociam o valor do resgate (Inv.1). P – E por que controlam a família da vítima? R – Para ver se contatam a polícia (Inv.1).

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Borges (1997, p. 72) afirma no seu estudo que no meio das negociações,

duas exigências são feitas de maneira clara e objetiva pelos sequestradores: a

polícia e a imprensa devem ser mantidas afastadas e não devem ser comunicadas

em hipótese nenhuma. O presente estudo constatou, no entanto, que essa exigência

não ocorre necessariamente no meio das negociações, mas sim, na primeira

comunicação em que os sequestradores estabelecem com a família da vítima que,

frequentemente, ocorre horas após a execução da captura. Trata-se do momento

em que, igualmente, os sequestradores informam a família da vítima que se trata de

um sequestro. No entanto, como defendem Marongiu e Clarke (1993, p. 192), está

exigência se prolonga em todo o processo de negociações. Com esta exigência, os

sequestradores pretendem, em parte, neutralizar o estado psicológico dos membros

da família da vítima de modo a terem o domínio da situação e minimizar as chances

de uma iminente procura policial.

A constatação do incumprimento da advertência é prontamente respondida

através de outra chamada telefônica, desta vez, a segunda advertência é

acompanhada de ameaças com o intuito de desestimular aquela atitude.

Um amigo que tinha relações com o Diretor da Ordem da Cidade disse que podia me ajudar. Levou-me para ter com ele e quando já estava no gabinete dele recebi uma chamada deles, dizendo que eles tinham conhecimento que eu estava no gabinete do diretor e que devia sair dali e não contatar mais a polícia, senão iam matar a minha mulher (MVC1). Quando eu estava dentro da esquadra para denunciar o caso, eles ligaram e disseram que sabiam que estava na esquadra e disseram que eu devia sair imediatamente, caso contrário não veria mais o meu filho. Mas como eu estava com o meu primo, eu sei deixei ele lá a fazer a denúncia (PVC2).

A vigilância constitui um dos mecanismos de controle empregue num contexto

de enorme suspeita, podendo, em alguns casos, neutralizar o sujeito vigiado,

sobretudo quando está consciente de que está sendo vigiado. De fato, nos

sequestros embora haja uma previa advertência, não há garantias de que a mesma

possa ser cumprida, razão pela qual a vigilância se mostra necessária para bloquear

as tentativas de procurar a polícia. Após esse bloqueio, é compreensível que haja

um retraimento em colaborar com as instituições de administração da justiça. Essa

pode ser uma das razões pela qual os familiares das vítimas dos sequestros nas

duas cidades são frequentemente acusados de se submeterem ao silêncio e, por

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conseguinte, não colaborarem com a polícia durante o período em que as vítimas

estivam sob custódia dos sequestradores.

5.2.6 Negociações

As negociações podem ser consideradas como um elemento chave que

caracteriza a peculiaridade dos sequestros com outras formas de violência. Nesta

fase do evento, ambas as partes envolvidas, que em princípio entram no jogo com

objetivos antagônicos, procuram maximizar os seus propósitos. Por um lado, os

sequestradores procuram coletar o maior dinheiro possível e, por outro lado, a

família da vítima que uma vez convencida de que outras possibilidades de resgatar a

vítima, além de pagar dinheiro são inexistentes, procura também racionalizar os

gastos, isto é, pagar o menor preço possível.

No entanto, há que reconhecer que as negociações nos casos de sequestros

ocorrem entre duas partes com poderes extremamente assimétricos, sendo a família

apenas forçada a comprar as vítimas e os sequestradores são compelidos a vendê-

las, pois os sequestradores atribuem a vítima um valor exclusivamente econômico

(MARONGIU & CLARKE, 1993). Por esta razão, Jiménez-Ornelas (2002) defende

que, os sequestradores ao reduzirem uma pessoa a uma simples mercadoria a ser

vendida para a sua própria família, transformam o fenômeno, em uma das formas de

violências mais degradantes. Entretanto, não é nosso objetivo fazer juízo de valor

moral do fenômeno, mas descrever como opera esta fase do fenômeno no contexto

moçambicano.

Nos países que tiveram a experiência de uma tradição na ocorrência de

sequestros, quer políticos ou extorsivos, é comum a existências de profissionais

especializados em negociações (MARONGIU & CLARKE, 1993; BORGES, 1997;

WRIGHT, 2009), os quais podem ser mobilizados pelas famílias das vítimas para

junto dos sequestradores acordarem sobre o melhor valor de resgate a ser pago. Em

Moçambique, no entanto, os dados coletados para o presente estudo sugerem que

as negociações foram feitas exclusivamente entre os sequestradores e as famílias

das vítimas, especialmente com os membros mais próximos, nomeadamente, pai,

mãe ou filho. A ausência de um profissional especializado em negociações pode

gerar um alto nível de ansiedade no seio da família da vítima, influenciando

diretamente na tomada de decisões precipitadas quanto ao pagamento do valor do

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resgate, pois além de se comunicar com os sequestradores, o especialista em

negociações também se ocupa em aconselhar a família da vítima sobre o que deve

e o que não deve fazer, diminuído assim o estado de ansiedade (BORGES, 1997;

WRIGHT, 2009).

Como se mencionou anteriormente, o primeiro diálogo que os sequestradores

estabeleciam com as vítimas após a execução da captura visava solicitar – caso os

sequestradores não tenham – o número de telefone da pessoa mais próxima da

família. Em muitos casos, as vítimas não são envolvidas no processos de

negociações e acabam só sabendo do valor do resgate após a sua libertação. Dos

nove casos estudados, constatou-se que apenas em um, a vítima se envolveu

diretamente na negociação do seu resgate e nos demais não houve nenhuma

influência direta no valor final a ser pago. Num sequestro de esposa de um

empresário, por exemplo, o alvo escolhido pelos sequestradores para negociar o

valor do resgate foi o cônjuge, no caso contrário, isto é, quando é sequestrado o

homem, os sequestradores negociavam, preferencialmente, com o filho mais velho.

E por último, quando é sequestrado o filho do empresário, os sequestradores

optavam em negociar com o pai. Estes dados revelam o quanto as mulheres são

excluídas nesse processo, e esse fato é decorrente dos próprios arranjos familiares,

nos quais as tarefas de administração dos negócios da família são frequentemente

confiadas aos homens.

Geralmente o valor inicial solicitado pelos sequestradores é extremamente

alto, para permitir que a família apresente uma contraproposta, iniciando deste

modo, o processo de negociações.

No mesmo dia que pegaram ela, pelas 23h, quando família encontrava-se reunida, eles telefonam para o meu celular e pediram para falar com o meu pai. Perguntaram se ele sabia o que estava acontecendo e ele respondeu que sim. Então, eles disseram que ficássemos sossegados que haveriam de ligar no dia seguinte de manhã, mas devia preparar 5 000 000,00 USD. No dia seguinte, logo de manhã ligaram perguntando se já tínhamos o dinheiro que eles pediram. O meu pai disse que aquele dinheiro era muito e que ele não tinha condições para conseguir aquele valor. Daí em diante passaram a discutir sobre o dinheiro e depois de seis dias, eles aceitaram 19 700 000,00 MT51 (FVC4). Numa primeira fase eles pediram 8 000 000,00 MT52, eu disse que não tinha aquele dinheiro. Com o tempo passaram a reduzir e chegou num momento em que disseram, ok, quanto dinheiro tu tens? Eu disse que tinha 1 500

51 Ao câmbio da época equivale a 646 962,22 USD. 52 Ao câmbio da época equivale a 266 666,67 USD.

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000,00 MT53. Eles disseram, pronto dês-nos esse dinheiro e foi o valor que pagamos (FVC9).

Tanto na primeira fala como na segunda, se observa a existência de uma

enorme desproporção entre o primeiro valor exigido e o valor final pago. Estes dados

podem evidenciar que não existe uma idealização previa do valor que se pretende

coletar com a ação criminosa, por um lado e, por outro, podem revelar, igualmente, a

inexistência de pessoas do lado dos sequestradores com pleno domínio dos

processos de negociação, pois o desconto se demonstra demasiado. Do lado das

famílias das vítimas existia apenas uma preocupação que era de procurar o valor

que se predispunham a pagar.

5.2.7 Pagamento do resgate

Borges (1997, p. 75) considera que o pagamento de resgate é a fase mais

vulnerável para os sequestradores, é o momento em que eles se encontram mais

tensos e ansiosos. Tratando-se de uma forma de extorsão, existe uma espécie de

conflito com objetos antagônicos, na medida em que, por um lado, os

sequestradores almejam receber o valor do resgate evitando uma possível captura

e, por outro, os objetivos da família da vítima podem envolver o resgate da vítima,

evitando ou minimizado o pagamento do resgate ou mesmo ocasionando a captura

dos criminosos (BEST, 1982). Para bloquear este antagonismo, além da

transmissão de instruções bem claras, os sequestradores controlam os movimentos

da pessoa responsável por proceder à entrega do resgate.

Eles pediram que fosse somente o motorista que devia entregar o dinheiro. Eram quase 18 horas. Primeiro disseram para que ele fosse à zona da Costa do Sol. Chegado lá, disseram que devia voltar para o centro da cidade. Já quando estava no centro da cidade, orientaram para que fosse à cidade da Matola, seguindo a EN454. Durante a viagem, quando estava na Matola, mandaram parar e disseram para que deixasse o dinheiro numa casa em construção que estava ao longo da estrada. Ele deixou o dinheiro e voltou (FVC4).

Esta forma de proceder foi constatada em muitos outros casos, inclusive no

que foi registrado em 2008. No caso vertente, conforme, Processo no 111/2008/10a,

53 Ao câmbio da época equivale a 50 000,00 USD. 54 Estrada Nacional número 4, que liga a Cidade de Maputo, passando pela Cidade da Matola à Fronteira de Ressano Garcia (com África de Sul).

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o próprio marido da vítima foi quem se encarregou da entrega do valor de resgate, o

qual foi instruído para que se deslocasse ao Supermercado Game, localizado na

zona da Costa de Sol. Após ter chegado àquele local, foi novamente orientado a

seguir em frente até o local conhecido vulgarmente de “barcos gêmeos”. Durante o

percurso, isto é, antes de chegar ao local indicado, o visado foi ordenado a parar o

seu veículo e descer, atravessar a estrada, entrar numa pequena mata e depositar o

dinheiro numa boia que se encontrava naquele local.

Esses depoimentos sugerem que os locais de depósito do valor do resgate

são previamente idealizados para tal durante o processo de planejamento. Os

primeiros lugares indicados pelos sequestros como sendo onde devem ser entregue

o resgate e as posteriores orientações adicionais visam, inequivocamente, checar se

existe uma possível traição, uma vez que as partes possuem objetivos antagônicos,

como defende Best (1982).

Houve um caso cujo resgate foi entregue diretamente a uma pessoa. Nesse

caso, se exigiu maior vigilância, como está demonstrado nas falas seguintes.

O meu filho é que foi deixar o dinheiro. Disseram que ele devia se deslocar e parar em frente da Coutur (ao longo da Avenida Karl Marx), lá estaria alguém a espera. Chegado lá esperou uns dez minutos, ligaram e disseram para ele seguir até ao Milano (na mesma avenida). Ele ficou lá algum tempo também parado, é quando voltaram a ligar dizendo que tinha que ir parar o carro em frente da Hugo Boss, próximo do Mercado Central (ao longo da Avenida 25 de Setembro). Chegado lá, depois de alguns minutos ligaram para ele e disseram para deixar o dinheiro no banco de trás do lado direito e destrancar a porta desse lado, ficar deitado sobre o volante que viria alguém pegar o dinheiro e que não devia de jeito nenhum se mexer. Ele disse que um tempo depois ouviu alguém a abrir a porta do carro, levou o dinheiro e voltou a fechar a porta. Isso tudo aconteceu em plena luz de dia (FVC3).

Na fala acima se constatou também que, além da simples orientação, a

questão do tempo de espera no local indicado é um elemento que é levado em

consideração pelos sequestradores, isto é, após a chegada ao lugar indicado, os

possíveis movimentos posteriores ao redor do local são cuidadosamente

observados.

5.2.8 Libertação da vítima

A libertação da vítima pode ocorrer mediante o pagamento com sucesso do

resgate, sem pagamento e mediante a intervenção policial. A libertação sem o

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pagamento do resgate é, muitas vezes, decorrente do mau planejamento, pois se

sequestra uma pessoa errada. Entretanto, embora a libertação da vítima após o

pagamento do resgate seja o objetivo do crime, há casos em que o pagamento de

resgate não garante a libertação da vítima com vida, pois eles podem decidir matá-

lo, principalmente quando constatarem que a libertação do refém põe em causa a

segurança dos mesmos (MARONGIU & CLARKE, 1993, p. 192-193). Em

Moçambique, no entanto, não houve registro de casos de morte de vítimas após o

pagamento do resgate55. O que pretendemos mostrar nessa sessão é que, de fato, a

libertação da vítima mediante o pagamento de resgate constitui objetivo principal de

um sequestro bem sucedido. Iremos nos concentrar nos processos de liberação das

vítimas cujos sequestros ocorreram com sucesso. A razão desta escolha é

resultante do fato de em quase todos os casos estudados, exceto um, as vítimas

foram libertadas após o pagamento de resgate.

Geralmente, a libertação da vítima não ocorria imediatamente após o

pagamento do resgate. Os sequestradores precisavam conferir se o valor pago

correspondia ao que foi previamente acordado. Depois disso, havia uma espécie de

feedback à família, comunicando o recebimento do resgate, posteriormente, a

libertação da vítima podia ser feita depois de algumas horas ou dias. De todos os

casos observados56, o período de espera mais longo observado para libertação da

vítima depois do pagamento do resgate foi de quatro dias.

Continua-se evitar o contato visual com a vítima nessa fase do sequestro. O

procedimento de encobrimento do rosto das vítimas verificado durante a

transferência para a custódia era igualmente utilizado no momento da saída até o

lugar onde eram abandonadas. A princípio, este local ficava relativamente distante

do local de custódia. Era igualmente possível, observar-se um esforço tendente a

libertar as vítimas em um lugar onde fosse possível obter ajuda, como por exemplo,

ao longo de uma estrada muito movimentada, inclusive se informava os parentes o

local onde poderiam encontrá-las.

Naquele momento eu não sabia que horas eram, mas estava noite. Eles chegaram e disseram que estava liberto. Daí taparam-me a cara, meteram-me no carro e andamos mais ou menos uma hora. Quando chegamos num

55 O único caso de morte nos sequestros ocorreu na Cidade da Beira (centro do país), no qual a vítima foi morta antes do pagamento do resgate, alegadamente porque a família estava colaborando com a polícia. 56 A partir de entrevistas realizadas com as vítimas. A polícia não tem nenhum dado sobre aspecto.

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determinado lugar, disseram-me para sair do carro e esperar naquele local porque meu filho vinha me levar. Quando tirei o pano da cara é que descobri que estava em frente da Coca-Cola e 30 minutos depois o meu filho chegou (VC8).

Em alguns casos, ao invés de chamar a família, os sequestradores preferiam

dar dinheiro à vítima para pagar taxi.

Quando chegou o dia, eles vieram na casa e disseram prepare-se de pressa e vamos. Voltaram a me tapar a cara. Chegamos numa rua principal na Matola, felizmente não me deixaram no manto, há uns dez metros de paragem57 de taxi, pararam e disseram, vai apanhar taxi e vai para casa. Eu perguntei como é ia apanhar taxi sem dinheiro. Ai, deram-me mil paus58 e disseram, desce e vai, não olhe atrás, não procure a polícia e não fala nada sobre o assunto com o taxista [...] (VC9).

Estas duas formas de atuações são as mais frequentes nos sequestros com

pagamento de resgate bem sucedido. Uma vez que o objetivo pelo qual o evento foi

planejado foi totalmente atingido, seria no mínimo irracional que a vítimas fossem

abandonados à sua sorte.

5.3 A NATUREZA DA INTERAÇÃO INTERSUBJETIVA NOS SEQUESTROS

O sequestro é um tipo de violência em que se observa uma interação entre os

envolvidos (autores, vítima e familiares). Diferentemente de outros tipos de

sequestros, como por exemplo, nos sequestros relâmpagos, nos sequestros de

natureza econômica se estabelece uma interação triádica (AZEVEDO, 2011), na

medida em que ela flui entre sequestradores e a vítima, sequestradores e parentes

da vítima ou organizações, vítimas e seus parentes ou organizações. O refém é tido

como o sujeito com o qual vai se trocar com o dinheiro, enquanto que o alvo podem

ser pessoas (parentes da vítima) ou organizações (instituição onde a vítima

trabalha), aos quais se solicitará o valor de resgate (BEST, 1982). Em Moçambique

não houve registro de nenhum caso de sequestro cujo valor de resgate foi solicitado

a uma organização ou instituição59.

57 Ponto. 58 Mil Meticais, ao câmbio da época equivalem a 33,03 USD. 59 Nos casos de sequestro de funcionários ou de seus familiares registrados pela polícia, os respectivos resgates eram solicitados diretamente aos parentes e não à instituição de vinculação.

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Esquema 4. Tríade da interação nos sequestros

Sequestradores

Vítimas Parentes das vítimas

Fonte: Elaborado pelo autor

No esquema acima está representado o principal mecanismo da interação

subjetiva entre os atores envolvidos nos casos de sequestros. A interação entre

sequestradores e vítimas e sequestradores e parentes de vítimas é inevitável,

enquanto que entre vítimas e seus parentes não aconteceu em todos os casos

estudados. As categorias que apresentamos a seguir foram identificadas a partir dos

enunciados das entrevistas, com exceção de uma, que foi extraída de um excerto de

uma entrevista que uma vítima concedeu aos órgãos de comunicação social após a

sua libertação. Portanto, a interação subjetiva foi captada a partir das perspectivas

dos participantes da pesquisa, sobretudo, as vítimas e alguns parentes. Na presente

seção se privilegia a interação entre sequestradores e vítimas; e entre

sequestradores e parentes das vítimas, pelo fato da interação entre vítimas e seus

parentes ocorrer apenas para a confirmação dos parentes de que a pessoa

sequestrada se encontra bem e, deste modo continuarem a negociar o resgate.

5.3.1 Sequestradores e vítima

A primeira interação entre os sequestradores e vítima ocorreu frequentemente

na presença dos seus parentes, embora haja casos em que as vítimas eram

surpreendidas sozinhas. O mesmo era caracterizado por atos de violência, nos quais

a arma de fogo desempenhava um papel crucial na neutralização de uma possível

resistência de qualquer natureza, fazendo com que os mesmo se encontrassem

numa situação de incerteza.

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5.3.1.1 Incertezas e cooperação compulsiva

A arma de fogo como um objeto potencialmente letal, o seu uso em ações de

violência, no sentido estrito do termo, como nos sequestros, a manifestação de um

significado extra nas vítimas foi evidente.

[...] eu até pensei que queriam me roubar o carro, depois quando dispararam pensei que queriam me matar. É difícil descrever aquele momento, na verdade fiquei sem saber o que fazer (VC9).

Um deles me apontou uma pistola na barriga e naquele momento você não sabe o que eles realmente querem. Você pensa que tudo pode acontecer, se calhar se reagir eles podem te matar (VC6).

Como se pode observar nos enunciados acima, a simples posse de armas de

fogo pelos sequestradores no momento da captura foi capaz de gerar a

manifestação de sentimento de incerteza nas vítimas. Por outro lado, para os

sequestradores, a posse de arma de fogo representa a posse de um instrumento de

gestão da situação do crime e, sobretudo da vítima (HARDING, 1993). No seu

estudo sobre o uso de armas de fogo no crime, Harding (1993) constatou que os

criminosos atribuíam um caráter de racionalidade ao ato de portar arma de fogo no

momento do cometimento do crime, na medida em que permitia com maior chance

que as vítimas fizessem o que os criminosos pretendiam, diminuindo, deste modo,

as possíveis resistências; que muitas pessoas fossem simultaneamente controladas,

e, que o crime fosse executado em um curto espaço tempo, e, que os criminosos

estivessem mais autoconfiantes, etc.

Neste sentido, dir-se-ia que a arma de fogo desempenha apenas uma função

simbólica no sentido de o crime ser executado com sucesso, como sugerem os

defensores da teoria de “substitute weapon”, segundo a qual, as pessoas que

matam outras com recurso à arma de fogo, matariam de qualquer outra forma se

arma de fogo não estiver disponível, pois a arma em si não mata, mas sim, as

pessoas é que matam (HARDING, 1993). Nos casos de sequestros essa teoria se

enquadra perfeitamente, na medida em que em nenhum momento os

sequestradores estariam interessados em matar as vítimas, incluído os seus

acompanhantes, se houver. Contrastando essa interpretação com todos os casos

registrados nas duas cidades no período estudado, constatou-se que não houve

registro de nenhum caso de morte, seja de vítimas ou seus acompanhantes na fase

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de captura, embora tenha havido casos em que os sequestradores dispararam as

suas armas.

Diante desse cenário, a possibilidade mais viável para as vítimas era cooperar

com os sequestradores, embora tenha ocorrido de forma extremamente compulsiva.

[...] meteram-me no banco de trás do carro que eles traziam, taparam-me a cara com um pano preto e disseram para eu virar a cabeça olhando para baixo. Um deles encostou uma arma minha cabeça e diziam que iam me matar se eu gritasse. Dessa maneira é difícil não aceitar o que eles pedem nem! (VC7). [...] na estrada que estavam a seguir havia polícias de trânsito a trabalhar. Quando eles (os sequestradores) descobriam isso me disseram para eu ficasse como se estivesse doente e nem devia tentar gritar porque me matariam. A arma ficava sempre encostada na minha cabeça. Não tinha como não aceitar nem! Por coincidência, mandaram parar o carro e a pessoa que estava a conduzir a apresentou-se como agente da polícia, ele mostrou o cartão profissional e disse que estava socorrendo um doente ao hospital. Os polícias simplesmente deixaram passar o carro (VC3).

Na última fala, percebe-se claramente que, embora tenha percebido que os

sequestradores estavam diante de policiais, estranhamente a vítima achou

conveniente não gritar naquele instante, colaborando sobremaneira com os

sequestradores. No entanto, tanto no primeiro caso, quanto no segundo, estamos

perante respostas decorrentes da interpretação das ações executadas dos

sequestrados, como sugere Brumer (1969, p. 8), na sua abordagem sobre a

natureza da interação social. Segundo o autor, os seres humanos em interação com

outros têm que considerar o que o outro está fazendo ou o que está querendo fazer

e, são forçados a dirigir as suas próprias condutas ou lidar com as suas situações

em termos do que eles levam em conta [tradução nossa]. Ou seja, a interação

subjetiva é decorrente de uma constante interpretação das ações entre os sujeitos

envolvidos.

E num contexto caracterizado pela extrema desproporcionalidade de força

entre as partes em interação, a colaboração das vítimas com os sequestradores

acaba se demonstrando como uma resposta conveniente no âmbito da estratégia de

sobrevivência, considerando que a arma de fogo é um equipamento potencialmente

mortal.

O estudo de Gilbels, Noelanders e Vervaeke (2005) sobre vítimas de

sequestro constatou que, durante o cativeiro, além das vítimas estarem preocupadas

com o que iria lhes acontecer posteriormente, preocupavam-se igualmente saber se

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o mundo externo realmente tinha conhecimento sobre a sua situação. No entanto,

contrariamente aos achados do presente estudo, o sentimento de incerteza

constatado no estudo acima mencionado foi manifestado durante a fase de custódia.

Tanto o estudo de Gilbels, Noelanders e Vervaeke (2005) como o presente estudo,

constataram a manifestação de outros sentimentos, sendo a simpatia um deles,

sentimento que se passa a abordar a seguir.

5.3.1.2 Simpatia

O termo simpatia refere afinidades, impressões agradáveis e disposições

favoráveis que uma pessoa experimenta na interação com outrem (RASSO, 2010, p.

45). Esse estado de sentimento é manifestado e percebido quando um dos sujeitos

com quem se interage se encontra numa situação de angústia, embora existam

casos em que esse sentimento é manifestado num contexto harmonioso envolvendo

todos sujeitos em interação. Nos sequestros, no entanto, sobretudo na fase de

custódia é comum as vítimas perceberem a atuação dos sequestradores como

sendo de natureza simpática. Esse sentimento é manifestado a partir das ações,

tanto dos sequestradores em geral quanto das pessoas encarregadas da guarda da

vítimas no local de cativeiro, em particular.

Neste sentido, algumas vítimas associaram o ato de prover a alimentação

como se os sequestradores estivessem agindo de forma simpática.

Quanto à alimentação não tinham problemas, eles eram um pouco simpático. Eles traziam KFC60 duas vezes por dia, também traziam refresco e algumas frutas, como melancia e outras (VC4). Nos primeiros dias eles traziam comida feita no KFC, mas não comia porque não sabia se era halla all ou não. Três dias antes de sair trouxeram sopa de legumes, perguntaram-me se eu podia comer. Eu disse que sim e os outros dois dias também trouxeram. Nesse ponto eles eram muito simpáticos (VC9).

Mesmo que as vítimas não aceitassem o tipo de comida servida, por motivos

da sua confissão religiosa, existia uma tentativa de providenciar um alimento

alternativo, como chá, pão e frutas. Depois das vítimas terem vivenciado um

momento violento na fase de captura e transferência, o qual submetia-as ao

60 A palavra atribuída a comida rápida adquirida na Kentucky Fried Chicken (rede de restaurantes de comida rápida norte-americana, que explora a antiga receita de frango frito do Kentucky).

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sentimento de incertezas com relação ao relação seu futuro, contrariamente, o ato

de prover a alimentação e, em alguns casos, medicamentos, durante a fase de

custódia foi facilmente interpretado pelas vítimas como se os sequestradores

estivessem sendo simpáticos com elas. Na verdade, para os sequestradores, o

significado desse ato pode ter sido bastante diverso, pois para eles, não era

conveniente que as vítimas não se alimentassem e aqueles que utilizavam

medicamentos não continuassem a utilizá-los. Para os sequestradores, as vítimas

representavam objetos de transação, os quais somente seriam válidos se

estivessem em bom estado para serem transacionados, e os familiares das vítimas

poderiam se predispor em negociar e posteriormente pagar o valor de resgate

solicitado apenas se tivessem a certeza de que a pessoa sequestrada se encontrava

viva e saudável61.

Em alguns casos, sobretudo naqueles em que os integrantes do grupo dos

sequestradores responsáveis pela vigilância da vítima no local da custódia

partilhavam o mesmo espaço (quarto) com as vítimas, observou-se um esforço em

manter um diálogo com as vítimas, uma evidente tentativa de descontraí-las perante

a situação em que se encontravam.

Sempre tinha duas pessoas no quarto, um homem e uma mulher muito simpáticos. Eles conversaram muito, falavam de política, de pobreza e comentavam também notícias, principalmente da televisão. Muitas vezes tentavam me meter na conversa (VC4).

Em outros casos, as próprias vítimas procuravam demonstrar um sentimento

de simpatia, tentando manter um diálogo com os sequestradores. Neste caso, a

manifestação desse sentimento se configurou também como uma estratégia de

sobrevivência, como se pode denotar na fala seguinte.

[...] Ai é que eu me simpatizei com os raptores zimbabuanos [...] conversava porque eu não tinha uma outra alternativa e nem tinha outra solução [...]62.

E o sentimento percebido como simpático se estende até a fase da libertação

das vítimas, momento em que muitas vítimas recebiam dinheiro para pagar os

61 Nos registros policiais consta um caso cujo resgate não foi pago porque a vítimas ficou doente durante o período de custódia. 62 Excerto de uma entrevista de uma vítima de sequestro disponível em: http://tim.sapo.mz/videos/tim//dcwuZfS8zupW3hDnUK5M (acesso em dia 20/12/2014).

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serviços de táxi que pudessem lhes transportar do local onde eram abandonadas até

as suas residências, como se pode constatar nas falas a seguir.

[...] felizmente não me deixaram no manto, há uns dez metros da paragem63 de táxi, pararam e disseram, vai apanhar táxi e vai para casa. Eu perguntei como é ia apanhar táxi sem dinheiro. Ai, deram-me mil paus64 e disseram, desce e vai, não olhe atrás, não procure a polícia e não fala nada sobre o assunto com o taxista. Pelos menos foram gentis comigo, mas no geral não me maltrataram. Foram um pouco simpáticos comigo (VC9).

Procedimento similar foi também constado em outros casos. E nos casos em

que as vítimas não foram dadas dinheiro para os serviços de táxi, as mesmas eram

orientadas a aguardar por seus parentes nos locais onde eram abandonas, pois os

sequestradores informavam os parentes das vítimas os locais onde deviam

encontrá-las.

5.3.2 Sequestradores e parentes das vítimas

A interação entre os sequestradores e os parentes das vítimas era

caracterizada por conflito de interesses antagônicos. Enquanto os sequestradores

almejavam receber um maior valor do resgate possível, evitando uma possível

captura, os objetivos dos parentes das vítimas podiam ser distintos, como por

exemplo, evitar o pagamento do resgate, envolvendo a polícia ou diminui-lo ao

menor valor possível (BEST, 1982). Por esta razão, a interação entre os

sequestrados e os parentes das vítimas era essencialmente de natureza estratégica

(BEST, 1982; GOFFMAN, 1971, 2002).

Lembrando que a interação entre sequestrados e vítimas partia da violência

para a cordialidade, no caso da interação entre os sequestradores e os parentes das

vítimas era completamente diferente, embora tenham ocorrido alguns casos em que

a interação entre os sequestradores e os parentes das vítimas também tenha

iniciado com ações violentas, como demostra a fala seguinte.

[...] Dispararam umas três ou quatros vezes pra o ar, partiram o vidro da porta do lado do velho e retiraram ele do carro. Sabe, tudo foi muito rápido, uma coisa só de segundos. Eu tentei reagir e um deles apontou-me uma

63 Ponto de estacionamento específico para carros que exercem esse tipo de serviço. 64 Mil Meticais, ao câmbio da época equivalem a 33.3 USD.

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AKM (Avtomat Kalashnikova Modernizirovanniy)65 e disse: não se mexe, um passo em frente, dou-te um chumbo, nós queríamos ele, vocês vão pra casa e aguardem nossa ligação (FVC9).

Nestes tipos de casos, os parentes das vítimas eram submetidos às mesmas

circunstâncias de ameaças com armas de fogo, que ocorriam também com as

vítimas. Na verdade, esse foi o único momento em que os sequestradores e os

parentes das vítimas interagiam frente a frente, sendo que, os momentos posteriores

eram caracterizados por uma interação à distância, que acontecia através do

telefone. Os parentes das vítimas eram, obviamente, representados por um dos

membros da família, que em nome dela interagia diretamente com os

sequestradores. A comunicação telefônica entre essas duas partes ocorria na fase

em que as vítimas se encontravam sob custódia dos sequestradores, e a mesma

encerrava com a libertação das vítimas, após o pagamento ou não do resgate. A

interação entre os sequestradores e os parentes das vítimas foi caracterizada por

manifestações de um sentimento de ansiedade e medo decorrentes de ameaças,

logo após a captura das vítimas, e posteriormente a coragem e a manipulação,

durante a fase de negociações.

5.3.2.1 Ansiedade

Após a captura da vítima, os momentos que se seguiam eram de muita

ansiedade no seio de toda família. Essa ansiedade se manifestava na espera pelo

primeiro telefonema dos sequestradores para se informar sobre às condições de

libertação, era uma das características marcantes nas famílias das vítimas.

Frequentemente os parentes das vítimas e os amigos próximos se reuniam

nas casas das vítimas, aguardando justamente o primeiro telefona dos

sequestradores. Em alguns casos, os telefonemas eram feitos no mesmo dia da

captura, algumas horas depois, porém, para apenas informar que o seu membro da

família estava sob custódia de sequestradores, remetendo para o dia seguinte os

detalhes sobre às condições de libertação.

65 Fuzil automático de assalto, com o poder de fogo seletivo, podendo disparar tiro a tiro ou rajadas automáticas em um ritmo de 600 tiros/minuto. Em Moçambique, a arma é usada tanto pela polícia no policiamento ostensivo, quanto por criminosos.

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[...] pelas 19h toda família e amigos próximos já estávamos reunidos em casa, ansiosos à espera da chamada deles. Imagina, muita ansiedade, qualquer chamada que entrava era motivo de preocupação, até que finalmente as vinte e duas horas ligaram, disseram para ficarmos descansados e que haveriam de ligar na manhã do dia seguinte [...] (FVC9). No mesmo dia que pegaram ela, pelas 23h, quando família encontrava-se reunida, eles telefonam para o meu celular e pediram para falar com o meu pai. Todos estávamos ansiosos. Eles perguntaram se ele sabia o que estava acontecendo e ele respondeu que sim. Então, eles disseram que ficássemos sossegados que haveriam de ligar no dia seguinte de manhã, mas devia preparar cinco milhões de dólares [...] (FV4).

Em outros casos, à espera pelo primeiro telefonema dos sequestradores

podia durar mais de 24h, aumentando sobremaneira estado de ansiedade no seio da

família.

5.3.2.2 Medo, coragem e manipulação

A fase de negociações era permeada por uma interação marcada por

ameaças proferidas pelos sequestradores capazes de gerar um sentimento de medo

no seio dos parentes da vítima. As ameaças envolviam à morte das vítimas ou

sequestros de outros membros da família, caso o valor de resgate solicitado não

fosse pago.

P – O senhor podia contar melhor como é que foi, aceitou logo na primeira o pagamento de resgate? R – Numa primeira fase eu disse que a família não tinha dinheiro, então eles disseram que se não pagássemos haviam de matar ela (FVC4). Quando eu disse que nós não tínhamos como conseguir dinheiro para pagar, eles disseram que caso não pagássemos aquele valor haveriam de sequestrar mais outra pessoa da família e o valor haveria subir (FVC9).

A ameaça é uma das principais características da organização social dos

crimes de extorsão, como é o caso de sequestros (BEST, 1982). Não obstante, pode

acontecer que as ameaças não resultem em nenhuma ação objetiva, na hipótese da

não aceitação do pagamento do valor solicitado, muito menos negociá-lo, como foi

demonstrado em um dos casos apresentado anteriormente, no qual, a despeito das

ameaças proferidas, o pai da vítima se recusou redondamente em negociar o

resgate desde o primeiro telefonema recebido. E decorridos cinco dias de custódia,

sem sucesso, os sequestradores libertaram a vítima sem que tivessem recebido

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algum valor de resgate. No caso vertente, a coragem e a manipulação da impressão

(GOFFMAN, 2002) foram determinantes para que o resultado final fosse positivo do

lado do pai da vítima e negativo do lado dos sequestradores, como se observa nas

falas seguintes: “[...] eu tive que ter muita coragem e fiz de conta que era muito forte

que eles, até que, graças a Deus, finalmente eles acabaram desistindo (PVC2)”.

A manipulação da impressão é um conjunto de práticas que os sujeitos em

interação empregam a seu favor, a fim de evitar incidentes embaraçosos

(GOFFMAN, 2002). Embora o autor empregue a sua teoria em atores em interação

nas representações dramatúrgicas, é perfeitamente plausível que nos crimes em

que se observa uma interação entre autores e vítimas, como por exemplo, nos

sequestros. Em uma das técnicas de manipulação da impressão que o autor sugere

que os sujeitos em interação possuem uma resposta emocional verdadeira que

precisa ser dissimulada e uma outra, adequada, que é apresentada na interação

(GOFFMAN, 2002, p. 199).

Na verdade, num contexto dominado por ameaças de várias ordens é

provável que para os parentes das vítimas dissimularem uma resposta emocional

verdadeira e apresentarem uma outra adequada à seu favor seja uma tarefa difícil.

No entanto, na possibilidade de se conseguir, a ocorrência dos sequestros bem-

sucedidos pode diminuir, como ficou evidente no caso supramencionado, pois na

onda de sequestros, a disponibilidade de pagamento de resgate é um dos fatores

motivacionais para que os executores continuem engajados em praticá-los

(BRIGGS, 2001).

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143

6 REAÇÕES SOCIAIS, ATUAÇÃO POLICIAL E CORRUPÇÃO

Este capítulo aborda três questões fundamentais. A primeira é referente às

transformações institucionais, como corolário das reações sociais sobre a onda de

sequestros. A segunda é relativa à atuação da polícia que, além de ter sido

mobilizada para dar respostas concretas, foi vista como a principal mecanismo

capaz de controlar e combater a onda de sequestro de Moçambique. Daí a

necessidade de percebermos a atuação da polícia nos casos de sequestros. No

meio de tanto esforço, observou-se igualmente algumas práticas de alguns

profissionais da polícia e da justiça que, no limite, pode evidenciar atos de

corrupção. A dimensão da atuação da polícia num contexto caracterizado por

práticas corruptas na própria polícia e não só, pode não gerar os resultados

esperados.

6.1 REAÇÕES SOCIAIS E SEUS SIGNIFICADOS

A ocorrência sistemática de casos de sequestro no ano de 2013 mobilizou

uma série de reações nos diversos setores sociais. Dentre essas reações, destaca-

se a mobilização pública para protestos pacíficos, opinião pública emitida por

analistas nos órgãos de comunicação social e as reações institucionais.

Ernest Alix (1974) evidencia no seu trabalho que os sequestros sistemáticos,

sobretudo aqueles cujas vítimas eram membros proeminentes da sociedade

estadunidense geraram reações sociais de variada natureza, desde a atenção

midiática até mesmo a criação de leis específicas. Portanto, Moçambique não se

distanciou desta lógica. Houve muitas reações na mídia, na sociedade civil, no

sistema de justiça e no legislativo. De realçar que todas essas reações ocorreram

em 2013. Esta seção tem como objetivo refletir sobre o significado sociológico

dessas reações mobilizadas nos diversos setores sociais. Para uma melhor

articulação, as mesmas são apresentadas e analisadas na ordem cronológica em

que ocorreram.

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6.1.1 A mídia

Entende-se por mídia, os meios de comunicação de massa, ou seja, aquela

comunicação que é levada a um público numeroso e indistinto, sem levar em conta a

individualidade de cada um dos participantes deste público, por exemplo, a

televisão, a internet, a rádio, o jornal, os outdoors, etc. (CRUZ, 2009). Para o

presente estudo, a atenção será dada aos meios de comunicação com maior

abrangência, nomeadamente, a televisão, a rádio, o jornal impresso e a internet. Nos

nossos dias e particularmente no Brasil, matérias relacionadas com a violência

constituem o centro de atenção dos meios de comunicação e este cenário também

se verifica em Moçambique. Embora haja controvérsias quanto ao papel da mídia na

difusão de notícias relacionadas ao crime, alguns estudos (ALIX, 1976; CRUZ, 2009)

constatam a alteração de comportamento de muitas pessoas, principalmente a

percepção de sentimento de insegurança que, por sua vez, pode estimular reações

públicas de indignação.

Para entender o posicionamento da mídia moçambicana em relação à onda

de sequestros é importante primeiro entender o regime de gestão dos órgãos de

comunicação de massa no país. Existem em Moçambique órgãos de comunicação

de massa sob a gestão pública, ou seja, do Estado e outros privados. Dos que são

geridos pelo Estado, destacam-se a Rádio Moçambique, Televisão de Moçambique

e Jornal Notícias, que são de abrangência nacional, sobretudo a Rádio Moçambique

que pode ser sintonizada quase em qualquer parte do território moçambicano,

através dos seus emissores instalados nas capitais provinciais e repetidoras de

sinais instalados em alguns distritos. Por outro lado, os meios de comunicação de

massa privados são constituídos também por televisão, rádio e imprensa escrita,

encontrando-se majoritariamente concentrados nas principais cidades do país

(Cidade de Maputo, Beira e Nampula), o que impossibilita o seu acesso para a

maioria da população.

Esta diferenciação é crucial para o entendimento do tratamento das

informações na mídia em Moçambique, pois por um lado, os meios de comunicação

social privados tendem a publicar as suas informações com um posicionamento

crítico, por outro lado, os meios de comunicação públicos tendem a suavizar as

informações, sobretudo aquelas que podem pôr em causa o poder político instituído

(governo). No caso dos sequestros, verificou-se que os meios de comunicação de

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massa privados atribuíam um maior sensacionalismo em comparação às mídias

públicas. Esse sensacionalismo representava uma espécie de pressão à polícia em

particular e ao governo em geral.

Na senda do sensacionalismo e da pressão ao sistema de justiça nos meios

de comunicação de massa privados por um lado, e a suavização dos públicos, por

outro, sobre os sequestros, se recuperou duas matérias, sendo uma de jornal

privado e outra de um público. As duas matérias foram publicadas no mesmo

período (mês e ano) o que facilita sobremaneira a compreensão do posicionamento

antagônico dos dois jornais sobre o mesmo fenômeno.

O jornal “O País”, um dos poucos jornais privados com maior circulação no

país publicou uma matéria no dia 2 de fevereiro de 2012 com o seguinte título:

Raptores de asiáticos gozam de proteção policial de alto nível. Ao longo do

desenvolvimento do texto se lê o seguinte:

A comunidade asiática residente em Maputo diz que os criminosos que,

sistematicamente têm estado a sequestrar cidadãos de origem asiática na

capital do país fazem em conluio com os agentes da Polícia da República

de Moçambique, porque, no seu entender, não se percebe o enorme

silêncio em volta deste tipo de casos [...] Além da Comunidade asiática de

Moçambique, o Conselho Islâmico de já reagiu a estes acontecimentos

Abdul Carimo66, presidente desta agremiação religiosa, diz que o argumento

da PRM de que em nenhum momento recebe queixas formais das famílias

dos sequestrados não tem razão de ser, nem dignifica a própria autoridade

policial. (Jornal O País, 02/02/2012).

Numa outra perspectiva, a Rádio Moçambique (RM), o meio de comunicação

de massa de maior acessibilidade em Moçambique publicou sobre o tema na sua

página on line67, no dia 21 de fevereiro de 2012 com o seguinte título: Sequestros:

investigação decorre a ‘bom ritmo’ – Governo. Ao longo do texto, reproduz-se a fala

do porta-voz do Conselho de Ministros proferida em uma conferência de imprensa e

sem se fazer nenhuma observação crítica, o jornal escreve:

66 Mantemos o nome verdadeiro por se tratar de uma publicação midiática. 67 http://www.rm.co.mz/index.php/component/content/article/88-arquivo/504-sequestros-investigacao-decorre-a-bom-ritmo-governo.html (acessado, 15/07/2014). Normalmente as matérias publicadas na página on line da RM, também são publicadas em forma de notícia radiofônica.

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O governo moçambicano garante que as investigações em curso para o

esclarecimento da onda de raptos que vem assolando a cidade de Maputo,

cujas vítimas são majoritariamente cidadãos de origem asiática, decorrem a

bom ritmo e que os autores serão responsabilizados pelo crime. [...] “As

investigações para o esclarecimento da onda de raptos estão a bom termo.

Os autores serão responsabilizados”. [...] a polícia moçambicana está a

altura de combater este tipo de crime, que vem manchando a boa imagem

de Moçambique pelo mundo fora. [...] “Há sinais de que os envolvidos serão

levados a barra da justiça” (RM, 21/02/2012).

Nas duas matérias, observa-se claramente que estamos perante um

tratamento de informações sobre o mesmo fenômeno com posicionamento

completamente distinto. Esta realidade foi observada ao longo de todo o período em

estudo. Enquanto os meios de comunicação de massa públicos se limitavam apenas

em reportar os casos, os privados tentavam ir além de apenas reportar, polemizando

e criticando a atuação da polícia e do sistema de justiça no seu todo. No geral, a

mídia, sobretudo a privada desempenhou um papel de grande importância que, no

limite, pode-se acreditar que impulsionou as reações subsequentes, que passamos

a abordar a seguir.

6.1.2 A sociedade civil

A mobilização de pessoas com o intuito de protestos públicos contra a

criminalidade é um fenômeno pouco comum. Normalmente, assistem-se

manifestações populares contra violência “ilegal” praticada por representantes do

Estado (policiais) contra cidadãos indefesos. As jornadas de julho de 2013, no Brasil

foi um exemplo evidente, embora a primeira pauta dos protestos não estivesse

relacionada com a violência, os mesmos se intensificaram e se ampliaram nos dias

subsequentes por conta da violência policial sobre a qual os protestantes foram

confrontados. Portanto, os midiatizados protestos de 31 de outubro de 2013, na

Cidade de Maputo, que ficaram conhecidos como “manifestações contra a onda de

sequestros” merece uma pequena análise.

Em meados de outubro de 2013, a Liga Moçambicana dos Direitos Humanos

e as confissões religiosas, sobretudo a religião islâmica se ocuparam em uma

campanha de mobilização para manifestações em escala nacional agendadas para

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o dia 31 de outubro. Dentre várias pautas, a criminalidade, em particular os

sequestros constava como sendo uma das principais. A iniciativa foi amplamente

acolhida e a mobilização foi ampliada nas redes sociais, com destaque ao

FACEBOOK, onde os usuários se mobilizavam através das suas redes de amizade.

Efetivamente, na manhã do dia programado (31 de outubro), todo o comércio ficou

paralisado e os seus proprietários (majoritariamente de origem asiática) e, na melhor

das hipóteses também, com seus empregados se juntaram aos outros cidadãos, e

percorreram as principais avenidas da cidade de Maputo, exibindo dísticos com

expressões que traduziam o sentimento de insegurança, como por exemplo,

“exigimos segurança: stop raptos68, assassinatos e violações”.

Segundo alguns órgãos de comunicação social (como a Televisão

Independente de Moçambique e Jornal Verdade)69, as manifestações da Cidade de

Maputo mobilizaram cerca de 30 mil pessoas de diferentes classes sociais. Para

além da Cidade de Maputo, as mesmas ocorreram nos dias subsequentes em outras

cidades do país, nomeadamente, Beira, Nampula e Chimoio, porém, sem muita

afluência popular. Esta diferença de participação popular nas manifestações pode se

justificar pelo fato dessas outras cidades não terem sido muito afetadas pela onda

de sequestros.

No entanto, é importante salientar que esses protestos ocorreram numa

época caracterizada por instabilidade político-militar protagonizada pela RENAMO,

antigo movimento de guerrilha antigovernamental e atual segundo maior partido

político. Essa instabilidade se caracterizou inicialmente pelo ataque utilizando armas

de fogo contra carros civis que circulavam ao longo da Estrada Nacional n.o 1

(EN1)70, num trecho localizado – entre o Rio Save e a Vila de Muchungue, na

Província de Sofala –, no centro do país. Posteriormente os alvos dos ataques

passaram a ser carros militares e os próprios militares que escoltavam carros em

colunas naquele trecho no momento em que a situação se tornava complicada.

Ainda não existe nenhum relatório de domínio público sobre as consequências

desses ataques, entretanto, do acompanhamento contínuo do desenrolar dos fatos,

é possível aferir que os mesmos tenham causado a morte de centenas de pessoas,

entre agentes da polícia, militares e civis e destruição de vários carros.

68 Linguagem comum usada frequentemente em Moçambique para se referir a sequestros. 69 Notícia publicada no dia 01 de Novembro de 2013. 70 A principal estrada que liga o sul ao norte do país, usada por maioria dos moçambicanos, que por sinal, não conseguem pagar passagem aéreas.

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Os ataques eram protagonizados por homens armados pertencentes àquela

formação política e visavam essencialmente, pressionar o governo a aceitar em

negociar algumas questões de natureza políticas achadas convenientes pelo partido.

Porém, a despeito de aceitar negociar, o governo, através da polícia e forças

armadas respondia aos ataques através de ações militares, tornando a situação

cada vez mais tensa. Esta atitude permitiu que o governo fosse acusado de

demonstrar uma postura intolerante de ponto de vista político. Daí que a

“intolerância política” era uma pauta bastante forte nas manifestações de 31 de

outubro de 2013, todavia, acabou sendo neutralizada pela pauta de “sentimento de

insegurança” provocado pela onda de sequestros, como se pode ver na figura

abaixo:

Imagem 1. Manifestações de 31 de outubro de 2013 na Cidade de Maputo.

Fonte: Extraída da internet.

Observa-se na figura acima que o sentimento de insegurança aparece em

destaque e a intolerância política está praticamente invisível. Este fato é decorrente

da existência de dois interesses representados por pessoas de classes sociais

diferentes. Por um lado, temos o interesse do repúdio aos sequestros sistemáticos

representado pela classe empresarial, sobretudo por cidadãos de origem asiática e,

por outro lado, o interesse do repúdio à intolerância política representado

majoritariamente por pessoas de classe social baixa e média.

A interpretação que se pode extrair desses dois interesses é a seguinte. A

maior aderência popular aos protestos de 31 de outubro de 2013 foi decorrente da

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“intolerância política” e não necessariamente dos sequestros, pois o primeiro

fenômeno vitimava, na sua maioria, pessoas de classe baixa e média, os quais se

identificavam com o problema, embora se reconheça que os protestos podiam

ocorrer mesmo se a pauta tivesse exclusivamente sido sobre os sequestros, porém

a participação não seria a mesma que se observou. A responsabilidade da distorção

do sentido real dos protestos pode ser atribuída à mídia, na medida em que deu

mais ênfase ao repúdio aos sequestros em detrimento da tensão político-militar.

Na verdade o que pretendemos ressaltar aqui não é o conflito entre esses

dois interesses representados por pessoas de classes sociais diferentes, mas sim, a

onda de sequestros nas cidades de Maputo de Matola que também foi capaz de

mobilizar pessoas para protestar contra o sentimento de insegurança manifestado

pela comunidade empresarial moçambicana residente nessas duas cidades.

6.1.3 O sistema de justiça

O sistema de justiça se refere ao conjunto de instituições do Estado que

administram a justiça (o ministério público, o judiciário e o sistema penitenciário).

Embora não faça parte das instituições do sistema de justiça, a polícia é

frequentemente incluída nesses sistema. A ocorrência sistemática dos sequestros

nas cidades de Maputo e Matola gerou algumas alterações institucionais nesses

setores com vistas a dar respostas necessárias à indignação social publicamente

manifestada sob a forma de protestos populares como vimos anteriormente.

A Procuradoria Geral da República (PGR) e a Polícia da República de

Moçambique (PRM) foram as primeiras instituições a reagirem sobre o fenômeno.

Na PGR foi criado um setor específico que se ocupa especificamente na

investigação dos processos-crime relativos aos casos de sequestros. Porém, um fato

interessante é que o setor em referência tem um caráter improvisado, pois se

constatou que o mesmo é constituído não por profissionais da PGR, mas por

agentes da PIC que foram mobilizados para trabalhar naquele setor enquanto

prevalecer à ocorrência de casos de sequestros71. Ao nível das Procuradorias da

Cidade e Província de Maputo não houve indícios da existência de um setor dessa

71 Este fato foi constatado no dia 25 de fevereiro de 2014, numa visita efetuada àquela instituição, na qual o pesquisador foi recebido e manteve uma pequena conversa com o responsável pela área criminal.

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natureza. O improviso da PGR igualmente foi reproduzindo ao nível da PRM,

especificamente na PIC. Lá foi aparentemente instalada uma suposta brigada

denominada “Brigada de Sequestros”, mas, na verdade, não existe nenhum

regulamento institucional que cria essa brigada. O que existe é um setor chamado

“4a Brigada da PIC”, onde são investigados crimes contra pessoas (especificamente,

raptos e tráfico de seres humanos) e a investigação de casos de sequestros ficou

encarregada à este setor. Portanto, com o registro sistemático de casos de

sequestros, os investigadores que trabalham nesse setor passaram a se ocupar

mais da investigação desses casos, por conseguinte, a brigada passou a ser mais

conhecida por Brigada de Sequestro.

O judiciário foi outro setor que respondeu a onda de sequestros e as reações

sociais. Essa resposta se traduziu na celeridade no julgamento de processos-crime

com suspeitos conhecidos que corriam nos tribunais judiciais da cidade e província

de Maputo. Foi nesse contexto que quatro processos-crimes foram concluídos e,

proferidas as respectivas sentenças nos dias 28 e 31 de outubro, 15 e 21 de

novembro de 2013, dos quais dois no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo e

outros dois no Tribunal Judicial da Província de Maputo (Cidade da Matola). Eles

culminaram com a condenação de 12 pessoas com penas de reclusão que variaram

de 7 a 18 anos, por ter sido provado, segundo o tribunal, o envolvimento dos

mesmos em alguns casos de sequestros registrados nas Cidades de Maputo e

Matola.

Ressalta-se que, dentre os condenados, constavam três agentes da PRM e

um da Casa Militar72. Pode-se ler na página on line do Jornal Verdade do dia

29/10/2013 “Pedro Cossa assumiu a existência de policiais que colaboram com

sequestradores”. O porta-voz da PRM ao nível do Comando Geral, Pedro Cossa,

admitiu e lamentou na mesma ocasião o envolvimento de policiais neste tipo de

atividade criminal. Entretanto, o envolvimento de policiais em casos de sequestros

não é um caso específico de Moçambique. Alguns estudos (BRIGGS, 2001;

CALDEIRA, 2002; RUBIO, 2003) fazem referência ao envolvimento de policiais nos

casos de sequestros, tanto como atores diretos, quanto como colaboradores

(participando diretamente em operações ou extorquindo os sequestradores como

forma de deixá-los a desenvolver as suas ações criminosas sem restrição).

72 Força policial de elite que garante a proteção do Presidente da República de Moçambique.

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Uma vez que na ocasião dos julgamentos, o Código Penal moçambicano não

previa o sequestro como um tipo legal de crime autônomo, os suspeitos ou autores

dessa prática criminosa foram acusados e condenados por crimes conexos à prática

dos sequestros, tais como, armas proibidas 73associação para delinquir74, cárcere

privado75 e roubo76.

Esses julgamentos representaram um grande avanço no âmbito do combate à

onda de sequestros nas duas cidades, pois desde a sua emergência, em 2011,

nenhum processo-crime relacionado aos sequestros tinha sido concluído e

culminado com a condenação dos autores. Por outro lado, revelou-se ser uma

resposta institucional bastante equilibrada contra as diversas críticas que surgiam

em quase todos os cantos sobre a alegada atuação apática do sistema de justiça,

sobretudo da polícia e do judiciário em relação aos sequestros.

Quanto ao sistema penitenciário não se pretende identificar as alterações

ocorridas nas dinâmicas sociais dentro dos presídios com a emergência da onda de

sequestros, até porque para isso seria necessário um estudo empírico

independente. O que se pretende ressaltar é que a resposta do sistema

penitenciário em relação à onda de sequestros consistiu em concentrar todos os

suspeitos e acusados de terem cometido sequestros num único presídio. Tanto os

suspeitos detidos aguardando julgamento e os que já foram julgados e condenados

73 Aquele que fabricar, ou importar, adquirir, ceder, alienar ou dispuser por qualquer título, e bem assim transportar, guardar, deter ou usar armas brancas ou de fogo ou outros meios ou instrumentos que possam criar perigo para a vida, integridade física ou a liberdade das pessoas ou servir para destruição de edifícios ou coisas, destinando-os ou devendo ter conhecimento que se destinavam à perpetração de qualquer crime, será condenado na pena de oito a doze anos de prisão maior, se pena mais grave não couber (Artigo 253o do CP). 74 Aquele que fizer parte de qualquer grupo, organização ou associação que se proponha ou cuja atividade seja dirigida à prática de crimes, será condenado na pena de prisão maior de dois a oito anos, salvo se forem autores do grupo ou associação, ou nele exercerem direção ou comando, casos em que lhes será aplicada a pena de oito a doze anos de prisão maior (Artigo 263oCP). 75 Todo o indivíduo particular que fizer cárcere privado, retendo, por si ou por outrem, até vinte e quatro horas, alguém como preso em alguma casa ou em outro lugar onde esteja retido, e guardado desse modo, que não seja em toda a sua liberdade, ainda que não se verifique qualquer meio que o prenda será condenado à prisão de um mês a um ano (Artigo 330o CP). § 1º. – A simples retenção por menos tempo é considerada como ofensa corporal, e punida conforme as regras da lei em tais casos (Artigo 330o CP). § 2º. – Se a retenção durar mais de vinte e quatro horas, será condenado o criminoso a prisão de três meses a dois anos (Artigo 330o CP). § 3º. – Se dentro de três dias o criminoso der liberdade ao retido, sem que tenha conseguido qualquer objeto a que se propusesse com a retenção, e antes do começo de qualquer procedimento contra ele, a pena será atenuada (Artigo 330o CP). § 4º. – Se a retenção, porém, durar mais de vinte dias, a pena será a de prisão maior de dois a oito anos e multa de dois anos (Artigo 330o CP). 76 É qualificada como roubo a subtração da coisa alheia, que se comete com violência ou ameaça contra as pessoas (Artigo 432o CP).

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pela prática do crime, encontram-se encarcerados na Penitenciária de Máxima

Segurança da Machava, localizada na Cidade da Matola. Esta medida tem em vista,

segundo alguns investigadores da PIC, permitir um maior controle sobre essas

pessoas, pois se acredita que enquanto essas pessoas estiverem concentradas no

mesmo local, o seu controle é efetivo.

6.1.4 O legislativo

Uma vez que em Moçambique o sequestro como tipo legal de crime

autônomo não existia até 2013, a ocorrência de maior número de casos dessa

natureza estimulou a Assembleia da República de Moçambique a discutir e aprovar

uma lei que previsse o sequestro como um tipo legal autônomo. Foi neste contexto

que nos finais de 2013, a Bancada Parlamentar do partido FRELIMO depositou na

Assembleia da República para debate, uma proposta de lei77 que pune com 12 a 16

anos de encarceramento aquele que pratica esse tipo de crime. Na ocasião estava

em debate na Assembleia da República a revisão do código penal moçambicano o

que permitiu que os deputados incluíssem a proposta de lei sobre sequestros no

código penal.

No dia 14 julho de 2014 foi aprovado por unanimidade pela Assembleia da

República o novo Código Penal que inclui, dentre outros crimes, o sequestro como

um tipo legal de crime. O novo CP foi promulgado pelo Presidente da República de

Moçambique no dia 18 de dezembro de 2014. Isto equivale dizer que atualmente o

sequestro é um tipo legal de crime em Moçambique.

A aprovação da lei que tipifica o sequestro como um crime autônomo se

apresenta, neste contexto, como corolário das reações anteriores, embora se

apresente também com característica formalística, pois, do ponto de vistas prático

não se vislumbra nenhuma mudança decorrente da aprovação dessa lei. Além dos

autores conhecidos desse tipo de violência tenham sido punidos com recurso aos

crimes conexos na prática dos sequestros, a nova lei não pune de maneira branda

ou severa comparando-se com as penas aplicadas nos julgamentos que tiverem

lugar nos dois tribunais.

77 Aquele que, por meio de violência, ameaça ou com astúcia, rapta outra pessoa com intenção de submeter a vítima à extorsão, obter resgate ou recompensa, ou constranger autoridade pública ou terceiro a uma ação ou omissão, ou suportar uma atividade, será punido com a pena de prisão maior de 12 a 16 anos.

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153

6.2 ATUAÇÃO POLICIAL

A polícia é uma das instituições de controle social mais notáveis na

sociedade. Na atualidade, dentre outras funções, as organizações policias são

destinadas ao controle social com autorização para utilizar a força, caso necessário

(BAYLEY apud COSTA, 2004, p. 93-94). Com base neste entendimento, a

desordem pública manifestada em atos criminais é frequentemente percebida, tanto

no senso comum quanto em opiniões midiáticas como estando relacionadas com

falhas na atuação policial. Como explica Costa (2004), não há como dissociar a ideia

da polícia com a noção de política, na medida em que, a atividade policial é também

política, ela diz respeito à forma como a autoridade coletiva exerce o seu poder.

Neste sentido, o recrudescimento da criminalidade num determinado lugar não pode

ser considerado apenas como sendo o resultado da incapacidade da polícia em dar

uma melhor resposta, mas sim, resultando de uma série de fatores relacionados à

condução da política como um todo.

É comum que a emergência e posterior ocorrência sistemática de um

fenômeno criminal que num determinado espaço temporal e num determinado

espaço geográfico não ocorreriam, obrigue as autoridades policiais a adotarem uma

série de estratégias na sua atuação que visem o controle e a prevenção da

ocorrência de fatos futuros. Os trabalhos de Caldeira (1997, 2002) apresentam de

forma minuciosa as principais políticas de segurança pública adotadas pela polícia

do Estado do Rio de Janeiro para controlar e prevenir os casos de extorsão

mediante sequestros que ocorriam sistematicamente até meados da década de 90.

Por exemplo, entre 1990 a 1995 foram oficialmente registradas 479 ocorrência de

extorsão mediante sequestro no Estado do Rio de Janeiro (CALDEIRA, 1997). As

políticas de segurança pública da polícia do Estado do Rio de Janeiro incluíam a

criação de uma divisão específica – Divisão Anti-sequestro (DAS) – que se

ocupasse exclusivamente aos casos de extorsão mediante sequestro e

reestruturação permanente dos dirigentes daquela divisão de modo a dar melhor

respostas conforme o planejado. O autor esclarece que a atuação da polícia carioca

nos casos de extorsão mediante sequestros naquela década foi marcada por três

fatores fundamentais, nomeadamente, a) a existência de Divisão Anti-Sequestros,

especializada em investigações sobre esse delito; b) a mobilização simultânea de

vários recursos policiais para resolver determinado caso, dependendo do status

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socioeconômico da vítima e da conjuntura política, e; c) a competição entre as

polícias, e setores da mesma polícia, em certos casos.

É neste contexto que localizamos a atuação da polícia moçambicana em

relação à onda dos sequestros que foram tomando conta das cidades de Maputo e

Matola, no período de 2011 a 2013. Diferentemente do Estado do Rio de Janeiro, a

polícia moçambicana não adotou nenhuma política de segurança pública especifica,

pelo menos, publicamente conhecida para combater e prevenir a onda de

sequestros no país. No entanto, antes de abordarmos sobre a atuação da polícia

propriamente dita nesse fenômeno em particular, é importante atualizar o leitor sobre

a estrutura organizacional na polícia moçambicana, como é obvio, diferente da

polícia brasileira.

6.2.1 Estrutura orgânica da Polícia da República de Moçambique

Diferentemente do Brasil, a República de Moçambique é um estado unitário

(Art. 8 da CRM), o que pressupõe igualmente que a sua polícia seja unitária ao

longo de todo país, isto é, obedece a um comando superior único, ou seja, um único

comandante-geral. A descrição da estrutura organizacional da policial moçambicana

faz-se com base na Lei n.o 16/2013, de 12 de Agosto, a lei da Polícia da República

de Moçambique que, simultaneamente revoga a Lei n.o 5/88, de 27 de Agosto, e Lei

n.o 19/92, de 31 de Dezembro.

Conforme o disposto no n.o 1, do art. 1 da lei em referência, a Polícia da

República de Moçambique, abreviadamente designada por PRM, é um serviço

público apartidário, de natureza paramilitar, integrando no Ministério78 que

superintende a área de segurança pública.

Quanto à sua organização, que é o aspecto que nos interessa, o artigo 13 da

mesma lei estabelece que a PRM organiza-se em ramos e unidades especiais e de

reserva, segundo a classificação a seguir.

Ramos da PRM: a) Polícia de Ordem e Segurança Pública; b) Polícia de

Investigação Criminal; c) Polícia de Fronteiras; e d) Polícia Costeira, Lacustre e

Fluvial.

78 Ministério do Interior, que também superintende os serviços de Migração, Salvação Pública e Identificação Civil.

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Unidades de Operações Especiais e de Reserva: a) Unidade de Intervenção

Rápida; b) Unidade de Proteção de Altas Individualidades; c) Unidade de

Operações de Combate ao Terrorismo e Resgate de Reféns; d) Unidade Canina;

e) Unidade de Cavalaria; e f) Unidade de Desativação de Engenhos Explosivos.

A Polícia da Ordem e Segurança Pública, a Polícia de Investigação Criminal e

a Unidade de Operações de Combate ao Terrorismo e Resgate de Reféns

constituem as três áreas da polícia que são ativadas quando ocorre um sequestro,

sendo cada uma com sua linha de atuação específica. A Polícia da Ordem e

Segurança Pública tem atribuições essencialmente ostensivas que, dentre várias, é

responsável pela prevenção da prática de crimes, contravenções e outros atos

contrários à lei, o desenvolvimento de ações de garantia da ordem, segurança e

tranquilidade públicas. Enquanto que a Polícia de Investigação Criminal79,

abreviadamente designada por PIC, tem como função garantir as diligências que,

nos termos da lei processual penal, se destinam a averiguar a existência de crime,

determinar os seus agentes e sua responsabilidade, descobrir e recolher provas, no

âmbito do processo. Por último, a Unidade de Operações de Combate ao Terrorismo

e Resgate de Reféns são vocacionadas para operações de manutenção e

restabelecimento da ordem pública, resolução e gestão de incidentes tático-policiais

que ultrapassam o âmbito de policiamento clássico, intervenção tática em situações

de violência concertada e de elevada periculosidade, complexidade e risco,

segurança pessoal dos membros dos órgãos de soberania e de altas

individualidades, entre outras missões especiais, das quais a que é interessante no

presente estudo é a realização de ações de resgate de reféns (ARTIGOS14, 15,

25 E 26 DA LEI N.O 16/2013, DE 12 DE AGOSTO).

Por outro lado, a PIC é organizada em Brigadas de Instrução Criminal em

função da família delitiva. Os casos de sequestros são instruídos na 4a Brigada,

responsável também por todos os crimes contra pessoas e tráfico de seres

humanos. É importante esclarecer que o termo rapto é frequentemente utilizado em

Moçambique para fazer referência igualmente aos casos de sequestros, embora

sejam crimes diferentes tanto na sua manifestação como do ponto de vista legal. No

entanto, na instrução preparatória dos processos-crime, a Polícia de Investigação

Criminal atua sob direção do Ministério Público, sem prejuízo da respectiva

79 Equipara-se a Polícia Civil no Brasil.

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organização hierárquica (ARTIGO 17 DA LEI N.O 16/2013, DE 12 DE AGOSTO). A

seção a seguinte aborda as linhas de atuação da polícia moçambicana nos casos de

sequestros.

6.2.2 Do conhecimento dos casos à investigação

A investigação efetiva de um caso de sequestro como qualquer outra infração

de natureza criminal é condicionada ao seu conhecimento após à ocorrência, sendo

que o conhecimento tardio pode, em alguns casos, por em causa ao processo

investigativo.

Em Moçambique o registro de ocorrências criminais é comumente feito nas

esquadras80 da polícia, sem prejuízo, embora em pouquíssimos casos, de serem

feitos em outros locais, como nas direções da PIC, no Ministério Público e no

tribunais. Na presente abordagem nos concentraremos sobre os casos registrados

pelas autoridades policiais e as linhas gerais que norteiam as investigações.

Entretanto, uma das constatações foi que, além da denúncia ou queixa nas

esquadras, o conhecimento dos casos de sequestros por parte das autoridades

policiais tem sido frequentemente através dos meios de comunicação de massa

(jornais televisivos, impressos e notícias radiofônicos), como ficou evidente em

muitas declarações dos investigadores da PIC que trabalham com os casos.

Existem alguns casos que são denunciados nas esquadras, mas são muito poucos (Inv. 2). P – E como é que que vocês têm tomado conhecimento da maioria dos casos? R – Temos acompanhados através de notícias na televisão, na rádio e algumas vezes também nos jornais (Inv. 2).

Por conta dessa configuração, alguns investigadores afirmaram ter mudado a

sua rotina.

Agora eu quase não perco os telejornais, já que os jornalistas são os que facilmente obtêm essas informações, para além de que as vítimas não têm denunciado nas esquadras (C.C).

80 Equiparam-se às delegacias no caso do Brasil, porém uma das grandes diferenças é que as esquadras em Moçambique estão à cargo da Polícia da Ordem e Segurança Pública, enquanto no Brasil as delegacias estão a cargo da Polícia Civil.

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[...] normalmente quando despego, tenho comprado todos os principais jornais da praça e quando estou em casa passo uma vista de olho. Também tem casos que encontramos informações nesses jornais (C.C).

Estes enunciados sugerem que não é apenas a rotina das vítimas e seus

familiares que muda após experienciarem crimes violentos (CALDEIRA, 2000),

sobretudo os sequestros (BORGES, 1997; RIGHT, 2009), mas também a rotina dos

que têm competência de investigar esses casos também pode mudar em função da

configuração do fenômeno. A exiguidade do registro de ocorrências de casos de

sequestros diretamente nas esquadras da polícia ou nas direções da PIC num

contexto caracterizado pela ocorrência sistemática dos casos obrigou a mudança da

rotina dos investigadores da PIC.

O hábito de ler jornais entre os investigadores da PIC não foi apenas

constatado nos enunciados, mas também a observação sistemática do local de

trabalho permitiu constatar esse cenário. Era comum que alguns investigadores se

apresentassem no local de trabalho com jornais comprados durante o percurso casa

– trabalho, os quais eram partilhados entre eles, incluindo o pesquisador, durante os

pequenos momentos livres. De igual modo, jornais comprados após o final da

atividade laboral diária durante o percurso trabalho – casa com informações

pertinentes eram trazidos no dia seguinte para partilhar com os outros colegas. A

internet é outro veículo de informação considerado de extrema importância pelos

investigadores para aceder informações sobre a onda de sequestros. Os note books

de alguns investigadores, embora pessoais, encontravam-se constantemente

conectados à rede de internet, pois eles acreditavam que por via dela, e através das

redes sociais, como o FACEBOOK ou jornais eletrônicos, é possível ter a facilidade

de acesso às informações pertinentes sobre a ocorrência de casos de sequestros e

outras informações pertinentes sobre o fenômeno.

O menor registro das ocorrências policiais dos casos estava associado com

aquilo que os investigadores denominam por “silêncio das vítimas ou falta de

colaboração”. No entanto, esse silêncio ou falta de colaboração não deve ser

estranhado, uma vez que estudos baseados em informações empíricas (BEST,

1982; BORGES, 1997; RIGHT, 2009;) constataram que os autores desse tipo de

violência exercem uma série de ameaças para que as famílias das vítimas não

reportarem à polícia e, em alguns casos, exige-se também o afastamento da

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imprensa. Esse cenário foi igualmente constatado nos enunciados dos informantes

do presente estudo, como está demonstrado no capítulo cinco.

Após o conhecimento de um caso de sequestro através da imprensa ou outro

mecanismo diferente da denúncia dos familiares da vítima às autoridades policiais,

os investigadores normalmente dão início ao processo de investigação com uma

peça de expediente denominada “informação” na qual é relatada toda informação

detalhada sobre o caso e é dirigida a um inspetor da PIC, a quem compete a tarefa

de indicar os procedimentos ulteriores, sendo um deles a localização dos familiares

da vítima para obtenção de informações consideradas pertinentes. E é nesse ponto

onde reside um dos grandes obstáculos com vista ao esclarecimento dos casos.

Depois de termos a informação, nós procuramos aproximar a família da vítima para mais detalhes sobre o sequestro (C.C.) Quando tomamos conhecimento através de jornais, normalmente o senhor inspetor orienta primeiro localizar a família das vítimas para temos informações mais detalhadas sobre o caso (Inv. 4).

Obviamente, os casos conhecidos através da imprensa ou outros

mecanismos diferentes da denúncia na esquadra ou na direção da PIC são os que

apresentam maiores dificuldades no processo investigativo no que tange à

disponibilidade de acesso de informações detalhadas sobre os casos junto às

famílias das vítimas.

As famílias das vítimas não querem colaborar com a polícia. É normal agente ter uma informação de sequestros e quando localizamos, eles simplesmente não nos atender (Inv. 2). Teve um caso que a gente tomou conhecimento pelo jornal. [...] Eu sai, fui na esquadra mais próxima, sai de lá com mais dois colegas para a casa. Sabes [risos], quando chegamos lá, fomos atendidos com o guarda da casa. Sabes o que disse? [risos]: patrão disse que não quer ver polícia aqui. Daí fechou o portão e deixou-nos lá [...]. É complicado, sabes (Inv. 3).

Consta que em meados de 2013 houve uma orientação segundo a qual os

investigadores não deviam pressionar as famílias das vítimas no sentido de obterem

informações consideradas pertinentes para o processo investigativo, pois, constatou-

se que a recusa de colaborar era uma prática comum daquelas pessoas.

Não obstante, o silêncio ou falta de colaboração dos familiares das vítimas

com as autoridades policias não exclui ou diminui a responsabilidade investigativa

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do Estado visando ao esclarecimento dos casos e responsabilização dos autores. O

sequestro em si durante o período em estudo não era tipo legal de crime, porém,

alguns atos praticados configuram crimes públicos cuja promoção criminal não

depende da vontade dos ofendidos, nos termos do n.o 1 do artigo n.o 160o do Código

do Processo Penal moçambicano.

Deste modo, os investigadores da PIC não têm outra possibilidade senão

continuar trabalhando, independentemente das famílias das vítimas aceitarem ou

não colaborar com eles, embora nas investigações, o insucesso das investigações

tenha sido frequentemente associado à este silêncio. Essa alegação na verdade não

foi compartilhada pelo Conselho Islâmico de Moçambique, de acordo com Abdul

Carimo, numa entrevista concedida ao jornal “O País”, do dia 2 de fevereiro de 2012,

que na ocasião era presidente da organização:

[...] o argumento da PRM de que em nenhum momento recebe queixas

formais das famílias dos sequestrados ou não colabora não tem razão de

ser, nem dignifica as próprias autoridades policiais. Tratando-se de um

crime público, a polícia não devia ficar a espera de uma queixa de família

para iniciar o processo investigativo, porque nenhuma família pode ter a

coragem de submeter uma queixa ou colaborar com a polícia quando o seu

familiar estiver nas mãos dos criminosos (O PAÍS, 02/02/2012, PÁG. 14).

Esta “chamada de atenção” sugere um sentimento compartilhado não apenas

no seio dos membros da comunidade islâmica de Moçambique, mas também, nos

seio de toda comunidade asiática, que até então constituíam os alvos preferenciais

dos sequestradores e, portanto, vítimas potenciais.

A reclamação da polícia relativa ao silêncio das famílias das vítimas se

fundamenta pelo fato dela utilizar frequentemente o rastreio de conexões telefônicas

como o principal mecanismo de investigação. A alínea a. do n.o 1 do artigo 19o da n.o

17 da lei n.o 16/2013, de 12 de agosto atribui competência à PIC de proceder à

interseção e gravação devidamente autorizada, pela autoridade judicial competente,

da conversação e imagem ou qualquer outro tipo de comunicação, no âmbito da

investigação criminal.

Todavia, até o final de trabalho de campo não foi constatado nenhuma

interseção e gravação de voz durante o processo de investigação criminal. O único

exercício constatado foi à requisição junto das operadoras de telefonia, todas as

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ligações e duração das respectivas chamadas de um determinado número de

telefone, em determinado espaço temporal, suspeito de ter sido utilizado pelos

sequestradores em um determinado caso. Partindo de um número de telefone,

normalmente da família da vítima é possível ter acesso a todos os números com os

quais se estabeleceu alguma conexão e, desta forma, chegar-se às pessoas com as

quais se interagiu telefonicamente. Por outro lado, os aparelhos de telefone móvel

têm a capacidade de memorizar todos os chips neles introduzidos e com os quais se

estabeleceu alguma ligação. Os esquemas dessas conexões elaborados pelos

investigadores da PIC, frequentemente apresentam as seguintes características:

Esquema 5. Conexões telefônicas entre executores e mandante.

Fonte: Extraído do esboço do Inv. 2

Esquema 6. Conexões telefônicas entre executores, coordenador e mandante.

Fonte: Extraído do esboço do Inv. 2

Os esquemas apresentados nas tabelas anteriores mostram os resultados

das investigações de conexões telefônicas de dois grupos diferentes que

Legenda : Relação presumida

: Relação comprovada

Legenda : Relação presumida : Relação comprovada

Indivíduo A

Indivíduo DIndivíduo CIndivíduo B

Indivíduo A

Indivíduo F

Indivíduo B

Indivíduo C Indivíduo EIndivíduo D

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161

desencadearam sequestros. No primeiro esquema, os resultados alcançados em

dois planos mostram a interação confirmada ao nível dos três executores e entre

esses com o possível coordenador ou mandante não se confirmou nenhuma

interação com cada um dos executores. De igual modo, no segundo esquema ficou

provada a interação ao nível dos executores. A outra interação igualmente provada

foi entre um suposto coordenador com apenas um dos executores do sequestro.

Finalmente, não foi provada a interação entre o suposto mandante e o suposto

coordenador.

A não constatação de uma interação efetiva entre os mandantes e os

executores dos sequestros é uma constante observada em quase todos os casos

sob investigação. Este dado evidencia que ao nível dos mandantes se evita uma

interação através de contato telefônico com os membros encarregados da execução

dos sequestros. Essa realidade revela que os métodos de investigação dos casos de

sequestros necessitam ser cada vez mais aprimorados de modo a se chegar aos

verdadeiros mandantes desse tipo violência.

Embora apresente algumas vantagens, o mecanismo de rastreamento de

chamadas telefônicas como método de investigação apresenta algumas limitações,

principalmente quando os sequestradores racionalizam mais as suas ações. Ora

vejamos, se os aparelhos de telefone móvel e os respectivos chips forem adquiridos

especificamente para serem utilizados na coordenação e execução de um

determinado sequestro e posteriormente descartados, torna-se quase impossível

encontrar qualquer conexão de chamadas telefônicas que conduza a localização dos

autores. Este fenômeno constitui um dos grandes problemas enfrentados pelos

investigadores da PIC ao longo das suas investigações, pois se constatou que

muitas vezes, todos os números de telefones e os respectivos aparelhos celulares

utilizados em determinados casos de sequestros se encontravam fora de uso, não

existindo qualquer conexão com qualquer número ou aparelho celular operacional.

6.3 CORRUPÇÃO

O estudo de Caldeira (1997) revela que no período de 1995 a 1996, 29

pessoas, que correspondiam a 11% do número total dos sequestradores, no Estado

do Rio de Janeiro eram policiais no ativo. Este achado mostra o quão esse tipo de

atividade ilícita, por coincidência, altamente lucrativa pode facilmente cooptar

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agentes da polícia a se envolverem em ações de corrupção. Caldeira acrescenta

ainda que, a presença significativa de agentes policiais como sequestradores pode

ser um indicador de um traço típico de “crime organizado”. Este padrão de

criminalidade sempre contou com a participação e cumplicidade de autoridades e

agentes de autoridade, como policiais, políticos, militares, entre outros (CALDEIRA,

1997).

No entanto, a experiência tanto empírica quanto profissional demonstra que o

envolvimento de alguns funcionários públicos em atos de corrupção tem sido uma

prática recorrente em Moçambique. Embora seja considerado crime pela Lei Anti-

Corrupção (Lei n.o 6/2004, de 17 de junho), a chamada “pequena corrupção” é uma

prática absolutamente normal. Com a pequena corrupção se pretende denotar as

práticas de oferecimento e solicitação de favores entre um funcionário público e um

terceiro, para que o primeiro realize ou omita ato contrário ou não contrário ao dever

do seu cargo, pois a Lei Anti-Corrupção define a corrupção em duas acepções:

primeira, a corrupção passiva como sendo aquela que consiste na solicitação de

vantagem patrimonial ou não patrimonial por parte do funcionário ou agente do

Estado para realizar ou omitir ato contrário ou não contrário ao dever do seu cargo e;

segunda, a corrupção ativa como sendo o fornecimento de vantagem patrimonial ou

não patrimonial ao funcionário ou agente do Estado para realizar um ato contrário

aos deveres do seu cargo (FAEL et al, 2004).

Em Moçambique tem sido registrado o envolvimento de agentes da polícia

nos casos de sequestros, uma prática que evidencia atos de corrupção na

organização. Dos quatro processos-crime julgados ao longo do ano de 2013, em

dois constavam a participação ativa de quatro agentes da polícia, como

anteriormente foi referenciado.

Entretanto, tudo indica que o envolvimento de funcionários públicos na “onda

de sequestros” em Moçambique não afeta somente à PRM. Há fortes indícios que

demonstram que essa prática permeia também o judiciário. Com base em

informações midiáticas iremos reconstituir alguns casos, incluindo um que foi

bastante midiatizado que culminou com o assassinato de um juiz que presidia uma

das seções de instrução criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo.

Coincidentemente, a seção em referência se ocupa em decidir também sobre casos

de sequestros, sem prejuízo de casos criminais de outra natureza.

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O Semanário Público do dia 28 de abril de 2014 publicou uma matéria que

dava conta de que o Comandante Geral da PRM estaria irritado pelo fato de os

tribunais estarem alegadamente soltando os sequestradores. No seu parágrafo

introdutório, lê-se:

A Seção de instrução criminal no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo

(TJCM), presidida pelo juiz Dinis Silica, acaba de soltar três perigosos

cadastrados, que, até tempos recentes, eram agentes ativos da Polícia da

República de Moçambique (PRM). O trio [...] estava implicado com a justiça

por sequestrar pessoas [...] (PÚBLICO, 20/04/2014, PÁG. 24)

Ao longo do texto se procura desenvolve a matéria com base em entrevistas a

algumas pessoas ligadas ao TJCM e ao Comando-Geral da Polícia, tentando

esclarecer por um lado, as circunstâncias e motivos de soltura desses três

criminosos e, por outro lado, o alegado descontentamento do Comandante-Geral da

Polícia. Contudo, o texto é claro quanto à origem profissional dos acusados. Este

dado pode ser um forte indicativo de que existam mais agentes da polícia a se

envolverem cada vez mais no mundo do crime organizado, sobretudo nos

sequestros.

Prosseguindo, no dia 12 de abril de 2014, a pedido da PIC foi efetuada a

detenção e sua posterior legalização contra um jovem empresário, alegadamente

por ser suspeito de ser um dos mandantes de quatro sequestros ocorridos na

Cidade de Maputo. O argumento da detenção, segundo o semanário Expresso do

dia 29 de abril de 2014 (página 2) se fundamentava no fato da PIC ter constatado

que o empresário transferiu para Dubai, China e Paquistão de forma sequencial, 400

000 00 USD, 300 000 00 USD e 150 000 00 USD, valores considerados como

decorrentes do pagamento de resgate. Refira-se que este constituiu o primeiro caso

de detenção contra um alegado mandante de sequestros em Moçambique desde a

emergência do fenômeno em 2011, pois todas as detenções realizadas até então

tinham como alvos, membros dos grupos responsáveis pela execução dos mesmos.

Neste sentido, o empresário permaneceu detido enquanto a investigação dos

casos com os quais estava relacionado decorria, até que o seu advogado solicitou a

sua liberdade provisória mediante caução ou Termo de Identidade e Residência

(TIRE), como determina o Código de Processo Penal moçambicano.

Coincidentemente, no dia 7 de maio de 2014, dia em que o juiz que trabalhava com

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o caso decidiria se o empresário seria liberto ou permaneceria encarcerado, o

mesmo foi barbaramente assassinado com recurso a arma de fogo por pessoas até

aqui desconhecidas. O fato ocorreu por volta da 7h, quando o juiz fazia o percurso

casa – local de trabalho, no cruzamento entre as Avenidas Karl Marx e Marien

Ngouabi, no momento em que os semáforos que regulam o trânsito nas duas

avenidas sinalizavam paragem obrigatória para o juiz. Mais tarde, o porta-voz da

PRM ao nível da Cidade de Maputo Arnaldo Chefo informou em conferência de

imprensa81 que após a perícia realizada no local do fato e no carro do juiz, foram

encontradas avultadas somas em dinheiro em USD e Meticais, cerca de 3 700

000,00 MT82, incluídos os valores em USD convertidos em moeda nacional em

função do câmbio do dia em que a conferência de impressa foi proferida.

Passados mais de seis meses não se conhecem ainda, pelo menos

publicamente, os verdadeiros contornos desse caso, bastante polêmico que ocupou

a opinião pública moçambicana e agudizou, em certa medida, as relações

institucionais entre a PRM e os tribunais no que concerne à prevenção e combate à

onda de sequestros. Contudo, no dia 20 de maio de 2014, foi concedida a liberdade

provisória ao empresário em referência. Até hoje não se conhece também os

contornos dos processos-crime em que esse empresário foi acusado de ser

mandante de alguns casos de sequestros.

81 Disponível em http://www.videos.sapo.mz/VJFeVZyhySlK181GBRR4. (Acesso em 09/01/2015). 82 Aproximadamente a 125 000,00 USD de acordo com o câmbio do dia.

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165

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na presente seção se retomam algumas questões pertinentes discutidas ao

longo do texto e se faz uma reflexão sobre alguns aspetos que o trabalho levanta, os

quais poderão impulsionar a emergência de novos estudos.

Embora seja considerado um fenômeno novo em Moçambique, o sequestro

na modalidade discutida no presente trabalho, como uma manifestação da violência

urbana não é um fenômeno recente. Nos Estados unidos, por exemplo, os primeiros

casos foram registrados na década de 1870 (ALIX, 1978), e no Brasil, os primeiro

casos foram reportados na década de 1980, cujas vítimas eram banqueiros e

grandes empresários (BORGES, 1997).

Ficou evidenciado ao longo do trabalho que além de constituir um problema

de segurança pública, sobretudo para os empresários e/ou comerciantes que

desenvolvem as suas atividades comerciais em Moçambique, principalmente nas

cidades de Maputo e Matola, os sequestros constituem um tipo de violência urbana

atualmente comum no país.

Alguns autores (CALDEIRA, 1996; BRIGGS, 2001; JIMÉNEZ-ORNELAS,

2004) sugerem que países como Colômbia, México, Brasil, Itália, que

experienciaram uma tradição na ocorrência sistemática de sequestros, os casos

estivam, frequentemente associados à grupos criminais identificados que faziam

deles sua atividade principal ou não. Esses últimos executavam sequestros e os

resgates pagos eram utilizados para financiar a sua principal prática ilícita.

Moçambique, no entanto, tem uma peculiaridade de inexistência de grupos ou

facções identificados que atuam no submundo do crime. Todos os grupos que

desencadeiam ações criminosas não são conhecidos.

Constituiu objetivo geral deste trabalho, conhecer e descrever a configuração

dos sequestros nas cidades de Maputo e Matola, no período de 2001 a 2013. Para a

materialização deste objetivo, fez-se uma descrição e análise de: (a) todos os casos

registrados pela polícia e os respetivos valores decorrentes do pagamento de

resgate, avaliando variáveis como sexo, duração da custódia ou cativeiro e

qualidade da vítima em relação à empresa/estabelecimento comercial a qual está

ligada; (b) alguns casos sobre os quais se teve acesso, nos quais especial atenção

se prestou as dinâmicas e as interações estabelecidas entre os sujeitos envolvidos;

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166

e finalmente, (c) a atuação policial sobre esses casos, tendo em atenção algumas

práticas que sugerem atos de corrupção, tanto na polícia como no judiciário.

Os três eixos acima descritos geraram as principais constatações da

pesquisa, as quais são apresentadas abaixo.

Primeira, os sequestros sistemáticos em Moçambique cujas vítimas eram – no

período em análise do presente pesquisa – preferencialmente cidadãos

moçambicanos ou não de origem asiática que atuam no setor empresarial e

comercial geram em média, maiores recompensas, tendo em consideração os altos

valores de resgate pagos. Esta realidade é potencializada, sobremaneira pelo

silêncio que se observou nas vítimas/seus familiares durante e após a ocorrência

dos eventos. Além de se absterem em colaborar com as autoridades policias, muitos

casos encerraram sem o conhecimento da polícia. Na verdade esse silêncio é

decorrente da ameaça frequentemente exercida pelos praticantes desse tipo de

violência. Os altos níveis de recompensa conjugados com o silêncio das

vítimas/seus familiares influenciaram muitos grupos criminosos que se dedicavam à

outras práticas delituosas, como roubos com recurso à mão armada a se envolverem

também na prática de sequestros, o que culminou com o registro relativamente

maior de casos em de 2013, em comparação aos dois anos anteriores.

Segunda, a atuação dos sequestradores na época da emergência do

fenômeno em 2011 era caracterizada pelo aluguel ou empréstimo de carros com os

quais transportavam as vítimas e, igualmente, aluguel de casas localizadas em

bairros suburbanos das duas cidades, as quais eram utilizadas como locais de

custódia ou cativeiro. Essa forma de atuação, embora evidenciasse o nível de pouco

profissionalismo com o qual os seus executores atuavam, ela continuou sendo

praticada em 2013 por alguns grupos. Durante a fase de captura, a violência e as

ameaças são atos inevitáveis. E durante o período de custódia, a interação entre

sequestrados e vítima era pautada por não violência e ameaças. As solicitações por

elas – vítimas – demandadas eram prontamente satisfeitas, sobretudo aquelas

relacionadas com a “saúde”. Contrariamente, a interação entre os sequestradores e

as famílias das vítimas era pautada por intensas ameaças.

Terceira, a atuação da polícia é uma das questões que mereceu uma especial

atenção na opinião pública comum. A alegada atuação “passiva” em relação aos

casos de sequestros foi associada à prática de corrupção que se manifesta no

envolvimento de alguns policiais nesses casos. Apesar do envolvimento de alguns

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policiais em casos de corrupção, verificou-se ao nível da instituição, um enorme

esforço no processo investigativo visando o esclarecimento dos sequestros nas duas

cidades. O processo de investigação policial é centrado em dois mecanismos

principais, os quais, ao mesmo tempo, apresentam enormes limitações. O primeiro

mecanismo é a coleta de informações consideradas pertinentes a partir de famílias

das vítimas ou das próprias vítimas. Num contexto caracterizado por silêncio dessas

pessoas pelo fato das experiências vivenciadas serem menos favoráveis ao

fornecimento de informações à polícia sobre o sucedido, o processo de investigação

pautado principalmente por esse mecanismo acaba sendo bastante inviabilizado. O

segundo mecanismo principal é o recurso às empresas de telefonia para que elas

forneçam os números de telefones suspeitos e as conexões estabelecidas entre

eles. Este mecanismo apresenta também uma grande limitação, pois uma vez que

as chamadas de voz não são gravadas, um chip e os respectivos aparelhos de

telefone móvel podem facilmente serem descartados em qualquer momento.

Deste modo, enquanto as vítimas e seus familiares permaneceram em

silêncio, concomitante ao silêncio do poder público caracterizado pela incapacidade

de gestão desse tipo de violência, os sequestros nessas duas cidades, no período

em estudo, geraram altos “lucros” para os seus autores.

Evidentemente, o trabalho pode levantar outras questões pertinentes capazes

de orientar estudos posteriores que o presente trabalho não se preocupou em

responder, como por exemplo, as possíveis razões pelas quais as vítimas desse

fenômeno serem constituídas essencialmente por cidadãos de origem asiática que

se dedicam a atividades comerciais. Esta é, sem dúvida uma características

bastante peculiar dos sequestros em Moçambique. A vitimização por sequestros nas

suas distintas modalidades pode ser outro aspecto a ser explorado. Com base na

teoria de representação social, também é possível se pensar e analisar como é que

esse fenômeno é enxergado e o impacto no cotidiano do grupo social alvo. Esses

são apenas alguns exemplos, não os únicos, que podem ser explorados a partir do

presente trabalho. Igualmente não se descarta a possiblidade de estudos posteriores

emergirem a partir de críticas ao presente trabalho.

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