199
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA O VERBO MAIS QUE PERFEITO: UMA ANÁLISE ALEGÓRICA DA CULTURA HISTÓRICA CARMELITA NA PARAÍBA COLONIAL André Cabral Honor Orientadora: Profª Dra. Carla Mary S. Oliveira Área de Concentração: História e Cultura Histórica Linha de Pesquisa: Ensino de História e Saberes Históricos JOÃO PESSOA - PB Fevereiro - 2009

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

  • Upload
    dotram

  • View
    224

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

I

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

O VERBO MAIS QUE PERFEITO: UMA ANÁLISE ALEGÓRICA DA

CULTURA HISTÓRICA CARMELITA NA PARAÍBA COLONIAL

André Cabral Honor

Orientadora: Profª Dra. Carla Mary S. Oliveira

Área de Concentração: História e Cultura Histórica

Linha de Pesquisa: Ensino de História e Saberes Históricos

JOÃO PESSOA - PB Fevereiro - 2009

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

II

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca Central - Campus I - Universidade Federal da Paraíba

H774v

UFPB/BC

Honor, André Cabral

O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João Pessoa, 2009.

193 p.: il. Orientadora: Carla Mary da Silva Oliveira Dissertação (mestrado) PPGH/ CCHLA/ UFPB.

1. Paraíba - Período Colonial. 2. Arte Barroca. 3. Carmelitas - Cultura Histórica. I. Autor. II. Título.

CDU 94(813.3)(043)

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

I

O VERBO MAIS QUE PERFEITO: UMA ANÁLISE ALEGÓRICA DA

CULTURA HISTÓRICA CARMELITA NA PARAÍBA COLONIAL

André Cabral Honor

Orientadora: Profª Dra. Carla Mary S. Oliveira

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba, em cumprimento às exigências para obtenção do título de Mestre em História, Área de Concentração em História e Cultura Histórica.

JOÃO PESSOA - PB Fevereiro - 2009

Page 4: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

II

ANDRÉ CABRAL HONOR

O VERBO MAIS QUE PERFEITO: UMA ANÁLISE ALEGÓRICA DA

CULTURA HISTÓRICA CARMELITA NA PARAÍBA COLONIAL

Avaliado em ___ / ____ / _____ com conceito ____________________

BANCA EXAMINADORA DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

________________________________________________ Profª Dra. Carla Mary S. Oliveira

PPGH-UFPB (orientadora)

________________________________________________ Profª Dra. Thereza Baumann

Museu Nacional - UFRJ (examinadora externa)

________________________________________________ Profª Dra. Regina Célia Gonçalves

PPGH-UFPB (examinadora interna)

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

III

A Rosa Ângela Marta Cagliani, a mais linda flor que já floresceu no meu jardim.

(In memorian)

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

IV

Por este motivo era tão amiga de imagens. Desventurados os hereges que por sua culpa perdem tão grande graça! Bem parece que não amam o Senhor, pois se o amassem se alegrariam em ver seu retrato. No mundo tem-se prazer em contemplar o retrato de uma pessoa à qual se quer bem.

Santa Teresa de Jesus, Livro da vida.

Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

V

AGRADECIMENTOS (ELENCO EM ORDEM ALFABÉTICA)

Berttoni Cláudio Licarião, pelas traduções e correção ortográfica. “Em algum lugar

acima do arco-íris, o céu é azul, e os sonhos que você ousa sonhar, se tornam verdade.”

Bia Cagliani e Thiago de Bia, pelos sorrisos e carinho.

Carla Mary S. Oliveira, a amiga orientadora de que já sinto falta. Grande parte dos

méritos do trabalho vão para ela.

Cecília Japiassú, o nome mais lindo do mundo. Por Belo Horizonte, pelas contribuições

à dissertação, pelo amor, pela linda amizade.

Clara, Kalel e Gabriel, amores múltiplos em que cada Tio Dedé dito é um êxtase.

Cláudia Cury, uma coordenadora assustadoramente maravilhosa.

Duda Campos, por ter me salvado na manhã de sábado das fotos.

Elinês Correia e os Maias, pelas noites, jantares e gargalhadas.

Fátima e Honor, pai e mãe, pela vida maravilhosa que me deram.

Frederic Brighton, pela citação em francês que não entrou na minha dissertação.

Hildegard Book, pelas conversas e cafés.

Kyldare Feitosa, pela planta baixa da igreja e por ser o melhor amigo que uma pessoa

pode ter.

Lady, a cachorrinha mais brilhante do mundo, que me acompanhou por dezessete anos.

(In memoriam)

Laudereida Eliana Marques e Maria Vitória Lima Barbosa pela amizade, pelo carinho,

pelos ensinamentos. A Silmara pelo companheirismo (se os livros de Simeão Leal falassem!).

Lenina Ribeiro e Ilvaniza Maria, pelo carinho e pelos almoços em dia de semana.

Marcelo Coutinho, pela ajuda nas fotos da igreja.

Mariah Ribeiro Benaglia, o poema que saltita e flutua. Pelas fotos, caronas e presença.

Amo você.

Maria Luiza Texeira, pelas traduções em espanhol e por ser tão carinhosa. De quebra

agradeço a Pablo pela sobremesa de panqueca com doce de leite.

Nina, pelos deliciosos almoços e frangos.

Oriana Gontiés e Gregório Guzmão, por me permitirem amá-los tanto.

Padre Tio Zezé, pela ajuda na iconografia e no latim.

Piedade Farias, restauradora e conservadora, responsável técnica da Obra do Carmo e;

Camila Henrique, arte-educadora, Coordenadora de Documentação da obra, minha eterna

gratidão pelas preciosíssimas contribuições.

Page 8: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

VI

Rafael Queiroz, pelos desenhos que abrem os capítulos e pela longa amizade que me é

tão importante.

Regina Célia Gonçalves, pela doçura única na voz. Gostaria que ela tivesse noção da

contribuição que ela tem na formação dos novos historiadores.

Ricardo Pinto, por ter me agüentado pela sexta vez numa disciplina e pela ajuda na série

Pernambuco do Arquivo Histórico Ultramarino.

Saulo Duarte, um irmão em espírito, pelas preciosíssimas dicas teológicas.

Semírades Arcoverde, restauradora feliz, por ter me indicado os primeiros significados

alegóricos do Carmo.

Séphora Patrícia e Felipe Cattaneo, como posso dizer obrigado?

Sindier Antonia Alves, pela extrema simpatia e pela ajuda com o acervo da biblioteca

da UFMG.

Thereza Baumann por ter me arrebatado à primeira vista. Nunca poderei expressar a

honra que sinto e a gratidão por ter aceitado o convite para participar da banca.

Walter, sempre disponível quando precisei, um patrimônio além da Igreja de Nossa

Senhora do Carmo.

Amigos que contribuíram indiretamente para este trabalho: Christiano, Dinho, Herlon,

Ivna, Juliano, Larissa, Luana, Michel, Sílvia e Yanucha, cores do meu arco-íris.

Centro Espírita de Umbanda Pai Tertuliano, por sempre ter me dito que tudo daria certo.

Colegas de turma do mestrado, “cachoeiras de conhecimento”, aos que me amaram e

aos que me odiaram também.

Deuzerora Vamimbora, por preencher minha vocação frustrada de ator.

Funcionários da UFPB, sempre apagando incêndios: Seu Severino, Virgínia, Zé Carlos,

etc.

Professores que contribuíram nessa jornada: Regina Behar, Elio Flores, Mozart

Vergetti, Monique Cittadino, Antônio Carlos, Paulo Eduardo, Genilda Azerêdo. A minha

admiração e gratidão.

Turma do Meio, pelo Shakespeare e pelos suicidas.

***

Page 9: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

VII

RESUMO

O presente trabalho está integrado à linha de pesquisa Ensino de História e Saberes

Históricos, do curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em História da

Universidade Federal da Paraíba, cuja área de concentração é História e Cultura Histórica. A

dissertação tem como objetivo principal analisar a cultura histórica barroca carmelita por

meio das alegorias da Igreja de Nossa Senhora do Carmo na Cidade da Paraíba colonial. A

partir da metodologia de análise imagética proposta por Erwin Panofsky em seu livro

Significado das artes visuais realiza-se uma interpretação iconológica das imagens, no intuito

de compreender qual o modelo de conduta que deveria ser seguido pelos cristãos na Cidade da

Paraíba do século XVIII. Desta forma, as alegorias são compreendidas como ferramentas

doutrinárias que buscam introjetar no cristão a cultura histórica carmelita, no intuito de

conduzi-lo à salvação. O corpo da pesquisa integra o contexto histórico local durante a

construção da igreja, na segunda metade do século XVIII, o surgimento da arte Barroca na

Europa no final do século XVI e a História da Ordem Carmelita.

Palavras-chave: Paraíba; Período Colonial; Arte Barroca; Carmelitas; Cultura Histórica.

***

Page 10: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

VIII

ABSTRACT

This work is integrated to the research line History Education and Historic Knowledge, of the

Master’s Degree Course of History Graduate Program in Federal University of Paraíba, whose

area of concentration is History and Historical Culture. The dissertation has as main objective

to analyze the Carmelite baroque historical culture, through the meaning of the allegories of

Our Lady of Carmel Church, builded in the colonial City of Paraíba. The methodology is

assented in the images analysis proposed by Erwin Panofsky in his book Meaning in the

visual arts. An iconological interpretation of the images in Portuguese tiles and walls and roof

paintings is done, in order to understand which behavior model was expected to be followed

by the Christians in the 18th-century City of Paraíba. In such a way, the allegories are

understood as doctrinal tools made to teach the Christian the Carmelite historical culture, in

an attempt to conduct the prayer to salvation. The research integrates the local historical

context during the church construction, in the second half of 18th century, the birth and spread

of Baroque art in the Europe in the ends of 16th century and the History of the Carmelite

Order.

Keywords: Paraíba; Colonial Period; Baroque Art ; Carmelites; Historic Culture.

***

Page 11: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

IX

LISTA DE SIGLAS

IPHAEP – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

N. T. – Nota do Tradutor

PPGH – Programa de Pós-graduação em História

UFPB – Universidade Federal da Paraíba

W.I.C. – Companhia das Índias Ocidentais

Documentos do Arquivo Histórico Ultramarino:

ACL – Administração Central

AHU – Arquivo Histórico Ultramarino

CU – Conselho Ultramarino

CX – Caixa

D. – Documento

014 – Número da Série Brasil – Paraíba

015 – Número da Série Brasil – Pernambuco

SIGLAS DE LOCALIZAÇÃO

aD – altar do lado direito

aE – altar do lado esquerdo

D – painel de azulejo do lado direito

E – painel de azulejo do lado esquerdo

P – pia

***

Page 12: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

X

LISTA DE FIGURAS

Fig. 1 - Detalhe do laço de fita no arco cruzeiro ............................................................................................. 15

Fig. 2 - Fachada - Igreja de Nossa Senhora do Carmo .................................................................................... 19

Fig. 3 - Interior - Igreja de Nossa Senhora do Carmo ..................................................................................... 20

Fig. 4 - Caravaggio - Judite e Holofernes ....................................................................................................... 22

Fig. 5 - Frontão - Igreja de Nossa Senhora do Carmo ..................................................................................... 23

Fig. 6 - Óculos do altar-mor - Igreja de Nossa Senhora do Carmo ................................................................. 23

Fig. 7 - Diego Velásquez - As meninas ........................................................................................................... 28

Fig. 8 - Antoine Watteau - Desenho de uma concha ...................................................................................... 31

Fig. 9 - Inscrição por trás do painel do altar aD2 ............................................................................................ 34

Fig. 10 - Profetas de Baal – Painel E4 ............................................................................................................. 58

Fig. 11 - Profetas de Baal – Painel E4 (detalhe) ............................................................................................. 59

Fig. 12 - Rei Acab ........................................................................................................................................... 59

Fig. 13 - Flores (orquídeas) ............................................................................................................................. 59

Fig. 14 - Eliseu e Elias – Painel D4 ................................................................................................................. 62

Fig. 15 - Cavalos e labaredas .......................................................................................................................... 62

Fig. 16 - Rio .................................................................................................................................................... 62

Fig. 17 - Altar-mor da Igreja de Nossa Senhora do Carmo ............................................................................. 64

Fig. 18 - Árvore ............................................................................................................................................... 64

Fig. 19 - Imagem de Santo Elias do altar-mor ................................................................................................ 68

Fig. 20 - Santo Elias ........................................................................................................................................ 68

Fig. 21 - São Bertoldo e N. Sra. do Carmo ..................................................................................................... 73

Fig. 22 - Lua .................................................................................................................................................... 74

Fig. 23 - Rosas ................................................................................................................................................. 76

Fig. 24 - Anjo em destaque ............................................................................................................................. 77

Fig. 25 - Construção do convento ................................................................................................................... 78

Fig. 26 - Menino Jesus segurando o bentinho ................................................................................................. 79

Fig. 27 - Rosa-dos-ventos ................................................................................................................................ 80

Fig. 28 - Rosto ................................................................................................................................................. 81

Fig. 29 - Palmeira ............................................................................................................................................ 81

Fig. 30 - Painel D2 .......................................................................................................................................... 93

Fig. 31 - Santo Ângelo .................................................................................................................................... 94

Fig. 32 - Santa Maria Madalena de Pazzi ........................................................................................................ 95

Fig. 33 - Árvore ............................................................................................................................................... 97

Fig. 34 - Sol ..................................................................................................................................................... 97

Fig. 35 - Montagem a partir de fotos da pintura do forro do nártex ................................................................ 99

Fig. 36 - São Serapião ..................................................................................................................................... 99

Page 13: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

XI

Fig. 37 - São Pedro Thomas ............................................................................................................................ 99

Fig. 38 - São Gerardo ...................................................................................................................................... 99

Fig. 39 - Santo Alberto .................................................................................................................................... 101

Fig. 40 - São Simão Stock ............................................................................................................................... 103

Fig. 41 - Painel D2 .......................................................................................................................................... 104

Fig. 42 - Girassóis ........................................................................................................................................... 105

Fig. 43 - Fonte d’água ..................................................................................................................................... 105

Fig. 44 - Santo Alberto ou São Simão Stock (?) ............................................................................................. 106

Fig. 45 - Árvore ............................................................................................................................................... 106

Fig. 46 - Açucenas ........................................................................................................................................... 107

Fig. 47 - Lírio .................................................................................................................................................. 107

Fig. 48 - Açucenas ........................................................................................................................................... 107

Fig. 49 - São Simão Stock ............................................................................................................................... 108

Fig. 50 - Nossa Senhora resgata as almas do fogo eterno ............................................................................... 109

Fig. 51 - Árvore ............................................................................................................................................... 110

Fig. 52 - Fonte d’água ..................................................................................................................................... 110

Fig. 53 - Profeta Elias e Santa Teresa d’Ávila ................................................................................................ 111

Fig. 54 - Santa Teresa de Jesus ....................................................................................................................... 112

Fig. 55 - Santo Elias (detalhe do painel D1) ................................................................................................... 113

Fig. 56 - Santo Elias (detalhe do painel D2) ................................................................................................... 113

Fig. 57 - Poço de Elias .................................................................................................................................... 113

Fig. 58 - Lírios ................................................................................................................................................. 113

Fig. 59 - Detalhe do painel D1 ........................................................................................................................ 125

Fig. 60 - Detalhe do painel E3 ......................................................................................................................... 125

Fig. 61 - Detalhe do painel E5 ......................................................................................................................... 125

Fig. 62 - Óculo com sol ................................................................................................................................... 135

Fig. 63 - Brasão ............................................................................................................................................... 136

Fig. 64 - Brasão da Ordem Carmelita Calçada ................................................................................................ 136

Fig. 65 - Brasão da Ordem Carmelita Descalça .............................................................................................. 136

Fig. 66 - Porta Central ..................................................................................................................................... 137

Fig. 67 - Frontão da porta central .................................................................................................................... 138

Fig. 68 - Flor e Uvas ........................................................................................................................................ 138

Fig. 69 - Pia 1 .................................................................................................................................................. 138

Fig. 70 - Pia 2 .................................................................................................................................................. 138

Fig. 71 - Medalhão central do nártex da Igreja de Nossa Senhora do Carmo ................................................. 139

Fig. 72 - Primeiro altar do lado esquerdo ........................................................................................................ 140

Fig. 73 - Primeiro altar do lado direito ............................................................................................................ 140

Fig. 74 - Símbolos da Paixão .......................................................................................................................... 141

Fig. 75 - Segundo altar do lado esquerdo ........................................................................................................ 142

Fig. 76 - Segundo altar do lado direito ............................................................................................................ 142

Page 14: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

XII

Fig. 77 - Mascarão ........................................................................................................................................... 142

Fig. 78 - Nossa Senhora ascendendo ao céu ................................................................................................... 143

Fig. 79 - Nossa Senhora no céu rodeada de anjos ........................................................................................... 143

Fig. 80 - Santa Teresa ascendendo ao céu ....................................................................................................... 143

Fig. 81 - Transverberação de Santa Teresa ..................................................................................................... 144

Fig. 82 - Transverberação de Santa Teresa ..................................................................................................... 145

Fig. 83 - Jesus alado abençoando Teresa ........................................................................................................ 145

Fig. 84 - Deus abençoando Teresa .................................................................................................................. 145

Fig. 85 - O êxtase de Santa Teresa - escultura de Bernini ............................................................................... 146

Fig. 86 - Transverberação de Santa Teresa ..................................................................................................... 146

Fig. 87 - Arcanjo ............................................................................................................................................. 149

Fig. 88 - Nossa Senhora do Carmo cobre os carmelitas com seu manto ........................................................ 149

Fig. 89 - Coroa ................................................................................................................................................ 150

Fig. 90 - Tipos de coroa .................................................................................................................................. 150

Fig. 91 - Castelo .............................................................................................................................................. 151

Fig. 92 - Espelho ............................................................................................................................................. 152

Fig. 93 - Altar-mor .......................................................................................................................................... 154

Fig. 94 - Cariátide ............................................................................................................................................ 155

Fig. 95 - Cariátide ............................................................................................................................................ 155

Fig. 96 - Flores ................................................................................................................................................ 156

Fig. 97 - Planta ................................................................................................................................................ 156

***

Page 15: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

XIII

SUMÁRIO

RESUMO ..............................................................................................................................................VII ABSTRACT ........................................................................................................................................ VIII LISTA DE SIGLAS............................................................................................................................... IX LISTA DE FIGURAS .............................................................................................................................X 1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................1 2. O AR: CONSTRUINDO UMA IGREJA E UM CONCEITO. ......................................................11

2.1. A IGREJA ENCONTRAVA-SE PRESTES A SE ARRUINAR.............................................11 2.2. PÉROLAS E ROCALHAS: A TEORIA E O SEU CONTEXTO. .........................................20 2.3. PEQUENAS CONSIDERAÇÕES SOBRE BENJAMIN E A ALEGORIA BARROCA.....37

3. O FOGO: TEMPESTADES, PROFETAS E AZULEJOS. ............................................................44 3.1. OS CARMELITAS E O RIO PARAÍBA..................................................................................44 3.2. MILAGRES NO MONTE CARMELO: O PROFETA ELIAS. ............................................55 3.3. CONSTRUINDO O CONVENTO OU A CONSAGRAÇÃO DE SÃO BERTOLDO..........70

4. A ÁGUA: A CONDUTA DOS SANTOS..........................................................................................84 4.1. A FIDELIDADE AO REINO VIA GUERRA DOS MASCATES..........................................84 4.2. OS MODELOS DE CONDUTA VÃO A CAMPO: A (A)PROVAÇÃO................................93 4.3. MANTOS E ESCAPULÁRIOS: RESGATANDO ALMAS DO FOGO ETERNO............103

5. A TERRA: O FIM QUE LEVA A UM COMEÇO .......................................................................116 5.1. SANTA TERESA DE JESUS E SUA REFORMA ................................................................116 5.2. A REFORMA TURÔNICA NAS CAPITANIAS DO NORTE. ...........................................128 5.3. ALEGORIAS NO CARMO DA PARAÍBA: A INTERIORIZAÇÃO DA FÉ. ...................135

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................157 7. REFERÊNCIAS ...............................................................................................................................163

7.1. REFERÊNCIAS BÍBLICAS: ..................................................................................................168 7.2. FONTES DAS FIGURAS.........................................................................................................169

8. GLOSSÁRIO ....................................................................................................................................171 9. ANEXOS ...........................................................................................................................................175

ANEXO I – FOTOS DO FORRO...................................................................................................175 ANEXO II – PLANTA DA IGREJA DO CARMO ......................................................................177 ANEXO III – MAPA DE LOCALIZAÇÃO..................................................................................178 ANEXO IV – FACHADA DA IGREJA DE NOSSA SENHORA DA GUIA .............................179 ANEXO V – AZULEJOS DO CONVENTO DE N. SRA. DAS NEVES (OLINDA - PE) ........180

***

Page 16: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

1

1. INTRODUÇÃO

Bastou-me uma simples tarde de fotografias, no intuito de realizar alguma espécie de

trabalho sobre educação patrimonial, para que a Igreja de Nossa Senhora do Carmo me

arrebatasse por completo. Assim como Santa Teresa, me vi em estado de “êxtase”, e no meio

daquele mundo louco de monografias, estágios e dificuldades financeiras, redescobri o prazer

de ser historiador. Naquele momento uma idéia se iluminou na minha cabeça: porque não

propor uma pesquisa no Programa de Pós-Graduação em História da UFPB sobre as imagens

da Igreja de Nossa Senhora do Carmo? E, consequentemente, uma pergunta: como fazê-lo?

A resposta viria de avião do Rio de Janeiro quase que duas semanas depois. A

professora Thereza Baumann veio à Paraíba para participar da qualificação do então

mestrando, hoje mestre pelo PPGH/UFPB, Paulo Eduardo da Silva Costa1. No intuito de

aproveitar a vinda da professora, o programa propôs um mini-curso sobre iconografia

lecionado por Thereza e, numa sábia decisão, permitiu que alunos que não pertenciam ao

programa pudessem participar. A partir desse encontro de apenas três dias, o projeto que

ocuparia dois anos na minha vida, foi organizado e montado dentro da minha cabeça.

Da escrita do projeto de pesquisa sobre o conjunto arquitetônico carmelita em João

Pessoa até o processo de seleção do mestrado, intermediado pela colação de grau em História,

foram menos de seis meses. E assim, com um projeto intitulado Igreja, Estado e símbolos: a

apoteose barroca no conjunto carmelita em João Pessoa, acompanhado da amiga e

professora Carla Mary S. Oliveira comecei minha jornada em busca da leitura do monumento.

Após um ano de pesquisa e disciplinas foi necessário que esta dissertação—que no projeto

tinha um enfoque em História da Arte—se transmutasse numa narrativa de uma determinada

cultura histórica, apta a se encaixar na área de concentração em História e Cultura Histórica

do Programa de Pós-Graduação em História da UFPB.

É importante deixar claro que algo mais do que o simples interesse pessoal me movia no

caminho até a dissertação. Primeiramente, devo colocar a minha preocupação constante com o

patrimônio histórico da Paraíba. Três anos de experiência como estagiário voluntário no

1 Sua dissertação intitulada Do sensível ao inteligível: o auto de São Lourenço, encontra-se disponível para

download em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=93820>. Acesso em 01 fev. 2008.

Page 17: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

2

IPHAEP me deram uma pequena amostra da árdua luta que se trava no dia-a-dia quando se

trata da questão patrimonial do Estado. Apesar de ter encontrado pessoas extremamente

competentes no órgão, pude entender que a salvação do patrimônio da Paraíba não se sustenta

somente em nomes, mas sim na estruturação de uma política patrimonial que preveja verbas

suficientes para manter o bom funcionamento do instituto, incluindo a realização de projetos

de restauração e conservação que vão desde o patrimônio edificado até os arquivos públicos,

aliados a uma política imprescindível de educação patrimonial. Política essa que, apesar das

boas intenções dos realizadores da Cartilha do Patrimônio2, nunca chegou perto de ser

realizada no termo exato em que a compreendo. Trabalhar com um monumento histórico e

artístico tão importante, e ao mesmo tempo um pouco relegado a escanteio pelos órgãos de

preservação, vide a situação em que a Igreja de Nossa Senhora do Carmo foi tombada—às

pressas e sem processo, junto com outros monumentos de importância ímpar na Paraíba—, se

colocava como algo urgente e imprescindível de se fazer. É necessário conhecer aqueles

monumentos para que eles possam ser objetos de projetos de educação patrimonial.

A segunda questão que me moveu foi, perdoem-me o coloquialismo, uma pulga atrás da

orelha colocada pela fala da professora Carla Mary:

Nós próprios, que vivemos em meio de um turbilhão de contrastes e imagens que quase nos sufocam no dia-a-dia, poderíamos compreender melhor a contemporaneidade se buscássemos, no Barroco, a origem de discursos visuais que se tornaram também, nas palavras de Argan, “um modelo de comportamento”. Especialmente a sociedade colonial que se construiu nas Américas foi erguida a partir dessas imagens, o que nos faz, por extensão, uma consequência desse processo histórico. (OLIVEIRA, C.M.S., 2005, p. 162)

Perguntava-me como uma expressão artística poderia me ajudar a compreender a

atualidade? Ia ainda mais longe: como a compreensão dessa arte pela população leiga poderia

fazer com que esta passasse a enxergar o discurso por detrás deste turbilhão de imagens pelos

quais somos bombardeados no dia-a-dia contemporâneo?

Foram essas as questões que nortearam a elaboração do projeto proposto na seleção do

programa. Contudo, à medida que a pesquisa ia avançando pude perceber que as respostas

2 Sobre a Cartilha do Patrimônio elaborada pelo IPHAEP ver: MARANHÃO, Maria Ivonilde Targino. Uma

experiência de educação patrimonial na cidade de João Pessoa: o processo de elaboração das “Cartilhas do Patrimônio” pelo IPHAEP (1980-2003). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-graduação em História. Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2007. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=93791>. Acesso em 01 fev. 2008.

Page 18: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

3

para essas perguntas demandariam por si só um trabalho específico. Por mais que essa

discussão não esteja explícita ao longo dos capítulos, compreender a cultura histórica

carmelita por meio das alegorias da Igreja de Nossa Senhora do Carmo nos dias atuais,

também é uma forma—e na minha opinião, das mais adequadas—de ler um monumento que

possui no culto católico a sua função social. E como bem nos lembra Becker (1999, p. 6):

Em nossa época inundada de estímulos visuais é grande o perigo de que se deteriore ainda mais a nossa capacidade de pensamento imaginativo. O estudo dos símbolos pode ajudar-nos a encontrar meios e caminhos para ver atrás das coisas e ligar as manifestações visuais e verbais deste nosso mundo tão maravilhosamente variado e multifacetado.

A arte talvez seja a mais glorificada expressão cultural de uma sociedade. Contudo, o

conceito de cultura adotado neste trabalho engloba não só as manifestações artísticas, mas

tudo aquilo que é fruto da sabedoria humana, seja este um objeto de uso cotidiano ou um

modo-de-fazer. Nesta concepção, Cultura Histórica seria todo aquele conhecimento produzido

e acumulado pelo ser humano. Todo objeto cultural é fruto de um local social: sua

formulação, seus objetivos, suas finalidades buscam atender, consciente ou

inconscientemente, a necessidade de um determinado contexto histórico.

Avançar no estudo de uma cultura histórica é entrar no campo da diversidade. Isso

porque numa determinada sociedade não existe apenas um contexto histórico, mas sim

inúmeros. Cada ser humano vive uma única e específica vida, o que o leva a produzir uma

visão histórica específica, fruto de cultura histórica específica. Se me permitem exemplificar

com uma metáfora, diria que seu pai não é o mesmo pai de seu irmão. Isso porque as

experiências e os locais que você vivenciou com seu pai, são diferentes daqueles que ele

vivenciou com seu irmão. Se ambos fossem escrever uma biografia da figura paterna

poderiam até descrever situações em comum, mas, provavelmente, tirariam conclusões

adversas, quando não contraditórias.

Todavia, a figura paterna como progenitor da família une os dois irmãos, numa cultura

histórica única: a da família, que por si se encontra interligada a outras famílias pelo simples

fato de elas existirem nos moldes de um determinado contexto histórico. Os estudos de micro-

história são um enorme avanço nessa questão. Por meio da análise de um caso específico é

possível compreender, além das idiossincrasias de cada situação, a complexidade de um

contexto histórico geral. Não significa que o todo cabe por completo dentro do específico,

mas que por meio do caso particular é possível compreender os mecanismos de

funcionamento da conjuntura geral.

Page 19: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

4

Não ouso realizar aqui um trabalho de micro-história, que necessitaria de uma erudição

quase inatingível para apenas dois anos de pesquisas e leituras. Contudo, por meio da análise

de uma cultura histórica específica, no caso a cultura religiosa artística dos carmelitas

reformados na Capitania da Paraíba, é possível vislumbrar certas peculiaridades locais e

também os tais mecanismos de funcionamento da conjuntura a que esta cultura se encontra

arraigada.

Por meio do gráfico 1 é possível entender melhor a delimitação do meu objeto de estudo

e sua inserção dentro da área de concentração de cultura histórica:

Gráfico 1 – Cultura História

1. Contexto Histórico 2. Cultura Histórica Imagética Barroca 3. Cultura Histórica Carmelita 4. Igreja de Nossa Senhora do Carmo

O retângulo branco seria o contexto histórico do século XVIII, que envolve as culturas

históricas representadas pelos círculos. No caso, o círculo amarelo representa a cultura

histórica imagética barroca, e o azul, a cultura histórica carmelita. A Igreja de Nossa Senhora

do Carmo na Paraíba colonial, representada pelo retângulo preto, encontra-se dentro da

intersecção entre essas duas áreas, destacada em verde. Por meio de uma análise imagética

das obras de arte da igreja será possível vislumbrar essas culturas, suas intersecções, seu

contexto histórico, e, principalmente, o objeto que permite que a cultura imagética carmelita

do século XVIII permaneça praticamente intacta nos dias atuais: a Igreja de Nossa Senhora do

Carmo. De acordo com Argan (2004, p.47):

Nessa cultura [Barroca], a arte tem uma função hegemônica, porque traduz tudo em imagens, em fenômenos. Portanto é justo buscar na arte a expressão mais autêntica e completa de uma civilização que ampliou enormemente o horizonte do real, sem lhe impor outro limite que não o do seu necessário fenomenizar-se através do pensamento e da ação humana.

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

5

Portanto, para apreender a cultura histórica dos carmelitas da Paraíba colonial, o foco da

pesquisa será a Igreja de Nossa Senhora do Carmo e suas obras de arte, sejam elas pinturas

em madeira, painéis de azulejaria ou ornatos e altares esculpidos na pedra calcária. Para

realizar esse empreendimento, utilizo como fonte metodológica principal a proposta de

análise imagética formulada por Erwin Panofsky, explanada em seu livro Significado das

artes visuais (1991)3, que se divide em três etapas sucessivas:

Na primeira etapa realiza-se a análise pré-iconográfica onde há a “identificação das

formas puras” (PANOFSKY, 1991, p. 50). O intuito é perceber os componentes físicos da

manifestação artística, ou seja, quais foram as matérias, os elementos (arquitetônicos,

escultóricos, pictóricos, etc.), e a palheta de cores que foram utilizados na elaboração da obra

artística examinada.

A análise iconográfica, por sua vez, compõe a segunda etapa de sua metodologia e

utiliza como ponto de partida o material analisado na fase anterior, buscando a identificação e

classificação das imagens. De acordo com Panofsky (1991, p.50), desta forma “ligamos os

motivos artísticos e as combinações de motivos artísticos (composições) com assuntos e

conceitos”.

Por fim, a análise iconológica; nesta etapa procura-se conhecer os significados

intrínsecos daquelas obras de arte, ou seja, conectá-los diretamente com o contexto sócio-

cultural no intuito de se tornarem objeto de estudo dos historiadores culturais, transformando-

as em objetos detentores de cultura histórica. Nas palavras de Panofsky (1991, p. 52):

III. Significado intrínseco ou conteúdo: é apreendido pela determinação daqueles princípios subjacentes que revelam a atitude básica de uma nação, de um período, classe social, crença religiosa ou filosófica—qualificados por um personagem e condensados em uma obra.

Historiadores como Ernest Gombrich—cujas análises sobre o Barroco serão utilizadas

neste trabalho—desconfiavam que a análise iconológica de Panofsky consistia em mais uma

forma de ver a arte como reflexo da sociedade. Tal posição é contestada por Burke (2004,

p.46) que afirma: “Panofsky insistia na idéia de que as imagens são parte de toda uma cultura

e não podem ser compreendidas sem um conhecimento daquela cultura, (...)”.

3 Tal metodologia já era utiliza pela literatura, como bem lembra Burke (2004, p.45) “Esses níveis pictóricos de

Panofsky correspondem aos três níveis literários distinguidos pelo estudioso clássico Friedrich Ast (1778-1841), um pioneiro na arte de interpretação de textos (‘hermenêutica’): o nível literal ou gramatical, o nível histórico (preocupado com o significado) e o nível cultural, voltado para a captação do ‘espírito’ (Geist) da Antiguidade ou outros períodos.

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

6

À medida que o trabalho foi sendo escrito pude perceber que a análise iconológica das

alegorias da Igreja de Nossa Senhora do Carmo só poderia ser realizada por meio do

imbricamento entre culturas históricas específicas. A adoção da metodologia de Panofsky

exige que o historiador compreenda os diversos contextos históricos envolvidos na construção

da obra de arte. Falo em contextos no plural, pois para compreender as alegorias barrocas da

Igreja da Ordem Primeira de Nossa Senhora do Carmo é necessário entender a arte barroca do

século XVI e o percurso que leva o Barroco a atingir certa apoteose na Paraíba do século

XVIII.

Entender a importância que o elemento alegórico barroco tem para a compreensão de

um modelo de conduta cristã nos frequentadores da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, é

conceber o conceito de alegoria como uma linguagem que busca dizer mais do que palavras

ou ideogramas; cujo objetivo é se introjetar no cristão como uma verdade que não mais pode

ser contestada devendo, pois, ser assimilada. Tal como a idéia de um pretérito que é mais-que-

perfeito, que indica uma ação passada em relação a um fato passado, e que, portanto, não

pode ser contestado, modificado ou continuado, a alegoria seria o verbo mais-que-perfeito,

plenamente concluído no seu conceito, cuja compreensão é universal e a eficácia indubitável.

Adotar a Igreja de Nossa Senhora do Carmo na Paraíba colonial como parte de uma

cultura histórica significa enquadrá-la na proposta metodológica de análise iconológica

sugerida por Panofsky. Devido à amplitude do tema abordado e o pouco tempo

disponibilizado para realizar uma boa dissertação, cumprindo com os prazos determinados

pela pelo programa e CAPES, foi necessário realizar um corte em parte do texto da

qualificação. O convento carmelita, hoje palácio episcopal, já havia sido descartado do projeto

original por se encontrar bastante descaracterizado tendo perdido sua fachada barroca para o

estilo neoclássico no início do século XX; contudo a Igreja da Ordem de Santa Teresa de

Jesus permanecia como objeto de estudo até a qualificação, quando me foi aconselhado

realizar um recorte no tema, em função do pouco tempo disponível para a quantidade de

pesquisas ainda por fazer. A decisão foi tomada em conjunto com a Profª Carla Mary S.

Oliveira: o trabalho teria como foco principal a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, tendo a

minha querida Ordem Terceira que esperar um pouco para que num futuro—espero que não

muito distante—ela possa ser fruto de uma análise digna de sua amplitude iconográfica.

Desde o início, havia um desejo implícito no autor que vos escreve de que este trabalho

tivesse a máxima divulgação possível, como forma de justificá-lo perante a sociedade, e,

consequentemente, fazer jus ao investimento que esta depositou em minha pessoa, já que,

desde a minha graduação, estudo numa instituição pública federal que se sustenta devido aos

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

7

impostos pagos pela população ordinária. Tal desejo se tornou ainda mais pertinente—

tornando-se um compromisso pessoal—com a contemplação da bolsa CAPES no segundo ano

de pesquisa. A implicação deste pensamento vai além do empenho particular de realizar uma

pesquisa séria e bem fundamentada, ela tinge o estilo dissertativo do autor que vos escreve na

primeira pessoa procurando utilizar, na medida do possível, uma linguagem simples e

acessível a todos. Os termos artísticos mais específicos, necessários para um trabalho deste

porte, estão todos contidos num glossário. Por isso, caro leitor, falarei com você como quem

troca idéias, no intuito de estabelecer um diálogo mais íntimo, daqueles que só temos nos

nossos livros de cabeceira que sempre espiamos ao final do dia. Às vezes me referirei a nós,

eu e você, leitor, como forma de chamá-lo a pensar comigo sobre aquela determinada questão.

Para evitar críticas desnecessárias, devo esclarecer que o texto final da dissertação,

apesar de estar escrito na primeira pessoa, não menospreza—muito pelo contrário!—todo o

aporte de conhecimento acumulado nas referências. Escrevo na primeira pessoa porque o

texto final é de minha autoria, e, portanto, de minha inteira responsabilidade, contudo cada

palavra escrita neste trabalho foi cuidadosamente analisada e embasada com os melhores

estudos da temática que se encontravam disponíveis para consulta.

Os capítulos que compõem esta dissertação são titulados pelos quatro elementos: ar,

fogo, água e terra. A cultura carmelita na Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Paraíba

colonial procura, por meio da interiorização de um modelo de conduta, conduzir o fiel à

salvação. De acordo com as alegorias da Igreja, a prática da oração mental, motivo que levou

Santa Teresa d’Ávila a fundar os Carmelitas Descalços, é a forma ideal de alcançar a

redenção. Essa oração é composta por quatro estágios que, de acordo com Chevalier e

Gheerbrant (1992, p. 761), em muito se assemelham com a tradição dos Sufis em que se deve

passar por quatro portas para se chegar ao estágio de êxtase, cada uma delas representada por

um elemento. Assim, a analogia me pareceu mais do que justa: representar cada capítulo

como um elemento que por si só tem vida, mas que só atravessando cada um deles é possível

enxergar por completo o objeto principal desta dissertação: a Igreja de Nossa Senhora do

Carmo.

O primeiro capítulo busca compreender a construção da Igreja de Nossa Senhora do

Carmo na Paraíba colonial e sua relação com a Arte Barroca. É factível afirmar que a primeira

feição da Igreja data do século XVII, contudo o monumento que podemos contemplar nos

dias atuais é fruto da sua reconstrução em meados do século XVIII. Tendo como ponto de

partida o período de construção do monumento, busca-se compreender o porquê da utilização

do Barroco e do Rococó como matrizes da construção e ornamentação do templo.

Page 23: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

8

O segundo capítulo relaciona a chegada dos carmelitas na colônia brasileira com a

origem da Ordem e a questão dos seus fundadores. Por meio de uma pesquisa documental e

bibliográfica é possível compreender a lógica colonial que faz com que as missões religiosas

sejam fundamentais para o sucesso da colonização portuguesa, e o papel dos carmelitas dentro

da edificação da Cidade da Paraíba, atual João Pessoa. Para isso, as alegorias convergem duas

origens diferentes: uma, coloca a Ordem Carmelita como missionária por excelência pelas

mãos de São Bertoldo, e, a outra, reafirma sua origem Eliana conferindo a Ordem o título de

mais antiga das congregações católicas.

O terceiro capítulo busca analisar o modelo de conduta que a cultura carmelita coloca ao

fiel como ideal para que este possa alcançar a salvação. Por meio de uma breve analise

documental sobre a participação dos carmelitas na Guerra dos Mascates é possível

compreender que a adoção de uma conduta exemplar é importante não só na busca do reino

de Deus, mas para a própria justificação e sobrevivência da Ordem carmelita na Capitania da

Paraíba.

No quarto, e último capítulo, analisa-se a figura de Santa Teresa de Jesus como

fundadora da Ordem dos Carmelitas Descalços, cuja doutrina mística será base para a

instituição da Reforma Turônica, dando início a Ordem dos Carmelitas Reformados. Foram

estes que, no início do século XVIII, substituíram os Carmelitas Observantes no Convento da

Cidade da Paraíba colonial e construíram o conjunto arquitetônico carmelita. Será possível

perceber, por meio das alegorias da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, a base ideológica de

suas obras de arte, que claramente se inspiram na doutrina mística proposta por Santa Teresa

de Jesus, convidando o cristão a participar ativamente dessa experiência espiritual.

As imagens, fundamentais para um trabalho dessa espécie, são apresentadas à medida

que são citadas pela primeira vez. Assim o leitor poderá ver na própria arte aquilo que está

descrito na análise. Com pouquíssimas exceções, todas as fotos sofreram ajustes de brilho e

contraste no intuito de que a própria imagem se tornasse mais legível, e que certos elementos

essenciais pudessem se destacar, compensando a precária iluminação dentro da igreja.

Os azulejos receberam uma legenda para melhor identificar a sua localização dentro da

Igreja. Adotou-se a perspectiva de um fiel que entra na Igreja de Nossa Senhora do Carmo

pela porta principal, os painéis do lado esquerdo possuem a inicial “E” e os do lado direito a

inicial “D”, seguidos por um número que indica a sequência dos painéis. Por exemplo, o

painel D3, é o terceiro conjunto de azulejos do lado direito. Os altares laterais também

utilizam da mesma lógica, só que a numeração vem antecedida de um “a”, para que não haja

confusão entre a localização da azulejaria, por exemplo, altar a D2, é o segundo altar do lado

Page 24: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

9

direito. Para melhor visualizar a Igreja como um todo—nártex, nave principal e altar-mor—

foi anexado ao trabalho um croqui com as respectivas legendas de localização dos painéis de

azulejos e dos altares laterais.

O forro da Igreja de Nossa Senhora do Carmo passa por um processo de restauração do

seu forro—incluindo o madeiramento da capela principal—que se encontrava degradado e

coberto por uma camada de tinta azul. Os trabalhos de prospecção realizados pelo IPHAN

confirmam o que já se desconfiava: existe sim uma pintura original, datada do final do século

XVIII ou início do XIX, por baixo das oito camadas de tinta, e, de acordo com as primeiras

imagens divulgadas pelos técnicos de restauro comandados do IPHAN, trata-se de uma

imagem de devoção mariana (anexo I). Como os trabalhos de restauração se encontram ainda

em seu estágio inicial, não será possível incluir nesta dissertação as pinturas dos forros da

Igreja da Ordem Primeira de Nossa Senhora do Carmo.

Em virtude da linha teórica adotada, os capítulos deste trabalho encontram-se

extremamente imbricados, os saltos temporais serão comuns, assim como as fundamentais

interrupções teóricas da narrativa histórica. Tal organização se faz necessária em função da

especificidade do tema e da linha de pesquisa na qual este trabalho está inserido. Pode-se

argumentar que corro o risco de tornar a narrativa confusa, e até mesmo enfadonha, porém,

acredito que não existe tema tão complexo que impossibilite a leitura de leigos. O que há é a

disposição e talento de um autor em tornar o seu texto compreensível para o maior número de

leitores possíveis. Garanto que disposição existe no autor; quanto ao talento, deixo a

responsabilidade sobre você, leitor, de me dizer ao final da leitura.

Um nascimento nunca é fácil. E não poderia ser diferente, já que este inicia o fio de uma

História que se propagará por tempo indeterminado. Seja uma criança, uma instituição ou uma

crença, o seu fim é inevitável, porém imprevisível. O historiador, muitas vezes movido pela

paixão inicial que a disciplina suscita, tende a acreditar que por possuir aquele fio de uma

História inteiro em suas mãos, seu trabalho de interpretação será completo e perfeito. O que

talvez ele não saiba é que o mesmo decorrer de tempo que lhe permite colocar aquela linha

em cima da mesa de estudos é responsável por fragmentá-la. Olhando de perto, ele percebe

que o fio não está inteiro: ele é feito de fiapos, meras fibras, quebradiças e subdivididas.

Olhando atentamente para essa linha, o historiador encontra mais dúvidas do que

respostas concretas. Óbvio que, ao escrever suas suposições, ele irá preenchê-lo com

argumentos e provas que lhe permitirão construir um relato. Tal qual a linha histórica

dissecada, um bom texto historiográfico, quando analisado de perto, é cheio de pontas que

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

10

podem levar por apaixonantes e inusitados caminhos. Cabe ao leitor, leigo ou cientista,

aventurar-se a percorrê-los.

Se me permitem mais uma analogia, o caminho da História é como uma pequena trilha

de tijolos amarelos, iguais àqueles percorridos por Dorothy e seus inusitados amigos na busca

pelo Mágico de Oz: uma jornada que conecta o mundo fantástico à realidade. O historiador

caminha por essa estrada onde de um lado encontra-se o concreto e do outro o imaginário. Os

desequilíbrios, inevitáveis na elaboração de uma pesquisa histórica, não devem induzir o

historiador a desviar-se do caminho e tentar alcançar as paisagens que se encontram ao lado,

uma é impossível de ser atingida e a outra é irreal. A boa história é escrita no decorrer do

caminho e seus resultados são tão reais quanto as nossas lembranças do lugar a que chamamos

de lar.

O autor, este que vos escreve, tem a árdua missão de deleitar-se na trilha dos tijolos que

levam até uma área bem definida no espaço urbano de João Pessoa: a Igreja de Nossa Senhora

do Carmo. No entanto, esta linha tem um aspecto peculiar, pois a visualização de seu fim veio

primeiro: a edificação está lá, praticamente intacta desde sua reconstrução no final do século

XVIII. E é esta linha, descoberta em seu sentido inverso—pois o monumento me apareceu

antes de sua história—, que percorre a realidade local, atravessa o Atlântico, chega às terras

lusitanas e se entrelaça no grande novelo europeu, que irá levar a mim e ao leitor a períodos

anteriores a Cristo. Desta forma, saltitando entre os tijolos misturados, ou desemaranhando a

ponta inicial do novelo, começo o raciocínio dessa História.

***

Page 26: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

11

É que da bem aventurança e da alegria na vida há pouco a ser dito enquanto duram; assim como as obras belas e maravilhosas, enquanto perduram para que os olhos a contemplem, são registros de si mesmas; e somente quando correm perigo ou são destruídas é que se transformam em poesia.

J. R. R. Tolkien – O Silmarillion

Page 27: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

11

2. O AR: CONSTRUINDO UMA IGREJA E UM CONCEITO.

2.1. A IGREJA ENCONTRAVA-SE PRESTES A SE ARRUINAR.

Era missa do sábado de aleluia de 1730. Os carmelitas encontravam-se reunidos na

Igreja de Nossa Senhora do Carmo na Cidade da Paraíba colonial para louvar a ressurreição

de Cristo. Boa parte da sociedade estava presente no culto; eles cantavam e oravam, alguns

com mais fervor, outros com menos. Naquele dia, no entanto, a mensagem cristã de amor ao

próximo não foi muito bem assimilada por algumas das ouvintes que lá se encontravam. Não

se sabe o motivo, mas as filhas da viúva Isabel de Albuquerque—Mariana de Albuquerque,

Maria de Albuquerque e Antonia de Vasconcelos—tinham algum desentendimento com uma

moça de nome Clara Francisca. O fato é que as diferenças entre as irmãs e a moçoila

chegaram a um ponto crítico: numa cena poucas vezes vista dentro de uma Igreja, as meninas

perderam a compostura e decidiram resolver os seus problemas por meio da agressão física:

Diz donna Isabel de Albuquerque viuva que ficou de Simão Aranha de vasconsellos do coal lhe ficarão tres filhas chamadas dona mariana de albuquerque, dona maria de albuquerque e dona antonia de vasconcelos, moradora e natural da cidade da parahiba do norte que em sabado de aleluia do anno de 1730, aconsesendo terem as ditas suas filhas humas duvidas com huma clara francisca, filhas de Vasco e Francisca moradores na mesma capitania na igreja de nossa senhora do carmo da dita cidade da parahyba sem que na ditas bellas ouvesse feridas por não há ver arma de nenhuma coalidades que a pudesse fazer: 4

Dona Isabel pede ao conselho que faça uma nova averiguação do caso já que nem o juiz

ordinário da Capitania da Paraíba, nem o Bispo de Pernambuco, chegaram a alguma definição

sobre qual das partes era culpada pelo ocorrido. O desfecho desse caso pôde ser averiguado

num cruzamento de informações entre Pinto (1977) e o documento—praticamente ilegível,

pois a tinta borrou no papel—que se encontra em anexo ao requerimento de 1732. De acordo

com Pinto (1977, p. 133), em 8 de novembro de 17325 há uma “Carta régia mandando

suspender a devassa do arrancamento feito na Igreja do Carmo em sabbado de aleluia.”.

4 AHU_ACL_CU_014, Cx.8, D. 680, grifo meu. 5 O requerimento feito por Dona Isabel não está datado. A data—31 de outubro de 1732—que se encontra no

resumo do documento em Menezes; Oliveira; Lima (2002), refere-se ao despacho do Conselho Ultramarino feito no próprio documento. Portanto, há um espaço temporal muito maior entre o requerimento de Dona Isabel e a carta régia citada por Pinto (1977).

Page 28: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

12

Paleografando a primeira frase do anexo ao requerimento—um novo requerimento de Dona

Isabel de Albuquerque pedindo outra devassa—é possível ler “Vossa Magestade servido (...)

por (...) sua de 8 de novembro do anno passado (...)”6. A data coincide com a informação

trazida por Pinto (1977), o que torna possível afirmar que o rei negou o pedido de devassa

feito pela suplicante, mandando suspender as investigações, fato que levou Dona Isabel

Albuquerque a pedir uma nova devassa em um outro requerimento. O segundo pedido

também foi recusado como é possível ler no despacho do conselho que se encontra escrito ao

lado do corpo principal do documento borrado: “Não deve haver procedimento alguma neste

cazo visto este informação a que se deve (...)”7

O requerimento de 31 de outubro de 1732 não só expõe uma curiosa faceta do cotidiano

colonial como é o primeiro, dentre os documentos manuscritos referentes à Capitania da

Paraíba existentes no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, a citar diretamente a Igreja de

Nossa Senhora do Carmo da Paraíba colonial trazendo um dado importantíssimo: em 1730 a

estrutura da igreja já existia em condições de comportar a realização de cultos abertos à

população ordinária da cidade.

Contudo, o fato do templo já se encontrar aberto para a sociedade não deve precipitar

uma afirmação de que a edificação já se encontrava finalizada com o aspecto que hoje se

observa. Era uma prática comum que as igrejas ainda incompletas, porém com a mínima

estrutura aceitável para sua utilização, fossem abertas para o culto. Geralmente, a missa

abacial—aquela que consagra a Igreja—era realizada assim que a edificação apresentava

condições de uso8.

Não foi possível determinar a data do início da construção da Igreja de Nossa Senhora

do Carmo, todavia é factível supor que sua edificação iniciou-se juntamente com a do

convento carmelita assim que os primeiros frades se instalaram na Capitania da Paraíba, pois

era prática comum das ordens missionárias iniciar a construção de suas igrejas juntamente

com as respectivas casas conventuais. De acordo com Lins (2006, p. 230, grifo do autor),

6 AHU_ACL_CU_014, Cx.8, D. 680. 7 AHU_ACL_CU_014, Cx.8, D. 680. 8 Na Paraíba é possível citar dois casos em que a missa abacial se realizou sem que as igrejas estivessem

terminadas: A Igreja de Nossa Senhora de Nazaré—ruínas tombadas pelo IPHAN como sendo do antigo Aldeamento Almagre/Utinga—localizada na atual Praia do Poço em Cabedelo; e a Igreja de Nossa Senhora da Guia, do Hospício da Guia, em Lucena. Ambas, apesar de terem sido utilizadas como templos, nunca chegaram a ser concluídas como se pode perceber por suas fachadas incompletas. No anexo IV há uma foto do Hospício da Guia em Lucena com sua fachada incompleta.

Page 29: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

13

pode-se afirmar “com boa margem de segurança que o Convento de Nossa Senhora do

Carmo na Capitania da Paraíba começou a ser edificado entre 1605 e 1609”.

Em 1717, os frades carmelitas da Ordem Primeira doam o terreno ao lado da Igreja de

Nossa Senhora do Carmo para a Ordem Terceira Carmelita, no intuito de que esta pudesse

construir sua igreja que seria consagrada a Santa Teresa de Jesus.

As Ordens Terceiras são irmandades vinculadas a alguma ordem religiosa. Composta

por homens, mulheres e padres do clero secular9, os seus membros, chamados de irmãos,

obrigam-se a viver sobre um rígido código de conduta. Segundo Costa (1976, p. 143):

(...) a terceira é puramente laica e composta de homens e mulheres, casados, viúvos e solteiros, que não podendo fazer parte da primeira e da segunda, congregam-se em associação religiosa, trajando o mesmo hábito da ordem, e de conformidade com uma regra ou estatutos especiais, também fazem o seu noviciado e solenemente professam.

Para além do forte caráter religioso e devoto, as Ordens Terceiras funcionavam como

um meio de diferenciação social. A seleção de seus membros era bastante rígida e a

manutenção de sua posição dentro da irmandade nem sempre era fácil. Essa seletividade de

seus membros tornava a participação numa Ordem Terceira num privilégio. O título de irmão

terceiro—difícil de se conseguir e de se manter—era um atestado de distinção, que poderia

abrir portas para cargos e privilégios dentro da Capitania, principalmente quando essas

regalias dependiam da aprovação da coroa portuguesa.

Não se sabe ao certo quando a Ordem Terceira Carmelita surgiu na Capitania da

Paraíba10. De acordo com Mello, Albuquerque e Silva (2005, p. 46): “Segundo o historiador

Irineu Ferreira Pinto remonta [sic] ao ano de 1706 as referências documentais mais antigas a

respeito da Ordem Terceira Carmelitana na Paraíba.”. Infelizmente os autores não indicam o

local de onde tiraram tal informação, pois não há nenhuma referência em Pinto (1977) sobre a

Ordem Terceira Carmelita no ano de 1706.

O que se sabe é que em 1722 iniciam-se as obras da construção da Igreja da Ordem

Terceira de Santa Teresa de Jesus. Inicialmente o projeto de construção previa uma 9 Chama-se clero regular, os religiosos que professam uma regra especial em determinada ordem religiosa,

enquanto que, são chamados de clero secular os eclesiásticos que participam da vida civil, sem professarem uma regra especial.

10 De acordo com Sciadini (1993, p. 47), “A terceira Ordem Secular [do Carmo] foi também obra de Soreth, em 1452. Conseguiu aprovação pontifica e lhe deu Regra e Constituições.” O beato Soreth, foi Geral da Ordem de 1451 a 1471, e iniciou uma reforma nos carmelitas que pouco influenciou a províncias da Ordem, contudo foi responsável pela fundação, como já foi dito, da Ordem Terceira Carmelita, e pelo nascimento da Ordem Segunda, em 1452, no mosteiro de Galdern, Holanda.

Page 30: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

14

independência estrutural das duas igrejas. A justificativa para a adoção de tal medida foi o

grave estado de arruinamento em que se encontrava a estrutura da Igreja de Nossa Senhora do

Carmo, cuja parede corria o risco de desabar caso fosse aberta para inserção do arco da Igreja

da Ordem Terceira. Não se sabe bem o porquê, mas os irmãos da mesa resolvem ignorar o

projeto inicial e iniciam as obras de inserção do arco na parede da Igreja de Nossa Senhora do

Carmo. Para isso “obrigaram a mudar a custa da nossa ordem a varanda que os ditos têm para

detrás da capela mor aonde já estivera, como também as janelas das quatro tribunas...”

(MELLO; ALBUQUERQUE; SILVA, 2005, p. 60).

Percebendo que a estrutura da Igreja do Carmo não suportaria a intervenção, colocando

em risco a construção das duas edificações, as obras são paralisadas ainda no ano de 1722,

sendo retomadas, logo após, com a idéia original de independência estrutural entre as duas

igrejas. Essa independência estrutural não indicava uma autonomia da Ordem Terceira sobre

a Ordem Primeira. Como bem lembra Carla Mary Oliveira (2003, p. 89):

Os frades carmelitas podiam assistir os serviços celebrados na pequena igreja [da Ordem Terceira] sem, contudo, deixar o templo principal. As janelas superiores do lado direito da capela dão para a galeria superior esquerda da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Trata-se de um detalhe curioso, posto que também demonstra como era possível, aos religiosos carmelitas, exercer um controle ostensivo sobre tudo o que se passava nos prédios anexos ao convento.

Essa subserviência da Ordem Terceira perante a Ordem Primeira também está presente

no frontão recuado da Igreja de Santa Teresa de Jesus, como novamente lembra a mesma

autora (OLIVEIRA, C. M. S., 2003, p. 89):

No lado oposto ao do convento [dos carmelitas] foi erguida a Capela da Ordem Terceira, dedicada a Santa Teresa. Uma característica singular do prédio é o fato de sua fachada ser recuada em relação à da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, como se fosse necessário demonstrar claramente a hierarquia existente entre os dois templos.

Apesar da mal-sucedida intervenção, a Igreja de Nossa Senhora do Carmo continuou a

realizar cultos até que em 1763 iniciaram-se as obras de reerguimento do edifício que se

encontrava com a estrutura bastante comprometida. F. A. Pereira da Costa traz um

interessante dado sobre o estado em que se encontrava o conjunto carmelita na Paraíba

colonial no início das obras de reconstrução:

Em 1764, como consta do Livro do Tombo do convento de Recife, apenas estava construída a capela-mor, dois dormitórios e a portaria, onde celebravam os padres os exercícios do culto, e mesmo assim não

Page 31: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

15

completamente acabadas aquelas secções do novo edifício. (COSTA, 1976, p. 153)

Apesar da demora no início das obras, quase quarenta e dois anos, sua reconstrução

durou apenas quinze anos, sendo concluída em 1778, como é colocado por Pinto (1977, p.

169): “É concluída a Igreja de N. S. do Carmo na capital, sob a iniciativa do prior Fr. Manoel

de S. Thereza que durante o tempo de seu priorado de quinze annos, conseguiu refaze-la

inteiramente”. É possível precisar a finalização da construção também pela fala do P. Lino do

Monte Carmelo Luna, no seu livro Memória histórica e biographica do clero pernambucano,

citado por Costa (1976, p. 154):

Durante quinze annos que fruio a autoridade de prior o P. Fr. Manoel de Santa Thereza, pôde reedificar, ou antes fundar de novo, a igreja do convento da Parahiba, em cuja obra empregou a maior solicitude possível: despendeu não pequena soma de dinheiro do governo, e o que pode alcançar de seus paes, favorecidos da fortuna: solicitou, e adqueriu grandes esmolas para adjutorio da nova fundação, visto como os rendimentos do convento não comportavam as despesas enormes de uma obra ingente. Entretanto, pôde concluil-as [sic] no ano de 1778: tempo em que deixou de ser prior, no capitulo celebrado em 10 de fevereiro daquelle anno.

Os elementos decorativos do arco cruzeiro, com ênfase no laço de fita (fig. 1), levam a

crer que os últimos retoques no monumento foram de trabalho de cantaria, mais

especificamente dos ornatos decorativos no referido arco.

Fig. 1 - Detalhe do laço de fita no arco cruzeiro Painel D4 – Igreja de Nossa Senhora do Carmo, João Pessoa,

segunda metade do século XVIII. Autoria desconhecida.

Os laços de fita “simbolizam uma função régia (...) procedem uma adesão interior com a

fé” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1992, p. 532). Tais ornatos foram largamente utilizados

Page 32: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

16

nas construções erguidas durante o reinado de D. Maria I (1777-1799) em Portugal. A rainha

possuía um gosto pessoal por laços de fitas, tanto pelo aspecto decorativo quanto pelo

simbólico, pois era uma católica extremamente fervorosa que financiava procissões e

construções de Igreja. Para além dessa questão, as rocalhas e fitas proporcionam ao arco

cruzeiro um estilo estritamente Rococó que difere do restante dos ornatos da Igreja de Nossa

Senhora do Carmo por serem, estes últimos, uma espécie de amálgama dos dois estilos: o

Barroco e o Rococó.

A reconstrução da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, num pequeno espaço de tempo,

consumiu uma grande quantidade de dinheiro. Com altares em pedra cobertos de douramento,

a obra encantou o P. Lino do Monte Carmelo Luna, como é possível ver na fala transcrita por

Costa (1976, p. 154, grifo meu):

É com effeito bella a igreja que o Padre Santa Thereza, possuido de um fervoroso zelo, fez surgir das ruinas em que se achava; ella é hoje apontada naquella provincia, como um dos seus magnificos templos, tornando-se recommendavel, e tendo preferencia aos demais pela sua moderna construção, elegancia, bom gosto, e de ser sobretudo toda de pedra, até mesmo a talha e relevos dos seus altares, columnas, nichos e tudo o mais que concerne á belleza de um altar: sobresahindo em todos o dourado polido das mesmas pedras, o qual decora ainda todo o templo, revelando o apurado gosto do seu fundador.

A Ordem Carmelita se viu obrigada a contrair dívidas, como é possível averiguar na

carta escrita em 12 de setembro de 1781 pelo capelão Frei José de Santo Elias à rainha D.

Maria I:

Com o mais profundo respeito me proponho a Real prezença de Vossa Majestade. Não é meo projecto procurar empregos, ou pertender onras particulares, que a grandeza de Vossa Majestade pode conferir me. O objecto de minha pertensão é remediar este convento, que pela Igreja, novamente erecta ficou tão vexado de dívidas vencidas que não só se vê exausto de bens para a satisfasão do empenho; mas ainda totalmente debilitado para proseguir as obras mais precisas, e preparar do adorno necessário para o culto divino o sagrado templo.11

Os indícios levam a entender que os carmelitas são diretamente afetados pela crise

financeira pela qual passa a economia açucareira da Paraíba no século XVIII. Analisando os

documentos transcritos por Pinto (1977) é possível perceber que a ordem possuía uma

11 AHU_ACL_CU_014, Cx.4, D. 2095.

Page 33: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

17

tradição na produção de açúcar e no trato do indígena como mão-de-obra dos engenhos,

ambas as atividades afetadas pela crise da economia açucareira litorânea.

As ordens religiosas participam diretamente do negócio do açúcar, não só fornecendo

mão-de-obra para a sua fabricação, mas também adquirindo fábricas de engenhos e plantações

de cana-de-açúcar. O caso trazido por Pinto (1977) em sua pesquisa documental é notável:

numa demanda de 15 de dezembro de 1700, os carmelitas alegam que tiveram um prejuízo de

quatrocentos mil réis, por terem sido impossibilitados de plantar “o partido de meia moenda

que o mosteiro possuía em Itapuá” (PINTO, 1977, p. 94). A alegação vem dos beneditinos

que declaram que as terras desse partido teriam sido doadas à Ordem para a construção do

Engenho Maraú12.

Os beneditinos recebem a doação de um terreno do senhor Antonio de Valladares e sua

esposa, que serviria para a construção do Engenho Maraú. Os carmelitas reivindicão a área

sob a alegação de que as terras doadas para a construção do dito engenho fazem parte da

sesmaria do Engenho Itapuá, pertencente aos religiosos do Carmo o que, portanto, não

poderia ter sido objeto de doação do dito senhor. O problema só terá sua solução definitiva

vinte e um anos depois em 1721, quando, de acordo com Pinto (1977, p. 117), “Neste mesmo

anno terminou por uma composição amigável a demanda com os frades do Carmo, ficando

cada convento com metade das terras do partido de Itapuá”. Também se registra, nesta mesma

data de 1721, a finalização da construção e o início do funcionamento do engenho Maraú.

Em 4 de outubro de 1738, uma ordem régia do então Rei de Portugal Dom João V,

manda expulsar da capitania da Paraíba os frades carmelitas André de Santa Catarina e Frei

Clemente do Rosário. Ambos estavam envolvidos num conflito que abarcava a questão da

mão-de-obra do engenho e o alistamento militar, expondo o choque de jurisdições descrito

por Cortesão (1993) entre poder temporal e poder espiritual.

Todos os anos, o rei enviava uma ordem para que os índios das aldeias fossem até o

local de alistamento das ordenanças no intuito de servirem de soldados em uma possível

guerra. O responsável pelos índios da Bahia da Traição era o Frei carmelita André de Santa

Catarina que não só desobedeceu à ordem, como também enviou uma carta ao capitão-mor

Pedro Monteiro de Macedo, ameaçando retirar os índios do trabalho nos engenhos. O frei

12 Até o ano de 2005 essa era uma das poucas moitas de engenho que havia de pé na várzea do Rio Paraíba,

porém, em 2006, a sua moita foi destelhada. Na época da minha visita em dezembro de 2006, ainda havia a pedra calcária com o brasão beneditino e uma inscrição. Atualmente, as terras do engenho Maraú pertencem ao INCRA. Sobre esse assunto ver: Carvalho (2005).

Page 34: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

18

cumpre com sua ameaça e ainda manda resgatar das mãos de um soldado um índio que havia

sido preso por se encontrar fora da igreja.

O outro caso de desobediência vem do Frei Clemente do Rosário, missionário da Aldeia

da Preguiça, que proíbe os índios de conduzir para a cidade da Paraíba colonial “hu negro que

lhe remeterão preso do certão por matar a seu senhor” (PINTO, 1977, p. 141), como havia

solicitado o sargento-mor de Mamanguape. O Capitão-mor Pedro Monteiro de Macedo pede

uma providência contra esses religiosos ao Vigário Provincial do Carmo de Pernambuco que

não parece dar a devida importância ao caso.

Neste episódio, o rei é direto e severo: ordena a expulsão dos ditos frades da capitania

da Paraíba e ainda manda repreender o Vigário Provincial de Pernambuco por não ter tomado

providências contra esses carmelitas. Quando se trata da composição das ordenanças, ou seja,

do exército do rei, ele é sempre bastante claro ao não permitir brechas e concessões, pois as

milícias compõem a força que garante o domínio da coroa em sua longínqua colônia.

Afetados pela crise econômica, que atacava diretamente os rendimentos das ordens, os

carmelitas resolvem recorrer ao rei para sanar as dívidas contraídas em função da

reconstrução da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. A carta escrita pelo frei José de Santo

Elias em 1781 deixa bem claro que a igreja encontrava-se terminada, porém carecendo de

paramentos e de obras mais precisas. O trecho do ofício em anexo, assinado pelo juiz das

ordenanças e demais membros do senado, declara que a Igreja de Nossa Senhora do Carmo

apesar de se encontrar em sua última perfeição padece da ausência da segunda torre:

Ainda contra a grave penuria em que se acha o seo convento que certamente atte empenhado, e sem ornamentos precisos e dessenttes para as festividades. Isto por causa da igreja que novamente se fez, suposto esteja na sua ultima perfeição, não se ve mais que huma torre ainda que completa se faltando de toda a segunda, (...).13

Como Frei José de Santo Elias já afirmava, a igreja necessitava de alguns retoques,

dentre eles, a construção da segunda torre, melhoramento que nunca chegaria a ser feito. Ou

seja, é factível afirmar que a Igreja de Nossa Senhora do Carmo que é admirada nos dias

atuais (Figs. 2 e 3)14 é praticamente a mesma que o juiz das ordenanças e funcionários da

13 AHU_ACL_CU_014, Cx.4, D. 2095. 14 A planta baixa da Igreja de Nossa Senhora do Carmo encontra-se no anexo II e o mapa de sua localização no

anexo III.

Page 35: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

19

câmara viram em 18 de julho de 1781, quando escreveram o seu ofício15. Corrobora com a

idéia de que a edificação foi finalizada em meados da segunda metade do século XVIII, o fato

de ela apresentar em abundância a mistura dos elementos barrocos e rococós peculiares da

arquitetura religiosa brasileira desse período.

Fig. 2 – Fachada – Igreja de Nossa Senhora do Carmo, João Pessoa, segunda metade do século XVIII.

15 No início do século XX, os altares laterais e o arco-cruzeiro foram cobertos por argamassa e pintados nas

cores branca e amarela respectivamente. O forro, tanto da capela-mor, quanto da nave principal, foi coberto por sucessivas camadas de tinta azul.

Page 36: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

20

Fig. 3 – Interior – Igreja de Nossa Senhora do Carmo, João Pessoa, segunda metade do século XVIII.

Três conceitos norteiam a análise iconológica deste trabalho: Rococó, Barroco e

Alegoria. Essas três peças-chave se apresentam mescladas dentro da Igreja de Nossa Senhora

do Carmo. Por vezes os elementos são puramente rococó; às vezes, surgem como adorno para

as alegorias barrocas. Todavia, antes de entender o porquê delas ali estarem, é necessário

apurar o olhar de observador para compreender como esses conceitos se apresentam nas

imagens ora analisadas. E é tentando entender e identificar as suas formas que se chega aos

porquês de seus usos.

2.2. PÉROLAS E ROCALHAS: A TEORIA E O SEU CONTEXTO.

A arte se insere em uma sociedade sendo produto e produtora de um contexto histórico.

Portanto, para realizar uma análise iconológica de uma peça artística é necessário conhecer a

cultura histórica da sociedade em que a obra foi produzida e exposta. Dessa forma é possível

entender as influências artísticas que perpassam a elaboração de determinada produção:

O que vemos é a pintura traduzida nos termos da nossa própria experiência. Conforme Bacon sugeriu, infelizmente (ou felizmente) só podemos ver aquilo que, em algum feitio ou forma, nós já vimos antes. Só podemos ver as coisas para as quais já possuímos imagens identificáveis, assim como só podemos ler em uma língua cuja sintaxe, gramática e vocabulário já conhecemos. (MANGUEL, 2006, p. 27, grifo do autor)

Page 37: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

21

Conhecimento histórico ou artístico não precedem a apreciação de uma obra de arte,

afinal, uma peça pode arrebatar seu espectador apenas por sua beleza. Contudo, quando se

passa para o campo da análise histórica ou estética são necessários conhecimentos prévios

sobre a obra, seu autor e seu contexto histórico. Para um trabalho como este, que almeja

analisar a cultura histórica carmelita por meio das obras de arte de uma igreja específica, a

compreensão dos aspectos teóricos do Barroco e Rococó é imprescindível para entender o

porquê de o século XVIII ser o período das grandes construções dos referidos estilos

arquitetônicos na Capitania da Paraíba, enquanto que na Europa esses movimentos já não

apresentavam tanta força, havendo sido destituídos de seus postos como arte hegemônica pelo

Classicismo e pelo Romantismo.

Pelo menos até o final do século XIX, o Barroco foi visto como uma arte de

degenerescência. Como lembra Menashe (2006, p.336, grifo do autor), “A maioria dos

analistas aceita a etimologia padrão que enfatiza tanto o espanhol barrueco quanto o

português barroco, termos correntes entre joalheiros do século dezesseis para designar uma

pérola grande e irregularmente esculpida”16. A questão da irregularidade, do mau gosto, são

pontos centrais nas análises de então sobre a arte barroca, considerada uma degenerescência

da arte renascentista.

O primeiro teórico a colocar o Barroco como um movimento artístico com o mesmo

valor estilístico de outros períodos foi o alemão Heinrich Wölfflin. Seus livros Renascença e

Barroco e Conceitos fundamentais da História da Arte são verdadeiras obras-primas na

reabilitação e construção do conceito de Barroco dentro da História da Arte.

Em 1888, Renascença e Barroco foi publicado pela primeira vez, e não é difícil

imaginar o impacto que suas teorias tiveram no ramo historiográfico. Sua tese principal está

descrita nos primeiros parágrafos de sua introdução: desfazer a teoria do Barroco como “o

estilo que resultou na degeneração da Renascença” (WÖLFFLIN, 1989, p. 25), e provar que a

estética barroca é um desdobramento inevitável do Renascimento, nem menor, nem maior do

que este. Para Wölfflin (1984, p.14), “O Barroco não significa nem a decadência nem o

aperfeiçoamento do elemento clássico, mas uma arte totalmente diferente”. Para provar sua

tese, o autor se atém à arte na cidade de Roma, centrando-se na arquitetura e na escultura,

durante um curto período, entre 1590 e 1630.

16 O texto original: “Most analyst accept the standard etymology which stresses either the Spanish barrueco or

the Portuguese barroco, sixteenth-century jewelers’ terms signifying a large, irregularly shaped pearl.” As traduções do inglês para o português são de Berttoni Cláudio Licarião (UFPB).

Page 38: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

22

As análises feitas por Wölfflin são referenciais para qualquer estudo que procure

realizar uma análise estética da arte Barroca, principalmente quando se fala de arquitetura. De

acordo com Wölfflin (1989) a transformação estilística da Renascença para o Barroco se

baseia em quatro importantes características: o efeito pictórico e o efeito de massa, dois

elementos complementares, fundamentais para a composição do terceiro elemento, o

movimento, que será a forma encontrada pelo estilo para atender ao seu intuito principal, a

incitação das sensações.

O pictórico é a ausência da linearidade. Desaparecem os contornos definidos que tanto

eram prezados na cultura renascentista, e as linhas se fundem à obra de arte. Talvez seja mais

claro compreender este efeito através da pintura. Na obra Judite e Holofernes do pintor

lombardo Caravaggio17 (fig. 4), é possível ver na prática o que Wölfflin quis dizer ao se

referir ao Barroco como pictórico. Utilizando-se de um forte contraste entre claro e escuro—

perceba como as figuras centrais estão iluminadas enquanto quase não se vê o fundo da

pintura—as linhas de contorno da mulher idosa, de Judite e de Holoferne se perdem no fundo

preto realizando uma composição única. De acordo com Wölfflin (1984, p. 15) “a visão por

volumes e contornos isola o objeto [pintura linear renascentista]: a perspectiva pictórica, ao

contrário, reúne-os.”.

Fig. 4 – Caravaggio. Judite e Holofernes. 1599. Óleo sobre tela. 1,45 x 1,95 m. Galleria Nazionale d’Arte

Antica, Roma.

17 Um dos grandes artistas barrocos, Michelangelo Merisi nasceu na cidade de Caravaggio, na Lombardia em

1571 ou 1573. Acabou tornando-se conhecido pelo nome de sua cidade natal. Apesar da breve carreira—faleceu em 1610—deixou inúmeras obras entre naturezas mortas, figuras mitológicas e cenas religiosas. Sua influência na pintura foi tão marcante que deu início a uma corrente pictórica intitulada de Caravagismo. Para mais informações sobre a vida e obra do pintor ver: Lambert (2006).

Page 39: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

23

O efeito de massa está diretamente ligado ao efeito pictórico. Segundo Wölfflin (1984,

p. 41), “Não só o detalhe, mas toda a composição se estrutura segundo massas em claro e

escuro, [...]. O estilo pictórico só pensa em massas: luz e sombras são seus elementos”. Na

mesma pintura de Caravaggio também é possível perceber o efeito de massa: basta observar o

contraste entre a sombra e a luz na pintura.

Tal efeito pode ser percebido ainda com mais clareza na arquitetura: rejeitam-se os

ângulos retos compondo-se em seu lugar volutas e curvas, distorcendo eficazmente sua

linearidade e proporcionando ao observador uma impressão de continuidade onde não há um

fim claramente delimitado, como se a forma evanescesse no próprio monumento. O frontão

das igrejas tem um aspecto pesado, que “não mais parece erguer-se, mas cair” (Wölfflin,

1989, p. 58), e suas fachadas são ásperas, denotando uma ausência de contorno e

delineamento (fig. 5). Em seu interior, o jogo de sombras e luz é feito através de janelas,

sacadas, ou ainda, no caso da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, pelos óculos

estrategicamente distribuídos. (fig. 6).

Fig. 5 – Frontão – Igreja de Nossa Senhora do Carmo, João Pessoa, segunda metade do século XVIII. Autoria

desconhecida.

Fig. 6 – Óculos do altar-mor – Igreja de Nossa Senhora do Carmo, João Pessoa, segunda metade do século XVIII. Autoria desconhecida.

Page 40: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

24

Todo esse cuidado com o pictórico e as massas tem como objetivo principal estabelecer

o movimento da obra de arte, dinamizar aquilo que, por natureza, é estático. É como se

observássemos um momento, um instante de um acontecimento, ou de uma história que

parece se prolongar aos nossos olhos. Voltando à pintura de Caravaggio, é possível ver as

figuras se movimentando; pela expressão de Holofernes percebe-se que ele está no interlúdio

entre a vida e a morte, procurando inutilmente se debater enquanto o sangue começa a espirrar

de seu pescoço tingindo os lençóis brancos; Judite não expressa remorso algum, apenas certa

contrariedade com a cena, talvez devido à quantidade de sangue que parece que será

derramado; terminando a decapitação ela provavelmente segurará a cabeça pelos cabelos e a

entregará à velha que a enrolará no pano sujo que se encontra em suas mãos.

A última característica do Barroco levantada por Wölfflin focaliza a incitação das

sensações. Proporcionando movimento nas obras de arte, especialmente na arquitetura, o

Barroco busca provocar emoções no indivíduo que contempla o monumento. Quando

Wölfflin (1989, p. 48) fala que “O barroco se propõe outro efeito. Quer dominar-nos com o

poder da emoção de modo imediato e avassalador. O que traz não é uma animação regular,

mas excitação, êxtase, ebriedade”, ele está tentando demonstrar a necessidade que tem a obra

barroca de despertar paixões. Essa paixão deve ser efêmera, momentânea, já que o Barroco

não busca estabilizar o ser humano, mas sim desestabilizá-lo, fazê-lo sentir todo o esplendor e

alegria que somente a aproximação com o Deus católico pode trazer e, ao mesmo tempo, todo

o temor e a solidão que há fora desse caminho.

Para Wölfflin, a arte possui uma linha de raciocínio próprio, cuja dinâmica independe

da conjuntura social do período em que aquela escola artística se desenvolve, “a arte se

transforma, mesmo quando os meios de expressão se encontram plenamente desenvolvidos”

(WÖLFFLIN, 1984, p. 251). Não é que o autor negligencie por completo o contexto histórico,

contudo, para ele, este funciona apenas como pano de fundo no processo evolutivo das

transformações artísticas, sem influenciá-las decisivamente:

Em Conceitos Fundamentais da História da Arte está amadurecida a idéia de uma história da arte de evolução imanente, uma disciplina autônoma, com regras e quesitos que independem de determinações externas. Caberia lembrar aqui a importância das idéias de Comte, e como elas podem ter influenciado o historiador: a busca de regras estritas e de validez geral para a ciência pode ser transposta para o campo das artes, resultando na existência de leis que regem a evolução interna, inviolável dos processos artísticos. (SILVA, 1989, p. 12)

Page 41: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

25

A idéia de uma evolução autônoma das obras de arte, ainda tímida em Renascença e

Barroco, de 1888, torna-se o fio condutor de Conceitos Fundamentais da História da Arte, de

1915, último livro escrito pelo autor. O próprio Wölfflin (1984, p. 257) admite isso ao fim de

uma nota de rodapé na conclusão:

O autor aproveita a oportunidade para se corrigir. Em um trabalho da juventude, Renaissance und Barrock (1888), (...); numa concepção mais correta, dever-se-ia ter levado em conta o fato de que essas formas são as mesmas do renascimento, mais elaboradas, e que, como tais, não poderiam ter permanecido idênticas, ainda que não tivesse havido qualquer estímulo externo.

Mais a frente, em um posfácio, último texto a ser incorporado a Conceitos fundamentais

de História da Arte, o autor rechaça completamente a idéia da arte como um espelho da

sociedade:

Diferentemente do que ocorre com o homem, cujas alterações na expressão do rosto exprimem o fluxo de seus sentimentos, a arte não reflete com regularidade e de modo inequívoco uma atmosfera que se transforma: o aparato da expressão não é o mesmo para todas as épocas. A comparação que se costuma estabelecer entre a arte e um espelho que reproduz a imagem cambiante do mundo é duplamente enganosa: o trabalho criativo da arte não pode ser equiparado a um reflexo; desejando-se, porém, que a expressão adquira algum valor, seria necessário ter-se em mente que o espelho em si sempre possuiu estruturas diferentes. (WÖLFFLIN, 1984, p. 265, grifo do autor)

A influência da teoria desenvolvida por Wölfflin quando propõe um desenvolvimento

autônomo da arte é claramente perceptível no trabalho de outro grande teórico da História da

Arte: Germain Bazin. Ele também escreve uma obra geral sobre o desenvolvimento da arte

intitulada História da Arte (1980), publicado pela primeira vez em 195318. Em concordância

com as idéias de Wölfflin, Bazin acredita que a arte possui um desenvolvimento próprio que

independe de influências externas, realizando-se por ciclos chamados de “Estágios”19.

Segundo o próprio Bazin (1980, p. 435), autores como Élie Faure e Henri Focillon,

“definiram perfeitamente o ciclo evolutivo completo de um estilo”, que são: o estágio

primitivo, arcaico (idade experimental); estágio clássico (idade madura); estágio acadêmico;

estágio maneirista; e estágio barroco.

18 Trata-se de uma tradução portuguesa lançada no Brasil pela Editora Martins Fontes em parceira com a Editora Bertrand, de Lisboa.

19 O termo é traduzido na edição portuguesa como “Estádio”, optei por utilizar o termo corrente no Brasil que seria “Estágios”.

Page 42: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

26

É interessante perceber que apesar de Bazin estudar e sustentar a idéia de que existem

leis gerais que conduzem a elaboração de uma obra de arte, o autor chama a atenção para a

arte oriental, à qual faltariam etapas:

O estudo das grandes leis que regem a criação artística foi feito por historiadores da arte ocidental e dos confins asiáticos. O conhecimento das artes do Extremo Oriente foi conduzido independentemente e, se quisermos ter uma idéia de conjunto dos grandes estilos que se desenvolveram no mundo, seria conveniente juntar à morfologia deduzida da arte do ocidente a morfologia da arte oriental. (...) As analogias formais entre as artes do Ocidente e do Oriente são numerosas, e já aqui mesmo sublinhávamos alguns de seus aspectos. Os princípios do nascimento e desenvolvimento das formas são os mesmos, sejam quais forem as regiões do mundo; parece contudo que o ritmo da evolução das formas, tal como é definido por Riegl, Déonna, Élie Faure e Henri Focillon, só é rigorosamente aplicável às artes do Ocidente. No Extremo Oriente faltam imensas etapas. (BAZIN, 1980, p. 439, grifo meu)

Bazin percebe incoerências entre a arte Ocidental e Oriental e, apesar de admitir que há

uma lacuna de etapas em seus estudos sobre o Extremo Oriente, inicia o parágrafo dizendo

que naquele local a arte não foi estudada por especialistas, o que dificultaria a percepção da

ação das leis gerais sobre as manifestações artísticas orientais. Resta acrescentar que Bazin

reafirma, no início do primeiro parágrafo citado, que há sim, princípios em comum, e que o

que parece mudar é o “ritmo” da evolução da arte.

Portanto, o Barroco seria o último estágio de desenvolvimento da arte numa espécie de

cura do maneirismo. Na fase anterior, a alma humana se desliga da arte produzindo

deformações, como o alongamento dos membros dos corpos e o desequilíbrio nas imagens.

No Barroco, o homem restabelece o contato entre o espírito do artista e o mundo que o cerca:

O fim normal do maneirismo, a sua cura, está no barroco. Restabelecida a comunicação da alma com o mundo, a imaginação vai de novo beber nas fontes das formas universais com uma avidez estimulada pelo longo jejum que teve de suportar. A alma experimenta a emoção grandiosa de sentir em si a pulsação do cosmos. (BAZIN, 1980, p. 437).

Dos teóricos da arte que citaremos ao longo deste trabalho, Bazin foi o único que

escreveu diretamente sobre as igrejas barrocas do Brasil. Seu trabalho intitulado A arquitetura

religiosa Barroca no Brasil, de 1956, até hoje é um marco na análise arquitetônica do barroco

religioso brasileiro.

No livro, que surgiu como sua tese de doutoramento,o autor lida com a arquitetura

barroca brasileira dividindo-a em “escolas”, e realiza uma análise estética das fachadas e

plantas dos monumentos religiosos aqui existentes. O contexto histórico aparece de modo

Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

27

bastante tímido, na maioria das vezes como dado complementar à análise arquitetônica no

intuito de interligar os mais diversos monumentos a seus autores, como se pode perceber no

capítulo intitulado “Uma tradição arquitetônica: a escola franciscana no Nordeste” (BAZIN,

1983, p. 137-193).

Quando se compara os estudos realizados por Wölfflin e Bazin sobre o Barroco com os

elementos artísticos e arquitetônicos que compõem a Igreja de Nossa Senhora do Carmo

torna-se fácil caracterizá-la como uma obra daquele estilo. Os seus artistas podem não ter a

qualidade técnica de um Caravaggio, mas agregam em suas obras os elementos que

caracterizam o estilo barroco.

Um importante método de análise da obra de arte está colocado no trabalho de E. H.

Gombrich—lançado em 1950 e constantemente reeditado desde então—intitulado A História

da Arte. Seu intuito inicial era realizar uma obra que pudesse ser apreciada por leigos e

acadêmicos, como ele mesmo coloca em sua primeira frase do prefácio: “Destina-se este livro

a todos os que sentem necessidade de alguma orientação inicial num estranho e fascinante

mundo” (GOMBRICH, 1999, p. 7).

Apesar de não se encontrar explícita em seu trabalho, ao contrário dos teóricos tratados

até agora, sua abordagem sobre o Barroco é facilmente detectada, pois o texto é de extrema

fluidez. Duas são as principais divisões dos capítulos do livro: em períodos temporais e

lugares geográficos. Ao invés de ter como base o conceito de escolas ou tipologias, Gombrich

passa a analisar cada obra em si, sempre procurando estabelecer uma linha de conexão entre

as mesmas. A partir de então, procura extrair o quando, o onde e o quem de cada uma das

obras de arte cuidadosamente selecionadas. O contexto social aparece quase como suporte

biográfico para entender as ações e as decisões de seus autores, considerando o aspecto

psicológico de cada um. Ou seja, a trama social ganha uma importância de peso dentro da

análise da História da Arte dividindo, contudo, a responsabilidade da obra com a

personalidade de seu autor. De posse de todo esse conjunto de informações, Gombrich realiza

uma história do estilo, buscando “explicar ou interpretar as mudanças no estilo que também

são objeto de estudo deste livro” (GOMBRICH, 1999, p. 642)20.

20 Parece-me que a única dificuldade que Gombrich enfrenta com sua abordagem encontra-se no primeiro capítulo que trata da arte pré-histórica. O autor afirma que as manifestações primitivas são verdadeiras expressões artísticas, o que justifica a inclusão de um pequeno capítulo sobre a arte desse período. Contudo, é complicado realizar a abordagem proposta para um tipo de arte que não se sabe nada sobre os autores e muito pouco sobre o seu contexto social. Suas poucas páginas se resumem a considerar as pinturas rupestres como

Page 44: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

28

Seu manual tem passagens extremamente interessantes para o historiador e para os

leitores, como aquela em que, após discorrer sobre o pintor Diego Velázquez21, faz uso da

imaginação para analisar o quadro As Meninas (fig. 7):

(...) eu gostaria de imaginar que Velázquez fixou um momento real de tempo muito antes da invenção da câmera fotográfica. Talvez a princesa tenha sido trazida a presença de seus régios pais a fim de aliviar o tédio da longa pose para o quadro, e o Rei ou a Rainha comentassem com Velázquez que ali estava um tema digno de seu pincel. As palavras proferidas pelo soberano são sempre tratadas como uma ordem e, assim, é provável que devamos essa obra-prima a um desejo passageiro que somente Velázquez seria capaz de converter em realidade. (GOMBRICH, 1999, p. 408)

Fig. 7 – Diego Velázquez. As meninas. 1656. Óleo sobre tela; 318 x 276 cm. Prado, Madri.

É na análise dos artistas e de suas obras que Gombrich constrói uma teoria sobre os

aspectos formais que uma obra barroca apresenta, o que em muito se assemelha àquelas

características expostas por Wölfflin e Bazin.

Percebe-se que Gombrich possui alguma resistência à História Social da Arte, para ele

“aventadas por historiadores de credos marxistas” (GOMBRICH, 1999, p. 643) e solta um

farpa contra essa abordagem quando afirma:

manifestações de cunho mágico, e se atêm um pouco mais à arte pré-colombiana, sem um maior aprofundamento de suas análises.

21 Pintor Espanhol nascido na cidade de Sevilha, Diego Rodriguez da Silva y Velázquez (1599-1660), revelou desde o início uma forte influência das obras de Caravaggio. Posteriormente, em contato com a escola veneziana de pintura, sua obra tomou tons mais claros e pinceladas mais leves. Os quadros As meninas e As fiandeiras são considerados suas obras-primas máximas. Para mais informações: Gombrich (1999).

Page 45: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

29

Pode-se argumentar que, quanto sua decisão de evitar avaliações estéticas por serem exclusivamente subjetivas, eles foram há muito tempo antecedidos pelos arqueólogos, que estão acostumados a examinar os artefatos do passado para saber o que nos contam sobre uma dada cultura. (GOMBRICH, 1999, p. 643)

Porém, Gombrich admite que o mais abrangente historiador deste ramo é Arnold

Hauser. Sua obra História Social da Arte e Literatura, de 1953, é um marco neste tipo de

abordagem:

A totalidade da arte barroca está repleta desse frêmito, cheia do eco do espaço infinito e das afinidades entre todos os seres. A obra de arte, como um todo, torna-se o símbolo do universo, como um organismo uniforme e vivo em todas as suas partes. (HAUSER, 2003, p. 452)

Acredita-se na arte como uma expressão da sociedade que reproduz seu contexto social.

Assim, por meio das correntes artísticas, Hauser descreve a dinâmica sociedade entendendo a

arte como parte de um contexto histórico, possibilitando a compreensão do todo. Isso explica

as suas severas críticas à teoria de Wölfflin:

Wölfflin, que não está interessado nas prévias condições extra-artísticas dessa visão dinâmica do mundo, e que concebe todo o curso da história da arte como uma função auto-suficiente, quase-lógica, esquece a verdadeira origem da mudança de estilo ao ignorar-lhe os pressupostos sociológicos. (HAUSER, 2003, p. 445).

No entanto, ao mesmo tempo em que critica a teoria de Wölfflin, Hauser não abre mão

de suas considerações sobre a obra de arte barroca, referindo-se constantemente ao efeito

pictórico. Ou seja, ele aponta para falhas e erros nas análises de Wölfflin atribuindo-os à sua

posição teórica, porém sem se abster das características estéticas apontadas em Renascença e

Barroco.

Hauser não se fixa na análise de quadros ou de monumentos arquitetônicos, seu objetivo

é mostrar as bases sociais que levaram uma determinada localidade a produzir um tipo

específico de arte. Em História social da arte e da literatura, ele dedica uma grande atenção à

arte Rococó. Dentre todos os autores que servem de base a este estudo, ele é o que mais se

aprofunda na tentativa de explicar os fatores sociais que ocasionam o surgimento do Rococó,

considerando-o como estágio final de um movimento artístico que se inicia no Renascimento

e que passa pelo Maneirismo e pelo Barroco. Para Hauser (2003, p. 497), o Rococó é fruto da

mudança social que se inicia no século XVI e culmina no século XVIII:

Page 46: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

30

(...) o desenvolvimento da arte palaciana, o qual tinha sido quase ininterrupto desde o final da Renascença, se esgota no século XVIII e é suplantado pelo subjetivismo burguês que, de um modo geral, ainda hoje domina a nossa própria concepção de arte.

A substituição da nobreza pela burguesia como classe dominante—no século XVII a

nobreza só mantém, de todos os seus privilégios iniciais, os direitos de propriedade de terras e

a isenção de tributos—ocasiona uma mudança no perfil da arte. Ainda de acordo com Hauser

(2003, p. 497-498):

(...) a arte que estamos aqui tratando ainda é uma arte muito sobranceira, muito refinada e essencialmente aristocrática, uma arte que considera os critérios do agradável e do convencional como mais decisivos do que os de espiritualidade e espontaneidade, uma arte em que a obra é realizada de acordo com um padrão fixo, universalmente reconhecido e constantemente repetido, e da qual nada é mais característico do que a técnica de execução magistral, embora, com excessiva freqüência puramente externa.

O padrão adotado pela arte Rococó é a rocalha, tipo de decoração assimétrica que

invoca agregações minerais, conchas e formações vegetais. Um desenho de Antonie

Watteau22 (fig. 8) pode ser considerado síntese da estrutura artística do Rococó como bem

lembra Kitson (1979, p. 125):

Este desenho foi provavelmente feito por razões de documentação mas a concha aqui ilustrada pode ser quase considerada um microcosmo do Rococó. Muitas das características do estilo estão expostas: a curva-S irregular, as frondes e picos, a assimetria, a sensação de desenvolvimento e o fascínio com o mundo natural e o exótico.

22 Pintor francês (1684-1721), juntamente com Tiepolo—pintor e gravador italiano contemporâneo a Watteau—é

considerado um dos maiores expoentes da arte Rococó. Apesar de ter se formado no renomado ateliê de Claude Gillot, rompe com o academicismo do séc. XVII, dedicando-se a temas festivos e a comédia. Fonte: Kitson (1979).

Page 47: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

31

Fig. 8 – Antoine Watteau. Desenho de uma Concha. 1710-1715. Giz vermelho e preto. 29,6 x 18,6 cm. Coleção

F. Lugt. Institut Néerlandais, Paris.

A ascensão da burguesia, que substitui a nobreza feudal nos cargos administrativos do

Estado, forma a base social do Rococó. De acordo com Myrian Andrade Oliveira (2003, p.

25):

A base social do processo de mudança foram a reação contra o excessivo peso ornamental das opulentas decorações barrocas e as novas exigências de conforto e funcionalidade da nobreza e da alta burguesia, para a edificação e decoração interna de seus castelos e residências nobres urbanas, (...).

Essa idéia de maior leveza e conforto da arte Rococó em comparação ao Barroco já era

colocada por Hauser (2003, p. 509):

A nova concepção expressa nessas palavras se faz sentir por toda a parte na produção artística; a arte torna-se mais humana, mas acessível, mais despretensiosa — já não se destina a semideuses e a super-homens, mas ao comum dos mortais, aos indivíduos fracos, sensuais e hedonistas. Já não expressa grandiosidade e poder mas a beleza e a graça da vida, e não mais busca impressionar e dominar, mas seduzir e encantar.

Assim como a maioria das construções religiosas do século XVIII no Brasil Colônia, a

Igreja de Nossa Senhora do Carmo se encaixa num padrão Barroco-Rococó, do qual é difícil

precisar onde começa um movimento e termina o outro. Quando se vai fundo na análise das

obras de arte da Igreja, é evidente, a utilização do elemento alegórico como linguagem

universal com objetivos doutrinários e a utilização da rocalha como estrutura padrão

decorativa, compondo as molduras e os adornos da alegoria barroca.

Uma hipótese explicativa para a hibridação desses dois movimentos artísticos no

contexto colonial na segunda metade do século XVIII se alicerça na análise da dinâmica

social desse período. A busca de um título civil de nobreza era um ideal que permeava os

colonos das terras do além-mar. De acordo com Silva (2005, p. 18):

Page 48: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

32

A vontade do rei em transformar alguém em nobre aparecia, segundo os tratadistas da nobreza, de duas maneiras: uma expressa, a outra tácita. A primeira ocorria quando o monarca, ‘de palavra ou por escrito’, declarava alguém ‘fidalgo, cavaleiro ou simplesmente nobre’. A segunda forma tinha lugar quando fosse conferida a um indivíduo alguma dignidade, posto ou emprego ‘que de ordinário costume andar em gente nobre’.

Obter um título de nobreza não era suficiente, se fazia necessário agir como um nobre.

Participar de uma Ordem Terceira, por exemplo, não era somente um bom meio de obter uma

titulação que enobreceria, era também, ao mesmo tempo, uma forma de diferenciar-se da

população ordinária por meio de ações comportamentais que se tornavam visíveis para todos,

vide as procissões onde havia a seleta distribuição dos lugares de acordo com o status social

do indivíduo. As associações religiosas proliferaram em considerável quantidade no século

XVIII, “motivando o Marquês de Pombal a sugerir a sua supressão, excetuando da pretendida

medida apenas as do Santíssimo Sacramento, Ordem Terceira do Carmo e Misericórdia.”

(Oliveira, M. A. R., 2003, p. 168). O financiamento das construções das igrejas barrocas no

século XVIII provinha desse ideal de diferenciação que perdurava até mesmo depois da morte

do indivíduo23.

A elite colonial da Capitania da Paraíba no século XVIII, composta em grande parte

pelos comerciantes, criadores de gado do sertão e senhores de engenho—que apesar da crise

da economia açucareira mantinham certo prestígio social—, financia as obras religiosas no

intuito de se destacar perante a sociedade colonial. Para isso, a arte barroca é extremamente

adequada pela sua monumentalidade e opulência. Contudo, a influência dos modelos

europeus, que levam um tempo variável para serem transpostos à colônia, faz com que a

rocalha seja largamente utilizada como estrutura básica ornamental, aproximando ainda mais

as duas manifestações artísticas dentro da Igreja de Nossa Senhora do Carmo.

José Antonio Maravall não dedica nem duas frases para a análise de uma obra de arte

barroca em seu livro La cultura del Barroco: Análisis de uma estructura histórica de 1975.

Sua intenção não é analisar o Barroco como um movimento artístico, mas expandir este

conceito para denominar todo um sistema cultural com características próprias:

Não se pode considerar o Barroco como um período da arte, nem sequer da história das idéias. Ele compromete e pertence ao âmbito total da história social, e de todo o estudo da matéria, embora certamente se especifique nos

23 Sobre o financiamento da elite colonial das construções e manutenção das igrejas, garantindo o sepultamento

em locais privilegiados dentro dos templos ver: Cavalcanti Filho (2008).

Page 49: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

33

limites de um e outro setor, tem de desenvolver se projetando em toda a esfera da cultura.24 (MARAVALL, 1975, p. 48)

Para Maravall, o Barroco é um estado social, e por isso ele não se restringe a um único

espaço temporal, ou seja, são as condições culturais, que englobam o econômico, o social e o

cultural, que irão determinar o estabelecimento de uma sociedade barroca: “Depende, então,

de um estado social, em virtude do qual e devido a sua extensão, todas as sociedades do

Ocidente europeu apresentam aspectos ou comuns ou conexos”25 (MARAVALL, 1975, p.

46). Por meio do conceito de Barroco exposto pelo autor, é possível justificar o seu

desenvolvimento no Brasil em meados do século XVIII, quando já não existia mais na Europa

como cultura dominante.

Apesar da crise da economia açucareira na capitania da Paraíba no século XVIII—fator

que, dentre outros, ocasionará a anexação da capitania à Pernambuco no período de 1755 a

1799—a arte barroca encontra sua fase áurea na Paraíba exatamente neste período. Localizada

no terreno do convento franciscano na Cidade da Paraíba colonial, a monumental Fonte de

Santo Antônio, uma das obras-primas da arquitetura barroca, possui gravada em uma cartela a

data de sua finalização (1717), o que a coloca como o monumento barroco com a datação

mais antiga no atual Estado da Paraíba. Somente os fatores sócio-culturais, como a fundação e

rápida ascensão das Ordens Terceiras franciscanas e carmelitas na Cidade da Paraíba colonial

e a necessidade de afirmação do status social de seus membros perante a sociedade colonial—

esta imbuída por um sentimento religioso católico—podem explicar o financiamento dessas

suntuosas construções barrocas num período de recessão econômica da elite açucareira

litorânea. Myriam Oliveira é bastante assertiva nesta questão ao falar da proliferação e

importância das irmandades religiosas no século XVIII:

Seu campo de ação privilegiado foi, entretanto, por um lado a construção e manutenção de igrejas e capelas que cumulavam as funções de edifícios destinados ao culto e sedes sociais das irmandades proprietárias e, por outro, as manifestações ritualísticas desse mesmo culto, (...). (OLIVEIRA, M. A. R., 2003, p. 168)

24 Texto original: “No se puede abstraer el Barroco como um período del arte, ni siquiera de la historia de las

ideas. Afecta y pertenece al âmbito total de la historia social, y todo estúdio de la matéria, aunque se especifique muy legítimamente em los limites de uno u otro sector, há de desenvolverse proyectándose em toda la esfera de la cultura”. As traduções do espanhol para o português são de Maria Luiza Texeira Batista (DLEM/UFPB).

25 Texto original: “Depende, pues, de um estado social, em virtud del cual y dada su extensión, todas las sociedades del Occidente europeo presentan aspectos o comunes o conexos”.

Page 50: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

34

A edificação da Igreja de Nossa Senhora do Carmo se deu concomitantemente à Igreja

da Ordem Terceira de Santa Teresa de Jesus. A participação da Ordem Terceira Carmelita no

financiamento da reconstrução da Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Paraíba colonial pode

ser averiguada pela inscrição gravada nas costas do painel que orna o altar aD2 (fig. 9), onde

se lê: Santa Teresa Ordem Terceira da Paraíba.

Fig. 9 – Inscrição por trás do painel do altar aD2.

Apesar de adotar a tese do Barroco como estado social, explicando, desta forma, a sua

presença na Cidade da Paraíba na segunda metade do século XVIII, faz-se necessário

problematizar a elasticidade que tem sido conferida ao termo Barroco pelos estudiosos dessa

cultura histórica:

Coloque todas essas visões juntas e adicione inúmeras variações, e qualquer conceito que alguém possa ter do Barroco retrocede mais e mais para um denso emaranhado de contradições. (...) O termo tem sido empurrado, espremido, espancado e pulverizado em submissão a qualquer desejo dos críticos. De um termo limitado às artes plásticas do século XVII, ele tem sido transformado num curinga de proporções superversáteis, sem restrições de consideração com tempo, lugar, ou sujeito. (MENASHE, 2006, p. 339)26

26 Texto original: “Put all theses views together and add any number of derivates and whatever clear concept one

may have had of the barroque recedes further and further into a dense thicket of contraditions. (…) The term has been pulled, squeezed, beaten and pulverized into whatever submission a critic desires. From a term limited to the plastic arts of the seventeenth century it has been transformed into a catch-all of superversatile proportions untrammeled by considerations of time, place, or subject”.

Page 51: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

35

Não obstante, Menashe (2006, p. 339) também rejeita o termo como simples estilo

artístico e propõe que “se vamos falar de diferentes barrocos, devemos ser escrupulosamente

cuidadosos em traçar as circunstâncias concretas que deram nascimento a cada um deles”27.

Para Menashe, não se deve minimizar o surgimento do vocábulo Barroco como um

denominador de um movimento artístico, pois somente por meio da contextualização do

conceito é possível compreender a sua aplicação nas esferas políticas, econômicas e sociais,

ou seja, é importante sempre frisar o surgimento do termo como denominador de um tipo de

expressão artística, e só então, expandi-lo para outras áreas.

De todos os teóricos que envolvem a História da Arte, em particular a arte barroca,

talvez Giulio Carlo Argan seja aquele que mais se aproxime de uma teoria da arte na qual

sociedade e artistas se imbricam em uma relação dialética, ou seja, ambos se auto-alimentam,

se transformam e influenciam a esfera um do outro: “Embora seja aplicado a todas as formas

de vida, o termo barroco continua ligado sobretudo ao domínio da arte como manifestação do

sensível, do movimento, do ritmo e dos valores da existência” (ARGAN, 2004, p. 47). Desta

forma, estende o conceito de Barroco para todos os aspectos de uma sociedade, inclusive o

imaginário, sem esquecer que se trata de uma definição criada para conceituar um

determinado tipo de arte.

As argumentações e análises que Argan expõe na coletânea Imagem e persuasão:

ensaios sobre o Barroco, de 1986, têm o intuito de reunir o desenvolvimento da arte Barroca

com o panorama social do período. De acordo com Argan (2004, p. 56):

A crise religiosa do século XVI atinge diretamente a arte como forma sensível do dogma como meio necessário do ritual da Igreja. Essa manifestação sensível da verdade da fé é o escândalo que a Reforma condena como uma sobrevivência do paganismo. Não se pode admitir, entre a humanidade e Deus, essa mediação sensível e até sensual agora que se nega todo tipo de mediação espiritual e se desconfia até das Escrituras: cada suposta ligação entre homem e Deus quer se trate da natureza, quer da história, da Igreja ou da arte; é, por definição, ilusão e pecado.

É na reabilitação da imagem que a arte Barroca adquire força como expressão de uma

cultura histórica:

Se dirigida para o bem, a função da imagem é prática, educativa, didática; mas essa função não se explica apenas pelo ato de transmitir, por meio de

27 Texto original: “If we are to speak of several baroques we must be scrupulously careful to stress the concrete

circumstances which gave birth to each”.

Page 52: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

36

imagens, exortações morais, ou exemplos edificantes. A Igreja quer manifestar na arte a origem e a extensão universal da própria autoridade; porém, já que esta tende sobretudo a influir concretamente sobre o comportamento humano, em vez de enunciar e impor verdade da fé, deve poder condicionar todas as ações dos homens, qualquer que seja sua posição social. (ARGAN, 2004, p. 57)

A atividade missionária possui um papel de peso dentro do desenvolvimento da arte

barroca:

Essa tarefa missionária, que consiste, por um lado, na defesa dos fiéis diante do constante perigo da heresia e, por outro, na extensão da ecúmena católica aos povos dos continentes até então desconhecidos, se desdobra através da “propaganda”; e a propaganda não demonstra, mas persuade—e persuade à devoção. (ARGAN, 2004, p. 59).

Apesar desta colocação assertiva, faz-se necessário fazer uma ressalva quanto a análise

do barroco latino-americano proposta por Argan (2004):

A arquitetura e a decoração do barroco latino-americano são de fato o oposto do monumento: as formas não têm nenhum significado metafísico implícito, não manifestam valores transcendentais, não têm sentidos figurados. A alegoria se torna fábula ou apólogo, a celebração é festa popular, a didática religiosa se traduz em refrões propícios ao canto e à dança. (ARGAN, 2004, p. 83)

Argan escreve o ensaio intitulado A Europa das Capitais, de onde vem o trecho citado,

em 1964, mas os textos da coletânea como um todo foram concebidos em momentos

diferentes reunidos pela primeira vez na edição de 1986. Não posso deixar de expressar minha

surpresa ao ler em um autor como Argan—que possui concepções tão seguras e assertivas

sobre a arte barroca—uma opinião tão demeritória do barroco latino-americano. Com certeza,

à época que escreveu o ensaio, o autor desconhecia o contexto histórico-cultural da América

Colonial, o que explica sua equivocada colocação.

Segundo Argan (2004, p. 7), “A arte e a literatura do século XVII não eram poesia, mas

artifício e calculada retórica; tinham um fim prático político e religioso—ou melhor, como a

religião desaguava na política, o fim era simplesmente político”. Baseando-se nesta premissa

é que o autor coloca o Barroco como a arte da alegoria. Para a compreensão deste conceito é

necessário que se apresente um dos maiores pensadores do século XX: Walter Benjamin.

Page 53: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

37

2.3. PEQUENAS CONSIDERAÇÕES SOBRE BENJAMIN E A ALEGORIA

BARROCA.

Walter Benjamin nasceu no dia 15 de julho de 1892, na cidade de Berlim. Com

constantes problemas de saúde e casamentos fracassados, sua vida foi o microcosmo de um

período em que os desentendimentos predominavam. Boa parte de seus trabalhos não teve

grande respaldo em sua época. Foi obrigado a renunciar à apresentação de sua tese de livre-

docência na Universidade de Frankfurt-Main. Um dos examinadores confessou que não tinha

entendido a tese intitulada Origem do drama barroco alemão. Possuía apenas 22 anos quando

a Primeira Guerra Mundial estourou, e 26 anos depois, no dia 27 de setembro de 1940,

suicidava-se tomando cinquenta cápsulas de morfina:

(...) a vida e a obra de Benjamin são tributárias daquilo que eu definiria como um fracasso exemplar. Fracasso, porque Benjamin jamais ‘obteve êxito’, nem em seus amores, nem em sua carreira profissional, e porque suas obras constituem, de acordo com suas palavras, ‘pequenas vitórias’ e ‘grandes derrotas’; mas fracasso exemplar, porque ele testemunha, de maneira lúcida e candente, não somente a dificuldade de um intelectual – sobretudo judeu – para sobreviver sobre o facismo sem se renegar, como também as insuficiências, ao mesmo tempo prática e teóricas, do movimento político que teria de resistir o mais eficazmente ao facismo, do movimento comunista da III Internacional, e da social-democracia alemã (...). (GAGNEBIN, 1982, p. 8-9)

Assim como o Barroco, que foi desdenhado pelos movimentos artísticos posteriores,

Benjamin não obteve em vida o êxito que sua obra merecia. As rejeições aos conceitos de

Arte Barroca e a obra de Benjamin—assim como as suas reabilitações—delineiam uma

trajetória em que transformações, catástrofes e sonhos se dissolvem e se reconstroem na

realidade cotidiana. O anjo da História de Benjamin (Tese IX)28, que observa as ruínas do

passado com as costas para o futuro, moveu-se em direção a seu criador, lançando-o para os

dias atuais, reabilitando e redescobrindo a sua obra, assim como havia feito anos antes com a

arte Barroca por meio de Heinrich Wölfflin.

28 Texto completo da Tese que fala do Anjo da História: “Tese IX - Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso” (BENJAMIN, 1994, p. 225).

Page 54: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

38

O romantismo alemão defende o símbolo como a única forma viável de representação,

isto porque no símbolo seu conteúdo está claro e explícito: “Na representação simbólica o elo

entre a imagem e a sua significação (...) é natural, transparente e imediato, o símbolo

articulando uma unidade harmoniosa de sentido” (GAGNEBIN, 1982, p. 47). A representação

alegórica seria completamente ineficaz devido à sua obscuridade, já que esta utiliza a para

falar de b. Na alegoria imagética, uma imagem é utilizada para significar algo que não está

claramente explicitado nela:

Toda ou quase toda a arte do século XVII, em planos e em direções diversas, é animada por um espírito de propaganda, pelo menos no sentido de que suas imagens agem precisamente como imagens, e não por hipotéticos ou implícitos significados conceituais. É verdade que o século XVII é o século das grandes alegorias, mas as alegorias não são imagens reduzidas a conceitos, e sim conceitos reduzidos a imagens: em outras palavras, não se quer conceitualizar a imagem, mas dar ao conceito, transformado em imagem, uma força que deixa de ser demonstrativa para se tornar a solicitação prática que é a própria imagem. (ARGAN, 2004, p. 60)

Benjamin busca a reabilitação deste conceito. E os fundamentos dessa reabilitação

encontram-se no Barroco. Através da alegorização da arte consegue-se um aprofundamento

do conhecimento, sendo possível transformá-la em objeto de doutrinação. Para Rochlitz

(2003, p. 138):

A alegoria não é aqui [na Origem do drama barroco alemão] simplesmente um tropo, uma figura de estilo substituindo uma idéia por outra que lhe é análoga e podendo figurar ao lado de outros tipos de tropos em um mesmo texto; como a ironia romanesca, que não é simplesmente ‘a substituição de uma idéia por outra que lhe é contrária’, a alegoria é não somente o princípio formal de um certo tipo de arte—desse ponto de vista, ela se opõe ao ‘símbolo’ ou a uma arte definida como ‘simbólica’—mas ainda, mais que um conceito retórico ou mesmo poético, um conceito estético que remete à coerência de uma visão de mundo.

Por isso a voluta se mostra como a alegoria máxima do Barroco. Com suas curvas e

contracurvas, esse elemento pictórico se reproduz incessantemente em todas as obras

arquitetônicas barrocas, impelindo o observador a aprofundar o seu conhecimento, a ir mais

fundo na representação existente utilizando-se, para isso, da reflexão. Ela é síntese de um

período histórico a que se chamou posteriormente de Barroco. Os frontões das entradas, as

molduras dos painéis, as decorações do púlpito e do altar, todos são recheados e modelados

pelas volutas, conduzindo o observador a refletir sobre o que está lá dentro, a ir além do

símbolo superficial. A voluta alegorizada é a própria alegoria. Nas palavras de Benjamin:

Page 55: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

39

Ela [a reflexão] é para o drama de Calderón o que é a voluta para a arquitetura da época. Ela se repete até o infinito, e diminui até o incomensurável círculo que ela circunscreve. Os dois lados da reflexão são igualmente essenciais: a miniaturização da realidade e a introdução no espaço fechado, finito, de um destino profano, de um pensamento reflexivo infinito. (BENJAMIN, 1984, p. 106)

O conceito de símbolo discutido por Benjamin não pode ser confundido com aquele

colocado por Mircea Eliade em seus trabalhos sobre formação e estrutura dos símbolos:

Basta-nos aqui marcar com clareza que, coerente ou degradado, o símbolo continua a desempenhar papel importante em todas as sociedades. A sua função permanece invariável: transformar um objeto ou ato em algo diferente daquilo por que este objeto ou ato são tidos na experiência profana. (ELIADE, 1998, p. 362-363)

Esta definição pode conduzir ao pensamento de que ambos os autores se referem à

mesma estrutura, mudando apenas as suas denominações. Porém, ao ler atentamente o

trabalho de Eliade é possível perceber que o conceito de símbolo por ele proposto, apesar de

ter uma formação muito parecida com o da estrutura alegórica, é diferente. De acordo com

Rochlitz (2003, p. 139):

Aos olhos de Benjamin—e do Barroco do qual ele redescobre o pensamento ou no qual projeta o seu—a alegoria não é uma técnica lúdica de figuração metaforizada, mas uma expressão, como língua e a escrita. (...) a alegoria ‘exprime’ absolutamente, tão precisamente quanto a escrita tem valor expressivo pra o grafólogo, mas sua expressão é universal e possui uma significação estética.

Enquanto que a Alegoria Barroca proposta por Benjamin é uma linguagem universal

que deveria atingir a todos, o símbolo de Mircea Eliade tem sua significação restrita à

sociedade que a produz:

A este respeito, o simbolismo apresenta-se como uma ‘linguagem’ ao alcance de todos os membros da comunidade e inacessível a estrangeiros, mas, em todo caso, uma ‘linguagem’ que exprime simultaneamente no mesmo grau a condição social, ‘histórica’ e psíquica da pessoa que usa o símbolo e as suas revelações com a sociedade e cosmo(...). (ELIADE, 1998, p. 368, grifo meu)

Hansen (2006) chama a atenção para a formação de um elemento alegórico. Segundo

esse autor―em concordância com Benjamin―, a alegoria utiliza uma linguagem de fácil

acesso, para demonstrar algo que só pode ser compreendido através da resignificação desse

sentido literal. O conceito presente na alegoria não pode ser simbolizado, ou seja, não pode

Page 56: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

40

ser explicitado. O autor cita, como exemplo de alegoria, o caso da Folha de S. Paulo que, ao

ter uma matéria censurada na época da ditadura, publicava um poema de Camões. No caso o

conteúdo da poesia era esvaziado ou, como diria Benjamin, era morto, para que o seu

conteúdo alegórico, o de censura de um regime autoritário, entrasse em cena:

Para que a alegoria seja retoricamente irrepreensível, a prescrição exige um poeta capaz, pelo seu engenho, de elencar termos análogos cujas diferenças não possam ser pensadas como contrárias ou contraditórias, mas que permitam sua subordinação ao análogo principal. (HANSEN, 2006, p.78)

O Barroco é construído, portanto, por sobre a alegoria. Para que esta exista, é necessária

a morte do símbolo superficial para que outro código tome o seu lugar. Desta forma,

compreende-se o que Benjamin quis dizer ao afirmar que toda obra barroca é uma obra em

que a morte está presente, pois a história do mundo é a história do sofrimento, uma vez que

“Do ponto de vista da morte, a vida é o processo de produção do cadáver” (BENJAMIN,

1984, p. 241). Assim como acontece com as alegorias, é necessário destruir os conceitos para

que se possa adentrar o conhecimento. Ao propor que o Barroco impõe um sentido alegórico

para as imagens, Benjamin ultrapassa o conceito do símbolo, e conduz a um caminho mais

tortuoso da interpretação das imagens, e talvez por isso mesmo, mais fascinante: “Para

Benjamin a alegoria não é simplesmente um modo diferente de representação para o símbolo;

melhor, o próprio símbolo se dissolverá na contemplação alegórica”29 (DAY, 1999, p. 109).

Aqui é necessário fazer uma ressalva quanto à aplicação da teoria barroca de Benjamin

na análise alegórica da Igreja de Nossa Senhora do Carmo: quando o autor escreve que “a

vida é o processo de produção do cadáver”, ele também deixa implícito em sua frase a idéia

de predestinação que está contida no protestantismo, pois o objeto de sua análise é o teatro

barroco alemão. Como bem lembra Rochlitz (2003, p. 134), “O protestantismo priva a ação

humana de todo o seu sentido”. Diferentemente, no Barroco Católico, é possível atingir a

salvação por meio das condutas individuais executadas durante a vida terrena. Todavia, assim

como na doutrina protestante, a morte é inevitável, e a tão sonhada salvação não ocorre no

plano terreno e sim após o desencarne da alma.

A adoção da concepção do Barroco como uma manifestação artística alegórica justifica

a utilização da metodologia proposta por Panofsky (1991) para a análise das obras de arte da

Igreja de Nossa Senhora do Carmo. A análise iconológica—precedida das etapas pré-

29Texto original: “For Benjamin the allegory is not simply an alternate mode of representation to the symbol; rather, the symbol itself will dissolve in the allegorical gaze”.

Page 57: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

41

iconográfica e iconográfica—mostra-se como a melhor forma de interpretação das imagens

barrocas, já que, como bem lembra Réau (2005, p. 67-68), a iconologia é a ciência das

alegorias:

No sentido etimológico, iconografia é, como indicam as duas palavras gregas que a compõem—eikon, imagem, e graphein, descrever—, a descrição de imagens. Talvez a palavra iconologia, que tem a acepção específica de ciência das alegorias, mas que na realidade significa ciência das imagens, seja mais apropriada, pois o iconógrafo não se limita a descrever os monumentos figurados. Sua ambição é maior: ele visa a classificá-los e interpretá-los.

A análise iconológica pode, e deve, ser alegórica. O próprio Panofsky (1991, p. 54)

afirma que “concebo a iconologia como uma iconografia que se torna interpretativa e, desse

modo, converte-se em parte integral do estudo da arte, em vez de ficar limitada ao papel de

exame estatístico preliminar”. A análise alegórica de elementos pictóricos e arquitetônicos

constituirá o caminho ideal para a compreensão da obra de arte barroca como o imbricamento

entre a cultura histórica católica e a forma artística, que visa ensinar o modelo de

comportamento cristão através de imagens.

Talvez a alegoria perfeita nunca tenha se cumprido totalmente: uma escrita que falaria a

todos sem exceção. Porém, arrisco dizer que o Barroco consegue sim esta façanha. Isso

porque as estruturas simbólicas, os conceitos dentro de tais imagens podem envelhecer—

como o próprio Benjamin afirma ao dizer que “As alegorias envelhecem porque o choque faz

parte de sua essência” (BENJAMIN, 1986, p. 36)—e até mesmo se perder. No entanto, a

essência, a finalidade maior da alegoria barroca continua presente e atuante: o peso que a

história tem sobre o homem.

Em sua tese de livre-docência Origem do drama barroco alemão, Walter Benjamin

defende o vocábulo “origem” em substituição à “gênese”; para ele, somente a palavra origem

se encaixa numa concepção de história descontínua, que trava um debate dialético entre

presente, passado e futuro. A gênese seria algo fortuito que estaria desatrelado de qualquer

outro processo. Ao se falar em “origem barroca” inclui-se aí a cultura grega em suas bases,

por mais que esta não tenha uma linha de continuidade ininterrupta, no sentido de que a arte

grega não irá desembocar no Barroco, mas será traço marcante em sua constituição. Esta

colocação é fundamental para que o monumento barroco seja compreendido em sua

totalidade. Nas palavras de Machado (2004, p. 93);

Isso significa que, na descoberta da origem de uma idéia e na sua apresentação, as outras idéias e suas origens estão potencialmente

Page 58: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

42

descobertas e passíveis de serem apresentadas. A descoberta da origem da idéia do drama barroco (Trauerspiel), por exemplo, nos dá uma noção da origem da tragédia grega e do drama romântico.

Benjamin costuma comparar os elementos alegóricos do Barroco com os hieróglifos

egípcios, já que ambos representam a morte de seu significado original para que dela possa

emergir um novo conceito. A pergunta que cabe fazer é: qual o fio condutor presente no

monumento barroco que faz com que tão diversos elementos artísticos se interliguem numa só

concepção? No caso da Igreja de Nossa Senhora do Carmo na Paraíba colonial é a clara

intenção de instrução da História da Ordem Carmelita—como modelo de vida religiosa para o

indivíduo que deve se espelhar nela para alcançar a salvação—que faz o elo entre esses

diversos elementos, tornando-os alegóricos e os unificando, desta forma, numa concepção de

arte barroca.

Para Benjamin, não é o homem que faz o seu caminho, mas é a história do homem que

está sujeita ao destino: “Ele está sujeito a uma história cega e sem fins, e, portanto

ameaçadora—uma história natural; e só pode ter a esperança de salvar-se numa esfera de

intertemporalidade secular—uma história naturalizada” (ROUANET, 1984, p. 35). No

ambiente católico a salvação não se encontra apenas na esfera divina, mas também na vida

cotidiana com a adoção de uma conduta de fé e dedicação a causa cristã.

Para a doutrina ibérica, católica e tridentina seiscentista, a vida era um sonho e o mundo um teatro, porque a verdade estava fora do mundo, em Deus. E assim, tudo era figura e imagem de Deus e efeito da Criação. Tudo era um sonho e teatro da Criação e do Criador. A Causa Primeira do Mundo, Deus Criador, também apontava para a Causa Final, Deus Julgador. A Criação, origem de tudo, na qual o humano fora feito com alma imortal, razão do livre-arbítrio, apontava necessariamente para o seu fim, o Julgamento Final, quando se separariam aqueles que condenaram a alma ao usar a razão e o livre-arbítrio para o erro, sucumbindo aos bens enganosos da carne, daqueles que se salvariam pois aplicaram suas escolhas, de modo racional e livre, no refreio dos desejos do corpo e no controle das paixões da alma. A História humana seria o caminho da Criação para o Julgamento Final. Deus dera à humanidade uma graça: completar o Seu projeto, o destino do mundo e da Criação por meio do livre-arbítrio. Aos humanos, tornados causas segundas da Criação, restava seguir esse desidério, orientando a vontade com bom entendimento e a memória das boas leis e bons exemplos, a fim de escolher entre os erros o acerto. (LIMA; VALLE, 2008, p. 16-17)

O fim do homem é a morte. O ambiente barroco católico também afirma que não há

como escapar do destino, porém a salvação pode ser alcançada por meio da fé, uma exigência

que provém de uma necessidade básica do íntimo do homem e não uma graça concedida por

Deus. É o ser humano que deve buscar dentro de si a fé, para que possa ser salvo. O caminho

Page 59: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

43

a ser percorrido em tal busca está escrito no Barroco Cristão, por isso as igrejas repletas de

alegorias e de modelos de conduta.

O homem não pode escapar do destino que é a morte de seu corpo físico seguido por

seu julgamento no além. A obra de arte católica barroca busca a naturalização da História: ela

guia o homem de volta ao seu caminho de temor e dedicação a Deus, através da redescoberta

da fé dentro do cristão. O imanentismo—doutrina que prega que a fé é uma necessidade que

provém do íntimo do homem e não de Deus—é o propulsor da salvação, e a alegoria barroca,

seu guia.

De acordo com Benjamin, a História marcou um encontro com o homem. É observando

os escombros do passado que é possível visualizar os lampejos que revelam o caminho para a

salvação. E é na busca incessante pela redenção da alma que a Igreja de Nossa Senhora do

Carmo constrói suas alegorias.

***

Page 60: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

44

É glória singular do Reino de Portugal que só ele, entre todos os do mundo, foi fundado e instituído por Deus. Bem sei que o Reino de Israel também foi feito por Deus, mas foi feito por Deus só permissivamente, e muito contra sua vontade, porque teimaram os israelitas a ter rei, como as outras nações; porém o Reino de Portugal, quando Cristo o fundou e instituiu, aparecendo a el-rei—que ainda o não era—Dom Afonso Henriques, a primeira palavra que lhe disse foi: Volo: quero.

Padre Antônio Vieira, Sermão de Santo Antônio.

Page 61: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

44

3. O FOGO: TEMPESTADES, PROFETAS E AZULEJOS.

3.1. OS CARMELITAS E O RIO PARAÍBA.

No ano de 1574, os índios Potiguara, habitantes do Rio Paraíba, invadem o Engenho

Tracunhaém promovendo um verdadeiro massacre. Nas palavras de Machado (1912, p. 44),

“Os índios atearam fogo nos canaviaes, e o incendio veio dar ao combate um aspecto

medonho, mostrando á luz de impectuosas labaredas todo o horror do desespero e da

morte.(...) Seiscentos homens foram mortos da parte de Diogo Dias”.

Diogo Dias, morto no massacre, era um homem bem-sucedido: possuía terras e havia

ascendido economicamente por meio da atividade comercial. A instalação de um engenho às

margens do Rio Capibaribe-Mirim—atual Rio Goiana—era uma atitude extremamente ousada

e arriscada, mas que se desse certo abriria as portas para uma nova área de exploração cujo

potencial se apresentava, à época, quase ilimitado. De acordo com Gonçalves (2007, p. 68):

A construção de um engenho, às margens do Rio Goiana, ou Capibaribe-Mirim, na fronteira com os Potiguaras, no início dos anos setenta, significava um passo importante para a definitiva ocupação da área pelos portugueses, mesmo porque a iniciativa de Diogo Dias estimulava outros moradores de Itamaracá e de Pernambuco a fazerem o mesmo.

A reação dos Potiguara, incitados pelos franceses que contrabandeavam o Pau-Brasil,

carregava uma mensagem bastante clara: a exploração das terras de Pernambuco e Itamaracá

só era possível devido à ajuda—lembrando que estes foram aliados dos colonizadores na

dizimação dos Kaetés, etnia que habitava o litoral pernambucano à época da chegada dos

portugueses—e à anuência, mesmo que silenciosa, dos Potiguara. O avanço sobre as terras

dos intitulados senhores do Parahyba acarretou uma reação violenta por parte dos índios, que

conseguiram uma série de vitórias sucessivas sobre os portugueses. Os moradores da

Capitania de Itamaracá foram obrigados a abandonar suas terras e se refugiar na Ilha de

Itamaracá. O sucesso da colonização e, consequentemente, da manufatura açucareira,

dependia então da derrota dos índios Potiguara:

Em 1574, depois da destruição do Engenho Tracunhaém, e diante do fato consumado de que nem os donatários nem os moradores de Itamaracá ou de Pernambuco teriam condições de completar, com sucesso, a ocupação das terras até o Rio Goiana, sem que o levante dos Potiguaras fosse contido, a Coroa portuguesa, finalmente, resolveu tomar para si as rédeas da situação. (GONÇALVES, 2007, p. 71)

Page 62: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

45

Três expedições de conquista do Rio Paraíba foram organizadas ainda na década de

setenta do século XVI: a primeira, em 1574, comandada pelo Ouvidor-geral e Provedor-mor

da Fazenda do Estado, Dr. Fernão da Silva, que de acordo com o Sumário das Armadas

(2006)30 foi composta por “gente de pé e de cavallo”, forçadas a fugir dos indígenas pelas

areia da praia; a segunda foi comandada em 1575 pelo Governador-geral D.Luiz de Brito

d’Almeida, composta por doze naus que devido ao mau tempo nunca chegaram a Paraíba,

retornando à Bahia.

Devido aos altos custos das malogradas expedições e a crise de sucessão em Portugal

com a morte de D. Sebastião31, a empreitada de derrota dos Potiguaras e conquista do Rio

Paraíba é entregue a um particular, Frutuoso Barbosa, que nas palavras de Gonçalves (2007,

p. 72), era “Um poderoso negociante, morador em Olinda, que havia enriquecido no trato do

pau-brasil da Paraíba durante os breves períodos de paz com os índios, [que] se dispunha a

bancar a expedição”.

A terceira expedição, organizada por Frutuoso Barbosa em parceria com o então rei

português D. Henrique, saiu de Portugal em 1579, e, antes de partir para a conquista do Rio

Paraíba, aportou na Capitania de Pernambuco. As embarcações vieram, conforme registrado

no Sumário das Armadas (2006), “(...) trazendo um vigário aquem El Rei dava quatro sentos

cruzados de ordenado e religiosos de São Francisco e de São Bento com toda ordem e recado

necesário(...)”. A terceira expedição também trazia os quatro primeiros frades carmelitas32 a

aportarem em solo brasileiro. Os religiosos do Carmo vieram com a atribuição de seguir na

armada de conquista do Rio Paraíba e lá estabelecer um núcleo de povoamento. Opto por

transcrever por completo a patente que envia os missionários carmelitas na frota de Frutuoso

Barbosa, por se tratar de um documento fundamental para compreender a presença da ordem

na Paraíba colonial:

30 Documento de autoria desconhecida—sua autoria nunca chegou a ser realmente comprovada—o Sumário das

Armadas que se fizeram e guerras que se deram na conquista do rio Parahyba. Escrito e feito por mandado do muito reverendo padre em Cristo o Padre Cristóvão de Gouveia, visitador da Companhia de Jesus de toda a província do Brasil, é um relato presencial de um padre jesuíta sobre as expedições de conquista do Rio Paraíba. Trata-se de documento de suma importância para o estudo da Paraíba colonial, tanto pela quantidade de informações quanto pela qualidade das mesmas.

31 Com a morte de D. Sebastião em 1578, o cardeal D. Henrique assume o governo português até a subida ao trono de D. Felipe I—o mesmo D. Filipe II da Espanha—em 1580, dando fim à dinastia dos Avis em Portugal e iniciando o período chamado de União Ibérica, que se estenderia até o ano de 1640, quando se inicia a dinastia dos Braganças. Fonte: MENEZES; OLIVEIRA; LIMA, 2002.

32 Como bem nos lembra Gonçalves (2007, p. 272), o autor do Sumário omite a presença dos carmelitas na frota comandada por Frutuoso Barbosa vinda de Portugal.

Page 63: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

46

Mestre Fr. João cajado, vigario provincial da ordem de Nossa Senhora do Carmo, neste Reino de Portugal, etc. por quanto é nossa obrigação, e de todos os Religiosos, que professam nosso modo de vida, servir a Deus, e a sua Mãi Santissima, aplicando-nos com todo cuidado a salvação das almas, e augmento da Religião Christã, e vendo nós que será muito do agrado do mesmo senhor, e utilidade assim dos professores da verdadeira fé como aos saltos da sua luz, que habitam os lugares do Brazil, e carecem de copia de Sacerdotes, que a uns instruam nos preceitos de Cristo, e a outros administrarem o sacramento da penitencia, movidos nós assim da caridade para com o próximo, como da obrigação do nosso ofício, e do obsequio que devemos fazer ao nosso Christianissimo Rei D. Henrique, a quem é de muito agradavel a extensão do nosso nome nas partes do Brazil, como nos fez presente, a ao seu insigne Capitão Fructuoso Barbosa encommendou que solicitasse com todo o cuidado o levarmos em sua companhia como elle com tanto afecto tem feito; mandamos aos Religiosissimos Padres Fr. Domingos Freire, Fr. Alberto, Fr. Bernardo Pimentel, e Fr. Antônio Pinheiro, todos varões de provada Religião, sacerdotes Professos da nossa Ordem, que acompanhem ao sobredito capitão, na Viagem que se há de fazer para edificar a Cidade da Parahiba, aonde poderão fundar mosteiro desta Ordem, a que intitularão Nossa Senhora da Vitória: e não só nesta terra, mas também em Pernambuco, e em todos aquelles lugares, que lhe offerecerem, sendo convenientes ao serviço de Deus, e das almas dos proximos, e bem da religião; e nas tais regiões o Padre Fr. Domingos Freire pregará o evangelho de Christo, e ouvirá de confissão, e os demais padres seus companheiros, se parecer assim ao Reverendissimo Ordinario do Lugar, e executarão os demais officios, assim de Sacerdotes, como de Religiosos, e constituimos para seu Vigario ao padre Fr. Domingos Freire, ao qual terão obediencia, e respeito como devem a seu Prelado, e lhe commetemos as nossas vezes, e poderes, e lhe damos o cuidado dos ditos religiosos, assim no temporal como no espiritual, e poderão por commissão do nosso Reverendissimo P. Geral mestre João Baptista Robeo de Revena receber á nossa Irmandade todos aquelles, que com piedade, e devoção a pedirem, e dar aos irmãos as letras concedidas pelo Papa Clemente VII, e confirmada pelo papa Gregorio XIII, e não só fará isso, mas tudo mais o que nós fizéramos, se presente estivessemos, seguindo sempre as ordens do reverendo Padre Prior do nosso Convento em Lisbôa, ao qual determinadamente obedecerão, emquanto no capítulo Provincial senão determinar o contrário, e pedimos com toda aquella submissão, e caridade, que devem a Irmãos, ao Reverendissimo Bispo do Brazil, e a seus Curas e Vigários que aos sobreditos Padres recebam com a benignidade, e caridade devido ao seu Officio, e uzem de seu ministerio e industria para saúde das almas, e assim não só alcançarão grande premio de caridade, que usarem com todos os seus, mas também da que observarem com estes quatro. Dada neste nosso Convento de Lisbôa sob nosso sinal, e sello do nosso Officio em 26 de janeiro de 1580. M. Fr. João Cayado. (PINTO, 1977, p. 15-16, grifos meus)

Page 64: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

47

No terceiro grifo, temos a referência à região do Rio Paraíba, local onde os carmelitas

deveriam aportar para edificar a “Cidade da Parahiba”33 juntamente com o restante da

tripulação trazida por Frutuoso Barbosa. Os religiosos do Carmo ficam na cidade de Olinda e

a armada de Frutuoso Barbosa é levada pelo mau tempo, atracando parte dela em Salvador, e

outra, incluindo-se a do comandante, nas Índias. A razão para os carmelitas não prosseguirem

a viagem é incerta, todavia os indícios encontram-se no mesmo terceiro grifo do documento

acima: apesar da primazia dos religiosos serem as terras do Rio Paraíba, eles possuem a

prerrogativa de poderem ficar em Pernambuco, ou “em todos aqueles lugares, que lhes

oferecerem”. De acordo com Prat (2003, p. 44):

Jerônimo de Albuquerque Coelho, Capitão governador e Senhor da Capitania de Pernambuco, manifestando apreço e consideração a esses virtuosos religiosos, e desejando que eles ficassem na sua capitania, fez-lhes logo doação de uma modesta ermida dedicada a S. Antônio e S. Gonçalo, situada num pequeno promontório de Olinda, onde eles estabeleceram seus alojamentos e assentaram os alicerces do Carmelo Brasileiro.

Era necessário estabelecer uma base para a disseminação da Ordem Carmelita no Brasil,

e naquele momento, ir ao rio Paraíba seria trocar o certo pelo duvidoso correndo o risco de

adiar-se ainda mais o estabelecimento dos carmelitas na colônia lusitana. O mau tempo, que

fez com que as embarcações aportassem em Olinda em vez de Recife, também deve ter

contribuído para a decisão de não partir junto com o restante da Armada. Todavia me parece

que o motivo principal era mesmo de cunho estratégico: Pernambuco oferecia as condições

necessárias para iniciar o projeto missionário carmelita. Além disso, a patente era bem clara

ao delegar autonomia aos frades para agir como “se presente estivéssemos”, desde que

“seguindo sempre as ordens do reverendo Padre Prior do nosso Convento em Lisboa”—João

Baptista Rubeo de Ravena—abrindo inclusive a possibilidade de ficarem em Pernambuco ou

em outro lugar que os acolhesse.

A função da Ordem Camelita dentro da colônia encontra-se bem esclarecida na patente,

“servir a Deus, e sua Mãe Santíssima, aplicando-nos com todo cuidado a salvação das almas,

33 O documento também se encontra transcrito na íntegra em Prat (2003, p. 42-44), com algumas poucas

diferenças de grafia, como a supressão de letras dobradas. Considerando que a grafia do documento esteja correta, a sua menção à “edificação da cidade da Parahyba”, e não à “fundação”, juntamente com a utilização da palavra “cidade”, levantam a hipótese de que o ato de fundação da Cidade da Paraíba seja anterior a 1580, ano em que a patente é escrita. Ambos os autores utilizaram como fonte o documento que se encontra transcrito no livro de 1724, Memórias Históricas da Ordem de N. S. do Carmo da província de Portugal escrito pelo cronista Fr. Manoel de Sá. Neste capítulo, as citações que não possuírem referências remete-se a este documento.

Page 65: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

48

e aumento da Religião cristã”. A cristianização dos habitantes do Brasil colônia era condição

essencial para a salvação das almas dos missionários. Contextualizando o documento, é

possível perceber que Frei João Cayado está se referindo não só a catequese da população

ordinária, mas, também, à doutrinação dos indígenas, peças essenciais para o sucesso do

processo colonizador e “aumento da religião cristã”. Como bem lembra Castelnau-L’Estoile

(2006, p. 95), a finalidade da conversão é “o de salvar a alma de seus membros, e a salvação

da alma do próximo é o meio para atingir esse fim”. Esta finalidade, que a autora coloca para

os jesuítas, pode ser estendida para os missionários das demais ordens religiosas que se

aventuravam no projeto de doutrinação do indígena. De acordo com Lima e Valle (2008, p.

17, grifo do autor):

A salvação não se dava, porém, somente no plano individual. Pela doutrina derivada do Concílio de Trento (1545-1563) e pregada pelos padres da Companhia de Jesus em todo o império hispânico, a salvação era particular mas dependia da obra universal das instituições dos homens catolicamente cumprindo os desígnios divinos, pois a ação humana completava o projeto de Deus e era mediada pelos corpos místicos da Igreja e, na esfera civil, dos Estados temporais. O fiel deveria evitar o pecado não só para evitar a sua danação particular, mas porque ao pecar, desviando-se da reta via da verdade, afetaria, como membro doente de um corpo maior, toda a Igreja e seu Reino.

Em 1537, o papa Paulo III, através da Bula Pontifica Veritas Ipsa, admite a qualidade

de homem ao índio, não sendo seres “brutos estúpidos criados para o nosso serviço”

(MIRANDA, 1969, p. 165) aptos, portanto, a conversão católica. Segundo Castelnau-

L’Estoile (2006, p. 106), “o índio possui as três potencialidades da alma, que são o

entendimento, a memória e a vontade; basta impor-lhe um tipo de sujeição adequada para

convertê-lo”.

Para o Reino de Portugal, a conversão do elemento indígena para o cristianismo é

fundamental na afirmação dos portugueses como donos das terras coloniais brasileiras,

transformando os autóctones em súditos do rei e, consequentemente, em possíveis braços na

formação de um exército local que defendesse os interesses lusitanos dentro do território da

colônia. Através do controle político da região, garantido por meio de ações militares de

invasões e alianças, protegia-se uma importante fonte de renda que no Brasil colônia, com

destaque para as capitanias do norte, em especial Pernambuco, se desenvolvia

progressivamente: o negócio do açúcar.

A patente emitida pelo Frei João Cajado deixa clara a obrigação e o voto de obediência

que a Ordem tem perante o governo português, “movidos nós assim da caridade para com o

Page 66: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

49

próximo, como da obrigação do nosso ofício, e do obséquio, que devemos fazer ao nosso

Cristianíssimo Rei D. Henrique,(...)”. Implicitamente, o documento levanta a questão das

ordens religiosas e do padroado português.

O padroado português pode ser amplamente definido como uma combinação de direitos, privilégios e deveres concedidos pelo papado à Coroa de Portugal como patrona das missões e instituições eclesiásticas católicas romanas em vastas regiões da África, da Ásia e do Brasil. (BOXER, 2002, p. 243)

O padroado tem suas origens na Idade Média: a Igreja colocava sob os auspícios de um

indivíduo a tarefa de levar o catolicismo a uma determinada região, que era considerada

apadrinhada pelo mesmo. Em troca, a Igreja cedia alguns privilégios a essas pessoas, como a

coleta dos dízimos, por exemplo:

Em Portugal, em decorrência da luta contra os mouros, o rei adquiriu não só o padroado sobre diversos locais restritos como também um padroado propriamente régio, que o habilitava a propor a criação de novas dioceses, escolher os bispos e apresentá-los ao papa para confirmação. (VAINFAS, 2001, p. 466)

A prioridade portuguesa na conversão dos não-cristãos, direito conseguido através de

uma série de bulas e breves pontificais no século XV, tornava Portugal o país conversor da fé

católica por excelência, o que explica a força da instituição do padroado dentro das possessões

portuguesas no além-mar:

A série de bulas papais editadas a pedido da Coroa portuguesa , entre 1452 e 1456, autorizando e incentivando a expansão ultramarina de Portugal, deu ao país ampla liberdade para subjugar e escravizar os povos pagãos que encontravam pelo caminho, caso fossem ‘hostis ao nome de Cristo’. (BOXER, 2007, p. 45)

Além disso, existe uma sacralização da história portuguesa, pois sua fundação só foi

possível devido a uma intervenção divina, o que proporcionaria ao país “uma finalidade

especificamente religiosa” (PALACIN, 1986, p. 36). Nas palavras do Padre Antônio Vieira,

transcritas por Palacin (1986, p. 36):

O reino de Portugal, enquanto reino e enquanto monarquia está obrigado, não só de caridade, mas de justiça, a procurar efetivamente a conversão e salvação dos gentios... Tem esta obrigação Portugal enquanto reino, porque este foi o fim particular para que Cristo o fundou e instituiu, como consta da mesma instituição. E tem esta obrigação enquanto monarquia, porque este foi o intento e contrato com que os Sumos Pontífices lhe concederam o direito das conquistas, como consta de tantas bulas.

Page 67: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

50

Ademais, as ordens religiosas que se estabeleciam em Portugal gozavam de uma

relativa independência financeira em relação à Igreja Romana. Como bem lembra Vainfas

(2001, p. 123), “A coroa de Portugal tornou-se também responsável pelo patrocínio das

missões de conversão do gentio na América Portuguesa”. Assim, a instituição do padroado

beneficia, nesse primeiro momento, o clero regular transferindo para o mesmo as obrigações

de catequese e doutrinação, especialmente quando se tratava de colônias. Contudo, no caso

dos carmelitas, todos os quatro frades que vieram com a armada de Frutuoso Barbosa eram

“sacerdotes Professos da nossa ordem”, ou seja, deveriam exercer a função de missionários e

também de sacerdotes na celebração de missas e administração dos sacramentos.

Os jesuítas foram os primeiros religiosos regulares a aportar em solo brasileiro, ainda

nos primórdios da colonização, de acordo com Vainfas (2001, p.327): “No Brasil, o primeiro

grupo, liderado por Manuel da Nóbrega, chegou em 1549, na comitiva de Tomé de Souza, o

primeiro governador-geral”. Missionários por excelência—afinal a Companhia de Jesus fora

criada no intuito de formar um exército de Cristo que serviria na conversão dos infiéis, no

final do século XVI—os jesuítas já eram experientes no propósito de doutrinação dos

indígenas brasileiros. O conceito de tábula rasa—os gentios absorveriam tudo o que lhes

fosse colocado sem contestação—já se mostrava completamente inadequado aos autóctones

brasileiros e a estratégia de conversão teve que se adaptar a realidade local. Em 1558, no

governo de Mem de Sá, os jesuítas já sabiam que a sua atuação não deveria se ater apenas à

questão espiritual, mas sim à organização social indígena como um todo:

A estratégia consiste em desistir de ocupar-se apenas da questão espiritual (‘o pior que poderíamos fazer a eles, seria ocuparmo-nos apenas com a salvação de suas almas’), assumindo, em colaboração com o governador, uma política de transformação social e política do indígena. (CASTELNAU-L’ESTOILE, 2006, p. 113)

Atrelado ao tema da salvação pessoal havia, pois, um forte contexto político de

reafirmação da fé católica perante o mundo. A necessidade de angariar almas faz parte de uma

estratégia da Igreja na tentativa de recuperar o terreno perdido para a reforma protestante

dentro da Europa. Para Delumeau (1989, p. 76):

Não foi em 1517, quando afixou suas teses contra as indulgências, que Lutero rompeu com o Catolicismo, mas em junho de 1519, por ocasião da disputa de Leipzig. Ali, pressionado por interrogações, recusou a aprovar as condenações pronunciadas pelo concílio de Constança contra João Huss. Um cristão isolado—fosse ou não fosse padre—poderia portanto ter razão contra um concílio inteiro, caso Deus Se dignasse [sic] ilumina-lo.

Page 68: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

51

O monge foi excomungado em 1520 pelo papa Leão X, mesmo ano em que publicou os

seus escritos, causando uma cisão no cristianismo, que deu início à Reforma Protestante.

Segundo Tapié (1983, p. 16):

Por reforma é preciso considerar não apenas e seu rompimento com a Igreja, mas a angústia universal que atinge a as classes instruídas e as camadas populares, ultrapassa e abala as sutis interpretações dos círculos de letrados e filósofos—como as especulações das antigas Universidades, tornadas estéreis à medida das inquietações atuais—, obriga a civilização a despir seus caracteres aristocráticos para ministrar ao mundo cristão respostas que o revitalizem. Será, porém, a reforma anti-romana, antierasmiana também, ou, pelo contrário, será cumprida pela Igreja, uma Igreja que se regenera tanto por sua disciplina quanto pela definição do que é preciso para ser salva? A resposta não interessava apenas às almas religiosas, aos fiéis de um culto ou aos teólogos, como se acreditava no século XIX e como muitos ainda hoje acreditam. Ela não poupava as atividades cotidianas, pois para essa Europa Cristã tudo podia ser motivo de pecado: a ordem política e social, as condições do trabalho, a aplicação do dinheiro nos investimentos, o desperdício ou a usura. Exatamente na hora em que a colonização da América iria transformar a economia geral pelo afluxo de metais preciosos na Europa e em que o comércio marítimo, pela primeira vez, circundava o planeta.

Lucien Febvre (2004) reforça essa idéia ao descrever o impacto que a Reforma

Protestante teve na sociedade ocidental:

O século 16 é o século da reforma, da grande ruptura, do cisma, da túnica sem costura rasgada em duas. E tanto aqui como lá, são cristãos que se opõem, sem dúvida, mas cristãos que se excluem reciprocamente [da] cristandade. Desde então, essa velha noção de cristandade aplicada como unidade à totalidade das populações do Ocidente professando o cristianismo não é mais possível. (...). Não se pode mais usar a mesma palavra, a palavra cristandade, para agrupar, para reunir homens que, precisamente no terreno cristão, se divorciam. (FEBVRE, 2004, p. 181)

Giulio Carlo Argan (2004) também caminha nessa direção ao afirmar:

Mesmo sem entrar na análise das razões doutrinais das duas correntes religiosas, é claro que a unidade religiosa se desarticulou e que o homem, tendo diante de si uma alternativa, deve escolher: a escolha, é claro, não é apenas entre duas teses, mas entre dois modos de comportamento na vida. (ARGAN, 2004, p. 49)

A identidade de uma sociedade se rompe. O cristianismo sofre uma sangria forçada e o

fantasma de uma possível morte sem ressurreição para a hegemonia católica se materializa. O

corte é profundo demais para ser ignorado e por isso deve ser estancado e tratado. E a resposta

Page 69: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

52

vem sob a égide de uma reforma nascida dentro da alta hierarquia da Igreja: a Reforma

Católica34. Como diz Gillet (1947, p. 206):

No transcurso do século XVI, tinha ocorrido um acontecimento irreparável: a Reforma é decididamente um fato cumprido. Todas as tentativas de reconciliação tinham resultado neste desastre: a metade da cristandade separou-se de Roma; tinha-se visto a Igreja rebelar-se contra a Igreja; a consciência européia se dividia desde então; cada nação estava internamente destruída. Para reparar esta ruptura e curar suas feridas, a igreja se resguarda e se reorganiza, tenta reconhecer-se e fortalecer-se. Era necessário fazer um sério exame de consciência, contar as perdas, entrincheirar-se atrás da nova linha de defesa. Este foi o trabalho do Concilio de Trento.35

Nesse contexto dois aspectos serão de fundamental importância para a compreensão da

presença da Ordem Carmelita no Brasil: a fundação da Companhia de Jesus e o Concílio

Tridentino.

Criada por Inácio de Loyola em 27 de setembro de 1540, a Companhia de Jesus tornou-

se o baluarte da Reforma Católica, principalmente na tarefa de expansão da fé cristã, isso

porque, além dos votos tradicionais que as congregações religiosas faziam—obediência,

caridade e pobreza—os jesuítas acrescentaram à sua ordem o preceito de liberdade do

monasticismo e obediência direta ao papa. De acordo com Eisenberg (2000, p. 32):

A companhia rapidamente se tornou um dos principais movimentos de reforma religiosa sob a bandeira papista, tendo sido uma das ordens mais importantes na formulação da resposta ao Protestantismo produzida durante o Concílio de Trento.

A Reforma Católica não só referendou a Companhia de Jesus como ordem missionária

por excelência como também instituiu uma reforma em todo o clero regular no intuito de que

34 Preferi adotar o termo Reforma Católica ao difundido Contra-Reforma. Faço isto por entender que o

movimento que acontece dentro da Igreja Católica Romana no século XVI caracteriza uma reforma no sentido de modificação de rumo, ao contrário do termo Contra-Reforma, que denota um significado de permanência, de rejeição à mudança. De acordo com Costa (2008, p. 7) “Analisar esse momento como uma mera reação ao expansionismo protestante é, pensamos, empobrecer todo o conteúdo do termo, que abrange realidades mais amplas. Antes de ser um movimento de contestação ao protestantismo, a Reforma Católica foi um movimento de reorganização interna, daí nossa preferência por seu uso. O conceito de Reforma Católica, para designar esse movimento, não é muito usual, sendo utilizada, notadamente, por historiadores de formação católica”.

35 Texto original: “Había pasado en el curso del siglo XVI un acontecimiento irreparable: la Reforma decidiamente es un hecho cumplido. Todas las tentativas de reconciliación habían convergido en este desastre: una mitad de la cristandad se apartaba de Roma; se había visto levantarse Iglesia contra Iglesia; la conciencia europea se dividía por siglos; cada nación se encontraba íntimamente destrozada. Para reparar esta brecha, curar sus magulladuras, la iglesia se recoge y se reorganiza, trata de reconocerse y de fortalecerse. Era necesario hacer un serio examen de conciencia, contar las pérdidas, atrincherarse detrás de una nueva línea de defensa. Ésta fué la obra del Concilio de Trento”.

Page 70: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

53

este pudesse atuar na conversão dos povos da Ásia, África e América. Em 1522, o papado

concedeu às ordens religiosas plenos poderes e autonomia administrativa, ou seja,

excetuando-se aqueles atos que necessariamente requeriam o aval episcopal, o clero regular

podia agir como melhor lhe aprouvesse no trabalho de catequização missionário.

O exercício desses privilégios logo se chocou com a aplicação das diretrizes do Concílio de Trento (1563-4), pois um dos seus principais objetivos foi o de fortalecer a autoridade do prelado diocesano em todas as fases da vida religiosa e da disciplina eclesiástica no âmbito de sua jurisdição territorial. O conflito gerado entre os amplos privilégios das ordens religiosas e os pleitos jurisdicionais dos bispos jamais ficou completamente resolvido durante o período colonial. Nem a Santa Sé nem os governos das duas metrópoles ibéricas tomaram atitudes coerentes: ora apoiavam um lado, ora o outro. Por fim, o exagerado regalismo da segunda metade do século XVIII fez a balança pender para o lado do clero secular e dos bispos, porque estes estavam subordinados de modo mais estrito ao poder monárquico. (BOXER, 2007, p. 85)

O conflito gerado entre o clero secular e o clero regular, devido à autonomia de atuação

conseguida pelas ordens, será o objeto de deliberação das regulamentações tridentinas. O

Concílio de Trento reuniu a mais alta hierarquia católica no intuito de discutir questões

ligadas aos dogmas da fé e à própria atuação da Igreja na sociedade, incluindo mudanças no

clero regular e o debate sobre a utilização de imagens na doutrinação, todos temas ligados à

Reforma Católica. O Concílio se reuniu em três ocasiões: a primeira de 1545 a 1549; a

segunda de 1551 a 1552 e a terceira de 1562 a 1563 (CONCÍLIO, 2004).

Apesar de o Concílio Tridentino ter decretado a reforma das ordens em 1563, no intuito

de torná-las vetores de expansão da fé católica, a execução desse projeto foi lenta em função

da efervescência que grassava na Europa mediante os descobrimentos. Por isso a intervenção

direta de Felipe II, rei da Espanha, ao convencer o papa Pio V a promulgar “os breves maxime

cuperemus (2/12/1566) e Cum gravissimis de causis (12/12/1566)” (MORIONES, 2007), que

entregavam ao clero secular a reforma das ordens, numa atitude conhecida posteriormente

como reforma do rei. Vendo o conflito que criara dentro da Igreja, o rei espanhol cedeu, e o

Papa Pio V remediou a situação revogando em 1570 as breves citadas acima, e incluiu ainda,

a Superioribus mensibus (1567), que regulamentava com maiores detalhes as anteriores. A

solução que o papa encontrou foi deixar que os gerais de cada Ordem fizessem a reforma

devida, com exceção dos carmelitas, trinitários e mercedários, cujas respectivas reformas

Page 71: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

54

foram entregues aos dominicanos36. De acordo com Sebastian (1989, p. 239), “Fenômeno

decisivo nesta mudança foi o impulso dado às ordens religiosas como propulsoras da nova

espiritualidade contra-reformista”37.

Não há como descolar a atuação das ordens missionárias do ideário cruzadístico de

propagação da fé cristã. A primeira cruzada, organizada pelo Papa Urbano II em 1096,

possuía como objetivo principal reconquistar, por meio de expedições militares, a Terra Santa

que se encontrava dominada pelos muçulmanos. Só posteriormente, já em meados do século

XIII, é que essas expedições foram intituladas de Cruzadas—as oficiais foram oito—pois os

seus participantes se consideravam soldados de Cristo, marcados pelo sinal da cruz. As

Cruzadas se estenderam do século XI ao XIII, porém suas consequências diretas e indiretas se

dilataram ao longo dos séculos, até atingir os caminhos do além-mar. De acordo com

Eisenberg (2000, p. 36), “Da mesma maneira que os templários e os hospitalários, os jesuítas

no princípio se viam como ‘soldados’ de Cristo, e, consequentemente, soldados de seu vigário

na terra, o Sumo Pontífice”.

Ficar à revelia do processo missionário, nesse sentido, não era uma opção. Apesar das

crescentes dificuldades na conversão dos índios, estes—assim como as populações nativas da

África e da Ásia—ainda se apresentavam como potenciais de expansão da fé cristã e,

portanto, de salvação da alma do missionário. Além disso, o padroado português dava—e no

momento em que o fazia, ele também exigia—às ordens religiosas a prioridade sobre a

conversão da população autóctone de suas colônias. Dessa forma, oficializava-se como

política de Estado a participação de todas estas Ordens na doutrinação desses povos,

incluindo-se aí o gentio brasileiro.

Ora, os jesuítas tinham como fundador um ex-cruzado. Inácio de Loyola se converteu à

vida religiosa em 1521 quando, após um combate com os franceses, se refugiou no Castelo de

Loyola onde permaneceu para se recuperar. Ávido leitor de romances de cavalaria foi

apresentado às leituras religiosas nesta estadia de convalescência. O impacto que as biografias

de São Francisco e São Domingos tiveram sobre sua vida foi tão forte que decidiu seguir o

exemplo desses santos adentrando na vida religiosa.

36 No caso da reforma dos carmelitas, trinidários e mercedários, o papa apenas manteve uma das resoluções

contidas na breve Superioribus mensibus, que impôs a reforma das referidas ordens com o acompanhamento dos Dominicanos. De acordo como Moriones (2007), essa ordem provinha diretamente de Filipe II “por considerar-se que entre eles não havia religiosos reformados suficientes a quem confiar a visita (...)”.

37 Texto orginial: “Fenómeno decisivo em este cambio fue el impulso que se dio a las ordenes religiosas como propulsoras de la nueva espiritualidad contrarreformista”.

Page 72: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

55

Ao contrário dos jesuítas, a Ordem Carmelita não tinha um histórico missionário. A

necessidade de partir para a conversão dos infiéis veio juntamente com o contexto da

expansão ultramarina e consequente descoberta de novas terras, repletas de culturas

completamente diferentes. Não que a Ordem Carmelita tivesse que se justificar para entrar na

vida missionária, contudo, buscar em sua história uma figura que legitimasse a empreitada

carmelita de doutrinação de novos povos proporcionaria um argumento a mais em sua defesa

como instituição evangelizadora, e em sua formação eles tinham uma figura que correspondia

a este ideário cruzadístico: São Bertoldo.

Os carmelitas sabiam da importância de uma figura de peso em sua formação histórica,

tanto é que adotam como fundador um dos maiores personagens do cristianismo: o Profeta

Elias38. Legitimar São Bertoldo como o primeiro membro a se reconhecer como pertencente a

uma ordem, a de Nossa Senhora do Carmo, seria criar um problema de anacronismo na

história carmelita, já que quase dois mil anos separavam o profeta Elias de São Bertoldo. As

fontes primárias disponíveis, para esta pesquisa, não mostram nenhuma espécie de discussão

nesse sentido por se tratar de uma documentação administrativa da colônia que não se atém às

questões internas da ordem. Contudo a iconografia da Igreja de Nossa Senhora do Carmo

mostra que existe sim uma tentativa da Igreja de conciliar essas duas origens. Assim, tomando

essas imagens como fontes historiográficas, volto no tempo e levo o meu leitor até o reinado

de Acab, no século IX a.C.

3.2. MILAGRES NO MONTE CARMELO: O PROFETA ELIAS.

Em 1675 eram publicados os volumes da Acta Sanctorum, uma espécie de compêndio

da história da Igreja Católica Romana que causou um verdadeiro escândalo dentro da Ordem

Carmelita. Os livros colocavam “(...) que a origem dos carmelitas não ia além do final do

século XII, acrescentando que o padre Bertoldo tinha sido seu primeiro general..”39

(SEBASTIAN, 1989, p. 240). A reação dos carmelitas é imediata: os volumes são entregues

ao Tribunal da Inquisição, que rapidamente condenou essa contestação da paternidade da

ordem. Apesar da condenação do santo tribunal, o Papa Inocêncio XII não ratifica esta

sentença.

38 Apesar de ser aclamado santo, Elias, assim como qualquer outra figura do Antigo Testamento, nunca chegou a ser canonizado. Porém a Igreja não contesta sua santidade, da mesma forma como acontece com José e Maria que nunca passaram por um processo de canonização.

39 Texto original: “(...) que el origen de los carmelitas no iba más allá de los fines del siglo XII, añadiendo que el padre Berthold había sido su premer general.”.

Page 73: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

56

A partir de então é criada uma controvérsia dentro e fora da Ordem Carmelita sobre sua

paternidade e antiguidade. Para compreender a importância dessa questão para os carmelitas e

a necessidade que a ordem missionária tinha em conciliar seus dois “fundadores”, convido o

leitor a ir até o lugar em que o santo e o profeta realizaram suas maiores obras: um

promontório intitulado Carmelo. De acordo com Sciadini (1993, p. 11):

O Monte Carmelo se eleva entre os confins da Galiléia e Samaria, na Palestina. Limita pelo norte com Haifa, cidade marítima; pelo sul com as terras de Cesaréia; pelo leste com a planície do esdrelon; e pelo oeste pelo Mar Mediterrâneo.

Para o cristianismo o Monte Carmelo não é um lugar ordinário. Ele se encontra

enraizado à cultura cristã como um ambiente sagrado por ter sido o local em que o profeta de

ação40 Elias comprovou a fé num Deus verdadeiro, Javé41. De acordo com Knight (1907):

Sobre as origens de Elias nada se sabe, exceto que ele foi um Thesbita; se originário da Tisbe de Nephtali [1] (Tobit 1:2)[2] ou de Thesbon de Galaad, como nosso texto indica, não há certeza absoluta, embora a maioria dos acadêmicos, baseados no Septuagint[3] e em Josephus[4], considere a segunda opinião.42

Sua apresentação na Bíblia se faz de forma brusca. Sem nenhuma referência anterior,

ele já surge como um importante profeta avisando ao Rei Acab, que reinou Israel de 874 a

853 a.C., que sua heresia seria punida com um longo período de seca no seu reino: “Elias,

tesbita, um dos habitantes de Galaad, disse a Acab: ‘Pela vida de Iahweh, o Deus de Israel, a

40 Profetas de ação são aqueles que atuavam diretamente com a sociedade, distinguindo-se dos profetas escritores

que faziam suas profecias através de textos escritos. 41 O Deus que aparecia para Elias pode ser chamado tanto Javé como Iawé. No hebraico antigo não existiam

vogais, somente consoantes, sendo assim, o nome do Deus bíblico era escrito como JHWH. Na fala—lembrando que, para os judeus, falar o nome de Deus era algo praticamente proibido devido a uma má interpretação do texto não usarás o nome dele em vão...—foram transliteradas inúmeras formas sendo as mais conhecidas IeHoWaH (ou Jeová) e IahWeH (ou Javé), isso porque a junção da vogal, adicionada pela fala judaica com o "H", formava o som do "J". Portanto Javé e Iahweh se referem ao mesmo Deus. O nome Elias, em hebraico Eliyahu significa “JHWH é o meu Deus”. Fonte: BORRIELLO et al. (dir.), 2003.

42 Texto original: “Of Elia’s origin nothing is know, except that he was a Thesbite; whether from Thisbe of Nephtali (Tobit 1:2) or from Thesbon of Galaad, as our texts have it, is not absolutely certain, although most scholars, on the authority of the Septuagint and of Josephus, prefer the latter opinion”. N.T. – [1] Naphtali (ou Nephtali) foi o sexto filho de Jacó e Bilhah. Também referido como uma das doze tribos de Israel. [2] Livro apócrifo da Bíblia. [3] Versão grega da Escritura Hebraica, datada do séc. III a.C., contendo tanto a tradução do hebraico quanto material extra, considerado texto base do Velho Testamento nos primeiros anos da Igreja Católica Romana e ainda texto canônico para católicos ortodoxos. [4] General judeu e historiador que participou da revolta dos Judeus contra os romanos. Escreveu a História da Guerra Judaica, principal fonte sobre o Cerco de Masada (72-73). Fonte: Knight (1907).

Page 74: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

57

quem sirvo: não haverá nestes anos nem orvalho nem chuva, a não ser quando eu ordenar” (1

REIS, 17: 1).

Acab era filho de Amri—que de acordo com a Bíblia foi o rei que “fez o mal aos olhos

de Iahweh, superando nisso todos os seus antecessores”(1 REIS, 16: 25) —e assumiu o trono

de Israel com a morte de seu pai. Seus atos seriam ainda mais pecaminosos do que os de

Amri, agravados pelo fato de ter se casado com Jesabel, filha do Rei dos Sidônios, povo que

cultuava o Deus Baal.

Como se lhe não bastasse imitar os pecados de Jerobão, filho de Nabat, desposou ainda Jesabel, filha de Etbaal, rei dos sidônios, e passou a servir Baal e adorá-lo. Erigiu-lhe um altar no templo de Baal, que construiu em Samaria. Acab erigiu também um poste sagrado e cometeu ainda outros pecados, irritando Iahweh, Deus de Israel, mais do que todos os reis de Israel que o precederam. (1 REIS, 16: 31-33)

Elias pediu a um dos seus discípulos, de nome Abdias, que fosse até Acab para

anunciar que o profeta se encontrava na região e demandava uma audiência com o Rei. Acab

aceitou o pedido e se encontrou com Elias que propôs uma espécie de desafio entre os dois

deuses—Javé e Baal—no intuito de desacreditar o baalismo.

Influenciado por sua esposa, Jesabel, Acab havia mandado matar todos os profetas de

Javé43. Por ordem de Javé, Elias pediu ao Rei Acab que reunisse os seus 450 profetas em

frente ao Monte Carmelo, onde sacrificaria um novilho enquanto os profetas de Baal fariam o

mesmo. Aquele Deus que acendesse a fogueira com os pedaços do sacrifício seria o

verdadeiro. Os profetas de Baal clamaram da manhã até o meio dia e nada aconteceu.

Somente após o visível fracasso dos profetas de Baal, Elias decidiu agir:

Tomou doze pedras, segundo o número das doze tribo de Jacó, a quem Deus se dirigia dizendo: “Teu nome será Israel”, e edificou com as pedras um altar ao nome de Iahweh. Fez em redor do altar um rego capaz de conter duas medidas de sementes. Empilhou a lenha, esquartejou o novilho e colocou-o sobre a lenha. (1 REIS, 18: 31-33)

Ordenou que enchessem quatro jarras grandes de água e que as derramassem sobre a

lenha e o holocausto por três vezes. Fez uma oração e o fogo caiu do céu queimando a lenha,

a carne, a pedra, o chão, secando totalmente a água da valeta. Aclamado, Elias ordenou à

multidão que prendesse os 450 profetas de Baal: “Elias lhes disse: ‘Prendei os profetas de

43 Apesar de Abdias falar que escondeu e cuidou de cem profetas de Javé (1 REIS, 18), Elias se declara o único

sobrevivente dos profetas de Javé (1 REIS, 18: 22).

Page 75: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

58

Baal; que nenhum deles escape!’ e eles os prenderam. Elias fê-los descer para perto da

torrente do Quisom e lá os degolou” (1 REIS, 18: 40). No capítulo seguinte do relato bíblico

(1 REIS, 19: 1) é dito que Elias matou todos os profetas à espada. Logo após, subiu ao alto do

Monte Carmelo acompanhado de um servo, e prostrado no chão mandou que o mesmo

olhasse por sete vezes seguidas em direção ao mar. Na sétima vez o servo viu uma nuvem, era

o fim da seca intensa que assolara a região por três anos.

Fig. 10 – Profetas de Baal – Painel E4 – Igreja de Nossa Senhora do Carmo, João Pessoa, segunda metade do

século XVIII. Autoria desconhecida.

Toda essa sequência de fatos encontra-se representada no quarto painel (painel E4) de

azulejaria da Igreja do Carmo, abaixo do púlpito do lado esquerdo da entrada principal (fig.

10)44. No centro, construído com doze pedras, têm-se o altar, em cima do qual estão

depositados os pedaços do novilho sacrificado, e ao seu redor a vala que Elias mandou cavar.

Dentro dela destacam-se a figura do profeta Elias de braços erguidos para o céu, e a imagem

44 A autoria dos painéis de azulejos da Igreja de Nossa Senhora do Carmo é desconhecida. Contudo, não posso

deixar de colocar a extrema semelhança que esses painéis possuem com os que se encontram no claustro da Igreja de Nossa Senhora das Neves em Olinda, Pernambuco (Anexo V).

Page 76: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

59

de três homens sem camisa com jarras nas mãos derramando a água sobre a vala e o novilho

esquartejado.

Atrás se encontram os profetas de Baal, dois em

destaque, muito bem vestidos (fig. 11), em invocação

ao seu Deus num altar maior que o do plano principal.

À direita está o Rei Acab (fig. 12) com a mão

levantada usando uma coroa e, ao fundo da imagem,

nota-se a chuva torrencial que viria acabar com a seca

imposta por Javé.

Fig. 12 – Rei Acab – Detalhe do painel E4.

Fig. 13 – Flores (Orquídeas) – Detalhe do painel E4.

Fig. 11 – Profetas de Baal – Detalhe do

painel E4.

Na parte inferior do painel vê-

se uma pequena cartela, segurada

por dois pequenos anjos, com três

pequenas flores (fig. 13) que podem

ser identificadas como orquídeas

devido ao seu bulbo central

(formação de pétalas no centro da

flor que se assemelha a um cálice).

Segundo Chevalier e Gheerbrant (1992, p. 437), “São João da Cruz faz da flor a imagem

das virtudes da alma, e do ramalhete que as reúne, a imagem da perfeição espiritual” A

orquídea, símbolo da fertilidade, alude à bem aventurança fecundada por Javé aos seus

seguidores naquele momento. O próprio sentido do verbo florescer é usado no Antigo

Testamento como uma forma de união com Deus, como é possível ver nesta passagem:

Iahweh falou a Moisés e disse: “Fala aos israelitas. Recebe deles, para cada casa patriarcal, uma vara; que todos o seus chefes, pelas suas casas

Page 77: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

60

patriarcais te entreguem doze varas. Escreverás o nome de cada um deles em sua própria vara; e na vara de Levi escreverás o nome de Aarão, visto que haverá uma vara para os chefes das casas patriarcais de Levi. Tu as colocará em seguida na Tenda de Reunião, diante do testemunho, onde eu me encontro contigo. O homem cuja vara florescer será o que escolhi; assim não deixarei chegar até mim as murmurações que os israelitas proferem contra vós.” (NÚMEROS, 17: 16-5)

O milagre operado por Elias, seguido do assassínio dos profetas de Baal, convenceu os

súditos de Acab que Baal era um falso Deus. Desta forma, o profeta restabelece, melhor

dizendo, faz novamente florescer em seu povo a união com Javé.

Após o milagre no Monte Carmelo, Elias foi obrigado a fugir para o deserto devido às

ameaças de Jesabel. Segundo o relato bíblico, Javé apareceu para o profeta e ordenou que

fosse até o deserto de Damasco e lá unjisse Hazael como Rei de Aram, Jeú como Rei de Israel

e Eliseu, filho de Safat, como o profeta que iria lhe suceder. O primeiro encontro de Elias e

Eliseu não poderia ser mais significativo:

Partindo dali Elias encontrou Eliseu, filho de Safat enquanto trabalhava doze arapenes de terra, ele próprio no décimo segundo. Elias passou perto dele e lançou sobre ele seu manto. Eliseu abandonou seus bois, correu atrás de Elias e disse: “Deixa-me abraçar meu pai e minha mãe, depois te seguirei.” Elias respondeu: “Vai e volta, pois que te fiz eu?” (1 REIS, 19: 19-20)

O relato bíblico deixa claro que Eliseu seria o guia do povo do Reino de Israel, pois

ele se achava conduzindo o décimo segundo arapene de terra quando Elias o encontrou, uma

forma metafórica de se referir às doze tribos de Israel. O profeta Eliseu estava diretamente

ligado à tribo de Rúben, primogênito de Jacó, o que o faz descendente da primeira ou da

última tribo de Israel, dependendo da posição que se dê à tribo.

Ao vê-lo, Elias jogou seu manto sobre Eliseu. O manto representa um ritual de

passagem e um ato de proteção. O monge ou monja que veste o hábito da ordem renuncia à

vida terrena—Eliseu até se despede de seus pais—e se retira para junto de Deus. Como

atributo dos reis, o manto alegoriza o ato de “assumir uma dignidade, uma função, um papel,

de que a capa ou manto é emblema” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1992, p. 589). Naquele

momento Elias atribui-lhe a função que Javé havia designado: a de seguir o profeta e protegê-

lo para que depois pudesse substituí-lo. “(...)e o que escapar da espada de Jeú, Eliseu o

matará” (1 REIS, 19: 17), diz Javé a Elias quando o manda tomá-lo como discípulo. A fala de

Elias, “Vai e volta, pois que te fiz eu?”, reafirmava a importância do simbolismo do manto

como portador de um papel, no caso, designado por Javé, que também responde por proteger

os profetas quando esses executam sua obra.

Page 78: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

61

Acab morre com uma flechada numa batalha contra o Rei da Síria e Acazias, seu filho,

assume seu lugar como Rei de Israel. De acordo com a Bíblia (1 REIS, 22), ele também

prestava o culto a Baal, seguindo os passos de seu pai e de sua mãe, Jesabel. Logo após estes

eventos Elias teria sido levado ao céu por Deus numa carruagem de fogo envolta em um

redemoinho:

E aconteceu que, enquanto andavam e conversavam, eis que um carro de fogo e cavalos de fogo os separaram um do outro, e Elias subiu aos céus no turbilhão. Eliseu olhava e gritava: “Meu pai! Meu pai! Carro e cavalaria de Israel!”. Depois não mais o viu e, tomando as suas vestes, rasgou-as em duas. Apanhou o manto de Elias, que havia caído, e voltou para a beira do Jordão, onde ficou. (2 REIS, 2: 11-13)

Cena comum na iconografia religiosa, a subida do profeta Elias ao céu também se

encontra representada na azulejaria da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, mais

especificamente no quarto painel do lado direito (painel D4—fig. 14). Sentado numa

carruagem puxada por cavalos que trotam sobre as nuvens, rodeados por singelas labaredas de

fogo (fig. 15), está Elias usando o escapulário da Ordem Carmelita45.

45 O escapulário é uma peça de roupa, uma espécie de poncho oval e branco, que é usado por cima do hábito da

ordem. Com o tempo, foi substituído por pequenos cordões com duas imagens, uma em cada extremidade, chamados de bentinhos. Bastante populares no Brasil, possuem o mesmo significado simbólico de proteção. A importância do escapulário será analisada com mais profundidade nos próximos capítulos desta dissertação. Fonte: Albuquerque (2001).

Page 79: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

62

Fig. 14 – Eliseu e Elias – Painel D4 – Igreja de Nossa Senhora do Carmo, João Pessoa, segunda metade do

século XVIII. Autoria desconhecida.

Fig. 15 – Cavalos e labaredas – Detalhe do painel D4.

Fig. 16 – Rio – Detalhe do painel D4.

Ajoelhado perante a carruagem, usando uma capa comprida, encontra-se Eliseu de

braços abertos recebendo o manto que Elias lhe entrega. Ao fundo vê-se um rio (fig. 16),

Page 80: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

63

provavelmente o Jordão, local onde Eliseu realizou seu primeiro milagre como sucessor de

Elias. Pouco antes de ser arrebatado para o céu, Elias havia aberto as águas do rio Jordão

batendo com seu manto em suas águas. Toda essa cena foi observada de longe por cinquenta

discípulos de Javé. Quando Elias some no carro de fogo, Eliseu rasga as suas vestes, pega o

manto caído e volta ao Jordão:

Tomou o manto de Elias que havia caído dele e bateu com ele nas águas dizendo: “Onde está Iahweh, o Deus de Elias?” Bateu também nas águas que se dividiram de um lado e de outro, e Eliseu atravessou o rio. Os irmãos profetas de Jericó viram-no a distância e disseram: “O espírito de Elias repousa sobre Eliseu”; vieram ao seu encontro e se prostraram por terra, diante dele. (2 REIS, 2: 14-15)

Qualquer dúvida que pudesse pairar sobre a sucessão de Elias se extingue com a

apropriação do manto de Elias por Eliseu, objeto que lhe permite realizar seu primeiro

milagre. Como é dito pelos profetas de Javé, “O espírito de Elias repousa sobre Eliseu”, o que

torna a figura de Eliseu indissociável de seu mentor, tanto que, no altar-mor da Igreja do

Carmo, os dois aparecem lado a lado nas laterais do altar, dividindo a cena—nenhum santo

tem essa honra—com Nossa Senhora do Carmo. Contudo vale lembrar que suas imagens

encontram-se abaixo da santa, como se eles abrissem espaço para a glorificação da grande

mãe dos carmelitas (fig. 17). 46

46 À época da fotografia (fig. 92), a imagem de Nossa Senhora do Carmo havia sido retirada do camarim e

transportada para a galeria de imagens sacras que se encontrava na parte superior do corredor lateral esquerdo da igreja. Com a desativação da galeria, e transformação do espaço na oficina de restauração das tábuas do forro da igreja, a imagem voltou ao seu lugar original.

Page 81: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

64

Fig. 17 – Altar-mor da Igreja de Nossa Senhora do Carmo.

Na parte inferior do painel D4, existem dois anjos que seguram uma cartela com a

iconografia de uma árvore (fig.18). Ela conecta o céu à terra devido a seu crescimento

Fig. 18 – Árvore – Detalhe do painel D4.

vertical. Da mesma forma, a carruagem que arrebatou Elias também é um símbolo de ligação

entre o terreno e o divino, já que ela foi mandada por Javé para levar o profeta ao céu. Como as

folhas secam e caem durante o outono para depois se renovarem, a imagem da árvore também

está associada à idéia de ressurreição e de vitória da vida sobre a morte. De acordo com Lurker

(2006, p. 16):

A árvore, associada ao ritmo das estações e portadora dos frutos, convertia-se em revelação de vida para os povos que viviam na orla de desertos e rondavam pelas estepes. Profundamente enraizada na terra, a árvore atinge

Page 82: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

65

uma altura que ultrapassa a de todos os seres vivos, o que levou à idéia da árvore do mundo que liga entre si o céu e a terra.

Elias não morre, ele sobe ao céu. Tanto que numa passagem da Bíblia que narra fatos

posteriores a sua ascensão, ele envia uma carta ao Rei Jeorão alertando que este não vinha

seguindo os passos do seu pai, Josafá, que andava se desviando do caminho de Deus (2

CRÔNICAS, 21: 12-15).

A descrição da passagem de Elias sobre o mundo terreno está centrada no conflito entre

a adoração a Baal, difundida por Acab e Jesabel, e o culto a Javé, pregado por Elias. Em

termos de alegoria, representa-se o eterno conflito entre a vida (Javé) e a morte (Baal). De

acordo com Borriello (2003, p. 351):

Parece que à luz dessa polêmica entre vida (= o Senhor) e morte (= Baal) pode-se compreender melhor o fim misterioso experimentado por E. [Elias], ou seja, o seu arrebatamento ao céu sem passar pela morte. Sendo o herói do Deus vivo e doador da vida, E. não morre como Baal e seus devotos, mas vive junto ao senhor da vida.

A própria vinda da carruagem de fogo é uma antecipação da descida do espírito santo

em forma de língua de fogo (ATOS DOS APÓSTOLOS, 2: 3-4), “Apareceram-lhe, então,

línguas como de fogo, que se repartiam e que pousaram sobre cada um deles [os apóstolos]. E

todos ficaram repletos do espírito santo (...)”. A representação de Deus como um fogo que não

queima também pode ser encontrada no Antigo Testamento no primeiro encontro de Deus

com Moisés (ÊXODO, 3: 2) “O anjo de Iahweh lhe apareceu numa chama de fogo, no meio

de uma sarça”, e na coluna de fogo (NÚMEROS, 14: 14), “(...) tu, Iahweh, cuja nuvem paira

sobre eles, que tu marchas diante deles, de dia numa coluna de nuvem e de noite numa coluna

de fogo.”

Traça-se um paralelo situacional entre o arrebatamento de Elias e a ascensão de Jesus ao

céu, “Dito isto, foi elevado à vista deles [os apóstolos], e uma nuvem o ocultou aos seus

olhos” (ATOS DOS APÓSTOLOS, 1: 9).47 O paralelo entre Elias e Cristo também está

colocado na alegoria da árvore da vida, pois ambos são “testemunhas do Deus vivo que dá a

vida aos homens” (BORRIELLO, 2003, p. 351). A árvore da vida está presente tanto no livro

47 De acordo com Borriello (2003, p. 351), “Trata-se de paralelos verbais e gramaticais e de paralelos situacionais (isto é, situações semelhantes, e assim por diante): Lc 7, 11-17 (o filho da viúva de Naim) e 1Rs 17, 17-24 (o filho da viúva de Sarepta); Lc 24, 49-53 e At. 1, 1-12 (a ascensão de Jesus) e 2Rs 2, 1-14 ( O arrebatamento de E.); Jo 1, 43 (o chamado de Filipe) e 1Rs 19, 19-21 (o chamado de Eliseu); Jo 4, 1-26 (a mulher [sem marido] samaritana) e 1Rs 17, 7-24 (a viúva de Sarepta); Jo 14, 13 (‘O que perdides em meu nome, farei’) e 2Rs 2,9 (‘Pede o que te devo fazer’); Jo 13, 33 e 2Rs 2,15-18 etc.”.

Page 83: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

66

do Gênesis (GÊNESIS, 2: 9), “Iahweh Desu fez crescer do solo toda espécie de árvores

formosas de ver e boas de comer, e árvore da vida no meio do jardim (...)”, quanto no

Apocalipse (APOCALIPSE, 22: 2), “No meio da praça, de um lado e do outro do rio, há

árvores da vida que frutificam doze vezes, dando fruto a cada mês; e suas folhas servem para

curar as nações.” Na passagem da transfiguração de Cristo, Elias aparece ao lado de Moisés

como um dos dois profetas mais importantes do Cristianismo, “E eis que lhe aparecem

Moisés e Elias conversando com ele [Jesus]” (MATEUS, 17: 3).

As duas representações encontram-se embaixo de púlpitos de madeira ornados com

volutas. O púlpito é uma derivação do ambom48 cristão. A presença de dois púlpitos numa

Igreja remete a essas antigas tribunas de leitura, pois a do lado sul servia para leitura das

epístolas e a que ficava ao norte era usada para a leitura dos evangelhos. Como se pode ver na

planta baixa no Anexo II, o frontão da Igreja está voltado para o oeste, portanto o púlpito que

se encontra do lado direito com o painel do arrebatamento de Elias é o local onde deveriam

ser lidas as epístolas; do lado esquerdo, onde se vê a representação do milagre de Elias no

Carmelo, deveria ser lido o evangelho. De acordo com Koch (1998), desde a Idade Média, do

lado direito ficavam os homens e do lado esquerdo, as mulheres.

Para os fiéis, que assistem ao ritual da missa em latim, o púlpito se coloca como um dos

locais mais importantes da celebração. Além da leitura dos evangelhos e das epístolas, o

púlpito é o lugar onde o sermão acontece. Sua importância se dá não só por ele ser

proclamado na língua vernácula, mas também porque abriga o momento, no ritual litúrgico,

em que o pároco fala diretamente ao fiel. Escolher duas cenas da vida de Elias para compor

um dos espaços mais importantes dentro da igreja demonstra o peso que a imagem do profeta

tem na constituição da Ordem Carmelita. Portanto, trata-se de um local estratégico, para onde

todos devem olhar em determinado momento da missa, reforçando a presença de Elias no

imaginário da Ordem Carmelita.

De acordo com Heinz-Mohr (1994, p. 142) Elias “é considerado o primeiro eremita,

tornando-se paradigma dos Padres do deserto do Egito e dos monges gregos de Atos [Atos

dos apóstolos] (...)”. É por volta do século IX a.C. que o monte Carmelo torna-se um lugar de

peregrinação e de meditação. Eremitas e monges migravam para o local no intuito de morar

em suas cavernas e grutas, procurando uma vida de contemplação religiosa. A fama do Monte

Carmelo e das pessoas que lá viviam espalhou-se pela Europa de tal forma que o imperador

48 Para os significado de ambom, ver o glossário ao final da dissertação.

Page 84: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

67

romano Vespasiano (69-79 d.C.)49 se dirigiu ao local para obter dos eremitas que lá viviam a

benção divina para empreender a Guerra da Judéia.

Esse fato, trazido por Costa (1976), não deve levar à errônea conclusão de que o

imperador romano Vespasiano era cristão. Em meados do século I, os evangelhos ainda

estavam por ser escritos e o cristianismo ainda se encontrava em fase de expansão por meio

da ação dos apóstolos. Os eremitas do Monte Carmelo provavelmente eram seguidores do

profeta Elias, porém a aura mística que o local havia adquirido deve ter atraído pessoas de

outras crenças religiosas, como o então predominante paganismo romano. Posteriormente,

parte desses homens se converteria à fé cristã.

Mais tarde, quando os apóstolos espalharam pelo mundo a luz dos Evangelhos, e convertidos então os carmelitas a fé cristã, refundiram o seu instituto segundo os princípios da nova lei. Nessa fase do seu desenvolvimento histórico são eles chamados: ora terapeutas, Eremitas ou Anacoretas, ora Solitários, Ascetas ou Cenobitas. (...) Sob o abrigo das cavernas do monte Carmelo permaneceram ainda os religiosos por dilatados anos, até que no século V, e antes da invasão dos sarracenos, fundaram, propriamente dito, um mosteiro de anacoretas submetidos às regras de S. Basílio, ou, segundo outra versão, sob o regime de uma regra escrita no ano de 412, no idioma grego, pelo venerável João Silvano XLIV, patriarca de Jerusalém – tal como foi ditada pelos exemplos do profeta Elias. – É esta a primeira regra dos carmelitas, historicamente comprovada (COSTA, 1976, p. 18, grifo meu)

A tentativa de estabelecer a Ordem Carmelita como a mais antiga de todas está bastante

clara no trecho citado acima. Não há indícios documentais que venham afirmar que os

religiosos do Monte Carmelo tivessem adotado a regra de São Basílio50, ou mesmo a regra

escrita por João Silvano XLIV. Quando o autor afirma historicamente comprovada, deve-se

entender que a regra escrita em grego por João Silvano XLIV sobreviveu até os dias atuais,

enquanto que a regra de São Basílio perdeu-se no curso do tempo. O autor toma este indício

como evidência que provaria a antiguidade da Ordem Carmelita.

É certo que Maria foi escolhida, desde o princípio, como patrona da ordem. Os

fundadores do Carmelo viam na figura de Nossa Senhora a personificação da mais perfeita

49 Vespasiano foi o primeiro imperador da época intitulada “paz romana”, período de apogeu do Império

Romano, inaugurando a dinastia Flaviana. Militar de renome, além de reprimir violentamente a revolta dos judeus na Judéia (Guerra da Judéia), comandou a conquista da ilha de Wright, restaurou a finanças do Império, proclamou-se imperador no Egito, reprimiu revoltas, aumentou a arrecadação dos impostos pelo Estado e construiu o anfiteatro Flaviano, mais conhecido como Coliseu de Roma. Fonte: Knight (1907).

50 Basílio (329-379 d.C.) foi padre da Igreja no oriente chegando a ser, em 370 d. C., o Bispo de Cesaréia. Abandonou o cargo para viver de forma monástica e foi o criador das regras monásticas—eram apenas duas—que serviriam, mais tarde, de inspiração para São Bento. Fonte: Knight (1907).

Page 85: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

68

união com Deus, já que esta se entregou de corpo e alma aos seus desígnios. Fundada a

ordem, esses primeiros carmelitas passaram a viver como ermitãos no Monte Carmelo, a

exemplo da grande figura inspiradora do movimento, o profeta Elias. Ele passou a ser

saudado como o fundador dos carmelitas, até mesmo por ter sido o primeiro eremita. No

entanto, tal alcunha levanta um problema temporal, pois os monges que no Monte Carmelo

viviam só passaram a se reconhecer como pertencentes a uma Ordem religiosa cristã, a de

Nossa Senhora do Carmo, a partir do século XI d. C. e Elias viveu por volta do século IX a.C.

Quase dois mil anos separam, portanto, o seu fundador da fundação efetiva de “sua” ordem.

Tal questão parece ter sido de extrema polêmica à época, já que foi necessária a

Fig. 19 – Imagem de Santo Elias do altar-mor.

“aprovação pontífica de Honório III e Gregório

IX em 1229” (MORIONES, 2007) para a

confirmação de Elias como patriarca da ordem.

Ou seja, o patriarca e fundador da Ordem

Carmelita o é de direito, mas não o foi de fato.

Contudo, durante alguns séculos a ordem o

considerava “seu verdadeiro fundador no sentido

estrito da palavra” (MORIONES, 2007). Em

algumas representações iconográficas de Elias,

dentre elas a imagem do século XVIII existente

no altar-mor da Igreja do Carmo em João Pessoa

(fig. 19) e no segundo painel (painel D2) de

azulejaria do lado direito (fig. 20) do mesmo

templo, o profeta aparece segurando uma pequena

Igreja em uma das mãos.

Segundo Heinz-Mohr (1994, p. 183, grifo

meu) “com um modelo de Igreja na mão aparecem,

além dos eventuais fundadores, os grandes

doutores da Igreja (...)”. Corrobora com a

afirmação o fato que em 1725 permitiu-se “a

construção de uma estátua de Santo Fig. 20 – Santo Elias – Detalhe do painel D2.

Page 86: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

69

Elias na Basílica do Vaticano entre os fundadores das ordens”51 (KNIGHT, 1907) cujo custo

foi repartido entre as seções da Ordem Carmelita.

Em 1571 o Padre Antonio Gonçalves escreve o Compendio das Chronicas da Ordé de

Nossa Senhora do Carmo, que trata da regra carmelitana e da própria história da ordem.

Mesmo sem expressar claramente, é possível perceber na escrita do padre a preocupação com

o lapso temporal que existe entre o surgimento efetivo da ordem e a presença do profeta Elias

no Monte Carmelo. No Capítulo 14, intitulado “No qual se declara o mistério da nuvem que o

discípulo do profeta viu sair do mar no monte carmo, e como significou a virgem gloriosa

nossa senhora”52 (GONÇALVES, 1571, p. 57), o autor realiza uma interessante explicação

para a atribuição da fundação da Ordem a Elias. Segundo ele, a nuvem que o discípulo de

Elias vê, quando sobe no Monte Carmelo após o massacre dos profetas de Baal, é uma

alegoria para Nossa Senhora.

O autor realiza um estudo comparativo levantando, dentro das passagens bíblicas, os

momentos em que as nuvens aparecem como símbolo divino e os autores que a relacionam

com a imagem de Maria:

Nam he isto meu: mas do sancto póntifice Medionalnenfe Ambrosio declarando aquelle passo de Esaias em que diz. O senhor assentando sobre a nuvem leve vem a egipto que significa a aflição deste misero mundo, ao qual vem Deos pela virgem significada pela nuvem, e era leve porque era virgem sem alguma carga de corrupção. O bem aventurado Sam Crisostomo declarando o mesmo lugar, entende por esta nuvem a carne que Christo recebeu no ventre virginal da gloriosa padroeira nossa, e ally o entende nicholao de lira. (...). O docissimo Sam Jeronimo expondo o mesmo lugar de esaias diz. a nuvem leve, he o corpo da virgem gloriosa; (...) (GONÇALVES, 1571, p. 57)

Se Maria é representada como uma nuvem, na leitura alegórica das escrituras, Elias se

torna o fundador de fato da Ordem Carmelita, pois é ele quem traz a amada mãe para o Monte

Carmelo. Aquela área infértil, que sofria com uma seca de três anos imposta por Javé,

frutificaria a partir da chegada da nuvem de chuva.

Pois que mais fundamental causa se, pode achar que com mais razão possa dar nome, que aquelles frades fé chamem de Nossa Senhora Virgem gloriosa maria, cujo fundador em espirito prophetico a mostrou ao mundo, mil annos antes que ella nascesse? (GONÇALVES, 1571, p. 58)

51 Texto original: “(...) it permitted the erection of a statue of St. Elias in the Vatican Basilica among the

founders of orders (1725)”. 52 Para as citações de Gonçalves (1571) optei, para que haja uma melhor compreensão do texto, por desdobrar as

abreviaturas e substituir as letras “f” por “s”, quando necessário.

Page 87: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

70

Estabelecer um vínculo direto com Elias, se colocando como descendente de uma

cultura fundada pelo profeta, proporciona a Ordem Carmelita uma vantagem acima das

outras. Seu fundador não poderia ser mais perfeito, comparando-se ao próprio Cristo. Soma-se

a esse fato, a adoção, como matrona da ordem, a maior figura feminina do cristianismo:

Maria. Em parte, isso explica o porquê das demais ordens religiosas contestarem a

paternidade do Carmo ao profeta Elias e a necessidade de os frades se reafirmarem como seus

descendentes diretos.

Contudo, no contexto da expansão ultramarina da fé católica é inegável que a

Companhia de Jesus saiu na frente, pois foi fundada tendo como base o espírito missionário.

Como já foi dito, todas as ordens religiosas podiam e deviam participar da catequização das

terras do além-mar. No intuito de legitimar os carmelitas como uma ordem também

historicamente catequizadora, as alegorias da Igreja de Nossa Senhora do Carmo trazem do

século XI o homem que primeiro se reconheceu como pertencente a Ordem de Nossa Senhora

do Carmo: o cruzado São Bertoldo.

3.3. CONSTRUINDO O CONVENTO OU A CONSAGRAÇÃO DE SÃO BERTOLDO.

É atribuída a Bento de Núrsia53 (São Bento), em 529 d.C., a fundação da primeira

ordem religiosa nos moldes modernos. Estabelecido na abadia de Montecassino, escreveu a

Regra de São Bento, conjunto de normas que governariam a vida religiosa naquele local, mas

“Infelizmente, perdeu-se o texto original de sua regra, que poderia ter constituído um precioso

testemunho direto” (DONINI, 1988, p. 281), restando traduções que foram simplificadas no

intuito de facilitar sua compreensão.

De acordo com Moriones, o que se registra é que no século XIII alguns ex-cruzados,

cansados após guerrearem nas Cruzadas (o autor não informa quais guerras nem quem eram

essas pessoas), resolvem entregar sua vida a Cristo fixando-se no Monte Carmelo.

Como nenhum deles tinha talvez uma experiência anterior de vida monástica ou religiosa, recorreram ao ordinário do lugar, Alberto, patriarca de Jerusalém de 1206 a 1214, que vivia então em S. João do Acre, a pouca distância de nossos ermitães, pedindo-lhes algumas normas para organizar a sua vida. E o patriarca, Cônego Regular de Santo Agostinho, com mais de cinqüenta anos de idade e uma longa experiência pessoal de vida monástica, em um breve documento, os elementos característicos do estilo de vida que desejavam abraçar. É o que se chamará, através dos séculos, a Regra

53 Em 1589, São Bento foi proclamado patrono do ocidente e pai da Europa, provavelmente pela importância que

as ordens religiosas tiveram na formação de uma cultura ocidental. Fonte: Knight (1907).

Page 88: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

71

Carmelitana e se converterá em fundamento e ponto de referência constante para quantos se vão associando à nova família religiosa fundada por estes cruzados-ermitães nos alvores do século XIII. (MORIONES, 2007, grifo do autor)

Reconhecendo que se trata de um trabalho de fôlego, principalmente no que diz respeito

à formação da ordem dos carmelitas descalços54, o autor deixa escapar esse pequeno pedaço

da origem de sua ordem. O cruzado que teria fundado a ordem, ainda no século XI, era um

homem da Calábria chamado de Bertoldo que, na hagiografia escrita por Costa (1976, p. 18-

19, grifo do autor):

(...) em cumprimento de um voto, ao ser mortalmente ferido em uma batalha travada contra os infiéis, foi habitar aquelas ruínas, reuniu os monges dispersos e fundou a Ordem dos irmãos carmelitas da Bem-aventurada Maria do Monte Carmelo, tendo por fim – espalhar o culto da Virgem Santa e a devoção do Escapulário do Monte Carmelo.

Essa é a história que, de acordo com a pesquisa, acredito que esteja descrita no primeiro

e no segundo painéis de azulejaria do lado esquerdo (painéis E1 e E2). No primeiro, tendo

como pano de fundo uma montanha desabitada, vê-se a imagem de Nossa Senhora do Carmo

em uma nuvem rodeada de anjos; em seus braços encontra-se o menino Jesus que aponta para

um homem ajoelhado. No segundo painel, observa-se monges usando o hábito carmelita

trabalhando na construção de uma edificação com três figuras desconhecidas no plano

principal. Os painéis E1 e E2 possuem diferentes problemas que dificultam as suas

respectivas análises: no primeiro, a inexistência de atributos no homem ajoelhado dificulta a

sua identificação; no segundo painel, falta um conjunto de azulejos que comporiam as feições

e o corpo dos indivíduos representados.

As alegorias presentes na Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Paraíba colonial

apontam para o Profeta Elias como fundador da ordem. De acordo com Knight (1907):

Uma nota escrita entre 1247 e 1274 (Mon. Hist. Carmelit., 1, 20, 267) coloca em termos gerais que ‘desde os dias de Elias e Eliseu os sagrados pais da Velha e da Nova dispensa eclesiástica viviam no Monte Carmelo, e que seus sucessores depois da Encarnação construíram lá a capela em honra de Nossa Senhora, razão pela qual eles foram chamados nas Bulas papais de ‘frades da abençoada Maria do Monte Carmelo’. 55

54 Sobre a diferença entre Carmelitas Descalços, Reformados e Observantes discorrerei nos capítulos seguintes. 55 Texto original: “A notice written between 1247 and 1274 (Mon. Hist. Carmelit., 1, 20, 267) states in general

terms that ‘from the days of Elias and Eliseu the holy fathers of the old and the New Dispensation dwelt on

Page 89: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

72

A construção do primeiro convento é atribuída a Bertoldo, um cruzado. Consagrado

como santo pela Igreja Católica Romana, as informações disponíveis sobre sua vida e sua

iconografia são bastante escassas. Para agravar essa questão existem mais cinco santos e

bispos do catolicismo com o mesmo nome, sendo um deles também cruzado, porém

pertencente à Ordem Beneditina, morto numa batalha no ano 1198.

Sobre o Bertoldo carmelita só foi possível pesquisar em duas fontes hagiográficas: a

enciclopédia católica editada por Kevin Knight, Catholic Encyclopedia (1907), disponível na

internet no sítio New Advent, trabalho de referência que servirá de base para a compreensão

da biografia de São Bertoldo. A segunda fonte que me refiro é o livro Hagiografia

Carmelitana (2001), de autoria de Marcos Cavalcanti de Albuquerque, ex-prior da Ordem

Terceira carmelita de João Pessoa; um trabalho com quase nenhum apuro científico cujas

histórias são efusivas, porém carentes de fontes bibliográficas e dados confiáveis. Algumas

poucas informações foram cruzadas com os dados trazidos por F. A. Pereira da Costa no livro

A Ordem Carmelitana em Pernambuco (1976).

Bertoldo nasceu no ano de 1073 na cidade de Limoges na França. Já ordenado

sacerdote, partiu com Adamaro—seu irmão mais velho—para a cruzada organizada pelo papa

Urbano II, no ano de 1095. Em 1098, a cidade de Atioquia encontrava-se cercada por

inimigos, e naquele momento Bertoldo teria prometido que, caso saíssem vivos daquela

situação, ele vestiria o hábito no sagrado Monte Carmelo. Com a vitória, seguiu com o

exército para Jerusalém e lá foram recebidos com louvores. Durante o tempo que permaneceu

na cidade, passou por diversas privações como a fome e a constante ameaça de um ataque

muçulmano. Com 28 anos de idade, partiu em direção ao Monte Carmelo, onde vestiu o

hábito e promoveu a construção do primeiro convento carmelita junto à Fonte de Elias. Tal

versão contrasta com aquela já colocada neste trabalho por Costa (1976), na qual Bertoldo

teria feito o cumprimento do voto ao ser mortalmente ferido numa cruzada. Independente das

variações nos relatos sobre este santo, em uma coisa ambos os autores estão de acordo:

Vem daí a construção do vasto e belo convento do Monte Carmelo, com a sua magnífica igreja dedicada ao profeta Santo Elias, cuja imensa fábrica campeia no alto da montanha entre cerradas e alterosas florestas. (COSTA, 1976, p. 19).

Mount Carmel, and that their successors after the Incarnation built there a chapel in honour of Our Lady, for which reason they were called in papal Bulls ‘Friars of Blessed Mary of Mount Carmel’.”

Page 90: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

73

São Bertoldo faleceu no dia 29 de março de 1187 com 115 anos de idade “enviando ao

Céu sua alma puríssima na forma de uma pomba cândida” (ALBUQUERQUE, 2001, p. 23).

Fig. 21 – São Bertoldo e Nossa Senhora do Carmo - Painel E1 – Igreja de Nossa Senhora do Carmo, João

Pessoa, segunda metade do século XVIII. Autoria desconhecida.

Na Igreja de Nossa do Carmo foi possível identificar a representação de duas passagens

da vida deste santo: a chegada de Bertoldo ao Monte Carmelo e a construção do primeiro

convento carmelita. No primeiro painel de azulejos do lado esquerdo (painel E1) tem-se um

homem ajoelhado, com os olhos voltados para Nossa Senhora do Carmo que se encontra em

uma nuvem rodeada de anjos (fig. 21)56. O menino Jesus em seu colo estira o braço para a

figura abaixo como se quisesse alcançá-lo. No pano de fundo da representação vê-se uma

montanha desabitada rodeada por uma densa vegetação da qual uma grande árvore tenta se

destacar em primeiro plano. Trata-se de uma representação pictográfica da área do Monte

Carmelo: “(...), perto do mar, Monte Carmelo parece um promontório arredondado, que vai de

56 A imagem de Nossa Senhora em cima de uma nuvem estará presente em sete dos dez painéis de azulejaria da

Igreja de Nossa Senhora do Carmo, o que corrobora com a identificação proposta por Gonçalves (1571) de associação de Maria com uma nuvem.

Page 91: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

74

encontro, quase todo, às ondas do mediterrâneo. (...) ”57 (KNIGHT, 1907). Corrobora com

esta descrição a rica vegetação que ronda a cena:

Como quase toda a extensão do Monte Carmelo está coberta por uma rica e abundante vegetação, ele ainda possui muito da aparência que sem dúvida foi a origem do nome: ‘o jardim’ ou ‘a terra do jardim’58 (KNIGHT, 1907)

De todos os painéis em que o Monte Carmelo está representado, este é o único em que a

formação rochosa aparece com mais evidência. A sensação de uma área desabitada é causada

pela vegetação de frondosas árvores e pela inexistência de qualquer construção ao seu redor.

Também se trata do único painel de azulejaria da Igreja em que o monte aparece sem

edificações a seu sopé.

Vários santos representados nos painéis de azulejos da Igreja de Nossa Senhora do

Carmo não possuem atributos, o que dificulta suas identificações. Contudo com relação a este

personagem, quase não há dúvida: quem se encontra ajoelhado aos pés de Nossa Senhora do

Carmo deve ser São Bertoldo. Ele foi o responsável por construir o primeiro convento

carmelita na região usada antes como morada de ermitões que viviam em cavernas nas

montanhas, daí a representação pictográfica de uma região desabitada, sem nenhuma espécie

de construção. Inabitada, porém com a presença de Deus e da mãe de todos, Maria.

Na parte superior do painel, vê-se

uma lua (fig. 22) cujo brilho irradia por

toda a cartela. Seu significado está

diretamente ligado ao do sol, já que a lua não

possui luz própria: seu brilho provém do

reflexo dos raios solares, “veio a se tornar

dessa forma símbolo da dependência e do

princípio feminino(...)” (HEINZ-MOHR,

1994, p. 226). A associação das fases da lua

com as marés e com os ciclos

Fig. 22 – Lua – Detalhe do painel E1.

menstruais já é conhecida desde o Egito antigo relacionando sua imagem com a idéia de

fertilidade, atribuindo-lhe um caráter feminino. A Bíblia diz que quando Deus punir as

57 Texto original: “(...), near the sea, Mount Carmel looks like a bold promontory which all but runs into the

waves of the Mediterranean”. 58 Texto original: “As nearly the whole range of Carmel is covered with abundant and rich vegetable earth, it has

still much that appearance which no doubt was the origin of the name: ‘the garden’ or ‘the garden land’.”

Page 92: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

75

mulheres de Sião arrancará delas o “adorno dos anéis dos seus tornozelos, das testeiras e das

lunetas [adornos em forma de lua], dos pingentes, dos braceletes e dos véus, (...)” (ISAÍAS,

3:18). Cirlot (1984, p. 353) ainda acrescenta que “Por seu caráter passivo, ao receber a luz

solar, assimila-se ao princípio do dois e da passividade ou do feminino”. Segundo Heinz-

Mohr (1994, p. 227), “A Virgem Maria, com igual alusão a esses dois aspectos da castidade e

do parto, é comparada muitas vezes na liturgia cristã com a lua, sendo também através dos

séculos representada em pé sobre meia-lua”. A base dessa representação encontra-se na

Bíblia, quando a mulher vestida de sol aparece “tendo a lua sob os pés e sobre a cabeça uma

coroa de doze estrelas” (APOCALIPSE, 12: 1), sendo identificada como Maria, que voltará

no juízo final como símbolo do triunfo sobre o demônio. Além disso, a lua se relaciona com a

eternidade do reino de Deus “Que dure sob o sol e a lua por gerações de gerações”

(SALMOS, 72: 5).

Assim como Maria traz a luz, que é Cristo, ao mundo, a lua reflete a luz solar, e o sol

“se não é o próprio deus, é, para muitos povos, uma manifestação da divindade”

(CHEVALIER; GHEERBRANT, 1992, p. 836, grifo meu), ou seja, a lua irradia a sabedoria

que vem de Deus, reflete sua vontade. Dessa forma, ela se relaciona com Maria, a mulher que

se entregou por completo a Deus, doando ao mundo o maior presente da vontade divina cristã,

o seu filho. Assim como o sol que governa o dia, a lua foi criada no quarto dia para governar a

noite (GÊNESIS, 1: 16): “Deus fez os dois luzeiros maiores: o grande luzeiro como poder do

dia e o pequeno luzeiro como poder da noite, e as estrelas”.

Segundo Becker (1999, p. 173), “Por causa do seu ‘desaparecer’ e ‘crescer’ e suas

influências sobre a terra, notadamente sobre o organismo feminino, desde sempre se encontra

em extrema relação com a fecundidade feminina”. Essa fecundidade da lua associa-se à idéia

de ressurreição, pois, assim como a fênix mitológica, a lua passa por diferentes fases,

chegando até mesmo a desaparecer na escuridão, porém sempre ressurge triunfante no céu. E

então lembramos da História oficial carmelita, na qual a Ordem, apesar de ter desabrochado

pelas mãos de São Bertoldo, sempre existiu. Buscaria o painel, com essa alegoria, uma

justificativa para o real aparecimento da ordem no século XI? Trilhando por este caminho—e

talvez até me desequilibrando um pouco—permito-me pensar que a lua alegoriza a

antiguidade da Ordem Carmelita, que existe desde Santo Elias, contudo, em formas

diferentes, quase como se esta também passasse por fases: ora aparece mais tímida, quase

imperceptível, e ora mais iluminada, tentando desabrochar. Seu esplendor acontece com a

solidificação de uma ordem completa através de uma regra própria a ser seguida e a respectiva

Page 93: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

76

aprovação do sumo pontífice, enfim, uma lua cheia e brilhante no céu, irradiando a vontade de

Deus através do feminino.

E assim também o monte Carmelo ressurge para o cristianismo pelas mãos de São

Bertoldo. Maria e Cristo se acham presentes no ressurgimento dos carmelitas: a mãe se

encontra serena, sentada na nuvem com o brasão da ordem em seu peito, enquanto seu filho

estica o braço para Bertoldo, um lindo convite para que este os alcance construindo a Ordem

Carmelita. A alegoria da lua encontra-se realçada pela forma mais pura de representação

mariana: a rosa.

Fig. 23 – Rosas – Detalhe do painel E1.

Na parte inferior do painel de azulejos (fig. 23) se encontram duas grandes rosas abertas

com caules e folhas. Segundo Becker (1999, p. 238), “Como na Idade Média a rosa era um

atributo das virgens, também era símbolo de Maria”. Tal alegoria é acentuada pela idéia de

perfeição que essa flor traz, e cuja maior representante dentro da Igreja Católica Romana é

justamente Maria, mãe do filho de Deus.

Essa perfeição não se refere somente à figura de Nossa Senhora, mas à toda a cena

representada. Segundo Chevalier e Gheerbrant (1992, p. 788), a rosa “designa uma perfeição

acabada, uma realização sem defeito”. O feito de São Bertoldo de construir um convento no

monte Carmelo iniciando a ordem como instituição não poderia ser mais perfeito, mais digno.

A cor vermelha predominante nas rosas representa o sangue derramado por Cristo, e,

juntamente com sua forma de receptáculo, que a associa ao feminino, “simboliza também o

cálice que recolheu o sangue sagrado de Jesus. Por causa da associação simbólica com o

sangue de Cristo, é ao mesmo tempo símbolo do renascimento místico” (BECKER, 1999, p.

238).

Como já foi dito, no painel E1 não há nenhuma menção à construção do primeiro

convento carmelita. Bertoldo encontra-se só recebendo o chamado de Maria acompanhada do

Page 94: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

77

menino Jesus. Contudo, quando se olha com um pouco mais de atenção para os anjos que

compõem a cena, um deles claramente se destaca dentre os demais (fig. 24). Ele é o único que

se encontra com o corpo inteiro59 enquanto todas as outras oito figuras só mostram os rostos e

olham para virgem. O anjo em questão olha diretamente para o espectador; de todos os dez

painéis de azulejos existentes na nave principal da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, este é o

único que apresenta um anjo numa cena principal que olha diretamente para o seu observador.

Seu sorriso maroto e seu braço enrolado num manto, não só chamam a atenção do fiel que

entra na igreja como também mostram algo mais adiante. Na verdade, ele aponta para o painel

ao lado, tentando levar o observador a olhar também a cena seguinte, como se as duas

fizessem parte de uma composição só.

Até hoje, não tive motivos para desconfiar de um anjo, principalmente um tão

encantador. E este também não me decepcionou: os painéis E1 & E2 fazem parte de um relato

contínuo em que o segundo complementa a história do primeiro.

Fig. 24 – Anjo em destaque – Detalhe do painel E1

59 Considero que os quatro anjos que seguram as cartelas inferiores e superiores, com o sol e a rosa, não

compõem a cena principal e sim a moldura do painel.

Page 95: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

78

Fig. 25 – Construção do convento - Painel E2 – Igreja de Nossa Senhora do Carmo, João Pessoa, segunda

metade do século XVIII. Autoria desconhecida.

Como já foi dito, o segundo painel (fig. 25) é o que apresenta as maiores danificações.

Enquanto que o primeiro sofre com a ausência de três azulejos esparsos, este padece com o

desaparecimento de um grande conjunto de trinta e sete azulejos que compõem as figuras

centrais da cena. Simões (1965, p. 210), em um trabalho clássico sobre a azulejaria

portuguesa no Brasil, já acusava o desaparecimento desses azulejos na década de 1960:

Apenas nos painéis do lado esquerdo de quem entra na nave há falta de alguns azulejos, cuja quebra ou extravio é muito anterior às obras de restauro empreendidas há poucos anos pelo DPHAN.

Desses personagens só sobraram um rosto e quatro mantos. Ao fundo se vê frades com

o hábito carmelita levantando uma edificação. A menos que se achem os azulejos perdidos ou

surja algum registro fotográfico que permita identificá-los, nunca teremos certeza de quem

está nesta cena ou o que eles fazem nela.

Page 96: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

79

No início deste trabalho, falei da relação entre o concreto e o imaginário para a

construção de uma narrativa histórica. Munido das ferramentas de análise que a História

proporciona ao seu pesquisador, procuro analisar esse painel de azulejos de forma que não

caia da estrada de tijolos amarelos por onde me propus caminhar. Todavia, levanto algumas

especulações que podem ser úteis para a compreensão das alegorias da Igreja de Nossa

Senhora do Carmo como imagens que se conectam por uma razão: a doutrinação da cultura

histórica carmelita por meio de imagens.

É curioso pensar que de todos os painéis de azulejos, este é o que a ausência causa

menos causa danos à imagem. Não que a perda não seja imensa e irreparável; não se engane,

ela é. No entanto, caso qualquer figura central de outro painel de azulejos da Igreja do Carmo

tivesse desaparecido, na amplitude em que esses personagens foram arrancados de dentro da

história carmelita, seria praticamente impossível identificar a cena, pois cada representação

demonstra um fato isolado que se conecta aos outros azulejos por uma questão doutrinária. A

ligação entre os painéis E1 e E2 ultrapassa o vínculo de doutrinação estabelecendo uma

relação temporal em que o segundo é a sequência do primeiro. Em palavras não tão literais:

como que por milagre, ainda há vida naquele monumento.

O prédio construído na cena retratada tanto pode ser a construção do primeiro

convento carmelita perto do monte Carmelo—segundo Knight (1907), destruído em 1268—,

ou a edificação da Igreja em honra a Santo Elias. Ambas as construções teriam sido feitas sob

o auspício de São Bertoldo, que provavelmente é uma das figuras desaparecidas do painel. Os

monges que constroem a edificação vestem o hábito carmelita, o que indica que se trata de

uma construção feita pela e para a ordem, tudo isso observado por Nossa Senhora do Carmo e

o menino Jesus, que se encontra em seu colo segurando um escapulário, quase como se

tivesse o intuito de jogá-lo para os

personagens da cena abaixo. Sobre o

escapulário, neste momento, fique

registrado que ele teria a capacidade de

salvar aqueles que o usassem, ou seja,

proteção maior para um cristão,

impossível. Talvez por isso o menino

Jesus estenda o braço mostrando o

escapulário para as pessoas que se

encontram na terra: para ter o direito de

Fig. 26 – Menino Jesus segurando o bentinho -–

Detalhe do painel E2.

usá-lo, os monges devem provar a sua dedicação pessoal à Nossa Senhora do Carmo (fig. 26).

Page 97: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

80

Numa cartela na parte superior do painel (fig. 27) encontra-se uma rosa-dos-ventos ou

rosa-dos-rumos. Ela marca os pontos cardeais e suas subdivisões; sua função é mostrar a

orientação, o rumo a ser seguido. Utilizada principalmente pelos navegadores—será uma

lembrança da expansão ultramarina?—seu uso foi indispensável durante o período das

grandes navegações.

Fig. 27 – Rosa-dos-ventos – Detalhe do painel E2.

Na Bíblia a rosa-dos-ventos, que sempre foi assimilada pelas suas pontas a uma estrela,

também aparece como guia dos desígnios divinos. A mais famosa representação é a estrela

que orienta os três reis magos a encontrar Jesus: “E eis que a estrela que tinham visto no céu

surgir ia à frente deles até que parou sobre o lugar onde se encontrava o menino. Eles,

revendo a estrela, alegraram-se imensamente.” (MATEUS, 2: 9-10).

No painel E2, a rosa-dos-ventos aponta o caminho a ser seguido pelos primeiros

monges carmelitas, e, consequentemente, indica aos fiéis que frequentam a Igreja de Nossa

Senhora do Carmo que conduta eles devem adotar para conseguir a salvação, ou seja, o cristão

deve realizar a obra designada por Deus, no caso o culto à virgem do Carmo. Quanto mais

próximo de cumprir a vontade de Nossa Senhora do Carmo, mais perto o fiel estará de sua

salvação, a mesma prometida quando se porta o escapulário.

A criação da ordem não foi um fato aleatório, um mero acaso do destino, mas algo

perfeitamente guiado pelas mãos de Deus. O número de pontas, oito, “é universalmente, o

número do equilíbrio do cósmico. É o número das direções cardeais, ao qual acrescenta o das

direções intermediárias: o número da rosa-dos-ventos” (CHEVALIER; GHEERBRANT,

1992, p.651, grifo do autor). Olhando atentamente para o único rosto que sobrou dentre as

figuras principais (fig. 28), um homem barbado e nimbado, lembrando que Nossa Senhora do

Carmo se encontra presente na cena principal, poderia arriscar dizendo que se trata de Jesus

Page 98: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

81

Cristo. Quem sabe ele se acha orientando São Bertoldo, na construção do convento carmelita?

Não resisto à vontade de deixar mais algumas suposições no ar: Será que as outras duas

Fig. 28 – Rosto – Detalhe do painel E2.

figuras que aparecem na cena não seriam São Brocardo, sucessor de São Bertoldo como prior-

geral da ordem, e Santo Alberto, escritor da primeira regra carmelitana? Por outro lado, o

bentinho pode estar sendo entregue a alguém, será São Simão Stock, cuja iconografia mais

comum é com Nossa Senhora do Carmo entregando-lhe pessoalmente o escapulário? Ou será

que o rosto que se vê é o do Profeta Elias nimbado assistindo à construção da Igreja que lhe

foi consagrada? Essas são apenas algumas perguntas cujas respostas talvez nunca cheguem a

ser ditas, a não ser que, por intervenção divina, encontrem-se os azulejos que faltam a esse

conjunto.

Fig. 29 – Palmeira – Detalhe do painel E2.

Na parte de baixo do painel, numa cartela também segurada por dois anjos, encontra-se

uma palmeira (fig. 29). A alegoria da palmeira também é bastante presente na iconografia

cristã, já que se refere à entrada de Cristo em Jerusalém. Apesar da passagem na Bíblia não se

referir a ramos de palmeiras e sim a mantos, “Enquanto ele avançava o povo estendia as suas

próprias vestes no caminho” (LUCAS, 19: 36), durante a comemoração deste fato, que

acontece no último domingo antes da Paixão (Domingo de Ramos), os fiéis levam ramos de

Page 99: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

82

palmeira para a Igreja. De acordo com Becker (1999, p. 209), “Ramos de palmeira são um

símbolo muito difundido de vitória, alegria e paz”. Para Heinz-Mohr (1994, p. 270), tal

símbolo:

Remonta ao Oriente, o hábitat original da vigorosa e esguia palmeira com sua ramagem basta, a antiga simbologia da palma, que se refere a vitória, ascensão, renascimento e imortalidade; daí também a associação de → fênix e palmeira.

Essa idéia de ressurreição está presente na construção do primeiro convento carmelita.

Ao lidar com a História da Ordem Carmelita e suas origens, não se deve nunca esquecer que

os carmelitas consideram seu fundador o Profeta Elias, ao mesmo tempo que admitem que a

trajetória de sua ordem não é contínua. Bertoldo reconstrói a congregação no Monte Carmelo,

e tal qual a fênix que ressurge das cinzas—uma alegoria por demais pagã para ser usada

dentro de uma igreja—a palmeira possui esse sentido de ressurreição. “Por isso na arte cristã

frequentemente aparecem ramos de palmeira como atributos dos mártires” (BECKER, 1999,

p. 209).

E, ao relembrar a passagem bíblica completa da entrada de Jesus em Jerusalém, quando

é recebido pelas pessoas que o saúdam com seus respectivos mantos, estes transformados em

ramos de palmeira pela festa cristã, vê-se que a primeira atitude de Cristo é expulsar os

vendedores do templo, transformando-o novamente em lugar de oração e meditação. Não é

tão difícil estabelecer uma relação entre essa passagem bíblica e a atitude de São Bertoldo:

assim como Jesus retoma para Deus o templo que lhe foi construído, Bertoldo devolve ao

Monte Carmelo—por meio da construção do primeiro convento carmelita—a sua grande mãe,

Nossa Senhora, que mil anos antes do nascimento do santo, havia sido trazida à região pelo

Profeta Elias na alegoria de uma nuvem.

Apesar de haver quase dois mil anos a separá-los, os dois fundadores se conciliam

dentro da Igreja de Nossa Senhora do Carmo na Paraíba colonial. O profeta, como bem

lembra Borriello (2003, p. 351), “(...) se torna o modelo e o inspirador dos eremitas e dos

monges”. O Santo, por sua vez, constrói no Monte Carmelo o primeiro convento e a primeira

igreja da Ordem Carmelita.

Elias é indispensável, não só porque nele reside o modelo monástico, mas porque sua

figura profética é forte, imponente e atemporal. Possuí-lo como fundador proporciona, ao

menos no imaginário coletivo dos carmelitas, uma autoridade maior sobre as outras

congregações. Enquanto as outras ordens religiosas foram fundadas por homens—notáveis e

santos, mas que durante sua vida terrena foram apenas homens—o Carmelo surgiu pelas mãos

Page 100: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

83

de um profeta que não morreu, mas que subiu ao céu levado pelo próprio Javé em uma

carruagem de fogo.

Bertoldo pode ser um mortal como os outros homens, contudo, no contexto da expansão

da fé católica pelo além-mar, seu nome possui um peso extremamente considerável. A

doutrinação dos infiéis—leia-se indígenas—nas longínquas terras do Brasil é um dos

desdobramentos do ideário cruzadístico que se inicia no século XI d.C. com a organização da

primeira cruzada. A criação da Companhia de Jesus como um exército de salvação da alma do

infiel e do próprio missionário reaviva, primeiramente, a memória dos santos guerreiros, vide

a forte presença de Santa Joana D’Arc e São Jorge no sincretismo religioso brasileiro, e,

posteriormente, a dos mártires monásticos que morreram pela difusão da fé cristã. Nesse

contexto histórico, possuir um guerreiro que se dedicou de corpo e alma à propagação da fé

cristã, participando do início de todo esse processo—a primeira cruzada—é uma legitimação

do papel missionário dos carmelitas de que a Ordem do Carmo não pode abrir mão.

Os painéis de azulejaria analisados colocam o Profeta Elias nos locais mais visíveis da

Igreja legitimando-o como o primeiro homem da ordem e, ao mesmo tempo, não esquecem de

São Bertoldo, relembrando o seu feito na construção do primeiro convento carmelita. A

harmonização das duas figuras na Igreja de Nossa Senhora do Carmo se realiza por meio da

alegoria barroca, uma linguagem que almejava ser universal; e será por meio deste caminho

que a Igreja de Nossa Senhora do Carmo continuará a introjetar no cristão um modelo de

conduta que se alicerça na cultura histórica carmelita.

Page 101: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

84

De fato, os que negam que os santos, fruindo no céu de uma felicidade eterna, devam ser invocados; bem como os que asseveram que eles não oram em prol dos homens ou que sua invocação para que orem também por cada um de nós é idolatria ou conflita com a palavra de Deus e se opõe à honra do único mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, ou que é tolice suplicar, com palavras ou mentalmente, aos que reinam no céu, pensam de forma ímpia.

Concílio de Trento, Decreto sobre a invocação, a veneração e as relíquias dos santos, e sobre as imagens sagradas.

Page 102: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

84

4. A ÁGUA: A CONDUTA DOS SANTOS.

4.1. A FIDELIDADE AO REINO VIA GUERRA DOS MASCATES.

Em 1783, o escritor romântico José de Alencar publica a novela intitulada A guerra dos

mascates, uma obra de ficção-histórica cuja intenção era servir como sátira ao gabinete de Rio

Branco (1871-1875)60. O livro, apesar de não constar entre os grandes escritos de José de

Alencar, terminou por influenciar as narrativas históricas que o sucederam. “Até a publicação

da obra de Alencar, os acontecimentos de 1710-1711, haviam sido geralmente conhecidos

como ‘sedições’ ou ‘alterações em Pernambuco’” (MELLO, 2003, p. 15). Apesar de

inadequado, o termo Guerra dos mascates seria, a partir de então, largamente utilizado pela

historiografia tradicional, e até hoje se encontra difundido nos livros didáticos de História.

Após a expulsão dos holandeses do Brasil em 1654, a praça de Recife, pertencente a

Olinda, inicia um processo de desenvolvimento econômico e social que culminará com o

pedido, ainda no século XVII, de sua elevação à categoria de vila. A demanda só seria

atendida pelo Rei D. João V, no ano de 1709, época em que Sebastião de Castro e Caldas

(1707-1710) era governador da Capitania de Pernambuco:

A 4 de setembro de 1709, o Conselho Ultramarino emitiu sua consulta, documento breve, indício de que não houvera divergência entre os membros. Ele propunha que, ‘para se evitarem estas desuniões entre os moradores’, Sua Majestade criasse a vila do Recife, cabendo ao governador e ao ouvidor fixar-lhe o respectivo termo. O juiz-de-fora devia dar audiências semanais alternadas em Olinda e no Recife, como era prática em certas vilas do Reino. A 16 de novembro, D. João V despachava com o lacônico ‘como parece’ de estilo; a 19, o conselho expedia a correspondente carta régia. (MELLO, 2003, p. 244)

O referido governador ficou famoso dentro da história pernambucana por ter conduzido

uma administração no mínimo desastrosa. Em 1695, Sebastião de Castro Caldas é nomeado

para assumir a Capitania da Paraíba, porém recusa o cargo preferindo assumir interinamente o

governo do Rio de Janeiro. Após deixar a função, é preso no caminho à Lisboa, por acusações

de favorecimento aos franceses. O rei decide mantê-lo preso na capital lusitana enquanto a

60 José Maria da Silva Paranhos, o Visconde de Rio Branco, nasceu em 1819 e faleceu em 1890. Abolicionista, a

pedido do Imperador D. Pedro II, fundou um dos gabinetes liberais de maior longevidade no período imperial. Captado em: <http://www.senado.gov.br/comunica/historia/riobranc.htm>. Acesso em: 5 mar. de 2009.

Page 103: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

85

investigação decorre. Como era de se esperar, Castro e Caldas é inocentado e volta ao Brasil

pleiteando o Governo da Paraíba. “Ofereceram-lhe o da colônia do Sacramento, entrementes

conquistada pelos catelhanos do Rio do Prata. Tendo-o recusado, deram-lhe finalmente o de

Pernambuco” (MELLO, 2003, p. 219).

Sua administração se constituiu numa série sucessiva de desmandos e erros. Em um

claro desrespeito a jurisdição que lhe foi concedida, ele se intromete nos assuntos

eclesiásticos—o caso mais notável foi sua interferência direta na escolha do Abade do

Mosteiro de São Bento em Olinda—e nos assuntos jurídicos, atropelando a autoridade do

Ouvidor da Capitania, José Inácio de Arouche, que possuía fortes vínculos com a Câmara de

Olinda. Constantemente o governador é acusado pela “açucarocracia olindense” (MELLO,

2003) de favorecer os comerciantes recifenses com quem teria amizade e negócios pessoais.

Nas palavras de Mello (2003, p. 242):

Durante o seu governo, ele colecionará, fato inédito, nada menos do que sete ou oito repreensões oficiais por demorar-se desnecessariamente no Recife, interferir na disputa dos beneditinos, desobedecer ordens do governador-geral, dilatar prazos de pagamento de devedores da fazenda real, intrometer-se na administração da justiça, obrigar a Câmara de Olinda a deslocar-se para o Recife ou intervir na eleição da Santa Casa de Misericórdia.

De acordo com Vainfas (2001, p. 273), a deflagração das sublevações deu-se após a

construção do pelourinho de Recife:

Mas o estopim do conflito foi a construção do pelourinho de Recife, em 1710, “nas horas mortas da noite” e sem comunicação prévia à câmara de Olinda. Os oficiais da câmara recusaram-se a aceitar a decisão régia de 1709 e pressionaram o governador para que não a acatasse.

O governador, que era pessoalmente favorecido pelos mercadores de Recife, não só

recusa o pedido dos oficias da câmara de Olinda como desautoriza a casa. No mesmo ano de

1710, Castro e Caldas sofre um atentado, o que o leva, posteriormente, a se refugiar na Bahia.

Ainda de acordo com Vainfas (2001, p. 273):

As conseqüências do atentado desencadearam um movimento insurrecional com base nas milícias rurais que, dentre outras demonstrações de força, destruíram o pelourinho de forma espetacular: cerca de 12 mamelucos “emplumados de várias penas” invadiram Recife e esfacelaram o monumento, arrancando a inscrição de cobre com as armas da vila.

Nesta invasão da cidade de Recife, as forças de Olinda, comandadas por Bernardo

Vieira Melo, queimaram o foral régio de criação da vila. Os chamados mascates de Recife não

Page 104: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

86

fizeram por menos e reagiram com violência diante do ataque à cidade. Após um breve

governo do Bispo D. Manuel Álvares da Costa, em 1711, Felix José Machado assume o

governo da Capitania de Pernambuco e põe fim a essas sublevações, enviando para o reino os

líderes olindenses do movimento, que posteriormente foram perdoados, coroando a política

conciliatória que a coroa tentou emplacar desde o início dos levantes em 1710.

As altercações em Pernambuco podem não ter sido grandes o suficiente para receberem

o título de guerra, contudo, o impacto que tiveram na região açucareira pode ser averiguada

numa carta ao Rei D. João V, datada de 22 de julho de 1712, escrita pelo então capitão-mor da

Paraíba, João da Maia da Gama, em que descreve o comportamento dos carmelitas

observantes e dos reformados durante o levante dos mascates. A carta possui informações

preciosas para este trabalho, portanto transcrevo-a por completo:

Senhor Na conta geral que dei a vossa majestade por carta de 27 de novembro e de 3 de dezembro do mesmo anno dey conta a vossa majestade do muito que obrarão e grande serviço que fizeram a vossa majestade os religiosos da reforma de nossa senhora do monte do carmo, e na conta que dou este anno de 11 de junho faço presente a vossa majestade o bem com que continuao no real serviço de vossa majestade, os ditos religiosos e como nesta logo que se puder hey de dar a vossa majestade particular conta o faço nesta. Na primeira soblevação contra o governadores sebastiam castro e caldas trabalharão muito os ditos religiosos para acomodarem a dita alteração e livrarem a praça do Recife dos revoltosos e seus moradores de serem invadidos com rigor, e saqueados, e se lhe deve a elles muita parte de se conseguir como já fiz presente a vossa magestade cujo serviço foi vossa magestade servido agradecer-lhes e como os levantados nunca totalmente estiverão quietos e seguros mas sempre revoltosos, fazendo mil absurdos e solicitando novas soblevações me vali muitas vezes do padre comissário geral frei vicente dos remédios, do reverendo padre frei miguel de assumpção e do padre frei antonio de santa rosa, este para hir saber pessoalmente algumas noticias como obter muitas vezes indo a goyanna e a pernambuco com muito discômodo trabalho e perigo e na mesma forma o mesmo reverendo padre comissário geral mandando me importantíssimos avisos do serviço de vossa majestade o dito padre frei miguel, acommodando e pacificando muitas vezes os povos de goyana itamaracá; o que fazia com mesmo zelo e lealdade por ser religioso de authoridade respeita do, pella sua pessoa, e por ter ocupado na sua religião a dignidade de comissário geral e assim este como todos os mais religiosos trabalharão com incansável zelo pello sossego e quietação destes povos, e pella segurança dos domínios de vossa majestade; e em mandar, e assistencia na fortalleza do cabedelo e em todas as ocasiões do serviço de vossa magestade me assistirão sempre dous religiosos e principalmente vossa reverencia padre comissário geral, por ser varão de exemplar vida, e doctado de letras, havendo, e por não convivem os ditos religiosos com os soblevados traydores, e inconfidentes, e solicitarem a paz, e quietação forão odiados e aborrecidos dos dito soblevados, e de todos os seus parciaes, a cuja parte se acostavão os religiozos observantes seus oppostos, induzindo aos levantados, como eu vi em carta de hum delles, como a vossa magestade já fiz prezente na dita conta geral, e o farião para

Page 105: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

87

que os ditos levantados expulsarem estes virtuozos relligiosos da reforma, e fieis vassallos de vossa magestade, e vendesse a elles os conventos; e por que não assistiam juntamente com o bispo nas suas erradas, e perversas disposições, e me asseitaram duas apellações de excomunhões que erradamente promulgou o bispo, e com malévola benção, intentava promulgar outras, os aborreceo, e me certifica que escrevera a vossa magestade falçamente contra os ditos religiosos, o que me obriga a fazer prezente a vossa magestade as raises e fundamentos do seu ódio, e a reprezentar a vossa magestade a lealdade, o santo zelo, as virtudes,e claridade de todos esses religiozos, e o muito que se tem trabalhado pello ser viço de vossa magestade; e pello de Deos, sendo os únicos que nesta capitania fazem a quaresma os sermões, e os que pregam missão por toda esta capitania, e assistem as confissões de dia, e de noite, e doutrinão os índios das suas aldeas, que são os mais fieis soldados que tenho experimentado, e me tem servido de guarda muitos tempos. Pello contrario os da observância seguirão os levantados, induzirão alteração, e foram cauzas de muitas ruínas e desordens, e pregavam a doutrina dos levantados dourada com os falsos pretextos do serviço de vossa magestade; e da diabólica indução de naturaes e estrangeiros que eram os de portugal, para involverem a todos para a parte dos inconfidentes, debaixo do nome de nobreza e naturaes. E como os senhores reys de portugal predecessores de vossa magestade o serinissimo senhor rey dom pedro que esta no ceo, forao protectores da reforma e o dito senhor lhe deu conventos, e tem muita utilidade os vassallos de vossa magestade na reforma, por que sendo os bens communs, não dessipão os patrimoneaes dos conventos como fazião, e fazem os religiozos da observância tanto assim que estando à vinte annos nesta cidade o da observância, sem assistirem mais que dois, ateh trez religiosos. Estavao vivendo em suas cazas térreas de barro, e taypa e deixarão o convento empenhado soh de missas semanais ficarão novecentos e sincoenta e vendo os religiosos da reforma com dous para tres annos de assistência lêvantarao hum dormitório, desempenharão o convento; assistindo actualmentte neste quatorze e quinze religiosos que continuamente empregao em serviço de deos. Nestes termos sentos, me parecia que para castigo dos da observância, para premio do da reforma pello zelo do serviço de deos, de vossa magestade e do bem commun lhe mandasse vossa magestade dar o convento de olinda e tudo o que tem a religião de nossa senhora do carmo de pernambuco para cá, com condição de serem missionarios nas aldeas do certão desta capitania que são grandes, e de muitos tapuya, e me pedem missionarios, o que lhe não tenho dado porque os que são capazes de hir para la, não querem, e os que não são hirão soblevados, e deixar a perder o meu trabalho, que neste tempo de nada se pode descuidar,e se pode temer de tudo para a perversão, isto he o que me parece. vossa magestade mandara o que for servido. Paraíba 22 julho de 1712 João da Maia da Gama61

Como já foi dito o papel das ordens missionárias na Capitania da Paraíba ultrapassa o

serviço religioso ordinário. E mesmo no século XVIII, o indígena continua sendo uma

61 AHU_ACL_CU_014, Cx. 4, D. 333, grifo meu. Neste capítulo, as citações que não possuírem referências

remetem a este documento.

Page 106: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

88

questão que precisa ser administrada. Então, não se tratava mais dos índios do litoral, mas sim

dos autóctones do vasto sertão da Paraíba. A busca de religiosos “com condição de serem

missionarios nas aldeas do certão desta capitania que são grandes” se justifica pela

necessidade que a Capitania tem de apaziguar os índios do interior. Após a expulsão

holandesa, o que se percebe é uma vertiginosa queda da importância econômica do litoral—

produtor de açúcar por excelência—e ascensão da criação extensiva de gado no interior

impulsionada pela acumulação de capital proporcionada pelo aprisionamento de indígenas. O

próprio João da Maia Gama, em carta de 27 de maio de 1712 ao Rei D. João V, descreve os

problemas que enfrenta a economia açucareira litorânea:

Em o anno de 1710 para o de 1711, houve huma seca, a mais terrivel que se lembram os moradores desta capitania de que morreo muitos milhares de gado (...) e a mesma seca que houve no pellos certoes, houve por baixo pellos canaviaes, e os demais delles arderão, e as plantas secarão no que tiverão grandíssima perda os contratadores daquelle anno. Continuou o de 1711 para o de 1712 a mesma seca, não nos certões, mas nos canaviais (...).62

As estiagens, as cheias do rio Paraíba e a ausência de embarcações no porto agravam a

crise do açúcar no decorrer do século XVIII. As reclamações sucedem-se na correspondência

dos capitães-mores da capitania da Paraíba: (...) como tão bem por que em todo o dito tempo

não se fizerão em todos os emgenhos desta capitania nenhuma caixa de assucar, por causa da

grande seca que tem ávido, que matou todas as lavouras, (...).63

Em outros momentos, o problema era a cheia dos rios, que arrasava plantações e

engenhos, matando pessoas e gado, como se pode perceber na carta do capitão-mor da

Paraíba, Francisco Pedro de Mendonça Gorjão, em 1729:

Sucedendo haver repetidas chuvas nos sertoe não mais distantes veyo huma chea, tão repentina e extraordinaria que inundou as varges desta capitania, detruhio Engenhos, mattou gados, e bestas, e levou a maior parte das caxas dos moradores della, não deixando mais que as poucas que sobre sy trazias (...).64

Juntamente com as intempéries climáticas, a falta de navios no porto da Paraíba era um

problema a ser enfrentado:

62 AHU_ACL_CU_014, Cx.4, D. 329. 63 AHU_ACL_CU_014, Cx. 6, D. 481. 64 AHU_ACL_CU_014, Cx. 7, D. 606.

Page 107: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

89

(...) e assim estão os engenhos tão mal assistidos, que os que em outro tempo fazião em huma safra duzentas caixas de assucar não tiram hoje a quarta parte. E ficando ainda estas sem sahida, se faz cada vez mayor, e mais irremediavel o danno. (...) e por outra não tem tido sahida os ditos gêneros por passarem muitos annos sem que embarquem navios neste porto (...). Daqui nasce huma continua extração da moeda desta capitania para a de Pernambuco a donde he necessario irem buscar com mayor despeza os gêneros de que cá se necessita (...).65

Enquanto isso, a economia da pecuária extensiva praticada no sertão da Paraíba

desenvolve-se a tal ponto que “cria uma rede de conexões que, através de mecanismos dos

mais variados, isola a capital e cerceia o seu papel de intermediação comercial”

(FERNANDES, 1991, p. 34).

Proteger essa economia torna-se, pois, de vital importância para a saúde financeira de

uma capitania que não consegue se reerguer economicamente. Portanto, limpar o interior da

presença indígena, fosse por meio dos descimentos ou pelos aldeamentos sertanejos, toma

ares de prioridade dentro das tentativas governamentais de soerguimento das finanças

paraibanas.

No entanto, o capitão-mor João da Maia da Gama tinha dificuldades de encontrar

missionários que se dispusessem a viver no sertão da capitania, “me pedem missionarios, o

que lhe não tenho dado porque os que são capazes de hir para la, não querem, e os que não

são hirão soblevados, e deixar a perder o meu trabalho”. É a necessidade de manter e construir

novos aldeamentos no sertão que faz com que o capitão-mor se intrometa numa querela já

secular: a relação sempre conflituosa entre os Carmelitas Reformados, seguidores da Reforma

de Turon, e os Carmelitas Observantes, formado por aqueles que não haviam aderido às

propostas da Reforma Teresiana e Turônica.66

Lendo as entrelinhas do documento é possível entender porque o capitão-mor tem tanta

certeza que os carmelitas o ajudarão com o envio de missionários para o sertão. A carta deixa

transparecer a boa relação que o capitão-mor da Paraíba tinha com os carmelitas da cidade e a

troca de favores que provinha dessa afinidade. Apesar de dever essa defesa aos carmelitas,

afinal os frades o ajudaram no caso das duas excomunhões, o que parece mais evidente

quando João da Maia da Gama age em favor dos carmelitas reformados da Paraíba no intuito

65 AHU_ACL_CU_014, Cx. 5, D. 392. 66 A Ordem Carmelita passou por diversas reformas ao longo de sua história. Algumas surtiram grande efeito

como a proposta idealizada por Santa Teresa de Jesus e a da Província de Turon, contudo, outras tiveram uma vigência pequena desaparecendo rapidamente como a reforma do Beato Soreth. Sobre o conteúdo das reformas teresianas e turônicas decorrerei no capítulo quatro, sobre a reforma do Beato Soreth e outras que rapidamente caíram em desuso ver: Sciadini (1993).

Page 108: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

90

de desacreditar as denúncias feitas pelo bispo de Pernambuco, é que haja um acordo entre

ambos: os frades carmelitas se comprometem a ir doutrinar as aldeias do sertão aumentando o

número de missionários se o capitão-mor da Paraíba conseguir a expulsão dos frades

carmelitas observantes do convento de Olinda e a entrega de todos os seus bens aos

reformados. Pelas palavras de João da Maia da Gama o pacto torna-se bem explícito,

“mandasse vossa magestade dar o convento de olinda e tudo o que tem a religião de nossa

senhora do carmo de pernambuco para cá, com condição de serem missionarios nas aldeas do

certão”.

De acordo com a carta, nem o capitão-mor da Paraíba nem os carmelitas reformados

possuíam uma boa relação com o bispo de Pernambuco, “e por que não assistiam juntamente

com o bispo nas suas erradas, e perversas disposições, (...)”. O estopim do conflito foram duas

excomunhões promulgadas pelo bispo, que de alguma forma atingiam diretamente João da

Maia da Gama. O capitão recorre aos carmelitas e estes conseguem reabilitar ou impedir a

excomunhão. De acordo com o documento “o bispo, e com malévola benção, intentava

promulgar outras” o que ocasionou a irritação dos Carmelitas Reformados com a autoridade

eclesiástica. No intuito de punir a clara desobediência dos carmelitas, o bispo escreve ao rei

vituperando contra os frades da cidade da Paraíba colonial.

Aparentemente, o bispo age influenciado pelos carmelitas observantes de Olinda, que

desejam expulsar os reformados da Paraíba e reassumir o convento que um dia lhes pertenceu.

De acordo com João da Maia da Gama, quando o convento da cidade pertencia aos

observantes, nunca passava de três ou quatro o número de frades atuantes na capitania.

Viviam em casas de barro e taipa, e deixaram “o convento empenhado soh de missas

semanais ficarão novecentos e sincoenta”, isso durante um período de vinte anos em que se

encontraram na cidade. Já os Reformados, em apenas dois ou três anos na Cidade da Paraíba

colonial, desempenham o convento, levantam um dormitório, “assistindo actualmentte neste

quatorze e quinze religiosos que continuamente empregao em serviço de deos”. João da Maia

da Gama continua a exaltar as qualidades dos frades reformados da Paraíba, não só no

cumprimento de suas funções eclesiásticas ordinárias, mas também nas missões, onde

“assistem as confissões de dia, e de noite, e doutrinão os índios das suas aldeas, que são os

mais fieis soldados que tenho experimentado, e me tem servido de guarda muitos tempos”.

Ressalta-se o papel dos índios nas ordenanças, juntamente com a importância dos Reformados

na manutenção desses soldados, e na própria defesa da Capitania “e pella segurança dos

domínios de vossa majestade; e em mandar, e assistencia na fortalleza do cabedelo e em todas

as ocasiões do serviço de vossa magestade (...)”.

Page 109: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

91

Enquanto isso, os observantes teriam induzido os “naturaes e estrangeiros” a se

envolverem no conflito dos mascates fazendo oposição à coroa portuguesa “debaixo do nome

de nobreza e naturaes”. Aqui o capitão-mor faz uma reverência à destruição do pelourinho de

Recife pelos mamelucos emplumados. Nessa época, a elite açucareira já buscava numa

suposta ancestralidade indígena a legitimação de seu papel de donos da terra e do negócio do

açúcar por excelência. De acordo com Mello (2003, p. 299-300):

Seria excessivo, contudo, enxergar-se na escolha dos emissários o significado de uma identificação como a que já cultivavam os mazombos mexicanos relativamente a seus ascendentes ameríndios, embora, no plano genealógico, já se emboçasse em Pernambuco a propensão a invocar avós indígenas como título de legitimidade do domínio açucareiro.

Em todo o seu livro, Mello (2003) ressalta que a Guerra dos Mascates não foi mais que

um conjunto de sublevações que não possuíam o caráter de uma inconfidência. Contudo, é

interessante perceber que na carta escrita por João da Maia da Gama, ele chama os

conflagrados de Olinda de inconfidentes por duas vezes, como é possível ler nas partes

destacadas em negrito do documento transcrito. O movimento pode não ter caracterizado uma

guerra ou uma inconfidência, porém servirá de marco para atestar a fidelidade à coroa. Para

João da Maia da Gama, aqueles que ficaram do lado da açucarocracia olindense seriam os

traidores, enquanto os que permanecerem ao lado dos mascates de Recife seriam os fiéis

vassalos do Rei.

Isso é perceptível mais de trinta anos depois, em uma carta de 15 de outubro de 1744,

em que os oficiais da câmara pedem que a Capitania da Paraíba não seja anexada à de

Pernambuco. Defendem a sua lealdade, em contraste à vizinha, que não era uma capitania

confiável:

He certo que sempre se conservou este governo isento do de Pernambuco, com huma tal fedellidade, como se experimentou nas soblevassões e desordens que houve na dita capitania que envolvendosse nellas as que a ellas herão sogeitas não o poderão consiguir com esta; porque como isenta de sua jurisidição, lhe foi fácil o conservasse em paso sem que a pudessem arguhir de desobedientes e assim reconhecidos por Vossa Majetade de muy onrrador e fieis vassallos como se vê da copea junta da carta que Vossa Majestade naquelle tempo se dignou escrevernos (...).67

67 AHU_ACL_CU_014, Cx. 13, D. 1084.

Page 110: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

92

A câmara se refere, implicitamente, à Guerra dos Mascates, argumentando que a

Capitania da Paraíba sempre esteve ao lado do rei e nunca compactuou com as sublevações de

Pernambuco. Até mesmo após a anexação da Capitania da Paraíba à de Pernambuco, em 29

de dezembro de 1755, os oficiais da Câmara da Paraíba insistem no argumento para pedir a

desanexação, como é possível ler na carta de 19 de maio de 1756:

He certo que em todo o tempo forão os moradores desta capitania com grande utillidade publica leaes vassallos, de vossa magestade como mostramos nos dous levantes de pernambuco, quando tudo foram estragos, pertubações, dezordens de que nos não livraríamos se fossemos sugeitos aquelle governo,(...).68

Novamente o argumento é utilizado no ofício de mesma data direcionado ao Secretário

de Estado, Marinha e Ultramar, Diogo de Mendonça Corte Real69, em que se copia palavra

por palavra a justificativa feita ao rei para desanexar a Capitania da Paraíba.

A conduta adotada pela nobreza olindense não condiz com a de um fiel vassalo do rei.

De acordo com João da Maia da Gama, os Carmelitas Observantes de Olinda, “(...) a cuja

parte se acostavão os religiozos observantes seus oppostos, induzindo aos levantados, como

eu vi em carta de hum delles, como a vossa magestade já fiz prezente,(...)”, adotam uma

atitude de contestação ao rei pois se aliam aos sublevados.

É possível perceber os claros interesses pessoais que João da Maia Gama tinha na

vituperação contra os carmelitas calçados de Olinda. Todavia, não se pode deixar de notar que

a sua queixa pessoal encontra-se disfarçada num discurso que se baseia no ideário de um

modelo de conduta cristão que o vassalo deveria ter perante o rei, o que não se diferencia do

comportamento que o católico deve ter perante a Igreja. Contra os carmelitas de Olinda,

soma-se o fato de que o desvio provém de uma Ordem religiosa, pois, como já foi dito,

Portugal é o reino cristão por excelência, e contestar a subserviência ao rei português se

assemelharia a uma heresia.

Modelos de conduta não faltavam aos carmelitas. Muito antes da divisão entre

Observantes e Reformados, a Ordem fora povoada de figuras excepcionais que garantiram sua

sobrevivência numa época em que a Igreja Católica Romana buscava conter—por meio da

regularização—o surgimento desenfreado de congregações religiosas. E é sobre estes

68 AHU_ACL_CU_014, Cx. 19, D. 1495. 69 AHU_ACL_CU_014, Cx. 19, D. 1494.

Page 111: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

93

personagens que a Igreja de Nossa Senhora do Carmo constrói suas alegorias: para ensinar

aos fiéis e relembrar aos irmãos carmelitas os exemplos de conduta de um perfeito cristão.

4.2. OS MODELOS DE CONDUTA VÃO A CAMPO: A (A)PROVAÇÃO.

Inserida no contexto histórico de desenvolvimento da arte barroca no Brasil colônia, a

Igreja de Nossa Senhora do Carmo procura conduzir os fiéis à salvação por meio de bons

procedimentos morais. Para Argan (2004), o modelo de conduta é uma questão essencial

dentro da arte barroca:

Como o problema do comportamento parece bem mais importante que o da própria natureza humana, e já que o comportamento se exprime na esfera social, a questão da sociedade e de sua organização funcional logo se apresenta como essencial. (...) De qualquer modo, em ambos os casos a religião se preocupa mais em dirigir as escolhas e os comportamentos humanos do que em contemplar e descrever a lógica providencial do universo. (ARGAN, 2004, p. 49)

Desta forma, utilizando como ferramenta doutrinária a alegoria, a Igreja re-significa o

papel dos Santos Carmelitas, que aparecem não só como membros ativos da Ordem, mas

como modelos de conduta cristã que devem ser introjetados pelos fiéis.

Fig. 30 – Painel D2 – Igreja de Nossa Senhora do Carmo, João Pessoa, segunda metade do século XVIII. Autoria

desconhecida.

Page 112: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

94

Santo Ângelo Carmelita—também conhecido como São Ângelo ou Angel da Sicília—

foi um dos primeiros carmelitas a chegar ao Monte Carmelo. Sobre sua vida poucas são as

informações disponíveis, porém é difundido que foi morto por pagãos na cidade de Licata

durante a primeira metade do século XIII70: “Aclamado como mártir seu corpo foi colocado

numa igreja construída no local de sua morte. Somente em 1632 suas relíquias foram

transferidas para a Igreja Carmelita”. (ANGELUS, 2008).71

No painel D2 (fig. 30) podemos ver com clareza a figura de Santo Ângelo com seu

atributo: um sabre na cabeça e um punhal cravado no peito (fig. 31). Tal representação

encontra-se ligada ao fato deste ser um santo mártir, ou seja, teria morrido na defesa da

cristianização dos povos. Trata-se da única representação iconográfica deste santo na Igreja de

Nossa Senhora do Carmo.A fácil identificação deste personagem por meio de seus atributos

na azulejaria da Igreja do Carmo denota a importância que Santo Ângelo possui dentro da

doutrina carmelita na Capitania da Paraíba. O seu martírio em defesa da evangelização dos

povos pagãos da Sicília relembra o papel que a Ordem tem na Capitania da Paraíba de

conversão dos infiéis, seja o gentio que resta, os negros ou a população ordinária.

Fig. 31 – Santo Ângelo – Detalhe do painel D2.

A alegoria reaviva a memória do santo mártir para que o fiel nunca se esqueça que seu

sofrimento não pode ser maior do que o daquele que morreu em nome da fé cristã; além do

70 Lôredo (2002, p. 121) coloca no seu verbete: “Ângel ou Ângelo, O Carmelita (1185-1220) Foi um dos

primeiros carmelitas(...)”. Contudo, optei por não utilizar essa data por acreditar que a mesma possa estar equivocada, pois apesar do trabalho da autora ser de alta qualidade, todas as outras fontes colocam como incerta a data de nascimento e morte deste santo.

71 Texto original: “Acclaimed as a martyr his body was placed in a church built on the site of his death. It was only in 1632 that his relics were transferred to the Carmelite Church”.

Page 113: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

95

que, a consternação que todo indivíduo tem de passar, carrega um propósito divino: o de

aproximação com Deus. Santo Ângelo encontra-se ajoelhado sobre uma nuvem, que, de

acordo com Becker (1999, p. 200) “são vistas com freqüência como morada dos deuses”.

Lurker (2006, p. 163) reafirma essa idéia ao colocar que “as nuvens, que percorrem os céus,

tornam-se, na linguagem metafórica do Oriente, carruagens de Deus”. É possível averiguar

esse significado na descrição da ida de Javé ao Egito (ISAÍAS, 19: 1) “Iahweh, montado em

nuvem veloz, vai ao Egito.”, e quando o próprio Deus “tomando as nuvens como teu carro,

caminhando sobre as asas do vento; fazendo dos ventos teus mensageiros, das chamas de fogo

dos teus ministros!” (SALMOS, 104: 3-4).

Santo Ângelo só se encontra neste lugar privilegiado—assistido por Nossa Senhora do

Carmo, o menino Jesus e o profeta Elias—, porque passou por seu martírio. Assim, Santa

Maria Madalena de Pazzi (fig. 32), representada a seu lado, também em cima de uma nuvem,

carrega seu atributo de sacrifício: uma coroa de espinhos sobre a cabeça. Nascida na cidade de

Florença, fez voto de castidade aos 10 anos de idade quando recebeu a primeira comunhão.

De acordo com Lôredo (2002, p. 123), “Distinguiu-se pela caridade para com as suas

companheiras do mosteiro de S. Maria dos Anjos e pelo amor ao sofrimento. Seu lema era:

‘Padecer, não morrer’”.

Fig. 32 – Santa Maria Madalena de Pazzi – Detalhe do painel D2.

Santa Maria Madalena de Pazzi—seu verdadeiro nome era Catarina—não foi uma santa

de grandes feitos políticos, como Santo Alberto ou Santa Teresa d’Ávila. Sua maior

manifestação política foi escrever uma carta aos seus superiores relatando a necessidade de se

Page 114: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

96

reformar a Igreja, e assim mesmo, só o fez porque o próprio Cristo teria lhe pedido em um de

seus êxtases72. Sua vida foi voltada para a contemplação interior e doutrinação de noviças,

sendo considerada por suas companheiras de convento uma exímia professora. Contudo,

seriam os seus êxtases, duradouros e consecutivos, que marcariam sua vida e a levariam à

canonização.

De acordo com sua hagiografia, depois de ordenada como monja carmelita, entrou em

êxtases por quatro dias seguidos, o que a deixou num estado de quase óbito. O período de

1585 a 1590 foi o mais intenso de sua vida. Em 17 de maio de 1585, ela teve o seu êxtase

mais longo: mais de 40 horas! A partir de então, seus arrebatamentos seriam periódicos, e

suas estigmas—marcas das chagas de Cristo—começariam a aparecer: em 1585, teve uma

visão da paixão de Cristo; e recebeu o estigma73 da coroa de espinhos; em 1587, viu seu

irmão, recém falecido, sofrendo no purgatório; em 1590, viu sua mãe, falecida no mesmo ano,

junto com santos no paraíso. Faleceu no dia 13 de maio de 1607, numa agonia que começou

as duas horas da manhã e só terminou no fim da tarde.

Um ano após sua morte, as freiras obtiveram permissão para trazer ao claustro os restos de sua santa irmã, e o Padre Puccini presidiu a exumação do corpo. Assim que o esquife foi aberto, o corpo revelou-se fresco, completo e flexível. Apenas as vestimentas estavam molhadas, porque o lugar onde ela havia sido enterrada era úmido e vazara água através do caixão. Em 1611 tiveram início os processos de beatificação após muitos milagres haverem sido atribuídos à sua intervenção. (...) O papa Urbano VIII beatificou a irmã Maria Madalena em 8 de maio de 1626; e em 1662 o processo para canonização foi aberto. O papa Clemente IX a proclamou Santa em 28 de abril de 166974 (ANCILLI, 2008, p. 4)

72 Uma boa definição de êxtase é dada por Borriello (2003, p. 412), “No âmbito da mística cristã tem valor, sem

nenhuma dúvida, como critério de avaliação, o êxtase entendido em sentido espiritual, no qual a pessoa transfere para Deus ou para → Jesus todas as suas faculdades intelectivas, sensitivas e volitivas. Esse fenômeno, segundo o passado cultural e a formação pessoal, pode ser experimentado e definido também como ‘em-tase; nele, mediante o espírito de Jesus, Deus pode tomar a pessoa a ponto de fazê-la dizer ‘não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim (Gálatas 2: 20). A fenomenologia desse êxtase, pode ter resultados diferentes, como o esquecimento total e o quase aniquilamento do ‘eu’ ”.

73 De acordo com Borriello (2003, p. 386), estigmas “são feridas que aparecem espontaneamente pelo corpo humano semelhantes às do corpo de Cristo depois de sua crucifixão”.

74 O texto original: A year after her death the nuns obtained permission to bring the remains of their saintly sister into the cloister, and Father Puccini presided at the exhumation of the body. As soon as the coffin had been opened, this body appeared fresh, whole, flexible. Only the clothing was wet, because the place where she had been buried was humid, and water had oozed though. In 1611 the processes for beatification were begun, after many miracles had been granted through her intercession.(…) Pope Urban VIII beatified Sister Mary Magdalen on May 8, 1626; and in 1662 the process for canonization was opened. Pope Clement IX proclaimed her a saint on April 28, 1669.

Page 115: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

97

Suas obras escritas provêm dos seus arrebatamentos. Durante o êxtase ela balbuciava

máximas da filosofia cristã que eram anotadas por suas companheiras de convento. Seus

escritos pregavam o amor ao sofrimento, lembrando o martírio de Cristo, como forma de

salvação. A sua imagem, facilmente identificada na Igreja de Nossa Senhora do Carmo por

meio de seus atributos, reafirma que o caminho para a redenção é cheio de obstáculos, e,

principalmente, de consternações. Viver aceitando a cruz que lhe foi imposta é uma virtude

indispensável à fé cristã. Para Santa Maria Madalena de Pazzi, o apego ao sofrimento e ao

martírio era o único caminho em direção à salvação.

Fig. 33 – Árvore – Detalhe do painel D2.

Fig. 34 – Sol – Detalhe do painel D2.

A árvore (fig. 33)—que como o leitor já deve ter percebido é largamente utilizada nas

alegorias da Igreja de Nossa Senhora do Carmo—mais uma vez aparece conectando o céu à

terra, neste caso representados, respectivamente, por Cristo e seus seguidores; por Santa

Maria Madalena de Pazzi, que recebeu a estigma da coroa de espinhos padecendo de dores

terríveis na cabeça, e por Santo Ângelo, que assim como Jesus, tornou-se mártir por morrer

pela sua fé. Chevalier e Gheerbrant (1992, p. 84) oferecem uma boa explicação para a árvore

como elo entre o céu e a terra:

A árvore põe igualmente em comunicação os três níveis do cosmo: o subterrâneo, através de suas raízes sempre a explorar as profundezas onde se enterram; a superfície da terra, através de seus troncos e galhos inferiores; as alturas, por meio de seus galhos superiores e de seu cismo, atraídos pela luz do céu. (...) Reúne todos os elementos: a água circula com sua seiva, a terra integra-se a seu corpo através das raízes, o ar lhe nutre as folhas, e dela brota o fogo quando se esfregam seus galhos um contra outro.

No alto do painel o sol brilha (fig. 34), alegorizando a presença direta do divino naquela

cena. De acordo com Lurker (2006, p. 229), essa alegoria vem de períodos anteriores à

escrita, “a capacidade que tem o sol de dar luz e calor foi reconhecida já pelo homem da pré-

história e foi adorada como expressão de poder supraterreno”.

Page 116: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

98

No Antigo Testamento o sol se conecta com a imagem de Javé, “Teu sol não voltará a

pôr-se, e tua lua não minguará, porque Iahweh te servirá de luz eterna e os dias do teu luto

cessarão.” (ISAÍAS, 60: 20); além da referência “Porque Iahweh é sol e escudo; (...)”

(SALMOS, 84: 12).

Os cinco personagens que compõem a cena são movidos pela luz divina: Jesus, Maria, o

Profeta Elias, Santa Maria Madalena de Pazzi e Santo Ângelo. Eles são comparados ao sol

que nasce: “Assim perecem todos os seus adversários, Iahweh! Aqueles que te amam sejam

como o sol quando se levanta na sua força!” (JUÍZES, 5: 31). Tal significado também traz a

idéia de ressurreição, pois, após o martírio existe a recompensa de uma nova vida—eterna—

ao lado de Deus.

Todos os painéis de azulejos que se encontram no nártex da Igreja de Nossa Senhora do

Carmo tratam, de alguma forma, da origem da Ordem Carmelita: o painel E1 e E2, mostram

Bertoldo e a construção do primeiro convento; o painel D2 apresenta Santo Ângelo e Maria

Madalena de Pazzi—abençoados pelo fundador de direito, o Profeta Elias—, personagens

essenciais na afirmação da doutrina carmelita que compõem sua cultura histórica; o painel

D1, que será analisado mais adiante, mostra Santa Teresa d’Ávila, o gérmen da reforma

carmelita.

O teto do nártex (fig. 35) apresenta quatro novas personagens da História Carmelita

identificados por uma pequena faixa com seus respectivos nomes embaixo de cada busto. Eles

se encontram nimbados, ou seja, portam uma auréola sobre as suas cabeças. Possuem penas e

livros nas mãos, e, ao lado de cada um, existe uma mitra que descansa sobre uma mesa

coberta por uma toalha vermelha.

As mitras ao lado dos personagens os identificam como bispos da Igreja Católica

Romana. Já o livro, que se encontra aberto na mão de cada um deles, é atributo dos

evangelistas, apóstolos, doutores da Igreja e alguns santos específicos. De acordo com Heinz-

Mohr (1994, p. 224): “Um livro fechado é como a matéria virginal. Aberto o livro, a matéria é

fecundada”, ou seja, os referidos santos germinaram entre os carmelitas as suas idéias e obras,

tornando-se partes vivas e fecundantes da História da Ordem. Todos esses santos—incluindo

Santa Teresa d’Ávila, que se encontra representada no medalhão central do nártex da Igreja de

Nossa Senhora do Carmo—faziam parte do calendário carmelita de festas de santos

carmelitas no século XVIII.

Page 117: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

99

Fig. 35 – Montagem a partir de fotos da pintura do forro do nártex. No sentido horário começando pelo canto superior esquerdo: São Gerardo, São Pedro Thomas, Santo Alberto e São Serapião. No centro: Santa Teresa d’Ávila e Jesus Cristo. Igreja de Nossa Senhora do Carmo, João Pessoa, segunda metade do século XVIII.

Madeira policromada Trompe-l’oeil75. Autoria desconhecida.

Fig. 36 – São Serapião – Detalhe

do forro do nártex.

Fig. 37 – São Pedro Thomas – Detalhe do forro do nártex. Fig. 38 – São Gerardo – Detalhe do

forro do nártex.

Dentre os personagens representados na pintura somente São Serapião (fig. 36) não é

canonizado. São Gerardo (fig. 38) é patrono dos santos na Hungria e foi canonizado no ano

1083. De acordo com Carla Mary Oliveira (2003, p. 113), “São Gerardo e São Serapião, que

eram festejados a 26 de agosto e 30 de outubro, respectivamente, deixaram de fazer parte do

calendário da Ordem Carmelita, como conseqüência do Concílio Vaticano II”.

As informações sobre esses santos são escassas. São Serapião foi Bispo de Antioquia76

durante o período de 190 a 211 d.C.. Muito pouco se sabe sobre sua vida, pois a maior parte

de seus escritos se perderam com o tempo, e os que restaram condenam a heresia e os

seguidores das falsas religiões. Falecido no ano 213 d.C., sua importância dentro da cultura

75 Sobre a pintura Trompe-l’oeil durante o setecentos ver: Mello (1998). 76 Fundada por volta do ano 300 a.C., a cidade da Antioquia, importante centro urbano no mundo antigo,

destaca-se na História da Igreja Católica Romana pelo rápido desenvolvimento do cristianismo em seu território. Desse fato, decorre a importância de seus bispos como modelos de propagação da fé cristã. Fonte: Knight (1907).

Page 118: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

100

carmelita deve-se ao fato de ter passado parte de sua vida recluso no Monte Carmelo, além de

ter sido um importante ativista na divulgação da fé cristã por meio da Igreja em Antioquia.

São Gerardo Sangredo nasceu na transição do século X para o XI e decidiu seguir a vida

monástica ainda jovem. Durante sua peregrinação para a Palestina, conheceu o Rei Stephen da

Hungria, que o convidou para conduzir a Igreja Cristã em seu reino. De acordo com Cashman

(1896, p. 2):

Após a morte do piedoso Rei Stephen, aconteceu que o antigo inimigo da raça humana esforçou-se em semear joio no campo do Senhor, o qual esse devoto fazendeiro [São Gerardo] estava trabalhando com incessante consternação para cultivá-lo; e para este fim ele [o Demônio] insuflou uma insurreição.77

Sua morte, pela lança do inimigo, tornou-o mártir da Igreja e exemplo de dedicação ao

cristianismo, sempre lembrando a importância que os mártires possuem para os membros das

ordens missionárias na realidade colonial brasileira. Dentre todos os santos representados no

nártex, São Gerardo foi o único de quem não encontrei referências sobre livros ou escritos de

sua autoria.

São Pedro Thomas (fig. 37) nasceu por volta do ano de 1305, em Salimaso, uma

pequena vila francesa. Ainda jovem se entregou à vida monástica vestindo o hábito carmelita.

Dedicou-se ao estudo da teologia e da filosofia sendo co-fundador da Universidade de

Bolonha. De aspecto mirrado—apesar da aparência robusta da iconografia do Carmo—, foi

um grande articulador político da Igreja Católica Romana sendo constantemente chamado

para resolver querelas internas e externas, principalmente aquelas que envolviam negociações

com não-cristãos. Escreveu normas de convivência, além de inúmeras cartas com máximas da

doutrina cristã. Faleceu no dia 6 de janeiro de 1366, e a Ordem o celebra como santo no dia 8

de janeiro.

77 Texto original: After the death of the pious King Stephen, it came to pass that the ancient enemy of the human

race strove to sow cockle in the field of the Lord which this faithful husbandman was laboring to cultivate with unceasing pains; and to this end he stirred up an insurrection.

Page 119: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

101

Fig. 39 – Santo Alberto – Detalhe do forro do nártex.

O quarto personagem é Santo Alberto da Sicília (fig. 39), também conhecido como

Santo Alberto de Trapani. Sua iconografia no nártex se diferencia dos outros por uma

peculiaridade que pode passar desapercebida aos olhos de uma pessoa desatenta: ao contrário

de todos os outros três santos representados, Santo Alberto é o único que segura a pena com a

mão esquerda. De acordo com Heinz-Mohr (1994, p. 233):

Segundo tradição cabalística, a mão esquerda de deus é a mão da justiça, e a da direita, a da misericórdia. A mão direita é, em correspondência, enquanto a mão da benção, também sinal da autoridade sacerdotal, ao passo que a esquerda, enquanto mão da justiça, designa o poder régio.

Tal alegoria é confirmada por Becker (1999, p. 88) quando fala “que a mão direita é a

mão da benção, a mão do sacerdócio, enquanto a esquerda é da realeza”. Já Santo Alberto

assume um papel régio ao segurar a pena com a mão esquerda. A tríade moderna de divisão

dos poderes não existia e o rei possuía a palavra final no que hoje em dia seriam os âmbitos

legislativo, executivo e judiciário. Nada mais coerente do que representar Santo Alberto

dotado deste poder, pois foi ele quem escreveu, a pedido de São Brocardo, a primeira regra

carmelitana. Assim, como um rei, Santo Alberto decidiu como aqueles monges deveriam

viver e qual caminho deveriam seguir; proprocionou, desta forma, as condições necessárias

para a sobrevivência dos carmelitas, escrevendo por volta do ano de 1209, a primeira regra da

Ordem.

Quando o Papa Honório III resolveu regulamentar o surgimento das comunidades

religiosas que se espalhavam pela Europa, os carmelitas corriam um sério risco de serem

desaprovados pela Igreja. Segundo Albuquerque (2001, p. 19), o papa decide aprovar a

existência da Ordem em 31 de janeiro de 1226, “após ter uma visão da Virgem Maria, que o

Page 120: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

102

intima a fazer tal aprovação e lhe antevê a morte de dois dos seus juízes, que estavam contra a

confirmação da Ordem”. Politicamente falando, o que pesou sobre a decisão do Papa Honório

III foi o fato de a Ordem já ter uma regra escrita e estabelecida, o que, mesmo assim, causou

controvérsia dentro da Igreja Católica Romana:

Apesar da regra ter sido formulada por volta de 1210 e recebido a aprovação do papa em 1226, muitos prelados se recusaram a reconhecer a Ordem, acreditando que sua fundação contrariava o Concílio Laterano (1215) que proibia a instituição de novas ordens. Na verdade, a Ordem Carmelita somente foi aprovada como tal pelo Segundo Concílio de Lyons (1274), mas São Simão obteve de Inocêncio IV uma aprovação interina, assim como certas modificações da regra (1247). (KNIGHT, 1907)78

Em palavras coloquiais, a ordem carmelita escapou por pouco, por muito pouco. A regra

foi estabelecida e aprovada apenas dois anos antes da proibição de criação de novas Ordens

religiosas pelo Concílio Laterano. E se os carmelitas sobreviveram os agradecimentos deverão

ir para Santo Alberto, por ter escrito a regra da Ordem e a São Brocardo—cuja iconografia é

ausente da Igreja de Nossa Senhora do Carmo—por ter sido o grande articulador da regra. Sua

sensibilidade e astúcia para perceber o crescente movimento dentro da Igreja contra as Ordens

não-regulamentadas que se multiplicavam dentro da Europa foi fator determinante para a

continuidade do Carmelo.

78 O Texto original: “Although the rule have been granted about 1210 and had received the papal approbation in

1226, many prelates refused to acknowledge the order, believing it to be founded in contravention of the Lateran Council (1215) which forbade the institution of new orders. In fact the Carmelite order as such was only approved by the Second Council of Lyons (1274), but St. Simon obtained from Innocent IV an interim approbation, as well as certain modifications of the rule (1247)”.

Page 121: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

103

4.3. MANTOS E ESCAPULÁRIOS: RESGATANDO ALMAS DO FOGO ETERNO.

Fig. 40 – São Simão Stock – Detalhe do painel E5.

São Simão Stock (fig. 40) nasceu em 1165 no condado de Kent, na Inglaterra. Desde

cedo—com apenas doze anos de idade—começou a viver como eremita, fazendo pregações

itinerantes e utilizando como moradia uma fenda em um carvalho no bosque perto de seu

condado. Teria passado mais de quinze anos vivendo desta forma até que teria recebido o

chamado diretamente de Nossa Senhora do Carmo para que entrasse na Ordem Carmelita, que

acabara de chegar à Inglaterra.

Em 1247 foi eleito o sexto prelado da Ordem Carmelita, e apesar da idade—tinha por

volta de 82 anos—demonstrou ser um homem bastante ativo, realizando grandes feitos como

superior dos carmelitas. Fundou as universidades de Cambridge em 1248, de Oxford em

1253, e de Paris e Bolonha em 1260. De acordo com Knight (1907):

Simão conseguiu obter ao menos a aprobação temporária de Inocêncio IV para a regra alterada da Ordem que havia sido adaptada às condições européias. No entanto, a ordem foi bastante oprimida, e ainda estava lutando em toda parte para assegurar sua admissão, fosse para obter o consentimento do clero secular ou a tolerância das outras ordens. Em tais dificuldades, como Guilelmus de Savindo (pouco após 1291) relata, os monges rezaram para sua patrona, a Virgem Abençoada, “e a Virgem Maria revelou ao seu prior que eles destemidamente solicitassem ao Papa Inocêncio, pois receberiam dele um remédio eficaz para suas dificuldades”. O prior seguiu o conselho da virgem, e a ordem recebeu uma Bula ou carta de proteção de Inocêncio IV contra as molestações à Ordem. É fato histórico que Inocêncio

Page 122: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

104

IV expediu essa carta papal aos carmelitas no dia 13 de janeiro de 1252, em Perugia.79

O frade teria morrido no mosteiro carmelita de Bordeaux na França, em 1265, com

exatos 100 anos. Identificá-lo dentro das alegorias da Igreja de Nossa Senhora do Carmo não

é tarefa das mais simples, pois suas representações iconográficas no templo não possuem

atributos ou identificações objetivas. De acordo com Simões (1965, p. 210):

Na capela-mor há ainda dois grandes painéis, de mesmo tipo dos azulejos da nave, também com 22 na altura por 30 no sentido da largura. Representam do lado do evangelho, Nossa Senhora do Carmo entre anjos, aparecendo a um grupo de frades ajoelhados, entre os quais se destaca, na frente, o que está nimbado: S. Simão Stock.

Fig. 41 – Painel D2 – Igreja de Nossa Senhora do Carmo, João Pessoa, segunda metade do século XVIII. Autoria

desconhecida.

79 Texto original: Simon was also able to gain at least the temporary approbation of Innocent IV for the altered

rule of the order which had been adapted to European conditions. Nevertheless the order was greatly oppressed, and it was still struggling everywhere to secure admission, either to obtain the consent of the secular clergy, or the toleration of other orders. In these difficulties, as Guilelmus de Sanvico (shortly after 1291) relates, the monks prayed to their patroness the Blessed Virgin. "And the Virgin Mary revealed to their prior that they were to apply fearlessly to Pope Innocent, for they would receive from him an effective remedy for these difficulties". The prior followed the counsel of the Virgin, and the order received a Bull or letter of protection from Innocent IV against these molestations. It is an historical fact that Innocent IV issued this papal letter for the Carmelites under date of 13 January, 1252, at Perugia.

Page 123: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

105

Observando a imagem (fig. 41), inclusive as cartelas que se encontram na parte inferior

e superior do painel—dois girassóis e uma fonte d’água, respectivamente (figs. 42 e 43)—não

foi possível identificar nenhum atributo que venha a confirmar que o homem representado

seja São Simão Stock. O fato da figura possuir uma auréola identifica sua santidade,

diferenciando-o dos demais personagens que compõem a cena.

Fig.42 – Girassóis – Detalhe do painel E5.

Fig.43 – Fonte d’água – Detalhe do painel E5.

As cartelas indicam a presença de Deus, seja por meio da água fonte da vida, “mas

quem beber da água que lhe darei, nunca mais terá sede. Pois a água que eu lhe der tornar-se-á

nele fonte de água jorrando para a vida eterna.” (JOÃO, 4: 14); ou por meio dos girassóis, que

acompanham o trajeto do sol, e por isso são “símbolo do amor de Deus, da alma que

incessantemente volta seus pensamentos e sentimentos para Deus” (BECKER, 1999, p. 141).

De acordo com o dicionário de iconografia religiosa de Lôredo (2002, p. 123), São

Simão Stock é descrito com o hábito da Ordem e possui como atributo o escapulário

(bentinho), é “representado em cenas, com a imagem das chamas do inferno ou recebendo,

das mãos da virgem, os bentinhos ou o escapulário”.

Page 124: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

106

Fig. 44 – Santo Alberto ou São Simão Stock? – Painel D3 – Igreja de Nossa Senhora do Carmo, João Pessoa,

segunda metade do século XVIII. Autoria desconhecida.

Fig. 45 – Árvore – Detalhe do painel D3.

Um dos indícios de identificação do homem que se encontra ajoelhado no painel D3

(fig. 44) pode estar na cartela inferior da azulejaria (fig. 45). Como já foi relatado antes, São

Simão Stock viveu durante quinze anos na fenda do tronco de um carvalho até ser chamado,

pela própria virgem, para se ordenar como carmelita. Além disso, a árvore, como alegoria,

conecta o céu e a terra e, de acordo com a hagiografia de São Simão Stock foi lá, no tronco do

carvalho, que ele viu pela primeira vez a Virgem Maria.

Na cartela superior, existe uma iconografia de um frondoso arbusto com pequenas e

delicadas flores (fig. 46). Talvez não seja possível identificar com absoluta certeza a espécie

de flor que se encontra representada neste arbusto, contudo, uma hipótese me parece ser mais

provável: as flores podem ser pequenas açucenas.

Page 125: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

107

Fig. 46 – Açucenas – Detalhe do painel D3.

Essa suposição baseia-se na análise taxonômica da flor. O problema é que as açucenas

possuem características em comum com os lírios, já que ambas são da classe Liliatae, sub-

classe Liliidae e ordem Liliales, porém os lírios são da família Liliaceae e as açucenas da

família Amaryllidaceae (GEMTCHÚJNICOV, 1976).

As duas famílias de flores são usadas como atributos para diferentes santos. Enquanto

que os lírios estão associados a São Simão Stock, as açucenas são atributos de outra

personagem importantíssima dentro da Ordem Carmelita: São Alberto da Sicília, o legislador

da Ordem Carmelita.

Fig. 47 – Lírio

Fig. 48 – Açucenas Na figura 47, tem-se uma imagem do lírio mais comum. As pétalas são alongadas e

assimétricas, podendo variar em cores e formatos, porém sem se distanciar deste modelo. Já

as açucenas (fig. 48) possuem formatos e cores menos diversificados, diferenciando-se dos

lírios por serem menores, sem aquele aspecto alongado. São comumente usadas em jardins

devido a sua facilidade de adaptação, pois se tratam de plantas mais rústicas que não

necessitam de cuidados especiais como os lírios.

Se fosse levar em conta apenas a cartela superior do painel D3, teria de me inclinar a

afirmar que o homem que se encontra ajoelhado é Santo Alberto da Sicília. Contudo, é preciso

lembrar que as açucenas por si só não o identificam. De acordo com Lorêdo (2002, p. 122,

Page 126: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

108

grifo meu), os atributos de Santo Alberto da Sicília são “demônio preso com correntes;

crucifixo entre dois ramos de açucenas; lâmpada na mão ou ao seu lado”. A ausência do

crucifixo entre as açucenas esvazia a significação das açucenas como parte de seu atributo.

Apesar de não serem atributos de São Simão Stock, as açucenas se relacionam com o

santo por ele ter consagrado, ainda adolescente, sua virgindade a Nossa Senhora. Nas palavras

de Cirlot (1984, p. 59), a açucena é “emblema da pureza, utilizado na iconografia católica,

especialmente na medieval, como símbolo e atributo da Virgem Maria”. Talvez, isso explique

por que em representações recentes, São Simão Stock aparece segurando um ramo de

Fig. 49 – São Simão Stock

açucenas brancas, uma Bíblia e um bentinho (fig. 49).

Quando já era frade carmelita, em uma de suas visões

de Nossa Senhora, São Simão Stock teria recebido das mãos

da virgem o escapulário, que rapidamente seria incorporado à

indumentária da Ordem do Carmo. O escapulário é peça

fundamental dentro da cultura histórica carmelita. Nossa

Senhora, teria dito a São Simão Stock que ela pessoalmente

salvaria do fogo eterno aquelas pessoas que na hora de sua morte estivessem usando o

escapulário.

No painel E3 (fig. 50) existe uma bela representação dessa cena. Nossa Senhora do

Carmo com o menino Jesus em seus braços, rodeada por nuvens e anjos, estende a mão para

um homem que usa o bentinho—já difundido nessa época como substituto do escapulário—

enquanto que o menino Jesus também estende seu pequeno braço para uma mulher que usa o

mesmo escapulário em volta do pescoço. Ao seu redor, homens e mulheres olham para a

visão. Alguns oram e outros estendem a mão para a Virgem e seu filho. Todos portam o

escapulário, e o fogo, que antes os consumia, parece se afastar de seus corpos, como se

bastasse apenas a presença de Nossa Senhora e seu filho para que a dor e o sofrimento

tivessem fim.

Page 127: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

109

Fig. 50 – Nossa Senhora resgata as almas do fogo eterno – Painel E3 – Igreja de Nossa Senhora do Carmo, João

Pessoa, segunda metade do século XVIII. Autoria desconhecida.

Mais do que um amuleto religioso, o escapulário torna-se uma poderosa ferramenta de

barganha política. Os carmelitas eram a única congregação que possuía um objeto capaz de

garantir a salvação. Não é muito difícil imaginar, no contexto da sociedade colonial brasileira,

católica por excelência, o poder que o escapulário representava para a Ordem. Isso porque não

bastava usar um, era necessário merecê-lo. Quem decidia o mérito? Os próprios frades

carmelitas.

Infelizmente, na documentação administrativa não há nenhuma menção ao escapulário,

todavia os carmelitas tinham ciência do valioso objeto que carregavam, tanto é assim que

dedicam um conjunto de azulejos inteiro para mostrar as almas sendo resgatadas do inferno

por Nossa Senhora, reafirmando a crença da salvação através do escapulário. Ademais, é

sempre bom lembrar que nos painéis E2 e D2, o escapulário aparece nas mãos ou do menino

Jesus, ou de sua mãe, pronto para ser entregue aos personagens das cenas.

Page 128: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

110

Fig. 51 – Árvore – Detalhe do painel E3.

Fig. 52 – Fonte d’água – Detalhe do painel E3.

As alegorias das cartelas do painel reafirmam a idéia de imortalidade e ressurreição.

Mais uma vez, a árvore (fig. 51) aparece para fazer a ponte entre o mundo terreno e o plano

divino, pois ao portar o escapulário em vida o cristão garante a salvação eterna. Nesse sentido

trata-se de uma ressurreição póstuma, em que o homem, apesar de condenado ao fogo eterno,

é resgatado pelas mãos de Nossa Senhora. No livro de Jó há uma passagem que fala da árvore

como símbolo da ressurreição conectando-a com a água da vida:

A árvore tem esperança, pois cortada poderá renascer, e seus ramos continuam a crescer. Ainda que envelheçam suas raízes na terra e o seu tronco esteja amortecido no solo, ao cheiro da água reverdece e produz folhagem, como planta tenra. (JÓ, 14: 7-9)

Representada por uma fonte (fig. 52), a água da vida, aquela que faz com que a árvore

renasça—(JOÃO, 4: 14)—também “serve para a purificação física, uma figura para a

purificação moral” (LURKER, 2006, p. 2), como na passagem bíblica que Javé pede a Moisés

que faça uma bacia de bronze e a encha d’água para que Arão e seus filhos lavem os pés antes

de entrar no templo (ÊXODO, 30: 17-20):

Iahweh falou a Moisés, dizendo: “Fará uma bacia de bronze, com a base também de bronze, para as abluções. Coloca-la-ás entre a Tenda da Reunião e o altar, e a encherás de água, com a qual Arão e seus filhos lavarão as mãos e os pés. Quando entrarem na Tenda da Reunião, lavar-se-ão com água para que não morram (...).”

Page 129: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

111

Fig. 53 – Profeta Elias e Santa Teresa d’Ávila – Detalhe do painel D2.

No tocante às figuras que observam a cena, a ausência de atributos dificulta suas

respectivas identificações. Entretanto, é factível admitir que se tratam do Profeta Elias e de

Santa Teresa d’Ávila (fig. 53). Prestando uma maior atenção para a fisionomia do homem

ajoelhado, vê-se que em muito se assemelha com as representações do Profeta Elias nos

outros painéis de azulejos (figs. 20 e 54). A importância da mulher na cena, lado a lado com o

profeta, a identifica como Santa Teresa d’Ávila, pois apesar da relevância de Santa Maria

Madalena de Pazzi dentro da cultura histórica carmelita, dificilmente ela seria representada

em posição de igualdade com o profeta Elias. Esse privilégio só poderia caber a Santa Teresa

d’Ávila, pois ambos são peças essenciais para a formação da Ordem Carmelita Descalça, o

que os torna responsáveis pela presença dos frades carmelitas na Capitania da Paraíba.

O último indício que levanto para afirmar que a representação iconográfica do homem

ajoelhado no painel D3 é São Simão Stock relaciona-se com a própria cena de entrega do

manto. Trata-se do mesmo manto entregue pelo profeta Elias a Eliseu em sua carruagem de

fogo no painel D4 (fig. 14), e que Nossa Senhora do Carmo oferece à Santa Teresa d’Ávila no

painel D1 (fig. 54).

Como é possível perceber, a alegoria do manto é largamente explorada na azulejaria da

Igreja. De acordo com Heinz-Mohr (1994, p. 232), o manto é “símbolo da proteção. 1. O

manto do profeta → Elias, que ele deixou para seu discípulo → Eliseu como símbolo do dom

profético”. Adiante esta significação será tratada mais profundamente, quando for analisado o

último painel do altar-mor. Não que não exista uma significação de proteção nas imagens aqui

analisadas, porém desejo me ater a dois outros aspectos menos explorados: o de sabedoria e

identificação. Segundo Chevalier e Gheerbrant (1992, p. 589):

Page 130: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

112

O monge ou a monja, no momento de se retirar do mundo, ao vestir o hábito e pronunciar seus votos, se cobre com um manto ou capa. Esse gesto simboliza a retirada para dentro de si mesmo e para junto de Deus, a conseqüente separação do mundo e de suas tentações, a renúncia aos instintos materiais. Vestir o manto é sinal da Sabedoria (o manto do filósofo). É também assumir uma dignidade, uma função, um papel, de que a capa ou manto é emblema.

O manto identifica aquele que o veste. Quando Elias entrega seu manto para Eliseu, ele

está deixando a tradição espiritual—e seus poderes proféticos—para seu discípulo. Na

iconografia carmelita, esse manto é o legado da Ordem religiosa, ou seja, o santo que o recebe

assume a responsabilidade de dar continuidade à cultura carmelita, e, por isso, ele é entregue

às figuras consideradas como pilares da ordem.

Fig. 54 – Santa Teresa de Jesus – Painel D1– Igreja de Nossa Senhora do Carmo, João Pessoa, segunda metade

do século XVIII. Autoria desconhecida.

Não há dúvida de que no painel D4 (fig. 14) o manto está nas mãos de Elias que o

entrega a Eliseu. Já no painel D1 (fig. 54), a identificação torna-se mais subjetiva, porém não

impossível. Dissecando essa azulejaria, é possível ver diversos elementos que levam a

conclusão, já colocada algumas linhas atrás, de que a monja ajoelhada e cabisbaixa é Santa

Teresa d’Ávila, ou, se preferir, Santa Teresa de Jesus. Além de Nossa Senhora do Carmo na

Page 131: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

113

nuvem, vê-se o Profeta Elias (fig. 55), novamente identificado por meio de uma análise

comparativa de suas feições com a representação iconográfica do painel D2 (fig. 56), onde

aparece segurando seus atributos.

Fig. 55 – Santo Elias –

alhe do painel DDet 1.

Fig. 56 – Santo Elias – Detalhe do painel D2.

Fig. 57 – Poço de Elias – Detalhe do

painel D1.

Na cartela inferior do painel de azulejos D1 (fig. 57), encontra-se uma representação do

poço do Profeta Elias. Trata-se de uma referência comum nos escritos e iconografia

carmelitas, pois o convento carmelita teria sido fundado perto deste poço onde o profeta Elias

costumava meditar. A imagem se alegoriza juntamente com as outras duas fontes d’água (figs.

43 e 52): o poço representa a sabedoria, e sua água que se renova é a vida, a salvação e a

purificação. O Carmelo é fundado sobre a vida e a sabedoria do profeta Elias, pois não há

como esquecer que para a cultura carmelita expressa nas alegorias na Igreja de Nossa Senhora

do Carmo o referido profeta é o seu fundador.

E por que afirmei tratar-se de Santa Teresa d’Ávila há poucas linhas atrás? Por causa

dos lírios que se encontram na cartela superior do painel (fig. 58). São apenas

Fig. 58 – Lírios – Detalhe do painel D1.

dois, porém representados de forma que não

deixam dúvidas ao observador. Os lírios são

atributos de Santa Teresa d’Ávila—também

encontrados, como já foi dito entre os santos

carmelitas, em Santo Alberto da Sicília—

além de ser uma alegoria da pureza, esta flor

também aparece como “um símbolo da

e l e i ção , da e sco lha do se r amado”

Page 132: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

114

(HEINZ-MOHR, 1994, p. 222). Pelo mesmo motivo é comum, na iconografia da anunciação

da gravidez de Maria, que o anjo Gabriel esteja portando um ramo de lírios brancos. De

acordo com Becker (1999, p. 169), “A Bíblia fala dos ‘lírios do campo’ como símbolo da

confiante entrega a Deus”. Tal afirmação é completada por Chevalier e Gheerbrant (1992, p.

554), ao colocar que “O lírio simboliza também o abandono à vontade de Deus, isto é, à

Providência, que cuida da necessidade de seus eleitos (...). Ele simbolizaria o abandono

místico à graça de Deus”.

Na documentação do Arquivo Histórico Ultramarino, seção Paraíba, os Pernambucanos

aparecem com os títulos de infiéis e inconfidentes por causa do conflito dos Mascates. Na

carta de 15 de outubro de 174480, e posteriormente, na carta de 19 de maio de 175681, esse

título que deveria se ater à açucarocracia de Olinda—afinal foram eles que desobedeceram ao

rei renegando a fundação da vila do Recife—, termina por se estender, num contexto político

diferente, a toda a Capitania de Pernambuco.

A argumentação é sempre a mesma: a conduta dos pernambucanos durante a Guerra dos

Mascates não condiz com a de fiéis vassalos. Os próprios carmelitas de Olinda teriam se

envolvido no conflito contra o rei, o que leva o Capitão-mor da Paraíba, João da Maia da

Gama, a pedir que se desse aos carmelitas reformados da Paraíba “o convento de olinda e tudo

o que tem a religião de nossa senhora do carmo de pernambuco para cá”82.

As cenas alegóricas da Igreja de Nossa Senhora do Carmo mostram personagens

importantes da cultura histórica carmelita que devem ser usados como modelos de conduta

não só pelos irmãos da Ordem Primeira, mas também pela população ordinária da Capitania

da Paraíba. As alegorias mostram que até o mais devoto dos santos enfrentou severas

adversidades e foi nesses momentos que o amor a Cristo predominou. Na visão dos capitães-

mores da Paraíba, em sua exaustiva defesa pela manutenção da independência da capitania

durante a primeira metade do século XVIII, a Paraíba se destacaria como modelo de conduta,

pois em nenhum momento de sua história teria se deixado levar pelas sublevações, se

mantendo firmes como exemplos de fidelidade ao Rei, constatação que também é colocada

como motivo de exaltação dos frades carmelitas reformados da Paraíba, já quês estes não

teriam participado de sublevações que contestassem o domínio da coroa lusitana sobre as

terras do Brasil.

80 AHU_ACL_CU_014, Cx. 13, D. 1084. 81 AHU_ACL_CU_014, Cx. 19, D. 1495. 82 AHU_ACL_CU_014, Cx. 4, D. 333.

Page 133: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

115

Essa força que move o cristão—a fé—se exterioriza por meio da oração. E é justamente

nesse ponto que reside o gérmen da querela entre os carmelitas reformados e observantes. É

na crença na oração como forma de alcançar o divino que há dentro de cada um de nós que

Santa Teresa d’Ávila engendrará uma cisão dentro da Ordem Carmelita. E por meio da

hagiografia de Teresa de Jesus será possível entender a vinda dos carmelitas reformados à

Capitania da Paraíba e determinar o fio condutor das alegorias da Igreja de Nossa Senhora do

Carmo.

***

Page 134: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

116

O mesmo Senhor o disse: — Daqui em diante, eu serei todo teu, e tu toda minha. — De sorte que foi uma entrega de ambos os corações total e recíproca, com que não só Teresa ficou de Jesus, senão também Jesus, Jesus de Teresa.

Padre Antônio Vieira, Sermão de Santa Teresa e do santíssimo sacramento.

Page 135: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

116

5. A TERRA: O FIM QUE LEVA A UM COMEÇO

5.1. SANTA TERESA DE JESUS E SUA REFORMA

Teresa de Ahumada Sanchez y Cepeda nasceu no dia 28 de março de 1515 na cidade de

Ávila, Espanha. Filha do segundo casamento de D. Alonso de Sanchéz y Cepeda—a primeira

esposa Catarina morrera vítima da peste—e Beatriz de Ahumada, foi batizada em 4 de abril

de 1515, “no mesmo dia, era inaugurado o mosteiro da Encarnação, o convento de carmelitas

que, anos mais tarde, mudaria completamente a vida de Teresa” (STRAUSZ, 2005, p. 28).

Em 13 de julho de 1531, com apenas dezesseis anos, Teresa é enviada para o convento

das agostinianas de Nossa Senhora das Graças, por ordem de seu pai Alonso Sanchez y

Cepeda. Órfã de mãe aos treze anos de idade, a jovem apresentava um comportamento

inadequado para uma moça daquela época, cujo futuro se resumia a duas possibilidades:

casar-se ou ingressar na vida religiosa. “Comecei a vestir-me com elegância, a querer agradar

e parecer bonita. Cuidava das mãos, dos cabelos, de perfumes e de todas as vaidades, que não

eram poucas, por ser eu muito exigente nos meus gostos” (JESUS, 2007, p. 15). Ciente de sua

beleza, Teresa passou a adotar um comportamento que, de acordo com a sua autobiografia,

não era dos mais bem quistos:

De tudo me livrou Deus, e de tal maneira, que bem mostrou como procurava, mesmo contra minha vontade, que não me perdesse inteiramente. Todavia meu procedimento não ficou tão secreto, que não causasse a perda de meu bom nome e despertasse suspeitas em meu pai. (JESUS, 2007, p. 18, grifo meu)

Honra. Um conceito que a família da jovem Teresa conhecia muito bem. Seus bisavós,

Alonso e Teresa, foram judeus que se converteram ao catolicismo devido ao gradativo

aumento da intolerância religiosa na Europa no início do século XV. Para diminuir as

suspeitas sobre a família, compraram um falso título de nobreza. Não que isso tenha acabado

com as perseguições. Em 1485 existia um ramo da Inquisição criado na cidade de Toledo

intitulado Conselho da Geral e Suprema Inquisição que cuidava unicamente dos casos de

judeus convertidos. Segundo Strausz (2005, p. 16):

Parte significativa dos conversos—e Alonso [bisavô de Teresa] estava entre eles—havia caído numa cilada. Como judeus, estariam sujeitos a perseguições e restrições. Mas não podiam ser acusados de heresia—que consiste na interpretação não autorizada dos princípios e doutrinas cristãs. No entanto, na condição de católicos declarados, deveriam provar, a cada

Page 136: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

117

hora do dia, que haviam de fato deixado para trás suas práticas religiosas originais, sob pena de cair nas malhas do tribunal.

Declarar publicamente a fé numa determinada religião é fácil, difícil é mudar os hábitos

cotidianos impregnados pela doutrina explicitamente rejeitada. Talvez isso explique porque

no mesmo ano de 1485 haja a confissão pelo crime de heresia e apostasia contra a fé católica,

de um dos filhos de Alonso, Juan Sanchez de Toledo, perante o conselho comandado pelo

primeiro inquisidor-geral do Santo Ofício na Espanha, o temido Tomás de Torquemada.

Vestido com o sambenito—uma capa amarela que trazia seu nome e uma cruz bordados—, com um chapéu de papel na cabeça, uma vela apagada nas mãos, sem meias e com os pés protegidos apenas por uma sandália. Juan Sanchez foi obrigado, juntamente com outros condenados, a desfilar pelas ruas da cidade, parando diante de cada igreja para rezar e pedir perdão por seus pecados. A procissão era acompanhada por um ruidoso grupo de monges que, empunhando crucifixos, exortavam os condenados ao arrependimento, atraindo a atenção de transeuntes e chamando às janelas os moradores. (STRAUSZ, 2005, p. 17, grifo do autor)

Tratava-se de uma pena relativamente branda para um caso de heresia, ainda mais

considerando-se que o seu julgamento foi dirigido por Torquemada, famoso por ser bastante

afeito à queima de hereges na fogueira83. Todavia, isso não diminui o peso da humilhação

sofrida, e principalmente o impacto que a cena deve ter tido na cabeça do infante de dez anos,

Alonso Sanchez de Toledo—possuía o mesmo nome de seu avô—ao assistir à penalização do

pai pelas ruas de Toledo. Para fugir das mazelas que advieram da pena e salvar a honra de

seus filhos, Juan Sanchez decidiu mudar-se com toda a família para a cidade de Ávila.

Tentando compreender a personalidade de Alonso por meio das palavras de Teresa,

posso arriscar-me a dizer que a honra não era uma opção, mas uma exigência. Qualquer

elemento que colocasse em risco esse princípio deveria ser duramente combatido, não só pela

gravidade do fato em si, mas também porque seria um desrespeito a todo o sacrifício feito por

seu pai com o intuito de preservar a sua honra e a de seus descendentes. Tal questão parece

ser tão presente na família que em 6 de agosto de 1519 Alonso e seus irmãos entram com um

arriscado processo de reconhecimento oficial da nobreza da família no Tribunal de Valladolid.

Pode-se alegar que existia um motivo econômico, já que nobres não pagavam determinados

impostos, pois aparentemente havia uma reivindicação de que a família fosse tributada.

Contudo, a cobrança também era um claro questionamento da fidalguia dos Sanchez y

83 Strausz (2005, p. 17) levanta como possível explicação para essa pena branda o fato de Juan Sanchez ser casado com Inês de Cepeda, filha de uma tradicional família cristã.

Page 137: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

118

Cepeda. De acordo com Strausz (2005, p. 30), “O processo, longo, doloroso e caro, só foi

concluído em 26 de novembro de 1520, com o reconhecimento oficial da nobreza da família”.

As ações de Teresa parecem sempre colidir com o contexto em que vivia. Quando

criança, por volta dos sete anos, convenceu seu irmão mais novo, Rodrigo, a caminhar com

ela até a ilha de Rhodes para serem mortos pelos turcos, no intuito de se tornarem mártires.

Ao cruzarem a ponte de saída da cidade, foram interceptados por um tio e levados de volta

para casa, sem saber que haviam tomado o caminho oposto ao que desejavam.

Teresa entra para a Ordem Carmelita por se recusar a viver sobre as rígidas regras das

agostinianas do Convento de Nossa Senhora da Graça, o que a leva a escolher—a contragosto

do pai—o Convento da Encarnação, que não exigia a clausura. Além disso, o convento

reproduzia em seu interior a hierarquização da sociedade quinhentista: as noviças de família

nobres e abastadas possuíam privilégios como quartos individuais, tecidos finos e serviçais

para lhes ajudar nas tarefas cotidianas. A princípio foi isto que atraiu a jovem Teresa: não

abandonar por completo a vida com a qual estava acostumada. Strausz (2005, p. 81) é bem

assertiva ao dizer que “Como noviça, Teresa era um desastre. Não sabia rezar, não conhecia

as músicas cantadas no coro, errava a maioria, atrapalhava-se com os rituais”. De acordo com

a religiosa, em sua autobiografia, “Meu coração era tão duro, nesse tempo, que, se lesse toda a

paixão, não derramaria uma lágrima, o que me causava muita pena” (JESUS, 2007, p. 20).

Contudo, ninguém pode negar o empenho pessoal da jovem para se modificar desde que

entrou no convento, apesar da assumida falta de vocação para o noviciado. Além disso, a

monja sabia se fazer notar:

Certa vez pegou todo mundo de surpresa. Entrou no refeitório de quatro, com a cabeça cheia de cinzas, carregando um cesto de pedras como se fosse uma mula. Para completar a cena, vinha puxada por um cabresto. Quem trazia era uma irmã que Teresa tinha ofendido às vésperas. Era sua maneira de pedir desculpas. (STRAUSZ, 2005, p. 85)

Dentro do Convento da Encarnação, Teresa adotou a humildade como regra. Recusou-

se a dormir no dormitório onde ficavam as noviças nobres e passou a tomar atitudes

consideradas transgressoras, como limpar os calçados das monjas mais pobres. O que foi visto

com louvor por algumas, foi rechaçado por outras, por ir de encontro às regras sociais que

regiam o cotidiano do Convento da Encarnação.

Page 138: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

119

A vida monástica de Teresa só mudaria após a descoberta da oração mental84. Foi seu

tio, Pedro Sanchez, quem lhe deu um exemplar de O Terceiro Abecedário Espiritual de

Francisco de Osuma, um famoso teólogo franciscano da época. Publicado em 1527, o livro

dizia que era possível a comunicação direta com Deus através da oração. Segundo Strausz

(2005, p.118):

Na Espanha, o que florescia e ganhava força era o humanismo cristão irradiado, principalmente, a partir das universidade católicas, como as de Alcalá e de Salamanca. Dali, saíram Inácio de Loyola, Pedro de Alcântara, Francisco de Osuma—o autor do Tercer Abecedario—, João Ávila, João da Cruz e tantas outras figuras proeminentes, muitas das quais canonizadas nos séculos seguintes.

Juntamente com o livro de Francisco de Osuma, outros autores influenciaram o

pensamento de Santa Teresa:

(...) leu vários livros de autores quinhentistas, tais como (...), obra que constituiu um marco em sua trajetória espiritual; Subida ao Monte Sión, de Bernardo Laredo e Arte de servir a Deus, de Alonso de Madrid, entre outros. Fundamental em sua formação foi Confissões de Santo Agostinho, que marcaria não só sua espiritualidade como também sua escrita. (BORGES, 2008, p. 381)

O impacto das idéias místicas se fez sentir não só em Teresa e no catolicismo, mas em

toda a civilização ocidental. A palavra italiana Illuminati, que significa iluminação, ainda hoje

é utilizada para designar os seguidores de um movimento heterogêneo de místicos que se

difundiu pela Europa na Época Moderna. Os seus precursores apareceram na Espanha no

início do século XVI e foram chamados de Alumbrados85:

A menina camponesa conhecida como a beata de Pedrahita (d. 1511) está citada entre os primeiros adeptos desses erros; mas não é certo que ela fosse culpada de heresia. Em Toledo, que foi um dos principais centros do iluminismo, acredita-se que Isabella da Cruz manteve ativa propaganda. Mais celebrada foi, no entanto, Madalena da Cruz, uma pobre Clara de Ávila próximo a Córdoba, que, em 1546, abjurou solenemente a heresia.86

84 Preferi utilizar o termo Oração mental, embora também possa ser chamada de Oração transcendental ou espiritual.

85 De acordo com Bellini (2006, p. 189): “o Dictionnaire de Spiritualité, o termo alumbrado inicialmente designava um grupo ou gênero de pessoas que buscavam a perfeição espiritual pela iluminação interior, a prática de conselhos evangélicos, o amor e a humildade, sobretudo pela via da oração e o conhecimento das Escrituras. Muitos desses grupos teriam então se desviado para um iluminismo condenado”.

86 O texto original: “The peasant girl known as La Beata de Piedrahita (d. 1511) is cited among the early adherents of these errors; but it is not certain that she was guilty of heresy. At Toledo, which was one of the

Page 139: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

120

Não é possível localizar, exatamente, onde ou como se iniciou a difusão das idéias dos

Illuminati. Contudo, é possível afirmar com certeza que os alumbrados espanhóis são os

precursores do movimento que se estendeu até o século XVIII, com o surgimento do

Molinolismo ou Quietismo, que se inspirava nas idéias do teólogo aragonês Miguel de

Molinos (1628-1696)87.

O misticismo católico pregava que Deus existe corporalmente em cada um dos seres

humanos. Para que se possa chegar até o divino é necessário se recolher interiormente, entrar

em contato com o que seria a solidão da alma. O vazio é a manifestação de Deus dentro de

cada indivíduo. Quando a reclusão chega a um estágio de anulação dos sentidos é o momento

em que há a união entre os dois seres, o terreno e o divino, sem que ambos deixem de existir.

Existe uma “mescla de sensualidade e misticismo associada a uma doutrina mais ou menos

erudita sobre o Amor de Deus, onde espiritualidade e carnalidade do amor muitas vezes se

confundem nas consciências” (BELLINI, 2006, p.189).

As semelhanças dos movimentos místicos com as doutrinas teológicas orientais são

percebidas por Knight (1907), “Tanto o Panteísmo Brâmane quanto o budismo visam uma

espécie de auto-aniquilamento, um estado de indiferença no qual a alma desfruta uma

tranqüilidade impertubável”88, e também por Chevalier ao realizar uma comparação das

etapas da oração mental com o sufismo:

Quatro, número dos elementos, é o número das portas que o adepto da vida mística deve transpor, segundo a tradição dos sufis e das antigas congregações dos dervixes. A cada uma dessas portas está associado um dos quatro elementos na seguinte ordem de progressão: ar, fogo, água, terra. Este simbolismo pode ser interpretado da seguinte maneira: na primeira porta (O Sheriat), o neófito, que conhece apenas o livro, isto é, a letra da religião, está no ar, ou no vazio. Queima-se na passagem do limiar iniciatório, representado pela segunda porta, que é a do caminho ou, em outras palavras, do compromisso com a disciplina da ordem escolhida (Tarikat); os que passaram por essa segunda porta são às vezes chamados de os ascetas (Zahitler). A terceira porta abre para o homem o conhecimento místico; ele torna-se um gnóstico (Arif), correspondendo essa transposição ao elemento água. Enfim, quem atinge Deus e se funde nele como na única realidade (Hak) passa, com a quarta e última porta (a do Hakikat), para o elemento mais denso, a terra. Dá-se a esses eleitos o nome de os Amantes. Do ar à terra, há aqui uma inversão da evolução mística, tal como é

main centres of Illuminism, Isabella of the Cross is said to have carried on an active propaganda. More celebrated was Magdalen of the Cross, a Poor Clare of Aguilar near Cordova, who, however, in 1546, solemnly abjured the heresy” (KNIGHT, 1907).

87 Sobre a doutrina do Quietismo e as idéias de Miguel de Molinos, ver: Bellini (2008). 88 O texto original: Both Pantheistic Brahmanism and Buddhism aim at a sort of self-annihilation, a state of

indifference in which the soul enjoys an imperturbable tranquillity.

Page 140: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

121

habitualmente imaginada por um espírito europeu; e, entretanto, o caminho da perfeição de um Ibn Mansur el Alladj ou de um Mewlana Jalal ed din Rumi não está muito longe do percorrido por uma Tereza de Ávila ou por um João da Cruz. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1992, p. 761, grifo meu)

Teresa deixa claro que deseja seguir a regra carmelitana original que havia sido

gradativamente abandonada pela Ordem. Para que esta fosse cumprida à risca, o caminho

mais perfeito seria pela oração mental, uma prática que a monja se preocupou em explicar em

nada menos do que doze dos quarenta capítulos de sua autobiografia.

A relação direta com Deus se realiza passando por quatro estágios de oração: no

primeiro busca-se, por meio da fé e da concentração, compor o alicerce que servirá para os

outros graus; no segundo, “A alma começa aqui a recolher-se e já atinge o sobrenatural”

(JESUS, 2007, p. 105), ou seja, o corpo se aquieta e se torna alheio ao ambiente externo; no

terceiro, a alma entra em uma espécie de transe:

Não conheço outros termos para o expressar ou declarar. Não sabe então a alma o que fazer: se fala, se fica em silêncio, se ri, se chora. É um glorioso desatino, uma celestial loucura, onde se aprende a verdadeira sabedoria. Para a alma é maneira muito deleitosa de se regozijar. (JESUS, 2007, p. 123)

Em outras palavras, entra-se no mundo espiritual, no reino de Deus. No último estágio

há a união direta com Deus, num momento que a própria Teresa chama de êxtase. Um

orgasmo celestial assim descrito pela monja carmelita:

Estando assim a alma a buscar a Deus, sente-se quase desfalecer completamente, numa espécie de desmaio. Vê que lhe vão faltando o fôlego e todas as forças corporais, de modo que nem pode menear as mãos, a não ser a muito custo. Os olhos fecham-se involuntariamente, ou, se conservados abertos, a pessoa nada enxerga. Se lê, não acerta com as letras, nem atina em reconhecê-las: vê os caracteres, mas, como o intelecto não ajuda, não consegue ler, ainda que queira. Ouve, porém, não entende o que ouve, de modo que os sentidos de nada lhe servem. Antes procuravam estorvar essa felicidade. É impossível falar: não atina com uma só palavra e ainda que atinasse, não teria alento para pronunciá-la. Toda força exterior se perde e se concentra nas da alma. Estas aumentam para que ela se rejubile mais na sua glória. O regozijo exterior que se sente é grande e bem manifesto. (JESUS, 2007, p. 139)

Nestes momentos aconteciam boa parte das visões da futura santa, descritas ao longo de

sua autobiografia. Enquanto o corpo se ocupa unicamente com o gozo, a alma se eleva a

ponto de fundir-se a Deus. Contudo é necessário explicar-se perante a Igreja, pois alguns

seguidores do movimento místico, como os Alumbrados, desacreditavam no dogma dos

Page 141: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

122

sacramentos, e, consequentemente, na Igreja Católica. A autobiografia é escrita para justificar

suas visões e provar que o que lhe acontecia não era obra do demônio—daí o tom de processo

inquisitorial de seu relato89—o Livro da Vida, não se atém somente a narrar sua biografia,

mas também expõe a doutrina que Teresa seguia. Nela, de acordo com Bellini (2006, p. 190)

“Para mediar sua relação com os demais homens e regular a transmissão de sua experiência, o

místico necessita da intervenção de uma instituição⎯a Igreja”.

E é dentro da Igreja Católica que Teresa busca um ambiente de recolhimento. Um

local que certamente o Convento da Encarnação deixara de ser, principalmente após a

crescente fama da monja. A idéia era fundar um novo convento com regras mais rígidas, onde

as freiras pudessem se envolver plenamente com a oração mental. Contudo, seu caminho

estava longe de ser tranquilo. De acordo com Borges (2008, p. 381):

A Igreja Católica, a partir da Contra-Reforma, via as experiências místicas com bastante cautela. Acompanhou atentamente os diversos casos, averiguou cada um desses fenômenos e procurou separar os verdadeiros dos falsos-místicos. Daí os vários processos contra embusteiras, pseudo-místicos e outras pessoas, comuns nos séculos XVI a XVIII. Quem alcançasse o estatuto de santo ou santa gozava de prestígio no seu meio social e tornava-se credor de ser consultado pelos mais diferentes motivos.

À medida que a Reforma Protestante avançava sobre os domínios do catolicismo, a

Igreja Romana observava atentamente a ascensão dos movimentos místicos que proliferavam

no seu seio. Aqueles que iam longe demais, como os já citados alumbrados espanhóis, eram

reprimidos pelo Tribunal do Santo Ofício, chegando a condenações de penas capitais.

Contudo, no caso dos místicos, ao contrário do que aconteceu com Lutero, a Igreja se revelou

mais tolerante procurando englobar dentro de suas regras os religiosos que se aventuravam

pelo caminho do misticismo quando estes não se excediam em suas idéias. Ora se mostrava

mais condescendente perante essas experiências espirituais, ora se revelava intransigente,

proibindo a leitura de livros e relatos que levassem a esse caminho.

Por volta de 1558, Felipe II da Espanha, guiado por denúncias de focos de

protestantismo em seu país, fecha o cerco também sobre as correntes místicas. As obras do

movimento humanista cristão entram para o Index de livros proibidos, e entre eles estava O

Terceiro Abecedário Espiritual. A própria Teresa teve seus livros confiscados, ficando apenas

com os breviários que continham as orações mais simples. Em 1529, uma franciscana havia

89 Sobre a análise do discurso de Santa Teresa na sua autobiografia ver: Slade (2005).

Page 142: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

123

sido açoitada e condenada à prisão perpétua por conversar com Cristo por meio de êxtases.

Quase trinta anos depois a situação não se abrandara, pelo contrário, a Inquisição fechava seu

cerco principalmente sobre as mulheres. Todavia, apesar de todos esses empecilhos, a monja

continuou com sua oração mental. Contava com a ajuda do franciscano Pedro de Alcântara,

um adepto fervoroso da doutrina mística e reformador da Ordem Franciscana, depois também

canonizado.

A Igreja acolhe Teresa, Pedro de Alcântara, Inácio de Loyola, dentre outros seguidores

da oração mental. Contudo, a doutrina mística nunca deixa de ser vista com grande receio pela

Igreja Católica Romana, principalmente pelo Tribunal da Inquisição. Em 1623, o inquisidor-

geral da Espanha, Don Andrés Pacheco, publica um édito de graça—um texto aberto que

convocava os culpados de heresia a se apresentarem ao Tribunal—chamando os últimos

seguidores dos Alumbrados a cumprir tal convocação:

(...) ele sintetiza quase um século de experiência na perseguição das correntes espiritualistas na Espanha (o primeiro édito da fé contra os alumbrados data de 1525). A classificação de um fenômeno tão fluido, feita a partir das declarações heterogêneas dos presos, é típica da forma de proceder da Inquisição, que mistura questões sérias de doutrina com problemas de moral duvidosa em um inventário de 76 proposições pouco hierarquizadas. Resumimos aqui alguns dos pontos censurados nesse édito: a apologia da oração mental; o desprezo pelas obras; a união com Deus sem o castigo da carne; a recusa dos exercícios corporais; a crítica dos sacramentos da Igreja, das imagens, das práticas de jejum e da submissão aos padres; o elogio da comunhão sob as duas formas; a promoção de mestres espirituais fora das estruturas da Igreja, onde as mulheres têm um papel decisivo; as reuniões coletivas e a administração do sacramento da penitência sem autorização; a desobediência das mulheres aos seus maridos, das jovens às suas mães ou dos penitentes aos seus confessores; o ‘sopro na boca’ das jovens depois da comunhão; a procura de união com deus através de atos desonestos, toques e carícias. O tempo da graça previsto era de trinta dias e os culpados deviam apresentar os livros proibidos respeitantes aos delitos inventariados. (BETHENCOURT, 2000, p. 159)

Apesar da forte desconfiança da Igreja sobre os caminhos da corrente mística, Teresa

consegue realizar sua reforma. O primeiro mosteiro da Ordem Carmelita Descalça,

pertencente à Ordem Segunda, foi fundado oficialmente em 24 de agosto de 1562, sendo

consagrado a São José, a quem Teresa d’Ávila tinha grande devoção90. De fato, a autorização

90 A devoção de Teresa a São José advém do fato daquela, logo no início de seu noviciado como monja

carmelita, ter caído seriamente enferma, e como os médicos não conseguiam curá-la, pediu ajuda a este santo, que, segundo ela, teria lhe dado a mercê da cura: “Tomei por advogado e senhor ao glorioso São José e muito me encomendei a ele.” (JESUS, 2007, p. 41).

Page 143: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

124

papal para fundação do convento foi assinada em 2 de fevereiro de 1562, contudo, havia duas

condições para que a fundação se concretizasse: deveria ser um mosteiro sem rendimentos e

sob a jurisdição do bispo, D. Álvaro de Mendonça. O problema era que ele só aceitava a

incumbência de supervisionar o mosteiro se este tivesse rendas.

No intuito de evitar qualquer discussão nesse sentido, Dom Álvaro viajou para Tiemblo,

uma cidade a doze léguas de distância de Ávila. Frei Pedro de Alcântara, que já se encontrava

gravemente debilitado, foi até onde o bispo estava e o convenceu a conversar com Teresa.

Isso foi mais do que suficiente para fazer a monja cair nas graças do clérigo. Poucas semanas

depois, Frei Pedro de Alcântara faleceria, sem poder assistir à abertura do convento que

ajudara a fundar.

O motivo que faz com que Teresa entre para as carmelitas é o mesmo que a leva a

causar um cisma dentro da Ordem. Com o passar do tempo, a monja percebe que a excessiva

permissividade no Convento da Encarnação era perniciosa para o desenvolvimento de uma

vida religiosa. Inconformada com a brandura das regras, ela passa a pregar o retorno à regra

carmelitana original, que já era extremamente rigorosa. É no desejo de reformar os costumes

do convento que reside o gérmen da formação dos carmelitas descalços. Contudo, falar que a

monja pregava apenas uma maior rigidez nas normas que regiam a vida conventual é uma

simplificação extremamente perigosa, pois seu projeto abarcava até aspectos da estrutura

física dos conventos, como as celas e seus mobiliários. O objetivo principal era dar suporte a

noviças que tivessem realmente vocação para a vida conventual, dedicando-se exclusivamente

ao louvor divino por meio da oração mental. Assim, Teresa viu na antiga regra do Carmo a

melhor forma para se chegar ao caminho da perfeição.

Existe um trecho pouco comentado de sua autobiografia, intitulada Livro da Vida, que é

emblemático da visão de Teresa sobre religião e sobre a própria Igreja em si.

Assim está a alma frequentemente. Já está inundada. Como este amor não lhe faz falta, quisera que outros bebessem para ajudá-la a louvar a Deus. Quantas vezes me recordo da água viva de que o Senhor falou à Samaritana! É o que me faz ser muito afeiçoada a este Evangelho. Já o era desde muito pequena. Certamente não entendia esta graça como agora. Suplicava muitas vezes ao senhor que me desse daquela água. No aposento onde eu morava, tinha um quadro representando o Senhor junto ao poço, com este letreiro: “Domine, da mihi aquam” 91. (JESUS, 2007, p. 247)

91 Senhor, dai-me dessa água. (João 4: 15)

Page 144: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

125

Nos painéis de azulejos da Igreja de Nossa Senhora do Carmo a alegoria do poço se

repete três vezes dentro de cartelas seguradas por anjos (figs. 59, 60 e 61).

Fig. 59 – Detalhe do painel D1

Fig. 60 - Detalhe do painel E3

Fig. 61 - Detalhe do painel E5

Já foi dito anteriormente que a imagem do poço é uma referência direta ao profeta Elias.

Porém, a profusão desta figura na azulejaria da Igreja de Nossa Senhora do Carmo paraibana

conduz o cristão à alegorias ainda mais apaixonantes. A própria Teresa ressalta a importância

da imagem do poço em sua vida religiosa, pois este a convidava a beber da “água da vida”.

Essa expressão é dita por Jesus Cristo quando, em viagem à cidade de Samaria, trava uma

pequena e intrigante conversa com uma samaritana que se encontrava tirando água do poço. É

uma das poucas vezes, nos Evangelhos, em que há a transcrição literal de uma conversa de

Jesus, sem a presença dos apóstolos.

Jesus lhe disse: “Acredita-me, mulher, vem em que nem nesta montanha nem em Jerusalém adorarei o Pai. Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vem a hora—e é agora—em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade, pois tais são os adoradores que o Pai procura. Deus é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade”. A mulher lhe disse: “Sei que vem um Messias (que se chama Cristo). Quando ele vier, nos explicará tudo”. Disse-lhe Jesus: “Sou eu que falo contigo”. (JOÃO, 4: 21-26)

É fascinante perceber que a única referência direta a uma passagem bíblica na sua

autobiografia seja exatamente aquela em que Jesus se revela para uma mulher como o

Messias. A monja carmelita sabia o que era ser uma mulher dentro de uma religião

predominantemente masculina e, por vezes, misógina. Afinal, o argumento principal do

ataque à sua pessoa consistia no fato de que Cristo não se comunicaria diretamente com uma

mulher; e Teresa não só se comunicava com ele, mas o sentia dentro de seu corpo em êxtases

arrebatadores.

Como já foi dito, sua autobiografia está impregnada pelo discurso inquisitivo. Na

verdade, está endereçada ao padre Garcia de Toledo, dominicano que se dispôs a ser

Page 145: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

126

confessor de Teresa durante sua estadia na cidade de Toledo, no intuito de provar, mais uma

vez92, que não era louca, nem muito menos guiada pelo demônio. Ao lembrar a passagem da

samaritana e até relembrar sua própria infância, Teresa diz em alto e bom tom que é possível

sim para uma mulher se relacionar diretamente com Cristo e este se revelar a ela. Se o

Messias se revelou para uma mulher ordinária, por que o descrédito quando este se mostra

para a freira carmelita, que àquela altura já era uma monja de renome dentro e fora da Igreja?

Mas a mensagem mais profunda e perigosa de Teresa se conectava à doutrina dos

Illuminati: não só Cristo pode se revelar a uma mulher, como o verdadeiro templo não é

aquele de cal, pedras e alegorias erguido no plano terreno, mas o que se encontra no íntimo do

ser humano. A doutrina de Teresa caminha nessa direção. Ela não contesta a existência da

Igreja física—e talvez este fosse o grande medo de seus superiores—porém sabe que o

verdadeiro caminho da perfeição encontra-se dentro de cada um: em um castelo interior.

Afinal, Deus só pode ser adorado pelo espírito como foi dito pelo próprio Cristo à samaritana.

Ora, o que a carmelita faz em sua oração mental é exatamente aquilo que o Messias

disse que deveria ser feito. Chegar a Deus através do espírito, beber da água viva que é o

Senhor. Teresa não bebe, ela se embriaga. E as alegorias do Carmo paraibano estão lá para

apoiar os fiéis a trilhar o mesmo caminho de Teresa; dentro do templo você pode encontrar a

água viva, basta abrir o seu espírito para Cristo. Não há o que temer já que ele só pode ser

encontrado através de uma experiência espiritual, um caminho de fé. Talvez seja por isso que

Teresa, ao expor os quatros estágios da oração mental em sua autobiografia, faça uma

analogia com a água viva, aquela a que Jesus se refere à samaritana, pois “dos que começam a

ter oração, podemos dizer que são os que tiram água do poço com baldes” (JESUS, 2007, p.

82): o primeiro grau seria o início do processo de retirada da água do poço, trabalho árduo e

pesado, já que não se está acostumado; no segundo grau, o nível da água parece ter subido

mais, trabalhando-se menos para retirar o líquido; no terceiro estágio, a água é corrente,

aquela que rega a horta, mas que ainda precisa de ajuda para que ela se encaminhe até a

plantação; por fim, o quarto grau, é a água que vem do céu, que encharca o solo enquanto o

corpo nada faz além de receber a dádiva divina. De acordo com Borriello (2003, p. 1014):

A mística teresiana não é exatamente como frequentemente se diz, uma “mística da oração”, e sim, mais precisamente a “mística da vida de oração”.

92 Cansada de ter que provar, a cada novo confessor ou religioso que conhecia, de que suas visões não eram fruto

do demônio, Teresa começou a escrever um relato de sua vida com o apoio do padre dominicano frei Garcia de Toledo, seu confessor no período em que ela se articulava para fundar um novo convento na cidade de Ávila.

Page 146: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

127

A palavra vida é determinante, pois é toda a existência que deve entrar em diálogo e em amizades orantes, sem os quais ela permanece sem solução e destituída de sentido.

Na Ordem Primeira, a Reforma Teresiana se concretizaria pelas mãos de João da Cruz,

um jovem frade carmelita que ficou encantado por Teresa e sua regra assim que a conheceu,

uma admiração que se tornou instantaneamente recíproca. Adepto da corrente mística da

Igreja Católica, acreditava na auto-flagelação como forma eficaz de expurgar os pecados.

Estava prestes a abandonar a Ordem e se juntar aos Cartuxos, quando conheceu Teresa, que o

convenceu a permanecer entre os carmelitas e instituir sua reforma na Ordem Primeira

(KNIGHT, 1907):

Ele a acompanhou a Valladolid de maneira a ganhar experiência prática na forma de vida levada pelas freiras reformadas. Havendo sido oferecido uma pequena casa, S. João resolveu tentar de uma vez a nova forma de viver, embora, Santa Teresa não achasse que alguém, não importando quão grande fosse espiritualmente, pudesse suportar os desconfortos daquele casebre. A ele se juntaram dois companheiros, um ex-prior e um irmão leigo, com quem ele inaugurou a reforma entre os frades, 28 de novembro de 1568 .93

A reforma proposta por Teresa é bem sucedida—ela presenciou a fundação de 17

mosteiros femininos e 15 masculinos na Espanha—, contudo, algumas províncias passaram a

ter dificuldades para sua implementação após o falecimento de sua fundadora, em 15 de

outubro de 1582.

Parece-me que o problema não estava nas rígidas regras de conduta estabelecidas pela

monja espanhola. Para a Igreja Católica Romana, a questão se concentrava nas matérias que

versavam sobre o sustento dos conventos descalços e suas rendas. De acordo com a reforma

proposta por Teresa, os conventos não deviam ter renda própria, vivendo apenas das esmolas

que lhes eram dadas. Como os frades e as freiras carmelitas descalços se submetiam a uma

severa clausura, eles não entravam em contato com a população ordinária, o que diminuía a

doação de esmolas. Alguns conventos enfrentavam problemas para sobreviver, o que os levou

a uma adaptação da regra teresiana:

93 O texto original: He accompanied her to Valladolid in order to gain practical experience of the manner of life

led by the reformed nuns. A small house having been offered, St. John resolved to try at once the new form of life, although St. Teresa did not think anyone, however great his spirituality, could bear the discomforts of that hovel. He was joined by two companions, an ex-prior and a lay brother, with whom he inaugurated the reform among friars, 28 Nov., 1568.

Page 147: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

128

Chegando ao conhecimento do prior Geral dos Carmelitas Teodoro Estrácio que, na Província de Turon, na França, desde 1636, vinha sendo praticada, com feliz resultado, um tipo de reforma oriundo do Convento Redonense da Bretanha depois de a examinar demoradamente e corrigir em alguns pontos, por decreto de 20 de dezembro de 1638, aprovou e oficializou as respectivas Constituições que foram, por sua vez, confirmadas por Breve de Urbano VIII em 16 de Fevereiro de 1639. (PIO, 1970, p. 41)

Em 4 de junho de 1645, o cardeal protetor da Ordem Carmelita, decretou que fossem

adotadas as constituições de Turon—do convento de Rennes localizado na província de

Turena na França—, intituladas de Strictioris Observantis, em todos os conventos carmelitas

já reformados pela referida regra, e que fosse aplicada naqueles que viessem a se fundar dali

por diante, sendo “confirmadas, por sua vez, por Breve de Inocêncio X de 20 de Setembro de

1645” (PIO, 1970, p. 41). A apologia à oração mental continua como base espiritual na

Reforma Turônica, contudo alguns aspectos, principalmente administrativos, são modificados.

De todos, o mais significativo para a compreensão da presença da Reforma Turônica no Brasil

é o incentivo à atividade missionária, que havia sido proibida aos carmelitas descalços em

160494:

O novo texto promulgado em 1604 consagrava mais uma vez a orientação de 1592, reservando ao capítulo geral a nomeação dos superiores locais (...) e centrando a perfeição do Carmelita Descalço na vida de retiro e observância dentro dos conventos, deixando para outras congregações tudo o que podia se referir a missões ou outros tipos de apostolado que exigissem sair dos conventos ou manter maior contato com as pessoas. (MORIONES, 2007)

Sobre a instalação dos observantes na colônia, inclusive na Capitania da Paraíba, já

versei em capítulos anteriores. A partir de agora centrarei a discussão em torno da chegada

dos reformados à Paraíba colonial.

5.2. A REFORMA TURÔNICA NAS CAPITANIAS DO NORTE.

Os Carmelitas Observantes vieram ao Brasil no final do século XVI, na armada

organizada por Frutuoso Barbosa com o objetivo de iniciar a edificação da Cidade da Paraíba.

Como também já foi dito, eles só chegaram à capitania da Paraíba por volta do início do

94 Antes da proibição de 1604, os carmelitas descalços possuíam projetos missionários. No final do segundo

provincialato do Padre Gracián (1581-1584), ele “alimentou também o projeto de enviar missionários com destino aos novos reinos descobertos na América, enquanto estava-se pensando em envia-los, além disso, para a Índia e para a China.

Page 148: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

129

século XVII, época em que fundaram o primeiro convento carmelita na cidade. De acordo

com o relatório feito por Elias Herckmans durante a invasão holandesa:

Segue-se o Convento dos Carmelitas, cujos frades se têm conservado nele até o presente. O convento não está ainda de todo acabado, porque somente há poucos anos que este lugar é cidade, e em grande parte lhe faltaram meios. (HERCKMANS, 1982, p. 43)

Os carmelitas permanecem durante um tempo indeterminado na Capitania da Paraíba

juntamente com os frades beneditinos, incentivados pela determinação da WIC que concedeu

liberdade de culto aos moradores do Brasil holandês. O que se pode averiguar por meio de um

cruzamento de informações é que a Ordem Carmelita se retira da Capitania da Paraíba,

retornando logo após a expulsão dos holandeses em 1654.

Na carta ao Rei D. João V, datada de 22 de julho de 1712, escrita pelo então capitão-

mor da Paraíba, João da Maia da Gama, ele fala que os reformados “não dessipão os

patrimoneaes dos conventos como fazião, e fazem os religiozos da observância tanto assim

que estando à vinte annos nesta cidade o da observância, sem assistirem mais que dois, ateh

trez religiosos.”95, e complementa escrevendo que “os religiosos da reforma com dous para

tres annos de assistência lêvantarao hum dormitório, desempenharão o convento”96. O

primeiro impulso ao se ler o documento é afirmar que os observantes voltaram à Capitania da

Paraíba em meados de 1690, e que os reformados assumiram o convento por volta de 1710.

Contudo, a instauração da Reforma Turônica no convento da Paraíba deu-se,

aproximadamente, em 1684, em meio a querela que envolvia os conventos de Olinda, Nazaré

do Cabo e Hospício do Recife:

Mas, nesta mesma ocasião, em que a Reforma, carente de espaço para conventos maiores, tentava a posse das casas de Olinda e do Recife, o Prior Geral ordenava ao comissário da Reforma que se apoderasse, sem maiores demoras, do convento da Paraíba e de todo o seu patrimônio. (PIO, 1970, p. 58)

Ao se ler atentamente toda a carta do capitão-mor—transcrita no terceiro capítulo desta

dissertação—percebe-se que não há uma definição cronológica do seu relato. Os observantes

passaram vinte anos na Capitania da Paraíba, porém não há menção exata de quando

exatamente isso aconteceu. A confusão é devida à referência aos dois ou três anos que levarão

95 AHU_ACL_CU_014, Cx. 4, D. 333. 96 AHU_ACL_CU_014, Cx. 4, D. 333.

Page 149: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

130

os carmelitas reformados a desempenhar o convento e levantar um dormitório, o que ocorreu

assim que os frades chegaram à capitania, ou seja, por volta de 1684, e não nos dois ou três

anos que precedem a escrita da carta, como pode parecer a uma leitura desatenta do

documento. Em concordância com esta hipótese Costa (1976, p. 153) afirma que “somente

depois da restauração da capitania, em 1654, é que de novo foi ocupado pelos mesmos

religiosos”.

A Reforma Turônica retoma os preceitos da reforma de Santa Teresa de Jesus, porém

adapta-os a uma realidade diferente da espanhola. Não custa lembrar que:

(...) os altos dirigentes da Ordem Carmelitana, sentindo a impossibilidade de alcançar a reforma de Santa Tereza de Jesus nos seus conventos, aceitaram e aprovaram uma constituição ou regra especial de acordo, aliás, com preceitos, realmente, daquela citada reforma, porém bem menos rigorosos, tudo o que recebeu, posteriormente, a devida aprovação dos superiores carmelitanos e da própria Santa Sé. E como fosse a cidade de Turon a primeira a se manifestar favorável à sua imediata adoção passou esta nova regra a ser chamada de “reforma turônica ou turonense”, designação dada pelos religiosos do Carmelo português. (PIO, 1970, p. 48)

Em 1677, chegam à Capitania de Pernambuco os padres Frei Manuel da Assunção e

Frei Ângelo de São José, “trazendo o primeiro a patente de prior do convento de Santo

Alberto na vila de Goiana” (COSTA, 1976, p. 36). Sua missão era implementar, nos

conventos carmelitas que assim o desejassem, a Reforma Turônica. Em documento anexo ao

ofício de 14 de outubro de 1764 do governador de Pernambuco, Conde de Vila-Flor, remetido

ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Francisco de Xavier de Mendonça Furtado, o

Provincial do Carmo, Frei João de Santa Roza, esclarece uma série de dúvidas sobre a

instalação da religião turônia97 no Brasil, e fala sobre os conventos que cederam à reforma:

Os conventos, em que deve subsistir essa reforma pela constituição das ordens, são todos os da antiga observancia as que quiserem receber; pois para este fim forão instituídas neste estado pelos reverendíssimos gerais da ordem lhe forão comsignados cinco conventos da observância: por determinação porem da sagrada congregação, se lhe assignaram os três em que subsiste hoje, que são o da villa do Recife da parte de Santo Antonio, e de Goyanna, situada na dita villa, districto de Itamaracá e o da Parahiba, situado na mesma cidade, com os quaes pagou de comissária a vigária.98

97 Os padres da reforma ficaram comumente conhecidos como da religião turonia como esclarece o Frei João de

Santa Roza: “tiverão na província de turão em França a sua primeira aceitação daí vem o chamar-se vulgarmente esta reforma religião turonia” (AHU_ACL_CU_015, Cx. 101, D. 7894).

98 AHU_ACL_CU_015, Cx. 101, D. 7894, grifo meu.

Page 150: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

131

O documento afirma que a Reforma Turônica só seria adotada naqueles conventos “que

quiserem receber”, contudo, o processo não foi tão democrático quanto insinua Frei João de

Santa Roza. Dos três conventos reformados, apenas o de Goiana não parece ter oferecido

resistência. Para reformar o convento da Paraíba foi necessária a expulsão do então vigário

provincial, provavelmente por não concordar com a instauração da Reforma Turônica, como

esclarece o Frei João de Santa Roza na Fundaçam da Reforma:

Introduzida desta sobre a reforma da mays estreita observância no convento de Goyanna, mandou o Reverendissimo Padre Ministro Geral, Frei Ângelo Monsignani por decreto ao anno de 1683 que se observassem as mesmas constituições da observância mays apertada no convento do Recife (...). No anno seguinte de 1684 ordenou o vigário provincial Frei João Paes ao comissário da reforma Frei João de São José que depois que recebesse cinco ou seys noviços o avizasse para lhe mandar entregar o convento do Recife, e que logo debaixo de obediência lhe mandava que tomasse do convento da Paraíba, como se vê no documento referido número 3. E porque depois da dita posse obrigou a deixa-lo o vigário provincial de que sucedeo Frei Manuel de Assumpção, consta do mesmo documento número 3. Recorreo a reforma ao M. R. Prov.al.(?) da província de Portugal para a providencia necessária, o que attendendo a utilidade desta reforma, determinou, que continuasse nas posses dos ditos conventos Recife e Paraíba; cuja determinação foi confirmada pelos núncios de Portugal como consta no documento número 6.99

Ao contrário do que diz Pio (1970, p. 58), “O convento de João Pessoa não tentou

resistir às ordens recebidas e foi, deste modo, depois de Goiana, o segundo convento

reformado no Brasil.”, a implantação da Reforma Turônica no convento do Carmo na Paraíba

não se deu tão tranquilamente. Sobre a data de instauração da reforma—1684—a carta escrita

por Frei Vicente dos Remédios ao Rei D. João V, de três de dezembro de 1711, complementa

a informação existente na Fundaçam da Reforma; “Havera trinta annos para mais ou menos

que em o convento de Goyanna teve principio e introdução a reforma que hoje observamos,

(...)”100.

99 AHU_ACL_CU_015, Cx. 101, D. 7894. Infelizmente a tinta do documento número 3, citado na Fundaçam, apagou-se com o tempo, dele só restando legível a primeira página. O documento número 6 está escrito em latim.

100 AHU_ACL_CU_014, Cx. 4, D. 327. É necessário fazer duas correções no resumo deste documento no Catálogo dos documentos manuscritos referentes à Capitania da Paraíba, existentes no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa. Em seu texto está escrito: “Carta do frei Vicente dos Remédios [D. João V], pedindo proteção para os carmelitas observantes, por só contarem com três conventos no Brasil: vila de Goiana, Olinda e Paraíba” (MENEZES; OLIVEIRA; LIMA, 2002, p. 83). A primeira correção é que a proteção é pedida para os carmelitas reformados, e não para os observantes; a segunda, é que o convento de Olinda não se encontra entre os relacionados no documento e sim o de Recife: “Havera trinta annos para mais ou menos que em o convento de goyana teve principio e introdução a reforma que hoje observamos, e como esta teve sempre

Page 151: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

132

No caso do convento de Recife, este só foi entregue à reforma depois de uma ordem

régia de 27 de maio de 1687:

Eu, El Rey vos envio muito saudar. Frei João de São José, Comissario da reforma de Nossa Senhora do Carmo desta provincia vae tomar entrega do Convento do recife com licença dos seus prelados para nella introduzir a Reforma. Encomendo vos o ajudeis e lhe façaes dar toda a assistência para que o consiga com a paz e quietação que pede hum negocio tanto de serviço de Deus e do bem da relijião. REY. (PIO, 1970, p. 60)

Já os conventos de Olinda e Nazaré do Cabo, que estavam incluídos nos planos de

reforma, se recusaram a adotá-la, permanecendo com as regras da Antiga Observância.

No dia 1º de junho de 1679, a casa principal dos carmelitas, situada no Convento da

Bahia, aprova a constituição turoense para o convento de Goiana, como consta na ata do Livro

de Tombo do Convento da Bahia, de quatro de julho de 1679, transcrita por Pio (1970, p.51-

53), “ratificada pelo padre-geral dos carmelitas Fr. Fernando de Tartaglia, em capítulo

celebrado em Roma no dia 1 de junho de 1680” (COSTA, 1976, p. 36-37). Em 1681, o

Núncio Apostólico de Portugal aprova a instituição da reforma turônica no Brasil:

Nosso senhor dê assistência a Vossa Rvma, com sua graça e santo amor. Com a chegada do nosso Padre Frei Juan de San Joseph de Portugal e com a confirmação de Vossa Revma. Da nossa reforma neste convento de Goiana.101 (PIO, 1970, p. 56)

O Frei João de Santa Roza, ao escrever a Fundaçam da Reforma, confirma os dados

trazidos por Fernando Pio (1970) e Pereira da Costa (1976):

Em hum reyno tão catholico como o de Portugal não podeia faltar o espirito e fervor nos religiosos da ordem do carmo para abraçarem aquellas constituições. Assim o mostrarão na vigaria da Bahia e Pernambuco então sugeita a provincia de Portugal em que alguns religiozos levados do zelo de mayor perfeição quizemo abraçar a ditas constituições com faculdade do seo vigário provincial Frei Francisco Vidal e do Reverendíssimo Padre (?) Geral (?) Orlando assignado-se (?) para sua assistencia o conevtno de goyanna: o que tudo foi aceito pelo mesmo diffinitorio da vigária da Bahia em 1679. Confirmado pelo Capitão Geral no anno de 1680 em que era geral o (?) Frei

por oppostos os nossos religiosos da observancia teve tão pouco augmento que não ocupa hoje mais que três conventos, a saber o da villa de goiana, o da vila de recife, e o da cidade da paraiba, os quais se devem a desejo que sua magestade meu senhor que deos haja tinha de dilatar a reforma em toda esta província sobre cuja posse trazem os religiosos observantes contra nos nessa corte (...) litigio falsandonos (?) este amparo recobraram (...)” (AHU_ACL_CU_014, Cx.4, D. 327, grifo meu).

101 Texto original: “Ntro Senor assista a V. Rma, com su gracia e santo amor. Com la llegada de nuestro Pe. Fr. Juan de San Joseph de Portugal y la confirmacio de V. Rma. De nuestra Reforma em este Convento de Goyanna”.

Page 152: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

133

Fernando Tartaglia e pelo senhor núncio de Portugal no anno de 1681, como tudo se vê nos deferimentos juntos número 3 e número 4.102

O frei João de Santa Roza procura, em seu questionário, esclarecer que a licença para o

estabelecimento dos frades nos conventos reformados é a mesma que os observantes

obtiveram logo que chegaram às terras brasileiras, por se tratarem todos da Ordem Carmelita

Calçada:

A licença que houve para fundação desta reforma no estado de pernambuco, foi a mesma que obtiveram os nossos padres da antiga observância, para fundarem neste estado a sua vigararia da Bahia, que hoje se acha erecta em província; porque esta reforma não foi religião nova, que de algum país estrangeiro se transplantasse neste americano;(...).103

Mais adiante, o frade já atenta para o desaparecimento das respectivas licenças de

funcionamento dos conventos:

Os conventos formaes, em que subsiste a reforma do estado de Pernambuco que são os três que se acham situados na villa do recife, Goyanna e Parahiba, forao fundados antes desta reforma no tempo que os relligiosos delles erão da antiga observância da Bahia, e quando se reformarão os ditos conventos não se entregarão as licenças para sua ereção, por cuja razão não se podem aprezentar; (...)104

Isso porque apesar de ter ficado conhecida como religião turonia, não se tratava de

uma nova religião e sim da Ordem Carmelita Observante, como está destacado na Fundaçam

da Reforma:

Assentadas assim pela ordem essa ordem estas novas constituições da observância mays apertadas a primeira província que as abraçou e solicitou a confirmação da sua fé apostólica foi a de Turom em França; a daqui vem chamarem-se de turoens os reformados do carmo do reyno de Portugal, e denominar-se esta reforma de religião turonia,(...)105

Com esse dado em mãos, faz-se necessário aqui realizar uma pequena retificação na

informação trazida por Costa (1976, p.22):

Os carmelitas conventuais dividem-se nestas três classes: Observantes, que são os que permanecem fiéis as regras primitivas; Descalços, os que

102 AHU_ACL_CU_015, Cx. 101, D. 7894. O deferimento número 4 encontra-se escrito em latim. O

deferimento número 3 é o mesmo referido na nota 97. 103 AHU_ACL_CU_015, Cx. 101, D. 7894. 104 AHU_ACL_CU_015, Cx. 101, D. 7894. 105 AHU_ACL_CU_015, Cx. 101, D. 7894.

Page 153: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

134

aceitaram a nova regra de Santa Teresa de Jesus e S. João da Cruz; e Reformados, os que abraçaram a reforma da província francesa de Turon.

Apesar do conflito que se estabelece desde o início entre os observantes e os

reformados, estes últimos não formavam uma nova congregação dentro da Ordem Carmelita,

se auto-intitulando, também, carmelitas calçados:

Por avizo de 5 de agosto do corrente anno foi vossa excelência servido intimarme que sua magestade ordenava eu averiguace certas matérias, respectivas aos religiosos carmelitas calçados somados da reforma turonica, para lhes serem prezentes, para vossa excelência e como a minha promtidão senão separa da verdade dita obediência de vassallo, (...)106

Os carmelitas da “reforma de Nossa Senhora do Carmo”107, são seguidores dos

princípios místicos propostos por Teresa de Jesus, incluindo-se a prática da Oração Mental.

De acordo com Sciadini (1993, p. 48), “A reforma turonense influiu em toda Ordem sem

formar Congregação a parte”. Já os chamados carmelitas descalços, seguidores da regra

original teresiana, estes sim, constituem uma congregação à parte dentro da Ordem Carmelita

e nunca atuaram dentro da Capitania da Paraíba108.

Talvez essa seja a razão que explique a ausência da iconografia de São João da Cruz

dentro da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Apesar de seguirem a doutrina espiritual

teresiana, os carmelitas reformados, como já foi dito, se intitulam calçados e observantes.

Quando Teresa de Jesus decidiu expandir sua reforma para a Ordem Primeira, ela contou com

a ajuda do frade carmelita São João da Cruz que fundou o primeiro convento de frades

descalços, sendo considerado, portanto, o pai da Ordem Carmelita Descalça. A ausência de

João da Cruz, nas alegorias da Igreja de Nossa Senhora do Carmo define a posição em que se

encontravam os carmelitas reformados da Paraíba: eles seguem a doutrina mística teresiana,

contudo, não são carmelitas descalços, e sim, calçados. E são estes carmelitas que

construirão, dentro da Cidade da Paraíba colonial, um caminho alegórico para a salvação da

alma através da doutrina mística católica.

106 AHU_ACL_CU_015, Cx. 101, D. 7894, grifo meu. 107 AHU_ACL_CU_014, Cx. 4, D. 702. 108 De acordo com a informação trazida por Costa (1976, p. 34), os carmelitas descalços estiveram em

“Pernambuco de 1686 a 1823, no seu convento de Santa Teresa, em Olinda”, contudo estes não participaram da atividade missionária.

Page 154: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

135

5.3. ALEGORIAS NO CARMO DA PARAÍBA: A INTERIORIZAÇÃO DA FÉ.

Ultrapassar as portas da Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Cidade da Paraíba

colonial significa entrar no plano do sagrado. A intenção do culto religioso barroco é

proporcionar aos seus frequentadores um espetáculo que envolva luz, som, aromas e imagens.

Por isso o teatro é considerado a arte barroca por excelência, porque lá se reúnem todos os

elementos necessários para mexer com as emoções das pessoas e conduzi-las a um outro

plano. Os monumentos barrocos buscam no teatro a sua capacidade de envolver o indivíduo,

de fazê-lo sentir parte daquele espetáculo de sensações:

E assim como a arte barroca desabrochava em teatralidade resplandecente, do mesmo modo o absolutismo lutava por uma apoteose grandiosa da soberania, e a Contra-Reforma invocava todos os meios óticos e intelectuais da arte do palco—assim também o teatro vivia um momento de extraordinária ascensão. (BERTHOLD, 2001, p. 323)

Era durante a missa que o monumento barroco encontrava sua apoteose como local de

culto. Naquele momento todos os elementos teatrais se faziam presentes: as imagens barrocas

alegóricas, os cânticos dos frades carmelitas, o jogo de luzes causado pelas velas e pelos

óculos—caso fosse dia—, os aromas de incenso e mirra. Tudo isso reunido com uma só

finalidade: fazer com que o Cristão se envolvesse por completo no culto católico,

introjetando-o no plano espiritual.

Fig. 62 – Óculo com sol – Detalhe da fachada

Quando se olha para a fachada da Igreja de Nossa Senhora do Carmo (fig. 2) é possível

saber que se entrará num ambiente divino. O sol (fig. 62) é a representação de Deus. E nada

melhor do que representá-lo no centro da fachada, no elemento arquitetônico que ilumina o

interior da Igreja e que em determinado período do ano, faz com que a luz do crepúsculo

incida diretamente sobre Nossa Senhora do Carmo em seu trono no altar-mor. Não custa

ressaltar essa simbologia com as palavras de Heinz-Mohr (1944, p. 360):

Page 155: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

136

O sol é para muitos povos manifestação e revelação da divindade; ele é imortal, porque cada manhã se levanta de novo e cada tarde mergulha no reino dos mortos; é fonte da luz, do calor, da vida; seus raios fazem com que as coisas sejam conhecíveis. Por isso está associado com a justiça.

Fig. 63 – Brasão – Detalhe do frontão

Fig. 64 – Brasão da Ordem

Carmelita Calçada

Fig. 65 – Brasão da Ordem

Carmelita Descalça

O óculo com o sol que ilumina a igreja delimita aquele ambiente como um local divino.

Um templo construído pelos carmelitas como é facilmente identificado pelo brasão que se

ostenta no seu frontão (fig. 63). Em estilo Rococó, ele é um escudo de armas da Ordem

Carmelita Calçada. No sítio eletrônico da Província Carmelitana de Santo Elias109, tem-se a

informação de que o brasão apareceu pela primeira vez em 1499, na capa do livro de Santo

Alberto. Não se sabe ao certo a sua origem e, portanto, não há consenso quanto a seu

significado.

A interpretação mais comum é que o cume, que aparece entre as duas estrelas superiores

(fig. 64), representa o Monte Carmelo. No caso do brasão dos carmelitas descalços ele

termina com uma cruz que simboliza a Reforma Teresiana (fig. 65). O significado das estrelas

de seis pontas varia de acordo com a fonte. Segundo Costa (1976, p. 34), a estrela debaixo

representa o Profeta Elias no monte e a outras “as duas naturezas em Cristo, divina e

humana”. Em sítios eletrônicos oficiais de congregações carmelitas110, o significado que mais

se pode averiguar é que a estrela no monte é Nossa Senhora do Carmo e as duas superiores

são seus fundadores, Elias e Eliseu. 109 Disponível em: <http://www.pcse.org.br/index.htm>. Acesso em: 01 nov. 2008. 110 Disponível em: <http://www.carmelosaojose.com.br/>; <http://www.carmelitasmissionarias.com.br/>;

<http://www.freiscarmelitas.com.br/>. Acessos em: 01 nov. 2008.

Page 156: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

137

As doze estrelas identificam a coroa como pertencente à Nossa Senhora, pois Maria é

identificada como a mulher vestida de sol que possui a lua debaixo dos seus pés e uma coroa

de doze estrelas na cabeça, e o braço que estica a espada de fogo pertence ao patriarca Elias,

baluarte da defesa de Javé no Antigo Testamento.

A fachada da Igreja de Nossa Senhora do Carmo apresenta três portas simples com

almofadas. Na parte inferior do templo o diferencial está nas extremidades onde há uma cópia

em pedra calcária das portas de madeira. Como já foi dito, a Igreja de Nossa Senhora do

Carmo foi originalmente projetada para ter duas torres, o peso da estrutura e do sino

inviabilizam a abertura de um espaço para as quarta e quinta portas, portanto a solução

encontrada pelo seu projetista para que a entrada ficasse simétrica foi esculpir cópias das

portas em pedra calcária. Ao fazer considerações sobre a porta barroca Bastide (2006, p. 130)

fala:

O que é a porta? Um vão. Mas um vão que separa dois domínios: o domínio dos deuses e o dos mortais—a porta do templo; o domínio da vida privada e o da vida pública—a porta da casa; a cidade e o campo—a porta da muralha.

Fig. 66 – Porta central

O portal central (fig. 66) da Igreja de

Nossa Senhora do Carmo é de pedra calcária

esculpida em estilo Rococó. Além das conchas

retorcidas, ressaltam-se na sua tarja duas

pequenas imitações de colunas que culminam

numa mísula que sustenta uma cornija (fig. 67).

Destacam-se nas extremidades dois vasos

contendo uma pequena flor e um cacho de uvas

cada um (fig. 68). As flores são elementos

comuns nas portas barrocas e rococós como

lembra Bastide (2006), mas também podem ser

uma referência a Nossa Senhora do Carmo, que

também é chamada de “flor do Carmelo”. As

Page 157: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

138

Fig. 67 – Frontão da porta central

Fig. 68 – flor e uvas –

Detalhe

uvas são uma alegoria a Cristo, pois ele próprio se comparou a uma videira: “Eu sou a

verdadeira videira e meu Pai é o agricultor” (JOÃO, 15: 1). Talvez o que o pórtico queira

dizer ao fiel é que depois daquela porta se encontrará Jesus e Nossa Senhora do Carmo.

O pequeno batente na entrada faz com que sua visão se eleve não só para a tarja da porta

principal, mas para a imagem que está no centro do teto do nártex, não sem antes benzer-se

com a água levemente salgada de uma das duas pias que se encontram fixas na parede (fig. 69

e 70). No alto, uma pequena imagem do céu, onde Santa Teresa se encontra ajoelhada

Fig. 69 – Pia 1

Fig. 70 – Pia 2

olhando para Jesus Cristo que aponta

para um triângulo (fig. 71), enquanto

pequenos anjos colocam suas cabeças

para fora das nuvens no intuito de assistir

a cena.

De acordo com Chevalier (1992. p.

903), “o triângulo eqüilátero simboliza a

divindade, a harmonia, a proporção”, o

que facilmente o identifica com a

Santíssima Trindade, a união do Pai,

Filho e Espírito Santo numa única

imagem:

Page 158: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

139

Fig. 71 – Medalhão central do nártex da Igreja de Nossa Senhora do Carmo

Os símbolos da Trindade cristã (um só Deus em três pessoas que só se distinguem entre si enquanto relações opostas, e não por sua existência e essência, e às quais são atribuídas, respectivamente, as operações de poder, o Pai, de inteligência, o Verbo, e de amor, o Espírito Santo) são o triângulo eqüilátero. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1992, p. 908)

Arrisco dizer que esse triângulo possui um significado a mais. Olhando-o atentamente,

sua ponta encontra-se virada para baixo. De acordo com Becker (1999, p. 281), “Entre muitos

povos o triângulo com a ponta para cima é símbolo do fogo e da força geradora masculina,

enquanto o triângulo com a ponta para baixo é símbolo da água e do sexo feminino”. Além

disso, quando “ligado ao sol e o milho, o triângulo é duas vezes símbolo da fecundidade”

(CHEVALIER, 1992, p. 904). Santa Teresa é a matéria fecundante da doutrina mística, que é

base da Reforma Turônica, adotada pelos frades da Cidade da Paraíba colonial.

Como a alegoria do poço já insinuava, na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, o

cristianismo se revela por meio da mulher. Não só porque a igreja é consagrada à grande mãe

da Ordem, mas porque o caminho da salvação é todo conduzido por uma figura feminina:

Santa Teresa. Em sua autobiografia, ela própria indica esse caminho, onde a oração mental e a

reafirmação dos dogmas católicos se misturam para que haja o verdadeiro encontro com

Cristo. Ela ressalta a importância do apego aos santos no percurso da jornada, em especial São

José:

Coisa admirável são os grandes favores que Deus me tem feito por intermédio desse bem aventurado Santo, e os perigos que me tem livrado, tanto de corpo como da alma. A outros santos parece o Senhor ter dado graça

Page 159: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

140

para socorrer numa determinada necessidade. Ao glorioso São José tenho experiência que socorre a todas. (JESUS, 2007, p. 41)

Nada melhor do que a fala de Santa Teresa para justificar e explicar a presença dos

altares laterais usados para rememorar e glorificar santos que de alguma forma possuem uma

ligação com o templo. A Igreja de Nossa Senhora do Carmo possui quatro altares laterais.

Pouca coisa pode ser dita sobre o primeiro altar do lado esquerdo (fig. 72), já que não se sabe

qual o santo, ou os santos, que se encontravam naquele local. Com o passar dos anos as

imagens foram deslocadas, permanecendo nos locais originais apenas as imagens de Eliseu e

Elias no altar-mor (fig. 17) e a de Jesus Cristo no primeiro altar do lado direito (fig. 73).

Fig. 72 – Primeiro altar do lado esquerdo - aE1.

Fig. 73 – Primeiro altar do lado direito - aD1.

É possível afirmar que a imagem de roca de Cristo no altar data do século XVIII se

encontra no lugar original. Além do camarim ter sido construído de forma a abrigar a

Page 160: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

141

Fig. 74 – Símbolos da paixão – Detalhe do

medalhão do AD 1.

imagem de Jesus ajoelhado carregando a cruz, no

ápice do altar vê-se uma cartela com símbolos da

paixão de Cristo: uma cruz, uma estrela, uma

escada e uma coroa de espinhos (fig. 74).

A importância da paixão de Cristo no

processo de conversão está explícita na fala de

Teresa:

Digo todos, porque há muitas almas que em outras meditações acham mais proveito do que na da sagrada paixão. Há muitos caminhos, assim como há muitas moradas no céu. Algumas pessoas tiram frutos considerando-se no inferno; outras se afligem de pensar nele e preferem meditar sobre o Céu; outras cuidam na morte. Algumas, se são ternas de coração, ficam magoadas de pensar sempre na paixão, alegram-se e tiram fruto considerando o poder e a grandeza de Deus nas criaturas, assim como no amor que nos tem e que se manifesta em todas as coisas. É maneira admirável de proceder. Contudo, hão de voltar muitas vezes a Paixão e vida de Cristo, que é a fonte de onde nos tem vindo e virá sempre todo bem. (JESUS, 2007, p. 98, grifo meu)

Os dois altares que ficam ao pé do arco-cruzeiro (figs. 75 e 76) se destacam por não

possuir vestíbulo e sim um painel em madeira policromada. No alto, no lugar de uma cartela

existe um triângulo com a ponta para baixo—que como já me referi anteriormente, simboliza

a presença feminina—dentro de um esplendor. Ambos se relacionam com Santa Teresa e

representam um momento de transcendência, assim como os medalhões ovais que se

encontram na parte superior dos altares.

Page 161: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

142

Fig. 75 – Segundo altar do lado esquerdo - aE2.

Fig. 76 – Segundo altar do lado direito - aD2.

Até o momento, as alegorias da Igreja de Nossa Senhora do Carmo mostram modelos de

conduta no intuito de introjetá-los dentro de cada cristão. Elas se apresentam como

ferramentas ativas de ensino, e, ao mesmo tempo, são o conteúdo da cultura carmelita. O

objetivo é o mesmo: alcançar a salvação, alegorizada na capela principal. A passagem pelo

arco-cruzeiro significa o sucesso dessa caminhada.

Fig. 77 – Mascarão – Detalhe do altar-mor.

O mascarão (fig. 77) no altar-mor, que ao longe

assusta o espectador, se desvanece à medida que o

cristão se aproxima do divino. Ele está lá para fazê-lo

sentir o temor que há fora da esfera divina cristã, e ao

mesmo tempo, perceber como se tornam diminutos

esses medos quando se está mais perto de Deus.

A aproximação do altar só é possível através de

uma conduta cristã que se encontra explícita nas

alegorias da Igreja de Nossa Senhora do Carmo.

Caso o cristão faça da sua vida um modelo a ser seguido, ele alcançará o reino de Deus. Em

um dos seus êxtases, Santa Teresa viu Nossa Senhora ascendendo aos céus:

Num dia da Assunção da Rainha dos Anjos e Senhora nossa, dignou-se o Senhor fazer-me a seguinte graça: num arroubamento representou-me sua

Page 162: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

143

Mãe chegando ao céu. Vi a alegria e a solenidade com que foi recebida e o lugar onde está. Seria incapaz de dizer como ocorreu tudo isto. Foi grandíssima a exultação de meu espírito com a visão de tão imensa glória. Senti elevados efeitos, e tirei por fruto desejo maior de padecer de graves sofrimentos, e também vivas ânsias de servir a esta Senhora, pois tanto mereceu. (JESUS, 2007, p. 346)

Os painéis do altar AE 2 (fig. 78) e do medalhão oval (fig. 79) do lado esquerdo são a

transcrição em forma iconográfica da visão descrita por Santa Teresa em seu livro.

Fig. 79 – Nossa Senhora no céu rodeada de anjos – Igreja de Nossa

Senhora do Carmo, João Pessoa, segunda metade do século XVIII. Autoria desconhecida. Madeira policromada. Medalhão sobre o altar aE 2.

Fig. 78 – Nossa Senhora ascendendo ao céu – Igreja de Nossa Senhora do Carmo, João Pessoa, segunda metade do século XVIII. Autoria desconhecida. Madeira policromada. Detalhe do altar aE 2.

O painel do altar AD 2 (fig. 80) recria a visão de Nossa

Senhora ascendendo aos céus colocando Santa Teresa em seu

lugar. A monja carmelita morreu em—mesmo dia de São

Francisco—4 de outubro de 1582 e, de acordo com a

hagiografia, sua alma teria subido ao céu na forma de uma

pomba branca. Estrategicamente colocada antes do arco

cruzeiro, a imagem mostra, por meio da figura de Santa

Teresa, o resultado dos esforços em seguir a conduta cristã.

Seguindo os preceitos católicos, sempre com oração e fé, é

possível chegar a Deus. E o encontro com o divino é sempre

acompanhado de êxtases gozosos.

Fig. 80 – Santa Teresa ascendendo ao céu – Igreja de Nossa Senhora do Carmo, João Pessoa, segunda metade do século XVIII. Autoria desconhecida. Madeira policromada. Painel do altar AD 2.

Page 163: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

144

Santa Teresa tem a visão de um anjo que lhe trespassa o coração com uma flecha

enquanto seu corpo se entrega a um júbilo carnal:

Aprouve ao Senhor favorecer-me algumas vezes com esta visão. Via um anjo perto de mim, do lado esquerdo, sob forma corporal, o que não costumo ver senão muito raramente. Ainda que muitas vezes anjos me apareçam, não os vejo senão pelo modo que os expliquei na visão passada, de que falei primeiro. Nesta visão o Senhor quis que assim o visse: não era grande, senão pequeno, formosíssimo, o rosto tão incendido, que deveria ser dos anjos que servem muito próximo de Deus, que parecem abrasar-se todos, presumo que seja dos chamados querubins, pois eles não me dizem seus nomes. Bem vejo que no céu há tanta diferença de uns anjos para outros, e destes para outros ainda, que não o saberia nomear. Via-lhe nas mãos um comprido dardo de ouro. Na ponta de ferro julguei haver um pouco de fogo. Parecia algumas vezes mete-lo pelo meu coração a dentro, de modo que chegava às entranhas. Ao tirá-lo tinha eu a impressão de que as levava consigo, deixando-me toda abrasada em grande amor de Deus. Era tão intensa a dor, que me fazia dar os gemidos de que falei. Essa dor imensa produz tão excessiva suavidade, que não se deseja o seu fim, nem a alma se contenta com menos do que com Deus. Não é dor corporal senão espiritual, ainda que o corpo não deixe de ter sua parte, e até bem grande. É um trato de amor tão suave entre a alma e Deus, que suplico à sua Bondade o dê a provar a quem pensar que minto. (JESUS, 2007, p. 236)

A força do relato de Santa Teresa sendo trespassada pela flecha em chamas do anjo

motivou inúmeras representações iconográficas.

Fig. 81 – Transverberação de Santa Teresa. 1613. Gravura a buril. Adriaen Collaert e Cornellie Galle.

Na figura 81, vê-se a primeira dessas imagens datada com maior precisão. Um anjo

aponta uma flecha em direção a Santa Teresa, que se encontra de braços abertos. É possível

afirmar que a cena se passa em um convento, já que se vêem grades nas janelas do recinto.

Page 164: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

145

Fig. 82 – Transverberação de Santa Teresa.

s.d. Gravura a buril. Antonie Wierix.

Em uma representação provavelmente posterior a

essa (fig. 82), porém de datação muito próxima, há uma

releitura da gravura de Collaert e Galle111. A santa

também se encontra de braços abertos e um anjo aponta

uma flecha/lança em direção a seu coração.

Além da ação da cena, um detalhe aproxima as

duas gravuras, corroborando a idéia de releitura: na

figura 81 é possível ver na parte superior, envolto por

nuvens e de braços abertos, a figura de Jesus

alado 112 (fig. 83), que parece comandar a cena em

oposição aos outros cinco anjos que aparecem. Na

figura 82, também povoada por cinco querubins,

observa-se na parte superior, o mesmo elemento do homem adulto e barbado, só que ali se

trata do próprio Deus Pai (fig. 84). O Cristo da cena anterior, que como Deus abençoa a Santa,

transfigurou-se na representação do Pai como o grande mentor de toda a ação da cena.

Fig. 83 - Jesus alado abençoando Teresa. Detalhe da

gravura de Collaert e Galle.

Fig. 84 - Deus abençoando Teresa. Detalhe da gravura

de Wierix.

A figura 81—e provavelmente também a figura 82—foi produzida antes mesmo que

Teresa fosse canonizada, o que indica uma pequena dimensão do impacto que as suas idéias

reformistas, oriundas das correntes místicas cristãs, tiveram não só dentro da Igreja Católica

Romana, mas também fora dela. Sua imagem—como santa e exemplo a ser seguido—já

estava difundida e enraizada na sociedade antes mesmo que a Igreja a canonizasse.

A presença do anjo com a flecha em todas as representações leva a uma análise da

figura mitológica grega do Cupido (Eros). Filho de Vênus (Afrodite) e Vulcano (Hefesto): o

personagem era representado como uma criança dotada de asas que carregava consigo um

111 As gravuras de Adriaen Collaert (1560-1618) e Corneille Galle (1576-1650) foram feitas para a obra Vita B.

Virginis Teresiae a lesu Ordinis Carmelitarium, publicada em 1613 em Amberes. A gravura de Antonie Wierix data, provavelmente, da segunda década de Seiscentos. Fonte: Borges (2008).

112 Numa de suas visões São Francisco de Assis viu Jesus Cristo com asas, imagem que ficou no imaginário católico e foi reproduzida diversas vezes em obras de artes.

Page 165: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

146

arco com flechas, que despertavam o mais intenso amor nos seres atingidos pelas suas pontas,

quer fossem homens ou deuses.

Fig. 85 - O êxtase de Santa Teresa D’Ávila,

Gianlorenzo Bernini, 1645-1652; mármore e bronze dourado. Capela Cornaro, Igreja de Santa Maria

Della Vitoria, Roma.

As representações iconográficas que

foram atribuídas aos querubins levam a crer que

se tratam de adaptações da iconografia do

Cupido. Sua presença no êxtase de Santa

Teresa, transverberando seu coração com uma

flecha, arrebatando-a eternamente com o amor

de Cristo, podem indicar a apropriação e a

releitura do mito de Eros na doutrina cristã.

É na escultura que a passagem da

transverberação de Santa Teresa de Jesus se

eterniza. O italiano Bernini traz em sua obra o

ápice da escultura barroca (fig. 85), que servirá

de inspiração para todas as obras posteriores,

dentre elas a imagem de êxtase encontrada no

medalhão oval do lado direito na nave da Igreja

de Nossa Senhora do Carmo em João Pessoa

(fig. 86).

Fig. 86 - Transverberação de Santa Teresa - Igreja de Nossa Senhora do Carmo, João Pessoa, segunda metade do século XVIII. Autoria desconhecida. Madeira policromada. Medalhão sobre o altar AD 2.

Page 166: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

147

Impossível não perceber a inspiração na cena esculpida por Bernini113 (fig. 85) na

pintura no painel do Carmo (fig. 86) em João Pessoa. Todos os seus elementos centrais se

encontram: o Anjo com sua flecha, a santa arrebatada pelo amor de Cristo e o sol que ilumina

a cena. De acordo com Hannah Levy, a circularidade das imagens européias no contexto

colonial é indiscutível:

É fora de dúvida que grande número de pintores nacionais se utilizou de modelos da arte européia. Daí o caráter eclético da pintura colonial, vista em conjunto, e daí também o caráter heterogêneo que se nota freqüentemente nas obras de um mesmo artista. (LEVY, 1944, p. 7)

Fernand Braudel, ao analisar o Barroco Italiano, ressalta a irradiação desta cultura para

o resto da Europa e América: “Roma permaneceu na escala da Europa, mas seus exemplos

também se exportaram até para a América, onde um barroco colonial deitará fortes raízes e se

expandirá, por assim dizer, em vegetação cerrada” (BRAUDEL, 2007, p. 151).

A alusão ao mito grego do cupido fica mais nítida na imagem de Bernini: o anjo segura

delicadamente a flecha e num sorriso infantil, porém travesso, aponta-a para a Santa. No

painel do Carmo o anjo adquire feições adultas, porém não perde de vista a idéia do cupido

como o semeador da paixão. A flecha é o instrumento que fecunda o amor. Segundo

Chevalier (1992, p. 435-437), ela é o “símbolo do intercâmbio entre o céu e a terra”. Em

ambas as imagens a flecha aponta para baixo, adquirindo, desta forma, uma propriedade

divina. No painel da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, há uma linha vermelha que delineia

o trajeto até o coração de Santa Teresa. Talvez pela altura em que a pintura se encontra, o

autor quisesse ressaltar a idéia de que o coração do fiel fosse trespassado pelo amor divino. A

flecha também representa a superação da vida ordinária através da conquista de uma virtude

que está além do alcance. Aos frequentadores da igreja, a flecha alegoriza uma resposta de

Deus aos anseios e martírios daqueles que o seguem.

Arrebatada pelo amor divino a santa entra em espécie de transe. Na escultura de

Bernini, seu rosto esboça uma nítida sensação de prazer que se assemelha a um orgasmo. A

posição da mão e dos pés é de exaustão corporal devido ao imenso fervor que esse amor

causou, ajudando, assim, na composição de um êxtase. Reforça-se, ainda, a idéia com a

imagem da flecha que, segundo Cirlot (1984, p. 256), “tem um sentido fálico inegável, em

113 Famoso escultor italiano, Bernini fez diversas esculturas com figuras mitológicas, dentre elas: O rapto de

Perséfone; Apolo e Dafne; O Sátiro e a Ninfa e também a Fontana dei Fiumi (fonte dos quatro rios), esta última, na Piazza Navona, em Roma.

Page 167: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

148

especial quando aparece em emblemas contraposta a um símbolo do ‘centro’ e de caráter

feminino como o coração”. No painel da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, a santa encontra-

se de olhos fechados com as pernas e o braço na mesma posição, porém sem a expressão de

prazer no rosto, o que oblitera um pouco a sensação de êxtase. Santa Teresa parece estar num

sono profundo descansando numa nuvem, ao contrário da estonteante escultura de Bernini que

traz uma Teresa semi-consciente, ainda extasiada de prazer.

Iluminando a cena vêem-se os raios de sol, que já aparecem sutilmente em forma de um

tubo de luz na gravura de Antonie Wierix (Fig. 82). Porém, na escultura de Bernini estes

elementos adquirem um papel essencial para a composição da cena, importância esta que será

copiada pelo painel da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Bernini destaca os raios de sol

cobrindo-os de ouro, contrastando-os com a imagem esculpida em mármore branco. No painel

da igreja, a luz dos raios do sol perde um pouco da força por se tratar de uma imagem

colorida, porém o artista buscou compensar essa perda espalhando um tom amarelo pela

figura, como se o anjo e a santa estivessem sendo iluminados pelos raios, acrescentando às

figuras suas sombras, acentuando a luz do sol.

Novamente faz-se referência a uma das imagens mais difundidas na iconografia

religiosa que é a representação do sol. A fascinação por este símbolo, que não se deixa olhar

diretamente mas cuja presença possibilita a visualização do mundo, faz com que ele esteja

presente como alegoria divina desde os cultos das sociedades pré-colombianas até a doutrina

católica romana. O sol já identificado com Cristo ou Deus pai, torna-se, no êxtase de Santa

Teresa, a fonte de energia que dá forças ao cristão para enfrentar o caminho até a salvação

eterna. Da mesma forma que o sol é o sustento das plantas, Cristo é o alimento a ser tomado

pelo fiel.

A Igreja de Nossa Senhora do Carmo fala ao cristão, através das alegorias, que é

necessário superar todas essas privações para que se possa ser transverberado pelo amor de

Cristo. Somente após a entrega de si mesmo ao amor divino é que o fiel se encontra pronto

para passar a outro plano espiritual. Um lugar reservado para aqueles que conseguiram

cumprir com os desígnios cristãos, ao lado dos arcanjos que representam a alta corte celestial

(fig. 87).

Page 168: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

149

Fig. 87 – Arcanjo – Detalhe do painel E5.

Os arcanjos são a única casta de anjos que

possuem nomes e funções definidas: Miguel, que

ocupa o lugar mais elevado, é o guerreiro vencedor

do diabo e que pesará as almas no juízo final; Rafael

é o acompanhante e protetor de pessoas sofredoras e

boas; Gabriel, o anjo da anunciação; Uriel, o arcanjo

que apareceu no túmulo de Jesus. De acordo com

Heinz-Mohr (1994, p.25), “A ampliação posterior

dos arcanjos para o número sete liga-se às

influências de doutrinas dos eões e da astronomia

babilônica sobre a teologia judaica tardia. Veio a ser

rejeitada por vários concílios da Igreja”.

Neste plano, onde os arcanjos habitam, o cristão está protegido pelo manto de Nossa

Senhora do Carmo, como indica o painel de azulejos D5 (fig. 88).

Fig. 88 – Nossa Senhora do Carmo cobre os carmelitas com seu manto – Painel D5 – Igreja de Nossa Senhora do

Carmo, João Pessoa, segunda metade do século XVIII. Autoria desconhecida.

Como já foi dito, o manto é uma alegoria de proteção. Quem conseguir se espelhar nos

modelos de virtude cristã estará protegido por Nossa Senhora do Carmo. De acordo com

Page 169: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

150

Heinz-Mohr (1994, p. 232) o manto também está presente na iconografia de Santa Teresa

d’Ávila, pois sob a sua benção está a Ordem Carmelita Descalça.

Na doutrina mística, “revestir o manto é escolher o caminho da perfeição. Entre os

místicos identifica-se com aquele que o traz, com seus ensinamentos e seus poderes”.

(SCHLESINGER; PORTO, 1995, p. 1679). A idéia é que o cristão, que se encontra sob a

proteção do manto de Maria, está plenamente identificado com a cultura carmelita, adotando

Nossa Senhora do Carmo como matrona e guia espiritual.

Maria, Rainha do Carmelo, encontra-se com uma coroa (fig. 89)—identificada por

Becker (1999, p. 75) como uma coroa de rei (fig. 90)—enquanto os anjos a ajudam a estender

o manto sobre os frades e monjas carmelitas. Não há passagem na Bíblia que fale sobre a

coroação de Maria, porém, de acordo com Heinz-Mohr (1994) e Lurker (2006) se assemelham

tipologicamente à coroação de Ester, “e o rei a preferiu dentre todas as outras mulheres;

diante deles alcançou favor e graça mais do que qualquer outra moça. Ele pôs o diadema real

sobre a cabeça dela e a escolheu como rainha (...)” (ESTER, 2: 17), e a exaltação de

Betsabéia:

Betsabéia foi, pois, à presença do rei Salomão para lhe falar de Adonias e o rei se ergueu para ir ao seu encontro e se prostou diante dela; depois sentou-se no trono e mandou colocar um assento para a mãe do rei e ela sentou-se a sua direita. (1 REIS, 2: 19)

Fig. 89 – Coroa – Detalhe do painel D5.

Fig. 90 – Tipos de coroa.

Lurker (2006, p. 70) fala que “A coroa é o sinal por excelência da dignidade senhoril; o

rico adereço de pedras preciosas e pérolas significa a plenitude de poder”. Há um cântico de

louvor a Deus que se refere à coroa como sinal de poderio e realeza, “Pois tu o precedes com

bênçãos felizes, cinges com coroa de ouro tua cabeça” (SALMOS, 21: 4). A alegoria da coroa

reforça a da proteção do manto, pois Maria, como Rainha do Carmelo e mãe da Ordem,

possui autoridade, e, consequentemente, plenos poderes para proteger os seus devotos, e, até

Page 170: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

151

mesmo, salvá-los do fogo do inferno, é só lembrar o papel do escapulário dentro da cultura

carmelita. A alegoria vai além: Nossa Senhora coroada é a representação iconográfica da

própria Igreja Católica Apostólica Romana, único local onde a salvação é possível.

Há de se mencionar, também, que a coroa na Igreja de Nossa Senhora do Carmo

alegoriza a vitória dos modelos de conduta cristã como meio de redenção após a morte do fiel,

pois, de acordo com Becker (1999, p. 74), “A coroa da Antiguidade recebeu no cristianismo o

valor de sinal da salvação alcançada”. Ter o privilégio de permanecer na capela principal—

reservada para o pároco e os irmãos da Ordem Primeira Carmelita—indica o cumprimento do

papel de modelo cristão garantindo a salvação pelas mãos de Nossa Senhora do Carmo.

Na cartela inferior do painel D5 (fig. 91) é possível identificar um castelo. Sua

alegoria também está associada à idéia de proteção dentro da doutrina cristã, mais

especificamente, na obediência aos preceitos místicos de Santa Teresa. Como lembra:

Na vida real, assim como nos contos e nos sonhos, em geral o castelo está situado em lugares altos ou na clareira de uma floresta: é uma construção sólida e de difícil acesso. Dá impressão de segurança (como a casa, geralmente), mas de uma segurança no mais alto grau. É um símbolo de proteção. (CHEVALIER; GHEERBRANT 1992, p. 199, grifo do autor)

Fig. 91 – Castelo – Detalhe do painel D5.

A confirmação da alegoria do castelo como um lugar de abrigo e proteção se encontra

presente em passagens da Bíblia, “Iahweh é minha rocha, minha fortaleza, meu libertador,

meu Deus, meu rochedo, (...)” (2 SAMUEL 22: 2); e mais à frente no livro dos Salmos:

Bendito seja Iahweh, meu rochedo, que treina minhas mãos para a batalha e meus dedos para a guerra; meu amor e minha fortaleza, minha torre forte e meu libertador, o meu escudo em que me abrigo e que a mim submete os povos. (SALMOS 144: 1-2)

Page 171: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

152

A alegoria vai mais adiante: para chegar a essa proteção é necessário transcender a

realidade, tal como acontecia com Santa Teresa de Jesus quando se dedicava à prática da

oração mental. Esse aspecto de transcendência se relaciona com a localização dos castelos:

(...), sua própria localização isola-o um pouco no meio de campos, bosques e colinas. E o que ele encerra, separado assim do resto do mundo, adquire um aspecto longínquo, tão inacessível quanto desejável. Por isso o castelo fiura entre os símbolos da transcendência: a Jerusalém celeste toma a forma, nas obras de arte, de uma fortaleza eriçada de torres e torreões pontiagudos, situada no cume de uma montanha. (CHEVALIER, 1992, p. 199, grifo do autor)

Santa Teresa escreve um livro em 1577, intitulado O Castelo interior, explicando a sua

base doutrinária. Na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, a alegoria do castelo também indica

a base espiritual adotada pelos carmelitas reformados da Paraíba. Seguidores da Reforma

Turônica, eles abraçam a doutrina mística teresiana como guia para a salvação. De acordo

com Borriello (2003, p.1014):

O castelo interior é a obra da maturidade teresiana e um dos vértices de toda a literatura mística, escrito em 1577, quase de uma vez, em menos de dois meses (levando-se em conta suas inúmeras ocupações). O livro divide-se em moradas (segundo a atividade da alma, que vai penetrando em seu castelo interior, à procura do aposento mais íntimo, onde habita o Deus-Trindade); quando a alma chega ao centro da morada, descobre que chegou ao centro da vida divina, ao centro de si mesma e ao centro de todo o universo.

Na cartela superior do painel D5 (fig. 92) a iconografia de um espelho surge como um

dos símbolos marianos, identificando-se com o feminino, já que aquele reflete uma imagem,

tal como a lua reflete a luz do sol. “(...) na arte medieval também é usado como símbolo da

virgindade de Maria, na qual Deus refletiu a sua imagem na forma de seu filho” (BECKER,

1999, p. 102).

Fig. 92 – Espelho – Detalhe do painel D5.

Page 172: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

153

A idéia é que o cristão se espelhe em Nossa Senhora, o maior modelo de vida que há

dentro da Ordem Carmelita: “Quanto mais uma pessoa mergulha numa imagem, tanto mais

esta se transforma nela, tornando-se a pessoa mesma imagem modelar” (LURKER, 2006, p.

93). A alegoria barroca cristã busca exatamente isso, uma transformação por meio da

introjeção de um modelo de virtude, o espelhamento de sua conduta na glória divina: “E nós

todos que, com a face descoberta, contemplamos como num espelho a glória do Senhor,

somos transfigurados nessa mesma imagem, cada vez mais resplandecente, pela ação do

senhor, que é Espírito” (2 CORÍNTIOS, 3: 18).

Na autobiografia de Santa Teresa, ela se vê em uma de suas visões como um espelho

que reflete a vontade divina:

Estando uma vez nas Horas [momento em que rezavam pela manhã todas juntas] com todas as monjas, minha alma subitamente recolheu-se. Pareceu-me vê-la como um claro espelho, que não tinha avesso, nem lados, nem alto, nem baixo. Estava toda luminosa, e no centro foi-me dado contemplar Cristo, nosso Senhor, como costumo vê-lo. Tive a impressão que em todas as partes da minha alma o via com tanta nitidez como num espelho. Ao mesmo tempo, este espelho se esculpia inteiramente não sei dizer como, no mesmo Senhor, por inefável comunicação sumamente amorosa. (JESUS, 2007, p. 349)

A teoria da transmutação para alcançar o divino encontra-se presente na passagem.

Ressalta-se, mais uma vez, a importância da modificação do indivíduo, do aperfeiçoamento de

sua conduta nos moldes da doutrina cristã. E não há maior transformação dentro da cultura

histórica carmelita do que a ocorrida com Santa Teresa de Jesus.

Page 173: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

154

Fig. 93 – Altar-mor – Igreja de Nossa Senhora do Carmo, João Pessoa, segunda metade do século XVIII.

Autoria desconhecida.

Sua doutrina toma um novo fôlego dentro das alegorias da Igreja de Nossa Senhora do

Carmo. Ela é a base de sustentação do templo ao conduzir o cristão a uma jornada espiritual

de encontro com o divino. A Igreja Católica Apostólica Romana, tantas vezes chamada de

misógina, se enaltece, aqui, no templo carmelita da Cidade da Paraíba colonial, com as suas

figuras femininas.

No altar-mor da igreja (fig. 93) existem duas cariátides (figs. 94 e 95) que sustentam a

base balaustrada onde se impõe o trono de Nossa Senhora do Carmo. Elas alegorizam a base

feminina que sustenta a doutrina dos carmelitas reformados na Paraíba colonial. Surgidas na

arquitetura grega, elas possuem esse nome por causa das mulheres da aldeia de Karyai,

famosas pela sua valentia e força, e que foram transformadas em escravas pelos gregos com a

derrota nas Guerras Persas. Como colunas, estão condenadas a sustentar eternamente o

templo, representando, desta forma, a força e a bravura dessas mulheres. São utilizadas como

elemento arquitetônico e escultura “na idade clássica e períodos sucessivos ao Renascimento”

(KOCH, 1998, p. 142).

Page 174: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

155

Fig. 94 – Cariátide – Detalhe do Altar-mor.

Fig. 95 – Cariátide – Detalhe do Altar-mor.

Pelas suas características, as cariátides também são identificadas com Diana (Ártemis),

filha de Latona e Júpiter (Zeus). Ela é a deusa dos bosques, da caça e da lua; transformou-se

em expressão máxima da feminilidade na mitologia grega devido a sua força e virgindade. A

escolha dessa alegoria como base de apoio do camarim onde há a imagem de Nossa Senhora

do Carmo ressalta a importância da figura feminina no templo conventual.

Após toda essa vivência o homem colonial deve voltar para casa. Lá fora uma coisa

certa o aguarda: o profano. Seja pelos seios e braços dos negros, ou pela corrupção

administrativa e fiscal que predomina na capitania, ou pelos desentendimentos pessoais que

terminam em tapas, ou pelas alianças equivocadas na hora da guerra; enfim, ele vive num

mundo cercado por condutas desviadas. A arte barroca alegórica da Igreja de Nossa Senhora

do Carmo pode fazer algo para impedir que este homem se perca pelo mundo real? Ela crê

que sim.

Em direção à saída da igreja passa-se novamente pelas duas pias cheias de água benta. E

diferentemente do que a maioria das pessoas possa pensar, a última alegoria não se encontra

no altar-mor, mas logo na entrada da igreja: dois painéis de azulejos contornando as pias que

só podem ser vistos na saída do monumento e que poderiam ser tratados unicamente como

adornos rococós se não fosse pelos detalhes de duas pequenas cartelas que se encontram na

parte inferior (fig. 96 e 97).

Page 175: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

156

Fig. 96 – Flores – Detalhe do painel da pia 1.

Fig. 97 – Planta – Detalhe do painel da pia 2.

Dentro da Igreja de Nossa Senhora do Carmo planta-se a semente de um ideal. Talvez o

discurso alegórico não seja suficiente para arrebatar completamente o fiel com o amor de

Cristo, porém o gérmen da mudança está lançado. Cada cristão que sai da igreja após o culto,

e abençoa-se com a água benta no intuito de enfrentar o mundo lá fora, é como um dos

pequenos ramos representados nas cartelas. O processo de transformação germina por meio

das alegorias, porém, para que a planta cresça e frutifique, é necessário que ela seja cuidada e

bem tratada. A igreja por si só não salva o homem, é necessário que ele adote em seu

cotidiano uma conduta que se encaixe nos preceitos católicos de fé e de oração.

Desta forma, trilha-se o caminho para a salvação. Um caminho árduo para um monge

carmelita e, talvez, ainda mais pedregoso para uma pessoa comum. Santa Teresa exaltava a

importância das dificuldades na estrada que decidiu trilhar. A Igreja de Nossa Senhora do

Carmo na Paraíba colonial parece compreender que a conversão não é fácil, e que somente

por meio de uma imersão na doutrina católico-cristã é que é possível transformar o homem a

ponto de levá-lo à esfera divina. Para isso busca na arte barroca o elemento alegórico, e o

explora incessantemente, tentando fazer com que o fiel não só aprenda a história da Ordem

Carmelita, mas que introjete aqueles elementos de cultura histórica e utilize-os como modelos

de conduta na mais difícil tarefa que o cristão tem que realizar: a de enfrentar as pequenas

mazelas do cotidiano que corrompem a fé cristã quase que imperceptivelmente.

***

Page 176: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

157

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É muito difícil colocar um ponto final em um trabalho. Fica sempre a dúvida: e agora?

O que vai ser dele? Enquanto está na tela do computador ele é completamente seu. O autor

tem o poder de modificá-lo quantas vezes achar necessário, contudo, após sua impressão ou

publicação, ele deixa de estar sobre seu comando e passa para outro condutor, o leitor. Talvez

seja isto que torne o ponto final de um trabalho tão difícil: ele não encerra nada, pelo

contrário, inicia uma nova jornada sobre a qual o autor não detém o mínimo controle. E

perder as rédeas de algo tão pessoal é sempre um pouco assustador, embora também

fascinante. Até onde essas idéias podem chegar? Que tipo de influências elas podem ter sobre

as pessoas?

Quando iniciei a pesquisa sobre as alegorias da Igreja de Nossa Senhora do Carmo não

imaginava que o tema seria tão amplo. Tentar compreender o barroco luso-brasileiro do

século XVIII é uma jornada que envolve os contextos locais, a teoria da arte e a História

europeia.

O Barroco é por si só um capítulo a parte. Durante os séculos XVI e XVII na Europa,

não se utilizava a palavra Barroco para denominar aquele novo tipo de arte que, ao mesmo

tempo, descendia do Renascimento se diferenciava dele pelo abuso ou exagero das

convenções artísticas. Somente no final do século XVIII, quando a arte barroca dava seus

últimos suspiros nas terras do além-mar, foi que o termo Barroco começou a ser aplicado

aquele movimento artístico.

Quanto à Enciclopédia, não acolheu o termo em sua primeira edição. Foi somente no suplemento de 1776 que ela o incorporou e para aplicá-lo à música. A breve definição está assinada S, ou seja, de Jean-Jacques Rousseau: ‘Barroco, em música: uma música barroca é aquela de harmonia confusa, sobrecarregada de modulações e dissonâncias, a entonação difícil e o movimento afetado’. (TAPIÉ, 1983, p. 4)

A partir de então, o termo Barroco só se expandiu. Sua aplicação nas áreas social,

política, econômica, cultural, mental e imaginária, fez com que o termo se tornasse um

verdadeiro coringa nos estudos de História Moderna. Por isso mesmo, sem perder de vista a

aplicabilidade do termo para essas áreas, procurei alertar o leitor para o riscos de uma

expansão desmedida do vocábulo. As escolhas feitas durante a pesquisa buscam focar a

compreensão do Barroco como cultura, não só porque este me pareceu o viés mais adequado,

Page 177: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

158

mas também porque se tratava da área de concentração Cultura Histórica do Programa de

Pós-graduação em História ao qual a pesquisa se encontrava vinculada.

Mas o que seria uma cultura histórica barroca? Arriscar responder a essa pergunta seria

adentrar em um novo campo de pesquisa e obliterar meu objeto de estudo vista a

complexidade da resposta. Seria necessário o triplo de páginas para que pudéssemos ter uma

boa visão do que seria a cultura histórica barroca. Contudo, não pude abster-me de pensar no

problema.

A solução adotada foi centrar o foco da pesquisa em apenas um aspecto dessa cultura.

Dessa forma tangenciei todas aquelas discussões que interessam ao tema, sem perder de vista

o objeto principal da análise: a Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Não era qualquer barroco,

mas o barroco religioso luso-brasileiro que estava em pauta. Não era qualquer monumento,

mas uma igreja pertencente à Ordem Carmelita Calçada da Reforma de Turon, construída

dentro da Cidade da Paraíba colonial na segunda metade do século XVIII. Trata-se, enfim, de

um trabalho sobre a cultura histórica barroca religiosa carmelita da Igreja de Nossa Senhora

do Carmo na Cidade da Paraíba colonial.

A alegoria se mostrou como o caminho mais adequado para compreender a cultura

histórica dentro das obras de arte da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. O motivo pelo qual

escolhi falar de alegorias e não de simbologias é que a utilização do conceito de símbolo

criaria um anacronismo na narrativa histórica, já que a arte barroca pensa o elemento como

alegórico. No Barroco, o objetivo da alegoria é ser uma espécie de linguagem que, ao

contrário do símbolo que necessita de códigos culturais para ser compreendido, se coloca

como uma escrita universal capaz de ser absorvida por qualquer um. Desconsiderar tal

característica seria desfigurar o objeto de estudo e perder de vista o fio que conduz as imagens

dentro da Igreja de Nossa Senhora do Carmo.

Mas como realizar uma análise alegórica? A resposta veio pelas palavras de Erwin

Panofsky em seu livro Significado das artes virtuais. Precedida pelas análises pré-

iconográfica e iconográfica, a análise iconológica busca entender os significados intrínsecos

da obra conectando-os com o contexto sócio-cultural. Apesar de a iconologia necessitar das

análises iconográficas, isso não significa que haja uma hierarquia de dificuldade entre as

etapas. Por vezes, neste trabalho, a análise iconográfica se mostrou bem mais laboriosa do que

a iconológica.

Para compreender os significados iconológicos das imagens foi necessário discorrer

sobre três contextos históricos que são o eixo da análise da cultura histórica das alegorias da

Igreja de Nossa Senhora do Carmo: o papel da arte barroca dentro da Igreja Católica pós

Page 178: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

159

Concílio de Trento; a Ordem Carmelita, sua fundação, suas reformas e seu projeto

missionário; e o contexto histórico da Capitania da Paraíba no século XVIII. Além da

bibliografia disponível, busquei, sempre que me foi possível, recorrer à documentação de

época para melhor esboçar os contextos analisados.

Por meio do contexto histórico local foi possível compreender a construção de uma

Igreja tão suntuosa—seus altares esculpidos em pedra calcária eram todos cobertos por

ouro—em um período em que a atividade econômica por excelência da zona litorânea da

Capitania da Paraíba, a produção de açúcar, encontrava-se em crise. E é nesse contexto que

entra em cena a Ordem Terceira Carmelita como financiadora da construção da Igreja de

Nossa Senhora do Carmo.

É urgente, dentro da historiografia paraibana, um estudo consistente sobre a presença

das Ordens Terceiras na Cidade da Paraíba colonial. Elas são pontos cruciais para

compreender a sociedade e a economia da capitania a partir do século XVIII. As poucas

informações disponíveis sobre a Ordem Terceira Carmelita na Paraíba provém de fontes

secundárias. As fontes primárias, fundamentais para um estudo desse porte, se encontram no

convento carmelita da cidade do Recife.

Apesar dessa lacuna, é possível averiguar alguns dados sobre a Ordem Terceira

Carmelita na Paraíba: 1) ela era constituída por pessoas abastadas, basta lembrar que a

inscrição funerária mais antiga—hoje desaparecida—dentro da Igreja da Ordem Terceira de

Santa Teresa de Jesus é a de Jerônimo José de Melo e Castro, capitão-mor que governou a

capitania por trinta e três anos; 2) ser aceito, apesar do código de conduta a que se submetia o

membro, era uma honraria e um privilégio, que permitia a adesão a novos círculos sociais,

garantindo um maior acesso a cargos e privilégios; 3) a participação dos terceiros na

reconstrução da Igreja de Nossa Senhora do Carmo foi efetiva, não só como contrapartida

pelos frades carmelitas terem doado o terreno ao lado para construção da Igreja da Ordem

Terceira, mas também porque contribuir financeiramente para a Igreja era uma forma de

exaltação da fé católica que, em consequência, permitia a manutenção de um determinado

status social.

As razões que levaram à construção de uma igreja tão suntuosa não são apenas de

ordem econômica ou social. Estou falando de uma sociedade em que a religião católica é uma

exigência e não uma escolha. A vida religiosa ultrapassa os muros dos templos e adentra no

cotidiano das pessoas, seja por meio das procissões, ou por meio de oratórios localizados

dentro das residências, inclusive nas mais humildes. Este forte caráter religioso da sociedade

colonial brasileira, cujos laços com o profano são extremamente estreitos, justificam o

Page 179: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

160

investimento em obras religiosas de grande porte. Nos períodos de calamidades ou

dificuldades econômicas, este sentimento religioso se acentua, e as pessoas passam a buscar

na intervenção divina a solução para os seus problemas, o que é feito através de promessas e

da entrega de donativos à Igreja. Como afirma Tapié (1983, p.32), “É indubitável que essa

insegurança geral [no caso, ele refere-se a Europa Barroca] predispunha as almas a solicitar a

intercessão das forças espirituais”.

Todo este esforço de pagar promessas, por vezes extremamente penosas e dolorosas

fisicamente, ou de doar em vida ou em testamento, certa quantidade de dinheiro para a Igreja,

tem como objetivo final alcançar a salvação pós-morte. Todavia, ao pensar mais a fundo sobre

tais atitudes é possível compreender que, mesmo implicitamente, o que se busca é

corresponder a um modelo de conduta, e será esse modo de vida que conduzirá o cristão à

salvação.

O escapulário-bentinho carmelita é um bom exemplo deste contexto. Ele teria sido

entregue por Nossa Senhora a São Simão Stock prometendo que aquele que o usasse no

momento de sua morte seria salvo do fogo eterno pela Virgem em pessoa. Contudo, o

escapulário só podia ser dado a uma pessoa cujas ações e modo de vida condissessem com os

princípios cristãos e carmelitas. Por questões até mesmo políticas, a idéia que se fixa é que o

escapulário salvaria qualquer um que o usasse na hora da morte, contudo no contexto original

é necessário merecê-lo. Fica a pergunta: o próprio merecimento do escapulário em vida já não

seria motivo suficiente para salvar a alma?

É difícil tentar entender o impacto que essas imagens possuíram dentro da mente dos

frequentadores da igreja. O homem contemporâneo se acha tão imerso num mundo de

reprodutibilidade de imagens e sons que dificilmente se deixará arrebatar pelas alegorias da

igreja. Com o tempo, ele deixa de perceber os pormenores das imagens que o bombardeiam

no dia-a-dia, ignorando as sutilezas que as compõem, e o que parece aparentemente banal e

normal, pode acabar por desprovê-lo de uma opinião própria. Entretanto, estou falando de

uma sociedade cuja cultura imagética se encontrava restrita a poucos espaços, o que as

tornava únicas e raras. Observar uma obra de arte de tamanha grandeza talvez fosse o único

contato que muitas pessoas tinham com uma cultura iconográfica. Tais considerações me

levam a afirmar que o impacto que um painel de azulejos tinha no século XVIII é

completamente diferente da mesma azulejaria no século XXI.

Então, o homem do Setecentos compreendia melhor as alegorias da Igreja de Nossa

Senhora do Carmo do que o homem contemporâneo? Difícil responder com os dados que

dispomos atualmente. A alegoria chegou a ser essa linguagem universal a que tanto almejava?

Page 180: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

161

Talvez sim, talvez não. A única coisa que me foi possível averiguar é que se ela um dia

conseguiu ser absoluta, a contemporaneidade tratou de destroná-la. A cultura ocidental

banalizou a imagem a tal ponto que interpretá-la tornou-se papel de críticos e estudiosos. A

sociedade contemporânea tira a imortalidade da alegoria tornando sua interpretação

dependente da compreensão dos códigos culturais do contexto histórico em que ela foi

formulada. E assim pode-se afirmar que a alegoria, como linguagem eterna e universal, foi

derrotada sem antes mesmo saber se foi vitoriosa.

Vale lembrar que a leitura da alegoria não se faz por meio de palavras ou de qualquer

outra manifestação cultural humana, mas sim por meio do sentimento. Seu intuito vai além de

servir de representação iconográfica da cultura carmelita; a alegoria transforma essa cultura

em um sentimento que busca arrebatar o cristão. Daí a importância de Santa Teresa de Jesus e

sua doutrina dentro da Igreja dos carmelitas da Reforma Turônica na Cidade da Paraíba

colonial: mais do que explicar em palavras o poder que o amor de Cristo tem, é necessário

senti-lo. O êxtase coloca-se como o clímax da alegoria. A cultura carmelita, com sua história

repleta de modelos de condutas, entra nessa profusão de imagens no intuito de arrebatar o

cristão e conduzi-lo a um outro plano: o de aconchego ao lado divino, sob os auspícios de

Nossa Senhora do Carmo.

O arrebatamento é a vitória da alegoria cristã. Ele é o ápice do que foi chamado de

introjeção de uma conduta católica. Um caminho de aprendizado que se desvia um pouco do

campo racional e age sobre o emocional, no intuito de que o espírito do homem incorpore um

modelo de conduta que se acha imerso dentro da doutrina católica. As alegorias, portanto,

podem ser vistas como ferramentas doutrinárias que acreditam na introjeção como a melhor

forma de absorção de um conhecimento. Baseando-se nessa idéia é que surge a vinculação

deste trabalho com a linha de pesquisa Ensino de História e Saberes Históricos do PPGH-

UFPB.

A análise mais surpreendente no estudo das alegorias da Igreja de Nossa Senhora do

Carmo foi algo completamente inesperado para o autor. Um dado que não se achava na

documentação e que surgiu lentamente, à medida que as imagens eram analisadas, e tomou

fôlego a tal ponto que não falar nesse assunto constituiria uma grave lacuna no trabalho: toda

a força espiritual daquele templo se concentra no feminino. Santa Teresa oferece, por meio de

sua doutrina e oração mental, o caminho, enquanto Nossa Senhora do Carmo proporciona a

salvação. As alegorias femininas se repetem incessantemente na igreja e, dentro de uma

instituição constantemente acusada de misoginia, o feminino é apontado como o caminho

perfeito para a glorificação do divino e remissão da alma.

Page 181: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

162

Antes de escrever o último parágrafo, quero deixar registrada uma imagem que me veio

à lembrança ao término do quarto capítulo—um seriado marcante na década de 1990 que

iniciava todo episódio com uma frase: “A verdade está lá fora”. Contava a história de dois

agentes do FBI que procuravam desvendar casos misteriosos de fenômenos cientificamente

inexplicáveis. O seriado chamava-se Arquivo X e os respectivos policiais nunca conseguiam

chegar à verdade, ela estava sempre lá fora, mas nunca com eles. Ao término desta dissertação

lembrei-me dos dois policiais vestidos com sobretudos e abri um pequeno sorriso. Percebi que

a frustração dos agentes era inútil. Como o próprio programa sugeria: os agentes nunca

deteriam a verdade. O historiador deve investigar, procurar, analisar, esmiuçar os arquivos e

as imagens, e utilizar todas as ferramentas que o ofício lhe dispõe para se aproximar dos fatos.

No entanto, deve sempre preservar a consciência—e a humildade—de perceber que pode

chegar muito próximo à verdade, mas nunca conseguirá tocá-la, muito menos trazê-la para

dentro. O historiador observa o passado enquadrado numa janela de vidro, o que o torna

impossível de ser tocado.

E assim volto à estrada de tijolos amarelos, com Dorothy e seus três amigos: o

espantalho sem cérebro, o homem-de-lata sem coração, e o leão sem coragem. Todos

esperavam conseguir algo do Mágico de Oz, mas ao fim da jornada, descobrem que o mágico

não passava de uma ilusão. Todavia, de uma forma inesperada conseguem o que queriam: o

espantalho provou-se astuto e inteligente, o homem-de-lata foi tomado das mais diversas

emoções, o leão enfrentou os desafios que lhe foram colocados, e a pequena Dorothy

descobriu não só o caminho de casa, mas a felicidade que há naquele lugar a que chamamos

lar. No fim das contas o que fez a diferença foi o percurso até à cidade de Esmeralda, não o

destino propriamente dito ou o encontro com o mágico fajuto. A trilha de tijolos amarelos

perseguida por este pequeno relato de uma cultura histórica, levou o trabalho a um desfecho

com um enredo diferente do esperado inicialmente. Não obstante, o caminho por ele

perseguido fez com que seu objetivo maior fosse alcançado: o de lançar um novo olhar sobre

a cultura histórica carmelita presente nas alegorias da Igreja de Nossa Senhora do Carmo na

Cidade da Paraíba colonial.

***

Page 182: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

163

7. REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Marcos Cavalcanti de. Hagiografia carmelitana: espiritualidade. João Pessoa: A União, 2001.

ALMEIDA, Horácio de. História da Paraíba. Tomo I. João Pessoa: Imprensa Universitária, 1966.

ANCILLI, Herman. Mary Magdalene de Pazzi (1566-1607). Disponível em: <http://carmelnet.org/>. Acesso em: 20 nov. 2008.

ANGELUS. Disponível em: <http://carmelnet.org/galleries/Saints/Saints_1/Angelus/angelus.htm>. Acesso em: 26 abr. 2008.

ARGAN, Giulio Carlo; FAGIOLO, Maurizio. Guia de História da arte. 2. ed. Trad. M. F. Gonçalves de Azevedo. Lisboa: Editorial Estampa, 1994 [1992].

ARGAN, Giulio Carlo. Imagem e persuasão: ensaios sobre o barroco. Trad. Maurício Santana Dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. [1986].

ÁVILA, Affonso. O lúdico e as projeções do mundo Barroco. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1980.

BASTIDE, Roger. Variações sobre a porta Barroca. Novos Estudos, São Paulo, CEBRAP, n. 75, jul. 2006, p. 129-137.

BAZIN, Germain. História da Arte: da pré-história aos nossos dias. Trad. Fernando Pernes. São Paulo: Martins Fontes, 1980. [1953].

______. A arquitetura religiosa barroca no Brasil. Trad. Glória Lúcia Nunes Rio de Janeiro: Record, 1983. 2v. [1956].

BECKER, Udo. Dicionário de símbolos. Trad. Edwing Royer. São Paulo: Paulus, 1999 [1992].

BELLINI, Ligia. Cultura religiosa e heresia em Portugal no Antigo Regime: notas para interpretação do Molinolismo. Estudos Ibero-americanos, Porto Alegre, PUCRS, v. 32, n. 2, dez. 2006, p.187-203.

BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1984. [1925].

______. Alegoria e drama barroco. In: BOLLE, Willi (org.). Documentos de cultura, documentos de barbárie. São Paulo: Edusp; Cultrix, 1986.

______. Sobre o conceito da História. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 222-232 (Obras Escolhidas, v. 1.).

BERTHOLD, Margot. História mundial do teatro. Trad. Maria Paula V. Zurawski et al. São Paulo: Perspectiva, 2001.

BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália - séculos XV-XIX. Trad. Francisco Bethencourt. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Trad. André Telles. São Paulo: Jorge Zahar, 2001.

BORGES, Célia Maia. A representação Iconográfica de Santa Teresa: mística e plástica na Península Ibérica na época barroca. In: Congresso Internacional do Barroco Íbero-Americano, IV, 2006, Ouro Preto - MG. Atas do IV Congresso Internacional do Barroco Íbero-Americano. Belo Horizonte: C/Arte, 2008, p. 379-389. CD-ROM.

BORRIELLO, L. et al. (dir.). Dicionário de Mística. Trad. Benoni Lemos et al. São Paulo: Paulus, 2003.

BOXER, Charles R. O império marítimo português 1415-1825. Trad. Anna Olga de Barros Barreto. São Paulo: Companhia das Letras, 2002 [1969].

______. A igreja militante e a expansão ibérica: 1440-1770. Trad. Vera Maria Pereira. São Paulo: Companhia das Letras, 2007 [1978].

BRAUDEL, Fernand. O modelo italiano. Trad. Franklin de Mattos. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. [1989].

Page 183: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

164

BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia. 29 ed. Trad. David Jardim. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.

BURITY, Glauce Maria Navarro. A presença dos franciscanos na Paraíba através do Convento de Santo Antônio. Rio de Janeiro: Bloch, 1988.

BURKE, Peter. Testemunha ocular: História e imagem. Trad. Vera Maria Xavier dos Santos. Bauru: EDUSC, 2004 [2001].

BURY, John. Arquitetura e arte no Brasil colonial. Brasília: IPHAN/MONUMENTA, 2006.

CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

CARVALHO, Juliano Loureiro de. Pré-inventário dos engenhos da várzea do Rio Paraíba. 80 p. Monografia (Graduação em Arquitetura e Urbanismo) – Centro de Tecnologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2005.

CASHMAN, John. Feats of Saint Gerard. Disponível em: <http://www.ctocds.com/saints/gerard.htm>. Acesso em: 12 out. 2008. [1896].

_____. Feast of Saint Serapion. Disponível em: <http://www.ctocds.com/saints/serapion.htm>. Acesso em: 12 out. 2008. [1896].

CASTELNAU-L’ESTOILE, Charlotte de. Operários de uma vinha estéril. Trad. Ilka Stern Cohen. Bauru: EDUSC, 2006.

CAVALCANTI FILHO, Ivan. Remembering the dead in the early modern Brazil. In: Simpósio Internacional de estudos sobre América Colonial, IV, 2008, Belo Horizonte. Anais do IV Simpósio Internacional de estudos sobre América Colonial. Belo Horizonte: UFMG, 2008. CD-ROM.

CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1992.

CIRLOT, Juan Eduardo. Dicionário de símbolos. Trad. Rubens Eduardo Ferreira Frias. São Paulo: Moraes, 1984.

CONCÍLIO de Trento. Decreto sobre a invocação, a veneração e as relíquias dos santos e sobre as imagens sagradas. In: LICHTENSTEIN, Jacqueline (dir.). A pintura: textos essenciais - v. 2: a teologia da imagem e o estatuto da pintura. Trad. Magnólia Costa. São Paulo: Editora 34, 2004, p. 65-69.

CONTI, Flavio. Como reconhecer a arte barroca. Trad. Carmen de Carvalho. Portugal: Edições 70, 2005 [1978].

______. Como reconhecer a arte rococó. Trad. Carmen de Carvalho. Portugal: Edições 70, 2005 [1978].

CORTESÃO, Jaime. História da expansão portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1993.

COSTA, F. A. Pereira da. A ordem carmelitana em Pernambuco. Recife: Arquivo Público Estadual, 1976.

COSTA, Paulo Eduardo da Silva. Do sensível ao inteligível: o Auto de São Lourenço. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2007. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=93820>. Acesso em 01 fev. 2008.

DAY, Gail. Between deconstruction and dialectics. Oxford Art Journal, n. 22, 1999, p. 103-118.

DELUMEAU, Jean. Nascimento e afirmação da Reforma. Trad. João Pedro Mendes. São Paulo: Livraria Pioneira, 1989.

DONINI, Ambrogio. História do cristianismo (das origens a Justiniano). Trad. Maria Manuela T. Galhardo. Lisboa: Edições 70, 1988.

D’ORS, Eugenio. O Barroco. Trad. Luiz Alves da Costa. Lisboa: Vega, 1990 [1935].

EISENBERG, José. As missões jesuítas e o pensamento político moderno: encontros culturais, aventuras teóricas. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2000.

ELIADE, Mircea. Imagens e símbolos: ensaios sobre o simbolismo mágico-religioso. Trad. Sônia Cristina Tamer. São Paulo: Martins Fontes, 1991 [1952].

______. Mefistófeles e o Andrógino. Trad. Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

Page 184: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

165

______. Tratado de História das religiões. 2. ed. Trad. Fernando Thomaz e Natália Nunes. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

FEBVRE, Lucien. A Europa: gênese de uma civilização. Trad. Ilka Stern Cohen. Bauru: EDUSC, 2004.

FEHRENBACH, Frank. Bernini’s light. Art History, Oxford, v. 28, n. 1, fev. 2005, p. 1-42.

FERNANDES, Irene Rodrigues da Silva. Capitania real da Paraíba: Bases históricas de sua formação econômica (1574-1799). João Pessoa: NDIHR-UFPB, 1991 [Textos NDIHR-UFPB, n. 25.].

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

FRANÇA, Eduardo D’Oliveira. Portugal na época da restauração. São Paulo: Hucitec, 1997.

GAGNEBIN, Jeanne Marie. Walter Benjamin: os cacos da História. Trad. Sônia Salzstein. São Paulo: Brasiliense, 1982.

GARIB, Georges. Os ícones de Cristo: História e culto. Trad. Pe. José Raimundo Vidigal. São Paulo: Paulus, 1997.

GEMTCHÚJNICOV, Irina Delanova de. Manual de taxonomia vegetal: plantas de interesse econômico. São Paulo: Agronômica Ceres, 1976.

GILLET, Louis. El arte religioso de los siglos XIII al XVII: Historia artística de las órdenes medicantes. Buenos Aires: Argos, 1947.

GOMBRICH, E. H. How to read a painting. Saturday Evening Post, Indianapolis, n. 240, 29 jul. 1971, p. 20-21/64-65.

______. A História da arte. 16. ed. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 1999 [1950].

GONÇALVES, Padre Antonio. Compendio das Chronicas da Ordé de Nossa Senhora do Carmo. [S.l.: s.n.], 1571. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fl.ul.pt/ULFL037727/ULFL037727_item1/>. Acesso em: 12 out. 2008.

GONÇALVES, Regina Célia. Guerras e açúcares: Economia e sociedade na Capitania da Parahyba. Bauru: EDUSC, 2007.

HANSEN, João Adolfo. Notas sobre o “Barroco”. Revista do IFAC, Ouro Preto, Instituto de Filosofia Artes e Cultura da Universidade Federal de Ouro Preto, n. 4, dez. 1997, p. 11-20.

______. Alegoria: construção e interpretação da metáfora. Campinas: Editora da UNICAMP, 2006.

HAUSER, Arnold. História social da Arte e da Literatura. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1953].

HEINZ-MOHR, Gerd. Dicionário dos símbolos: imagens e sinais da arte cristã. Tradução de João Rezende da Costa. São Paulo: Paulus, 1994 [1988].

HERCKMANS, Elias. Descrição Geral da Capitania da Paraíba. João Pessoa: A União, 1982 [1639].

HOMERO. Odisséia. Tradução de Carlos Alberto Nunes. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.

HOORNAERT, Eduardo et al. História da Igreja no Brasil: Primeira Época. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1992. Tomo II/1.

JACQUES, Roland. De Castro Marim à Faïfo: naissance et développment du padroado portugais d’Orient des origines à 1659. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999.

JESUS, Santa Teresa de. Livro da vida. 10 ed. Trad. Maria José de Jesus. São Paulo: Paulus, 2007.

______. Castelo interior ou moradas. 14 ed. Trad. Carmelitas descalças do convento de Santa Teresa. São Paulo: Paulus, 2008.

KNIGHT, Kevin (Ed.). Catholic Encyclopedia. [S.l.: s.n.], 1907. Disponível em: <http://www.newadvent.org>. Acesso em: 26 abr. 2008.

KITSON, Peter. O mundo da arte: o Barroco. 7. ed. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1979 [1966].

KOCH, Wilfried. Dicionário dos estilos arquitetônicos. 2. ed. Trad. Neide Luzia de Rezende. São Paulo: Martins Fontes, 1998 [1985].

Page 185: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

166

LAMBERT, Gilles. Caravaggio 1517-1610. Trad. Zita Morais. Lisboa: Paisagem, 2006.

LEVY, Hannah. A propósito de três teorias sobre o Barroco. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, v. 5, p. 25 9-284, 1941.

______. Modelos europeus na pintura colonial. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, v. 8, p. 7-66, 1944.

LIMA, Luís Filipe; VALLE, Ricardo. Introdução. In: BARCA, Calderón de la. A vida é sonho. Trad. Renata Pallottini. São Paulo: Hedra, 2008.

LINS, Guilherme Gomes da Silveira D’Avila. Uma apreciação crítica do período colonial na “História da Paraíba lutas e resistências”. João Pessoa: Felipéia, 2006.

LOPES, Fátima Martins. Em nome da liberdade: as vilas de índios do Rio Grande do Norte sob o diretório pombalino no século XVIII. 365 p. Tese (Doutorado em História do Norte-Nordeste). Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2005.

LORÊDO, Wanda Martins. Iconografia religiosa: dicionário prático de identificação. Rio de Janeiro: Pluri, 2002.

LURKER, Manfred. Dicionário de figuras e símbolos bíblicos. 2. ed. Trad. João Rezende da Costa. São Paulo: Paulus, 2006. [1987].

MACHADO, Francisco de Ambrosis Pinheiro. Imanência e História: a crítica do conhecimento em Walter Benjamin. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.

MACHADO, Maximiano Lopes. Historia da Província da Parahyba. João Pessoa: Imprensa Official Parahyba, 1912.

MAINSTONE, Madeleine & MAINSTONE, Rowland. O barroco e o século XVII. Rio de Janeiro: Zahar, 1984.

MANGUEL, Alberto. Lendo imagens. Trad. Rubens Figuereido; Rosaura Eichemberg e Cláudia Strauch. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

MARAVALL, José Antonio. La cultura del Barroco: análisis de uma estructura histórica. Barcelona: Ariel, 1975.

MELLO, Evaldo Cabral de. A fronda dos mazombos: nobres contra mascates, Pernambuco, 1666-1715. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2003.

MELLO, Magno Moraes. A pintura de tectos em perspectiva no Portugal de D. João V. Lisboa: Estampa, 1998.

MELLO, Virgínia Pernambucano; ALBUQUERQUE, Marcos Cavalcanti de; SILVA, Rita de Cássia Alves Ramalho. História da Ordem Terceira do Carmo da Paraíba. João Pessoa: A União Editora, 2005.

MENASHE, Louis. Historians define the barroque: notes on a problem of art and social history. Comparatives studies in society and history, v. 7, n. 3, abr. 1965, p. 333-342. Disponível em: <http://www.jstor.org/>. Acesso em: 12 mar. 2006.

MENEZES, Mozart Vergetti de. Colonialismo em ação: Fiscalismo, Economia e Sociedade na Capitania da Paraíba (1647-1755). 2005. 299 p. Tese (Doutorado em História Econômica). Programa de Pós-Graduação em História, Universidade de São Paulo.

MENEZES, Mozart Vergetti de; OLIVEIRA, Elza Régis de; LIMA, Vitória Barbosa (orgs). Catálogo dos documentos manuscritos referentes à capitania da Paraíba, existentes no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2002.

MIRANDA, Maria do Carmo Tavares de. Os franciscanos e a formação do Brasil. Recife: UFPE, 1969.

MORIONES, Idelfonso. O Carmelo Teresiano: páginas de sua História. Trad. Vitória. Disponível em: <http://www.ocd.pcn.net/hp_1.htm#1>. Acesso em: 29 dez. 2007.

MOURA FILHA, Maria Berthilde de Barros Lima e. De Filipéia à Paraíba: uma cidade na estratégia de colonização do Brasil (séculos XVI-XVIII). 464 p. Tese (Doutorado em História da Arte). Programa de Pós-Graduação em Artes, Universidade do Porto, Portugal, 2005.

OLIVEIRA, Bernardina Maria Juvenal Freire de. Conversa sobre normalização de textos acadêmicos. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2007.

Page 186: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

167

OLIVEIRA, Carla Mary S. O Barroco na Paraíba: arte, religião e conquista. João Pessoa: Editora Universitária - UFPB/ IESP, 2003.

______. Construindo teorias sobre o Barroco. Saeculum, João Pessoa, DH/PPGH/UFPB, n. 13, jul./dez. 2005, p.159-162.

OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O Rococó religioso no Brasil e seus antecedentes europeus. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

PALACIN, Luís. Vieira e a visão trágica do Barroco. São Paulo: Hucitec, 1986.

PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1991 [1955].

______. Idea: a evolução do conceito do belo. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

PATRÍCIO SCIADINI, Frei. O carmelo: História e espiritualidade. São Roque: Edições Carmelitanas, 1993.

PINTO, Irineu Ferreira. Datas e notas para a História da Paraíba. V. 1 João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 1977 [1908].

PIO, Fernando. O convento do Carmo de Goiana e a Reforma Turônica no Brasil. Recife: Imprensa Universitária, 1970.

PRAT, Frei André Maria. O convento, a igreja e a História dos religiosos carmelitas da Bahia. Salvador: Escola Gráfica Nossa Senhora de Loreto, 1964.

______. Notas Históricas sobre as missões carmelitanas no extremo norte do Brasil. Mossoró: Fundação Vingt-Un Rosado, 2003.

RAMINELLI, Ronald. Império da fé: ensaio sobre os portugueses no Congo, Brasil e Japão. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVEIA, Manolo Florentino (orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 225-247.

RÉAU, Louis. Iconografia da arte cristã. In: LICHTENSTEIN, Jacqueline (dir.). A pintura: textos essenciais - vol. 8: descrição e interpretação. Trad. Magnólia Costa. São Paulo: Editora 34, 2005, p. 66-82.

REIS, Nestor Goulart. Imagens de vilas e cidades do Brasil colonial. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial do estado de São Paulo, 2001.

ROCHLITZ, Rainer. O desencantamento da arte: a filosofia de Walter Benjamin. Trad. Maria Elena Ortiz Assumpção. Bauru: EDUSC, 2003 [1992].

ROUANET, Sérgio Paulo. Apresentação. In: BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 11-47.

SALA, Dalton. Ensaios sobre arte colonial luso-brasileira. São Paulo: Landy, 2002.

SALLES, Fritz Teixeira de. Associações religiosas no ciclo do ouro: introdução ao estudo do comportamento social das irmandades de Minas no séc. XVIII. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, 2007.

SCHLESINGER, Hugo; PORTO, Humberto. Dicionário enciclopédico das religiões. Petrópolis: Vozes, 1995.

SCIADINI, Frei Patrício. O Carmelo: História e espiritualidade. São Roque: Edições Carmelitanas, 1993.

SEBASTIAN, Santiago. Contrarreforma y Barroco. Madrid: Alianza Forma, 1989.

SGARBOSSA, Mario; GIOVANNINI, Luigi. Um santo para cada dia. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 1983.

SILVA, Liliane F. Mariano da; VIANA NETO, Joaquim; SILVA, Ariadne Moraes (orgs). Paisagens urbanas: olhares sobre a imagem urbana. Salvador: UNIFACS, 2008.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia. São Paulo: UNESP, 2005.

SILVA, Regina Helena Dutra Rodrigues Ferreira da. Wölfflin: estrutura e forma na visualidade artística. In: WÖLFFLIN, Heinrich. Renascença e Barroco. Trad. Mary Amazonas Leite de Barros e Antonio Steffen. São Paulo: Perspectiva, 1989.

SIMÕES, João Miguel dos Santos. Azulejaria no Brasil. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, v. 14, p. 9-18, 1959.

______. Azulejaria portuguesa no Brasil (1500-1822). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1965.

Page 187: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

168

______. Convento de Nossa Senhora das Neves, Olinda [Material Gráfico]. 1960-1970. 9 provas fotográficas: p & b; 18 X 24 cm. Cotas CFT009.3275-3281. Acervo Digital da Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. Disponível em: <http://baimages.gulbenkian.pt/images/winlibimg.exe? key=&doc=172111&img=18140>. Acesso em: 20 dez. 2008.

SLADE, Carole. St. Teresa of Ávila: author of a heroic life. Berkeley: University of California Press, 1995. Disponível em: <http://ark.cdlib.org/ark:/13030/ft5b69p02d/>. Acesso em: 30 jun. 2007.

STIERNON, Daniel. Peter Thomas (ab. 1305-1366). Disponível em: <http://carmelnet.org/>. Acesso em: 20 nov. 2008.

STRAUSZ, Rosa Amanda. Teresa, a santa apaixonada. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.

STRONG, Donald E. O mundo da arte: antiguidade clássica. 7. ed. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1979 [1966].

SUMÁRIO das armadas que se fizeram e guerras que se deram na conquista do rio Parahyba. Escrito e feito por mandado do muito reverendo padre em Cristo o Padre Cristóvão de Gouveia, visitador da Companhia de Jesus de toda a província do Brasil. Disponível em: <http://cms-oliveira.sites.uol.com.br/sumario.html>. Acesso em: 29 abr. 2006.

TAPIÉ, Victor-Lucien. O Barroco. Trad. Armando Ribeiro Pinto. São Paulo: Cultrix, 1983.

TIRAPELLI, Percival. Arte colonial: barroco e rococó - do século 16 ao 18. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2006.

TARGINO, Ivonilde Maria Mendonça. Uma experiência de educação patrimonial na cidade de João Pessoa: o processo de elaboração das “Cartilhas do Patrimônio” pelo IPHAEP (1980-2003). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2007. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=93791. Acesso em: 01 fev. 2008.

VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário no Brasil colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

VIEIRA, Pe. Antonio. Sermão de Santa Teresa e do santíssimo sacramento. Disponível em: <http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/livros_eletronicos/sermoes_vol_iii.pdf>. Acesso em: 01 abr. 2008.

______. Sermão de Santo Antônio. Disponível em: <http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/livros_eletronicos/ sermoesii_1.pdf>. Acesso em: 01 abr. 2008.

VIER, Frei Frederico (Coor.). Dicionário Enciclopédico da Bíblia. 3. ed. Trad. Frederico Stein. Petrópolis: Vozes, 1971.

WÖLFFLIN, Heinrich. Conceitos fundamentais da História da Arte: o problema da evolução dos estilos na arte mais recente. Trad. João Azenha Junior. São Paulo: Martins Fontes, 1984 [1915].

______. Renascença e Barroco. Trad. Mary Amazonas Leite de Barros e Antonio Steffen. São Paulo: Perspectiva, 1989 [1888].

7.1. REFERÊNCIAS BÍBLICAS:

1 REIS. In: BÍBLIA de Jerusalém. 4 reimp. São Paulo: Paulus, 2006. p. 468-506.

2 REIS. In: BÍBLIA de Jerusalém. 4 reimp. São Paulo: Paulus, 2006. p. 507-545.

2 CRÔNICAS. In: BÍBLIA de Jerusalém. 4 reimp. São Paulo: Paulus, 2006. p. 586-627.

APOCALIPSE. In: BÍBLIA de Jerusalém. 4 reimp. São Paulo: Paulus, 2006. p. 2142-2168.

ATOS DOS APÓSTOLOS. In: BÍBLIA de Jerusalém. 4 reimp. São Paulo: Paulus, 2006. p.1900-1953.

ESTER. In: BÍBLIA de Jerusalém. 4 reimp. São Paulo: Paulus, 2006. p. 701-715.

ÊXODO. In: BÍBLIA de Jerusalém. 4 reimp. São Paulo: Paulus, 2006. p. 103-161.

GENESIS. In: BÍBLIA de Jerusalém. 4 reimp. São Paulo: Paulus, 2006. p. 33-102.

ISAÍAS. In: BÍBLIA de Jerusalém. 4 reimp. São Paulo: Paulus, 2006. p.1254-1361.

Page 188: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

169

JÓ. In: BÍBLIA de Jerusalém. 4 reimp. São Paulo: Paulus, 2006. p.1254-1361.

JOÃO. In: BÍBLIA de Jerusalém. 4 reimp. São Paulo: Paulus, 2006. p. 1842-1895.

JUÍZES. In: BÍBLIA de Jerusalém. 4 reimp. São Paulo: Paulus, 2006. p. 348-384.

LUCAS. In: BÍBLIA de Jerusalém. 4 reimp. São Paulo: Paulus, 2006. p. 1786-1834.

MATEUS. In: BÍBLIA de Jerusalém. 4 reimp. São Paulo: Paulus, 2006. 1703-1758.

NÚMEROS. In: BÍBLIA de Jerusalém. 4 reimp. São Paulo: Paulus, 2006. p. 202-256.

SALMOS. In: BÍBLIA de Jerusalém. 4 reimp. São Paulo: Paulus, 2006. p. 864-1019.

7.2. Fontes das Figuras

Figs. 1 a 2

Acervo Pessoal. Fotos tiradas em 20 nov. 2006. (Fotos de André Cabral).

Fig. 3

TIRAPELLI, Percival. Arte colonial: barroco e rococó - do século 16 ao 18. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2006, p.25. (Foto de Lew Parrela).

Fig. 4

Captado em: <http://thomasmiddleton.org/images/Judith_Beheading_Holofernes_Caravaggio.jpg>. Acesso em: 06 nov. 2008.

Figs. 5 a 6

Acervo Pessoal. Fotos tiradas em 20 jul. 2007. (Fotos de André Cabral).

Fig. 7

Captado em: < http://www.phil.uu.nl/staff/rob/2005/hum243/velazquez-las-meninas.jpg>. Acesso em: 20 mar. 2008.

Fig. 8

KITSON, Peter. O mundo da arte: o Barroco. Trad. Álvaro Cabral. 7. ed. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1979, p. 125. [1966].

Fig. 9

Acervo Oficina Escola de João Pessoa. Foto tirada em: 01 nov. 2008. (Foto de Camila Henrique). As fotos do painel da Nave, que passaram pelo processo de higienização e remoção do verniz oxidado, serviço executado pela Oficina-Escola de João Pessoa, com supervisão da instrutora de Bens Móveis e Integrados, Piedade Farias/Restauradora e Conservadora, com recursos da Igreja de Nossa Senhora do Carmo.

Figs. 10 a 16

Acervo Pessoal. Fotos tiradas em 25 jul. 2008. (Fotos de Marcelo Coutinho e Mariah Benaglia).

Fig. 17

Acervo Pessoal. Foto tirada em 20 nov. 2006. (Foto de André Cabral).

Fig. 18

Acervo Pessoal. Fotos tiradas em 25 jul. 2008. (Foto de Marcelo Coutinho e Mariah Benaglia).

Fig. 19

Acervo Pessoal. Fotos tiradas em 20 nov. 2006. (Foto de André Cabral).

Figs. 20 a 34

Acervo Pessoal. Fotos tiradas em 25 jul. 2008. (Fotos de Marcelo Coutinho e Mariah Benaglia).

Figs. 35 a 39

Acervo Pessoal. Fotos tiradas em 20 nov. 2006. (Fotos de André Cabral).

Page 189: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

170

Figs. 40 a 46

Acervo Pessoal. Fotos tiradas em 25 jul. 2008. (Fotos de Marcelo Coutinho e Mariah Benaglia).

Fig. 47

Captado em: <http://ar.aichi-u.ac.jp/ptt/ptt.html>. Acesso em 28 dez. 2008.

Fig. 48

Captado em: <http://revistagloborural.globo.com/GloboRural/0,6993,EEC1334169-4529,00.html>. Acesso em: 28 dez. 2008.

Fig. 49

Captado em: <http://www.santosdaigrejacatolica.com/sao-simao-stock.html>. Acesso em 10 jul. /2008.

Figs. 50 a 63

Acervo Pessoal. Fotos tiradas em 25 jul. 2008. (Fotos de Marcelo Coutinho e Mariah Benaglia).

Fig. 64

Captado em: < http://www.sociedadecatolica.com.br/modules/smartsection/item.php?itemid=371>. Acesso em 10 dez. 2008.

Fig. 65

Captado em: <http://comsantateresa.org.br/website/index.php?option=com_content&task=view&id=12& Itemid=26>. Acesso em 10 dez. 2008.

Fig. 66 a 70

Acervo Pessoal. Fotos tiradas em 25 jul. 2008. (Fotos de Marcelo Coutinho e Mariah Benaglia).

Figs. 71

Acervo Pessoal. Foto tirada em 20 nov. 2006. (Foto de André Cabral).

Figs. 72 a 80

Acervo Pessoal. Foto tirada em 06 jan. 2009. (Foto de Mariah Benaglia).

Fig. 81

Captado em: < http://www.artnet.com/library/03/0304/T030499.asp>. Acesso em: 31 set. 2007.

Fig. 82

Captado em: <http://www.wikipedia.com>. Acesso em: 31 set. 2007.

Fig. 83

Captado em: < http://www.artnet.com/library/03/0304/T030499.asp>. Acesso em: 31 set. 2007.

Fig. 84

Captado em: <http://www.wikipedia.com>. Acesso em: 31 set. /2007.

Fig. 85

Captado em: <http://sol.sapo.pt/photos/josecarreiro/default.aspx>. Acesso em: 31 set. 2007.

Figs. 86

Acervo Pessoal. Foto tirada em 06 jan. 2009. (Foto de Mariah Benaglia).

Fig. 87 a 89

Acervo Pessoal. Fotos tiradas em 25 jul. 2008. (Fotos de Marcelo Coutinho e Mariah Benaglia).

Fig. 90

BECKER, Udo. Dicionário de símbolos. Trad. Edwing Royer. São Paulo: Paulus, 1999, p. 75. [1992].

Fig. 97 a 92

Acervo Pessoal. Fotos tiradas em 25 jul. 2008. (Fotos de Marcelo Coutinho e Mariah Benaglia).

Page 190: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

171

Fig. 93

Acervo Pessoal. Foto tirada em 20/11/2006. (Foto de André Cabral).

Fig. 94 e 97

Acervo Pessoal. Fotos tiradas em 06/1/2009. (Fotos de André Cabral).

7.3. Fontes Manuscritas do AHU – Série Paraíba:

1711, dezembro, 3, Paraíba CARTA do frei Vicente dos Remédios, ao rei [D. João V], pedindo protecção para os carmelitas observantes, por só contarem com três conventos no Brasil: Vila de Goiana, Olinda e Paraíba. AHU-Paraíba, cx. 4, doc. AHU_ACL_CU_014, Cx. 4, D. 327.

1712, maio, 27, Paraíba CARTA do capitão-mor da Paraíba, João da Maia da Gama, ao rei [D. João V], sobre os prejuízos com a seca de 1710 a 1712 e de como procedeu à arrematação do açúcar neste ano. AHU-Paraíba, cx. 4, doc. AHU_ACL_CU_014, Cx. 4, D. 329. 1712, julho, 22, Paraíba CARTA do [capitão-mor da Paraíba], João da Maia da Gama, ao rei [D. João V], sobre como se portaram os religiosos da reforma de Nossa Senhora do Monte do Carmo e os da observância quando do levante dos mascates. AHU-Paraíba, cx. 4, doc. AHU_ACL_CU_014, Cx. 4, D. 333. 1722, outubro, 12, Lisboa CONSULTA do Conselho Ultramarino, ao rei D. João V, sobre a carta do [capitão-mor da Paraíba], João de Abreu Castel Branco, acerca do comércio dos moradores da capitania e aumento da Fazenda Real, através do açúcar e escravos. Anexo: 1 doc. AHU-Paraíba, cx. 6, doc. AHU_ACL_CU_014, Cx. 5, D. 392. 1725, julho, 31, Paraíba CARTA do [provedor da Fazenda Real da Paraíba], Salvador Quaresma Dourado, ao rei [D. João V], sobre não poder enviar os três mil cruzados que deve em açúcar, por não ter ido ao porto da Paraíba nenhum navio, em virtude de não se ter feito açúcar nos engenhos, devido à seca. AHU-Paraíba, cx. 6 AHU_ACL_CU_014, Cx. 6, D. 481. 1729, outubro, 19, Paraíba CONSULTA do Conselho Ultramarino, ao rei D. João V, sobre a carta do capitão-mor da Paraíba, Francisco Pedro de Mendonça Gorjão, informando da cheia que houve na capitania, destruindo engenhos, matando gado e pessoas; e encaminhando o requerimento dos senhores de engenho e lavradores, em que solicitam para não serem executadas em suas fábricas as dívidas que possuem. Anexo: 3 docs. AHU_ACL_CU_014, Cx. 7, D. 606. [ant. 1732, outubro, 31, Paraíba] REQUERIMENTO de D. Isabel de Albuquerque, ao rei [D. João V], solicitando justiça para a agressão sofrida pelas suas filhas na igreja de Nossa Senhora do Carmo, por uma mulher de nome Maria Francisca. Anexo: 1 doc. AHU-Pernambuco, doc. 41 AHU_ACL_CU_014, Cx. 8, D. 680.

Page 191: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

172

1733, junho, 13, Paraíba CARTA do Prior do Carmo da Reforma, frei Filipe do Espírito Santo, ao rei [D. João V], solicitando esmola real de um toldo, um órgão e um sino grande para a igreja de Nossa Senhora do Carmo. Anexo: 5 docs. AHU-Paraíba, cx. 9 doc. 65 AHU_ACL_CU_014, Cx. 8, D. 702. 1744, outubro, 15, Paraíba CARTA dos oficiais da Câmara da Paraíba, ao rei [D. João V], sobre a péssima notícia da Paraíba ficar subordinada à capitania de Pernambuco e as implicações que poderão advir. AHU-Paraíba, mç. 8. AHU_ACL_CU_014, Cx. 13, D. 1084. 1756, maio, 19, Paraíba OFÍCIO dos oficiais da Câmara da Paraíba, ao [secretário de estado da Marinha e Ultramar], Diogo de Mendonça Corte Real, sobre a extinção do governo da capitania e sua sujeição a Pernambuco; e solicitando que interceda junto ao rei, para que a Paraíba não perca a sua autonomia. Anexo: 2 docs. AHU-Paraíba, cx. 12 AHU_ACL_CU_014, Cx. 19, D. 1494. 1756, maio, 19, Paraíba CARTA dos oficiais da Câmara da Paraíba, ao rei [D. José I], sobre os motivos pelos quais não deve a capitania da Paraíba ficar sujeita à de Pernambuco, inclusive por possuir renda própria. AHU-Paraíba. 40 AHU_ACL_CU_014, Cx. 19, D. 1495. 1781, setembro, 12, Paraíba CARTA do capelão, frei José de Santos Elias, à rainha [D. Maria I], solicitando ajuda para poder dar conta das dívidas que cresceram com a construção da igreja do Carmo. Anexo: 1 doc. AHU-Pernambuco AHU_ACL_CU_014, Cx. 27, D. 2095.

7.4. Fontes Manuscritas: AHU – Série Pernambuco:

1764, outubro, 14, Recife OFÍCIO (1ª via) do [governador da capitania de Pernambuco], conde de Vila Flor e copeiro-mor, [Antônio de Sousa Manoel de Meneses], ao [secretário de estado da Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado], sobre a execução das ordens referentes aos religiosos Carmelitas Calçados, chamados da Reforma Turonia, dando informações acerca das correspondências com religiosos estrangeiros, o número de conventos, os rendimentos, a licença obtida pela reforma turonia para poder existir, a licença de fundação dos conventos, e principalmente sobre as ordens que estes religiosos recebem do estrangeiro e não informam aos ministros no Reino. Anexos: 43 docs. AHU_ACL_CU_015, Cx. 101, D. 7894.

Page 192: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

173

8. GLOSSÁRIO

Almofadas – Elementos decorativos quadriláteros utilizados nas portas.

Altar – Local de exaltação de um santo. Altar-mor é o principal altar da igreja. Altares

laterais localizam-se nas paredes laterais e são dedicados a santos que, de alguma

forma, possuem importância para aquela igreja.

Ambom – Antiga tribuna nas primitivas igrejas cristãs onde se fazia o sermão.

Arquitrave – Trave horizontal que se apóia sobre as colunas.

Atributos – Objeto ou animal utilizado como símbolo de identificação de um personagem

bíblico.

Balaústre – Pequena coluna redonda ou poligonal de pedra ou madeira, em geral bastante

ondulada e modelada, que sustenta um parapeito ou corrimão. O conjunto de

balaústres dispostos lado a lado formam uma balaustrada.

Camarim – Vão em cima dos altares onde se situa o trono.

Capela principal – Espaço na planta da igreja que se situa após o arco-cruzeiro até o altar-

mor.

Cariátide – Figura ou estátua de mulher usada como coluna principalmente na arquitetura

greco-romana.

Cartela – Cornija decorativa que aprece envolta de um símbolo ou de uma imagem.

Carneiro – Gaveta ou urna nos cemitério onde se enterram os cadáveres.

Clero regular – São os membros de uma ordem religiosa.

Clero secular – Clérigos (padres, sacerdotes, bispos, cardeais) que não eram filiados a

nenhuma ordem religiosa.

Coluna – Elemento arquitetônico de suporte de seção circular, poligonal ou perfilada.

Coluna Salomônica – Coluna torcida, pode ser no sentido horário ou anti-horário.

Cornija – Linha que se destaca da parede acentuando as nervuras horizontais.

Coro – Lugar reservado para o coro eclesiástico.

Esplendor – Raios que envolvem um objeto sacro no intuito de conferir brilho ao mesmo.

Frontão - Extremidade superior da frente de um edifício, geralmente em formato triangular.

Mascarão – Elemento decorativo que ao longe assemelha-se a uma máscara.

Moldura – Elemento decorativo que envolve uma imagem.

Mísula – Pedra que sobressai da parede, geralmente adornada e utilizada para sustentar

balcões.

Page 193: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

174

Mitra – Carapuça de papel que se colocava na cabeça dos condenados da inquisição.

Nártex – Vestíbulo que conduz a nave central de uma igreja.

Nave central – Parte central da planta de uma igreja.

Nicho – Lugar que abriga a imagem de um santo.

Óculo – Abertura na parede, pode ser redondo ou oval, cuja orifício exterior é menor do que o

interior, no intuito de aproveitar o máximo de luz sem que a abertura para o exterior

seja grande demais.

Palheta – Conjunto de cores.

Pilar – Suporte vertical. Ex. Coluna, Pilastra.

Pilastra – Pilar que se sobressai um pouco da parede.

Prospecção – Técnica utilizada na restauração de objeto que consiste na raspagem das

camadas de tinta para descobrir a textura original da parede ou do objeto.

Púlpito – Tribuna utilizada para o sermão.

Trompe-l’oeil – Simulação em paredes e tetos, através da pintura ou do relevo, de elementos

arquitetônicos que ampliam o espaço de forma ilusória.

Trono – Local elevado onde se coloca uma imagem sacra, geralmente encontra-se dentro do

camarim.

Vestíbulo – Sala de entrada e de espera.

Volutas – Elemento arquitetônico em espiral, pode ser horário ou anti-horário.

***

Page 194: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

175

9. ANEXOS

Anexo I – Fotos do forro

Acervo Oficina Escola de João Pessoa. Prospecção do madeiramento da capela principal da Igreja de Nossa

Senhora do Carmo. Foto de Camila Henrique. Data: 6 out. 2008.

Page 195: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

176

Acervo Oficina Escola de João Pessoa. Prospecção do madeiramento da capela principal da Igreja de Nossa

Senhora do Carmo. Mater Regina – Mãe Rainha. Foto de Camila Henrique. Data: 6 out. 2008.

Page 196: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

177

Anexo II – Planta da Igreja do Carmo

Page 197: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

178

Anexo III – Mapa de localização

Frederyce Stadt, mapa manuscrito de J. Vingboons, c. 1665 (detalhe). Acervo do Rijksarchief, Haia, Países Baixos.

FONTE: REIS, 2001, p. 119.

Legenda: 1) Convento de Nossa Senhora do Carmo 2) Convento de Santo Antônio (franciscanos) 3) Igreja da Misericórdia 4) Igreja Matriz de Nossa Senhora das Neves 5) Mosteiro de São Bento 6) Igreja de São Gonçalo (jesuítas)

Page 198: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

179

Anexo IV – Fachada da Igreja de Nossa Senhora da Guia

Acervo Pessoal. Igreja de Nossa Senhora da Guia – Lucena – Paraíba – Pertencente à Ordem Carmelita Calçada da Reforma Turônica. Foto: Juliano Carvalho. Data: 20 jul. 2006.

Page 199: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · O verbo mais que perfeito: uma análise alegórica da cultura histórica carmelita na Paraíba Colonial/ André Cabral Honor. - João

180

Anexo V – Azulejos do convento de Nossa Senhora das Neves (Olinda - PE)

Vida de Santa Ana, azulejaria portuguesa da 2ª metade do século XVIII, autoria desconhecida.

Convento Franciscano de Nossa Senhora das Neves, Olinda - PE. Foto do Acervo Digital da Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.

FONTE: SIMÕES, 1960-1970.