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Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Departamento de Letras Estrangeiras Modernas Curso de Letras Inglês “A GENTE VIVE NUM MUNDO NORMAL”: Afetividade e construção do conhecimento na aula de língua inglesa para deficientes visuais ROSYCLÉA DANTAS SILVA Orientadora: Profª. Drª. Betânia Passos Medrado João Pessoa - PB 2010

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Universidade Federal da Paraíba

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Departamento de Letras Estrangeiras Modernas

Curso de Letras – Inglês

“A GENTE VIVE NUM MUNDO NORMAL”:

Afetividade e construção do conhecimento na aula de língua inglesa para deficientes

visuais

ROSYCLÉA DANTAS SILVA

Orientadora: Profª. Drª. Betânia Passos Medrado

João Pessoa - PB

2010

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Universidade Federal da Paraíba

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Departamento de Letras Estrangeiras Modernas

Curso de Letras – Inglês

ROSYCLÉA DANTAS SILVA

“A GENTE VIVE NUM MUNDO NORMAL”:

Afetividade e construção do conhecimento na aula de língua inglesa para deficientes

visuais

Trabalho apresentado ao Curso de Licenciatura em Letras

da Universidade Federal da Paraíba como requisito para

obtenção do grau de Licenciado em Letras – Inglês.

Orientadora: Profª. Drª. Betânia Passos Medrado

João Pessoa - PB

2010

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ROSYCLÉA DANTAS SILVA

“A GENTE VIVE NUM MUNDO NORMAL”:

Afetividade e construção do conhecimento na aula de língua inglesa para deficientes

visuais

Trabalho de Conclusão de Curso, aprovado como requisito parcial para obtenção do grau

de Licenciado em Letras no Curso de Letras- Inglês, da Universidade Federal da Paraíba.

Data de Aprovação:

10/12/2010

Banca Examinadora:

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Temos o direito a sermos iguais quando a

diferença nos inferioriza; temos o direito a

sermos diferentes quando a igualdade nos

descaracteriza. Boaventura Santos

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AGRADECIMENTOS

Meus sinceros agradecimentos a todos os que colaboraram com este trabalho:

À minha mãe, Rosita, que foi minha primeira professora e continua sendo até os

dias atuais. Por ter me ensinado desde a alfabetização que a sala de aula é antes de tudo um

espaço de afetividade. Obrigada também por, mesmo a distância, sempre estar presente na

minha vida, me ouvindo e me apoiando.

Ao meu pai, Joselito, por todo o apoio nessa caminhada e por me lembrar, em

vários momentos, que a vida não é feita apenas de livros.

Aos meus irmãos, Rosemary e Carlos, por estarem sempre prontos a ajudar. A

Rosemary, sou também grata pelo companheirismo e pelo incentivo nos momentos em que

mais precisei.

A O e L, que foram mais do que sujeitos participantes dessa pesquisa. Contribuíram

na construção desse trabalho, revelando, através de suas vozes, que todos somos capazes

de aprender.

À professora T, professora colaboradora dessa investigação, por nos mostrar no seu

trabalho com deficientes visuais que “incluir” é muito mais que “inserir”.

À professora Dra. Betânia Passos Medrado, orientadora desta pesquisa, minha

professora durante quase todo o curso de graduação e orientadora de PIBIC. Agradeço por

me ajudar a trilhar esse caminho desde que entrei na universidade, como mediadora da

minha formação docente, por revelar nas suas aulas que amar o que se faz é o primeiro

passo para ser um profissional competente e por ser esse modelo de professora e

pesquisadora, no qual me inspiro. Obrigada pela grandeza da sua orientação, pela

paciência, dedicação e carinho que me ajudaram a construir e reconstruir esse trabalho tão

significativo. A você serei eternamente grata!

Àqueles que são mais do que colegas de curso. Aos amigos: Renata, Gabriela,

Camila, Raniere, Severino, Carolina, Elvis, Felícia, Karoline, Philipe, Jade, Carlos e

Juliana. Essa monografia é o resultado de um conhecimento que construí junto com vocês!

Ao meu amigo Hemerson, por sempre ouvir meus relatos dramáticos e por saber

dar o apoio e a palavra amiga. Obrigada por esse enorme carinho!

A todos os mestres que tive durante minha formação, os quais foram mediadores na

construção de conhecimentos que me ajudaram no desenvolvimento dessa investigação.

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RESUMO

Nas últimas décadas, o contexto educacional vem adquirindo novas formas e

entendimentos com a proposta da educação inclusiva, a qual assegura o acesso de todos a

uma educação de qualidade. No entanto, uma inclusão marginal (CARVALHO, 2007) tem

sido observada pelo fato de muitos acreditarem que a simples presença do deficiente na

sala de aula é uma atitude de inclusão. Relatos de professoras (MEDRADO, 2010) que

trabalham com deficientes visuais em sala de aula têm evidenciado inquietações por parte

daqueles diretamente envolvidos no processo, pois as docentes alegam não terem recebido

formação para atuar nesse novo contexto educacional. Apesar de a prática ainda estar longe

de uma educação inclusiva, acreditamos que a oportunidade de todos conviverem juntos na

escola regular seja um passo importante, já que é na interação com o outro que nos

desenvolvemos (TOMASELLO, 2003). Nesse contexto, e com o entendimento de que no

processo de aprendizagem, afetividade e cognição são indissociáveis (VYGOTSKY, 2008

[1934]), objetivamos discutir como as ações de uma professora de língua inglesa

contribuíram para o processo de ensino-aprendizagem de alunos deficientes visuais. Nosso

corpus, coletado no âmbito de uma escola pública, é composto de entrevistas e de

observações em uma sala de aula de língua inglesa com dois alunos deficientes visuais. A

análise qualitativa dos dados evidenciou que as ações mediadoras da professora

construíram um espaço afetivo, a partir do qual seus alunos puderam desenvolver uma

aprendizagem significativa.

Palavras-chave: inclusão - deficientes visuais - ensino de língua inglesa

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

QUADROS

Quadro 2.1 - Instrumentos de coleta e os dados que compõem o corpus ...........................32

Quadro 3.1 - Adaptação das atividades realizadas por T.....................................................41

Quadro 3.2 - Ferramentas didáticas para mediação.............................................................45

ESQUEMAS

Esquema 1.1 - Tipos de atenção conjunta............................................................................19

Esquema 3.1 – Atenção conjunta versus ação conjunta.......................................................34

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................09

CAPÍTULO I – POR UMA ESCOLA DE/PARA TODOS ......................................12

1.1 – Conceitos e reflexões sobre a inclusão .......................................................12

1.1.1. Aspectos da legislação............................................................................12

1.1.2. A escola de todos ou a escola marginal? ...............................................15

1.2 – Afetividade e construção de conhecimento na escola inclusiva ...............19

1.2.1. Breves considerações sobre a construção social do conhecimento ........19

1.2.2. Discutindo aspectos afetivos na escola inclusiva ...................................24

1.3 – O papel do professor na escola inclusiva ...................................................26

CAPÍTULO II - CONSTRUINDO UM PERCURSO METODOLÓGICO ...........29

2.1 – A natureza e o contexto da pesquisa ..........................................................29

2.2 – Participantes .................................................................................................30

2.3 – Instrumentos para coleta dos dados ...........................................................31

2.4 – Procedimentos de análise ............................................................................33

CAPÍTULO III – A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO: APRENDENDO A

SER NA ESCOLA INCLUSIVA .................................................................................34

3. 1 – Aprendendo a viver junto: a aceitação do outro ................................................34

3.1.1 O redimensionamento da atenção conjunta ................................................34

3.1 2. A aceitação de O. e L. ...............................................................................36

3.2 – Aprendendo a conhecer e a fazer na aula de língua inglesa ..............................39

3.2.1 - A serviço da mediação .............................................................................40

3.2.1.1 – A professora ................................................................................40

3.2.1.2 - Os colegas ...................................................................................43

3.2.1.3 - As ferramentas didáticas .............................................................46

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................48

REFERÊNCIAS ............................................................................................................50

APÊNDICES .................................................................................................................53

Apêndice A ....................................................................................................................54

Apêndice B .................................................................................................................. ..55

Apêndice C ....................................................................................................................56

Apêndice D .................................................................................................................. ..57

Apêndice E .....................................................................................................................58

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INTRODUÇÃO

A educação inclusiva está pautada nos preceitos de uma educação para todos,

independentemente de cor, etnia, gênero, condição socioeconômica e deficiência. Esses

preceitos estão fundamentados em documentos oficiais, tais como a Constituição Federal

(1988), a qual recomenda que o trabalho na proposta inclusiva deve compreender todos os

alunos vivenciando o processo de aprendizagem de acordo com suas diferenças

individuais. Para trabalhar nessa perspectiva, ressaltamos que a inclusão não pode ocorrer

sem uma formação adequada dos professores que atuarão junto aos alunos que possuem

necessidades educacionais especiais. É necessário pontuar, igualmente, que uma escola

inclusiva não existe, sem que haja disponibilização de recursos adequados de acordo com

as necessidades dos discentes, para que, assim, suas potencialidades possam ser

exploradas.

Segundo Carvalho (2007a), ainda estamos longe de atender a todos os alunos,

indiscriminadamente, com uma educação de qualidade. Isto não significa dizer que não

avançamos nessa caminhada, pois o primeiro passo já foi dado: os alunos estão

vivenciando o processo de ensino-aprendizagem juntos. O trabalho inclusivo com

deficientes visuais, por exemplo, é de fundamental importância, pois, como postula

Vygotsky (1994 [1934]), é através da interação entre videntes e não videntes que a criança

cega consegue se desenvolver e construir conhecimento. Outros teóricos, tais como

Tomasello (2003) e Maturana e Varela (2001) também ressaltam que é apenas na interação

com o outro que construímos nosso mundo, o que reforça a ideia postulada por Vygotsky

(op. cit.) de que a palavra conquista a cegueira, isto é, a experiência social com a ajuda da

fala compensa a falta da visão. Vygotsky (2008 [1934]) discute ainda que na tentativa de

compreendermos o processo de desenvolvimento da criança não podemos separar

afetividade de cognição, pois estas são indissociáveis.

Fundamentados nessas concepções e com a preocupação de entendermos o

processo de ensino-aprendizagem da língua inglesa para alunos deficientes visuais,

objetivamos responder as seguintes questões de pesquisa:

1- De que modo as ações da professora investigada evidenciam a dimensão afetiva no seu

fazer pedagógico?

2- Até que ponto essas ações contribuem para o processo de ensino-aprendizagem da

língua inglesa a alunos deficientes visuais?

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Partindo do pressuposto de que o desenvolvimento humano depende da interação

social, entendemos que a construção do conhecimento no processo inclusivo está

fundamentada na aceitação do outro, por parte daqueles que o recebem, e na aceitação que

o outro tem de si mesmo, como membro ativo do meio em que está sendo inserido. Dessa

forma, buscamos atingir o objetivo do trabalho, que é discutir como as ações de uma

professora de língua inglesa contribuem para o processo de ensino-aprendizagem de

alunos deficientes visuais.

Nosso objetivo geral se divide em três objetivos específicos, quais sejam:

1 - Sistematizar os redirecionamentos das ações da professora numa sala de 9º ano do

Ensino Fundamental com dois alunos deficientes visuais, na rede regular de ensino.

2- Identificar os momentos em que essas ações contribuem para construção de um espaço

de afetividade na sala de aula.

3 – Verificar os momentos em que os alunos aceitam esse espaço de afetividade, tirando

proveito e construindo conhecimento.

Nosso interesse pelo melhor entendimento de como se configura o processo de

ensino-aprendizagem da língua inglesa a alunos deficientes visuais surgiu a partir das

nossas reflexões no âmbito do projeto O ensino de língua inglesa a alunos deficientes

visuais na Escola pública: uma busca aos lugares verdadeiros (PIBIC-CNPq/ UFPB,

2009-2010). Também justificamos nosso interesse pelo tema por entendermos que o

trabalho docente com esses alunos ainda está ganhando formas e os estudos nessa área são

bastante escassos. Assim, esperamos contribuir, a partir da voz de uma professora que

vivenciou o ensino da língua inglesa para alunos deficientes visuais e das vozes dos

próprios alunos, com subsídios teóricos e práticos para o ensino de língua inglesa a

deficientes visuais.

Com essa perspectiva, dividimos nosso trabalho em quatro capítulos. No primeiro

capítulo, discutiremos o processo educacional inclusivo. Primeiramente, abordaremos

conceitos e reflexões sobre a inclusão; em seguida, os aspectos afetivos e a construção do

conhecimento e, por fim, ressaltaremos o papel do professor nesse novo contexto escolar.

No segundo capítulo, traremos o percurso metodológico desenvolvido ao longo da

pesquisa e, finalmente, no terceiro capítulo, faremos a análise dos dados. Nele,

abordaremos primeiro a construção do espaço de convivência pela professora, por meio do

redimensionamento da atenção conjunta e da aceitação do outro; em seguida, ressaltaremos

a influência desse espaço na construção do conhecimento da língua inglesa por parte dos

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alunos não videntes, discutindo o papel da mediação da professora, dos colegas e das

ferramentas didáticas.

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CAPÍTULO I – POR UMA ESCOLA DE/PARA TODOS

Neste capítulo, discutiremos o processo educacional inclusivo, concentrando-nos

em alguns aspectos que consideramos pertinentes para uma reflexão sobre o tema e suas

implicações. Em um primeiro momento, ressaltaremos os conceitos e as reflexões sobre a

inclusão; em seguida, abordaremos a afetividade e a construção de conhecimento na escola

inclusiva e, finalmente, discutiremos o papel do professor nessa nova escola.

1.1 – Conceitos e reflexões sobre a inclusão

Nesta seção, versaremos sobre os aspectos da legislação que dizem respeito à

educação inclusiva e os seus diversos sentidos e, mais especificamente, destacaremos

alguns aspectos que dizem respeito à inclusão de deficientes visuais na escola regular.

1.1.1 - Aspectos da legislação

Os documentos oficiais que regem nosso país, tais como a Constituição Federal

(1988) e o Programa Nacional de Direitos Humanos publicado em 1996, preconizam uma

sociedade democrática, na qual os direitos humanos sejam respeitados. A Educação para

Todos é um dos direitos assegurados pela Constituição Federal nos artigos 205 e seguintes,

os quais estabelecem que o ensino deve promover a “[...] igualdade de condições de acesso

e permanência na escola” (art. 206, inc. I, apud FÁVERO et.al. 2007, p. 25). Nessa linha

de ação, a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional - LDB (1996) também

assegura que os sistemas de ensino devem promover os direitos dos alunos por meio de

“[...] currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica, para

atender às suas necessidades; [...]” (LDB n° 9394/1996, Art. 59).

A discussão sobre essa temática começou a se intensificar no Brasil a partir de 1990

com a Conferência Mundial de Educação para Todos realizada em Jomtiem.

Posteriormente, as reflexões avançaram na perspectiva de uma escola inclusiva com a

Declaração de Salamanca (1994), a qual reconhece que as escolas regulares são “[...] os

meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades

acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos”

(p.24). Outros entendimentos foram construídos com a Convenção da Guatemala1 (1999), a

qual dispõe sobre a eliminação das formas de discriminação contra as pessoas deficientes,

1 O Brasil é signatário da Convenção da Guatemala desde o ano de 2001.

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deixando clara “[...] a impossibilidade de tratamento desigual com base na deficiência”

(art. 1º, nº 2, “a”, apud FÁVERO et.al. 2007 p. 30).

O acesso e a permanência de alunos deficientes nas escolas regulares é uma

determinação da Lei 7.853/89 e do Decreto 914/93, que dispõem sobre os direitos das

pessoas com deficiência e sua integração, e do Decreto legislativo nº. 186, de 2008, o qual

aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência promulgada

pela Assembléia-Geral das Nações Unidas em 2006. Por essa legislação, fica determinado

que todas as escolas devem aceitar matrículas de pessoas deficientes, sendo considerado

crime o descumprimento desse direito. A partir dessa determinação, a presença de alunos

deficientes nas escolas regulares é uma realidade no nosso país. Segundo dados do

Ministério da Educação, o número de alunos com deficiência nas salas de aula da escola

regular aumenta a cada ano: em 2001, havia 81 mil; em 2002, 110 mil; e em 2009, já eram

360 mil alunos matriculados nas escolas regulares2.

Diante desse panorama, consideramos que se faz premente uma breve discussão

sobre os parâmetros e as orientações curriculares nacionais3, tendo em vista que servem

como base para nossa educação e dizem respeito a todos aqueles que dela fazem parte.

Ao lermos esses documentos, percebemos que os PCN em Debate (2004) não

versam sobre o processo educacional inclusivo.

No que concerne aos PCNEM (2000), encontra-se nas suas Bases Legais, referência

a Educação Especial, destacando que “Haverá, quando necessário, serviços de apoio

especializado na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação

especial” (p. 38). Esta menção sobre o processo educacional inclusivo presente nos

PCNEM (op. cit.), no entanto, apenas relata que os serviços de apoio especializado estarão

presentes na escola regular, quando necessário, o que, ainda não consisti, a nosso ver, uma

orientação clara aos professores que trabalham com alunos que possuem necessidades

educacionais especiais.

Já os PCNs (1998) estabelecem como um de seus objetivos, na condição de

referência curricular nacional para o Ensino Fundamental, a garantia

“[...] a todo aluno de qualquer região do país, do interior ou do litoral, de

uma grande cidade ou da zona rural, que freqüentem cursos nos períodos

2 Conforme dados retirados da revista Ciranda da Inclusão, ano 1 - julho de 2010. 3 Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio (2000),

Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio em Debate (2004) e Orientações Curriculares para o

Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (2006) - (doravante PCNs, PCNEM, PCN em

Debate e OCNEM respectivamente).

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diurno ou noturno, que sejam portadores de necessidades educacionais

especiais, o direito de ter acesso aos conhecimentos indispensáveis para a

construção de sua cidadania” (p.09). [grifo nosso]

Os PCNs (1998), portanto, fazem referência, logo na seção de Apresentação do

texto, à garantia de uma escola que atenda a todos, sejam do interior ou do litoral,

portadores de necessidades especiais ou não. Esses documentos ressaltam, ainda, que

“[...] os serviços de educação especial se inserem nos diferentes níveis

de formação escolar (educação infantil, ensino fundamental, ensino

médio e educação superior) e na interatividade com as demais

modalidades de educação escolar, favorecendo alunos e professores,

dentro dos princípios da escola inclusiva, entendida como aquela que,

além de acolher todas as crianças, garante uma dinâmica curricular que

contemple mudar o caráter discriminatório do fazer pedagógico, a partir

das necessidades dos alunos” (p. 41). [grifo nosso]

No excerto supracitado, os parâmetros fazem uma referência explícita à escola

inclusiva, ressaltando-a, não apenas como aquela que acolhe a todos os alunos, mas como

uma escola que reorganiza sua dinâmica curricular a partir da necessidade de seus

discentes.

Avançando um pouco mais na discussão do processo educacional inclusivo, as

OCNEM (2006) abordam o processo inclusivo de maneira mais clara, isto é, trazendo uma

seção intitulada Inclusão/Exclusão – Global/Local, na qual ressaltam que “[...] não basta

expor os alunos às propostas educativas e sociais” (p.96), pois isso “[...] resultaria em

inserir (colocar, introduzir, aderir) os „excluídos‟, mas não em incluí-los (fazer parte,

figurar entre outros, pertencer, envolver) socialmente” (p. 96).

Diante da relevância desses documentos para a educação nacional, compreendemos

que a discussão sobre o processo inclusivo deveria ser abordada sempre de forma clara,

contribuindo para que a compreensão do que se encontra tematizado nesses documentos

não abram margens para interpretações diversas, haja vista que aquilo que não está

explicitamente mencionado pode ser, muitas vezes, negligenciado pelos professores.

Ao discutirmos esses documentos, sentimos a necessidade de ressaltar a iniciativa

do Ministério da Educação (MEC) pela produção de parâmetros para a educação de

discentes com necessidades educacionais especiais. O material intitulado Parâmetros

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Curriculares Nacionais: Adaptações Curriculares – Estratégias para a Educação de

alunos com necessidades educacionais especiais fornece uma base para o trabalho com

esses educandos, discutindo sobre as necessidades educacionais de discentes com

superdotação; condutas típicas; deficiência auditiva, física, mental, visual e múltipla; as

adaptações curriculares no nível do projeto político pedagógico e do currículo de base,

entre outros temas fundamentais na educação desses alunos.

Ressaltamos ainda, a produção, pelo MEC, de documentos, tais como: Educação

Inclusiva: Direito à diversidade (2005); Educar na diversidade: material de formação

docente (2006); Atendimento Educacional especializado – Aspectos legais e Orientações

pedagógicas (2007); Política nacional de educação especial na perspectiva da Educação

Inclusiva (2008); Marcos Político-Legais da Educação Especial na Perspectiva da

Educação Inclusiva (2010), entre outros que se constituem um material riquíssimo para

aqueles que vivenciam o processo educacional inclusivo, bem como para os professores

em formação. No entanto, chamamos a atenção para foto de que o conhecimento sobre a

existência desses documentos, bem como o seu acesso, parece, ainda, ser de poucas

pessoas, e devido à sua importância, acreditamos que eles deveriam ser mais divulgados e

de fácil acesso, pois os benefícios seriam maiores se estes pudessem chegar às mãos de

todos aqueles que deles necessitam.

1.1.2 - A escola de todos ou a escola marginal?

O pequeno avanço no tocante às políticas de inclusão revela que ainda estamos

longe de oferecer uma educação de qualidade para todos e indiscriminadamente, pois,

como defende Carvalho (2007a), para serem inclusivas, as escolas devem atender às

diferenças individuais de todos os alunos, sejam eles deficientes ou não. A esse

pensamento, Félix (2007, p. 19) acrescenta que as escolas para serem inclusivas

[...] devem reconhecer e responder as necessidades diversas de seus

alunos, acomodando ambos os estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando [...] um currículo apropriado, arranjos organizacionais,

estratégias de ensino, uso de recurso e parceria com as comunidades.

A partir dessa reflexão, pensamos que a formação de professores é imprescindível

na constituição de uma escola inclusiva. Formação que possibilite uma base para o fazer

pedagógico em um novo contexto educacional, com o conhecimento sobre a educação dos

alunos com deficiências, suas necessidades e potencialidades, contribuindo para que os

mestres não se sintam tão despreparados e inseguros ao receberem um aluno com

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necessidades educacionais especiais na sala de aula, e assim possam trabalhar explorando

as capacidades dos seus discentes.

A capacitação de professores é ressaltada pela Constituição Federal (1988), ao

estabelecer que “[...] não é qualquer tipo de acesso à educação que atende ao princípio da

igualdade de acesso e permanência na escola” (art. 206, inc. I). Seguindo esse

posicionamento, a Resolução CNE/CP Nº 1, de Fevereiro de 2002 institui que na formação

de professores, nos cursos de licenciatura, devem está contemplados “conhecimentos sobre

crianças, adolescentes, jovens e adultos, aí incluídas as especificidades dos alunos com

necessidades educacionais especiais” (art. 06, § 3º). Essa referência sobre a formação dos

mestres se faz de grande relevância, pois, acreditamos que a simples presença do aluno na

sala de aula, sem professores preparados para lidar com eles, se constitui um processo de

exclusão, ou, como denomina Carvalho (2007a), de inclusão marginal, uma vez que, nesse

caso, não há qualquer mobilização da escola/sociedade para que o aluno sinta-se parte

produtiva do meio em que se encontra, e para que possa desenvolver uma aprendizagem

significativa.

Nesse contexto, o tratamento de acordo com as necessidades dos alunos tem por

objetivo garantir um espaço onde todos tenham acesso ao conteúdo ministrado, o que não

significa a exaltação da diferença, pois a visibilidade da deficiência não se constitui como

ação inclusiva. A esse respeito, a Convenção da Guatemala esclarece que “[...] não se

constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada para promover a interação

social ou desenvolvimento das pessoas com deficiência” (art. 1º, nº 2 “b” apud FÁVERO

2007), ou seja, o tratamento desigual para com o outro é uma maneira de assegurar-lhe os

direitos de acesso à aprendizagem, a partir do momento que a igualdade limita ou impede

o seu desenvolvimento.

Alinhando-se à Declaração de Salamanca (1994) e à Constituição Federal (1988),

Carvalho (op. cit.) defende que, apesar dos avanços do processo educacional, a Educação

Especial deve continuar existindo, não como núcleos de segregação para o ensino de

pessoas deficientes, mas como centros de apoio à Educação Inclusiva, fornecendo um

atendimento complementar aos alunos que dele necessitam.

A educação inclusiva, portanto, deve ser uma bandeira levantada não só pela escola

regular e seus mestres, mas sim por todos aqueles que possam contribuir, direta, ou

indiretamente, para uma educação de qualidade, segundo a qual o Aprender a conhecer,

Aprender a fazer, Aprender a viver junto e Aprender a ser, os quatro pilares para a

educação do século XXI propostos pela UNESCO, sejam ressaltados.

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Aprender a conhecer significa dominar os instrumentos do conhecimento,

despertando o desejo e a curiosidade de aprender cada vez mais, bem como desenvolvendo

as habilidades cognitivas, tais como atenção, memória e pensamento, “[...] a fim de que

cada um aprenda a compreender o mundo que o rodeia [...] para desenvolver as suas

capacidades profissionais, para comunicar” (DELORS, 1994 p. 03). Ensinar nessa

perspectiva é ser sensível às necessidades dos discentes, a fim de que possamos fornecer

instrumentos e conteúdos que contribuam para o desenvolvimento e a construção do

conhecimento de acordo com as capacidades do aluno, e também ajudá-lo a encontrar suas

próprias estratégias para que sua aprendizagem seja facilitada.

Aprender a fazer está intimamente ligado ao pilar anterior, pois aprendemos a

conhecer para fazer. Ele consiste não apenas em colocar em prática os conhecimentos

teóricos, mas implica uma formação social, possibilitando o desenvolvimento da

capacidade para resolver conflitos e melhorar as relações no trabalho coletivo. Nessa

perspectiva, entendemos que a escola inclusiva é o lugar de desenvolvimento do aprender a

fazer, já que as crianças começam a conviver desde cedo com as diferenças dos colegas,

numa aprendizagem diária de como lidar com conflitos no âmbito social.

Associado ao aprender a fazer, Aprender a viver junto é considerado um dos

maiores desafios da educação, por “[...] entender que os seres humanos têm tendência a

supervalorizar as suas qualidades e as do grupo a que pertencem, e a alimentar

preconceitos desfavoráveis em relação aos outros” (DELORS, 1994 p. 10), resultando

numa relação conflituosa entre os grupos. Na tentativa de mudar esse quadro de conflitos,

está ressaltado nesse fundamento que não

[...] basta pôr em contato e em comunicação membros de grupos de diferentes (através de escolas comuns a várias etnias ou religiões, por

exemplo). Se, no seu espaço comum, estes diferentes grupos já entram

em competição ou se o seu estatuto é desigual, um contato deste gênero pode, pelo contrário, agravar ainda mais as tensões latentes e degenerar

em conflitos (op. cit. p.10).

Com essa explanação, entendemos que o Aprender a viver junto é o princípio

básico para que a inclusão realmente ocorra, pois é a partir da aceitação do outro na

convivência livre de preconceitos e estigmas, que passamos a nos desenvolver e aprender

com as trocas de experiências. Porém, como mencionado anteriormente, essa inclusão não

pode ocorrer de forma abrupta, uma vez que agravaria as tensões já latentes. Na tentativa

de diminuir esses conflitos, a UNESCO sugere, através desse terceiro pilar, que o

descobrimento do outro deve ocorrer de forma progressiva e por meio de trabalhos comuns

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para ambos os grupos envolvidos a fim de que possam colaborar uns com os outros na

atividade.

Finalmente, o Aprender a ser integra os três pilares anteriores na busca pelo

desenvolvimento total do sujeito, para que possa “[...] elaborar pensamentos autônomos e

críticos [...] formular os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por si

mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias da vida” (DELORS, 1994 p. 13). Na

tentativa de atingir tal finalidade, todas as potencialidades do indivíduo devem ser

valorizadas e exploradas.

Pensando nos deficientes visuais, como promover uma escola na qual seja possível

Aprender a conhecer, Aprender a fazer, Aprender a viver junto e Aprender a ser? Uma vez

que o funcionamento visual está ligado a fatores pessoais (cognitivos, sensoriais,

psicológicos, físicos e de percepção) e ambientais (cor, contraste, tempo, espaço e

iluminação), um aluno com acuidade visual reduzida, como ressalta Mendonça4 (2008),

pode desenvolver melhor sua aprendizagem de leitura, se os fatores ambientais, tais como

caracteres ampliados, iluminação artificial adequada e uso de recursos ópticos, de acordo

com a necessidade do aluno, estiverem disponíveis. A falta de recursos adequados5 torna-

se uma das maiores barreiras para o sucesso do processo educacional inclusivo, uma vez

que dificulta ou impede o desenvolvimento do aluno na atividade solicitada.

Dessa forma, faz-se premente a identificação das dificuldades do aluno desde o

início da vida escolar, a fim de que ele possa utilizar recursos de acordo com as suas

necessidades. Seguindo esse pensamento, Carvalho (2007a) ressalta que a identificação das

dificuldades apresentadas é o primeiro passo para a remoção das barreiras envolvidas no

processo de ensino-aprendizagem.

4 Esse trabalho consiste em parâmetros curriculares para trabalhar com alunos deficientes visuais, produzidas

pelo Ministério da Educação de Portugal no ano de 2008 e com autoria de Alberto Mendonça, Cristina

Miguel, Graça Neves, Manuela Micaelo e Vítor Reino. O Texto pode ser encontrado em formato PDF através

do site: < http://sitio.dgidc.min-

edu.pt/recursos/lists/repositrio%20recursos2/attachments/769/alunos_cegos.pdf >. 5 Atualmente, há vários recursos que auxiliam os alunos com deficiência visual. Os Recursos ópticos, dentre

os quais temos: lentes de filtro, óculos com lentes convexas, lupas manuais e de apoio, dispositivos com

óculos fixados, sistemas telemicroscópicos, utilizados para ampliação de caracteres e imagens nas atividades

a curta distância, sistemas telescópicos (ou telelupas), usados na ampliação de imagens e caracteres que se encontram longe do aluno. Os Recursos não-ópticos, que incluem fotocópia ampliada, caderno com linhas

ampliadas e espaçadas, livros didáticos com tipos ampliados, adequação da iluminação artificial por meio de

interruptores com gradação de luz, caneta com ponta porosa ou hidrográfica, lápis 6B ou 3B e grade para a

escrita cursiva. Para consulta desses e outros recursos, conferir Barreto (2009); Farrell (2008); Montilha

(2006) e Sá (2007).

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Como mencionado anteriormente, a formação dos professores é um aspecto

imprescindível na construção de uma escola inclusiva. Por isso, ressaltamos a importância

da sensibilização por parte dos mestres, no que concerne ao tempo de aprendizagem de

cada aluno, pois, segundo Barreto (2009) e Farrell (2008), a diminuição da acuidade e/ou

campo visual, deixa o aluno mais lento na realização de tarefas, sendo indispensável que o

professor lhe forneça o tempo necessário, para que assim o discente possa concluir o que

lhe foi solicitado. Um exemplo disso seria “[...] dar ao aluno um tempo extra para ler em

Braille, pois essa leitura é mais demorada” (FARRELL, 2008 p.03).

Não trabalhar na perspectiva supracitada significa ressaltar a ideia do senso comum

de que os deficientes visuais são os únicos vilões do processo educacional. Isso se opõe,

definitivamente, à proposta da educação inclusiva, uma vez que pensar na educação

inclusiva é “[...] pensar em todos os alunos enquanto seres em processo de crescimento e

desenvolvimento, e que vivenciam o ensino-aprendizagem segundo suas diferenças

individuais” (CARVALHO, 2007b p.63).

Diante do exposto, entendemos ser necessária uma conscientização, por parte da

sociedade, de que todos temos limitações e dificuldades a serem removidas ou amenizadas,

mas isso não significa que somos incapazes de aprender. Uma conscientização para que

esses indivíduos possam, como aponta Sá (2007, p. 13), “[...] rever as práticas

convencionais, conhecer, reconhecer e aceitar as diferenças como desafios positivos”e não

como problemas, ou carmas da educação. Para tanto, na construção de uma escola

inclusiva, a ênfase não deve estar na deficiência do aluno, mas sim nas suas capacidades.

Após discorrermos sobre questões envolvidas no processo educacional inclusivo,

apresentamos, na seção seguinte, algumas discussões sobre os aspectos afetivos e

cognitivos envolvidos no processo educacional de alunos deficientes visuais.

1.2 – Afetividade e construção do conhecimento na escola inclusiva

Segundo Maturana e Varela (2001, p. 269), “[...] sem amor, sem aceitação do outro,

[...] não há humanidade”, pois a aceitação do outro é a base para a socialização. Com esse

entendimento, e partindo do pressuposto vygotskyano (2008 [1934]) de que cognição e

afeto são indissociáveis, faremos algumas reflexões sobre a construção social do

conhecimento e os aspectos afetivos na escola inclusiva, tentando, na medida do possível,

pensar nas especificidades dos deficientes visuais e sua inclusão.

1.2.1 – Breves considerações sobre a construção social do conhecimento

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Tomamos como foco principal de nossa análise a cognição social, desenvolvida por

Tomasello (2003), o pensamento de Vygotsky (19946, 2000 e 2008 [1934]) e um pouco da

Biologia do Conhecer, com base nos trabalhos de Maturana e Varela (1995 e 2001).

Escolhemos essas vertentes por tentarem “[...] entender e explicar como os pensamentos,

sentimentos e comportamentos de indivíduos são influenciados pela presença do Outro,

estudando o indivíduo dentro de um contexto sócio histórico” (MEDRADO, 2008 p. 51).

Maturana e Varela (op. cit.) entendem a vida como um processo de conhecimento

construído pelos seres humanos de forma ativa e nas interações sociais, sendo esse um

processo mútuo de construção, pois na medida em que o homem vai definindo seu mundo

é por ele também definido.

No entendimento dos pesquisadores, o desenvolvimento cognitivo desse indivíduo só

ocorre por meio das relações sociais, portanto “[...] a própria formação, o próprio mundo

de significados em que se existe, é função do viver com os outros” (MATURANA e

VARELA,1995 p. 50). Sendo assim, os autores defendem que a base da espécie humana se

encontra no amor, ou seja, na aceitação do outro, pois, como mencionamos anteriormente,

esse é o princípio do fenômeno biológico social; sem ele, não existimos. Dessa forma,

qualquer indivíduo que tente construir um mundo através da “[...] negação do outro (nas

múltiplas formas com que essa negação se manifesta)” (op. cit. p. 27) estará destruído pela

natureza da condição humana que é essencialmente social.

O pensamento de Tomasello (op. cit.) também atribui enorme importância ao meio

social, sendo os seres humanos, na perspectiva do autor, designados para viver em um

ambiente social, o qual ele chama de cultura ou “nicho ontogenético”. Esse é o ambiente

no qual o indivíduo vai se desenvolver cognitivamente, pois é ele que determina o tipo de

interação social que a criança terá, “[...] o tipo de objetos físicos que estarão a sua

disposição, o tipo de experiências de aprendizagem e oportunidade que encontrará (op. cit.

p. 110). Com esse entendimento, o autor revela que a privação da criança de certas parcelas

dessa cultura causaria um grande desastre no seu desenvolvimento cognitivo.

6 Esse trabalho de Vygotsky, intitulado “A criança cega”, foi produzido no período entre 1924 e 1932. A

versão do texto que estamos trabalhando é uma tradução em português realizada em 1994 por Adjuto de

Eudes Fabri a partir do texto em inglês (The Blind Child) encontrado no livro The Collected Works of L. S.

Vygotsky: Volume 2 - The Fundamentals of Defectology (Abnormal Psychology and Learning Disabilities) publicado em 1993 por Robert W. Rieber e Aaron S. Carton. A tradução de Fabri está disponível no site <

http://www.scribd.com/doc/16420054/Vigotski-A-crianca-cega-traduzido-por-AE-Fabri >.

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Tomasello (2003) afirma que o desenvolvimento cognitivo ocorre por meio dos

comportamentos e das ações que envolvem o indivíduo, o objeto e outras pessoas, ou seja,

através de uma relação triádica, a qual denomina de atenção conjunta. Essa relação é

fundamentada no acompanhamento do olhar por parte da criança, seu envolvimento

conjunto na interação, no uso de gestos dêiticos, no apontar e na aprendizagem por

imitação. No esquema abaixo, temos os três tipos de atenção conjunta mencionados por

Tomasello:

Esquema 1.1 -Tipos de atenção conjunta (TOMASELLO, 2003, p. 89)

A aprendizagem por imitação é considerada por Tomasello (op. cit.) como a entrada

para o mundo cultural, pois é a partir desse momento que as crianças começam a aprender

do e por meio dos adultos, de maneira cognitivamente significativa.

A realização da atenção conjunta por parte das crianças, no entanto, só ocorre,

segundo o autor, quando elas “[...] passam a entender as outras pessoas como agentes

intencionais iguais a elas próprias” (op. cit. p. 94), ou seja, enxergam o outro como um ser

igual a elas com capacidade e funcionamento semelhantes, a fim de que possam aprender

com ele. Esses agentes intencionais são seres capazes de avaliar a situação em que se

encontram, realizando escolhas voluntárias e intencionais a fim de alcançarem o que

desejam.

Tomasello (op. cit.) também aponta para a necessidade de identificação do indivíduo

com o outro, pois, para o pesquisador, “[...] a capacidade sociocognitiva fundamental que

sustenta a cultura humana é a capacidade e tendência de cada ser humano de se identificar

com outros seres humanos” (p. 126). Essa concepção nos revela que a identificação com os

outros é necessária para que o indivíduo sinta-se participante do grupo e também incluído,

possibilitando sua aprendizagem através dessas outras pessoas.

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Outro ponto levantado por Tomasello (op. cit.) diz respeito ao entendimento mental e

emocional do indivíduo de como as pessoas o veem. Com relação a isso, o autor afirma

que “[...] a compreensão de como os outros se sentem em relação a mim inaugura a

possibilidade do desenvolvimento da timidez, da autoconsciência e de um sentimento de

auto-estima” (p 125). Esse entendimento é de grande relevância na vida do indivíduo, uma

vez que, ao saber que as pessoas têm uma imagem negativa dele, esse sujeito pode acabar

se isolando das relações sociais, ou seja, desenvolve uma barreira para sua aprendizagem.

No desenvolvimento cognitivo de uma criança cega congênita, há a privação de

vários aspectos da cultura que a cerca. Essa atenção conjunta, como descrita por

Tomasello (2003), não ocorre na criança deficiente visual, uma vez que ela não tem o

acompanhamento do objeto por meio do olhar, e também não pode realizar aprendizagem

por imitação. Ela pode, tão somente, imitar os sons. Apesar de privadas de certas parcelas

culturais, o desenvolvimento cognitivo da criança cega não é um desastre (para utilizar o

termo de Tomasello), uma vez que ela começa a fazer uso de recursos compensatórios no

seu desenvolvimento.

Na ausência da visão, os outros sentidos tornam-se mais aguçados, pois são ativados

e estimulados continuamente. Através do refinamento da audição, há a seleção e

codificação dos sons que são mais significativos e úteis para o indivíduo. Por meio da

sensibilidade tátil, a partir da qual são desenvolvidos, além do tato, olfato e paladar, a

pessoa cega percebe “[...] a textura, a densidade, as oscilações térmicas e dolorosas, entre

outras [...] as quais geram imagens mentais importantes para a comunicação, a estética, a

formação de conceitos e de representações mentais” (SÁ et al., 2007 p. 16), ou seja, o

aguçamento desses sentidos serve para compensar a falta da visão.

No que concerne a essa compensação, Vygotsky (1994 [1934]) chama atenção para a

influência da fala no desenvolvimento do indivíduo, ressaltando que [...] a criança começa

a perceber o mundo não somente através dos olhos, mas também através da fala (op. cit.

1998, p. 43), fazendo perguntas, planejando suas ações e interagindo com outros para que

possa alcançar o que deseja. Com esse entendimento sobre a atuação da fala no

desenvolvimento cognitivo da criança, Vygostky (1994 [1934]) conclui que “[...] no caso

do cego a origem da compensação não é o desenvolvimento do toque ou o refinamento da

audição, mas a fala – o uso da experiência social, e a comunicação com o vidente” (p. 08).

Com isso, percebemos a relevância da fala, por entendermos que ela inclui o não-vidente

no contato social com outras pessoas, permitindo a construção e a ampliação da

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aprendizagem, já que esta só ocorre nas interações sociais. Dessa forma, podemos dizer

que com a fala é possível enxergar o que não está ao alcance dos olhos.

Na concepção de Vygostky (1994), a cegueira não é apenas um déficit biológico,

mas um processo sócio-cultural, pois é a sociedade que a classifica como sendo uma

desordem, criando “[...] dificuldades quando a criança cega começa a integra-se

socialmente” (p.05). No contato social, portanto, explodem os conflitos, pois o

desenvolvimento do deficiente visual é dificultado pelos rótulos que lhe são atribuídos, tais

como defeituoso, doente, incapaz, inferior.

Uma vez que o desenvolvimento e a aprendizagem da criança ocorrem através da

convivência com o outro, o social atua em duas vias. Num primeiro nível, como sendo o

causador do conflito social enfrentado pela criança cega, pois entende a cegueira como

uma incapacidade, colocando o deficiente visual numa situação de dificuldade ao interagir

com o meio. Num segundo nível, o social torna-se o único meio pelo qual a criança cega

pode desenvolver-se, já que, diante da condição de sermos seres essencialmente sociais, só

nos desenvolvemos na convivência com o outro.

Entendendo que o cego, como mencionado anteriormente, desenvolve outros canais

de acesso ao mundo, Vygotsky (1994 [1934]) ressalta que “[...] não há diferença principal

entre um vidente e uma criança cega” (p.09) e com base em Petzeld (1925), afirma que

“[...] a habilidade de uma criança cega para adquirir conhecimento é basicamente uma

habilidade para compreender tudo” (p. 09). Percebemos, dessa forma, que a cognição de

um não-vidente se desenvolve naturalmente, por isso Vygotsky (1994 [1934], p. 13)

assevera que

[...] É necessário liquidar o isolamento, a educação orientada para a

invalidez do cego e apagar a demarcação entre a escola especial e a

escola normal. A educação de uma criança cega deve ser realmente organizada sobre os mesmos termos como a educação de qualquer

criança capaz de um desenvolvimento normal.

A partir desse excerto, percebemos que Vygostky, na década de 30, na União

Soviética, já clamava por um processo educacional inclusivo, no qual a educação

fornecesse ao cego “[...] o que é correto para o trabalho social, não em forma degradante,

filantrópica ou orientada para a invalidez, mas em formas que correspondam à essência

verdadeira do trabalho” (op. cit. p. 14), questionando que apenas uma nova sociedade

poderia resolver os problemas criados com relação à cegueira, haja vista que esses são

essencialmente sociais.

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Ao discutirmos que a ênfase do ensino a alunos deficientes visuais deve estar, como

mencionado anteriormente, nas potencialidades do discente, ressaltamos o conceito de

Zona de Desenvolvimento Proximal - ZDP postulado por Vygotsky (2000 [1934]), por

entendermos que o princípio fundamental da ZDP é “[...] aquilo que potencialmente a

criança pode realizar em colaboração com pares mais experientes, atribuindo ao

aprendizado um papel revolucionário na propulsão dos processos de desenvolvimento”

(SZUNDY, 2009 p. 79). Vygotsky (2000 [1934]) define a ZDP como sendo

[...] a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma

determinar através da solução independente de problemas, e o nível de

desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros

mais capazes. (VYGOTSKY, 2000 [1934] p. 112)

Com essa explanação, compreendemos que o questionamento dos professores no

fazer pedagógico, seja ele para alunos deficientes ou não, deve ser: O que meu aluno tem

capacidade de fazer? ao invés de O que meu aluno não consegue realizar?. Isso significa

entender que todos têm possíveis não realizados7 (CLOT, 2006 apud DAMIANOVIC,

2009) esperando oportunidades para que possam desenvolvê-los, e a ZDP “[...] é um lugar,

de certa forma no qual o psicológico ou o social favorece o sujeito para que ele encontre

possibilidades não realizadas” (op. cit. p. 113).

Ao trabalhar na ZDP, o professor torna-se mediador do processo de construção de

novos conhecimentos, criando um espaço para que o aluno possa desenvolver seu

potencial. Vygosky (op. cit.) ressalta que essa mediação é realizada, principalmente, por

meio da linguagem, portanto, é através da linguagem que o professor cria um espaço de

convivência (MATURANA, 1990) onde todos possam falar, escutar e aprender.

A falta de visão não impede a criança de aprender e de ter um desenvolvimento

cognitivo natural. No entanto, se não houver uma intensificação de estímulos para com o

seu desenvolvimento, ela pode, sim, ter sua aprendizagem comprometida. A criança cega

precisa que o mundo lhe seja apresentado, e o mediador/professor é aquele que vai estreitar

as relações da criança com o meio.

1.2.2. Discutindo aspectos afetivos na escola inclusiva

7 Nesse trabalho entendemos os possíveis não realizados discutidos por Clot (2006), como sendo aquilo que

o indivíduo é potencialmente capaz de realizar.

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Como mencionamos na abertura dessa seção, Vygotsky (2008 [1934]) assevera que

os processos cognitivos e afetivos são imbricados, uma vez que “[...] cada ideia contém

uma atitude afetiva transmutada com relação ao fragmento da realidade ao qual se refere”

(p. 09), ou seja, no desenvolvimento e construção de conhecimentos, as atitudes afetivas

estão presentes. A esse respeito, Vygostky (1987 [1934]) defende ainda que, quando

estamos realizando algo que é importante para nós, as emoções são frequentemente muito

mais profundas e significativas (apud KOHL, 1992). Assim sendo, os saberes –

construídos e negociados na/pela linguagem – são desenvolvidos a partir de relações

interpessoais permeadas por ações afetivas.

Nessa linha de raciocínio, Stern (1992, p.85) define afetividade como sendo o

“envolvimento do ego, isto é, a relação entre o indivíduo e as atividades em questão” (apud

CASTRO, 2007 p. 190). Esse envolvimento do ego (ego involvement) revela o que o

sujeito faz em relação à atividade ou conhecimento em que está inserido e a significação, o

papel que essa atividade ou conhecimento desempenha na sua vida (op.cit.). Tal

significação é estabelecida no contexto sócio-histórico em que o indivíduo se encontra, ou

seja, é a cultura que constrói valores e conceitos. Segundo Vygotsky (1991 [1934]), a

afetividade também é construída pelo entorno social, por isso ele ressalta que

[...] nossos afetos atuam em um complicado sistema com nossos

conceitos e quem não souber que os ciúmes de uma pessoa relacionada

com os conceitos maometanos de fidelidade da mulher são diferentes dos de outra relacionada com um sistema de conceitos opostos, não

compreende que este sentimento é histórico, que de fato se altera em

meios ideológicos e psicológicos distintos (p. 87, apud KHOL e REGO

2003, p. 22)

Concluindo esse pensamento de Vygostky, Khol e Rego (op. cit. p. 25) assinalam

que “[...] os seres humanos operam em conceitos culturalmente construídos que

constituem, representam e expressam não só seus pensamentos, mas também suas

emoções”. Essa ideia revela que, por sermos seres essencialmente sociais, nosso

desenvolvimento cognitivo também ocorre em sociedade. É no relacionar-se com o outro,

portanto, que construímos o nosso mundo individual, um mundo que depende, como

ressaltam Maturana e Varela (2001), da aceitação desse outro, e do outro como um

participante ativo do meio em que se encontra, a fim de que as experiências sejam

estabelecidas nas trocas interativas.

Outra constante do pensamento vygotskyano sobre a afetividade e também ressaltado

por Khol e Rego (op. cit.) é o de que o indivíduo deve ter domínio sobre suas emoções, não

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para anulá-las, mas para refiná-las e saber direcioná-las da melhor maneira. Essa posição

também é encontrada nos textos de Castro (op.cit.) ao ressaltar, com base em Stern (op.

cit.), que o aluno necessita ser consciente das suas emoções de modo a poder ter certo

controle sobre elas, a fim que não se tornem barreiras afetivas, impedindo-o de aprender.

No ensino para deficientes visuais nas escolas regulares, essas barreiras afetivas se

constituem, também, como barreiras à inclusão. Isso ocorre porque muitas vezes a

visibilidade do aluno não vidente está apenas na sua deficiência, sendo o mesmo

estigmatizado, tido como o diferente, que chama a atenção e é incapaz. Esse

posicionamento pode afetar fortemente a auto-imagem do aluno no contexto social em que

está inserido e, consequentemente, na sua aprendizagem escolar, uma vez que o mesmo

pode, por exemplo, não se envolver com o objeto de estudo (envolvimento do ego) por

achar realmente que não é capaz de aprender. A esse respeito, Vygotsky (1994, p.13)

assevera que “[...] o rótulo e a noção de „defeituoso‟ fixado ao cego”, bem como uma

educação orientada para sua invalidez devem ser eliminados, pois a habilidade da pessoa

cega para adquirir conhecimento é basicamente a mesma de uma vidente. Com isso,

entendemos que a formação de uma auto-imagem positiva é necessária para que o

indivíduo desenvolva um sentimento de pertencimento com relação ao meio no qual está

integrado; um sentimento de aceitação no conviver com o outro.

Nesse processo, quando aceitamos o outro como parte ativa do nosso grupo, estamos

aceitando a nós mesmos como parte do mundo desse outro, ou seja, este é um processo de

reconhecimento e aceitação mútua. A esse respeito, Maturana e Varela (1995) ressaltam

que aceitar o outro é aceitar a si mesmo “[...] em todas as dimensões que atualmente

possam ocorrer em seu ser e que têm sua origem precisamente no todo social” (p.50).

Diante do que foi exposto e do trabalho com a proposta educacional inclusiva,

entendemos que

[...] o reconhecimento, a firmação e aceitação do outro não poderão ser

apenas termos abstratos, racionais, mas terão de ser também afetivos e

emocionais, envolvendo por inteiro a pessoa dos sujeitos implicados na

relação (ALARCÃO, 2001 p. 35 apud OLIVEIRA, 2009 p. 35-36).

Nesse contexto, os participantes da interação precisam estar pré-dispostos para

aprenderem uns com os outros, pois, como ressaltam Maturana e Varela (op. cit.), só temos

o mundo que construímos com o outro. O papel do professor em tal panorama de ensino-

aprendizagem é fundamental para a criação de um espaço afetivo, ou, nos termos de

Maturana (1990), um espaço de convivência, no qual todos os alunos sintam-se

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encorajados e capazes de aprender, um espaço em que a ênfase está nas potencialidades

dos discentes.

1. 3 - O papel do professor na escola inclusiva

Ao longo de toda a nossa discussão, a formação de professores foi um tema

recorrente, tornando-nos, de certa forma, repetitivos. No entanto, a necessidade de

ressaltarmos essa questão ocorre em virtude da impossibilidade de pensar a escola

inclusiva sem refletir sobre a formação dos docentes, uma vez que eles são mediadores da

relação aluno-aprendizagem. Por isso, além das nossas reflexões anteriores, dedicamos

essa seção para a discussão desse assunto.

Segundo Oliveira (2009, p. 13), a presença de alunos com necessidades educacionais

especiais em sala de aula pode causar no professor “[...] um grande conflito interno e uma

sensação de incompetência profissional, revelada através dos sentimentos de rejeição,

angústia, desprazer e muitas vezes de paralisação”. Podemos dizer que esse conflito

explode de maneira ainda mais intensa, quando o professor não tem formação adequada

para trabalhar com seu aluno. Ao relatar sua experiência com um aluno autista, por

exemplo, uma professora8 revela que seu trabalho

...foi mui/muito assim: foi muito sufocante: porque não tinha assim:: não tinha nenhuma

preparação... nunca tive nenhuma preparação pra lidar com esse tipo de aluno... então...

sufocante: agonizante: MAS deu pra superar [grifo nosso]

A voz da professora nos revela o conflito pelo qual ela estava passando, a ponto de

classificar sua experiência como sendo sufocante e agonizante. Isso, segundo a própria

docente, foi decorrente, principalmente, da falta de preparação para lidar com seu aluno.

Diante dessa situação, ressaltamos que o professor necessita de formação adequada, por

mínima que seja, para que sirva como base na construção de um espaço onde o processo de

ensino-aprendizagem ocorra de maneira desafiadora, mas prazerosa.

A professora colaboradora da nossa pesquisa, também nos revela sua falta de

formação para lidar com alunos deficientes visuais, relatando que

Já eXISte essa política agora é preciso aperfeiçoar né? é:: dar um apoio um suporte melhor pro professor [...] nós não fomos preparados pra isso [...] na verdade a gente não recebeu orientação

nenhuma... [grifo nosso]

8 Dados coletados no âmbito do projeto de pesquisa: O ensino de língua inglesa a alunos deficientes visuais

na Escola pública: uma busca aos lugares verdadeiros (PIBIC-CNPq/ UFPB).

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O discurso da docente, mais uma vez, demonstra o quanto os professores estão

despreparados para lidar com o processo educacional inclusivo, e apesar de termos

caminhado muito com relação à garantia dos diretos de acesso e permanência dos alunos

deficientes nas escolas regulares, o professor, que tem papel crucial nesse processo, não

está recebendo a formação necessária para exercer a sua função adequadamente. Os alunos

estão entrando nas salas de aulas, porém com mestres despreparados, o que propicia um

espaço de exclusão; uma exclusão legalizada pelo discurso inclusivo.

À semelhança de Oliveira (2009), Carvalho (2007a e 2007b) também relata o fato

dos mestres alegarem que não recebem formação para atender a alunos com necessidade

educacionais. São docentes graduados em um período anterior à discussão sobre a escola

inclusiva. Dessa forma, a falta dessa discussão na formação inicial poderia, até, ser

justificada. No entanto, precisamos pensar, igualmente, na formação continuada, uma vez

que esta também se faz necessária para que a realidade de inserir o aluno na sala de aula

apenas como um lugar a mais e não fornecer o mínimo necessário para que ele possa

aprender, diminua.

Ao discutirmos essa questão, ressaltamos que os professores que se formaram antes

da política de inclusão não são os únicos a saírem da universidade despreparados para lidar

com uma realidade escolar tão complexa. Os cursos de licenciatura, atualmente, parecem,

ainda, não dar relevância a essa questão tão delicada e urgente, permitindo que os futuros

professores saiam de um curso de graduação sem conhecer os caminhos básicos para

chegar até a escola da inclusão.

No trabalho com deficientes visuais, por exemplo, a aprendizagem do Braille seria

essencial na formação dos professores de língua. Através do Braille, o professor poderia ler

o que os alunos escrevem, produzir o material para que os discentes pudessem acompanhar

a aula como todos os outros que ali estão, bem como avaliar os textos que foram

transcritos, pois muitas vezes quem faz a transcrição do texto em Braille não tem o

domínio da língua estrangeira. Isso facilitaria o trabalho do professor e contribuiria para

que ele pudesse explorar, ainda mais, as capacidades de seus alunos. A esse respeito uma

professora9 de língua inglesa que é deficiente visual ressalta que

A formação inclusiva precisa ENTRAR no currículo da Universidade... Formação INCLUSIVA...

com acompanhamento:: aprendizagem do Braille

9 Dados coletados no âmbito do projeto de pesquisa: O ensino de língua inglesa a alunos deficientes visuais

na Escola pública: uma busca aos lugares verdadeiros (PIBIC-CNPq/ UFPB).

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CAPÍTULO II – CONSTRUINDO UM PERCURSO METODOLÓGICO

Neste capítulo, apresentamos o percurso metodológico utilizado no decorrer da

pesquisa e que está organizado em quatro partes, quais sejam: a natureza e o contexto de

pesquisa, os participantes, os instrumentos de coleta dos dados e procedimentos de análise.

2.1 – A natureza e o contexto da pesquisa

Levando em conta a natureza do nosso objeto, optamos por um estudo qualitativo-

interpretativista, por nos preocuparmos, como explicam Denzin e Lincoln (2006), com a

representação do outro. Na nossa pesquisa, ao coletarmos os dados em situações reais,

além de trabalharmos na perspectiva do indivíduo situado historicamente e em interação,

incluímos a voz do outro (uma professora e dois alunos) na tentativa de compreendermos o

processo de ensino-aprendizagem da língua inglesa para deficientes visuais em um

contexto real, a saber, uma escola pública da rede estadual de ensino.

A fim de alcançarmos nossos objetivos (cf. p. 10), escolhemos como instituição

colaboradora da pesquisa, uma escola da rede estadual de ensino, localizada no município

de João Pessoa/PB. Desde 1993, a escola recebe o apoio de uma cooperativa de pais de

alunos, para a qual são destinadas 40% das vagas; os outros 60% são distribuídos para a

comunidade. Essa cooperativa colabora no suporte pedagógico, com a assessoria técnica

especializada proveniente da Universidade Federal da Paraíba - UFPB, que é oferecida

pelo Governo do Estado.

A escola tem participado de uma política de inclusão desde o ano 2000, recebendo

alunos com deficiência. Dentre esses alunos, alguns deficientes visuais começaram a fazer

parte do corpo discente da escola a partir do ano de 2008.

Com relação ao espaço físico, a escola é dotada de uma boa estrutura, com 26 salas

de aulas, laboratório de informática, biblioteca, laboratório de ciências e matemática, salas

de recursos para elaboração de projetos, duas quadras, um ginásio de esportes, um mini-

auditório e uma sala multifuncional onde os alunos deficientes têm acesso a computadores

adaptados. Nesta sala estão disponíveis computadores com programas para o uso por

deficientes visuais, com impressora Braille, permitindo que os professores produzam o

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material sem necessitar enviá-lo ao Instituto dos Cegos da Paraíba (doravante ICP), o que

pode agilizar o processo de elaboração de material.

A escola dispõe dessa sala desde 2009, no entanto, os professores só receberam

capacitação para utilizá-la adequadamente em maio de 2010, através de um curso oferecido

pela Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de Deficiência - FUNAD. Mesmo

com essa capacitação, o material utilizado pelos alunos deficientes visuais continua sendo

enviado ao ICP para ser transcrito. Nessa sala, também trabalham as professoras de

apoio10

, as quais auxiliam os alunos e confeccionam materiais adaptados de acordo com as

suas necessidades. Na escola também encontramos rampas a fim de garantir o acesso de

deficientes às dependências da escola e aos serviços na cantina, banheiros e cozinha.

No que diz respeito ao corpo docente, alguns professores, bem como uma das

coordenadoras de ensino, participaram de um curso de capacitação para trabalhar com

alunos portadores de deficiência visual. O curso foi realizado pela FUNAD, no período

entre outubro de 2009 e maio de 2010, totalizando 160 horas e abrangendo conteúdos que

foram desde os aspectos históricos da deficiência até as técnicas de leitura e escrita do

sistema Braille.

A escola também ofereceu no ano de 2009 um curso de LIBRAS, que foi realizado

nas dependências da própria escola e destinado aos professores, funcionários e todos

aqueles da comunidade que estavam interessados. Podemos dizer que todas essas ações

demonstram, por parte da escola, certo engajamento no que diz respeito ao processo de

Inclusão, o que é fundamental, pois a inclusão requer a mobilização de todos, e, apesar da

escola pública carregar todos os estigmas de algo que é de má qualidade, ela é a “[...]

escola que temos, ainda não é a escola que queremos, mas é a escola mais democrática que

conhecemos, é a escola de TODOS” (DUK, 2005 p. 75).

2.2 – Participantes

Tivemos, como sujeitos participantes da pesquisa, uma professora de Língua

Inglesa e dois alunos deficientes visuais.

10 São professoras que auxiliam os alunos na realização das atividades realizadas na sala multifuncional e

produzem material adaptado para facilitação do trabalho dos professores em sala de aula. Essas professoras

participaram do curso da FUNAD de capacitação para atuar na sala multifuncional e também para trabalhar

com alunos deficientes visuais.

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A professora colaboradora da pesquisa, doravante chamada T11

, é formada em

Letras pela Universidade Federal da Paraíba e leciona há 23 anos, com experiência de

ensino em escolas particulares e públicas, atuando, no presente momento, em uma escola

da rede estadual.

O primeiro contato da professora com alunos deficientes visuais aconteceu em

2008. Contudo, ela não recebeu nenhuma formação durante o curso de licenciatura para

trabalhar com esses alunos. Em 2009, no seu segundo ano de trabalho com não-videntes, T

lecionou para um aluno com visão subnormal e dois cegos, os quais estudavam,

respectivamente, nos 8º e 9º anos do Ensino Fundamental da escola onde desenvolvemos

esta pesquisa.

Para o trabalho que desenvolvemos, observamos dois alunos com deficiência visual

total, os quais serão, doravante, chamados, respectivamente, de O e L.

O aluno O tem 16 anos e está cursando o 1º ano do Ensino Médio na escola onde

coletamos nossos dados. Ele possui cegueira congênita e, para ajudar no seu

desenvolvimento, recebeu, antes dos cinco anos de idade, acompanhamento da FUNAD

durante três anos. A partir dos cinco anos, O passou a estudar no ICP e, atualmente,

continua participando das atividades oferecidas pela instituição.

A aluna L tem 15 anos e, assim como O, está cursando o 1º ano do Ensino Médio.

Dos três aos cinco anos de idade, ela recebeu acompanhamento da FUNAD e, a partir dos

cinco anos, passou a estudar, juntamente com O, no ICP. Com relação à falta de visão, ela,

igualmente, possui cegueira congênita, sendo importante ressaltar que seus pais, assim

como os de O, são videntes.

Esses alunos estudam no ICP12

em período oposto ao ensino da escola regular. Logo

que terminam o horário na escola, eles seguem para o instituto, onde almoçam e passam a

tarde recebendo aulas dos conteúdos ministrados na rede regular de ensino e também de

música e de esporte.

A partir das notas de campo, percebemos que O não costumava interagir em sala de

aula, limitando-se apenas a responder quando a professora fazia perguntas dirigidas a ele.

No entanto, demonstrava grande domínio do conteúdo ministrado e dedicava bastante

atenção a tudo que estava sendo dito na sala de aula. Por outro lado, a aluna L era bastante

11 A professora T participou do curso de capacitação realizado pela FUNAD, o qual mencionamos

anteriormente, para trabalhar com alunos deficientes visuais. 12 Segundo mencionaram na entrevista, O e L consideram o ensino complementar do ICP indispensável para

o desenvolvimento da aprendizagem.

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participativa, reagia às falas dos colegas e ao conteúdo ministrado, fazendo, respondendo

perguntas e tirando dúvidas.

2.3 – Instrumentos para coleta dos dados

No desenvolvimento da pesquisa, utilizamos, como instrumentos de coleta de

dados, uma entrevista, realizada com a professora colaboradora, e outra, com os alunos O e

L, bem como notas de campo compiladas a partir das aulas observadas13

. Esses dados, com

exceção da entrevista com O e L, foram coletados no âmbito do projeto O ensino de língua

inglesa a alunos deficientes visuais na escola pública: uma busca aos lugares verdadeiros

(PIBIC/UFPB), com vigência de agosto de 2009 a julho de 2010.

A entrevista com a professora T – realizada em 06.10.2009, com duração de

01h08min – visou compreender melhor as ações da professora no seu fazer pedagógico.

Ela foi efetuada na escola onde T leciona, na qual desenvolvemos a maior parte da coleta

dos dados. A entrevista (cf. Apêndice B) foi semi-estruturada e as questões giraram em

torno do entendimento e das expectativas da professora com relação à educação inclusiva,

sua experiência com os alunos deficientes visuais, suas dificuldades e como desenvolvia

estratégias para superá-las.

Uma entrevista também foi feita com O e L (cf. Apêndice C) no dia 07 de outubro

de 2010, com duração de 01h10min. A entrevista ocorreu no Instituto dos Cegos da

Paraíba14

. Essa entrevista também foi semi-estruturada e as questões versaram,

principalmente, sobre a aprendizagem da língua inglesa tanto nesse ano de 2010, como no

ano passado na sala de aula da professora T.

Durante a observação das aulas da professora T, fizemos notas de campo e

acompanhamos 05 aulas na sala de 9º ano do Ensino Fundamental, na qual O e L

estudavam. Essas notas foram coletadas no período entre 28 de setembro e 09 de novembro

de 2009 e foram, posteriormente, reescritas em forma de relato, como cumprimento de

tarefa do projeto PIBIC, pois a escritura em forma de relato garantia a reorganização dos

fatos observados em sala, facilitando nosso entendimento sempre que precisávamos

revisitar os dados coletados.

Além dessas 05 aulas, escrevemos notas de campo de observação de 06 aulas, entre

05 de maio e 09 de junho de 201015

, quando O e L já estavam no 1º ano do Ensino Médio.

13 Cf. Termo de consentimento (Apêndice A) 14 Cf. Termo de consentimento (Apêndice D e E) 15 Nesse período, T não era mais a professora de Língua Inglesa de O e L. No entanto, não falaremos da outra

professora, pois o foco nesse momento foi, apenas, as interações dos alunos videntes com os não videntes.

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Essas notas foram coletadas durante aulas que se constituíram como cumprimento de

créditos para a disciplina Estágio Supervisionado VI, do curso de Letras da UFPB, cursada

no período 2010.1. Nesse período pudemos continuar acompanhando O e L nas aulas de

língua inglesa. Sistematizamos, no quadro que segue, os nossos instrumentos de coleta e os

dados que compõem o nosso corpus:

Quadro 2.1 - Instrumentos de coleta e os dados que compõem o corpus

2.4 – Procedimentos de análise

Procederemos, no capítulo seguinte, à análise, levando em consideração os

seguintes aspectos:

A construção de um espaço de convivência pela professora T

O redimensionamento da atenção conjunta

A aceitação de O e L

A construção do conhecimento em língua inglesa tendo como base a

mediação.

A mediação da Professora

A mediação dos colegas

A mediação das ferramentas didáticas

De maneira geral, esses aspectos buscam identificar e compreender as implicações

das instâncias de afetividade para a construção de conhecimento de O e L na disciplina de

língua inglesa.

INSTRUMENTOS DADOS OBTIDOS

Entrevista Voz da professora T sobre as suas vivências de sala de aula com alunos deficientes visuais

Entrevista Voz dos alunos O e L sobre suas experiências como aprendizes de uma língua estrangeira na escola regular

Notas de campo 05 aulas na sala de 9º ano do Ensino Fundamental da professora T

Notas de campo 06 aulas do 1º ano do Ensino Médio

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CAPÍTULO III – A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO: APRENDENDO A

SER NA ESCOLA INCLUSIVA

Neste capítulo, buscaremos realizar uma leitura das ações da professora T e das

vozes dos seus alunos. Primeiramente, ressaltaremos a construção do espaço de

convivência pela professora, através do redimensionamento da atenção conjunta e da

aceitação do outro; em seguida, discutiremos a influência desse espaço afetivo na

construção do conhecimento da língua inglesa por parte de O e L, dando ênfase ao papel da

mediação da professora, dos colegas e das ferramentas didáticas.

3. 1 – Aprendendo a viver junto: a aceitação do outro

Como discutimos anteriormente, Vygosky (2008 [1934]) postula que a cognição e o

afeto são indissociáveis (cf. cap. I). A afetividade, portanto, se constitui como parte

inerente ao processo de ensino-aprendizagem. Diante disso, a professora T cria um espaço

de convivência (MATURANA, 1990) para que todos os seus alunos possam aprender

através das interações.

3.1.1 O redimensionamento da atenção conjunta

A professora T, no trabalho com deficientes visuais, aceita esses alunos como seres

intencionais iguais a ela (TOMASELLO, 2003), com capacidades a serem desenvolvidas

ou, nas palavras de Clot (2006 apud DAMIONIVIC, 2009), com possíveis não realizados.

A partir dessa aceitação do outro, T começa a criar um espaço onde seus alunos possam

desenvolver suas potencialidades. Vejamos como a professora verbaliza sua reação ao

saber que iria trabalhar com alunos deficientes visuais:

Excerto 01

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eu vou ter que me debruçar aqui no/no/no conteúdo do livro no/no conteúdo do:/do programa e

começar a pensar como é que da/vou fazer com que essa aula chegue até meu aluno que é

deficiente visual.

Excerto 02

então eu já acordei um dia desse de manhã e disse “Como é que eu vou fazer com esse mapa?” “Eu

já sei... eu vou imprimir o mapa do Canadá e dos Estados Unidos e vou contornar com cola co (...) colorida” mas poderia ser até branca... vou contornar pra dar esse relevo e eles manusearem o mapa

A partir das falas de T percebemos que a atenção conjunta discutida nos textos de

Tomasello (cf. p. 21), que ocorre principalmente por meio do acompanhamento do olhar e

da imitação numa relação indivíduo-adulto-objeto, é redimensionada pela professora para o

que aqui chamaremos de ação conjunta. Na ação conjunta, diferentemente da atenção

conjunta, o esquema triádico (indivíduo-adulto-objeto) ocorre a partir das ações da

professora. Na relação com os discentes, T não apenas atenta para as ações e

comportamentos dos seus alunos e do objeto de ensino, o que estaria ainda no nível da

atenção conjunta, mas ela age, através da criação do espaço de convivência aceito por seus

discentes para estreitar o caminho entre eles e a língua inglesa. Vejamos, no esquema

abaixo, como esse dois processos aqui discutidos ocorrem.

ATENÇÃO CONJUNTA AÇÃO CONJUNTA

Esquema 3.1 – atenção conjunta versus ação conjunta

O agir da professora é estabelecido na reelaboração de suas aulas, nas estratégias

utilizadas para que houvesse um ambiente de igualdade e de possibilidade de

aprendizagem por parte de todos os alunos, onde todos pudessem participar ativamente.

Enfim, onde houvesse inclusão. Esse posicionamento evidencia ainda mais que a relação

entre a professora, os alunos e a língua inglesa é mais que uma atenção conjunta, mas uma

ação conjunta, um aprender a conhecer, a fazer e a conviver.

A reelaboração das aulas por parte da professora também foi percebida a partir das

notas de campo coletadas durante as observações das aulas. Vejamos como isso ocorre nas

situações 1 e 2 abaixo:

Situação 01

CRIANÇA/ INDIVÍDUO

OBJETO

ADULTO

ADULTO/ PROFESSOR

OBJETO de estudo/ensino

INDIVÍDUO/ ALUNO

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A professora colocou duas sentenças no quadro: “He is the ugliest” e “He is the uglyest” e

perguntou para O qual das frases estava certa. Ela leu as frases e soletrou os adjetivos presentes, e o

aluno respondeu: “É... é a primeira”.

Situação 02

Em uma das aulas a professora, ao fazer referência aos chineses, utilizou o termo “olhos puxados”. Nesse momento T se aproximou de O e L, com uma de suas mãos ela puxou seus olhos e com a

outra pegou a mão deles e passou na região do seu olho que estava puxado, para que eles por meio

do tato entendessem o significado de “olhos puxados”.

Na primeira situação, a professora T soletrou os adjetivos da frase para que seus

alunos pudessem perceber a diferença entre ugliest and uglyest. A leitura dessas palavras

não ajudaria muito o aluno, já que a pronúncia em inglês seria a mesma para ambas, então

ela as soletra, permitindo que O tenha acesso à informação, assim como os demais que

estão visualizando a sentença posta no quadro. Na segunda situação, T, sensível ao fato de

que O e L poderiam não entender o significado de “olhos puxados”, trabalha a questão do

tato dos alunos para que eles, por meio dessa ação conjunta, compreendessem.

Nessas situações, vemos que T, a partir do redimensionamento da atenção conjunta,

cria caminhos para que seus alunos tenham acesso ao mundo, possibilitando que a sua

inserção no nicho ontogenético (cf. p. 20) ocorra através de outros canais que não seja a

visão. Na ação conjunta, portanto, o nicho ontogenético não é negado aos alunos

deficientes visuais, permitindo que eles possam desenvolver-se da mesma maneira do

outro que está ao seu lado.

A professora T relata que seu empenho em construir um espaço onde seus alunos

pudessem aprender sem muitos entraves é decorrente da sua vontade de contribuir para o

aprendizado de seus alunos e do esforço feito por O e L. Vejamos o que a fala da

professora nos revela sobre isso:

Excerto 03

me encantei pela/pela/pela assim a força de vontade interior deles aí me levou a fazer... a

procurar caminhos e formas pra que torne a aula mais acessível [grifo nosso]

A partir do entendimento de Vygostky (1994 [1934]) de que a ênfase no trabalho

com a criança cega deveria estar na força, no mais, observamos que no ensino para

deficientes visuais a professora T ressalta, não as dificuldades sentidas pelos seus alunos,

mas sim a força, ou seja, a vontade e a capacidade que esses têm de aprender. Essa

abordagem da professora está ligada ao fato de que ela aceitou o outro ao seu lado na

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convivência, e como, defendem Maturana e Varela (2000), a aceitação do outro é a base do

desenvolvimento humano.

3.1.2. A aceitação de O. e L.

Como discutimos anteriormente (cf. cap. I), a aceitação é um processo mútuo. Com

esse entendimento, vimos na seção anterior que a professora T recebeu O e L como

participantes ativos da sua sala de aula. Nesta seção, mostramos que O e L acolhem de

maneira positiva o espaço de afetividade construído pela professora, e também aceitam a si

mesmos como membros ativos desse ambiente escolar. Vejamos, nas vozes desses alunos,

como eles descrevem sua aprendizagem com a professora T:

Excerto 04

O: Foi uma aprendizagem assim muito boa porque ela/ela assim nunca teve métodos pra ensinar a deficientes visuais... mas com o tempo ela foi se apegando a gente... foi conversando... foi

criando métodos pra trabalhar conosco [...] ela sempre arrumava algum meio de preparar

algum material...[grifo nosso]

Excerto 05

L: Ah foi demais [...] foi... foi ótimo... ótimo mesmo [...] Ela dizia muito que: ela se sentia

motivada pra ensinar a gente: por causa do esforço que a gente fazia pra aprender... só que uma coisa puxa a outra... ela também ajudou MUITO isso...ela era uma professora que buscava

MUITO assim... sempre buscava métodos pra: que a gente pudesse aprender mais e mais a cada dia

[grifo nosso]

Os alunos relataram que a professora nunca teve métodos, mas que com o tempo ela

foi se apegando e foi criando métodos para trabalhar com eles, o que os ajudou MUITO.

Com esse relato, temos o reconhecimento, por parte desses alunos, do espaço construído

pela professora para que eles pudessem se desenvolver. O reconhecimento vem

acompanhado da aceitação desse ambiente criado pela professora ao revelarem que a

aprendizagem na sala de aula de T foi assim muito boa, foi demais, foi ótimo, ótimo

mesmo. Além disso, percebemos que o esforço para a criação do vínculo afetivo, ou seja,

para a aceitação do outro, vem de ambos os alunos e a professora, pois T se sentia

motivada para ensinar por causa do esforço que eles tinham em aprender, e segundo L,

uma coisa puxa a outra, ou seja, eles também se sentiam motivados por conta do empenho

da professora em ensinar.

Nesse processo de aceitação, os alunos reconhecem que o outro, ou seja, a

professora os tem como participantes ativos do meio e, portanto, identificam-se como tal.

Essa percepção de “[...] como os outros se sentem em relação a mim” (cf. p. 22) é, segundo

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Tomasello (2003), fundamental para que os indivíduos possam se sentir parte do grupo em

que foram incluídos. Vejamos, no excerto a seguir, como L se sente na aula de língua

inglesa a partir do entendimento de que T a considera parte ativa daquele meio:

Excerto 06

L – Eu era animada... eu interagia com TUDO... [grifo nosso]

A partir do momento que T cria um espaço onde o foco está nas potencialidades

dos discentes, pode-se dizer que L reconhece que a ação da professora reflete uma imagem

positiva que ela tem em relação aos seus alunos. A nosso ver, isto significa que ela os tem

como aprendizes capazes, assim como os demais que se encontram na sala de aula.

Consideramos que esse reconhecimento de como T concebe seus alunos, contribuiu para

que L se sentisse animada e interagisse com TUDO, ou seja, as ações da professora

colaboraram, como mencionado anteriormente, para a motivação dos seus alunos em

aprender. Vejamos outros excertos que revelam o quanto a criação do espaço afetivo pela

professora contribuiu para o desenvolvimento dos seus alunos:

Excerto 07

O: Não tive tantas dificuldades o ano passado nem o ano retrasado que foi quando eu comecei a

estudar com a professora T [...] ela foi uma pessoa essencial né? Colaborou muito... nunca deixou

de dar atenção a gente... [grifo nosso]

Excerto 08

O: ela tentou conseguir materiais... foi em busca na internet [...] aí se tornou mais fácil porque ela buscou o mais rápido possível que ela pode pra ensinar a gente... [grifo nosso]

Excerto 09

L: com a professor a T eu não me perdia... primeiro porque ela tinha muito domínio de sala de

aula... segundo como eu disse ela sempre tava do nosso lado [grifo nosso]

Vemos, nos excertos supracitados, que o ambiente desenvolvido pela professora T,

através da reelaboração de suas ações, da busca por materiais que lhe dessem suporte nas

atividades e, consequentemente, do redimensionamento de atenção conjunta, como citamos

anteriormente, colaborou para que a aprendizagem de seus alunos fosse mais fácil, sem

tantas dificuldades e para que eles não se perdessem na busca pelo conhecimento. Dessa

forma, percebemos que o agir em prol do outro por parte da professora foi reconhecido

pelos seus alunos que se sentiram realmente incluídos. Vejamos situações da sala de aula

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que mostram o quanto os alunos sentiam-se à vontade para interagir com a professora e

com o conteúdo ministrado:

Situação 03

A professora T estava revisando o passado dos verbos e perguntou para a turma

T – “Passado expressa uma ação que o quê?

L – “Que aconteceu” A professora explica que o Present perfect é formado pelo verbo “to have” mais o particípio

passado dos verbos

T – “O present perfect é formado pelo verbo?” L – “Have.”

T – “E pra he, she e it?”

L – “Has”

Situação 04

Em uma dinâmica de meninos contra meninas, a professora perguntou para uma menina o verbo utilizado para dar conselhos, porém a aluna não sabia responder, T passou para as outras meninas,

mas elas também não sabiam. Dessa forma, a professora disse que iria perguntar para os meninos

porque as meninas não sabiam, porém L reclama:

L: Já perguntou a todas as meninas? A professora disse que faltou perguntar a L, e pede para que ela responda

L: Qual é a pergunta?

T: O verbo usado para dar conselhos? L: Eu sei!

T: Diga

L: Should

Com esses excertos, percebemos que os alunos não só reconheciam e aceitavam o

ambiente afetivo criado pela professora T, como também tiravam proveito desse ambiente,

interagindo, perguntando e tirando dúvidas. Como o aprendizado é um processo conjunto

de construção, podemos dizer que a professora também aprendia com seus alunos que, por

sua vez, devido ao espaço propício às relações entre professor e aluno, sentiam-se à

vontade para também ajudar a professora. Vejamos nas falas de O como isso acontecia:

Excerto 10

O: ela fazia o máximo possível pra que a gente participasse das aulas... até as aulas mais difíceis

que ela as vezes dizia até dizia “pôxa eu num sei como é que vocês vão participar” “eu tô com

dificuldade de elaborar alguma coisa pra vocês” mas ela sempre fazia alguma coisa [grifo nosso]

Excerto 11

O: a gente também dava ideias pra é:: pra abrilhantar mais o trabalho dela... porque a professora T é uma pessoa muito esforçada... ela sempre buscava meios... como eu disse... pra

trabalhar conosco [grifo nosso]

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Nesses excertos percebemos que as dificuldades sentidas pela professora,

decorrentes, até certo ponto, da falta de formação para trabalhar com alunos deficientes

visuais, eram muitas vezes superadas pelos próprios alunos que forneciam ideias para

abrilhantar o trabalho da docente. Diante disso, podemos dizer que o espaço de

convivência era um espaço de construção mútua do saber, onde professor e aluno puderam,

aos poucos, modelar maneiras de fazer, de aprender, de conviver e de ser.

3.2 – Aprendendo a conhecer e a fazer na aula de língua inglesa

As discussões de Vygostky (1994, 2000 e 2008 [1934]), Tomasello (2003) e

Maturana e Varela (1995 e 2001) apontam para um entendimento de que o conhecimento é

construído nas interações sociais, ou seja, é na relação com o outro que nos desenvolvemos

e aprendemos. Nesse panorama, a aprendizagem de língua estrangeira só ocorre em um

contexto social, onde os alunos possam aprender com outras pessoas.

3.2.1 - A serviço da mediação

A partir da discussão anterior de que o mundo que temos é aquele construído nas

interações sociais, entendemos com base em Vygostky (2000 [1934]), que essa relação do

indivíduo com o mundo é feita por meio da mediação, seja de instrumentos materiais (livro

didático, quadro etc.) ou simbólicos como a linguagem. Essa mediação, ainda segundo o

autor, ocorre por meio de um adulto ou de qualquer outro par mais experiente, desde que

atuem na ZDP do outro, ou seja, naquilo que o outro potencialmente pode realizar.

Na construção do conhecimento da língua inglesa por parte dos alunos deficientes

visuais, por exemplo, entendemos que a mediação se constitui como princípio fundamental

no processo de ensino-aprendizagem, pois é ela que ajuda o aluno a construir

conhecimento através da exploração da sua ZDP. Dessa forma, discutiremos até que ponto

a professora, os colegas e as ferramentas didáticas exerceram a função de mediadores no

processo de aprendizagem da língua inglesa por parte dos alunos deficientes visuais.

3.2.1.1 – A professora

No contexto escolar, o professor se constitui como um dos mediadores entre o

aluno e objeto de estudo, pois é, principalmente, através das suas ações que a prática

pedagógica é orientada. A professora T se constituiu como mediadora, exercendo um papel

fundamental no processo de aprendizagem de seus alunos deficientes visuais, pois, como

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discutimos anteriormente, ela aceitou O e L como alunos capazes de atuar ativamente no

ambiente escolar. A partir de então, como já mencionado, ela começou a criar um espaço

onde esses alunos puderam desenvolver suas potencialidades. Vejamos excertos em que os

alunos revelam essas ações mediadoras da professora:

Excerto 12

L: se ela fosse copiar um negócio no quadro ela explicava “Ó L eu tô”... se ela fosse por exemplo

dar um passo pra direita... qualquer coisa que ela fosse fazer ela sempre dizia pra gente... como um

tradutor entendeu? [grifo nosso]

No excerto acima, L revela o papel mediador desempenhado pela professora T ao

ressaltar que ela atua como um tradutor. Ao entendermos que, no processo de tradução, o

tradutor é aquele que se encontra mediando a relação entre, pelo menos, duas línguas, a

descrição posta por L da professora como sendo uma tradutora, coloca T entre os alunos e

o objeto de estudo (a língua inglesa). Nessa discussão, podemos arriscar que, ao utilizar o

termo tradutor, L concebe que a professora T age, “traduzindo o mundo” para que eles

pudessem ter acesso às informações, ao conhecimento. Vejamos, nos excertos que seguem,

como ocorre essa tradução realizada pela professora:

Excerto 13

O - ela sempre buscava meios [...] pra trabalhar conosco [...] ela fazia de tudo pra incluir a gente

que não enxerga [grifo nosso]

Excerto 14

L: ela sempre tava do nosso lado... ela sempre perguntava “você entendeu?” “Ta com dúvida?”

[grifo nosso]

Excerto 15

L: ela falava pra gente letra por letra... ela sempre perguntava se a gente entendia o assunto... se a

gente não entendia ela voltava [grifo nosso]

Percebemos nas vozes dos discentes que a professora T buscou meios para diminuir

a distância entre os alunos e o conteúdo, ou seja, buscou caminhos que permitissem a seus

alunos desenvolverem suas capacidades. Nessa busca por espaços propícios à

aprendizagem de O e L, as ações de T eram acompanhadas pela linguagem: ela falava,

explicava, dizia, perguntava para os alunos, a fim de que eles não perdessem nada do que

estava acontecendo na sala de aula. Nesse contexto, podemos dizer que a linguagem

utilizada pela professora se constituiu como um signo mediador entre os alunos e a língua

inglesa, o que revela o pensamento de Vygotsky (2008 [1934]) ao ressaltar que o

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desenvolvimento “[...] requer um sistema mediador, cujo protótipo é a fala humana” (p.

07).

Ao ressaltamos a importância da fala, retomamos o posicionamento de Vygotsky

(1994 [1934]), no qual ele assevera que o principal canal compensador da falta de visão,

não é a audição ou o tato, mas, sim a fala, pois é através desta que os deficientes visuais

vão ter acesso às informações do mundo, vão poder interagir, e, assim, construir

conhecimento. A esse respeito, L ressalta que para a aula acontecer:

Excerto 16

L – tem que haver a interação com o professor e com o aluno

Essa assertiva da aluna corrobora o pensamento de Vygotsky (1994 [1934]) de que

a fala é compensatória das dificuldades decorrentes da cegueira, ao revelar que a interação

efetiva é indispensável no processo de aprendizagem da língua inglesa. Além do uso da

fala, a professora mediava a relação dos alunos com o inglês por meio da adaptação das

atividades que ela realizava na sala. Vejamos no quadro adiante, algumas dessas

adaptações.

ATIVIDADES REGULARES PARA A TURMA ADAPTAÇÃO DA ATIVIDADE Uso de atividade de listening (com o CD do livro) e uso de cartaz com ilustrações de

frutas, verduras e outros gêneros alimentícios

como açúcar, arroz e sal

Uso de frutas, verduras, saquinhos de açúcar, sal, feijão e arroz (realia) Solicitação do toque pelos alunos portadores

de deficiência visual Jogos de memória Descrição, para os alunos deficientes visuais,

das figuras contidas nos jogos de memória Atividade do recorte de peças do vestuário em

revistas 1. Auxílio individual ao aluno para

localização e recorte das figuras nas revistas

2. Utilização de cartões com camurça no

formato das peças de vestuário

Uso de imagens nas atividades escritas Descrição das imagens em Braille

Atividade com cartões postais Descrição oral das imagens contidas no cartão postal

Atividade com mapas Mapas contornados em relevo

Quadro 3.1: Adaptação das atividades realizadas por T16

Por meio dessas adaptações, a professora T estava atuando na ZDP dos seus

discentes, uma vez que trabalhava a partir do que O e L eram capazes de realizar. Dessa

16 Esse quadro foi adaptado do relatório parcial do projeto PIBIC: O ensino de língua inglesa a alunos

deficientes visuais na Escola pública: uma busca aos lugares verdadeiros, com vigência entre 2009 e 2010.

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forma, T construía um ambiente afetivo, mediando seus alunos a desenvolverem o que

potencialmente sabiam, ou seja, ela mediava os alunos para que alcançassem seus possíveis

não realizados Clot (2006 apud DAMIONIVIC, 2009). Essa mediação da professora

contribuía para que seus alunos construíssem conhecimento na língua inglesa e também

para que se sentissem, realmente, incluídos naquele contexto em que se encontravam.

Vejamos, na voz de O, o reconhecimento de que as ações mediadoras da professora

criavam um espaço inclusivo:

Excerto 17

O: ela nunca deixava a gente sem fazer nada [...] fazia o máximo possível pra que a gente

participasse das aulas [...] ela fazia de tudo pra incluir a gente que não enxerga

O excerto acima nos revela que a mediação de T fez com que a presença de O e L

na sala de aula representasse uma participação ativa e dinâmica, pois ela nunca os deixava

sem fazer nada, fazia o máximo para que eles participassem das aulas, para que realmente

fossem incluídos. Nesse contexto, podemos dizer que na sala de aula da professora T

houve uma concretização do pensamento vygotskyano postulado na URSS, para uma

educação inclusiva.

3.2.1.2 - Os colegas

A mediação, como ressaltamos anteriormente, não ocorre apenas por meio de um

adulto, haja vista que todos que estão na convivência podem se constituir como mediadores

(ou pares) da construção do conhecimento. No ambiente da sala de aula, portanto, os

colegas também atuam como mediadores uns dos outros no processo de aprendizagem e

essa mediação ocorre através das interações, sejam elas conflituosas ou harmônicas.

Na interação conflituosa, a mediação não deixa de existir, pelo fato de que cada

indivíduo tem algo a acrescentar na construção do mundo do outro. Com esse

entendimento, ressaltamos que os colegas de O e L, apesar de demonstrarem ter uma

relação conflituosa, desempenharam o papel de mediadores no processo de construção do

conhecimento. Vejamos, no excerto abaixo, como O relata a cooperação de seus colegas:

Excerto 18

O: uma turma de trinta e cinco alunos geralmente só o que? Uns cinco seis que ajuda e o resto só faz

bagunçar... é:: tirar nosso raciocínio

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Na fala de O, percebemos que a grande maioria dos alunos parece não querer

contribuir com os deficientes visuais, já que, de uma turma de 35 alunos, só cinco ou seis

ajudam. A maioria, além de não demonstrar colaboração de maneira explícita, ainda tende

a dificultar a aprendizagem daqueles que não enxergam pois, em vários momentos, as

ações desses alunos tornaram-se barreiras para aprendizagem de O e L. Vejamos mais

excertos que revelam essa situação:

Excerto 19

O: as vezes é::: só faz atrapalhar:... na questão mesmo quando algum professor tá explicando

alguma coisa difícil pra gente... tá ditando algum trabalho... tem gente que conversa muito... que a/ao invés de ajudar só faz atrapalhar

Excerto 20

L: uma coisa que eu enfrento MUITO [...] é a zuada em sala de aula... os alunos não têm respeito

Vemos nas vozes dos alunos que uma das principais dificuldades geradas pelos

seus colegas é a questão do barulho na sala, os alunos parecem não ter respeito à

necessidade dos seus colegas que não enxergam, pois, quando a professora está explicando

o conteúdo, eles não fazem silêncio para que O e L possam se concentrar e apreender o que

está sendo explanado. A audição se constitui como um dos principais canais de acesso às

informações do meio, compensando a falta de visão, nesse contexto, os ruídos funcionam

como um elemento inibidor desse canal de compensação. Vejamos, na voz da professora T,

o que ela relata sobre esse aspecto:

Excerto 21

T: na hora que eu tô aqui: os alunos às vezes não cooperam... eles tão é::: dispersos não tão

contribuindo pra que... a aula aconteça com os meninos

A própria professora revela essa falta de disposição por parte da maioria dos alunos

videntes para contribuir com a aula, pois, enquanto ela está explicando o conteúdo para O e

L, os outros alunos não estão cooperando para que a aula aconteça. Durante as observações

das aulas, pudemos perceber várias situações em que os alunos videntes demonstravam

essa atitude:

Situação 05

L – Ô professora manda esse menino calar a boca A1 – Você fala demais

L – É... repara se eu tiro nota baixa

A1 – Você fala demais

(A professora tinha dado as notas e estava comentando sobre os alunos que estavam precisando de nota, nesse momento a aluna L disse o que era necessário para passar)

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L - só fazer os exercícios,... e se comportar

A2 – Comportamento não tem nota

L – Tem sim.

Situação 06

(A turma estava fazendo muito barulho nesse dia e a aluna L não estava conseguindo apreender o

que a professora estava explanando).

L: Ei povo, faz silêncio!

Cala a boca! (4 vezes durante aula) Cala a boca minha gente, que falta de educação!

Situação 07

(A professora faz uma pergunta para a turma só que L não entende por conta do barulho que estava muito grande, então ela pede para que a professora repita a pergunta para que assim possa

responder)

L: Qual é a pergunta?

T: O verbo usado para dar conselhos?

L: Eu sei! T: Diga

L: Should

A1: Vale não

L: Vale A1: Ela não sabia nem a pergunta

L: Sabia que ela (professora) disse pra mim

A1: Mas só agora

Nas três situações diferentes, vemos que a questão da falta de silêncio é muito

marcante nas vozes dos discentes. Os alunos videntes fazem muito barulho a ponto de L

pedir a colaboração dos colegas seis vezes durante uma aula de 45 minutos. Nessa última

situação, a aluna L não tinha entendido a pergunta da professora devido à conversa dos

colegas, só que um dos alunos não aceitava que a professora tivesse repetido a pergunta

para L. Nesse contexto de não colaboração, podemos arriscar dizer que falta

conscientização por parte dos alunos que, por estarem na adolescência, tendem a serem

individualistas, não respeitando as necessidades dos outros. Também ressaltamos que esses

alunos parecem ainda não aceitarem o outro na convivência como um ser capaz, igual a

eles, com potencialidades a serem desenvolvidas. Para ilustrar esse nosso pensamento,

vejamos uma situação de sala de aula que revela o que acabamos de discutir:

Situação 08

(Uma dinâmica sobre o que os fazia Happy (felizes) e Unhappy (infelizes). Ao longo das respostas,

a aluna L. respondeu que fazer provas a fazia unhappy e disse que preferia seminários. Vejamos como os outros alunos reagem a essa assertiva de L)

A1: Você diz isso porque nos seminários vocês podem ler e a gente não

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L : Nunca minha filha, nunca que a gente ler

A1: Ler sim

(todos os alunos fazendo barulho e dizendo que sim)

L: Eles dizem isso porque eles têm INVEJA da gente, porque os professores dão mais atenção à gente porque a gente é deficiente

(a turma toda vaiou a mesma nesse momento)

A2: Mas repara só se eu vou ter inveja DISSO

Na última fala da situação oito, o “DISSO” proferido pelo aluno parece vir

carregado de conotações preconceituosas ou de menosprezo pela deficiência de L, o que

reforça a ideia de que grande parte dos alunos videntes ainda está muito ligada ao aspecto

da deficiência dos seus colegas, não os aceitando como participantes ativos do grupo em

que se encontram. A esse respeito, Vygotsky (1994 [1934]) ressalta que a ênfase na

deficiência deve ser eliminada, pois os deficientes visuais são capazes de aprender tanto

quanto os videntes.

Diante da nossa exposição, percebemos que os alunos, como mencionado

anteriormente, vivenciam uma relação ainda conflituosa, o que poderia nos conduzir ao

pensamento equivocado de que não contribuem para a aprendizagem uns dos outros. No

entanto, ressaltamos que é por meio das interações que os alunos, videntes e não-videntes,

vão construindo saberes, pois esses trocam experiências, dividem opiniões, compartilham

conhecimento e vivenciam as diferenças uns dos outros, o que, indiscutivelmente, vai

formando o mundo de cada um. Dessa forma, entendemos que a sala de aula propicia um

ambiente em que todos são mediados e também mediadores do saber, por isso defendemos

que a proposta da educação inclusiva é, em sua essência, um grande passo para que todos

tenham a oportunidade de crescer nas interações com os outros, para que possam, como

ressalta L:

Excerto 22

L: mostrar [...] não só as dificuldades... mas as capacidades também

3.2.1.3 - As ferramentas didáticas

Nesse contexto de mediação, as ferramentas didáticas também se constituem como

mediadoras do processo de aprendizagem. São instrumentos físicos ou simbólicos que

contribuem para estreitar o caminho do aluno até o conhecimento. No trabalho com O e L,

a professora T utilizou várias ferramentas que serviram como mediadoras. Vejamos no

quadro que se segue alguns exemplos desses instrumentos utilizados por T:

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FERRAMENTAS DIDÁTICAS AÇÃO MEDIADORA 1 - Mapa contornado em revelo 1 - Compreender por meio do tato as divisões

dos mapas 2 - Imagens descritas em Braille 2 – Construir uma imagem mental da figura

por meio da descrição desta 3-Figuras recortadas no formato de roupas 3 – Perceber o formato das roupas e

compreender o vocabulário 4 - Palavras soletradas 4 – Ter acesso à forma escrita da palavra 5 - Adjetivos curtos e longos explicados por

meio do toque 5 – Compreender os tipos de adjetivos

6 - Estratégia do pulinho no espaço entre uma

palavra e outra na correção oral de atividades 6 – Perceber quando uma palavra termina e

começa e consequentemente compreender a

frase como um todo 7 - Papel camurça no formato de roupas 7 – Reconhecer as peças de roupa por meio do

tato 8 - As fileiras da sala utilizadas para ensinar

direções 8 – Compreender as direções

9 - Frutas, verduras e cereais (realia) 9 – Reconhecer frutas, verduras e cereais por

meio da experiência tátil e compreender o

vocabulário

Quadro 3.2: Ferramentas didáticas para mediação

Vemos, no quadro anterior, que vários foram os instrumentos mediadores presentes

na construção do conhecimento de O e L. Os próprios alunos reconheceram a importância

dessas ferramentas no processo de aprendizagem. Vejamos o que eles dizem:

Excerto 23

L: no caso da roupas quando a gente estudava inglês... ela pegava fazia as roupas assim: em forma

de papel... assim papelão pra gente poder sentir: pra gente poder entender [grifo nosso]

Excerto 24

O: por exemplo quando era assim:: trabalho de/de foto com mapa... desse tipo que é um pouco

complicado ela [...] tentava fazer alguma coisa em alto relevo já pra gente fixar melhor [grifo

nosso]

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Percebemos, nas vozes dos alunos, que as ferramentas didáticas serviram como

mediadoras para que eles pudessem sentir, entender e fixar melhor o conteúdo explanado.

Isto é, contribuíram para que O e L desenvolvessem um conhecimento mais concreto. A

exploração do toque, por exemplo, favorecia para que os discentes construíssem imagens

mentais e conceitos mais precisos daquilo que estava sendo exposto. Enfim, entendemos

que a professora, os colegas e as ferramentas didáticas foram mediadores do conhecimento

construído por O e L, e também da construção de uma escola que, aos poucos, busca ser

inclusiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a análise que realizamos, foi possível compreender melhor como se configura

o processo de ensino-aprendizagem da língua inglesa para alunos deficientes visuais no

contexto específico do nosso estudo. As ações da professora colaboradora nos revelam a

criação de um espaço afetivo onde seus alunos sentiam-se membros da comunidade escolar

em que se encontravam, passando, de fato, a construírem conhecimento.

Nesse trabalho, objetivamos responder duas questões de pesquisa e, por isso, as

retomamos aqui, a fim de sistematizarmos melhor nossas reflexões finais.

1- De que modo as ações da professora investigada evidenciam a dimensão afetiva no seu

fazer pedagógico?

2- Até que ponto essas ações contribuem para o processo de ensino-aprendizagem da

língua inglesa a alunos deficientes visuais?

As ações da professora T demonstram a dimensão afetiva no seu fazer pedagógico,

a partir do momento em que ela aceita O e L como participantes ativos da sua sala de aula,

com capacidades a serem desenvolvidas como qualquer outro aluno que ali estava. Com

essa aceitação, ela começa a redimensionar suas aulas, na tentativa de explorar as

potencialidades dos alunos e de fazer com que eles se sentissem, realmente, incluídos.

Essas ações contribuíram para o processo de ensino-aprendizagem da língua

inglesa de O e L, à medida que foram construindo um espaço em que os próprios alunos

sentiam-se parte ativa da aula, onde podiam interagir com os colegas e com a professora e,

por meio das adaptações das atividades realizadas, tinham acesso ao conteúdo ministrado,

assim como todos os outros alunos. As ações da professora, portanto, se constituíram como

mediadoras entre seus alunos e o conhecimento nesse contexto tão obscuro que ainda é o

da educação inclusiva.

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Por fim, ressaltamos a importância da presença da educação inclusiva nos

programas dos cursos de licenciaturas, a fim de que os professores não saiam tão

despreparados para lidar com alunos que possuem necessidades educacionais especiais,

levando em consideração que, no momento atual, a carência de uma discussão sobre esses

aspectos na formação inicial ainda é muito grande. Esperamos, assim, a conscientização

por parte da sociedade e da comunidade acadêmica e escolar de que a educação inclusiva

só poderá de fato ocorrer quando houver a mobilização de todos os envolvidos, e o

entendimento de que ninguém é incapaz de aprender. Enfim, desejamos que nosso trabalho

contribua para ressaltar que o deficiente visual vive num mundo normal como nós

vivemos, assim trazemos a voz de L, que inspirou o título do nosso trabalho, ao descrever

sua relação com seus colegas de turma como sendo

Anormal... é porque assim: eles não... alguns até tentam.... eu acho que:: sei lá: eles acham “não é:

essas pessoas são deficientes visuais”... acham que são pessoas de outro mundo... mas não é... a

gente vive num mundo normal como eles vivem... é tudo normal... só que eu acho que eles não

encaram isso como sendo uma coisa normal.

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APÊNDICES

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Apêndice A – Termo de consentimento da professora T

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Apêndice B - Roteiro para entrevista com a professora T

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1- Há quanto tempo você está lecionando turmas que possuem alunos com deficiência

visual?

2 - Quantos alunos com deficiência visual você tem em sua sala de aula?

3- Você sabe ler e/ou escrever em Braille? Caso sim, você se comunica com os alunos por

meio do Braille?

4 - Você recebeu/ recebe (formação continuada) algum tipo de formação para trabalhar

com alunos portadores de deficiência ou alguma orientação da escola para receber esses

alunos em sala de aula?

5- Antes de ensinar esses alunos com deficiência visual, você já teve outras experiências

com alunos portadores de alguma deficiência? Se sim, qual era a deficiência e como foi à

experiência?

6- Quais as principais dificuldades que você se depara hoje e como faz para superá-las?

7- No trabalho com os alunos com deficiência, quais as pressões internas e externas que

você sofreu/sofre?

8- Foi realizado algum trabalho de conscientização com os alunos não portadores de

deficiência?

9- Qual foi a reação dos alunos não portadores de deficiência ao receberem esses alunos

com deficiência visual na sala de aula?

10- Quais as estratégias de ensino que você utiliza para promover a integração entre os

alunos portadores e não portadores de deficiência?

11- Você acredita que é necessário que esses alunos recebam atendimento educacional

especializado, além das aulas do ensino regular?

12- O que mudou na sua prática educativa depois da experiência de ensinar crianças com

deficiência visual?

13- Você vê alguma mudança/perspectiva futura em relação a uma política de inclusão dos

alunos deficientes visuais na escola regular?

14- Você é em prol do movimento de integração dos alunos com necessidades especiais?

Por quê?

Apêndice C – Roteiro para entrevista com O e L

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1 – Com relação à falta de visão, você nasceu cego ou veio a perder a visão por algum

motivo?

2 – Durante quanto tempo você recebeu acompanhamento da FUNAD?

3 – Há quanto tempo você estuda no Instituto dos Cegos?

4 – Quais as disciplinas que você considera serem mais fáceis? Por quê?

5– Que conteúdos em língua inglesa você considera mais fáceis e quais os mais difíceis?

Por quê?

6 – Como foi sua aprendizagem do inglês na sala de aula da professora T, no ano passado?

7 – Como você faz para aprender a língua inglesa?

8 – Quais as atividades que você considera serem ideais na sala de aula?

9 – Que tipo de atividades você acha que deveriam melhorar, pois não funcionam na sala

de aula com deficientes visuais?

10 – Quais as dificuldades que você enfrentou e ainda enfrenta na escola?

11 – Como é sua relação com os colegas de turma?

12 - Você considera importante estudar em escolas regulares? Por quê?

13 – Você acha que o ensino da escola regular é suficiente para você ou você precisa do

ensino complementar do Instituto dos Cegos ? Por quê?

14 - Como você analisa o processo de inclusão, a inclusão está de fato acontecendo?

15 – Como é você na aula de Língua Inglesa

Apêndice D – Termo de consentimento de O

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Apêndice E – Termo de consentimento de L

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