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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO E ARTES
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
COORDENAÇÃO DE RADIALISMO
SKATE OR DIE: A CULTURA DO SKATEBOARDING
E A SUA INFLUÊNCIA NA EDIÇÃO DE STREET PARTS
ANDERSON LUIZ AMORIM MARQUES
CUIABÁ – MT
2018
ANDERSON LUIZ AMORIM MARQUES
SKATE OR DIE: A CULTURA DO SKATEBOARDING
E A SUA INFLUÊNCIA NA EDIÇÃO DE STREET PARTS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Departamento de Comunicação Social da
Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito
para obtenção de título de Bacharel em Comunicação
Social com Habilitação em Radialismo
Orientador: Prof. Dr. Diego Baraldi de Lima.
CUIABÁ, MT
OUTUBRO 2018
RESUMO
MARQUES, Anderson Luiz Amorim. Skate or die: a cultura do skateboarding e a sua
influência na edição de street parts.
Este Trabalho de Conclusão de Curso constitui-se da observação e análise de
vídeos de skate da modalidade street parts, apontando detalhes que podem ser
observados e explorados durante a montagem de conteúdos audiovisuais com essa
especificidade, como a organização das cenas, o ritmo, a trilha sonora e a
finalização dos street parts. Esta observação e análise foi desenvolvida a partir de
apontamentos de autores do campo da análise fílmica, como Michel Chion, Eduardo
Leone e Jean-Claude Bernardet. Previamente a esta observação e análise, foi
estabelecida uma linha do tempo que relaciona momentos da história da cultura do
skate e o diálogo desta com o audiovisual, a partir do trabalho de Leonardo Brandão
(2012) e outras referências do campo do skate. Uma espécie de manual de edição
de street parts, cujo resultado será aplicado e apresentado em um vídeo com
manobras do skatista brasileiro Tiago Lemos, também integra este TCC.
Palavras-chave: skate, street parts, montagem, audiovisual.
LISTA DE FIGURAS
Figura Legenda Página
Figura 1.1 Roller Derby, primeiro skate comercializado 11
Figura 1.2 Praticantes de Downhill e Freestyle 12
Figura 1.3 Piscina esvaziada para a prática de skate (bowl) 13
Figura 1.4 Modelo de half-pipe para a prática do skate vertical 14
Figura 1.5 Tiago Lemos inovando no street 15
Figura 1.6 Primeiro vídeo de skate comercializado 16
Figura 1.7 Tony Hawk’s Pro Skater (1999) 17
Figura 1.8 Skatepark de Nova Iguaçu antes e atualmente 19
Figura 1.9 Skatistas em manifestação contra a proibição do skate 20
Figura 1.10 Manchete do Jornal Folha de São Paulo 21
Figura 2.1 Ricky Oyola inovando ao subir “postes” inclinados. 33
Figura 2.2 Aaron Jaws’ descendo do telhado de uma casa. 34
Figura 2.3 Aaron Jaws’ vs “The Lyon 25” 35
Figura 3.1 Tiago Lemos na capa de revistas 37
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1. Memorial 6
2. Introdução 8
3. Organização do TCC 9
CAPÍTULO I. O INÍCIO DO CAOS: COMO SURGIU O SKATEBOARDING
1.1 A História do Skate 11
1.2 A História do Skate no Brasil 19
1.3 O Preconceito no Skate 22
1.4 O Skate e sua Cultura Musical 24
CAPÍTULO II. SKATE E AUDIOVISUAL:A IMPORTÂNCIA DOS STREET PARTS E SUA MONTAGEM
3.1 Street Parts 28
3.2 A Montagem e o Som nos Street Parts 30
CAPÍTULO III. TIAGO LEMOS E O PROCESSO DE MONTAGEM
DO VÍDEO “SKATE OR DIE – TIAGO LEMOS”
3.1 Tiago Lemos 37
3.2 O Método de Montagem de Street Parts 38
3.3 O Procedimento de Montagem do Street Part
“Skate Or Die – Tiago Lemos” 41
REFERÊNCIAS
Bibliografia 42
6
1. Memorial
Desde que me recordo, sempre fui incentivado a praticar esportes. Minha
infância e adolescência são marcadas pelas práticas de futsal, basquete e algumas
artes marciais. Com cerca de 10 anos de idade, ganhei o meu primeiro skate de
presente, mas não obtive sucesso em aprender nenhuma manobra. Minha primeira
década de vida não colaborou com a minha coordenação motora e isso, juntamente
à falta de companhia e de confiança (depois de ter sofrido algumas quedas após
algumas semanas de tentativas sozinho no quintal de casa), foram produzindo em
mim uma espécie de frustração, o que me levou a deixar a “prancha” de lado e
partir para outro esporte.
Apesar da desistência na época, o skateboarding sempre chamou a minha
atenção. Não tão simples como outros esportes, a prática do skate requer muita
força de vontade, resistência e principalmente coragem. Além disso, é um esporte
individual, sem a exigência de um segundo participante para que o esporte/jogo
possa ser praticado. Essa independência da prática do skate foi uma das
características que mais chamou a minha atenção na infância e que foi sendo
desconstruída com o passar do tempo, quando decidi voltar ao esporte, já com 20
anos de idade e agora acompanhado de alguns amigos. Dessa vez, na casa dos
vinte anos, possuindo mais coordenação motora e na companhia de outros
iniciantes, pude perceber que, apesar de ser individual, a prática do skate em equipe
proporciona uma evolução muito maior do que se praticada sozinho. O
skateboarding em grupo é muito mais inspirador para todos que estão envolvidos.
Proporciona uma maior evolução, não só na confiança como também na técnica,
gerando o incentivo de amigos e colegas e até mesmo a vontade de competir e de
ser o melhor da equipe.
Também sempre tive interesse pelo audiovisual e pelo entretenimento. Aos 14
anos, quando ganhei meu primeiro computador, comecei a explorar o universo da
edição de imagens e vídeos, fazendo pequenas montagens de humor. Futuramente
tive acesso a uma filmadora e realizei minhas primeiras experiências com direção e
fotografia, filmando coisas simples e paródias em casa. Passei a observar a direção,
a fotografia e especialmente a edição das cenas de tudo a que assistia, cada vez
mais atento para a percepção de como os resultados daquilo que é mostrado variam
7
de um profissional para outro. Passei a perceber como pequenos detalhes podem
mudar todo o entendimento do que está sendo visto pelo espectador.
Escolhi o curso de Comunicação Social, com habilitação em rádio e TV,
devido à essa afinidade que tenho com o audiovisual e a edição de vídeo. Foi uma
oportunidade para aumentar o meu conhecimento sobre todo o universo midiático e
acentuar a minha sensibilidade para ver e reproduzir detalhes que produzem a
experiência de entretenimento para os espectadores. Durante o curso, tive
professores que abriram meus olhos para a arte do radialismo, cinema e audiovisual.
Compreender não só o que está em cena, mas também o fora de cena e saber
interpretar o seu público alvo, podendo assim criar a melhor ambiência para seu total
entretenimento.
Também estagiei na TV Universidade, local em que trabalhei a maior parte do
tempo como editor, montando programas e interprogramas para a TV e para o canal
da universidade no Youtube, além de sair para ajudar nas filmagens e outras
necessidades. Durante esse estágio, editei um programa chamado “EnCine”, que
falava sobre cinema e audiovisual e também entrevistava convidados da cena
regional. Aprendi ainda mais com a prática, ouvindo as histórias de profissionais da
área e também através de todas as experiências que tive junto à minha equipe,
criando conteúdo para a televisão e internet e compreendendo melhor como as
coisas funcionam no cinema e na televisão.
Na época em que voltei a andar de skate, sempre assistia a vídeos no
Youtube, de canais brasileiros e estrangeiros. Assistia a tutoriais de manobras,
vídeo-aulas e principalmente video parts, que são vídeos individuais de skatistas
mostrando seus talentos, buscando patrocínios e uma carreira profissional. Pude
reparar que apesar de cada skatista e seus street parts possuírem características e
estilos únicos, ao mesmo tempo seguem certos detalhes que podem ser tratados
como um padrão na edição de parts. Também pude perceber que muitos street
parts, apesar de mostrarem skatistas versáteis e com excelente técnica, não
agradam ao público por não possuir uma boa edição. Muitos se prejudicaram e até
mesmo falharam na busca pelo reconhecimento, simplesmente por não saberem
como apresentar seu talento ao público no momento de editar seus vídeos de forma
organizada, com cortes suaves, de fácil entendimento e que não sejam maçantes ao
espectador.
8
Essa união do audiovisual, entretenimento, skateboarding e pós-produção
dão fundamento ao meu projeto de TCC, que visa analisar e determinar as melhores
maneiras de se executar a montagem de um vídeo de skate (street part), apontando
detalhes que devem ser considerados durante a sua pós-produção, com a finalidade
de chamar a atenção do seu público alvo. Junto com isso, a proposta pretende
compartilhar técnicas de montagem de vídeo no skate como forma de destacar as
habilidades e a confiança do skatista, sugerindo trilhas sonoras, montagens, cortes,
tratamentos de cor e outros detalhes que, se usados de maneira correta e na
situação certa, chamarão muito mais a atenção de quem está assistindo a esses
conteúdos audiovisuais.
2. Introdução
Este Trabalho de Conclusão de Curso trata-se de um levantamento sobre a
presença da cultura do skate através dos tempos e de uma análise da edição de
vídeos do esporte (street parts), apontando as etapas a serem seguidas durante o
processo de edição desses conteúdos audiovisuais para a obtenção de um produto
final mais satisfatório.
Um skatista amador que deseja tornar-se profissional deve compreender
quais são as melhores maneiras de construir um street part, entendendo quais os
erros que não podem ser cometidos e quais as melhores formas de destacar o seu
talento durante a edição do seu vídeo. Um street part pode ser interpretado como o
currículo de um skatista, logo, é importante que haja qualidade para impressionar
ainda mais.
O objetivo deste TCC é analisar street parts de sucesso, comparando-os com
tentativas amadoras de produção. Através deste comparativo, serão determinados
aspectos que constituirão os erros e acertos ao se editar um street part. Serão
observados fatores como: decupagem das cenas filmadas, montagem, cortes,
transições e trilhas sonoras, além da finalização do produto, que inclui sua correção
de cores, efeitos visuais e limpeza dos áudios. A partir dessas observações
propomos uma espécie de manual para realização de street parts.
9
3.Organização do TCC
No primeiro capítulo, a partir de apontamentos de Leonardo Brandão (2012)
e de outras fontes do campo do skate, apresentamos informações relacionadas à
história do skate nos Estados Unidos e no Brasil. Neste capítulo enfatizamos a
abrangência que o esporte passou a ter em meados da década de 1990, com a
ampliação que o mesmo recebeu a partir de canais de TV e outros conteúdos
audiovisuais que pasassaram a ser produzidos em torno do esporte. Também são
apresentadas considerações sobre o preconceito em torno do skatismo e sobre a
importância da cultura musical no esporte.
No segundo capítulo discorreremos sobre a constituição dos street parts, sua
transformação através das décadas no que diz respeito aos aspectos da filmagem,
edição e acessibilidade para veiculação. Também discorreremos sobre a história de
Tiago Lemos, skatista brasileiro que é exemplo de superação no esporte e que será
o personagem do produto audiovisual desenvolvido para este TCC, qual seja, um
street part com manobras de Tiago Lemos.
O processo de montagem e edição desse vídeo, juntamente aos padrões a
serem seguidos para um melhor resultado, são relatados no terceiro capítulo deste
TCC, que se constitui em uma espécie de manual sintético sobre técnicas de edição
de imagem e som que podem contribuir para que um realizador interessado no
universo do skate possa desenvolver street parts mais estimulantes para o
espectador.
10
CAPÍTULO I
O INÍCIO DO CAOS: COMO SURGIU O SKATEBOARDING
11
1.1. A História do Skate
Quando buscamos a fundo por informações sobre a história do Skate e o seu
surgimento, nos deparamos com duas narrativas: a primeira, de acordo com o livro
“Skateboard Retrospective Collector’s Guide” (2000), conta sobre um garoto norte-
americano chamado “Doc Ball” que, após desmontar os patins de sua irmã, uniu as
rodas a um pedaço de madeira, locomovendo-se com um joelho apoiado no “skate”,
dando impulso com a outra perna. Se considerarmos essa história, datada de 1918,
o skateboarding estaria completando o seu primeiro século de existência; a segunda
narrativa, mais popular e considerada pela maioria das pessoas como oficial, afirma
através do livro “The Concrete Wave” (1999) que em algum momento dos anos
1950, na Califórnia, um grupo de surfistas frustrados com as marés baixas inventou
uma maneira de “surfar” no asfalto. Com um pedaço de madeira e rodinhas de
patins, esses surfistas praticavam algo entre o surfe e o skate que conhecemos hoje,
chamado inicialmente de “sidewalk surf” ou “surfe de calçada”, que consistia
basicamente em descer ruas e se locomover pelas calçadas. Rapidamente essa
diversão se popularizou na região e em 1959 foi fabricado e comercializado o
primeiro “skate”, que recebeu o nome de “Roller Derby”.
Figura 1.1 – Roller Derby, primeiro skate comercializado (Fonte: skateboardingmagazine.com)
Nesta época, o esporte iniciava a sua primeira vertente, com as modalidades
“Downhill”, que é a descida de ruas e ladeiras em alta velocidade; e o “Freestyle”,
que é o estilo livre, onde os praticantes competem mostrando suas manobras,
técnicas e equilíbrio, normalmente de forma coreografada ao ritmo de alguma
12
música. O esporte passava a chamar a atenção de outras pessoas, mais
especificamente, que não eram surfistas. Em 1963 o esporte recebeu oficialmente o
nome “Skateboarding”. Neste mesmo ano aconteceu a primeira competição oficial
de skate, também na Califórnia, e que foi vencida pelo skatista Larry Stevenson.
Figura 1.2 – Praticantes de Downhill à esquerda e Freestyle à direita
(Fonte: skateboardingheritage.org)
Durante o restante da década de 1960 o skateboarding teve uma queda em
popularidade. Considerado por muitos uma “moda passageira” e também perigoso
demais, o baixo interesse sobre o esporte refletiu-se em lojas de peças e
equipamentos sendo obrigadas a fechar suas portas, tanto pelo receio dos lojistas
em vender produtos considerados “perigosos” como também pelo receio dos pais
em comprar para os filhos. Poucos skatistas mantiveram-se fiéis à prática e
improvisavam rodas e pedaços de madeira para continuar andando.
Em 1970 a região da Califórnia sofreu um grande período de seca,
impossibilitando a prática do surfe. Além disso a escassez de água fez com que
muitas piscinas residenciais fossem esvaziadas e deixadas às moscas. Essa época
de escassez foi a inspiração para o surgimento de duas novas modalidades do
13
esporte, que em alguns anos voltaria a se popularizar. Nasce primeiramente o estilo
“Bowl”, quando um grupo de jovens tem a idéia de entrar nas piscinas vazias, que
comumente possuíam uma angulatura lateral de 90 graus e superfície arredondada,
que possibilitava uma sensação similar à de “pegar ondas”. Logo em seguida surge
a modalidade “Vertical”, que explorava a angulatura e a profundidade das piscinas,
com o objetivo de ganhar mais altura e executar manobras verticais ou de transição.
Surgem então os primeiros skateparks, com bowls e rampas verticais em formato de
“U”, chamadas de “half-pipes”.
O curioso dessa história encontra-se na arquitetura das piscinas
californianas, pois elas não se assemelham com as encontradas no
Brasil. Aqui as piscinas são quadradas, retangulares, com as paredes
retas, as quais formam um ângulo de 90º graus com o solo. Na
Califórnia, a maioria das piscinas possui formato oval ou redondo, sendo
que suas paredes possuem transições (curvas) que lembram as ondas
do mar.Foi esta “rampa” nas paredes das piscinas californianas, somada
à habilidade e à técnica dos skatistas californianos, sobretudo os da
equipe Z-Boys, que forneceu às piscinas vazias uma outra utilidade
nunca antes pensada: elas viraram as primeiras “pistas” de skate.
(BRANDÃO, 2012, p. 106)
Figura 1.3 – Piscina esvaziada para a prática de skate (bowl) (Fonte: skateboardingheritage.org)
14
Figura 1.4 – Modelo de half-pipe para a prática do skate vertical (Fonte: skateboardingheritage.org)
O restante da década de 70 também foi marcada por outras inovações que
revolucionaram o skateboarding como conhecemos hoje. Em 1972 surgem as rodas
de poliuretano, inventadas por Frank Nasworthy. O pai de um de seus amigos era
dono de uma fábrica de plásticos. Frank inicialmente havia tentado implementar
rodas de poliuretano em patins (roller skates), mas não obteve uma boa recepção.
Isso mudou quando foi trazido para os skateboards, popularizando-se rapidamente e
chegando a vender 300 mil conjuntos de rodas por ano. A mudança para rodas de
poliuretano foi uma grande inovação, apresentando uma diferença gritante no que se
tratava de resistência, velocidade e segurança, pois até então utilizava-se rodas de
ferro ou argila, que eram escorregadias, pesadas e/ou frágeis demais, uma das
principais justificativas para a falta de segurança do esporte. Também nesta década,
Larry Stevenson, citado anteriormente, inventa o “tail”, uma modificação na parte
traseira do skate que proporcionava maior mobilidade, controle e equilíbrio. Em
1975, em um campeonato na cidade Del Mar, também na Califórnia, o time Zephyr
ganha a competição de freestyle, apresentando uma forma mais agressiva e
inovadora na prática do esporte, chamando a atenção de muitas pessoas e também
da mídia. Em 1978 Alan Gelfand inventa o “Ollie”, que é o ato de pular com o skate
sob os pés. Até então só era possível ganhar alguma altura segurando a prancha e
mantendo-a abaixo dos pés. O surgimento do Ollie é considerado um dos momentos
15
mais importantes da história do skateboarding, inclusive fazendo com que Alan
entrasse para o Hall da Fama do Skate, em 2002.
A partir disso o skate só cresceu cada vez mais. A invenção do Ollie foi a
porta de entrada para que infinitas manobras pudessem ser inventadas. Surge a
modalidade “Street”, com a aplicação de manobras em locais públicos, como
escadarias, corrimãos e bordas de paredes e bancos de praça. O esporte se torna
praticável em qualquer lugar, sem haver a necessidade de ir até um skatepark para
treinar e se divertir. Com a ascensão do street skate, não havia mais a necessidade
de esvaziar piscinas ou ir até um lugar apropriado para o esporte. Áreas urbanas e
espaços públicos se tornaram o “skatepark do street”, com diversos locais
praticáveis sendo descobertos pelas cidades diariamente. O street torna-se então a
modalidade mais popular entre skatistas, que basicamente abandonaram os
skateparks da época, usando a arquitetura urbana como inspiração para superar
limites no esporte.
Figura 1.5 – Tiago Lemos inovando no street (Fonte: Instagram)
16
Se por um lado essa popularização do street foi benéfica para o crescimento
da cultura do skate no mundo, por outro ela também trouxe certos problemas, como
o fato de as outras modalidades, principalmente freestyle e vertical, entrarem em
declínio devido à escassez de praticantes e prejudicando os skateparks, que eram
formulados pensando nessas duas práticas. Junto a isso, o preconceito contra os
skatistas ganhava mais justificativas, com as práticas nos locais públicos, no meio
das pessoas e os acidentes e fraturas que o street skate provocava. A comumente
atitude rebelde e underground que a maioria dos praticantes adotavam também era
motivo de reclamações e censuras. Muitos jovens eram proibidos pelos pais de
praticar o esporte, pois era considerado uma “enorme perda de tempo” e “coisa de
drogado, vagabundo”.
Nos anos 1980, com a chegada do VHS, o esporte faz sua entrada no
universo audiovisual, que foi iniciada com a parceria de Stacey Peralta e Craig
Stecyk, que produziram em 1984 o primeiro longa metragem de skate, chamado
“The Bones Brigade Video Show”, uma coletânea de vídeos dos integrantes do time
Bones Brigade, mostrando suas manobras, estilos e atitude. O time contava com
grandes nomes do skateboarding que conhecemos hoje, como Tony Hawk, Steve
Caballero, Steve Rocco e Rodney Mullen, que apresentavam nos vídeos os seus
variados estilos e modalidades do esporte: Tony Hawk e Caballero especializados
no vertical, Steve Rocco no street e Rodney Mullen, no freestyle. O vídeo também
contava um pouco sobre a história do esporte e da cena do skate nos Estados
Unidos. The Bones Brigade Video Show serviu de inspiração para milhares de
entusiastas do mundo todo e deu início a um novo capítulo na história do
skateboarding e suas produções de vídeos. Apesar de existirem vídeos de skate
datados nos anos 1970, The Bones Brigade Video Show foi o primeiro produto
audiovisual a ser comercializado.
17
Figura 1.6 – Primeiro filme de skate comercializado (Fonte: skateboardingheritage.org)
Nos anos 1990, o esporte ganha ainda mais seguidores, dessa vez crescendo
em conjunto com a cultura punk, que passou a ser o estilo mais popular entre
skatistas, não só musicalmente, mas também na maneira de agir e pensar,
expressando atitude e rebeldia e impondo uma imagem mais agressiva e anarquista
aos mesmos. A MTV1 também teve papel fundamental na popularização, com sua
programação alternativa e voltada ao público jovem, transmitindo videoclipes
musicais que possuiam temática de skate e produzindo programas voltados à pratica
de esportes radicais e alternativos, como o MTV Sports. Jogos de vídeo-game,
especialmente “Tony Hawk’s Pro Skater”, também alavancaram o interesse de
muitos, podendo ser jogado com diversos skatistas famosos e seus signature
moves2, mapas amplos, jogabilidade agradável e trilha sonora condizente ao público
alvo.
1 Canal de TV Music Television. 2 Signature Moves são as manobras preferidas de um skatista. Comumente são as mais
difíceis.
18
Figura 1.7 – Tony Hawk’s Pro Skater (1999) (Fonte: gamespot.com)
A MTV também teve um papel fundamental na popularização, com sua
programação alternativa e voltada ao público jovem, transmitindo videoclipes
musicais que possuíam temática de skate e produzindo programas voltados à
prática de esportes radicais e alternativos, como “MTV Sports” e “Scarred”3.
Como a chegada do século XXI e a internet recebendo cada vez mais internautas, o
skate não ficou para trás. O Youtube se tornou a nova casa do skateboarding, com
toda a sua praticidade na veiculação de conteúdo em amplitude mundial. Canais
como Thrasher Magazine (1,6 milhões de inscritos) e The Berrics (669 mil inscritos),
que não só mostram street parts mas também apresentam, de forma criativa e
divertida, diversos quadros sobre o esporte, com entrevistas, tutoriais, competições
e esquetes de humor. O canal Braille (3,5 milhões de inscritos) também é importante
na construção do skate que conhecemos hoje. Este canal americano voltava seu
3 Scarred era um programa da MTV que mostrava acidentes e fraturas relacionadas à
prática de esportes radicais. Skatistas eram os mais populares no programa.
19
conteúdo exclusivamente ao aprendizado do skate, ensinando passo-a-passo todas
as manobras que um indivíduo almeja aprender, com vídeos no Youtube e também
através da comercialização de DVD’s, com conteúdo mais completo e em diversos
volumes e dificuldades das manobras.
1.2. A História do Skate no Brasil
No Brasil, segundo o livro “A Onda Dura: 3 décadas de skate no Brasil” (2000)
o início do skate é datado dos anos 1960, no Rio de Janeiro. Especula-se que o
produto era trazido dos Estados Unidos, por famílias mais ricas que visitavam o país
e, na volta, o traziam para o Brasil. Normalmente se relacionava a jovens que
estavam iniciando suas práticas no surfe e acompanharam as primeiras notícias
sobre o nascimento do skate na Califórnia e região. Nesta época o skate ainda
consistia apenas do básico: rodas de patins e algum pedaço de madeira com
tamanho adequado.
Nos anos 1970 o skate surgiu oficialmente no Brasil, com seus primeiros
praticantes andando em ladeiras e praças do Rio de Janeiro e São Paulo. A
popularização inicial do esporte se deu com a colaboração da revista Pop, uma das
mais populares entre os jovens na época. Em 1976 a primeira pista de skate foi
construída, em Nova Iguaçu - RJ, sendo não só o primeiro skatepark do Brasil, como
também da América Latina. Nessa época já ocorria também a produção e
comercialização de produtos locais, através de marcas como Bandeirantes, Costa
Norte, DM e Vortex. A DM skateboards, inclusive, foi a primeira a levar o seu time de
skatistas para competir nos Estados Unidos, em Ocean Beach, 1977.
Figura 1.8 – Skatepark de Nova Iguaçu antes e atualmente (Fonte: Facebook)
20
Iniciando a década de 80, o país já possuía mais de 10 skateparks,
localizados em áreas do Rio de Janeiro, São Paulo e região sul do Brasil. Nessa
época o skate se encontrava em constante declínio, causado pela constante
migração de fabricantes para outras áreas esportivas como bicicletas BMX e patins,
além da falta de incentivos e verbas, que forçaram o fechamento de portas de outras
pequenas empresas locais. Mas a prática se manteve viva graças aos esforços de
skatistas locais, que construíam suas próprias pistas e rampas particulares e,
posteriormente, dariam origem à novas marcas e empresas na indústria nacional.
Graças ao trabalho em equipe de skatistas locais e à paixão pelo esporte, o
skate recomeçou o seu crescimento na cena brasileira, com campeonatos
organizados regionalmente, publicações em revistas, entrevistas e matérias de TV.
A motivação e evolução do skateboarding brasileiro até chamou a atenção de
estrelas do esporte nos Estados Unidos, como Tony Hawk, Tony Alva e Christian
Hosoi, que visitaram o país na segunda metade dos anos 80, participando ou sendo
jurados em campeonatos cariocas e paulistas. Em 1986, um time brasileiro
compareceu a um campeonato no Canadá, terminando em 5º lugar entre as
equipes, uma façanha que também inspirou muitas pessoas a dar uma chance ao
esporte.
Em 1988, em um dos momentos mais marcantes da história do skate no
Brasil, o prefeito de São Paulo, Jânio Quadros, proíbe o esporte no Parque do
Ibirapuera. O principal motivo da proibição foi a quantidade de conflitos entre
famílias que visitavam a praça e skatistas que exploravam as ruas lisas e a
arquitetura do local, praticando e criando manobras. Junto à isso, haviam conflitos
entre os skatistas que frequentavam o local, pois eram de grupos diferentes e não se
davam bem entre si, principalmente por diferenças financeiras, de estilo, localização
etc. Cansado de ouvir reclamações a respeito do assunto, o então prefeito anunciou
a proibição no local.
Como forma de protesto, esses grupos de skatistas se uniram e saíram em
manifestação pelas ruas de São Paulo, saindo do centro até chegar ao Parque do
Ibirapuera, gritando frases como “Skate não é crime!” e “Queremos o Ibira!”. A
manifestação, que contava com cerca de 200 atletas, teve a cobertura de mídias
locais, como o Jornal Folha de São Paulo, e o prefeito, informado sobre o que
estava acontecendo, ordenou que os portões do parque fossem fechados antes que
os skatistas chegassem com a manifestação. Os manifestantes foram recebidos no
21
parque com portões fechados e um novo decreto do prefeito, proibindo a prática do
skate na cidade inteira. O esporte só ganharia legalidade novamente no final de
1989, com a eleição da nova prefeita de São Paulo, Luiza Erundina.
Figura 1.9 – Skatistas em manifestação contra a proibição do skate (Fonte: skatecuriosidade.com)
Figura 1.10 – Manchete do Jornal Folha de São Paulo sobre a manifestação (Fonte:
skatecuriosidade.com)
22
Iniciando a década de 1990, com Fernando Collor na presidência, a prática do
skate no Brasil se encontra frente a frente com um novo obstáculo. Com o
congelamento da poupança da população e a enorme crise financeira geral, muitas
empresas que tentavam crescer no mercado do skate foram forçadas a fechar as
portas. O esporte se manteve vivo graças à paixão dos skatistas, que construíam
obstáculos improvisados e andavam em locais públicos, praticando o street.
Enquanto isso as outras modalidades (vertical e bowl) sofriam um declínio, pois a
disponibilidade de skateparks acessíveis havia se tornado escassa. Muitos atletas se
mudaram para os Estados Unidos para escapar da crise da época e lá, mostraram
para o resto do mundo a garra e força de vontade do skate brasileiro. Em 1997, Bob
Burnquist, um dos skatistas brasileiros que saiu do país e continuou sua carreira nos
Estados Unidos, foi eleito o melhor skatista do ano pela “Thrasher Magazine”, uma
das revistas mais famosas sobre skate no mundo.
No ano 2000 foi criada a Confederação Brasileira de Skate (CBSk), que
fomentou a construção de centenas de pistas no Brasil. Segundo a mesma, estima-
se que no Brasil, em 2015, haviam mais de 8,5 milhões de skatistas praticantes
(Datafolha, 2015). Em 2020 o esporte fará parte das Olimpíadas pela primeira vez,
nos Jogos Olímpicos de Verão, em Tokyo, Japão.
1.3. O Preconceito no Skate
Desde o início, a prática do skate sempre andou lado a lado com o
preconceito por parte da população. Criticado em aspectos como excesso de
barulho, destruição de patrimônios públicos, ser considerado um “esporte de
marginal” ou perda de tempo, o praticante do skateboarding não luta apenas pelo
reconhecimento, mas também pelo respeito.
Principalmente para os praticantes da modalidade street, explorando espaços
urbanos e áreas públicas, o preconceito sofrido simplesmente pelo fato de estar
praticando um esporte, cria barreiras no processo de evolução pessoal do atleta.
Skatistas superam limites e medos, descendo corrimãos e escadarias, correndo o
risco de ferir-se gravemente e tudo isso sendo feito pela paixão ao esporte e
evolução pessoal, mas toda essa dedicação é filtrada aos olhos despreparados, que
não compreendem a complexidade e importância do skate para quem o pratica.
23
O preconceito com o que é novidade sempre esteve presente na vida das
pessoas. E quando o novo utiliza-se de outras maneiras - consideradas “radicais” -
de se explorar um espaço público, como um skatista de rua descendo um corrimão,
entende-se que haverá uma repercução negativa a respeito disso.
A partir do experimentalismo estético/espacial que os skatistas de rua
(street skate) passaram a realizar a partir da segunda metade da década
de 1980, e que certamente não era o posicionamento esperado pelos
urbanistas, arquitetos e demais pensadores do urbano, podemos
identificar nessa atividade uma série de contraposicionamentos
heterotópicos. De fato, esse novo uso do skate engendrava uma forma
de ver e utilizar o espaço que não era o previsto nem o aceitável
institucionalmente. Pois fazer de um corrimão um obstáculo e não um
instrumento de ajuda para apoiar o corpo, usar escadas para saltos e
não como um auxílio para se passar de um nível ao outro do pavimento
são exemplos concretos, reais e localizáveis de heterotopias; isto é, de
invenção de outros espaços dentro dos próprios espaços. BRANDÃO,
2012, p. 209)
De acordo com a Constituição Federal Brasileira (Art. 5, inc. XV, 1988), “todo
cidadão tem o direito de ir e vir” e também “tem direito à saúde, lazer e educação”. E
o street skate como uma forma legítima e saudável de lazer e aprendizado, sem
contar o baixo custo, é prejudicado por visões estereotipadas a respeito do esporte e
seus praticantes, sendo erroneamente julgado como “baderna” ou “coisa de
drogado”.
Quando relacionamos as palavras “skate” e “preconceito”, o primeiro
pensamento que vem à cabeça é o clássico conflito existente entre skatistas e
guardas locais. Enquanto jovens procuram locais novos e desafiadores para filmar
manobras novas para o seu futuro street part, guardas que trabalham cuidando de
estabelecimentos proíbem a utilização do espaço. Como cães e gatos, guardas
protegem seus locais de trabalho enquanto skatistas correm de locação em locação
na tentativa de conseguir gravar o máximo de manobras possíveis antes de serem
expulsos por algum funcionário. Pode-se dizer, inclusive, que o hábito de fugir de
seguranças locais é parte do trabalho de um skatista que produz conteúdo
audiovisual.
É claro que esses profissionais da segurança estão apenas fazendo seu
trabalho e seguindo ordens. Mas é claramente possível perceber a diferença de
abordagens entre um indivíduo fazendo o seu trabalho e alguém que abusa de sua
autoridade e não tem respeito pelo esporte e seus praticantes. Quando existe
24
respeito mútuo entre ambas as partes, não há conflitos. Um skatista está fazendo o
seu trabalho, gravando manobras já com o pensamento de que em poucos minutos
será removido do local. Um guarda ou segurança não tem necessidade alguma de
ser agressivo verbal ou fisicamente e fazer ameaças. É comum também a barreira
comunicativa entre os dois lados, visto que em média há uma diferença de gerações
entre ambos. Seguranças, comumente indivíduos mais velhos, vividos; enquanto os
skatistas constituem-se normalmente por grupos de jovens, estudantes e menores
de idade. Essa mistura de mentalidades torna ainda mais difícil a expectativa de
argumentação, onde jovens são julgados como irresponsáveis e por não saber o que
falam ou fazem, enquanto o lado da segurança exige respeito por sua experiência
de vida e nem ao menos dá oportunidade para argumentações e compreender um
pouco sobre o esporte.
A polícia representou, historicamente, o principal agente disciplinarizador
do Estado. [...] Evidentemente, o aparecimento do street skate
confrontou-se com a ação disciplinarizadora da força policial. De um lado
passou a existir a presença de inúmeros jovens nas ruas, fazendo
barulho com seus skates e utilizando as calçadas e praças de um modo
bastante diferente do citadino comum; de outro, a presença ostensiva da
polícia como um elemento que buscava, ao menor indício de desvio,
corrigir seus efeitos. É por isso que, nesse sentido, o que essa imagem
conclamava era um uso intempestivo do skate, desorganizador das
rotinas, combativo e contestador. (BRANDÃO, 2012, p. 224)
1.4. O Skate e sua Cultura Musical
A musicalidade sempre esteve presente na cultura do skate. Inicialmente
com estilos musicais “emprestados” da cultura do surfe, como rock e “surf music”,
que possuem um ritmo favorável para a fluidez na prática do esporte e, com o
passar dos anos, migrando para outros estilos musicais comumente voltados para o
lado alternativo, como hip-hop, rap e outras variações alternativas do rock, como
punk e hardcore.
Com a popularização do esporte e a evolução tecnológica, a musicalidade
no skate se tornou um tema mais amplo. Anteriormente, quando se imaginava a
relação entre skate e música, via-se pessoas praticando o esporte em grupos, com
música tocando em alto-falantes ou produzida ao vivo. A trilha sonora era utilizada
25
em competições, mais especificamente competições de freestyle, com praticantes
seguindo o ritmo da música durante a sua apresentação. Já na modernidade, após a
chegada do walkman4 e outros dispositivos de som portátil e individual, a música no
skate deixa de ser imaginada coletivamente e passa a ser vista também como uma
preferência pessoal onde o indivíduo escolhe o que quer ouvir para andar ou para
montar seu street part.
Como dito anteriormente, grande parte da cultura do skate é feita de estilo. É
fácil perceber quando um skatista possui um estilo natural e quando outros “forçam”
um estilo que eles não têm. Diretamente ligado aos variados estilos de skatistas está
o ritmo musical que narrará esse estilo.
Observando a história do skate no mundo, podemos perceber que as trilhas
sonoras do esporte tendem a refletir a negatividade e preconceito sofrido em sua
trajetória até a atualidade. Estilos musicais alternativos, com ritmo agressivo e
acelerado, que não só combinam com a velocidade do esporte mas também
alimentam a cultura da qual o skateboarding nasceu, com sua rebeldia e “revolta”
urbana.
Outro fator importante para a distribuição dessa preferência alternativa pelo
mundo foi a franquia de jogos “Tony Hawk’s Pro Skater”. O primeiro jogo, lançado
em 1999, possuía uma trilha sonora que abrangia todas as culturas musicais
alternativas consumidas pelos skatistas. Surf Music, Ska, Punk, Hardcore e outras
variações faziam parte dessa coletânea, que seguiu fazendo sucesso com os quatro
jogos que foram lançados.
Em um artigo feito para o site The Pudding (5, jun. 2018), o autor Jared Wilber
analisa os estilos musicais presentes na cultura do skate através dos tempos,
afirmando que “diferentes gêneros musicais são, normalmente, associados com
diferentes estilos na prática do skateboarding. Por exemplo, o hip-hop é mais
comumente usado em vídeos de street e manobras técnicas, enquanto estilos mais
pesados e acelerados, como punk e heavy metal são associados com estilos
verticais e de transição.”.
Na atualidade, a trilha sonora dos vídeos de skate permanece seguindo
ritmos mais agitados, de forma que destaque a adrenalina do esporte. Mas a
liberdade musical se tornou muito mais ampla, com street parts que navegam tanto
4 Aparelho de som portátil que reproduzia fitas.
26
pelas suas origens, com rap, hip-hop, rock n’ roll e suas variações, como também se
inovam usando estilos como samba, funk, músicas eletrônicas e suas variações. Na
modernidade, a cultura do skate acomoda quase todos os estilos musicais, podendo
permitir novas formas de se apresentar manobras, de formas criativas e ritmos
diversos.
27
CAPÍTULO II
SKATE E AUDIOVISUAL: A IMPORTÂNCIA
DOS STREET PARTS E SUA MONTAGEM
28
2.1. Street Parts
Street Part é o nome dado a um vídeo produzido por um skatista, mostrando
suas manobras e seu estilo. Normalmente são vídeos curtos com até 5 minutos de
duração, com o foco em um skatista em particular e a variedade de manobras e
técnicas que ele pode mostrar. Se chama street part porque utiliza os espaços
urbanos como obstáculos para as filmagens, como saltos de escadarias, em
corrimãos ou qualquer outra situação que a criatividade possibilitar. O objetivo do
street part é a divulgação do skatista, suas técnicas e estilo.
A popularização do esporte trouxe também o aumento na concorrência, em
busca do sonho do sucesso e reconhecimento. Somente no Brasil, o número de
skatistas aumentou mais de 100% nos últimos 10 anos. De acordo com uma
pesquisa encomendada pela Confederação Brasileira de Skate, o número de
praticantes em 2015 era cerca de 8,5 milhões, enquanto em 2009 a pesquisa
apresentava cerca de 4 milhões de skatistas. (Datafolha, 2015)
Diretamente proporcional ao aumento do número de skatistas no Brasil e no
mundo, a concorrência – que já era enorme – se torna ainda maior, e para se
destacar entre os demais, além de muito talento, coragem e determinação, a
produção de um bom vídeo e uma boa edição são importantíssimos.
Se compararmos os street parts dos anos 80 e 90 com os vídeos atuais,
podemos ver grandes diferenças na forma como o produto é filmado, montado e
editado. Os primeiros vídeos eram filmados com lente fish-eye, com imagem mais
distorcida e contorno arredondado; vídeos ricos em trilha sonora - comumente punk
rock ou alguma outra variação do rock n’ roll. Pode-se reparar também que, do
passado para os tempos atuais, os sons ambientes do skateboard, como rodas
batendo no chão ou raspando em um corrimão, ganharam mais espaço nos street
parts, visto que em vídeos de décadas anteriores o som da trilha sonora era muito
mais destacado em relação aos sons ambiente. Em street parts modernos, vemos
muito foco na fotografia e beleza das imagens, na forma como a história é contada e
principalmente na técnica e perfeição das manobras efetuadas. Podemos ver grande
diferença na qualidade das manobras do passado para a atualidade, mas devemos
considerar que anteriormente, ainda com a utilização de filme e câmeras analógicas,
não havia a liberdade para repetir as manobras inúmeras vezes em busca da
perfeição, como podemos fazer nos dias de hoje. Street parts, independente de sua
29
época, são o fruto de muita dedicação e trabalho, superando limites físicos e
mentais em busca da evolução e reconhecimento.
Quando o The Bones Brigade Video Show foi lançado em 1984, o alcance
das informações e veiculação de conteúdos nem se comparava ao que temos hoje.
A qualidade audiovisual das produções também era inferior. Na atualidade, a
internet permite o acesso à informações instantâneamente e esse imediatismo
possibilita que uma quantidade muito maior de pessoas possa ter acesso ao seu
conteúdo. Ao mesmo tempo que esse maior alcance é favorável para um skatista
ser reconhecido, por outro lado a internet também dificulta a sua concorrência,
exigindo maneiras de se destacar entre os demais, aos olhos do público. As
produções de street parts se tornaram mais profissionais e perfeccionistas,
valorizando cada aspecto que deseja ser mostrado no resultado final.
Da mesma forma que um álbum é importante para um músico ou um título é
importante para um time, o street part é importante para um skatista que deseja se
tornar profissional. Um pequeno vídeo, com cerca de 3 minutos, pode levar anos
para ser concluído. Riscos, lesões, medo ou até mesmo problemas familiares são
alguns dos obstáculos que fazem parte da vida de skatistas que procuram o
reconhecimento, pois se existe um fator que deve ser levado em conta ao se
produzir um vídeo de skate, é que ele deve ser impressionante, como os street parts
de Tyshawn Jones - “Always Days”, Diego Najera - “Primitive Skate Welcomes Trent
McClung & Diego Najera” e Tiago Lemos - “Press Play” que não só impressionam e
entretêm o público, mas também contam uma história através de seu ritmo e sua
montagem.
Você imagina um obstáculo e uma manobra para executar, mas chegando na
hora percebe que o desafio é muito maior do que você imaginava. Cada segundo de
vídeo que vemos em um street part equivale a horas de batalha, não só contra a
manobra e o obstáculo, mas há também a luta contra o psicológico, contra a
frustração de falhar. O tempo é outro desafio batalhado quando se produz um vídeo
de skate. Conseguir material em tempo, antes de o Sol sumir ou os profissionais da
segurança te expulsarem do local. A produção de street parts deve superar
obstáculos extras que outras formas de produção audiovisual não precisam se
preocupar. E mesmo com maiores limitações, essa prática ainda não recebe o
respeito que merece, apesar de possuir um reconhecimento muito maior que
inicialmente.
30
2.2. A Montagem e o Som no Street Part
A montagem é uma das etapas mais importantes quando se pensa em
produzir um vídeo. A montagem pode ser considerada como um dos procedimentos
mais importantes para o entendimento e a construção do cinema de natureza
estética, onde diferentes texturas são previamente pensadas e selecionadas.
(AUGUSTO, 2004, p. 53).
É através da montagem que a história que se deseja contar começa a tomar
forma, e seguir um padrão durante essa etapa é uma maneira de facilitar a
construção da história.
É claro que, por ser uma forma de arte, a produção de um vídeo não deve se
limitar a um padrão ou ser considerado um erro se feito de outras maneiras, mas é
importante que certas características sejam consideradas.
Só podemos compreender o cinema, como arte, no momento em que pudermos enxergar a complexidade de fatores que concorrem para o espetáculo fílmico: a gestualidade, a cenografia, a trilha sonora etc. [...] [O filme] se constrói pela incidência de várias texturas, cujas unidades, previamente selecionadas, vão-se conocateando através da montagem e abrindo espaço para a manifestação da narrativa.(LEONE, 1987, p. 13-14)
No que se trata da montagem de street parts, comumente é utilizado o
método não linear, em que não há necessariamente uma preocupação com o
espaço/tempo. Os cortes podem unir quaisquer intervalos de tempo, não importando
a existência de elipses temporais. A edição de um street part preza o ritmo e a
sincronia da imagem com a trilha sonora, mantendo um fluxo contínuo, sem tornar o
produto cansativo ao público.
A edição possui enorme poder sobre a forma como uma imagem será
visualizada. Enquanto uma filmagem representa o olhar do diretor, a sua edição
representará a forma como esse olhar é interpretado pelo público.
Não só o cinema seria a reprodução da realidade, seria também a reprodução da própria visão do homem. Os nossos dois olhos nos permitem ver em perspectiva: não vemos as coisas chapadas, mas as percebemos em profundidade. Ora, a imagem cinematográfica também nos mostra as coisas em perspectiva e por isso ela corresponderia à percepção natural do homem. (BERNARDET, 1985, p. 127-128)
31
Tendo em mente o objetivo de impressionar quem assiste ao seu vídeo, o
editor deve separar os melhores vídeos para sua montagem, preferencialmente
utilizando-se de clips que, individualmente, já possuam características que os
tornam especiais. Esses arquivos serão então unidos, evitando repetições de cenas,
manobras ou locações, formando então a forma bruta do street part.
Se, por um lado, o diretor trabalha os tempos da marcação, percebendo um desenho geral do movimento do plano, ele deve ter em mente que esse movimento será integrado, através do corte, a outros movimentos. [...] No cinema encontramos várias modalidades narrativas, e a isso se convencionou chamar de gênero. Elas são: aventura, ficção científica, drama, terror, musical etc. Cada uma dessas modalidades implica uma diferente concepção de ritmo. (LEONE, 1987, p. 47-48)
O ritmo de um street part, normalmente, relaciona-se ao ritmo da aventura ou
ação. Uma obra que vai construindo seu clímax gradativamente até atingir seu
ápice, em sincronia com uma trilha sonora agitada, resultando em um vídeo rico em
energia e poder de entretenimento. Palavras chave como: radical, esporte, energia e
perigo ajudam a visualizar com mais facilidade a ideia que esse ritmo deseja
transmitir e que será construída durante a montagem.
Montar implica seleção e integração na construção de um filme. Para o espectador, que durante um tempo assistiu a um espetáculo cinematográfico, fica o resultado dessa articulação, ou melhor dizendo, a fábula, a estória com sua dramaticidade. (LEONE, 1987, p. 78)
Tão importante quanto a organização das imagens, o som tem fundamental
relevância na produção de um vídeo. No cinema, as trilhas sonoras são inseridas
pensando-as em segundo plano, de forma que não cause uma distração do
conteúdo imagético. Isso muda quando falamos de street parts, onde a trilha sonora
se encontra em primeiro plano, juntamente às imagens. Podemos considerar que um
vídeo de Skate segue mais o rumo dos videoclipes musicais do que o rumo
cinematográfico.
A importância do som no cinema e no audiovisual, desde seu início, é
relatada como uma maneira de espantar os fantasmas do cinema mudo, descrito por
Hanns Eisler (apud PRENDERGAST, 1992, p. 3) onde afirma que
32
O cinema puro deve ter um efeito fantasmagórico como o do teatro de sombras – sombras e fantasmas sempre estiveram associados. A mágica função da música (…) consistia em apaziguar os espíritos demoníacos inconscientemente receados. Música foi introduzida como um tipo de antídoto contra a fotografia. A necessidade foi sentida para poupar o espectador do desagradável que envolvia ver efígies de pessoas vivendo, atuando e até falando, ao mesmo tempo em que estavam em silêncio.O fato de que estavam vivos e não vivos ao mesmo tempo é o que constituía sua característica fantasmagórica, e a música foi introduzida não para supri-los com a vida que lhes faltou... mas para exorcizar medo ou ajudar o espectador a absorver o choque.
Nenhum vídeo de sucesso teria alcançado esse patamar se não houvesse
uma trilha sonora compatível. Os sons são essenciais na construção do ritmo de um
vídeo esportivo, gerando emoções de forma sincronizada e poética.
A música em um street part é parcialmente responsável pela narração da
história, juntamente à montagem. Essa narração, através da música, acrescenta um
valor ao vídeo, podendo ser de forma empática ou anempática.
Numa das formas, a música exprime diretamente a sua participação na emoção da cena, dando o ritmo, o tom, e o fraseado adaptados, isto evidentemente em função dos códigos culturais da tristeza, da alegria, da emoção e dos movimentos. Podemos então falar de música empática. Na outra, pelo contrário, a música manifesta uma indiferença ostensiva relativamente à situação, desenrolando-se de maneira igual, impávida e inexorável, como um texto escrito – e é sobre esse próprio fundo de indiferença que se desenrola a cena, o que tem por efeito não a suspensão da emoção, mas pelo contrário, o seu reforço, inscrevendo-a num fundo cósmico. (CHION, 1990, p. 14-15)
O poder do som em um produto de skate também pode ser percebido na sua
relação com o movimento. O balanço entre áudio e vídeo facilita a compreensão de
cenas rápidas, com movimentos bruscos, que comumente ocorrem em vídeos de
skate. A harmonia audiovisual suaviza a percepção de uma cena considerada
rápida. Michel Chion (1990, p. 15) usa filmes de Kung Fu como exemplo, dizendo
que seus movimentos visuais rápidos ou os efeitos especiais não criam uma
impressão confusa no espectador pelo fato de que são auxiliados e marcados por
pontuações sonoras rápidas (silvos, gritos, choques, zunidos) que assinalam
perceptivamente certos momentos e imprimem na memória um traço audiovisual
forte.
Dessa maneira também funciona um street part, que se forma a partir de
cenas rápidas, acompanhadas de um trilha sonora marcante e sons ambiente como
o barulho das rodas do skate em movimento, do shape raspando o chão durante a
33
manobra ou do seu atrito com corrimãos, bordas e outros obstáculos. Esses sons
ambientes não só suavizam o ritmo rápido e sua percepção, como também realçam
sua estética e dão um tom mais natural ao vídeo.
Em suma,
entender o potencial narrativo que os elementos sonoros podem proporcionar para um filme é também um dever do realizador cinematográfico. A força expressiva que o som proporciona para uma obra audiovisual é hoje incontestável. E além de movimentar todo um abrangente mercado profissional, se consolida como uma nova área de pesquisa e estudos de cinema. (ALVES, 2012, p. 95)
A fim de identificar as diferenças mais marcantes na evolução dos vídeos de
skate, assisti a alguns vídeos antigos e outros mais atuais. É comum perceber que
nos vídeos mais antigos, como o já mencionado “The Bones Brigade Video Show”
(1986) e também “Ricky Oyola - Estern Exposures 3” (1996), as imagens são mais
distorcidas e filmadas com lente fish-eye, que distorce as dimensões da imagem
filmada e deixa um contorno arredondado ao vídeo, estilo de filmagem clássico da
época e muito usado até hoje. No vídeo de Oyola, vemos imagens em preto-e-
branco e manobras sendo executadas em alta velocidade. Oyola faz uso de diversos
tipos de grades, corrimões, até deslizando sobre pequenos postes inclinados que
saíam do chão, e após este street part muitas pessoas se inspiraram a improvisar
com o ambiente urbano.
Figura 2.1 - Ricky Oyola inovando ao subir “postes” inclinados. (Fonte: Youtube)
34
Em vídeos antigos é possível perceber também que o objetivo é mostrar as
manobras e o estilo do skatista, sem muita preocupação em executar uma manobra
perfeita, até porque as câmeras eram mais limitadas em relação às que temos
atualmente, dependendo de fitas e filme e sem liberdade para repetir manobras em
busca da perfeição. Em vídeos modernos, em contrapartida, vemos que a qualidade
das manobras é um atributo essencial, muito cobrado pelo público. Em vídeos como
“Jamie Foy - ‘Welcome to Deathwish’ Part”, “Shane O'Neill - ‘Levels’ Part” e “Jaws' -
‘True Blue Retrospect’ Part”, vemos com clareza a necessidade da perfeição das
manobras. Além disso, vemos a construção dos vídeos como uma história de
superação, com manobras impressionantes e os erros cometidos até o acerto da
mesma. Jaws’ é considerado um dos skatistas que mais se arriscam no mundo do
skateboarding atual, fazendo drops alturas inacreditáveis, nunca desistindo após
falhar.
Figura 2.2 - Aaron Jaws’ descendo do telhado de uma casa. (Fonte: Instagram)
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Figura 2.3 - Aaron Jaws’ sendo o primeiro a descer a escadaria “The Lyon 25” (Fonte: Instagram)
Nestes vídeos modernos a qualidade de imagem e filmagem também são
aspectos importantes. Ainda vemos o uso das lentes fish-eye, mas suas bordas
arredondadas se tornaram raridade. Vídeos em HD, Full HD, 4k, filmagens com
drone e até vídeos em 360º, a indústria do skateboarding está sempre em busca de
inovações, característica que se aplica à toda a história do skate desde o seu
surgimento. A inovação é o que torna o esporte e suas produções audiovisuais
populares, seja por mudanças na qualidade ou forma com a imagem é captada, mas
também com a criatividade na execução de manobras, utilização do espaço etc..
36
CAPÍTULO III
TIAGO LEMOS E O PROCESSO DE MONTAGEM DO VÍDEO
“SKATE OR DIE – TIAGO LEMOS”
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3.1. Tiago Lemos
Nascido em 26 de Abril de 1991, Tiago Lemos Araujo é um exemplo de
superação na busca pelo sucesso no skateboarding brasileiro. Natural de
Jaguariúna, São Paulo, Tiago sempre andou de skate desde criança. Seus pais não
entendiam a paixão pelo esporte e repreendiam ele e o irmão com castigos e
tentativas de tirá-lo do skate, pois tinham medo de que algum acidente pudesse
acontecer e além disso toda a sua dedicação ao esporte estava refletindo
negativamente em suas notas na escola.
Mas nada foi capaz de impedir Tiago de seguir o seu sonho de se tornar um
skatista profissional. Seus pais reconheceram o seu talento, passando a apoiá-lo e
Tiago seguiu evoluindo cada dia mais, fazendo o que amava. Com 17 anos ganhou
uma competição local e passou a ser patrocinado pela DC Shoes. A partir de então,
passou a receber mais visibilidade, sempre impressionando a todos com o seu
talento, precisão e estilo, sem nunca deixar a humildade de lado. Tiago competiu
junto ao time da DC Shoes em vários lugares do mundo, como Amsterdã, Barcelona
e Praga, com boas colocações em todas as competições, além de ter fotos em
capas de diversas revistas sobre o esporte.
Figura 3.1 – Tiago Lemos na capa das revistas “Cemporcento Skate” e “Tribo Skate”
(Fonte: Facebook)
38
Todo o seu talento chamou a atenção de Ty Evans, renomado filmmaker e
diretor de vídeos de skate. Eem 2012 Tiago se muda para a Califórnia, passando a
gravar com Ty Evans e vários outros skatistas na produção de um dos maiores
filmes de skate do mundo, o “We Are Blood”, lançado em 13 de Agosto de 2015. Sua
participação nesse filme/documentário foi tão bem recebida pelo público que um
mini-documentário foi produzido, contando a sua história em “Guerreiro: The Tiago
Lemos Story”.
“As impressionantes habilidades deste skatista e a humildade que
carrega em sua personalidade quebram qualquer barreira, seja de uma
língua estrangeira ou rótulos de estilo de skate, Tiago Lemos é além.
Uma unanimidade, seja aqui em sua querida cidade natal ou em algum
paraíso do skate na China, Tiago é um skatista que impressiona por
onde passa, seja usando seu pop monstruoso ou deslizando suas
manobras rumo ao infinito.” (HIROSHI, 2016)
Tiago se tornou oficialmente profissional durante as gravações das últimas
manobras para o seu documentário, em 26 de Abril de 2016, no dia do seu
aniversário de 25 anos. Foi surpreendido pela equipe com 4 shapes5 com seu nome.
3.2. O Método de Montagem de Street Parts
Um street part de sucesso preza não só a apresentação de manobras e sua
precisão mas também tenta contar uma história, mesmo que de forma indireta,
mantendo-se em seu ritmo e prendendo a atenção do público. Para que haja esse
ritmo, é necessário uma decupagem minunciosa das cenas gravadas, escolhendo as
melhores faixas que serão posteriormente organizadas na edição e, juntamente a
uma trilha sonora compatível, darão início à narração de sua história.
A importância da decupagem e sua montagem, juntamente com a forma como
a filmagem é captada, pode ser comparada com uma descrição do cinema mudo,
dada por Eduardo Leone (1987, p. 19) que diz que o valor estético dos filmes
concentrava-se na figura do diretor: aquele que articulava os enquadramentos,
produzia as imagens e armava o espetáculo. Igualmente ao cinema mudo, um street
5 Shape é o nome dado à base de madeira do skate. O “board” do skateboard.
39
part almeja contar sua história de maneira não verbal e o poder de criar esse valor
estético também está nas mãos do editor, que também costuma ser o diretor quando
se está produzindo seu primeiro vídeo de skate.
Tanto diretores [e editores] quanto críticos fruíam mais os valores
intrínsecos das imagens, e percebiam “possibilidades poéticas” nos
movimentos e nas pantominas que substituiam as falas. (LEONE, 1987,
p. 19)
Durante a montagem, espera-se construir um ritmo, que ditará o andamento
de sua história. Street parts normalmente possuem um ritmo adiegético, sem
preocupações com elipses e sem seguir estritamente o mesmo espaço de tempo,
mantendo uma continuidade. Preza-se a variedade de espaços, com horários
variados, mostrando manobras, variações e criatividade. É importante que a
montagem seja organizada de uma maneira que elimine repetições, com cortes
ritmados à trilha e planos relativamente curtos, evitando cansaço visual.
As camadas vão sendo sobrepostas, criando determinações e
interdependências necessárias, para que no final desse processo
possamos ter como resultado um objeto artístico. Qualquer ideia, antes
de se transformar em filme, passa obrigatoriamente pela montagem. E
na montagem final, propriamente dita, o ritmo do espetáculo surgirá da
obediência a essa dinâmica interna do texto fílmico através dos cortes.
(LEONE, 1987, p. 31)
Juntamente ao momento da montagem é escolhida a trilha sonora que dará a
identidade do seu street part. A escolha de uma trilha adequeada é muito importante
mas também bastante ampla, tradicionalmente utilizando-se de músicas de rock,
hip-hop ou rap, com batidas mais agitadas, narrando o ritmo do seu vídeo. Isso não
significa que outros estilos e narrativas não podem ser utilizados. Este trabalho
almeja mostrar uma formatação mais padrão e tradicional da pós-produção de
vídeos. É importante ter em mente qual a emoção que se deseja passar através do
seu vídeo e, a partir disso, selecionar uma trilha que transmita essa emoção.
A temporalização depende dos tipos de sons. Segunda a sua densidade,
a sua textura interna, o seu aspecto e o seu desenrolar, um som pode
animar mais ou menos temporalmente uma imagem, a um ritmo mais ou
menos rápido e forte. [...] Um som de sustentação lisa e contínua é
menos animador do que um som de sustentação acidentada e trêmula.
Se, para acompanhar uma mesma imagem, tocarmos uma nota
40
constante e prolongada de violino e, depois, a mesma nota executada
em tremolo com pequenos saltos de arco, a segunda vai criar uma
atenção mais tensa e imediata sobre a imagem. (CHION, 1990, p. 19)
Tendo a montagem do seu vídeo já organizada, juntamente com a trilha
sonora, parte-se para a suavização dos cortes, adicionando transições entre uma
cena e outra e ligando-as de forma mais leve aos olhos do espectador. O tipo de
transição que será inserida entre as cenas, podendo ser uma fusão de imagens,
uma sobreposição, um fade out ou até mesmo a ausência de transição, dependerá
do ritmo da composição, tentando-se relacionar os efeitos ao tempo da música.
Por fim, trabalha-se nas finalizações do vídeo, balanceando as cores e
áudios, pensando na emoção que será passada. Efeitos visuais podem ser inseridos
na imagem, se desejado, destacando certos aspectos da imagem ou incrementando
a mensagem que o street part deseja passar. Um vídeo com temática de rua, por
exemplo, pode ser composto por contornos mais escuros, implicando uma ideia de
chão, terra e poeira, reforçando a identidade do vídeo. As cores também têm
poderes no detalhamento da história, onde cores mais avermelhadas ou amareladas
implicam em um clima mais quente, enquanto cores azuladas possuem uma
representatividade mais fria.
Se houver o desejo de adicionar textos ou caracteres no vídeo, esse trabalho
também é destinado a esses momentos finais. A inserção de textos como narrativa
ou simplesmente descrição do personagem deve possuir destaque em relação à
imagem, mas deve se manter como segundo plano, de forma que sejam legíveis,
mas sem provocar a distração do espectador.
Posteriormente o vídeo é exportado, em um formato compatível com o
Youtube e outras mídias em que será compartilhado - recomenda-se MP4, AVI ou
MKV - tentando manter a melhor resolução e qualidade possível.
A totalidade de processos apresentados neste trabalho podem ser agrupados
em um único objetivo final,
Transformar uma idéia em narrativa, passando por uma articulação no
texto escrito, por uma articulação na construção dos planos e, na etapa
terminal, por uma articulação desses planos numa narrativa que terá
imbutida nela as três etapas [...] e se algo de estrutural liga esses
momentos, ele será a atividade da montagem, compreendida em todas
as suas aplicações. (LEONE, 1987, p. 79)
41
3.3 – O Procedimento de Montagem do Street Part “Skate Or Die – Tiago
Lemos”
Para a produção do street part que é o produto deste TCC, a primeira decisão
a ser tomada foi a seleção de cenas. Obtive as imagens que serão usadas de dois
vídeos do canal “Thrasher Magazine” no Youtube. Ambos os vídeos, intitulados
“Tiago Lemos - Rough Cut”, são compilações de manobras do skatista Tiago Lemos,
em formato bruto, sem cortes ou tratamento de imagem.
Em seguida, movi esses arquivos para o programa de edição de vídeos
Adobe Premiere. Realizei a decupagem das cenas, selecionando os takes6 que
entrariam no produto final e os takes que seriam descartados. Junto à esse processo
também elegi algumas músicas que comporiam a sonorização/trilha sonora do street
part, atentando para conteúdos com direitos autorais de uso livre. Essa foi, em
minha opinião, a etapa mais difícil de todo o processo, vista a imensa dificuldade
que existe no ato de buscar por trilhas sonoras compatíveis ao tema e estilo do
vídeo. Após algum tempo de busca, as trilhas selecionadas foram movidas para a
timeline7 do projeto no Première. Iniciou-se então o processo de montagem
propriamente dito.
Em meu processo particular de montagem, tenho preferência por iniciar com
as trilhas sonoras e, a partir disso, executar a parte visual, valorizando as sincronias
nos cortes em relação ao ritmo sonoro. Para este street part, selecionei 3 trilhas,
almejando mostrar ao espectador as transições de estilos musicais na cultura do
skate através dos anos. Iniciando com um ritmo Surf Music, migrando para
Punk/Hardcore e por fim, encerrando com Hip Hop/Trap, tive a intenção de
ambientar as cenas como uma passagem através das décadas. Na camada visual,
também busquei alterar as cores e filtros das imagens dos vídeos originais, de forma
a realçar essa viagem pela história audiovisual do skateboarding.
Após organizar e mixar as músicas em conjunto, escolhi as imagens que
comporiam a camada visual do street part. Escolhi mostrar manobras mais simples
no começo do vídeo, crescendo gradativamente na dificuldade de execução, técnica
e amplitude de câmera, como se a câmera iniciasse mais próxima durante as
6 Takes são as cenas de um vídeo, escolhi que cenas seriam usadas e quais seriam
descartadas. 7 Timeline, que significa “linha do tempo”, é o espaço onde se encontram os arquivos que
estão sendo editados.
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manobras e se afastasse cada vez mais no decorrer do vídeo, mostrando cenários e
grafismos visuais. Essa abordagem também seria uma maneira a mais de
apresentar a evolução do audiovisual no skatismo, com melhores câmeras,
fotografia e qualidade de imagem.
A seguir, depois de preencher a timeline com as cenas de minha escolha e
prezando os detalhes citados anteriormente, passei a revisar e corrigir as imagens
que precisassem de melhor posicionamento, duração dos planos e zoom. Adicionei
alguns efeitos de movimentação de câmera para dar mais vida a algumas cenas.
Também incluí transições entre vídeos em momentos oportunos, principalmente
durante os momentos em que as trilhas sonoras se mesclam. Escolhi deixar um
estilo de imagem mais antiquado para os primeiros momentos do vídeo, como uma
lembrança aos primeiros momentos do skateboarding no audiovisual, com imagem
mais suja e distorcida, simulando a lente fish-eye em determinados momentos.
Futuramente no vídeo, este efeito antigo sofrerá uma transição para uma imagem
mais limpa e com melhor qualidade, simbolizando uma elipse temporal para épocas
mais atuais.
Ao mesmo tempo que a qualidade da imagem sofre suas alterações, sua
trilha sonora também se altera. Em determinado momento que Tiago Lemos acerta
uma manobra e cai com as quadro rodas de seu skate no chão, seu plano
audiovisual é alterado na qualidade da imagem e trilha sonora, que acompanha a
trajetória histórico-musical do esporte. Transitando de Surf Music para
Punk/hardcore e chegando até o eletrônico/alternativo, vemos Tiago Lemos
inspirando, independente da trilha sonora ou qualidade de imagem, pois o estilo e a
paixão pelo que faz, refletido na técnica e perfeição de suas manobras, já fazem um
excelente trabalho por si só.
Após finalizado e exportado, o vídeo “Skate or Die – Tiago Lemos” será
postado no Youtube, como uma forma de homenagem ao skatista, inpiração aos
futuros espectadores do produto e também como auxílio para outros pesquisadores
que tiveram acesso ao meu Trabalho de Conclusão de Curso.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Durante todo o processo de criação deste TCC, desde o seu pré-projeto, pude
me envolver mais ainda com toda a cultura do skate, no Brasil e no mundo. Apesar
de gostar do esporte e já praticá-lo, não possuía muito conhecimento a respeito de
toda a sua história, especialmente no Brasil. Ler sobre os históricos de luta contra o
sistema e perceber como o esporte criativamente se renova a todo momento só me
motivou mais a seguir com este tema e concluir este trabalho.
Para formação acadêmica este trabalho foi importante me ensinando novas formas
de observar e analisar um objeto de estudo, neste caso os vídeos de skate. Pude
aprender que o trabalho de um skatista na produção audiovisual não é nada fácil,
sofrendo preconceitos, consequências de ser uma contra cultura, e precisando estar
preparado para mais imprevistos que outros tipo de produção de vídeo. Pude
também sentir na pele as dificuldades de trabalhar com a montagem de um vídeo de
skate, tendo que lidar com imprevistos durante a pós-produção, mesmo já possuindo
experiência pessoal com a edição de vídeos.
Também tive o prazer de conhecer mais sobre a vida e trabalho do skatista Tiago
Lemos, que cresceu de Jaguariúna-SP para o mundo com todo seu talento e
humildade. Um exemplo de superação e fonte de inspiração não só para mim, mas
como para milhares de jovens mundo afora. Todo esse carisma e humildade foram
os motivos que me inspiraram a escolhê-lo para o meu produto final, que é um street
part com Tiago Lemos. O vídeo “Skate Or Die - Tiago Lemos” junta imagens de suas
manobras, que foram divulgadas no Youtube em formato bruto, resultando em um
vídeo montado e editado por mim, seguindo o passo-a-passo da montagem de street
parts, fornecido em minha pesquisa.
Com este Trabalho de Conclusão de Curso pude também compreender que dar
atenção aos detalhes é muito importante durante o trabalho de montagem de um
street part, visando chamar a atenção de todas as formas possíveis. A organização
do trabalho e fichamento das ações que seriam tomadas também foi notado como
um facilitador na montagem de um vídeo de skate, tornando o processo mais prático
e os possíveis erros mais solucionáveis.
O vídeo finalizado será postado no Youtube, como uma forma de homenagem
ao skatista Tiago Lemos e como mais uma forma de atrair outros jovens a se
aventurar tanto pelo mundo do skatismo como também da pós-produção
audiovisual, que se sintam inspirados com o talento de Tiago e a forma como o
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vídeo o apresenta, contando também um pouco da história do skate. Almejo também
que o vídeo seja visto por outros pesquisadores que possam acessar meu Trabalho
de Conclusão de Curso em algum momento futuro, podendo assistir ao resultado do
que foi pesquisado e analisado por mim.
Por fim, avalio o meu crescimento pessoal durante a construção deste
trabalho. Aprendi com o talento de outros skatistas, filmmakers e pude construir um
embasamento melhor para o meu futuro profissional, compreendendo novas formas
de montagens e em quais situações utilizá-las. Concluo este trabalho sendo um
melhor profissional de montagem e pós-produção audiovisual, buscando evoluir
ainda mais.
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REFERÊNCIAS
Bibliografia
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Revista USP, Jul. 2012
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BRANDÃO, Leonardo. Por uma história dos “esportes californianos” no Brasil:
O caso da juventude skatista. São Paulo. 2012
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
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Grafia, 1990
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http://umti.com.br:8040/uploads/ckeditor/attachments/4449/Pesquisa_Datafolha_2
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2016. Disponível em: https://www.redbull.com/br-pt/lan%C3%A7amento-do-
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LEONE, Eduardo. Cinema e Montagem. São Paulo: Ática, 1987
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https://www.youtube.com/watch?v=VwhwvKP4Qb8. Acesso em 04 Set. 2018
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Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6MB8qpcDQQg. Acesso em 04
Set. 2018
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https://www.youtube.com/watch?v=p4GpWtzkTyA. Acesso em 04 Set. 2018
The Bones Brigade Video Show - Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=BVu9GQD0j0s. Acesso em 04 Set. 2018
Ricky Oyola “Ricky – EE3” - Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=LIIllLAcZDY. Acesso em 13 Out. 2018
Jamie Foy “Welcome to Deathwish” Part - Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=AQaX5ZXGzuA. Acesso em 13 Out. 2018
Shane O'Neill – “Levels” Part - Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=4XWCxFBgCy0. Acesso em 13 Out. 2018
Jaws' - “True Blue Retrospect” Part - Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=JiE35KJ2Rj8. Acesso em 13 Out. 2018
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