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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
PRO-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE RESIDÊNCIA UNIPROFISSIONAL
EM MEDICINA VETERINÁRIA
Tássia Moara Amorim
Impacto do grau de uveíte em diferentes tipos de úlceras de
córneas em cães submetidos ao enxerto pediculado de
conjuntiva bulbar – 32 casos
CUIABÁ-MT
2016
TÁSSIA MOARA AMORIM
Impacto do grau de uveíte em diferentes tipos de úlceras de
córneas em cães submetidos ao enxerto pediculado de
conjuntiva bulbar – 32 casos
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Curso de Pós-graduação de Medicina
Veterinária da Universidade Federal de Mato
Grosso, como requisito para obtenção do título
de Residência Uniprofissional em Clínica
Cirúrgica em Animais de Companhia.
Orientadora: Prof(a). Dr(a). Alexandre Pinto Ribeiro
Cuiabá-MT
2016
Impacto do grau de uveíte em diferentes tipos de úlceras de córneas em cães
submetidos ao enxerto pediculado de conjuntiva bulbar – 32 casos
Impact of uveitis score on different types of corneal ulcers in dogs subjected to the
bulbar conjunctival pedicle graft - 32 cases
Tassia Moara Amorim, Alexandre Pinto Ribeiro*, Thais Ruiz, Geovanna Barreiro
Monteiro, Nathalie Moro Bassil Dower, Deise Cristine Schroder, Gabriela Morais
Madrugada.
RESUMO
O presente trabalho objetivou avaliar os resultados de 32 olhos submetidos ao enxerto
conjuntival pediculado (ECP) em ceratite ulcerativas profundas (n=5), em ceratite
ulcerativas com colagenólise (n=2), descemetocele (n=7), perfuração corneal (n=15) e
prolapso de íris (n=3). Os impactos do grau de uveíte e da integridade da córnea foram
correlacionados com presença e ausência de visão por tabelas de contingência. 14/32
(47,75%) córneas foram consideradas íntegras e 18/32 (56,25%) apresentaram
perfuração. Ao 20º dia de pós-operatório, os 18 casos que apresentavam perfuração, 10
permaneceram visuais e 8 perderam a visão. Observou-se que a visão foi mantida em um
número significativamente maior de olhos com córneas íntegras (n=13),
comparativamente aos olhos com córneas perfuradas (n=10) (p=0,044). Avaliações
relativas ao grau de uveíte, revelaram que 17/32 (53%) casos foram considerados severos
e, em 15/32 (46,87%), as uveítes foram de consideradas leves. Dos 17 casos que
apresentaram uveíte severa, 8 recuperaram a visão. Já nos 15 olhos onde a uveíte foi
considerada leve, 14 mantiveram a visão ao final do período de avaliação. Apesar da
integridade da córnea não se correlacionar com a severidade da uveíte (p=0,304), se
constatou que o número de olhos visuais com uveíte leve foi significativamente maior
que os olhos com uveíte severa (p=0,007). Nesse estudo, a taxa de sucesso visual após
ECB foi de 68,75%. Todavia, córneas perfuradas e acometidas por uveítes severas
apresentaram menor chance recuperar a visão.
Palavras-chave: iridociclite, microcirurgia, perfuração corneal, cão.
ABSTRACT
The presente study aimed to evaluate the results of 24 eyes of dogs presenting deep
corneal ulcer (3), Descemet membrane exposure (6), Descementocele (1), corneal
perforation (10) and iris prolapse (2) that were corrected by the bulbar conjuntival graft
(BCG). The uveitis score and the corneal integrity were correleted with the presence or
absence of vision with the Fisher exact test. The number of nonperforated corneas (12/24;
50%) was equal to the perforated ones. 5/12 perforated eyes regained vision and 5/12
remanined blind at day 20 after surgery. The number of perforated eyes did not differ
significantly from the unperforated ones (P = 0.3707). Regarding the uveitis score, 13/24
(54,16%) eyes were considered severe, and 11/24 (45,83%), were considered mild. 7/13
eyes scored with severe uveitis regained vision and 6 remained blind. All of the 11eyes
were the uveitis score were considered mild regained vision at the end of the study.The
number of visual eyes scored with mild uveitis were significantly larger than the others
(P = 0.0059). It was concluded that corneal integrity (perforated vs unperforated) did
not play a role over the recovery of vision in dogs operated by the BCG. However, one
should consider that eyes scored with severe uveitis had a significantly less chance to
regain vision.
Keywords: iridocyclitis, microsurgery, corneal perforation, dog
* Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica Veterinária na Faculdade de
Medicina Veterinária da Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, Brasil. Autor
para correspondência:[email protected]
INTRODUÇÃO
Afecções dos anexos oftálmicos, ceratoconjuntivite seca, infecções, traumatismos e
anormalidades na aderência do epitélio corneal à sua membrana basal podem provocar
ceratites ulcerativas (Galera et al., 2009). Nas ceratites superficiais, há perda somente do
epitélio da córnea ou do estroma anterior, enquanto que nas profundas, há envolvimento
de mais da metade da espessura do estroma e geralmente ocorrem devido ao desequilíbrio
entre metaloproteinases e seus inibidores teciduais, acarretando em colagenólise (Galera
et al al., 2009; Ribeiro, 2012). Nas ceratites superfiais e nas profundas, ocorre estímulo
antidrômico do nervo trigêmeo, provocando quadros de uveíte anterior, com influxo de
proteínas e células para o humor aquoso, com intensidade variável (Gelatt e Gelatt, 2011;
Ribeiro, 2012).
Se não tratadas, as ceratites ulcerativas podem progredir até a membrana de
Descemet e resultar em perfuração corneal (Gelatt e Gelatt, 2011; Ribeiro, 2012). Nesse
contexto, ocorre perda do humor aquoso, redução da câmara anterior e do diâmetro
pupilar, podendo ocasionar em sinéquia anterior, prolapso da íris e seclusão pupilar
(Ribeiro, 2012). Se não tratada de forma emergencial, as perfurações corneais podem
evoluir para endoftalmite, glaucoma ou ao Phthisis bulbi (Gelatt e Gelatt, 2011).
Ceratites ulcerativas superficiais, geralmente são tratadas com instilações de
antibióticos, inibidores de metaloproteinases, midriáticos e antiinflamatórios não
esteroidais (Gelatt e Gelatt, 2011; Ribeiro, 2012). Nas profundas ou com perfuração da
córnea, a despeito do tratamento médico, torna-se imperativo a correção cirúrgica. O
enxerto pediculado de conjuntiva bulbar (ECB), descrito em 1950 para corrigir úlceras
profundas e perfurações corneais puntiformes, apresenta boa eficácia em preservar a
integridade do olho, mantendo também a visão, na maior parte dos casos, além de permitir
a vizibilização da câmara anterior no acompanhamento pós-operatório (Gelatt e Gelatt,
2011; Dorbandt et al., 2014). O ECB fornece aporte sanguíneo e celular, preenche
defeitos tectônicos, oferece elementos do sistema imune e permite a entrega de
antibióticos e outras substâncias administradas sistemicamente no leito ulcerado (Galera
et al., 2009; Gelatt e Gelatt, 2011).
Membranas constituídas de matriz acelular de bexiga urinária ou submucosa de
intestino, tem sido amplamente utilizadas na oftalmologia veterinária, com a vantagem
de poderem ser adquiridas comercialmente (Dorbandt et al., 2014; Balland et al., 20015;
Chow e Westermeyer, 2015). Reportou-se em cães, que o uso dessas membranas pode
não impedir a progressão da digestão do estroma corneal (Balland et al., 20015) e que o
índice de deiscência é maior, quando comparado ao ECB (Chow e Westermeyer, 2015).
Em outro estudo, reportou-se que córneas com ulcerações profundas e perfurações,
tratadas com ECB de forma isolada, ou ECB reforçado com membrana acelular tiveram
resultado similar (Dorbandt et al., 2014). Embora extremamente empregado, nenhum
estudo realizado no Brasil, avaliou a eficácia do ECB em úlceras puntiformes profundas
no estroma e perfurações corneais em cães. Tampouco, se avaliou o impacto do grau de
uveíte induzida pela ceratite ulcerativa, relativamente a recuperação da visão. Dessa
forma, o presente artigo visa apresentar resultados de 32 casos de úlceras profundas e
perfurações corneais em cães, acometidos por uveítes leves e severas, corrigidos pelo
ECB.
MATERIAL E MÉTODOS
Cães e cadelas atendidos no setor de Oftalmologia Veterinária do Hospital Veterinário da
Universidade Federal Mato Grosso, entre o período de maio de 2012 a maio de 2016
foram avaliados. Todos os pacientes foram receberam um exame clínico completo e
oftálmico. Os que apresentaram ceratite ulcerativa puntiforne profunda (mais de 2/3 do
estroma) com (Figura 1) ou sem colagenólise (Figura 2) do estroma, exposição ou
prolapso da membrana de Descemet (Figura 3) e perfuração corneal, com (Figura 4) e
sem prolapso da íris (Figura 5) foram incluídos no estudo.
A despeito da profundidade da úlcera, o grau de uveíte também foi avaliado.
Consideraram-se uveítes leves, àquelas onde edema corneal e o flare do aquoso eram
sutis, se observava apenas tamponamento da perfuração com fibrina e as estruturas
intraoculares podiam ser visibilizadas (Figura 5). Consideraram-se uveítes severas,
aqueles casos onde edema corneal e flare do aquoso eram severos, se observava fibrina,
hipópio ou hifema e as estruturas intraoculares não podiam visibilizadas (Figura 6).
Em todos os casos, previamente a cirurgia, as úlceras foram tratadas com
antibióticos (tobramicina 0,3% ou cloranfenicol 0,4%), agentes inibidores de
metaloproteinases (EDTA 0,2% e soro fetal bovino), agentes midriáticos (atropina 1% ou
tropicamida 1%), lacrimominméticos (ácido poliacrílico [] ou carboximetilcelulose []) e
aintinflamatórios não esteroidais (AINE) (cetorolaco trometamol 0,5% ou diclofenaco
sódico 0,1%). No período pós-operatório, os pacientes mantiveram a terapia com
antibióticos, atropina e AINES tópicos, por períodos variáveis e meloxicam por via oral
(0,1mg/kg/1 vez ao dia/ 4 dias).
Os pacientes foram submetidos à anestesia geral inalatória e os casos foram
operados no mesmo dia, ou no dia seguinte do atendimento. Em todos os casos,
empregou-se a técnica do retalho de conjuntiva bulbar (ECB) (Gelatt e Gelatt, 2011). Os
bordos das úlceras foram desbridados, o molde de fibrina foi desfeito em casos de
perfuração e a câmara anterior foi lavada com solução ocular de ringer lactato acrescida
de epinefrina. Após confecção do ECB, a cápsula de Tenon foi liberada, o estroma
conjuntival foi preso aos bordos da córnea com pontos simples separados com fio de
náilon 9.0 ou de ácido poliglicólico 8.0, sob magnificação de 10-15 vezes com auxílio de
microscópio cirúrgico. Apenas casos operados com o mínimo de 30 dias de avaliação
pós-operatória foram incluídos no estudo. Os enxertos conjuntivais foram removidos sob
anestesia tópica ou geral, decorridos 25 dias da cirurgia.
Possíveis correlações entre a presença ou ausência de visão após as cirurgias com
a integridade da córnea (perfuradas ou não) foram realizadas. A presença ou ausência de
visão pós-operatória também foi correlacionada com o grau de uveíte atribuído antes das
cirurgias (leve ou severa), assim como a presença de pupila antes da cirurgia. O teste
exato de Fisher foi utilizado para as avaliações onde em uma das células o número fosse
menor que 5 e o teste Qui-quadrado se os valores de todas as células fossem igual ou
maiores a 5. Em todas as análises, p<0,05 foram considerados significativos.
RESULTADOS
Durante o período de maio de 2012 a maio de 2016, 260 cães foram atendidos no
setor de Oftalmologia do Hospital Veterinário da UFMT com ceratite ulcerativa. Desses,
32 (12,3%) pacientes tinham o perfil de inclusão na pesquisa. Em todos os casos, as
úlceras acometiam apenas um dos olhos, sendo que em 19 casos, o olho direito foi
acometido (59,37%) e, em 13 casos o olho esquerdo (40,62%). Dentre os pacientes
atendidos, 15 (46,87%) eram machos e 17 (53,12%) eram fêmeas, a média de idade foi
de 3,28 anos, e a raça prevalente foi o ShihTzu, representando 26/32 casos (81,25%)
(Tabela 1). A resenha dos pacientes, o tipo de úlcera e a evolução dos casos encontram-
se sumarizados (Tabela 1).
Relativamente aos tipos de ceratites ulcerativas atendidas no período, 5/32
pacientes apresentaram úlcera profunda (15,65%), 2/32 apresentaram úlceras profundas
com colagenólise (6,25%), 7/32 descementocele (21,87%), 15/32 perfuração corneal
tamponada com fibrina (46,87%) e 3/32 perfuração corneal com prolapso da íris (9,37%).
Antes da cirurgia, alguns casos já estavam sendo tratados topicamente com tobramicina
(1-6), cloranfenicol (19) e ciprofloxacina (20). Relativamente a cronicidade dos casos, os
proprietários relataram ter observado as lesões 24 a 48 horas antes da cirurgia e em apenas
um caso (20), a lesão já havia sendo tratada há 45 dias com ciprofloxacina e sulfato de
condroitina.
Dos 32 casos operados pela técnica do ECB, observou-se que 100% dos olhos
acometidos por úlceras profundas e colagenolíticas recuperaram a visão ao final do
período de observação. Nos demais casos, 71,42% dos olhos acometidos por
decementocele, 60% dos olhos acometidos por perfurações e apenas 33% dos olhos
acometidos por prolapso da íris recuperaram a visão (Tabela 1). No geral, 22/32 (68,75%)
pacientes mantiveram a visão ao 20º dia de pós-operatório. Dos 10 olhos que não se
mantiveram visuais após esse período, apenas 2 foram enucleados. Apesar da presença
da pupila ser observada anteriormente à cirurgia em 17/22 dos animais que recuperaram
a visão, esse resultado não foi significativo (p=0,122).
Tabela 1: Resenha dos pacientes, o tipo de úlcera, grau de uveíte e a evolução de 32 olhos
de cães operados pelo enxerto de conjuntiva bulbar.
Raça Sexo Idade
(anos)
Tipo de úlcera
(olho envolvido)
Grau de
uveíte
Pupila visível
antes da
cirurgia
Visual ao 20º
Caso 1 Shih Tzu Macho 3,0 Perfuração (OE) Leve Sim Sim
Caso 2 Shih Tzu Fêmea 8,0 Úlcera colagenolítica (OE) Severa Sim Sim
Caso 3 Shih Tzu Macho 5,0 Descementocele (OE) Leve Sim Sim
Caso 4 Shih Tzu Macho 6,0 Úlcera profunda (OE) Leve Sim Sim
Caso 5 Shih Tzu Macho 3,0 Perfuração (OE) Severa Sim Sim
Caso 6 Shih Tzu Fêmea 1,0 Perfuração (OD) Leve Sim Sim
Caso 7 Shih Tzu Fêmea 2,0 Úlcera profunda (OE) Severa Sim Sim
Caso 8 Shih Tzu Macho 3,0 Descementocele (OE) Severa Sim Sim
Caso 9 Shih Tzu Fêmea 4,5 Perfuração por laceração (OD) Leve Não Sim
Caso 10 Shih Tzu Macho 2,0 Úlcera profunda (OE) Leve Sim Sim
Caso 11 Shih Tzu Fêmea 1,5 Perfuração (OE) Severa Não Sim
Caso 12 Shih Tzu Fêmea 2,5 Descementocele (OE) Leve Sim Sim
Caso 13 Shih Tzu Fêmea 3,0 Perfuração (OE) Leve Sim Sim
Caso 14 Shih Tzu Macho 6,0 Perfuração (OD) Severa Não Não
Caso 15 Shih Tzu Fêmea 3,0 Perfuração (OD) Severa Não Não
Caso 16 Shih Tzu Fêmea 2,0 Perfuração (OE) Severa Não Não
Caso 17 Shih Tzu Fêmea 3,2 Perfuração (OD) Severa Sim Não
Caso 18 Shih Tzu Fêmea 4,0 Descementocele (OE) Leve Sim Sim
Caso 19 Shih Tzu Fêmea 2,5 Perfuração (OD) Leve Sim Sim
Caso 20 SRD Macho 7,8 Descementocele (OE) Leve Sim Sim
Caso 21 SRD Fêmea 4,0 Prolapso da íris (OD) Severa Sim Não
Caso 22 Pug Fêmea 6,0 Descementocele (OE) Severa Sim Não
Caso 23 Pug Macho 2,0 Úlcera colagenolítica (OE) Severa Não Sim
Caso 24 PiBull Fêmea 4,0 Descementocele (OD) Severa Sim Não
Caso 25 SRD Macho 1,0 Perfuração por laceração (OD) Severa Não Sim
Caso 26 Shi Tzu Fêmea 4,0 Perfuração (OE) Leve Sim Sim
Caso 27 Shi Tzu Macho 5,0 Prolapso de íris (OD) Severa Não Não
Caso 28 Shi Tzu Macho 1,5 Prolapso da íris (OD) Severa Não Sim
Caso 29 Shi Tzu Macho 2,0 Perfuração (DR) (OE) Leve Sim Não
Caso 30 Shi Tzu Macho 0,83 Úlcera profunda (OE) Leve Sim Sim
Caso 31 Shi Tzu Macho 0,66 Úlcera profunda (OE) Leve Sim Sim
Caso 32 Shi Tzu Fêmea 1,0 Perfuração (OD) Severa Não Não
Relativamente à integridade corneal, 18 córneas (56,25%) apresentaram-se
perfuradas e apresentaram-se 14 íntegras (47,75%) (Tabela 1). Ao 20º dia de pós-
operatório, observou-se que a visão foi mantida em um número significativamente maior
de olhos (n=13) com córneas íntegras, comparativamente aos olhos (n=10) com córneas
perfuradas (p=0,044).
Nas avaliações relativas ao grau de uveíte pré-operatória, observou-se que 15/32
(46,87%) casos apresentaram uveítes leves e, em 17/32 (53,12%), as uveítes foram
consideradas severas. Dos casos que apresentaram uveíte severa, 8 recuperaram a visão.
Já nos olhos onde a uveíte foi considerada leve, 14 mantiveram a visão ao final do período
de avaliação. Se constatou que o número de olhos que apresentavam uveíte leve e
recuperaram a visão ao final do período de avaliação, foi significativamente maior que
aqueles que apresentavam uveíte severa (p=0,007) (Figura 8). Não se observou correlação
entre integridade corneal e severidade da uveíte (p=0,304).
No período de 2 a 4 dias de pós-operatório, dos 32 casos estudados, observaram-
se necrose dos bordos do ECB em 5 casos e, em outros dois, ocorreu necrose total do
ECB. Todavia, nesses 5 casos, as lesões corneais evoluíram favoravelmente,
relativamente ao processo cicatricial e 3/4 olhos retomaram a visão. Desses, apenas 1 olho
evoluiu para glaucoma (caso 18); e em 1 olho se observou deiscência devido a necrose da
ponta do enxerto, sendo o olho tratado com enxerto total de conjuntiva (caso 7). Em outro
caso (2), o paciente retornou aos 7 dias de pós-operatório e também se observou
deiscência de pontos, mas não foi possível atribuir a necrose do pedículo e sim a possíveis
complicações pelo não cumprimento da terapia médica com a ferida cirúrgica e o uso de
colar elisabetano (Tabela 1). Esse caso foi tratado com enxerto de membrana amniótica e
o animal permaneceu visual decorrido 30 dias da segunda cirurgia. Em outro caso (27),
embora observado cicatrização completa da córnea, optou-se por enucleação devido a
sinais de desconforto associados ao Phthisis bulbi.
DISCUSSÃO
Na série de casos aqui apresentada, o número de cães braquicefálicos acometidos (87,5%)
foi maior que em outros dois estudos similares, que reportaram incidências de 43,83% e
68,42% (Dobandt et al., 2014; Chow e Westermeyer, 2015). Tais achados confirmam que
a exoftalmia apresentada por essas raças favorecem o acometimento da córnea por
ceratites ulcerativas e não ulcerativas. Embora o número de machos (46,87%) acometidos
em nosso estudo ter sido menor que o de fêmeas (53,12%), a quantidade de Shi Tzus
machos, foi maior (15/26) que a de fêmeas dessa mesma raça (11/26). Tais resultados
corroboram com achados de outros estudos que apontam que machos da raça Shi Tzu são
mais pré-dispostos ao desenvolvimento de ceratite ulcerativa e perfuração corneal,
comparativamente às fêmeas dessa mesma raça (Sanchez et al., 2007; Dobandt et al.,
2014).
O presente trabalho demonstrou que o ECB suturado diretamente ao leito ulcerado
ou perfurado da córnea, apresentou eficácia geral de 68,75% na recuperação do tecido
corneal doente e na manutenção da visão. Outro estudo, onde a mesma técnica foi
empregada em 37 olhos acometidos por afecções corneais similares àquelas aqui
demonstradas, apresentou taxa de sucesso visual de 97% (Dobandt et al., 2014). Embora
não reportados no estudo de Dorbandt et al. (2014), tais discrepâncias em relação aos
resultados aqui apresentados podem ser atribuídas ao tempo decorrido entre a ocorrência
da lesão e a correção cirúrgica.
Membranas constituídas de matriz acelular de bexiga urinária ou de submucosa
de intestino, tem sido amplamente utilizadas na oftalmologia veterinária, com a vantagem
de poderem ser adquiridas comercialmente (Dorbandt et al., 2014; Balland et al., 20015;
Chow e Westermeyer, 2015). Dorbandt et al. (2014), reportaram que o sucesso cirúrgico
e visual não diferiu em cães tratados com ECB de forma isolada ou associado ao enxerto
de membrana de submucosa. Todavia, nenhum estudo onde membranas acelulares foram
utilizadas, comparou seus resultados separadamente, com os resultados do sucesso
cirúrgico em cães operados pela ECB (Dorbandt et al., 2014; Balland et al., 2015; Chow
e Westermeyer, 2015). Reportou-se em cães, que o uso de membranas acelulares pode
não impedir a progressão da digestão do estroma corneal (Balland et al., 2015) e que o
índice de deiscência é maior, quando comparado a outras técnicas convencionais que
empregam conjuntiva (Chow e Westermeyer, 2015). Em nosso estudo, apenas 2 casos
apresentaram colagenólise do estroma corneal antes da cirurgia. Embora ambos
recuperaram a visão ao final do estudo, em apenas um, observou-se deiscência do ECB.
Admite-se que a falha do ECB em um dos casos de colagenólise possa ser atribuída ao
não cumprimento de normas relativas aos cuidados pós-operatórios pelo proprietário.
Em um estudo que avaliou diferentes tipos de ceratites ulcerativas em cães
reportou que, do total de olhos perfurados observados, apenas 40% tornaram-se visuais
após a cirurgia de ECB (Scagliotti, 1988). Outro estudo mais recente reportou não haver
impacto significativo entre integridade corneal e o sucesso visual em cães submetidos ao
ECB (Dorbandt et al., 2014). Todavia, Dorbandt et al. (2014) relataram que 4/5 casos
malsucedidos apresentavam perfuração corneal. Em nosso estudo, observou-se que a
visão foi mantida em um número significativamente maior de olhos (n=13/14) com
córneas íntegras, comparativamente aos olhos (n=10/18) com córneas perfuradas. Sendo
que das córneas 18 perfuradas, três apresentavam prolapso da íris. Considerando o
número total de córneas perfuradas tamponadas por fibrina ou com prolapso da íris, o
sucesso visual em nosso estudo foi de 55,55%, mais baixo que os 92% observado em
outro estudo (Dorbandt et al., 2014).
Estudos prévios em cães com ceratite ulcerativa e perfuração corneal não
reportaram correlações entre o grau de uveíte e o sucesso visual após enxertia de
membrana acelular, pericárdio bovino ou ECB (Scagliotti, 1988; Bussines et al., 2004;
Vanore et al., 2007; Dorbandt et al., 2014; Dulaurent et al., 2014; Balland et al., 20015;
Chow e Westermeyer, 2015). Na série de casos aqui relatada, dos 17 olhos que
apresentaram uveíte severa, apenas 8 recuperaram a visão, a despeito do tratamento tópico
e sistêmico com anti-inflamatórios não esteroidais. Dos 9 olhos que permaneceram cegos,
um foi enucleado devido a evolução para glaucoma e outro por sinais de desconforto
aossociados ao Phthisis bulbi. Admite-se que quando não controladas, uveítes podem
evoluir para as complicações descritas em nosso estudo (Hendrix, 2013). Outro estudo
realizado em cães, não descreveu tais complicações após enxertia de membrana acelular
e ECB, porém, não se comentou sobre o grau de uveíte (Dorbandt et al., 2014).
Embora em nossa pesquisa não fosse observado correlação entre a presença de
pupila antes da cirurgia e o sucesso visual pós-cirúrgico, dos 17 olhos que apresentavam
uveíte severa, 11 apresentaram pupila não responsiva a terapia midriática. Mesmo sem
ausência de correlação significativa, os autores admitem que o encarceramento da íris na
perfuração ou a formação de sinéquias, são fatores negativos para a manutenção da visão
(Hendrix, 2013). Entretanto, no estudo de Dorbandt et al. (2014), os autores descrevem
que pupilas encarceradas nas perfurações corneais, foram descoladas pelo auxílio de
viscoelástico. Embora a literatura veterinária recomende essa conduta (Gelatt e Gelatt,
2011), no presente estudo, não adotamos essa técnica. Nos casos de encarceramento de
íris, foi feito apenas iridectomia, combinada a injeção intracameral de adrenalina diluída
em ringuer lactato para preenchimento da câmara anterior.
Clinicamente, o grau de uveíte ativa pode ser classificado como leve, moderdo ou
severo, dependendo do grau de turbidez do humor aquoso, devido à presença ou ausência
de hipópio, hifema e fibrina (Hendrix, 2013). Na série de casos aqui reportada, optou-se
por classificar as uveítes em apenas dois subgrupos (leve ou severa) para não
comprometer as avaliações estatísticas.
Conclui-se que na série de 32 casos aqui relatados, que o ECB pediculado foi
factível em recuperar a visão em 100% dos olhos acometidos por úlceras profundas e
colagenolíticas e, em 71,42% dos olhos acometidos por decementocele, 60% dos olhos
acometidos por perfurações e em apenas 33% dos olhos acometidos por prolapso da íris.
Nesse contexto, córneas perfuradas e acometidas por uveítes severas apresentaram
significativamente menor chance recuperar a visão.
olhos acometidos por uveítes severas tiveram significativamente menor chance de
recuperar a visão.
REFERÊNCIAS
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