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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO O PROCESSO DE INCLUSÃO DAS ESCOLAS INDÍGENAS NO SISTEMA OFICIAL DE ENSINO DE MATO GROSSO: PROTAGONISMO INDÍGENA Francisca Navantino Pinto de Ângelo Cuiabá, 2004

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

O PROCESSO DE INCLUSÃO DAS ESCOLAS INDÍGENAS NO SISTEMA

OFICIAL DE ENSINO DE MATO GROSSO: PROTAGONISMO INDÍ GENA

Francisca Navantino Pinto de Ângelo

Cuiabá, 2004

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

O PROCESSO DE INCLUSÃO DAS ESCOLAS INDIGENAS NO SISTEMA

OFICIAL DE ENSINO DE MATO GROSSO: PROTAGONISMO INDÍ GENA

FRANCISCA NAVANTINO PINTO DE ÂNGELO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em educação, na área de concentração em Educação, Cultura e Sociedade, linha de pesquisa Movimentos Sociais, Política e Educação Popular, sob a orientação do Prof. Dr. Darci Secchi.

Cuiabá, 2004

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FICHA CATALOGRÁFICA

A584p Ângelo, Francisca Navantino Pinto de O processo de inclusão das escolas indígenas no

sistema oficial de ensino de Mato Grosso: protagonismo indígena / Francisca Navantino Pinto de Ângelo. – 2005.

139p. : il.. color. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de

Mato Grosso, Instituto de Educação, 2005.

“Orientação: Profº Drº Darci Secchi”.

CDU – 376.74(=87)(817.2) Índice para Catálogo Sistemático 1. Educação indígena – Sistema de ensino – Mato Grosso 2. Índios da América do Sul – Brasil – Educação 3. Educação escolar indígena – Mato Grosso 4. Protagonismo indígena 5. Política educacional – Educação indígena 6. Índios – Educação – Mato Grosso

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EXAME DE QUALIFICAÇÃO

ÂNGELO, Francisca Navantino Pinto de. A inclusão da escola indígena no sistema

oficial de ensino em Mato Grosso: protagonismo indígena. Dissertação de Mestrado em

Educação, UFMT, 2004.

COMISSÃO EXAMINADORA

____________________________________________________ Prof. Dr. Carlos Roberto Jamil Curi

Examinador Externo

____________________________________________________ Prof. Drª. Maria Lucia Müller

Examinadora Interna

____________________________________________________ Prof. Dr. Darci Secchi Orientador (UFMT)

EXAMINADA A DISSERTAÇÃO Conceito: ____________________ Em _________ de _____________ de 2005

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus entes queridos que me ensinaram a viver, a lutar por

justiça social e de ter orgulho de ser Halití.

A meus pais Miguel Ângelo Zoloimaere e Maria Celecina P. de Ângelo (in memorian).

A tia Juvencia Maria da Cruz (in memorian).

A Abebe Menaka (in memorian).

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GRATIDÃO

Sou grata a estes que contribuíram em diferentes trajetórias e momentos

importantes da minha vida.

Ao Daniel Matenho Cabixi, João Arrezomaré e Antonio Zumizaré, lideranças do

meu povo que me conduziram aos caminhos das lutas do movimento indígena.

A comunidade indígena do Rio Formoso que me ensinou os valores, saberes e

riqueza da memória histórica cultural de um povo indígena e me incentivaram a abraçar

esta causa.

Aos professores indígenas de Mato Grosso que lutam no cotidiano de suas

escolas e comunidades por uma educação escolar que seja de defesa, de valorização e de

protagonismo indígena construindo instrumento de conhecimento e reafirmação de

identidades étnicas.

A todos os participantes indígenas que direta ou indiretamente expressaram seus

sentimentos, expectativas e esperança num futuro melhor para os povos indígenas.

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AGRADECIMENTOS

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação, do Instituto de Educação da

Universidade Federal de Mato Grosso, pela oportunidade de realizar o curso de

mestrado.

Ao Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford, em

especial a Drª. Fúlvia Rosenberg, a Drª. Maria Luisa Ribeiro e Márcia Caxeta, enfim a

Equipe de profissionais e amigos da Fundação Carlos Chagas.

Ao meu orientador, Darci Secchi, pela compreensão e orientação segura e firme

durante esta pesquisa.

Aos professores Drª. Maria Lúcia R. Muller, Dr. Carlos Roberto Jamil Cury, Dr.

Elias Renato da Silva Januário, pelas contribuições valiosas que enriqueceram o

trabalho.

Aos Drª. Ártemis Torres e Dr. Luis Passos pelas preciosas sugestões e

comentários que contribuíram com a presente pesquisa.

Ao prof. Luis Donizete Grupioni, Maria Helena Fialho, Luis Otavio Pinheiro da

Cunha e Karla Carvalho pelas contribuições valiosas e precisas em diferentes etapas do

trabalho.

Aos colegas de curso do mestrado, em especial Terezinha Furtado, Kátia Zorthêa

e Aidê Caetano pelo companheirismo e troca de experiência.

A Maristela Torres e ao prof. Valdivino Barbosa que gentilmente cederam várias

publicações sobre educação escolar indígena.

A Kleber Matos e Susana Grillo e demais Equipe do MEC da Coordenação das

Escolas Indígenas pelo apoio e incentivo na elaboração deste trabalho.

Ao prof. Fernando Selleri da UNEMAT pela organização gráfica e fotográfica

que ilustraram maravilhosamente o trabalho.

As colegas da Equipe de Educação Escolar Indígena da Secretaria de Estado de

Educação, pela colaboração e apoio no desenvolvimento desta pesquisa.

As meninas Mariléia Taiwa e Thais Peruare que colaboraram nas etapas da

pesquisa transcrevendo com paciência as gravações.

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RESUMO

Esta dissertação trata da educação escolar indígena após a Constituição de l988 e

apresenta o processo de inclusão de suas escolas no sistema oficial de ensino em Mato

Grosso, tendo como eixo central o protagonismo indígena.

As discussões e reflexões acerca do novo paradigma da escola específica,

diferenciada, bilíngüe e intercultural destacam as diferentes percepções dos índios e dos

especialistas sobre o assunto e mostram que não há um modelo único de escola

indígena, mas diferentes escolas, de acordo com o contexto sociocultural de cada povo.

O estudo discute a política de educação escolar indígena proposta pelo MEC (e

os seus resultados), na perspectiva dos próprios índios. O enfoque central do trabalho é

o protagonismo indígena na construção dos espaços de controle social no interior do

aparelho estatal. No âmbito do MEC, esse processo pode ser sintetizado pelo árduo

caminho que levou à passagem do antigo Comitê de Educação Escolar Indígena à atual

Comissão Nacional de Professores Indígenas. No caso de Mato Grosso, o estudo

destaca a política de educação escolar indígena implementada no período de l995 a

2003 e as principais contradições resultantes da sua implantação. Os resultados da

pesquisa apontam os caminhos percorridos, os avanços obtidos e as perspectivas para a

construção de espaços que promovam o protagonismo indígena num diálogo entre as

sociedades indígenas e o poder público.

Destaca ainda, o papel do movimento indígena e da Organização dos Professores

Indígenas de Mato Grosso na discussão de estratégias para a mudança das relações entre

o Estado e as sociedades indígenas. Propõe que tal mudança precisa ser expressa pelo

reconhecimento da diversidade indígena e de seus projetos, pelo combate à exclusão e à

discriminação e pelo rompimento com a cadeia de omissão que considera os índios

beneficiários ocasionais de políticas calcadas apenas em dados estatísticos.

Por fim, no campo da educação escolar, apresenta o desafio da educação

superior como instrumento de fortalecimento da identidade étnica na formação de

quadros profissionais para atender às demandas pertinentes dos projetos societários de

cada povo indígena.

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A estratégia metodológica foi constituída por meio da observação participativa, e

da pesquisa de campo com entrevistas de professores e lideranças indígenas em cursos

de formação, seminários e encontros indígenas nos Estados do Amazonas, Rondônia e

Mato Grosso. As informações obtidas em todos esses momentos de pesquisa-ação

foram sistematizadas e analisadas à luz da bibliografia disponível, de forma a conferir-

lhes uma maior consistência teórica.

O trabalho ora apresentado pretende ser uma singela contribuição de uma mulher

indígena na luta por maior autonomia, liberdade e desenvolvimento dos povos

ameríndios.

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ABSTRACT

This essay points out the indigenous school education after the l988 Constitution

and it presents the inclusion process of their schools in the official teaching system in

Mato Grosso, it has as a central axis in the indigenous protagonism.

The discussions and reflections concerning to the new paradigm of the specific,

differentiated, bilingual and intercultural school detach the different Indians’ and

specialists’ perceptions on the subject and they show that there is not an only model of

indigenous school, but different schools, in agreement with the social cultural context of

each people.

The study discusses the indigenous school education policy proposed by MEC

(and its results), in the perspective from the Indians. The central focus of the essay is the

indigenous protagonism in the construction of the social control spaces inside the state

apparel. According to MEC, this process can be synthesized by the arduous way that

took to the passage of the old Indigenous School Education Committee to the current

Indigenous Teachers National Commission. In Mato Grosso, the study detaches the

indigenous school education policy implemented between l995 and 2003 and the main

contradictions resulting from its implantation. The results of the research point out the

experiences, the progresses obtained and the perspectives for the construction of spaces

that promote the indigenous protagonism in a dialogue between the indigenous societies

and the government.

It also highlights, the role of the indigenous movement and of the Indigenous

Teachers Organization in Mato Grosso in the discussion of strategies to change the

relationships between the State and the indigenous societies. It proposes that such

change needs to be expressed by the recognition of the indigenous diversity and of its

projects, by fighting against the exclusion and the discrimination and by the breaking

upwith the omission chain that considers the Indians occasional beneficiaries of the

policies stepped on just in statistical data.

Finally, in the school education field, it presents the challenge of the superior

education as an instrument of strengthening of the ethnic identity in the formation of

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professional staff to assist the pertinent demands from the associate projects of each

indigenous people.

The methodological strategy was constituted through the interactive observation,

and the field research with interviews with teachers and indigenous leaderships in

formation courses, seminars and indigenous meetings in Amazonas, Rondônia and Mato

Grosso States. The information obtained from all those moments of action-research

were systematized and analyzed under the light of the available bibliography, in order to

provide them a larger theoretical consistence.

The work presented now intends to be a simple contribution of an indigenous

woman in the fight for a larger autonomy, freedom and development of the Amerindian

people.

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LISTA DE SIGLAS E DE ABREVIATURAS

ABA – Associação Brasileira de Antropologia

ABRALIN – Associação Brasileira de Lingüística

AIS – Agente Indígena de Saúde

CAIEMT – Coordenadoria de Assuntos Indígenas de Mato Grosso

CAPOIB – Conselho de Articulação dos Povos e Organização Indígena do Brasil

CEE/MT – Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso

CEI/MT – Conselho de Educação Escolar Indígena de Mato Grosso

CF – Constituição Federal

CIMI – Conselho Indigenista Missionário

CNE – Conselho Nacional de Educação

CONSED – Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação

CGAEI – Coordenação Geral de Apoio às Escolas Indígenas

CNPI – Comissão Nacional de Professores Indígenas

COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira

COPIAR – Comissão dos Professores Indígenas do Amazonas, Roraima e Acre

CTI – Centro de Trabalho Indigenista

DEDOC – Departamento de Documentação

FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento

FUNAI – Fundação Nacional do Índio

ISA – Instituto Socioambiental

LACED – Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento

LC – Lei Complementar

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

LOPEB – Lei Orgânica dos Profissionais da Educação Básica

MEC – Ministério da Educação

MN – Museu Nacional

NEI/MT – Núcleo de Educação Indígena de Mato Grosso

OIT – Organização Internacional do Trabalho

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ONG – Organização Não Governamental

OPAN – Operação Amazônia Nativa

OPRIMT – Organização dos Professores Indígenas de Mato Grosso

PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PNE – Plano Nacional de Educação

PNEDH – Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

RCNEIs – Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas

SEDUC – Secretaria de Estado da Educação

SEF – Secretaria do Ensino Fundamental

SESU – Secretaria do Ensino Superior

SIL – Sociedade Internacional da Lingüística

SPI – Serviço de Proteção aos Índios

SPILTN – Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais

UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

UNDIME – União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação

UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13 CAPÍTULO I – Da ancestralidade aos tempos contemporâneos ...........................23

1.1 Antecedentes históricos ........................................................................................24

1.2 As Escolas para indígenas em Mato Grosso .........................................................34

1.3 O Novo paradigma: a escola específica, diferenciada, bilíngüe e intercultural ...47 CAPÍTULO II – A Legislação e o controle social como instrumentos de cidadania ......................................................................................................................

52

2.1 As Bases legais da educação escolar indígena ...................................................... 53

2.2 A Política nacional para a educação escolar indígena ..........................................61

2.3 Do Comitê de Educação à Comissão Nacional de Professores Indígenas ............66

2.4 O Conselho de Educação Escolar Indígena como fórum definidor de políticas ..69 CAPÍTULO III – O Processo de inclusão das escolas indígenas no sistema oficial de ensino de Mato Grosso ...............................................................................

75

3.1 Um Balanço das políticas educacionais indígenas em Mato Grosso: impasses e contradições ................................................................................................................

76

3.2 Vozes de resistência: análises e reflexões ........................................................... 84

3.3 Entre o sistema oficial e o sistema imaginado .....................................................100

3.4 O Movimento indígena como baluarte do protagonismo indígena ......................107

CAPÍTULO IV – A conquista do ensino superior no processo de autonomia indígena ........................................................................................................................

113

4.1 Construindo a relação entre a educação básica e o ensino superior ................... 114

4.2 Os desafios para a democratização do ensino superior indígena no Brasil .........120 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................127 BIBLIOGRAFIA .........................................................................................................131 FONTES E DOCUMENTOS OFICIAIS ..................................................................136 ANEXOS .......................................................................................................................138

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa trata dos impasses e contradições do processo de inclusão

das escolas indígenas como escolas específicas, diferenciadas e interculturais no sistema

oficial de ensino em Mato Grosso.

O trabalho tem como eixo central à discussão e a análise dos mecanismos que

mediam as relações entre o Estado brasileiro e os povos indígenas no processo de

formulação de políticas para a educação escolar indígena.

A legislação nacional que regulamenta as ações de educação escolar indígena no

Brasil assegura aos povos indígenas a sua plena participação na definição e na

elaboração das políticas públicas. Porém, na prática, esse direito não tem sido garantido

em sua plenitude uma vez que os representantes indígenas ainda não são considerados

protagonistas nesse processo, o que causa descontentamento e frustração para esses

povos.

Entende-se por protagonismo indígena a capacidade crescente dessas sociedades

estabelecerem relações dialógicas com a sociedade nacional e de exercerem o controle

do seu projeto de vida no presente e no futuro. Segundo Secchi (2005) o protagonismo

indígena se expressa especialmente pela capacidade de ocupar os espaços de interesse

coletivo, pelo exercício do diálogo intercultural qualificado e pelo estabelecimento de

relações democráticas e respeitosas com os diferentes setores da sociedade e do Estado

Brasileiro.

Ainda que o meu foco de análise privilegie a luta das sociedades indígenas para

terem acesso a uma educação escolar de qualidade, não pretendo desmerecer a

importância dos instrumentos jurídicos na configuração do sistema de ensino e na

definição e no cumprimento das políticas. Ao contrário, todo o aparato legal é tido

como subsídio para as políticas de atendimento. Um dos destaques desses instrumentos

jurídicos internacionais, ratificado pelo governo brasileiro é a Convenção n.º 169 da

Organização Internacional do Trabalho sobre os Povos Indígenas e Tribais em Países

Independentes, cujo Artigo 27 trata da Educação.

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A autoridade competente deverá assegurar a formação de

membros destes povos e a sua participação na formulação e execução

de programas de educação com vistas a transferir progressivamente

para esses povos a responsabilidade de realização destes programas,

quando forma adequada. (CONVENÇÃO n. 169, OIT, Art. 27).

Luis Donizete Grupioni (2001:.91-93) aponta inda outras convenções e

instrumentos jurídicos importantes que o Estado e os técnicos governamentais

necessitam conhecer e estudar para subsidiá-los na elaboração de políticas coerentes

com as demandas e interesses dos povos indígenas. Esse autor elenca os seguintes

instrumentos:

“O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto

Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,

aprovados pela ONU em l966 e em vigência desde l976, garantem

aos membros de minorias étnicas, religiosas ou lingüísticas o direito

de terem sua própria vida cultural e de utilizarem sua própria língua.

(...).

A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas

de Discriminação Racial, aprovada pela ONU em l965 e em vigor

desde l969, define discriminação como toda distinção, exclusão,

restrição ou preferência baseada em motivos de raça, cor, origem

nacional ou étnica que tenha por objetivo ou por resultado anular ou

menos prezar o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de

igualdade, dos direitos humanos e liberdades fundamentais (...).

A Convenção para a Prevenção e a Sanção do Delito do

Genocídio, sancionada pela ONU em l948, define genocídio como a

exterminação metódica de um grupo étnico, nacional, racial ou

religioso, que pode ocorrer não só pela matança de membros do

grupo, mas também por submeter de forma intencional o grupo a

condições de existência que acarretem sua destruição física ou levem

a uma lesão grave na integridade física ou mental dos membros

grupo (...).

A Unesco (Organização das Nações unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura) estabeleceu em l960 a Convenção Relativa à

Luta contra a Discriminação no Campo do Ensino, com o objetivo

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de eliminar toda a discriminação no âmbito da educação motivada

por questões que envolvem a raça, a cor, o sexo, a língua, a religião,

a origem nacional e promover a igualdade de oportunidades para

todos em matéria de educação (...).

Também da Unesco é a Declaração sobre os Princípios de

Cooperação Cultural Internacional, de l966, que reconhece a

variedade e a diversidade de todas as culturas como um patrimônio

comum da humanidade, estabelecendo que cada cultura tem uma

dignidade e um valor que devem ser respeitados e preservados.”

(GRUPIONI, 2001:91-93).

Há ainda outras declarações proclamadas pela Unesco como a Declaração sobre

Raça e os Preconceitos Raciais, (l978) e a Declaração de Princípios sobre a

Tolerância (l995). No âmbito da ONU, está em discussão a Declaração dos Direitos

dos Povos Indígenas, e da OEA, a Declaração Americana sobre Direitos dos Povos

Indígenas. Vale ressaltar que estes dispositivos internacionais contribuíram para o

reconhecimento da diversidade cultural nos instrumentos legais do Brasil, da mesma

forma que ocorreu com a Constituição de l988 e com a nova LDB de l996.

A Constituição Federal de l988, em seu Artigo 231 “reconhece aos índios, suas

organizações sociais, costumes, línguas, crenças e tradições de cada povo (...)”. No

Artigo 210, § 2, assegura a “utilização das línguas maternas e processos próprios de

aprendizagem” no ensino fundamental. O reconhecimento da identidade cultural

indígena, incluídos as línguas indígenas e os processos próprios de aprendizagem,

inaugura a proposta de uma educação diferenciada e intercultural para a definição das

políticas públicas indigenistas no Brasil.

A exemplo da Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional – LDB (Lei nº 9.394/96), nos Artigos 78 e 79, preconiza que os programas

para a oferta de educação escolar intercultural devem ter como objetivos o

fortalecimento das práticas sócio-culturais e das línguas maternas, a inclusão de

conteúdos culturais correspondentes a cada comunidade nas propostas curriculares, a

recuperação de suas memórias históricas, a reafirmação de suas identidades étnicas e a

valorização de suas ciências. Esses programas específicos deverão ser planejados com a

participação das comunidades indígenas.

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No Plano Nacional da Educação (Lei nº 10.172), destaca-se a criação das

categorias escola indígena e professor indígena nos sistemas de ensino, estabelecendo

implementação de programas específicos para a formação docente.

Todas essas conquistas de caráter legal foram conseguidas num amplo

movimento de luta dos povos indígenas que contou com o apoio de inúmeras

organizações da sociedade civil, da academia e de outras forças vivas da sociedade

brasileira.

O Estatuto das Sociedades Indígenas, em processo de revisão no Congresso

Nacional, será mais um reforço infraconstitucional que irá complementar o

ordenamento jurídico relacionado aos povos indígena brasileiros.

A consolidação de uma política de educação escolar indígena específica e

diferenciada, voltada para a realidade das comunidades e para o reconhecimento cultural

é uma luta antiga. Ao longo do processo de colonização a educação escolar atendeu a

uma política de civilização e evangelização que desenvolveu ações de desestruturação

sociolingüística, política e econômica dos povos contatados e que teve como saldo a

dizimação de muitos povos.

Atualmente realizam-se produtivos debates entre as instituições públicas,

organizações não-governamentais, professores indígenas, especialistas e diferentes

segmentos da sociedade nacional para se construir um novo caminho, que venha a

atender os reais interesses dos povos indígenas por novos processos educacionais.

A legislação brasileira criou a categoria escola indígena e determinou o seu

atendimento prioritário estabelecendo estratégias para atender às demandas escolares

sem permitir a renúncia das especificidades culturais de cada povo ou comunidade

indígena.

Porém o fato das escolas indígenas terem sido incluídas no sistema oficial de

ensino não é suficiente para cumprir e atender a realidade desses povos. A escola só

trará bons resultados se for ressignificada em cada uma das diferentes realidades. Será,

pois, num contexto de diferentes resistências, impasses e expectativas que os povos

indígenas e as instituições terão o desafio de construir em cada comunidade a

modalidade de ensino por eles desejada.

Sobre o contexto em que se insere o presente trabalho vale mencionar que a partir

de l995, iniciou-se uma nova fase de relacionamento com os governos estaduais, que

possibilitou maior visibilidade dos assuntos indígenas no cenário mato-grossense. Os

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povos indígenas apresentaram suas reivindicações e chamaram a atenção para a

temática da educação escolar, e o governo de Mato Grosso se dispôs a atender às

expectativas das comunidades com novas práticas pedagógicas, curriculares e de gestão

escolar em que prevaleceram os valores e os conhecimentos da cultura indígena.

O estado de Mato Grosso avançou em várias ações que favoreceram os povos,

contemplando seu direito constitucional, adquirido pela luta dos seus movimentos

organizados. Com base na LDB o estado reconheceu a diversidade existente e assegurou

através da Lei Orgânica dos Profissionais da Educação Básica - LOPEB (alterada pela

LC nº 57, de 22/01/1999) a educação básica para as populações indígenas:

Artigo l06 - I – proporcionar aos índios, suas comunidades e

povos, a recuperação de suas memórias históricas, a reafirmação de

suas identidades étnicas, a valorização de suas línguas e ciências; II –

garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso de

informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade

nacional a demais sociedades indígenas e não-índias.

Artigo 107 – na oferta da educação básica para as populações

indígenas são necessárias adaptações às suas peculiaridades, mediante

regulamentação e com consulta ao CEI-MT (Conselho de Educação

Escolar Indígena) e ao Conselho Estadual de Educação, considerando:

I – conteúdos curriculares, metodologias, programas e ações que

garantam às nações indígena auto-sustentação e autodeterminação; II

– organização escolar própria, incluindo a adequação do calendário

escolar às atividades culturais.

Parágrafo único – O ensino será ministrado em Língua

Portuguesa, assegurará às comunidades indígenas a utilização de suas

línguas maternas, bem como processos próprios de aprendizagem.

(LEI Complementar nº 49/98).

Nesse contexto de avanços normativos e legais, apresentam-se questões como: a

legislação atual é suficiente para garantir que os sistemas de ensino cumpram o seu

papel? De que forma as comunidades indígenas exercerão o controle social sobre suas

escolas? Como o sistema de ensino se organizará para atender a diversidade étnico-

cultural como a de Mato Grosso?

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As questões levantadas apontam para as dificuldades encontradas pelas escolas

indígenas em compatibilizar a realidade das comunidades com os mecanismos

burocráticos e institucionais do sistema, em termos da estruturação e do funcionamento

pedagógico e administrativo de suas escolas.

A participação das comunidades na elaboração, no planejamento e na execução

de políticas requer a mudança de postura e de atenção dos órgãos governamentais aos

serviços educacionais prestados aos povos indígenas que deverá considerar as

peculiaridades socioculturais e políticas de cada povo.

A formação inicial e continuada dos professores indígenas no magistério e no

ensino superior é de responsabilidade do sistema e exige que as instituições se

reorganizem para atender a essa clientela.

Por outro lado, as sociedades indígenas estão em processo de autodeterminação,

buscando a sua autonomia e necessitam que seus projetos societários sejam

contemplados nos projetos de educação formal.

Na condição de representante indígena em diferentes espaços institucionais do

poder público e militante da educação escolar, venho acompanhando a luta dos povos

indígenas pela consolidação dos direitos já contemplados na legislação.

Observo como os professores indígenas e as suas comunidades encontram

dificuldades na elaboração dos projetos políticos e pedagógicos de suas escolas dada à

burocracia institucional do sistema de ensino que restringe o alcance dos seus projetos

educacionais.

Sabemos que o sistema estadual de ensino atua dentro de uma perspectiva

homogeneizadora. Lidar com a nova realidade prevista na legislação traz um desafio

para as instituições mantenedoras das escolas de construir mecanismos específicos de

atendimento à diversidade de cada povo.

Segundo o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI),

vários são os fatores responsáveis por este quadro de dificuldades. Dentre eles,

destacam-se as políticas públicas generalistas (não apenas no campo da educação

escolar); o baixo investimento e capacitação dos técnicos dos órgãos públicos; a falta de

experiência dos técnicos para dialogar com as sociedades e as dotações orçamentárias

insuficientes para a educação escolar indígena (MEC, l998).

Os povos indígenas são contemplados com ações que nem sempre correspondem

às suas realidades, necessidades e expectativas. Alguns estudos sobre o assunto

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constatam até mesmo que as políticas públicas negam a existência das especificidades

culturais no país.

Como conselheira indígena em instâncias de colegiado como o Conselho

Nacional de Educação, o Conselho Estadual de Educação e o Conselho de Educação

Escolar Indígena, vejo com preocupação a situação das comunidades e de suas escolas,

cujos direitos estão garantidos na legislação. Elas não estão sendo atendidas conforme

as suas especificidades e não têm condições de implantar projetos educacionais que se

contrapõem à influência dos conhecimentos externos impostos pela sociedade nacional.

De modo geral, as escolas indígenas são mal assistidas e não têm orientação

pedagógica convergente com a sua realidade. Algumas são gerenciadas e conduzidas

por profissionais não-indígenas muitas vezes sem qualificação para lidar com essa

diversidade. As escolas indígenas são enquadradas nos sistemas municipais e estaduais

de ensino no mesmo estatuto de escolas urbanas, de escolas rurais ou ainda de salas de

extensão. Dessa forma, o contexto político, pedagógico, financeiro e administrativo está

fora de sua realidade comunitária. Portanto, o processo de reconhecimento das escolas

indígenas dentro do sistema educacional ainda deverá percorrer um longo caminho para

ser concluído adequadamente. Por outro lado, há necessidade de novos aportes que

consideram a diversidade destas escolas para viabilizar a sua funcionalidade nos termos

previstos na legislação. É preciso que o sistema de ensino compreenda e institua

programas compatíveis com a realidade dos povos indígenas, pois são sociedades

tradicionais com culturas diversas, com pensamentos e modos de viver bastante

diferente da sociedade ocidental. Apesar da situação política e administrativa em que se

encontram as instituições que atendem à clientela indígena, os avanços obtidos no

âmbito da educação escolar se devem em grande parte ao esforço do movimento de

professores, das organizações indígenas e dos seus aliados. Nesse sentido, tem-se a

percepção de que cabe ao Estado legitimar as iniciativas dos povos indígenas, por se

tratar da defesa de direitos constitucionais garantidos. Além disso é necessário criar

condições e mecanismos de controle social para que as comunidades tenham

participação garantida na elaboração de projetos político-pedagógicos que reflitam a sua

realidade sociocultural.

Consideramos estes pontos fundamentais para a implementação de políticas

coerentes com os anseios dos povos indígenas. Por isso, realizei esta pesquisa com a

participação de professores indígenas e de outros profissionais da educação tais como

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técnicos governamentais e membros de organizações indígenas. Pretendo que ela seja

um instrumento que facilite o processo de autonomia e de gerenciamento das ações

educacionais tanto para índios quanto para os governos, de forma que a escola não se

torne um espaço de negação das identidades indígenas.

Para que se alcance a inclusão das escolas indígenas no sistema oficial de

ensino, bem como a sua consolidação, será necessário repensar concepções, teorias e

práticas que se perpetuam nas instituições governamentais. É preciso também avaliar as

políticas que visam a atender às diversas realidades da população.

Neste trabalho, sempre que possível, envolvi os segmentos institucionais e os

atores sociais protagonistas, na construção e implementação de políticas de educação

escolar indígena. Privilegiei a participação da clientela beneficiária, tal como os

professores e suas comunidades, com vistas a permitir que expressassem o pensamento

indígena acerca desta questão.

A partir dessa perspectiva busquei conhecer as diferentes abordagens teóricas e

metodológicas no campo da Educação que tratam das relações entre movimentos sociais

e poder público. Dentre os trabalhos analisados, destaco os das professoras Maria da

Glória Gohn, Ilse Scherer-Warren, e de Reinaldo Matias Fleuri.

Em relação aos procedimentos metodológicos, realizei inicialmente uma pesquisa

em documentos oficiais da FUNAI, da Secretaria de Educação do Mato Grosso, do

Conselho de Educação Escolar Indígena de Mato Grosso, das Organizações Indígenas e

do MEC, nos quais levantei a legislação e as principais diretrizes sobre a educação

escolar indígena no Brasil. Num segundo momento, elaborei um questionário para

averiguar as perspectivas de lideranças e professores indígenas com relação a educação

escolar.

Os dados deste trabalho foram obtidos através de observação participante,

entrevistas com lideranças e professores indígenas, em seminários de educação

indígena, nos cursos de formação de professores, nas aldeias, em encontros e outros

eventos indígenas, anotações em diários de campo e registros documentais e

fotográficos.

Inicio o trabalho apresentando alguns argumentos com o intuito de justificar a

escolha dessa temática dentre tantas outras igualmente relevantes. A opção pelo

processo de inclusão das escolas indígenas no sistema oficial de ensino deveu-se

basicamente por duas razões. A primeira, em virtude de minha própria atuação como

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militante e profissional da educação escolar indígena; a segunda, por verificar como o

sistema oficial tem dificuldades de atender a legislação vigente e de executar as

políticas estabelecidas para essa modalidade de ensino.

O corpo principal do trabalho está organizado em quatro capítulos seguidos de

uma conclusão.

No primeiro capítulo trato do processo de ocupação do Estado de Mato Grosso,

da instalação das primeiras escolas para indígenas e da construção do novo paradigma

da educação escolar indígena caracterizada como “específica, diferenciada, bilíngüe e

intercultural”. Serão destacados os aspectos relevantes de cada um desses períodos com

destaque à última fase desse processo.

No segundo capítulo discuto o processo de elaboração da legislação atinente a

temática escolar, com ênfase na luta dos povos indígenas para assegurar a sua

participação na construção desse processo. Darei especial atenção as estratégias

indígenas para ocuparem os espaços públicos em órgãos de representação colegiada que

definem políticas públicas propostas de legislação.

O terceiro capítulo é dedicado ao processo de inclusão das escolas indígenas no

sistema oficial de ensino. É realizado um balanço das políticas educacionais, seus

impasses e contradições, destacando à resistência e a mobilização dos povos indígenas

em busca dos seus espaços de protagonismo.

Finalmente, no quarto capítulo são apresentadas as principais conquistas obtidas

nesse processo. Destaco a democratização da educação básica e as mais recentes

iniciativas de formação em nível superior para professor indígena. Destaco também a

necessidade de formação de quadros em diferentes campos profissionais para atuarem

junto às comunidades na busca de maior autonomia.

Neste estudo tratei, portanto, das políticas educacionais elaboradas com a

participação indígena a partir do aprofundamento de trabalhos já produzidos sobre esta

temática, tendo como foco a realidade escolar indígena de Mato Grosso. Priorizei à

observação dos processos que caracterizam o contexto político e escolar mato-grossense

com destaque para o movimento de construção do protagonismo indígena, a ocupação

dos espaços públicos pelos índios no diálogo permanente e de relações com o Estado

brasileiro.

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Espero ter contribuído com a produção de subsídios para a melhoria do sistema

educacional e para o incentivo a todos os atores sociais indígenas envolvidos na sua luta

por mais direitos e justiça social.

É, pois, nesse complexo e dinâmico cenário que conduzirei a reflexão sobre o

processo de inclusão das escolas indígenas no sistema oficial de ensino.

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CAPÍTULO I

DA ANCESTRALIDADE AOS TEMPOS CONTEMPORÂNEOS

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1.1 Antecedentes históricos

A história oficial da ocupação regular da região que veio a ser conhecida como

Mato Grosso iniciou-se com a chegada das primeiras bandeira nos sertões, em l718.

Foram lideradas por Antonio Pires de Campos, que alcançou o rio Coxipó em busca de

mão-de-obra escrava para a comercialização nos principais centros comerciais da

Colônia (SECCHI, l995: 20).

A colonização de Mato Grosso “iniciada depois de mais de duzentos anos do

descobrimento do Brasil”, teve a mesma intencionalidade verificada em outros pontos

do país: a conquista do sertão “selvagem”, a escravização indígena e a ocupação de

novas terras. (FERREIRA, 2001: 143).

O maior centro das bandeiras foi São Paulo. Para chegar a

Mato Grosso desciam em canoas o rio Tietê, entrava no Paraná, até a

foz do rio Pardo e nele subiam até Camapuã. Quase nas cabeceiras do

rio Pardo, baldeavam carga e barcos, em carros de bois, até o rio

Coxim donde, pelo rio Taquari, entravam no rio Paraguai, até

encontrar o rio dos Porrudos, ou São Lourenço. Depois, subindo o rio

Cuiabá, chegavam ao lugar da atual Cuiabá. (BORDIGNON, l986: 5).

Para realizar essa travessia, os bandeirantes entraram em vários territórios

indígenas e travaram batalhas com diversos povos como os Kayapó, Paiaguá e Bororo.

As armas tradicionais dos índios raramente puderam deter os conquistadores; suas

aldeias foram arrasadas e muitas vidas ceifadas pelo seu poderio bélico.

As primeiras atividades auríferas mato-grossenses começaram com a extração

nas “Minas de Cuyabá” e se consolidaram com a escravização dos indígenas. Como

resultado da exploração aurífera, surgiram diversas vilas, povoados e empreendimentos

agropecuários que davam sustentabilidade econômica à atividade extrativista.

Nessa região habitava os Bororo, muitos dos quais foram escravizados e

enviados para outras capitanias como mão–de-obra.

Os principais marcos das relações entre os povos indígenas mato-grossenses e os

colonizadores foram a subjugação e a escravização. Devemos também registrar a

resistência expressa por um constante estado de guerra, que resultou na dizimação de

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nações inteiras e retardou significativamente o processo de ocupação da região Centro-

Oeste brasileira.

Na visão de Siqueira (2002), eram dois universos culturais muito diferentes que

se confrontavam. Os conquistadores europeus não conseguiram compreender e respeitar

a diversidade cultural.

O pensamento dominante dos europeus era de que culturas desconhecidas eram

inferiores. Os índios “não eram gente” “não possuíam alma”, eram “seres bestiais”,

podendo vir a ser tratados com violência e desumanidade. Essas conclusões explicam a

selvageria como fruto das diferenças sociais entre europeus e indígenas. (GRUPIONI,

l994: 42).

Por outro lado, os colonizadores dependiam dos conhecimentos indígenas para

garantir o território e por em prática a ocupação efetiva do império lusitano.

Necessitava-se fixar as fronteiras, garantir os limites geográficos e demarcar o seu

império. Sem a presença indígena, os bandeirantes não teriam dominado os sertões, pois

os índios possuíam diferentes conhecimentos acerca de seus domínios naturais. Os

índios não representaram apenas a garantia de mão-de-obra braçal, mas serviram,

sobretudo como guias, pois conheciam, como ninguém o temido e desconhecido sertão

Oeste (SIQUEIRA, 2002:.35).

Para os bandeirantes, os índios eram a mercadoria mais valiosa, peça de

sustentação da atividade garimpeira e comercial não só da localidade, mas da coroa

portuguesa, razão pela qual Antonio Pires de Campos empreendeu várias expedições no

encalço dos índios que habitavam a região do rio Coxipó.

Segundo Siqueira, (2002: 64 apud MELLATI, 1983), “submeter o índio às

minas, a seu trabalho monótono, insano e severo, sem sentido tribal, sem ritual

religioso, era como tirar-lhe o significado de sua vida. Era escravizar não somente seus

músculos, mas também seu espírito coletivo”.

Vale destacar que as atitudes adotadas pelos indígenas frente ao colonizador

tomaram diferentes direções. Em alguns casos ocorria uma total submissão; em outros,

resistiam e lutavam bravamente contra o invasor; em outros, fugiam para regiões

distantes, abandonando o seu território tradicional. Houve casos também em que se

aliaram aos colonizadores para lutar contra seus rivais, inimigos históricos.

Entre l719 e l808, com a notícia de novas descobertas de minas auríferas, novas

expedições adentraram a região na busca de mão-de-obra indígena.

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Em 1719, o bandeirante Pascoal Moreira Cabral, seguindo a mesma direção de

Antonio Pires de Campos, alcançou a região de Cuiabá, declarando guerra aos nativos e

fundando o Arraial de São Gonçalo Velho ou Aldeia Velha. Outro arraial fundado foi o

da Forquilha, próximo às margens do córrego Mutuca. (SIQUEIRA, 2002: 30).

Em l721, Miguel Sutil descobriu uma nova mina nas proximidades de um

córrego afluente do rio Cuiabá, denominado Prainha. Nascia aí no território ancestral do

povo Bororo, um novo arraial – o Arraial do Senhor Bom Jesus, que daria origem a

Cuiabá.

Dada a grande movimentação espanhola na região de fronteira, em razão da

disputa acirrada com os espanhóis e as descobertas de minas auríferas, a coroa

portuguesa sentiu-se ameaçada e criou uma nova capitania nas terras de Mato Grosso.

Surgia em 1752 a Vila Bela da Santíssima Trindade que viria a ser a primeira capital

mato-grossense1. A sua localização estratégica na região da fronteira assim como a

navegação pelo rio Guaporé, possibilitou a exploração das riquezas da região e o

controle das investidas dos espanhóis.

A historiadora Elizabeth Madureira Siqueira (2002: 40), ressalta que as lavras

impulsionaram o povoamento na área a Oeste de Mato Grosso. Entre as principais,

destaco:

“Lavras do Rio Galera (l734): nos sertões dos índios Paresi – conquista dos

irmãos Paes de Barros;

Lavras de Santana (l735): atual Nortelândia – descoberta pelos irmãos Paes de

Barros e Fernandes de Abreu;

Lavras do Brumado e Corumbiara: Guaporé – descoberta pelos irmãos Paes de

Barros;

Minas do Alto Paraguai (l747): Alto Paraguai e Diamantino;

Lavras de Santana e São Francisco Xavier (l751): Guaporé”.

Na medida em que a expansão territorial avançava, ampliava-se também o

registro dos povos contatados na região. Antonio Pires de Campos descreveu em seu

1 O primeiro governante da Capitania de Mato Grosso foi D. Antonio Rolim de Moura.

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relatório alguns povos que habitavam a baixada cuiabana2, como os Popas, Arariponés,

Acopoconés, Tangeguiz, Itaporés, Utamoré-Mirim e outros. Na região do rio São

Lourenço habitavam os povos Taquari, Cruará, Porrudo, entre outros. (SIQUEIRA,

2002: 60-61).

Havia todo empenho da coroa portuguesa em controlar os impostos, povoar as

terras, abastecer as novas vilas e povoados, assim como guerrear contra os índios

resistentes, principalmente os temíveis Paiaguá e Guaicuru, que atacavam as monções3.

Nesse período criou-se a Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão

interligando Belém do Pará a Vila Bela, através dos rios Amazonas, Madeira e Guaporé

dando saída para o Oceano Atlântico.

Em l751, D. Antonio Rolim de Moura foi o responsável pela vinda dos primeiros

jesuítas para Mato Grosso, com a finalidade de proceder à criação de uma missão

indígena destinada a abrigar índios “mansos” de várias etnias, na região do Rio Manso,

civilizando-os para o povoamento da região, um local chamado Santana da Chapada. O

lugar escolhido para o estabelecimento da missão indígena foi o alto da Serra de São

Jerônimo, também conhecida como Serra da Canastra, atual Chapada dos Guimarães.

(SIQUEIRA, 2002: 42).

Pouco se sabe sobre o processo educativo nesse período. Provavelmente não

teria sido outro que a submissão e a conversão religiosa, além da desestruturação social

e cultural. Em virtude dos problemas econômicos verificados nos aldeamentos próximos

a Santana da Chapada, da dificuldade de catequizar e do agravamento da violência

contra os índios, à experiência fracassou.

Portanto, o período colonial foi marcado pela ocupação e expansão do sertão

mato-grossense, pela escravização dos índios e pela exploração aurífera, o que

desencadeou a fundação de vilas e pequenos povoados. A mão-de-obra e os

conhecimentos indígenas foram explorados exaustivamente pelos conquistadores. Povos

inteiros foram dizimados por resistirem à frente colonial. O ensino centrado na religião,

2 Baixada Cuiabana é denominada a região formada pelo médio curso do rio Cuiabá e seus afluentes. 3 Monções era o transporte feito por pequenas embarcações que traziam mercadorias e abasteciam as novas vilas e as expedições dos bandeirantes.

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na imposição cultural e na língua portuguesa teve resultados possíveis de serem

classificados como genocídio cultural.

A estratégia dos colonizadores era incentivar o povoamento por colonos vindos

de outras capitanias e de Portugal, na tentativa de diminuir a influência da cultura

indígena e negra, que nesse período era predominante. A Igreja e o Estado exerciam

pleno controle sobre as vilas ou povoados, semeando-se assim a “civilização européia”

pautada pela “espada” e pela “cruz”.

Com a consolidação do período Imperial, os fatos marcantes na história nacional

tiveram grandes repercussões também em Mato Grosso. As idéias revolucionárias

vindas da Europa e a emancipação política do Brasil tiveram eco no ideário das elites

mato-grossenses.

O interesse pelo comércio intensificou as relações com a Argentina, Uruguai e

Paraguai por meio de uma rota de navegação para a venda de produtos importados da

Europa, principalmente da Inglaterra. A resistência do Paraguai em concordar com a

proposta de abertura comercial causou um conflito não resolvido por várias tentativas

diplomáticas frustradas e que veio a culminar com a até a denominada Guerra do

Paraguai. (SIQUEIRA, 2002: 94-97).

Siqueira ressalta que, com

(...) o Tratado de Aliança do Comércio, Navegação e Extradição entre

o Brasil e a Republica do Paraguai, estava finalmente franqueada a

navegação de Mato Grosso pelo rio Paraguai, o qual integra com os

rios Uruguai e Paraná, a grande bacia hidrográfica que interliga o Sul,

Sudeste e o Centro-Oeste com as repúblicas do Uruguai, Argentina e

Paraguai. Com a guerra declarada, os índios habitantes tradicionais

dessa região, aqueles que considerados “mansos” e pacificados como

os Guarani, os Terena, os Kadiwéu participaram como soldados nas

trincheiras brasileiras. A vitória brasileira abre as fronteiras para as

frentes comerciais de exportação/importação internacionalmente.

Vários produtos são negociados, como a borracha, a erva-mate e a

poaia, tornam se alvos dos comerciantes estrangeiros, e se inicia a

demarcação e arrendamentos de novos territórios para assegurar a

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exploração desta atividade extrativista. E assim as terras indígenas

tornam se alvos de intensa exploração de mão de obra e perseguição

para a expropriação territorial. As regiões cobiçadas foram desde

Cáceres, Barra dos Bugres, Tangará da Serra, Vila Bela da Santíssima

Trindade e até mesmo Cuiabá. (SIQUEIRA, 2002: 107).

Outras atividades econômicas surgiram ao longo do rio Cuiabá, como as usinas

de açúcar Conceição, Itaici, Maravilha, Flexas, Aricá, São Gonçalo e Ressaca.

Juntamente com a pecuária (atividade que desde o período colonial contribuiu para a

grande concentração de terras), foram responsáveis pelo fortalecimento do poder

econômico e político dos “coronéis”, em cujos domínios, agiam de acordo com as

próprias leis. (SIQUEIRA, 2002: 102-105).

A população local, desde Vila Bela até Cuiabá, era composta por índios,

mestiços e negros e que, explorados na sua força de trabalho, coibidos de se

beneficiarem da colônia e do império, eram tratados segundo a visão etnocêntrica de

que “colonizador não poderia exercer qualquer atividade braçal, cabendo aos escravos

fazê-lo” (SIQUEIRA, 2003: 120).

Uma reação ao processo de exploração foi o surgimento dos quilombos, que

agregavam índios, negros, mestiços e brancos pobres num convívio de solidariedade.

Vários quilombos ameaçaram o poder local e foram reprimidos e extintos. (SIQUEIRA,

2002: 120-125).

A partir do século XIX chegou a Mato Grosso a imprensa e o ensino primário

voltado para o atendimento da população analfabeta. Ocorreu também o

estabelecimento de várias escolas de nível secundário. Os cronistas e estudiosos

estrangeiros que vinham visitar Mato Grosso tinham a idéia de que esta terra era um

eldorado a ser explorado com vários povos a serem civilizados. Nos relatos registrados

a ênfase recai num olhar eurocêntrico sobre a sociedade local, sobre a cultura e seus

modus vivendi. A riqueza existente deveria ser explorada por estrangeiros, pois a

população local não apresentava condições para o devido empenho capitalista. A

herança cultural indígena era vista como o grande obstáculo para o desenvolvimento da

província.

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A elite mato-grossense buscava formas de se “ocidentalizar” e de abrandar o

preconceito que ela própria nutria. De outra parte, a tentativa de integração nacional

exigia medidas para a consolidação da modernidade, dentre elas a melhoria das estradas

e da rede de comunicação com os grandes centros urbanos.

O sonho de interligar, através do telégrafo, todo o território brasileiro,

nasceu no final do Império quando D. Pedro II, em l880, projetou a

construção de uma linha que, partindo da cidade paulista de Franca

(Alta Mogiana), atingisse Uberaba, atravessasse Goiás, chegando a

Cuiabá. De Cuiabá a travessia seria até o Amazonas, atravessando a

região Central do Brasil, era o sistema telegráfico por meio do Código

Morse. Para construir este projeto na região mato-grossense foi

nomeado um filho da terra, descendente de índios Bororo, Candido

Mariano da Silva Rondon era militar graduado.

(...) As linhas eram parte de um plano militar da nascente República,

era uma obra de vulto, grandiosa, de ocupação das fronteiras mato-

grossenses com a Bolívia e com o Paraguai. Idealizada depois da

Guerra do Paraguai (l865-l870), foi executada pela Comissão Rondon

como uma estratégia militar de consolidação da fronteira, quando

Mato Grosso já participava do mercado internacional da borracha.

(SIQUEIRA, 2002: l67 apud MACHADO, l994).

A finalidade da Comissão era agregar os índios e sertanejos das regiões que

estavam na rota das Linhas para serem trabalhadores na construção telegráfica. A

Comissão de Linhas Telegráficas contou com pesquisadores especializados, como

botânicos, fotógrafos, sanitaristas, desenhistas, entre outros profissionais. (SIQUEIRA,

2002: 168).

A implantação das linhas telegráficas nas terras indígenas teve diferentes

impactos nas comunidades, tendo sido encontrados vários povos sobreviventes de

massacres, perseguidos pelas frentes expansionistas e empurrados para outros

territórios. Serviu também para consolidar o projeto de Rondon de colocar os índios na

condição de trabalhadores da nação. Por esses motivos inúmeros índios Paresi, Bakairi,

Bororo, Nambikuara integraram as frentes de trabalho, para atuar como guias nas matas

e exercerem serviços de codificação telegráfica. Com isso, Rondon deixou um legado

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valioso, desde o registro dos povos resistentes até a definição territorial dos estados

brasileiros do Centro-Oeste. (SIQUEIRA, 2002: 166-171).

A Primeira República veio ampliar o projeto de modernização do país, tendo

Mato Grosso como referência na expansão territorial e em atividades econômicas, o que

futuramente colocaria o estado num outro patamar de colonização, mantendo a mesma

estratégia eurocêntrica em relação aos povos indígenas.

Dessa forma, é possível concluir que o processo civilizatório teve como

instrumentos a espada, a cruz e a escola, que, atreladas à política de ocupação territorial,

resultaram na atual configuração da sociedade mato-grossense.

Nesse sentido, mirando a história do Brasil e as ações políticas dos seus

governantes, percebemos que houve diferentes fases e diferentes ênfases no seu

desenvolvimento. Em todas elas, porém, persistiu uma relação assimétrica entre os

índios, a sociedade nacional e o Estado.

Uma das estratégias jurídicas utilizadas foi a limitação da capacidade civil dos

índios, conforme ressalta o trecho a seguir:

Como uma das formas de viabilizar a dominação do território,

prevaleceu entre as forças colonizadoras a idéia de que os ocupantes

originários do território invadido não se constituíam como unidades

políticas próprias e independentes, mas como aglomerados de

indivíduos sem organização sócio-cultural. Esta concepção ensejou a

criação de mecanismos que tornassem estes indivíduos partes

integrantes do corpo social dominante. (GUIMARÃES, l996, mimeo,

apud SILVA, l997: 27).

De acordo com Rocha (2003), “graças a essa incapacidade relativa, torna-se

necessário o estabelecimento de um tutor legal, neste caso o próprio Estado, por

intermédio do órgão encarregado da política indigenista, o SPI. A incapacidade relativa

significa que determinados atos da vida civil, como a venda da produção, contratos etc.,

são anuláveis quando o Estado (o tutor) considere-os lesivos aos interesses do tutelado.

Com a declaração da incapacidade relativa do índio, os legisladores pretendiam garantir

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a proteção destes, que seriam tutelados pelo Estado, incorporando assim uma tradição

da legislação brasileira a esse respeito.” (2003: 67).

Nesse contexto se iniciou a escolarização que caracterizou o processo

civilizatório dos povos indígenas. Ele nos mostra os diferentes contextos em que esta

relação se deu que marca a situação e a convivência indígena no cenário brasileiro desde

a colonização até a contemporaneidade. Inicialmente os índios foram excluídos do

processo de escolarização. Não havia motivos para permitir o seu acesso ao “saber

letrado”. Num segundo momento, dada a necessidade de expandir as frentes de

ocupação e de utilizar os índios como mão-de-obra semiqualificada, foi necessária

tolerar a sua formação regular. O positivismo rondoniano defendeu e implantou

parcialmente essa bandeira!

Uma atitude de solidariedade para com os povos indígenas viria a surgir apenas

nas últimas décadas do século XX com o advento dos trabalhos constitucionais e da

legislação complementar. Ela daria início aos caminhos que estão sendo trilhados

atualmente, caracterizados pelo protagonismo indígena, cuja marca é o empoderamento

dos índios nos debates que a eles dizem respeito.

A política de exclusão, por meio da negação da diversidade, não reconheceu os

índios como sociedades autônomas e sujeitos da sua própria história. Mesmo em

situações de alianças entre lusitanos e índios, a exploração das guerras intertribais

favorecia ao colonizador. Nos primeiros séculos da colonização, as relações luso-

indígenas permaneceram subordinadas a uma lógica pré-colonial, (MONTEIRO, l994:

102). Esta fase de exclusão permeou o período colonial até meados do século XVII.

O Império foi o período fundador da nação brasileira e de constituição de seus

cidadãos. Muitas lutas e esforços foram despendidos para que o Brasil se tornasse

independente, e se constituísse em uma nação democrática (SIQUEIRA, 2002: 83). A

idéia de nacionalidade evoca as origens nativas, as imagens do índio “civilizado”,

“pacificado”, a idéia das três raças: negro, índio e europeu, como superação do índio

“primitivo”, na visão dos conquistadores.

Na perspectiva de Rinaldo Arruda (2001: 45), “as sociedades indígenas têm sido

um campo fértil para as mais diversas projeções, balizadas ao longo da história do

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Brasil por duas visões contraditórias: a do índio como metáfora de liberdade natural e a

do índio como imagem de ‘atraso’ a ser superado”.

Atravessando os séculos, vale registrar que, apesar dos governantes tentarem

anular a existência indígena, de uma forma ou de outra, o índio superou as imposições

colonialistas. A tolerância para com os índios nasceu dessa resistência e se consagrou

frente o fracasso do indigenismo oficial em civilizar e integrar os índios à comunhão

nacional.

Num período mais recente, observa-se uma fase de solidariedade, manifestada

pelo apoio de setores da sociedade brasileira, que marcou a mudança política e

constitucional do país. Construiu-se o momento da pré-constituição, a elaboração da

nova Carta Magna. Diferentes segmentos dos movimentos sociais se uniram com uma

só finalidade, podendo-se observar que setores da sociedade brasileira se solidarizaram

com os povos indígenas, reconhecendo que as conquistas pleiteadas eram frutos de

séculos de luta e resistência dos povos indígenas e de suas organizações, interferindo

ativamente nos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte e na redação da atual

Carta Magna do país.

“Os povos indígenas têm direitos que lhes asseguram tanto a cidadania como

“privilégios” específicos em conseqüência dessa condição mui especial que é a sua

vinculação a tradições culturais pré-colombianas. Eles expressam, afinal, maneiras de

sobrevivência que a humanidade logrou construir em sua trajetória no ecúmeno terrestre

e são assim depositários de especificidades biossócioculturais que impõem o respeito do

Estado brasileiro”. (SANTOS, 1995: 105).

Esta nova perspectiva presente na Constituição Federal de l988 nos conduz a

uma nova etapa da história dos povos indígenas no Brasil: o rompimento da tutela, o

direito à diferença e à conquista de novos instrumentos para a convivência e relação

entre o Estado e a sociedade nacional.

“Nós indígenas temos trabalhado no âmbito dessa diferença e vivenciado a

dificuldade de diálogo ao longo da história. Os elementos que são vistos de perto são as

lutas do cotidiano: a busca da garantia do território e a negociação de alguns termos que

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favoreçam a convivência, se não tolerante, se não harmoniosa, mas que ao menos

favoreçam a convivência. Uma convivência qualificada”. (KRENAK, 2001: 73).

O que vemos é o entendimento dos índios que buscam estabelecer uma nova

estratégia de relação com a sociedade majoritária, mas num encaminhamento de

participação e de autonomia, protagonizado pelos diferentes atores sociais indígenas.

Esse entendimento pode ser sintetizado pelas palavras de uma liderança indígena

ao discutir a questão de autonomia:

Não queremos mais servir de história nas escolas como coitados

que precisam de assistência durante a vida inteira, alimentando assim

os grandes funcionários que vivem às nossas custas das riquezas da

Amazônia. Eu, como liderança indígena, não posso mais esperar os

recursos governamentais enquanto o meu povo está morrendo, mas

sim, queremos todos participar desse processo que nos foi negado há

muito tempo. (Darcy Duarte, Coordenador-geral da Coiab, 8.8.1997,

In GALLOIS, 2001:177).

1.2 As Escolas para indígenas em Mato Grosso

O histórico das iniciativas de escolarização4 entre os povos indígenas de Mato

Grosso está conjugado à política expansionista do Estado, implementada pela Comissão

das Linhas Telegráficas (1890), entre o povo Bororo e pelas missões religiosas

Salesianas (1895) e, posteriormente, entre os Paresi e Bakairi.

É nesse contexto que iremos nos reportar inicialmente, tendo como referência os

primeiros povos que vivenciaram a chegada da escola na aldeia, concomitantemente aos

impactos da ocupação gradativa de seu território tradicional. Num segundo momento

faremos também algumas referências a escolas em outros povos de Mato Grosso.

Estudar os Bororo, é mergulhar na história do povo Boe5, é chegar às origens de

Cuiabá e de Mato Grosso, pois era uma grande “nação”, dona de imensos territórios,

4 A primeira tentativa de escolarização foi em l750, na missão jesuítica de Santana da Chapada. 5 O termo Boe é a sua autodenominação e significa gente. Pertence ao tronco lingüístico Macro-Jê.

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“que ia desde a Bolívia à oeste até além do rio Araguaia, ao leste, desde o rio das

Mortes ao norte até a bacia do rio Taquari, ao sul”. (BORDIGNON, l986: 2).

Considerados como uma das maiores nações indígenas do Planalto Central pela

vastidão do seu território, tidos como grandes guerreiros, resistiram bravamente em

defesa do seu território, derrotaram bandeiras e expedições de Antonio Pires de Campos

e Pascoal Moreira Cabral (fundador de Cuiabá), sendo, posteriormente, aprisionados e

levados como escravos para outras capitanias.

Antes da chegada dos bandeirantes, segundo Bordignon:

(...) Eram divididos em vários grupos: os da bacia do rio Cuiabá,

também chamados Coxiponês, nome derivado do rio Coxipó, afluente

do Cuiabá. Os da bacia do rio São Lourenço, também denominados

Porrudos. Os que moravam no alto do rio das Mortes, na bacia do rio

das Garças e nos dois lados do alto rio Araguaia. Os do Sul, os da

Serra de São Jerônimo e o dos rios Taquari e Coxim. Os da margem

dos rios Paraguai e Jauru, também denominado de Avavirás ou

Bororos de Campanha. (BORDIGNON, l986: 2).

Em decorrência do contato, os Bororo foram divididos em dois grandes grupos:

os Ocidentais, chamados de Cabaçais e da Campanha, (parte deles desaparecendo como

povo indígena, outra parte se misturou com a população indígena na fronteira de Mato

Grosso e Bolívia, com o povo Chiquitano); e os Orientais, conhecidos como Coroados,

os quais resistiram até os dias atuais. (JESUS, l996: 9).

Após séculos de perseguições, de escravização e massacres pelos bandeirantes,

depois pelos fazendeiros, garimpeiros outras frentes de ocupação que lotearam o

território indígena tradicional e fundaram várias cidades, inclusive nos lugares em que

ficavam localizadas as aldeias, foram confinados em quatro reservas atualmente

demarcadas, que compõem o seu refúgio territorial: Perigara, Tadarimana, Gomes

Carneiro e Meruri.

É nesse contexto que a escola formal foi implantada, visando a atender a

população Bororo “reunida” nessas reservas.

Segundo Secchi (l998: 17):

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(...) Os padres vieram a Mato Grosso a pedido do então governador

do Estado, no ano de l895. A sua primeira missão localizou-se junto à

colônia militar Tereza Cristina (hoje terra indígena Gomes Carneiro)

e visava atender aos Bororo ‘reunidos’ naquelas instalações militares.

A primeira ‘missão própria’ (Tachos) foi fundada no ano de l902 e

dez anos depois, já em Meruri, a metade dos Bororo estava

alfabetizada, e muitos deles já possuíam uma profissão específica.

Em l923, os missionários mudaram a aldeia de Tachos para um lugar chamado

Meruri, sendo fundada uma escola para a alfabetização, para o ensino profissionalizante

e para a catequese. A maioria dos Bororo foi convertida à religião católica.

O seu processo educativo seguiu os princípios religiosos cristãos, assim como a

valorização dos costumes e comportamentos da sociedade ocidental. Para tal, os

missionários organizaram a escola conforme o sistema educacional das escolas

urbanizadas, com a finalidade de “civilizar” os índios. A organização tradicional aldeia

Bororo também foi alterada para atender a esse processo civilizatório, com construções

de casas de alvenaria na forma de um “L”, abandonando o formato circular, com a casa

dos homens no centro da aldeia alterando o espaço, os missionários esperavam alterar as

concepções dos índios.

Atualmente a escola de Meruri é mantida pela Secretaria de Estado de Educação

e o processo educativo segue as normas do sistema oficial de ensino. A direção ainda

está nas mãos dos missionários. Em outras aldeias as escolas são municipais e os seus

professores indígenas, à exceção da aldeia Perigara localizada no território do pantanal,

de difícil acesso, que é do Estado.

Outro povo importante para pensarmos o processo de escolarização indígena em

Mato Grosso é o Paresi. Foram descritos por Rondon como habitantes de “grandes

reinos”, sendo considerados como um povo com vasto território, do qual, em l718, o

bandeirante Antonio Pires de Campos aprisionou um contingente de escravos para

outras capitanias. Pertencentes ao tronco lingüístico Aruak e se autodenominam Haliti,

que significa gente, povo.

A experiência dos Paresi com a escolarização teve início a partir do século XIX,

principalmente com a chegada da Comissão das Linhas Telegráficas de Marechal

Rondon. As escolas militares para índios davam continuidade à estratégia política de

ocupação territorial e ao processo de contato com os índios da região médio norte do

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estado. Até então, os índios de Mato Grosso não sabiam o que era uma escola, nem sua

funcionalidade, pois a educação tradicional indígena predominava nas sociedades.

A experiência de escola de posto instalada por Rondon se deu quando da sua

chegada à Aldeia Queimada, em l910, onde encontrou os Paresi Waimaré e Kaxinití

perseguidos por seringueiros e por epidemias que assolaram muitas aldeias, diminuindo

a população.

Em Ponte de Pedra6, foi construído o primeiro internato no território do povo

Paresi, na década de l910, vindo a ser transferido posteriormente para outro lugar de

nome Utiarití, onde se instalou uma estação telegráfica.

A instalação das Linhas Telegráficas no território Paresi

desencadeou um processo de desaldeamento das terras tradicionais

para os postos telegráficos. Marechal Rondon implantou as primeiras

escolas entre os Paresi aos moldes das escolas estaduais, nos postos

telegráficos: no Utiarití e no Posto Ponte de Pedra, no território do

Utiarití, um internato para meninos e funcionários das Linhas

Telegráficas, não só para aprenderem as primeiras letras como

também para aprender lidar com a comunicação da telegrafia. A

escola internato obedecia ao sistema da rede pública. “Os pequenos

aborígines se amoldem facilmente aos nossos costumes, entrando

assim na civilização”. (COSTA, apud cf. Relatório SPI, l923).

A proposta pedagógica e o currículo dessas escolas eram elaborados numa

perspectiva de ensino civilizatório e integracionista. Os preceitos pedagógicos eram

balizados pela repetição e pela reprodução e os alunos eram levados a ler e a escrever

em língua portuguesa. (ROCHA In: SANTOS, 1973: 277).

Com o abandono dos militares de Rondon em l945, a escola da aldeia Utiarití foi

entregue aos missionários jesuítas, que seguiam a mesma pedagogia de “catequizar” e

“civilizar” os índios, estendendo-se a crianças de várias outras etnias da região médio-

norte do estado. Além dos Paresi, os Nambikuara, os Rikbaktsa, os Irantxe, os Apiaká e

os Kayabi foram atendidos pelo internato de Utiarití.

6 Ponte de Pedra, território sagrado dos Paresi, conforme o mito de origem do povo.

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O sistema de internato funcionou até a década de l970, deixando um saldo

desastroso para os Paresi e para os povos da região circunvizinha. A cultura ocidental

imposta, os processos de ensino/aprendizagem, a imposição de regras e costumes, a

proibição do idioma nativo e o controle de comportamento levaram esses a perder os

seus referenciais de identidade. 7

Entre os Paresi, os subgrupos Waimaré e Kaxinití perderam o território

tradicional. Os que conseguiram retornar às aldeias de seus parentes apresentaram

dificuldades de adaptação no convívio com a tradição. Perderam a língua materna e os

laços afetivos familiares. Os sobreviventes deste processo têm na memória as regras

instituídas pela missão, como a proibição do idioma e os castigos corporais sofridos por

desobediência. Alguns conseguiram retornar e se reeducaram conforme a cultura de seu

povo, outros se deslocaram para as cidades e se integraram ao sistema social da

população local.

Atualmente as terras Paresi estão cercadas por grandes empreendimentos

agrícolas de monocultura de soja. O incremento dessa nova forma de ocupação se deu a

partir da década de l970, com surgimento de cidades e com o traçado de estradas

cortando as terras Paresi. As escolas implantadas estão ligadas ao sistema de ensino

municipal e os professores são indígenas.

Nessa região, a partir de 1969, houve também a presença de voluntários leigos

que prestavam serviços de assistência, como os voluntários da Operação Amazônia

Nativa - OPAN (antiga Operação Anchieta), que atuou nas áreas de educação, saúde e

na sustentabilidade econômica, principalmente na aldeia Rio Verde. (SECCHI, l995: 25

Relatório/PNUD).

O Summer Institute of Linguistics atuou entre vários povos em Mato Grosso,

desde l956, com o discurso de “salvar as línguas indígenas com risco de

desaparecimento”8 atuando, na verdade, nas escolas com o objetivo de formar pastores e

tradutores da Bíblia Sagrada, já difundida em vários idiomas indígenas. A atuação do

SIL era feita em parceria efetiva com a Funai. Cunha (1990), destaca que o SIL,

7 O povo Rikbaktsa lembra histórias dos parentes que foram retirados forçosamente das famílias para irem com os missionários jesuítas ao internato Utiarití, ainda quando crianças muito pequenas. Quando o internato acabou, os que retornaram para suas aldeias não conseguiram mais se reconhecer como pertencente ao seu meio de origem. 8 “ Um dos princípios da entidade, adotado desde os seus primórdios, é o de sempre desenvolver suas atividades lingüísticas segundo as expectativas, desejos e necessidades apresentadas pelas autoridades de cada país onde for convidada a trabalhar”. (SIL, l986: 3).

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utilizando-se do meio acadêmico, respaldou parte de suas ações religiosas junto aos

povos indígenas.

Vale destacar também que o SIL foi contratado pelo Serviço de Proteção ao

Índio – SPI, com o objetivo também de alfabetizar a população indígena, e que não

alcançou o resultado esperado.

(...) Dizendo ainda das conseqüências nefastas da ação missionária

não devemos esquecer a atuação do Summer Institute of Linguistics

(SIL) junto às populações indígenas. No caso específico dos Paresi,

seu trabalho fundamental é o de traduzir os textos bíblicos para nosso

idioma e dessa forma nos evangelizar. (CABIXI, Daniel, l984).

Depois dessas escolas terem sido implantadas, as iniciativas foram se ampliando

entre outros povos e, com a conivência do SPI, foi instalada também uma escola no

território do povo Umutina, paralelamente à criação do Posto Fraternidade Indígena, em

Barra dos Bugres. Esse posto tinha inicialmente uma finalidade de assistência aos

doentes oriundos de diversos povos, mas também exercia a função de castigar os índios

resistentes ao contato. Nele eram mantidas diversas etnias, enquanto que os Umutina

originários do lugar se extinguiam gradativamente.

Já nos postos indígenas do SPI, o funcionamento das escolas se centrava na

administração dos não índios; os funcionários contratados traziam suas famílias,

atuando como chefes de postos e como professores. (ROCHA, 2003: 92-93).

As frentes de ocupação do estado mantiveram uma relação estreita com os

governantes, o que fragilizou a atuação do SPI na defesa dos índios. Muitos

funcionários foram até contratados pelo órgão tutor para atuarem nas aldeias e

mantiveram práticas de opressão e de negociação de terras indígenas à revelia das

autoridades competentes.

Entre o povo Bakairi, a escola foi introduzida a partir de l922, juntamente com a

criação do posto indígena Simões Lopes, onde atualmente se encontra a aldeia Pakuera.

A escolarização teve como foco central a profissionalização e visavam à preparação dos

índios para serem trabalhadores qualificados e deste modo tornarem-se “civilizados”.

(SECCHI, 2002: 116).

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Assim, a ocupação do estado foi gradativamente sendo efetivada em diferentes

frentes de exploração colonialista, atrelada à política de integração dos povos indígenas,

na condição de trabalhadores. Nesse sentido, as frentes oficiais do SPI antecipavam o

contato com a população indígena, servindo como “escudo de proteção dos povos” na

medida em que avançava a colonização.

Foi o que aconteceu com os Xavante desde o século XIX, os quais vinham

fugindo do contato e das guerras com os colonizadores, até a sua chegada à região do

Araguaia, no território mato-grossense. Migraram do estado de Goiás, onde ocupavam

imensos territórios, com o seu povo irmão Xerente. Em razão de conflitos com os

colonizadores, foram forçados a se separar dos Xerente e vieram em direção ao estado

de Mato Grosso onde se estabeleceram na região do Rio das Mortes. No século XIX e

no início do século XX, estes hostilizaram os forasteiros, negando-se a qualquer contato

com os colonizadores. Entre a década de 30 a 40, as tentativas de contato por parte do

antigo SPI foram rejeitadas, num processo em que os missionários se fizeram bastante

presentes. (OPAN/CIMI, l997: 163-168).

As pressões dos colonizadores da região se intensificaram, levando os Xavante a

se dividiram em 03 grupos básicos na região, que tiveram diferentes contatos com os

não-índios. Vários conflitos com os colonizadores resultaram em massacres e

epidemias, reduzindo drasticamente a sua população.

Um dos grupos que se separou, refugiou-se próximo da Missão Salesiana, em

território tradicional do povo Bororo, que também estava em guerra com os

colonizadores e fazendeiros da região.

O contato com a Missão Salesiana de São José/Sangradouro deu-se sob

influência do contexto político interno pelo que passava a sociedade Xavante. Esse

dinamismo político era expresso por disputas e alianças entre facções internas que

tinham por núcleos uma linhagem ou uma associação de linhagens aparentadas. 9

No relato de Lucas ‘Ruri’õ, lembrando o seu pai, o líder Alexandre Tsereptsé,

destaca-se como a escola foi introduzida na sociedade Xavante. O trecho a seguir foi

9 Trata-se de uma sociedade dual, que apresenta metades exogâmicas constituídas por clãs patrilineares, cujas linhagens mobilizam-se para fins políticos. Nas aldeias Xavante, não há herança do cargo de chefia, estando essa posição ao alcance de qualquer homem maduro que se mostre prestigiado politicamente e que tenha o apoio de parte majoritária dos grupos políticos ou dos habitantes da aldeia onde estão inseridos. Sendo assim, cada aldeia é um universo político em si mesmo. (SILVA, Aracy Lopes da, 1986).

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transcrito por inteiro, para melhor compreensão dos sentimentos de um ex-aluno

interno.

O grupo Xavante que contactou com a Missão Salesiana de São

José/Sangradouro - MT, foi comandada pelo grande guerreiro e

pacificador da aldeia Sr. Tsereptsé da família Tsih”orirã – cicatriz,

branca, ocorrendo no dia 24 de fevereiro de l957.

Os Xavante foram recepcionados com muita festa e dedicação pelos

Salesianos que viviam e trabalhavam com os Boe-Bororo e alunos

brancos, filhos de posseiros, que moravam na redondeza da Missão

Salesiana de São José/Sangradouro. Passados três dias, um grupo de

adolescentes da classe de idade – Abare’u (Pequi – fruta do cerrado),

foram levados para o internato no meio dos Boe-Bororo e brancos.

Fomos recolhidos de casa em casa. Toda noite o meu pai, Tsereptsé,

chorava de saudade e no outro dia ele ia à missão para nos visitar e

matar a saudade. Eu choro, quanto lembro das lágrimas que papai

deixava cair no chão... Desta forma, os Wapté (adolescentes) foram

jogados no meio dos Bororo e dos brancos que moravam e estudavam

no internato de Sangradouro. Os grupos de jovens passaram muita

dificuldade para desvendar, entender e aprender os primeiros códigos

da escrita, sabendo que ali existia três culturas totalmente diferentes

uma da outra. Com o passar dos anos os primeiros Xavante foram

removidos para uma sala isolada dos colegas no qual começaram a

dialogar entre eles na língua que eles bem entendiam. Começaram

aprender as primeiras letras alfabéticas, que comoveram os olhos dos

professores Salesianos daquela época.

A presença do meu pai era muito importante, pois despertava o

nosso espírito Xavante, fortalecendo-nos a suprir a nossa dificuldade

para aprender a ler e escrever a língua portuguesa. Quando

aprendemos a ler e escrever, fomos obrigados a mergulhar no mundo

da religião católica, rezando na igreja, na sala de aula, antes e depois

de comer, aprendemos o latim e começamos a gostar, porque o

incentivo e imposição eram muito forte pelos professores e

professoras Salesianos. Assistíamos filmes religiosos sobre os santos

beatificados pelo papa. A partir da década de l980, a escola Salesiana

começou perceber que o sistema adotado por eles já não correspondia

a realidade, precisando readequar a filosofia e metodologia da época

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do primeiro contato e que favorecia aos brancos que estavam naquela

escola. A aprendizagem da leitura e escrita tinha como objetivo claro:

- a catequização dos Bororo e Xavante. (Depoimento de Lucas

‘Ruri’õ).

Esse texto expressa o cotidiano do processo de dominação exercida pelas

missões religiosas. Os missionários tinham grande poder nas comunidades indígenas

onde atuavam, construindo prédios de grandes proporções, numa verdadeira ostentação

arquitetônica do poder religioso, buscando semelhanças com os núcleos urbanos. As

construções dos colégios, grandes pavimentos com salas de aulas, bibliotecas e diversos

aposentos para a moradia dos religiosos, ocupavam extensas áreas do território

indígena. Além disso, as Missões eram sustentadas pelo cultivo de alimentos de

subsistência produzidos pelo trabalho indígena com a supervisão dos missionários.

O funcionamento da escola, desde os aspectos pedagógicos, políticos,

ideológicos e administrativos concentrava-se na gestão dos missionários. Valores,

atitudes e comportamentos eram ensinados conforme os princípios cristãos.

Nestes internatos, o ensino do português era imposto em detrimento

do uso das línguas nativas. Crianças eram separadas das famílias e,

fundamentalmente, investia-se na capacitação profissional dos índios,

como forma de produzir mão-de-obra barata para a população não-

índia circunvizinha. (FERREIRA LEAL, l992).

O impacto do processo de colonização do Estado, a atuação da Missão Salesiana

e a escolarização geraram resultados desastrosos para a autonomia política e econômica

tradicional. Os Xavante passaram a depender de suprimentos externos outrora

desconhecidos. Hoje apresentam com firmeza a defesa da preservação de sua identidade

cultural e o atendimento de suas reivindicações junto às autoridades. Atualmente a

escola tem um papel fundamental, de reafirmação étnica e de instrumento de defesa de

seus interesses. Buscam assumir gradativamente o espaço educacional e estabelecer um

novo encaminhamento para a educação escolar indígena, coerente com o seu modo de

ser “Awe” - povo autêntico.

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Os Karajá iniciaram o processo de escolarização na década de l970, com a

presença do SPI que, em trabalho conjunto com o SIL, atuou durante longo período no

fomento da escolarização. Já os Tapirapé começaram o processo de escolarização após

os primeiros contatos com os colonizadores da região, num modelo de contato que

quase dizimou parte da população.

A presença das missionárias Irmãzinhas de Jesus, a partir de 1953, contribuiu

para a salvação dos Tapirapé. A escola indígena Tapirapé foi implantada na aldeia por

missionários da Prelazia de São Félix do Araguaia após duas décadas de convívio das

religiosas. Hoje é consensual considerá-la uma iniciativa escolar de grande sucesso.

Com o avanço da colonização do estado na década de l970, alguns povos do

Parque do Xingu deram início à implantação de escolas, com a presença da Funai e os

irmãos Villas Bôas, que foram os protagonistas desse processo. Na ocasião também se

instalou infra-estrutura, com escolas, nos Postos Indígenas: em l976, no Posto

Leonardo; em l980, no Posto Indígena Diauarum, em l985, no Posto Indígena Pavuru e,

em l981, no Metyktire (Kayapó).

Outros povos, não citados, tiveram a implantação de escolas mais tarde, a partir

da década de l980. Missionários, ONGs e diferentes congregações evangélicas iniciaram

o processo de escolarização indígena em Mato Grosso, cuja finalidade foi, como diz

Daniel Matenho Cabixi, “transformar o índio pagão em convertido e batizado”.

Também a ação do Estado, do SPI, da Funai, e mais recentemente, das prefeituras

municipais, visou à civilização e integração dos povos indígenas.

Buscando compreender melhor as diferentes realidades do processo de

escolarização indígena em Mato Grosso, Darci Secchi (2000), agrupou as diferentes

iniciativas escolares em cinco tipologias, conforme segue:

1. Escolas das missões católicas: implantadas pelos Salesianos nos grandes

aldeamentos Xavante e Bororo (Meruri, Sangradouro e São Marcos) e

pelos Jesuítas junto aos povos do médio-norte do estado, em Utiarití,

Barranco Vermelho e Tatuí);

2. Escola dos postos indígenas: Construídas nos antigos postos do SPI e

assumidas por funcionários do órgão tutor, como as dos Bakairi, Paresi e

Karajá.

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3. Escolas de aldeias: normalmente escolas pequenas e unidocentes,

vinculadas à Funai, ONGs, missões evangélicas e/ou prefeituras

municipais, como as do Xingu e das regiões Leste e Nordeste de Mato

Grosso.

4. Escolas itinerantes: que se localizam em diferentes endereços,

acompanhando o professor ou a comunidade nos períodos de

acampamentos ou perambulação pelo seu território, como algumas

escolas Nambikwara e Rikbaktsa.

5. “Escola” sem escolas: sem estruturas formais, detentoras da liberdade

de ensinar assuntos de interesse específico, como leitura e escrita,

presente entre os Enawene-Nawe.

Esta categorização das escolas serve como parâmetro para analisar as diferentes

realidades da educação escolar indígena em Mato Grosso.

A implantação das escolas no contexto indígena de Mato Grosso se desenvolveu

em diferentes frentes de atuação, tanto por parte do Estado quanto por parte das missões

religiosas e outros atores educacionais externos.

Em todas, porém, de acordo com Cunha:

A proposta de uma escola indígena com algumas adaptações, no

sentido de melhorar o seu funcionamento, deve ser situada no

conjunto de orientações adotadas pelo SPI, nos anos 50 e 60 segundo

as quais os índios deveriam se integrar na sociedade nacional através

do trabalho, ou seja, como produtores de bens de interesse comercial

para abastecerem o mercado regional. (CUNHA, 1990: 94).

A escola não é apenas o espaço de aprendizagem, mas também de convivência

com novos costumes, comportamentos, posturas, repassados de formas variadas e

opressivas, marcando a posição de superioridade por parte da cultura ocidental,

considerada como civilizada. Assim como nas escolas missionárias o idioma nativo era

proibido, nas escolas do SPI também era condenado o uso de línguas indígenas e outras

práticas culturais. A criança era castigada quando desobedecia a regra de

comportamento. Em alguns casos os prédios escolares seguiam o estilo arquitetônico

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dos quartéis da época. Em outros, os índios foram obrigados a modificar as suas

habitações tradicionais, trocando-as por casas de alvenaria, no estilo de uma vila militar,

como nos Umutina, Bororo de Meruri e Paresi em Utiarití.

A introdução da escola nas comunidades indígenas caracteriza as ações que a

política indigenista, desde o período colonial, usou para cumprir seu papel

integracionista, apesar das resistências indígenas. Para esses povos, a escola foi sempre

um instrumento de opressão, o que foi registrado atualmente na memória oral de muitos

povos e até mesmo incorporado em alguns de seus mitos.

“Depoimentos de docentes indígenas de vários estados do Brasil confirmam o

papel histórico da escola como devoradora de identidades”. (FREIRE, 2004: 24). E a

escola contribuiu nos processos de ensino aprendizagem, nos programas educacionais e

outras formas metodológicas de imposição do saber ocidental. Bens de consumo e

novos hábitos alimentares introduzidos nas comunidades indígenas geraram

dependência do mundo exterior.

“(...) Ali eles encontram o ambiente propício para lenta transformação

do seu estilo de vida. Começam a aprender a nossa língua e, uma

série de noções que aos poucos modificam completamente sua

concepção das coisas, vai adotando nossos processos de produção,

novos hábitos alimentares e novos necessidades que os levam a

modificar a vestimenta, a forma da casa e da aldeia e, por fim, a

constituição de sua própria família”. (ROCHA, 2003: 93; In:

BRASIL, SPI, Relatório de l953: 4).

Portanto, em Mato Grosso, a partir da década de l970, o avanço da colonização e

do projeto integracionista expôs novamente as populações indígenas a constantes

invasões e ameaças, por levas de sulistas em busca de terras para agricultura. A escola

serviu a essa nova política de expansão integracionista.

Todas essas ações contra os interesses da população indígena se deram em

diferentes etapas de implementação.

O Estado de Mato Grosso sofreu transformações muito rápidas, que

manifestaram de forma mais intensa a partir do processo de

desmembramento (l978) que originou o atual estado de Mato Grosso

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do Sul. A dinâmica dita de “fronteira” caracteriza-se pela apropriação

progressiva dos “espaços vazios” pelo capital e, em conseqüência,

pela utilização intensiva dos recursos naturais subordinadas a lógica

do lucro mercantil. (Relatório do PNUD: 41).

Isso significou a criação de novos povoamentos e, conseqüentemente, a

fundação de novas cidades, que ocuparam os territórios ancestrais dos povos indígenas.

Apesar desse contato cada vez mais próximo com os não índios, o processo escolar

continuou precariamente nas comunidades indígenas.

A escola teve tal comprometimento com o processo de civilização que chegou a

desencadear outras ações junto aos povos indígenas, como, por exemplo, a transferência

de famílias para as proximidades dos postos indígenas, ocasionando a desocupação das

terras indígenas, e novas redefinições dos territórios. Os postos indígenas

desempenharam ao mesmo tempo um papel intervencionista e mediador entre os dois

mundos: o mundo indígena e o não-indígena.

Com tanta diversidade de escolas, algumas foram sendo assumidas

gradativamente pelos professores indígenas e, posteriormente sendo oficializadas pelos

municípios e pelo Estado, na forma de “escolas rurais” ou de “extensão”. As

comunidades tinham interesse de buscar a oficialização das escolas indígenas, muitas

vezes incentivado até pelas entidades de apoio à causa indígena.

Nas décadas de l980 e l990 houve uma mudança gradativa em algumas escolas.

Alguns índios indicados pelas comunidades assumiram as funções de “monitores

bilíngües” e de “auxiliares”, passando a assumir definitivamente as escolas como

professores, devido ao abandono por parte dos professores não-indígenas.

“Neste processo de tradução daquele que ensina, criou-se uma

nova categoria: a dos monitores bilíngües, previsto no quadro de

funções do órgão indigenista oficial. Com o abandono da escola parte

desses professores não-índios, quase sempre despreparados para o

tamanho e a dificuldade da tarefa, esses monitores acabavam por

assumir as escolas, tomando a si a função da docência nas escolas

indígenas: é daí que surgem vários professores indígenas em atuação

ainda hoje”. (GRUPIONI, 2004: 37).

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A referência do aprendizado era a socialização baseada nos valores do mundo

exterior, que contava com o apoio didático pedagógico da literatura nacional. A política

era a desvalorização da cultura própria dos povos indígenas, acompanhada de uma

proposta de identificação e integração aos valores da ideologia da sociedade nacional,

desqualificando a indígena. Era um processo educacional fora do sistema de ensino

oficial, mas instituído como um instrumento da política integracionista oficial.

A partir da década de l990, criou-se um novo cenário que encaminhou as escolas

indígenas de Mato Grosso a novos desafios. As comunidades e lideranças indígenas

passaram a reivindicar escolas com professores indígenas. Rejeitaram o papel alienador

e de dominação da escola tradicional e propuseram uma perspectiva de transformação

dessa instituição em instrumento de defesa e de preparo para enfrentar os desafios da

convivência com a sociedade ocidental.

Os povos indígenas começaram a redefinir o papel da escola, o seu espaço social

na aldeia.

A escola desejada passou a ser

(...) uma escola organizada e controlada no cotidiano pelos

professores e comunidade indígena, orientada para atender às suas

necessidades e expectativas; uma escola, portanto, onde os próprios

professores e seus alunos sejam os autores principais do conjunto de

aspectos que constituem o “currículo de fato” experimentado por eles

nas aldeias. (MONTE, l996: 12).

É a partir deste entendimento que as escolas para índios vão sendo

transformadas em escolas indígenas e assim procuram se consolidar nas aldeias.

1.3 O Novo paradigma: a escola indígena específica, diferenciada e intercultural

Um dos instrumentos mais utilizados pelos colonizadores, pelos missionários e

pelos governos para o aniquilamento sociocultural das populações indígenas foi a

escola.

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Nesses quinhentos e cinco anos de existência travou-se uma batalha de

resistência cultural. A “escola para índios” solapou as culturas, as línguas, os costumes

e as práticas pedagógicas tradicionais indígenas.

Num primeiro momento, a introdução da escola em meio indígena foi

um dos principais instrumentos empregados para promover a

domesticação dos povos indígenas, alcançar sua submissão e negar suas

identidades, promover integração desses povos na comunhão nacional,

desprovidos das línguas maternas e dos atributos étnicos e culturais.

(GRUPIONI, 2004: 36).

Para além dos prejuízos de que os povos indígenas foram vítimas, houve

também resistências exemplares entre os mais de 230 povos indígenas – distribuídos em

vinte e sete estados brasileiros, falantes de l80 línguas nativas. Tais resistências não

ocorreram apenas em termos de estratégias de guerras, mas também no campo dos

saberes, do conhecimento nativo e de formas de sobrevivência para resistir até os

tempos atuais. A escola indígena acompanhou as mudanças dos modelos educacionais

adotados pelo Estado-nação. Todavia, os índios dele se apropriaram e promoveram o

fortalecimento de uma nova concepção de “escola indígena”, inserida no ciclo da sua

vida cultural.

Nas últimas décadas o paradigma da escola indígena específica, diferenciada e

intercultural está vinculado a uma luta latino-americana contra o modelo imperativo de

ocidentalização da educação escolar para a população indígena.

Vários países ameríndios levantaram a bandeira da diversidade, da necessidade

de adoção de novos modelos de escola, com propostas pedagógicas que atendam às

diferentes culturas dos povos deste continente.

A partir de l980, devido às pressões internacionais, alguns países iniciaram um

movimento de reconhecimento legal da diversidade cultural e contaram com o apoio de

diversas forças atuantes da sociedade como os sindicatos, igrejas, partidos políticos e

outras associações e movimentos sociais.

Segundo Nietta Monte (2001: 49), o movimento indígena norte-americano

ampliou-se para abranger a discussão intercultural e interétnica, tendo como

fundamento a identidade social. Nesse sentido, a importância desse movimento foi o de

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agregar as diferentes minorias étnicas que, submetidas a um sistema de dominação por

parte da sociedade majoritária, foram sentenciadas a algo como um “etnocídio

educativo”.

A trajetória desse movimento passa por mobilizações internacional que vieram a

se transformar em uma rede intitulada: Movimento Indígena, Negro e Populares, os

conceitos de autodeterminação e participação foram inseridos nessa nova perspectiva de

educação escolar indígena (MONTE, 2001:49 ).

Assim, a escola indígena específica, diferenciada e intercultural se estabeleceu

como um novo paradigma no âmbito dos direitos humanos, a partir do reconhecimento

de direitos coletivos dos integrantes das populações indígenas. Isto resultou num

redimensionamento pedagógico, político e sociocultural da escola indígena.

Neste contexto de mudança de postura frente às escolas indígenas, Mato Grosso

desencadeou um novo encaminhamento cuja implantação efetiva é ainda muito recente

se comparada a de outros estados. As escolas indígenas passaram a ser percebidas e

tratadas de acordo com os diferentes contextos de contato com a sociedade ocidental.

De outra parte, as comunidades passaram a defender a autonomia escolar não

apenas sob o enfoque da gestão pedagógica, política e administrativa, que não depende

apenas do professor e das lideranças, mas segundo a conjuntura que marca as relações

internas e externas, muitas vezes incompreendidas pelos gestores públicos do sistema de

ensino.

Para os índios, a escola ainda é “escola para índios”, pois possui características

das escolas urbanas (principalmente as municipais), e a sua gestão está distante do

controle das comunidades indígenas. No entanto, em conseqüência das inúmeras

experiências no âmbito da escolarização, a instituição escolar nas aldeias vem sendo

gradativamente ressignificada para atender diferentes anseios das comunidades em

conformidade com novos contextos simbólicos e culturais. Mesmo estando atrelada aos

regulamentos das secretarias municipais ou estaduais (que, muitas vezes, desconhecem

as várias estratégias de resistência ao modelo escolar) as escolas indígenas inserem-se

no território indígena, e isso lhes confere um vínculo sólido com as comunidades.

A nova educação indígena específica e diferenciada está em processo de

construção cotidiana. “A escola que ajuda a “conhecer o jeito dos brancos”; “transitar

pelas culturas”; “defender o território”; “pleitear novos espaços” e “reconstruir o futuro”

é vista por muitos professores, lideranças e comunidades indígenas de Mato Grosso

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como um espaço de liberdade, de autonomia e de afirmação dos seus projetos

societários.” (SECCHI, 2002: 97).

Apesar da legislação assegurar o direito indígena a uma escola com essas

características, as secretarias ainda não incorporaram plenamente esse novo paradigma

em suas práticas. Tratar da diversidade é um desafio para o sistema de ensino, que

tradicionalmente enquadra a escolarização ocidental de uma forma unificada.

A luta pela educação diferenciada representa a resistência aos modelos

implementados pela sociedade majoritária e tem como marco a Constituição Federal de

1988.

Um professor indígena Bororo expressa dessa maneira o seu entendimento sobre

a escola indígena antes e depois da Constituição de l988:

Bom, são duas situações completamente diferentes, antes da

Constituição de l988, com uma escola cheia de preconceitos, não

atendia as necessidades do povo indígena, proibia a língua, e depois

da Constituição houve avanços com a escola diferenciada, propõem o

nosso programa político pedagógico com a participação da

comunidade indígena. (Professor Bororo da aldeia Coroado – Santo

Antonio do Leverger, 2004).

Para ele, a Carta Magna é o marco histórico da diferença de uma escola

indígena para índio e de uma escola diferenciada dos índios, pensada e construída

comunitariamente.

Em Mato Grosso, a discussão em torno de uma escola indígena diferenciada,

vem desde a década de l980, quando se intensificou o contato dos povos com a

sociedade envolvente a leitura e a escrita passaram a ser uma necessidade nas relações

entre índios e brancos.

Os especialistas esclarecem o entendimento dessa diferenciação: “especificidade

e diferenciação são atributos necessários para uma escola indígena adequada, mas não

são condições suficientes para uma escola indígena autônoma. É necessário ainda

assegurar o direito dos povos indígenas a associarem verdadeiramente as suas escolas

aos seus projetos de presente e de futuro.” (SILVA & AZEVEDO, l995: 161).

De fato, a educação diferenciada não se assemelha à educação escolar ocidental,

particularmente em termos das suas prerrogativas educacionais, pedagógicas, políticas e

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administrativas. Ela congrega um caráter específico, decorrente das peculiaridades

socioculturais e lingüísticas de cada povo indígena. A educação diferenciada expressa

os princípios e valores étnicos de cada povo. A sua força emana do fato que cada povo é

dotado de um sistema próprio de educação, coerente com os valores culturais de cada

sociedade.

Isso significa que a formação do indivíduo indígena se dá no seio da sua tradição

cultural, que afirma sua identidade como Halití (Paresi), Kura (Bakairi), Boe (Bororo),

Awê (Xavante) e tantos outros.

É com base nesse entendimento que compreendo os diferentes processos

educativos étnicos vividos pelos povos indígenas. Isso possibilita postular que cada

povo necessita incorporar e valorizar a sua pedagogia própria e construir estratégias de

interação entre os conhecimentos internos e externos. Ou seja, precisa estabelecer o

diálogo entre os conhecimentos locais e os universais, dentro de uma visão crítica, que

possibilite discernir quais são os saberes apropriados.

Nessa perspectiva, a educação específica e diferenciada, bilíngüe e intercultural

vêm sendo construída à luz da cidadania indígena, porém somada às experiências

acumuladas pelos povos de exigirem o protagonismo indígena em todo esse processo. O

desafio do sistema oficial de ensino é aprender a lidar com a diversidade étnica num

novo processo de escolarização, que abrange os mais amplos interesses comunitários.

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CAPÍTULO II

A LEGISLAÇÃO E O CONTROLE SOCIAL COMO INSTRUMENTOS DE

CIDADANIA

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2.1 As Bases legais da educação escolar indígena

Nos últimos anos, a América Latina e outros continentes com população

colonizada vêm rompendo com a escolarização civilizatória e vivenciando experiências

inovadoras com base no paradigma da educação intercultural, voltado para o

reconhecimento de suas especificidade culturais e lingüísticas. Isso é um resultado da

mobilização internacional das minorias que, à margem da sociedade majoritária, foram

segregadas e impelidas ao desaparecimento cultural pelo face as políticas

homogenezadoras implementadas pelos diferentes Estados Nacionais.

Num momento em que a cidadania enfrenta novos desafios,

busca novos espaços de atuação e abre novas áreas, em consonância

com as grandes transformações pelas quais passa o mundo

contemporâneo, é importante ter conhecimento acerca de realidades

que, no passado, significaram, e, no presente ainda significam passos

relevantes no sentido de garantir um futuro melhor para todos.

(CURY, 2002: 246).

Na visão de Cury (2002), a educação escolar é um dos princípios fundantes da

cidadania, indispensáveis para que as políticas públicas assegurem a participação social

e política dos cidadãos.

Nesse sentido, como direito de cidadania, a conquista da educação escolar

indígena foi um marco histórico presente no capítulo VII, artigos 231 e 232 da

Constituição Brasileira, em que o Estado assegura o atendimento às populações

indígenas, dentro das prerrogativas dos direitos humanos, e do reconhecimento da

diversidade cultural.

Vale destacar o debate promovido sobre os direitos humanos e sua relevância no

Brasil, como encaminhamento para a construção de políticas públicas e fortalecimento

da democracia. Esse movimento é referendado por instrumentos internacionais dos

quais o Brasil é signatário, sob a inspiração da Declaração Universal dos Direitos

Humanos de l948, bem como da Constituição Federal de l988, que define o Brasil como

um Estado Democrático de Direitos, cujos fundamentos são a soberania, a cidadania, a

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dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o

pluralismo político.

O Brasil, a promulgação da Constituição Federal, rompeu com os ditames do

Estado autoritário e promoveu a abertura para a democratização e a reforma do Estado.

Além disso, em face da mobilização da sociedade civil e dos movimentos sociais,

elaborou programas e projetos buscando concretizar a promoção dos direitos humanos.

A realidade brasileira historicamente foi marcada pela exclusão social,

econômica e política das minorias étnicas e raciais que nunca foram incluídas nos

benefícios que o Estado oferece à população em geral.

O processo de construção da cidadania, da democracia, só terá avanços quando

vinculado a políticas públicas de promoção da dignidade humana, amplas e

permanentes, que melhorem a qualidade de vida dos cidadãos. Além disso, “a formação

da cidadania ativa requer, necessariamente, a formação de cidadãos conscientes dos

seus direitos e deveres, e protagonistas de materialidade das normas e pactos que os

regulamentam”, tal como disposto no Plano Nacional de Direitos Humanos de 2003.

Por isso, a educação escolar é um direito que garante atributos indispensáveis ao

desenvolvimento humano e de suas potencialidades aqueles excluídos histórica e

socialmente, possibilitando a concretização de outros direitos e deveres, na perspectiva

de um protagonismo que busca a autonomia, e fortalece mecanismos mobilizadores dos

movimentos sociais.

O acesso à educação é também um meio de abertura que dá ao

indivíduo uma chave para a autoconstrução de reconhecimentos e

capacidades de fazer opções. O direito à educação, nessa medida, é

uma oportunidade de crescimento do cidadão, um caminho de opções

diferenciadas e uma chave de crescente estima de si. (CURY, 2002:

260).

Nesse olhar, a educação ganha um novo sentido como direito das práticas

sociais, da diversidade, do respeito à alteridade, e como instrumento de cidadania na

relação com o Estado brasileiro. Ancorada neste novo paradigma, a educação escolar

rompe com a história do processo civilizatório e possibilita aos indígenas o acesso aos

conhecimentos necessários a sua afirmação étnica e cultural.

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“Desde a Colônia até a República, a escola foi o instrumento privilegiado para

promover a “domesticação” dos povos indígenas, impor sua submissão, promover seu

aniquilamento cultural e lingüístico e negar suas identidades, integrando-os,

desprovidos de seus atributos étnicos e culturais, a uma idealizada “comunhão nacional”

(GRUPIONI, 2004: 02).

Neste novo cenário, a educação escolar voltada para os povos indígenas inicia

sua fase de transição no Brasil, respaldada pela Constituição Federal e demais

legislações pertinentes, estabelecendo um processo educativo formulado em outras

bases.

Hoje, cresceu, enfim, a importância reconhecida das leis entre

os educadores, porque como cidadãos, eles se deram conta de que,

apesar de tudo, ela é um instrumento viável de luta, porque com ela

pode-se criar condições mais propícias não só para a democratização

da educação, mas também para a socialização de gerações mais iguais

e menos injustas. (CURY, 2002: 247).

A Constituição Federal, nos artigos 210, 215 e 231, assegurou o direito dos

povos a uma educação escolar específica, diferenciada e intercultural. A participação

dos povos na luta por uma educação escolar voltada para a sua realidade e com o

protagonismo indígena foi um marco histórico de mobilização na busca de consensos

acerca dos conhecimentos a serem priorizados no processo de formação.

Consequentemente foram definidas normas para regularizar a criação e o funcionamento

das escolas indígenas, com currículos, calendários e organização própria. Foram

tomadas decisões no sentido de se alcançar uma legitimidade cada vez maior para a

educação escolar indígena.

A partir daí, como desdobramento dessa nova estrutura legal, seguiu-se a

elaboração das Diretrizes Nacionais para uma Política Nacional de Educação Escolar

Indígena.

Em fevereiro de l991, por meio do Decreto Federal nº 26, houve a transferência

de responsabilidade educação escolar indígena da FUNAI para o MEC e para as

secretarias estaduais de educação. Coube ao MEC a competência de coordenar as ações

referentes à educação escolar indígena no país. Mesmo com a transferência a FUNAI

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continuou exercendo o seu papel de atender as demandas indígenas, numa nova forma

de atendimento com a parceria com outras instituições governamentais e organizações

indígenas.

Nesse processo a participação do movimento indígena e indigenista foi decisiva

para a regulamentação e o entendimento dos pressupostos legais, assim como para a sua

difusão entre as diferentes comunidades.

As Diretrizes para uma Política Nacional de Educação Escolar Indígena (MEC,

1993) apresentou a postura institucional do Estado, por meio de documentos oficiais,

definindo princípios gerais e detalhando prioridades de uma educação escolar

fundamentada no reconhecimento e na manutenção da diversidade sociocultural. Essas

diretrizes foram fundamentais para o norteamento da modalidade de educação escolar

indígena e para a categoria “escola indígena” pois, para o sistema oficial de ensino,

tratava-se de uma novidade que exigiu mudanças profundas na organização, nas

concepções e no gerenciamento das diferentes escolas existentes no país. Para

complementar o quadro de referências políticas, foi publicado o Referencial Curricular

Nacional para as Escolas Indígenas que balizou o trabalho educativo cotidiano das

escolas indígenas e apontou referenciais para os seus conteúdos curriculares.

Outro instrumento legal dessa renovação educacional no âmbito da educação

escolar indígena foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). A Lei 9.394/96

resultou de discussões e interesses contraditórios da sociedade brasileira, porém

marcaram uma nova postura institucional, política e social sobre a educação nacional.

Não se pode desconsiderar, porém, que, por mais bem formulada e estruturada que seja

a nova LDB, preexistem condições intrínsecas e extrínsecas ao sistema educativo,

como, por exemplo, a desigualdade social, étnica e racial.

As condições intrínsecas decorrem da existência de grupos

com interesses diferenciados no interior o sistema educativo, com

percepções e alternativas diversas no tocante à compreensão das

funções sociais dos sistemas de ensino, dos seus objetivos e dos seus

beneficiários. As condições extrínsecas vinculam-se às funções

dispares que os sistemas de ensino passaram a assumir em decorrência

de padrões distintos de demanda social. (CARNEIRO, 2002: 15).

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Isso nos mostra o quanto a educação brasileira é complexa em relação às

diferentes realidades regionais que compõem o país. O novo texto veio respaldar

experiências e emanar princípios e diretrizes de acordo com a realidade contemporânea

do país.

Na educação escolar indígena, a LDB inova, trazendo avanços, que inexistiam

ao propor novo direcionamento institucional e político por meio da inclusão da

educação escolar indígena no sistema educacional do país. Oficializou a escolarização

com um novo entendimento de cidadania e direito fundamental dos povos indígenas,

mas com a concepção pedagógica de diferenciação e interculturalidade. Reconheceu a

escola indígena como específica, diferenciada, bilíngüe e intercultural, voltada para o

contexto de cada povo. Assegurou o reconhecimento da diversidade cultural existente

no país, bem como as diferentes realidades educacionais. E, principalmente, reconheceu

a escola indígena com uma nova concepção educativa fundada em quatro princípios: a

reafirmação étnica, a recuperação da memória histórica e a valorização dos saberes e

conhecimentos tradicionais, e o acesso aos conhecimentos técnicos e científicos de

sociedade nacional.

O Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas é resultado de um

trabalho coletivo que envolveu especialistas e professores indígenas, construiu

consensos a respeito das práticas curriculares em contextos de interculturalidade. Esse

referencial trata das diferentes concepções de práxis pedagógicas, que mostram as

práticas construídas pelos professores indígenas para o exercício da docência, conforme

a cultura de cada povo indígena. Oferece subsídios para que seja desenvolvida a

reformulação da nova escola, pautada nos princípios anteriormente citados. A

construção deste referencial não esgotou a discussão nem a elaboração de novas práticas

pedagógicas, mas visibilizou às escolas indígenas a discussão quanto à questão

curricular e às práticas pedagógicas que emanam de cada realidade.

O currículo escolar indígena ganha, assim, caráter de

permanente movimento ondular entre o “núcleo comum ou a base

universal do conhecimento escolar” e os conjuntos de conhecimentos

representados como indígenas, ou étnicos, culturalmente fundados na

tradição e na memória coletiva daquele grupo humano particular.

(MONTE, 2001: 66).

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A educação escolar indígena deu um passo importante quando da aprovação da

Resolução 03/99/CNE, que regulamenta as diretrizes e o funcionamento das escolas

indígenas e definiu a competência institucional do sistema de ensino. Vale destacar que,

apesar das regulamentações anteriores, até então havia grande impasse na definição das

responsabilidades do sistema de ensino para com as escolas indígenas.

A Resolução 03/99 e o Parecer 14/CNE estabeleceram, entre outras medidas,

que a escola indígena é reconhecida como estabelecimento com normas jurídicas

próprias, regularizadas como unidades próprias, autônomas e específicas no sistema

estadual. Definiu escola indígena como aquele estabelecimento localizado em terras

habitadas por comunidades indígenas, o que assegura exclusividade de atendimento a

essas comunidades, onde o ensino seja ministrado nas línguas maternas das

comunidades atendidas e que tenha organização escolar própria. Outro destaque foi a

participação efetiva dos povos indígenas em toda a elaboração, planejamento e

execução de políticas ou programas da educação escolar indígena, assim como no

gerenciamento e na organização escolar voltados para o âmbito específico de cada povo.

No Plano Nacional de Educação -PNE (Lei 10.172 de 9 de janeiro de 2001), foi

dedicado um capítulo específico à educação escolar indígena que traçou metas e

objetivos considerados prioritários para o desenvolvimento escolar entre os povos

indígenas.

O PNE assegurou metas prioritárias e definiu os prazos para a sua execução,

como para a criação da categoria escola indígena, a profissionalização e a formação de

professores indígenas no ensino superior. No entanto, o alcance dessas metas depende

das articulações entre o Estado e o município assegurando sempre a participação das

comunidades indígenas.

Um ponto inédito neste plano foi a sua definição de políticas governamentais

que contemplem a formação de professores indígenas em nível de magistério e até o

ensino superior. Para atender à educação básica, propôs a regulamentação da carreira do

magistério indígena e a criação de instâncias nas secretarias estaduais para dar

atendimento à educação escolar indígena.

Na meta 17 do PNE está prevista a criação de programas especiais para

formação de professores em nível superior. Isto se justifica, pois a educação básica (5ª a

8ª série e o ensino médio) requerem a formação de licenciados para atender a essas

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séries de ensino. As experiências recentes de Mato Grosso e de Roraima demonstram

que é possível realizar a formação superior indígena imediatamente e em grande escala.

Em Mato Grosso, o Plano Estadual de Educação foi elaborada numa versão

preliminar no governo de Dante de Oliveira (l995-2002), e a temática da educação

escolar indígena pode ser contemplada, mas necessita de uma revisão na parte do

Diagnóstico, referente aos dados sobre a realidade educacional indígena.

O Conselho Nacional de Educação deverá promover a regulamentação da

formação de ensino superior no plano legal, e elaborar diretrizes que possam nortear a

implementação dessa formação nas universidades. Além dessa prioridade, a formação

de profissionais indígenas em diferentes áreas de atuação junto às comunidades

indígenas faz parte dos documentos apresentados pelo movimento indígena ao MEC.

Na questão de formação de professores, os Referenciais para a Formação de

Professores Indígenas lançados pelo MEC em 2002, inovaram quanto às diretrizes de

formação profissional, pois estabeleceram competências e habilidades de que o

educador indígena necessita para sua formação, atendendo às novas concepções da

diversidade.

Os Referenciais para a Formação de Professores Indígenas, apresentaram

importantes subsídios para que os sistemas de ensino desenvolvam programas de

formação inicial e continuada de professores indígenas. O referencial é uma diretriz

para a formação de professores indígenas no Magistério, agregando diferentes

experiências de formação para subsidiar a implementação dos cursos de formação de

professores indígenas, assim como o gerenciamento dessa formação.

O movimento de professores indígenas tem reivindicado a formação inicial e

continuada, porque entende que as mudanças no paradigma da educação escolar

indígena pressupõem que a formação de professores requer o domínio de conteúdos e

habilidades pedagógicas de acordo com as exigências legais da sua titulação.

A Declaração de Princípios da COPIAR é bem explicita quanto a esse tema: “É

garantida aos professores indígenas uma formação específica, atividades de atualização

e capacitação periódica para o seu aprimoramento profissional” (COPIAR, Declaração

de Princípios)10.

Do ponto de vista legal, o desejável está assegurado. No entanto, a

operacionalização dessas conquistas tem sido dificultada pelas instâncias responsáveis. 10 Comissão dos Professores Indígenas do Amazonas e Roraima, 1991.

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Diante disso, o que os povos aguardam atualmente é a revisão do Estatuto do

Índio, que deverá fortalecer e homologar os preceitos do índio cidadão.

Isso nos remete a uma reflexão no sentido de que não basta apenas a legislação

estar assegurada, a participação e a mobilização são imprescindíveis para consolidar a

cidadania.

Ao analisar a legislação referente a educação escolar indígena em Mato Grosso,

verificamos que o período em que ocorreram maiores avanços foi a partir do governo de

Dante de Oliveira, entre os anos de l995 e 2002. A Constituição Estadual na seção IV -

Dos Índios -, assegurou o reconhecimento da diversidade sociocultural e a criação de

uma instância de governo (Coordenadoria de Assuntos Indígenas) para gerir a

implementação de políticas indigenista em prol dos povos indígenas de Mato Grosso.

No campo educacional, é a LOPEB – Lei n.º 49/50, que disciplina o

funcionamento do sistema de ensino, regulamenta a carreira dos profissionais da

educação básica e estabelece a gestão democrática no ensino público estadual. Nela

textos, a educação escolar indígena está contemplada na seção X, onde é reconhecida

essa modalidade de educação em conformidade com os textos nacionais e acrescenta

ainda um Conselho de Educação Escolar Indígena/CEI, articulado com o Conselho

Estadual de Educação/CEE. Trata-se de um espaço democrático que define as políticas

para a educação escolar indígena onde é assegurada uma vaga para um representante

indígena no CEE.

Outro passo foi a elaboração das “Diretrizes para uma Política de Educação

Escolar Indígena para Mato Grosso: uma Construção Coletiva”, amplamente debatido

no CEI e nos cursos de formação de professores indígenas, porém não homologado pelo

governo estadual, em virtude de divergências em termos de concepções pedagógicas.

O Plano Estadual de Educação, texto compilado do PNE, contempla as

diferenças regionais, e apresenta propostas de encaminhamento, no entanto, foi

publicado com necessidade de correções e até hoje encontra-se paralisado.

O processo de elaboração do PEE envolveu todos os profissionais da educação,

UNDIME, AME, Sindicato dos Profissionais da Educação, Secretaria Estadual de

Educação, Conselho Estadual de Educação e outros segmentos sociais. Nessa

oportunidade, o segmento da educação escolar indígena teve relevante participação e

apresentou suas propostas.

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A regulamentação da Resolução 03/99-CNE aconteceu em Mato Grosso após

três anos de debates, discussões e seminários. Foi aprovada depois de calorosa

discussão no CEE, resultando na Resolução 201/04, que regulamenta o funcionamento

das escolas indígenas no âmbito estadual.

Portanto, em relação às legislações, a esfera estadual ainda deixa a desejar, pois

alguns instrumentos jurídicos a serem regulamentados estão aguardando a vontade

política e o posicionamento das instâncias responsáveis. Neste sentido, a realidade

mato-grossense tem nos mostrado que a educação escolar indígena ainda terá obstáculos

e caminhos a serem percorridos para que a afirmação da pluralidade sociocultural seja

consolidada. Os discursos oficiais estão longe da realidade das escolas indígenas,

existindo, entre a lei e a prática, um distanciamento que dificulta que a legislação e o

controle social sejam, de fato, instrumentos efetivos de cidadania dos povos indígenas.

E como destaca Moacir Gadotti (1992: 49) a “participação e a democratização

num sistema público de ensino são as formas mais práticas de formação para a

cidadania. A educação para a cidadania dá-se na participação e no processo de tomada

de decisão”.

2.2 A Política nacional para a educação escolar indígena

Conforme consta na legislação brasileira, a elaboração de políticas para a

população indígena requer a sua participação efetiva e um diálogo que leve em conta

suas experiências e especificidades.

Nesse processo, a luta pela participação nas decisões tem sido a bandeira de

vários movimentos de professores indígenas no país. Um dos resultados positivos

ocorreu quando o Estado brasileiro incorporou a Declaração de Princípios firmada por

professores indígenas no IV Encontro de Manaus, em l99l, como referência para a

política nacional de educação escolar indígena. Este fato histórico deu origem a diversos

documentos oficiais que destacam o protagonismo indígena na definição das políticas

públicas voltadas para esse segmento da população.

O movimento de professores indígenas, assim como outros que foram surgindo

no início dos anos 90, foram extremamente importante, pois produziu uma série de

documentos também sobre diretrizes para a educação indígena sob a perspectiva dos

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povos indígenas. O MEC, através de sua assessoria e do Comitê de Educação Indígena,

teve a sensibilidade de ouvir essas demandas e incorporá-las ao elaborar seus próprios

documentos.

Foi importante para o movimento de professores indígenas que o MEC

reconhecesse as experiências e as legitimasse no documento das diretrizes e nas

políticas oficiais.

As principais alterações de ordem administrativa iniciaram com o Decreto

Presidencial nº 26/91, e com a criação da Assessoria de Educação Escolar Indígena,

instância administrativa, responsável pelas ações dentro do MEC. Outro marco

importante foi à educação da portaria interinstitucional 559/91, que prevê criação dos

Núcleos de Educação Indígena nos Estados. Vários seminários e encontros foram

realizados, tendo a finalidade de discutir a situação das escolas indígenas no país e

elaborar políticas de atendimento à formação de professores indígenas e outras frentes

de trabalho implementados pela Assessoria do MEC e por seu Comitê assessor. Alguns

anos depois, esta assessoria foi transformada em Coordenação, subindo de Status no

organograma do MEC, representando uma maior institucionalização da temática da

educação indígena dentro do Ministério.

Ao mesmo tempo, a Fundação Nacional do Índio continuou respondendo por

algumas escolas indígenas, situação que perdurou até o ano de l999. Mesmo assim, os

professores indígenas e suas comunidades enfrentaram o longo martírio de não serem

satisfatoriamente atendidos por nenhuma das instâncias responsáveis.

Nesse sentido, as palavras de um professor indígena nos mostram a sua aflição

em virtude da situação vivida:

Todos esses trabalhos que estamos buscando para nossa

comunidade devem ser apoiados pelos municípios, pelas secretarias

estaduais. Temos que cobrar do Ministério da Educação para que eles

respeitem e assegurem essas mudanças. Porque é inaceitável nós

trabalharmos com nossas crianças de um jeito e virem já prontas as

atividades das Secretarias. Isso é horrível. (RCNEI - professor Pataxó

Hã Hã Hãe, BA).

Estas foram às queixas e preocupações dos professores indígenas e suas

comunidades na maioria do território brasileiro. Sem apoio institucional, as escolas

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indígenas caminharam isoladas, e, mesmo sabendo do reconhecimento institucional

como garantia de legitimidade na elaboração dos currículos e do projeto político

pedagógico, os professores iniciaram sua mobilização em várias regiões do país.

Defendiam a proposta que as secretarias tivessem mais participação nas escolas

indígenas, fazendo contatos com as instituições ligadas à educação escolar. Que as

secretarias tivessem mais ligação com as organizações indígenas, buscassem mais

informações sobre educação diferenciada e respeitassem os referenciais curriculares

indígenas. (Professores Ticuna, AM).

A reivindicação dos professores indígenas, cobrando das secretarias participação

nos processos relacionados à educação escolar nas diferentes realidades tem causado um

constante debate entre índios e gestores públicos.

Nesse sentido, os povos indígenas têm lutado para estabelecer uma nova relação

com o Estado brasileiro nas diferentes instâncias de governo, principalmente com o

MEC, na insistência de se criar fóruns de participação dos índios.

No período de l995 a 2002 várias atividades foram implementadas a partir das

demandas dos professores e de suas escolas, como a elaboração de materiais didáticos

realização de cursos de magistério, publicação de cartilhas e livros em diferentes línguas

indígenas, uma série de programas de TV (Programa Salto para o Futuro) que

mostravam a realidade cultural dos povos indígenas e sua importância para a sociedade

não índia, e serviram como instrumento de combate ao preconceito e discriminação.

Outras ações implementadas foram os seminários regionais envolvendo as

secretarias estaduais e seus técnicos nos cursos de formação continuada e os Parâmetros

Curriculares Nacionais - PCNs (Parâmetros em Ação Indígena). Esses seminários

serviram para ampliar o relacionamento entre os técnicos das secretarias e os povos

indígenas. Em muitos estados foi possível superar conflitos, atualizar o número de

escolas e conferir o crescimento populacional indígena.

Nos dados abaixo podemos verificar como se deu o crescimento das escolas

indígenas entre l999 e 2004 em cada esfera administrativa, conforme indicam os dados

do Censo Escolar de 2004.

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ESCOLAS INDÍGENAS SEGUNDO A ESFERA ADMINISTRATIVA 1 999 Esfera administrativa Número de escolas Porcentagem Federal 11 0,8 % Estadual 594 42,7 % Municipal 763 54,8% Particulares 24 1,7% Total 1.392 100% Fonte: Censo de l999/MEC – INEP.

ESCOLAS INDÍGENAS SEGUNDO A ESFERA ADMINISTRATIVA 2 004 Esfera administrativa Número de escolas Porcentagem Municipal 1.104 49,5 % Estadual 1.098 49,2 % Particulares 30 1,3% Total 2.232 100% Fonte: Censo de 2004/MEC-CGEI

Estes dados nos apontam que as escolas indígenas vêm crescendo

gradativamente nas terras indígenas, respondendo a demanda também do crescimento

populacional, mas, no entanto, as esferas administrativas tanto municipais e estaduais

estão tendo o controle da gestão escolar quase na mesma proporção. O aumento do

número de escolas entre um censo e outro também se explica pelo fato de que várias

escolas localizadas em terras indígenas eram consideradas como salas de extensa de

escolas rurais e passaram, nos últimos anos, a serem reconhecidos como escolas

indígenas. Houve, assim, uma formalização dessas escolas, que passaram a integrar os

sistemas municipais e estaduais de ensino, como unidades escolares independentes. É

esse processo de regularização das que explica esse crescimento do número total de

estabelecimentos entre um censo e outro.

Um outro dado interessante é que as escolas consideradas na esfera

administrativa como escolas federais as quais se encontravam sob o controle da Funai,

aparecem no censo de l999, e no censo de 2004 estas escolas foram integradas na esfera

estadual, permanecendo apenas as das missões e de empresas como a Eletronorte, que

apareceram no Censo de 1999 como “particulares”, e continuam no censo de 2004.

Com relação aos estudantes indígenas no Brasil temos o seguinte quadro:

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Modalidades / níveis de ensino Número de estudantes

Creches 532

Educação Infantil 13.745 1a. a 4a. Série 101.394

5a. a 8a. série 20.191 Ensino Médio 2.025

Educação de Jovens e Adultos 12.398

Total 150.285 Fonte: Censo do MEC/INEP, 2004.

Os dados de 2004 revelam que mais da metade dos alunos indígenas estão ainda

nas primeiras séries do ensino fundamental. Isso mostra que existem escolas indígenas

que estão pouco estruturadas e organizadas. E que, apesar dos avanços, há resistências

no sistema público em considerar a diversidade dos povos indígenas, uma vez que o

atendimento ainda é feito nos moldes das escolas urbanas. Outro dado impressionante é

o aumento de creches e da educação infantil, que nos mostra que cada vez mais crianças

pequenas estão entrando na escola e se distanciando do seu cotidiano social tradicional.

Portanto, podemos dizer que o MEC avançou na elaboração de uma política e

obtivemos resultados significativos nesse período. No entanto, há de se reconhecer que,

no campo institucional, a educação escolar indígena ficou apenas no âmbito da SEF

(Secretaria de Ensino Fundamental), restrita praticamente às séries iniciais.

Para as secretarias estaduais, este quadro, muitas vezes, justificou a sua

inoperância, pois esperavam do MEC os encaminhamentos devidos. Além disso,

sabemos que nem todos os estados têm uma relação amistosa e de respeito para com os

povos indígenas.

É por essa razão que persistem tantas reivindicações dos povos indígenas com

respeito ao atendimento no ensino médio e superior, bem como aos recursos específicos

para a educação escolar indígena.

A política nacional de educação necessita avançar mais no âmbito da educação

básica e contemplar também o ensino superior, que é uma demanda latente e urgente.

Para tanto é fundamental a participação dos índios na construção desse processo.

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2.3 Do Comitê de Educação à Comissão Nacional de Professores Indígenas

Como dissemos anteriormente, a Constituição Federal estabeleceu novos

paradigmas para orientar as relações entre o Estado e as populações indígenas.

Nessa mesma direção, as demais legislações relativas à educação brasileira

também sofreram mudanças na ordem institucional do Estado visando a atender à nova

realidade educacional do país.

Os povos indígenas e suas representações organizacionais vêm avançando em

termos de mobilização, pressionando para fazer cumprir o que está posto na

Constituição, reivindicando o seu espaço como protagonistas do seu destino e exigindo

uma nova postura institucional do Estado brasileiro, diferente do anterior que estava

baseada na tutela.

Nesse novo direcionamento legal, a educação escolar indígena foi

redimensionada, assegurando aos índios a participação efetiva no processo educativo e

nas instâncias de poder público, desde as escolas nas aldeias até a elaboração de

políticas que atendam à realidade indígena.

A criação da Assessoria de Educação Escolar Indígena, no âmbito do Ministério

da Educação, foi fundamental para a realização das ações pertinentes à educação escolar

em todo o país. Em l992, foi criado o Comitê de Educação Escolar Indígena composto

por profissionais de entidades ligadas à questão indígena, como antropólogos e

lingüistas, que contribuíram na assessoria e na definição das política implementados

pelo MEC. A sua experiência foi fundamental também para maximizar a visibilidade da

educação indígena em nível nacional. Dele faziam parte representantes governamentais

(FUNAI, UNDIME, CONSED), e representantes de professores indígenas. Este comitê

foi instituído e regulamentado pelas portarias 60/92 e 490/93. Sua principal função era

de assessoria, mas dado o desconhecimento desta temática dentro do MEC, ele teve um

papel executor muito importante, principalmente no que se refere a envolver as

secretarias estaduais no atendimento e reconhecimento das escolas indígenas.

Esse Comitê exerceu um papel fundamental na articulação entre os estados,

especialmente na criação de NEIs (Núcleos de Educação Indígena), na elaboração de

políticas e na estruturação dos programas de formação de professores.

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Posse da Comissão Nacional de Professores Indígenas/2002

Em l994, foi publicado o texto das Diretrizes para a Política Nacional de

Educação Escolar Indígena, elaborado pelo Comitê de Educação Escolar Indígena e por

seus especialistas. O documento representou um marco histórico no esclarecimento

acerca da educação específica, diferenciada e intercultural. Depois dessa publicação,

outras vieram para subsidiar o desenvolvimento das ações do MEC e dos sistemas de

ensino.

Outra ação importante do Comitê foi o acompanhamento na elaboração da

Resolução 03/99 do Conselho Nacional de Educação que regulamenta as escolas

indígenas. Foi realizada uma audiência pública na Câmara dos Deputados, além de

outros encontros com professores e lideranças indígenas.

Após uma avaliação das dificuldades encontradas pelos participantes em detectar

as demandas, o Comitê Nacional de Educação Escolar Indígena concluiu que havia

cumprido o seu papel, e propôs a criação de uma instância representativa dos próprios

povos indígenas. Surgia assim, em 2001 a Comissão Nacional de Professores Indígenas,

composta unicamente por representantes dos professores indígenas com a missão de

articular, assessorar e acompanhar as ações elaboradas pelo MEC, além de discutir no

âmbito do Ministério as questões que envolvem a educação escolar em cada região.

A Comissão exerce atualmente um papel fundamental na articulação entre o

MEC e o segmento da educação escolar indígena ao apresentar ao governo proposta de

implementação nos sistemas de ensino de iniciativas oriundas de várias regiões do país.

A sua tarefa tem sido desempenhada em conjunto com as organizações de professores

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indígenas que estão se mobilizando para que se crie, nos estados, colegiados que

assegurem a participação e a democratização das decisões pertinentes à educação

escolar indígena.

Essas instâncias colegiadas no MEC vêm propiciar aos representantes indígenas

conhecimentos relevantes sobre o funcionamento do Ministério da Educação, sobre os

caminhos da burocracia e do gerenciamento dos recursos educacionais para o país.

Para os representantes indígenas é difícil imaginar como as decisões de uma

instância do poder público, como é o MEC, repercute inclusive nas escolas indígenas,

bem longe da sede central do governo federal. Estar próximo significa assumir a

responsabilidade de representar os diferentes povos e ser cobrado por eles pelo

desempenho desse papel. Para o MEC, tem sido um desafio lidar com realidade de mais

200 povos com diferentes demandas educacionais e tratá-los conforme os preceitos da

legislação. No entanto, a participação dos representantes indígenas legitima as suas

decisões e consolida o protagonismo indígena, tão reivindicado pelo movimento

indígena do país.

No contexto atual brasileiro, a decisão do movimento de professores indígenas

em reivindicar a participação nas decisões reforça a consciência da necessidade de

exercer o controle social sobre as políticas, sobre os recursos e sobre a atuação dos

gestores públicos. Educação escolar não é apenas o domínio do ler e do escrever, mas

de ter uma nova leitura do mundo, de buscar projetos adequados e que contemplem as

diferentes realidades das comunidades. É também acompanhar sistematicamente o que o

Estado brasileiro realiza para o atendimento das diversidades. Portanto, o professor

indígena não é um educador presente somente na sala de aula, mas um articulador entre

dois mundos, principalmente no momento em que o Estado democrático atribuiu a

vários ministérios a responsabilidade de implementar a política indigenista.

A participação nos diferentes campos institucionais é relevante para a população

indígena e para os movimentos sociais em geral, num Estado que vive tantas

contradições, inclusive quanto ao não cumprimento da legislação.

Nesse sentido, as várias etapas pelas quais os representantes indígenas vêm

passando representam etapas de rompimento das resistências encontradas no âmbito do

governo federal para se adequar a novos paradigmas de convivência com os

beneficiários, que querem tornar realidade os avanços obtidos no plano jurídico nesses

505 anos de contato com a sociedade nacional.

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2.4 O Conselho de Educação Escolar Indígena como fórum definidor de políticas

A reivindicação dos povos indígenas para atuarem em conjunto com as

diferentes instâncias de poder público no acompanhamento da gestão das escolas

indígenas tem sido uma das bandeiras insistentemente levantadas pelos educadores

indígenas.

Segundo Gadotti (l994: 49):

O principio da gestão democrática e da autonomia da escola implica

uma completa mudança do sistema público de ensino. Nosso atual

sistema de ensino assenta-se ainda no principio da centralização, em

contraste com o principio constitucional da “democratização da

gestão.

O Conselho de Educação Escolar Indígena de Mato Grosso – CEI/MT

oportunizou ao segmento da educação escolar indígena uma ampla experiência na

intermediação entre os interesses das escolas e os do poder público. Foi criado em l995,

em decorrência da mudança no cenário dessas relações e, desde então, tem sido a

instância responsável pela definição das ações de educação escolar no estado.

Reunião do CEI com o Secretario de Estado de Educação/ 2003

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O movimento de professores indígenas teve maior visibilidade a partir de 1995

com a realização do I Congresso de Professores Indígenas no município de Tangará da

Serra. Naquela oportunidade reivindicou-se um conjunto de ações de governo para a

educação escolar e propôs a criação do Conselho de Educação Escolar Indígena.11

A forma de organização do CE/MT foi inovadora, pois supunha o exercício por

parte dos seus membros do controle social no âmbito da educação escolar indígena. Foi

o primeiro colegiado no Brasil com representação dentro da Secretaria de Estado da

Educação e é um marco referencial que originou a criação de instâncias similares em

outros estados como no Amazonas, Rondônia e Mato Grosso do Sul.

O Conselho de Educação Escolar Indígena marcou uma nova era de mobilização

institucionalizada, pois o colegiado com a participação de diferentes representações

étnicas, de instituições públicas e entidades não governamentais, possibilitou a

elaboração de ações pontuais nas políticas públicas do governo estadual.

Ao longo da sua existência foram-lhe atribuídas predominantemente, funções

estratégias, relativas ao planejamento e a execução das políticas educacionais.

No entendimento de Bordignon (2002), “os conselhos são parte do sistema de

ensino, cuja finalidade é atuar na gestão do sistema, deliberando sobre as políticas

educacionais, de acordo com a representatividade nela conferida, conduzindo o processo

de democratização e descentralização do poder.”.

Segundo Gohn, “um ponto comum nas reformas estaduais é a ênfase na busca de

novas formas de gestão das unidades escolares. Elas envolvem a comunidade escolar e a

criação de sistemas colegiados de representação dos diversos atores desta comunidade,

no interior da escola. Esta diretriz pode ser vista como louvável, pois vai na direção da

gestão democrática da educação, reivindicada por vários movimentos sociais e prevista

na Carta Magna de 88”. (2002:103).

A partir da sua criação, o CEI passou a ser o fórum de articulação, de referência

e de discussão das questões pertinentes à educação escolar indígena, assim como de

planejamento das ações. No papel de assessoria para a equipe de educação escolar

indígena da SEDUC, traçou diretriz decidiu sobre as ações prioritárias para as escolas

11 Vale ressaltar que o CEI é um precursor do NEI – Núcleo de Educação Escolar Indígena, criado em l987, a partir de vários seminários e encontros que serviram para legitimar sua existência.

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nas aldeias. A presença indígena assegurou certa legitimidade às ações da SEDUC,

como também o conhecimento acerca da diversidade educacional existente no estado.

O Conselho de Educação Escolar de MT tem papel fundamental nos processos

de encaminhamentos das ações da educação escolar, pois representa o espaço para a

elaboração das ações, assim como norteia as políticas, articula e assessora o Conselho

Estadual de Educação.

Esse vínculo estabelecido com um colegiado maior da educação estadual por

meio de um representante do segmento, representou um marco histórico da educação

escolar indígena e da sociedade mato-grossense, devido ao reconhecimento da

diversidade étnica e cultural do estado e das suas especificidades.

Aos Conselhos de Educação e aos Conselhos de Controle Social cabe,

dentro de suas atribuições, a busca incessante do diálogo entre Estado

e todos os setores implicados, interessados e compromissados com a

qualidade da educação escolar em nosso país. (CURY, 1999: 60).

De fato, uma das finalidades deste Conselho indígena é propiciar o diálogo entre

os povos indígenas, por meio de seus representantes e os sistemas de ensino, a fim de

buscar uma melhor compreensão e entendimento da diversidade cultural existente no

Estado, aperfeiçoando as ações voltadas a melhoria da educação nas terras indígenas.

Todavia, apesar dos vários avanços nas ações que deram visibilidade para a

educação escolar indígena no estado, ainda existem dificuldades a serem enfrentadas

pelo CEI.

A forma conselho apresenta muitas novidades na atualidade e ela é

muito importante porque é fruto de demandas populares e pressões

pela redemocratização do país. Ela está inscrita na Constituição de

l988 na qualidade de “conselhos gestores”. As novas estruturas

inserem-se em esferas públicas e, por forças de lei, integram-se com

os órgãos públicos vinculados ao Poder Executivo, voltados para

políticas específicas, responsáveis pela assessoria e suporte ao seu

funcionamento das áreas onde atuam. (GOHN, 2002: 103).

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De fato, a finalidade do Conselho Indígena foi de fiscalizar e acompanhar as

políticas pertinentes a educação escolar, enfim, de exercer o controle social sobre as

ações implementadas pelas secretarias. Por isso a sua composição paritária, formada por

entidades governamentais da educação, não-governamentais, universidades e

representantes indígenas de várias partes da região mato-grossense. A gestão é

composta por uma diretoria com um presidente, um vice e uma secretaria, que

encaminham as deliberações. Tem sido uma instância de referência para os professores

e suas comunidades no tocante ao encaminhamento de seus anseios. É o mediador do

movimento indígena de professores, o espaço de denúncias das arbitrariedades dos

gestores públicos e um defensor dos direitos indígenas nos municípios. Além disso, a

relação do CEI com o Conselho Estadual de Educação/CEE é definida como instância

de assessoramento e deliberativa das políticas específicas, por exemplo, emitindo

pareceres preliminares sobre a educação escolar indígena. Há uma vaga tanto no CEE

para o representante do segmento, quanto no CEI para o representante do CEE.

No período de l995 a 2002, a educação escolar indígena implementou várias

ações reivindicadas pelo movimento, como a elaboração de proposta de programas para

a formação de professores – Projeto Tucum, Projeto Xamã – formação dos AIS

(Agentes Indígenas da Saúde); Projeto Pedra Brilhante e Urucum – formação de

professores do Xingu; Projeto Mebengôkre – formação de professores Kayapó , e nos

últimos anos, o projeto de formação no ensino superior.

Em l997 foi realizado um evento marcante para a formação de professores

indígenas. O Conselho de Educação Escolar Indígena, em conjunto com o movimento

indígena e o poder público organizaram a Conferência Ameríndia de Educação

juntamente com o Congresso de Professores Indígenas do Brasil que colocou o estado

de Mato Grosso em evidência perante o Brasil.

A relevância deste evento reside no fato de que abriu-se uma discussão que até o

momento não se tinha notícia, acerca da formação de professores indígenas no ensino

superior.

O Conselho de Educação Escolar Indígena, promotor do referido evento,

possibilitou que a temática do ensino superior fosse discutida sob a ótica das populações

ameríndias. O entendimento do CEI era trazer para o cenário nacional e da América

Latina questões pertinentes ao novo paradigma da escola indígena.

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Foram cinco dias de debates e proposições que resultaram numa proposta da

formação do ensino superior para os professores indígenas. Outro resultado importante

foi a publicação dos anais, contendo artigos de professores indígenas e de especialistas

que apresentaram o seu pensamento sobre o assunto. Foram produzidos também dois

livros: Urucum Jenipapo e Giz e Ameríndia: tecendo os caminhos da educação escolar

(l998), destacando artigos de indígenas e não-indígenas atuantes na educação escolar.

A vivência do movimento indígena em Mato Grosso tem fornecido instrumentos

de estudos para alguns pesquisadores, bem como para os próprios índios em busca de

mais estratégias para a melhoria da luta. Atualmente os professores dos cursos do 3º

Grau Indígena da UNEMAT, têm sido os protagonistas da criação da Organização de

Professores Indígenas de Mato Grosso.

O desafio do movimento indígena e dos professores, enfim, do segmento da

educação escolar, é assegurar a participação indígena não apenas em termos de

quantidade, mas também da qualidade das discussões nas aldeias.

Apesar do movimento indígena de Mato Grosso se diferenciar dos demais

movimentos do país, ele tem estratégias de mobilização, quando necessário, que

permitem aproveitar determinadas oportunidades, assim como a comunhão de interesses

nas ações coletivas.

A relação entre o Conselho de Educação Escolar Indígena e seus representantes

tem permitido que os encaminhamentos, discussões e informações cheguem às

comunidades indígenas. Entre l995 e 2004 foram realizadas 30 reuniões ordinárias e

extraordinárias semestrais. A sua relação com o Conselho Estadual de Educação de

Mato Grosso é permanente, uma vez que este reconheceu o papel do CEI como órgão

deliberativo de diretrizes das políticas para uma educação escolar específica e

diferenciada no âmbito da Secretaria Estadual de Educação. Não há nenhuma confusão

na sua natureza funcional.

Assegurar a participação dos representantes indígenas nem sempre foi uma

tarefa fácil para a diretoria. Segundo Gohn “O fato das decisões dos conselhos terem

caráter deliberativo não garante sua implementação pois não há estruturas jurídicas que

dêem amparo legal e obriguem o Executivo a acatar as decisões dos conselhos

(mormente nos casos em que essas decisões venham a contrariar interesses dominantes).

O representante que atua num conselho deve ter vínculos permanentes com a

comunidade que o elegeu”. (GOHN, in Gentilli & Frigotto, 2002: 106).

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O desafio está no aproveitamento desses espaços de representação indígenas,

para que se articulem e se fortaleçam com os demais movimentos de Mato Grosso. É

preciso superar inúmeras dificuldades na implementação das políticas e assegurar

participação indígena efetiva no processo. Essa é uma das instâncias promotoras do

protagonismo indígena quando assegura que os beneficiários definam políticas e ações

que contemplem a sua realidade.

O Conselho de Educação Escolar Indígena de Mato Grosso vem definindo

políticas educacionais há uma década e, no entanto, ainda não tem merecido a devida

valorização pelo sistema de ensino e pelas instâncias superiores da Secretaria Estadual

de Educação. No organograma da Secretaria Estadual de Mato Grosso, o CEI ainda não

tem o reconhecimento de uma instância de representação interinstitucional, que articula

as ações da mantenedora com as comunidades indígenas.

Finalizo com uma síntese de Gadotti:

Os sistemas educacionais no Brasil, além de possuírem estruturas

muito frágeis, são alvo de freqüentes reformas, mas reformas

superficiais que nada chegam a mudar positivamente, além da

descontinuidade administrativa, que é outra característica do

funcionamento desses sistemas. Eles são presididos pelos princípios

de patrimonialismo, que isola subsistemas, e pelo paternalismo, que

instiga a dependência e a alienação. (1994: 61).

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CAPÍTULO III

O PROCESSO DE INCLUSÃO DAS ESCOLAS INDÍGENAS NO SISTEMA

OFICIAL DE ENSINO DE MATO GROSSO

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3.1 Um balanço das políticas educacionais indígenas em Mato Grosso: impasses e

contradições

Trataremos a seguir de um balanço da realidade educacional indígena em Mato

Grosso a partir de l995, ano em que teve início o processo de inclusão das escolas

diferenciadas no sistema oficial de ensino. Esses desdobramentos ocorreram em função

da regulamentação da Constituição Federal e a da nova LDB no estado de Mato Grosso

e repercutiram no âmbito da Secretaria de Estado de Educação e nas demais secretarias

municipais.

Na gestão do governo de Dante de Oliveira (1995-2002), ocorreram diversos

eventos relevantes para a democratização das escolas. Foi regulamentada a nova LDB

num processo aberto a toda a sociedade mato-grossense. Em 1995 foi realizado o Fórum

Estadual de Gestão Escolar, Democracia e de Qualidade para elaborar e referendar a

reforma de ensino no estado. O então governo, considerado como governo de

vanguarda, teve como eixo político a Gestão Democrática nas escolas públicas

estaduais.12

No tocante à questão indígena foi elaborado um Plano de Metas que estabeleceu

as seguintes diretrizes:

1. Apoiar o governo federal na demarcação e proteção das terras indígenas; 13

2. Implementar um projeto escolar para o indigenismo;

3. Executar os projetos de saneamento básico e de saúde;

4. Viabilizar apoio técnico aos projetos de economia indígena;

5. Implementar e fortalecer o órgão de assuntos indígenas do estado com um

núcleo mínimo central e extensões de apoio nas organizações de saúde,

educação, agricultura e meio ambiente.

12 A Lei Complementar nº 7.040/LOPEB, entre outras medidas, estabeleceu a eleição direta dos diretores escolares e a gestão direta dos recursos destinados para as suas escolas. 13 A luta pela demarcação das terras indígenas nas décadas de 70 e 80 foi intensa em Mato Grosso como em todo o restante do território brasileiro. Ocorreram diversas denúncias das comunidades e das agências indigenistas e educacionais, dada a situação precária em que viviam as populações indígenas.

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Os destaques para a educação escolar indígena foram a ênfase na

democratização do acesso à escola e implantação de estratégias de gestão diferenciada

para as escolas das aldeias.

O estado promoveu o reconhecimento da diversidade étnica, tendo como aporte

os seguintes documentos legais:

• Decreto nº 265/95 – Criação do Conselho de Educação Escolar Indígena;

• Lei complementar 49/98 – Artigos l06 e l07 – proporciona aos índios a

reafirmação de suas identidades e oferta de Educação Básica – artigo 35 –

assegura um representante da educação escolar indígena no CEE/ Câmara de

Educação Básica;

• Constituição Estadual – Artigo 243 – o poder público reconhece as unidades

escolares das comunidades indígenas;

• Política da Educação Escolar Indígena para o Estado: Uma Construção

Coletiva, composta por 3 programas de l0 projetos.

Em todo esse período houve a participação das comunidades e de seus

representantes nas diferentes reuniões e eventos promovidos pelo governo, que

resultaram em vários documentos indígenas destinados a subsidiar a política

educacional de Mato Grosso para os povos indígenas.

Ampliaram-se as experiências e discussões a respeito da escola indígena

diferenciada, tendo o processo se iniciado com os cursos de capacitação para os índios,

realizados por instituições como OPAN e CIMI. A proposta de uma escola indígena

com pedagogia específica, que contemplasse a língua indígena como parte do currículo

foi discutida em eventos e nas escolas das aldeias. Os encontros, simpósios, reuniões e

assembléias realizadas por essas agências indigenistas foram da maior importância para

trazer à tona uma nova abordagem de educação escolar dirigida pelas comunidades.

Segundo Secchi (2002:117),“todos esses eventos contaram com um seleto

quadro de assessores externos, dentre os mais ‘requisitados’, os professores João

Pacheco de Oliveira, Lúcia Helena Rangel, Ruth Monserrat e Antonio Brand”.

Essas experiências e a mobilização de outros povos indígenas no país

incentivaram as comunidades indígenas de Mato Grosso a exigir mudanças também nas

suas escolas.

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Vários governos se passaram sem que a questão indígena tivesse espaço para

assegurar o exercício dos direitos dos povos indígenas, principalmente em termos de

política educacional. Nos discursos oficiais, a temática era desconhecida; algumas

iniciativas no governo de Carlos Bezerra (l985) evidenciaram a questão quando da

criação da Coordenadoria de Assuntos Indígena/CAIEMT, instância indigenista

governamental cuja finalidade era articular políticas, índios e governo.

Ao discorrer sobre as características dos trabalhos educacionais desenvolvidos

por diferentes instituições em Mato Grosso até a década de l980 Secchi destaca:

Numa primeira fase houve a predominância dos professores externos

(não-índios) na condução das atividades escolares. Num segundo

período que se estendeu até a década de l980 houve uma certa

desarticulação institucional que ocasionou sucessivas interrupções das

atividades escolares, quer pela ausência de professores nas aldeias, quer

pela concorrência de outras atividades com maior significadas cultural

para as comunidades. Por último, um período comum à maioria das

escolas a partir da década de l980 com a regularização das atividades

escolares e a redefinição dos currículos e das metodologias de ensino.

(2002: 119-120).

Paralelamente, o órgão tutor estava sendo fragmentado gradativamente,

definindo apenas ações pontuais junto às comunidades indígenas. A reforma do

aparelho estatal atingiu a Funai, descentralizando suas ações para outras instâncias

públicas nos vários ministérios como no Meio Ambiente, Educação, Integração

Nacional, Saúde e Agricultura e Abastecimento.

A partir de l995, a educação escolar indígena passou a fazer parte das ações

políticas do governo estadual de Mato Grosso, que reorganizou a equipe de educação

escolar indígena da Secretaria de Estado de Educação e instituiu programas de formação

de professores indígenas, de fortalecimento e de regularização das escolas,

contemplando assim parte da reivindicação e demanda dos povos indígenas do estado.

Foi nesse contexto institucional que a educação escolar específica e diferenciada

em Mato Grosso passou oficialmente a ser discutida pelas instâncias do poder público

educacional, e se intensificou na década de l990, quando surgiu a proposta do primeiro

curso de formação de professores indígenas, promovida pela Secretaria de Estado de

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Educação. Tratou-se de um fato histórico na política educacional do estado a oferta de

uma formação e habilitação específica para o magistério indígena.

No período l995 a 2002, vivenciou-se em termos de educação escolar indígena

os seguintes acontecimentos:

• Criação de um Conselho de Educação Escolar Indígena, com participação

paritária, índios, instituições indigenistas e de apoio e governamental;

• Representação do segmento da Educação Escolar Indígena no Conselho

Estadual de Educação;

• Representação indígena de Mato Grosso no Conselho Nacional de Educação.

• Realização e conclusão do Projeto Tucum, com a habilitação de l76

professores indígenas;

• Aprovação pelo FNDE de um mecanismo diferenciado para a merenda nas

escolas do Xingu;

• Produção de material didático específico para diversos povos;

• Elaboração da Política de Educação Escolar Indígena;

• Criação da Comissão Interinstitucional e Paritária para elaboração de Cursos

de Licenciatura específicos.

O projeto Tucum foi uma das reivindicações do movimento indígena e de seus

professores, em conjunto com os aliados indigenistas, atendida pelo governo. Teve

como princípio norteador os temas da terra, cultura e língua, o que possibilitou a

especificidade da formação dentro de uma metodologia didática, que contemplava os

diferentes contextos escolares. Esse caráter inovador de formação estava em

conformidade com as políticas educacionais e a legislação nacional. (MENDONÇA &

VANUCCI, l997: 88-89).

Portanto, a primeira formação de professores indígenas em Mato Grosso surgiu

num contexto de reorganização institucional do Estado. Naquele momento, o órgão

executivo da educação se dispunha a implementar políticas educacionais em

cumprimento ao seu plano de metas.

O relato dos professores retrata a importância deste projeto na sua formação:

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(...) direcionamos várias reivindicações para as agências educacionais.

Até que um dia tivemos uma conquista com o Projeto Tucum, do qual

fiz parte na comissão de elaboração do Projeto (...). (Professor Paresi -

aldeia Nova Esperança/MT).

(...) Com o incentivo do Projeto Tucum, hoje me sinto uma pessoa

capaz de buscar um meio de conhecimento para atuar não só na sala

de aula, mas na comunidade. A metodologia do Projeto Tucum me

ajudou muito, parece que cada vez que estou participando, estou

aprendendo mais coisas novas para levar conhecimento adquirido para

aplicar na sala de aula. (Professora Paresi - aldeia Salto da Mulher -

MT).

Outros projetos educacionais de formação citados no Capítulo II, além do

Projeto de Formação em Nível Superior, foram avanços que necessitam de continuidade

para atender à demanda de professores leigos que estão atuando nas escolas indígenas.

A conquista de uma vaga do Conselho de Educação Escolar Indígena no

Conselho Estadual de Educação possibilitou aos especialistas da educação uma

compreensão da diversidade educacional indígena mato-grossense.

Apesar desse aparato político institucional e legal, percebeu-se ao longo desse

processo que os dispositivos e mecanismos de que o sistema oficial dispõe para atender

às escolas indígenas ainda geram dificuldades em termos da aplicabilidade de projetos

pedagógicos diferenciados, em virtude de os gestores públicos desconhecerem as

diferentes realidades indígenas e tratarem a questão educacional indígena com

homogeneidade.

Ainda não há o entendimento pleno de que a educação escolar indígena é um

direito do cidadão indígena.

As perspectivas quanto à implementação de política construída pelos índios e

seu assessores, definidas no documento “A Construção Coletiva da Política de

Educação Escolar Indígena de Mato Grosso”, estão longe de ser concretizadas.

Nos dois últimos anos da gestão de Dante de Oliveira (2001-2002) houve um

processo desanimador nas atividades da SEDUC em relação à educação escolar

indígena. A mudança de gestores e o desconhecimento acerca da questão indígena

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levaram a equipe a enfrentar dificuldades na execução de suas ações. Vejamos uma

síntese destas dificuldades:

• Inexistência de um diagnóstico específico para a situação educacional dos

povos indígena (demanda essa reivindicada pelo CEI).

• Necessidade de infra-estrutura compatível com a atuação da equipe no

atendimento das escolas indígenas.

• Desconhecimento e desinformação por parte dos gestores hierárquicos sobre

a realidade e especificidade da educação escolar indígena como política

pública.

• Sistema educacional extremamente burocrático, que dificultou ações

administrativas e pedagógicas das escolas indígenas.

• Excesso de professores indígenas interinos e renovação anual de contratos.

Destaca-se também o processo formal de contratação de outros servidores

indígenas, provocado pela inexistência de concurso público que regulamente

a situação destes profissionais. Com o sistema de ensino passando a ser

exigente na gestão das escolas, adotou-se a postura de meras empresas de

mercado.

Quadro semelhante ocorreu com as escolas municipais, que são a maioria das

escolas indígenas do estado. A gestão compartilhada – uma forma de cooperação entre

os governos estadual e municipal, deu um passo importante para atender a educação

escolar, tendo sido firmados convênios de parceria principalmente visando à formação

de professores. Mesmo assim, a SEDUC não conseguiu manter seus compromissos de

parceria, havendo reclamações de todas as partes: dos beneficiários indígenas e das

Secretarias Municipais.

A situação se agravou porque os municípios não adotaram o modelo de gestão

democrática, e as escolas indígenas ficaram submetidas à gestão do secretário municipal

a quem competiu elaborar e planejar o destino pedagógico das escolas.

Vale dizer que os estados e os municípios brasileiros são

profundamente desiguais entre si, seja no que diz respeito à sua

capacidade econômica e fiscal, seja no que diz respeito à capacidade

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administrativa para a gestão de políticas públicas, seja ainda no diz

respeito à sua tradição cívica. (ARRETCHE, 2000: 17).

No final de 2003, a equipe de educação escolar apresentou propostas, juntamente

com o CEI, para que o próximo governo viesse a dar continuidade ao que estava sendo

executado, e agilizasse as seguintes medidas:

• Criar a categoria Escola Indígena.

• Agilizar os processos de criação de escolas e celebração de convênios com

os municípios.

• Definir responsabilidades do estado no atendimento das escolas indígenas.

• Prover infra-estrutura no acompanhamento pedagógico.

• Criar uma política de construção e ampliação da rede física, de acordo com a

realidade indígena.

• Dar continuidade à política de formação e capacitação de professores

indígenas ainda não atendidos por projetos específicos de formação.

• Promover concurso público diferenciado para professores indígenas.

• Criar banco de dados sobre a situação das escolas indígenas.

Hoje, a educação escolar indígena no estado busca maior autonomia e

consolidação, em termos do reconhecimento de sua especificidade. Na década de l990,

com o aumento da população indígena no estado, houve o crescimento do número de

escolas indígenas nas aldeias e a implantação da 5ª à 8ª série. A demanda do ensino

médio tem criado um impasse para o estado, que enfrenta dificuldades em assumir a sua

responsabilidade.

Situação atual das escolas indígenas em Mato Grosso

Escolas Municipais 150

Escolas Estaduais 20

Total de Escolas 170

Professores 480

Alunos 9.800

Fonte: SEDUC – Censo 2004.

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Das l70 escolas indígenas, 88,2% são municipais, mas ainda não são atendidas

conforme os pressupostos legais. Existem alunos sendo atendidos também nas cidades,

fora das aldeias. Dos 480 professores, apenas l6% estão vinculados à rede estadual. Os

demais mantêm vínculos empregatícios com 31 diferentes municípios; apenas 30

professores municipais (l4%) são efetivos.

O atendimento das escolas indígenas pelo sistema estadual e pelos municípios

ainda é incipiente e tem sido denunciado pelas comunidades, principalmente no caso da

oferta do ensino médio, que vem encontrando dificuldades na sua implementação.

No caso das escolas indígenas, terão que decidir, conforme a política atual, entre

municipalização ou estadualização. Outra dificuldade é que, apesar de haver professores

em processo de formação em nível superior, há carência em diversas áreas do

conhecimento (habilitações).

Além desses aspectos, há necessidade de se proceder à contratação de outros

profissionais nas escolas para contemplar diferentes frentes de trabalho, que possibilite

compatibilizar a realidade de cada comunidade, também de se dispor de infra-estrutura

que comporte o atendimento escolar nas comunidades, evitando a evasão e o êxodo em

direção às cidades. Aproximadamente 50% dos alunos indígenas que concluem a

primeira etapa do ensino fundamental (1ª à 4ª série) nas aldeias, desistem de continuar

os estudos ou se deslocam para as cidades. No caso do ensino médio, temos em Mato

Grosso, apenas 6 escolas ofertando toda a educação básica, num contingente de l70

escolas indígenas.

Outro impasse diz respeito à autonomia pedagógica, política, financeira e

administrativa, cuja ausência inviabiliza a gestão indígena das escolas.

Nesse sentido, Grupioni comenta:

Nessa situação paradoxal encontramos o professor indígena, hoje em

sua maioria contratado pelo Estado, a quem se subordina como

funcionário público, dependente do salário e das políticas de

formação e capacitação profissional, que tende cada vez mais a dar

respostas a este sistema, que a submeter-se ao controle social de sua

própria comunidade. (GRUPIONI, 1999).

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Nesse aspecto o autor nos mostra os impasses e dificuldades que têm violado o

direito por uma escola especifica e diferenciada em Mato Grosso. O atual governo ainda

não atendeu as reivindicações das comunidades e das Organizações Indígenas,

principalmente quanto à criação da categoria Escola Indígena.

No entanto, apesar dos relativos avanços já alcançados, esses não foram

suficientes para se consolidar como políticas públicas educacionais. Não se

institucionalizou nos programas e políticas oficiais do estado, pois a questão indígena é

tratada ainda como um alienígena dentro do sistema de ensino, principalmente pelos

gestores, que vêm resistindo em implementar programas específicos com perspectivas

de curto, médio e longo prazo.

Essa tem sido uma das contradições da política educacional tida como inclusiva,,

que ignora as conquistas sociais e constitucionais na educação básica. Outra questão é a

inexistência de dotação orçamentária específica. Do ponto de vista financeiro, as escolas

indígenas são tratadas como qualquer outra escola dentro dos critérios estabelecidos

pelas normas do sistema de ensino. Como os povos indígenas irão competir com as

escolas dos não-índios se não cabe a eles deliberar sobre os recursos?

3.2 Vozes de resistência: análises e reflexões

A análise dos dados colhidos na pesquisa indica que existem vozes resistentes de

educadores indígenas que interpretam de forma reflexiva as políticas públicas e as

possibilidades de autonomia e do protagonismo indígena.

Destaco que a maioria dos entrevistados e depoentes definiu seu foco de

interesse de acordo com a sua vivência e com base nos argumentos que a sua

experiência lhes proporcionou.

Os temas destacados pelos educadores indígenas e reproduzidos nos discursos

são reiterados por eles também nas esferas do poder público. Neles o maior referencial é

a identidade étnica e o protagonismo indígena como base de sustentação para a

implementação das políticas públicas educacionais.

Os dados aqui apresentados reúnem falas, discursos e reflexões destes

educadores no seu percurso de inclusão no sistema oficial de ensino. O que ganha força

é a oralidade, que expressa a tensão entre a educação diferenciada e a escolarização

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formal, conforme ocorre no cotidiano. Esses conflitos, bem destacados por Norbert

Elias e Paulo Freire, nos remetem à reflexão sobre a inclusão e a exclusão, ao respeito

às diferenças culturais e aos esforços para entendermos a realidade dos “outros”.

De acordo com os dados coletados, apresento alguns eixos em que podem ser

reunidos e agrupados os depoimentos dos professores sobre as questões gerais da

educação escolar indígena.

Os depoimentos colhidos nas entrevistas foram agrupados por critérios que

reúnem as expectativas dos educadores e lideranças indígenas quanto aos ganhos

obtidos com a consolidação da educação escolar no Brasil.

No quadro a seguir uma amostragem percentual das ocorrências de respostas por

temáticas de interesses dos professores indígenas:

EIXOS TEMÁTICOS %

1. Conquista da educação diferenciada por meio da legislação 3%

2. Educação escolar como afirmação da identidade étnica 3%

3. Fortalecimento do movimento indígena 9%

4. Protagonismo indígena 32%

5. Interculturalidade 3%

6. Escola diferenciada valorizada na aldeia 3%

7. Universidade/Formação 12%

8. Autonomia/Liberdade 27%

9. Reconhecimento das escolas indígenas com qualidade 3%

10. Valorização da política indígena 6%

TOTAL 100%

Os dados foram coletados por meio de um questionário distribuído aos acadêmicos

do 3º grau indígena da UNEMAT, onde puderam responder sobre duas questões

referentes a educação escolar indígena. Apresentamos a seguir alguns dos registros mais

significativos de cada eixo temático.

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a) Conquista da educação diferenciada por meio da legislação

A constituição federal de l988, foi a maior conquista que

tivemos na educação escolar indígena e como espaço de participação

das lideranças indígenas, reconheceram a educação diferenciada dos

povos indígenas. (Professor Paresi – aldeia Rio Verde).

Tivemos mudanças na concepção da educação escolar

indígena, antes eram instrumento de negação, integração, e hoje tem

outro significado é instrumento de reafirmação da própria identidade,

revitalização dos valores culturais e dos saberes milenares. (Professor

Xavante - aldeia Abelhinha).

Nessa perspectiva, os educadores indígenas valorizam a educação específica e

diferenciada, incorporada como instrumento político e libertador, porém

incompreendida na sua intencionalidade pelo sistema de ensino que desconsidera as

especificidades locais.

Para os índios, não há pleno entendimento do que seja o “específico” e o

“diferenciado” e por isso ainda não foi consolidado institucionalmente. Alguns

depoimentos de professores e lideranças indígenas deram destaque às inovações

pedagógicas e às formas de ensino-aprendizagem que interagem com os interesses

comunitários. Esperam que a educação escolar responda às expectativas dos povos

indígenas em vários contextos da realidade vivenciada pelas comunidades, sem perder o

caráter da interculturalidade.

A responsabilidade do Estado de assumir as comunidades indígenas e suas

escolas e de viabilizar os projetos societários de cada povo, significa uma mudança

institucional de princípios e de planejamento estratégico. O Estado reconhece a

necessidade de criar um subsistema que congregue a educação escolar indígena.

Secchi ressalta, a exemplo de Ferreira (l992) “ (...) sobre o equívoco de se

estabelecer uma modalidade de educação escolar extensiva a todas as etnias, uma vez

que o seu processo instituinte é sabidamente “interpretado e remanejado” de forma

diferente pelas sociedades indígenas.” (SECCHI, 2002: 144).

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Por isso, não se trata apenas de implementar a escolarização restrita ao ato de ler

e de escrever, mas de viabilizar um novo quadro educacional convergente com a

estrutura legal e conceitual da educação escolar indígena.

b) A educação escolar como afirmação da identidade étnica

Temos um problema na nossa área, ainda não implantamos de

5ª à 8ª série, por causa das aldeias serem espalhadas, então as crianças

estão saindo para estudar na cidade, entram em contato com outra

cultura, e acabam sentindo vergonha de ser índio. Espero que a escola

diferenciada seja reconhecida, porque trabalhamos com a nossa

cultura. (Mirian Kazaizokairo – Aldeia Bacaval/Paresi).

A escola diferenciada é importante para nós indígenas, porque

podemos nos defender dos “brancos”, somos discriminados e

rejeitados e a formação nos fortalece para transmitir aos nossos

alunos o conhecimento adquirido. (Prof. Bartolomeu/Xavante –

Aldeia Sangradouro-MT).

Essas falas nos remetem mais uma vez ao processo de ensino-aprendizagem dos

alunos e a forma como os não-indígenas tratam os alunos indígenas. Expressam a

preocupação com o preconceito e a discriminação que os alunos sofrem na escola da

cidade e defendem que a educação pode contribuir para a reafirmação da identidade

étnica.

Norbert Elias (2000) destaca como os sentimentos de pertencimento e de

exclusão são tratados pelos “de dentro” e pelos “de fora”. Assim como em Winston

Parva,14 os índios recém-chegados às escolas das cidades, depois de algum tempo,

parecem aceitar, com uma espécie de resignação e perplexidade, o que sofrem em

muitos contextos as minorias: a discriminação. (ELIAS & SCOTSON, 2000: .20-21).

14 O autor de Os Estabelecidos e os Outsider, mostra a relação de poder de um grupo de pessoas, moradoras antigas da cidade de Winston Parva, que excluía e discriminava grupos que chegavam para residir na cidade. Trata-se de um estudo que retrata a luta pelo poder para garantir a superioridade de uns sobre os outros.

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O receio dos educadores indígenas em perceber que seus alunos são alvo de

discriminação e preconceito tem sido manifestado constantemente. Esta situação

repercute na atuação do professor indígena na aldeia que pode ser criticado pela

comunidade quando os alunos indígenas apresentam resultados negativos na avaliação

escolar.

Um dos argumentos que as administrações utilizam para justificar a não

implementação de todos os níveis da educação básica nas terras indígenas, é a extensão

territorial e a baixa concentração demográfica indígena. Para os índios, a escola tem

uma função social completamente diferenciada daquela defendida pelo estado e os

municípios. Algumas comunidades do entorno discriminam as escolas indígenas e as

escolas nas cidades também excluem as crianças indígenas, principalmente quando estas

não apresentam resultados positivos de aprendizagem. São tratados como inferiores,

pertencentes ao grupo dos “de fora”, portadores de costumes estranhos, etc. Negam suas

culturas e identidades étnicas.

Por isso, o índice de evasão nas escolas da cidade é tão alto e gera um

descontentamento das comunidades com o gestor público por não estenderem a

continuidade do ensino fundamental e ensino médio nas aldeias. Em alguns casos ocorre

uma verdadeira aversão dos professores e de alunos das cidades pela educação

diferenciada.

Apresentaremos a seguir um quadro que sintetiza a concentração dos estudantes

indígenas por grau de ensino e por região do Brasil.

QUADRO SÍNTESE DOS ALUNOS POR GRAU DE ENSINO E REGIÃO

Região 1ª Fase do Ensino

Fundamental

2ª Fase do Ensino

fundamental

Ensino Médio Total

Norte 1.353 522 344 2.219

Sul 86 952 1.456 2.494

Sudeste 570 453 104 1.127

Centro-Oeste 4.492 1.457 514 6.963

Nordeste 851 2.370 1.529 4.750

Total 7.352 5.754 3.947 17.553

Fonte: FUNAI-2003, In COSTA, 2004.

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A evasão e a repetência dos alunos índios na cidade ocorrem, na maioria dos

casos, devido às dificuldades de comunicação em sala de aula, ministrada por

professores não-índios, tanto nas comunidades indígenas como nas cidades. (COSTA,

2004: 13).

A situação acima nos revela uma das ocorrências justificadas por professores

não-índios no fracasso escolar de aluno indígena. O historiador Elias Januário buscou as

razões do fracasso num “sistema monoculturalista, avesso à diversidade, que não

reconhece no âmbito escolar a presença dos alunos étnico-culturalmente diferenciados,

que não contempla em sua prática educacional o saber de outros grupos, revelando

propostas curriculares de caráter hegemônico, em que os conhecimentos e os saberes

dos grupos sociais minoritários e diferenciados são ignorados”. (2004: 202).

O contexto de alunos indígenas na cidade é apresentado por Torres (2004) no

depoimento de um pai de aluno:

(...) Agora eles ficam aqui na cidade. Isso tinha que ter uma lei para

proibir esses bichos de ficar assim, no meio da gente. Proibir de ficar

na escola junto com os filhos da gente. Eu acho isso muito errado, do

jeito que esses bichos são traiçoeiros, não podia ficar assim, no meio

da gente, ainda mais na escola junto com os filhos da gente, ainda

mais de noite. Eu tenho muito medo desses bichos. Eu mesmo não

concordo desses bichos estudos com os meus filhos. Karajá é um

bicho traiçoeiro. Mas do jeito assim que eles têm proteção do governo,

não acontece nada com eles. Eles podem fazer uma coisa ruim com

um filho da gente que não acontece nada com eles. Pai de aluno –

São Félix do Araguaia. (TORRES, 2004: 119).

Este depoimento é um exemplo da situação dos alunos indígena estudantes nas

cidades próximas às aldeias. Percebe-se a intolerância, a estupidez humana em tratar o

outro como animal, desconsiderando que na sabedoria indígena, até os bichos são seres

que pertencem a natureza, fazem parte do convívio cultural dos povos indígenas, mostra

ainda, o desconhecimento e a ignorância da realidade sócio-cultural do povo Iny15 –

Karajá, habitantes tradicionais daquela região.

15 Termo de autodenominação do povo Karajá da região do Araguaia.

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Em outro contexto Resende (2003) mostra a percepção de um aluno indígena

sobre a escola não-indígena, e de um pai sobre o desempenho do aluno indígena.

Eu moro na pensão, é difícil porque moro sozinho, a vida na

cidade é praticamente muito difícil. Pra se relacionar com o branco,

pra arrumar um emprego né, é muito difícil, eu já tentei, eu acho que é

preconceito, aqui mesmo na escola, eles já diz, já diz que o indígena

não serve para nada, que não devia estar na escola, poderia estar lá

onde é o lugar deles. Eu acho que não conseguimos comunicar com os

brancos na conversa por causa da nossa timidez. (Mas entre vocês não

tem timidez, é com o branco?). (...) Acho que nossos compatriotas, os

alunos daqui, acho que eles não tiveram oportunidade de aprender

melhor o português, conversar, por isso que eles tem dificuldade de

conversar na sala de aula e fica com vergonha. (...). (Aluno indígena

Xavante, in RESENDE, 2003: 82).

Os alunos que reprovam, se eles moram na casa própria das

famílias dele ele pode voltar para a escola no ano seguinte, agora

pessoas que está morando no internato a FUNAI não permite mais,

mas ainda muitos voltam. Vai ficar só os que estão passando. Eu acho

que tem muitos estudantes que não chegaram a esse ponto para

estudarem na cidade e muitas vezes eles saem da escola, chega no

internato, joga o material e já saem fazendo outra coisa, ai só vê

material no horário que ele vai para escola, a gente achava que ele

tava estudando, quando chega no final as notas dele tá ruim, então eu

acho que tá a falta de uma incentivação, a falta de chamar a atenção,

você ta aqui é para estudar, não é pra você andar na rua, não é pra

você fazer as coisas que não é bom, porque você tá aqui é para

estudar, você tem que ver o futuro. (Pai de aluno indígena, in

RESENDE, 2003: 86).

Os depoimentos nos revelam a triste situação tanto do aluno e como do pai do

aluno diante de exclusão e discriminação. É justa a preocupação dos educadores e das

suas comunidades, quando se trata de alunos indígenas em situação de discriminação e

marginalização, por serem diferentes culturalmente.

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Outro aspecto também determinante do insucesso escolar dos alunos

culturalmente diferenciados reside, no fato de que em muitas ocasiões os conteúdos são

vazios, sem a compreensão do seu sentido. Ao mesmo tempo, se criou uma tradição na

qual os conteúdos são apresentados nos livros didáticos como os únicos possíveis,

únicos pensáveis. (SANTOMÉ, 1995: 161).

c) Fortalecimento do movimento indígena

A luta do movimento indígena contribuiu na Constituição de l988

para a conquista da educação diferenciada, e que sejamos autônomos

para trabalhar de acordo com a realidade da comunidade. (Professor

Mehinako – aldeia Kuikuro – Alto Xingu).

A criação da associação de professores agilizará mais a luta do

movimento indígena e a participação dos índios, no Conselho e na

SEDUC. (Cacique-professor Karajá – aldeia Fontoura).

Foi uma luta das lideranças, do movimento indígena que conseguimos

ter hoje uma educação escolar específica e diferenciada, para

fortalecer o aspecto cultural e organizacional do povo indígena.

(Professor Paresi – aldeia Seringal).

Continuando nesta análise, vemos que os educadores indígenas têm consciência

do seu papel social como agentes de transformação e, principalmente, do que se espera

da educação escolar indígena, mesmo com toda a dificuldade na sua implementação.

Valorizam a luta do movimento indígena, que apresenta resultados importantes neste

momento de transição, muito embora tenha encontrado dificuldades em sua

mobilização.

Marta Azevedo e Maria Helena Ortolan em seu artigo “Já existem 100

organizações”16 lembram-nos que “A partir dos anos 80, novos processos e formas

organizativas surgiram para fazer frente aos problemas concretos das comunidades e

povos indígenas (...)”. (1992: 7). Alguns anos depois, Grupioni identificou 293

16 Silva, Azevedo e Ortolan. In Porantim, CIMI, Brasília, dez/92: 7.

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organizações indígenas no Brasil, sendo que no Amazonas havia 77 organizações.

(GRUPIONI, l990: 5).

A luta por melhoria da qualidade do ensino tem sido a bandeira do movimento

de professores indígenas, que reivindicam um acompanhamento pedagógico

permanente, mas que nem sempre são atendidos pelas instituições responsáveis.

Vale salientar que o momento que vive o movimento indígena e a educação

escolar indígena em Mato Grosso é de reflexão quanto ao seu papel social e político. A

formação acadêmica dos educadores indígena tem sido o campo de discussão e análise

dessa atuação para as comunidades indígenas. Atualmente é grande a preocupação com

a formação com qualidade e com a autonomia do subsistema de educação escolar

indígena.

d) Protagonismo indígena

Estamos aprendendo a conduzir a educação diferenciada. Não

utilizamos os métodos da Secretaria, mas criamos os nossos próprios

métodos, para que nossos alunos sejam melhores do que nós.

(Professor Bakairi – aldeia Pakuera).

Queremos uma escola formadora de cidadãos, uma escola que atenda

as necessidades do povo, que contribua para a continuidade da nossa

cultura. Temos que executar é um direito, é uma conquista, e

futuramente a gente possa administrar as nossas próprias terras vamos

precisar nesse novo tempo dos avanços tecnológicos. (Professor

Bororo – aldeia Coroado – Santo Antonio do Leverger).

Queremos assumir toda a educação e participar ativamente das

discussões e decisões em relação ao nosso destino, e não deixar para

o governo decidir. (Professores acadêmicos – Barra dos Bugres).

Melhorar a situação das nossas crianças, e nós mesmos assumirmos a

administração, a diretoria e secretaria (...). (Professor Tapirapé –

Urubu Branco).

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Nos seminários, reuniões e encontros acadêmicos, o educador indígena tem

manifestado o cumprimento da Convenção l69/2004, ratificada pelo governo Lula,

principalmente quanto a participação efetiva dos indígenas em todas as etapas de

desenvolvimento de uma política pública e nas decisões governamentais e

institucionais. Não querem ser meros espectadores, mas protagonistas.

Segundo Secchi (2004), ao tratar do protagonismo indígena em contextos de

relações interculturais, tem-se em foco uma dupla dimensão: a de ocupar os espaços e a

de definir os papéis que configuram a teia dessas relações. A primeira dimensão diz

respeito às estratégias a serem adotadas para viabilizar a presença e a participação

indígena em todas as etapas de realização de um determinado evento. A segunda, trata

do exercício qualificado do diálogo e do desempenho concreto das atribuições e

representações estabelecidas nas relações interculturais. Trata, portanto, da capacidade

(ou incapacidade) das sociedades indígenas exercerem o controle sobre os elementos

culturais externos, incorporados ao seu cotidiano, em decorrência do convívio cultural.

(SECCHI, 2004:2)

Nas palavras de Amarante (l994), “É preciso atribuir ao indígena o

protagonismo intelectual da luta! Uma luta que se trava sob todos os aspectos: na saúde,

no campo da ética e da ecologia e na educação muito prioritariamente”. (AMARANTE,

l994: 11).

e) Interculturalidade

Temos que ter a visão dos dois lados: indígena e não-indígena, e a

educação que levamos a comunidade tem que ser respeitada pelas

Secretarias. (Professor Bakairi– aldeia Pakuera).

Adquirir novos conhecimentos e repassando a comunidade e aos

alunos para que no futuro, eles possam se defender e lutar pelo povo

indígena são a nossa meta. (Professor Irantxe – aldeia Kaititu).

No enfoque dos educadores indígenas, a interculturalidade é necessária para que

se possa construir instrumentos de defesa, assim como estabelecer diálogo e

convivência com a sociedade nacional. E é nessa perspectiva que a educação escolar

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vem sendo construída, pensada e planejada pelos povos indígenas, especialmente em

Mato Grosso.

A interculturalidade como princípio epistemológico requer o diálogo

entre culturas, como pressuposto da prática pedagógica. Diálogo

implica em comunicação, supõe que os interlocutores compartilham

uma província comum de significação, configurando um contexto

semiótico intercultural (BANDEIRA, l997: 45).

No campo da formação intercultural percebemos que vem crescendo a inserção

da interculturalidade no cotidiano pedagógico dos educadores indígenas. Nesse sentido,

Grupioni comenta os dados do Censo Escolar Indígena, realizado em l999, que nos

mostra esta realidade pedagógica, “Os resultados indicam que mais da metade das

escolas indígenas do país, 54% do total, utilizam aspectos da cultura indígena no

cotidiano escolar, havendo diferenças significativas entre as regiões geográficas”.

(GRUPIONI, 2002: 92).

Conforme o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas deve-se

valorizar no contexto da educação escolar indígena uma educação escolar intercultural,

comunitária específica e diferenciada, que “deve promover uma situação de

comunicação entre experiências sócioculturais, lingüísticas e históricas diferentes, não

considerando uma cultura superior a outra (...)”. (RCNEI, 1998: 24).

f) Escola diferenciada valorizada na aldeia

Estamos estudando para implantar a escola diferenciada e

melhorar o seu funcionamento valorizando a educação específica e

diferenciada na comunidade. (Professor Karajá – aldeia Santa Izabel).

A educação diferenciada teve muitos avanços dentro do

contexto da comunidade na valorização dos conhecimentos

tradicionais e da cultura indígena. (Professora Paresi – aldeia Salto da

Mulher).

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Os educadores indígenas vêm lutando com suas comunidades pela concretização

dos seus anseios e demandas junto às instâncias públicas municipais e estaduais e seus

depoimentos manifestam a preocupação com os alunos fora do contexto da aldeia e os

problemas enfrentados por esses.

Segundo Secchi (2002:101) a “escola concebida sob esta perspectiva nem

sempre se restringe ao âmbito de uma única aldeia ou etnia. Como ferramenta coletiva,

é uma arena de debates e formulações de interesse geral, em especial, de assuntos de

cunho político, fundiário e ambiental de todas as sociedades indígenas”.

Outra evidência é que a saída para a cidade dos alunos na faixa etária de 10 anos

a l6 anos promove o seu distanciamento da relação familiar, do convívio coletivo e das

expressões culturais com as festividades e atividades rituais.

Nas vezes em que as secretarias se fazem presentes nas aldeias para alguma

forma de acompanhamento pedagógico ou outra ação fiscalizadora, dependendo da

situação encontrada, tecem severas críticas aos professores indígenas, até mesmo

ameaçando-os com a perda de seus cargos. A falta de compreensão acerca do contexto

indígena resulta em julgamentos e em mal-entendidos.

No fundo, porém, todas são lutas para modificar o equilíbrio de poder

e como tal, podem ir desde os cabos de guerra silenciosos que se

ocultam sob a cooperação rotineira entre os dois grupos, num contexto

de desigualdades instituídas, até as lutas francas pela mudança do

quadro institucional que encarna essas diferenças de poder e as

desigualdades que lhes são concomitantes. (ELIAS & SCOTSON,

2000: 37).

No Brasil há o entendimento da luta dos povos indígenas pelo reconhecimento

da educação escolar indígena, sem discriminação e preconceito, valorizada e respeitada

pelo poder público.

g) Universidade e formação

Espero para o meu povo a melhoria na educação escolar

indígena, para que na frente os nossos filhos aprendam o que estamos

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aprendemos na formação do 3º Grau Indígena, e que possamos dar

continuidade nesta formação acadêmica. (Professora Bakairi - aldeia

Santana).

Que a formação específica na universidade possa contribuir no

ensino do professor indígena na aldeia, na língua, nos conteúdos e na

metodologia da educação específica e diferenciada. (Professor

Xavante – aldeia Namunkurá).

Temos que dar retorno para a comunidade da nossa formação.

Eles esperam isso de nós na universidade. (Professor Umutina – Barra

dos Bugres).

Os educadores indígenas têm valorizado o aspecto da formação acadêmica e sua

importância na formação política, bem como o retorno para as comunidades indígenas,

como profissionais e assessores dos projetos societários. O pensar sobre a formação

acadêmica se enquadra na perspectiva de que venha a atuar junto a sua comunidade, não

apenas com interesse individual, mas principalmente coletivo, visando aos benefícios

que as comunidades terão com essa formação. Os sonhos se ampliam para a

continuidade dessa formação na pós-graduação tendo a mesma finalidade do caráter

específico e diferenciado.

Ao tomar a categoria de intelectual seriamente, os estudantes,

professores acadêmicos e outros teriam que investigar e se

conscientizar plenamente de seu papel ativo na mediação entre a

sociedade dominante e a vida cotidiana. (GIROUX, 1997: 172).

Como se tratam de experiências inéditas no ensino superior, os acadêmicos têm

buscado compreender o funcionamento da instituição de ensino, com o intuito de se

apropriar dos mecanismos que condicionam o mundo científico. Assim como de

articular os saberes tradicionais com o seu desenvolvimento intelectual a serviço da sua

comunidade, principalmente na mediação da relação com a sociedade envolvente. Nos

cursos da UNEMAT criou-se espaços de controle social, por meio do colegiado

acadêmico, com a participação indígena, o que tem possibilitado novas conquistas no

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campo do protagonismo, pois os melhores entre os que desempenham sua função

representativa têm tido destaque frente aos demais acadêmicos.

Nesse sentido, a experiência acadêmica tem proporcionado não apenas o sonho

de exercer a docência numa instituição de ensino superior, mas principalmente a idéia

de se criar, num futuro bem próximo, uma universidade intercultural.

h) Autonomia e liberdade

Trabalho seis anos como professor. Quem mandava e desmandava

na escola eram os missionários, éramos dependentes deles, proibidos

de falar na língua. A educação estava com eles no internato. Não se

podia errar, se não apanhávamos, nós sofríamos muito com a

educação. A escola diferenciada traz a liberdade de ensinar a sua

própria cultura, a pesquisa, o trabalho e a liberdade de ensinar a sua

realidade, através da história, da cultura e ter a colaboração da própria

comunidade, mesmo quando não se tem merenda a comunidade

contribui com a escola. (Professor Matias Tsivaaibata, aldeia

Primavera – Rikbaktsa).

Quando a missão jesuítica atuava na aldeia, não tínhamos acesso a

nada, eles impunham as suas regras, depois da constituição de l988,

vimos que estar preso entre quatro paredes era um desagrado a cultura

indígena, nos mobilizamos para buscar nossa autonomia, ensinando

as crianças a interpretar as leis e defender a nossa terra. (Professor

Rikbaktsa – aldeia Barranco Vermelho).

Nossos parentes às vezes acreditam que a educação diferenciada é

fraca e de má qualidade, que temos que acompanhar as regras do

“branco” e da secretaria, e brigamos para garantir os nossos

currículos específicos e diferenciados, porque no futuro nós mesmos

assumiremos a responsabilidade. (Professor Rikbaktsa – aldeia

Primavera).

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Estamos batalhando muito pela autonomia, em cima da realidade

do nosso povo para que a nossa cultura e identidade caminhem juntas.

(Professor Karajá – São Félix do Araguaia).

Nesses depoimentos os professores expressam a herança de uma educação

escolar de internato missionário jesuíta na década de 70. Ainda guardam na sua

memória lembranças de um passado educacional que oprimiu o seu povo. Agora

procuram no seu cotidiano, como docente a liberdade de poder reverter a situação desta

educação imposta nas aldeias. Existe o receio de que esse modelo de educação alienante

possa regressar.

Fica evidente nas falas destes educadores que a busca por autonomia e

independência são metas a serem alcançadas, e que a educação escolar possibilita a

construção de um futuro melhor.

Fazendo-se e refazendo-se no processo da história, como sujeitos e

objetos, como mulheres e homens, querem a inserção no mundo e não

a pura adaptação ao mundo. Terminam por ter no sonho também um

motor da história. Não há mudança sem sonho como não há sonho

sem esperança. (FREIRE, l992: 91).

A busca por autonomia e valorização da identidade étnica tem sido o tema dos

discursos e reivindicação dos educadores e lideranças indígenas no processo

educacional.

Segundo GIROUX, “a categoria de intelectuais transformadores conduzem os

professores a empregarem um discurso calcado na autocrítica e nos fundamentos da

“pedagogia radical”, procurando como princípio educativo a ação que torne o

“pedagógico mais político e o político mais pedagógico”. Só assim pode-se alcançar

uma escola com seriedade a possibilidade de dar aos estudantes “voz ativa em suas

experiências de aprendizagem”. (1992:. 31-31 apud JANUÁRIO, 2002: 276),

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i) Reconhecimento das escolas indígenas com qualidade

Quero falar da qualidade que devemos ter na educação básica,

ensino fundamental e médio, e até no ensino superior, porque as

comunidades questionam a atuação dos professores, que não dão

conta de transmitir os conhecimentos dentro de sua comunidade.

Querem tirar seus filhos e mandar para cidade. Medem os

conhecimentos do professor indígena em relação ao não-indígena.

Temos que ficar atentos na qualidade do ensino que implantamos

dentro das aldeias. (Professor Umutina – aldeia Umutina).

Estamos enjoados de trabalhar dentro de um sistema quadrado,

porque prepara o aluno para reproduzir e armazenar conhecimentos, e

não educa, enquanto a educação diferenciada possibilita, incentiva a

capacidade dos alunos criarem a sua própria experiência, não está

centralizada na pessoa a educação, mas sim num compromisso

coletivo. (Professor Xavante - aldeia Abelhinha).

O reconhecimento do papel da escola pelas comunidades tem sido um dilema

para os educadores indígenas, pois as exigências direcionadas à escola, como instituição

que terá de responder as diferentes demandas comunitárias, são também dirigidas ao

desempenho dos professores educadores. Por isso, há uma expectativa no desempenho

deles nos resultados positivos ou negativos dos seus alunos fora do contexto escolar. O

seu desempenho não está centrado apenas na sala de aula, mas principalmente no

envolvimento com os compromissos coletivos. Nisso, o educador assume desafios de

dar conta das tarefas comunitárias que lhes são solicitadas como também da

aprendizagem dos seus alunos. O reconhecimento e a qualidade dependem desta

conjuntura política, social e cultural que muitas vezes é incompreendida pelos

administradores da educação.

j) Valorização da política indígena

Tenho percebido a diferença da política indigenista e a política

indígena e verificamos a desvalorização da política indígena.

Precisamos reverter essa situação (...) temos que refletir sobre essa

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questão e que prevaleça os nossos interesses na política indigenista.

(Professor Bakairi – aldeia Pakuera).

A política brasileira está atrasada em relação a política

educacional das escolas indígenas. Não temos na prática e dentro da

realidade indígena a educação diferenciada. Falta ainda a vontade

política dos governantes. (Professor Xavante – aldeia Abelhinha).

As autoridades estão acostumadas a fazer projetos para nós

indígenas, sem discutir com a comunidade. Nós temos o direito de

rejeitar e exigir a nossa participação. (Professor Mehinaku - Xingu).

Nem sempre as relações entre as instituições do poder público são de harmonia.

Em algumas reuniões presenciadas pela equipe de educação escolar indígena os gestores

públicos questionam a sua especificidade e a forma como os professores atuam nas

escolas. A interferência se dá quando os gestores públicos impõem políticas que

contrariam a realidade sócio-cultural dos povos indígenas, e desconsideram as

experiências e iniciativas das comunidades.

A política indígena é desconhecida pelo gestor, principalmente nas escolas

municipais. Impera ainda o preconceito, e o desconhecimento do que trata das políticas

internas das sociedades indígenas. As secretarias ignoram este aspecto e cometem

ingerências que, muitas vezes, prejudicam a comunidade indígena.

Há descontentamentos por parte das comunidades pela ignorância e desinteresse

em compreender a política indigenista e indígena. Há uma preocupação também em

relação à desvalorização da política indígena, que vem perdendo espaço para políticas

indigenistas formuladas em gabinetes governamentais ou pelos “ditos entendidos de

índios”, que nem sempre estão em conformidade com a realidade indígena.

3.3 Entre o sistema oficial e o imaginado

Neste tópico veremos como os professores indígenas e lideranças instituem, em

seu imaginário, o sistema oficial de ensino.

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Em um dos questionários distribuídos aos professores indígenas foi perguntado

sobre a sua visão em relação ao Estado brasileiro no atendimento da educação escolar

indígena. Nesse tópico abordaremos o aspecto educacional tendo com amostra alguns

indicadores da situação educacional em Mato Grosso.

De acordo com o Censo Escolar de 2003/2004, seriam 170 escolas indígenas,

480 professores indígenas, conforme os percentuais mostrados nos quadros abaixo.

No que se refere aos professores indígenas, esses representam 95% do total de

professores que lecionam nas escolas.

- 40% têm o ensino fundamental incompleto.

- 30% têm apenas o ensino fundamental completo.

- 9% têm o ensino médio completo.

- 20% têm o ensino médio com magistério completo.

- 1,0% tem o ensino superior completo.

30%

20%1%

9%

40%

Fonte: SEDUC-MT/ 2004

Os estudantes indígenas atingem o número de 9.800, assim distribuídos:

- 86% estão cursando o ensino fundamental.

- 5% estão na educação infantil.

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- 8% estudam em classes de educação de jovens e adultos.

- 1% está no ensino médio.

5%

1%8%

86%

Fonte: SEDUC-MT/2004

De todos os alunos que estão no ensino fundamental, 86% estão cursando de 1ª a

4ª série, sendo que destes 50% estão na 1ª série.

Este quadro revela que há um crescimento da população estudantil indígena nas

escolas das aldeias, provavelmente bem maior do que nas escolas dos centros urbanos.

Significa também o aumento de professores e mais escolas para serem construídas pelo

governo, ampliando assim o investimento oficial. Além disso, revela que as escolas

indígenas não estão estruturadas de modo a facilitar a progressão dos alunos.

A ampliação e a manutenção dos sistemas de ensino são temas bastante

complexos, discutidos por diferentes teóricos da educação. Para melhor compreender

esse processo é necessário entendermos como o Estado Brasileiro instituiu os sistemas

de ensino. São vários os ingredientes que compõem essa arquitetura. Vão desde o

gerenciamento da educação, do seu aspecto pedagógico, passa pelos conteúdos, pelos

métodos de ensino-aprendizagem e pelo conjunto das relações hierárquicas instituídas

para o funcionamento das escolas.

Gadotti (1994) ressalta que:

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A questão essencial da escola hoje se refere à sua qualidade. E a

qualidade está diretamente relacionada com os pequenos projetos das

próprias escolas que são muito mais eficazes na conquista dessa

qualidade do que grandes projetos, mas anônimos, distantes do dia-a-

a-dia das escolas. (GADOTTI, 1994: 69).

A nova LDB estabeleceu uma mudança na escola pública no que trata da

relação do órgão gestor com a comunidade escolar. No entanto, ainda percebem-se

resistências dos órgãos em admitir a gestão democrática do sistema.

Uma política democrática de educação é uma reivindicação antiga dos

educadores brasileiros. Durante o período autoritário (l964-l985) o tema da participação

e da democratização da gestão da educação tomou boa parte das discussões e dos

debates pedagógicos, tanto no setor público quanto no setor privado. (GADOTTI, l992).

Para ele, a educação brasileira passou por vários processos de discussão e debates em

nível regional para que a política e a democracia fossem a base para uma educação

pública de qualidade a todos os cidadãos e em todas as redes de ensino. Muitos

municípios, porém, ainda não adotaram a gestão democrática em suas escolas.

No caso das escolas indígenas, o atendimento é compartilhado com os

municípios, e esses raramente mantêm uma relação de parceria institucional, nem

tampouco adotaram a gestão democrática. De um lado temos as diretrizes e as metas a

serem cumpridas; de outro, diversas iniciativas que impõem regras próprias, ou seja,

que operam indistintamente na rede escolar tendo como foco a escola regular.

Entretanto, a escola indígena deveria ser operada segundo a lógica sócio-cultural e

lingüístico de cada povo e a sua função social seria também atender aos seus projetos

societários. Portanto, temos dois sistemas se intercruzando nas escolas indígenas: um, o

sistema oficial (com as regras e normas da sociedade ocidental) e outro, o sistema

educativo tradicional. Ambos têm bases legais, tanto o institucional quanto o

tradicional. É necessária uma articulação entre eles.

A escola indígena tem de ser parte do sistema de educação de cada

povo, o qual assegura e fortalece a tradição indígena. A partir daí

teremos elementos suficientes para uma relação positiva com outras

sociedades. (Jucineide Maria Simplício Freire, professora Xucuru, PE

in RCNEI/l998: 58).

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Certamente existem regras institucionais, positivas, que não

contradizem as tradicionais, mas também delas não decorrem. Foram

estabelecidas sem que possamos dizer por que foram preferidas a outras

igualmente compatíveis com o sistema. (CASTORIADIS, l975:

150).

Ocorre que, na prática, o sistema educativo tradicional é desconsiderado pelo

sistema oficial de ensino, e vêm sendo absorvido com seus mecanismos de controle que

enquadram a escola e seus professores indígenas num mesmo regime normativo da

escola pública, desconsiderando os contextos sócio-culturais.

Grupioni (2003:117) ressalta que “o desafio posto neste momento é como tornar

realidade os avanços inscritos no plano jurídico, de modo que a escola em áreas

indígenas, historicamente utilizada como meio de dominação, seja um instrumento de

autodeterminação, que respeite as tradições e os modos de ser indígenas e esteja a

serviço dos diferentes projetos de futuro desses povos”.

Nos trechos abaixo apresentaremos algumas das expressões indígenas colhidas

no questionário aplicado sobre o entendimento do Estado Brasileiro em relação à escola

indígena e como gostaria que fosse a sua escola.

Nesse conjunto de respostas pode-se observar como os professores e lideranças

indígenas compreendem essa relação institucional da educação escolar.

QUESTÃO: Na sua opinião, como o Estado Brasileiro vê a educação escolar

indígena?

1. “Ainda não reconhece a importância da escola indígena, apesar de estar assegurada

na Constituição”. Cinta Larga – RO- MT).

2. “Pensa que a escola indígena é sem caráter e que os professores recebem salário sem

trabalhar”. (Zoró-MT).

3. “Desconhecida, desqualificada, porque as autoridades desconhecem também o modo

de vida dos povos”. (Paresi-MT).

4. “Ainda não entende a realidade indígena, porque não respeitam as leis que o fizeram,

ainda não acontece a participação no processo”. (Paresi-MT).

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5. “A visão do Estado Brasileiro é diferente da nossa, pois a escola fez com que os

índios deixassem de ser índios, atualmente a escola indígena tem sido importante para

reafirmar a identidade e fazendo nós refletirmos”. (Xavante-MT).

6. “Reconhecer a escola indígena, entender a sua situação e as Secretarias não

acompanham a realidade do povo indígena”. (Bakairi-MT).

7. “Entende a nossa escola indígena como uma educação genérica, que acompanha o

movimento da escola pública, (...) não sabem que os índios são multiétnico”. (Tapirapé-

MT).

8. “Infelizmente a visão do Estado é conservadora, idealizadora, com o propósito de

invasão e dominação dos povos”. (Pataxó Hã Hã Hãe/BA).

9. “Sofremos com a atuação das secretarias que não estão cumprindo com o seu dever,

pois não atendem os reais interesses e necessidades dos povos indígenas”. (Terena -

MT/MS).

10. “Ainda como escola integracionista desconhece a realidade cultural e não atende a

escola indígena”. (Munduruku -MT).

11. “Ainda não entende como conquista dos povos indígenas. Não temos autonomia

somos desvalorizados, apesar da formação que temos nos programas do governo de

Mato Grosso”. (Kayabi -MT).

QUESTÃO: Como você gostaria que fosse a sua escola?

1. “Valorizada na sociedade envolvente e trabalhada conforme as tradições do nosso

povo” (Cinta Larga – RO/MT).

2. “Que seja valorizada como escola indígena, e respeitada conforme a cultura do meu

povo”. (Zoró-MT).

3. “Que tivesse a identidade do meu povo, que atendesse as necessidades e o bem estar

da comunidade, e infraestrutura específica e diferenciada e autonomia da gestão

escolar” (Paresi-MT).

4. “Respeitassem as leis, e dessem autonomia na gestão e decisão das nossas escolas”.

(Paresi-MT).

5. “Discordante das propostas do governo, porque pode nos levar à desorganização da

nossa sociedade, introduzindo o individualismo na aldeia”. (Xavante-MT).

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6. “Mais valorizada como escola indígena com apoio de infra-estrutura pedagógica e

didática”. (Bakairi-MT).

7. “Que seja reconhecida pelos órgãos de governo como uma educação alternativa,

gerenciada pelos índios” (Tapirapé-MT).

8. “Cumprir a legislação educacional e com a direção dos próprios índios”.(Pataxó Hã

Hã Hãe/BA).

9. “Tivesse autonomia, gerenciada e planejada pelos próprios índios com o

fortalecimento da identidade étnica”.(Terena -MT/MS).

10. “Que atendesse a realidade do meu povo e tivesse infra-estrutura física, pedagógica

e didática”.(Munduruku -MT).

11. “Totalmente indígena integrada com a questão da saúde, do meio ambiente, etc., e

valorizada o trabalho do professor” (Kayabi -MT).

Nesses depoimentos pode-se perceber as várias opiniões em relação à “escola

indígena” idealizada, e como o Estado Brasileiro é desconhecedor da educação escolar

indígena. Para os índios, o Estado tem que dialogar com as comunidades antes de tomar

decisões pertinentes à educação escolar, respeitar a legislação e assegurar o

protagonismo indígena.

Os índios têm clareza sobre o que querem da escola e da educação escolar, e

sabem que o Estado Brasileiro historicamente atuou contrariamente aos seus interesses.

Portanto, há um distanciamento entre o sistema oficial de ensino e a realidade indígena.

Castoriadis (1975: 150) afirma que “o caso mais impressionante e o mais

significativo é aquele em que a racionalidade do sistema institucional é por assim dizer

“indiferente” quanto à sua funcionalidade, o que não impede de ter conseqüências

reais.”

No caso das escolas indígenas, há uma evidente despreocupação do Estado

principalmente em cumprir a legislação, atender as diferentes realidades e valorizasse a

escola indígena de acordo com a realidade de cada povo. Por outro lado, o

gerenciamento da instituição escolar ainda não está nas mãos dos gestores indígenas.

Esses relatos expressam as estratégias e mecanismos que os professores

indígenas utilizam para contrapor regras do sistema que são descumpridas pelo poder

público. Expressões como “não atende às reais necessidades dos povos”, “as escolas não

têm autonomia” são críticas que representam a contrariedade dos professores nas

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relações interculturais. No imaginário dos representantes indígenas, o “sistema” aparece

completamente inverso ao que seria o seu papel real. Ao invés de dar conta da questão

social nas aldeias, não só da escola, mas de todo o universo sociocultural, o Estado

aparece como uma instituição com intenções ambíguas e contraditórias.

Nesse sentido, os professores indígenas, percebem que o Estado e seus sistemas

estão desconectados do tema da diversidade étnica. Segundo eles, as políticas são

padronizantes e descontextualizadas da realidade concreta. O desconhecimento e a

desinformação predominam nas políticas públicas e, muitas vezes, elas são elaboradas

de forma globalizante e para uma implantação unificada. O que está claro nos

depoimentos dos representantes indígenas é a necessidade de reverter esse processo,

garantindo o protagonismo indígena a partir do diálogo com as instituições do Estado.

3.4 O Movimento indígena como baluarte do protagonismo indígena

A participação indígena na trajetória das discussões sobre a educação escolar

indígena específica e diferenciada vem sendo construída conforme relatado

anteriormente. Há dificuldades para os professores desenvolverem uma educação

escolar que atenda aos seus interesses e especificidades e que resolva os problemas das

comunidades.

A primeira iniciativa de organização foi a luta pela demarcação das terras e pela

melhoria das condições de vida. Houve manifestações de descontentamento pela

política indigenista. A educação escolar foi pauta do movimento indígena em geral.

Em Mato Grosso, esse processo teve início no ano de l974, na cidade de

Diamantino, quando foi realizada a primeira Assembléia Indígena. As reivindicações

foram para a melhoria da educação escolar e o fortalecimento da identidade indígena.

Outro assunto foi a demarcação das terras, pois naquela época os povos estavam

convivendo com vários conflitos territoriais.

Em várias partes do país o movimento indígena começou a se manifestar

reivindicando seus direitos, assim como buscando respostas aos problemas vividos pelas

comunidades. Em relação à educação, os professores passaram a lutar também por

melhorias na educação escolar, com perspectiva da autonomia.

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O movimento foi estratégico na nova caminhada visando ao rompimento da

política de integração proposto pelo estado. As reivindicações apontam para a inclusão

não apenas da escola indígena, mas melhorias também em outras áreas, como na saúde,

na subsistência alimentar e na demarcação das terras.

Os enfrentamentos na década de l980 com a Funai causaram impactos pela

primeira vez na sociedade cuiabana, quando foi divulgado o descontentamento dos

povos indígenas de Mato Grosso. Naquele contexto de reivindicações, a mobilização

indígena contribuiu para a visibilidade dos povos indígenas no estado no período em

que o movimento indígena nacional estava em evidência, denunciando o descaso do

Estado, e luta pela demarcação das terras, pela revisão do Estatuto do Índio e contra a

política de emancipação.

Eram mobilizações organizadas com objetivos comuns, para promover o

intercâmbio de experiências e aprofundar as temáticas mais relevantes e contavam com

a participação das organizações e das representações indígenas.

Mas afinal, o que é o movimento indígena no estado de Mato Grosso?

Para Warren (apud Diani, 1992: 26), “Um movimento social é uma rede de

interações informais entre uma pluralidade de indivíduos, grupos e/ou organizações,

engajados num conflito político ou cultural, com base numa identidade coletiva

comum”.

De fato o movimento dos povos indígenas tem sido uma fonte de informações,

discussões e engajamentos para que se busquem resultados para as demandas dos povos

indígenas, não apenas na educação, mas a serviço de outras necessidades emergenciais e

principalmente a formação política de seus militantes.

Nesse sentido, o movimento da educação escolar indígena tem respondido a

algumas demandas pontuais, quando bem articuladas com aliados competentes, que

contribuem com o movimento indígena em geral.

O movimento indígena de Mato Grosso tem sido bem diferenciado dos demais

movimento no país, apesar de fatores problemáticos como a ausência de uma

organização representativa no estado; o número de indígenas na cidade envolvidos com

a causa nas aldeias; o enfraquecimento financeiro das entidades; o seu cunho imediatista

que dificulta uma maior articulação. Porém os participantes têm uma identidade

comum: atuações igualitárias na defesa dos interesses comunitários.

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Mesmo assim, considero que o movimento se articula de acordo com as

necessidades e especificidades locais, como, por exemplo, na educação escolar. A

mobilização para exigir a participação nos debates e processos de formulação de

políticas públicas só foi possível graças às diferentes alianças com os “especialistas da

educação escolar” e outros parceiros institucionais.

Na década de l980, na primeira gestão do governo de Carlos Bezerra, o

programa de governo intitulava-se “A era da participação popular”. Sob esse lema, o

então candidato fez uma visita à aldeia Pakuera, do povo Bakairi, juntamente com o

deputado Wilian Dias, e assumiu o compromisso “De que, no governo de Carlos

Bezerra, os assuntos indígenas mereceriam uma Coordenadoria para Assuntos

Indígenas”. Após as eleições, as lideranças indígenas Bakairi foram procurá-lo na

Assembléia Legislativa para cobrar o compromisso da criação da Coordenadoria de

Assuntos Indígenas. Para tanto, houve uma grande mobilização dos povos, reunindo as

lideranças do estado.

Um jornal local divulgou uma notícia com o seguinte teor:

A questão indígena em discussão: lideranças se reúnem em

Cuiabá. Inicia-se hoje o Encontro de Lideranças de Mato Grosso

promovido pelo PMDB, sob a coordenação do Deputado Wilian Dias,

com o objetivo de debater com seriedade a questão indígena do

estado. Serão três dias de debate, no plenarinho da Assembléia

Legislativa, que contará com a presença de comunidades indígenas,

como: Bororo, Apiacá, Paresi, Nambikuara, Irantxe, Umutina,

Mamaindê, Kintaulu, Cinta Larga, Bakairi e Xavante.17

O movimento reivindicava atenção do governo estadual para a questão indígena

e melhoria das condições de vida dos povos. A finalidade dessa mobilização foi a

participação dos povos através de um canal direto com o governo. O governo

possibilitou essa aproximação quando foi realizado o I Encontro de Lideranças

Indígenas de Mato Grosso, com o apoio da Assembléia Legislativa. O movimento saiu

das aldeias, cobrou as promessas de campanha e partiu para apresentar propostas

concretas de políticas. A CAIEMT foi criada com a nomeação do primeiro índio para

17Jornal Diário de Cuiabá, 05 de março l987.

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coordená-la, depois outro índio foi nomeado, no entanto não conseguiram implementar

as políticas reivindicadas.

Outros encontros foram realizados pelo movimento indígena, com o apoio das

instituições indigenistas.

Esses encontros e conferências foram organizados pelos índios envolvidos com a

causa e apoiado por entidades públicas e indigenistas. Caracterizaram-se pela

manifestação de força, de ação coletiva apesar de todas as dificuldades para realização

da mobilização, mas que foram determinantes também para o surgimento do movimento

de professores indígenas. Anteriormente, a convocatória da mobilização para os

encontros, reuniões, seminários e para a programação da “Semana do Índio” ficava a

cargo das entidades indigenistas, mas depois da Constituinte, passou gradativamente a

ser realizado pelos próprios índios, com o assessoramento dessas entidades.

Em l994, a questão indígena voltou a ser destaque, quando o então candidato ao

governo do estado Dante de Oliveira da Frente Cidadania e Desenvolvimento18

convocou os movimentos sociais a participarem do seu Plano de Metas. O movimento

indígena apresentou uma proposta de políticas na educação, saúde, demarcação de

terras, meio ambiente e sustentabilidade econômica para as populações indígenas no

estado. Após a sua eleição houve uma aproximação com o governo para desencadear

ações no campo educacional. Uma das reivindicações foi a formação e habilitação de

professores indígenas. Os professores estavam cansados de fazer cursos de capacitação

que não lhes davam legitimidade profissional. Quando contratados pelos municípios

eram enquadrados apenas como auxiliares. O governo se mostrou sensível em atender

primeiramente as reivindicações nos campos da educação e na saúde.

O processo vivenciado pelo movimento indígena em Mato Grosso tem fornecido

instrumentos de estudos para alguns pesquisadores de universidades e para os próprios

índios que participaram de cursos de formação, desde o Projeto Tucum até o 3º Grau

Indígena. É nesse contexto que foi criada a Organização de Professores Indígena de

Mato Grosso, tendo como um dos objetivos coletivos a formação política de seus

membros.

Esse tem sido o desafio do movimento indígena e dos professores: assegurar a

participação indígena e criar estratégias de diálogo e de luta, promovendo as discussões

18 Frente partidária composta pelos partidos PDT, PMDB, PSDB, PC do B, PT, PV, PSC, PMN e PPS.

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nas aldeias, para não enfraquecer a sua eficácia. Apesar do movimento indígena de

Mato Grosso se diferenciar dos demais movimentos indígenas do país por ter interesses

comuns, ele tem estratégias de mobilização, quando necessário, que permite aproveitar

determinadas oportunidades, assim como da comunhão dos mesmos interesses nas

ações coletivas. A relação entre o Conselho de Educação Escolar Indígena e seus

representantes tem permitido que os encaminhamentos, discussões, informações

cheguem às comunidades indígenas.

A fala do Presidente da Organização dos Professores Indígenas de Mato Grosso

revela a importância que o colegiado teve na criação da referida organização indígena:

O CEI-MT teve uma contribuição muito grande na criação da

OPRIMT, até porque as discussões de criação de uma organização de

professores tiveram inicio e se propagaram dentro do Conselho, por

meio de seus membros. Dessa forma, a luta do CEI-MT também é

nossa luta, também é nossa causa. (Roni Azoinaecê - Paresi).19

Finalizando, o desafio dos representantes indígenas está na forma de ocupar os

espaços para ampliar o movimento em Mato Grosso. É preciso superar inúmeras

dificuldades na implementação das políticas e assegurar participação indígena efetiva no

processo. Ou, nas palavras de Iara Bonfim: “o movimento indígena nasce como espaço

de rearticulação da resistência para fortalecer o poder de reação”.

O professor Prof. Korotowi Taffarel diretor da escola central Pavuru, no Xingu,

reforça assim esse argumento:

Depois que tivemos a participação das lideranças indígenas nos

movimentos indígenas começou a melhorar a escola indígena

principalmente aqui no Mato Grosso. Que teve um papel muito

importante para os professores indígenas tanto em questão social e, eu

acho que nossa turma daqui e índios daqui têm consciência de que

nós temos que resolver nossos problemas, né!

19 Entrevista publicada nos Cadernos de Educação Escolar Indígena. nº 1 – 2004. UNEMAT.

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Vale salientar que em Mato Grosso as a estruturação da Organização dos

Professores Indígena - OPRINT foi importante para reorganizar o movimento, dar

sustentabilidade à política indígena e fortalecer a luta pelas bandeiras comuns.

A organização foi criada também no sentido de dar autonomia intelectual,

política, de articulação e de gerenciamento da educação escolar indígena. Para tal, a

diretoria, ouvindo seus assessores, viabilizou estratégia para captar recursos a fim de

desenvolver o seu papel. Criou diversas categorias de parceiros, desde o colaborador

(especialistas e outros simpatizantes da causa) até os contribuintes natos que são os

professores indígenas.

A OPRIMT surgiu num momento em que a educação escolar indígena está

sendo menosprezada pelo novo governo, quando novos rumos foram tomados, que

desconsideraram a trajetória da educação escolar indígena, apesar das reivindicações e

das pressões políticas.

Recentemente os seus dirigentes e assessores realizaram o 1º Encontro das

Associações Indígenas de Mato Grosso, que contou com a participação de l8

associações. O evento teve por objetivo discutir e propor direcionamentos nas ações

voltadas para vários campos, além da questão educacional.

Alguns participantes manifestaram sua opinião sobre o evento e a organização

dos professores:

A OPRIMT é muito importante para dar apoio e cobertura as

outras associações indígenas, não apenas na educação, mas também

em outras demandas das comunidades, só assim a educação escolar

indígena estará cumprindo o seu papel. (Professora Umutina).

A intenção dos dirigentes e seus assessores é realizar ações integradas de

educação escolar, saúde, desenvolvimento comunitário e o meio ambiente, congregando

a defesa dos anseios e interesses dos povos indígenas. Cumpre, dessa forma, uma das

suas prerrogativas que é a formação política e a interação com outros militantes

indígenas.

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CAPÍTULO IV

A CONQUISTA DO ENSINO SUPERIOR NO PROCESSO DE

AUTONOMIA INDÍGENA

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4.1 Construindo a relação entre a educação básica e o ensino superior

A reformulação da educação escolar brasileira propôs mudanças significativas

nos sistema de ensino, inovou a relação entre escola e sociedade, rompeu com diretrizes

hierárquicas das instituições de ensino e apontou uma perspectiva mais democrática nas

escolas. De fato, “representou uma ruptura axiológica à medida que elasteceu a carga

semântica de educação, para construir seu destino nas mais diferentes ambiências

humanas: na família, no trabalho, na escola, nas organizações etc”. (CARNEIRO, l997:

31).

Com o aumento da população estudantil indígena a demanda escolar inclusive

no ensino médio e superior, passou a ser reivindicada pelas comunidades. Tanto o MEC

quanto as Secretarias estaduais dedicaram-se, porém, principalmente às séries iniciais

do ensino fundamental, relegando as demais etapas do ensino.

O quadro a seguir mostra a realidade estudantil indígena e concentração em cada

nível de ensino nas regiões brasileiras:

CONCENTRAÇÃO DE ESTUDANTES POR NÍVEIS DE ENSINO- 1999

REGIÃO EDUCAÇÃO

INFANTIL

ALFABETIZAÇÃO ENSINO

FUNDAMENTAL

ENSINO

MÉDIO

EJA TOTAL

Norte 4.165 4.153 36.683 468 1.763 47.232

Nordeste 1.674 2.107 15.139 180 1.041 20.141

Centro-

Oeste

1.218 63 15.109 146 37 16.573

Sudeste 315 26 2.289 0 125 2.755

Sul 476 0 5.711 149 0 6.336

Brasil 7.848 6.349 74.931 943 2.966 93.037

Fonte: MEC, Censo de l999.

Vejamos mais esse gráfico:

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Ens Médio2,3%

Educ Inf4,2%

5a / 8a16,9%

EJA0,7%

1a / 4a75,9%

Fonte: MEC/CGAEI-2004

A justificativa do MEC encaminhava-se para a seguinte linha de entendimento:

Assim, uma primeira explicação para a concentração de estudantes

na primeira série inicial seria o fato de que as escolas não estão

trabalhando com a estrutura de séries ou ciclos. Outra explicação

seria a baixa escolarização dos próprios professores, impedindo uma

diversificação e aprofundamento do nível de ensino nas escolas

indígenas. (MEC, Parâmetro em Ação, 2002).

Em 2002, a população estudantil indígena das séries iniciais e do ensino médio,

chamou a atenção, pois muitos jovens passaram a se deslocar para fora das aldeias. A

Comissão Nacional de Professores Indígenas no MEC visualizou essa questão e propôs

a ampliação do atendimento da educação básica e a conseqüente formação de

professores em nível superior. Em virtude da pressão dos representantes indígenas, a

política de governo para universalizar a educação básica iniciou a partir de 2003,

quando os quadros do MEC passaram a atender parte dessa reivindicação.

A aceitação oficial da possibilidade de uma escola pautada pela

afirmação das especificidades culturais dos povos indígenas ocorreu

no bojo do processo de reconhecimento do direito desses povos a

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permanecerem enquanto tais, e a terem suas práticas sociais e suas

visões de mundo respeitadas e valorizadas pelo Estado nacional.

(GRUPIONI, 2002: 50).

A busca por novos saberes e conhecimentos das ciências e tecnologias como

instrumentos na consolidação dos direitos levou os povos indígenas e suas organizações

a buscarem um novo aliado: a universidade.

É nesse contexto de construção de novas alianças institucionais e de diálogo

intercultural que a universidade tem sido o cenário de interesse por parte do movimento

indígena brasileiro. A luta pela implementação de todas as séries da educação básica

como instrumento da cidadania requer a formação massiva de professores para o nível

superior.

O primeiro Ensino Médio que tivemos foi o Ensino Médio regular,

normal, que acontece em todos os Estados do Brasil. Tivemos

dificuldades com o Ensino Médio nas comunidades e com os alunos

tentando fazer Ensino Médio nas cidades e até hoje continuamos com

elas. Só tivemos resultados negativos com o Ensino Médio nas vilas e

cidades, porque realmente não contempla a especificidade de cada

povo. (Professor Makuxi - RR)20.

As experiências com o ensino médio diferenciado surgiram com o magistério

intercultural e outras experiências no ensino regular nas cidades e vilas próximas às

aldeias. Isso pode ser verificado nos depoimentos de alguns professores no Seminário

“Políticas de Ensino Médio para os Povos Indígenas”, realizado em outubro de 2003,

quando esta temática passou a ser pauta do MEC no Programa Diversidade na

Universidade. Esse seminário foi um marco nas discussões e comprometimento do

governo em relação à educação básica e ao ensino superior para os povos indígenas uma

vez que ali se fizeram expressar reivindicações há muito formulados pelo movimento

indígena.

Podemos verificar o descontentamento e a preocupação dos professores indígenas

com esta etapa de ensino, dada a evasão de jovens das aldeias para as cidades. As

20 Depoimentos dos Anais do Seminário “Políticas de Ensino Médio para os povos indígenas”, 2003.

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propostas dos educadores indígenas e suas comunidades quanto ao ensino médio é que

seja voltada para o contexto cultural, que contemple os princípios da educação escolar

indígena e que possibilite a formação do jovem indígena para o retorno profissional a

sua comunidade, e não meramente ao mercado de trabalho, como prevê a política do

ensino médio.

O artigo 22 da LDB coloca o aprimoramento da pessoa humana como

uma das finalidades da educação básica. Isso implica em retirar o foco

do projeto educacional do mercado de trabalho, seja ele estável ou

não, e colocá-lo sobre os sujeitos-cidadãos. Não sujeitos abstratos e

isolados, mas sujeitos singulares cujo projeto de vida se constrói pelas

múltiplas relações sociais, na perspectiva da emancipação humana,

que só pode ocorrer à medida que os projetos individuais entram em

coerência com um projeto social coletivamente construído. (RAMOS,

2004: 39).

É na perspectiva do projeto social coletivo que o movimento dos educadores

indígenas tem buscado pautar a política do ensino médio e do ensino superior para os

povos indígenas.

Em Mato Grosso, os representantes indígenas no colegiado do CEI-MT têm

apresentado demandas na educação básica, inclusive com discussões e propostas para a

implementação da 5ª à 8ª série e do ensino médio, e reivindicam a ampliação e

construção de prédios escolares e equipamento necessário ao atendimento nas aldeias.

Entendem os conselheiros que o ensino médio é o alicerce para o futuro juvenil de cada

povo.

Destacamos a seguir alguns depoimentos de professores indígenas manifestando

sobre o tema do ensino médio.

Lá no Karajá, os estudantes têm muitas dificuldades, porque a

aldeia fica bem afastada da cidade e os que vão para a escola na

cidade às vezes vão e outras não vão. E como tem aumentado o

número de alunos, a gente pede para o Estado e ele não tem vaga para

nossos estudantes, só para a primeira fase do Ensino Fundamental.

(Prof. Karajá, Ilha do Bananal -MT).

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No estado de Mato Grosso temos três escolas que oferecem

ensino médio em áreas indígenas, por iniciativa da Missão Salesiana,

duas escolas em área Xavante, e uma escola que foi construída pela

própria comunidade. Com relação à Missão Salesiana, as escolas

foram implantadas sem a discussão de currículo e necessidade da

comunidade; tudo se define a partir dos objetivos da missão (...). Com

relação à outra escola, na área Bakairi. Nessa escola, para evitar

problemas, foi realizadas reunião com a comunidade para discutir a

implantação do ensino médio na aldeia (...). (Professor Bakairi).

Sonho com o Ensino Médio e com o Ensino Superior. Mas

para isso temos que pensar na formação de nós, educadores, porque,

sem isso, não podemos estar reivindicando aqui. Muitas vezes as

Secretarias dizem “como vocês querem ter ensino médio se não tem

professores qualificados para isso. (Professor Paresi).

É nítida a preocupação dos professores indígenas com a sua formação acadêmica

que lhes possibilite um bom desempenho na formação de cidadãos indígenas

comprometidos com o seu povo. Veremos a seguir alguns indicadores destacados pelos

participantes indígenas para definir uma política de ensino médio contextualizado:

“Que ensino médio queremos?” “O que fazer para concretizar ensino médio

que queremos?”

- Proposição: política de ensino superior para

os povos indígenas ensino médio - casamento

progressivo com o ensino superior.

- Que permita acesso ao ensino superior.

- Educação vinculada ao projeto societário dos

povos indígenas.

- Que haja um elo de ligação entre o ensino

fundamental e médio, inclusive nos aspectos

diferenciado, específico, intercultural e

realidade sociolingüísticas.

- Mobilizar os diversos grupos para discutir a

gestão da escola, recursos humanos e de infra-

estrutura para a escola em parcerias com o

Estado.

-Implantação gradativa do ensino médio de

acordo com as necessidades e possibilidades

entre Estado e comunidade.

- Realização de seminários regionais

envolvendo lideranças indígenas, professores

indígenas e atores institucionais (SEDUC,

IBAMA, FUNAI, Universidades e outros).

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121

- Condições materiais adequadas para o

desenvolvimento do trabalho pedagógico,

como o acesso à informática, laboratório,

biblioteca etc.

- Considerar os princípios gerais da educação

escolar indígena estabelecido nos RCNEIS.

- Mobilizar o CNE e os CEE para normatizar

propostas de ensino médio indígena com

formação profissionalizante específica.

- Os estados e a União devem criar

mecanismos para a elaboração e a publicação

de material didático específico para cada povo,

considerando, inclusive, o material necessário

para as escolas indígenas de ensino médio,

resguardando a autoria indígena.

Fonte: MEC – Anais do Seminário “Políticas de Ensino Médio para os Povos Indígenas” 1994.

Em Mato Grosso, segundo os dados da Equipe de Educação Escolar Indígena da

SEDUC, as escolas que atendem ao ensino médio nas aldeias são nove, das quais quatro

municipais funcionam como salas de extensão de escolas das cidades e seguem suas

orientações pedagógicas e administrativas.

Está em evidência que os povos indígenas, por meio de seus representantes, vêm

definindo como fundamental a relação entre a educação básica e o ensino superior,

tendo como foco nesse processo o ensino médio, articulado com os interesses e projetos

societários de cada povo, assim como aos princípios da educação escolar indígena. A

abertura iniciada pelo MEC, passa a ser referência para um novo diálogo institucional

da educação com os protagonistas indígenas, possibilitando propor políticas que

atendam perspectivas de mudanças na melhoria da educação escolar indígena,

principalmente para a inserção deste processo na política de Estado. E que será um

desafio para o sistema de ensino incluir esta etapa da educação básica conforme as suas

especificidades etno-culturais.

A partir de 2003, o ensino médio e o ensino superior foram pautadas pelos

representantes indígenas e pelo Departamento de Educação da FUNAI ao MEC para se

construir uma política de atendimento nas instituições públicas do sistema educacional

de ensino.

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4.2. Os desafios para a democratização do ensino superior indígena

Como vimos anteriormente, a pauta do ensino superior indígena está presente

também na reivindicação de melhoria da qualidade da educação básica. Nos

depoimentos, os professores e suas comunidades estão preocupados com os novos

paradigmas da sociedade brasileira e do mundo. As mudanças são aceleradas em

diversos setores e com elas acontecem as transformações no âmbito social, no político e

no econômico, que movem a humanidade, e que vêm interferindo direta e indiretamente

nas comunidades indígenas e exigindo novas estratégias para enfrentar o mundo

exterior. A defesa do território e a proteção do patrimônio cultural indígena são algumas

das temáticas defendidas pelos povos indígenas nas discussões sobre o ensino superior.

E como se defender do impacto da sociedade ocidental sem perder a identidade?

Foram cinco séculos de contato e escolarização com perdas irreparáveis. As sociedades

indígenas vêm acumulando saldos negativos na relação com a dita civilização ocidental.

Pensar a partir do exposto tem levado os representantes a questionar “que ensino

superior queremos?” Partindo da revisão das atuais ações no ensino superior e visando a

uma reforma nas políticas de curto, médio e longo prazos, propõe-se a construção de

uma nova relação com a universidade. Não mais na condição de objeto de pesquisa, mas

sim como protagonista participante da formação acadêmica.

A Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e Plano

Nacional de Educação são legislações que expressam a garantia da cidadania plena dos

povos indígena a partir do reconhecimento da diversidade sociocultural no país.

Neste momento em que as universidades públicas brasileiras estão discutindo

uma reforma universitária para romper com o processo que resultou no atendimento das

elites é necessário alterar essa instituição para que não continue sendo aristocrática e

elitista.

Nos discursos oficiais o governo apresenta uma proposta que defende:

(...) uma universidade pública gratuita, inclusiva e cidadã. Pela

valorização da universidade pública e defesa da educação como um

direito de todos os brasileiros. (Reforma da Educação Superior,

catálogo, MEC, 2004: .2).

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É nesse o contexto em que o ensino superior indígena vem sendo debatido pelos

movimentos e organizações indígenas, no âmbito do Ministério da Educação. Nesse

sentido, as discussões tiveram dois momentos históricos como pauta institucional dos

povos indígenas e do Ministério da Educação: a primeira, em 1999, quando a

Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT, apresentou pela primeira vez no

Comitê de Educação Escolar Indígena do MEC o Projeto de 3º Grau para formação e

habilitação de professores indígenas (como Curso de Licenciaturas Específicas), para

atender à educação básica nas aldeias. O segundo momento importante do ensino

superior indígena no MEC foi em 2001, no estado de Roraima quando realizou-se o IIº

Seminário de Povos Indígenas e o Ensino Superior, onde o movimento indígena

apresentou o documento final, intitulado Carta de Canauani, a qual depois foi

encaminhada ao Conselho Nacional de Educação – CNE, solicitando consulta quanto à

oferta de ensino superior para a formação de professores indígenas daquele Estado.

Esse documento importante dos povos indígenas de Roraima desencadeou o

Parecer n.º 10/2002, que respaldou a legítima reivindicação do ensino superior para

atender à formação de professores indígenas. O mérito desse pleito foi acompanhado

pelo Conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury. Até então, a responsabilidade de atender a

demanda nos diferentes cursos era da Fundação Nacional do Índio, por meio do

atendimento individual daqueles indígenas que concluíssem o ensino médio na aldeia ou

fora dela.

As experiências das duas universidades na formação de professores indígenas

irão balizar elaboração de diretrizes nacionais que nortearão a política de formação

acadêmica do professor indígena.

Outra contribuição importante desde o ano de 2001 foi o trabalho da Comissão

Nacional de Professores Indígenas no MEC, por meio de documentos encaminhados à

SESU para abrir a discussão e pauta sobre essa demanda21. Ainda no governo passado o

CNPI encaminhou novos documentos chamando a atenção sobre a demanda do ensino

superior. O trecho do documento encaminhado ao secretário da SESU ressalta a

reivindicação da CNPI:

21 Sobre o assunto ver a Coletânea de Documentos da CNPI/MEC-2004.

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A Comissão Nacional de Professores Indígenas, (...) após discutir

e analisar a situação da educação escola indígena nos diferentes

estados da federação, e constatar que os dispositivos constantes no

Plano Nacional de Educação (Lei l0.172 de 2001) e nas Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena (Parecer

CEB/CNE l4/99), não estão sendo cumpridos pelas diferentes esferas

do governo. (Doc. CNPI/MEC, 2002).

No entanto foi a partir do Programa Diversidade na Universidade que o ensino

superior indígena passou a ter destaque nas secretarias do ensino médio e do ensino

superior.

As políticas de ação afirmativa, sobretudo o Programa Diversidade

na Universidade - Acesso à Universidade de Grupos Socialmente

Desfavorecidos - instituído ao apagar das luzes do segundo mandato

de Fernando Henrique Cardoso, e repercutindo iniciativas como a do

programa “Políticas da Cor”, do Laboratório de Políticas Públicas da

UERJ, com financiamento da Fundação Ford, enfrentam hoje o

desafio de conhecer esse mundo específico da educação escolar

indígena (...). (SOUZA LIMA et all. LACED, MN-UFRJ, 2002).

De fato, o desafio está na Universidade contemplar as especificidades e

transformá-las em políticas afirmativas, em parceria com os povos indígenas.

Em Mato Grosso, desde a década de 80 o movimento indígena vem

apresentando demanda para o ensino superior, mas principalmente no campo da

formação de professores indígenas. No entanto, só a partir de l995, com a criação do

CEI-MT, o governo atendeu a esse pleito. Como fruto da Conferência Ameríndia, a

reivindicação foi referendada e criou-se uma Comissão Interinstitucional que trabalhou

no projeto durante três anos:

O Projeto de Cursos de Licenciaturas Específicos para a Formação

de Professores Indígenas, elaborado no período de l997 a 2000, pela

Comissão Interinstitucional e Paritária, criada pelo Decreto n.º l.842,

de 21 de novembro de l997, do Governo do Mato Grosso, contém os

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pontos norteadores da discussão acerca da formação de professores

indígenas em nível superior. (Governo do Estado de Mato Grosso,

2001).

A Comissão construiu o projeto a partir das proposições vindas das comunidades

indígenas, das entidades e órgãos não governamentais, que definiram os eixos políticos

pedagógicos conforme os interesses dos povos indígenas, resultando num trabalho

coletivo referendado pelo Conselho de Educação Escolar Indígena.

Portanto, a formação de professores é uma necessidade que vem sendo discutida

desde a criação de escolas nas aldeias e se intensificou nos últimos anos em decorrência

do aumento da demanda por escolas.

Nisso, novas demandas foram surgindo na formação no ensino superior, e que

atualmente vem apresentando duas frentes de atuação: a formação de professores

indígenas para atender à educação básica, e a formação de quadros profissionais

(bacharéis) em diferentes áreas para atender à demanda dos povos indígenas nos

projetos societários.

É fundamental destacar que essas duas frentes são diferentes na sua

característica formativa: a formação de professores indígenas no ensino superior tem o

objetivo de formar e habilitar docentes em serviço e requer uma especificidade

curricular, baseada nos princípios de reafirmação da identidade étnica; na valorização

dos conhecimentos tradicionais e no reconhecimento da memória histórica. Portanto, é

um processo de formação em serviço, conjuntamente com a docência. A atuação de

professores indígenas se dá nas escolas das aldeias, no processo de escolarização da

criança e do jovem indígena. A formação de quadros profissionais requer

conhecimentos técnicos e determinadas habilidades e competências específicas, que

possam atender aos projetos societários dos povos indígenas. As lideranças e

representantes indígenas têm expressado o pensamento indígena sobre o assunto na

seguinte direção:

A diversidade deve estar plenamente presente nas universidades,

porque é lá onde se produzem os conhecimentos e se provocam

mudanças na cabeça das pessoas. A universidade deve se preparar

para receber os indígenas, inserindo-se em políticas de preservação e

promoção de culturas indígenas. A ocupação de espaços na

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universidade e o domínio do conhecimento dos brancos são

estratégias de conquista e defesa dos direitos indígenas.22

Na busca de novos mecanismos que viabilize a construção de políticas de

desenvolvimento com democracia, com justiça social, entendo que a universidade deva

atender à diversidade cultural existente no país, com uma formação acadêmica mais

humana e voltada para a construção de políticas sociais.

O líder indígena Gersen Baniwa (2004) enfatiza em seu discurso:

Para pensar e construir novas políticas deve-se transformar as bases

técnicas, administrativas e financeiras vigentes de uma burocracia que

nega os direitos indígenas ao negar as diferenças. Os conhecimentos

indígenas não são valorizados na universidade (...).23

Para traçar as ações que combatam a resistência contra os índios, bem como a

desigualdade social e cultural na universidade, é necessário começar a repensar os

princípios que lhes dão suporte e definir as linhas de ação necessárias para superá-los.

Nesse sentido, vejo que a reforma universitária é a oportunidade de revolucionar

a educação brasileira, se ela tiver a autonomia para influenciar sobre as políticas

macroeconômicas atinentes à reestruturação da produção e à reforma do Estado. Se

quisermos construir uma Universidade que seja mediadora da educação, que atenda o

novo projeto nacional proposto pelo governo, é imprescindível o investimento na

universalização de todos os graus de ensino. Devemos trabalhar para a educação

contínua do cidadão, independentemente de sua condição social, política, econômica,

ideológica ou étnica.

Considero que a democratização do acesso aos cursos superiores pelos povos

indígenas, a garantia da permanência e conclusão dependem de políticas públicas

permanentes iniciadas desde a educação básica.

22 Azelene Kaigang proferiu palestra na mesa redonda no seminário do LACED, setembro de 2004. 23 Trecho do discurso proferido no Seminário “Desafios para uma Educação Superior para os povos indígenas no Brasil”, Brasília, 2004.

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Por isso, a universidade deve atender a esse chamamento do novo projeto

nacional para as populações indígenas, mas sem ignorar as dificuldades e desafios que

terá que enfrentar internamente e, às vezes, externamente. Cabe aos povos indígenas

questionar que princípios devem nortear o seu ensino superior, principalmente na

formação de quadros profissionais. Quais políticas de ensino superior a serem

implementadas na graduação, na pós-graduação e na formação continuada do indivíduo.

Na educação básica, a formação escolar é diferenciada, coletiva e comunitária. Os

cursos oferecidos pelas universidades não podem banalizar ou folclorizar temas como a

cultura e o território. Não podem incluir temas indígenas apenas para justificarem que

esses cursos atendem à realidade indígena.

Hoje os povos indígenas estão clamando por justiça social e têm como

perspectiva a promoção de mudanças dos futuros profissionais que vão lidar com a

diferença cultural, o que requer compromisso social e de cidadania. Para tanto, é

necessária a participação indígena em todas as fases de elaboração das políticas no

ensino superior, rompendo com o modelo segundo o qual os povos indígenas são meros

objetos de pesquisa e da formação. É preciso criar uma nova relação e novas práticas,

nas quais os povos indígenas sejam sujeitos desse processo formativo na sua elaboração,

execução e avaliação, requisitos básicos para a formulação de políticas públicas no

ensino superior.

A Universidade deve assumir a reforma universitária com democracia e justiça

social, sem resistência a mudanças nos seus currículos, dispondo-se a oferecer serviços

de qualidade à população, propiciando novas oportunidades de inclusão social. Ao

reconhecer a diversidade cultural existente no país, deixará de ser uma universidade

prestadora de consultorias e serviços, passando a ser uma universidade que atende a

realidade brasileira.

É sob essa perspectiva que vejo o ensino superior no Brasil, a partir da reforma

universitária que reformará os seus princípios para atender aos povos indígenas na luta,

por autonomia, gestão e defesa territorial e preservação da vida comunitária.

Como diz o próprio texto da Reforma Universitária proposta pelo MEC:

Democratizar é construir de maneira participativa um projeto de

educação de qualidade social que promova o exercício pleno da

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cidadania. Profundamente inseridas na sociedade civil e com uma

gestão democrática e participativa, as universidades e as instituições

públicas e privadas devem produzir, de forma concertada, uma nova

estrutura organizativa que dê sustentação para os desafios presentes e

futuros do ensino superior no país.24

Nesse contexto dois eventos importantes foram realizados no ano 2004 para

discutir com as universidades, órgãos públicos, indígenas e demais entidades da

sociedade civil e de apoio à causa indígena. O primeiro foi denominado “Desafios para

uma Educação Superior para os Povos Indígenas no Brasil” e foi organizado pelo

LACED. O segundo foi a Conferência Internacional do Ensino Superior Indígenas,

organizado pela UNEMAT. Esses eventos desencadearam no MEC a criação da

Comissão do Ensino Superior Indígena para propor políticas que contemplem a

realidade dos povos indígenas.

Finalmente, consideramos que a normatização do ensino superior no Brasil se

dará inicialmente com as licenciaturas específicas, para atender à demanda de

professores indígenas. A proposta que se encontra no Conselho Nacional de Educação,

foi apresentada em setembro de 2004, por mim, representante indígena naquele

Conselho.

O desafio das universidades é de pensar políticas públicas com os povos

indígenas em vários campos de formação acadêmica, que venham a convergir com a

diversidade sociocultural brasileira, para que possa contribuir para uma nova relação

entre a universidade e a diversidade. Só assim podemos ver se a universidade será capaz

de respeitar e atuar com base no compromisso social e no respeito à autonomia dos

povos indígenas.

24 Trecho do documento sobre a Reforma Universitária do MEC, 2004, p.2.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de inclusão das escolas indígenas no sistema oficial de ensino de

Mato Grosso está sendo discutido pelo segmento da educação escolar indígena e tem

como fundo o protagonismo indígena.

Nesse trabalho procurei expor o processo histórico e os seus desdobramentos nas

escolas indígenas nos dias atuais. Defendi aqui que a conquista da escola específica,

diferenciada e intercultural só será consolidada como política educacional no sistema de

ensino na medida em que as instituições responsáveis promovam mudanças que

permitam o atendimento da diversidade sociocultural.

É preciso evidenciar as ações que contemplem a diversidade, a partir do

reconhecimento da identidade de cada povo, do seu ser indígena, de modo que a

educação escolar indígena não se limite apenas ao contexto escolar. A dimensão cultural

de cada sociedade é um aspecto fundamental que o sistema de ensino necessita

decodificar para compreender o projeto político pedagógico indígena como uma

totalidade diferente daquela do mundo ocidental.

Por isso, ao longo do trabalho, busquei mostrar o contexto em que a educação

escolar indígena interage com as demais instâncias de controle social como as

instituições públicas governamentais, como um espaço de diálogo e de construção, com

vistas ao protagonismo indígena. Como vimos, é assegurado pela legislação educacional

para que as sociedades indígenas e o poder público participem democraticamente desse

processo.

Na medida em que todos participem de uma dinâmica política que

ultrapasse o setor educacional, poderemos constituir espaços de

consecução das finalidades da educação brasileira em geral e da

indígena em particular. A pluralidade representativa deve permear as

políticas públicas possibilitando a convergência de temas gerais com os

ideários educacionais (CURY, 2001).

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Como observadora participante, pude constatar que as instâncias democráticas

de participação têm ampliado a visibilidade da educação escolar indígena no âmbito do

poder público e das entidades educacionais em todas as modalidades e níveis de ensino.

A participação indígena tem chamado a atenção para que ocorram mudanças na

educação brasileira, quer no cumprimento da legislação, quer na ampliação dos

investimentos na educação escolar.

Nos dados obtidos evidenciei o crescimento do alunado e a incompatibilidade do

sistema em atender à demanda nas aldeias. O balanço das políticas educacionais

indígenas em Mato Grosso indica que existem ainda muitos a serem sanados para que as

escolas indígenas sejam atendidas adequadamente. Vozes de resistência coletadas em

diferentes eventos expressam o entendimento e proposições sobre a temática da

educação escolar indígena, e retratam um ponto de vista coletivo e comunitária. A

relevância dos depoimentos nos revela os “bastidores” do processo de inclusão dessas

escolas no sistema de ensino, que está distante da realidade e principalmente indiferente

a diversidade cultural na elaboração das políticas.

Pode-se verificar que em Mato Grosso houve avanços apenas pontuais nas

políticas para a educação escolar indígena. Um governo democrático que possui uma

trajetória política de comprometimento com o social deveria institucionalizar o processo

de inclusão das escolas indígenas no sistema oficial de ensino e cumprir a legislação,

bem como a implantar integralmente a Gestão Democrática nas escolas públicas do

estado. As escolas indígenas municipais ainda estão condicionadas às políticas locais,

dificultando o acesso à gestão democrática.

Outra questão detectada foi a descontinuidade de programas e projetos em

andamento ou em fase conclusiva. Sem a alocação de recursos financeiros os projetos

demoram a alcançar a sua conclusão, gerando descontentamento por parte dos

beneficiários indígenas. Apesar de alguns municípios tentarem melhorar a situação

educacional, ainda há um distanciamento entre a comunidade e o sistema municipal, que

inviabiliza uma política pública de qualidade. Ocorrem situações em que o mesmo povo

está distribuído em diferentes municípios, o que conseqüentemente desestabiliza a sua

política de mobilização e de organização social.

A discussão existente no meio indígena é quanto à participação em todo o

processo da construção das políticas nas diferentes instâncias governamentais, e

também a mudança na forma institucional de atendimento às necessidades comunitárias.

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Para o sistema de ensino é uma mudança radical da lógica institucional. Apesar da

reforma do Estado, descentralizando suas ações e competências, a institucionalização

democrática está longe de ser exercida, pois a gestão dos sistemas de ensino está ainda

enraizada num distanciamento entre sociedade e Estado. Por isso há resistências, na

burocracia do Estado e nos ditames do poder Executivo, que não vêem com bons olhos

a participação democrática.

Analisei documentos, relatórios da secretaria estadual e dos povos indígenas que

constatam a caminhada do protagonismo indígena na busca por autonomia. No que trata

da educação escolar, o protagonismo indígena pode ser expresso pela capacidade

crescente dessas sociedades exercerem o controle especialmente sobre as seguintes

decisões: a) decisões acerca do acesso, administração e aplicação dos recursos externos

disponibilizados pela escola; b) decisões acerca da forma de gestão e da organização

curricular e; c) decisões sobre a política de formação de professores.

A escola indígena será construtora do protagonismo indígena na medida em que

incorporada às comunidades, lhes ensejará maior capacidade de decisão sobre si e sobre

os demais elementos culturais externos advindos do convívio intersocietário. Porém

persistem os entraves burocráticos que contradizem o imperativo legal referente à

educação escolar indígena. Para tentar aproximar a realidade indígena do institucional e

buscar compreender um sistema educacional ocidental tão complexo e contraditório, os

profissionais indígenas procuram se instrumentalizar por meio de formação continuada.

Outro aspecto abordado foi a necessidade de oferta de educação escolar em

todas as modalidades e níveis de ensino. Nesse sentido, a ampliação do ensino

fundamental das séries iniciais até o ensino superior redimensionou as instâncias

responsáveis para que implementasse políticas afirmativas que contemplem o contexto

diferenciado indígena.

Vale destacar que o ensino médio e o ensino superior para os povos indígenas

terão que corresponder às expectativas e necessidades comunitárias e não às

institucionais. A discussão está agora a cargo do Poder Executivo, como desafio à

construção de políticas públicas específicas que conduzam à conquista da autonomia

indígena.

Nessa perspectiva, constata-se que também o sistema de ensino superior está

desvinculado da realidade brasileira, necessitando, de fato, de uma reforma mais

profunda nos sistemas educacionais, principalmente naqueles responsáveis pela

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formação de professores. Os dados estatísticos nacionais indicam que a educação

brasileira está em processo de mudança.

Com esse trabalho, espero responder em parte aos questionamentos propostos e

oferecer às comunidades, professores indígenas, ao sistema de ensino e demais

segmentos envolvidos direta ou indiretamente, e também aqueles comprometidos com a

melhoria do ensino público, um instrumento para análise e reflexões acerca da temática.

Procuro discutir às questões mais prementes que dificultam os processos de autonomia e

da construção de uma escola indígena plural e capaz de responder aos anseios de nossos

povos e aos desafios da modernidade. Busco os caminhos da construção de escolas

indígenas pensadas, planejadas e gerenciadas de acordo com o projeto societário de

cada povo.

Percebo que o processo de inclusão das escolas indígenas no sistema oficial de

ensino está ainda longe da sua efetivação. Requer ainda uma mudança da lógica do

sistema educacional, assim como o reordenamento organizacional das estruturas

básicas.

Constato ainda que as escolas indígenas encontram dificuldades em implementar

currículos próprios, em virtude das condições estruturais e pedagógicas em que se

encontram, principalmente para atender ao ensino médio.

Percebo a existência de um choque dessas com as políticas institucionais, bem

como um conflito entre o sistema tradicional indígena e o sistema escolar regular. O que

temos ainda são escolas indígenas reguladas e não diferenciadas.

Portanto, a educação escolar está vivendo conflitos, tensões e expectativas

permanentes que afetam todas as comunidades educativas. Isso gera um mal-estar e

muitas incertezas quanto às reais intenções das políticas dos governos para com os

povos indígenas.

É preciso reconstruir as relações entre as diversas sociedades sobre bases mais

igualitárias e verdadeiras e isso é e será mais um desafio para o protagonismo indígena.

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FONTES E DOCUMENTOS OFICIAIS

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MEC, Ministério da Educação. Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar. Brasília, junho/l993.

MEC, Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais. Arte. Vol. 6 Brasília: MEC/SEF, l997.

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MEC, Ministério da Educação. Políticas Educacionais da Educação Indígena. 1999.

MEC, Ministério da Educação. Programa para as escolas indígenas – MEC/SEF, maio/92.

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MEC. Coletânea de Documentos. Comissão Nacional de Professores Indígenas. Brasília, 2003.

MEC/CGAEI. Relatório Geral dos Estados sobre a Educação escolar Indígena. Brasília, 2002.

MEC/SESU. A Reforma da Educação Superior. Versão Preliminar – Anteprojeto de Lei. Brasília, 2004.

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Plano de Metas de Mato Grosso l995-2006, Plano Estratégico – Estudos Preliminares, Mato Grosso, l994.

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SEDUC. Relatórios de Planejamento de Atividades da educação escolar indígena. 1995- 1999, Cuiabá, 2000.

SEDUC/CEI-MT, A construção coletiva de uma política de educação escolar indígena para Mato Grosso. 2000.

SEDUC-MT. Relatórios do Projeto Tucum, Cuiabá, 2000.

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ANEXOS

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QUADRO I DADOS SOBRE O IMPACTO DA RESOLUÇÃO 03/99 DA EDUCAÇÃO

ESCOLAR INDÍGENA NAS SEDUCS – 2000 A 2001

1. Representou um grande avanço 2. Foi um consenso no campo da educação escolar indígena 3. Normatizou questões importantes para a educação escolar indígena

ESCOLAS INDÍGENAS

Criação da Categoria Escola Indígena

CEES: não disciplinaram a matéria.

Regularização das Escolas Organização curricular diferenciada (calendário, proposta curricular, materiais diferenciados).

Seducs não criaram nem mudaram suas práticas.

PROFESSORES INDÍGENAS

Formação diferenciada CEES não editaram normas

Regularização Profissional (carreira, concurso, etc.).

Seducs em sua maioria não criaram programas de formação. Continuam com cursos de capacitação.

DEFINIÇÃO DE COMPETÊNCIAS

Responsabilização dos Estados pela Educação Escolar Indígena, abrindo a possibilidade de participação dos municípios.

Não houve atribuição de responsabilidades. Estados não assumiram, nem instituíram mecanismos de convênio com os municípios.

RECURSO E FINANCIAMENTO

Recursos diferenciados do Fundef (art. Ll da Res. 03/99).

Em algumas áreas, nem os recursos regular do Fundef beneficia as escolas indígenas, nem foi implementado o disposto no artigo da Res. 03/99.

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QUADRO 02 DADOS SOBRE O IMPACTO DA RESOLUÇÃO 03/99 DA EDUCAÇÃO

ESCOLAR INDÍGENA NAS SEDUCS – ANO 2002

PROFESSORES INDÍGENAS

Formação diferenciada CEES não editaram normas de regulamentação da formação diferenciada

Regularização Profissional (carreira, concurso, etc.).

Na sua maioria não criaram programas de formação. Continuam com cursos de capacitação. Apesar de terminados a formação inicial não estão oferecendo a continuada (exceção, a confirmar, Acre e Minas Gerais); nenhuma providência quanto à carreira e concurso.

DEFINIÇÃO DE COMPETÊNCIAS

Responsabilização dos Estados pela Educação Escolar Indígena, abrindo a possibilidade de participação dos municípios.

Atualmente 47,% das escolas estão estadualizadas; para as municipalizadas não existem mecanismos de gestão compartilhada ou divisão de responsabilidades.

RECURSO E FINANCIAMENTO

Recursos diferenciados do Fundef (art. Ll da Res. 03/99).

Recursos do FUNDEF são usados para pagamentos dos professores e não há participação dos índios nos conselhos de acompanhamento e fiscalização. Apesar de ter havido uma melhor redistribuição dos recursos do salário educação a partir deste ano, não há notícias de um maior aporte de recursos para a EEI. Recursos diferenciados não garantiram ainda qualidade e regularidade na oferta de merenda escolar.

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CENSOS 2002/2003/2004 - COMPARATIVO

ESCOLAS DECLARADAS CORRETAMENTE COMO ESCOLAS INDIGE NAS E SEUS ALUNOS – CENSO ESCOLAR – INEP/MEC

ESCOLAS INDÍGENAS 2002 2003 2004 Variação 2002/2003

Variação 2003/2004

Variação 2002/2004

Estaduais 733 981 1.099 33,8% 12,0% 49,9% Municipais 946 1.052 1.099 11,2% 4,5% 16,2% Particulares 23 24 30 4,3% 25,0% 30,4%

Federais 4 3 0 -25,0% -100,0% -100,0% TOTAL 1.706 2.060 2.228 20,8% 8,2% 30,6%

Estudantes Indígenas 2002 2003 2004 Variação 2002/2003

Varaiação 2003/2004

Variação 2002/2004

Educação Infantil 9.476 11.429 14.152 20,6% 23,8% 49,3% EF 1ª a 4ª série 82.918 96.597 99.632 16,5% 3,1% 20,2% EF 5ª a 8{ série 16.148 18.954 19.371 17,4% 2,2% 20,0% Ensino Médio 912 2.121 2.025 132,6% -4,5% 122,0%

Educação Jovens e Adultos

7.717 10.328 12.369 33,8% 19,8% 60,3%

Relação 1ª 4ª/ 5ª 8ª 5,13 5,10 5,14

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