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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
O PROCESSO DE INCLUSÃO DAS ESCOLAS INDÍGENAS NO SISTEMA
OFICIAL DE ENSINO DE MATO GROSSO: PROTAGONISMO INDÍ GENA
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
Cuiabá, 2004
Livros Grátis
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
O PROCESSO DE INCLUSÃO DAS ESCOLAS INDIGENAS NO SISTEMA
OFICIAL DE ENSINO DE MATO GROSSO: PROTAGONISMO INDÍ GENA
FRANCISCA NAVANTINO PINTO DE ÂNGELO
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em educação, na área de concentração em Educação, Cultura e Sociedade, linha de pesquisa Movimentos Sociais, Política e Educação Popular, sob a orientação do Prof. Dr. Darci Secchi.
Cuiabá, 2004
FICHA CATALOGRÁFICA
A584p Ângelo, Francisca Navantino Pinto de O processo de inclusão das escolas indígenas no
sistema oficial de ensino de Mato Grosso: protagonismo indígena / Francisca Navantino Pinto de Ângelo. – 2005.
139p. : il.. color. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de
Mato Grosso, Instituto de Educação, 2005.
“Orientação: Profº Drº Darci Secchi”.
CDU – 376.74(=87)(817.2) Índice para Catálogo Sistemático 1. Educação indígena – Sistema de ensino – Mato Grosso 2. Índios da América do Sul – Brasil – Educação 3. Educação escolar indígena – Mato Grosso 4. Protagonismo indígena 5. Política educacional – Educação indígena 6. Índios – Educação – Mato Grosso
3
4
EXAME DE QUALIFICAÇÃO
ÂNGELO, Francisca Navantino Pinto de. A inclusão da escola indígena no sistema
oficial de ensino em Mato Grosso: protagonismo indígena. Dissertação de Mestrado em
Educação, UFMT, 2004.
COMISSÃO EXAMINADORA
____________________________________________________ Prof. Dr. Carlos Roberto Jamil Curi
Examinador Externo
____________________________________________________ Prof. Drª. Maria Lucia Müller
Examinadora Interna
____________________________________________________ Prof. Dr. Darci Secchi Orientador (UFMT)
EXAMINADA A DISSERTAÇÃO Conceito: ____________________ Em _________ de _____________ de 2005
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus entes queridos que me ensinaram a viver, a lutar por
justiça social e de ter orgulho de ser Halití.
A meus pais Miguel Ângelo Zoloimaere e Maria Celecina P. de Ângelo (in memorian).
A tia Juvencia Maria da Cruz (in memorian).
A Abebe Menaka (in memorian).
GRATIDÃO
Sou grata a estes que contribuíram em diferentes trajetórias e momentos
importantes da minha vida.
Ao Daniel Matenho Cabixi, João Arrezomaré e Antonio Zumizaré, lideranças do
meu povo que me conduziram aos caminhos das lutas do movimento indígena.
A comunidade indígena do Rio Formoso que me ensinou os valores, saberes e
riqueza da memória histórica cultural de um povo indígena e me incentivaram a abraçar
esta causa.
Aos professores indígenas de Mato Grosso que lutam no cotidiano de suas
escolas e comunidades por uma educação escolar que seja de defesa, de valorização e de
protagonismo indígena construindo instrumento de conhecimento e reafirmação de
identidades étnicas.
A todos os participantes indígenas que direta ou indiretamente expressaram seus
sentimentos, expectativas e esperança num futuro melhor para os povos indígenas.
AGRADECIMENTOS
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação, do Instituto de Educação da
Universidade Federal de Mato Grosso, pela oportunidade de realizar o curso de
mestrado.
Ao Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford, em
especial a Drª. Fúlvia Rosenberg, a Drª. Maria Luisa Ribeiro e Márcia Caxeta, enfim a
Equipe de profissionais e amigos da Fundação Carlos Chagas.
Ao meu orientador, Darci Secchi, pela compreensão e orientação segura e firme
durante esta pesquisa.
Aos professores Drª. Maria Lúcia R. Muller, Dr. Carlos Roberto Jamil Cury, Dr.
Elias Renato da Silva Januário, pelas contribuições valiosas que enriqueceram o
trabalho.
Aos Drª. Ártemis Torres e Dr. Luis Passos pelas preciosas sugestões e
comentários que contribuíram com a presente pesquisa.
Ao prof. Luis Donizete Grupioni, Maria Helena Fialho, Luis Otavio Pinheiro da
Cunha e Karla Carvalho pelas contribuições valiosas e precisas em diferentes etapas do
trabalho.
Aos colegas de curso do mestrado, em especial Terezinha Furtado, Kátia Zorthêa
e Aidê Caetano pelo companheirismo e troca de experiência.
A Maristela Torres e ao prof. Valdivino Barbosa que gentilmente cederam várias
publicações sobre educação escolar indígena.
A Kleber Matos e Susana Grillo e demais Equipe do MEC da Coordenação das
Escolas Indígenas pelo apoio e incentivo na elaboração deste trabalho.
Ao prof. Fernando Selleri da UNEMAT pela organização gráfica e fotográfica
que ilustraram maravilhosamente o trabalho.
As colegas da Equipe de Educação Escolar Indígena da Secretaria de Estado de
Educação, pela colaboração e apoio no desenvolvimento desta pesquisa.
As meninas Mariléia Taiwa e Thais Peruare que colaboraram nas etapas da
pesquisa transcrevendo com paciência as gravações.
RESUMO
Esta dissertação trata da educação escolar indígena após a Constituição de l988 e
apresenta o processo de inclusão de suas escolas no sistema oficial de ensino em Mato
Grosso, tendo como eixo central o protagonismo indígena.
As discussões e reflexões acerca do novo paradigma da escola específica,
diferenciada, bilíngüe e intercultural destacam as diferentes percepções dos índios e dos
especialistas sobre o assunto e mostram que não há um modelo único de escola
indígena, mas diferentes escolas, de acordo com o contexto sociocultural de cada povo.
O estudo discute a política de educação escolar indígena proposta pelo MEC (e
os seus resultados), na perspectiva dos próprios índios. O enfoque central do trabalho é
o protagonismo indígena na construção dos espaços de controle social no interior do
aparelho estatal. No âmbito do MEC, esse processo pode ser sintetizado pelo árduo
caminho que levou à passagem do antigo Comitê de Educação Escolar Indígena à atual
Comissão Nacional de Professores Indígenas. No caso de Mato Grosso, o estudo
destaca a política de educação escolar indígena implementada no período de l995 a
2003 e as principais contradições resultantes da sua implantação. Os resultados da
pesquisa apontam os caminhos percorridos, os avanços obtidos e as perspectivas para a
construção de espaços que promovam o protagonismo indígena num diálogo entre as
sociedades indígenas e o poder público.
Destaca ainda, o papel do movimento indígena e da Organização dos Professores
Indígenas de Mato Grosso na discussão de estratégias para a mudança das relações entre
o Estado e as sociedades indígenas. Propõe que tal mudança precisa ser expressa pelo
reconhecimento da diversidade indígena e de seus projetos, pelo combate à exclusão e à
discriminação e pelo rompimento com a cadeia de omissão que considera os índios
beneficiários ocasionais de políticas calcadas apenas em dados estatísticos.
Por fim, no campo da educação escolar, apresenta o desafio da educação
superior como instrumento de fortalecimento da identidade étnica na formação de
quadros profissionais para atender às demandas pertinentes dos projetos societários de
cada povo indígena.
A estratégia metodológica foi constituída por meio da observação participativa, e
da pesquisa de campo com entrevistas de professores e lideranças indígenas em cursos
de formação, seminários e encontros indígenas nos Estados do Amazonas, Rondônia e
Mato Grosso. As informações obtidas em todos esses momentos de pesquisa-ação
foram sistematizadas e analisadas à luz da bibliografia disponível, de forma a conferir-
lhes uma maior consistência teórica.
O trabalho ora apresentado pretende ser uma singela contribuição de uma mulher
indígena na luta por maior autonomia, liberdade e desenvolvimento dos povos
ameríndios.
ABSTRACT
This essay points out the indigenous school education after the l988 Constitution
and it presents the inclusion process of their schools in the official teaching system in
Mato Grosso, it has as a central axis in the indigenous protagonism.
The discussions and reflections concerning to the new paradigm of the specific,
differentiated, bilingual and intercultural school detach the different Indians’ and
specialists’ perceptions on the subject and they show that there is not an only model of
indigenous school, but different schools, in agreement with the social cultural context of
each people.
The study discusses the indigenous school education policy proposed by MEC
(and its results), in the perspective from the Indians. The central focus of the essay is the
indigenous protagonism in the construction of the social control spaces inside the state
apparel. According to MEC, this process can be synthesized by the arduous way that
took to the passage of the old Indigenous School Education Committee to the current
Indigenous Teachers National Commission. In Mato Grosso, the study detaches the
indigenous school education policy implemented between l995 and 2003 and the main
contradictions resulting from its implantation. The results of the research point out the
experiences, the progresses obtained and the perspectives for the construction of spaces
that promote the indigenous protagonism in a dialogue between the indigenous societies
and the government.
It also highlights, the role of the indigenous movement and of the Indigenous
Teachers Organization in Mato Grosso in the discussion of strategies to change the
relationships between the State and the indigenous societies. It proposes that such
change needs to be expressed by the recognition of the indigenous diversity and of its
projects, by fighting against the exclusion and the discrimination and by the breaking
upwith the omission chain that considers the Indians occasional beneficiaries of the
policies stepped on just in statistical data.
Finally, in the school education field, it presents the challenge of the superior
education as an instrument of strengthening of the ethnic identity in the formation of
professional staff to assist the pertinent demands from the associate projects of each
indigenous people.
The methodological strategy was constituted through the interactive observation,
and the field research with interviews with teachers and indigenous leaderships in
formation courses, seminars and indigenous meetings in Amazonas, Rondônia and Mato
Grosso States. The information obtained from all those moments of action-research
were systematized and analyzed under the light of the available bibliography, in order to
provide them a larger theoretical consistence.
The work presented now intends to be a simple contribution of an indigenous
woman in the fight for a larger autonomy, freedom and development of the Amerindian
people.
LISTA DE SIGLAS E DE ABREVIATURAS
ABA – Associação Brasileira de Antropologia
ABRALIN – Associação Brasileira de Lingüística
AIS – Agente Indígena de Saúde
CAIEMT – Coordenadoria de Assuntos Indígenas de Mato Grosso
CAPOIB – Conselho de Articulação dos Povos e Organização Indígena do Brasil
CEE/MT – Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso
CEI/MT – Conselho de Educação Escolar Indígena de Mato Grosso
CF – Constituição Federal
CIMI – Conselho Indigenista Missionário
CNE – Conselho Nacional de Educação
CONSED – Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação
CGAEI – Coordenação Geral de Apoio às Escolas Indígenas
CNPI – Comissão Nacional de Professores Indígenas
COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
COPIAR – Comissão dos Professores Indígenas do Amazonas, Roraima e Acre
CTI – Centro de Trabalho Indigenista
DEDOC – Departamento de Documentação
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento
FUNAI – Fundação Nacional do Índio
ISA – Instituto Socioambiental
LACED – Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento
LC – Lei Complementar
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LOPEB – Lei Orgânica dos Profissionais da Educação Básica
MEC – Ministério da Educação
MN – Museu Nacional
NEI/MT – Núcleo de Educação Indígena de Mato Grosso
OIT – Organização Internacional do Trabalho
ONG – Organização Não Governamental
OPAN – Operação Amazônia Nativa
OPRIMT – Organização dos Professores Indígenas de Mato Grosso
PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PNE – Plano Nacional de Educação
PNEDH – Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
RCNEIs – Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas
SEDUC – Secretaria de Estado da Educação
SEF – Secretaria do Ensino Fundamental
SESU – Secretaria do Ensino Superior
SIL – Sociedade Internacional da Lingüística
SPI – Serviço de Proteção aos Índios
SPILTN – Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais
UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNDIME – União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação
UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13 CAPÍTULO I – Da ancestralidade aos tempos contemporâneos ...........................23
1.1 Antecedentes históricos ........................................................................................24
1.2 As Escolas para indígenas em Mato Grosso .........................................................34
1.3 O Novo paradigma: a escola específica, diferenciada, bilíngüe e intercultural ...47 CAPÍTULO II – A Legislação e o controle social como instrumentos de cidadania ......................................................................................................................
52
2.1 As Bases legais da educação escolar indígena ...................................................... 53
2.2 A Política nacional para a educação escolar indígena ..........................................61
2.3 Do Comitê de Educação à Comissão Nacional de Professores Indígenas ............66
2.4 O Conselho de Educação Escolar Indígena como fórum definidor de políticas ..69 CAPÍTULO III – O Processo de inclusão das escolas indígenas no sistema oficial de ensino de Mato Grosso ...............................................................................
75
3.1 Um Balanço das políticas educacionais indígenas em Mato Grosso: impasses e contradições ................................................................................................................
76
3.2 Vozes de resistência: análises e reflexões ........................................................... 84
3.3 Entre o sistema oficial e o sistema imaginado .....................................................100
3.4 O Movimento indígena como baluarte do protagonismo indígena ......................107
CAPÍTULO IV – A conquista do ensino superior no processo de autonomia indígena ........................................................................................................................
113
4.1 Construindo a relação entre a educação básica e o ensino superior ................... 114
4.2 Os desafios para a democratização do ensino superior indígena no Brasil .........120 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................127 BIBLIOGRAFIA .........................................................................................................131 FONTES E DOCUMENTOS OFICIAIS ..................................................................136 ANEXOS .......................................................................................................................138
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa trata dos impasses e contradições do processo de inclusão
das escolas indígenas como escolas específicas, diferenciadas e interculturais no sistema
oficial de ensino em Mato Grosso.
O trabalho tem como eixo central à discussão e a análise dos mecanismos que
mediam as relações entre o Estado brasileiro e os povos indígenas no processo de
formulação de políticas para a educação escolar indígena.
A legislação nacional que regulamenta as ações de educação escolar indígena no
Brasil assegura aos povos indígenas a sua plena participação na definição e na
elaboração das políticas públicas. Porém, na prática, esse direito não tem sido garantido
em sua plenitude uma vez que os representantes indígenas ainda não são considerados
protagonistas nesse processo, o que causa descontentamento e frustração para esses
povos.
Entende-se por protagonismo indígena a capacidade crescente dessas sociedades
estabelecerem relações dialógicas com a sociedade nacional e de exercerem o controle
do seu projeto de vida no presente e no futuro. Segundo Secchi (2005) o protagonismo
indígena se expressa especialmente pela capacidade de ocupar os espaços de interesse
coletivo, pelo exercício do diálogo intercultural qualificado e pelo estabelecimento de
relações democráticas e respeitosas com os diferentes setores da sociedade e do Estado
Brasileiro.
Ainda que o meu foco de análise privilegie a luta das sociedades indígenas para
terem acesso a uma educação escolar de qualidade, não pretendo desmerecer a
importância dos instrumentos jurídicos na configuração do sistema de ensino e na
definição e no cumprimento das políticas. Ao contrário, todo o aparato legal é tido
como subsídio para as políticas de atendimento. Um dos destaques desses instrumentos
jurídicos internacionais, ratificado pelo governo brasileiro é a Convenção n.º 169 da
Organização Internacional do Trabalho sobre os Povos Indígenas e Tribais em Países
Independentes, cujo Artigo 27 trata da Educação.
16
A autoridade competente deverá assegurar a formação de
membros destes povos e a sua participação na formulação e execução
de programas de educação com vistas a transferir progressivamente
para esses povos a responsabilidade de realização destes programas,
quando forma adequada. (CONVENÇÃO n. 169, OIT, Art. 27).
Luis Donizete Grupioni (2001:.91-93) aponta inda outras convenções e
instrumentos jurídicos importantes que o Estado e os técnicos governamentais
necessitam conhecer e estudar para subsidiá-los na elaboração de políticas coerentes
com as demandas e interesses dos povos indígenas. Esse autor elenca os seguintes
instrumentos:
“O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,
aprovados pela ONU em l966 e em vigência desde l976, garantem
aos membros de minorias étnicas, religiosas ou lingüísticas o direito
de terem sua própria vida cultural e de utilizarem sua própria língua.
(...).
A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação Racial, aprovada pela ONU em l965 e em vigor
desde l969, define discriminação como toda distinção, exclusão,
restrição ou preferência baseada em motivos de raça, cor, origem
nacional ou étnica que tenha por objetivo ou por resultado anular ou
menos prezar o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de
igualdade, dos direitos humanos e liberdades fundamentais (...).
A Convenção para a Prevenção e a Sanção do Delito do
Genocídio, sancionada pela ONU em l948, define genocídio como a
exterminação metódica de um grupo étnico, nacional, racial ou
religioso, que pode ocorrer não só pela matança de membros do
grupo, mas também por submeter de forma intencional o grupo a
condições de existência que acarretem sua destruição física ou levem
a uma lesão grave na integridade física ou mental dos membros
grupo (...).
A Unesco (Organização das Nações unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura) estabeleceu em l960 a Convenção Relativa à
Luta contra a Discriminação no Campo do Ensino, com o objetivo
17
de eliminar toda a discriminação no âmbito da educação motivada
por questões que envolvem a raça, a cor, o sexo, a língua, a religião,
a origem nacional e promover a igualdade de oportunidades para
todos em matéria de educação (...).
Também da Unesco é a Declaração sobre os Princípios de
Cooperação Cultural Internacional, de l966, que reconhece a
variedade e a diversidade de todas as culturas como um patrimônio
comum da humanidade, estabelecendo que cada cultura tem uma
dignidade e um valor que devem ser respeitados e preservados.”
(GRUPIONI, 2001:91-93).
Há ainda outras declarações proclamadas pela Unesco como a Declaração sobre
Raça e os Preconceitos Raciais, (l978) e a Declaração de Princípios sobre a
Tolerância (l995). No âmbito da ONU, está em discussão a Declaração dos Direitos
dos Povos Indígenas, e da OEA, a Declaração Americana sobre Direitos dos Povos
Indígenas. Vale ressaltar que estes dispositivos internacionais contribuíram para o
reconhecimento da diversidade cultural nos instrumentos legais do Brasil, da mesma
forma que ocorreu com a Constituição de l988 e com a nova LDB de l996.
A Constituição Federal de l988, em seu Artigo 231 “reconhece aos índios, suas
organizações sociais, costumes, línguas, crenças e tradições de cada povo (...)”. No
Artigo 210, § 2, assegura a “utilização das línguas maternas e processos próprios de
aprendizagem” no ensino fundamental. O reconhecimento da identidade cultural
indígena, incluídos as línguas indígenas e os processos próprios de aprendizagem,
inaugura a proposta de uma educação diferenciada e intercultural para a definição das
políticas públicas indigenistas no Brasil.
A exemplo da Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – LDB (Lei nº 9.394/96), nos Artigos 78 e 79, preconiza que os programas
para a oferta de educação escolar intercultural devem ter como objetivos o
fortalecimento das práticas sócio-culturais e das línguas maternas, a inclusão de
conteúdos culturais correspondentes a cada comunidade nas propostas curriculares, a
recuperação de suas memórias históricas, a reafirmação de suas identidades étnicas e a
valorização de suas ciências. Esses programas específicos deverão ser planejados com a
participação das comunidades indígenas.
18
No Plano Nacional da Educação (Lei nº 10.172), destaca-se a criação das
categorias escola indígena e professor indígena nos sistemas de ensino, estabelecendo
implementação de programas específicos para a formação docente.
Todas essas conquistas de caráter legal foram conseguidas num amplo
movimento de luta dos povos indígenas que contou com o apoio de inúmeras
organizações da sociedade civil, da academia e de outras forças vivas da sociedade
brasileira.
O Estatuto das Sociedades Indígenas, em processo de revisão no Congresso
Nacional, será mais um reforço infraconstitucional que irá complementar o
ordenamento jurídico relacionado aos povos indígena brasileiros.
A consolidação de uma política de educação escolar indígena específica e
diferenciada, voltada para a realidade das comunidades e para o reconhecimento cultural
é uma luta antiga. Ao longo do processo de colonização a educação escolar atendeu a
uma política de civilização e evangelização que desenvolveu ações de desestruturação
sociolingüística, política e econômica dos povos contatados e que teve como saldo a
dizimação de muitos povos.
Atualmente realizam-se produtivos debates entre as instituições públicas,
organizações não-governamentais, professores indígenas, especialistas e diferentes
segmentos da sociedade nacional para se construir um novo caminho, que venha a
atender os reais interesses dos povos indígenas por novos processos educacionais.
A legislação brasileira criou a categoria escola indígena e determinou o seu
atendimento prioritário estabelecendo estratégias para atender às demandas escolares
sem permitir a renúncia das especificidades culturais de cada povo ou comunidade
indígena.
Porém o fato das escolas indígenas terem sido incluídas no sistema oficial de
ensino não é suficiente para cumprir e atender a realidade desses povos. A escola só
trará bons resultados se for ressignificada em cada uma das diferentes realidades. Será,
pois, num contexto de diferentes resistências, impasses e expectativas que os povos
indígenas e as instituições terão o desafio de construir em cada comunidade a
modalidade de ensino por eles desejada.
Sobre o contexto em que se insere o presente trabalho vale mencionar que a partir
de l995, iniciou-se uma nova fase de relacionamento com os governos estaduais, que
possibilitou maior visibilidade dos assuntos indígenas no cenário mato-grossense. Os
19
povos indígenas apresentaram suas reivindicações e chamaram a atenção para a
temática da educação escolar, e o governo de Mato Grosso se dispôs a atender às
expectativas das comunidades com novas práticas pedagógicas, curriculares e de gestão
escolar em que prevaleceram os valores e os conhecimentos da cultura indígena.
O estado de Mato Grosso avançou em várias ações que favoreceram os povos,
contemplando seu direito constitucional, adquirido pela luta dos seus movimentos
organizados. Com base na LDB o estado reconheceu a diversidade existente e assegurou
através da Lei Orgânica dos Profissionais da Educação Básica - LOPEB (alterada pela
LC nº 57, de 22/01/1999) a educação básica para as populações indígenas:
Artigo l06 - I – proporcionar aos índios, suas comunidades e
povos, a recuperação de suas memórias históricas, a reafirmação de
suas identidades étnicas, a valorização de suas línguas e ciências; II –
garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso de
informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade
nacional a demais sociedades indígenas e não-índias.
Artigo 107 – na oferta da educação básica para as populações
indígenas são necessárias adaptações às suas peculiaridades, mediante
regulamentação e com consulta ao CEI-MT (Conselho de Educação
Escolar Indígena) e ao Conselho Estadual de Educação, considerando:
I – conteúdos curriculares, metodologias, programas e ações que
garantam às nações indígena auto-sustentação e autodeterminação; II
– organização escolar própria, incluindo a adequação do calendário
escolar às atividades culturais.
Parágrafo único – O ensino será ministrado em Língua
Portuguesa, assegurará às comunidades indígenas a utilização de suas
línguas maternas, bem como processos próprios de aprendizagem.
(LEI Complementar nº 49/98).
Nesse contexto de avanços normativos e legais, apresentam-se questões como: a
legislação atual é suficiente para garantir que os sistemas de ensino cumpram o seu
papel? De que forma as comunidades indígenas exercerão o controle social sobre suas
escolas? Como o sistema de ensino se organizará para atender a diversidade étnico-
cultural como a de Mato Grosso?
20
As questões levantadas apontam para as dificuldades encontradas pelas escolas
indígenas em compatibilizar a realidade das comunidades com os mecanismos
burocráticos e institucionais do sistema, em termos da estruturação e do funcionamento
pedagógico e administrativo de suas escolas.
A participação das comunidades na elaboração, no planejamento e na execução
de políticas requer a mudança de postura e de atenção dos órgãos governamentais aos
serviços educacionais prestados aos povos indígenas que deverá considerar as
peculiaridades socioculturais e políticas de cada povo.
A formação inicial e continuada dos professores indígenas no magistério e no
ensino superior é de responsabilidade do sistema e exige que as instituições se
reorganizem para atender a essa clientela.
Por outro lado, as sociedades indígenas estão em processo de autodeterminação,
buscando a sua autonomia e necessitam que seus projetos societários sejam
contemplados nos projetos de educação formal.
Na condição de representante indígena em diferentes espaços institucionais do
poder público e militante da educação escolar, venho acompanhando a luta dos povos
indígenas pela consolidação dos direitos já contemplados na legislação.
Observo como os professores indígenas e as suas comunidades encontram
dificuldades na elaboração dos projetos políticos e pedagógicos de suas escolas dada à
burocracia institucional do sistema de ensino que restringe o alcance dos seus projetos
educacionais.
Sabemos que o sistema estadual de ensino atua dentro de uma perspectiva
homogeneizadora. Lidar com a nova realidade prevista na legislação traz um desafio
para as instituições mantenedoras das escolas de construir mecanismos específicos de
atendimento à diversidade de cada povo.
Segundo o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI),
vários são os fatores responsáveis por este quadro de dificuldades. Dentre eles,
destacam-se as políticas públicas generalistas (não apenas no campo da educação
escolar); o baixo investimento e capacitação dos técnicos dos órgãos públicos; a falta de
experiência dos técnicos para dialogar com as sociedades e as dotações orçamentárias
insuficientes para a educação escolar indígena (MEC, l998).
Os povos indígenas são contemplados com ações que nem sempre correspondem
às suas realidades, necessidades e expectativas. Alguns estudos sobre o assunto
21
constatam até mesmo que as políticas públicas negam a existência das especificidades
culturais no país.
Como conselheira indígena em instâncias de colegiado como o Conselho
Nacional de Educação, o Conselho Estadual de Educação e o Conselho de Educação
Escolar Indígena, vejo com preocupação a situação das comunidades e de suas escolas,
cujos direitos estão garantidos na legislação. Elas não estão sendo atendidas conforme
as suas especificidades e não têm condições de implantar projetos educacionais que se
contrapõem à influência dos conhecimentos externos impostos pela sociedade nacional.
De modo geral, as escolas indígenas são mal assistidas e não têm orientação
pedagógica convergente com a sua realidade. Algumas são gerenciadas e conduzidas
por profissionais não-indígenas muitas vezes sem qualificação para lidar com essa
diversidade. As escolas indígenas são enquadradas nos sistemas municipais e estaduais
de ensino no mesmo estatuto de escolas urbanas, de escolas rurais ou ainda de salas de
extensão. Dessa forma, o contexto político, pedagógico, financeiro e administrativo está
fora de sua realidade comunitária. Portanto, o processo de reconhecimento das escolas
indígenas dentro do sistema educacional ainda deverá percorrer um longo caminho para
ser concluído adequadamente. Por outro lado, há necessidade de novos aportes que
consideram a diversidade destas escolas para viabilizar a sua funcionalidade nos termos
previstos na legislação. É preciso que o sistema de ensino compreenda e institua
programas compatíveis com a realidade dos povos indígenas, pois são sociedades
tradicionais com culturas diversas, com pensamentos e modos de viver bastante
diferente da sociedade ocidental. Apesar da situação política e administrativa em que se
encontram as instituições que atendem à clientela indígena, os avanços obtidos no
âmbito da educação escolar se devem em grande parte ao esforço do movimento de
professores, das organizações indígenas e dos seus aliados. Nesse sentido, tem-se a
percepção de que cabe ao Estado legitimar as iniciativas dos povos indígenas, por se
tratar da defesa de direitos constitucionais garantidos. Além disso é necessário criar
condições e mecanismos de controle social para que as comunidades tenham
participação garantida na elaboração de projetos político-pedagógicos que reflitam a sua
realidade sociocultural.
Consideramos estes pontos fundamentais para a implementação de políticas
coerentes com os anseios dos povos indígenas. Por isso, realizei esta pesquisa com a
participação de professores indígenas e de outros profissionais da educação tais como
22
técnicos governamentais e membros de organizações indígenas. Pretendo que ela seja
um instrumento que facilite o processo de autonomia e de gerenciamento das ações
educacionais tanto para índios quanto para os governos, de forma que a escola não se
torne um espaço de negação das identidades indígenas.
Para que se alcance a inclusão das escolas indígenas no sistema oficial de
ensino, bem como a sua consolidação, será necessário repensar concepções, teorias e
práticas que se perpetuam nas instituições governamentais. É preciso também avaliar as
políticas que visam a atender às diversas realidades da população.
Neste trabalho, sempre que possível, envolvi os segmentos institucionais e os
atores sociais protagonistas, na construção e implementação de políticas de educação
escolar indígena. Privilegiei a participação da clientela beneficiária, tal como os
professores e suas comunidades, com vistas a permitir que expressassem o pensamento
indígena acerca desta questão.
A partir dessa perspectiva busquei conhecer as diferentes abordagens teóricas e
metodológicas no campo da Educação que tratam das relações entre movimentos sociais
e poder público. Dentre os trabalhos analisados, destaco os das professoras Maria da
Glória Gohn, Ilse Scherer-Warren, e de Reinaldo Matias Fleuri.
Em relação aos procedimentos metodológicos, realizei inicialmente uma pesquisa
em documentos oficiais da FUNAI, da Secretaria de Educação do Mato Grosso, do
Conselho de Educação Escolar Indígena de Mato Grosso, das Organizações Indígenas e
do MEC, nos quais levantei a legislação e as principais diretrizes sobre a educação
escolar indígena no Brasil. Num segundo momento, elaborei um questionário para
averiguar as perspectivas de lideranças e professores indígenas com relação a educação
escolar.
Os dados deste trabalho foram obtidos através de observação participante,
entrevistas com lideranças e professores indígenas, em seminários de educação
indígena, nos cursos de formação de professores, nas aldeias, em encontros e outros
eventos indígenas, anotações em diários de campo e registros documentais e
fotográficos.
Inicio o trabalho apresentando alguns argumentos com o intuito de justificar a
escolha dessa temática dentre tantas outras igualmente relevantes. A opção pelo
processo de inclusão das escolas indígenas no sistema oficial de ensino deveu-se
basicamente por duas razões. A primeira, em virtude de minha própria atuação como
23
militante e profissional da educação escolar indígena; a segunda, por verificar como o
sistema oficial tem dificuldades de atender a legislação vigente e de executar as
políticas estabelecidas para essa modalidade de ensino.
O corpo principal do trabalho está organizado em quatro capítulos seguidos de
uma conclusão.
No primeiro capítulo trato do processo de ocupação do Estado de Mato Grosso,
da instalação das primeiras escolas para indígenas e da construção do novo paradigma
da educação escolar indígena caracterizada como “específica, diferenciada, bilíngüe e
intercultural”. Serão destacados os aspectos relevantes de cada um desses períodos com
destaque à última fase desse processo.
No segundo capítulo discuto o processo de elaboração da legislação atinente a
temática escolar, com ênfase na luta dos povos indígenas para assegurar a sua
participação na construção desse processo. Darei especial atenção as estratégias
indígenas para ocuparem os espaços públicos em órgãos de representação colegiada que
definem políticas públicas propostas de legislação.
O terceiro capítulo é dedicado ao processo de inclusão das escolas indígenas no
sistema oficial de ensino. É realizado um balanço das políticas educacionais, seus
impasses e contradições, destacando à resistência e a mobilização dos povos indígenas
em busca dos seus espaços de protagonismo.
Finalmente, no quarto capítulo são apresentadas as principais conquistas obtidas
nesse processo. Destaco a democratização da educação básica e as mais recentes
iniciativas de formação em nível superior para professor indígena. Destaco também a
necessidade de formação de quadros em diferentes campos profissionais para atuarem
junto às comunidades na busca de maior autonomia.
Neste estudo tratei, portanto, das políticas educacionais elaboradas com a
participação indígena a partir do aprofundamento de trabalhos já produzidos sobre esta
temática, tendo como foco a realidade escolar indígena de Mato Grosso. Priorizei à
observação dos processos que caracterizam o contexto político e escolar mato-grossense
com destaque para o movimento de construção do protagonismo indígena, a ocupação
dos espaços públicos pelos índios no diálogo permanente e de relações com o Estado
brasileiro.
24
Espero ter contribuído com a produção de subsídios para a melhoria do sistema
educacional e para o incentivo a todos os atores sociais indígenas envolvidos na sua luta
por mais direitos e justiça social.
É, pois, nesse complexo e dinâmico cenário que conduzirei a reflexão sobre o
processo de inclusão das escolas indígenas no sistema oficial de ensino.
CAPÍTULO I
DA ANCESTRALIDADE AOS TEMPOS CONTEMPORÂNEOS
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1.1 Antecedentes históricos
A história oficial da ocupação regular da região que veio a ser conhecida como
Mato Grosso iniciou-se com a chegada das primeiras bandeira nos sertões, em l718.
Foram lideradas por Antonio Pires de Campos, que alcançou o rio Coxipó em busca de
mão-de-obra escrava para a comercialização nos principais centros comerciais da
Colônia (SECCHI, l995: 20).
A colonização de Mato Grosso “iniciada depois de mais de duzentos anos do
descobrimento do Brasil”, teve a mesma intencionalidade verificada em outros pontos
do país: a conquista do sertão “selvagem”, a escravização indígena e a ocupação de
novas terras. (FERREIRA, 2001: 143).
O maior centro das bandeiras foi São Paulo. Para chegar a
Mato Grosso desciam em canoas o rio Tietê, entrava no Paraná, até a
foz do rio Pardo e nele subiam até Camapuã. Quase nas cabeceiras do
rio Pardo, baldeavam carga e barcos, em carros de bois, até o rio
Coxim donde, pelo rio Taquari, entravam no rio Paraguai, até
encontrar o rio dos Porrudos, ou São Lourenço. Depois, subindo o rio
Cuiabá, chegavam ao lugar da atual Cuiabá. (BORDIGNON, l986: 5).
Para realizar essa travessia, os bandeirantes entraram em vários territórios
indígenas e travaram batalhas com diversos povos como os Kayapó, Paiaguá e Bororo.
As armas tradicionais dos índios raramente puderam deter os conquistadores; suas
aldeias foram arrasadas e muitas vidas ceifadas pelo seu poderio bélico.
As primeiras atividades auríferas mato-grossenses começaram com a extração
nas “Minas de Cuyabá” e se consolidaram com a escravização dos indígenas. Como
resultado da exploração aurífera, surgiram diversas vilas, povoados e empreendimentos
agropecuários que davam sustentabilidade econômica à atividade extrativista.
Nessa região habitava os Bororo, muitos dos quais foram escravizados e
enviados para outras capitanias como mão–de-obra.
Os principais marcos das relações entre os povos indígenas mato-grossenses e os
colonizadores foram a subjugação e a escravização. Devemos também registrar a
resistência expressa por um constante estado de guerra, que resultou na dizimação de
27
nações inteiras e retardou significativamente o processo de ocupação da região Centro-
Oeste brasileira.
Na visão de Siqueira (2002), eram dois universos culturais muito diferentes que
se confrontavam. Os conquistadores europeus não conseguiram compreender e respeitar
a diversidade cultural.
O pensamento dominante dos europeus era de que culturas desconhecidas eram
inferiores. Os índios “não eram gente” “não possuíam alma”, eram “seres bestiais”,
podendo vir a ser tratados com violência e desumanidade. Essas conclusões explicam a
selvageria como fruto das diferenças sociais entre europeus e indígenas. (GRUPIONI,
l994: 42).
Por outro lado, os colonizadores dependiam dos conhecimentos indígenas para
garantir o território e por em prática a ocupação efetiva do império lusitano.
Necessitava-se fixar as fronteiras, garantir os limites geográficos e demarcar o seu
império. Sem a presença indígena, os bandeirantes não teriam dominado os sertões, pois
os índios possuíam diferentes conhecimentos acerca de seus domínios naturais. Os
índios não representaram apenas a garantia de mão-de-obra braçal, mas serviram,
sobretudo como guias, pois conheciam, como ninguém o temido e desconhecido sertão
Oeste (SIQUEIRA, 2002:.35).
Para os bandeirantes, os índios eram a mercadoria mais valiosa, peça de
sustentação da atividade garimpeira e comercial não só da localidade, mas da coroa
portuguesa, razão pela qual Antonio Pires de Campos empreendeu várias expedições no
encalço dos índios que habitavam a região do rio Coxipó.
Segundo Siqueira, (2002: 64 apud MELLATI, 1983), “submeter o índio às
minas, a seu trabalho monótono, insano e severo, sem sentido tribal, sem ritual
religioso, era como tirar-lhe o significado de sua vida. Era escravizar não somente seus
músculos, mas também seu espírito coletivo”.
Vale destacar que as atitudes adotadas pelos indígenas frente ao colonizador
tomaram diferentes direções. Em alguns casos ocorria uma total submissão; em outros,
resistiam e lutavam bravamente contra o invasor; em outros, fugiam para regiões
distantes, abandonando o seu território tradicional. Houve casos também em que se
aliaram aos colonizadores para lutar contra seus rivais, inimigos históricos.
Entre l719 e l808, com a notícia de novas descobertas de minas auríferas, novas
expedições adentraram a região na busca de mão-de-obra indígena.
28
Em 1719, o bandeirante Pascoal Moreira Cabral, seguindo a mesma direção de
Antonio Pires de Campos, alcançou a região de Cuiabá, declarando guerra aos nativos e
fundando o Arraial de São Gonçalo Velho ou Aldeia Velha. Outro arraial fundado foi o
da Forquilha, próximo às margens do córrego Mutuca. (SIQUEIRA, 2002: 30).
Em l721, Miguel Sutil descobriu uma nova mina nas proximidades de um
córrego afluente do rio Cuiabá, denominado Prainha. Nascia aí no território ancestral do
povo Bororo, um novo arraial – o Arraial do Senhor Bom Jesus, que daria origem a
Cuiabá.
Dada a grande movimentação espanhola na região de fronteira, em razão da
disputa acirrada com os espanhóis e as descobertas de minas auríferas, a coroa
portuguesa sentiu-se ameaçada e criou uma nova capitania nas terras de Mato Grosso.
Surgia em 1752 a Vila Bela da Santíssima Trindade que viria a ser a primeira capital
mato-grossense1. A sua localização estratégica na região da fronteira assim como a
navegação pelo rio Guaporé, possibilitou a exploração das riquezas da região e o
controle das investidas dos espanhóis.
A historiadora Elizabeth Madureira Siqueira (2002: 40), ressalta que as lavras
impulsionaram o povoamento na área a Oeste de Mato Grosso. Entre as principais,
destaco:
“Lavras do Rio Galera (l734): nos sertões dos índios Paresi – conquista dos
irmãos Paes de Barros;
Lavras de Santana (l735): atual Nortelândia – descoberta pelos irmãos Paes de
Barros e Fernandes de Abreu;
Lavras do Brumado e Corumbiara: Guaporé – descoberta pelos irmãos Paes de
Barros;
Minas do Alto Paraguai (l747): Alto Paraguai e Diamantino;
Lavras de Santana e São Francisco Xavier (l751): Guaporé”.
Na medida em que a expansão territorial avançava, ampliava-se também o
registro dos povos contatados na região. Antonio Pires de Campos descreveu em seu
1 O primeiro governante da Capitania de Mato Grosso foi D. Antonio Rolim de Moura.
29
relatório alguns povos que habitavam a baixada cuiabana2, como os Popas, Arariponés,
Acopoconés, Tangeguiz, Itaporés, Utamoré-Mirim e outros. Na região do rio São
Lourenço habitavam os povos Taquari, Cruará, Porrudo, entre outros. (SIQUEIRA,
2002: 60-61).
Havia todo empenho da coroa portuguesa em controlar os impostos, povoar as
terras, abastecer as novas vilas e povoados, assim como guerrear contra os índios
resistentes, principalmente os temíveis Paiaguá e Guaicuru, que atacavam as monções3.
Nesse período criou-se a Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão
interligando Belém do Pará a Vila Bela, através dos rios Amazonas, Madeira e Guaporé
dando saída para o Oceano Atlântico.
Em l751, D. Antonio Rolim de Moura foi o responsável pela vinda dos primeiros
jesuítas para Mato Grosso, com a finalidade de proceder à criação de uma missão
indígena destinada a abrigar índios “mansos” de várias etnias, na região do Rio Manso,
civilizando-os para o povoamento da região, um local chamado Santana da Chapada. O
lugar escolhido para o estabelecimento da missão indígena foi o alto da Serra de São
Jerônimo, também conhecida como Serra da Canastra, atual Chapada dos Guimarães.
(SIQUEIRA, 2002: 42).
Pouco se sabe sobre o processo educativo nesse período. Provavelmente não
teria sido outro que a submissão e a conversão religiosa, além da desestruturação social
e cultural. Em virtude dos problemas econômicos verificados nos aldeamentos próximos
a Santana da Chapada, da dificuldade de catequizar e do agravamento da violência
contra os índios, à experiência fracassou.
Portanto, o período colonial foi marcado pela ocupação e expansão do sertão
mato-grossense, pela escravização dos índios e pela exploração aurífera, o que
desencadeou a fundação de vilas e pequenos povoados. A mão-de-obra e os
conhecimentos indígenas foram explorados exaustivamente pelos conquistadores. Povos
inteiros foram dizimados por resistirem à frente colonial. O ensino centrado na religião,
2 Baixada Cuiabana é denominada a região formada pelo médio curso do rio Cuiabá e seus afluentes. 3 Monções era o transporte feito por pequenas embarcações que traziam mercadorias e abasteciam as novas vilas e as expedições dos bandeirantes.
30
na imposição cultural e na língua portuguesa teve resultados possíveis de serem
classificados como genocídio cultural.
A estratégia dos colonizadores era incentivar o povoamento por colonos vindos
de outras capitanias e de Portugal, na tentativa de diminuir a influência da cultura
indígena e negra, que nesse período era predominante. A Igreja e o Estado exerciam
pleno controle sobre as vilas ou povoados, semeando-se assim a “civilização européia”
pautada pela “espada” e pela “cruz”.
Com a consolidação do período Imperial, os fatos marcantes na história nacional
tiveram grandes repercussões também em Mato Grosso. As idéias revolucionárias
vindas da Europa e a emancipação política do Brasil tiveram eco no ideário das elites
mato-grossenses.
O interesse pelo comércio intensificou as relações com a Argentina, Uruguai e
Paraguai por meio de uma rota de navegação para a venda de produtos importados da
Europa, principalmente da Inglaterra. A resistência do Paraguai em concordar com a
proposta de abertura comercial causou um conflito não resolvido por várias tentativas
diplomáticas frustradas e que veio a culminar com a até a denominada Guerra do
Paraguai. (SIQUEIRA, 2002: 94-97).
Siqueira ressalta que, com
(...) o Tratado de Aliança do Comércio, Navegação e Extradição entre
o Brasil e a Republica do Paraguai, estava finalmente franqueada a
navegação de Mato Grosso pelo rio Paraguai, o qual integra com os
rios Uruguai e Paraná, a grande bacia hidrográfica que interliga o Sul,
Sudeste e o Centro-Oeste com as repúblicas do Uruguai, Argentina e
Paraguai. Com a guerra declarada, os índios habitantes tradicionais
dessa região, aqueles que considerados “mansos” e pacificados como
os Guarani, os Terena, os Kadiwéu participaram como soldados nas
trincheiras brasileiras. A vitória brasileira abre as fronteiras para as
frentes comerciais de exportação/importação internacionalmente.
Vários produtos são negociados, como a borracha, a erva-mate e a
poaia, tornam se alvos dos comerciantes estrangeiros, e se inicia a
demarcação e arrendamentos de novos territórios para assegurar a
31
exploração desta atividade extrativista. E assim as terras indígenas
tornam se alvos de intensa exploração de mão de obra e perseguição
para a expropriação territorial. As regiões cobiçadas foram desde
Cáceres, Barra dos Bugres, Tangará da Serra, Vila Bela da Santíssima
Trindade e até mesmo Cuiabá. (SIQUEIRA, 2002: 107).
Outras atividades econômicas surgiram ao longo do rio Cuiabá, como as usinas
de açúcar Conceição, Itaici, Maravilha, Flexas, Aricá, São Gonçalo e Ressaca.
Juntamente com a pecuária (atividade que desde o período colonial contribuiu para a
grande concentração de terras), foram responsáveis pelo fortalecimento do poder
econômico e político dos “coronéis”, em cujos domínios, agiam de acordo com as
próprias leis. (SIQUEIRA, 2002: 102-105).
A população local, desde Vila Bela até Cuiabá, era composta por índios,
mestiços e negros e que, explorados na sua força de trabalho, coibidos de se
beneficiarem da colônia e do império, eram tratados segundo a visão etnocêntrica de
que “colonizador não poderia exercer qualquer atividade braçal, cabendo aos escravos
fazê-lo” (SIQUEIRA, 2003: 120).
Uma reação ao processo de exploração foi o surgimento dos quilombos, que
agregavam índios, negros, mestiços e brancos pobres num convívio de solidariedade.
Vários quilombos ameaçaram o poder local e foram reprimidos e extintos. (SIQUEIRA,
2002: 120-125).
A partir do século XIX chegou a Mato Grosso a imprensa e o ensino primário
voltado para o atendimento da população analfabeta. Ocorreu também o
estabelecimento de várias escolas de nível secundário. Os cronistas e estudiosos
estrangeiros que vinham visitar Mato Grosso tinham a idéia de que esta terra era um
eldorado a ser explorado com vários povos a serem civilizados. Nos relatos registrados
a ênfase recai num olhar eurocêntrico sobre a sociedade local, sobre a cultura e seus
modus vivendi. A riqueza existente deveria ser explorada por estrangeiros, pois a
população local não apresentava condições para o devido empenho capitalista. A
herança cultural indígena era vista como o grande obstáculo para o desenvolvimento da
província.
32
A elite mato-grossense buscava formas de se “ocidentalizar” e de abrandar o
preconceito que ela própria nutria. De outra parte, a tentativa de integração nacional
exigia medidas para a consolidação da modernidade, dentre elas a melhoria das estradas
e da rede de comunicação com os grandes centros urbanos.
O sonho de interligar, através do telégrafo, todo o território brasileiro,
nasceu no final do Império quando D. Pedro II, em l880, projetou a
construção de uma linha que, partindo da cidade paulista de Franca
(Alta Mogiana), atingisse Uberaba, atravessasse Goiás, chegando a
Cuiabá. De Cuiabá a travessia seria até o Amazonas, atravessando a
região Central do Brasil, era o sistema telegráfico por meio do Código
Morse. Para construir este projeto na região mato-grossense foi
nomeado um filho da terra, descendente de índios Bororo, Candido
Mariano da Silva Rondon era militar graduado.
(...) As linhas eram parte de um plano militar da nascente República,
era uma obra de vulto, grandiosa, de ocupação das fronteiras mato-
grossenses com a Bolívia e com o Paraguai. Idealizada depois da
Guerra do Paraguai (l865-l870), foi executada pela Comissão Rondon
como uma estratégia militar de consolidação da fronteira, quando
Mato Grosso já participava do mercado internacional da borracha.
(SIQUEIRA, 2002: l67 apud MACHADO, l994).
A finalidade da Comissão era agregar os índios e sertanejos das regiões que
estavam na rota das Linhas para serem trabalhadores na construção telegráfica. A
Comissão de Linhas Telegráficas contou com pesquisadores especializados, como
botânicos, fotógrafos, sanitaristas, desenhistas, entre outros profissionais. (SIQUEIRA,
2002: 168).
A implantação das linhas telegráficas nas terras indígenas teve diferentes
impactos nas comunidades, tendo sido encontrados vários povos sobreviventes de
massacres, perseguidos pelas frentes expansionistas e empurrados para outros
territórios. Serviu também para consolidar o projeto de Rondon de colocar os índios na
condição de trabalhadores da nação. Por esses motivos inúmeros índios Paresi, Bakairi,
Bororo, Nambikuara integraram as frentes de trabalho, para atuar como guias nas matas
e exercerem serviços de codificação telegráfica. Com isso, Rondon deixou um legado
33
valioso, desde o registro dos povos resistentes até a definição territorial dos estados
brasileiros do Centro-Oeste. (SIQUEIRA, 2002: 166-171).
A Primeira República veio ampliar o projeto de modernização do país, tendo
Mato Grosso como referência na expansão territorial e em atividades econômicas, o que
futuramente colocaria o estado num outro patamar de colonização, mantendo a mesma
estratégia eurocêntrica em relação aos povos indígenas.
Dessa forma, é possível concluir que o processo civilizatório teve como
instrumentos a espada, a cruz e a escola, que, atreladas à política de ocupação territorial,
resultaram na atual configuração da sociedade mato-grossense.
Nesse sentido, mirando a história do Brasil e as ações políticas dos seus
governantes, percebemos que houve diferentes fases e diferentes ênfases no seu
desenvolvimento. Em todas elas, porém, persistiu uma relação assimétrica entre os
índios, a sociedade nacional e o Estado.
Uma das estratégias jurídicas utilizadas foi a limitação da capacidade civil dos
índios, conforme ressalta o trecho a seguir:
Como uma das formas de viabilizar a dominação do território,
prevaleceu entre as forças colonizadoras a idéia de que os ocupantes
originários do território invadido não se constituíam como unidades
políticas próprias e independentes, mas como aglomerados de
indivíduos sem organização sócio-cultural. Esta concepção ensejou a
criação de mecanismos que tornassem estes indivíduos partes
integrantes do corpo social dominante. (GUIMARÃES, l996, mimeo,
apud SILVA, l997: 27).
De acordo com Rocha (2003), “graças a essa incapacidade relativa, torna-se
necessário o estabelecimento de um tutor legal, neste caso o próprio Estado, por
intermédio do órgão encarregado da política indigenista, o SPI. A incapacidade relativa
significa que determinados atos da vida civil, como a venda da produção, contratos etc.,
são anuláveis quando o Estado (o tutor) considere-os lesivos aos interesses do tutelado.
Com a declaração da incapacidade relativa do índio, os legisladores pretendiam garantir
34
a proteção destes, que seriam tutelados pelo Estado, incorporando assim uma tradição
da legislação brasileira a esse respeito.” (2003: 67).
Nesse contexto se iniciou a escolarização que caracterizou o processo
civilizatório dos povos indígenas. Ele nos mostra os diferentes contextos em que esta
relação se deu que marca a situação e a convivência indígena no cenário brasileiro desde
a colonização até a contemporaneidade. Inicialmente os índios foram excluídos do
processo de escolarização. Não havia motivos para permitir o seu acesso ao “saber
letrado”. Num segundo momento, dada a necessidade de expandir as frentes de
ocupação e de utilizar os índios como mão-de-obra semiqualificada, foi necessária
tolerar a sua formação regular. O positivismo rondoniano defendeu e implantou
parcialmente essa bandeira!
Uma atitude de solidariedade para com os povos indígenas viria a surgir apenas
nas últimas décadas do século XX com o advento dos trabalhos constitucionais e da
legislação complementar. Ela daria início aos caminhos que estão sendo trilhados
atualmente, caracterizados pelo protagonismo indígena, cuja marca é o empoderamento
dos índios nos debates que a eles dizem respeito.
A política de exclusão, por meio da negação da diversidade, não reconheceu os
índios como sociedades autônomas e sujeitos da sua própria história. Mesmo em
situações de alianças entre lusitanos e índios, a exploração das guerras intertribais
favorecia ao colonizador. Nos primeiros séculos da colonização, as relações luso-
indígenas permaneceram subordinadas a uma lógica pré-colonial, (MONTEIRO, l994:
102). Esta fase de exclusão permeou o período colonial até meados do século XVII.
O Império foi o período fundador da nação brasileira e de constituição de seus
cidadãos. Muitas lutas e esforços foram despendidos para que o Brasil se tornasse
independente, e se constituísse em uma nação democrática (SIQUEIRA, 2002: 83). A
idéia de nacionalidade evoca as origens nativas, as imagens do índio “civilizado”,
“pacificado”, a idéia das três raças: negro, índio e europeu, como superação do índio
“primitivo”, na visão dos conquistadores.
Na perspectiva de Rinaldo Arruda (2001: 45), “as sociedades indígenas têm sido
um campo fértil para as mais diversas projeções, balizadas ao longo da história do
35
Brasil por duas visões contraditórias: a do índio como metáfora de liberdade natural e a
do índio como imagem de ‘atraso’ a ser superado”.
Atravessando os séculos, vale registrar que, apesar dos governantes tentarem
anular a existência indígena, de uma forma ou de outra, o índio superou as imposições
colonialistas. A tolerância para com os índios nasceu dessa resistência e se consagrou
frente o fracasso do indigenismo oficial em civilizar e integrar os índios à comunhão
nacional.
Num período mais recente, observa-se uma fase de solidariedade, manifestada
pelo apoio de setores da sociedade brasileira, que marcou a mudança política e
constitucional do país. Construiu-se o momento da pré-constituição, a elaboração da
nova Carta Magna. Diferentes segmentos dos movimentos sociais se uniram com uma
só finalidade, podendo-se observar que setores da sociedade brasileira se solidarizaram
com os povos indígenas, reconhecendo que as conquistas pleiteadas eram frutos de
séculos de luta e resistência dos povos indígenas e de suas organizações, interferindo
ativamente nos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte e na redação da atual
Carta Magna do país.
“Os povos indígenas têm direitos que lhes asseguram tanto a cidadania como
“privilégios” específicos em conseqüência dessa condição mui especial que é a sua
vinculação a tradições culturais pré-colombianas. Eles expressam, afinal, maneiras de
sobrevivência que a humanidade logrou construir em sua trajetória no ecúmeno terrestre
e são assim depositários de especificidades biossócioculturais que impõem o respeito do
Estado brasileiro”. (SANTOS, 1995: 105).
Esta nova perspectiva presente na Constituição Federal de l988 nos conduz a
uma nova etapa da história dos povos indígenas no Brasil: o rompimento da tutela, o
direito à diferença e à conquista de novos instrumentos para a convivência e relação
entre o Estado e a sociedade nacional.
“Nós indígenas temos trabalhado no âmbito dessa diferença e vivenciado a
dificuldade de diálogo ao longo da história. Os elementos que são vistos de perto são as
lutas do cotidiano: a busca da garantia do território e a negociação de alguns termos que
36
favoreçam a convivência, se não tolerante, se não harmoniosa, mas que ao menos
favoreçam a convivência. Uma convivência qualificada”. (KRENAK, 2001: 73).
O que vemos é o entendimento dos índios que buscam estabelecer uma nova
estratégia de relação com a sociedade majoritária, mas num encaminhamento de
participação e de autonomia, protagonizado pelos diferentes atores sociais indígenas.
Esse entendimento pode ser sintetizado pelas palavras de uma liderança indígena
ao discutir a questão de autonomia:
Não queremos mais servir de história nas escolas como coitados
que precisam de assistência durante a vida inteira, alimentando assim
os grandes funcionários que vivem às nossas custas das riquezas da
Amazônia. Eu, como liderança indígena, não posso mais esperar os
recursos governamentais enquanto o meu povo está morrendo, mas
sim, queremos todos participar desse processo que nos foi negado há
muito tempo. (Darcy Duarte, Coordenador-geral da Coiab, 8.8.1997,
In GALLOIS, 2001:177).
1.2 As Escolas para indígenas em Mato Grosso
O histórico das iniciativas de escolarização4 entre os povos indígenas de Mato
Grosso está conjugado à política expansionista do Estado, implementada pela Comissão
das Linhas Telegráficas (1890), entre o povo Bororo e pelas missões religiosas
Salesianas (1895) e, posteriormente, entre os Paresi e Bakairi.
É nesse contexto que iremos nos reportar inicialmente, tendo como referência os
primeiros povos que vivenciaram a chegada da escola na aldeia, concomitantemente aos
impactos da ocupação gradativa de seu território tradicional. Num segundo momento
faremos também algumas referências a escolas em outros povos de Mato Grosso.
Estudar os Bororo, é mergulhar na história do povo Boe5, é chegar às origens de
Cuiabá e de Mato Grosso, pois era uma grande “nação”, dona de imensos territórios,
4 A primeira tentativa de escolarização foi em l750, na missão jesuítica de Santana da Chapada. 5 O termo Boe é a sua autodenominação e significa gente. Pertence ao tronco lingüístico Macro-Jê.
37
“que ia desde a Bolívia à oeste até além do rio Araguaia, ao leste, desde o rio das
Mortes ao norte até a bacia do rio Taquari, ao sul”. (BORDIGNON, l986: 2).
Considerados como uma das maiores nações indígenas do Planalto Central pela
vastidão do seu território, tidos como grandes guerreiros, resistiram bravamente em
defesa do seu território, derrotaram bandeiras e expedições de Antonio Pires de Campos
e Pascoal Moreira Cabral (fundador de Cuiabá), sendo, posteriormente, aprisionados e
levados como escravos para outras capitanias.
Antes da chegada dos bandeirantes, segundo Bordignon:
(...) Eram divididos em vários grupos: os da bacia do rio Cuiabá,
também chamados Coxiponês, nome derivado do rio Coxipó, afluente
do Cuiabá. Os da bacia do rio São Lourenço, também denominados
Porrudos. Os que moravam no alto do rio das Mortes, na bacia do rio
das Garças e nos dois lados do alto rio Araguaia. Os do Sul, os da
Serra de São Jerônimo e o dos rios Taquari e Coxim. Os da margem
dos rios Paraguai e Jauru, também denominado de Avavirás ou
Bororos de Campanha. (BORDIGNON, l986: 2).
Em decorrência do contato, os Bororo foram divididos em dois grandes grupos:
os Ocidentais, chamados de Cabaçais e da Campanha, (parte deles desaparecendo como
povo indígena, outra parte se misturou com a população indígena na fronteira de Mato
Grosso e Bolívia, com o povo Chiquitano); e os Orientais, conhecidos como Coroados,
os quais resistiram até os dias atuais. (JESUS, l996: 9).
Após séculos de perseguições, de escravização e massacres pelos bandeirantes,
depois pelos fazendeiros, garimpeiros outras frentes de ocupação que lotearam o
território indígena tradicional e fundaram várias cidades, inclusive nos lugares em que
ficavam localizadas as aldeias, foram confinados em quatro reservas atualmente
demarcadas, que compõem o seu refúgio territorial: Perigara, Tadarimana, Gomes
Carneiro e Meruri.
É nesse contexto que a escola formal foi implantada, visando a atender a
população Bororo “reunida” nessas reservas.
Segundo Secchi (l998: 17):
38
(...) Os padres vieram a Mato Grosso a pedido do então governador
do Estado, no ano de l895. A sua primeira missão localizou-se junto à
colônia militar Tereza Cristina (hoje terra indígena Gomes Carneiro)
e visava atender aos Bororo ‘reunidos’ naquelas instalações militares.
A primeira ‘missão própria’ (Tachos) foi fundada no ano de l902 e
dez anos depois, já em Meruri, a metade dos Bororo estava
alfabetizada, e muitos deles já possuíam uma profissão específica.
Em l923, os missionários mudaram a aldeia de Tachos para um lugar chamado
Meruri, sendo fundada uma escola para a alfabetização, para o ensino profissionalizante
e para a catequese. A maioria dos Bororo foi convertida à religião católica.
O seu processo educativo seguiu os princípios religiosos cristãos, assim como a
valorização dos costumes e comportamentos da sociedade ocidental. Para tal, os
missionários organizaram a escola conforme o sistema educacional das escolas
urbanizadas, com a finalidade de “civilizar” os índios. A organização tradicional aldeia
Bororo também foi alterada para atender a esse processo civilizatório, com construções
de casas de alvenaria na forma de um “L”, abandonando o formato circular, com a casa
dos homens no centro da aldeia alterando o espaço, os missionários esperavam alterar as
concepções dos índios.
Atualmente a escola de Meruri é mantida pela Secretaria de Estado de Educação
e o processo educativo segue as normas do sistema oficial de ensino. A direção ainda
está nas mãos dos missionários. Em outras aldeias as escolas são municipais e os seus
professores indígenas, à exceção da aldeia Perigara localizada no território do pantanal,
de difícil acesso, que é do Estado.
Outro povo importante para pensarmos o processo de escolarização indígena em
Mato Grosso é o Paresi. Foram descritos por Rondon como habitantes de “grandes
reinos”, sendo considerados como um povo com vasto território, do qual, em l718, o
bandeirante Antonio Pires de Campos aprisionou um contingente de escravos para
outras capitanias. Pertencentes ao tronco lingüístico Aruak e se autodenominam Haliti,
que significa gente, povo.
A experiência dos Paresi com a escolarização teve início a partir do século XIX,
principalmente com a chegada da Comissão das Linhas Telegráficas de Marechal
Rondon. As escolas militares para índios davam continuidade à estratégia política de
ocupação territorial e ao processo de contato com os índios da região médio norte do
39
estado. Até então, os índios de Mato Grosso não sabiam o que era uma escola, nem sua
funcionalidade, pois a educação tradicional indígena predominava nas sociedades.
A experiência de escola de posto instalada por Rondon se deu quando da sua
chegada à Aldeia Queimada, em l910, onde encontrou os Paresi Waimaré e Kaxinití
perseguidos por seringueiros e por epidemias que assolaram muitas aldeias, diminuindo
a população.
Em Ponte de Pedra6, foi construído o primeiro internato no território do povo
Paresi, na década de l910, vindo a ser transferido posteriormente para outro lugar de
nome Utiarití, onde se instalou uma estação telegráfica.
A instalação das Linhas Telegráficas no território Paresi
desencadeou um processo de desaldeamento das terras tradicionais
para os postos telegráficos. Marechal Rondon implantou as primeiras
escolas entre os Paresi aos moldes das escolas estaduais, nos postos
telegráficos: no Utiarití e no Posto Ponte de Pedra, no território do
Utiarití, um internato para meninos e funcionários das Linhas
Telegráficas, não só para aprenderem as primeiras letras como
também para aprender lidar com a comunicação da telegrafia. A
escola internato obedecia ao sistema da rede pública. “Os pequenos
aborígines se amoldem facilmente aos nossos costumes, entrando
assim na civilização”. (COSTA, apud cf. Relatório SPI, l923).
A proposta pedagógica e o currículo dessas escolas eram elaborados numa
perspectiva de ensino civilizatório e integracionista. Os preceitos pedagógicos eram
balizados pela repetição e pela reprodução e os alunos eram levados a ler e a escrever
em língua portuguesa. (ROCHA In: SANTOS, 1973: 277).
Com o abandono dos militares de Rondon em l945, a escola da aldeia Utiarití foi
entregue aos missionários jesuítas, que seguiam a mesma pedagogia de “catequizar” e
“civilizar” os índios, estendendo-se a crianças de várias outras etnias da região médio-
norte do estado. Além dos Paresi, os Nambikuara, os Rikbaktsa, os Irantxe, os Apiaká e
os Kayabi foram atendidos pelo internato de Utiarití.
6 Ponte de Pedra, território sagrado dos Paresi, conforme o mito de origem do povo.
40
O sistema de internato funcionou até a década de l970, deixando um saldo
desastroso para os Paresi e para os povos da região circunvizinha. A cultura ocidental
imposta, os processos de ensino/aprendizagem, a imposição de regras e costumes, a
proibição do idioma nativo e o controle de comportamento levaram esses a perder os
seus referenciais de identidade. 7
Entre os Paresi, os subgrupos Waimaré e Kaxinití perderam o território
tradicional. Os que conseguiram retornar às aldeias de seus parentes apresentaram
dificuldades de adaptação no convívio com a tradição. Perderam a língua materna e os
laços afetivos familiares. Os sobreviventes deste processo têm na memória as regras
instituídas pela missão, como a proibição do idioma e os castigos corporais sofridos por
desobediência. Alguns conseguiram retornar e se reeducaram conforme a cultura de seu
povo, outros se deslocaram para as cidades e se integraram ao sistema social da
população local.
Atualmente as terras Paresi estão cercadas por grandes empreendimentos
agrícolas de monocultura de soja. O incremento dessa nova forma de ocupação se deu a
partir da década de l970, com surgimento de cidades e com o traçado de estradas
cortando as terras Paresi. As escolas implantadas estão ligadas ao sistema de ensino
municipal e os professores são indígenas.
Nessa região, a partir de 1969, houve também a presença de voluntários leigos
que prestavam serviços de assistência, como os voluntários da Operação Amazônia
Nativa - OPAN (antiga Operação Anchieta), que atuou nas áreas de educação, saúde e
na sustentabilidade econômica, principalmente na aldeia Rio Verde. (SECCHI, l995: 25
Relatório/PNUD).
O Summer Institute of Linguistics atuou entre vários povos em Mato Grosso,
desde l956, com o discurso de “salvar as línguas indígenas com risco de
desaparecimento”8 atuando, na verdade, nas escolas com o objetivo de formar pastores e
tradutores da Bíblia Sagrada, já difundida em vários idiomas indígenas. A atuação do
SIL era feita em parceria efetiva com a Funai. Cunha (1990), destaca que o SIL,
7 O povo Rikbaktsa lembra histórias dos parentes que foram retirados forçosamente das famílias para irem com os missionários jesuítas ao internato Utiarití, ainda quando crianças muito pequenas. Quando o internato acabou, os que retornaram para suas aldeias não conseguiram mais se reconhecer como pertencente ao seu meio de origem. 8 “ Um dos princípios da entidade, adotado desde os seus primórdios, é o de sempre desenvolver suas atividades lingüísticas segundo as expectativas, desejos e necessidades apresentadas pelas autoridades de cada país onde for convidada a trabalhar”. (SIL, l986: 3).
41
utilizando-se do meio acadêmico, respaldou parte de suas ações religiosas junto aos
povos indígenas.
Vale destacar também que o SIL foi contratado pelo Serviço de Proteção ao
Índio – SPI, com o objetivo também de alfabetizar a população indígena, e que não
alcançou o resultado esperado.
(...) Dizendo ainda das conseqüências nefastas da ação missionária
não devemos esquecer a atuação do Summer Institute of Linguistics
(SIL) junto às populações indígenas. No caso específico dos Paresi,
seu trabalho fundamental é o de traduzir os textos bíblicos para nosso
idioma e dessa forma nos evangelizar. (CABIXI, Daniel, l984).
Depois dessas escolas terem sido implantadas, as iniciativas foram se ampliando
entre outros povos e, com a conivência do SPI, foi instalada também uma escola no
território do povo Umutina, paralelamente à criação do Posto Fraternidade Indígena, em
Barra dos Bugres. Esse posto tinha inicialmente uma finalidade de assistência aos
doentes oriundos de diversos povos, mas também exercia a função de castigar os índios
resistentes ao contato. Nele eram mantidas diversas etnias, enquanto que os Umutina
originários do lugar se extinguiam gradativamente.
Já nos postos indígenas do SPI, o funcionamento das escolas se centrava na
administração dos não índios; os funcionários contratados traziam suas famílias,
atuando como chefes de postos e como professores. (ROCHA, 2003: 92-93).
As frentes de ocupação do estado mantiveram uma relação estreita com os
governantes, o que fragilizou a atuação do SPI na defesa dos índios. Muitos
funcionários foram até contratados pelo órgão tutor para atuarem nas aldeias e
mantiveram práticas de opressão e de negociação de terras indígenas à revelia das
autoridades competentes.
Entre o povo Bakairi, a escola foi introduzida a partir de l922, juntamente com a
criação do posto indígena Simões Lopes, onde atualmente se encontra a aldeia Pakuera.
A escolarização teve como foco central a profissionalização e visavam à preparação dos
índios para serem trabalhadores qualificados e deste modo tornarem-se “civilizados”.
(SECCHI, 2002: 116).
42
Assim, a ocupação do estado foi gradativamente sendo efetivada em diferentes
frentes de exploração colonialista, atrelada à política de integração dos povos indígenas,
na condição de trabalhadores. Nesse sentido, as frentes oficiais do SPI antecipavam o
contato com a população indígena, servindo como “escudo de proteção dos povos” na
medida em que avançava a colonização.
Foi o que aconteceu com os Xavante desde o século XIX, os quais vinham
fugindo do contato e das guerras com os colonizadores, até a sua chegada à região do
Araguaia, no território mato-grossense. Migraram do estado de Goiás, onde ocupavam
imensos territórios, com o seu povo irmão Xerente. Em razão de conflitos com os
colonizadores, foram forçados a se separar dos Xerente e vieram em direção ao estado
de Mato Grosso onde se estabeleceram na região do Rio das Mortes. No século XIX e
no início do século XX, estes hostilizaram os forasteiros, negando-se a qualquer contato
com os colonizadores. Entre a década de 30 a 40, as tentativas de contato por parte do
antigo SPI foram rejeitadas, num processo em que os missionários se fizeram bastante
presentes. (OPAN/CIMI, l997: 163-168).
As pressões dos colonizadores da região se intensificaram, levando os Xavante a
se dividiram em 03 grupos básicos na região, que tiveram diferentes contatos com os
não-índios. Vários conflitos com os colonizadores resultaram em massacres e
epidemias, reduzindo drasticamente a sua população.
Um dos grupos que se separou, refugiou-se próximo da Missão Salesiana, em
território tradicional do povo Bororo, que também estava em guerra com os
colonizadores e fazendeiros da região.
O contato com a Missão Salesiana de São José/Sangradouro deu-se sob
influência do contexto político interno pelo que passava a sociedade Xavante. Esse
dinamismo político era expresso por disputas e alianças entre facções internas que
tinham por núcleos uma linhagem ou uma associação de linhagens aparentadas. 9
No relato de Lucas ‘Ruri’õ, lembrando o seu pai, o líder Alexandre Tsereptsé,
destaca-se como a escola foi introduzida na sociedade Xavante. O trecho a seguir foi
9 Trata-se de uma sociedade dual, que apresenta metades exogâmicas constituídas por clãs patrilineares, cujas linhagens mobilizam-se para fins políticos. Nas aldeias Xavante, não há herança do cargo de chefia, estando essa posição ao alcance de qualquer homem maduro que se mostre prestigiado politicamente e que tenha o apoio de parte majoritária dos grupos políticos ou dos habitantes da aldeia onde estão inseridos. Sendo assim, cada aldeia é um universo político em si mesmo. (SILVA, Aracy Lopes da, 1986).
43
transcrito por inteiro, para melhor compreensão dos sentimentos de um ex-aluno
interno.
O grupo Xavante que contactou com a Missão Salesiana de São
José/Sangradouro - MT, foi comandada pelo grande guerreiro e
pacificador da aldeia Sr. Tsereptsé da família Tsih”orirã – cicatriz,
branca, ocorrendo no dia 24 de fevereiro de l957.
Os Xavante foram recepcionados com muita festa e dedicação pelos
Salesianos que viviam e trabalhavam com os Boe-Bororo e alunos
brancos, filhos de posseiros, que moravam na redondeza da Missão
Salesiana de São José/Sangradouro. Passados três dias, um grupo de
adolescentes da classe de idade – Abare’u (Pequi – fruta do cerrado),
foram levados para o internato no meio dos Boe-Bororo e brancos.
Fomos recolhidos de casa em casa. Toda noite o meu pai, Tsereptsé,
chorava de saudade e no outro dia ele ia à missão para nos visitar e
matar a saudade. Eu choro, quanto lembro das lágrimas que papai
deixava cair no chão... Desta forma, os Wapté (adolescentes) foram
jogados no meio dos Bororo e dos brancos que moravam e estudavam
no internato de Sangradouro. Os grupos de jovens passaram muita
dificuldade para desvendar, entender e aprender os primeiros códigos
da escrita, sabendo que ali existia três culturas totalmente diferentes
uma da outra. Com o passar dos anos os primeiros Xavante foram
removidos para uma sala isolada dos colegas no qual começaram a
dialogar entre eles na língua que eles bem entendiam. Começaram
aprender as primeiras letras alfabéticas, que comoveram os olhos dos
professores Salesianos daquela época.
A presença do meu pai era muito importante, pois despertava o
nosso espírito Xavante, fortalecendo-nos a suprir a nossa dificuldade
para aprender a ler e escrever a língua portuguesa. Quando
aprendemos a ler e escrever, fomos obrigados a mergulhar no mundo
da religião católica, rezando na igreja, na sala de aula, antes e depois
de comer, aprendemos o latim e começamos a gostar, porque o
incentivo e imposição eram muito forte pelos professores e
professoras Salesianos. Assistíamos filmes religiosos sobre os santos
beatificados pelo papa. A partir da década de l980, a escola Salesiana
começou perceber que o sistema adotado por eles já não correspondia
a realidade, precisando readequar a filosofia e metodologia da época
44
do primeiro contato e que favorecia aos brancos que estavam naquela
escola. A aprendizagem da leitura e escrita tinha como objetivo claro:
- a catequização dos Bororo e Xavante. (Depoimento de Lucas
‘Ruri’õ).
Esse texto expressa o cotidiano do processo de dominação exercida pelas
missões religiosas. Os missionários tinham grande poder nas comunidades indígenas
onde atuavam, construindo prédios de grandes proporções, numa verdadeira ostentação
arquitetônica do poder religioso, buscando semelhanças com os núcleos urbanos. As
construções dos colégios, grandes pavimentos com salas de aulas, bibliotecas e diversos
aposentos para a moradia dos religiosos, ocupavam extensas áreas do território
indígena. Além disso, as Missões eram sustentadas pelo cultivo de alimentos de
subsistência produzidos pelo trabalho indígena com a supervisão dos missionários.
O funcionamento da escola, desde os aspectos pedagógicos, políticos,
ideológicos e administrativos concentrava-se na gestão dos missionários. Valores,
atitudes e comportamentos eram ensinados conforme os princípios cristãos.
Nestes internatos, o ensino do português era imposto em detrimento
do uso das línguas nativas. Crianças eram separadas das famílias e,
fundamentalmente, investia-se na capacitação profissional dos índios,
como forma de produzir mão-de-obra barata para a população não-
índia circunvizinha. (FERREIRA LEAL, l992).
O impacto do processo de colonização do Estado, a atuação da Missão Salesiana
e a escolarização geraram resultados desastrosos para a autonomia política e econômica
tradicional. Os Xavante passaram a depender de suprimentos externos outrora
desconhecidos. Hoje apresentam com firmeza a defesa da preservação de sua identidade
cultural e o atendimento de suas reivindicações junto às autoridades. Atualmente a
escola tem um papel fundamental, de reafirmação étnica e de instrumento de defesa de
seus interesses. Buscam assumir gradativamente o espaço educacional e estabelecer um
novo encaminhamento para a educação escolar indígena, coerente com o seu modo de
ser “Awe” - povo autêntico.
45
Os Karajá iniciaram o processo de escolarização na década de l970, com a
presença do SPI que, em trabalho conjunto com o SIL, atuou durante longo período no
fomento da escolarização. Já os Tapirapé começaram o processo de escolarização após
os primeiros contatos com os colonizadores da região, num modelo de contato que
quase dizimou parte da população.
A presença das missionárias Irmãzinhas de Jesus, a partir de 1953, contribuiu
para a salvação dos Tapirapé. A escola indígena Tapirapé foi implantada na aldeia por
missionários da Prelazia de São Félix do Araguaia após duas décadas de convívio das
religiosas. Hoje é consensual considerá-la uma iniciativa escolar de grande sucesso.
Com o avanço da colonização do estado na década de l970, alguns povos do
Parque do Xingu deram início à implantação de escolas, com a presença da Funai e os
irmãos Villas Bôas, que foram os protagonistas desse processo. Na ocasião também se
instalou infra-estrutura, com escolas, nos Postos Indígenas: em l976, no Posto
Leonardo; em l980, no Posto Indígena Diauarum, em l985, no Posto Indígena Pavuru e,
em l981, no Metyktire (Kayapó).
Outros povos, não citados, tiveram a implantação de escolas mais tarde, a partir
da década de l980. Missionários, ONGs e diferentes congregações evangélicas iniciaram
o processo de escolarização indígena em Mato Grosso, cuja finalidade foi, como diz
Daniel Matenho Cabixi, “transformar o índio pagão em convertido e batizado”.
Também a ação do Estado, do SPI, da Funai, e mais recentemente, das prefeituras
municipais, visou à civilização e integração dos povos indígenas.
Buscando compreender melhor as diferentes realidades do processo de
escolarização indígena em Mato Grosso, Darci Secchi (2000), agrupou as diferentes
iniciativas escolares em cinco tipologias, conforme segue:
1. Escolas das missões católicas: implantadas pelos Salesianos nos grandes
aldeamentos Xavante e Bororo (Meruri, Sangradouro e São Marcos) e
pelos Jesuítas junto aos povos do médio-norte do estado, em Utiarití,
Barranco Vermelho e Tatuí);
2. Escola dos postos indígenas: Construídas nos antigos postos do SPI e
assumidas por funcionários do órgão tutor, como as dos Bakairi, Paresi e
Karajá.
46
3. Escolas de aldeias: normalmente escolas pequenas e unidocentes,
vinculadas à Funai, ONGs, missões evangélicas e/ou prefeituras
municipais, como as do Xingu e das regiões Leste e Nordeste de Mato
Grosso.
4. Escolas itinerantes: que se localizam em diferentes endereços,
acompanhando o professor ou a comunidade nos períodos de
acampamentos ou perambulação pelo seu território, como algumas
escolas Nambikwara e Rikbaktsa.
5. “Escola” sem escolas: sem estruturas formais, detentoras da liberdade
de ensinar assuntos de interesse específico, como leitura e escrita,
presente entre os Enawene-Nawe.
Esta categorização das escolas serve como parâmetro para analisar as diferentes
realidades da educação escolar indígena em Mato Grosso.
A implantação das escolas no contexto indígena de Mato Grosso se desenvolveu
em diferentes frentes de atuação, tanto por parte do Estado quanto por parte das missões
religiosas e outros atores educacionais externos.
Em todas, porém, de acordo com Cunha:
A proposta de uma escola indígena com algumas adaptações, no
sentido de melhorar o seu funcionamento, deve ser situada no
conjunto de orientações adotadas pelo SPI, nos anos 50 e 60 segundo
as quais os índios deveriam se integrar na sociedade nacional através
do trabalho, ou seja, como produtores de bens de interesse comercial
para abastecerem o mercado regional. (CUNHA, 1990: 94).
A escola não é apenas o espaço de aprendizagem, mas também de convivência
com novos costumes, comportamentos, posturas, repassados de formas variadas e
opressivas, marcando a posição de superioridade por parte da cultura ocidental,
considerada como civilizada. Assim como nas escolas missionárias o idioma nativo era
proibido, nas escolas do SPI também era condenado o uso de línguas indígenas e outras
práticas culturais. A criança era castigada quando desobedecia a regra de
comportamento. Em alguns casos os prédios escolares seguiam o estilo arquitetônico
47
dos quartéis da época. Em outros, os índios foram obrigados a modificar as suas
habitações tradicionais, trocando-as por casas de alvenaria, no estilo de uma vila militar,
como nos Umutina, Bororo de Meruri e Paresi em Utiarití.
A introdução da escola nas comunidades indígenas caracteriza as ações que a
política indigenista, desde o período colonial, usou para cumprir seu papel
integracionista, apesar das resistências indígenas. Para esses povos, a escola foi sempre
um instrumento de opressão, o que foi registrado atualmente na memória oral de muitos
povos e até mesmo incorporado em alguns de seus mitos.
“Depoimentos de docentes indígenas de vários estados do Brasil confirmam o
papel histórico da escola como devoradora de identidades”. (FREIRE, 2004: 24). E a
escola contribuiu nos processos de ensino aprendizagem, nos programas educacionais e
outras formas metodológicas de imposição do saber ocidental. Bens de consumo e
novos hábitos alimentares introduzidos nas comunidades indígenas geraram
dependência do mundo exterior.
“(...) Ali eles encontram o ambiente propício para lenta transformação
do seu estilo de vida. Começam a aprender a nossa língua e, uma
série de noções que aos poucos modificam completamente sua
concepção das coisas, vai adotando nossos processos de produção,
novos hábitos alimentares e novos necessidades que os levam a
modificar a vestimenta, a forma da casa e da aldeia e, por fim, a
constituição de sua própria família”. (ROCHA, 2003: 93; In:
BRASIL, SPI, Relatório de l953: 4).
Portanto, em Mato Grosso, a partir da década de l970, o avanço da colonização e
do projeto integracionista expôs novamente as populações indígenas a constantes
invasões e ameaças, por levas de sulistas em busca de terras para agricultura. A escola
serviu a essa nova política de expansão integracionista.
Todas essas ações contra os interesses da população indígena se deram em
diferentes etapas de implementação.
O Estado de Mato Grosso sofreu transformações muito rápidas, que
manifestaram de forma mais intensa a partir do processo de
desmembramento (l978) que originou o atual estado de Mato Grosso
48
do Sul. A dinâmica dita de “fronteira” caracteriza-se pela apropriação
progressiva dos “espaços vazios” pelo capital e, em conseqüência,
pela utilização intensiva dos recursos naturais subordinadas a lógica
do lucro mercantil. (Relatório do PNUD: 41).
Isso significou a criação de novos povoamentos e, conseqüentemente, a
fundação de novas cidades, que ocuparam os territórios ancestrais dos povos indígenas.
Apesar desse contato cada vez mais próximo com os não índios, o processo escolar
continuou precariamente nas comunidades indígenas.
A escola teve tal comprometimento com o processo de civilização que chegou a
desencadear outras ações junto aos povos indígenas, como, por exemplo, a transferência
de famílias para as proximidades dos postos indígenas, ocasionando a desocupação das
terras indígenas, e novas redefinições dos territórios. Os postos indígenas
desempenharam ao mesmo tempo um papel intervencionista e mediador entre os dois
mundos: o mundo indígena e o não-indígena.
Com tanta diversidade de escolas, algumas foram sendo assumidas
gradativamente pelos professores indígenas e, posteriormente sendo oficializadas pelos
municípios e pelo Estado, na forma de “escolas rurais” ou de “extensão”. As
comunidades tinham interesse de buscar a oficialização das escolas indígenas, muitas
vezes incentivado até pelas entidades de apoio à causa indígena.
Nas décadas de l980 e l990 houve uma mudança gradativa em algumas escolas.
Alguns índios indicados pelas comunidades assumiram as funções de “monitores
bilíngües” e de “auxiliares”, passando a assumir definitivamente as escolas como
professores, devido ao abandono por parte dos professores não-indígenas.
“Neste processo de tradução daquele que ensina, criou-se uma
nova categoria: a dos monitores bilíngües, previsto no quadro de
funções do órgão indigenista oficial. Com o abandono da escola parte
desses professores não-índios, quase sempre despreparados para o
tamanho e a dificuldade da tarefa, esses monitores acabavam por
assumir as escolas, tomando a si a função da docência nas escolas
indígenas: é daí que surgem vários professores indígenas em atuação
ainda hoje”. (GRUPIONI, 2004: 37).
49
A referência do aprendizado era a socialização baseada nos valores do mundo
exterior, que contava com o apoio didático pedagógico da literatura nacional. A política
era a desvalorização da cultura própria dos povos indígenas, acompanhada de uma
proposta de identificação e integração aos valores da ideologia da sociedade nacional,
desqualificando a indígena. Era um processo educacional fora do sistema de ensino
oficial, mas instituído como um instrumento da política integracionista oficial.
A partir da década de l990, criou-se um novo cenário que encaminhou as escolas
indígenas de Mato Grosso a novos desafios. As comunidades e lideranças indígenas
passaram a reivindicar escolas com professores indígenas. Rejeitaram o papel alienador
e de dominação da escola tradicional e propuseram uma perspectiva de transformação
dessa instituição em instrumento de defesa e de preparo para enfrentar os desafios da
convivência com a sociedade ocidental.
Os povos indígenas começaram a redefinir o papel da escola, o seu espaço social
na aldeia.
A escola desejada passou a ser
(...) uma escola organizada e controlada no cotidiano pelos
professores e comunidade indígena, orientada para atender às suas
necessidades e expectativas; uma escola, portanto, onde os próprios
professores e seus alunos sejam os autores principais do conjunto de
aspectos que constituem o “currículo de fato” experimentado por eles
nas aldeias. (MONTE, l996: 12).
É a partir deste entendimento que as escolas para índios vão sendo
transformadas em escolas indígenas e assim procuram se consolidar nas aldeias.
1.3 O Novo paradigma: a escola indígena específica, diferenciada e intercultural
Um dos instrumentos mais utilizados pelos colonizadores, pelos missionários e
pelos governos para o aniquilamento sociocultural das populações indígenas foi a
escola.
50
Nesses quinhentos e cinco anos de existência travou-se uma batalha de
resistência cultural. A “escola para índios” solapou as culturas, as línguas, os costumes
e as práticas pedagógicas tradicionais indígenas.
Num primeiro momento, a introdução da escola em meio indígena foi
um dos principais instrumentos empregados para promover a
domesticação dos povos indígenas, alcançar sua submissão e negar suas
identidades, promover integração desses povos na comunhão nacional,
desprovidos das línguas maternas e dos atributos étnicos e culturais.
(GRUPIONI, 2004: 36).
Para além dos prejuízos de que os povos indígenas foram vítimas, houve
também resistências exemplares entre os mais de 230 povos indígenas – distribuídos em
vinte e sete estados brasileiros, falantes de l80 línguas nativas. Tais resistências não
ocorreram apenas em termos de estratégias de guerras, mas também no campo dos
saberes, do conhecimento nativo e de formas de sobrevivência para resistir até os
tempos atuais. A escola indígena acompanhou as mudanças dos modelos educacionais
adotados pelo Estado-nação. Todavia, os índios dele se apropriaram e promoveram o
fortalecimento de uma nova concepção de “escola indígena”, inserida no ciclo da sua
vida cultural.
Nas últimas décadas o paradigma da escola indígena específica, diferenciada e
intercultural está vinculado a uma luta latino-americana contra o modelo imperativo de
ocidentalização da educação escolar para a população indígena.
Vários países ameríndios levantaram a bandeira da diversidade, da necessidade
de adoção de novos modelos de escola, com propostas pedagógicas que atendam às
diferentes culturas dos povos deste continente.
A partir de l980, devido às pressões internacionais, alguns países iniciaram um
movimento de reconhecimento legal da diversidade cultural e contaram com o apoio de
diversas forças atuantes da sociedade como os sindicatos, igrejas, partidos políticos e
outras associações e movimentos sociais.
Segundo Nietta Monte (2001: 49), o movimento indígena norte-americano
ampliou-se para abranger a discussão intercultural e interétnica, tendo como
fundamento a identidade social. Nesse sentido, a importância desse movimento foi o de
51
agregar as diferentes minorias étnicas que, submetidas a um sistema de dominação por
parte da sociedade majoritária, foram sentenciadas a algo como um “etnocídio
educativo”.
A trajetória desse movimento passa por mobilizações internacional que vieram a
se transformar em uma rede intitulada: Movimento Indígena, Negro e Populares, os
conceitos de autodeterminação e participação foram inseridos nessa nova perspectiva de
educação escolar indígena (MONTE, 2001:49 ).
Assim, a escola indígena específica, diferenciada e intercultural se estabeleceu
como um novo paradigma no âmbito dos direitos humanos, a partir do reconhecimento
de direitos coletivos dos integrantes das populações indígenas. Isto resultou num
redimensionamento pedagógico, político e sociocultural da escola indígena.
Neste contexto de mudança de postura frente às escolas indígenas, Mato Grosso
desencadeou um novo encaminhamento cuja implantação efetiva é ainda muito recente
se comparada a de outros estados. As escolas indígenas passaram a ser percebidas e
tratadas de acordo com os diferentes contextos de contato com a sociedade ocidental.
De outra parte, as comunidades passaram a defender a autonomia escolar não
apenas sob o enfoque da gestão pedagógica, política e administrativa, que não depende
apenas do professor e das lideranças, mas segundo a conjuntura que marca as relações
internas e externas, muitas vezes incompreendidas pelos gestores públicos do sistema de
ensino.
Para os índios, a escola ainda é “escola para índios”, pois possui características
das escolas urbanas (principalmente as municipais), e a sua gestão está distante do
controle das comunidades indígenas. No entanto, em conseqüência das inúmeras
experiências no âmbito da escolarização, a instituição escolar nas aldeias vem sendo
gradativamente ressignificada para atender diferentes anseios das comunidades em
conformidade com novos contextos simbólicos e culturais. Mesmo estando atrelada aos
regulamentos das secretarias municipais ou estaduais (que, muitas vezes, desconhecem
as várias estratégias de resistência ao modelo escolar) as escolas indígenas inserem-se
no território indígena, e isso lhes confere um vínculo sólido com as comunidades.
A nova educação indígena específica e diferenciada está em processo de
construção cotidiana. “A escola que ajuda a “conhecer o jeito dos brancos”; “transitar
pelas culturas”; “defender o território”; “pleitear novos espaços” e “reconstruir o futuro”
é vista por muitos professores, lideranças e comunidades indígenas de Mato Grosso
52
como um espaço de liberdade, de autonomia e de afirmação dos seus projetos
societários.” (SECCHI, 2002: 97).
Apesar da legislação assegurar o direito indígena a uma escola com essas
características, as secretarias ainda não incorporaram plenamente esse novo paradigma
em suas práticas. Tratar da diversidade é um desafio para o sistema de ensino, que
tradicionalmente enquadra a escolarização ocidental de uma forma unificada.
A luta pela educação diferenciada representa a resistência aos modelos
implementados pela sociedade majoritária e tem como marco a Constituição Federal de
1988.
Um professor indígena Bororo expressa dessa maneira o seu entendimento sobre
a escola indígena antes e depois da Constituição de l988:
Bom, são duas situações completamente diferentes, antes da
Constituição de l988, com uma escola cheia de preconceitos, não
atendia as necessidades do povo indígena, proibia a língua, e depois
da Constituição houve avanços com a escola diferenciada, propõem o
nosso programa político pedagógico com a participação da
comunidade indígena. (Professor Bororo da aldeia Coroado – Santo
Antonio do Leverger, 2004).
Para ele, a Carta Magna é o marco histórico da diferença de uma escola
indígena para índio e de uma escola diferenciada dos índios, pensada e construída
comunitariamente.
Em Mato Grosso, a discussão em torno de uma escola indígena diferenciada,
vem desde a década de l980, quando se intensificou o contato dos povos com a
sociedade envolvente a leitura e a escrita passaram a ser uma necessidade nas relações
entre índios e brancos.
Os especialistas esclarecem o entendimento dessa diferenciação: “especificidade
e diferenciação são atributos necessários para uma escola indígena adequada, mas não
são condições suficientes para uma escola indígena autônoma. É necessário ainda
assegurar o direito dos povos indígenas a associarem verdadeiramente as suas escolas
aos seus projetos de presente e de futuro.” (SILVA & AZEVEDO, l995: 161).
De fato, a educação diferenciada não se assemelha à educação escolar ocidental,
particularmente em termos das suas prerrogativas educacionais, pedagógicas, políticas e
53
administrativas. Ela congrega um caráter específico, decorrente das peculiaridades
socioculturais e lingüísticas de cada povo indígena. A educação diferenciada expressa
os princípios e valores étnicos de cada povo. A sua força emana do fato que cada povo é
dotado de um sistema próprio de educação, coerente com os valores culturais de cada
sociedade.
Isso significa que a formação do indivíduo indígena se dá no seio da sua tradição
cultural, que afirma sua identidade como Halití (Paresi), Kura (Bakairi), Boe (Bororo),
Awê (Xavante) e tantos outros.
É com base nesse entendimento que compreendo os diferentes processos
educativos étnicos vividos pelos povos indígenas. Isso possibilita postular que cada
povo necessita incorporar e valorizar a sua pedagogia própria e construir estratégias de
interação entre os conhecimentos internos e externos. Ou seja, precisa estabelecer o
diálogo entre os conhecimentos locais e os universais, dentro de uma visão crítica, que
possibilite discernir quais são os saberes apropriados.
Nessa perspectiva, a educação específica e diferenciada, bilíngüe e intercultural
vêm sendo construída à luz da cidadania indígena, porém somada às experiências
acumuladas pelos povos de exigirem o protagonismo indígena em todo esse processo. O
desafio do sistema oficial de ensino é aprender a lidar com a diversidade étnica num
novo processo de escolarização, que abrange os mais amplos interesses comunitários.
CAPÍTULO II
A LEGISLAÇÃO E O CONTROLE SOCIAL COMO INSTRUMENTOS DE
CIDADANIA
55
2.1 As Bases legais da educação escolar indígena
Nos últimos anos, a América Latina e outros continentes com população
colonizada vêm rompendo com a escolarização civilizatória e vivenciando experiências
inovadoras com base no paradigma da educação intercultural, voltado para o
reconhecimento de suas especificidade culturais e lingüísticas. Isso é um resultado da
mobilização internacional das minorias que, à margem da sociedade majoritária, foram
segregadas e impelidas ao desaparecimento cultural pelo face as políticas
homogenezadoras implementadas pelos diferentes Estados Nacionais.
Num momento em que a cidadania enfrenta novos desafios,
busca novos espaços de atuação e abre novas áreas, em consonância
com as grandes transformações pelas quais passa o mundo
contemporâneo, é importante ter conhecimento acerca de realidades
que, no passado, significaram, e, no presente ainda significam passos
relevantes no sentido de garantir um futuro melhor para todos.
(CURY, 2002: 246).
Na visão de Cury (2002), a educação escolar é um dos princípios fundantes da
cidadania, indispensáveis para que as políticas públicas assegurem a participação social
e política dos cidadãos.
Nesse sentido, como direito de cidadania, a conquista da educação escolar
indígena foi um marco histórico presente no capítulo VII, artigos 231 e 232 da
Constituição Brasileira, em que o Estado assegura o atendimento às populações
indígenas, dentro das prerrogativas dos direitos humanos, e do reconhecimento da
diversidade cultural.
Vale destacar o debate promovido sobre os direitos humanos e sua relevância no
Brasil, como encaminhamento para a construção de políticas públicas e fortalecimento
da democracia. Esse movimento é referendado por instrumentos internacionais dos
quais o Brasil é signatário, sob a inspiração da Declaração Universal dos Direitos
Humanos de l948, bem como da Constituição Federal de l988, que define o Brasil como
um Estado Democrático de Direitos, cujos fundamentos são a soberania, a cidadania, a
56
dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o
pluralismo político.
O Brasil, a promulgação da Constituição Federal, rompeu com os ditames do
Estado autoritário e promoveu a abertura para a democratização e a reforma do Estado.
Além disso, em face da mobilização da sociedade civil e dos movimentos sociais,
elaborou programas e projetos buscando concretizar a promoção dos direitos humanos.
A realidade brasileira historicamente foi marcada pela exclusão social,
econômica e política das minorias étnicas e raciais que nunca foram incluídas nos
benefícios que o Estado oferece à população em geral.
O processo de construção da cidadania, da democracia, só terá avanços quando
vinculado a políticas públicas de promoção da dignidade humana, amplas e
permanentes, que melhorem a qualidade de vida dos cidadãos. Além disso, “a formação
da cidadania ativa requer, necessariamente, a formação de cidadãos conscientes dos
seus direitos e deveres, e protagonistas de materialidade das normas e pactos que os
regulamentam”, tal como disposto no Plano Nacional de Direitos Humanos de 2003.
Por isso, a educação escolar é um direito que garante atributos indispensáveis ao
desenvolvimento humano e de suas potencialidades aqueles excluídos histórica e
socialmente, possibilitando a concretização de outros direitos e deveres, na perspectiva
de um protagonismo que busca a autonomia, e fortalece mecanismos mobilizadores dos
movimentos sociais.
O acesso à educação é também um meio de abertura que dá ao
indivíduo uma chave para a autoconstrução de reconhecimentos e
capacidades de fazer opções. O direito à educação, nessa medida, é
uma oportunidade de crescimento do cidadão, um caminho de opções
diferenciadas e uma chave de crescente estima de si. (CURY, 2002:
260).
Nesse olhar, a educação ganha um novo sentido como direito das práticas
sociais, da diversidade, do respeito à alteridade, e como instrumento de cidadania na
relação com o Estado brasileiro. Ancorada neste novo paradigma, a educação escolar
rompe com a história do processo civilizatório e possibilita aos indígenas o acesso aos
conhecimentos necessários a sua afirmação étnica e cultural.
57
“Desde a Colônia até a República, a escola foi o instrumento privilegiado para
promover a “domesticação” dos povos indígenas, impor sua submissão, promover seu
aniquilamento cultural e lingüístico e negar suas identidades, integrando-os,
desprovidos de seus atributos étnicos e culturais, a uma idealizada “comunhão nacional”
(GRUPIONI, 2004: 02).
Neste novo cenário, a educação escolar voltada para os povos indígenas inicia
sua fase de transição no Brasil, respaldada pela Constituição Federal e demais
legislações pertinentes, estabelecendo um processo educativo formulado em outras
bases.
Hoje, cresceu, enfim, a importância reconhecida das leis entre
os educadores, porque como cidadãos, eles se deram conta de que,
apesar de tudo, ela é um instrumento viável de luta, porque com ela
pode-se criar condições mais propícias não só para a democratização
da educação, mas também para a socialização de gerações mais iguais
e menos injustas. (CURY, 2002: 247).
A Constituição Federal, nos artigos 210, 215 e 231, assegurou o direito dos
povos a uma educação escolar específica, diferenciada e intercultural. A participação
dos povos na luta por uma educação escolar voltada para a sua realidade e com o
protagonismo indígena foi um marco histórico de mobilização na busca de consensos
acerca dos conhecimentos a serem priorizados no processo de formação.
Consequentemente foram definidas normas para regularizar a criação e o funcionamento
das escolas indígenas, com currículos, calendários e organização própria. Foram
tomadas decisões no sentido de se alcançar uma legitimidade cada vez maior para a
educação escolar indígena.
A partir daí, como desdobramento dessa nova estrutura legal, seguiu-se a
elaboração das Diretrizes Nacionais para uma Política Nacional de Educação Escolar
Indígena.
Em fevereiro de l991, por meio do Decreto Federal nº 26, houve a transferência
de responsabilidade educação escolar indígena da FUNAI para o MEC e para as
secretarias estaduais de educação. Coube ao MEC a competência de coordenar as ações
referentes à educação escolar indígena no país. Mesmo com a transferência a FUNAI
58
continuou exercendo o seu papel de atender as demandas indígenas, numa nova forma
de atendimento com a parceria com outras instituições governamentais e organizações
indígenas.
Nesse processo a participação do movimento indígena e indigenista foi decisiva
para a regulamentação e o entendimento dos pressupostos legais, assim como para a sua
difusão entre as diferentes comunidades.
As Diretrizes para uma Política Nacional de Educação Escolar Indígena (MEC,
1993) apresentou a postura institucional do Estado, por meio de documentos oficiais,
definindo princípios gerais e detalhando prioridades de uma educação escolar
fundamentada no reconhecimento e na manutenção da diversidade sociocultural. Essas
diretrizes foram fundamentais para o norteamento da modalidade de educação escolar
indígena e para a categoria “escola indígena” pois, para o sistema oficial de ensino,
tratava-se de uma novidade que exigiu mudanças profundas na organização, nas
concepções e no gerenciamento das diferentes escolas existentes no país. Para
complementar o quadro de referências políticas, foi publicado o Referencial Curricular
Nacional para as Escolas Indígenas que balizou o trabalho educativo cotidiano das
escolas indígenas e apontou referenciais para os seus conteúdos curriculares.
Outro instrumento legal dessa renovação educacional no âmbito da educação
escolar indígena foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). A Lei 9.394/96
resultou de discussões e interesses contraditórios da sociedade brasileira, porém
marcaram uma nova postura institucional, política e social sobre a educação nacional.
Não se pode desconsiderar, porém, que, por mais bem formulada e estruturada que seja
a nova LDB, preexistem condições intrínsecas e extrínsecas ao sistema educativo,
como, por exemplo, a desigualdade social, étnica e racial.
As condições intrínsecas decorrem da existência de grupos
com interesses diferenciados no interior o sistema educativo, com
percepções e alternativas diversas no tocante à compreensão das
funções sociais dos sistemas de ensino, dos seus objetivos e dos seus
beneficiários. As condições extrínsecas vinculam-se às funções
dispares que os sistemas de ensino passaram a assumir em decorrência
de padrões distintos de demanda social. (CARNEIRO, 2002: 15).
59
Isso nos mostra o quanto a educação brasileira é complexa em relação às
diferentes realidades regionais que compõem o país. O novo texto veio respaldar
experiências e emanar princípios e diretrizes de acordo com a realidade contemporânea
do país.
Na educação escolar indígena, a LDB inova, trazendo avanços, que inexistiam
ao propor novo direcionamento institucional e político por meio da inclusão da
educação escolar indígena no sistema educacional do país. Oficializou a escolarização
com um novo entendimento de cidadania e direito fundamental dos povos indígenas,
mas com a concepção pedagógica de diferenciação e interculturalidade. Reconheceu a
escola indígena como específica, diferenciada, bilíngüe e intercultural, voltada para o
contexto de cada povo. Assegurou o reconhecimento da diversidade cultural existente
no país, bem como as diferentes realidades educacionais. E, principalmente, reconheceu
a escola indígena com uma nova concepção educativa fundada em quatro princípios: a
reafirmação étnica, a recuperação da memória histórica e a valorização dos saberes e
conhecimentos tradicionais, e o acesso aos conhecimentos técnicos e científicos de
sociedade nacional.
O Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas é resultado de um
trabalho coletivo que envolveu especialistas e professores indígenas, construiu
consensos a respeito das práticas curriculares em contextos de interculturalidade. Esse
referencial trata das diferentes concepções de práxis pedagógicas, que mostram as
práticas construídas pelos professores indígenas para o exercício da docência, conforme
a cultura de cada povo indígena. Oferece subsídios para que seja desenvolvida a
reformulação da nova escola, pautada nos princípios anteriormente citados. A
construção deste referencial não esgotou a discussão nem a elaboração de novas práticas
pedagógicas, mas visibilizou às escolas indígenas a discussão quanto à questão
curricular e às práticas pedagógicas que emanam de cada realidade.
O currículo escolar indígena ganha, assim, caráter de
permanente movimento ondular entre o “núcleo comum ou a base
universal do conhecimento escolar” e os conjuntos de conhecimentos
representados como indígenas, ou étnicos, culturalmente fundados na
tradição e na memória coletiva daquele grupo humano particular.
(MONTE, 2001: 66).
60
A educação escolar indígena deu um passo importante quando da aprovação da
Resolução 03/99/CNE, que regulamenta as diretrizes e o funcionamento das escolas
indígenas e definiu a competência institucional do sistema de ensino. Vale destacar que,
apesar das regulamentações anteriores, até então havia grande impasse na definição das
responsabilidades do sistema de ensino para com as escolas indígenas.
A Resolução 03/99 e o Parecer 14/CNE estabeleceram, entre outras medidas,
que a escola indígena é reconhecida como estabelecimento com normas jurídicas
próprias, regularizadas como unidades próprias, autônomas e específicas no sistema
estadual. Definiu escola indígena como aquele estabelecimento localizado em terras
habitadas por comunidades indígenas, o que assegura exclusividade de atendimento a
essas comunidades, onde o ensino seja ministrado nas línguas maternas das
comunidades atendidas e que tenha organização escolar própria. Outro destaque foi a
participação efetiva dos povos indígenas em toda a elaboração, planejamento e
execução de políticas ou programas da educação escolar indígena, assim como no
gerenciamento e na organização escolar voltados para o âmbito específico de cada povo.
No Plano Nacional de Educação -PNE (Lei 10.172 de 9 de janeiro de 2001), foi
dedicado um capítulo específico à educação escolar indígena que traçou metas e
objetivos considerados prioritários para o desenvolvimento escolar entre os povos
indígenas.
O PNE assegurou metas prioritárias e definiu os prazos para a sua execução,
como para a criação da categoria escola indígena, a profissionalização e a formação de
professores indígenas no ensino superior. No entanto, o alcance dessas metas depende
das articulações entre o Estado e o município assegurando sempre a participação das
comunidades indígenas.
Um ponto inédito neste plano foi a sua definição de políticas governamentais
que contemplem a formação de professores indígenas em nível de magistério e até o
ensino superior. Para atender à educação básica, propôs a regulamentação da carreira do
magistério indígena e a criação de instâncias nas secretarias estaduais para dar
atendimento à educação escolar indígena.
Na meta 17 do PNE está prevista a criação de programas especiais para
formação de professores em nível superior. Isto se justifica, pois a educação básica (5ª a
8ª série e o ensino médio) requerem a formação de licenciados para atender a essas
61
séries de ensino. As experiências recentes de Mato Grosso e de Roraima demonstram
que é possível realizar a formação superior indígena imediatamente e em grande escala.
Em Mato Grosso, o Plano Estadual de Educação foi elaborada numa versão
preliminar no governo de Dante de Oliveira (l995-2002), e a temática da educação
escolar indígena pode ser contemplada, mas necessita de uma revisão na parte do
Diagnóstico, referente aos dados sobre a realidade educacional indígena.
O Conselho Nacional de Educação deverá promover a regulamentação da
formação de ensino superior no plano legal, e elaborar diretrizes que possam nortear a
implementação dessa formação nas universidades. Além dessa prioridade, a formação
de profissionais indígenas em diferentes áreas de atuação junto às comunidades
indígenas faz parte dos documentos apresentados pelo movimento indígena ao MEC.
Na questão de formação de professores, os Referenciais para a Formação de
Professores Indígenas lançados pelo MEC em 2002, inovaram quanto às diretrizes de
formação profissional, pois estabeleceram competências e habilidades de que o
educador indígena necessita para sua formação, atendendo às novas concepções da
diversidade.
Os Referenciais para a Formação de Professores Indígenas, apresentaram
importantes subsídios para que os sistemas de ensino desenvolvam programas de
formação inicial e continuada de professores indígenas. O referencial é uma diretriz
para a formação de professores indígenas no Magistério, agregando diferentes
experiências de formação para subsidiar a implementação dos cursos de formação de
professores indígenas, assim como o gerenciamento dessa formação.
O movimento de professores indígenas tem reivindicado a formação inicial e
continuada, porque entende que as mudanças no paradigma da educação escolar
indígena pressupõem que a formação de professores requer o domínio de conteúdos e
habilidades pedagógicas de acordo com as exigências legais da sua titulação.
A Declaração de Princípios da COPIAR é bem explicita quanto a esse tema: “É
garantida aos professores indígenas uma formação específica, atividades de atualização
e capacitação periódica para o seu aprimoramento profissional” (COPIAR, Declaração
de Princípios)10.
Do ponto de vista legal, o desejável está assegurado. No entanto, a
operacionalização dessas conquistas tem sido dificultada pelas instâncias responsáveis. 10 Comissão dos Professores Indígenas do Amazonas e Roraima, 1991.
62
Diante disso, o que os povos aguardam atualmente é a revisão do Estatuto do
Índio, que deverá fortalecer e homologar os preceitos do índio cidadão.
Isso nos remete a uma reflexão no sentido de que não basta apenas a legislação
estar assegurada, a participação e a mobilização são imprescindíveis para consolidar a
cidadania.
Ao analisar a legislação referente a educação escolar indígena em Mato Grosso,
verificamos que o período em que ocorreram maiores avanços foi a partir do governo de
Dante de Oliveira, entre os anos de l995 e 2002. A Constituição Estadual na seção IV -
Dos Índios -, assegurou o reconhecimento da diversidade sociocultural e a criação de
uma instância de governo (Coordenadoria de Assuntos Indígenas) para gerir a
implementação de políticas indigenista em prol dos povos indígenas de Mato Grosso.
No campo educacional, é a LOPEB – Lei n.º 49/50, que disciplina o
funcionamento do sistema de ensino, regulamenta a carreira dos profissionais da
educação básica e estabelece a gestão democrática no ensino público estadual. Nela
textos, a educação escolar indígena está contemplada na seção X, onde é reconhecida
essa modalidade de educação em conformidade com os textos nacionais e acrescenta
ainda um Conselho de Educação Escolar Indígena/CEI, articulado com o Conselho
Estadual de Educação/CEE. Trata-se de um espaço democrático que define as políticas
para a educação escolar indígena onde é assegurada uma vaga para um representante
indígena no CEE.
Outro passo foi a elaboração das “Diretrizes para uma Política de Educação
Escolar Indígena para Mato Grosso: uma Construção Coletiva”, amplamente debatido
no CEI e nos cursos de formação de professores indígenas, porém não homologado pelo
governo estadual, em virtude de divergências em termos de concepções pedagógicas.
O Plano Estadual de Educação, texto compilado do PNE, contempla as
diferenças regionais, e apresenta propostas de encaminhamento, no entanto, foi
publicado com necessidade de correções e até hoje encontra-se paralisado.
O processo de elaboração do PEE envolveu todos os profissionais da educação,
UNDIME, AME, Sindicato dos Profissionais da Educação, Secretaria Estadual de
Educação, Conselho Estadual de Educação e outros segmentos sociais. Nessa
oportunidade, o segmento da educação escolar indígena teve relevante participação e
apresentou suas propostas.
63
A regulamentação da Resolução 03/99-CNE aconteceu em Mato Grosso após
três anos de debates, discussões e seminários. Foi aprovada depois de calorosa
discussão no CEE, resultando na Resolução 201/04, que regulamenta o funcionamento
das escolas indígenas no âmbito estadual.
Portanto, em relação às legislações, a esfera estadual ainda deixa a desejar, pois
alguns instrumentos jurídicos a serem regulamentados estão aguardando a vontade
política e o posicionamento das instâncias responsáveis. Neste sentido, a realidade
mato-grossense tem nos mostrado que a educação escolar indígena ainda terá obstáculos
e caminhos a serem percorridos para que a afirmação da pluralidade sociocultural seja
consolidada. Os discursos oficiais estão longe da realidade das escolas indígenas,
existindo, entre a lei e a prática, um distanciamento que dificulta que a legislação e o
controle social sejam, de fato, instrumentos efetivos de cidadania dos povos indígenas.
E como destaca Moacir Gadotti (1992: 49) a “participação e a democratização
num sistema público de ensino são as formas mais práticas de formação para a
cidadania. A educação para a cidadania dá-se na participação e no processo de tomada
de decisão”.
2.2 A Política nacional para a educação escolar indígena
Conforme consta na legislação brasileira, a elaboração de políticas para a
população indígena requer a sua participação efetiva e um diálogo que leve em conta
suas experiências e especificidades.
Nesse processo, a luta pela participação nas decisões tem sido a bandeira de
vários movimentos de professores indígenas no país. Um dos resultados positivos
ocorreu quando o Estado brasileiro incorporou a Declaração de Princípios firmada por
professores indígenas no IV Encontro de Manaus, em l99l, como referência para a
política nacional de educação escolar indígena. Este fato histórico deu origem a diversos
documentos oficiais que destacam o protagonismo indígena na definição das políticas
públicas voltadas para esse segmento da população.
O movimento de professores indígenas, assim como outros que foram surgindo
no início dos anos 90, foram extremamente importante, pois produziu uma série de
documentos também sobre diretrizes para a educação indígena sob a perspectiva dos
64
povos indígenas. O MEC, através de sua assessoria e do Comitê de Educação Indígena,
teve a sensibilidade de ouvir essas demandas e incorporá-las ao elaborar seus próprios
documentos.
Foi importante para o movimento de professores indígenas que o MEC
reconhecesse as experiências e as legitimasse no documento das diretrizes e nas
políticas oficiais.
As principais alterações de ordem administrativa iniciaram com o Decreto
Presidencial nº 26/91, e com a criação da Assessoria de Educação Escolar Indígena,
instância administrativa, responsável pelas ações dentro do MEC. Outro marco
importante foi à educação da portaria interinstitucional 559/91, que prevê criação dos
Núcleos de Educação Indígena nos Estados. Vários seminários e encontros foram
realizados, tendo a finalidade de discutir a situação das escolas indígenas no país e
elaborar políticas de atendimento à formação de professores indígenas e outras frentes
de trabalho implementados pela Assessoria do MEC e por seu Comitê assessor. Alguns
anos depois, esta assessoria foi transformada em Coordenação, subindo de Status no
organograma do MEC, representando uma maior institucionalização da temática da
educação indígena dentro do Ministério.
Ao mesmo tempo, a Fundação Nacional do Índio continuou respondendo por
algumas escolas indígenas, situação que perdurou até o ano de l999. Mesmo assim, os
professores indígenas e suas comunidades enfrentaram o longo martírio de não serem
satisfatoriamente atendidos por nenhuma das instâncias responsáveis.
Nesse sentido, as palavras de um professor indígena nos mostram a sua aflição
em virtude da situação vivida:
Todos esses trabalhos que estamos buscando para nossa
comunidade devem ser apoiados pelos municípios, pelas secretarias
estaduais. Temos que cobrar do Ministério da Educação para que eles
respeitem e assegurem essas mudanças. Porque é inaceitável nós
trabalharmos com nossas crianças de um jeito e virem já prontas as
atividades das Secretarias. Isso é horrível. (RCNEI - professor Pataxó
Hã Hã Hãe, BA).
Estas foram às queixas e preocupações dos professores indígenas e suas
comunidades na maioria do território brasileiro. Sem apoio institucional, as escolas
65
indígenas caminharam isoladas, e, mesmo sabendo do reconhecimento institucional
como garantia de legitimidade na elaboração dos currículos e do projeto político
pedagógico, os professores iniciaram sua mobilização em várias regiões do país.
Defendiam a proposta que as secretarias tivessem mais participação nas escolas
indígenas, fazendo contatos com as instituições ligadas à educação escolar. Que as
secretarias tivessem mais ligação com as organizações indígenas, buscassem mais
informações sobre educação diferenciada e respeitassem os referenciais curriculares
indígenas. (Professores Ticuna, AM).
A reivindicação dos professores indígenas, cobrando das secretarias participação
nos processos relacionados à educação escolar nas diferentes realidades tem causado um
constante debate entre índios e gestores públicos.
Nesse sentido, os povos indígenas têm lutado para estabelecer uma nova relação
com o Estado brasileiro nas diferentes instâncias de governo, principalmente com o
MEC, na insistência de se criar fóruns de participação dos índios.
No período de l995 a 2002 várias atividades foram implementadas a partir das
demandas dos professores e de suas escolas, como a elaboração de materiais didáticos
realização de cursos de magistério, publicação de cartilhas e livros em diferentes línguas
indígenas, uma série de programas de TV (Programa Salto para o Futuro) que
mostravam a realidade cultural dos povos indígenas e sua importância para a sociedade
não índia, e serviram como instrumento de combate ao preconceito e discriminação.
Outras ações implementadas foram os seminários regionais envolvendo as
secretarias estaduais e seus técnicos nos cursos de formação continuada e os Parâmetros
Curriculares Nacionais - PCNs (Parâmetros em Ação Indígena). Esses seminários
serviram para ampliar o relacionamento entre os técnicos das secretarias e os povos
indígenas. Em muitos estados foi possível superar conflitos, atualizar o número de
escolas e conferir o crescimento populacional indígena.
Nos dados abaixo podemos verificar como se deu o crescimento das escolas
indígenas entre l999 e 2004 em cada esfera administrativa, conforme indicam os dados
do Censo Escolar de 2004.
66
ESCOLAS INDÍGENAS SEGUNDO A ESFERA ADMINISTRATIVA 1 999 Esfera administrativa Número de escolas Porcentagem Federal 11 0,8 % Estadual 594 42,7 % Municipal 763 54,8% Particulares 24 1,7% Total 1.392 100% Fonte: Censo de l999/MEC – INEP.
ESCOLAS INDÍGENAS SEGUNDO A ESFERA ADMINISTRATIVA 2 004 Esfera administrativa Número de escolas Porcentagem Municipal 1.104 49,5 % Estadual 1.098 49,2 % Particulares 30 1,3% Total 2.232 100% Fonte: Censo de 2004/MEC-CGEI
Estes dados nos apontam que as escolas indígenas vêm crescendo
gradativamente nas terras indígenas, respondendo a demanda também do crescimento
populacional, mas, no entanto, as esferas administrativas tanto municipais e estaduais
estão tendo o controle da gestão escolar quase na mesma proporção. O aumento do
número de escolas entre um censo e outro também se explica pelo fato de que várias
escolas localizadas em terras indígenas eram consideradas como salas de extensa de
escolas rurais e passaram, nos últimos anos, a serem reconhecidos como escolas
indígenas. Houve, assim, uma formalização dessas escolas, que passaram a integrar os
sistemas municipais e estaduais de ensino, como unidades escolares independentes. É
esse processo de regularização das que explica esse crescimento do número total de
estabelecimentos entre um censo e outro.
Um outro dado interessante é que as escolas consideradas na esfera
administrativa como escolas federais as quais se encontravam sob o controle da Funai,
aparecem no censo de l999, e no censo de 2004 estas escolas foram integradas na esfera
estadual, permanecendo apenas as das missões e de empresas como a Eletronorte, que
apareceram no Censo de 1999 como “particulares”, e continuam no censo de 2004.
Com relação aos estudantes indígenas no Brasil temos o seguinte quadro:
67
Modalidades / níveis de ensino Número de estudantes
Creches 532
Educação Infantil 13.745 1a. a 4a. Série 101.394
5a. a 8a. série 20.191 Ensino Médio 2.025
Educação de Jovens e Adultos 12.398
Total 150.285 Fonte: Censo do MEC/INEP, 2004.
Os dados de 2004 revelam que mais da metade dos alunos indígenas estão ainda
nas primeiras séries do ensino fundamental. Isso mostra que existem escolas indígenas
que estão pouco estruturadas e organizadas. E que, apesar dos avanços, há resistências
no sistema público em considerar a diversidade dos povos indígenas, uma vez que o
atendimento ainda é feito nos moldes das escolas urbanas. Outro dado impressionante é
o aumento de creches e da educação infantil, que nos mostra que cada vez mais crianças
pequenas estão entrando na escola e se distanciando do seu cotidiano social tradicional.
Portanto, podemos dizer que o MEC avançou na elaboração de uma política e
obtivemos resultados significativos nesse período. No entanto, há de se reconhecer que,
no campo institucional, a educação escolar indígena ficou apenas no âmbito da SEF
(Secretaria de Ensino Fundamental), restrita praticamente às séries iniciais.
Para as secretarias estaduais, este quadro, muitas vezes, justificou a sua
inoperância, pois esperavam do MEC os encaminhamentos devidos. Além disso,
sabemos que nem todos os estados têm uma relação amistosa e de respeito para com os
povos indígenas.
É por essa razão que persistem tantas reivindicações dos povos indígenas com
respeito ao atendimento no ensino médio e superior, bem como aos recursos específicos
para a educação escolar indígena.
A política nacional de educação necessita avançar mais no âmbito da educação
básica e contemplar também o ensino superior, que é uma demanda latente e urgente.
Para tanto é fundamental a participação dos índios na construção desse processo.
68
2.3 Do Comitê de Educação à Comissão Nacional de Professores Indígenas
Como dissemos anteriormente, a Constituição Federal estabeleceu novos
paradigmas para orientar as relações entre o Estado e as populações indígenas.
Nessa mesma direção, as demais legislações relativas à educação brasileira
também sofreram mudanças na ordem institucional do Estado visando a atender à nova
realidade educacional do país.
Os povos indígenas e suas representações organizacionais vêm avançando em
termos de mobilização, pressionando para fazer cumprir o que está posto na
Constituição, reivindicando o seu espaço como protagonistas do seu destino e exigindo
uma nova postura institucional do Estado brasileiro, diferente do anterior que estava
baseada na tutela.
Nesse novo direcionamento legal, a educação escolar indígena foi
redimensionada, assegurando aos índios a participação efetiva no processo educativo e
nas instâncias de poder público, desde as escolas nas aldeias até a elaboração de
políticas que atendam à realidade indígena.
A criação da Assessoria de Educação Escolar Indígena, no âmbito do Ministério
da Educação, foi fundamental para a realização das ações pertinentes à educação escolar
em todo o país. Em l992, foi criado o Comitê de Educação Escolar Indígena composto
por profissionais de entidades ligadas à questão indígena, como antropólogos e
lingüistas, que contribuíram na assessoria e na definição das política implementados
pelo MEC. A sua experiência foi fundamental também para maximizar a visibilidade da
educação indígena em nível nacional. Dele faziam parte representantes governamentais
(FUNAI, UNDIME, CONSED), e representantes de professores indígenas. Este comitê
foi instituído e regulamentado pelas portarias 60/92 e 490/93. Sua principal função era
de assessoria, mas dado o desconhecimento desta temática dentro do MEC, ele teve um
papel executor muito importante, principalmente no que se refere a envolver as
secretarias estaduais no atendimento e reconhecimento das escolas indígenas.
Esse Comitê exerceu um papel fundamental na articulação entre os estados,
especialmente na criação de NEIs (Núcleos de Educação Indígena), na elaboração de
políticas e na estruturação dos programas de formação de professores.
69
Posse da Comissão Nacional de Professores Indígenas/2002
Em l994, foi publicado o texto das Diretrizes para a Política Nacional de
Educação Escolar Indígena, elaborado pelo Comitê de Educação Escolar Indígena e por
seus especialistas. O documento representou um marco histórico no esclarecimento
acerca da educação específica, diferenciada e intercultural. Depois dessa publicação,
outras vieram para subsidiar o desenvolvimento das ações do MEC e dos sistemas de
ensino.
Outra ação importante do Comitê foi o acompanhamento na elaboração da
Resolução 03/99 do Conselho Nacional de Educação que regulamenta as escolas
indígenas. Foi realizada uma audiência pública na Câmara dos Deputados, além de
outros encontros com professores e lideranças indígenas.
Após uma avaliação das dificuldades encontradas pelos participantes em detectar
as demandas, o Comitê Nacional de Educação Escolar Indígena concluiu que havia
cumprido o seu papel, e propôs a criação de uma instância representativa dos próprios
povos indígenas. Surgia assim, em 2001 a Comissão Nacional de Professores Indígenas,
composta unicamente por representantes dos professores indígenas com a missão de
articular, assessorar e acompanhar as ações elaboradas pelo MEC, além de discutir no
âmbito do Ministério as questões que envolvem a educação escolar em cada região.
A Comissão exerce atualmente um papel fundamental na articulação entre o
MEC e o segmento da educação escolar indígena ao apresentar ao governo proposta de
implementação nos sistemas de ensino de iniciativas oriundas de várias regiões do país.
A sua tarefa tem sido desempenhada em conjunto com as organizações de professores
70
indígenas que estão se mobilizando para que se crie, nos estados, colegiados que
assegurem a participação e a democratização das decisões pertinentes à educação
escolar indígena.
Essas instâncias colegiadas no MEC vêm propiciar aos representantes indígenas
conhecimentos relevantes sobre o funcionamento do Ministério da Educação, sobre os
caminhos da burocracia e do gerenciamento dos recursos educacionais para o país.
Para os representantes indígenas é difícil imaginar como as decisões de uma
instância do poder público, como é o MEC, repercute inclusive nas escolas indígenas,
bem longe da sede central do governo federal. Estar próximo significa assumir a
responsabilidade de representar os diferentes povos e ser cobrado por eles pelo
desempenho desse papel. Para o MEC, tem sido um desafio lidar com realidade de mais
200 povos com diferentes demandas educacionais e tratá-los conforme os preceitos da
legislação. No entanto, a participação dos representantes indígenas legitima as suas
decisões e consolida o protagonismo indígena, tão reivindicado pelo movimento
indígena do país.
No contexto atual brasileiro, a decisão do movimento de professores indígenas
em reivindicar a participação nas decisões reforça a consciência da necessidade de
exercer o controle social sobre as políticas, sobre os recursos e sobre a atuação dos
gestores públicos. Educação escolar não é apenas o domínio do ler e do escrever, mas
de ter uma nova leitura do mundo, de buscar projetos adequados e que contemplem as
diferentes realidades das comunidades. É também acompanhar sistematicamente o que o
Estado brasileiro realiza para o atendimento das diversidades. Portanto, o professor
indígena não é um educador presente somente na sala de aula, mas um articulador entre
dois mundos, principalmente no momento em que o Estado democrático atribuiu a
vários ministérios a responsabilidade de implementar a política indigenista.
A participação nos diferentes campos institucionais é relevante para a população
indígena e para os movimentos sociais em geral, num Estado que vive tantas
contradições, inclusive quanto ao não cumprimento da legislação.
Nesse sentido, as várias etapas pelas quais os representantes indígenas vêm
passando representam etapas de rompimento das resistências encontradas no âmbito do
governo federal para se adequar a novos paradigmas de convivência com os
beneficiários, que querem tornar realidade os avanços obtidos no plano jurídico nesses
505 anos de contato com a sociedade nacional.
71
2.4 O Conselho de Educação Escolar Indígena como fórum definidor de políticas
A reivindicação dos povos indígenas para atuarem em conjunto com as
diferentes instâncias de poder público no acompanhamento da gestão das escolas
indígenas tem sido uma das bandeiras insistentemente levantadas pelos educadores
indígenas.
Segundo Gadotti (l994: 49):
O principio da gestão democrática e da autonomia da escola implica
uma completa mudança do sistema público de ensino. Nosso atual
sistema de ensino assenta-se ainda no principio da centralização, em
contraste com o principio constitucional da “democratização da
gestão.
O Conselho de Educação Escolar Indígena de Mato Grosso – CEI/MT
oportunizou ao segmento da educação escolar indígena uma ampla experiência na
intermediação entre os interesses das escolas e os do poder público. Foi criado em l995,
em decorrência da mudança no cenário dessas relações e, desde então, tem sido a
instância responsável pela definição das ações de educação escolar no estado.
Reunião do CEI com o Secretario de Estado de Educação/ 2003
72
O movimento de professores indígenas teve maior visibilidade a partir de 1995
com a realização do I Congresso de Professores Indígenas no município de Tangará da
Serra. Naquela oportunidade reivindicou-se um conjunto de ações de governo para a
educação escolar e propôs a criação do Conselho de Educação Escolar Indígena.11
A forma de organização do CE/MT foi inovadora, pois supunha o exercício por
parte dos seus membros do controle social no âmbito da educação escolar indígena. Foi
o primeiro colegiado no Brasil com representação dentro da Secretaria de Estado da
Educação e é um marco referencial que originou a criação de instâncias similares em
outros estados como no Amazonas, Rondônia e Mato Grosso do Sul.
O Conselho de Educação Escolar Indígena marcou uma nova era de mobilização
institucionalizada, pois o colegiado com a participação de diferentes representações
étnicas, de instituições públicas e entidades não governamentais, possibilitou a
elaboração de ações pontuais nas políticas públicas do governo estadual.
Ao longo da sua existência foram-lhe atribuídas predominantemente, funções
estratégias, relativas ao planejamento e a execução das políticas educacionais.
No entendimento de Bordignon (2002), “os conselhos são parte do sistema de
ensino, cuja finalidade é atuar na gestão do sistema, deliberando sobre as políticas
educacionais, de acordo com a representatividade nela conferida, conduzindo o processo
de democratização e descentralização do poder.”.
Segundo Gohn, “um ponto comum nas reformas estaduais é a ênfase na busca de
novas formas de gestão das unidades escolares. Elas envolvem a comunidade escolar e a
criação de sistemas colegiados de representação dos diversos atores desta comunidade,
no interior da escola. Esta diretriz pode ser vista como louvável, pois vai na direção da
gestão democrática da educação, reivindicada por vários movimentos sociais e prevista
na Carta Magna de 88”. (2002:103).
A partir da sua criação, o CEI passou a ser o fórum de articulação, de referência
e de discussão das questões pertinentes à educação escolar indígena, assim como de
planejamento das ações. No papel de assessoria para a equipe de educação escolar
indígena da SEDUC, traçou diretriz decidiu sobre as ações prioritárias para as escolas
11 Vale ressaltar que o CEI é um precursor do NEI – Núcleo de Educação Escolar Indígena, criado em l987, a partir de vários seminários e encontros que serviram para legitimar sua existência.
73
nas aldeias. A presença indígena assegurou certa legitimidade às ações da SEDUC,
como também o conhecimento acerca da diversidade educacional existente no estado.
O Conselho de Educação Escolar de MT tem papel fundamental nos processos
de encaminhamentos das ações da educação escolar, pois representa o espaço para a
elaboração das ações, assim como norteia as políticas, articula e assessora o Conselho
Estadual de Educação.
Esse vínculo estabelecido com um colegiado maior da educação estadual por
meio de um representante do segmento, representou um marco histórico da educação
escolar indígena e da sociedade mato-grossense, devido ao reconhecimento da
diversidade étnica e cultural do estado e das suas especificidades.
Aos Conselhos de Educação e aos Conselhos de Controle Social cabe,
dentro de suas atribuições, a busca incessante do diálogo entre Estado
e todos os setores implicados, interessados e compromissados com a
qualidade da educação escolar em nosso país. (CURY, 1999: 60).
De fato, uma das finalidades deste Conselho indígena é propiciar o diálogo entre
os povos indígenas, por meio de seus representantes e os sistemas de ensino, a fim de
buscar uma melhor compreensão e entendimento da diversidade cultural existente no
Estado, aperfeiçoando as ações voltadas a melhoria da educação nas terras indígenas.
Todavia, apesar dos vários avanços nas ações que deram visibilidade para a
educação escolar indígena no estado, ainda existem dificuldades a serem enfrentadas
pelo CEI.
A forma conselho apresenta muitas novidades na atualidade e ela é
muito importante porque é fruto de demandas populares e pressões
pela redemocratização do país. Ela está inscrita na Constituição de
l988 na qualidade de “conselhos gestores”. As novas estruturas
inserem-se em esferas públicas e, por forças de lei, integram-se com
os órgãos públicos vinculados ao Poder Executivo, voltados para
políticas específicas, responsáveis pela assessoria e suporte ao seu
funcionamento das áreas onde atuam. (GOHN, 2002: 103).
74
De fato, a finalidade do Conselho Indígena foi de fiscalizar e acompanhar as
políticas pertinentes a educação escolar, enfim, de exercer o controle social sobre as
ações implementadas pelas secretarias. Por isso a sua composição paritária, formada por
entidades governamentais da educação, não-governamentais, universidades e
representantes indígenas de várias partes da região mato-grossense. A gestão é
composta por uma diretoria com um presidente, um vice e uma secretaria, que
encaminham as deliberações. Tem sido uma instância de referência para os professores
e suas comunidades no tocante ao encaminhamento de seus anseios. É o mediador do
movimento indígena de professores, o espaço de denúncias das arbitrariedades dos
gestores públicos e um defensor dos direitos indígenas nos municípios. Além disso, a
relação do CEI com o Conselho Estadual de Educação/CEE é definida como instância
de assessoramento e deliberativa das políticas específicas, por exemplo, emitindo
pareceres preliminares sobre a educação escolar indígena. Há uma vaga tanto no CEE
para o representante do segmento, quanto no CEI para o representante do CEE.
No período de l995 a 2002, a educação escolar indígena implementou várias
ações reivindicadas pelo movimento, como a elaboração de proposta de programas para
a formação de professores – Projeto Tucum, Projeto Xamã – formação dos AIS
(Agentes Indígenas da Saúde); Projeto Pedra Brilhante e Urucum – formação de
professores do Xingu; Projeto Mebengôkre – formação de professores Kayapó , e nos
últimos anos, o projeto de formação no ensino superior.
Em l997 foi realizado um evento marcante para a formação de professores
indígenas. O Conselho de Educação Escolar Indígena, em conjunto com o movimento
indígena e o poder público organizaram a Conferência Ameríndia de Educação
juntamente com o Congresso de Professores Indígenas do Brasil que colocou o estado
de Mato Grosso em evidência perante o Brasil.
A relevância deste evento reside no fato de que abriu-se uma discussão que até o
momento não se tinha notícia, acerca da formação de professores indígenas no ensino
superior.
O Conselho de Educação Escolar Indígena, promotor do referido evento,
possibilitou que a temática do ensino superior fosse discutida sob a ótica das populações
ameríndias. O entendimento do CEI era trazer para o cenário nacional e da América
Latina questões pertinentes ao novo paradigma da escola indígena.
75
Foram cinco dias de debates e proposições que resultaram numa proposta da
formação do ensino superior para os professores indígenas. Outro resultado importante
foi a publicação dos anais, contendo artigos de professores indígenas e de especialistas
que apresentaram o seu pensamento sobre o assunto. Foram produzidos também dois
livros: Urucum Jenipapo e Giz e Ameríndia: tecendo os caminhos da educação escolar
(l998), destacando artigos de indígenas e não-indígenas atuantes na educação escolar.
A vivência do movimento indígena em Mato Grosso tem fornecido instrumentos
de estudos para alguns pesquisadores, bem como para os próprios índios em busca de
mais estratégias para a melhoria da luta. Atualmente os professores dos cursos do 3º
Grau Indígena da UNEMAT, têm sido os protagonistas da criação da Organização de
Professores Indígenas de Mato Grosso.
O desafio do movimento indígena e dos professores, enfim, do segmento da
educação escolar, é assegurar a participação indígena não apenas em termos de
quantidade, mas também da qualidade das discussões nas aldeias.
Apesar do movimento indígena de Mato Grosso se diferenciar dos demais
movimentos do país, ele tem estratégias de mobilização, quando necessário, que
permitem aproveitar determinadas oportunidades, assim como a comunhão de interesses
nas ações coletivas.
A relação entre o Conselho de Educação Escolar Indígena e seus representantes
tem permitido que os encaminhamentos, discussões e informações cheguem às
comunidades indígenas. Entre l995 e 2004 foram realizadas 30 reuniões ordinárias e
extraordinárias semestrais. A sua relação com o Conselho Estadual de Educação de
Mato Grosso é permanente, uma vez que este reconheceu o papel do CEI como órgão
deliberativo de diretrizes das políticas para uma educação escolar específica e
diferenciada no âmbito da Secretaria Estadual de Educação. Não há nenhuma confusão
na sua natureza funcional.
Assegurar a participação dos representantes indígenas nem sempre foi uma
tarefa fácil para a diretoria. Segundo Gohn “O fato das decisões dos conselhos terem
caráter deliberativo não garante sua implementação pois não há estruturas jurídicas que
dêem amparo legal e obriguem o Executivo a acatar as decisões dos conselhos
(mormente nos casos em que essas decisões venham a contrariar interesses dominantes).
O representante que atua num conselho deve ter vínculos permanentes com a
comunidade que o elegeu”. (GOHN, in Gentilli & Frigotto, 2002: 106).
76
O desafio está no aproveitamento desses espaços de representação indígenas,
para que se articulem e se fortaleçam com os demais movimentos de Mato Grosso. É
preciso superar inúmeras dificuldades na implementação das políticas e assegurar
participação indígena efetiva no processo. Essa é uma das instâncias promotoras do
protagonismo indígena quando assegura que os beneficiários definam políticas e ações
que contemplem a sua realidade.
O Conselho de Educação Escolar Indígena de Mato Grosso vem definindo
políticas educacionais há uma década e, no entanto, ainda não tem merecido a devida
valorização pelo sistema de ensino e pelas instâncias superiores da Secretaria Estadual
de Educação. No organograma da Secretaria Estadual de Mato Grosso, o CEI ainda não
tem o reconhecimento de uma instância de representação interinstitucional, que articula
as ações da mantenedora com as comunidades indígenas.
Finalizo com uma síntese de Gadotti:
Os sistemas educacionais no Brasil, além de possuírem estruturas
muito frágeis, são alvo de freqüentes reformas, mas reformas
superficiais que nada chegam a mudar positivamente, além da
descontinuidade administrativa, que é outra característica do
funcionamento desses sistemas. Eles são presididos pelos princípios
de patrimonialismo, que isola subsistemas, e pelo paternalismo, que
instiga a dependência e a alienação. (1994: 61).
CAPÍTULO III
O PROCESSO DE INCLUSÃO DAS ESCOLAS INDÍGENAS NO SISTEMA
OFICIAL DE ENSINO DE MATO GROSSO
78
3.1 Um balanço das políticas educacionais indígenas em Mato Grosso: impasses e
contradições
Trataremos a seguir de um balanço da realidade educacional indígena em Mato
Grosso a partir de l995, ano em que teve início o processo de inclusão das escolas
diferenciadas no sistema oficial de ensino. Esses desdobramentos ocorreram em função
da regulamentação da Constituição Federal e a da nova LDB no estado de Mato Grosso
e repercutiram no âmbito da Secretaria de Estado de Educação e nas demais secretarias
municipais.
Na gestão do governo de Dante de Oliveira (1995-2002), ocorreram diversos
eventos relevantes para a democratização das escolas. Foi regulamentada a nova LDB
num processo aberto a toda a sociedade mato-grossense. Em 1995 foi realizado o Fórum
Estadual de Gestão Escolar, Democracia e de Qualidade para elaborar e referendar a
reforma de ensino no estado. O então governo, considerado como governo de
vanguarda, teve como eixo político a Gestão Democrática nas escolas públicas
estaduais.12
No tocante à questão indígena foi elaborado um Plano de Metas que estabeleceu
as seguintes diretrizes:
1. Apoiar o governo federal na demarcação e proteção das terras indígenas; 13
2. Implementar um projeto escolar para o indigenismo;
3. Executar os projetos de saneamento básico e de saúde;
4. Viabilizar apoio técnico aos projetos de economia indígena;
5. Implementar e fortalecer o órgão de assuntos indígenas do estado com um
núcleo mínimo central e extensões de apoio nas organizações de saúde,
educação, agricultura e meio ambiente.
12 A Lei Complementar nº 7.040/LOPEB, entre outras medidas, estabeleceu a eleição direta dos diretores escolares e a gestão direta dos recursos destinados para as suas escolas. 13 A luta pela demarcação das terras indígenas nas décadas de 70 e 80 foi intensa em Mato Grosso como em todo o restante do território brasileiro. Ocorreram diversas denúncias das comunidades e das agências indigenistas e educacionais, dada a situação precária em que viviam as populações indígenas.
79
Os destaques para a educação escolar indígena foram a ênfase na
democratização do acesso à escola e implantação de estratégias de gestão diferenciada
para as escolas das aldeias.
O estado promoveu o reconhecimento da diversidade étnica, tendo como aporte
os seguintes documentos legais:
• Decreto nº 265/95 – Criação do Conselho de Educação Escolar Indígena;
• Lei complementar 49/98 – Artigos l06 e l07 – proporciona aos índios a
reafirmação de suas identidades e oferta de Educação Básica – artigo 35 –
assegura um representante da educação escolar indígena no CEE/ Câmara de
Educação Básica;
• Constituição Estadual – Artigo 243 – o poder público reconhece as unidades
escolares das comunidades indígenas;
• Política da Educação Escolar Indígena para o Estado: Uma Construção
Coletiva, composta por 3 programas de l0 projetos.
Em todo esse período houve a participação das comunidades e de seus
representantes nas diferentes reuniões e eventos promovidos pelo governo, que
resultaram em vários documentos indígenas destinados a subsidiar a política
educacional de Mato Grosso para os povos indígenas.
Ampliaram-se as experiências e discussões a respeito da escola indígena
diferenciada, tendo o processo se iniciado com os cursos de capacitação para os índios,
realizados por instituições como OPAN e CIMI. A proposta de uma escola indígena
com pedagogia específica, que contemplasse a língua indígena como parte do currículo
foi discutida em eventos e nas escolas das aldeias. Os encontros, simpósios, reuniões e
assembléias realizadas por essas agências indigenistas foram da maior importância para
trazer à tona uma nova abordagem de educação escolar dirigida pelas comunidades.
Segundo Secchi (2002:117),“todos esses eventos contaram com um seleto
quadro de assessores externos, dentre os mais ‘requisitados’, os professores João
Pacheco de Oliveira, Lúcia Helena Rangel, Ruth Monserrat e Antonio Brand”.
Essas experiências e a mobilização de outros povos indígenas no país
incentivaram as comunidades indígenas de Mato Grosso a exigir mudanças também nas
suas escolas.
80
Vários governos se passaram sem que a questão indígena tivesse espaço para
assegurar o exercício dos direitos dos povos indígenas, principalmente em termos de
política educacional. Nos discursos oficiais, a temática era desconhecida; algumas
iniciativas no governo de Carlos Bezerra (l985) evidenciaram a questão quando da
criação da Coordenadoria de Assuntos Indígena/CAIEMT, instância indigenista
governamental cuja finalidade era articular políticas, índios e governo.
Ao discorrer sobre as características dos trabalhos educacionais desenvolvidos
por diferentes instituições em Mato Grosso até a década de l980 Secchi destaca:
Numa primeira fase houve a predominância dos professores externos
(não-índios) na condução das atividades escolares. Num segundo
período que se estendeu até a década de l980 houve uma certa
desarticulação institucional que ocasionou sucessivas interrupções das
atividades escolares, quer pela ausência de professores nas aldeias, quer
pela concorrência de outras atividades com maior significadas cultural
para as comunidades. Por último, um período comum à maioria das
escolas a partir da década de l980 com a regularização das atividades
escolares e a redefinição dos currículos e das metodologias de ensino.
(2002: 119-120).
Paralelamente, o órgão tutor estava sendo fragmentado gradativamente,
definindo apenas ações pontuais junto às comunidades indígenas. A reforma do
aparelho estatal atingiu a Funai, descentralizando suas ações para outras instâncias
públicas nos vários ministérios como no Meio Ambiente, Educação, Integração
Nacional, Saúde e Agricultura e Abastecimento.
A partir de l995, a educação escolar indígena passou a fazer parte das ações
políticas do governo estadual de Mato Grosso, que reorganizou a equipe de educação
escolar indígena da Secretaria de Estado de Educação e instituiu programas de formação
de professores indígenas, de fortalecimento e de regularização das escolas,
contemplando assim parte da reivindicação e demanda dos povos indígenas do estado.
Foi nesse contexto institucional que a educação escolar específica e diferenciada
em Mato Grosso passou oficialmente a ser discutida pelas instâncias do poder público
educacional, e se intensificou na década de l990, quando surgiu a proposta do primeiro
curso de formação de professores indígenas, promovida pela Secretaria de Estado de
81
Educação. Tratou-se de um fato histórico na política educacional do estado a oferta de
uma formação e habilitação específica para o magistério indígena.
No período l995 a 2002, vivenciou-se em termos de educação escolar indígena
os seguintes acontecimentos:
• Criação de um Conselho de Educação Escolar Indígena, com participação
paritária, índios, instituições indigenistas e de apoio e governamental;
• Representação do segmento da Educação Escolar Indígena no Conselho
Estadual de Educação;
• Representação indígena de Mato Grosso no Conselho Nacional de Educação.
• Realização e conclusão do Projeto Tucum, com a habilitação de l76
professores indígenas;
• Aprovação pelo FNDE de um mecanismo diferenciado para a merenda nas
escolas do Xingu;
• Produção de material didático específico para diversos povos;
• Elaboração da Política de Educação Escolar Indígena;
• Criação da Comissão Interinstitucional e Paritária para elaboração de Cursos
de Licenciatura específicos.
O projeto Tucum foi uma das reivindicações do movimento indígena e de seus
professores, em conjunto com os aliados indigenistas, atendida pelo governo. Teve
como princípio norteador os temas da terra, cultura e língua, o que possibilitou a
especificidade da formação dentro de uma metodologia didática, que contemplava os
diferentes contextos escolares. Esse caráter inovador de formação estava em
conformidade com as políticas educacionais e a legislação nacional. (MENDONÇA &
VANUCCI, l997: 88-89).
Portanto, a primeira formação de professores indígenas em Mato Grosso surgiu
num contexto de reorganização institucional do Estado. Naquele momento, o órgão
executivo da educação se dispunha a implementar políticas educacionais em
cumprimento ao seu plano de metas.
O relato dos professores retrata a importância deste projeto na sua formação:
82
(...) direcionamos várias reivindicações para as agências educacionais.
Até que um dia tivemos uma conquista com o Projeto Tucum, do qual
fiz parte na comissão de elaboração do Projeto (...). (Professor Paresi -
aldeia Nova Esperança/MT).
(...) Com o incentivo do Projeto Tucum, hoje me sinto uma pessoa
capaz de buscar um meio de conhecimento para atuar não só na sala
de aula, mas na comunidade. A metodologia do Projeto Tucum me
ajudou muito, parece que cada vez que estou participando, estou
aprendendo mais coisas novas para levar conhecimento adquirido para
aplicar na sala de aula. (Professora Paresi - aldeia Salto da Mulher -
MT).
Outros projetos educacionais de formação citados no Capítulo II, além do
Projeto de Formação em Nível Superior, foram avanços que necessitam de continuidade
para atender à demanda de professores leigos que estão atuando nas escolas indígenas.
A conquista de uma vaga do Conselho de Educação Escolar Indígena no
Conselho Estadual de Educação possibilitou aos especialistas da educação uma
compreensão da diversidade educacional indígena mato-grossense.
Apesar desse aparato político institucional e legal, percebeu-se ao longo desse
processo que os dispositivos e mecanismos de que o sistema oficial dispõe para atender
às escolas indígenas ainda geram dificuldades em termos da aplicabilidade de projetos
pedagógicos diferenciados, em virtude de os gestores públicos desconhecerem as
diferentes realidades indígenas e tratarem a questão educacional indígena com
homogeneidade.
Ainda não há o entendimento pleno de que a educação escolar indígena é um
direito do cidadão indígena.
As perspectivas quanto à implementação de política construída pelos índios e
seu assessores, definidas no documento “A Construção Coletiva da Política de
Educação Escolar Indígena de Mato Grosso”, estão longe de ser concretizadas.
Nos dois últimos anos da gestão de Dante de Oliveira (2001-2002) houve um
processo desanimador nas atividades da SEDUC em relação à educação escolar
indígena. A mudança de gestores e o desconhecimento acerca da questão indígena
83
levaram a equipe a enfrentar dificuldades na execução de suas ações. Vejamos uma
síntese destas dificuldades:
• Inexistência de um diagnóstico específico para a situação educacional dos
povos indígena (demanda essa reivindicada pelo CEI).
• Necessidade de infra-estrutura compatível com a atuação da equipe no
atendimento das escolas indígenas.
• Desconhecimento e desinformação por parte dos gestores hierárquicos sobre
a realidade e especificidade da educação escolar indígena como política
pública.
• Sistema educacional extremamente burocrático, que dificultou ações
administrativas e pedagógicas das escolas indígenas.
• Excesso de professores indígenas interinos e renovação anual de contratos.
Destaca-se também o processo formal de contratação de outros servidores
indígenas, provocado pela inexistência de concurso público que regulamente
a situação destes profissionais. Com o sistema de ensino passando a ser
exigente na gestão das escolas, adotou-se a postura de meras empresas de
mercado.
Quadro semelhante ocorreu com as escolas municipais, que são a maioria das
escolas indígenas do estado. A gestão compartilhada – uma forma de cooperação entre
os governos estadual e municipal, deu um passo importante para atender a educação
escolar, tendo sido firmados convênios de parceria principalmente visando à formação
de professores. Mesmo assim, a SEDUC não conseguiu manter seus compromissos de
parceria, havendo reclamações de todas as partes: dos beneficiários indígenas e das
Secretarias Municipais.
A situação se agravou porque os municípios não adotaram o modelo de gestão
democrática, e as escolas indígenas ficaram submetidas à gestão do secretário municipal
a quem competiu elaborar e planejar o destino pedagógico das escolas.
Vale dizer que os estados e os municípios brasileiros são
profundamente desiguais entre si, seja no que diz respeito à sua
capacidade econômica e fiscal, seja no que diz respeito à capacidade
84
administrativa para a gestão de políticas públicas, seja ainda no diz
respeito à sua tradição cívica. (ARRETCHE, 2000: 17).
No final de 2003, a equipe de educação escolar apresentou propostas, juntamente
com o CEI, para que o próximo governo viesse a dar continuidade ao que estava sendo
executado, e agilizasse as seguintes medidas:
• Criar a categoria Escola Indígena.
• Agilizar os processos de criação de escolas e celebração de convênios com
os municípios.
• Definir responsabilidades do estado no atendimento das escolas indígenas.
• Prover infra-estrutura no acompanhamento pedagógico.
• Criar uma política de construção e ampliação da rede física, de acordo com a
realidade indígena.
• Dar continuidade à política de formação e capacitação de professores
indígenas ainda não atendidos por projetos específicos de formação.
• Promover concurso público diferenciado para professores indígenas.
• Criar banco de dados sobre a situação das escolas indígenas.
Hoje, a educação escolar indígena no estado busca maior autonomia e
consolidação, em termos do reconhecimento de sua especificidade. Na década de l990,
com o aumento da população indígena no estado, houve o crescimento do número de
escolas indígenas nas aldeias e a implantação da 5ª à 8ª série. A demanda do ensino
médio tem criado um impasse para o estado, que enfrenta dificuldades em assumir a sua
responsabilidade.
Situação atual das escolas indígenas em Mato Grosso
Escolas Municipais 150
Escolas Estaduais 20
Total de Escolas 170
Professores 480
Alunos 9.800
Fonte: SEDUC – Censo 2004.
85
Das l70 escolas indígenas, 88,2% são municipais, mas ainda não são atendidas
conforme os pressupostos legais. Existem alunos sendo atendidos também nas cidades,
fora das aldeias. Dos 480 professores, apenas l6% estão vinculados à rede estadual. Os
demais mantêm vínculos empregatícios com 31 diferentes municípios; apenas 30
professores municipais (l4%) são efetivos.
O atendimento das escolas indígenas pelo sistema estadual e pelos municípios
ainda é incipiente e tem sido denunciado pelas comunidades, principalmente no caso da
oferta do ensino médio, que vem encontrando dificuldades na sua implementação.
No caso das escolas indígenas, terão que decidir, conforme a política atual, entre
municipalização ou estadualização. Outra dificuldade é que, apesar de haver professores
em processo de formação em nível superior, há carência em diversas áreas do
conhecimento (habilitações).
Além desses aspectos, há necessidade de se proceder à contratação de outros
profissionais nas escolas para contemplar diferentes frentes de trabalho, que possibilite
compatibilizar a realidade de cada comunidade, também de se dispor de infra-estrutura
que comporte o atendimento escolar nas comunidades, evitando a evasão e o êxodo em
direção às cidades. Aproximadamente 50% dos alunos indígenas que concluem a
primeira etapa do ensino fundamental (1ª à 4ª série) nas aldeias, desistem de continuar
os estudos ou se deslocam para as cidades. No caso do ensino médio, temos em Mato
Grosso, apenas 6 escolas ofertando toda a educação básica, num contingente de l70
escolas indígenas.
Outro impasse diz respeito à autonomia pedagógica, política, financeira e
administrativa, cuja ausência inviabiliza a gestão indígena das escolas.
Nesse sentido, Grupioni comenta:
Nessa situação paradoxal encontramos o professor indígena, hoje em
sua maioria contratado pelo Estado, a quem se subordina como
funcionário público, dependente do salário e das políticas de
formação e capacitação profissional, que tende cada vez mais a dar
respostas a este sistema, que a submeter-se ao controle social de sua
própria comunidade. (GRUPIONI, 1999).
86
Nesse aspecto o autor nos mostra os impasses e dificuldades que têm violado o
direito por uma escola especifica e diferenciada em Mato Grosso. O atual governo ainda
não atendeu as reivindicações das comunidades e das Organizações Indígenas,
principalmente quanto à criação da categoria Escola Indígena.
No entanto, apesar dos relativos avanços já alcançados, esses não foram
suficientes para se consolidar como políticas públicas educacionais. Não se
institucionalizou nos programas e políticas oficiais do estado, pois a questão indígena é
tratada ainda como um alienígena dentro do sistema de ensino, principalmente pelos
gestores, que vêm resistindo em implementar programas específicos com perspectivas
de curto, médio e longo prazo.
Essa tem sido uma das contradições da política educacional tida como inclusiva,,
que ignora as conquistas sociais e constitucionais na educação básica. Outra questão é a
inexistência de dotação orçamentária específica. Do ponto de vista financeiro, as escolas
indígenas são tratadas como qualquer outra escola dentro dos critérios estabelecidos
pelas normas do sistema de ensino. Como os povos indígenas irão competir com as
escolas dos não-índios se não cabe a eles deliberar sobre os recursos?
3.2 Vozes de resistência: análises e reflexões
A análise dos dados colhidos na pesquisa indica que existem vozes resistentes de
educadores indígenas que interpretam de forma reflexiva as políticas públicas e as
possibilidades de autonomia e do protagonismo indígena.
Destaco que a maioria dos entrevistados e depoentes definiu seu foco de
interesse de acordo com a sua vivência e com base nos argumentos que a sua
experiência lhes proporcionou.
Os temas destacados pelos educadores indígenas e reproduzidos nos discursos
são reiterados por eles também nas esferas do poder público. Neles o maior referencial é
a identidade étnica e o protagonismo indígena como base de sustentação para a
implementação das políticas públicas educacionais.
Os dados aqui apresentados reúnem falas, discursos e reflexões destes
educadores no seu percurso de inclusão no sistema oficial de ensino. O que ganha força
é a oralidade, que expressa a tensão entre a educação diferenciada e a escolarização
87
formal, conforme ocorre no cotidiano. Esses conflitos, bem destacados por Norbert
Elias e Paulo Freire, nos remetem à reflexão sobre a inclusão e a exclusão, ao respeito
às diferenças culturais e aos esforços para entendermos a realidade dos “outros”.
De acordo com os dados coletados, apresento alguns eixos em que podem ser
reunidos e agrupados os depoimentos dos professores sobre as questões gerais da
educação escolar indígena.
Os depoimentos colhidos nas entrevistas foram agrupados por critérios que
reúnem as expectativas dos educadores e lideranças indígenas quanto aos ganhos
obtidos com a consolidação da educação escolar no Brasil.
No quadro a seguir uma amostragem percentual das ocorrências de respostas por
temáticas de interesses dos professores indígenas:
EIXOS TEMÁTICOS %
1. Conquista da educação diferenciada por meio da legislação 3%
2. Educação escolar como afirmação da identidade étnica 3%
3. Fortalecimento do movimento indígena 9%
4. Protagonismo indígena 32%
5. Interculturalidade 3%
6. Escola diferenciada valorizada na aldeia 3%
7. Universidade/Formação 12%
8. Autonomia/Liberdade 27%
9. Reconhecimento das escolas indígenas com qualidade 3%
10. Valorização da política indígena 6%
TOTAL 100%
Os dados foram coletados por meio de um questionário distribuído aos acadêmicos
do 3º grau indígena da UNEMAT, onde puderam responder sobre duas questões
referentes a educação escolar indígena. Apresentamos a seguir alguns dos registros mais
significativos de cada eixo temático.
88
a) Conquista da educação diferenciada por meio da legislação
A constituição federal de l988, foi a maior conquista que
tivemos na educação escolar indígena e como espaço de participação
das lideranças indígenas, reconheceram a educação diferenciada dos
povos indígenas. (Professor Paresi – aldeia Rio Verde).
Tivemos mudanças na concepção da educação escolar
indígena, antes eram instrumento de negação, integração, e hoje tem
outro significado é instrumento de reafirmação da própria identidade,
revitalização dos valores culturais e dos saberes milenares. (Professor
Xavante - aldeia Abelhinha).
Nessa perspectiva, os educadores indígenas valorizam a educação específica e
diferenciada, incorporada como instrumento político e libertador, porém
incompreendida na sua intencionalidade pelo sistema de ensino que desconsidera as
especificidades locais.
Para os índios, não há pleno entendimento do que seja o “específico” e o
“diferenciado” e por isso ainda não foi consolidado institucionalmente. Alguns
depoimentos de professores e lideranças indígenas deram destaque às inovações
pedagógicas e às formas de ensino-aprendizagem que interagem com os interesses
comunitários. Esperam que a educação escolar responda às expectativas dos povos
indígenas em vários contextos da realidade vivenciada pelas comunidades, sem perder o
caráter da interculturalidade.
A responsabilidade do Estado de assumir as comunidades indígenas e suas
escolas e de viabilizar os projetos societários de cada povo, significa uma mudança
institucional de princípios e de planejamento estratégico. O Estado reconhece a
necessidade de criar um subsistema que congregue a educação escolar indígena.
Secchi ressalta, a exemplo de Ferreira (l992) “ (...) sobre o equívoco de se
estabelecer uma modalidade de educação escolar extensiva a todas as etnias, uma vez
que o seu processo instituinte é sabidamente “interpretado e remanejado” de forma
diferente pelas sociedades indígenas.” (SECCHI, 2002: 144).
89
Por isso, não se trata apenas de implementar a escolarização restrita ao ato de ler
e de escrever, mas de viabilizar um novo quadro educacional convergente com a
estrutura legal e conceitual da educação escolar indígena.
b) A educação escolar como afirmação da identidade étnica
Temos um problema na nossa área, ainda não implantamos de
5ª à 8ª série, por causa das aldeias serem espalhadas, então as crianças
estão saindo para estudar na cidade, entram em contato com outra
cultura, e acabam sentindo vergonha de ser índio. Espero que a escola
diferenciada seja reconhecida, porque trabalhamos com a nossa
cultura. (Mirian Kazaizokairo – Aldeia Bacaval/Paresi).
A escola diferenciada é importante para nós indígenas, porque
podemos nos defender dos “brancos”, somos discriminados e
rejeitados e a formação nos fortalece para transmitir aos nossos
alunos o conhecimento adquirido. (Prof. Bartolomeu/Xavante –
Aldeia Sangradouro-MT).
Essas falas nos remetem mais uma vez ao processo de ensino-aprendizagem dos
alunos e a forma como os não-indígenas tratam os alunos indígenas. Expressam a
preocupação com o preconceito e a discriminação que os alunos sofrem na escola da
cidade e defendem que a educação pode contribuir para a reafirmação da identidade
étnica.
Norbert Elias (2000) destaca como os sentimentos de pertencimento e de
exclusão são tratados pelos “de dentro” e pelos “de fora”. Assim como em Winston
Parva,14 os índios recém-chegados às escolas das cidades, depois de algum tempo,
parecem aceitar, com uma espécie de resignação e perplexidade, o que sofrem em
muitos contextos as minorias: a discriminação. (ELIAS & SCOTSON, 2000: .20-21).
14 O autor de Os Estabelecidos e os Outsider, mostra a relação de poder de um grupo de pessoas, moradoras antigas da cidade de Winston Parva, que excluía e discriminava grupos que chegavam para residir na cidade. Trata-se de um estudo que retrata a luta pelo poder para garantir a superioridade de uns sobre os outros.
90
O receio dos educadores indígenas em perceber que seus alunos são alvo de
discriminação e preconceito tem sido manifestado constantemente. Esta situação
repercute na atuação do professor indígena na aldeia que pode ser criticado pela
comunidade quando os alunos indígenas apresentam resultados negativos na avaliação
escolar.
Um dos argumentos que as administrações utilizam para justificar a não
implementação de todos os níveis da educação básica nas terras indígenas, é a extensão
territorial e a baixa concentração demográfica indígena. Para os índios, a escola tem
uma função social completamente diferenciada daquela defendida pelo estado e os
municípios. Algumas comunidades do entorno discriminam as escolas indígenas e as
escolas nas cidades também excluem as crianças indígenas, principalmente quando estas
não apresentam resultados positivos de aprendizagem. São tratados como inferiores,
pertencentes ao grupo dos “de fora”, portadores de costumes estranhos, etc. Negam suas
culturas e identidades étnicas.
Por isso, o índice de evasão nas escolas da cidade é tão alto e gera um
descontentamento das comunidades com o gestor público por não estenderem a
continuidade do ensino fundamental e ensino médio nas aldeias. Em alguns casos ocorre
uma verdadeira aversão dos professores e de alunos das cidades pela educação
diferenciada.
Apresentaremos a seguir um quadro que sintetiza a concentração dos estudantes
indígenas por grau de ensino e por região do Brasil.
QUADRO SÍNTESE DOS ALUNOS POR GRAU DE ENSINO E REGIÃO
Região 1ª Fase do Ensino
Fundamental
2ª Fase do Ensino
fundamental
Ensino Médio Total
Norte 1.353 522 344 2.219
Sul 86 952 1.456 2.494
Sudeste 570 453 104 1.127
Centro-Oeste 4.492 1.457 514 6.963
Nordeste 851 2.370 1.529 4.750
Total 7.352 5.754 3.947 17.553
Fonte: FUNAI-2003, In COSTA, 2004.
91
A evasão e a repetência dos alunos índios na cidade ocorrem, na maioria dos
casos, devido às dificuldades de comunicação em sala de aula, ministrada por
professores não-índios, tanto nas comunidades indígenas como nas cidades. (COSTA,
2004: 13).
A situação acima nos revela uma das ocorrências justificadas por professores
não-índios no fracasso escolar de aluno indígena. O historiador Elias Januário buscou as
razões do fracasso num “sistema monoculturalista, avesso à diversidade, que não
reconhece no âmbito escolar a presença dos alunos étnico-culturalmente diferenciados,
que não contempla em sua prática educacional o saber de outros grupos, revelando
propostas curriculares de caráter hegemônico, em que os conhecimentos e os saberes
dos grupos sociais minoritários e diferenciados são ignorados”. (2004: 202).
O contexto de alunos indígenas na cidade é apresentado por Torres (2004) no
depoimento de um pai de aluno:
(...) Agora eles ficam aqui na cidade. Isso tinha que ter uma lei para
proibir esses bichos de ficar assim, no meio da gente. Proibir de ficar
na escola junto com os filhos da gente. Eu acho isso muito errado, do
jeito que esses bichos são traiçoeiros, não podia ficar assim, no meio
da gente, ainda mais na escola junto com os filhos da gente, ainda
mais de noite. Eu tenho muito medo desses bichos. Eu mesmo não
concordo desses bichos estudos com os meus filhos. Karajá é um
bicho traiçoeiro. Mas do jeito assim que eles têm proteção do governo,
não acontece nada com eles. Eles podem fazer uma coisa ruim com
um filho da gente que não acontece nada com eles. Pai de aluno –
São Félix do Araguaia. (TORRES, 2004: 119).
Este depoimento é um exemplo da situação dos alunos indígena estudantes nas
cidades próximas às aldeias. Percebe-se a intolerância, a estupidez humana em tratar o
outro como animal, desconsiderando que na sabedoria indígena, até os bichos são seres
que pertencem a natureza, fazem parte do convívio cultural dos povos indígenas, mostra
ainda, o desconhecimento e a ignorância da realidade sócio-cultural do povo Iny15 –
Karajá, habitantes tradicionais daquela região.
15 Termo de autodenominação do povo Karajá da região do Araguaia.
92
Em outro contexto Resende (2003) mostra a percepção de um aluno indígena
sobre a escola não-indígena, e de um pai sobre o desempenho do aluno indígena.
Eu moro na pensão, é difícil porque moro sozinho, a vida na
cidade é praticamente muito difícil. Pra se relacionar com o branco,
pra arrumar um emprego né, é muito difícil, eu já tentei, eu acho que é
preconceito, aqui mesmo na escola, eles já diz, já diz que o indígena
não serve para nada, que não devia estar na escola, poderia estar lá
onde é o lugar deles. Eu acho que não conseguimos comunicar com os
brancos na conversa por causa da nossa timidez. (Mas entre vocês não
tem timidez, é com o branco?). (...) Acho que nossos compatriotas, os
alunos daqui, acho que eles não tiveram oportunidade de aprender
melhor o português, conversar, por isso que eles tem dificuldade de
conversar na sala de aula e fica com vergonha. (...). (Aluno indígena
Xavante, in RESENDE, 2003: 82).
Os alunos que reprovam, se eles moram na casa própria das
famílias dele ele pode voltar para a escola no ano seguinte, agora
pessoas que está morando no internato a FUNAI não permite mais,
mas ainda muitos voltam. Vai ficar só os que estão passando. Eu acho
que tem muitos estudantes que não chegaram a esse ponto para
estudarem na cidade e muitas vezes eles saem da escola, chega no
internato, joga o material e já saem fazendo outra coisa, ai só vê
material no horário que ele vai para escola, a gente achava que ele
tava estudando, quando chega no final as notas dele tá ruim, então eu
acho que tá a falta de uma incentivação, a falta de chamar a atenção,
você ta aqui é para estudar, não é pra você andar na rua, não é pra
você fazer as coisas que não é bom, porque você tá aqui é para
estudar, você tem que ver o futuro. (Pai de aluno indígena, in
RESENDE, 2003: 86).
Os depoimentos nos revelam a triste situação tanto do aluno e como do pai do
aluno diante de exclusão e discriminação. É justa a preocupação dos educadores e das
suas comunidades, quando se trata de alunos indígenas em situação de discriminação e
marginalização, por serem diferentes culturalmente.
93
Outro aspecto também determinante do insucesso escolar dos alunos
culturalmente diferenciados reside, no fato de que em muitas ocasiões os conteúdos são
vazios, sem a compreensão do seu sentido. Ao mesmo tempo, se criou uma tradição na
qual os conteúdos são apresentados nos livros didáticos como os únicos possíveis,
únicos pensáveis. (SANTOMÉ, 1995: 161).
c) Fortalecimento do movimento indígena
A luta do movimento indígena contribuiu na Constituição de l988
para a conquista da educação diferenciada, e que sejamos autônomos
para trabalhar de acordo com a realidade da comunidade. (Professor
Mehinako – aldeia Kuikuro – Alto Xingu).
A criação da associação de professores agilizará mais a luta do
movimento indígena e a participação dos índios, no Conselho e na
SEDUC. (Cacique-professor Karajá – aldeia Fontoura).
Foi uma luta das lideranças, do movimento indígena que conseguimos
ter hoje uma educação escolar específica e diferenciada, para
fortalecer o aspecto cultural e organizacional do povo indígena.
(Professor Paresi – aldeia Seringal).
Continuando nesta análise, vemos que os educadores indígenas têm consciência
do seu papel social como agentes de transformação e, principalmente, do que se espera
da educação escolar indígena, mesmo com toda a dificuldade na sua implementação.
Valorizam a luta do movimento indígena, que apresenta resultados importantes neste
momento de transição, muito embora tenha encontrado dificuldades em sua
mobilização.
Marta Azevedo e Maria Helena Ortolan em seu artigo “Já existem 100
organizações”16 lembram-nos que “A partir dos anos 80, novos processos e formas
organizativas surgiram para fazer frente aos problemas concretos das comunidades e
povos indígenas (...)”. (1992: 7). Alguns anos depois, Grupioni identificou 293
16 Silva, Azevedo e Ortolan. In Porantim, CIMI, Brasília, dez/92: 7.
94
organizações indígenas no Brasil, sendo que no Amazonas havia 77 organizações.
(GRUPIONI, l990: 5).
A luta por melhoria da qualidade do ensino tem sido a bandeira do movimento
de professores indígenas, que reivindicam um acompanhamento pedagógico
permanente, mas que nem sempre são atendidos pelas instituições responsáveis.
Vale salientar que o momento que vive o movimento indígena e a educação
escolar indígena em Mato Grosso é de reflexão quanto ao seu papel social e político. A
formação acadêmica dos educadores indígena tem sido o campo de discussão e análise
dessa atuação para as comunidades indígenas. Atualmente é grande a preocupação com
a formação com qualidade e com a autonomia do subsistema de educação escolar
indígena.
d) Protagonismo indígena
Estamos aprendendo a conduzir a educação diferenciada. Não
utilizamos os métodos da Secretaria, mas criamos os nossos próprios
métodos, para que nossos alunos sejam melhores do que nós.
(Professor Bakairi – aldeia Pakuera).
Queremos uma escola formadora de cidadãos, uma escola que atenda
as necessidades do povo, que contribua para a continuidade da nossa
cultura. Temos que executar é um direito, é uma conquista, e
futuramente a gente possa administrar as nossas próprias terras vamos
precisar nesse novo tempo dos avanços tecnológicos. (Professor
Bororo – aldeia Coroado – Santo Antonio do Leverger).
Queremos assumir toda a educação e participar ativamente das
discussões e decisões em relação ao nosso destino, e não deixar para
o governo decidir. (Professores acadêmicos – Barra dos Bugres).
Melhorar a situação das nossas crianças, e nós mesmos assumirmos a
administração, a diretoria e secretaria (...). (Professor Tapirapé –
Urubu Branco).
95
Nos seminários, reuniões e encontros acadêmicos, o educador indígena tem
manifestado o cumprimento da Convenção l69/2004, ratificada pelo governo Lula,
principalmente quanto a participação efetiva dos indígenas em todas as etapas de
desenvolvimento de uma política pública e nas decisões governamentais e
institucionais. Não querem ser meros espectadores, mas protagonistas.
Segundo Secchi (2004), ao tratar do protagonismo indígena em contextos de
relações interculturais, tem-se em foco uma dupla dimensão: a de ocupar os espaços e a
de definir os papéis que configuram a teia dessas relações. A primeira dimensão diz
respeito às estratégias a serem adotadas para viabilizar a presença e a participação
indígena em todas as etapas de realização de um determinado evento. A segunda, trata
do exercício qualificado do diálogo e do desempenho concreto das atribuições e
representações estabelecidas nas relações interculturais. Trata, portanto, da capacidade
(ou incapacidade) das sociedades indígenas exercerem o controle sobre os elementos
culturais externos, incorporados ao seu cotidiano, em decorrência do convívio cultural.
(SECCHI, 2004:2)
Nas palavras de Amarante (l994), “É preciso atribuir ao indígena o
protagonismo intelectual da luta! Uma luta que se trava sob todos os aspectos: na saúde,
no campo da ética e da ecologia e na educação muito prioritariamente”. (AMARANTE,
l994: 11).
e) Interculturalidade
Temos que ter a visão dos dois lados: indígena e não-indígena, e a
educação que levamos a comunidade tem que ser respeitada pelas
Secretarias. (Professor Bakairi– aldeia Pakuera).
Adquirir novos conhecimentos e repassando a comunidade e aos
alunos para que no futuro, eles possam se defender e lutar pelo povo
indígena são a nossa meta. (Professor Irantxe – aldeia Kaititu).
No enfoque dos educadores indígenas, a interculturalidade é necessária para que
se possa construir instrumentos de defesa, assim como estabelecer diálogo e
convivência com a sociedade nacional. E é nessa perspectiva que a educação escolar
96
vem sendo construída, pensada e planejada pelos povos indígenas, especialmente em
Mato Grosso.
A interculturalidade como princípio epistemológico requer o diálogo
entre culturas, como pressuposto da prática pedagógica. Diálogo
implica em comunicação, supõe que os interlocutores compartilham
uma província comum de significação, configurando um contexto
semiótico intercultural (BANDEIRA, l997: 45).
No campo da formação intercultural percebemos que vem crescendo a inserção
da interculturalidade no cotidiano pedagógico dos educadores indígenas. Nesse sentido,
Grupioni comenta os dados do Censo Escolar Indígena, realizado em l999, que nos
mostra esta realidade pedagógica, “Os resultados indicam que mais da metade das
escolas indígenas do país, 54% do total, utilizam aspectos da cultura indígena no
cotidiano escolar, havendo diferenças significativas entre as regiões geográficas”.
(GRUPIONI, 2002: 92).
Conforme o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas deve-se
valorizar no contexto da educação escolar indígena uma educação escolar intercultural,
comunitária específica e diferenciada, que “deve promover uma situação de
comunicação entre experiências sócioculturais, lingüísticas e históricas diferentes, não
considerando uma cultura superior a outra (...)”. (RCNEI, 1998: 24).
f) Escola diferenciada valorizada na aldeia
Estamos estudando para implantar a escola diferenciada e
melhorar o seu funcionamento valorizando a educação específica e
diferenciada na comunidade. (Professor Karajá – aldeia Santa Izabel).
A educação diferenciada teve muitos avanços dentro do
contexto da comunidade na valorização dos conhecimentos
tradicionais e da cultura indígena. (Professora Paresi – aldeia Salto da
Mulher).
97
Os educadores indígenas vêm lutando com suas comunidades pela concretização
dos seus anseios e demandas junto às instâncias públicas municipais e estaduais e seus
depoimentos manifestam a preocupação com os alunos fora do contexto da aldeia e os
problemas enfrentados por esses.
Segundo Secchi (2002:101) a “escola concebida sob esta perspectiva nem
sempre se restringe ao âmbito de uma única aldeia ou etnia. Como ferramenta coletiva,
é uma arena de debates e formulações de interesse geral, em especial, de assuntos de
cunho político, fundiário e ambiental de todas as sociedades indígenas”.
Outra evidência é que a saída para a cidade dos alunos na faixa etária de 10 anos
a l6 anos promove o seu distanciamento da relação familiar, do convívio coletivo e das
expressões culturais com as festividades e atividades rituais.
Nas vezes em que as secretarias se fazem presentes nas aldeias para alguma
forma de acompanhamento pedagógico ou outra ação fiscalizadora, dependendo da
situação encontrada, tecem severas críticas aos professores indígenas, até mesmo
ameaçando-os com a perda de seus cargos. A falta de compreensão acerca do contexto
indígena resulta em julgamentos e em mal-entendidos.
No fundo, porém, todas são lutas para modificar o equilíbrio de poder
e como tal, podem ir desde os cabos de guerra silenciosos que se
ocultam sob a cooperação rotineira entre os dois grupos, num contexto
de desigualdades instituídas, até as lutas francas pela mudança do
quadro institucional que encarna essas diferenças de poder e as
desigualdades que lhes são concomitantes. (ELIAS & SCOTSON,
2000: 37).
No Brasil há o entendimento da luta dos povos indígenas pelo reconhecimento
da educação escolar indígena, sem discriminação e preconceito, valorizada e respeitada
pelo poder público.
g) Universidade e formação
Espero para o meu povo a melhoria na educação escolar
indígena, para que na frente os nossos filhos aprendam o que estamos
98
aprendemos na formação do 3º Grau Indígena, e que possamos dar
continuidade nesta formação acadêmica. (Professora Bakairi - aldeia
Santana).
Que a formação específica na universidade possa contribuir no
ensino do professor indígena na aldeia, na língua, nos conteúdos e na
metodologia da educação específica e diferenciada. (Professor
Xavante – aldeia Namunkurá).
Temos que dar retorno para a comunidade da nossa formação.
Eles esperam isso de nós na universidade. (Professor Umutina – Barra
dos Bugres).
Os educadores indígenas têm valorizado o aspecto da formação acadêmica e sua
importância na formação política, bem como o retorno para as comunidades indígenas,
como profissionais e assessores dos projetos societários. O pensar sobre a formação
acadêmica se enquadra na perspectiva de que venha a atuar junto a sua comunidade, não
apenas com interesse individual, mas principalmente coletivo, visando aos benefícios
que as comunidades terão com essa formação. Os sonhos se ampliam para a
continuidade dessa formação na pós-graduação tendo a mesma finalidade do caráter
específico e diferenciado.
Ao tomar a categoria de intelectual seriamente, os estudantes,
professores acadêmicos e outros teriam que investigar e se
conscientizar plenamente de seu papel ativo na mediação entre a
sociedade dominante e a vida cotidiana. (GIROUX, 1997: 172).
Como se tratam de experiências inéditas no ensino superior, os acadêmicos têm
buscado compreender o funcionamento da instituição de ensino, com o intuito de se
apropriar dos mecanismos que condicionam o mundo científico. Assim como de
articular os saberes tradicionais com o seu desenvolvimento intelectual a serviço da sua
comunidade, principalmente na mediação da relação com a sociedade envolvente. Nos
cursos da UNEMAT criou-se espaços de controle social, por meio do colegiado
acadêmico, com a participação indígena, o que tem possibilitado novas conquistas no
99
campo do protagonismo, pois os melhores entre os que desempenham sua função
representativa têm tido destaque frente aos demais acadêmicos.
Nesse sentido, a experiência acadêmica tem proporcionado não apenas o sonho
de exercer a docência numa instituição de ensino superior, mas principalmente a idéia
de se criar, num futuro bem próximo, uma universidade intercultural.
h) Autonomia e liberdade
Trabalho seis anos como professor. Quem mandava e desmandava
na escola eram os missionários, éramos dependentes deles, proibidos
de falar na língua. A educação estava com eles no internato. Não se
podia errar, se não apanhávamos, nós sofríamos muito com a
educação. A escola diferenciada traz a liberdade de ensinar a sua
própria cultura, a pesquisa, o trabalho e a liberdade de ensinar a sua
realidade, através da história, da cultura e ter a colaboração da própria
comunidade, mesmo quando não se tem merenda a comunidade
contribui com a escola. (Professor Matias Tsivaaibata, aldeia
Primavera – Rikbaktsa).
Quando a missão jesuítica atuava na aldeia, não tínhamos acesso a
nada, eles impunham as suas regras, depois da constituição de l988,
vimos que estar preso entre quatro paredes era um desagrado a cultura
indígena, nos mobilizamos para buscar nossa autonomia, ensinando
as crianças a interpretar as leis e defender a nossa terra. (Professor
Rikbaktsa – aldeia Barranco Vermelho).
Nossos parentes às vezes acreditam que a educação diferenciada é
fraca e de má qualidade, que temos que acompanhar as regras do
“branco” e da secretaria, e brigamos para garantir os nossos
currículos específicos e diferenciados, porque no futuro nós mesmos
assumiremos a responsabilidade. (Professor Rikbaktsa – aldeia
Primavera).
100
Estamos batalhando muito pela autonomia, em cima da realidade
do nosso povo para que a nossa cultura e identidade caminhem juntas.
(Professor Karajá – São Félix do Araguaia).
Nesses depoimentos os professores expressam a herança de uma educação
escolar de internato missionário jesuíta na década de 70. Ainda guardam na sua
memória lembranças de um passado educacional que oprimiu o seu povo. Agora
procuram no seu cotidiano, como docente a liberdade de poder reverter a situação desta
educação imposta nas aldeias. Existe o receio de que esse modelo de educação alienante
possa regressar.
Fica evidente nas falas destes educadores que a busca por autonomia e
independência são metas a serem alcançadas, e que a educação escolar possibilita a
construção de um futuro melhor.
Fazendo-se e refazendo-se no processo da história, como sujeitos e
objetos, como mulheres e homens, querem a inserção no mundo e não
a pura adaptação ao mundo. Terminam por ter no sonho também um
motor da história. Não há mudança sem sonho como não há sonho
sem esperança. (FREIRE, l992: 91).
A busca por autonomia e valorização da identidade étnica tem sido o tema dos
discursos e reivindicação dos educadores e lideranças indígenas no processo
educacional.
Segundo GIROUX, “a categoria de intelectuais transformadores conduzem os
professores a empregarem um discurso calcado na autocrítica e nos fundamentos da
“pedagogia radical”, procurando como princípio educativo a ação que torne o
“pedagógico mais político e o político mais pedagógico”. Só assim pode-se alcançar
uma escola com seriedade a possibilidade de dar aos estudantes “voz ativa em suas
experiências de aprendizagem”. (1992:. 31-31 apud JANUÁRIO, 2002: 276),
101
i) Reconhecimento das escolas indígenas com qualidade
Quero falar da qualidade que devemos ter na educação básica,
ensino fundamental e médio, e até no ensino superior, porque as
comunidades questionam a atuação dos professores, que não dão
conta de transmitir os conhecimentos dentro de sua comunidade.
Querem tirar seus filhos e mandar para cidade. Medem os
conhecimentos do professor indígena em relação ao não-indígena.
Temos que ficar atentos na qualidade do ensino que implantamos
dentro das aldeias. (Professor Umutina – aldeia Umutina).
Estamos enjoados de trabalhar dentro de um sistema quadrado,
porque prepara o aluno para reproduzir e armazenar conhecimentos, e
não educa, enquanto a educação diferenciada possibilita, incentiva a
capacidade dos alunos criarem a sua própria experiência, não está
centralizada na pessoa a educação, mas sim num compromisso
coletivo. (Professor Xavante - aldeia Abelhinha).
O reconhecimento do papel da escola pelas comunidades tem sido um dilema
para os educadores indígenas, pois as exigências direcionadas à escola, como instituição
que terá de responder as diferentes demandas comunitárias, são também dirigidas ao
desempenho dos professores educadores. Por isso, há uma expectativa no desempenho
deles nos resultados positivos ou negativos dos seus alunos fora do contexto escolar. O
seu desempenho não está centrado apenas na sala de aula, mas principalmente no
envolvimento com os compromissos coletivos. Nisso, o educador assume desafios de
dar conta das tarefas comunitárias que lhes são solicitadas como também da
aprendizagem dos seus alunos. O reconhecimento e a qualidade dependem desta
conjuntura política, social e cultural que muitas vezes é incompreendida pelos
administradores da educação.
j) Valorização da política indígena
Tenho percebido a diferença da política indigenista e a política
indígena e verificamos a desvalorização da política indígena.
Precisamos reverter essa situação (...) temos que refletir sobre essa
102
questão e que prevaleça os nossos interesses na política indigenista.
(Professor Bakairi – aldeia Pakuera).
A política brasileira está atrasada em relação a política
educacional das escolas indígenas. Não temos na prática e dentro da
realidade indígena a educação diferenciada. Falta ainda a vontade
política dos governantes. (Professor Xavante – aldeia Abelhinha).
As autoridades estão acostumadas a fazer projetos para nós
indígenas, sem discutir com a comunidade. Nós temos o direito de
rejeitar e exigir a nossa participação. (Professor Mehinaku - Xingu).
Nem sempre as relações entre as instituições do poder público são de harmonia.
Em algumas reuniões presenciadas pela equipe de educação escolar indígena os gestores
públicos questionam a sua especificidade e a forma como os professores atuam nas
escolas. A interferência se dá quando os gestores públicos impõem políticas que
contrariam a realidade sócio-cultural dos povos indígenas, e desconsideram as
experiências e iniciativas das comunidades.
A política indígena é desconhecida pelo gestor, principalmente nas escolas
municipais. Impera ainda o preconceito, e o desconhecimento do que trata das políticas
internas das sociedades indígenas. As secretarias ignoram este aspecto e cometem
ingerências que, muitas vezes, prejudicam a comunidade indígena.
Há descontentamentos por parte das comunidades pela ignorância e desinteresse
em compreender a política indigenista e indígena. Há uma preocupação também em
relação à desvalorização da política indígena, que vem perdendo espaço para políticas
indigenistas formuladas em gabinetes governamentais ou pelos “ditos entendidos de
índios”, que nem sempre estão em conformidade com a realidade indígena.
3.3 Entre o sistema oficial e o imaginado
Neste tópico veremos como os professores indígenas e lideranças instituem, em
seu imaginário, o sistema oficial de ensino.
103
Em um dos questionários distribuídos aos professores indígenas foi perguntado
sobre a sua visão em relação ao Estado brasileiro no atendimento da educação escolar
indígena. Nesse tópico abordaremos o aspecto educacional tendo com amostra alguns
indicadores da situação educacional em Mato Grosso.
De acordo com o Censo Escolar de 2003/2004, seriam 170 escolas indígenas,
480 professores indígenas, conforme os percentuais mostrados nos quadros abaixo.
No que se refere aos professores indígenas, esses representam 95% do total de
professores que lecionam nas escolas.
- 40% têm o ensino fundamental incompleto.
- 30% têm apenas o ensino fundamental completo.
- 9% têm o ensino médio completo.
- 20% têm o ensino médio com magistério completo.
- 1,0% tem o ensino superior completo.
30%
20%1%
9%
40%
Fonte: SEDUC-MT/ 2004
Os estudantes indígenas atingem o número de 9.800, assim distribuídos:
- 86% estão cursando o ensino fundamental.
- 5% estão na educação infantil.
104
- 8% estudam em classes de educação de jovens e adultos.
- 1% está no ensino médio.
5%
1%8%
86%
Fonte: SEDUC-MT/2004
De todos os alunos que estão no ensino fundamental, 86% estão cursando de 1ª a
4ª série, sendo que destes 50% estão na 1ª série.
Este quadro revela que há um crescimento da população estudantil indígena nas
escolas das aldeias, provavelmente bem maior do que nas escolas dos centros urbanos.
Significa também o aumento de professores e mais escolas para serem construídas pelo
governo, ampliando assim o investimento oficial. Além disso, revela que as escolas
indígenas não estão estruturadas de modo a facilitar a progressão dos alunos.
A ampliação e a manutenção dos sistemas de ensino são temas bastante
complexos, discutidos por diferentes teóricos da educação. Para melhor compreender
esse processo é necessário entendermos como o Estado Brasileiro instituiu os sistemas
de ensino. São vários os ingredientes que compõem essa arquitetura. Vão desde o
gerenciamento da educação, do seu aspecto pedagógico, passa pelos conteúdos, pelos
métodos de ensino-aprendizagem e pelo conjunto das relações hierárquicas instituídas
para o funcionamento das escolas.
Gadotti (1994) ressalta que:
105
A questão essencial da escola hoje se refere à sua qualidade. E a
qualidade está diretamente relacionada com os pequenos projetos das
próprias escolas que são muito mais eficazes na conquista dessa
qualidade do que grandes projetos, mas anônimos, distantes do dia-a-
a-dia das escolas. (GADOTTI, 1994: 69).
A nova LDB estabeleceu uma mudança na escola pública no que trata da
relação do órgão gestor com a comunidade escolar. No entanto, ainda percebem-se
resistências dos órgãos em admitir a gestão democrática do sistema.
Uma política democrática de educação é uma reivindicação antiga dos
educadores brasileiros. Durante o período autoritário (l964-l985) o tema da participação
e da democratização da gestão da educação tomou boa parte das discussões e dos
debates pedagógicos, tanto no setor público quanto no setor privado. (GADOTTI, l992).
Para ele, a educação brasileira passou por vários processos de discussão e debates em
nível regional para que a política e a democracia fossem a base para uma educação
pública de qualidade a todos os cidadãos e em todas as redes de ensino. Muitos
municípios, porém, ainda não adotaram a gestão democrática em suas escolas.
No caso das escolas indígenas, o atendimento é compartilhado com os
municípios, e esses raramente mantêm uma relação de parceria institucional, nem
tampouco adotaram a gestão democrática. De um lado temos as diretrizes e as metas a
serem cumpridas; de outro, diversas iniciativas que impõem regras próprias, ou seja,
que operam indistintamente na rede escolar tendo como foco a escola regular.
Entretanto, a escola indígena deveria ser operada segundo a lógica sócio-cultural e
lingüístico de cada povo e a sua função social seria também atender aos seus projetos
societários. Portanto, temos dois sistemas se intercruzando nas escolas indígenas: um, o
sistema oficial (com as regras e normas da sociedade ocidental) e outro, o sistema
educativo tradicional. Ambos têm bases legais, tanto o institucional quanto o
tradicional. É necessária uma articulação entre eles.
A escola indígena tem de ser parte do sistema de educação de cada
povo, o qual assegura e fortalece a tradição indígena. A partir daí
teremos elementos suficientes para uma relação positiva com outras
sociedades. (Jucineide Maria Simplício Freire, professora Xucuru, PE
in RCNEI/l998: 58).
106
Certamente existem regras institucionais, positivas, que não
contradizem as tradicionais, mas também delas não decorrem. Foram
estabelecidas sem que possamos dizer por que foram preferidas a outras
igualmente compatíveis com o sistema. (CASTORIADIS, l975:
150).
Ocorre que, na prática, o sistema educativo tradicional é desconsiderado pelo
sistema oficial de ensino, e vêm sendo absorvido com seus mecanismos de controle que
enquadram a escola e seus professores indígenas num mesmo regime normativo da
escola pública, desconsiderando os contextos sócio-culturais.
Grupioni (2003:117) ressalta que “o desafio posto neste momento é como tornar
realidade os avanços inscritos no plano jurídico, de modo que a escola em áreas
indígenas, historicamente utilizada como meio de dominação, seja um instrumento de
autodeterminação, que respeite as tradições e os modos de ser indígenas e esteja a
serviço dos diferentes projetos de futuro desses povos”.
Nos trechos abaixo apresentaremos algumas das expressões indígenas colhidas
no questionário aplicado sobre o entendimento do Estado Brasileiro em relação à escola
indígena e como gostaria que fosse a sua escola.
Nesse conjunto de respostas pode-se observar como os professores e lideranças
indígenas compreendem essa relação institucional da educação escolar.
QUESTÃO: Na sua opinião, como o Estado Brasileiro vê a educação escolar
indígena?
1. “Ainda não reconhece a importância da escola indígena, apesar de estar assegurada
na Constituição”. Cinta Larga – RO- MT).
2. “Pensa que a escola indígena é sem caráter e que os professores recebem salário sem
trabalhar”. (Zoró-MT).
3. “Desconhecida, desqualificada, porque as autoridades desconhecem também o modo
de vida dos povos”. (Paresi-MT).
4. “Ainda não entende a realidade indígena, porque não respeitam as leis que o fizeram,
ainda não acontece a participação no processo”. (Paresi-MT).
107
5. “A visão do Estado Brasileiro é diferente da nossa, pois a escola fez com que os
índios deixassem de ser índios, atualmente a escola indígena tem sido importante para
reafirmar a identidade e fazendo nós refletirmos”. (Xavante-MT).
6. “Reconhecer a escola indígena, entender a sua situação e as Secretarias não
acompanham a realidade do povo indígena”. (Bakairi-MT).
7. “Entende a nossa escola indígena como uma educação genérica, que acompanha o
movimento da escola pública, (...) não sabem que os índios são multiétnico”. (Tapirapé-
MT).
8. “Infelizmente a visão do Estado é conservadora, idealizadora, com o propósito de
invasão e dominação dos povos”. (Pataxó Hã Hã Hãe/BA).
9. “Sofremos com a atuação das secretarias que não estão cumprindo com o seu dever,
pois não atendem os reais interesses e necessidades dos povos indígenas”. (Terena -
MT/MS).
10. “Ainda como escola integracionista desconhece a realidade cultural e não atende a
escola indígena”. (Munduruku -MT).
11. “Ainda não entende como conquista dos povos indígenas. Não temos autonomia
somos desvalorizados, apesar da formação que temos nos programas do governo de
Mato Grosso”. (Kayabi -MT).
QUESTÃO: Como você gostaria que fosse a sua escola?
1. “Valorizada na sociedade envolvente e trabalhada conforme as tradições do nosso
povo” (Cinta Larga – RO/MT).
2. “Que seja valorizada como escola indígena, e respeitada conforme a cultura do meu
povo”. (Zoró-MT).
3. “Que tivesse a identidade do meu povo, que atendesse as necessidades e o bem estar
da comunidade, e infraestrutura específica e diferenciada e autonomia da gestão
escolar” (Paresi-MT).
4. “Respeitassem as leis, e dessem autonomia na gestão e decisão das nossas escolas”.
(Paresi-MT).
5. “Discordante das propostas do governo, porque pode nos levar à desorganização da
nossa sociedade, introduzindo o individualismo na aldeia”. (Xavante-MT).
108
6. “Mais valorizada como escola indígena com apoio de infra-estrutura pedagógica e
didática”. (Bakairi-MT).
7. “Que seja reconhecida pelos órgãos de governo como uma educação alternativa,
gerenciada pelos índios” (Tapirapé-MT).
8. “Cumprir a legislação educacional e com a direção dos próprios índios”.(Pataxó Hã
Hã Hãe/BA).
9. “Tivesse autonomia, gerenciada e planejada pelos próprios índios com o
fortalecimento da identidade étnica”.(Terena -MT/MS).
10. “Que atendesse a realidade do meu povo e tivesse infra-estrutura física, pedagógica
e didática”.(Munduruku -MT).
11. “Totalmente indígena integrada com a questão da saúde, do meio ambiente, etc., e
valorizada o trabalho do professor” (Kayabi -MT).
Nesses depoimentos pode-se perceber as várias opiniões em relação à “escola
indígena” idealizada, e como o Estado Brasileiro é desconhecedor da educação escolar
indígena. Para os índios, o Estado tem que dialogar com as comunidades antes de tomar
decisões pertinentes à educação escolar, respeitar a legislação e assegurar o
protagonismo indígena.
Os índios têm clareza sobre o que querem da escola e da educação escolar, e
sabem que o Estado Brasileiro historicamente atuou contrariamente aos seus interesses.
Portanto, há um distanciamento entre o sistema oficial de ensino e a realidade indígena.
Castoriadis (1975: 150) afirma que “o caso mais impressionante e o mais
significativo é aquele em que a racionalidade do sistema institucional é por assim dizer
“indiferente” quanto à sua funcionalidade, o que não impede de ter conseqüências
reais.”
No caso das escolas indígenas, há uma evidente despreocupação do Estado
principalmente em cumprir a legislação, atender as diferentes realidades e valorizasse a
escola indígena de acordo com a realidade de cada povo. Por outro lado, o
gerenciamento da instituição escolar ainda não está nas mãos dos gestores indígenas.
Esses relatos expressam as estratégias e mecanismos que os professores
indígenas utilizam para contrapor regras do sistema que são descumpridas pelo poder
público. Expressões como “não atende às reais necessidades dos povos”, “as escolas não
têm autonomia” são críticas que representam a contrariedade dos professores nas
109
relações interculturais. No imaginário dos representantes indígenas, o “sistema” aparece
completamente inverso ao que seria o seu papel real. Ao invés de dar conta da questão
social nas aldeias, não só da escola, mas de todo o universo sociocultural, o Estado
aparece como uma instituição com intenções ambíguas e contraditórias.
Nesse sentido, os professores indígenas, percebem que o Estado e seus sistemas
estão desconectados do tema da diversidade étnica. Segundo eles, as políticas são
padronizantes e descontextualizadas da realidade concreta. O desconhecimento e a
desinformação predominam nas políticas públicas e, muitas vezes, elas são elaboradas
de forma globalizante e para uma implantação unificada. O que está claro nos
depoimentos dos representantes indígenas é a necessidade de reverter esse processo,
garantindo o protagonismo indígena a partir do diálogo com as instituições do Estado.
3.4 O Movimento indígena como baluarte do protagonismo indígena
A participação indígena na trajetória das discussões sobre a educação escolar
indígena específica e diferenciada vem sendo construída conforme relatado
anteriormente. Há dificuldades para os professores desenvolverem uma educação
escolar que atenda aos seus interesses e especificidades e que resolva os problemas das
comunidades.
A primeira iniciativa de organização foi a luta pela demarcação das terras e pela
melhoria das condições de vida. Houve manifestações de descontentamento pela
política indigenista. A educação escolar foi pauta do movimento indígena em geral.
Em Mato Grosso, esse processo teve início no ano de l974, na cidade de
Diamantino, quando foi realizada a primeira Assembléia Indígena. As reivindicações
foram para a melhoria da educação escolar e o fortalecimento da identidade indígena.
Outro assunto foi a demarcação das terras, pois naquela época os povos estavam
convivendo com vários conflitos territoriais.
Em várias partes do país o movimento indígena começou a se manifestar
reivindicando seus direitos, assim como buscando respostas aos problemas vividos pelas
comunidades. Em relação à educação, os professores passaram a lutar também por
melhorias na educação escolar, com perspectiva da autonomia.
110
O movimento foi estratégico na nova caminhada visando ao rompimento da
política de integração proposto pelo estado. As reivindicações apontam para a inclusão
não apenas da escola indígena, mas melhorias também em outras áreas, como na saúde,
na subsistência alimentar e na demarcação das terras.
Os enfrentamentos na década de l980 com a Funai causaram impactos pela
primeira vez na sociedade cuiabana, quando foi divulgado o descontentamento dos
povos indígenas de Mato Grosso. Naquele contexto de reivindicações, a mobilização
indígena contribuiu para a visibilidade dos povos indígenas no estado no período em
que o movimento indígena nacional estava em evidência, denunciando o descaso do
Estado, e luta pela demarcação das terras, pela revisão do Estatuto do Índio e contra a
política de emancipação.
Eram mobilizações organizadas com objetivos comuns, para promover o
intercâmbio de experiências e aprofundar as temáticas mais relevantes e contavam com
a participação das organizações e das representações indígenas.
Mas afinal, o que é o movimento indígena no estado de Mato Grosso?
Para Warren (apud Diani, 1992: 26), “Um movimento social é uma rede de
interações informais entre uma pluralidade de indivíduos, grupos e/ou organizações,
engajados num conflito político ou cultural, com base numa identidade coletiva
comum”.
De fato o movimento dos povos indígenas tem sido uma fonte de informações,
discussões e engajamentos para que se busquem resultados para as demandas dos povos
indígenas, não apenas na educação, mas a serviço de outras necessidades emergenciais e
principalmente a formação política de seus militantes.
Nesse sentido, o movimento da educação escolar indígena tem respondido a
algumas demandas pontuais, quando bem articuladas com aliados competentes, que
contribuem com o movimento indígena em geral.
O movimento indígena de Mato Grosso tem sido bem diferenciado dos demais
movimento no país, apesar de fatores problemáticos como a ausência de uma
organização representativa no estado; o número de indígenas na cidade envolvidos com
a causa nas aldeias; o enfraquecimento financeiro das entidades; o seu cunho imediatista
que dificulta uma maior articulação. Porém os participantes têm uma identidade
comum: atuações igualitárias na defesa dos interesses comunitários.
111
Mesmo assim, considero que o movimento se articula de acordo com as
necessidades e especificidades locais, como, por exemplo, na educação escolar. A
mobilização para exigir a participação nos debates e processos de formulação de
políticas públicas só foi possível graças às diferentes alianças com os “especialistas da
educação escolar” e outros parceiros institucionais.
Na década de l980, na primeira gestão do governo de Carlos Bezerra, o
programa de governo intitulava-se “A era da participação popular”. Sob esse lema, o
então candidato fez uma visita à aldeia Pakuera, do povo Bakairi, juntamente com o
deputado Wilian Dias, e assumiu o compromisso “De que, no governo de Carlos
Bezerra, os assuntos indígenas mereceriam uma Coordenadoria para Assuntos
Indígenas”. Após as eleições, as lideranças indígenas Bakairi foram procurá-lo na
Assembléia Legislativa para cobrar o compromisso da criação da Coordenadoria de
Assuntos Indígenas. Para tanto, houve uma grande mobilização dos povos, reunindo as
lideranças do estado.
Um jornal local divulgou uma notícia com o seguinte teor:
A questão indígena em discussão: lideranças se reúnem em
Cuiabá. Inicia-se hoje o Encontro de Lideranças de Mato Grosso
promovido pelo PMDB, sob a coordenação do Deputado Wilian Dias,
com o objetivo de debater com seriedade a questão indígena do
estado. Serão três dias de debate, no plenarinho da Assembléia
Legislativa, que contará com a presença de comunidades indígenas,
como: Bororo, Apiacá, Paresi, Nambikuara, Irantxe, Umutina,
Mamaindê, Kintaulu, Cinta Larga, Bakairi e Xavante.17
O movimento reivindicava atenção do governo estadual para a questão indígena
e melhoria das condições de vida dos povos. A finalidade dessa mobilização foi a
participação dos povos através de um canal direto com o governo. O governo
possibilitou essa aproximação quando foi realizado o I Encontro de Lideranças
Indígenas de Mato Grosso, com o apoio da Assembléia Legislativa. O movimento saiu
das aldeias, cobrou as promessas de campanha e partiu para apresentar propostas
concretas de políticas. A CAIEMT foi criada com a nomeação do primeiro índio para
17Jornal Diário de Cuiabá, 05 de março l987.
112
coordená-la, depois outro índio foi nomeado, no entanto não conseguiram implementar
as políticas reivindicadas.
Outros encontros foram realizados pelo movimento indígena, com o apoio das
instituições indigenistas.
Esses encontros e conferências foram organizados pelos índios envolvidos com a
causa e apoiado por entidades públicas e indigenistas. Caracterizaram-se pela
manifestação de força, de ação coletiva apesar de todas as dificuldades para realização
da mobilização, mas que foram determinantes também para o surgimento do movimento
de professores indígenas. Anteriormente, a convocatória da mobilização para os
encontros, reuniões, seminários e para a programação da “Semana do Índio” ficava a
cargo das entidades indigenistas, mas depois da Constituinte, passou gradativamente a
ser realizado pelos próprios índios, com o assessoramento dessas entidades.
Em l994, a questão indígena voltou a ser destaque, quando o então candidato ao
governo do estado Dante de Oliveira da Frente Cidadania e Desenvolvimento18
convocou os movimentos sociais a participarem do seu Plano de Metas. O movimento
indígena apresentou uma proposta de políticas na educação, saúde, demarcação de
terras, meio ambiente e sustentabilidade econômica para as populações indígenas no
estado. Após a sua eleição houve uma aproximação com o governo para desencadear
ações no campo educacional. Uma das reivindicações foi a formação e habilitação de
professores indígenas. Os professores estavam cansados de fazer cursos de capacitação
que não lhes davam legitimidade profissional. Quando contratados pelos municípios
eram enquadrados apenas como auxiliares. O governo se mostrou sensível em atender
primeiramente as reivindicações nos campos da educação e na saúde.
O processo vivenciado pelo movimento indígena em Mato Grosso tem fornecido
instrumentos de estudos para alguns pesquisadores de universidades e para os próprios
índios que participaram de cursos de formação, desde o Projeto Tucum até o 3º Grau
Indígena. É nesse contexto que foi criada a Organização de Professores Indígena de
Mato Grosso, tendo como um dos objetivos coletivos a formação política de seus
membros.
Esse tem sido o desafio do movimento indígena e dos professores: assegurar a
participação indígena e criar estratégias de diálogo e de luta, promovendo as discussões
18 Frente partidária composta pelos partidos PDT, PMDB, PSDB, PC do B, PT, PV, PSC, PMN e PPS.
113
nas aldeias, para não enfraquecer a sua eficácia. Apesar do movimento indígena de
Mato Grosso se diferenciar dos demais movimentos indígenas do país por ter interesses
comuns, ele tem estratégias de mobilização, quando necessário, que permite aproveitar
determinadas oportunidades, assim como da comunhão dos mesmos interesses nas
ações coletivas. A relação entre o Conselho de Educação Escolar Indígena e seus
representantes tem permitido que os encaminhamentos, discussões, informações
cheguem às comunidades indígenas.
A fala do Presidente da Organização dos Professores Indígenas de Mato Grosso
revela a importância que o colegiado teve na criação da referida organização indígena:
O CEI-MT teve uma contribuição muito grande na criação da
OPRIMT, até porque as discussões de criação de uma organização de
professores tiveram inicio e se propagaram dentro do Conselho, por
meio de seus membros. Dessa forma, a luta do CEI-MT também é
nossa luta, também é nossa causa. (Roni Azoinaecê - Paresi).19
Finalizando, o desafio dos representantes indígenas está na forma de ocupar os
espaços para ampliar o movimento em Mato Grosso. É preciso superar inúmeras
dificuldades na implementação das políticas e assegurar participação indígena efetiva no
processo. Ou, nas palavras de Iara Bonfim: “o movimento indígena nasce como espaço
de rearticulação da resistência para fortalecer o poder de reação”.
O professor Prof. Korotowi Taffarel diretor da escola central Pavuru, no Xingu,
reforça assim esse argumento:
Depois que tivemos a participação das lideranças indígenas nos
movimentos indígenas começou a melhorar a escola indígena
principalmente aqui no Mato Grosso. Que teve um papel muito
importante para os professores indígenas tanto em questão social e, eu
acho que nossa turma daqui e índios daqui têm consciência de que
nós temos que resolver nossos problemas, né!
19 Entrevista publicada nos Cadernos de Educação Escolar Indígena. nº 1 – 2004. UNEMAT.
114
Vale salientar que em Mato Grosso as a estruturação da Organização dos
Professores Indígena - OPRINT foi importante para reorganizar o movimento, dar
sustentabilidade à política indígena e fortalecer a luta pelas bandeiras comuns.
A organização foi criada também no sentido de dar autonomia intelectual,
política, de articulação e de gerenciamento da educação escolar indígena. Para tal, a
diretoria, ouvindo seus assessores, viabilizou estratégia para captar recursos a fim de
desenvolver o seu papel. Criou diversas categorias de parceiros, desde o colaborador
(especialistas e outros simpatizantes da causa) até os contribuintes natos que são os
professores indígenas.
A OPRIMT surgiu num momento em que a educação escolar indígena está
sendo menosprezada pelo novo governo, quando novos rumos foram tomados, que
desconsideraram a trajetória da educação escolar indígena, apesar das reivindicações e
das pressões políticas.
Recentemente os seus dirigentes e assessores realizaram o 1º Encontro das
Associações Indígenas de Mato Grosso, que contou com a participação de l8
associações. O evento teve por objetivo discutir e propor direcionamentos nas ações
voltadas para vários campos, além da questão educacional.
Alguns participantes manifestaram sua opinião sobre o evento e a organização
dos professores:
A OPRIMT é muito importante para dar apoio e cobertura as
outras associações indígenas, não apenas na educação, mas também
em outras demandas das comunidades, só assim a educação escolar
indígena estará cumprindo o seu papel. (Professora Umutina).
A intenção dos dirigentes e seus assessores é realizar ações integradas de
educação escolar, saúde, desenvolvimento comunitário e o meio ambiente, congregando
a defesa dos anseios e interesses dos povos indígenas. Cumpre, dessa forma, uma das
suas prerrogativas que é a formação política e a interação com outros militantes
indígenas.
CAPÍTULO IV
A CONQUISTA DO ENSINO SUPERIOR NO PROCESSO DE
AUTONOMIA INDÍGENA
116
4.1 Construindo a relação entre a educação básica e o ensino superior
A reformulação da educação escolar brasileira propôs mudanças significativas
nos sistema de ensino, inovou a relação entre escola e sociedade, rompeu com diretrizes
hierárquicas das instituições de ensino e apontou uma perspectiva mais democrática nas
escolas. De fato, “representou uma ruptura axiológica à medida que elasteceu a carga
semântica de educação, para construir seu destino nas mais diferentes ambiências
humanas: na família, no trabalho, na escola, nas organizações etc”. (CARNEIRO, l997:
31).
Com o aumento da população estudantil indígena a demanda escolar inclusive
no ensino médio e superior, passou a ser reivindicada pelas comunidades. Tanto o MEC
quanto as Secretarias estaduais dedicaram-se, porém, principalmente às séries iniciais
do ensino fundamental, relegando as demais etapas do ensino.
O quadro a seguir mostra a realidade estudantil indígena e concentração em cada
nível de ensino nas regiões brasileiras:
CONCENTRAÇÃO DE ESTUDANTES POR NÍVEIS DE ENSINO- 1999
REGIÃO EDUCAÇÃO
INFANTIL
ALFABETIZAÇÃO ENSINO
FUNDAMENTAL
ENSINO
MÉDIO
EJA TOTAL
Norte 4.165 4.153 36.683 468 1.763 47.232
Nordeste 1.674 2.107 15.139 180 1.041 20.141
Centro-
Oeste
1.218 63 15.109 146 37 16.573
Sudeste 315 26 2.289 0 125 2.755
Sul 476 0 5.711 149 0 6.336
Brasil 7.848 6.349 74.931 943 2.966 93.037
Fonte: MEC, Censo de l999.
Vejamos mais esse gráfico:
117
Ens Médio2,3%
Educ Inf4,2%
5a / 8a16,9%
EJA0,7%
1a / 4a75,9%
Fonte: MEC/CGAEI-2004
A justificativa do MEC encaminhava-se para a seguinte linha de entendimento:
Assim, uma primeira explicação para a concentração de estudantes
na primeira série inicial seria o fato de que as escolas não estão
trabalhando com a estrutura de séries ou ciclos. Outra explicação
seria a baixa escolarização dos próprios professores, impedindo uma
diversificação e aprofundamento do nível de ensino nas escolas
indígenas. (MEC, Parâmetro em Ação, 2002).
Em 2002, a população estudantil indígena das séries iniciais e do ensino médio,
chamou a atenção, pois muitos jovens passaram a se deslocar para fora das aldeias. A
Comissão Nacional de Professores Indígenas no MEC visualizou essa questão e propôs
a ampliação do atendimento da educação básica e a conseqüente formação de
professores em nível superior. Em virtude da pressão dos representantes indígenas, a
política de governo para universalizar a educação básica iniciou a partir de 2003,
quando os quadros do MEC passaram a atender parte dessa reivindicação.
A aceitação oficial da possibilidade de uma escola pautada pela
afirmação das especificidades culturais dos povos indígenas ocorreu
no bojo do processo de reconhecimento do direito desses povos a
118
permanecerem enquanto tais, e a terem suas práticas sociais e suas
visões de mundo respeitadas e valorizadas pelo Estado nacional.
(GRUPIONI, 2002: 50).
A busca por novos saberes e conhecimentos das ciências e tecnologias como
instrumentos na consolidação dos direitos levou os povos indígenas e suas organizações
a buscarem um novo aliado: a universidade.
É nesse contexto de construção de novas alianças institucionais e de diálogo
intercultural que a universidade tem sido o cenário de interesse por parte do movimento
indígena brasileiro. A luta pela implementação de todas as séries da educação básica
como instrumento da cidadania requer a formação massiva de professores para o nível
superior.
O primeiro Ensino Médio que tivemos foi o Ensino Médio regular,
normal, que acontece em todos os Estados do Brasil. Tivemos
dificuldades com o Ensino Médio nas comunidades e com os alunos
tentando fazer Ensino Médio nas cidades e até hoje continuamos com
elas. Só tivemos resultados negativos com o Ensino Médio nas vilas e
cidades, porque realmente não contempla a especificidade de cada
povo. (Professor Makuxi - RR)20.
As experiências com o ensino médio diferenciado surgiram com o magistério
intercultural e outras experiências no ensino regular nas cidades e vilas próximas às
aldeias. Isso pode ser verificado nos depoimentos de alguns professores no Seminário
“Políticas de Ensino Médio para os Povos Indígenas”, realizado em outubro de 2003,
quando esta temática passou a ser pauta do MEC no Programa Diversidade na
Universidade. Esse seminário foi um marco nas discussões e comprometimento do
governo em relação à educação básica e ao ensino superior para os povos indígenas uma
vez que ali se fizeram expressar reivindicações há muito formulados pelo movimento
indígena.
Podemos verificar o descontentamento e a preocupação dos professores indígenas
com esta etapa de ensino, dada a evasão de jovens das aldeias para as cidades. As
20 Depoimentos dos Anais do Seminário “Políticas de Ensino Médio para os povos indígenas”, 2003.
119
propostas dos educadores indígenas e suas comunidades quanto ao ensino médio é que
seja voltada para o contexto cultural, que contemple os princípios da educação escolar
indígena e que possibilite a formação do jovem indígena para o retorno profissional a
sua comunidade, e não meramente ao mercado de trabalho, como prevê a política do
ensino médio.
O artigo 22 da LDB coloca o aprimoramento da pessoa humana como
uma das finalidades da educação básica. Isso implica em retirar o foco
do projeto educacional do mercado de trabalho, seja ele estável ou
não, e colocá-lo sobre os sujeitos-cidadãos. Não sujeitos abstratos e
isolados, mas sujeitos singulares cujo projeto de vida se constrói pelas
múltiplas relações sociais, na perspectiva da emancipação humana,
que só pode ocorrer à medida que os projetos individuais entram em
coerência com um projeto social coletivamente construído. (RAMOS,
2004: 39).
É na perspectiva do projeto social coletivo que o movimento dos educadores
indígenas tem buscado pautar a política do ensino médio e do ensino superior para os
povos indígenas.
Em Mato Grosso, os representantes indígenas no colegiado do CEI-MT têm
apresentado demandas na educação básica, inclusive com discussões e propostas para a
implementação da 5ª à 8ª série e do ensino médio, e reivindicam a ampliação e
construção de prédios escolares e equipamento necessário ao atendimento nas aldeias.
Entendem os conselheiros que o ensino médio é o alicerce para o futuro juvenil de cada
povo.
Destacamos a seguir alguns depoimentos de professores indígenas manifestando
sobre o tema do ensino médio.
Lá no Karajá, os estudantes têm muitas dificuldades, porque a
aldeia fica bem afastada da cidade e os que vão para a escola na
cidade às vezes vão e outras não vão. E como tem aumentado o
número de alunos, a gente pede para o Estado e ele não tem vaga para
nossos estudantes, só para a primeira fase do Ensino Fundamental.
(Prof. Karajá, Ilha do Bananal -MT).
120
No estado de Mato Grosso temos três escolas que oferecem
ensino médio em áreas indígenas, por iniciativa da Missão Salesiana,
duas escolas em área Xavante, e uma escola que foi construída pela
própria comunidade. Com relação à Missão Salesiana, as escolas
foram implantadas sem a discussão de currículo e necessidade da
comunidade; tudo se define a partir dos objetivos da missão (...). Com
relação à outra escola, na área Bakairi. Nessa escola, para evitar
problemas, foi realizadas reunião com a comunidade para discutir a
implantação do ensino médio na aldeia (...). (Professor Bakairi).
Sonho com o Ensino Médio e com o Ensino Superior. Mas
para isso temos que pensar na formação de nós, educadores, porque,
sem isso, não podemos estar reivindicando aqui. Muitas vezes as
Secretarias dizem “como vocês querem ter ensino médio se não tem
professores qualificados para isso. (Professor Paresi).
É nítida a preocupação dos professores indígenas com a sua formação acadêmica
que lhes possibilite um bom desempenho na formação de cidadãos indígenas
comprometidos com o seu povo. Veremos a seguir alguns indicadores destacados pelos
participantes indígenas para definir uma política de ensino médio contextualizado:
“Que ensino médio queremos?” “O que fazer para concretizar ensino médio
que queremos?”
- Proposição: política de ensino superior para
os povos indígenas ensino médio - casamento
progressivo com o ensino superior.
- Que permita acesso ao ensino superior.
- Educação vinculada ao projeto societário dos
povos indígenas.
- Que haja um elo de ligação entre o ensino
fundamental e médio, inclusive nos aspectos
diferenciado, específico, intercultural e
realidade sociolingüísticas.
- Mobilizar os diversos grupos para discutir a
gestão da escola, recursos humanos e de infra-
estrutura para a escola em parcerias com o
Estado.
-Implantação gradativa do ensino médio de
acordo com as necessidades e possibilidades
entre Estado e comunidade.
- Realização de seminários regionais
envolvendo lideranças indígenas, professores
indígenas e atores institucionais (SEDUC,
IBAMA, FUNAI, Universidades e outros).
121
- Condições materiais adequadas para o
desenvolvimento do trabalho pedagógico,
como o acesso à informática, laboratório,
biblioteca etc.
- Considerar os princípios gerais da educação
escolar indígena estabelecido nos RCNEIS.
- Mobilizar o CNE e os CEE para normatizar
propostas de ensino médio indígena com
formação profissionalizante específica.
- Os estados e a União devem criar
mecanismos para a elaboração e a publicação
de material didático específico para cada povo,
considerando, inclusive, o material necessário
para as escolas indígenas de ensino médio,
resguardando a autoria indígena.
Fonte: MEC – Anais do Seminário “Políticas de Ensino Médio para os Povos Indígenas” 1994.
Em Mato Grosso, segundo os dados da Equipe de Educação Escolar Indígena da
SEDUC, as escolas que atendem ao ensino médio nas aldeias são nove, das quais quatro
municipais funcionam como salas de extensão de escolas das cidades e seguem suas
orientações pedagógicas e administrativas.
Está em evidência que os povos indígenas, por meio de seus representantes, vêm
definindo como fundamental a relação entre a educação básica e o ensino superior,
tendo como foco nesse processo o ensino médio, articulado com os interesses e projetos
societários de cada povo, assim como aos princípios da educação escolar indígena. A
abertura iniciada pelo MEC, passa a ser referência para um novo diálogo institucional
da educação com os protagonistas indígenas, possibilitando propor políticas que
atendam perspectivas de mudanças na melhoria da educação escolar indígena,
principalmente para a inserção deste processo na política de Estado. E que será um
desafio para o sistema de ensino incluir esta etapa da educação básica conforme as suas
especificidades etno-culturais.
A partir de 2003, o ensino médio e o ensino superior foram pautadas pelos
representantes indígenas e pelo Departamento de Educação da FUNAI ao MEC para se
construir uma política de atendimento nas instituições públicas do sistema educacional
de ensino.
122
4.2. Os desafios para a democratização do ensino superior indígena
Como vimos anteriormente, a pauta do ensino superior indígena está presente
também na reivindicação de melhoria da qualidade da educação básica. Nos
depoimentos, os professores e suas comunidades estão preocupados com os novos
paradigmas da sociedade brasileira e do mundo. As mudanças são aceleradas em
diversos setores e com elas acontecem as transformações no âmbito social, no político e
no econômico, que movem a humanidade, e que vêm interferindo direta e indiretamente
nas comunidades indígenas e exigindo novas estratégias para enfrentar o mundo
exterior. A defesa do território e a proteção do patrimônio cultural indígena são algumas
das temáticas defendidas pelos povos indígenas nas discussões sobre o ensino superior.
E como se defender do impacto da sociedade ocidental sem perder a identidade?
Foram cinco séculos de contato e escolarização com perdas irreparáveis. As sociedades
indígenas vêm acumulando saldos negativos na relação com a dita civilização ocidental.
Pensar a partir do exposto tem levado os representantes a questionar “que ensino
superior queremos?” Partindo da revisão das atuais ações no ensino superior e visando a
uma reforma nas políticas de curto, médio e longo prazos, propõe-se a construção de
uma nova relação com a universidade. Não mais na condição de objeto de pesquisa, mas
sim como protagonista participante da formação acadêmica.
A Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e Plano
Nacional de Educação são legislações que expressam a garantia da cidadania plena dos
povos indígena a partir do reconhecimento da diversidade sociocultural no país.
Neste momento em que as universidades públicas brasileiras estão discutindo
uma reforma universitária para romper com o processo que resultou no atendimento das
elites é necessário alterar essa instituição para que não continue sendo aristocrática e
elitista.
Nos discursos oficiais o governo apresenta uma proposta que defende:
(...) uma universidade pública gratuita, inclusiva e cidadã. Pela
valorização da universidade pública e defesa da educação como um
direito de todos os brasileiros. (Reforma da Educação Superior,
catálogo, MEC, 2004: .2).
123
É nesse o contexto em que o ensino superior indígena vem sendo debatido pelos
movimentos e organizações indígenas, no âmbito do Ministério da Educação. Nesse
sentido, as discussões tiveram dois momentos históricos como pauta institucional dos
povos indígenas e do Ministério da Educação: a primeira, em 1999, quando a
Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT, apresentou pela primeira vez no
Comitê de Educação Escolar Indígena do MEC o Projeto de 3º Grau para formação e
habilitação de professores indígenas (como Curso de Licenciaturas Específicas), para
atender à educação básica nas aldeias. O segundo momento importante do ensino
superior indígena no MEC foi em 2001, no estado de Roraima quando realizou-se o IIº
Seminário de Povos Indígenas e o Ensino Superior, onde o movimento indígena
apresentou o documento final, intitulado Carta de Canauani, a qual depois foi
encaminhada ao Conselho Nacional de Educação – CNE, solicitando consulta quanto à
oferta de ensino superior para a formação de professores indígenas daquele Estado.
Esse documento importante dos povos indígenas de Roraima desencadeou o
Parecer n.º 10/2002, que respaldou a legítima reivindicação do ensino superior para
atender à formação de professores indígenas. O mérito desse pleito foi acompanhado
pelo Conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury. Até então, a responsabilidade de atender a
demanda nos diferentes cursos era da Fundação Nacional do Índio, por meio do
atendimento individual daqueles indígenas que concluíssem o ensino médio na aldeia ou
fora dela.
As experiências das duas universidades na formação de professores indígenas
irão balizar elaboração de diretrizes nacionais que nortearão a política de formação
acadêmica do professor indígena.
Outra contribuição importante desde o ano de 2001 foi o trabalho da Comissão
Nacional de Professores Indígenas no MEC, por meio de documentos encaminhados à
SESU para abrir a discussão e pauta sobre essa demanda21. Ainda no governo passado o
CNPI encaminhou novos documentos chamando a atenção sobre a demanda do ensino
superior. O trecho do documento encaminhado ao secretário da SESU ressalta a
reivindicação da CNPI:
21 Sobre o assunto ver a Coletânea de Documentos da CNPI/MEC-2004.
124
A Comissão Nacional de Professores Indígenas, (...) após discutir
e analisar a situação da educação escola indígena nos diferentes
estados da federação, e constatar que os dispositivos constantes no
Plano Nacional de Educação (Lei l0.172 de 2001) e nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena (Parecer
CEB/CNE l4/99), não estão sendo cumpridos pelas diferentes esferas
do governo. (Doc. CNPI/MEC, 2002).
No entanto foi a partir do Programa Diversidade na Universidade que o ensino
superior indígena passou a ter destaque nas secretarias do ensino médio e do ensino
superior.
As políticas de ação afirmativa, sobretudo o Programa Diversidade
na Universidade - Acesso à Universidade de Grupos Socialmente
Desfavorecidos - instituído ao apagar das luzes do segundo mandato
de Fernando Henrique Cardoso, e repercutindo iniciativas como a do
programa “Políticas da Cor”, do Laboratório de Políticas Públicas da
UERJ, com financiamento da Fundação Ford, enfrentam hoje o
desafio de conhecer esse mundo específico da educação escolar
indígena (...). (SOUZA LIMA et all. LACED, MN-UFRJ, 2002).
De fato, o desafio está na Universidade contemplar as especificidades e
transformá-las em políticas afirmativas, em parceria com os povos indígenas.
Em Mato Grosso, desde a década de 80 o movimento indígena vem
apresentando demanda para o ensino superior, mas principalmente no campo da
formação de professores indígenas. No entanto, só a partir de l995, com a criação do
CEI-MT, o governo atendeu a esse pleito. Como fruto da Conferência Ameríndia, a
reivindicação foi referendada e criou-se uma Comissão Interinstitucional que trabalhou
no projeto durante três anos:
O Projeto de Cursos de Licenciaturas Específicos para a Formação
de Professores Indígenas, elaborado no período de l997 a 2000, pela
Comissão Interinstitucional e Paritária, criada pelo Decreto n.º l.842,
de 21 de novembro de l997, do Governo do Mato Grosso, contém os
125
pontos norteadores da discussão acerca da formação de professores
indígenas em nível superior. (Governo do Estado de Mato Grosso,
2001).
A Comissão construiu o projeto a partir das proposições vindas das comunidades
indígenas, das entidades e órgãos não governamentais, que definiram os eixos políticos
pedagógicos conforme os interesses dos povos indígenas, resultando num trabalho
coletivo referendado pelo Conselho de Educação Escolar Indígena.
Portanto, a formação de professores é uma necessidade que vem sendo discutida
desde a criação de escolas nas aldeias e se intensificou nos últimos anos em decorrência
do aumento da demanda por escolas.
Nisso, novas demandas foram surgindo na formação no ensino superior, e que
atualmente vem apresentando duas frentes de atuação: a formação de professores
indígenas para atender à educação básica, e a formação de quadros profissionais
(bacharéis) em diferentes áreas para atender à demanda dos povos indígenas nos
projetos societários.
É fundamental destacar que essas duas frentes são diferentes na sua
característica formativa: a formação de professores indígenas no ensino superior tem o
objetivo de formar e habilitar docentes em serviço e requer uma especificidade
curricular, baseada nos princípios de reafirmação da identidade étnica; na valorização
dos conhecimentos tradicionais e no reconhecimento da memória histórica. Portanto, é
um processo de formação em serviço, conjuntamente com a docência. A atuação de
professores indígenas se dá nas escolas das aldeias, no processo de escolarização da
criança e do jovem indígena. A formação de quadros profissionais requer
conhecimentos técnicos e determinadas habilidades e competências específicas, que
possam atender aos projetos societários dos povos indígenas. As lideranças e
representantes indígenas têm expressado o pensamento indígena sobre o assunto na
seguinte direção:
A diversidade deve estar plenamente presente nas universidades,
porque é lá onde se produzem os conhecimentos e se provocam
mudanças na cabeça das pessoas. A universidade deve se preparar
para receber os indígenas, inserindo-se em políticas de preservação e
promoção de culturas indígenas. A ocupação de espaços na
126
universidade e o domínio do conhecimento dos brancos são
estratégias de conquista e defesa dos direitos indígenas.22
Na busca de novos mecanismos que viabilize a construção de políticas de
desenvolvimento com democracia, com justiça social, entendo que a universidade deva
atender à diversidade cultural existente no país, com uma formação acadêmica mais
humana e voltada para a construção de políticas sociais.
O líder indígena Gersen Baniwa (2004) enfatiza em seu discurso:
Para pensar e construir novas políticas deve-se transformar as bases
técnicas, administrativas e financeiras vigentes de uma burocracia que
nega os direitos indígenas ao negar as diferenças. Os conhecimentos
indígenas não são valorizados na universidade (...).23
Para traçar as ações que combatam a resistência contra os índios, bem como a
desigualdade social e cultural na universidade, é necessário começar a repensar os
princípios que lhes dão suporte e definir as linhas de ação necessárias para superá-los.
Nesse sentido, vejo que a reforma universitária é a oportunidade de revolucionar
a educação brasileira, se ela tiver a autonomia para influenciar sobre as políticas
macroeconômicas atinentes à reestruturação da produção e à reforma do Estado. Se
quisermos construir uma Universidade que seja mediadora da educação, que atenda o
novo projeto nacional proposto pelo governo, é imprescindível o investimento na
universalização de todos os graus de ensino. Devemos trabalhar para a educação
contínua do cidadão, independentemente de sua condição social, política, econômica,
ideológica ou étnica.
Considero que a democratização do acesso aos cursos superiores pelos povos
indígenas, a garantia da permanência e conclusão dependem de políticas públicas
permanentes iniciadas desde a educação básica.
22 Azelene Kaigang proferiu palestra na mesa redonda no seminário do LACED, setembro de 2004. 23 Trecho do discurso proferido no Seminário “Desafios para uma Educação Superior para os povos indígenas no Brasil”, Brasília, 2004.
127
Por isso, a universidade deve atender a esse chamamento do novo projeto
nacional para as populações indígenas, mas sem ignorar as dificuldades e desafios que
terá que enfrentar internamente e, às vezes, externamente. Cabe aos povos indígenas
questionar que princípios devem nortear o seu ensino superior, principalmente na
formação de quadros profissionais. Quais políticas de ensino superior a serem
implementadas na graduação, na pós-graduação e na formação continuada do indivíduo.
Na educação básica, a formação escolar é diferenciada, coletiva e comunitária. Os
cursos oferecidos pelas universidades não podem banalizar ou folclorizar temas como a
cultura e o território. Não podem incluir temas indígenas apenas para justificarem que
esses cursos atendem à realidade indígena.
Hoje os povos indígenas estão clamando por justiça social e têm como
perspectiva a promoção de mudanças dos futuros profissionais que vão lidar com a
diferença cultural, o que requer compromisso social e de cidadania. Para tanto, é
necessária a participação indígena em todas as fases de elaboração das políticas no
ensino superior, rompendo com o modelo segundo o qual os povos indígenas são meros
objetos de pesquisa e da formação. É preciso criar uma nova relação e novas práticas,
nas quais os povos indígenas sejam sujeitos desse processo formativo na sua elaboração,
execução e avaliação, requisitos básicos para a formulação de políticas públicas no
ensino superior.
A Universidade deve assumir a reforma universitária com democracia e justiça
social, sem resistência a mudanças nos seus currículos, dispondo-se a oferecer serviços
de qualidade à população, propiciando novas oportunidades de inclusão social. Ao
reconhecer a diversidade cultural existente no país, deixará de ser uma universidade
prestadora de consultorias e serviços, passando a ser uma universidade que atende a
realidade brasileira.
É sob essa perspectiva que vejo o ensino superior no Brasil, a partir da reforma
universitária que reformará os seus princípios para atender aos povos indígenas na luta,
por autonomia, gestão e defesa territorial e preservação da vida comunitária.
Como diz o próprio texto da Reforma Universitária proposta pelo MEC:
Democratizar é construir de maneira participativa um projeto de
educação de qualidade social que promova o exercício pleno da
128
cidadania. Profundamente inseridas na sociedade civil e com uma
gestão democrática e participativa, as universidades e as instituições
públicas e privadas devem produzir, de forma concertada, uma nova
estrutura organizativa que dê sustentação para os desafios presentes e
futuros do ensino superior no país.24
Nesse contexto dois eventos importantes foram realizados no ano 2004 para
discutir com as universidades, órgãos públicos, indígenas e demais entidades da
sociedade civil e de apoio à causa indígena. O primeiro foi denominado “Desafios para
uma Educação Superior para os Povos Indígenas no Brasil” e foi organizado pelo
LACED. O segundo foi a Conferência Internacional do Ensino Superior Indígenas,
organizado pela UNEMAT. Esses eventos desencadearam no MEC a criação da
Comissão do Ensino Superior Indígena para propor políticas que contemplem a
realidade dos povos indígenas.
Finalmente, consideramos que a normatização do ensino superior no Brasil se
dará inicialmente com as licenciaturas específicas, para atender à demanda de
professores indígenas. A proposta que se encontra no Conselho Nacional de Educação,
foi apresentada em setembro de 2004, por mim, representante indígena naquele
Conselho.
O desafio das universidades é de pensar políticas públicas com os povos
indígenas em vários campos de formação acadêmica, que venham a convergir com a
diversidade sociocultural brasileira, para que possa contribuir para uma nova relação
entre a universidade e a diversidade. Só assim podemos ver se a universidade será capaz
de respeitar e atuar com base no compromisso social e no respeito à autonomia dos
povos indígenas.
24 Trecho do documento sobre a Reforma Universitária do MEC, 2004, p.2.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de inclusão das escolas indígenas no sistema oficial de ensino de
Mato Grosso está sendo discutido pelo segmento da educação escolar indígena e tem
como fundo o protagonismo indígena.
Nesse trabalho procurei expor o processo histórico e os seus desdobramentos nas
escolas indígenas nos dias atuais. Defendi aqui que a conquista da escola específica,
diferenciada e intercultural só será consolidada como política educacional no sistema de
ensino na medida em que as instituições responsáveis promovam mudanças que
permitam o atendimento da diversidade sociocultural.
É preciso evidenciar as ações que contemplem a diversidade, a partir do
reconhecimento da identidade de cada povo, do seu ser indígena, de modo que a
educação escolar indígena não se limite apenas ao contexto escolar. A dimensão cultural
de cada sociedade é um aspecto fundamental que o sistema de ensino necessita
decodificar para compreender o projeto político pedagógico indígena como uma
totalidade diferente daquela do mundo ocidental.
Por isso, ao longo do trabalho, busquei mostrar o contexto em que a educação
escolar indígena interage com as demais instâncias de controle social como as
instituições públicas governamentais, como um espaço de diálogo e de construção, com
vistas ao protagonismo indígena. Como vimos, é assegurado pela legislação educacional
para que as sociedades indígenas e o poder público participem democraticamente desse
processo.
Na medida em que todos participem de uma dinâmica política que
ultrapasse o setor educacional, poderemos constituir espaços de
consecução das finalidades da educação brasileira em geral e da
indígena em particular. A pluralidade representativa deve permear as
políticas públicas possibilitando a convergência de temas gerais com os
ideários educacionais (CURY, 2001).
130
Como observadora participante, pude constatar que as instâncias democráticas
de participação têm ampliado a visibilidade da educação escolar indígena no âmbito do
poder público e das entidades educacionais em todas as modalidades e níveis de ensino.
A participação indígena tem chamado a atenção para que ocorram mudanças na
educação brasileira, quer no cumprimento da legislação, quer na ampliação dos
investimentos na educação escolar.
Nos dados obtidos evidenciei o crescimento do alunado e a incompatibilidade do
sistema em atender à demanda nas aldeias. O balanço das políticas educacionais
indígenas em Mato Grosso indica que existem ainda muitos a serem sanados para que as
escolas indígenas sejam atendidas adequadamente. Vozes de resistência coletadas em
diferentes eventos expressam o entendimento e proposições sobre a temática da
educação escolar indígena, e retratam um ponto de vista coletivo e comunitária. A
relevância dos depoimentos nos revela os “bastidores” do processo de inclusão dessas
escolas no sistema de ensino, que está distante da realidade e principalmente indiferente
a diversidade cultural na elaboração das políticas.
Pode-se verificar que em Mato Grosso houve avanços apenas pontuais nas
políticas para a educação escolar indígena. Um governo democrático que possui uma
trajetória política de comprometimento com o social deveria institucionalizar o processo
de inclusão das escolas indígenas no sistema oficial de ensino e cumprir a legislação,
bem como a implantar integralmente a Gestão Democrática nas escolas públicas do
estado. As escolas indígenas municipais ainda estão condicionadas às políticas locais,
dificultando o acesso à gestão democrática.
Outra questão detectada foi a descontinuidade de programas e projetos em
andamento ou em fase conclusiva. Sem a alocação de recursos financeiros os projetos
demoram a alcançar a sua conclusão, gerando descontentamento por parte dos
beneficiários indígenas. Apesar de alguns municípios tentarem melhorar a situação
educacional, ainda há um distanciamento entre a comunidade e o sistema municipal, que
inviabiliza uma política pública de qualidade. Ocorrem situações em que o mesmo povo
está distribuído em diferentes municípios, o que conseqüentemente desestabiliza a sua
política de mobilização e de organização social.
A discussão existente no meio indígena é quanto à participação em todo o
processo da construção das políticas nas diferentes instâncias governamentais, e
também a mudança na forma institucional de atendimento às necessidades comunitárias.
131
Para o sistema de ensino é uma mudança radical da lógica institucional. Apesar da
reforma do Estado, descentralizando suas ações e competências, a institucionalização
democrática está longe de ser exercida, pois a gestão dos sistemas de ensino está ainda
enraizada num distanciamento entre sociedade e Estado. Por isso há resistências, na
burocracia do Estado e nos ditames do poder Executivo, que não vêem com bons olhos
a participação democrática.
Analisei documentos, relatórios da secretaria estadual e dos povos indígenas que
constatam a caminhada do protagonismo indígena na busca por autonomia. No que trata
da educação escolar, o protagonismo indígena pode ser expresso pela capacidade
crescente dessas sociedades exercerem o controle especialmente sobre as seguintes
decisões: a) decisões acerca do acesso, administração e aplicação dos recursos externos
disponibilizados pela escola; b) decisões acerca da forma de gestão e da organização
curricular e; c) decisões sobre a política de formação de professores.
A escola indígena será construtora do protagonismo indígena na medida em que
incorporada às comunidades, lhes ensejará maior capacidade de decisão sobre si e sobre
os demais elementos culturais externos advindos do convívio intersocietário. Porém
persistem os entraves burocráticos que contradizem o imperativo legal referente à
educação escolar indígena. Para tentar aproximar a realidade indígena do institucional e
buscar compreender um sistema educacional ocidental tão complexo e contraditório, os
profissionais indígenas procuram se instrumentalizar por meio de formação continuada.
Outro aspecto abordado foi a necessidade de oferta de educação escolar em
todas as modalidades e níveis de ensino. Nesse sentido, a ampliação do ensino
fundamental das séries iniciais até o ensino superior redimensionou as instâncias
responsáveis para que implementasse políticas afirmativas que contemplem o contexto
diferenciado indígena.
Vale destacar que o ensino médio e o ensino superior para os povos indígenas
terão que corresponder às expectativas e necessidades comunitárias e não às
institucionais. A discussão está agora a cargo do Poder Executivo, como desafio à
construção de políticas públicas específicas que conduzam à conquista da autonomia
indígena.
Nessa perspectiva, constata-se que também o sistema de ensino superior está
desvinculado da realidade brasileira, necessitando, de fato, de uma reforma mais
profunda nos sistemas educacionais, principalmente naqueles responsáveis pela
132
formação de professores. Os dados estatísticos nacionais indicam que a educação
brasileira está em processo de mudança.
Com esse trabalho, espero responder em parte aos questionamentos propostos e
oferecer às comunidades, professores indígenas, ao sistema de ensino e demais
segmentos envolvidos direta ou indiretamente, e também aqueles comprometidos com a
melhoria do ensino público, um instrumento para análise e reflexões acerca da temática.
Procuro discutir às questões mais prementes que dificultam os processos de autonomia e
da construção de uma escola indígena plural e capaz de responder aos anseios de nossos
povos e aos desafios da modernidade. Busco os caminhos da construção de escolas
indígenas pensadas, planejadas e gerenciadas de acordo com o projeto societário de
cada povo.
Percebo que o processo de inclusão das escolas indígenas no sistema oficial de
ensino está ainda longe da sua efetivação. Requer ainda uma mudança da lógica do
sistema educacional, assim como o reordenamento organizacional das estruturas
básicas.
Constato ainda que as escolas indígenas encontram dificuldades em implementar
currículos próprios, em virtude das condições estruturais e pedagógicas em que se
encontram, principalmente para atender ao ensino médio.
Percebo a existência de um choque dessas com as políticas institucionais, bem
como um conflito entre o sistema tradicional indígena e o sistema escolar regular. O que
temos ainda são escolas indígenas reguladas e não diferenciadas.
Portanto, a educação escolar está vivendo conflitos, tensões e expectativas
permanentes que afetam todas as comunidades educativas. Isso gera um mal-estar e
muitas incertezas quanto às reais intenções das políticas dos governos para com os
povos indígenas.
É preciso reconstruir as relações entre as diversas sociedades sobre bases mais
igualitárias e verdadeiras e isso é e será mais um desafio para o protagonismo indígena.
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TORRES, Maristela Sousa. “Interculturalidade e Educação: Um olhar sobre as relações interétnicas entre alunos Iny e a comunidade escolar na região do Araguaia. Tese de Dissertação. Programa de Pós Graduação da UFMT, 2003.
FONTES E DOCUMENTOS OFICIAIS
Diretrizes Educacionais do Estado de Mato Grosso – LOPEB. Secretaria de Estado de Educação, Cuiabá, l998.
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – (LDB, Lei Nº 9.394), Ministério da Educação e do Desporto, Brasília, l996.
MEC, Ministério da Educação. Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar. Brasília, junho/l993.
MEC, Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais. Arte. Vol. 6 Brasília: MEC/SEF, l997.
MEC, Ministério da Educação. Plano Decenal de Educação para Todos. MEC, Brasília, junho/l993.
MEC, Ministério da Educação. Políticas Educacionais da Educação Indígena. 1999.
MEC, Ministério da Educação. Programa para as escolas indígenas – MEC/SEF, maio/92.
MEC, Ministério da Educação. Referenciais para a Formação de Professores Indígenas. MEC/SEF, Brasília, 2002.
MEC. Coletânea de Documentos. Comissão Nacional de Professores Indígenas. Brasília, 2003.
MEC/CGAEI. Relatório Geral dos Estados sobre a Educação escolar Indígena. Brasília, 2002.
MEC/SESU. A Reforma da Educação Superior. Versão Preliminar – Anteprojeto de Lei. Brasília, 2004.
OIT. Convenção (l69) sobre Povos Indígenas e Tribais em países independentes e Resolução sobre a ação da OIT concernente aos povos indígenas e tribais. Brasília: OIT, dezembro/l989.
Plano de Metas de Mato Grosso l995-2006, Plano Estratégico – Estudos Preliminares, Mato Grosso, l994.
Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Secretaria dos Direitos Humanos. MEC. UNESCO, Brasília, 2003.
139
SEDUC. Relatório da Situação da Educação Escolar Indígena em Mato Grosso. Cuiabá, 2004.
SEDUC. Relatórios de Planejamento de Atividades da educação escolar indígena. 1995- 1999, Cuiabá, 2000.
SEDUC/CEI-MT, A construção coletiva de uma política de educação escolar indígena para Mato Grosso. 2000.
SEDUC-MT. Relatórios do Projeto Tucum, Cuiabá, 2000.
ANEXOS
141
QUADRO I DADOS SOBRE O IMPACTO DA RESOLUÇÃO 03/99 DA EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA NAS SEDUCS – 2000 A 2001
1. Representou um grande avanço 2. Foi um consenso no campo da educação escolar indígena 3. Normatizou questões importantes para a educação escolar indígena
ESCOLAS INDÍGENAS
Criação da Categoria Escola Indígena
CEES: não disciplinaram a matéria.
Regularização das Escolas Organização curricular diferenciada (calendário, proposta curricular, materiais diferenciados).
Seducs não criaram nem mudaram suas práticas.
PROFESSORES INDÍGENAS
Formação diferenciada CEES não editaram normas
Regularização Profissional (carreira, concurso, etc.).
Seducs em sua maioria não criaram programas de formação. Continuam com cursos de capacitação.
DEFINIÇÃO DE COMPETÊNCIAS
Responsabilização dos Estados pela Educação Escolar Indígena, abrindo a possibilidade de participação dos municípios.
Não houve atribuição de responsabilidades. Estados não assumiram, nem instituíram mecanismos de convênio com os municípios.
RECURSO E FINANCIAMENTO
Recursos diferenciados do Fundef (art. Ll da Res. 03/99).
Em algumas áreas, nem os recursos regular do Fundef beneficia as escolas indígenas, nem foi implementado o disposto no artigo da Res. 03/99.
QUADRO 02 DADOS SOBRE O IMPACTO DA RESOLUÇÃO 03/99 DA EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA NAS SEDUCS – ANO 2002
PROFESSORES INDÍGENAS
Formação diferenciada CEES não editaram normas de regulamentação da formação diferenciada
Regularização Profissional (carreira, concurso, etc.).
Na sua maioria não criaram programas de formação. Continuam com cursos de capacitação. Apesar de terminados a formação inicial não estão oferecendo a continuada (exceção, a confirmar, Acre e Minas Gerais); nenhuma providência quanto à carreira e concurso.
DEFINIÇÃO DE COMPETÊNCIAS
Responsabilização dos Estados pela Educação Escolar Indígena, abrindo a possibilidade de participação dos municípios.
Atualmente 47,% das escolas estão estadualizadas; para as municipalizadas não existem mecanismos de gestão compartilhada ou divisão de responsabilidades.
RECURSO E FINANCIAMENTO
Recursos diferenciados do Fundef (art. Ll da Res. 03/99).
Recursos do FUNDEF são usados para pagamentos dos professores e não há participação dos índios nos conselhos de acompanhamento e fiscalização. Apesar de ter havido uma melhor redistribuição dos recursos do salário educação a partir deste ano, não há notícias de um maior aporte de recursos para a EEI. Recursos diferenciados não garantiram ainda qualidade e regularidade na oferta de merenda escolar.
CENSOS 2002/2003/2004 - COMPARATIVO
ESCOLAS DECLARADAS CORRETAMENTE COMO ESCOLAS INDIGE NAS E SEUS ALUNOS – CENSO ESCOLAR – INEP/MEC
ESCOLAS INDÍGENAS 2002 2003 2004 Variação 2002/2003
Variação 2003/2004
Variação 2002/2004
Estaduais 733 981 1.099 33,8% 12,0% 49,9% Municipais 946 1.052 1.099 11,2% 4,5% 16,2% Particulares 23 24 30 4,3% 25,0% 30,4%
Federais 4 3 0 -25,0% -100,0% -100,0% TOTAL 1.706 2.060 2.228 20,8% 8,2% 30,6%
Estudantes Indígenas 2002 2003 2004 Variação 2002/2003
Varaiação 2003/2004
Variação 2002/2004
Educação Infantil 9.476 11.429 14.152 20,6% 23,8% 49,3% EF 1ª a 4ª série 82.918 96.597 99.632 16,5% 3,1% 20,2% EF 5ª a 8{ série 16.148 18.954 19.371 17,4% 2,2% 20,0% Ensino Médio 912 2.121 2.025 132,6% -4,5% 122,0%
Educação Jovens e Adultos
7.717 10.328 12.369 33,8% 19,8% 60,3%
Relação 1ª 4ª/ 5ª 8ª 5,13 5,10 5,14
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