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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO AMAZÔNAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA
REDE AMAZÔNICA DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS
E MATEMÁTICA
MARIUCE CAMPOS DE MORAES
SENTIDOS SUBJETIVOS DE SUSTENTABILIDADE E SUA
DOCÊNCIA PARA PROFESSORES EM FORMAÇÃO
CUIABÁ
2014
MARIUCE CAMPOS DE MORAES
SENTIDOS SUBJETIVOS DE SUSTENTABILIDADE E SUA
DOCÊNCIA PARA PROFESSORES EM FORMAÇÃO
Tese apresentada ao Curso de Doutorado
da Rede Amazônica de Educação em
Ciências e Matemática, como requisito
para a obtenção do título de Doutora em
Educação em Ciências e Matemática.
Orientador: Prof. Dr. José Moysés Alves
CUIABÁ
2014
ii
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.
M827s Moraes, Mariuce Campos de.
Sentidos subjetivos de sustentabilidade e sua docência para professores em
formação / Mariuce Campos de Moraes. - 2014.
x, 237f; 30 cm.
Orientador: JOSÉ MOYSÉS ALVES.
Tese (doutorado) – Universidade Federal de Mato Grosso, Rede Amazonica
de Educação em Ciências e Matemática, Programa de Pós-Graduação em
Ensino de Ciências e Matemática, Cuiabá, 2014.
Inclui bibliografia.
1. Sustentabilidade. 2. Subjetividade. 3. Docência. 4. Ética. I. Título.
Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.
iii
Mariuce Campos de Moraes
Sentidos subjetivos de sustentabilidade e sua docência para professores em formação
Tese apresentada ao Curso de Doutorado
da Rede Amazônica de Educação em
Ciências e Matemática, como requisito
para a obtenção do título de Doutora em
Educação em Ciências e Matemática.
Orientador: Prof. Dr. José Moysés Alves
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________
Prof. Dr. José Moysés Alves – Universidade Federal do Pará
_____________________________________________
Prof. Dra. Nadia Magalhães da Silva Freitas – Universidade Federal do Pará
_______________________________________________
Prof. Dr. Wildson Luiz Pereira dos Santos – Universidade de Brasília
_______________________________________________
Prof. Dra. Edna Lopes Hardoim – Universidade Federal de Mato Grosso
_______________________________________________
Prof. Dra. Marta Maria Pontin Darsie – Universidade Federal de Mato Grosso
iv
Dedico este trabalho à minha mãe
Clotilde. Aos meus irmãos e irmãs.
Às minhas sobrinhas e sobrinhos, e
seus filhos. Por fim, a David, e a
meus filhos, Lucas, Daniel e
Danilu, porque com eles ganha
sentido a luta diária pela
sustentação da vida e pela
felicidade.
v
Agradecimentos
Em nome do Governo do Estado de Mato Grosso agradeço à Fundação de Apoio ao
Desenvolvimento da Pesquisa em Mato Grosso – FAPEMAT, pelo apoio financeiro à
pesquisa;
Em nome do prof. MSc. Marcel Thiago Damasceno Ribeiro agradeço ao Departamento
de Química, agradeço ao Instituto de Ciências Exatas e da Terra e à Universidade
Federal de Mato Grosso pelo apoio administrativo e financeiro;
Em nome da profa. Dra. Marta Maria Pontin Darsie e profa. Dra. Gladys Denise
Wieleswski, agradeço ao colegiado do curso, aos docentes, e aos discentes pela
articulação e desenvolvimento da Rede Amazônica de Educação em Ciências e
Matemática – a REAMEC que propiciaram espaços e tempos singulares de aprendizado
neste momento da minha história de vida;
Em nome da profa. Dra. Elane Chaveiro Soares, profa. Dra. Irene Cristina de Mello
agradeço a equipe do Laboratório de Pesquisa e Ensino de Química pelo apoio
acadêmico e nos encargos – o LabPEQ foi fundamental como grupo de pesquisa
propiciando acolhimento e auxilio nesta etapa da minha profissionalização;
Em nome da profa. MSc. Jacqueline de Paula agradeço a toda a equipe do Projeto
Observatório da Educação com foco em Matemática e Iniciação às Ciências – pólo
UFMT, o projeto propiciou espaços e tempo para o exercício de uma prática docente
dialógica ímpar;
Agradeço aos acadêmicos da Licenciatura em Química da UFMT Campus Cuiabá e aos
professores do OBEDUC pelo apoio colaborativo à pesquisa. A investigação propiciou
condições para ensinar e aprender sobre a formação de professores diante de temas que
me são valiosos;
Agradeço aos primeiros leitores da tese, a profa. Dra. Nadia Magalhães da Silva Freitas,
o prof. Dr. Wildson Luiz Pereira dos Santos, a profa. Dra. Edna Lopes Hardoim, a
profa. Dra. Marta Maria Pontin Darsie e a profa. Dra. Tania Maria Lima, pelas preciosas
contribuições com a organização e fundamentação do relatório final;
Agradeço ao prof. Dr. José Moysés Alves pelo apoio na elaboração da pesquisa - sua
cuidadosa orientação foi responsável pela configuração que esta tese recebeu, e que me
honra defender, sobretudo propiciou elementos fundamentais de constituição de minha
configuração subjetiva atual.
vi
“os homens são seres morais potenciais
porque possuem essa capacidade de ser
afetados (...) essa lacuna entre a sanção
abstrata e a motivação concreta só pode
ser transposta pelo arco do sentimento, o
único capaz de influenciar a vontade.”
(JONAS, p. 158).
vii
RESUMO
A sustentação da vida exige uma sociedade pautada pela responsabilidade. Do ponto de
vista educacional, requer uma formação crítica, comprometida social e culturalmente
com um futuro viável para a natureza e para a sociedade, constituindo novos
referenciais à reflexão moral e ética. O comprometimento com essa construção
societária é feito por sujeitos históricos concretos, implicados em processos
permanentes de subjetivação. São sujeitos que se comprometem com aquilo que os
afeta, a partir de suas relações sociais, mediadas por princípios amplos, juízos e valores
morais. Ajuda a compreender a complexidade desta temática e sua implicação para uma
docência reflexiva, criativa e problematizadora, o conceito de sentido subjetivo, pois se
refere ao sistema simbólico-emocional dinâmico do sujeito, constituído por diferentes
espaços sociais, tensionado por suas experiências anteriores. Deste modo, defendo a tese
que (futuros) professores constroem, permanentemente, sentidos subjetivos sobre
sustentabilidade, pois o tema entrelaça suas histórias a nível social e pessoal,
envolvendo valores e compromissos sociais, que são afetivamente carregados. Assim,
ao refletirem sobre tais sentidos, os (futuros) professores se preparam para
problematizar os sentidos que o tema tem para seus alunos. Em apoio a esta tese,
realizei dois estudos com o objetivo de compreender como se configuram sentidos
subjetivos relacionados à sustentabilidade de sujeitos envolvidos em processo de
formação docente. Participaram do primeiro estudo três professores vinculados ao
Projeto Observatório da Educação com Foco em Matemática e Iniciação às Ciências,
polo UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso). Foram sujeitos do segundo estudo
quatro futuros professores de Química, da mesma universidade, que se envolveram com
o tema em vivência da prática docente. As informações analisadas foram oriundas de
conversas em grupo, complemento de frases e entrevistas individuais. Através de
análise construtivo-interpretativa delineei configurações subjetivas, que apontam noções
de consumo, degradação, preservação, danos, exaustão e poluição, articuladas à história
de vida de cada (futuro)professor, em função de experiências que os marcaram, em
vários momentos da vida e nos diversos contextos sociais que participaram. Também
apontam comprometimentos processuais, que atribuem valores distintos à segurança e
ao combate à vulnerabilidade, à participação com honestidade e com veracidade, ao
cuidado com o planeta, ao futuro, à alteridade, bem como, propiciam compreender
sentimentos de indignação, conciliação e curiosidade. As configurações de sentidos
subjetivos constituem a motivação que os (futuro)professores têm para ensinar o tema e
apontam algumas maneiras de trabalhar com ele na escola. As argumentações
desenvolvidas suscitam necessidades formativas, quando problematizadas por uma
noção integradora de sustentabilidade, com a qual se pode desnaturalizar discursos
unilaterais, baseados em uma simplificação inadequada do tema. Compreendo que
motivar (futuro)professores para ensinar sobre sustentabilidade depende de levar em
consideração, além dos conhecimentos teóricos de várias áreas, as configurações de
sentidos subjetivos dos sujeitos, pois a partir da problematização intencional de seus
valores, novas configurações de sentidos podem ser construídas, comprometidos com a
o desenvolvimento de uma sociedade mais responsável e justa.
Palavras-chaves: sustentabilidade; subjetividade; docência; ética.
viii
ABSTRACT
The sustenance of life demands of us a society guided by responsibility. From the
standpoint of educational, requires a critical training, committed socially and culturally
with a viable future for nature and society, providing new references to the moral and
ethical reflection. The commitment to this social construction is done by concrete
historical subjects, implicated in a permanent process of subjectivation. Are individuals
who are committed to what affects them, from their social relationships, mediated by
broad principles, judgments and moral values. The concept of subjective sense helps to
understand the complexity of this issue and its implications for a reflective, creative and
investigative teaching, as it refers to the dynamic symbolic-emotional system of the
subject, made up of different social spaces, tensioned by their previous experiences.
Thus, I argue that (future) teachers are building, permanently, subjectives senses of
sustainability, because the theme interweaves their stories at the social and personal
level, involving social values and commitments, which are affectively charged. Thus, to
reflect on such senses, prepares the (future) teachers to problematize the senses that the
theme has for its students. In support of this thesis, I realized two studies in order to
understand how to configure subjective senses related to sustainability of subjects
involved in teacher training process. Participated in the first study three teachers linked
to the Education Observatory Project with Focus on Mathematics and Science Initiation,
pole UFMT (Federal University of Mato Grosso State). Were subjects of the second
study four future Chemistry teachers, in the same university, who were involved with
the theme during experience in teaching practice. The information analyzed were
derived from group conversations, phrases complement and individual interviews.
Through constructive-interpretive analysis were outlined subjective configurations,
pointing notions of consumption, degradation, conservation, damage, depletion and
pollution, articulated with the life story of each (future) teacher, according meaningful
experiences for each, at various times in life and in different social contexts that they
participated. Also point out procedural commitments, which assign different values to
security and combating vulnerability, participation with honestly and with veracity, care
for the planet, assign value to the future, the otherness, as well as provide understanding
feelings of anger, conciliation and curiosity. The subjective senses configurations are
the motivation that (future) teachers have to teach the subject and point some ways to
work with the matter at school. The arguments developed raised educational needs,
when problematized by an integrative concept of sustainability, which can denature
unilateral speeches, based on an inadequate simplification of the theme. I understand
that to motivate (future) teachers to teach about sustainability depends to take into
account, in addition to theoretical knowledge from various fields, the settings of
subjective sense of the subject, as from the intentional problematization of their values,
new configurations of meaning can be constructed , committed to building a more
responsible and just society.
Keywords: sustainability; subjectivity; teaching; ethics.
ix
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 1
1.1 Justificativa e dimensionamento da pesquisa ............................................................. 10
2 UMA VISÃO COMPLEXA DE SUSTENTABILIDADE PARA A EDUCAÇÃO
CIENTÍFICA ................................................................................................................. 15
2.1 Sustentabilidade integradora ............................................................................................. 22
2.2 Sustentabilidade e seu papel para a educação científica ................................................... 31
3 UMA VISÃO COMPLEXA DA SUBJETIVIDADE .............................................. 36
3.1 A teoria da subjetividade de González-Rey e o sujeito que aprende ...................... 40
3.2 A questão das intenções e fins e a incorporação da natureza e do futuro.................. 47
4 PRINCÍPIOS, ÉTICA E DOCÊNCIA ..................................................................... 52
4.1 Princípios amplos, juízos e valores morais ................................................................. 53
4.2 A relação complexa universal-singular ....................................................................... 55
4.3 Docência para a intervenção profissional e para a prática social ............................. 61
5 ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS NA PESQUISA
DA SUBJETIVIDADE .................................................................................................. 65
5.1 A pergunta da pesquisa, a tese e os objetivos do trabalho ........................................ 66
5.2 O sistema de conversação e as questões procedimentais da pesquisa..................... 67
5.2.1 Os indicadores para conversação e os procedimentos de análise ................... 72
6 DOIS ESTUDOS SOBRE SENTIDOS SUBJETIVOS RELACIONADOS COM
SUSTENTABILIDADE E DOCÊNCIA DO TEMA .................................................. 75
6.1 Sustentabilidade para professores: três subjetividades singulares ........................... 76
6.1.1 O contexto em estudo ...................................................................................... 77
6.1.2 Os participantes da pesquisa ........................................................................... 80
6.1.3 A produção subjetiva de Francisca - “como falar de sustentabilidade com
quem passa fome?” ................................................................................................. 81
6.1.4 A produção subjetiva de Antônio - “eles conseguiam viver tranquilamente e
essa é uma visão de sustentabilidade dele” ............................................................ 92
x
6.1.5 A produção subjetiva de Eurico - “mas eu vivo a minha vida toda em cima de
sustentabilidade, para vocês é novidade” ............................................................ 104
6.1.6 Discussão das configurações de sentidos subjetivos ..................................... 116
6.2 Sustentabilidade para futuros professores: quatro subjetividades singulares ....... 119
6.2.1 O contexto em estudo .................................................................................... 121
6.2.2 os participantes da pesquisa .......................................................................... 124
6.2.3 A produção subjetiva de Rosa - “eu comecei (com) essa noção de questões
ambientais, de sustentabilidade, de cuidar do planeta” ....................................... 124
6.2.4 A produção subjetiva de Adonis – “a sustentabilidade implica em ter um
futuro melhor” ...................................................................................................... 134
6.2.5 A produção subjetiva de Margarida – “tem que pensar uma maneira de não
poluir, acho que isso é sustentabilidade” ............................................................. 143
6.2.6 A produção subjetiva de Dália – “falar de sustentabilidade é falar de uma
maneira complexa” ............................................................................................... 152
6.2.7 Discussão das configurações de sentidos subjetivos ..................................... 159
7 NECESSIDADES FORMATIVAS ......................................................................... 163
7.1 Necessidades que emergem a partir da argumentação desenvolvida .................... 164
7.2 Necessidades que emergem a partir da confrontação entre os princípios formais e
juízos .................................................................................................................................... 175
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 175
9 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 187
APÊNDICE A .............................................................................................................. 196
ANEXOS (DE 1 A 20) ................................................................................................ 214
1 INTRODUÇÃO
A complexidade das interações homem-mundo e homem-natureza pressupõe
representações teóricas das interdependências ecológicas, sociais e culturais.
Compreendê-la exige ultrapassar dicotomias clássicas entre sociedade e individuo, entre
coletividade e subjetividade. Essas proposições levam-me a refletir sobre as inúmeras
críticas ao atual estado de insustentabilidade do estilo de vida humano e a dependência
sociocultural aos avanços científico-tecnológicos resultantes da luta pela sustentação da
vida humana no último século e o papel da educação científica para a sustentabilidade.
Esta é uma pesquisa que integra questões ambientais, subjetividade e formação
de professores em torno de comprometimento. Uma integração de temas da Educação
em Ciências e Matemática e de meu interesse como pesquisadora e docente acerca de
espaços e tempos de abertura ao posicionamento reflexivo, crítico e criativo de
professores. A sustentação da vida, em nossa época, exige de nós uma reflexão sobre
sustentabilidade e responsabilidade sobre as atividades humanas. Considero que o
comprometimento com a construção de sociedades sustentáveis é feito por sujeito
histórico-concreto. Sua subjetivação articula processos simbólico-emocionais
produzidos em diferentes espaços sociais. Isso implica sobre a docência, que é uma
atividade humana responsável por entrelaçar mundo natural e sociocultural, articulando
a educação às condições dinâmicas da sociedade.
Neste sentido, reconheço a importância da problematização das temáticas
ambientais na atualidade, inclusive do papel central da Educação para os
enfrentamentos necessários. A formação de professores de Ciências e Matemática, neste
momento, acontece em um cenário de manutenção da vida que reivindica um
posicionamento ético acerca de tais temáticas. Posicionamento que se torna uma
exigência para a docência contemporânea. Do docente espera-se que seja capaz de ações
educativas não apenas de cunho conceitual, mas também voltadas para as implicações
éticas, valores morais e compromissos sociais. Compreendo que essa diversidade de
atribuições requer uma intensificação do diálogo, da solidariedade e da tolerância,
inclusive no interior das salas de aulas.
O caráter múltiplo dos debates ambientais, suas dimensões ecológicas e
socioculturais, assim como suas implicações político-econômicas, caracteriza o contexto
da atual demanda pela sustentação da vida em nossa época. Diante dessas relações
complexas, a presente pesquisa inter-relaciona categorias que têm significação para
2
distintos campos de conhecimento, construídos ao longo da história do tema
sustentabilidade no curso de múltiplas pesquisas, bem como pela cultura cotidiana
desenvolvida em seu redor.
A primeira incursão que faço é pelo caráter multidimensional da
sustentabilidade, um tema que envolve preocupações ecológicas, críticas ao modelo de
produção contemporânea, críticas a hábitos de consumo e estilo de vida. É um tema que
enseja amplos debates sobre as crescentes demandas de sustentação dos projetos
humanos, assim como a responsabilidade delas decorrente.
O tema tem configuração de ordem ecológico-sociocultural, que se deve à
incorporação de preocupações com a natureza diante dos projetos humanos
(AZEVEDO, 2002; SACHS, 2008). Há uma ênfase nas intervenções sociais no contexto
ecológico em função dos projetos humanos implantados, indiscriminadamente, em
ecossistemas de características específicas.
Dentro da abordagem focada em teoria produtivista, surgem outros elementos
dessa relação complexa. Devido às críticas ao projeto de construção societária em
expansão e da insustentabilidade do estilo de vida, além da crescente interação entre
Ciência e Tecnologia (C&T), emerge uma representação de cunho sociológico
preocupada com o cotidiano.
Nestas construções enfatizam-se categorias como sociedade e mudança social,
especialmente na forma de provocação à ideologia do consumo. De um lado, associa-se
consumo ao ideal científico-tecnológico que marca nossa época. Por outro lado, o
consumo é associado a meros critérios quantitativos e à exigência de eficiência
produtiva. Nesta conjuntura, o conhecimento assume papel central na sociedade atual,
de maneira que a caracterizam como Sociedade Intensiva de Conhecimento (DEMO,
2000). Nesta perspectiva, a visão científica e a inovação tecnológica são compreendidas
como soluções técnico-científicas. O apelo à racionalização da técnica e da ciência é
frequente, ainda que a tecnologia seja julgada, ora como promotora de danos, ora como
produtora de benefícios.
Em outras representações a sociedade atual é caracterizada como Sociedade de
Consumo (LEFEBVRE, 1991). Neste caso, tem origem uma demanda humana que vai
além dos objetos e atinge as imagens de manutenção de modelo de sustentação da vida
predominantemente degradante. Tal interpretação configura o cotidiano em especial por
suas características consumistas.
3
O ponto de vista de nossa demanda pela produção de alimentos, o debate a cerca
da sustentabilidade agrícola adicionam outras provocações que ampliam a preocupação
com o ecossistema local, incluindo o uso e conservação da água e do solo. Neste caso,
os debates acadêmicos, em suas múltiplas pesquisas, passam a defender que a produção
de alimentos também depende de interações complexas e da construção societária
sustentável.
Em âmbito local, por exemplo, em 2002, no interior da Universidade Federal de
Mato Grosso (UFMT), o pesquisador em agricultura tropical, professor Azevedo (2002),
reunido com acadêmicos e movimentos sociais do estado, já advertia que mesmo que
venhamos a assumir as grandes transformações conceituais e políticas vivenciadas no
mundo, e apesar da urgência da busca por modelos sustentáveis e ambientalmente
adequados em áreas sensíveis como a tropical, continuamos a desenvolver, enquanto
sociedade global, modelos que não alteram a realidade de degradação.
Em sua experiência, tendo a agroecologia como ponto de partida, Azevedo
(2002) defende que a noção de sustentabilidade incorpore a noção de agricultura
sustentável, que deveria ter por base a formulação apresentada pela Comissão Mundial
de Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nesta perspectiva, “desenvolvimento
sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer as
possibilidades das gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades” (WCED,
1987, p.49). Como uma construção conceitual, ela é considerada resultado da relação
complexa entre necessidades, preocupações ecológicas e intervenção humana nos
ecossistemas. Essa construção conceitual trata do enfrentamento do modelo que ao
longo do tempo acarretou, por um lado, a erosão genética com a bioinvasão, por outro
lado, gerou alterações no fluxo de massa e energia do planeta, com implicações na
dinâmica das águas, condições climáticas e fenômenos atmosféricos.
Também em âmbito local, para dar outro exemplo, em 2007, ainda na UFMT, no
campus universitário de Sinop, no interior do estado, já se discutia que o momento
histórico-político vivenciado pelo norte de Mato Grosso é próprio para estudar danos
ambientais e seus efeitos para a população procurando incentivar sociedades
sustentáveis. Municípios da região formada por um bioma de transição entre cerrado e
floresta apresentavam conflitos entre a necessidade de trabalho-renda e a preservação
ambiental. Desde 2010, Pignati e Dores juntamente com Belo et al. (2012) advertiam
que os dados dos estudos de exposição de agrotóxico em Mato Grosso apontavam para
4
a necessidade de um monitoramento ambiental e de saúde permanente em áreas
produtoras de soja como parte das estratégias de vigilância em saúde do trabalhador e
vigilância ambiental.
Do exposto, é possível compreender a sustentabilidade como uma construção
que demanda integrar dimensões ecológicas, científicas, econômicas e sociais presentes
no debate público contemporâneo (acadêmico, político, associativo). Em certa medida
abrange as dimensões da vulnerabilidade das condições futuras da vida e dos processos
irreversíveis referentes à impossibilidade de corrigir, no futuro, os efeitos indesejáveis
de ações desencadeadas no presente (LAYRARGUES, 1998; 2011; JONAS, 2006).
Desta problematização da sustentabilidade defendo que o tema tem conteúdo
multidimensional, recebendo distintas interpretações por grupos sociais e pessoas, o que
leva a diferentes interpretações de mudança social.
As demandas humanas contemporâneas, majoritariamente urbana e global,
suscitam preocupações com a continuidade do atual patamar de consumo, pois
podemos dizimar parte da biodiversidade e provocar profundas alterações no fluxo de
massa e energia do planeta, podendo dizimar inclusive a vida humana. Essas
provocações serviram como leitura fundamental para retratar uma realidade de
insustentabilidade de diversos projetos humanos.
Ao longo do último século, foram desencadeados esforços globais,
acompanhados por esforços locais para a compreensão do papel da sociedade, da
responsabilidade pública e dos sujeitos frente à sustentabilidade. O tema possibilita
representar responsabilidades relacionadas às decisões da sociedade e também do
indivíduo. Há implicações que são referentes à esfera pública e outras que são referentes
à esfera privada. Em nossa época, ao evitar fragmentações, é pertinente compreender a
responsabilidade como resultado da complexa relação sociedade-indivíduo. Ou seja, o
tema está relacionado com a responsabilidade perante a convivência no Planeta.
Um caso exemplar de distintas responsabilizações e da relação complexa
sociedade-indivíduo está em torno do consumo de água e da demanda por produção de
alimentos. Em todo o mundo, a irrigação das terras de cultivo faz com que a agricultura
convencional seja responsável por aproximadamente dois terços do uso global de água e
é uma das principais causas de sua falta em algumas regiões. A cada ano, cerca de três
trilhões de metros cúbicos de água são utilizados na irrigação. Apesar disso,
convivemos com campanhas que focalizam na economia doméstica de água, com uma
5
simplificação do processo de precaução do uso de água, que se aproxima das
informações midiáticas sensacionalistas. Se o planejamento do uso é de ordem pública,
a demanda tem relação com nossas decisões socioculturais, de manutenção de
determinados projetos.
Defendo que sustentabilidade é um tema que envolve demandas de sustentação
da vida e dos projetos humanos que tem exigido a construção de sociedades sustentáveis
pautada pela responsabilidade. O tema envolve dimensão físico-química, dimensão
sociocultural, produção de conhecimentos pela Ciência e produção de soluções
tecnológicas (SACHS, 2008; BOFF, 2012). O caráter multidimensional e vinculado à
sustentação dos projetos humanos favorece a produção de representações sociais e
discursos implicando no comprometimento dos sujeitos em diversos espaços-tempos
sociais. O tema requer supor uma relação simultânea de conhecimentos e
responsabilidades. Ao contrário de representações que desarticulam conhecimentos e
responsabilidades das condições histórico-sociais de cada época, considero que
mudanças nas relações sociais ao longo da história da humanidade acarretam diferentes
conhecimentos da natureza e implicações no relacionamento com ela.
Quando considero nossas demandas e responsabilidades relacionadas com
aspectos materiais, mas também com representações, conhecimentos, e utopias que
produzimos em nossa época, considero-as decorrentes da ação humana social,
historicamente situada e culturalmente implicada. A produção de conhecimento e
comprometimento é assim resultado social e cultural.
O projeto de ultrapassar a dicotomia do social e do individual ganha fôlego com
a teoria cultural, quando a vida social passa a ser entendida na processualidade de forças
coletivas e subjetivas. O tema da subjetividade, em nossa época, propicia entender o
sujeito social, histórico-cultural quando propõe a superação de qualquer individualismo
ou visão do sujeito isolado. Ao contrário da representação que pensa o sujeito em
processo de vitimização associada à ignorância dos processos socioambientais, que
levam a possíveis lacunas sobre o tema da responsabilização, compreendo-o em
interdependência complexa, em que não cabe colocá-lo como vítima tampouco como
culpado, assim como não cabe colocá-lo como manipulado nem tampouco soberano (ou
transcendental). Desta problematização, compreendo que a noção de sustentabilidade,
ao abarcar múltiplas dimensões de sustentação da vida, envolve complexas sínteses que
6
ganham importância para cada sujeito ao longo da vida e de sua participação em
diversos contextos sociais.
Sobretudo, pelas frequentes disputas humanas, o tema da sustentabilidade
apresenta diferentes dimensões de inteligibilidade sobre a convivência humana,
permeada por diferentes racionalidades e aspirações.
Esta visão complexa, que integra as demandas e responsabilidades dos projetos
humanos, exige uma segunda incursão pela diversidade de produções acerca das
relações sociedade-indivíduo e das categorias de comprometimento e emancipação, que
experimenta um momento histórico relevante com a teoria da representação social.
Enquanto abordagem sociocultural e de suporte histórico-cultural, ganha importância
também a preocupação com a mudança cultural.
A partir da tradição histórico-cultural, impulsionada por Vigotsky (VIGOTSKY,
1998; GONZÁLEZ-REY, 2009a), as forças coletivas e subjetivas são vistas como um
processo dinâmico pela presença ativa de cada sujeito e sua interação com os outros. A
tradição histórico-cultural compreende o desenvolvimento humano tendo por base a
natureza dos processos subjetivos com gênese social e histórica, o que permite superar
uma compreensão baseada em princípios universais e a-históricos da subjetividade.
Nesta perspectiva, alio-me a concepções que concebem o sujeito histórico-
concreto, cujo desenvolvimento acontece nas interações sociais (ALVES, 2006), ao
contrário de múltiplas representações que apontam um sujeito determinado pelas
condições objetivas do contexto, ou como resultado de processos intrínsecos. Desta
forma, compreendo que o tema da sustentabilidade se entrelaça com a vida social e
pessoal de cada sujeito.
A produção subjetiva do sujeito que aprende sobre sustentabilidade está
relacionada de modo complexo por duas dimensões: no nível do conhecimento que
envolve aspectos técnico-científicos, sendo significativo para o mundo social, pois
comporta fundamentos e métodos para ações cidadãs sustentáveis; e, no nível da
intencionalidade, que envolve aspectos do saber o porquê e para que da nova construção
societária, significativo para a crítica e a criatividade, e que comporta a dimensão ética,
política, cultural. Deste modo, o tema da sustentabilidade envolve valores presentes na
vida social e nos compromissos que se estabelecem entre as pessoas. Defendo que é
desse entrelaçamento com a vida que emerge a responsabilidade que o sujeito defende.
7
Assim, compreendo que a sustentabilidade é uma temática pertinente à formação ética,
na medida em que entrelaça modelos representativos e dimensão moral.
A sustentabilidade precisa abarcar a superação da desconexão entre interesses e
valores. Seus elementos teóricos propiciam ultrapassar qualquer caracterização
unilateral da problemática e defender as mudanças no âmbito dos projetos comunitários.
No que tange ao desenvolvimento de projetos que nos sustentam a vida, somos todos
responsáveis, pois nos constituímos como sujeitos sociais e atores da história. A
dimensão da relação sociedade-indivíduo possibilita significar também a complexa
relação universal-singular como condição para compreender a interação entre
convivência e emancipação.
Nesta representação inclui-se o tema das distintas aspirações e obrigações que os
sujeitos comungam e que os mobilizam ao se posicionarem diante da crise ambiental.
Desta maneira, compreende-se porque não cabe mais ter como referência a eterna utopia
de compromissos orientados por universalismo, nem pela determinação social, mas
referenciada pela argumentação plural, como é plural a humanidade. As diversas
produções teóricas entendem que os estudos sobre a sustentabilidade, ou temáticas
ambientais, devem incluir esforços no delineamento acerca do lugar e papel da ética.
Nessa representação mediada por teorias socioculturais, entendo que a questão
da ética corresponde a um domínio argumentativo em que se articulam processos
simbólicos e emoções. É pertinente, deste ponto de vista, conceber a argumentação
como carregada de proposições e suposições que aproximam discursos amplos e
julgamentos diferentemente afetados.
Esta dimensão discursiva da ética e da Educação, quando presente em projetos
formativos relacionados ao tema da sustentabilidade, propicia a emergência de
diferentes sentidos mediante processos de participação, elaboração e reflexão sobre
temáticas ambientais. Compreendo como desdobramento do processo, que o professor
inserido no contexto contemporâneo se posiciona, subjetivamente, em relação às
temáticas ambientais. E esse posicionamento se expressa em suas argumentações.
No âmbito local, em 2002, no interior da Universidade Federal de Mato Grosso,
o pesquisador de formação de professores de Ciências e Matemática, professor Rinaldi,
(2002; 2011) justifica a necessidade de ultrapassar as limitações teóricas que deixam em
aberto a compreensão da capacidade de interpretação de angústias da sociedade
contemporânea. Para ele, em um patamar epistemológico, a educação ética significa
8
considerar o cultural, presente no contexto de trabalho. Desta maneira, Rinaldi
considera o educador ético aquele que é consciente de sua participação na construção de
uma totalidade, que engloba a união de elementos constitutivos opostos.
A formação docente, seja ela inicial ou continuada, acontece em um contexto de
encontro entre sujeitos, o que propicia à pessoa que aprende e ensina ciências ser
compreendida como um sujeito concreto, implicado pelo projeto coletivo que ajuda a
construir, mas também por suas intencionalidades pessoais. Nesta visão
complexa, incluo o tema da docência e me alio às concepções de formação de
professores reflexivos, críticos e criativos, concebida como espaço-tempo de
desenvolvimento para a prática social e para a intervenção profissional.
Na história da educação escolar brasileira é estratégica a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação, Lei 9.394 de 1996 - LDB (BRASIL, 1996), que definiu em seu
artigo primeiro, que a educação escolar deve vincular-se ao mundo do trabalho e à
prática social. A LDB busca assegurar, em seu segundo artigo, que a educação esteja
inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. A lei definiu
que a educação escolar tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Uma
representação de finalidades que expressa preocupação com a relação sociedade-
indivíduo e convivência-emancipação, como princípios para a prática educativa.
Compreendo que o envolvimento com demandas de sustentação da vida e dos projetos
humanos propicia ao tema da sustentabilidade apoiar a docência numa visão que
entrelaça o sujeito no mundo natural e sociocultural, dando apoio às relações complexas
previstas na legislação educacional brasileira.
Na tradição da pesquisa sobre formação de professores, a docência abrange a
representação de integração teoria e prática, possibilitando a construção de experiências
significativas em sala de aula (CONTRERAS, 2002; SCOZ, 2011) e, assim torna-se um
espaço de construção de compromissos. O que significa a possibilidade de apoiar a
reflexão crítica e criativa na medida em que promove a constituição de processos de
convivência-emancipação.
Defendo que professores desenvolvem-se de maneira reflexiva, crítica e criativa
no mundo sendo a reflexão uma produção subjetiva tensionada pelos diversos projetos
dos quais participa. A prática social e profissional requer tal produção subjetiva de
modo que envolve a dimensão do conhecimento e a dimensão do comprometimento. Ao
9
contrário de representações de reflexão como uma ação isolada, desvinculada do
contexto, que implica o sujeito intelectual e afetivamente, alio-me às concepções que
concebem a reflexão desenvolvida na tensão dos projetos humanos. Deste modo, a
reflexão docente não se equaciona somente com compreensão conceitual, nem tão
somente com compreensão social, mas requer a tensão provocada pelo debate de
elementos da ética-moral de convivência. A produção subjetiva sobre o tema da
sustentabilidade tensionada pelos diversos projetos articula reposicionamentos que
propiciam certa dinâmica e ciclos de mudança social e cultural.
A docência representada como responsabilidade cidadã e profissional envolve
teoria-prática e compromissos sociais. Assim apoia os complexos processos de
convivência, inclusive de realização de projetos, bem como a realização de experiências
pessoais, implicando no estado permanente de constituição do sujeito.
A prática social e a intervenção profissional exigem uma preparação profissional
que deve envolver situações vivenciais de modo que a integração teoria-prática e o
desenvolvimento de compromissos sociais desde a formação propicia que o docente seja
orientado por situações equivalentes às condições que deverá organizar junto a seus
alunos. Ou seja, se é necessário que estudantes da educação básica aprendam a
comprometer-se socialmente, a formação docente também deve ser espaço de
construção de compromissos.
A preparação docente também demanda partir da produção subjetiva dinâmica
do futuro professor, que exige permanentemente conhecer e responsabilizar-se. Defendo
que é o caráter reflexivo, crítico e criativo dos professores que traz a possibilidade de
implicar o sujeito nas atividades de selecionar fundamentos teóricos e metodológicos
para o processo educativo. O caráter dinâmico da produção subjetiva é que possibilita a
preparação, relacionada ao tema da sustentabilidade, que apoie uma docência capaz de
gerar um novo sistema ético no qual haja incorporação das exigências de nossa época.
A sociedade e a sala de aula são espaços de relações intersubjetivas que exigem
uma docência que invista no diálogo e viabilize a emancipação dos sujeitos. É pelo
diálogo vinculado à formação cidadã que se pode apoiar a docência em seu caráter de
atividade social. Alio-me às concepções que concebem a sala de aula como espaço onde
sujeitos em desenvolvimento, de forma autônoma, são capazes de implicar-se em
processo de conhecimento e comprometimento, problematizando suas
responsabilidades, intenções e finalidades. Defendo que o tema da sustentabilidade
10
propicia apoiar a docência em uma visão que não despersonaliza o sujeito, mas que
problematiza os sentidos que o tema tem para cada um.
Como uma trama de relações intersubjetivas, a sala de aula se constitui
carregada de motivações e intenções que serão mediadas pela docência. Por isso
defendo que os professores irão se deparar com outras complexas sínteses elaboradas
por seus alunos, procedentes de como subjetivam suas condições de vida na sociedade,
dos limites da educação escolar e do que for possível construir, coletivamente, em sala
de aula. Desta forma, defendo que durante a formação docente o professor reflexivo se
prepara para uma docência que exercita a problematização visando o desenvolvimento
de valores e atitudes com as novas gerações.
1.1 Justificativa e dimensionamento da pesquisa
Do ponto de vista de múltiplas pesquisas educacionais, a formação ética é
fundamental para o desenvolvimento da pessoa. Nesse cenário de sustentação da vida e
intensificação da problemática ambiental, essa noção tornou-se fundamental. Neste
sentido a Organização das Nações Unidas propôs 2005 a 2014 como a Década da
Educação para o Desenvolvimento Sustentável, sob a responsabilidade da UNESCO.
Tal iniciativa dá ênfase ao papel central da educação na construção de um mundo
melhor, assumindo o desafio de estimular mudanças de atitude e comportamento na
sociedade mundial (UNESCO, 2005).
A presente investigação situa-se neste cenário atual de formação do professor
para o século XXI. Um cenário marcado pela complexidade da responsabilização ética,
envolvendo sujeitos que participam em diversos espaços sociais, dos projetos humanos
e suas distintas práticas culturais, inclusive pela educação escolar. Ela foi desenvolvida
no interior da Universidade Federal de Mato Grosso, no campo da formação de
professores, com um olhar para um ensino superior configurado como espaço e tempo
de geração de referências teórico-metodológicas para a ação docente, momento em que
a integração ensino-pesquisa-extensão favorece a função social de construir
conhecimento com compromisso social.
Trago desde minhas primeiras problematizações para esta pesquisa, o
questionamento a cerca da presença do tema sustentabilidade na formação de
professores e sua capacidade de mobilizá-los para o respeito à convivência humana e
11
para com outros aspectos não humanos da natureza. Os questionamentos iniciais
estavam relacionados com objetos de interesse do meu percurso na docência em
Ciências e em Química, acompanhando a crítica à degradação dos biomas de Mato
Grosso gerada pelo modelo de produção agrícola hegemônico na região, bem como por
disputas diante da diversidade física e cultural do estado. De modo que questionava as
interações subjetivas em sala de aula. Outro objeto que gerava questionamentos estava
relacionado com aspectos da autonomia de professores diante do ensino e
aprendizagem. Deste modo, frequentemente me perguntava: o que está na base dos
interesses pelo tema da sustentabilidade de professores em formação? De quais
conhecimentos já se apropriaram sobre o tema? Quais concepções de sustentabilidade
eles defendem no processo educativo que conduzem?
O desenvolvimento da pesquisa comprometida com a compreensão das
interações subjetivas em sala de aula, considerando a autonomia na formação docente,
caminhou para uma ênfase na investigação da subjetividade de professores. Sendo
assim, esta investigação foi planejada para aliar pesquisa e formação docente dando
ênfase à subjetividade de professores em sua formação profissional.
Em nossa época o tema da subjetividade tem recebido, entre outras, as
contribuições teóricas de González-Rey (2005b; 2007b; 2009a; 2011b). Para o autor, a
subjetividade é concebida por uma aproximação ao paradigma da complexidade,
orientado por Morin (MORIN; LE MOIGNE, 2000) e outros pensadores
contemporâneos que criticam fundamentos da ciência clássica como os princípios da
ordem e da separação. Segundo a visão contemporânea, o sujeito representa um sistema
complexo, afetado simultaneamente por inúmeros processos pessoais e sociais que se
integram de forma permanente, reforçando a perspectiva de multidimensionalidade da
organização e dos processos constitutivos do desenvolvimento humano (TACCA;
GONZÁLEZ-REY, 2008). Desta maneira a história do sujeito está em permanente
reconfiguração e ressignificação.
O referido autor considera de modo integrado elementos que são comumente
tratados de forma dicotômica na história da psicologia, como afeto-cognitivo e o social-
individual, ou seja, aborda aspectos que representam o indivíduo como sujeito de seus
processos psicológicos. González-Rey (2008) entende as relações entre o sujeito e os
eventos do meio social segundo uma dinâmica complexa, definida na dialética e na
12
recursividade do histórico-atual, do interno-externo, e em uma integração intrapsíquica-
interativa que se constitui na história de sua vida social. A subjetividade individual
encontra-se integrada à subjetividade social. Desta maneira é concebido o sujeito ativo
implicado por rupturas, contradições e ações criativas, o que tem papel essencial nas
diferentes escolhas dos sujeitos. A subjetividade apresenta-se como uma representação
histórico-cultural da psique, com a qual são ressignificados princípios de simplificação
e de certezas universalizantes presente na produção clássica de conhecimento científico.
Em sua proposta teórica, González-Rey (2005a; 2006; 2007a; 2007b; 2011b),
enfatiza a processualidade da subjetividade com dois conceitos centrais, o de sentidos
subjetivos e de configuração subjetiva. Para ele, as configurações subjetivas
representam a unidade do histórico e do atual na organização da subjetividade, isto é,
representam a expressão do vivido como produção subjetiva, sendo redes simbólico-
emocionais que integram múltiplos efeitos e desdobramentos do vivido propiciando
análise de expressões subjetivas isoladas. O sentido subjetivo é a unidade inseparável do
simbólico e do emocional, onde a emergência de um provoca a aparição do outro sem
ser a sua causa. Essa unidade, por sua vez, transforma-se rapidamente gerando sentidos
subjetivos inteligíveis no “momento da interpretação da configuração subjetiva, que é o
que permite captar sentidos subjetivos dominantes, presentes na expressão plural da
pessoa, de forma simultânea, em cada momento de ação concreta” (GONZÁLEZ-REY,
2011b, p. 33-34).
A investigação da subjetividade nesta perspectiva reconfigurou as questões
iniciais desta pesquisa propiciando as seguintes formulações: quais sentidos subjetivos
de sustentabilidade estão presentes para os sujeitos envolvidos pedagogicamente nesses
debates? Quais configurações subjetivas são construídas no debate? Como tais sentidos
subjetivos constituem a motivação para aprender e ensinar sobre o tema?
Diante do exposto, o objetivo da presente pesquisa foi investigar a subjetividade
implicada na participação em projetos de formação de professores em que sujeitos
estivessem mobilizados pela temática da sustentabilidade. Especificamente, busquei
interpretar os sentidos subjetivos que sujeitos envolvidos com iniciação às
Ciências/Química expressavam sobre sustentabilidade; identificar as relações que o
tema tinha com suas experiências anteriores; compreender relações com princípios
formais, juízos e valores morais propostos por uma ética para a sustentabilidade;
13
conhecer as implicações destes sentidos subjetivos para as reflexões sobre a docência e
interpretar a configuração subjetiva de (co)responsabilidade ética pelo quanto
simbolizam valores morais com os quais os sujeitos defendem alguma concepção. Por
fim, busquei interpretar implicações de tais sentidos subjetivos sobre a motivação para
aprender e ensinar sobre o tema.
A tese que defendo é que (futuros) professores constroem sentidos subjetivos
sobre sustentabilidade ao longo da vida, nos diversos contextos sociais que participam.
Sendo um tema que se entrelaça com a história social e pessoal, envolve valores e
compromissos sociais, que são afetivamente carregados. Ao refletirem sobre tais
sentidos os professores se preparam para problematizar os sentidos que o tema tem para
seus alunos.
A pesquisa, portanto, diz respeito a uma aproximação com o paradigma da
complexidade e com fundamentos da perspectiva histórico-cultural, em um diálogo
teórico que serve de aporte à múltiplas pesquisas em Educação em Ciências, em
Educação Ambiental (GALIAZZI; FREITAS, 2007) e em Educação Ética (RINALDI,
2002). Assim a presente pesquisa busca um diálogo comprometido com o atendimento
da função social dessa área de conhecimento, tanto no que tange à natureza da ciência e
sua produção de conhecimento, quanto naquilo que se relaciona ao comprometimento
pessoal e profissional. A matriz teórica articula a orientação metodológica também em
diálogo com pesquisas antropossociais. É uma investigação de caráter construtivo-
interpretativo do conhecimento, comprometida com uma epistemologia qualitativa,
apoiada em conversação (GONZÁLEZ-REY, 2005a). Sobretudo, a compreensão da
argumentação exigiu uma seleção de falas significativas (BRANDÃO, 2003; SILVA,
2007).
Para defender a construção teórica decorrente desta integração temática, trago
estudos realizados junto a dois projetos de formação de professores: um no âmbito da
formação continuada de professores de matemática e ciências, participantes do Projeto
Observatório da Educação com foco em Matemática e Iniciação às Ciências do polo da
Universidade Federal de Mato Grosso, realizado em parceria com a Universidade do
Estado de Mato Grosso e com a Universidade Estadual Paulista. O outro estudo, se
desenvolveu no âmbito da formação inicial de professores na Licenciatura em Química
da Universidade Federal de Mato Grosso.
14
Considero os dois estudos relacionados com sustentabilidade e docência do tema
para (futuros) professores relevantes na medida em que envolvendo processos
formativos, que problematizam contexto sociocientífico e ambiental, implicam em
participação reflexiva e criativa. Assim o envolvimento com atividades de docência de
matemática e ciências, a disposição para a formação em temática ambiental que
articulasse aspectos de ciência e tecnologia, exigências éticas e responsabilidades, e a
disposição para expor experiências e ideias, favoreceu a conversação necessária à
pesquisa.
Sobretudo, com a articulação entre pesquisa e formação de professores
intenciono contribuir com estudos sobre o posicionamento ético-ambiental e pedagógico
de professores, que reflita a dimensão conflituosa do tema. Considero tal intenção
pertinente à Educação em Ciências na medida em que problematiza modelos
fundamentais para a compreensão da relação do homem com a natureza e com a
sociedade, ao implicá-lo em reflexão sobre a manutenção da produção de vida material
e cultural, pessoal e social. Assim espero contribuir para a compreensão do caráter de
convivência-emancipação da formação docente.
O aprofundamento que proponho nos capítulos seguintes refere-se ao caráter
múltiplo do tema da sustentabilidade e sua docência para a prática social. Na próxima
seção da tese, pretendo ressaltar as definições em pauta que envolvem o tema da
sustentabilidade, assim como sua presença problematizadora e propositiva, evidenciada
por sua característica multidimensional e suas implicações políticas e éticas. Na terceira
seção, pretendo buscar referência na complexidade da constituição do sujeito para
interpretar intencionalidade e posicionamento docente a partir de visão complexa da
subjetividade. Na quarta seção, busco aspectos da formação docente que vinculem
autonomia docente, currículo e responsabilização social a partir da ênfase na docência
para a prática social e para intervenção profissional, em uma perspectiva reflexiva,
crítica e criativa. Em seguida, apresento os dois estudos com sujeitos em formação
docente, cujas implicações são retomadas e discutidas a partir de necessidades
formativas e nas minhas considerações finais.
2 UMA VISÃO COMPLEXA DE SUSTENTABILIDADE PARA A EDUCAÇÃO
CIENTÍFICA
As problemáticas de sustentação da vida humana são complexas e integram
múltiplos modelos explicativos. Trata-se de uma discussão secular. Nesse contexto,
incluem-se diversas racionalidades dentre elas o conhecimento científico, como
instância e modo de conhecer, de abordar interações ecológicas, princípios
socioculturais e econômicos. O debate das ideias de diferentes bases teóricas dá à
sustentabilidade seu caráter complexo e histórico.
Sustentabilidade é uma ideia mobilizadora em nossa época, tem vinculação com
as temáticas ambientais, cuja inserção no cenário atual (seja acadêmico, político ou
associativo) delineia um viés problematizador das condições de sustentação da vida, da
multiplicidade de visões, da pluralidade de saberes culturais, que levam à múltiplas
definições para o tema; sua abordagem contextualizadora e, sobretudo sua presença
propositiva deve-se as suas implicações políticas, éticas e de responsabilização social.
Uma incursão pelo tema permite compreender o modelo de desenvolvimento da
sociedade moderna, esgotado e insustentável ambientalmente, em sua dimensão
biológica e social. Também leva a compreender a sustentabilidade como princípio
norteador de projeto societário, que reúne bases ecológicas e socioculturais. Neste
sentido, as produções teóricas sobre o tema construíram ideias instigantes, geraram
tensão argumentativa, debates e mobilizações de lutas sociais e culturais, sobretudo
provocou a geração de novas responsabilidades. Desenvolveram-se bases teóricas para
representar relações complexas entre ecologia-projetos humanos, produção-produtores,
consumo-consumidores; esfera pública-projetos coletivos e esfera privada-projetos
pessoais, ou seja, ideias sobre a presença construtora dos sujeitos em seus contextos, no
sentido de expor uma trama de conceitos e sujeitos implicados no desenvolvimento
social.
No que tange a insustentabilidade dos projetos humanos nossas representações
remetem a aspectos de ordem ecológico-sociocultural. Neste sentido, entram na
caracterização dos problemas socioambientais categorias como finitude e limites, com
as quais foram elaboradas as críticas à concepção de expansão ilimitada num planeta
finito e à responsabilização do crescimento econômico contínuo e indiferenciado pelo
esgotamento do Planeta.
16
Essa representação se amplia com a compreensão de nossas práticas culturais
como intervenção nas condições dinâmicas e instáveis dos sistemas complexos, desta
maneira também consideradas interações ecológicas. Ou seja, as demandas sejam elas
antigas ou contemporâneas, naturais ou criadas, estão interligadas por uma rede
complexa de interações, nos permitindo representar a insustentabilidade frente à
capacidade de suporte dos ecossistemas e seus ciclos e os projetos humanos. A noção
ecológica de que a vida levou bilhões de anos para aparecer e agora desaparece em
rápidos processos de extinção, configura-se como uma proposição de uma crise
ambiental em sua dimensão físico-química e biológica, que encerra relação complexa
entre capacidade regenerativa e taxa de reposição no Planeta.
Com a interpretação da lei-limite da natureza trazida pela lei da entropia –
conhecida como segunda lei da termodinâmica ou lei de dissipação de energia - a
manifestação mais evidente dos efeitos das ações humanas no aquecimento global
decorre da compreensão de que toda energia se degenera, ao fim, em calor.
Assim, compreende-se porque os territórios mais vulneráveis do Planeta são as
zonas intertropicais do globo, dentre elas a que habitamos, que é responsável por
distribuir o calor oriundo da incidência da energia solar. O que me leva a compreender
as críticas às atividades produtivas em sua busca por independência das condições
termodinâmicas do ecossistema, ideia que amplia os impactos sobre as condições
planetárias gerais.
As condições ambientais significam restrições ambientais e problemas comuns a
toda a humanidade. A erosão genética (perda da variabilidade de espécies) decorrente
das práticas agrícolas ao longo da história pode se configurar como um exemplo. O
teólogo e filósofo brasileiro, Leonardo Boff, que tem se ocupado de questões
ecológicas, nos lembra do desaparecimento de parentes silvestres de espécies cultivadas.
Para o autor, a relação humana com a natureza, ao longo da história, é marcada por
processos que vão de interação e intervenção até processos de agressão, sendo esses os
motivos que levaram a uma base agrícola restrita com somente 20 a 30 espécies atuais,
frente às 3000 espécies que já existiram, de vegetais utilizáveis na agricultura (estima-se
que 27.000 a 100.000 espécies são eliminadas por ano), deste modo as plantas do
mundo se encontram sob o risco de extinção devido a perda de habitats naturais (BOFF,
17
2012). Assim colocamos em risco o potencial do planeta em nome da realização de
nossos projetos humanos, o que torna nosso atual estilo de vida insustentável.
O caráter propositivo da noção de sustentabilidade ressalta lições do estudo do
ecossistema e de princípios básicos de ecologia no sentido de usá-los como diretrizes
para criar nossas comunidades sustentáveis. Uma contribuição significativa para a
construção teórica sobre o tema foi a noção de que toda perturbação é constitutiva. Por
seu caráter constitutivo toda perturbação não está limitada a um único efeito, segundo
Prigogine, prêmio Nobel de Química de 1997. Essa é uma representação utilizada para
demonstrar um universo em construção contínua, de explosão de novidades e
criatividades. Ele cunhou a expressão “estruturas dissipativas” para representar uma
estrutura que se mantém estável, enquanto matéria e energia fluem através de forças
equilibrantes. O princípio se tornou referência para representar a produtividade da
natureza e a criatividade da cultura (PRIGOGINE, 2002).
Para o teórico, os sistemas instáveis, ou, os sistemas complexos (seja humanos
ou não humanos, naturais ou culturais) não são associados ao determinismo, mas sim à
irreversibilidade no tempo em suas condições fundamentalmente probabilísticas desta
forma, as perturbações (também representadas como bifurcações) produzem efeitos
diversos, proposição que se tornou crucial na reformulação da representação de
evolução como produção de novas constituições. Para ele, a perspectiva clássica que
enunciava leis da natureza estava associada a uma descrição determinística e reversível
do tempo, em que o futuro e o passado desempenhavam o mesmo papel. Entretanto,
uma reformulação dessas leis deveria abordar fluxos de energia e matéria como
processos irreversíveis, como são aqueles presentes nas estruturas dissipativas. Isso dá,
então, à evolução dos sistemas complexos uma “nova representação construtiva”
(PRIGOGINE, 2002).
Para este químico, a biologia darwiniana e a termodinâmica são ciências da
evolução. Mas a evolução guarda diferença de significação para a biologia e para a
termodinâmica. A termodinâmica não só impulsionou a ciência da era industrial, mas
também influenciou a percepção das transformações das nossas relações com a
natureza, de maneira que, na época, começou a se tornar motivo de profunda ansiedade
devido aos estudos da gravitação, do eletromagnetismo e outros tipos de interação cujas
formulações de leis de nivelamento levaram a conclusão de degradação térmica. Ou
18
seja, o motivo da ansiedade era a percepção de um esgotamento dos recursos naturais,
como se o universo estivesse condenado a evoluir na direção da morte térmica. Já o
darwinismo, salvo as críticas dele decorrentes, centrava sua representação no
surgimento das novidades, de novas espécies, de novos modelos de adaptação e novos
nichos ecológicos, sendo um contraponto da biologia à termodinâmica.
Neste mesmo sentido, posteriormente Capra (2002), propõe uma representação
de caráter constitutivo para a sustentabilidade, em que esta não implica uma
imutabilidade das coisas, não é um estado estático, mas um processo dinâmico de
(co)evolução. Capra (1996; 2002) torna-se um defensor da concepção de rede e teia de
relações. Desde 1980 busca referenciais para a construção de projetos ecológicos.
Para o autor, são fundamentais as lições aprendidas com a noção de
interdependência ecológica, com a qual se reconhece que não existe nenhum organismo
individual que viva em isolamento (CAPRA, 2002). Na representação de instabilidade,
de capacidade constitutiva e da interdependência aparece o caráter propositivo dos
princípios ecológicos como possíveis bases para sociedades sustentáveis. Toda essa
construção propicia dar valor à natureza e a ampliação da noção da presença do não
humano na ecologia do Planeta.
Para a educadora e pesquisadora, Isabel Carvalho (2012, p. 37), a ecologia deve
ser incorporada como “campo de interações entre a cultura, a sociedade e a base física e
biológica dos processos vitais, no qual todos os termos dessa relação se modificam
dinamicamente e mutuamente.” Para a pesquisadora, a identificação de ecologia deve
incluir direito à integridade, à dimensão conflituosa das relações sociais. Desta forma, a
representação de ecologia abarca o modo de vida humana e formas de interagir com os
elementos físico-naturais que a circundam, de significá-los e manejá-los. Assim, a
natureza é a base natural dos ambientes da vida social, ou seja, a base natural de nosso
dia-a-dia.
A interpretação da intervenção humana na natureza por distintas interações com
os ecossistemas, resultou na construção conceitual, tanto de conservação como de
preservação. Uma construção que tomou dimensão legal. A Lei que institui o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, Lei n. 9.985/00 (BRASIL,
2000), define como conservação da natureza o manejo de seu uso pelo ser humano,
compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a restauração e a
19
recuperação do ambiente natural, para que possa produzir o maior benefício, em bases
sustentáveis. A construção teórica também trata das condições das atuais gerações e das
necessidades e aspirações das gerações futuras, assim como da garantia de
sobrevivência dos seres vivos em geral. A lei destaca a ideia de conservação in situ,
sendo esta a conservação de ecossistemas e habitats naturais e a manutenção e
recuperação de populações viáveis de espécies em seus meios naturais. No caso de
espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas
propriedades características. Também traz a conceituação de preservação como sendo
um conjunto de métodos, procedimentos e políticas que visam à proteção em longo
prazo das espécies, habitats e ecossistemas, além da manutenção dos processos
ecológicos, prevenindo a simplificação dos sistemas naturais. Tem destaque a noção de
manejo, tido como todo e qualquer procedimento que visa assegurar a conservação da
diversidade biológica e dos ecossistemas.
Ou seja, a conservação da natureza prevê uma diversidade de ações e usos
sustentáveis, preocupações geracionais e relacionadas à comunidade de vida em geral.
A conservação in situ restringe o uso de habitats para ações de manutenção e
recuperação de espécies. A preservação prevê questões metodológicas e políticas para a
proteção em longo prazo de espécies, habitats e ecossistemas.
Nesta construção de conhecimentos sobre a ocupação dos ecossistemas do
planeta por projetos humanos, ganhou importância também os estudos da agroecologia
por seu respeito às relações ecológicas entre produção de alimentos e ecossistema. Para
Gleissman (2001), pesquisador americano de agroecossistemas sustentáveis, é urgente
desenvolver abordagem mais ecológica na produção de alimentos.
Para Capra (2002), o que é sustentado numa comunidade sustentável não é o
crescimento econômico nem o desenvolvimento, mas toda a teia da vida da qual
depende, a longo prazo, a nossa própria sobrevivência. A comunidade sustentável é feita
de tal forma que seus modos de vida, seus negócios, sua economia, suas estruturas
físicas e suas tecnologias não se opõem à capacidade intrínseca da natureza de sustentar
a vida.
Neste conjunto de formulações não se representa um mero atendimento aos
princípios básicos da ecologia, mas de aprender lições com as interações ecossistêmicas
e usar como princípios para criar comunidades sustentáveis, de maneira que “o projeto
20
ecológico é um processo no qual nossos objetivos humanos são cuidadosamente
inseridos na grande rede de padrões e fluxos do mundo natural” (CAPRA, 2002, p.
230).
Sachs (2009), pesquisador de questões ecológicas defende, desde 1980, uma
proposta de sustentabilidade que entrelace biodiversidade, biotecnologia, diversidade
cultural, baseada na otimização do uso da biomassa. O pesquisador reforça a
representação da interdependência entre ambiente e projetos humanos quando articula
em sua representação de sociedade baseada na biomassa envolvendo dimensões de
ordens científica, tecnológica, socioambiental, cultural.
Para o ambientalista e pesquisador, Enrique Leff (2010), vivemos em uma crise
civilizatória para a qual é urgente uma economia ecológica e uma racionalidade
ambiental, que valorize a complexidade ambiental e o diálogo de saberes.
Tais proposições interagem com preocupações atuais acerca da produção e do
consumo. Para a pesquisadora Fátima Portilho (2010), os atuais estudos de produção e
consumo se relacionam com os da sustentabilidade e é a consideração da entropia que
nega a argumentação de que os problemas ambientais já estejam resolvidos na esfera da
produção com melhores técnicas e tecnologias. A autora critica o habitual deslocamento
da preocupação ambiental para o campo da produção e do consumo, e defende o
consumo como uma possibilidade de luta política e simbólica, como uma maneira de
manter representações de caráter relacional para o tema. Isso dimensiona nossas
demandas materiais e socioculturais em perspectiva de múltiplas conexões.
Na história de produções teóricas sobre o tema houve uma desvinculação entre
os processos de produção e consumo com a ênfase recaindo sobre este último. Mas, de
um ponto de vista conectivo nos é possível manter a atenção nas interações ecológicas,
no mundo produtivo e no consumo, sem simplesmente cair na análise de
comportamento individual. Desta perspectiva cabe incluir na noção de sustentabilidade
as implicações da produção e do crescimento econômico, bem como do consumo e da
exaustão do sistema planetário. Assim como compreender as criticas ao consumo e o
sonho humano de um progresso ilimitado. Também cabe junto aos estudos na área
interpretar o consumo como atividade social, o que nos possibilita ultrapassar a mera
visão econômica para problematizar as questões ambientais, inclusive insistir que
economia humana é um valor cultural (LEFF, 2010).
21
No âmbito do consumo há outras relações complexas possíveis, há aquelas que
concentram construções sobre o consumo de imagens, ideias, até mesmo de identidades.
Desta maneira podemos representar o consumo como cultura. Uma representação
significante e central no entendimento da sociedade contemporânea, ou seja, “consumir
é participar de um cenário de disputas pelo que a sociedade produz e pelos modos de
usá-lo.” (PORTILHO, 2010, p. 32)
Para o professor e pesquisador em Educação Ambiental Carlos Loureiro (2012),
a sustentabilidade constitui um conjunto de princípios que abarcam as necessidades
tanto no sentido material quanto simbólico, econômico e cultural. É uma construção
para enfrentar o caráter destrutivo da natureza pela sociedade atual quando insuflada de
crescimento econômico.
Neste sentido, sustentar material e culturalmente a vida implica compreender os
desafios ecológicos, da produção, do consumo e a dinâmica da vida humana. Um caso
exemplar é o enfrentamento de um lado do acelerado crescimento demográfico mundial,
que envolve políticas de erradicação da pobreza, de outro lado a manutenção do padrão
de desenvolvimento de países ricos (e a crítica ao seu nível de consumo). Um
enfrentamento que tem significado ampliação das demandas científicas e tecnológicas.
Reunir preocupações ecológicas, interpretação dos limites da produção e do
consumo é pertinente para representar a relevância da sustentabilidade no cenário atual,
“nesses casos, evidencia-se a interdependência entre as bases de sustentação material do
planeta e a sustentação de um projeto solidário e emancipador para a sociedade”
(CARVALHO, 2012, p.169).
Ou seja, o tema envolve a relação sociedade-indivíduo no sentido de
reformulações de ideias relacionadas à exaltação exagerada do individualismo assim
como à racionalidade de curto prazo que inviabiliza o futuro. Entretanto as relações
sociais não são imutáveis podendo ser transformadas pelas decisões dos sujeitos na
revisão de seus modelos. Para Boff (2012) a compreensão do papel da sociedade e dos
sujeitos diante de uma construção societária sustentável, tanto individual quanto
coletivamente, requer a valorização do individuo em seu direito à vida, à liberdade e à
busca da felicidade, deste modo a proposta de sustentabilidade aponta para o futuro.
Para Leff (2010), um futuro sustentável terá que ocorrer na arena política, da
22
responsabilidade e justiça com o porvir. Não poderá ser um futuro desprovido de um
projeto político baseado no potencial do real e do simbólico, da natureza e da cultura.
Deste ponto de vista, somos todos responsáveis, direta ou indiretamente, não há
vítimas neste processo de constituição da história da humanidade (há sim diferentes
formas de participação nos diferentes projetos humanos). Deste ponto de vista, a
produção e o consumo também devem ter por referência um futuro viável.
A vida se desdobra há bilhões de anos no Planeta Terra. Atualmente, a
sustentação da vida humana representa novas e crescentes demandas ao Planeta. São
demandas por estabilidade ecológica e manutenção das técnicas, objetos e imagens
oriundas de representações socioculturais. Ao problematizar nossas demandas
crescentes por ciência e tecnologia pode-se assim compreender a dimensão de ordem
material, energética e físico-biológica destas. Por seu caráter conectivo, a vida é
interligada por redes complexas, cuja dinâmica caracteriza-se por instabilidade e
irreversibilidade, pressupondo um estado probabilístico de mudanças (CAPRA, 2002;
PRIGOGINE, 2002).
Sejam elas mais antigas ou mais contemporâneas, naturais ou criadas, as
demandas para sustentação da vida humana tensionam a dinâmica cotidiana. A vida
cotidiana e suas necessidades, implicadas pela convivência humana, tem nas
perspectivas conectivas e constitutivas da complexidade melhores condições de
compreensão. As necessidades humanas são, então, caracterizadas por uma pluralidade
de objetivos e finalidades próprios de nossa época, gerando ameaças comuns, mas de
formas distintas, a sustentação da vida de humanos e não humanos no planeta.
2.1 Sustentabilidade integradora
Sustentabilidade é um tema que articula problemas atuais referentes à
degradação ambiental, à vulnerabilidade da vida e à demanda por ciência e tecnologia.
Desta forma o tema incorpora conhecimentos antropossociais, voltados à compreensão
das necessidades de distintos grupos humanos e indivíduos que influenciam a noção do
tema nesta época.
Dessa problematização decorre que o tema requer, mesmo que de forma breve,
percorrer a história da produção da existência humana na qual se registra a presença da
23
ciência e de outros saberes. Na perspectiva de Bernal (1975), historiador da ciência,
toda produção material da vida pressupôs manipulações das condições ambientais e
mesmo da disponibilidade de materiais. Disso decorre que pensar na presença da ciência
na história visa melhorar a compreensão de alguns dos problemas materiais, estruturais,
intelectuais e morais, que resultam do impacto da ciência na sociedade.
Para Maria Andery (2004), também historiadora da ciência, o processo de
produção da existência humana é um processo que demonstra que o ser humano
desenvolveu-se materialmente, mas também desenvolveu ideias, conhecimentos,
valores, raciocínio, planejamento. Sendo assim, tal processo é social, de organização e
estabelecimento de relações entre os seres humanos. Enquanto tentativa de explicar a
realidade, a ciência caracteriza-se por ser uma atividade metódica, assim a proposição
de teorias, de critérios de aceitação e procedimentos de produção científica, refletem um
modo de atuação para obtenção do conhecimento e constante transformação do próprio
conhecimento.
Para além do conhecimento científico, o enfrentamento dos desafios
contemporâneos é feito com uma pluralidade de saberes culturais, condição que amplia
a multiplicidade de modelos de sustentabilidade. Entre os saberes que caracterizam as
sociedades ocidentais modernas, é possível reconhecer uma considerável variedade de
modos de conhecer a natureza, diferenças e desacordos em cosmovisões e em
perspectivas epistemológicas de diferentes grupos.
Portanto, definir sustentabilidade não é uma tarefa fácil. Pelo viés cientifico a
definição passaria por configuração conceitual, de princípios e de métodos validados
nas múltiplas pesquisas. Com efeito, a definição do tema é plural e recheada de saberes
e valores.
Segundo Boff (2012), o conceito de sustentabilidade foi criado no começo da
década de 1980 por Lester Brown, que definiu a sociedade sustentável como aquela que
é capaz de satisfazer suas necessidades sem comprometer as chances de sobrevivência
das gerações futuras. Segundo Capra (2002), anos depois, o relatório da Comissão
Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento, usou a mesma definição para
apresentar a noção de desenvolvimento sustentável.
Diante da multiplicidade de modelos representacionais e do amplo grau de
generalização da construção teórica baseada nas necessidades e relações geracionais foi
que reuni os esforços de conceituação em duas vertentes distintas: a primeira, com base
24
no mercado e a segunda, de base sistêmica e integradora. Trata-se de diferentes
discursos que possuem elementos comuns, tais como preocupações ecológicas e com
um futuro. Contudo, a primeira vertente forma um conjunto complexo de informações e
indicadores com base no desenvolvimento e crescimento econômico, enquanto a
segunda se pretende sistêmica e holística.
Decorrente de críticas ao fundamentalismo de mercado, a vertente orientada pelo
mercado tem ênfase nos condicionantes socioeconômicos. Ou seja, um modelo que
favorece as ideias que não comprometem a produção de bens e riquezas. Na visão
orientada pelo fundamentalismo de mercado, os males sociais e ambientais são o preço
inevitável que pagamos para alcançarmos o progresso econômico. A redução de tais
males está na produção de bens públicos como redução da pobreza ou proteção ao meio
ambiente verde. Assim as desigualdades e exclusões sociais são inerentes à produção. E
a eficiência da economia capitalista de mercado será capaz de suplantar esses
inconvenientes.
Todavia, há outra referência a considerar, que se apresenta includente, na
medida em que discute eficiência, importação/exportação e superação da pobreza
(SACHS, 2008). Nessa perspectiva, as condicionantes ecológicas e de adaptabilidade
humana em ecossistemas, interferem em diferentes proporções nas decisões sociais e
econômicas. Em geral, as restrições físicas são contornadas com maior eficiência, na
produção e nos descartes, baseada nas leis de mercado, que defendem o
desenvolvimento pela ecoeficiência. O valor usado para interpretação da inclusão e
desenvolvimento é a civilização moderna e a industrialização:
Na medida em que muitos países tropicais têm condições de dar o pulo do
gato na direção de uma civilização moderna, baseada na biomassa e
ambientalmente sustentável, seria lamentável que a chave deste
desenvolvimento, constituída por biotecnologias verdes (agrícolas),
vermelhas (farmacêuticas) e brancas (industriais), fosse monopolizadas por
multinacionais sediadas em países industrializados. Por isso, impõe-se um
grande programa Sul-Sul de pesquisa em biotecnologia aplicada. (SACHS,
2008, p. 95).
Encontro nesses objetivos sustentáveis defesa não só da mitigação da pobreza,
mas da sua erradicação, por meio da combinação da inclusão social pelo trabalho e da
implementação de outros direitos da cidadania, tais como o direito à educação, à
proteção da saúde, ao acesso à água potável, ao saneamento, assim como à moradias
decentes (SACHS, 2008).
25
Em termos agrícolas também há referência de diversos sentidos para o tema.
Para Hansen (1996), pesquisador de modelos de agricultura sustentável, diferentes
correntes de pensamento da sustentabilidade agrícola são apoiadas em diferentes
objetivos. Há a corrente que percebe a sustentabilidade como ideologia, defendendo de
um lado a vertente tecnológica da agricultura, baseia-se na centralização, dependência,
competição e domínio da natureza, de outro há uma vertente sustentável que se baseia
na equidade, diversidade, independência e espírito comunitário. Há também a corrente
que defende a sustentabilidade como um conjunto de estratégias de manejo, assim,
objetiva melhorar e ampliar os aspectos técnicos da produção, adequados à redução do
uso de insumos externos. Também há a corrente que pensa a sustentabilidade enquanto
habilidade que se destina a atingir proteção ao ambiente, equidade social e rentabilidade
adequada à preservação dos mecanismos naturais.
Para o autor, há uma última corrente de pensamento na qual a sustentabilidade é
concebida como capacidade de permanecer, de continuar, de manter a produção de
alimentos ao longo do tempo. Nesta última categoria está implícita o condicionante
temporal, incorporando a discussão atual de sustentabilidade, mas deixa de considerar
toda a pluralidade de representações dos grupos humanos e dos sujeitos em torno do
tema.
Há outros modelos explicativos usados que concebem a necessidade de
transcender a ação de mercado na sustentação da vida. Podemos identificar
sustentabilidade que tem por base a teoria geral dos sistemas, pela sua ênfase na
presença constitutiva dos seres humanos no planeta, tais modelos reafirmam o caráter
constitutivo de perturbações capazes de impulsionar a coevolução.
Essa reafirmação é fundamental para ultrapassar reducionismos de várias
representações sobre o tema. Tal ideia pode trazer formulações com base naquilo que
Prigogine (1984; 2002) apontava sobre o tema da construção. Para o químico, se não
fizermos uma virada no sentido da complexidade, estaremos tratando sempre das
exceções e não da regra planetária, ou seja, compreenderemos os sistemas simples e não
dos sistemas complexos (PRIGOGINE, 2002). Isso significou, lembra o professor
Mortimer (1998), que não é mais possível excluir o homem como sujeito de certos
sistemas complexos.
Para Boff (2012), sustentabilidade está relacionada com inclusão e
desenvolvimento, incorpora o respeito às condições ambientais, ao conhecimento e à
26
práticas sob controle coletivo. De maneira que, por exemplo, na produção de alimentos
para a superpopulação humana, cada pedaço de solo deve ser aproveitado, mas dentro
do alcance e dos limites de seu ecossistema, preferencialmente realizada por meio da
agricultura orgânica, familiar, de pequenas e médias empresas, pela agroecologia e pelas
ecovilas. Desta forma, esperam-se práticas respeitosas da natureza, tornando viável o
futuro da humanidade. Para ele, a alternativa de uma definição integradora, de
enfrentamento ambiental, depende de uma visão holística que pretenda uma
sustentabilidade o mais compreensiva possível.
Sustentabilidade é toda ação destinada a manter as condições energéticas,
informacionais, físico-químicas que sustentam todos os seres, especialmente
a Terra viva, a comunidade de vida e a vida humana, visando sua
continuidade e ainda atender as necessidades da geração presentes e das
futuras, de tal forma que o capital natural seja mantido e enriquecido em sua
capacidade de regeneração, reprodução e coevolução. (BOFF, 2012, p. 107).
Para Boff (2005), a definição integradora de sustentabilidade inclui a
manutenção das condições físico-químicas do planeta, assim como inclui o ser humano
como elo singular da rede da vida. Para o autor, a noção de inclusão e desenvolvimento
inerentes ao tema amplia seus elementos constituintes abarcando os demais seres não
humanos, bem como, a inteligência e afetividade humana.
Leroy e Pacheco (2005, p. 135), apresentam sustentabilidade como “o processo
pelo qual as sociedades administram as condições materiais da sua reprodução,
redefinindo os princípios éticos e sociopolíticos que orientam a distribuição de seus
recursos naturais.” Tal construção abarca a dimensão da cidadania e a necessidade dos
acordos ao desenvolvimento de um projeto civilizatório dentro de outra relação
societária com redefinições éticas e políticas.
Compreendo que a noção de sustentabilidade evoca conhecimentos, práticas e
princípios. Ao projetar esta pesquisa vinculada a práticas educativas, recorro a Freire
(2005), educador brasileiro, que se utilizou em suas construções teórico-pedagógicas a
expressão unidade epocal, que “se caracteriza pelo conjunto de idéias, de concepções,
esperanças, dúvidas, valores, desafios, em interação dialética com seus contrários,
buscando plenitude.” Com tal proposição, Freire, desde 1962, colocou-se em defesa de
princípios da alfabetização popular de adultos, diretamente relacionada ao cotidiano do
trabalhador. Para o educador, a identificação de unidades epocais contribui para uma
educação desencadeadora de inserção critica na vida social e política. Portanto,
27
compreendo a pertinência da configuração da sustentabilidade como uma unidade
epocal. Uma unidade epocal se constitui por argumentos antagônicos, por tarefas a
serem cumpridas, por temas históricos e fatores contextuais, constituindo assim, um
universo temático de nossa época (FREIRE, 2005).
A demanda pela vida sempre existiu. Atualmente há novas e crescentes
demandas que exigem de nós um novo projeto societário (SACHS, 2008; 2009; LEFF,
2010; BOFF, 2012). Ao longo do último século foram desencadeados esforços globais
destinados ao enfrentamento do estado atual de insustentabilidade e de inviabilidade, a
longo prazo, de muitos dos projetos humanos. Questões como a desigualdade social,
poluição da pobreza e poluição da riqueza; concentração técnico-científica e
transferência de tecnologia; erosão genética e aquecimento global não foram
solucionados. Neste cenário, surgiram propostas de construção de sociedades
sustentáveis, mobilizando debates ao em torno da noção de sustentabilidade.
Ao tomar uma rápida consulta ao dicionário brasileiro de Fernandes; Luft e
Guimarães (1996), para um esclarecimento de sinônimos, notei que sustentar sugere
tanto uma representação de defesa de um ideário e assim remete ao sentido de pelejar a
favor de algo, com envolvimento físico ou moral. Pode referir-se também às noções
clássicas de alimentar, subsistir, suportar e conservar.
A noção de sustentar traz, então, uma dualidade de conteúdo sendo um de
insistência, o outro de tolerância. O confronto dessas dualidades constitui desafios
atuais. Pelejar e suportar em nossa época, por exemplo, deve incorporar preocupações
ecológicas vinculadas à produção e ao hábito de consumo, bem como dos
desdobramentos da integração Ciência-Tecnologia. Ou seja, sustentabilidade é um tema
que envolve as dimensões ambientais, econômicas, sociais e culturais. Sobretudo, pelas
frequentes disputas humanas, o tema abrange diferentes dimensões da inteligibilidade
de modelos e representações sociais sobre a convivência humana e daquilo que lhe dá
suporte. O conteúdo de insistência e de tolerância em nossa época também nos remete
aos desafios do diálogo intercultural e transgeracional. Do exposto decorre que
sustentabilidade pode significar um princípio norteador para outra racionalidade social,
produtiva e para um futuro viável (referida a um tempo que é irreversível).
A sustentabilidade é um tema que evoca os desafios da responsabilidade de
nossa época. Um caso exemplar mostra que, ante a questão da nossa convivência,
ganhou importância a noção de projetos como construções complexas nas quais
28
interagem vivências e convivências, em que compartilhamos conhecimentos, crenças,
valores e finalidades. Para Acselrad (2005), pesquisador em estudos urbanos e
regionais, ganhou importância atualmente a bandeira da justiça ambiental, uma
construção da justiça social em sentido amplo. Para Sato e Oliveira (2010), em nossa
época intensificou-se a exigência por gestão participativa de bens e serviços ambientais
de provisão, de regulação, culturais e de suporte, proveniente de diferentes
ecossistemas, cujo comprometimento, por exaustão e depredação, ameaça as culturas
humanas.
Hans Jonas (2006), filósofo e teólogo alemão, em 1979 colocou o problema da
responsabilidade para com a natureza como um tema para a moral. Para ele, a
compreensão de nossas demandas exige um novo agir e mais conhecimento frente a
nossas utopias, aos nossos projetos, incluindo tanto a responsabilidade com a natureza
como a de tornar viável o futuro da humanidade, visando o bem comum.
Como sujeitos, constituímos a sociedade e nos tornamos responsáveis por ela.
Mas responsabilidade não pode ser confundida com culpabilidade, nem mesmo
podemos cair na representação simplista em que somos todos responsáveis de igual
modo, pois não será com reducionismo sobre atitude individual e cotidiana que
compreenderemos as responsabilidades de nossa época (PORTILHO, 2010;
CARVALHO, 2012).
Não existe uma crise ambiental única, como exemplo, os dados mundiais
demonstram que os 500 milhões mais ricos (7% da população mundial) são
responsáveis por 50% das emissões de gases de efeito estufa, enquanto 3,4 milhões mais
pobres (50% da população) respondem apenas por 7% das emissões, produtoras do
aquecimento global. Segundo pesquisas na área, os 20% mais ricos consomem 82,4%
das “riquezas da terra”, enquanto os 20% mais pobres tem que se contentar com 1,6%
(BOFF, 2012). Entretanto, o discurso, baseia a necessidade da produção na demanda
generalizada dos consumidores mundiais, como se todos consumissem de forma
proporcional.
A proposta de sustentabilidade demonstra que a responsabilidade requer uma
ética política. Neste sentido, incorporar valores éticos no debate do tema intenciona a
articulação entre esfera pública e esfera privada, vinculando assim dimensões pessoais e
coletivas, para superar a responsabilização da esfera privada pelo social (LOUREIRO,
2012).
29
Ainda, a partir de uma perspectiva conectiva, nos é possível uma representação
de caráter ético político no âmbito da relação entre responsabilidade e desenvolvimento.
Isso significa pensar em um desenvolvimento de longo prazo, que atribua
responsabilidade pela vida das pessoas no futuro a partir do que os cidadãos realizam no
presente. Em um momento de tanta ênfase no imediato e na efemeridade, propor o
inverso é algo consideravelmente radical e tem seu mérito (LOUREIRO, 2012).
Para Boff (2012), desenvolvimento e sustentabilidade são aspectos
contraditórios que obedecem a lógicas diferentes e que se contrapõem. Para o autor, o
termo desenvolvimento vem do campo da economia política industrialista e capitalista
sendo, então, linear. Para o autor é a lógica de crescimento progressivo que supõe a
exploração da natureza, gerando profundas desigualdades, riqueza de um lado e pobreza
de outro, ao mesmo tempo em que privilegia a acumulação individual. Já a noção de
sustentabilidade provém da biologia e ecologia, cuja lógica é circular e includente,
representa a tendência ao equilíbrio dinâmico, privilegia o coletivo, a cooperação e a co-
evolução.
Loureiro (2012) nos apresenta a possibilidade de conceber desenvolvimento
como um conceito que se opõe à noção de progresso linear, substituindo essa noção
pelo conceito de devenir, que melhor representa um movimento de afirmação da
continuidade temporal, ou seja, a representação de aparição e desaparição. Essa
dualidade na conceituação de desenvolvimento também amplia a polêmica sobre ideias
inerentes à noção de sustentabilidade e de responsabilidade. Para o autor, o
desenvolvimento é um movimento de descontinuidade, e não evolucionista, visto que o
novo está contido na forma anterior, mas se objetiva por caminhos complexos e nexos
mediados por várias dimensões. Assim o conceito de desenvolvimento não sugere
necessariamente que uma sociedade posterior seja melhor ou que haja uma sociedade
ideal a ser atingida, pode-se afirmar apenas que é mais complexa no sentido de que é
irreversível (não se pode voltar de forma plena e sempre que algo ocorre agrega novas
informações ao sistema), com mais relações que são qualitativamente distintas.
O tema da responsabilidade sobre as crescentes demandas humanas coloca em
crítica os projetos humanos. Assim na história da construção teórica do tema relaciona
compromissos na esfera pública e na esfera privada. Para Ayres (2007), os projetos
humanos são construções complexas nas quais interagem vivências e convivências. Para
Jonas (2006), os projetos devem ser entendidos como espaço e tempo onde se
30
materializam nossas utopias e a busca pela felicidade, sendo assim potencialmente
constitutivos das atuais responsabilidades junto ao Planeta: comportar todos nós
humanos e não humanos, tanto do ponto de vista material quanto social e cultural.
Neste intento, os esforços globais, da sociedade civil em seus movimentos
sociais, redundaram em referenciais de responsabilidades por novas utopias, nova
produção, novo consumo que representam um projeto ecológico (CAPRA, 1996). Para
Capra (2002), a ascensão do capitalismo global é feito de redes eletrônicas onde correm
fluxos financeiros e de informações, o projeto ecológico trata das redes ecológicas de
fluxos energéticos e materiais, de elevar ao máximo a sustentabilidade da teia da vida.
O caráter múltiplo da sustentabilidade auxilia na configuração de distintas
responsabilidades. A questão da responsabilidade social surge como resultado da ideia
de responsabilidade complementar entre o cidadão e suas organizações e o dever do
Estado. Deste modo é referente ao desenvolvimento social, atinge governos, empresas e
organizações da sociedade civil e todos os setores da sociedade. Ela é defendida como
uma responsabilidade de cunho político.
No âmbito da responsabilidade pessoal há de se relacionar o tema com a
obrigação de responder por certos atos próprios e aos outrem. Responsabilidade vem do
latim responsus, de respondere, responder. Ao tomar sinônimos do dicionário brasileiro
responder corresponde a replicar, corresponder, equivaler, mas também se refere a
retrucar, a contrapor (FERNANDES; LUFT; GUIMARÃES, 1996), o que expõe um
teor dual que acompanha o discurso, o que ajuda a compreender distintas adesões ao
conjunto de responsabilidades com as quais nos defrontamos.
A complexidade das demandas de sustentação da vida configura os projetos
humanos como espaços de interdependência de cunho ecológico, agrícola, industrial e
tecnológico. A partir da compreensão da interdependência dos projetos humanos entre
si, sejam em contexto global ou local, os esforços, na esfera pública e na esfera privada,
buscam assumir compromissos com as diversas dimensões que dão suporte a vida no
Planeta. Para Loureiro (2011, p. 109) é “a ação de mudança individual associada à ação
política que pode vincular este movimento das pessoas a transformações societárias,
levando-nos a outras condições planetária de vida”. Assim, ganha importância a noção
de interdepender. Ao tomar sinônimos do dicionário brasileiro nota-se que
interdepender corresponde a depender com reciprocidade; de compartilhar, de ter ou
tomar parte em, ou participar de projetos (FERNANDES; LUFT; GUIMARÃES, 1996),
31
é uma noção que auxilia na reafirmação de que o momento histórico de construção
societária é feito de múltiplas conexões que exigem comprometimento social e pessoal,
e mudanças sociais e culturais.
Em síntese, questiono a significação da sustentabilidade baseada em um
fundamentalismo de mercado. Entendo que sua significação atravessa dimensões
biofísicas e socioculturais, de modo que evoca as situações decorrentes de nossa época,
isto é, um período de reafirmações, contraposições e disputas.
Vivemos um período de discussões que fomentam novas bases teórico-
epistemológicas e práticas. Há construções voltadas para a biorremediação da
degradação, que vão da biotecnologia à bioética como demonstram Borém e Santos
(2001) pesquisadores em genética. Outro exemplo, é a agroecologia (GLIESSMAN,
2001) voltada à compreensão ecológica das práticas agrícolas. No âmbito educacional
para Gadotti (2007), em nossa época devemos fomentar a criação de redes e associações
de formação ambiental.
Se, por um lado, as abordagens ecológicas são criticadas pela redução da
complexidade do tema, menosprezando as dimensões socioeconômicas, por outro lado,
as abordagens de cunho econômico reafirmam os discursos do mercado. Por isso, parto
do pressuposto de que abordagens socioambientais em relação à sustentabilidade, de
cunho sistêmico e integrador, representam melhor as dimensões ecológicas, científicas,
éticas e os compromissos individuais e comunitários necessários ao debate
contemporâneo.
A sustentabilidade é um tema que problematiza a formação científica integrada à
formação ética e moral. O compromisso com o tema está além da degradação material.
Torna-se pertinente julgar que as utopias dos projetos humanos devam considerar
responsabilidades.
2.2 Sustentabilidade e seu papel para a educação científica
Diante da potencialidade de problematização e de contextualização que o tema
da sustentabilidade carrega, reconheço sua capacidade propositiva de implicações
educacionais e éticas. O tema suscita interpretações sobre muitos dos paradoxos da
contemporaneidade, anteriormente citados, como a naturalização da riqueza e da
pobreza, dos males sociais e dos ambientais (SACHS, 2008, p. 84);
32
Ferreira (2005), pesquisadora em sociologia ambiental, lembra que a
dependência técnico-científica é cerceadora da independência produtiva, de maneira que
a sustentabilidade é uma temática que demanda formação ética, na medida em que se
torna um conceito transversal, com abrangência em todas as dimensões da vida humana,
não apenas nas relações diretas com a natureza. Trata-se de levar em consideração
saúde, educação e espírito comunitário, dentre outros temas, ao invés do mero consumo
material.
Capra (2002) construiu a noção de alfabetização ecológica, considerada um
importante passo no caminho para a sustentabilidade:
Esse sistema envolve uma pedagogia cujo centro é mesmo a compreensão de
(...) fatos fundamentais da vida – que os resíduos de uma espécie são os
alimentos de outra; que a matéria circula continuamente pela teia da vida; que
a energia que move os ciclos ecológicos vem do Sol; que a diversidade é a
garantia da sobrevivência; que a vida, desde os seus primórdios há mais de
três bilhões de anos, não tomou conta do planeta pela violência, mas pela
organização em rede. (CAPRA, 2002, p. 240).
Tal noção, de ênfase ecológica, incorpora a compreensão dos princípios de
organização que os ecossistemas desenvolveram para sustentar a vida. A emergência
das temáticas ambientais tem outras evidências no debate mundial. Em reuniões
organizadas pela ONU, no início dos anos 70 do século XX, gerou-se o relatório “Os
limites do crescimento”. Em seguida, em 1972, aconteceu a Primeira Conferência
Mundial sobre o Homem e o Meio Ambiente. Em 1984, foi formada a Comissão
Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que encerraram seus trabalhos em
1987, com o relatório Brundtland, de título “Nosso futuro comum”, quando a discussão
voltou–se ao atendimento das necessidades das atuais e futuras gerações.
Em 1992, a ONU convocou a Cúpula da Terra, que elaborou a Agenda 21 e a
Carta do Rio de Janeiro, tratando de critérios ético-políticos norteadores de
compromissos socioambientais. Em 2000, foi elaborada a Carta da Terra, sendo
assumida oficialmente para dar visibilidade a tais compromissos pela UNESCO em
2003. Em 2002, aconteceu a Cúpula de Johanesburgo sobre Sustentabilidade e
Desenvolvimento. Em 2012 ocorreu outra Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro, para um
balanço dos avanços e retrocessos desses debates. Desde a Agenda 21 está pressuposto
que a educação deverá melhorar a capacidade das pessoas para entender os problemas
33
do meio ambiente e do desenvolvimento, o que demonstra a contemporaneidade desse
debate (UNESCO, 2005).
Para a UNESCO (2005), a vinculação da Educação com o Desenvolvimento
Sustentável é essencial para promover valores. A Instituição orienta que esses valores
devem ser explicitados de modo que possam ser analisados, debatidos, testados e
aplicados para se tornarem localmente relevantes. Assim como devem associar-se à
ciência e à tecnologia para potencializar o entendimento do mundo. A iniciativa deve
dar destaque à formação científica, de maneira que “a educação que dá acesso a ciência
e tecnologia é uma área onde deve haver uma causa comum a ser alcançada, defendendo
firmemente o papel dos critérios locais na determinação de como ciência e tecnologia
devem ser usadas” (p. 48).
A abordagem defende o debate pautado em critérios locais relevantes, cuja
orientação sugere substituir conflitos e lutas físicas por lutas de ideias. Isso demanda
conviver com o posicionamento contrario; o respeito à expressão de ideias antagônicas,
e inclusive não ser indiferente as ideias diferentes, abrir espaço para que se argumente.
Morin (2006), na defesa do pensamento complexo, diz que precisamos
compreender o pensamento do outro. As culturas devem aprender umas com as outras
para a construção de uma cidadania planetária. Para o autor, em nome do coletivo, os
sujeitos devem comunicar-se. Isso auxilia a compreender a comunicação como um
processo de (co)produção uns dos outros. De maneira que origina princípios como não
ser indiferente às ideias do outro, o respeito ao direito de proferir um propósito que
pode parecer vil. Dialogar com o outro supõe respeitar no outro sua diferença e
identidade.
Em nossa época, o processo de construção societária envolve constante
mobilização de novos sentidos frente ao contexto que se transforma velozmente.
Mobilização porque tem como referência a noção de por em movimento. Mobiliza o
milenar apelo à cidadania e à (co)responsabilidade. Também mobiliza o contemporâneo
apelo à responsabilidade individual com potencialidade de pertencimento social, sendo
sentidos necessários à responsabilidade com a natureza, à politização do consumo
(PORTILHO, 2010), ao enfrentamento dos conflitos políticos e à participação na esfera
pública.
Tais exigências reafirmam a pressão por acordos globais e locais, soluções
técnico-científicas e artesanais, mas também pressões por solidariedade, por mudanças
34
de atitude e por novos posicionamentos socioambientais. Sustentabilidade como uma
expressão de nossa época, desencadeou análises teóricas das dimensões econômica,
social, ambiental, ética, cultural, temporal e espacial. É um conceito amplamente usado
e nem sempre seu conteúdo está esclarecido ou estabelecido de modo crítico. Dentro da
abordagem sistêmica, possui um conteúdo de sistema complexo, que esclarece o caráter
constitutivo dos projetos humanos e propicia representar as condições de instabilidade e
irreversibilidade de nossas ações no Planeta.
A partir de uma definição integradora, tomando por base Boff (2012), ressalto o
conteúdo do tema nos termos de conjugação e combinação de energia, informação e
elementos físico-químicos, bem como do valor de todos os seres independentes do uso
humano, e da rede de vida interdependente. Nos termos de uma Terra viva como base
de todos os elementos de sustentabilidade anteriores, responsável por sua integridade e
vitalidade. Em termos da vida humana como responsável por cuidar do Planeta. Nesta
base o tema da sustentabilidade inclui a continuidade do processo evolutivo, no sentido
da expansão evolutiva e não de morte térmica. O tema inclui garantia de infraestrutura à
vida humana e solidariedade com nossos descendentes. É assim um conceito ampliado,
que recobre aquilo que forma o mundo natural e humano, prevê que ele se recupere,
refaça e enriqueça.
Seu conteúdo também inclui a exigência de construção de sociedades
sustentáveis pautadas pela responsabilidade com a qual se ressalta sua natureza moral.
Ao tomar por base Jonas (2006), a natureza moral em nossa época deve dedicar-se ao
“sentimento de responsabilidade” que incorpore fins da natureza e compromissos com
um futuro viável.
Defendo o caráter multidimensional do conteúdo da sustentabilidade, que abarca
a sustentação da vida e dos projetos humanos e que favorece tanto a produção de
representações sociais e discursos quanto o comprometimento dos sujeitos em diversos
espaços-tempos sociais. Sobretudo é a diversidade de ideias que dá à sustentabilidade
seu caráter complexo e histórico.
Não há responsabilidade única. São responsabilidades distintas, mas há uma
implicação comum, pois toda perturbação é constitutiva de possibilidades de
desdobramentos naturais e socioculturais. Considerar as perturbações constitutivas trata
de significar a crise ecológica não como tragédia, mas como “oportunidade de
35
mudanças mais respeitadora da natureza, por isso mais sustentável” apontada por Boff
(2012, p. 179).
Para Morin (2010), estamos num mundo que nos aparece simultaneamente em
evolução, em revolução, em progressão, em regressão, em crise, em perigo. Para o autor
precisamos associar as noções ao invés de escolher uma e eliminar as outras, pois
vivemos tudo isso ao mesmo tempo.
A cerca da presença do tema na formação de professores tenho como
questionamento: a multidimensionalidade do tema da sustentabilidade, que evoca
mudança de atitudes perante a natureza e o futuro, quando aliada à educação possibilita
geração de sentimento de responsabilidade, assim como compreender a relação
complexa sociedade-indivíduo, convivência-emancipação?
3 UMA VISÃO COMPLEXA DA SUBJETIVIDADE
A multidimensionalidade é um dos princípios fundamentais do pensamento
complexo, assim como inseparabilidade, distinção, globalidade, simultaneidade,
recursividade e interdependência (MORIN, 2000). Assim, a complexidade articula
princípios fundamentais de organização e processo capazes de confrontar aqueles da
ciência clássica como separação, isolamento e redução, que fundamentam uma
determinação universal. Sobretudo, seus princípios estão relacionados com as possíveis
indeterminações acarretadas pelas incertezas, instabilidades e a irreversibilidade das
transformações. Ao olhar para os projetos humanos e as responsabilidades deles
decorrentes como “perturbações constitutivas” nos termos do que propõe Prigogine
(2002), compreendo que mudanças apontam a probabilidade da emergência de
qualidades e propriedades em um conjunto de retroações.
Nos termos propostos por Prigogine (2002), organização e processo
correspondem tanto às "estruturas dissipativas” como à função dos fluxos (por exemplo,
fluxo de calor) e de forças (por exemplo, gradiente de temperatura). A questão da
complexidade é, assim, posta para se contrapor a princípios clássicos de determinação.
Para Prigogine e Stengers (1984) a ciência moderna clássica se constitui contra a
natureza, pois lhe negava a complexidade e o devir em nome de um mundo eterno e
cognoscível regido por um pequeno número de leis simples e imutáveis. Para os autores,
é preciso pensar uma ciência dos processos, que reformule nossas concepções sobre a
natureza, de evoluções múltiplas e divergentes, bem como nossas relações materiais
com ela. Trata-se de uma ciência do complexo que permite descrever os processos
complexos. Para tanto, são necessárias descrições temporais probabilísticas de sistemas,
vinculadas à noção de irreversibilidade, articuladas com a teoria das transformações não
unitárias, esboçadas para sistemas instáveis, cujos elementos constituintes em
movimento apresentam trajetórias correlatas e interdependentes.
A modelização de processos irreversíveis, como a descrição de rede de ativações
e inibições metabólicas, permitiu a exploração de estruturas complexas e organizadas
longe do equilíbrio e compreensão de singularidade da geração de novos estados
estruturais, portadores de novos comportamentos, o que constitui a condição de
instabilidade das estruturas. Ganha importância a noção de flutuações, pois de maneira
periódica as flutuações se ampliam e organizam o meio. Ou seja, o encadeamento dos
37
processos de degradação e criação nas transformações são um caso exemplar de
complementaridade e da existência de oscilações temporais na produção de
comportamentos periódicos.
O modelo imaginado para processos complexos pressupõe uma abertura para o
desconhecido, próprio da incorporação da noção de dualidade que relaciona, por
exemplo, posições e momentos de estados microscópicos. O fato de não podermos
atribuir simultaneamente posições e momentos bem determinados a eventos de nível
microscópico exprime uma impossibilidade lógica, levando a uma relação de incerteza,
o que caracteriza a modelização de sistemas complexos como uma escolha necessária
do conjunto de parâmetros solicitado ao sistema. Deste modo a modelização das
estruturas e processos tem implicação de um referencial, de um observador situado no
mundo, bem como da impossibilidade de se esgotar a realidade do sistema.
Trata-se de uma ciência do complexo, das turbulências constitutivas, baseada na
ordem por flutuações, que se opõe ao universo estático, cujos princípios permitem a
descrição, também, de ligações locais singulares e histórica entre os homens, suas
sociedades e seus saberes. Contribui assim para a compreensão da situação do ser
humano no mundo (PRIGOGINE; STENGERS, 1984).
Para Morin (2000), a complexidade relaciona-se à totalidade e singularidade,
movimento e interações, de modo que torna relevante integrar inseparabilidade e
distinção, simultaneidade e recursividade. O pensamento complexo é essencialmente o
pensamento que trata com a incerteza e que é capaz de conceber a organização. É o
pensamento capaz de reunir (complexus: aquilo que é tecido conjuntamente) de
contextualizar, de globalizar, mas ao mesmo tempo, capaz de reconhecer o singular, o
individual, o concreto. A complexidade preconiza a tarefa de juntar as partes atentando-
se para suas distinções. Assim, o princípio da complexidade obriga a abandonar o sonho
de uma fórmula única. Haverá sempre uma dualidade, uma pluralidade. O caráter
epistemológico importante da totalidade é definido explicitamente como
multidimensional.
A complexidade, também, desequilibra nossos hábitos de pensamento que
supõem que todo problema pode apresentar resposta clara e distinta. Ela está num
emaranhado de coisas que faz com que não possamos tratá-las parte a parte. Estamos
num mundo onde existem determinações, estabilidades, repetições, ciclos, mas também
perturbações e aparecimento do novo. Em toda a complexidade existe a presença de
38
incertezas. Desta forma, a complexidade se reconhece pelo negativo das incertezas, mas
também pelo positivo do tecido comum, em que se ligam o um e o múltiplo, o universal
e o singular, a ordem, a desordem e a organização (MORIN, 2000). Existem múltiplas
complexidades, as físicas, as biológicas, as antropossociais e no mundo contemporâneo,
as complexidades da era planetária. Para o autor, o desafio é reunir, restituir relações,
interdependências e articulações para compreender as totalidades. Neste sentido, Morin
(2010) argumenta que precisamos associar as noções de crise, evolução, revolução,
regressão, ao invés de escolher uma e eliminar as outras, pois vivemos tudo isso, ao
mesmo tempo.
O tema sustentabilidade evoca a multiplicidade de processos sociais, históricos e
atuais, nas diversas esferas e problemas da vida do ser humano, que compreendo como
necessária para pensar a complexa relação entre responsabilidades e compromissos
individuais e coletivos. A dimensão da responsabilidade da sustentabilidade suscita a
relação sociedade-indivíduo e a recursividade do universal-singular, como condições
para compreender a interação entre convivência e emancipação.
Deste modo, os processos de educação para o tema se deparam com os aspectos
subjetivos e culturais, pois, a produção subjetiva vincula-se à problemática da ação
humana e de sua liberdade na medida que o sujeito se confronta com o mundo, princípio
que se torna central ao comprometimento socioambiental. Para Freire (2000), não é
possível falar de subjetividade a não ser compreendida em sua relação dialética com a
objetividade, porque a subjetividade não produz a objetividade, tampouco se constitui
como mero reflexo desta.
Pesquisadores da sustentabilidade consideram crítico tratá-la por um conjunto de
externalidades, negam deste modo relações amplas e complexas, que também
condicionam os projetos humanos. Para Leff (2010), é necessário reafirmar lutas
voltadas à responsabilidade, visando a afirmação cultural, com ênfase nas
subjetividades. Para tanto é necessário recuperar o direito de pensar, questionar e saber,
para reconstituir e reposicionar os sujeitos neste mundo incerto e ameaçador, através de
uma educação que incorpore princípios básicos da ecologia e do pensamento complexo.
É necessário reafirmar lutas voltadas para valores como solidariedade, cuidado, e
responsabilidade ao lidar com a diversidade, tendo em vista a superação da crise
ambiental. A compreensão do papel da subjetividade na construção societária torna
possível uma que começa a sentir-se, a pensar-se, a amar-se e a ver a si mesma incluída
39
nas problemáticas ambientais (LEFF, 2010; BOFF, 2012). Para Loureiro (2012), a
subjetividade é uma representação que envolve os estudos da afetividade como
faculdade humana de afetar, de implicar suas emoções nos espaços vividos. Sobretudo,
compreendo relevante apontar a subjetividade em uma perspectiva complexa, com seus
processos simultâneos, articulada por aspectos recursivos e desdobramentos dinâmicos.
Na construção societária de estilo de vida sustentável, de um mundo moral e
socialmente justo, surge a demanda por sujeitos ecológicos, cidadãos responsáveis e
consumidores participantes (PORTILHO, 2010; CARVALHO, 2012; LOUREIRO,
2012).
Contreras (2002) nos lembra das exigências atuais por profissionais críticos.
Compreendo que o sujeito que se compromete com uma nova construção societária é
um sujeito histórico concreto. Isso requer uma releitura da categoria subjetividade, não
mais com uma ênfase intrapsíquica, referindo-se a um processo do mundo interno do
sujeito, mas como categoria usada para tratar da relação de convivência e emancipação,
para auxiliar na compreensão da complexa interação entre indivíduo e sociedade.
Pensada desta maneira, a categoria supera a supremacia do sujeito visto por vezes como
um sujeito soberano, racional, dono de seus atos e com pleno domínio da natureza.
Compreendo que também supera a noção de sujeito como reflexo do social,
desconsiderando sua participação ativa na construção de seus conhecimentos e
compromissos (GONZÁLEZ-REY, 2008).
Em nossa época, compreender o sujeito em desenvolvimento passou a pressupor
pesquisa como um processo de comunicação, de maneira a evidenciar as questões do
processo de mediação semiótica e suas influências, nas expressões das pessoas em seus
diferentes contextos sociais de participação. Propiciou assim interpretação da dimensão
discursiva da subjetividade compreendida, por um lado, em seu caráter de
compartilhamento de projetos realizados em conjunto com outros sujeitos, por outro
pela produção individual.
Desta forma, contemporaneamente, o sujeito histórico concreto passa a ser
concebido como uma subjetividade constituída nas implicações de sua construção
coletiva e pessoal. Do exposto, compreendo que uma perspectiva complexa de
subjetividade pode contribuir para interpretar a noção de sustentabilidade para
professores.
40
3.1 A teoria da subjetividade de González-Rey e o sujeito que aprende
Esta pesquisa concebe a subjetividade em perspectiva histórico-cultural, que foi
impulsionada pela teoria de González-Rey, psicólogo cubano, atualmente professor do
Centro Universitário de Brasília. Para González-Rey (2005b), os processos individuais e
sociais não são excludentes; ao contrário, implicam-se de forma recíproca nos processos
de constituição subjetiva que se produzem em cada um desses níveis. Desta maneira, em
cada momento histórico, em cada sociedade, nos diferentes extratos sociais e culturais
de uma sociedade, existem configurações subjetivas singulares se desenvolvendo.
O enfoque histórico-cultural de González-Rey (2005a), como uma expressão da
complexidade, quer ultrapassar toda representação do sujeito como uma entidade
abstrata individualizada, para significá-lo como um microelemento social
subjetivamente, apto a dar sentido a sistemas sociais nos quais atuam aspectos
subjetivos, que expressam outros sistemas e contextos sociais.
Desta maneira, ele não concebe subjetividade na perspectiva metafísica,
racionalista e individualista que o termo tomou na história do pensamento filosófico
ocidental, mas como expressão simbólico-emocional que caracteriza a produção
psíquica nos diferentes espaços e áreas da vida humana (GONZÁLEZ-REY, 2007b).
Em sua teoria ele elege a complexidade para expressar a tensão entre
organização e processo, de modo a constituí-la como um modelo pertinente para
interpretação da subjetividade. Aqui a subjetividade é caracterizada por uma
multiplicidade de aspectos que se apresentam em complexas interações entre si, abarca
as diferentes relações do sujeito nos contextos da vida cotidiana, marcadas pelos
sistemas de valores e construções simbólicas atuais dos grupos de referência. Nesta
perspectiva, processos e instituições se integram em novas dimensões constitutivas e em
complexas formas recursivas de organização, tanto sociais quanto em uma cultura, nas
quais os sistemas se mantêm em constante desenvolvimento sob a tensão das ações.
Desta maneira, para González-Rey (2005b) a subjetividade se apresenta como
um conjunto dinâmico de complexas sínteses que constitui o sujeito.
A ideia de sujeito recupera o caráter dialético e complexo do homem, de um
homem que de forma simultânea representa uma singularidade e um ser
social, relação esta que não é uma relação de determinação externa, mas uma
relação recursiva em que cada um está simultaneamente implicado na
configuração plurideterminada dentro da qual se manifesta a ação do outro.
(GONZÁLEZ-REY, 2005b, p. 224).
41
Os contextos sociais promovem reconstruções daquilo que pensam os sujeitos
individuais, sendo a atividade compartilhada um momento constitutivo do próprio
pensamento dos protagonistas ativos no processo. Dentro desses contextos ocorrem
processos parciais de subjetivação, numa dinâmica complexa, envolvendo relações entre
o sujeito e os eventos do meio social. Assim, ganha importância a definição com base
na dialética da recursividade do social-individual, interno-externo. De modo que a vida
social passa a ser entendida na processualidade de forças coletivas e subjetivas, sendo
uma relação recursiva em que cada um está simultaneamente implicado em rupturas,
contradições a ações criativas. Os sujeitos estão, deste modo, em processo e se
interpenetram constituindo-se mutuamente, o que requer reconhecer a capacidade de
produção subjetiva permanente no curso da vida para as quais tem relevância
fenômenos de ordem social e individual.
A partir da perspectiva histórico-cultural é possível tratar de fenômenos
subjetivos de maneira complexa, sistêmica, dinâmica, dialógica e dialética. Neles se
articulam processos simbólicos e emoções. Pela integração dessas dimensões de sua
subjetividade os sujeitos se singularizam e vivenciam a singularidade dos seus
processos de relacionamento entre si e com o mundo. Nesta teoria assume papel central
a capacidade generativa do sujeito na produção do discurso. O pensamento é um
processo produtor de sentido subjetivo e não apenas de significações. Desta maneira a
condição de afetar e ser afetado deve representar o indivíduo como sujeito portador e
produtor de subjetividade.
Em todo espaço de geração das representações sociais, os sujeitos individuais
aparecem como protagonistas ativos do processo, o que dá à subjetividade uma
dimensão discursiva. Adquire sentido a dimensão discursiva da subjetividade em
perspectiva histórico-cultural. Há uma relação inseparável entre sentido e subjetividade,
pois a linguagem precede o sujeito como estruturação simbólica do social, no entanto, o
mesmo a assume de forma diferenciada e subjetivada: a linguagem encontra no sujeito
um novo momento de sua constituição subjetiva (GONZALEZ-REY, 2005a).
Desta maneira, a comunicação gera processos permanentes de significação e
sentido. O sentido está presente em processos de significação que circulam na
sociedade, mas não está definido por tal processo. O social comparece, portanto, como
um espaço heterogêneo, tendo o conhecimento uma natureza simbólica e social.
42
Em consonância com o que propõe Vigotsky, González Rey (2005b) argumenta
que os processos simbólicos e as emoções, são impossíveis de serem compreendidos por
processos padronizados e externos ao sistema subjetivo particular em que o sentido é
produzido. Em sua proposição teórica aparecem noções centrais em que simbólico e
emocional, bem como social e individual são articulados em relações complexas:
a. Subjetividade social: a subjetividade está constituída tanto no sujeito individual,
como nos diferentes espaços sociais em que este vive, sendo ambos níveis de
organização diferentes, constituintes da subjetividade. O caráter relacional e
institucional da vida humana implica a constituição não apenas do sujeito, mas
também dos espaços sociais em que essas relações são produzidas, que por sua
vez estão estreitamente relacionados entre si em suas implicações subjetivas. É a
este nível de organização que o autor chama de subjetividade social, ou seja, ela
se apresenta nas representações sociais, mitos, crenças, moral, sexualidade nos
diversos espaços em que vivemos e “está atravessada pelos discursos e
produções de sentidos que configuram sua organização subjetiva.”
(GONZÁLEZ-REY, 2005a, p. 24). A subjetividade social também é definida
como produções sociais carregadas de sentidos subjetivos que estão
configuradas por processos emocionais e simbólicos produzidos nas mais
diferentes esferas da sociedade (GONZÁLEZ-REY, 2007a).
b. Subjetividade individual: representa os processos e formas de organização
subjetiva dos indivíduos concretos. Os mesmos elementos que se articulam no
funcionamento social, articulam-se na formação da subjetividade individual a
diferença é que, neste nível, estão implicados os elementos da história única do
sujeito, dentro de uma cultura, de maneira que ela se constitui em suas relações
pessoais (GONZÁLEZ-REY, 2005b). A subjetividade individual, o caráter
processual do sujeito, representa-o como um momento vivo da organização
histórica da sua subjetividade, sendo ela a representação do sujeito implicado de
forma constante nos diversos espaços sociais dentro dos quais organiza suas
diferentes práticas.
c. Sentido subjetivo: o conceito refere-se ao sistema simbólico-emocional em
constante desenvolvimento, em função das experiências vividas e de seu valor
para o próprio sistema subjetivo. O autor propõe tal conceito em virtude da
relação inseparável do sentido com o sistema subjetivo, o que o leva a
43
compreender o sentido como subjetivamente produzido (GONZÁLEZ REY,
2007b). Em sua formação, o sujeito articula um sistema complexo em
desenvolvimento que integra processos simbólicos e emocionais, resultante da
multiplicidade de desdobramentos de sua ação social, com a qual enfrenta o
mundo vivido. Os sentidos subjetivos representam uma integração e permitem
analisar de uma forma completamente diferente as categorias psicológicas, de
maneira que processos simbólicos e emoções fazem parte de um mesmo sistema
em que a presença de um elemento evoca o outro, sem que seja absorvido pelo
outro. Para ele, a ênfase em seu caráter subjetivo reafirma que processos
simbólico-emocionais são expressões dos espaços simbolicamente produzidos
pela cultura, sendo referências permanentes do processo de subjetivação,
entretanto, a categoria de sentido subjetivo, marca certa autonomia do
emocional, que não aparece como resultado da mediação semiótica, mas sim a
acompanha.
d. Configurações de sentidos subjetivos: a organização de sentidos subjetivos como
sistema se processa em configurações que estão em desenvolvimento
permanente, sendo inseparáveis da cultura e da vida social da pessoa. A
integração de elementos de sentido, que emergem ante o desenvolvimento de
uma atividade em diferentes áreas da vida, é denominada por González-Rey de
configurações subjetivas (GONZÁLEZ-REY, 2005b; 2007a). Logo, a
configuração subjetiva representa constelações simbólico-emocionais
complexas, que definem múltiplos sentidos subjetivos.
Os conceitos de subjetividade e sentidos subjetivos permitem uma leitura do
social que não é possível de ser realizada a partir de correlações quantitativas entre
variáveis. Assim, o conceito de subjetividade abarca um sistema complexo capaz de
expressar através dos sentidos subjetivos a diversidade de aspectos objetivos da vida
social do sujeito que concorrem em sua formação (GONZÁLEZ REY, 2005a). Segundo
tal proposição teórica, o sentido subjetivo fundamenta uma concepção histórico-cultural
de subjetividade, nela a dimensão discursiva é plenamente reconhecida como uma
produção da subjetividade social e do sujeito individual em sua capacidade geradora e
crítica em relação aos espaços sociais em que transita:
(...) o sujeito não pode ser compreendido dentro de um referencial
determinista, pois ele está constituído por suas condições e, simultaneamente,
44
é constituinte dessas condições. A linguagem precede o sujeito como
estruturação simbólica do social; no entanto, o advento do sujeito assume
essa linguagem de forma diferenciada e subjetivada: a linguagem encontra
nesse advento do sujeito um novo momento de sua constituição subjetiva,
que tem caráter subjetivo. (GONZÁLEZ-REY, 2005b, p. 228-229).
O caráter subjetivo na proposta teórica do autor cria as bases para uma
representação das pessoas como sujeitos geradores, relevante para representar o papel
ativo da pessoa no contexto de sua ação e para reconhecer a subjetividade como forma
específica e única dos processos humanos. A produção subjetiva passa a representar
sínteses reflexivas e criativas com implicações para a vida do sujeito, de forma que a
ideia de sujeito recupera o caráter dialético e complexo do homem, cuja linguagem é
constitutiva e subjetivada.
Aquilo que o autor propõe como teoria da subjetividade na perspectiva histórico-
cultural tem implicações para a formação de professores e para a aprendizagem, quando
defende o sujeito que aprende em sua condição geradora e criativa. O processo é de
transformação na medida em que a educação promove condições para a aprendizagem
geradora e criativa. Ou seja, a psique como sistema dinâmico é constituída na
processualidade de forças subjetivas individuais e sociais. E há produção singular ante a
possibilidade que o sujeito tem de avaliar o que aprendeu no esforço de construir um
sistema coerente de relações, pela articulação de dúvidas, hipóteses e crítica. Desta
maneira, a configuração subjetiva é resultado da multiplicidade de desdobramentos da
ação do sujeito.
A perspectiva histórico-cultural traz uma releitura do desenvolvimento da
emocionalidade. O desenvolvimento da emocionalidade é resultado da convergência e
da confrontação de elementos de sentido, constituídos na subjetividade individual como
expressão da história do sujeito e de outros aspectos que aparecem por meio de suas
ações concretas no processo de suas distintas atividades.
A teoria de González-Rey (2005a) argumenta que a produção da identidade pode
ser compreendida como identidade psicossocial, é nessa permanente relação entre
pessoa e mundo que os aspectos compartilhados passam a constituir atributos aos
sentidos que mobilizam a produção emocional e simbólica e assim integram a
complexidade dos elementos psicológicos da identidade. Portanto trata-se de uma
identidade que nos integra emocionalmente nos espaços sociais. As emoções que
permitem a emergência dos sentidos subjetivos aparecem com o compromisso pessoal,
45
com o interesse em se posicionar ante o aprendido e defender e avançar por meio de
posições próprias, desta forma, “os sentidos subjetivos que vão se desenvolvendo na
aprendizagem são inseparáveis da complexidade da subjetividade do sujeito”
(GONZÁLEZ-REY, 2006, p. 34). Assim, considero relevante uma noção de identidade
articuladora de processos individual-sociais, possíveis de se interpretar por sentidos
subjetivos.
Sob tais pressupostos, a noção de subjetividade do autor apresenta um enfoque
configuracional da personalidade como sistema em desenvolvimento. Com o conceito
de configuração subjetiva, o autor propõe que toda essa produção singular não pode ser
fragmentada de seu contexto social, sendo possível assim compreender os diversos
discursos hegemônicos no interior da sociedade, que também se articulam nos sentidos
subjetivos. González-Rey insiste na compreensão da aprendizagem pelo princípio da
inseparabilidade do sujeito com o processo de conhecer, que não é um processo de
absorção passiva, mas de transformação.
A pessoa para se envolver num tema e gerar idéias, precisa estar implicada
nesse tema, manter um nível de atenção, concentração e elaboração. Isso
requer a emoção, portanto, a produção reflexiva sobre o que se aprende é um
indicador da produção de sentidos subjetivos na aprendizagem, condição para
uma aprendizagem geradora e criativa. (GONZALEZ REY, 2009b, p. 138).
O autor propõe que a produção de ideias e envolvimento reflexivo são
momentos importantes na aprendizagem. É preciso ultrapassar a noção de participação
como um problema à autoridade do professor, ou mesmo da sociedade, e resgatar o
lugar da produção de ideias na sala de aula.
Para Scoz (2008), esse modo de conceber o sujeito, tendo por pressuposto que
sua produção de sentidos demonstra uma permanente tensão como o entorno, tem
implicações políticas, para superar projetos pedagógicos conservadores, mediante a
realização de projetos integradores, na medida em que pressupõe a participação de
sujeitos críticos comprometidos, na escola. Assim a autora escreve sobre a formação de
professores:
A natureza complexa do sujeito e da subjetividade tem sido pouco
considerada na educação (...) cursos de formação de professores têm a
concepção de que, ao oferecer informações e conteúdos ou trabalhando
apenas a racionalidade dos profissionais, visando o domínio de novos
conhecimentos, produzirão mudanças em suas posturas e formas de agir. Essa
concepção, essencialmente, intelectual, não dá conta de perceber que os
professores são indivíduos com subjetividade e identidades pessoais e
46
profissionais. São enfim, sujeitos que vão produzindo sentidos (...) nos quais
integram suas condições sociais e afetivas seus pensamentos e suas emoções.
(SCOZ, 2008, p. 12).
A autora supõe as dificuldades do sistema educativo em reconhecer, tratar e
pensar a complexidade do ser-existir humano como possível razão para a formação
docente se traduzir em ações diferenciadas e transformadoras da sala de aula. Defende
que a pessoa para se envolver num tema e gerar idéias, precisa estar implicada nesse
tema, e manter um nível de atenção, concentração e elaboração. Sendo assim a interação
e a comunicação do sujeito nos contextos sociais o incitam a explicitar suas intenções.
Mitjáns Martínez (1997) afirma que para valorar a criatividade de sujeitos em
uma área de atividade especifica, utilizada tarefa ou problema em que se obtenha, na
maior medida possível, a implicação do sujeito em sua execução. O produto criativo é o
resultado de um processo em que intervêm vários elementos, entre os quais a
personalidade, quanto mais o sujeito envolver sua personalidade numa esfera de
atividade, maiores recursos personológicos mobilizará e potencialmente maiores
poderão ser suas realizações nessa área. A criatividade, como a personalidade,
desenvolve-se em virtude das múltiplas interações em que o individuo está imerso. O
sistema atividade-comunicação, que faz o individuo evoluir como sujeito psicológico,
constitui a via para o desenvolvimento de suas potencialidades e para o surgimento e a
estruturação de novos processos.
Pesquisas educacionais na Educação em Ciências enfatizam a noção de sujeito
ativo do processo de aprendizagem. Marques (2002) defende que a aprendizagem,
requerida pela concretude dos sujeitos que se educam, necessita que estejamos atentos
ao processo histórico. Para o autor, a memória individual e sociocultural não se limita
apenas a conservar, mas tem por função reprocessar e ressignificar, rompendo assim a
ideia de um mero continuísmo da história, ou com o progressismo, que conceberia os
padrões atuais melhores que os anteriores. Seus agentes imediatos, ou seja, estudantes e
professores, com seus interesses, desenvolvimento cognitivo, moral e expressivo, com
suas preocupações e responsabilidades sociais.
Para Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2007), ao tratar do sujeito do
conhecimento é necessário relacionar o meio social e a aprendizagem. Os autores
defendem que o sujeito da aprendizagem é quem realiza a ação, e não quem sofre ou
recebe uma ação. Desta maneira cabe ao educador o papel de mediar, criar condições e
47
facilitar a ação de aprender do aluno. Mas a aprendizagem não é resultado de qualquer
ação, ela se constrói em uma interação entre esses sujeitos e o meio circundante, natural
e social. Com base na convivência cotidiana as pessoas aprendem o tempo todo, no
relacionamento como outras pessoas, mas também na vivência com os próprios
sentimentos, valores, formas de comportamento e informações, ao longo de toda a vida.
Raposo e Mol (2010) entendem a aprendizagem como processo complexo e
diverso, que constitui a subjetividade humana. Para os autores, a dinamicidade da
constituição do sujeito e de sua personalidade explica a compreensão do sujeito como
ator reflexivo e criativo, contraditório e revolucionário em seu processo de vida. É a
relação dialógica que cria o espaço de aprendizagem e ensino para os participantes, ou
seja, a constituição dos sujeitos e de sua subjetividade se dá por meio da aprendizagem
como processo relacional. Por isso a constituição de processos coletivos favorece a
aprendizagem dos diferentes sujeitos envolvidos.
3.2 A questão das intenções e fins e a incorporação da natureza e do futuro
Com o debate sobre nossas crescentes demandas e suas múltiplas implicações no
Planeta, ampliaram-se nossas reflexões sobre deveres e comprometimento. As disputas
por modelos de sustentação da vida trazem uma tensão permanente à produção subjetiva
dos sujeitos nos diversos espaços sociais que os mobilizam a cerca das obrigações, e da
vontade de agir. .
Neste século XXI, a dinâmica de relações humanas evidencia-se inclusive pela
emergência de discursos que dão visibilidade às lutas de “sociedades tradicionais” que
convivem com as lutas da “sociedade tecnológica”. Ou seja, as diferentes
intencionalidades se expõem. Semeraro (2011), estudioso de filosofia política e
educação, diz que as intenções das sociedades tradicionais são caracterizadas pela
manipulação prática da natureza, pela relação com o trabalho familiar e intervenção
ecológica, enquanto as sociedades tecnológicas caracterizam-se por formas mais
abstratas, teóricas e tecnológicas de relacionamento.
Sob tal base decorre uma representação, contemporânea, de homem justo,
honesto e livre, que se configura como um entrelaçamento da trama de sentidos
presentes em diversos espaços sociais, tanto mais diversos quanto mais diversos forem
os grupos dos quais participa. Desta forma, a vinculação do tema sustentabilidade com a
48
subjetividade não se limita à capacidade de generalização da realidade, negligenciando
motivações e emoções. Ao contrário encontra-se mediada. Isto é, a partir da teoria de
González-Rey (2009a), a sociedade é pensada constituída por sujeitos histórico-
culturais, que articulam permanentemente processos simbólicos e emoções em seus
compromissos. Assim, pode-se compreender que a sustentabilidade não tem um
significado homogêneo para os sujeitos, recebendo diversos sentidos para diferentes
grupos sociais e pessoas, tendo, portanto, valores diferenciados.
A íntima relação entre dever e querer por sua vez pressupõe uma interpretação
contemporânea de intenções e fins. Japiassú e Marcondes (2006) argumentam que, do
ponto de vista ético, a relação entre intenção e realização do ato exige definição de
aspectos relacionados à constituição do próprio ato, somente então levando à
responsabilidade do sujeito e à atribuição de um valor ao ato. Conforme os autores, o
fim tem um conteúdo que vem do latim finis e dentre seus diferentes sentidos destaca-se
aquele voltado ao de objetivo ou finalidade. Neste sentido refere-se àquilo que, de
forma consciente, articula objetivo e organização de meios, sendo uma finalidade
intencional.
Dessa noção decorre a compreensão da importância do ato, da atribuição de
valor e da organização de meios, quando se pretende dar conta do contemporâneo
“imperativo moral da natureza como responsabilidade humana”. Hans Jonas (2006)
afirma que a moralidade jamais pode se considerar como um fim para a ética. Por um
lado, por seu fundamento racional de dever (como princípio legitimador); por outro
lado, devido ao necessário sentimento de responsabilidade (fundamento psicológico da
capacidade de influenciar a vontade). Para o autor, a ética tem, assim, um aspecto
objetivo e outro subjetivo: “para que algo me atinja e me afete de maneira a influenciar
minha vontade é preciso que eu seja capaz de ser influenciado por esse algo. Nosso lado
emocional tem que entrar em jogo” (JONAS, 2006, p. 156-157).
Para o autor, em nossa época se instalaram novos referenciais para a reflexão
moral e ética, no sentido da inclusão dos valores e fins da natureza, bem como de um
sentimento de responsabilidade. Para ele, os homens são seres morais potenciais, porque
possuem a capacidade de ser afetados. Assim, “a lacuna entre a sanção abstrata e a
motivação concreta só pode ser transposta por um arco de sentimento, o único capaz de
influenciar a vontade.” (JONAS, 2006, p. 158).
49
As crescentes demandas de sustentação da vida dos projetos humanos, ampliam
a noção de limites naturais e socioculturais, colocando sob questionamento nossos
projetos de felicidade e a realização de nossas utopias. Por isso, concebo que o tema da
sustentabilidade configura-se como uma representação que inter-relaciona categorias
como responsabilidade e felicidade, bem estar e bem viver. Para Loureiro (2012), as
sociedades sustentáveis referem-se à negação da possibilidade de existir um único
modelo ideal de felicidade e bem-estar a ser alcançado por meio do desenvolvimento,
envolve pensar em várias vias e organizações sociais e em formações socioeconômicas
legítimas.
Para Ayres (2007), os projetos humanos envolvem um projeto de felicidade.
Para o autor a noção de felicidade é um valor fundamental para a vida humana, que
depende das experiências concretas com as quais cada sujeito aponta caminhos para
superação de obstáculos oriundos de interesses negados, frustrações, limites, dores,
angústias. Para o autor é porque não vivemos sozinhos, estamos sempre com os outros
dos quais dependemos e que dependem de nós, que a felicidade é estratégica
(pessoalmente) e política (no sentido de decisão coletiva). Neste sentido, felicidade e
ética são capazes de contribuir com as decisões de convivência entre os seres humanos,
e outros seres do Planeta, de caráter local e de possibilidades globais, demonstrando
uma reformulação da noção de projetos de felicidade.
Carvalho (2012) argumenta a favor da possibilidade de superar a noção de
felicidade adaptativa a partir de uma formação ecológica. Desta forma a noção de
felicidade abarca a noção de cidadania responsável. O Programa Nacional de Educação
Ambiental diz que a missão da Educação Ambiental é contribuir “para a construção de
territórios sustentáveis e pessoas atuantes e felizes” (PRONEA, 2004, p. 27). Naquilo
que se relaciona à formação de professores, a categoria de subjetividade histórico-
cultural propicia compreendê-los como sujeitos diferentemente afetados, sendo esta a
condição para compreendermos a noção de profissional crítico e autônomo, bem como
do cidadão que terão como responsabilidade projetos educativos de formação ética.
Nesta perspectiva, o desenvolvimento do sujeito acontece na interação social. Desta
forma compreendo que o tema da sustentabilidade se entrelaça com a vida social e
pessoal de cada sujeito.
A produção subjetiva do sujeito que aprende está relacionada de modo complexo
por duas dimensões: ao nível do conhecimento e ao nível da intencionalidade. Defendo
50
que desse entrelaçamento com a vida emerge a responsabilidade que o sujeito defende.
Deste modo, o tema da sustentabilidade envolve valores que se entrelaçam com a vida
social de cada um a partir dos quais se estabelecem os compromissos sociais.
Naquilo que tange ao tema da sustentabilidade somos todos responsáveis, pois
nos constituímos como sujeitos sociais e atores da história. A dimensão da relação
sociedade-indivíduo possibilita significar também a complexa relação universal-
singular, como condição para compreender a interação entre convivência e
emancipação.
Os estudos sobre a sustentabilidade, ou temáticas ambientais, demandam
esforços para o estabelecimento do lugar e papel da ética, inspirada em diferentes
referenciais. Em minha representação, mediada por teorias socioculturais, entendo que a
questão da ética corresponde a um domínio argumentativo em que se articulam
processos simbólicos e emoções. Defendo assim que a sustentabilidade é uma temática
pertinente à formação ética na medida em que se entrelaçam modelos representativos e
a dimensão ético-moral.
González-Rey (2011b) afirma que o compromisso social deve ser estudado em
seu caráter histórico, de modo inseparável da temporalidade das configurações
subjetivas de comportamentos, reflexões e ações. Desta forma o compromisso “é
sempre vivo e crítico, no qual as melhores contribuições não aparecem pela
intencionalidade dos protagonistas, mas pela sua capacidade para gerar opções que
tomem sentido na vida dos outros” (p. 123), desta forma contribui para a crítica aos
discursos dominantes com a geração de novos sujeitos sociais e novas alternativas.
Para González-Rey (2011a), os processos institucionais, essencialmente
burocráticos, têm contribuído para um sistema normativo de ordem instrumental, que
desqualifica a pessoa e se torna um instrumento do procedimento e não uma opção
reflexiva diante dele. Isso também aparece na instituição educativa quando em vez de
uma educação dialógico-reflexiva segue-se uma orientação assimilativo-instrumental
pouco preocupada com a produção do aluno. Então a dimensão singular dos sujeitos que
aprendem deve ser resgatada nas práticas educativas, em todos os níveis de ensino. Para
o autor a “ideia de sujeito que aprende se apóia num aluno que participa do aprender e
em configurações subjetivas que o comprometem nesse processo, que se facilita com a
emergência de um sujeito relacional” (GONZÁLEZ-REY, 2011a, p. 60). As
51
instituições, inclusive a sala de aula, espaço aberto de reflexão e produção e não espaço
de mera reprodução.
Ao levar em consideração sujeitos em sua permanente produção subjetiva, que
examinam o tema da sustentabilidade em articulação com sua história constitutiva, faço
um questionamento: a dinâmica dos sentidos subjetivos, sensível à multiplicidade de
relações sociais, será favorável ao processo de (re)posicionamento diante das exigências
ecológico-socioculturais da sustentabilidade e da ética da responsabilidade delas
decorrentes?
4 PRINCÍPIOS, ÉTICA E DOCÊNCIA
A dinâmica complexa das relações entre sujeito e projetos traz incertezas que
compreendo como constitutivas de alterações ecológico-socioculturais. Jonas (2006)
argumenta que a sociedade é afetada, sobretudo por aquilo que a ciência e a tecnologia
libera no mundo, constituindo complexidade que acarreta consequências morais. Para o
autor quanto mais próximo da esfera moral estiver um fenômeno da vida social, mais
incerto será, porém não devemos nos deter a esperar por projeções seguras, nem pela
imprevisibilidade, de modo que as incertezas devem nos levar a agir. Deste modo, nossa
época necessita de uma ciência que saiba lidar com a enorme complexidade das
interdependências de fronteiras naturais e socioculturais.
Morin (2003) afirma que o incerto nos obriga a complexificar a ética, de modo
que o problema das incertezas nos aponta a questão das contradições éticas. Para ele o
desenvolvimento que hoje emerge como ideia do homem no mundo deve ser também a
ideia de dimensão moral. Assim, “é pessoalmente e socialmente, individualmente e
coletivamente, que o desenvolvimento supõe esforço, movimento, revolução
permanente” (p. 112). Para o autor, a problemática da moral reflete e revela um misto de
coerência e incoerência, de ordem e desordem, de reversibilidade e de irreversibilidade,
de racional e irracional. Para ele, ainda que múltipla e contraditória a moral tem valor se
coincidir com a elucidação das nossas relações humanas. Para González-Rey (2011b), o
compromisso social é sempre um processo vivo e crítico, cujas contribuições não
aparecem tanto pela intencionalidade dos protagonistas, quanto pela sua capacidade
para gerar opções que tomem sentido na vida dos outros, criando novos sujeitos e
alternativas de relações sociais.
Neste capítulo, apresento uma incursão por tais relações complexas que evocam
convivência-emancipação-responsabilidade. Para Jonas (2006, p. 352)
“responsabilidade é o cuidado reconhecido como obrigação em relação ao outro ser, que
se torna preocupação quando há uma ameaça a sua vulnerabilidade”, isso é o que traz
uma condição ativa da responsabilidade, mas também da sua condição de objeto
vulnerável. Quando pensamos a responsabilidade relacionada ao tema da
sustentabilidade, em nossa época a responsabilidade refere-se a temas como: ecologia,
produção, consumo. Responsabilidade por sua vez evoca a noção de enfrentamento e
comprometimento que considero demandar reformulação de valores morais e éticos,
que também incorporem a natureza como finalidade dentro de nossos projetos.
53
Naquilo que se relaciona com a docência, considero-a como um processo que
contribui para o desenvolvimento de sujeitos concretos, formando-os como cidadãos
que influirão nos rumos da sociedade e do planeta. Sendo assim, a docência precisa ser
analisada com uma perspectiva complexa. Entendo que ela precisa ser coerente com
uma perspectiva complexa de sustentabilidade e de subjetividade, que vá além das
preocupações mercadológicas, considerando múltiplos fatores ecológico-socioculturais
e, além disso, levar em conta os níveis social e individual, simbólico e emocional, da
subjetividade em sala de aula.
Aprender ciências e temáticas ambientais requer, em nossa época, abordagem de
valores morais que afetem o atendimento da produção de nossa vida material e projeção
do futuro da vida no Planeta. A busca por tais valores trouxe novos contornos às lutas
sociais e ao engajamento pessoal, em especial pela dimensão conflituosa, cada vez mais
presente nos discursos midiáticos e educacionais circulantes.
Em uma perspectiva histórico-cultural, a pesquisa da subjetividade docente
preocupada com a sustentabilidade requer compreender o caráter comunicativo da
construção social dessa noção, assim como das subjetividades de docentes e estudantes.
4.1 Princípios amplos, juízos e valores morais
Os problemas humanos são situações cujo enfrentamento acontece por meio de
acordos e soluções que são provisórias e envolvem desde princípios amplos até juízos e
valores morais. Esse enfrentamento amplia a dimensão conflituosa produzida na
dinâmica das relações sociais.
A respeito dessa dimensão conflituosa, considero relevante uma breve
apreciação da noção de argumentação e da presença de princípios e juízos em sua
constituição. Japiassú e Marcondes (2006) nos lembram de que a palavra argumentação
vem do latim argumentatio, trata-se, de um modo de apresentar e de dispor os
argumentos, de mostrar os raciocínios destinados a provar ou refutar determinada
proposição, um ponto de vista ou uma tese qualquer. Já a palavra argumento vem do
latim argumentum, e refere-se a um raciocínio, que forma um todo distinto e bem
concatenado, com a finalidade de provar ou refutar uma proposição ou teoria, estando
sempre associado a um contexto de prova.
54
A proposição corresponde a uma formulação linguística de um juízo, podendo
ser verdadeira ou falsa, sendo o juízo um ato mental e a proposição sua expressão
linguística. O juízo, palavra que vem do latim judicium, faz referência ao julgamento e
ao discernimento, refere-se ao ato de julgar ou decidir sobre algo. Para os autores
ouvimos sobre o tema através de Kant, que estabeleceu a diferença entre juízo analítico
(quando o atributo está incluído na definição do sujeito) e juízo sintético (quando o
atributo acrescenta algo à compreensão do sujeito).
Portanto, quando articulada à linguagem, a noção de juízo se exprime através de
uma proposição. Quanto aos valores, do ponto de vista ético, eles são os fundamentos
da moral, das normas e regras que prescrevem a conduta correta. Os valores se
caracterizam, também, por relação com os fins que se pretende obter, a partir dos quais
algo se define como bom ou mal.
Em nossa época, a noção que ganha importância é a de valor cultural, que se
refere a como algo é classificado em termos de desejabilidade, mérito ou perfeições
sociais relativas. Vem das teorias sociais e de teorias culturais essa noção que ressalta o
papel das culturas nas escolhas das pessoas e na dinâmica dos sistemas sociais. Ou seja,
com ela podemos entender como os valores são partes importantes das culturas, porque
influenciam como as pessoas escolhem e como os sistemas sociais se desenvolvem e
mudam (JOHNSON, 1997).
Para José Oliveira (2010), a argumentação é uma articulação de princípios
formais de caráter amplo, com juízos e valores morais formulados nos diferentes
grupos. Desta forma, a argumentação abarca princípios e juízos diferentemente
afetados. Para o autor, princípios e juízos que dialogam entre si. Ele defende que, dessa
forma, os valores morais são simbolicamente produzidos. Considero essa noção
significativa para compreender o processo pelo qual aquilo que tem valor afeta os
sujeitos, isto é, como mobiliza as emoções das pessoas.
A argumentação é, assim, carregada de proposições e suposições que
configuram representações potenciais, capazes de mediar o diálogo com o contexto da
ação. Ganha importância a noção da argumentação com sua dimensão de formalização
intelectual vinculada à dimensão afetiva, que apresenta implicações de elementos
emotivos.
Portanto, é o valor que dá um caráter mobilizador, emotivo a qualquer tema em
disputa. Assim os espaços sociais têm dimensão conflituosa, produzidos na dinâmica
55
das relações sociais. Nesta tensão reside a relação complexa universal-singular que
envolve uma ética da responsabilidade, isto é, o projeto de uma sociedade ideal onde
todos são responsáveis uns pelos outros e pelo planeta.
4.2 A relação complexa universal-singular
Chegamos ao século XXI com um movimento de incorporação de novos
elementos às relações humanas. Um movimento que retoma a necessidade de tratarmos
da ética. A ética é universalizante, na medida em que nos chama a atenção para os
valores partilhados em comum, o que dá ao cotidiano uma configuração de fronteira de
convívio. Em nossa época, essa configuração está marcada pela necessidade de conviver
com a diversidade cultural. Sobretudo, é no tocante aos valores culturais que a
responsabilidade ganha nova configuração.
Atualmente, tornou-se importante a noção de (co)responsabilização como uma
ideia coletiva, que demanda justiça e afirmação dos direitos, com toda contradição
interna que eles possam ter. Ela é, então, inerente à participação social a partir da qual
podemos propor, defender e reivindicar direitos e com ela conceber que a presença do
outro e sua diferença não constitui nenhuma ameaça.
Em uma consulta preliminar às noções de ética e moral no dicionário de Japiassú
e Marcondes (2006), verifiquei que ética tem origem no grego ethike, de ethikós, e que
diz respeito aos costumes, e envolve reflexões sobre os problemas da moral (finalidade
e sentido da vida humana, os fundamentos da obrigação e do dever). Enquanto a ética
está mais preocupada em detectar os princípios de uma vida conforme a sabedoria
filosófica e em elaborar uma reflexão sobre as razões de se desejar a justiça e a
harmonia, bem como sobre os meios de alcançá-las, a moral está mais preocupada com
um conjunto de prescrições destinadas a assegurar uma vida em comum. La Taille
(2009) afirma que a ética se preocupa com a felicidade, com o que é desejável, enquanto
a moral se preocupa com o dever, com o que é obrigatório. Assim, é ética a busca por
uma vida boa com e para os outros em instituições justas. Sobretudo, considero
relevante apontar o potencial integrador da ética e moral da sustentabilidade tem por seu
caráter multidimensional e mobilizador de acordos mundiais.
Japiassú e Marcondes (2006) nos lembram que, por estar relacionada com a
noção de liberdade, a responsabilidade inclui o sujeito, já que um indivíduo só pode ser
56
responsável por seus atos se é livre, isto é, se realmente teve a intenção de realizá-los e
se tem plena consciência de os ter praticado. Do exposto, chama atenção uma ética
afetada pela permanente produção subjetiva, devido à presença construtiva do sujeito
nas interações sociais. Todo enfrentamento, comprometimento e engajamento pessoal
envolvem processos simbólicos e elementos emotivos.
Para Tardeli (2009), os motivos pelos quais as pessoas agem ou deveriam agir é
um assunto fundamental para a ética mundial. Para Oliveira (2010), ética deve ser vista
como racionalidade de natureza argumentativa, o que significa a busca por
entendimento mútuo. Para Perelman (1996), que se dedicou à pesquisas enfatizando a
importância da argumentação aplicada ao campo da moral, a teoria ética pressupõe uma
intima relação com os valores, especialmente a justiça. Para o autor, qualquer
modificação na escala de valores modifica características essenciais na aplicação da
justiça. Ao criticar a razão clássica, preocupada com verdades imutáveis, o autor propõe
privilegiar a justificação na argumentação, de forma que esta se renovará para cada
situação particular e estará baseada no contexto vivido. Soluções esperadas não
redundam em proposições verdadeiras, mas em soluções mais aceitáveis e adaptadas,
integradas na argumentação.
Quanto à noção de normas, o referido autor considera-as como diretrizes e
propõe ser um erro crer na natureza arbitrária das definições da justiça, pois o sentido
emotivo confere um valor a todo ato, não sendo, portanto, qualquer ato um ato
indiferente. Para o autor, é porque estamos implicados, pelo que estimamos e pelo que
desprezamos, que nossa ação prende-se a uma escala de valores, que nos permitirá
guiar-nos em nossas decisões.
Assim, considerar toda definição como a afirmação de juízo analítico, arbitrário,
despreza a transferência da emoção do termo. Essa transferência sempre se dá na forma
de um juízo sintético, ou seja, há um vinculo que une um conceito a uma emoção. Por
isso, para o autor, a noção é tanto mais confusa quanto mais simboliza um valor, disso
decorre que pode não haver má fé nas afirmações contraditórias, pois cada sujeito
defenderá uma concepção da justiça de acordo com suas conveniências.
Com tais pressupostos, o autor faz distinção entre a justiça formal, cujo princípio
da ação tem os seres de uma mesma categoria essencial tratado da mesma forma, e a
justiça concreta, resultante da aplicação prévia de uma divisão do universo do discurso,
que caracteriza uma categoria essencial de diferentes seres. Aplicar a justiça seria
57
simples se houvesse consenso sobre uma única categoria essencial, mas, por nossas
disputas, tendemos a dar preferência a uma categoria essencial em detrimento de todas
as outras, situação comum nestes tempos de transição. Desta forma, se instala um
conflito quando dois formalismos entram em choque, pelo confronto entre as regras que
deles se deduzem hoje e as que se deduziram anteriormente, tendo em vista o estado de
coisas profundamente modificado.
Para Perelman (1996), a busca de princípios universalmente válidos é uma
aspiração milenar, mas toda crítica e justificação sempre se situam num contexto
historicamente determinado, de forma que para toda sociedade e para toda mente,
existem atos, agentes, crenças e valores que, em certo momento, são aprovados sem
hesitação, que não são discutidos. Eles fornecem precedentes, modelos, convicções e
normas que permitirão a elaboração de critérios servindo para criticar e para justificar
comportamentos, disposições e proposições. Ainda assim, nossa adesão a estes
princípios não necessita ser de forma absoluta. Se recusarmos o ponto de vista
absolutista e os admitir como relativos a determinado meio e disciplina, que pode variar
no tempo e no espaço, a crítica já não se apresentará intemporal e nem universalmente
válida.
Para o autor, há uma implicação dessas ideias para a noção de equidade. É a
distinção dos homens que nos faz recorrer à equidade, quando a aplicação da justiça
força a transgredir a justiça formal, ou seja, quando encontramo-nos com a tendência a
não tratar de forma por demais desigual os seres que fazem parte de uma mesma
categoria essencial. Então, a equidade tende a diminuir a desigualdade no momento do
estabelecimento de uma igualdade, tornada impossível pela simultaneidade de
características essenciais. Em tempos de transição devemos recorrer à equidade:
“consiste ela numa tendência a não tratar de forma por demais desigual os seres que
fazem parte de uma mesma categoria essencial” (PERELMAN, 1996, p.36).
Do exposto é possível compreender a dimensão afetiva da ética. A ética em seu
domínio argumentativo é constituída de princípios formais, juízos e valores morais.
Assim pode-se entender os acordos internacionais e esforços presentes nos argumentos
hegemônicos. Também pode-se entender orientações globais voltadas à
responsabilização e à participação de grupos nos acordos provisórios, e sua necessária
racionalidade argumentativa. Não em busca de consenso, mas da pluralidade ideológica,
teórica ou epistemológica. É essa relação complexa entre a ética e a subjetividade,
58
expressa na argumentação, que justifica a relevância da investigação sobre a
individualização e os processos culturais relacionados à responsabilização.
Para La Taille (2009), do ponto de vista psicológico, valores implicam
investimentos afetivos, portanto, mediação afetiva entre o sujeito e o meio natural e
social em que vive. Quanto ao papel da afetividade, da cognição e dos projetos de vida,
o autor declara que, se a cognição nos permite conhecer o mundo e se a construção dos
projetos de vida depende dos valores, é a afetividade que nos possibilita interessar e
escolher um rumo. Para o autor, a ética engloba a moral, porque os valores morais,
princípios e regras deles decorrentes, são partes de um sistema maior de valores de
modo que as dimensões intelectuais e afetivas articulam-se nos conteúdos construídos
pela cultura. Deste modo, ética e moral interagem incessantemente envolvendo aspectos
complementares do querer.
A ética define aquilo a que o sujeito dá valor, justificando onde investe sua
afetividade. Segundo Marchesi (2008) considerar a esfera emocional é assumir que o
conhecimento, o afeto e a ação estão entrelaçados na vida, e que as emoções também
exercem influência na motivação, no esforço e na ação que desenvolvemos. Por sua vez,
a reflexão e o controle cognitivo devem ajudar a moderar e canalizar nossas emoções,
para que tomemos consciência do tipo de informação, pessoal ou contextual, que elas
estão nos transmitindo. O autor avalia, a partir das interpretações atuais das emoções,
que a afetividade articula-se de modo complexo ao contexto social, de modo que não
está centrada nas experiências pessoais isoladas.
Para Tognetta e Vinha (2009), o sujeito se depara com valores universais e
valores dominantes de sua cultura. Para os autores, a maioria dos valores que nossos
jovens apresentam tem conteúdos de natureza moral estereotipadas, ou seja, julgam com
argumentos que se acostumaram a ouvir. Refletem de forma heterônoma os valores
presentes na sociedade em que vivem. Entretanto, em suas pesquisas, os autores
identificam categorias em que o sujeito já não concebe valores restritos aos integrantes
de sua comunidade, transcendendo, os valores dominantes da cultura em que vive, mas
precisam ainda superar a indiferença diante de violações de direitos humanos.
Para Hans Jonas (2006), a dinâmica do progresso tecnológico em escala mundial
oculta um utopismo implícito de dominação da natureza e de progresso ilimitado,
outrora inócuo, mas atualmente uma tentação perigosa e, por isso, desloca a
responsabilidade para o centro da ética. Por isso, em nossa época, o propósito ético
59
evoca a noção de sustentabilidade. Uma noção relacionada com a convivência na
construção societária, que requer projetos sustentáveis.
Para Brandão (2005), a temática está vinculada à (co)responsabilização social
pelas questões ambientais. O autor considera que além da ecologia científica, muitos
povos geraram e aperfeiçoaram outras formas de compreensão da vida, dos sistemas
vivos e de suas relações com o ambiente, ou seja, de outros sistemas culturais de
saberes, valores e sensibilidades a respeito da natureza. Assim, podemos compreender
que existem diversos sistemas de lógica da natureza e de ética ambiental.
Sachs (2008) ao citar Amartya Sen, indiano e premio Nobel de economia de
1998, insiste que a economia e a ética estão interligadas em função dos projetos
humanos e da avaliação das conquistas sociais. Mas argumenta que a preponderância
das questões logísticas da economia tem levado a um distanciamento e esquecimento
das questões éticas. Para o autor, será necessário distinguir desenvolvimento de
crescimento econômico e ir além da riqueza material, pois o crescimento por si só não é
suficiente para alcançarmos a meta de uma vida melhor. Desta forma, é um imperativo
ético tanto a solidariedade com a geração atual quanto com a geração futura, assim
como o respeito pela inviolabilidade da natureza em termos de sua diversidade de
fluxos, de culturas e de sustentação da vida (SACHS, 2009).
A ética e a complexidade da vida humana evocam a realidade da construção
cotidiana implicada social, histórica, econômica e culturalmente. Desta maneira, trazem
múltiplas variáveis para as escolhas que se colocam à nossa frente, inclusive diante das
demandas de Ciência e Tecnologia.
Para Morin (2006), em nossa época marcada pelo individualismo, cabe retomar a
expressão do modo desinteressado, de agir sem esperar se beneficiar pessoalmente.
Concomitante a isso, propõe um novo compromisso, de integrar singularidade e
interesse coletivo. Esse compromisso passa pelo tema da ética, em sua dimensão de
convívio, pelos interesses comunitários e particulares, princípios que devem ser
ordenadores e geradores de laços nas comunidades.
O tema da ética e da equidade é inerente à sustentabilidade quando passamos a
levar em conta a ética ambiental e a aplicação da justiça. Para Ferreira (2005, p. 319),
numa sociedade equitativa todos os indivíduos (independente de gênero, origem social,
raça, idade, credo e ideologia) têm as mesmas oportunidades para desenvolverem suas
potencialidades.
60
Toda essa formulação teórica das relações complexas pressupõe uma
aproximação das categorias ética, responsabilidade, sustentabilidade e da educação.
Para a UNESCO (2005), a vinculação da educação com o desenvolvimento sustentável
é essencial para promover valores. Para a mobilização social é importante a formulação
de princípios amplos que tem levado a documentos de referência como: Carta da Terra
(BOFF, 2012); Tratado de Educação Ambiental e Responsabilidade Global (ProNEA,
2004), o Manifesto pela vida - ética para a sustentabilidade (PNUMA, 2014), o
Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA, 2004), dentre outros. Tais textos
trazem o resultado dos esforços globais da sociedade civil, em seus movimentos sociais,
no sentido de influenciar soluções e apontar seus princípios para a nova construção
societária.
A UNESCO (2005) postula que a Carta da Terra, aprovada em 2003, representa
um marco ético e uma ferramenta didática valiosa para tratar dos valores que incluem
respeito pela dignidade e direitos humanos; respeito pela comunidade da vida em toda
sua diversidade e compromisso com as gerações futuras e com a cultura da tolerância.
Para Gadotti (2007, p. 77), a Carta da Terra é um documento que representa “um código
de ética planetário”, de maneira que nele encontramos uma formalização de princípios
como: i. respeitar e cuidar da comunidade de vida; e compromisso com: ii. integridade
ecológica; iii. justiça social e econômica; iv. democracia, não violência e paz. O texto
traz o resultado de reuniões globais, de movimentos ecológicos e da sociedade civil em
seus movimentos sociais, que nos remetem à ética para a sustentabilidade.
O Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global (PRONEA, 2004), estimula a formação de sociedades
socialmente justas e ecologicamente equilibradas. Exige compreensão coletiva da
natureza sistêmica das crises que ameaçam o planeta e outros problemas como o
aumento da pobreza, degradação humana e ambiental, e violência que “podem ser
identificadas no modelo de civilização dominante, que se baseia em superprodução e
superconsumo para uns e em subconsumo e falta de condições de produzir por parte da
grande maioria” (PRONEA, 2004, p.47).
O Manifesto pela vida - ética para a sustentabilidade (PNUMA, 2014) implica
em princípios, visando uma produção para a vida. Nesta defesa aparecem princípios que
valorizam o conhecimento e o diálogo de saberes; a cidadania global; a emancipação e o
fortalecimento do espaço público e dos movimentos sociais. Para tanto tem papel
61
central a governabilidade global e a democracia participativa; a civilização da
diversidade cultural fundamentada nos direitos, justiça, democracia e em uma política
da diferença; o respeito à intrincada rede de bens comuns. A proposição ética é
fundamenta no Bem Comum; na paz e no diálogo para a resolução de conflitos. O
documento dá ênfase no ser e no tempo da sustentabilidade (tempo da vida e dos ciclos
ecológicos, e ao futuro sustentável).
O Programa Nacional de Educação Ambiental (PRONEA, 2004) dá destaque à
concepção de ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio
natural e o construído, o socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da
sustentabilidade. Desta maneira o documento busca vinculação entre a ética, a estética,
a educação, o trabalho e as práticas sociais.
Portanto, os esforços globais remetem à ética para a sustentabilidade. Sobretudo
pelas disputas que surgem nas argumentações sobre o tema, pode-se compreender quais
elementos estão na base do que os grupos e sujeitos envolvidos estimam, os valores
implicados pelo ponto de vista afetivo, quais vínculos unem conceito a emoção.
4.3 Docência para intervenção profissional e prática social
Compreendo que os professores, participantes do contexto contemporâneo, se
posicionam subjetivamente em relação às temática ambientais, o que me leva a
relacionar ética, responsabilidade e sustentabilidade à docência.
Concebendo a docência como uma intervenção profissional na prática social,
tomo como ponto de partida uma idealização: pensar os docentes como profissionais
críticos, autônomos e responsáveis, com compreensão sistêmica de sustentabilidade,
que formam para a cidadania, com uma postura ética de (co)responsabilidade, ainda que
com autonomia relativa em função de contingências curriculares e profissionais. Para
um processo de constituição deste sujeito, pressuponho que a docência exige um
exercício da autonomia em âmbito duplo: da formação, como prática social junto aos
estudantes (sujeitos sob sua ação docente) e da ampliação de responsabilidade pelo
projeto de vida pessoal e comunitário. A docência é uma ação política. É assim
implicada socialmente, pois, “ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo,
os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 2005, p. 78).
62
Com base nas Diretrizes Nacionais para a Formação de Professores para a
Educação Básica Brasileira, parecer CNE/CP 09/2001 (BRASIL, 2002a), a revisão
criativa do papel do professor no processo educativo exige dar relevo ao relacionamento
teoria e prática. Para Zanon e Maldaner (2010) neste momento, pesquisadores e
sociedade buscam referência da escola como produção humana, histórica e cultural e
organizada por ciclos rápidos de permanentes mudanças, que promovam
posicionamentos críticos e que incluam novos campos como a ética (ZANON;
MALDANER, 2010). Para os autores, a discussão evoca a superação de aprendizados
centrados na repetição de conteúdos descontextualizados, fragmentados e pretensamente
neutros, porém pouco se discute sobre valores culturais inerentes a cada contexto
histórico e social. Maldaner et al (2007) lembram que o contexto educacional atual é de
reforma curricular, de ampliação e insistência no papel social da Educação Básica, com
compromisso de desenvolver novas consciências, que promovam a qualidade de vida no
contexto social. Para tanto a formação docente deve buscar processos de produção
curricular, o que requer espaços coletivos de estudo e interação. Para os autores, a
autonomia do professor se estabelece nesse contexto de mudanças curriculares, tendo
repercussão para a construção da cidadania responsável e para o desenvolvimento
sociocultural. Desta forma, a docência, como ação emancipadora, deve organizar
processos educacionais que articulem a cultura dos estudantes, compreensões e ações
transformadoras da realidade, assim como a discussão de avanços científico-
tecnológicos e suas repercussões no cotidiano das pessoas.
Zanon e Maldaner (2010) argumentam que uma autonomia orientada por uma
educação para a cidadania é também uma educação da consciência humana para os seus
valores éticos e morais, fundamentada no respeito à vida e no principio da igualdade.
Para eles, é inevitável à prática escolar um envolvimento com o meio sociocultural e o
desenvolvimento de valores e atitudes, pois as condições de vida na sociedade podem
explicar os limites da educação escolar e as próprias reações dos estudantes em sala de
aula. Para Moraes, Galiazzi e Ramos (2007), é preciso ampliar a abordagem de pesquisa
em sala de aula, gerando um movimento capaz de fazer avançar a compreensão da
realidade, assim como a capacidade de explicar e compreender fenômenos.
A partir do exposto, considero que a formação docente, e a docência dela
decorrente, é emancipadora na medida em que propicia a problematização das questões
existenciais, de maneira que o sujeito possa ser afetado por essa problematização. Se é
63
aceito como necessário que os estudantes da educação básica aprendam a comprometer-
se, assumir responsabilidades, diferenciar espaço público de espaço privado, ser
solidário, em uma concepção de escola voltada para a construção de uma cidadania
consciente e ativa, a formação docente também deve ser um espaço de construção
coletiva de conhecimentos sobre o processo de ensino e aprendizagem desses
compromissos.
Por isso convém destacar a necessidade de contemplar, na formação de
professores, conteúdos que contribuam para o desenvolvimento de valores e atitudes,
além disso, é imprescindível que o (futuro)professor desenvolva a compreensão da
natureza das questões sociais e alcance clareza sobre o seu posicionamento pessoal e de
como trabalhar com os alunos.
Nossa época exige uma formação que se assuma responsável, com a atuação
profissional, promovendo inserção no debate contemporâneo mais amplo, que envolve
tanto questões culturais, sociais, econômicas, como conhecimento sobre o
desenvolvimento humano e sobre a própria docência. Além disso, a formação docente
deve propiciar comprometimento com valores inspiradores pautados em princípios da
ética democrática: dignidade humana, justiça, respeito mutuo, participação,
responsabilidade, diálogo e solidariedade, visando a participação cidadã e profissional.
Contreras (2002) argumenta que professores devem ser autônomos em suas
responsabilidades profissionais e, ao mesmo tempo, publicamente responsáveis. Neste
sentido, o lugar da competência profissional é aquele da ação coletiva e organizada. A
obrigação moral dos professores e o compromisso com a comunidade requer dimensões
complexas, que combinam habilidades, princípios e consciência do sentido e das
conseqüências das práticas pedagógicas. Para o autor, também faz parte da ação docente
as maneiras pelas quais se criam e se sustentam vínculos com as pessoas, os afetos que
se integram e se desenvolvem nas formas de viver a profissão, fazem parte das
complexas decisões exigidas do docente. De forma que “o conteúdo ético e político da
educação se deduz, afinal, do fato de que o ensino é um trabalho que se realiza com
pessoas e que pode ter conseqüências de longo alcance para elas” (CONTRERAS, 2002,
p. 84).
Compreendo que professores desenvolvem-se de maneira reflexiva, crítica e
criativa no mundo, de modo que a reflexão é uma produção subjetiva implicada pelos
diversos projetos dos quais este profissional participa. A prática social e profissional
64
requer tal produção subjetiva de modo que envolve a dimensão do conhecimento e do
comprometimento. O caráter dinâmico da produção subjetiva possibilita
reposicionamentos sobre o tema da sustentabilidade, que influencia ciclos de mudança
social e cultural.
A docência do tema sustentabilidade pode apoiar os complexos processos de
convivência, inclusive de realização de projetos, bem como a realização de experiências
pessoais, implicando no processo permanente de constituição do sujeito.
Ela exige uma preparação profissional que envolve situações vivenciais, de
modo que a integração teoria-prática e a formação de compromissos sociais possibilitam
que o docente, implicado em situações de estudo, vivencie e compreenda as condições
que deverá organizar junto a seus alunos.
Concebo que a preparação docente parte da produção subjetiva, dinâmica que
exige, permanentemente, conhecer e responsabilizar-se. A preparação relacionada ao
tema da sustentabilidade traz a possibilidade de implicar o professor nas atividades e de
selecionar fundamentos teórico-metodológicos para o processo educativo. O tema da
sustentabilidade também possibilita apoiar uma docência capaz de gerar um novo
sistema ético, no qual haja incorporação das exigências de nossa época.
A sociedade e a sala de aula são espaços de relações intersubjetivas, exigem uma
docência apoiada no diálogo que viabilize a emancipação dos sujeitos em
desenvolvimento cuja autonomia implica processo de conhecimento e
comprometimento, o que os torna capazes de problematizar suas responsabilidades,
intenções e finalidades.
Compreendo que o tema da sustentabilidade propicia apoio à docência em uma
visão que não despersonaliza o sujeito, mas que problematiza os sentidos que o tema
tem para cada um. Tomando as relações complexas dos processos ecológico-
socioculturais, históricos e atuais, os problemas da vida do ser humano, os processos
vivos da subjetividade humana, e a preparação de uma docência reflexiva, crítica e
criativa compreendo que se justifica mais um questionamento: a reflexão sobre sentidos
subjetivos relacionados com sustentabilidade contribui para a preparação profissional do
professor de modo que ele possa problematizar o desenvolvimento de valores morais e
atitudes por seus alunos?
5 ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS NA PESQUISA DA SUBJETIVIDADE
A presente pesquisa aconteceu em contextos educativos de formação de
professores de ciências/química e matemática. Trata-se de um processo de investigação
educacional que teve por objeto de estudo a subjetividade a partir da epistemologia
qualitativa de González-Rey (2005a) e suas implicações teóricas e metodológicas. No
enfoque desta teoria, o estudo de sentidos subjetivos propicia configurar uma unidade
integradora de elementos diferentes, que podem aparecer como um momento processual
de uma atividade.
Para González-Rey (2007), podemos interpretar sentidos subjetivos como
aspectos que permanecem ocultos, devido a uma trama de espaços sociais interligados,
configurados na dimensão subjetiva das pessoas e que devem ser interpretados a partir
de uma perspectiva histórico-cultural. Segundo o autor, o sujeito em sua formação
articula um sistema complexo em desenvolvimento que integra intelectualidade e
afetividade, resultante da multiplicidade de desdobramentos de sua ação social.
O enfoque histórico-cultural reafirma o caráter subjetivo do sentido, ou seja, os
processos simbólicos e emoções que resultam da presença do sujeito em espaços
simbolicamente produzidos pela cultura, sendo, portanto, as referências permanentes do
processo de subjetivação da experiência humana. No entanto, é impossível compreendê-
los por processos padronizados e externos ao sistema subjetivo particular em que o
sentido é produzido. Desta forma, “no sentido subjetivo, especifica-se certa autonomia
emocional, que não aparece como resultado da mediação semiótica, senão que a
acompanha” (GONZÁLEZ-REY, 2005, p. 21).
Deste modo, a subjetividade é aberta e caracteriza-se pela processualidade da
presença geradora e criativa dos sujeitos em seus espaços de ação concreta. González-
Rey (2005, 2009) defende a pesquisa em enfoque configuracional, que articula
subjetividade social e subjetividade individual. A subjetividade social apresenta-se nos
diferentes espaços em que vivemos e está atravessada pelos discursos e produção de
sentidos que configuram a organização subjetiva do sujeito. De forma dinâmica, revela
também elementos que se articulam na formação da subjetividade individual.
Para o autor, os sentidos subjetivos são expressão da emancipação pessoal na
medida em que representam momentos de sínteses reflexivas e criativas, com
implicações na vida da pessoa. Assim, o conceito de sentido subjetivo fundamenta uma
66
concepção histórico-cultural de subjetividade. Essa noção de subjetividade aplicada à
pesquisa qualitativa permite estudar o discurso de pessoas em seu contexto, espaço de
produção subjetiva (GONZÁLEZ-REY, 2005).
Assim, o contexto social ativo também é um indicador de produção subjetiva,
sendo que nele se encontram sujeitos com histórias subjetivamente constituídas não
apenas pelo atual contexto de relação. As implicações de procedência distante indicam
áreas e aspectos distintos da vida do sujeito, inclusive de aspectos mais afetados pelos
diferentes espaços sociais de origem. Sendo esses espaços não narrados constituintes da
dimensão de sentido em que se organiza seu mundo subjetivo.
Pesquisas referentes à educação, embasadas em tais princípios teóricos,
compreendem a sala de aula como espaço de produção de sentidos subjetivos. Para Scoz
(2008), a teoria de González-Rey interpreta a diversidade humana. Com ela pode-se
reconhecer o sujeito constituído na coletividade de suas experiências, sendo a mediação
um processo que torna possíveis atividades psicológicas voluntárias, intencionais e
controladas pelo próprio sujeito. Assim, a interpretação da produção subjetiva deve
insistir na inseparável relação de aspectos cognitivos e afetivos, biológicos e culturais, e
reconhecer a existência de elementos vivenciais em nossas vidas. Para Molon (2007),
essa proposição configura a subjetividade como uma fronteira do psicológico e do
cultural.
5.1 As perguntas da pesquisa, a tese e os objetivos do trabalho
Considero relevante retomar, neste capítulo, que o desenvolvimento da pesquisa
caminhou para uma ênfase na investigação da subjetividade de professores em processo
de formação. Desta maneira, a pesquisa destinou-se à investigação de sentidos
subjetivos relacionados com sustentabilidade e sua implicações para o ensino do tema, a
partir das seguintes indagações: quais sentidos subjetivos de sustentabilidade estão
presentes para os sujeitos envolvidos pedagogicamente nesses debates? Quais
configurações subjetivas são construídas no debate? Como constituem a motivação para
aprender e ensinar sobre o tema?
Diante do exposto, o objetivo da pesquisa foi investigar a subjetividade
implicada na formação de professores em que sujeitos estivessem mobilizados pela
temática da sustentabilidade. Especificamente, busquei interpretar os sentidos
67
subjetivos que sujeitos envolvidos com iniciação às Ciências/Química expressavam
sobre sustentabilidade; identificar as relações que o tema estabelecia com suas
experiências anteriores; compreender relações com princípios formais, juízos e valores
morais propostos por uma ética para a sustentabilidade; conhecer suas implicações para
as reflexões relacionadas com a docência e interpretar a configuração subjetiva de
(co)responsabilidade ética pelo quanto simbolizam valores morais com os quais os
sujeitos defendem uma concepção. Por fim, interpretar implicações de tais sentidos
subjetivos sobre a motivação para aprender e ensinar sobre o tema.
A tese que defendo é que os (futuros) professores constroem sentidos subjetivos
sobre sustentabilidade ao longo da vida, nos diversos contextos sociais que participam.
Sendo um tema que se entrelaça com a história social e pessoal, envolve valores e
compromissos sociais, que são afetivamente carregados. Ao refletirem sobre tais
sentidos, os (futuros) professores se preparam para problematizar os sentidos que o tema
tem para seus alunos.
Para defender a tese, relato duas experiências de formação de professores. Iniciei
a primeira investigação no segundo semestre de 2012, com professores em formação
continuada vinculados ao Projeto Observatório com foco em Matemática e Iniciação às
Ciências do pólo da Universidade Federal de Mato Grosso (OBEDUC), sendo esse um
projeto proposto para o período de 2011 a 2014 e realizado em parceria com a
Universidade do Estado de Mato Grosso e com a Universidade Estadual Paulista.
A segunda experiência em contexto de formação inicial de professores, da
Licenciatura em Química da UFMT/Campus de Cuiabá, também ocorreu em contexto
de encontro entre sujeitos concretos, logo implicados por suas intencionalidades
pessoais e por aquelas pressupostas pelo projeto coletivo.
A investigação das duas experiências de formação de professores atende a duas
intenções teórico-metodológicas: primeiro, são espaços de encontros e
compartilhamento de projetos e contextos formativos; segundo, propiciam intensificar
um diálogo com professores e futuros professores em formação docente.
5.2 O sistema de conversação e as questões procedimentais da pesquisa
Trabalhar com o sujeito e identificá-lo em perspectiva histórico-cultural, marca
uma diferença essencial em relação à pesquisa que trabalha com indivíduos a partir da
68
premissa de que não existem entre eles diferenças que influam sobre o comportamento
estudado. Sob esse último aspecto, a investigação focaliza o individuo como entidade
objetivada, enquanto a perspectiva histórico-cultural da singularidade como momento
diferenciado e subjetivado. O caráter subjetivo da presença do sujeito em contextos
sociais implica em pesquisa qualitativa comprometida com uma reformulação teórico-
metodológica.
A consideração da subjetividade expõe o caráter essencialmente interpretativo e
construtivo do conhecimento sobre o processo de subjetivação. O reconhecimento do
caráter construtivo-interpretativo atribui à teoria um lugar central para superar relações
lineares entre os aspectos constitutivos que envolvem a produção subjetiva. De maneira
que as construções sobre a produção reflexiva do sujeito devem ter por base os
indicadores da implicação do sujeito no espaço social. Para González-Rey (2009b), o
pesquisador deve dar ênfase à emoção do sujeito sobre o que se aprende, pois assim,
obtém-se um indicador da produção de sentidos subjetivos na aprendizagem, bem como
da sua motivação para uma aprendizagem geradora e criativa.
Para tanto, é necessário a criação de um clima de comunicação que possa levar a
momentos reflexivos e dialéticos. Sobretudo, é preciso estabelecer diálogo que suporte a
necessidade de participar. Para González-Rey (2005b, p. 136), a pesquisa que parte da
comunicação, deve dar atenção e mostrar aquilo que os sujeitos falam de modo a
interpretar que não há certo, nem errado, porque as representações sociais não são
espaços sociais rígidos, estáticos e pré-formados, em que se encaixam de forma
padronizada as expressões do sujeito, ou que tais expressões estejam prontas na
subjetividade dos sujeitos individuais. Para o autor, o diálogo entre pesquisador e
participantes deve ser intensificado durante o processo de investigação, pois o caráter
dialógico é fundamental para estimular e provocar a expressão dos participantes ao
longo do processo.
A concepção da comunicação como geradora de processos de significação e
sentido tem como implicação metodológica a organização de um sistema atividade-
comunicação central para o planejamento dos momentos e instrumentos de pesquisa. O
sistema atividade-comunicação deve viabilizar um processo no qual pesquisador-
pesquisados se mantêm em constante interação. A partir das informações que surgem
nos diálogos, o pesquisador produz indicadores de análise de sentidos subjetivos (e seu
69
núcleo de valores). De modo que o processo se configura por uma complexa construção
de informações.
Assim, a pesquisa requer uma pluralidade instrumental, sustentando o valor do
ecletismo nesse momento da investigação. O instrumento é tanto uma via de
aprofundamento das hipóteses desenvolvidas durante o processo como uma ação
dialógica comprometida com uma produção subjetiva diferenciada. Para González-Rey
(2005b), os indicadores são unidades identificáveis de um momento empírico, cujo
valor para a investigação é inseparável da interpretação do investigador. São os
indicadores que sustentam as hipóteses que vão aparecendo no curso da investigação,
que conduzem à busca de outros indicadores procedentes de outras fontes e contextos a
respeito do sujeito estudado, que permitem momentos de construção teórica sobre as
hipóteses levantadas. Os indicadores aparecem tanto nos instrumentos como nos
diferentes momentos conversacionais, formais ou informais, que acompanham a
investigação.
Nesta perspectiva, a pesquisa prevê que sejam realizadas sessões de
conversação, em grupo e individuais. Na conversação, o pesquisador sugere tópicos
gerais procurando o envolvimento dos participantes, acompanhando as reflexões que a
pessoa faz e os diferentes desdobramentos, de modo que o pesquisador tem também
uma participação ativa na conversação (GONZÁLEZ-REY, 2011b). São os temas da
conversação que envolvem, de forma progressiva, os aspectos emocionais das histórias
vividas.
Assim, a pesquisa que realizei demandou uma abordagem qualitativa, apoiada
em um sistema dinâmico de conversação. Para tanto, a pesquisa proposta por González-
Rey (2005a) pressupõe a criação de um cenário de pesquisa (o caminho seguido durante
o curso da pesquisa está apresentado ao final da tese, no apêndice A) para
acompanhamento dos participantes em suas diversas etapas, sendo esse entendido como
espaço de sentido organizado em sistemas conversacionais e dialógicos. Assim, desde o
primeiro momento, organizei um cenário de pesquisa articulado com formação docente,
capaz de incorporar um sistema de atividade-comunicação. As questões ambientais
foram articuladas ao conteúdo curricular da formação dos professores de modo a
favorecer as interações discursivas, sendo que a sistematização da investigação foi
realizada durante oficina temática com os (futuros) professores. Por isso, em ambos os
70
estudos realizei em oficina planejada através de investigação temática1 (FREIRE, 2005;
SILVA, 2007; DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2007). Desta maneira, o
sistema atividade-comunicação tanto na formação de professores do OBEDUC, como
na formação inicial, se integrou pela investigação temática, onde definir tema e
contratema teve caráter reflexivo, mantendo a prática docente sob investigação. É
relevante ressaltar que os sujeitos de cada grupo já se reuniam e continuaram a se reunir,
em torno das atividades do projeto institucional do qual participavam, sendo que apenas
alguns procedimentos de recolha de informações, descritos com detalhes no capítulo a
seguir, foram acrescidos às situações em estudo.
Os grupos foram configurados pela presença de todos os sujeitos dos projetos
envolvidos na realização das atividades previstas, isso propiciou o surgimento de
trechos complexos de informação pela participação dos sujeitos e pela capacidade de
circulação de sentidos subjetivos. Desta forma, foi possível captar elementos da
subjetividade social, que se tornaram inteligíveis somente por meio da construção de
indicadores, explorados, posteriormente, nas expressões individuais.
No segundo estudo, a conversação aconteceu, também, durante as aulas da
disciplina, o que levou a espaços e tempos pedagógicos amplos em que os futuros
professores puderam fazer o planejamento, a preparação e a execução das atividades de
iniciação à Química.
No caso da formação inicial, as atividades não tiveram distribuição linear no
espaço e tempo pedagógicos da disciplina, de maneira que se entrelaçaram em diversos
momentos de realização. O sistema atividade-comunicação também contou com a
realização de projeto de extensão universitária, na forma de mini-cursos desenvolvidos
na UFMT, com estudantes do ensino médio de escolas públicas. O referido projeto
estava em sua vigésima edição e foi construído para dialogar com experimentação e
ensino de Química. Entre seus objetivos estava a construção de atividades de ensino
voltadas à realidade social. Ao longo da organização e em função da redução temática,
1 Para os autores na perspectiva freiriana, os temas geradores dos estudos e o planejamento de abordagem
problematizadora são obtidos mediante investigação temática, caracterizada por cinco etapas, que em
interação constante se auto-alimentam. Requer uma dinâmica de codificação-problematização-
decodificação realizada por equipe de professores. Com os resultados obtidos, realiza-se a redução
temática, cuja característica fundamental é a elaboração do programa e do planejamento de ensino
(DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2007).
71
os pesquisados selecionaram temáticas relacionadas com a água e o solo. A escolha das
temáticas voltou-se para o estudo de análise, tratamento, uso e conservação.
Na proposta de González-Rey (2005a), a conversação exige a construção dos
instrumentos baseados em indicadores que possibilitem o aparecimento de trechos de
expressão dos valores dos sujeitos, advindos de contextos diferentes, porém mais
significativos no momento da pesquisa. Portanto, prevê a utilização de instrumentos e
hipóteses voltadas à identificação de núcleos essenciais de conflitos. Sendo assim, para
as primeiras sessões de conversação em grupo, em ambos os casos, utilizei-me de diário
de campo. Posteriormente, para obter registros escritos dos professores, utilizei o
documento de redução temática (construção de temas e contratemas para ações
educativas, conforme anexos de 3 a 11). A redução temática contém em si falas
significativas2, que representam o que é relevante para os sujeitos e para o grupo
investigado3. Tais registros contribuíram para a construção dos critérios de seleção dos
sujeitos e de outros indicadores, visando realizar as entrevistas individuais.
Para González-Rey (2005a), as sessões individuais de conversação pressupõem
instrumentos que promovam novas ações discursivas, logo devem prever indicadores ao
mesmo tempo de sentidos subjetivos de procedências diversas, inclusive de modo de
vida, zonas, imagens e memórias portadoras de carga emocional. Tais instrumentos
devem viabilizar indicadores de análise de temas íntimos para as pessoas pesquisadas,
indutores para conhecer experiências da vida social e entrar em novas zonas de sua vida.
Desta forma, para as sessões individuais são pertinentes instrumentos como
entrevistas abertas e a constituição de frases. Este último é um instrumento que propicia
um canal de expressão da experiência escrita em complemento de indutores curtos (na
forma de frases incompletas), de caráter geral ou focado no tema, que deverão ser
preenchidos pelos pesquisados, propondo seus significados particulares. Sendo assim,
2 Segundo Silva (2007) serão falas significativas aquelas nas quais seja possível perceber o conflito, a
contradição social e situações significativas do ponto de vista da comunidade. Os temas geradores são
considerados como falas significativas mais amplas e os contratemas a síntese do contraponto analítico
que se opõe ao tema gerador problematizador da realidade.
3 Como as manifestações configuravam as concepções explicitadas e limites explicativos, ou ainda,
representam o que é relevante para os sujeitos e para o grupo investigado, a subjetividade social foi
entendida como sendo a construção coletiva do grupo. Para Brandão (2003) as falas devem ser
selecionadas por critério de valor interno ao exprimir de que maneira aquilo que as pessoas dizem é
significativo para elas e constrói planos de interação de sentidos, de intercomunicação de sentimentos, de
partilha de saberes e de valores, gera hipóteses que se tornam ferramentas de diálogo, o modelo de
significação acerca do problema analisado.
72
em ambos os estudos realizei, entrevistas e coletas adicionais de registros escritos em
formulário adaptado para complemento de frases a partir de indutores curtos.
5.2.1 Os indicadores para conversação e os procedimentos de análise
Portanto, pretendi o registro e interpretação tanto de informações diretas,
referentes à intencionalidade dos sujeitos, como informações indiretas, associadas com
relações construídas resultantes da tensão vivida no projeto institucional, no contexto
educativo e relacionadas ao contexto de sua vida em outros espaços sociais.
Durante a entrevista, perguntei a cada pesquisado sobre que aspectos
considerados indicadores de sustentabilidade seriam mais significativos para sua
compreensão do tema; quais considerava serem as implicações dessas discussões para a
educação escolar; que reformulações gostaria de considerar desde a oficina temática;
quais aspectos de sua história e de sua cultura ele(a) julgava envolvidos com o tema.
Devido ao caráter dialógico do processo de conversação, essas questões foram
consideradas como pontos de partida que desencadearam outros questionamentos,
diferenciados para cada um dos entrevistados, porém todos voltados ao tema e à
docência sobre o tema.
Em outro momento de conversação, solicitei o complemento de frases com
indicadores curtos, que versavam sobre aspectos centrais envolvendo o tema (anexos 12
a 18). Em todo instrumento foi possibilitado o acréscimo de considerações por parte dos
pesquisados. Durante a entrevista com os futuros professores solicitei o relato da
experiência vivida na realização das atividades da prática docente.
Durante a conversação com os professores do OBEDUC, utilizei a descrição de
imagens através de figuras e fotos (Anexo 19). Realizei a seleção e organização das
imagens após as manifestações iniciais, no grupo, cuja análise preliminar apontava um
enfoque de ordem econômica e social. Através da pesquisa intencionava compreender
também sobre a dimensão ambiental e ecológica, relacionada à construção de
sociedades sustentáveis e suas interações com os projetos humanos. Assim,
disponibilizei nove ilustrações, sendo seis fotos e três figuras, organizadas em três
blocos, configurando o seguinte contexto: o primeiro bloco fazia alusão a um rio com
um barco de pescador ancorado, mostrava sua margem desmatada ocupada por
atividades humanas. O segundo bloco trazia um planisfério com circulação de correntes
73
marítimas responsáveis pela circulação de água e energia no planeta. O terceiro bloco
apresentava um jardim e quintal, com ênfase em plantas ornamentais e frutíferas,
aspectos de sombreamento e a visitação de insetos. Após apresentação das imagens,
solicitei para cada sujeito que elaborasse uma possível sequência didática para abordar o
tema em suas aulas. Em seguida, perguntei como organizaria um processo educativo
para o tema.
Em ambos os estudos, as transcrições e as análises preliminares foram
submetidas aos sujeitos e endossadas pelos mesmos. A partir dessas considerações,
realizei a análise dos sentidos subjetivos segundo o enfoque configuracional. Durante a
análise considerei que era possível interpretar concepções encharcadas dos valores
assumidos pelos sujeitos. O posicionamento ético não se limita ao momento da
ressignificação. Sobretudo pelas tensões que surgem da convivência, as argumentações
comportam proposições que estão na base do que sujeitos e seus grupos estimam, assim
como comportam os processos psicológicos que unem uma concepção a uma emoção.
Delineada como uma pesquisa qualitativa de enfoque configuracional a análise
das informações na perspectiva construtivo-interpretativa assumiu um compromisso
com uma construção legitimada pelos sujeitos. Para González-Rey (2005a), a análise da
subjetividade de sujeito cujo discurso interage com o discurso social passa pela
compreensão dos processos de singularização de sua condição social e criatividade.
Para o autor, a análise dos sentidos subjetivos quando realizada segundo enfoque
configuracional, compreende que o sujeito, ao enfrentar o mundo vivido, o faz na
dinâmica de uma configuração subjetiva e que a seleção de trechos de expressão
constituir-se de elementos que se originam em contextos diferentes, mas significativos
para o sujeito no momento da pesquisa. A análise também pode se voltar para a
subjetividade social do grupo, ou seja, configurar a construção coletiva de sentidos pelo
grupo.
Sob tal perspectiva, no primeiro estágio, analisei a conversa buscando falas
significativas. Procurei considerar os trechos de expressão que sintetizavam as
concepções, contradições e limites explicativos sobre sustentabilidade e docência em
temáticas ambientais. Portanto, nesta etapa levei em consideração sentidos subjetivos
interpretados a partir do sistema, que articulou pesquisa e formação.
O segundo estágio da análise demandou a seleção de elementos explícitos,
partindo da noção de sustentabilidade de cada um dos pesquisados e das relações entre o
74
tema e suas experiências passadas. Na terceira etapa da análise, interpretei os
elementos implícitos compreendendo os sentidos subjetivos em sua aproximação de
princípios formais, juízos e valores morais em função do entrelaçamento de outros
espaços sociais que acontecem durante qualquer processo educativo.
Em seguida, analisei cada frase síntese como proposição do sujeito. Assim, ao
interpretar a configuração de sentidos subjetivos, dei ênfase aos resultados sobre como
os sujeitos concebem o tema, sua dimensão conflituosa e as implicações da experiência
da vida social expressa na argumentação desenvolvida em sínteses advindas de outros
momentos culturais e históricos além do evento vivido, como parte de sua história
constitutiva. Também analisei as sínteses de expressão em sua possível aproximação
com princípios tomados da Carta da Terra (BOFF, 2012).
Então, analisei as implicações para a docência. Neste momento, busquei
referências para o currículo da Educação em Ciências naquilo que era pertinente aos
conteúdos, abordagens e organização de processos educativos pelos sujeitos da
pesquisa. Busquei referências em elementos que indicassem a condição geradora da
subjetividade dos sujeitos pesquisados a cerca da articulação de aprendizagem com
ênfase em valores morais. Também analisei as sínteses de expressão em sua
aproximação com princípios, tomados do Tratado de Educação Ambiental e
Responsabilidade Global (PRONEA, 2004).
Desta forma busquei, durante a análise, relações complexas entre diferentes
configurações de sentidos subjetivos, à luz da perspectiva histórico-cultural. Entendo
que, devido à subjetividade individual, emergem as diferenças em relação a um mesmo
sistema de significação coletiva, devido à experiências em outros contextos de sua vida
social e à cultura dentro da qual se desenvolve. Desta maneira, entendo que a
manifestação diferenciada do sujeito, neste espaço concreto, está subjetivamente
constituída por sentidos subjetivos procedentes de múltiplas experiências sociais ao
largo de sua história individual.
Foi recorrendo à noção de mediação semiótica para interpretar a argumentação
em desenvolvimento, que passei a interpretar os sentidos subjetivos em sua
aproximação de princípios formais, juízos e valores morais, em projetos compartilhados
como espaços de interação entre sujeitos. A análise de elementos implícitos na
expressão moral dos professores me exigiu tomar, por base, indicadores éticos
formalizados em documentos amplamente defendidos em âmbito global.
6 DOIS ESTUDOS SOBRE SENTIDOS SUBJETIVOS RELACIONADOS COM
SUSTENTABILIDADE E DOCÊNCIA DO TEMA
Os estudos apresentados neste capítulo intencionam constituir um tecido de fatos
e ideias do processo de subjetivação diante de temáticas ambientais. Por seu caráter
interpretativo-construtivo e sua finalidade de gerar inteligibilidade sobre a subjetividade
de professores, reconheço a impossibilidade de discutir as manifestações dos sujeitos
em sua totalidade, tornando a seleção uma exigência teórico-metodológica. Assim, os
estudos apresentados a seguir se baseiam em trechos dos argumentos desenvolvidos
pelos professores, que após análise minuciosa, selecionei na perspectiva de
compreender sentidos subjetivos relacionados à sustentabilidade e suas implicações para
a docência do tema.
A construção societária de estilo de vida sustentável, em um mundo moral e
socialmente justo, demanda sujeitos ecológicos, cidadãos responsáveis, consumidores
participantes e profissionais críticos (JONAS, 2006; PORTILHO, 2010; CARVALHO,
2012; LOUREIRO, 2012). No século XXI, o engajamento e a construção de
compromissos pressupõem uma docência comprometida com questões ambientais.
Considero relevante pesquisar professores envolvidos com a iniciação científica.
Neste cenário a pesquisa pode integrar-se a formação acadêmica e assim ressaltar
compromissos científicos e éticos. Compreendo, como Souza (2009), que o sujeito da
educação superior é agente de sua própria aprendizagem com a qual indaga, investiga e
critica.
Considero também relevante desenvolver um processo de pesquisa articulado ao
processo de ensinar e aprender ciências e à iniciação científica, considerando como
Barcelos (2007) que as questões ecológicas devem ser tratadas na sua maior
complexidade, na contextualização e relação com as diferentes realidades vividas pelos
sujeitos. De forma que há de se descobrir formas e metodologias de trabalho de
pesquisa e de educação nas quais a reflexão sobre as questões ecológicas estejam
intrinsecamente relacionadas com os conteúdos curriculares das diferentes disciplinas,
áreas e/ou níveis do processo educativo escolar. Desta forma, é possível pretender uma
intervenção nas questões ecológicas. Além disso, a Universidade destaca-se na
formação da autonomia, pois nesse lócus a liberdade de aprendizagem pode ser
compatível com o questionamento da transmissão de saberes estruturados e exclusão de
outros saberes.
76
Considero ainda que a construção societária também pressupõe uma intricada
trama de compromissos do professor com sua profissionalidade docente, como a escola
e seu projeto pessoal (FREIRE, 1996; CONTRERAS, 2002). Tal comprometimento se
expressa por princípios morais amplos, por juízos e por valores formulados nos
diferentes grupos sociais (PERELMAN, 1996; OLIVEIRA, 2010). Sobretudo, pelas
disputas que surgem nas argumentações, podemos compreender quais elementos estão
na base do que os grupos e sujeitos envolvidos estimam, os valores implicados pelo
ponto de vista afetivo. Para tanto a dimensão dos sentidos subjetivos facilita-nos acessar
espaços de produção subjetiva que representam complexas sínteses de momentos
culturais e históricos dos sujeitos, considerando processos simbólicos e emoções
(GONZALEZ-REY, 2005a)
Para a tradição histórico-cultural, os sujeitos estão interagindo permanentemente
e articulando sentidos vindos de diversas esferas da vida social (VIGOTSKY, 1998;
GONZÁLEZ-REY, 2005a ; SCOZ, 2008). A teoria da subjetividade intenciona
reafirmar o caráter subjetivo do sentido, ou seja, os processos simbólicos e as emoções
que são implicados por espaços simbolicamente produzidos pela cultura, sendo,
portanto as referências permanentes do processo de subjetivação da experiência
humana. Ao conceber a personalidade como um sistema dinâmico, o autor utiliza o
conceito de sentido subjetivo para representar o sistema simbólico-emocional em
constante desenvolvimento, em função das experiências vividas e destacar seu valor
para o próprio sistema subjetivo do sujeito. Essa organização de sentidos se processa em
configurações subjetivas que são inseparáveis da cultura e da vida social da pessoa.
Logo, a configuração subjetiva representa constelações simbólico-emocionais
complexas, que definem múltiplos sentidos subjetivos. Sendo resultado da
multiplicidade de desdobramentos da ação social do sujeito, ela é aberta e caracteriza-se
pela processualidade da presença geradora e criativa dos sujeitos, em seus espaços de
ação concreta.
6.1 Sustentabilidade para professores: três subjetividades singulares
Chassot, educador, formador, pesquisador do Ensino de Química fala de
compromissos da profissão professor para com a seleção pertinente à formação humana:
77
Já acenei com aquilo que é o mote na transformação da profissão professor:
priorizar a formação contra a informação. Falo de privilegiamentos da
formação. Não em exclusividades. O decisivo é a seleção da informação para
com ela fazer formação. (CHASSOT, 1998, p. 83).
Para ele não é a sala de aula que será distinguida na transmissão da informação,
mas a diferenciação ocorrerá na maneira como a informação for trabalhada pelos
docentes e discentes. Em sua opinião, um estudo é muito mais produtivo se for uma
construção solidária, envolvendo colegas de diferentes áreas do conhecimento, ao invés
de ser algo solitário. Neste sentido, no âmbito do presente estudo, realizei uma seleção
de informações procedentes do diálogo com professores de matemática, em contexto de
iniciação às ciências.
Para Chassot (1998), a formação é, usualmente, realizada de uma maneira a-
histórica. Nesta pesquisa consonante com esse pressuposto tentei superar esta crítica,
selecionando informações com as quais seria possível reconhecer a história dos sujeitos
implicados no processo de aprender e ensinar sobre o tema da sustentabilidade.
Considero relevante pesquisar professores envolvidos com a iniciação científica,
pesquisa e educação para os quais a reflexão sobre as questões ecológicas estejam
intrinsecamente relacionadas com os conteúdos curriculares das diferentes disciplinas,
áreas e/ou níveis do processo educativo escolar. Desta forma, é possível projetar uma
intervenção relacionada com as questões ecológicas.
A subjetividade do professor é um processo de construção simultânea nos níveis
social e individual. Ao abordar a formação docente com tais pressupostos, suponho que
professores constroem sentidos subjetivos sobre sustentabilidade ao longo da vida, nos
diversos contextos sociais em que participam. São esses sentidos que me interessam
compreender, pois acredito que este é um primeiro passo para a seleção de conteúdos e
métodos para o ensino do tema com/para os professores, comprometendo-os, enquanto
sujeitos históricos, nessa discussão.
6.1.1 O contexto em estudo
D’Ambrósio, formador, educador e pesquisador em Educação Matemática nos
adverte que compartilhar e aderir a comportamentos faz parte da prática social.
78
Conceituo sociedade como um agregado de indivíduos (todos diferentes)
vivendo num determinado tempo e espaço, empenhados em ações comuns e
compartilhando valores, normas de comportamento e estilos de
conhecimento, isto é, cultura. Não se pode retirar a individualidade de cada
elemento da sociedade, mas, para se ter uma sociedade, é necessário que os
indivíduos tenham comportamentos e conhecimentos acordados.
(D’AMBROSIO, 2004, p. 168).
Para o autor, as virtudes da espécie humana resultam dos conflitos que surgem
entre o comportamento individual, no qual reside a criatividade, e o comportamento
social, que é necessário para conviver. No âmbito do presente estudo, pressuponho que
a participação nos projetos institucionais é realizada por sujeitos concretos
comprometidos com uma prática social, no interior desses espaços de convívio.
Segundo D’Ambrósio (2004), nossa época é um período de intensa produção de
novos modos de explicar e de fazer. A ciência está, implícita ou explicitamente,
incorporada nessa ampliação de modos de explicar e de fazer. Consonante com esse
pensamento, compreendo os professores como portadores de modos de explicar e fazer,
como comprometidos por princípios amplos, juízos e valores formulados nos diferentes
grupos de que participam, sendo assim eles expressam, em seus encontros, conflitos ou
tensões.
Neste sentido, considerei pertinente escolher como contexto para a presente
pesquisa o Projeto Observatório com foco em Matemática e Iniciação Científica
(OBEDUC). Pelo seu foco na iniciação às ciências e em intervenção pedagógica,
também pelo modo dialógico como se desenvolve, essa experiência formativa
ocasionou uma dinâmica de sentidos gerados pelos diversos professores de matemática
e iniciação às ciências, implicados em intensa produção subjetiva.
O Projeto OBEDUC é um espaço social de formação de professores que visa
propiciar intervenções e enfrentamentos de problemáticas da educação básica por meio
de complexa teia de interações entre graduandos, pós-graduandos, professores e
pesquisadores. É um espaço social de intercâmbios e troca de experiências a cerca de
avaliação em larga escala e formação docente integrada, tanto complementar quanto
continuada, através da articulação entre pesquisa, ensino e extensão.
No projeto existe a preocupação com a produção de dispositivos concretos como
a organização de pequenos grupos de pesquisa nas escolas, pesquisas de pós-graduação,
intervenção em sala de aula e planejamento de sequências didáticas. No caso do grupo
da UFMT, as preocupações estavam voltadas para a Educação Matemática, resultando
79
no estudo de temas relacionados com questões da modelagem matemática, números
racionais, contextualização e concepções de professores. Entretanto, os estudos internos
também analisavam questões sociocientíficas (QSC’s) problematizadoras da demanda
humana pelos sistemas materiais e por tecnologia na sociedade contemporânea.
O grupo envolvido no projeto seguia a orientação interna na conceituação do
tema, de maneira que a abordagem de questões sociocientíficas (QSC’s) tratava de
temas como natureza da Ciência e Tecnologia, raciocínio ético-moral, reconstrução
sociocrítica, ação responsável e sustentabilidade. Tal proposta pedagógica pressupunha
a abordagem de controvérsias relacionadas com conhecimentos científicos. Assim as
QSC’s são aquelas que levam em conta o impacto do desenvolvimento científico na
sociedade, sobretudo em relação a seus aspectos éticos e morais e englobam dilemas
que não possuem resolução simples, pois envolvem uma ampla gama de perspectivas
para a sua resolução (SADLER, 2004; SANTOS; CARVALHO, 2012).
Nesta perspectiva, o debate do tema instiga a reflexão, de cunho moral, sobre a
interdependência entre ciência e sociedade, advindas das interações entre conhecimento
cientifico, produtos tecnológicos e normas sociais, uma noção multifacetada de
interdependência (SADLER; ZEIDLER, 2005). Em uma perspectiva de negociação e
resolução de QSC’s, a ação pedagógica incentiva os sujeitos a compreenderem os
processos cognitivos e afetivos presentes nos argumentos, que contribuem para a
resolução de questões complexas.
Entre seus pressupostos está a premissa pedagógica de que as leis e as teorias da
ciência precisam ser tomadas como construções humanas, que não podem contemplar
todos os aspectos de um processo de tomada de decisão complexo, envolvendo
elementos sociais, econômicos, éticos e políticos (SADLER; ZEIDLER, 2005; REIS;
GALVÃO, 2005). Assim, o ensino acerca da natureza da ciência (especialmente acerca
de tais enquadramentos no interior dos quais a ciência opera) encoraja os alunos a
apreciarem a ciência como um empreendimento humano, com história, aventuras,
personalidades, dramas, disputas, controvérsias, criatividade, normas e princípios éticos.
Do exposto, compreendo que os professores inseridos no contexto
contemporâneo, e simultaneamente envolvidos com o debate de questões
sociocientíficas, decorrentes da participação no OBEDUC, se posicionam
subjetivamente em relação a essas temáticas. Assim, com o intuito de compreender tais
posicionamentos organizei um sistema atividade-comunicação através de oficina
80
temática. A oficina temática, relacionada à sustentabilidade, viabilizou constituição de
atividades formativas para planejamento de questões sociocientíficas. Ou seja, para que
assim os professores associassem em suas ações o enfrentamento das dificuldades de
aprendizagem a docência voltada a temas de ciências e tecnologia na atualidade. Mas,
em função das limitações de espaço e tempo pedagógico da oficina, os professores
simularam o planejamento, a preparação e a execução das atividades de iniciação às
ciências. Ressalto que o grupo já se reunia e continuou a se reunir em encontros
formativos após a referida oficina.
No momento deste espaço-tempo de formação foi possível compreender a
construção coletiva do grupo. A noção de sustentabilidade era permeada pela
multiplicidade de discursos da sociedade e pela tensão interna, com predomínio das
dimensões econômicas e sociais (como produção e consumo), e consideráveis
limitações da dimensão ambiental (em especial das relações ecológicas). Foram
interpretadas como econômicas expressões que traziam sentido de reconhecimento de
modernização com uso de instrumentos de produção, distribuição e consumo material,
científico e tecnológico (SACHS, 2009, p. 86). Foram interpretadas como
socioculturais expressões com sentidos de acesso aos recursos e serviços sociais,
emprego, renda, vida decente e patamar de homogeneidade, autonomia para elaboração
de um projeto, respeito à tradição (SACHS, 2009, p. 85). Compreendo nestas
informações do grupo, que apesar do tema tensionar a vida cotidiana, apenas
recentemente constituiu-se uma atribuição profissional a ser sistematizada.
6.1.2 Os participantes da pesquisa
Portanto, o sistema atividade-comunicação proporcionou conversas em grupo de
discussão, durante a oficina temática, e em sessões individuais com professores da
educação básica. No grupo de discussão participaram doze professores cujas
manifestações propiciaram subsídios para a seleção dos entrevistados. Selecionei três
professores que costumavam tomar iniciativa nas conversas coletivas, expressando
diferentes perspectivas sobre o tema e mobilizavam o grupo para discuti-las. Os
professores selecionados tinham idade entre 40 e 50 anos, eram egressos de escola
pública e residiam na área urbana do município. Tomei a decisão de identificá-los pelos
nomes fictícios Francisca, Antônio e Eurico.
81
Francisca e Eurico têm origem urbana e Antônio tem origem rural. O último
declara ser de origem europeia, Eurico declara ser de origem africana. Francisca e
Antônio são regentes de sala de aula e Eurico é coordenador pedagógico. Antônio
cursava, naquele período, o mestrado em Educação Matemática.
O fato de serem bolsistas no projeto OBEDUC propiciou o envolvimento com a
iniciação científica, assim como ampliou a relação deles com o projeto político
pedagógico de suas escolas. De um lado, porque implicou em novas atividades docentes
que deveriam configurar uma aproximação com tal projeto, por outro lado, porque
possibilitou ampliação do tempo destinado a sua realização.
6.1.3 A produção subjetiva da professora Francisca – “como falar de
sustentabilidade com quem passa fome?”
A professora é regente de sala de aula e, no projeto OBEDUC, tem papel de
mobilizar gestores e professores para a realização de atividades conjuntas com a
universidade, visando enfrentar as dificuldades de matemática e iniciação às ciências
que encontra na escola. Ela informou que reside na área urbana do município e tem
origem urbana. Também informou que durante a vida, desde a infância, não
desenvolveu qualquer relacionamento mais intenso de cuidado ou manejo de sistemas e
processos naturais ou ecológicos. É dela a frase “como falar de sustentabilidade com
quem passa fome?” que selecionei como uma síntese dos sentidos subjetivos articulados
ao longo da pesquisa, na qual há uma instigante provocação à ética da sustentabilidade.
Porém, não é essa a frase que aparece no início de sua elaboração sobre
sustentabilidade. A frase síntese somente aparecerá mais adiante, como resultante da
interação que se deu na vivência e convivência com o grupo de professores do projeto.
Com uma configuração inicial urbana e de poucas experiências de manejo de
sistemas naturais seu ponto de partida é: “porque ter no guarda roupa cem, duzentos
pares de sapatos?” Ponto de partida que surgiu no espaço das discussões em grupo
onde as manifestações na forma de questionamentos continuaram: “como transformar a
atividade agronegócio de uma atividade de poucos, mas em vista de todos?” Neste
sentido a professora dá pistas de seus questionamentos a cerca do consumo excessivo,
assim como de sua interação com as discussões internas sobre raciocínio ético-moral,
(co)responsabilização e tomada de decisão.
82
Isso a leva a apresentar como tema gerador para debate no grupo:
“Sustentabilidade x capitalismo”. E como contratema ao debate ela escreveu:
“Capitalismo gera consumo. O novo estilo de vida sustentável é caro. A
sustentabilidade serviria a manutenção do próprio sistema capitalista.” Desta maneira
há inicialmente um sentido subjetivo de crítica ao consumo excessivo, ao estilo de vida
atual e à aplicação da lógica do lucro do sistema capitalista.
Quando perguntei se ela gostaria de considerar reformulações desses temas e
contratemas após a oficina temática, ela apresentou um sentido instigante que tomará
configuração propositiva expressa como “volta ao natural”:
Por que o gerador de tudo isso não somos nós? Então voltar a tratar por nós de volta ao
natural, de volta ao que está constituído não é uma volta tão simples e nós sabemos que não
vai acontecer em um ano, dois, talvez eu nem consiga ver, mas pelo menos isso seja
fomentado, despertado. (PROFESSORA FRANCISCA).
Há uma diversidade de aspectos ressaltados neste recorte que parecem mobilizar
sentido subjetivo relacionado à capacidade humana geradora de ações e compromissos,
resultando numa representação de volta ao natural. Com tal representação ela reconhece
o ser humano como responsável pelo desequilíbrio, mas também como potencial
responsável pelo reestabelecimento do equilíbrio. Deste modo, aponta um sentido para a
proposição de “volta” que se desdobra em sentidos reclamando mudança de atitude,
expressa em seguida “então isso tem que mudar, essa postura de muitos, é acordar
para isso.”
Quando ela diz “nós nos afastamos do que é o sistema em si, e que é muito
natural”, ou quando ela expressa “voltar a tratar por nós de volta ao natural” suas
reflexões giram em torno de um sentido de “natural” que tem representações diversas,
ora como constituição dos sistemas naturais, ora como relação do ser humano com o
Planeta em transformação ao longo do tempo.
Pode-se compreender que sua expressão contém sentido subjetivo com o qual ela
representa a natureza. Para Carvalho (2012), a história social das relações com a
natureza traz consigo, a visão da natureza como domínio selvagem, uma representação
que previa dominar e submeter o mundo natural, de modo que o conceito de civilização
associava-se ao repúdio da natureza com uma desqualificação dos ambientes naturais.
Porém os efeitos da deterioração do meio e da vida nas cidades, causados pela
revolução industrial, levou no século XVIII a outro padrão de percepção do mundo
83
natural, representada pela valorização das paisagens naturais, das plantas e dos animais,
que seria ampliada pelo movimento romântico europeu do século XIX, apoiando o mito
de uma natureza boa e bela. Deste modo, são apontados diversos elementos em uma
zona de sentidos sobre a natureza onde se encontra essa ideia de busca pela valorização
do mundo natural.
A respeito desta representação, os esforços no sentido da ética da
sustentabilidade apontam que não devemos nos reportar a um mero equilíbrio
mantenedor da relação atual. Precisamos nos atentar para a comercialização do natural.
Portilho (2010) lembra que o consumo continua modificando e ganhando novos
significados que incluem o sossego, silêncio, espaço, ar puro, água potável. Em sua
opinião esse novo “luxo”, como no passado, será um adversário da igualdade.
Em outro recorte, a professora Francisca diz “saiu da naturalidade e entrou em
um estágio de destruição e que isso precisa melhorar e quem pode melhorar isso somos
nós seres pensantes, seres humanos.” Desta maneira identifiquei sentidos que
representam a necessidade de superação das agressões ao meio. Deste modo, ela traz
uma distinção entre uma condição inicial do homem no Planeta, de naturalidade, e a
condição atual, de destruição.
Para Boff (2012), desde o aparecimento do homo habilis há cerca de 2 milhões
de anos, começou um diálogo complexo entre o ser humano e a natureza, representado
por três fases: inicialmente, era uma relação de interação pela qual reinava sinergia e
cooperação; a segunda, foi de intervenção, quando o ser humano começou usar
instrumentos afiados, pontiagudos, e mais tarde, a partir do Neolítico, os instrumentos
agrícolas, no intento de superar os obstáculos da natureza e modificá-la; a terceira fase,
a atual, é de agressão, quando o ser humano faz uso de todo um aparato tecnológico
para submeter a seus propósitos a natureza, cortando montanhas, represando rios,
abrindo minas subterrâneas e poços de petróleo, abrindo estradas, criando cidades,
fábricas e dominando os mares (BOFF, 2012).
Desta forma, aparece uma representação, presente nas preocupações
contemporâneas, não necessariamente de levar ao retorno das condições naturais
iniciais, mas de mudança da racionalidade de nossa intervenção no meio para outra não
agressiva, centrada no cuidado para com a natureza.
A professora Francisca faz uma ponderação: “claro que a população vai
aumentando cada vez mais e nós temos que entender... mas nem sempre essa
84
necessidade é na proporção que parece ser essa necessidade”, e depois outra, “não é
porque está na promoção que eu vou lá e eu vou comprar só por comprar”. Desta
forma, aparece a relação que ela faz entre desenvolvimento, necessidades e consumo,
também presente nas preocupações globais.
Para Portilho (2010), na sociedade atual as identidades são construídas
principalmente através dos bens de consumo, visão presente até mesmo entre
consumidores que incorporam preocupações ecológicas, de modo que o consumidor
verde de alto gasto pode ter um forte impacto ambiental. Para a autora, entretanto, nesta
mesma sociedade moderna, que se instalou desde a Revolução Industrial no século
XVIII e se intensificou com a globalização, no século XX, aparecem manifestações
contrárias em busca de novos referenciais ao consumo, motivados pela ética ambiental.
Da argumentação desenvolvida pela professora, chama a atenção outro trecho de
expressão que vem de sua prática docente e nele outro sentido subjetivo relacionado a
hábitos de consumo associados à geração de lixo: “Eu trabalhei um ano na cadeia. Eu
entrei lá com uma concepção de que preso não produzia lixo, pois um dos maiores
problemas que eu detectei lá dentro era o lixo (...)” Para Portilho (2010), as ações mais
enfatizadas em programas de educação ambiental, acabaram sendo aquelas relacionadas
à reciclagem de lixo e redução do desperdício. Conforme demonstra esse trecho de
expressão, aparece a noção de reciclagem e redução de consumo articulada com as
experiências e orientações docentes que foram significativas para ela. Do exposto,
compreendo que o posicionamento da professora Francisca expressa, em especial, as
dimensões econômicas e sociais do tema.
Interessava também compreender os sentidos subjetivos implicados pela tensão
interna da presença do tema no projeto OBEDUC. No momento em que solicitei que
ela comentasse as reformulações que produziu a cerca do tema, Francisca respondeu:
“sustentabilidade para mim era reflorestar, era alguma coisa para recolocar o que o
homem tinha destruído e que de alguma forma está ameaçando a vida dele.” Na opinião
da professora, há uma noção de que devemos enfrentar a destruição e as ameaças à vida
humana. Para ela, a ação humana tanto destrói quanto intenciona construir.
Durante a entrevista, perguntei quais aspectos e indicadores ela julgaria que
fossem mais significativos para uma compreensão de sustentabilidade. Naquele
momento, ela disse:
85
(...) sustentabilidade passou a ser mais do que isso, passou a ser uma preocupação: “eu
preciso saber mais, eu preciso colaborar mais.” (...) Quer dizer nova postura quando se tem
conhecimento. A falta de conhecimento muita vezes deixa no contexto de fora (da
participação econômica e social). (PROFESSORA FRANCISCA).
A professora inclui em sua síntese um sentido subjetivo de busca por
compromissos e conhecimentos. Ao relembrar as reflexões anteriores, percebo que o
contexto do qual fala está vinculado à mudança de atitude e superação da destruição. O
tema suscita a busca por novos referenciais tensionados pela necessidade de mudança
cultural antes incentivadora do consumo (PORTILHO, 2010).
Houve um momento da entrevista em que ela desenvolveu a argumentação sobre
as necessidades humanas e consumo, então, solicitei que ela falasse mais sobre sua
compreensão de necessidade:
Dá para conviver junto sustentabilidade com necessidade, mas desde que nós seres
humanos tenhamos o conhecimento desse processo, como isso possa ser processado de
maneira natural (...) Não só conhecimento (cientifico), mas no sentido de pensar no ser
humano, nas pessoas, no bem estar de cada um (...) Quer dizer você começa a perceber
esses conhecimentos que são transmitidos de pais para filhos, é o tipo de conhecimentos
que queremos como conhecimentos sustentáveis. São os próprios conhecimentos do dia a
dia. (PROFESSORA FRANCISCA).
Essa argumentação indica que a professora entende ser necessário repensar as
necessidades humanas e o consumo por novos processos e conhecimentos, noção que se
apresentada por múltiplas representações. Ao expressar a importância do conhecimento
o faz ora como fundamentos técnico-científicos, ora como saberes transmitidos de pais
para filhos. Por tudo isso, ganha sentido a expressão “como falar de sustentabilidade...”
no qual a relevância do tema está relacionada com o conhecimento. Para Leff (2010, p.
181) “a crise ambiental é uma crise do conhecimento e um esvaziamento de sentidos
existenciais que dão suporte à vida humana.” Para o autor, essa crise civilizatória
desafia qualquer abordagem exclusivamente racional para resolver conflitos e recompor
o mundo, logo exige ultrapassar a razão e remete a uma ética da responsabilidade com a
natureza e com o outro.
Pela articulação de tais sentidos subjetivos, percebo que a professora traz
formulações produzidas pela tensão participativa no interior do grupo de discussão, em
especial sobre o aprofundamento de processos e conhecimento de questões
sociocientíficas. Mas também noto articulação de sentidos oriundos de outros espaços
da vida social.
86
Consequentemente, nesta busca por referências a professora transforma
continuamente suas reflexões em questionamentos:
O que é vida? será que estou vivendo de maneira sustentável? será que existe possibilidade
de eu viver de maneira sustentável? ou isso está fora de mim? Faço parte desse processo?
(...) qual é a minha contribuição para o amanhã com eles (aluno)? (...) por que ele (aluno)
vai cuidar do externo se o interno não está legal? (...) o organismo não precisa daquilo que é
o natural? (...) O Planeta sobrevive sozinho? Ou necessariamente ele precisa do ser
humano para ele sobreviver? Até que ponto nós vamos destruir e vamos continuar
existindo? (PROFESSORA FRANCISCA).
São questionamentos associados ao compromisso com a vida humana e com
mudanças de atitudes. Do exposto compreendo que o posicionamento se mostrou
processual, à medida que se aprofundou e desdobrou em outros sentidos.
Em consonância com esses questionamentos foram apresentados outros quando
perguntei sobre quais aspectos de conhecimento ela relacionava com sustentabilidade:
Como eu vou tratar bem se eu não tenho alimentação adequada, se eu não tenho moradia
pelo menos confortável? Como eu vou pensar em sustentabilidade, se eu próprio não sou
auto-sustentável, se a própria vida, e a gente depara muito com isso todos os dias, se o
próprio ser humano está aquém de tudo isso? (PROFESSORA FRANCISCA).
A professora explicitou a representação que traz presente as implicações
relacionadas à alimentação e ao conforto. Assim, ela julga a dificuldade de tratar do
tema na escola, considerando as necessidades mais imediatas dos alunos a serem
resolvidas.
Com a intenção de compreender a relação do tema com outros contextos vividos
e se tais elementos argumentativos tinham relação com a história de vida da professora,
perguntei quais aspectos de sua história e cultura ela julgava envolvidos nesta discussão
que realizamos no presente processo de formação:
Eu, particularmente, tive preocupações maiores, como pessoa, eu fui órfão de pai e mãe, fui
criada em orfanato e minha preocupação primária era comer, não interessava como e de
qual maneira por isso é que eu puxo muito esse aspecto da humanidade. E quantos hoje
estão nesse mesmo momento de vida!. E vivem para comer e não pensam em outra coisa. É
o subsidio do hoje, do agora. Vive o agora, vive o hoje. Eu sempre busquei viver assim
porque o amanhã era incerto, mas hoje não, Graças a Deus, muito tempo da minha infância,
da minha vida, foi isso, da minha infância foi isso: “vou comer hoje porque amanhã eu não
sei se tenho”. Como vou me preocupar com a natureza? Como eu vou me preocupar se
estão poluindo o rio ou se não estão? Se está acontecendo o que está? “minha preocupação
é o hoje, é o agora”, isso também se reflete na sustentabilidade. Então isso tem que mudar,
essa postura de muitos, é acordar para isso. (PROFESSORA FRANCISCA).
Neste momento da entrevista ela explicitou os sentidos com os quais julga que as
experiências dos alunos se assemelham com as suas. A relação que a professora faz com
87
suas próprias experiências anteriores ajuda a compreender o sentido de sua pergunta:
“falar de sustentabilidade com quem passa fome?”, a frase síntese traz consigo um
sentido de privações severas e preocupações com segurança na sustentação da vida, bem
como o enfrentamento das incertezas do presente e do futuro no atendimento das
necessidades básicas e a capacidade de sustentação que comprometerá o sujeito ao
longo da vida. Uma noção que se torna compreensível, quando articulada com os
demais questionamentos e propostas que a professora faz ao tema sustentabilidade.
Assim também posso compreender as sínteses que Francisca apresenta na
complementação de frases:
1 - Não posso: destruir, ser egoísta, viver o hoje. (PROFESSORA FRANCISCA).
2 - Não gosto: de ser ignorante ou indiferente aos acontecimentos ambientais.
(PROFESSORA FRANCISCA).
3 - O mais grave é: poluirmos o que vamos precisar para consumir como o ar, etc.
(PROFESSORA FRANCISCA).
As frases da professora Francisca remetem ao debate sobre o consumo excessivo
e crítica à concepção que ignora as implicações ambientais. Ela cita o egoísmo, a
ignorância e a indiferença, a prática de poluição com referência a atitudes e sentimentos
atuais. Para o conjunto da argumentação desenvolvida pela professora, compreendo
dois pólos de justificação: um que tem sentido de denúncia da insustentabilidade das
desigualdades sociais outro de solidariedade com o ser humano.
Hans Jonas (2006, p. 256-257) diz que no lema “primeiro vem o comer, depois a
moral” de Bertold Brecht, deve-se levar a sério tanto a palavra “primeiro” quanto a
palavra “depois”, isso significa que os famintos (ameaçados de morrer de fome), bem
como aqueles que estão sendo sufocados, são privados das necessidades mais básicas da
vida e, por isso, mantidos em um estado pré-moral. Mas “em seguida” efetivamente
“vem a moral”, que reivindica o seu quinhão. Para o autor há uma lição na banalidade
que parece relativizar “a moral” (algo a que só alguns podem se dar ao luxo) estipula, na
verdade ela própria um dever moral com terceiros, ou seja, ajudar a superar qualquer
condição que inviabilize a consciência moral.
Do exposto, compreendo que o posicionamento da professora se mostrou
processual, à medida que manteve relação com outros contextos vividos e com a história
de vida da professora. Assim, a argumentação articulou sentidos subjetivos implicados
88
na tensão da experiência vivida no projeto, na experiência da vida social e no próprio
sistema subjetivo em condição criativa.
A interpretação da argumentação desenvolvida pela professora “como falar de
sustentabilidade com quem passa fome?” me levou a considerá-la como proposição
para a qual quem passa fome tem preocupações anteriores à redução de consumo, dentre
elas, superação de privações materiais e ampliação de ações públicas. Para Capra (2002)
em nosso comportamento devemos manifestar respeito pela dignidade humana e pelos
direitos humanos básicos. Para aproximar os sentidos de sustentabilidade apresentados
pela professora com sentidos que constituem a ética para a sustentabilidade tomo por
base os princípios apresentados na Carta da Terra: i. “promover a justiça econômica,
propiciando a todos a consecução de subsistência significativa e segura, que seja
ecologicamente responsável.”; ii. “adotar estilo de vida que acentuem a qualidade de
vida e o suficiente material num mundo finito.”; iii. “Reconhecer o ignorado, proteger o
vulnerável, servir àqueles que sofrem e permitir-lhes desenvolver suas capacidades e
alcançar suas aspirações.”; iv. “Garantir que as atividades econômicas e instituições em
todos os níveis promovam o desenvolvimento humano de forma equitativa e
sustentável.” (BOFF, 2012, p. 170; p. 173). Para Francisca, a atribuição de valores está
relacionada com proteção e segurança contra as privações materiais; do combate a
vulnerabilidade; da defesa da dignidade humana com inclusão social e responsabilidade
ambiental. Sua argumentação se aproxima de princípios na Carta da Terra que estão
relacionados com oportunidades educativas, justiça, equidade, proteção, segurança, e,
adotar estilo de vida com padrões comunitários de consumo.
A interpretação da configuração subjetiva de Francisca também propicia a
análise de sentidos subjetivos relacionados à docência, pois traz a intencionalidade da
professora para com um ensino envolvendo o contexto social, intenção que ela expressa
em outro trecho de seu relato “nós devemos estar ali (refere-se à sala de aula), mas ao
mesmo tempo saber o que acontece ao redor. Nós não podemos ser indiferentes a tudo
isso, que nós somos parte de tudo isso.”
Há um sentido de busca de conhecimento, de relações dinâmicas, de superação
da indiferença para com as questões socioambientais. Para compreender esses
elementos e outros que podem contribuir para sua prática docente, solicitei da
professora que apresentasse uma descrição de figuras e fotos e que elaborasse a partir
delas uma possível sequência didática para abordar o tema em suas aulas:
89
Eu começaria com aquilo que mostrasse mais tranquilidade, um ambiente tranquilo, que
mostrasse um ambiente natural. Daí eu partiria para aquilo que retratasse um barulho
harmonioso, o barulho dos animais, dos pássaros, o encanto das flores, e tudo o que é bem
natural, bem em contato com o natural. Depois a gente mostraria esses ambientes no mapa
mundi, pouco para mostrar onde ainda existe esse tipo de paisagem e aonde não existe mais.
Por último eu usaria aquelas que trazem poluição, os rios destruídos, mexidos pelos seres
humanos. Saiu da sua naturalidade e entrou em um estágio de destruição e que isso precisa
melhorar e quem pode melhorar isso somos nós ditos seres pensantes, seres humanos. (PROFESSORA FRANCISCA).
A naturalidade é um aspecto relevante na noção de sustentabilidade de
Francisca, que volta a aparecer nesta descrição. A professora aponta a intenção de
abordar fundamentos como tranqüilidade, ambiental natural, com valorização do caráter
harmonioso. Desta forma ela realça sua valorização do mundo natural e ao que parece
desenvolve uma compreensão que coloca a natureza como boa e bela (CARVALHO,
2012).
Para a professora, a abordagem do tema deve ter a capacidade de promover a
sensibilização do estudante para com o meio, o que traz à sequência didática proposta
uma pertinência com a sua configuração subjetiva. Aqui também ela aponta como
imperativo a superação da indiferença para com as questões socioambientais,
ressaltando o caráter mobilizador do tema. Então ela expressa, ainda que confusa e
acanhada, uma abordagem de relações ecológicas, assim como uma ação docente
voltada a mostrar permanência e alterações promovidas pelos seres humanos no planeta.
Segundo Zanon e Maldaner (2010), a docência deve considerar sistemas de
relações dinâmicas e plurais entre conhecimentos especializados, dentre eles
conhecimentos sobre a realidade. O que lembra aquilo que nos aponta Paulo Freire
(1996, p. 80), não se trata de qualquer imposição. A população espoliada e sofrida que
se rebele, mas trata-se de “desafiar os grupos populares para que percebam, em termos
críticos, a violência e a profunda injustiça que caracterizam sua situação concreta.”
Para ele, o educador deve considerar que os setores populares carecem de experiências
epistemológicas, mas isso não deve ser interpretado como inferioridade ontológica, mas
como impedimento social, política e ideológica, que inclusive fica mais claro quando se
compreende que os grupos populares têm uma longa experiência (FREIRE, 2004).
Com a intenção de compreender a abordagem que para ela seria pertinente ao
tema e também possibilitar sua autoria e autonomia propositiva, perguntei como ela
organizaria um processo educativo para o tema:
90
O planeta pede socorro. Locais e intensidade de eventos climáticos (sugestão de temas
geradores). Investigar o que são furacões, maremotos, terremotos para sabermos por que
isso está acontecendo, se isso seria porque “eu” estou no lugar errado: é o ser humano que
se implantou no lugar dele, ou se eles estão acontecendo em lugares que nunca tinha
acontecido ou se a incidência é no mesmo local? O planeta sobrevive sozinho? Ou
necessariamente ele precisa do ser humano para ele sobreviver? Até que ponto nós vamos
destruir e vamos continuar existindo? Será que nossa destruição vai dizer que chegou a um
ponto que agora “você” esta fora do processo. Lixão. Talvez com pesquisa para mostrar que
o retrato do micro reflete muitas vezes que está por detrás do macro, de não são coisas
isoladas, que faz parte do todo. (PROFESSORA FRANCISCA).
Francisca, ao vincular o tema com a incidência e alterações de fenômenos
atmosféricos, indica valorizar aspectos do sistema conceitual das ciências naturais e
matemática, da química ambiental, assim como aspectos de interações sistêmicas,
plurais e dinâmicas ali contidas. Para Capra (1996), furações e tornados são vórtices de
ar em violento movimento giratório nos quais vários fatores entram em jogo: diferenças
de temperatura, expansões e contrações do ar, efeitos da umidade, condensações e
evaporações. Resultam deste modo, em estruturas muito complexas que exibem uma
grande variedade de comportamentos dinâmicos. Para o autor, temporais com
relâmpagos e trovões podem converter-se em estruturas dissipativas com dimensões e
formas características – isto é, uma estrutura estável com matéria e energia fluindo
através de forças equilibrantes mecânicas, tendo como a força dominante a da
gravidade.
Mas é na formulação de questionamentos da professora que encontro a
possibilidade de reconhecimento de geração de ideia e criação de uma maneira de
abordar o ensino do tema. Com o questionamento da incidência de fenômenos
atmosféricos ela chama a atenção para as implicações das ações locais sobre eventos
naturais, assim ela busca compreender como poderia acontecer a superação das
agressões ambientais. Para Prigogine (2002), uma reformulação das leis fundamentais
da natureza deve deslocar-se para sistemas complexos, instáveis ou caóticos e envolver
descrição estatística e probabilística, sendo assim uma “nova representação
construtiva”.
Neste sentido, tais conteúdos têm caráter problematizador e mobilizador, o que
está em consonância com aquilo que Francisca considera necessário para dar relevância
a conteúdos atitudinais, de maneira a fomentar novas posturas. Na prática docente
dependemos então de constituir uma teia para integrar a natureza boa e bela,
tranqüilidade, implicações humanas na incidência de fenômenos atmosféricos, e ainda
interagir conhecimento cientifico e senso comum. Podemos considerar que é
91
fundamental desenvolver de forma metódica e sistemática a nossa capacidade de
indagar, tornando mais crítico o nosso bom senso (FREIRE, 1996). Para ele essa
postura de indagação é uma atitude de quem não se sente dono da verdade, nem
acomodado.
A indignação é, para o autor, própria de quem se encontra em permanente
disponibilidade para perguntar e responder, para concordar e discordar. A posição
indagadora do educador é sempre a de quem sabe que aos avanços das revoluções
tecnológicas pode também corresponder algo negativo do ponto de vista da presença
humana no mundo (FREIRE, 2004). Segundo Freire (2005), para educar é necessário
problematizar aos oprimidos todos os mitos de que se servem as elites opressoras para
oprimir, não apoiar nem método, nem respostas com conteúdo opressor.
A professora Francisca entende que o tema requer a prática de investigar, o que
aponta outro aspecto de proposição que integra aos seus questionamentos: a curiosidade
e a ação para a prática educativa. Para Freire (2004, p. 139), “a curiosidade associada à
ação está forjada pela necessidade. A necessidade é forjadora da curiosidade e do
fenômeno do conhecimento”. O autor nos lembra de que o conhecimento tem uma
dimensão biológica, assim, por exemplo, a necessidade de comer fez com que os
homens desenvolvessem seu conhecimento para encontrar caminhos mais eficientes.
Para González-Rey (2006), a exposição como centro de nossas práticas
pedagógicas fomenta um posicionamento passivo do estudante que, no intuito de
compreender, não reflete nem questiona o que ouve o que dificulta sínteses e
abordagens necessárias a uma aprendizagem reflexiva. O sujeito que aprende deve ter
tempo de elaborar as questões, levantar suas perguntas, avançar no caminho de suas
conclusões. Assim, a curiosidade é um princípio para superar a ideia de conhecimento
despersonalizado e agregar o afetivo, disso decorre a importância de considerar o sujeito
que aprende na complexidade de sua organização subjetiva.
Com a intenção de compreender a ampliação do compromisso pessoal da
professora, e reconhecer a definição de um reposicionamento perguntei à professora se
houve ressignificações em função da formação vivida:
Uma conscientização maior no sentido de (assumir) minha responsabilidade na formação
humana, de uma pessoa. Não necessariamente, em uma disciplina, mas sim na formação
humana, o ser (humano) como parte de tudo isso. (PROFESSORA FRANCISCA).
92
A representação presente neste recorte indica uma modificação em relação ao
início de sua argumentação, baseada na insustentabilidade do capitalismo e do
consumismo. Nesse momento a professora expressa uma representação da docência
comprometida com a formação humana e da responsabilidade dos professores dela
decorrente. Segundo Loureiro (2012, p. 88), a aprendizagem não é individual, resulta de
uma dimensão de formação humana “engloba outra pessoa, o diálogo, a mobilização, o
conhecimento, a mudança cultural, a transformação social e a participação na vida
pública.”
Assim, a argumentação de Francisca abarca suposições que simbolizam valores
no sentido da ética para a sustentabilidade. Parece possível aproximar as reflexões da
professora a princípios apresentados no Tratado de Educação Ambiental. Assim
interpreto que suas suposições simbolizam valores no sentido da ética para a
sustentabilidade presente no princípio do Tratado de Educação Ambiental e
Responsabilidade Global: i. “A educação ambiental deve promover a cooperação e o
diálogo entre indivíduos e instituições, com a finalidade de criar novos modos de vida,
baseados em atender às necessidade básicas de todos, sem distinção étnica, física, de
gênero, idade, religião ou classe.” ; ii. “A educação ambiental deve tratar as questões
globais críticas, suas causas e inter-relações em uma perspectiva sistêmica, em seu
contexto social e histórico. Aspectos primordiais relacionados ao desenvolvimento e ao
meio ambiente, tais como população, saúde, paz, direitos humanos, democracia, fome,
degradação da flora e fauna, devem ser abordados dessa maneira.” (PRONEA, 2004, p.
48). Assim, a interpretação da argumentação desenvolvida pela professora “como falar
de sustentabilidade com quem passa fome?” me levou a considerá-la como proposição
que indica ser relevante atender as necessidades básicas de todos. Sua reflexão é
marcada pela elaboração de diversos questionamentos que resultaram na representação
da docência comprometida com a formação humana.
6.1.4 A produção subjetiva do professor Antônio – “eles conseguiam viver
tranquilamente e essa é uma visão de sustentabilidade deles”
O professor Antônio tem experiência de docência em matemática na educação
básica. No período da pesquisa cursava o mestrado em Educação Matemática e no
projeto OBEDUC tinha o papel de articulação de sua pesquisa de pós-graduação com a
93
escola, atuando com os professores e com os graduandos em intervenções junto aos
estudantes. O professor informou que tem origem europeia, bem como origem e
vivência no meio rural, embora resida atualmente em área urbana. Selecionei a frase
“eles conseguiam viver tranquilamente e essa é uma visão de sustentabilidade deles”
como aquela que sintetiza os sentidos de sustentabilidade para o professor, pois expõe
um reconhecimento de diferentes modelos de sustentabilidade.
Todavia esta frase não aparece desde o início da conversação. Como ponto de
partida, levo em consideração aquilo que o professor elaborou, ainda no grupo de
discussão, como tema gerador e o contratema, para estudo da temática: “Discurso
teórico x práticas efetivas”; “A não necessidade que gera inércia; disponibilidade de
recursos”. Naquele momento ele também elaborou algumas problematizações ao tema
gerador: “Por que não nos envolvemos nas discussões legislativas?” “O que fazemos de
efetivo no nosso ambiente de vida?”. Compreendo que o posicionamento do professor
expressa opinião no sentido de se atentar para diferenças entre o discurso teórico, as
práticas cotidianas e a necessidade de regulação e legislação, de modo que seja
focalizada a disponibilidade de recursos.
Entendo que, se por um lado, através da noção de disponibilidade de recursos há
uma representação que aponta a autoregulação do mercado no enfrentamento da crise
ambiental; por outro lado, com a noção de práticas efetivas e inércia, o professor
pretende fazer o que Portilho (2010) chama de transferência da atividade regulatória
para o cidadão.
Toda essa problemática elaborada pelo professor também remete a aceitação da
ampliação do papel de fiscalização do Estado. Carvalho (2012, p. 49) nos lembra de que
na década de 1970 destacaram-se os movimentos que se nomeavam ecológicos e
ambientais e no plano governamental configurou-se, naquele momento, “uma estrutura
institucional voltada para a regulação, legislação e controle das questões de meio
ambiente.” O que dá à noção do professor Antônio uma consonância com o debate
público sobre o tema.
Durante a entrevista perguntei quais aspectos e indicadores sobre
sustentabilidade ele considerava serem mais significativos para sua compreensão do
tema. De sua resposta recorto o seguinte trecho:
Então o legal de Mato Grosso é que nós temos muito disso, mas também temos muito do
indígena, da cultura do índio e culturas que se formaram ao em torno da cultura do índio,
94
então temos aí um embate muito grande na diferença no nosso estado, de um movimento
desenvolvimentista e um movimento de preservação ambiental. (...) Aí é que está a questão:
o que é sustentabilidade para mim, e o que é sustentabilidade para você? Porque depende
muito da “minha” formação cultural, eu vejo por esse aspecto. (PROFESSOR ANTÔNIO).
Pode-se compreender que em sua concepção, a questão da sustentabilidade tem
raízes histórico-culturais o que leva à noção de diferentes visões em função da formação
cultural. Também há outros trechos de expressão do professor associados com a cultura:
“quando minha família migrou da área rural para a área urbana, nós não deixamos
muitos dos nossos costumes”; “então quando nós entramos em contato com uma
cultura que não era a nossa nós sofremos interferência em nossa cultura”, desta forma,
a cultura é apresentada como costumes submetidos a interações e interferências.
Durante o aprofundamento da conversa apareceram elementos de dois modelos de
sustentabilidade, um preservacionista e outro desenvolvimentista, que teriam origem em
culturas distintas: uma de “nativos” e a outra de “colonizadores”.
Para entender esses elementos da argumentação do professor, perguntei sobre a
noção de semelhanças e diferença entre as culturas:
Quando a gente discute sustentabilidade volta à questão da consciência de poucos que têm
uma visão ampliada, muitos que estão no movimento eles não tem essa visão ampliada(...)
Há esse link entre o macro e o micro, mas isso está no campo das pessoas que discutem
ciências, das pessoas que conseguem ter uma visão um pouco ampliada... se discute muito
no macro, mas é no micro aonde você atua diretamente, através de ações, as pessoas têm
outra postura, aí sim, que o individual prevalece. (PROFESSOR ANTÔNIO).
Antônio, partindo da noção macro e micro, reflete sobre a questão do debate
global e da decisão local sobre as implicações da responsabilização e do engajamento
público e privado. Segundo Carvalho (2012), o famoso lema “agir local, pensar global”
já expressa a compreensão de que as realidades locais são profundamente afetadas pelas
ações, decisões e políticas definidas internacionalmente.
Sustentabilidade é expressa pelo professor em outro fragmento como
“entendimento das coisas” expressão com a qual, consonante com sua consideração de
pouca conscientização sobre o tema em âmbito dos projetos humanos locais onde se
desenvolvem as ações diretas das pessoas e segundo o professor, somente as pessoas
que discutem ciências teriam uma visão ampliada do tema.
Portanto, ao refletir sobre a relação entre formação cultural, decisões globais e
agir local o professor expressa um conteúdo de determinação cultural, como quando ele
expressa “vou fazer umas ações mais por participação ativa, mas ‘eu’ não vou mudar
culturalmente durante minha vida inteira...”. Segundo Portilho (2010, p. 177), para a
95
“crítica da cultura de massa” as ações, assim como o consumo, são determinadas pelos
interesses das indústrias e os cidadãos são reduzidos à condição de consumidores,
vítimas passivas, insensatas e manipuladas pelas estratégias publicitárias. Como
implicações dessa representação, as mercadorias visariam exclusivamente satisfazer
falsas necessidades, aumentando a dominação ideológica. Em tal perspectiva, a
expansão da cultura de consumo foi associada com o declínio da esfera pública, a
redução da participação política e a crescente privatização da vida diária. Disso decorre
a dependência da escolha e do comportamento em relação à esfera da produção, sendo
desta última a pressão que determinaria quais produtos seriam oferecidos aos
consumidores.
Portilho (2010) lembra que a transferência da atividade regulatória para o
cidadão levou a uma excessiva culpabilidade e responsabilidade do consumidor, a partir
de sua atitude cotidiana e individual. Ainda assim a autora chama atenção de que na
esfera das decisões pessoais, de acordo com a teoria cultural, o consumidor enquanto
escolhe, protesta e mostra também contra o que ele se coloca. Para a autora, desta
maneira justifica-se uma coerência nas escolhas feitas pelos sujeitos, assim como
justifica questionar e criticar, as afirmações relativas a uma mera dependência
intelectual e cultural de consumidores.
Do exposto, reconheço no discurso do professor, uma argumentação contextual
que incorpora dimensões do debate público sobre o tema no âmbito da
responsabilização estatal e da necessidade de engajamento político e acadêmico. Os
sentidos subjetivos também interagem com o debate instalado na medida em que
Antônio representa a implicação da diferença cultural para as tomadas de decisão no
contexto das temáticas atuais.
Com a intenção de compreender diferentes representações que envolvessem
sentidos subjetivos perante a tensão vivida no projeto e considerando a argumentação
desenvolvida até àquele momento da conversa, perguntei ao professor quais outros
temas, em âmbito macro e micro, ele apontaria para serem usados como uma síntese de
sustentabilidade naquele momento:
(...) o alimento precisa de terra para produzir. Aqui uma coisa que eu ainda não vi: no sul o
dono da terra, ele planta a sua terra, e tem aquele pedaço de terra entre a propriedade dele e
a rodovia. Você não vê quase capoeira na beira das estradas, muitas vezes eles fazem
plantações até na beirada da estrada, ou seja, eles maximizam a produção de alimentos. (..)
É a questão do preservar e produzir. (...) O Brasil quando recebeu os imigrantes,
principalmente italianos e alemães, esses imigrantes, eles trouxeram tecnologia para o
96
Brasil e eles que deram um “boom” de desenvolvimento agrícola. (PROFESSOR
ANTÔNIO).
Compreendo que o professor vincula sustentabilidade com a tensão entre
preservar e produzir. Para ele há práticas que visam potencializar a capacidade
produtiva rumo à maximização da produção. Desta maneira, ele julga que em função
desta prática a carência alimentar, bem como a disponibilidade de recursos naturais, já
foi suprida e satisfeita. Ou estão, permanente e continuamente, supridas, seja pela
produção, seja pela pesquisa.
No recorte “é a questão do preservar e produzir” é possível compreender a
representação “eles conseguiam viver tranquilamente...”, assim como os modelos de
sustentabilidade preservacionistas, dos nativos, e desenvolvimentistas, dos
colonizadores. Na opinião do professor a cultura do nativo, definido como “habitantes
que se adaptaram às condições ambientais locais”, é considerada enraizada,
harmoniosa, tranqüila, agradável, geradora de ambiente equilibrado (também expresso
como ambiente agradável em outro trecho).
Mas para ele, viver tranquilamente não é um objetivo universal, tem diferentes
enfrentamentos culturais e geracionais, que podem ser compreendidos quando ele
expressa “o colonizador ele busca romper todos os limites que são impostos a ele.
Porque ele não consegue atingir o objetivo colonial de levar sua cultura, o seu modo de
vida se lhe for imposto barreira”.
Para Carvalho (2010, p. 167), nem todos os grupos sociais envolvidos nos
conflitos ambientais se veem como ecologistas ou consideram suas lutas estritamente
ecológicas. Contudo, isso não significa que, em diferentes níveis, essas populações não
tenham já certa sensibilidade ambiental presente em seus universos culturais ou não
incorporem uma visão ambientalista quando em contato com as lutas ambientais.
Com a intenção de compreender a argumentação desenvolvida até àquele
momento, perguntei ao professor Antônio quais implicações ele percebia para a
educação ao estender essa discussão para a escola, então ele disse que “o processo de
degradação é irreversível” e continuou:
Nós chegamos aqui na região do Cerrado e da Floresta Amazônica havia comunidades que
viviam em harmonia com o ecossistema e elas conseguiam viver tranquilamente e essa é
uma visão de sustentabilidade delas. A partir do momento em que nós colonizadores
chegamos nós não tínhamos condições de sobreviver nesse ambiente equilibrado. (...) Nós
começamos a construir cidadezinhas e essas foram crescendo, crescendo e eu fico
imaginando: qual será o limite? Porque essas cidadezinhas vão crescendo, e vão se juntar.
Como no sul e no sudeste várias cidades juntaram e uniram. (PROFESSOR ANTÔNIO).
97
Compreendo que o professor Antônio concebe consequências da ação humana
no planeta, para ele há culturas que estão em contraposição às condições de equilíbrio, e
degradam o ambiente, ao contrário daquelas que lhe são harmônicas. A irreversibilidade
da degradação é uma noção presente em críticas ao impacto da produção e do consumo,
mas também em estudos de valores culturais e éticos. A tensão entre preservação e
produção é em certa medida uma noção relevante, que ajuda a pensar o conceito de
capacidade de suporte.
Do ponto de vista das críticas à produção, ainda que haja o desenvolvimento de
biotecnologia de (bio)remediação, a noção de eficiência produtiva apoiada no conceito
de capacidade de suporte sem gerar degradação de recursos é, de fato, considerada
frágil. Loureiro (2012, p. 57) nos lembra que a questão não é de ordem apenas
ideológica, mas material e energética, de um ponto de vista ecológico e cultural, o
conceito deve ser criticado, “pois ele é operacional em escala planetária, mas pouco
viável de ser concretizado em análises locais, em função de serem sistemas sociais
abertos a trocas materiais e energéticas com outros sistemas.”
Portanto, tal crítica permite compreender como as ações podem afetar a
viabilidade de regeneração ambiental. Também auxilia na compreensão de definições de
desenvolvimento sustentável naquilo que envolve a noção de crescer sem comprometer
a capacidade de suporte dos ecossistemas e seus ciclos, garantindo a existência dos seres
humanos e de outras espécies, a longo prazo.
Durante a entrevista surgem os sentidos de outros espaços da vida social do
professor, que demonstram experiências sociais além do evento vivido, como quando
ele expressa “eu da cultura que me originou, sulista”, assim como “eu sou fruto desse
movimento colonial”. Neste mesmo sentido, há outro trecho de expressão relevante para
compreender mais argumentos que evidenciam o relacionamento do tema com a sua
história de vida:
Eu vivi na região norte justamente em um período de colonização e eu sou fruto desse
movimento colonial aqui da região Norte e Centro Oeste... se você pega as comunidades
colonizadoras, eu sou colonizador, eu estou impondo a minha cultura. O colonizador ele
busca exatamente romper todos os limites que são impostos a ele. Porque ele não consegue
atingir o objetivo colonial de levar a sua cultura, o seu modo de vida se lhe for imposto
barreiras. (PROFESSOR ANTÔNIO).
Ao se identificar como colonizador, Antônio expõe a tensão do tema com suas
experiências de vida social, nas quais estão presentes intenções de preservar e produzir.
98
O professor considera que os colonizadores tiveram um papel importante no
desenvolvimento agrícola e também na política de colonizar a região norte do estado de
Mato Grosso. Identifica uma tensão na ideia de sustentabilidade devido ao objetivo que
impulsiona o colonizador a romper limites, visando impor a sua cultura. Esse
entendimento o leva a criticar às distintas repercussões na postura das pessoas em
âmbito global e na postura das pessoas em âmbito local.
Então é na tensão entre diferentes modelos que sustentabilidade ganha sentido
para ele: “a sustentabilidade é a questão do consumo consciente.” Assim, torna-se
compreensível a sua atribuição de distintas responsabilidades presente em sua
argumentação. Também ganha clareza o sentido subjetivo em interação com o trecho de
expressão “visão de sustentabilidade”, que se constitui por dois aspectos, um em que
somos distintos, inclusive em termos de utopias e projetos, outro que torna viável uma
generalização da orientação em termos de consumo sustentável.
Também passa a ser compreensível as sínteses apresentadas pelo professor
Antônio no complemento de frases,
1 - no cotidiano: procuro com minhas ações minimizar os impactos ambientais
provocados pelo progresso. (PROFESSOR ANTÔNIO).
2 - Para mim meio ambiente é: onde o indivíduo interage; (PROFESSOR ANTÔNIO).
3 - O bioma tropical úmido: é o maior e mais diversificado do mundo, mas que irá ser
transformado rápido ou de forma mais demorada conforme as políticas públicas.
(PROFESSOR ANTÔNIO).
Novamente as proposições apresentadas estão relacionadas com a minimização
dos impactos, a presença do indivíduo como agente de modificações e a relevância do
papel das políticas públicas nas transformações ambientais. Assim, o professor faz
atribuição de valores, ainda que não totalmente esclarecidos e sistematizados, para com
a responsabilização pública e privada.
Portanto, a argumentação desenvolvida pelo professor Antônio sintetizada na
frase “eles conseguiam viver tranquilamente e essa é uma visão de sustentabilidade
deles” me leva a considerá-la como proposição que indica: apesar do discurso global
não apoiar a degradação, não há ações locais suficientes, sendo que a formação cultural
explica porque o viver tranquilo de nativos não é um objetivo compartilhado pelos
colonizadores. Para Capra (2002), a sustentabilidade abarca o respeito à integridade
cultural, à diversidade cultural e ao direito básico das comunidades à autodeterminação
99
e à auto-organização. Assim, interpreto que estas suposições se aproximam de valores
no sentido da ética para a sustentabilidade, presentes nos princípio da Carta da Terra:
i.“apoiar sociedades locais, regionais e globais e promover a participação significativa
de todos os indivíduos e organizações na tomada de decisão.”; “adotar planos e
regulações de desenvolvimento sustentável em todos os níveis, que façam com que a
conservação ambiental e a reabilitação sejam parte integral de todas as iniciativas de
desenvolvimento.”; “Assegurar que as comunidades em todos os níveis tenham
garantidos os direitos humanos e as liberdades fundamentais e dar a cada uma a
oportunidade de realizar seu pleno potencial.”; “fortalecer as comunidades locais,
habilitando-as a cuidar dos seus próprios ambientes e designar responsabilidades
ambientais em nível governamental onde possam ser cumpridas mais efetivamente.”;
“Implementar estratégias amplas para prevenir conflitos violentos e usar a colaboração
na resolução de problemas para manejar e resolver conflitos ambientais e outros
dilemas.”; “implementar estratégias amplas para prevenir conflitos violentos e usar a
colaboração na resolução de problemas para manejar e resolver conflitos ambientais e
outros dilemas.”; “proteger os direitos à liberdade de opinião, de expressão, de
assembléia pacífica, de associação e de oposição [ou discordância].” (BOFF, 2012, p.
175). Considero que a argumentação que Antônio desenvolve aproxima-se de princípios
da participação com honestidade, no âmbito da esfera pública e privada, demandando
liberdade de expressão.
A interpretação da configuração subjetiva de Antônio também propicia focalizar
sentidos subjetivos relacionados à docência, pois traz a intencionalidade do professor
para com um ensino que confronte a formação cultural e a visão dos estudantes.
Para compreender esses elementos da argumentação desenvolvida e outros que
implicassem na sua prática docente, solicitei do professor Antônio que apresentasse
uma descrição de figuras e fotos com as quais pudesse elaborar uma possível sequência
didática para abordar o tema em suas aulas:
O que acontece: há um terremoto lá do outro lado do mundo, queira você ou não afetou
parte dos brasileiros, não de uma forma dramática, mas hoje nós não estamos mais assim
em ilhas, a gente não tem como pensar em estar sozinho, nós somos um todo. Para se
trabalhar a questão da sustentabilidade, primeiro a gente tem que mostrar que todo mundo
faz parte desse Planeta, esse planeta é nossa casa, e não adianta eu ficar discutindo, é
importante. Nós temos que ter duas frentes, a frente de nosso ambiente mais próximo e
outra frente também pensada de uma forma global. Depois eu trabalharia pela questão das
imagens, a visão de transformação que o homem faz mais tranqüila, temos diferentes níveis
de transformação que o homem efetua na natureza. Talvez por uma ação não planejada,
talvez não pensada, acabou trazendo desequilíbrio. Então abordar a interação que o homem
100
tem com o ambiente. Enfim os paisagismos, nós sempre, isso é da nossa natureza, de
tentarmos reproduzir um ambiente agradável para nós, a gente planta jardim, árvores,
porque nós não conseguimos viver longe dessa natureza. (PROFESSOR ANTÔNIO).
A representação do pensar global e agir local são aspectos relevantes na noção
de sustentabilidade do professor Antônio, que volta a aparecer na proposta de sequência
didática. Ele estabelece a necessidade de uma visão global do Planeta como sistema,
como casa comum; mas também de discutir o tema por “duas frentes” uma local (em
outros trechos expressa como micro) e outra global (em outros trechos expressa como
macro) e só posteriormente aborda diferentes níveis de transformação, sendo uma delas
considerada “tranqüila”, outra “talvez não planejada” e assim desequilibrante, por fim
expressa uma semelhança, ou seja, a necessidade dos grupos humanos de “reproduzir
um ambiente agradável”.
Com uma representação de duas frentes para a educação o professor traz uma
coerência com sua configuração subjetiva, quando concebe que a sustentabilidade tem
raízes histórico-culturais. Também acredita que existem diferentes modelos de escola
em função de sua inserção cultural. Juntam-se a isso as ideias de sustentabilidade como
“buscar o equilíbrio” e de “questão do consumo consciente”, o que o leva a expressar
uma abordagem em que confrontaria ações humanas e distintas relações com a natureza.
Freire (1996) insiste que sujeitos dialógicos aprendem e crescem na diferença,
com respeito a ela, sendo assim coerente com a inconclusão do ser humano e com a
ética. Para ele, nos processos de afirmação cultural não cabem mais os machistas,
racistas, classistas, sendo que “qualquer forma de discriminação é imoral e lutar contra
ela é dever, por mais que se reconheça a força dos condicionamentos a enfrentar” (p.
60).
Também nos alerta Loureiro (2012), que há apropriações do conceito de
desenvolvimento sustentável por parte de agentes sociais que o tornam tão distintos. As
intencionalidades são frequentemente conflituosas e isso se manifesta nas estratégias de
atuação. Para o autor, “somos constituídos por múltiplas mediações que condicionam
nossas ações no mundo para além do que se conhece e acredita” (p. 58). Desta maneira,
há limites materiais, processos afetivos e aspectos motivacionais vários, em grande
parte desconhecidos, que podem ser determinantes para nossas práticas. Assim, aparece
nessas proposições uma representação presente nas preocupações contemporâneas
relacionadas ao reconhecimento das diferenças culturais na construção societária e
também na docência.
101
Na tentativa de compreender um conjunto de conteúdos, a abordagem julgada
como pertinente ao tema e também compreender uma autoria e autonomia propositiva
do professor, perguntei a ele como, ao integrar saberes locais e suas implicações
globais, ele organizaria um processo educativo para o tema:
Para conseguir despertar alguma coisa a respeito de sustentabilidade teria que pegar no
ambiente urbano, onde eles estão acomodados, porque todas as suas carências foram
satisfeitas e levar e mostrar a ele a realidade do campo, a realidade do rio, explicar a
história que o rio transbordava. Então eu tenho que sair da zona de conforto, tenho que
mostrar para ele a visão global, do todo, e é complicado fazer isso em sala de aula porque
nós estamos restritos às quatro paredes, cada um se preocupa em resolver seus problemas
dentro de quatro paredes. Nossa solução não está dentro das quatro paredes. A solução está
onde está o problema. A resolução do problema está no próprio problema. Você não tem
como resolver um problema se você não estiver dentro do próprio problema. (...) como é
que nós chegamos a essa questão da disponibilidade de recursos: “quando eu quero alguma
coisa eu vou ali à feira e compro”, só que boa parte dos alunos que vivem na cidade, eles
nem sabem, saber eles até sabem. Mas não sabe que o ovo sai da galinha, que o leite sai da
vaca, que é preciso plantar e cultivar o arroz para comer, o arroz que vem para o prato.
Então abordar a interação que o homem tem com o ambiente. Então não tem como discutir
essas questões de sustentabilidade se eu não levá-los para outros ambientes para que eles
vejam que para chegar a essa zona de conforto a que ele chegou, aliás, a que nós chegamos,
ela depende de uma série de outros fatores e se acontecer algum desequilíbrio ele vai ter
falta de algum elemento. (PROFESSOR ANTÔNIO).
Neste recorte aparecem novas distinções de posturas no relacionamento com a
natureza. O professor aponta distintos modelos de sustentabilidade para o ambiente
urbano, julgado sem carências e para a realidade do campo, julgada com degradada em
função da sustentação urbana. Compreendo que para o professor é preciso abordar o
suprimento das carências em âmbito global e urbano e a acomodação em âmbito local,
assim como a degradação dela decorrente. Para o professor, a abordagem do tema deve
confrontar as condições já satisfeitas na cidade com o espaço de desequilíbrio do
campo, que sustentam tais necessidades.
Então, a noção de Antônio aproxima-se da noção de interdependência entre
ambientes urbanos e campo, presente na representação de cidade como estrutura de não
equilíbrio de Prigogine (2002, p. 22): “o exemplo mais simples de estrutura dissipativa
que podemos evocar por analogia é a cidade.” Para o autor, a cidade é diferente do
campo que a rodeia; as raízes dessa singularidade estão nas relações que ela mantém
com o campo adjacente; de modo que se estas fossem suprimidas, a cidade
desapareceria.
Para o autor há uma impossibilidade de eliminar interação entre os sistemas.
Caso isso fosse possível, o universo poderia ser igualado a um universo de partículas
livres e, portanto, tudo seria ‘incoerente’, de modo que não existiria nem interações
102
químicas, nem biológicas, nem culturas humanas (PRIGOGINE, 2002). Para o autor,
uma reformulação das leis fundamentais da natureza deve abordar estruturas de não
equilíbrio, que só existem enquanto o sistema dissipa energia e permanece em interação
com o mundo exterior, como no exemplo da relação cidade e campo. Mesmo com a
responsabilidade de não fazer uma simples associação entre sistemas sociais e sistemas
naturais, pode-se potencializar abordagem da noção de “nova representação construtiva”
de Prigogine (2002, p. 21) a compreensão das conexões nos sistemas complexos.
Mas é na provocação de “a resolução do problema está no próprio problema,
você não tem como resolver um problema se você não estiver dentro do próprio
problema” que reconheço uma geração de ideias, ainda insipiente, com a qual o
professor expressa uma maneira de abordagem de ensino do tema.
A questão do viver tranquilamente vale para os nativos, entretanto a ação
docente tem que retirar o estudante de zonas de conforto e da acomodação em âmbito
local e realizar ações que favoreçam o reconhecimento da degradação. Para Freire
(1996) estar no mundo sem fazer história não é possível, assim como não é possível
estar no mundo sem politizar, sem fazer cultura, sem tratar sua própria presença no
mundo, sem aprender, sem ensinar, é “na inconclusão de que nos tornamos conscientes
e que nos inserta no movimento permanente de procura que se alicerça a esperança” (p.
58).
Com a intenção de compreender se tais sentidos constituíam uma ampliação do
compromisso pessoal, se definiam um reposicionamento do professor perguntei sobre
implicações para a docência:
Seria uma conscientização. Eu não vejo nem uma questão de saberes, mas sim uma
conscientização dos atos. Porque os saberes eles podem ser latentes ou não. Quanto aos atos
eles são ações. Você tem um saber e ele pode não se externalizar, esse saber pode se
manter. Você tem que participar do processo. Eu não vejo essa questão de independência
enquanto ter controle da coisa, mas sim ter participação na coisa, porque enquanto você
participa da coisa, você entende o que está acontecendo. (...) nós não fizemos nada ainda
voltada para a questão do consumo consciente, não somente de alimentos, não somente de
água, mas a questão do agrotóxico no alimento, pelo menos eu desconheço ações que foram
desencadeadas pela escola que trouxessem uma reflexão por parte da sociedade, pelo
contrário fomos omissos. A mídia obviamente que ela é influenciada pelo poder
econômico, houve estudos científicos, mas que não trouxeram muitas discussões e
reflexões sobre. A questão do agrotóxico que influencia no aleitamento materno, em
Campo Novo (município de Mato Grosso) tem um índice alarmante de crianças que nascem
com hidrocefalia e não é só isso e nós não sabemos o porquê do que ocorre ser abafado e
nós enquanto formadores não vamos em busca dessas informações, não usamos essa
informações ao nosso favor. (PROFESSOR ANTÔNIO).
103
A representação presente neste trecho de expressão indica outras distinções
agora voltadas à categoria de cidadão e governo, mas que retomam considerações sobre
as implicações em âmbito micro, onde se dá a contribuição direta das pessoas. Assim,
Antônio expõe seu objetivo docente como conscientização e apoio à participação. Ele
desenvolve a noção de sustentabilidade como uma questão de consumo consciente que
ainda não é discutida na escola. Na sua visão, tanto a escola quanto a mídia foram
influenciadas pelo poder econômico e esta não denuncia os problemas ambientais. Para
ele, os professores não buscam essas informações.
Assim torna-se compreensível sua noção de diminuir a distância entre discurso e
a prática. Para Freire (1996), as qualidades ou virtudes são construídas no esforço que
nos impomos para diminuir a distância entre o que dizemos e o que fazemos, este
esforço revela nossa atitude de busca pela coerência.
A argumentação de Antônio remete a proposições e suposições, ainda que não
totalmente esclarecidas e sistematizadas, que simbolizam valores que se aproximam de
uma ética para a sustentabilidade. Assim, interpreto que as suposições do professor
simbolizam valores que se aproximam da ética para a sustentabilidade presente no
princípio do Tratado de Educação Ambiental e Responsabilidade Global: i. “A educação
ambiental deve estimular e potencializar o poder das diversas populações, promovendo
oportunidade para as mudanças democráticas de base que estimulem os setores
populares da sociedade. Isto implica que as comunidades devem retomar a condução de
seus próprios destinos.”; ii. “A educação ambiental requer a democratização dos meios
de comunicação de massa e seu comprometimento com os interesses de todos os setores
da sociedade. A comunicação é um direito inalienável e os meios de comunicação de
massa devem ser transformados em um canal privilegiado de educação, não somente
disseminando informações em bases igualitárias, mas também promovendo intercâmbio
de experiência, métodos e valores.” iii. “A educação ambiental deve ter como base o
pensamento critico e inovador, em qualquer tempo ou lugar, em seus modos formal,
não-formal e informal, promovendo a transformação e a construção da sociedade.”
(PRONEA, 2004, p. 48). Assim a argumentação desenvolvida pelo professor Antônio
“eles conseguiam viver tranquilamente e essa é uma visão de sustentabilidade deles”
me leva a considerá-la como proposição no sentido de estimular setores populares, de
potencializar as diversas populações na condução de seus atos e de utilizar a mídia para
intercâmbio de experiências, métodos e valores.
104
6.1.5 A produção subjetiva do professor Eurico – “mas eu vivo a minha vida toda
em cima de sustentabilidade, para vocês é novidade”
O professor Eurico é coordenador pedagógico e possui um longo percurso
docente. No projeto OBEDUC tinha papel de articulador da relação escola-
universidade, portanto é dele a responsabilidade pela realização de atividades de
intervenções em matemática e iniciação às ciências. Ele é egresso de escola pública e
reside na área urbana do município, se declara de origem urbana e de origem africana.
Também declara que, mesmo com origem urbana, teve vivência marcada pelo manejo
dos sistemas e processos naturais. A família do professor era proprietária de uma área
urbana e sempre manteve o manejo de plantas cultivadas. Em seu relato destaco a frase
“mas eu vivo a minha vida toda em cima de sustentabilidade, para vocês é novidade”,
para sintetizar os sentidos subjetivos que articula a valorização de práticas culturais para
com a sustentabilidade.
Entretanto, assim como os anteriores, o professor apresenta outro ponto de
partida em sua reflexão sobre o tema. Nas manifestações no grupo de discussão,
apontou críticas ao tema apresentado por vezes como “artifício para a sobrevivência”,
desta maneira seu discurso suscita aspectos do debate global sobre agir pela pressão da
regulação legal ou pela conscientização. Na elaboração do tema gerador e seu
contratema, para investigação temática, o professor propôs: “Sustentabilidade, dá
vida?”, “Sobrevivência de quem?” Durante a conversa em grupo ele problematizou: “O
que devemos fazer para diminuir os impactos ambientais usando somente a legislação?
(...) nosso estado/cidade cumpre a legislação vigente?” Assim, o professor aponta
dimensões dos debates relacionados com sobrevivência, que envolvem a
responsabilização coletiva e individual.
Por isso, durante a entrevista solicitei que o professor falasse sobre o tema
gerador em que ele questiona sobre sobrevivência:
Exatamente, quem ganha mais com a sustentabilidade? Não é em si a população, mas sim
as grandes organizações que aparecem como organizadoras, salvadoras da pátria. E que tem
uma solução mágica que vai custar para a população. Há uma máquina trabalhando a favor
de não reverter esse quadro. É a máquina econômica. A partir do momento em que o caos
se instala gera isso. Porque aí tem que aparecer uma solução milagrosa e essa solução
milagrosa vem de onde? Alguém tem que arcar com isso e é a população quem vai arcar.
Então nada é feito ao acaso. Há sempre uma organização que está induzindo
economicamente para acontecer essas coisas. (PROFESSOR EURICO).
105
Compreendo que a noção de falácia e solução milagrosa que o professo Eurico
expressa está carregada das suas críticas iniciais ao tema da sustentabilidade. Para ele, a
população e as organizações econômicas estão em condições diferentes diante da
sustentabilidade. Para Loureiro (2012), seja com base no discurso da participação ou
não, o modelo de desenvolvimento sustentável vigente faz uma opção ideológica por
um discurso aparentemente não ideológico e neutro, centrado em um espírito solidário,
em valores válidos para toda a humanidade e em soluções tecnológicas e gerenciais do
ambiente. Carvalho (2012) nos lembra de que os grupos com maior força econômica e
política terminam sobrepondo seus interesses corporativos aos interesses coletivos, na
distribuição dos bens ambientais.
O professor fazia críticas ao caráter neutro de abordagens falaciosas sobre o
tema, desvinculando-o da esfera de ação da população em geral. Considerando a
argumentação desenvolvida, perguntei como poderia ser diferente se então a população
tivesse vantagem com o conceito de sustentabilidade:
(...) se nós pensarmos: “vamos reverter esse processo” a coisa seria muito mais interessante,
mas ai precisaria de um trabalho a longo prazo (...) Aqui não tem nem condições, porque o
transporte coletivo não foi estruturado para isso. (...) A população tem que enxergar que os
governantes deixaram de fazer nos últimos cinqüenta, sessenta anos, estamos há cem anos
sem fazer. Infelizmente precisava fazer, mas não de forma que está sendo feito. Se nós não
fizermos pensando cinqüenta, cem anos para frente nós vamos estar sempre fazendo isso
daí. Porque se nós tivéssemos hoje um transporte coletivo de qualidade nós poderíamos
deixar nossos carros em casa, estaríamos poluindo menos, consumindo menos, e teríamos
um acesso a diversas outras condições. (PROFESSOR EURICO).
O professor Eurico vincula o tema à viabilidade de transporte coletivo, desta
maneira argumenta que a sustentabilidade exige planejamento de longo prazo para
estruturação urbana e criação de alternativas coletivas. A exigência de certa forma
incorpora a reformulação da noção de futuro. Para Jonas (2006), na visão atual o futuro,
mesmo em um horizonte imediato, vai muito além dos referenciais aceitos no passado,
tanto para o planejamento humano quanto para a gestão pública. Para o autor, quanto ao
futuro por um lado, sabemos mais do que nossos antepassados, porque nosso
conhecimento analítico-causal é muito maior, com seu emprego metódico sobre os
dados já conhecidos por outro lado, sabemos menos, porque lidamos com um estado
constitutivo de mudança, enquanto os antigos lidavam com um estado estático (ou que
pelo menos assim o parecia). Desta forma, o professor Eurico aborda um viés comum
no debate público sobre sustentabilidade, relacionado ao compromisso com o futuro.
106
Durante a entrevista, o professor Eurico desenvolve outra argumentação com a
qual expressa outra compreensão de sustentabilidade:
Agora eu pergunto: pode ter um processo de reverter esse processo para que esses jovens,
para que essa futura geração tenha a oportunidade de vivenciar isso? Fazer a reversão desse
processo. Ou seria manter para não continuar o processo de destruição? Eu acho que
sustentabilidade deveria ter um processo de rever esse processo. Essa questão de
sustentabilidade é reversão do processo. Pode não voltar a ser o que era antes, mas a uma
situação próxima. (PROFESSOR EURICO).
Ele tem uma perspectiva processual da geração de alterações ambientais e as
julga como situações de difícil reversão. Mas também entende como uma exigência para
reverter o quadro de insustentabilidade e para uma nova construção societária.
Sobretudo ele tem uma visão otimista, acreditando na sustentabilidade como reversão
dos processos de degradação. De fato existem esforços globais de descontaminação dos
sistemas naturais, como é o caso da remediação de águas e solos contaminados. No
século XX foram desenvolvidas biotecnologias de tratamento conhecidas por
remediação e biorremediação, que fazem uso de vários métodos químicos e biológicos
de descontaminação de sedimentos, usados para degradar ou remover os contaminantes,
por processos aeróbios ou anaeróbios (BORÉM; SANTOS, 2001; BAIRD, 2002). Neste
sentido, o professor aproxima-se de uma representação de reversão, presente no debate
público sobre o tema, defendendo a responsabilização pela recuperação de danos
ambientais.
Do exposto, reconheço uma representação expressa de maneira contextual, que
se desdobrou em recusa de falácias e discursos de sobrevivência, posteriormente em
vinculação com planejamento e reversão da degradação. Desta forma durante a
entrevista o professor apresenta sentidos subjetivos que refletem posicionamentos no do
debate público sobre o tema.
Por pretender compreender os sentidos subjetivos diante da tensão participativa
no projeto, bem como as proposições de sentidos subjetivos expressos, perguntei ao
professor quais aspectos educacionais poderiam se integrar ao tema se fizéssemos uso
dos aspectos já citados:
O aspecto tem a ver com preservação, história. O que aconteceu com o decorrer do tempo?
Se nós observássemos as fotos antigas que têm esses córregos ai dessa região, que era só
mata... Nós deixamos de ter uma grande quantidade de água potável. Porque não teve
nenhum estudo, nenhum trabalho de preservação há vinte, trinta anos atrás que poderia ter
sido feito naquele tempo. Então esses córregos aí estão em situação difícil de voltar.
(PROFESSOR EURICO).
107
Na expressão do professor, encontro indicadores de sentidos subjetivos de
interação ecológica e de perspectiva histórica. Em termos de interação ecológica, atribui
valor aos córregos, mata, suprimento de água, assim ganha sentido a noção expressa de
preservação. Também, com uma visão otimista, o professor Eurico aponta um sentido
associado à reversão dos processos de degradação.
Em sua argumentação aparece o caráter histórico com o qual ele entende ser
necessário acreditar na reversão da degradação e para tanto aponta um compromisso
social com a superação do atual nível de destruição, de maneira que as gerações futuras
possam vivenciar interações ecológicas semelhantes as que têm presente em sua
memória.
Durante a entrevista, perguntei ao professor quais aspectos e indicadores ele
consideraria mais significativos para sua compreensão sobre sustentabilidade:
Eu vim conhecer esse termo sustentabilidade na faculdade, pós-faculdade. E a gente veio
discutir agora, vem como uma novidade para a gente. Mas é o mesmo que dizer para o
índio: “fale sobre sustentabilidade”, “mas eu vivo a minha vida toda em cima de
sustentabilidade, para vocês é novidade, mas para mim eu já faço, já prático o tempo todo”.
(PROFESSOR EURICO).
Eurico compreende que a novidade do termo, que ele aprendeu depois da
faculdade, era mais terminológica do que de conhecimento de práticas sustentáveis. Ele
apresentou, ainda outros argumentos reconhecendo ter conhecimento sobre o tema antes
de aprender tal denominação:
Não tínhamos atentado para questões sustentáveis que a própria formação familiar inicial
(em) situações onde que acontecia que dentro da própria criação (a expressão se refere a
educação recebida na família), e eu não tinha me atentado para esses detalhes que estava
sendo educado em padrão sustentável. (PROFESSOR ANTÔNIO).
Para o professor, sua família o educava em padrão sustentável. Para Portilho
(2010, p.146), mudar os ‘‘padrões de consumo” é mais do que mudar os “níveis de
consumo”. Essa mudança exige mais do que mudanças limitadas às mudanças
comportamentais, tecnológicas e econômicas para que não haja incremento da pobreza.
Para a autora, a redução do consumo ou do uso de recursos naturais deve ser
acompanhada de mudança no padrão de distribuição e acesso aos recursos naturais.
Sendo assim, é necessário estabelecer critérios e indicadores para fixar metas de
redução do uso dos recursos como o é o principio ético de equidade inter e
intrageracional.
108
Assim, torna-se compreensível sua noção de sustentabilidade, que articula
elementos de responsabilidade e valorização de padrões para atitudes sustentáveis. Para
o professor essas são implicações que remetem às relações socioculturais e econômicas
do cotidiano. Para ele o tema transitou entre diferentes sentidos, como se percebe no
fragmento “cada vez que nós começamos a conversar sobre sustentabilidade surgiu
aspecto diferente...”. Sendo assim, é compreensível que seu discurso tenha incorporado
um sentido de caráter solidário, presente em expressões onde o professor considera
necessário “(...) ligar sustentabilidade com o respeito pela preservação da vida”.
Portanto, ao refletir sobre o tema, lembra-se da família e de suas práticas
sustentáveis, em uma propriedade urbana onde mantinha um bom relacionamento com
manejo do ambiente, constituindo no local um espaço de conservação da natureza.
Aparece em sua argumentação a articulação de sentidos de outros espaços da vida
social. Para compreender esses sentidos, perguntei como cuidar desse espaço ajudava a
compreender sustentabilidade:
A última tia minha faleceu em setembro. São mais de mil metros quadrados e permaneceu
com árvores, vários tipos de árvores, lá tem sete tipos de mangueiras, cajueiro, a gente em o
pé de jenipapo. Meu pai falava “daqui um tempo não vai mais ter, tem que cuidar disso
daqui”. Então tinha esse espaço para estar preservando ali dentro e nós não vamos ter mais
esse tipo de coisa. (PROFESSOR EURICO).
Então perguntei pelo córrego que apareceu nas manifestações em grupo e porque
a água lhe chamava atenção:
Esse córrego era extensão do córrego Gumitá (corpo d’água no centro da cidade de
Cuiabá). Era uma parte que conheci na minha infância, toda essa região. Isso dali eram
águas potáveis, quarenta, cinqüenta anos atrás... as pessoas iam lavar roupas naqueles
córregos ali. Presenciei vários momentos. (...) Porque a primeira canalização de água que
chegou na parte do Araés (bairro central da cidade de Cuiabá) quem fez foi meu avô em
reservatórios de água de três, quatro metros de comprimento, porque era difícil água
naquela época e meu avô era mestre de obra. Então ele canalizou e servia para a vizinhança
também. (PROFESSOR EURICO).
Neste recorte percebo um sentido subjetivo de responsabilização para o qual tem
relevância a presença da família na formação de valores. Trata-se de sentidos subjetivos
implicados pela memória do uso e canalização de recursos hídricos por parte de
familiares e do avô.
Durante a entrevista, um fragmento propicia compreender melhor a articulação
de sentidos de outros espaços da vida social, que surgiu quando perguntei quais
aspectos eram significativos na sua compreensão sobre sustentabilidade:
109
(...) fui criado (a expressão refere-se cuidados familiares) nesse ambiente de criações (a
expressão se refere aos animais domésticos), na própria residência, no próprio quintal de
casa tinha diversas mangueiras, abacaxi, jenipapo. Eu conhecia jenipapo, tinha na casa dos
meus avós. Tinha jenipapo, tinha tamarindo, pé de Tarumã, devido ao terreno ser grande e
no centro da cidade, praticamente no Araés (nome de um bairro do município em que o
professor reside) fui criado em minha infância, minha adolescência voltado para isso:
“vamos ter o pé de tal planta”, “para o que serve essa planta?”, “ qual é a finalidade?”
Minha mãe voltada para (o cultivo de) ervas medicinais. Então é uma questão para a qual
eu não tinha atentado para sustentabilidade desde minha infância. (PROFESSOR
EURICO).
A família do professor é proprietária de área urbana e ele julga que nela sempre
manteve manejo adequado da biodiversidade. Considera que apesar da propriedade ser
urbana não foi um impedimento para o manejo de animais e plantas, ganhando destaque
desde a infância a presença da mãe no cuidado de plantas medicinais.
Segundo Boff (2012), o conceito de sustentabilidade nasceu e se elaborou a
partir da silvicultura, do manejo das florestas. Segundo Leff (2010), mais tarde o tema
se reformulou em experiências de lutas sociais e reapropriação cultural da natureza
sendo que a ecologia política, sobretudo na América latina, levou a novos conceitos,
com as lutas epistêmicas e culturais dos povos indígenas, de modo que atualmente é
indevido pensar o bem-estar pela ótica do mercado. O autor lembra que a biodiversidade
não tem o mesmo significado para o Banco Mundial e para os povos indígenas. Para o
autor, o reconhecimento do valor da biodiversidade e da diversidade cultural deve
ocorrer no interior de outra racionalidade social e produtiva com incorporação da ideia
de bem viver.
Assim, no âmbito da experiência de vida social é que ganha sentido a expressão
“mas eu vivo a minha vida toda em cima de sustentabilidade”, bem como quando diz
“eu fui criado para isso”. Compreendo que há um sentido subjetivo de
corresponsabilidade, com o qual o professor traz uma vinculação da responsabilidade
anteriormente atribuída ao Estado para a esfera privada. Assim, torna-se compreensível
o sentido subjetivo com o qual o professor julga os padrões de sustentabilidade
presentes em determinadas práticas culturais voltados para o respeito, ao uso e
conservação de água e manejo da biodiversidade.
Segundo Portilho (2010), trazer a questão ambiental para a agenda privada
fortalece a participação individual e coletiva nas decisões políticas. Para a autora, trata-
se de uma visão de politização que possibilita o retorno à esfera da cidadania, de
maneira que tem sido interpretada como uma possibilidade agregadora e emancipatória,
que fortaleceria o interesse e a participação nos debates cotidianos.
110
Do exposto, reconheço na argumentação desenvolvida pelo professor a
articulação de sentidos que ele traz de outros espaços da vida social, assim como
aqueles que emergem da tensão de participar no projeto OBEDUC e do contexto
formativo. Tais sentidos subjetivos expressos pelo professor Eurico são confirmados na
constituição de algumas frases a partir dos seguintes indutores:
1. Minhas melhores atitudes ambientais são: conscientizar a minha pessoa.
(PROFESSOR EURICO).
2. No cotidiano: cometemos muitas falhas. (PROFESSOR EURICO).
3. Não posso: ficar de fora. (PROFESSOR EURICO).
As frases de Eurico reafirmam a noção de responsabilidade na esfera privada
bem como a exigência de participação.
A interpretação da argumentação desenvolvida na expressão “mas eu vivo a
minha vida toda em cima de sustentabilidade, para vocês é novidade” me leva a
considerá-la como proposição: a novidade, anunciada por alguns, é a vivência de outros,
assim é falacioso o anuncio milagroso por parte de grandes corporações, enquanto na
vivência indígena podemos encontrar padrões sustentáveis. Para Capra (2002) há seis
princípios da ecologia que dizem respeito diretamente à sustentação da vida: redes,
ciclos, energia solar, alianças (parcerias), equilíbrio dinâmico e diversidade, sabe-se que
“quanto maior a diversidade de um ecossistema, maior a sua resistência e capacidade de
recuperação.” Assim, interpreto que esta afirmação do professor simboliza valores
consonantes com os princípios contemporâneos como os presentes na Carta da Terra: i.
“defender, sem discriminação, os direitos de todas as pessoas a um ambiente natural e
social, capaz de assegurar a dignidade humana, a saúde corporal e o bem-estar
espiritual, dando especial atenção aos direitos dos povos indígenas e minorias.”;
“Defender o direito de que todas as pessoas recebam informação clara e oportuna sobre
assuntos ambientais e atividades que poderiam afetá-las ou nos quais tivessem
interesse.”; iii. “Garantir o direito à água potável, ao ar puro, à segurança alimentar, aos
solos não contaminados, ao abrigo e saneamento seguro, distribuindo os recursos
nacionais e internacionais requeridos.” iv. “Adotar padrões de produção, consumo e
reprodução que protejam as capacidades regenerativas da Terra, os direitos humanos e o
bem-estar comunitário.” v.“Reconhecer e preservar os conhecimentos tradicionais e a
sabedoria espiritual em todas as culturas que contribuam para a proteção ambiental e o
bem-estar humano” (BOFF, 2012, p. 175). Assim, a argumentação que Eurico
111
desenvolve atribui valor à distinção entre falácia e sensibilização orientada pela
veracidade, bem como à (co)responsabilização na educação em padrões sustentáveis e a
associação de aspectos sociais, econômicos e ambientais, envolvendo compromissos da
esfera pública e privada.
De acordo com a interpretação da configuração subjetiva de Eurico, há uma
síntese articulando valorização de práticas culturais sustentáveis com uma definição de
sustentabilidade como “preservação da vida” proposta por ele no complemento de
frase.
Tais ideias ensejam interpretação dos sentidos subjetivos relacionados à
docência, pois trazem a intencionalidade do professor para com um ensino que inclua o
respeito pela vida, conforme expressa em outro momento em que diz: “A partir de
quando nós tivermos respeito pelo próximo, pela vida, nós temos condições de começar
a entender o termo sustentabilidade.” Para compreender esses elementos, e outros
como implicações para sua prática docente, solicitei do professor Eurico que
apresentasse uma descrição de figuras e fotos, a partir das quais elaborasse uma possível
sequência didática para abordar o tema em aulas:
Para o ensino fundamental eu poderia começar por essas imagens ligadas a vegetação, a
água. Porque aí ele teria como (relacionar): “poxa essa água ligada à vida, ligada à vida do
animal.” Agora quando você pega o ensino médio você já pode começar pelo abstrato
(aponta para a figura do planisfério), porque o aluno do ensino médio já vai ter uma
compreensão maior do que você está falando. Você falando de neve, você não precisa
mostrar neve para ele. Para o ensino fundamental, às vezes, você precisa colocar a imagem
que tenha essa neve para ele ter essa compreensão. Você está falando de mortalidade de
peixe, tem que mostrar um rio poluído. Vamos supor: o produto da queima da cana-de-
açúcar, que caiu num córrego, gera composto que leva a mortalidade de peixes, se você só
colocar o nome do produto para o aluno do ensino médio, ele vai (entender), mas para o
aluno do ensino fundamental você tem que mostrar, lá no córrego o peixe, como está a
carne do peixe que está queimada, entendeu... depende para quem você vai (ensinar)... às
vezes mesmo para alunos do ensino médio deveria começar por aqui (aponta para a foto do
rio). (PROFESSOR EURICO).
Aspectos relacionados à vegetação e à água, presentes na noção de
sustentabilidade do professor Eurico, voltam a aparecer, contendo uma representação
por um lado apoiada em sistemas como neve, água e contaminantes, de outro lado,
apoiada em interações (córrego-contaminante, mortalidade, contaminante-peixe). Isso
nos remete a uma transição da abordagem clássica à complexidade, situação que se
aplica a casos como da mortalidade de peixes por contaminantes em córregos. Para
Prigogine (2002), devido à compreensão da crescente complexidade das interações, a
noção de instabilidade obrigou a ciência a abandonar a descrição de situações
individuais (trajetórias, funções de onda) para adotar descrições estatísticas. Para o
112
autor, é essa capacidade construtiva, em termos de fluxo de energia e matéria, que
introduz o irreversível para a biologia e para a termodinâmica e nos auxilia na
compreensão do surgimento de novidades: novas espécies, novos modos de adaptação e
novos nichos ecológicos. Desta forma, nos auxilia a ultrapassar a visão termodinâmica,
que representa essencialmente nivelamento e morte térmica. O que significa a
possibilidade de pensar nas condições ecológicas não somente pelo viés destrutivo da
degradação ambiental, mas pela capacidade generativa do ser humano.
Para o professor Eurico, o ensino fundamental requer uma abordagem que
aproxime o estudante da situação problemática, propiciando um relacionamento direto
com os sistemas naturais, de maneira que seja uma ação para a criança e uma
abordagem ilustrativa para o ensino médio, em função do nível de desenvolvimento do
adolescente. Segundo Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2007), esta distinção é
relevante para o processo de ensino e aprendizagem, para entender a forma pela qual as
pessoas constroem seu pensamento, do papel da história e da cultura no
desenvolvimento. Os autores nos lembram de que na área de ensino de Ciências, já
existem várias pesquisas que mostram como crianças e adultos utilizam conceitos
alternativos para interpretar e prever o comportamento de eventos e fenômenos. Para os
autores, é necessário entender a adolescência como um processo de transição corporal,
mental e social, o que remete à busca dos agentes dessas transformações.
Para Capra (1996), entender a linguagem da natureza pode ressignificar
implicações para a expansão da concepção da mente. Há um modo de compreender o
processo de conhecer, que é distinto da concepção de pensar. Esse modo trata da
linguagem das relações, cujas implicações recaem em diferentes níveis de contato com a
realidade. O processo de conhecer exige níveis de contato que vão do simples ao
abstrato e exige reformulação das leis fundamentais da natureza. O que implica em não
fazer a distinção do sujeito que aprende pela idade e pelo desenvolvimento de suas
estruturas mentais.
Para González-Rey (2006), para implicar o sujeito que aprende em sua
aprendizagem precisamos sempre de uma reflexão, que implica uma orientação para
pensar. Neste sentido, os aspectos da produção de conhecimento pela ciência são
pertinentes e podem ser incorporados desde a infância. O sistema dentro do qual
funciona a aprendizagem para a produção de novas ideias, operações e elaboração de
problemas não é apenas um sistema lógico-cognitivo, mas um sistema de produção de
113
sentido subjetivo, que é parte essencial da operação intelectual complexa de produção
de conhecimento, no qual a operação concreta é apenas uma ferramenta e não a
condição que assegura a produção de um sistema de conhecimento. Para o autor, o
grande desafio é encontrar aspectos comuns entre a aprendizagem adulta criativa,
orientada para a produção de modelos teóricos inseparáveis da produção de ideias, e a
aprendizagem das crianças, que se alimentam da fantasia e da imaginação, aspectos que
reforçam o sentido do aprender e a qualidade intelectual da aprendizagem infantil
(GONZÁLEZ-REY, 2006).
Com a intenção de compreender um conjunto de conteúdos e a abordagem
julgada como pertinente ao tema, e também compreender uma autoria e autonomia
propositiva do professor, perguntei como ele organizaria um processo educativo para o
tema:
Não passar para eles (somente) questões políticas e ideológicas. Porque se nós formos
pensar, teremos que passar por uma questão ideológica, política, mas uma questão
educacional, com sua própria sobrevivência, com seu próprio interesse. Você necessita do
outro, do próximo. Não como uma questão ideológica, mas como uma questão de
sobrevivência do ser humano. (...) A partir de quando nós tivermos respeito pelo próximo,
pela vida, nós temos condições de começar a entender o termo sustentabilidade. (...) tem
que ligar sustentabilidade com o respeito pela preservação da vida. (PROFESSOR
EURICO).
Do exposto, compreendo que para o professor Eurico, o tema incorpora questões
políticas e ideológicas vinculadas às questões de sobrevivência e respeito pela vida.
Para Freire (1996), a educação não é a chave das transformações sociais, mas também
não é simplesmente a reprodutora da ideologia dominante. Para ele a Educação não
deve ser concebida como força imbatível, imune aos discursos hegemônicos, mas como
portadora de uma importante tarefa político-pedagógica para representar o ser humano,
como maior do que os mecanismos que o minimizam, por sua condição
problematizadora. Freire (2004) refere-se à questão do quanto nós necessitamos do
coletivo, do “outro”, do nosso próximo e propõe que ética se refere a um sujeito que
respeita a cultura desse outro. Também defende que devemos ensinar a disponibilidade
à vida, pois é com ela que o sujeito se entrega de corpo inteiro, envolve seu pensar
crítico, sua emoção, sua curiosidade, seu desejo e assim vai aprendendo a ser ele mesmo
em sua relação com o contrário dele (FREIRE, 1996).
Ao expressar que a questão demanda uma abordagem “não como uma questão
ideológica” Eurico entende que o processo educativo sobre o tema não deverá ser
114
impositivo, mas pautado pelo convencimento. Para Freire (1996), nenhuma teoria da
transformação político-social do mundo move o sujeito se não partir de uma
compreensão do homem e da mulher enquanto seres produtores da História e por ela
produzidos, e isso envolve decisão, rupturas e opções. Para ele o professor precisa estar
advertido do poder do discurso ideológico, pois a ideologia tem um poder de persuasão
indiscutível, que exige de nós uma capacidade de reação crítica.
Pode-se compreender que o professor Eurico passa a vincular sustentabilidade
ao enfrentamento da imposição política e ideológica e é nessa proposição que reconheço
uma autoria e autonomia de pensamento para a docência, inclusive com geração de
ideias e criação de maneira de abordagem de ensino sobre o tema. Em outro trecho de
seus relatos, o professor aponta que “embora tenhamos divergências, tenhamos
contraditório, mas precisamos uns dos outros para permanecer e preservarmos o
Planeta, a vida. Isso daí resulta num respeito.” Para Freire (1996), é esse respeito à
natureza do ser humano, de divergir a partir de suas diferenças, que deve orientar o
ensino dos conteúdos vinculados à formação moral do educando.
Para González-Rey (2007), os diversos discursos hegemônicos aparecem como
sentidos subjetivos, como aspectos que permanecem ocultos e que devem ser
destacados a partir da perspectiva histórico-cultural. Para ele, as representações sociais
precisam ser entendidas como complexas sínteses de sentidos que permeiam momentos
de inteligibilidade de inumeráveis processos sociais, ocultos no momento atual, mas que
não são verdades inquestionáveis e estáticas.
Com a intenção de compreender a ampliação do compromisso pessoal e o
reposicionamento do professor, perguntei por suas ressignificações ao longo do
processo educativo:
Acho que a essência e o principal é a educação. Mas o que é essa educação para o
sustentável? O ser humano precisa tornar-se um ser participante. Não participar
individualmente, ele só vai ter uma mentalidade sustentável se ele tiver como participar de
um grupo. Se fizer parte de um todo. Sozinho não vai acontecer isso daí. O processo de
sustentabilidade dificilmente irá ocorrer individualmente. A partir do momento que
começar dentro do processo escolar básico, começar a educar o individuo para tornar-se um
membro da sociedade aí vai começar a ter sustentabilidade. Nós não educamos os meninos
(estudantes) para o coletivo. Podemos até tentar fazer algumas campanhas, mas se nós não
formarmos, formação forte mesmo, formal... (PROFESSOR EURICO).
A representação presente neste fragmento indica uma modificação em relação ao
início da argumentação, que suponha sustentabilidade como falácia e problematizava o
tema com o questionamento “nosso estado/cidade cumpre a legislação vigente?”,
115
sendo que a reflexão se desenvolveu produzindo relações com sobrevivência e respeito
pela vida. É em sua noção de participação, com compromissos coletivos, que reconheço
a produção de outra ideia e criação de sua maneira particular de abordagem de ensino
do tema. Para Freire (2005), o clima sectário, de engodo e de mentira, conduz à
burocracia, ao revanchismo, à dominação. Portanto, cabe ao educador abrir caminho
para o diálogo corajoso com as massas. Para Freire (1996), buscando se resguardar das
artimanhas da ideologia, o professor não pode e não deve se fechar aos outros nem
tampouco se enclausurar no ciclo de sua própria verdade. O educador deve estar aberto
ao diálogo inclusive sobre a noção de sobrevivência, ou seja, para pensar sobre como
continuar existindo como ser humano (FREIRE, 2004).
Delizoicov e Angotti e Pernambuco (2007), nos lembra de que o ser humano
nasce e vive em um ambiente mediado por outros seres humanos. Para Loureiro (2012),
o que houve de mais interessante ao se trazer um conceito biológico para a política e a
economia, foi pensar em um desenvolvimento que fosse duradouro e atribuir
responsabilidade pela vida das pessoas no futuro, a partir do que o cidadão realiza no
presente. Assim, em um momento de tanta ênfase no imediato e na efemeridade, propor
o inverso é radical e relevante. Portanto, torna-se compreensível a noção do professor
Eurico, que articula uma preocupação ética e política e incorpora o respeito à vida como
pertinente à docência do tema.
Deste modo, interpreto que a argumentação desenvolvida traz suposições
consonantes com os princípios contemporâneos que resultaram no Tratado de Educação
Ambiental e Responsabilidade Global: i. “A educação ambiental não é neutra, mas
ideológica. É um ato político.” ii. “A educação ambiental deve ser planejada para
capacitar as pessoas para trabalharem conflitos de maneira justa e humana.” iii. “A
educação ambiental deve estimular a solidariedade, a igualdade e o respeito aos direitos
humanos, valendo-se de estratégias democráticas e da interação entre as culturas.”; iv.
“A educação ambiental deve facilitar a cooperação mútua e equitativa nos processos de
decisão, em todos os níveis e etapas” (PRONEA, 2004, p. 48). A interpretação da
argumentação desenvolvida por Eurico na expressão “mas eu vivo a minha vida toda em
cima de sustentabilidade, para vocês é novidade” me leva a considerá-la como
proposição: há uma ideologia que embasa nossa vida e isso deve nos levar ao
reconhecimento e respeito pelas diferentes culturas; é preciso compreender que a
116
suposição da sustentabilidade como novidade não é uma maneira neutra de apresentá-la,
é necessário, trabalhar o conflito de maneira justa e humana.
6.1.6 Discussão das configurações de sentidos subjetivos
A configuração de sentidos subjetivos dos professores a respeito do tema
sustentabilidade e seu ensino evidenciaram dimensões contextuais e processuais da
argumentação desenvolvida pelos sujeitos. Os sentidos subjetivos se apresentaram
diferentemente afetados. Também mostraram potencial para a mediação formativa
relacionada a uma ética da sustentabilidade e de sentimentos morais, na medida em que
tais sentidos se aproximam de princípios formais de alguns documentos elaborados por
especialistas da área e que os sujeitos demonstram comprometimentos pessoais e
singulares em relação ao tema.
Neste entrelaçamento de espaços e sentidos sobre sustentação da vida
contemporânea, aparecem nos depoimentos dos três professores pesquisados, aspectos
relativos a consumo e comportamentos humanos relacionados à (co)responsabilização e
a auto-responsabilização. Isto se expressa como expectativa de redução do consumo e
volta ao natural, pela professora Francisca, de consumo consciente, pelo professor
Antônio, aspecto relevante quando se pensa na formação de consumidores participantes,
conforme propõe Portilho (2010). Já o professor Eurico ressalta a reversão do processo
de degradação e a importância da formação dos seres humanos, desde a infância,
segundo padrões e práticas sustentáveis, uma noção importante para a formação de
sujeitos ecológicos, conforme aponta Carvalho (2012).
Os sentidos subjetivos indicaram sensibilidades necessárias para a construção
dessa nova relação homem-natureza, aproximando-se das novas utopias. Para Boff
(2012), o que move as pessoas e as sociedades são os sonhos e as utopias que elas
projetam bem como os esforços que fazem para traduzi-los em realidade.
As configurações subjetivas dos professores apontam novas sensibilidades
necessárias para a construção de um sentimento moral de responsabilidade, que
incorpora a natureza e o futuro, conforme indica Jonas (2006).
Os três professores compreendem as raízes histórico-culturais da
sustentabilidade. O professor Antônio tem clareza que a degradação está associada ao
crescimento e adaptação das pessoas nas cidades. Eurico reclama da falta de
117
planejamento urbano. Francisca critica a desigualdade social. Todos reivindicam a
preservação ambiental. Mas, para o Antônio, o processo de degradação é irreversível,
enquanto que para Eurico a preservação deverá estar associada à reversão, e para a
professora Francisca, está na volta ao equilíbrio natural. Neste sentido, os três
professores se aproximam de compreensões sistêmicas e ambientais de sustentabilidade,
regidas pelo conhecimento ecológico e que questionam as ações de mercado.
Os professores reconhecem outras implicações culturais e sociais das posturas
dos seres humanos diante do ambiente. Para o professor Antônio, a cultura colonizadora
é capaz de determinar as práticas de produção, influenciando fortemente o currículo
escolar. A diferença de modelos culturais traz dificuldades para conciliar práticas de
maximização da produção e posturas ecologicamente equilibradas, como é o caso do
embate entre a cultura colonizadora e a indígena. Para o professor Eurico, as práticas
indígenas correspondem a padrões sustentáveis. O reconhecimento da diversidade
cultural e sua importância na constituição dos sujeitos e dos grupos sociais têm
destacado a importância da tolerância entre as diferentes culturas e a necessidade de
convivência solidária (UNESCO, 2005). Ambos os casos nos levam a considerar a
pertinência do debate sobre nossa condição humana (MORIN, 2006) que inclui desde a
sustentação física e biológica até a construção da ciência e da educação.
Na configuração de sentidos subjetivos dos professores também emerge a
relação de sustentabilidade com a história de vida de cada um. Francisca é órfã e lembra
que sua luta na infância foi contra a fome. Em função disso questiona a importância de
discutirmos sustentabilidade enquanto não garantirmos alimentação e condições básicas
para a vida.
Antônio se reconhece como descendente de colonizadores da região norte do
país. Para ele, o viver tranquilo dos preservacionistas não é um objetivo compartilhado
pelos colonizadores (inclusive são distintas nas finalidades e intenções). Assim, apesar
de argumentar que precisamos de alimentos, água, moradia, transporte, diz que os
limites ambientais não podem ser tomados como um objetivo para os colonizadores.
Para ele as necessidades básicas, como no caso da produção de alimentos e
disponibilidade de água, estão supridas e em função disso é que se pode comprometer
com a nova geração, garantindo-lhe tecnologia e informação. Desta forma, para Antônio
a degradação ambiental é irreversível e deve ser enfrentada com consumo consciente.
118
Para Eurico, ser educado para fazer manejo de diversidade biológica é uma
experiência histórica que levou reflexão acerca de superação de falácias,
estabelecimento de padrões de sustentabilidade e respeito à vida. Para ele, a degradação
deverá ser em alguma medida revertida.
Para González-Rey (2005b), a subjetividade é processual e dinâmica,
permanentemente implicada pela historia de vida, pelas experiências vividas, sendo o
próprio sistema subjetivo permanentemente (re)articulado. A motivação não é algo
padronizado e sim distinta entre os sujeitos, porque além de vivenciarem realidades
objetivas diferentes eles as subjetivam de modo diverso.
Para Scoz (2011) os espaços formativos, assim como todo espaço social, são
geradores de produção subjetiva. Nesta perspectiva, as aproximações entre as
configurações subjetivas dos professores e os princípios formais discutidos pelos
especialistas, assim como o comprometimento pessoal deles com as questões
ambientais, apontam para um diálogo rico, que poderá acontecer em contextos de
formação continuada, quando se considera a subjetividade dos professores e suas
experiências singulares.
Os sentidos subjetivos expressos pelos professores pesquisados indicam outras
contribuições para o desenvolvimento de processos educativos em temáticas ambientais.
Ao estabelecer uma interlocução com a ética e as configurações subjetivas deste grupo
de professores percebo uma aproximação com o formalismo contemporâneo, que
alcança, parcialmente, os principais princípios da Carta da Terra relacionados: i. com o
respeito pela Terra, inclusive em termos de interligações e conexões; ii. reconhecer as
necessidades das gerações futuras; iii. construir sociedades democráticas que sejam
participativas; iv. garantir a generosidade e a beleza da Terra. Compromisso com a
integridade ecológica: i. manejar o uso de recursos renováveis e proteger a sanidade dos
ecossistemas; ii. adotar padrões de produção, consumo e reprodução; iii. adotar estilo de
vida consonante com o nosso mundo finito; iv. reconhecer os conhecimentos
tradicionais. Compromisso com justiça social e econômica: i. erradicar pobreza como
imperativo ético, e o desenvolvimento humano de forma equitativo e sustentável; ii.
assegurar a dignidade humana; Compromisso com democracia, não violência e paz: i.
fortalecer as instituições democráticas em todos os níveis; ii. participação significativa
de todos os indivíduos; cuidar dos próprios ambientes e designar responsabilidades em
nível governamental.
119
A argumentação dos três professores envolveu juízos e valores morais que se
assemelham como dignidade e segurança. Mas ganham nuances diferenciadas entre
eles, como a inclusão para Francisca; honestidade para Antônio; e veracidade para
Eurico. Os princípios formais são da esfera da justiça social e econômica, integridade
ecológica, democracia, não violência e paz. Francisca suscita o tema da equidade.
Eurico suscita a necessidade de indicadores de sustentabilidade. Antônio e Eurico
apontam a importância da participação da população e do Estado na solução dos
problemas ambientais.
A interpretação em torno da ética para a sustentabilidade também demonstra um
potencial para a prática docente. Francisca vincula a docência á formação humana.
Antônio propõe tirar os estudantes de suas zonas de conforto. Eurico traz a distinção
entre a criança e o adolescente, mas aponta para ambos a mesma necessidade de ensinar
a participar. Para Contreras (2002), é como intelectual critico que o docente ajuda a
entender a necessidade de participar dos movimentos que pretendem a transformação
social. Para o autor a docência envolve compreender os fundamentos das diretrizes
curriculares, mas não se anula perante elas, na medida em que o professor seleciona,
intencionalmente, teorias e práticas.
O presente estudo mostrou um potencial de formação para a docência do tema
sustentabilidade de professores de matemática em formação continuada, a partir de suas
configurações de sentidos subjetivos. Apesar de tais professores estarem participando de
um projeto de iniciação às ciências, as oportunidades de formação sobre o tema neste
contexto, se limitam a questões mais gerais e conjunturais. O estudo do tema também
aponta necessidades formativas, que serão discutidas no capítulo posterior. Sendo
professora formadora preocupada com a formação de futuros professores de química,
desenvolvi um segundo estudo, no contexto da formação inicial, como um passo inicial
para compreender como podemos formar professores de química, que possam ensinar
sobre o tema complexo da sustentabilidade, com o foco específico e mais aprofundado
do conhecimento desta disciplina.
6.2 Sustentabilidade para futuros professores: quatro subjetividades singulares
Chassot (2010) nos lembra de que o conhecimento chega à escola de todas as
maneiras e com as mais diferentes qualidades, cabe aos professores de Química,
120
compreender como se apresenta o pensamento crítico, e a noção de melhor qualidade de
vida, de modo a implicar a formação também pela construção de compromissos.
Hoje precisamos mudar de informadores para formadores. Parte de nossas
tarefas, portanto, é ajudar a formar um pensamento crítico que permita a
nossos alunos discriminar “verdades” de falácias e privilegiar – dentro do
extenso repertório de conhecimentos – aqueles conteúdos que possibilitem
uma melhor qualidade de vida. (CHASSOT, 2010, p. 28).
O autor argumenta que possibilitar melhor qualidade de vida se associa à
crescente demanda de ciência e tecnologia, presente na dinâmica da vida humana.
Neste sentido, uma justificativa do presente estudo é que a ciência Química tem
papel relevante, como meio para estudar o mundo, tendo como ponto de partida os
sistemas materiais complexos. Há um crescente interesse em abordá-la visando entender
o planeta como sistema finito, instável e integrado, tendo como referência a natureza
como interação físico-material em espaços cada vez mais modificados. Sendo a
natureza, então, componente de um meio ambiente integrado por tais sistemas materiais,
por grupos sociais e práticas humanas, em suas dimensões políticas, éticas e culturais.
Múltiplas pesquisas sobre o Ensino de Química apontam a necessidade de
organização de processos que levem sujeitos a motivar-se pelos objetos de investigação
da Química relativos à propriedades, constituição e transformações que envolvam os
sistemas complexos, os materiais e as substâncias do Planeta e do Universo
(MACHADO; MORTIMER, 2007); também existe a necessidade de projetos que
enfoquem os aspectos éticos, morais, sociais, econômicos e ambientais a eles
relacionados (SANTOS E SCHNETZLER, 1997).
Neste intento, o presente estudo procura compreender o posicionamento de
futuros professores de Química diante dos debates que os afetam como cidadãos e como
profissionais, que necessitam lidar com relações complexas. Em conformidade com as
perspectivas histórico-culturais, a pesquisa de contextos destinados à construção de
compromissos deve ser acompanhada dos estudos da subjetividade, pois assim
configuram-se como uma abertura dialógica para com a singularidade dos sujeitos,
propiciando diálogo com as intenções e finalidades individuais. Disso decorre outra
justificativa do estudo, referente a possibilidade de articular pesquisa e ensino para que
futuros professores possam refletir sobre sustentabilidade e se preparar para
problematizar os sentidos que o tema tem para seus alunos.
121
Entendo que dar oportunidade aos futuros professores de expressarem seus
sentidos subjetivos, sobre sustentabilidade e sobre o ensino deste tema, constitui
oportunidade de troca de experiência enriquecedora, entre os licenciando, e,
principalmente, o diálogo destes pontos de vista com as reflexões e os trabalhos
científicos desenvolvidos sobre o tema mediado pelos formadores. A meu ver, é esse
diálogo com os outros colegas, mediadores e pesquisadores (através de seus textos), que
prepara o futuro professor (ou o professor em formação continuada) para dialogar com
seus alunos e problematizar as suas perspectivas singulares.
6.2.1 O contexto de estudo
Este estudo refere-se à pesquisa articulada com a formação inicial de professores
de Química. Um relevante ponto de partida pode ser aquilo que Schnetzler (2010)
formadora, educadora e pesquisadora do Ensino de Química nos diz quanto ao papel da
educação escolar:
O professor necessita, então, selecionar e organizar o conteúdo de seu ensino,
enfatizando o tratamento de temas e de conceitos centrais desta Ciência para
expressar o seu objeto de estudo e de investigação. Em outras palavras,
ensine bem poucos conteúdos, mas que sejam fundamentais para abordar a
identidade e a importância da Química. (SCHNETZLER, 2010, p. 65).
Para a autora, o papel da educação escolar é de viabilizar aos estudantes o acesso
e a apropriação de conhecimentos historicamente construídos pela cultura humana, entre
eles os conhecimentos químicos, que lhes permitam outras leituras do mundo no qual
estão inseridos. Para a formadora, isso requer a instalação de uma perspectiva dialógica,
por interações discursivas, com valorização do pensamento dos estudantes. Segundo a
pesquisadora, isso levou a abordagens histórico-culturais a assumirem o conhecimento
como construído ativamente pelos estudantes por meio de mediação docente.
Para ela, o modo de mediação expressa como o professor vê sua função social,
as relações que estabelece entre os conteúdos do seu ensino e os temas da vida social e
cotidiana dos estudantes, constituindo assim aspectos que refletem articulações entre a
dimensão teórica e prática da docência.
Ela nos lembra de que, desde a década de 1990, é defendida a necessidade do
professor se tornar pesquisador de sua própria pratica docente, de modo que o futuro
122
professor precisa ser iniciado e orientado por seus formadores. É com a mediação destes
últimos que se torna possível a proposição de melhorias à atuação docente.
Em consonância com esses pressupostos, realizei o presente estudo sobre
sustentabilidade e docência do tema em um contexto de formação inicial de professores
vinculado ao projeto de Licenciatura em Química da UFMT/Campus Cuiabá. Os futuros
professores envolveram-se com a prática de ensino e com todo um quadro de
referências teóricas e orientações metodológicas, que incluem a linguagem química e
fundamentos de sua profissionalidade. Por meio da vivência universitária e do ensino
por investigação, futuros professores de Química foram intencionalmente implicados na
compreensão de suas identidades.
O estudo desenvolveu-se em aulas da Prática de Ensino de Química. Trata-se de
uma unidade curricular voltada à formação pedagógica, que juntamente com outras duas
compõem, na matriz curricular do curso, espaços e tempos pedagógicos para o exercício
inicial de prática docente, com execução de ações concretas junto a alunos da Educação
Básica. O conjunto de aulas foi planejado com abordagem didático-pedagógica
inspirada no ensino com pesquisa, para discutir fundamentos e metodologias para a
docência. A articulação entre a ementa e os objetivos da disciplina foi alcançada
mediante realização de diferentes atividades acadêmicas e da participação em projeto de
extensão universitária. Portanto, a pesquisa se desenvolveu junto a uma disciplina que
objetivava articular teoria e prática educativa, planejada para a instrumentação do
ensino.
Solicitados a trabalharem em grupo, quatro acadêmicos se apresentaram de
forma voluntária para constituir um grupo de estudo envolvendo temáticas ambientais.
Uma compreensão preliminar do conteúdo da produção coletiva deste grupo pode ser
encontrada nos relatos da vivência docente expressa pelos futuros professores, que
cursavam a disciplina, sobre a opção de organizá-la a partir da integração Ciência,
Tecnologia, Sociedade, Ambiente (CTSA). Essa foi uma decisão interna do grupo, pois
na proposta original da disciplina o cenário de pesquisa seria aglutinado por temas
sociais, situações reais e Educação Ambiental, em função de sua condição de tema
transversal, na forma apresentada pelas Orientações Curriculares Nacionais para a área
(MEC/SEB, 2006).
Para Santos e Carvalho (2012), a perspectiva CTSA se ocupa da integração
Ciência, Tecnologia, Sociedade, Ambiente. Para os pesquisadores do tema trata-se de
123
uma proposta metodológica de estudo do cotidiano em seus aspectos produtivos, de
demanda científica e tecnológica com interações econômicas e sociais. Também trata da
formação para a cidadania, por abordar a tomada de consciência e a tomada de decisão,
inclusive sobre aspectos ambientais, da sociedade de consumo e dos usos de recursos
naturais.
O movimento CTS, segundo Santos e Schnetzler (1997), teve sua origem por
volta da década de 1970. Derivou de um conjunto de reflexões sobre o impacto da
ciência e da tecnologia na sociedade moderna para a formação cidadã. Dal Pian (1992)
afirma que desde os anos 20, do século passado, se vincula educação e participação
política, ordem comunitária e convívio social, deliberação e julgamento sobre aspectos
pertinentes ao Estado. A autora defende que a política de Educação Científica e
Tecnológica para a sociedade moderna tem se consolidado através dos programas de
Alfabetização Científica e de Ciência, Tecnologia e Sociedade.
Para Teixeira (2003), CTS compreende a educação no contexto da sociedade
humana e como ela está organizada. Por conseqüência, a possibilidade de se articular
uma proposta pedagógica cujo compromisso seja a transformação. Cabe ao pedagogo
discernir, dentre os saberes produzidos, os conteúdos essenciais a serem elaborados e
apropriados pelos estudantes, dentro de um contexto econômico, social e político. Para
o autor, é relevante dar ênfase em conteúdos com os quais a classe trabalhadora possa
aprimorar o mundo do trabalho e sua compreensão como ser social.
O método prevê que o aluno (através da análise continua da própria realidade) vá
de uma visão caótica do todo (síncrese), à síntese, através da análise. Assim, o método
leva a percepção de múltiplas determinações que geram a totalidade da realidade à sua
volta. O professor é fundamental nesse processo. Sua contribuição é mais eficaz quando
ele compreende os vínculos de sua prática com a prática social. O autor postula que tais
fundamentos podem colocar a educação científica numa perspectiva diferenciada
“contribuindo para a formação educacional vista como instrumental para a formação da
cidadania e transformação da sociedade em função dos interesses populares”
(TEIXEIRA, 2003, p. 177).
Isso caracterizou a produção coletiva do grupo interessado na integração CTSA.
Concomitante a isso, a convivência no projeto de licenciatura teve duas faces, uma
interna à formação para o ensino de Química, outra externa à disciplina, envolvida com
as pesquisas experimentais junto a contaminantes e extratos químicos. Na experiência
124
interna à disciplina, havia um entrelaçamento de atividades com diferentes
intencionalidades, de fundamentação teórica, de desenvolvimento de metodologia
investigativa, de estágio supervisionado, de projeto de extensão. Na experiência externa,
havia manipulação de experimentos químicos quantitativos. Sobre tal perspectiva o
contexto educativo também garante espaço a uma subjetividade individual, naquilo em
que está organizado para implicar os sujeitos através da produção de sentidos
subjetivos. O objetivo do estudo, então, foi compreender a configuração de sentidos
subjetivos relacionados à sustentabilidade e a possibilidade do seu ensino pelos futuros
professores.
6.2.2 Os participantes da pesquisa
Realizei o estudo com quatro futuros professores que se apresentaram de forma
voluntária para constituir um grupo de estudo envolvendo temáticas ambientais como
eixo norteador das atividades da disciplina curricular Prática de Ensino de Química.
Participaram da pesquisa sujeitos que tinham entre 22 e 26 anos de idade, de origem
urbana matogrossense. Os sujeitos estavam envolvidos também com a iniciação
científica em projetos de pesquisas vinculados ao Laboratório de Contaminantes
Inorgânicos, e o Laboratório de Produtos Naturais do Departamento de Química da
UFMT, colaborando, especialmente, com as pesquisas de discentes da pós-graduação
em nível de mestrado em Química. O fato de serem bolsistas na pesquisa propiciava
disponibilidade de tempo integral para o projeto de licenciatura.
Identifiquei os quatro futuros professores pelos nomes fictícios Rosa, Adonis,
Dália e Margarida.
6.2.3 A produção subjetiva da futura professora Rosa – “Eu comecei (com) essa
noção de questões ambientais, de sustentabilidade, de cuidar do planeta”
A primeira entrevistada foi Rosa, uma jovem com seis meses de experiência
docente, tinha experiência com pesquisa sobre produtos naturais no Laboratório de
Produtos Naturais do Departamento de Química da UFMT e se declarava interessada
pela temática ambiental desde antes desta vivência no projeto. Na experiência vivida no
projeto debateu noções voltadas à temática da água. É dela a frase “eu comecei (com)
essa noção de questões ambientais, de sustentabilidade, de cuidar do planeta (...)” que
125
contém uma síntese que integra questões ambientais, sustentabilidade e cuidado com o
planeta.
Sua preocupação com a questão da poluição ambiental aparece logo de início.
Ao longo das conversas ela problematiza, sobretudo, o tema em sua relação com
“Poluição das águas”, “Poluição dos solos”, tipos de contaminantes, causas, danos e
formas de prevenção. Quando provocada pela pesquisadora, ela associa sustentabilidade
como um conjunto de estratégias de manejo, sentido que incorpora aspectos técnicos
adequados à realidade concreta. Durante sua vivência no projeto ela elaborou uma
reflexão focada no tratamento da poluição da água e do solo, como objetos do estudo
temático.
Na opinião da futura professora, sustentabilidade é o “ato de desenvolvimento
da humanidade sem prejudicar o meio ambiente”. Além desses elementos, Rosa
apresenta, durante sua entrevista, uma noção que expressa a ideia de providência e de
solução:
Hoje em dia, as questões ambientais estão sendo muito discutidas e nós podemos perceber
que a poluição está crescente e se nós não tomarmos providências, a partir de agora,
futuramente todos nós iremos sofrer. (...) Para mim a sustentabilidade é o fato da gente
produzir alguma coisa, mas pensar também como isso que a gente produziu vai afetar o
meio ambiente e tentarmos achar a solução para que não afete o meio ambiente. (...)
Sustentabilidade para mim é isso, professora, é eu utilizar algum material ou produto que
não polua o meio ambiente e quando ele não tiver mais utilidade eu tentar me desfazer dele
de forma que ele continue não poluindo o meio ambiente. (FUTURA PROFESSORA
ROSA).
A futura professora aborda a temática vinculada à produção, aos danos
ambientais e formas de prevenção. A noção de sustentabilidade assume, para ela, um
sentido subjetivo que expressa reconhecimento das implicações da produção humana
sobre as condições ambientais. Também incorpora o compromisso social de prover
soluções, assim como se preocupa com as futuras gerações. Essa é uma noção
consonante com o debate global sobre o tema, para o qual os modelos explicativos sobre
as implicações ecológicas e dos hábitos de consumo atuais, recorrem a princípios físico-
químicos, que auxiliam a respeitar e realçar a capacidade de autodepuração dos
ecossistemas naturais.
Do ponto de vista termodinâmico, de acordo com a lei de dissipação de energia,
uma parte da energia que é utilizada em todos os movimentos que ocorrem no mundo
físico se dissipa em formas que não são mais utilizáveis. É essa condição que permite
compreender como, durante toda a história de produção material da vida humana, temos
126
impactado sobre as condições climáticas no Planeta, e que não nos bastam soluções em
termos de eficácia na área da produção industrial (PORTILHO, 2010).
Para além das questões climáticas, a construção das formas de vida acontece, ao
contrário de um final degradativo iminente, por um processo de neguentropia, ou seja,
pelo intercambio energético e reciclagem permanente (BOFF, 2012). Assim, a condição
multidimensional dos danos ambientais remete às implicações da entropia e também da
probabilidade da neguentropia.
Em outro fragmento da entrevista com a futura professora, ela diz “(se jogar no
lixo) essa bateria vai contaminar as águas com metais pesados (...) eu pensaria uma
alternativa pra não jogar a pilha no lixo, ou seja, um descarte próprio para a pilha.”
Desta maneira, a noção de sustentabilidade de Rosa integra sentidos de utilização e
descarte dos materiais associada a uma poluição que é inerente ao uso que fazemos
destes. Na continuação dessa reflexão Rosa problematiza o caso do descarte, produção e
separação de lixo.
Desta maneira, os sentidos subjetivos indicam um posicionamento contextual na
medida em que Rosa expressa, ao menos parcialmente, dimensões do debate público
sobre o tema. A ideia de poluição, quando integrada à sua frase “essa noção de questões
ambientais, de sustentabilidade, de cuidar do planeta...” sugere que o tratamento da
poluição é vinculado à prevenção daqueles danos que comprometem todo o Planeta.
Como também intencionava compreender os sentidos subjetivos a partir do
projeto vivido de formação para o ensino de Química, perguntei à Rosa quais relações
ela fazia do tema com a Química:
(...) através da Química que eu vou saber: quais são os metais que existem na pilha; como
os metais poluem o meio ambiente. Então a Química, ela é muito importante para a
sustentabilidade. Porque a Química ela não só polui, ela também traz soluções para a gente
diminuir a poluição. (...) Eu sempre gostei de Química (componente curricular), e isso me
chamou mais atenção. (...) Então a sustentabilidade ela fez com que eu percebesse a
importância de eu apresentar para os alunos essa questão ambiental que tanto se discute
hoje em dia (....). (FUTURA PROFESSORA ROSA).
Neste recorte, a acadêmica vincula à Química a geração dos problemas
ambientais, mas apresenta uma noção de Química como uma ciência que também pode
contribuir com a solução das problemáticas ambientais. Para a além da associação da
Química com a tecnologia é sua capacidade de explicação que a torna fundamental para
a compreensão de objetos em situações complexas da realidade. Delizoicov, Angotti e
Pernambuco (2007) lembra que Freire afirmava serem os problemas e seus
127
enfrentamentos a origem do conhecimento. Freire (2004) também nos lembra que a
ciência é um fenômeno humano, de modo que enquanto obra dos homens e mulheres, é
histórica.
Entendo que em sua noção de Química, Rosa apresenta a capacidade da análise
química para a identificação da qualidade dos sistemas naturais. Compreende o caráter
explicativo para a poluição em termos de combinação química. Delizoicov, Angotti e
Pernambuco (2007) afirmam que a ciência não é mais um conhecimento cuja
disseminação se dá exclusivamente no espaço escolar, mas faz parte do repertório social
mais amplo e influencia decisões éticas, políticas e econômicas, que atingem a
humanidade como um todo e cada indivíduo em particular.
Assim, torna-se compreensível a noção de sustentabilidade de Rosa, que
juntamente com a expressão “continue não poluindo o meio ambiente, para mim
sustentabilidade é isso” articula interações entre poluição e ambiente. Os sentidos
subjetivos indicam uma formulação tensionada pelos estudos na licenciatura e pela
pesquisa experimental com produtos naturais, de modo que ela vincula à Química, as
noções de solução e sustentabilidade.
A futura professora trouxe uma articulação entre a noção de sustentabilidade e as
suas experiências em outros espaços da interação social. Aproveitei para tentar
compreender sentidos de procedência distante, perguntando a Rosa onde teve origem
seu interesse pelas questões ambientais e se ela identificava alguma vinculação com
suas experiências passadas:
(...) isso me incomoda (...) Lá em casa mesmo eu tenho a mania de querer separar o lixo,
comida eu não jogo no lixo. Eu tenho mania de querer separar o lixo, pegar a caixinha do
leite, o plástico do óleo. (...) eu fico possessa quando eu estou dentro do ônibus e vejo uma
pessoa jogar uma latinha pela janela do ônibus. Isso me incomoda. Dá até vontade de pedir
para a pessoa descer do ônibus e pegar... Mas isso me indigna, a pessoa estar em frente da
lixeira... pegar o chiclete e jogar no chão, sendo que a lixeira está do lado. Isso me
incomoda... Só que lá em casa ninguém tem essa noção, o pessoal, não tem noção de
sustentabilidade. (FUTURA PROFESSORA ROSA).
Rosa motiva-se por uma indignação diante da postura das pessoas em relação ao
meio ambiente. Tognetta e Vinha (2009, p. 20) apontam a indignação como um
sentimento que se desenvolve em resposta a ações que o sujeito considera contrárias ao
que ele valoriza, assim intenciona buscar correspondência entre os próprios valores e
aqueles que se espera que os outros tenham. Para as autoras a indignação pode ser moral
e ética quando a defesa dos direitos amplos e pessoais incide sobre os valores morais, de
128
maneira que considere normas que vem da sociedade e também considere querer fazer o
bem ao outro.
Aquilo que Rosa expressa lembra o que Portilho (2010) avalia como
possibilidade para representar a luta e a participação nesta nossa época, de maneira a
privilegiar uma concepção da participação em questões públicas como um bem em si
mesmo e não como um mero meio para se chegar a um fim, como na visão utilitária.
Desta forma, os sentidos subjetivos mostram uma formulação processual, que articulam
sentidos de outros espaços da vida social de Rosa. Para compreender esses sentidos
subjetivos solicitei à futura professora o complemento de frases:
1- Para mim meio ambiente é: o meio em que vivemos. Precisamos dele para
sobreviver, por isso, é preciso preservá-lo. (FUTURA PROFESSORA ROSA).
2 - Muitas vezes reflito sobre questões ambientais: pois nos dias de hoje a poluição vem
acabando com o meio ambiente. (FUTURA PROFESSORA ROSA).
3 - Minhas melhores atitudes ambientais são: economizar água e energia elétrica.
(FUTURA PROFESSORA ROSA).
Na argumentação desenvolvida pela futura professora aparecem os sentidos de
condicionamento ambiental da vida e da sobrevivência e assim ela reafirma que a
poluição coloca em risco o Planeta, sendo então relevante para cuidar do Planeta
preservar e economizar. Desta maneira, as frases mostram outros desdobramentos de
sua expressão “essa noção de questões ambientais, de sustentabilidade, de cuidar do
planeta”, com a qual postula um delineamento de solução em âmbito pessoal, local, que
dá sentido à diminuição do consumo doméstico; mas também postula um cuidado
articulado a valores como sobrevivência e preservação. Para Boff (2012, p. 92), “sem
cuidado, já dizia o mito antigo, nenhum ser vivo sobrevive.” Assim torna-se
compreensível sua indignação diante da poluição.
Para Boff (2012), o cuidado é uma virtude ou atitude de zelo e de preocupação
por aquilo que amamos ou com qual estamos envolvidos, mas fundamentalmente
configura um modo de ser, uma relação nova com a realidade, a Terra, a natureza e o
outro ser humano. Para o autor, o cuidado é como um paradigma oposto ao da
conquista, pois tem a ver com um gesto amoroso, acolhedor, respeitador do outro, da
natureza e da Terra, de modo que quem cuida não busca dominar o outro, mas estar
junto dele, convivendo e dando-lhe conforto e paz. Por tal dimensão sem o cuidado de
129
todos os elementos que compõem a vida, o próprio Planeta Terra, o desenvolvimento
necessário e a sustentabilidade não teriam condições de se firmar e se consolidar.
Para o autor, o homem moderno não alimentou uma atitude de cuidado, criou
uma cultura de consumo e a saturação de bens materiais operou uma espécie de sentido
de irrelevância de todas as coisas e o vazio existencial. Sentimo-nos todos infelizes,
porque não há bens que saciem nossa necessidade de abertura ao outro, ao mundo e ao
infinito. Para Leff (2010) é a ética do cuidado da vida e a ética do cuidado da natureza,
que deverá representar o reinício de um novo processo civilizatório, uma construção
coletiva que surge de um diálogo de saberes entre os atores sociais do desenvolvimento
sustentável.
Desta forma, os sentidos subjetivos que Rosa manifesta, propiciam compreender
um posicionamento de caráter contextual e processual referenciado por diversos espaços
sociais, assim como considerar como uma proposição constituída de suas suposições e
representações produzidas histórico-culturalmente. Para interpretar uma formalização
no sentido da ética para a sustentabilidade, presente nas reflexões da futura professora,
tomo por base os princípios apresentados na Carta da Terra.
Do exposto, a interpretação da argumentação desenvolvida pela futura
professora quando expressa “essa noção de questões ambientais, de sustentabilidade, de
cuidar do planeta...” nos leva a considerá-la como uma proposição. Para Boff (2012, p.
93) “sem o cuidado de todos os elementos que compõem a vida, o próprio Planeta
Terra, o desenvolvimento necessário e a sustentabilidade não teriam condições de se
firmar e se consolidar”. Portanto, podemos interpretar suposições que simbolizam
valores no sentido da ética para a sustentabilidade tendo por base dois dos princípios da
Carta da Terra: i. “Manejar a extração e uso de recursos não renováveis como minerais e
combustíveis fósseis, de forma que diminua e não cause dano ambiental”; ii. “reduzir,
reutilizar e reciclar materiais usados nos sistemas de produção e consumo e garantir que
os resíduos possam ser assimilados pelos sistemas ecológicos” (BOFF, 2012, p. 171-
172). Para Rosa, a atribuição de valores está em torno da precaução, em diminuir
exaustão, em reciclar, neste sentido há um potencial moral e ético no seu sentimento de
indignação. A argumentação desenvolvida pela futura professora parece caminhar na
seguinte direção: cuidar do planeta requer cuidados ambientais, assim como requer da
esfera pública a provisão de soluções; mas há comportamentos pessoais que revelam
descuido como o ambiente que apontam as responsabilidades na esfera privada.
130
A argumentação expressa indignação e luta contra direito violado, conforme
supõe Tognetta e Vinha (2009, p.20). Para as autoras a indignação pode ser moral e
ética, se considera sentimentos de busca da felicidade, e de querer fazer o bem ao outro
correspondente à justiça. Apesar das expressões de Rosa suscitarem um conteúdo de
natureza moral, relativo à ambiente limpo, ela inclui responsabilidade da esfera pública
por interações socioambientais mais amplas e generaliza tal direito a todos.
A interpretação da configuração de sentidos subjetivos de Rosa que articula
questões ambientais e sustentabilidade à necessidade de cuidar do planeta também traz
sentidos subjetivos relacionados à docência. Em um fragmento da entrevista Rosa
expressa “hoje em dia as questões ambientais elas estão sendo muito discutidas e nós
podemos perceber que a poluição está crescente e se nós não tomarmos providências a
partir de agora futuramente todos nós iremos sofrer.” Há um sentido de cuidado e
preocupação com o futuro. Para compreender a relação desses sentidos subjetivos e a
implicação do tema em sua experiência de docência, assim como compreender
conteúdos e abordagens selecionados por Rosa, solicitei seu relato do entrelaçamento e
integração das atividades durante a experiência vivida:
Então quando começou a disciplina que houve aquela interação dentro da sala de aula
quanto à escolha do tema eu logo pensei em chuva ácida. Porque chuva ácida? Pelo fato de
estar relacionado com o meio ambiente. Hoje em dia as questões ambientais, elas estão
sendo muito discutidas. (...) vou mostrar para os alunos qual a importância da gente não
poluir e, qual é a importância da gente preservar os nossos recursos hídricos, nosso (tema
de mini-curso) foi sobre a água. Nós falamos da água. E mostramos alguns parâmetros e
sua importância. (FUTURA PROFESSORA ROSA).
Poluição e providências são aspectos centrais na noção de sustentabilidade da
futura professora que voltam a aparecer neste relato. Questões como chuva ácida,
implicações futuras, recursos hídricos, água, parâmetros de qualidade de água para
consumo humano são integrados aos aspectos de poluição e solução, o que traz uma
pertinência com a configuração subjetiva de Rosa, na medida em que se articula à noção
de cuidar do planeta.
Para Baird (2002), do ponto de vista da Química Ambiental, um dos problemas
ambientais mais graves, que muitas regiões do mundo vêm enfrentando atualmente, é a
chuva ácida, termo que abrange vários fenômenos como a neblina ácida e a neve ácida,
todos relacionados a precipitações substanciais de ácido, que conduzem a conseqüências
ecológicas danosas, incluindo a saúde humana, pela presença de partículas de ácido no
ar. A acidez da chuva pode ser atribuída à presença de ácido sulfúrico e de ácido nítrico,
131
originários de reações secundárias com poluentes do ar a base de enxofre (em espécies
químicas de sulfetos e dióxido) e nitrogênio (em espécies químicas de óxidos).
Nos últimos anos, a oxidação de enxofre em regiões rasas de manguezais
recentemente secos e expostos ao ar, em virtude do aquecimento global, também são
fontes de ácido sulfúrico em lagos, onde a acidificação reduz a capacidade de
crescimento de algumas plantas, inclusive aquelas que vivem em água doce.
Assim, torna-se compreensível a noção da futura professora que entende o tema
sustentabilidade a partir da poluição, nela a dimensão ambiental tende a ser de ênfase
reacional, entretanto também integra a noção de cuidar do planeta o que pressupõe
articulação de atitudes e valores.
Há um fragmento em que Rosa expressa “se nós não tomarmos providências a
partir de agora futuramente todos nós iremos sofrer”. Com ele, entendo que sua
preocupação em ampliar a integração que ela busca, inclusive no sentido de torná-la
uma experiência educativa. Se considerarmos cuidar do planeta como síntese de
interações sistêmicas, plurais e dinâmicas, partindo de sistemas afastados do equilíbrio e
da geração de bifurcações, em uma aproximação com a atenção que reúne meio
ambiente e futuro, podemos passar a olhar a dimensão físico-material do ambiente como
estruturas dissipativas na perspectiva que propõe Prigogine. Os fenômenos afastados do
equilíbrio, irreversíveis, não se reduzem a um aumento de “desordem”, mas tem um
importantíssimo papel constitutivo. Para Prigogine (2002), o caráter histórico da
evolução de um sistema em situações instáveis levou a representação do tempo como
capaz de criar estruturas, isto é, a um importante papel “construtivo’ da
irreversibilidade. Deste modo, sem as correlações de longa duração devido às situações
de instabilidade não haveria vida nem cérebro.
Com a intenção de compreender outras possibilidades de abordagem, mas
também uma autoria e autonomia para fazer relações do tema com a docência, perguntei
como ela organizaria um processo educativo para o tema:
Então professora, antes de eu começar a fazer a disciplina se eu fosse dar uma aula de
Química eu teria o livro didático, colocaria slides, pegaria outros materiais. Porém eu não
iria utilizar da sustentabilidade na minha aula. Eu não iria falar assim: “pessoal vamos
estudar hoje os sabões”. Eu iria dar o conteúdo, falar para que serve, para que não servem,
quais são os conteúdos químicos envolvidos. Eu não iria envolver a parte da
sustentabilidade, das questões ambientais. Porque antes eu não tinha essa concepção de
falar: “pessoal, mas tudo bem, nós tivemos essa aula hoje, mas prejudica o meio ambiente,
se prejudica, como vocês acham que prejudica? Qual a forma que a gente pode utilizar para
não prejudicar o meio ambiente? Porque os alunos eles vêem muita dificuldades na parte da
Química. Eles só querem saber de bombas. Então eles acham que a Química é uma
132
disciplina que só vê isso que eles falam. Eu estou dando aula para o nono ano e eles só
querem saber de bomba, de bomba. E eles pensam assim que a Química é essa parte, só
destruição. Não. Hoje eu dando aula , hoje eu tenho que passar para eles que a Química
também é a solução. (FUTURA PROFESSORA ROSA).
Rosa entende a possibilidade de abordagem do tema para além do livro didático.
Expressa uma noção de ultrapassar o ensino utilitarista do conhecimento químico, ao
fazer vínculos deste conhecimento com as preocupações ambientais. Tais expressões
apontam sua valorização do papel da ciência Química neste cenário, como explicita “a
Química não só destrói, mas ela é também a solução. A maioria dos problemas
ambientais tem a Química envolvida.” Sendo a Química então relevante na elaboração
de soluções para a poluição.
Freire (1996) nos lembra que não cabe nem divinizar nem diabolizar a
tecnologia e a ciência. Cachapuz et al. (2005), ao discutir uma necessária renovação do
ensino de ciências, apresentam o compromisso com uma educação para a
sustentabilidade na qual há de se incorporar a atenção para com a situação do mundo.
Para os autores, a aprendizagem das ciências pode e deve ser potencializadora de
criticidade para enfrentar problemas, bem como participar na tentativa de construção de
soluções e até mesmo da produção de conhecimento. Para eles, a natureza da ciência
surge distorcida na educação científica, logo, a educação “apresenta a necessidade de
superar visões deformadas e empobrecidas da ciência e tecnologia socialmente aceitas,
que afetam os próprios professores” (p. 30).
Mas são os questionamentos feitos por Rosa que torna compreensível sua
reflexão, com conseqüências para forma de pensar o ensino do tema, que pressupõe
perguntar, dos impactos, dos prejuízos, estimular a pergunta, o diálogo e a curiosidade.
Segundo González-Rey (2006) a dúvida, as hipóteses e a reflexão crítica são excluídas
do cenário de aprendizagem, de modo que se aprende aquilo que já está resolvido e o
conhecimento converte-se assim em um referente verdadeiro, que deve ser assimilado.
Como nos disse Freire (1996), a prática educativa deve estimular a curiosidade, o que
não significa que devamos diminuir a atividade expositiva. Não é necessário negar a
validade dos momentos explicativos, mas é fundamental provocar a postura curiosa,
indagadora, pois, “é ela que me faz perguntar, conhecer, atuar, mais perguntar, re-
conhecer” (p.86).
Outra autoria possível está na noção de cuidar do planeta, com a qual a futura
professora supõe que abordar o tema possibilita ultrapassar abordagens reducionistas e
133
utilitaristas. Freire (2004) chama a atenção de uma curiosidade apoiada em uma busca
conjunta por conhecimento e compromissos sendo assim cada vez mais crítica, onde
professor e educando, diferentes no processo educativo, são sujeitos do processo de
aprender e ensinar.
Com a intenção de compreender a ampliação do compromisso pessoal e do
compromisso moral para definir novas posições, perguntei à futura professora por
ressignificações que elaborou durante a experiência:
Então a sustentabilidade ela fez com que eu percebesse a importância de eu apresentar para
os alunos essa questão ambiental que tanto se discute hoje em dia. Porque eles só ouvem a
questão ambiental, não vamos poluir. Mas por que nós não vamos poluir? Se a gente poluir,
o que a gente pode fazer para despoluir? Ou então, o que a gente pode fazer para prevenir a
poluição? Então a sustentabilidade eu posso dizer assim que esse semestre eu aprendi, sei
aplicar as questões ambientais e sustentabilidade na sala de aula. (FUTURA
PROFESSORA ROSA).
A representação presente neste fragmento indica uma modificação em relação ao
foco no conteúdo químico descontextualizado, a-histórico inicial, que se desenvolveu a
partir da noção de “questão ambiental”. Nos questionamentos que ela faz neste
momento aparecem busca por causas, por condicionantes, da poluição, assim como uma
associação da poluição com as atividades humanas. Em seguida, emergem sentidos
relacionados à necessidade de processos de controle e remediação, o que me leva a
interpretar um reposicionamento em termos de prevenção, despoluição, e um ensino que
inclui problemáticas ambientais. A futura professora dá ênfase às questões ambientais
através das indagações, potencializando sistemas de relações dinâmicas e plurais entre
conhecimentos especializados (ZANON; MALDANER, 2010).
Considerando que tal argumentação aproxima-se de proposições, ainda que não
totalmente esclarecidas e sistematizadas, é possível interpretar suposições que
simbolizam valores no sentido da ética para a sustentabilidade tendo por base o
princípio do Tratado de Educação Ambiental e Responsabilidade Global: i. “A educação
ambiental deve integrar conhecimentos, aptidões, valores, atitudes e ações. Deve
converter cada oportunidade em experiência educativa de sociedades sustentáveis”
(ProNEA, 2004, p. 49). Do exposto, a interpretação da argumentação desenvolvida pela
futura professora quando expressa “essa noção de questões ambientais, de
sustentabilidade, de cuidar do planeta...” me leva a considerá-la como uma proposição
em que cuidar do planeta implica integrar atitudes e valores; converter cada
oportunidade em experiência educativa. Se a Química é geradora de prejuízos também é
134
geradora de soluções, sendo assim “essa noção de questões ambientais, de
sustentabilidade, de cuidar do planeta” é relevante para dar ênfase nas questões
ambientais através de abordagens interativas.
6.2.4 A produção subjetiva do futuro professor Adonis – “A sustentabilidade
implica em ter um futuro melhor.”
Adonis é um jovem com pouca experiência docente realizada em estágio
supervisionado, monitoria e mini-cursos em projetos de extensão. É bolsista em
pesquisa experimental sobre produtos naturais no Laboratório de Produtos Naturais do
Departamento de Química da UFMT. Em seu relato aparece a frase acima selecionada
como uma síntese que relaciona sustentabilidade e futuro.
Na criação de temas geradores para a docência sobre sustentabilidade ele
correlaciona “sustentabilidade e consumo”, ora como “valores inversos”, ora
afirmando que a “sustentabilidade é vantajosa para o bolso”. Assim, ele aponta
implicações socioeconômicas e as implicações éticas e valores morais pertinentes ao
tema. Sugere como contratema: “É possível consumir de modo sustentável. Economia
para você e para o meio ambiente; você pode preservar o meio ambiente consumindo
menos energia.” Neste momento sem maior sistematização, ele expressa sentidos de
diminuição e parcimônia para com o consumo. E problematiza com a questão: “ar
condicionado ligado e lâmpadas acesas para uma sala vazia na UFMT, como (isso)
tem um consumo sustentável?”
Assim, ao enunciar uma diversidade de aspectos constitutivos do tema,
demonstra que as relações que estabelece envolvem decisões diante das demandas
físicas, científicas e tecnológicas de manutenção da vida. Essa articulação de aspectos
propicia análise de uma primeira configuração de sentidos consonantes com o debate
sobre consumo sustentável instalado em âmbito global.
Na opinião do futuro professor sustentabilidade é “manter o que temos, para as
futuras gerações.” Sobretudo ao longo de seu relato ele reafirma seu comprometimento
com o tema:
Eu noto sustentabilidade em tudo porque quanto a gente deixa de usar um pouco mais de
água do chuveiro ou qualquer outra coisa, ou economizar um pouco mais de luz... a gente
vê o corredor aqui da universidade com luz acesa, ai eu, sempre que passo, vou lá e apago,
é uma forma de economia, também preservando (para) as gerações futuras. Porque
sustentabilidade é isso, preservar agora para ter para muito mais tempo. (...) Eu tinha uma
135
ideia bem fixa de sustentabilidade que era ‘você’ conseguir poupar agora para no futuro
‘você’ continuar tendo (...) a gente consegue ver a sustentabilidade em muito mais coisas,...
usando a saúde, usando a ética. (...) Então a gente pode notar sustentabilidade em vários
termos, na água, a gente pode notar que se poluir o solo contamina a água, se poluir o ar
está contaminando a água. (FUTURO PROFESSOR ADONIS).
O que parece ser a principal dimensão do tema em sua noção é a parcimônia
com a qual entende existir tensões das decisões humanas diante da manutenção da vida.
Segundo Portilho (2010), a redução de gastos que inclui o questionamento sobre nosso
estilo de vida insustentável, inclusive sobre os padrões de consumo, é uma forma de
enriquecer o debate sobre sustentabilidade.
Para Portilho (2010) as escolhas são, portanto, atos de desafio e desrespeito,
intimidação e persuasão, desde que incluam o processo de formulação e implementação
de políticas púbicas, tornando-se um questionamento sobre o consumo. Desta maneira
torna-se compreensível a noção de sustentabilidade do futuro professor, que se articula
em torno das escolhas. Desta forma, na argumentação de Adonis aparece uma
representação, presente nas preocupações contemporâneas, que envolvem a noção da
prudência como princípio para um futuro viável e de preocupação geracional. Para o
futuro professor “a sustentabilidade implica em...” interações entre saúde, ética e
natureza.
Do exposto compreendo que o posicionamento do professor se mostrou
contextual, à medida que Adonis expressa dimensões do debate público sobre o tema,
que postula um compromisso com um futuro comum. Esse compromisso deve passar
pela delimitação das escolhas diante dos dilemas da extração de material e a
equivalência entre a taxa de reposição e a emissão de efluentes, diante da capacidade de
assimilação dos ecossistemas.
Com o presente estudo, eu também intencionava compreender as implicações
das vivências no projeto e perguntei ao Adonis quais relações ele fazia do tema com a
Química e se ele compreendia implicações deste tema na sua escolha por essa
licenciatura:
A Química, a gente sempre fala que nota ela em tudo, então tudo o que a gente terminou de
estudar... A gente já vê que algum processo pode ser poupado, como por exemplo, vamos
falar em química sobre os gases (...) vou poupar uma parte desses materiais que é um objeto
de estudo da Química. (...) Mas o que mais influenciou na escolha da Química como
carreira profissional foi no ensino médio mesmo, foi na escola quando a gente tinha
professores formados em Química(...) eles não ensinavam só conteúdo (conceitual) mas ele
ensinava muitas outras coisas além do conteúdo formal (...) (FUTURO PROFESSOR
ADONIS).
136
Em sua noção de Química também circula uma diversidade de sentidos. Ele
compreende os processos naturais como objetos de estudo da Química, incluindo as
atividades industriais, o monitoramento e mesmo o tratamento de danos ambientais.
Com isso há uma visão com foco especial no processamento e na poluição, há uma
aproximação para com a representação da transformação química como parte do
ambiente natural. Para Machado e Mortimer (2007), perceber a natureza da ciência
Química em seu papel de remediação é uma forma diferente de pensar sobre o mundo
natural e de explicá-lo.
Assim como na noção de sustentabilidade e do consumo, Adonis relaciona a
Química com a prudência diante das demandas de manutenção das condições físicas do
ambiente e também daquelas científicas e tecnológicas que interferem na manutenção
da vida.
Do exposto, compreendo que o posicionamento do professor se mostrou
processual, incorporando uma postura de reflexão e crítica aos impactos generalizados
da poluição e, desta forma, dando relevância aos aspectos do tratamento da poluição.
Nas intervenções que Adonis fez no grupo, acrescentou ao tema elementos como análise
e tratamento de água.
No momento da entrevista, o futuro professor falou da relevância da experiência
com a disciplina no ensino médio. Então, como também intencionava compreender os
sentidos subjetivos que estavam em articulação com sentidos originados em outros
contextos, além do momento atual, perguntei ao Adonis sobre a relação do tema com
outras experiências passadas:
(...) antes de entrar para a universidade meu padrasto tinha uma mecânica de moto, a gente
sempre que lavava peças, corriqueiramente jogava aquele óleo com água na fossa (...) então
a gente já pode agora conhecendo (...) fazer um tanque para retirar a camada de óleo e até
vender (...) até consegui ganhar um pouco mais (...) A sustentabilidade a gente vê muito
nesses Greenpeace e órgãos que cuidam do meio ambiente, a gente só vê o lado mais,
tirando a economia, só vê o lado mais de preservação ambiental, mas a gente consegue
conciliar tudo isso e é melhor para todos(...) Então já notamos que estudando pode conciliar
a parte econômica. (FUTURO PROFESSOR ADONIS).
Ao fazer relação do tema com a atividade profissional de um membro da família,
o futuro professor aponta um aspecto relevante do tema relacionado à geração de renda.
Sobretudo, Adonis articula uma noção de sustentabilidade de conciliação entre a
dimensão ambiental e a econômica. Desta forma, aparecem em seu discurso
representações presentes no debate público sobre o tema, que se põem em defesa de
137
diálogos conciliadores, voltados para a mediação ambiental, visando entendimento
mútuo, políticas, compromissos e metas locais e internacionais. Para Lima (2003), toda
conciliação deve transcender as fronteiras do mercado. Freire (2004, p. 23-24) defende
como significação ética básica, a qualidade de conviver com o diferente, e neste sentido
a tolerância é uma virtude a ser criada e cultivada. Para ele a tolerância verdadeira não é
condescendência, ela é uma instância da existência humana, própria de seres
conscientes de sua finitude. A tolerância mantém o sujeito desconfiado de qualquer
superioridade de classe, de raça, de gênero, de saber em face do tolerado. Para o autor a
tolerância genuína não exige que se concorde com aquele ou com aquela a quem se
tolera, ela demanda respeito à diferença, aos sonhos, ideias e opções do outro e não que
haja negação, somente por causa de sua diferença.
Para ampliar a compreensão dos sentidos subjetivos implicados nas formulações
do futuro professor solicitei a constituição de frase por indutores curtos:
1 - Não posso: fazer tudo que quero, mas faço tudo o que posso. (FUTURO
PROFESSOR ADONIS).
2 - Minhas melhores atitudes ambientais são: se não posso limpar, pelo menos não sujo.
(FUTURO PROFESSOR ADONIS).
3 - Não gosto: ficar bravo, mas tem horas que é preciso, ou involuntário. (FUTURO
PROFESSOR ADONIS).
Nas frases desenvolvidas por Adonis torna-se compreensível a expressão
“sustentabilidade norteia as minhas escolhas” que mostra o caráter decisivo da esfera
privada, onde as escolhas estão sempre presentes. As frases indicam uma procura por
princípios para ações possíveis, mesmo diante de condições mínimas de atuação, mas
também de radicalização, caso necessário. Desta forma torna-se compreensível o papel
atribuído à reciclagem para evitar ou garantir a diminuição de extração de matéria
prima, bem como ao descarte e aproveitamento de água. As frases indicam uma
integração com a noção de conciliação entre preservação e economia, na medida em que
há procura por princípios ecológicos associados a decisões econômicas, de maneira que
as escolhas próprias da tomada de decisão demandam práticas adequadas.
Para Jonas (2006) a prudência em relação ao futuro das próximas gerações tem
de se orientar pelas finalidades de caráter moral, definida de forma ética, em que esteja
presente a natureza e a vida. Os sentidos subjetivos do professor demonstram um
posicionamento referenciado por diversos espaços sociais, expressam representações
138
produzidas histórico-culturalmente, demonstram um caráter contextual e processual. A
argumentação desenvolvida por Adonis remete a uma proposição singular, que se
aproxima de responsabilidade ética e valores morais. Para interpretar uma formalização
no sentido da ética para a sustentabilidade, presente ainda que embrionariamente nas
reflexões do futuro professor, tomei por base os princípios apresentados na Carta da
Terra.
A reflexão desenvolvida pelo futuro professor em que “sustentabilidade implica
em ter um futuro melhor” leva a considerá-la como uma proposição em que a
sustentabilidade, como inerente aos compromissos com um futuro melhor, requer
escolhas de dimensão ético-política. Para Jonas (2006), a prudência tem de se orientar
pelas finalidades de caráter moral, definida de forma ética, em que esteja presente a
natureza e a vida. Há também suposições que simbolizam valores no sentido da ética
para a sustentabilidade, que trazem presente dois dos princípios da Carta da Terra:
i.“prevenir o dano ao ambiente com o melhor método de proteção ambiental e, quando o
conhecimento for limitado, tomar o caminho da prudência.”; ii.“estimular e apoiar os
entendimentos mútuos, a solidariedade e a cooperação entre todas as pessoas, dentro e
entre nações”; iii. “fortalecer as comunidades locais, habilitando-as a cuidar dos
próprios ambientes e designar responsabilidades ambientais em nível governamental
onde possam ser cumpridas mais efetivamente.” (BOFF, 2012, p. 172; p. 176). Assim a
argumentação que Adonis desenvolve traz atribuição de valores como conciliação,
parcimônia, tolerância, cooperação e entendimento. Há uma potencialidade em
diálogos conciliadores para construção de um futuro melhor, que requer sujeitos
permanentemente comprometidos em aperfeiçoar múltipos aspectos da vida humana.
A interpretação da configuração de sentidos subjetivos de Adonis, que
problematiza o tema segundo a dimensão de futuro viável, também permite
interpretação sobre sentidos subjetivos do futuro professor relacionados à docência. Elas
trazem a intenção de um ensino pautado pelo tema da cidadania e do futuro, que
também é expressa quando ele diz sobre a educação “ela tem muito a ver com a
formação de um cidadão que ele tem que pensar no futuro.” Para compreender a
relação desses sentidos subjetivos e a implicação do tema em sua experiência de
docência, assim como compreender conteúdos e abordagens presentes na proposição de
Adonis, solicitei um relato das atividades:
139
A gente pesquisou como que a gente vai abordar usando o meio ambiente, a temática do
meio ambiente, e viu que esse tema era bem amplo e tinha muita coisa bem interessante que
era muito fácil de fazer, muito fácil de aplicar e era bem abrangente. A gente decidiu fazer
isso, em especial eu e a “Rosa” nós fizemos (mini-curso) sobre a água, porque nós
percebemos que a água é um veículo bem amplo de contaminação. Então a gente pode
notar sustentabilidade em vários termos na água, a gente pode notar que se poluir o solo
contamina a água, se poluir o ar está contaminando a água. Se poluir a água em si já
prejudica a biota, a biomassa, então a gente quis trabalhar com essa temática da água
porque a gente viu que um dos temas centrais é esse, a gente gostou dele e decidiu trabalhar
nele. Um ponto só porque ele é amplo, trabalhar a poluição da água. (FUTURO
PROFESSOR ADONIS).
Poluição da água, sua contaminação, e suas implicações na contaminação de
outros sistemas naturais são aspectos de relevo no relato do futuro professor. Surge
então um conjunto de conteúdos consonantes com pressupostos da educação científica
para a sustentabilidade, na medida em que ele articula o tema com contaminação e
interações sistêmicas. Cachapuz et al. (2005) exemplifica a relevância desses temas para
a educação científica, recordando a utilização de produtos químicos de síntese para
combater insetos, doenças e fungos, ação que de fato aumentou a produtividade agrícola
num período em que um notável crescimento da população mundial assim o exigia.
Entretanto, a Comissão Mundial do Meio Ambiente e do Desenvolvimento, desde
aquela época, já advertia que o seu uso excessivo constituía uma ameaça à saúde
humana, além de ser veneno para peixes, mamíferos e pássaros que se acumula nos
tecidos vivos. Por tais motivos, chegaram a ser chamados de “contaminantes orgânicos
persistentes”. Por isso, para os autores, a educação científica e tecnológica deve abarcar
conteúdos e abordagens que visem a tomada de decisões fundamentadas, que tenham
respaldo, de um mínimo de conhecimento específico.
Pela Química Ambiental compreende-se que na maioria dos sistemas aquáticos
naturais, o pH e as concentrações dos íons principais são controlados pela dissolução de
dióxido de carbono atmosférico e de íons carbonato vinculados ao solo (BAIRD, 2002).
Em condições normais, os fenômenos ácido-base e de solubilidade controlam as
concentrações dos íons inorgânicos dissolvidos na água, como o carbonato, enquanto
que o teor orgânico da água é dominado por diversas transformações. Mas em condições
alteradas, a poluição tem implicação sistêmica nas interações múltiplas entre sistemas
naturais e seres vivos.
Para Prigogine (2002), tratar do tempo na reformulação de leis da natureza, deve
levar a uma vinculação dinâmica, de dimensão existencial e fundamental. Para o autor
em todos os fenômenos que percebemos ao nosso redor, quer pertençam à física
140
macroscópica, à química, à biologia, quer às ciências humanas, em toda parte nos
deparamos com o caráter constitutivo de novas estruturas, e novos sistemas complexos,
o que implica em futuro incerto apesar de provável. Portanto, é fundamental
problematizar, através de conteúdo temporal e probabilístico, que vivemos em um
mundo dinâmico e transformado em que as noções de instabilidade e de caos assumem
um papel essencial para caracterizá-lo.
Com a intenção de compreender uma abordagem julgada pelo futuro professor
como pertinente para o tema e também compreender sua autoria e autonomia
propositiva para a docência do tema, perguntei como ele organizaria um processo
educativo para o tema:
Eu nunca pensei ensinar Química com uma temática. Eu sempre pensei ensinar só o
conteúdo em si, isso já bastava para o aluno, porque eu talvez tivesse uma visão igual de
alunos da escola que só tem essa visão de conteúdo e acabou. Daí a gente pegou uma
temática na graduação, a gente percebe que o tema fica mais abrangente e que você usa o
mesmo conteúdo para várias coisas e não só lá na frente ou para prova. Mas você aplica
isso tudo no dia a dia do aluno no que ele pode usar corriqueiramente. (FUTURO
PROFESSOR ADONIS).
Adonis articula valorização de temáticas com a vida cotidiana o que aponta uma
reflexão e proposta de ensino do tema consonante com a noção de abordagem temática,
tal como é conhecida na educação científica. Machado e Mortimer (2007) lembram que
o cerne da prática científica cotidiana é a resolução de problemas abertos, aqueles que
não têm uma solução única, demandam avaliações constantes de riscos e a escolha de
caminhos alternativos. Um enfoque contextual privilegia a abordagem de resolução de
problemas abertos, que incluem aqueles que são típicos dos setores da atividade
produtiva e não apenas aqueles ligados às teorias da química, o que fornece
instrumentos para a leitura de mundo, desenvolvendo, ao mesmo tempo, competências
para viver em sociedade.
Para Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2007), o fato do aluno conviver e
interagir com fenômenos que são objetos de estudo das ciências da natureza, para além
dos muros da escola, desautoriza a suposição de que uma compreensão de tais
fenômenos seja obtida apenas por sua abordagem na sala de aula, com os modelos e
teorias científicas. Para os referidos autores, uma abordagem temática possibilita a
conceituação científica dos conteúdos programáticos subordinados ao tema. Para Freire
(2005) o esforço da educação problematizadora é a de propor aos indivíduos dimensões
significativas de sua realidade, cuja análise critica lhes possibilite reconhecer a interação
141
de suas partes. Seria indispensável ter antes a visão totalizada para, depois, separarem
ou isolarem os elementos ou as parcialidades, para em seguida voltar, com mais
claridade, à totalidade analisada.
Com a intenção de compreender a ampliação do compromisso pessoal, e o
reposicionamento do futuro professor, perguntei a Adonis por ressignificações que
elaborou após os estudos sobre a temática:
Ensinar, ser capaz de ensinar sustentabilidade para um aluno, a gente percebe que, a
intenção, o que nos é passado aqui, que nos queremos formar cidadãos. Então as questões
ambientais. É primordial a sustentabilidade. Ela tem muito a ver com a formação de um
cidadão que ele tem que pensar no futuro. Um cidadão ele tem que pensar no futuro quando
ele vai votar, na política, tem que pensar no futuro quando ele vai arrumar um emprego,
tem que pensar no futuro... então tem que pensar em preservar esse meio ambiente. Quando
a gente é capaz de ensinar uma pessoa para ela se formar um cidadão, a gente tem que
ensinar esse conceito de sustentabilidade, de querer preservar agora para continuar depois,
porque o futuro assim pede. E porque ele está ali? É a intenção dele, dos pais quem sabe ter
um futuro melhor, sempre é isso que um pai quer para seu filho, um futuro melhor então a
sustentabilidade implica em ter um futuro melhor ou quem sabe se não tiver um futuro
melhor ficar com esse mesmo do que ter um pior... Então a pratica docente quando a gente
usa a sustentabilidade está diretamente relacionada com a formação de um cidadão.
(FUTURO PROFESSOR ADONIS).
A formação do cidadão é o que de novo aparece neste fragmento de fala de
Adonis. A representação indica uma modificação em relação ao inicio da argumentação
baseada no consumo, que se desenvolveu produzindo a noção de compromisso com o
futuro. A argumentação desenvolve uma valorização no sentido da formação do
cidadão.
Para Adonis, a formação cidadã vincula-se ao pensar no futuro, no trabalho, na
política, na constituição de filhos. Desta forma, ele reconhece resultados desta formação
para os estudantes que vão além da escola, tendo implicações no cotidiano. Julga que a
abordagem do tema deve envolver conteúdo conceitual e atitudinal, visando propiciar
aprendizado multidimensional e voltado à leitura de mundo.
Para Cachapuz et al. (2005), compromissados com a educação para a
sustentabilidade pretendemos contribuir para formar cidadãos e cidadãs conscientes da
gravidade e do caráter global dos problemas e prepará-los para participar na tomada de
decisões adequadas. Para os autores, a participação de cidadãos na tomada de decisões é
hoje um fato positivo, uma garantia de aplicação do principio da precaução, com seu
caráter de dúvidas em relação a benefícios a curto prazo, de opor-se à aplicação
apressada da ciência e da tecnologia, sem garantias suficientes das inovações. Para a
142
compreensão das implicações do desenvolvimento tecno-científico é, portanto,
imprescindível um mínimo de formação científica.
Para Freire (2004), a cidadania é uma criação política que não resulta do simples
fato do sujeito ter nascido em determinada cidade, noção valida do ponto de vista legal,
mas não do ponto de vista político. Sendo assim, a intervenção docente tem a
possibilidade de trabalhar em favor da produção da cidadania, tornando-a
responsabilidade ética e social de todos. O tema tem a ver com a cidadania na medida
em que a educação deve ensinar a conviver com o outro, pois o ser humano nasce e vive
“em um ambiente mediado por outros seres humanos” (DELIZOICOV; ANGOTTI;
PERNAMBUCO, 2007, p. 130).
A formação cidadã também se integra à noção de emancipação de modo a
participar dos processos de subjetivação dos sujeitos que aprendem. Para González-Rey
(2006) as emoções que se integram no espaço simbólico de um valor moral são
decisivas no sentido subjetivo que ele terá para o sujeito. Essa integração é central para
o comprometimento da pessoa e para desenvolver posições carregadas desse sentido
subjetivo. Para o autor, é necessário superar a representação de motivação e afetividade
como mero combustível de nossas ações. Os sentidos subjetivos constituem verdadeiros
sistemas motivacionais, que diferentemente do que postulam as teorias mais tradicionais
da motivação, nos permitem representar o envolvimento afetivo do sujeito em uma
atividade, não apenas pelo seu vinculo concreto nela, mas como produção de sentidos
que implicam em uma configuração única, sentidos, emoções e processos simbólicos.
Na argumentação desenvolvida por Adonis há também suposições, ainda que
não claramente explicitadas e sistematizadas, que indicam valores no sentido da ética
para a sustentabilidade e trazem presentes o princípio do Tratado de Educação
Ambiental e Responsabilidade Global: i. “A educação ambiental é individual e coletiva.
Tem o propósito de formar cidadãos com consciência local e planetária, que respeitem a
autodeterminação dos povos e a soberania das nações” (PRONEA, 2004, p. 48). A
argumentação em que “sustentabilidade implica em ter um futuro melhor” indica que
educar implica educação individual, para o futuro que inclui emprego; formação do
cidadão. Ter um futuro melhor implica em dar ênfase às questões ambientais e pensar
no futuro.
143
6.2.5 A produção subjetiva da futura professora Margarida – “tem que pensar uma
maneira de não poluir, acho que isso é sustentabilidade”
A futura professora Margarida, possui um curto percurso docente, em especial
através de política pública de incentivo à docência, através do Programa de Bolsa de
Iniciação à Docência (PIBID). Também tem experiência com pesquisa experimental no
Laboratório de contaminantes inorgânicos. É dela a frase síntese transcrita acima, que
foi selecionada por indicar busca de conhecimento para a sustentabilidade.
Porém esta não é a frase que aparece no início de sua elaboração sobre
sustentabilidade. Como aconteceu com os demais pesquisados, a frase síntese somente
aparecerá mais adiante, como resultante da interação que aconteceu na vivência da
prática docente e na convivência com outros futuros professores e com a pesquisadora.
Seu ponto de partida é a “química do solo” que surgiu nas discussões em grupo
sobre as atividades da docência que deveriam planejar. Apresentou como tema gerador:
“Sustentabilidade com o uso e ocupação do solo”. E como contratema ao debate:
“Maneiras corretas de ação”. Então ela elabora como problematização: “Não
prejudicarmos uns aos outros, solos e ser vivo”. Mesmo sem maior sistematização, ela
aponta um compromisso social para com o tema. Durante a conversa escolhe, quando
solicitada, associar sustentabilidade com a habilidade em se manter ao longo do tempo.
Na opinião da futura professora, ao completar frases, sustentabilidade é
“educação ambiental, não destruir ciclos” Assim ela expressa sentido subjetivo
centrado na extração e nos processos de transformação material. Essa noção de
Margarida tornou-se mais compreensível na conversa quando perguntei quais aspectos e
indicadores ela considerava mais significativos para compreender sustentabilidade:
Sustentabilidade não seria pensar antes de retirar do meio? Porque a gente só retira do meio
ambiente e não repõe, né!? Ou repõe de forma negativa, repõe o lixo que a gente já usou já
retirou do meio ambiente (...) eu pensava, sustentabilidade é o que: assim, ‘ah eu vou
reciclar, eu tenho uma empresa, eu poluo, mas eu faço tratamento daquela água que eu
polui, da minha empresa, então eu estou pensando sustentavelmente’, mas não é só isso!
Antes tem que pensar, antes de poluir, tem que pensar uma maneira de não poluir, acho que
isso é sustentabilidade. (...) Eu não sei se a maneira como eu respondo quando fala de
sustentabilidade está correta, mas... uma pessoa que não sabe o que é lixo seco e o que é
lixo úmido no sétimo semestre do curso de Química é difícil... (FUTURA PROFESSORA
MARGARIDA).
Na opinião da futura professora o tema refere-se aos ciclos biogeoquímicos e
suas implicações ecológicas confrontadas com os hábitos de consumo atuais. Do ponto
de vista da ciclagem de material (isto é, processo reacional de transformação material),
144
um princípio básico refere-se à equivalência entre a taxa de utilização de material com
capacidade de regeneração do ecossistema. Segundo Loureiro (2012), o
desenvolvimento sustentável traz uma preocupação em crescer sem comprometer a
capacidade de suporte dos ecossistemas e seus ciclos, garantindo a existência social e de
outras espécies em longo prazo. Desta forma aparece no discurso da futura professora
representações que estão presentes nas preocupações sobre sustentabilidade
contemporâneas.
Essa preocupação está relacionada com críticas ao caráter explorador das
relações econômicas com o ambiente levando a acordos globais, que estabelecem como
o fluxo material e energético será acrescentado à degradação produzida pela extração,
processamento e eliminação de rejeitos da produção (PORTILHO, 2010). Preocupação
possível de ser reconhecida na argumentação de Margarida.
A formulação de suas afirmações mostra um posicionamento contextual que
expressa dimensões do debate público sobre o tema. Estes integram aspectos materiais
como os ciclos biogeoquímicos e suas implicações ecológicas decorrentes dos projetos
humanos e hábitos de consumo atuais.
Como intencionava compreender o impacto das vivências no projeto nos
sentidos subjetivos, perguntei à Margarida quais relações estabelecia entre o tema e a
Química. Além disso, perguntei se ela acreditava que tinham acontecido reformulações
em sua noção de química:
eu trabalho lá no laboratório de contaminantes inorgânicos. Lá tem muitos resíduos, muitos
mesmo. E esses resíduos eles ficam em garrafões, tudo com nome, especificado o que tem
em cada frasco só que são muitos. (...) O pessoal só vai trabalhando e deixando lá.
Ninguém parou para pensar assim: “estou gerando tanto resíduo”(...) ninguém dá
continuidade ao trabalho ou tratamento do resíduo. (FUTURA PROFESSORA
MARGARIDA).
O relato da futura professora expressa sua experiência laboratorial sobre
contaminantes inorgânicos, centrada em aspectos de geração, descarte tratamento
resíduos. Ela significa a Química a partir da aproximação com processos naturais, em
que há um modelo químico cíclico, baseado em entrada e saída de material, mas que
expressam também relações energéticas e aspectos termodinâmicos da ciência Química.
Do exposto, compreendo que o posicionamento da futura professora se mostrou
processual a partir da participação nas atividades, na medida em que mostra
proximidade com as experiências sobre contaminantes e geração e descarte de resíduos.
145
Sua argumentação envolve conteúdo de fluxos de materiais com implicações em
propriedades do sistema complexo pelo trânsito de matéria e energia com o ambiente.
Como intencionava compreender os sentidos subjetivos implicados pela
articulação de sentidos de procedências bem distantes, perguntei à Margarida se essa
temática ambiental teve implicações na sua escolha por essa licenciatura. Ao responder
surge sua formação técnica em Química, sua escolha pelo curso de licenciatura, e neste
momento do relato ela narra: “(...) no inicio da quinta série eu quis fazer publicidade e
propaganda (...) ai eu fui para biologia, para geografia, ai nutrição, ai Química”, logo
em seguida ela narra sobre seu processo pessoal de decisão:
Eu queria fazer nutrição, meu primeiro vestibular... eu não passei ... Ai eu decidi fazer o
curso técnico... e eu acabei gostando da Química, foi com o qual eu mais me identifiquei...
Ai que eu prestei vestibular para Química licenciatura... só que antes da nutrição eu quis
fazer biologia... eu quis fazer publicidade e propaganda...Ai eu fui para biologia, para
geografia, ai nutrição, ai Química.(...) na biologia, tinha a revista que eu recortava. Eu
colecionava página de revista de tantos cursos que eu já quis fazer (...) e foi feito todo esse
processo de recorte de revista de novo, só que ai eu já não estava mais interessada pelo
dicionário só pela revista. Ai, os livros que falava parte da bioquímica que a gente vê aqui
na graduação, tudo eu ficava lendo (...) ai eu sempre recortava, eu gostava de borboletas.
Toda revista que tinha borboleta eu recortava (...) Animais em geral. Ai eu comecei a me
interessar pelo dicionário toda palavra diferente (...) que era da biologia, ai eu comecei a
marcar... eu tinha um caderno e eu anotava tudinho (...) Então tudo o que eu via com bio eu
fazia esse processo marcava (...) eu fiquei um tempão em biologia. Ai chegou, no segundo
ano do ensino médio era nutrição, e foi feito todo esse processo de recorte de revista de
novo (...) tudo eu ficava lendo (...) ai, 2008 eu entrei no curso técnico. Em 2009 eu entrei
aqui na UFMT. (FUTURA PROFESSORA MARGARIDA).
Para Margarida a coleção de recortes requer ações de recortar, colecionar,
interessar por dicionário, por livros didáticos, requer leitura, interesse e motivação. Sua
argumentação indica que fazer registros de múltiplas informações a conectava aos temas
de seu interesse. Para ela conhecer requer leitura e compilação de informações, desta
forma ela busca articular sua curiosidade e tomada de decisão com o ato de colecionar.
Ramos (2008) afirma que o consumidor da atualidade convive com uma proliferação de
objetos, efêmeros, assim representa-o como um “colecionar às avessas” que se realiza
na vontade insaciável de consumir.
Para Baudrillard (1973), a noção de coleção distingue-se da de acumulação, pois
a coleção emerge para a cultura, visa objetos diferenciados que tem frequentemente
valor de troca, que são também “objetos” de conservação, de ritual social, de exibição e
são acompanhados de planos para o futuro. Os objetos incluem uma exterioridade social
de relações humanas, contudo, mesmo quando a motivação externa é forte, a coleção
jamais escapa à sistemática interna, assim “constitui da melhor maneira possível um
146
compromisso entre os dois: mesmo se a coleção se faz discurso aos outros é sempre
primeiro discursos a si mesma” (p. 111).
A argumentação desenvolvida pela futura professora é carregada de elementos
de sua dedicação à colecionar fragmentos para entender os ciclos de vida.
Com base em seus estudos, Lopes (2010) considera que o ato de colecionar é um
complexo de inter-relações. São relações que os sujeitos empreendem para compreensão
de ciclos da vida, de sua finitude e degeneração. Para o autor o colecionismo, apesar de
parecer simples, guarda uma complexidade que carece de ser compreendida na medida
em que pressupõe um princípio de diálogo com fragmentos constitutivos da totalidade
da coleção produzida, ou mesmo de estabelecer critérios de distinção, de organizá-los e
torná-los significativos, pela leitura do cotidiano e da História. O autor considera que as
coleções são práticas que dão sentido de permanência a objetos e imagens figuradas.
Projetam um sentido de afetividade, de preservação na medida em que os distanciam de
outros objetos, com eles criam familiaridade e lhes dão valoração. Desta forma o ato
revela relações entre sujeitos, imagens e objetos, a partir do cotidiano vivido.
Com a intenção de compreender a reflexão da futura professora busquei
informações sobre outros temas que ela apresentou ao completar frases:
1 - Muitas vezes reflito sobre questões ambientais: como a capacidade que temos em
retirar tudo que pode ser aproveitado do meio ambiente sem pensar nos aspectos
negativos. (FUTURA PROFESSORA MARGARIDA).
2 - Minhas melhores atitudes ambientais são: em questão ao lixo, procuro sempre jogá-
los em locais apropriados, senão carregá-los para reaproveitar. (FUTURA
PROFESSORA MARGARIDA).
3 - Quero que o ambiente seja: trabalhado por si próprio, que possamos viver em ciclos,
ou seja, usa, devolve. (FUTURA PROFESSORA MARGARIDA).
As frases reafirmam que Margarida compreende a retirada de material do meio
ambiente como inerente às atividades humanas, mas entende que isso compromete os
ciclos naturais. Para ela retirar, aproveitar, reaproveitar deve estar acompanhado de
pensar nos aspectos negativos, pois ao levar em consideração as conseqüências dessas
ações todos nos tornamos responsáveis. Nas expressões referentes ao ambiente
“trabalhado por si próprio”, “em locais apropriados” há uma representação com a
qual ela atribui a responsabilidade aos seres humanos pelo uso e manutenção dos
147
processos naturais. Nesses fragmentos, Margarida também aponta o compromisso com
descarte adequado e reaproveitamento de materiais como atitudes a serem estimuladas.
A argumentação de Margarida remete a proposições, ainda que não
sistematizadas, que se aproximam de princípios apresentados na Carta da Terra.
Portanto, a interpretação da argumentação desenvolvida pela futura professora em que
expressa “tem que pensar uma maneira de não poluir, acho que isso é
sustentabilidade” nos leva a considerá-la como uma proposição. Assim encontramos
suposições que indicam valores no sentido da ética para a sustentabilidade presentes em
dois dos princípios da Carta da Terra: i. “afirmar a fé na dignidade inerente de todos os
seres humanos e no potencial intelectual, artístico, ético e espiritual da humanidade.”; ii.
“impedir a poluição de qualquer parte do meio ambiente e não permitir o aumento de
substâncias radioativas, tóxicas ou de outras substâncias perigosas.”; iii. “Avançar o
estudo da sustentabilidade ecológica e promover a troca aberta e uma ampla aplicação
do conhecimento adquirido.”; iv. “Apoiar a cooperação científica e técnica internacional
relacionada à sustentabilidade, com especial atenção às necessidades das nações em
desenvolvimento.”; v. “Impedir a poluição de qualquer parte do meio ambiente e não
permitir o aumento de substâncias radiativas, tóxicas ou de outras substâncias
perigosas.” (BOFF, 2012, p. 170; p. 172). Assim a argumentação que Margarida
desenvolve atribui valor à curiosidade e compilação, abertura, ampliação e troca de
conhecimento.
A argumentação desenvolvida pela futura professora indica que as intervenções
ambientais, por sua complexidade, requerem aprofundamento a partir de estudos de
casos; requer também problematização e sensibilização com o meio natural; requer
ainda planejamento, tratamento e precaução. Para Makiuchi (2005, p. 30), a
impossibilidade de saber tudo é que torna o princípio da precaução um princípio crítico,
responsável e ético, como uma ética crítica, que se contrapõe por um lado ao
utilitarismo e por outro à ingenuidade.
A interpretação da configuração subjetiva de Margarida, que integra uma busca
por conhecimento e método para abordar a sustentabilidade, também propicia
interpretação sobre sentidos subjetivos relacionados à docência. Traz a intencionalidade
de Margarida para com um ensino organizado para aprofundamento dos estudos
relacionados com o tema, que se expressa na frase “mas ai a gente pensando, nos
aspectos ambientais, no nosso dia a dia, aquilo que esta em nossa volta e sabendo que é
148
sustentabilidade”. Para compreender a relação desses sentidos subjetivos e suas
implicações para a docência, assim como compreender conteúdos e abordagens
considerados relevantes por Margarida, solicitei um relato das atividades desenvolvidas
e avaliação da experiência vivida:
(...) na prática de ensino II nós separamos a turma em temáticas e como nós ficamos com
Ciência, Tecnologia e Sociedade e Ambiente então nós trabalhamos mais essa parte
ambiental, essa temáticas ambientais. Então foi muito bom, inclusive em uma conversa que
nós tivemos sobre lixo até hoje eu me pego falando sobre isso. (...) o (aporte) CTSA era
muito amplo e nós nos interessávamos por água e solo. E o grupo dividiu em água e solo e
eu gostei mais do grupo da água, mas ai eu fiquei com solos porque eu fui lendo vários
livros, artigos para ver e eu gostei de solos(...) (FUTURA PROFESSORA MARGARIDA).
Percebe-se como central no relato da futura professora o conteúdo relacionado à
dimensão ambiental, lixo, água, solo. No que tange a Química Ambiental, para Baird
(2002, p. 527) a relação de lixo e solo leva a uma combinação problemática em que se
gera “o (problema) da natureza e do possível descarte de resíduos perigosos em
qualquer estado, e certamente de resíduos concentrados de todo tipo, incluindo o lixo
doméstico.” Essa prática humana é perigosa quando constitui um risco à vida, de
humanos ou não humanos. Há casos também considerados perigosos que incluem
entulhos de construção e demolição como aqueles advindos dos setores comercial e
industrial, e das residências particulares.
O principal método para armazenar lixo é a sua colocação em aterro sanitário,
que consiste em uma grande escavação no solo. Por isso os aterros modernos são
projetados para assimilar as ciclagens previstas inclusive do líquido produzido nas
atividades reacionais chamado de chorume. O relato da futura professora remete ao
aspecto físico-químico da dinâmica no plano das funções de distribuição, com a qual
ganha sentido olhar as múltiplas interações do descarte de resíduos para compreender
novas teorias formuladas para as leis da natureza a cerca da geração de instabilidade e
caos, tidos como ponto de partida para uma reformulação da dinâmica baseada em
probabilidades e instabilidades (PRIGOGINE, 2002).
Sobretudo o relato remete a uma temática contemporânea e com repercussão
social. Para exemplificar, 2014 é o prazo final para a eliminação de lixões e aterros
controlados e disposição final ambientalmente adequada de rejeitos conforme
estabelecido na lei 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos e
seu decreto regulamentador, decreto nº 7404/2010 (BRASIL, 2010). Dados da Pesquisa
Nacional de Saneamento Básico de 2008, realizada pelo Instituto Brasileiro de
149
Geografia e Estatística em Mato Grosso, mostram como são caracterizados os principais
locais utilizados para disposição de resíduo sólido: 22 (de um total de 1049) com
recobrimento sistemático dos resíduos com freqüência superior de um dia; 14 (de um
total no Brasil de 784) com recobrimento sistemático com freqüência diária; 49 (de um
total de 1703) com presença de catadores de resíduos no interior das instalações; 11 (de
um total de 285) com moradias improvisadas de catadores na gleba; 49 (de um total de
1478) com presença de animais de médio ou grande porte (porco, cães, bovinos,
eqüinos etc.) no interior da instalação; 67 (de um total de 1982) com ocorrência de
queima de resíduos a céu aberto (mesmo que em valas); 6 (de um total de 139) com
ocorrência de queima de resíduos em fornos improvisados; nenhum (de um total de 39)
com recuperação de gás metano a partir do biogás captado; 1 (de um total de 26) com
geração de energia.
Esse panorama demonstra principalmente múltiplas interações entre solo, ar,
seres vivos, resíduo liquido, etc., sobre as quais é possível fazer representações da
multidimensionalidade da disposição final de resíduos sólidos. O caráter tanto social
quanto ecológico da temática dos resíduos sólidos demonstra sua relevância relacionada
à sustentabilidade e à possibilidade de se abordar a partir de integração Ciência,
Tecnologia, Sociedade, Ambiente. Para SANTOS et al. (2010), é importante que os
educadores, coerentes com os princípios do ensino de CTS e da Educação Ambiental,
propiciem a interpretação das questões socioambientais cotidianas, no sentido do
encaminhamento de abordagens problematizadoras. Para os autores o enfoque CTS no
ensino de Ciências favorece abordar um conjunto amplo de conteúdo tais como as
necessidades e desejos na nossa sociedade de consumo e suas implicações materiais. O
estudo de tais implicações pode incluir os conflitos e/ou confrontos que envolvam
poderosos interesses econômicos, como a exploração de recursos minerais ou uso da
água enquanto recurso finito e indispensável à vida.
Com a intenção de compreender o papel de tal abordagem para a futura
professora, assim como as outras relações do tema com suas intenções na docência
perguntei como ela organizaria um processo educativo para o tema:
A gente chega no livro didático tem lá: “nos vamos ver x coisa”. Mas ai a gente pensando,
nos aspectos ambientais, no nosso dia a dia, aquilo que está em nossa volta e sabendo que é
sustentabilidade: como que a gente pode trabalhar para que os alunos também saibam o que
é sustentabilidade, fica bem diferente. Até, desde as aulas práticas e as teóricas em sala de
aula. (...) e ai no meio ambiente também fala assim: “aconteceu uma erosão, aconteceu tal
coisa no solo, fulano colocou fogo na plantação dele coitado dele perdeu toda a vegetação
150
da sua área”. Às vezes ele não perdeu, às vezes não foi acidental porque ele quer recuperar
o solo dele sem gastar, mas prejudicando o meio ambiente. E a gente pode levar isso para a
sala de aula: “porque fulano está fazendo isso? o que está acontecendo? qual é a reação que
está acontecendo?” E a gente pode fazer isso com várias coisas do nosso meio ambiente.
(FUTURA PROFESSORA MARGARIDA).
As preocupações relacionais relevantes à noção de sustentabilidade de
Margarida voltam a aparecer. Este recorte representa a configuração subjetiva na
medida em que aponta a relevância de compreender sobre sustentabilidade para então
abordar o tema, para que os alunos também saibam, ideia que demanda conhecimento
dos processos ambientais e da complexidade do tema.
Margarida entende que não deve comprometer os ciclos vitais, o que representa
com a articulação do tema com o solo. Essa possibilidade de alteração físico-material a
partir dos projetos humanos, produzidas por ações coletivas, levou a ciência a
reformular uma imagem que a física clássica dava do universo na qual não havia lugar
para o pensamento, e o papel das escolhas (PRIGOGINE, 2002), mas em nossa época
podemos entender sua presença nos modelos complexos, que descrevem múltiplas
interações produzidas pelo ser humano.
Nos questionamentos que Margarida apresenta se evidencia a produção de ideias
e criação de abordagem de ensino do tema. Para Moraes, Ramos e Galiazzi (2007),
autores de orientação sociocultural, é necessário trabalhar em torno de problemas e de
desafios significativos. Isso pode ser encaminhado pela conexão dos questionamentos
com o conhecimento de partida dos participantes e pela derivação das perguntas a serem
respondidas, a partir do cotidiano dos alunos. Desta maneira, há uma implicação dos
estudantes, na formulação de saberes reconstruídos, favorecendo o interesse e a
motivação de todos em relação ao que é realizado em aula.
Além disso, dar densidade aos estudos associando aos questionamentos podem
orientar uma abordagem de ensino que traga o sujeito implicado no processo intelectual.
Para González-Rey (2006), o processo de aprendizagem implica leitura, pois a produção
intelectual precisa alimentar-se de um posicionamento diferente em relação com o que
aprende, de uma capacidade para participar de forma reflexiva e criativa na
aprendizagem e de novas e inúmeras fontes de informações, as quais ajudarão na
aparição e precisão de novas ideias do estudante.
Com a intenção de compreender a ampliação do compromisso pessoal, um
reposicionamento perante o tema, perguntei à futura professora por ressignificações
elaboradas desde que iniciou os estudos sobre a temática:
151
A gente pode fazer muitas aulas práticas que não geram nenhum resíduo, como medir o pH
de algo com extrato de repolho roxo não vai gerar nenhum resíduo, se medir o pH da água,
do solo ou de qualquer coisa. Como na minha casa mesmo, aqui na UFMT eu costumo
levar o lixinho ou na minha bolsa, só que na minha casa é diferente às vezes eu deixo na pia
ou não, tem a lixeira. As coisas de cozinha eu deixo, as cascas na pia, e minha mãe fala:
“nossa uma pessoa que já está formando em Química deixa o lixo aqui. Não sabe aproveitar
casca de banana.” Ai eu falo: “hum, minha mãe está falando de reciclagem, ela está
pensando sustentável, e eu não estou, nem sequer joguei no lixo.” Porque é lixo úmido e, é
um lixo que pode ser jogado no quintal servir de adubo. E a gente, assim, em casa mesmo,
não vê não enxerga. Poderia muito bem trabalhar com a Química em casa, com as coisas do
dia a dia que a gente faz, que a gente deixa de fazer, até dede o lavar do banheiro, até tudo.
(FUTURA PROFESSORA MARGARIDA).
A representação presente neste fragmento indica uma modificação em relação ao
inicio de sua reflexão voltada para química do solo, que se desenvolveu para explicar e
transformar as atitudes cotidianas, pela compreensão conceitual do tema e assim manter
coerência nas ações em espaço público e em espaço privado. Neste momento surgem
sentidos que apontam para a necessidade de assumir responsabilidade e agir como
profissional, inclusive nos espaços da família.
Por outro lado, revela uma afirmação do início da argumentação de conservação
dos ciclos com predominância da reciclagem do lixo, neste momento pertinente com sua
insistência na necessidade de pensar em maneiras adequadas de descarte. Para Freire
(2004), quando entendemos que ensinar não é transferir conhecimento a gente tem todo
um campo pela frente para inventar maneiras de tratar, melhorar o objeto, o chamado
conteúdo e suas abordagens e certas maneiras de experimentar e possibilitar ao aluno
que experimente desde que entendemos professores e estudantes como sujeitos
criadores.
Para pensar como agir de maneira ambientalmente adequada, Capra (1996)
lembra que se deve pensar em rede, no mundo que criamos com os outros, que inclui o
nosso mundo interior de pensamentos abstratos, de conceitos, de símbolos, de
representações mentais e de autopercepção.
Para pensar outra maneira de agir, ambientalmente adequada, trago o que
González-Rey (2006) propõe como a posição criativa do aluno, implicada em estimulá-
lo para a reflexão e para a leitura, sendo assim capaz de ultrapassar uma representação
descritivo-reprodutiva da aprendizagem.
Portanto, na interpretação da argumentação desenvolvida encontramos
suposições que indicam valores no sentido da ética para a sustentabilidade como aqueles
presentes no princípio do Tratado de Educação Ambiental e Responsabilidade Global: i.
152
“A educação ambiental deve ajudar a desenvolver uma consciência ética sobre todas as
formas de vida com as quais compartilhamos este planeta, respeitar seus ciclos vitais e
impor limites à exploração dessas formas de vida pelos seres humanos” (PRONEA,
2004, p. 49). Quando Margarida expressa “tem que pensar uma maneira de não poluir,
acho que isso é sustentabilidade”, sua afirmação me leva a considerá-la como uma
proposição em que pensar e desenvolver maneiras de compartilhamento do planeta deve
abarcar o tema do comprometimento dos ciclos vitais e chamar a atenção para a
exploração sem limites.
A argumentação desenvolvida por Margarida traz uma proposição consonante
com os princípios contemporâneos voltados a uma consciência ética e reformulação de
limites aos projetos humanos. O processo de pensar essa maneira de agir exige a
posição criativa do estudante, o que também exige dedicação do professor e
planejamento como aparece na argumentação da futura professora Margarida.
6.2.6 A produção subjetiva da futura professora Dália – “falar de sustentabilidade é
falar de uma maneira complexa”
Dália é uma jovem cuja experiência docente se desenvolveu em especial através
de política pública de incentivo à docência, no Programa de Bolsa de Iniciação à
Docência (PIBID). Também tem experiência com pesquisa experimental vinculada ao
Laboratório de Contaminantes Inorgânicos. É dela a frase “falar de sustentabilidade é
falar de uma maneira complexa”, que foi selecionada por sintetizar como ela considera
relevante abordar o tema, contemplando sua complexidade, ainda que sua elaboração
seja pouco sistematizada.
Sua preocupação com a dimensão relacional aparece logo de inicio, quando ela
apresenta o tema gerador: “Mato Grosso: o clima e suas relações antropológicas”.
Sobretudo, na elaboração do documento de redução temática ela problematiza:
“Conhecer a região, o clima, a topografia e um levantamento histórico, seria uma
solução?” Quando provocada, ela concebe sustentabilidade como “um conjunto de
estratégias de manejo”.
Na opinião da futura professora, sustentabilidade é “pensar nos outros”. Esses
elementos apresentados por Dália ganham sentido na conversa, durante a entrevista
153
quando perguntei quais aspectos e indicadores ela considerava mais significativos para
compreender sustentabilidade:
A área do meio ambiente, e, a parte da sustentabilidade está ligada, é tudo muito complexo,
porque falar de sustentabilidade é falar de uma maneira complexa. Para você pensar de
maneira sustentável, você não vai pensar só numa prática nova, mas você vai pensar em
uma prática, além de fazer diferente, você vai estar ajudando, além de fazer diferente, você
vai estar cuidando, além de fazer diferente, você vai estar respeitando, além de fazer
diferente você vai estar criando uma nova prática, de pensar. (...)então, pensar que tudo o
que nós vivemos, nossa vida é fluxo, é transformação (...) (FUTURA PROFESSORA
DÁLIA).
Para Dália, o tema refere-se ao saber, ao conhecer à complexidade do real.
Sobretudo refere-se à alteridade, e implica em pensar em outros, nas futuras gerações,
uma prática nova de ajudar. Podemos entender o princípio de alteridade como uma
preocupação em não naturalizar o mundo sem o “outro”, sem relações responsáveis.
Sendo assim, “alteridade é esta fratura na existência humana, a ruptura com este mundo
natural que se dá a partir da consciência do ‘outro’, da distinção e da separação que se
estabelece a partir daí” (MAKIUCHI, 2005, p. 29). Para Freire (2004, p. 84), é preciso
reconhecer que o outro pensa diferente, assim a postura torna-se “ética: como é que eu
respeito a cultura do outro.” Desta forma, aparece uma representação presente nas
preocupações contemporâneas nas quais “pensar nos outros” é crucial para o diálogo
respeitoso da diversidade cultural e também no sentido de incluir as gerações futuras.
A produção de sentidos subjetivos de Dália mostra um posicionamento
contextual que expressa dimensões presentes no debate público atual sobre o tema.
Neste momento da argumentação, a futura professora apresenta as expressões “ligada”,
“complexo”, “fluxo” e “transformação” para representar suas preocupações relacionais.
A noção expressa como “sustentabilidade é falar de maneira complexa”, é uma
forma com a qual ela interage com o debate instalado em âmbito global, que demanda a
busca por conexões. Para Carvalho (2012, p. 120), a percepção a partir do conhecimento
disciplinar (em nossa época está configurado como despedaçado, compartimentado,
fragmentado e especializado), reduziu a complexidade do real, de modo que instituiu o
conhecer como maneira de estabelecer poder e domínio sobre o objeto conhecido,
“impossibilitando uma compreensão diversa e multifacetada das inter-relações que
constituem o mundo da vida.” Desta maneira torna-se compreensível à noção de
sustentabilidade da professora preocupada com a complexidade do tema.
154
Como intencionava compreender melhor os elementos expressos até o momento,
perguntei para Dália como essa noção de sustentabilidade se vinculava a outras
experiências suas com o tema:
Quando a professora fala de sustentabilidade eu sempre lembro de um aluno do mini-curso,
nós perguntamos para ele assim: o que é solo? Qual a importância do solo? Ai ele disse
uma das importâncias do solo e uma das importâncias de fazer as questões ambientais é
pensar novas técnicas de fazer essas plantações. Então sempre que me falam de
sustentabilidade então vem isso, antes eu não tinha muito conteúdo sobre isso, sobre a
questão da sustentabilidade, já havia lido sobre isso porque tem muitos congressos, tem
simpósios que aconteceram no Rio de Janeiro, aquele Eco 92, Eco Rio. Sempre falam
dessas questões de sustentabilidade, mas eu nunca tinha visto assim, pesquisado sobre isso,
mesmo as questões ligadas a reciclar, reutilizar usar com consciência. Acho que a
sustentabilidade para mim começou agora, na universidade, antes não tinha muito contato.
(FUTURA PROFESSORA DÁLIA).
Ao refletir sobre a temática, Dália relata sua experiência docente com ênfase na
preocupação com a contaminação de solo e da água, temática também implicada por sua
experiência laboratorial, voltada para identificação de contaminantes. A futura
professora reflete sobre técnicas e práticas humanas e julga que a sustentabilidade
mobiliza o conhecimento científico no sentido de renovação de práticas de reciclagem e
reutilização, mas também aponta relevância de novas técnicas relacionadas à produção
agrícola. Desta forma, aparece uma representação presente nas preocupações globais a
respeito de reformulações de práticas técnico-científicas.
Como intencionava compreender os sentidos subjetivos tensionados pelo projeto
vivido, perguntei quais relações ela fazia entre o tema e a Química e se ela acreditava
que havia implicações desse tema na sua escolha por essa licenciatura:
(...) se nós formos ver a Química está relacionada com todos os tipos de materiais, a
tecnologia precisa da Química, nas telas de computadores, nos plásticos que elas são feitas.
Dos fios que ligam, além da informação, todos os tipos de áreas da medicina, das outras
áreas da ciência precisa da Química. Então a Química ela vai estar ligada na
sustentabilidade de uma maneira muito importante, se a gente começar a pensar de maneira
sustentável pela Química. Acho que a gente pode ajudar muito nessas questões ambientais,
de conscientização, de educação. (...) a Química é um desafio, porque não é uma área muito
fácil, que precisa de todas as outras áreas ligadas, se você for ver, nós precisamos da área
da matemática, nó precisamos da área da biologia, nós precisamos da área da história (...)
Eu sou formada em técnica em Química (...) Eu gostei bem de fazer e é um desafio (...) eu
sempre encaro a Química como um desafio. Assim como estou encarando para poder sair
daqui da universidade e ir para uma escola pública e dar aula. Para mim vai ser sempre um
desafio. Assim como é para mim um desafio ser professora. (FUTURA PROFESSORA
DÁLIA).
A futura professora expressa uma compreensão do caráter multidimensional
também em sua noção de Química. Ela avalia a Química por um sentido de desafio ao
155
docente, no sentido de compreender a relação de interdependência com outras áreas de
conhecimento. Ela julga a Química tanto como ciência quanto disciplina curricular
importante para compreender transformações, interações e fluxos. Assim ela
contextualiza sua relação com a pesquisa química, e a interpreta como desafiadora.
Dália entende a Química a partir dos desafios que julga inerentes a sua
profissionalidade. Para Freire (1996), a abertura aos desafios faz com que a inteligência
seja desafiada, fazendo deles uma exigência à prática docente. A futura professora
mostra-se como pessoa curiosa. Para Marques (2002), um sujeito assim apresenta-se
voltado a integração de incertezas, e sente-se desafiada a estabelecer relações, assume e
encara os obstáculos com os quais se defronte e admite sua incompletude.
Compreendo que sua argumentação traz um posicionamento processual, cujas
formulações sobre “falar de sustentabilidade” resulta das interações vivenciadas no
projeto, pois segundo ela o contato com a temática é recente. Tanto nas atividades da
prática de ensino de química quanto nas atividades laboratoriais seus estudos estiveram
voltados para identificação de contaminantes, de onde se origina a preocupação com a
contaminação de solo e água. Sobretudo, para o conjunto da argumentação desenvolvida
há uma multiplicidade de sentidos subjetivos que expressam a articulação de sentidos
provenientes de outros contextos sociais. As expressões “maneira complexa”, “é um
desafio ser professora” integra-se aos sentidos de enfrentar desafios.
Para compreender melhor a articulação com sentidos de outros espaços da vida
social, solicitei da futura professora completar frases. A seguir destaco algumas:
1 - as relações ecológicas: complexas. (FUTURA PROFESSORA DÁLIA).
2 – muitas vezes reflito sobre questões ambientais: acerca de respeito, consciência,
amor, futuro, preservação. (FUTURA PROFESSORA DÁLIA).
3 – não posso: falar de algo que não conheço e/ou não tenho contato. (FUTURA
PROFESSORA DÁLIA).
A argumentação desenvolvida pela futura professora aponta questões como
complexo, respeito, conscientização, futuro e preservação. Assim torna-se
compreensível a expressão “falar de sustentabilidade” de “maneira complexa” que
integra pensar nos outros, no futuro, em ações que não prejudiquem as gerações futuras.
Também se torna compreensível a expressão “é um desafio ser professora” que se
integra a tais sentidos e inicia o processo de dimensionamento das responsabilidades
futuras.
156
Há uma proposição na argumentação desenvolvida pela futura professora em
que “falar de sustentabilidade é falar de uma maneira complexa”, conforme Carvalho
(2012, p. 120) a “... percepção de que o conhecimento disciplinar – despedaçado,
compartimentado, fragmentado e especializado – reduziu a complexidade do real”, ao
instituir que conhecer é estabelecer poder e domínio sobre o objeto conhecido,
impossibilitando uma compreensão diversa e multifacetada das inter-relações que
constituem o mundo da vida. Há também suposições que simbolizam valores, no
sentido da ética para a sustentabilidade, próximas a dois dos princípios da Carta da
Terra: i. “integrar na educação formal e aprendizagem ao longo da vida os
conhecimentos, valores e habilidades necessárias para um modo de vida sustentável.”;
ii. “reconhecer que todos os seres são interligados e cada forma de vida tem valor,
independentemente do uso humano.”; iii. “Reconhecer que a liberdade de ação de cada
geração é condicionada pelas necessidades das gerações futuras” (BOFF, 2012, p. 170;
p. 172). Assim a argumentação que Dália desenvolve traz atribuição de valores aos
desafios, às novas atitudes sustentáveis, a lidar com a complexidade da vida.
A argumentação da futura professora articula elementos em que a
sustentabilidade refere-se à pensar no outro (o que suscita a noção de alteridade); e
integrar a complexidade do ambiente o que lhe parece um desafio.
A multiplicidade de elementos constitutivos de sustentabilidade de fato exige
abordagem complexa e configura-se como um desafio ao fazer docente. A
responsabilidade para com as gerações futuras demanda integrar na educação
conhecimentos, valores e habilidades e assim dar ênfase a um modo de vida sustentável,
Compreender como todos os seres estão interligados e como cada forma de vida tem o
seu valor também demanda pensar de maneira complexa.
Neste sentido, segundo Marques (2002), a educação voltada às relações
históricas e culturais concebe o conhecimento como um processo intersubjetivo, de
entendimento compartilhado. Desta forma, a educação abre-se à atuação argumentativa
do senso comum e das diversas ciências (de forma interdependente e intercomplementar
pertinente à presença dos dinamismos das ciências em todos os setores da vida humana
na sociedade).
Tais ideias propiciam uma interpretação de suas implicações para a docência,
pois trazem sua intencionalidade para com um ensino capaz de encontrar aspectos de
integração das muitas dimensões do tema como “o que nós vivemos, nossa vida é fluxo,
157
é transformação”. Para compreender a relação desses sentidos subjetivos e a implicação
do tema em sua experiência de docência, assim como compreender conteúdos e
abordagens relevantes para Dália, solicitei um relato das atividades desenvolvidas na
disciplina:
Eu não tinha muito contato com as questões ambientais, mas como no primeiro dia nós
tivemos que escolher sobre uma atividade experimental e eu escolhi chuva ácida e como as
questões voltadas para a questões ambientais, então decidi falar sobre o tema. Não tinha
muito assunto sobre esses, nunca tinha pesquisado sobre isso, nunca li artigos sobre as
questões ambientais, mas sempre tive curiosidade, bastante curiosidade, quando falava
sobre questões ambientais. Então encontrei uma oportunidade muito boa poder falar sobre
isso. Gostei muito de ter aprendido sobre o tema. Os mini-cursos que nós fizemos, as
leituras que nós fizemos, também ajudaram muito para falar das questões ambientais.
(FUTURA PROFESSORA DÁLIA).
Noto como central, no relato da futura professora, uma articulação da chuva
ácida e interações ambientais. Para Baird (2002, p. 132), a acidez das precipitações leva
também à deterioração do solo. Quando o pH do solo é reduzido, os nutrientes das
plantas, tais como os cátions potássio, cálcio e magnésio são lixiviados. Essa condição
de fluxo de material e energia entre sistemas expõe como flutuações insignificantes e
bifurcações são capazes de produzir circunstâncias oportunas para novo funcionamento
do sistema e caracteriza toda perturbação como construtiva de nova organização e
processo (PRIGOGINE, 1986; 2002). Desta forma, a articulação chuva-ácida
demonstra a relevância desse tema para um ensino de reformulação das leis da natureza
no sentido de incluir a incidência da instabilidade e da irreversibilidade dos fenômenos
complexos.
Segundo o autor, a observação das moléculas pelo microscópio, levará a visão
de um movimento desordenado e incessante relacionado ao caos molecular. Dado esse
caos, ao abrir o sistema e fazer penetrarem nele fluxos de energia e de matéria, a
situação muda radicalmente. Por um lado, em nível microscópico, verificam-se
fenômenos irreversíveis, fluxos de calor, reações químicas que levam a novas estruturas
espaço-temporais impossíveis de realizar em situações de equilíbrio, por outro ainda, o
caos molecular organiza-se quebrando a simetria temporal e as simetrias espaciais.
Estabelecer interações sistêmicas, plurais e dinâmicas é central na formulação de
Dália. Para Prigogine (2002, p. 84) “a ciência começa a estar em condições de descrever
a criatividade da natureza, e o tempo, hoje, é também o tempo que não fala mais de
solidão, mas sim da aliança do homem com a natureza que ele descreve”.
158
Com a intenção de compreender sua abordagem, mas também de compreender
alguma autoria e autonomia nas relações do tema com a docência, perguntei como ela
organizaria um processo educativo para o tema:
Eu vou fazer, eu vou elaborar, as minhas aulas de maneira sustentável, de maneira
pensando no meio ambiente, de maneira ecológica, (de maneira) que eles possam ver o
meio ambiente como algo que faz parte deles como seres humanos, como pessoas, como
adultos. Eles que vão fazer parte desse meio ambiente. No futuro eles vão ter filhos, se eles
tiverem filhos, poderem passar isso. Acho que temos que começar a criar esses
pensamentos nos alunos, criar não, levá-los a pensar desse jeito seria bom para eles, para a
sociedade. (FUTURA PROFESSORA DÁLIA).
Neste fragmento de fala da futura professora Dália aparecem as integrações que
começa a estabelecer a respeito de noções ecológicas e de futuro. Para Capra (1996),
reconectar-se com a teia da vida e à maneira de sustentação da vida dos ecossistemas,
significa construir e educar comunidades sustentáveis e princípios básicos de ecologia.
Um desses princípios é o da interdependência. O autor insiste na afirmação de que todos
os seres estão interligados em uma vasta e intrincada rede de relações, onde toda
perturbação não está limitada a um único efeito, o que amplia sobremaneira nossos
compromissos éticos e morais.
Também na ideia da futura professora de “levá-los a pensar” encontro a
possibilidade de reconhecimento de uma autoria e autonomia de pensamento, que
apresenta produção de ideias e planejamento de abordagem de ensino do tema, na qual,
a partir de provocações, mobiliza-se o pensamento. Para Freire (1996), o respeito à
autonomia e identidade requer comunicação dialógica para a qual é significativo falar
do objeto com clareza. Freire (2004) afirma que ao final do século XX, com o
desenvolvimento tecnológico, fica cada vez mais reduzido o espaço para a curiosidade e
a criatividade, sendo assim, lutar por elas equivale a lutar pela liberdade. “A curiosidade
que motiva, que conduz, que empurra o conhecimento é a mesma do índio, minha, tua.”
(FREIRE, 2004, p. 85).
Com a intenção de compreender a ampliação do compromisso pessoal, e
reposicionamento perante o tema, perguntei à futura professora se ocorreram
ressignificações desde que iniciou os estudos sobre a temática:
Quando a gente pensa nessas áreas, é mais fácil a gente pensar interdisciplinarmente, isso é
que me leva a pensar... saber mais para poder estar ligando com outros conceitos ligados a
Química. Isso é o que eu quero então levar para os meus alunos. (...) eu não tinha muito
essas relações com o meio ambiente de pensar vamos supor: o que a chuva tem a ver com o
solo? Não tinha isso, eu fui aprender agora, essa ligação entre a chuva e o solo, entre a
atmosfera e a hidrosfera, ligar fauna e flora e questões relacionadas com as questões
159
pluviais, fluviais, os rios o que isso afeta. E quando nós fizemos o mini-curso sobre o solo
seus constituintes e contaminantes, foi melhor ainda, porque quando eu li o livro, fazia essa
reflexão e quando eu decidi iniciar o curso foi por essa razão, eu achei interessante porque
eu quero levar para os alunos essa relação: o que tem a ver o solo com a atmosfera? O que
tem o solo a ver com a chuva que caiu? Com a água. O que deu esse movimento? Porque eu
gosto muito da História também, então pensar que tudo o que vivemos, nossa vida é fluxo,
é transformação (...) essas questões são muito importantes para que eu possa pensar a
Química, a questão ambiental, a sustentabilidade de maneira mais investigativa, para
investigar mais, para saber mais para poder estar ligando com outros conceitos ligados a
Química. (FUTURA PROFESSORA DÁLIA).
O discurso de Dália indica uma modificação em relação ao conhecimento do
caráter problemático das questões ambientais que se desenvolveu produzindo a noção
de ligação. As reformulações incluem interações sistêmicas, ambientais, relações
complexas, bem como a ideia de posturas holísticas, interdisciplinares e plurais. Assim
torna-se compreensível sua noção que articula integração de abordagens pela
interdisciplinaridade. Segundo Zanon e Maldaner (2010) a interdisciplinaridade de fato
configura-se como um desafio para a Educação em ciências, pois não se trata de
valorizar a interdisciplinaridade apenas como um conceito ou uma proposição teórica,
mas de valorizá-la como atitude e postura cotidianamente vivenciadas nos coletivos
organizados em contexto escolar. Desta forma, aparece na argumentação de Dália uma
representação a respeito da complexidade e interdisciplinaridade, que é relevante para o
ensino de Química.
A argumentação desenvolvida pela futura professora me remete a proposições
que simbolizam valores, no sentido da ética para a sustentabilidade. Há também
suposições que indicam valores próximos ao princípio do Tratado de Educação
Ambiental e Responsabilidade Global: i. “A educação ambiental deve envolver uma
perspectiva holística, enfocando a relação entre o ser humano, a natureza e o universo
de forma interdisciplinar” (PRONEA, 2004, p. 48). Na argumentação de Dália há uma
atribuição de responsabilidade para a docência em que “falar de sustentabilidade é
falar de uma maneira complexa”, de modo a envolver fazer relações, maneiras
complexas, holísticas, interdisciplinares.
A reflexão de Dália levou a elaboração de relacionamentos que resultaram na
representação da docência comprometida a abordar uma multiplicidade de relações que
incluem clima e impermeabilização, ação antropológica e planejamento urbano.
6.2.7 Discussão das configurações de sentidos subjetivos
160
O estudo intencionava compreender, a partir dos sentidos subjetivos, de acordo
com os referenciais da teoria da subjetividade na perspectiva histórico-cultural, as
reflexões de futuros professores de química, que se encontravam envolvidos com o
ensino do tema complexo da sustentabilidade, ou seja, envolve o conhecimento desta
disciplina, valores e compromissos sociais, e exige docência que problematize mudança
de atitudes. As configurações de sentidos subjetivos dos futuros professores são
articuladas em torno das noções de danos e responsabilidade. Ao problematizar o papel
da Química na sociedade contemporânea, eles apontaram diferentes elementos. Entre
eles, o reconhecimento dos impactos das atividades humanas em sistemas complexos,
para o qual destacam a contribuição do conhecimento químico na geração de soluções.
Também apontaram a contribuição das análises químicas para a gestão ambiental,
demonstrando apropriação de conhecimentos sobre gerenciamento de resíduos líquidos
e sólidos. Como acadêmicos de Química atribuem sentidos à sustentabilidade a partir
das combinações químicas, de formação de novos produtos, de taxas de retirada e
reposição de material do Planeta.
Os futuros professores apontaram sentidos subjetivos que remetem ao tema da
sustentabilidade e à construção de novas práticas químicas. Sendo assim, este espaço
social implicou em reflexões consonantes com enfoque ambiental das problemáticas
atuais, que buscam respeito à capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais
(SACHS, 2002). Também se mostrou integrada à construção coletiva do grupo em torno
da integração Ciência, Tecnologia, Sociedade e Meio Ambiente. Desta forma, o
contexto implicou em reflexões e ideias sobre o papel do tema na educação de
mudanças de postura. A produção subjetiva dos acadêmicos pesquisados indica que seus
vínculos com o tema remetem a experiências em outros espaços sociais e os levam a
articulação de sentimentos de indignação, curiosidades, desafios e intenções de
conciliação. Isso implicou em sentidos subjetivos de indignação para com atitudes
poluidoras do espaço público, de conciliação entre conservação da natureza e economia,
de visão integrativa-interdisciplinar dos desafios atuais e curiosidade.
Mesmo que pouco esclarecidas ou sistematizadas as informações indicam
sentimentos morais que podem se desenvolver em sentimento de responsabilidade
(JONAS, 2006). Naquilo que reivindicam novos modos de compreender relações entre a
sociedade e a natureza, apontam possibilidades de se desenvolverem como sujeitos
ecológicos (CARVALHO, 2012). Naquilo que se refere a ações individuais e coletivas,
161
bem como no que envolve dilemas conceituais e políticos da cidadania, apontam
possibilidade de se desenvolverem em consumidores participantes (PORTILHO, 2010).
Para González-Rey (2005a), segundo a tradição histórico-cultural, a
representação social do sujeito articula processos simbólico-emocionais que estão
implicados por sentidos subjetivos de variadas procedências além do processo que
acontece em um contexto educativo específico.
Tendo como horizonte a ética para a sustentabilidade, a argumentação
desenvolvida demonstra um potencial para a prática docente, na medida em que foi
possível interpretar sentidos subjetivos que se aproximam do debate acadêmico
contemporâneo a respeito das questões socioambientais. Considerando os princípios da
Carta da Terra e o Tratado de Educação Ambiental, noto aproximações para com um
respeito pela Terra além de reconhecerem as necessidades das gerações futuras. Desta
forma, aproximam-se de compromisso com a integridade ecológica: i. manejar a
extração e uso, diminuir a exaustão, prevenir o dano ao ambiente; ii. tomar o caminho
da prudência, não permitir o aumento de substâncias perigosas, garantir assimilação
pelos sistemas ecológicos, atuar na restrição e eficiência no uso de energia. Também se
aproximam de compromisso com democracia, não violência e paz: i. integrar educação
e habilidades necessárias para um modo de vida sustentável e ii. promover uma cultura
de tolerância.
A argumentação desenvolvida aponta juízos e valores morais diversos em torno
do compromisso público, de entendimento mútuo, de compromissos pessoais
relacionados ao cuidado com o planeta para um futuro melhor, com os desafios que os
problemas ambientais representam, com a conservação de ciclos biogeoquímicos,
também com a interdisciplinaridade. Rosa, com sua indignação, atribui valor à
precaução e à diminuição da exaustão. Adonis, partindo da conciliação, atribui valor à
parcimônia e ao entendimento. Margarida atribui valor à curiosidade e à abertura para a
troca de conhecimentos. Dália valoriza os desafios, as novas atitudes sustentáveis, ao
ocupar-se com a complexidade da vida.
Depois de conversar com os sujeitos, pude observar a potencialidade de toda
essa produção subjetiva para uma docência consciente, com intencionalidades de
produzir um currículo capaz de ir além do livro didático. Uma docência
problematizadora para Rosa e Margarida; uma docência voltada à contextualização
sociocultural, e à formação cidadã para Adonis. Uma docência comprometida com a
162
interdisciplinaridade para Dália. Os sentidos subjetivos apontam para a compreensão da
relação entre convivência e emancipação (FREIRE, 1996). Estas formulações se
aproximam das muitas exigências para a docência na atualidade.
O estudo do tema com os (futuros) professores também mostrou necessidades
formativas envolvendo aspectos tanto físico-materiais, quanto socioculturais, relevantes
para a preparação profissional de professores, no sentido de promover uma prática-
educativa capaz de problematizar condições planetárias, atuais e futuras.
7 NECESSIDADES FORMATIVAS
Os sentidos subjetivos, presentes nas argumentações desenvolvidas pelos futuros
professores que participaram dos dois estudos desta pesquisa, mesmo que diversos e por
vezes antagônicos, próprios de uma dimensão conflituosa inerente às relações sociais,
indicam temas pertinentes para a formação docente vinculada às questões ambientais e à
ética para a sustentabilidade. Os sentidos subjetivos em desenvolvimento, tanto aqueles
apresentados pelos (futuros) professores, quanto aqueles defendidos por pesquisadores
da área, me motiva a apresentá-los como uma possibilidade educativa de diálogo
crítico-problematizador, que potencialize a formação ético-moral dos
(futuro)professores.
Contudo devo considerar que existem naturalizações nos sentidos expressos
pelos (futuros) professores, que devem ser ultrapassadas. Tomo a noção de
naturalização de González-Rey (2005b) que, por sua vez, apóia-se na teoria da
representação social e preocupa-se com processos por meio dos quais um núcleo
representacional se institucionaliza, impedindo toda mudança. Portanto, entender
sustentabilidade como um conceito complexo, requer dos sujeitos abertura para diversas
mudanças teóricas e práticas. Considero a definição a seguir um bom ponto de partida.
Sustentabilidade é toda ação destinada a manter as condições energéticas,
informacionais, físico-químicas que sustentam todos os seres, especialmente
a Terra viva, a comunidade de vida e a vida humana, visando sua
continuidade e ainda atender as necessidades de gerações presentes e das
futuras, de tal forma que o capital natural seja mantido e enriquecido em sua
capacidade de regeneração, reprodução e coevolução. (BOFF, 2012, p. 107).
O termo nos remete a complexas relações de convivência e emancipação. A
definição apresentada destaca dimensões do tema referentes à comunidade de vida e à
vida humana, além de sua capacidade de reprodução e coevolução, ressaltando a
importância dos projetos comunitários. Nesta construção, o autor aponta as condições
energéticas e físico-químicas que nos alerta para a relevância de considerar as questões
relacionadas com entropia, neguentropia e a capacidade de regeneração. Por fim, nos
remete à incorporação da ideia de atender às necessidades das gerações presentes e das
futuras e superar as utopias de um progresso ilimitado.
Após interpretar os sentidos subjetivos dos (futuro)professores, e relacionar às
suas histórias de vida ao contexto educativo experienciado, neste capítulo aponto, por
um lado, a possibilidade de organização de conteúdos para aprofundamento teórico na
formação docente, por outro lado, aponto alguns princípios éticos para a ação docente
164
como prática social. Assim, busco retomar a questão de nossas demandas por uma
sociedade sustentável e sua relação com ecologia, produção e consumo, além da relação
complexa sociedade-indivíduo que articula responsabilidades da esfera pública e da
esfera privada, no sentido de reformulações que visam desnaturalizar algumas noções,
que precisam ser transformadas.
7.1 Necessidades que emergem a partir da argumentação desenvolvida pelos
sujeitos
A argumentação desenvolvida por Francisca representada pela expressão:
“como falar de sustentabilidade com quem passa fome?” remete a necessidade de não
naturalizar a visão do pobre como vítima, mas sim de afirmar a sua capacidade de
decidir e fazer escolhas. Para Acselrad (2005, p. 256) em seu contexto social e cultural
os sujeitos se constituem capazes de exigir amplo acesso às informações relevantes.
Também desenvolvem resistências à produção de desigualdades ambientais, através de
estratégias argumentativas e formas de luta inovadoras.
Segundo Acselrad (2005) o conceito de “espaço ambiental”, evidencia as
implicações ambientais dos padrões e níveis desiguais de consumo de diferentes países
e grupos sociais, pressupondo uma igualdade de direitos sobre os recursos planetários.
Neste sentido, a abordagem também introduz uma reflexão sobre a necessidade de
equidade e de alternativas ao crescimento econômico, considerando o meio ambiente
como um espaço de direitos, que os pobres sabem construir.
Este aspecto é relevante à medida que considera a luta dos pobres, a construção
de projetos e sua capacidade de superar a degradação, em seu âmbito de atuação. Com
isso posso dimensionar a ideia desenvolvida em torno da utopia de “volta ao natural” de
Francisca, porque, de fato, não podemos naturalizar a visão de progresso ilimitado e
manter o nível de poluição da riqueza, que consome de modo exaustivo a base natural
do planeta.
A argumentação desenvolvida por Antônio, representada pela expressão “eles
conseguiam viver tranquilamente e essa é a visão de sustentabilidade deles”, me remete
à necessidade de não naturalizar a concepção que toma qualquer cosmovisão como
imutável. Há de se considerar que todas elas são produzidas socialmente e estão em
processo permanente de transformação.
165
Sobretudo a expressão do referido professor: “discursos x práticas efetivas”, me
remete a necessidade de não naturalizar uma visão de apatia e passividade das massas
(PORTILHO, 2010), que justificaria um distanciamento dos discursos políticos e
acadêmicos das reações dos sujeitos. Nossa época favorece a emergência de diversas
formas de ativismo e consciência planetária, que reafirmam a ideia de sujeito implicado
em seu contexto sociocultural em sua condição de refletir sobre aspectos cotidianos da
vida, agir e reagir com base nessas reflexões. Neste mesmo sentido, é indevido atribuir à
esfera pública responsabilidades de ordem privada, pois ao contrário de alienação,
reafirmar a presença ativa do sujeito ressalta a responsabilização de todos os atores
sociais nos projetos produzidos.
Entretanto, trata-se de considerar cada sujeito como ator social, e não o único
responsável pela degradação ambiental (PORTILHO, 2010). É preciso dar apoio ao
respeito às diversas racionalidades, intenções e objetivos, que levam a distintos projetos
humanos.
Portilho (2010) nos lembra que, em uma linha de pensamento crítico, se
encontram argumentos com relação a outros aspectos defendidos pela economia
neoclássica, tais como considerar o consumidor como um ator racional e interessado
apenas por maximizar seu bem-estar pessoal. Nesta perspectiva, a cultura de consumo,
originada da expansão da produção capitalista de mercadorias, é interpretada,
principalmente, em sua capacidade de manipulação ideológica e controle sedutor da
população, uma visão consonante com a crítica da cultura de massa. Para esta autora,
este é um modelo simplista de conceber o consumo, pois o consumidor regularmente
assume posições éticas nas suas escolhas de consumo. Por esse motivo, segundo a
autora, é necessário ultrapassar essa leitura, à medida que desconsidera o protagonismo
dos sujeitos como construtores de seus processos.
Freire (1987; 2005) argumenta que não nos é permitido descrer das massas
populares. Precisamos assumir que é um mito a absolutização da ignorância das massas.
Não podemos conceber os sujeitos como objetos passivos para os quais são feitas
prescrições que eles devem seguir.
A ideia expressa pelo professor referente “a sustentabilidade é a questão do
consumo consciente”, me remete a preocupação em não naturalizar uma noção de
sustentabilidade pautada por princípios econômicos hegemônicos, levando ao seu
fortalecimento. Para Portilho (2010), existem várias proposições sobre consumo
166
sustentável, que não limitam seus projetos e imaginários sociais aos critérios capitalistas
de comportamento racional e lucratividade. Elas concebem a possibilidade de
coexistência de diferentes racionalidades e formas sociais de relacionamento, que
podem contribuir para novas relações da sociedade com a natureza.
Portanto, o consumo consciente pode não ser suficiente. Há de se dar atenção às
soluções de consumo, para que a perspectiva não seja meramente de adesão à
globalização econômica, de um economicismo que determina critérios de tomada de
decisão (LEFF, 2010).
Outro aspecto relevante da argumentação do professor lembra a necessidade de
não naturalizar a noção de “degradação irreversível”. As críticas à produção vinculada
às preocupações ambientais levaram ao desenvolvimento de biotecnologias de
(bio)remediação, que utilizam vários métodos biológicos e químicos de
descontaminação de sedimentos, para degradar ou remover contaminantes, por
processos aeróbios ou anaeróbios (BORÉM; SANTOS, 2001; BAIRD, 2002);
Entretanto, é recomendável não naturalizar a inexistência de limites aos projetos
humanos. Há limites fundamentais, tanto biológicos e materiais, quanto sociais e
culturais. A noção de adaptabilidade humana, que surge dos estudos da ocupação
histórica das diversas regiões do planeta, demonstra que as estratégias de conquista
muitas vezes imitavam a complexidade do sistema, estavam integradas às condições
ambientais do ecossistema, levavam ao enfrentamento das dificuldades e tiravam
proveito das oportunidades por elas oferecidas (MORAN, 1994). Desta forma as
populações humanas enfrentaram problemas de adaptação levando em consideração
estrutura e função dos ecossistemas, com ênfase em sua diversidade e ajustes
reguladores.
A argumentação desenvolvida pelo professor Eurico representada pela
expressão: “mas eu vivo a minha vida toda em cima de sustentabilidade, para vocês é
novidade”, me remete à necessidade de não naturalizar qualquer visão salvacionista. É
indevido difundir que há uma solução técnica para tudo. A crise civilizatória é também
crise do conhecimento, bem como esvaziamento de sentidos existenciais, simbólico e
real (LEFF, 2010). Demanda a (co)responsabilização porque todos nós temos
compromissos pessoais e também coletivos. Desta forma, noto que existem propostas de
sustentabilidade de cunho econômico, com viés preservacionista, que também podem
ser reducionistas, quando fazem apropriação do discurso das preocupações ecológicas,
167
visando ganhos econômicos privados, como por exemplo, o uso da noção de consumo
verde ou de energia limpa. É recomendável conceber nossos projetos para que se
configurem como ecológicos (CAPRA, 1996). Boff (2012) propõe que haja uma
perspectiva integradora, com responsabilidade ética, para fomentar sociedades
sustentáveis.
Da mesma forma que não podemos tomar como irreversíveis os danos causados
ao planeta, não podemos acreditar que é possível reverter a totalidade desses prejuízos,
como atestam a biotecnologia e a agroecologia. É possível uma reversão parcial da
degradação ambiental. É recomendável dimensionar a responsabilização de sujeitos da
esfera privada bem como da esfera pública.
É importante não naturalizar, tomar uma noção universalizante de bem-estar
como a finalidade de todos os projetos. É preciso desnaturalizar aquelas visões apoiadas
na noção de progresso crescente, que proclamam a ausência de restrições, de limites e
de impedimentos aos projetos humanos. Com o aumento da tensão argumentativa para a
construção de sociedades sustentáveis, foi possível compreender que o atendimento das
condições que concebíamos como estado de bem estar, desvinculado das restrições da
base material e energética, e influenciada pelas utopias de civilização, originou o estado
atual de insustentabilidade ambiental e sociocultural. (LEFF, 2010; PORTILHO, 2010;
CARVALHO, 2012).
Também se relaciona com a fala do professor não naturalizar e absolutizar
padrões sustentáveis. O problema ético dos padrões sustentáveis é a impossibilidade de
padronização. Não há uma visão única, não há maneira padronizada de relacionamento
com a natureza. Atualmente, torna-se mais visível a dimensão secular e conflituosa das
relações sociais. Também ficou mais claro que não há uma única responsabilidade. A
degradação, a poluição, as desigualdades dão ao tema o caráter de construções
complexas, nas quais interagem diferentes formas de convivências. É imperativo ético
adotar a noção de intercâmbio de saberes como a mais viável e dar visibilidade às lutas
das “sociedades tradicionais”, que convivem com as lutas das “sociedades tecnológicas”
(SEMERARO, 2011).
Portilho (2010) nos lembra que, no hemisfério norte, mudar os padrões de
consumo, mas não o nível de consumo, passou a ser o objetivo principal, visto como
politicamente mais plausível nas sociedades desenvolvidas e democráticas. Para a
autora, na prática, as considerações e propostas ao consumo sustentável, em sua
168
maioria, se confundem com a prática vigente de consumo, que se propuseram a
ultrapassar. Assim como as mudanças de padrões de produção foram limitadas à
eficiência tecnológica, às mudanças de padrões de consumo estão se limitando a
propostas de mudanças comportamentais, tecnológicas e econômicas. Para a autora, ao
contrário de transferir a responsabilidade exclusivamente para os consumidores
individuais, ou se limitar a ajustes econômicos e mudanças tecnológicas de produtos e
serviços, o debate sobre os padrões de consumo precisa ser ampliado para incluir o
processo de formulação e implementação de políticas púbicas. Neste sentido, o
questionamento sobre os padrões de consumo é uma forma de evidenciar as
desigualdades de poder sobre os recursos naturais.
Assim como Eurico, os demais professores desenvolvem argumentação em torno
da preservação. Mas aquilo que expressam como preservação tem muito mais conteúdo
de conservação, um conceito legal que abarca a ideia de preservação4 (BRASIL, 2000).
A argumentação desenvolvida por Rosa e sua indignação representada pela
expressão “essa noção de questões ambientais, de sustentabilidade, de cuidar do
planeta” me remete a necessidade de não naturalizar uma indignação que se limite aos
danos ambientais. A dimensão físico-material das problemáticas ambientais envolve a
taxa de reposição e da emissão de efluentes, tornando a compatibilidade dos projetos
humanos com a capacidade de assimilação dos ecossistemas como um dos princípios
básicos de orientação ambiental. Houve na luta ambiental um momento em que as
criticas ao crescente impacto ambiental começaram a apontar para o crescimento
exponencial da produção industrial, juntamente com o crescimento da população
mundial, produção agrícola, exaustão de recursos naturais, e poluição. Estes foram os
limites do crescimento apontados pelo Clube de Roma (LEFF, 2010). Mas é indevido
criticar as representações sociais reducionistas se limitando as soluções desta natureza,
ou seja, é indevido querer responder às questões ambientais se limitando à melhoria das
práticas industriais.
4 Segundo o SNUC, Lei n. 9.985/00 (BRASIL, 2000), a conservação da natureza deve ser definida como
o manejo de seu uso pelo ser humano, compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização
sustentável, a restauração e a recuperação do ambiente natural, possibilitando a produção humana em
bases sustentáveis. Isso se diferencia e comporta a ideia que conservação in situ que se refere aos
ecossistemas e habitats naturais e a manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies em seus
meios naturais. Diferencia-se e comporta também a ideia de preservação como sendo um conjunto de
métodos, procedimentos e políticas que visem à proteção em longo prazo das espécies, habitats e
ecossistemas, além da manutenção dos processos ecológicos, prevenindo a simplificação dos sistemas
naturais.
169
Em nossa época, a demanda material é crescentemente mediada por novas
imagens produzidas social, histórica e culturalmente. A capacidade de prevenção e
tratamento das questões ambientais demandam construções complexas, que reconheçam
as múltiplas dimensões e relações éticas. É imperativo inserir tais dimensões na
educação moral. Para Carvalho (2012), cuidar dos comportamentos não basta, é preciso
comprometimento. Assim, ampliam-se conhecimentos atitudinais fundamentados
ecologicamente. Para Leff (2010), trata-se de valorizar economias locais sustentáveis,
de territórios produtivos com economia que potencializem a produtividade ecológica.
Não se trata de acabar com o comércio, desde que a troca de excedentes seja orientada
por valores humanos e políticos, e não pela maximização da produtividade no curto
prazo ou por valores de interesses econômicos das grandes corporações e do comércio
globalizado. Com isso posso dimensionar a indignação da futura professora Rosa como
uma possibilidade educativa de diálogo crítico-problematizador, que potencializa um
sentimento moral.
A argumentação desenvolvida pelo futuro professor Adonis em torno da
conciliação representada pela expressão: “a sustentabilidade implica em ter um futuro
melhor” me remete à necessidade de não naturalizar qualquer visão reducionista de
conciliação. Para Lima (2003), toda conciliação deve transcender as fronteiras do
mercado, sendo um equívoco, motivado pela minimização de conflitos, aceitar a
dependência tecnológica e econômica, assim como despolitizar o processo educativo.
Para Layargues (2011), a contradição presente em discursos centrados na conciliação
pode desdobrar-se em ética ambiental, que se destina ao liberalismo, caso esteja pautada
por representações meramente mercadológicas. Portanto, é importante assumir a
conciliação que possibilite o futuro viável da comunidade. Para Freire (1996) as
escolhas atuais estão impossibilitadas de viver sem a referência de um amanhã.
Acrescenta-se a isso a expressão “se não tiver um futuro melhor ficar com esse
mesmo do que ter um pior”, não naturalizar a noção de que a intervenção, profissional e
social, possa ser neutra diante dos problemas humanos. Para Freire (1996), ensinar
exige bom senso e sempre que não resolvermos entre nós as contradições autoridade-
liberdade, as confundimos com autoritarismo-licença. Paulo Freire articulou uma síntese
que nega toda forma de dominação, ele alerta para concessões simplistas utilizadas
muitas vezes em processos complexos de opressão. Para ele a docência exige pensar na
170
emancipação de modo indissociável entre as escolhas pessoais e o respeito às escolhas
do outro, pautadas eticamente.
Desta forma, ter bom senso é saber respeitar a autonomia, dignidade e identidade
do educando e, na prática, procurar a coerência com este saber, o que deve levar “à
criação de algumas virtudes ou qualidades sem as quais aquele saber vira inautêntico,
palavreado vazio e inoperante.” Segundo o autor, essas ideias valem também para não
confundirmos a relação pureza-puritanismo. Freire (1996) argumenta que a prática
pedagógica exige fazer distinção entre a atuação autêntica e transparente, permeadas
pelas contradições das relações humanas, de modo a ultrapassar posturas detentoras de
verdades universais.
É recomendável que na tomada de decisão, as escolhas estejam baseadas em
argumentação centrada nos direitos humanos. Há princípios norteadores na
sustentabilidade, que apontam para mudanças de atitudes coletivas e individuais,
vinculadas às preocupações ecológicas, do consumo e da produção e que alertam para
essas dimensões dos direitos humanos (PORTILHO, 2010).
Considero relevante valorizar a aprendizagem processual integrada à orientação
da ética para a sustentabilidade. Não se trata de definir, nem mesmo conceituar, mas
referenciar em relação a idéias aceitas, superações e rupturas teóricas para uma interface
entre sustentabilidade ambiental e educação.
Neste sentido, considero relevante para o enfrentamento das problemáticas
socioambientais adotar a noção de complementaridade entre desenvolvimento e
ecologia, como primeiro passo rumo à justiça ambiental e à ética ambiental.
A argumentação desenvolvida por Dália em torno da integração representada na
expressão “falar de sustentabilidade é falar de uma maneira complexa” remete à
necessidade de não naturalizar qualquer visão de integração como justaposição das
múltiplas dimensões do tema. Frequentemente, o docente acolhe toda uma
multiplicidade argumentativa, mas limita-se a uma simples somatória de informações
que não implicam na integração das complexas dimensões do contexto sociocultural.
Freire (1996; 2004) argumenta que assim como a democratização do falar com, é
imperativo não falar de cima para baixo, a relação falar ao sujeito enquanto fala com o
mesmo implica necessariamente em aprender a escutar como uma abertura a fala do
outro.
171
É relevante estar aberto aos princípios do outro. Para González-Rey (2005a;
2007a; 2011b), os sujeitos estão permanentemente implicados por seus processos
simbólico-emocionais, sendo assim estão continua e dinamicamente em produção
subjetiva, articulando experiências individuais e coletivas. Os sujeitos estão
diferentemente referenciados, por seus grupos e por suas próprias histórias pessoais, por
isso os sentidos que produzem não se limitam ao momento presente.
A participação em projetos e em espaços emancipatórios é propícia à construção
de novas significações, nisso configuram-se intenções e finalidades humanas de
conteúdos distintos, resultantes da dimensão conflituosa das relações humanas. Por isso
é importante o diálogo entre saberes no encontro de identidades. Para Freire (1996), é
no domínio da decisão, da liberdade e da ruptura, que se instaura a necessidade da ética
e se impõe a responsabilidade.
Da mesma forma, a escola sendo um espaço em que sujeitos compartilham
projetos, ali eles precisam conviver com a dimensão conflitiva da sociedade. Conforme
Lopes (1996; 2004; 2010), as negociações estabelecidas entre os diferentes sujeitos
decorre dos processos de recontextualização e hibridização dos discursos curriculares,
logo o currículo está aberto para o campo conflituoso de produção de cultura. Neste
sentido, posso dimensionar a ideia desenvolvida em torno de desafios da integração da
futura professora Dália, como uma possibilidade educativa que potencializa esse
sentimento moral. Sendo fenômeno social complexo, a sustentabilidade exige o diálogo
entre sujeitos.
A argumentação desenvolvida por Margarida em torno da intensificação dos
estudos na área representada pela expressão “tem que pensar uma maneira de não
poluir, acho que isso é a sustentabilidade”, me remete à necessidade de não contentar-
se com respostas simples, como se fossem exemplares de uma coleção, colocados em
um fichário, sem historicidade, partindo de uma interpretação unidimensional dos
contextos. É relevante que as pessoas estudem sobre sustentabilidade. Para Freire
(1996), não podemos estar no mundo sem estudar, há perguntas que devemos fazer
insistentemente. Isso tem a ver com a impossibilidade de estudar por estudar, de
estudar, descomprometidamente como se misteriosamente e de repente, nada tivéssemos
que ver com o mundo, então alheio a nós e nós a ele.
Estudos exaustivos podem suscitar os problemas éticos dos projetos humanos,
que além dos danos ambientais e comprometimento dos ciclos ecológicos, apontam
172
problemas de desigualdades sociais. Então é relevante apoiar-se nos princípios da
ecologia também para mobilizar novos sentidos relacionados à sustentabilidade. Com a
noção de simbiose pode-se apoiar formas de cooperação e colaboração; com a noção de
sucessão ecológica pode-se apoiar processos de resiliência; com a noção de ciclos
ecológicos pode-se apoiar a percepção dos limites biológicos e materiais de nossos
projetos (CAPRA, 2002).
Nossa época exige superar a noção de independência entre as preocupações
ecológicas, produção agrícola, produções industriais e tecnológicas e o desenvolvimento
urbano. Há um princípio da sustentabilidade que implica em uma noção de
interdependência do ser humano consigo mesmo, com o planeta, com o universo. Dessa
forma, uma cultura da sustentabilidade e da paz parte do principio de que a Terra é
constituída por uma única comunidade, e que essa é diversa (GADOTTI, 2007).
Sustentabilidade é um tema que suscita a conceituação de desenvolvimento. Mas
é preciso desnaturalizar a visão econômica sobre o tema, pois, para Boff (2012),
desenvolvimento que vem do campo da economia política industrialista/capitalista é
linear, supõe processos crescentes, recomendando a exploração da natureza, gerando
profundas desigualdades. Essa ênfase gera riqueza de um lado e pobreza de outro,
privilegiando a acumulação individual. Loureiro (2012) sugere deixar à noção de
devenir, que evoca um movimento de afirmação da continuidade temporal, de aparição
e desaparição físico-material, a representação de um movimento previsível. Para o autor
é possível vincular à noção de desenvolvimento uma representação de descontinuidade,
não linear e não evolucionista, visto que o novo está constitui-se a partir da forma
anterior, mas se organiza por caminhos complexos e nexos mediados por várias
dimensões.
Assim, o conceito de desenvolvimento não comporta, necessariamente, a
representação de que uma sociedade posterior seja melhor que a anterior ou que haja
uma sociedade ideal a ser atingida. Apenas pode-se afirmar que é mais complexa, no
sentido de que é irreversível pela dinâmica das ocorrências que agrega novas
informações, novas interações tornando-a qualitativamente distinta. Sobretudo é
relevante à ética uma reformulação da relação sociedade-indivíduo e das decisões que
articulam a esfera publica e a esfera privada com vistas a atender as necessidades de
gerações presentes e das futuras, inclusive naquilo a que se refere à geração de novas
utopias, condição inerente à dimensão da emancipação.
173
7.2 Necessidades que emergem a partir da confrontação entre os princípios formais
e juízos
As proposições dos (futuros) professores interpretadas na presente pesquisa,
aproximam-se de posições difundidas na contemporaneidade. Aparecem as demandas
por ciência e tecnologia, questionamentos aos modos de produção e consumo, relação
entre crescimento de cidades e o respeito pela Terra (sistema finito e complexo), retorno
à noção de ética e complexidade da vida humana. São noções em consonância com o
enfretamento de problemas éticos envolvidos nas nossas práticas atuais, vinculados aos
compromissos multidimensionais dos projetos humanos contemporâneos.
Todavia, a análise das argumentações desenvolvidas evidencia a ausência do
princípio da Carta da Terra: “Tratar todos os seres vivos com respeito e consideração.”
Apesar da vida ser uma dimensão incluída nas reflexões dos (futuros) professores, assim
como o respeito aos valores da vida humana, está ausente a noção de vida em plenitude,
que rompe com uma representação economicista e se encaminhe para um raciocínio
ético-moral de respeito com todos os seres do planeta.
A análise das argumentações desenvolvidas evidencia também a ausência do
princípio do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global: “A educação ambiental valoriza as diferentes formas de
conhecimento. Este é diversificado, acumulado e produzido socialmente, não devendo
ser patenteado ou monopolizado.” (PRONEA, 2004, p. 49). Apesar da integração e a
formação cidadã ser uma dimensão incluída nas reflexões dos (futuros) professores, está
ausente a noção de considerar o saber popular nas explicações das problemáticas atuais.
É necessário que aconteça uma desnaturalização da explicação científica como
única via para superação das problemáticas socioambientais. É eticamente relevante
valorizar tanto o saber sistematizado como o saber popular. No sentido de orientar
nossas ações cotidianas, para Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2007, p. 135) é
preciso considerar que a “cultura primeira e o conhecimento sistematizado convivem e
se alimentam mutuamente, tanto nos indivíduos como na organização social
contemporânea, ocupando papéis diferenciados”.
Vivemos em sociedades heterogêneas. É imperativo que tenhamos um novo
modo de pensar e agir que apontem a sociedade sustentável como um princípio
norteador para articulação entre dimensões pessoais e coletivas. Também para a
174
realização de projetos que incorporem a responsabilidade pela natureza e para com o
futuro.
Os professores têm conhecimentos e valores que precisam ser ampliados e
desenvolvidos. O diálogo entre eles e de suas idéias com as idéias de pesquisadores
ajuda nesta tarefa. Formados desta maneira, os professores tem mais condições de fazer
algo semelhante com seus alunos, seja porque ampliaram os conteúdos de suas
reflexões, seja porque entenderam a relação do tema com a sua história pessoal e
puderam refletir sobre outras possibilidades. Por um lado, cada pessoa tem uma história
singular, e sustenta crenças e valores aprendidas nos contextos em que viveu. Por outro,
o conhecimento científico registra o debate entre os especialistas no tema
sustentabilidade. O diálogo entre essas vozes enriquecem todas elas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma perspectiva sistêmica e complexa é necessária para a compreensão do
tema da sustentabilidade e da subjetividade de professores que planejam ensiná-lo. O
tema sustentabilidade corresponde a uma trama de discursos diferentes, vindos de
diversos espaços sociais, com repercussão acadêmica, política, empresarial e
organizativa. Configura-se como uma temática multidimensional. Para Boff (2012) a
representação de sustentabilidade abarca condições informacionais, físico-químicas, a
Terra sua comunidade de vida e a vida humana. Segundo Leroy e Pacheco (2005), o
tema leva a redefinições de princípios éticos e sociopolíticos e constitui assim, um
universo temático de nossa época. Por isso, compreendo a relevância da configuração da
sustentabilidade como uma unidade epocal. Ao aplicar a ideia de unidade epocal no
sentido proposto por Freire (2005) à temática, reconheço que sustentabilidade abarca
ideias, concepções, esperanças, dúvidas, valores, desafios e disputas. Sustentabilidade
como uma unidade epocal se constitui por argumentos antagônicos, por tarefas a serem
cumpridas, por temas históricos e fatores contextuais.
O tema comporta ainda uma trama de demandas materiais e socioculturais de
caráter perturbador constitutivo. Para tal configuração compreendo relevante o viés
apresentado por Capra (2002) e Prigogine (2002). O químico Prigogine (2002), com sua
representação de estrutura dissipativas, traz uma explicação que abarca os sistemas
complexos, afastados do equilíbrio, como uma estrutura estável pela constante entrada e
saída de energia e matéria que não se limita a dissipar calor, mas aproveitar-se dos
resíduos, materiais e energéticos, para sua estabilidade. Disso decorre também sua
instabilidade e sua constituição. Toda perturbação é constitutiva de novidades. Para o
autor, isso muda o tempo do sistema, diferenciando o papel do passado e do futuro em
sua constituição. Desta forma podemos conceber que se o passado é irreversível o futuro
é incerto, mas provável.
É recomendável tomar lições da ciência para compreender o tema mais por sua
capacidade de explicação do que por sua capacidade de produzir tecnologia. Isso
significa reafirmar que o conhecimento é resultado da capacidade interpretativa do ser
humano e não uma produção previsível e única a que deveríamos chegar (ANDERY,
2004).
No plano ético, a sustentabilidade envolve (co)responsabilidade social para com
a sustentação da vida no Planeta. Refere-se a uma trama intricada de responsabilidades
176
para com o bem comum e um futuro viável, fomentadas nas reivindicações de
movimentos sociais, movimentos de afirmação cultural e movimentos ecológicos
(PORTILHO, 2010; CARVALHO, 2012; LOUREIRO, 2012). Os princípios para a
nova construção societária apontam que os processos e conhecimentos devem reunir
conhecimentos ecológicos, de produção e de consumo e também a responsabilidade
ética de caráter coletivo, e individual (CARTA DA TERRA, 2004; PRONEA, 2004;
BOFF, 2012).
O tema requer então uma atribuição de responsabilidades à esfera pública e à
esfera privada, assim como exige a reformulação de sentidos, como, por exemplo, o de
que a sustentabilidade deva ser associada, de maneira reducionista, ao desenvolvimento.
Para integrar responsabilidade e desenvolvimento é necessário formular um
relacionamento complexo com os projetos humanos. Sobretudo, tal indicador propicia
compreender a proposta de Boff (2012, p. 45) que “é equivocado quando (se) alega que
a pobreza é a principal causa da degradação ecológica.”
A sustentabilidade nos leva a aprender a potencializar conquistas
socioambientais provenientes da racionalidade que realiza planejamento e ações menos
poluentes; bem como da racionalidade de projetos despojados do exibicionismo,
egoísmo e gigantismo presentes em projetos civilizatórios, portanto, menos degradantes.
Por isso, diante do desafio de sustentação da vida é fundamental reconhecer as
reivindicações presentes na sociedade e buscar um projeto de vida compartilhado em
pluralidade cultural.
Os resultados da presente pesquisa mostram que o tema é afetivamente
carregado, sendo valorizado diferentemente pelos (futuros) professores. Uma análise
descritiva levaria a apreciar que a noção de projeto e de responsabilização ética expressa
pelos pesquisados tende ao discurso hegemônico. Esta pesquisa de cunho interpretativo-
construtivo propicia compreender como a motivação para aprender e ensinar sobre o
tema depende de experiências atuais bem como de outras, de procedência distante, que
marcam os sujeitos, assim como esclarece como os sentidos subjetivos constituem a
motivação que eles têm para ensinar o tema, favorecendo a busca de conteúdos e
abordagens para trabalhar com ele na escola. Também propicia compreender os sentidos
subjetivos em sua dimensão contextual e processual à medida que expressam elementos
presentes em diversos contextos vividos. Além disso, por sua dinâmica e pelos valores
177
que expressam, propiciam a aproximação com princípios formais que problematizam o
discurso dominante.
Os sentidos que os pesquisados expressam se assemelham e também se
diferenciam. As semelhanças relacionam-se como a tensão vivida no projeto do qual
participam, mas também com o debate público sobre o tema. Durante as conversas os
pesquisados mostraram-se tensionados pelas ideias decorrentes da construção coletiva
do grupo. Isso levou professores do OBEDUC, por exemplo, a discutir o tema com base
na inclusão de questões sociocientíficas e assim apontaram controvérsias entre o
discurso teórico e as práticas efetivas, entre a valorização do consumo referenciado pelo
mercado ou pela sobrevivência humana, com críticas à sociedade de consumo do
sistema capitalista, entre regulação legal e conscientização, entre o pensar global e o
agir local. No caso dos quatro futuros professores, a tensão se nota entre as práticas
químicas e as atuais questões ambientais. Surge a possibilidade de
(co)responsabilização favorecida pelo estudo do enfoque Ciência, Tecnologia,
Sociedade, Ambiente.
As diferenças entre os sentidos subjetivos dos (futuro)professores que
participaram do presente estudo relacionam-se com as experiências vividas nos diversos
espaços sociais de atuação. De acordo com suas ascendências, os professores valorizam
de forma distinta as práticas culturais de colonizadores e de indígenas, a condição
humana e planetária e as práticas sustentáveis.
A argumentação que cada sujeito desenvolve é uma produção subjetiva que
inclui, simultaneamente, processos simbólicos e emoções, sendo singular para cada
sujeito. Os sentidos subjetivos implicam atribuição de distintos valores morais. Para
Francisca, relacionam-se com segurança contra privações materiais e vulnerabilidade,
na defesa da dignidade humana, com inclusão social e responsabilidade ambiental. Para
Antônio, relaciona-se com participação honesta no âmbito da esfera pública e privada;
de liberdade de expressão. Para Eurico, relaciona-se com veracidade e relevância da
(co)responsabilização na educação em padrões sustentáveis. Rosa, com sua indignação,
atribui valor à precaução e à diminuição da exaustão. Adonis, partindo da conciliação,
atribui valor à parcimônia e ao entendimento. Margarida atribui valor à curiosidade e à
abertura para a troca de conhecimentos. Dália valoriza os desafios, as novas atitudes
sustentáveis, destinadas a lidar com a complexidade da vida.
178
Os sentidos subjetivos se diferenciam em dimensões que tem a ver com a
história de vida social, ou com sentidos de procedência distante, que podem ser
compreendidas a partir da perspectiva histórico-cultural. Tal perspectiva criou uma nova
zona de sentido para o conhecimento psicológico e nos permite compreender o
momento atual do sujeito como configuração subjetiva, o que tem importantes
conseqüências não só teóricas, mas também epistemológicas e metodológicas para
compreender a sociedade e o individuo.
Para González-Rey (2005b), a geração de ideias apresenta-se em forma de
produção subjetiva. As configurações variam em alguns de seus sentidos constitutivos,
dependendo do contexto e da qualidade da atividade ou forma de relação em que se
apresenta. Porém, também tem núcleos de sentido mais estáveis, que se manifestam na
oposição do sujeito a aspectos novos de suas experiências e que entram em conflito com
esses núcleos.
As emoções e construções do sujeito, que aparecem nos diferentes momentos de
suas experiências, estão associadas a sentidos subjetivos diferentes, que podem ser de
auto-estima, identidade, segurança, etc. Estes estados emocionais são momentos de
sentido de um sistema de configurações da personalidade que, dentro de um contexto de
expressão e vida do sujeito, assume esse sentido.
Desse modo o sentido da personalidade na definição das diferentes expressões
humanas é inseparável do lugar do sujeito inserido em contextos sociais e culturais nos
quais se expressa. Essa concepção de personalidade implica de forma constante em sua
capacidade geradora de sentidos no sujeito, que aparece subjetivamente constituído por
ela e que, de forma simultânea, atua num espaço social dentro do qual mantém uma
capacidade crítica e criativa.
Disso decorre compreender a formação docente como espaço dinâmico,
permeado pelo embate oriundo do interior da sociedade e de entrelaçamento de relações
acadêmicas e intenções de diversos grupos de origem. Para Freire (1996), a prática
docente, exige um alto nível de responsabilidade ética de que a capacitação científica
faz parte. Para tanto é preciso que a formação esteja dedicada à interlocução entre
pessoas, entre conhecimentos e saberes no interior da sala de aula (MARQUES, 2002).
Porque a mudança da pessoa envolve o contexto, mediações e condições históricas
concretas (LOUREIRO, 2011). Para Oliveira (1996), o que favorece o combate à
doutrinação e ao dogmatismo são as práticas dialógicas fundadas na argumentação, que
179
entendem que o engajamento é construído com base naquilo que nos singulariza
enquanto criaturas humanas.
Para Maldaner et al. (2007), a elaboração da produção curricular, que se
pretende contextualizada e própria da escola, requer a reunião de sujeitos que
necessitam, fundamentalmente, de espaços coletivos de estudo e interação. Desse modo,
uma formação docente pode contribuir na emancipação, tanto do sujeito quanto do
coletivo, na medida em que propicia espaços-tempos coletivos também de interação das
questões existenciais, das práticas e valores, de maneira que cada sujeito seja afetado
por essa formação. Ou seja, a formação requer ênfase na autonomia e responsabilização
como perspectiva para o envolvimento dos professores no processo de produção
curricular (BARCELOS, 2007; ZANON et al., 2007; GUIMARÃES, 2011). Na interpretação dos sentidos subjetivos que expressaram os (futuro) professores
pesquisados a respeito de conhecimentos, de abordagens e de compromissos, é possível
compreender os sujeitos em contínua produção de ideias e em processos de construção
de compromisso. Os sentidos subjetivos expressos pelos professores emergem de
processos de aprender e ensinar temáticas ambientais, que articulam tanto
conhecimentos científicos quanto àqueles que abrangem dilemas e conflitos de nossa
época e reivindicam respeito às diferentes práticas culturais. A noção de cuidar do
planeta, implicando na integração de atitudes inclui a valorização dos processos de
converter cada oportunidade problematizadora de nossa época em experiência
educativa. Eles enfatizam a formação cidadã integrando-a ao interesse, à motivação e ao
futuro. Suas afirmações levam à articulação do pensamento como forma de desenvolver
maneiras de compartilhamento, evitando comprometer ciclos vitais e a exploração sem
limites. Suas argumentações sustentam que a tarefa docente implica envolver os
estudantes, estabelecendo relações complexas, holísticas e interdisciplinares.
Os sujeitos investigados desenvolveram argumentação em que atribuíram
valores ao desenvolvimento humano e social pleno, tendo em conta princípios de
cooperação, diálogo e de tratamento sistêmico dos problemas ambientais. Também
consideram estimular setores populares potencializando o poder das diversas
populações para retomar a condução de seus próprios destinos tendo a comunicação
como um direito inalienável para o intercâmbio de experiências, métodos e valores.
Tudo isso implica compreender que sustentabilidade não é uma noção neutra a ser
180
apresentada ao estudante, mas é necessário, trabalhar os conflitos, que tal noção suscita,
de maneira justa e humana.
Os sentidos subjetivos dos participantes da pesquisa indicam construção de
compromissos e atribuição de valores. Isso reforça a importância da formação docente
dialógica comprometida com a transformação atuando pela dimensão argumentativa e
pelo princípio de respeito às interlocuções. Nesta perspectiva, a noção de docência
geradora e criativa integra-se à noção de formação emancipadora. A autonomia docente
favorece um diálogo das orientações da profissionalidade com as intenções e finalidades
individuais em busca de sua identidade educativa e profissional. A docência abarca a
representação de integração teoria e prática, desta forma envolver situações vivenciais, e
fazer da formação um espaço de construção de compromissos. De modo que se possa
vivenciar o aprender enquanto se ensina. A integração teoria e prática permite que haja
construção de experiências significativas em sala de aula, junto aos estudantes. A
formação docente emancipatória pressupõe integração de projetos de vida dos sujeitos,
projeto comunitário da população e o projeto pedagógico da escola.
No presente estudo, privilegiei a integração da categoria subjetividade e a
dimensão ética da docência sobre sustentabilidade. Reconheço alguns limites e
possibilidades deste objeto de pesquisa para a formação da pessoa e do(a) profissional
docente para a Educação em Ciências.
Quando em sala de aula nossa tendência é utilizar predominantemente a
abordagem conceitual ou o enfoque temático que tende a enfatizar apenas a mudança
social. Temos dificuldade em estabelecer interações com os sujeitos e considerar que a
aprendizagem envolve processos simbólico-emocionais. Portanto, ao currículo da
formação docente caberá o desafio de dar maior atenção à dimensão afetiva do processo
educativo.
Em relação ao tema sustentabilidade, tendemos a focalizar nos extremos. De um
lado temos princípios como lucro, crescimento, degradação, empregabilidade (e a
geração de desemprego) e de outro, ecologia, conservação e trabalho. Desse modo
fragilizamos a concepção da multidimensionalidade da vida cotidiana e suas
implicações histórica e cultural, social e econômica. Portanto, ao elaborar o currículo da
formação docente caberá o desafio de o cotidiano multifacetado e que nos exige decidir.
Há limitações e possibilidades no tratamento do tema uma vez que a
implantação dos projetos humanos não implica uma forma exclusiva de relacionamento
181
com a natureza. Portanto, torna-se um desafio à formação docente a abertura ao debate
argumentativo que leva em conta a dimensão ética.
Existem limitações relacionadas à articulação entre as dimensões ecológicas e
socioculturais. Segundo Capra (2002), a ética diz respeito a um padrão de conduta
humana que deriva da inserção num grupo. Quando pertencemos a uma comunidade,
comportamo-nos de acordo com ela. No contexto da globalização, há duas grandes
comunidades às quais todos nós pertencemos Somos membros da raça humana e
fazemos parte da biosfera global. Somos moradores do oikos, da “casa Terra”, e
devemos nos comportar como se comportam os outros moradores dessa casa, as plantas,
os animais e os microorganismos, que constituem a vasta rede de relações a qual
chamamos de teia da vida.
Para Freire (1996), o preparo científico do professor ou da professora deve
coincidir com sua retidão ética. É uma lástima qualquer descompasso entre aquela e
esta. Formação científica, correção ética, respeito aos outros, coerência, capacidade de
viver e de aprender com o diferente, são desafios à formação docente. Para Streck
(2009) envolve compromisso com o futuro viável e com as novas gerações.
Continuamos tendo dificuldade de criar um mundo comum, que nos faça pensar para
além de nós mesmos, como indivíduos. Segundo Loureiro (2012, p.84-85) é “mudança
de foco do comportamento para atitude, as escolhas pessoais são, assim, situadas por
condições que afetam a cada um em intensidades diferentes.”
O presente estudo pretendeu contribuir para a educação científica neste
momento em que ela deve responder às diretrizes curriculares, à diferentes lutas
coletivas de afirmação política e à demanda por experiências formativas envolvendo
comprometimentos socioambientais. Considero que a tese contribui para a compreensão
da complexidade do desenvolvimento da pessoa humana, pela perspectiva da
subjetividade, envolvendo a relação complexa universal-singular, sociedade-indivíduo.
Desse modo, foi possível ampliar a noção de responsabilização ética naquilo que
envolve a dinâmica da incorporação da natureza e do futuro viável em nossas
obrigações e intenções docentes. Os estudos ampliam a visibilidade de diferentes, e até
mesmo conflituosos, discursos e reivindicações pertinentes às lutas educacionais.
Considero que os resultados da pesquisa na presente tese articulam elementos para
compreensão do papel da convivência em projetos formativos, espaços-tempos nos
quais intenções podem tornar-se ações e criações, condições para envolver a produção
182
dos sujeitos. Compreendo que a organização de um sistema atividade-comunicação
mostrou-se relevante para articular pesquisa e formação, na medida em que propiciou
geração e criação de ideias pelos diversos sujeitos envolvidos na pesquisa. Considero
que a tese também contribui para a compreensão da motivação em contexto educativo
implicado por princípios amplos, valores e sentimentos morais.
No que tange a visibilidade das lutas pela diversidade cultural na educação, há
de se destacar que neste momento o currículo da educação científica está em interface e
tensionado por outras diretrizes curriculares oriundas de lutas coletivas e afirmação
política, como é o caso das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica para as
Escolas do Campo, que expressa o comprometimento com a diversidade do campo em
todos os seus aspectos: sociais, culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e
etnia (BRASIL, 2002b). Também é o caso das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Escolar Indígena (BRASIL, 2012) e da Política Nacional de Educação
Popular em Saúde. Existem aquelas que assumiram caráter de lei: Lei 9795/99 que
dispõe sobre a Educação Ambiental (BRASIL, 1999) e institui a Política Nacional de
Educação Ambiental; Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003) e 11.645/08 que trata da
obrigatoriedade do ensino de História e da Cultura Afro-brasileira e Africana em todas
as escolas do ensino fundamental, comprometida em contribuir para corrigir injustiças
para com a população negra. Assim, a formação de professores tem seus fundamentos
ampliados por tais reivindicações junto ao currículo da educação científica.
O presente estudo traz referências sobre exigências à educação do século XXI,
que focalizam sujeitos e grupos sociais que, ao lutarem por visibilidade, inserem-se cada
vez mais no processo de comunicação global, resultando em falas significativas que se
ampliam e impõem ressignificações educacionais. Como nos lembra Semeraro (2011),
os mesmos homens que estabeleceram as relações sociais de acordo com sua
produtividade material, também produzem os princípios, as ideias, as categorias, de
acordo com suas relações sociais, em um momento que o mundo moderno deixou para
trás o trabalho familiar e manufatureiro e introduziu a grande indústria, que também
deverá ser superada. Para o autor não há, portanto, sistemas econômicos, organizações
sociais e ideias imutáveis. Tudo é histórico, dinâmico, contraditório e superável.
Neste século XXI, a dinâmica superação de relações evidencia-se inclusive na
emergência de discursos que dão visibilidade às lutas de “sociedades tradicionais” em
convivência com as lutas da “sociedade tecnológica”. Ou seja, intencionalidades
183
caracterizadas pela manipulação prática da natureza, pelo trabalho familiar e
intervenção ecológica, defrontam-se com formas mais abstratas, teóricas e tecnológicas
de relacionamento (SEMERARO, 2011).
Estamos diante da exigência de um currículo que integre as situações complexas
como é o caso do posicionamento a cerca do desenvolvimento econômico e do
desenvolvimento da pessoa humana. Temas como desenvolvimento e responsabilização
requerem espaço para a argumentação plural e complexa que se produzirá no interior
das interações nos grupos de formação docente.
No caso de currículo que incorpore o tema da sustentabilidade podemos
questionar sentidos e abordagens que estão na base dos projetos humanos com os quais
significamos o tema e escolhemos para fazer enfrentamentos. As reflexões dos
(futuros)professores chamam a atenção para compromissos maiores do que a reparação
de danos ambientais, que ultrapassam as soluções técnicas, que induzem a
responsabilizar-nos com outros e buscar conhecimento.
A partir dessas reflexões considero pertinente apontar novos questionamentos:
como articular orientações curriculares (em seus diversos conteúdos) para problematizar
a desafiante utopia do retorno material, a noção de degradação irreversível e a busca por
padrões sustentáveis no mesmo espaço-tempo da sala de aula? O projeto pedagógico
como espaço-tempo para problematizar argumentos como os da poluição da pobreza, ou
falta de esclarecimento, crescimento demográfico, falta de compromisso com as causas
da degradação ambiental a intensificação dos impactos ambientais, pode fortalecer o
debate da responsabilização social? Ao se evidenciar as críticas à poluição da riqueza,
que aponta o gigantismo como objetivo dos projetos humanos, a explosão do consumo,
o desperdício, a descartabilidade, como responsáveis pelos impactos ambientais, como
nos mantermos engajados nos processos de desenvolvimento?
A formação docente, como espaço de posicionamento crítico, requer uma adesão
pedagógica às abordagens que superem simplificações temáticas. Tendo em vista a
constituir modelos críticos de entrelaçamento temático, há um interesse crescente na
utilização de abordagens de integração Ciência-Tecnologia-Sociedade tais abordagens
vinculam ação reflexiva, tema social e vivência sociocultural dos sujeitos em processos
de formação científica (SANTOS; MALDANER, 2010). Em discussões e pesquisas
no Ensino de Química, identifico abordagens de conhecimento químico integrado ao
contexto social e às práticas e valores culturais, numa concepção transformadora. O
184
enfoque CTS dá ênfase a aspectos contextuais e temáticos, sobre o papel da ciência e da
tecnologia na sociedade moderna em processos de formação para a cidadania (SANTOS
et al., 2010).
No âmbito da presente pesquisa em formação para a docência sobre
sustentabilidade, compreendo ainda que aprender e ensinar implica em conhecer e
comprometer-se com a degradação dos biomas, assim como questionar a
sustentabilidade de nossas práticas de produção da vida material, com base em
conhecimentos ecológicos, práticas e valores culturais. Implica em afetar-se pela
condição dos seres viventes, e pela condição dos seres humanos.
A formação docente, seja ela inicial ou continuada, acontece em um contexto de
encontro entre sujeitos e propicia ao professor conhecer e compromete-se com temáticas
contemporâneas. Nela a pessoa que aprende e ensina ciências é um sujeito concreto,
logo implicado por suas intencionalidades pessoais e por aquelas pressupostas pelo
projeto coletivo.
Defendo que ao investigar a formação docente integrada a processo de reflexão
sobre temáticas ambientais é possível o envolvimento cognitivo-afetivo dos sujeitos
decorrente de seus vínculos profissionais e de sua permanente produção de sentidos. É
pelo envolvimento cognitivo-afetivo que se torna possível comprometer-se com o
processo de emancipar-se e compreender as responsabilidades de ser livre. Para tanto é
necessário articular ética ambiental, contextos socioculturais e reformas curriculares.
Assim, na contínua produção de conhecimento, implicada pelo modo de
funcionamento da sociedade a universidade toma caráter de instituição social em
condições de desencadear formação que enfoque o posicionamento ético-ambiental. Isso
propicia que a universidade assuma a função de organizar espaço acadêmico de
constituição de programas, pesquisas e reflexões da construção de sociedade
sustentável. Por isso a formação docente tem na universidade a possibilidade de
construção de intervenção tomando como ponto de partida o espaço das relações
didático-pedagógicas no cotidiano escolar.
A complexa configuração da universidade tem as condições para dar atenção a
tal construção societária que requer uma formação complexa, pois nela a educação
científica em interface com a educação ambiental e ética, favorece a construção de
práticas vinculadas ao estudo das alterações ambientais que os projetos humanos têm
produzido. Para o autor essa construção requer uma aproximação com o imaginário das
185
comunidades, inclusive o universitário, permitindo respostas aos debates internacionais
sobre o engajamento na mudança sociocultural e construção de posicionamento
ambiental.
No âmbito da formação docente na escola de educação básica, de acordo com
Gadotti (2008) espera-se da escola do século 21 que facilite a formação continuada de
sua equipe de professores, ofereça as condições para que eles possam refletir sobre a sua
prática, construir seus projetos de vida, seus projetos pedagógicos e possam sentir-se
bem na escola. Na perspectiva do autor o sentir-se bem na escola demanda uma práxis
docente implicada pelo projeto pedagógico.
Por fim, com esta pesquisa defendo não dissociar sociedade e indivíduos, não
dissociar mudança social e mudança cultural, mas dar-lhes as devidas dimensões.
Defendo que isso aconteça a partir de uma relação complexa. A sociedade como
contexto e condições para a emergência da subjetividade. O individuo como sistema
dinâmico cujo desenvolvimento implica no projeto social que participa. Para González-
Rey (2011), a pessoa, como sujeito da vida social é uma peça-chave na geração de
novas práticas e tecidos sociais. Logo a dicotomia entre o social e o individual é tão
prejudicial como ignorar um destes momentos em prol do outro.
Defendo pesquisas e práticas educativas comprometidas em não despersonalizar
os sujeitos, mas que dão valor à fala personalizada, de modo a manter o caráter
constitutivo e dinâmico da presença humana. Todavia nos cabe como pesquisadores e
formadores, reconhecer a mobilização de sentidos de maneira a desenvolver os
interesses individuais de forma que eles coincidam com as necessidades sociais,
ultrapassando o que González-Rey (2005a) chama de dogmatização da expressão moral
e política.
Para Jonas (2006, p. 158), “os homens são seres morais potenciais porque
possuem essa capacidade de ser afetados (...) essa lacuna entre a sanção abstrata e a
motivação concreta só pode ser transposta pelo arco do sentimento, o único capaz de
influenciar a vontade”. A partir da interpretação da configuração subjetiva é possível
compreender que a motivação para aprender e ensinar sobre o tema depende de
experiências que marcam os sujeitos desde a infância implicadas em seus contextos e
vivências sociais.
Ao finalizar este trabalho, defendo que motivar (futuro)professores para ensinar
sobre sustentabilidade depende de se levar em consideração conhecimentos teóricos da
186
diversas áreas, experiências, crenças e valores que marcam os sujeitos em seus diversos
espaços sociais, constituindo suas configurações de sentidos subjetivos. Tais
configurações, que incluem processos simbólico-emocionais, podem se desenvolver em
sentimentos morais, quando no processo educativo crenças e valores são
intencionalmente problematizados.
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196
APÊNDICE A – AS ATIVIDADES EDUCACIONAIS SOBRE
SUSTENTABILIDADE NOS CONTEXTOS EDUCATIVOS
Os contextos educativos: os cenários de pesquisa
Este apêndice intenciona trazer informações sobre as contribuições dos
contextos educativos para a configuração de sentidos emergentes dos
(futuros)professores. Por ser uma experiência de prática pedagógica de abordagem
contextual apresenta-se o conteúdo orientador da discussão sobre Mato Grosso e sobre
Química e sua contribuição para os sentidos subjetivos estudados.
Partindo da epistemologia qualitativa de González-Rey (2005a). Neste sentido,
foram influências para esta pesquisa qualitativa e suas questões metodológicas na
organização do cenário de pesquisa:
1. A reflexão sobre a investigação temática e das falas significativas como processo
de pesquisa. Isso propiciou o conhecimento sobre a tematização contemporânea
dos sujeitos, assim como antecipou a mobilização de sentidos e a configuração
de sentidos subjetivos iniciais, procedimentos fundamentais para a elaboração
dos indicadores da conversação;
2. A interação em sala de aula entre sujeitos, pesquisador e pesquisados esteve
comprometida com as diferenças na organização dos sentidos subjetivos, de
modo que a reflexão sobre o modelo de significação acerca do problema
analisado propiciou a definição e redefinição dos objetivos específicos de análise
dos diálogos.
O diálogo intencional pode dirigir se no sentido de acessar as reflexões
implícitas. A busca por compreender os espaços de subjetividade social baseadas nas
relações implícitas da expressão dos sujeitos propiciou o estudo do objeto em seu
contexto e seus múltiplos processos de relação. Assim como propiciou apontar aspectos
do posicionamento docente que se aproxima de uma ética educativa, sistêmica e
integradora.
O planejamento e a programação do cenário de pesquisa deram-se como
abordagem temática. A organização deu-se através de investigação temática
(DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2007), ou seja, partiu de uma
problematização inicial, seguida de organização do conhecimento, isto é, da
decodificação do tema passa pela escolha de contradições, e seleção de conhecimentos
197
para compreensão dos elementos constitutivos da situação problematizada; e, da
aplicação do conhecimento, isto é do conhecimento sistematizado para analisar e
interpretar as situações iniciais. Desta forma esse processo explora tanto a dimensão
dialógica do ato educativo como a dimensão problematizadora do ato de aprender.
Neste sentido foram considerados os princípios básicos para o ensino do tema
sustentabilidade:
1. Organizar a abordagem numa perspectiva de formação crítica para atender
aos desafios do processo educativo em Ciências e Matemática. Encontram-se
atualmente discussões a cerca da constituição de Educação em Ciência
plural, inter e transdisciplinar que seja capaz de apropriar-se do vasto campo
de conhecimentos e contradições da Ciência e Tecnologia. Exigindo
formação voltada às questões sociocientíficas relativas à vida cotidiana, e à
desenvolver atitudes e métodos de pensamento próximos das atividades das
ciências. Desta forma a investigação temática apropria-se tanto de conceitos,
leis e teorias das ciências, quanto da dimensão processual de sua produção;
2. Reconhecer o sujeito que aprende como sujeito histórico imerso em um
mundo contemporâneo com diferentes origens sociais e culturais,
possibilitando conhecer suas marcas históricas e culturais, de forma a
garantir formação personalizada. Desta forma pode-se compreender a
situação problema como percebida diferentemente pelas pessoas e como
pensadas por diferentes caminhos, o que exige do ensino um curso baseado
em investigações capaz de combinar processos, conceitos e procedimentos
na solução de um problema.
3. Estruturar práticas educativas com programação e planejamento didático-
pedagógico que inclua as categorias de conhecimento científico e senso
comum. Planejar e executar programa que se constitua por levantamento,
reflexão e análise com o material sistematizado pelos sujeitos do processo
educativo.
Tais princípios foram considerados pertinentes para a articulação da pesquisa ao
ensino por viabilizar um sistema atividade-comunicação. Para Aydos (1994) a
concepção educacional dialógica ou como conhecida por metodologia da
problematização, é o que configura a investigação temática como relevante diante dos
modelos pedagógicos tradicionais, pois o aluno usa a realidade para aprender com ela,
198
assim como separam do que foi observado o que é importante, o que é superficial e
contingente. Investigar processo educativo das Ciências Naturais apoiados em educação
problematizadora ou dialógica, defendida por Paulo Freire, tem se mostrado uma
concepção pedagógica e epistemológica, que permite estruturar práticas educativas com
programação e planejamento didático-pedagógico que inclui duas categorias de
conhecimento: o científico e o senso comum. Para a autora aplicar uma concepção
educacional dialógica, problematizadora ou ainda libertadora, cujos trabalhos
desenvolvidos foram na área de alfabetização de adultos e em situações de educação
informal, exige adaptações em situações de Ensino de Ciências, entretanto é possível
manter os pressupostos de delinear os conteúdos com os estudantes do grupo de
trabalho, cabendo ao grupo continuar desafiado a superar situações cotidianas
problematizadas, e manterem-se na dimensão contextualizada dos conteúdos de ensino.
Para Freire (2004) não é possível ensinar sem investigar. Para ele não podemos
reduzir os espaços de curiosidade e criatividade, pois a produção da cidadania não é
uma construção conquistada com repasse, mas com autonomia critica e emancipação. E
com a compreensão processual da produção social do conhecimento. Desta forma os
princípios e implicações de atividades investigativas problematizadoras, identifica a
abordagem temática como uma perspectiva curricular onde a conceituação científica
está subordinada ao tema, dos quais são selecionados os conteúdos de ensino das
disciplinas. Logo, implica na participação do sujeito da ação educativa, inclusive na
definição conjunta do conteúdo programático.
O desenvolvimento de atividades educacionais sobre sustentabilidade nos contextos
educativos e as contribuições na configuração de sentidos emergentes.
A abordagem contextual e investigativa é problematizadora e politizadora. Ela
intenciona cuidar da vida coletiva e da sociedade, respeitar a expressão de ideias
antagônicas, e inclusive não ser indiferente as diversas ideias do grupo, abrindo assim
espaço para que se argumente e até se refute ideias.
Contexto 1 – formação continuada de professores: subjetividade social do contexto
educativo pesquisado
199
A sistematização da investigação temática realizada durante a oficina temática
com participantes do projeto OBEDUC está apresentada na tabela 1. Em função das
limitações de espaço e tempo pedagógico da oficina os professores simularam o
planejamento, a preparação e a execução das atividades de iniciação às ciências.
Tabela 1. Atividades desenvolvidas com a equipe do projeto OBEDUC – UFMT
Ação Síntese da atividade Finalidades e objetivos
Organização
da oficina
temática
Elaboração de temas
geradores, contra temas
Motivar falas significativas e assim privilegiar sínteses
de concepções, contradições sociais e mesmo limites
explicativos que permeiam as falas e relações do grupo
social em que estão envolvidos.
Organização do
conhecimento
Selecionar conhecimentos para estudo tendo em vista
um quadro de referência teórica e metodológica e desta
forma comprometê-los com o planejamento referenciado
de processos educativos.
Sustentabilidade e o contexto
físico e cultural de Mato
Grosso
Integrar pela abordagem temática sínteses de
concepções e mesmo contradições conceituais que
permeiam o debate global e regional. Manter o caráter
reflexivo ao abordar a pluralidade de modelos
explicativos para a sustentabilidade.
Tal oficina temática foi desenvolvida junto ao OBEDUC a partir do momento
em que sustentabilidade foi proposta aos professores como viável à constituição de
atividades formativas para planejamento de QSC’s que permeavam os debates internos.
Ou seja, para que assim o grupo de professores associasse em suas ações o
enfrentamento das dificuldades de aprendizagem. E assim adentrasse nos debates sobre
a controvérsia e impactos da tecnologia.
Ao ouvir os sujeitos neste espaço sobre a noção de sustentabilidade as
expressões iniciais dos doze sujeitos envolvidos remetiam a questões econômicas,
socioculturais e ecológico-ambientais, interpretadas com base em Sachs (2009). Foram
interpretadas como econômicas expressões com traziam sentido de reconhecimento de
modernização com uso de instrumentos de produção, distribuição e consumo material,
científico e tecnológico. Foram interpretadas como socioculturais expressões com
sentidos de acesso aos recursos e serviços sociais, emprego, renda, vida descente e
patamar de homogeneidade, autonomia para elaboração de um projeto, respeito à
tradição. Foram interpretadas como ecológico-ambientais os sentidos que expressavam
preservação e limitação do potencial do capital natural, respeito à capacidade de
autodepuração dos ecossistemas naturais.
200
Contexto 2 – formação inicial de professores: a subjetividade social do contexto
educativo pesquisado
O sistema atividade-comunicação na formação inicial também se integrou pela
investigação temática onde definir tema e contra tema teve caráter reflexivo ao manter a
prática docente sob investigação. A sistematização da investigação temática realizada
durante a oficina temática com participantes do projeto Licenciatura está apresentada na
tabela 2. A realização da investigação a partir de disciplina de prática de ensino levou a
espaços e tempos pedagógicos amplos em que os futuros professores puderam fazer o
planejamento, a preparação e a execução das atividades de iniciação à Química.
Tabela 2. Atividades desenvolvidas com os acadêmicos da Licenciatura em Química
Ações Síntese da atividade Finalidades e objetivos
Articulação
entre a
ementa e os
objetivos da
disciplina
Atividades de produção de
textos acadêmicos
Propiciar estudo e sínteses sistematizadoras de maneira a
resultar em um quadro de referência teórica e
metodológica.
Planejamento e programação
de atividades práticas
educativas
Organizar processo educativo de Química, constituído
em permanente relação com as exigências curriculares, e
com clareza intencional e critica intelectual de maneia a
evidenciar sínteses de concepções, contradições e
mesmo limites explicativos que permeiam a elaboração
educativa proposta.
Estágio supervisionado e a
investigação da prática
docente
Realizar atividades de ensino e propiciar estudo das
próprias ações concretas de maneira a resultar em um
quadro reflexão dos processos educativos.
Realização
de projeto de
extensão
universitária
Planejamento e realização de
projeto de mini-curso
Realizar atividade de extensão que propicie dialogar
com estudantes da educação básica através de
experimentação e do conhecimento químico
Debate com atores sociais da
educação do campo e
educação indígena
Realizar problematização inicial para a oficina temática
de maneira a inserir nas atividades educativas elementos
voltados à realidade social através da presença de atores
sociais que pudesse enriquecer o diálogo no sentido da
geração de novas ideias de conteúdos e abordagens pelos
futuros professores. O debate contou com a presença na
UFMT de grupos populares representantes de um
Coletivo da Terra constituído de indígenas Umutinas,
assentados e pequenos produtores rurais; e com a
presença de pesquisadora em Educação do campo.
Participação
em oficina
temática
Ensino de Química e o
contexto físico e cultural de
Mato Grosso
Integrar-se à investigação temática. Propiciar a definição
de tema e contra tema e fazer redução temática. Gerar
falas significativas de maneira a evidenciar sínteses de
concepções, contradições sociais e mesmo limites
explicativos que permeiam as falas e relações do grupo
social em que os pesquisados estão envolvidos.
201
As atividades expostas não tiveram distribuição linear no espaço e tempo
pedagógico da disciplina de maneira que se entrelaçaram em diversos momentos de
realização. Seu planejamento foi baseado nas diretrizes curriculares para formação de
professores para a educação básica (BRASIL, 2002c), bem como nas diretrizes
curriculares para os cursos de licenciatura em Química (BRASIL, 2002d). Para
articulação entre a ementa e os objetivos da disciplina o tema da investigação temática
foi inserido para aglutinar temas sociais, situações reais e Educação Ambiental em
função de uma aproximação com o tema transversal na forma apresentada pelas
Orientações Curriculares Nacionais para a área (MEC/SEB, 2006). A decisão interna do
grupo foi organizá-la a partir da integração Ciência, Tecnologia, Sociedade, Ambiente
(CTSA).
Realização de projeto de extensão universitária
O sistema atividade-comunicação no estudo com futuros professores também
contou com a realização de projeto de extensão universitária, na forma de mini-cursos
desenvolvidos na UFMT, com estudantes do ensino médio de escolas públicas. O
referido projeto estava em sua vigésima edição e foi construído para dialogar com
experimentação e ensino de Química. Entre seus objetivos está a construção de
atividades de ensino voltadas à realidade social. Desta forma os futuros professores
Adonis e Rosa, constituíram um grupo, Dália e Margarida, constituíram outro grupo. Ao
longo da organização e em função da redução temática selecionaram temáticas
relacionadas com água e solo. Na sequência intitularam seus mini-cursos como: i. dessa
água beberei? ii. solo: constituintes e contaminantes.
Os títulos expressam uma posição de interesse por água e solo, dois temas
relevantes para a educação em ciências. As escolhas temáticas se voltaram para o estudo
de água e solo, em termos de análise, tratamento, uso e conservação em consonância
com as pesquisas experimentais das quais os pesquisados participam sobre produtos
naturais, contaminantes ambientais de ordem biocidas e metais pesados. Eles sustentam
uma posição de reflexão e de problematização temática sobre diferentes aspectos de
constituição e qualidade para consumo humano.
202
A biodiversidade e sua diversidade cultural de Mato Grosso como conteúdo
orientador da oficina temática
Para desenvolver as atividades previstas para uma oficina temática, a
sensibilização inicial tinha como foco aspectos físicos e culturais de Mato Grosso,
dando ênfase na relação complexa entre ocupação do ecossistema por projetos humanos,
desta maneira intencionava problematizar a realidade do estado e formar professores
para discutir sustentabilidade a partir dessa região.
O estado de Mato Grosso apresenta uma enorme biogeodiversidade constituída
por três biomas de tipologia vegetal própria e três bacias hidrográficas, sendo uma
região extensa de transição Cerrado-Floresta Amazônica. Possui uma história marcada
por diversos grupos étnicos indígenas e pela imigração de muitos outros povos. Esse
panorama histórico-cultural aponta a base sobre a qual o estado foi produzindo uma
complexa condição ambiental que se desenha na realidade física e social da região
dinâmica de intensa produção cultural.
Uma breve representação do conceito de bioma de ênfase em seu caráter
sistêmico-complexo. O tema bioma perpassa pela definição como área do espaço
geográfico, representada por um tipo uniforme de ambiente, identificado e classificado
de acordo com o macro clima, a fito fisionomia, o solo, e a altitude. Incluem ainda
aspectos de evapotranspiração, taxa de radiação solar, a chuva, e fogo (COUTINHO,
2006). Seu estudo pressupõe a integração de diversificados aspectos ambientais. A
distribuição das espécies nos diferentes biomas é limitada pelas condições climáticas
locais. A formação das condições do tempo e do clima depende da combinação
dinâmica dos diversos fatores condicionantes: latitude, altitude, continentalidade,
correntes oceânicas, circulação geral da atmosfera, circulação zonal, circulação local,
massas de ar e frentes. Logo, relacionam-se as condições meteorológicas, e por
consequência, as condições climáticas de um local. Essa movimentação ilustra as
interações entre os sistemas naturais.
Mato Grosso é um estado rico em bacias hidrográficas e biodiversidade,
constituindo três grandes biomas, o Cerrado, a Floresta Amazônica e o Pantanal
(ALVES, 2006). Do ponto de vista hidrográfico o estado é considerado o “Estado das
nascentes” atingido pelas bacias: Araguaia-Tocantins, Paraguai, Amazônica (SEMA,
2007).
203
O bioma amazônico quando consideramos a Amazônia Legal com área adicional
à floresta tipo hiléia, que inclui também vegetação de Cerrado, estende-se por nove
estados dentre eles Mato Grosso (SMA/CPLEA, 2006). Bioma amazônico é o maior
bioma brasileiro com 4.196.943 quilômetros quadrados que ocupam 49,29% do
território nacional. É uma das últimas regiões do planeta que ainda seduzem pela
exuberância da mata primitiva. Também guarda a maior diversidade biológica. O bioma
ocupa em sua totalidade os estados do Acre, Amapá, amazonas, Pará e Roraima, além
de parte dos estados de Rondônia, Mato Grosso, Maranhão e Tocantins. Ao olharmos
para nossa região em termos tropicais, podemos representar nossa localização na
floresta pluvial tropical. Uma região tropical úmida. As médias de temperatura
apresentam poucas variações durante o ano. A precipitação pluviométrica é distribuída
em duas estações. Em média recebemos duas vezes mais radiação solar do que recebem
os pólos. E a circulação atmosférica transfere 80% da energia excedente.
As interações ecológicas se dão em bioma Cerrado-Pantanal-Floresta, um bioma
de savana tropical, um complexo de formações e, em virtude das altas taxas de radiação
solar, do prolongado período de cultivo e da umidade abundante, as florestas tropicais
apresentam uma produtividade alta. Ou seja, uma grande quantidade de biomassa morre
e deposita-se cobrindo o solo. Essa camada umidade rapidamente mineralizada e os
nutrientes são logo reabsorvidos pelas raízes. Três tipos de solo são predominantes:
oxissolos (óxidos hidratados de ferro e/ou alumínio), alfissolos e ultissolos (resultam da
erosão de rochas básicas). Há pouca acumulação de matéria orgânica.
A heterogeneidade da mata pode ser descrita pela variedade de espécies vegetais
e o pequeno número de indivíduos de uma mesma espécie em uma determinada área.
Em termos populacionais, sua diversidade é constituída por diferentes etnias que
ali se instalaram há muito tempo ou mais recentemente (CAVALCANTE, 1999). Em
Mato Grosso existem atualmente trinta e oito diferentes etnias indígenas, e oitenta e sete
terras indígenas (ALVES, 2006).
A história de Mato Grosso é marcada por ocupação territorial e conflitos no
campo. O modelo de produção agrícola envolve demandas físicas e culturais pela
conservação das relações ecossistêmicas dos biomas do estado de Mato Grosso. A
degradação dos biomas levou ao questionamento e discussão da sustentabilidade de
nossas práticas de produção da vida material. A flora aquática tem sido afetada
por herbicidas ameaçando comunidades ribeirinhas e pescadores (ALVES, 2006). Em
204
2004 mil e sessenta e cinco famílias foram atingidas pela Usina Hidrelétrica de Manso,
mas somente duzentas quarenta e nove famílias, em princípio, foram reassentadas
(ALVES, 2006).
Enquanto o mapeamento hidrográfico é facilmente acessível ao público, o
mapeamento sistemático dos recursos florestais ainda é precário (THUAULT, 2008). A
produção agrícola baseia-se em práticas impactante sobre solo, água, ar e
biodiversidade, altamente dependentes de insumos e implementos agrícolas, promotora
de bioinvasão e uso de plantas exóticas e a manipulação genética (ALVES, 2006). O
desmatamento nos municípios do norte do estado demonstra que as atividades de
extrativismo de madeira ainda são intensas. A implantação de municípios tem seguido a
lógica do metabolismo excessivo da urbanização cosmopolita. Ao lado disso, a
agricultura familiar e assentamentos rurais produzem produtos de consumo in natura e
atendem o mercado da região, desenvolvendo também relações e técnicas dependentes
de insumos e implementos.
É um estado fornecedor de minérios, madeira e recursos florestais. O uso do solo
tem seguido o modelo de produção de alimentos em grandes monoculturas, baseadas no
pasto, na soja, no milho, no arroz, no algodão e na cana-de-açúcar.
Na agricultura familiar e assentamentos rurais cultivam produtos de consumo in
natura e atendem o mercado da região, registram-se então experiências de produção
agroecológica, mas se veem desenvolvendo também relações e técnicas dependentes de
insumos e implementos.
Há indicação de práticas adequadas às condições tropicais para reduzir a
temperatura do solo, conservar a umidade e prevenir a erosão. Como exemplo temos a
lavoura múltipla intensiva, o consórcio de espécies, o ciclo de nomadismo. O desafio
imposto às populações humanas reside em tornar suas práticas mais produtivas sem
destruir sua rica diversidade.
As escolas mato-grossenses estão imersas em um panorama histórico e cultural
de dinâmica intensa de produção cultural. Essa é base sobre a qual o estado foi
produzindo uma complexa condição ambiental que se desenha na realidade física e
social da região.
O contexto histórico e social de Mato Grosso como marcado por uma intensa
modificação nos fluxos de massa e energia do bioma amazônico que atinge grupos
sociais ameaçados em suas condições físicas, ambientais e sociais. Daí compreendermos
205
a importância dessa temática no currículo escolar de Mato Grosso. Significados e
características presentes nas correntes de pensamento da sustentabilidade
problematizam inclusive o aspecto epistemológico da produção científica atual.
As atividades produtivas em Mato Grosso trazem intensa modificação nos fluxos
de massa e energia do bioma amazônico, que atinge grupos sociais ameaçados em suas
condições físicas, ambientais e sociais. Sendo assim, compreendemos a importância
dessa temática no currículo escolar de Mato Grosso.
Uma breve exposição das tendências pedagógicas leva a compreender que
perspectivas socioetnoculturais voltam seu olhar para a multiplicidade física e cultural
de Mato Grosso influenciando visões de mundo diante da complexa condição ambiental
que se desenha na realidade física e social da região. HARDOIM et. al. (2010) tratam da
Educação científica como empoderamento ao permitirem aos atores envolvidos na
educação a reflexão sobre os fenômenos da natureza e os sociais e suas relações com a
qualidade de vida. Segundo GUARIM NETO (2008) ao registrar o conhecimento
popular geram-se elementos fundamentais para a conservação da biodiversidade.
Temos um longo caminho a percorrer na região amazônica mato-grossense no
registro e desenvolvimento de pesquisa em Educação em Ciências e Matemática voltada
para a inserção de propostas pedagógicas de respeito à pluralidade cultural de toda a
região.
Novos indicadores apontam um mundo onde todos os sujeitos sejam respeitados
em suas diferenças, e sejam tratados como iguais e seus direitos humanos atendidos e
garantidos. Um mundo em que sejam respeitados em sua singularidade e que sejam
conhecidos por suas interações culturais. As desigualdades sociais sejam enfrentadas e
se promova equidade e inclusão. Sujeitos incluídos em processos que os possibilitem
agir com autonomia, livres e emancipados. Um ambiente físico e cultural que seja
conservado comportando o coletivo e a solidariedade. Um mundo onde o consumo e
excedente atendam necessidades básicas para a vida e garanta todo patrimônio natural
como bem comum da humanidade. Sobretudo, que o conhecimento de práticas culturais
seja validado por seu respeito às interações ecológicas.
A relação com o contexto social de Mato Grosso leva a questionar a Química
necessária para a sobrevivência nos trópicos úmidos.
A química com seus objetos como conteúdo para compreender sustentabilidade
206
Sendo esta pesquisa desenvolvida em sala de aula de licenciatura em Química, a
sensibilização inicial para a investigação temática contou com conteúdo que foi
sistematizado como segue abaixo.
O tema sustentabilidade perpassa por estudos de dimensão material, natural e
sistêmica. De certa forma, esse recorte conduziu pesquisas a formas lineares, de
abordagem unidimensional destas temáticas que são multidimensionais. A crítica a tais
abordagens levou ao desenvolvimento de estudos embasados pelo entrelaçamento
constitutivo e processual, configurando um modelo teórico caracterizado como sistema
complexo. Na perspectiva de compreensão do Planeta como sistema complexo (em uma
visão que incorpora as bifurcações resultantes das modificações humanas), a dimensão
natural inclui os artefatos e os espaços produzidos pelas diferentes culturas. Assim o
recorte físico-material no caso da Química contribui na compreensão do meio ambiente
e da sustentação da vida.
De maneira geral, os modelos da Química implicam em conceitos de
transformação, de fluxos, de bifurcação e de interações moleculares. São crescentes as
tendências de caráter sistêmico, que abordam os conhecimentos químicos integrados aos
problemas locais e globais de forma que incluem as práticas culturais e as interações
ecológicas como implicações naturais.
A representação da transformação química e a conservação de massa já existem
como princípio5 há muito tempo. Esta última considerada uma via para estabelecer
relações de alterações naturais pela representação de identidade/transformação tornou-se
referência da produção reacional de produto químico6 (MACHADO, 2000).
Tais modelos teóricos são utilizados para transição de um nível fenomenológico
para o atômico-molecular (MORTIMER; MIRANDA, 1995). Eles envolvem
representação de modificação material mediante uso de energia. Tendo como referência
a transformação química como o resultado da interação entre diferentes produtos
(sistemas iniciais), com consumo de energia, os modelos teóricos descrevem a produção
de novos produtos (sistemas finais) como resultantes de rearranjos atômico-
5 A conservação de massa como princípio admitido e utilizado desde os primórdios da química, mesmo
que testes mostrem violações deste (MARTINS; MARTINS 1993).
6Produto é usado no texto como “substância química” uma referência a qualquer composto de origem
natural ou sínteses laboratoriais diferentes dos usos comuns nos estudos ambientais quando o termo
desenvolve sentido de rejeição devido a danos provocados.
207
moleculares, de massas individuais diferentes, e diferentes taxas de produção e massa
total conservada.
A relevância desse modelo reacional se nota na aplicação de seus fundamentos
em diversos estudos químicos focados no ambiente. Segundo Baird (2002), de modo
geral, entre químicos, compreendia-se que os produtos químicos emitidos nos sistemas
naturais seriam assimilados ou se transformariam, antes seriam diluídos na extensão dos
sistemas. Sob essa base há estudos que tratam de rejeitos, resíduos, descartes, danos,
prevenção, melhoria no manejo e nos objetivos produtivos. São estudos significativos
na defesa da manutenção da vida pelo suprimento material. Tem relação com a
produção material e geração de novos materiais. Há relação com o monitoramento e o
tratamento dos produtos gerados na indústria química, na produção agrícola e diversos
setores que trabalham com processos químicos.
A Química Verde (FIEDLER, 2003; LEAL; MARQUES, 2004) é um exemplo
afinado com essa perspectiva de abordagem das temáticas ambientais, definida como
uma área da química que se preocupa com o desenho, o desenvolvimento e a
implementação de produtos e processos químicos para reduzir ou eliminar substâncias
perigosas para a saúde humana ou para o meio ambiente. Seus propositores defendem
que a química ocupa uma posição central nos diferentes processos que deverão ser
atualizados nas diversas indústrias que fazem parte do sistema econômico de qualquer
país competitivo no mercado mundial. Neste sentido, o químico passa a ter um papel de
destaque, já que ocupa uma posição central no processo industrial moderno. Nesta
concepção, praticamente toda a indústria que usa processos químicos deve superar
barreiras estratégicas já estabelecidas pelos países ricos, de comprovação e registro da
qualidade dos produtos produzidos, que utilizam padrões de referência de qualidade
aceitos internacionalmente, como por exemplo, as normas ISO 14000.
A partir disso a inovação química foca na alteração da poluição, foca na
contaminação ou do descarte inadequado e, como uma filosofia geral, passa a defender
a redução, no futuro, da exposição humana aos poluentes (BAIRD, 2002). Exposição
por vezes acusada da geração de câncer, de problemas reprodutivos, defeitos congênitos
e efeitos perniciosos. Por isso, considera-se suspender, eliminar, fazer controle final do
processo ou mesmo instalar a química limpa ou química verde.
Propondo-se como uma nova visão de mundo, resulta disso uma filosofia na qual
a Química se projeta em consonância com a gestão ambiental em termos de recursos
208
naturais renováveis que considera básico compatibilizar a equivalência entre a taxa de
reposição e a emissão de efluentes com a capacidade de assimilação dos ecossistemas.
Abordagem adequada com os modelos reacionais e cinéticos, orientada pela
equivalência à reposição e pela busca da compatibilidade dos tempos biofísicos aos
tempos econômicos.
Não obstante, a Química Ambiental, como interpretação do funcionamento
natural dos sistemas, ressalta a representação de uma química que faz parte do ambiente
natural (BAIRD, 2002, p.24). Assim, os estudos ambientais são reforçados por
princípios materiais reacionais. Como área é definida pela divisão de Química
Ambiental da Sociedade Brasileira de Química como o estudo dos processos químicos
que ocorrem na natureza, sejam eles naturais ou ainda causados pelo homem, e que
comprometem a saúde humana e a do planeta. Para o autor, além de vista como a
química dos processos naturais no ar, na água e no solo da Terra, ela diz respeito
principalmente aos aspectos químicos dos problemas que os seres humanos criaram no
ambiente natural e que podem ser entendidos pelos conhecimentos da química básica e
de fundamentos da orgânica.
Assim, como Lavoisier e a conservação de massa, à sua época, instalaram-se
uma compreensão para as leis das combinações químicas. Em nossa época, para além
do foco na poluição que afeta a saúde humana, temos a representação de uma química
que faz parte do ambiente natural com modelos reacionais de transformação e clivagem
natural. Desse modo, químicos interpretam a necessidade constante de suprimento
material e energético, como incompatível com um modelo de crescimento econômico
apoiado em aumento indefinido da produção e sustentado pela extração contínua de
materiais dos sistemas naturais. Um modelo importante na compreensão de finitude dos
sistemas materiais, mas limitado no entendimento das complexas interações dos ciclos
biogeoquímicos e demandas socioculturais, científicas e tecnológicas da atualidade.
Os fundamentos de transformação da Química precisam ir além da relação
extrativa na representação da problemática, pois a dimensão da degradação não se reduz
a manter limpos os ecossistemas, os recursos para nossa sobrevivência, nem apenas
cuidar do aquecimento global. Os estudos analíticos indicam que os sintéticos, os
compostos particulados, os metais pesados e substâncias naturais tóxicas são
persistentes e não são alteradas pela ação da luz, água, ar ou micro-organismos durante
períodos longos. Sabe-se que não estão uniformemente distribuídos e se concentram em
209
seres vivos. Mesmo ao considerar a transformação química parte constitutiva do
ambiente natural, uma visão de transformação como combinação química é restritiva,
por dedicar-se ao tratamento de fragmentos do sistema planetário, diante de uma visão
de transformação como interação, ou mesmo como fluxos de sustentação da vida.
Os modelos químicos de explicação dos processos naturais são voltados para o
mundo microscópico, o mundo da dinâmica atômico-molecular (PRIGOGINE, 2002).
São modelos usados para representar o sistema complexo como correspondente a uma
enorme população de partículas em interação, logo instáveis e afastados do equilíbrio. A
instabilidade e a irreversibilidade tornaram-se parte integrante na descrição do sistema.
Sendo assim, temos um ponto de partida para uma dinâmica reformulada que incluem a
probabilidade e complexidade como fundamentos inerentes aos processos naturais,
resultando que “(...) pela visão clássica, os sistemas estáveis eram a regra, e os sistemas
instáveis, exceções, ao passo que hoje invertemos essa perspectiva.” (PRIGOGINE,
2002, p. 80).
Ao abordar noções físico-químicas das temáticas ambientais tais como o
princípio de conservação de massa, a instabilidade, a irreversibilidade e as interações
ecológicas, as transformações configuram-se, então, como fluxo de massa e energia em
sistemas afastados do equilíbrio. Portanto, encontramos modelo que vai do nível
cinético-molecular para o fenomenológico. A partir de tal representação, repercute nos
estudos ambientais uma noção de finitude incerta, instável (de estabilidade mantida pela
constante entrada e saída de produtos) e que requer uma descrição qualitativa dos
principais tipos de interações (inter)moleculares que atuam nos sistemas químicos.
Assim, tais interações são usadas na racionalização de cada propriedade termodinâmica
macroscópica.
Em sistemas afastados do equilíbrio a tendência é tanto dissipação quanto
bifurcações de materiais e de fluxos. Do ponto de vista molecular, se trata sempre de
fenômenos coletivos, que põem em jogo bilhões e bilhões de moléculas (PRIGOGINE,
2002), o que implica em interpretar os fenômenos com a probabilidade de inúmeras
interações. Em termos cinéticos, incluem-se possibilidade de diferentes trajetórias
descritas por funções de distribuição, leis de movimentos e leis de transformações
dependentes do ponto de partida e das condições iniciais do sistema.
Com a intensificação da articulação entre estudos sobre processos naturais, aos
sistemas naturais (originais ou modificados, como exemplo, a dinâmica das águas, os
210
fenômenos atmosféricos, a produção industrial e tecnológica), há a ampliação no
entendimento dos fluxos materiais e energéticos implicando na ampliação da noção de
sistema. Ao ampliarmos tais fundamentos para a hidrosfera, litosfera, atmosfera e
biosfera e para os fenômenos da vida, a intensificação implicou em outras teorias como
sistemas instáveis em um nível macroscópico, sendo a constante entrada e saída de
material e energia interpretada com representações das interações reacionais.
Ao insistir nas interações ecológicas, busca-se uma abordagem integradora e
ressalta a noção sistêmica do Planeta como finito, instável e com tendência a
bifurcações, pela sustentação da vida e de práticas culturais. Sabe-se que a luta pela
conservação do ambiente natural vincula-se a movimentos plurais, que apresentam uma
diversidade de visões de mundo e distintas abordagens de ecologia, ambiente e
economia (LAYRARGUES, 1998; FERREIRA, 2005; LEFF, 2010; BOFF, 2012), que
se preocupam com projetos humanos civilizatórios (LAYRARGUES, 1998) assim
como fazem críticas à degradação ambiental e à racionalidade da modernidade (LEFF,
2010) produtora de uma relação de dominação da natureza. Entretanto, um recorte
conduziu à visão conservacionista e pragmática ainda unilateral (SANTOS et al., 2010)
quando se utilizou de analogias vagas organicistas da sociedade humana com grupos e
comunidades animais, pois resultam em esvaziamento da compreensão das relações
sociais criadas pelos seres humanos em suas manifestações e modo próprio e distinto de
produção da vida (LOUREIRO, 2011). De certa forma, a crítica a esta última
abordagem levou a incorporação da sustentabilidade das práticas de produção da vida
aos estudos de dimensão material, implicando na inclusão de projetos comunitários à
noção da dimensão ecológica. Nesta perspectiva esta investigação incorpora a
valorização dos biomas no sentido de buscar representação de um sistema complexo,
para além de espaço geográfico e condições ambientais.
Conservar do ponto de vista químico envolve a integração da modificação dos
estados iniciais, e formação de novos materiais, a equivalência entre a taxa de reposição
e a emissão de efluentes e a capacidade de assimilação dos ecossistemas por um lado, e
do outro, a instabilidade e a irreversibilidade dos processos em sistemas complexos. Os
modelos químicos propiciam a compreensão das críticas às tendências voltadas à
reciclagem, aos limites da extração de material para manutenção do consumo no padrão
dos países desenvolvidos, pois a instabilidade acentuada, sobretudo nestes biomas, tem
a ver com os projetos humanos implantados.
211
Em resumo, a ciência Química ao estudar o mundo visando entender o planeta
como sistema finito, instável e integrado, traz referências à formação docente quanto às
demandas científicas e tecnológicas de sustentação da vida humana que problematizam
as temáticas ambientais na atualidade. São referências relativas às condições físico-
químicas necessárias à sustentabilidade, sendo os modelos químicos capazes de ir além
dos aspectos de reparação de danos ou de poluição, e explicarem a totalidade do sistema
conservado, o que propicia a compreensão de usos de sistemas materiais em espaços
cada vez mais modificados, componente de um meio ambiente integrado aos sistemas
sociais e práticas culturais.
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THUAULT, Alice; MICOL, Laurent. Transparência da informação florestal em
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214
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, da pesquisa
SENTIDOS SUBJETIVOS RELACIONADOS A SUSTENTABILIDADE
AMBIENTAL E A DOCÊNCIA DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS EM
FORMAÇÃO INICIAL.
O objetivo deste estudo é investigar a formação inicial de professores para a
Educação em Ciências, de perspectiva popular e inclusiva, visando as relações que
emergem e são geradas sobre sustentabilidade, sobre docência e sobre si mesmos
enquanto sujeito, ao vivenciarem atividades investigativas com temáticas ambientais do
estado de Mato Grosso.
Sua participação nesta pesquisa consistirá em contribuir em entrevista, respostas
a questionário que versará sobre sentidos subjetivos sobre sustentabilidade, docência e
sua subjetividade, desenvolvimento de atividade investigativas que serão fotografadas e
gravadas. Os riscos relacionados com sua participação na pesquisa são desconforto na
apresentação de conceitos ambientais e ecológicos e de sua própria subjetividade,
história e cultura. Os benefícios para você enquanto participante da pesquisa, são
pessoais no sentido da participação em pesquisa educacional, e de relevância para a
defesa do Meio Ambiente, e para a comunidade pesquisadora da Educação em Ciências.
Você receberá uma cópia desse termo organizado por Mariuce Campos de
Moraes, com endereço em Sala 85, Bloco C, Instituto de Ciências Exatas e da Terra,
Avenida Fernando Correa da Costa, nº 2367, Bairro Boa esperança, Cuiabá-Mato
Grosso Cep : 78.060.900, telefone: (65) 3615 8768 ou (65) 9978 3326, pesquisadora
responsável.
Considerando os dados acima CONFIRMO estar sendo informado(a) por escrito
e verbalmente dos objetivos desta pesquisa e em caso de divulgação por foto e/ou vídeo
AUTORIZO a publicação.
Eu (nome do participante ou responsável) .............................................................,
Idade:.......... sexo:...............Naturalidade:......................
RG Nº:..........................declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha
participação na pesquisa e concordo em participar.
Assinatura do participante:
.......................................................
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO AMAZÔNAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E
MATEMÁTICA
REDE AMAZÔNICA DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA
ANEXO 1 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
215
ANEXO 2 – TERMO DE COMPROMISSO DE DIVULGAÇÃO E PUBLICAÇÃO DE RESULTADOS
TERMO DE COMPROMISSO DE DIVULGAÇÃO E PUBLICAÇÃO DE RESULTADOS
Eu, Mariuce Campos de Moraes, pesquisadora coordenador do projeto:
“SENTIDOS SUBJETIVOS RELACIONADOS A SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL E A DOCÊNCIA DE
PROFESSORES DE CIÊNCIAS EM FORMAÇÃO INICIAL” , declaro meu compromisso e o de meus
colaboradores, de divulgar e publicar quaisquer que sejam os resultados encontrados na
pesquisa acima citada, resguardando, no entanto, o interesses dos sujeitos envolvidos, que
terão suas individualidades preservadas e mantidas em sigilo.
Cuiabá, ... de .................. de 20......
________________________________
(Assinatura)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO AMAZÔNAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA
REDE AMAZÔNICA DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO AMAZÔNAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA
REDE AMAZÔNICA DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA
216
ANEXO 3 – REDUÇÃO TEMÁTICA PROPOSTA POR FRANCISCA
NO GRUPO
217
ANEXO 4 – REDUÇÃO TEMÁTICA PROPOSTA POR FRANCISCA
EM SESSÃO INDIVIDUAL
218
ANEXO 5 – REDUÇÃO TEMÁTICA PROPOSTA POR ANTÔNIO NO
GRUPO
219
ANEXO 6 – REDUÇÃO TEMÁTICA PROPOSTA POR EURICO NO
GRUPO
220
ANEXO 7 – REDUÇÃO TEMÁTICA PROPOSTA POR EURICO EM
SESSÃO INDIVIDUAL
221
ANEXO 8 – REDUÇÃO TEMÁTICA PROPOSTA POR ROSA EM
SESSÃO INDIVIDUAL
222
ANEXO 9 – REDUÇÃO TEMÁTICA PROPOSTA POR ADONIS EM
SESSÃO INDIVIDUAL
223
ANEXO 10 – REDUÇÃO TEMÁTICA PROPOSTA POR MARGARIDA
EM SESSÃO INDIVIDUAL
224
ANEXO 11 – REDUÇÃO TEMÁTICA PROPOSTA POR DÁLIA EM
SESSÃO INDIVIDUAL
225
ANEXO 12 – COMPLEMENTO DE FRASES POR FRANCISCA
226
ANEXO 13 – COMPLEMENTO DE FRASES POR ANTÔNIO
227
ANEXO 14 – COMPLEMENTO DE FRASES POR EURICO
228
ANEXO 15 – COMPLEMENTO DE FRASES POR ROSA
229
ANEXO 16 – COMPLEMENTO DE FRASES POR ADONIS
230
ANEXO 17 – COMPLEMENTO DE FRASES POR MARGARIDA
231
ANEXO 18 – COMPLEMENTO DE FRASES POR DALIA
232
ANEXO 19 – INSTRUMENTO PARA DESCRIÇÃO DE IMAGENS
233
ANEXO 20 - SÍNTESE ESQUEMÁTICA DAS QUESTÕES NORTEADORAS DA
PESQUISA
Demandas
humanas e da vida
Problematização na
construção de Sociedades
sustentáveis
Configuração de
distintas Responsabilidades
em
Projetos humanos
Por ciência e tecnologia, por objetos e
imagens,em um planeta finito e complexo Enfrentamento do
estado atual de
(in)sustentabilidade
com
par
tilh
amen
to
con
textu
ais
Construções complexas nas
quais interagem vivências e
convivências.
(in)dependência ecológica,
agrícola, industrial
e tecnológica
Dec
isõ
es
pes
soai
s
Mobil
izaç
ão
de
sen
tido
s
princípio
norteador
esfera privada e pública
Sujeitos
processos simbólicos e
emoções Produção
subjetiva
experiências
individuais e
coletivas Intenções e fins
Histórico-concreto, com
subjetividade social e individual (potencial cidadão emancipado e
participativo)
Po
sici
onam
en
to no
mund
o Articulação da significação
de felicidade e superação de obstáculos.
Lim
ites
ambie
nta
is e
soci
ocu
ltu
rais
De conteúdos distintos
resultantes da dimensão conflituosa das relações
humanas
diferentemente
afetados
Cid
adan
ia
dimensão integrada da
emancipação
Co
-
resp
on
sabil
i
Dad
e
Profissionais
críticos, autônomo
e responsáveis
Princípios,
juízos e valores
aprofundamento da dimensão
Ética
implicação de
conhecimentos atitudinais Docência em
Ciências
Acordos e soluções são provisórias envolvem princípios formais (abstratos),
juízos e valores morais (formulado nos
diferentes grupos)
Vinculação de compromissos multidimensionais dos projetos
humanos
Sujeito histórico, profissional crítico, com compreensão
sistêmica de sustentabilidade,
que forma para a cidadania numa ética de
(co)responsabilidade