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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS NA TERRA DOS CORONÉIS: PROGRESSO PARA QUEM? Estrepes e Pelados na construção do progresso da cidade de Montes Claros (1917 – 1926) Montes Claros/ 2002

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

NA TERRA DOS CORONÉIS:

PROGRESSO PARA QUEM?

Estrepes e Pelados na construção do progresso da

cidade de Montes Claros (1917 – 1926)

Montes Claros/ 2002

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Gy Reis Gomes Brito

NA TERRA DOS CORONÉIS:

PROGRESSO PARA QUEM?

Estrepes e Pelados na construção do progresso da

cidade de Montes Claros (1917 – 1926)

Dissertação apresentada ao Curso de

Mestrado da Universidade Federal de

Minas Gerais, como requisito parcial à

obtenção do título de Mestre em

História.

Universidade Federal de Minas Gerais

Montes Claros/ 2002

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RESUMO

O objetivo deste trabalho é verificar que o progresso no Brasil e,

especificamente na cidade de Montes Claros, veio de mãos dadas com a doutrina

positivista de Augusto Comte. Procuramos mostrar que, sob o lema “ordem e

progresso” da questão moral e da unidade nacional, relações existentes entre os

coronéis, que nada mais eram que a elite letrada, e o resto da população, perpassavam

por caminhos de desigualdades sociais e contrastes sócio-econômicos que eram

manifestados por ações de aceitação e resignação. Ao final analisamos as articulações

políticas desencadeadas e estabelecidas nesse processo que indicavam o fortalecimento

dessa elite que foi-se transformando numa sociedade fundamentalmente conservadora e

hierárquica.

Palavras chave: Progresso, positivismo, elite, desigualdade social.

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SUMMARY

This work objectifies to check that the progress in Brazil and

specificly in city of Montes Claros, reached with the Positi vist Doutrine by

Augusto Comte. We have intended to show that, under the “ Order and

Progress” motto, from moral question and national unity, existing relations

between colonels were the lettered elite and the rest of population, passed by

ways of social inequalities and social economic contrasts which use yo manifest

in actions of acceptance and resignation. At last, we have analysed politic

articulation that there set off and established into this process indicating the

strengthening of this elite which was being transformed into a society

fundamentally conservative and hierarchal.

Keywords: Progress, Positivism, elite, social inequality.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................... 5

CAPÍTULO I - A “MÍSTICA” DO PROGRESSO: A INCLUSÃO DO BRASIL NO

ELENCO DAS NAÇÕES CIVILIZADAS.............................................................. 16

l.l O pensamento positivista: A Ciência e a Técnica ......................................... 16

1.2 Retratos do Brasil........................................................................................... 24

CAPÍTULO II – O “PROCESSO CIVILIZATÓRIO” NA MONTES CLAROS DO

SÉCULO XX........................................................................................................... 39

2.1 Povoamento: Da Fazenda Tabua à edificação da Capela de Nossa Senhora

e São José ................................................................................................................ 39

2.2 Por entre os canos: o romper das cacimbas e o início da urbanização central 46

2.3 Progresso: Novas Cenas, outros valores no sertão.......................................... 61

2.4 Cavalo de aço: fumaça, fogo e carvão ............................................................. 80

CAPÍTULO III – OS AGENTES DO PROGRESSO – Estrepes e Pelados............ 97

3.1 Os agentes do progresso ................................................................................... 97

3.2 A Elite de Montes Claros e as Escolas de Formação ....................................... 104

3.3 Pátria, vida comunitária, família e a formação moral da elite montesclarense 111

3.4 CORONÉIS: Sob a mira da carabina de papo amarelo, a violência como

recurso .....................................................................................................................126

CONCLUSÃO ........................................................................................................ 140

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 144

ANEXOS ............................................................................................................. 148

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INTRODUÇÃO

O período compreendido entre 1889 e 1930 é significativo na história do

Brasil. A República se consolida ao encerrar o governo de Campos Sales (1902) e

inicia-se um período de pleno funcionamento do regime republicano.

A construção da República teve raízes na doutrina de Augusto Comte (1798

– 1857):

O pensamento de Augusto Comte já se encontrava difundido na Europa onde, o mesmo, no ano de l830, publica o primeiro dos seis volumes que compõem o Cours de Philosophie Positive. Em l848 é fundada a Sociedade Positivista. “Sua obra é a de um reformador. Mas não se trata de reformar as ciências ou a inteligência por elas mesmas. A reorganização da sociedade é que é visada. Trata-se de promover a ordem positivista e de acender a uma religião da humanidade. No domínio do conhecimento, Comte apresenta a famosa Loi des trois ètats.1 Ele efetua uma classificação das ciências e proclama o aparecimento da ciência social ou sociológica2

1 Lei dos Três Estados. Comte explica os estados: “No estado teológico, o espírito humano, dirigindo essencialmente suas investigações para a natureza íntima dos seres as causas primeiras e finais de todos os efeitos que o tocam, numa palavra, para os conhecimentos absolutos, apresentam os fenômenos como produzidos pela ação direta e contínua de agentes sobrenaturais mais ou menos numerosos, cuja intervenção arbitrária exp lica todas as anomalias aparentes do universo. No estado metafísico, que no fundo nada mais é do que simples modificação geral do primeiro, os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abstratas, verdadeiras entidades (abstrações personificadas) inerentes aos diversos seres do mundo, e concebidas como capazes de engendrar por elas próprias todos os fenômenos observados, cuja explicação consiste, então, em determinar para cada um uma entidade correspondente. Enfim, no estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo, a conhecer as causas íntimas dos fenômeno, para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e similitude. A explicação dos fatos, reduzida, então a fenômenos particulares e alguns fatos gerais, cujo número o progresso da ciência tende cada vez mais a diminuir.” In.: COMTE, Auguste. Curso de Filosofia Positiva: Discurso Preliminar sobre o Conjunto do Positivismo; Catecismo Positivista . Trad. De José Arthur Giannotti e Miguel Lemos. São Paulo: Nova Cultural, 1998. Col. Os Pensadores. 2 MILLIET, Sérgio e DELLA, Antônio. Dicionário Internacional de Biografias. 1969. Ed. Brasileira. Martins Editora, p. 355.

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Paralelo ao processo de adaptação do período republicano, que foi uma

preocupação central do ponto de vista político, a ideologia positivista invade o Brasil. A

sua doutrina, o Positivismo, é um culto de amor à pátria, à família, aos antepassados,

aos grandes homens, às instituições sociais; é um sistema de vida moralizador que tem

como lema : “O Amor, a Ordem e o Progresso”.

A partir dessas novas idéias, foi o progresso técnico, sob o impulso da

ciência, o responsável pelas mudanças, fomentando assim, novos comportamentos e

hábitos de vida, em todos os lugares do Brasil por onde chegava.

Como a cidade de Montes Claros não se encontrava isolada do todo

nacional, desde períodos anteriores que nos remete ao Brasil Império (l83l), é que se

torna relevante mostrarmos, segundo uma passagem de FULGÊNCIO, a importância

política, econômica e comercial de Montes Claros em toda a Região da província, em

outras épocas:

em Montes Claros, naquela época, já existia várias “intendências”- os antigos mercados- onde se negociavam de tudo, até escravos, e na região era criado o maior rebanho de gado de corte da província, dois fatores econômicos de grande importância. Além disso, no arraial das “Formigas” já residiam vários moradores que poderiam ser eleitores, pois possuiam uma renda anual que lhes dava esse direito, e essa condição dava ao povoado uma relevância na conjuntura política da província.3

Já em l831, a “freguesia” de Montes Claros acabou sendo emancipada por

uma lei regencial. Sendo assim, a cidade de Montes Claros reunia condições

administrativas favoráveis para desenvolver e se consolidar como pólo regional.

Uma década antes da Proclamação da República vários cidadãos

montesclarenses viajavam assiduamente à cidade do Rio de Janeiro, Belo Horizonte,

São Paulo e Ouro Preto, tanto em atividades comerciais como para freqüentar os cursos

3 Revista Nossa História- Montes Claros, p.3,outubro de 2001.

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de bacharelado que eram ministrados somente nessas capitais. Nesta época, um número

considerável de montesclarenses teve contato com os princípios da doutrina positivista

que se fazia presente, nesses centros urbanizados, através dos educandários, casas

comerciais e dos jornais locais.

Entre eles, se encontravam os futuros representantes do Executivo

Municipal da cidade de Montes Claros, entre l9l7 e l926. Foram esses mesmos

comerciantes e bacharéis que freqüentaram, por muitos anos, os principais centros

urbanos do Brasil, que se tornaram adeptos do pensamento positivista, e trouxeram as

idéias republicanas para Montes Claros nos idos de l889. Esses homens, com lugares

garantidos no Executivo Municipal ocupavam cargos no PRM-Partido Republicano

Mineiro, que na época exercia forte hegemonia na política brasileira. Considerando os

anos de l9l7 a l926 como de grande importância política e econômica para o

desenvolvimento da cidade de Montes Claros é que os escolhemos como marcos

cronológicos principais de nosso trabalho, devido a dois feitos de grande relevância

realizados na cidade por essa elite: a inauguração da luz elétrica e a chegada da linha do

centro da Estrada de Ferro Central do Brasil.

A vida social diária dos montesclarenses era vivenciada diuturnamente. Os

estabelecimentos comerciais em geral, as atividades religiosas e o funcionamento da

Câmara Municipal se davam neste horário. Os lampiões de azeite eram insuficientes

para atender as necessidades da população e nem todos os moradores tinham condições

de acesso aos mesmos. A inauguração da luz elétrica, em l9l7, transformou essa

situação, propiciando encontros em praça pública, festas populares e, posteriormente,

apresentações de imagens em movimento em tela de cinema, influenciando

comportamentos, a aquisição de novos hábitos e mudando linguagens, sob o impacto de

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novas tecnologias.

Destaque maior damos à Rede Ferroviária pois, desde a sua chegada em

Pirapora, em l911, já era esperada, em Montes Claros, pelas lideranças regionais. Mas

foi somente em setembro de l926 que os montesclarenses ouviram pela primeira vez o

apito da locomotiva “Maria Fumaça” e no dia 26 do referido mês a cidade de Montes

Claros festejava a inauguração oficial da ferrovia, assumindo assim a condição de

Linha do Centro da Estrada de Ferro Central do Brasil.

Esses dois acontecimentos marcam definitivamente o desenvolvimento

(progresso) da cidade de Montes Claros. E, além da inquestionável importância local da

luz elétrica, a Rede Ferroviária se consolida como um fator de fundamental importância

no processo de reorientação econômica da Região. Segundo CARDOSO,

O prolongamento da rede ferroviária de Pirapora até Montes Claros, rompe de vez com o isolamento que a Região foi submetida desde o início do Século XVIII, especialmente a partir da Sedição em 1736. E representou muito mais que uma possibilidade para o incremento da relações comerciais da Região: ela foi, na realidade, a via pela qual o Norte de Minas começa a integrar a dinâmica econômica do Centro-Sul do País. 4

Os acontecimentos organizados em torno da Proclamação da República,

também se fazem presentes na cidade de Montes Claros. Como mostramos aqui, a

cidade de Montes Claros, desde o Império, já se destacava como pólo comercial, via

principal de transporte de toda região do norte de Minas Gerais.

Em sua estrutura política a elite letrada de Montes Claros era sustentada por

relações de dependência de cunho “coronelístico” com o governo estadual e alternava-

se no poder através de duas facções: os liberais e os conservadores, ou seja, “Estrepes”

4 CARDOSO, José Maria Alves. A Região Norte de Minas Gerais: Um estudo da dinâmica de suas transformações espaciais. Dissertação apresentada ao PIMES, da UFPE, l996. p.42

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e “Pelados” 5 apelidos recebidos em decorrência da formação de duas bandas de música

– A Euterpe e a União Operária. Essas bandas, animavam todos os eventos realizados

pelos respectivos grupos, tanto em atividades festivas como também em suas constantes

lutas políticas. As duas facções delimitava seus territórios de ação política, na cidade,

existia uma divisória: ruas de baixo e de cima. As duas facções pertenciam a um mesmo

Partido político (PRM) e somente se separavam em função do jogo de interesse que

representavam. Como essas duas facções marcaram época em Montes Claros e foram

elas mesmas que se encontravam nos bastidores de todas as articulações políticas da

cidade é que elegemos o título dessa dissertação, ficando o nosso questionamento: Na

terra de coronéis progresso para quem? Fazendo uma alusão aos dois grupos que se

intitulavam: Estrepes e Pelados.

VIANNA nos narra a importância e o significado dos nomes desses dois

grupos rivais.

Convém esclarecer, todavia, que estes dois grandes partidos- os únicos da cidade - eram igualmente poderosos, contando com respeitáveis forças políticas bem equilibradas, que se refletiam por vários outros municípios - e que as designações de cima e de baixo eram simplesmente devidas à localização das casas de seus chefes ou de seus representantes diretos, na parte alta ou na parte baixa da cidade. Havia na época dois jornais: o “Montes Claros”, pertencente ao partidos dos Alves e a “Gazeta do Norte”, devotada à causa dos Prates. O que se dava com os jornais, acontecia também às bandas de música: a “Operária”, do partido de cima; e a “Euterpe”, do partido de baixo. Da corruptela forçadíssima das palavras Operária e Euterpe, nasceram os cognomes pelados e estrepes.

5 Montes Claros era uma cidade oligárquica e coronelista, politicamente era representada pelo PRM- Partido Republicano Mineiro do qual criaram duas facções, encabeçadas por seus representantes no Congresso Nacional, os deputados federais, Dr. Honorato Alves e o Professor Camilo Prates. A cidade também era dividida, havia a cidade de cima e a de baixo como demarcação territorial. A facção camilista era chamada de “Estrepes” e a honoratista de “Pelados”. Aliadas aos “Estrepes” eram as famílias, Prates, Chaves, Teixeiras, Dias, Frois, Figueiredo, Souto, Mendonça, Freitas, Abreu, Costa, Durães, Soares, e os Guimarães; os “Pelados”, compunham as famílias, Alves, Sarmento, Peres, Velloso, Câmara, Dos Anjos e os Salgado. (Milene, 1986,. p. 24-25).

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Elegemos como objeto desse trabalho o processo de modernização

(progresso) em Montes Claros, objetivando reconstituir os traços mais relevantes que

marcaram o referido processo, dando ênfase especial à teoria positivista como agente

incentivador e, particularmente, a sua influência nas elites letradas da cidade de

Montes Claros.

Fomos buscar dentre as descobertas técnico-científicas um progresso que se

relacionasse com as duas “faces da mesma moeda”: de um lado o advento do progresso

com imagens positivas e de extraordinário impulso; de outro, a exclusão social

permeada de situações advindas de um período anterior à primeira república, que é a

presença marcante do “coronelismo”, ou seja, o “mandonismo local”.

Como essas imagens foram se moldando e se efetivando ao longo da

história? Qual o papel da filosofia positivista na “era do progresso”, no Brasil e em

Montes Claros?

A partir da literatura da época buscamos mostrar uma história de progresso

que tem pontos em comum no sertão do norte de Minas, especialmente Montes Claros,

e no Brasil, sem contudo perder suas particularidades, medos e encantos suscitados com

a chegada do progresso, as promessas de igualdade social e os sonhos de uma vida

melhor.

A influência da filosofia positivista se faz sentir nos discursos políticos, na

formação educacional, no progresso técnico e, conseqüentemente, nas relações sociais.

No Brasil os positivistas tiveram presença marcante em todos os setores da

vida brasileira: na educação, na Câmara dos Deputados, na Academia Brasileira de

Letras, nas Escolas Militares e na Imprensa. Seu período áureo foi, sem sombra de

dúvida, a Primeira República.

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Partindo de uma conjuntura nacional, a idéia desse trabalho surgiu não só da

necessidade de conhecer melhor a nossa realidade local quanto de contribuir para a

divulgação dos registros encontrados, muitos deles, inéditos até hoje.

Procuramos compreender como se relacionavam as elites nacionais,

estaduais e locais, tendo como referência aspectos educacionais, relações de parentesco,

poder econômico e social e a mentalidade da elite mineira e seus desdobramentos,

quanto ao progresso, em Montes Claros.

O progresso desse município mostra, de forma expressiva, o salto dado de

l9l7 a l926.

Para tratar desse tema foi necessário resgatar de forma geral a história do

município desde o início da ocupação do seu espaço (povoamento) até o período que

nos propomos a estudar.

No tecer dessa história, procuramos identificar qual a relação do progresso

técnico com o tipo de organização social local, no final do século XIX e início do século

XX.

Para tanto, tornou-se necessário compreender o papel das elites locais, os

projetos por elas propostos e a aceitação ou insatisfação da população diante de

estratégias utilizadas pelos grupos dirigentes.

Neste trabalho pretendemos analisar a construção do progresso, as

modificações que ele acarretou na cidade, as transformações observadas nos

comportamentos, hábitos de vida, modos de pensar que geraram no homem da época

uma certa apreensão. Daí os nossos questionamentos: Quem pensou o progresso? A

quem interessava o progresso? O progresso beneficiou a quem? Quais representações do

progresso tinham os habitantes de Montes Claros?

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Buscamos compreender de que maneira e com qual intensidade os símbolos

do progresso foram incorporados ao imaginário social da população local.

No intuito de dar conta de reconstituir as relações entre poder local e

população, foram levantados um conjunto de fontes. De início, fizemos o levantamento

de fontes primárias. A documentação utilizada inclui a imprensa: Jornal Gazeta do

Norte e Jornal Folha do Norte. Os documentos da Câmara Municipal: livro de atas,

projetos, livro de termos, decretos, correspondências de políticos e protocolos. Arquivos

da Prefeitura Municipal de Montes Claros e do Centro de Documentação e Informação

da Universidade Estadual de Montes Claros, bem como depoimentos orais e obras dos

memorialistas locais.

CAPELATO 6 nos assevera que as informações dos jornais são para a

pesquisa de fundamental importância, pois encontramos, nas análises de assuntos

variados, revelações de acontecimentos políticos ou de cunho ideológico das varias

hierarquias sociais. Desempenhando o papel de veículo das idéias das elites locais,

observamos através dos vários artigos, o arranjo das palavras, a manipulação dos

assuntos e o desenvolvimento das idéias que esse veículo de comunicação, apesar de

não abranger todos os indivíduos, dado o número de analfabetos ou a não aquisição do

mesmo pelo pouco poder aquisitivo, é portador de um projeto político de uma elite

específica, fazendo com que a noção de entendimento da sociedade como um todo se

tornasse nada mais que as representações coletivas desse pequeno grupo, necessitando,

portanto, apreender nas entrelinhas a definição dos papéis sociais e como se

estabeleciam as relações de poder, embora estas informações estivessem colocadas de

forma furtiva e dissimulada.

6 CAPELATO, M. H. Os Arautos do Liberalismo - Imprensa Paulista- 1920-1945. São Paulo: Brasiliense, 1989. Imprensa e História do Brasil.. São Paulo: Contexto- Edusp. 1988.

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As obras dos memorialistas como os jornais, atas, projetos, pareceres,

correspondências da Câmara Municipal de Montes Claros e do Centro de

Documentação da Unimontes foram de extraordinária contribuição. Pudemos averiguar,

confrontar e perceber a importância dos fatos ocorridos no período de 1917 a 1926.

A entrevista com a memorialista Ruth Tupinambá Graça por sua vez, nos

fazem aprofundar a compreensão de todos os documentos ora pesquisados. Captamos as

novas visões da sociedade e as estratégias utilizadas pelos agentes individuais ou

coletivos, dispersos ou organizados que foram transformando o campo da produção

simbólica, fio condutor dos conflitos quotidianos.

Os memorialistas deixaram obras de grande relevância em que narram,

como fica evidenciado o próprio título de uma das obras de um dos memorialistas,

Hermes de Paula, Montes Claros, sua história, sua gente, seus costumes.

Portanto, este trabalho estará organizado da seguinte forma:

No primeiro capítulo abordaremos a idéia de progresso no Brasil, dando

ênfase à construção do Brasil republicano numa visão positivista, a adesão dessa

doutrina e a evolução histórica da mesma.

O “locus” específico desse movimento se deu na cidade do Rio de Janeiro,

sede do governo, ponto estratégico de decisões políticas e eixo de irradiação do

pensamento positivista. Ditando não só os novos modos de comportamento, mas acima

de tudo, os sistemas de valores e as articulações em torno do progresso.

No segundo capítulo mostraremos como se deu o processo de povoamento

da cidade de Montes Claros, os primeiros habitantes e sua importância geográfica no

Norte de Minas Gerais.

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Analisaremos a chegada do progresso em Montes Claros, o seu

desenvolvimento e as inovações implantadas na cidade, das pequenas invenções à

máquina de grande porte como o trem-de-ferro que se tornou o maior símbolo do

progresso e o agente civilizador no interior de Minas. Mostraremos como a cidade de

Montes Claros foi-se destacando entre as demais da Região e se tornando pólo principal

de todas as atividades políticas e comerciais, situação pela qual contribuiu para atrair

um contigente enorme de pessoas aumentando assim a sua população urbana e rural.

A chegada do progresso em Montes Claros trouxe mudanças significativas

para a população, pois com o avanço técnico-científico da era da ciência, adentrando

por esse sertão norte mineiro, influenciou consideravelmente o comportamento da

população.

Buscaremos mostrar um progresso que tem pontos em comum com o Brasil

inteiro, sem contudo perder suas particularidades. Trataremos das relações de uma

sociedade paradoxal, onde o progresso pensado do ponto de vista de uma pequena

parcela da população, que era a elite letrada , trouxe ambigüidades, pobreza, medos e,

ao mesmo tempo, esperanças.

As realizações desencadeadas pelo progresso técnico-científico e o

dinamismo das invenções introduziu novos valores, hábitos e novas categorias como:

conquista, velocidade, unidade que foram incorporadas no vocabulário dos indivíduos,

alterando sua vida cotidiana.

No terceiro e último capítulo a ênfase recai sobre os atores sociais (a elite

local), que construíram a história desse progresso. Mostraremos a importância dos

educandários que foram os multiplicadores da teoria positivista e o responsável pelos

avanços técnico-científicos. Conhecendo as suas condições sócio-econômicas,

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rememorando os caminhos percorridos por eles, a formação política e os vínculos

familiares que foram ofuscados pelo passar dos anos.

Espaços de cunho social como: grêmios, associações, clubes recreativos,

foram criados com o objetivo de unificar sujeitos que dariam sustentação ao projeto de

poder da elite montesclarense, tendo como princípio elementos de cultura cívica,

incorporando à lógica positivista .

Sendo o ideal de progresso a marca da elite brasileira, enfocaremos a

manutenção de padrões impostos pelo poder das oligarquias para a promoção desse

progresso material.

Procuraremos compreender suas práticas coronelísticas, elemento

fundamental no que diz respeito à concentração de poder e à acentuada personalização

e barganhas entre as instâncias local, estadual e federal.

Mostraremos como as articulações políticas dos coronéis favoreceram suas

relações com a população. Relações de troca e compromissos se estabeleceram entre

coronel e população, mantendo um modelo político autoritário e a hegemonia dos

mesmos nas decisões finais de políticas públicas.

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Capítulo 1

A “MÍSTICA” DO PROGRESSO: A INCLUSÃO DO

BRASIL NO ELENCO DAS NAÇÕES CIVILIZADAS

l.l O pensamento positivista: a Ciência e a Técnica

A teoria positivista de Augusto Comte chegou ao Brasil um século depois

de seu advento, na França, introduzindo novas idéias e conquistando quase toda nação

brasileira.

Para LEMOS,

... A primeira adesão pública de um brasileiro ao Positivismo de que tenhamos notícia, apareceu em uma brochura sobre a reforma do elemento servil, publicada em 1865 pelo Dr. Francisco Antônio Brandão, da província do Maranhão. Este opúsculo, porém, ficou isolado e profundamente ignorado do público brasileiro. Durante muitos anos o Positivismo só foi conhecido entre nós por alguns professores de matemática, que utilizavam nos seus cursos as vistas filosóficas de Augusto Comte sobre esta ciência distinguindo-se entre eles o Sr. Benjamim Constant, que sem cessar recomendava aos seus alunos a leitura da Geometria analítica e da parte matemática do 1 volume do Curso de Filosofia Positiva.(LEMOS, p.5).

Foi sob a influência de professores, nos cursos superiores de Matemática,

que se encetaram as primeiras leituras do Curso de Filosofia Positiva, de Augusto

Comte.

Segundo CARVALHO, um dos principais líderes do movimento

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republicano, o professor Benjamim Constant, pertencente ao Exército desde o Império,

foi figura importante na difusão dessas idéias inovadoras.

... Benjamim Constant, influenciara abertamente a Constituição Imperial brasileira quando adotou o Poder Moderador, que ele chamava de pouvoir royal ou pouvoir neutre. Esta idéia, a de um poder acima do legislativo e do executivo que pudesse servir de juiz, de ponto de equilíbrio do sistema constitucional, poderia ser adaptada tanto a Monarquias constitucionais como a Repúblicas. A preocupação de Benjamim Constant era com a governabilidade, com a conciliação entre a liberdade e o exercício do poder... (p.86 1999).

Já em 1868 fundava Benjamim Constant, no Rio de Janeiro, uma sociedade

para o estudo do positivismo.

Posteriormente, se espalhou para outros estabelecimentos de ensino, dentre

os quais podemos destacar a Escola de Medicina do Rio de Janeiro, a Faculdade de

Medicina da Bahia, a Escola de Marinha, o Instituto Politécnico, a Escola Politécnica do

Rio de Janeiro, o Colégio Pedro II, a Escola Normal, o Colégio Militar, a Escola Livre

de Direito e várias outras instituições educacionais alhures no Brasil. Ainda podemos

citar uma elite letrada que contribuiu efetivamente para a difusão do pensamento

positivista através de suas ações na Imprensa Nacional, na educação e junto aos

organismos governamentais e não governamentais tendo à frente Euclides da Cunha,

Rui Barbosa, Francisco Sales, Demétrio Ribeiro, Teixeira Mendes, Justiniano da Silva

Gomes, Nabuco de Araújo, Visconde do Rio Branco, Antônio Carlos de Oliveira

Guimarães, Álvaro de Oliveira, Aarão Reis e outros. Na Política, principalmente, se

destacam inúmeras personalidades, inclusive Presidentes e Governadores de Estados7

que, com ações conjugadas voltadas para os princípios positivistas, levaram muitos

7 Quanto à participação do Positivismo na política brasileira, basta lembrar que nada menos de onze positivistas foram presidentes ou governadores de Estados: Bezerril Fontenelle no Ceará; Barbosa Lima e Dantas Barreto em Pernambuco; Afonso Claúdio, Moniz Freire e Graciano Neves no Espírito Santo; João Pinheiro em Minas Gerais, Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros, no Rio Grande do Sul (LINS, 1964:514)

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interessados a se ingressaram no Magistério superior e secundário, desempenhando

papel importante na imprensa. Tiveram, também, participação ativa no governo

Provisório, na constituinte e nas assembléias, nos governos estaduais, ocupando cargos

de relevância no Exército e na Marinha, nos altos escalões do funcionalismo, na

diplomacia e, finalmente, na Magistratura. Encontramos Benjamin Constant, Nilo

Peçanha, João Pinheiro, Lauro Sodré, Antônio de Morais Rêgo e vários constituintes

filiados, em graus diversos, ao sistema comteano .

Além das ações de alguns políticos, na Câmara dos Deputados, o

pensamento positivista influenciou enormemente a educação brasileira, tanto é que, em

l882, conforme LINS,

Andrade Figueira, na Câmara dos Deputados, dizia que a Escola Politécnica do Rio de Janeiro e o Curso de Minas de Ouro Preto eram “ninhos de positivistas” e ainda em l882 apresentava Benjamin Constant, ao Congresso da Instrução, presidido pelo Conde d’Eu, um relatório com o programa positivista de ensino, aí se insurgindo contra o ensino religioso nas escolas públicas, ponto em que o acompanhou Rodolfo de Souza Dantas em relatório apresentado ao mesmo congresso. (p.510).

Por força das reformas elaboradas por Benjamin Constant, em l890, pôde o

Positivismo atuar, diretamente, em nosso ensino, através dos professores, nas escolas,

através de escritores ou outros adeptos, em graus diferentes, em vários Estados do

Brasil.

LINS destaca que:

Muito embora haja sido modificada em l892, por Fernando Lôbo, a reforma do ensino secundário, realizada por Benjamin Constant, não foi, entretanto, a alteração “tão profunda” que apagasse de todo a influência sistemática da doutrina de Comte. Ainda em l895 quando matriculado no Internato do Ginásio Nacional (Colégio Pedro II), essa era a orientação dominante no ensino secundário ministrado no estabelecimento padrão. Referindo-se à reforma do ensino civil efetuada por Benjamin Constant, dizia, em 3 de abril de l928, Francisco Mendes Pimentel na lição inaugural dos cursos da Universidade de Minas Gerais, da qual foi o primeiro Reitor... A primeira reforma republicana [do ensino] e a única que chegou a produzir alguns frutos, foi a do grande ministro do Governo Provisório, Benjamin Constant Botelho de Magalhães, que instituiu o ensino integral com o decreto n 891 de 8 de novembro de l890. (LINS, p.511/12).

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Logo após a adesão do primeiro brasileiro à doutrina filosófica de Comte,

conforme afirmamos anteriormente, outros brasileiros recém-chegados da Europa,

foram peças importantes na consolidação do positivismo.

Segundo LINS,

Um dos pioneiros deste pensamento, o médico Luís Pereira Barreto, depois de se formar na Bélgica e fixar residência no Rio de Janeiro, trouxe consigo toda uma influência do pensamento posit ivista de Comte e aqui, desde a sua volta, nunca parou de lutar pelos ideais republicanos até a sua morte em l923. Juntamente com Pereira Barreto, muitos outros brasileiros contribuíram para a difusão do positivismo no Brasil, principalmente os cidadãos de maior influência política e cultural do país, como parlamentares, banqueiros, médicos, advogados, engenheiros, professores, jornalistas e homens de letras, devido a freqüência com que iam à França. Traziam sempre livros com idéias científicas, filosóficas e literárias, constituindo, assim, um fator decisivo para a propagação do positivismo no Rio de Janeiro, a partir da segunda metade do século XIX, tendo assim seus desdobramentos em outros centros urbanos. (LINS, 1964: 82-83)

Essas novas idéias positivistas começaram a se aperfeiçoar e as elites

brasileiras acharam-se comprometidas com o novo regime que substituiria a monarquia.

Desde 1860, os problemas políticos do Império se acentuavam devido, em parte,

constantes conflitos com a Argentina, Uruguai e o Paraguai. Construir a nação brasileira

era uma “empreitada” de responsabilidade dos republicanos.

José Murilo de Carvalho ao examinar as correspondências de Lemos com

Laffitte, na Casa de Auguste Comte, em Paris, reforça a hipótese de que se encontrava

na classe média brasileira os cidadãos responsáveis para realizar a transição do regime

monárquico para a República. Em uma dessas cartas, de agosto de 1881, Lemos mostra

o estágio em que se encontrava a Europa e compara com o Brasil.

Aqui [no Brasil] são as classes liberais e instruídas que farão a transformação. Não temos um proletariado propriamente dito, nossa indústria é exclusivamente agrícola e o trabalhador rural é o negro escravo. Isto modifica muito a situação dos posistivistas brasileiros, e torna-a muito fortemente do que ela é em Paris e em Londres. Lá vossa ação ainda é latente; ainda estais como que perdidos no meio dessas grandes cidades, onde

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procurais vos apoiar na elite do proletariado. Aqui, pelo contrário, estamos em plena evidência, pertencendo nós mesmos às classes liberais, sobre as quais agimos diretamente, todos os olhares estão voltados para nós, todos os nossos atos e palavras imediatamente se tornam os acontecimentos do dia. O mundo cientifico e oficial, longe de ser como o vosso, as cidadelas da reação, são aqui ao contrário os elementos mais modificáveis e nele obtemos todos os dias adesões adesões e simpatias. Tudo isto exige do Positivismo uma atividade extraordinária para estar preparado para atender às necessidades do público. Amanha teremos sábios, estadistas, indivíduos altamente colocados, aceitando uma parte de nossas concepções, senão totalmente convertidos ao Positivismo. (p.192).

Novos atores históricos surgiram em cena do já tumultuado debate político-

social dadas às dificuldades de implantação e consolidação da República.

Foi na filosofia comteana que alguns intelectuais da elite brasileira

buscaram suporte para suas ações, pois a mesma apoiava sua razão de ser no culto da

ciência e do progresso.

Esses intelectuais positivistas eram seguidores do modelo da Terceira

República.

O modelo da Terceira República, ou melhor, uma variante dele, chegou ao brasil sobretudo graças a esta curiosa raça de pensadores que foram os positivistas, de aquém e de além mar. A transmissão foi facilitada pela estreita ligação que tinha os positivistas franceses com os políticos da Terceira República, alguns deles positivistas declarados como Gambetta e Jules Ferry, do chamado grupo dos “oportunistas”. A expressão “oportunista” fora cunhada por Littré, o líder dos positivistas não-ortodoxos. Um dos pontos centrais do pensamento político dos positivistas, expresso da divisa Ordem e Progresso, era o mesmo de Benjamim Constant, isto é, tornar a república um sistema viável de governo... (Carvalho, 1999, p. 87).

O país passava por um processo de transição e para promover o progresso,

dentro dos padrões definidos pelas oligarquias, era preciso manter a ordem.

A unidade política do país, a sua identidade, os problemas sociais como o

analfabetismo, a pobreza e mesmo a incorporação dos ex-escravos à vida nacional eram

questões centrais nos debates republicanos. Esses problemas foram enfrentados de

maneira diversa, pois havia diferentes tendências entre os republicanos.

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Os proprietários rurais, especialmente os paulistas, os mineiros e os do Rio

Grande do Sul viam o sistema bicameral como solução para a república federativa

desejada, pois não suportavam mais conviver com a centralização monárquica, visto que

o seu produto de maior valor econômico, o café, estava em ascensão. Pequenos

proprietários, profissionais liberais, jornalistas, professores e estudantes defendiam a

liberdade, igualdade e participação, embora, para Carvalho (p.94) “... nem sempre fosse

claro de que maneira tais apelos poderiam ser operacionalizados. A própria dificuldade

de visualizar sua operacionalização fazia com que se ficasse ao nível das abstrações. A

idéia de povo era abstrata.” A teoria positivista era o arcabouço que sustentaria esse

grupo.

A começar pela condenação da monarquia em nome do progresso... A nova versão da idéia de progresso dá ainda maior ênfase a ciência e a técnica como fatores de transformação social. A ênfase era reforçada pelo próprio avanço da ciência, pelas novas descobertas na física, na biologia, na engenharia mecânica. Mas no caso brasileiro talvez se devesse mais ainda ao surgimento de um grupo social urbano e educado que se sentia sufocado na sociedade escravista e rural. (CARVALHO, p.l09).

Os militares, também atraídos pelos ideais de progresso, pela ditadura

republicana e pelo desenvolvimento industrial, aderiram ao positivismo e às idéias

republicanas8.

Em virtude das ações de Benjamim Constant, Sena Madureira, Serzedelo

Correia e o visconde de Pelotas, defensores das idéias positivistas e republicanas,

difundidas, no Exército, através da Escola Militar, é que muitos militares se sentiram

comprometidos com a missão de salvação nacional e estavam dispostos a resolver os

percalços criados pelo regime monárquico, na organização política e social do país. Era

8 Sobre a presença na política nacional, do positivismo militar, ver DE LORENZO & DA COSTA. São Paulo: UNESP, l997.

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preciso purificar o país e fomentar o sentimento patriótico. Eis aí a “mística da salvação

nacional.”

Os sentimentos patrióticos aliados às ações dos militares positivistas, no

Exército, somados às impressões pós-guerra sobre a importância da força militar nos

governos republicanos vizinhos é que, facilmente, essas idéias se difundiram.

Descontentes com o regime monárquico, também os militares se

multiplicam em adesão aos ideais republicanos, principalmente, os adeptos do

positivismo, pois tendo eles somente formação técnica, sentiam-se fortemente atraídos

pela filosofia positiva à ciência dada a sua ênfase ao desenvolvimento industrial.

O ideal de progresso, marca da elite política brasileira desde os tempos pombalinos, adquire dimensão histórica concreta na versão evolucionista de Spencer e, sobretudo, de Comte. O progresso, diz-se, avança por fases historicamente definidas. O Brasil estava na fase teológico-metafísica da monarquia e devia avançar para a fase positiva do regime industrial republicano. (CARVALHO, p. 108/9)

A crença de que só a República traria de volta o prestígio e o status dos

militares, propiciando a participação deles no poder é que puderam os republicanos

contar com mais essa força.

Mesmo com um grande número de cidadãos discordando e expressando

grande preocupação para com o progresso, o aspecto integrativo, a tradição brasileira, a

República e a doutrina positivista vinham para ficar. E foi na força do binômio ordem e

progresso que venceu, a tendência positivista.

Conforme LINS:

‘O progresso é o desenvolvimento da Ordem, assim como a Ordem é a consolidação do Progresso’, o que significa que não se podem romper subitamente os laços com o passado e que toda reforma, para frutificar, deve tirar seus elementos do próprio estado de coisas a ser modificado. (LINS, 1964. p. 337)

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A partir de l902, o regime republicano se caracterizou pela sua fase

construtiva, assinalada por um certo progresso material, durante o qual as instituições

republicanas tiveram seu funcionamento relativamente inquestionado. Dessa forma é

que a classe dominante pôde manter seu domínio oligárquico sem que as demais

camadas sociais tivessem condições de manifestar seus descontentamentos ou se o

fizeram, não chegaram a perturbar o regime.

Nesse sentido explica CARVALHO:

Este era o Brasil sertanejo que se agitava e revelava seus valores antagônicos aos das elites modernizantes urbanas. Havia ainda o vasto mundo rural que se mantinha silencioso, submetido ao poder dos grandes proprietários de terra, inclusive nas áreas de agricultura de exportação. Sintomaticamente, os movimentos messiânicos do nordeste e do sul se deram em regiões de pequena propriedade, longe do domínio do grande latifúndio. O resto do mundo rural era o reino dos coronéis que dominavam os partidos republicanos estaduais e davam sustentação ao governo federal e estabilidade à república, da qual estavam excluídos 95% dos cidadãos, nada tinham de moderno. Era um mundo de analfabetismo, de trabalho semi -servil, de ausência de direitos, de paternalismo. ( CARVALHO, p.116, 1999).

Em todos os setores da vida sócio-econômica e política do país, verificou-se

a manutenção de padrões impostos pelo poder das oligarquias ao conjunto da sociedade

brasileira, pois, a dinâmica social, fundada por Augusto Comte, necessitava de

progresso, mas, a ordem era imprescindível. A construção do Brasil republicano, numa

visão positivista, tendia à implementação, na sociedade brasileira, de novos padrões e

valores. O Brasil precisava superar sua fase teológico-metafísica e caminhar para a fase

positiva. Para isso era preciso romper com alguns princípios da monarquia como a

centralização política, a subordinação da Igreja ao Estado, o sistema de eleições

indiretas (voto censitário), a adoção do princípio da vitaliciedade para o Senado e o

Conselho de Estado, mas mantendo outros princípios como, por exemplo, o

federalismo.

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A preocupação dos republicanos era com o romper dos princípios da

Monarquia com o intuito de organizar o Estado e, assim, garantir a sobrevivência da

unidade política do país. Com a efetiva e consistente conquista dessa unidade estaria,

também, garantida a ordem. À medida em que esse processo acontecesse o Brasil

chegaria de fato à fase positiva do pensamento comteano.

1.2 Retratos do Brasil

A partir da segunda metade do século XIX, desencadeou no Brasil um

profundo processo de mudanças: alteração das relações de trabalho e do regime de

terras, substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre, equilíbrio da economia

cafeeira, crescimento das cidades do Sudeste, surgimento de várias indústrias. Esse

período ficou conhecido como “Era Mauá”.

A marcha do café provocou mudanças significativas no desenvolvimento

econômico e social durante a Monarquia. Instalou-se e se desenvolveu o sistema

ferroviário. Impulsionou-se o comércio e as atividades manufatureiras.

Com a instalação do sistema ferroviário, diminuíram as distâncias

favorecendo o intercâmbio de produtos e aproximando os homens e suas idéias.

O Brasil, no final do Império e logo após a Proclamação da República, entre

o período de (1884 e 1920), se viu invadido por imigrantes europeus que foram-se

avolumando no decorrer do século XX. Conforme CARVALHO, “em l872, as cidades

com mais de 20 mil habitantes não representavam mais de 8% da população,

porcentagem que, em 1920, mal chegava a 13%.” (p.112). Esses europeus, com seu

ritmo diferente, começaram a fazer parte da população brasileira se dirigindo,

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principalmente, para a Região Sudeste, Rio de Janeiro e Minas Gerais e,

especificamente, São Paulo, para onde se dirigiu o maior contingente. Também se

instalaram no Rio Grande do Sul, em Pernambuco e no Pará.

Na segunda metade do século XIX, modificações são realizadas na estrutura

econômica e social do país, favorecendo o crescimento do mercado interno e

incentivando a urbanização. A abolição da escravatura, em 1888, a entrada de

imigrantes europeus e a introdução da rede ferroviária foram os responsáveis por essas

mudanças. Com a abolição os fazendeiros das lavouras cafeeiras se viram obrigados a

lançar mão de uma outra força de trabalho em substituição ao escravo: os imigrantes.

Com essa substituição, cresce o número de assalariados, propiciando uma base sólida

para o próspero desenvolvimento industrial.

Em 1890, encontravam-se no Brasil 351.345 estrangeiros, dos quais 35,4% no Distrito Federal. São Paulo, Minas e Distrito Federal concentravam 70% da população estrangeira radicada no Brasil; 17,5% concentravam-se no Rio Grande do Sul. Em 1900, o número de estrangeiros recenseados no Brasil atingia 1.256.806, correspondendo a 7,26% da população total. Nesse ano, o Estado de São Paulo aparece como o que possui maior população alienígena (529.187 estrangeiros),e, a seguir o Distrito Federal com 210.515, Minas Gerais com 141.647 e Rio Grande do Sul com 140.854. A populaçâo estrangeira concentrada nesses estados abrange 80% da existente em todo o país, concentrando-se em São Paulo quase 50%. (COSTA, p.253, 1999).

Novas técnicas, novas práticas de trabalho assalariado e a constituição de

um mercado interno mais dinâmico contribuíam para a transformação do modo de vida

das sociedades tradicionais, inserindo- lhes novos padrões sociais, econômicos, de base

científico-tecnológico.

Segundo SEVCENKO a espinha dorsal dessa dinâmica expansionista com a

incorporação de novas técnicas por onde chegava, teve a sua deflagração, em fins do

século XVIII, entre as duas últimas décadas que antecedem o século XIX, na cidade de

Manchester, na Inglaterra, onde o surto inaugural da economia industrializada fora

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baseada em três fatores fundamentais: o ferro, o carvão e as máquinas a vapor ,

facilitando o surgimento das primeiras unidades produtivas, as fábricas.

Prosseguindo, ele ainda esclarece que o momento seguinte da expansão da

economia industrial e que mais diretamente interessa, foi desencadeado pelo advento da

chamada Segunda Revolução Industrial, também intitulada de Revolução Científico-

Tecnológica, quando ocorreu a sua plena configuração em meados do século, mais

precisamente, em 1870.

O historiador inglês Eric Hobsbawm descreveu assim a origem desse

processo:

Por outro lado, a economia capitalista era, e só podia ser, mundial. Esta feição global acentuou-se continuamente no decorrer do século XIX, à medida que estendia suas operações a partes cada vez mais remotas do planeta e transformava todas as regiões cada vez mais profundamente. Ademais, essa economia não reconhecia fronteiras, pois funcionava melhor quando nada interferia no livre movimento dos fatores de produção. Assim, o capitalismo, além de internacional na prática, era internacionalista na teoria. (p.66. HOBSBAWM)

Segundo o historiador Hobsbawm a segunda Revolução Industrial

(Revolução Científico-Tecnológica) estendeu suas operações para regiões do planeta

cada vez mais longínquas, transformando-as consideravelmente.

Como observa CARVALHO, “Até a guerra, o Brasil era uma sociedade

agrária, exportadora de produtos primários, governada por uma oligarquia de grandes

proprietários, com uma elite europeizada desdenhosa do grosso da população formada

de pobres, analfabetos e negros.” (p.125).

Seguindo o raciocínio de CARVALHO, ele deixa crer que, sendo o Brasil

um país de economia agrária, com a maior parte da população analfabeta e vivendo

isolada pela distância entre a capital e o interior, sem meios de comunicação e

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transporte, tanto os europeus radicalizados no Brasil como as oligarquias agrárias do

país, encontraram nessas condições o lugar ideal para seus empreendimentos.

Atraídos pela natureza bucólica e pelas terras férteis, os europeus que aqui

chegavam logo percebiam a possibilidade de investimentos nas reformas urbanas como

fator primordial ao crescimento industrial. Enquanto esses projetos econômicos

voltados para o mercado de capital não se realizavam “alguns se estabeleciam de início

na cidade, mesmo como engraxadores de sapatos, afiadores de tesouras e facas,

pequenos mascates.” (FREYRE, p.483).

FREYRE faz uma crítica à “mística do progresso”. Segundo ele o progresso

nacional era um progresso técnico importado da Europa e esse progresso, no caso

brasileiro, deveria ser tomado num sentido mais amplo e ser incluída a valorização da

agricultura e pecuária já que o Brasil era um país de economia agrária. (p.472-3).

Nessa mesma perspectiva SCHWARCZ afirma:

Não é aleatório, assim, que o Brasil tenha sido o primeiro país latino-americano a participar de exposições universais, verdadeiras vitrines para o progresso alardeado pelas nações européias. O Brasil esteve presente nessas feiras internacionais desde 1862 e em tais ocasiões sempre revelou sua fase ambígua. De um lado, a indústria (pouco esperada em um reino como este); de outro, seu lado pitoresco e tropical. Com efeito, por mais que divulgássemos manufaturas vinculadas por exemplo ao processamento do café, sempre eram a floresta, os índios, as frutas e os escravos os “objetos” que despertaram maior atenção. (SCHWARCZ, p.125)

SCHWARCZ narra as tensões e ambigüidades no Brasil, mostrando, de um

lado, a utopia de um falso progresso científico-tecnológico e de outro, uma realidade

mais que distante que não passava de miragem para a população brasileira que convivia

com problemas estruturais, doença e pobreza.

A cidade do Rio de Janeiro, como capital do Brasil, era um exemplo claro

de problemas estruturais de todas as ordens. Delso Renault descreve com propriedade a

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realidade dessa cidade no que tange à vida social, política e cultural, a partir do exame

da história da imprensa carioca, em meados do século XIX e início do XX.

Se a sede do Império se encontrava lá, ao seu lado estava também os

grandes problemas de ordem social. A inexistência de uma política de saneamento

básico acarretava inúmeros transtornos à população. Vivia às voltas com o “fantasma”

da febre amarela, pois são poucas as melhorias na cidade e nem sequer a sede da

monarquia era favorecida com a rede de esgoto e canalização de água potável. A

população sonhava com a iluminação a gás e elétrica pois a existente eram de lampiões

à base de azeite. O crescimento da urbe em direção à zona sul ia a passos lentos e os

bairros de maior população concentravam os trabalhadores, despossuídos de qualquer

benefício advindo do poder Imperial. As ruas permaneciam escuras e precárias para o

tráfego; a poeira e a lama tornava entristecedor e desconfortável a vida dos cariocas. A

população pobre se espremia em pequenos barracões, em pequenos becos (cortiços); a

marginalidade crescia consideravelmente; era a vez dos “capoeiras”9 e da mendicância

que adentrava a fotografia da cidade. Como já dissemos, a febre amarela assolava a

cidade do Rio de Janeiro e criava seu “ciclo”; nas ruas o mal cheiro das águas de chuva

se misturava ao lixo e à lama, proliferando ainda mais o ambiente natural das epidemias.

A febre invadia o Rio e enclausurava a população.

SCHWARCZ ilustra muito bem esse quadro de calamidade pública em que

a cidade do Rio se encontrava no final do século XIX e início do XX,

...Em primeiro lugar no índice de mortalidade constava a tuberculose – a peste branca - , responsável por 15% das mortes no Rio de Janeiro. Seguiam-se, em ordem de grandeza, os casos de febre amarela, varíola, malária, cólera, beribéri, febre tifóide, sarampo, coqueluche, peste, lepra, escarlatina; juntos representavam 42% do total de mortes registradas na cidade do Rio de Janeiro... (SCHWARCZ, p.118).

9 Negros libertos, que praticavam a capoeira. A capoeira como uma luta, utilizava a dança, o berimbau, os atabaques, como disfarces e parte integrante de sua estrutura desde o período do Brasil colonial.

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A despeito do quadro de calamidade pública da cidade do Rio de Janeiro, a

referida autora acima citada demonstra que a cidade de São Paulo, também apresentava

um quadro considerável de epidemias, principalmente, nas regiões cafeeiras do interior,

no mesmo período.

Segundo RENAULT, “... A despeito desse quadro, repleto de sustos e dores,

essa é uma década de transição social, de apreciável vida mundana no Rio de Janeiro.”

(p.22).

A vida carioca era tomada, a todo momento, de sobressaltos, em decorrência

da febre amarela, mas a população da cidade do Rio buscava sempre novas alternativas:

as famílias de recursos se refugiavam no campo; as famílias de baixo poder aquisitivo

permaneciam, obrigatoriamente, na cidade, driblando o contágio.

A música, os jogos, os saraus, as corridas de animais, os bailes, os entrudos

e todas as formas de descontração eram utilizadas, pela população, como recurso para

distrair-se dessas preocupações. A vida social do Rio de Janeiro, no final do século

XIX, tomava novos impulsos, eram muitos os bailes de Carnaval, novos esportes como

o da caça foram introduzidos como meio de amenizar as tensões sociais, evolui a cena

dramática, expande o teatro lírico.

Segundo CARPINTÉRO, citado por BRESCIANI:

...A cidade teve ainda que absorver uns 200 mil novos habitantes na última década do século XIX, este aumento acentuado da população carioca vinha, por sua vez, trazer novas preocupações para as autoridades da cidade, pois com a abolição, os ex-escravos passaram a engrossar os já altos índices de desemprego. Lembramos que nesta época por ser a capital do país, a cidade do Rio de Janeiro funcionava como um centro administrativo, comercial, financeiro, cultural e político. Por este motivo, tornava-se um pólo de atração da população originária de outras províncias e do exterior. (p.131).

O Rio empolga e se prepara para entrar no caminho para o “progresso”.

Para SEVCENKO o Rio de Janeiro como capital da República tem um papel

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importantíssimo como eixo de irradiação e caixa de ressonância das grandes

transformações em marcha pelo mundo, assim como palco de sua visibilidade e atuação

em território brasileiro. O Rio passa a ditar não só as novas modas e comportamentos,

mas acima de tudo os sistemas de valores, o modo de vida, a sensibilidade, o estado de

espírito e as disposições pulsionais que articulam a modernidade (progresso) como uma

experiência existencial e íntima. (p.523).

Diante desse quadro a cidade do Rio de Janeiro necessitava urgentemente de

um projeto de reforma urbana, que desse resposta à teoria da elite, um projeto que

precisasse atender ao novo discurso urbanístico internacional, onde os princípios

utopistas e higienistas de salubridade, comodidade, embelezamento fossem

implantados, atendendo a vontade da elite emergente e também sua ideologia, de

“regeneração” e “transformação”. Essas reformas, voltadas para o progresso, e o

desenvolvimento da sociedade iam ao encontro aos ideais comteanos incorporados

pelos engenheiros politécnicos brasileiros que as implantavam de maneira severa e

radical, traduzindo-se em atitudes até contrárias a alguns costumes da população .

Com a presença constante de visitantes estrangeiros na capital federal, o

governo sentia-se envergonhado com a situação de insalubridade que as pensões e a

cidade de um modo geral, recebiam os visitantes.

A partir das últimas décadas do século passado Rio de Janeiro e São Paulo, pólos dinâmicos da economia nacional, conheceram um intenso processo de urbanização que alterou profundamente a fisionomia dessas cidades: crescimento populacional; surto industrial; instalação de serviços de utilidade pública como energia elétrica, transportes, telégrafos, redes de água, esgotos e gaseodutos; criação de uma infra -estrutura ferroviária e portuária; bancos; casas de importação e exp ortação; companhias de navegação; seguradoras. (DE LUCA, p.24. 1999).

Em 1902, a meta principal do governo republicano de Rodrigues Alves era

sanear e embelezar a capital do Brasil, por isso entregou e confiou essa tarefa ao

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Engenheiro Francisco Pereira Passos, indicando-o para o cargo de prefeito do Rio.

Realizar uma faxina geral na cidade do Rio era a meta principal do engenheiro.

Com a introdução das novas medidas da reforma Pereira Passos, o Rio se

viu invadido. Todos os cantos foram atacados pelos agentes sanitários e os velhos

moradores com seus velhos hábitos se sentiram contrariados. As cenas do cotidiano de

animais soltos e mendicância nas ruas foram proibidos. O novo código de posturas entra

em vigor.

Todas essas medidas foram tomadas objetivando colocar a cidade do Rio em

“destaque” em relação as outras cidades européias. Habitações insalubres no Rio era o

que mais se via nesse período, pois as especulações imobiliárias alcançavam preços

exorbitantes no mercado, e para fugir a essa condição a população pobre era obrigada a

se refugiar na periferia da cidade, criando assim um conjunto de habitações populares,

que futuramente ganhariam o nome de “favela”.

A moradia em cortiços propiciava a proliferação de vários tipos de doenças

que se propagavam inclusive em áreas residenciais nobres, colocando essa população

da elite em alerta para exigir do Estado medidas eficazes contra as epidemias.

Nos planos de Pereira Passos e na nova onda urbanística internacional não

se admitia a presença de quiosques, casas de quitandas, cortiços ou recuperação de

alguns sobrados de origem portuguesa, mas sim de demolição, construção de novos

edifícios voltados para a civilização industrial. Os novos estilos não trabalhavam com a

hipótese de recuperação das expressões do passado, a idéia era a de incorporar novos

estilos na vida brasileira, exibir os aspectos do novo Rio, através de novas imagens

como a da Avenida Central, o palácio Monroe, os bondes elétricos, postais com figuras

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coloridas que retratassem a nova cara da cidade do Rio. Estava aí a ideologia da

engenharia brasileira da época .

O sanitarista Oswaldo Cruz, um ano depois do prefeito Pereira Passos ter

assumido a Prefeitura do Rio, entra em cena para atender as reivindicações da elite e ao

lado do prefeito Pereira Passos, toma outras medidas, mais severas, além das já

implantadas pelo prefeito. A artilharia de Oswaldo Cruz se volta contra os cortiços e as

casas de cômodo. As construções foram demolidas sem dar a devida atenção às

condições climáticas, aos costumes e às tradições desse povo.

Cruz acredita serem esses lugares a gênese dos problemas que afetavam a

população carioca tanto da periferia quanto da região central da capital. A partir daí

casas foram jogadas ao chão, cortiços foram fechados, novos logradouros foram abertos,

traduzindo as novas idéias da arquitetura urbanística internacional. Por outro lado, os

problemas de sobrevivência da população pobre se acentuava.

No ano de 1908, na Exposição Nacional de mostras de inovações técnico-

científicas na cidade do Rio de Janeiro foi demonstrado o “progresso brasileiro” de

manufaturas e indústrias.

A República preocupou-se em divulgar uma pseudo- imagem “civilizada” do

país, sendo distribuídos cartões-postais por todo o mundo, exibindo o que de melhor

existia no país e o que “de melhor” se vinha produzindo. Os cartões continham a beleza

das matas da Tijuca, a vista do Corcovado, o Jardim Botânico. Era o momento da

capital da República expor os bondes elétricos, os elevadores, os novos carros, as lojas

abarrotadas de produtos brasileiros que, paralelos aos produtos estrangeiros,

misturavam-se. Brasileiros e estrangeiros confundiam-se com seus trajes elegantes e

perfumes franceses.

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Segundo FREYRE, ainda em 1908, foram divulgados no anexo 13, do

volume III, da obra intitulada O Brasil (Publicação Oficial do Centro Industrial do Rio

de Janeiro) a estimativa de 3.000 (três mil) o número de estabelecimentos de indústria

manufatureira no Brasil. Entre os Estados os que mais se destacavam em número de

estabelecimentos eram,

Rio de Janeiro (Distrito Federal), já com 35.000 operários; São Paulo, com 24.000; Rio Grande do Sul, com 16.000; Rio de Janeiro, com 14.000; Pernambuco, com 12.000. A principal indústria era a de tecidos. Considerável se apresentava, ainda, em Minas Gerais a exploração de minas. Ainda fraca, a indústria do sal: o sal indígena vindo principalmente do Rio Grande do Norte. Várias as fábricas de móveis, de bebidas, de charutos, de cigarros, de fumo, de mosaicos, de sabão, de fósforos, de cerâmica, de conservas alimentares, de veículos. (p.474)

Associada a toda essa euforia de “progresso” temos a presença do “mito

maior brasileiro”, no início do século XX, representado na figura do aviador Alberto

Santos Dumont, mentor de uma das mais belas invenções que o homem da época

poderia imaginar no mundo científico-tecnológico.

O progresso brasileiro pela ciência, no início do século XX, estava a todo

vapor, pois a notícia de ter Santos Dumont circulado a Torre Eiffel empolgou a todos os

brasileiros de Norte a Sul e de Leste a Oeste. Com essa invenção o Brasil saía de sua

situação de inferioridade perante os avanços científico-tecnológicos europeus e ocupava

o primeiro lugar no mundo das invenções. O “mito” Santos Dumont tornou-se figura

exemplar para a ciência brasileira .

Segundo FREYRE “O Brasil precisava de um Santos Dumont que lhe

avivasse a fé num futuro messiânico: Santos Dumont correspondeu esplendidamente a

essa necessidade da sua gente, passando de repente de indivíduo a símbolo e de símbolo

a mito.” (FREYRE, p.492-495)

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Para muitos brasileiros de sua época Santos Dumont foi considerado não

somente mais um intelectual brasileiro, pois era o Brasil que Santos Dumont

engrandecia, mas, com certeza, um dos maiores gênios que o mundo conheceu.

Sendo Paris o locus de maior expressão e irradiação da cultura ocidental,

não se esperava tamanha ousadia vinda do representante de um país subdesenvolvido e

de pouca expressão, de gente franzina e “amarela”, conquistar grande feito como esse, o

de ser “o descobridor da dirigibilidade dos balões” e do aeroplano mais pesado que o

ar.

Esse invento veio de encontro às perspectivas dos positivistas brasileiros na

primeira República pois, nada melhor como poder associar o nome do Brasil ao

progresso científico. “Afinal, subir aos céus era a utopia do momento e, imaginava-se

que era dessa maneira que um país poderia ser incluído no elenco de nações civilizadas

e progressivas.” (SCHWARCZ, 77)

A República ia-se firmando com a promessa de um futuro ao menos

“generoso”. O Rio de Janeiro, capital da República e centro político, era o espelho que

iria refletir no país inteiro. A pacata vida social se viu invadida por novos hábitos e

costumes. O bonde inaugurado em 09 de outubro de 1868, que servia mais como

entretenimento e diversão foi evoluindo e juntamente com o trem-de-ferro, os carros,

e outras máquinas aglutinava grupos diferenciados, alterando as noções de tempo e

espaço.

Velocidade, rapidez, dinamismo, prosperidade foram categorias associadas

à idéia de progresso. Invenções sucessivas mudavam os hábitos das populações do país.

No Brasil, desde o ano de l902, esse papel de locus ideal de metrópole-

modelo recaiu, sem dúvida, sobre o Rio de Janeiro, sede do governo, principal centro

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de atividades culturais, maior porto, maior cidade urbanizada e cartão de visita do país,

ponto estratégico de decisões políticas e atração de visitantes tanto estrangeiros quanto

de pessoas de inúmeras partes do Brasil.

Em 1909, foi inaugurado o Teatro Municipal e outras casas de espetáculo,

atraindo pessoas diversas. A avenida central do Rio era remodelada, restaurantes foram

construídos com o intuito de receber novos clientes. Afinal a nova região carecia de

progresso.

O Rio de Janeiro se movimentava, era a capital do Brasil inserindo as

transformações radicais e profundas que o século XX trazia. Era o desenvolvimento da

indústria e da técnica, a formação da burguesia. Época de crescimento comercial e

produção em escala. Aproximava e estourava a primeira grande guerra.

Conforme BRITO,

... O conflito, que inicialmente pareceria mera pendência mercantil entre duas nações poderosas e produtivas, - a Inglaterra e a Alemanha, - ambas empenhadas no domínio dos mercados, envolve, posteriormente, o mundo inteiro, e, dele, seria conseqüência toda uma época social e econômica de novos fundamentos. (BRITO, p.23-4).

O Brasil também “planejava” a sua caminhada rumo ao progresso material.

Fazia uso de todos os benefícios trazidos pela civilização, procurando acompanhar

passo a passo as invenções inéditas do século XX. As tradições culturais resistiam às

inovações, permanecendo presa ao passado, às raízes nacionais.

Diante de tantos acontecimentos o Brasil se inquietava, a busca por uma

identidade nacional aflorava em todos os lugares, mas, principalmente, nos dois grandes

centros, São Paulo e Rio de Janeiro, nos movimentos em defesa do Brasil “...Era preciso

abandonar a imagem idealizada do Brasil, era preciso revelar a verdade sobre o país, era

preciso traçar uma imagem objetiva da realidade, assim pensavam os homens dessa

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geração.” (COSTA, p.421, 1999). Esses movimentos em defesa do Brasil eram

transparentes, seja na literatura seja na política.

Segundo BRITO,

1920 está marcado pelo nacionalismo. Hora em que o país se prepara para comemorar, daí a dois anos, a independência, há como que uma revivescência do mesmo sentimento que, no século anterior, gerara o romantismo e levara os nacionais a uma atitude antiportuguesa, jacobina até. A exacerbação patriótica, agora como no passado, atingia o velho Portugal. Não sem motivo, os modernistas desembocariam, como os românticos, no indianismo e no verde-amarelismo, no canto glorificador ao homem e à terra. (p. 138).

Note-se, porém, que entre os anseios da elite brasileira a partir de 1920, não

figurava mais a identificação com a Europa, situações outras foram sendo prenunciadas

em busca de um novo paradigma: afirmação da força nativa, do folclore. Buscava-se

nessas fontes a expressão maior do povo brasileiro com as suas tradições, sem a

contaminação do “estrangeiro”.

Não somente na literatura, como já afirmamos, mas em todos os setores da

vida brasileira, o sentimento nacionalista vinha evoluindo, influenciando as

consciências e dando um maior vigor às ações da elite voltadas para a tradição cultural.

A importância urbanística ia tombando sentimentos e apagando a expressão

do povo brasileiro. A era industrial funcionava como um fulcro na formação de uma das

maiores cidades brasileiras, São Paulo. Nesse processo de transformação da cidade de

São Paulo, nas primeiras décadas do século XX, a questão de sociabilidade estava

presente, incorporando novos valores. A Reforma urbanística tinha uma importância

inconteste, porém, gerou desigualdade social, injustiça e desrespeito às camadas pobres

da sociedade. “A idéia de povo era puramente abstrata. O povo era na maior parte hostil

ou indiferente ao novo regime e nenhum esforço foi feito para incorporá- lo ao sistema

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político por meio do processo eleitoral. A República brasileira foi uma originalidade:

não tinha povo.” ( CARVALHO, p.120, 1999).

MARTINS nos mostra que,

Toda vez que se pretende resumir um processo a um acontecimento pontual e bem definido acaba-se por perder a referência significativa que dá valor particular ao que é específico e compreensível para o processo. No caso do modernismo em São Paulo, é preciso ter presente a complexidade marcada pela interação entre as diversas manifestações artísticas, que englobavam a pintura, a literatura, a escultura e a arquitetura, revelando um conjunto de preocupações estéticas coerentes com o momento de busca das raízes nacionais que toma fôlego no período da primeira guerra.( MARTINS, p.5).

Um novo projeto urbanístico vai surgindo, segundo BRESCIANI, citado por

CHOAY,

A palavra urbanismo, criada na segunda metade do século XIX, consagra o aparecimento de um discurso específico sobre o urbano e um enfoque radicalmente novo da cidade como objeto: atitude instaurada pela grande ruptura da revolução industrial, onde é preciso reter a repercussão das transformações tecnológicas, econômicas e demográficas, que fizeram surgir uma nova problemática do urbano e, igualmente, a dimensão crítica que doravante afetará as relações da sociedade ocidental com suas produções. (BRESCIANI, p. 14).

Entre 1919 e 1922, ocorrem grandes transformações promovidas no governo

Epitácio Pessoa como a reforma do Exército, por exemplo, acompanhada da

remodelação da parte central da cidade do Rio de Janeiro, início de grandes obras da

região nordeste do país com o objetivo de amenizar o flagelo das secas periódicas; da

exposição comemorativa do centenário da Independência do Brasil; da criação da

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Além dessas transformações comemorou-se a

Semana da Arte Moderna.

Em 1926, já no governo de Artur Bernardes, foi feita a reforma parcial da

Constituição de 1891, proporcionando a intervenção do governo central nos Estados e a

organização da Justiça Federal, propiciando-lhe o uso de “decretos” como mecanismos

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para interromper as agitações operárias, pois no Brasil também se refletia a crise do

mundo moderno.

O progresso das ciências e das técnicas não libertou a humanidade da

ignorância, da incultura, da pobreza, nem do despotismo e da corrupção.

(SALGUEIRO, P.180. 1997).

O pensamento de Salgueiro traz considerações relevantes para a

compreensão dos reflexos do “progresso” no Brasil pois, “Em Brasil: Nações

Imaginadas de Carvalho” (p.234), ele demonstra que “as imagens da nação brasileira

variaram ao longo do tempo, de acordo com as visões da elite ou de seus setores

dominantes.(...) A primeira poderia ser caracterizada pela ausência de povo, a segunda

pela visão negativa do povo, a terceira pela visão paternalista do povo (1822 – 1930)”.

Não contando a república com uma base social organizada, nem permitido a

participação do povo na construção da nação, pouco poderia se esperar em benefício da

maioria da população que permanecia excluída dos canais de participação política.

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Capítulo 2

O “PROCESSO CIVILIZATÓRIO” NA MONTES CLAROS

DO SÉCULO XX

2.1 Povoamento: Da Fazenda Tabúa à edificação da Capela de Nossa Senhora e

São José

O desenvolvimento da cidade de Montes Claros foi lento, porém fluiu de

forma contínua. Gonçalves Figueira, considerado fundador de Montes Claros, construiu

a primeira estrada, ligando sua fazenda dos Montes Claros a Tranqueira na Bahia, isto

para obter melhores preços para o seu gado. Comenta VIANNA:

Seguiu a introducçao de gados para o povoamento das fazendas, assim como a industrialização do solo por meio do braço índio escravisado, ou do elemento negro adquirido; ao mesmo tempo que as minas de Itacambira, attrahindo exploradores, davam logar a que se formassem os primeiros núcleos regulares de população, dentro dos limites do Rio Verde e são Francisco.10

Os primeiros moradores dessa terra foram os da Fazenda Tabúa, de

propriedade de Antônio Gonçalves Figueira, (1707). Chegaram depois, outros

moradores vindos do arraial do Cruzeiro, após uma terrível epidemia de varíola, que

dizimou boa parte dela.

10 VIANNA, Urbino de Souza. Monographia do Município de Montes Claros, breves apontamentos históricos, geográficos e descritivos. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1916. p. 39.

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O nome dado ao arraial do Cruzeiro deveu-se à presença do primeiro

Capelão, Padre Theotônio Gomes de Azevedo, que por lá esteve desde o ano de l769,

erguendo um cruzeiro e fixando moradia. O arraial do Cruzeiro encontrava-se próximo

ao Arraial de Formigas.

O arraial do Cruzeiro prosperava ao lado do arraial de Montes Claros de

Formigas, “sendo ahi construídas as casas de residência do referido sacerdote e dos seus

agregados.”11

O comércio começou a se desenvolver no arraial do Cruzeiro com a permuta

ou a venda de gado, produção agrícola, e com mercadorias vindas da Bahia. A

facilidade do comércio, devia-se ao fato de que o arraial era ponto de união ou

intersecção de algumas estradas movimentadas. Cruzeiro tinha tudo para progredir em

concorrência com as demais porém,

...no fim das primeiras décadas do século XIX (l809) “rebentou naquelle logar uma assoladora epidemia de variola que grassando com intensidade, em pouco reduziu em menos da metade, a população (...) O próprio Padre Theotonio, que era a alma da povoação, no cumprimento de seus deveres sacerdotaes, foi victima do contagio e falleceu (...) A população desanimada, sem recursos para debellar a peste, se deixou invadir pelo terror: abandonou CRUZEIRO e foi procurar FORMIGAS como refúgio. Era o arraial mais proximo e muito se adeantava, parecendo estar reservado ao seu futuro maior soma de prosperidades que aos outros, que pouco ou nada se desenvolviam, maximé pela existencia de uma Capela ali erigida, sob a dupla invocação de Nossa Senhora e São José. 12

As bandeiras paulistas, a ereção de um simples “cruzeiro”13 e,

posteriormente, a construção de um “modesto templo”, como afirma VIANNA, foram

os motivos para o agrupamento de casas no pequeno Arraial de Formigas.

Em 13 de outubro de 1831, o arraial de Formigas foi elevada à categoria de

vila com Câmara, agente executivo e instância judiciária, passando a denominar-se Vila

11 Idem. 12 Idem. 13 cruzeiro com letra minúscula se refere a dar a forma de cruz.

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de Montes Claros das Formigas, pertencendo a Jurisdição do Serro Frio.14 Em 16 de

outubro de 1832, instalou-se efetivamente a vida administrativa da Câmara. O título de

cidade foi obtido em 03 de julho de l857, pela lei provincial nº 802, tendo apenas valor

honorífico dentro do contexto do Império.

Segundo Urbino Vianna, o contato da Vila de Formigas com as demais

regiões chegou muito cedo, pela comunicação da Igreja Católica, por meio dos padres e

seus representantes na Câmara Municipal e a força dos demais vereadores, e, também,

com a participação dos profissionais liberais que contribuem para as informações

entrarem em cena, aprovando-se a “criação de um correio, com marchas de Ouro Preto

para esta Vila de Formigas, e que o giro deste fosse dirigido pela Vila Diamantina do

Tejuco , Arraial do Rio Manso, Rio Preto, Bonfim, até a Vila de Montes Claros de

Formigas,”15 tornando-se, assim, mola propulsora na difusão de informações regionais.

Era, com efeito, um pequeno lugarejo que servia de habitação para um

número cada vez mais crescente de pessoas, vindas de todos os cantos do norte do

Estado, atraídos pelo seu desenvolvimento comercial, tornando a cidade de Montes

Claros em um considerável núcleo populacional da Região.

Na virada do século XVIII para o XIX, o então Arraial das Formigas, futura

cidade de Montes Claros, era a única região do norte de Minas que poderia merecer,

ainda que com certas restrições, o nome e os direitos de cidade.

Em uma carta dirigida ao médico Hermes de Paula, o Dr. Honorato Alves,

relata que quando chegou em Montes Claros no ano de 1900, a cidade já possuía uma

população de aproximadamente 1.500 moradores16, sendo assim, podemos aventar a

14 Ver Vianna, p. 58. 1916. 15 Idem. 16 Idem.

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hipótese se comparado com os dados de Vianna que Montes Claros se tornava o maior

núcleo populacional do norte de minas.

Segundo Vianna,

Em abril de 1913 procedeu-se a ligeiro censo demographico, encontrando-se na cidade 939 fógos, ou lares, dos quaes 847 habitados. A população urbana se elevou a 4.193, sendo maiores de 14 annos, 2.521 (1.569 mulheres e 952 homens) e menores dessa edade 1.672 (877 meninas e 765 meninos); havendo, pois, um execesso de população feminina sobre a masculina de 699. (VIANNA, p.285. 1916).

Sob o aspecto comercial e produtivo, a região era relativamente rica em

gado e na produção de vegetais e de madeira. A exploração do salitre que nos anos de

1817, ainda podia considerar fonte de riqueza, já se findava, devido a intensa exploração

das jazidas existentes.

No início do século XIX, um viajante, Auguste de Saint Hilaire, visitou a

povoação de Formigas, deixando-nos importantes informações. Segundo SAINT-

HILAIRE:

(...) a povoação, que pode compreender atualmente (1817) duzentas casas, e mais de oitocentas almas é certamente uma das mais belas que vi na Província de Minas, mas não adquiriu certa importância senão depois que se começou a fabricar salitre na região, o que, por ocasião de minha viagem, não datava de mais de oito anos.17

Parece-nos que o extenso largo da cidade causou grande impressão no

viajante. Para ele:

A maioria das casas é construída ao redor de uma praça irregular ,que forma um quadrilátero alongado, e, por sua extensão, seria digna de maiores cidades. Esta praça, aberta ao lado pelo qual se chega quando se vem do Tijuco e Vila do Príncipe, não tem, por conseguinte, senão três lados, e um dos pequenos é que falta. A igreja está situada no fundo da praça, muito perto daquele dos pequenos lados que foi edificada...18

17 SAINT HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia. São Paulo: Ed. USP,1975. p.306. 18 Idem, p.326.

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Segundo PAULA, “A gestação da capela começou em julho de 1769,

quando José Lopes de Carvalho requereu licença para a construção de uma capela na

Fazenda dos Montes Claros”. Depois em 1845, fo i que o padre Chaves (Conêgo

Antônio Gonçalves Chaves) construiu a Matriz.

Logo após a edificação da igreja de Nossa Senhora e São José (matriz),

novas moradias foram surgindo, construídas pelos fazendeiros da região, objetivando

seu descanso e de seus familiares, aos domingos, ao mesmo tempo, proporcionando

uma oportunidade de encontro com os compadres para bater uma boa prosa, agradecer

as graças recebidas, e, ainda, ter em sua companhia a presença de parentes e amigos nos

períodos das festas religiosas para com eles também distribuir as tarefas das próximas

festas.

Ao passo que crescia demograficamente, novas necessidades foram

surgindo, como a construção de uma escolinha primária, onde a função de ensinar

ficava a cargo de mestras ou mestres que apenas sabiam ler e escrever. Qualquer pessoa

que quisesse crescer intelectualmente, precisava distanciar-se da região em busca de

outras escolas, nos grandes centros, que eram poucas e muito distantes.

Sob o ponto de vista religioso, tudo dependia da longínqua Diamantina.

Somente em 1835 a Matriz de Nossa Senhora e São José se elevou à Paróquia, tendo

como primeiro vigário o sacerdote Antônio Gonçalves Chaves19, que trabalhou

intensamente na cidade sendo um dos responsáveis pela difusão do catolicismo na

região.

19 “CHAVES, Antônio Gonçalves (Cônego Chaves) chefe “prestigiosissimo” do Partido Liberal; intelligente e culto, foi advogado ao mesmo tempo que exercia o munus da Freguezia, nos primeiros tempos dependente do Arcebispado da Bahia. Deputado Geral, eleito varias vezes vereador da Camara, fez-se chefe respeitado, sempre apoiando as mais adeantadas idéas de liberdade e progresso. Nasceu em l803 e morreu em julho de l877, contando mais de setenta e quatro annos. A tradição conserva algumas satyras, sahidas da sua penna, aparada à feição da de outro mineiro, padre como elle, o Corrêa de Almeida, de Barbacena.” (VIANNA, l9l6. p. 76)

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Vários sacerdotes20 da região de Montes Claros dedicaram-se de maneira

intensa à política local. Conforme PAULA (p.264), desde l554, com a vinda da

“Expedição Espinoza-Navarro” temos a presença de sacerdotes na região do norte de

minas nas atividades religiosas. Tal fato se explica pelo domínio desses homens com a

escrita e suas ocupações em cargos públicos, mediante o consentimento da Igreja,

através de suas atividades de apostolado. Alguns sacerdotes puseram-se a serviço da

política, política a que se deve, sem dúvida, uma parte saliente do progresso da região.

Entre eles podemos destacar: Pe. Felipe Pereira de Carvalho, Pe. Antônio Gonçalves

Chaves, Pe. Antônio Teixeira de Carvalho e Pe. Siqueira, sendo que o Pe. Antônio

Gonçalves Chaves, quando vereador, deteve o cargo de Presidente da Câmara

Municipal e Deputado Provincial.

De 1831 a 1917, o aspecto da cidade permaneceu quase o mesmo, com ruas

estreitas e esburacadas e muita sujeira ao redor da intendência no largo da Matriz,

devido às feiras semanais. O progresso continuava lento, não se percebia aspectos ou

sinais de planejamento ou qualquer outra preocupação no tocante ao ordenamento da

cidade, pois os meios de transporte permaneciam, ainda, sendo o cavalo e a liteira para

as pessoas e o carro de bois e tropas de burros para conduzirem mercadorias, num

comércio mútuo, de suadas andanças pelas estradas estreitas e poeirentas ruas, muitas

delas intransitáveis, “parecendo” abertas ainda no tempo das bandeiras.

20 “Desde períodos posteriores a sua fundação (l83l), que Montes Claros, ainda Arraial, contava com a presença de religiosos catolicos, precisamente a partir de 21 de outubro de l834, com a chegada do vigario Pe. Ambrozio Caldeira Brant e logo em seguida de outros que aqui tiveram presença efetiva na vida econômica, social e política. Mas aqui damos ênfase com a chegada dos padres premonstatenses em l903, dando destaque aos Cônegos Carlos A Vincart e Cônego Maurício Gaspar, que residiram aqui por mais de duas décadas e incentivaram à cultura local; criando o Jornal A Verdade alguns clubes dramaticos, Sociedades de letras, colégios etc”. (VIANNA, l9l6. p. 266-7)

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Segundo VIANNA, memorialista da cidade,

As estradas, na sua maxima extensão, se desnovelam por ahi, vingando, em seguida, os catingões e carrascos; depois as veredas que são o desespero do viajante que sente a sêde a requeimar-lhe as entranhas e nenhuma gotta d’agua para minorar o soffrimento; e, ao mesmo tempo, um sol de brasa, lhe crestando a pelle, ferindo a vista, martyrisa-lhe sem termo, tudo muito natural, porém, soberanamente triste e magoante.21

VIANNA nos mostra que as condições climáticas sempre foram percalços

para a população norte-mineira no tocante ao desenvolvimento da região. Nunca

tivemos um ciclo de chuvas regular e a maioria de seus rios, secam completamente em

alguns lugares em épocas de seca (julho a outubro), dificultando o transporte de

mercadorias. A situação sempre foi caótica e, quando nos referimos ao problema da

seca, ressalte-se, que um dos costumes da região era a prática da “penitência”, momento

em que a população saía em procissões pedindo ajuda a São Pedro para fazer chover.

os penitentes, na maioria das vezes, faziam longas procissões, levando pedras na cabeça, ou então, latas d’águas, para um distante cruzeiro. Quanto maior e mais difícil fosse o trajeto da procissão, mais provável era a atenção do Senhor Onipotente pelas preces dos penitentes. Se a procissão fosse realizada debaixo de um sol escaldante, melhor ainda, pois Deus teria mais compaixão de todos eles. ( Revista Nossa História. P.34. 2000. M. Claros).

Nessa época as procissões eram acompanhadas por mulheres, homens e

crianças, mais conhecidos por “beatos”, todos rezando e cantando as ladainhas com

muita contrição e fé, comovendo a todos os transeuntes que não faziam parte do cortejo,

e, desse modo conquistando a sua participação. Em Montes Claros as penitências

partiam de vários pontos da cidade, e se reunião no Largo da Matriz, onde se

encontrava a igreja de Nossa Senhora e São José.

21 VIANNA, Urbino de Souza. Monografia de Montes Claros: Breves Apontamentos Históricos, Geográficos e Descritivos. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Montes Claros, 1916. p 169.

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2.2 Por entre os canos: o romper das cacimbas e o início da urbanização central

Essa situação de chuvas irregulares e prolongados períodos de seca

incomodava a população, desde os tempos de vila. Diante desse quadro de calamidade

pública não restava outra coisa aos políticos da cidade que não fosse a tentativa de

buscar soluções para o problema. Sendo assim, uma das primeiras questões sempre

presente nas sessões da Câmara Municipal e no burburinho da cidade era o problema da

água potável na região. Alguns políticos, entre eles, padres, médicos, advogados e

comerciantes, articulavam para resolver o problema da água, desde a primeira sessão de

instalação da Câmara, que se tornou marco principal de vida administrativa municipal,

em 1832, onde as questões públicas tomavam novos direcionamentos a partir da

intervenção dessa edilidade ora constituída.

Desde os tempos da Vila de Montes Claros das Formigas (1831), a

população vivia fazendo uso de cacimbas e cisternas para o abastecimento de água

potável. O problema de abastecimento de água na cidade se fazia presente ainda nas

duas primeiras décadas do século XX. Este era o maior entrave da época à marcha

progressiva, pois o precioso líquido só era encontrado no “Sapé há duas léguas de

distância ou mesmo a seis ou sete léguas na serra do Decamão”22, e as águas que eram

encontradas nos arredores da cidade não eram propícias ao consumo humano. O

abastecimento de água para a cidade foi uma reivindicação da comunidade local desde

1856, segundo Hermes de Paula.

Assim, a elite de Montes Claros como tantas outras do país, considera

imprescindível para a cidade, a questão do saneamento e da salubridade, necessidades

22 Idem.

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inquestionáveis no que diz respeito ao padrão de civilidade que se impõe ainda no

século XIX. Essas questões já se faziam presentes nos debates políticos e na imprensa

local. Aliás, a saúde pública sempre foi um problema para os habitantes dessa cidade.

Em l918, os jornais anunciavam:

Montes Claros paga actualmente o seu tributo. A epidemia terrível, insidiosa e mortífera que assola o nosso país, enchendo de dor e de luto a maior parte dos lares... Na primeira semana, só na cidade, mais de mil pessoas foram atacadas. Sem dados positivos como já dissemos para uma notícia exacta do número de pessoas atacadas, nesta cidade e arredores (fazemos) em campo nossa reportagem, afim de colher informações sobre a epidemia reinante. As notas fornecidas dão como atacadas ao mal epidêmico, só na cidade mais de l.000 (mil) pessoas afora dos subúrbios, o que não é para admirar pois as duas fábricas de tecidos, daqui e do cedro fecharam por falta de pessoal. A Câmara Municipal organizou uma sessão extraordinária e entre outras medidas nomeou um “comité” de socorros, composto pelos vereadores Dr. João Alves, Major Honor Sarmento e Pharm.Ferreira D’Oliveira (...) Continua a grassar na cidade e em todo o Município a Epidemia de Grippe, prostando inúmeras pessoas e ceifando algumas victimas23

A primeira guerra mundial, em l9l8, tinha terminado aliviando o mundo

mas, infelizmente, no Brasil outra “guerra” continuava, pois uma sombra maligna

pairava nos ares brasileiros, era a letal “gripe espanhola” que trouxe ocorrências

danosas para a população. Em Montes Claros as incidências da gripe foram insidiosas,

não bastava a inexistência de uma política sanitária, pois a população vivia em meio a

criação de porcos, cabritos e bois em todos os cantos da cidade. A situação era crítica

em relação aos princípios de higiene, talvez esteja aí as causas que “contribuíram” para

a disseminação da “Gripe Espanhola” na cidade, em 1918.

Em 1918, ainda não contávamos com uma política municipal de saúde

pública preventiva que atendesse à população, pelo contrário, os poucos médicos

existentes não davam o luxo de terem em suas clínicas auxiliares ou mesmo

enfermeiros. Sobre a gripe e suas conseqüências MAURÍCIO nos revela que:

23 Ver Jornal Gazeta do Norte. 23/07/1918.

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No sertão de Minas, cujo centro foi Montes Claros, às ocorrências foram verdadeiramente danosas para a população. Contam muitos, que viveram naquela época, ter sido espantosa e triste a incidência da mortalidade...Os carros de bois percorriam a cidade, apanhando pessoas mortas, que eram sepultadas em valas comuns, sob a neblina permanente que caía entristecida, como se fosse o próprio céu chorando a morte de tantas e tantas criaturas na inclemente mão da epidemia. (p.46)

A Câmara Municipal aprovava com urgência o Projeto de Lei de l8/ll/l918,

em que o Executivo Municipal solicitava autorização para socorrer a população atacada

pela epidemia de gripe, cujo vírus era conhecido como “influenza espanhola”. Nessa

solicitação era inclusive, sugerido ao Executivo entrar em contato com o governo

Estadual, visando doações de remédios e alimentos, para auxiliar os enfermos. A

Câmara Municipal autorizou, inclusive, a utilização de qualquer verba necessária para

este fim, desde que o total orçamentário ainda não estivesse esgotado, e caso o

estivesse, que fossem contraídos empréstimos para essa finalidade. (Projeto de Lei,

caixa n.08, Centro de documentação UNIMONTES).

Montes Claros pagava o seu tributo, como tantas outras zonas urbanas do

país, pela falta de uma política nacional voltada para as questões de saúde pública.

Sabemos que só naquele momento as idéias inovadoras do Dr. Oswaldo Cruz

começavam a ser colocadas em prática em Montes Claros, devido à influência de

alguns médicos da cidade interessados pela sua política nacional de saúde pública e dos

doutores, Belizário Penna e Artur Neiva. Ressalte-se, importante papel do Dr. Honorato

Alves, médico e político local, que teve a graça de formar e fazer parte do mesmo grupo

de médicos aqui citados, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

Carvalho (p. 110), comenta sobre as missões dirigidas ao interior do País,

num esforço modernizador de campanhas civilizadoras. A missão dos sanitaristas,

chefiados pelos médicos Artur Neiva e Belisário Pena, em 1912, percorreu boa parte do

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norte e do nordeste do País pesquisando a situação sanitária das populações e

introduzindo medidas de saneamento.

Sobre esse tema, o jornal Gazeta do Norte anuncia que,

o eminente professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Doutor Miguel Pereira, denunciou, em 1918, que o saneamento do interior do Brasil era um dos maiores e mais urgentes problemas que merecia a atenção do poder público. Belisário Penna e Arthur Neiva, nomes ilustres no campo da ciência, em relatório interessante sob todos os pontos de vista, fartamente documentado, revelaram ao país que não fora uma frase oca e sem sentido a afirmação de que o Brasil era um vasto Hospital. Nesse relatório, os ilustres comissionados pelo governo, puseram a nu que em vastíssima zona do nosso país, há “cousas espantosas”, no tocante à salubridade, provando que populações inteiras se achavam completamente abandonadas, mal abrigadas e mal vestidas, e o que é pior, atacadas por flagelos, até então não suspeitados sequer pelos dirigentes do país e que enfermidades terríveis as dizimavam de um modo assustador. Nesse relatório, provaram os cientistas, que no sertão grassam de um modo assustador a “esquimatossomose”, a “dysphagia espasmodica”, o “vexame do coração”, a “moléstia de chagas”, produzida pelo barbeiro, a “tuberculose”, em maior escala do que se pensa, a “syphilis”, o “impaludismo”, a “bouba” e várias outras moléstias, entregando seus habitantes a todos esses males que os atrofiam e os matam sem defesa capaz de conjurar tantos infortúnios.24

A afirmação dos doutores Belizário Penna e Artur Neiva, em relatório

apresentado ao país, de que o Brasil era um vasto hospital, se fazia presente também em

Montes Claros, pois encontramos na obra de Paula, um texto do farmacêutico prático

João Batista de Paula, no qual o referido farmacêutico narra em “Consulta na Roça” a

situação de abandono em que certas famílias de Montes Claros viviam nas primeiras

décadas do século XX.

CONSULTA NA ROÇA _Bastarde, seu João. _Boa tarde, siá Ursina. _A dona vai boa mais os minino? _Vão bem, muito obrigado. A senhora veio consultar? _Vim aqui, ontá ancê, fazê umas queixa, Qui Mané mandou... _Pois não, quem está doente? _A famiage toda: Eu, a véia mia mãe, os minino... Intão, essa mão tem tado perrengue!... começou com distempero discumídive e...ansin...murumbunda. Comadre Praxe da, Qui é mei intindida, benzeu ela de quebrante e inspinhela caída...

24 Idem.

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Agora tá mais ispertinha... Do jeito que essa porquera brinca e pueta... Essa maiozinha, dispois que teve o dordói, muntou nela uma caminhação isquisita! Adornou no feberão, falano segredo, falano segredo... ni poucos dia a minina distriorou nuas condição!... Agora só drome disimbruiada... numa ringição de dente que faz medo... Cundefé é as bicha que tão supitano!... _E que sente a outra, mocinha? _Essa tá me ispritando Qui tem um are incausado no figo e uma dourada ruim na barriga, que quando essa dourada ispaia, essa moça fica francês e fica zuretazinha. Dispois sobe um bolo na guela; quando este bolo faz com que sa da boca, dá nela um fadigão colosso!... Na sumana ela tomou um lumbriguero... e as bicha subiro na catinga... e essa moça_cum licença da palavra_provocou uma água margosa do tamãin Qui foi o dia e na buquinha da noite deu dois avertijo. Cumpade Bastião tamém pegano purso. Ele me disse: Quá cumade, isso é supite das bicha e mode coisa Qui instoporo; isso é duencinha... Só tem treis duença Qui num tem cura: É fremação, baculoso e boca-de-bucho. _E a senhora?... Eu nem sei cumé Qui tô viva.. Mané é muito ingalicado. Sofro da mãe do corpo, intalo e dor-de-pontada. Tenho tamém fogo nas urina. Me parece Qui eu tenho é uma inscanicença ricuída, cumpricada com uma durda-de-estambo véia. Arroto choconum falano cum pouco ensino_cum qualqué dicumezim e fico uma sumana sem ir-no-mato. Tem dia Qui manheço numa nevragia inseultave, num pom possuo vê laboro de minino Qui dou acesso. _E a velha mãe? _É aquelas queixa véia: Queimadera, batimento prudentro, formigueiro no corpo, medo na cabeça... Na sumana ela cumeu carne de porco mei passada...Qui essa véia ficou ruim dum jeito! Perdeu a suspiração e fadigão muntou...Eu falei: essa véia Qui num manhece? Ai, foi remeido e mais remeido, remeido e mais remeido; me insinaro prá dá ela uma dose de carburete; dispois dei um chá de adijunto-de-horta cum treis pingo de azeite doce, miorou. Mais ela num tem sufrimento de ficá na cama... num leva nada desta vida, num tem apetite prá cumê. Será que ela pode tomá chaculate de leite de bode? Pode, sim _ e Manoel; deixou da pinga? _Deixou, inhasim... lá um dia ou outro... sem inzempro... quando vai ansim... num brinquedo, ele toma... assim mesmo um tiquim, só prá afiná o saliba da boca. (PAULA, p.253). 25

25 Nota explicativa sobre algumas expressões usadas em “Consulta na roça”: Ontá — onde está. Ancê — forma respeitosa de você, equivalendo a Senhor. Famiage — família. Perrengue — adoentado. Distempero — diarréia. Discumidive — que não se pode medir. Ansim — assim. Murumbunda — triste. lspinhela caída — luxação expontânea do externo, inexistente, criada pelos curandeiros e benzedores. Pueta —pessoa do indicativo presente do verbo puetar (?) que significa conversar sem acanhamento. Dordói — dor de olhos, conjuntivite. Caminhação — disenteria. Qdornou — delirou. Feberão — febre alta. Falano segredo — rouquidão. Ni — em. Distiorou — enfraqueceu, emagreceu. Cundefé — quando se der fé. Bicha — lombriga. Supitano — subindo. Tá me ispritano — parece-me. Are incausado — ar preso. Fica francês — delirando. Zuretazinha — sem juízo. Fadigão colosso — dispnéia intensa. Avertijo — vertigem. Pega no purso — meio entendido em medicina. Istoporo — nevralgia. Fremação — anasarca. Baculoso — tuberculoso. Boca de bucho — engasgo. Cumé — como é. Ingalicado — sifilítico. Mãe do corpo — útero. Intalo — engasgo. Fogo na urina — irritação uretral. lscarnicença — disenteria. Durda de istambo véia — dispepsia crônica. Arroto choco - arroto gazes mal cheirosos. Num falano cum pouco insino — não faltando com o respeito. Qualqué discumezim — pouco alimento. Ir no mato — exonerar o intestino. lnsepultave — insuportável. Laboro — barulho. Acesso — vertigem. Formigueiro no corpo — dormência. Suspiração — respiração. Carburete — bromureto de potássio. Adijunto de horta — plantas medicinais cultivadas nos quintais. Não tem sufrimento — não tem paciência. Não leva nada — não come. Inhasim — sim senhor. Sem inzempro — excepcionalmente. Brinquedo — festa. Tiquim — pouco. Afiná o saliba — fluidificar a saliva.

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Nesse texto o farmacêutico prático João Batista, descreve com clareza a

situação da população urbana e rural de Montes Claros em relação ao precário

atendimento médico da cidade. As famílias viviam presas às superstições e aos atrasos,

clarificando o foço existente entre o tradicional e o progresso técnico e científico.

Carentes em sua maioria não tinham acesso aos médicos. Não tendo condições de pagar

as consultas, o jeito era recorrer aos farmacêuticos como salvação, para a cura dos seus

males.

Uma semana após o anúncio da denúncia do Dr. Miguel Pereira, sobre a

necessidade urgente de sanear todo o interior do Brasil, e do relatório apresentado ao

governo pelos seus comissionados, a imprensa local anunciou a formação de uma

comissão de médicos que iria realizar conferências sobre a profilaxia das moléstias

mais usuais em nosso meio, como uma maneira de conscientizar a população para a

prevenção de males a que estavam continuamente expostos. A uncinariose26 e a malária

eram os dois maiores flagelos dessa zona sertaneja.27

A comissão formada, apresentou as causas dessas doenças, o meio de

evitá- las e, finalmente, o modo de as debelar.

Em Montes Claros, ainda no Império, havia apenas um profissional de

Medicina, Dr. Carlos Versiani, filho do Capitão Pedro Versiani. Estudante secundarista

do Caraça e formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Em l845, retornou

para sua terra natal, ainda vila de Montes Claros de Formigas, e passou a atuar nesta

cidade, em muitos momentos de maneira filantrópica, já demonstrando preocupação

26 Define-se Ancilostomiase como parasitismo humano por dois vermes nematóides da família Ancylostomidae: Ancylostoma Duodenale e Necator Americanus, ambos parasita do intestino delgado (Duodeno e porções iniciais do jejuno), onde se fixam pelas suas potentes cápsulas bucais, sugam o sangue e causam perda sangüinea crônica. (Neves, p. 870. Rio de Janeiro: 1983). 27 Sobre o saneamento, ver Gazeta do Norte, 27/07/1918. Onde os médicos, Drs. João Alves, Santos Teixeira e Marciano Mauricio, afirmam serem a uncinariose e a malaria os dois maiores males da região.

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com a questão do saneamento e salubridade.

Em janeiro de l853, Dr.Versiani ingressou nas fileiras do Partido

Conservador e, em suas hostes, assumiu a direção do Município, trabalhando

efetivamente em torno de suas novas idéias, trazidas do Caraça e da Faculdade de

Medicina do Rio de Janeiro, criando em l87l, através do Decreto nº l.776 de 21 de

setembro, a primitiva Casa de Caridade, hoje Santa Casa de Misericórdia.

Montes Claros contou, posteriormente, com a presença de outros

profissionais dessa área, formados logo depois do Dr. Carlos Versiani na mesma

faculdade carioca, que fixaram residência na cidade, como é o caso dos irmãos Dr. João

Alves, 1872, e Dr. Honorato Alves, 1868, que, em meados de 1890, engrossaram as

filiações do Partido Conservador local e deram ênfase às idéias de saneamento. Esses

homens comprovaram a influência dos ideais positivistas, em que a ciência e a técnica

se tornariam fatores de transformação social.

No Rio de Janeiro, como atesta SCHWARCZ,

... nada revela melhor a marcha dos acontecimentos do que a própria maneira como Oswaldo Cruz foi representado nas caricaturas de época. Se em 1903 era caracterizado como monstro ou um demônio, pouco a pouco foi se humanizando até, em 1907, se transformar num misto de anjo e deus. Era o resultado de um processo acelerado de mudanças, que fazia de um modelo de civilização uma via quase obrigatória. Por meio da medalha de ouro que recebeu a representação brasileira no XIV Congresso Internacional de Higiene, reunido em Berlim em 1907, Oswaldo Cruz enchia -se de glórias e, com ele, mais uma vez o país era reconhecido entre a comunidade científica internacional. (SCHWARCZ, 2000. p.122)

Essa história se repetiu também com o Dr. Honorato Alves, presidente da

Câmara Municipal em 1900, na cidade de Montes Claros. A população montesclarense

inicialmente resistiu às obras de saneamento implementadas no governo do referido

médico, mas logo depois passaram a aceitar às medidas implantadas pelo poder

Os mesmos formam uma comissão para proferirem palestras sobre a prevenção dessas doenças.

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municipal 28.

...no governo do Dr. Honorato Alves, a primeira lei decretada foi a proibição absoluta da criação dos animais soltos pela cidade e a extinção dos chiqueiros nos quintais. A luta foi áspera, pois os habitantes criadores negavam-se ao cumprimento das posturas. O primeiro caso ruidoso, deu-se exatamente com um meu compadre. A intimação que recebeu para retirar a porcada do seu quintal e suprimir o chiqueiro, respondeu que a receberia à bala o fiscal e empregado da câmara. Então eu lhe mandei dizer que se preparasse para me matar, pois quem iria cumprir a determinação legal seria eu em pessoa. Fiz-lhe ver que não era possível que ele colocasse o seu interesse pessoal acima do bem público que na sua própria casa eu já havia tratado de casos de impaludismo. (...) O homem me recebeu de braços abertos e levou-me para o quintal a fim de verificar por meu próprios olhos como estava tudo limpo e seco, havendo apenas conservado algumas galinhas. Abracei-o estreitamente e agradeci-lhe o grande serviço que acabava de prestar à sua cidade, pois certamente, diante do seu exemplo, ninguém resistiria mais às posturas municipais. A Câmara tratou logo de extingüir os lamaçais existentes na parte leste da cidade, viveiro de mosquitos e vazadouro geral de imundícies de toda a sorte.29

Esta breve descrição ilustra sobretudo a grande transformação na

mentalidade da população como um todo, civilizar as populações significava ferir seus

valores, suas tradições e seus costumes seculares.

Doutor Honorato Alves fez o curso de Medicina na Faculdade do Rio de

Janeiro, concluindo-o em 1890, vindo, então, residir e trabalhar como médico em

Montes Claros. A dedicação à clínica, segundo ele, não o impediu de se interessar

também pela política – meio facilitador de cuidar do saneamento da cidade. Em l893,

tendo dissidências no seu partido político – o Partido Conservador - foi eleito vereador e

presidente da Câmara pelo referido partido. Novamente, em l904, foi eleito presidente

da Câmara, mesmo já exercendo o mandato de Deputado Estadual. Em l906, filiado ao

PRM (Partido Republicano Mineiro) foi eleito Deputado Federal, reeleito sucessivas

vezes até l930, quando a revolução de outubro dissolveu as representações populares.

28 Sobre a resistência da população, ver PAULA, 1957. p. 297-300. 29 Idem. P. 302.

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Segundo PAULA, doutor Honorato Alves, contemporâneo de Oswaldo Cruz

no curso de Medicina, relatou em uma carta escrita em 04/12/1946, relatou a situação da

saúde pública e o saneamento básico de Montes Claros em épocas áureas de suas

atividades como clínico geral, na década de 20:

O grande realizador do saneamento do Brasil, com referência a idêntico mal, Oswaldo Cruz (...) teve a fortuna de ir logo depois de formado, para a Europa (...) Pode, por esta forma, prestar à nossa terra um serviço inestimável e tornar glorioso o seu nome. Quanto a mim, pessoalmente, não lastimo que em vez de Paris e Berlim, tenha me encaminhado para a cidade pequenina que era então Montes Claros, perdida no centro remoto do sertão de Minas. (...) Muitos doentes estavam esperando com ansiedade a chegada do Doutor novo já anunciada. (...) O número de casos de infecção puerperal era excessivo. Quando cheguei formado, o impaludismo assolava a cidade, tendo eu tido muitos casos de febre perniciosa. Em muitos quintais havia chiqueiros de porcos de engorda e criava-se também à solta pela cidade cabritos, porcos, vacas e cavalos.(PAULA, 1957. p. 298)

O quadro apresentado pelo médico Dr. Honorato Alves sobre a saúde

pública da cidade de Montes Claros, reflete de um lado a medicina empírica e

rudimentar (os curandeiros); de outro, a ignorância e a ingenuidade da população.

Sobre esse quadro encontrado pelo Dr. Honorato na cidade de Montes

Claros, comenta PAULA,

...Na sua carta refere -se o estimado colega, aos curandeiros, mas quase nada tenho a dizer a respeito. Havia-os certamente na roça, mas não davam que falar e só pecavam por omissão, isto é, se não curavam, também não matavam, pois não davam drogas nocivas e os seus chás, a grande série de purgativos, estando em primeiro lugar a resida de batata, sais minerais, jalapa e calomelanos, constituíam toda a sua terapêutica. (...) Felizmente nunca tive de lutar com macumbeiros e pais de santo, que até hoje infestam os subúrbios das grandes cidades.30

Toda essa precária situação sanitária relatada por Doutor Honorato Alves se

somava à falta da água potável e continuava ainda sendo assunto da ordem do dia em

todas as discussões da Câmara e jornais locais. Na primeira década do século XX, os

debates em torno do problema da água tomaram maiores dimensões e novas ações

30 Idem. P. 302.

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foram implementadas, objetivando solucionar essa necessidade básica da população de

Montes Claros:

Approxima-se, ou antes já estamos no período em que a população desta cidade soffre o maior dos tormentos, a falta dagua. Passam-se os mezes e annos sem que, apezar de ir a cidade se estendendo cada vez mais, sejam tomadas providencias no sentido de se obter água para o consumo dos habitantes . Temos por varias vezes tratado do assumpto e no anno pas sado, um nosso distincto collaborador escreveu uma serie de artigos mostrando de um modo irrefutavel o melhor meio, o mais pratico e efficaz para termos água canalisada para a cidade. Esses artigos baseados em dados positivos não fizeram a menor impressão no espirito daquelles que tem o dever de concorrer para o bem estar da população que se vê na alternativa de se servir da água inmunda de cisternas, verdadeiros focos de mícrobios, ou ficar privada do precioso liquido (...) A solução para elle não deve ser relegada para segundo plano quando se gastam grandes sommas com o calçamento, muitas vezes de trechos de ruas, onde não existe um só prédio (...) Qualquer que fosse a despeza com o serviço para esse abastecimento seria em breve compensada pela renda que naturalmente produziria o fornecimento de água as casas particulares. Bastaria um pouco de bôa vontade e teriamos em pouco tempo esse inestimavel melhoramento.31

Já no ano seguinte, l920, a realidade do abastecimento de água potável

tomava novos rumos, segundo a publicação de matéria no Jornal Gazeta alusiva às

decisões tomadas na Câmara Municipal:

Folgamos em registrar que o actual vice-presidente da câmara municipal, em exercicio, assevera deverem ser atacados até o fim do corrente anno os serviços necessarios para dotar esta cidade com o abastecimento de água potável, cuja falta tantos vexames causa à nossa população. E o nosso intuito, tratando do assumpto, não foi outro sinão chamar a attenção dos que têm a responsabilidade da administração ao municipio, para essa penuria pela qual passam todos os habitantes desta cidade, nessa época em que seccam as cisternas, de onde se extrae o precioso líquido indispensavel à cidade (...) O serviço para o abastecimento de água potável, há muitos annos reclamado, foi mandado executar pela lei n.381 de 18 de julho de l9l9. Faz um anno, e agora , depois de nossa reclamação, apparece a affirmação de que, dentro de trez mezes, serão postos em hasta publica, esses serviços! (...) Muitas outras leis existem; mas não são postas em pratica e é para que o sejam que reclamamos, uma vez que só nos seduz o respeito a lei e as autoridades constituidas. A mudança do cemitério publico, o serviço do matadouro e dos açougues, e innumeros outros, reclamam a nossa insignificante, mas proficua intervenção, para terem um andamento presto e de positivos resultados.

31 Gazeta do Norte: Água Potável, n.01, 19/07/1919.

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Aqui estaremos, sempre que se trate ao bem estar dos Montesclarenses e tudo o que por essa causa nos possa trazer contrariedades, damos por bem empregado, porque trabalharemos em favor do povo.32

Desde o século XIX, a questão do saneamento e da salubridade são

requisitos fundamentais no que se refere a transformações higiênico-sociais. Era

inegável a presença constante de reportagens na imprensa local sobre a água potável. A

lição desta história, todavia, percorreu anos em discussões na edilidade local, e, ao que

tudo indica, a população ainda aguardava que soluções fossem tomadas.

Foi em l923, a partir de determinações da Diretoria de Higiene do Estado,

que a Câmara Municipal tornou pública a Lei n.507 de l7 de janeiro que abria licitação

para os serviços de abastecimento de água potável e esgotos de Montes Claros, trazendo

em seu edital novas considerações pertinentes à saúde pública, no que diz respeito às

regras técnicas prescritas pela engenharia sanitária.

Antônio dos Anjos, presidente da Câmara e Agente Executivo Municipal, Fez saber que, para execução da lei número 507, de l7 de janeiro de corrente anno, que cogita dos serviços de abastecimentos de água potável e esgottos...obedecerão as seguintes condições: 1. A água deverá ser haurida do sub-solo, por meio de poços tubulares, ou artesianos, perfurados na parte mais alta da cidade, em vista das condições especiaes desta llocalidade, desprovida de mananciaes proximos, sufficientes em qualidade e abundancia, para a adducção pela gravidade; 2. Essa água só será utilizada, depois de verificada a sua perfeita potabilidade , pelas analyses chinica e bacteriologica, procedendo-se previamente as experiências necessárias, em relação à quantidade e constancia da producção; 3. Veríficada a impotabilidade da água, assim extrahida dos lenções subterraneos, pelos processos indicados, deverão ser empregados os meios efficazes para o seu tratamento de modo a corrigir a mineralização, tornando-a capaz de servir aos fins, a que se destina; 4. A quota basica de fornecimento a cada habitante será, no minímo de l00 litros diários; 5. A carga piezometrica miníma de reservatório para os pontos alimentados sob as menores pressões, será de l5 metros; 6. As obras de abastecimento d’água serão iniciadas dentro de 6 meses, contados da assignatura do contracto, e as de esgotto dentro de um praso razoavel, que poderá ser de 5 annos , a contar da mesma data; 7. O fornecimento d’água será feito por hydometro, ou registro de penna, conforme as necessidades da população e a natureza dos estabelecimentos a que se destinam;

32 Gazeta do Norte, n.106, 17/01/1920

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8. As obras de exgotto só deverão ser iniciados, depois de terminado o serviço de abastecimento d’água; 9. As installações sanitárias domiciliares e a rede collectora de exgottos obedecerão, rigorosamente às regras tecnicas prescriptas pela engenharia sanitaria, observados as condicções topógraphicas e hydraulicas da cidade, de modo a garantir, em absoluto a saúde pública ; 10. A concessão será por prazo não excedente de 25 annos, podendo ser renovado o respectivo contrato, se assim convier, ou transferidas pelo concessionario ao município pelo custo real, as installações e material existente.”33

Na execução da lei de nº 507, no governo municipal do Cel. Antônio dos

Anjos, percebe-se a introdução de novos requisitos para com o manuseio e tratamento

da água potável.

A preocupação quanto ao uso de água fora do padrão de higiene sanitário

despertava a atenção da edilidade da cidade, mas quando essa lei foi executada, os

benefícios do novo sistema de água canalizada somente atingiram à área central da

cidade e arredores da Estação Central da Rede Ferroviária, deixando mais uma vez os

moradores à margem excluídos desse precioso benefício.

Em setembro do mesmo ano, retomam-se, no jornal Gazeta, os mesmos

dilemas em torno do problema da água potável, e, desta vez, insistindo com a edilidade

local para se fazer cumprir o que é era de sua obrigação.

Temos acompanhado com vivo interesse e justa satisfação a presteza com que a nossa edilidade tem procurado por em execução medidas de innegavel utilidade para o bem estar da população da cidade, principalmente no que interessa à saude pública. A cidade apresenta-se à quem aqui aporta, limpa e impressionante, numa ancia de progresso que bem revela quão grandioso será o seu futuro. Contudo uma cousa nos falta e, cada dia, a sua necessidade se impõe mais, inadiavel, exigindo prompta e efficaz solução: - é o problema d’água á população. Hão de dizer que as nossas condições financeiras ainda não dão logar a que se ponha em pratica medida de tão alto alcance e de tão vultosa despesa, em que se despenderia centenas de contos de reis.... Mas, por esse motivo, cruzar-se os braços e deixar-se a população luctar sosinha, sem se procurar minorar-lhe o mal, isto não—Seria um erro imperdoavel.... Temos na cidade tres poços artesianos que há muito não funcionam e que estão inteiramente abandonados. O seu concerto e a designação de fiscaes para velarem pela sua conservação, já seria alguma cousa, pelo menos minoraria a situação, que, francamente, é

33 Gazeta do Norte, 20/07/1923

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affictissima; convencidos de que não estamos pregando no deserto, esperamos a ação de nossa Câmara Municipal sobre o assumpto, para tecermos commentarios sobre o que ella vive a fazer.34

De tanto esperar por esse líquido precioso, de tamanha importância na vida

dos seres humanos, a população montesclarense se encontrava acostumada a outros

recursos, a partir de iniciativas próprias, para captação e uso da água: uso de cacimbas e

cisternas nos quintais e lata d’água na cabeça, buscada nos raros poços artesianos

existentes.

Em alguns pontos da cidade existiam os conhecidos “chafarizes,” onde uma

parte considerável da população vivia de baldes na mão e lata na cabeça, disputando

vaga na fila para pegar água. A população desconhecia ou fazia “vistas grossas” a

respeito do tratamento da água para o consumo humano. Ao redor desses chafarizes, o

que mais se via eram poças de lama e acúmulo de lodos nas encostas das torneiras,

demostrando um verdadeiro descaso público pela higiene.

Figura 1 – Chafariz. Fonte: Arquivo - Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

34 Gazeta do Norte, n. 267, 01/09/1923.

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Nas ruas, a população menos favorecida- que é sempre, infeliz mas fatalmente, a grande maioria, quando não a quase totalidade – disputava, à violência ou à paciência, algumas gotas do precioso néctar, bastantes ao menos para as urgências da sede, já que às da mais modesta higiene não era lícito dar sequer ouvidos (...) e, junto às torneiras das esquinas e aos chafarizes formava a população contristadoras taminas, em que cada qual esperava – inativo, impaciente e rusguento – horas sem termo pela sua vez de encher às gotas uma pequena lata, quando não um simples moringue, apenas suficiente para iludir a sede, ou cozinhar a alimentação do dia. ( REIS, A . e BULHÕES. P. 22-3)

Mesmo com tantos sacrifícios, a população foi tomada de surpresa no dia l3

de janeiro de l926, por meio de uma reportagem que a informava do início dos serviços

de captação de água potável. Esses serviços ainda não eram o que a população esperava,

mas traduzia novos ares de qualidade de vida.

Foram iniciados, em dia desta semana, os serviços de captação de água potável para abastecimento desta cidade. Começa a ser, assim uma brilhante realidade, a grande e justissima aspiração dos montesclarenses, alimentada há longos annos, com anseio de esperança. Esses serviços encontram-se a cargo da conceituada firma Spyer e Comp. O que é um attestado seguro da perfeita execução e prompta conclusão da obra. Montes Claros está, pois de parabens, pelo início desse notável mehoramento, um dos de maior e imprescíndivel necessidade para sua vida de cidade que aspira progresso, conforto e hygiene35

O Jornal Gazeta do Norte noticiou o início do serviço de captação de água

potável no mês de janeiro, mas o exame da Lei n.622 comprova que esses serviços

foram de fato autorizados e aberta concorrência para sua efetiva instalação em 13 de

junho de 1926 .

LEI n.622 de l3 de junho de l926. Auctoriza o Presidente da Camara a abrir concurrencia administractiva para os estudos, planta e orçamento destinados a cannalisação de agua em toda a zona urbana e rêde de exgottos somente na parte edificada. O povo do municipio de Montes Claros, por seus representantes na Camara Municipal, decretou e eu em seu nome, sancciono e promulgo a seguinte lei: Art. l. Fica o presidente da camara auctorisado a abrir concurrencia administractiva para os estudos, planta e orçamento destinados a cannalização de agua em toda a zona urbana e rêde de exgottos somente na parte edificada, abrangendo toda a parte nova em torno da Estação da E.F.C.B na forma e de accordo com o edital já publicado. Art.2. Com estes estudos não poderá o Presidente despender quantia superior a 900$000 (novecentos mil reis ) por kilometro.

35 Gazeta do Norte, n.412, 13/01/1926.

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Art.3. Fica aberto pela verba “Obras Publicas” do orçamento vigente, o credito sufficienete dentro das bases do art.3 desta lei. Art.4. Depois de realisada a concurrencia administractiva, caso não se verifique nenhuma proposta dentro dos limites especificados no art. 2, poderá ser ampliada a auctorisação até a um conto de reis (l:000$000), quantia maxima para o pagamento de um kilometro de estudos e projeto referido no art.1. da presente lei. Art.5. Revogam-se as desposições em contrário . Mando portanto a todas auctoridades, a quem o conhecimento e execução da presente lei competir, que a cumpram e façam cumprir, tão inteiramente como nella se contem. O secretário da camara, a faça imprimir, publicar e correr. Dada e passada na sala das sessões da Câmara Municipal em Montes Claros, aos l3 de junho de l926. (ANJOS, Antonio dos; OLIVEIRA, Antonio Ferreira de).

No período compreendido entre l9l7 e l926, percebemos, pela leitura das

atas da Câmara Municipal de Montes Claros, que era comum a ausência de vereadores

nas sessões ordinárias, ou mesmo extraordinárias, o que normalmente inviabilizava a

aprovação dos projetos por meses a fio. Para um melhor entendimento dessa

afirmação, vejamos um desses termos,

Aos vinte e seis dias do mês de setembro de mil novecentos e dezessete, nesta cidade de Montes Claros, ao meio dia na sala das sessões da Câmara Municipal, presente o illmo. Snr. Dr. João José Alves, presidente da mesma, e os vereadores Cel. Ulysses Pereira da Silva Leal e José Soares de Miranda. Não tendo número legal deixa de haver sessão. E para constar lavrou-se o presente termo. Esc. Clemente Moreira da Silva, Official da Secretaria.36

Não sabemos os motivos que levavam ao adiamento de inúmeras reuniões

da Câmara Municipal de Montes Claros durante esse período, pois nos termos lavrados

o oficial da mesma não explicitava a causa, mas a quantidade de suspensão de reuniões

era relevante.

Depois da água canalizada novos melhoramentos foram chegando. A cidade

crescia, a urbanização consolidava-se.

36 Termo lavrado no livro de atas da Câmara Municipal de Montes no ano de 1917.

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2.3 Novas Cenas, outros valores na Montes Claros do século XX

Entre avanços e pausas, a idéia de civilidade se difundia, embora estas

estivessem acompanhadas da quebra de valores tradicionais. O cotidiano das pessoas

eram invadidos por novos valores como a rapidez, conquista , ordem e inovações.

Era difícil a convivência com esses novos valores, mas a imagem de

progresso, vendida pela classe dominante, levava à conformação e à passividade. Nada

como imaginar uma cidade civilizada, com escolas, comunicação e informação

encurtando as distâncias entre populações, uma cidade iluminada, com água em suas

portas, com ruas calçadas, novos “lampiões,” novas construções, carros ao invés de

burros e, por fim, chegar ao ápice do progresso que seria ouvir o apito do trem.

Discursos foram elaborados em defesa do progresso e do bem-estar dos

montesclarenses, leis foram promulgadas, mas a execução das mesmas só beneficiou a

um grupo reduzido de pessoas abastadas. Grande parte da população ficava a mercê de

reduzidas condições de infra-estrutura básica e sem melhoria dos padrões de qualidade

de vida.

As cenas de mudanças na cidade de Montes Claros variaram ao longo do

tempo, de acordo com as visões da elite que eram os coronéis na época, mudanças

caracterizada pela ausência de participação popular, pelo paternalismo, pela

concentração de poder. Estas cenas não foi o povo que a construiu, estas, revelavam

valores antagônicos e eram apenas sonhadas pela população.

As ruas e praças já não tinham mais os nomes de santos e da flora do

sertão. As ruas Nossa Senhora Aparecida, do pequizeiro, genipapeiro, tamarineiro

foram substituídas por rua coronel “Fulano de Tal”, praça “Dr. Sicrano”.

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Implantar uma cidade progressista significava destruir o que estava

construído na visão do homem sertanejo. Os projetos de reforma e reconstrução urbana

traziam novas representações. Por decreto, as ruas e praças deviam receber nomes de

cidades, rios, montanhas, lembranças de datas históricas e cidadãos importante que

mereciam estar presentes na memória do povo. Esta simbologia também representava a

imagem da unidade do regime político-federativo da jovem República, caracterizando o

território e a natureza, levando a sociedade a se solidarizar com o progresso brasileiro,

tolhendo modelos estrangeiros e imprimindo quadros de cunho nacional. Articulando o

culto de amor à pátria, a família (montesclarense), aos grandes homens, unidos por uma

geopolítica positiva.

TEIXEIRA ilustra bem essas ambigüidades no sertão:

O sertão do meu tempo era farto e rico. Chovia muito. Chuva era castigo, noite e dia, semanas a fio – enchentes, inundações, estradas intransitáveis, depois o farturão. Não se falava em seca, nem se pensava em carestia, nada. Progresso? Progresso de civilização? Disto não se cogitava. Melhoramentos de cima, do governo, não davam preocupação. Tudo distante...Estrada de ferro não se ouvia dizer, automóvel nem em sonho: era só no lombo de burro. Havia o pobre e o rico, o pataqueiro e o fazendeiro. Sim: o desnível econômico havia, mas ninguém sentia a diferença, todos tinham o necessário, dentro do seu padrão de vida_ andavam de barriga cheia, felizes! Que riqueza é isto: Ter o necessário! O mais é produto de imaginação. Vida barata, baratíssima: um mar de rosas! Uma vaca parida, dez a doze mil réis; uma medida de farinha de mandioca, da boa, torradinha, três vinténs. Sim senhor, 60 réis. Muita coisa vinha de fora, do estrangeiro, da Europa: manteiga francesa, vinho português, fazenda ingleza, cerveja alemã, fósforo sueco e assim por diante. (...) Nosso dinheiro valia ouro. Muitas pessoas gastavam a moeda e guardava a nota. A gente vestia e comia do bom e do melhor por pouco mais de nada. (...) Quem tem o que vender enriquece, quem precisa de comprar empobrece. Uma classe se beneficia em prejuízo de outra que sofre, agravando o desnível econômico e criando este clima de mal estar e insegurança em que vivemos. (...) O sertão produzia matéria prima essencial. Daqui saiam boiadas e cavalhadas para as matas de Catriungongo com destino à Bahia cacaueira e o dinheiro_ o bom dinheiro_ ficava nas mãos calosas do produtor rural. Depois o capital foi imigrando dos campos para o asfalto, da canastra do criador para o cofre forte do comerciante, que não produz, mas especula com a riqueza produzida. Atrás do dinheiro foram-se os braços: um produtor a menos, um consumidor a mais. Fator de desequilíbrio entre a produção e o consumo e aí está a crise de produção. (TEIXEIRA, l975. p.l45-6) (Grifos meus).

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Na narrativa de Teixe ira, sobre as ambigüidades no sertão, o autor recorre

aos tempos de outrora, a idade de ouro.37 Um tempo onde “tudo estava distante”

(tecnologia). A linguagem era outra, as noções de tempo e espaço não continham os

elementos da sociedade moderna, do progresso técnico, aparentemente não sofriam o

domínio dos novos ritmos, que se alteram a todo instante, Como afirmou Teixeira, “o

desnível econômico havia, mas ninguém sentia a diferença, todos tinham o necessário,

dentro do seu padrão de vida - andavam de barriga cheia, felizes!”38

Mas para TEIXEIRA quando o capital migra, migra com ele também os

homens. O campo sofre mudanças bruscas, na cidade alteram-se os valores. E surge,

como fruto desse processo de “êxodo rural”, os novos atores sociais urbanos: “os

mendigos”, mendigos esses que aparecem em todas as obras dos memorialistas quando

narram a década de 20, na cidade de Montes Claros.

Assim como em todo o país, durante esse processo de transformação, o

montesclarense não questionava nem participava, mantinha-se como espectador de um

“mundo” que não parecia ser dele. Os projetos utópicos na crença da prosperidade,

determinados pela elite, ao mesmo tempo em que trouxeram algumas certezas e a

sensação de harmonia entre progresso e civilização, foram responsáve is, também,

dentre outros problemas, pela exclusão social, pela miséria e pela letargia que tanto

contribuíram para a fixação e a reprodução de grupos sociais dominantes.

De acordo com as fontes pesquisadas, o progresso de Montes Claros ganha

destaque em relação às outras regiões no tocante ao crescimento comercial. Mesmo

assim, mostraremos que as grandes realizações, desencadeadas pelo progresso técnico-

científico conhecida como “era da sciencia,” implantadas na cidade de Montes Claros,

37 Sobre a Idade de Ouro, ver Raoul Girardet, Mitos e Mitologias Políticas, p.97-139. 38 Ver Teixeira, p.145-6, 1975.

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não impediu o surgimento de suas ambigüidades, como relata ASSIS, citado por

SEVCENKO

Enquanto o telégrafo nos dava notícias tão graves [...],coisas que entram pelos olhos, eu apertei os meus para ver coisas miúdas, coisas que escapam ao maior número, coisas de míopes. A vantagem dos míopes é enxergar onde as grandes vistas não pegam. (ASSIS. A semana, l900, p. l998)

O desenvolvimento da “era da ciência” difundiu um fluxo intenso de

mudanças, atingindo todos os níveis da vida social. Todo esse conjunto de mudanças

esteve presente no período que compreende fins do século XIX até aproximadamente

meados do XX.

Para um melhor entendimento dessa época, tornou-se necessário percorrer

algumas páginas da História da Vida Privada, onde SEVCENKO nos narra que:

Estimuladas sobretudo por um novo dinamismo no contexto da economia internacional, essas mudanças irão afetar desde a ordem e as hierarquias sociais até as noções de tempo e espaço das pessoas, seus modos de perceber os objetos ao seu redor, de reagir aos estímulos luminosos, a maneira de organizar suas afeições e de sentir a proximidade ou o alheamento de outros seres humanos. (SEVCENKO, l998).

Os hábitos sociais também mudaram no sertão de Montes Claros, o

progresso chegando e acabando com as festas populares. Na obra Montes Claros era

assim..., GRAÇA nos mostra, através de um poema de Nelson Vianna, como era a

Montes Claros de antes (década de XX).

Diálogo Dentro da Noite

O senhor não é daqui? Não! Não sou, meu caro amigo; mas por cá residi no tempo da mocidade, quando esta grande cidade me serviu de calmo abrigo. Era bela e era modesta. Não tinha preocupações senão nos dias de festas quando, toda engalanada, assistia às procissões, caboclinho e marujada (...)Mas havia certo chiste, um quê de manso, de doce, nas brincadeiras de então: teatrinhos de crianças, mais além, os “assustados”, com flauta e com violão... Tudo simples como as danças e os pares de namorados, a falar só de esperanças brotadas do coração(...) Quando era o mês de Maria, nas tardes primaveris, os anjos, em romaria, desciam para a Matriz. Mês de junho... Noites frias com seu cortejo de festas(...) Mês de agosto, o mês lendário dos catopês, cavalhadas, tradições sempre lembradas do Divino e do Rosário. Vinham os últimos dias de mais um ano afinal: Missa do Galo, folias, pela

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noite de Natal(...)Aí, visões evocadoras de era longínqua, já morta, quando as mimosas pastoras cantavam de porta em porta!(...) E qual, dos fatos passados, o que mais lhe toca a alma? São tantos(...)Neste velho Montes Claros o recanto mais amado foi o largo da Matriz(...) E quando, ao luar de prata, os boêmios despontavam nas ruas do quarteirão, pode crer! Nesse momento, no grupo da serenata, as modinhas que cantavam tinham maior sentimento e mais plangência arrancavam das cordas do violão(...)De fato, a noite vai alta, mas fico neste lugar... (p.23-5)39

Na época em que Nelson Vianna retrata a cidade de Montes Claros em seu

poema, a cidade convivia com cenas de tropeiros com suas bruacas em lombos de

burros, os “cometas”,40 com suas “madrinhas”,41 os cinemas, o circo de “Meloso” os

botecos, as boiadas, o “footing” da rua Quinze, os pontos de encontro.

Para GRAÇA a cidade era simples, desconhecia clubes sociais, rádios e

televisões. Quando das realizações dos bailes, os mesmos aconteciam no pátio ou nas

salas dos grupos escolares, e as músicas eram tocadas ao vivo, pelos inúmeros músicos

existentes na cidade, “A cidade cresceu e, aos poucos, tudo foi se modificando por

causa da civilização.” (GRAÇA, p.66).

Em Montes Claros, entre tantas outras festas que havia, duas marcaram

época, as cavalhadas e as Festas de Agosto. Dessas duas, somente a última resistiu ao

tempo, talvez pela presença do sincretismo religioso tão forte em suas manifestações,

que continua influenciando um número considerável de pessoas da cidade.

As festas de Agosto só resistiram também ao tempo devido às várias

manifestações tanto de pequenos grupos que faziam parte da elite, quanto das demais

camadas sociais. São várias as evidências em forma de crônicas, poesias e histórias

miúdas, de gente pequena e grande, que aos poucos vão montando esse quadro de

39 O médico e escritor Nelson Vianna, viveu em Montes Claros entre os anos de 1918 a 1930, atuando inicialmente como Agrimensor e depois Clínico Geral. Participou ativamente da vida da cidade como médico e produziu algumas obras a respeito da cidade. 40 Viajantes, representantes de grandes firmas comerciais que traziam seus produtos em tropas de animais. 41 Madrinha: Animal (burro) que seguia à frente da tropa, todo enfeitado com fitas coloridas e demais adereços.

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insatisfação frente às mudanças repentinas. Uma crônica de Geraldo Ataíde faz

referência a esses anseios:

A “FESTA DE AGOSTO” É NECESSÁRIA Meia noite, o coro entoado de uma cantiga sem forma quebra o silêncio da hora final. O rufar das caixas, com qualquer coisa de místico e bárbaro, o tilintar dos pandeiros, o coro lamentoso das violas, rabecas e gaitinhas de bambu, formam, ao lado da cantiga sem forma, um som profundo, unissono, soturno, expressando bem a alma simples do sertanejo semicivilizado. É à despedida dos catopês, marujos e caboclinhos que me refiro. O último dia da tradicional festa, a última hora de uma voz saudosa que sente o desaparecimento desta folgança. Faz pena! Este ano já não houve cavalhada e deslocaram um dia de festejos. As bombas foram poucas, foguetes quase nenhum. O elemento rural não compareceu. Não houve propaganda. O “civilizado” se rebela contra esta coisa de dançantes e cavaleiros fantasiados. Isto depõe contra Montes Claros, dizem com empáfia. O clero, por sua vez, recebe o “cobre” do rei, da rainha, dos juizes, etc. e condena a “palhaçada”. Agora, vejamos: o que podem estes homens fazer mais do que fazem? Onde receberam eles cultura, instrução e educação artística para se exibirem melhor em palcos e cenários diferentes? Que dia o poder público auxiliou esta gente e lhes aperfeiçoou o gosto? O clero também, porque não protege a festa, já que o povo a quer? Ela não é profana e dá à igreja alguma renda. Não, não acabem com a “Festa de Agosto”. Ela é a única festa popular de Montes Claros. Dançem catopês , teçam cipós, caboclinhos; naveguem, marujos; corram, cavalheiros! - A diversão não é privilégio de uma só classe - aquela que detém o dinheiro. (...) Onde não se vê a faca de ponta, a garrucha, nem a pinga. Onde por alguns momentos se esquecem a rudeza brutal da natureza do sertão. Ademais, o homem é animal social por excelência, e numa zona como esta, de população pequena e espalhada, é mister que haja mesmo um posto de reunião dos indivíduos . Um contato direto destes com o meio civilizado, a fim de que não amorteça ( como acontece com o homem isolado) o espírito de solidariedade humana, de cortesia , de arte, de educação). (...) A cidade não é somente um entreposto de compra e venda. Lugar onde se busca o café, o sal, o querosene e o remédio. Na cidade deve-se buscar algo de nuevo, de alegre, de bom. Coisas enfim que façam o homem mais amigo e sincero, menos desconfiado, menos ganancioso e materializado. Deixem a “Festa de Agosto” com sua parcela de função social. Auxiliem-na, porque além do povo, muita gente boa e civilizada gosta dela. Não diz, mas gosta...( PAULA, l984: p.240-24l)

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Figura 2 – Festa da Cavalhada. Fonte: Arquivo da Secretaria de Turismo – Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

PAULA enfatiza que as Cavalhadas foram uma das principais festividades

da Igreja Matriz e relata que a última aconteceu no ano de l938, porque o progresso a

extinguiu. Segundo ele, o então prefeito do período, Antônio Teixeira de Carvalho, o

Dr. Santos, resolveu construir uma praça e um jardim no espaço onde as cavalhadas

ocorriam. As cavalhadas proporcionaram grande influência na vida dos montesclarenses

pois era uma das festas tradicionais mais bonitas da cidade de Montes Claros.

Segundo GRAÇA,

dava gosto ver os senhores da nossa melhor sociedade correndo cavalhada. Com entusiasmo vestiam aquelas roupas de “oficiais”, azuis e vermelhas, com dragonas e botões dourados, bem elegantes, montados em cavalos muito bonitos e amestrados, selas novas e “incrementadas.” Com o afluxo dos automóveis e o domínio da cibernética, o cavalo perdeu sua “cotação” Era comum vê-los desfilando pelas ruas, vaidosos, mostrando suas habilidades como “marchadores” e “esquipadores.” (GRAÇA, p.31).

Um dos momentos de grande atenção durante a cavalhada era o jogo da

argolinha.

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O cavalheiro tira uma argolinha dependurada em um arco, e tem que passar com a lança e tirar aquilo. É uma coisa difícil, mas muitos conseguem. A argolinha, o sujeito leva para alguém da assistência, o presidente da Câmara, um deputado ou um amigo.42

Na crônica a Festa de agosto é necessária, Geraldo Ataíde lamenta o

descaso com que os homens “civilizados” a Igreja e a elite da cidade- vinham tratando

as festividades do mês de agosto. Para ATAÍDE, a cidade de Montes Claros não poderia

deixar sucumbir esses festejos. Ele nos relata que essas folganças ainda eram as últimas

que você podia ver o “pobre e o rico” juntos numa mesma comemoração. Esta era a

única festa popular que trazia consigo uma função social:

A fim de que uma sociedade exista e se mantenha, assegurando um mínimo de coesão, é preciso que os agentes sociais acreditem na superioridade do facto social sobre o facto individual, que se dotem de uma “consciência colectiva”, isto é, um fundo de crenças comuns que exprima o sentimento da existência da colectividade.(BACZKO, p.306).

No auge das festividades a elite tomava sempre assento em todas as

atividades, os “baús”,

tanto tempo fechados se abriam em véspera das festas, ainda cheirando a naftalina, vestidos de tafetá, bem rodados, anáguas rendadas, os chales de seda com longas franjas douradas. Os adornos, colares, brincos, anéis, pulseiras de ouro, eram cuidadosamente retiradas das caixinhas, assim como perfume “Patchilie” (francês), as meias de seda e o espartilho, indispensável para aprimoramento da silhueta. (GRAÇA, p.48).

Se era uma festa onde todos “participavam”, para Ataíde não justificava o

seu abandono pois nos dias em que se comemoravam as festividades o “pobre” também

se transformava em “rei.”

As novidades que o progresso produzia não parava de chegar na cidade de

Montes Claros como um caminhão de modelo Ford, trazido pelo Cap. José Augusto, o

primeiro veículo motorizado a entrar na cidade (1920) causando grande tumulto e

42 Idem

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muito susto na população. O “bicho caminhão rodava, bufando e fazendo evolução prá

diante e para trás...” “...Não havia estradas, mas todo mundo queria dar um passeio.”

(PAULA,1957:27).

Esse “monstro de ferro”, o caminhão, veio para Montes Claros com o

Capitão José Augusto para trabalhar na construção da Cadeia Pública e do Fórum.

Foi o capitão José Augusto de Castro, construtor do prédio da cadeia e fôro, no cruzamento das ruas Dom João Pimenta e Camilo, quem introduziu o primeiro veículo motorizado em Montes Claros. Adquiriu para o serviço um caminhão que fez na cidade a sua entrada triunfal, obrigada a discursos e a champanha. O forte barulho do motor atraía curiosos de todos os recantos que se aglomeravam pelas esquinas em muda contemplação. (VIANNA,l956, p.90) (Grifos meus).

O dito ‘monstro de ferro”, segundo nota no jornal Gazeta do Norte43,

quando se aproximava do povo era para atropelar e assustar. Foi preciso muitos dias de

campanha publicitária no jornal Gazeta do Norte, sugerindo a necessidade de se

decretar uma lei regulamentando o trânsito de automóvel na cidade, porque logo após a

chegada do caminhão do Capitão José Augusto, outros veículos de passeio, aos poucos,

foram entrando em cena na cidade, chamando a atenção dos transeuntes e causando- lhes

“espanto e medo”.

As construções de novas praças e os carros motorizados mudavam as

noções de tempo e de espaço da população.

A elite da cidade vivia atenta a todas as notícias vindas da capital do Brasil,

ou melhor, a imagem da “Belle Èpoque” que a cidade do Rio de Janeiro vendia para

todos os cantos do país.

43 Ver Jornal Gazeta do Norte, (14/08/1925). O Caminhão do Cap. José Augusto, foi o primeiro veículo motorizado a entrar na cidade de Montes Claros no ano de 1920. Segundo Vianna, o mesmo causou espanto na população, pois as pessoas se aglomeravam nas esquinas para ver o bicho em “muda contemplação”. Nessa época não tínhamos, segundo Paula, estradas propriamente dita, apenas para “carros-de-bois”, mas logo em seguida, as mesmas foram ampliadas para tal.

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O século XX chegou inaugurando um novo tempo. Vida urbana, novos

valores, lamparinas à base de azeite e lampiões de carbureto deram lugar à iluminação

elétrica. Era o avanço do progresso.

Foi inaugurada a luz elétrica na cidade, em 1917, proveniente das águas do

Rio do Cedro. Essa força tinha grande importância na vida econômica de um povo,

mantendo o comércio, dando vida às indústrias e impulsionando melhoramentos na

cidade de Montes Claros e região.

A iluminação elétrica foi também símbolo da entrada do progresso em

Montes Claros pois era a certeza vista a “olhos nu” do homem desmantelando as forças

da natureza e dominando-a. A luz estava presente nas diversas atividades cotidianas,

facilitando a vida dos montesclarenses e introduzindo novos hábitos na população. A

eletricidade veio suprir a noite, a distância, o tempo, movendo bombas, arados,

máquinas, ferramentas de todas as espécies, transmitindo ao longe a palavra, o canto,

sendo “a força universal por excelência” e “agente universal de trabalho”.

O largo O ribeirão A matriz E a poesia dos casarões quadrados ( A luz elétrica é forasteira) Manuel Bandeira, Cidade do Interior (1920)

E foi exatamente na ata do dia 09 de janeiro de l9l7 que a Câmara Municipal

aprovou os recursos necessários para a inauguração da energia elétrica na cidade,

O presidente, capitão João Cattoni, vice-presidente da comarca declarou que não estando presente o Dr. João José Alves, presidente da mesma, assumiu o exercício como substituto legal do presidente e convidou para secretário João Chaves, que autorizado procedeu a chamada estando presentes: Capitão João Cattoni, Cel. José Prates, Dr. José Barbosa Netto, Dr. Carlos Versiani dos Anjos, Major Honor Sarmento, João Chaves, Joaquim Pereira, Dr. Marciano Alves Maurício. Havendo número legal a sessão foi aberta, tendo faltado o Sr. Farmacêutico Antônio Ferreira de Oliveira e Dr. João Alves. O vereador Major Honor Sarmento, apresentou o parecer dado ao projeto n.05 autorizando o presidente a despender até a quantia de 500$000 com o festejo público por ocasião da instalação de luz elétrica nesta cidade.

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Em Montes Claros foram feitas várias tentativas para resolver o problema

da iluminação pública antes da chegada definitiva da energia elétrica. No início do

século XX, a maior parte da população servia-se de lamparinas, que eram abastecidas

por azeite, para a iluminação residencial. Aos poucos foram chegando as inovações, ou

seja, o uso também do querosene para iluminar os lampiões que agora se encontravam

em cena, principalmente iluminando os pontos centrais da cidade, como a praça da

Matriz ponto principal de todos os eventos que se realizavam na cidade.

Houve também, nessa época, estudos e tentativa de instalação de uma

máquina a gás para a iluminação local. “O Dr. Marciano apresentou à mesa a indicação

de que a municipalidade adquiriu tempos atrás uma macchina de “gás” mais acessórios,

a título de experiência para a futura iluminação pública”44 . O referido vereador propôs

que a máquina fosse vendida na praça do Rio de Janeiro, pois ainda se encontrava em

sua embalagem original e em perfeito estado de conservação não justificando mais a sua

instalação porque a cidade já possuía a iluminação elétrica e seu preço era acessível à

população.

O aparecimento da eletricidade na Europa se deu entre os anos de l800 e

l830, mas devido a uma série de fatores históricos, de complexos conhecimentos

técnicos e científicos, ela só foi possível em Montes Claros, como em várias outras

partes do Brasil no ano de l917.

Conforme DE LORENZO,

O aparecimento da energia sob a forma elétrica deu-se a partir das duas décadas finais do século passado, associado ao conjunto de transformações econômicas e sociais decorrentes da economia cafeeira, porém a expansão da eletrificação e a difusão do uso de energia elétrica como uma mercadoria de ampla aceitação foi um processo mais lento, que dependeu da evolução

44 Ata da sessão ordinária do dia 10 de janeiro de 1917, caixa 04, arquivo da Câmara Municipal de Montes Claros.

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conjunta dos processos de urbanização e industrialização. A década de l920 foi um marco nesse processo; a partir desta década é que se difundiu o uso de energia elétrica na modernização da vida cotidiana e no desenvolvimento da indústria nascente. (p.l6l)

Lessa nos relata como foi a chegada da energia elétrica em Montes Claros.

Por volta dos anos 20, Hollywood estendia seu império e sua magia ao sertão. As mocinhas sonhadoras e casadouras, já consultavam as revistas de moda para ver e copiar as melindrosas. A iluminação elétrica, inaugurada em 20 de janeiro de l9l7 com grande festa pública, dava à noite sertaneja e ao cinema o brilho da modernidade. Claridade que não era o bastante para impedir as constantes mortes à traição vindas da mão do jagunço de um inimigo. O crescimento da cidade e a secas, que reduziam o volume d`água da usina do Cedro, fez com que as queixas contra a luz elétrica começassem a surgir poucos anos depois de sua instalação. Na seca a cidade ficava quase às escuras. Somente com a conclusão da Central Hidroelétrica de Santa Marta, inaugurada em l944, que o problema foi minorado. (LESSA, 1999:87)

Em 1912, antes mesmo da chegada da telinha do cinema, havia em Montes

Claros um cosmorama ambulante que apresentava vistas da Europa. Logo em seguida

foram abertos os Cines Recreio e Ideal.

No dia 04 de outubro de l9l9, a primeira página do jornal A Gazeta trazia a

notícia da tão esperada tela cinematográfica:

Montes Claros, há tanto tempo, privada de cinematographo, vae, em breve possuir um. Teremos, por esses dias , de propriedade da Empreza Colem & Freire e sob a gerencia do Snr. Elpidio Freire, o Cinema Popular que funcionará no predio, onde, ultimamente têm-se realizado os espetáculos do” Grupo Montesclarense. E por isso, d’oravante, aos domingos, não teremos aquellas noites tristes e cheias de “Spleen” e sim noites encantadoras, realçadas pela graça e pelos sorrisos das nossas gentis patricias.45

O cinema trazia o brilho do progresso. As cenas dos filmes invadiam e

influenciavam todos os cantos da cidade.

Os rapazes salientes, filhos dos mais abastados fazendeiros locais que, antes de assistirem às fitas de Far-West, achavam “podre de chic” passear aos domingos, a cavalo, pelas ruas da cidade, em marcha esquipada, vestidos à moda tipica dos nossos vaqueiros, isto é, de borzegue e gibão- depois que

45 Jornal Gazeta do Norte, p. 01.n 65, 04/10/l9l9.

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conheceram o elegante Tom Mix, repudiaram aquela vestimenta pé-duro com que faziam o bilhareto, trocando-a pelos mirabolantes trajes dos admiráveis cow-boys. (VIANNA,l956: 57-58).

Aos poucos a população ia incorporando novos costumes, como a

preferência dos jovens por certos modelos vindos da Europa trazidos pela telinha

mágica.

Na cidade novas cenas se descortinavam e a mudança era cada vez mais

visível. Os jovens contavam os dias e as horas à espera das fitas de filmes que

normalmente vinham pelo trem até a estação da cidade de Bocaiúva (1924). De lá para

Montes Claros a população dependia da boa vontade de alguns poucos e experientes

motoristas como Nego do Ò, Zé Maquinista e Manezim Enjambrado, que eram, para a

população, os grandes heróis do volante e únicos possuidores do “Fordeco 24”, pois o

ramal da Estrada de Ferro Central do Brasil ainda permanecia nos sonhos.

Segundo GRAÇA,

o cinema naquela época (l925) funcionava num grande galpão com bancos compridos, uma campainha começava a tinir logo que anoitecia, avisando a população de que naquela noite haveria sessão (...) Quase todas as famílias se movimentavam, aos bandos, enquanto as empregadas e as crianças iam à frente, levando as cadeiras numa correria procurando se localizarem o mais perto possível da minúscula tela. O cinema contava com poucos lugares bons e às famílias mais exigentes era permitido levarem suas cadeiras de palhinha. (...) Finalmente, a campainha tocava mais forte, a luz se apagava e todos se voltavam atentos para a tela. O piano de Dulce e as clarinetas de Adail, Tonico e Arthur dos Anjos faziam um esforço tremendo, procurando suplantar o barulho do motor. (p.53).

Para GRAÇA o cinema representava tudo de belo que a cidade conhecia.

Como ninguém sabia o inglês ou outra língua estrangeira, aprendia-se a soletrar

corretamente os nomes dos artistas dos filmes como Laura La Plante, William

Desmond, Clara Baw, Mary Pick Ford, Douglas Fairbanks, Emil Janmings, ídolos de

velhos e crianças. Um dos filmes que fez sucesso em Montes Claros foi o Cavaleiro das

Sombras, tendo como ator principal, William Desmond.

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O filme era mudo mas nem por isso deixava de vender somas de bilhetes,

pois a propaganda era feita nas ruas ou em portas de residências por um senhor que ao

mesmo tempo em que anunciava os filmes em cartaz, usava, também as batidas de uma

caixa de couro para chamar a atenção de todos.

Em um trecho de sua obra, VIANNA nos conta que muitas crianças

permaneciam do lado de fora das sessões por não terem condições de comprar o bilhete:

O saudoso Paculdino Ferreira ou, simplesmente o Ferreira, como era mais conhecido, foi por largos anos, proprietário de cinema em Montes Claros. Na sessão da noite , depois que as pessoas felizes que podiam pagar, já haviam entrado e assentado, contemplava, cheio de pena, a garotada triste que, cá de fora, olhava com um olhar comprido, para dentro do salão, sem um níquel sequer para comprar o ingresso- e com uma vontade louca de assistir ao filme. (p.55)

Além dessa situação de desigualdade social, em uma outra passagem o

mesmo autor nos revela que na maioria das vezes a projeção dos filmes só tinha início

quando o presidente da Câmara chegasse e tivesse assento. Os telespectadores ficavam

ansiosos para assistirem as novidades cinematográficas, e era tamanho o desejo que

muitos iam para as esquinas e ficavam à espreita do primeiro sinal da presença do Dr.

João Alves. Quando ele saía de sua residência com destino ao cinema esses olheiros

corriam aos pulos para avisar os demais de que o Dr. João já estava vindo.

Finalmente, a casa já se achava repleta de espectadores, as fitas na cabine do operador e a orquestra parada, com os músicos suando em bicas, cansados de tanto tocar. Mas, mesmo com a casa cheia e os filmes “ao pé do serviço”, a função não começava. Uma sombra de impaciência pairava sôbre a platéia ansiosa. Mas por quê? Por quê ?! Todos sabiam muito bem. A sessão só teria início quando o Dr. João Alves chegasse. Não se apagariam as luzes, enquanto ele estivesse de pé. Só depois que o presidente da Câmara e Agente Executivo, Dr. João José Alves, tomasse assento no seu lugar reservado, então, sim! É que a macacada poderia gozar aquelas delícias de Priscila, Deeds e Bigodinhos. (VIANNA, p.55-61).

A cidade de Montes Claros ao mesmo tempo que é uma sociedade

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fortemente hierarquizada e conservadora é também uma sociedade marcada por

relações de passividade, em que não era fácil descobrir a pobreza escondida, a penúria

disfarçada, porque a comida básica não chegava a faltar pois era barata e vinha das

roças. No entanto, dinheiro para o senhorio, para a conta da farmácia e para a educação,

para as compras da moça nas lojas, era escasso. PAULA ilustra bem esta passagem:

A aparência, pois, era de que não havia ricos muito ricos, nem pobres demasiado pobres. A maior parte da população se distribuía pelos muitos grupos intermediários que vão da pobreza à abastança ... Sem dúvida, havia cetim e sapatos de duraque para as grâ-finas e casemira inglesa para a sobrecasaca dos senhores vereadores, mas o luxo tinha ares de inocência e não chegava a irritar a ninguém. (PAULA. p.237)

Esta cidade é também fruto de uma herança política, pela qual as idéias

liberais adentraram o sertão, visando a garantia da ordem social, a promoção do

progresso, um progresso que defendia os interesses específicos de uns poucos letrados,

um progresso excludente, onde a população só exercia o papel de legitimar e consentir

os desejos desse pequeno grupo e, como necessidade, a manutenção de privilégios e de

controle do poder. A idéia que Paula nos mostra, nesta passagem, que a população

aceitava “passivamente” essa condição de desigualdade social. Mas se estas condições

eram articuladas por ardilosas manobras urdidas por essa elite, com certeza a população

não tinha como se opor frente as condições que lhes cabiam.

Findado o século XIX, a cidade de Montes Claros passava, aos poucos, a

conviver com novos avanços. Os jornais da época já influenciavam através da

propagação de idéias que interferiam nas opiniões das pessoas, sem que elas se

apercebessem daquilo. Acolhiam em suas páginas os nomes mais representativos da

época, com uma diversidade de assuntos e preocupação com os problemas locais e

nacionais pertinentes à República. As pessoas eram levadas a agir da forma como lhes

eram apresentadas, mas, que pareciam ser aceitas livremente.

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José de Araújo foi assinante do “Correio da Manhã” durante muitos anos. Todos os dias, era aquela a sua leitura. Nada lhe escapava no jornal amigo, a que se afeiçoara pelos anos a dentro. Gravemente enfermo e já velho, José de Araújo fez um pedido à mulher e aos filhos. Queria que, na sua última viagem, fosse colocado sob a sua cabeça, no caixão mortuário, o exemplar do “Correio da Manhã” que chegasse, e que a morte não lhe desse tempo de ler. Assim foi feito, sendo cumprida a sua vontade. Na vida e na morte, o leitor se manteve fiel ao seu jornal. (Idem, 1.957. p.16)

As obras públicas vão ganhando forma e revelando padrões de civilidade.

Por meio do exame das atas da Câmara Municipal de Montes Claros

encontramos mudanças significativas no processo de urbanização que se desenvolvia

na cidade entre os anos de l9l7 a l926.

A década de l920, no final do governo municipal de Dr. João Alves e início

do governo do Cel. Antônio dos Anjos, foi bastante profícua para Montes Claros, com o

Código de Postura e o Código Tributário o município toma novo fôlego. Passa-se a

exigir o cumprimento lega desses códigos, mais impostos são criados para

regulamentação do comércio e investimentos em obras públicas. A arquitetura e o

planejamento das ruas sofrem alterações significativas, becos e ruas são abertos, alguns

passeios são construídos, bancos são colocados nas praças, construções antigas vão

sendo demolidas, a faixada das casas ganham novas aparências, sendo totalmente

azulejadas, com varandas direcionadas para fora. As residências apresentavam

construções mais sofisticadas.

No fim do século, as construções foram aumentando mais depressa. A cidade crescia. Surgiam, então, idéias líricas. Na fachada de uma casa espaçosa, acolhedora e simpática, que ficava no comêço da rua Direita, foram esculpidas uma rosa e duas chaves. Era o nome da dona da casa- Rosa Chaves, a velha e querida mestra. (PAULA, l979:XI).

As praças principais da cidade - da Matriz e Dr. Carlos - recebem um novo

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ordenamento sofrendo muitas mudanças. E a mesclagem do inovador e conservador 46.

O espaço físico urbano aos poucos vai dando sinais de crescimento, surgindo os

primeiros bairros como Malhada, Morrinhos e Alto São João. Os veículos motorizados

que o progresso trazia solicitavam ruas mais espaçadas ao invés dos becos por onde

transitavam veículos de tração animal como carroças, charretes ou carros-de-boi.

Nesse período, a cidade de Montes Claros necessitava de mudanças e a

população aguardava ansiosa os novos projetos para a melhoria urbanística da parte

central da cidade. Encontramos nos arquivos do Centro de Documentação da

UNIMONTES documentos pertencentes à Prefeitura de Montes Claros, entre eles a

cópia de um mapa de 1920 que apresentava um novo traçado e as alterações que as ruas

do centro iriam receber.

Figura 3 – Mapa da cidade. Fonte: Documento avulso encontrado na caixa de nº 09 do Centro de Documentação da UNIMONTES, pertencendo a Prefeitura Municipal de Montes Claros.

46 Alguns sobrados existentes nessas referidas praças do tempo do Império, foram preservados em meio às mudanças ali sofridas.

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Nesse período de l9l7 a l926 foram várias as sessões na Câmara Municipal

para aprovação dos inúmeros projetos autorizando os serviços de reformas ou mesmo

mudanças no ordenamento das praças, jardins, ruas, novos calçamentos, canalização de

água e esgoto ou instalação de luz elétrica, telefonia e outros benefícios públicos que o

progresso inaugurava. Ao que tudo parece a febre das reformas Pereira Passos na

década de 20 na cidade do Rio de Janeiro, estava chegando ou já influenciava os

administradores municipais de Montes Claros. Percebemos também que os projetos de

urbanização da cidade estavam, em sua maioria, voltados para a parte central da cidade,

especificamente em volta das praças Dr. Carlos e Matriz, onde de fato se encontravam

as residências e os comércios dos “coronéis” e “doutores” da cidade. Raríssimas vezes

encontramos projetos que versavam sobre a melhoria ou qualidade de vida de alguns

moradores que residiam na periferia da cidade e, quando encontramos, era novamente

para beneficiar as estradas que levavam às propriedades rurais desses senhores . Para

termos uma idéia melhor, examinamos alguns desses projetos:

O projeto de nº 0l, de l9 de janeiro de l920, considerava de utilidade publica

a desapropriação do terreno necessário para prolongamento da rua São Paulo, hoje Pe.

Augusto, até à Praça Santos Dumont, correndo a despesa pela respectiva verba do

orçamento vigente.

O projeto de nº 02, também de l9 de janeiro de l920, revigora para o

presente exercício o credito aberto pela lei n. 385 de l8 de julho de l9l9, relativamente

ao ajardinamento da Praça Dr. Carlos.

O projeto de nº 10, de 29 de janeiro de l920, autoriza o presidente da

Câmara e agente executivo municipal a mandar desapropriar, por utilidade publica, uma

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casinha e respectivo terreno pertencente a Maria Esteves e situado no cruzamento das

ruas Dr. Velloso e D. João Pimenta.

O projeto de nº 17, de l6 de abril de l920, autoriza o Presidente e Agente

Executivo a mandar calçar as extremidades da praça Dr. Carlos, em todas as extensões,

onde ainda não há calçamento.

Em seu artigo segundo, declara que as despesas com esse serviço correrão

pela verba “obras públicas...”

Na sessão do dia l7 de abril de l920 na sala das Comissões da Câmara

Municipal, foram dadas as considerações ao projeto de n. l7, a saber:

Considerando que a praça Dr. Carlos é uma das mais importantes desta cidade; Considerando que na mesma praça estao as maiores casas commerciais da cidade, quiça do Norte de Minas; Considerando que a poeira levantada naquelle local, prejudica grandemente aos comerciantes ali estabelecidos. A comissão a que este foi presente, assina pela conversão do mesmo em lei desta Câmara...

No projeto de nº l8, de l7 de abril de l920, a Câmara Municipal de Montes

Claros em seu artigo primeiro decreta:

Fica o Presidente e Agente executivo autorizado a entrar em accordo com

o governo do Estado, no sentido de se construir um predio nesta cidade, destinado a

Forum e Paço Municipal.

O projeto nº 23, de 23 de abril de l920, em seu artigo primeiro, autoriza o

presidente da Câmara a adquirir um terreno, proximo ao Mercado Publico, para servir

de pátio para estacionamento das tropas e animais dos vendedores de gêneros nas feiras

ou em qualquer outro dia.

O projeto de nº 40, de l7 de outubro de l920, decreta que a partir do

exercício do ano de l921 vários projetos entram em vigor:

Art. I. Ficam em inteiro vigor no exercício de l921 as disposições contida nas leis numeros 271, mandando construir um pontilhão sobre o corrego Burity;

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274, sobre construcção de açougues; 314, sobre a construcção de uma ponte sobre o rio Pacuhy; 348, relativa a consessão de auxílios a lavoura; 357, sobre construcção de Pontes no Pastoreador e braços do rio Vieira; 327, construcção de um pontilhão sobre a barroca do Modesto; 357; sobre concertos nas pontes do Riacho do Fogo e Rio Verde; 360, sobre calçamento do interior do Mercado; 375, sobre a construcção do cemiterio; 38l, sobre abastecimento de água potavel à cidade; e 424, sobre a construcção de um pontilhão no Rio Canabrava...

Não podemos perder de vista que o interesse “político” da elite de Montes

Claros estava contemplado nas ações sobre o planejamento da cidade, a organização

urbana e sua ocupação no que se refere a demolições, calçamentos, desapropriações;

enfim a remodelação da planta da cidade somente atendia os interesses dos moradores

da área central, tornando-se assim em uma situação de exclusão social. O que se percebe

é que os primeiros bairros a serem povoados localizavam-se na periferia da cidade e

mesmo sendo os primeiros a receber moradores, não foram beneficiados pelos projetos

executados entre os anos de l920 e 1922.

2.4 Cavalo de aço: fumaça, fogo e carvão

Um galope frêmito nas entranhas do sertão

...O fato significativo era que o progresso estava agora geograficamente muito mais espalhado, apesar de muito desigual. A presença de estradas de ferro e, numa escala menor, máquinas a vapor, introduzia então o poder mecânico em todos os continentes e em países não- industrializados(...) Os produtos característicos da era vieram a ser o ferro e o carvão, e seu símbolo mais espetacular, a estrada de ferro, que os combinava. (HOBSBAWM, p.59-61, A era do capital)

As obras não cessavam e o feito maior que abrangeria toda a população

Norte Mineira estava chegando, trilho por trilho, quilômetro por quilômetro: era a

grande vedete, a “Maria Fumaça”, ou seja, o “Trem-de-Ferro.”

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A população de Montes Claros e região esperava ansiosa por essa

realização, não suportavam mais esperar, sendo muitos os esforços realizados para a

efetivação desse acontecimento.

O exame das atas da Câmara Municipal de Montes Claros, das notícias

veiculadas no jornal Gazeta do Norte e dos documentos da Prefeitura Municipal de

Montes Claros que se encontram na caixa de n. 09 no Centro de Documentação e

Informação da UNIMONTES, desde o mês de setembro de l9l9, foi possível

acompanhar a trajetória de todos os empreendimentos organizados para a vinda da

E.F.C.B para Montes Cla ros. Em todas essas fontes foi possível encontrar e analisar a

trajetória dessas informações abaixo descritas:

Secretaria de Estado dos Negócios da Viação e Obras Publicas, Rio de Janeiro, l7 de setembro de l9l9. De ordem do Snr. Ministro e em resposta ao officio dessa Câmara, de 10 de Abril ultimo, pedindo a construcção de uma estação na margem direita do rio Jequitahy, tenho a honra de transmittir-vos na inclusa copia, as informações que relativamente ao referido pedido presta a Directoria da Estrada de Ferro Central do Brasil, em officio n.l.950/2a , de 1º do corrente. Saude e Fraternidade. Snr. Presidente da Câmara Municipal de Montes Claros. Affonso G.C. Maciel – Diretor Geral.

No documento anexo a esse ofício o diretor da Secretaria de Estado da

Viação reconhece que há conveniência por parte do senhor Ministro na construção de

uma estação na margem direita do rio Jequitay e com destino dos trilhos até a cidade

de Bocaiúva (Ver fig. 4 - Anexos). O Jornal Gazeta do Norte de 20 de setembro de l9l9

traz a seguinte notícia:

Ramal de Montes Claros. Chega ao nosso conhecimento que existe ordem governamental para que sejam atacados com energia os serviços de construção desse ramal, cujos engenheiros tiveram ordens do chefe dos trabalhos, de facilitar o quanto possível os meios para mais conclusão das obras. Assim, grandes trechos que até então não tinham sido atacados, estão sendo agora. Dos kilometros 111 a 120 ainda não tinham sido iniciados os serviços até há pouco; mas agora foram começados estes com intensidade, havendo nesse trecho um grande corte de 60 metros que foi atacados por 4 boccas(...) Justifica-se esse facto por ter-se em vista a economia de tempo, ordenada

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pelo Dr. Caetano Lopes, da bitola larga recentemente terminada em Bello Horizonte e agora dirigindo pessoalmente a construcção do nosso ramal. Por esse engenheiro já foram calculadas as duas pontes de vigas treliças de 30 metros para os rios Gamelleira e Jequitay. Dando ao público essa noticia fazemos votos para que nos venha a estrada com rapidez e antecipamos os nossos agradecimentos em nome do Norte ao ilustre engenheiro Dr. Caetano Lopes.”( GAZETA DO NORTE, 20/09/l920, p.0l n.63)

Apoio de todos os lados foram surgindo para a vinda do ramal até Montes

Claros pois não somente interessava à população Norte-Mineira, substituir as tropas por

um ritmo mais rápido como também, fazia parte de um plano de unidade nacional. O

“trem de ferro” representava a única solução “civilizadora” no sertão do Brasil. Era

necessária a conquista de todo o território brasileiro, conforme podemos perceber no

pronunciamento feito pelo presidente da República Epitácio Pessoa em nota extraída e

publicada no Jornal Gazeta do Norte de 24 de julho de l920:

A proposto de nosso ramal ferreo, extraimos do “Minas Gerais” orgam official do Estado as seguintes linhas: O sr. Senador Bernardo Monteiro teve na Terça-feira demorada conferência com o chefe da Nação, sobre a necessidade de não serem interrompidos, por falta de verba, os trabalhos de construcção dos ramais de Marianna e Ponte Nova e de Montes Claros. O snr. Epitácio Pessoa que se interessa pelo prolongamento dos trabalhos, prometteu todo o seu apoio a consecução dessa justa aspiração. (Gazeta do Norte, 24/07/l920, p.01, n. 107)

A partir dessa época as obras para a construção do ramal da Estrada de

Ferro Central do Brasil a cidade de Montes Claros não foram interrompidas até a sua

conclusão.

Na história de Montes Claros são inúmeras as passagens, tanto na imprensa

como em outros setores da sociedade os anseios da elite montesclarense de conquistar o

ramal da Linha do Centro da Estrada de Ferro Central do Brasil em razão de sua posição

estratégica de cidade como entroncamento de vias de comunicação regional e nacional.

Esta posição, também se fazia presente nos anseios da elite da cidade vizinha, Pirapora.

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Em 1884, a Companhia Cedro Cachoeira resolve implantar um depósito de

compra de algodão e venda de tecidos em Pirapora, desencadeando um forte processo

de crescimento econômico e importante centro urbano regional. Segundo Cardoso, “a

escolha da Companhia tinha por trás uma estratégia empresarial, considerando que

Pirapora seria o local mais indicado para a passagem da linha férrea, que já era

realidade em Sabará na época.” (p.36).

A cidade de Pirapora assumiu a condição de Linha Centro da Estrada de

Ferro Central do Brasil. Montes Claros era apenas um ramal. Sobre a chegada dessa

ferrovia em Pirapora, Mata-Machado (1991, p. 125), nos relata que esse Município se

tornou ponto central da vida comercial e industrial da Região Noroeste de Minas Gerais.

Estava findando o governo de Artur Bernardes (1926), era urgente a

finalização da construção do ramal da Estrada de ferro até a cidade de Montes Claros.

Montes Claros ganha um aliado politicamente bem relacionado na esfera Municipal,

Estadual e Federal para defender de “unhas e dentes” essa empreitada. Era ele o então

ministro da Viação, Francisco Sá, nascido em Brejo das Almas (hoje Francisco Sá),

filho querido da região norte mineira. O ministro Francisco Sá, tornou-se para a região

o protagonista, o homem providencial, ou melhor, como nos mostra GIRARDET, “(...)

o do Homem providencial, do Chefe, do Guia, do Salvador. Personagens símbolos,

através de um e de outro exprime-se uma visão coerente e completa do destino coletivo.

Em torno deles cristalizam-se poderosos impulsos de emoção, de espera, de esperança e

de adesão.”(p.70)

Essa conquista representava um presente para todos. A população de

Montes Claros aguardava ansiosa pelo dia da inauguração. Era o sonho da chegada do

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progresso, era como chegar no mês de setembro e ver a primavera abrindo todas as

portas e invadindo todos os lares.

No dia 16 de abril de l921 a Gazeta trazia, em sua primeira página, a notícia

da inauguração das duas novas estações no ramal que se dirige para Montes Claros:

Embaiaçaia e Cattoni. No dia 18 de outubro de l922, a Gazeta anunciava a inauguração

do novo trecho do ramal de Montes Claros compreendendo as estações de Bueno Prado,

Jequitay e Quilômetro l.000.

Conforme LESSA, em 07 de junho de l924 o ministro inaugura a estação de

Bocaiúva.

Bocaiúva (l9 horas). O povo vibra de entusiasmo. Após ser lavrado o termo de inauguração de Bocaiúva, o Dr. Daniel de Carvalho, secretário da Agriculta de Minas saudou o senhor Ministro da Viação, tendo este respondido em brilhantes palavras. A comitiva seguiu então para a cidade. (...) Bocaiúva (l9h,50m). O senhor Ministro da Viação paraninfou o ato inaugural, notando-se a presença de grande massa popular e representantes do mundo social. (Gazeta do Norte, 7/6/l924,p.7).(op.cit.LESSA p.91).

A notícia da vinda do Ministro Francisco Sá a Montes Claros no dia

seguinte à inauguração da estação de Bocaiúva era, há muito, esperada. Na cidade, em

todos os cantos o assunto do dia era somente um, a chegada do Ministro. Os bate papos

no cinema, nos cafés, nas farmácias, no comércio em geral eram intermináveis. As

pensões não cabiam mais tantas pessoas vindas de todos os lugares da região para

participarem dessa grande festa. As moças e os rapazes da elite encontravam-se

eufóricos, procuravam a melhor roupa para vestir na recepção do Ministro e,

principalmente, a roupa do baile que aconteceria à noite na cidade, regado com todos os

pratos e bebidas sofisticados da época.

Na sala das Comissões da Câmara Municipal de Montes Claros, no dia 11

de abril de 1924, a comissão de Orçamento e Contas dava o seguinte parecer:

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Art. l.º Fica o snr. Agente Executivo Municipal auctorisado a receber e hospedar o exmo. Sr. Ministro da Viação e Obras Publicas, com a respectiva commitiva, na sua proxima visita a esta cidade. Art.2.º Para occorrer às despesas necessárias à execução da presente lei, fica aberto o credito da importância precisa nas verbas constantes dos n.ºs. 3,4 e l5 do §1.º do art 2.º da lei n.º 543, de 25 de outubro de l923. Art. 3.º Fica o sr. Agente Executivo auctorizado a fazer qualquer operações de credito, que julga convenientes e necessários ao cumprimento desta lei. Art.4.º Revogam-se as disposições em contrario. Sala das comissões, em 11 de abril de 1924. Honor Sarmento, Luis Onofre Lafeta, José Barbosa Neto.

No dia 08 de agosto de 1925, relata a Gazeta do Norte: “ É necessário agir!! A approximação da Estrada de Ferro, cujos serviços de construção vão bem adeantados, de modo a se prever a sua chegada aqui, no proximo anno exige dos responsaveis pelo nosso progresso e pelo desenvolvimento da cidade, providencias uteis, de modo que condignamente estejamos apparelhados para receber tão grande melhoramento.

No dia 08 de junho de 1924, a comitiva do Ministro entrava na cidade de

Montes Claros, era o dia da grande festa, principalmente porque esse foi o dia

fundamental em que o Ministro Francisco Sá e sua comitiva definiu por onde passaria a

estrada.

O trecho até Montes Claros era apenas um ramal, estando a Linha Centro da Estrada de Ferro Central do Brasil, passando por Pirapora. Mais interessante ainda foi o fato de que a partir de 1º de janeiro de 1925 alguns meses após a visita do ministro à Montes Claros, por determinação do novo ministro da viação Vitor Konder, o trecho da linha Corinto/Pirapora, antes leito principal desta ferrovia Longitudinal, passou a ramal de Pirapora, ficando como Linha Centro o antigo ramal de Montes Claros (Lessa, Op. Cit. P. 95- RELATÓRIO ANUAL DA ESTRADA DE FERRO CENTRAL DO BRASIL, 1925, p.67).

Montes Claros, assumindo a condição de Linha Centro da Estrada de Ferro

Central do Brasil, Pirapora foi rebaixada para a condição de ramal ferroviário, e Montes

Claros ganha importância no processo de reorientação econômica da região, via pela

qual o Norte de Minas começa a integrar a dinâmica econômica de Centro-Sul do País.

Conforme destaca Cardoso, “O Município de Montes Claros, todavia, reforçou sua

importância, assumindo a condição de “boca do sertão” consolidando-se como o grande

coletador e distribuidor de produtos regionais e extra regionais” (Cardoso, 1996, p. 42).

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É oportuno destacar que a cidade de Pirapora mostrou-se descontente com

tal resolução, pois aliada à importância de sua via fluvial, juntamente com a conquista

de “ponta de trilhos”, esta localidade seria destacada entre as demais no norte de minas.

Os manifestos foram vários, na imprensa local, nos jornais da capital, telegramas e

abaixo assinado ao Ministro da Viação.

Costa analisa esses acontecimentos partindo da visão de que as ferrovias faz

surgir cidades ao mesmo tempo que “adormecem” outras.

A estrada de ferro por sua vez, além de contribuir, para o desenvolvimento do mercado interno, estimulando indiretamente a urbanização, fez nascer cidades e matou outras. Alguns dos núcleos promissores da fase anterior que ficaram à margem da rede ferroviária viram decair seu movimento, enquanto outros núcleos surgiram ao longo da ferrovia junto às estações. (COSTA, 1999, p. 255).

LESSA comenta,

A chegada do trem na cidade facilitaria o acesso às informações. As informações que antes eram trazidas pelos tropeiros, passam a ter outra via de acesso: correio, revistas, jornais, viajantes trazidos pelo trem. Moças e rapazes passaram a fazer “footing” na estação para ver o trem chegar. Chegava com os viajantes, os visitantes, as novidades; além do grande espetáculo da maria-fumaça, bufando e apitando. (Lessa, 1999, p. 103).

O ministro, tinha o poder de trazer esse instrumento da “civilização,”

levando o progresso que seguiria pelo sertão, integrando e conquistando territórios. A

construção dessa malha de comunicação era um importante agente político e social. Ao

mesmo tempo em que expressava o desejo da elite de “integração nacional”,

representava o controle político de todo o território.

Uma caravana de carros recepcionava o Ministro que chegava em um

belíssimo Pacard ministerial. LESSA descreve o cortejo de toda a festa. Segundo a

autora, a ”entrada foi triunfal, o Ministro fez o trajeto até a residência que lhe estava

reservada a pé” (p.92). Várias comemorações foram organizadas. As primeiras, ainda

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nas ruas, atendiam à população em geral que se aglomerava em torno da praça da

Matriz, para seguir de velas acesas a mão até a outra praça na zona sul da cidade, a

praça Dr. Carlos, para organizar o cortejo. As manifestações não paravam e a cidade

brilhava. À noite, após os inflamados discursos, todos seguiram novamente para a praça

da Matriz onde se realizaria a queima de fogos de artifícios, que pipocavam no céu da

praça, com direito a assistirem ao brilho da noite com todas as cores possíveis. O cortejo

passou pelas duas praças

Para LESSA, em nota abaixo descrita, nem todos participaram desse evento

com esse evento. Ela mesma deixa claro a desigualdade social, a ambigüidade é vista e

detectada através de documentos.

Nestas homenagens fica explicitada a hierarquia social, o lugar efetivo dos operários, em sua maioria artesãos, e, a ausência dos trabalhadores rurais, ou como eles sempre foram chamados, os “camaradas” e os “peões”, que eram a maioria dos trabalhadores da região. A presença dos operários em detrimento dos trabalhadores rurais, era compreensível, na medida em que, os primeiros eram um produto do mundo moderno da fábrica e da oficina. Os trabalhadores, por sua vez, representavam o mundo agrário que se buscava esconder nas comemorações. Os presentes são como oferendas a um sacerdote. Para qualificar melhor a participação no ritual o direito ou não da palavra e da presença, o valor e a riqueza das oferendas estabelecem a distância entre a categoria e o ministro. (P.94).

Já em 1926, por ocasião do anúncio oficial da chegada da Estrada de Ferro

Central do Brasil, um artigo apelava para que todos se unissem num mesmo desejo e

entusiasmo, ornamentando suas casas e recebendo mais esse melhoramento com todas

as honras que lhes fosse possível. Este é um outro ponto que merece ser destacado pois

a cidade se envolveu de uma tal forma com esse evento que se tornou o maior símbolo

do progresso. Como atesta Lessa, “O trem de ferro era em si o progresso a máquina de

grande porte, a tecnologia, a velocidade, o tempo linear e abstrato do relógio” (LESSA,

1999:102).

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Annuncia-se officialmente, que por todo proximo mez de agosto será inaugurada a estação da Estrada de Ferro Central do Brasil, nesta cidade. Será este, não há dúvida, o maior acontecimento na vida de Montes Claros, o seu maior dia, esse em que, inaugurado seja o trecho de Bocayúva a esta cidade, ligando-a aos demais centros civilisados do mundo. E uma nova era também, a inaugurar-se para o nosso povo que recebe uma injecção de vida nova, tornando-o apto aos grandes commettimentos que trazem o desenvolvimento econômico de uma região. O povo de Montes Claros deve reflectir e comprehender esse extraordinário mellhoramento e não medir sacrifícios para que essa data seja commemorada de um modo condigno, maximé porque, por essa occasião virão a nossa a terra os vultos mais eminentes de nossa alta administração, da política e de outros ramos de actividade. Não é razoável que todos esperem a accão do poder municipal para que nossa cidade se apresente garrida e satisfeita quando aqui chegarem os primeiros comboios à estação da Central. Cada um deve mostrar-se um enthusiasta por esse acontecimento, excepcionalmente grandioso e concorrer, na medida de suas forças para que essa data fique assignalada por um brilho que ultrapasse o que já aqui, em outras occasiões, se tem observado. Devem todos providenciar para que suas residências e a frente de suas casas se apresentem limpas e aceiadas e aquelles que mais enthusiasmem por esse grande acontecimento, as ornamentem, dando-lhes um aspecto festivo. A nossa Câmara Municipal cogita do melhor modo de offerecer uma recepção condigna a quantos se abalançarem a vir até aqui, desejosos de conhecer o nosso progresso e as nossas possibilidades; ella só, porém, não poderá attender a tudo e por isso, confiantes no patriotismo dos montesclarenses, nascidos ou não nesta generosa terra, fazemos um vibrante appello para que todos concorram, por menor que seja o seu esforço, para que tenham grande brilhantissimo as festas que se projectam realisar nesse dia que repetimos, será o maior dia para Montes Claros47

Após as comemorações da visita do ministro a Montes Claros, a cidade

adormecia e acordava sonhando com a definitiva inauguração da ferrovia.

Foram mais dois anos de espera para que se realizasse esse evento. Todas as

forças políticas e o poder de representação que a elite dominante de Montes Claros

gozava junto ao governo Estadual e Federal foram usadas através de seus representantes

para transferir a condição conquistada por Pirapora ainda no final do Império.

A transferência da condição de Linha do Centro da Estrada de Ferro Central

do Brasil conquistada a partir do ano de 1926 por Montes Claros contribuiu para o

“retrocesso” na implementação de políticas de desenvolvimento desencadeada em

47 Gazeta, n.457, 21/07/1926

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Pirapora desde a implantação dessa Linha no final do Império, transferindo para Montes

Claros essa conquista.

As articulações políticas que a elite dominante de Montes Claros tinha

realizado junto ao governo Federal garantiram-lhe a oportunidade de ocupar a vaga de

destaque comercial e industrial na Região antes ocupada por Pirapora.

LESSA confirma nossa tese de que “Pirapora protestou, mandando

correspondências aos jornais da capital, telegramas, e um abaixo assinado ao Ministro

da Viação e ao diretor da Central do Brasil”. FRONTIN, Paulo (p.95).

No dia 21 de agosto de 1926, a Gazeta do Norte de n.466, estampava assim

a notícia:

O grande acontecimento de hoje: o povo recebeu enthusiasticamente a primeira locomotiva. Sob delirante enthusiasmo da multidão, composta de elementos de todas as classes sociais, que afferiram hoje a esplanada da Central do Brasil, deu entrada em nossa gare a primeira locomotiva. Comprehendendo a alta significação deste acontecimento, o nosso povo vibrou intensamente, deixando transparecer em suas demonstrações de alegria o seu profundo reconhecimento ao exmo. Sr. Ministro da Viação, bem como aos seus dedicados auxiliares, que tanto fizeram pela concretização do inapreciável benefício que vimos de receber. Foram calorosamente vivados nomes já estreitamente ligados a história de Montes Claros como os dos exmos. srs. Presidente da República e do Estado, Ministro da Viação, nossos representantes à Câmara Federal e altos funcionários da Central do Brasil. (Gazeta do Norte, 21/08/1926).

A inauguração da Estrada de Ferro Central do Brasil, em l926, desencadeou

um crescimento acelerado do comércio local e regional. À medida em que a imagem do

trem de ferro se associava à rapidez nas viagens, há introdução de novos valores. O

trem proporcionava convivência com novas relações sociais e com novos artefatos

saídos das fábricas modernas. Há facilidade de “ir e vir”, juntamente com o sonho de

ganhar o mundo. O advento dessa era mecânica provocou a emergência de grandes

mudanças no comportamento dos homens e a dinâmica cotidiana acelerou a vida no

sertão.

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Privilegiamos o exame do progresso desde as primeiras mobilizações em

torno da canalização da água potável e da chegada da luz elétrica no decorrer do ano

de l917. Essas realizações fizeram parte das políticas implementadas ainda no governo

municipal do Doutor João Alves, eleito presidente da Câmara Municipal no período de

1917-1922. Temos como ponto de referencia também a inauguração do ramal da

E.F.C.B, no governo do Cel. Antônio dos Anjos, l922-1926.

Nesse período tivemos outros acontecimentos que podem ser considerados

como “progresso” como a instalação do primeiro motor a vapor de 6 HP efetivos que

acionavam um descaroçador Águia, de 25 serras com condensador conjugado,

servindo para enfardar algodão. Em 19 de agosto de 1925 houve a aprovação e

regulamentação do Decreto Municipal de número 6655 tratando da obrigatoriedade

do ensino primário fundamental e das caixas escolares. Isso se deu no governo do

Coronel Antônio dos Anjos que foi eleito para prefeito no período de 1922 a 1926. A

inauguração da agência do Banco Comércio e Indústria aconteceu no ano de 1926 e

foram criados postos de saúde devido ao número ainda crescente de epidemias

diversas.

No decurso desses anos, de 1917 a 1926, a população crescia, os hábitos

iam-se modificando, novos valores eram introduzidos e nem sempre o “ideal” de

“progresso” da elite de Montes Claros, que ia se projetando, exprimia o bem-estar da

população e a sua segurança.

Com a estrada de ferro, conforme narramos anteriormente, o Norte de Minas

sofre com o processo de migração de trabalhadores para outros centros, deixando para

quem ficava apreensão e tristeza ao ver levas e levas de habitantes aliciados e levados,

todos os dias, a embarcar com destino a São Paulo.

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quantas roças, já por ahi, a branquear o chão de capuchos de ouro branco, na falta de braços que façam a sua colheita. Ahi ficam as fazendas abandonadas de trabalhadores, num retrocesso que causa dó, enquanto os seus filhos-ingenuos caboclos rudes - vão em prol de promessas falazes, num exodo collectivo em procura de uma chama que nunca hão de encontrar, apezar de sonhada.” 48 “ A ferrovia que fez de Montes Claros o centro comercial do norte de Minas atraiu muitos forasteiros, frequentemente de origem humilde. ( WIRTH, l982: l26).

Não sabemos a causa principal da quantidade enorme de mendigos que infestam a cidade: se a preguiça de uns; se a caridade, que não sabe repellir os pedintes . Meninos e meninas, desde pequeninos, são creados pelas portas e pelas ruas, num pedinchar continuo, e se acostumando ao latrocinio, e aos vicios. Resvalam, quasi sempre, para o abysmo, quando não encontram mão protectora a amparar-lhes na queda. O único trabalho de taes infelizes é alguma lenha que vendem a cem réis o feixe. Andão maltrapilhos, immundos. (VIANNA, l9l6: 289)

A ambigüidade do progresso se encontrava em vários locais da cidade. A

presença constante de crianças maltrapilhas, bêbados, cidadãos desocupado, algumas

cenas de atropelamento de pessoas nas ruas principais e os abusos de poder,

estampados nas vestes e pompas de alguns agrediam os transeuntes, em sua maioria

cidadãos humildes.

Esse desenvolvimento científico-tecnológico crescente em Montes Claros

era,porém, ainda tolhido pelo “tempo das carroças”, na cultura e nos costumes de seus

habitantes.

Quando se faziam referências a sertão civilizado a própria expressão já

indicava uma diferença, pois a maioria da população não se fazia presente nos feitos da

cidade. A idéia de povo era puramente abstrata.

As ambigüidades que o progresso trouxe foram se explicitando a partir da

estrutura e atuação da elite que foi vendo na ciência e na técnica a possibilidade de

expressão de seus mais altos desejos e interesses, ao mesmo tempo que geravam, na

48 Jornal Gazeta do Norte, l6/07/l927. Ano X, n. 550.

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população local, descontentamentos, medos, angústias, apesar da expectativa de dias

melhores.

Todas as fantasias do progresso e os novos avanços técnicos não foram

apreendidos com facilidade pela população. Ao contrário, muitos deles foram recebidos

com curiosidade e reprovação. “Poucas pessoas foram envolvidas nesse processo tão

drástico de transformações – que a um só tempo encantavam, assustavam e geravam

ceticismo. Não era fácil absorver tantas novidades e, muito menos, tomar partido

quanto a elas.” (SCHWARCZ, 2000, p.19).

As mudanças foram se processando,traduzindo-se em novas cenas no

cotidiano da população. O dinamismo das invenções e as mudanças político-sociais

dessa era constituíram novas maneiras de pensar e agir na sociedade. Não bastava

somente introduzir esses novos avanços científico-tecnológicos, era necessário

transformar o modo de vida das sociedades tradicionais, mudar- lhes os hábitos, os

costumes, enfim, difundir- lhes uma nova cultura entrelaçada nas suas estruturas, vista

por um grupo como arcaica, desencadeando comportamentos a princípio de

conformação e aceitação.

O fato de que as gerações posteriores, cujos representantes já nasceram após a consolidação desse processo e portanto foram acostumados desde pequenos à experiência das velocidades tecnológicas, consigam distinguir e interpretar as paisagens que vislumbram em movimento, é bastante revelador da capacidade humana para assimilar e adaptar-se aos efeitos desorientadores dos novos recursos e potenciais. Mas o preço desta adaptação é a perda da capacidade de reconhecer sua estranheza e os modos pelos quais elas reorientam a percepção humana. O hábito, mais que adaptação ativa, gera a adesão conformada e a sensação de que, no que se refere ao corpo e à mente, a mudança é pouco relevante e os homens continuam os mesmos desde que o primeiro membro da espécie surgiu na Terra. (SEVCENKO,l998:5l7)

O exame das Atas da Câmara Municipal nos revelou que, no final do século

XIX, início do século XX, a elite dominante montesclarense, que exercia posição de

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mando junto a esse órgão, passou a interferir de maneira mais incisiva nos feitos da

cidade.

Uma típica cidadezinha agrária vai-se moldando paulatinamente entre

“geringonças” mecânicas e o progresso técnico, expressando símbolos de um povo, sua

visão de mundo e, conseqüentemente, a construção da sua história.

Todas as representações de cidade civilizada, de progresso eram

instrumentalizadas em normas morais rígidas, batalhas simbólicas, palavras de ordem

e idéias positivas.

Mais ruas e becos foram abertos e calçados, casas velhas eram demolidas,

sem nenhum planejamento de preservação do patrimônio arquitetônico e cultural da

cidade.

O relógio da igreja catedral que antes era fixado na torre do mercado,

conhecido como “regulador público”, representava o símbolo do tempo. Quando batia

as horas era ouvido na cidade inteira e era através de suas batidas que o povo regulava a

vida.

Além desses símbolos, temos as apresentações das imagens em movimento

que são representadas através da tela do cinema e as cenas das artes visuais como as

placas, as gravuras, os bustos, vislumbrando e mudando as linguagens sob o impacto

das novas tecnologias.

Aos poucos vão surgindo novos lugares de encontro da sociedade

emergente, os ambientes costumeiros da “velha política” de coronéis são em parte

“proscritos”. As alfaiatarias, as pensões, as farmácias, a tenda do barbeiro não

comportavam mais, as novas idéias. Esses velhos lugares agora cediam espaço para as

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associações recreativas, os clubes literários, o ginásio, a praça de esporte e o Rotary

Clube.

Vários acontecimentos são ilustrativos do progresso na cidade de Montes

Claros no período de l9l7 a l926, como a mudança de comportamento dos habitantes, as

novas instalações, as obras públicas, enfim, tudo que era considerado e visto como

progresso pela elite. Nesse período foi editado o primeiro número do Gazeta do Norte

(l9l8), como veículo de informação das idéias da elite letrada da cidade, criado o

Colégio Diocesano Nossa Senhora Aparecida (l9l8), fundado o jornal humorístico A

Braza (l9l9) e o jornal O Gelo (l9l9), criado o colégio Montes Claros (l9l9); fundado o

“Tiro de Guerra” (l9l9); instalado o primeiro motor, que acionava um descaroçador de

algodão, (l9l9); fundada a “Associação Comercial”, (l920). Nesse período proliferaram

várias entidades e centros de recreação, entre eles, damos destaque aos inúmeros jornais

criados com objetivo de difundir as novas idéias da elite republicana, pois a elite letrada,

apresentava-se, em diferentes momentos, investida da missão de revelar o “novo”

Brasil, impunham outra dinâmica à vida montesclarense. Era o momento de reformas,

palavras de ordem que fomentavam as novas idéias da república. Ainda em l920,

Montes Claros assistiu a chegada do primeiro automóvel e a criação do jornal “A Liga”

(l921) com um programa voltado para o combate ao analfabetismo, álcool e doenças

endêmicas na região; a construção da Cadeia (l921). Em 1922, foi instalada a “Agência

da Ford”, e criado o jornal “A Ordem” vinculado ao PRM- Partido Republicano

Mineiro; Jornal o Quinzenário “Jahu”; fundados dois grêmios dramáticos, o “Montes-

clarense” e o “Afonso Pena Júnior”. Aparecimento da primeira motocicleta (l922),

início da fabricação de gelo (l925), é inaugurada a fábrica de sabão (l925) e construído o

Cemitério (l925).

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Nos anos de l926 tivemos também a fundação do jornal “Trololó” e da

Sociedade Lítero-recreativa “l5 de Novembro”; fundação da Associação dos Escoteiros,

(l926), do Rotary Clube de Montes Claros (l926); instalação da agência do Banco

Comércio e Indústria (l926, o estabelecimento do perímetro urbano da cidade e de uma

feira anual e o prosseguimento das obras de construção dos passeios (PAULA, l957:l2l-

204).

Segundo LESSA,

Montes Claros desde as últimas décadas do século l9, apesar de estar imersa no tempo dos tropeiros e carroças, passava aos poucos a conviver com muitos elementos e artefatos da modernidade cosmopolita emergente no mundo. Um exemplo era a fábrica de tecidos Cedro Madureira e sua moderna produção têxtil, com máquinas importadas dos Estados Unidos. Nas primeiras décadas do século XX, Gazeta do Norte, seu jornal de maior circulação, já continha as modernas características dos jornais das grandes cidades: fotos, charges, anúncios com desenhos, a novela em folhetim. O cinema, no final da primeira década do século 20, também se fazia anunciar pelas páginas da Gazeta, com seus seriados acompanhados nas matinês. (LESSA, 1999:87)

Mas a cidade de Montes Claros, no período de 1917 a 1926, ainda vivia um

paradoxo: de um lado a presença forte de uma tradição dos costumes sertanejos para

manter os valores de uma sociedade rural, patriarcal, inserida num cotidiano tranqüilo e

sem pressa, com cenas de tropeiros, “cometas” e carros de bois; de outro, encontrava-se

ainda nos anos 20, dando os primeiros passos rumo aos elementos e artefatos do

progresso, com a presença de automóveis, um dos elementos de desenvolvimento para o

transporte à distância, reforma do Mercado Central, construção e reforma de várias

praças, associações desportivas, clubes literários, novas casas comerciais, bancos,

agências de correios, fábrica de gelo, telégrafo, telefones, máquinas registradoras e a

construção da Linha do Centro da Estrada de Ferro Central do Brasil, inaugurando um

novo tempo marcado pela aceleração da era mecânica.

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Para JULES FERRY, citado por SALGUEIRO:

O progresso não é uma seqüência de sobressaltos ou de golpes de força(...), mas um desenvolvimento lento(...), uma evolução, um fenômeno de crescimento social, de transformação que se produz primeiro nas idéias, desce aos costumes para passar em seguida às leis. (JULES FERRY, p. 57)

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Capítulo 3

OS AGENTES DO PROGRESSO: Estrepes e Pelados

3.1 Os agentes do progresso

Mesmo com a intensa centralização administrativa no Segundo Reinado, a

Câmara se tornou o locus perfeito de articulações e possibilidades de exercício do

poder político nas cidades, por meio de uma série de responsabilidades outorgadas à

municipalidade: eleição e implementação de projetos, arrecadação e gerência de

inúmeros impostos e taxas. E é a partir desse exercício político que uma boa parte da

classe dominante, agora elite política, direcionou o progresso da cidade.

Montes Claros, assim como as demais cidades do interior mineiro

especificamente no norte de Minas, encontrava-se em situação de isolamento, o

isolamento geográfico associado às grandes distâncias separava fazendas e vilas umas

das outras. O tropeiro da época, era o comerciante do transporte, tudo no lombo do

Burro, ou carros de bois, era o meio de comunicação mais eficaz, o correio, o emissário

oficial, o portador de bilhetes e recados. A precariedade dos transportes muitas vezes

eram paralisados semanas inteiras pelo mau estado das trilhas em tempo de chuva e

também por prolongados períodos de estiagem.

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Mas alguns homens desde o Brasil Império (l831), pararam aqui suas tropas,

montaram rancharia, construíram intendências, casaram-se e consolidaram famílias,

contribuindo para o melhoramento da cidade.

Nessa época (1831) já residia na Vila de Formigas, o Cônego Antônio

Gonçalves Chaves que teve presença efetiva nas ações polític as da cidade e, em

seguida, o seu filho, Dr. Antônio Gonçalves Chaves Júnior.49 Vieram, posteriormente, o

Dr. Carlos Versiani 50, Dr. Honorato Alves, Dr. João José Alves, Cel. Celestino, Cel.

Joaquim Costa, Cel. Antônio dos Anjos.

49 Dr. Antônio Gonçalves Chaves Júnior, natural de Montes Claros, bacharel pela Faculdade de Direito de São Paulo, Pertenceu ao Partido Liberal, Deputado á Assembléia Provincial de MG, Presidente da Província de Santa Catarina, Presidente da Província de Minas Gerais em substituição a Teófilo Otoni em l883, Juiz de Direito da Comarca de Mariana MG,l889, eleito ao congresso constituinte l890, Senador por Minas Gerais em l894. In: CHAVES, Amelina, João Chaves, Eterna Lembrança, edições Cuatiara,Belo Horizonte,2001.p.304. uma dedicação sem limites, sendo depois alvo de agradecimento coletivo da população da cidade, sem distinção politica. Foi eleito vereador varias vezes ao lado de seu irmão Honorato Alves. Nos períodos de l9l7 a l922, foi ele novamente eleito Presidente da Câmara. Cel. Celestino Soares da Cruz, nasceu a 3 de maio de l834, filho legítimo de Jacintho Soares de Oliveira e d. Anna Caetana de Jesus e Barros, casou-se a 17/02/l8654 com d. Jacintha Maria da Conceição Soares. Exerceu varios cargos de confiança politica e eleição popular, sendo promotor de justiça, collector, inspector de instrucção , Juiz de paz, vereador, presidente da Camara, intendente por ocasião da ditadura militar e deputado estadual de l896 a l906. Filiado ao parttido conservador. Cel. Joaquim José da Costa, nasceu em São Pedro do Fanado de Minas Novas, a 02 de novembro de l862, filho do Cel. José Antonio Costa e d. Maria Josefina Costa. Em l900 entra para a politica de Montes Claros. Eleito vice-presidente da Camara em l904. Presidiu nosso município no quatriênio começado em l9l2 e prorrogado por mais um ano. Cel. Antônio dos Anjos, nasceu no antigo distrito de Brejo das Almas, neste município, a 14 de fevereiro de 1861, filho do Capitão José Rodrigues Fróis e da. Maria Joaquina Pereira dos Anjos. Estudou as primeiras letras e o curso normal em Montes Claros, dirigiu ao lado do Dr. Antônio Augusto Veloso o primeiro jornal editado em Montes Claros - o “ Correio do Norte”, Professor de História, comerciante e fazendeiro. Era casado com Da. Carlota Versiani dos Anjos, filha do Dr. Carlos Versiani. 50 Dr. Carlos José Versiani, filho do coronel Pedro José Versiani e d. Angelica Custodia Ferreira Penna, nasceu a 21 de dezembro de l8l9, na fazenda Santo Eloy, do município de Bocayuva. Formado em medicina, casou-se na família Catta-Preta, com d. Gabriella Gertrudes de Oliveira Catta-Preta,filha do capitão Manoel de Oliveira Catta-Preta, vindo residir entre nós; onde, por mais de cincoenta annos, clinicou gratuitamente, vivendo e morrendo pobre, gastando até da sua legitima. Chefe político conservador de larga influência, dirigiu a política local contra o prestígio do conego Chaves, chefe de grande nome, que vinha desde o inicio da vida administrativa do municipio. Disseram-nos que era de uma benignidade extrema. Juiz municipal varias vezes, exerceu a supplencia quasi sempre. Eleição popular não sabemos aquella em que seu nome não figurou, até sua morte. Vereador e presidente da Camara consecutivamente, provedor-medico da Casa de Caridade, director da Escola Normal, delegado de hygiene, depuiado provincial e geral, em mais de uma legislatura. Medico competentissimo fez curas espantosas e mereceu por sua extrema caridade o titulo de medico dos pobres. Chefe de família exemplar, deixou numerosa prole que lhe perpetua o nome. Morreu a l8 de abril de l903 com 84 annos de idade, exercendo até pouco antes a presidencia da Camara, por eleição de l89l.

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É no partido político que tem assento e se articula o exercício do poder. No

período de l9l7 a l926, prevalece, em Montes Claros, a hegemonia do PRM - Partido

Republicano Mineiro (l897- l930), da qual faziam parte duas facções: os Liberais e os

Conservadores.

As duas facções politicamente se apoiavam nas mesmas bases orgânicas do

Partido Republicano Mineiro, conforme RESENDE 51:

Sustentação da república federativa presidencial e execução da prática da Constituição Mineira; Garantia da representação da minoria; Bater-se pela verdade eleitoral; Correção Econômica do regime tributário; Execução do plano de viação geral do Estado; Autonomia dos municípios; Desenvolvimento da instrução pública. 52

Os embates políticos na Vila de Montes Claros de que se tem conhecimento

iniciam-se com a primeira eleição na Vila de Montes Claros, aos dezesseis dias do mês

de outubro de l832,53 quando foi eleito o Cel. José Pinheiro Neves para a presidência e,

em seguida, assumiu como membro da Guarda Nacional.

Dr. Honorato José Alves, filho do coronel Marciano Alves e d. Josephina Alves, nasceu no Mendanha, (Diamantina) a 10 de novembro de l868, vindo em l877 para esta cidade de Montes Claros em companhia de seus paes. Cursou preparatorios em Ouro Preto, seguindo depóis para o Rio, em cuja Faculdade de Medicina se matriculou, formando-se em sciencias medico-cirurgicas em l890, defendendo these sobre “Etiologia da Lepra”. Formado atuou por muito tempo em Montes Claros. Eleito deputado estadual em l903, em l906 se retirou para Bello Horizonte, já deputado federal para o período de l906/l908 pelo PRM-Partido Republicano Mineiro. Contrahiu casamento com a exma. Sra. D. Violeta de Mello Franco, filha do senador Virgilio de Mello Franco. Dr. João José Alves, nasceu no municipio de Dia mantina, a l2 de agosto de l872, filho de d. Antônia Josefina e Marciano José Alves. As primeiras letra estudou em Montes Claros, continuando seus estudos no Caraça e Riode Janeiro, em l90l. Formado veio para Montes Claros, como medico conseguiu renome em todo o norte de minas . Foi diretor, provedor e único medico da Santa Casa durante muitos anos. Possuía uma capacidade de trabalho extraordinária. Na ocasião da pandemia de influenza, em l9l8, foi de 51 RESENDE, Maria Efigênia Lage. Formação da estrutura de dominação em Minas Gerais: o novo PRM (l889-l906) Belo Horizonte,UFMG/PROED.l982. p.234/236. 52 Idem 53 Ata da pr imeira sessão ordinár ia da câmara municipal da Vi la de Montes Claros em Formigas . Presidência do Sr. Pinheiro- Primeira reunião de l832. Aos desesseis dias do mês de outubro, de mil oitocentos e trinta e dois, un -décimo da Independência, e o Império nesta Vila de Montes Claros de Formigas, e casa de sessões da Câmara, reunidos cinco senhores vereadores, Pinheiro, Abreu, Vieira , Mendonça e Mour ão depois de prestados os juramentos da Lei , e declarada Instalada a Câmara, o Senhor Presidente fez um discurso bem concebido, e declarou aberta a sessão; o senhor Mourão pediu a palavra, e recitou outro discurso em que exprimiu seus patrióticos sentim entos; o mesmo senhor leu um ofício, dir igido à Câmara pelo Senhor Vereador Fernandes em que se excusava de poder tomar assento na Câmara por ser cunhado do Vereador Mendonça na forma do art igo vinte e três do regimento das Câmaras Municipais, da lei de pr imeiro de outubro de mil e oitocentos e vinte e oito. (VIANNA, l9 l6 : 308) .

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Em 1839, como vice-presidente da câmara municipal o Cel. José Pinheiro

Neves sofre um atentado.

Segundo VIANA,

Cerca das 8:30 horas da noite, é consumado um atentado contra a vida do cel. José Pinheiro Neves, vice-presidente da Câmara Municipal de Montes Claros de Montes Claros de Formigas, com um tiro de emboscada que o atingiu. A causa do referido atentado seria o acirramento das lutas políticas, na ocasião.54

Nesse período, em substituição ao Padre Caldeira Brant, o Padre Antônio

Gonçalves Chaves (Cônego Chaves) começou a fazer parte do cenário político da

referida vila. Conforme comentário de PAULA:

Durante mais de quarenta anos, o Cônego Chaves - homem decidido, corajoso e leal - foi figura marcante na crônica de Montes Claros e de todo o norte da província. Nos dias tormentosos da Regência, esteve ao lado de Feijó - que o incluía entre os seus melhores amigos. 55 (PAULA, p. 10)

Várias vezes foi eleito vereador, deputado geral, presidente da Câmara

Municipal. Considerado pelos memorialistas como um grande chefe, respeitado e de

inclinação notória, tendo as mais adiantadas idéias de liberdade e progresso, sendo um

dos precursores deste pensamento na região. Durante e posteriormente à eleição da

primeira Câmara Municipal da vila de Montes Claros, os anos foram marcados por

inúmeras cenas de violência e rivalidades entre os grupos políticos locais existentes, os

Liberais e os Conservadores. A pujança do Partido Liberal causava inveja e constantes

preocupações aos Conservadores que sentiam seus espaços políticos ameaçados. Assim,

tudo fizeram com astúcia, objetivando cercear o valor político do Cônego Chaves e de

seus aliados.

Melhor occasião não podia apparecer que a revolução libertaria de 42, fracassada mais pela traição que pela fraqueza, em a qual, era voz corrente, estava compromettido o Vigario Chaves, e não levaria muito entraria

54 Viana, Nelson. Op. Cit. Pp. 188-189 55 Op. Cit.

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francamente em acção. Na fazenda Brejo de Santo André se foram acoitar muitos dos implicados nos factos politicos dessa época, entre elles Antonio Felicio, Vaz Mourão e outros, o que motivou a ida de um Alferes, commandando um troço de soldados; nada, porém, conseguindo. Os odios recrudesceram; e, após alguns annos, estando na pasta da guerra Manoel Filizardo de Souza e Mello, conseguiram os Conservadores a vinda do Alferes Joaquim Pinto Pacca (l849), que foi o autor da mais seria pertubação da ordem nesta cidade, commetendo tropelias e obrigando os liberaes a deixa-la sob pressão de ameaças serias, em breve traduzidas em factos. Seria longo enumerar tudo quanto nos disseram pessoas vindas dessa época. Absurdos foram ordenados, autorizados e applaudidos: invadiram-se lares, desrespeitadas foram as familias; espancamentos, e até mortes, se registraram. Os conservadores se justificavam phantasiando perseguições de que se diziam victimas por parte dos politicos adversarios; quando, sómente havia as comuns demissões e nomeações de auctoridades, sem facto algum delictuoso. (VIANNA, l9l6. p.73-4).

PAULA (1979-p.16) nos afirma que as ações de violência desencadeada

pelo Alferes Paca, juntamente com seus soldados no final do Império em Montes

Claros, marcaram, por muito tempo, a memória da população. Casas foram invadidas, o

“fantasma” do Paca assustava a todos levando à quebra da rotina da cidade durante a

sua presença e de seus soldados.

Havia, no entanto, imagens diferentes dentro da elite local durante todo o

Segundo Reinado. Nesse começo PAULA nos afirma:

Eram os Ximangos e os Cascudos, os Liberais e Conservadores, que estiveram em guerra durante todo o Segundo Reinado. Depois, na República, vieram os Estrepes e os Pelados. Os estrepes mandavam nas ruas de Baixo. Os Prates, os Chaves, os Teixeira, os Dias, os Fróes , os Figueiredos, os Souto, os Mendonça, os Freitas, os Abreu, os Costa, os Durães, os Soares, os Guimarães, além de muitos outros, compunham o partido. Nas ruas de Cima , habitavam os Pelados. Os Alves, os Miranda, os Ribeiro, os Versiani, os Sarmento, os Salgado, os Maurício, os dos Anjos, os Peres , os Velosos, os Câmara, os Vale, dentre vários outros, formavam os seus quadros. Tudo era separado. As divergências políticas cortavam a cidades em duas. Duas bandas de música- a Euterpe e a União Operária, donde saíram os apelidos de Estrepes e Pelados - animavam os dois grupos adversários.56 (PAULA, p.16)

11 Idem.

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Nessa época eram comuns as rivalidades internas no município, mas

quando as questões eram de ordem política estadual ou federal, os grupos rivais se

“conciliavam” ou realizavam os costumeiros “acordos políticos”. Toda formação de

seus filiados e programa partidário advinham do mesmo tronco e as paixões pelo

governo eram idênticas. Foi em torno das famílias Sá, Chaves e Prates que se estruturou

o Partido Liberal e das famílias Versiani, Alves e Veloso, o Partido Conservador. Era no

burburinho de intolerâncias e desconfianças que Montes Claros cresceu e progrediu, no

calor da velha política de coronéis, fazendeiros, doutores, comerciantes e magistrados57.

Segundo OLIVEIRA:

Nos primeiros cem anos de administração (l831-l930), Montes Claros, como o resto do país, tem sua organização política polarizada entre conservadores e liberais, cuja diferenciação não é exatamente de natureza ideológica. Os negócios locais e a busca de melhores posições no movimento comercial da época é que irão fazer a diferença. Não se pode falar em hegemonia de algum destes grupos, mesmo porque suas diferenças não são significativas. Ambos se assentavam sobre a pecuária e o comércio.58

A vida política de Montes Claros por muitas décadas esteve sob o domínio

das tradicionais famílias Prates e Alves que se revezavam, com certa freqüência, no

poder local representando seus interesses e suas ideologias em âmbito municipal,

estadual e federal. Essa situação de revezamento de poder era uma prática comum na

política brasileira, não sendo uma situação política peculiar somente na cidade de

Montes Claros, no norte de Minas Gerais. Desde o período imperial, cidade de Montes

Claros convivia com essa situação, fortalecendo este comportamento de personalismo e

individualidade.

57 Este trabalho já estava escrito quando recebi o volume de uma obra que merece destaque: BIEBER. Judy. Power, and Political Violence. State Building on a Brazilian. Frontier, 1882-1889. University of Nebraska Press, Lincoln and London. 1999. Sem tempo e espaço para comentá-lo, convém assinalar que o leitor encontrará informações relevantes sobre: Desenvolvimento, Impunidade e Criminalidade no Sertão Mineiro, Formação da Elite, Corrupção Eleitoral, Ideologia Liberal, em toda Minas Gerais, especialmente, em Montes Claros e região. 58 Op. Cit.

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Ao alvorecer da República, o governo do município teve à sua frente Camilo Prates, presidente da Câmara e Intendente. O primeiro vice-presidente no novo regime foi João Antônio Gonçalves Chaves, nome ilustre do magistério, espirito ágil e brilhante, que deixou uma tradição de inteligência e de cultura. Carlos Versiani, Celestino Soares da Cruz, Simeão Ribeiro, Pe. Augusto Prudêncio da Silva, Honorato Alves – que foi representante da região norte-mineira na Câmara Federal, durante mais de vinte anos- Joaquim José da Costa, um dos pioneiros da Indústria algodoeira, fundador de uma fábrica de tecidos, João José Alves, - que, como deputado à Constituinte Nacional, assinou a Constituição da República em l934- Antônio dos Anjos, José Correia Machado, Alfredo Coutinho estiveram à frente do município, de l89l até a Revolução de l930.(PAULA,l957:XI).

WIRTH endossa essa perspectiva sobre os de grupos na cidade de Montes

Claros e nos apresenta essas passagens do cotidiano político da República, cenas essas

que caracterizam ainda mais a gênese histórica das duas facções políticas dominantes

na cidade:

Montes Claros durante anos esteve dividido em 2 campos de batalha. Um deles, o “Partido do Alto”, situado na praça mais alta da cidade, era liderado pelos irmãos Alves, Honorato (l868-l948) e João José (l876-l935). Era deles a facção conservadora denominada “baratas”, herdada pelos irmãos de um médico cuja prática no norte de Minas e Bahia os Alves continuaram. O outro, o chamado “Partido de Baixo” ( por causa de outra praça), estava sob a chefia de Camilo Filinto Prates (l895-l940), professor de escola normal. Seu grupo remonta à velha panelinha liberal conhecida como os “molotros”. Cada facção tinha uma banda marcial, um jornal, seus assassinos contratados e aliados nas localidades vizinhas. As crianças cujas famílias pertenciam a um partido não ousavam brincar com os filhos de membros do outro... Em 1915, os primeiros anos de competiçao não violenta deram lugar à guerra aberta. Montes Claros uma cidade de estação de ferro e mercado regional de gado, cresceu e prosperou, apesar dos tiroteiros de Winchester e as explosões de bombas de dinamite (...) Os Alves e Camilo abarcaram dois mundos: O da sociedade respeitável da elite e o da crua política interior. (Wirth, p.224. 1982).

“A igreja Matriz representou o coração, alma e centro nevrálgico da

população de Montes Claros59.” A divisória da cidade era a praça da Matriz e a sua

divisória política era o mercado.

59 Revista Montes Claros em Foco. Agosto/79 p.05.

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O mercado foi um verdadeiro símbolo político na cidade pois foi construído

longe do comércio, na sua parte sul. Sua localização satisfazia somente os interesses do

grupo e aliados do Doutor Honorato Alves gerando insatisfação de grande parte da

população que se tornou opositora desse referido grupo. Essa oposição era,

essencialmente, dos moradores da parte norte da cidade ligados ao Deputado Camilo

Prates. O Doutor Honorato Alves tinha amigos lá em cima, no sul da cidade, ou seja, no

Largo da Caridade, hoje praça Doutor Carlos Versiani.

E isto foi um movimento tão sério, que formaram na cidade dois partidos políticos . O partido de cima, que apoiava o Dr. Honorato, na construção do mercado no Largo da Caridade, constituído das famílias Maurício, Versiani, Veloso, Mendonça e muitas outras que não me recordo no momento. Na cidade existiam duas bandas de música. Uma do partido de cima, a Banda Operária, que deu o nome aos adeptos do Dr. Honorato, que ficaram apelidados de “pelados”, uma currepetela da palavra operário. No partido de baixo ficaram os negociantes, apoiando o Coronel Celestino Soares da Cruz,que era também negociante lá em baixo, apoiados pelas banda Euterpe Montesclarense, dando o nome ao partido de baixo de Euterpe, formada pelas famílias, Teixeira, Prates, Guimarães e outras. Então, até 1930, perduraram estes apelidos: Estrepes e Pelados.60

O analfabetismo, a pobreza e o baixo nível de instrução eram as marcas da

diferença de status entre os trabalhadores rurais, comerciantes e fazendeiros.

3.2 A Elite de Montes Claros e as Escolas de Formação

A formação da elite mineira tem sua origem intelectual inicialmente nas

escolas normais, em cursos primários, em seguida na formação secundária e superior,

em importantes estabelecimentos de ensino como a Escola de Mineração de Ouro Preto,

a Escola do Caraça, a Escola de Medicina e Escola Politécnica do Rio de Janeiro, a

60 Idem p. 06

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Escola de Direito de São Paulo, dirigida por mestres franceses que tinham como

filosofia a teoria Comteana.

A elite montesclarense tem essa mesma trajetória: inicia o curso primário

na Escola Normal, em Montes Claros, em seguida dirige-se ao secundário, no Caraça ou

no seminário da igreja em Mariana e, posteriormente, ingressa no curso de Direito de

São Paulo ou no de Medicina do Rio de Janeiro, “os dois cursos que se destacavam

desde o Império como pilares de um sistema de recrutamento.” (PAULA, 1979:l63- l85)

O ideal de progresso, marca da elite brasileira, caminha rumo aos avanços

técnico-científicos. Essa elite também foi formada no bojo do ideário positivista. LINS

comenta que “um dos pontos básicos da pregação positivista no setor educaciona l foi a

liberdade de cátedra e a autonomia das congregações de ensino, hoje, definitivamente

asseguradas em nossa legislação e jurisprudência.” (LINS, 1964:547)

Conforme CARVALHO:

(...) grupos cresceram a partir da criação da Escola Politécnica, no Rio de Janeiro, de Minas em Ouro Preto, e, já no século XX, do Instituto de Manguinhos no Rio e Instituto Butantã em São Paulo, dedicados às investigações médicas e biológicas. Em Manguinhos impera Oswaldo Cruz, o saneador do Rio de Janeiro, dirigindo brilhante equipe reconhecida internacionalmente. Cresce o número de engenheiros civis, geólogos, médicos sanitaristas, higienistas, legistas e criminólogos que acreditavam na possibilidade de usar a moderna fisiologia na análise e tratamento dos delinqüentes. (CARVA LHO, 1998, p.109)

Em Montes Claros, comenta PAULA, advogados, médicos, farmacêuticos,

dentistas eram presença marcante no cenário local, tendo boa parte deles múltiplas

profissões, além dos cursos superiores destacavam-se também como comerciantes e

fazendeiros.

Segundo WIRTH,

(...) No interior, os homens instruídos eram necessários para administrar os conselhos das cidades e, principalmente, atuar como vínculos de prestígio ao sistema maior do estado (...)

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O acesso à educação superior vinha através das escolas secundárias da elite, sendo que algumas gozavam de reputação nacional. Os seminários da Igreja dominaram no século XIX, principalmente em Mariana. Alguns estudaram os clássicos no Caraça, uma academia medonhamente austera no meio das montanhas neblinadas no centro de Minas. Outros freqüentaram o Ginásio de Ouro Preto, outros ainda se prepararam no Colégio Pedro II no Rio. Após l89l, o ginásio estadual, com ramificações em Belo Horizonte e Barbacena, e o Instituto Metodista Americano, o Granbery, em Juiz de Fora foram os mais importantes. As meninas podiam estudar no Colégio Izabela Hendrix, de orientação metodista, em Belo Horizonte. Gozando de menos prestígio, as escolas normais, quase todas particulares, levavam a cultura humanista a diversas cidades pequenas... O papel dessas escolas como influência regionalizante na elite não pode ser superestimado... Se a maior parte do povo era ignorante e não tinha os rudimentos de uma cultura cívica, disse o jornalista Augusto Franco, então ao menos o estado era feliz em ter boas elites...Consideremos, também, a classe média que teve acesso à educação superior na década de 20 sem alterar sua estrutura basicamente elitista...Os mineiros nascidos no segundo Império foram influenciados pelo pensamento racionalis ta, principalmente pelo cientismo de Spencer e o positivismo de Comte, difundidos nas escolas nacionais de direito ou faculdade de medicina. (WIRTH, 1982:141-142)

No final do Império, a cidade de Montes Claros já contava com uma

presença significativa desses homens instruídos. Todos tiveram acesso às melhores

escolas secundárias da elite nos centros desenvolvidos do país. A bagagem de

conhecimentos que traziam dava a eles uma posição de destaque na hierarquia social da

cidade, pois a maior parte da população era formada de trabalhadores rurais e operários

que não chegaram a freqüentar a instrução primária.

Além de todo esse privilégio educacional que a elite de Montes Claros

desfrutou, WIRTH nos narra na citação anterior que todos os estudantes desse período

(fim do Império e início da República) foram contagiados pelas idéias de renomados

pensadores como Spencer e Comte e introduziram, nesse período, o espírito da ciência,

da técnica, do trabalho, da educação, da religião, da moral, da natureza e da unidade.

Montes Claros, passa a viver com as reformas e melhoramentos, com a idéia de

civismo e ordem social. Vai aos poucos recebendo os ares do ideário positivista. Os

seus filhos quando do retorno de suas formações secundárias e acadêmicas no Caraça,

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Seminário da Igreja em Mariana, Curso de Direito em São Paulo e nos de Medicina do

Rio de Janeiro, traziam consigo para Montes Claros toda uma influência do

pensamento positivista de Comte, influência assimilada na academia e através de

valores dos grupos dominantes.

Em Montes Claros, juntamente com os inúmeros comerciantes e

profissionais liberais que transitavam constantemente de Montes Claros ao Rio de

Janeiro, São Paulo, Ouro Preto, Juiz de Fora e Belo Horizonte, e sofreram a influência

dessa doutrina, logo se uniram em defesa e difusão desse pensamento, seja através dos

jornais locais, clubes recreativos, associações ou mesmo nos bate papos rotineiros nas

portas das farmácias. Um número considerável de pessoas, principalmente médicos,

farmacêuticos, advogados, professores, comerciantes e “desocupados” se encontravam

constantemente nas portas das farmácias para comentarem as novas idéias advindas do

pensamento republicano.

Segundo VIANNA,

Ali pelo ano de 1920, só existiam em Montes Claros quatro farmácias, todas pertencentes a farmacêuticos diplomados (...) A “Farmácia Anjos” pertencia ao Antonico dos Anjos e era situada na praça dr. Carlos. À sua porta faziam-se, todas as noites, agradáveis reuniões, com cadeiras na calçada, sempre muito bem freqüentadas. Logo que escurecia, chegava o coronel Spyer, (...) logo depois vinha o coronel Antônio dos Anjos, pai de Antonico; aos poucos iam chegando os coronéis João de Andrade Câmara, coletor federal, Américo Pio Dias, fazendeiro, Philomenro Ribeiro, ex-coletor estadual, dr. Antônio Teixeira de Carvalho (dr. Santros), (...) Passavam-se ali em revista os fatos mais recentes, ocorridos na cidade; as notícias lidas nos grandes matutinos das Capitais, recebidos pelo último correio; aspectos da política local; chegadas e partidas de viajantes; (...) então no início do seu desenvolvimento; questões forenses mais em destaque na ocasião; a possível passagem da Central do Brasil por Montes Claros – suprema ambição do montesclarense; e vários outros assuntos que surgiam de momento em momento, à medida que iam aparecendo os habitués da nossa rodinha.(VIANNA, p. 62-3).

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Esses profissionais se tornariam os legítimos representantes do mundo

urbano, no interior, formando esse elo de ligação e se tornando referência das novas

idéias e novos comportamentos.

As elites letradas se destacavam em seu conhecimento erudito, levavam

para todos os cantos do Brasil a cultura humanista, fator de influência regionalizante

nas diversas cidades pequenas, influenciando a maior parte da população do interior que

permanecia analfabetos.

No campo da educação, as elites letradas de Minas Gerais tiveram presença

significativa, principalmente a partir da segunda metade do século XIX, na década de

l890, como nos narra WIRTH, “Minas Gerais, liderou o país em número de escolas

fundadas e, com o secretário de interior Francisco Campos na década de 20, foi um

lider- juntamente com São Paulo e Rio- no movimento para melhorar a educação

primária.” (p. l40)

Nessa perspectiva o quadro que daí emerge é o de uma sociedade paradoxal,

nem mesmo o vigor e o idealismo de alguns líderes foram suficientes para atenuar o

quadro de enormes deficiências que ocorriam na educação mineira: “ Praticamente dois

terços de todos os mineiros com mais de sete anos ainda eram analfabetos na época da

revolução de l930”, conforme alguns aspectos levantados nos relatórios anuais dos

governadores. (Idem, p.142 )

Em Montes Claros o que podemos perceber foi que a maioria da população

não teve acesso aos educandários, pois as raríssimas escolas que existiam eram

particulares e os preços das mensalidades eram exorbitantes para a época, deixando

assim uma leva considerável de filhos de trabalhadores rurais e urbanos à margem desse

benefício. Vejamos a citação seguinte,

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Collegio Montes Claros. Graças a feliz iniciativa de um grupo de distinctas senhoras de nossa elite social, algumas das quaes, já afeitas à nobre missão do magistério, teremos em breve nesta cidade a fundação de um collegio que certamente virá prestar os mais valiosos serviços à nossa terra e preencher uma lacuna aqui existente. Realmente Montes Claros, afóra o grupo escolar e duas escolas isoladas na cidade, não se conta um estabelecimento de ensino onde possam as nossas creanças obter as luzes necessárias à luta pela vida cada vez mais difficil, nestes difficeis tempos que ocorrem. Digna pois, de todo o auxilio é essa iniciativa que em breve será convertida em realidade, da creação de um collegio que certamente terá o maior exito comprovadas como são a competencia e operosidade das distinctas e ilustres senhoras que vão tomar o encargo de realizar tão util creação. Sabemos que constituirão o corpo docente as exmas. Snras. d.d. Ernestina Spyer, Julia dos Anjos, Joanna Versiani dos Anjos, Luisa Prates, Antonieta Versiani dos Anjos e Arabella de Andrade, tendo sido convidadas outras senhoras. Damos os nossos parabens a Montes Claros, enviando daqui um brado de animação a tão distinctas senhoras.61

Em 20 de novembro de 1926, a Gazeta relata:

Um Novo Collegio. Montes Claros resentia-se há muito da falta de um collegio de educação secundario onde os nossos jovens patrícios pudessem fazer os seus primeiros estudos. Essa falta vae ser em breve sanada com a creação do collegio que será aberto em primeiro de fevereiro proximo, sob a direcção do revdm.sr. conego Eugênio Cuypers. O curso será de 2 anos, sendo limitado o numero de alumnos do sexo masculino que poderão ser externos, semi -internos e internos, mediante as seguintes mensalidades: externos 40$ de cada alumnos, tendo abatimento quan do forem dous ou mais, semi -interno- 60$ e interno 90$. Para a matrícula que será enecerrada definitivamente em 15 de janeiro proximo, exige o diretor os seguintes documentos: Certidão de baptismo donde se verifique ser o candidato filho legitimo; attestado de comportamento e attestado de vaccinação e idade minima de 10 amnos completos. Chamando a attenção dos interessados, congratulamo -nos com a população da cidade por mais esse emprehendimento.

Na década de 20, segundo VIANNA, conforme o Anuário de Minas Gerais

de 1910, a população existente na cidade, sede do município de Montes Claros, era de

aproximadamente 28.000 habitantes. (p.189-190).

Para uma população que em meados de 1910 já alcançava uma cifra de

28.000 habitantes, as duas reportagens do Jornal Gazeta do Norte sobre a instalação de

61 (Gazeta, 26/04/1919. p.01)

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duas escolas em Montes Claros supra citadas, datadas de 1919 e 1926, nos faz atestar

que elas não comportavam o número de crianças existentes em seus estabelecimentos,

segregando assim, filhos de operários e trabalhadores rurais, que não podiam pagá- las.

Conforme a primeira reportagem de 1919, na cidade só existia um grupo

escolar e mais duas escolas fora da cidade. E as que no momento estavam se instalando

ou em breve se instalariam eram particulares e estavam sob a direção da Igreja e de

algumas senhoras da elite da cidade. Então, fica-nos uma pergunta: onde estudava a

maioria da população? Quantos alcançavam o primeiro grau? E a população adulta?

Na segunda reportagem, a situação de segregação, quanto ao acesso a

formação educacional da classe menos favorecida economicamente se acentua ainda

mais. Quem de fato eram os “jovens patrícios?” O curso era de curta duração e o seu

acesso limitado, o candidato, para se matricular, necessitava preencher alguns pré-

requisitos como ser filho legítimo, possuir atestado de bom comportamento e de

vacinação. A pergunta que se faz diante dessa reportagem é: Será que filhos de

trabalhadores preenchiam esses pré-requisitos? E os filhos das “prostitutas” que em

Montes Claros, não eram poucas? Para ilustrar nossas indagações vejamos uma

passagem sobre um dos pontos mais freqüentados pelas “mariposas” 62 na década de 20,

além de outras várias ruas existentes na cidade, que também eram praticamente

habitadas por “meretrizes.”

(...) Durante o dia, o bar era familiar, mas depois das dez horas, era um perigo para as nossas donzelas. Nesse horário, as “mariposas” da “Rua dos Marimbondos” para lá se deslocavam, aos bandos, com seus longos vestidos de “soirée”, rostos exageradamente pintados, bocas muito vermelhas, em forma de coração, cabelos oxigenados e enormes saltos “Luis XV” que batiam fortemente na calçada – e o pacato Bar do Sinval, nesse horário, transformava-se em cabaré...(p.124).

62 Para a autora, “mariposas” significa, meretrizes.

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3.3 Pátria, vida comunitária, família e a formação moral da elite montesclarense

O Jornal Gazeta do Norte em suas primeiras páginas relata a efervescência

dos jovens da elite da cidade de Montes Claros, sua participação e entusiasmo com

questões pertinentes a situações sociais.

“Notas aos fatos.” Montes Claros, ao passo que progride materialmente, como disso dão testemunho todos quantos aqui chegam e principalmente aqueles que a conheceram annos atraz, também progride intellectualmente de modo a poder ser considerada, sem favor, no número das cidades civilisadas do grande Estado de Minas. Montes Claros já possue uma mocidade que vibra pelas causas nobres, que se apaixona pelos grandes ideaes, que não se deixa levar pelo utilitarismo da época. É assim que comprehendemos o espírito dos moços; é assim que nos satisfaz a mocidade: altiva e generosa, impulsiva e dedicada às causas justas. Ai dos lugares em que a mocidade não age e queda-se indifferente, atolada no pantano dos interesses egoísticos; ai dos lugares em que ella não vibra ante acontecimentos que revelam força e autoritarismo ! É a mocidade, em toda a parte do mundo, nos grandes centros, quem impulsiona os grandes movimentos cívicos; são os moços das escolas que assumem sempre as mais perigosas posições de combate nos momentos mais críticos, quando a Pátria corre perigo. Já assistimos, nos bellos tempos academicos, verdadeiras e brilhantes victorias contra a força e a prepotencia, e a lição que desses acontecimentos nos ficou, nos tem valido como ensinamento. Nesses bellos tempos não havia ligas pró ou contra magnatas políticos, apesar de existirem homens cujos nomes figuram brilhantemente nas paginas de nossa Historia Patria. Havia o enthusiasmo da mocidade pelas boas causas e a ellas se dedicavam os moços com verdadeira idolatria . Nesse tempo todos os grandes acontecimentos encontravam eco no coração da mocidade, fazendo-lhe explodir a alma de moços e collocando-os ao lado das causas sagradas, onde se aprendia a cumprir o dever de honrar a Patria, pela realisação de actos que não eram senão o cumprimento de um dever civico. Vieram-nos a mente as recordações daquelles tempos, quando vimos no domingo ultimo, pelas ruas da cidade, uma avalanche de moços, sem preocupação partidaria, obedecendo a sentimentos altruisticos, procurar a redação da “Gazeta” para protestarem contra uma arbitrariedade policial e procurarem , calmamente, sem exageros e sem violências, minorar a situação de uma victima do poder. E o conseguiram brilhantemente, sem ameaças e sem exaltação, guiados somente pela força do Direito. Não podia deixar de ser assim, porque a mocidade é, e sempre foi, invencivel na defeza das causas justas. Sentimos uma alegria imensa e os animamos, mesmo, a pleitear, dentro da lei, a causa que haviam abraçado, dando assim uma licção de civismo aos que fora della se achavam. Reagiram pela palavra e com o direito de reunião, dentro dos limites marcados pela nossa libérrima Carta Constitucional e o exemplo que isto traz aos vindouros, será o maior padrão de glória para essa mocidade que, levada por sentimentos nobres que só a mocidade altruísta sabe sentir, sahiu à rua

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para protestar contra um acto de prepotencia de quem só dentro da lei, escudado pelo Direito, deveria agir. Sentimos naquelle dia, não ser moço para acompanhar pelo modo porque o fizeram, aquelle gesto da mocidade que nos orgulha, mas tivemos saudade com a lembrança das etapas vencidas, nas quaes também tomamos parte, quando moço. Parabéns a mocidade de Montes Claros, pelo seu bello gesto, revelador de que Montes Claros vive, age, sabe ser generosa com os fracos e intransigentes com os que desejam dominar pela força.63 (Grifos meus).

Ao analisarmos essa reportagem do Jornal Gazeta intitulada Notas aos

fatos, como já vimos antes, nem todos tinham acesso ou participavam desse “progresso

educacional”. Boa parte da juventude de Montes Claros não tinha acesso aos

educandários vivendo, ao contrário, à margem da sociedade, numa cidade onde o poder

se concentrava nas mãos dos coronéis. Dificilmente essa cidade se dava ao luxo de viver

e agir generosamente com os fracos e ser intransigente com os que desejavam dominar

pela força. Na reportagem o jornal faz alusão ao “progresso material” que a cidade de

Montes Claros vinha conquistando, ao mesmo tempo informa sobre o “progresso

intelectual”, mostrando a importância dos jovens participarem das “boas causas” com

verdadeira “idolatria.” O autor enfatiza que nessa época não existiam ligas ou qualquer

outra organização social contra ou a favor dos magnatas políticos, ao contrário, louva a

presença dos políticos, dando- lhes um lugar de destaque nas páginas da História Pátria.

Observamos nessa nota que o entusiasmo dos jovens era um entusiasmo

nacionalista, enfatizando mais uma vez a ideologia dos “magnatas políticos”, como

afirma o texto, ou seja, a elite local.

Como destaca WIRTH:

Na sociedade tradicional, o abismo entre ricos e pobres não se tratava de um desafio; servia antes para aumentar e legitimizar a ordem social. Manter um estilo de vida gentil não era fácil no interior empobrecido, onde o status se revelava claramente nos vestidos, posses e acesso à educação. (WIRTH, 1982:119)

63 Gazeta, n.264, 10/08/1923

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Essa passagem do jornal Gazeta do Norte sobre o movimento dos jovens

patrícios nos remete aos vários discursos encontrados nos jornais da época em que

educação cívica, honra à pátria, “vivas”, civilização, unidade e aspirações de liberdade

se tornaram representações coletivas que combinadas entre si formaram uma teia de

significações que, na visão durkheimiana, gerava uma solidariedade social, uma

autêntica função política.

Em uma outra reportagem, o jornal Gazeta do Norte traz uma matéria

intitulada O nosso maior mal onde os editores faziam uma analogia entre nações

civilizadas versus nações atrasadas e Pátria-mãe, tendo como referência a educação do

povo.

Em toda parte do mundo, nas nações que se dizem civilizadas, a frequencia às escolas é um dos maiores deveres impostos aos seus filhos. Só nos paízes atrazados, da África e da oceania, não se cuida da instrucção, a base fundamental dos povos cultos, justamente o que os distingue dos selvagens. Das nações da Europa quaes os paízes em que domina o analfabetismo? Portugal, Turquia ou Russia. Por isso mesmo esses paizes, ao lado dos seus irmãos de continente, são considerados atrazados. A civilização se manifesta principalmente pela cultura de espírito, que torna os homens aptos para a luta pela vida fazendo-os cientes e conscientes de seus deveres. É assim que todos os governos que se dizem de paizes civilisados empenham-se pela instrucção de seus nacionaes, e o cultivo que estes adquirem é a maior garantia do progresso do Paiz que tal interesse toma pela educação de seus filhos.64

A falta de originalidade é facilmente detectada nesta reportagem. A questão

da educação no caso brasileiro é totalmente nucleada em pequenos grupos de famílias

abastadas.

As diferentes classes e frações de classes estão envolvidas numa luta propriamente simbólica para imporem a definição do mundo social mais conforme os seus interesses, e imporem o campo das tomadas de posições ideológicas reproduzindo em forma transfigurada o campo das posições sociais. Elas podem conduzir esta luta que diretamente, nos conflitos

64 Gazeta do Norte, n. 214, 26/08/1922

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simbólicos da vida quotidiana, quer por procuração, por meio da luta travada pelos especialistas da produção simbólica (produtores a tempo inteiro ) e na qual está em jogo o monopólio da violência simbólica legítima(cf.Weber), quer dizer, do poder de impor—e mesmo de inculcar—instrumentos de conhecimento e de expressão (taxinomias) arbitrários—embora ignorados como tais —da realidade social. (BOURDIEU: p.11 e 12)

Os vestidos, as roupas, as posses e a educação também estavam envolvidas

na luta simbólica, impondo mais uma vez a definição de um mundo social onde essa

gente era automaticamente chamada pelos humildes de “gente granfina”, “gente

graúda”, aumentando consideravelmente o fosso entre ricos e pobres.

A imprensa montesclarense, conforme vimos, desempenhou uma função

primordial para o fortalecimento dos papéis sociais e na política do município, um

veículo das idéias da elite, defendendo interesses da classe dominante, suas ideologias e

visão de mundo. Como instrumento de poder, a imprensa tem uma importância

fundamental nas mãos de quem detém essa estrutura: modela e manipula a opinião

pública. Dessa forma, as informações dos jornais possibilitavam a construção de

realidades imaginárias objetivando a integração fictícia da sociedade no seu conjunto.

O jornal Gazeta do Norte, na primeira edição de sua fundação, no ano de

19l8, em seu editorial, deixa transparente o pensamento da elite a respeito dos seus

ideais de progresso.65

...O jornal é a mais fecunda semente da civilisação e o attestado mais eloqüente de um povo. Plantar essa semente bendicta nos logares que necessitam de evolução e de progresso, de um acto patriótico e digno de applausos de todos aquelles que desejam o bem estar do canto do paiz em que vivem. Um povo que não tem um jornal em seu seio, é um povo que não vive, e nem tem aspirações à civilisação e a liberdade. E o jornal, na bella phrase de Ramalho Ortigão, que refere e explica ao povo, os diferentes phenomenos de sua vida política, social e economica. É ele que estabelece o critério por que tem de ser julgados os factos da vida cívil e da vida moral; É ele finalmente que fixa para a multidão ponto de vista nas altas questões da honra, da dignidade e do dever.

65 Gazeta do Norte, 06/07/1918, p. 01, n. 01,anno 01

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...Temos em mira o desenvolvimento moral, material e intelectual deste canto de Minas e para servirmos a seus interesses que são interesse de sua collectividade, não pouparemos o esforço algum. Desejamos que o nosso modesto jornal faça conhecidas, fora daqui, as nossas condições a riqueza desta vasta zona e o valor moral e intellectual de seus habitantes. A prosperidade deste município, depositário de todos os elementos que o podem collocar na vanguarda dos demais, desta vasta zona norte mineira, será principalmente o alvo que teremos em vista, seja quais forem as difficuldade de que nos deparem. Não estando ligados a interesses e nem a partidos políticos; não esperando bafejo official, por subvenções ou recompensas de qualquer natureza, contaremos unicamente com o auxílio popular, uma vez que só ao povo procuraremos servir e só ao povo sua causa nos bateremos. Elogiaremos, quando preciso os actos dignos, sem os curvamentos exploradores da vaidade que se acoberta sobre a capa da importância presumida; denunciaremos com moderação, os erros, com o nobre intuito de vê-los corrigidos; estaremos ao lado dos fracos nas aspirações da justiça e na consecução legítima de seus direitos; trataremos com solicitude das questões referentes à lavoura, à pecuária e ao commércio; batalharemos sobre as nossas necessidades locaes, insistindo sempre para obtenção de tudo o que nos falta e a que temos incontestável direito; não descuidaremos da educação cívica do povo, fazendo-lhe conhecer as nossas datas nacionais e a história dos nossos antepassados illustres, despertando-lhe o sentimento patriótico, pelo conhecimento das cousas de nossa cara Pátria; resistiremos em absoluto, às discussões pessoaes ou outras, sobre individualidades e ainda mesmo quando provocados, não revidaremos golpes, em linguagem inconveniente; aos nossos colaboradores daremos inteira liberdade de opinião, reservando-nos tão somente o direito de não acceitar e nem publicar artigos sobre política local; acceitaremos com a maior solicitude correspondência dos municípios visinhos e de todos os demais que compõem a vasta zona do Norte de Minas; finalmente, procuraremos por todos os modos do nosso alcance, congregar a família montesclarense, infelizmente desunida por interesses partidários que só entraves poderão trazer ao bem estar e desenvolvimento de nossa cidade. ... O apoio que esperamos do público nos confortará a consciência, nos affastando do egoísmo e da vingança e ditando-nos a recta a seguir: o interesse da collectividade de Montes Claros, isto é, o seu desenvolvimento moral, intellectual e material. Faremos de nossas funcções um sagrado sacerdócio e sem medirmos sacrifícios, avançaremos sempre e sempre, à conquista de nossas aspirações. Dedicados sinceramente à causa pública merecer-nos-há especial cuidado à educação cívica do povo, pois a verdade, é que esta lhe falta em absoluto, ignorando mesmo o que é, e o que vale. É à falta de conhecimento de seus direitos que se deve esse marasmo que nos ía asphixiando e que entorpece a marcha evolutiva dos lugares, fadados a uma supremacia moral, material e economica. O desprezo pela sua propria individualidade faz do cidadão um titere, facil de ser manejado pelo primeiro que delle souber aproveitar-se. A época porém é de resurgimento e para a nossa Patria, feliz e respeitada, precisamos congregar todos os esforços 66. (grifos meus).

Informamos anteriormente aos leitores sobre a variedade dos periódicos que apareceram no cenário montesclarense pelos idos da década de 20. Entre eles circulavam periódicos “como remédios” para todos os males: satíricos, religiosos, 66 Idem

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literários e políticos. Poucos se firmaram, a grande maioria desapareceu. Dentre os que se consolidaram dois continuaram por muitos anos, o Montes Claros e o Gazeta do Norte.

Esses jornais anunciam-se como porta-vozes de determinadas classes. Na

realidade não havia tantos leitores para inúmeras páginas, cabendo esse ofício à elite,

detentora dos respectivos jornais e representante das duas facções políticas da cidade:

Estrepes e Pelados (Famílias Alves e Prates).

Nessa reportagem do jornal Gazeta supra citada, a forma publicitária é

eloqüente, viva. Civilização, liberdade, vida moral e cível, causa nobre e pátria, foram

usadas na mesma acepção manipuladora dos desenvolvidos meios de comunicação

existentes. Os jornais sempre deram guarida às ideologias da classe dominante e o

mesmo não poderia expressar em suas páginas os “interesses da coletividade,” como se

propôs a fazer.

A educação cívica era vista pelo jornal, como uma causa pública e o social,

pobreza, analfabetismo etc., não eram uma causa pública?

Tendo vínculos com uma das facções políticas da cidade os “Prates,” o

Jornal Gazeta não ficaria alheio a questões políticas, sendo ele um fomentador da

cultura cívica da cidade.

No editorial de fundação do jornal Gazeta do Norte acima descrito, deixa-se

transparente a influência do pensamento da doutrina positivista de Comte pois, algumas

categorias como família, pátria, moral, contextualizadas no corpo do texto do editorial

do jornal são para José Murilo de Carvalho, conforme mostramos no primeiro capitulo

dessa obra, elementos da doutrina positivista.

Outro traço marcante em Minas e particularmente em Montes Claros era o

orgulho das famílias e a valorização das origens, cultura e suas raízes. WIRTH chama

essa valorização do “senso de lugar”.

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Para manter essa tradição, a elite montesclarense incentivou à formação de

várias instituições. Na educação, na igreja, nos meios de comunicação e durante a

realização das festas populares, nos vários clubes criados com o objetivo de socializar

os indivíduos. “A vida de clube transformou-se no centro da recreação em família da

elite. As associações comerciais, os clubes de esportes e as sociedades literárias

proliferaram.” (WIRTH,1982:134).

WIRTH nos chama a atenção para a importância dos clubes e associações

em geral como fatores de socialização e solidariedade entre as famílias. Em Montes

Claros, como nas demais cidades do Estado de Minas, não foi diferente, pois muitos

clubes e associações transformaram-se, conforme WIRTH, em centros de recreação em

Família da Elite. Para termos uma idéia melhor, vejamos alguns desses clubes e

associações que foram criados na cidade de Montes Claros, na década de 20 no início de

1917, funda-se o “Grêmio Dramático Montesclarense” aproveitando, inicialmente, as

crianças; em l9l8, o referido grêmio, criado por um funcionário dos telégrafos, Luiz

José Soares Amorim, que era um apaixonado pela arte dramática, apresenta várias

operetas nas quais fizeram parte rapazes e moças; em 1919, funda-se o “Brasil Atlético

Clube”. A 12 de setembro de 1920, o Professor Cícero Pereira conseguiu reunir meia

dúzia de negociantes arregimentando o comércio em uma associação. Em l922 foi

fundada a Loja Maçônica Deus e Liberdade. No ano de 1926 alguns rapazes fundaram a

sociedade Lítero-Recreativa “15 de Novembro” que se reunia na alfaiataria de Joaquim

Santana. Ari de Oliveira e João Maurício Filho ligados à direção do Jornal Gazeta do

Norte fundaram o “Mineiro Foot-ball Clube” do qual fizeram parte todos os jovens de

Montes Claros. O tempo dos jovens da cidade não estava mais reservado somente para

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os encontros religiosos dos finais de tarde ou a catequese dominical, mas se dividia

entre a igreja e os programas sociais dos clubes, principalmente as “peladas” de futebol.

Na década de 20 a cidade de Montes Claros se transformou em palco de

inúmeros jogos de futebol. Por muito tempo as partidas tomaram conta das tardes de

sábado e domingo na vida dos montesclarenses.

Segundo VIANNA, “...houve então um verdadeiro delírio pelos jogos. E,

nas tardes de domingo, subiam muitas e muitas pessoas (homens, mulheres e crianças)

para o campo, a fim de assistirem às partidas disputadas pelos nossos craques já bem

adestrados...” (VIANNA,p.81).

Enquanto os rapazes se divertiam com a bola no pé, a política corria solta no

gramado e fora dele, fervilhando em todos os lugares onde tivessem uma, duas ou mais

pessoas reunidas. As provocações e acusações em dia de campeonato de futebol se

tornavam em um componente da cultura política da elite de Montes Claros.

Descreve PAULA:

No princípio de l9l7, em reunião do Clube, Ari discutiu acaloradamente com Magno Câmara. A discussão foi forte e desencambou para o lado político; imediatamente na Assembléia se formaram dois grupos nítidos. O clube se cindiu . O “Mineiro” ficou para os “pelados”; o campo era na atual Vila Operária... (...) Os “estrepes ” fundaram outro clube, em fevereiro de l9l7- “ América Foot-ball Clube”, cujo o campo era localizado na várzea. (PAULA,1957, p. 237)

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Figura 5 – América Foot-ball Clube – Foto Facella - 1917 Fonte: Arquivo – Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

A criação de vários clubes e associações recreativas em Montes Claros na

década de 20 nos mostra um comportamento ativo da elite sobre a cidade, pois era

nesses clubes que ela se encontrava, articulava o domínio político e se mantinha no

poder.

Ainda em 1926, funda-se o Rotary Clube de Montes Claros, clube que

agregava em suas fileiras um número relevante de filiados pertencentes às famílias da

elite da cidade. Vale ressaltar que até então só existiam dois Clubes Rotários no Brasil,

um Clube no Rio e outro em São Paulo. Esse clube, em Montes Claros, teve vida curta

mas ficou a semente que renasceu em 31 de dezembro de 1945. Nessa ocasião Antônio

Augusto Teixeira que fundara o primitivo clube, fez o seguinte discurso abaixo descrito,

durante a primeira reunião no Hotel São Luis: 67

Podíamos fazer esta exposição oralmente, ao invés de escrevê-la: seria mais simples e expedito. Propositadamente, porém, quisemos grafar, nestas tiras, as idéias expendidas aqui, fixá -las na escrita, para que aprovadas, aceitas,

67 Ver Paula pág. 221

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fossem elas um anteprojeto da nossa futura organização social, do nosso clube. A idéia do clube, entre nós, está diretamente associada à de literatura, dança, esporte, jogo, etc. Quando se fala clube, vêm logo a lembrança essas coisas alegres, leves e ligeiras, feitas para encher os vazios da vida, os claros da existência, coisas possivelmente fúteis. O nosso clube destoa da regra, tem outro escopo. Aliás temos nós um fim especializado. O clube tem uma feição utilística, mas de um utilitarismo elevado, generoso. Porque nós não buscamos o nosso bem pessoal, senão o da coletividade. O que sintetiza o nosso objetivo é o progresso local, sob todos os seus aspectos. Este é o ponto final. Mas o fim imediato, como meio de atingirmos aquele objetivo, é aproximar uns dos outros, os homens de pensamento de ação, os espíritos da elite, deste meio, amadurecidos pela experiência dos anos ou pela cultura no estudo; aqueles que, em toda parte constituem as dinâmicas das sociedades, habituados à reflexão e amando as realizações práticas; reuni-los, aproximá -los, pô-los em contato, formando o ambiente natural, onde as idéias tenham circulação, tomem corpo, para que se transformem de concepção abstrata em realização concreta. O clube destina-se, dest’arte, a ser, na ordem intelectual, um fator do nosso progresso. Toda realização prática, antes de se concretizar em fato, foi uma idéia abstrata, e nesta embrionária, é frágil, é débil, é tênue. A estas iniciativas incipientes o clube prestará a sua assistência moral. É isto idealismo? Não, realidade. Precisamos nos convencer de que o progresso não depende só da riqueza do dinheiro acumulado, que é o seu elemento ponderável; o principal é o fator mental, idéia, intangível na sua aparência imaterial, porém decisiva. Todos os dias vemos se desmoronarem ótimas iniciativas que, surgindo isoladas, neste meio dispersivo em que vivemos, se desvanecem e morrem. O rotary Club será o órgão, cuja função é selecionar estas iniciativas e encaminhá-las para sua realização. Por exemplo: uma pessoa abre um livro, lê um jornal, uma coisa qualquer ou viaja, vai a Belo Horizonte, ao Rio, São Paulo. Vê , observa, aprende. Chega aqui compara, deduz, concebe uma idéia. Mas encontra meio indiferente, hostil e, daquela concepção à ação mediará sempre este abismo transponivel. Pois bem, o Rotary Club será a ponte lançada para este abismo. E vem no momento azado. Aqui há, como em toda parte, os desanimados, os pessimistas, que vão sistematicamente contra qualquer inovação. O momento e o lugar não permitem que nos tenhamos nas indagações destas tendências individuais. O fato, porém, é este que nós temos realizado, até agora, como coletividade humana, prova a nossa capacidade para o progresso. Amanhã chega aí a estrada de ferro, vai ampliar as nossas possibilidades, tornar mais eficiente o nosso esforço, mais valorizada a nossa produção, despertando novas energias num desdobramento crescente de atividade útil. É o momento propício de entrar em função o Rotary Clube, com a sua ação educativa e civilizadora, organizando, sistematizando as energias nascentes, como são de elaboração e propulsão do progresso. É preciso que fique dito e redito: o clube não vai criar idéias, o que seria pico; propõe-se movimentá-las, encaminhando para suas realizações as iniciativas que surgirem espontâneas no nosso meio social,que, já de si fértil, vai entrar numa série de franca evolução, não só na ordem econômica, como na ordem intelectual. Seu mecanismo funcional é o que há de mais simples: um presidente dirige, quatro artigos regulam o número de reuniões mensais, a jóia, a mensalidade . A Assembléia geral resolve o resto. Nada de burocracia, nada de papelório. O preço para as reuniões é um lanche ou um almoço. Ali reúnem-se, peridiocamente, os rotarianos e, no meio do bom humor despertado por aquele motivo de ordem astronômica na melhor camaradagem comenta-se os

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assun tos do dia: a alta do câmbio, a baixa do algodão, o embelezamento da cidade, o gosto arquitetônico das construções. Um pouco de comércio, um pouco de administração, um pouco de tudo. Hoje uma coisa, amanhã outra. Assim vamos, dia a dia, hora a hora , pedra sobre pedra ,lançando aqui os fundamentos do nosso progresso, obra que será continuada pelas gerações por vir, cabendo a nós, os iniciadores, como prêmio, o conforto moral de havermos sido em nosso meio e ao nosso tempo os pioneiros do progresso local. (PAULA,1957:222 –224) (Grifos meus).

Nesse discurso ficou transparente que o clube era um local onde a elite

tinha como objetivo a busca da unidade da classe intelectual, política e econômica e

onde se reuniriam para discutir o destino da cidade. Percebemos também que a reunião

realizada nas dependências de um hotel, indicava o nascimento de novos cenários onde

se podiam discutir e fazer política.

Foi nesse ambiente bucólico de cidade sertaneja que o Rotary Clube de

Montes Claros deu os seus primeiros passos rumo ao “progresso”.

Desde a sua fundação o Rotary Club de Montes Claros serviu como

ambiente de encontro da elite montesclarense. Por muitos anos se discutiu, em suas

dependências o destino da cidade. Neste discurso de fundação vê-se os objetivos

principais da referida entidade:

...O clube tem uma feição utilística, mas de um utilitarismo elevado, generoso. Porque nós não buscamos o nosso bem pessoal, senão o da coletividade. O que sintetiza o nosso objetivo é o progresso local, sob todos seus aspectos. Este é o ponto final. Mas o fim imediato(...) é aproximar uns dos outros, os homens de pensamento de ação, os espíritos da elite.

O vereador começa o discurso reconhecendo que o ato da fala é mais fácil

do que o da escrita, então confessa que traz o sacrifício (o de escrever) em nome de um

objetivo maior- “contribuir para a futura organização social do Rotary”. Deixa claro

que o objetivo do “clube” está ligado ao desenvolvimento coletivo da região. Mas para

o vereador, o ingresso ao clube exige o pertencimento à “elite intelectual”, homens de

ação e espíritos da elite. Diz que o Rotary representa a possibilidade de realizar um dado

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sonho, o novo, o lugar privilegiado para ação política e social. O Rotary, na visão do

vereador, confunde sua própria história com a história do progresso. O Rotary era o

“lugar de família”, onde o encontro para o lazer também se realizava.

Esse período coincide com uma profunda transformação social onde,

amparados pelo pensamento e ideal comteano, os pontos de encontro se tornaram o

locus ideal de formação da opinião pública, como força política e forma de expressão,

tão necessárias à vida social e cultural naquele momento.

As famílias “de prestígio” se tornaram “tradicionais”. O “prestígio” era por

consangüinidade através de casamentos ou até mesmo através da profissão exercida por

eles. Uma rede de parentesco ia-se formando e essas famílias iam galgando os mais

altos cargos políticos e também as instituições privadas, através de indicações e, muitas

vezes, até por competência. WIRTH cita como exemplo as famílias dos Anjos e

VERSIANI que eram compostas de importantes médicos, comerciantes e fazendeiros de

Montes Claros. Essas famílias supra citadas por WIRTH, e as famílias, Maurício,

Câmara e Ribeiro faziam parte da parentela liderada pelos irmãos Alves. As famílias

Chaves e Prates estavam ligadas ao deputado Camilo Prates.

Valorizando ainda mais essas famílias tradicionais PAULA comenta:

Em 1917, o coronel Joaquim José da Costa, então presidente da Câmara, resolveu dar nomes às ruas da cidade, com nomes de pessoas importantes e municípios vizinhos. Antes disso, as ruas se chamavam rua da Floresta, do Piquizeiro, Largo da Matriz, Largo da Caridade, rua do Tamarineiro, rua do Genipapeiro etc. Os becos eram: beco do Dr. Nelson, Beco Santa Bárbara, que hoje é a travessa Arthur Lobo. O Largo da Matriz, como era o maior da cidade, ficou com o nome de praça Dr. Chaves, o Dr. Antônio Gonçalves Chaves, filho do padre Chaves que também chamava Antônio Gonçalves Chaves, construtor da igreja da Matriz. E foi o seu filho que ficou com o nome. Ele foi o primeiro advogado formado de Montes Claros, em 1862, em São Paulo, e foi a pessoa de Montes Claros a conseguir os mais altos destaques, não só de conhecimentos, como também de política: Ele foi presidente das províncias de Minas e Santa Catarina. Na constituinte de 1891, Dr. Chaves foi encarregado de fazer o código de família. Ele era tão versado na profissão de direito, que Rui Barbosa o chamava de “Mestre do Direito.”

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Foi também Presidente da Câmara Federal, senador da República, senador Estadual e diretor da Faculdade de Direito de Minas Gerais.68

Vê-se nesta nota de Paula que os nomes de pessoas da elite de Montes

Claros ganharam destaque a partir das denominações de ruas e praças. Era o advento de

um novo tempo social. Era o momento de inventar memória e tradição coletivas

criando, através dessas simbologias, representações de uma nova era.

Tem-se, ainda, a manifestação de uma linguagem política por meio de uma

linguagem arquitetônica. Os nomes dados às ruas e praças e a quantidade considerável

de estátuas e monumentos em homenagem a pessoas da elite, retratam o sistema político

vigente: a República.

Para Bazcko,

...Todas as cidades são, entre outras coisas, uma projecção dos imaginários sociais no espaço. A sua organização espacial atribui um lugar privilegiado ao poder, explorando a carga simbólica das formas (o centro opõe-se à periferia, o “acima” opõe-se ao “abaixo”, etc.). A arquitectura traduz eficazmente, na sua linguagem própria, o prestígio que rodeia um poder, utilizando para isso a escala monumental, os materias “nobres”, etc. (BAZCKO, pp.312-313).

Montes Claros, como as demais cidades do Norte de Minas, era uma

cidadezinha pacata e modesta. “Se o lugar é um marco da cultura mineira, a cidade

pequena é o coração.” (WIRTH,1982, p. 127)

Apesar das desigualdades sociais seus moradores viviam “irmanados” numa

convivência e intimidade de família. A cidade era vista como a chamaram um dia o

ministro Francisco Sá, o deputado Camilo Prates e o Cel. Antônio dos Anjos:

acolhedora, generosa e forte, que brotou da terra morena como um presente de Deus. Quem nela viveu, nunca a esquecerá. Se está distante, a lembrança da cidade querida permanecerá sempre ao seu lado, carinhosa e fiel.

68 Revista Montes Claros em Foco agosto/1979. P. 04

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(...)Para muitos que viviam na boa Montes Claros de quarenta anos atrás, o Rio era apenas aquela indicação simpática: - “Hotel Continental, rua Senador Dantas, 31”. Ali morava Camilo Prates durante a temporada parlamentar. Uma figura aparece, generosa e valente. No tranqüilo Rio de 1915, o deputado Camilo Prates sai para a Câmara. Mas, os seus olhos mal percebem a paisagem urbana. O pensamento está longe. O sertanejo evoca o pé de serra, o riacho, o campo de vegetação rala e ondulante – onde vivem as perdizes e as codornas – que ele em breve irá percorrer a cavalo, no longo percurso da estação da estrada de ferro à sua cidade natal. (...) Durante quase oitenta anos, aquele coração bateu por Montes Claros. Ninguém serviu à sua terra com mais dedicação do que ele. O seu nome está ligado às etapas do progresso de Montes Claros. Sonhou com a energia elétrica, com as casas de ensino, com a água, a estrada de ferro. Mas, não sonhou, apenas. Foi uma força atuante para o êxito das iniciativas em benefício de Montes Claros. Homem de larga influência moral, conquistada através de uma vida de trabalho – ele sabia agir com inteligência e energia. Tinha a alma cheia de entusiasmo – que transmitia a todos. Era assim o coronel Antônio dos Anjos. (PAULA,1957:IX).

Na literatura montesclarense encontramos várias passagens que nos

remetem ao “senso de lugar”, tradição familiar e costumes pois, a fidelidade com a

terra natal era demasiadamente forte. Os intelectuais e amantes da literatura carregavam

em seu bojo a ambientação da cidade pequena, acolhedora e generosa, acolhedora pela

hospitalidade e “colo de mãe”, generosa pelas estações de primavera que em setembro

enchem os ares de flores e noites regadas por seresteiros e o brilho do luar.

Num poema da professora e compositora montesclarense Dulce Sarmento é

possível perceber estas passagens:

HINO A MONTES CLAROS Como é lindo o luar (luar) Aqui neste Sertão (Sertão) Faz a gente sonhar (Sonhar) Pulsando o coração (Coração) Sertão meu amor ( Amor) Teu sol, teu luar ( Luar) Traz-nos na dor (Dor) Consolo sem par (Sem par).

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Montes Claros, Montes Claros, Teu luar é cor de prata. Montes Claros, Montes Claros A saudade só nos mata. Quando estamos bem distantes Do teu lindo céu azul, Dos teus prados verdejantes Do teu Cruzeiro do Sul. É neste mês de setembro (Setembro) Que tu vestes de um tesouro (Tesouro) Não olvido, bem me lembro (Bem me lembro) Das tuas árvores cor de ouro (Cor de ouro). Sertão, meu amor, (Amor) Meu encantamento (Encantamento) Na alegria e na dor (Na dor) Trago-te em meu pensamento (Pensamento).

Igualmente pela tradição, Montes Claros não se furtava às práticas de união

de linhagens entre as famílias tradicionais69 e de poder político. Um dos exemplos que

ilustra as práticas de união familiar, é a união dos Chaves e Prates, quando do

casamento do Professor Camilo Prates com Amélia, irmã de Antônio Gonçalves Chaves

(l840- l911) - o chefe do Partido Liberal no Norte, que logo se tornaria um dos

fundadores da Escola de Direito.

O deputado Camilo Prates, em meados de l9l0- l920, por interesses políticos

e relações de parentesco de sua mãe com o ministro dos transportes Francisco Sá,

também adere ao PRM- Partido Republicano Mineiro, consolidando aí duas facções

bem distintas no centro da agremiação partidária do PRM da cidade de Montes Claros,

ou seja, os Alves, Conservadores, e os Camilistas, Liberais.

69 Sobre famílias tradicionais, ver WIRT John D. O fiel da balança: Minas Gerais na Federação Brasileira, tradução de Maria Carmelita Pádua Dias - Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p.224

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Esta união de linhagens familiar em Montes Claros em alguns momentos

serviu para dividir a política na cidade, fortalecendo cada vez mais os partidos

individualmente.

Nessa época (1917 a 1926), a população ainda vivia com o legado

arraigado da figura do “coronel” institucionalizado no Brasil Império, sendo o

personalismo, em Montes Claros, um traço marcante de períodos que se antecedem à

República. Os grupos se organizavam em torno de certas personalidades que definiam

suas linhas de ação.

Foi entre essas “diferenças” que a elite local se estruturou. Os

profissionais liberais de Montes Claros, desempenhavam atividades múltiplas, ora

como médicos, atendendo em suas clínicas, farmácias, escritórios, ora atuando em seus

estabelecimentos comerciais varejistas e atacadistas e, ainda, paralelamente a esses

serviços administravam suas fazendas próximas à sede do município. É importante

salientar que na década de 20 a maioria desses profissionais atuava, também,

politicamente.

3.4 CORONÉIS: Sob a mira da carabina de papo amarelo, a violência como

recurso

Nas oposições e lutas políticas os partidos eram apenas siglas que davam

nomes à guerras de coronéis. As práticas e estratégias políticas se confundiam com

prestação de favores e nomeações para preenchimento de cargos públicos. O voto

tornava-se um mecanismo de sobrevivência e o mandonismo e o clientelismo tomavam

o corpo e a forma de cidade. Nessas duas categorias tornou-se possível reconhecer,

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nitidamente, o “coronelismo” como um elemento-chave para a compreensão do

funcionamento da política e das articulações da elite, na Velha República.

O período que se estende no governo de Campos Sales (l898-l902) é marco

importante para a maioria dos autores como sendo o auge da influência do poder

coronelístico. Esses coronéis tiveram papel importante, de reconhecida autoridade,

como representantes do poder político nos âmbitos Federal, Estadual e Municipal. Para

alguns autores as raízes do coronelismo já estavam sedimentadas no Império com a

criação da Guarda Nacional70, e na República, o coronel apenas ampliou o seu papel. A

sua capacidade de mando político, desde a segunda metade do século XIX, foi como

esteio de sustentação do regime republicano, pois, nesse período, se encontrava em suas

mãos, o domínio político municipal.

Segundo JANOTTI,

O coronel nem sempre era um grande fazendeiro. Mas era um chefe político, de reconhecido poder econômico, que conseguira apoio e prestígio junto ao governo estadual, na razão direta de sua competência em garantir eleições situacionistas. Portanto, o coronelismo não foi apenas uma extensão do poder privado, mas o reconhecimento da força de alguns mandatários pelo beneplácito do poder público (...) Enquanto a burguesia se esforçava por constituir um Estado Nacional, o coronel permanecia como um dos componentes do particularismo regional, que, paradoxalmente auxiliava o processo de centralização do Estado. A esmagadora maioria da população rural sempre foi abandonada pelo poder público, ficando à mercê da autoridade discricionária daqueles que sempre dispuseram e usufruíram da posse da terra. (JANOTTI, 1981, p.41)

70 A Guarda Nacional nasceu a l8 de agosto de l83l, tendo tido o Padre Diogo Antônio Feijó por pai espiritual. Determinou a lei ficasse ela sujeita ao ministro da Justiça (cargo então desempenhado pelo imortal paulista), declarando-se extintos os corpos de milícias e de ordenanças (assim como os mais recentes guardas municipais), que dependiam do ministro da Guerra. Em suas Efemérides (pag.465 da 2.ª ed. do Instituto Histórico), eis como ela se exprimiu o Barão do Rio Branco: “ A guarda nacional brasileira, criação dos liberais de l83l, prestou relevantíssimos serviços à ordem pública e foi um grande auxiliar do exército de linha nas nossas guerras estrangeiras, de l85l a l852 e de l864 a l870”. Dessa última data cá, tornou-se ela meramente decorativa. Durante quase um século, em cada um dos nossos municípios existia um regimento da Guarda Nacional. O posto de “coronel” era geralmente concedido ao chefe político da comuna. (...) Eram, de ordinário, os mais opulentos fazendeiros ou comerciantes e industriais mais abastados, os que exerciam, em cada município, o comando-em-chefe da Guarda Nacional, ao mesmo tempo que a direção política, quase ditatorial, senão patriarcal, que lhes confiava o governo provincial. Tal estado de coisas passou da Monarquia para a República, até ser declarada extinta a criação de Feijó. (LEAL, l978: 20-21).

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Prosseguindo JANOTTI nos esclarece que:

O coronelismo se expressa num encadeamento rígido de tráfico de influências. Sua prática política está muito bem estruturada num sistema eleitoral, onde é possível reconhecer todos os seus passos, localizando-os no tempo e no espaço. Forma-se uma pirâmide de compromissos recíprocos entre o eleitorado, o coronel, o poder municipal, o poder estadual e o poder federal. (JANOTTI, 1981, p.11).

O locus específico do “coronelismo” é o interior rural do país. O Brasil é

um país de vasta extensão territorial com particularidades culturais diversas e muitas

desigualdades sociais. O “fenômeno” do coronelismo se materializou devido à distância

dos grandes centros urbanos e o isolamento dos municípios, favorecendo, assim, a

formação e a manutenção do coronel.

O poder representativo do “coronelismo” no interior do Brasil não deixou

de se refletir nas lacunas da legislação eleitoral, sendo suas ações projetadas sobre toda

a vida política do país.

Para Leal, como sistema político, o “coronelismo” é permeado por uma

relação de enormes compromissos entre os poderes público e privado. (LEAL,

1997:276).

O progresso técnico vai avançando a partir da visão de mundo desses

poucos letrados. Com o intuito de defender seus interesses específicos, a classe

dominante, agora no exercício do poder político, tinha como interesse a legitimação e o

controle social para viabilização e implementação de suas políticas, ao lançar no

imaginário da maioria da população montesclarense que o progresso técnico estava

voltado para a ordem, o progresso e o bem-estar de todos. As decisões legislativas eram

consentidas, atreladas à prática da dependência, troca de favores e lealdade política.

Na maioria das vezes fizeram das profissões um tronco de apoio político e

um claro exemplo de como o sistema funcionava no interior. Os gabinetes locais eram

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o centro diretor da política municipal, mesmo porque a distância que se fazia em relação

ao Estado justificava para eles as ações de “mandonismo local”, e facilitava a criação

das milícias particulares. A exemplo disso constatamos em muitos jornais, a presença

de violência entre esses grupos organizados e fortemente armados em Montes Claros e

na zona rural para proteção dos coronéis. A violência como recurso para manutenção do

poder das duas facções políticas de Montes Claros estava sempre presente no imaginário

da população.

É Ciro dos Anjos quem narra algumas passagens da violência em Montes

Claros na década de 20, lá pelos anos de 1917, quando ele vivia às voltas de mãos

dadas com a literatura.

...Não se vá fazer mau juízo de Santana71, imaginando que homicídio ali era freqüente. Matava-se relativamente pouco. Exceto nas lutas eleitorais , ocasião em que havia conflitos de mais substância, o obtuário, no respeitante a mortes violentas, não correspondia de modo nenhum à fama da cidade. Estatisticamente, ela ocupava, mesmo, posição assaz modesta em confronto com a vila das Almas, onde, houvesse ou não eleições, as carabinas de papo-amarelo funcionavam o ano todo, só descansando um bocadinho nas intermitências necessárias à correção do tiro. Em relação ao arraial do Pita-e-Bebe, o cotejo assinalaria diferença não menos expressiva: neste índice de óbitos provocados era dez vezes superior ao de Santana(...) Mais de uma vez, acordados pelos estampidos, ouvi o mano Benjamim dizer: “Derrubaram uns três ou quatro. Sebastião Coveiro vai precisar de ajudantes!”(...) As correrias, as espaçadas vozes, nítidas por um instante e depois dissolvidas ao longe, comunicavam à treva noturna um frêmito inesquecível. (Grifos meus).

O uso do poder coercitivo por parte dos coronéis estava presente na cultura

política da cidade desde o Império. Do enfrentamento entre eles resultaram várias

desavenças, como nos relata PAULA, sobre dois funcionários municipais demitidos no

ano de l9l5, no governo do Cel. Joaquim Costa, que eram amigos do Dr. Honorato

Alves, desencadeando a partir daí uma forte discórdia, que culminou na formação de

duas câmaras municipais, que funcionaram no mesmo prédio em salas diferentes e no

71 Não obtivemos informações a respeito do nome fictício de “Santana” dado a Cidade de Montes Claros por Ciro dos Anjos. Mas toda a narrativa do texto, nos leva a crer ser a cidade de Montes Claros em toda

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mercado se instalaram duas balanças. Essa situação de divergência política tomou

grandes dimensões sofrendo, em seguida, a intervenção do governo do Estado, na

tentativa de buscar solução de apaziguamento. De nada valeu pois em primeiro de

março de l9l8, após as eleições para Deputados Federais e Presidência da República,

aconteceu um forte conflito culminando em mortes.

Montes Claros, 2 de março de l9l8. Hontem á noite, um grupo de eleitores festejavam pacificamente, em despreocupada passeata a minha vitória eleitoral sobre o partido do Deputado Camilo Prates, quando ao passar pela casa deste, sem que tivesse nenhuma provocação, em resposta aos vivas ao sr. Rodrigues Alves, foram disparadas cerradas cargas de carabinas sobre as pessoas que iam à frente do grupo , e, como consequência faleceram quatro delas , inclusive uma criança de doze anos, outros feridos gravemente. Por ocasião da ultima eleição municipal, o sr. Camilo Prates comprou muitas dezenas de carabinas armando assim seus jagunços afim de dominar pelo terror. Graças à prudência de meus amigos, conseguimos afastar a desgraça que a fúria sanguinária do referido deputado inesperadamente acabava de provocar, fuzilando o povo. Consegui de meus amigos que não tomasse um desforço imediato do contrário aumentaria a proporção incalculável o horrivel morticinio. a Honorato Alves”. “Montes Claros, 2 de março de l9l8. “Logo depois das eleições federais, os partidarios do Deputado Honorato Alves em numero superior a duzentos homens, ebrios e aos gritos de morra Camilo Prates, atacara m a casa de minha residencia, fizeram fogo sobre o meu filho Carlos, ameaçando invadir o predio. Os amigos que se achavam comigo reagiram, travando-se um tiroteiro forte. Consta que morreram alguns dos atacantes. Pedi garantias ao Governo do Estado de Minas e estou sob a ameaça dos adversários verdadeiramente ferozes. Tudo isto é consequencia da desenfreiada politicagem que in felicita esta terra há mais de treis anos. a) Camilo Prates, Deputado Federal (PAULA, 1979:158)

Nestes dois documentos acima citados ficam transparentes os interesses de

ambas as correntes políticas, de se defenderem dos atos de provocação que ocasionaram

uma “guerra campal” em frente à residência do deputado Camilo Prates. Há uma

ambigüidade acentuada nas duas declarações, pois as mesmas tentam se inocentar pelos

acontecimentos do dia 02 de março de 1918.

A cidade de Montes Claros sempre viveu de acirradas lutas campais em

torno da conquista do poder municipal, mas também foi palco de vários acordos

políticos, tendo sempre a intervenção do governo Estadual como conciliador.

à sua obra: A Menina do Sobrado. P. 99.

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Aproximando-se o advento da ferrovia, os articuladores políticos da cidade

começaram, no início do ano de 1922, uma intensa mobilização em torno de uma

“conciliação” entre os dois grupos, objetivando assim a unificação dos esforços em

torno da conquista da ferrovia.

No final do governo municipal do Dr. João Alves (1922), o vereador

situacionista Major Honor Sarmento, em sessão na Câmara Municipal, tece um

verdadeiro e aclamado elogio à pessoa do Dr. João Alves, em defesa do mesmo,

revidando segundo ele alguns “boatos” contra a presença do referido médico e

presidente da Câmara, no comitê, em ocasião à formação do mesmo para realizar a

fusão das duas facções políticas:

... O vereador Major Honor Sarmento, obtendo a palavra disse: Venho quebrar o silêncio em que me mantenho, desde muitos annos, nesta casa, relativamente a assumptos políticos do município até então, arredado como estou dos partidos militantes, não tive occasião de ver que esta comparação estivesse envolvida directamente na lúcta que anda travando no terreno das estreitas competições; até então não tinha percebido que esta comparação fosse directa ou indirectamente alvejada nos ataques que se fazem aos políticos, sejam de que facção forem os mesmos no terreno pessoal. Agora porém, quando se cogita um movimento benéfico na opinião pública, guiado por um grupo de cidadãos que repito dignos e bem intencionados, no sentido de se fazer o congraçamento dos dois grupos existentes no municipio, que obedecem a orientação dos exmos. Deputados doutor Honorato Alves e Camillo Prates, pertencentes ao P.R.M. Começou a surgir boatos repetidos e constantes a respeito dos intentos que os promotores da idéia da fuzão das ditas parcialidades, tem de eliminar de qualquer composição o nome do honrado presidente desta casa.(...) E por isto que em nome dos vereadores da Câmara Municipal; sem distincção do modo porque cada um encara a questão partidária, venho protestar contra a maldade e os intuitos daquelles que se encumbem de ingendrar e espalhar tais boatos, pois a representação do povo nesta casa está toda ao lado do seu presidente, prompta para prestigiál-o e para não consentir que sendo a seu protesto(...) tanto assim que não seria coherente comigo próprio, como cada um dos vereadores o seria consigo mesmos, se deixassemos que soffresse qualquer discriminação no conceito em que, nelle temos, o nosso digno Presidente. Requeiro portanto que fique constando da acta este protesto em nome da Câmara e sem razão esse boato(...)Consultada a Câmara, todos os senhores vereadores, com franco applauso, declarando um por um o seu apoio a idéia, approvaram o requerimento supra.”(Ata da Câmara do dia 16/05/1922, 2ª sessão).

Com a abolição do regime servil e, depois, a proclamação da República, o

direito de voto estendeu-se às classes de trabalhadores rurais e operários.

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Em todo o período de 1917 a 1926, observamos que uma das estratégias

políticas muito usadas por ambas as facções políticas de Montes Claros principalmente

em véspera de eleições ou formação de comissão de trabalho da Câmara ou Comitês,

eram ardentes acusações ou provocações dos inimigos partidários.

Esse fato fez com que os trabalhadores rurais alfabetizados começassem a

participar politicamente, através do voto, do destino da cidade, embora com restrições,

pois os seus representantes detinham uma estrutura agrária de dependência dessa

parcela do eleitorado.

QUEIROZ demonstra bem esse período na história,

A extensão do direito de voto às classes populares não tivera, pois, outro efeito senão aumentar o número de eleitores rurais às ordens de determinado mandão político; como podiam os agregados discordar dele se nem podiam se manifestar em oposição aos fazendeiros sem perder o único amparo que possuíam? Como muito bem observa Costa Pôrto, o prestígio do coronel “lhes advém da capacidade de fazer favores”, e quanto maior esta capacidade, maior eleitorado terá o chefe, ou mais alto se colocará na hierarquia política, será chefe estadual ou federal. (QUEIROZ,p.113).

Essa influência se apresentava solidamente enraizada na proteção do coronel

aos seus trabalhadores, aos habitantes de suas terras e aos sitiantes, aos homens livres e,

principalmente, aos pequenos proprietários, ligados por relações de compadrio, que

formavam o conjunto de relações que denominamos de ”coronelismo” em Montes

Claros.

JANOTTI identifica os coronéis como a referência central nos municípios

para a resolução de questões referentes a limites de propriedades, heranças, pagamentos

atrasados, relações conjugais complexas, educação infantil, indicação a cargos públicos,

compra de medicamentos, passagens, enfim, toda uma rede de compromissos

costumeiros e outros que lhe aparecessem. Estabeleceu-se assim uma infinita teia de

compromissos, indo do mais simples vaqueiro de uma fazenda até ao mais graduado do

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poder público estadual. Inúmeros cargos eram indicados ou diretamente apoiados por

eles, tais como prefeitos, vereadores, soldados, contínuos, escriturários, além de outros

funcionários públicos e demais profissionais que necessitavam de sua proteção e zelo.

Dentre alguns dos cargos neste período da primeira e segunda década da República

Velha, destacamos: chefe da estação, telegrafista, tabelião, delegado de polícia,

farmacêutico, comerciante, médico, advogado, dentista, empresário, diretor de escola

primária e outros que sofreram, direta ou indiretamente essa referida proteção do

coronel. E para cumprimento desse domínio moral do coronel, sobre as várias pessoas

do município, era preciso a correspondência de uma série de obrigações que deviam ser

cumpridas, junto aos proprietários de terras e seus familiares e o próprio coronel,

principalmente, em véspera de eleições quando havia, por parte dele, intensa cobrança

em relação ao seu prestígio.

Esta visão pode ser também encontrada em CARVALHO:

O coronelismo é, então, um sistema político nacional, baseado em barganhas entre o governo e os coronéis. O governo estadual garante, para baixo, o poder do coronel sobre seus dependentes e seus rivais, sobretudo cedendo-lhe o controle dos cargos públicos, desde o delegado de polícia até a professora primária. O coronel hipoteca seu apoio ao governo, sobretudo na forma de voto, para cima, os governadores dão seu apoio ao presidentes da República em troca de reconhecimento por parte deste de seu domínio no Estado. O coronelismo é fase do processo mais longo de relacionamento entre os fazendeiros e o governo. (CARVALHO, 1998: 132)

E prossegue:

O mandão, o potentado, o chefe, ou mesmo o coronel como indivíduo é aquele que, em função do controle de algum recurso estratégico, em geral a posse da terra, exerce sobre a população um domínio pessoal e arbitrário que a impede de ter livre acesso ao mercado e à sociedade política. O mandonismo não é um sistema, é uma característica da política tradicional. (CARVALHO, 1998:133)

Durante todo o processo de modernização (progresso) que estudamos sobre

a cidade de Montes Claros, foi possível perceber a “importância” e a presença constante

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do “coronel”. Como narramos, antes do período da República Velha, é marco

importante para análise e compreensão do poder dos coronéis no Brasil e em Montes

Claros. Esses coronéis tiveram presença marcante no cenário montesclarense, de

reconhecida autoridade, como representantes do poder político em todas as esferas-

municipal, estadual e federal. Queiroz nos mostra uma passagem importante na história

que é sobre o “pacto tácito”

Geralmente, entre o presidente ou o chefe estadual e a massa votante se interpunham os coronéis e então tinha ele de se entregar a trabalho muito habilidoso com o fim de harmonizar e coordenar as diferentes correntes e influências, de modo a se manter no poder. Este resultado era conseguido por meio de um pacto tácito: o governo não se metia no município, onde o coronel tinha carta branca para fazer o que quisesse, e em troco recebia o apoio do coronel. (QUEIROZ, p. 118)

A partir desse pacto tácito os coronéis estreitavam suas relações com os

governos estadual e federal e assim conseguiam realizar muitos dos seus compromissos

com o município. Para ANTUNES, “As autoridades locais, que se organizavam muito

em função da prestação de serviços essenciais, estava , em verdade, cuidando de

implantar a infra-estrutura básica, necessária a qualquer empreendimento.”

(ANTUNES, p.32)

Sendo assim, apesar de todos os defeitos “político-eleitorais” que o

“coronel” pudesse representar ao desenvolvimento da cidade, são eles a elite letrada

que vai a partir do ideário positivista, promover o progresso em Montes Claros.

Montes Claros é fruto então, de uma herança política conservadora, onde as

condições políticas foram-se modificando e deixando o seu legado. Ao privilegiar o

projeto de uma elite que, tinha acesso à educação e à cultura.

O imaginário e o simbólico apreendido pela sociedade montesclarense foi

facilmente assimilado e o poder político local, desempenhava à revelia e

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autoritariamente o seu papel.

Para BAZCKO, “O imaginário social é, pois, uma peça efectiva eficaz do

dispositivo de controlo da vida colectiva e, em especial, do exercício da autoridade e do

poder. Ao mesmo tempo, ele torna-se o lugar e o objecto dos conflitos sociais.”

(BAZCKO, p.310)

A visão ideológica que era sustentada pela elite e assimilada pela maioria

da população, tratava-se de uma visão onde todos eram “livres”, inclusive para comprar

e vender, consumir e investir, portanto, toda essa visão de liberdade transmitida à

população, era na verdade uma liberdade condicionada aos interesses particulares dessa

referida elite.

As representações apreendidas pela coletividade, no entanto, alicerçadas

por essa visão ideológica da classe dominante, que não deixava de ser a elite local,

legitimavam e sustentavam a referida elite, em contraposição aos anseios de um sub-

grupo da sociedade, que acreditava e queria, mesmo que individualmente e em estado

de dispersão, segundo a literatura da época, uma liberdade de imaginação e de

participação.

A elite brasileira era também formada pela aristocracia rural e defendia

liberdade sem igualdade e essas idéias liberais iam-se difundindo sertão adentro

garantindo uma ordem social para manter seus privilégios e o controle do projeto

político proposto.

O que há dentro desse contexto é uma luta em busca da hegemonia do poder

simbólico.

As ideologias, por oposição ao mito, produto colectivo e colectivamente apropriado, serve interesses particulares que tendem a apresentar como interesses, comuns ao conjunto do grupo. A cultura dominante contribui para a integração real da classe dominante (assegurando uma comunicação entre todos os seus membros e distinguindo-os das outras classes); para a

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integração fictícia da sociedade no seu conjunto, portanto à desmobilização (fals a consciência) das classes dominadas; para a legitimação da ordem estabelecida por meio do estabelecimento das distinções (hierarquias) e para a legitimação dessas distinções. Este efeito ideológico, produto da cultura dominante, dissimulando a função de divisão na função de comunicação: A cultura que une (intermediário de comunicação) é também a cultura que separa (instrumento de distinção) e que legitima as distinções compelindo todas as culturas (designadas como subculturas) a de unirem-se pela sua distância em relação à cultura dominante.)72

No âmbito nacional o poder ficava a cargo dos estados mais ricos; no

Estadual, das oligarquias regionais e no regional, nas mãos dos coronéis.

Os grandes proprietários de terras controlavam a população rural e urbana, e

esta, sem privilégios sociais e políticos, ficava à mercê das difíceis condições de

existência, crescendo a marginalidade, a pobreza e o desemprego. A cidade, enquanto

uma estrutura de funcionamento, também se tornava um lugar de controle sobre a

população existente, mesmo porque, a nova ordem social vigente nesse período, a

República Velha, deveria garantir o estabelecimento dos ideais do progresso, da

produção e do lucro. Assim o controle dos trabalhadores extrapola os locais de trabalho

e invade o seu cotidiano.

Segundo PECHMAN,

A invenção da questão da moradia é, portanto, um elemento do discurso burguês e não da fala operária. (...) Querer compreender, portanto, a cidade popular à luz da cidade burguesa e a partir das concepções de cidade da burguesia nada há de mais infrutífero.(...) E justamente a idéia moderna de cidade vingará a partir dessa disputa de representações que qualificam e desqualificam o espaço público e o espaço privado.(...) Na intervenção, ordem urbana e ordem social são articuladas. A percepção de que a primeira redunda na última inspirará a elaboração de noções redefínidoras dos elementos constituintes da ordem urbana e da disciplina social do século XIX (Robert Storch, ANPUH/Marco Zero,l985).(...) Por isso mesmo as classes dominantes fundam seu poder sobre a cidade a partir da intervenção no espaço, no sentido de coibir “usos e abusos” e principalmente, fundam seu poder por meio de representações que legitimam o que são os bons e o que seriam os abusos, todos estes nascidos nos “mauvais lieux” (BAUDELAIRE).( BRESCIANI, p. 30-2).

Para a política local se adequar às diretrizes dos centros de poder era necessário que existisse um consentimento por parte de suas lideranças e,

72 BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Lisboa: Difel. Rio de Janeiro: Bertrand, 1989. p.10

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mais ainda, que a mediação entre o estado e a população do interior se desse de acordo com os interesses tanto destas lideranças quanto daquelas que ocupavam os centros de poder. É o processo, já bastante conhecido, chamado de coronelismo. Entende-se por coronel aquele indivíduo com capacidade de manter seus privilégios na distribuição de recursos políticos e econômicos, através da instituição de relações de lealdade ou garantindo laços de parentesco com seus clientes, devendo prestar contas ao poder central. São chefes locais, controladores e fornecedores de votos (5), que cuidam de reproduzir o autoritarismo e o paternalismo do estado brasileiro (6)73 (OLIVEIRA, 2000, p.28)

Foi exatamente entre religiosos, fazendeiros, comerciantes, profissionais

liberais como advogados, doutores, farmacêuticos e mestres da instrução pública que

primeiramente se originou a elite em Montes Claros. Dentre esses profissionais damos

destaque à figura do fazendeiro/comerciante que desde o Império recebia a nomeação de

“coronel”, a partir do ingresso na Guarda Nacional.

A classe dominante é o lugar de uma luta pela hierarquia dos princípios de hierarquização: As frações dominantes, cujo poder assenta no capital econômico, têm em vista, impor a legitimidade da sua dominação quer por meio da própria produção simbólica, quer por intermédio dos ideólogos conservadores os quais só verdadeiramente servem os interesses dos dominantes “por acréscimo” ameaçando sempre desviar em seu proveito o poder de definição do mundo social que detém por delegação; A fração dominada (letrados ou “ intelectuais” e “ artistas”, segundo a época) tende sempre a colocar o capital específico a que ela deve a sua posição, no topo da hierarquia dos princípios de hierarquização.74

Como porta voz do Estado Imperial, a nomeação de um grande proprietário

constitui, em si, um ato de imposição simbólica.

O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário.75

73 Oliveira, Evelina Antunes F. de, Nova Cidade, Velha Política : Poder local e desenvolvimento regional na área mineira do Nordeste. EDUFAL, 2000. p.28 74 Op. Cit.Bourdieu, p.14 75 Idem, Bourdieu p.12

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Para BOURDIEU é bem verdade que a eficiência do poder simbólico mora

então, na crença, na legitimidade e no reconhecimento por parte de uma comunidade

onde seus valores estejam estruturados e fortemente integrados.

A cidade de Montes Claros não fugiu às regras das situações apresentadas

no interior do país, tendo a figura do coronel forte influência local, congregando em

torno de si vasto grupo de grandes proprietários para a promoção de seus respectivos

interesses. Temos o coronelismo como marco verdadeiro na referência sócio-política do

município, o que nos aponta de imediato, saltando aos olhos, é a presença marcante do

“coronel” como liderança, ocupando sempre o lugar de maior destaque.

Em meio aos fazendeiros e comerciantes surgem com muita freqüência os

detentores de “grau acadêmico” (advogados e médicos) que são naturalmente

contemplados com a designação de “coronel”, “chefe”, principalmente pelos parentes

ou afins ou aliados políticos dos “coronéis”.

Conforme LEAL,

A maior difusão do ensino superior no Brasil espalhou por toda parte médicos e advogados, cuja ilustração relativa a qualidade de comando e dedicação, os habilita à chefia (...) Desde logo, dividiam-se eles em coronéis e doutores. Muitas vezes, existindo isolados; o coronel dominando da sua fazenda e congregando outros fazendeiros, com influência na cidade porque deles dependiam o comércio como fornecedor, advogados e médicos para garantia da clientela , funcionários que eles podiam nomear e demitir arbitrariamente, outras atividades por idênticos motivos; o doutor, mais pelo poder da inteligência e da cultura, pelo prestígio da palavra ou por serviços prestados na advocacia e na medicina às famílias ricas ou às massas pobres. Muitas outras vezes, em simbiose: o coronel entrava com a influência pessoal ou do clã, com o dinheiro e a tradição; ou doutor, a ele aliado, com o manejo da máquina, incumbindo- se das campanhas jornalísticas, da oratória nas ocasiões solenes, do alistamento, das tricas da votação, da apuração e das atas, dos recursos eleitorais e dos debates da vereança quando havia oposição.76

76 LEAL.Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. O Município e o Regime Representativo no Brasil. São Paulo: Alfa - Omega, l978. p. 22.

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Toda essa política de desenvolvimento e difusão do ensino superior no

Brasil também beneficia a cidade de Montes Claros, provavelmente em função da sua

posição geográfica, política ou porque há muito se consolidou como pólo principal no

norte de Minas Gerais.

Tendo a cidade de Montes Claros esse privilégio ela se colocava de “portas

abertas”, desde o período do Brasil Império, atraindo para a cidade figuras ilustres e

portadoras de conhecimentos acadêmicos, padres, advogados, médicos e farmacêuticos.

Essas pessoas se enraizaram, constituíram famílias e deram valiosas

colaborações no desenvolvimento do município. Para os governos Estadual e Federal

dos anos (l9l7- l926), que tinham como objetivo principal aplicar as técnicas e diretrizes

que promovessem o progresso, Montes Claros era o locus mais do que estratégico,

mediante a dedicação e o idealismo dessa elite.

Conforme WIRTH:

As estruturas e relações verticais ordenaram a sociedade durante muito mais tempo e se adaptaram à mudança melhor do que imaginariam os precursores do progressismo no final do século XIX. As interações entre os atores dominantes e inferiores ocorreram através do espectro social da sociedade baseada na riqueza. A mobilidade dependia da patronagem e trabalho duro de um indivíduo, ou membro da família e não da ação coletiva. O clientelismo e os métodos cooptivos ligaram grupos e indivíduos à máquina política e à administração estadual, enquanto que minavam diversas tentativas de formação de grupos de interesse e ação independente (...) O controle político em áreas rurais se dá pela forma de organização de trabalho no campo, criando o voto de cabresto e os chamados currais eleitorais (...)77

77 WIRT, John D. O fiel da balança: Minas Gerais na Federação Brasileira, tradução de Maria Carmelita Pádua Dias. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p.308

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CONCLUSÃO

É indiscutível que o país tem uma antiga e gigantesca dívida social, em que

a sociedade brasileira caracterizou-se pelas desigualdades profundas e pela

concentração de poder. São muitos os documentos que registram todo o processo

histórico do qual abordamos. A va riedade de documentos encontrados como Atas de

reuniões da Câmara Municipal de Montes Claros, decretos, jornais, projetos, opúsculos

e as obras dos memorialistas exigiu-nos alguns recortes e escolhas.

Neste trabalho, a maior preocupação foi apresentar um texto que englobasse

o maior número possível de informações acerca das representações sociais da elite

montesclarense.

Também foi importante para nós percebermos, a partir de um recorte de

temas que se articulam em vários pontos, como a sociedade de Montes Claros ficou

segregada e sob o domínio dos coronéis, por um longo período.

O pensamento progressista veio romper de fato com o marco colonial. O

tesouro brasileiro, em 1898, já se encontrava falido, sendo os primeiros anos de

República permeados por inúmeras agitações, lutas políticas, levantes militares, enfim,

uma efetiva guerra civil. O Presidente Campos Sales (1902) se inquietou para reverter a

imagem do país no exterior. E a República, aos poucos, ia-se firmando juntamente com

os ideais positivistas vo ltados para o progresso.

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Associamos a história do progresso à história das ciências, das técnicas e da

educação profissional, ligando estas categorias para levantarmos a história cultural,

social e política de 1917 a 1926, na cidade de Montes Claros. Não foi nosso objetivo

enumerar minúcias técnicas-científicas, mas os conhecimentos gerais. Para tanto,

utilizamos vasto material onde foi possível traçar um panorama desse progresso. As

imagens inseridas no percurso da análise foram apresentadas com um fulcro direcionado

para os textos, não tendo a intenção de ser uma simples “ilustração”.

Neste trabalho a preocupação central foi apresentar a construção do

progresso na cidade de Montes Claros e como se deu esse processo.

Entendemos como progresso todas as me lhorias, avanços e mudanças na

vida cotidiana de cada indivíduo.

Elegemos como progresso a questão do saneamento e da salubridade,

necessidades de suma importância para a sobrevivência do homem e no que diz respeito

ao padrão de civilidade, cemitério público, matadouros e açougues, chafarizes, serviços

de captação de água potável, instalações sanitárias domiciliares, conforto, higiene,

conquista, unidade, rapidez, civilização, economia internacional, nacional, local, hábitos

sociais, festas populares, todas as novidades, enfim, carros, cadeia, fórum, ruas calçadas

e abertas, bancos, construção de passeios, cinema, propagandas, novos costumes, das

minúsculas técnicas às maiores como geradores e transformadores de eletricidade, os

telégrafos e a telefonia, a eletricidade, as estradas-de-ferro, lampiões, obras públicas,

arquitetura e planejamento das ruas, novos bairros, reformas ou ordenamento, mercado

público, construção de pontilhão e pontes, estradas, trem-de-ferro.

No interior os homens instruídos eram necessários para atuarem como

vínculos de prestígio ao sistema maior do Estado. Estes eram as exceções do meio, pois

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a maior parte da população vivia segregada e as escolas existentes educavam

deficientemente essa população. A elite controlava e canalizava todas as leis, decretos e

mudanças e estas mudanças se orientavam em prol do bem-estar dessa elite letrada,

impondo de cima para baixo, através de métodos autoritários.

Indagamos, no entanto, se há uma relação entre a prática e uma ação efetiva

em relação à educação nos interiores de Minas? (Progresso pra quem?)

Este trabalho mostra que houve um progresso considerável no Brasil e em

Montes Claros no período de 1917 a 1926, porém, muitos dos quais só ficaram no

papel, não chegando a se concretizar, certamente em razão de mais um grande descaso

para com esses assuntos, por parte das elites.

Vimos, portanto, um progresso de fortes contradições na sociedade

brasileira, onde as aquisições sociais, duramente conquistadas e exaltadas em nome de

um pretenso progresso nada mais foram do que os pactos de cooptação e violência para

a manutenção das regras da elite pensante. O que nos deixou surpreso foi a capacidade

de união em torno de uma ação comum, ação da qual ligavam grupos e indivíduos,

ponto-chave para a manutenção do poder político É o caso em torno das articulações

que fez com que Montes Claros conquistasse a linha central da Estrada-de-Ferro

Central do Brasil.

A cultura política conservadora de modos tradicionais baseadas na

cooptação, clientelismo e violência não se deu somente pela força econômica de alguns

coronéis mas, pela ligação que estes tinham com a família, a região e com o país, enfim.

A violência não se dá somente no campo físico mas, nas imagens visuais,

nos símbolos, na literatura e nos discursos que eram articulados com o intuito de

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mostrar um pseudo-progresso que estava nas mãos dos coronéis ( que eram a própria

elite), nesse referido período.

Até o ano de 1920 a identificação com uma Europa civilizada era o que se

pleiteava. Mas a partir desse ano buscava-se a “identidade nacional”. Tanto o

industrial, o agricultor e o comerciante clamavam por segurança e viam no

nacionalismo uma arma ideológica poderosa na concretização de seus ideais.

Elite política e elite econômica caminhavam juntas. As elites citadas se

instruíam de acordo com padrões nacionais embora, estas não fossem homogêneas. A

população, no entanto, não era politicamente ativa, não havendo, portanto, desafio à

ordem estabelecida.

Montes Claros era apenas um dos muitos exemplos encontrados no início do

século XX. Nesse período houve uma profunda transformação político-cultural no país.

O progresso oscilava entre o tradicional e o novo.

O pensamento da época se relacionava com o bem-comum, as associações e

os clubes prestavam aos associados auxílios temporários e efetivos. A “Fraternidade”

estava explícita nos deveres cívicos de solidariedade dessas agremiações e cujas

representações traduziam o “Ser” republicano.

Pátria, família, vida comunitária, trabalho estão associados à palavra

fraternidade e solidariedade, cujas representações estão alicerçadas na crença

positivista. A nova ordem social vigente deveria garantir o progresso e para tanto era

necessário manter a ordem.

Na intervenção, ordem e progresso são articulados através da disciplina

social e invasão do cotidiano de cada indivíduo.

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QUEIROZ, M. I. P. O mandonismo local na vida política brasileira e outros ensaios –São Paulo: Alfa- Omega Ltda, 1976.

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148

ANEXOS

ENTREVISTA

1 Identificação do entrevistado

Nome: Ruth Tupinambá Graça

Profissão: aposentada na área de educação. Ano de nascimento: 1916. Estado civil:

viúva. Número de filhos. seis. Grau de instrução: terceiro (nível superior). Naturalidade:

Montes Claros.

Como se deu o progresso em Montes Claros ?

Com a ajuda de obras por parte dos coronéis, políticos da época, e também de

empreendimentos como a Fábrica de Tecidos. Com a construção da represa para

geração de energia elétrica, um pequeno progresso começou a se esboçar.

Como era M.Claros nos anos 1917 a 1926?

Ruas escuras, sem iluminação, com calçamento de pedras. Se compararmos por

exemplo com cidades do porte de Belo Horizonte ou mesmo Rio de Janeiro de onde

meu marido veio, era de assustar o atraso de Montes Claros nessa fase.

Os transportes eram a cavalo e só por volta de 1924 surgiram os primeiros

automóveis pertencentes às famílias dos coronéis.

Tinham muitos armazéns, dentro e fora do mercado. A feira funcionava aos

sábados no mercado. Camponesinhas de fora vinham vender verduras. Os armazéns

vendiam muitas variedades de produtos, principalmente alimentícios, fumo, cachaça e

rapadura, usada na época em lugar de açúcar.

Não havia lazer na cidade, não havia clubes. Alguns bailes eram realizados em

grupos escolares.

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Os alimentícios eram o forte da produção de M.Claros, que até abastecia cidade

vizinhas, produtos estes levados pelos tropeiros. Cachaça e algodão também eram muito

produzidos aqui. Já acerca de outros produtos como tecidos ou calçados de melhor

qualidade, eram trazidos de fora e também pelos tropeiros para abastecer o comércio

local.

Sem água encanada ou rede de esgotos por exemplo, os moradores tinham que

conviver com fossas em seus quintais. Até que surgiram alguns feitos como a energia

elétrica por exemplo, mas mesmo assim de forma muito precária inicialmente.

Essa energia só servia para iluminação, ou a população podia dispor de alguma

espécie de eletrodoméstico na época?

Essa energia era insuficiente até mesmo para uma iluminação adequada.

Eletrodomésticos nem pensar. A luz era muito fraquinha e mesmo assim só era

fornecida durante uma parte do dia, pois a pequena represa construída no Rio do Cedro

pelo então político influente da época, Cel. Francisco Ribeiro dos Santos, não

comportava uma geração de energia suficiente.

Quais eram as profissões socialmente conhecidas? Quem era a elite da cidade?

Fale um pouco das condições sociais dos cidadãos da época.

Os profissionais mais valorizados eram os advogados, engenheiros, médicos e

farmacêuticos. Inclusive eram essas pessoas que exerciam as atividades de educação e

que eram aproveitados como professores.

Outra profissão muito reconhecida na época pela sociedade era a de tropeiro. Esses

homens tinham uma missão louvável de levar um pouco de civilização aos sertões mais

longínquos, nos lombos de seus burros. Graças a eles, Montes Claros e outras cidades

vizinhas, tinham acesso a mercadorias produzidas fora.

A elite da cidade residia nos locais nobres, que eram o Largo da Matriz, Largo Dr.

Carlos e Rua Dr. Santos. A elite era formada principalmente pelos comerciantes que

geralmente mantinham seu comércio ao lado da sua residência., pelos profissionais de

nível superior que eu já citei e pelos coronéis.

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150

Quem eram os “coronéis” ?

Dr. João Alves, Dr. Philomeno Ribeiro, Cel. José Lopes, Cel. Carlos Versiani,

Cel. Altino de Freitas, Cel. Prates e Cel. Luiz Pires.

A senhora já citou duas vezes o “tropeiro”. Podemos dizer que o tropeiro fazia na

época um trabalho similar ao que um caminhoneiro faz hoje, transportando

mercadorias pelo Brasil afora?

Exatamente. E o cometa era o chefe e/ou dono dessa tropa. O cometa geralmente

era uma pessoa rica, bem aceita na sociedade, as melhores famílias o hospedavam

quando chegavam à cidade. Inclusive Cel. Luiz Pires era dono de tropa, era cometa, só

que domiciliado aqui mesmo em M.Claros e levava mercadorias para outras cidades.

Os cometas na época equivaliam ao que hoje são os donos de grandes

transportadoras?

Isso mesmo.

Quem realizou o progresso de Montes Claros ?

Políticos, coronéis, pessoas com ideais altruístas que trabalhavam pelo

progresso da cidade sem ganhar nada em troca. O cargo de vereador por exemplo, não

era remunerado e os que o exerciam, o faziam por amor à sua terra. Os deputados

tinham salários baixíssimos em relação aos de hoje. O deputado Camilo Prates por

exemplo, foi um homem que muito trabalhou pela cidade. Simeão Ribeiro dos Santos

foi quem inaugurou o mercado. Outros nomes muito importantes na história do nosso

desenvolvimento foram o Dr. Plínio Ribeiro, Cel. Antonio dos Anjos e Cel. Prates.

A população participava dos feitos da cidade?

Um pouco.

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Qual foi a importância da água canalizada, da luz elétrica e da rede ferroviária na

época das suas inaugurações?

A falta de água canalizada e de luz elétrica parecia ser o que mais incomodava a

população e impedia a cidade de se sentir civilizada. Daí a importância dessas

inaugurações quando vieram. A luz, embora incipiente em princípio, marcou um início

de progresso.

Quanto à Estrada de Ferro, trazida pelo ministro da aviação Francisco Sá,

mineiro da cidade que hoje leva o seu nome e na época chamava-se Brejo das Almas,

inaugurada pela Central do Brasil em 1926, teve uma indiscutível participação no

progresso da cidade e acabou com o penoso trabalho dos tropeiros. A estrada de ferro

que antes era só até Corinto, veio a Montes Claros e depois foi estendida ainda mais.

Montes Claros em 1917 a 1926 tinha muitos pobres?

Os pobres da cidade mesmo em número considerável na época, não traziam à

comunidade, os problemas sociais que trazem hoje, tinham vida mais simples,

cultivavam suas hortas nos quintais, era tudo bem diferente.

Quantos bairros tinha nesse período?

Lembro dos Santos Reis, Rôxo Verde, Vila Guilhermina e Morrinhos.

Tem algum comentário que a senhora queira acrescentar à entrevista?

Tem um fato muito interessante, embora macabro, que ocorreu em nossa cidade

em 1930, no famoso 06/02/30, que marcou de forma trágica a história política de

Montes Claros, deixando-a com fama de cidade de disputas políticas violentamente

acirradas.

Montes Claros era uma cidade dividida pelas duas facções políticas dominantes.

A elite da cidade era dividida até pelo local em que morava. O mercado do Largo Dr.

Carlos (Praça Dr.Carlos) era o limite das duas regiões. As famílias que moravam acima

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152

do mercado, na Rua Dr.Santos e suas imediações eram chamados de moradores das ruas

de cima, eram do partido da situação, apoiavam a Aliança Liberal e o governador da

época Antonio Carlos, cogitado para suceder Washington Luis na presidência da

república, quando dos acordos da política “café-com-leite”. Essa facção era apoiada

pelo Jornal Operário e denominados os “pelados”. Havia porém a facção adversária que

eram os chamados “estrepes”, do partido de oposição, apoiados pelo Jornal Gazeta do

Norte e era formada pelos moradores das ruas de baixo (abaixo do mercado) nas

proximidades do Largo da Matriz (Praça da Matriz). A elite na época era assim dividida.

E o cel. Dr. João Alves e a famosa Dona Tiburtina, sua mulher, não apoiaram a

candidatura de Júlio Prestes, candidato escolhido em lugar do então governador de

Minas para a sucessão presidencial, quando da quebra da política café-com-leite.

Quando o político Melo Viana, então vice-presidente da república e sua comitiva

vieram para uma visita à cidade em campanha por Júlio Prestes, foram recebidos a bala

pelos capangas de Dona Tiburtina. O fato escandalizou todo o Estado e várias pessoas

morreram, dentre as quais Dr.Fleury, secretário de Melo Viana. A fama de Montes

Claros no cenário político nacional passou a ser a de uma cidade sangrenta, comandada

por violentos coronéis.

Essa divisão de moradores das ruas de baixo e ruas de cima, tinha também um

cunho social ou era apenas de caráter exclusivamente político ?

Exclusivamente político.

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153

ANEXOS

Figura 4 – Documento sobre a construção da estação férrea (Câmara Municipal de Montes Claros-1919) Fonte: Arquivo da Secretaria de Turismo – Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

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Figura 5 – Carta enviada ao Presidente da Câmara Municipal de Montes Claros pela Secretaria da Agricultura, para obtenção da Carta Geográfica do Estado (1920). Fonte: Arquivo da Secretaria de Turismo – Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

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156

Figura 6 – Documento de resposta referente ao pedido da construção da Estrada de Ferro Central do Brasil. Fonte: Arquivo da Secretaria de Turismo – Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

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157

Figura 7 – Documento da Diretoria Geral de Estatística, enviado à Câmara Municipal de Montes Claros (1920). Fonte: Arquivo da Secretaria de Turismo – Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

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Figura 8 – Carta enviada ao Dr. João Alves pela Repartição Geral dos Telégrafos (1919). Fonte: Arquivo da Secretaria de Turismo – Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

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Figura 9 – Documento de fatura referente iluminação pública de Montes Claros. (1924). Fonte: Arquivo da Secretaria de Turismo – Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

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Figura 10 - Antigo Largo da Matriz (1920). Fonte: Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

Figura 11 - A antiga banda “Euterpe Montesclarense” – Foto Facella. Fonte: Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03 (S/D).

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Figura 12 - Trecho de uma feira no antigo Mercado Municipal. Fonte: Extraído do livro: Montes Claros Era Assim, de Ruth Graça Tupinambá.

Figura 13 - Fachada da primeira fábrica de tecidos de Montes Claros, fundada pelo Cel. Joaquim Costa. Fonte: Extraído do livro: Montes Claros Era Assim, de Ruth Graça Tupinambá.

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Figura 14 - A casa de Antônio Gonçalves Figueira, a primeira de Montes Claros. Fonte: Extraído do livro: Montes Claros Era Assim, de Ruth Graça Tupinambá.

Figura 15 - Antigo Mercado Municipal. Fonte: Extraído do livro: Montes Claros Era Assim, de Ruth Graça Tupinambá.

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163

Figura 16 – Vista aérea da Av. Francisco Sá – Foto Pinto. Fonte: Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

Figura 17 - Festa da Cavalhada – antigo Largo da Matriz. Fonte: Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

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164

Figura 18 - Antiga Praça Dr. Carlos Versiane, com árvores plantadas por Mário Veloso. Fonte: Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

Figura 19 - Praça Cel. Costa – Década de 1920 – Foto Facella. Fonte: Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

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165

Figura 20 – Festa dos Caboclinhos e Marujada, Largo da Matriz (1920) – Foto Facella. Fonte: Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

Figura 21 – Festa da Cavalhada – Igreja da Matriz (1920) – Foto Facella. Fonte: Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

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166

Figura 22 - Orquestra Carlos Gomes – 1923, composta por: Pedro Mendonça, Jacinto Athayde, Corsino, Luiz Teixeira, Asclepíades Fernandes, Arthur dos Anjos, Prof. Pedro Guimarães, Antônio (Tonico) Teixeira, Antônio Mendonça (Mendoncinha) Fonte: Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

Figura 23 - Antônio Froes, José Máximo Moura, Celso Guerra, Arthur Valle, Joaquim Blandino e Dr. Espaia. Fonte: Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

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Figura 24 – Fundos do Mercado Municipal – 1926 (Foto Facella). Fonte: Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

Figura 25 - Praça Dr. Chaves, vista da Torre da Matriz. Esquerda ao fundo, a Catedral, ao centro o antigo Mercado e à direita o Hotel Santa Cruz – em construção (1926). Fonte: Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

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Figura 26 - Estação da Central do Brasil. Monumento a Francisco Sá (inaugurado em 1932). Início do serviço de calçamento da Praça. Fonte: Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

Figura 27 - Catedral – construção da Catedral, vendo-se o antigo cemitério situado entre a atual Praça Pio XII e a rua Padre Augusto. Início da década de 20. Fonte: Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

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Figura 28 - Segundo prédio da Santa Casa, situado no final da Av. Cel. Prates, funcionou neste prédio, de 1903 a 1945. Quando se transferiu para o prédio atual Fonte: Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

Figura 29 - Caboclinhos na praça Dr. Chaves, ao fundo o sobrado dos herdeiros de Hildebrando Mendes, a antiga Prefeitura (hoje Centro de Educação e Cultura) e o Palácio Episcopal. Fim dos anos 20 ou início de 30. Fonte: Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

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Figura 30 - Rua Dr. Veloso : homenagem ao desembargador Antônio Augusto Veloso, advogado, professor e jornalista. Fundador do Correio do Norte, primeiro jornal de Montes Claros, foi deputado provincial e senador na Constituinte Mineira, após a Proclamação da República – foto tirada em 1926. Fonte: Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

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Figura 31 - Fundos do antigo mercado “Mercado da Praça Dr. Carlos”. Década de 20. Fonte: Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

Figura 32 - Primeira estação de estrada de ferro Central do Brasil. Inaugurada dia 1º de setembro de 1926 pelo então ministro da Viação, Dr. Francisco Sá, responsável pela vinda dos trilhos ao sertão norte-mineiro. Fonte: Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

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Figura 32 - Rua Simeão Ribeiro: trecho correspondido entre as ruas Governador Valadares e Presidente Vargas. Foto do início da década de 30. Foto Facella. Fonte: Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

Figura 33 - Festa do Rosário – patrocinada por Chico Nunes - 1926 – Montes Claros. Fonte: Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

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Figura 34 – Presidentes da Câmara Municipal de Montes Claros, no Império e na República Velha. Fonte: Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Montes Claros – Pasta 03.

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