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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
FACULDADEE DE DIREITO DO RECIFE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃOEM DIREITO
O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO COMO PROTAGONISTA NO CONTROLE E
NA PREVENÇÃO À CORRUPÇÃO NA ADMINISTRÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA.
JOSÉ DE RIBAMAR ARAÚJO BARBOSA
RECIFE-PE, 2004
Dados Internacionais de Catalogação-na- Publicação(CIP)
(GPT/BC/UFB)
Barbosa José de Ribamar Araújo
M132 O tribunal de conta da união como protagonista no
controle e na prevenção a corrupção na administração pública
brasileira / José Ribamar Araújo Barbosa – Recife, 2004
132 f.
Tese (Mestrado) – Universidade Federal de
Pernambuco / UPIS-DF, 2004.
Bibliografia: f. 129
1. Recurso Administração Publica. 2. Controle e na
prevenção a corrupção / Universidade Federal de Pernambuco
/ UPIS-DF. I Título.
CDU: 34:556.18
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho à "Mãe Dindinha", in memorian; Aos meus pais, Raimundo e Toinha. A esta principalmente por ter mandado-me à escola; Ao meu irmão Gilson e à minha cunhada Rosilda, a quem muito devo; À Neusinha, companheira do dia-a-dia; Aos meus filhos Pedro Paulo, Anna Flávia (Maninha), Flávia, e Rodrigo, com carinho de pai.
AGRADECIMENTOS
Meu agradecimento especial ao Prof. Dr. João Maurício Adeodato, meu orientador, pela dedicação e pela paciência, sem as quais não seria possível esse trabalho; Aos professores Doutores Raimundo Juliano e Jairo Bisol, pela orientação complementar na oportunidade que precisei; A todos os professores do meu mestrado, pelo conhecimento que adquiri; À amiga Josi Leitão, da Pós-Graduação da UFPE, pelo amparo num momento difícil porque passei na minha vida; À amiga Deirilene, da UPIS/DF., por tanta paciência para comigo;
RESUMO
Corrupção e improbidade administrativa no Brasil são matérias que constituem o
cerne da atuação do TCU, assim como de toda a sorte de Cortes ou Tribunais que
se destinam a combatê-las, seja criando formas instrumentais de prevenção, seja
aplicando cominações administrativas que reparem o dano causado tanto aos cofres
do Estado, o erário, como aos rendimentos do cidadão- Este trabalho trata primeiro
da importância, formação histórica e diversas formas de atuação das Cortes de
Contas de acordo com os países aqui sumariamente abordados. Em seguida,
explora como a corrupção e a improbidade administrativa acontecem, sempre com
vistas ao que a literatura especializada relata, sobretudo versando sobre o que se
cristalizou nesta mesma literatura sobre a Administração Pública. Neste diapasão,
exploram-se os conceitos de moralidade, de improbidade e a distinção entre eles; os
atos administrativos e suas ramificações no que tange ao efeito que causam no
âmbito da Administração Pública. Ulteriormente, explora-se a vasta gama de
princípios que norteia o universo epistemológico desta matéria: a corrupção na
Administração Pública e sua relação com o Poder. Por fim, volta-se ao principal
deste trabalho, que é a atuação do TCU frente à improbidade, à imoralidade e à
corrupção no seio da Administração Pública, frente a tudo o que até aí se colocou
extraído da literatura idônea, concluindo que, um dos obstáculos a um maior
sucesso na luta do TCU contra a corrupção é sopesada na forma de escolha de
seus ministros, nomeados por critérios eminentemente políticos, resultando na
castração da autonomia dos mesmos enquanto ministros motivada, principalmente,
pela necessidade de retribuir o favor da nomeação.
ABSTRACT Corruption and administrative improbity in Brazil are subjects that constitute the
heant of the TCU (Federal Audit Office), as wellas all sorts of Conrts and Tribunals
That delicate Themselves to combat them, creating instrumental forms of prevention
or employing administrative comminations to repare the lamage caused to the public
surge or to tre citizens. This paper treats first the importance, the historic formation
and her forms of actuation of audit offices inaccordance with the countries heve
related. Secondary, explores how corruption and administrative improbity happen,
always sighting to what the specialized literature relates, abore all what has been
cristalized on this literature about Public Administration. The conception of morality
and improbity and the destination between them were explored; the administrative
acts and their ramification and the effects they cause in the splen of action of the
Public Administration were also explored. ulteriorly, were explored the extensive
range of principles that guide the epistemologic universe of this subject: e corruption
and the improbity in the Public Administration. Finally, we rethanc to the aim of this
paper that is the actuation of the TCU to face improbity, imorality and corruption in
the midst of Public Administration, to face everything that was so far extracted of the
idoneons literature, concluding that, to have a more respectuons tratament with the
Public resources, with the punishment of the dishonest, it is necessary to change the
organic haw of the TCU in some points suggested in the conclusion of this paper and
also that the mass media has the fundamental role to the awakening of the citizen to
the public purse.
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................10
CAPITULO I -TRIBUNAIS DE CONTAS: GÉNESE HISTÓRICA..............................12
CAPITULO II – CORTES DE CONTAS DE OUTROS PAÍSES E DO BRASIL .........16
2.1 Corte de Contas francesa.................................................................................16
2.2 Corte de Contas italiana ...................................................................................17
2.3 Corte de Contas belga......................................................................................18
2.4 Tribunal de Contas português ..........................................................................19
2.5 Tribunal de Contas Angolano ...........................................................................20
2.6 Tribunal de Contas Moçambicano....................................................................20
2.7 O Tribunal de Contas da União (Brasil)............................................................21
2.7.1 Antecedentes históricos ................................................................................21
2.7.2 O TCU na Constituição de 1988....................................................................28
2.7.3 Do controle como meio de fiscalização .........................................................29
2.7.3.1 Do controle interno .....................................................................................33
2.7.3.2 Do controle externo ....................................................................................36
CAPÍTULO III A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA: SUJEITOS, ATOS DE IMPROBIDADE E SANÇÕES ...............41
3.1 Introdução ........................................................................................................41
3.2 O conceito de improbidade administrativa........................................................45
3.3 A distinção entre improbidade e imoralidade administrativa.............................48
3.4 Sujeitos da improbidade administrativa ............................................................50
3.4.1 Sujeito ativo...................................................................................................50
3.4.2 Sujeito passivo ..............................................................................................55
3.5 Atos de improbidade.........................................................................................57
3.6 Sanções ...........................................................................................................79
CAPÍTULO IV – A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E OS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS .................................................................................................83
4.1 Introdução ........................................................................................................83
4.2 Princípios constitucionais de acordo com a EC 19/98 .....................................84
4.3 Princípios constitucionais explícitos .................................................................86
4.3.1 Princípio da impessoalidade .........................................................................88
4.3.2 Princípio da moralidade ................................................................................90
4.3.3 Princípio da publicidade ................................................................................93
4.3.4 Princípio da eficiência ...................................................................................97
4.4 Outros princípios explícitos ...........................................................................100
4.4.1 Princípio da licitação ...................................................................................100
4.4.2 Princípio da responsabilidade .....................................................................102
4.4.3 Princípio da participação.............................................................................104
4.4.4 Princípio da autonomia gerencial ................................................................104
4.5 Princípios constitucionais implícitos ...............................................................106
4.5.1 Princípio da supremacia do interesse público sobre o privado ...................106
4.5.2 Princípio da finalidade.................................................................................108
4.5.3 Princípio da razoabilidade e da proporcionalidade .....................................109
CAPITULO V – A LÓGICA DO PODER..................................................................112
5.1 “AUCTORITAS:” Uma invenção romana: a separação romana entre poder
(potestas) e autoridade (auctoritas).........................................................................112
5.2 SOBERANIA E VALIDADE NORMATIVA: A construção do Poder no Estado de
Direito......................................................................................................................117
5.3 PODER, CORRUPÇÃO E PUBLICIDADE: o mito do anel de GIGES ..............120
CAPÍTULO VI – O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO COMO PROTAGONISTA
NO CONTROLE E NA PREVENÇÃO À CORRUPÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA BRASILEIRA...........................................................................................123
6.1 Instrumentos à disposição do TCU para controle e prevenção da corrupção no
Brasil .......................................................................................................................123
6.1.1 Função fiscalizadora....................................................................................123
6.1.2 Função judicante ........................................................................................124
6.1.3 Função sancionadora ..................................................................................125
CONCLUSÃO..........................................................................................................126
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................129
10
INTRODUÇÃO
A corrupção, definida como a apropriação ilegal de recursos públicos para
fins privados, é um problema imanente ao exercício do poder. O Brasil convive lado
a lado com esse problema desde o seu descobrimento. Ela se dá de várias
maneiras. A mais tradicional é na forma de celebração de contratos administrativos,
entre o Poder Público e a iniciativa privada para contratação de obras e serviços
públicos. Esses contratos são celebrados em duas fases: na primeira fase, o
contrato é discutido com base num “ganho comparativo” entre os concorrentes,
medido ainda na fase da concorrência pública, quando são definidas as
necessidades de bens e serviços pelos órgãos governamentais; a segunda fase está
associada às diferentes etapas da execução dos contratos, quando da “fabricação”
da necessidade de aditivar aqueles contratos para reajustar preços e serviços
contratados, é a chamada fase da “corrupção iterativa”.
As articulações feitas entre representantes governamentais e da iniciativa
privada para a tomada de decisões com o fim de elaborar critérios de licitação
pública, assim como a da decisão de aditivar os contratos para reajustá-los
monetariamente, não é uma ação de cunho público. As decisões são tomadas com o
envolvimento de poucas pessoas, num círculo informal de Poder paralelo ao do
Poder Público formal, como bem ilustra o professor Augustin Gordillo, “in” La
Administration paralela. ““la existência de una organización administrativa formal y
otra distinta Informal”1 ( a existência de uma organização administrativa formal e
outra distinta informal). As decisões não são tornadas públicas, de nada é dado
publicidade é o chamado “lado invisível das decisões da administração pública”
semelhante ao mito platônico do “anel de Giges”2 condenável por contrariar o
1 GORDILLO, Agustín A. La administración paralela, España: Civitas, 1995, pág. 37. 2 Era ele um pastor que servia em casa do que era então soberano da Lídia. Devido a uma grande tempestade e tremor de terra, rasgou-se o solo e abriu-se uma fenda no local onde ele apascentava o rebanho. Admirado ao ver tal coisa, desceu por lá e contemplou, entre outras maravilhas que para aí fantasiam, um cavalo de bronze, oco, com umas aberturas,espreitando através das quais viu lá dentro um cadáver, aparentemente maior do que um homem, e que não tinha mais nada senão um anel de outro na mão. Arrancou-lhe ed saiu. Ora, como os pastores se tivessem reunido, da maneira habitual, a fim de comunicarem ao rei, todos os meses, o que dizia respeito aos rebanhos, Giges foi lá também, com o seu anel. Estando ele, pois, sentado no meio dos outros, deu por acaso uma volta ao engaste do anel para dentro, em direção à parte interna da mão, e, ao fazer isso, tornou-se invisível para os que estavam ao lado, os quais falavam dele como se se estivesse ido embora. Admirado, passou de novo a mão pelo anel e virou para fora o engaste. Assim que o fez, tornou-se invisível. Tendo observado estes fatos, experimentou, a ver se o anel tinha aquele poder, e verificou que, se voltasse o engaste para dentro, se tornava invisível; se voltasse para fora, ficava visível. Assim senhor de si, logo fez com que fosse um dos delegados que iam junto do rei. Uma vez lá chegando, seduziu a mulher do soberano, e com o auxílio dela, atacou-o e matou-o, e assim se tomou o poder. (PLATÃO. A República (tradução de Pietro Nassetti), São Paulo: Editora Martin Claret, 2004.)
11
princípio da publicidade, um dos pilares princípios da administração pública.
Em outro diapasão, para monitorar a lisura dessas relações são criados
os instrumentos de controle e fiscalização dos atos públicos, como os Tribunais de
Contas, mas nem sempre com resultados a evitar o desvio do dinheiro público, por
variados motivos, entre os quais o controle de quem decide nesses órgãos.
Esse controle se dá de várias formas, a mais notória é a da escolha
dessas pessoas para ocuparem os cargos de ministro do órgão fiscalizador. Feita
por indicação política, essa escolha recai, sobre pessoas de confiança daqueles que
vão ser fiscalizados, o que muito prejuízo tem trazido à luta pelo combate à
corrupção no País.
O presente trabalho pretende mostrar o papel do Tribunal de Contas da
União nesse contexto. O trabalho foi desenvolvido em seis capítulos: O primeiro, fala
sobre a gênese histórica dos Tribunais de Contas, como eles surgiram;
O segundo capítulo traz um pouco da história dos Tribunais de Contas em
outros países; incluindo o nosso Tribunal de Contas da União e seus antecedentes
históricos.
O terceiro capítulo aborda a Administração Pública e a Improbidade
Administrativa: seus sujeitos, atos e sanções;
O quarto capítulo fala da Administração Pública e seus princípios
constitucionais.
O quinto capítulo traz à baila uma discussão cobre a lógica do Poder,
destacando o papel de Roma neste sentido, procurando estudar a relação do Poder
com a Corrupção.
O sexto e último capítulo fala sobre aos instrumentos administrativos à
disposição do Tribunal de Contas da União para a luta contra a corrupção no País.
O trabalho baseia-se em pesquisa bibliográfica, sem, contudo, deixar de mostrar a
fragilidade com que atua o TCU, por força da maneira pela qual seus ministros são
escolhidos para aquela Corte de Contas.
12
CAPITULO I
TRIBUNAIS DE CONTAS: GÊNESE HISTÓRICA
A necessidade de controle dos gastos públicos é antiga. Surgiu com a
evolução do próprio homem inserido numa comunidade, regrada por uma entidade
supra-humana, entidade esta entendida como Estado, embora a concepção de
Estado como a conhecemos hoje guarde mais semelhanças com o poder superior
advindo das Revoluções Francesa e Americana.
Enfim, dos primeiros grupos sociais evoluímos para comunidades
baseadas em relações de troca. Com o fim de regular essas relações surgiu o
mercado e a partir deste surgiram os governos, que passaram a funcionar como
mediadores das relações entre os diversos mercados, impondo-lhes critérios, regras
e limites preestabelecidos, como forma de garantir proteção ao próprio mercado e à
comunidade.
Posteriormente, com a maior intensidade da intervenção dos governos na
vida e nas finanças privadas, surgiu a necessidade do estabelecimento de formas de
fiscalização e controle dos atos dos governos e das despesas por ele efetuadas,
tendo sido tais mecanismos de controle adotados, em escalas e tempos diferentes
por diversos povos, dependendo do grau de relacionamento existente entre
governantes e governados, sem dúvida precedidos por muitas lutas e conflitos.
Dentro desta visão simplificada do processo evolutivo, importa-nos
vislumbrar o marco inicial da idéia de se construir organismos específicos, voltados
para o controle dos gastos públicos. A história universal registra que os povos, há
muitos séculos, custeiam as despesas públicas mediante lançamento e arrecadação
de impostos, cabendo, desde o princípio, ao auferidor das rendas públicas, a
obrigação de prestar contas do montante arrecadado e daquilo que foi gasto.
No intuito de divisar ao longo dos milênios o princípio dessa forma de
controle, é possível vislumbrar na antiguidade atividades dessa natureza. Por volta
de 3.200 a. C., o rei Menés, do Alto Egito, unificou as coroas dos dois reinos
existentes: o Reino do Sul, lugar do monarca, cuja capital era a cidade de
Hieracômpolis; e o Reino do Norte, com a capital na cidade de Buto.
13
A partir dessa data, o Egito transformou-se num só império e passou a ter um
governo fortemente centralizado, em que todos os poderes locais se submetiam ao
poder central absoluto, exercido pelo imperador.
Em razão da força política que possuía, o imperador passou-se a chamar
Faraó Menés I do Egito, adotando uma dura política centrada na cobrança de
impostos, retirando dos camponeses- todos os excedentes agrícolas e submetendo-
os como escravos. Além desse imposto coletivo, esses homens deviam serviços ao
Faraó, trabalhando na abertura de canais de irrigação, na construção de represas,
templos, palácios e pirâmides, recebendo como pagamento apenas o alimento
diário.
Para fiscalizar o cumprimento dessas atividades, existia uma classe de
funcionários públicos, os escribas, pessoas muito cultas que supervisionavam toda a
administração pública, responsabilizando-se pela cobrança de impostos.
"Procurando o embrionário desta atividade, referências históricas
semelhantes do Faraó podem ser encontradas no Código Indiano de Manu, no
Eclesiastes do Rei Salomão, nos escritos romanos de Plínio e de Cícero”3.
Na lendária Grécia, em particular na cidade-Estado Atenas, berço da
democracia política há mais de dois mil anos, encontra-se vestígio do Tribunal de
Contas, quando os tesoureiros (hellenotamiai), eleitos pelo sistema de participação
de poder baseado na riqueza dos cidadãos (Eclésia), em torno de dez, reuniam-se
para prestar contas do dinheiro recebido.
Após a prestação de contas pelos hellenotamiai, as mesmas eram
gravadas em pedras para exame e aprovação dos cidadãos gregos reunidos em
assembléia.
Na Inglaterra, antes mesmo da Constituição de 1215, já se fazia presente
o Tribunal de Justiça Financeiro, conhecido por Exchenger e composto de senhores
feudais, que se encarregavam de separar as operações de contabilidade daquelas
referentes ao administrativo judiciário.
Mesmo antes do aparecimento do Exchenger, moderno para a época, já
havia sinais de controle de contas públicas, baseado em codificações mais antigas
como as institutas justinianas, as pandectas e a própria Carta Magna inglesa.
3 ARAÚJO, Marcos Valério de. O Tribunal de Contas da União e a República: uma análise histórica de causas e efeitos, Brasília: Editora do TCU, Brasília, 1990, p. 67.
14
Posteriormente coube aos Reis, em substituição aos senhores feudais,
monopolizar o exercício do controle financeiro dos seus respectivos Estados e
Reinos.
A Câmara de Contas do Império Austríaco, por exemplo, foi criada em
1661, com atribuições ampliadas em 1781, pelo Imperador José II, para permitir a
fiscalização geral das contas do Estado.
O Rei Frederico I, da Prússia, criou a Câmara Superior de Contas em
1714, mas com competência, naquela época, limitada à revisão das contas dos
administradores. Em 1823 foi-lhe ampliado os poderes com a autonomia de
fiscalização geral das contas do Estado. Somente em 1874, foi-lhe concedido
poderes de Tribunal Judicante, passando a denominar-se Corte de Contas do
Império da Alemanha.
Com adaptação da legislação francesa, a Romênia criou sua Corte de
Contas em 1864.
Na França, no reinado de Luis IX, foi criada a Câmara de Contas, com o
nome de Chambre de Comptes, na época equivaleria aos atuais tribunais de contas.
O poder do Chambre de Comptes se estendia sobre todo o complexo
administrativo do Estado.
O Chambre de Comptes era tão rigoroso no controle do dinheiro público
que chegou a sentenciar à morte diversos fraudadores do Rei. As sentenças eram
executadas no próprio pátio do prédio onde funcionava o Chambre de comptes.
A conscientização crítica social teve grande importância na pressão pela
limitação do chamado “Direito Divino dos Reis.”
O surgimento e o fortalecimento dos parlamentos impulsionou a criação
de leis orçamentárias impondo aos Reis de cada País limites na arrecadação e nos
gastos dos recursos públicos como também rigor na fiscalização desses gastos pelo
legislativo.
Extinto o poder absolutista do Rei pela revolução francesa de 1789, este
importante e histórico fato político também suprimiu a existência da Câmara de
Contas daquele País, transferindo suas atribuições para a Assembléia Constituinte.
Só mais tarde veio a ser criado o atual Tribunal de Contas francês com atribuições
de controle jurídico das contas públicas.
15
Para Bernardo Rocha Siqueira, “o princípio do surgimento dos
mencionados tribunais de contas, segundo a estrutura adotada em cada País, deve-
se, basicamente, a dois fatores: ao desenvolvimento da vida em sociedade e à
presença cada vez mais marcante do Estado, como elemento arrecadador e
distribuidor de recursos públicos, sob as formas de impostos ou de serviços
sociais”4.
Para ele,
“Concomitantemente àqueles dois fatos, houve
também a instituição de regimes democráticos
de direito, decorrentes de uma maior liberdade
e consciência social crítica, através das quais
os cidadãos pagadores de impostos desejavam
cada vez mais acompanhar e fiscalizar os atos
dos seus dirigentes, com o escopo de
certificarem a boa aplicação ou não do que era
arrecadado pelos seus respectivos chefes de
Estado.”5
4 SIQUEIRA, Bernardo Rocha. O Tribunal de Contas da União de ontem e de hoje, Brasília: Editora do TCU, 1998, p. 146 5 Idem, p. 146
16
CAPITULO II
CORTES DE CONTAS DE OUTROS PAÍSES E DO BRASIL
SUMÁRIO: 2.1 CORTE DE CONTAS FRANCESA 2.2 CORTE DE CONTAS ITALIANA 2.3 CORTE DE CONTAS BELGA 2.4 TRIBUNAL DE CONTAS PORTUGUÊS 2.5 TRIBUNAL DE CONTAS ANGOLANO 2.6 TRIBUNAL DE CONTAS MOÇAMBICANO 2.7 TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (BRASIL) 2.7.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS 2.7.2 O TCU NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 2.7.3 DO CONTROLE COMO MEIO DE FISCALIZAÇÃO 2.7.3.1 DO CONTROLE INTERNO 2.7.3.2 DO CONTROLE EXTERNO
2.1 Corte de Contas francesa
Criada em 1807, a Cour des Comptes francesa, como é conhecida, tem
poderes jurisdicional e administrativo sobre os contadores e responsáveis pela
administração do dinheiro público.
As funções jurisdicional e administrativa da Corte são exercidas por suas
Câmaras, em número de sete, cabendo, de suas decisões, recurso ao Conselho de
Estado.
Em 1948, foi criado a Comissão de Verificação de Contas das Empresas
Públicas. É constituída de Magistrados indicados pelo Ministro da Economia e
Finanças
Jorge Ulisses, referindo-se à Corte de Contas francesa, averba: “logo, no
âmbito do sistema dual de jurisdição desse País, inequivocamente a Corte de
Contas tem função jurisdicional, com o exato sentido do termo: tem poder de dizer o
direito.
Na França, a fiscalização dos gastos é feita à “posteriori”. É citada, na
obra de Jorge Ulisses, como boa gestora dos recursos públicos.6
6 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2003, p. 149.
17
É oportuno observar que as decisões finais da Corte de Contas francesa
são passíveis de revisão pelo Conselho de Estado, assim como o são as decisões
dos Tribunais Administrativos daquele País.
Se as decisões daquele Tribunal de Contas são passíveis de revisão por
uma instância superior, não há, então, que falar em autonomia em suas decisões.
2.2 Corte de Contas italiana
A exemplo da Corte de Contas francesa, a italiana é uma das mais
antigas Corte de Contas. Foi instituída por lei em 14 de agosto de 1862. Figura na
Constituição com jurisdição expressa no que tange à contabilidade pública.
Por disposição constitucional a Corte de Contas italiana funciona como
órgão auxiliar do Poder Executivo (Conselho de Ministros) da Itália.
A Corte de Contas italiana tem o poder de vetar a despesa antes que a
mesma seja realizada. Como forma de controle, o veto pode se dar tanto de forma
relativa como absoluta, suspendendo ou proibindo o ato submetido ao controle, no
entanto o veto pode ser cassado por recurso ao Poder Judiciário, com fulcro no
artigo III, da Carta Política.
Odete Medauar sustenta a existência de função jurisdicional na Itália,
exercida pelo Tribunal de Contas em caráter especial:
“Além do controle sucessivo geral, a Corte de
Contas exerce controle sucessivo especial
sobre atos dos agentes contábeis. Nessa
função a Corte de Contas tem natureza
jurisdicional, sendo estudada pela doutrina com
jurisdição administrativa especial. De acordo
com ALESSI, nessa matéria a jurisdição da
Corte de Contas é exclusiva, plena e
inquisitória (sindicatória); exclusiva, no sentido
de que lhe cabe apreciar todas as questões
nas matérias de sua competência, o que exclui
desse âmbito qualquer outra autoridade
jurisdicional, de modo particular à autoridade
18
judiciária ordinária e o Conselho de Estado;
por orientação jurisprudencial conhecem, além
das questões principais expressamente
atribuídas, todas as questões prejudiciais ou
incidentais; é plena porque nas matérias de sua
competência conhece questões de direito e de
fato e porque pode pronunciar decisões
declaratórias, constitutivas e de condenação; é
inquisitorial (“sindicatória”) porque não vincula a
decisões administrativas, nem a argumentos
invocados pelas partes.”7
Na Itália, a fiscalização dos gastos públicos pela Corte de Contas é feita
“a priori”, antes que a despesa se realize e “a posteriori”, após sua realização.
2.3 Corte de Contas belga
A Corte de Contas belga foi elevada a status constitucional em fevereiro
de 1883. Com atuação administrativa e jurisdicional, suas decisões somente são
revistas em casos extremos e pela Corte de Cassação.
Dentre as Cortes de Contas européia, a da Bélgica é a que goza de maior
autonomia em suas decisões, estas só podem ser cassadas em casos extremos e
pela Corte de Cassação daquele País.
O Modus operandi é o de exame prévio na forma de “visto” de todas as
despesas.
Caso o Tribunal desautorize o “visto” para empenhar a despesa, antes do
recurso à Corte de Cassação, cabe pedido de reapreciação do pedido de
autorização da despesa ao Conselho de Ministros daquela Corte de Contas.
Aceitando a despesa a Corte de Contas registra sua decisão “sob
reserva”.
7 MEDAUAR, Odete. Controle da administração pública pelo Tribunal de Contas. Revista de informação legislativa, Brasília, DF, ano 27, nº 108, p. 125-126, out/dez, 1990.
19
Leciona Eduardo Lobo Botelho Gualazzi:
“no âmbito da Corte de Contas belga, é
prevista a aposição de visto com reserva,
mediante procedimento análogo àquele
previsto para a Corte de Contas da Itália;
porém, na há previsão de casos de recusa
absoluta de registro: a denúncia ao Parlamento
sobre os motivos de recusa advém
imediatamente, para subseqüente juízo político
sobre as operações contábeis do Governo”8.
Os responsáveis pelo manuseio dos recursos públicos na Bélgica são
chamados de “contadores públicos” e sobre os mesmos é exercido, pela Corte de
Contas belga, um forte controle.
2.4 Tribunal de Contas português
Em 1975, aconteceu em Portugal a revolução dos cravos. Movimento
político-militar comandado por jovens oficiais (tenentes) do exército Português.
Com a revolução, nova Constituição foi outorgada àquele País, trazendo
profundas mudanças na estrutura judiciária interna inclusive quanto ao Tribunal de
Contas, um dos mais antigos Tribunais dessa natureza da Europa.
A Constituição portuguesa de 1976 dotou o Tribunal de Contas de
Portugal de independência e superioridade em suas decisões, integrando-o ao
aparelho judiciário superior nacional.
A fiscalização dos gastos públicos de Portugal é feita à “priori” e à
“posteriori”.
A instância máxima da Justiça portuguesa é o Tribunal Constitucional, que
cuida do controle constitucional do País.
8 GUALAZZI, Eduardo Lobo Botelho. Regime Jurídico dos Tribunais de Contas, São Paulo: RT 1992, p. 124.
20
Das decisões do Tribunal de Contas Português cabe recurso apenas para
aquela Suprema Corte.
O Tribunal de Contas Português tem poderes jurisdicionais. A Lei n°
98/97, de 26 de agosto, consagra o tribunal como instituição suprema de controle,
atuando de forma coordenada e integrado com os outros tribunais.
A nomeação dos ministros para o Tribunal de Contas português é feita da
seguinte forma: são abertas inscrições para um concurso de títulos, com critérios
previamente definidos, julgados por uma comissão que forma lista tríplice e
submetida a escolha ao poder executivo.
2.5 Tribunal de Contas angolano
Angola foi um dos países que mais atrasou na criação de um Tribunal de
Contas com caráter de Tribunal de Contas. Existia, antes, o Tribunal Administrativo,
Fiscal e de Contas, originário do período colonial, extinto logo após a declaração de
independência do País, em 11 de novembro de 1975.
Criado em 1996 pela Lei nº 5/96 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas),
dispõe de poder de fiscalização prévia, semelhante ao Tribunal de Contas
português.
O artigo 8º nº 6, da Lei Orgânica daquele Tribunal prescreve que nenhum
ato ou contrato sujeito à fiscalização preventiva pode produzir efeitos ou ser
executado sem que tenha sido vistado.
2.6 Tribunal de Contas moçambicano
A República de Moçambique, mesmo após sua independência de
Portugal, manteve o Tribunal Administrativo, Fiscal e de Contas, criado pelo Decreto
nº 12499-B, de 04.10.1926.
Embora com atividade mínima na área de contas, máxime, por carência
de magistrados e de contabilistas, aquele Tribunal tem jurisdição administrativa,
fiscal e aduaneira e financeira.
A fiscalização é prévia competindo àquele Tribunal apreciar, de acordo
com a lei, os atos e contratos da administração pública, cabendo recurso de suas
decisões apenas para o próprio Tribunal, embora em instâncias diversas.
21
2.7 O Tribunal de Contas da União (Brasil)
2.7.1 Antecedentes históricos
Com a proclamação da República, em 1889, Rui Barbosa foi convidado
pelo presidente da república Marechal Deodoro da Fonseca para exercer a pasta da
Fazenda no Governo Provisório. Poucos dias após aquele importante fato político,
como forma de acelerar a organização constitucional do país, o chefe do governo
provisório baixou o Decreto n° 29, de 3 de dezembro de 1889, nomeando uma
comissão de cinco membros para elaborar o projeto de uma nova constituição.
No ano seguinte, 1890, muitas mudanças marcaram o governo do
Marechal Deodoro. Reformas de toda ordem se faziam necessárias em face da
mudança de regime por que passava o país. Considerando a responsabilidade do
momento que enfrentava o Governo Provisório, e em face da transformação
processada na organização política e administrativa do País, Rui Barbosa julgou
oportuno reacender as esperanças de dotar a nação de um Tribunal de Contas
independente.
Com o propósito de dotar o país desse novo órgão, Rui Barbosa abraçou
as idéias preexistentes da criação de um Tribunal de Contas como controlador da
gestão financeira do Governo e foi buscar inspiração no projeto de Manoel Alves
Branco, elaborado em 1845, para apresentar o seu próprio projeto, por entender
que, sem a colaboração de um Tribunal de Contas, seria inóqua a supervisão
parlamentar das contas públicas prevista na nova Constituição.
Artur Adolfo Cotias Silva, registra ter declarado Rui Barbosa, em
exposição de motivos:
“ ( . . ) corpo de magistratura intermediário à
administração e à legislatura, que, colocado em
posição autônoma, com atribuições de revisão
e julgamento, cercado de garantias contra
quaisquer ameaças, possa exercer as suas
funções vitais no organismo constitucional, sem
22
risco de converter-se em instituição de
ornamento aparatoso e inútil.”9
Discorrendo sobre os tipos e fiscalização existentes nos diversos países
que haviam adotado o princípio de Tribunal de Contas, expôs Rui Barbosa sobre
possibilidade de nos mirarmos em dois modelos: o francês e o italiano, sendo o
primeiro de alcance mais restrito, posto que sua fiscalização se limitava a impedir
que as despesas fossem ordenadas, ou pagas, além do valor consignado no
orçamento. Defendeu a adoção do modelo italiano, cujo controle se revelava bem
mais rigoroso que o francês, antecipando-se ao abuso, atalhando em sua origem os
atos do Poder Executivo suscetível de gerar despesa ilegal.
Nos moldes acima descritos, Rui Barbosa abriu o caminho para a criação
do Tribunal de Contas, através do Decreto n° 966-A, de 07 de novembro de 1890,
com atribuições de revisão de julgamento das contas dos responsáveis. Esse feito
despontou na época como a obra maior dentro do processo de reorganização do
Ministério da Fazenda.
O objetivo maior da criação do Tribunal de Contas por Rui Barbosa não
era nem tanto o de fiscalizar a honorabilidade dos agentes públicos, mas o de
garantir a verdade orçamentária e o permanente equilíbrio financeiro, tanto é que,
uma das propostas era a de fiscalização das despesas pelo sistema de registro
prévio, segundo o qual, todas as operações relacionadas com a receita e a despesa
da União, para ser feita, deveria passar por esse registro para evitar déficit nas
contas do Governo.
Não era uma matéria pacífica. Entre aqueles que discutiam a criação do
Tribunal de Contas, Tristão Alencar de Araripe, então sucessor de Rui Barbosa no
Ministério da Fazenda, era o mais polêmico quanto a matéria.
Alfredo Buzaid registrou a polêmica:
“Cotejando o Decreto 966-A com o artigo 89 da
Constituição, discordara da fiscalização prévia,
9 BARBOSA, Rui, Apud, SILVA, Artur Adolfo Cotias e. O Tribunal de Contas da União na História do Brasil: evolução histórica, política e Administrativa (1890-1998), Brasília: Editora do TCU, 1998, p. 449.
23
declarando que o legislador constituinte parecia
ter-se inclinado ao sistema francês
(fiscalização a posteriori), afastando-se da
escola que exige o exame prévio da
autorização ministerial, pois não se encontrava
tal exigência nos termos da disposição citada
na Constituição, mas sim a de serem as contas
julgadas antes de prestadas ao Congresso”10
A intenção do Ministro Rui Barbosa, ao defender a proposta de exame
prévio das despesas, era o de controlar os gastos públicos, já que havia descontrole
e abusos quanto aos mesmos.
Proposta mais radical defendera o então ministro da fazenda do segundo
Império em 1840, Manoel Alves Branco, ao defender, já naquela época, a criação de
uma Corte de Contas. Inspirado em modelo europeu, o Ministro Manoel Alves
defendia a idéia de que as contas deveriam ser julgadas anualmente e aquelas que
apresentassem abusos, seus responsáveis deveriam ser presos.
A proposta do Ministro Manoel Alves caiu no esquecimento na Câmara
dos Deputados do Império.
Coube a Serzedello Correia, nomeado Ministro da Fazenda em abril de
1892, referendar a regulamentação provisória do dispositivo constitucional que
criava, no Brasil, o Tribunal de Contas, no que foi feito pelo Decreto 1.166, de 17 de
dezembro daquele ano.
Com a escolha, pelo próprio Serzedello, dos membros que integrariam o
recém-criado órgão, este promoveu a instalação do Tribunal de Contas a 17 de
janeiro de 1893, às 11:00 horas da manhã, no Rio de Janeiro.
A primeira direção do Tribunal de Contas ficou assim constituída:
Presidente, o ex-senador paranaense do Império, bacharel em letras e direito,
Manoel Francisco Correa; Diretores: José da Cunha Valle, bacharel em direito;
Francisco Augusto de Lima e Silva, ex-conselheiro do Império; José Ignácio Ewerton
de Almeida, ex-diretor do Tesouro Nacional. Representando o Ministério Público
10 BUZAID, Alfredo. O Tribunal de Contas no Brasil, Revista da Faculdade de Direito, São Paulo, nº 62, pp 37-62, 1967.
24
junto ao Tribunal de Contas, Dídimo Agapito da Veiga Júnior, ex-procurador-fiscal e
diretor do Tesouro Nacional.
A primeira participação ativa do Tribunal no controle dos gastos públicos
se deu na segunda sessão após a instalação daquele órgão. Naquela sessão foi
negado registro a dois pedidos de verba constantes do aviso expedido em 19 de
janeiro pelo Ministério da Guerra, um deles por falta de crédito e o outro por ser
superior à quantias legislativamente concedida para tal verba. O controle exercido
era a priori como queria Rui Barbosa, copiando o modelo italiano.
Por essas decisões o Tribunal sofreu fortes pressões por incomodar e dar
um freio nos atos do governo da época. Pela primeira vez havia um órgão fazendo
respeitar o orçamento, limitando as realizações das despesas. Para que os contratos
tivessem validade, os mesmos precisavam do visto do Tribunal.
O novo Tribunal começou a sofrer pressão a menos de três meses de sua
instalação, em abril de 1893, a partir de um episódio envolvendo o então vice-
presidente da República, Floriano Peixoto. Assim conta Artur Adolfo Cotias e Silva:
“O vice-presidente Floriano Peixoto determinou
a seu ministro da Viação, Limpo de Abreu, que
nomeasse um cidadão, Pedro Paulino da
Fonseca, irmão de seu antecessor, o marechal
Deodoro da Fonseca, pagando-lhe um conto de
réis por mês. Findo o primeiro mês, Limpo de
Abreu mandou que lhe pagassem o vencimento
e o Tribunal de Contas, reputando o ato como
ilegal, por ausência de dotação orçamentária,
negou-lhe o registro, devolvendo o aviso ao
ministro da Viação.
O acontecimento, chegando ao conhecimento
de Floriano Peixoto por despacho de Limpo de
Abreu, desagradou profundamente ao vice-
presidente, que comentou: “são coisas do meu
amigo ministro da Fazenda, que criou um
tribunal superior a mim. Precisamos reformá-
lo”.
25
Dito isso, mandou chamar seu ministro da
Fazenda, Serzedello Corrêa, e o interpelou
sobre se já havia no país quem mandasse mais
do que ele, em alusão ao Tribunal. O ministro
da fazenda respondeu-lhe com tranquilidade:
“Não. Superior a V. Exª., não. Quando V. Exª.,
está dentro da lei e da Constituição, o Tribunal
cumpre suas ordens. Quando V. Exª., está fora
da lei e da Constituição, o Tribunal lhe é
superior. Reformá-lo não podemos. O meu
colega não podia criar lugar para dar a Pedro
Paulino. Só o Congresso poderia fazê-lo.
Portanto, o que realizou foi legal.”
Passados oito dias, Floriano, não satisfeito com
a atitude, elaborou e enviou ao ministro da
Fazenda, minuta de decretos reformando o
Tribunal, acompanhada de lacônico bilhete:
“Mande fazer e traga, que quero assinar
amanhã.”. A reforma pretendida modificava,
basicamente, o sistema de registro, impondo
ao Tribunal a figura do registro sob protesto.”11
Como se verifica, o Tribunal de Contas não foi criado para cuidar do
problema da corrupção no Brasil, que já existia naquela época, mas para manter um
controle sobre os gastos públicos do País.
A primeira reforma visando atingir o Tribunal de Contas foi promovida no
ano de 1896. Por ela, foi aprovado o novo regulamento do Tribunal, diminuindo para
quatro o número de membros, tornando o representante do Ministério Público
demissível ad nutum e retirando do mesmo o direito de voto.
Na mesma reforma foi conferida ao Tribunal atribuição para examinar os
atos atinentes à arrecadação de impostos e taxas, geradores de receita pública.
11 SILVA, Artur Adolfo Cotias e. O Tribunal de Contas da União na História do Brasil: Evolução histórica, política e administrativa (1890-1998), Brasília: Editora do TCU, 1998, p. 47
26
Em 1911, estando presidindo o Tribunal a pessoa de Dídimo Agapito,
aquele órgão passou por nova regulamentação. Sob o pálio do Decreto nº 2.511, as
contas do governo, antes de serem enviadas ao Congresso para avaliação, teriam,
por força do Decreto 2.511, que sujeitar-se a um parecer prévio emitido pelo Tribunal
de Contas.
Em 1917, O Tribunal foi agraciado com o Decreto Legislativo nº 3.421.
Seus membros ganharam o status de ministro, medida que reforçava a autoridade
das decisões da Corte.
Em 1918, na chamada Reforma Venceslau Brás, pelo Decreto 3.454, de 6
de janeiro daquele ano, foram criadas duas Câmaras, uma voltada aos atos de
fiscalização financeira e outra às tomadas de contas.
Começava aí uma mudança de filosofia para a qual foi criado o Tribunal.
Se no início o mesmo tinha por função controlar previamente os gastos públicos do
governo, já agora alargava as atribuições do Tribunal para as funções de fiscalizar
as aplicações desses gastos.
As duas Câmaras não tiveram tanta duração. A Lei 4.632, de 6 de janeiro
de 1923, as extinguiu, passando, a Corte, a deliberar com a maioria de seus
membros.
Com a revolução de 1930, a chamada revolução getulista, a Constituição
de 1891, foi substituída por uma lei de organização do Governo Provisório. O
Tribunal de Contas não poderia ficar de fora daquelas mudanças. O novo governo
retirou competência da Corte. O objetivo era enfraquecer o Tribunal no que foi feito
com a supressão do controle e registro prévio das ordens de pagamento. Na época,
o Ministro Ewad Sizenando Pinheiro assim se manifestava:
“Tribunal de Contas e regime de arbítrio não se
ajustam ou conciliam, não podem conviver
juntos, dadas as naturais e incontornáveis
restrições impostas ao controle”12
12 SILVA, Artur Adolfo Cotias e. O Tribunal de Contas da União na História do Brasil: evolução histórica, política e administrativa (1890-1998), Brasília: Editora do TCU, 1998, p. 67.
27
Com o restabelecimento da democracia, em 1934, a nova constituição
restabeleceu para o Tribunal de Contas a figura do controle no que era feito pelo
registro prévio de qualquer ato da administração pública de que resultasse obrigação
de pagamento.
Em 1937, o Tribunal sofre forte golpe com a instalação da ditadura Getúlio
Vargas. Aquela Corte perdeu força, juntamente com o Congresso Nacional, fechado
pelo governo do Estado Novo implantado por Getúlio.
A Carta constitucional criou um outro órgão de fiscalização financeira, que
seria organizado por lei ordinária. Aguardando a dita lei ordinária, o Tribunal
continuou a funcionar provisoriamente, até que o Decreto-lei nº 426/38 veio a dar
uma nova roupagem àquela Corte com a criação de delegacias do Tesouro Nacional
junto às repartições arrecadadoras e pagadoras do governo com delegados
escolhidos pelo Tribunal de Contas.
A Constituição de 1946 fez renascer o Tribunal com o seu fortalecimento
por meio do revigoramento em suas competências e ampliação de sua área de
atuação. Essa fase de renascimento do Tribunal viria a perdurar até o ano de 1964,
quando o País mergulhou em um novo golpe de Estado.
O projeto de Constituição que estava sendo elaborado sob a égide do
governo militar desfigurava inteiramente a instituição do controle das finanças
públicas, perdendo a competência de acompanhar, passo a passo, a execução
orçamentária como também de manter controle direto sobre as contas dos
responsáveis por dinheiros e outros bens públicos e as dos administradores das
entidades descentralizadas. O Poder Executivo passa, portanto, a exercer as
funções até então deferidas ao órgão fiscalizador.
A única situação de ganho para o Tribunal com a Carta Política de 1967,
foi quanto às inspeções. Pela nova norma o controle deixou de ser exercido em
caráter de exame meramente formal de documentos, passando a contar com
verificações in loco.
Com o fim do governo militar nova Carta Política foi dada ao País, e o
Tribunal de Contas da União teve a sua jurisdição e competência substancialmente
ampliadas. É o que se verá no próximo item.
28
2.7.2 O TCU na Constituição de 1988
A Constituição de 1988 trouxe grandes modificações em relação à
definição das atribuições do Tribunal de Contas. De um lado, foi retirada a herança
autoritária, como o poder do Presidente da República em cancelar vetos do Tribunal,
ou a rejeição das representações do Tribunal junto ao Congresso Nacional mediante
o modelo de decisão por decurso de prazo. De acordo com a constituição de 1988,
as correções solicitadas pelo Tribunal de Contas, no decorrer de fiscalização
concomitante, não podem ser anuladas pelo Poder Executivo. Foram incluídas uma
série de atribuições referentes a penalização de irregularidades e também o
fortalecimento das atividades de investigação.
A recusa em adotar as orientações do Tribunal de Contas é igualmente
punida com pesadas multas. O Tribunal de Contas ganhou também atribuições
preventivas, como a possibilidade de afastar determinados administradores, ou de
seqüestrar os seus bens, até a definição da responsabilidade sobre irregularidades.
Aliou-se à competência de fiscal da legalidade dos gastos públicos a de
avaliador do desempenho operacional dos órgãos e entidades sob sua jurisdição.
Desse modo, a Corte de Contas passou a acompanhar a eficiência da gestão
governamental, além de ver reforçadas suas funções fiscalizadoras, judicante e
punitiva.
O relatório de atividades do Tribunal de Contas arrola 12 competências do
Tribunal derivadas de atribuições constitucionais, conforme segue.
Atribuições constitucionais do Tribunal de Contas da União – CF 1998
o Atribuição Fundamento Constitucional
1
Julgar as contas dos administradores e dos demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos.
Art 33, § 2° e art. 71,.II
2
Fiscalizar as aplicações de subvenções e a renúncia de receitas
Art. 70
3 Apreciar as contas
anuais do Presidente da República Art. 71, I
4
Apreciar a legalidade dos atos de admissão de pessoal e de concessão de aposentadorias,
Art. 71, III
29
reformas e pensões.
5
Realizar inspeções e auditorias por iniciativa própria ou por solicitação do Congresso Nacional
Art. 71, IV
6
Fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais
Art. 71, V
7
Fiscalizar a aplicação de recursos da União repassados a estados, ao Distrito Federal e a municípios.
Art. 71, V
8
Prestar informações ao Congresso Nacional sobre fiscalizações realizadas.
Art. 71, VII
9
Aplicar sanções e determinar a correção de ilegalidades e irregularidades em atos e contratos.
Art. 71, VIII e XI
0
Emitir pronunciamento conclusivo, por solicitação da Comissão Mista Permanente de Senadores e Deputados, sobre as despesas não-autorizadas
Art. 71, § 1º
1
Apurar denúncias apresentadas por qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato sobre irregularidades ou ilegalidade.
Art. 72, § 2º
2
Fixar os coeficientes dos fundos de participação dos estados, do Distrito Federal e dos municípios e fiscalizar a entrega dos recursos aos governos e as prefeituras.
Art. 161, parágrafo único.
Fonte: Tribunal de Contas da União. Relatório Anual de Atividades, 1999.
2.7.3 Do controle como meio de fiscalização:
“O poder político, por ser uno, é indivisível, mas
a cultura da humanidade, desde Aristóteles,
vislumbra na ação do Estado a presença de
várias funções, as quais devem ser limitadas
quanto ao seu alcance e conteúdo.”13
13 MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal Anotada, São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p. 38.
30
Na teoria clássica da divisão dos poderes, na atualidade melhor
cognominada de separação das funções do Estado, elaborada por Montesquieu,
vislumbra-se o interesse em dividir as atividades do Poder e estabelecer sobre todas
elas controle.
Se inexiste dúvida quanto à necessidade do controle sobre as funções do
Estado e seus realizadores, o mesmo não se pode afirmar acerca dos meios de
torná-lo efetivo, operacional, isento e eficaz. Em breve pesquisa realizada,
encontramos mais de uma centena de proposições doutrinárias sobre a expressão
controle, na acepção voltada para o exame de atos da administração pública, em
obras nacionais, com dezenas de propostas de classificação.
A ação do controle deve evoluir, a partir da estruturação científica
inicialmente concebida por Montesquieu, para uma visão mais próxima da realidade
atual do Estado e da sociedade, aproveitando a experiência histórica acumulada,
suas deficiências e acertos.
A doutrina, de modo não uniforme, já sedimentou alguns parâmetros que
merecem destaque.
Em primeiro plano, insta asserir que qualquer estrutura de controle que
não vislumbra a possibilidade de ação individual do cidadão estará fadada a
transferir a iniciativa a grupos, corporações ou instituições, nos quais mais facilmente
se permearão ações ideológicas. É na possibilidade propulsora da iniciativa
individual do cidadão estará fadada a transferir a iniciativa a grupos, corporações ou
instituições, nos quais mais facilmente se permearão ações ideológicas. É na
possibilidade propulsora da iniciativa individual, que reside à força de um sistema de
controle.
A propósito, no ideário da Revolução Francesa, que mais pelo seu
simbolismo do que pela sua concretização, iluminou o mundo, fizeram os
revolucionários estabelecer, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
em 1789, que "a sociedade tem o direito de pedir conta a todo agente público de sua
administração".
Em segundo, que o controle deve ser reconhecido como uma atividade
acessória do Estado, mas não menos Importante.
31
Esse enfoque coloca a função do controle na sua verdadeira dimensão
Institucional, por não ser um fim em si mesma, busca acrescentar algo às atividades
ditas principais e à própria sociedade.
Em terceiro, que o controle deve:
• ser atividade permanente, desenvolvida prévia, concomitante e
posteriormente à prática do ato, acompanhando toda sua extensão;
• ocupar a atenção de toda sociedade, para afastar a idéia de omissão e
impunidade;
• ser desenvolvida por todos os órgãos do aparelho do Estado e da
Iniciativa privada, quando exercente de função estatal, mesmo que em regime de
colaboração; e
• ser atribuída a um órgão específico, para a qual será atividade - fím.
Essa concepção, como facilmente se percebe, só pode permear num país
que adote um regime democrático.
O controle, como uma função do Estado, exige, como o regime
democrático, um grau de desenvolvimento da sociedade e dos agentes de
administração para alcançar seu escopo, evoluindo de moda permanente, como num
ciclo de realimentação permanente: democracia - controle - democracia.
Franco Montoro, em sua importante obra Estudos de Filosofia do Direito,
assinala que:
"não se trata, simplesmente, de receber
passivamente os benefícios do progresso, mas
de tomar parte nas decisões e no esforço para
a sua realização. Em lugar de ser tratado como
“objetivo” das atenções paternalistas dos
detentores do poder, o homem tem o direito de
ser considerado pessoa consciente e
responsável, capaz de ser "sujeito" e
"agente" no processo do
desenvolvimento.."14
14 MONTORO, André Franco. Estudos de Filosofia do Direito, 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 182
32
Se é o povo que mantém o Estado e, por meio dos seus legítimos
representantes, define a aplicação dos recursos públicos, nada mais adequado do
que atribuir-lhe o controle externo da Administração Pública. Salienta Manoel
Gonçalves Ferreira Filho que:
"Por tradição que data do medievo, compete
autorizar a cobrança de tributos, consentir nos
gastos públicos, tomar conta dos que usam do
patrimônio geral. Na verdade, o poder
financeiro das câmaras é historicamente
anterior ao exercício, por elas, da função
legislativa"15.
Para desempenhar a função técnica do controle da Administração, o
Brasil, a exemplo de outros países, adota o modelo de Tribunal de Contas. Assim,
enquanto esses tratam exclusivamente do exame dos atos e da atividade
administrativa, o julgamento final da gestão do governo como um todo continua na
restrita competência do parlamento da respectiva esfera de governo.
Como ensina MELLO FILHO:
"não há negar-se que o encargo de controlar a
função administrativa do Estado, ante os
explícitos dizeres constitucionais, assiste ao
Poder Legislativo. Entretanto, também não há
negar que a este Poder acode sobretudo uma
função política, a de fazer as opções sobre as
regras fundamentais que irão ditar o destino do
País e reger os comportamentos dos
indivíduos. Já a missão de efetuar um apurado
controle sobre a legitimidade dos atos
administrativos conducentes à despesa pública
15 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional, 22ª edição, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 19.
33
é, obviamente, uma missão técnica - jurídica e,
portanto, dificilmente poderia ser
desempenhada a contento por um corpo
legislativo, sem que contasse com o auxílio de
um organismo especializado ao qual incumba
esta apreciação técnica, que irá iluminar a
posterior decisão política do Legislativo na
apreciação da gestão dos recursos públicos"16.
Jorge Ulisses, assevera que:
“O controlar, porém, precisa estabelecer-se em
regras. Não pode ser uma função sem
regramentos, sob pena de transformar o
controlador em poder. Assim, há que ter função
restrita e limitada a modelo previamente
estabelecido, para que possa avaliar a
regularidade da conduta que será controlada”17.
Há dois sistemas de controle: O controle interno e o externo, sobre os
quais passaremos a discorrer:
2.7.3.1 Do controle interno
O objetivo principal do controle interno é o de possuir ação preventiva
antes que ações ilícitas, incorretas ou impróprias possam atentar contra os princípios
da Constituição da República Federativa do Brasil, principalmente o art. 37, seus
incisos e parágrafos.
Um sistema de controle compreende a estrutura e o processo de controle.
A estrutura de controle deve ser desenhada em função das variáveis - chave que
16 MELLO FILHO, José Celso de Melo. Constituição Federal Anotada, São Paulo: Saraiva, 1994, p. 16 17 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2003, p. 33.
34
derivam do contexto social e da estratégia da organização, além de levar em
consideração as responsabilidades de cada administrador ou encarregado por
centros de competência. A estrutura contém, ainda, o sistema de indicadores de
Informações de incentivos.
O controle interno se funda em razões de ordem administrativa, jurídica e
mesmo política. Sem controle não há nem poderia haver, em termos realistas
responsabilidade pública. A responsabilidade pública depende de uma fiscalização
eficaz dos atos do Estado.
Neste contexto o controle Interno opera na organização compreendendo o
planejamento e a orçamentação dos meios, a execução das atividades planejadas e
a avaliação periódica da atuação.
O controle é Instrumento eficaz de gestão e não é novidade do
ordenamento jurídico brasileiro. Observemos o que a Constituição Federal brasileira,
como já utilizada neste trabalho, dispõe sobre o assunto:
"Art. 70: A fiscalização contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial da
União e das entidades da administração direta,
indireta, quanto à legalidade, legitimidade,
economicidade, aplicação de subvenções e
renúncia de receitas, será exercida pelo
Congresso Nacional, mediante controle
externo, e pelo sistema de controle interno de
cada poder.
Art. 71: O controle externo, a cargo do
Congresso Nacional, será exercido com o
auxílio do Tribunal de Contas da União.
Art. 74: Os Poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário manterão, de forma integrada,
sistema de controle interno [...]"
35
Outro fundamento do controle interno na Administração Pública está no
art. 76 da Lei n° 4.320/64, o qual estabelece que o Poder Executivo exercerá os três
tipos de controle da execução orçamentária:
1) legalidade dos atos que resultem
arrecadação da receita ou a realização da
despesa, o nascimento ou a extinção de
direitos e obrigações;
2) a fidelidade funcional dos agentes da
administração responsáveis por bens e valores
públicos;
3) o cumprimento do programa de trabalho
expresso em termos monetários e em termos
de realização de obras e prestação de serviços.
A Lei n° 4.320/64 inovou ao consagrar os princípios de planejamento, do
orçamento e do controle, estabelecendo novas técnicas orçamentárias a eficácia dos
gastos públicos.
Com relação aos custos dos bens e serviços, tanto a Lei 4.320/64, art. 85,
quanto o Decreto-Lei 200/67, art. 25, IX e art. 79, estabeleceram que a contabilidade
deveria apurá-los, a fim de buscar uma prestação de serviços econômica e
evidenciar os resultados da gestão. Mais de 30 anos se passaram sem aplicação, e
a Lei complementar n° 101/2000, Lei de Responsabilidade Fiscal, volta a exigir a
apuração dos custos, como se nunca tivesse havido legislação anterior.
A aprovação da LRF deva incorporar aos costumes político-
administrativos a preocupação com os limites de gastos pelos administradores
públicos municipais, estaduais e federais. A lei veio regulamentar o artigo 163 da
Constituição Federal, introduzindo o conceito de gestão fiscal responsável. Nesse
contexto, poderá vir a produzir um forte impacto quanto ao controle global da
arrecadação e execução dos orçamentos públicos.
A idéia que deu origem a essa lei foi apresentada pelo Governo Federal
no auge da crise fiscal brasileira, em novembro de 1997.
36
A partir da aprovação do projeto de lei, todos os orçamentos públicos deverão
apresentar superávit primário. Assim, espera-se que os ciclos históricos de déficits
nos orçamentos públicos sejam interrompidos, em razão deste novo sistema de
monitoramento e responsabilização.
Para MOTA:
“o impacto causado pela LRF, desde sua
proposição, encarece o princípio Jurídico da
eficiência quando focaliza a estrito liame que
deve existir entre a fixação e a execução de
metas fiscais, enfatizando o controle do
percurso para consecução de resultados. Torna
concreta e palpável o princípio da
economicidade, pela conceituação mais exata
de gestão orçamentária e fiscal. Reaviva a
noção de continuidade- administrativa, até
então pouca explorada pela ordenamento
legislativo e mesmo pela doutrina nacional. E
desenvolve, sobretudo, o princípio fundamental
da responsabilidade (“accountability”), correlato
a todos os demais, descritos no art. 37 da
Carta Magna”18.
2.7.3.2 Do controle externo
Jorge Ulisses conceitua controle externo como sendo:
“o conjunto de ações de controle
desenvolvidas por uma estrutura
organizacional, com procedimentos, atividades
e recursos próprios, não integrados na
37
estrutura controlada, visando fiscalização,
verificação e correção de atos.”19
O controle externo da administração pública federal compete ao
Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas da União. É o que
assegura o artigo 71, da Constituição Federal brasileira de 1988.
O Ministro Homero Santos assim definiu o papel do Parlamento nesse
aspecto:
“Note-se que esse controle é uma das funções
primordiais dos Parlamentos. É verdade que,
por vezes, uma certa exaltação à função
legislativa ofuscou, no passado, a relevância do
controle como atividade parlamentar. Hoje,
contudo, tem-se clara a noção de que a
crescente importância dos atos legislativos,
principalmente na esfera do Executivo, ainda
que limitados pelo quadro legislativo existente,
estão a exigir ampla atenção do Parlamento. É
que tais atos são substancialmente de natureza
decisória e constituem atividades de grande
significação política. A crescente
responsabilidade do Governo no que se refere
ao andamento da vida econômica fez dele, ao
mesmo tempo, empresário, mediador de
conflitos e principalmente programador do
desenvolvimento da sociedade. E a forma de
participação do Legislativo nesse processo é
precisamente mediante ações de controle.
Caso o parlamento limitasse sua intervenção
18 MOTTA, Leda Pereira (Coord.). Curso de direito constitucional, 4ª Ed. São Paulo: J. Oliveira, 1999, p. 13. 19 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisprudência e competência, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2003, p. 94.
38
apenas à fase legislativa, deixaria de lado
importantíssima parcela do processo político”20.
O Poder Legislativo, como suscitado acima, além de exercer a sua
função típica, que é a de legislar, também exerce uma importante missão para a
sociedade, embora atípica, que é a de fiscalizar, externamente, com o auxílio do
Tribunal de Contas de União, a contabilidade financeira e orçamentária do poder
executivo.
O constituinte deu importante passo ao instituir que o controle interno tem
obrigação de apoiar o controle externo. Esse apoio se dá com a remessa de
documentos e informações aos tribunais, numa espécie de prévia de fiscalização.
Constatada irregularidade poderá surgir a necessidade de correção e orientação,
além de recomendação para apuração de responsabilidade.
Agindo de forma integrada, controle interno e externo, tende a valorizar
tanto este como aquele, sem que um se sobreponha ao outro. A desnecessidade da
ação do controle externo se dá a partir do momento em que o problema seja
equacionado pelo controle interno.
Jorge Ulisses leciona que:
“De certo modo, deve mesmo o controle
externo buscar preservar a autoridade interna,
quando essa entendeu que as medidas
adotadas foram as suficientes para impedir a
repetição da irregularidade, pois a estreita
convivência leva o administrador a conhecer
melhor os agentes envolvidos e, por regra,
aplicar com mais parcimônia as penalidades
cabíveis ou verificar a existência de atenuantes
que justifiquem o relevamento.”21
20 SANTOS, Homero. O controle da administração pública. Revista do Tribunal de Contas da União, Brasília. V. 28, n. 74, p. 19-20, out/dez, 1997. 21 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisprudência e competência, Belo Horizonte: Editora
39
A lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho nos ensina que:
“o controle externo é aquele exercido por
Poder que não é o quem despende ou
administra recursos públicos”22
Quando o controle interno tem papel interna corporis em cada um de seus
órgãos, o controle externo atua como externa corporis, efetuado por poder diverso
do controlado, diretamente ou com o auxílio de órgão preposto, como é o caso em
relação ao Poder Legislativo brasileiro que atua em sintonia com o Tribunal de
Contas da União, quando se trata do mesmo exercer o controle externo.
José Afonso da Silva, em sua obra, Curso de Direito Constitucional
Positivo, leciona que o controle externo visa:
“verificar a probidade da administração, a
guarda e legal emprego do dinheiro público e o
cumprimento da lei orçamentária.”23.
Assim como o controle interno, o controle externo é obrigado a promover
investigação contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nos
aspectos atinentes à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das
subvenções e renúncia de receitas públicas.
A Carta Magna de 1988, apresentou notável evolução quando buscou
fortalecer e dignificar, jurídica e politicamente a atividade do controle externo
transpondo, para essas áreas de controle (interno e externo), os princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, que norteiam a Administração
Pública.
Fórum, 2003, p. 91.
22 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, 2ª ed. Atual. E ref. São Paulo: Saraiva, 1992, 87).
23 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: RT, 1992, pp. 288-290.
40
Eduardo Lobo Botelho Gualazzi, em sua obra Regime Jurídico dos
Tribunais de Contas leciona que:
“O controle externo é o controle dos controles,
inclusive porque lhe cabe controlar os próprios
órgãos que realizam as outras formas de
controle, não podendo ser por estes
controlado.”24.
24 GUALAZZI, Eduardo Lobo Botelho. Regime Jurídico dos Tribunais de Contas, São Paulo: RT, 1992, p. 119.
41
CAPÍTULO III
A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:
SUJEITOS, ATOS DE IMPROBIDADE E SANÇÕES.
Sumário: 3.1 Introdução 3.2 O Conceito de
improbidade administrativa 3.3 A distinção
entre improbidade e imoralidade administrativa
3.4 Sujeitos da improbidade administrativa
3.4.1 Sujeito ativo 3.4.2 Sujeito passivo 3.5
Atos de improbidade 3.6 Sanções.
3.1 Introdução
A Administração Pública não exerce suas atividades e direitos com a
mesma autonomia e liberdade com que os particulares exercem os seus.
Enquanto a atuação dos particulares funda-se no princípio da autonomia
da vontade, a atuação do Poder Público é orientada por princípios como o da
legalidade, da supremacia do interesse público sobre o privado e da
indisponibilidade dos interesses públicos.
Desta forma, nota-se que ao agente público não é permitido atuar da
mesma maneira que é permitida ao particular, ou seja, de maneira pessoal, que não
prevista em lei, defendendo interesses que não os públicos.
Hely Lopes Meirelles leciona que:
"na Administração Pública não há liberdade
nem vontade pessoal. Enquanto na
Administração particular é lícito fazer tudo que
a lei não proíbe, na Administração Pública só é
permitido fazer o que a lei autoriza.
Isto porque a Administração Pública não dispõe
dos interesses públicos, por serem estes
inapropriáveis. A Administração Pública apenas
aplica a lei ao caso concreto, razão pela qual
42
possui caráter meramente instrumental.
O interesse público consiste no interesse dos
indivíduos enquanto membros da sociedade,
não se confundindo com os interesses
peculiares de cada indivíduo. Por esse motivo,
o interesse público é considerado indisponível,
visto que não se encontra à mercê da vontade
do administrador. Ou seja, "sendo interesses
qualificados como próprios da coletividade
internos ao setor público, não se encontram à
livre disposição de quem quer que seja, por
inapropriáveis". Atribuído o dever ao agente
público, este não poderá deixar de exercê-lo,
sob pena de responder por omissão.
Neste diapasão, encontra-se o grande dilema
do regime jurídico-administrativo:“O binômio
prerrogativas da administração/direito dos
administrados".25
A fisionomia do Direito Administrativo será delineada pelo entrosamento
das prerrogativas da Administração com relação aos direitos dos administrados.
Não resta dúvida, portanto, a diferença da atuação do Poder Público em
relação aos particulares. Em decorrência disto, é inegável a existência de privilégios
dos órgãos públicos frente aos administrados em algumas situações, como por
exemplo, na presunção de legitimidade dos atos administrativos. Dessa maneira,
conclui-se que vigora a verticalidade e a unilateralidade nas relações entre a
Administração e os particulares, manifestando a vontade do Estado.
25 MEIRELLES, Hely Lopes. A administração pública e seus controles. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 114, p. 23-33, 1973.
43
Concernente ao tema exposto, leciona Lúcia Valle Figueiredo:
"Ao investir a Administração de prerrogativas
especiais para tutela de determinados
interesses, que houve por bem entender
prevalecentes, a norma, em contrapartida,
qualificou-os de inalienáveis."26
Com efeito, a conseqüência da supremacia do interesse público é a
indisponibilidade. Decorre, daí, que, mesmo ao delegar o exercício de determinadas
funções públicas a outrem, a Administração delas não poderá dispor.
Em decorrência da indisponibilidade do interesse público até então
mencionada, advém o princípio da legalidade, segundo o qual o administrador, no
exercício de sua função, deve limitar-se às exigências previstas em lei. Os limites da
atuação administrativa serão estabelecidos por lei, de modo que o agente público
poderá somente fazer o que ela permitir-lhe.
Neste sentido, Romeu Felipe Bacellar Filho pontifica:
"A Administração Pública, antes de mais nada,
está presa ao princípio da legalidade. Este
princípio 'não é um pressuposto' como
assinala, com grande propriedade, Manoel de
Oliveira Franco Sobrinho, mas uma
determinante essencial”.27
O princípio da legalidade da Administração está expressamente referido
no caput do art. 37, da Constituição de 1988. Trata-se de princípio decorrente do
Estado de Direito, respeitadas as nuances da construção do significado deste
conceito em cada país.
26 FIGUEIREDO, Lúcia Vale. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2001, p. 49. 27 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar, São Paulo: Max
Limonad, 1998, p. 81
44
Expressa a idéia da lei como instrumento mais apropriado para definir o
regime de certas matérias (princípio da prioridade e prevalência da lei, princípio da
reserva da lei) e de 'instrumento normativo de vinculação jurídico-constitucional da
Administração'.
Em determinadas situações, ocorrerá a subsunção objetiva entre o caso
concreto e a hipótese prevista. Nesses casos, pode-se dizer que há vinculação, ou
seja, que a lei tipificou em termos objetivos, o único possível comportamento diante
de uma hipótese.
No entanto, diversas vezes o legislador não consegue prever a aplicação
da lei a todos os casos concretos; tendo em vista seu caráter genérico. "É que a lei,
inúmeras vezes, ao regular abstratamente as situações, o faz de maneira a irrogar
ao administrador o encargo de o eleger, perante o caso concreto, a solução que se
ajuste com perfeição às finalidades da norma, para o que terá de avaliar
conveniência e oportunidade caso a caso. Não havendo a subsunção da lei ao caso
concreto, terá o administrador que apreciar as situações discricionariamente para
alcançar a finalidade legal.
Por este motivo, nota-se que a simples legalidade é meio insuficiente para
controlar a Administração Pública. Isto ocorre porque, muitas vezes, o texto legal
não é dotado de clareza, dando margem a interpretações diversas. Estas
interpretações ocorrem por várias razões, dentre elas a falta de precisão da
linguagem utilizada, má elaboração do texto legal, o excesso de leis e a falta de uma
codificação no Direito Público.
É nesse contexto que se insere o tema do presente trabalho, ou seja, a
importância do estudo de princípios como o da moralidade administrativa e o da
improbidade administrativa, os quais visam limitar a atuação da Administração
Pública e fazer com que se atenda o espírito da lei.
Procurando dar concreção a esta idéia, foi editada a lei n.° 8.429, em 02
de junho de 1992, a qual dispõe sobre atos de improbidade administrativa.
Contudo, para melhor entendermos o fim almejado por esta lei, é de
extrema importância a distinção entre probidade administrativa e moralidade
administrativa, ambos conceitos jurídicos indeterminados, objeto de explanação do
item seguinte.
O presente trecho deste trabalho abordará os sujeitos passivos e ativos
do ato de improbidade, qualificados respectivamente nos artigos 1° e 2° da Lei n°
45
8.429/92, demonstrando a necessidade de tipificação dos mesmos, bem como
estabelecendo conceitos oriundos do direito administrativo para identificá-los.
Serão ainda analisadas as espécies de atos de improbidade
administrativa, as quais importam em enriquecimento ilícito, causam prejuízo ao
erário e atentam contra os princípios da Administração Pública, sob a luz dos artigos
9, 10, 11 da Lei n° 8.429/92, respectivamente.
Por último, serão demonstradas as sanções elencadas no artigo 12 da Lei
n° 8.429/92, cabíveis aos agentes ímprobos e a importância de se observar os
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade no momento de suas aplicações.
3.2 O conceito de improbidade administrativa
A improbidade é fenômeno que acompanha o Homem em sua trajetória
no tempo. O tema, portanto, é antiqüíssimo e ao mesmo tempo atual. Em toda parte
não existem soluções mágicas ou acabadas para o combate à corrupção.
O vocábulo improbidade é de origem latina - "improbitate" - e significa,
dentre outras coisas desonestidade, falsidade, desonra, corrupção. O vocábulo veio
a ser adotado para adjetivar a conduta do administrador desonesto.
Trata-se da conduta de um agente público que contraria as normas
morais, a lei e os costumes, indicando falta de honradez e atuação ilibada no que
tange aos procedimentos esperados da administração pública, seja ela direta,
indireta ou fundacional, não se limitando apenas ao Poder Executivo.
Nada mais é do que o exercício público de função - esta no seu sentido
mais amplo - sem a verificação dos princípios administrativos-constitucionais
básicos, restando descaracterizado o bom andamento e o respeito à coisa de todos -
a República.
Conforme Marino Pazzaglini Filho, entende-se por improbidade:
“Numa primeira aproximação, improbidade
administrativa é o designativo técnico para a
chamada corrupção administrativa, que, sob
diversas formas, promove o desvirtuamento da
Administração Pública e afronta os princípios
46
nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito,
democrático e Republicano), revelando-se pela
obtenção de vantagens patrimoniais indevidas
às expensas do erário, pelo exercício nocivo
das funções e empregos públicos, pelo” "tráfico
de influência" nas esferas da Administração
Pública e pelo favorecimento de poucos em
detrimento dos interesses da sociedade,
mediante a concessão de obséquios e
privilégios ilícitos.”28.
Da mesma forma entende Léo da Silva Alves:
"Improbidade é desonestidade em seu sentido
mais amplo. Implica na falta de zelo com dois
elementos: o patrimônio público e o interesse
público. Relaciona-se com a conduta do
administrador e pode ser praticada não apenas
pelo agente público, lato sensu, senão também
por quem não é servidor e infringe a
moralidade pública."29.
O ato de imoralidade, na opinião da melhor doutrina, afronta à
honestidade, a boa fé, o respeito à igualdade, as normas de conduta humana e
outros postulados éticos e morais. Qualquer cidadão pode propor ação popular, com
objetivo de anular ato lesivo à moralidade administrativa. Não terá que arcar com as
custas judiciais nem está sujeito à sucumbência, a não ser que fique comprovada a
má-fé.
Trata-se, portanto, de condutas humanas positiva ou negativa, ilícita, que,
também, poderá acarretar umas sanções civis, administrativas e penais, em virtude
dos bens jurídicos atingidos pelo fato jurídico. Para estar configurada a improbidade
28 PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada, São Paulo: Atlas, 2002, p. 118.
29 ALVES, Léo da Silva. As teses de Defesa na Sindicância e no Processo Disciplinar, 1ª edição, Brasília: Jurídica, 1999, p. 92.
47
administrativa basta que haja afronta aos princípios esculpidos no caput do artigo 37
do Texto Maior, não sendo imperiosa a necessidade de que haja prejuízo financeiro
ao erário.
Marcelo Caetano demonstra que:
“No Direito Português, a probidade também é
um dever, pois “o funcionário deve servir a
Administração com honestidade, procedendo
no exercício das suas funções sempre no
intuito de realizar os interesses públicos, sem
aproveitar os poderes ou facilidades delas
decorrentes em proveito pessoal ou de outrem
a quem queira favorecer.”30.
Waldo Fazzio Júnior conceitua improbidade da seguinte forma:
"Improbidade é a palavra derivada do latim
improbitate, significando falta de probidade,
desonestidade e desonradez."31.
Não adianta palmilhar a busca de um conceito preciso nessa matéria.
Também não é oportuno importá-lo do regramento legal, porque este é
extremamente detalhado e, por isso, capaz de produzir sensíveis confusões
exegéticas. Nem adianta qualquer prospecção subjetiva, uma vez que,
juridicamente, o que interessa são os atos comissivos ou omissivos que desvelam a
improbidade e seus efeitos.
Marcelo Figueiredo, traz à baila, em obra coordenada por Cássio
Scarpinella Bueno e Pedro Paulo de Rezende Porto Filho, os exemplos mais
corriqueiros de violação ao princípio da probidade administrativa ocorridos em nosso
país:
30 CAETANO, Marcello. Manual de direito administrativo, Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 57. 31 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Corrupção no Poder Público, São Paulo: Atlas, 2002, p. 83).
48
“Os grandes exemplos de improbidade no
Brasil são: aplicação irregular de verba pública,
desvio de verba pública, falta de prestação de
contas, frustração de concurso de processo
licitatório, superfaturamento de obra pública -
esses são os mais comuns atos de
improbidade administrativa praticados
diariamente por administradores públicos
brasileiros. Esses atos são classificados como
atos de improbidade administrativa.
Fato é que, "não temos na doutrina nacional
uma definição precisa - e nem poderíamos ter -
do que seja um ato de improbidade ou do que
seja a moralidade administrativa." O que temos
são determinadas condutas descritas na lei n°
8.429/92 como sendo violadoras do dever de
probidade administrativa, as quais serão
abordadas no próximo capítulo.”32.
3.3 A distinção entre improbidade e imoralidade administrativa
Bastante tormentosa é a questão relativa à diferença conceitual entre
improbidade e imoralidade administrativa. A lei maior utiliza ambos os termos, o que
evidencia a dessemelhança entre os dois institutos.
No tocante a diferenciação destes conceitos, vale mencionar os
ensinamentos de Marcelo Figueiredo:
"O princípio da moralidade administrativa é de
alcance maior, é conceito mais genérico, a
determinar, a todos os 'poderes' e funções do
32 FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 31
49
Estado, atuação conforme o padrão jurídico da
moral, da boa - fé, da lealdade, da honestidade.
Já a probidade, que alhures denominamos
'moralidade administrativa qualificada, volta-se
o particular aspecto da moralidade
administrativa. Parece-nos que a probidade
está exclusivamente vinculada ao aspecto da
conduta (do ilícito) do administrador. Assim, em
termos gerais, diríamos que viola a probidade o
agente público que em suas ordinárias tarefas
e deveres (em seu agir) atrita os
denominados 'tipos' legais."33.
A probidade é, portanto, espécie do gênero "moralidade administrativa" a
qual é mencionada no artigo 37, caput e seu parágrafo 4°, da Constituição Federal.
Desta forma, os atos atentatórios à probidade também são considerados
atentatórios à moralidade administrativa, embora ambos não sejam conceitos
idênticos.
Desonestidade implica conduta dolosa, não se coadunando, pois, com o
conceito de improbidade a conduta meramente culposa.
José Afonso da Silva deixa claro que improbidade administrativa é uma
imoralidade administrativa qualificada ensinando que:
"A improbidade administrativa é uma
imoralidade qualificada pelo dano ao erário e
correspondente vantagem ao ímprobo ou a
outrem. A improbidade é tratada ainda com
mais rigor, porque entra no ordenamento
constitucional como causa de suspensão dos
direitos políticos do ímprobo."34.
33 FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa, São Paulo: Malheiros: 2000, p. 42
34 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 202.
50
Os autores supracitados, de maneira unânime, classificam a probidade
como sendo espécie do gênero moralidade administrativa.
A conduta desonesta é apontada como característica da improbidade, a
par de suas consequências, que são o dano ao erário e/ou a obtenção de vantagem
indevida ao ímprobo ou a outrem.
Conclui-se, diante do exposto que, a distinção entre imoralidade
administrativa e improbidade administrativa se dá em virtude da conduta do agente.
Vale lembrar que não é punível o agente público, ou equiparado, quando
o ato acoimado de improbidade é, na verdade, fruto de inabilidade, de gestão
imperfeita, ausente o elemento de "desonestidade" ou de improbidade propriamente
dita.
Se o agente, por incompetência, ou ainda, pelo mau exercício de sua
função, acarretar danos ao Poder Público, age em desconformidade com o princípio
da moralidade administrativa. Já o agente que atua com a intenção (dolo) de obter
vantagem às custas do Erário Público, fere o princípio da probidade administrativa.
Ou seja, nem tudo que é imoral configura improbidade. O agente imoral,
possivelmente, poderá sofrer as sanções contidas na referida lei, contanto que
fundamentadas em outro dispositivo legal. Sendo assim, não se aplica a Lei de
Improbidade Administrativa aos atos simplesmente imorais. Só se submeterá às
sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa o agente ímprobo.
A lei n° 8.429/92 explicita situações consideradas violadores da
"probidade". Tipifica as figuras do enriquecimento ilícito, do prejuízo ao erário e da
infringência aos princípios administrativos, como condutas tidas por atentatórias à
probidade. Posteriormente serão analisadas uma a uma.
3.4 Sujeitos da improbidade administrativa
3.4.1 Sujeito ativo
O sujeito ativo do ato de improbidade é o agente público, assim
qualificado nos termos do artigo 2° da Lei 8.429/92, sendo que, ao seu lado, poderão
figurar particulares colaboradores ou beneficiários dos atos de improbidade.
À luz da Lei n° 8.429/92, a expressão "agente público" deve ser
considerada o gênero do qual emanam as diversas espécies.
51
Conforme seu artigo 2°, a Lei de Improbidade amplia o conceito de agente
público, englobando neste um número considerável de hipóteses. De acordo com o
referido dispositivo legal, "reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo
aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição,
nomeação, designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo,
mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior."
Num primeiro momento, o artigo 2° abrange aqueles que se relacionam
diretamente com a Administração, sendo eles os eleitos, os nomeados, os
designados, os contratados, os empregados.
Não obstante, o artigo 3° da Lei de Improbidade amplia o rol dos sujeitos
ativos passíveis de responsabilização, englobando também, no que couber, "àquele
que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de
improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma, direta ou indireta."
Obviamente, o terceiro, o particular, poderá apenas ser co-autor ou
participante da conduta ilícita, pois apenas o "agente público" é que disponibilizará
de meios eficazes para a realização da conduta lesiva.
Esta ampliação no universo de pessoas cujo procedimento pode ser
apontado como ímprobo, dá-se em virtude da possibilidade de pessoas estranhas à
Administração procurarem obter benefícios de maneira reprovável e ilegal.
Caso não fosse ampliado o rol dos possíveis legitimados, o concurso
realizado seria estranho à Administração, demandando então procedimentos
diversos, incompatível com o interesse público.
A lei, portanto, "pretende traçar seu raio de abrangência, para colher em
suas malhas toda e qualquer pessoa que com a administração se relacione, tomada
essa expressão em seu sentido mais amplo possível."
De maneira genérica, conceitua-se agente público como sendo pessoa
física, que toma as decisões ou executa medidas relativas ao serviço público, no
exercício de suas atribuições formais ou materiais.
Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves categorizam os agentes públicos da
seguinte forma:
52
“Agentes políticos, agentes particulares
colaboradores, servidores públicos e agentes
meramente particulares”35
Quanto aos agentes políticos assim lecionam:
"Agentes Políticos são aqueles que, no âmbito
do respectivo poder desempenham as funções
políticas de direção previstas na Constituição,
normalmente de forma transitória, sendo a
investidura realizada por meio de eleição (no
Executivo, Presidente, Governadores,
Prefeitos; e, no Legislativo, Senadores,
Deputados Federais, Deputados Estaduais,
Deputados Distritais e Vereadores) ou
nomeação (Ministros e Secretários Estaduais e
Municipais)."36.
Em relação aos agentes particulares colaboradores, os referidos autores
esclarecem que:
"são os que executam determinadas funções
de natureza pública, por vezes de forma
transitória e sem remuneração (ex.: jurados,
mesários, escrutinadores, representantes da
sociedade civil em conselho), abrangendo, para
os fins da Lei da Improbidade, aqueles que
tenham sido contratados especificamente
para o exercício de determinada tarefa.”37.
35 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa, 1ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 531.
36 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa, 1ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 531.
37 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa, 1ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 533.
53
No tocante a categoria dos servidores públicos, oportuna à lição desses
dois autores:
“Servidores públicos são aqueles que, qualquer
que seja o regime jurídico a que estejam
submetidos, possuem um vínculo permanente
com os entes estatais da administração direta
ou indireta, desempenham funções próprias
destes, ou outras úteis à sua consecução, e
são remunerados por seus serviços, estando
aqui incluídos os membros do Ministério
Público, do Poder Judiciário e do Tribunal de
Contas.
Por derradeiro, agentes meramente
particulares são aqueles que não executam
nenhuma função de natureza pública e mantém
um vínculo com o ente recebedor de numerário
público. Exemplo: sócio-cotista de empresa
beneficiária de incentivos fiscais, empregado
desta, etc"38.
Por sua vez, Marino Pazzaglini Filho, também classifica os agentes
públicos em quatro categorias:
“Dos agentes políticos, dos agentes
autônomos, dos servidores públicos e dos
particulares em colaboração com o Poder
Público.
No que tange aos agentes políticos, apresenta
conceito semelhante ao anteriormente exposto,
acrescentando que estes "são os titulares dos
38 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa, 1ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 540.
54
cargos estruturais à organização política do
País, ou seja, ocupantes dos que integram o
arcabouço constitucional do Estado, o
esquema fundamental do Poder.
A segunda categoria, denominada pelo autor
agentes autônomos, incluem "os membros do
Poder Judiciário, dos Ministérios Públicos, dos
Tribunais de Contas e Chefes da Advocacia
Geral da União que, regidos por legislação
própria, exercem funções superiores e
essenciais, mas não participam diretamente de
decisões políticas."39.
Já os servidores públicos:
“São as pessoas físicas que prestam serviços
aos poderes do Estado e às entidades da
Administração Pública Indireta de natureza
profissional, com vínculo empregatício e
remuneração paga pelo Erário."40.
Como ensinam Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves:
“Nesta categoria não estão inseridos os
membros do Ministério Público, do Poder
Judiciário e do Tribunal de Contas, como
ensinam Emerson Garcia e Rogério Pacheco
Alves.”41.
39 PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada, São Paulo: Atlas, 2002, p. 111. 40 Idem, p. 112. 41 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 112.
55
Partindo deste entendimento, pode-se concluir que, para a efetiva
identificação do sujeito ativo do ato ímprobo, há primeiramente que se verificar se tal
ato fora cometido por agente público. O status de agente público haverá de ser
aferido a partir da análise do vínculo existente entre o autor do ato e o sujeito
passivo imediato por ocasião de sua prática, ainda que por ocasião da deflagração
das medidas necessárias à persecução dos atos de improbidade outra seja a sua
situação jurídica, e ainda a verificação de que o mesmo o praticou em razão de sua
especial condição de agente público.
3.4.2 Sujeito passivo
O sujeito passivo ou vítima do agente ímprobo é as Administrações
Públicas direta, indiretas ou fundacional de qualquer dos poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e as entidades particulares que tenham
participação de dinheiro público em seu patrimônio ou receita, conforme prescreve o
artigo 1° da Lei n° 8.429/92:
"Art. 1° Os atos de improbidade praticados por
qualquer agente público, servidor ou não,
contra as administrações diretas, indiretas ou
fundacional de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal, dos
Municípios, de Território, de empresa
incorporada ao patrimônio público ou de
entidade para cuja criação ou custeio o erário
haja concorrido ou concorra com mais de
cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita
anual, serão punidos na forma desta lei."
Bastante largo é, também, o conceito do sujeito passivo do ato de
improbidade administrativa, ampliando, ainda, o número de entidades cujo
patrimônio se acha protegido pelas disposições legais em referência. Para se ter
uma idéia da amplitude do alcance da lei, basta observar o disposto no parágrafo
único do artigo 1°:
56
“Parágrafo único. Estão também sujeitos às
penalidades desta lei os atos de improbidade
praticados contra o patrimônio de entidade que
receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal
ou creditício, de órgão público bem como
daquelas para cuja criação ou custeio o erário
haja concorrido ou concorra com menos de
cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita
anual, limitando-se, nestes casos, a sanção
patrimonial à repercussão do ilícito sobre a
contribuição dos cofres públicos."
Esta ampliação no rol dos sujeitos passíveis de atos ímprobos ocorre pelo
fato de, atualmente, a atuação da Administração Pública ser uma atividade
extremamente complexa, face à criação de diversos órgãos, conseqüência da
descentralização do Poder Público.
Em observância à letra da lei, verifica-se que empresas que gozam de
incentivos fiscais, a exemplo de empresas favorecidas através da SUDENE, SUDAM
e outros organismos nacionais ou estaduais, encontram-se protegidas pela Lei de
Improbidade Administrativa, em relação a condutas irregulares, dolosas ou culposas,
em que pese sua condição de empresas privadas.
Fazzio Júnior, apresenta o conceito de sujeito passivo da seguinte forma:
“É sujeito passivo a pessoa jurídica de direito
público interno (União, Estado, Município,
Autarquia) ou a pessoa jurídica de direito
privado (Empresa Pública, Sociedade de
Economia Mista, empresa com envolvimento
de capitais públicos). Quer dizer, sujeito
passivo da improbidade administrativa é
qualquer entidade pública ou particular que
tenha participação de dinheiro público em seu
57
patrimônio ou receita anual.
Alguns autores criticam a redação dada ao
artigo 1° da Lei 8.429/92, no que diz respeito
ao seu alcance subjetivo”42.
Neste sentido, também posiciona-se Francisco Otávio de Almeida Prado:
"O artigo 1°, ao enumerar as entidades cujo
patrimônio a lei visa a proteger, utilizou fórmula
pouco precisa, ao mencionar” (...) as
Administrações diretas, indiretas ou fundacional
de quaisquer dos poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal, dos
Municípios(...). Quaisquer dos Poderes"
contempla o Executivo, o Legislativo e o
Judiciário. E observam: 'Ora, dos três, apenas
o Poder Executivo se apresenta como
Administração direta, indireta e fundacional. O
Judiciário exerce a jurisdição, e só por exceção
administra, sem necessidade de órgãos
periféricos de administração. O legislativo por
excelência, legisla e só excepcionalmente
administra.”43.
Desta forma, entende esse autor que, quaisquer dos integrantes dos
Poderes pode praticar improbidade quando realize atos tipicamente administrativos.
3.5 Atos de improbidade
A lei de Improbidade Administrativa enumera nos artigos 9, 10 e 11, as
hipóteses de responsabilização administrativa, antecedentes lógicos ao
42 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Corrupção no Poder Público, São Paulo: Atlas, 2002, p. 49) 43 PRADO, Francisco Octávio de Almeida. Improbidade administrativa, São Paulo: Malheiros, 2001, p. 119.
58
sancionamento posterior dos agentes públicos ou a ele equiparados para efeito da
proteção à probidade. Estes dispositivos indicam, de forma exemplificativa, as
condutas que importam em enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e atentem
contra os princípios da administração pública.
Com efeito, o artigo 9°, da citada lei, dispõe que “constitui ato de
improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de
vantagem patrimonial·”, indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função,
emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei (...).
O enriquecimento ilícito administrativo sem justa causa caracteriza-se
pelo acréscimo de bens ao patrimônio do agente público, em detrimento do erário,
sem que para isso tenha havido motivo determinante justificável. Não é necessário,
para tanto, enriquecimento de grande porte econômico, bastando apenas à
ocorrência de acréscimos indevidos.
São três os requisitos essenciais para a configuração do enriquecimento
ilícito, quais sejam, a prática do ato por um agente público; a inexistência de
fundamento que justifique a apropriação alheia; a obtenção da vantagem por parte
do agente público em virtude da sua condição profissional.
Vale lembrar que não há a necessidade de resultado danoso à
Administração Pública para restar configurado o enriquecimento ilícito, bastando
apenas à expectativa de sua efetivação. Neste contexto, vale mencionar o exemplo
dado por Carlos Frederico Brito dos Santos:
"É o caso do professor de escola pública que,
afrontando a tradição de dignidade de uma das
categorias mais respeitáveis e nobres dos
servidores públicos do país, a dos professores,
resolve exigir do pai de um aluno já reprovado
na matéria, certa quantia em troca de sua
aprovação no exame de recuperação.
Percebida a quantia, não se pode dizer que
ouve prejuízo ao erário."44.
44 SANTOS, Carlos Frederico Brito dos. Improbidade administrativa: reflexão sobre a lei nº 8429/92, Rio de Janeiro: Forense,
59
Outras observações importantes ainda podem ser feitas em relação aos
incisos do artigo 9º, da lei de improbidade administrativa.
“Art. 9º. l - receber, para si ou para outrem,
dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer
outra vantagem econômica, direta ou indireta, a
título de comissão, percentagem, gratificação
ou presente de quem tenha interesse, direto ou
indireto, que possa ser atingido ou amparado
por ação ou omissão decorrente das
atribuições do agente público."
O recebimento de vantagens econômicas a título de comissão,
percentagem, gratificação ou presente são exemplos de formas de como se podem
disfarçar o recebimento indevido as custas da função administrativa. Não se exige
que a vantagem seja conferida ao próprio agente, podendo ser essa concedida à
família, ou ainda terceiros, conhecido vulgarmente como laranjas. Logo, é possível a
responsabilização de agentes por força de enriquecimento de parentes ou terceiros,
que obtiveram vantagens que vedadas pelo ordenamento jurídico.
Os incisos II e III, do mesmo artigo estabelecem condutas relativas à
probidade nas licitações. Prescreve o inciso II:
"perceber vantagem econômica, direta ou
indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou
locação de bem móvel ou imóvel, ou a
contratação de serviços pelas entidades
referidas no art. 1° por preço superior ao valor
de mercado."
2002, p. 347.
60
O dispositivo em comento proíbe o agente público de receber vantagens
de terceiros para facilitar a compra, a permuta, a locação de bens e serviços
públicos, inobservando total ou parcialmente o instituto da licitação pública.
Já o inciso III estabelece:
"III - perceber vantagem econômica, direta ou
indireta, para facilitar a alienação, permuta ou
locação de bem público ou o fornecimento de
serviço por ente estatal por preço inferior ao
valor de mercado."
Se naquele há superfaturamento do que a Administração adquire, neste
há um subfaturamento do que vende, troca ou fornece. Ou seja, na hipótese do
inciso III, o agente público visa beneficiar terceiros em detrimento da entidade, pela
alienação, permuta, locação de bem ou prestação de serviço, por valores inferiores
aos cobrados por outrem.
A principal razão destes incisos é "condenar quaisquer tipos de manobras
ou estratégias que desviem o condutor do processo executivo ou administrativo de
seu curso legal e ético."
O inciso IV traz como conduta ímproba:
"Utilizar, em obra ou serviço particular,
veículos, máquinas, equipamentos ou material
de qualquer natureza, de propriedade ou à
disposição de qualquer das entidades
mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o
trabalho de servidores públicos, empregados
ou terceiros contratados por essas entidades."
61
A conduta prevista no inciso supra citado é prática comum na
Administração brasileira. Ela se concretiza com a utilização irregular de bens,
serviços e servidores da Administração Pública, ou que pelo Erário esteja sendo
custeado, em obra privada.
Com relação à possibilidade do uso de bens públicos por particulares,
Marcelo Figueiredo faz o seguinte comentário:
"É, no entanto, necessário ter presente que o
administrador público não pode dispor dos
bens ou valores públicos; deve zelar, conservar
e mantê-los, sob pena de responsabilidade.
Não devemos confundir a proibição acima com
a possível utilização de bens públicos por
particulares. Nesse caso são aplicáveis as
figuras do uso comum, uso normal, anormal,
privativo e outros instrumentos de outorga de
uso privativo de bens."45.
Não é difícil perceber que seria até interessante para a Administração,
locar ou ceder bens inutilizados, desde que houvesse previsão legal para tanto.
Afinal, são distintas as situações: uso de 'coisa pública' pelo povo e sua usurpação
por aqueles que deveriam ser seus zeladores.
O ato de improbidade contemplado no inciso V, da lei de improbidade
administrativa, traz como conduta ímproba:
"receber vantagem econômica de qualquer
natureza, direta ou indireta, para tolerar a
exploração ou a prática de jogos de azar, de
lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de
usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou
aceitar promessa de tal vantagem."
45 FIGUEIREDO, Marcello. Probidade administrativa. São Paulo: Malheiros, 2000, p.237.
62
Intolerável, portanto, que aquele que possui o dever profissional de
reprimir práticas delituosas, se associe aos que se dedicam ao mundo do crime.
De acordo com o inciso VI, da referida lei, importa igualmente em
enriquecimento ilícito o ato ímprobo praticado pelo agente público que:
“Art. 9º. VI - receber vantagem econômica de
qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer
declaração falsa sobre medição ou avaliação
em obras públicas ou qualquer outro serviço,
ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade
ou característica de mercadorias ou bens
fornecidos a qualquer das entidades
mencionadas no art. 1° desta lei."
Como se sabe, os atos administrativos presumem-se legítimos, e como
tal, geram conseqüências fáticas independentemente de verificabilidade judicial.
Logo, as manifestações de vontade expedidas pelas autoridades competentes, se
estas agirem de maneira ímproba, podem, sem dúvida, causar dano ao Erário e
atentar contra o interesse público. Note-se que o dispositivo exige o emprego de
declaração, sendo este o ato que consuma a ação que frauda o direito e encobre a
realidade.
De acordo com o inciso VII, da lei supra citada, constitui ato de
improbidade:
"Adquirir, para si ou para outrem, no exercício
de mandato, cargo, emprego ou função pública,
bens de qualquer natureza cujo valor seja
desproporcional à evolução do patrimônio ou à
renda do agente público."
Trata-se da evolução patrimonial do agente público de forma incompatível
com a sua remuneração. Affonso Guizzo Neto analisa o inciso VII, do referido artigo,
da seguinte forma:
63
"A ilicitude está situada em momento anterior à
aquisição dos bens, presumindo-se o
enriquecimento indevido, partindo-se do
pressuposto que a capacidade financeira do
agente público não comporta o patrimônio por
ele arrecadado. A opulência patrimonial do
agente público, mesmo que os bens estejam
em nome de terceiros, incompatível com a sua
condição profissional, serve de indício
(veemente) da ocorrência do ato de
improbidade administrativa."46.
Marcelo Figueiredo, ao comentar o inciso em questão, critica a formulação
feita pelo legislador, se não vejamos:
"A formulação não é feliz. O ato jurídico de
aquisição de bens em desproporção com a
renda do agente ou com sua evolução
patrimonial não pode ser considerada ato de
improbidade. É dizer, a simples aquisição
isoladamente, não configura improbidade. A
aquisição, a compra, a venda etc. são atos
lícitos e permitidos. Existe na lei uma
presunção de enriquecimento ilícito, situação
muito similar às hipóteses previstas na
legislação do imposto de renda, alusivas aos
'sinais exteriores de riqueza'. É preciso ter
cuidado ao aplicar o dispositivo. O intérprete
deve dar caminhos e meios para que o agente
possa justificar por todos os modos em Direito
admitidos a origem de suas rendas e proventos
46 GUIZZO NETO, Afonso. Responsabilização por atos de corrupção, Informativo INCUUR, Joinville, v. 3, n. 37, agosto 2002, 3-5, agosto 2002.
64
e, assim, dar a oportunidade para que a
'verdade real' em contraposição à 'verdade
formal' das declarações de renda do agente
ímprobo venha à tona."47.
Fato é que caberá ao agente público justificar a origem do patrimônio
estranho, sendo a sua condenação possível somente após a observância do devido
processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
O inciso VIII, da lei de improbidade administrativa, traz à baila a conduta
ilegal do agente que:
"Aceitar emprego, comissão ou exercer
atividade de consultoria ou assessoramento
para pessoa física ou jurídica que tenha
interesse suscetível de ser atingido ou
amparado por ação ou omissão decorrente das
atribuições do agente público, durante a
atividade."
A norma em comento, pune o agente que dê consultoria ou preste
assessoramento a empresas privadas, sendo que nesta relação haja interesses
recíprocos vinculados à Administração.
Marcelo Figueiredo acredita que o maior fundamento deste inciso
encontra-se no princípio da impessoalidade, sendo vedada qualquer relação
hierárquica entre agentes públicos e particulares.
Alguns autores, como Marino Pazzaglini Filho, Márcio Rosa e Fazzio
Júnior, ensinam que a hipótese legal veda a cumulação das atividades em virtude do
regime de dedicação exclusiva, cabível a maioria dos serviços públicos.
Entretanto, há ainda o entendimento de que, em face das atribuições de
que o agente público é dotado, participa de procedimentos que muitas vezes não
são de domínio público e que podem muitas vezes fazer com que seja tentado por
47 47. FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 119.
65
propostas de auxílio para encaminhamento de pedidos administrativos, por exemplo.
No tocante ao inciso IX, da citada lei de improbidade, age de maneira
ímproba importando enriquecimento ilícito o agente que:
"perceber vantagem econômica para
intermediar a liberação ou aplicação de verba
pública de qualquer natureza."
As verbas públicas originam-se de um orçamento legal, cuja finalidade
deve ser respeitada conforme sua previsão. Após a sua aprovação, muitas vezes as
verbas nele previstas não são liberadas imediatamente. A complexidade estatal faz
com que não raras vezes existam verdadeiras peregrinações de prefeitos,
secretários, governadores ou outros servidores para conseguir a liberação dessas
verbas. Nesse contexto, algumas empresas e pessoas, conhecidas como lobistas,
se especializam na cobrança de propina para a liberação dessas verbas.
No entanto, qualquer ato de intermediação de verbas públicas por parte
do agente ímprobo, estará, de alguma forma, favorecendo-o. Sendo assim,
ocorrendo à complacência dos agentes públicos com esse mecanismo ilícito, resta
violado o previsto no referido inciso.
Quanto ao disposto no inciso X, do artigo 9º, da lei de improbidade, cabe
ressaltar que constitui ato de improbidade administrativa:
"Receber vantagem econômica de qualquer
natureza, direta ou indiretamente, para omitir
ato de ofício, providência ou declaração a que
esteja obrigado."
Trata-se da omissão do agente público em relação a seus deveres,
deveres estes que incluem o cumprimento ao princípio da legalidade e ao ato de dar
execução à lei. Obviamente, como contrapartida, esta omissão origina o recebimento
de vantagens econômicas por parte do agente público.
O inciso XI denomina o agente ímprobo como sendo aquele que:
66
"incorporar, por qualquer forma, ao seu
patrimônio bens, rendas, verbas ou valores
integrantes do acervo patrimonial das
entidades mencionadas no art. 1° desta lei."
São três os requisitos para o enquadramento na tipificação normativa
prevista no inciso XI: que o autor seja agente público; que a coisa adquirida seja
pública; e que ocorra a efetiva apropriação desta por parte do agente ímprobo.
"É o peculato consistente na apropriação
indevida de bem ou valor público, invertendo
ilegalmente a titularidade da posse."
Com relação a este inciso, Marcelo Figueiredo faz o seguinte comentário:
"Pode o texto parecer ingênuo, na medida em
que pressupõe que o administrador 'ímprobo'
seja pouco astuto a ponto de 'incorporar' ao
seu patrimônio bens, rendas ou verbas do
acervo patrimonial das entidades arroladas no
art. 1° da lei. É que, na verdade, existem várias
fórmulas e meios para tal objetivo.
Normalmente utiliza-se de terceiros como testa-
de-ferro, adquire por si ou terceiros áreas
que futuramente serão desapropriadas -
enfim, realiza verdadeiras manobras e
estratégias para que, depois de longo tempo,
possa finalmente incorporar ao seu patrimônio
os bens a que alude a lei. Eis a razão da
expressão “incorporar, por qualquer forma.”48.
Por fim, estabelece o inciso XII do artigo 9° da lei de improbidade
67
administrativa, que é ato de improbidade originário do enriquecimento ilícito "usar,
em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo
patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei."
Nota-se que o legislador contenta-se com o uso do bem. Não se trata de
uma apropriação, mas apenas a utilização em proveito pessoal, sem que haja
intenção de acrescentar o bem, a renda, a verba ou valor ao seu patrimônio.
Assim, de um modo geral, o uso, as utilizações lícitas, legítimas,
amparadas pelo Direito, de bens públicos, como já averbamos em comentários a
incisos anteriores, é natural. A regra anotada preocupa-se com o favorecimento
pessoal, coisa diversa.
O artigo 10 da Lei de Improbidade Administrativa prescreve que:
"constitui ato de improbidade administrativa que
causa lesão ao erário qualquer ação ou
omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda
patrimonial, desvio, apropriação,
malbaratamento ou dilapidação dos bens ou
haveres das entidades referidas no art. 1°
desta lei, e notadamente:o agente público deve
ter em sua consciência o dever de fidelidade
para com a Administração Pública, agindo com
diligência e boa-fé, não podendo permitir que
terceiros dilapidem o patrimônio público, muito
menos poderá colaborar para que isto ocorra."
Neste diapasão, importante distinguir o conceito de Erário e de Patrimônio
Público. O conceito deste é mais abrangente, "pois compreende o complexo de bens
e direitos públicos de valor econômico, artísticos, estéticos, históricos e turísticos."
Já aquele, integra o patrimônio público, limitando-se aos bens e direitos de valor
econômico, ou seja, aos recursos financeiros do Estado.
Os incisos l, II e III, do referido artigo, dispõem sobre atos atinentes ao
48 FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 123
68
patrimônio público. De acordo com estes dispositivos, constitui ato de improbidade
administrativa:
“l - facilitar ou concorrer por qualquer forma
para a incorporação ao patrimônio particular,
de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas,
verbas ou valores integrantes do acervo
patrimonial das entidades mencionadas no art.
1° desta lei”;
II - permitir ou concorrer para que pessoa física
ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas
ou valores integrantes do acervo patrimonial
das entidades mencionadas no art. 1° desta lei,
sem a observância das formalidades legais
ou regulamentares aplicáveis à espécie;
Ill - doar à pessoa física ou jurídica bem como
ao ente despersonalizado, ainda que de fins
educativos ou assistenciais, bens, rendas,
verbas ou valores do patrimônio de quaisquer
das entidades mencionadas no art. 1° desta lei,
sem observância das formalidades legais
e regulamentares aplicáveis à espécie.”
Nota-se que para a configuração do inciso l, é necessária a incorporação
ao patrimônio particular de bens, rendas ou valores pertencentes à entidade pública,
a conduta do agente facilitando ou concorrendo para a incorporação ilícita e o nexo
entre a incorporação indevida e a atuação funcional dolosa ou culposa do agente
público.
Por sua vez, o inciso II, veda a utilização do patrimônio público sem a
observação das formalidades legais:
69
"Aqui, o 'permitir' tem um significado mais
amplo que tolerar. O agente franqueia, dá
liberdade, verdadeira licença para o ilícito - a
utilização vedada."
A norma em foco no inciso III proíbe doações ilícitas a pessoas físicas,
jurídicas, "ente despersonalizado", ainda que de fins educativos ou assistenciais.
Já intuitivamente percebe-se a diferença entre a doação prevista no
Código Civil e a prevista no Direito Público, haja vista o regime jurídico peculiar a
que este pertencente.
Marcelo Figueiredo é enfático a abordar a possibilidade do instituto da
doação no direito público:
"Entendemos que a doação, enquanto instituto,
é perfeitamente possível no direito público em
geral, guardadas as peculiaridades do bem em
questão e o interesse público exaustivamente
justificado. Assim, desde que haja previsão
legal, autorização legislativa, a conveniência, a
expressa motivação do ato final, controles
efetivos do legislativo e do Tribunal de Contas -
enfim, transparência e legalidade no
procedimento -, é possível a aplicação do
instituto no direito público."49.
O inciso XIII, do artigo 10, apresenta praticamente a mesma redação do
artigo 9°, inciso IV, com a diferença de que, este cuida do uso de bens, mão-de-obra
e serviços ilícitos proporcionados por agentes públicos, enquanto aquele cuida de
seu emprego efetivo por terceiro. Assim dispõe:
49 FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 55.
70
"XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço
particulares, veículos, máquinas, equipamentos
ou material de qualquer natureza, de
propriedade ou à disposição de qualquer das
entidades mencionadas no art. 1° desta lei,
bem como o trabalho de servidor público,
empregados ou terceiros contratados por essas
entidades."
Os incisos IV, V e VIII, dispõem sobre atos atinentes às licitações. De
acordo com estes dispositivos, constitui ato de improbidade administrativa:
"IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta
ou locação de bem integrante do patrimônio de
qualquer das entidades referidas no art. 1°
desta lei, ou ainda a prestação de serviço por
parte delas, por preço inferior ao de mercado.
V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou
locação de bem ou serviço por preço superior
ao de mercado.
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou
dispensá-lo indevidamente."
Os incisos IV e V, do referido artigo 10, são semelhantes. A diferença
reside em relação à posição da entidade pública e do particular no contrato ilícito.
Enquanto no inciso IV, a Administração mediante conduta dolosa ou culposa de
agente público vende, permuta ou aluga um bem público, ou ainda, presta serviço à
terceiro por preço inferior ao do mercado, no inciso V, a entidade compra, permuta
ou aluga bem ou contrata serviço particular por valor superior ao de mercado.
Em comento a estes incisos, indispensáveis o ensinamento de Marcelo
Figueiredo:
"Não há duvidas de que se o agente público
permite ou facilita a alienação de bens ou
71
serviços em desacordo com preços do
mercado estará burlando o magno princípio da
isonomia, frustrando a competitividade objetiva
delineada pelo procedimento da licitação, que
visa a buscar a proposta mais vantajosa,
confortada nos princípios constitucionais, nas
leis e no instrumento convocatório."50.
Quanto à ausência de licitação, tem-se que esta não configura a conduta
ilícita do agente. Isto porque apesar do procedimento licitatório ser uma regra, sua
dispensa é uma exceção, inclusive prevista constitucionalmente.
Em virtude da complexidade dos processos licitatórios e da ausência,
muitas vezes, de estrutura administrativa, é comum a observação do disposto no
inciso supracitado. Entretanto, os meios de fiscalização estão cada vez mais
presentes, inclusive com entidades da sociedade civil participando efetivamente do
respectivo controle.
Os incisos VI, VII, IX e X, do artigo 10, da lei de improbidade, dispõem
sobre atos atinentes à Responsabilidade Fiscal e Tributária. De acordo com estes
dispositivos, constitui ato de improbidade administrativa:
“VI - realizar operação financeira sem
observância das normas legais e
regulamentares ou aceitar garantia insuficiente
ou inidônea”;
VIl - conceder benefício administrativo ou fiscal
sem a observância das formalidades legais ou
regulamentares aplicáveis à espécie;
IX - ordenar ou permitir a realização de
despesas não autorizadas em lei ou
regulamento;
50 FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 57.
72
X - agir negligentemente na arrecadação de
tributo ou renda, bem como no que diz respeito
à conservação do patrimônio público."
Quanto ao inciso VI, da referida lei, nota-se que a operação financeira tem
como escopo captar recursos e outros meios financeiros para custear projetos
administrativos ou desenvolver serviços públicos.
O agente público que realizar operações financeiras inobservando as
normas pertinentes, em especial a Lei de Responsabilidade Fiscal, incidirá na
conduta prevista no inciso VI, do artigo 10.
Verifica-se, de acordo com o inciso VII, do mesmo artigo acima, que é
vedado ao agente público conceder benefício administrativo ou fiscal sem observar o
disposto no Código Tributário Nacional e na Lei de Responsabilidade Fiscal. Isto
porque não é o agente público que concede benefícios a particulares ou terceiros,
mas sim a lei que os autoriza. Ao agente público, cabe somente analisar se
preenchidos foram os requisitos para a concessão desse ou daquele benefício. O
problema encontra-se na discricionariedade do agente ao efetuar a referida análise,
havendo assim a oportunidade de abusos, os quais a Lei de Improbidade
Administrativa pretende evitar.
Todas as despesas públicas submetem-se a controles constitucionais e
legais. Quanto aos dispositivos legais, o inciso IX, do artigo 10, obriga o agente
público à observância dos limites legais fixados previamente no Plano Plurianual, na
Lei de Diretrizes Orçamentárias, na Lei Orçamentária Anual e mais uma vez na lei
de Responsabilidade Fiscal.
Duas espécies de comportamento culposo do agente público são
contempladas no inciso X, do artigo ora em comento: a negligência na arrecadação
de tributos ou rendas públicas; e a negligência na conservação do patrimônio
público.
Vale lembrar que a lei refere-se apenas ao comportamento negligente
gravíssimo, sob pena de cometer injustiças.
Por fim, o inciso XII, do já citado artigo 10, dispõe sobre atos de
favorecimento de terceiros. De acordo com este dispositivo, constitui ato de
improbidade administrativa:
73
"XII - permitir que se utilize, em obra ou serviço
particulares, veículos, máquinas, equipamentos
ou material de qualquer natureza, de
propriedade ou à disposição de qualquer das
entidades mencionadas no art. 1° desta lei,
bem como o trabalho de servidor público,
empregados ou terceiros contratados por essas
entidades."
O tipo administrativo guarda vinculação direta com o artigo 9° desta
mesma lei. Nesta hipótese, o agente público pode permitir, facilitar ou concorrer para
o enriquecimento de terceiro.
No mesmo sentido, dispensando maiores comentários, oportuna a lição
de Marcelo Figueiredo:
"O dispositivo procura 'fechar o cerco' da
atividade ilícita, proibindo que o agente público
facilite, de qualquer forma o enriquecimento
ilícito de terceiros. Como é de curial
conhecimento, nenhum agente público ímprobo
permitirá ou concorrerá para que 'terceiro' se
enriqueça ilicitamente sem que haja
adredemente preparado um verdadeiro plano
de ação ilícita; o que se convencionou
denominar, na linguagem leiga e popular, de
'esquemas'. Assim, o dispositivo procura
assegurar e abranger também a ação do
agente que, por qualquer meio, em co-autoria
ou participação, elege terceiros para ele não
configurar ostensivamente como o autor do
ilícito.
74
É óbvio que a lei sanciona o comportamento de
todos os envolvidos na prática da improbidade
administrativa que leva ao enriquecimento
ilícito e, conseqüentemente, à lesão ao erário
público."51.
Constituem os princípios um conjunto de proposições que alicerçam ou
embasam um sistema e lhe garantem a validade.
São normas gerais, abstraías, nem sempre positivadas expressamente,
porém às quais, todo o ordenamento jurídico que se construa com a finalidade de
ser um Estado Democrático de Direito, deve respeito.
Condicionam toda a interpretação do Direito, motivo pelo qual são
dotados de maiores proeminências.
O artigo 37 da Constituição Federal elencou de modo expresso cinco
princípios inerentes a Administração Pública: da legalidade, da impessoalidade, da
moralidade, da publicidade e da eficiência. No entanto, outros princípios encontram-
se inseridos na lei maior apesar de não mencionados em seu artigo 37. Outros,
ainda, são implicações evidentes do próprio Estado de Direito e, conseqüentemente,
do sistema constitucional como um todo.
É importante ressaltar a diferença entre regra e princípio jurídico, para que
se possa analisar eventual violação a estes.
Ambos são normas e a distinção entre eles é uma distinção entre
espécies normativas. Pode-se apontar cinco critérios diferenciadores entre estas
espécies normativas.
Quanto ao grau de abstração, pode-se dizer que os princípios seriam
normas com um grau de abstração bastante elevado; enquanto que as regras teriam
um grau de abstração mais reduzido.
De acordo com o grau de determinabilidade, os princípios seriam normas
que, devido ao caráter vago e indeterminado, necessitam de concretização;
enquanto que as regras possuiriam aplicação direta.
51 FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 68
75
O critério do caráter de fundamentalidade determina que os princípios são
normas mais importantes do que as regras, devido ao fato de possuírem um papel
fundamental na estrutura do ordenamento jurídico.
Conforme o critério da proximidade da idéia de direito, os princípios são
"standards" baseados no ideal de justiça ou na idéia de direito, enquanto as regras
têm um conteúdo funcional.
Por fim, o critério da natureza normogenética, os princípios são os
fundamentos das regras, ou seja, as regras derivam dos princípios.
Torna-se indispensável a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello no
tocante a violação dos princípios:
"Violar um princípio é muito mais grave que
transgredir uma norma qualquer. A desatenção
ao princípio implica ofensa não apenas a um
específico mandamento obrigatório, mas a todo
o sistema de comandos. É a mais grave forma
de ilegalidade ou inconstitucionalidade,
conforme o escalão do princípio atingido,
porque representa insurgência contra todo o
sistema, subversão de seus valores
fundamentais, contumélia irremissível e seu
arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura
mestra."52.
O artigo 11, da Lei de Improbidade, prescreve em seu caput:
"Constitui ato de improbidade
administrativa que atenta contra os
princípios da administração pública
qualquer ação ou omissão que viole os
deveres de honestidade, imparcialidade,
52 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo, 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 325.
76
legalidade, e lealdade às instituições, e
notadamente:"
Surge neste momento, uma crítica por parte de alguns autores, dentre
eles o ilustre Marcelo Figueiredo. De acordo com a leitura do dispositivo legal,
possível extrair que é ato de improbidade praticar ações ou omissões que violem a
legalidade. Assim, tem-se que a improbidade nada mais é do que uma violação a
legalidade, o que não é verdadeiro. A problemática encontra-se nos resultados e nas
conseqüências da ação ímproba e da ação ilegal, tendo em vista que são
absolutamente diversas, conforme será demonstrado mais adiante.
Passa-se a examinar as sete espécies exemplificativas de improbidade
administrativa atentatórias contra os princípios da Administração Pública.
O inciso l, do referido artigo, traz como conduta ímproba "praticar ato
visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de
competência"
Trata-se da prática por agente público de ato administrativo com fim ilegal,
desvio de finalidade ou que extrapola as suas atribuições.
De acordo com Pazzaglini Filho:
"Afronta o administrador, na espécie, os
princípios constitucionais da legalidade,
moralidade e finalidade que informam sua
atuação funcional, agindo fora dos limites de
sua competência ou por motivos diversos ao
fim inerente a todas as normas (inobservância
do interesse público) e ao móvel específico que
anima a regra jurídica que esteja aplicando.
Excede suas faculdades administrativas ou
atua no âmbito de sua competência, mas com
desvio de finalidade."53.
53 PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada, São Paulo: Atlas, 2002, p. 127
77
Conforme exposto em capítulo introdutório, a Administração não é
senhora dos interesses públicos, devendo portanto agir de acordo com a finalidade
prevista em lei sem que haja desvio de poder.
O inciso II, do festejado artigo 11, da lei em comento, define como ato de
improbidade administrativa "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de
ofício."
É dever do agente público se portar conforme suas obrigações perante a
administração, não podendo por capricho, interesse pessoal ou mesmo ineficiência,
deixar de cumprir suas obrigações para com a administração. Assim procedendo,
estará tipificada a conduta do inciso II, do referido artigo.
Affonso Guizzo Neto assim comenta sobre o dispositivo supra (inciso II,
do artigo 11, da lei de improbidade):
"O agente público, intencional ou
culposamente, fica inerte, deixando de executar
suas atribuições funcionais. O agente público
deve estar investido de competência para a
prática do ato omitido, caso contrário, não será
sujeito ativo de improbidade.
A omissão deve ser indevida, sem motivo legal
que a justifique. Assim, não haverá ato de
improbidade administrativa se o agente público
se omitir ou retardar o ato por motivo plausível
e razoável."54.
Os incisos III e VII, do referido artigo 11, definem, respectivamente, como
ato de improbidade que viola o dever de sigilo:
"III - revelar fato ou circunstância de que tem
ciência em razão das atribuições e que deva
permanecer em segredo;
54 GUIZZO NETO, Affonso. Responsabilização por atos de corrupção, informativo INCCUR, Joinville, v. 3, n. 37, agosto 2002, agosto 2002.
78
VII - revelar ou permitir que chegue ao
conhecimento de terceiro, antes da respectiva
divulgação oficial, teor de medida política ou
econômica capaz de afetar o preço de
mercadoria, bem ou serviço."
Muitos dos atos administrativos precisam ser realizados sem a
antecipação da publicidade para não frustrar seus objetivos. Logo, quando exigido
(através de lei), é vedado ao agente dar publicidade ou fornecer informações que
minem o interesse público.
É fácil perceber que determinadas informações, se vierem à público antes
do momento certo, poderão prejudicar ou mesmo impedir o cumprimento da
finalidade do ato administrativo.
O inciso IV define como ato ímprobo que viola o dever de publicidade
"negar publicidade aos atos oficiais".
O princípio da publicidade está previsto no artigo 37, caput, da
Constituição Federal, funcionando como uma garantia dos administrados.
Há de existir transparência na gestão da coisa pública, sendo obrigatória
a visibilidade social dos atos praticados.
O inciso V traz como ato de improbidade administrativa por ferir o
princípio da isonomia "frustrar a licitude de concurso público"
O princípio da isonomia garante o tratamento sem distinção de qualquer
natureza jurídica. Se assim é, quando a administração realiza concursos públicos
deve respeitar o aludido princípio. Não pode haver qualquer modalidade de
favorecimento, direto ou indireto.
Por fim, traz o inciso VI como conduta ímproba do agente administrativo
"deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo."
O agente público tem o dever de prestar contas de dinheiro, bens e outros
valores públicos que tenha utilizado em sua administração. Trata-se de exigência
constitucional prevista no artigo 70, parágrafo único, da Constituição Federal de
1988. Presume-se que o agente que deixa de prestar contas para com a
Administração, o faz por estarem irregulares.
79
3.6 Sanções
A Constituição Federal dispõe em seu artigo 37, § 4° que:
"Os atos de improbidade administrativa
importarão a suspensão dos direitos
públicos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o
ressarcimento ao erário, na forma e
gradação previstas em lei, sem prejuízo
da ação penal cabível."
Com o intuito de regulamentar e completar o elenco do artigo acima citado
surge o artigo 12 da Lei n° 8.429/92:
“Art. 12. Independentemente das sanções
penais, civis e administrativas, previstas na
legislação específica, está o responsável pelo
ato de improbidade sujeito às seguintes
cominações:
l - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou
valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio,
ressarcimento integral do dano, quando houver,
perda da função pública, suspensão dos
direitos políticos de oito a dez anos, pagamento
de multa civil de até três vezes o valor do
acréscimo patrimonial e proibição de contratar
com o Poder Público ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de
pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário,
pelo prazo de dez anos;
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento
integral do dano, perda dos bens ou valores
80
acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se
concorrer esta circunstância, perda da função
pública, suspensão dos direitos políticos de
cinco a oito anos, pagamento de multa civil de
até duas vezes o valor do dano e proibição de
contratar com o Poder Público ou receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios,
direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja
sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento
integral do dano, se houver, perda da função
pública, suspensão dos direitos políticos de três
a cinco anos, pagamento de multa civil de até
cem vezes o valor da remuneração percebida
pelo agente e proibição de contratar com o
Poder Público ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de
pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário,
pelo prazo de três anos.
Parágrafo único. Na fixação das penas
previstas nesta lei o juiz levará em conta a
extensão do dano causado, assim como o
proveito patrimonial obtido pelo agente.
O ressarcimento integral do dano causado à
Administração Pública atinge o direito de
propriedade do agente que praticou o ato de
improbidade. Ele será determinado por
sentença judicial, não havendo necessidade de
interposição de ação própria”.
Quanto a perda da função pública, vale mencionar que, importa na perda
definitiva da função que o agente público esteja exercendo ao tempo da
81
condenação, pouco importando o cargo ocupado quando da prática do ato ímprobo.
A suspensão dos direitos políticos também é prevista no artigo 15 da
Constituição Federal. Ao graduar a suspensão deve-se observar os limites mínimos
e máximos previstos pela Lei de Improbidade (artigo 9º, 8 a 10 anos; artigo 10, 5 a
8 anos e artigo 11, 3 a 5 anos), sendo imprescindível a fundamentação da aplicação
do grau imposto.
A multa civil será fixada observadas a natureza e a gravidade do ato
ímprobo, levando-se em conta os danos causados ao erário, a capacidade
econômica do agente e sua conduta, entre outros.
A perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, por
sua vez, também atingirá o direito de propriedade do agente que causou prejuízo à
Administração Pública. Para tanto, é necessário comprovar o nexo de causalidade
entre a aquisição indevida do bem e o exercício da função pública.
A proibição de contratar com o Poder Público irá limitar a atividade
profissional do agente ímprobo. Esta penalidade, contudo, não poderá ser eterna,
deverá ter um tempo máximo de duração, sob pena de violação ao artigo 5°, incisos
XLVI, alínea “ e” e XLVII, alínea b, da Constituição Federal de 1988.
Ao analisar os incisos do artigo 12 da lei n° 8.429/92 percebe-se que as
penas encontram-se escalonadas de acordo com a gravidade de cada uma das
modalidades de ato ímprobo correspondente.
No entanto, notória é a polêmica em torno da aplicabilidade das penas
constantes no artigo em questão. A leitura do dispositivo leva a conclusão de que as
penas obrigatoriamente devem ser aplicadas de forma cumulativa.
Contudo, é necessário observar os princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade na interpretação e na aplicação das penalidades previstas. Isto porque
esta aplicação dependerá da análise da conduta do agente caso a caso. A pena
deve ser prudente e adequadamente aplicada.
A este respeito, vale lembrar os ensinamentos de Marcelo Figueiredo:
“Ainda aqui, mostra-se adequado o estudo a
respeito do princípio da proporcionalidade, a
fim de verificarmos a relação de adequação
entre a conduta do agente e sua penalização. É
82
dizer, ante a ausência de dispositivo expresso
que determine o abrandamento ou a escolha
das penas qualitativa e quantitativamente
aferidas, recorre-se ao princípio geral da
razoabilidade, ínsito à jurisdição (acesso à
Justiça e seus corolários). Deve o Judiciário,
chamado a aplicar a lei, analisar amplamente a
conduta do agente público em face da lei e
verificar qual das penas é mais adequado, em
face do caso concreto. Não se trata de escolha
arbitrária, porém legal.”55.
Ou seja, o agente ímprobo pode sofrer cominações nas esferas penal,
civil e administrativa. Sendo este punido com a perda do cargo na esfera
administrativa e tal decisão já se tomou definitiva, não se cogitará de aplicá-la no
processo judicial.
Desta forma, o judiciário poderá deixar de aplicar uma ou outra das
sanções previstas no artigo 12 da Lei de Improbidade, valendo-se assim da
discricionariedade.
55 FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 219.
83
CAPÍTULO IV
A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Sumário: 4.1 Introdução 4.2 Princípios
constitucionais de acordo com a EC 19/98 4.3
Princípios constitucionais explícitos 4.3.1
Princípio da impessoalidade 4.3.2 Princípio da
moralidade 4.3.3 Princípio da publicidade 4.3.4
Princípio da eficiência 4.4 Outros princípios
explícitos 4.4.1 Princípio da licitação 4.4.2
Princípio da responsabilidade 4.4.3 Princípio da
participação 4.4.4 Princípio da autonomia
gerencial 4.5 Princípios constitucionais
implícitos 4.5.1 Princípio da supremacia do
interesse público sobre o privado 4.5.2
Princípio da finalidade 4.5.3 Princípio da
razoabilidade e da proporcionalidade.
4.1 Introdução
A denominada função administrativa do Estado submete-se a um especial
regime jurídico. Trata-se do denominado regime de direito público ou regime jurídico-
administrativo. Sua característica essencial reside, de um lado, na admissibilidade
da idéia de que a execução da lei por agentes públicos exige o deferimento de
necessárias prerrogativas de autoridade, que façam com que o interesse público
juridicamente predomine sobre o interesse privado; e de outro, na formulação de que
o interesse público não pode ser livremente disposto por aqueles que, em nome da
coletividade, recebem o dever-poder de realizá-los. Consiste, na verdade, no regime
jurídico decorrente da conjugação de dois princípios básicos: o princípio da
supremacia dos interesses públicos e o da indisponibilidade dos interesses públicos.
Neste sentido, temos o ilustre posicionamento de CARDOZO:
84
"Estes, são princípios gerais, necessariamente
não positivados de forma expressa pelas
normas constitucionais, mas que consistem nos
alicerces Jurídicos do exercício da função
administrativa dos Estados. Todo o
exercício da função administrativa, direta ou
indiretamente, será sempre por eles
influenciado e governado"56.
Tomando o conceito de Administração Pública em seu sentido orgânico,
isto é, no sentido de conjunto de órgãos e pessoas destinados ao exercício da
totalidade da ação executiva do Estado, a nossa Constituição Federal positivou os
princípios gerais norteadores da totalidade de suas funções, considerando todos os
entes que integram a Federação brasileira (União, Estados, Distrito Federal e
Municípios).
Destarte, os princípios inerentes à Administração Pública são aqueles
expostos no art. 37 de nossa vigente Constituição. Alguns, diga-se de pronto, foram
positivados de forma expressa. Outros, de forma implícita ou tácita.
Antes de procedermos à ànalise de cada um dos princípios que regem o
Direito Administrativo, cabe novamente acentuar que estes princípios se constituem
mutuamente e não se excluem, não são jamais eliminados do ordenamento jurídico.
Destacam-se ainda as suas funções programáticas, fornecendo as diretrizes
situadas no ápice do sistema, a serem seguidas por todos os aplicadores do direito.
4.2 Princípios constitucionais de acordo com a EC 19/98
Mais uma vez, cumpre distinguir o que é Administração Pública. Assim
MEIRELLES elabora o seu conceito:
"Em sentido formal, a Administração Publica é
o conjunto de órgãos instituídos para
56 CARDOZO, José Eduardo Martins. Princípios constitucionais da administração pública, São Paulo: Atlas, 1999, p. 113
85
consecução dos objetivos do Governo; em
sentido material é o conjunto das funções
necessárias aos serviços públicos em geral; em
acepção operacional é os desempenhos
perenes e sistemáticos, legais e técnicos, dos
serviços do próprio Estado ou por ele
assumidos em benefício da coletividade. Numa
visão global, a Administração Pública é, pois,
todo o aparelhamento do Estado preordenado
à realização de seus serviços, visando à
satisfação das necessidades coletivas"57.
A Administração Pública, ainda, pode ser classificada como: direta e
indireta. A Direta é aquela exercida pela administração por meio dos seus órgãos
internos (presidência e ministros). A Indireta é a atividade estatal entregue a outra
pessoa jurídica (autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista,
fundações), que foram surgindo através do aumento da atuação do Estado.
A Constituição Federal, no art. 37, caput, trata dos princípios inerentes à
Administração Pública:
"Administração Pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados,
do Distrito Federai e dos Municípios obedecerá
aos princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência”
Trata-se, portanto, de princípios incidentes não apenas sobre os órgãos
que integram a estrutura central do Estado, incluindo-se aqui os pertencentes aos
três Poderes (Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário), mas também
de preceitos genéricos igualmente dirigidos aos entes que em nosso país integram a
57 MEIRELLES, Hely Lopes. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: RT 1996, P. 118.
86
denominada Administração Indireta, ou seja, autarquias, as empresas públicas, as
sociedades de economia mista e as fundações governamentais ou estatais (4).
Destarte, os princípios explicitados no caput do art. 37 são, portanto, os
da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.
Outros se extraem dos incisos e parágrafos do mesmo artigo, como o da licitação, o
da prescritibilidade dos ilícitos administrativos e o da responsabilidade das pessoas
jurídicas (inc. XXI e §§ 1.° a 6.°). Todavia, há ainda outros princípios que estão no
mesmo artigo só que de maneira implícita, como é o caso do princípio da
supremacia do interesse público sobre o privado, o da finalidade, o da razoabilidade
e proporcionalidade.
Vejamos, agora, o significado de cada um dos precitados princípios
constitucionais da Administração Pública.
4.3 Princípios constitucionais explícitos
Conforme mencionada anteriormente, os princípios constitucionais
explícitos são aqueles presentes no art. 37, da Constituição Federal, de maneira
expressa. Assim, são eles: o princípio da legalidade, o princípio da impessoalidade,
o princípio da moralidade, o princípio da publicidade e o princípio da eficiência.
Passemos, então, a estudá-los uniformemente.
Referido como um dos sustentáculos da concepção de Estado de Direito
e do próprio regime jurídico-administrativo, o princípio da legalidade vem definido no
inciso II do art. 5.° da Constituição Federal quando nele se faz declarar que:
"ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude de lei".
Desses dizeres decorre a idéia de que apenas a lei, em regra, pode
introduzir inovações primárias, criando novos direitos e novos deveres na ordem
jurídica como um todo considerado.
No campo da administração Pública, como unanimemente reconhecem os
constitucionalistas e os administrativistas, afirma-se de modo radicalmente diferente
a incidência do princípio da legalidade. Aqui, na dimensão dada pela própria
indisponibilidade dos interesses públicos, diz-se que o administrador, em
87
cumprimento “ao princípio da legalidade,” só pode atuar nos termos estabelecidos
pela lei. Não pode este por atos administrativos de qualquer espécie (decreto,
portaria, resolução, instrução, circular etc.) proibir ou impor comportamento a
terceiro, se o ato legislativo não fornecer, em boa dimensão jurídica, amparo a essa
pretensão. A lei é seu único e definitivo parâmetro.
Temos, pois, que, enquanto no mundo privado se coloca como apropriada
à afirmação de que o que não é proibido é permitido, no mundo público assume-se
como verdadeira a idéia de que a Administração só pode fazer o que a lei
antecipadamente autoriza.
Deste modo, a afirmação de que a Administração Pública deve atender à
legalidade em suas atividades implica a noção de que a atividade administrativa é a
desenvolvida em nível imediatamente infralegal, dando cumprimento às disposições
da lei. Em outras palavras, a função dos atos da Administração é a realização das
disposições legais, não lhe sendo possível, portanto, a inovação do ordenamento
jurídico, mas tão só a concretização de presságios genéricos e abstratos
anteriormente firmados pelo exercente da função legislativa.
Sobre o tema, vale trazer a ponto a seguinte preleção de MELLO:
“Para avaliar corretamente o princípio da
legalidade e captar-lhe o sentido profundo
cumpre atentar para o fato de que ele é a
tradução jurídica de um propósito político: o de
submeter os exercentes do poder em concreto
- administrativo.
- a um quadro normativo que embargue
favoritismos, perseguições ou desmandos.
Pretende-se através da norma geral, abstraía e
impessoal, a lei, editada pelo Poder Legislativo
- que é o colégio representativo de todas as
tendências (inclusive minoritárias) do corpo
social.
88
- garantir que a atuação do Executivo nada
mais seja senão a concretização da vontade
geral"58.
De tudo isso podemos extrair uma Importante conclusão. Contrariamente
ao que ocorre em outros ordenamentos jurídicos, inexiste qualquer possibilidade de
ser juridicamente aceita, entre nós, a edição dos denominados decretos ou
regulamentos "autônomos ou independentes". Como se sabe, tais decretos ou
regulamentos não passam de atos administrativos gerais e normativos baixados pelo
chefe do Executivo, com o assumido objetivo de disciplinar situações anteriormente
não reguladas em lei. E, sendo assim, sua prática encontra óbice intransponível no
modus constitucional pelo qual se fez consagrar o princípio da legalidade em nossa
Lei Maior.
Regulamento, em nosso país, portanto, haverá de ser sempre o
regulamento de uma lei, ou de dispositivos legais objetivamente existentes. Qualquer
tentativa em contrário haverá de ser tida como manifestamente inconstitucional.
4.3.1 Princípio da impessoalidade
O princípio ou regra da impessoalidade da Administração Pública pode
ser definido como aquele que determina que os atos realizados pela Administração
Pública, ou por ela delegados, devam ser sempre imputados ao ente ou órgão em
nome do qual se realiza, e ainda destinados genericamente à coletividade, sem
consideração, para fins de privilegiamento ou da imposição de situações restritivas,
das características pessoais daqueles a quem porventura se dirija. Em síntese, os
atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica
mas ao órgão ou entidade administrativa em nome do qual age o funcionário.
A mera leitura dessa definição bem nos revela que esse princípio pode
ser decomposto em duas perspectivas diferentes: a impessoalidade do
administrador quando da prática do ato e a impessoalidade do próprio administrado
como destinatário desse mesmo ato.
58 MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal Anotada, São Paulo: Saraiva, Atlas, 2001, p. 347
89
Com efeito, de um lado, o princípio da impessoalidade busca assegurar
que, diante dos administrados, as realizações administrativo-governamentais não
sejam propriamente do funcionário ou da autoridade, mas exclusivamente da
entidade pública que a efetiva. Custeada com dinheiro público, a atividade da
Administração Pública jamais poderá ser apropriada, para quaisquer fins, por aquele
que, em decorrência do exercício funcional, se viu na condição de executá - lá. É,
por excelência, impessoal, unicamente imputável à estrutura administrativa ou
governamental incumbida de sua prática, para todos os fins que se fizerem de
direito.
Assim, como exemplos de violação a esse princípio, dentro dessa
particular acepção examinada, podemos mencionar a realização de publicidade ou
propaganda pessoal do administrador com verbas públicas ou ainda, a edição de
atos normativos com o objetivo de conseguir benefícios pessoais.
No âmbito dessa particular dimensão do princípio da impessoalidade, é
que está o elemento diferenciador básico entre esse princípio e o da isonomia. Ao
vedar o tratamento desigual entre iguais, a regra isonômica não abarca, em seus
direitos termos, a idéia da imputabilidade dos atos da Administração ao ente ou
órgão que a realiza, vedando, como decorrência direta de seus próprios termos, e
em toda a sua extensão, a possibilidade de apropriação indevida desta por agentes
públicos. Nisso, reside à diferença jurídica entre ambos.
Já, por outro ângulo de visão, o princípio da impessoalidade deve ter sua
ênfase não mais colocada na pessoa do administrador, mas na própria pessoa do
administrado. Passa a afirmar-se como uma garantia de que este não pode e não
deve ser favorecido ou prejudicado, no exercício da atividade da Administração
Pública, por suas exclusivas condições e características.
Jamais poderá, por conseguinte, um ato do Poder Público, ao menos de
modo adequado a esse princípio, vir a beneficiar ou a impor sanção a alguém em
decorrência de favoritismos ou de perseguição pessoal. Todo e qualquer
administrado deve sempre relacionar-se de forma impessoal com a Administração,
ou com quem em seu nome atue, sem que suas características pessoais, sejam elas
quais forem, possam ensejar predileções ou discriminações de qualquer natureza.
Será, portanto, tida como manifestadamente violadora desse princípio,
nessa dimensão, por exemplo, o favorecimento de parentes e amigos (nepotismo), a
tomada de decisões administrativas voltadas à satisfação da agremiação partidária
90
ou facção política a que se liga o administrador (partidarismo), ou ainda de atos
restritivos ou sancionadores que tenham por objetivo a vingança pessoal ou a
perseguição política pura e simples (desvio de poder).
Dessa perspectiva, o princípio da impessoalidade insere-se por inteiro no
âmbito do conteúdo jurídico do princípio da isonomia, bem como no do próprio
princípio da finalidade.
Perfilhando este entendimento, sustenta MELLO:
"No princípio da impessoalidade se traduz à
idéia de que a Administração tem que tratar a
todos os administrados sem discriminações,
benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo
nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou
animosidades pessoais, políticas ou
ideológicas não podem interferir na atuação
administrativa e muito menos interesses
sectários, de facções ou grupos de qualquer
espécie. O princípio em causa é senão o
próprio princípio da igualdade ou isonomia"59.
4.3.2 Princípio da moralidade
Já na Antiguidade se formulava a idéia de que as condições morais
devem ser tidas como uma exigência impostergável para o exercício das atividades
de governo. Segundo informam os estudiosos, seria de Sólon a afirmação de que
um "homem desmoralizado não poderá governar”.
Todavia, foi neste século, pelos escritos de Hauriou, que o princípio da
moralidade, de forma pioneira, se fez formular no campo da ciência jurídica, capaz
de fornecer, ao lado da noção de legalidade, o fundamento para a invalidação de
seu ato pelo vício denominado desvio de poder. Essa moralidade jurídica, a seu ver,
59 MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal Anotada, São Paulo: Saraiva, 2001, P. 189.
91
deveria ser entendida como um conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina
interior da própria Administração, uma vez que ao agente público caberia também
distinguir o honesto do desonesto, a exemplo do que faz entre o legal e o ilegal, o
justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno. Afinal,
pondera, como já proclamavam os romanos "nem tudo que é legal é honesto".
Hoje, por força da expressa inclusão do princípio da moralidade no caput
do art. 37, a ninguém será dado sustentar, em boa razão, sua não incidência
vinculante sobre todos os atos da Administração Pública. Ao administrador público
brasileiro, por conseguinte, não bastará cumprir os estritos termos da lei. Tem-se por
necessário que seus atos estejam verdadeiramente adequados à moralidade
administrativa, ou seja, a padrões éticos de conduta que orientem e balizem sua
realização. Se assim não for, inexoravelmente, haverão de ser considerados não
apenas como imorais, mas também como inválidos para todos os fins de direito.
Isto posto, CARDOZO fornece uma definição desse princípio, hoje
agasalhado na órbita jurídico-constitucional:
"Entende-se por princípio da moralidade a
nosso ver, aquele que determina que os atos
da Administração Pública devam estar
inteiramente conformados aos padrões éticos
dominantes na sociedade para a gestão dos
bens e interesses públicos, sob pena de
invalidade jurídica"60.
Admite o art. 5.°, LXXIII, da Constituição Federal que qualquer cidadão
possa ser considerado parte legítima para a propositura de ação popular que tenha
por objetivo anular atos entendidos como lesivos, entre outros, à própria moralidade
administrativa.
Por outra via, como forma de também fazer respeitar esse princípio, a
nossa Lei Maior trata também da improbidade administrativa.
60 CARDOZO, José Eduardo Martins. Princípios constitucionais da administração pública, São Paulo: Atlas, 1999, P. 117
92
A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que
mereceu consideração especial pela Constituição, que pune o ímprobo com a
suspensão de direitos políticos (art. 37, §4.°).
Deste modo, conceitua CAETANO:
"A probidade administrativa consiste no dever
de “o funcionário servir à Administração
com honestidade, procedendo no exercício das
suas funções, sem aproveitar os poderes ou
facilidades delas decorrentes em proveito
pessoal ou de outrem a quem queira
favorecer"61.
A moralidade administrativa e assim também as probidades são tuteladas
pela ação popular, de modo a elevar a imoralidade à causa de invalidado do ato
administrativo. A improbidade é tratada ainda com mais rigor, porque entra no
ordenamento constitucional como causa de suspensão dos direitos políticos do
ímprobo (art. 15, V), conforme estatui o art. 37, § 4.°, in verbis: “Os atos de
improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da
função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e
gradação previstas em lei, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, podendo vir a
configurar a prática de crime de responsabilidade (art. 85, V)”.
Dessa forma, o desrespeito à moralidade, entre nós, não se limita apenas
a exigir a invalidação - por via administrativa ou judicial - do ato administrativo
violador, mas também a imposição de outras conseqüências sancionadoras
rigorosas ao agente público responsável por sua prática.
61 CAETANO, Marcello. Manual de direito administrativo, Rio de Janeiro: Forense 1990, P. 228.
93
4.3.3 Princípio da publicidade
A publicidade sempre foi tida como um princípio administrativo, porque se
entende que o Poder Público, por seu público, deve agir com a maior transparência
possível, a fim de que os administrados tenham, a toda hora, conhecimento do que
os administradores estão fazendo.
Além do mais, seria absurdo que um Estado como o brasileiro, que, por
disposição expressa de sua Constituição, afirma que todo poder nele constituído
"emana do povo" (art. 1.°, parágrafo único, da CF), viesse a ocultar daqueles em
nome dos quais esse mesmo poder é exercido informações e atos relativos à gestão
da res publica e as próprias linhas de direcionamento governamental. É por isso que
se estabelece, como imposição jurídica para os agentes administrativos em geral, o
dever de publicidade para todos os seus atos.
Perfilhando esse entendimento, CARDOZO define este princípio:
"Entende-se princípio da publicidade, assim,
aquele que exige, nas formas admitidas em
Direito, e dentro dos limites constitucionalmente
estabelecidos, a obrigatória divulgação dos
atos da Administração Pública, com o objetivo
de permitir seu conhecimento e controle pelos
órgãos estatais competentes e por toda a
sociedade"62.
A publicidade, contudo, não é um requisito de forma do ato administrativo,
"não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade. Por isso
mesmo os atos irregulares não se convalidam com a publicação, nem os regulares a
dispensam para sua exeqüibilidade, quando a lei ou o regulamento a exige".
No que tange à forma de se dar publicidade aos- atos da Administração,
tem-se afirmado que ela poderá dar-se tanto por meio da publicação do ato, como
62 CARDOZO, José Eduardo Martins. Princípios constitucinais da administração pública, São Paulo: Atlas, 1999, p. 179
94
por sua simples comunicação a seus destinatários.
É relevante observar, todavia, que também a publicação como as
comunicações não implicam que o dever de publicidade apenas possa vir a ser
satisfeito pelo comprovado e efetivo conhecimento de fato do ato administrativo por
seus respectivos destinatários. Deveras, basta que os requisitos exigidos para a
publicidade se tenham dado, nos termos previstos na ordem jurídica; e para o
mundo do Direito não interessará se na realidade fática o conhecimento da
existência do ato e de seu conteúdo tenha ou não chegado à pessoa atingida por
seus efeitos. Feita a publicação ou a comunicação dentro das formalidades devidas,
haverá sempre uma presunção absoluta da ciência do destinatário, dando-se por
satisfeita a exigência de publicidade. Salvo, naturalmente, se as normas vigentes
assim não determinarem.
Assim, se a publicação feita no Diário Oficiai foi lida ou não, se a
comunicação protocolada na repartição competente chegou ou não às mãos de
quem de direito, se o telegrama regularmente - recebido na residência do
destinatário chegou faticamente a suas mãos ou se eventualmente foi extraviado por
algum familiar, isto pouco ou nada importa se as formalidades legais exigidas foram
inteiramente cumpridas no caso.
Nesse sentido, afirma MELLO:
"O conhecimento do ato é um plus em relação
à publicidade, sendo juridicamente
desnecessário para que este se repute como
existente (...). Quando prevista a publicação do
ato (em Diário Oficial), na porta das repartições
(por afixação no local de costume), pode
ocorrer que o destinatário não o lera, não o
veja ou, por qualquer razão, dele não tome
efetiva ciência. Não importa. Ter-se-á cumprido
o que de direito se exigia para a publicidade, ou
seja, para a revelação do ato"63.
63 MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal Anotada, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 348
95
Caberá à lei indicar, pois, em cada caso, a forma adequada de se dar à
publicidade aos atos da Administração Pública. Normalmente, esse dever é satisfeito
por meio da publicação em órgão de imprensa oficial da Administração, entendendo-
se com isso não apenas os Diários ou Boletins Oficiais das entidades públicas, mas
também - para aquelas unidades da Federação que não possuírem tais periódicos -
os jornais particulares especificamente contratados para o desempenho dessa
função, ou outras excepcionais formas substitutivas, nos termos das normas legais e
administrativas locais.
Observe-se, porém, ser descabido, para fins do atendimento de tal dever
jurídico, como bem registrou Hely Lopes Meirelles, sua divulgação por meio de
outros órgãos de imprensa não escritos, como a televisão e o rádio, ainda que em
horário oficial, em decorrência da própria falta de segurança jurídica que tal forma de
divulgação propiciaria, seja em relação à existência, seja em relação ao próprio
conteúdo de tais atos.
Observe-se ainda que, inexistindo disposição normativa em sentido
oposto, tem-se entendido que os atos administrativos de efeitos internos à
Administração não necessitam ser publicado para que tenham por atendido seu
dever de publicidade. Nesses casos, seria admissível, em regra, a comunicação aos
destinatários. O dever de publicação recairá, assim, exclusivamente sobre os atos
administrativos que atingem a terceiros, ou seja, aos atos externos.
Temos, pois, que as formas pelas quais se pode dar publicidade aos atos
administrativos, nos termos do princípio constitucional em exame, serão
diferenciadas de acordo com o que reste expressamente estabelecido no Direito
Positivo, e em sendo omisso este, conforme os parâmetros estabelecidos na teoria
geral dos atos administrativos.
No que tange ao direito à publicidade dos atos administrativos, ou mais
especificamente, quanto ao direito de ter-se ciência da existência e do conteúdo
desses atos, é de todo importante observar-se que ele não se limita aos atos já
publicados, ou que estejam em fase de imediato aperfeiçoamento pela sua
publicação. Ele se estende, indistintamente, a todo o processo de formação do ato
administrativo, inclusive quanto a atos preparatórios de efeitos internos, como
despachos administrativos intermediários, manifestações e pareceres.
96
É assim que se costuma dizer que constituem desdobramentos do
princípio da publicidade o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu
interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral (art. 5.°, XXXIII, da CF), o
direito à obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e
esclarecimento de situações de interesse pessoal (art. 5.°, XXXIV, da CF), e.
naturalmente, o direito de acesso dos usuários a registros administrativos e atos de
governo (art. 37, § 3.°, II, da CF). Evidentemente, uma vez violados esses direitos
pelo poder público, poderão os prejudicados, desde que atendidos os pressupostos
constitucionais e legais exigidos para cada caso, valerem-se do hábeas data (art.
5.°, LXXII, da CF), do mandado de segurança (art. 5.°, LXX, da CF), ou mesmo das
vias ordinárias.
É de ponderar, contudo, que os pareceres só se tornam públicos após
sua aprovação final pela autoridade competente; enquanto em poder do parecerista
ainda é uma simples opinião que pode não se tornar definitiva. As certidões,
contudo, não são elementos da publicidade administrativa, porque se destinam a
interesse particular do requerente; por isso a Constituição só reconhece esse direito
quando são requeridas para defesa de direitos e esclarecimentos de situações de
interesse pessoal (art. 5.°, XXXIV, b).
É forçoso reconhecer, todavia, a existência de limites constitucionais ao
princípio da publicidade. De acordo com nossa Lei Maior, ele Jamais poderá vir a ser
compreendido de modo a que propicie a violação da intimidade, da vida privada, da
honra e da imagem das pessoas (art. 5.°, X, c/c. Art. 37, § 3.°, l, CF), do sigilo da
fonte quando necessário ao exercício profissional (art. 5.°, XIV, da CF), ou com
violação de sigilo tido como imprescindível à segurança da sociedade e do Estado
(art. 5.°, XXXIII, c/c. Art. 37, § 3.°, II, da CF).
Para finalizar, faz-se de extrema importância, perceber-se que o problema
da publicidade dos atos administrativos, nos termos do caput do art. 37 da
Constituição da República, em nada se confunde com o problema da divulgação ou
propaganda dos atos e atividades do Poder Público pelos meios de comunicação de
massa, também chamado - em má técnica — de “publicidade" pelo § 4.° desse
mesmo artigo. Uma coisa é a publicidade jurídica necessária para o aperfeiçoamento
dos atos, a se dar nos termos definidos anteriormente. Outra bem diferente é a
"publicidade" como propaganda dos atos de gestão administrativa e governamental.
A primeira, como visto, é um dever constitucional sem o qual, em regra, os atos não
97
serão dotados de existência jurídica. A segunda é mera faculdade da Administração
Pública, a ser exercida apenas nos casos previstos na Constituição e dentro das
expressas limitações constitucionais existentes.
Assim, afirma o § 1.° do art. 37:
"a publicidade dos atos, programas, obras,
serviços a campanhas dos órgãos públicos
deverá ter caráter educativo, informativo ou de
orientação social, dela não podendo constar
nomes, símbolos ou imagens que caracterizem
promoção pessoal de autoridades ou
servidores públicos"
Com isso, pretende esse dispositivo restringir de maneira clara a ação da
Administração Pública, direta e indireta, quanto à divulgação de seus atos de gestão
pelos meios de comunicação de massa. Inexistindo, na propaganda governamental,
o caráter estritamente educativo, informativo ou de orientação social, ou vindo dela
constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção de agentes
públicos, sua veiculação se dará em manifesta ruptura com a ordem jurídica vigente,
dando ensejo à responsabilização daqueles que a propiciaram.
4.3.4 Princípio da eficiência
O princípio da eficiência, outrora implícito em nosso sistema
constitucional, tornou-se expresso no caput do art. 37, em virtude de alteração
introduzida pela Emenda Constitucional nº 19.
É evidente que um sistema- balizado pelos princípios da moralidade de
um lado, e da finalidade, de outro, não poderia admitir a ineficiência administrativa.
Bem por isso, a Emenda nº 19, no ponto, não trouxe alterações no regime
constitucional da Administração Pública, mas, como dito, só explicitou um comando
até então implícito.
Eficiência não é um conceito jurídico, mas econômico. Não qualifica
normas, qualifica atividades. Numa idéia muito geral, eficiência significa fazer
98
acontecer com racionalidade, o que implica medir os custos que a satisfação das
necessidades públicas importam em relação ao grau de utilidade alcançado. Assim,
o princípio da eficiência, orienta a atividade administrativa no sentido de conseguir
os melhores resultados com os meios escassos de que se dispõe e a menor custo.
Rege-se, pois, pela regra de consecução do maior benefício com o menor custo
possível.
Discorrendo sobre o tema, sumaria MEIRELLES:
"Dever de eficiência é o que se impõe a todo
agente público de realizar suas atribuições com
presteza, perfeição e rendimento funcional. É o
mais moderno princípio da função
administrativa, que Já não se contenta em ser
desempenhada apenas com legalidade,
exigindo resultados positivos para o serviço
público e satisfatório atendimento das
necessidades da comunidade e de seus
membros"64.
De início, parece de todo natural reconhecer que a idéia de eficiência
jamais poderá ser atendida, na busca do bem comum imposto por nossa Lei Maior,
se o poder Público não vier, em padrões de razoabilidade, a aproveitar da melhor
forma possível todos os recursos humanos, materiais, técnicos e financeiros
existentes e colocados a seu alcance, no exercício regular de suas competências.
Neste sentido, observa CARDOZO:
"Ser eficiente, portanto, exige primeiro da
Administração Pública o aproveitamento
máximo de tudo aquilo que a coletividade
64 MEIRELLES, Hely Lopes. Curso de Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: RT, 1996, p. 531
99
possui, em todos os níveis, ao longo da
realização de suas atividades. Significa
racionalidade e aproveitamento máximo das
potencialidades existentes. Mas não só. Em
seu sentido jurídico, a expressão, que
consideramos correta, também deve abarcar a
idéia de eficácia da prestação, ou. de
resultados da atividade realizada. Uma atuação
estatal só será juridicamente eficiente quando
seu resultado quantitativo e qualitativo for
satisfatório, levando-se em conta o universo
possível de atendimento das necessidades
existentes e os meios disponíveis"65.
Tem-se, pois, que a idéia de eficiência administrativa não deve ser
apenas limitada ao razoável aproveitamento dos meios e recursos colocados à
disposição dos agentes públicos. Deve ser construída também pela adequação
lógica desses meios razoavelmente utilizados aos resultados efetivamente obtidos, e
pela relação apropriada desses resultados com as necessidades públicas existentes.
Estará, portanto, uma Administração buscando agir de modo eficiente
sempre que, exercendo as funções que lhe são próprias, vier a aproveitar da forma
mais adequada o que se encontra disponível (ação instrumental eficiente), visando
chegar ao melhor resultado possível em relação aos fins que almeja alcançar
(resultado final eficiente).
Desse teor, o escólio de CARDOZO:
"Desse modo, pode-se definir esse princípio
como sendo aquele que determina aos órgãos
e pessoas da Administração Direta e Indireta
que, na busca das finalidades estabelecidas
65 CARDOZO, José Eduardo Martins, Princípios Constitucionais da Administração Pública, São Paulo: Atlas, 1999, 191.
100
pela ordem jurídica, tenham umas ações
instrumentais adequadas, constituídas pelo
aproveitamento maximizado e racional dos
recursos humanos, materiais, técnicos e
financeiros disponíveis, de modo que possa
alcançar o melhor resultado quantitativo e
qualitativo possível, em face das necessidades
públicas existentes"66.
Seguindo essa linha de orientação, temos que, como desdobramento do
princípio em estudo, a Constituição procurou igualmente reforçar o sentido valorativo
do princípio da economicidade, que, incorporado literalmente pelo art. 70, caput, da
Carta Federal, nada mais traduz do que o dever de eficiência do administrador na
gestão do dinheiro público.
4.4 Outros princípios explícitos
4.4.1 Princípio da licitação
Licitação é um procedimento administrativo destinado a provocar
propostas e a escolher proponentes de contratos de execução de obras, serviços,
compras ou de alienações do Poder Público.
A Administração Pública tem o dever de sempre buscar, entre os
interessados em com ela contratar, a melhor alternativa disponível no mercado para
satisfazer os interesses públicos, para que possa agir de forma honesta, ou
adequada ao próprio dever de atuar de acordo com padrões exigidos pela probidade
administrativa. De outro lado, tem o dever de assegurar verdadeira igualdade de
oportunidades, sem privilegiamentos ou desfavorecimentos injustificados, a todos os
administrados que tencionem com ela celebrar ajustes negociais.
É dessa conjugação de imposições que nasce o denominado princípio da
licitação. Consoante, CARDOZO define este princípio:
66 CARDOZO, José Eduardo Martins. Princípios Constitucionais da Administração Pública, 1999, p. 191.
101
“De forma sintética, podemos defini-lo como
sendo aquele que determina como regra o
dever jurídico da Administração de celebrar
ajustes negociais ou certos atos unilaterais
mediante prévio procedimento administrativo
que, por meios de critérios preestabelecidos,
públicos e isonômicos, possibilite a escolha
objetiva da melhor alternativa existente entre as
propostas ofertadas pelos interessados.”67.
O art. 37, XXI, alberga o princípio nos termos seguintes:
"Ressalvados os casos especificados na
legislação, as obras, serviços, compras e
alienações serão contratados mediante
processo de licitação pública que assegure
igualdade de condições a todos os
concorrentes, com cláusulas que estabeleçam
obrigações de pagamento, mantidas as
condições efetivas da proposta, nos termos da
lei, o qual permitirá as exigências de
qualificação técnica e econômica
indispensáveis à garantia do cumprimento das
obrigações".
Temos, assim, o dever de licitar afirmado como um imperativo
constitucional imposto a todos os entes da Administração Pública, na conformidade
do que vier estabelecido em lei. A ressalva inicial possibilita à lei definir hipóteses
específicas de inexigibilidade e de dispensa de licitação.
Porém, cumpre ressaltar, finalmente, que a licitação é um procedimento
vinculado, ou seja, formalmente regulado em lei, cabendo à União legislar sobre
102
normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para a
Administração Pública, direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e
mantidas pelo Poder Público, nas diversas esferas de governo, e empresas sob seu
controle (art. 22, XXVII). Portanto, aos Estados, Distrito Federal e Municípios
compete legislar suplementarmente sobre a matéria no que tange ao interesse
peculiar de suas administrações.
4.4.2 Princípio da responsabilidade
O princípio em estudo encontra amparo no art. 37, § 6.°, da Constituição
Federal, cuja compostura verifica-se que:
"As pessoas jurídicas de direito público e as de
direito privado prestadoras de serviços públicos
responderão pelos danos que seus agentes,
nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa”
Assim, de imediata leitura desse texto resulta claro que todo agente
público que vier a causar um dana a alguém trará para o Estado o dever Jurídico de
ressarcir esse dano. Não importará se tenha agido com culpa ou dolo. O dever de
indenizar se configurará pela mera demonstração do nexo causal existente entre o
fato ocorrido e o dano verificado.
Destarte, a obrigação de indenizar é a da pessoa Jurídica a que pertence
o agente. O prejudicado terá que mover a ação de indenização contra a Fazenda
Pública respectiva ou contra a pessoa Jurídica privada prestadora de serviço
público, não contra o agente causador do dano. O princípio da impessoalidade vale
aqui também.
Impede ressalvar, todavia, que nem sempre as pessoas que integram a
Administração Pública encontram-se a exercer propriamente função pública. Por
vezes, no âmbito do que admite nossa Constituição, será possível encontrarmos
67 CARDOZO, José Eduardo Martins. Princípios Constitucionais da Administração Pública, São Paulo: Atlas, 1999, p. 202.
103
pessoas da Administração Indireta que não estejam exercendo tais tipos de
atividades, como é o caso, por exemplo, das empresas públicas e das sociedades
de economia mista para o exercício de atividade econômica (art. 173, da CF).
Nesses casos, naturalmente, eventuais danas- par essas empresas causados a
terceiros haverão de ser regrados pela responsabilidade subjetiva, nos termos
estabelecidos pela legislação civil. Exigirão, em princípio, a configuração da ação
dolosa ou culposa (negligente, imprudente ou imperita), para que tenha nascimento
o dever de indenizar.
O mesmo se poderá dizer, ainda, do agente que vier a causar dano
alguém fora do exercício da função pública. Nesse caso, por óbvio, não haverá de
ser configurada a responsabilidade objetiva predefinida no art. 37, § 6.°, de nossa
Lei Maior.
Entretanto, como pontifica MELLO:
“A responsabilidade objetiva só está
consagrada constitucionalmente para atos
comissivos do Estado, ou seja, para
comportamentos positivos- dele. Isto porque o
texto menciona “danos que seus agentes
causarem”; Assim, sendo condutas omissivas
só podem gerar responsabilidade ao Poder
Público quando demonstrada a culpa do
serviço”68.
No mais, é importante ressalvar que, embora a responsabilidade civil do
Estado para com os administradores seja objetiva, a responsabilidade dos agentes
públicos perante a Administração Pública é individuosamente subjetiva. Como
observa-se pelos próprios termos do citado art. 37, § °, o direito de regressa que
pode ser exercido contra aquele que causou o dano apenas se configurará "nos
casos de dolo ou culpa".
68 MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal Anotada, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 339.
104
4.4.3 Princípio da participação
O princípio da participação do usuário na Administração Pública foi
introduzido pela EC-19/98, com o novo enunciado do § 3.° do art. 37, que será
apenas reproduzido devido à sua efetivação ser dependente de lei.
Diz o texto:
"Art. 37, § 3.° A lei disciplinará as formas de
participação do usuário na administração
publica direta e indireta, regulando
especialmente:
l. - as reclamações relativas à prestação dos
serviços públicos em geral, asseguradas a
manutenção de serviços de atendimento ao
usuário e a avaliação periódica, externa e
interna, da qualidade dos serviços;
II - o acesso dos usuários a registros
administrativos e a informações sobre atos de
governo, observando o disposto no art. 5.°, X
(respeito à privacidade) e XXXIII (direito de
receber dos órgãos públicos informações de
seu interesse ou de interesse coletivo em
geral);
III - a disciplina da representação contra o
exercício negligente ou abusivo de cargo,
emprego ou função na administração pública."
4.4.4 Princípio da autonomia gerencial
O princípio da autonomia gerencial é regido pelo § 8.° do art. 37, da
Constituição Federal, introduzido pela EC - 19/98. Assim estabelece este dispositivo:
Art. 37, §- &.°. A Autonomia gerencial orçamentária e financeira dos
órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante
105
contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por
objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei
dispor sobre:
“I – o prazo de duração do contrato;
II - os controles e critérios de avaliação de
desempenho, direitos, obrigações e
responsabilidade dos dirigentes;
III – a remuneração do pessoal.”
Desta maneira, cria-se aqui uma forma de contrato administrativo
inusitado entre administradores de órgãos do poder público com o próprio poder
público. Quanto ao contrato das entidades não há maiores problemas porque
entidades são órgãos públicos ou para-públicos (paraestatais) com personalidade
Jurídica de modo que têm a possibilidade de celebrar contratos e outros ajustes com
o poder público, entendido poder da administração centralizada. Mas, os demais
órgãos não dispõem de personalidade jurídica para que seus administradores
possam, em seu nome, celebrar contrato com o poder público, no qual se inserem.
Consoante, SILVA discorre a respeito:
"Tudo isso vai ter que ser definido pela lei
referida no texto. A lei poderá outorgar
aos administradores de tais órgãos uma
competência especial que lhes permita celebrar
o contrato, que talvez não passe de uma
espécie de acordo programa. Veremos como o
legislador ordinário vai imaginar isso."69.
69 SILVA, José Afonso da Silva. Ação popular constitucional: doutrina e processo, São Paulo: RT, 1968, p. 137.
106
4.5 Princípios constitucionais implícitos
Além dos quatro citados princípios explicitamente abrigados pelo texto
constitucional, existem outros implicitamente agregados ao regramento
constitucional da Administração Pública. Vejamos:
4.5.1 Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado
A Administração Pública na prática de seus atos deve sempre respeitar a
lei e zelar para que o interesse público seja alcançado. Natural, assim, que sempre
que constate que um ato administrativo foi expedido em desconformidade com a lei,
OU que se encontra em rota de colisão com os interesses públicos, tenham os
agentes públicos a prerrogativa administrativa de revê-los, como uma natural
decorrência do próprio princípio da legalidade.
Desta maneira, discorre ARAÚJO:
"O princípio da supremacia do interesse público
sobre o privado, coloca os interesses da
Administração Pública em sobreposição aos
interesses particulares que com os dela
venham eventualmente colidir. Com
fundamento nesse princípio é que estabelece,
por exemplo, a auto tutela administrativa, vale
dizer, o poder da administração de anular os
atos praticados em desrespeito à lei, bem como
a prerrogativa administrativa de revogação de
atos administrativos com base em juízo
discricionário de conveniência e
oportunidade"70.
70 ARAÚJO, Marcos Valério de. O Tribunal de Contas da União e a República: uma análise de causas e efeitos. Revista do Tribunal de Contas da União, v. 21, nº 46, out/dez, 1990, p. 77
107
A respeito, deve ser lembrada a Súmula 473 do Supremo Tribunal
Federal, quando afirma que:
"a administração pode anular os seus próprios
atos, quando eivados de vícios que os tornem
ilegais, porque deles não se originam direitos,
ou revogá-los, por motivo de conveniência e
oportunidade; respeitados os direitos adquirido
e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial”.
108
4.5.2 Princípio da finalidade
Foi visto no exame do princípio da legalidade que a Administração Pública
só pode agir de acordo e em consonância com aquilo que, expressa ou tacitamente,
se encontra estabelecido em lei. Inegável, portanto, que sempre tenha dever
decorrente e implícito dessa realidade jurídica o cumprimento das finalidades
legalmente estabelecidas para sua conduta.
Disto deduz-se o denominado princípio da finalidade. Como bem observa
MELLO:
"Esse princípio impõe que o administrador, ao
manejar as competências postas a seu
encargo, alue com rigorosa obediência à
finalidade de cada qual. Isto é, cumpre-lhe
cingir-se não apenas à finalidade própria de
todas as leis, que é o interesse público, mas
também à finalidade específica obrigada na lei
a que esteja dando execução"71.
Enfim, o princípio da finalidade é aquele que imprime à autoridade
administrativa o dever de praticar o ato administrativo com vistas à realização da
finalidade perseguida pela lei.
Evidentemente, nessa medida, que a prática de um ato administrativo in
concreto com finalidade desviada do interesse público, ou fora da finalidade
específica da categoria tipológica a que pertence, implica vício ensejador de sua
nulidade. A esse vício, como se sabe, denomina a doutrina: desvio de poder, ou
desvio de finalidade.
Concluindo, essas considerações querem apenas mostrar que o princípio
da finalidade não foi desconsiderado pelo legislador constituinte, que o teve como
manifestação do princípio da legalidade, sem que mereça censura por isso.
71 MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 345
109
4.5.3 Princípio da razoabilidade e da proporcionalidade
Na medida em que o administrador público deva estrita obediência à lei
(princípio da legalidade) e tem como dever absoluto a busca da satisfação dos
interesses públicos (princípio da finalidade), há que se pressupor que a prática de
atos administrativos discricionários se processe dentro de padrões estritos de
razoabilidade, ou seja, com base em parâmetros objetivamente racionais de atuação
e sensatez.
Deveras, ao regular o agir da Administração Pública, não se pode supor
que o desejo do legislador seria o de alcançar a satisfação do interesse público pela
imposição de condutas bizarras, descabidas, despropositadas ou incongruentes
dentro dos padrões dominantes na sociedade e no momento histórico em que a
atividade normativa se consuma. Ao revés, é de se supor que a lei tenha a coerência
e a racionalidade de condutas como instrumentos próprios para a obtenção de seus
objetivos maiores.
Dessa noção indiscutível, extrai-se o princípio da razoabilidade: em boa
definição, é o princípio que determina à Administração Pública, no exercício de
faculdades, o dever de atuar em plena conformidade com critérios racionais,
sensatos e coerentes, fundamentados nas concepções sociais dominantes.
Perfilhando este entendimento, sustenta MELLO:
"Enuncia-se com este princípio que a
administração, ao atuar no exercício de
discrição, terá de obedecer a critérios
aceitáveis do ponto de vista racional, em
sintonia com o senso normal de pessoas
equilibradas e respeitosas das finalidades que
presidam a outorga da competência
exercida”72.
72 MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal Anotada, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 347
110
A nosso ver, dentro do campo desse princípio, deve ser colocada, de que
diante do exercício das atividades estatais, o "cidadão tem o direito à menor
desvantagem possível". Com efeito, havendo a possibilidade de ação discricionária
entre diferentes alternativas administrativas, a opção por aquela que venha a trazer
consequências mais onerosas aos administrados é algo inteiramente irrazoável e
descabido.
Como desdobramento dessa idéia, afirma-se também o princípio da
proporcionalidade, por alguns autores denominado princípio da vedação de
excessos. Assim, pondera MELLO:
"Trata-se da idéia de que as consequências
administrativas só podem ser validamente
exercidas na extensão e intensidades
proporcionais ao que realmente seja
demandado para cumprimento da finalidade de
interesse público a que estão atreladas"73.
Em outras palavras: os meios utilizados ao longo do exercício da atividade
administrativa devem ser logicamente adequados aos fins que se pretendem
alcançar, com base em padrões aceitos pela sociedade e no que determina o caso
concreto.
Segundo STUMM, esse princípio reclama a certificação dos seguintes
pressupostos:
a. Conformidade ou adequação dos meios, ou
seja, o ato administrativo deve ser adequado
aos fins que pretende realizar;
b. Necessidade, vale dizer, possuindo o agente
público mais de um meio para atingir a mesma
finalidade, deve optar pelo menos gravoso à
esfera individual;
73 MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal Anotada, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 351
111
c. Proporcionalidade estrita entre o resultado
obtido e a carga empregada para a consecução
desse resultado.74
Por conseguinte, o administrador público não pode utilizar instrumentos
que fiquem aquém ou se coloquem além do que seja estritamente necessário para o
fiel cumprimento da lei.
Assim sendo, sempre que um agente público assumir conduta
desproporcional ao que lhe é devido para o exercício regular de sua competência,
tendo em vista as finalidades legais que tem por incumbência cumprir, poderá
provocar situação ilícita passível de originar futura responsabilidade administrativa,
civil e, sendo o caso, até criminal.
74 STUMM, Raquel Denize. Princípio da proporcionalidade no direito constitucional brasileiro, Porto Alegre: Livraria do advogado, 1995, p. 213
112
CAPÍTULO V
A LÓGICA DO PODER
SUMÁRIO: 5.1 “AUCTORITAS’’ : UMA
INVENÇÃO ROMANA: A SEPARAÇÃO
ROMANA ENTRE PODER (POTESTAS) E
AUTORIDADE (AUCTORITAS) 5.2
SOBERANIA E VALIDADE NORMATIVA: A
CONSTRUÇÃO DO PODER NO ESTADO DE
DIREITO 5.3 PODER, CORRUPÇÃO E
PUBLICIDADE.
5.1 “AUCTORITAS:” Uma invenção romana: a separação entre poder (potestas) e
autoridade (auctoritas)
Para que exista poder, necessário e faz a existência de lei, tendo como
fundamento o conceito de validade. Para Bisol, este conceito “é uma depuração
unilateral e juridicista da idéia de soberania, onde o fenômeno do poder político
deixa de ser reconhecido como fundamento do direito”75.
Pela Peithó, como arte da persuassão inventada pelos gregos, que tinha
como pressuposto a igualdade dos participantes nas decisões políticas da pólis, não
tinham muito claro a questão da autoridade. Não havia, na grécia clássica, distinção
clara entre poder e autoridade. Coube aos romanos fazerem essa separação
levando-os a romperem o pressuposto da igualdade no exercício da liberdade
política. Sem destruir o espaço público criado pelos gregos, os romanos
estabeleceram a hierarquia pressuposta pela autoridade com a cisão entre
governantes e governados.
A palavra e o conceito de autoridade são de origem romana. Os gregos
desconheciam não só o conceito de autoridade como também o tipo de governo que
ela implica.
75 BISOL, Jairo. Tese de Doutoramento: O vazio e o inacabado da lei: para uma teoria fragmentária do direito, Brasília: 2004, pág. 161.
113
Platão e Aristóteles, mesmo de forma diversa, mas a partir das mesmas
experiências políticas buscaram um modelo de autoridade a partir da vida pública da
Polis grega.
Platão não demorou a descrer da persuassão como instrumento de guia
dos homens. Essa desilusão veio logo após a morte de Sócrates. Para ele era
preciso algo que buscasse a compelí-los, mesmo sem o uso de meios externos de
violência.
Para Hannat Arendt, “a despeito da grandeza da filosofia política grega,
pode-se duvidar que ela tivesse perdido seu inerente caráter utópico se os romanos,
em sua infatigável procura pela tradição e autoridade, não houvessem decidido
encampá-la e reconhecê-la como autoridade suprema em todas as matérias de
teoria e de pensamento”76
A autoridade teve origem na experiência dos mais velhos. “Aqueles que
eram dotados de autoridade eram os anciãos, o senado ou os patres, os quais
obtinham por descendência e transmissão (tradição) daqueles que haviam lançado
as fundações de todas as coisas futuras, os antepassados chamados pelos romanos
de maiores”77
A igreja católica romana teve papel determinante na separação entre
poder e autoridade, por constituir-se como termo crucial da teoria politica.
O conceito político de autoridade foi amalgamado pela igreja católica a
partir da incorporação da filosofia grega na estrutura de suas doutrinas e crenças
dogmáticas.
“A autoridade em contraposição ao poder (potestas) tinha suas raízes no
passado, mas esse passado não era menos presente na vida real da cidade que o
poder e a força dos vivos”78.
A separação ente autoridade e poder deu-se efetivamente, no século V,
quando a igreja caminhou para a carreira política reivindicando para si o papela de
autoridade. Essa autoridade não poderia se sustentar sem a tríade romana –
religião, autoridade e tradição – principalmente a tradição pelo seu papel em
preservar o passado. “Enquanto essa tradição fosse ininterrupta, a autoridade
76 ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro, 5ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 2002, pp. 161-162 77 Idem, p. 164. 78 Idem, p. 164.
114
estaria intata; e agir sem autoridade e tradição, sem padrões e modelos aceitos e
consagrados pelo tempo, sem o préstimo da sabedoria dos pais, fundadores, era
inconcebível.”79.
Cada peça dessa tríade tem seu papel. O da religião, por exemplo,
baseada na fé, domina o “ser” pelo dogma da redenção dos pecadores, promessa
do céu e livramento do inferno para os arrependidos dos pecados na terra. O mito do
invisível.
A versão platônica da doutrina da existência do céu foi incorporada pela
igreja católica como uma das suas crenças dogmáticas. Essa crença serviu para
submeter o “ser” a temer o pós morte. O mito platônico do céu, narrado em A
República, é o seguinte:
“Er, o armênio, panfílio de nascimento. Tendo
morrido em combate, andavam a recolher, ao
fim de dez dias, os mortos já putrefatos,
quando o retiraram em bom estado de saúde.
Levaram-no para casa para lhe dar sepultura e,
quando, ao décimo dia, jazia sobre a pira,
tornou à vida e narrou o que vira no além.
Contava ele que, depois que saíra do corpo, a
sua alma fizera caminho com muitas, e haviam
chegado a um lugar divino, no qual havia, na
terra, duas aberturas contíguas uma à outra, e
no céu, lá em cima, outras em frente a estas.
No espaço entre elas, estavam sentados juízes
que, depois de pronunciarem a sua sentença,
mandavam os justos avançar pelo caminho à
direita, que subia para o céu, depois de lhes
terem atado à frente a nota do seu julgamento;
ao passo que, aos injustos, prescreviam que
tomassem à esquerda, e para baixo, levando
79 ARENDT, Hannah. Entre o futuro e o passado, 5ª edição, São Paulo: Editora Perspectiva, 2002, p. 166.
115
também a nota de tudo quanto haviam feito.
Quando se aproximou, disseram-lhe que ele
devia ser o mensageiro, junto dos homens, das
coisas do além, e ordenaram-lhe que ouvisse e
observasse tudo o que havia naquele lugar.
Ora, ele viu que ali, por cada uma das
aberturas do céu e da terra, saíram as almas,
depois de terem sido submetidas ao
julgamento, ao passo que pelas restantes, por
uma subiam as almas que vinham da terra,
cheias de lixo e de pó, e por outras desciam as
almas do céu, em estado de pureza. E as
almas, à medida que chegavam, pareciam vir
de uma longa travessia e regozijavam-se por
irem para o prado acampar, como se fosse
uma panegíria; as que se conheciam,
cumprimentavam-se mutuamente, e as que
vinham da Terra faziam perguntas às outras
sobre o que se passava no além, e as que
vinham do céu, sobre o que sucediam na terra.
Umas, a gemer e a chorar, recordavam
quantos e quais sofrimentos haviam suportados
e visto na sua viagem por baixo da terra,
viagem essa que durava mil anos, ao passo
que outras, as que vinham do céu, contavam
suas deliciosas experiências e visões de uma
beleza indescritível80.
Assim como o poder a autoridade não deixa de ser um instrumento de
dominação, ou mesmo de poder. É uma espécie de poder em que os dominados
prestam uma obediência incondicional. “Dentro dessa concepção, temos autoridade
80 Platão. A República, tradução de Pietro Nassetti, São Paulo: Martin Claret, 2004, pp 313-314
116
quando o sujeito passivo da relação do poder adota como critério de comportamento
as ordens ou diretrizes do sujeito ativo sem avaliar propriamente o conteúdo das
mesmas”81.
A autoridade é uma relação de poder, durável, continuativo no tempo. Na
família, o poder dos pais sobre os filhos; na escola, o poder do mestre sobre os
alunos; na igreja, o poder do pároco sobre os fiéis, etc.
Em contraponto à autoridade está o poder. Poder do homem sobre o
homem, este, é não só o sujeito mas também o objeto do poder social.
Para Hobbes, “o poder de um homem (universalmente considerado)
consiste nos meios de que dispõe para alcançar, no futuro, algum bem evidente, que
pode ser tanto original (natural) como instrumental.82
Por poder natural Hobbes identifica, entre outras, a faculdade da força, da
prudência, da habilidade. Essas faculdades servem como meio para alcançar o
poder instrumental materializado pela reputação, riqueza, conquista de amigos, etc.
Para que haja poder é preciso que haja indivíduo ou grupo de pessoas
que se subordine a este. É uma relação entre pessoas. Uns, mandam; outros,
obedecem. Esta relação se dá de várias maneiras: pela coação ou pela persuassão.
Voltando a Hobbes, o mesmo afirma que “nobreza é poder, não em
qualquer lugar, mas sim nos Estados em que ela é privilegiada: nesses privilégios
reside o poder.”83
Para que serve o poder? Uns, utilizam-no a serviço do bem comum;
outros, em benefício próprio.
Nas palavras de Hobbes, o poder serve como meio de alcançar alguma
aparente vantagem futura. Esta definição dá margem à várias interpretações. Sendo
uma relação entre homens, o exercício do poder se dá de várias maneiras. Pode ser
exercido por meio de instrumentos ou de coisas. Os recursos são numerosos:
“riqueza, força, informação, conhecimento, prestígio, legitimidade, popularidade,
amizade, assim como ligações íntimas com pessoas que têm altas posições de
poder.”84.
81 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política, Brasília: UNB, 1986, p. 88. 82 HOBBES, Thomas. Leviatã, ou, a matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil, São Paulo: Ícone, 2000, p. 70 83 Idem, p 71
117
O fato de existir esse leque de opções à disposição de quem detém o
poder pode não ser o suficiente se o mandatário não souber manuseá-las. “depende
também da habilidade pessoal de converter em Poder os recursos à sua
disposição”85.
Para Bisol, “Todo poder encerra-se num feixe de competências jurídicas e
de procedimentos determinados pelo próprio Direito”86.
5.2 Soberania e validade normativa: a construção do Poder no Estado de Direito
Como fundamento da comunidade política e pivô sobre o qual se move o
Estado, a Soberania, como poder de mando é elemento coordenador do qual
dependem os Magistrados, as leis e ordenações.
Indicando poder de mando em última instância numa sociedade
politicamente organizada, a Soberania é elemento de racionalização jurídica do
Poder, estando, a mesma, visceralmente ligada ao poder político de Estado, embora
independente deste. Essa racionalização jurídica do Poder é dada na transformação
da força em Poder legítimo; do Poder de fato em Poder de direito.
Jairo Bisol, em sua tese de doutorado, assegura que “ela é fundamento
de validade” de todo e qualquer ato estatal (Legislativo, Judicial ou
Administrativo)”87.
O conceito de Soberania foi construído aos poucos, a partir do século XI.
Nasce da disputa pelo poder político envolvendo o Papa e o Imperador germânico.
Foi também um momento de afirmação dos Monarcas nacionais na esteira dos
conflitos entre aquelas duas autoridades.
Observa-se quanto às Monarquias nacionais que, “quando tinham de
responder às pretensões imperiais, utilizaram abundantemente as bulas papais que
afirmavam a equivalência entre a posição do Imperador e a dos Reis; e quando
precisavam contestar a interferência papal, recorriam aos textos dos civilistas, que
84 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política, Brasília: UNB, 1986, p. 937. 85 Idem, p. 937. 86 BISOL, Jairo. Tese de Doutoramento: O vazio e o inacabado da lei: para uma teoria fragmentária do direito, Brasília: 2004, pág. 161. 87 Idem, pág. 161.
118
forneciam vários argumentos contrários às intenções do Sumo Pontífice”88.
O imperador, no final do período medieval, representava muito mais uma
referência teórica do que uma força política propriamente relevante, resultado,
principalmente, da disputa de jurisdição entre aquele poder e as monarquias
nacionais.
Um fato bastante ilustrador dessa disputa ocorreu entre o imperador
Henrique VII, e o rei napolitano, Roberto I, pela supremacia política no reino da
Sicília: “O imperador exigia o reconhecimento de sua jurisdição sobre o reino
napolitano. Roberto I, apoiado pelos seus juristas, negou esse direito e resistiu às
forças imperiais. Acusado de traição, foi citado, mas não compareceu ao tribunal de
Pisa, sendo então condenado por crime de lesa-majestade. Como o reino da Sicília
era feudo do Papado, Roberto I levou o caso à corte papal. Em 1313, Clemente V,
na decretal Pastoralis cura, sustentou que o rei napolitano não reconhecia superior
em seu território e que, por isso, não podia ser citado ante o tribunal de outro rei ou
mesmo do imperador, cujo poder não era universal, restringindo-se aos territórios
reconhecidamente do Império.”89.
É na acumulação das funções de elaboração e aplicação do direito que
nasce a idéia de soberania associada ao perfil do legítimo governante, este,
amparado no poder de julgar e punir, ditando e impondo coativamente as normas
deste direito. “Os atos de governo confundiam-se com o exercício da jurisdição.”90.
Somente no final do século XVI, o conceito de Soberania aparece com
sua significação moderna, para indicar, em toda sua plenitude , o poder estatal,
sujeito único e exclusivo da política, quando trata “do conceito político-jurídico que
possibilita ao Estado moderno, mediante sua lógica absolutista interna, impor-se à
organização medieval do poder, baseada, por um lado, nas categorias e nos
Estados, e, por outro, nas duas grandes coordenadas universalistas representadas
pelo papado e pelo império.”91.
A soberania tem duas faces: a interna e a externa. “A nível externo o
soberano encontra nos outros soberanos seus iguais, achando-se
conseqüentemente numa posição de igualdade, enquanto a nível interno, o
88 BARROS, Alberto Ribeiro. A teoria da sabedoria de Jean Bodin, São Paulo: Unimarco, 2001, p. 189. 89 Idem, p. 189. 90 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, Brasília: UNB, 1986, p. 1179. 91 Idem, p. 1179.
119
soberano se encontra numa posição de absoluta supremacia, uma vez que tem
abaixo de si os súditos, obrigados à obediência”92.
Em se tratando da essência da soberania há uma discussão divergente
entre Jean Bodin, Thomas Hobbes e Rousseau.
Para o primeiro jurista a essência da soberania é identificada no “poder de
fazer e de anular as leis.”93.
Os outros poderes resumem-se a estes dois como força de coesão capaz
de manter unida toda a sociedade.
Thomas Hobbes,como cientista político, defendeu que a essência da
soberania não está no poder de fazer e de anular as leis, mas no momento de sua
execução, como meio adequado ao fim, o de fazer obedecer.
“A universalidade destas duas posições, se levada ao extremo, poderia
conduzir ou a um direito sem poder ou a um poder sem direito, quebrando assim
aquele delicado equilíbrio entre força e direito”94.
Já para Rousseau, “a essência da soberania está na indivisibilidade da
vontade geral do povo, formando um corpo só”95.
Para ele, “ou é a do corpo do povo, ou somente de uma parte. No primeiro
caso, essa vontade declarada é um ato de soberania e faz lei; no segundo, não
passa de uma vontade particular ou de um ato de magistratura, quando muito de um
decreto”96.
A soberania é dotada de algumas características: É absoluta, por não
estar submetida às limitações da leis. A condição de estar relacionada diretamente
ao poder, torna-a absoluta; por ser indisponível, é inalienável; por ser una, é
indivisível.
Quanto ao poder, na construção do Estado de Direito, ao contrário da
soberania, necessário se faz a existência de lei, tendo como fundamento o conceito
de validade. Para Bisol, este conceito “é uma depuração unilateral e juridicista da
idéia de soberania, onde o fenômeno do poder político deixa de ser reconhecido
92 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política, Brasília: UNB, 1986, p. 1180. 93 Jean Bodin, apud, BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política, Brasília: UNB, 1986, p. 1180. 94 Jean Bodin, apud, BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política, Brasília: UNB, 1986, p. 1180. 95 ROUSSEAU, Jean-Jaques. Do contrato social, tradução de Lourdes Santos, São Paulo: Editora, 1985, p. 44. 96 Idem, p. 44.
120
como fundamento do direito.”97
5.3 PODER, CORRUPÇÃO E PUBLICIDADE: O MITO DO ANEL DE GIGES
Kimberly Ann Ellion, em sua obra “A corrupção e a economia” aponta a
fórmula da corrupção como sendo: Corrupção=Monopólio+poderes-Prestação de
Contas98.
Uma pesquisa do arqueólogo Ahmad Salen mostrou em agosto de 2002
que, durante o Reino Novo Egípcio (1570 a 1070 a. C.) um processo contra os
assaltantes de outro e jóias de uma tumba foi interrompido quando as investigações
chegaram a alto funcionários do governo. Segundo Saleh, apenas cidadãos comuns
foram punidos99.
Esse exemplo ilustra ser, a corrupção, um problema milenar revelando
também estar, a mesma, associada ao poder público. Onde há poder, há corrupção.
É na relação do setor público com o setor privado onde ela mais acontece.
Os representantes governamentais encarregados da privatização de bens
públicos podem se tornar magnatas instantâneos ao vendê-los aqueles bens a
baixos preços em troca de propina, a exemplo do que aconteceu com a recente
onde de privatizações no Brasil o que levou o Ministério Público Federal a conseguir
suspender, por via judicial, leilões para vendas de várias empresas públicas porque
as mesmas estavam avaliadas por preço muito abaixo do que verdadeiramente
valiam.
O elo entre dinheiro (corrupção) e política (poder) é profundo e recebe
tratamento diferenciado nas diversas esferas do poder público (Federal, Estadual,
Municipal)
No Brasil, nem a própria Corte de Contas (TCU) que, em tese, trabalha
para evitar a malversação do dinheiro público, escapou da ação dessa erva
maldita,que é a corrupção.
97 BISOL, Jairo. Tese de Doutoramento: O vazio e o inacabado da lei: para uma teoria fragmentária do direito, Brasília: 2004, pág. 161. 98 ELLIOTT, Kimberly Anny. A corrupção e a economia global, tradução de Marsel Nascimento Gonçalves, Brasília: Editora UNB, 2002, p. 263. 99 Revista “Aventuras na História”, edição de outubro de 2004, São Paulo: Editora Abril, p. 23.
121
Resultado da mais recente investigação da Polícia Federal, em Brasília,
foi desbaratada uma quadrilha que agia dentro do próprio Tribunal de Contas para
beneficiar empresas prestadoras de serviços terceirizados de segurança e
conservação.
O trabalho era feito na manipulação de licitações envolvendo funcionários
de escalão superior daquela Corte, liderado pelo seu Diretor Geral.
Para Michael Johnston, “a corrupção suscita questões políticas importante
acerca das relações entre Estrado e sociedade e entre riqueza e o poder”100.
A ocorrência se dá entre grupos de interesses e é caracterizada por fortes
interesseis privados, por elites acessíveis e por competição política e econômica. A
riqueza é usada para obtenção de influência política, o que resulta em corrupção da
elite. A hegemonia da elite é caracterizada por elites arraigadas no poder, cuja
competição política limitada vende acesso político e enriquece a si própria e a seus
aliados políticos e comerciais.
“A corrupção não é algo que acontece em uma sociedade como um
desastre natural. Trata-se de atividade de pessoas e de grupos reais è medida que
traficam influências em um dado ambiente de oportunidades, de recursos e de
limitações101.
A corrupção se dá de várias formas, todas ligadas ao exercício do poder:
Nas licitações públicas, para fornecimento de bens e serviços ao governo, quando
são direcionadas para favorecer a determinados grupos econômicos ou mesmo a
empresas de parentes com representantes no governo; na destinação de verbas
públicas para entidades-fantasma,a título de doação; Na concessão de empréstimos
subsidiados, incentivos fiscais especiais e outros subsídios para empresas de
“amigos”; em decisões políticas para favorecimento de certos grupos econômicos.
Mas é no processo de licitação pública e nos contratos esse tipo de ação
contra a administração pública ocorre por vários motivos, entre os quais,. pelos
escassos controles das ações dos administradores públicos, pela deficiência da
visibilidade e pela certeza que os infratores têm da impunidade.
100 JOHNSTON, Michael. A Corrupção e a economia global, tradução de Marsel Nascimento Gonçalves de Souza, Brasília: Editora UNB, 2002, p. 103. Essa relação não se dá de forma transparente. É feita de forma mais sigilosa possível. 101 Idem, p. 103.
122
“O administrador estabelece, nos editais, a possibilidade de participação
de empresas em licitações. Por meio da definição de condições especiais
(financeiras e pseudotécnicas), ele exclui a maioria das potenciais concorrentes e
“fecha” a possibilidade de participação de um subconjunto de empresas. Se
questionado quanto aos critérios que usa para isso, responde que são definidos em
função do “interesse público”102.
A debilidade de mecanismos de controle e auditoria resulta em
impunidade e conseqüente estímulo à perpetuação de práticas corruptas.
O invisível que encobre a definição dos critérios nas licitações, fatores
bastante subjetivos, é resultado da ineficiência da fiscalização dos Tribunais de
Contas, em particular o Tribunal de Contas da União quando se trata de licitação na
esfera federal.
Essa invisibilidade, controverso da publicidade, é um dos elementos
incrementador da prática de favorecimento de empresas nas licitações.
Nesses casos, a publicidade como princípio da administração pública, é
ignorada em prejuízo do Estado.
102 ABRAMO, Cláudio Weber. Caminhos da transparência, São Paulo: Editora Unicamp, 2002, pp 107-108.
123
CAPITULO VI
O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO COMO PROTAGONISTA NO CONTROLE E
NA PREVENÇÃO À CORRUPÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA
Sumário: 6.1 Instrumentos à disposição do
TCU para controle e prevenção da corrupção
no Brasil: 6.1.1 Função fiscalizadora 6.1.2
Função judicante 6.1.3 Função sancionadora
6.1 Instrumentos à disposição do TCU para controle e prevenção da corrupção no
Brasil
No esforço visando coibir a corrupção no País, embora suas diligências
não sejam imperativas, porque seu poder limita-se a aplicar multas que depende da
prestação jurisdicional para sua execução e de representar ao Poder competente as
irregularidades apuradas, para isso, o Tribunal desenvolve diversas atividades como
fiscalizar os atos de quem tem sob sua responsabilidade dinheiros, bens e valores
públicos da administração direta e indireta, incluindo as fundações e as sociedades
instituídas e mantidas pelo Poder Público Federal; julgar as contas daqueles que
derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao
erário; como também a função sancionadora manifestada na aplicação aos
responsáveis das sanções previstas na Lei Orgânica do Tribunal (Lei 8.443/92), em
caso de ilegalidade de despesa ou de irregularidade de contas.
Passa-se a discorrer sobre cada uma dessas atividades desenvolvidas
pelo Tribunal de Contas da União.
6.1.1 Função fiscalizadora
Esta função compreende a realização de auditorias e inspeções, e o
acompanhamento de programas governamentais em órgãos e entidades federais,
por iniciativa própria, por solicitação do Congresso Nacional ou para apuração de
denúncias.
A auditoria é o instrumento de fiscalização para examinar a legalidade e a
legitimidade dos atos de gestão, quanto ao aspecto contábil, financeiro,
124
orçamentário e patrimonial bem como avaliar o desempenho dos órgãos, entidades,
programas e atividades governamentais, quanto aos aspectos de economicidade,
eficiência e eficácia.
A inspeção é o instrumento de fiscalização utilizado para suprir omissões
e lacunas de informações, esclarecer dúvidas ou apurar denúncias ou
representações quanto à legalidade, à legitimidade, e à economicidade de fatos da
administração e dos atos administrativos. Além das auditorias e das inspeções o
Regimento interno do TCU prevê três outros instrumentos de fiscalização:
levantamento, acompanhamento e monitoramento.
O levantamento tem por objetivo conhecer a organização, o
funcionamento e a forma de atuação dos órgãos da administração pública, assim
como dos sistemas, programas, projetos e atividades governamentais.
Por meio do acompanhamento, o Tribunal avalia o desempenho dos
órgãos e entidades jurisdicionados, assim como dos sistemas, programas, projetos e
atividades governamentais, quanto aos aspectos de economicidade, eficiência e
eficácia dos atos praticados.
O monitoramento é o instrumento de fiscalização utilizado para verificar o
cumprimento das deliberações e os resultados delas advindas.
6.1.2 Função judicante
Por determinação constitucional, o Tribunal de Contas da União, julga as
contas dos administradores públicos e demais responsáveis por dinheiros, bens e
valores públicos da administração direta e indireta, incluindo as fundações e as
sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público Federal, e as contas daqueles
que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao
erário.
Nos julgamentos dessas contas pelo TCU são proferidas as seguintes
decisões:
CONTAS REGULARES - quando expressarem
a exatidão dos demonstrativos contábeis, a
legalidade, a legitimidade e a economicidade
dos atos de gestão do responsável; neste caso,
125
o Tribunal confere quitação plena;
CONTAS COM RESSALVA – quando as
contas evidenciarem impropriedade ou
qualquer outra falta de natureza formal de que
não resulte dano ao erário; nesta hipótese, o
Tribunal confere quitação ao responsável, com
determinação de correção das falhas;
CONTAS IRREGULARES – quando
comprovada alguma das seguintes ocorrências:
omissão no dever de prestar contas; prática de
ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico
ou com infração à norma legal ou
regulamentar; dano ao erário decorrente de ato
de gestão ilegitimo ou antieconômico e
desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou
valores públicos;
6.1.3 Função sancionadora
A função sancionadora manifesta-se na aplicação aos responsáveis das
sanções previstas na Lei Orgânica do Tribunal (Lei 8.443/92), em caso de
ilegalidade de despesa ou de irregularidade de contas.
Essa sanções podem compreender, isoladamente ou cumulativamente:
(1) aplicação, ao agente público, de multa proporcional ao valor do prejuízo causado
ao erário, constituindo o montante do dano o limite máximo da penalidade; (2) a
cominação de multa ao responsável por contas julgadas irregulares, por ato
irregular, ilegítimo ou antieconômico, por não-atendimento de diligência ou
determinação do Tribunal, por obstrução ao livre exercício de inspeções ou
auditorias e por sonegação de processo, documento ou informação; (3) declaração
de inabilitação, pelo período de cinco a oito anos, para exercício de cargo em
comissão ou função de confiança no âmbito da administração pública; (4) declaração
de inidoneidade do responsável, por fraude em licitação, para participar, por até
cinco anos, de certames licitatórios promovidos pela administração pública.
126
CONCLUSÃO
O Tribunal de Contas da União, instituído pela Constituição Federal
republicana de 1891, com o nome de Tribunal de Contas, mantendo o sistema
aprovado pelo texto do Decreto nº 966-A, desde o início de seus trabalhos sofreu
fortes resistências à sua perfeita atuação, por parte de muitos poderosos que se
beneficiavam do caixa do Governo a ponto de seu criador, Rui Barbosa, em
conferência proferida na Bahia, no Teatro Politeano, no curso das discussões sobre
a necessidade de criação dessa Corte de Contas, sob o título “a corrupção política”,
Rui Barbosa assim se desabafou:
“Quando o Governo abole a concorrência,
entrega as suas obras a um só empreiteiro, e o
detentor desse monopólio admirável outorga o
privilégio de ser o único credor público
pontualmente embolsado, claro está, que há
furos na caixa. Logo, senhores, há ladrões”103.
O “Águia de Haia”, não desabafou à toa. Já naqueles idos, como
acontece “hoje”, a corrupção já campeava o Poder Público.
Para Rui Barbosa, a recém criada República precisava dar um basta nos
desmandos com os recursos públicos, no que pretendia fazer este jurisconsulto, com
a criação do Tribunal de Contas.
Embora na exposição de motivos assinada por Rui Barbosa para a
criação do Tribunal, figurasse, entre outras, como atribuições, julgar as contas dos
responsáveis, condenando-os ou expedindo quitação, conforme o caso, a
Constituição de 1891, não fez alusão ao julgamento das contas dos responsáveis, e
ainda, aqueles constituintes delegaram ao Presidente da República o poder de
nomear os Ministros para o Tribunal, ou seja, um sutil artifícil de controle dos
Ministros daquela Corte por parte do Poder Executivo.
103 BARBOSA, Rui, apud, GUIMARÃES, Fernando Augusto Mello. Rui: uma visão do controle do dinheiro público - uma análise contemporânea, Brasília: TCU, 2000, p. 114.
127
A criação do Tribunal de Contas não evitou que a corrupção continuasse
campeando o poder público mesmo porque essa Corte de Contas não foi criado
para fiscalizar o emprego do dinheiro público com honestidade mas para fazer o
balanço das contas de receita e despesa e verificação da legalidade das mesmas.
A Constituição Federal de 1934, no seu artigo 99, ampliou as atribuições
daquela Corte de Contas, passando, a mesma, a julgar as contas dos responsáveis
por dinheiros ou bens públicos, mas sem estabelecer quaisquer sanções àqueles
que, por um ou outro motivo, causasse dano ao erário público. Seus ministros
continuaram a ser escolhidos pelo Presidente de República, numa clara
demonstração de controle sobre os mesmos, assim sucedendo nas constituições de
1937, 1946, 1967.
Nesta última Constituição, o parágrafo 4º, do artigo 73, prescreve que o
Tribunal representará ao Poder Executivo e ao Congresso nacional sobre
irregularidades e abusos por ele verificados, numa sinalização de que algum
administrador da coisa pública pudesse vir a ser punido em caso de constatação de
irregularidades ou abusos na administração dos bens públicos.
Foi uma sinalização irônica, porque seus ministros continuavam a ser
escolhidos pelo Presidente de República depois da escolha aprovada pelo Senado
Federal. Que liberdade teriam aqueles ministros para representar contra “altos”
figurões da República por acusações referentes à irregularidades praticadas por
estes?
A Constituição de 1969, não trouxe nenhuma alteração quanto ao tema
da independência de seus Ministros.
Com o advento da Carta Constitucional de 1988, denominada pelo então
Deputado Ulisses Guimarães de “Constituição Fiscalizadora”, o Tribunal de Contas
da União teve sua jurisdição e competência substancialmente ampliadas. Recebeu
poderes para, no auxílio ao Congresso nacional, exercer a fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da
administração pública direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade,
economicidade e a fiscalização da aplicação das subvenções e renúncia de receitas.
O parágrafo 2º, do inciso IV, do artigo 74, dessa Carta Constitucional
permite que qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato á parte
128
legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o
Tribunal de Contas da União.
Não obstante a Carta Política de 1988, ter ampliado enormemente as
atribuições do Tribunal de Contas da União, a forma de escolha dos ministros
daquela Corte de Contas, feita por indicação política, continua sendo o principal dos
empecilhos na luta daquele Tribunal contra a corrupção.
A escolha daqueles ministros é feita da seguinte forma: do total de nove
ministros, dois terços são escolhidos pelo Congresso Nacional, recaindo, a escolha,
muitas vezes, sobre políticos que não tiveram seus mandatos políticos renovados
pelo eleitorado; um terço é escolhido pelo Presidente da República. É oportuno
fazer um esclarecimento neste ponto: dos três Ministros que são escolhidos pelo
Presidente da República, a escolha de dois deles recai dentre Auditores e membros
de Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice por esta Corte de
Contas, segundo os critérios de antiguidade e merecimento. É neste critério, no de
merecimento, como forma de provimento para aqueles cargos, onde atua o controle
do Poder Executivo sobre as pessoas destes Ministros, o que compromete a
legitimidade e autoridade na fiscalização e controle da gestão financeira do Estado.
Portanto, pergunta-se: COMO PRINCIPAL PROTAGONISTA NO
CONTROLE E NA PREVENÇÃO À CORRUPÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
BRASILEIRA, atua, o Tribunal de Contas da União, com critérios insuspeitos em
suas decisões quando se trata de julgamento de contas irregulares? A confiança é
duvidosa.
Pouco se tem discutido sobre a validade dos critérios de escolha dos
ministros do Tribunal de Contas da União, como elemento indispensável a investir-
lhes de poderes suficientes para enfrentar os mafiosos que se locupletam no Poder
Político para assaltarem os cofres públicos.
O resultado é o que todos estão vendo: escândalos e mais escândalos
divulgados pela grande imprensa envolvendo os mais destacados líderes políticos
dessa Nação, nos mais variados tipos de corrupção.
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