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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ ESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO PIAUÍ MESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Joseli Lima Magalhães Teresina, junho de 2003

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO … · certo grau de cuidado e de maturação por parte do pesquisador. Um tema aparentemente simples, sem maiores digressões, pode se tornar compreensível

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

ESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO PIAUÍ

MESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO

DIREITO

A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado

Joseli Lima Magalhães

Teresina, junho de 2003

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Joseli Lima Magalhães

A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado

Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne.

Teresina, junho de 2003

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A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito Privado

Autor: Joseli Lima Magalhães

Aprovado em : ____/____/ _____.

Examinadores:

___________________________________________

___________________________________________

___________________________________________

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Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães

da Costa (in memorian) e Júlia Lima Magalhães.

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Agradeço ao incentivo dado pelos professores do

curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João

Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nélson

Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador,

George Browne, sem os quais não teria sido

possível superar mais esta fase de minha vida na

Academia de Direito.

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“Infelizmente, falha-me a certeza

ou a crença em valores ideais,

como estrelas no alto sempre acesas,

guiando o passo inquieto dos mortais”.

(Miguel Reale)

Sumário

Resumo ................................................................................................................ 11

Abstract ................................................................................................................ 12

Resumen ............................................................................................................... 13

Introdução ...............................................................................................................14

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Capítulo I – As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do

Direito Civil Brasileiro .......................................................................................... 19

1. A influência exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil

brasileiro .................................................................................................................19

1.1. O Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do

termo ...................................................................................................................... 19

1.2. A codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a

utilização da eqüidade pela magistratura francesa ............................................... 22

1.3. A recepção da ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no

Brasil do século XIX ............................................................................................... 30

2. A influência exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do

Direito Civil brasileiro ............................................................................................. 35

2.1. A Escola Histórica do Direito como elemento pacificador do rigor

imprimido pelo positivismo jurídico do século XIX ................................................. 35

2.2. A Escola Histórica do Direito e a evolução do Direito.................... 39

2.3. O costume como elemento identificador da Escola Histórica do Direito

e sua importância para o desenvolvimento da codificação do Direito ...... 41

2.4. A polêmica jurídica travada entre Thibaut e Savigny a respeito da

codificação das leis civis na Alemanha do século XIX .......................................... 43

2.5. O declínio da Escola Histórica do Direito e a moderna codificação

civilista brasileira.................................................................................................... 47

Capítulo II – A importância da origem histórica da codificação do Direito Civil

Brasileiro para compreensão do modelo jurídico atual .................................... 50

1. O centralismo jurídico e o bartolismo como elementos integrantes da origem

sócio-jurídica da legislação civilista brasileira ........................................................51

1.1. O Centralismo Jurídico .................................................................. 52

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1.2. O Bartolismo .................................................................................. 54

2. Acontecimentos históricos que marcaram a consolidação das leis civis

brasileiras .............................................................................................................. 56

3. A escravidão como óbice à elaboração da consolidação das leis civis e do

Código Civil de 1916 ............................................................................................. 60

4. Principais projetos do Código Civil Brasileiro de 1916 e seus antecedentes

históricos ................................................................................................................ 64

4.1. Projeto de Nabuco de Araújo .......................................................... 64

4.2. Projeto de Felício dos Santos ......................................................... 65

4.3. Projeto de Coelho Rodrigues .......................................................... 66

4.4. Projeto de Clóvis Beviláqua ........................................................... 68

5. Acontecimentos importantes que influenciaram na elaboração do Código

Civil Brasileiro de 2002........................................................................................... 74

5.1. O pluralismo jurídico incipiente na sociedade brasileira do começo do

século XX ................................................................................................................74

5.2. As transformações por que o mundo atravessava na primeira metade

do século XX. O esvaziamento do conteúdo presente nos códigos civis............... 77

5.3. Os primeiros anteprojetos ............................................................. 80

6. A estrutura formal do atual Código Civil e seus relatores na Câmara dos

Deputados e no Senado Federal .................................................................... 83

7. Os acontecimentos históricos anteriores à Carta Federal de 1988 como

óbices à elaboração do Código Civil...................................................................... 85

8. A entrada em vigor da Constituição de 1988 como óbice existente ao normal

desenvolvimento da elaboração do Código Civil ................................................... 87

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9. A elaboração da Resolução nº 01/00, do Congresso Nacional, como técnica

jurídica para agilizar o trâmite regimental do Código Civil ......................................90

10. A demora na tramitação do projeto do Código Civil. Os efeitos causados

pelo fator tempo às normas jurídicas codificadas................................................... 92

11. Finalmente a elaboração do novo Código Civil. Diretrizes apresentadas no

anteprojeto confirmadas pelo novel diploma ....................................................... 100

12. A importância da atuação dos juristas na postergação, elaboração e

direcionamento da codificação civilista brasileira ............................................... 108

Capítulo III – Os três princípios norteadores do novo Código Civil

Brasileiro............................................................................................................. 112

1. O princípio da socialidade ....................................................................... 113

1.1. A sociedade brasileira eminentemente agrária do início do século XX

e a sociedade eminentemente urbana do início do século XXI ........................... 113

1.2. O princípio da socialidade e as normas pertinentes a direito

social..................................................................................................................... 119

1.3. Os dois aportes do princípio da socialidade no Código Civil........ 122

1.3.1. O princípio da socialidade e a função social do

contrato................................................................................................................. 122

1.3.1.1. A liberdade e a autonomia da vontade no modelo

liberal do contrato ................................................................................................ 122

1.3.1.2. A liberdade e a autonomia da vontade no modelo atual

do contrato ........................................................................................................... 125

1.3.2. O princípio da socialidade e a função social da

propriedade............................................................................................................ 128

1.3.2.1. A concepção clássica/tradicional do direito de

propriedade ......................................................................................................... 130

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1.3.2.2. A concepção atual do direito de propriedade: a função

social.................................................................................................................... .130

2. O princípio da eticidade ........................................................................... 133

2.1. A visão aberta que deve possuir a moderna codificação e o

preenchimento do Direito por meio de valores éticos........................................... 133

2.2. Situações legais previstas no Código Civil: a boa-fé objetiva ...... 136

3. O princípio da operabilidade ................................................................... 141

3.1. O princípio da operabilidade como modelo realizador do Direito...141

3.2. A presença de cláusulas gerais nos códigos como técnica legislativa

própria ao aperfeiçoamento da operabilidade do Direito ..................................... 142

3.3. Alguns exemplos legais previstos no Código Civil ....................... 146

Capítulo IV – A criação de micro-sistemas jurídicos como técnica jurídica de

amainar a crise do direito privado e suas relações com o direito

constitucional .................................................................................................... 149

1. A noção de sistema jurídico e de ordenamento jurídico.......................... 149

2. A crise do direito civil clássico: ............................................................... 157

2.1. A constitucionalização do Direito Civil ........................................ 159

2.2. A publicização do Direito Civil e o Estado Social ........................ 162

3. A necessidade de se codificar as leis civis ............................................. 164

3.1. Conceito de codificação ............................................................... 164

3.2. Objetivos da codificação das leis civis ......................................... 166

4. Os micro-sistemas jurídicos e a descodificação do direito civil ............... 174

5. Paradigmas da modernidade que devem ser enfrentados pela nova visão

codificadora das leis civis..................................................................................... 180

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6. O Código Civil como eixo central do direito privado ................................ 184

Conclusões................................................................................................... 187

Referências Bibliográficas ........................................................................... 194

Resumo

O estudo da Filosofia do Direito e da Teoria Geral do Direito requer, sempre,

certo grau de cuidado e de maturação por parte do pesquisador. Um tema

aparentemente simples, sem maiores digressões, pode se tornar compreensível com

a introdução de elementos teóricos e de pensamentos que mudaram a concepção

de ver o mundo e o Direito em sua época, com reflexos na atualidade.

A presente dissertação teve por escólio estudar, compreender e analisar

criticamente o fenômeno da codificação do direito civil, especificamente as novas

diretrizes apresentadas pelo atual código Civil brasileiro, bem assim apresentar uma

nova visão de se codificar referidas normas, procurando, sempre, impulsionar o

Direito para o moderno, o atual, aquilo que a sociedade espera dele, e não como

mera técnica de dominação dos povos mais fracos e oprimidos.

No decorrer da exposição dos quatro capítulos, observou-se que o elemento

histórico sempre se fez presente, e não foi por outro motivo, senão demonstrar que a

História dos acontecimentos humanos encontra-se tão relacionada com o Direito que

é capaz de mudá-lo na maioria das vezes, a ponto de se confundirem. O estudo não

procurou, contudo, estudar apenas historicamente o fenômeno da codificação das

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leis civis, mas investigá-lo sob o ponto de vista crítico-valorativo, analisando e

indicando seus pontos frágeis e imprecisos, criticando onde era para se criticar;

elogiando onde era para se elogiar.

A dissertação, assim, tenta desmistificar a idéia de que a técnica de se legislar

por meio da codificação das leis civis brasileiras é maléfica ao Direito Nacional,

isolando o modelo da codificação oitocentista, fruto de uma época, onde se

procurava comungar dos elementos gerais traçados pelo novo código Civil, na nova

visão que é apresentada, com seus artigos flexíveis, e sempre com a presença

atuante do magistrado, que por meio da interpretação de suas normas e princípios

constrói e dignifica o Direito Civil Nacional.

Sumário: Teoria Geral do Direito. Teoria Geral do Direito Civil. Teoria da

Codificação. Codificação das Leis Civis Brasileiras. Código Civil Brasileiro de 2002.

Abstract

The study of the Philosophy of Law and the General Theory of Law always

demands a certain degree of care and maturation on the part of the researcher.

Apparently a very simple subject, without major digressions, it may become

interesting to understand, with the introduction of theoretical elements and thought

who had changed the way to address the world and the law of every time and its

reflexes in current days.

This dissertation was designed to study, understand and critically analyze

the phenomenon of the codification of civil law, more specifically, the new lines of

direction featuring in the current Brazilian Civil Code, as well as to show a new way

if codifying said rules, always attempting to lead law to what is modern, current , to

what society expects from it and not as mere technique of domination of the weakest

and most oppressed people.

During the exposition of the four chapters, it was noted that the historic

element was always present, being its main purpose to demonstrate that the history

of human events is always so related to law that it is able to change it most of the

times, to the point of one being confused with the other. The study was not restricted

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only to the historical analysis of the phenomenon of the codification of the civil laws

but, rather, it also investigated it, from the critical-value point of view, stressing its

most fragile and less accurate points, being critical and praising accordingly.

The dissertation, thus, tries to demystify the idea that the technique of

legislating by means of the codification of the Brazilian civil laws is noxious to the

Domestic Law, isolating the 1800s model of codification, product of a time, in which

one searched to share the general elements featuring in the new Civil Code, in the

new vision that is presented, with its flexible articles, and always with the operating

presence of the magistrate who, by means of the interpretation of its norms and

principles, constructs and dignifies the National Civil Law.

Resumen

El estudio de la Filosofía del Derecho y de la Teoría General del Derecho

requiere, siempre, cierto grado de cuidado y de maturación por parte del

encuestador. Un tema aparentemente simples, sin mayores digresiones, puede

tornarse interesante de comprender , con la introdución de elementos teoricos y de

pensamientos que cambiaron la concepción de ver el mundo y el Derecho en su

época, con reflejos en la actualidad.

La disertación tuvo por finalidad estudiar, comprender y analisar

criticamente el fenómeno de la codificación del derecho civil, especificamente las

nuevas directrizes presentadas por el actual código civil brasileño, bien así presentar

una nueva visión de codificarse las referidas normas, buscando , siempre,

impulsionar el Derecho para el moderno, el actual, aquello que la sociedad espera

de él y no como simples técnica de dominación de los pueblos más débiles y

oprimidos.

En el transcurrir de la exposición de los cuatro capítulos, observose que el

elemento histórico siempre se hizo presente, y no fue por otro motivo, sino demostró

que la História de los acontecimientos humanos encuentrase tan relacionado con el

Derecho que es capaz de cambiarlo en la mayoria de las veces, al ponto de

confundirse y que el estudio no provocó, sin embargo, estudiar solamente

historicamente el fenómeno de la codificación de las leyes civiles, pero investigarlo

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bajo el punto de vista crítico valorativo, analizando e indicando sus puntos frágiles e

imprecisos, criticando donde era para criticarse; elogiando donde era para elogiarse.

La disertación, así, intenta desmistificar la idea de que la técnica de

legislarse por medio de la codificación de las leyes civiles brasileñas es mala al

Derecho Nacional, isolando el modelo ochocentista, fruto de una época donde se

buscaba comulgar de los elementos generales trazados por el nuevo código civil, en

la nueva visión que es presentada, con sus artículos flexibles, y siempre con la

presencia actuante del magistrado, que por medio de la interpretación de sus formas

y princípios construi y dignifica el Derecho Civil Nacional.

Introdução

A presente dissertação em Filosofia do Direito e Teoria Geral do

Direito, para obtenção do título de mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em convênio com a Universidade Federal do Piauí e a Escola Superior de Advocacia do Estado do Piauí, tem por escopo analisar o fenômeno da Codificação das leis civis como técnica jurídica reinante nos séculos XVIII, XIX e XX, em particular a codificação do Direito Civil Brasileiro, colhendo elementos crítico-valorativos capazes de redirecioná-lo sob outra ótica, moderna e que esteja em consonância com os progressos verificados no Direito.

Evidente que por ser o estudo da codificação muito amplo, necessário se

faz situá-lo no tempo e no espaço. Apesar de ser um tema mais relacionado com a

Teoria Geral do Direito Civil, contudo, o aspecto que se procurou imprimir ao

trabalho centraliza em analisá-lo sob o enfoque da Filosofia do Direito e da Teoria

Geral do Direito, ainda mais por serem estes dois ramos do Direito bastante porosos

e constantemente se co-relacionarem com outros da ciência jurídica, face

principalmente à busca por elementos tidos por propedêuticos, na sua gênese.

Certamente constitui, hoje, no Brasil, um dos temas mais palpitantes da

Teoria Geral do Direito, ainda mais em face da entrada em vigor do novo código civil

brasileiro, neste ano de 2003, daí porque o trabalho vetoriou-se mais sob o aspecto

da codificação civil brasileira, especificamente a história e fundamentos que levaram

à conclusão (finalmente) do novo diploma civilístico, além dos principais princípios

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capazes de redirecionar a crise por que passa o Direito privado nacional (direito

civil), apesar da proliferação constante de micro-sistemas jurídicos.

O capítulo I inicia-se com o estudo crítico-histórico da influência da

codificação francesa no movimento codificador de direito civil do Brasil, onde é

observada a importância do código civil francês, tido como o primeiro código civil na

acepção que modernamente deve ser dada ao termo, constituindo uma ideologia

reinante da Europa do século XVIII, onde não se pode deixar de perquirir a respeito

da filosofia jurídica trazida pela escola da exegese como aporte do positivismo

jurídico da época. Na segunda parte deste capítulo, há o estudo crítico-histórico da

influência da codificação alemã no movimento codificador de direito civil do Brasil,

dando-se especial atenção à Escola Histórica do Direito, particularmente da

importância do costume como elemento propulsor da codificação privada de um

país, passando-se pela festejada polêmica acadêmica travada entre Savigny e

Thibaut a respeito de qual a época ideal para se codificar as leis civis, terminando,

finalmente, com o declínio da própria Escola Histórica do Direito e frutos que esta

deixou para a nova codificação civil brasileira.

Trata-se de capítulo eminentemente histórico; não apenas narra fatos

tidos por importantes a influenciar a dogmática privatística nacional, mas procura

sempre investigar o porquê de tais acontecimentos, relacionando-os, sempre, com a

moderna fase codificante de direito civil existente no mundo e, especificamente, no

Brasil, com suas vicissitudes e virtudes. Com o conhecimento da historiografia

mundial, pois, é possível captar as raízes de nosso direito privado, a justificar o

caminho traçado por nossos principais jusfilósofos, cientistas jurídicos e legisladores,

de haverem escolhido, preponderantemente, pelo menos até a metade do século

passado, esta técnica de se dizer o Direito.

O Capítulo II trata da importância da origem histórica da codificação do

direito civil brasileiro par compreensão do modelo jurídico atual. Aborda-se aqui o

movimento codificador brasileiro na sua origem, principalmente a partir da

independência do país, como o bartolismo e o centralismo, passando,

superficialmente, mas sem perder a relação com o Direito Moderno aplicado no país,

pela consolidação das leis civis brasileiras.

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Os principais projetos do código civil de 1916 também não foram

esquecidos (Nabuco de Araújo, Felício dos Santos, Coelho Rodrigues e Clóvis

Beviláqua); as grandes transformações ocorridas pós 1920 no mundo e seus

reflexos no Direito vigente no país; estudam-se, também, os primeiros anteprojetos

relacionados com o atual código civil, e a história legislativa que culminou com a

elaboração, finalmente, do atual código civil, principalmente com a sistemática de

atualizá-lo em face da entrada em vigor da nova Constituição Federal, que rompeu a

estrutura do direito existente, com nova ordem jurídica se instalando no país.

Aspecto de salutar importância e sempre presente quando se estuda o

movimento codificador, seja qual for a época ou qual o país, diz respeito à demora

sempre inerente à confecção destes diplomas legais, onde se observou que o

tempo, de fato, constitui elemento capaz de obstacular e travar a atualidade de um

código, posto que as leis tendem a ser elaboradas alicerçadas em fatos jurídicos e

sociais valorados, contudo, quando entram em vigor os anseios e angústias da

população já são outros – o direito escrito nunca acompanha o tempo, ainda mais

por necessitar de certa dose de maturação, de discussão, para entrar em vigor.

Por fim, são abordadas as principais diretrizes traçadas pelo anteprojeto

do novo código civil do Brasil, sob a coordenação do Prof. Miguel Reale, e

confirmadas pelo novel diploma, bem assim a importância que se deve dar à

atuação dos juristas na postergação, elaboração e direcionamento da codificação

civilística do país.

O Capítulo III aborda os três principais princípios norteadores do novo

código civil brasileiro.

O princípio da socialidade é estudado tomando por esteio a mudança da

sociedade brasileira nos últimos 100 anos, que passou de eminentemente agrária

para eminentemente urbana, com reflexos imediatos na construção do Direito

elaborado e aplicado no país. Vetoria-se o trabalho para a dupla análise do princípio

da socialidade em relação à função social do contrato (buscando-se a liberdade e a

autonomia da vontade no modelo liberal e atual do contrato) e com relação à função

social da propriedade (entendida a propriedade na concepção tradicional e atual).

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O princípio da eticidade vai buscar a visão aberta que deve possuir a

moderna codificação e o preenchimento do Direito por meio de valores éticos, onde

são analisadas situações legais previstas no novel diploma civil, como a boa-fé

objetiva.

O princípio da operabilidade é identificado como o modelo ideal de se

realizar, concretizar o Direito, para tanto não se pode fugir do uso das cláusulas

gerais. São identificados alguns exemplos legais previstos no código civil, como

forma de sedimentação da importância deste princípio para se redefinir uma nova e

moderna codificação das leis civis do país.

Este capítulo, mais do que qualquer outro, traz um elemento especial em

relação aos demais: a importância do magistrado como agente construtor do Direito,

e que dependendo da interpretação e da aplicação dada à norma, modifica toda a

dogmática clássica permeada em torno do código civil, tornando-o coerente com a

moderna visão dada às codificações das leis civis, sempre numa interconexão com a

Constituição Federal. Apesar de se tratar de trabalho de Filosofia do Direito e de

Teoria Geral do Direito, por isso mesmo bastante especulativo e teórico, os artigos

de lei colacionados à presente monografia não têm outro intuito senão fixar a

presença dos princípios da socialidade, eticidade e operabilidade no novo código

civil, não sendo desiderato fazer-se a exegese de dispositivos legais, senão numa

visão sistêmica e especulativa de engrandecimento do Direito.

O capítulo IV tem por escólio dimensionar um novo modelo para a

codificação das leis civis, sentindo o código civil como eixo central do direito privado,

passando-se pela idéia de sistema jurídico; percorrendo a crise do direito civil

clássico, com as vertentes da constitucionalização e publicização do direito civil, sem

se deixar de lado o conceito de codificação. Procurou-se, também, elencar alguns

objetivos da codificação das leis civis e apontar ser a criação dos micro-sistemas

jurídicos um dos elementos identificadores da descodificação do direito civil; por fim,

traçou-se um novo paradigma que deve ser enfrentado pela nova visão codificadora

das leis civis com o escopo de tornar o Direito mais presente na vida daqueles que

compõem a sociedade.

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Objetiva-se ajudar na construção da moderna visão da codificação das

leis civis brasileiras, visto ser retrocesso criticar, por criticar, o novo código civil,

confrontando-se com a idéia de se (re)codificar nossas leis civis, mas devendo-se

buscar novas alternativas no aperfeiçoamento da dogmática civil moderna, a qual

deve sempre tomar por escólio o texto Constitucional, a fim de se mitigar a crise por

que atravessa o direito privado, principalmente o civil. A mudança de paradigmas

somente ocorrerá se sólida básica científica for construída, o que dar-se-á,

certamente, com o (re)direcionamento de doutrinas e dogmas cristalizados e novo

modo de pensar o Direito, conjugado com a atuação da magistratura do país e todos

aqueles que contribuem para o aperfeiçoamento, dignidade e construção do Direito.

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CAPÍTULO I

As influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil Brasileiro

Sumário: 1. A influência exercida pela Escola da Exegese na

codificação do Direito Civil brasileiro; 1.1. O Código Civil Francês

como o primeiro código na acepção estrita do termo; 1.2. A

codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização

da eqüidade pela magistratura francesa; 1.3. A recepção da ideologia

dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX; 2. A

influência exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do

Direito Civil brasileiro; 2.1. A Escola Histórica do Direito como

elemento pacificador do rigor imprimido pelo positivismo jurídico do

século XIX; 2.2. A Escola Histórica do Direito e a evolução natural do

Direito; 2.3. O costume como elemento identificador da Escola

Histórica do Direito e sua importância para o desenvolvimento da

codificação do Direito; 2.4. A polêmica jurídica travada entre Thibaut

e Savigny a respeito da codificação das leis civis na Alemanha do

século XIX; 2.5. O declínio da Escola Histórica do Direito e a

moderna codificação civilista brasileira.

Não se pode falar de codificação sem adentrar no estudo das Escolas

Jurídicas que propiciaram o seu desenvolvimento, em especial a Escola da Exegese,

bem assim, fazendo-se necessário estudo da elaboração do código civil francês de

1804, como marco desenvolvimentista e idealizador da codificação e do próprio

aparecimento da Escola Exegética.

É claro que neste caso fica muito difícil comparar-se a legislação,

jurisprudência ou doutrina francesa com a brasileira dos últimos dois séculos, por tão

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abrangente ser o conteúdo dos dois códigos, e face a riqueza de detalhes que

residem dentro de um diploma civil.

Procurou-se, pois, dar uma visão, ainda que panorâmica, do quadro da

história do direito da França do século XVIII, que na verdade representava, em nível

de Ciência Jurídica, o próprio mundo, e seus reflexos e influências exercidos no

Direito do Brasil ainda monarquista.

Buscou-se, desta forma, apontar e criticar o exagero que se deu, no

Brasil, da importância da Escola da Exegese, que tem, certamente, seus aspectos

brilhantes e positivos, contudo, engessou por muitos anos nosso Direito, em especial

o pensamento de nossos magistrados, possuindo, no entanto, valor, na medida em

que disciplinou e sistematizou o Direito, além de aperfeiçoar o instituto da

“segurança jurídica”, entremeado em todo o ordenamento jurídico pátrio.

Quanto à Escola Histórica do Direito, buscou-se identificar a importância

que teve e tem para o movimento codificador dos séculos XVIII, XIX e XX,

principalmente na Alemanha, e seus reflexos na antiga e atual codificação do direito

civilista brasileiro, do século XXI.

Não constitui desiderato esgotar a análise histórica e crítica do assunto;

primeiro, pela abrangência, diversidade e complexidade que a temática congrega;

depois, pela própria capacitação intelectual necessária que deve possuir o autor,

prova disto é a batalha intelectual travada entre Thibaut e Savigny, cada qual

expondo e justificando suas teorias a favor ou contra a codificação.

Há de se observar, ainda, a importância dada pela Escola Histórica do

Direito identificar nos doutrinadores importante papel de desenvolvimento e

aperfeiçoamento do Direito, o que visivelmente se observa pela atuação daqueles

que ajudaram na elaboração do código civil de 2002.

O costume também foi objeto de investigação, por constituir um dos

paradigmas da Escola Histórica do Direito e fator determinante contra a fase

codificadora imperante nos séculos XVIII e XIX, o que leva à reflexão da

necessidade ou não dos códigos em pleno século XXI. Existindo eles, contudo,

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deve-se mudar a referência da arquitetura codificante, totalmente diferenciada da

existente nos séculos anteriores.

Espera-se, assim, que esta abordagem histórica dos séculos XVIII e XIX

sirva de esteio para se entender o atual momento de codificação por que passa a

legislação civilística brasileira, sempre observando-se a interação e influência que

estas duas Escolas exerceram no desenvolvimento de nosso direito privado.

1. A influência exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil

Brasileiro

1.1. O Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo

A técnica de se legislar por meio da codificação, como sistema completo e

unitário de leis a respeito de determinado ramo do Direito, nunca foi novidade na

história da humanidade; o homem sempre procurou aprimorar mecanismos

suficientes para tornar cada vez mais fácil e pragmática a vida cotidiana. Assim

surgiram, verbi gratia, o Código de Manu, a Lei das Dozes Tábuas, o Código de

Hamurábi e o Código de Justiniano.

Constitui o Código de Justiniano, certamente o mais abrangente e, de

certo modo, aquele que mais influência exerceu na formação do direito civil brasileiro

clássico, contudo, não pode ser considerado código na acepção precisa do termo

empregado nesta dissertação, como é e deve ser entendido hoje, por congregar em

seu conteúdo normas de toda estirpe: desde o direito civil ou direito penal, passando

pelo direito administrativo, agrário e processual. Na verdade, consistia mais numa

“compilação” de normas, em diversos Livros, congregando toda a legislação romana

da época, ou pelo menos as leis tidas e consideradas mais importantes e de

aplicabilidade premente.

Durante os mil anos transcorridos na Idade Média, o Código de Justiniano

teve seu valor, disciplinando e estabelecendo os costumes de boa parte do povo

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europeu, com exceção, de certo modo, da Inglaterra, ainda mais porque toda a

cultura, língua e modo comportamental tiveram suas raízes no Império Romano, não

podendo o direito romano abster-se desta influência, por encontrar-se sempre em

interação com os fatos sociais.

Os códigos modernos são fruto de todo um desenvolvimento do

iluminismo e da burguesia como classe que precisa legitimar, pela lei, pelo Estado,

seu poder e influência perante as outras classes, e tendem a aparecer e tomar corpo

sempre gerados por uma outra classe que se apresenta e se desenvolve por algum

tempo, freqüentemente vinculados sua origem à subida de classe não nobre ao

poder estatal, sendo típico de suas características a função de ordenar, o

menosprezo pelas tradições e pelo passado, e com escopo organizatório1.

Ocorre que todos estes códigos não podem ser identificados com a noção

que ora se quer dar – de ordenar e coordenar todo um ordenamento jurídico de um

Estado, ou pelo menos versando acerca de determinado ramo do Direito. O código

que mais se aproximou deste modelo codificatório centralizador da idéia da unidade

e da totalidade foi, certamente, o Código de Napoleão, a ponto de ser considerado

pacífico “o reconhecimento de que é com o código de Napoleão que tem o começo a

Ciência Jurídica moderna, caracterizada sobretudo pela unidade sistemática e o

rigor técnico-formal de seus dispositivos”2.

1.2. A codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização

da eqüidade pela magistratura francesa

Assim como boa parte dos países europeus, como Portugal, Espanha,

Inglaterra, Holanda, Suécia e Dinamarca, encontrava-se a França, de certa forma,

delimitado seu território, com suas fronteiras definidas, o povo falando a mesma

língua e sob o comando de um chefe de Estado, o que não se deu, por exemplo,

1 SALDANHA, Nélson. Pequeno dicionário de Teoria do Direito e Filosofia Política, p. 39. 2 REALE, Miguel. Código Napoleão ou Código Civil dos Franceses, p. IX.

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com a Alemanha e Itália. Esta situação existente na França ajudou,

consideravelmente, à unificação do direito local.

Quando Napoleão assumiu o poder, verificou, sabiamente, que o povo

francês encontrava-se descontente com as inúmeras leis, costumes e modos

comportamentais aos quais estava vinculados – ninguém sabia a quem obedecer e o

que cumprir. Faltava ao povo francês certa dose de “segurança jurídica” –, as regras

do jogo não estavam postas e a instabilidade tomava conta do país, não só pela

política conturbada que o próprio país enfrentava, mas, também, porque o

ordenamento jurídico não propiciava um escalonamento de regras e normas que

deveriam ser obedecidas.

O celeiro cultural da Europa, e o mundo era a Europa nos séculos XVIII,

XIX, convergia para a França: lá estavam os grandes artistas, intelectuais, as

academias de letras e de ciências, os filósofos e políticos mais renomados, além,

claro, de uma gama de juristas que durante todo o século XVIII propugnaram novo

modo de conceber o Direito, dando um corte epistemológico ao direito natural,

forjando a criação daquele que viria a ser o positivismo jurídico moderno do século

XX, agora acobertado pelo fortalecimento do Estado, como ente capaz de coagir ao

cumprimento das normas jurídicas.

O imperador tinha conhecimento que somente através da Constituição,

que à época mais se identificava como uma Carta de Princípios, seria o instrumento

de dizer ao povo os contornos gerais de seu governo, propiciando a unificação de

todas as normas jurídicas da França, o que projetaria, fatalmente, à unificação dos

próprios costumes e unidade de pensamento da nação, fortalecendo, desta feita, a

governabilidade do império.

Roborando, assim, com toda uma gama de juristas nascidos e nutridos

pelo Iluminismo, desenvolve-se a idéia de se codificar as leis civis, exatamente por

ser o direito civil a base de todo o ordenamento jurídico de um Estado. Os principais

institutos jurídicos existentes no mundo, nos séculos XVII, XVIII e XIX, tinham

sustentação nas leis civis, como o conceito de propriedade, de pessoa, de domicílio,

de casamento, contrato, exatamente por serem época em que a classe dominante

via, na individualidade, no apego à propriedade e na vida privada, os elementos

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centrais do homem, com o qual devia preocupar-se o direito (Lei). O coletivismo, os

direitos sociais e o direito público somente vão se destacar depois da crise do

positivismo jurídico, já no início do século XX.

Os códigos civis, pois, antecipavam o que são hoje as constituições,

porque à época o direito prevalente era o privado e não o público. O direito civil

abarcava o direito constitucional, o que não se verifica atualmente, demonstrando

ser a vida feita de ciclos, e o Direito, por fazer parte da vida das pessoas, não está

imune à mutabilidade de tais ciclos.

A codificação, no início, não encontrou amparo para se desenvolver em

países com uma cultura jurídica que não fosse sólida e estivesse aperfeiçoada,

como Alemanha e Itália, verbi gratia, ainda mais por não se encontrarem seus

territórios unificados, basta verificar a famosa altercação acadêmica entre Savigny e

Thibaut sobre a plausividade da Alemanha codificar suas leis, tanto assim que

somente em 1900 entrou em vigor o BGB.

A unificação de um país e a manutenção da ordem interna, desta feita,

necessariamente passam pela unificação de seu direito, e um dos modos para se

concretizar este feito se dá pela técnica da codificação das leis, em especial do

direito civil (1804), por ser este ramo do direito, como dito, o que plastificava e

congregava a vida das pessoas, seguido do Código de Processo Civil (1806), do

Código Comercial (1807) e o do Código Penal (1810).

Para António Hespanha:

Os códigos napoleônicos constituíam, por um lado, a consumação de

um movimento doutrinal que, partindo da doutrina tradicional

francesa, fora enriquecido com as contribuições do jus-racionalismo

setecentista. Neste sentido aparecem como uma espécie de

positivação da razão. Por outro lado, tinham sido o resultado de um

processo legislativo conduzido pelos órgãos representativos da

nação francesa. Constituíam, neste sentido, a concretização

legislativa da vonlanté génerale3.

3 HESPANHA, Antônio Manuel. Panorama histórico da cultura jurídica européia, p. 177.

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Com efeito, a codificação manifesta-se como a positivação do direito

natural, considerado vago e impreciso, que se deu por meio do Estado e da vontade

daqueles que o representam, a vontade geral, daí ser questionada a sua

legitimidade como parte integrante de seu aperfeiçoamento.

Apesar de se ter à mente que muitos dos elaboradores e redatores do

código civil (como Tronchet, Maleville, Bigot-Premeneau, Cambacère e Portalis)

pretendiam consumar uma ruptura entre o antigo direito francês e o atual (da época),

o qual se apresentava inserido no code, a verdade é que num primeiro momento,

quando da elaboração do projeto do código, não se buscou interromper por completo

as relações existentes entre o direito natural, fruto da França antes Revolução e do

direito positivo, fruto da França pós Revolução, já parcialmente unificada, na medida

em que apesar do código ter sido elaborado na constância de uma Revolução, os

costumes e influências do ancién regime ainda estavam presentes na mente dos

súditos. Na verdade, este corte pretendido entre o direito natural e o direito positivo

se deu mais pelos intérpretes do code por influência direta de seu criador –

Napoleão.

Miguel Reale, contudo, adverte que, na realidade, bem poucos

legisladores, como os do Código de Napoleão souberam

colocar-se tão sobranceiros às vicissitudes do passado e às forças

projetantes do futuro, pondo-se a cavaleiro de duas épocas,

consolidando e sistematizando, de um lado, as conquistas liberais da

burguesia, segundo o binômio “liberdade-propriedade”’ que constituía

a viga mestra de todo o ordenamento jurídico da época; e, de outro

lado, assegurando condições propícias ao surto do capitalismo

industrial que mal começava a aliciar os seus instrumentos de ação

com a máquina a vapor e o primeiro impacto das ciências sobre as

estruturas econômico-sociais4.

Tudo partia da figura da separação dos poderes: até que ponto a Função

Judiciária seria capaz de não interferir na criação, desenvolvimento e

aperfeiçoamento do novo direito francês, propiciando, desta feita, liberdade ao

administrador de praticar atos na Função Executiva, representada por Napoleão. O

4 REALE, Miguel. Código Napoleão ou Código Civil dos Franceses, p. IX.

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imperador sabia que seria difícil governar por meio de leis que a todo e a qualquer

momento pudessem ser interpretadas diferentemente do que pensava seu grupo,

dando-se aos magistrados liberdade de gerenciamento no seu governo, por meio da

interpretação às normas legais, incluindo-se, principalmente, o código civil francês.

A positivação dos direitos naturais fica evidente pela inserção, no Code,

do art. 4º, que dispõe que “o juiz que se recusar a julgar sob o pretexto do silêncio,

da obscuridade ou da insuficiência da lei, poderá ser processado como culpável de

justiça denegada”. Este artigo não pode, contudo, ser interpretado isoladamente,

principalmente em relação ao art. 9º do Livro Preliminar do Projeto, eliminado do

texto definitivo, o qual disciplina que “nas matérias civis, o juiz, na falta de leis

precisas, é um ministro de eqüidade. A eqüidade é o retorno à lei natural e aos usos

adotados no silêncio da lei positiva”.

O art. 4º, portanto, nada mais estatui que o ordenamento jurídico de um

país deve ser completo, uno, não podendo o magistrado deixar de julgar e dar a

prestação jurisdicional à sociedade sob a escusa de que a lei é obscura, lacunosa ou

mesmo inexistente. Seria o caos, a negação do próprio Estado.

A interpretação, no caso de obscuridade da lei; e o preenchimento das

lacunas inexistindo a lei, eram técnicas viáveis para tornar válido o dogma da

onipotência do legislador, na medida em que se configurava a situação da existência

de um ordenamento jurídico completo, onde o magistrado buscaria na própria ou

em outras normas jurídicas, co-relacioná-las, a fim de solucionar o caso existente,

mas nunca criando o Direito, por si mesmo, colher posicionamento exterior ao

ordenamento jurídico, inclusive com o apoio de outras ciências5 , o Direito que ora se

lhe apresenta.

Na legislação do Brasil, vê-se, nitidamente, o cabimento da figura jurídica

dos embargos de declaração (art. 535, do CPC), quando houver, na sentença ou no

5 Esta particularidade, a propósito, será objeto de análise por um dos maiores filósofos da época contemporânea – Hans Kelsen –, o qual vai desenvolver toda uma doutrina positivista no sentido de purificar o Direito, mas que não vê o magistrado tão atrelado aos textos da lei, inclusive chegando a afirmar que este também cria o Direito por meio das sentenças, sendo impossível conceber o Direito, a sua criação e seu desenvolvimento, sem se dar especial atenção à sua figura, principalmente, aliás, quando utiliza a eqüidade como objeto de solucionar questões, fato por sinal que se tornou importante a partir de quando o Mestre de Viena passou a morar nos Estados Unidos da América, e conviver com outro tipo de sistema jurídico, onde a liberdade do julgador apresenta mais premência e o apego aos textos da lei não se encontra tão evidente, como no caso das Escolas de Direito existentes em sua grande parte na Europa, com as quais havia convivido anteriormente.

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acórdão, obscuridade ou contradição, ou for omitido ponto sobre o qual devia

pronunciar-se o juiz ou o Tribunal. Os sistemas modernos são avessos à

lacunosidade e contradição presentes em casos jurídicos a serem resolvidos.

Como dito, o art. 4º, do código civil francês, não poderia ser interpretado

isoladamente. Tanto assim que fazia parte de seu contexto o art. 9º, que foi

suprimido, não pelos redatores do código em especial, que ainda guardavam um

estilo naturalista, ou melhor, idealizadores de que o direito positivo poderia

materializar, tão-somente, o direito natural.

O direito natural do século XIX guarda estreita relação com o ideal de

justiça. Não se pode, entretanto, pensar em desenvolver-se uma teoria da justiça

sem que haja relacionamento com a eqüidade. Daí ser inserida no art. 9º, do Projeto

do código civil francês, o qual deveria ser interpretado, como dito, em conjunto com

o art. 4º. A eqüidade, pois, é que iria concretizar o elo entre o direito natural, do

antigo regime, e o direito positivo existente no código civil francês.

O juiz, desta forma, no silêncio da norma ou mesmo na ambiguidade dela

em relação à outra, aproveitar-se-ia do atributo da eqüidade para solucionar o

conflito. Aplicando a eqüidade, o magistrado estaria construindo, desenvolvendo,

aperfeiçoando o Direito, o que era objeto de preocupação do novo governo

revolucionário instalado na França.

A propósito, a Revolução Francesa sempre se comportou de modo

bastante “desconfiante” em relação à Função Judiciária Francesa. E não era por

menos. Na magistratura francesa proliferavam os casos de corrupção e letargia de

seus membros para prolatarem decisões judiciais, frente a problemas sócio-políticos

muito graves enfrentados pelos jurisdicionados. Os magistrados franceses sempre

foram demasiadamente vinculados à realeza, e quase nada decidiam contrariamente

à orientação da Coroa, e a sociedade francesa de então, era quem arcava com esse

estado de corrupção e comprometimento da Função Judicante. Não foi por menos

que o imperador Napoleão, utilizando de certa forma o Parlamento, tendenciou a

controlar o Judiciário, por meio do Tribunal de Cassação6.

6 Plauto Faraco de Azevedo, após assinalar não ser novo o entendimento de que as decisões judiciais poderiam ser revistas e mudadas todas as vezes que houvesse violação das leis, o que já ocorria no Antigo Regime, onde o Rei exercia este atributo quanto às decisões dos parlamentares que se posicionavam contrariamente ao que a

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Gutiérrez-Masson, na introdução da obra de Portalis – Discurso Preliminar

al Código Civil Francés –, observa que mesmo antes da Revolução Francesa, o

Poder Judiciário Francês, no antigo regime, era demasiadamente condenado por

todos, dentre outros fatores pela lentidão excessiva dos processos, a multiplicidade

de jurisdições a que a Justiça estava vinculada, a complexidade de recursos, a

hereditariedade dos cargos de magistrados que passavam de pai para filho, a

usurpação de funções jurisdicionais, a recepção de poder político através do poder

de jurisdição e o hermetismo da linguagem, tornado arruinoso o conceito da Justiça

e da magistratura francesa7, o que de certa forma propiciou à magnanimidade da lei,

como elementos centralizadores e difusores da Justiça, além de acoplar o trabalho

realizado pelos juízes a meros textos legais. Toda edificação de uma nova justiça

girava, pois, em torno da confiança absoluta na lei e na desconfiança dada ao juiz8.

A eqüidade, praticada pelos membros da magistratura francesa não era

bem assimilada, na medida em que constituía um juízo de valor a respeito da

materialização da Justiça, se bem que o entendimento do que vem a ser eqüidade,

desde Aristóteles, tem agrupado uma densidade de acepções, à medida em que se

filia à determinado escola jurídica.

Para Aristóteles9, a idéia de eqüidade centraliza-se no posicionamento de

uma norma individualizada, que se adapta às circunstâncias do caso concreto em

apreço, face à indeterminabilidade premente da lei e de seu caráter de ser

impossível prever todos os casos, daí porque nem todos os fatos e coisas podem

ser determinados pela lei, semelhante com o que ocorre com a régua de chumbo,

usada pelos construtores de Lesbos, que se adapta à forma da pedra e não tem o

caráter de ser rígida, pela maleabilidade existente no objeto a ser medido.

Coroa pensava, pondera que “se não mais era possível cogitar-se de um órgão dessa natureza, sob a dependência do rei, permanecia a idéia do mecanismo de cassação, como meio de assegurar o respeito às leis, embora se temesse conferir tal poder a um tribunal situado no ápice da organização judiciária. Em 1790 Robespierre chegou a propor uma solução radical, pela qual se colocaria o órgão de cassação no interior do corpo legislativo, atribuindo o exame dos recursos a uma comissão do legislativo. Com a Lei de 27 de novembro – 1º de dezembro de 1790, decide-se a criação do Tribunal de Cassação, concebido como tribunal regulador da ordem judiciária”. (AZEVEDO, Plauto Faraco de. Aplicação do Direito e Contexto Social, p. 116). 7 PORTALIS, Jean Etienne Marie. Discurso preliminar al código Civil Francés, p. 9. 8 PORTALIS, Jean Etienne Marie. Discurso preliminar al Código Civil Francés, p. 11. 9 Problema enfrentado pelos codificadores do direito francês diz respeito à necessidade de se materializar (concretizar) a idéia de Justiça, que se confunde, no positivismo jurídico, com a própria idéia de lei. A Justiça e a eqüidade, assim, dependeriam da lei, para o positivismo do começo do século XVIII. Para Aristóteles, em Ética a Nicômaco (p. 125), a eqüidade é justa em si mesma, embora seja superior a uma simples espécie de justiça, podendo uma coisa ser justa e eqüitativa ao mesmo tempo, contudo, a eqüidade é superior. “O que origina o problema é o fato de o eqüitativo ser justo, porém não o legalmente justo, e sim uma correção da justiça legal”.

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Napoleão Bonaparte, ao determinar que fosse retirado o art. 9º, do

anteprojeto do código civil francês, agiu de modo tal que nem mesmo em relação a

matérias de direito civil poderia o magistrado construir o Direito, por meio da

aplicação da eqüidade, o que de certo modo seria uma volta ao jusnaturalismo,

escola que o positivismo jurídico, por meio da codificação das leis e do

fortalecimento do Estado, estava decidida a mitigar suas forças e questionar suas

teorias.

Observa-se, ademais, que a corrente dos juristas e filósofos iluministas

dos séculos XVII e XVIII, cujos redatores do anteprojeto do código civil francês

preservavam o princípio de direito penal, segundo o qual não há crime sem lei

anterior que o defina, tanto que introduziram no texto do anteprojeto a aplicação da

eqüidade pelo magistrado somente permitida em matéria civil, silenciando-se,

portanto, a respeito da penal, não logrou êxito, na medida em que por serem as

matérias civis a órbita central de toda a personalidade humana, entendia-se ser por

demais comprometedor que os juízes pudessem interpretar e aplicar a norma

jurídica além do que o próprio texto estabelecia.

A garantia da liberdade humana, pela preservação do princípio de direito

romano “nullun crimen, nulla poena sine lege”, consistindo, na verdade, na

conservação dos direitos individuais contra as arbitrariedades do Estado, sempre

procurou ser, contudo, objeto de relevância para o direito francês, ao menos

legalmente, o que na prática, em decorrência dos movimentos revolucionários nem

sempre se deu, o que era perfeitamente compreensível dada a ruptura das

instituições e do estado de direito anterior.

A interpretação isolada, pois, de um artigo de lei de um código,

exatamente pela falta de um outro que o complementaria, diminui o caráter de

importância premente na interpretação sistemática, propiciando o aumento da crise

do positivismo jurídico, que somente vai ocorrer anos depois.

1.3. A recepção da ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no

Brasil do século XIX

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A Escola da Exegese surgiu exatamente após a entrada em vigor do

Code (1804) como um movimento dos juspositivistas e juristas franceses,

especialmente professores universitários, que tinham por escólio principal proceder a

interpretação dos artigos do diploma civil francês.

Para a Escola da Exegese, o Direito se consubstancia na própria lei

escrita, sendo o retorno das coisas (com outra moldura e outra sistematização) ao

ponto em que deixaram os glosadores e os pós-glosadores, antes do surgimento do

jusnaturalismo. O Código de Napoleão representou para os exegéticos o que o

Código de Justiniano representou para os glosadores, existindo um tripé desta

escola positivista: tem o Direito o caráter avalorativo, origina-se do Estado e possui

forte aspecto legalista11 .

Com efeito, o positivismo é avalorativo na medida em que não se pode

valorar, dar novo entendimento àquilo que se apresenta na lei, sendo meramente

descritivo ou repetitivo do preceituado no comando legal. Não há vazão para

posicionamento ideológico por parte do intérprete ou de quem vai expressar a

vontade da norma, que existe por si mesma. O valor não é um elemento agregado à

escola exegética, que o põe de escanteio, ignorando-o, de certo modo.

É estatal na media em que o direito positivo advém do Estado. É positivo

por ser posto, materializado pelo Estado, daí a grande altercação com o

jusnaturalismo, na medida em que o direito não pode advir de Deus ou da razão

humana, por serem elementos abstratos. A Escola da Exegese nasce e se

aperfeiçoa nos Estados ditos modernos, com a divisão dos poderes já bastante

premente e evidenciada.

Quanto ao caráter legalista, a lei se apresenta como a principal fonte do

direito. Os costumes, a jurisprudência, a doutrina são postas de lado. O Direito, para

os exegéticos, é o que a lei estabelece ser. Os costumes podem até ajudar à criação

do Direito, mas não se confundem com ele, tendo, necessariamente, que serem

positivados, por meio de textos legais, a fim de puderem ser considerados elementos

propulsionadores do Direito. Igual fato ocorre com a jurisprudência, que de longe

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poderia criar e identificar-se como direito positivo, na medida em que estar-se-ia

dando aos magistrados poderes para interpretarem os dispositivos de lei, mudando-

as muitas vezes, traindo o escopo de sua criação e o vetor de seu entendimento.

Some-se a isto o fato, já narrado, de que os mentores da revolução francesa

guardavam considerável desconfiança de seus magistrados, não podendo conceder-

lhes livre espaço para interpretar as normas editadas pelo Estado.

Aftalión12 aponta como conseqüência de tudo isto os seguintes aspectos:

1) a negação valorativa aos costumes: a Escola da Exegese se

contrapõe ao antigo regime jurídico francês. O Direito não pode mais ser entendido

como manifestação dos usos e costumes de um povo. Com a codificação, assim,

operacionaliza-se a centralização do Direito, propiciando a uniformização dos usos e

costumes de um povo. E para isto os exegéticos assim se manifestaram. Os

costumes antigos, de certo modo, podem e devem ser respeitados, mas não para

servir exclusivamente de paradigma à elaboração de normas e disciplinamento de

regras de conduta social. Este aspecto é tão importante que vai gerar o surgimento,

na Alemanha, da Escola Histórica do Direito, a qual enxergava nos costumes a

principal fonte do direito.

Para Lenio Luiz Streck atualmente tem-se observado diminuição da

aplicabilidade do common law na Inglaterra, com o conseqüente aumento de

aplicabilidade do direito legislativo, devido à sistematização e clarificação das fontes

do direito, cada vez mais presentes, visto que boa parte dele se acha nos law reports

e nas leis originárias do Parlamento13 .

Idêntico fato tem sido observado nos Estados Unidos, apesar de não

possuir um sistema jurídico igual ao inglês14 , sendo que para Lenio Streck é

profunda a diferença entre os dois tipos de sistemas, face que os conceitos e

institutos jurídicos se tornaram diferentes e os dois direitos não mais podem ser

identificados pela estrutura originalmente parecida, contudo, existem aspectos em

comum aos dois direitos: consistindo o bastante para que os americanos se

11 AFTALIÓN, Enrique R.; OLANO, Fernando Garcia; VILANOVA, José. Introdução ao Derecho, p. 252. 12 AFTALIÓN, Enrique R.; OLANO, Fernando Garcia; VILANOVA, José. Introdução ao Derecho, p. 252. 13 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função, p. 43. 14 MAGALHÃES, Joseli Lima. Código de processo civil na visão do Tribunal de Justiça do Piauí, p. 22.

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considerem membros da família common law15 . Relembra pensamento de

Friedmam, autor de Introducion al Derecho Norteamericano, que diz haver em cada

Estado americano um direito processual próprio, típico do federalismo (fenômeno

que já ocorreu no Brasil, antes de entrar em vigor o Código de Processo Civil de

1939), bem assim o costume jurídico do princípio da oralidade nos fóruns e tribunais

americanos. Ainda assim acentua que, tal como se dá na Inglaterra, a lei escrita

(statutes) e as decisões judiciais se equivalem na aplicabilidade e importância como

fenômeno de fontes do Direito16 .

O certo é que a Escola da Exegese, não só por ser anterior à Escola

Histórica do Direito, se bem que em dado momento temporal coexistem e disputam

espaço no positivismo jurídico, mas principalmente por haver adotado a técnica de

legislar por meio de códigos, escanteiou o costume como fonte do direito, por temer

o apego do magistrado a esta fonte.

2) a negação ao juiz do trabalho criador, na medida em que fica limitado a

aplicar o Direito que já se encontra presente no corpo legal. Negar que o juiz pode

criar o direito é o mesmo que não identificar a jurisprudência como fonte do direito, o

que é inaceitável e ser capaz de sentir a mudança gradativa dos costumes de seu

povo, capaz de serem mudados ou adequados por uma decisão judicial17. Não se

pode é conceder larga e arbitrária margem de interpretação para a função criadora

dos magistrados, cujo limite deve sempre esbarrar na Constituição de seu Estado e

nos princípios constitucionais que ela molda.

3) a ação do jurista passa a ser entendida como intérprete a tirar as

conseqüências que logicamente estão incluídas nos textos legais e acudir, em caso

15 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função, p. 43. 16 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função, p. 61. ¥h_Wà______e_______________j§__ru__________________u€__Ã#__1____________________________F__`____F__`___`I__Ê___*P__Œ___|a______|a______|a______Vn______Vn______Vn______Vn______Vn______nn__Ð___>o_____Vn______vt__@___Jp______Jp__4___~p______~p______~p______~p______~p______~p______Ÿr______¡r______¡r______¡r__?___àr__¼___œs__¼___Xt__-___¶t__X___u__d___vt______________________|a______or________U_w_"_,_~p______~p______________________or______or______vt______or______|a______|a______~p______________________Jp______or______or______or______or______|a______~p______|a______~p______Ÿr______________ %•q÷5Ã_�a__Ê___Zf__ü___¶T__Ê___€Y__ü___|a______|a______~p__ñ___Ÿr______or__0___or____________________________________________________________________________________________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE FEDERAL D

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33

de necessidade, a uma certa “intenção do legislador”, como último recurso para

suprir a obscuridade e deficiência da norma.

Por outro lado, observa-se na Escola da Exegese a eliminação do direito

natural como fonte do direito positivo pertencente à mesma linha de pensamento. No

século XVII, o direito racional (Vernunfitsrecht) foi um poderoso instrumento na luta

contra o antigo regime político. Durante a Revolução Francesa, o direito natural tinha

sido constantemente invocado para justificar as novas normas e os novos sistemas18

.

O certo é que a Escola da Exegese deve ser entendida pela época em

que teve vida. Sendo impertinente, pois, tecer comentário maldosos como sendo

uma escola jurídica a serviço do desmoronamento do Direito, ou mesmo não possuir

características próprias de uma escola jurídica, somatizando tão-somente idéias de

como devem ser interpretadas as normas jurídicas. Se hoje temos um positivismo

jurídico de certo modo ordenado, sistematizado, muito se deve, com certeza, ao

alcance dogmático propiciado pelos “exegéticos”, que possuem, como é natural,

seus pontos negativos.

Apesar de apresentar-se bastante desgastada e criticada pelos juristas,

inclusive pelos pós-positivistas, a Escola da Exegese não merece tais reproches, na

medida em que representa uma época real do desenvolvimento do próprio homem,

sendo o Direito centralizado na figura da lei, da unidade, coerência e completitude do

ordenamento jurídico, e havendo certa desconfiança na criação por parte dos

magistrados da França.

Observa-se, desta feita, que a Escola da Exegese teve como referência o

código civil francês, mudando todo o panorama de ensino jurídico universitário

francês, e em boa parte dos países europeus para se adequar ao positivismo

jurídico que se apresentava frente ao enfraquecimento do jusnaturalismo e do amor

ao texto de lei.

É claro que seus reflexos e influências no direito brasileiro foram desde

logo (começo do século XIX) sentidos por aqueles que o faziam, ainda mais porque,

à época, o Brasil ainda era dependente politicamente de Portugal e vigoravam em

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nossas terras as Ordenações, as quais, por sua vez, muito sofreram influência do

direito civil francês.

O código civil brasileiro de 1916 esmerava-se, boa parte dele, no code,

especialmente quanto ao teor patrimonialista e individualista, inerente à Revolução

Francesa, o que ainda hoje é objeto de reminiscência no direito pátrio, sendo,

contudo, gradativamente, superado por institutos outros mais modernos, como a

função social da propriedade e do contrato, a igualdade entre homens e mulheres e

a proibição de discriminação entre filhos numa mesma família.

Espera-se que a Escola da Exegese tenha servido de paradigma para

sustentar o fortalecimento dos institutos jurídicos, da dogmática jurídica, na medida

em que a lei conseguiu materializar todos estes pontos, mas nunca ser objeto de

dominação pelos governantes, utilizando-se da lei e impedindo a sua maleabilidade

e interpretação, para manutenção da organização social e de seus vícios.

2. A influência exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do

direito civil brasileiro

2.1. A Escola Histórica do Direito como elemento pacificador do rigor legal

imprimido pelo positivismo jurídico

A partir do século XVII, com a organização, consolidação e fortalecimento

dos Estados Membros, nova visão de Direito tomou conta da sociedade e do Estado

(mundo europeu). O Direito passou a ser, então, o que o Estado dizia e queria que

fosse, e não uma simples manifestação da vontade do rei ou de grupos religiosos,

isoladamente. Os governantes notaram que com a nova estrutura do Estado, o

Direito e a obediência à lei constituíam modos eficazes não somente de estruturar o

poder, como também de manterem-se nele. A unidade nacional era o ponto de

partida para uma nova dimensão do poder, e a lei a extensão formal desse objetivo.

O Direito Natural, que durante muitos séculos foi objeto de utilização pelos

governantes, não mais servia de dogma para concepção da estrutura de poder

existente. A idéia de um direito divino, no início; racional, posteriormente, com o

PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA D

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propósito de explicar a realidade existentes entra em crise flagrantemente. O mundo

pensante europeu passou a vislumbrar, face à multiplicidade de relações jurídicas,

conhecimento científico e filosófico agrupado ao aparecimento de informações cada

vez mais presentes, e da liberdade de pensamento, tornando-se a idéia da

existência de normas imutáveis inadmissível, ainda mais pela variedade de culturas

dos povos que fatalmente interagiam com a cultura jurídica.

O positivismo jurídico surge, exatamente, como uma forma de tomar

espaço do naturalismo decadente, na idéia de que cada povo, ou país, deve possuir

um Direito próprio, cada qual necessitando de uma legislação pertinente a seus

conflitos e realidade. A Escola Histórica de Direito, desta feita, contribuiu e continua

contribuindo para fortalecimento do positivismo jurídico na medida em que buscou

quebrar, de certa forma, a idéia de legalismo existente anteriormente.

Tanto assim que os pensadores racionalistas tomavam as construções

teóricas para entender a realidade, subordinado o modo de agir do homem a leis

ditas universais e de aplicação necessária, tudo dentro de um sistema em que

convivem harmoniosamente as leis explicadoras do valor e a realidade mesma. Já o

pensamento histórico reduz os valores a simples manifestação do espírito do povo,

no início, para mais tarde negá-los a um positivismo extravagante e ultrapassado19 .

O desfacelamento da importância dogmática até então dada ao direito

natural se deu em face da fragilidade da sua concepção reinante do caráter

intrínseco de sua universalidade.

Ao se reivindicar, contudo, certezas objetivas e universais, válidas para

toda a humanidade, observa-se que nunca se concretizaria este pensamento. O que

parecia justo para um povo, numa época ou civilização, não era para um outro. Seus

axiomas eram extremamente subjetivos, não tendo, assim, valor como base para um

sistema humano universal20 . Essa fragilidade crescente do direito natural ajudou

preponderantemente para o nascimento e fortalecimento da Escola Histórica de

Direito.

DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS C VIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado

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Norberto Bobbio estabelece didática divisão dos critérios de valoração das

normas jurídicas, quando as observa sob o aspecto da justiça, validade e eficácia.

Após salientar que estas três concepções encontram-se viciadas pelo seu

reducionismo, tendo em vista que os elementos justiça e eficácia retiram de

importância o problema da validade, enquanto que o elemento da validade não se

preocupa com o problema da justiça21 , direciona o justo com a Escola do Direito

Natural; a validade com o Positivismo Jurídico e a eficácia com o Realismo Jurídico.

Observa a existência de pelo menos três períodos bem distintos desta Escola

Jurídica, sendo o primeiro deles representado pela Escola Histórica do Direito22 , o

segundo pela concepção sociológica do direito, tendo a frente François Geny e, por

último, sendo o mais violento e radical – a concepção realista do direito norte

americana.

A importância desta divisão e inserção da Escola Histórica do Direito no

Realismo Jurídico, vinculando-a diretamente na perspectiva de que o Direito se

entrelaça com o elemento eficácia, reside no aspecto de que a história é fruto da

manifestação dos acontecimentos ocorridos numa dada sociedade, onde não se

pode ignorar a relevância destes acontecimentos, os quais uma vez presentes no

seio do costume de uma sociedade refletirão, diretamente, no sistema jurídico e

modo comportamental de agir da população. Poder-se-ia dizer, assim, que o

costume, a história, e a eficácia das normas jurídicas são vetores identificadores da

Escola Histórica do Direito.

A influência e abertura exercida pelo Historicismo Jurídico é tamanha no

movimento do realismo jurídico, a ponto de afirmar-se que toda esta liberdade que a

classe dos magistrados possui de decidir é fruto brotante daquela Escola jurídica.

Não há negar que a codificação oitocentista exerceu enorme influência no

perfil do código civil de 1916, na medida em que tem o poder de vincular o julgador a

decidir dentro de um sistema jurídico, teoricamente harmônico (código), entrando em

colisão com a Escola do Realismo Jurídico, onde o magistrado possui bem mais

liberdade para julgar, às vezes contra a lei, declarando-a inconstitucional mesma,

Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de 2003 oseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS

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mas sempre tomando por esteio os princípios e normas constitucionais, estudo este

inexistente quando do nascimento e crescimento do movimento codificador.

O código de 2002, contudo, observando que a atualização dos sistemas

jurídicos passa, necessariamente, pela atuação do magistrado, em fazer o Direito,

encontra-se contaminado por esta diretriz da nova Escola Histórica do Direito, mais

próxima do Realismo Jurídico, na medida em que introduz, fortemente, o elemento

eficácia como razão de subsistência do código, apresentando um de seus princípios

norteadores a operacidade, ou seja, a qualidade que possui um diploma de tornar-se

executável, concretizar-se; afinal, o Direito existe para ser executado, para servir

àqueles que o criaram.

Nesta linha de pensamento é que a Escola Histórica do Direito contribuiu,

fortemente, tanto para os preceitos instalados no antigo código civil, com enfoque

para o costume como fonte do direito, visto refletir no código todo o sistema rural e

provinciano da sociedade existente no começo do século XX, bem assim no novo

diploma civilístico do Brasil, este, contudo, revestido de mais liberalidade para o

magistrado, com a inclusão, ademais, das chamadas cláusulas abertas e conceitos

jurídicos indeterminados, além de aplicação, sempre premente, por parte do juiz, dos

princípios gerais de direito.

Por outro lado, Celso Barros Coelho, após propugnar que o direito positivo

passou a ser estudado não apenas por meio de textos, mas em função dos dados

históricos que o condicionavam, e com estas novas formas de vida o Direito

necessitava penetrar nelas e não ficar à margem dos acontecimentos sociais, aponta

que o direito passa a inserir-se na própria vida histórica das pessoas:

Sofre-lhe mutações, apropria-se dos elementos vitais de sua

concreção no tempo e no espaço. Já não é mais um produto da

razão, mero resultado de construção teórica, mas uma expressão da

vida e do pensamento do povo. A experiência histórica fornece-lhe os

elementos de sua melhor integração na ordem dos demais

fenômenos sócio-culturais. O Direito, baseado em tal concepção, não

era o produto calculado da vontade do legislador pairando acima das

exigências da vida social, sob formas legais rígidas – os códigos –,

mas uma expressão da alma e do sentimento popular. O papel da lei

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é bem outro – representa exteriormente o direito costumeiro,

cercando-o das garantias de sua execução e obediência.24

Este se constitui, certamente, o grande entrave entre o positivismo

jurídico e a Escola Histórica do Direito: para o positivismo a lei é a principal fonte do

direito; para a Escola Histórica o costume apresenta-se como a principal fonte do

direito, sendo a lei apenas manifestação formal dele.

Logo depois da codificação francesa, as primeiras obras doutrinárias

elaboradas por juristas focalizavam-se no entendimento de não admitir o princípio da

exclusividade da lei como única fonte do direito, ainda mais por terem sido formados

pelo estudo tradicional do direito romano e do direito consuetudinário do Antigo

Regime, para os quais o direito não retirava a sua força da lei, e sim o contrário25 .

A forma de exprimir a vontade do povo, expressando o espírito popular,

se dá também através da lei, que existe latente no seio da população. Mas o modo

de expressá-la depende, também, da interpretação dada; daí avultar a importância

da figura do doutrinador como ser capaz de interpretar a vontade do povo e pô-la,

formalmente, no papel. Para Savigny são os juristas as pessoas qualificadas para

identificarem e expor as normas de direito que nasciam da vontade popular, e não os

legisladores ou políticos.

O certo é que a Escola Histórica do Direito contribuiu para alertar sobre a

impossibilidade de petrificação do direito ao utilizar o sistema de codificação das leis,

apesar de ser ainda muito frouxa a noção de costume identificador da elaboração de

normas jurídicas, principalmente em nosso país.

2.2. A Escola Histórica do Direito e a evolução do Direito

A Escola Histórica do Direito nasceu como uma reação contra os

exageros existentes no direito natural e racional, que não observavam que o direito é

CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo centra do Direito Privado Trabalho Monográfico apresentado

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sempre manifestação da sociedade, da história, com estreita relação com as

características de cada povo. Neste particular, a influência desta escola foi benéfica,

pois desenvolveu o estudo do material jurídico histórico, promoveu o

desenvolvimento concreto do direito positivo, com explicação da enorme variedade

das idéias jurídicas, capazes de responder as peculiaridades de cada povo e sua

época26 .

O Direito tinha que ser histórico, sendo a sua prática jurídica nascente da

experiência de seu povo, a ponto de F. C. von Savigny, fundador e principal

expoente desta Escola Clássica do Direito, autor da célebre obra “Da vocação do

nosso tempo para a legislação e a jurisprudência” (Vom Beruf unserer Zeit für

Gesetzgebung und Rechtswissenschaft), acreditar ser o Direito uma expressão

natural da vida de um povo, daí ser contra a sua codificação, em certo momento de

sua evolução e desenvolvimento, de igual forma o que não pode ocorrer com a

língua27 .

Na identificação do evolucionismo do Direito com o da História, vem à

baila a concepção escatológica do homem, de que certos fatos e acontecimentos

naturais e humanos fatalmente teriam que ocorrer. Na verdade, a única certeza que

o homem tem é a certeza da morte, nem mesmo a vida o mundo lhe garante. A

concepção histórica do direito peca, neste particular, pelo determinismo histórico

vinculado ao Direito, tanto assim que:

o programa da Escola Histórica consistia em explicar historicamente

o direito, a ordem jurídica positiva, mas os seus mentores mais

esclarecidos não puderam deixar de reconhecer que, na história do

Direito, ao lado do natural, do espontâneo, do necessário, há

também o elemento consciente, reflexo, criador.28

Ihering observa que o Direito não é apenas a expressão natural dos

acontecimentos históricos e simples manifestação do espírito de um povo; o homem

está sempre interferindo e provocando os acontecimentos históricos, e o direito, por

fazer parte da vida humana, tende a estar em modificação na dependência do

omo exigência do Curso de Pós-Graduação em Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Dire to, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne.

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comportamento humano. Em importante passagem na “A Luta pelo Direito” pontifica

que:

[...] Os laços mais fortes entre um povo e seu respectivo direito não

se formam pelo hábito, mas pelo sacrifício. Quando Deus quer a

prosperidade de um povo, não o presenteia com as coisas de que ele

necessita, nem sequer lhe facilita o trabalho para obtê-lo, mas torna-

lhe a vida mais penosa. Não hesito, portanto, em afirmar que a luta

indispensável ao nascimento de um direito não é um castigo, mas

uma graça 29 .

Já Miguel Reale aponta existir no fundo da concepção histórica do Direito

o ideal de que o Direito cresce e se desenvolve como uma árvore30 , no entanto,

para a árvore crescer é preciso regá-la, nem com muita e nem com pouca água,

expô-la ao calor, mas também impedir que receba sol em demasia, o que requer

atitude comportamental do homem para que ela se desenvolva, da mesma forma o

homem interfere na criação e desenvolvimento do direito.

Assim, observa-se que não somente a história faz crescer e direcionar o

Direito, como também este, igualmente, exerce poder de formação no desenrrolar da

história, o que freqüentemente se dá quando se elaboram normas ditas de caráter

revolucionário ou vanguardistas. As normas codificadas, porém, tendem a não

possuir esta característica, daí uma das severas críticas a esta técnica legislativa,

que apenas tenderia a manter o direito imóvel, à maleabilidade e inovação.

2.3. O costume como elemento identificador da Escola Histórica do Direito e

sua importância para o desenvolvimento da codificação do Direito

O costume sempre teve importância para a criação e desenvolvimento do

Direito nas sociedades primitivas, e para a codificação das leis a partir do século

XVIII, numa proporção bem menor. As primeiras normas tendiam a ser costumeiras

Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIF CAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código C

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e, à medida que as relações jurídicas se multiplicavam, o costume ia sendo

positivado, transformando-se em lei; o costume passou, então, a ser absorvido pela

lei, identificando-se com os próprios textos legais.

Evidente que esta noção é pertinente a sistemas jurídicos onde

predomina o civil law. Nos sistemas jurídicos enfatizadores do common law e sua

derivação norte-americana, a jurisprudência é que assume importante função

criadora e identificadora do Direito, apesar de ter havido verdadeira mudança de

posicionamento nas últimas década, neste particular.

A importância que a Escola Histórica do Direito atribui ao costume, e daí

propiciar o respeito ao volksgeist, assume relevo face ao caráter aproximativo

existente entre os dois. Se, por um lado, a lei, apesar de ser manifestação do que

deseja a sociedade, pela representação identificadora no corpo legislativo, e, por

outro, a jurisprudência pecar por ser manifestação quase que exclusiva da classe

formada por um dos poderes constituídos, o costume, efetivamente, diagnostica o

que a população almeja, deseja ou repele.

A fragilidade do costume, para sistemas jurídicos onde predomina o

direito positivo escrito, reside no seu aspecto frouxo e tênue de ser capaz de

produzir normas jurídicas por si mesmo, ou, ainda que já produzidas, sejam

inobservadas frente a costumes novos que se sucedam. Sua origem, no entanto,

tende a ser convencional, e não religiosa. O costume nada mais constitui um

ordenamento de fatos que acabam por se impor psicologicamente ao corpo social. A

reiteração de um modo de agir e se posicionar, às vezes até inconscientemente, é

elemento identificador do costume, e daí o espírito de agir ser merecedor de

destaque.

A codificação, na verdade, nunca se desenvolveu em sistemas jurídicos

onde predomina a jurisprudência como fonte primeira do Direito, como na Inglaterra,

por meio dos chamados “precedentes jurisprudenciais”, e que apesar de todo

movimento para se codificar o direito inglês, realizado principalmente por Jeremy

Bentham e John Austin, durante os séculos XVIII e XIX, não logrou êxito, dentre

outros motivos não só pela localização geográfica que propiciava a manutenção e

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repetição dos costumes, mas pela própria vontade consciente do povo inglês de ver-

se disciplinado pelos costumes e não por leis formalmente elaboradas.

O costume, neste particular, deve ser entendido como elemento capaz de

obrigar, de possuir força coativa, intrinsecamente presente acoplada à mente da

população, daí porque ser capaz de substituir a própria norma escrita, emanada do

Estado.

O certo é que se apresenta dificultoso à Teoria Geral do Direito

estabelecer o ponto de difusão do costume para a criação do Direito, às vezes

deixando ao talame do magistrado ou do legislador apurar o costume de um povo e

o que vem a ser capaz em se transformar em norma jurídica, gerando disjunção

entre o que realmente é o costume e o que apenas parece sê-lo, identificando

apenas uma vontade congregada de um grupo ou de setores dominantes de uma

sociedade.

2.4. A polêmica jurídica travada entre Thibaut e Savigny a respeito da

codificação das leis civis na Alemanha

Após a entrada em vigor do código civil francês, em 1804, houve

necessidade, aliás, sob o patrocínio do próprio governo napoleônico, de se

estabelecer toda uma dogmática no sentido de que fosse propugnada a idéia do

respeito ao Code e de sua propagação. A Escola da Exegese surge, exatamente,

como importante marco histórico, na medida em que seu principal aporte

centralizava-se na interpretação dada aos artigos presentes no código civil francês.

Aliás, como reminiscência da Revolução Francesa, foi arquitetada toda

uma estrutura jurídica no sentido de impedir que a classe dos magistrados tivesse

liberdade para decidir, com base nos costumes e princípios gerais de direito, algo

em torno da vinculação estreita do magistrado aos vetores legais, tendo como

paradigma o código civil francês, que, por sinal, era praticamente a base de estrutura

do direito francês, visto não se estudar, com exaustão, como ocorre hoje, direito

público ou constitucional. Do direito privado, em particular o civil, nasciam ou partiam

todos os institutos jurídicos e a doutrina ensinada nas faculdades de direito. De tal

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maneira que os membros da Função Judiciária não podiam inovar, por estarem

atrelados àquilo que os legisladores, sob o escopo de exprimirem a vontade do

povo, estabeleciam nos textos legais, principalmente nos códigos.

A Escola da Exegese logo se difundiu por toda a Europa e, com ela, a

idéia da codificação do direito, que se projetou na Alemanha como forte referência

para seu desenvolvimento. A Alemanha das duas primeiras décadas do século XIX

sofreu forte influência do Code, mesmo após a derrota de Napoleão, onde se cogitou

inclusive, mas em vão, o retorno ao código prussiano.

A batalha acadêmica travada entre Anton Friedrich Justus Thibaut e

Friedrich Carl von Savigny consistiu na viabilidade de um código civil para toda a

Alemanha, estando ou não este país preparado para um movimento codificador já

implantado na França.

O grande óbice enfrentado pelos Estados Germanos consistia exatamente

na falta de unificação política e administrativa do país. Como possível a coexistência

de leis civis, que trazem em seu bojo a idéia de disciplinamento e comportamento

das pessoas, a um povo que nem ao menos possui unidade territorial e política?

Havia a necessidade premente, de início, de se unificar o país para, só depois,

proceder à unificação de suas leis. Este, por sinal, era um problema gerado pela

codificação, sustentado por Savigny em “A vocação de nosso tempo para a

legislação e a jurisprudência”, publicada em 1814.

Naquele momento, Savigny era contra a codificação, mas sustentava que

o momento histórico (e aqui mais uma vez presente a Escola Histórica do Direito)

vivido pela Alemanha não guardava os elementos necessários e precisos para uma

codificação das leis civis. De fato, a Alemanha sofria da falta de unidade nacional,

política, econômica e jurídica.

O Reich alemão começou em 1o. de janeiro de 1871, em virtude da

celebração dos Tratados de Novembro (de 1870), celebrados entre a Norddeutsche

Bund (Confederação da Alemanha do Norte), Baden, Hessen, Württemberg e

Baviera, mas desde as primeiras décadas do século XVIII (1814) já se ensaia o

desiderato de codificação do direito civil alemão, ainda sobre forte influência do

direito francês e romano.

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A unidade política da Alemanha não acarretou, contudo, a de todo o

Direito Civil31 .

Carlos David S. Aarão Reis historicia que no ano de 1849

[...] o projeto da Assembléia Nacional reunida na igreja de São Paulo,

em Frankfurt, declarava incumbir ao Reich promulgar “códigos gerais

sobre Direito Civil, Direito Comercial e Cambiário, Direito Penal e

procedimento judicial para estabelecer a unidade jurídica do povo

alemão”. O fracasso da tentativa de integração política naquela

época impediu fosse o projeto convertido em texto constitucional,

frustando-se a conseqüente unidade jurídico-civil32.

O mesmo fato não se deu com o direito mercantil, face ao

estrangulamento das relações comercial propiciadas por uma legislação não clara,

dispersa e sem conhecimento do que de fato se encontrava ou não em vigor33 .

É dentro desse contexto histórico que se trava a batalha acadêmica entre

Savigny e Thibaut34 , este último entendendo que a codificação, de início, propiciava

o desenvolvimento científico do direito, depois, agilizava o seu ensino acadêmico e,

por fim, gerava o sentimento de igualdade e fraternidade entre os povos germânicos,

considerando-se que as leis ditas iguais propiciam a igualdade de costumes35 .

Thibaut sustentava a “necessidade de um código único onde o direito

positivo pudesse realizar-se, acima das contingências de cada região ou

comunidade, obediente aos postulados racionais em que se fundava”36 . Defendia

vil como eixo central do Direito Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/ _____.Examinadores:_____________________________ ___________________________________________________________________________________________________Dedico este trabalho a meus p is: José Magalhães da Costa (in memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos profesÜ¥h_Wà______e_______________j§__ru__________________u€__Ã#__1____________________________F__`____F__`___`I__Ê___*P__Œ___|a______|a______|a______Vn______Vn______Vn______Vn______Vn______nn__Ð___>o_____Vn______vt__@___Jp______Jp__4___~p______~p______~p______~p______~p______~p______Ÿr______¡r______¡r______¡r__?___àr__¼___œs__¼___Xt__-___¶t__X___u__d___vt______________________|a______or________U_w_"_,_~p______~p______________________or______or______vt______or______|a______|a______~p________________ _____Jp______or______or______or______or______|a______~p______|a______~p______Ÿr______________ %•q÷5Ã_�a__Ê___Zf__ü___¶T__Ê___€Y__ü___|a______|a______~p__ñ___Ÿr______or__0___or____________________________________________________________________________________________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DI EITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIR S: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Joseli L

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ele o entendimento de, mesmo inexistindo a unificação política, econômica e jurídica

da Alemanha, ser possível a elaboração de um código civil para todo o país, como

vetor central propiciador de tais unificações. O Direito tornar-se-ia digno como objeto

desenvolvimentista do Estado e não como fator de atraso ou estagnação.

Savigny, contrariamente, posicionava-se pela não codificação das leis,

apesar de desejar segurança e nacionalidade ao Direito. Aponta, contudo, serem

escassos

[...] os períodos com plena capacidade para satisfazer as exigências

necessárias à obtenção de um código perfeito. Nos povos jovens,

faltariam itens como linguagem e arte lógica. Nos períodos de

decadência, faltaria conhecimento tanto da matéria quanto da

linguagem. E a época intermediária, justamente a mais propícia para

esse intento, não o faz, porque não sente a sua necessidade37 .

Vê-se, pois, que Savigny não era propriamente contrário à codificação das

leis civis alemãs, apenas sustentava não ser aquele o momento propício para

introduzir tal técnica legislativa em seu país. Efetivamente, a codificação não é

plausível numa fase primitiva do direito de um país, aliás isto nunca se deu mesmo

nos primeiros ordenamentos jurídicos mundiais38 , ainda mais porque os institutos

jurídicos ainda estavam passando por uma fase de desenvolvimento e consolidação.

Quando da fase da maturidade das ciências jurídicas, inexistia a necessidade da

codificação, haja vista a centralização da produção jurídica nas mãos dos

jusfilósofos, já sendo assegurada a finalidade do direito pelo próprio direito científico.

Finalmente, na época de declínio da cultura jurídica, a codificação é impertinente por

congelar o direito já decadente.

Encontrando-se, pois, a Alemanha na fase de decadência de sua cultura

jurídica, a codificação não era recomendada, daí porque primeiro se fazia necessário

propiciar o renascimento e desenvolvimento do direito científico, o que subleva a

ma MagalhãesTeresina, junho de 2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODI ICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA:

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importância dos doutrinadores como elementos centralizantes de divulgação do que

o povo realmente desejava, procurando decifrar o espírito do povo39 .

O fato é que não se pode concluir que nem Thibaut e nem Savigny

estavam certos, ou que ambos estivesses errados em suas proposições e

argumentos, apesar da discussão acadêmica ter sido travada no início do século

XIX, quando apenas em 1900 entrou em vigor o BGB, o qual por demais influenciou

o código civil de 191640 , estando profundamente presente o caráter participativo da

cientificidade jurídica, tão declamado por Savigny.

Quando ao código civil de 2002, a presença marcante dos princípios da

eticidade, operabilidade e da socialidade certamente vem a confirmar o grau de

importância que a doutrina e o costume exerceram no desenvolvimento e

aperfeiçoamento do direito civil pátrio, e que o direito nacional se encontra preparado

para sofrer alterações sob todos os aspectos, face à cientificidade que se acha, fruto

de sabatinado processo de modificações e ajustes que vem sofrendo principalmente

nos últimos vinte anos e após a entrada em vigor da CF/88.

2.5. O declínio da Escola Histórica do Direito e a modernização da codificação

civilista brasileira

Toda classificação de escolas ou de autores resulta sempre a aplicação

de um critério sistemático da realidade, encerrando certa dose de arbitrariedade,

deformação e convencionalismo41 . Cada escola de direito possui seu elemento

temporal e concreto de existência. Ela é fruto de uma época e manifestação exata

Novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Autor: Joseli Lima Magal ãesAprovado em : ____/____/ _____.Examinadores:_________________________________________________________________________________________________________________________________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas no alto sempre acesas, guia 41 AFTALION, Enrique; OLANO, Fernando Garcia; VILANOVA, José. Introdução ao Derecho, p. 762.

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do que pensam os seus principais expoentes, às vezes surgindo com o objetivo

precípuo de que sejam contrariadas as idéias de outras escolas42 .

O Historicismo Jurídico teve seu nascimento em Gustav Hugo, auge nos

ideais de Savigny, decaindo consideravelmente no início do século XX,

principalmente depois da vitória da concepção de Thibaut de introduzir na Alemanha

o código civil, portanto, codificando o direito alemão, fato inaceitável pelos adeptos

da Escola Histórica do Direito. Um dos fatores contributivos, também, para a

decadência desta escola jurídica se deu ao apego a textos de direito romano, na

medida em que seus defensores passaram a assumir uma atitude mais dogmático-

normativista, não como um elemento integrante de textos de lei racionais e

abstratos, mas posta em termos de leis que consagram os costumes.

Outro aspecto a ser ponderado da aproximação da Escola Histórica do

Direito ao Positivismo Jurídico nasce de sua preferência aos textos legais, havendo

limitação a mera interpretação histórica, buscando-se seus antecedente dogmáticos

a fim de que fossem conhecidas as regras jurídicas de forma mais completa. O

Historicismo jurídico, desta feita, apresenta caráter lógico-dogmático, servindo de

apoio à Escola da Exegese, onde a interpretação histórica passou a ser festejada,

completando a interpretação gramatical e a lógico-sistemática43.

Evidente, que após a análise histórico-crítica da Escola Histórica do

Direito, com suas relações prementes com o movimento codificador dos séculos

XVIII e XIX, principalmente na Alemanha, com reflexos mediatos e imediatos na

cultura de se entender o direito civil brasileiro, poder-se-ia chegar ao entendimento

de que da mesma forma que não era conveniente, pelo momento histórico por que

atravessava a Alemanha durante boa parte da metade do século XVIII, para se

codificar o seu direito, tornar-se-ia impertinente e desaconselhável (re)codificar as

42 Para Aftalion “una escuela es, ante todo, uma entidad histórico-social, temporal y concreta: la de un conjunto de hombres vinculados en una tarea de pensar em común, es decir una continuidad temporoespacial de comunicación de ideas. Pero esta continuidad y esta tarea en común, si bien son necesarias, no bastan. La tarea común realizada es la que ya vimos en esa oportunidad, aspira a integrarse en uno conjunto sistemático de verdades y, por ello, esse pensar en común debe ser, también una comunidad de pensamiente, esto es un acuerdo sobre cientas proposiciones o pensamientos que la escuela debe considerar como verdades. Esta proposiciones aceptas explícita o implicitamente por cada escuela son las que sistematicamente la individualizan. Los que aceptan en su trabajo esse conjunto de verdades, próprio de la escuela, son sus representantes y los que elas descubrieron o sistematizaron adquieren la categoria de fundadores o maestros”. (AFTALION, Enrique; OLANO, Fernando Garcia; VILANOVA, José. Introdução ao Derecho, p. 762). 43 REALE, Miguel. Filosofia do Direito, p. 421.

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leis civilistas brasileiras, principalmente em face do hiato temporal entre seus

primeiros projetos e sua definitiva entrada em vigor (1975-2003).

Neste particular, os costumes mudaram consideravelmente desde o

código de 1916, não sendo mais os mesmos atualmente, e o direito acompanhou, de

certo modo, esta evolução, ou (in)volução, em certos casos; no entanto, pelo que se

verificou do novo código civil do Brasil, houve uma mudança de mentalidade do

jurista. Não se revigoraram os aspectos preconceituosos, individualistas e

formalistas do código civil anterior; ao contrário, procurou-se dar nova referência ao

direito privado nacional, inclusive com a publicização e constitucionalização de

vários de seus institutos, o que além de ser escatológico, referenda ser a salvação

do desenvolvimento e aperfeiçoamento do próprio direito civil, bem assim, propicia

ao magistrado meios eficazes e práticos de atualizar o Direito.

Se Savigny estivesse vivo, diria que o século XXI seria propício para a

codificação da legislação civil brasileira, havendo mudança na mentalidade de sua

elaboração; do contrário, da mesma forma que na Alemanha seria inútil gastar-se

tempo e energia na construção deste novel diploma. Esta mudança é real, mas

somente será dignificada com o apoio da classe jurídica, principalmente dos

professores de direito e dos magistrados, no afã de se interpretar o Direito.

Capítulo II

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A importância da origem histórica da codificação do Direito Civil Brasileiro

para compreensão do modelo jurídico atual

Sumário: 1. O centralismo jurídico e o bartolismo como elementos

integrantes da origem sócio-jurídica da legislação civilista brasileira;

1.1. O Centralismo Jurídico; 1.2. O Bartolismo; 2. Acontecimentos

históricos que marcaram a consolidação das leis civis brasileiras; 3.

A escravidão como óbice à elaboração da consolidação das leis civis

e do código Civil de 1916; 4. Principais projetos do código Civil

Brasileiro de 1916 e seus antecedentes históricos: 4.1. Projeto de

Nabuco de Araújo; 4.2. Projeto de Felício dos Santos; 4.3. Projeto de

Coelho Rodrigues; 4.4. Projeto de Clóvis Beviláqua; 5.

Acontecimentos importantes que influenciaram na elaboração do

código Civil Brasileiro de 2002: 5.1. O pluralismo jurídico incipiente

na sociedade brasileira do começo do século XX; 5.2. As

transformações por que o mundo atravessava na primeira metade do

século XX. O esvaziamento do conteúdo presente nos códigos civis;

5.3. Os primeiros anteprojetos; 6. A estrutura formal do atual Código

Civil e seus relatores na Câmara dos Deputados e no Senado

Federal; 7. Os acontecimentos históricos anteriores à Carta Federal

de 1988 como óbices à elaboração do Código Civil; 8. A entrada em

vigor da Constituição de 1988 como óbice existente ao normal

desenvolvimento da elaboração do Código Civil; 9. A elaboração da

Resolução nº 01/00, do Congresso Nacional, como técnica jurídica

para agilizar o trâmite regimental do Código Civil; 10. A demora na

tramitação do projeto do Código Civil. Os efeitos causados pelo fator

tempo às normas jurídicas codificadas. 11. Finalmente a elaboração

do novo Código Civil. Diretrizes apresentadas no anteprojeto

confirmadas pelo novel diploma; 12. A importância da atuação dos

juristas na postergação, elaboração e direcionamento da codificação

civilista brasileira.

1. O centralismo jurídico e o bartolismo como elementos integrantes da origem

sócio-jurídica da legislação civilista brasileira

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Para se ter conhecimento sistemático do modelo jurídico de codificação

adotado pelo atual código civil, necessário se faz percorrer a origem do instituto da

codificação do direito civil brasileiro, na medida em que “uma correta compreensão

de qualquer instituto jurídico impõe que seja conhecida a sua evolução histórica, ou

seja, a maneira pela qual surgiu, desenvolveu-se e tomou a sua forma atual”1. Neste

sentido é que Antônio Chaves adverte que um estudo sistematizado não pode deixar

de “remontar às origens de cada instituto, para alcançar a percepção completa de

sua finalidade, permitindo até lançar olhares perscrutadores do futuro”2.

Os movimentos científico-jurídicos que eclodiram a partir da Revolução

Francesa, mais precisamente com a entrada em vigor do código civil francês e

desenvolvimento da Escola da Exegese, mudaram o panorama do Direito visto por

juristas e legisladores, como elemento centralizador do Estado: o Direito que passa a

se sobrepor, agora, é o direito positivo; em contraposição ao direito natural.

O positivismo jurídico teve a seu favor, como base de sustentação e

desenvolvimento, o fato de contar com o Estado Moderno já estruturalmente

desenvolvido: com as três Funções trabalhando “harmoniosamente” em conjunto e

ao mesmo tempo “independentes” entre si, e com um fator essencial de

sobrevivência: ditar e poder fazer cumprir a lei. O positivismo jurídico, pois,

amalgama-se com o Estado a ponto de haver dependência um do outro para

concretização de seus fins.

Surge o aspecto, contudo, de aprimorar e medrar esta relação, que se

deu por meio da idéia de se desenvolver o ordenamento jurídico3. A partir da

concepção de que o Direito e o Estado se aperfeiçoam e interagem por meio do

1 DANTAS, Ivo. O Valor da Constituição: controle da constitucionalidade como garantia da supralegalidade constitucional, p. 73. 2 CHAVES, Antônio. Lições de Direito Civil, p. 24. 3 Pietro Perlingieri sustenta que o Direito “é ciência social que precisa de cada vez maiores aberturas; necessariamente sensível a qualquer modificação da realidade, entendida na sua mais ampla acepção. Ele tem como ponto de referência o homem na sua evolução psicofísica, ‘existencial’, que se torna história na sua relação com os outros homens. A complexidade da vida social implica que a determinação da relevância e do significado da existência deve ser efetuada como existência no âmbito social, ou seja, como ‘coexistência’. O conjunto de princípios e regras destinado a ordenar a coexistência constitui o aspecto normativo do fenômeno social: regras e princípios interdependentes e essenciais, elementos de um conjunto unitário e hierarquicamente predisposto, que pode ser definido, pela sua função, como ‘ordenamento’ (jurídico), e, pela sua natureza de componente da estrutura social, como ‘realidade normativa’”. (PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil, p. 1-2).

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ordenamento jurídico, colhe-se a necessidade de que ele seja, ao mesmo tempo:

uno, coerente e completo – eis a codificação.

Os fenômenos do centralismo jurídico e do bartolismo, no Brasil,

representam exatamente importante passagem histórico-sócio-jurídica de uma

época em que se pretendia consolidar e codificar nossas leis (dando-se ênfase às

leis de direito civil) por diversos fatores e motivos, seguindo-se o paradigma político-

cultural que estava ocorrendo na Europa.

1.1. O Centralismo Jurídico

Uma das mais fortes heranças que Portugal deixou plantada no Brasil-

independente, nas letras jurídicas, foi a existência de toda uma legislação

(Ordenações Filipinas) escorada na idéia de um direito de origem legislativa, de

procedência estatal. Segundo Fernando H. Mendes de Almeida, as Ordenações

Filipinas objetivavam unificar a aplicação do direito no Reino. Aduz que de 1521

(data da conclusão da primeira impressão das Ordenações Manuelinas) a 1569,

muitas leis exparsas foram editadas. A compilação ficou a cargo do jurista e

historiador Duarte Nunes de Leão, a qual foi confirmada oficialmente pelo alvará de

14 de fevereiro de 1569 e que por constar o trabalho, na sua maioria, leis do tempo

de D. Sebastião, foi designado de “Código Sebastiânico”. Aponta, contudo,

oficialmente que

[...] essa compilação tem o seguinte nome originário: “Leis extra-

vagantes”. Conquanto se trate de trabalho não muito cuidado, é peça

inestimável, visto constituir a fonte imediata e principal, segundo um

historiador, das Ordenações Filipinas, que lhes sobrevieram4.

A origem das leis civis brasileiras (primeiro monumento legislativo do país)

foi o Código Afonsino, promulgado por D. Afonso, em 1446, segundo Haroldo

Valladão “a primeira grande codificação moderna, que tomou para modelo,

4 ALMEIDA, Fernando H. Mendes de. Ordenações Filipinas: ordenações e leis do Reino de Portugal recopiladas por mandato d’el Rei D. Filipe, o Primeiro, p. 16.

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extrinsecamente, as Decretais de Gregório IX”5, mas que pouco duraram, sendo

substituídas pelas Ordenações Manuelinas, de 1511, com edição definitiva de 1521.

As Ordenações Filipinas, elaboradas durante a dominação espanhola em Portugal,

em 1603, do rei D. Filipe, vigoraram

[...] por todo o período do Brasil Reino, além do anterior, a par com

legislação local. No primeiro Império, quase todas elas estiveram

ainda em vigor entre nós; no segundo, salvo o livro 5.o que se tornou

inaplicável com a promulgação do Código Criminal do Império,

reviveram muitas delas na engenhosa tarefa de Teixeira de Freitas,

traduzindo, em suma, imenso prestadio para a elaboração e feitura

do Código Civil Brasileiro6.

O fato é que boa parte do direito em vigor e aplicado no Brasil-Império,

antes de se tornar independente e até a proclamação da República, emanava da

Realeza, devendo ser obedecida em todo o território nacional. Neste sentido Judith

Martins-Costa complementa que “o elevado grau de auto-atribuição, pelo monarca,

do exercício da função legislativa terá reflexos importantes na transplantação do

direito português para a sua mais importante colônia”7.

Acrescente-se a isto o fato de que o Brasil continuou monarquista,

propiciando que não tivéssemos grandes acidentes jurídicos na consolidação e

codificação do nosso Direito, ou ao menos essas dificuldades fossem amenizadas

por este aspecto (há de ser ressaltado não ter sido fácil a feitura de consolidar toda

a legislação civil e comercial existente em vigor no Brasil-Império pós independência,

trabalho realizado com magistral zelo por Teixeira de Freitas), o que vai, certamente,

propiciar uma maior organização (centralização) do direito pátrio.

Couto e Silva propugna que o centralismo jurídico levou à codificação, no

sentido tradicional e positivista existente, incorporando o caráter de totalidade de leis

existentes no ordenamento jurídico do país, o que propiciou a manter-se, num país

5 VALLADÃO, Haroldo. História do Direito, especialmente do Direito brasileiro, p. 66. 6 ALMEIDA, Fernando H. Mendes de. Ordenações Filipinas: ordenações e leis do Reino de Portugal recopiladas por mandato d’el Rei D. Filipe, o Primeiro, p. 18-19. 7 MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no Direito Privado: sistema e tópica no processo obrigacional, p. 240.

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com dimensões territoriais consideráveis como o nosso, a uniformidade de aplicação

do direito desde aquela época8 .

O centralismo jurídico projetou, ademais, no seio da cultura jurídica

brasileira, a concepção da necessidade de se elaborar o mais rápido possível um

código de relações civis que disciplinasse o comportamento da então sociedade,

face a existência de um direito não tão costumeiro, apesar de difuso, mas centrado

na idéia de que nasce da função legislativa, a ponto do ex-ministro do Supremo

Tribunal Federal, João Luiz Alves, que também participou da elaboração do código

civil de 1916, como será visto adiante, apontar não mais ser tolerável o

[...] estado cahotico do nosso direito civil, subordinado a preceitos

obsoletos, em conflicto com princípio dos Códigos modernos, que a

Lei da Boa Razão mandará observar nos caos omissos, gerando-se,

assim, a instabilidade dos direitos, ao sabor das interpretações

doutrinárias e de uma jurisprudência variada e variável9.

1.2. O Bartolismo

Ao lado do centralismo jurídico, o bartolismo constitui marcante traço de

nossa história jurídica que propiciou à elaboração do desejo da unidade de nosso

ordenamento jurídico civilista, alcançada somente depois de muito labor. O

bartolismo foi um método que se desenvolveu por toda a Europa a partir do metade

do século XIV, introduzido no direito português por um dos mais festejados

doutrinadores italianos – Bartolo de Sassoferrato (1313-1357), aluno de Cino, cujo

método de trabalho consistia, no dizer de Judith Martins-Costa, em certa

compatibilização entre os costumes universais com os costumes locais, situando,

também, a vontade do soberano como fonte de legitimidade do costume10 .

8 COUTO E SILVA, Clóvis. O Direito civil brasileiro em perspectiva histórica e visão de futuro. Ajuris, p. 137. 9 ALVES, João Luiz. Código civil da república dos Estados Unidos do Brasil, p. XXVI. 10 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no Direito Privado, p. 242.

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A importância do bartolismo, pois, residia no fato de haver introduzido no

ordenamento jurídico de Portugal uma figura já conhecida do direito romano – os

doutrinadores –, os quais exerciam a função de verdadeiros substituidores da

vontade da lei, na medida em que seus escritos muitas vezes serviam de

fundamento para decisões judiciais, havendo lacunas e antinomias no ordenamento

jurídico, fato bastante comum àquela época, tendo em vista o emaranhado de

normas costumeiras e os diversos focos de poderes independentes e dispersos em

um mesmo território.

O método bartolista adaptou-se, perfeitamente, como salienta Judith

Martins-Costa, ao modelo da previsão legislativa, então em voga na Europa, a ponto

de haver sido atribuído aos comentários de Bartolo verdadeiro aspecto de lei

subsidiária, face a autoridade da doutrina do jurista, suprimidas, desta feita, as

lacunas e antinomias do então direito consolidado nas Ordenações, ao qual foi-se

juntando variável corpo de diplomas dispersos. A prática jurídica chegou inclusive a

não considerar o caráter de subsidiariedade que lhe fora atribuído originalmente,

aplicando diretamente seus comentários, com total desprezo às leis portuguesas.

Neste mesmo sentido, Couto e Silva afirma que para manter intacto o

sistema das Ordenações, aplicavam-se o direito romano e canônico às lacunas

existentes e, havendo omissão no sistema, aplicavam-se as glosas de Acursio e

Bartolo, salvo se contrariassem à opinião comum dos doutores da lei11 .

O bartolismo introduz, ainda que indiretamente, na cultura jurídica

brasileira a idéia da doutrina como fonte do direito12 , na medida em que muitos de

nossos magistrados e os próprios legisladores nacionais se socorrem, muitas das

vezes, aos ensinamentos dos doutos do direito no desempenho da função judicante

ou no ato da elaboração de normas jurídicas, às quais não devam possuir a

plausividade de serem inconstitucionais.

11 COUTO E SILVA, Clóvis. O Direito civil brasileiro em perspectiva histórica e visão de futuro, Ajuris, n. 40, ano XIV, p. 132. 12 A respeito da doutrina, como fonte do direito, observa-se que mesmo quando o legislador cria uma norma, ou revoga outras, seja ele leigo ou não, sempre se socorre de ensinamentos dos especialistas do saber jurídico.

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2. Antecedentes históricos que marcaram a consolidação das leis civis

brasileiras

Independente o Brasil, os juristas nacionais defrontaram-se perante grave

problema no direito pátrio: continuar aplicando o direito português (Ordenações

Filipinas), ou criar uma legislação própria, com códigos, leis e constituição

nacionais. De imediato, vale lembrar, o Governo Imperial legislou em 20 de Outubro

de 1.823, determinando que vigorassem, no Brasil, as Ordenações, Leis e Decretos

de Portugal, até a entrada em vigor de um novo código.

É claro que a constituição seria o exórdio para o distanciamento da

dependência legislativa existente, o que não poderia ser feito com a língua, que, ao

contrário daquela (Legislação), achava-se profundamente arraigada no seio da

antiga colônia portuguesa, apesar da existência de movimentos nacionalistas para

introdução do tupi-guarani como língua-máter, e com a independência de confecção

de normas próprias, ao menos no aspecto formal, consistiria o início para a efetiva

libertação econômica.

Tanto assim, que o art. 179, n. 18, da Constituição de 1824, determinou

que fosse elaborado, o quanto antes, um código civil e criminal, fundado nos

princípios da justiça e da eqüidade. Evidente que nem tudo que se encontra no

corpo da Constituição se acha encravado na alma do legislador. O código criminal,

terminologia jurídica que voltará a ser utilizada em substituição a “código penal”, pelo

novo anteprojeto que tramita atualmente no Congresso Nacional, entrou em vigor

logo no mesmo ano (1824)13 e o código comercial em 1850.

A legislação civil brasileira encontrava-se, verdadeiramente, emaranhada

e sem condições de apontar-se o início e o fim. Não se identificava, com clareza, o

que se encontrava ou não em vigor; leis esparsas, muitas das vezes desconexas e

constantemente conflitivas, além, claro, de não exprimirem a realidade evolutiva por

13 Observa-se, aqui, a preocupação do Estado em disciplinar, o quanto antes, normas pertinentes a direito penal, como modo de incutir na mentalidade dos jurisdicionados a obediência ao texto frio da lei, e a seus rigores técnicos, próprios de Estados Ü¥h_Wà______e_______________j§__ru__________________u€__Ã#__1____________________________F__`____F__`___`I__Ê___*P__Œ___|a______|a______|a______Vn______Vn_

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que atravessava a nação. Urgia a necessidade de se encontrar meio eficaz de solver

este problema.

O Governo Imperial propôs, então, num primeiro passo rumo à

codificação – a consolidação das leis civis –, que vem a ser a reunião sistematizada

e organizada de todas as leis civis em vigor no Brasil14 . Este trabalho ficou ao

encargo de Teixeira de Freitas, em 1855, que o finalizou em 1858 com o famoso

título de “Consolidação das Leis Civis”. Em 1859, o Ministro da Justiça, Nabuco de

Araújo, incumbiu ao próprio Teixeira de Freitas missão de preparar o Projeto do

código civil, que se transformou no “Esboço”, tendo sido nomeada, logo depois, um

Comissão para rever os trabalhos, a qual não logrou êxito15 , frente às inúmeras

discussões infrutíferas16 .

Um dos óbices enfrentados pelo consolidador consistiu, exatamente, em

decidir sobre o emprego ou não de juízo de constitucionalidade no trabalho de

consolidação das leis: quando a norma infraconstitucional entra em choque com uma

norma constitucional.

João Baptista Villela propõe a resolutividade do problema a nível de

identificação do destinatário da norma constitucional. Entende ele que os

destinatário são

[...] os Poderes do Estado, nas suas funções primárias de legislar,

julgar e executar, a resposta há de ser que não cabe a quem

consolida entrar nesse nível de indagação, pois ele não legisla, não

julga, nem executa normas. Será, ao contrário, de seu dever fazê-lo,

se se admitir que a norma constitucional se endereça a todo cidadão,

enquanto tal. Nesta hipótese, o conteúdo, alcance e extensão de

____Vn______Vn______Vn______nn__Ð___>o_____Vn______vt__@___Jp______Jp__4___~p______~p______~p______~p______~p______~p______Ÿr______¡r______¡r______¡r__?___àr__¼___œs__¼___Xt__-___¶t__X___u__d___vt______________________|a______or________U_w_"_,_~p______~p______________________or______or______vt______or______|a______|a______~p______________________Jp____ _or______or______or______or______|a______~p______|a______~p______Ÿr______________ %•q÷5Ã_�a__Ê___Zf__ü___¶T__Ê___€Y__ü___|a______|a______~p__ñ___Ÿr______or__0___or____________________________________________________________________________________________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Ci il como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina

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qualquer norma de hierarquia infraconstitucional se supõem

universalmente limitados à integral observância do preceito maior17 .

É plausível o raciocínio de que qualquer consolidador, e aqui falamos de

Teixeira de Freitas, não poderia ter a liberdade extrema, ainda mais em plena

metade do século XIX, de fazer juízo de constitucionalidade de uma lei e, a partir daí

não inseri-la na consolidação de leis, mas é pouco provável que, subjetivamente,

não tenha realizado ou lhe passado pela mente fazê-lo, ainda mais porque o

trabalho de consolidação requer um juízo a priori daquilo considerado importante.

Toda esta abordagem remete a um outro questionamento: possuía o

consolidador liberdade doutrinária ? A doutrina, neste particular, pode ser

considerada como fonte do Direito? João Baptista Villela aponta que por estar

Teixeira de Freitas, enquanto fazia a “Consolidação”,

obcecado pela idéia de reproduzir um direito positivo pré-acabado, o

respectivo discurso de sustentação seria o descritivo, sem espaços

para a persuasão. O raciocínio, analítico, jamais o dialético. O que se

impõe, contudo, ao exame é a figura do homem de doutrina, que se

lança na recuperação objetiva do direito vigente instrumentado com a

visão axiológica18 .

Não se pode ouvidar, ademais, que o perfil de um consolidador de leis

não foge à idéia de um homem que domina o Direito em seus aspectos mais gerais

e particulares, o que lhe propicia a qualidade de emitir sua opinião e não

simplesmente amontoar e catalogar as leis em ordem cronológica ou alfabética.

Neste sentido é que o comportamento de Teixeira de Freitas corrobora o

entendimento da inexistência de consolidação rigorosamente neutra, porque o

Direito não vive sem interpretação, que só se dignifica havendo liberdade19 .

junho de 2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, ara a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/ _____.Examinadores:_________________________________________________________________________________________________________________________________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in memorian) e Júlia Lima Magalhães.

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A consolidação das leis civis corresponde, portanto, uma parte da história

do direito inerente à época de dificuldades de se saber, efetivamente, quais as leis

que se encontravam em vigor, momento parecido com o que estamos passando,

pela “inflação de normas” a que os jurisdicionados são submetidos, não podendo

alegar desconhecimento delas.

A consolidação lança as bases para a codificação, as diferenças

mostram-se visíveis; mas os pontos de interação são constantes20. Caracterizam-se

como

empreendimentos distintos, a que correspondem posturas mentais

próprias e irredutíveis entre si. Havia, contudo, entre a Consolidação

e o Código conexão histórica que seria ingênuo ignorar. A partir dela

ter-se-ia um regime de trocas: assim com o fervor criativo peculiar ao

segundo fecundava a primeira, o empenho de ordem e método a

esta inerente iria refletir-se na elaboração do segundo até, de alguma

forma, o extremo de inviabilizá-la21 .

Munir Karam, ao discorrer a respeito da evolução do processo codificador

brasileiro, salienta a existência de três fases bem distintas até se chegar ao moderno

positivismo jurídico, presente no país: a primeira delas seria a fase empírica,

correspondendo à desordem legislativa reinante no Brasil-colônia e até mesmo em

Portugal, que dá margem ao surgimento do trabalho racional do codificador que

unifica a legislação plúrima e esparsa; a segunda fase é a racionalista, introduzida

com a Lei da Boa Razão, por socorrer-se da figura dos doutrinadores para compor e

desenvolver o Direito23 , e que somente com a consolidação é que se aperfeiçoou.

A partir daí, então, toma-se consciência da realidade jurídica, contudo,

[...] as próprias limitações materiais da obra, presa à legislação

existente, da qual vem a ser apenas um fator de unidade, trazem em

si o gérmem da sua superação, para preparar o advento de um novo

Agradeço ao incentivo dado pelos professores do curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os quais não teria sido possível superar mais esta fase d

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estágio que, absorvendo os dois anteriores, eleva-se as alturas da

investigação e das inovações verdadeiramente científicas24 .

Por fim, a fase da cientificidade, que só se concretiza com a codificação.

Observa-se, pois, que a Consolidação das Leis Civis não serviu apenas

de trampolim para se concretizar a codificação, mas verdadeiramente como

elemento necessário e importante na efetividade deste anseio almejado por juristas

e legisladores da época.

3. A escravidão como óbice à elaboração da consolidação das leis civis e do

código civil de 1916

Um dos fatores que mais contribuiu para Teixeira de Freitas não finalizar a

empresa do código civil, por volta da metade do século XIX, foi o fato de o Brasil

ainda adotar uma política social escravocrata. A grande dúvida dos juristas era a

seguinte: constituía o escravo coisa ou tinha personalidade jurídica, possuindo

cidadania. Os escravos eram ao mesmo tempo coisa e pessoa: coisa porque podiam

ser vendidos livremente, trabalhavam e não recebiam quase nada em troca, não

podiam praticar atos de comércio, não adquiria ou contraíam patrimônio, não podiam

possuir família, não tendo, pois, herdeiros, enfim, eram considerados como

semoventes. Identificavam-se, no entanto, como pessoa quando viessem a cometer

algum delito, respondendo pelo ato e levados a julgamento; o parto de uma escrava

não poderia ser considerado como fruto de uma coisa, pode ser libertado, tornando-

se pessoa. Alexandre Correia aponta que “por lei se torna livre o escravo

abandonado enfermo pelo próprio dono, ou o que revelou o seu assassino”25 .

Keila Grinbert alerta para este problema, de como os codificadores iriam

elaborar uma lei dispondo a respeito da situação dos escravos, considerando-os

como coisa ou pessoa ao mesmo tempo26 . Teixeira de Freitas, assim como Clóvis

Beviláqua, era cônscio de que o código civil, apesar de não ser um diploma para

vigorar eternamente (como entendia Napoleão Bonaparte em relação ao Code),

inha vida na Academia de Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estre

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seus mandamentos tenderiam a ser muito pouco modificados, inserindo-se

fundamentalmente na organização social do país. Ao serem introduzidos, no corpo

deste diploma, artigos disciplinando o direito escravocrata, poderia ocorrer o inverso

que Teixeira de Freitas almejava: petrificar o direito, e a independência dos negros,

ainda que formal, perpetrar-se-ia mais ainda.

Como solucionar este impasse? Teixeira de Freitas, na sua “Consolidação

das Leis Civis”, justifica o porquê de não dever constar na legislação civil

consolidada matéria pertinente à lei escravista:

Cumpre advertir, que não há um só lugar do nosso texto, onde se

trate de escravos. Temos, é verdade, a escravidão entre nós; mas,

se esse mal é uma exceção, um capítulo avulso, na reforma das

nossas Leis Civis; não pode servir para a posteridade: fique o estado

de liberdade sem o seu correlativo odioso. As leis concernentes à

escravidão (que não são muitas) serão pois classificadas à parte e

formarão o nosso Código Negro27 .

Felizmente, nunca foi concretizada a elaboração de tal “Código Negro”.

Vale aduzir que outro fator da crise da legislação sobre escravos no Brasil

do século XIX, alude à imobilidade do comércio jurídico existente com a

impossibilidade dos escravos poderem adquirir bens de consumo, gerando riquezas

com o trabalho que exerceriam se livres estivessem, se bem que a sociedade

brasileira já estava se acostumando, apesar da legislação não admitir, ao fato de

que muitos escravos praticavam atos de comércio como se livres fossem, numa

espécie de aluguel de sua mão de obra para seus proprietários.

O abolicionista Nabuco de Araújo, na obra “A Escravidão”, analisa a

incongruência do direito pátrio que admite a escravidão, em um sistema do qual não

se conhece a origem: certamente que não a romana, visto que muitos dos direitos

que os escravos romanos possuíam não se encontravam na legislação pátria, como

na alforria tácita. O certo é que nesse ensaio, escrito aos 21 anos de idade, em

1870, Nabuco de Araújo observa que por ser o direito brasileiro de origem romana,

porque assim também era o Português, não seguiu a tradição romanística quanto

as no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”.

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aos direitos do escravo, sendo verdadeiramente incompleta e confusa em muitos

aspectos28 .

O certo é que, como bem questiona Keila Grinbert, enquanto não se

dirimiu a altercação a respeito de adequarem-se as várias condições sociais

existentes no Brasil a um ordenamento jurídico uno e coeso, o que não era fácil, em

decorrência da falta de conceituação jurídica do que vem a ser escravo (se pessoa

ou coisa), ou partir para a realização do código civil, ou, então, não se legislava nada

a respeito do tema, protraindo-se o imbróglio a possíveis novas legislações

específicas29 . E foi exatamente o que se passou, isto porque enquanto existiram no

país pessoas tidas por livres, mas que anteriormente eram escravas e pessoas

escravizadas, porém “trabalhavam em troca de uma remuneração, na maioria das

vezes com consentimento de seu senhor, ninguém conseguiu escrever um Código

Civil”30 .

Por outro lado, com a iminente e efetivada proclamação da República, de

novos ideais abolicionistas, do liberalismo e crescimento da burguesia e classe

média brasileira, distanciava-se cada vez a relação Igreja-Estado. Esta

independência, contudo, não poderia ser abrupta: a Igreja era responsável pela

catalogação dos dados de pessoas nascidas no país, de seus estados civis e de

suas morte. O Estado confiava à organização que a Igreja Católica possuía toda a

responsabilidade pela guarda destes dados. Surgiu, assim, sério problema advindo

de que somente os católicos tinham seus arquivos protegidos. E se houvesse um

casamento entre duas pessoas não católicas, ou mesmo entre uma católica e outra

não católica ? A imigração européia e a alforria de negros que não eram católicos,

(Miguel Reale) SumárioResumo ................................................................................................................ 11Abstract ................................................................................................................ 12Resumen ............................................................................................................... 13Introdução ...............................................................................................................14Capítulo I – As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro .................................................................................................................191.1. O Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo ...................................................................................................................... 191.2. A codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX ............................................................................................... 30 2. A influência exercida pela Escola Histórica do Direito na codificaç o do Direito Civil brasileiro .............a, p. 57. 30 GRINBERT. Keila. Código Civil e cidadania, p. 57-58.

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também, fez o Estado refletir sobre o problema de dispor à Igreja Católica tão

importante munus público.

No fundo este fato desembocaria no papel de ser considerado o

casamento uma Instituição ou um Contrato. A Igreja Católica se preocupava em

manter o aspecto de Instituição, ainda mais porque assim aumentava o número de

integrantes do catolicismo e impedia a proliferação de outras religiões; boa parte dos

doutrinadores jurídicos simpatizavam-se pela teoria contratualista, ares advindo da

cultura européia.

Todos estes aspectos, na verdade, refletidos e ponderados por Teixeira

de Freitas, constituíram fatores a postergar a conclusão da Consolidação das leis

civis do país.

4. Principais projetos do Código Civil Brasileiro de 1916 e seus antecedentes

históricos

4.1. Projeto de Nabuco de Araújo

Não restava dúvida que a idéia de se fazer a Consolidação das Leis Civis

existentes no país constituiria um primeiro passo para o projeto principal que era a

codificação destas normas, ainda mais em face do cipoal de leis existentes e

conflitantes no país durante boa parte do século XIX.

Desenganada, assim, a empresa da concretização do Projeto do código

civil por Teixeira de Freitas, tendo o então Ministro da Justiça, Duarte de Azevedo31 ,

rescindido o contrato em 1872, por ter sido apresentado serodiamente, buscou o

Governo Imperial contactar com um jurista/codificador para realizar a tão sonhada

codificação de nossas leis civis.

31 As razões do ato que rescindiu o contrato estão presentes no Aviso de 18 de novembro de 1872, nestes termos: “Não podendo o Govêrno Imperial aceitar o plano proposto por V. S. (Teixeira de Freitas), e sua apresentação de 20 de setembro de 1867, para a organização de dois códigos, um geral e outro especial, tem considerado rescindido, como também a V.S. parece, em sua declaração de 8 do corrente, o contrato de 10 de janeiro de 1859, que com V. S. celebrara, para a redação do projeto do Código Civil do Império, já pelo tempo decorrido, já porque V.S. declarou, na sua mencionada representação, que, pela desarmonia profunda entre o seu pensamento e as vistas do Govêrno Imperial, julga-se inabilitado para redigir aquele Projeto”. (RODRIGUES, Coelho. Projecto do Código Civil, p. 283).

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Para substituir Teixeira de Freitas, o Governo Imperial designou Nabuco

de Araújo, a quem aquele considerava “o seu consorte desde o começo da jornada”,

na concretização do projeto do código civil, fato ocorrido em 1873; contudo, cinco

anos depois Nabuco de Araújo veio a falecer.

Clóvis Beviláqua enfatiza que o

fragmento encontrado, no seu espólio literário, e que é apenas uma

das variantes do projeto em formação, abrange 118 artigos do título

preliminar e 182 da Parte geral32 . Além desse articulado, ficaram

numerosos cadernos de notas não publicadas33.

Para o eminente codificador, igualmente baseado na obra “Um Estadista

do Império”, do filho de Nabuco de Araújo – Joaquim Nabuco –, o apego à extensão

dada ao direito internacional privado passa a idéia de que Nabuco de Araújo foi um

estadista mais preocupado com os aspectos práticos da legislação, do que da

metafísica do direito ou de aspectos filosóficos outros que a norma deveria

congregar.

Neste inacabado Projeto de Nabuco de Araújo, a influência premente do

“Esboço”, de Teixeira de Freitas, é observada visivelmente na estrutura de muitos de

seus artigos.

4.2. Projeto de Felício dos Santos

Em 1878, Joaquim Felício dos Santos ofereceu-se para terminar o

desiderato de se fazer um Projeto de código civil, sendo que em 1881 foi

apresentado o trabalho “Apontamentos para o Projecto de Código Civil Brasileiro”,

estruturado da seguinte maneira: a Parte Geral é distribuída em três livros: Das

Pessoas; Das Coisas; Dos Atos Jurídicos, em geral. A Parte Especial obedece à

32 Curioso é que para Joaquim Nabuco, seu pai tinha inteira na memória a codificação, contudo, tomava as anotações por siglas e notas, que somente ele mesmo tinha conhecimento do significado, parecendo um trabalho confeccionado às escondidas, para que outro “codificador” não tomasse conhecimento do que estava pensando em projetar como lei. 33 BEVILÁQUA, Clóvis. Código dos Estados Unidos do Brasil, p. 14.

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semelhante divisão: Das Pessoas; das Coisas; Dos Atos Jurídicos, em particular.

Clóvis Beviláqua aponta ter sido “COELHO DA ROCHA o inspirador dessa

classificação arbitrária, cujas incongruências a crítica do tempo, não sem azedume,

pôs em relêvo”34 .

O Projeto foi apreciado por uma comissão composta pelos Conselheiros

Lafayette Rodrigues Pereira, Antônio Joaquim Ribas, Antônio Ferreira Vianna e

Justino Gonçalves de Araújo, que apesar de haverem reconhecido os méritos do

esforço empreendido pelo mineiro Felício dos Santos, consideraram que o Projeto

necessitava de apurada revisão, posto que, no nível em que se encontrava, não

possuía base suficiente nem mesmo para ser aprovado. Face a esse parecer, foi a

comissão nomeada para rever os “Apontamentos”, sendo transformada em

comissão duradoura para organizar o projeto definitivo, contudo, dissolvida em 1886,

dada as saídas dos Conselheiros Justino de Andrade e Joaquim Ribas. Vê-se,

novamente, que a codificação das leis civis brasileiras sofreu mais uma baixa, seja

por motivos técnicos ou políticos.

4. 3. Projeto de Coelho Rodrigues

Em junho de 1890, o Governo contratou o Senador piauiense Antônio

Coelho Rodrigues para elaborar o projeto do código civil brasileiro, no prazo máximo

de três anos. Com receio de que a política, principalmente em decorrência dos

movimentos republicanos e do cotidiano da advocacia o atrapalhasse na empresa

designada, resolveu isolar-se na Suíça para cumprir seu mister. Este fato foi por

demais critricado por juristas e legisladores da época e principalmente mesmo pelos

adversários do novel codificador.

Seria ponderável um codificador ficar jungido à elaboração de toda uma

legislação civilística de um país sem tomar conhecimento do que se passava neste

mesmo país, isolado que se encontrava na Europa, com a população possuindo

outros costumes e almejando outros anseios ? O codificador, como o legislador, tem

34 BEVILÁQUA, Clóvis. Código dos Estados Unidos do Brasil, p. 15.

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de viver e sentir os desejos da sociedade que vai ser regida por essas normas

codificadas. A neutralidade, neste particular, pode prejudicar a confecção da obra;

ao invés de ajudá-la.

Segundo Eduardo Espínola, o Projeto de Coelho Rodrigues:

inspirou-se no Código de Zurich e nos princípios predominantes na

Alemanha. A classificação das matérias é exatamente a da escola

alemã: tem uma lei preliminar, uma parte geral e uma parte especial.

A lei preliminar compõe-se de 39 artigos e trata “da publicação da lei

e dos seus efeitos em relação ao tempo, ao espaço e ao objeto”; a

parte geral se subdivide em três livros: 1o das pessoas; 2o dos bens;

3o dos fatos e atos jurídicos; a parte especial tem quatro livros: 1o das

obrigações; 2o da posse, da propriedade e dos outros direitos reais;

3o do direito de família; 4o do direito das sucessões35.

O fato é que, em janeiro de 1893, o Projeto foi concluído.

Depois de alguns incidentes, que lhe produziam o futuro incerto, foi

entregue ao Governo. Publicado e submetido à apreciação de Comissão

especialmente designada para esse fim, o Projeto foi recusado, em longo parecer do

relator, advogado Torres Neto, que lhe apontou defeitos capitais36 .

Coelho Rodrigues alegou a inidoneidade da comissão, formada por

desafetos seus; contudo, o Ministro da Justiça de então, Fernando Lobo, não enviou

o Projeto ao Congresso.

Em 1885, face à existência, ainda, do Projeto de Felício dos Santos, nova

Comissão foi nomeada para que se escolhesse um dos dois Projetos inacabados, e

no ano seguinte o Governo autorizou a contratar um jurisconsulto, ou uma comissão

formada deles, para proceder à revisão do Projeto de Coelho Rodrigues, mas a

Câmara, entretanto, não deu andamento à proposição feita pelo Senado Federal37 .

Coelho Rodrigues, além de ter sido monarquista moderado, era

jusnaturalista, isto explica o porquê, de certo modo, o naufrágio de seu Projeto, na

35 ESPÍNOLA, Eduardo. Sistema do Direito Civil Brasileiro, p. 36. 36 COELHO, Celso Barros. Coelho Rodrigues e o Código Civil: comemoração do sesquicentenário de nascimento, p. 52.

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medida em que a concepção reinante na época era do positivismo jurídico, abrindo

vazão para o sucesso de Clóvis Beviláqua, representante autêntico das idéias

vinculadas ao positivismo jurídico, contudo numa visão não tão hermética quando do

nascimento desta Escola de Direito, daí a permanência por tão longo tempo (mais de

oitenta anos) do código de 1916.

Geraldo Neves lembra sabiamente:

Tentou-se um advogado, e este enlouqueceu; tentou-se um Senador

e este morreu estafado; ofereceu-se um Deputado e este só causou

constrangimentos com sua obra bisonha e amorfa; contratou-se outro

Senador e este foi acusado de elitista, copiador de leis e doutrinas

estrangeiras sem raízes no direito pátrio e seu projeto foi

escandalosamente rejeitado, até que por quem sequer o leu, por

motivos políticos. Estava na hora de se tentar um professor

universitário38.

4.4. Projeto de Clóvis Beviláqua

Em carta de 25 de janeiro de 1899, o novel Presidente da República,

Campos Sales, que havia assumido o comando do país em novembro do ano

anterior, convidou o lente de Legislação Comparada da Faculdade de Direito do

Recife, Clóvis Beviláqua, para assumir a já prolongada tarefa de codificar as leis

civis brasileiras, aproveitando, o quanto possível, sem prejuízo do que pensasse, a

obra já produzida pelo eminente codificador anterior – Coelho Rodrigues. Passava-

se, assim, à certeza de que o Governo almejava, o quanto antes, a feitura do código,

que se arrastava desde a metade do século XIX.

Clóvis Beviláqua, já no Rio de Janeiro, começou a providenciar a

concretização da obra em abril de 1889 e seis meses depois entregava o Projeto

37 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Fontes e evolução do Direito Civil Brasileiro, p.130. 38 NEVES, Geraldo de Oliveira Santos. Uma bibliografia comentada de fontes diretas e indiretas para o estudo do esboço, apontamentos, anteprojetos, projetos e Código Civil Brasileiro, de 1855 a 2001. Anuário dos cursos de pós-graduação em Direito, p. 374.

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(Primitivo) concluído, o qual foi remetido a vários jurisconsultos da época, para só

depois, então, transformar-se em Projeto propriamente e ser enviado ao Congresso.

Ocorre que, antes disto, duras críticas já havia o trabalho sofrido,

especificamente do Sen. Rui Barbosa, por meio da imprensa, dizendo tratar-se de

obra “tosca, indigesta e aleijada”; ter sido um “rasgo do coração e não da cabeça” a

escolha de um jejuno em Direito para codificar nossas leis civis, e o que é pior,

concluindo que faltava-lhe o conhecimento da língua portuguesa, a vernaculidade,

aptidão que para o eminente senador prejudicaria, consideravelmente, o futuro da

codificação civilista brasileira.

Outro jurisconsulto que se antepôs à idéia codificante foi Inglês e Sousa,

por entender não constituir a codificação uma técnica inerente àquela época.

Em 1900, o Governo nomeou uma Comissão revisora, composta dos

juristas Olegário Herculano D’Aquino e Castro, Joaquim da Costa Barradas, Anfilófio

Botelho Freire de Carvalho, Francisco de Paula Lacerda de Almeida e João

Evangelista Saião de Bulhões Carvalho. Clóvis Beviláqua aponta terem sido

“consideráveis as modificações introduzidas no Projeto pela Comissão revisora,

contrariando outras, que haviam sido desterradas por incongruentes com a feição

moderna do direito civil”39 , apesar disto, foi o Projeto apresentado ao Presidente da

República em 10 de novembro de 1900, acompanhado de exposição de motivos do

Ministro Epitácio Pessoa, tendo o Presidente enviado mensagem à Camara dos

Deputados sete dias depois. Formada Comissão de 21 deputados, cujo relator geral

era Sílvio Romero, foram realizadas 69 reuniões e o Projeto Final foi enviado ao

Senado em 08 de abril de 1902.

Limongi França historicia que antes mesmo da remessa do Projeto ao

Senado, já tinha sido constituída Comissão para apreciá-lo, da qual faziam parte,

como Presidente, o Sen. Rui Barbosa e, como membro, Martinho Garcez, os quais

criticaram duramente a falta de esmero da linguagem escrita do código, apesar das

correções anteriormente realizadas por Carneiro Ribeiro40 , acabando por suscitar

39 BEVILÁQUA, Clóvis. Código dos Estados Unidos do Brasil, p. 11. 40 FRANÇA, Limongi. O Código Civil Brasileiro: raízes e perspectivas. Coelho Rodrigues e o Código Civil: comemoração do sesquicentenário de nascimento, 0p. 92.

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[...] na história do nosso direito um fato absolutamente insólito, que

atrasou por mais catorze anos a ultimação do código, mas

possibilitou fosse dado ao povo brasileiro e à Civilização Ocidental

um dos mais bem acabados ordenamentos do nosso tempo41 .

Rui Barbosa leu o Parecer tecendo, como dito, severas crítica ao Projeto42

, tendo o filólogo Carneiro Ribeiro respondido com as suas “Ligeiras Observações

sobre as emendas do Dr. Rui Barbosa – feitas à redação do Projeto do Código Civil”,

em setembro de 1902. Melindrado com as críticas, Rui Barbosa providenciou Réplica

ao pensamento de Carneiro Ribeiro, feita em sua “Defesa”, publicada em 10 de

outubro de 1903, no Diário do Congresso Nacional, n. 120, o que foi prontamente

respondida por uma “Tréplica”, em 1905. Para Limongi França estes quatro

documentos:

[...] o Parecer, as Observações, a Réplica e a Tréplica – a nosso ver

integram o bloco único de uma obra de mão comum, que, no seu

conjunto, constitui a mais genial realização da nossa história

filológica, e quiçá da história das letras neolatinas43 .

Clóvis Beviláqua alerta que acentuado tempo era consumido pelo aspecto

“da forma e da gramática do Projeto, mas o pior é que tudo se fizera

inoportunamente, pois antes de se assentar no pensamento da lei, não se poderia

cogitar da roupagem a dar-lhe”44 .

De fato, muitos jurisconsultos brasileiros já pregavam o término desta

peleja – era preciso dar um novo código civil ao país o mais rápido possível, não

poderiam as pessoas continuar a se regrarem por normas não codificadas, confusas,

41 FRANÇA, Limongi. O Código Civil Brasileiro: raízes e perspectivas.Coelho Rodrigues e o Código Civil: comemoração do seisquicentenário de nascimento, p. 93. 42 Rui Barbosa acentua que “não basta gramaticar proficientemente. A gramática não é a língua. O alinho gramatical não passa de condição elementar nos exames de primeiras letras. Mas o escrever requer ainda outras qualidades; e, se se trata de leis, naquele que lhes der forma se hão de juntar aos dotes do escritor os do jurista, rara vez aliados na mesma pessoa. São as codificações monumentos destinados a longevidade secular; e só o influxo da arte comunica durabilidade à escrita humana, só ele marmoriza o papel, e transforma a pena em escopro. Necessário é, portanto que, nessas grandes formações jurídicas, a cristalização legislativa apresente a simplicidade, a limpidez e a transparência das mais puras formas da linguagem, das expressões mais clássicas do pensamento. Dir-se-á que ponho demasiado longe, alto em demasia, a meta, que a sublimo a um ideal praticamente irrealizável. Mas eu não exijo que igualemos essa perfeição custosa e rara. Basta que, ao menos, dela nos acerquemos, não a podendo alcançar: que a lei não seja imprecisa, obscura, manca, disforme, solecista. Porque, se não tem vernaculidade, clareza, concisão, energia, não se entende, não se impõe, não impera: falta às regras da sua inteligência, do seu decoro, de sua majestade”. (BARBOSA, Rui. Parecer, p. 5). 43 FRANÇA, Limongi. O Código Civil Brasileiro: raízes e perspectivas. Coelho Rodrigues e o Código Civil: comemoração do Seisquicentenário de nascimento, p. 93.

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sem um vetor até de vigência, face a mesclagem de leis civis que ainda se

abalroavam em um único ordenamento jurídico. O código civil constituía, mais do

que desejo dos juristas e políticos da época, uma necessidade à população45 .

Evidente que toda discussão a respeito do bom uso do vernáculo na

confecção do trabalho teve influência na própria duração do código de 1916.

Certamente, se não tivesse havido tanta preocupação com este fato, o código de

1916 não teria se sustentado até 2002. Não somente este aspecto contribui para

esta longevidade, é claro, mas representa importante elemento a identificar uma das

obras mais perfeitas de técnica legislativa, elogiada no mundo inteiro.

Por outro lado, apesar de não ser objeto desta dissertação, espera-se

que, igualmente, o código de 2002, apesar da inexistência de debates legislativos

tão profundos como os da época de Rui Barbosa, os quais inclusive tomavam corpo

nos artigos dos principais jornais do Rio de Janeiro e São Paulo, encontre-se

revestido de conteúdo vernacular satisfatório ao bom desempenho da técnica

jurídica, não que se queira imortalidade do Diploma, mas que o uso da interpretação

propicie sempre sua atualização, o que certamente será facilitado se houver uma

conexão lógica nas próprias palavras do texto, em uma linguagem clara, escorreita,

precisa e que não incuta na mente dos intérpretes do novel código situações

embaraçosas e conflitantes, ainda mais porque se sabe que seu Coordenador, além

de jurista, filósofo e profundo conhecedor da língua máter, é inclusive membro da

Academia Brasileira de Letras.

Superada a fase de debates a respeito do verbo a ser empregado no

código, além das participações dos membros do Supremo Tribunal, das poucas

faculdade de direito existentes no país e do Instituto da Ordem dos Advogados, em

1909 foi a Comissão Especial do Senado reconstituída, mas não deu andamento aos

trabalhos legislativos, sendo que João Luiz Alves, preocupado com a larga demora

na conclusão do código, submeteu à aprovação do Senado um projeto de lei que

44 BEVILÁQUA, Clóvis. Código dos Estados Unidos do Brasil, p. 36. 45 Beviláqua historicia, ainda, que a “Câmara dos Deputados de São Paulo aprovou, em 1906, a seguinte redação, apresentada pelo ilustre jurisperito, Dr. AZEVEDO MARQUES: ‘Tendo em vista o interêsse público, proponho que a Câmara dos Deputados de São Paulo represente, ao digno Presidente da Comissão especial do Código Civil, o eminente Senador Federal, DR. RUI BARBOSA, pedindo-lhe que promova e auxilie, com a sua extraordinária competência, o andamento do Projeto de tão importante lei, votado pela Câmara Federal, há mais de quatro anos, cuja falta concorre, evidentemente, para mais anarquizar o direito pátrio’”. (BEVILÁQUA, Clóvis. Código dos Estados Unidos do Brasil, p. 37).

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tinha como escopo adotar, como código civil, o respectivo projeto já aprovado na

Câmara, enquanto não houvesse aprovação definitiva. Na prática, acabava

consistindo na própria aprovação do Projeto em trâmite no Congresso, o que não se

verificou.

João Luiz Alves, que teve importante e efetiva participação na elaboração

final do código civil, lembra que

approvada em primeira discussão a nossa proposta, um acôrdo entre

as correntes dominantes no Senado fez com que a 10 de novembro

do mesmo anno (1911), requeressemos que o Projecto do Código

Civil, na fórma do Regimento, fosse incluído em ordem do dia,

independentemente de parecer da Commissão46 .

O Projeto do código civil, pois, foi aprovado em 22 de novembro de 1911,

sem emendas. Este fato foi de suma importância para agilizar o andamento

legislativo do Projeto. A partir daí, sucessão de debates legislativos verificaram-se,

sendo constantemente modificado o Projeto, face às emendas apresentadas, ora

pelos deputados, ora pelos senadores, tanto assim que em 22 de julho de 1915 o

Projeto retorna ao Senado, para de lá novamente ir à Câmara em 22 de agosto do

mesmo ano47 .

Finalmente o Projeto foi apresentado à Câmara para ser aprovada sua

redação em 26 de dezembro de 1915. Anunciada a discussão, ninguém usou da

palavra e o Presidente da Câmara, Astolfo Dutra, declarou aprovado o Projeto 168-A

na presença de 120 deputados. Por fim, o Presidente pronunciou algumas palavras,

salientando que terminara, naquele momento, “a maior obra legislativa do

parlamento da República”48 .

Entrando em vigor o código civil em janeiro de 1917, logo se verificou que

vários de seus artigos tinham sido publicados com erros que poderiam comprometer

o árduo trabalho realizado, em decorrência de inúmeras emendas introduzidas por

parlamentares não gabaritados para a produção de tão importante diploma da vida

privada.

46 ALVES, João Luiz. Código Civil da República dos Estados Unidos do Brasil annotado, p. XXIII.

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O Congresso Nacional, diante deste fato, de certo modo previsto pela

lente de Rui Barbosa, resolveu emendar os 192 artigos49 com a linguagem que

deveriam, de fato, possuir, sem alterar o conteúdo axiológico, ainda mais porque não

poderia fazê-lo nesta fase.

Pontes de Miranda bem salienta a gravidade do problema causado por

estes parlamentares que não estavam preparados para a construção da lei civil

pátria, quando diz que:

As correções e os substitutivos surgiram, a cada passo, sem

pertinência, nem base doutrinária. Tem-se a impressão de um saque

bárbaro, de um pilhagem em cidade indefesa. Emendas, que mal

disfarçam o improviso de jurisprudência, enchem de contradições

flagrantes a futura lei; alterações de forma, sugeridas em Comissões

trêfegas, toldam o sistema, a unidade intrínseca da construção; e a

obra, a que tanto se assacara o feitio, sai, afinal, na linguagem –

imperfeita; e no sistema – medíocre50 .

Para Geraldo de Oliveira Santos Neves estaria, desta feita,

justificada a reforma de 1919. E não só. Uma vasta legislação

“extravagante” começou desde cedo a implantar no nosso Direito

Civil legislado novas instituições, não codificadas. Com isto se

perdeu a maior vantagem prática do código, que é a de ser um corpo

47 FRANÇA, Limongi. O Código Civil Brasileiro: raízes e perspectivas. Coelho Rodrigues e o Código Civil: comemoração do seisquicentenário de nascimento, p. 95. 48 BEVILÁQUA, Clóvis. Código dos Estados Unidos do Brasil, p. 45. 49 Os artigos emendados foram os seguintes: Na Parte da Lei de Introdução: arts. 5 e 20; Na Parte Geral: arts. 6, 10, 12, 21, 22, 35, 40, 41, 43, 49, 55, 69, 73, 84, 106, 109, 110, 113, 131, 134, 137, 139, 155, 159 e 178; No Livro do Direito de Família: arts. 183, 187, 191, 195, 205, 220, 221, 228, 233, 235, 242, 243, 247, 248, 255, 258, 261, 263, 286, 287, 290, 313, 319, 322, 329, 336, 337, 340, 346, 384, 391, 407, 414, 435, 448, 458 e 483. No Livro do Direito das Coisas: arts. 488, 500, 520, 521, 526, 533, 535, 550, 552, 559, 575, 576, 588, 589, 606, 623, 631, 642, 644, 646, 666, 677, 696, 706, 757, 759, 762, 763, 764, 772, 789, 790, 801, 802, 810, 813, 816, 821, 822, 823, 827, 831, 841 e 842; No Livro do Direito das Obrigações: arts. 883, 886, 889, 890, 891, 893, 896, 897, 910, 947, 950, 991, 1.028, 1.038, 1.041, 1.067, 1.071, 1.081, 1.102, 1.123, 1.137, 1.143, 1.153, 1.154, 1.164, 1.178, 1.188, 1.226, 1.229, 1.274, 1.289, 1.296, 1.298, 1.304, 1.314, 1.333, 1.338, 1.372, 1.380, 1.381, 1.383, 1.390, 1.399, 1.409, 1.432, 1.447, 1.452, 1471, 1.472, 1.501, 1.522, 1.531, 1.538, 1.562 e 1.566; No Livro do Direito das Sucessões: arts. 1.579, 1.580, 1.581, 1.594, 1.600, 1.619, 1.632, 1.638, 1.645, 1.651, 1.668, 1.669, 1.671, 1.691, 1.716, 1.723, 1.725, 1.728, 1.745, 1.748, 1.752, 1.768, 1.773, 1.777, 1.780, 1.787, 1.795 e 1.804. 50 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Apud NEVES, Geraldo de Oliveira Santos. Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito, p. 379.

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único de normas sobre determinada disciplina jurídica, facilitando,

assim, o conhecimento e o cumprimento da lei 51 .

Esta foi, suscitamente, a narração crítica da história da codificação do

direito civil nacional, até a elaboração do código de 1916.

Objetivou-se, assim, compreender o fenômeno da descodificação das leis

civis por que atravessam os sistemas legislativos do mundo todo, especialmente o

nosso, bem assim, não sendo possível descodificar nosso direito, por uma cultura já

inerente e presente em nosso meio acadêmico e de política legislativa; que seja

idealizada uma nova forma de se codificar o direito civil, face aos influxos que este

ramo do direito privado vem sofrendo desde mesmo antes de 1916 até o final do

século XX.

O certo é que, em relação ao código civil de 1916, vale a lembrança

trazida por João Luiz Alves, para quem o código realizou duplo escopo: não rompeu

com o passado e não revolucionou o direito nacional, contudo,

longe de ficar estacionario e crystallizado em princípios arcahicos e

obsoletos, procurou attender ás necessidades sociaes e economicas,

que o direito civil é chamado a reger52 .

5. Acontecimentos importantes que influenciaram na elaboração do Código

Civil Brasileiro de 2002

5.1. O pluralismo jurídico incipiente na sociedade brasileira do começo do

século XX

O momento pelo qual atravessa o mundo identifica-se com o pluralismo,

seja nas Artes, na Filosofia, na Educação, na Política, na Religião, ou no Direito. Ao

se abordar a legitimação através do Direito, não se deve limitar ao Direito estatal

apenas. O pluralismo jurídico surge e se desenvolve exatamente porque o Estado

não pode estar presente a todo momento e em todo lugar na vida das pessoas.

51 NEVES, Geraldo de Oliveira Santos. Uma bibliografia comentada de fontes diretas e indiretas para o estudo do esboço, apontamentos, anteprojetos, projetos e Código Civil Brasileiro, de 1855 a 2001). Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito, p. 379-380.

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Havendo a falta do poder estatal, surgem as regras individuais que acabam

sucumbindo as regras estatais, ficando a sociedade à margem do legalmente

estabelecido e preconizado.

Nas sociedades da idade média e moderna era muito comum o

pluralismo. O Estado absolutista e intervencionista, aliado às grandes unificações

européias ocorridas no século XVII e XVIII tendiam a pôr fim a este processo de

feudos e governos independentes, com legislação e comportamentos diferentes,

apesar de se achar no mesmo território, e sob a égide do mesmo governo, ainda

que sem autoridade real.

O fenômeno da codificação, com a ideologia do iluminismo, procurou dar

aos Estados a unificação da legislação fragmentada e, com isso, acoplar os usos,

costumes e cultura no propósito de um só ideal, com o fito, inclusive, de impedir

rebeliões e fracionamento do território. Exemplos práticos vivenciados por

Boaventura de Sousa Santos, em Pasárgada53 , bem analisa o pluralismo existente

nas sociedades modernas, onde o direito de uma comunidade vive à margem (ou ao

lado) do direito legalmente instituído pelo Estado, e nem por isso tendem a

desaparecer.

No Brasil, é observada a presença de cada vez mais “Passárgadas” nas

diversas regiões e não somente nas favelas das grandes cidades. Numa projeção,

ainda que abusiva, pode-se dizer que onde falta uma escola, um posto de saúde (a

presença marcante do Estado), aí estará, infelizmente, mais uma “Pasárgada”.

Situações como a morte de um chefe do tráfico de drogas, onde toda a população

de um bairro é obrigada, literalmente, a “fechar” as portas do comércio para assistir

ao enterro do líder, identifica a falta do Estado; a presença de um direito que existe e

coexiste ao lado do estatal. E não há ou não tem como haver qualquer medida

repressiva por parte dos órgãos públicos para mudar este panorama. É claro que o

código civil de 1916 emprestava seus artigos apenas a uma parcela da população,

52 ALVES, João Luiz. Código Civil da República dos Estados Unidos do Brasil Annotado, p. XXVII. 53 Boaventura de Sousa Santos bem explana que existe uma “situação de pluralismo jurídico sempre que no mesmo espaço geopolítico vigoram (oficialmente ou não) mais de uma ordem jurídica. Esta pluralidade normativa pode ter uma fundamentação econômica, rácica, profissional ou outra; pode corresponder a um período de ruptura social como, por exemplo, um período de transformação revolucionária; ou pode ainda resultar, como no caso de Pasárgada, da conformação específica do conflito de classes numa área determinada da reprodução social – neste caso, a habitação”. (SOUTO, Cláudio; FALCÃO, João. Textos básicos para a disciplina de Sociologia Jurídica, p. 87).

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enquanto a maior parte dos cidadãos ficava à margem de muitos de seus

dispositivos legais.

O pluralismo jurídico, ainda que incipiente no começo do século passado,

pois, comparado com a era tecnológica e globalizada em que vivemos hoje, encontra

relação direta com o direito vivo de Eugen Ehrlich54 ao tratar de que o direito não é

meramente aquele estabelecido nos códigos; mas o que as pessoas presenciam,

agem, vivem, convivem, enfim, o que estabelecem no cotidiano de suas vidas.

Se por um lado o pluralismo jurídico projeta a idéia de desenvolvimento da

sociedade, que não se prende a textos de lei, ao formalismo estatal, por outro,

significa uma crise na legitimidade do poder, onde o direito não foi capaz de

equacioná-la. As crises só existem, no entanto, em sociedades que buscam o

desenvolvimento; aquelas que se confortam com o que já possuem, tendem a viver

em paz, sem questionamentos, alheias a discussões.

Muitas dissensões políticas e jurídicas antecederam e se prolongaram à

época da elaboração e promulgação do código civil, influência decorrente das

transformações sociais, políticas, científicas e culturais ocorridas no continente

europeu, principalmente em países como França e Alemanha. A sociedade brasileira

situava-se num dilema: ou acompanhava tais transformações ou o país continuava

emergido nas confusas, vagas e retrógradas Ordenações, o que acabaria por refletir,

diretamente, na produção legisferante da época – nunca se deu tanta importância ao

direito privado, em detrimento do direito público, do direito constitucional.

Observa-se, pois, que quando as pessoas concordaram em conceder ao

Estado o poder de legislar, de ditar o direito, de legitimar-se pela força deste, não

significa que não possam haver outras formas de legitimidade pelo direito que não o

estatal. A história e a natureza humana, aliás, estão repletas de situações nas quais

o homem, quando age diferentemente do estabelecido pelos padrões estatais, tem

justificativa para assim proceder.

54 Para Eugen Ehrlich o “direito vivo não está nas proposições jurídicas do direito positivo, mas é o que, porém, domina a vida. As fontes de seu conhecimento são, antes de tudo, os modernos documentos: são, também, a observação direta da vida, do comércio, da conduta, dos costumes, dos usos, e de todos os grupos, não somente os reconhecidos juridicamente, mas também aqueles que passaram despercebidos e que não foram considerados e, até mesmo, aqueles que a lei desaprovou”. (SOUTO, Cláudio; FALCÃO, João. Textos básicos para a disciplina de Sociologia Jurídica, p. 111-112).

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A diminuta presença do pluralismo jurídico na sociedade brasileira do

começo do século XX acaba, como dito, por gerar um diploma civil vinculado aos

anseios de pequena parte da sociedade, vai transformar-se, radicalmente, após a

entrada em vigor do primeiro código civil brasileiro até os tempos atuais, o que

introduzirá no atual código nova diretriz de como pensar o Direito, de modo mais

socializante e pragmático, além da preocupação sempre presente de procurar

imprimir mais versatilidade para se manter atualizado e atuante na vida de cada

cidadão do país.

5.2. As transformações por que o mundo atravessava na primeira metade do

século XX. O esvaziamento do conteúdo presente nos códigos civis

Promulgado o código civil de 1916, não demorou muito tempo para os

doutrinadores e legisladores do país começarem a discutir a respeito da elaboração

de uma nova “constituição do homem comum”, no dizer do Prof. Miguel Reale. A

experiência jurídica tem demonstrado que na maioria das vezes, ou mesmo antes de

uma lei entra em vigor, já se apresenta ela desatualizada, face principalmente às

transformações sociais, políticas e culturais ocorridas na sociedade.

Assim não foi diferente com o código individualista do começo do século

passado que, certamente, não retratava de modo afidalgado os anseios e

necessidades da sociedade de então, ainda mais porque sua elaboração, como se

sabe, durou mais de 70 anos, isto sem considerar o lapso temporal entre a

independência do Brasil e o início dos trabalhos de consolidação das Leis Civis, feita

por Teixeira de Freitas.

Nas décadas de vinte, trinta e quarenta do século passado, muitos

acontecimentos históricos ocorridos na Europa, com reflexos diretos no Brasil,

modificou, substancialmente, o Direito existente e aplicado em nosso país. O mundo

passava por transformações até então pouco imagináveis, a frieza entre as duas

guerras mundiais (se bem que a primeira não havia terminado) constituía forte

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prenúncio de que a economia e a sociedade do mundo encontravam-se inseguras,

como que esperando algo de desestabilizador a ocorrer.

No cenário mundial, a queda da Bolsa de Nova Iorque acelerou a

mudança de toda uma teoria contratual alicerçada do antigo direito civil, que já dava

sinais evidentes de desgaste. Tudo que acontecia no mundo, apesar da inexistência

de globalização, internet, ou pós-modernidade, como se entende hoje, tinha reflexos

no Brasil, apesar de não imediatamente, como hoje, mas os efeitos culminavam, em

última análise, no modo de pensar o Direito, o qual não pode vivem isolado da

economia, da política e de outras ciências.

O direito social inserido na maioria das Constituições dos países, mas até

então de diminuta efetividade, toma corpo e passa a ser o modelo a ser copiado. As

greves, as revoluções, identificavam prenúncio de que os trabalhadores já não

podiam mais ser regidos por normas estanques existentes nos diplomas civis. Esse

cenário, claro, não passou despercebido àqueles que faziam o direito brasileiro da

primeira metade do século XX, não sendo à toa que surge a CLT, que muito vai

dinamizar as relações entre as pessoas. O trabalho ganha laços formais, há certa

segurança jurídica no trato das relações laborais.

Paralelamente a isto, o estouro da segunda grande guerra propicia a

reflexão do quanto se apresenta frágil o veste humano, e assim como as

Constituições, as leis civis podem a qualquer momento, por um acontecimento dito

importante, ser modificadas, atendendo a interesses daqueles que “estão no poder”

ou do grupo social que eles representam ou, ainda, subsidiariamente, do povo, de

um modo geral.

Todos esses fatores importa serem relembrados na medida em que

situam o país numa turbulência de acontecimentos que irão, como dito, refletir

diretamente na produção das normas jurídicas do país, entre elas as civis, que

tentam se modernizar e captar os anseios de nova geração de súditos sedentos por

aquisição de direitos.

Carmem Lucia Silveira Ramos historicia que no desenrolar do século XX,

considerando, contudo, o código de 1916 fruto do século XIX, passou a Ciência

Jurídica por gradativa fase de abandono de sua neutralidade, apesar da influência

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exercida por Kelsen, que provocou a superação deste modelo esteado no

individualismo-capitalismo, existente para regular a vida da sociedade civil como

documento completo e único, e de alguns de seus dogmas mais importantes, além

de reconhecer a importância do momento histórico por que atravessa o mundo e

vinculação com elementos importantes desta transformação sócio-político-

econômico presente na época55 .

Neste panorama começam a borbulhar, mais intensamente, anseios de se

modificar o Código de Beviláqua, ainda mais, principalmente, face a elaboração,

sempre constante, de diplomas e leis que modificavam, de certa forma, os preceitos

civilistas clássicos, como o Decreto n. 23.301/33 (Código das Águas); Decreto-Lei n.

3.200/41 (Lei de Introdução ao Código Civil); a Lei de Falência e Concordata; Lei n.

883/49 (dispõe sobre o reconhecimento de filhos ilegítimos); Lei n. 1.110/50 (regula

o reconhecimento dos efeitos civis junto ao casamento religioso); Lei n. 2.375/54

(dispõe sobre a inscrição no registro público da emancipação por outorga do pai ou

da mãe); Lei 4.121/62 (Estatuto da Mulher Casada), entre outros.

A proliferação do início destes “micro-sistemas” jurídicos vai propiciar o

esvaziamento dos códigos, provocando verdadeira “descentralização do sistema de

direito privado, ausente na perspectiva dos idealizadores da codificação, excluindo o

monismo consagrado no código civil, em atendimento às emergências sociais”56 .

5.3. Os primeiros anteprojetos

Já na década de 40, Orozimbo Nonato, Hahnemann Guimarães e

Philadelpo Azevedo propugnavam a unificação do direito civil e mercantil,

especificamente o direito das obrigações, com o trabalho denominado “Primeiro

Projeto de Código de Obrigações”, seguindo tendência européia (Suíça e Polônia)

de unificar o direito obrigacional, com um código à parte do código civil,

propriamente, por entender que a teoria do direito obrigacional é inerente tanto ao

direito civil quando ao comercial, não havendo por que separá-los, o que acaba

55 RAMOS, Carmem Lucia Silveira [et. al]. A Constitucionalização do direito privado e a sociedade sem fronteiras. Repensando fundamentos do Direito Civil contemporâneo, p. 06. 56 RAMOS, Carmem Lucia Silveira [et. al]. Inovações do Novo Anteprojeto de Código Civil. Repensando fundamentos do Direito Civil contemporâneo, p. 07.

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causando mais confusão e desgaste na aplicabilidade de seus preceitos

fundamentais.

Mesmo posicionamento foi seguido pelo Projeto de 1965, de Orozimbo

Nonato, Sylvio Marcondes, Orlando Gomes, Caio Mário, Hehemias Gueiros e

Theóphilo de Azevedo, fato este igualmente ocorrido com o Anteprojeto de Orlando

Gomes, de 1963. Nenhum deles, contudo, foi recepcionado pelo novel código civil,

neste particular, subsistindo, em parte, a idéia de unificação do direito das

obrigações, em matérias de direito civil e comercial.

Moreira Alves57 historicia que Orlando Gomes foi convidado em 1961 pelo

então Ministro da Justiça, Oscar Pedroso D’Horta, para redigir o Anteprojeto do novo

código civil, cuja missão foi cumprida em 1963, inovando o civilista baiano em

inúmeros pontos, necessários à uma reforma deste porte.

Para Orlando Gomes seriam as seguintes as diretrizes que deveriam

nortear a elaboração do diploma civil58 :

1) estar atento à regra da adaptabilidade da lei à vida, para não se

distanciar da realidade brasileira;

2) modificar, para implantar no Anteprojeto, idéias aceitas por aqueles que

tinham mais conhecimento do que é o Direito e pelas pessoas ditas mais

“responsáveis”;

3) não cometer o erro de comunicar com a tradição os sentimentos

inerentes a certas regiões ou setores que não visualizaram as mudanças ocorridas

na sociedade, ou novos comportamentos existentes;

4) não manter institutos caducos, desatualizados, capazes de engessam o

Direito;

5) não introduzir institutos inovadores sobre o pretexto de serem

modernos e revolucionários;

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6) procurar manter, na medida do possível, os institutos existentes no

código de 1916, sem se limitar, no entanto, a uma simples restauração.

Moreira Alves, contudo, salienta que apesar do Anteprojeto, revisto por

Comissão composta por Orozimbo Nonato e Caio Mário da Silva Pereira, ter sido

encaminhado em outubro de 1965, sofreu fortes críticas, principalmente na área do

direito familiar, o que levou o executivo a retirá-lo, em 196659 . Assim, o Anteprojeto

do novo código civil foi entregue apenas no governo do Presidente Castello Branco.

Vale relembrar que até não ser convidado para a elaboração do Projeto

no novo código civil, Orlando Gomes não via com bons olhos a confecção de um

novo diploma civil pátrio, e que a partir do convite para realizar a empresa, passou a

se posicionar favoravelmente à elaboração de tal diploma privado.

Neste sentido aponta Geraldo Neves quando diz que

Orlando Gomes, aquele mesmo que em 1961 achava que o Código

não precisava ser mudado e que em 1963 era o “projetador” do

Código, foi afastado provavelmente por influência de alguns

desembargadores de São Paulo, em 196660 .

À frente do objetivo de se afastar Orlando Gomes da elaboração do

Projeto do novo código civil encontrava-se todo um arcabouço retrógrado daqueles

que não sentiam a modernização, ainda tímida, é verdade, da sociedade brasileira

da década de 60, especialmente as mudanças verificadas no âmbito do direito de

família. Geraldo Neves lembra ser o mestre baiano a favor da “união estável”, do

direito sucessório da companheira, da mulher ser co-responsável pela autoridade

familiar, do reconhecimento dos filhos ilegítimos, posicionamentos contrários ao Des.

do TJ-SP, Alceu Cordeiro Fernandes, expostos na obra “Reforma do Código Civil –

Estudos e Sugestões” (1966), de autoria de uma Comissão formada por alguns

desembargadores deste Egrégio Tribunal, isto porque pertenciam eles à TFP

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(Tradição, Família e Propriedade), que via no Projeto de Orlando Gomes elementos

de subversividade61 .

Para Geraldo Neves, o Des. Alceu Fernandes e os demais integrantes do

Tribunal de Justiça de São Paulo

atrasaram por mais 25 anos a vigência do novo Código Civil. A

retirada do Projeto Orlando Gomes e a nomeação de uma nova

Comissão, Elaboradora e Revisora, com plenos poderes para

arquitetar um novo Projeto, fizeram que tudo começasse de novo, do

quase zero, pois, que até a idéia de dois Códigos, um Código de

Obrigações e um Código Civil, gorou. Foi a Constituição de 1988 que

introduziu no Direito Brasileiro os “avanços” (esta palavra está muito

gasta...) pretendidos por Orlando Gomes. Pelo menos, agora, o

legislador civil não pode discuti-los, pois devem integral obediência à

Constituição62 .

Em 1969, nova Comissão foi constituída, integrando, agora, os juristas

Miguel Reale (Supervisor), José Carlos Moreira Alves (Parte Geral), Agostinho de

Arruda Alvim (Direito das Obrigações), Sylvio Marcondes (Atividade Negocial), Ebert

Chamoun (Direito das Coisas), Clóvis do Couto e Silva (Direito de Família) e

Torquatro Castro (Direito das Sucessões), tendo sido entregue em 1972 ao Ministro

da Justiça, Alfredo Buzaid, o Anteprojeto do código civil, cujo texto foi publicado

somente dois anos mais tarde. Finalmente, em 1975, no Governo de Ernesto Geisel,

contando com Armando Falcão Ministro da Justiça, o Projeto foi remetido ao

Congresso Nacional, pela Mensagem de nº. 160, onde se transformou no Projeto de

Lei n. 634/75.

6. A estrutura formal do atual Código Civil e seus relatores na Câmara dos

Deputados e no Senado Federal

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A elaboração de um Código, como todo diploma legal de impacto social

bastante acentuado, passa pelo sistema bicameral. O atual código civil teve a sua

estrutura formal por demais assemelhada com o código de 1916, constituindo, a

propósito, esta uma das diretrizes traçadas por Miguel Reale, com exceção da

introdução de um novo Livro – Direito de Empresa, e da unificação, em tese, do

Direito das Obrigações.

Inicia com a parte geral63 , composta de três livros: I – Das Pessoas; II –

Dos Bens; III – Dos Fatos Jurídicos. A parte especial inicia com o Livro Direito das

Obrigações, seguido do Livro Direito de Empresa, Livro Direito das Coisas, Livro

Direito de Família e finaliza a seqüência com o Livro Direito das Sucessões.

Iniciados os debates legislativos na Câmara dos Deputados, após 1.063

emendas, foi aprovado o Projeto e remetido ao Senado Federal, que o transformou

no Projeto de Lei n. 118, tendo sido apresentadas 360 emendas nesta Casa.

Na Câmara dos Deputados, a Parte Geral do código civil passou a contar

com 231 artigos (1o ao 231), tendo como relator parcial o deputado Brígido Tinoco.

Remetido ao Senado Federal, teve como relator parcial o Senador Bernardo Cabral

e, posteriormente, quando do seu retorno, com as emendas senatoriais inclusas,

transferiu-se a relatoria ao deputado Bonifácio Andrada.

O Direito das Obrigações é composto de 772 artigos (231 a 1002) e teve

o Deputado Raymundo Diniz como relator em primeira fase. No Senado Federal,

teve como relatores parciais os senadores Andrade Vieira e Luis Alberto Oliveira.

O Direito de Empresa, que inicialmente recebeu a designação de

“Atividade Negocial”, teve originalmente 233 artigos (1003 a 1234), e coube ao

deputado Geraldo Guedes a relatoria na Câmara dos Deputados, em primeira fase.

No Senado, teve como relator especial o senador José Fogaça.

____________________________________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de 2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O No

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O Direito das Coisas, composto o livro originalmente de 312 artigos (1197

a 1508), teve como relator, em primeira fase, o Deputado Lauro Leitão. Remetido ao

Senado, recebeu a relatoria especial do senador Roberto Requião.

O Direito de Família, composto na origem de 290 artigos (1542 a 1831),

teve como relator, em primeira fase, na Câmara dos Deputados, Cleverson Teixeira.

Já no Senado Federal recebeu como relator especial José Ignácio Ferreira.

Por último, o Direito das Sucessões, que continha originalmente, pelo

anteprojeto do prof. Torquatro Castro, 247 artigos (1832 a 2078), teve o deputado e

jurista piauiense Celso Barros Coelho64 como relator, em primeira fase. No Senado

Federal, Espiridão Amim foi o relator especial.

A consignação dos deputados e senadores como relatores dos

respectivos Livros do código civil é importante porque, de certo modo, foram eles

que, na condição de relatores, deram toque pessoal ao desenvolvimento do diploma

civil, naturalmente que contando com toda uma assessoria de juristas conhecedores

da matéria a que cada um deveria relatar.

7. Os Acontecimentos históricos anteriores à Carta Federal de 1988 como

óbices à elaboração do código civil

Com muita luta, sofrendo o Brasil grave crise interna, corroborada pela

moratória do pagamento dos juros da dívida externa, da crise do petróleo no mundo,

e das greves nas grandes fábricas do sudeste/sul do país, a Projeto do código civil,

finalmente, foi enviado ao Senado Federal em 1984. Nesta época, só se falava na

o Código Civil como eixo central do Direito Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/ _____.Examinadores:_________________________________________________________________________________________________________________________________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel Reale) SumárioResumo ................................................................................................................ 11Abstract ................................................................................................................ 12Resumen ............................................................................................................... 13Introdução .................................

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redemocratização do país. O fim dos governos militares parecia constituir

acontecimento inevitável. O Brasil vivia o clima das “Diretas Já”, todo o Congresso

Nacional estava antenado a esta realidade. Discutir e dar andamento à elaboração

do código civil não era a vontade dos congressistas, os quais demonstravam possuir

outros interesses mais prementes a serem perquiridos.

Regina Vera Villas Bôas Fessel65 aponta que no Senado Federal, desde

1984, o Projeto ficou adormecido até que veio a ser arquivado. Por iniciativa do

senador Cid Sabóia houve o desarquivamento, sendo composta nova Comissão

tendo ele como presidente.

Um dos motivos da falta de apetite para agilizar o andamento e

conseqüente conclusão do código civil decorre de que desde 1986 todo o esforço

legislativo vetoriou-se para a elaboração da CF/88. Assim, durante praticamente dois

anos nada se produziu no Congresso Nacional em relação ao código civil; os

esforços legislativos eram elaborar, o quanto antes, o Diploma Constitucional.

Os próprios doutrinadores civilistas sabiam, e não poderiam ter

posicionamentos diferentes, de que com a entrada em vigor de um novo texto

constitucional muitos dos preceitos e dogmas inscritos no código de 1916 e no

próprio projeto do novo código civil não poderiam vingar, por absoluta

inconstitucionalidade, inclusive podendo haver controle prévio de

constitucionalidade, na medida em que o texto não tinha ainda sido aprovado e já se

encontrava discordante de uma norma superior – a Constituição Federal –,

principalmente no livro relativo ao Direito de Família, onde a Carta Magna foi, de

fato, revolucionária frente às leis civil ordinárias, mas refletia apenas o que a doutrina

e a jurisprudência já assinalavam.

Promulgada a Carta, quando se pensava que a prioridade consistia em

resgatar os projetos então paralisados, observaram os legisladores que a

Constituição apresentava composição textual extremamente eivada de elementos

complicadores de sua clareza. O objetivo, agora, pois, centralizava-se em

complementar a Constituição, deixando-a menos incompleta possível.

.............................................................................14Capítulo I – As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do

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De fato, como todo Diploma Político, a Carta de 1988 deveria apenas

trazer princípios constitucionais de ordem mais genérico possíveis, no entanto, além

de possuir este aspecto, inovou por adotar a diretriz de disciplinar, no seu próprio

corpo, normas que competiam ao legislador ordinário fazê-lo. Muitas foram, assim,

as Leis Complementares à Constituição. O ordenamento jurídico brasileiro mudou

consideravelmente depois da entrada em vigor da nova Constituição, não podendo,

desta feita, deixarem os legisladores de elaborar o código civil em detrimento de

providenciarem a elaboração de normas ditas “complementares” à Constituição.

A prioridade legislativa, pois, era outra, e reformas constitucionais

necessitavam, com urgência, ser feitas, como a previdenciária, a fiscal, a política e a

tributária, muitas das quais ainda hoje incompletas ou de considerável fraqueza face

aos anseios do povo brasileiro. Com isso, foi-se postergando a confecção definitiva

do código civil, ainda mais por inexistência de pressão por parte dos doutrinadores e

juristas brasileiros.

8. A entrada em vigor da Constituição de 1988 como óbice existente ao normal

desenvolvimento da elaboração do Código Civil

Promulgada a Carta Magna, além da despreocupação formal dos

congressistas em não mais vetoriarem seus esforços na direção de finalizar o projeto

do código civil, como dito, face a outras necessidades mais prementes de se regrar a

vida da nação, outro grave entrave contribuiu para protrair a conclusão do código: o

receio do projeto tornar-se inconstitucional, devido às inúmeras modificações

ocasionadas pela nova ordem constitucional. Necessária, pois, a adequação dos

artigos do projeto do código civil, já votados e debatidos nas duas Casas

Legislativas, aos preceitos constitucionais.

Neste particular é que o Relator Geral, Dep. Ricardo Fiúza, aponta que:

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durante o período de sua tramitação mudou radical e positivamente o

sistema político brasileiro, nossa organização social, nosso modelo

econômico, e as próprias condições institucionais, a começar pela

cultura política e jurídica, submetidas ambas a constante e

contundente questionamento66 .

E finaliza aduzindo que o projeto do código civil encontrava-se em

descompasso com a realidade brasileira, contendo inúmeras inconstitucionalidades

e artigos de leis superados pelos diplomas ditos extravagantes, que entraram em

vigor no período de elaboração do código.

Para Gustavo Tepedino, após salientar que a discussão sobre o novo

código civil não passa pela desconfiança dos integrantes da Comissão de juristas e

do Senador Josaphat Marinho, mas sim por haver sido redigido há mais de 30 anos,

constituiu sua aprovação, além de retrocesso político e jurídico, igualmente

retrocesso social, na medida em que nestas três décadas o novo código

desconsiderou muitas das transformações ocorridas no país, como

os institutos de direito privado, em particular a família, a propriedade,

a empresa e o contrato, ganharam função social que passa a integrar

o seu conteúdo. As relações patrimoniais são funcionalizadas à

dignidade da pessoa humana e aos valores sociais insculpidos na

Constituição de 1988. Fala-se, por isso mesmo de uma

despatrimonialização do direito privado, de modo a bem demarcar a

diferença entre o atual sistema em relação àquele de 1916,

patrimonialista e individualista67 .

Começava, assim, nova fase do direito legislativo brasileiro. Como

coadunar os textos já discutidos, emendados e parcialmente aprovados nas duas

Casas, em matéria de direito civil, com a CF/88 ? Corria-se o risco de, remetendo-se

o projeto novamente para a Câmara dos Deputados e Senado Federal mais outros

quinze anos serem “perdidos”. A nação e a comunidade jurídica do país teriam

condições de esperar tanto tempo mais ?

ireito Civil Brasileiro ............ ............................................................................. 191. A influência exercid

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O primeiro passo para se solucionar este impasse partiu do então

Presidente da Comissão Especial, Dep. João Castelo, que nomeou relatores por

capítulos, os quais apresentaram relatórios parciais.

Precisamente na década de noventa, do século passado, houve, ainda

que timidamente, debates promovidos pelas Faculdades de Direito, com participação

de membros da Função Judiciária, do Ministério Público, de professores

especialistas em direito civil e direito constitucional que discutiram a respeito da

necessidade, prioridade e pertinência ou não do novo código.

Ricardo Fiúza aponta a existência destes debates, inclusive os

legislativos68 . Verifica-se, no entanto, que a sociedade brasileira, apesar de ter

ciência desde 1940 do anseio de nossos “melhores juristas” em elaborar novo

diploma civil, somente em 2002 acordou para a efetiva concretização do texto,

quando no Livro Complementar (Das Disposições Finais e Transitórias), o art. 2044,

expressa que o código entrará em vigor 1 (um) ano após a sua publicação, gerando,

desta feita, curiosidade, apreensão e interesse por grande parte da população.

Esta é uma questão que deve ser tratada com muita cautela: realmente

houve debate com os legisladores, com os juristas especializados na matéria, enfim,

com a sociedade, a respeito dos efeitos que um novo diploma civil acarreta à vida

comum dos brasileiros e estrangeiros que aqui residem ?

Volta-se aqui a fazer referência a importante aspecto, inclusive ausente

quando da elaboração do código de 1916: o grau de legitimidade que a norma

congrega, face à inexistência de debates prévios, pela sociedade, se almeja ou não

aquele comando. A diferença, contudo, é que se trata de um código e não de uma lei

ordinária qualquer, isoladamente elaborada. Os influxos deste diploma na vida e no

cotidiano dos brasileiros são enormes; a importância que um código civil exerce na

sociedade é só comparada à da própria Constituição de um país, cada qual nos

limites e graus de abrangência.

Neste particular é que Sérgio Cademartori, seguindo doutrina de

Habermas, adverte o seguinte:

pela Escola da Exegese na codificação

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As normas não são legítimas por possuírem uma validade objetiva e

incondicionada, em si e per si, mas o são: a) por serem frutos de um

acordo adotado através de um diálogo em condições ideais de

comunicação: b) por serem o pressuposto para a existência

empírico-real da comunidade ideal de comunicação69 [...].

Houve diálogo, comunicação, debate entre a sociedade e o Congresso

Nacional a respeito tanto da necessidade deste novo diploma civil, quanto

propriamente do teor contido nos próprios dispositivos que o integram ? Certamente

não o suficiente. O próprio aspecto da demora na elaboração do código, pois,

contribuiu para o desleixo e desinteresse por este debate, esfriando a vontade de se

emitir posição a cerca deste ou daquele instituto jurídico presente no Projeto de

código, mas nem por isso deve-se pôr de lado toda uma cultura jurídica existente no

país de “amor” à codificação civil. A propósito, como bem assinala Cláudio de Cicco,

à exceção do

mundo anglo-americano, que repeliu a idéia de codificação, por sua

tendência pragmatista – que o levou também a repudiar a Revolução

de 1789, com Edmond Burke – tanto o mundo germânico como o

latino, todo o mundo civilizado se empenhou na tarefa de codificar70 .

9. A elaboração da Resolução nº 01/00, do Congresso Nacional, como técnica

jurídica para agilizar o trâmite regimental do código civil

A rigidez regimental do Congresso não previa ou impedia a atualização e

a volta aos debates legislativos com o propósito de se adequar o projeto do código

civil à CF/88. Este era o impasse ocorrido no Congresso Nacional: como adequar-se

um texto a outro havendo vedação regimental.

o Direito Civil brasileiro ................................................................ ................................................191.1. O Códi

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A solução adveio com a Resolução nº 01, de 200071 , que alterou a

resolução n. 01, de 1979, em seu artigo 139, do Regimento Comum do Congresso

Nacional. De acordo com esta nova Resolução, o projeto de código que tramitasse

há mais de três legislaturas no Congresso Nacional deveria ser submetido a toda

uma revisão a fim de se adequar às novas regras constitucionais e legais. Parecia,

pois, estar resolvida a questão da constitucionalidade do projeto, na medida em que

todo o texto, desde a sua apresentação deveria ser revisto.

Há de se indagar, contudo, se a adequação à nova ordem jurídico-

constitucional foi apenas formal, isto porque a própria Resolução disciplina que o

parecer da Comissão de Constituição e Justiça, que apreciará as modificações e

atualizações propostas pelo Relator Geral do projeto em que se finalizar a sua

tramitação no Congresso Nacional, emitirá parecer jungido a verificar se as

alterações propostas restringem-se a promover a necessária atualização proposta

pelo Relator Geral. E submetido este ao plenário, vedadas se acham quaisquer

emendas ou modificações72 .

o Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo ....................................................................................... sua discussão final na Casa que o encaminhará à sanção, submetido a uma revisão para a sua adequação às alterações constitucionais e legais promulgadas desde sua apresentação. §1o O relator na Casa em que se finalizar sua tramitação no Congresso Nacional, antes de apresentar perante a Comissão respectiva seu parecer, encaminhará ao presidente da Casa relatório apontando as alterações para atualizar o texto do projeto em face das alterações legais aprovadas durante o curso de sua tramitação. § 2º O relatório mencionado no § 1º será encaminhado pelo Presidente à outra Casa do Congresso Nacional, que o submeterá à respectiva Comissão de Constituição e Justiça. § 3o A comissão, no prazo de 5 (cinco) dias, oferecerá parecer sobre a matéria, que se limitará a verificar se as alterações propostas restringem-se a promover a necessária atualização na forma do § 1º. § 4o O parecer da Comissão será apreciado em plenário no prazo de 5 (cinco) dias, com preferência sobre as demais proposições, vedadas emendas ou modificações. § 5o Votado o parecer, será feita a devida comunicação à Casa em que se encontra o projeto de código para o prosseguimento de sua tramitação regimental, incorporadas as alterações previstas”. 72 Oportuno trazer, agora, alguns fatos históricos da tramitação do projeto no Congresso Nacional, noticiados pelo próprio Relator Geral, dep. Ricardo Fiúza: “Encaminhado o relatório preliminar, contendo as adequações do texto, ao Senado Federal, conforme previsto no § 2º, foi o referido relatório submetido à Comissão de Constituição e Justiça daquela Casa, que ofereceu parecer, já votado e aprovado pela CCJ e pelo Plenário do Senado. Votado e aprovado o parecer da CCJ do Senado Federal, tem-se como incorporadas ao texto do Senado as adequações propostas pelo Relator Geral da Câmara a teor do que expressamente determina o § 5o do dispositivo regimental anteriormente citado, cabendo agora prosseguimento dos trabalhos, com a votação do relatório. Impende ressaltar que o parecer da CCJ do Senado Federal, relatado pelo nobre senador José Fogaça, em nenhum momento afirmou que qualquer das alterações propostas não se restringiam a promover a necessária atualização na forma do permissivo regimental. Isso implica dizer que todas as alterações propostas no relatório preliminar foram incorporadas ao texto do Senado, devendo agora receberem o tratamento isonômico com as demais emendas do Senado que não sofreram alteração. Ou seja, nos dispositivos emendados pelo Senado e alterados pelo Relator Geral da Câmara, fica prejudicada a redação da emenda senatorial, substituída pela alteração aprovada pelo Senado Federal nos termos da Resolução CN n. 01/2000, agora já incorporadas pelo Senado. Nos dispositivos não emendados pelo Senado, as alterações sugeridas pelo Relator Geral na Câmara devem ser consideradas como se fossem emendas do Senado.

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Verifica-se, pois, de certo modo, que o Relator Geral do projeto do código

civil exerceu função por demais importante na relatoria, na medida em que suas

proposições de atualização do projeto, por ter este tramitado há mais de três

legislaturas, foram praticamente referendadas pela Comissão de Constituição e

Justiça e pelo plenário da Casa, face ao que dispõe o regimento comum do

Congresso Nacional.

A constitucionalidade formal, assim, certamente foi cumprida, resta saber

se o código civil brasileiro se acha em conformidade com a CF/88

(constitucionalidade material), o que somente ter-se-á resposta com o próprio

desenvolvimento e maturação do direito civil existente, com o aperfeiçoamento e

progresso da doutrina e jurisprudência pátrias, e da própria modificação legal que

pode se ocorrer com as leis especiais adequando-se ao novel diploma civilista ou

este àquelas.

10. A demora na tramitação do projeto do código civil. Os efeitos causados

pelo fator tempo às normas jurídicas codificadas

Enquanto que a demora para a elaboração do código civil de 1916 foi, de

certa forma, vantajosa ao desenvolvimento do direito pátrio, na medida em que

“ofereceu a compensação de atingirmos a excelência do diploma, justamente

encomiado e considerado por juristas estrangeiros da melhor reputação, em especial

alemães”73 , no entanto, o atraso na conclusão do atual código civil prejudicou,

sobremaneira, a efetividade e grau de alcance dos próprios preceitos nele

insculpidos, isto porque além do Brasil do final do século XX já possuir uma cultura

civilística sedimentada, a demora gerou o enfraquecimento da vontade dos juristas e

legisladores de, efetivamente, terminarem a obra já em vias finais de conclusão. O

A despeito do parecer do Senador José Fogaça haver sugerido a rejeição de algumas emendas, não havia como ser considerada a proposição, uma vez que o referido parecer só poderia dizer da obediência ou não aos termos da resolução. Não havendo dito que qualquer dos dispositivos propostos extrapola ao permissivo regimental, conclui-se que todas as adequações foram inteiramente incorporadas pelo Senado”. (PROJETO DE LEI N. 634-D, p. 258). 73 FALCÃO, Alcino Pinto. Parte geral do Código Civil, p. 34.

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fator tempo sempre foi um tormento para os operadores do direito, o legislador

trabalha sempre em confronto com o tempo.

Em relação às áreas nas quais o Direito considera o tempo74 , Jean-Louis

Bergel aponta que deve o direito positivo constatar “o domínio do tempo sobre o

homem e ao mesmo tempo permitir um ‘domínio do homem sobre o tempo”’75 ,

analisa, desta feita, primeiramente, a maneira pela qual se está sujeito ao tempo e,

depois, a maneira pela qual pode o tempo ser administrado.

Dois fatores devem ser abordados quanto à sujeição ao tempo: a) o

aspecto da cronologia (técnica que se preocupa em estabelecer as divisões do

tempo e a fixação das datas, apreendendo “os instantes temporais”; b) o aspecto da

cronometria (técnica da medida dos intervalos de tempo e da conservação da sua

própria unidade), relacionando-se, pois, com a duração do tempo.

O instante consiste num ponto de vital importância para o Direito, na

medida em que 1) identifica o nascimento ou término das pessoas jurídicas e dos

direitos; 2) o início e o fim das situações jurídicas e 3) o momento da intervenção

nos fatos jurídicos76 . Os instantes jurídicos bem se relacionam com o aspecto de se

saber o momento exato em que uma norma jurídica entra em vigor, a sua vigência, e

a partir de que instante pode ser aplicada.

O sistema jurídico nacional, positivista por excelência, apesar de estar

sendo mudada esta concepção nos últimos anos, com a criação do direito pelo

magistrado, tem de certo modo tentado diminuir a importância e efeitos do tempo na

concretização das normas jurídicas. O instante do tempo, contudo, toma grau de

74 Pertinente o posicionamento de Pierre Boutang, a respeito da origem do tempo, o qual, após responder ser o tempo aquilo que se sabe sem que ninguém pergunte, mas que, perguntado, não se sabe explicar, bem explana ser ele “bem conhecido, objeto de um saber imediato para todo homem que nele pensa, ainda que minimamente: ele sabe o que quer dizer agora, ontem, amanhã, depois, e também antes, durante, depois, e muitas outras palavras: ele sabe isso sem se enganar ou acredita que sabe e que pode fiar-se nessa crença, que pressente como geral, sobretudo se encontra um suporte para essa certeza no espaço, isto é, mais exatamente, no mundo. Se a pergunta insiste, surge todo tipo de aporias e todas o surpreendem: Ü¥h_Wà______e_______________j§__ru__________________u€__Ã#__1____________________________F__`____F__`___`I__Ê___*P__Œ___|a______|a______|a______Vn______Vn______Vn______Vn______Vn______nn__Ð___>o_____Vn______vt__@___Jp______Jp__4___~p______~p______~p______~p______~p______~p______Ÿr______¡r______¡r______¡r__?___àr__¼___œs__¼___Xt__-___¶t__X___u__d___vt______________________|a______or________U_w_"_,_~p______~p______________________or______or______vt______or______|a______|a______~p______________________Jp______or______or______or______or______|a______~p______|a______~p______Ÿr______________ %•q÷5à �a__Ê___Zf__ü___¶T__Ê___€Y__ü___|a______|a______~p__ñ__ Ÿr______or__0___or_____________________________________

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relevância em ordenamentos jurídicos nos quais a segurança jurídica encontra base

em princípios constitucionais, sendo, por outro lado, modo de emperrar o

desenvolvimento da sociedade.

Na teoria da codificação, é de suma importância determinar o momento

exato em que um código entra em vigor, ante os conflitos de normas que surgirão

certamente a partir daí, com o código antigo e com as dispostas nos micro-sistemas

jurídicos, não sendo fácil determinar qual a lei aplicada ao caso concreto, em face

dos critérios da especialidade, cronológico e hierárquico. A duração do tempo, pois,

tem por escopo “controlar o ritmo da vida jurídica”.

Neste particular, presente se insere a relevância dos prazos para o

Direito. No mundo agitado em que vivemos, onde muitas das ações humanas são

tuteladas pelas normas jurídicas, ora estabelecendo um comportamento, ora uma

inação, não se pode esperar indefinitivamente das pessoas que tomem ou deixem

de tomar uma atitude a fim de que seja criada ou modificada uma nova ordem

jurídica. O Direito está sempre exigindo das pessoas comportamentos positivos ou

negativos, e para isto existe prazo.

Tanto assim que a ordem jurídica não pode parar ao influxo do tempo. Na

verdade, um estado de coisas existente por muito tempo acaba por ser considerada

legítima sem a necessidade de serem demonstradas suas origens mais remotas, o

que exige assim certo grau de dificuldade cada vez maior de se provar o nascimento

de um direito quanto maior o tempo decorrido, e a tendência de adaptação ao que

existe, além da idéia de ser negligente o titular de um direito que não o exercita no

tempo oportuno, leva-se a concluir que a influência do tempo, como fator

modificativo das relações, manifesta-se, dentro do código civil, em suas

instituições77.

Neste diapasão que avulta a importância da segurança jurídica e sua

relação com as leis, em especial a técnica legislativa da codificação, bem assim com

o propósito de

[...] garantir a segurança jurídica, cumpre que a ordem estabelecida

não possa ser contestada incessantemente e que as situações

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jurídicas ou de fato adquiram ao cabo de certo tempo uma

estabilidade suficiente. Passados os prazos necessários para

permitir aos interessados reivindicar seus direitos ou contestar as

situações estabelecidas, as coisas precisam ficar cristalizadas78 .

A importância dos prazos é tamanha para o Direito, que hoje dia tem ele a

característica mais procedimental do que a busca pela Justiça, em homenagem, com

efeito, à própria segurança jurídica. O legislador e, ultimamente, o próprio

magistrado, são os senhores que estabelecem os prazos legais, sejam processuais,

sejam materiais. Por que o prazo para a entrada em vigor do Código Civil Alemão de

1900 foi de quatro anos e o Código Civil Brasileiro de 1916 de um ano, e o atual

código também é de um ano ? Quais os parâmetros que levam o legislador a

estabelecer resoluto prazo para a entrada em vigor de uma norma jurídica, ou de um

Código?

Certamente o grau de importância que este diploma ou lei possui ou vai

gerar na sociedade. Anteriormente, o prazo para a entrada em vigor de uma norma,

do tempo de sua elaboração até poder ser aplicada pelo magistrado era muito

extenso; hoje, praticamente no momento da sua publicação pelo Diário Oficial.

Este fator remete a não aplicação do art. 1º, da Lei de Introdução ao

código civil, que na verdade tem natureza jurídica de não somente introduzir dogmas

ao direito civil, mas ao próprio direito privado e direito público em geral, quando

estabelece que “salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o País

quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”, prazo este que se duplica

quando admitida por estados estrangeiros. Tal dispositivo de lei perdeu seu sentido

social, em decorrência da facilidade ao acesso às informações, geradas pela

proliferação dos meios de comunicação, propiciando, pois, maior facilidade a que

uma norma jurídica venha a ficar conhecida, o que não se dava na década de 40,

apesar do direcionamento a partir desta época para a multiplicabilidade delas a todo

instante.

Em se tratando, no entanto, de códigos, em especial o código civil, que

muda todo o comportamento da sociedade civil, há de se estabelecer um prazo para

______________________________________________________UNIV RSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE FEDERAL DO

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o debate e conhecimento da comunidade científico-jurídica e dos cidadãos comuns.

Não se trata de um arbítrio do legislador em estabelecer aleatoriamente os prazos,

mas de um estudo de caráter delicado que deve ser realizado a fim de não petrificar

o Direito, imperando a aplicabilidade de uma norma quando já poderia ser aplicada à

sociedade, e, quem sabe, obstaculando a concessão de direitos já visivelmente

presentes no seio da população.

O próprio legislador, por outro lado, consciente de que o mundo jurídico

tem seus padrões variados quanto ao tempo, introduz no ordenamento jurídico leis

ou mecanismos legais capazes de agilizar a concretização dos atos jurídicos, não

deixando os magistrados e os legisladores inertes face aos resultados perquiridos

pela população; é o que ocorre, verbi gratia, com os institutos da antecipação da

tutela, tutela específica e, ultimamente, a tutela inibitória.

Quanto à administração do tempo, Jean-Louis Bergel bem aponta que “o

direito deve fornecer ao homem os meios de organizar a existência, a adaptação e a

vida das relações jurídicas no tempo”79 , sendo um exemplo bem típico da

administração do tempo pelo Direito, feito pelo homem, a elaboração dos contratos

jurídicos, onde ora há uma prorrogação do presente ou antecipação do futuro. Por

outro lado, “o direito pode conceber o tempo e utilizá-lo essencialmente como um

freio ou um acelerador da evolução social e da vida jurídica”80 , o que Hébraud

chamou de estabilismo e mobilismo.

Toda esta dogmática que envolve o tempo e sua utilização pelo Direito,

emerge de importância face a um outro aspecto a ser abordado, que guarda estreita

relação com a teoria da codificação: o poder que a norma tem de procurar disciplinar

situações jurídicas já sedimentadas, valoradas que foram pela sociedade. A norma

não acompanha o tempo; a menos que seja a norma judicial (sentença) ainda assim

eivada de certo grau de ineditismo e de vanguardismo. É na interpretação da norma,

contudo, que se busca a sua atualização.

Assim é que uma das mais acirradas críticas que se faz à técnica

legislativa de codificar as normas jurídicas recai, exatamente, na disjunção existente

IAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO PIAUÍM STRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREI

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entre os motivos que esmeraram a criação de uma norma jurídica e a sua

correspondente entrada em vigor, geralmente verificada tempos depois.

Por mais que se procure encurtar este hiato temporal, ele sempre existirá,

é fruto da concepção do ser humano que conscientemente sabe que o “tempo não

pára”, e que o direito ainda constitui um modo de dominação social que entrava as

relações dos homens, sob certo modo, e que somente podem ser transformadas em

leis determinados regramentos, depois de uma certa sedimentação e discussão pela

sociedade. É como diz Eduardo Novoa Moreal que

publicada a lei, seu conteúdo obrigatório fica como que cristalizado

ou fixado, sem qualquer alteração para um futuro sem termo, salvo o

que provier de outra declaração legislativa. Poderíamos dizer que se

assemelha a uma flecha que fere retilineamente o espaço temporal,

sem desvio em sua direção (direção a representar seu conteúdo),

malgrado o transcurso do tempo81 .

As normas jurídicas, e aqui se incluem as normas codificadas,

especificamente, tendem a refletir idéias de fatos consumados no passado, que, por

um motivo ou por outro, ganharam valoração por parte do legislador, estes, no

desiderato de elaborarem leis, não são capazes de acompanhar o desenvolvimento

temporal dos fatos sociais os quais normalmente continuam a se desenrolar, não só

porque as relações jurídicas mudam de enfoque, mas também por ser da natureza

humana o caminho para o aperfeiçoamento, ainda que muitas das vezes causem

consideráveis prejuízos à vida presente, nas tomadas de posicionamentos.

Isto explique o afã dos legisladores modernos de quererem sempre

atualizar as normas jurídicas, como que amenizando a conexão presente entre a

realidade social e a lei, o que poderá, contudo, causar mais embaraço e instabilidade

na sociedade.

Em sentido oposto, Ricardo Rodrigues Gama, após salientar que de fato

em sistemas legalistas, como o brasileiro, a lei necessita acompanhar os anseios da

população, nem sempre esta precisa sofrer mudanças em diminutos espaços

temporais, na medida em que é perfeitamente possível adaptar-se aos fatos do

O A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil com

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cotidiano; aduz que em face dos efeitos do tempo, porém, pode ocorrer verdadeira

desarmanonia entre o texto da lei e os anseios da sociedade, verificado por novos

comportamentos que a sociedade impõe, razão pela qual, nestes casos, necessário

se faz elaborar-se novo diploma legal82 . Conclui, finalmente, não bastar referir-se

somente “ao fato social para lograr a alteração da lei, mas é necessária a

constatação da ideologia transformadora que rege o grupo social no momento em

que se quer promover as mudanças”83 . Assim é que, à procura de evitar o

desequilíbrio causado às leis pelas transformações sociais, o legislador poderia

perfeitamente elaborar novas normas com o propósito de atualizar as regras já

ultrapassadas, mantendo sempre atualizado o Direito, o que jamais seria possível,

mesmo agindo atenciosamente e com prontidão84 .

Neste sentido, o relator geral do Projeto do código de 2002 na Câmara

Federal, Dep. Ricardo Fiúza, em seu parecer final, aponta que para que o código

permanecesse sempre atualizado, apresentou a sugestão de que, por meio de suas

Comissões de Justiça e da revisão de seus regimentos internos, a Câmara dos

Deputados e o Senado Federal criariam Subcomissões para propiciar a atualização

sempre constante do código civil85 .

A solução, destarte, a ser buscada, não poderia deixar de passar tão-

somente pelo modo de se atualizar a lei, substituindo-a por outra, teoricamente mais

atual, mas sim em nova (moderna) interpretação dada a esta mesma lei.

A técnica de elaboração de códigos, cujos arcabouços jurídicos tendem a

primar pela generalidade e totalidade, confronta-se visivelmente com a evolução que

o direito tem que encampar, face à impossibilidade de não ser recomendável mudar

a todo instante um código, por ferir princípios que foram sedimentados depois de

razoável fase de consolidação na sociedade. O código é um sistema e, como tal,

devem ser mantidas ao máximo suas diretrizes, ainda mais por ocasionar a

supressão de alguns de seus artigos a ruptura de toda a estrutura do diploma.

eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de 2003Joseli Lima Magalhães MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Pr vado Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação m Filosofia do Direito e Teoria Geral

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Não se pode, todavia, aceitar esta imutabilidade indefinidamente, afinal,

as leis precisam estar sempre atualizadas (ou pelo menos a interpretação dada a

elas), e o código, como repositório de um conjunto de normas disciplinadoras de um

ramo do direito, também se acha sujeito à desatualização.

Aqueles que contestam a técnica de legislar por meio da elaboração de

códigos, propugnam ser ainda resquício dos aspectos conservadores que a Ciência

Jurídica tem demonstrado possuir ao longo da história, o que levou Eduardo Novoa

Monreal a afirmar que geralmente

subsistem os mesmos esquemas jurídicos, as mesma instituições, as

mesmas formas de expressar e aplicar o Direito. Dessa forma, não é

estranho que os juristas, pelas suas tresnoitadas teorias, conceitos e

formulações, sejam olhados, pela generalidade dos demais seres

humanos, como espécimes de uma fauna em vias de extinção e, por

isso mesmo, cada dia menos decisiva no curso da vida social,

enquanto juristas86 .

A solução, contudo, parte pela construção de um novo modelo de

codificação, não mais influenciado e eivado da estrutura dos códigos oitocentistas,

onde a influxo do tempo consegue, visivelmente, desatualizar as normas nele

contidas, mas que agrupe uma linguagem jurídica mais aberta, com cláusulas gerais

e conceitos jurídicos indeterminados presentes, dando-se, ademais, ao aplicador da

norma total liberdade para “construir e atualizar” o Direito.

O código civil, assim, funcionaria como eixo central do sistema civilístico,

sem possuir o dogma de dominar todos os conceitos e teses jurídicas, de captar

todas as leis que formam o universo do direito civil, mas como elemento, a partir do

qual, seria lançada a base do desenvolvimento deste direito, direcionando-o e

servindo como referência, sempre numa visão aberta e se posicionando claramente

numa linguagem de conformidade e dependência, como dito, frente à Constituição,

esta sim, a Lei disciplinadora de todos os ramos do Direito, inclusive o civil.

Toda esta diretriz, com certeza, possibilitará sejam amainados os efeitos o

tempo sobre as normas inseridas nos códigos civis.

do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do título em M

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11. Finalmente a elaboração do novo Código Civil Brasileiro.

Diretrizes apresentadas no anteprojeto confirmadas pelo novel diploma.

Na exposição de motivos de Miguel Reale, justificadora da elaboração do

código civil, o então Ministro da Justiça, Armando Falcão, na mensagem de nº 160,

datada de 10.06.75, aponta que foram cumpridas as diretrizes traçadas pelo

Governo Federal, entre as quais se destacam87 :

a) compreender o código civil como lei básica e não global do Direito

Privado, incluindo, aí, o Direito das Obrigações, não havendo distinção entre as

obrigações civis e mercantis. Esse entendimento de unificação do Direito Privado em

um único código já tinha sido, inclusive, objeto de desejo do codificador Teixeira de

Freitas, representando, aliás, um dos motivos que o desgostou, propiciando que

abandonasse a feitura do código civil de 1916. Havia, igualmente, forte tendência do

direito das obrigações de se desprender do código civil, o que igualmente foi

contornado, porquanto este ramo do direito civil se comunica, constantemente, com

os demais livros do diploma.

A crítica que se faz a esta diretriz, lastrea-se na atualidade de se libertar o

Direito das Obrigações, por constituir este um corpo de leis independentes dos

demais Livros, constituindo esta necessidade, por sinal, fruto da multiplicabilidade de

microssistemas jurídicos, cada qual almejando sua independência. O Direito das

Obrigações serviria, pois, de ponto de partida e de chegada para outros ramos do

Direito, não somente o civil, projetando-lhe certa autonomia ao compor e estar

inserido num corpo legal separado do código civil, ainda mais porque assim

desenvolver-se-iam com mais fluidez seus institutos jurídicos, os quais tenderiam a

estar sempre atualizados;

stre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne.

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b) manter, de um modo geral, a estrutura do código civil, inclusive com a

Parte Geral, entendimento este colhido a partir do sentimento da opinião reinante

dos juristas pátrios, tanto pela necessidade prática como pelos valores dogmáticos

que cada instituto jurídico possui, sem olvidar da necessária atualização, ajustando-

se aos imperativos da época da elaboração do código, numa perspectiva de futuro.

Aqui se concentra, certamente, uma das mais agudas críticas feitas à

codificação: como conciliar institutos jurídicos em estado de decadência e outros em

franco desenvolvimento ? Como saber se um instituto jurídico ou texto de lei se

encontra em decadência, em desuso, e o outro não? Quem tem o poder de

visualizar este escopo ? À primeira vista, cabe ao bom senso dos doutrinadores, e é

por isso que para a elaboração de uma obra desta dimensão, selecionou-se um

quadro da mais apurada estirpe jurídica, gabaritados seus membros, para

resolverem ou não estas capciosas indagações presentes a todo instante e, a partir

dos juízos de valor emitidos por eles, determinados institutos jurídicos seriam

retirados do corpo de um código ou continuariam presentes. Este juízo de valor,

contudo, não é aleatório, mas fulcrado na experiência jurídica, na prática forense,

das decisões judiciais, do que pensa a academia jurídica nacional, no bom senso e

na pertinência de se introduzir um instituto já consolidado fora do corpo de um

código, bem assim de extirpá-lo quando já representa “letra morta”, servindo apenas

para, inutilmente, ocupar espaço e petrificar o Direito.

Neste particular, é que o código não é campo para experimentações

jurídicas, não sendo cobaia para se testar princípios virgens, originais, sem a

comprovabilidade do tempo, sendo a inovação nos códigos sempre pertinentes,

desde que já densificado nos anteprojetos, na doutrina e nas decisões judiciais, e

não um novidade absoluta a ser inserida em um código de supino88 ;

c) preservar, sempre que possível, a atual redação do código civil, a

menos que haja mudança profunda, ou em virtude das variações semânticas

ocorridas durante este grande lapso temporal.

Vê-se a importância que a língua portuguesa tem para o desenvolvimento

do Direito, as relações íntima existentes entre a linguagem escrita e a linguagem

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jurídica, afinal, toda interpretação de um texto de lei escrito começa, forçosamente,

pela interpretação literal, mas não se identifica ou se esgota nela; muito pelo

contrário, muitas vezes se distancia profundamente de seu conteúdo. Tanto o

vocabulário jurídico, quanto o lingüístico do começo do século passado, não mais

são os mesmos praticados hoje. A frase deve ser sempre construída na ordem direta

(sujeito + verbo + complemento) e não na ordem inversa, muito comum no nosso

código de 1916, por ser típico daquela época a linguagem empolada, de certa forma

rebuscada89 .

A percepção do que vem a ser o Direito se aproxima cada vez mais da

população, e esta precisa de termos compreensíveis, sem perder de referência,

porém, o mínimo de arquitetura jurídica necessária e pertinente à sobrevivência da

Ciência Jurídica;

d) atualização sempre constante do código vigente, buscando superar a

individualidade presente no código de 1916, bem assim dotar o novo código de

novos institutos reclamados pela sociedade.

A atualização de códigos é problema a ser enfrentado, também, pela

Teoria Geral do Direito, na medida em que as leis já nascem envelhecidas, e o

influxo do tempo junto às normas jurídicas, principalmente as de caráter privado,

apresenta-se por demais intenso. A superação desta meta requer, pois, mais do que

nunca, esforço concentrado e compartilhado de todos que labutam para a

modernização e desenvolvimento do Direito.

Por outro lado, esta atualização deve sempre ter como esteio a moderna

concepção da “individualidade”, e que pelo código de 1916 sofreu influência bastante

intensa do Code, sendo fruto do próprio individualismo daquela época, onde os

direitos sociais não se encontravam, ainda, disciplinados nas constituições. O novo

TeresinaÜ¥h_Wà______e_______________j§__ru__________________u€__Ã#__1____________________________F__`____F__`___`I__Ê __*P__Œ___|a______|a______|a______Vn______Vn______Vn______Vn______Vn______nn__Ð___>o_____Vn______vt__@___Jp______Jp__4___~p______~p______~p______~p______~p______~p______Ÿr______¡r______¡r______¡r__?___àr__¼___œs__¼___Xt__-___¶t__X___u__d___vt______________________|a______or________U_w_"_,_~p______~p______________________or______or______vt______or______|a______|a______~p______________________Jp______or______or______or______or______|a______~p______|a______~p______Ÿr______________ %•q÷5Ã_�a__Ê___Zf__ü___¶T__Ê___€Y__ü___|a______|a______~p__ñ___Ÿr______or__0___or____________________________________________________________________________________________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVO

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código civil procura amainar a individualidade, não como uma dádiva do legislador,

mas como fator inevitável frente o alcance e desenvolvimento que os direitos sociais

e humanos têm alcançados nas últimas décadas. Essa mudança não pode ser

abrupta, requer aprofundado estudo, debate, a fim de não propiciar o descrédito

popular de que determinada lei não é cumprida por estender abusivamente muitos

direitos, quando se sabe que o próprio Estado não tem condições de salvaguardar

tais direitos estipulados pelo legislador;

e) Aproveitar os anteprojetos realizados por outros juristas, como os do

Código das Obrigações, de 1941 e 1965, cuja comissão era formada pelos

renomados juristas Orosimbo Nonato, Caio Mário da Silva Pereira, Sylvio

Marcondes, Orlando Gomes, Theophilo de Azevedo Santos e Nehemias Gueiros,

bem assim o anteprojeto de código civil de Orlando Gomes, datado de 1963.

Este fator sempre foi uma constante no nosso direito civil: aproveitamento

de trabalhos doutrinários de juristas (anteprojetistas) que anteriormente se

debruçaram sobre o estudo do direito, prova disto é que o código civil de 1916 tem

como base formal, de certo modo, o anteprojeto do código civil do piauiense Coelho

Rodrigues, o que demonstra, de certa forma, unidade de pensamento entre a

comunidade jurídica nacional, ou ao menos uma tendência de unidade, já que

muitas idéias ou posicionamentos tidos por uns não foram seguidos por outros;

f) Incluir nos códigos tão-somente os institutos jurídicos de certa forma já

sedimentados, cabendo ao legislador disciplinar as questões jurídicas que envolvam

dúvidas ou contradição e naquelas em que a doutrina não se encontra ainda de

certa forma tendente de uma opinião reinante, e previsível de adaptação à nova lei

frente à experiência sócio-econômica mutante.

Nota-se, neste particular, o interesse de não serem incluídos temas

polêmicos e ainda dispersos a respeito de um posicionamento estável, como o

disciplinamento da união entre pessoas do mesmo sexo90 ; relações jurídicas

ACIA DO ESTADO DO PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de 2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Trabalho Mon

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realizadas via internet91 ou questões que envolvam o bio-direito, como “barriga de

aluguel”, “clonagem humana” ou “transplante de órgãos”. O código somente

“abrange aquilo que já está, de certa maneira, consolidado à luz da experiência”92 ,

não sendo arcabouço para aventuras jurídicas capazes de comprometer a própria

estrutura do Diploma.

g) Eliminar o direito processual existente no código civil, a menos que

estritamente necessário a seu desenvolvimento e intimamente ligado a ele.

A necessidade de se isolar o direito material do direto processual sempre

foi um desiderato de nossos doutrinadores privatistas. Adite-se, aqui, apresentar-se

o direito processual cada vez mais importância frente ao direito material. A

instrumentalidade do processo se arvora e as formalidades jurídicas, muitas vezes

exigidas pela lei material, são postas de lado pela própria necessidade que a

comunidade jurídica tem de tutelar e conceder direitos. Inegável que o direito

processual tende a disciplinar e estar presente em corpos de direito tipicamente

material, mas isto se verifica como tendência da abundância de direitos concedidos

pelo Estado e, especialmente, pela progressão que os princípios constitucionais

processuais alcançaram nas últimas décadas.

A inserção de normas processuais em diplomas que na sua origem eram

de direito material é cada vez mais incisivo, basta observar a Lei de Falência, Lei de

Locações, o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do

Adolescente, entre outros, onde se constata que, ao lado das normas de direito

material, são inúmeras as situações de normas procedimentais, constituindo

verdadeiros micro-sistemas.

Barbosa Moreira alerta a respeito da possibilidade de ser distribuída a

mesma matéria para diplomas de direito processual civil e direito civil, apesar

gráfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/ _____.Examinadores:_________________________________________________________________________________________________________________________________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Bro ne, sem os quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de Direito.

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daquele não conter apenas normas aplicáveis a processos relacionados com litígios

de natureza civil, apontando nem sempre ser fácil

determinar a melhor localização de tal ou qual dispositivo, e o

legislador se deixa guiar muitas vezes por critérios que variam de um

país par outro, ou que relegam a plano inferior preocupações de

índole acadêmica. Daí a ocorrência de intromissões e de

superposições: regras pertinentes ao direito civil insinuam-se em

códigos processuais, ou vice-versa (a doutrina chama-lhes

heterotópicas), ou então certos assuntos93 se vêem tratados a um só

tempo no Código Civil e no Código de Processo Civil94 .

Conclui, ainda, que certamente na aplicação do novo código civil

incertezas e polêmicas certamente advirão95 .

h) Por ser um sistema, o código civil tem que incluir leis especiais

disciplinadas fora do código de 1916.

Aparentemente, mais uma vez se encontra presente a característica da

totalidade, elemento integrante da idéia da codificação, como se os anseios da

população, transformados no papel que são, fosse possível ser resumido a um único

texto legal. A dificuldade reside, neste particular, em se saber quais leis

extravagantes ao código civil devem ser inseridas, ou se o sistema de conjunto do

código civil é que deve prevalecer. Ocorre, que a totalidade aqui presente não tem o

mesmo escopo dos códigos oitocentistas, como característica de agrupar em um

único diploma toda a legislação civil do ordenamento jurídico; preocupa-se em inserir

no código civil as normas extravagante mas quanto a seus postulados e princípios

identificadores, a fim de que não haja desarmonia entre o novel código civil (lei

posterior e geral) e os micro-sistemas jurídicos (lei anterior e especial), pelo que se

depreende que o desiderato dos projetistas é outro senão propiciar certo grau de

harmonia entre o diploma totalizante e as leis especiais, e não pelo que se

“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel Reale) SumárioResumo ................................................................................................................ 11Abstract .............................................................. ................................................. 12Resumen ....................................... ....................................................................... 13Introdução ...............

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103

depreende, à primeira vista, de voltar-se à idéia generalizante de possuir o código

todas as normas de cunho privado.

i) aceitar os modelos jurídicos que nascem e se desenvolvem da

jurisprudência, fixando, porém, normas para superar as situações conflitivas,

comprometedoras da unidade e coerência do direito pátrio.

A jurisprudência como fonte do direito tem alcançado nos últimos anos,

principalmente depois da Constituição de 1988, com a irrefragável independência da

Função Judiciária, singular importância na construção e desenvolvimento do Direito.

Deixa-se de lado a figura do legislador, da importância da lei, esta vista como

elemento propulsor e central do nascimento do Direito, para buscar-se a figura do

magistrado, de sentir em suas decisões a força capaz de mudar estar referência.

Os anteprojetistas do atual código civil são conscientes da importância

que a jurisprudência tem alcançado no cenário jurídico nacional e mundial, de tal

maneira que constitui um modo de aperfeiçoamento da norma escrita, unificando o

pensamento a respeito dela, o que acaba sendo um início para tornar coerente e uno

o ordenamento civilista nacional.

Perelman observa, após historiar a respeito da evolução histórica das

fontes do direito, onde se percebe que os juristas (professores de direito) da primeira

metade do século XIX, na França, cujo Direito muito influenciou nas diretrizes

presentes no código civil brasileiro de 1916, tinham eles por hábito ensinar o código

civil francês, não cabendo ao magistrado senão aplicar o direito elaborado pelo

legislador, no célebre pensamento de Morlon, de que um bom magistrado humilha

sua razão perante a razão da lei, e que posteriormente este rigorismo foi amainado

pela Escola Histórica do Direito e pelo pensamento sociológico do direito, que deram

uma interpretação mais teleológica ao texto de lei, e por fim aos tópicos jurídicos e

aos princípios gerais de direito, que a concepção moderna do papel do juiz visa a

conciliação e o respeito pela lei com as exigências da eqüidade, propiciando à

opinião pública de certo modo aceitar as decisões judiciais96 . O papel exercido pela

magistratura, mais do que nunca, alcança considerável grau de importância nesta

............................................

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104

fase de adaptação do “novo” código civil, visto que muitos de seus princípios e

dogmas precisam ser revistos e outros adaptados à nova realidade jurídica nacional.

j) ter a participação efetiva de entidades públicas e privadas, cujo objeto

de trabalho seja pertinente à

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105

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106

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PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO PIAUÍMESTRADO EM

FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A MODERNA CODIFICAÇÃO

DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado

Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de 2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA

CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo

central do Direito Privado Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso

de Pós-Graduação em Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela

Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em

Direito, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A

MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil

como eixo central do Direito Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em :

____/____/

_____.Examinadores:__________________________________________________

____________________________________________________________________

___________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in

memorian) e Júlia Lima Magalhães.

Agradeço ao incentivo dado pelos professores do curso de

mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nélson

Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os quais

não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de

..................................................14Capítulo I – As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro .................................................................................................................191.1. O Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo ...................................................................................................................... 191.2. A codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da ideologia dos cód gos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX ..............................................................................

Page 107: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO … · certo grau de cuidado e de maturação por parte do pesquisador. Um tema aparentemente simples, sem maiores digressões, pode se tornar compreensível

107

Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas

no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel

Reale) SumárioResumo

................................................................................................................ 11Abstract

................................................................................................................ 12Resumen

............................................................................................................... 13Introdução

...............................................................................................................14Capítulo I –

As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil

Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência

exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro

.................................................................................................................191.1. O

Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo

...................................................................................................................... 191.2. A

codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade

pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da

ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX

............................................................................................... 30 2. A influência

exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro

.............o de doutrinador, como agente presente da produção e expressão do direito,

reside no fato de se encontrar um tanto afastado da sociedade, preso aos gabinetes,

teorizando, às vezes distante e alheio aos movimentos sociais. O

doutrinador/codificador há de estar sempre em contato com o povo e, a partir daí,

então, manifestar sua opinião a respeito de como deve ser o direito de um povo.

Contudo, de nada ou pouco adianta pôr à disposição do doutrinador

(codificador), liberdade para produzir e elaborar o direito se, logo depois, surge o

legislador e, sob o prisma e “dogma” de ser representante da população, livremente,

modifica todas as teorias e a arquitetura jurídica elaborada por aquele, sem dúvida

bem mais preparado tecnicamente. A solução mais plausível passa necessariamente

pela constante interação entre o legislador, depois de elaborado o projeto do código,

e o doutrinador, que deu a forma e conteúdo primeiro ao projeto. Ambos com ampla

liberdade, mas respeitando a realidade e os anseios da população, propiciando,

desta feita, o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos institutos jurídicos.

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108

Assim, se o código de 1916 possuía apenas um codificador, o que de

certa forma deu unidade ao projeto, na medida em que centralizava as idéias da

parte geral do código ao livro do direito das sucessões, o atual código teve como co-

codificadores sete juristas: Miguel Reale (Supervisor), José Carlos Moreira Alves

(Parte Geral), Agostinho de Arruda Alvim (Direito das Obrigações), Sylvio Marcondes

(Atividade Negocial), Ebert Chamoun (Direito das Coisas), Clóvis do Couto e Silva

(Direito de Família) e Torquato Castro (Direito das Sucessões), dos quais apenas

estão vivos os dois primeiros, o que poderia levar à crítica que o código não possui

unidade de pensamento.

Por ter sido o trabalho de elaboração do código civil de 1916 acometido a

seis juristas, sob a presidência de Miguel Reale, poder-se-ia identificar a falta de

unidade, quer na linguagem, quer no método, quer na principiologia dogmática

adotada, face a nenhum deles, apesar do galhardão jurídico que possuem ou

possuíam, chegou a cobrir com a respectiva obra os escaninhos fundamentais de

todo o Direito Civil, diferentemente do que se deu com Orlando Gomes e Caio Mário,

no dizer de Limongi França.

Observa-se, contudo, pelas inúmeras reuniões realizadas pela Comissão,

a qual constantemente debatia em grupo os reflexos de um artigo em outro artigo,

não procede esta afirmativa. Se por um lado, há o perigo da falta de unidade; por

outro, cabe o pensamento de que vários juristas projetando uma lei conjuntamente,

o resultado somente poderia sair de um consenso, da soma de inteligências, de

reflexões feitas em conjunto de altíssimo nível de responsabilidade e da certeza que

era o melhor que podiam dar para as letras jurídicas civis do país.

Por outro lado, a demora na elaboração do atual código civil não se deve

tanto à Comissão encarregada de elaborar o Anteprojeto do código civil e enviá-lo ao

Presidente da República para que este pusesse à disposição do Congresso

Nacional o trabalho realizado, mas precisamente à demora da tramitação do Projeto

nas próprias Casas Legislativas. Some-se a isto que os debates ocorridos, tanto na

Câmara dos Deputados como no Senado Federal, o que em última análise acaba

propiciando a feitura da norma codificada, bem assim pela importância do grau de

amplitude que um código civil exerce numa sociedade, estavam sempre monitorados

pelos juristas do país, especialmente pelos professores de direito, os quais,

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109

igualmente, contribuíram, de certo modo, para o atraso na confecção final do código.

Esta detença, entretanto, trouxe mais aspectos positivos do que negativos, na

medida em que serviu para maturar o direito civil aplicado no Brasil, não sendo a toa

o entendimento de ser o direito civil o ramo do direito privado mais conservador, de

modo geral.

Às vezes, a demora na elaboração de uma lei é mais benéfica para a

comunidade jurídica de um país do que ser feita às pressas e não exprimir a

realidade e anseios esperados por sua população. Com o atual código civil, contudo,

esta demora foi por demais acentuada, mas, certamente, propiciou a maturação dos

institutos de direito civil, cabendo, agora, à doutrina e à jurisprudência nacionais

aperfeiçoarem este ramo do direito privado.

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110

Capítulo III

Os três princípios norteadores do novo código civil brasileiro

Sumário: 1. O princípio da socialidade: 1.1. A sociedade brasileira

eminentemente agrária do início do século XX e a sociedade

eminentemente urbana do início do século XXI; 1.2. O princípio da

socialidade e as normas pertinentes a direito social; 1.3. Os dois

aportes do princípio da socialidade no Código Civil: 1.3.1. O princípio

da socialidade e a função social do contrato; 1.3.1.1. A liberdade e a

autonomia da vontade no modelo liberal do contrato; 1.3.1.2. A

liberdade e a autonomia da vontade no modelo atual do contrato;

1.3.2. O princípio da socialidade e a função social da propriedade;

1.3.2.1. A concepção clássica/tradicional do direito de propriedade;

1.3.2.2. A concepção atual do direito de propriedade: a função social;

2. O princípio da eticidade: 2.1. A visão aberta que deve possuir a

moderna codificação e o preenchimento do Direito por meio de

valores éticos; 2.2. Situações legais previstas no Código Civil: a boa-

fé objetiva; 3. O princípio da operabilidade: 3.1. O princípio da

operabilidade como modelo realizador do Direito; 3.2. A presença de

cláusulas gerais nos códigos como técnica legislativa própria ao

aperfeiçoamento da operabilidade do Direito; 3.3. Alguns exemplos

legais previstos no Código Civil.

O atual código civil resulta da maturação de mais de oitenta anos de

história jurídica do país. Os preceitos inseridos nele resultam, de certo modo, da

sociedade atual, mas também guarda sincronia com as origens do Código de

Beviláqua. Não se pode, ainda mais em direito civil, romper abruptamente toda uma

dogmática criada por juristas e Tribunais brasileiros; o apego ao passado, às

tradições faz parte da cultura jurídica dos atores do Direito, e um corte

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111

epistemológico neste modo de pensar poderia trazer bem mais malefícios do que o

bem desejado a ser propiciado.

Certo mesmo é que, mais que o código de 1916, o atual está envolvido de

princípios que norteiam seu desenvolvimento, direcionando a aplicabilidade de seus

preceitos.

Os princípios, assim, exercem considerável grau de utilidade e

importância na atual fase de desenvolvimento do direito civil pátrio, ainda mais por

congregarem o conteúdo de propiciar ao magistrado a maleabilidade que um

sistema jurídico moderno deve possuir, de sempre tornar-se atualizado. Merecendo

destaque os princípios da socialidade, da eticidade e da operabilidade.

1. O princípio da socialidade

1.1. A sociedade brasileira eminentemente agrária do início do século XX e a

sociedade eminentemente urbana do início do século XXI

O princípio da socialidade resulta por se encontrar o código civil eivado de

normas de caráter social, em detrimento do individualismo e do patrimonialismo

típico do código de 1916.

As aspirações do homem moderno caminham, e o Brasil se insere neste

contexto, cada vez mais, para o social. Basta verificar as primeiras medidas tomadas

pelo novo governo federal (e que se espera não fiquem só no começo) onde se tem

priorizado o amparo social e a assistência social – programa Fome Zero. O

individualismo, o egoísmo, apesar de acentuado no país, só não é maior porque o

governo, junto com a sociedade civilmente organizada, resolveram amainar este

quadro, porém, ainda assim, o perfil social de miséria da população apresenta-se

alarmante e visível a desigualdade social.

O princípio da socialidade tem sua raiz em oposição ao individualismo

presente nos códigos oitocentistas, especialmente o Code que, sob o escopo de

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112

propiciar a libertação, a fraternidade e igualdade do povo francês, elaborado que foi

quando da Revolução Francesa, acabou gerando efeito contrário, constituindo modo

de dominação social e engavetamento de direitos dos súditos, havendo radical

transformação de como era visto o Direito nos últimos cem anos, passando de

caráter individualista para

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_______________________________________________UNIVERSIDADE FEDERAL DE

PERNAMBUCOUNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA

ADVOCACIA DO ESTADO DO PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E

TEORIA GERAL DO DIREITO A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS

BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Joseli

Lima MagalhãesTeresina, junho de 2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA

CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como

eixo central do Direito Privado Trabalho Monográfico apresentado como exigência do

Curso de Pós-Graduação em Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela

Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em

Direito, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A

MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil

como eixo central do Direito Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em :

____/____/

_____.Examinadores:__________________________________________________

____________________________________________________________________

___________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in

memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do

curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira,

Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os

quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de

Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas

no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel

Reale) SumárioResumo

................................................................................................................ 11Abstract

................................................................................................................ 12Resumen

................ 30 2. A influência exercida pela Escola Histórica do Direito na codific ção do Direito Civil brasileiro .............o moderno, p. 722. 3 REALE, Miguel. O Projeto do novo Código Civil: situação após a aprovação pelo Senado Federal, p. 103. 4 Fonte: Eustáquio de Seni. Espaço Geográfico Globalizado, 1999. 5 Fonte: IBGE, dados de 01.08.00.

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115

............................................................................................................... 13Introdução

...............................................................................................................14Capítulo I –

As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil

Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência

exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro

.................................................................................................................191.1. O

Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo

...................................................................................................................... 191.2. A

codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade

pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da

ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX

............................................................................................... 30 2. A influência

exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro

.............trabalho dissertar a respeito, mas que estão intrinsecamente enraizados na

mente do homem moderno e às vezes sequer são percebidos. Observa-se não ter

havido uma política agrária e social no sentido de levar o homem de volta ao campo,

a tendência é se chegar a 90% ou mais de pessoas vivendo nas cidades; e o que é

pior, as pessoas tendem a migrar para as metrópoles cada vez mais, agravando-se,

desta forma, vários problemas decorrentes da azáfama dos grandes centos

populacionais, em especial.

O código de 1916 é, pois, fruto de uma sociedade singularmente agrária.

Vê-se, contudo, não mais ter sido aquele diploma legal capaz de propiciar à

sociedade atual (urbana-capitalista) diretrizes de comportamento de como deve agir

o cidadão para viver em harmonia em sociedade: seus aportes eram outros, como o

princípio da socialidade, a grande referência do atual código civil.

6 Importante advertir que em face de ser a sociedade brasileira do final do século XIX e início do século XX eminentemente agrária, irá projetar toda uma legislação de direito de família ancorada nesta característica, não somente por ter sido a sociedade da época patriarcal, mas por ser considerada a mulher, em linguagem figurada, como repositório de espermas do homem, infelizmente, tendo que adotar seu sobrenome, não podendo comerciar, a menos que o marido assim permitisse, classificadas em honestas e desonestas, enfim, equiparadas praticamente aos incapazes, quando não eram para a prática de atos da vida civil. A desigualdade entre homem e mulher não podia perdurar, apesar da convicção da própria sociedade de então, inclusive muitas das mulheres eram conscientes de sua posição de inferioridade, diminuída quando levavam algum dote significativo no casamento. A independência do sexo feminino e, via de conseqüência, a igualdade entre homem e mulher, somente adveio com os movimentos feministas próprios da sociedade norte-americana da década 50 e 60, já agora. Assim como as mulheres, os filhos adotados e ilegítimos também sofriam discriminações. A família era uma célula composta de compartimentos nos quais quem mandava e dava ordens era o varão.

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116

As leis, como dito, representam fruto dos movimentos sociais, culturais,

políticos e econômicos de determinada época (da sua elaboração) não podendo

servir de esteio inalterável para geração de pessoas que, por possuírem outras

necessidades, igualmente instam-se em serem disciplinadas por outras legislações.

Na verdade, o Brasil-campestre do começo do século passado em nada ou quase

nada se assemelha com o Brasil-cidade do século XXI.

Enquanto boa parte do continente europeu já se encontrava na fase plena

do crescimento da indústria, do comércio exterior, e da economia de escala, próprios

dos grandes centros, o Brasil ainda cotejava-se com problemas de uma economia

voltada ao setor primário:

A estrutura agrária mantinha o país no sistema colonial, que reduzia

a sua vida econômica ao binômio da exportação de matérias-primas

e gêneros alimentares e da importação de artigos fabricados. A

indústria nacional não ensaiara os primeiros passos. Predominavam

os interesses dos fazendeiros e dos comerciantes, aqueles

produzindo para o mercado internacional e estes importando para o

comércio interno7 [...].

Tudo isto refletirá, mais do que nunca, no tipo de norma jurídica que tanto

reproduz os anseios da população, como a direciona continuar seguindo este

comportamento.

Orlando Gomes analisa que a par da existência dessas duas classes que

dominavam o cenário político-econômico-social do Brasil do começo do século XX

(os grandes proprietários rurais, que praticamente nomeavam os legisladores e

governantes, em farsas eleitorais; e a burguesia oriunda do comércio), começava a

se desenvolver uma outra classe preocupada com os problemas por que o país

atravessava: a classe média, formada em sua grande maioria por burocratas do

governo e uma elite intelectual que viam nos movimentos originários da Europa uma

boa saída para o estado de letargia no qual se encontrava a novel, mas já

envelhecida República8. Assim, é que o código civil de 1916 foi praticamente obra da

classe média, elaborado

7 GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil Brasileiro. Ajuris, p. 20. 8 GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil Brasileiro. Ajuris, p. 21.

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117

[...] nesse estado de espírito, isto é, na preocupação de dar ao país

um sistema de normas de direito privado que correspondesse às

aspirações de uma sociedade interessada em afirmar a excelência

do regime capitalista de produção. Mas esse propósito encontrava

obstáculo na estrutura agrária do país e não recebia estímulos de

uma organização industrial a que se somasse o ímpeto libertatório da

burguesia mercantil9 .

A realidade para o código civil atual não poderia tomar como referência

este quadro, da mesmo forma que o Código de Beviláqua não se esmerou na

sociedade brasileira dos séculos XVI e XVII, ou na realidade brasileira atual, razão

de ser perfeitamente compreensível que não tenha adotado o princípio da

sociabilidade como um de seus estalões, o que constituiria exercício de futurologia,

não refletindo visão que a sociedade rural tinha do comportamento do homem, e se

assim adotasse consistiria em um princípio a não ser seguido. As normas não

podem ser demasiadamente avançadas para a sociedade a que se destinam. Há de

existir um meio termo, certa sedimentação e consciência coletiva de cumprir os

preceitos emanados do Estado, a prudência, assim, é elemento valorativo presente

quando da

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9 GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil Brasileiro. Ajuris, p. 23.

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__________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE

FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO

PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A

MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil

como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de

2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS

BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado

Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em

Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de

Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do

Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO

DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito

Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/

_____.Examinadores:__________________________________________________

_____________________________________________________________________

__________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in

memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do curso

de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nélson

Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os quais não teria

sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de Direito.“Infelizmente,

falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas no alto sempre

acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel Reale)

SumárioResumo

................................................................................................................ 11Abstract

................................................................................................................ 12Resumen

............................................................................................................... 13Introdução

10 GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil Brasileiro. Ajuris, p. 25. 11 GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil Brasileiro. Ajuris, p. 26-27.

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120

...............................................................................................................14Capítulo I –

As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil

Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência

exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro

.................................................................................................................191.1. O

Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo

...................................................................................................................... 191.2. A

codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade

pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da

ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX

............................................................................................... 30 2. A influência

exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro

.............ione-se a isto o problema enfrentado pelos fazendeiros que rogavam uma

legislação precisa sobre a locação de serviços agrícolas. Esta lei data de 1879,

constituindo mais precisamente modo forçoso de que os trabalhadores teriam que

cumprir o contrato, sob pena de serem presos. Era o fortalecimento daquilo que já

se encontrava em estado de crise: a escravatura. O trabalhador, assim, nas origens

de nossa legislação civil nunca se viu protegido pelo contrato de serviço, tendo o

código civil de 1916 disciplinado de modo sintético esta matéria, apenas em caráter

geral.

Para Keila Grinbert, na realidade, o código civil individualista acabou

perpetuando formas de tratamento desiguais para o locador de serviços e o

locatário, fortalecendo o direito de propriedade em detrimento da garantia de certos

direitos aos trabalhadores13 . Situação inversa verifica-se hoje, principalmente com a

elaboração de micro-sistemas jurídicos, como o Código de Defesa do Consumidor,

onde se observa ser o princípio da socialidade bem forte, corroborado, ademais,

pela aplicabilidade dos princípios da boa-fé objetiva e da hiposuficiência do

consumidor.

Estes enfoques históricos são importantes para maturar o pensamento de

que o princípio da socialidade, visto hoje em nosso diploma civil, não foi inserido ou

dado gratuitamente pelo legislador, mas constitui fruto de aspirações, luta de classes

12 GARCEZ NETO, Martinho. Direito Econômico e o futuro do Código Civil. Temas atuais de Direito Civil, p. 339.

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121

ditas menos favorecidas, e que o Estado, tomando consciência da real importância

que possui na sociedade, resolveu garantir, ao menos formalmente, estes direitos,

não constituindo favor a inserção em textos ordinários e constitucionais.

Confirmou-se aquilo que os juristas da época previam: que o direito social

logo ganharia corpo e forma e desenvolver-se-ia dentro do direito público e seus

dispositivos inseridos nas constituições dos estados14 . Atualmente, as disposições

relacionadas aos direitos dos trabalhadores, na sua maioria, encontram-se tuteladas

pelas Constituições modernas. Não se deve deixar de mencionar, ademais, ser a

“solidariedade social” uma das diretrizes constitucionais, presente como um dos

objetivos fundamentais da República15 .

1.3. Os dois aportes do princípio da socialidade no Código Civil

1.3.1. O princípio da socialidade e a função social do contrato

Certamente, o princípio da socialidade encontra arrimo mais acentuado na

função social do contrato e na função social da propriedade, razão por que se deve

dar especial atenção, a fim de se compreender a nova sistemática traçada pelo

diploma civil. Não constitui propósito, neste trabalho, destrinçar toda a historiografia

dos institutos do contrato e da propriedade, primeiro por ser impertinente ao

presente trabalho monográfico, que daria laudas e laudas de pesquisa e de

ponderações sobre os temas; segundo, porque a vinculação se refere apenas ao

princípio da socialidade, especificamente a alguns artigos do novo código com ele

relacionado, não sendo pretensão esgotar o assunto, apesar de bastante estudado

há anos por juristas do mundo inteiro, os quais, porém não chegaram a um vetor

comum, o que só demonstra a complexidade da matéria.

13 GRINBERT, Keila. Código Civil e cidadania, p. 64-65. 14 Haroldo Valladão historicia que “já nos fins da Primeira Grande Guerra, em 1917, no alvorar do Século XX, surge no México a primeira Constituição dos nossos tempos, nos passos iniciais acerca dos novos Direitos Sociais e Econômicos, de proteção ao trabalhador, à família, à cultura, de previdência social, e correção dos abusos do poder econômico, no ideal da igualdade social e econômica. Seguem-se a da Rússia, de 1918, da proclamação do socialismo, e em 1919, a Constituição Alemã, de Weimar, que deu forma jurídica àqueles ideais, recém-nascidos no mundo, esboçados na do México, de 1917, de igualdade de direitos econômicos e sociais”. (VALLADÃO, Haroldo. História do Direito, especialmente do Direito Brasileiro, p. 43). 15 O art. art. 3º, II, da CF/88: “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

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122

Até boa parte da metade do século XX, os contratos caracterizavam-se

pela total liberdade que possuíam os contraentes em disporem das cláusulas

contratuais como bem entendiam. Era o individualismo imperativo. A manifestação

da vontade livre e soberana, sem vícios, libertavam as partes, tornando-as senhoras

de suas vontades. A justiça se identificava na manifestação da vontade, que tinha

como pressuposto ser livre; o individualismo da época congregava este viés. Na

verdade, o credo jurídico e filosófico destes séculos “apontava a vontade como a

causa primeira do Direito, situando o indivíduo, ou seja, uma vontade livre, a base de

todo o edifício social e jurídico”16 .

1.3.1.1. A liberdade e a autonomia da vontade no modelo liberal do contrato

A sociedade burguesa liberal era composta por proprietários e o contrato

constituía a principal forma de garantir a circulação dos bens e das riquezas

acumuladas. A liberdade da pessoa era medida pelo grau que pudesse

pactuar;Ü¥h_Wà______e_______________j§__ru__________________u€__Ã#__1

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16 BECHER, Anelise. Teoria Geral da Lesão nos Contratos, p. 16. 17 As principais teorias contratuais podem ser agrupados da seguinte forma: teoria do direito canônico, sob o esteio de que a promessa tem força obrigatória, de cunho moral: é homem quem empresta sua palavra e a cumpre; na teoria do direito natural, na medida em que preconizava a ser o homem dotado de razão, e uma vez manifestada a vontade livremente, sem vícios ou pressões, teria que ser cumprida. Kant possui importante função no desenvolvimento deste pensamento, por inserir ideais que o homem é um ser dotado de liberdade; teorias de ordem política, introduzida principalmente por Rosseau, no Contrato Social; por fim as teorias econômicas e o liberalismo, que corrobora o entendimento de que a sociedade precisa de liberdade plena em suas ações para desenvolver o comércio, movimentando a riqueza das nações, objeto de análise posteriormente.

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18 SOTO, Paulo Neves. Novos perfis do direito contratual. Diálogos sobre Direito Civil, p. 249.

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_________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE

FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO

PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A

MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil

como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de

2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS

BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado

Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em

Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de

Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do

Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO

DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito

Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/

_____.Examinadores:__________________________________________________

____________________________________

___________________________________________Dedico este trabalho

a meus pais: José Magalhães da Costa (in memorian) e Júlia Lima

Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do curso de mestrado:

Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nélson Saldanha e,

em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os quais não teria sido

possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de Direito.“Infelizmente,

falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas no alto sempre

acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel Reale)

SumárioResumo ................................................................................................................

11Abstract ................................................................................................................

12Resumen ...............................................................................................................

19 TEPEDINO, Gustavo. As relações de consumo e a nova teoria contratual. Temas de Direito Civil, p.201.

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13Introdução

...............................................................................................................14Capítulo I –

As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil

Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência

exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro

.................................................................................................................191.1. O

Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo

...................................................................................................................... 191.2. A

codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade

pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da

ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX

............................................................................................... 30 2. A influência

exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro

.............iberal, presente no código anterior. Evidente que não poderia este código

encontrar-se revestido, na sua integralidade, do princípio da socialidade, por

incompatível com a dogmática e a doutrina jurídica da época.

1.3.1.2. A liberdade e a autonomia da vontade no modelo atual do contrato

A celebração do contrato, como dito, traz consigo a idéia de justiça e de

eqüidade, desde, logicamente, que livremente manifestado pelas partes. Este

pensamento, contudo, efetivamente vai demonstrar que a liberdade contratual é

quem escraviza e não a lei, em decorrência dos excessos das cláusulas contratuais

que tenderão a garantir direitos para apenas uma das partes e gerar obrigações para

a outra.

Ao estabelecer o art. 421, do CC, que “a liberdade de contratar será

exercida em razão e nos limites da função social do contrato”, o que o legislador fez

foi procurar adequar o novo texto civil às decisões prolatadas por nossos

20 LOBO, Paulo Luiz Neto. Contrato e mudança social. Revista Alter Agora, p. 31. 21 FRANÇA, Limongi. O Código Civil Brasileiro: raízes e perspectivas. Coelho Rodrigues e o Código Civil: comemoração do seisquicentenário de nascimento, p. 98.

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126

magistrados e Cortes Judiciais. Aliás, o Sen. Josafhat Marinho já havia observado

que as inovações de cunho social existentes no então Projeto do código civil

distinguem-se nitidamente do antigo código, sendo que “muito do que se vinha

obtendo nos fluxos e refluxos da jurisprudência e da doutrina passa a ser direito

positivo”22 ; neste mesmo sentido preconiza Paulo Neves Soto ao concluir não ser

realmente “novo” o código civil quanto à teoria contratual presente nele, pois vem a

confirmar as tendências e opções

[...] já consideradas pela doutrina e jurisprudência nacional ao longo

das duas últimas décadas, porém, ao adotar expressamente os

princípios do novo Direito Contratual, põe fim à resistência, tacanha,

aos novos paradigmas do Direito Privado, promovida pelos

operadores do direito que insistiam na defesa do princípio da

autonomia da vontade23 .

Gérson Luiz Carlos Branco entende que o art. 421, do CC, encontra-se

conforme o entendimento de Emilio Betti, ao separar a autonomia privada da

autonomia da vontade, constituindo esta como sendo um instrumento de atuação no

âmbito daquela, mas possuindo função específica dentro do ordenamento jurídico24 .

Para Judith Martins-Costa, citado artigo constitui a projeção do valor constitucional

insculpido no art. 5º, inc. XXIII, tendo em vista que uma das diretrizes do contrato

vem a ser exatamente propiciar a aquisição da propriedade, pelo que se depreende

que se à propriedade não mais é dada a condição de caráter absoluto e sagrado, por

via direta de relação, igualmente ao contrato não pode ser emprestado este valor,

traspassando a esfera dos meros interesses individuais25 .

Assim, a teoria moderna do direito contratual não enxerga a simples

manifestação da vontade, imune de vícios, soberana, como sendo o elemento capaz

de unicamente gerar a validade do negócio jurídico praticado; vai além, impõe que o

contrato exerça certa função social.

22 MARINHO, Josafhat. O projeto de novo Código Civil, p. 08. 23 SOTO, Paulo Neves. Novos perfis do direito contratual. Diálogos sobre Direito Civil , p. 263. 24 BRANCO, Gerson Luiz Carlos; MARTINS COSTA, Judith. Diretrizes teóricas do novo Código Civil Brasileiro, p. 65. 25 MARTINS-COSTA, Judith. A Boa Fé no Direito Privado: sistema e tópica no processo obrigacional, p. 351.

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127

Se um dos objetivos do Direito consiste em manter a paz social, o que é

possível através do desenvolvimento do tráfego jurídico, constituindo o contrato um

dos meios de gerar a riqueza das nações, evidente que uma de suas funções é

instrumentalizar a circulação dessa riqueza, principalmente pela aquisição de

propriedade passando de um indivíduo a outro. A constituição econômica de uma

sociedade atinge a toda uma coletividade, não se relacionando isoladamente a uma

pessoa ou a um grupo social, assim é que o “contrato, veste jurídica das operações

de circulação de riqueza, tem, inegavelmente, função social”26 .

Observa-se, pois, cada vez mais intercaladas as relações entre a

Economia e o Direito, o que levou Martinho Garcez Neto a dizer que

juristas e economistas se completam na preocupação indispensável

de estabelecerem uma ordem social e jurídica destinada à realização

do bem comum, de uma ordenação estável e justa. E

complementam-se, porque a colaboração de uma a outra é

impostergável, tanto que fatal e funesto seria o divórcio ou

antagonismo que entre elas pudesse lavrar27 .

Na verdade, a diferença mais tênue é que, perante os acontecimento na sociedade,

enquanto que o jurista persegue a solução mais justa, o economista procura a

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26 MARTINS-COSTA, Judith. A Boa Fé no Direito Privado: sistema e tópica no processo obrigacional, p. 352. 27 GARCEZ NETO, Martinho. Direito Econômico e o futuro do Código Civil. Temas atuais de Direito Civil, p. 330.

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_________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE

FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO

PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A

MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil

como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de

2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS

BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado

Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em

Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de

Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do

Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO

DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito

Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/

_____.Examinadores:__________________________________________________

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___________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in

memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do

curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira,

Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os

quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de

Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como

estrelas no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”.

(Miguel Reale)

28 LOBO, Paulo Luiz Neto. Contrato e mudança social. Álter Ágora, p. 33-34. 29 REALE, Miguel. Nova fase do Direito Moderno, p. 90.

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SumárioResumo

................................................................................................................ 11Abstract

................................................................................................................ 12Resumen

............................................................................................................... 13Introdução

...............................................................................................................14Capítulo I –

As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil

Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência

exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro

.................................................................................................................191.1. O

Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo

...................................................................................................................... 191.2. A

codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade

pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da

ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX

............................................................................................... 30 2. A influência

exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro

.............nte, o qual se encontrava vinculado aos senhores feudais, impedindo, desta

feita, a livre exploração pela classe burguesa que ascendia. Daí haver a

concentração dos poderes junto ao proprietário no sistema capitalista, excluindo

quem não fosse proprietário de exercer este direito; segundo, o indivíduo era

concebido isoladamente do contexto social, um ser auto-suficiente que não

precisava guardar relação com os demais, a menos para interesses pessoais.

Sociedade e indivíduos, assim, eram duas realidades distintas que andavam por

caminhos distintos; por fim, a existência de relação entre a propriedade e o trabalho

próprio, na medida em que o proprietário explorava igualmente sua propriedade,

constituindo a propriedade meio de vida dele, o que leva a considerar que

protegendo a propriedade estaria protegendo seu trabalho, sua vida, enfim, a si

próprio30 .

Miguel Reale analisa que a influência do direito francês quanto ao modo

de se pensar a propriedade no código civil brasileiro como voluntarista continua, ao

que dispõe o art. 17, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que

30 ROCHA, José de Albuquerque. Função social da propriedade e judiciário. Revista do Instituto dos Magistrados do Ceará. p. 174-175.

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131

considera a propriedade como um direito inviolável e sagrado, e somente em casos

de evidente necessidade pública, legalmente verificada, e mediante justa e prévia

indenização, perdia este status, o que tornou a desapropriação por utilidade ou

necessidade pública elementos importantes do direito administrativo, em fase de

gestação e desenvolvimento, demonstrando a autonomia do indivíduo frente o poder

do Estado31 .

Todas estas situações foram objeto de análise pelos codificadores do

direito civil (Das Coisas) brasileiro do final do século XIX e início do século XX,

muitas das vezes premidos em seguirem um modelo com o qual eles mesmos

discordavam, mas, por pressões das classes sociais mais abastadas, que

elaboravam, de fato, as leis, tinham que manter e estabelecer aqueles padrões. A

sociedade agrícola e patrimonialista daquela época, logicamente, reclamava por um

Direito que manifestasse seus padrões. As normas jurídicas não poderiam, desta

forma, disciplinar aquilo que não fosse reflexo dos anseios e do modo de viver de

seu povo. E o código de Beviláqua bem inspirou este ideal.

1.3.2.2. A concepção atual do direito de propriedade: a função social

O mundo contemporâneo clama por igualdade social. Os bens não podem

servir de esteio apenas para aqueles que já os possuem. A riqueza da nação é

medida pela riqueza de seu povo, e seu povo só é rico se for feliz, o que implica

viver com dignidade e austeridade. A propriedade, ou melhor, a distribuição dela,

constitui, certamente, um meio de se alavancar o desenvolvimento de um povo.

O Estado contemporâneo se identifica, cada vez mais, pela preocupação

com o social, o que implica na produção de normas jurídicas tuteladoras desta

diretriz. As leis ditas de cunho social, assim, vão impregnar as constituições durante

todo o século XX32 .

31 REALE, Miguel. Nova fase do Direito Moderno, p. 89. 32 Assim na Constituição de Weimar (art. 153): “A propriedade obriga e o seu uso e exercício devem ao mesmo tempo representar uma função no interesse social”.

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132

Velhos paradigmas, como o direito absoluto e exclusivo sobre a

propriedade, vão ruir, o próprio direito constitucional brasileiro já antevia esta

mudança do entendimento da função social da propriedade, ao estabelecer a

desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, do imóvel rural que

não esteja cumprindo sua função social33 .

Especificamente em relação ao novo código civil, contudo, o princípio da

socialidade ganha dimensão no art. 1.228, § 1º, quando diz que “o direito de

propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas

e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido

em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o

patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.

É posta de lado, pois, a idéia individualista da propriedade, circunscrita

em todo o código de 1916 e passa-se a entender a propriedade como elemento de

ação, não estaticamente presente, mas capaz de gerar e distribuir riquezas.

Neste sentido Radbruch ensina que

[...] a propriedade privada aparece já hoje como um campo de acção livre,

confiado pela

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33 Art. 184, CF/88. 34 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito, p. 280.

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________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE

FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO

PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A

MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil

como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de

2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS

BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado

Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em

Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de

Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do

Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO

DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito

Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/

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___________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in

memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do

curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira,

Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os

quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de

Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas

no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel

35 “Art. 1.228, § 4º. O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico”. 36 GOMES, Luiz Roldão de Freitas. Notas sobre o “Direito das Coisas” no projeto do Código Civil, p. 84. 37 O mesmo ocorre no art. 1228, § 5º, quanto à fixação da indenização: “No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores”. 38 TAPAI, Gisele de Melo Braga. Novo Código Civil Brasileiro – Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002: estudo comparativo com o Código Civil de 1917, constituição federal, legislação codificada e extravagante, p. XV.

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Reale) SumárioResumo

................................................................................................................ 11Abstract

................................................................................................................ 12Resumen

............................................................................................................... 13Introdução

...............................................................................................................14Capítulo I –

As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil

Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência

exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro

.................................................................................................................191.1. O

Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo

...................................................................................................................... 191.2. A

codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade

pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da

ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX

............................................................................................... 30 2. A influência

exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro

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40 ADEODATO, João Maurício. Ética e Retórica: para uma teoria da dogmática jurídica, p. 186.

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FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO

PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A

MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil

como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de

2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS

BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado

Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em

Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de

Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do

Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS

LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Autor:

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Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in memorian) e Júlia Lima

Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do curso de mestrado: Drs.

Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nélson Saldanha e, em

especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os quais não teria sido

possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de Direito.“Infelizmente,

falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas no alto sempre

acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel Reale)

SumárioResumo

................................................................................................................ 11Abstract

................................................................................................................ 12Resumen

............................................................................................................... 13Introdução

...............................................................................................................14Capítulo I –

41 REALE, Miguel. O Projeto do novo Código Civil: situação após a aprovação pelo Senado Federal, p. 39.

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As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil

Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência

exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro

.................................................................................................................191.1. O

Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo

...................................................................................................................... 191.2. A

codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade

pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da

ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX

............................................................................................... 30 2. A influência

exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro

.............está jungido, necessariamente, ao texto de lei, podendo e devendo construir

o Direito tomando como referência valores sociais e éticos presentes na

comunidade44 .

Não se deve esquecer que o Coordenador da Comissão que elaborou o

atual código civil, Prof. Miguel Reale, é um filósofo humanista, sendo natural que

tenha direcionado o projeto para essa visão jurídica, o que implica na opção pela

ética. É do espírito dos filósofos humanistas o gosto por temas propedêuticos, e a

ética constitui, com razão, um vetor capaz de arrancar da consciência jurídica

nacional a idéia de que o Direito pode ser operado sem este fundamento.

2.2. Situações legais previstas no código civil: a boa-fé objetiva

42 REALE, Miguel. O Projeto do novo Código Civil: situação após a aprovação pelo Senado Federal, p. 28. 43 REALE, Miguel. O Projeto do novo Código Civil: situação após a aprovação pelo Senado Federal, p. 29. 44 Neste particular é que se sustenta dever o magistrado, cada vez mais, interagir-se com a sociedade, não sendo aconselhável enclausurar-se em seu gabinete de trabalho, não recebendo as partes ou, quando muito, recebendo-as mas somente se acompanhadas de advogado, propiciando, desta feita, tomar conhecimento do que acontece no meio no qual vive. Deve, inclusive, ter vida social ativa, dentro, naturalmente, dos limites impostos a um agente político transformador da sociedade, nos padrões que lhes são apresentados pela função que exerce, abraçando comportamento ético por tudo aquilo que realiza além ambiente de trabalho, a fim de servir de exemplo como julgador que é.

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A boa-fé pode ser considerada um conceito jurídico indeterminado45 ,

contudo, referindo-se ao tipo de comportamento exigido é identificada como cláusula

geral. Igualmente, pode ser entendida como um “princípio, uma diretriz a ser

seguida, quando da interpretação das normas e também da concretização”46 .

Certamente que o principal campo de atuação da boa-fé se dá no direito

obrigacional (contratos), mas permeia toda relação jurídica em diversos campos do

direito civil. Praticamente inexistente no código civil de 191647 , passa a incorporar

uma das diretrizes do novo código, como cláusula geral capaz de dar mais agilidade

ao ordenamento jurídico e propiciar decisões judiciais mais justas e calcadas na

ética comportamental que todo cidadão deve possuir e aplicar.

Por boa-fé se entende que os contraentes necessariamente devem agir

com lealdade, cada qual respeitando os interesses da outra parte, reconhecidos

como valores, sendo a obrigação atendida como uma ordem de cooperação48 . Vê-

se, pois, a exigência de um comportamento, daí ser o princípio da eticidade

referência obrigatória que circunda todo o diploma material civilista.

Três exemplos, bem visíveis, encontram-se na aplicabilidade do princípio

da eticidade no código: arts. 113, 187 e 422, relacionados com a boa-fé objetiva.

O art. 11349 trata a boa-fé como norma de interpretação dos negócios

jurídicos; no dizer de Gerson Luiz Carlos Branco:

A atividade interpretativa conforme a boa-fé passa a ser a forma

principal de interpretação, dispensando a retirada de uma bitola

exata do comportamento dos contratantes e a necessidade de

45 Para Karl Engisch vem a ser “um conceito cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos”. (ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico, p. 208) 46 BONATTO, Cláudio; MORAES, Paulo Valério. Questões controvertidas no Código de Defesa do Consumidor, p. 37. 47 A boa-fé objetiva somente aparece, expressamente, no art. 1.443: “O segurado e o segurador são obrigados a guardar no contrato a mais estrita boa-fé e veracidade, assim a respeito do objeto, como das circunstâncias e declarações a ele concernentes”. O Código Civil Suíço, em seu art. 2, I, disciplina o seguinte: “Cada um deve ao exercer os seus direitos e ao cumprir os seus deveres agir conforme a boa-fé”. No direito brasileiro, o art. 4º, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) prevê como um dos princípios da Política Nacional das Relações de Consumo visando a “harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo”, enquanto que o art. 51, inc. V, tem como critério de aferição de abusividade de cláusula contratual, impondo a nulidade caso se verifique. 48 FABIAN, Christoph. O dever de informar no Direito Civil, p. 61. 49 “Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.

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140

aplicação subsuntiva imediata, constituindo-se numa chamada

constante do julgador para as regras gerais do sistema50 .

Ao magistrado, pois, é dado o poder-dever de realizar interpretação

integradora, sistemática, preenchendo vazio existente na celebração do contrato. É

uma atividade que os positivistas extremados identificariam como bastante perigosa,

por conceder demasiada liberalidade ao magistrado, que terá que “penetrar” na

consciência dos contratantes para saber o que realmente eles desejavam pactuar no

momento da celebração da avença. Os elementos objetivos existentes no próprio

contrato, sem embargo, fazem dispersar essa subjetividade, e a boa-fé objetiva toma

grau de importância e realmente se identifica como cláusula geral capaz, em sendo

bem utilizada pelo magistrado, de dar à altercação a solução mais justa e ética

pertinente.

Outro aporte do princípio da eticidade, onde se depara a boa-fé objetiva

no código civil, encontra-se no art. 18751 , do CC, havendo regramento interno ao

direito subjetivo. Este dispositivo legal cria mais uma modalidade de

responsabilidade civil, por abuso de direito, que se dá não pelo descumprimento do

contrato, mas sim pelo abuso contratual realizado pela parte que se encontra em

posição dianteira da relação jurídica, ou tem maior poder diante do outro contratante.

A crítica a este artigo centraliza-se no fato de que a própria vítima teria que provar o

ato ilícito culposo praticado (teoria externa subjetiva), o que se apresenta

demasiadamente penosa a coleta de provas nestas situações. A norma, contudo,

tem caráter objetivo e não exige a prova de culpa ou dolo, posto que o dispositivo

não faz menção ao que preconiza o art. 159, do CC. Basta a verificação “objetiva” do

excesso praticado, tendo o agente exercido o direito

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50 BRANCO, Gerson Luiz Carlos; MARTINS COSTA, Judith. Diretrizes teóricas do novo Código Civil Brasileiro, p. 61. 51 “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

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52 “Art. 422. Os contraentes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

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____________________________________________________________________

________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE

FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO

PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A

MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil

como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de

2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS

BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado

Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em

Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de

Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do

Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO

DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito

Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/

_____.Examinadores:__________________________________________________

____________________________________________________________________

___________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in

memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do

53 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Insuficiências, deficiências e desatualização do Projeto de Código Civil na questão da boa-fé objetiva nos contratos. Revista Trimestral de Direito Civil, v. 1, p. 06. 54 “... conquanto não esteja expresso na littera do Código, o dever de ser observada a conduta segundo a boa-fé também na fase das tratativas negociais, e, quando for o caso, no período pós-contratual, há de ser compreendida a sua extensão também a esses períodos, em razão da própria natureza de cláusula geral que reveste o art. 422 e do cunho eminentemente prospectivo que está no cerne desta técnica legislativa”. (BRANCO, Gerson Luiz Carlos; MARTINS COSTA, Judith. Diretrizes teóricas do novo Código Civil Brasileiro, p. 135). 55 “Art. 518. Responderá por perdas e danos o comprador, se alienar a coisa sem ter dado ao vendedor ciência do preço e das vantagens que por ela lhe oferecem. Responderá o adquirente, se tiver procedido de má-fé”. Este artigo corresponde ao art. 1.156, do Código de 1916. 56 “Art. 523. Não pode ser objeto de venda com reserva de domínio a coisa insuscetível de caracterização perfeita, para estremá-la de outras congêneres. Na dúvida, decide-se a favor do terceiro adquirente de boa-fé”. 57 “Art. 686. A revogação do mandato, notificada somente ao mandatário, não se pode opor aos terceiros que, ignorando-a, de boa-fé com ele trataram; mas ficam salvas ao constituinte as ações que no caso lhe possam caber contra o procurador”. Este artigo corresponde ao art. 1.318, do Código de 1916. 58 “Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes”. Este artigo corresponde ao art. 1.443, do Código de 1916.

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curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira,

Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os

quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de

Direito.

“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas no

alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel Reale)

SumárioResumo ................................................................................................................

11Abstract ................................................................................................................

12Resumen ...............................................................................................................

13Introdução

...............................................................................................................14Capítulo I –

As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil

Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência

exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro

.................................................................................................................191.1. O

Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo

...................................................................................................................... 191.2. A

codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade

pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da

ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX

............................................................................................... 30 2. A influência

exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro

.............o que somente complica a sua realizabilidade. A operabilidade “sustenta que

59 “Art. 856, § único. O candidato de boa-fé, que houver feito despesas, terá direito a reembolso”. 60 “Art. 879, § único. Se o imóvel foi alienado por título gratuito, ou se, alienado por título oneroso, o terceiro adquirente agiu de má-fé, cabe ao que pagou por erro o direito de reivindicação”. 61 “Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”. 62 “Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. § único: Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido”. “Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir”. “Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido”. 63 BRANCO, Gerson Luiz Carlos; MARTINS COSTA, Judith. Diretrizes teóricas do novo Código Civil Brasileiro, p. 140. 64 “Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”. 65 “Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”. 66 SANTOS, José Camacho. O novo Código Civil Brasileiro e suas coordenadas axiológicas, p. 14.

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a decisão estabelece soluções normativas para facilitar a sua interpretação e a sua

aplicação pelo interessado e cultor do direito”67 .

A reconstrução do sistema de direito privado passa, necessariamente,

pela reformulação da doutrina da codificação. O modelo de códigos do começo do

século passado, que expressam os dogmas do liberalismo e do individualismo não

mais subsistem frente ao “neo-liberalismo” e ao Estado Democrático de Direito, onde

cada vez mais são concedidos e garantidos direitos às classes ditas marginalizas,

tanto assim que o relator do código civil, Sen. Josaphat Marinho, falecido

recentemente, bem explanou que “um código se prestigia pela unidade de suas

normas, sobretudo as de sentido social”68 , e a reformulação dos códigos só é

possível sendo introduzidas novas técnicas legislativas de elaboração de normas

jurídicas – entre elas as cláusulas gerais.

Por outro lado, seria recomendável, em homenagem ao princípio da

operabilidade, que todas as vezes que houver referência ao código civil passado, a

expressão a ser utilizada deveria ser “código de 1917” e, quanto ao atual, utilizar-se

da expressão “código de 2003”, exatamente para demonstrar que a partir destes

anos é que cada um entrou em vigor, passaram a se tornar aplicáveis, isto porque

durante a vacatio legis ocorrida entre janeiro de 1916 e janeiro de 1917 e a outra

verificada entre janeiro de 2002 e janeiro de 2003, fase de adaptação dos diplomas,

não podiam estes ser operados69 . A referência nesta dissertação, contudo, continua

sendo “código de 1916” e “código de 2002”, tomando como esteio o ano da

publicação das leis.

3.2. A presença de cláusulas gerais no código civil brasileiro como técnica

legislativa adequada ao aperfeiçoamento da operabilidade do Direito

67 PEDROTTI, Irineu; PEDROTTI, William. Código Civil Brasileiro: quadro comparativo, p. 12. 68 REZENDE, Afonso Celso Furtado de. Novo Código Civil, p. v. 69 “Art. 2.044. “Este Código entrará em vigor 1 (um) ano após a sua publicação” (atual Código Civil). “Ar. 1.806. O Código entrará em vigor no dia 1º de janeiro de 1917” (Código Civil de 1916).

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As cláusulas gerais constituem típico modelo jurídico da segunda metade

do século XX, tendo como encosto a flexibilidade e abertura dos conceitos jurídicos.

Com o (re)pensamento de sistemas abertos, em decorrência da evolução e

sedimentação do direito constitucional, da aplicabilidade cada vez mais intensa dos

princípios gerais de direito, como se fosse uma volta ao direito natural,

demonstrativo de que o modelo positivista kelseniano70 já se encontra ultrapassado;

as cláusulas gerais ganham importância como técnica legislativa capaz de ordenar e

universalizar os anseios da população, tudo isto numa dinâmica de tornar o Direito

mais fácil de ser manobrado.

Procurou-se com a nova codificação reformular a linguagem hermética do

código civil de 1916, toda baseada em tipos e não em princípios, apesar da diretriz

de se preservar ao máximo, sempre que possível, a atual redação do código civil, a

menos que haja mudança profunda, ou em virtude das variações semânticas

ocorridas deste o código passado.

A era não é de codificar as leis nos moldes do modelo oitocentista, não se

podendo, contudo, abruptamente, pôr de lado toda uma construção histórico-milenar

esculpida em cima da teoria da codificação, isto porque a Ciência de Ulpiano é uma

das mais formalistas, repleta de conceitos já sedimentados, refletindo a própria

cultura da humanidade. Há de se pesquisar novas técnicas de reformulação da

codificação; se esta não pode deixar de existir, deve, porém, ser aperfeiçoada. A

70 É claro que a referência diz respeito à Teoria Pura do Direito anterior à década de 60 do século XX, quando então, inopinadamente, com nova tomada de posição, muda, quase por completo, o entendimento original de sua Teoria. Isto se deu no famoso Simpósio de Salzburgo, em 1963, onde, à perplexidade dos homenageados, incluído ele, foi taxativo a expressar que “uma norma no es ni verdadera ni falsa, es válida o no válida. Y no hay nigún tipo de paralelo o analogía entre la verdad de una proposición y la validez de una norma. Subrayo esto en deliberado contraste com una opinión comúnmente aceptada, e tambíén defendida por mí durante mucho tiempo... En obras anteriores he hablado de normas que no son el contenido significativo de un acto de volición. En mi doctrina, la norma básica fue siempre concebida com una norma que no era el contenido signficativo de un acto de volición sino que estaba presupuesta por nuestro pensamient. Debo ahora confesar que no puedo seguir sosteniendo esa doctrina, que tengo que abandonarla. Pueden creerme, no há sido fácil renuncia a una doctrina que he defendido durante décadas. La he abandonado al comprobar que una norma deve ser (Sollen) el correlato de una voluntad (Wollen). Mi norma básica es una norma fictícia basada en un acto de volición ficticio, que realmente no existe” (HERRENDORF, Daniel Esteban. Las corrientes actuales de la Filosofia del Derecho, p. 93-94). A verdade é que pouco se fala e se discute a respeito do novo posicionamento do maior jusfilósofo do século XX. Seus discípulos, como que querendo ignorar ou não acreditar na nova tomada de posição de Kelsen, silenciam-se a respeito do tema e, quando o fazem, justificam sua atitude dizendo ser própria da condição humana mudar de idéias e de pensamentos, sempre para melhor, por ser o homem produto da história e do meio que o cerca. Esteban Herrenforf analisa esta questão indagando se houve motivos ideológicos profundos que levaram aos analistas científicos e aos investigadores neokantianos a silenciarem sobre os prováveis desacertos de Kelsen, e a evidenciar as críticas que se tem realizado a Kelsen, e inclusive a crítica suicida que o mesmo confessou tão honestamente. São motivos encontrados – ideologia mesclada com algo sem importância –, e que obstaculam o

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146

técnica, o formalismo sempre existiu e deve continuar a traçar os rumos do Direito,

mas não como elemento obstaculizador às transformações, o que acaba por barrar o

desenvolvimento da própria sociedade.

Tornar o Direito mais ágil, menos apegado ao formalismo, que apenas

distancia o próprio espírito da norma daquele a quem se dirige, constitui, sem

dúvida, um dos princípios traçados pelos codificadores do atual diploma civil,

cabendo, no entanto, aos magistrados “captarem” esta nova referência

transformadora e atualizante do Direito. E as cláusulas gerais constituem,

certamente, um modelo a ser perquirido, a fim de torná-lo mais flexível e apto a

transformar a sociedade, pela abertura que proporciona ao sistema jurídico de

mobilidade.

As cláusulas gerais,

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caminho de uma completa revisão kelsiana. (HERRENDORF, Daniel Esteban. Las corrientes actuales de la Filosofia del Derecho, p. 97).

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_______UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE FEDERAL

DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO PIAUÍMESTRADO

EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A MODERNA

CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do

Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de 2003Joseli Lima MagalhãesA

MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil

como eixo central do Direito Privado Trabalho Monográfico apresentado como exigência do

Curso de Pós-Graduação em Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela

Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob

a orientação do Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA

CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do

Direito Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/

_____.Examinadores:__________________________________________________

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___________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in

memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do

curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira,

Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os

quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de

71 “Art. 575, § único. Se o aluguel arbitrado for manifestamente excessivo, poderá o juiz reduzi-lo, mas tendo sempre em conta o seu caráter de penalidade”. 72 “Art. 720, § único. No caso de divergência entre as partes, o juiz decidirá da razoabilidade do prazo e do valor devido”. 73 MARTINS-COSTA, Judith. O Direito Privado como um “sistema em construção”. Revista de Informação Legislativa, p. 6-7. 75 Neste particular é de bastante valia a observação feita pelo Professor da UFC, José de Albuquerque Rocha, no sentido de que “as razões para mudar a postura tradicional do Judiciário perante a lei são diversas e de diferentes origens. No entanto, em um esforço de síntese, poderíamos dizer que todas estão relacionadas com a dinâmica dos processos sociais. Em poucas palavras, a necessidade de uma mudança de papel do Judiciário diante da lei é uma exigência das pressões sociais, que reclamam a adaptação de suas funções às novas necessidades decorrentes das transformações científicas, tecnológicas, sociais, políticas e econômicas, ocorridas nas últimas décadas. Essas transformações nos distintos setores da realidade, como não poderia deixar de ser, repercutiram na Constituição de 1988, que, buscando adaptar o direito e o Estado ao contexto histórico emergente dessas transformações, deu-lhes nova estrutura e função, determinando, implicitamente, a necessidade de um novo

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Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas

no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel

Reale) SumárioResumo

................................................................................................................ 11Abstract

................................................................................................................ 12Resumen

............................................................................................................... 13Introdução

...............................................................................................................14Capítulo I –

As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil

Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência

exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro

.................................................................................................................191.1. O

Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo

...................................................................................................................... 191.2. A

codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade

pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da

ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX

............................................................................................... 30 2. A influência

exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro

.............om certeza, a maioria dos conceitos e institutos para os demais ramos do

Direito, principalmente para o Público, daí o seu caráter histórico de apego ao

formalismo e abuso do tecnicismo, porque a história é fruto da maturação dos

acontecimentos importantes na vida do homem, e o Direito, de certo modo, por

refletir esta maturação, deve suprimir o dogma de que os códigos são capazes de

posicionamento do Judiciário diante dos demais Poderes, sobretudo em relação ao Legislativo e à lei e, de conseqüência, nova função na vida jurídica e social do país”. (ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário, p. 109-110). 76 Luiz Roldão de Freitas Gomes sustenta que para não “desertar desta missão, em que os conflitos buscam soluções, não regras programáticas ou controvérsias doutrinárias, o fato impõe-se, exigindo do magistrado, no diuturno lavor de entregar a prestação jurisdicional, o enfrentamento das questões advindas. Projeta-se, deste modo, a jurisprudência como inequívoca força a nortear as mutações processadas. Eis por que passa pela atividade do juiz, inequivocadamente, a construção do Direito hoje e no próximo milênio. Organizar a jurisprudência talvez seja missão tão relevante quanto codificar, ensejando aos cidadãos e jurisdicionados o conhecimento de seus novos rumos”. (GOMES, Luiz Roldão de Freitas. Notas sobre o “Direito das Coisas” no projeto do Código Civil. Revista Trimestral de Direito Civil, p. 173). 77 MARTINS-COSTA, Judith. O Direito Privado como um “sistema em construção”. Revista de Informação Legislativa, p. 9. 78 MARTINS-COSTA, Judith. O Direito Privado como um “sistema em construção”. Revista de Informação Legislativa, p. 11. 79 REALE, Miguel. O Projeto do novo Código Civil: situação após a aprovação pelo Senado Federal, p. 11-12. 80 MARTINS-COSTA, Judith. O Direito Privado como um “sistema em construção”. Revista de Informação Legislativa, p. 11.

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150

tudo disciplinar e manter coerente e completo o sistema, não satisfazendo à nossa

época pós-moderna81 .

Neste aspecto é que novos caminhos hão de ser traçados, e um deles é a

introdução, nos códigos privados, das cláusulas gerais como ancoradouros das

normas e princípios de direito público.

3.3. Alguns exemplos legais previstos no código civil

A diminuição da maioridade civil de 21 anos para 18 anos de idade

propiciou maior agilidade ao tráfego jurídico, na medida em que encontra-se

evidenciado que o jovem (adulto), relativamente incapaz de que tratava o art. 6º, I,

do código de 1916, hoje, dado o influxo de informações que lhe chegam e o grau de

maturidade que adquiriu, pela pressão cada vez maior que o homem tem de estudar

e possuir conhecimento a respeito de tudo no mundo, o que nem sempre é possível,

mas deve ser buscado, já adquiriu o pleno conhecimento da importância dos atos da

vida civil, não havendo por que esperar-se mais três anos para tornar-se plenamente

capaz, o qual precisava da anuência dos pais ou responsáveis para a prática destes

atos.

Miguel Reale procurou imprimir caráter mais prático e efetivo às normas

do código civil. Assim, na parte referente à prescrição e à decadência, consistindo

um dos grandes tormentos enfrentados pelos Tribunais e doutrina pátrios para se

saber a real diferença entre os dois e em quais casos se tratava de norma

prescricional ou decadencial, de maneira prática e direta para solver a dúvida,

lançou mão de “enumerar, na Parte Geral, os casos de prescrição, em numerus

81 Cada vez mais há procura por novas técnicas legislativas e de tipos diferentes de criação de normas jurídicas para solver esta crise que o Direito atravessa. Assim, é que nos Estados Unidos da América existem as leis uniformes e as leis modelos, criações do final do século XIX, por iniciativa da American Bar Association, a National Conference of Comississioners on Uniform State Laws, as quais “objetivam publicar textos que possam servir como esteio de se uniformizar os direitos locais o que ocorre, também, com as leis-modelos, promovidas por Instituições de cunho privado, como o Model Penal Code e Model Business Corporatin Act. Segundo Carlos Ferreira de Almeida, estas leis não são obviamente direito federal. Em rigor, não são sequer textos legislativos. São textos de vocação legislativa, que, uma vez aprovados livremente, com ou sem modificações, pelos órgãos legislativos de um ou mais Estados, passa a ser direito estadual circunscrito aos Estado onde vigoram”. (ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Introdução ao Direito Comparado, p. 127).

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151

clausus, sendo as hipóteses de decadência previstas em imediata conexão com a

disposição normativa que a estabelece”82 .

Tem caráter de operabilidade, também, o art. 1.180, do CC83 , que

possibilita seja a escrituração empresarial feita utilizando-se de processos

eletrônicos. Em contrapartida, não se atualizou ao fazer menção, na parte da

“prova”, que o “telegrama, quando lhe for contestada a autenticidade, faz prova

mediante conferência com o original assinado” (Art. 222), silenciando-se quanto à

prova produzida por fax ou por e-mail.

Igualmente, o princípio se encontra presente no Direito de Empresa, ao

empregar a palavra empresa “no sentido de atividade desenvolvida pelos indivíduos

ou pelas sociedades a fim de promover a produção e a circulação das riquezas”84 ,

bem assim propiciar aos doutrinadores e Tribunais a diferenciação entre

associações85 e sociedades86 , consistindo as primeiras sempre de natureza civil e

as segundas sempre de natureza empresarial.

Indica-se, por fim, o caso do testamento particular, que se antes exigia

como requisitos à sua validade fosse escrito e assinado pelo testador, e por mais

cinco testemunhas, além de ser lido na presença de todos (art. 1.645, código de

1916). Hoje, porém, a fim de operacionalizar e tornar menos formal o código, requer

apenas a assinatura de próprio punho ou mediante processo mecânico, lido na

presença de três testemunhas e assinado por elas, além, claro, pelo próprio

testador.

82 TAPAI, Gisele de Melo Braga. Novo Código Civil Brasileiro – Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002: estudo comparativo com o Código Civil de 1917, constituição federal, legislação codificada e extravagante, p. XV. 83 “Art. 1.180. “Além dos demais livros exigidos por lei, é indispensável o Diário, que pode ser substituído por fichas no caso de escrituração mecanizada ou eletrônica”. 84 REALE, Miguel. Visão geral do Projeto de Código Civil, p. 29. 85 “Art. 53, caput. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos”. 86 “Art. 981, caput. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”.

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152

Capítulo IV

A criação de micro-sistemas jurídicos como técnica jurídica de amainar a crise

do direito privado e suas relações com o direito constitucional

Sumário: 1. A noção de sistema jurídico e de ordenamento jurídico; 2. A crise do

direito civil clássico: 2.1. A constitucionalização do Direito Civil; 2.2. A publicização do Direito

Civil e o Estado Social; 3. A necessidade de se codificar as leis civis: 3.1. Conceito de

codificação; 3.2. Objetivos da codificação das leis civis; 4. Os micro-sistemas jurídicos e a

descodificação do direito civil; 5. Paradigmas da modernidade que devem ser enfrentados

pela nova visão codificadora das leis civis; 6. O Código Civil como eixo central do

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1 Às vezes, entretanto, os termos “sistema” e “ordenamento” são empregados um no lugar do outro, como identificadores do mesmo significado.

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________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE FEDERAL DO

PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO PIAUÍMESTRADO EM

FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A MODERNA CODIFICAÇÃO

DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado

Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de 2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA

CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo

central do Direito Privado Trabalho Monográfico apresentado como exigência do

Curso de Pós-Graduação em Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela

Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em

Direito, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A

MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo

central do Direito Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/

_____.Examinadores:________________________________________________________

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_____Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in memorian) e

Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do curso de

mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nélson

Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os quais não

teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de

Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas no alto

sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel Reale)

SumárioResumo ................................................................................................................

11Abstract ................................................................................................................

12Resumen ...............................................................................................................

2 ARNAUD, André Jean; FARIÑAS, Dulce. Introdução à análise sociológica dos sistemas jurídicos, p. 11. 3 Savigny entende o sistema como a “concatenação interior que liga todos os institutos jurídicos e as regras de Direito numa grande unidade”. (apud CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito, p. 10-11). 4 CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito, p. 280. 5 CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito, p. 12-13. 6 CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito, p. 22. 7 GOYARD-FABRE, Simone. Os fundamentos da ordem jurídica, p. 114.

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13Introdução

...............................................................................................................14Capítulo I –

As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil

Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência

exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro

.................................................................................................................191.1. O

Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo

...................................................................................................................... 191.2. A

codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade

pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da

ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX

............................................................................................... 30 2. A influência

exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro

.............a romano e germânico.

Cada sistema jurídico, desta forma, tende a projetar um modelo de

técnica legislativa reinante, isto porque se consubstancia em elementos

estruturalmente pertencentes a uma mesma “família jurídica”. As leis, os códigos,

porém, não apresentam necessariamente a mesma estrutura – por representarem

angústias, desejos e anseios de cada povo, e dos grupos que os governa, e por

reproduzirem o ordenamento jurídico inerente de cada Estado. Somem-se a isto os

fatores metajurídicos que contribuem para o nascimento e aperfeiçoamento de suas

próprias normas. Os sistemas jurídicos projetam, ademais, a idéia de poderem ser

abertos ou fechados, dependendo do grau de interação que sofrem com outros

sistemas, ou a capacidade de não sofrerem tal influência.

O sistema aberto pode ser entendido como aquele que se encontra

disposto a sofrer influência e se comunicar com outros sistemas. Na seara do direito

constitucional, diz-se que um sistema constitucional encontra-se aberto se as

normas constitucionais estiverem efetivamente em interação com a realidade social,

flexível, portanto, para serem modificadas naquilo que interessar à sociedade. O

sistema fechado, no dizer de Maria Célia de Araújo Furquim, é “autônomo,

8 SALDANHA, Nélson. Pequeno dicionário da Teoria do Direito e Filosofia Política, p. 215. 9 RÁO, Vicente. O Direito e a vida dos Direitos, p. 101.

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individualizado, que mantém constante a sua unidade, desprovido de inptus e

outputs. Não só auto organizado como também auto produzido”10 .

O Brasil, com efeito, adota o sistema aberto frente à sua Constituição, não

só pela aplicação dos princípios constitucionais, pela proliferação de medidas

provisórias11 verificadas nos últimos anos, e agora parcialmente estancada, com

regramento mais disciplinador, como também pela quantidade significativa de

publicação de emendas constitucionais modificadoras do texto originário de 1988, o

que demonstra, de certo modo e aparentemente, não se encontrar petrificada.

Konrad Hesse12 , na obra “A Força Normativa da Constituição”, aponta

que Ferdinand Lassalle baseia-se na tese de que as questões constitucionais não

são questões jurídicas, mas questões de poder. Assim, sob fatores que dominam

determinada sociedade, como o poder militar, o poder social, o poder econômico e o

poder intelectual constituem a força ativa determinante da constituição, chamada por

ele de Constituição Real; ao lado dela existe a Constituição Jurídica (que não passa

de um pedaço de papel morto), limitada totalmente pela outra. Assim, questões

constitucionais não são questões jurídicas, mas questões políticas, a força e o poder

estão acima da lei.

Num outro aspecto, aponta a dependência do direito constitucional para

com o poder emanado por aqueles que “detêm” a Constituição, ou seja, “o Direito

Constitucional está em contradição com a própria essência da Constituição”, já que a

Constituição Jurídica sucumbe perante a força da Constituição Real, servindo tão

somente para justificar, legalmente, o poder constituído, mas assegura que a

Constituição é possuidora de uma força própria, sendo preciso observar se tal força

não seria mera ficção jurídica, a fim de justificar que o Estado de Direito deve

10 FURQUIM, Maria Célia de Araújo. Caderno de Direito Constitucional e Ciência Política, p. 131. 11 O Juiz Federal Leomar Barros Amorim de Sousa conclui, entre outros aspectos, o seguinte sobre o uso abusivo de medidas provisórias pelo Poder Executivo: “1) O princípio da separação de poderes, em que pese as profundas mudanças sociais, ainda contém um núcleo essencial cujo maior ou menor respeito traduz um índice do grau de acatamento ao postulado do Estado Democrático de Direito; 2) A legislação governamental é um fenômeno inevitável e resulta, entre outras causas, da intervenção estatal do domínio econômico e do estado de necessidade legislativa provocado pelas graves crises experimentadas pelos Estados ao longo, sobretudo, deste século; 3) A lei delegada, a medida provisória, o decreto-lei (ou que nome tenha o ato do Executivo com força de lei) representam o reconhecimento da inevitabilidade do fenômeno da “legislação governamental” e uma racional e adequada tentativa de juridizá-la em sede constitucional; 4) A experiência brasileira demonstra que o Presidente da República tem feito uso abusivo das medidas provisórias para disciplinar matérias que não reclamam intervenção legislativa urgente, banalizando sua utilização e exercendo verdadeira competência ordinária paralela ao Congresso Nacional”. (SOUSA, Leomar Barros Amorim de. A Produção Normativa do Poder Executivo: medidas provisórias, leis delegadas e regulamentos, p. 154-155).

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prevalecer sobre o Estado do Poder, bem como qual o fundamento que a força da

constituição se baseia e o alcance projetado por esta.

A importância da releitura da obra do Professor da Universidade de

Freiburg focaliza-se no aspecto de que se deve ter o texto Constitucional como

aquele a ser efetivamente seguido e tomado como paradigma frente aos demais

textos de lei, principalmente os códigos13 , apesar de que historicamente nem

sempre ter existido um vínculo entre constitucionalismo e codificação14 . Neste

sentido, a idéia de sistema jurídico parte, mais do nunca, da figura da Constituição,

que centraliza as metas a serem alcançadas, esboçando os objetivos almejados pelo

Estado, não perdendo-se, contudo, o desiderato de se manter a coerência e a ordem

do próprio sistema de direito.

Hesse aponta, ainda, que a Constituição objetiva dar forma e modificação

à realidade existente, elemento igualmente presente nos sistemas abertos, e que

vem a ser no estado de necessidade, de calamidade pública, ou aparente falta de

ordem, que se verifica a força normativa da constituição, devendo-se observar,

nestes casos, a superioridade da norma perante os fatos; e não o contrário. A

Constituição não representa um "simples pedaço de papel", ela efetivamente

distribui o poder, mas não está desvinculada dos fatos históricos ocorridos na

realidade, e também não se encontra, necessariamente, vinculada sempre a tais

acontecimentos.

Tudo isto leva ao entendimento de que a Constituição é obra imperfeita e

inacabada, assim como os sistemas abertos o são, havendo, desta feita, perfeita

sincronia entre ambos; mais do que as Constituições, um código civil moderno, como

o atual recentemente em vigor, parte, obrigatoriamente, deste posicionamento –

estar aberto para ser modificado, naquilo que for incompatível com o texto Magno, e

naquilo que não mais exprimir os anseios da população.

12 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição, p. 20. 13 Neste sentido é que Simone Goyard-Fabre observa que a partir do século XIX os problemas constitucionais ocuparam lugar de destaque na doutrina jurídica dos países do velho mundo, sob o escopo da supremacia do texto constitucional como fundamento da ordem jurídica reinante. Aponta ainda a conceituada professora de Filosofia da Universidade de Caen que “sob a Constituição, a catedral jurídica se organiza em sistema; este, em seu significado filosófico, é a expressão jurídica de uma racionalidade lógico-formal; em sua eficiência prática, a ordem constitucional é portadora de normatividade, de modo que as regras de direito ganham figura, no âmbito estatal, de modelos de diretividade”. (GOYARD-FABRE, Simone. Os fundamentos da ordem jurídica, p. 112). 14 TAMM, Ditlev. Derecho Privado y revolucion burguesa, p. 123.

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Por outro lado, não se pode imaginar um sistema constitucional hermético

frente ao avanço democrático e dialético que o Direito sofreu no Brasil nas últimas

décadas, principalmente após a entrada em vigor da atual constituição, onde se vê

que o magistrado encontra-se cada vez mais independente para decidir e interpretar

as leis em conformidade com o texto Supremo e com os anseios dos jurisdicionados.

A importância de ver e sentir a Constituição como sistema aberto de

normas e princípios propicia, no campo do direito privado, principalmente o civil,

interação constante e atualizante entre os dogmas do direito público e do privado,

gerando a diretriz de que cada vez mais o Direito (como Ciência) se torna um só, e

que esta dicotomia entre o público e o privado tende, dia a dia, tornar-se obsoleta e

impertinente. A idéia de completude, assim, inserida nas grandes codificações

oitocentistas, de que as lacunas existentes nos códigos civis não precisavam ser

preenchidas por outras normas jurídicas, não mais é aceita, principalmente quando

se sabe que a revitalização dos códigos civis atuais passa, forçosamente, por esta

interrelação com o direito público (constitucional). Exemplos desta interação são a

constitucionalização e publicização do direito civil.

Por outro lado, a noção de sistema jurídico produz a vantagem de

relacionar os aspectos comuns e inerentes entre os vários ordenamentos jurídicos

existentes em cada Estado, nas suas linhas mais gerais, porém se apresenta vazio

de identidade, como ocorre com o direito positivo de cada povo, a ponto de ser

possível encontrarem-se constituições, seja no aspecto formal ou material,

substancialmente diferentes de um Estado para o outro, mas pertencentes à mesma

família de sistema jurídico. Esta identificação somente se processa tendo-se

conhecimento do ordenamento jurídico de cada Estado. A noção de ordenamento

jurídico, por sua vez, pressupõe a existência de mais de uma norma jurídica.

Norberto Bobbio15 não admite a existência de um ordenamento jurídico composto de

uma única norma, a menos que se imaginasse uma norma referente a todas as

ações possíveis e que fosse qualificada e pertencente a uma única modalidade.

Assim, este ordenamento teria como norma central e única as seguintes

possibilidades:

15 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, p. 31-32.

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a) a norma em que tudo é permitido: configurando-se a negação do

próprio ordenamento, em que voltar-se-ia ao estado de natureza, e não haveria

“ordem”, já que todos estariam livres para bem praticar suas atitudes como bem

quiserem; b) a norma em que tudo é proibido: há ações na vida do homem que têm

que ser realizadas, por serem inerentes à própria condição humana, como se

alimentar, respirar, manifestação de pensamento. Nestes casos, haveria a

equiparação de ações possíveis e impossíveis, o que juridicamente não é

recomendável e plausível; c) a norma em que tudo é obrigatório: esta norma tornaria

impossível a vida em sociedade, posto que as ações possíveis estão sempre em

conflito, e uma delas, ou ambas, teria que ausentar-se do sistema.

O ordenamento jurídico, mais do que nunca, requer a existência de um

conjunto de normas que disciplinam a vida política, social e cultural de um povo,

confunde-se com a próprio direito positivo de um Estado,

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_________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE

FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO

PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A

MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil

como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de

2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS

BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado

Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em

Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de

Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do

Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO

DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito

Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/

_____.Examinadores:__________________________________________________

____________________________________________________________________

___________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in

memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores

do curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira,

Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os

quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de

Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas

no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel

Reale) SumárioResumo

16 Neste sentido, Bartolome Clavero, ao tratar da Codificação Civil e da Revolução Constitucional (especialmente a francesa), após salientar que a forma codificada constituía historiograficamente o ponto de chegada e intelectualmente o de partida, afirma que para ser norma extensa, que cobre um ordenamento de matéria, devidamente coerente, a codificação também precisava de um requisito não menos moderno nem menos revolucionário em si: sujeito unitário. (CLAVERO, Bartolomé. Razon de Estado, razon de individuo, razon de historia, p. 63). 17 ENNECCERUS, Ludwig. Tratado de Derecho Civil, p. 01.

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................................................................................................................ 11Abstract

................................................................................................................ 12Resumen

............................................................................................................... 13Introdução

...............................................................................................................14Capítulo I –

As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil

Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência

exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro

.................................................................................................................191.1. O

Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo

...................................................................................................................... 191.2. A

codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade

pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da

ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX

............................................................................................... 30 2. A influência

exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro

............. de cumprir as normas estabelecidas, buscando-se, assim, a própria unidade

do sistema. Os códigos civis, apesar de toda teoria positivista dos séculos XVIII e

XIX, e parte significativa do século XX, elaborados que foram inicialmente para

acomodar a vida jurídica dos cidadãos (na verdade, aqueles que detinham o poder

pela propriedade), constituem meras leis ordinárias no sentido de serem

hierarquicamente inferiores às leis constitucionais. A unidade do ordenamento

jurídico exige, desta feita, que as leis codificadas tomem como base as leis

constitucionais, aplicando seus princípios e fundamentos últimos, da mesma forma

que estas devem assim se posicionarem frente à norma hipotética fundamental20 .

Há de se destacar a figura do intérprete, especialmente do magistrado, o

qual deverá ponderar que as normas de direito civil, principalmente as elencadas no

18 BRUTU, José Puig. Introducción al Derecho Civil, p. 42. 19 BRUTU, José Puig. Introducción al Derecho Civil, p. 65. 20 Fábio Ulhoa Coelho aponta que a “ciência do direito, para descrever o seu objeto, deve se indagar sobre o fundamento de validade das normas integrantes da ordem jurídica em estudo. Ao se indagar, contudo, sobre a validade da Constituição – a norma jurídica de que decorre a validade das demais –, ela deve forçosamente pressupor a existência de uma norma fundamental, que imponha a observância da mesma Constituição e das normas jurídicas por ela fundamentadas. Ainda que inconscientemente, todo o cientista do direito formula esta pressuposição ao se debruçar sobre o seu objeto de conhecimento. A norma fundamental, portanto, não é positiva, mas hipotética e prescreve a obediência aos editores da primeira constituição histórica”. (COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen, p. 29).

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código civil, é que devem ser compatibilizadas e adaptadas aos princípios e normas

constitucionais, e não o contrário.

Nesta tomada de posição é que o direito civil clássico se acha em crise: o

direito civil sempre emprestou boa parte de seus conceitos, institutos e princípios

para os demais ramos do Direito e, agora, tem que obedecer aos princípios de

direito público e de direito constitucional. Os códigos civis devem ter respeito e

temerem as Constituições; e não o inverso. Assim, é que se apresenta cada vez

premente um redirecionamento do direito civil, sob pena de naufrágio de toda uma

dogmática criada, recriada e aperfeiçoada durante milênios de ano do direito

ocidental. A história do Direito se confunde com a história do próprio direito civil; mas

é necessário serem revistos seus paradigmas, os quais devem ter resistente e

preciso arrimo para reencaminhar seus rumos, certamente por meio da

constitucionalização e da publicização do direito civil.

2.1. A Constitucionalização do Direito Civil

Para Paulo Luiz Netto Lobo:

A constitucionalização do direito civil é processo de elevação ao

plano constitucional dos princípios fundamentais do direito civil, que

passam a condicionar a observância pelos cidadãos, e a aplicação

pelos tribunais, da legislação infraconstitucional 21 .

Após identificar que o direito privado é direito constitucional aplicado, por

representar os valores sociais de vigência efetiva, e que por isso é constantemente

modificado por normas constitucionais, Ricardo Luis Lorenzetti alerta que “o Direito

Civil ascende progressivamente, pretendendo dar caráter fundamental a muitas de

suas regras, produzindo-se então uma ‘constitucionalização do Direito Civil’”22 .

21 LOBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. Revista de Informação Legislativa, p. 100. 22 LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do Direito Privado , p. 255.

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A constitucionalização do direito civil, pois, oxigena o direito civil,

tornando-o mais flexível, mais vivo, menos formal, moderno e coerente com o que

de atual tem sido produzido na órbita do direito constitucional.

De certa forma, o direito constitucional é menos imune a mudanças, ainda

mais por ter como esteio os princípios constitucionais e uma nova visão de se

interpretar as normas, daí poder auxiliar o direito civil na concretização de se manter

presentemente atualizado com as mudanças sociais vivenciadas, cujos reflexos são

materializados, ordinariamente, prima face, no texto constitucional de cada país.

Daí porque ao lado da constitucionalização do direito civil, a dogmática

civilística moderna tem criado e dado espaço ao desenvolvimento de uma nova

disciplina: direito civil constitucional, que está ainda engatinhando, mas certamente

nos próximos anos terá identidade mais consolidada, quando não, será capaz de

transformar a própria visão atual que se tem do direito civil clássico.

O direito civil constitucional, desta feita, vem a ser o

sistema de norma y principios normativos institucionales integrados

en la constitucion, relativos a la proteccion de la persona en si misma

y sus dimensiones fundamentales familiar y patrimonial, en el orden

de sus relaciones juridico-privadas generales, y concernientes a

aquellas otras materias residualmente consideradas civiles, que

tienen por finalidad fijar las bases mas comunes y abstractas de la

regulacion de tales relaciones y materias, a las que son susceptibles

de aplicacion inmediata o pueden servir de marco de referencia de la

vigencia, validez e interpretacion de la normativa aplicable o de pauta

para su desarrollo23 .

Arce y Flórez-Valdés destaca, como conseqüência desta definição, que o

direito civil constitucional é apresentado não apenas como uma parte do direito civil,

senão a infra-estrutura dele mesmo, contribuindo, assim, ao fracionamento essencial

dos saberes jurídicos e, singularmente, a encobrir efeitos existentes entre a clássica

dicotomia Direito Privado/Direito Público, ressaltando a superioridade do

ordenamento. Ainda em decorrência desta infra-estrutura, polariza uma nova

23 ARCE Y FLÓREZ-VALDÉS, Joaquim. El Derecho Civil Constitucional, p. 178-179.

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imagem do direito civil, mais adequada à realidade social, vista através de uma

releitura de seus textos tradicionais, à base dos valores que caracterizam a

legalidade constitucional24 .

A verdade é que o direito civil, historicamente, sempre serviu de

referência para outros ramos do Direito, produzindo e exportando institutos jurídicos

que se desenvolveram e se tornaram independentes. É o direito mais antigo, mais

precioso e, por que não dizer, o mais difícil de ser compreendido em sua acepção

mais ampla. Por ser o mais antigo, foi o mais trabalhado, possui seus institutos já

envelhecidos, desgastados com a mudança epistemológica que ocorreu durante o

final do século XIX e todo o século XX.

A resolutividade da crise por que atravessa o direito civil (e por que não

dizer de todo o direito privado) passa, necessariamente, por uma interação sempre

dialética com o direito constitucional, onde devem ser buscados novos

ancoradouros, novos métodos interpretativos, e modos de elaboração e de aplicação

de suas normas.

Nesta linha, observa-se a inexistência de Congressos Jurídicos realizados

nos últimos anos no Brasil versando sobre direito civil, em contrapartida com a

quantidade de congressos de Direito Público, especialmente de Direito

Constitucional e enfoques afins. Evidente que somente a partir de 2002, voltaram a

proliferar os Congressos jurídicos tratando de temas civilísticos: por outra razão

senão conhecer melhor o novo código civil. Passada esta fase de ansiedade, de

curiosidade por aquilo que de inovador trouxe o diploma privatístico, voltar-se-ão os

olhos críticos dos doutrinadores à esfera do direito público (constitucional), quando

não, estudam-se os próprios institutos de direito civil em congressos e em revistas

de direito constitucional.

No Brasil, a constitucionalização do direito civil apresenta-se mais visível

no ramo do direito de família, e na moderna doutrina do princípio da dignidade da

pessoa humana, que está remodulando o conceito de pessoa, dando a ela visão

mais publicista, menos individualista. Este novo posicionamento parte, com efeito,

pelo modo de se interpretar o direito civil, com esteio na constituição, e conseqüente

24 ARCE Y FLÓREZ-VALDÉS, Joaquim. El Derecho Civil Constitucional, p. 179.

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166

aplicação de seus princípios. Os velhos dogmas e conceitos civilísticos estão sendo

redirecionados, e totalmente postos de lado, frente às novéis referências

constitucionais.

Não mais se estuda aquilo que se encontra fora de moda, que não

representa o moderno, o atual, enfim, aquilo que o Direito, a sociedade, suas

Instituições constituídas se preocupam. Se o Direito se acha em crise; o direito civil,

efetivamente, encontra-se numa crise bem mais profunda, aguda e preocupante.

Novo vetores devem ser pesquisados, superando-se este estado crônico: a

constitucionalização do direito civil representa um bom caminho para se iniciar este

desiderato.

2.2. A Publicização do direito civil e o Estado Social

Segundo Paulo Luiz Netto Lobo a publicização:

compreende o processo de crescente intervenção estatal,

especialmente no âmbito legislativo, característica do estado Social

do século XX. Tem-se a redução do espaço de autonomia privada

para a garantia da tutela jurídica dos mais fracos25 .

Acentua-se, neste particular, que micro-sistemas jurídicos também se

relacionam-se com o aspecto da completitude do ordenamento jurídico, pelo que se

verifica que a publicização do direito civil não se confunde, contudo, com a

constitucionalização deste ramo do direito privado: sendo aquela entendida como o

“processo de intervenção legislativa infraconstitucional, ao passo que a

constitucionalização tem por fito submeter o direito positivo aos fundamentos de

validade constitucionalmente estabelecidos”26 .

Fator determinante da publicização do direito civil advém do aparecimento

do Welfare State, onde todos os temas sociais tidos por importantes foram

25 LOBO, Paulo Luiz Neto. Constitucionalização do Direito Civil. Revista de Informação Legislativa, p. 100. 26 LOBO, Paulo Luiz Neto. Constitucionalização do Direito Civil. Revista de Informação Legislativa, p. 101.

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167

publicizados. Estudando-se o código civil de 1916 torna-se perceptível a falta de

disciplina a respeito de direitos sociais. Isto se deve, entre outros aspectos, pela

mudança de paradigma que a sociedade do começo do século passado entendeu

como pertinente e necessária, o que traz imediato reflexo na elaborações das leis

inseridas nos ordenamentos jurídicos de cada Estado.

Da passagem para o Estado Liberal, onde não havia a presença

marcante da publicização do direito civil (privado), para o Estado Social, muito

sangue foi derramado, eclodiram as revoluções, as classes sociais se dividiram,

surgindo outras, agora não mais centradas na figura do latifundiário ou do rico

comerciante, mas nos proprietários de indústrias, que começavam a se alavancar.

Aqueles que tomavam as leis como modo de dominação, as leis liberais que eles

mesmos elaboraram, (in)diretamente por meio dos representantes legais, sendo o

direito privado a base de todo o ordenamento jurídico de um Estado, e, via de

conseqüência, de seu povo, sem ou quase nenhuma influência do direito público,

tinham agora com o que se preocupar, frente ao caráter prospectivo que estes novos

direitos inevitavelmente assumiram, servido o Estado como achega ao

desenvolvimento deles mesmos.

Os direitos sociais se desenvolveram não somente por encontrarem no

Estado a base sólida para difusão, mas porque historicamente a sociedade vive de

ciclos, e estava no momento de terminar o ciclo do liberalismo, como atualmente se

acha plenamente em vigor o retorno ao neo-liberalismo, sob certos aspectos.

Márcio Iorio Aranha aponta que os direitos liberais apenas representavam

a estrutura das relações passadas, não projetando qualquer visão de futuro,

inerentes a poucos, que assim mantinham sua condição social privilegiada27 ;

assevera que com a institucionalização do Estado Social, humanizaram-se temas

jurídicos básicos, por meio de regimes jurídicos específicos, constatando-se que um

direito, embora abstratamente uno, pulverizou-se em diversas gradações de acordo

com os desejos do homem28 , o que no fundo constituía o nascimento dos micro-

sistemas jurídicos. Efetivamente, o Estado Social contribuiu para a publicização do

27 ARANHA, Márcio Iorio. Interpretação constitucional e as garantias institucionais dos direitos fundamentais, p. 111.

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168

direito privado, na medida em que, também, boa parte dos direitos sociais foram

inseridos nas constituições principiológicas, advindas principalmente a partir do

século passado.

3. A necessidade de se codificar as leis civis

A Teoria do Estado sempre trabalhou com a idéia de ordem, de

organização, no que se refere à produção legislativa. A primeira tomada de atitude

para manutenção da ordem, do poder aos governantes, nos Estados totalitários, se

deu por meio da coação, da repressão, que se identifica diretamente com a

elaboração e aplicação de normas de conteúdo penal. Nem sempre, porém, torna-se

possível, por meio da reprimenda criminal, a manutenção da calma e da

tranqüilidade. O soberano tende a ser ou autoritário demais ou bondoso demais; o

meio termo, constitui, por assim dizer, o fator determinante para realizar uma

tranqüila e próspera administração. Numa segunda fase do desenvolvimento do

Estado, e bem mais por pressão da sociedade, aqueles que mantinham-se no poder

viram-se obrigados a editar normas jurídicas que disciplinassem o modo de

comportamento e interação entre os próprios súditos.

Com o progresso do próprio Estado e aumento das relações sociais, o

que implica, profundamente, no aumento das relações jurídicas, o Estado, com o

propósito não somente de controlar o Poder, mas igualmente de acompanhar o

desenvolvimento dos povos, inflaciona a produção legislativa, muitas vezes sem a

participação popular, elaborando regulamentos, leis e códigos nos frios gabinetes

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28 ARANHA, Márcio Iorio. Interpretação constitucional e as garantias institucionais dos direitos fundamentais, p. 112.

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_________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE

FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO

PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A

MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil

como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de

2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS

BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado

Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em

Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de

Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do

Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO

DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito

Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/

_____.Examinadores:__________________________________________________

____________________________________________________________________

___________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in

memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do

curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira,

Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os

quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de

Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas

no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel

Reale) SumárioResumo

................................................................................................................ 11Abstract

................................................................................................................ 12Resumen

29 BRAIBANT, Guy. El modelo francés de la nueva codificacion, p. 91. 30 PRIETO, Luis María Cazorla. La Codificación como función de los Poderes Públicos en el Estado contemporáneo: el caso español, p. 33/34. 31 SALVAT, Raymundo M. Tratado de Derecho Civil Argentino: parte general, p. 41.

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171

............................................................................................................... 13Introdução

...............................................................................................................14Capítulo I – As

Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil Brasileiro

.......................................................................................... 191. A influência exercida

pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro

.................................................................................................................191.1. O

Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo

...................................................................................................................... 191.2. A

codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade

pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da

ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX

............................................................................................... 30 2. A influência

exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro

.............-se da filosofia do direito na sua dimensão mais ampla, deixando de estudar

o Direito como norma de conduta33 , muitos dos objetivos traçados pela codificação

civil foram alcançados, senão todos, mas que modernamente é preciso rever estes

dogmas.

Os principais objetivos de codificação das leis civis consistem em:

a) facilitar o acesso de todos aos textos legais, na medida em que as leis

condensadas em um só corpo facilmente são manuseadas, a partir daí são mais

facilmente e constantemente questionadas. Esta foi uma das razões da necessidade

da elaboração das Leis das XII Tábuas – os plebeus tinham que ter conhecimento

de quais as leis que estavam em vigor, a clareza do direito, não só do ponto de vista

de ter que ser numa linguagem fácil, acessível, mas também de estar ao alcance de

todos.

É claro que atualmente, pela facilidade que o ser humano possui de se

comunicar e, via de conseqüência, ser capaz de saber quais as leis que estão ou

não em vigor, ajuda a diminuir consideravelmente este aspecto. No entanto, a

multiplicidade de leis existentes corrobora para entendimento oposto, concluindo-se

que os jurisdicionados, de um modo geral, somente têm condições de tomar

32 DAVID, René. Os grandes sistemas do Direito contemporâneo, p. 52. 33 DAVID, René. Os grandes sistemas do Direito contemporâneo, p. 53-54.

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172

conhecimento das principais leis, que são exatamente a Constituição e os códigos, e

não de leis extravagantes.

b) Tornar o Direito mais certo e mais preciso, face à sua sistematização.

Os artigos de leis não são elaborados para se confrontarem uns com os outros,

trata-se de trabalho cuidadoso, franciscano, que leva anos de investigação científica

e estudo aprofundado feito pelos codificadores.

A fase antecessora das grandes codificações mundiais, principalmente a

francesa e alemã, caracteriza-se por tendência das monarquias em editaram em

demasia normas jurídicas, constantemente confusas e conflitantes entre si,

constituindo verdadeiras calamidades públicas. Poucas leis é o ideal, onde elas

proliferam o povo é escravo, e tirano o seu criador.

A segurança jurídica, por sinal, sempre foi um dos pontos basilares do

positivismo jurídico. Van Caenegem salienta ser a segurança jurídica uma das

vantagens do fenômeno da codificação das leis, principalmente por conter um código

todo o Direito. Aponta, ainda, que qualquer

norma que não figure no código ou contrário a ele é tida como

inválida, possuindo seu texto precedência sobre a doutrina jurídica

(que muitas vezes está dividida) e sobre a jurisprudência. Essa

situação é inteiramente diferente da que prevalecia antes das

codificações, quando havia uma confusão de autoridade jurídica: um

complexo e, às vezes, incoerente corpo de normas consuetudinárias

(algumas das quais jamais tinham sido escritas); pontos de vista

jurídicos divergentes e contraditórios; jurisprudências de diversas

regiões e de épocas diferentes34 .

c) Contribuir para a unificação do Direito. Os códigos tendem a regular

toda a matéria pertinente a um ramo do Direito. Evidente que isto nunca foi possível,

visto que a mutação ocorrida nas relações sociais, propiciadoras do nascimento das

normas jurídicas, a cada momento sua multiplicação se verifica, levando o legislador

ao anseio de produzir outras normas jurídicas para disciplinar estas relações

inacabadas e recém criadas. Tem-se, pelo menos, um panorama geral deste ou

34 VAN CAENENGEM, R.C. Uma introdução histórica ao Direito Privado, p. 18.

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173

daquele ramo do direito, ajudando a unificar, em torno do código, as normas de

direito pertinentes à matéria e, a partir daí, serem desenvolvidos outros institutos

jurídicos necessário não só à comunidade jurídica, mas ao próprio homem.

Aspecto de salutar importância permeia o estudo da (des)codificação, no

que se refere de que os códigos são absoletos, porquanto não se prestam a

inovações jurídicas, o que acaba contribuindo para a desunificação do Direito, na

medida em que apresenta, lado a lado, matéria já sedimentada e outra em franca

evolução. Neste particular, Moreira Alves assinala que

[...] quando se fala em inovação não se pretende significar que se inventou algo

de que jamais se teve conhecimento. Código não é campo de experimentação, não é cobaia

em que se testem princípios originais, ainda sem a aquiescência do tempo.

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35 MOREIRA ALVES, José Carlos. Inovações do Novo Anteprojeto de Código Civil. Revista de Informação Legislativa, p. 08.

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________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE

FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO

PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A

MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil

como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de

2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS

BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado

Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em

Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de

Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do

Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO

DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito

Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/

_____.Examinadores:___________________________________________________

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__________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in

memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do

curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira,

Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os

quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de

Direito.

36 Nélson Saldanha aponta que o “conflito entre formalismos e antiformalismos, durante o século XX, não estaria longe de ser correlato da própria crise geral que se veio revelando no Ocidente em vários setores e sob vários aspectos. Desde logo, crise do próprio “Ocidente” no sentido visto por pensadores das mais diferentes índoles: crise do ‘mundo burguês’ em diversos pontos; saturação das formas de vida remotamente oriundas da urbanização da vida histórica. Crise do liberalismo e do capitalismo, do legalismo e da imagem oitocentista do direito, inclusive ocasionalmente – justamente em nosso século e com o conflito entre formalismos e antiformalismos – uma espécie de “implosão da ciência jurídica”. (SALDANHA, Nélson. A Ordem Estatal e Legalista. Revista de Informação Legislativa, n. 96, p. 28). 37 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil, p. 09. 38 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil, p. 09.

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“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como

estrelas no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”.

(Miguel Reale) SumárioResumo

................................................................................................................ 11Abstract

................................................................................................................ 12Resumen

............................................................................................................... 13Introdução

...............................................................................................................14Capítulo I –

As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil

Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência

exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro

.................................................................................................................191.1. O Código Civil

Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo

...................................................................................................................... 191.2. A

codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade

pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da

ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX

............................................................................................... 30 2. A influência

exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro

.............s que tomam como escólio o continental-europeu. Isto porque a lei é

elaborada antes da aplicação pelo magistrado no caso concreto, o qual observa com

proficiência a conduta realizada pelo agente, compulsa o ordenamento jurídico e

realiza a operação jurídica conhecida como subsunção. Não se pode exigir do

39 Perelman doutrina que “a concepção segundo a qual todo o direito está na lei levava certos professores da primeira metade do século XIX a proclamar que ensinavam não o direito civil, mas o Código de Napoleão. Conhece-se o relatório do reitor Aubry, que dizia em 1857: ‘A missão dos professores, chamados a ministrar, em nome do Estado, o ensino jurídico, é de protestar, com comedimento por certo, mas também com firmeza, contra toda inovação que tenderia a substituir a vontade do legislador por uma vontade alheira’. Em 1846, Mourlon publicava Répétitions écrites sur le Code civil, onde se empenhava em incultar aos estudantes o respeito sagrado pela lei: ‘Um bom magistrado humilha sua razão perante a razão da lei; pois ele é instituído para julgar segundo ela e não pode julgá-la. Nada está acima da lei e é prevaricar eludir-lhe as disposições a pretexto de que a eqüidade natural lhe resiste. Em jurisprudência, não há, não pode haver razão mais razoável, eqüidade mais eqüitativa, do que a razão ou eqüidade da lei’”. (PERELMAN, Chaïm. Ética e Direito, p. 446-447). 40 Salutar a observação de Karl Larenz, no sentido de que “só a lei ou o Direito conformado em regras podem ter lacunas, mas não o Direito como um todo de sentido; este conteria sempre uma norma jurídica que possibilitasse a resolução e que só não foi ainda conhecida e formulada até ao momento. Consta esta concepção há que objectar que ela desconhece o momento criador de todo o desenvolvimento do Direito, em especial da integração de lacunas. Assim como o Direito, enquanto espírito objectivo, só existe, só está temporalmente presente, em virtude de aqueles a quem se dirige e que o aplicam dele terem consciência, uma norma jurídica que tem primeiro que ser achada, não existe ainda. É, em todo o caso, Direito em potência, mas não em acto, quer dizer, existente na aplicação. Converte-se direito em acto, vigente pelo menos factualmente (law in action), só quando é declarado por um tribunal e é tomado, pelos menos num caso, como fundamento da sua resolução”. (LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 572-573). 41 PERELMAN, Chaïm. Ética e Direito, p. 645.

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177

legislador, que em última análise representa a vontade da sociedade, que seja ele

capaz de “advinhar” os anseios e necessidades da população, caso a caso. A vida

social é dinâmica; a ponto do que ser preocupação legislativa hoje não mais ser

amanhã, ou o que não foi ontem passar a ser pouco tempo depois. Esta dinâmica

jurídico-social somente existe porque o homem é um ser que está constantemente à

procura da felicidade, movimentando e utilizando de todos os meios para conseguir

este intento.

O aprofundamento da crise entre o direito público e direito privado

contribuiu para o esfacelamento da idéia totalizante da codificação, ainda mais pelo

(re)nascimento do Direito Social –, o qual compreende institutos de ambos; e da

própria crise por que atravessa o direito privado, onde muitos de seus institutos

jurídicos estão sendo constitucionalizados ou publicizados.

Neste particular, os limites entre um e outro ramo focalizam-se na

participação do Estado nas relações jurídicas43 , o que acaba frutificando a idéia

romana da “teoria do interesse”, mas com o advento do Estado Social, praticamente

“tudo”, todas as relações jurídicas, passaram a ter como cérebro difusor o Estado.

Verifica-se nesta crise entre o direito público e o privado, (ou melhor),

entre o direito constitucional e o civil, que apesar da longa sedimentação dos

institutos civilistas, a interpretação da Constituição pelos magistrados, e nisto tem-se

conseguido com significativo valor, vem suprindo as lacunas no âmbito do direito

privado, e às vezes utilizando-se até de elementos metajurídicos para se chegar ao

desiderato estipulado.

A crise por que passa o direito constitucional, com suas constituições,

ainda que principiológicas, propositadamente repletas de lacunas, refletindo

diretamente nas relações de direito privado, já que estas, quer queira ou não, tomam

como esteio aquelas, é fruto do próprio amadurecimento ou peco da ciência jurídica,

com o dogma de que o direito constitucional é capaz de resolver todos as aporias e

problemas suscitados.

42 OLIVEIRA, Lourival Gonçalves de. Lacunas: Direito Público e Direito Privado. Revista de Informação Legislativa, p. 61. 43 OLIVEIRA, Lourival Gonçalves de. Lacunas: Direito Público e Direito Privado. Revista de Informação Legislativa, p. 63.

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Nesse sentido é que Campilongo doutrina que:

as lacunas do direito, mais do que um problema de técnica jurídica,

são reflexos de um contraditório processo de tutela de interesses

antagônicos. Por outras palavras; discutir as lacunas do direito

constitucional significa refletir sobre o estatuto teórico da ciência do

direito, a natureza das categorias jurídicas, o papel do jurista e,

principalmente, os limites de eficácia da noção de norma como

mecanismo apto a compatibilizar o pluralismo de interesses, sujeitos,

razões e, até mesmo, formas de juridicidade44 .

A teoria da codificação teve como sustentáculo, dentre outros fatores,

passar a idéia de que este tipo de diploma legal é capaz de por si mesmo agrupar,

disciplinar e harmonizar todo o sistema de direito de um povo, que à época era

precipuamente o direito privado, já que nem se falava em Constituição, ou esta tinha

apenas o aspecto meramente político, havendo uma grande divisão entre o direito

público e privado, prevalecendo este em muitas situações, como o caso da

manifestação da vontade nos contratos e da soberania do direito de propriedade,

propiciando, assim, a inexistência de lacunas dentro do ordenamento jurídico.

Efetivamente, como bem assinala Van Caenengem, ao lado da segurança

jurídica, da unidade de escala de um Estado, reino ou império, tendo em vista a

confusão de ordenações e costumes locais existentes à época principalmente dos

séculos XVIII e XIX, agiganta-se o fator da clareza, que vem a ser capacidade de

assegurar o conteúdo do direito. Diz, pois, que um código

[...] trata sistematicamente da totalidade de um assunto, numa

linguagem acessível aos leigos. Essas qualidades representam um

avanço importante em relação a um estágio anterior, em que o direito

estava escrito numa linguagem técnica obscura, freqüentemente um

latim ininteligível para os não-iniciados45 .

O direito civil, mais do que qualquer outro ramo do Direito, não tolera a

existência de lacunas jurídicas, por demonstrar a própria desmoralização de toda

uma teoria codificadora, que sente nos códigos a capacidade de “agrupar” todo o

44 CAMPILONGO, Celso Fernandes. As lacunas no Direito Constitucional. Revista de Informação Legislativa, p. 92-93.

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ordenamento jurídico de um povo. O direito constitucional vai romper com este

aspecto e se projetar cada vez mais para ser um sistema de direito aberto, lacunoso

em si, e a todo instante completado por outros ramos do saber, por elementos

metajurídicos, de tal maneira que haverá uma constante interação entre direito

público e privado; este, utilizando-se da criação dos micro-sistemas jurídicos, não se

sabendo, com precisão, quais os limites dogmáticos de cada um, constituindo, no

fundo, um só direito, misto, eclético, cujo objetivo primordial é assegurar ou propiciar

a felicidade dos jurisdicionados, por meio da concretização do ideal de justiça.

O certo é que as lacunas jurídicas sempre existirão no ordenamento

jurídico de um país. Deve-se, no entanto, conviver com elas, o que se faz por meio

de procurar suprimi-las. Lourival Gonçalves de Oliveira aponta que

[...] o problema é, antes de tudo, constituído por elementos

concretos; a norma em si, ou o direito como todo, de um lado, e do

outro o fato, a realidade. Ocorrendo hiato na conexão tentada, há a

lacuna; a lei específica, ou o direito, não foi capaz de reconhecer,

organizar ou decidir de forma suficiente, ou de forma exigida46 .

O Direito, pois, como criação humana, nem sempre é capaz de dirimir e

solver todos os problemas existentes, exatamente porque, na sua essência, o

homem é composto de vicissitudes e anseios um tanto volúveis e complexos.

4. Os micro-sistemas jurídicos e a descodificação do direito civil

Desde o fim do Estado Liberal e início do Estado Social, o Direito vem

sofrendo intensas transformações de difícil apreensão e maturação. A necessidade

premente de serem disciplinados os anseios e as próprias angústias do homem,

aliada à conexão que deve existir a recriação de modelos comportamentais que

deve ele seguir, faz do Direito hoje uma ciência cada vez mais atual e importante.

45 VAN CAENENGEM, R. C. Uma introdução histórica ao Direito Privado, p. 18-19. 46 OLIVEIRA, Lourival Gonçalves de. Lacunas: Direito Público e Direito Privado. Revista de Informação Legislativa, p. 59.

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Tudo isto ocorre, especificamente no Brasil, por estarmos vivendo o

Estado Democrático de Direito. A Constituição é a grande responsável por este

“salto” na modernização de como são vistas as coisas47 . Mudaram-se os vetores

identificadores das normas jurídicas: mais fluidas, gerais, principiológicas; o

formalismo jurídico cede espaço à dialética, que procura por meio do discurso,

legitimar as ações de seus governantes; as três funções do Estado, que vez ou outra

entram em conflito, assumem papéis de guardiãs do processo de direcionar o

homem a uma vida social plena de felicidade. Reflexo deste quadro é a “procura” por

direitos que a sociedade impõe ao Estado sejam-lhes outorgados; multiplicam-se as

leis, os princípios gerais de direito agora são positivados48 , passando a idéia de que

integram o mundo jurídico na sua dimensão mais importante e extensa; a

jurisprudência assume definitivo papel de fonte do direito, completando o

ordenamento jurídico naquilo em que este se acha omisso. Enfim, nova e mutável

ordem jurídica se apresenta.

Justamente neste contexto entra a relação entre a Constituição, como

expressão mais forte e geral dos anseios de um povo, e os micro-sistemas jurídicos,

gerados pela sucumbência da idéia totalizante dos códigos oitocentistas. Ora, se a

sociedade reclama por mais direitos, o que se dá no caso do sistema jurídico

(continental-europeu) predominante no Brasil, especialmente por meio da

elaboração de normas jurídicas, urge pela procura de novos modelos, os quais não

estejam presentes apenas nos códigos civis, mas em repositórios de leis com o fito

de satisfazer a necessidade existente – o que se conquista por meio da elaboração

destas espécies de mini-códigos especializados.

Fábio Siebeneichler de Andrade, após fazer uma análise crítica sobre a

concepção clássica da lei como expressão da vontade geral,

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47 Para Pietro Barcelona a “modernización se presenta como la consumación de la modernidad (de su vocaci ilustrada) y como el triunfo definitivo del carácter infundamentado, artificial y polimorfo del mundo moderno. La modernización materizaliaría de este modo la eliminación de todo “resíduo metafísico” y, en particular, de la idea de una “vida libre, buena y justa”, que há constituido el motor del antagonismo del Manifiesto de Marx. (BARCELONA, Pietro. Postmodernidad y Comunidad: el regreso de la vinculación social, p. 15). 48 Quando um princípio geral de direito passa a ser positivado é sinal de que atingiu um estado de maturação bastante acentuado; contudo, tal aspecto pode petrificar a raiz principiológica do seu enunciado, na medida em que sendo direito natural, na sua essência, (entendimento primário que os princípios agregam) seu entendimento

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depende menos de interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais, encontrando-se na própria natureza humana a busca de seu efetivo sentido.

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49 ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. Da Codificação: crônica de um conceito, p. 129.

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________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE

FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO

PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A

MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil

como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de

2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS

BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Trabalho

Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em Filosofia do

Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção

do título em Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne. Teresina,

junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo

Código Civil como eixo central do Direito Privado Autor: Joseli Lima

MagalhãesAprovado em : ____/____/

_____.Examinadores:__________________________________________________

____________________________________________________________________

___________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in

memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do

curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira,

Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os

quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de

Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas

no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel

Reale) SumárioResumo

................................................................................................................ 11Abstract

................................................................................................................ 12Resumen

............................................................................................................... 13Introdução

50 ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. Da Codificação: crônica de um conceito, p. 132. 52 VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica, p. 181/182.

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...............................................................................................................14Capítulo I – As

Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil Brasileiro

.......................................................................................... 191. A influência exercida

pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro

.................................................................................................................191.1. O

Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo

...................................................................................................................... 191.2. A

codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade

pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da

ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX

............................................................................................... 30 2. A influência

exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro

.............processual e direito penal, carreando verdadeira assistematização do direito,

sendo objeto de pertinazes críticas pelos civilistas, os quais vêem nos códigos civis

modelos históricos de sistematização da ciência jurídica. De uma hora para outra

tudo isto é escamoteado, toda a história da doutrina dogmática civilística que se

construiu em cima dos institutos históricos do direito civil são postos à porfia.

Adir-se a tudo isto o aspecto de que a “vida útil” das lei especiais tendem

a ser cada vez menores. Elaboram-se normas para fatos ou situações concretas,

com prazo existencial já quase que previamente determinado, resultado da

transmudação das necessidades humanas.

Esta multiplicação de normas jurídicas, como se fosse a salvação de

todos os problemas enfrentados pelos Estados modernos, verbi gratia, baixos

salários, quando não desemprego, fome, falta de assistência educacional e

previdenciária, leva ao próprio descrédito da produção legisferante. O mito da

obediência e sujeição ao texto da lei é desmascarado; eclodem, no seio da

sociedade, as greves e a desobediência, junto ao Estado de Direito.

Para Siebeneichler, ao tomar como escopo pensamento de Francisco

Carnelutti, na obra La Morte del Diritto, salienta que por ser a crise tão intensa,

caminha para o fim do estado de Direito, dada a multiplicação a inflação de normas

53 ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. Da Codificação: crônica de um conceito, p. 135.

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185

jurídicas, que acaba por multiplicar consideravelmente a quantidade de regras

jurídicas, surgindo daí uma hipertrofia legislativa54 .

Paradoxalmente, desta “hipertrofia legislativa”, no sistema jurídico

brasileiro, o próprio Estado, sabedor da importância que mesmo inseridos direitos na

constituição, muitos outros ainda não foram garantidos, põe à disposição dos

cidadãos institutos que visam suprir esta lacuna legislativa, o que ocorre por meio do

Mandado de Injunção55 , como garantia processual constitucional, para possibilitar,

mais ainda, a fruição de quaisquer direitos constitucionalmente assegurados em

normas não auto-executáveis, e que, infelizmente, não teve e não está tendo a

repercussão e finalidade para qual foi idealizado originariamente no texto de 1988; a

Ação de Inconstitucionalidade por Omissão, que no dizer de Gisele Cittadino, após

salientar a congruência de fatores que os une, como a efetivação da idéia

comunitária de intérpretes da Constituição, mais evidente no caso do Mandado de

Injunção, pela extensão da legitimidade ativa de seus membros, assevera que:

os cidadãos e as associações possuem legitimidade, assegurada

pela própria Constituição, para deflagrar processos judiciais perante

juízes e tribunais, especialmente no sentido de tornar efetivas as

normas constitucionais protetoras dos direitos sociais fundamentais,

combatendo as omissões dos poderes públicos. Neste contexto de

Constituição aberta e de abertura constitucional, não se poderia

destinar outro papel aos tribunais, senão o de regente republicano

das liberdades positivas56 .

54 ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. Da Codificação: crônica de um conceito, p. 141. 55 Carlos Augusto Alcântara Machado, na sua tese de mestrado pela Universidade Federal do Ceará, sobre Mandado de Injunção, conclui ser este remédio constitucional o “meio viabilizador do exercício de direitos Constitucionais que dependam de regulamentação, e visa conferir efetividade à Constituição, entre outras conclusões, assevera o seguinte sobre este importante instrumento processual constitucional: a) o STF, ao conferir ao mandado de injunção o mesmo efeito da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, adotando posição não concretista, esvazia o novo writ e o despoja da finalidade para o qual foi criado; b) o problema que autoriza o ajuizamento da mandado de injunção não se situa no plano da teoria tradicional das lacunas, como pode parecer; c) A hipótese, portanto, não é de completude ou incompletude do Sistema Jurídico, no sentido de que o caso concreto (litígio) tem de ser decidido pelo magistrado (proibição do non liquet – art. 126, CPC), com base nos meios supletivos consagrados no próprio ordenamento jurídico. A tarefa confiada ao julgador, de desvendar normas com base no sistema jurídico, considerando-se os elementos fornecidos pelo mesmo sistema, refoge ao âmbito do mandado de injunção; d) no mandado de injunção, o problema surge em razão da falta da norma regulamentadora que inviabiliza o exercício de direitos e liberdades constitucionais; e) Na teoria das lacunas, a norma existe no sistema jurídico, apesar de ainda não desvendada, aparecendo somente no momento da decisão. O que autoriza a utilização do mandado de injunção é a inexistência de regulamentação, total ou parcial”. (MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. Mandado de Injunção: um Instrumento de efetividade da Constituição, p. 138-189). 56 CITTADINO, Gisele. Direito e Justiça distributiva: elementos da Filosofia Constitucional contemporânea, p. 59-60.

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186

Não se diga que os magistrados ou os Tribunais estariam legislando, mas

forçando a existência de novo paradigma interpretativo da lei, que deixa de ser

autêntica, no âmbito da Função Legisladora, e alcança importância na Função

Judicante, na medida em que, também, novos comportamentos legais são

permitidos e assegurados, o que de uma forma ou de outra acabam sendo

acoplados aos micro-sistemas de direito, possuidores, na essência, de abertura a

normas de direito constitucional, modificando, desta feita, o conteúdo do próprio

direito privado.

Por outro lado, a pluralidade de normas igualmente propicia uma nova

atividade do cidadão: a evasão. Isto se dá no âmbito do direito municipal,

previdenciário e tributário, tendo o jurisdicionado à sua disposição, desta forma, uma

pluralidade de regras jurídicas que lhes podem ser manuseadas satisfatoriamente,

principalmente contando com os préstimos de atuante advogado.

É claro que todo este “espetáculo de criação de leis” não se verifica

apenas, no Brasil, mas é fruto do verdadeiro Estado Democrático de Direito que

atravessamos, e que os micro-sistemas jurídicos, como repositórios primários destas

leis,

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FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO

PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A

MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como

eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de 2003Joseli Lima

MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo

Código Civil como eixo central do Direito Privado Trabalho Monográfico apresentado

como exigência do Curso de Pós-Graduação em Filosofia do Direito e Teoria

Geral do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do

título em Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne. Teresina,

junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo

Código Civil como eixo central do Direito Privado Autor: Joseli Lima

MagalhãesAprovado em : ____/____/

_____.Examinadores:__________________________________________________

____________________________________________________________________

___________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in

memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do

curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira,

Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os

quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de

Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas

57 ARCE Y FLÓREZ-VALDÉS, Joaquim. El Derecho Civil Constitucional, p. 60. 58 Neste sentido a obra de SACCO, R.: Codificar: modo superato di legiferare?, in Riv. Dir. Civ., n. 2, 1983. 59 ARCE Y FLÓREZ-VALDÉS, Joaquim. El Derecho Civil Constitucional, p. 61. 60 Um conceito de paradigma, bastante atual, é do Professor Meton Marques, presente na sua tese de doutorado pela UFMG, no sentido de que “traduz as maneiras de ver o mundo e agir numa moldura de conceitos, pré conceitos, valores e pré-compreensões reinantes no nosso meio social, que imprimem o clima e normalidade. Paradigmas, no sentido da pesquisa cientitífica, são modelos oriundos da prática científica real – incluídos, a um só tempo, lei, teoria, aplicação e instrumentação – a partir dos quais brotam as tradições coerentes e específicas de pesquisa científica”. (MARQUES, Francisco Meton. O resgate dos valores na interpretação constitucional: por uma hermenêutica reabilitadora do homem como “ser–moralmente-melhor”, p. 286). 61 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. O Direito pós moderno e a codificação. Revista da Faculdade de Direito da USP, p. 6.

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no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel

Reale) SumárioResumo

................................................................................................................ 11Abstract

................................................................................................................ 12Resumen

............................................................................................................... 13Introdução

...............................................................................................................14Capítulo I –

As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil

Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência

exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro

.................................................................................................................191.1. O

Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo

...................................................................................................................... 191.2. A

codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade pela

magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da ideologia dos

códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX

............................................................................................... 30 2. A influência exercida pela

Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro .............. A lei

passa a ser interpretada, o uso da razão ganha novo contexto, mais dialético e

menos preconceituoso, abre-se a mente para novos pensamentos, sempre, contudo,

vinculados ao princípio legal da motivação das decisões judiciais, não como

elemento do velho positivismo jurídico e da segurança jurídica, mas como fator

determinante dos jurisdicionados saberem o porquê desta ou daquela decisão, e a

partir daí saber fundamentar o recurso.

Do arbítrio da lei passamos ao arbítrio da razão. O direito (aplicação da

lei) passa a se atualizar, não mais exprimindo o momento que foi elaborado. A

62 Neste particular, pertinente a lição de Nélson Saldanha, segundo o qual há pelo menos dois mil anos que os juristas se habituaram a estimar a ordem. Por outro lado, sempre existiu a impressão de que o direito privado –defendido pelos que indigitam a crise – é o direito propriamente dito, menos permeável que o direito “público” às ingerências políticas e à presença do Estado: no pensamento de KELSEN, herdeiro da linha de SEYDEL e de GERBER, o ideal privatístico atuou como ideal de cientificidade e como ideal de sistematização. Neste desejo de se destacar da presença do Estado, revelado por muitos juristas, parece-nos, contudo, ver uma espécie de nostalgia do medievo, quando o estudo do direito lidava com um objeto dado em textos quase sagrados, sem um direito “público” digno de nota e sem estatizações criadoras de crises. Sem embargo de que muitos destes mesmos juristas, desconfiados do Estado, continuem supervalorizando a lei e praticando sob diversas formas o positivismo jurídico. É que a crise, que atinge em especial o tipo de direito consolidado no Estado contemporâneo, se agrava precisamente por não se entremostrar nenhuma alternativa para esse tipo. (SALDANHA, Nélson, Transformação e Crise no Direito: uma visão histórico-crítica. Revista de Informação Legislativa, p. 65-66). 63 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. O Direito pós moderno e a codificação. Revista da Faculdade de Direito da USP, p. 7.

Page 190: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO … · certo grau de cuidado e de maturação por parte do pesquisador. Um tema aparentemente simples, sem maiores digressões, pode se tornar compreensível

190

decisão é um conjunto de fatores que vão buscar os costumes, as outras decisões

semelhantes, o que pensam os doutrinadores sobre o assunto, enfim, é dado ao

magistrado construir todo um sistema livre de interpretação. A lei de referência

obrigatória passa a ser, tão-somente, um vetor não necessariamente a ser seguido.

Essa nova cosmovisão encontra respaldo, principalmente, na Escola Realista do

Direito, Escandinava e Norte-americana, que inseriu no Direito o elemento da

eficácia. No Brasil, em particular, após a entrada em vigor da Constituição de 1988.

Tentando dar satisfatória solução a este conflito, em se saber se o Direito a ser aplicado é o texto da lei ou a livre consciência do magistrado, Junqueira de Azevedo propõe que:

[...] a lei e o juiz ficarão para os casos extremos. O paradigma

jurídico, portanto, que passara da lei ao juiz, está mudando, agora,

do juiz ao caso. A centralidade do caso é este: o eixo em torno do

qual gira o paradigma jurídico pós-moderno64 .

Justamente neste sentido é que avulta a figura da “arbitragem”, em seus

contornos mais elásticos, como modo de solução de conflitos entre as partes,

desafogando, por conexão, a Função Judiciária, que se preocuparia, como dito,

apenas com os casos ditos relevantes, e que abarcasse variada gama de

jurisdicionados numa única decisão. Todos estes aspectos, de compor e solucionar

os conflitos judiciais e, essencialmente, impedir que venham a ocorrer, passam, sem

dúvida alguma, pelo desenvolvimento de novos métodos de pensar o Direito. A

figura da arbitragem é, por assim dizer, um dos modos eficientes para se resolver a

crise pela qual o Direito atravessa, ademais, o Estado tem que investir neste

desiderato e, com isso, então, a sociedade tome consciência de que seus conflitos

particulares podem e devem ser resolvidos sem a direta intervenção estatal.

A codificação também se apresenta como elemento capaz de contribuir

para a resolutividade da crise do Direito. Os magistrados, mas do que nunca, terão

que ter à disposição mecanismos eficientes e sistemáticos de aplicar o Direito. Os

códigos da modernidade não devem ser apresentados como modelos do

64 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. O Direito pós moderno e a codificação. Revista da Faculdade de Direito da USP, p. 8.

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191

racionalismo e positivismo do século XIX, com a tendência de unidade65 e

completude do ordenamento jurídico, e assim servir como base de apoio para o

desenvolvimento do Direito. Os códigos não podem petrificar o Direito; mas têm

como escopo desenvolvê-lo e aperfeiçoá-lo.

6. O Código Civil como eixo central do direito civil

O movimento codificador típico dos séculos XVIII, XIX e parte do século

XX, como técnica legislativa priorizada pelos legisladores, encontra-se definida em

cada época, pela própria complexidade da situação histórica. As características irão

depender da composição e estrutura do Estado, da cultura política dos membros da

Função Legislativa, bem assim a relação com a ciência jurídica da época66.

Por ser criação de uma época em que o Direito passava por grandes

transformações, inclusive tentando sustentar-se por meio da sistematização e da

segurança jurídica, pondo de lado, de certo modo, um pouco os princípios basilares

do Direito Natural, não mais se podendo acoplar este modelo codificante à realidade

vivenciada pelos jurisdicionados no mundo todo. Assim como as pessoas, o Direito é

suceptível de mudanças, às vezes para pior, mas a procura pela perfeição é sempre

buscada. A codificação das leis civis, neste particular, não pode lastrear-se em

repetir os mesmos princípios e teorias; a visão da codificação

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65 Nélson Saldanha aponta que os gregos não passaram por esta preocupação da falta de unidade no ordenamento jurídico, mas mesmo assim tiveram legislações e códigos. Aponta ainda que os “romanos não se detiveram sobre o problema com maiores perquirições teóricas, mas ele se acha latente nas definições do direito da época clássica, bem como na hierárquica diferenciação entre fontes que implicava uma idéia da “unitariedade” da ordem jurídica. Citemos ainda o tema das relações entre direito (jus) e lei (lex), também praticamente ignorado pelos gregos, entre os quais a experiência do jurídico como tal não chegou a se consolidar nem a se constituir em termos mais ponderáveis”. (SALDANHA, Nélson. O Direito Romano e a Noção Ocidental de “Direito”. Revista dos Tribunais, n. 80, p. 123). 66 IRTI, Natalino. La edad de la descodificación, p. 172.

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_________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE

FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO

PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A

MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil

como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de

2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS

BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado

Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em

Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de

Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do

Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO

DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito

Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/

_____.Examinadores:__________________________________________________

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___________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in

memorian) e Júlia Lima Magalhães.

Agradeço ao incentivo dado pelos professores do curso de mestrado: Drs.

Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nélson Saldanha e, em

especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os quais não teria sido

possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de Direito.“Infelizmente,

falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas no alto sempre

acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel Reale)

SumárioResumo

................................................................................................................ 11Abstract

................................................................................................................ 12Resumen

67 ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. Da Codificação: crônica de um conceito, p. 154.

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194

............................................................................................................... 13Introdução

...............................................................................................................14Capítulo I –

As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil

Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência

exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro

.................................................................................................................191.1. O

Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo

...................................................................................................................... 191.2. A

codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade

pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da

ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX

............................................................................................... 30 2. A influência

exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro

.............utido e valorado, extraem-se as seguintes conclusões primordiais do

dissertação:

A codificação constitui novidade na História do Direito; o homem sempre

procurou aprimorar mecanismos jurídicos suficientes para tornar cada vez mais fácil

e pragmática a vida social.

No direito ocidental, os códigos Civis são fruto do desenvolvimento do

iluminismo e da burguesia como classe que legitimava, pela lei emanada do Estado,

seu poder e influência perante as outras classes;

Os códigos civis antecipavam, já no início do século XVIII, o papel

desempenhado pelas Constituições, ainda mais porque à época o direito prevalente

era o privado, não tendo encontrado amparo para se desenvolver em países de

cultura jurídica que não fosse sólida;

A Escola da Exegese surgiu após a entrada em vigor do Code (1804)

como movimento dos juspositivistas e juristas franceses, especialmente professores

universitários, que tinham por escólio principal proceder a interpretação de artigos do

diploma civil francês, devendo ser entendida pela época em que teve vida, na

medida em que representa uma fase do real desenvolvimento do homem; onde o

68 ALBUQUERQUE, Ronaldo Gatti de. A Reconstrução do Direito Privado: reflexos dos princípios, diretrizes e

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Direito centralizado na figura da lei, da unidade, da coerência e da completitude do

ordenamento jurídico.

Os reflexos e influências da Escola da Exegese no direito civil brasileiro

foram desde logo (começo do século XVIII) sentidos por aqueles que o faziam, ainda

mais porque, à época, o Brasil ainda era dependente politicamente de Portugal e

vigoravam em nossas terras as Ordenações, as quais, por sua vez, sofreram

acentuada influência do direito civil francês. Boa parte do código civil brasileiro de

1916 esmerava-se no Code, especialmente incorporando o teor patrimonialista e

individualista, inerente à Revolução Francesa;

A Escola Histórica do Direito nasceu como reação contra os exageros

existentes no direito natural e racional, que não observavam ser o Direito

manifestação da sociedade, da história, com estreita relação com as características

inerentes de cada povo, contribuindo, fortemente, tanto para os preceitos instalados

no antigo quanto no novo código civil brasileiro, por propiciar liberalidade ao

magistrado no exercício de sua profissão e incorporar, posteriormente, de certo

modo, os preceitos jurídicos imanentes ao realismo jurídico;

A importância que a Escola Histórica do Direito atribui ao costume

assume relevo face ao caráter aproximativo existente entre ambos. Se por um lado a

lei, apesar de ser manifestação da sociedade, pela representação identificadora no

corpo legislativo, e por outro a jurisprudência pecar por ser manifestação quase que

exclusiva da classe formada por um dos poderes constituídos, o costume,

efetivamente, diagnostica o que a população almeja, deseja ou repele;

Não se pode concluir que Thibaut ou Savigny estavam certos ou errados

em suas proposições e argumentos pela codificação do direito na Alemanha, apesar

da discussão acadêmica ter sido travada no início do século XIX, quando apenas em

1900 entrou em vigor o BGB, estando profundamente presente o caráter

participativo da cientificidade jurídica tão declamado por Savigny;

Os fenômenos do centralismo jurídico e do bartolismo, ocorridos no Brasil,

representaram importante passagem sócio-jurídica de uma época em que se

direitos fundamentais constitucionais no direito privado, p. 84.

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pretendia consolidar e codificar as leis civis, seguindo o paradigma político-cultural

dominante na Europa do século XVIII;

Uma das mais fortes heranças deixadas no Brasil por Portugal, nas letras

jurídicas, foi a existência de toda uma legislação escorada na idéia de um Direito de

origem legislativa, de procedência estatal;

O centralismo jurídico projetou no seio da cultura jurídica brasileira a

concepção de se elaborar, o quanto antes, um código de relações civis disciplinando

o comportamento da sociedade de então, não refletindo toda cultura baseada no

costume como fonte do direito;

O bartolismo propiciou a elaboração da unidade de nosso ordenamento

jurídico civilista, na medida em que compatibilizava os costumes universais com os

costumes locais, introduzindo a figura do direito romano e do poder da doutrina

como

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____________________________________________________________________

_________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE

FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO

PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A

MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil

como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de

2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS

BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado

Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em

Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de

Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do

Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO

DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito

Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/

_____.Examinadores:__________________________________________________

____________________________________________________________________

___________

Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in

memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do

curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira,

Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os

quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de

Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas

no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel

Reale) SumárioResumo

................................................................................................................ 11Abstract

................................................................................................................ 12Resumen

............................................................................................................... 13Introdução

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199

...............................................................................................................14Capítulo I –

As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil

Brasileiro .......................................................................................... 191. A

influência exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil

brasileiro

.................................................................................................................191.1. O

Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo

...................................................................................................................... 191.2. A

codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade

pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da

ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX

............................................................................................... 30 2. A influência

exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro

.............o do princípio a boa fé objetiva;

O princípio da operabilidade tem como esteio propiciar sejam as normas

jurídicas do código civil interpretadas e aplicadas de tal maneira que satisfaçam a

realização do Direito;

Tornar o Direito mais ágil, menos apegado ao formalismo, que apenas

distancia o próprio espírito da norma daquele a quem se dirige, constitui, sem

dúvida, um dos princípios traçados pelos codificadores do atual diploma civil,

cabendo, no entanto, aos magistrados “captarem” esta nova referência

transformadora e atualizante do Direito;

A importância de se ter a Constituição como sistema aberto de normas e

princípios propicia, no campo do direito privado, principalmente o civil, interação

constante e atualizante entre os dogmas do direito público e do privado, gerando a

diretriz de que cada vez mais o direito se torna um só, e que esta dicotomia

acadêmica entre o público e o privado tende se tornar obsoleta e impertinente;

O direito civil sempre emprestou boa parte de seus conceitos, institutos e

princípios para os demais ramos do direito e, agora, tem que obedecer aos

princípios de direito público e de direito constitucional. Os código civis devem

respeitar e temer as Constituições; e não o contrário;

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200

A constitucionalização do direito civil oxigena o próprio direito civil,

tornando-o mais flexível, mais vivo, menos formal, e coerente com o que de atual

tem sido produzido na órbita do direito constitucional.

No Brasil, a constitucionalização do direito civil é mais visivelmente

verificada no ramo do direito de família, e na doutrina do princípio da dignidade da

pessoa humana, que está remodulando o conceito de pessoa, dando uma visão

publicista do direito civil, advinda do aparecimento do Welfare State, onde boa parte

de temas sociais considerados relevantes foram publicizados;

A codificação das leis civis, apesar de sistematizar o Direito, tornando-o

mais claro, menos formal, mais conhecido e mais preciso, não tem sido capaz de se

manter atual face às novas transformações pelas quais o mundo moderno tem

passado, principalmente em face da proliferação dos micro-sistemas jurídicos;

São considerados objetivos da codificação facilitar o acesso de todos aos

textos legais; tornar o Direito mais certo e mais preciso, em decorrência de sua

sistematização; contribuir para a unificação do Direito; facilitar a organização

científica do Direito e, por fim, propiciar o agrupamento total de determinado ramo do

Direto;

Perderam os códigos civis o comando totalizador do direito privado, e de

exportarem a dogmática inserida em seus institutos jurídicos, inexistindo uma base

sólida paradigmática a ser seguida, abalando, conseqüentemente, a unidade e

estabilidade que aglutinavam. São os micro-sistemas, pois, o repouso propulsor da

criação das leis no ordenamento jurídico de cada Estado;

Os micro-sistemas jurídicos passam cada vez mais a integrar um corpo

legislativo completo em si, dentro naturalmente de seus limites, com matéria muitas

vezes versando inclusive sobre direito processual e direito penal, carreando

verdadeira assistematização do direito, sendo objeto de pertinazes críticas pelos

civilistas, os quais vêem nos códigos civis modelos históricos de sistematização da

ciência jurídica;

Um novo paradigma da modernidade segue o entendimento de que o

redirecionamento do Direito não encontra abrigo somente na elaboração de novas

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leis, ou mesmo codificá-las sob nova égide, dando ao magistrado mais liberdade

para construir o Direito, mas sim aplicando o instituto da “Arbitragem”, em seus

contornos mais elásticos, como modo de solução de conflitos entre as partes,

desafogando, por conexão, a Função Judiciária, que se preocuparia apenas com os

casos ditos relevantes.

Modernamente, a codificação das leis civis deve ser entendida

visualizando o código civil como eixo central das normas de direito civil; para onde

congregam os principais institutos e princípios de direito civil, existindo, pois, um

núcleo mínimo direcionador do direito privado, supra-conectado com os micro-

sistemas jurídicos de caráter e com a constituição.

O código civil de 2002 vem demonstrar a mutabilidade e atualização de se

legislar por meio da codificação, onde foram revistos muitos de seus conceitos, mas,

principalmente, modernizou-se a visão que um código deve possuir: como eixo

central de um ramo do direito, não possuindo o caráter totalizante; mas sim

direcionador.

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u__d___vt______________________|a______or________U_w_"_,_~p______~p______________________or______or______vt______or______|a______|a______~p______________________Jp______or______or______or______or______|a______~p______|a______~p______Ÿr______________ %•q÷5Ã_�a__Ê___Zf__ü___¶T__Ê___€Y__ü___|a______|a______~p__ñ___Ÿr______or__0___or____________________________________________________________________________________________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de 2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/ _____.Examinadores:_________________________________________________________________________________________________________________________________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel Reale) SumárioResumo ................................................................................................................ 11Abstract ................................................................................................................ 12Resumen ............................................................................................................... 13Introdução ...............................................................................................................14Capítulo I – As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro .................................................................................................................191.1. O Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo ...................................................................................................................... 191.2. A codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX ............................................................................................... 30 2. A influência exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro .............eoria da Norma Jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

VILLELA, João Baptista. Da Consolidação das Leis Civis à Teoria das Consolidações: problemas histórico-dogmáticos. Revista de Informação Legislativa. Brasília: Gráfica do Senado, jan/mar. 1986. ano 23. n. 89.

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WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.