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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
ESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO PIAUÍ
MESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO
DIREITO
A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado
Joseli Lima Magalhães
Teresina, junho de 2003
2
Joseli Lima Magalhães
A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado
Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne.
Teresina, junho de 2003
3
A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito Privado
Autor: Joseli Lima Magalhães
Aprovado em : ____/____/ _____.
Examinadores:
___________________________________________
___________________________________________
___________________________________________
4
Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães
da Costa (in memorian) e Júlia Lima Magalhães.
5
Agradeço ao incentivo dado pelos professores do
curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João
Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nélson
Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador,
George Browne, sem os quais não teria sido
possível superar mais esta fase de minha vida na
Academia de Direito.
6
“Infelizmente, falha-me a certeza
ou a crença em valores ideais,
como estrelas no alto sempre acesas,
guiando o passo inquieto dos mortais”.
(Miguel Reale)
Sumário
Resumo ................................................................................................................ 11
Abstract ................................................................................................................ 12
Resumen ............................................................................................................... 13
Introdução ...............................................................................................................14
7
Capítulo I – As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do
Direito Civil Brasileiro .......................................................................................... 19
1. A influência exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil
brasileiro .................................................................................................................19
1.1. O Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do
termo ...................................................................................................................... 19
1.2. A codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a
utilização da eqüidade pela magistratura francesa ............................................... 22
1.3. A recepção da ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no
Brasil do século XIX ............................................................................................... 30
2. A influência exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do
Direito Civil brasileiro ............................................................................................. 35
2.1. A Escola Histórica do Direito como elemento pacificador do rigor
imprimido pelo positivismo jurídico do século XIX ................................................. 35
2.2. A Escola Histórica do Direito e a evolução do Direito.................... 39
2.3. O costume como elemento identificador da Escola Histórica do Direito
e sua importância para o desenvolvimento da codificação do Direito ...... 41
2.4. A polêmica jurídica travada entre Thibaut e Savigny a respeito da
codificação das leis civis na Alemanha do século XIX .......................................... 43
2.5. O declínio da Escola Histórica do Direito e a moderna codificação
civilista brasileira.................................................................................................... 47
Capítulo II – A importância da origem histórica da codificação do Direito Civil
Brasileiro para compreensão do modelo jurídico atual .................................... 50
1. O centralismo jurídico e o bartolismo como elementos integrantes da origem
sócio-jurídica da legislação civilista brasileira ........................................................51
1.1. O Centralismo Jurídico .................................................................. 52
8
1.2. O Bartolismo .................................................................................. 54
2. Acontecimentos históricos que marcaram a consolidação das leis civis
brasileiras .............................................................................................................. 56
3. A escravidão como óbice à elaboração da consolidação das leis civis e do
Código Civil de 1916 ............................................................................................. 60
4. Principais projetos do Código Civil Brasileiro de 1916 e seus antecedentes
históricos ................................................................................................................ 64
4.1. Projeto de Nabuco de Araújo .......................................................... 64
4.2. Projeto de Felício dos Santos ......................................................... 65
4.3. Projeto de Coelho Rodrigues .......................................................... 66
4.4. Projeto de Clóvis Beviláqua ........................................................... 68
5. Acontecimentos importantes que influenciaram na elaboração do Código
Civil Brasileiro de 2002........................................................................................... 74
5.1. O pluralismo jurídico incipiente na sociedade brasileira do começo do
século XX ................................................................................................................74
5.2. As transformações por que o mundo atravessava na primeira metade
do século XX. O esvaziamento do conteúdo presente nos códigos civis............... 77
5.3. Os primeiros anteprojetos ............................................................. 80
6. A estrutura formal do atual Código Civil e seus relatores na Câmara dos
Deputados e no Senado Federal .................................................................... 83
7. Os acontecimentos históricos anteriores à Carta Federal de 1988 como
óbices à elaboração do Código Civil...................................................................... 85
8. A entrada em vigor da Constituição de 1988 como óbice existente ao normal
desenvolvimento da elaboração do Código Civil ................................................... 87
9
9. A elaboração da Resolução nº 01/00, do Congresso Nacional, como técnica
jurídica para agilizar o trâmite regimental do Código Civil ......................................90
10. A demora na tramitação do projeto do Código Civil. Os efeitos causados
pelo fator tempo às normas jurídicas codificadas................................................... 92
11. Finalmente a elaboração do novo Código Civil. Diretrizes apresentadas no
anteprojeto confirmadas pelo novel diploma ....................................................... 100
12. A importância da atuação dos juristas na postergação, elaboração e
direcionamento da codificação civilista brasileira ............................................... 108
Capítulo III – Os três princípios norteadores do novo Código Civil
Brasileiro............................................................................................................. 112
1. O princípio da socialidade ....................................................................... 113
1.1. A sociedade brasileira eminentemente agrária do início do século XX
e a sociedade eminentemente urbana do início do século XXI ........................... 113
1.2. O princípio da socialidade e as normas pertinentes a direito
social..................................................................................................................... 119
1.3. Os dois aportes do princípio da socialidade no Código Civil........ 122
1.3.1. O princípio da socialidade e a função social do
contrato................................................................................................................. 122
1.3.1.1. A liberdade e a autonomia da vontade no modelo
liberal do contrato ................................................................................................ 122
1.3.1.2. A liberdade e a autonomia da vontade no modelo atual
do contrato ........................................................................................................... 125
1.3.2. O princípio da socialidade e a função social da
propriedade............................................................................................................ 128
1.3.2.1. A concepção clássica/tradicional do direito de
propriedade ......................................................................................................... 130
10
1.3.2.2. A concepção atual do direito de propriedade: a função
social.................................................................................................................... .130
2. O princípio da eticidade ........................................................................... 133
2.1. A visão aberta que deve possuir a moderna codificação e o
preenchimento do Direito por meio de valores éticos........................................... 133
2.2. Situações legais previstas no Código Civil: a boa-fé objetiva ...... 136
3. O princípio da operabilidade ................................................................... 141
3.1. O princípio da operabilidade como modelo realizador do Direito...141
3.2. A presença de cláusulas gerais nos códigos como técnica legislativa
própria ao aperfeiçoamento da operabilidade do Direito ..................................... 142
3.3. Alguns exemplos legais previstos no Código Civil ....................... 146
Capítulo IV – A criação de micro-sistemas jurídicos como técnica jurídica de
amainar a crise do direito privado e suas relações com o direito
constitucional .................................................................................................... 149
1. A noção de sistema jurídico e de ordenamento jurídico.......................... 149
2. A crise do direito civil clássico: ............................................................... 157
2.1. A constitucionalização do Direito Civil ........................................ 159
2.2. A publicização do Direito Civil e o Estado Social ........................ 162
3. A necessidade de se codificar as leis civis ............................................. 164
3.1. Conceito de codificação ............................................................... 164
3.2. Objetivos da codificação das leis civis ......................................... 166
4. Os micro-sistemas jurídicos e a descodificação do direito civil ............... 174
5. Paradigmas da modernidade que devem ser enfrentados pela nova visão
codificadora das leis civis..................................................................................... 180
11
6. O Código Civil como eixo central do direito privado ................................ 184
Conclusões................................................................................................... 187
Referências Bibliográficas ........................................................................... 194
Resumo
O estudo da Filosofia do Direito e da Teoria Geral do Direito requer, sempre,
certo grau de cuidado e de maturação por parte do pesquisador. Um tema
aparentemente simples, sem maiores digressões, pode se tornar compreensível com
a introdução de elementos teóricos e de pensamentos que mudaram a concepção
de ver o mundo e o Direito em sua época, com reflexos na atualidade.
A presente dissertação teve por escólio estudar, compreender e analisar
criticamente o fenômeno da codificação do direito civil, especificamente as novas
diretrizes apresentadas pelo atual código Civil brasileiro, bem assim apresentar uma
nova visão de se codificar referidas normas, procurando, sempre, impulsionar o
Direito para o moderno, o atual, aquilo que a sociedade espera dele, e não como
mera técnica de dominação dos povos mais fracos e oprimidos.
No decorrer da exposição dos quatro capítulos, observou-se que o elemento
histórico sempre se fez presente, e não foi por outro motivo, senão demonstrar que a
História dos acontecimentos humanos encontra-se tão relacionada com o Direito que
é capaz de mudá-lo na maioria das vezes, a ponto de se confundirem. O estudo não
procurou, contudo, estudar apenas historicamente o fenômeno da codificação das
12
leis civis, mas investigá-lo sob o ponto de vista crítico-valorativo, analisando e
indicando seus pontos frágeis e imprecisos, criticando onde era para se criticar;
elogiando onde era para se elogiar.
A dissertação, assim, tenta desmistificar a idéia de que a técnica de se legislar
por meio da codificação das leis civis brasileiras é maléfica ao Direito Nacional,
isolando o modelo da codificação oitocentista, fruto de uma época, onde se
procurava comungar dos elementos gerais traçados pelo novo código Civil, na nova
visão que é apresentada, com seus artigos flexíveis, e sempre com a presença
atuante do magistrado, que por meio da interpretação de suas normas e princípios
constrói e dignifica o Direito Civil Nacional.
Sumário: Teoria Geral do Direito. Teoria Geral do Direito Civil. Teoria da
Codificação. Codificação das Leis Civis Brasileiras. Código Civil Brasileiro de 2002.
Abstract
The study of the Philosophy of Law and the General Theory of Law always
demands a certain degree of care and maturation on the part of the researcher.
Apparently a very simple subject, without major digressions, it may become
interesting to understand, with the introduction of theoretical elements and thought
who had changed the way to address the world and the law of every time and its
reflexes in current days.
This dissertation was designed to study, understand and critically analyze
the phenomenon of the codification of civil law, more specifically, the new lines of
direction featuring in the current Brazilian Civil Code, as well as to show a new way
if codifying said rules, always attempting to lead law to what is modern, current , to
what society expects from it and not as mere technique of domination of the weakest
and most oppressed people.
During the exposition of the four chapters, it was noted that the historic
element was always present, being its main purpose to demonstrate that the history
of human events is always so related to law that it is able to change it most of the
times, to the point of one being confused with the other. The study was not restricted
13
only to the historical analysis of the phenomenon of the codification of the civil laws
but, rather, it also investigated it, from the critical-value point of view, stressing its
most fragile and less accurate points, being critical and praising accordingly.
The dissertation, thus, tries to demystify the idea that the technique of
legislating by means of the codification of the Brazilian civil laws is noxious to the
Domestic Law, isolating the 1800s model of codification, product of a time, in which
one searched to share the general elements featuring in the new Civil Code, in the
new vision that is presented, with its flexible articles, and always with the operating
presence of the magistrate who, by means of the interpretation of its norms and
principles, constructs and dignifies the National Civil Law.
Resumen
El estudio de la Filosofía del Derecho y de la Teoría General del Derecho
requiere, siempre, cierto grado de cuidado y de maturación por parte del
encuestador. Un tema aparentemente simples, sin mayores digresiones, puede
tornarse interesante de comprender , con la introdución de elementos teoricos y de
pensamientos que cambiaron la concepción de ver el mundo y el Derecho en su
época, con reflejos en la actualidad.
La disertación tuvo por finalidad estudiar, comprender y analisar
criticamente el fenómeno de la codificación del derecho civil, especificamente las
nuevas directrizes presentadas por el actual código civil brasileño, bien así presentar
una nueva visión de codificarse las referidas normas, buscando , siempre,
impulsionar el Derecho para el moderno, el actual, aquello que la sociedad espera
de él y no como simples técnica de dominación de los pueblos más débiles y
oprimidos.
En el transcurrir de la exposición de los cuatro capítulos, observose que el
elemento histórico siempre se hizo presente, y no fue por otro motivo, sino demostró
que la História de los acontecimientos humanos encuentrase tan relacionado con el
Derecho que es capaz de cambiarlo en la mayoria de las veces, al ponto de
confundirse y que el estudio no provocó, sin embargo, estudiar solamente
historicamente el fenómeno de la codificación de las leyes civiles, pero investigarlo
14
bajo el punto de vista crítico valorativo, analizando e indicando sus puntos frágiles e
imprecisos, criticando donde era para criticarse; elogiando donde era para elogiarse.
La disertación, así, intenta desmistificar la idea de que la técnica de
legislarse por medio de la codificación de las leyes civiles brasileñas es mala al
Derecho Nacional, isolando el modelo ochocentista, fruto de una época donde se
buscaba comulgar de los elementos generales trazados por el nuevo código civil, en
la nueva visión que es presentada, con sus artículos flexibles, y siempre con la
presencia actuante del magistrado, que por medio de la interpretación de sus formas
y princípios construi y dignifica el Derecho Civil Nacional.
Introdução
A presente dissertação em Filosofia do Direito e Teoria Geral do
Direito, para obtenção do título de mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em convênio com a Universidade Federal do Piauí e a Escola Superior de Advocacia do Estado do Piauí, tem por escopo analisar o fenômeno da Codificação das leis civis como técnica jurídica reinante nos séculos XVIII, XIX e XX, em particular a codificação do Direito Civil Brasileiro, colhendo elementos crítico-valorativos capazes de redirecioná-lo sob outra ótica, moderna e que esteja em consonância com os progressos verificados no Direito.
Evidente que por ser o estudo da codificação muito amplo, necessário se
faz situá-lo no tempo e no espaço. Apesar de ser um tema mais relacionado com a
Teoria Geral do Direito Civil, contudo, o aspecto que se procurou imprimir ao
trabalho centraliza em analisá-lo sob o enfoque da Filosofia do Direito e da Teoria
Geral do Direito, ainda mais por serem estes dois ramos do Direito bastante porosos
e constantemente se co-relacionarem com outros da ciência jurídica, face
principalmente à busca por elementos tidos por propedêuticos, na sua gênese.
Certamente constitui, hoje, no Brasil, um dos temas mais palpitantes da
Teoria Geral do Direito, ainda mais em face da entrada em vigor do novo código civil
brasileiro, neste ano de 2003, daí porque o trabalho vetoriou-se mais sob o aspecto
da codificação civil brasileira, especificamente a história e fundamentos que levaram
à conclusão (finalmente) do novo diploma civilístico, além dos principais princípios
15
capazes de redirecionar a crise por que passa o Direito privado nacional (direito
civil), apesar da proliferação constante de micro-sistemas jurídicos.
O capítulo I inicia-se com o estudo crítico-histórico da influência da
codificação francesa no movimento codificador de direito civil do Brasil, onde é
observada a importância do código civil francês, tido como o primeiro código civil na
acepção que modernamente deve ser dada ao termo, constituindo uma ideologia
reinante da Europa do século XVIII, onde não se pode deixar de perquirir a respeito
da filosofia jurídica trazida pela escola da exegese como aporte do positivismo
jurídico da época. Na segunda parte deste capítulo, há o estudo crítico-histórico da
influência da codificação alemã no movimento codificador de direito civil do Brasil,
dando-se especial atenção à Escola Histórica do Direito, particularmente da
importância do costume como elemento propulsor da codificação privada de um
país, passando-se pela festejada polêmica acadêmica travada entre Savigny e
Thibaut a respeito de qual a época ideal para se codificar as leis civis, terminando,
finalmente, com o declínio da própria Escola Histórica do Direito e frutos que esta
deixou para a nova codificação civil brasileira.
Trata-se de capítulo eminentemente histórico; não apenas narra fatos
tidos por importantes a influenciar a dogmática privatística nacional, mas procura
sempre investigar o porquê de tais acontecimentos, relacionando-os, sempre, com a
moderna fase codificante de direito civil existente no mundo e, especificamente, no
Brasil, com suas vicissitudes e virtudes. Com o conhecimento da historiografia
mundial, pois, é possível captar as raízes de nosso direito privado, a justificar o
caminho traçado por nossos principais jusfilósofos, cientistas jurídicos e legisladores,
de haverem escolhido, preponderantemente, pelo menos até a metade do século
passado, esta técnica de se dizer o Direito.
O Capítulo II trata da importância da origem histórica da codificação do
direito civil brasileiro par compreensão do modelo jurídico atual. Aborda-se aqui o
movimento codificador brasileiro na sua origem, principalmente a partir da
independência do país, como o bartolismo e o centralismo, passando,
superficialmente, mas sem perder a relação com o Direito Moderno aplicado no país,
pela consolidação das leis civis brasileiras.
16
Os principais projetos do código civil de 1916 também não foram
esquecidos (Nabuco de Araújo, Felício dos Santos, Coelho Rodrigues e Clóvis
Beviláqua); as grandes transformações ocorridas pós 1920 no mundo e seus
reflexos no Direito vigente no país; estudam-se, também, os primeiros anteprojetos
relacionados com o atual código civil, e a história legislativa que culminou com a
elaboração, finalmente, do atual código civil, principalmente com a sistemática de
atualizá-lo em face da entrada em vigor da nova Constituição Federal, que rompeu a
estrutura do direito existente, com nova ordem jurídica se instalando no país.
Aspecto de salutar importância e sempre presente quando se estuda o
movimento codificador, seja qual for a época ou qual o país, diz respeito à demora
sempre inerente à confecção destes diplomas legais, onde se observou que o
tempo, de fato, constitui elemento capaz de obstacular e travar a atualidade de um
código, posto que as leis tendem a ser elaboradas alicerçadas em fatos jurídicos e
sociais valorados, contudo, quando entram em vigor os anseios e angústias da
população já são outros – o direito escrito nunca acompanha o tempo, ainda mais
por necessitar de certa dose de maturação, de discussão, para entrar em vigor.
Por fim, são abordadas as principais diretrizes traçadas pelo anteprojeto
do novo código civil do Brasil, sob a coordenação do Prof. Miguel Reale, e
confirmadas pelo novel diploma, bem assim a importância que se deve dar à
atuação dos juristas na postergação, elaboração e direcionamento da codificação
civilística do país.
O Capítulo III aborda os três principais princípios norteadores do novo
código civil brasileiro.
O princípio da socialidade é estudado tomando por esteio a mudança da
sociedade brasileira nos últimos 100 anos, que passou de eminentemente agrária
para eminentemente urbana, com reflexos imediatos na construção do Direito
elaborado e aplicado no país. Vetoria-se o trabalho para a dupla análise do princípio
da socialidade em relação à função social do contrato (buscando-se a liberdade e a
autonomia da vontade no modelo liberal e atual do contrato) e com relação à função
social da propriedade (entendida a propriedade na concepção tradicional e atual).
17
O princípio da eticidade vai buscar a visão aberta que deve possuir a
moderna codificação e o preenchimento do Direito por meio de valores éticos, onde
são analisadas situações legais previstas no novel diploma civil, como a boa-fé
objetiva.
O princípio da operabilidade é identificado como o modelo ideal de se
realizar, concretizar o Direito, para tanto não se pode fugir do uso das cláusulas
gerais. São identificados alguns exemplos legais previstos no código civil, como
forma de sedimentação da importância deste princípio para se redefinir uma nova e
moderna codificação das leis civis do país.
Este capítulo, mais do que qualquer outro, traz um elemento especial em
relação aos demais: a importância do magistrado como agente construtor do Direito,
e que dependendo da interpretação e da aplicação dada à norma, modifica toda a
dogmática clássica permeada em torno do código civil, tornando-o coerente com a
moderna visão dada às codificações das leis civis, sempre numa interconexão com a
Constituição Federal. Apesar de se tratar de trabalho de Filosofia do Direito e de
Teoria Geral do Direito, por isso mesmo bastante especulativo e teórico, os artigos
de lei colacionados à presente monografia não têm outro intuito senão fixar a
presença dos princípios da socialidade, eticidade e operabilidade no novo código
civil, não sendo desiderato fazer-se a exegese de dispositivos legais, senão numa
visão sistêmica e especulativa de engrandecimento do Direito.
O capítulo IV tem por escólio dimensionar um novo modelo para a
codificação das leis civis, sentindo o código civil como eixo central do direito privado,
passando-se pela idéia de sistema jurídico; percorrendo a crise do direito civil
clássico, com as vertentes da constitucionalização e publicização do direito civil, sem
se deixar de lado o conceito de codificação. Procurou-se, também, elencar alguns
objetivos da codificação das leis civis e apontar ser a criação dos micro-sistemas
jurídicos um dos elementos identificadores da descodificação do direito civil; por fim,
traçou-se um novo paradigma que deve ser enfrentado pela nova visão codificadora
das leis civis com o escopo de tornar o Direito mais presente na vida daqueles que
compõem a sociedade.
18
Objetiva-se ajudar na construção da moderna visão da codificação das
leis civis brasileiras, visto ser retrocesso criticar, por criticar, o novo código civil,
confrontando-se com a idéia de se (re)codificar nossas leis civis, mas devendo-se
buscar novas alternativas no aperfeiçoamento da dogmática civil moderna, a qual
deve sempre tomar por escólio o texto Constitucional, a fim de se mitigar a crise por
que atravessa o direito privado, principalmente o civil. A mudança de paradigmas
somente ocorrerá se sólida básica científica for construída, o que dar-se-á,
certamente, com o (re)direcionamento de doutrinas e dogmas cristalizados e novo
modo de pensar o Direito, conjugado com a atuação da magistratura do país e todos
aqueles que contribuem para o aperfeiçoamento, dignidade e construção do Direito.
19
CAPÍTULO I
As influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil Brasileiro
Sumário: 1. A influência exercida pela Escola da Exegese na
codificação do Direito Civil brasileiro; 1.1. O Código Civil Francês
como o primeiro código na acepção estrita do termo; 1.2. A
codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização
da eqüidade pela magistratura francesa; 1.3. A recepção da ideologia
dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX; 2. A
influência exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do
Direito Civil brasileiro; 2.1. A Escola Histórica do Direito como
elemento pacificador do rigor imprimido pelo positivismo jurídico do
século XIX; 2.2. A Escola Histórica do Direito e a evolução natural do
Direito; 2.3. O costume como elemento identificador da Escola
Histórica do Direito e sua importância para o desenvolvimento da
codificação do Direito; 2.4. A polêmica jurídica travada entre Thibaut
e Savigny a respeito da codificação das leis civis na Alemanha do
século XIX; 2.5. O declínio da Escola Histórica do Direito e a
moderna codificação civilista brasileira.
Não se pode falar de codificação sem adentrar no estudo das Escolas
Jurídicas que propiciaram o seu desenvolvimento, em especial a Escola da Exegese,
bem assim, fazendo-se necessário estudo da elaboração do código civil francês de
1804, como marco desenvolvimentista e idealizador da codificação e do próprio
aparecimento da Escola Exegética.
É claro que neste caso fica muito difícil comparar-se a legislação,
jurisprudência ou doutrina francesa com a brasileira dos últimos dois séculos, por tão
20
abrangente ser o conteúdo dos dois códigos, e face a riqueza de detalhes que
residem dentro de um diploma civil.
Procurou-se, pois, dar uma visão, ainda que panorâmica, do quadro da
história do direito da França do século XVIII, que na verdade representava, em nível
de Ciência Jurídica, o próprio mundo, e seus reflexos e influências exercidos no
Direito do Brasil ainda monarquista.
Buscou-se, desta forma, apontar e criticar o exagero que se deu, no
Brasil, da importância da Escola da Exegese, que tem, certamente, seus aspectos
brilhantes e positivos, contudo, engessou por muitos anos nosso Direito, em especial
o pensamento de nossos magistrados, possuindo, no entanto, valor, na medida em
que disciplinou e sistematizou o Direito, além de aperfeiçoar o instituto da
“segurança jurídica”, entremeado em todo o ordenamento jurídico pátrio.
Quanto à Escola Histórica do Direito, buscou-se identificar a importância
que teve e tem para o movimento codificador dos séculos XVIII, XIX e XX,
principalmente na Alemanha, e seus reflexos na antiga e atual codificação do direito
civilista brasileiro, do século XXI.
Não constitui desiderato esgotar a análise histórica e crítica do assunto;
primeiro, pela abrangência, diversidade e complexidade que a temática congrega;
depois, pela própria capacitação intelectual necessária que deve possuir o autor,
prova disto é a batalha intelectual travada entre Thibaut e Savigny, cada qual
expondo e justificando suas teorias a favor ou contra a codificação.
Há de se observar, ainda, a importância dada pela Escola Histórica do
Direito identificar nos doutrinadores importante papel de desenvolvimento e
aperfeiçoamento do Direito, o que visivelmente se observa pela atuação daqueles
que ajudaram na elaboração do código civil de 2002.
O costume também foi objeto de investigação, por constituir um dos
paradigmas da Escola Histórica do Direito e fator determinante contra a fase
codificadora imperante nos séculos XVIII e XIX, o que leva à reflexão da
necessidade ou não dos códigos em pleno século XXI. Existindo eles, contudo,
21
deve-se mudar a referência da arquitetura codificante, totalmente diferenciada da
existente nos séculos anteriores.
Espera-se, assim, que esta abordagem histórica dos séculos XVIII e XIX
sirva de esteio para se entender o atual momento de codificação por que passa a
legislação civilística brasileira, sempre observando-se a interação e influência que
estas duas Escolas exerceram no desenvolvimento de nosso direito privado.
1. A influência exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil
Brasileiro
1.1. O Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo
A técnica de se legislar por meio da codificação, como sistema completo e
unitário de leis a respeito de determinado ramo do Direito, nunca foi novidade na
história da humanidade; o homem sempre procurou aprimorar mecanismos
suficientes para tornar cada vez mais fácil e pragmática a vida cotidiana. Assim
surgiram, verbi gratia, o Código de Manu, a Lei das Dozes Tábuas, o Código de
Hamurábi e o Código de Justiniano.
Constitui o Código de Justiniano, certamente o mais abrangente e, de
certo modo, aquele que mais influência exerceu na formação do direito civil brasileiro
clássico, contudo, não pode ser considerado código na acepção precisa do termo
empregado nesta dissertação, como é e deve ser entendido hoje, por congregar em
seu conteúdo normas de toda estirpe: desde o direito civil ou direito penal, passando
pelo direito administrativo, agrário e processual. Na verdade, consistia mais numa
“compilação” de normas, em diversos Livros, congregando toda a legislação romana
da época, ou pelo menos as leis tidas e consideradas mais importantes e de
aplicabilidade premente.
Durante os mil anos transcorridos na Idade Média, o Código de Justiniano
teve seu valor, disciplinando e estabelecendo os costumes de boa parte do povo
22
europeu, com exceção, de certo modo, da Inglaterra, ainda mais porque toda a
cultura, língua e modo comportamental tiveram suas raízes no Império Romano, não
podendo o direito romano abster-se desta influência, por encontrar-se sempre em
interação com os fatos sociais.
Os códigos modernos são fruto de todo um desenvolvimento do
iluminismo e da burguesia como classe que precisa legitimar, pela lei, pelo Estado,
seu poder e influência perante as outras classes, e tendem a aparecer e tomar corpo
sempre gerados por uma outra classe que se apresenta e se desenvolve por algum
tempo, freqüentemente vinculados sua origem à subida de classe não nobre ao
poder estatal, sendo típico de suas características a função de ordenar, o
menosprezo pelas tradições e pelo passado, e com escopo organizatório1.
Ocorre que todos estes códigos não podem ser identificados com a noção
que ora se quer dar – de ordenar e coordenar todo um ordenamento jurídico de um
Estado, ou pelo menos versando acerca de determinado ramo do Direito. O código
que mais se aproximou deste modelo codificatório centralizador da idéia da unidade
e da totalidade foi, certamente, o Código de Napoleão, a ponto de ser considerado
pacífico “o reconhecimento de que é com o código de Napoleão que tem o começo a
Ciência Jurídica moderna, caracterizada sobretudo pela unidade sistemática e o
rigor técnico-formal de seus dispositivos”2.
1.2. A codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização
da eqüidade pela magistratura francesa
Assim como boa parte dos países europeus, como Portugal, Espanha,
Inglaterra, Holanda, Suécia e Dinamarca, encontrava-se a França, de certa forma,
delimitado seu território, com suas fronteiras definidas, o povo falando a mesma
língua e sob o comando de um chefe de Estado, o que não se deu, por exemplo,
1 SALDANHA, Nélson. Pequeno dicionário de Teoria do Direito e Filosofia Política, p. 39. 2 REALE, Miguel. Código Napoleão ou Código Civil dos Franceses, p. IX.
23
com a Alemanha e Itália. Esta situação existente na França ajudou,
consideravelmente, à unificação do direito local.
Quando Napoleão assumiu o poder, verificou, sabiamente, que o povo
francês encontrava-se descontente com as inúmeras leis, costumes e modos
comportamentais aos quais estava vinculados – ninguém sabia a quem obedecer e o
que cumprir. Faltava ao povo francês certa dose de “segurança jurídica” –, as regras
do jogo não estavam postas e a instabilidade tomava conta do país, não só pela
política conturbada que o próprio país enfrentava, mas, também, porque o
ordenamento jurídico não propiciava um escalonamento de regras e normas que
deveriam ser obedecidas.
O celeiro cultural da Europa, e o mundo era a Europa nos séculos XVIII,
XIX, convergia para a França: lá estavam os grandes artistas, intelectuais, as
academias de letras e de ciências, os filósofos e políticos mais renomados, além,
claro, de uma gama de juristas que durante todo o século XVIII propugnaram novo
modo de conceber o Direito, dando um corte epistemológico ao direito natural,
forjando a criação daquele que viria a ser o positivismo jurídico moderno do século
XX, agora acobertado pelo fortalecimento do Estado, como ente capaz de coagir ao
cumprimento das normas jurídicas.
O imperador tinha conhecimento que somente através da Constituição,
que à época mais se identificava como uma Carta de Princípios, seria o instrumento
de dizer ao povo os contornos gerais de seu governo, propiciando a unificação de
todas as normas jurídicas da França, o que projetaria, fatalmente, à unificação dos
próprios costumes e unidade de pensamento da nação, fortalecendo, desta feita, a
governabilidade do império.
Roborando, assim, com toda uma gama de juristas nascidos e nutridos
pelo Iluminismo, desenvolve-se a idéia de se codificar as leis civis, exatamente por
ser o direito civil a base de todo o ordenamento jurídico de um Estado. Os principais
institutos jurídicos existentes no mundo, nos séculos XVII, XVIII e XIX, tinham
sustentação nas leis civis, como o conceito de propriedade, de pessoa, de domicílio,
de casamento, contrato, exatamente por serem época em que a classe dominante
via, na individualidade, no apego à propriedade e na vida privada, os elementos
24
centrais do homem, com o qual devia preocupar-se o direito (Lei). O coletivismo, os
direitos sociais e o direito público somente vão se destacar depois da crise do
positivismo jurídico, já no início do século XX.
Os códigos civis, pois, antecipavam o que são hoje as constituições,
porque à época o direito prevalente era o privado e não o público. O direito civil
abarcava o direito constitucional, o que não se verifica atualmente, demonstrando
ser a vida feita de ciclos, e o Direito, por fazer parte da vida das pessoas, não está
imune à mutabilidade de tais ciclos.
A codificação, no início, não encontrou amparo para se desenvolver em
países com uma cultura jurídica que não fosse sólida e estivesse aperfeiçoada,
como Alemanha e Itália, verbi gratia, ainda mais por não se encontrarem seus
territórios unificados, basta verificar a famosa altercação acadêmica entre Savigny e
Thibaut sobre a plausividade da Alemanha codificar suas leis, tanto assim que
somente em 1900 entrou em vigor o BGB.
A unificação de um país e a manutenção da ordem interna, desta feita,
necessariamente passam pela unificação de seu direito, e um dos modos para se
concretizar este feito se dá pela técnica da codificação das leis, em especial do
direito civil (1804), por ser este ramo do direito, como dito, o que plastificava e
congregava a vida das pessoas, seguido do Código de Processo Civil (1806), do
Código Comercial (1807) e o do Código Penal (1810).
Para António Hespanha:
Os códigos napoleônicos constituíam, por um lado, a consumação de
um movimento doutrinal que, partindo da doutrina tradicional
francesa, fora enriquecido com as contribuições do jus-racionalismo
setecentista. Neste sentido aparecem como uma espécie de
positivação da razão. Por outro lado, tinham sido o resultado de um
processo legislativo conduzido pelos órgãos representativos da
nação francesa. Constituíam, neste sentido, a concretização
legislativa da vonlanté génerale3.
3 HESPANHA, Antônio Manuel. Panorama histórico da cultura jurídica européia, p. 177.
25
Com efeito, a codificação manifesta-se como a positivação do direito
natural, considerado vago e impreciso, que se deu por meio do Estado e da vontade
daqueles que o representam, a vontade geral, daí ser questionada a sua
legitimidade como parte integrante de seu aperfeiçoamento.
Apesar de se ter à mente que muitos dos elaboradores e redatores do
código civil (como Tronchet, Maleville, Bigot-Premeneau, Cambacère e Portalis)
pretendiam consumar uma ruptura entre o antigo direito francês e o atual (da época),
o qual se apresentava inserido no code, a verdade é que num primeiro momento,
quando da elaboração do projeto do código, não se buscou interromper por completo
as relações existentes entre o direito natural, fruto da França antes Revolução e do
direito positivo, fruto da França pós Revolução, já parcialmente unificada, na medida
em que apesar do código ter sido elaborado na constância de uma Revolução, os
costumes e influências do ancién regime ainda estavam presentes na mente dos
súditos. Na verdade, este corte pretendido entre o direito natural e o direito positivo
se deu mais pelos intérpretes do code por influência direta de seu criador –
Napoleão.
Miguel Reale, contudo, adverte que, na realidade, bem poucos
legisladores, como os do Código de Napoleão souberam
colocar-se tão sobranceiros às vicissitudes do passado e às forças
projetantes do futuro, pondo-se a cavaleiro de duas épocas,
consolidando e sistematizando, de um lado, as conquistas liberais da
burguesia, segundo o binômio “liberdade-propriedade”’ que constituía
a viga mestra de todo o ordenamento jurídico da época; e, de outro
lado, assegurando condições propícias ao surto do capitalismo
industrial que mal começava a aliciar os seus instrumentos de ação
com a máquina a vapor e o primeiro impacto das ciências sobre as
estruturas econômico-sociais4.
Tudo partia da figura da separação dos poderes: até que ponto a Função
Judiciária seria capaz de não interferir na criação, desenvolvimento e
aperfeiçoamento do novo direito francês, propiciando, desta feita, liberdade ao
administrador de praticar atos na Função Executiva, representada por Napoleão. O
4 REALE, Miguel. Código Napoleão ou Código Civil dos Franceses, p. IX.
26
imperador sabia que seria difícil governar por meio de leis que a todo e a qualquer
momento pudessem ser interpretadas diferentemente do que pensava seu grupo,
dando-se aos magistrados liberdade de gerenciamento no seu governo, por meio da
interpretação às normas legais, incluindo-se, principalmente, o código civil francês.
A positivação dos direitos naturais fica evidente pela inserção, no Code,
do art. 4º, que dispõe que “o juiz que se recusar a julgar sob o pretexto do silêncio,
da obscuridade ou da insuficiência da lei, poderá ser processado como culpável de
justiça denegada”. Este artigo não pode, contudo, ser interpretado isoladamente,
principalmente em relação ao art. 9º do Livro Preliminar do Projeto, eliminado do
texto definitivo, o qual disciplina que “nas matérias civis, o juiz, na falta de leis
precisas, é um ministro de eqüidade. A eqüidade é o retorno à lei natural e aos usos
adotados no silêncio da lei positiva”.
O art. 4º, portanto, nada mais estatui que o ordenamento jurídico de um
país deve ser completo, uno, não podendo o magistrado deixar de julgar e dar a
prestação jurisdicional à sociedade sob a escusa de que a lei é obscura, lacunosa ou
mesmo inexistente. Seria o caos, a negação do próprio Estado.
A interpretação, no caso de obscuridade da lei; e o preenchimento das
lacunas inexistindo a lei, eram técnicas viáveis para tornar válido o dogma da
onipotência do legislador, na medida em que se configurava a situação da existência
de um ordenamento jurídico completo, onde o magistrado buscaria na própria ou
em outras normas jurídicas, co-relacioná-las, a fim de solucionar o caso existente,
mas nunca criando o Direito, por si mesmo, colher posicionamento exterior ao
ordenamento jurídico, inclusive com o apoio de outras ciências5 , o Direito que ora se
lhe apresenta.
Na legislação do Brasil, vê-se, nitidamente, o cabimento da figura jurídica
dos embargos de declaração (art. 535, do CPC), quando houver, na sentença ou no
5 Esta particularidade, a propósito, será objeto de análise por um dos maiores filósofos da época contemporânea – Hans Kelsen –, o qual vai desenvolver toda uma doutrina positivista no sentido de purificar o Direito, mas que não vê o magistrado tão atrelado aos textos da lei, inclusive chegando a afirmar que este também cria o Direito por meio das sentenças, sendo impossível conceber o Direito, a sua criação e seu desenvolvimento, sem se dar especial atenção à sua figura, principalmente, aliás, quando utiliza a eqüidade como objeto de solucionar questões, fato por sinal que se tornou importante a partir de quando o Mestre de Viena passou a morar nos Estados Unidos da América, e conviver com outro tipo de sistema jurídico, onde a liberdade do julgador apresenta mais premência e o apego aos textos da lei não se encontra tão evidente, como no caso das Escolas de Direito existentes em sua grande parte na Europa, com as quais havia convivido anteriormente.
27
acórdão, obscuridade ou contradição, ou for omitido ponto sobre o qual devia
pronunciar-se o juiz ou o Tribunal. Os sistemas modernos são avessos à
lacunosidade e contradição presentes em casos jurídicos a serem resolvidos.
Como dito, o art. 4º, do código civil francês, não poderia ser interpretado
isoladamente. Tanto assim que fazia parte de seu contexto o art. 9º, que foi
suprimido, não pelos redatores do código em especial, que ainda guardavam um
estilo naturalista, ou melhor, idealizadores de que o direito positivo poderia
materializar, tão-somente, o direito natural.
O direito natural do século XIX guarda estreita relação com o ideal de
justiça. Não se pode, entretanto, pensar em desenvolver-se uma teoria da justiça
sem que haja relacionamento com a eqüidade. Daí ser inserida no art. 9º, do Projeto
do código civil francês, o qual deveria ser interpretado, como dito, em conjunto com
o art. 4º. A eqüidade, pois, é que iria concretizar o elo entre o direito natural, do
antigo regime, e o direito positivo existente no código civil francês.
O juiz, desta forma, no silêncio da norma ou mesmo na ambiguidade dela
em relação à outra, aproveitar-se-ia do atributo da eqüidade para solucionar o
conflito. Aplicando a eqüidade, o magistrado estaria construindo, desenvolvendo,
aperfeiçoando o Direito, o que era objeto de preocupação do novo governo
revolucionário instalado na França.
A propósito, a Revolução Francesa sempre se comportou de modo
bastante “desconfiante” em relação à Função Judiciária Francesa. E não era por
menos. Na magistratura francesa proliferavam os casos de corrupção e letargia de
seus membros para prolatarem decisões judiciais, frente a problemas sócio-políticos
muito graves enfrentados pelos jurisdicionados. Os magistrados franceses sempre
foram demasiadamente vinculados à realeza, e quase nada decidiam contrariamente
à orientação da Coroa, e a sociedade francesa de então, era quem arcava com esse
estado de corrupção e comprometimento da Função Judicante. Não foi por menos
que o imperador Napoleão, utilizando de certa forma o Parlamento, tendenciou a
controlar o Judiciário, por meio do Tribunal de Cassação6.
6 Plauto Faraco de Azevedo, após assinalar não ser novo o entendimento de que as decisões judiciais poderiam ser revistas e mudadas todas as vezes que houvesse violação das leis, o que já ocorria no Antigo Regime, onde o Rei exercia este atributo quanto às decisões dos parlamentares que se posicionavam contrariamente ao que a
28
Gutiérrez-Masson, na introdução da obra de Portalis – Discurso Preliminar
al Código Civil Francés –, observa que mesmo antes da Revolução Francesa, o
Poder Judiciário Francês, no antigo regime, era demasiadamente condenado por
todos, dentre outros fatores pela lentidão excessiva dos processos, a multiplicidade
de jurisdições a que a Justiça estava vinculada, a complexidade de recursos, a
hereditariedade dos cargos de magistrados que passavam de pai para filho, a
usurpação de funções jurisdicionais, a recepção de poder político através do poder
de jurisdição e o hermetismo da linguagem, tornado arruinoso o conceito da Justiça
e da magistratura francesa7, o que de certa forma propiciou à magnanimidade da lei,
como elementos centralizadores e difusores da Justiça, além de acoplar o trabalho
realizado pelos juízes a meros textos legais. Toda edificação de uma nova justiça
girava, pois, em torno da confiança absoluta na lei e na desconfiança dada ao juiz8.
A eqüidade, praticada pelos membros da magistratura francesa não era
bem assimilada, na medida em que constituía um juízo de valor a respeito da
materialização da Justiça, se bem que o entendimento do que vem a ser eqüidade,
desde Aristóteles, tem agrupado uma densidade de acepções, à medida em que se
filia à determinado escola jurídica.
Para Aristóteles9, a idéia de eqüidade centraliza-se no posicionamento de
uma norma individualizada, que se adapta às circunstâncias do caso concreto em
apreço, face à indeterminabilidade premente da lei e de seu caráter de ser
impossível prever todos os casos, daí porque nem todos os fatos e coisas podem
ser determinados pela lei, semelhante com o que ocorre com a régua de chumbo,
usada pelos construtores de Lesbos, que se adapta à forma da pedra e não tem o
caráter de ser rígida, pela maleabilidade existente no objeto a ser medido.
Coroa pensava, pondera que “se não mais era possível cogitar-se de um órgão dessa natureza, sob a dependência do rei, permanecia a idéia do mecanismo de cassação, como meio de assegurar o respeito às leis, embora se temesse conferir tal poder a um tribunal situado no ápice da organização judiciária. Em 1790 Robespierre chegou a propor uma solução radical, pela qual se colocaria o órgão de cassação no interior do corpo legislativo, atribuindo o exame dos recursos a uma comissão do legislativo. Com a Lei de 27 de novembro – 1º de dezembro de 1790, decide-se a criação do Tribunal de Cassação, concebido como tribunal regulador da ordem judiciária”. (AZEVEDO, Plauto Faraco de. Aplicação do Direito e Contexto Social, p. 116). 7 PORTALIS, Jean Etienne Marie. Discurso preliminar al código Civil Francés, p. 9. 8 PORTALIS, Jean Etienne Marie. Discurso preliminar al Código Civil Francés, p. 11. 9 Problema enfrentado pelos codificadores do direito francês diz respeito à necessidade de se materializar (concretizar) a idéia de Justiça, que se confunde, no positivismo jurídico, com a própria idéia de lei. A Justiça e a eqüidade, assim, dependeriam da lei, para o positivismo do começo do século XVIII. Para Aristóteles, em Ética a Nicômaco (p. 125), a eqüidade é justa em si mesma, embora seja superior a uma simples espécie de justiça, podendo uma coisa ser justa e eqüitativa ao mesmo tempo, contudo, a eqüidade é superior. “O que origina o problema é o fato de o eqüitativo ser justo, porém não o legalmente justo, e sim uma correção da justiça legal”.
29
Napoleão Bonaparte, ao determinar que fosse retirado o art. 9º, do
anteprojeto do código civil francês, agiu de modo tal que nem mesmo em relação a
matérias de direito civil poderia o magistrado construir o Direito, por meio da
aplicação da eqüidade, o que de certo modo seria uma volta ao jusnaturalismo,
escola que o positivismo jurídico, por meio da codificação das leis e do
fortalecimento do Estado, estava decidida a mitigar suas forças e questionar suas
teorias.
Observa-se, ademais, que a corrente dos juristas e filósofos iluministas
dos séculos XVII e XVIII, cujos redatores do anteprojeto do código civil francês
preservavam o princípio de direito penal, segundo o qual não há crime sem lei
anterior que o defina, tanto que introduziram no texto do anteprojeto a aplicação da
eqüidade pelo magistrado somente permitida em matéria civil, silenciando-se,
portanto, a respeito da penal, não logrou êxito, na medida em que por serem as
matérias civis a órbita central de toda a personalidade humana, entendia-se ser por
demais comprometedor que os juízes pudessem interpretar e aplicar a norma
jurídica além do que o próprio texto estabelecia.
A garantia da liberdade humana, pela preservação do princípio de direito
romano “nullun crimen, nulla poena sine lege”, consistindo, na verdade, na
conservação dos direitos individuais contra as arbitrariedades do Estado, sempre
procurou ser, contudo, objeto de relevância para o direito francês, ao menos
legalmente, o que na prática, em decorrência dos movimentos revolucionários nem
sempre se deu, o que era perfeitamente compreensível dada a ruptura das
instituições e do estado de direito anterior.
A interpretação isolada, pois, de um artigo de lei de um código,
exatamente pela falta de um outro que o complementaria, diminui o caráter de
importância premente na interpretação sistemática, propiciando o aumento da crise
do positivismo jurídico, que somente vai ocorrer anos depois.
1.3. A recepção da ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no
Brasil do século XIX
30
A Escola da Exegese surgiu exatamente após a entrada em vigor do
Code (1804) como um movimento dos juspositivistas e juristas franceses,
especialmente professores universitários, que tinham por escólio principal proceder a
interpretação dos artigos do diploma civil francês.
Para a Escola da Exegese, o Direito se consubstancia na própria lei
escrita, sendo o retorno das coisas (com outra moldura e outra sistematização) ao
ponto em que deixaram os glosadores e os pós-glosadores, antes do surgimento do
jusnaturalismo. O Código de Napoleão representou para os exegéticos o que o
Código de Justiniano representou para os glosadores, existindo um tripé desta
escola positivista: tem o Direito o caráter avalorativo, origina-se do Estado e possui
forte aspecto legalista11 .
Com efeito, o positivismo é avalorativo na medida em que não se pode
valorar, dar novo entendimento àquilo que se apresenta na lei, sendo meramente
descritivo ou repetitivo do preceituado no comando legal. Não há vazão para
posicionamento ideológico por parte do intérprete ou de quem vai expressar a
vontade da norma, que existe por si mesma. O valor não é um elemento agregado à
escola exegética, que o põe de escanteio, ignorando-o, de certo modo.
É estatal na media em que o direito positivo advém do Estado. É positivo
por ser posto, materializado pelo Estado, daí a grande altercação com o
jusnaturalismo, na medida em que o direito não pode advir de Deus ou da razão
humana, por serem elementos abstratos. A Escola da Exegese nasce e se
aperfeiçoa nos Estados ditos modernos, com a divisão dos poderes já bastante
premente e evidenciada.
Quanto ao caráter legalista, a lei se apresenta como a principal fonte do
direito. Os costumes, a jurisprudência, a doutrina são postas de lado. O Direito, para
os exegéticos, é o que a lei estabelece ser. Os costumes podem até ajudar à criação
do Direito, mas não se confundem com ele, tendo, necessariamente, que serem
positivados, por meio de textos legais, a fim de puderem ser considerados elementos
propulsionadores do Direito. Igual fato ocorre com a jurisprudência, que de longe
31
poderia criar e identificar-se como direito positivo, na medida em que estar-se-ia
dando aos magistrados poderes para interpretarem os dispositivos de lei, mudando-
as muitas vezes, traindo o escopo de sua criação e o vetor de seu entendimento.
Some-se a isto o fato, já narrado, de que os mentores da revolução francesa
guardavam considerável desconfiança de seus magistrados, não podendo conceder-
lhes livre espaço para interpretar as normas editadas pelo Estado.
Aftalión12 aponta como conseqüência de tudo isto os seguintes aspectos:
1) a negação valorativa aos costumes: a Escola da Exegese se
contrapõe ao antigo regime jurídico francês. O Direito não pode mais ser entendido
como manifestação dos usos e costumes de um povo. Com a codificação, assim,
operacionaliza-se a centralização do Direito, propiciando a uniformização dos usos e
costumes de um povo. E para isto os exegéticos assim se manifestaram. Os
costumes antigos, de certo modo, podem e devem ser respeitados, mas não para
servir exclusivamente de paradigma à elaboração de normas e disciplinamento de
regras de conduta social. Este aspecto é tão importante que vai gerar o surgimento,
na Alemanha, da Escola Histórica do Direito, a qual enxergava nos costumes a
principal fonte do direito.
Para Lenio Luiz Streck atualmente tem-se observado diminuição da
aplicabilidade do common law na Inglaterra, com o conseqüente aumento de
aplicabilidade do direito legislativo, devido à sistematização e clarificação das fontes
do direito, cada vez mais presentes, visto que boa parte dele se acha nos law reports
e nas leis originárias do Parlamento13 .
Idêntico fato tem sido observado nos Estados Unidos, apesar de não
possuir um sistema jurídico igual ao inglês14 , sendo que para Lenio Streck é
profunda a diferença entre os dois tipos de sistemas, face que os conceitos e
institutos jurídicos se tornaram diferentes e os dois direitos não mais podem ser
identificados pela estrutura originalmente parecida, contudo, existem aspectos em
comum aos dois direitos: consistindo o bastante para que os americanos se
11 AFTALIÓN, Enrique R.; OLANO, Fernando Garcia; VILANOVA, José. Introdução ao Derecho, p. 252. 12 AFTALIÓN, Enrique R.; OLANO, Fernando Garcia; VILANOVA, José. Introdução ao Derecho, p. 252. 13 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função, p. 43. 14 MAGALHÃES, Joseli Lima. Código de processo civil na visão do Tribunal de Justiça do Piauí, p. 22.
32
considerem membros da família common law15 . Relembra pensamento de
Friedmam, autor de Introducion al Derecho Norteamericano, que diz haver em cada
Estado americano um direito processual próprio, típico do federalismo (fenômeno
que já ocorreu no Brasil, antes de entrar em vigor o Código de Processo Civil de
1939), bem assim o costume jurídico do princípio da oralidade nos fóruns e tribunais
americanos. Ainda assim acentua que, tal como se dá na Inglaterra, a lei escrita
(statutes) e as decisões judiciais se equivalem na aplicabilidade e importância como
fenômeno de fontes do Direito16 .
O certo é que a Escola da Exegese, não só por ser anterior à Escola
Histórica do Direito, se bem que em dado momento temporal coexistem e disputam
espaço no positivismo jurídico, mas principalmente por haver adotado a técnica de
legislar por meio de códigos, escanteiou o costume como fonte do direito, por temer
o apego do magistrado a esta fonte.
2) a negação ao juiz do trabalho criador, na medida em que fica limitado a
aplicar o Direito que já se encontra presente no corpo legal. Negar que o juiz pode
criar o direito é o mesmo que não identificar a jurisprudência como fonte do direito, o
que é inaceitável e ser capaz de sentir a mudança gradativa dos costumes de seu
povo, capaz de serem mudados ou adequados por uma decisão judicial17. Não se
pode é conceder larga e arbitrária margem de interpretação para a função criadora
dos magistrados, cujo limite deve sempre esbarrar na Constituição de seu Estado e
nos princípios constitucionais que ela molda.
3) a ação do jurista passa a ser entendida como intérprete a tirar as
conseqüências que logicamente estão incluídas nos textos legais e acudir, em caso
15 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função, p. 43. 16 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função, p. 61. ¥h_Wà______e_______________j§__ru__________________u€__Ã#__1____________________________F__`____F__`___`I__Ê___*P__Œ___|a______|a______|a______Vn______Vn______Vn______Vn______Vn______nn__Ð___>o_____Vn______vt__@___Jp______Jp__4___~p______~p______~p______~p______~p______~p______Ÿr______¡r______¡r______¡r__?___àr__¼___œs__¼___Xt__-___¶t__X___u__d___vt______________________|a______or________U_w_"_,_~p______~p______________________or______or______vt______or______|a______|a______~p______________________Jp______or______or______or______or______|a______~p______|a______~p______Ÿr______________ %•q÷5Ã_�a__Ê___Zf__ü___¶T__Ê___€Y__ü___|a______|a______~p__ñ___Ÿr______or__0___or____________________________________________________________________________________________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE FEDERAL D
33
de necessidade, a uma certa “intenção do legislador”, como último recurso para
suprir a obscuridade e deficiência da norma.
Por outro lado, observa-se na Escola da Exegese a eliminação do direito
natural como fonte do direito positivo pertencente à mesma linha de pensamento. No
século XVII, o direito racional (Vernunfitsrecht) foi um poderoso instrumento na luta
contra o antigo regime político. Durante a Revolução Francesa, o direito natural tinha
sido constantemente invocado para justificar as novas normas e os novos sistemas18
.
O certo é que a Escola da Exegese deve ser entendida pela época em
que teve vida. Sendo impertinente, pois, tecer comentário maldosos como sendo
uma escola jurídica a serviço do desmoronamento do Direito, ou mesmo não possuir
características próprias de uma escola jurídica, somatizando tão-somente idéias de
como devem ser interpretadas as normas jurídicas. Se hoje temos um positivismo
jurídico de certo modo ordenado, sistematizado, muito se deve, com certeza, ao
alcance dogmático propiciado pelos “exegéticos”, que possuem, como é natural,
seus pontos negativos.
Apesar de apresentar-se bastante desgastada e criticada pelos juristas,
inclusive pelos pós-positivistas, a Escola da Exegese não merece tais reproches, na
medida em que representa uma época real do desenvolvimento do próprio homem,
sendo o Direito centralizado na figura da lei, da unidade, coerência e completitude do
ordenamento jurídico, e havendo certa desconfiança na criação por parte dos
magistrados da França.
Observa-se, desta feita, que a Escola da Exegese teve como referência o
código civil francês, mudando todo o panorama de ensino jurídico universitário
francês, e em boa parte dos países europeus para se adequar ao positivismo
jurídico que se apresentava frente ao enfraquecimento do jusnaturalismo e do amor
ao texto de lei.
É claro que seus reflexos e influências no direito brasileiro foram desde
logo (começo do século XIX) sentidos por aqueles que o faziam, ainda mais porque,
à época, o Brasil ainda era dependente politicamente de Portugal e vigoravam em
34
nossas terras as Ordenações, as quais, por sua vez, muito sofreram influência do
direito civil francês.
O código civil brasileiro de 1916 esmerava-se, boa parte dele, no code,
especialmente quanto ao teor patrimonialista e individualista, inerente à Revolução
Francesa, o que ainda hoje é objeto de reminiscência no direito pátrio, sendo,
contudo, gradativamente, superado por institutos outros mais modernos, como a
função social da propriedade e do contrato, a igualdade entre homens e mulheres e
a proibição de discriminação entre filhos numa mesma família.
Espera-se que a Escola da Exegese tenha servido de paradigma para
sustentar o fortalecimento dos institutos jurídicos, da dogmática jurídica, na medida
em que a lei conseguiu materializar todos estes pontos, mas nunca ser objeto de
dominação pelos governantes, utilizando-se da lei e impedindo a sua maleabilidade
e interpretação, para manutenção da organização social e de seus vícios.
2. A influência exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do
direito civil brasileiro
2.1. A Escola Histórica do Direito como elemento pacificador do rigor legal
imprimido pelo positivismo jurídico
A partir do século XVII, com a organização, consolidação e fortalecimento
dos Estados Membros, nova visão de Direito tomou conta da sociedade e do Estado
(mundo europeu). O Direito passou a ser, então, o que o Estado dizia e queria que
fosse, e não uma simples manifestação da vontade do rei ou de grupos religiosos,
isoladamente. Os governantes notaram que com a nova estrutura do Estado, o
Direito e a obediência à lei constituíam modos eficazes não somente de estruturar o
poder, como também de manterem-se nele. A unidade nacional era o ponto de
partida para uma nova dimensão do poder, e a lei a extensão formal desse objetivo.
O Direito Natural, que durante muitos séculos foi objeto de utilização pelos
governantes, não mais servia de dogma para concepção da estrutura de poder
existente. A idéia de um direito divino, no início; racional, posteriormente, com o
PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA D
35
propósito de explicar a realidade existentes entra em crise flagrantemente. O mundo
pensante europeu passou a vislumbrar, face à multiplicidade de relações jurídicas,
conhecimento científico e filosófico agrupado ao aparecimento de informações cada
vez mais presentes, e da liberdade de pensamento, tornando-se a idéia da
existência de normas imutáveis inadmissível, ainda mais pela variedade de culturas
dos povos que fatalmente interagiam com a cultura jurídica.
O positivismo jurídico surge, exatamente, como uma forma de tomar
espaço do naturalismo decadente, na idéia de que cada povo, ou país, deve possuir
um Direito próprio, cada qual necessitando de uma legislação pertinente a seus
conflitos e realidade. A Escola Histórica de Direito, desta feita, contribuiu e continua
contribuindo para fortalecimento do positivismo jurídico na medida em que buscou
quebrar, de certa forma, a idéia de legalismo existente anteriormente.
Tanto assim que os pensadores racionalistas tomavam as construções
teóricas para entender a realidade, subordinado o modo de agir do homem a leis
ditas universais e de aplicação necessária, tudo dentro de um sistema em que
convivem harmoniosamente as leis explicadoras do valor e a realidade mesma. Já o
pensamento histórico reduz os valores a simples manifestação do espírito do povo,
no início, para mais tarde negá-los a um positivismo extravagante e ultrapassado19 .
O desfacelamento da importância dogmática até então dada ao direito
natural se deu em face da fragilidade da sua concepção reinante do caráter
intrínseco de sua universalidade.
Ao se reivindicar, contudo, certezas objetivas e universais, válidas para
toda a humanidade, observa-se que nunca se concretizaria este pensamento. O que
parecia justo para um povo, numa época ou civilização, não era para um outro. Seus
axiomas eram extremamente subjetivos, não tendo, assim, valor como base para um
sistema humano universal20 . Essa fragilidade crescente do direito natural ajudou
preponderantemente para o nascimento e fortalecimento da Escola Histórica de
Direito.
DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS C VIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado
36
Norberto Bobbio estabelece didática divisão dos critérios de valoração das
normas jurídicas, quando as observa sob o aspecto da justiça, validade e eficácia.
Após salientar que estas três concepções encontram-se viciadas pelo seu
reducionismo, tendo em vista que os elementos justiça e eficácia retiram de
importância o problema da validade, enquanto que o elemento da validade não se
preocupa com o problema da justiça21 , direciona o justo com a Escola do Direito
Natural; a validade com o Positivismo Jurídico e a eficácia com o Realismo Jurídico.
Observa a existência de pelo menos três períodos bem distintos desta Escola
Jurídica, sendo o primeiro deles representado pela Escola Histórica do Direito22 , o
segundo pela concepção sociológica do direito, tendo a frente François Geny e, por
último, sendo o mais violento e radical – a concepção realista do direito norte
americana.
A importância desta divisão e inserção da Escola Histórica do Direito no
Realismo Jurídico, vinculando-a diretamente na perspectiva de que o Direito se
entrelaça com o elemento eficácia, reside no aspecto de que a história é fruto da
manifestação dos acontecimentos ocorridos numa dada sociedade, onde não se
pode ignorar a relevância destes acontecimentos, os quais uma vez presentes no
seio do costume de uma sociedade refletirão, diretamente, no sistema jurídico e
modo comportamental de agir da população. Poder-se-ia dizer, assim, que o
costume, a história, e a eficácia das normas jurídicas são vetores identificadores da
Escola Histórica do Direito.
A influência e abertura exercida pelo Historicismo Jurídico é tamanha no
movimento do realismo jurídico, a ponto de afirmar-se que toda esta liberdade que a
classe dos magistrados possui de decidir é fruto brotante daquela Escola jurídica.
Não há negar que a codificação oitocentista exerceu enorme influência no
perfil do código civil de 1916, na medida em que tem o poder de vincular o julgador a
decidir dentro de um sistema jurídico, teoricamente harmônico (código), entrando em
colisão com a Escola do Realismo Jurídico, onde o magistrado possui bem mais
liberdade para julgar, às vezes contra a lei, declarando-a inconstitucional mesma,
Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de 2003 oseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS
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mas sempre tomando por esteio os princípios e normas constitucionais, estudo este
inexistente quando do nascimento e crescimento do movimento codificador.
O código de 2002, contudo, observando que a atualização dos sistemas
jurídicos passa, necessariamente, pela atuação do magistrado, em fazer o Direito,
encontra-se contaminado por esta diretriz da nova Escola Histórica do Direito, mais
próxima do Realismo Jurídico, na medida em que introduz, fortemente, o elemento
eficácia como razão de subsistência do código, apresentando um de seus princípios
norteadores a operacidade, ou seja, a qualidade que possui um diploma de tornar-se
executável, concretizar-se; afinal, o Direito existe para ser executado, para servir
àqueles que o criaram.
Nesta linha de pensamento é que a Escola Histórica do Direito contribuiu,
fortemente, tanto para os preceitos instalados no antigo código civil, com enfoque
para o costume como fonte do direito, visto refletir no código todo o sistema rural e
provinciano da sociedade existente no começo do século XX, bem assim no novo
diploma civilístico do Brasil, este, contudo, revestido de mais liberalidade para o
magistrado, com a inclusão, ademais, das chamadas cláusulas abertas e conceitos
jurídicos indeterminados, além de aplicação, sempre premente, por parte do juiz, dos
princípios gerais de direito.
Por outro lado, Celso Barros Coelho, após propugnar que o direito positivo
passou a ser estudado não apenas por meio de textos, mas em função dos dados
históricos que o condicionavam, e com estas novas formas de vida o Direito
necessitava penetrar nelas e não ficar à margem dos acontecimentos sociais, aponta
que o direito passa a inserir-se na própria vida histórica das pessoas:
Sofre-lhe mutações, apropria-se dos elementos vitais de sua
concreção no tempo e no espaço. Já não é mais um produto da
razão, mero resultado de construção teórica, mas uma expressão da
vida e do pensamento do povo. A experiência histórica fornece-lhe os
elementos de sua melhor integração na ordem dos demais
fenômenos sócio-culturais. O Direito, baseado em tal concepção, não
era o produto calculado da vontade do legislador pairando acima das
exigências da vida social, sob formas legais rígidas – os códigos –,
mas uma expressão da alma e do sentimento popular. O papel da lei
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é bem outro – representa exteriormente o direito costumeiro,
cercando-o das garantias de sua execução e obediência.24
Este se constitui, certamente, o grande entrave entre o positivismo
jurídico e a Escola Histórica do Direito: para o positivismo a lei é a principal fonte do
direito; para a Escola Histórica o costume apresenta-se como a principal fonte do
direito, sendo a lei apenas manifestação formal dele.
Logo depois da codificação francesa, as primeiras obras doutrinárias
elaboradas por juristas focalizavam-se no entendimento de não admitir o princípio da
exclusividade da lei como única fonte do direito, ainda mais por terem sido formados
pelo estudo tradicional do direito romano e do direito consuetudinário do Antigo
Regime, para os quais o direito não retirava a sua força da lei, e sim o contrário25 .
A forma de exprimir a vontade do povo, expressando o espírito popular,
se dá também através da lei, que existe latente no seio da população. Mas o modo
de expressá-la depende, também, da interpretação dada; daí avultar a importância
da figura do doutrinador como ser capaz de interpretar a vontade do povo e pô-la,
formalmente, no papel. Para Savigny são os juristas as pessoas qualificadas para
identificarem e expor as normas de direito que nasciam da vontade popular, e não os
legisladores ou políticos.
O certo é que a Escola Histórica do Direito contribuiu para alertar sobre a
impossibilidade de petrificação do direito ao utilizar o sistema de codificação das leis,
apesar de ser ainda muito frouxa a noção de costume identificador da elaboração de
normas jurídicas, principalmente em nosso país.
2.2. A Escola Histórica do Direito e a evolução do Direito
A Escola Histórica do Direito nasceu como uma reação contra os
exageros existentes no direito natural e racional, que não observavam que o direito é
CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo centra do Direito Privado Trabalho Monográfico apresentado
39
sempre manifestação da sociedade, da história, com estreita relação com as
características de cada povo. Neste particular, a influência desta escola foi benéfica,
pois desenvolveu o estudo do material jurídico histórico, promoveu o
desenvolvimento concreto do direito positivo, com explicação da enorme variedade
das idéias jurídicas, capazes de responder as peculiaridades de cada povo e sua
época26 .
O Direito tinha que ser histórico, sendo a sua prática jurídica nascente da
experiência de seu povo, a ponto de F. C. von Savigny, fundador e principal
expoente desta Escola Clássica do Direito, autor da célebre obra “Da vocação do
nosso tempo para a legislação e a jurisprudência” (Vom Beruf unserer Zeit für
Gesetzgebung und Rechtswissenschaft), acreditar ser o Direito uma expressão
natural da vida de um povo, daí ser contra a sua codificação, em certo momento de
sua evolução e desenvolvimento, de igual forma o que não pode ocorrer com a
língua27 .
Na identificação do evolucionismo do Direito com o da História, vem à
baila a concepção escatológica do homem, de que certos fatos e acontecimentos
naturais e humanos fatalmente teriam que ocorrer. Na verdade, a única certeza que
o homem tem é a certeza da morte, nem mesmo a vida o mundo lhe garante. A
concepção histórica do direito peca, neste particular, pelo determinismo histórico
vinculado ao Direito, tanto assim que:
o programa da Escola Histórica consistia em explicar historicamente
o direito, a ordem jurídica positiva, mas os seus mentores mais
esclarecidos não puderam deixar de reconhecer que, na história do
Direito, ao lado do natural, do espontâneo, do necessário, há
também o elemento consciente, reflexo, criador.28
Ihering observa que o Direito não é apenas a expressão natural dos
acontecimentos históricos e simples manifestação do espírito de um povo; o homem
está sempre interferindo e provocando os acontecimentos históricos, e o direito, por
fazer parte da vida humana, tende a estar em modificação na dependência do
omo exigência do Curso de Pós-Graduação em Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Dire to, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne.
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comportamento humano. Em importante passagem na “A Luta pelo Direito” pontifica
que:
[...] Os laços mais fortes entre um povo e seu respectivo direito não
se formam pelo hábito, mas pelo sacrifício. Quando Deus quer a
prosperidade de um povo, não o presenteia com as coisas de que ele
necessita, nem sequer lhe facilita o trabalho para obtê-lo, mas torna-
lhe a vida mais penosa. Não hesito, portanto, em afirmar que a luta
indispensável ao nascimento de um direito não é um castigo, mas
uma graça 29 .
Já Miguel Reale aponta existir no fundo da concepção histórica do Direito
o ideal de que o Direito cresce e se desenvolve como uma árvore30 , no entanto,
para a árvore crescer é preciso regá-la, nem com muita e nem com pouca água,
expô-la ao calor, mas também impedir que receba sol em demasia, o que requer
atitude comportamental do homem para que ela se desenvolva, da mesma forma o
homem interfere na criação e desenvolvimento do direito.
Assim, observa-se que não somente a história faz crescer e direcionar o
Direito, como também este, igualmente, exerce poder de formação no desenrrolar da
história, o que freqüentemente se dá quando se elaboram normas ditas de caráter
revolucionário ou vanguardistas. As normas codificadas, porém, tendem a não
possuir esta característica, daí uma das severas críticas a esta técnica legislativa,
que apenas tenderia a manter o direito imóvel, à maleabilidade e inovação.
2.3. O costume como elemento identificador da Escola Histórica do Direito e
sua importância para o desenvolvimento da codificação do Direito
O costume sempre teve importância para a criação e desenvolvimento do
Direito nas sociedades primitivas, e para a codificação das leis a partir do século
XVIII, numa proporção bem menor. As primeiras normas tendiam a ser costumeiras
Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIF CAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código C
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e, à medida que as relações jurídicas se multiplicavam, o costume ia sendo
positivado, transformando-se em lei; o costume passou, então, a ser absorvido pela
lei, identificando-se com os próprios textos legais.
Evidente que esta noção é pertinente a sistemas jurídicos onde
predomina o civil law. Nos sistemas jurídicos enfatizadores do common law e sua
derivação norte-americana, a jurisprudência é que assume importante função
criadora e identificadora do Direito, apesar de ter havido verdadeira mudança de
posicionamento nas últimas década, neste particular.
A importância que a Escola Histórica do Direito atribui ao costume, e daí
propiciar o respeito ao volksgeist, assume relevo face ao caráter aproximativo
existente entre os dois. Se, por um lado, a lei, apesar de ser manifestação do que
deseja a sociedade, pela representação identificadora no corpo legislativo, e, por
outro, a jurisprudência pecar por ser manifestação quase que exclusiva da classe
formada por um dos poderes constituídos, o costume, efetivamente, diagnostica o
que a população almeja, deseja ou repele.
A fragilidade do costume, para sistemas jurídicos onde predomina o
direito positivo escrito, reside no seu aspecto frouxo e tênue de ser capaz de
produzir normas jurídicas por si mesmo, ou, ainda que já produzidas, sejam
inobservadas frente a costumes novos que se sucedam. Sua origem, no entanto,
tende a ser convencional, e não religiosa. O costume nada mais constitui um
ordenamento de fatos que acabam por se impor psicologicamente ao corpo social. A
reiteração de um modo de agir e se posicionar, às vezes até inconscientemente, é
elemento identificador do costume, e daí o espírito de agir ser merecedor de
destaque.
A codificação, na verdade, nunca se desenvolveu em sistemas jurídicos
onde predomina a jurisprudência como fonte primeira do Direito, como na Inglaterra,
por meio dos chamados “precedentes jurisprudenciais”, e que apesar de todo
movimento para se codificar o direito inglês, realizado principalmente por Jeremy
Bentham e John Austin, durante os séculos XVIII e XIX, não logrou êxito, dentre
outros motivos não só pela localização geográfica que propiciava a manutenção e
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repetição dos costumes, mas pela própria vontade consciente do povo inglês de ver-
se disciplinado pelos costumes e não por leis formalmente elaboradas.
O costume, neste particular, deve ser entendido como elemento capaz de
obrigar, de possuir força coativa, intrinsecamente presente acoplada à mente da
população, daí porque ser capaz de substituir a própria norma escrita, emanada do
Estado.
O certo é que se apresenta dificultoso à Teoria Geral do Direito
estabelecer o ponto de difusão do costume para a criação do Direito, às vezes
deixando ao talame do magistrado ou do legislador apurar o costume de um povo e
o que vem a ser capaz em se transformar em norma jurídica, gerando disjunção
entre o que realmente é o costume e o que apenas parece sê-lo, identificando
apenas uma vontade congregada de um grupo ou de setores dominantes de uma
sociedade.
2.4. A polêmica jurídica travada entre Thibaut e Savigny a respeito da
codificação das leis civis na Alemanha
Após a entrada em vigor do código civil francês, em 1804, houve
necessidade, aliás, sob o patrocínio do próprio governo napoleônico, de se
estabelecer toda uma dogmática no sentido de que fosse propugnada a idéia do
respeito ao Code e de sua propagação. A Escola da Exegese surge, exatamente,
como importante marco histórico, na medida em que seu principal aporte
centralizava-se na interpretação dada aos artigos presentes no código civil francês.
Aliás, como reminiscência da Revolução Francesa, foi arquitetada toda
uma estrutura jurídica no sentido de impedir que a classe dos magistrados tivesse
liberdade para decidir, com base nos costumes e princípios gerais de direito, algo
em torno da vinculação estreita do magistrado aos vetores legais, tendo como
paradigma o código civil francês, que, por sinal, era praticamente a base de estrutura
do direito francês, visto não se estudar, com exaustão, como ocorre hoje, direito
público ou constitucional. Do direito privado, em particular o civil, nasciam ou partiam
todos os institutos jurídicos e a doutrina ensinada nas faculdades de direito. De tal
43
maneira que os membros da Função Judiciária não podiam inovar, por estarem
atrelados àquilo que os legisladores, sob o escopo de exprimirem a vontade do
povo, estabeleciam nos textos legais, principalmente nos códigos.
A Escola da Exegese logo se difundiu por toda a Europa e, com ela, a
idéia da codificação do direito, que se projetou na Alemanha como forte referência
para seu desenvolvimento. A Alemanha das duas primeiras décadas do século XIX
sofreu forte influência do Code, mesmo após a derrota de Napoleão, onde se cogitou
inclusive, mas em vão, o retorno ao código prussiano.
A batalha acadêmica travada entre Anton Friedrich Justus Thibaut e
Friedrich Carl von Savigny consistiu na viabilidade de um código civil para toda a
Alemanha, estando ou não este país preparado para um movimento codificador já
implantado na França.
O grande óbice enfrentado pelos Estados Germanos consistia exatamente
na falta de unificação política e administrativa do país. Como possível a coexistência
de leis civis, que trazem em seu bojo a idéia de disciplinamento e comportamento
das pessoas, a um povo que nem ao menos possui unidade territorial e política?
Havia a necessidade premente, de início, de se unificar o país para, só depois,
proceder à unificação de suas leis. Este, por sinal, era um problema gerado pela
codificação, sustentado por Savigny em “A vocação de nosso tempo para a
legislação e a jurisprudência”, publicada em 1814.
Naquele momento, Savigny era contra a codificação, mas sustentava que
o momento histórico (e aqui mais uma vez presente a Escola Histórica do Direito)
vivido pela Alemanha não guardava os elementos necessários e precisos para uma
codificação das leis civis. De fato, a Alemanha sofria da falta de unidade nacional,
política, econômica e jurídica.
O Reich alemão começou em 1o. de janeiro de 1871, em virtude da
celebração dos Tratados de Novembro (de 1870), celebrados entre a Norddeutsche
Bund (Confederação da Alemanha do Norte), Baden, Hessen, Württemberg e
Baviera, mas desde as primeiras décadas do século XVIII (1814) já se ensaia o
desiderato de codificação do direito civil alemão, ainda sobre forte influência do
direito francês e romano.
44
A unidade política da Alemanha não acarretou, contudo, a de todo o
Direito Civil31 .
Carlos David S. Aarão Reis historicia que no ano de 1849
[...] o projeto da Assembléia Nacional reunida na igreja de São Paulo,
em Frankfurt, declarava incumbir ao Reich promulgar “códigos gerais
sobre Direito Civil, Direito Comercial e Cambiário, Direito Penal e
procedimento judicial para estabelecer a unidade jurídica do povo
alemão”. O fracasso da tentativa de integração política naquela
época impediu fosse o projeto convertido em texto constitucional,
frustando-se a conseqüente unidade jurídico-civil32.
O mesmo fato não se deu com o direito mercantil, face ao
estrangulamento das relações comercial propiciadas por uma legislação não clara,
dispersa e sem conhecimento do que de fato se encontrava ou não em vigor33 .
É dentro desse contexto histórico que se trava a batalha acadêmica entre
Savigny e Thibaut34 , este último entendendo que a codificação, de início, propiciava
o desenvolvimento científico do direito, depois, agilizava o seu ensino acadêmico e,
por fim, gerava o sentimento de igualdade e fraternidade entre os povos germânicos,
considerando-se que as leis ditas iguais propiciam a igualdade de costumes35 .
Thibaut sustentava a “necessidade de um código único onde o direito
positivo pudesse realizar-se, acima das contingências de cada região ou
comunidade, obediente aos postulados racionais em que se fundava”36 . Defendia
vil como eixo central do Direito Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/ _____.Examinadores:_____________________________ ___________________________________________________________________________________________________Dedico este trabalho a meus p is: José Magalhães da Costa (in memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos profesÜ¥h_Wà______e_______________j§__ru__________________u€__Ã#__1____________________________F__`____F__`___`I__Ê___*P__Œ___|a______|a______|a______Vn______Vn______Vn______Vn______Vn______nn__Ð___>o_____Vn______vt__@___Jp______Jp__4___~p______~p______~p______~p______~p______~p______Ÿr______¡r______¡r______¡r__?___àr__¼___œs__¼___Xt__-___¶t__X___u__d___vt______________________|a______or________U_w_"_,_~p______~p______________________or______or______vt______or______|a______|a______~p________________ _____Jp______or______or______or______or______|a______~p______|a______~p______Ÿr______________ %•q÷5Ã_�a__Ê___Zf__ü___¶T__Ê___€Y__ü___|a______|a______~p__ñ___Ÿr______or__0___or____________________________________________________________________________________________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DI EITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIR S: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Joseli L
45
ele o entendimento de, mesmo inexistindo a unificação política, econômica e jurídica
da Alemanha, ser possível a elaboração de um código civil para todo o país, como
vetor central propiciador de tais unificações. O Direito tornar-se-ia digno como objeto
desenvolvimentista do Estado e não como fator de atraso ou estagnação.
Savigny, contrariamente, posicionava-se pela não codificação das leis,
apesar de desejar segurança e nacionalidade ao Direito. Aponta, contudo, serem
escassos
[...] os períodos com plena capacidade para satisfazer as exigências
necessárias à obtenção de um código perfeito. Nos povos jovens,
faltariam itens como linguagem e arte lógica. Nos períodos de
decadência, faltaria conhecimento tanto da matéria quanto da
linguagem. E a época intermediária, justamente a mais propícia para
esse intento, não o faz, porque não sente a sua necessidade37 .
Vê-se, pois, que Savigny não era propriamente contrário à codificação das
leis civis alemãs, apenas sustentava não ser aquele o momento propício para
introduzir tal técnica legislativa em seu país. Efetivamente, a codificação não é
plausível numa fase primitiva do direito de um país, aliás isto nunca se deu mesmo
nos primeiros ordenamentos jurídicos mundiais38 , ainda mais porque os institutos
jurídicos ainda estavam passando por uma fase de desenvolvimento e consolidação.
Quando da fase da maturidade das ciências jurídicas, inexistia a necessidade da
codificação, haja vista a centralização da produção jurídica nas mãos dos
jusfilósofos, já sendo assegurada a finalidade do direito pelo próprio direito científico.
Finalmente, na época de declínio da cultura jurídica, a codificação é impertinente por
congelar o direito já decadente.
Encontrando-se, pois, a Alemanha na fase de decadência de sua cultura
jurídica, a codificação não era recomendada, daí porque primeiro se fazia necessário
propiciar o renascimento e desenvolvimento do direito científico, o que subleva a
ma MagalhãesTeresina, junho de 2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODI ICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA:
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importância dos doutrinadores como elementos centralizantes de divulgação do que
o povo realmente desejava, procurando decifrar o espírito do povo39 .
O fato é que não se pode concluir que nem Thibaut e nem Savigny
estavam certos, ou que ambos estivesses errados em suas proposições e
argumentos, apesar da discussão acadêmica ter sido travada no início do século
XIX, quando apenas em 1900 entrou em vigor o BGB, o qual por demais influenciou
o código civil de 191640 , estando profundamente presente o caráter participativo da
cientificidade jurídica, tão declamado por Savigny.
Quando ao código civil de 2002, a presença marcante dos princípios da
eticidade, operabilidade e da socialidade certamente vem a confirmar o grau de
importância que a doutrina e o costume exerceram no desenvolvimento e
aperfeiçoamento do direito civil pátrio, e que o direito nacional se encontra preparado
para sofrer alterações sob todos os aspectos, face à cientificidade que se acha, fruto
de sabatinado processo de modificações e ajustes que vem sofrendo principalmente
nos últimos vinte anos e após a entrada em vigor da CF/88.
2.5. O declínio da Escola Histórica do Direito e a modernização da codificação
civilista brasileira
Toda classificação de escolas ou de autores resulta sempre a aplicação
de um critério sistemático da realidade, encerrando certa dose de arbitrariedade,
deformação e convencionalismo41 . Cada escola de direito possui seu elemento
temporal e concreto de existência. Ela é fruto de uma época e manifestação exata
Novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Autor: Joseli Lima Magal ãesAprovado em : ____/____/ _____.Examinadores:_________________________________________________________________________________________________________________________________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas no alto sempre acesas, guia 41 AFTALION, Enrique; OLANO, Fernando Garcia; VILANOVA, José. Introdução ao Derecho, p. 762.
47
do que pensam os seus principais expoentes, às vezes surgindo com o objetivo
precípuo de que sejam contrariadas as idéias de outras escolas42 .
O Historicismo Jurídico teve seu nascimento em Gustav Hugo, auge nos
ideais de Savigny, decaindo consideravelmente no início do século XX,
principalmente depois da vitória da concepção de Thibaut de introduzir na Alemanha
o código civil, portanto, codificando o direito alemão, fato inaceitável pelos adeptos
da Escola Histórica do Direito. Um dos fatores contributivos, também, para a
decadência desta escola jurídica se deu ao apego a textos de direito romano, na
medida em que seus defensores passaram a assumir uma atitude mais dogmático-
normativista, não como um elemento integrante de textos de lei racionais e
abstratos, mas posta em termos de leis que consagram os costumes.
Outro aspecto a ser ponderado da aproximação da Escola Histórica do
Direito ao Positivismo Jurídico nasce de sua preferência aos textos legais, havendo
limitação a mera interpretação histórica, buscando-se seus antecedente dogmáticos
a fim de que fossem conhecidas as regras jurídicas de forma mais completa. O
Historicismo jurídico, desta feita, apresenta caráter lógico-dogmático, servindo de
apoio à Escola da Exegese, onde a interpretação histórica passou a ser festejada,
completando a interpretação gramatical e a lógico-sistemática43.
Evidente, que após a análise histórico-crítica da Escola Histórica do
Direito, com suas relações prementes com o movimento codificador dos séculos
XVIII e XIX, principalmente na Alemanha, com reflexos mediatos e imediatos na
cultura de se entender o direito civil brasileiro, poder-se-ia chegar ao entendimento
de que da mesma forma que não era conveniente, pelo momento histórico por que
atravessava a Alemanha durante boa parte da metade do século XVIII, para se
codificar o seu direito, tornar-se-ia impertinente e desaconselhável (re)codificar as
42 Para Aftalion “una escuela es, ante todo, uma entidad histórico-social, temporal y concreta: la de un conjunto de hombres vinculados en una tarea de pensar em común, es decir una continuidad temporoespacial de comunicación de ideas. Pero esta continuidad y esta tarea en común, si bien son necesarias, no bastan. La tarea común realizada es la que ya vimos en esa oportunidad, aspira a integrarse en uno conjunto sistemático de verdades y, por ello, esse pensar en común debe ser, también una comunidad de pensamiente, esto es un acuerdo sobre cientas proposiciones o pensamientos que la escuela debe considerar como verdades. Esta proposiciones aceptas explícita o implicitamente por cada escuela son las que sistematicamente la individualizan. Los que aceptan en su trabajo esse conjunto de verdades, próprio de la escuela, son sus representantes y los que elas descubrieron o sistematizaron adquieren la categoria de fundadores o maestros”. (AFTALION, Enrique; OLANO, Fernando Garcia; VILANOVA, José. Introdução ao Derecho, p. 762). 43 REALE, Miguel. Filosofia do Direito, p. 421.
48
leis civilistas brasileiras, principalmente em face do hiato temporal entre seus
primeiros projetos e sua definitiva entrada em vigor (1975-2003).
Neste particular, os costumes mudaram consideravelmente desde o
código de 1916, não sendo mais os mesmos atualmente, e o direito acompanhou, de
certo modo, esta evolução, ou (in)volução, em certos casos; no entanto, pelo que se
verificou do novo código civil do Brasil, houve uma mudança de mentalidade do
jurista. Não se revigoraram os aspectos preconceituosos, individualistas e
formalistas do código civil anterior; ao contrário, procurou-se dar nova referência ao
direito privado nacional, inclusive com a publicização e constitucionalização de
vários de seus institutos, o que além de ser escatológico, referenda ser a salvação
do desenvolvimento e aperfeiçoamento do próprio direito civil, bem assim, propicia
ao magistrado meios eficazes e práticos de atualizar o Direito.
Se Savigny estivesse vivo, diria que o século XXI seria propício para a
codificação da legislação civil brasileira, havendo mudança na mentalidade de sua
elaboração; do contrário, da mesma forma que na Alemanha seria inútil gastar-se
tempo e energia na construção deste novel diploma. Esta mudança é real, mas
somente será dignificada com o apoio da classe jurídica, principalmente dos
professores de direito e dos magistrados, no afã de se interpretar o Direito.
Capítulo II
49
A importância da origem histórica da codificação do Direito Civil Brasileiro
para compreensão do modelo jurídico atual
Sumário: 1. O centralismo jurídico e o bartolismo como elementos
integrantes da origem sócio-jurídica da legislação civilista brasileira;
1.1. O Centralismo Jurídico; 1.2. O Bartolismo; 2. Acontecimentos
históricos que marcaram a consolidação das leis civis brasileiras; 3.
A escravidão como óbice à elaboração da consolidação das leis civis
e do código Civil de 1916; 4. Principais projetos do código Civil
Brasileiro de 1916 e seus antecedentes históricos: 4.1. Projeto de
Nabuco de Araújo; 4.2. Projeto de Felício dos Santos; 4.3. Projeto de
Coelho Rodrigues; 4.4. Projeto de Clóvis Beviláqua; 5.
Acontecimentos importantes que influenciaram na elaboração do
código Civil Brasileiro de 2002: 5.1. O pluralismo jurídico incipiente
na sociedade brasileira do começo do século XX; 5.2. As
transformações por que o mundo atravessava na primeira metade do
século XX. O esvaziamento do conteúdo presente nos códigos civis;
5.3. Os primeiros anteprojetos; 6. A estrutura formal do atual Código
Civil e seus relatores na Câmara dos Deputados e no Senado
Federal; 7. Os acontecimentos históricos anteriores à Carta Federal
de 1988 como óbices à elaboração do Código Civil; 8. A entrada em
vigor da Constituição de 1988 como óbice existente ao normal
desenvolvimento da elaboração do Código Civil; 9. A elaboração da
Resolução nº 01/00, do Congresso Nacional, como técnica jurídica
para agilizar o trâmite regimental do Código Civil; 10. A demora na
tramitação do projeto do Código Civil. Os efeitos causados pelo fator
tempo às normas jurídicas codificadas. 11. Finalmente a elaboração
do novo Código Civil. Diretrizes apresentadas no anteprojeto
confirmadas pelo novel diploma; 12. A importância da atuação dos
juristas na postergação, elaboração e direcionamento da codificação
civilista brasileira.
1. O centralismo jurídico e o bartolismo como elementos integrantes da origem
sócio-jurídica da legislação civilista brasileira
50
Para se ter conhecimento sistemático do modelo jurídico de codificação
adotado pelo atual código civil, necessário se faz percorrer a origem do instituto da
codificação do direito civil brasileiro, na medida em que “uma correta compreensão
de qualquer instituto jurídico impõe que seja conhecida a sua evolução histórica, ou
seja, a maneira pela qual surgiu, desenvolveu-se e tomou a sua forma atual”1. Neste
sentido é que Antônio Chaves adverte que um estudo sistematizado não pode deixar
de “remontar às origens de cada instituto, para alcançar a percepção completa de
sua finalidade, permitindo até lançar olhares perscrutadores do futuro”2.
Os movimentos científico-jurídicos que eclodiram a partir da Revolução
Francesa, mais precisamente com a entrada em vigor do código civil francês e
desenvolvimento da Escola da Exegese, mudaram o panorama do Direito visto por
juristas e legisladores, como elemento centralizador do Estado: o Direito que passa a
se sobrepor, agora, é o direito positivo; em contraposição ao direito natural.
O positivismo jurídico teve a seu favor, como base de sustentação e
desenvolvimento, o fato de contar com o Estado Moderno já estruturalmente
desenvolvido: com as três Funções trabalhando “harmoniosamente” em conjunto e
ao mesmo tempo “independentes” entre si, e com um fator essencial de
sobrevivência: ditar e poder fazer cumprir a lei. O positivismo jurídico, pois,
amalgama-se com o Estado a ponto de haver dependência um do outro para
concretização de seus fins.
Surge o aspecto, contudo, de aprimorar e medrar esta relação, que se
deu por meio da idéia de se desenvolver o ordenamento jurídico3. A partir da
concepção de que o Direito e o Estado se aperfeiçoam e interagem por meio do
1 DANTAS, Ivo. O Valor da Constituição: controle da constitucionalidade como garantia da supralegalidade constitucional, p. 73. 2 CHAVES, Antônio. Lições de Direito Civil, p. 24. 3 Pietro Perlingieri sustenta que o Direito “é ciência social que precisa de cada vez maiores aberturas; necessariamente sensível a qualquer modificação da realidade, entendida na sua mais ampla acepção. Ele tem como ponto de referência o homem na sua evolução psicofísica, ‘existencial’, que se torna história na sua relação com os outros homens. A complexidade da vida social implica que a determinação da relevância e do significado da existência deve ser efetuada como existência no âmbito social, ou seja, como ‘coexistência’. O conjunto de princípios e regras destinado a ordenar a coexistência constitui o aspecto normativo do fenômeno social: regras e princípios interdependentes e essenciais, elementos de um conjunto unitário e hierarquicamente predisposto, que pode ser definido, pela sua função, como ‘ordenamento’ (jurídico), e, pela sua natureza de componente da estrutura social, como ‘realidade normativa’”. (PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil, p. 1-2).
51
ordenamento jurídico, colhe-se a necessidade de que ele seja, ao mesmo tempo:
uno, coerente e completo – eis a codificação.
Os fenômenos do centralismo jurídico e do bartolismo, no Brasil,
representam exatamente importante passagem histórico-sócio-jurídica de uma
época em que se pretendia consolidar e codificar nossas leis (dando-se ênfase às
leis de direito civil) por diversos fatores e motivos, seguindo-se o paradigma político-
cultural que estava ocorrendo na Europa.
1.1. O Centralismo Jurídico
Uma das mais fortes heranças que Portugal deixou plantada no Brasil-
independente, nas letras jurídicas, foi a existência de toda uma legislação
(Ordenações Filipinas) escorada na idéia de um direito de origem legislativa, de
procedência estatal. Segundo Fernando H. Mendes de Almeida, as Ordenações
Filipinas objetivavam unificar a aplicação do direito no Reino. Aduz que de 1521
(data da conclusão da primeira impressão das Ordenações Manuelinas) a 1569,
muitas leis exparsas foram editadas. A compilação ficou a cargo do jurista e
historiador Duarte Nunes de Leão, a qual foi confirmada oficialmente pelo alvará de
14 de fevereiro de 1569 e que por constar o trabalho, na sua maioria, leis do tempo
de D. Sebastião, foi designado de “Código Sebastiânico”. Aponta, contudo,
oficialmente que
[...] essa compilação tem o seguinte nome originário: “Leis extra-
vagantes”. Conquanto se trate de trabalho não muito cuidado, é peça
inestimável, visto constituir a fonte imediata e principal, segundo um
historiador, das Ordenações Filipinas, que lhes sobrevieram4.
A origem das leis civis brasileiras (primeiro monumento legislativo do país)
foi o Código Afonsino, promulgado por D. Afonso, em 1446, segundo Haroldo
Valladão “a primeira grande codificação moderna, que tomou para modelo,
4 ALMEIDA, Fernando H. Mendes de. Ordenações Filipinas: ordenações e leis do Reino de Portugal recopiladas por mandato d’el Rei D. Filipe, o Primeiro, p. 16.
52
extrinsecamente, as Decretais de Gregório IX”5, mas que pouco duraram, sendo
substituídas pelas Ordenações Manuelinas, de 1511, com edição definitiva de 1521.
As Ordenações Filipinas, elaboradas durante a dominação espanhola em Portugal,
em 1603, do rei D. Filipe, vigoraram
[...] por todo o período do Brasil Reino, além do anterior, a par com
legislação local. No primeiro Império, quase todas elas estiveram
ainda em vigor entre nós; no segundo, salvo o livro 5.o que se tornou
inaplicável com a promulgação do Código Criminal do Império,
reviveram muitas delas na engenhosa tarefa de Teixeira de Freitas,
traduzindo, em suma, imenso prestadio para a elaboração e feitura
do Código Civil Brasileiro6.
O fato é que boa parte do direito em vigor e aplicado no Brasil-Império,
antes de se tornar independente e até a proclamação da República, emanava da
Realeza, devendo ser obedecida em todo o território nacional. Neste sentido Judith
Martins-Costa complementa que “o elevado grau de auto-atribuição, pelo monarca,
do exercício da função legislativa terá reflexos importantes na transplantação do
direito português para a sua mais importante colônia”7.
Acrescente-se a isto o fato de que o Brasil continuou monarquista,
propiciando que não tivéssemos grandes acidentes jurídicos na consolidação e
codificação do nosso Direito, ou ao menos essas dificuldades fossem amenizadas
por este aspecto (há de ser ressaltado não ter sido fácil a feitura de consolidar toda
a legislação civil e comercial existente em vigor no Brasil-Império pós independência,
trabalho realizado com magistral zelo por Teixeira de Freitas), o que vai, certamente,
propiciar uma maior organização (centralização) do direito pátrio.
Couto e Silva propugna que o centralismo jurídico levou à codificação, no
sentido tradicional e positivista existente, incorporando o caráter de totalidade de leis
existentes no ordenamento jurídico do país, o que propiciou a manter-se, num país
5 VALLADÃO, Haroldo. História do Direito, especialmente do Direito brasileiro, p. 66. 6 ALMEIDA, Fernando H. Mendes de. Ordenações Filipinas: ordenações e leis do Reino de Portugal recopiladas por mandato d’el Rei D. Filipe, o Primeiro, p. 18-19. 7 MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no Direito Privado: sistema e tópica no processo obrigacional, p. 240.
53
com dimensões territoriais consideráveis como o nosso, a uniformidade de aplicação
do direito desde aquela época8 .
O centralismo jurídico projetou, ademais, no seio da cultura jurídica
brasileira, a concepção da necessidade de se elaborar o mais rápido possível um
código de relações civis que disciplinasse o comportamento da então sociedade,
face a existência de um direito não tão costumeiro, apesar de difuso, mas centrado
na idéia de que nasce da função legislativa, a ponto do ex-ministro do Supremo
Tribunal Federal, João Luiz Alves, que também participou da elaboração do código
civil de 1916, como será visto adiante, apontar não mais ser tolerável o
[...] estado cahotico do nosso direito civil, subordinado a preceitos
obsoletos, em conflicto com princípio dos Códigos modernos, que a
Lei da Boa Razão mandará observar nos caos omissos, gerando-se,
assim, a instabilidade dos direitos, ao sabor das interpretações
doutrinárias e de uma jurisprudência variada e variável9.
1.2. O Bartolismo
Ao lado do centralismo jurídico, o bartolismo constitui marcante traço de
nossa história jurídica que propiciou à elaboração do desejo da unidade de nosso
ordenamento jurídico civilista, alcançada somente depois de muito labor. O
bartolismo foi um método que se desenvolveu por toda a Europa a partir do metade
do século XIV, introduzido no direito português por um dos mais festejados
doutrinadores italianos – Bartolo de Sassoferrato (1313-1357), aluno de Cino, cujo
método de trabalho consistia, no dizer de Judith Martins-Costa, em certa
compatibilização entre os costumes universais com os costumes locais, situando,
também, a vontade do soberano como fonte de legitimidade do costume10 .
8 COUTO E SILVA, Clóvis. O Direito civil brasileiro em perspectiva histórica e visão de futuro. Ajuris, p. 137. 9 ALVES, João Luiz. Código civil da república dos Estados Unidos do Brasil, p. XXVI. 10 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no Direito Privado, p. 242.
54
A importância do bartolismo, pois, residia no fato de haver introduzido no
ordenamento jurídico de Portugal uma figura já conhecida do direito romano – os
doutrinadores –, os quais exerciam a função de verdadeiros substituidores da
vontade da lei, na medida em que seus escritos muitas vezes serviam de
fundamento para decisões judiciais, havendo lacunas e antinomias no ordenamento
jurídico, fato bastante comum àquela época, tendo em vista o emaranhado de
normas costumeiras e os diversos focos de poderes independentes e dispersos em
um mesmo território.
O método bartolista adaptou-se, perfeitamente, como salienta Judith
Martins-Costa, ao modelo da previsão legislativa, então em voga na Europa, a ponto
de haver sido atribuído aos comentários de Bartolo verdadeiro aspecto de lei
subsidiária, face a autoridade da doutrina do jurista, suprimidas, desta feita, as
lacunas e antinomias do então direito consolidado nas Ordenações, ao qual foi-se
juntando variável corpo de diplomas dispersos. A prática jurídica chegou inclusive a
não considerar o caráter de subsidiariedade que lhe fora atribuído originalmente,
aplicando diretamente seus comentários, com total desprezo às leis portuguesas.
Neste mesmo sentido, Couto e Silva afirma que para manter intacto o
sistema das Ordenações, aplicavam-se o direito romano e canônico às lacunas
existentes e, havendo omissão no sistema, aplicavam-se as glosas de Acursio e
Bartolo, salvo se contrariassem à opinião comum dos doutores da lei11 .
O bartolismo introduz, ainda que indiretamente, na cultura jurídica
brasileira a idéia da doutrina como fonte do direito12 , na medida em que muitos de
nossos magistrados e os próprios legisladores nacionais se socorrem, muitas das
vezes, aos ensinamentos dos doutos do direito no desempenho da função judicante
ou no ato da elaboração de normas jurídicas, às quais não devam possuir a
plausividade de serem inconstitucionais.
11 COUTO E SILVA, Clóvis. O Direito civil brasileiro em perspectiva histórica e visão de futuro, Ajuris, n. 40, ano XIV, p. 132. 12 A respeito da doutrina, como fonte do direito, observa-se que mesmo quando o legislador cria uma norma, ou revoga outras, seja ele leigo ou não, sempre se socorre de ensinamentos dos especialistas do saber jurídico.
55
2. Antecedentes históricos que marcaram a consolidação das leis civis
brasileiras
Independente o Brasil, os juristas nacionais defrontaram-se perante grave
problema no direito pátrio: continuar aplicando o direito português (Ordenações
Filipinas), ou criar uma legislação própria, com códigos, leis e constituição
nacionais. De imediato, vale lembrar, o Governo Imperial legislou em 20 de Outubro
de 1.823, determinando que vigorassem, no Brasil, as Ordenações, Leis e Decretos
de Portugal, até a entrada em vigor de um novo código.
É claro que a constituição seria o exórdio para o distanciamento da
dependência legislativa existente, o que não poderia ser feito com a língua, que, ao
contrário daquela (Legislação), achava-se profundamente arraigada no seio da
antiga colônia portuguesa, apesar da existência de movimentos nacionalistas para
introdução do tupi-guarani como língua-máter, e com a independência de confecção
de normas próprias, ao menos no aspecto formal, consistiria o início para a efetiva
libertação econômica.
Tanto assim, que o art. 179, n. 18, da Constituição de 1824, determinou
que fosse elaborado, o quanto antes, um código civil e criminal, fundado nos
princípios da justiça e da eqüidade. Evidente que nem tudo que se encontra no
corpo da Constituição se acha encravado na alma do legislador. O código criminal,
terminologia jurídica que voltará a ser utilizada em substituição a “código penal”, pelo
novo anteprojeto que tramita atualmente no Congresso Nacional, entrou em vigor
logo no mesmo ano (1824)13 e o código comercial em 1850.
A legislação civil brasileira encontrava-se, verdadeiramente, emaranhada
e sem condições de apontar-se o início e o fim. Não se identificava, com clareza, o
que se encontrava ou não em vigor; leis esparsas, muitas das vezes desconexas e
constantemente conflitivas, além, claro, de não exprimirem a realidade evolutiva por
13 Observa-se, aqui, a preocupação do Estado em disciplinar, o quanto antes, normas pertinentes a direito penal, como modo de incutir na mentalidade dos jurisdicionados a obediência ao texto frio da lei, e a seus rigores técnicos, próprios de Estados Ü¥h_Wà______e_______________j§__ru__________________u€__Ã#__1____________________________F__`____F__`___`I__Ê___*P__Œ___|a______|a______|a______Vn______Vn_
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que atravessava a nação. Urgia a necessidade de se encontrar meio eficaz de solver
este problema.
O Governo Imperial propôs, então, num primeiro passo rumo à
codificação – a consolidação das leis civis –, que vem a ser a reunião sistematizada
e organizada de todas as leis civis em vigor no Brasil14 . Este trabalho ficou ao
encargo de Teixeira de Freitas, em 1855, que o finalizou em 1858 com o famoso
título de “Consolidação das Leis Civis”. Em 1859, o Ministro da Justiça, Nabuco de
Araújo, incumbiu ao próprio Teixeira de Freitas missão de preparar o Projeto do
código civil, que se transformou no “Esboço”, tendo sido nomeada, logo depois, um
Comissão para rever os trabalhos, a qual não logrou êxito15 , frente às inúmeras
discussões infrutíferas16 .
Um dos óbices enfrentados pelo consolidador consistiu, exatamente, em
decidir sobre o emprego ou não de juízo de constitucionalidade no trabalho de
consolidação das leis: quando a norma infraconstitucional entra em choque com uma
norma constitucional.
João Baptista Villela propõe a resolutividade do problema a nível de
identificação do destinatário da norma constitucional. Entende ele que os
destinatário são
[...] os Poderes do Estado, nas suas funções primárias de legislar,
julgar e executar, a resposta há de ser que não cabe a quem
consolida entrar nesse nível de indagação, pois ele não legisla, não
julga, nem executa normas. Será, ao contrário, de seu dever fazê-lo,
se se admitir que a norma constitucional se endereça a todo cidadão,
enquanto tal. Nesta hipótese, o conteúdo, alcance e extensão de
____Vn______Vn______Vn______nn__Ð___>o_____Vn______vt__@___Jp______Jp__4___~p______~p______~p______~p______~p______~p______Ÿr______¡r______¡r______¡r__?___àr__¼___œs__¼___Xt__-___¶t__X___u__d___vt______________________|a______or________U_w_"_,_~p______~p______________________or______or______vt______or______|a______|a______~p______________________Jp____ _or______or______or______or______|a______~p______|a______~p______Ÿr______________ %•q÷5Ã_�a__Ê___Zf__ü___¶T__Ê___€Y__ü___|a______|a______~p__ñ___Ÿr______or__0___or____________________________________________________________________________________________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Ci il como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina
57
qualquer norma de hierarquia infraconstitucional se supõem
universalmente limitados à integral observância do preceito maior17 .
É plausível o raciocínio de que qualquer consolidador, e aqui falamos de
Teixeira de Freitas, não poderia ter a liberdade extrema, ainda mais em plena
metade do século XIX, de fazer juízo de constitucionalidade de uma lei e, a partir daí
não inseri-la na consolidação de leis, mas é pouco provável que, subjetivamente,
não tenha realizado ou lhe passado pela mente fazê-lo, ainda mais porque o
trabalho de consolidação requer um juízo a priori daquilo considerado importante.
Toda esta abordagem remete a um outro questionamento: possuía o
consolidador liberdade doutrinária ? A doutrina, neste particular, pode ser
considerada como fonte do Direito? João Baptista Villela aponta que por estar
Teixeira de Freitas, enquanto fazia a “Consolidação”,
obcecado pela idéia de reproduzir um direito positivo pré-acabado, o
respectivo discurso de sustentação seria o descritivo, sem espaços
para a persuasão. O raciocínio, analítico, jamais o dialético. O que se
impõe, contudo, ao exame é a figura do homem de doutrina, que se
lança na recuperação objetiva do direito vigente instrumentado com a
visão axiológica18 .
Não se pode ouvidar, ademais, que o perfil de um consolidador de leis
não foge à idéia de um homem que domina o Direito em seus aspectos mais gerais
e particulares, o que lhe propicia a qualidade de emitir sua opinião e não
simplesmente amontoar e catalogar as leis em ordem cronológica ou alfabética.
Neste sentido é que o comportamento de Teixeira de Freitas corrobora o
entendimento da inexistência de consolidação rigorosamente neutra, porque o
Direito não vive sem interpretação, que só se dignifica havendo liberdade19 .
junho de 2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, ara a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/ _____.Examinadores:_________________________________________________________________________________________________________________________________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in memorian) e Júlia Lima Magalhães.
58
A consolidação das leis civis corresponde, portanto, uma parte da história
do direito inerente à época de dificuldades de se saber, efetivamente, quais as leis
que se encontravam em vigor, momento parecido com o que estamos passando,
pela “inflação de normas” a que os jurisdicionados são submetidos, não podendo
alegar desconhecimento delas.
A consolidação lança as bases para a codificação, as diferenças
mostram-se visíveis; mas os pontos de interação são constantes20. Caracterizam-se
como
empreendimentos distintos, a que correspondem posturas mentais
próprias e irredutíveis entre si. Havia, contudo, entre a Consolidação
e o Código conexão histórica que seria ingênuo ignorar. A partir dela
ter-se-ia um regime de trocas: assim com o fervor criativo peculiar ao
segundo fecundava a primeira, o empenho de ordem e método a
esta inerente iria refletir-se na elaboração do segundo até, de alguma
forma, o extremo de inviabilizá-la21 .
Munir Karam, ao discorrer a respeito da evolução do processo codificador
brasileiro, salienta a existência de três fases bem distintas até se chegar ao moderno
positivismo jurídico, presente no país: a primeira delas seria a fase empírica,
correspondendo à desordem legislativa reinante no Brasil-colônia e até mesmo em
Portugal, que dá margem ao surgimento do trabalho racional do codificador que
unifica a legislação plúrima e esparsa; a segunda fase é a racionalista, introduzida
com a Lei da Boa Razão, por socorrer-se da figura dos doutrinadores para compor e
desenvolver o Direito23 , e que somente com a consolidação é que se aperfeiçoou.
A partir daí, então, toma-se consciência da realidade jurídica, contudo,
[...] as próprias limitações materiais da obra, presa à legislação
existente, da qual vem a ser apenas um fator de unidade, trazem em
si o gérmem da sua superação, para preparar o advento de um novo
Agradeço ao incentivo dado pelos professores do curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os quais não teria sido possível superar mais esta fase d
59
estágio que, absorvendo os dois anteriores, eleva-se as alturas da
investigação e das inovações verdadeiramente científicas24 .
Por fim, a fase da cientificidade, que só se concretiza com a codificação.
Observa-se, pois, que a Consolidação das Leis Civis não serviu apenas
de trampolim para se concretizar a codificação, mas verdadeiramente como
elemento necessário e importante na efetividade deste anseio almejado por juristas
e legisladores da época.
3. A escravidão como óbice à elaboração da consolidação das leis civis e do
código civil de 1916
Um dos fatores que mais contribuiu para Teixeira de Freitas não finalizar a
empresa do código civil, por volta da metade do século XIX, foi o fato de o Brasil
ainda adotar uma política social escravocrata. A grande dúvida dos juristas era a
seguinte: constituía o escravo coisa ou tinha personalidade jurídica, possuindo
cidadania. Os escravos eram ao mesmo tempo coisa e pessoa: coisa porque podiam
ser vendidos livremente, trabalhavam e não recebiam quase nada em troca, não
podiam praticar atos de comércio, não adquiria ou contraíam patrimônio, não podiam
possuir família, não tendo, pois, herdeiros, enfim, eram considerados como
semoventes. Identificavam-se, no entanto, como pessoa quando viessem a cometer
algum delito, respondendo pelo ato e levados a julgamento; o parto de uma escrava
não poderia ser considerado como fruto de uma coisa, pode ser libertado, tornando-
se pessoa. Alexandre Correia aponta que “por lei se torna livre o escravo
abandonado enfermo pelo próprio dono, ou o que revelou o seu assassino”25 .
Keila Grinbert alerta para este problema, de como os codificadores iriam
elaborar uma lei dispondo a respeito da situação dos escravos, considerando-os
como coisa ou pessoa ao mesmo tempo26 . Teixeira de Freitas, assim como Clóvis
Beviláqua, era cônscio de que o código civil, apesar de não ser um diploma para
vigorar eternamente (como entendia Napoleão Bonaparte em relação ao Code),
inha vida na Academia de Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estre
60
seus mandamentos tenderiam a ser muito pouco modificados, inserindo-se
fundamentalmente na organização social do país. Ao serem introduzidos, no corpo
deste diploma, artigos disciplinando o direito escravocrata, poderia ocorrer o inverso
que Teixeira de Freitas almejava: petrificar o direito, e a independência dos negros,
ainda que formal, perpetrar-se-ia mais ainda.
Como solucionar este impasse? Teixeira de Freitas, na sua “Consolidação
das Leis Civis”, justifica o porquê de não dever constar na legislação civil
consolidada matéria pertinente à lei escravista:
Cumpre advertir, que não há um só lugar do nosso texto, onde se
trate de escravos. Temos, é verdade, a escravidão entre nós; mas,
se esse mal é uma exceção, um capítulo avulso, na reforma das
nossas Leis Civis; não pode servir para a posteridade: fique o estado
de liberdade sem o seu correlativo odioso. As leis concernentes à
escravidão (que não são muitas) serão pois classificadas à parte e
formarão o nosso Código Negro27 .
Felizmente, nunca foi concretizada a elaboração de tal “Código Negro”.
Vale aduzir que outro fator da crise da legislação sobre escravos no Brasil
do século XIX, alude à imobilidade do comércio jurídico existente com a
impossibilidade dos escravos poderem adquirir bens de consumo, gerando riquezas
com o trabalho que exerceriam se livres estivessem, se bem que a sociedade
brasileira já estava se acostumando, apesar da legislação não admitir, ao fato de
que muitos escravos praticavam atos de comércio como se livres fossem, numa
espécie de aluguel de sua mão de obra para seus proprietários.
O abolicionista Nabuco de Araújo, na obra “A Escravidão”, analisa a
incongruência do direito pátrio que admite a escravidão, em um sistema do qual não
se conhece a origem: certamente que não a romana, visto que muitos dos direitos
que os escravos romanos possuíam não se encontravam na legislação pátria, como
na alforria tácita. O certo é que nesse ensaio, escrito aos 21 anos de idade, em
1870, Nabuco de Araújo observa que por ser o direito brasileiro de origem romana,
porque assim também era o Português, não seguiu a tradição romanística quanto
as no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”.
61
aos direitos do escravo, sendo verdadeiramente incompleta e confusa em muitos
aspectos28 .
O certo é que, como bem questiona Keila Grinbert, enquanto não se
dirimiu a altercação a respeito de adequarem-se as várias condições sociais
existentes no Brasil a um ordenamento jurídico uno e coeso, o que não era fácil, em
decorrência da falta de conceituação jurídica do que vem a ser escravo (se pessoa
ou coisa), ou partir para a realização do código civil, ou, então, não se legislava nada
a respeito do tema, protraindo-se o imbróglio a possíveis novas legislações
específicas29 . E foi exatamente o que se passou, isto porque enquanto existiram no
país pessoas tidas por livres, mas que anteriormente eram escravas e pessoas
escravizadas, porém “trabalhavam em troca de uma remuneração, na maioria das
vezes com consentimento de seu senhor, ninguém conseguiu escrever um Código
Civil”30 .
Por outro lado, com a iminente e efetivada proclamação da República, de
novos ideais abolicionistas, do liberalismo e crescimento da burguesia e classe
média brasileira, distanciava-se cada vez a relação Igreja-Estado. Esta
independência, contudo, não poderia ser abrupta: a Igreja era responsável pela
catalogação dos dados de pessoas nascidas no país, de seus estados civis e de
suas morte. O Estado confiava à organização que a Igreja Católica possuía toda a
responsabilidade pela guarda destes dados. Surgiu, assim, sério problema advindo
de que somente os católicos tinham seus arquivos protegidos. E se houvesse um
casamento entre duas pessoas não católicas, ou mesmo entre uma católica e outra
não católica ? A imigração européia e a alforria de negros que não eram católicos,
(Miguel Reale) SumárioResumo ................................................................................................................ 11Abstract ................................................................................................................ 12Resumen ............................................................................................................... 13Introdução ...............................................................................................................14Capítulo I – As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro .................................................................................................................191.1. O Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo ...................................................................................................................... 191.2. A codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX ............................................................................................... 30 2. A influência exercida pela Escola Histórica do Direito na codificaç o do Direito Civil brasileiro .............a, p. 57. 30 GRINBERT. Keila. Código Civil e cidadania, p. 57-58.
62
também, fez o Estado refletir sobre o problema de dispor à Igreja Católica tão
importante munus público.
No fundo este fato desembocaria no papel de ser considerado o
casamento uma Instituição ou um Contrato. A Igreja Católica se preocupava em
manter o aspecto de Instituição, ainda mais porque assim aumentava o número de
integrantes do catolicismo e impedia a proliferação de outras religiões; boa parte dos
doutrinadores jurídicos simpatizavam-se pela teoria contratualista, ares advindo da
cultura européia.
Todos estes aspectos, na verdade, refletidos e ponderados por Teixeira
de Freitas, constituíram fatores a postergar a conclusão da Consolidação das leis
civis do país.
4. Principais projetos do Código Civil Brasileiro de 1916 e seus antecedentes
históricos
4.1. Projeto de Nabuco de Araújo
Não restava dúvida que a idéia de se fazer a Consolidação das Leis Civis
existentes no país constituiria um primeiro passo para o projeto principal que era a
codificação destas normas, ainda mais em face do cipoal de leis existentes e
conflitantes no país durante boa parte do século XIX.
Desenganada, assim, a empresa da concretização do Projeto do código
civil por Teixeira de Freitas, tendo o então Ministro da Justiça, Duarte de Azevedo31 ,
rescindido o contrato em 1872, por ter sido apresentado serodiamente, buscou o
Governo Imperial contactar com um jurista/codificador para realizar a tão sonhada
codificação de nossas leis civis.
31 As razões do ato que rescindiu o contrato estão presentes no Aviso de 18 de novembro de 1872, nestes termos: “Não podendo o Govêrno Imperial aceitar o plano proposto por V. S. (Teixeira de Freitas), e sua apresentação de 20 de setembro de 1867, para a organização de dois códigos, um geral e outro especial, tem considerado rescindido, como também a V.S. parece, em sua declaração de 8 do corrente, o contrato de 10 de janeiro de 1859, que com V. S. celebrara, para a redação do projeto do Código Civil do Império, já pelo tempo decorrido, já porque V.S. declarou, na sua mencionada representação, que, pela desarmonia profunda entre o seu pensamento e as vistas do Govêrno Imperial, julga-se inabilitado para redigir aquele Projeto”. (RODRIGUES, Coelho. Projecto do Código Civil, p. 283).
63
Para substituir Teixeira de Freitas, o Governo Imperial designou Nabuco
de Araújo, a quem aquele considerava “o seu consorte desde o começo da jornada”,
na concretização do projeto do código civil, fato ocorrido em 1873; contudo, cinco
anos depois Nabuco de Araújo veio a falecer.
Clóvis Beviláqua enfatiza que o
fragmento encontrado, no seu espólio literário, e que é apenas uma
das variantes do projeto em formação, abrange 118 artigos do título
preliminar e 182 da Parte geral32 . Além desse articulado, ficaram
numerosos cadernos de notas não publicadas33.
Para o eminente codificador, igualmente baseado na obra “Um Estadista
do Império”, do filho de Nabuco de Araújo – Joaquim Nabuco –, o apego à extensão
dada ao direito internacional privado passa a idéia de que Nabuco de Araújo foi um
estadista mais preocupado com os aspectos práticos da legislação, do que da
metafísica do direito ou de aspectos filosóficos outros que a norma deveria
congregar.
Neste inacabado Projeto de Nabuco de Araújo, a influência premente do
“Esboço”, de Teixeira de Freitas, é observada visivelmente na estrutura de muitos de
seus artigos.
4.2. Projeto de Felício dos Santos
Em 1878, Joaquim Felício dos Santos ofereceu-se para terminar o
desiderato de se fazer um Projeto de código civil, sendo que em 1881 foi
apresentado o trabalho “Apontamentos para o Projecto de Código Civil Brasileiro”,
estruturado da seguinte maneira: a Parte Geral é distribuída em três livros: Das
Pessoas; Das Coisas; Dos Atos Jurídicos, em geral. A Parte Especial obedece à
32 Curioso é que para Joaquim Nabuco, seu pai tinha inteira na memória a codificação, contudo, tomava as anotações por siglas e notas, que somente ele mesmo tinha conhecimento do significado, parecendo um trabalho confeccionado às escondidas, para que outro “codificador” não tomasse conhecimento do que estava pensando em projetar como lei. 33 BEVILÁQUA, Clóvis. Código dos Estados Unidos do Brasil, p. 14.
64
semelhante divisão: Das Pessoas; das Coisas; Dos Atos Jurídicos, em particular.
Clóvis Beviláqua aponta ter sido “COELHO DA ROCHA o inspirador dessa
classificação arbitrária, cujas incongruências a crítica do tempo, não sem azedume,
pôs em relêvo”34 .
O Projeto foi apreciado por uma comissão composta pelos Conselheiros
Lafayette Rodrigues Pereira, Antônio Joaquim Ribas, Antônio Ferreira Vianna e
Justino Gonçalves de Araújo, que apesar de haverem reconhecido os méritos do
esforço empreendido pelo mineiro Felício dos Santos, consideraram que o Projeto
necessitava de apurada revisão, posto que, no nível em que se encontrava, não
possuía base suficiente nem mesmo para ser aprovado. Face a esse parecer, foi a
comissão nomeada para rever os “Apontamentos”, sendo transformada em
comissão duradoura para organizar o projeto definitivo, contudo, dissolvida em 1886,
dada as saídas dos Conselheiros Justino de Andrade e Joaquim Ribas. Vê-se,
novamente, que a codificação das leis civis brasileiras sofreu mais uma baixa, seja
por motivos técnicos ou políticos.
4. 3. Projeto de Coelho Rodrigues
Em junho de 1890, o Governo contratou o Senador piauiense Antônio
Coelho Rodrigues para elaborar o projeto do código civil brasileiro, no prazo máximo
de três anos. Com receio de que a política, principalmente em decorrência dos
movimentos republicanos e do cotidiano da advocacia o atrapalhasse na empresa
designada, resolveu isolar-se na Suíça para cumprir seu mister. Este fato foi por
demais critricado por juristas e legisladores da época e principalmente mesmo pelos
adversários do novel codificador.
Seria ponderável um codificador ficar jungido à elaboração de toda uma
legislação civilística de um país sem tomar conhecimento do que se passava neste
mesmo país, isolado que se encontrava na Europa, com a população possuindo
outros costumes e almejando outros anseios ? O codificador, como o legislador, tem
34 BEVILÁQUA, Clóvis. Código dos Estados Unidos do Brasil, p. 15.
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de viver e sentir os desejos da sociedade que vai ser regida por essas normas
codificadas. A neutralidade, neste particular, pode prejudicar a confecção da obra;
ao invés de ajudá-la.
Segundo Eduardo Espínola, o Projeto de Coelho Rodrigues:
inspirou-se no Código de Zurich e nos princípios predominantes na
Alemanha. A classificação das matérias é exatamente a da escola
alemã: tem uma lei preliminar, uma parte geral e uma parte especial.
A lei preliminar compõe-se de 39 artigos e trata “da publicação da lei
e dos seus efeitos em relação ao tempo, ao espaço e ao objeto”; a
parte geral se subdivide em três livros: 1o das pessoas; 2o dos bens;
3o dos fatos e atos jurídicos; a parte especial tem quatro livros: 1o das
obrigações; 2o da posse, da propriedade e dos outros direitos reais;
3o do direito de família; 4o do direito das sucessões35.
O fato é que, em janeiro de 1893, o Projeto foi concluído.
Depois de alguns incidentes, que lhe produziam o futuro incerto, foi
entregue ao Governo. Publicado e submetido à apreciação de Comissão
especialmente designada para esse fim, o Projeto foi recusado, em longo parecer do
relator, advogado Torres Neto, que lhe apontou defeitos capitais36 .
Coelho Rodrigues alegou a inidoneidade da comissão, formada por
desafetos seus; contudo, o Ministro da Justiça de então, Fernando Lobo, não enviou
o Projeto ao Congresso.
Em 1885, face à existência, ainda, do Projeto de Felício dos Santos, nova
Comissão foi nomeada para que se escolhesse um dos dois Projetos inacabados, e
no ano seguinte o Governo autorizou a contratar um jurisconsulto, ou uma comissão
formada deles, para proceder à revisão do Projeto de Coelho Rodrigues, mas a
Câmara, entretanto, não deu andamento à proposição feita pelo Senado Federal37 .
Coelho Rodrigues, além de ter sido monarquista moderado, era
jusnaturalista, isto explica o porquê, de certo modo, o naufrágio de seu Projeto, na
35 ESPÍNOLA, Eduardo. Sistema do Direito Civil Brasileiro, p. 36. 36 COELHO, Celso Barros. Coelho Rodrigues e o Código Civil: comemoração do sesquicentenário de nascimento, p. 52.
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medida em que a concepção reinante na época era do positivismo jurídico, abrindo
vazão para o sucesso de Clóvis Beviláqua, representante autêntico das idéias
vinculadas ao positivismo jurídico, contudo numa visão não tão hermética quando do
nascimento desta Escola de Direito, daí a permanência por tão longo tempo (mais de
oitenta anos) do código de 1916.
Geraldo Neves lembra sabiamente:
Tentou-se um advogado, e este enlouqueceu; tentou-se um Senador
e este morreu estafado; ofereceu-se um Deputado e este só causou
constrangimentos com sua obra bisonha e amorfa; contratou-se outro
Senador e este foi acusado de elitista, copiador de leis e doutrinas
estrangeiras sem raízes no direito pátrio e seu projeto foi
escandalosamente rejeitado, até que por quem sequer o leu, por
motivos políticos. Estava na hora de se tentar um professor
universitário38.
4.4. Projeto de Clóvis Beviláqua
Em carta de 25 de janeiro de 1899, o novel Presidente da República,
Campos Sales, que havia assumido o comando do país em novembro do ano
anterior, convidou o lente de Legislação Comparada da Faculdade de Direito do
Recife, Clóvis Beviláqua, para assumir a já prolongada tarefa de codificar as leis
civis brasileiras, aproveitando, o quanto possível, sem prejuízo do que pensasse, a
obra já produzida pelo eminente codificador anterior – Coelho Rodrigues. Passava-
se, assim, à certeza de que o Governo almejava, o quanto antes, a feitura do código,
que se arrastava desde a metade do século XIX.
Clóvis Beviláqua, já no Rio de Janeiro, começou a providenciar a
concretização da obra em abril de 1889 e seis meses depois entregava o Projeto
37 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Fontes e evolução do Direito Civil Brasileiro, p.130. 38 NEVES, Geraldo de Oliveira Santos. Uma bibliografia comentada de fontes diretas e indiretas para o estudo do esboço, apontamentos, anteprojetos, projetos e Código Civil Brasileiro, de 1855 a 2001. Anuário dos cursos de pós-graduação em Direito, p. 374.
67
(Primitivo) concluído, o qual foi remetido a vários jurisconsultos da época, para só
depois, então, transformar-se em Projeto propriamente e ser enviado ao Congresso.
Ocorre que, antes disto, duras críticas já havia o trabalho sofrido,
especificamente do Sen. Rui Barbosa, por meio da imprensa, dizendo tratar-se de
obra “tosca, indigesta e aleijada”; ter sido um “rasgo do coração e não da cabeça” a
escolha de um jejuno em Direito para codificar nossas leis civis, e o que é pior,
concluindo que faltava-lhe o conhecimento da língua portuguesa, a vernaculidade,
aptidão que para o eminente senador prejudicaria, consideravelmente, o futuro da
codificação civilista brasileira.
Outro jurisconsulto que se antepôs à idéia codificante foi Inglês e Sousa,
por entender não constituir a codificação uma técnica inerente àquela época.
Em 1900, o Governo nomeou uma Comissão revisora, composta dos
juristas Olegário Herculano D’Aquino e Castro, Joaquim da Costa Barradas, Anfilófio
Botelho Freire de Carvalho, Francisco de Paula Lacerda de Almeida e João
Evangelista Saião de Bulhões Carvalho. Clóvis Beviláqua aponta terem sido
“consideráveis as modificações introduzidas no Projeto pela Comissão revisora,
contrariando outras, que haviam sido desterradas por incongruentes com a feição
moderna do direito civil”39 , apesar disto, foi o Projeto apresentado ao Presidente da
República em 10 de novembro de 1900, acompanhado de exposição de motivos do
Ministro Epitácio Pessoa, tendo o Presidente enviado mensagem à Camara dos
Deputados sete dias depois. Formada Comissão de 21 deputados, cujo relator geral
era Sílvio Romero, foram realizadas 69 reuniões e o Projeto Final foi enviado ao
Senado em 08 de abril de 1902.
Limongi França historicia que antes mesmo da remessa do Projeto ao
Senado, já tinha sido constituída Comissão para apreciá-lo, da qual faziam parte,
como Presidente, o Sen. Rui Barbosa e, como membro, Martinho Garcez, os quais
criticaram duramente a falta de esmero da linguagem escrita do código, apesar das
correções anteriormente realizadas por Carneiro Ribeiro40 , acabando por suscitar
39 BEVILÁQUA, Clóvis. Código dos Estados Unidos do Brasil, p. 11. 40 FRANÇA, Limongi. O Código Civil Brasileiro: raízes e perspectivas. Coelho Rodrigues e o Código Civil: comemoração do sesquicentenário de nascimento, 0p. 92.
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[...] na história do nosso direito um fato absolutamente insólito, que
atrasou por mais catorze anos a ultimação do código, mas
possibilitou fosse dado ao povo brasileiro e à Civilização Ocidental
um dos mais bem acabados ordenamentos do nosso tempo41 .
Rui Barbosa leu o Parecer tecendo, como dito, severas crítica ao Projeto42
, tendo o filólogo Carneiro Ribeiro respondido com as suas “Ligeiras Observações
sobre as emendas do Dr. Rui Barbosa – feitas à redação do Projeto do Código Civil”,
em setembro de 1902. Melindrado com as críticas, Rui Barbosa providenciou Réplica
ao pensamento de Carneiro Ribeiro, feita em sua “Defesa”, publicada em 10 de
outubro de 1903, no Diário do Congresso Nacional, n. 120, o que foi prontamente
respondida por uma “Tréplica”, em 1905. Para Limongi França estes quatro
documentos:
[...] o Parecer, as Observações, a Réplica e a Tréplica – a nosso ver
integram o bloco único de uma obra de mão comum, que, no seu
conjunto, constitui a mais genial realização da nossa história
filológica, e quiçá da história das letras neolatinas43 .
Clóvis Beviláqua alerta que acentuado tempo era consumido pelo aspecto
“da forma e da gramática do Projeto, mas o pior é que tudo se fizera
inoportunamente, pois antes de se assentar no pensamento da lei, não se poderia
cogitar da roupagem a dar-lhe”44 .
De fato, muitos jurisconsultos brasileiros já pregavam o término desta
peleja – era preciso dar um novo código civil ao país o mais rápido possível, não
poderiam as pessoas continuar a se regrarem por normas não codificadas, confusas,
41 FRANÇA, Limongi. O Código Civil Brasileiro: raízes e perspectivas.Coelho Rodrigues e o Código Civil: comemoração do seisquicentenário de nascimento, p. 93. 42 Rui Barbosa acentua que “não basta gramaticar proficientemente. A gramática não é a língua. O alinho gramatical não passa de condição elementar nos exames de primeiras letras. Mas o escrever requer ainda outras qualidades; e, se se trata de leis, naquele que lhes der forma se hão de juntar aos dotes do escritor os do jurista, rara vez aliados na mesma pessoa. São as codificações monumentos destinados a longevidade secular; e só o influxo da arte comunica durabilidade à escrita humana, só ele marmoriza o papel, e transforma a pena em escopro. Necessário é, portanto que, nessas grandes formações jurídicas, a cristalização legislativa apresente a simplicidade, a limpidez e a transparência das mais puras formas da linguagem, das expressões mais clássicas do pensamento. Dir-se-á que ponho demasiado longe, alto em demasia, a meta, que a sublimo a um ideal praticamente irrealizável. Mas eu não exijo que igualemos essa perfeição custosa e rara. Basta que, ao menos, dela nos acerquemos, não a podendo alcançar: que a lei não seja imprecisa, obscura, manca, disforme, solecista. Porque, se não tem vernaculidade, clareza, concisão, energia, não se entende, não se impõe, não impera: falta às regras da sua inteligência, do seu decoro, de sua majestade”. (BARBOSA, Rui. Parecer, p. 5). 43 FRANÇA, Limongi. O Código Civil Brasileiro: raízes e perspectivas. Coelho Rodrigues e o Código Civil: comemoração do Seisquicentenário de nascimento, p. 93.
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sem um vetor até de vigência, face a mesclagem de leis civis que ainda se
abalroavam em um único ordenamento jurídico. O código civil constituía, mais do
que desejo dos juristas e políticos da época, uma necessidade à população45 .
Evidente que toda discussão a respeito do bom uso do vernáculo na
confecção do trabalho teve influência na própria duração do código de 1916.
Certamente, se não tivesse havido tanta preocupação com este fato, o código de
1916 não teria se sustentado até 2002. Não somente este aspecto contribui para
esta longevidade, é claro, mas representa importante elemento a identificar uma das
obras mais perfeitas de técnica legislativa, elogiada no mundo inteiro.
Por outro lado, apesar de não ser objeto desta dissertação, espera-se
que, igualmente, o código de 2002, apesar da inexistência de debates legislativos
tão profundos como os da época de Rui Barbosa, os quais inclusive tomavam corpo
nos artigos dos principais jornais do Rio de Janeiro e São Paulo, encontre-se
revestido de conteúdo vernacular satisfatório ao bom desempenho da técnica
jurídica, não que se queira imortalidade do Diploma, mas que o uso da interpretação
propicie sempre sua atualização, o que certamente será facilitado se houver uma
conexão lógica nas próprias palavras do texto, em uma linguagem clara, escorreita,
precisa e que não incuta na mente dos intérpretes do novel código situações
embaraçosas e conflitantes, ainda mais porque se sabe que seu Coordenador, além
de jurista, filósofo e profundo conhecedor da língua máter, é inclusive membro da
Academia Brasileira de Letras.
Superada a fase de debates a respeito do verbo a ser empregado no
código, além das participações dos membros do Supremo Tribunal, das poucas
faculdade de direito existentes no país e do Instituto da Ordem dos Advogados, em
1909 foi a Comissão Especial do Senado reconstituída, mas não deu andamento aos
trabalhos legislativos, sendo que João Luiz Alves, preocupado com a larga demora
na conclusão do código, submeteu à aprovação do Senado um projeto de lei que
44 BEVILÁQUA, Clóvis. Código dos Estados Unidos do Brasil, p. 36. 45 Beviláqua historicia, ainda, que a “Câmara dos Deputados de São Paulo aprovou, em 1906, a seguinte redação, apresentada pelo ilustre jurisperito, Dr. AZEVEDO MARQUES: ‘Tendo em vista o interêsse público, proponho que a Câmara dos Deputados de São Paulo represente, ao digno Presidente da Comissão especial do Código Civil, o eminente Senador Federal, DR. RUI BARBOSA, pedindo-lhe que promova e auxilie, com a sua extraordinária competência, o andamento do Projeto de tão importante lei, votado pela Câmara Federal, há mais de quatro anos, cuja falta concorre, evidentemente, para mais anarquizar o direito pátrio’”. (BEVILÁQUA, Clóvis. Código dos Estados Unidos do Brasil, p. 37).
70
tinha como escopo adotar, como código civil, o respectivo projeto já aprovado na
Câmara, enquanto não houvesse aprovação definitiva. Na prática, acabava
consistindo na própria aprovação do Projeto em trâmite no Congresso, o que não se
verificou.
João Luiz Alves, que teve importante e efetiva participação na elaboração
final do código civil, lembra que
approvada em primeira discussão a nossa proposta, um acôrdo entre
as correntes dominantes no Senado fez com que a 10 de novembro
do mesmo anno (1911), requeressemos que o Projecto do Código
Civil, na fórma do Regimento, fosse incluído em ordem do dia,
independentemente de parecer da Commissão46 .
O Projeto do código civil, pois, foi aprovado em 22 de novembro de 1911,
sem emendas. Este fato foi de suma importância para agilizar o andamento
legislativo do Projeto. A partir daí, sucessão de debates legislativos verificaram-se,
sendo constantemente modificado o Projeto, face às emendas apresentadas, ora
pelos deputados, ora pelos senadores, tanto assim que em 22 de julho de 1915 o
Projeto retorna ao Senado, para de lá novamente ir à Câmara em 22 de agosto do
mesmo ano47 .
Finalmente o Projeto foi apresentado à Câmara para ser aprovada sua
redação em 26 de dezembro de 1915. Anunciada a discussão, ninguém usou da
palavra e o Presidente da Câmara, Astolfo Dutra, declarou aprovado o Projeto 168-A
na presença de 120 deputados. Por fim, o Presidente pronunciou algumas palavras,
salientando que terminara, naquele momento, “a maior obra legislativa do
parlamento da República”48 .
Entrando em vigor o código civil em janeiro de 1917, logo se verificou que
vários de seus artigos tinham sido publicados com erros que poderiam comprometer
o árduo trabalho realizado, em decorrência de inúmeras emendas introduzidas por
parlamentares não gabaritados para a produção de tão importante diploma da vida
privada.
46 ALVES, João Luiz. Código Civil da República dos Estados Unidos do Brasil annotado, p. XXIII.
71
O Congresso Nacional, diante deste fato, de certo modo previsto pela
lente de Rui Barbosa, resolveu emendar os 192 artigos49 com a linguagem que
deveriam, de fato, possuir, sem alterar o conteúdo axiológico, ainda mais porque não
poderia fazê-lo nesta fase.
Pontes de Miranda bem salienta a gravidade do problema causado por
estes parlamentares que não estavam preparados para a construção da lei civil
pátria, quando diz que:
As correções e os substitutivos surgiram, a cada passo, sem
pertinência, nem base doutrinária. Tem-se a impressão de um saque
bárbaro, de um pilhagem em cidade indefesa. Emendas, que mal
disfarçam o improviso de jurisprudência, enchem de contradições
flagrantes a futura lei; alterações de forma, sugeridas em Comissões
trêfegas, toldam o sistema, a unidade intrínseca da construção; e a
obra, a que tanto se assacara o feitio, sai, afinal, na linguagem –
imperfeita; e no sistema – medíocre50 .
Para Geraldo de Oliveira Santos Neves estaria, desta feita,
justificada a reforma de 1919. E não só. Uma vasta legislação
“extravagante” começou desde cedo a implantar no nosso Direito
Civil legislado novas instituições, não codificadas. Com isto se
perdeu a maior vantagem prática do código, que é a de ser um corpo
47 FRANÇA, Limongi. O Código Civil Brasileiro: raízes e perspectivas. Coelho Rodrigues e o Código Civil: comemoração do seisquicentenário de nascimento, p. 95. 48 BEVILÁQUA, Clóvis. Código dos Estados Unidos do Brasil, p. 45. 49 Os artigos emendados foram os seguintes: Na Parte da Lei de Introdução: arts. 5 e 20; Na Parte Geral: arts. 6, 10, 12, 21, 22, 35, 40, 41, 43, 49, 55, 69, 73, 84, 106, 109, 110, 113, 131, 134, 137, 139, 155, 159 e 178; No Livro do Direito de Família: arts. 183, 187, 191, 195, 205, 220, 221, 228, 233, 235, 242, 243, 247, 248, 255, 258, 261, 263, 286, 287, 290, 313, 319, 322, 329, 336, 337, 340, 346, 384, 391, 407, 414, 435, 448, 458 e 483. No Livro do Direito das Coisas: arts. 488, 500, 520, 521, 526, 533, 535, 550, 552, 559, 575, 576, 588, 589, 606, 623, 631, 642, 644, 646, 666, 677, 696, 706, 757, 759, 762, 763, 764, 772, 789, 790, 801, 802, 810, 813, 816, 821, 822, 823, 827, 831, 841 e 842; No Livro do Direito das Obrigações: arts. 883, 886, 889, 890, 891, 893, 896, 897, 910, 947, 950, 991, 1.028, 1.038, 1.041, 1.067, 1.071, 1.081, 1.102, 1.123, 1.137, 1.143, 1.153, 1.154, 1.164, 1.178, 1.188, 1.226, 1.229, 1.274, 1.289, 1.296, 1.298, 1.304, 1.314, 1.333, 1.338, 1.372, 1.380, 1.381, 1.383, 1.390, 1.399, 1.409, 1.432, 1.447, 1.452, 1471, 1.472, 1.501, 1.522, 1.531, 1.538, 1.562 e 1.566; No Livro do Direito das Sucessões: arts. 1.579, 1.580, 1.581, 1.594, 1.600, 1.619, 1.632, 1.638, 1.645, 1.651, 1.668, 1.669, 1.671, 1.691, 1.716, 1.723, 1.725, 1.728, 1.745, 1.748, 1.752, 1.768, 1.773, 1.777, 1.780, 1.787, 1.795 e 1.804. 50 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Apud NEVES, Geraldo de Oliveira Santos. Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito, p. 379.
72
único de normas sobre determinada disciplina jurídica, facilitando,
assim, o conhecimento e o cumprimento da lei 51 .
Esta foi, suscitamente, a narração crítica da história da codificação do
direito civil nacional, até a elaboração do código de 1916.
Objetivou-se, assim, compreender o fenômeno da descodificação das leis
civis por que atravessam os sistemas legislativos do mundo todo, especialmente o
nosso, bem assim, não sendo possível descodificar nosso direito, por uma cultura já
inerente e presente em nosso meio acadêmico e de política legislativa; que seja
idealizada uma nova forma de se codificar o direito civil, face aos influxos que este
ramo do direito privado vem sofrendo desde mesmo antes de 1916 até o final do
século XX.
O certo é que, em relação ao código civil de 1916, vale a lembrança
trazida por João Luiz Alves, para quem o código realizou duplo escopo: não rompeu
com o passado e não revolucionou o direito nacional, contudo,
longe de ficar estacionario e crystallizado em princípios arcahicos e
obsoletos, procurou attender ás necessidades sociaes e economicas,
que o direito civil é chamado a reger52 .
5. Acontecimentos importantes que influenciaram na elaboração do Código
Civil Brasileiro de 2002
5.1. O pluralismo jurídico incipiente na sociedade brasileira do começo do
século XX
O momento pelo qual atravessa o mundo identifica-se com o pluralismo,
seja nas Artes, na Filosofia, na Educação, na Política, na Religião, ou no Direito. Ao
se abordar a legitimação através do Direito, não se deve limitar ao Direito estatal
apenas. O pluralismo jurídico surge e se desenvolve exatamente porque o Estado
não pode estar presente a todo momento e em todo lugar na vida das pessoas.
51 NEVES, Geraldo de Oliveira Santos. Uma bibliografia comentada de fontes diretas e indiretas para o estudo do esboço, apontamentos, anteprojetos, projetos e Código Civil Brasileiro, de 1855 a 2001). Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito, p. 379-380.
73
Havendo a falta do poder estatal, surgem as regras individuais que acabam
sucumbindo as regras estatais, ficando a sociedade à margem do legalmente
estabelecido e preconizado.
Nas sociedades da idade média e moderna era muito comum o
pluralismo. O Estado absolutista e intervencionista, aliado às grandes unificações
européias ocorridas no século XVII e XVIII tendiam a pôr fim a este processo de
feudos e governos independentes, com legislação e comportamentos diferentes,
apesar de se achar no mesmo território, e sob a égide do mesmo governo, ainda
que sem autoridade real.
O fenômeno da codificação, com a ideologia do iluminismo, procurou dar
aos Estados a unificação da legislação fragmentada e, com isso, acoplar os usos,
costumes e cultura no propósito de um só ideal, com o fito, inclusive, de impedir
rebeliões e fracionamento do território. Exemplos práticos vivenciados por
Boaventura de Sousa Santos, em Pasárgada53 , bem analisa o pluralismo existente
nas sociedades modernas, onde o direito de uma comunidade vive à margem (ou ao
lado) do direito legalmente instituído pelo Estado, e nem por isso tendem a
desaparecer.
No Brasil, é observada a presença de cada vez mais “Passárgadas” nas
diversas regiões e não somente nas favelas das grandes cidades. Numa projeção,
ainda que abusiva, pode-se dizer que onde falta uma escola, um posto de saúde (a
presença marcante do Estado), aí estará, infelizmente, mais uma “Pasárgada”.
Situações como a morte de um chefe do tráfico de drogas, onde toda a população
de um bairro é obrigada, literalmente, a “fechar” as portas do comércio para assistir
ao enterro do líder, identifica a falta do Estado; a presença de um direito que existe e
coexiste ao lado do estatal. E não há ou não tem como haver qualquer medida
repressiva por parte dos órgãos públicos para mudar este panorama. É claro que o
código civil de 1916 emprestava seus artigos apenas a uma parcela da população,
52 ALVES, João Luiz. Código Civil da República dos Estados Unidos do Brasil Annotado, p. XXVII. 53 Boaventura de Sousa Santos bem explana que existe uma “situação de pluralismo jurídico sempre que no mesmo espaço geopolítico vigoram (oficialmente ou não) mais de uma ordem jurídica. Esta pluralidade normativa pode ter uma fundamentação econômica, rácica, profissional ou outra; pode corresponder a um período de ruptura social como, por exemplo, um período de transformação revolucionária; ou pode ainda resultar, como no caso de Pasárgada, da conformação específica do conflito de classes numa área determinada da reprodução social – neste caso, a habitação”. (SOUTO, Cláudio; FALCÃO, João. Textos básicos para a disciplina de Sociologia Jurídica, p. 87).
74
enquanto a maior parte dos cidadãos ficava à margem de muitos de seus
dispositivos legais.
O pluralismo jurídico, ainda que incipiente no começo do século passado,
pois, comparado com a era tecnológica e globalizada em que vivemos hoje, encontra
relação direta com o direito vivo de Eugen Ehrlich54 ao tratar de que o direito não é
meramente aquele estabelecido nos códigos; mas o que as pessoas presenciam,
agem, vivem, convivem, enfim, o que estabelecem no cotidiano de suas vidas.
Se por um lado o pluralismo jurídico projeta a idéia de desenvolvimento da
sociedade, que não se prende a textos de lei, ao formalismo estatal, por outro,
significa uma crise na legitimidade do poder, onde o direito não foi capaz de
equacioná-la. As crises só existem, no entanto, em sociedades que buscam o
desenvolvimento; aquelas que se confortam com o que já possuem, tendem a viver
em paz, sem questionamentos, alheias a discussões.
Muitas dissensões políticas e jurídicas antecederam e se prolongaram à
época da elaboração e promulgação do código civil, influência decorrente das
transformações sociais, políticas, científicas e culturais ocorridas no continente
europeu, principalmente em países como França e Alemanha. A sociedade brasileira
situava-se num dilema: ou acompanhava tais transformações ou o país continuava
emergido nas confusas, vagas e retrógradas Ordenações, o que acabaria por refletir,
diretamente, na produção legisferante da época – nunca se deu tanta importância ao
direito privado, em detrimento do direito público, do direito constitucional.
Observa-se, pois, que quando as pessoas concordaram em conceder ao
Estado o poder de legislar, de ditar o direito, de legitimar-se pela força deste, não
significa que não possam haver outras formas de legitimidade pelo direito que não o
estatal. A história e a natureza humana, aliás, estão repletas de situações nas quais
o homem, quando age diferentemente do estabelecido pelos padrões estatais, tem
justificativa para assim proceder.
54 Para Eugen Ehrlich o “direito vivo não está nas proposições jurídicas do direito positivo, mas é o que, porém, domina a vida. As fontes de seu conhecimento são, antes de tudo, os modernos documentos: são, também, a observação direta da vida, do comércio, da conduta, dos costumes, dos usos, e de todos os grupos, não somente os reconhecidos juridicamente, mas também aqueles que passaram despercebidos e que não foram considerados e, até mesmo, aqueles que a lei desaprovou”. (SOUTO, Cláudio; FALCÃO, João. Textos básicos para a disciplina de Sociologia Jurídica, p. 111-112).
75
A diminuta presença do pluralismo jurídico na sociedade brasileira do
começo do século XX acaba, como dito, por gerar um diploma civil vinculado aos
anseios de pequena parte da sociedade, vai transformar-se, radicalmente, após a
entrada em vigor do primeiro código civil brasileiro até os tempos atuais, o que
introduzirá no atual código nova diretriz de como pensar o Direito, de modo mais
socializante e pragmático, além da preocupação sempre presente de procurar
imprimir mais versatilidade para se manter atualizado e atuante na vida de cada
cidadão do país.
5.2. As transformações por que o mundo atravessava na primeira metade do
século XX. O esvaziamento do conteúdo presente nos códigos civis
Promulgado o código civil de 1916, não demorou muito tempo para os
doutrinadores e legisladores do país começarem a discutir a respeito da elaboração
de uma nova “constituição do homem comum”, no dizer do Prof. Miguel Reale. A
experiência jurídica tem demonstrado que na maioria das vezes, ou mesmo antes de
uma lei entra em vigor, já se apresenta ela desatualizada, face principalmente às
transformações sociais, políticas e culturais ocorridas na sociedade.
Assim não foi diferente com o código individualista do começo do século
passado que, certamente, não retratava de modo afidalgado os anseios e
necessidades da sociedade de então, ainda mais porque sua elaboração, como se
sabe, durou mais de 70 anos, isto sem considerar o lapso temporal entre a
independência do Brasil e o início dos trabalhos de consolidação das Leis Civis, feita
por Teixeira de Freitas.
Nas décadas de vinte, trinta e quarenta do século passado, muitos
acontecimentos históricos ocorridos na Europa, com reflexos diretos no Brasil,
modificou, substancialmente, o Direito existente e aplicado em nosso país. O mundo
passava por transformações até então pouco imagináveis, a frieza entre as duas
guerras mundiais (se bem que a primeira não havia terminado) constituía forte
76
prenúncio de que a economia e a sociedade do mundo encontravam-se inseguras,
como que esperando algo de desestabilizador a ocorrer.
No cenário mundial, a queda da Bolsa de Nova Iorque acelerou a
mudança de toda uma teoria contratual alicerçada do antigo direito civil, que já dava
sinais evidentes de desgaste. Tudo que acontecia no mundo, apesar da inexistência
de globalização, internet, ou pós-modernidade, como se entende hoje, tinha reflexos
no Brasil, apesar de não imediatamente, como hoje, mas os efeitos culminavam, em
última análise, no modo de pensar o Direito, o qual não pode vivem isolado da
economia, da política e de outras ciências.
O direito social inserido na maioria das Constituições dos países, mas até
então de diminuta efetividade, toma corpo e passa a ser o modelo a ser copiado. As
greves, as revoluções, identificavam prenúncio de que os trabalhadores já não
podiam mais ser regidos por normas estanques existentes nos diplomas civis. Esse
cenário, claro, não passou despercebido àqueles que faziam o direito brasileiro da
primeira metade do século XX, não sendo à toa que surge a CLT, que muito vai
dinamizar as relações entre as pessoas. O trabalho ganha laços formais, há certa
segurança jurídica no trato das relações laborais.
Paralelamente a isto, o estouro da segunda grande guerra propicia a
reflexão do quanto se apresenta frágil o veste humano, e assim como as
Constituições, as leis civis podem a qualquer momento, por um acontecimento dito
importante, ser modificadas, atendendo a interesses daqueles que “estão no poder”
ou do grupo social que eles representam ou, ainda, subsidiariamente, do povo, de
um modo geral.
Todos esses fatores importa serem relembrados na medida em que
situam o país numa turbulência de acontecimentos que irão, como dito, refletir
diretamente na produção das normas jurídicas do país, entre elas as civis, que
tentam se modernizar e captar os anseios de nova geração de súditos sedentos por
aquisição de direitos.
Carmem Lucia Silveira Ramos historicia que no desenrolar do século XX,
considerando, contudo, o código de 1916 fruto do século XIX, passou a Ciência
Jurídica por gradativa fase de abandono de sua neutralidade, apesar da influência
77
exercida por Kelsen, que provocou a superação deste modelo esteado no
individualismo-capitalismo, existente para regular a vida da sociedade civil como
documento completo e único, e de alguns de seus dogmas mais importantes, além
de reconhecer a importância do momento histórico por que atravessa o mundo e
vinculação com elementos importantes desta transformação sócio-político-
econômico presente na época55 .
Neste panorama começam a borbulhar, mais intensamente, anseios de se
modificar o Código de Beviláqua, ainda mais, principalmente, face a elaboração,
sempre constante, de diplomas e leis que modificavam, de certa forma, os preceitos
civilistas clássicos, como o Decreto n. 23.301/33 (Código das Águas); Decreto-Lei n.
3.200/41 (Lei de Introdução ao Código Civil); a Lei de Falência e Concordata; Lei n.
883/49 (dispõe sobre o reconhecimento de filhos ilegítimos); Lei n. 1.110/50 (regula
o reconhecimento dos efeitos civis junto ao casamento religioso); Lei n. 2.375/54
(dispõe sobre a inscrição no registro público da emancipação por outorga do pai ou
da mãe); Lei 4.121/62 (Estatuto da Mulher Casada), entre outros.
A proliferação do início destes “micro-sistemas” jurídicos vai propiciar o
esvaziamento dos códigos, provocando verdadeira “descentralização do sistema de
direito privado, ausente na perspectiva dos idealizadores da codificação, excluindo o
monismo consagrado no código civil, em atendimento às emergências sociais”56 .
5.3. Os primeiros anteprojetos
Já na década de 40, Orozimbo Nonato, Hahnemann Guimarães e
Philadelpo Azevedo propugnavam a unificação do direito civil e mercantil,
especificamente o direito das obrigações, com o trabalho denominado “Primeiro
Projeto de Código de Obrigações”, seguindo tendência européia (Suíça e Polônia)
de unificar o direito obrigacional, com um código à parte do código civil,
propriamente, por entender que a teoria do direito obrigacional é inerente tanto ao
direito civil quando ao comercial, não havendo por que separá-los, o que acaba
55 RAMOS, Carmem Lucia Silveira [et. al]. A Constitucionalização do direito privado e a sociedade sem fronteiras. Repensando fundamentos do Direito Civil contemporâneo, p. 06. 56 RAMOS, Carmem Lucia Silveira [et. al]. Inovações do Novo Anteprojeto de Código Civil. Repensando fundamentos do Direito Civil contemporâneo, p. 07.
78
causando mais confusão e desgaste na aplicabilidade de seus preceitos
fundamentais.
Mesmo posicionamento foi seguido pelo Projeto de 1965, de Orozimbo
Nonato, Sylvio Marcondes, Orlando Gomes, Caio Mário, Hehemias Gueiros e
Theóphilo de Azevedo, fato este igualmente ocorrido com o Anteprojeto de Orlando
Gomes, de 1963. Nenhum deles, contudo, foi recepcionado pelo novel código civil,
neste particular, subsistindo, em parte, a idéia de unificação do direito das
obrigações, em matérias de direito civil e comercial.
Moreira Alves57 historicia que Orlando Gomes foi convidado em 1961 pelo
então Ministro da Justiça, Oscar Pedroso D’Horta, para redigir o Anteprojeto do novo
código civil, cuja missão foi cumprida em 1963, inovando o civilista baiano em
inúmeros pontos, necessários à uma reforma deste porte.
Para Orlando Gomes seriam as seguintes as diretrizes que deveriam
nortear a elaboração do diploma civil58 :
1) estar atento à regra da adaptabilidade da lei à vida, para não se
distanciar da realidade brasileira;
2) modificar, para implantar no Anteprojeto, idéias aceitas por aqueles que
tinham mais conhecimento do que é o Direito e pelas pessoas ditas mais
“responsáveis”;
3) não cometer o erro de comunicar com a tradição os sentimentos
inerentes a certas regiões ou setores que não visualizaram as mudanças ocorridas
na sociedade, ou novos comportamentos existentes;
4) não manter institutos caducos, desatualizados, capazes de engessam o
Direito;
5) não introduzir institutos inovadores sobre o pretexto de serem
modernos e revolucionários;
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79
6) procurar manter, na medida do possível, os institutos existentes no
código de 1916, sem se limitar, no entanto, a uma simples restauração.
Moreira Alves, contudo, salienta que apesar do Anteprojeto, revisto por
Comissão composta por Orozimbo Nonato e Caio Mário da Silva Pereira, ter sido
encaminhado em outubro de 1965, sofreu fortes críticas, principalmente na área do
direito familiar, o que levou o executivo a retirá-lo, em 196659 . Assim, o Anteprojeto
do novo código civil foi entregue apenas no governo do Presidente Castello Branco.
Vale relembrar que até não ser convidado para a elaboração do Projeto
no novo código civil, Orlando Gomes não via com bons olhos a confecção de um
novo diploma civil pátrio, e que a partir do convite para realizar a empresa, passou a
se posicionar favoravelmente à elaboração de tal diploma privado.
Neste sentido aponta Geraldo Neves quando diz que
Orlando Gomes, aquele mesmo que em 1961 achava que o Código
não precisava ser mudado e que em 1963 era o “projetador” do
Código, foi afastado provavelmente por influência de alguns
desembargadores de São Paulo, em 196660 .
À frente do objetivo de se afastar Orlando Gomes da elaboração do
Projeto do novo código civil encontrava-se todo um arcabouço retrógrado daqueles
que não sentiam a modernização, ainda tímida, é verdade, da sociedade brasileira
da década de 60, especialmente as mudanças verificadas no âmbito do direito de
família. Geraldo Neves lembra ser o mestre baiano a favor da “união estável”, do
direito sucessório da companheira, da mulher ser co-responsável pela autoridade
familiar, do reconhecimento dos filhos ilegítimos, posicionamentos contrários ao Des.
do TJ-SP, Alceu Cordeiro Fernandes, expostos na obra “Reforma do Código Civil –
Estudos e Sugestões” (1966), de autoria de uma Comissão formada por alguns
desembargadores deste Egrégio Tribunal, isto porque pertenciam eles à TFP
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80
(Tradição, Família e Propriedade), que via no Projeto de Orlando Gomes elementos
de subversividade61 .
Para Geraldo Neves, o Des. Alceu Fernandes e os demais integrantes do
Tribunal de Justiça de São Paulo
atrasaram por mais 25 anos a vigência do novo Código Civil. A
retirada do Projeto Orlando Gomes e a nomeação de uma nova
Comissão, Elaboradora e Revisora, com plenos poderes para
arquitetar um novo Projeto, fizeram que tudo começasse de novo, do
quase zero, pois, que até a idéia de dois Códigos, um Código de
Obrigações e um Código Civil, gorou. Foi a Constituição de 1988 que
introduziu no Direito Brasileiro os “avanços” (esta palavra está muito
gasta...) pretendidos por Orlando Gomes. Pelo menos, agora, o
legislador civil não pode discuti-los, pois devem integral obediência à
Constituição62 .
Em 1969, nova Comissão foi constituída, integrando, agora, os juristas
Miguel Reale (Supervisor), José Carlos Moreira Alves (Parte Geral), Agostinho de
Arruda Alvim (Direito das Obrigações), Sylvio Marcondes (Atividade Negocial), Ebert
Chamoun (Direito das Coisas), Clóvis do Couto e Silva (Direito de Família) e
Torquatro Castro (Direito das Sucessões), tendo sido entregue em 1972 ao Ministro
da Justiça, Alfredo Buzaid, o Anteprojeto do código civil, cujo texto foi publicado
somente dois anos mais tarde. Finalmente, em 1975, no Governo de Ernesto Geisel,
contando com Armando Falcão Ministro da Justiça, o Projeto foi remetido ao
Congresso Nacional, pela Mensagem de nº. 160, onde se transformou no Projeto de
Lei n. 634/75.
6. A estrutura formal do atual Código Civil e seus relatores na Câmara dos
Deputados e no Senado Federal
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81
A elaboração de um Código, como todo diploma legal de impacto social
bastante acentuado, passa pelo sistema bicameral. O atual código civil teve a sua
estrutura formal por demais assemelhada com o código de 1916, constituindo, a
propósito, esta uma das diretrizes traçadas por Miguel Reale, com exceção da
introdução de um novo Livro – Direito de Empresa, e da unificação, em tese, do
Direito das Obrigações.
Inicia com a parte geral63 , composta de três livros: I – Das Pessoas; II –
Dos Bens; III – Dos Fatos Jurídicos. A parte especial inicia com o Livro Direito das
Obrigações, seguido do Livro Direito de Empresa, Livro Direito das Coisas, Livro
Direito de Família e finaliza a seqüência com o Livro Direito das Sucessões.
Iniciados os debates legislativos na Câmara dos Deputados, após 1.063
emendas, foi aprovado o Projeto e remetido ao Senado Federal, que o transformou
no Projeto de Lei n. 118, tendo sido apresentadas 360 emendas nesta Casa.
Na Câmara dos Deputados, a Parte Geral do código civil passou a contar
com 231 artigos (1o ao 231), tendo como relator parcial o deputado Brígido Tinoco.
Remetido ao Senado Federal, teve como relator parcial o Senador Bernardo Cabral
e, posteriormente, quando do seu retorno, com as emendas senatoriais inclusas,
transferiu-se a relatoria ao deputado Bonifácio Andrada.
O Direito das Obrigações é composto de 772 artigos (231 a 1002) e teve
o Deputado Raymundo Diniz como relator em primeira fase. No Senado Federal,
teve como relatores parciais os senadores Andrade Vieira e Luis Alberto Oliveira.
O Direito de Empresa, que inicialmente recebeu a designação de
“Atividade Negocial”, teve originalmente 233 artigos (1003 a 1234), e coube ao
deputado Geraldo Guedes a relatoria na Câmara dos Deputados, em primeira fase.
No Senado, teve como relator especial o senador José Fogaça.
____________________________________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de 2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O No
82
O Direito das Coisas, composto o livro originalmente de 312 artigos (1197
a 1508), teve como relator, em primeira fase, o Deputado Lauro Leitão. Remetido ao
Senado, recebeu a relatoria especial do senador Roberto Requião.
O Direito de Família, composto na origem de 290 artigos (1542 a 1831),
teve como relator, em primeira fase, na Câmara dos Deputados, Cleverson Teixeira.
Já no Senado Federal recebeu como relator especial José Ignácio Ferreira.
Por último, o Direito das Sucessões, que continha originalmente, pelo
anteprojeto do prof. Torquatro Castro, 247 artigos (1832 a 2078), teve o deputado e
jurista piauiense Celso Barros Coelho64 como relator, em primeira fase. No Senado
Federal, Espiridão Amim foi o relator especial.
A consignação dos deputados e senadores como relatores dos
respectivos Livros do código civil é importante porque, de certo modo, foram eles
que, na condição de relatores, deram toque pessoal ao desenvolvimento do diploma
civil, naturalmente que contando com toda uma assessoria de juristas conhecedores
da matéria a que cada um deveria relatar.
7. Os Acontecimentos históricos anteriores à Carta Federal de 1988 como
óbices à elaboração do código civil
Com muita luta, sofrendo o Brasil grave crise interna, corroborada pela
moratória do pagamento dos juros da dívida externa, da crise do petróleo no mundo,
e das greves nas grandes fábricas do sudeste/sul do país, a Projeto do código civil,
finalmente, foi enviado ao Senado Federal em 1984. Nesta época, só se falava na
o Código Civil como eixo central do Direito Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/ _____.Examinadores:_________________________________________________________________________________________________________________________________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel Reale) SumárioResumo ................................................................................................................ 11Abstract ................................................................................................................ 12Resumen ............................................................................................................... 13Introdução .................................
83
redemocratização do país. O fim dos governos militares parecia constituir
acontecimento inevitável. O Brasil vivia o clima das “Diretas Já”, todo o Congresso
Nacional estava antenado a esta realidade. Discutir e dar andamento à elaboração
do código civil não era a vontade dos congressistas, os quais demonstravam possuir
outros interesses mais prementes a serem perquiridos.
Regina Vera Villas Bôas Fessel65 aponta que no Senado Federal, desde
1984, o Projeto ficou adormecido até que veio a ser arquivado. Por iniciativa do
senador Cid Sabóia houve o desarquivamento, sendo composta nova Comissão
tendo ele como presidente.
Um dos motivos da falta de apetite para agilizar o andamento e
conseqüente conclusão do código civil decorre de que desde 1986 todo o esforço
legislativo vetoriou-se para a elaboração da CF/88. Assim, durante praticamente dois
anos nada se produziu no Congresso Nacional em relação ao código civil; os
esforços legislativos eram elaborar, o quanto antes, o Diploma Constitucional.
Os próprios doutrinadores civilistas sabiam, e não poderiam ter
posicionamentos diferentes, de que com a entrada em vigor de um novo texto
constitucional muitos dos preceitos e dogmas inscritos no código de 1916 e no
próprio projeto do novo código civil não poderiam vingar, por absoluta
inconstitucionalidade, inclusive podendo haver controle prévio de
constitucionalidade, na medida em que o texto não tinha ainda sido aprovado e já se
encontrava discordante de uma norma superior – a Constituição Federal –,
principalmente no livro relativo ao Direito de Família, onde a Carta Magna foi, de
fato, revolucionária frente às leis civil ordinárias, mas refletia apenas o que a doutrina
e a jurisprudência já assinalavam.
Promulgada a Carta, quando se pensava que a prioridade consistia em
resgatar os projetos então paralisados, observaram os legisladores que a
Constituição apresentava composição textual extremamente eivada de elementos
complicadores de sua clareza. O objetivo, agora, pois, centralizava-se em
complementar a Constituição, deixando-a menos incompleta possível.
.............................................................................14Capítulo I – As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do
84
De fato, como todo Diploma Político, a Carta de 1988 deveria apenas
trazer princípios constitucionais de ordem mais genérico possíveis, no entanto, além
de possuir este aspecto, inovou por adotar a diretriz de disciplinar, no seu próprio
corpo, normas que competiam ao legislador ordinário fazê-lo. Muitas foram, assim,
as Leis Complementares à Constituição. O ordenamento jurídico brasileiro mudou
consideravelmente depois da entrada em vigor da nova Constituição, não podendo,
desta feita, deixarem os legisladores de elaborar o código civil em detrimento de
providenciarem a elaboração de normas ditas “complementares” à Constituição.
A prioridade legislativa, pois, era outra, e reformas constitucionais
necessitavam, com urgência, ser feitas, como a previdenciária, a fiscal, a política e a
tributária, muitas das quais ainda hoje incompletas ou de considerável fraqueza face
aos anseios do povo brasileiro. Com isso, foi-se postergando a confecção definitiva
do código civil, ainda mais por inexistência de pressão por parte dos doutrinadores e
juristas brasileiros.
8. A entrada em vigor da Constituição de 1988 como óbice existente ao normal
desenvolvimento da elaboração do Código Civil
Promulgada a Carta Magna, além da despreocupação formal dos
congressistas em não mais vetoriarem seus esforços na direção de finalizar o projeto
do código civil, como dito, face a outras necessidades mais prementes de se regrar a
vida da nação, outro grave entrave contribuiu para protrair a conclusão do código: o
receio do projeto tornar-se inconstitucional, devido às inúmeras modificações
ocasionadas pela nova ordem constitucional. Necessária, pois, a adequação dos
artigos do projeto do código civil, já votados e debatidos nas duas Casas
Legislativas, aos preceitos constitucionais.
Neste particular é que o Relator Geral, Dep. Ricardo Fiúza, aponta que:
85
durante o período de sua tramitação mudou radical e positivamente o
sistema político brasileiro, nossa organização social, nosso modelo
econômico, e as próprias condições institucionais, a começar pela
cultura política e jurídica, submetidas ambas a constante e
contundente questionamento66 .
E finaliza aduzindo que o projeto do código civil encontrava-se em
descompasso com a realidade brasileira, contendo inúmeras inconstitucionalidades
e artigos de leis superados pelos diplomas ditos extravagantes, que entraram em
vigor no período de elaboração do código.
Para Gustavo Tepedino, após salientar que a discussão sobre o novo
código civil não passa pela desconfiança dos integrantes da Comissão de juristas e
do Senador Josaphat Marinho, mas sim por haver sido redigido há mais de 30 anos,
constituiu sua aprovação, além de retrocesso político e jurídico, igualmente
retrocesso social, na medida em que nestas três décadas o novo código
desconsiderou muitas das transformações ocorridas no país, como
os institutos de direito privado, em particular a família, a propriedade,
a empresa e o contrato, ganharam função social que passa a integrar
o seu conteúdo. As relações patrimoniais são funcionalizadas à
dignidade da pessoa humana e aos valores sociais insculpidos na
Constituição de 1988. Fala-se, por isso mesmo de uma
despatrimonialização do direito privado, de modo a bem demarcar a
diferença entre o atual sistema em relação àquele de 1916,
patrimonialista e individualista67 .
Começava, assim, nova fase do direito legislativo brasileiro. Como
coadunar os textos já discutidos, emendados e parcialmente aprovados nas duas
Casas, em matéria de direito civil, com a CF/88 ? Corria-se o risco de, remetendo-se
o projeto novamente para a Câmara dos Deputados e Senado Federal mais outros
quinze anos serem “perdidos”. A nação e a comunidade jurídica do país teriam
condições de esperar tanto tempo mais ?
ireito Civil Brasileiro ............ ............................................................................. 191. A influência exercid
86
O primeiro passo para se solucionar este impasse partiu do então
Presidente da Comissão Especial, Dep. João Castelo, que nomeou relatores por
capítulos, os quais apresentaram relatórios parciais.
Precisamente na década de noventa, do século passado, houve, ainda
que timidamente, debates promovidos pelas Faculdades de Direito, com participação
de membros da Função Judiciária, do Ministério Público, de professores
especialistas em direito civil e direito constitucional que discutiram a respeito da
necessidade, prioridade e pertinência ou não do novo código.
Ricardo Fiúza aponta a existência destes debates, inclusive os
legislativos68 . Verifica-se, no entanto, que a sociedade brasileira, apesar de ter
ciência desde 1940 do anseio de nossos “melhores juristas” em elaborar novo
diploma civil, somente em 2002 acordou para a efetiva concretização do texto,
quando no Livro Complementar (Das Disposições Finais e Transitórias), o art. 2044,
expressa que o código entrará em vigor 1 (um) ano após a sua publicação, gerando,
desta feita, curiosidade, apreensão e interesse por grande parte da população.
Esta é uma questão que deve ser tratada com muita cautela: realmente
houve debate com os legisladores, com os juristas especializados na matéria, enfim,
com a sociedade, a respeito dos efeitos que um novo diploma civil acarreta à vida
comum dos brasileiros e estrangeiros que aqui residem ?
Volta-se aqui a fazer referência a importante aspecto, inclusive ausente
quando da elaboração do código de 1916: o grau de legitimidade que a norma
congrega, face à inexistência de debates prévios, pela sociedade, se almeja ou não
aquele comando. A diferença, contudo, é que se trata de um código e não de uma lei
ordinária qualquer, isoladamente elaborada. Os influxos deste diploma na vida e no
cotidiano dos brasileiros são enormes; a importância que um código civil exerce na
sociedade é só comparada à da própria Constituição de um país, cada qual nos
limites e graus de abrangência.
Neste particular é que Sérgio Cademartori, seguindo doutrina de
Habermas, adverte o seguinte:
pela Escola da Exegese na codificação
87
As normas não são legítimas por possuírem uma validade objetiva e
incondicionada, em si e per si, mas o são: a) por serem frutos de um
acordo adotado através de um diálogo em condições ideais de
comunicação: b) por serem o pressuposto para a existência
empírico-real da comunidade ideal de comunicação69 [...].
Houve diálogo, comunicação, debate entre a sociedade e o Congresso
Nacional a respeito tanto da necessidade deste novo diploma civil, quanto
propriamente do teor contido nos próprios dispositivos que o integram ? Certamente
não o suficiente. O próprio aspecto da demora na elaboração do código, pois,
contribuiu para o desleixo e desinteresse por este debate, esfriando a vontade de se
emitir posição a cerca deste ou daquele instituto jurídico presente no Projeto de
código, mas nem por isso deve-se pôr de lado toda uma cultura jurídica existente no
país de “amor” à codificação civil. A propósito, como bem assinala Cláudio de Cicco,
à exceção do
mundo anglo-americano, que repeliu a idéia de codificação, por sua
tendência pragmatista – que o levou também a repudiar a Revolução
de 1789, com Edmond Burke – tanto o mundo germânico como o
latino, todo o mundo civilizado se empenhou na tarefa de codificar70 .
9. A elaboração da Resolução nº 01/00, do Congresso Nacional, como técnica
jurídica para agilizar o trâmite regimental do código civil
A rigidez regimental do Congresso não previa ou impedia a atualização e
a volta aos debates legislativos com o propósito de se adequar o projeto do código
civil à CF/88. Este era o impasse ocorrido no Congresso Nacional: como adequar-se
um texto a outro havendo vedação regimental.
o Direito Civil brasileiro ................................................................ ................................................191.1. O Códi
88
A solução adveio com a Resolução nº 01, de 200071 , que alterou a
resolução n. 01, de 1979, em seu artigo 139, do Regimento Comum do Congresso
Nacional. De acordo com esta nova Resolução, o projeto de código que tramitasse
há mais de três legislaturas no Congresso Nacional deveria ser submetido a toda
uma revisão a fim de se adequar às novas regras constitucionais e legais. Parecia,
pois, estar resolvida a questão da constitucionalidade do projeto, na medida em que
todo o texto, desde a sua apresentação deveria ser revisto.
Há de se indagar, contudo, se a adequação à nova ordem jurídico-
constitucional foi apenas formal, isto porque a própria Resolução disciplina que o
parecer da Comissão de Constituição e Justiça, que apreciará as modificações e
atualizações propostas pelo Relator Geral do projeto em que se finalizar a sua
tramitação no Congresso Nacional, emitirá parecer jungido a verificar se as
alterações propostas restringem-se a promover a necessária atualização proposta
pelo Relator Geral. E submetido este ao plenário, vedadas se acham quaisquer
emendas ou modificações72 .
o Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo ....................................................................................... sua discussão final na Casa que o encaminhará à sanção, submetido a uma revisão para a sua adequação às alterações constitucionais e legais promulgadas desde sua apresentação. §1o O relator na Casa em que se finalizar sua tramitação no Congresso Nacional, antes de apresentar perante a Comissão respectiva seu parecer, encaminhará ao presidente da Casa relatório apontando as alterações para atualizar o texto do projeto em face das alterações legais aprovadas durante o curso de sua tramitação. § 2º O relatório mencionado no § 1º será encaminhado pelo Presidente à outra Casa do Congresso Nacional, que o submeterá à respectiva Comissão de Constituição e Justiça. § 3o A comissão, no prazo de 5 (cinco) dias, oferecerá parecer sobre a matéria, que se limitará a verificar se as alterações propostas restringem-se a promover a necessária atualização na forma do § 1º. § 4o O parecer da Comissão será apreciado em plenário no prazo de 5 (cinco) dias, com preferência sobre as demais proposições, vedadas emendas ou modificações. § 5o Votado o parecer, será feita a devida comunicação à Casa em que se encontra o projeto de código para o prosseguimento de sua tramitação regimental, incorporadas as alterações previstas”. 72 Oportuno trazer, agora, alguns fatos históricos da tramitação do projeto no Congresso Nacional, noticiados pelo próprio Relator Geral, dep. Ricardo Fiúza: “Encaminhado o relatório preliminar, contendo as adequações do texto, ao Senado Federal, conforme previsto no § 2º, foi o referido relatório submetido à Comissão de Constituição e Justiça daquela Casa, que ofereceu parecer, já votado e aprovado pela CCJ e pelo Plenário do Senado. Votado e aprovado o parecer da CCJ do Senado Federal, tem-se como incorporadas ao texto do Senado as adequações propostas pelo Relator Geral da Câmara a teor do que expressamente determina o § 5o do dispositivo regimental anteriormente citado, cabendo agora prosseguimento dos trabalhos, com a votação do relatório. Impende ressaltar que o parecer da CCJ do Senado Federal, relatado pelo nobre senador José Fogaça, em nenhum momento afirmou que qualquer das alterações propostas não se restringiam a promover a necessária atualização na forma do permissivo regimental. Isso implica dizer que todas as alterações propostas no relatório preliminar foram incorporadas ao texto do Senado, devendo agora receberem o tratamento isonômico com as demais emendas do Senado que não sofreram alteração. Ou seja, nos dispositivos emendados pelo Senado e alterados pelo Relator Geral da Câmara, fica prejudicada a redação da emenda senatorial, substituída pela alteração aprovada pelo Senado Federal nos termos da Resolução CN n. 01/2000, agora já incorporadas pelo Senado. Nos dispositivos não emendados pelo Senado, as alterações sugeridas pelo Relator Geral na Câmara devem ser consideradas como se fossem emendas do Senado.
89
Verifica-se, pois, de certo modo, que o Relator Geral do projeto do código
civil exerceu função por demais importante na relatoria, na medida em que suas
proposições de atualização do projeto, por ter este tramitado há mais de três
legislaturas, foram praticamente referendadas pela Comissão de Constituição e
Justiça e pelo plenário da Casa, face ao que dispõe o regimento comum do
Congresso Nacional.
A constitucionalidade formal, assim, certamente foi cumprida, resta saber
se o código civil brasileiro se acha em conformidade com a CF/88
(constitucionalidade material), o que somente ter-se-á resposta com o próprio
desenvolvimento e maturação do direito civil existente, com o aperfeiçoamento e
progresso da doutrina e jurisprudência pátrias, e da própria modificação legal que
pode se ocorrer com as leis especiais adequando-se ao novel diploma civilista ou
este àquelas.
10. A demora na tramitação do projeto do código civil. Os efeitos causados
pelo fator tempo às normas jurídicas codificadas
Enquanto que a demora para a elaboração do código civil de 1916 foi, de
certa forma, vantajosa ao desenvolvimento do direito pátrio, na medida em que
“ofereceu a compensação de atingirmos a excelência do diploma, justamente
encomiado e considerado por juristas estrangeiros da melhor reputação, em especial
alemães”73 , no entanto, o atraso na conclusão do atual código civil prejudicou,
sobremaneira, a efetividade e grau de alcance dos próprios preceitos nele
insculpidos, isto porque além do Brasil do final do século XX já possuir uma cultura
civilística sedimentada, a demora gerou o enfraquecimento da vontade dos juristas e
legisladores de, efetivamente, terminarem a obra já em vias finais de conclusão. O
A despeito do parecer do Senador José Fogaça haver sugerido a rejeição de algumas emendas, não havia como ser considerada a proposição, uma vez que o referido parecer só poderia dizer da obediência ou não aos termos da resolução. Não havendo dito que qualquer dos dispositivos propostos extrapola ao permissivo regimental, conclui-se que todas as adequações foram inteiramente incorporadas pelo Senado”. (PROJETO DE LEI N. 634-D, p. 258). 73 FALCÃO, Alcino Pinto. Parte geral do Código Civil, p. 34.
90
fator tempo sempre foi um tormento para os operadores do direito, o legislador
trabalha sempre em confronto com o tempo.
Em relação às áreas nas quais o Direito considera o tempo74 , Jean-Louis
Bergel aponta que deve o direito positivo constatar “o domínio do tempo sobre o
homem e ao mesmo tempo permitir um ‘domínio do homem sobre o tempo”’75 ,
analisa, desta feita, primeiramente, a maneira pela qual se está sujeito ao tempo e,
depois, a maneira pela qual pode o tempo ser administrado.
Dois fatores devem ser abordados quanto à sujeição ao tempo: a) o
aspecto da cronologia (técnica que se preocupa em estabelecer as divisões do
tempo e a fixação das datas, apreendendo “os instantes temporais”; b) o aspecto da
cronometria (técnica da medida dos intervalos de tempo e da conservação da sua
própria unidade), relacionando-se, pois, com a duração do tempo.
O instante consiste num ponto de vital importância para o Direito, na
medida em que 1) identifica o nascimento ou término das pessoas jurídicas e dos
direitos; 2) o início e o fim das situações jurídicas e 3) o momento da intervenção
nos fatos jurídicos76 . Os instantes jurídicos bem se relacionam com o aspecto de se
saber o momento exato em que uma norma jurídica entra em vigor, a sua vigência, e
a partir de que instante pode ser aplicada.
O sistema jurídico nacional, positivista por excelência, apesar de estar
sendo mudada esta concepção nos últimos anos, com a criação do direito pelo
magistrado, tem de certo modo tentado diminuir a importância e efeitos do tempo na
concretização das normas jurídicas. O instante do tempo, contudo, toma grau de
74 Pertinente o posicionamento de Pierre Boutang, a respeito da origem do tempo, o qual, após responder ser o tempo aquilo que se sabe sem que ninguém pergunte, mas que, perguntado, não se sabe explicar, bem explana ser ele “bem conhecido, objeto de um saber imediato para todo homem que nele pensa, ainda que minimamente: ele sabe o que quer dizer agora, ontem, amanhã, depois, e também antes, durante, depois, e muitas outras palavras: ele sabe isso sem se enganar ou acredita que sabe e que pode fiar-se nessa crença, que pressente como geral, sobretudo se encontra um suporte para essa certeza no espaço, isto é, mais exatamente, no mundo. Se a pergunta insiste, surge todo tipo de aporias e todas o surpreendem: Ü¥h_Wà______e_______________j§__ru__________________u€__Ã#__1____________________________F__`____F__`___`I__Ê___*P__Œ___|a______|a______|a______Vn______Vn______Vn______Vn______Vn______nn__Ð___>o_____Vn______vt__@___Jp______Jp__4___~p______~p______~p______~p______~p______~p______Ÿr______¡r______¡r______¡r__?___àr__¼___œs__¼___Xt__-___¶t__X___u__d___vt______________________|a______or________U_w_"_,_~p______~p______________________or______or______vt______or______|a______|a______~p______________________Jp______or______or______or______or______|a______~p______|a______~p______Ÿr______________ %•q÷5à �a__Ê___Zf__ü___¶T__Ê___€Y__ü___|a______|a______~p__ñ__ Ÿr______or__0___or_____________________________________
91
relevância em ordenamentos jurídicos nos quais a segurança jurídica encontra base
em princípios constitucionais, sendo, por outro lado, modo de emperrar o
desenvolvimento da sociedade.
Na teoria da codificação, é de suma importância determinar o momento
exato em que um código entra em vigor, ante os conflitos de normas que surgirão
certamente a partir daí, com o código antigo e com as dispostas nos micro-sistemas
jurídicos, não sendo fácil determinar qual a lei aplicada ao caso concreto, em face
dos critérios da especialidade, cronológico e hierárquico. A duração do tempo, pois,
tem por escopo “controlar o ritmo da vida jurídica”.
Neste particular, presente se insere a relevância dos prazos para o
Direito. No mundo agitado em que vivemos, onde muitas das ações humanas são
tuteladas pelas normas jurídicas, ora estabelecendo um comportamento, ora uma
inação, não se pode esperar indefinitivamente das pessoas que tomem ou deixem
de tomar uma atitude a fim de que seja criada ou modificada uma nova ordem
jurídica. O Direito está sempre exigindo das pessoas comportamentos positivos ou
negativos, e para isto existe prazo.
Tanto assim que a ordem jurídica não pode parar ao influxo do tempo. Na
verdade, um estado de coisas existente por muito tempo acaba por ser considerada
legítima sem a necessidade de serem demonstradas suas origens mais remotas, o
que exige assim certo grau de dificuldade cada vez maior de se provar o nascimento
de um direito quanto maior o tempo decorrido, e a tendência de adaptação ao que
existe, além da idéia de ser negligente o titular de um direito que não o exercita no
tempo oportuno, leva-se a concluir que a influência do tempo, como fator
modificativo das relações, manifesta-se, dentro do código civil, em suas
instituições77.
Neste diapasão que avulta a importância da segurança jurídica e sua
relação com as leis, em especial a técnica legislativa da codificação, bem assim com
o propósito de
[...] garantir a segurança jurídica, cumpre que a ordem estabelecida
não possa ser contestada incessantemente e que as situações
92
jurídicas ou de fato adquiram ao cabo de certo tempo uma
estabilidade suficiente. Passados os prazos necessários para
permitir aos interessados reivindicar seus direitos ou contestar as
situações estabelecidas, as coisas precisam ficar cristalizadas78 .
A importância dos prazos é tamanha para o Direito, que hoje dia tem ele a
característica mais procedimental do que a busca pela Justiça, em homenagem, com
efeito, à própria segurança jurídica. O legislador e, ultimamente, o próprio
magistrado, são os senhores que estabelecem os prazos legais, sejam processuais,
sejam materiais. Por que o prazo para a entrada em vigor do Código Civil Alemão de
1900 foi de quatro anos e o Código Civil Brasileiro de 1916 de um ano, e o atual
código também é de um ano ? Quais os parâmetros que levam o legislador a
estabelecer resoluto prazo para a entrada em vigor de uma norma jurídica, ou de um
Código?
Certamente o grau de importância que este diploma ou lei possui ou vai
gerar na sociedade. Anteriormente, o prazo para a entrada em vigor de uma norma,
do tempo de sua elaboração até poder ser aplicada pelo magistrado era muito
extenso; hoje, praticamente no momento da sua publicação pelo Diário Oficial.
Este fator remete a não aplicação do art. 1º, da Lei de Introdução ao
código civil, que na verdade tem natureza jurídica de não somente introduzir dogmas
ao direito civil, mas ao próprio direito privado e direito público em geral, quando
estabelece que “salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o País
quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”, prazo este que se duplica
quando admitida por estados estrangeiros. Tal dispositivo de lei perdeu seu sentido
social, em decorrência da facilidade ao acesso às informações, geradas pela
proliferação dos meios de comunicação, propiciando, pois, maior facilidade a que
uma norma jurídica venha a ficar conhecida, o que não se dava na década de 40,
apesar do direcionamento a partir desta época para a multiplicabilidade delas a todo
instante.
Em se tratando, no entanto, de códigos, em especial o código civil, que
muda todo o comportamento da sociedade civil, há de se estabelecer um prazo para
______________________________________________________UNIV RSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE FEDERAL DO
93
o debate e conhecimento da comunidade científico-jurídica e dos cidadãos comuns.
Não se trata de um arbítrio do legislador em estabelecer aleatoriamente os prazos,
mas de um estudo de caráter delicado que deve ser realizado a fim de não petrificar
o Direito, imperando a aplicabilidade de uma norma quando já poderia ser aplicada à
sociedade, e, quem sabe, obstaculando a concessão de direitos já visivelmente
presentes no seio da população.
O próprio legislador, por outro lado, consciente de que o mundo jurídico
tem seus padrões variados quanto ao tempo, introduz no ordenamento jurídico leis
ou mecanismos legais capazes de agilizar a concretização dos atos jurídicos, não
deixando os magistrados e os legisladores inertes face aos resultados perquiridos
pela população; é o que ocorre, verbi gratia, com os institutos da antecipação da
tutela, tutela específica e, ultimamente, a tutela inibitória.
Quanto à administração do tempo, Jean-Louis Bergel bem aponta que “o
direito deve fornecer ao homem os meios de organizar a existência, a adaptação e a
vida das relações jurídicas no tempo”79 , sendo um exemplo bem típico da
administração do tempo pelo Direito, feito pelo homem, a elaboração dos contratos
jurídicos, onde ora há uma prorrogação do presente ou antecipação do futuro. Por
outro lado, “o direito pode conceber o tempo e utilizá-lo essencialmente como um
freio ou um acelerador da evolução social e da vida jurídica”80 , o que Hébraud
chamou de estabilismo e mobilismo.
Toda esta dogmática que envolve o tempo e sua utilização pelo Direito,
emerge de importância face a um outro aspecto a ser abordado, que guarda estreita
relação com a teoria da codificação: o poder que a norma tem de procurar disciplinar
situações jurídicas já sedimentadas, valoradas que foram pela sociedade. A norma
não acompanha o tempo; a menos que seja a norma judicial (sentença) ainda assim
eivada de certo grau de ineditismo e de vanguardismo. É na interpretação da norma,
contudo, que se busca a sua atualização.
Assim é que uma das mais acirradas críticas que se faz à técnica
legislativa de codificar as normas jurídicas recai, exatamente, na disjunção existente
IAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO PIAUÍM STRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREI
94
entre os motivos que esmeraram a criação de uma norma jurídica e a sua
correspondente entrada em vigor, geralmente verificada tempos depois.
Por mais que se procure encurtar este hiato temporal, ele sempre existirá,
é fruto da concepção do ser humano que conscientemente sabe que o “tempo não
pára”, e que o direito ainda constitui um modo de dominação social que entrava as
relações dos homens, sob certo modo, e que somente podem ser transformadas em
leis determinados regramentos, depois de uma certa sedimentação e discussão pela
sociedade. É como diz Eduardo Novoa Moreal que
publicada a lei, seu conteúdo obrigatório fica como que cristalizado
ou fixado, sem qualquer alteração para um futuro sem termo, salvo o
que provier de outra declaração legislativa. Poderíamos dizer que se
assemelha a uma flecha que fere retilineamente o espaço temporal,
sem desvio em sua direção (direção a representar seu conteúdo),
malgrado o transcurso do tempo81 .
As normas jurídicas, e aqui se incluem as normas codificadas,
especificamente, tendem a refletir idéias de fatos consumados no passado, que, por
um motivo ou por outro, ganharam valoração por parte do legislador, estes, no
desiderato de elaborarem leis, não são capazes de acompanhar o desenvolvimento
temporal dos fatos sociais os quais normalmente continuam a se desenrolar, não só
porque as relações jurídicas mudam de enfoque, mas também por ser da natureza
humana o caminho para o aperfeiçoamento, ainda que muitas das vezes causem
consideráveis prejuízos à vida presente, nas tomadas de posicionamentos.
Isto explique o afã dos legisladores modernos de quererem sempre
atualizar as normas jurídicas, como que amenizando a conexão presente entre a
realidade social e a lei, o que poderá, contudo, causar mais embaraço e instabilidade
na sociedade.
Em sentido oposto, Ricardo Rodrigues Gama, após salientar que de fato
em sistemas legalistas, como o brasileiro, a lei necessita acompanhar os anseios da
população, nem sempre esta precisa sofrer mudanças em diminutos espaços
temporais, na medida em que é perfeitamente possível adaptar-se aos fatos do
O A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil com
95
cotidiano; aduz que em face dos efeitos do tempo, porém, pode ocorrer verdadeira
desarmanonia entre o texto da lei e os anseios da sociedade, verificado por novos
comportamentos que a sociedade impõe, razão pela qual, nestes casos, necessário
se faz elaborar-se novo diploma legal82 . Conclui, finalmente, não bastar referir-se
somente “ao fato social para lograr a alteração da lei, mas é necessária a
constatação da ideologia transformadora que rege o grupo social no momento em
que se quer promover as mudanças”83 . Assim é que, à procura de evitar o
desequilíbrio causado às leis pelas transformações sociais, o legislador poderia
perfeitamente elaborar novas normas com o propósito de atualizar as regras já
ultrapassadas, mantendo sempre atualizado o Direito, o que jamais seria possível,
mesmo agindo atenciosamente e com prontidão84 .
Neste sentido, o relator geral do Projeto do código de 2002 na Câmara
Federal, Dep. Ricardo Fiúza, em seu parecer final, aponta que para que o código
permanecesse sempre atualizado, apresentou a sugestão de que, por meio de suas
Comissões de Justiça e da revisão de seus regimentos internos, a Câmara dos
Deputados e o Senado Federal criariam Subcomissões para propiciar a atualização
sempre constante do código civil85 .
A solução, destarte, a ser buscada, não poderia deixar de passar tão-
somente pelo modo de se atualizar a lei, substituindo-a por outra, teoricamente mais
atual, mas sim em nova (moderna) interpretação dada a esta mesma lei.
A técnica de elaboração de códigos, cujos arcabouços jurídicos tendem a
primar pela generalidade e totalidade, confronta-se visivelmente com a evolução que
o direito tem que encampar, face à impossibilidade de não ser recomendável mudar
a todo instante um código, por ferir princípios que foram sedimentados depois de
razoável fase de consolidação na sociedade. O código é um sistema e, como tal,
devem ser mantidas ao máximo suas diretrizes, ainda mais por ocasionar a
supressão de alguns de seus artigos a ruptura de toda a estrutura do diploma.
eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de 2003Joseli Lima Magalhães MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Pr vado Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação m Filosofia do Direito e Teoria Geral
96
Não se pode, todavia, aceitar esta imutabilidade indefinidamente, afinal,
as leis precisam estar sempre atualizadas (ou pelo menos a interpretação dada a
elas), e o código, como repositório de um conjunto de normas disciplinadoras de um
ramo do direito, também se acha sujeito à desatualização.
Aqueles que contestam a técnica de legislar por meio da elaboração de
códigos, propugnam ser ainda resquício dos aspectos conservadores que a Ciência
Jurídica tem demonstrado possuir ao longo da história, o que levou Eduardo Novoa
Monreal a afirmar que geralmente
subsistem os mesmos esquemas jurídicos, as mesma instituições, as
mesmas formas de expressar e aplicar o Direito. Dessa forma, não é
estranho que os juristas, pelas suas tresnoitadas teorias, conceitos e
formulações, sejam olhados, pela generalidade dos demais seres
humanos, como espécimes de uma fauna em vias de extinção e, por
isso mesmo, cada dia menos decisiva no curso da vida social,
enquanto juristas86 .
A solução, contudo, parte pela construção de um novo modelo de
codificação, não mais influenciado e eivado da estrutura dos códigos oitocentistas,
onde a influxo do tempo consegue, visivelmente, desatualizar as normas nele
contidas, mas que agrupe uma linguagem jurídica mais aberta, com cláusulas gerais
e conceitos jurídicos indeterminados presentes, dando-se, ademais, ao aplicador da
norma total liberdade para “construir e atualizar” o Direito.
O código civil, assim, funcionaria como eixo central do sistema civilístico,
sem possuir o dogma de dominar todos os conceitos e teses jurídicas, de captar
todas as leis que formam o universo do direito civil, mas como elemento, a partir do
qual, seria lançada a base do desenvolvimento deste direito, direcionando-o e
servindo como referência, sempre numa visão aberta e se posicionando claramente
numa linguagem de conformidade e dependência, como dito, frente à Constituição,
esta sim, a Lei disciplinadora de todos os ramos do Direito, inclusive o civil.
Toda esta diretriz, com certeza, possibilitará sejam amainados os efeitos o
tempo sobre as normas inseridas nos códigos civis.
do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do título em M
97
11. Finalmente a elaboração do novo Código Civil Brasileiro.
Diretrizes apresentadas no anteprojeto confirmadas pelo novel diploma.
Na exposição de motivos de Miguel Reale, justificadora da elaboração do
código civil, o então Ministro da Justiça, Armando Falcão, na mensagem de nº 160,
datada de 10.06.75, aponta que foram cumpridas as diretrizes traçadas pelo
Governo Federal, entre as quais se destacam87 :
a) compreender o código civil como lei básica e não global do Direito
Privado, incluindo, aí, o Direito das Obrigações, não havendo distinção entre as
obrigações civis e mercantis. Esse entendimento de unificação do Direito Privado em
um único código já tinha sido, inclusive, objeto de desejo do codificador Teixeira de
Freitas, representando, aliás, um dos motivos que o desgostou, propiciando que
abandonasse a feitura do código civil de 1916. Havia, igualmente, forte tendência do
direito das obrigações de se desprender do código civil, o que igualmente foi
contornado, porquanto este ramo do direito civil se comunica, constantemente, com
os demais livros do diploma.
A crítica que se faz a esta diretriz, lastrea-se na atualidade de se libertar o
Direito das Obrigações, por constituir este um corpo de leis independentes dos
demais Livros, constituindo esta necessidade, por sinal, fruto da multiplicabilidade de
microssistemas jurídicos, cada qual almejando sua independência. O Direito das
Obrigações serviria, pois, de ponto de partida e de chegada para outros ramos do
Direito, não somente o civil, projetando-lhe certa autonomia ao compor e estar
inserido num corpo legal separado do código civil, ainda mais porque assim
desenvolver-se-iam com mais fluidez seus institutos jurídicos, os quais tenderiam a
estar sempre atualizados;
stre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne.
98
b) manter, de um modo geral, a estrutura do código civil, inclusive com a
Parte Geral, entendimento este colhido a partir do sentimento da opinião reinante
dos juristas pátrios, tanto pela necessidade prática como pelos valores dogmáticos
que cada instituto jurídico possui, sem olvidar da necessária atualização, ajustando-
se aos imperativos da época da elaboração do código, numa perspectiva de futuro.
Aqui se concentra, certamente, uma das mais agudas críticas feitas à
codificação: como conciliar institutos jurídicos em estado de decadência e outros em
franco desenvolvimento ? Como saber se um instituto jurídico ou texto de lei se
encontra em decadência, em desuso, e o outro não? Quem tem o poder de
visualizar este escopo ? À primeira vista, cabe ao bom senso dos doutrinadores, e é
por isso que para a elaboração de uma obra desta dimensão, selecionou-se um
quadro da mais apurada estirpe jurídica, gabaritados seus membros, para
resolverem ou não estas capciosas indagações presentes a todo instante e, a partir
dos juízos de valor emitidos por eles, determinados institutos jurídicos seriam
retirados do corpo de um código ou continuariam presentes. Este juízo de valor,
contudo, não é aleatório, mas fulcrado na experiência jurídica, na prática forense,
das decisões judiciais, do que pensa a academia jurídica nacional, no bom senso e
na pertinência de se introduzir um instituto já consolidado fora do corpo de um
código, bem assim de extirpá-lo quando já representa “letra morta”, servindo apenas
para, inutilmente, ocupar espaço e petrificar o Direito.
Neste particular, é que o código não é campo para experimentações
jurídicas, não sendo cobaia para se testar princípios virgens, originais, sem a
comprovabilidade do tempo, sendo a inovação nos códigos sempre pertinentes,
desde que já densificado nos anteprojetos, na doutrina e nas decisões judiciais, e
não um novidade absoluta a ser inserida em um código de supino88 ;
c) preservar, sempre que possível, a atual redação do código civil, a
menos que haja mudança profunda, ou em virtude das variações semânticas
ocorridas durante este grande lapso temporal.
Vê-se a importância que a língua portuguesa tem para o desenvolvimento
do Direito, as relações íntima existentes entre a linguagem escrita e a linguagem
99
jurídica, afinal, toda interpretação de um texto de lei escrito começa, forçosamente,
pela interpretação literal, mas não se identifica ou se esgota nela; muito pelo
contrário, muitas vezes se distancia profundamente de seu conteúdo. Tanto o
vocabulário jurídico, quanto o lingüístico do começo do século passado, não mais
são os mesmos praticados hoje. A frase deve ser sempre construída na ordem direta
(sujeito + verbo + complemento) e não na ordem inversa, muito comum no nosso
código de 1916, por ser típico daquela época a linguagem empolada, de certa forma
rebuscada89 .
A percepção do que vem a ser o Direito se aproxima cada vez mais da
população, e esta precisa de termos compreensíveis, sem perder de referência,
porém, o mínimo de arquitetura jurídica necessária e pertinente à sobrevivência da
Ciência Jurídica;
d) atualização sempre constante do código vigente, buscando superar a
individualidade presente no código de 1916, bem assim dotar o novo código de
novos institutos reclamados pela sociedade.
A atualização de códigos é problema a ser enfrentado, também, pela
Teoria Geral do Direito, na medida em que as leis já nascem envelhecidas, e o
influxo do tempo junto às normas jurídicas, principalmente as de caráter privado,
apresenta-se por demais intenso. A superação desta meta requer, pois, mais do que
nunca, esforço concentrado e compartilhado de todos que labutam para a
modernização e desenvolvimento do Direito.
Por outro lado, esta atualização deve sempre ter como esteio a moderna
concepção da “individualidade”, e que pelo código de 1916 sofreu influência bastante
intensa do Code, sendo fruto do próprio individualismo daquela época, onde os
direitos sociais não se encontravam, ainda, disciplinados nas constituições. O novo
TeresinaÜ¥h_Wà______e_______________j§__ru__________________u€__Ã#__1____________________________F__`____F__`___`I__Ê __*P__Œ___|a______|a______|a______Vn______Vn______Vn______Vn______Vn______nn__Ð___>o_____Vn______vt__@___Jp______Jp__4___~p______~p______~p______~p______~p______~p______Ÿr______¡r______¡r______¡r__?___àr__¼___œs__¼___Xt__-___¶t__X___u__d___vt______________________|a______or________U_w_"_,_~p______~p______________________or______or______vt______or______|a______|a______~p______________________Jp______or______or______or______or______|a______~p______|a______~p______Ÿr______________ %•q÷5Ã_�a__Ê___Zf__ü___¶T__Ê___€Y__ü___|a______|a______~p__ñ___Ÿr______or__0___or____________________________________________________________________________________________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVO
100
código civil procura amainar a individualidade, não como uma dádiva do legislador,
mas como fator inevitável frente o alcance e desenvolvimento que os direitos sociais
e humanos têm alcançados nas últimas décadas. Essa mudança não pode ser
abrupta, requer aprofundado estudo, debate, a fim de não propiciar o descrédito
popular de que determinada lei não é cumprida por estender abusivamente muitos
direitos, quando se sabe que o próprio Estado não tem condições de salvaguardar
tais direitos estipulados pelo legislador;
e) Aproveitar os anteprojetos realizados por outros juristas, como os do
Código das Obrigações, de 1941 e 1965, cuja comissão era formada pelos
renomados juristas Orosimbo Nonato, Caio Mário da Silva Pereira, Sylvio
Marcondes, Orlando Gomes, Theophilo de Azevedo Santos e Nehemias Gueiros,
bem assim o anteprojeto de código civil de Orlando Gomes, datado de 1963.
Este fator sempre foi uma constante no nosso direito civil: aproveitamento
de trabalhos doutrinários de juristas (anteprojetistas) que anteriormente se
debruçaram sobre o estudo do direito, prova disto é que o código civil de 1916 tem
como base formal, de certo modo, o anteprojeto do código civil do piauiense Coelho
Rodrigues, o que demonstra, de certa forma, unidade de pensamento entre a
comunidade jurídica nacional, ou ao menos uma tendência de unidade, já que
muitas idéias ou posicionamentos tidos por uns não foram seguidos por outros;
f) Incluir nos códigos tão-somente os institutos jurídicos de certa forma já
sedimentados, cabendo ao legislador disciplinar as questões jurídicas que envolvam
dúvidas ou contradição e naquelas em que a doutrina não se encontra ainda de
certa forma tendente de uma opinião reinante, e previsível de adaptação à nova lei
frente à experiência sócio-econômica mutante.
Nota-se, neste particular, o interesse de não serem incluídos temas
polêmicos e ainda dispersos a respeito de um posicionamento estável, como o
disciplinamento da união entre pessoas do mesmo sexo90 ; relações jurídicas
ACIA DO ESTADO DO PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de 2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Trabalho Mon
101
realizadas via internet91 ou questões que envolvam o bio-direito, como “barriga de
aluguel”, “clonagem humana” ou “transplante de órgãos”. O código somente
“abrange aquilo que já está, de certa maneira, consolidado à luz da experiência”92 ,
não sendo arcabouço para aventuras jurídicas capazes de comprometer a própria
estrutura do Diploma.
g) Eliminar o direito processual existente no código civil, a menos que
estritamente necessário a seu desenvolvimento e intimamente ligado a ele.
A necessidade de se isolar o direito material do direto processual sempre
foi um desiderato de nossos doutrinadores privatistas. Adite-se, aqui, apresentar-se
o direito processual cada vez mais importância frente ao direito material. A
instrumentalidade do processo se arvora e as formalidades jurídicas, muitas vezes
exigidas pela lei material, são postas de lado pela própria necessidade que a
comunidade jurídica tem de tutelar e conceder direitos. Inegável que o direito
processual tende a disciplinar e estar presente em corpos de direito tipicamente
material, mas isto se verifica como tendência da abundância de direitos concedidos
pelo Estado e, especialmente, pela progressão que os princípios constitucionais
processuais alcançaram nas últimas décadas.
A inserção de normas processuais em diplomas que na sua origem eram
de direito material é cada vez mais incisivo, basta observar a Lei de Falência, Lei de
Locações, o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do
Adolescente, entre outros, onde se constata que, ao lado das normas de direito
material, são inúmeras as situações de normas procedimentais, constituindo
verdadeiros micro-sistemas.
Barbosa Moreira alerta a respeito da possibilidade de ser distribuída a
mesma matéria para diplomas de direito processual civil e direito civil, apesar
gráfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/ _____.Examinadores:_________________________________________________________________________________________________________________________________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Bro ne, sem os quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de Direito.
102
daquele não conter apenas normas aplicáveis a processos relacionados com litígios
de natureza civil, apontando nem sempre ser fácil
determinar a melhor localização de tal ou qual dispositivo, e o
legislador se deixa guiar muitas vezes por critérios que variam de um
país par outro, ou que relegam a plano inferior preocupações de
índole acadêmica. Daí a ocorrência de intromissões e de
superposições: regras pertinentes ao direito civil insinuam-se em
códigos processuais, ou vice-versa (a doutrina chama-lhes
heterotópicas), ou então certos assuntos93 se vêem tratados a um só
tempo no Código Civil e no Código de Processo Civil94 .
Conclui, ainda, que certamente na aplicação do novo código civil
incertezas e polêmicas certamente advirão95 .
h) Por ser um sistema, o código civil tem que incluir leis especiais
disciplinadas fora do código de 1916.
Aparentemente, mais uma vez se encontra presente a característica da
totalidade, elemento integrante da idéia da codificação, como se os anseios da
população, transformados no papel que são, fosse possível ser resumido a um único
texto legal. A dificuldade reside, neste particular, em se saber quais leis
extravagantes ao código civil devem ser inseridas, ou se o sistema de conjunto do
código civil é que deve prevalecer. Ocorre, que a totalidade aqui presente não tem o
mesmo escopo dos códigos oitocentistas, como característica de agrupar em um
único diploma toda a legislação civil do ordenamento jurídico; preocupa-se em inserir
no código civil as normas extravagante mas quanto a seus postulados e princípios
identificadores, a fim de que não haja desarmonia entre o novel código civil (lei
posterior e geral) e os micro-sistemas jurídicos (lei anterior e especial), pelo que se
depreende que o desiderato dos projetistas é outro senão propiciar certo grau de
harmonia entre o diploma totalizante e as leis especiais, e não pelo que se
“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel Reale) SumárioResumo ................................................................................................................ 11Abstract .............................................................. ................................................. 12Resumen ....................................... ....................................................................... 13Introdução ...............
103
depreende, à primeira vista, de voltar-se à idéia generalizante de possuir o código
todas as normas de cunho privado.
i) aceitar os modelos jurídicos que nascem e se desenvolvem da
jurisprudência, fixando, porém, normas para superar as situações conflitivas,
comprometedoras da unidade e coerência do direito pátrio.
A jurisprudência como fonte do direito tem alcançado nos últimos anos,
principalmente depois da Constituição de 1988, com a irrefragável independência da
Função Judiciária, singular importância na construção e desenvolvimento do Direito.
Deixa-se de lado a figura do legislador, da importância da lei, esta vista como
elemento propulsor e central do nascimento do Direito, para buscar-se a figura do
magistrado, de sentir em suas decisões a força capaz de mudar estar referência.
Os anteprojetistas do atual código civil são conscientes da importância
que a jurisprudência tem alcançado no cenário jurídico nacional e mundial, de tal
maneira que constitui um modo de aperfeiçoamento da norma escrita, unificando o
pensamento a respeito dela, o que acaba sendo um início para tornar coerente e uno
o ordenamento civilista nacional.
Perelman observa, após historiar a respeito da evolução histórica das
fontes do direito, onde se percebe que os juristas (professores de direito) da primeira
metade do século XIX, na França, cujo Direito muito influenciou nas diretrizes
presentes no código civil brasileiro de 1916, tinham eles por hábito ensinar o código
civil francês, não cabendo ao magistrado senão aplicar o direito elaborado pelo
legislador, no célebre pensamento de Morlon, de que um bom magistrado humilha
sua razão perante a razão da lei, e que posteriormente este rigorismo foi amainado
pela Escola Histórica do Direito e pelo pensamento sociológico do direito, que deram
uma interpretação mais teleológica ao texto de lei, e por fim aos tópicos jurídicos e
aos princípios gerais de direito, que a concepção moderna do papel do juiz visa a
conciliação e o respeito pela lei com as exigências da eqüidade, propiciando à
opinião pública de certo modo aceitar as decisões judiciais96 . O papel exercido pela
magistratura, mais do que nunca, alcança considerável grau de importância nesta
............................................
104
fase de adaptação do “novo” código civil, visto que muitos de seus princípios e
dogmas precisam ser revistos e outros adaptados à nova realidade jurídica nacional.
j) ter a participação efetiva de entidades públicas e privadas, cujo objeto
de trabalho seja pertinente à
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__UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE FEDERAL DO
PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO PIAUÍMESTRADO EM
FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A MODERNA CODIFICAÇÃO
DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado
Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de 2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA
CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo
central do Direito Privado Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso
de Pós-Graduação em Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela
Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em
Direito, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A
MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil
como eixo central do Direito Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em :
____/____/
_____.Examinadores:__________________________________________________
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___________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in
memorian) e Júlia Lima Magalhães.
Agradeço ao incentivo dado pelos professores do curso de
mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nélson
Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os quais
não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de
..................................................14Capítulo I – As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro .................................................................................................................191.1. O Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo ...................................................................................................................... 191.2. A codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da ideologia dos cód gos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX ..............................................................................
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Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas
no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel
Reale) SumárioResumo
................................................................................................................ 11Abstract
................................................................................................................ 12Resumen
............................................................................................................... 13Introdução
...............................................................................................................14Capítulo I –
As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil
Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência
exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro
.................................................................................................................191.1. O
Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo
...................................................................................................................... 191.2. A
codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade
pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da
ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX
............................................................................................... 30 2. A influência
exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro
.............o de doutrinador, como agente presente da produção e expressão do direito,
reside no fato de se encontrar um tanto afastado da sociedade, preso aos gabinetes,
teorizando, às vezes distante e alheio aos movimentos sociais. O
doutrinador/codificador há de estar sempre em contato com o povo e, a partir daí,
então, manifestar sua opinião a respeito de como deve ser o direito de um povo.
Contudo, de nada ou pouco adianta pôr à disposição do doutrinador
(codificador), liberdade para produzir e elaborar o direito se, logo depois, surge o
legislador e, sob o prisma e “dogma” de ser representante da população, livremente,
modifica todas as teorias e a arquitetura jurídica elaborada por aquele, sem dúvida
bem mais preparado tecnicamente. A solução mais plausível passa necessariamente
pela constante interação entre o legislador, depois de elaborado o projeto do código,
e o doutrinador, que deu a forma e conteúdo primeiro ao projeto. Ambos com ampla
liberdade, mas respeitando a realidade e os anseios da população, propiciando,
desta feita, o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos institutos jurídicos.
108
Assim, se o código de 1916 possuía apenas um codificador, o que de
certa forma deu unidade ao projeto, na medida em que centralizava as idéias da
parte geral do código ao livro do direito das sucessões, o atual código teve como co-
codificadores sete juristas: Miguel Reale (Supervisor), José Carlos Moreira Alves
(Parte Geral), Agostinho de Arruda Alvim (Direito das Obrigações), Sylvio Marcondes
(Atividade Negocial), Ebert Chamoun (Direito das Coisas), Clóvis do Couto e Silva
(Direito de Família) e Torquato Castro (Direito das Sucessões), dos quais apenas
estão vivos os dois primeiros, o que poderia levar à crítica que o código não possui
unidade de pensamento.
Por ter sido o trabalho de elaboração do código civil de 1916 acometido a
seis juristas, sob a presidência de Miguel Reale, poder-se-ia identificar a falta de
unidade, quer na linguagem, quer no método, quer na principiologia dogmática
adotada, face a nenhum deles, apesar do galhardão jurídico que possuem ou
possuíam, chegou a cobrir com a respectiva obra os escaninhos fundamentais de
todo o Direito Civil, diferentemente do que se deu com Orlando Gomes e Caio Mário,
no dizer de Limongi França.
Observa-se, contudo, pelas inúmeras reuniões realizadas pela Comissão,
a qual constantemente debatia em grupo os reflexos de um artigo em outro artigo,
não procede esta afirmativa. Se por um lado, há o perigo da falta de unidade; por
outro, cabe o pensamento de que vários juristas projetando uma lei conjuntamente,
o resultado somente poderia sair de um consenso, da soma de inteligências, de
reflexões feitas em conjunto de altíssimo nível de responsabilidade e da certeza que
era o melhor que podiam dar para as letras jurídicas civis do país.
Por outro lado, a demora na elaboração do atual código civil não se deve
tanto à Comissão encarregada de elaborar o Anteprojeto do código civil e enviá-lo ao
Presidente da República para que este pusesse à disposição do Congresso
Nacional o trabalho realizado, mas precisamente à demora da tramitação do Projeto
nas próprias Casas Legislativas. Some-se a isto que os debates ocorridos, tanto na
Câmara dos Deputados como no Senado Federal, o que em última análise acaba
propiciando a feitura da norma codificada, bem assim pela importância do grau de
amplitude que um código civil exerce numa sociedade, estavam sempre monitorados
pelos juristas do país, especialmente pelos professores de direito, os quais,
109
igualmente, contribuíram, de certo modo, para o atraso na confecção final do código.
Esta detença, entretanto, trouxe mais aspectos positivos do que negativos, na
medida em que serviu para maturar o direito civil aplicado no Brasil, não sendo a toa
o entendimento de ser o direito civil o ramo do direito privado mais conservador, de
modo geral.
Às vezes, a demora na elaboração de uma lei é mais benéfica para a
comunidade jurídica de um país do que ser feita às pressas e não exprimir a
realidade e anseios esperados por sua população. Com o atual código civil, contudo,
esta demora foi por demais acentuada, mas, certamente, propiciou a maturação dos
institutos de direito civil, cabendo, agora, à doutrina e à jurisprudência nacionais
aperfeiçoarem este ramo do direito privado.
110
Capítulo III
Os três princípios norteadores do novo código civil brasileiro
Sumário: 1. O princípio da socialidade: 1.1. A sociedade brasileira
eminentemente agrária do início do século XX e a sociedade
eminentemente urbana do início do século XXI; 1.2. O princípio da
socialidade e as normas pertinentes a direito social; 1.3. Os dois
aportes do princípio da socialidade no Código Civil: 1.3.1. O princípio
da socialidade e a função social do contrato; 1.3.1.1. A liberdade e a
autonomia da vontade no modelo liberal do contrato; 1.3.1.2. A
liberdade e a autonomia da vontade no modelo atual do contrato;
1.3.2. O princípio da socialidade e a função social da propriedade;
1.3.2.1. A concepção clássica/tradicional do direito de propriedade;
1.3.2.2. A concepção atual do direito de propriedade: a função social;
2. O princípio da eticidade: 2.1. A visão aberta que deve possuir a
moderna codificação e o preenchimento do Direito por meio de
valores éticos; 2.2. Situações legais previstas no Código Civil: a boa-
fé objetiva; 3. O princípio da operabilidade: 3.1. O princípio da
operabilidade como modelo realizador do Direito; 3.2. A presença de
cláusulas gerais nos códigos como técnica legislativa própria ao
aperfeiçoamento da operabilidade do Direito; 3.3. Alguns exemplos
legais previstos no Código Civil.
O atual código civil resulta da maturação de mais de oitenta anos de
história jurídica do país. Os preceitos inseridos nele resultam, de certo modo, da
sociedade atual, mas também guarda sincronia com as origens do Código de
Beviláqua. Não se pode, ainda mais em direito civil, romper abruptamente toda uma
dogmática criada por juristas e Tribunais brasileiros; o apego ao passado, às
tradições faz parte da cultura jurídica dos atores do Direito, e um corte
111
epistemológico neste modo de pensar poderia trazer bem mais malefícios do que o
bem desejado a ser propiciado.
Certo mesmo é que, mais que o código de 1916, o atual está envolvido de
princípios que norteiam seu desenvolvimento, direcionando a aplicabilidade de seus
preceitos.
Os princípios, assim, exercem considerável grau de utilidade e
importância na atual fase de desenvolvimento do direito civil pátrio, ainda mais por
congregarem o conteúdo de propiciar ao magistrado a maleabilidade que um
sistema jurídico moderno deve possuir, de sempre tornar-se atualizado. Merecendo
destaque os princípios da socialidade, da eticidade e da operabilidade.
1. O princípio da socialidade
1.1. A sociedade brasileira eminentemente agrária do início do século XX e a
sociedade eminentemente urbana do início do século XXI
O princípio da socialidade resulta por se encontrar o código civil eivado de
normas de caráter social, em detrimento do individualismo e do patrimonialismo
típico do código de 1916.
As aspirações do homem moderno caminham, e o Brasil se insere neste
contexto, cada vez mais, para o social. Basta verificar as primeiras medidas tomadas
pelo novo governo federal (e que se espera não fiquem só no começo) onde se tem
priorizado o amparo social e a assistência social – programa Fome Zero. O
individualismo, o egoísmo, apesar de acentuado no país, só não é maior porque o
governo, junto com a sociedade civilmente organizada, resolveram amainar este
quadro, porém, ainda assim, o perfil social de miséria da população apresenta-se
alarmante e visível a desigualdade social.
O princípio da socialidade tem sua raiz em oposição ao individualismo
presente nos códigos oitocentistas, especialmente o Code que, sob o escopo de
112
propiciar a libertação, a fraternidade e igualdade do povo francês, elaborado que foi
quando da Revolução Francesa, acabou gerando efeito contrário, constituindo modo
de dominação social e engavetamento de direitos dos súditos, havendo radical
transformação de como era visto o Direito nos últimos cem anos, passando de
caráter individualista para
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PERNAMBUCOUNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA
ADVOCACIA DO ESTADO DO PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E
TEORIA GERAL DO DIREITO A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS
BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Joseli
Lima MagalhãesTeresina, junho de 2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA
CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como
eixo central do Direito Privado Trabalho Monográfico apresentado como exigência do
Curso de Pós-Graduação em Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela
Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em
Direito, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A
MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil
como eixo central do Direito Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em :
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___________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in
memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do
curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira,
Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os
quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de
Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas
no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel
Reale) SumárioResumo
................................................................................................................ 11Abstract
................................................................................................................ 12Resumen
................ 30 2. A influência exercida pela Escola Histórica do Direito na codific ção do Direito Civil brasileiro .............o moderno, p. 722. 3 REALE, Miguel. O Projeto do novo Código Civil: situação após a aprovação pelo Senado Federal, p. 103. 4 Fonte: Eustáquio de Seni. Espaço Geográfico Globalizado, 1999. 5 Fonte: IBGE, dados de 01.08.00.
115
............................................................................................................... 13Introdução
...............................................................................................................14Capítulo I –
As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil
Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência
exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro
.................................................................................................................191.1. O
Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo
...................................................................................................................... 191.2. A
codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade
pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da
ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX
............................................................................................... 30 2. A influência
exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro
.............trabalho dissertar a respeito, mas que estão intrinsecamente enraizados na
mente do homem moderno e às vezes sequer são percebidos. Observa-se não ter
havido uma política agrária e social no sentido de levar o homem de volta ao campo,
a tendência é se chegar a 90% ou mais de pessoas vivendo nas cidades; e o que é
pior, as pessoas tendem a migrar para as metrópoles cada vez mais, agravando-se,
desta forma, vários problemas decorrentes da azáfama dos grandes centos
populacionais, em especial.
O código de 1916 é, pois, fruto de uma sociedade singularmente agrária.
Vê-se, contudo, não mais ter sido aquele diploma legal capaz de propiciar à
sociedade atual (urbana-capitalista) diretrizes de comportamento de como deve agir
o cidadão para viver em harmonia em sociedade: seus aportes eram outros, como o
princípio da socialidade, a grande referência do atual código civil.
6 Importante advertir que em face de ser a sociedade brasileira do final do século XIX e início do século XX eminentemente agrária, irá projetar toda uma legislação de direito de família ancorada nesta característica, não somente por ter sido a sociedade da época patriarcal, mas por ser considerada a mulher, em linguagem figurada, como repositório de espermas do homem, infelizmente, tendo que adotar seu sobrenome, não podendo comerciar, a menos que o marido assim permitisse, classificadas em honestas e desonestas, enfim, equiparadas praticamente aos incapazes, quando não eram para a prática de atos da vida civil. A desigualdade entre homem e mulher não podia perdurar, apesar da convicção da própria sociedade de então, inclusive muitas das mulheres eram conscientes de sua posição de inferioridade, diminuída quando levavam algum dote significativo no casamento. A independência do sexo feminino e, via de conseqüência, a igualdade entre homem e mulher, somente adveio com os movimentos feministas próprios da sociedade norte-americana da década 50 e 60, já agora. Assim como as mulheres, os filhos adotados e ilegítimos também sofriam discriminações. A família era uma célula composta de compartimentos nos quais quem mandava e dava ordens era o varão.
116
As leis, como dito, representam fruto dos movimentos sociais, culturais,
políticos e econômicos de determinada época (da sua elaboração) não podendo
servir de esteio inalterável para geração de pessoas que, por possuírem outras
necessidades, igualmente instam-se em serem disciplinadas por outras legislações.
Na verdade, o Brasil-campestre do começo do século passado em nada ou quase
nada se assemelha com o Brasil-cidade do século XXI.
Enquanto boa parte do continente europeu já se encontrava na fase plena
do crescimento da indústria, do comércio exterior, e da economia de escala, próprios
dos grandes centros, o Brasil ainda cotejava-se com problemas de uma economia
voltada ao setor primário:
A estrutura agrária mantinha o país no sistema colonial, que reduzia
a sua vida econômica ao binômio da exportação de matérias-primas
e gêneros alimentares e da importação de artigos fabricados. A
indústria nacional não ensaiara os primeiros passos. Predominavam
os interesses dos fazendeiros e dos comerciantes, aqueles
produzindo para o mercado internacional e estes importando para o
comércio interno7 [...].
Tudo isto refletirá, mais do que nunca, no tipo de norma jurídica que tanto
reproduz os anseios da população, como a direciona continuar seguindo este
comportamento.
Orlando Gomes analisa que a par da existência dessas duas classes que
dominavam o cenário político-econômico-social do Brasil do começo do século XX
(os grandes proprietários rurais, que praticamente nomeavam os legisladores e
governantes, em farsas eleitorais; e a burguesia oriunda do comércio), começava a
se desenvolver uma outra classe preocupada com os problemas por que o país
atravessava: a classe média, formada em sua grande maioria por burocratas do
governo e uma elite intelectual que viam nos movimentos originários da Europa uma
boa saída para o estado de letargia no qual se encontrava a novel, mas já
envelhecida República8. Assim, é que o código civil de 1916 foi praticamente obra da
classe média, elaborado
7 GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil Brasileiro. Ajuris, p. 20. 8 GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil Brasileiro. Ajuris, p. 21.
117
[...] nesse estado de espírito, isto é, na preocupação de dar ao país
um sistema de normas de direito privado que correspondesse às
aspirações de uma sociedade interessada em afirmar a excelência
do regime capitalista de produção. Mas esse propósito encontrava
obstáculo na estrutura agrária do país e não recebia estímulos de
uma organização industrial a que se somasse o ímpeto libertatório da
burguesia mercantil9 .
A realidade para o código civil atual não poderia tomar como referência
este quadro, da mesmo forma que o Código de Beviláqua não se esmerou na
sociedade brasileira dos séculos XVI e XVII, ou na realidade brasileira atual, razão
de ser perfeitamente compreensível que não tenha adotado o princípio da
sociabilidade como um de seus estalões, o que constituiria exercício de futurologia,
não refletindo visão que a sociedade rural tinha do comportamento do homem, e se
assim adotasse consistiria em um princípio a não ser seguido. As normas não
podem ser demasiadamente avançadas para a sociedade a que se destinam. Há de
existir um meio termo, certa sedimentação e consciência coletiva de cumprir os
preceitos emanados do Estado, a prudência, assim, é elemento valorativo presente
quando da
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a______Vn______Vn______Vn______Vn______Vn______nn__Ð___>o__
9 GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil Brasileiro. Ajuris, p. 23.
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__________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE
FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO
PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A
MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil
como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de
2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS
BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado
Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em
Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de
Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do
Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO
DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito
Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/
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__________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in
memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do curso
de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nélson
Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os quais não teria
sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de Direito.“Infelizmente,
falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas no alto sempre
acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel Reale)
SumárioResumo
................................................................................................................ 11Abstract
................................................................................................................ 12Resumen
............................................................................................................... 13Introdução
10 GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil Brasileiro. Ajuris, p. 25. 11 GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil Brasileiro. Ajuris, p. 26-27.
120
...............................................................................................................14Capítulo I –
As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil
Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência
exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro
.................................................................................................................191.1. O
Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo
...................................................................................................................... 191.2. A
codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade
pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da
ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX
............................................................................................... 30 2. A influência
exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro
.............ione-se a isto o problema enfrentado pelos fazendeiros que rogavam uma
legislação precisa sobre a locação de serviços agrícolas. Esta lei data de 1879,
constituindo mais precisamente modo forçoso de que os trabalhadores teriam que
cumprir o contrato, sob pena de serem presos. Era o fortalecimento daquilo que já
se encontrava em estado de crise: a escravatura. O trabalhador, assim, nas origens
de nossa legislação civil nunca se viu protegido pelo contrato de serviço, tendo o
código civil de 1916 disciplinado de modo sintético esta matéria, apenas em caráter
geral.
Para Keila Grinbert, na realidade, o código civil individualista acabou
perpetuando formas de tratamento desiguais para o locador de serviços e o
locatário, fortalecendo o direito de propriedade em detrimento da garantia de certos
direitos aos trabalhadores13 . Situação inversa verifica-se hoje, principalmente com a
elaboração de micro-sistemas jurídicos, como o Código de Defesa do Consumidor,
onde se observa ser o princípio da socialidade bem forte, corroborado, ademais,
pela aplicabilidade dos princípios da boa-fé objetiva e da hiposuficiência do
consumidor.
Estes enfoques históricos são importantes para maturar o pensamento de
que o princípio da socialidade, visto hoje em nosso diploma civil, não foi inserido ou
dado gratuitamente pelo legislador, mas constitui fruto de aspirações, luta de classes
12 GARCEZ NETO, Martinho. Direito Econômico e o futuro do Código Civil. Temas atuais de Direito Civil, p. 339.
121
ditas menos favorecidas, e que o Estado, tomando consciência da real importância
que possui na sociedade, resolveu garantir, ao menos formalmente, estes direitos,
não constituindo favor a inserção em textos ordinários e constitucionais.
Confirmou-se aquilo que os juristas da época previam: que o direito social
logo ganharia corpo e forma e desenvolver-se-ia dentro do direito público e seus
dispositivos inseridos nas constituições dos estados14 . Atualmente, as disposições
relacionadas aos direitos dos trabalhadores, na sua maioria, encontram-se tuteladas
pelas Constituições modernas. Não se deve deixar de mencionar, ademais, ser a
“solidariedade social” uma das diretrizes constitucionais, presente como um dos
objetivos fundamentais da República15 .
1.3. Os dois aportes do princípio da socialidade no Código Civil
1.3.1. O princípio da socialidade e a função social do contrato
Certamente, o princípio da socialidade encontra arrimo mais acentuado na
função social do contrato e na função social da propriedade, razão por que se deve
dar especial atenção, a fim de se compreender a nova sistemática traçada pelo
diploma civil. Não constitui propósito, neste trabalho, destrinçar toda a historiografia
dos institutos do contrato e da propriedade, primeiro por ser impertinente ao
presente trabalho monográfico, que daria laudas e laudas de pesquisa e de
ponderações sobre os temas; segundo, porque a vinculação se refere apenas ao
princípio da socialidade, especificamente a alguns artigos do novo código com ele
relacionado, não sendo pretensão esgotar o assunto, apesar de bastante estudado
há anos por juristas do mundo inteiro, os quais, porém não chegaram a um vetor
comum, o que só demonstra a complexidade da matéria.
13 GRINBERT, Keila. Código Civil e cidadania, p. 64-65. 14 Haroldo Valladão historicia que “já nos fins da Primeira Grande Guerra, em 1917, no alvorar do Século XX, surge no México a primeira Constituição dos nossos tempos, nos passos iniciais acerca dos novos Direitos Sociais e Econômicos, de proteção ao trabalhador, à família, à cultura, de previdência social, e correção dos abusos do poder econômico, no ideal da igualdade social e econômica. Seguem-se a da Rússia, de 1918, da proclamação do socialismo, e em 1919, a Constituição Alemã, de Weimar, que deu forma jurídica àqueles ideais, recém-nascidos no mundo, esboçados na do México, de 1917, de igualdade de direitos econômicos e sociais”. (VALLADÃO, Haroldo. História do Direito, especialmente do Direito Brasileiro, p. 43). 15 O art. art. 3º, II, da CF/88: “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.
122
Até boa parte da metade do século XX, os contratos caracterizavam-se
pela total liberdade que possuíam os contraentes em disporem das cláusulas
contratuais como bem entendiam. Era o individualismo imperativo. A manifestação
da vontade livre e soberana, sem vícios, libertavam as partes, tornando-as senhoras
de suas vontades. A justiça se identificava na manifestação da vontade, que tinha
como pressuposto ser livre; o individualismo da época congregava este viés. Na
verdade, o credo jurídico e filosófico destes séculos “apontava a vontade como a
causa primeira do Direito, situando o indivíduo, ou seja, uma vontade livre, a base de
todo o edifício social e jurídico”16 .
1.3.1.1. A liberdade e a autonomia da vontade no modelo liberal do contrato
A sociedade burguesa liberal era composta por proprietários e o contrato
constituía a principal forma de garantir a circulação dos bens e das riquezas
acumuladas. A liberdade da pessoa era medida pelo grau que pudesse
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16 BECHER, Anelise. Teoria Geral da Lesão nos Contratos, p. 16. 17 As principais teorias contratuais podem ser agrupados da seguinte forma: teoria do direito canônico, sob o esteio de que a promessa tem força obrigatória, de cunho moral: é homem quem empresta sua palavra e a cumpre; na teoria do direito natural, na medida em que preconizava a ser o homem dotado de razão, e uma vez manifestada a vontade livremente, sem vícios ou pressões, teria que ser cumprida. Kant possui importante função no desenvolvimento deste pensamento, por inserir ideais que o homem é um ser dotado de liberdade; teorias de ordem política, introduzida principalmente por Rosseau, no Contrato Social; por fim as teorias econômicas e o liberalismo, que corrobora o entendimento de que a sociedade precisa de liberdade plena em suas ações para desenvolver o comércio, movimentando a riqueza das nações, objeto de análise posteriormente.
123
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18 SOTO, Paulo Neves. Novos perfis do direito contratual. Diálogos sobre Direito Civil, p. 249.
124
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_________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE
FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO
PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A
MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil
como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de
2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS
BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado
Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em
Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de
Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do
Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO
DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito
Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/
_____.Examinadores:__________________________________________________
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___________________________________________Dedico este trabalho
a meus pais: José Magalhães da Costa (in memorian) e Júlia Lima
Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do curso de mestrado:
Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nélson Saldanha e,
em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os quais não teria sido
possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de Direito.“Infelizmente,
falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas no alto sempre
acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel Reale)
SumárioResumo ................................................................................................................
11Abstract ................................................................................................................
12Resumen ...............................................................................................................
19 TEPEDINO, Gustavo. As relações de consumo e a nova teoria contratual. Temas de Direito Civil, p.201.
125
13Introdução
...............................................................................................................14Capítulo I –
As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil
Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência
exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro
.................................................................................................................191.1. O
Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo
...................................................................................................................... 191.2. A
codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade
pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da
ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX
............................................................................................... 30 2. A influência
exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro
.............iberal, presente no código anterior. Evidente que não poderia este código
encontrar-se revestido, na sua integralidade, do princípio da socialidade, por
incompatível com a dogmática e a doutrina jurídica da época.
1.3.1.2. A liberdade e a autonomia da vontade no modelo atual do contrato
A celebração do contrato, como dito, traz consigo a idéia de justiça e de
eqüidade, desde, logicamente, que livremente manifestado pelas partes. Este
pensamento, contudo, efetivamente vai demonstrar que a liberdade contratual é
quem escraviza e não a lei, em decorrência dos excessos das cláusulas contratuais
que tenderão a garantir direitos para apenas uma das partes e gerar obrigações para
a outra.
Ao estabelecer o art. 421, do CC, que “a liberdade de contratar será
exercida em razão e nos limites da função social do contrato”, o que o legislador fez
foi procurar adequar o novo texto civil às decisões prolatadas por nossos
20 LOBO, Paulo Luiz Neto. Contrato e mudança social. Revista Alter Agora, p. 31. 21 FRANÇA, Limongi. O Código Civil Brasileiro: raízes e perspectivas. Coelho Rodrigues e o Código Civil: comemoração do seisquicentenário de nascimento, p. 98.
126
magistrados e Cortes Judiciais. Aliás, o Sen. Josafhat Marinho já havia observado
que as inovações de cunho social existentes no então Projeto do código civil
distinguem-se nitidamente do antigo código, sendo que “muito do que se vinha
obtendo nos fluxos e refluxos da jurisprudência e da doutrina passa a ser direito
positivo”22 ; neste mesmo sentido preconiza Paulo Neves Soto ao concluir não ser
realmente “novo” o código civil quanto à teoria contratual presente nele, pois vem a
confirmar as tendências e opções
[...] já consideradas pela doutrina e jurisprudência nacional ao longo
das duas últimas décadas, porém, ao adotar expressamente os
princípios do novo Direito Contratual, põe fim à resistência, tacanha,
aos novos paradigmas do Direito Privado, promovida pelos
operadores do direito que insistiam na defesa do princípio da
autonomia da vontade23 .
Gérson Luiz Carlos Branco entende que o art. 421, do CC, encontra-se
conforme o entendimento de Emilio Betti, ao separar a autonomia privada da
autonomia da vontade, constituindo esta como sendo um instrumento de atuação no
âmbito daquela, mas possuindo função específica dentro do ordenamento jurídico24 .
Para Judith Martins-Costa, citado artigo constitui a projeção do valor constitucional
insculpido no art. 5º, inc. XXIII, tendo em vista que uma das diretrizes do contrato
vem a ser exatamente propiciar a aquisição da propriedade, pelo que se depreende
que se à propriedade não mais é dada a condição de caráter absoluto e sagrado, por
via direta de relação, igualmente ao contrato não pode ser emprestado este valor,
traspassando a esfera dos meros interesses individuais25 .
Assim, a teoria moderna do direito contratual não enxerga a simples
manifestação da vontade, imune de vícios, soberana, como sendo o elemento capaz
de unicamente gerar a validade do negócio jurídico praticado; vai além, impõe que o
contrato exerça certa função social.
22 MARINHO, Josafhat. O projeto de novo Código Civil, p. 08. 23 SOTO, Paulo Neves. Novos perfis do direito contratual. Diálogos sobre Direito Civil , p. 263. 24 BRANCO, Gerson Luiz Carlos; MARTINS COSTA, Judith. Diretrizes teóricas do novo Código Civil Brasileiro, p. 65. 25 MARTINS-COSTA, Judith. A Boa Fé no Direito Privado: sistema e tópica no processo obrigacional, p. 351.
127
Se um dos objetivos do Direito consiste em manter a paz social, o que é
possível através do desenvolvimento do tráfego jurídico, constituindo o contrato um
dos meios de gerar a riqueza das nações, evidente que uma de suas funções é
instrumentalizar a circulação dessa riqueza, principalmente pela aquisição de
propriedade passando de um indivíduo a outro. A constituição econômica de uma
sociedade atinge a toda uma coletividade, não se relacionando isoladamente a uma
pessoa ou a um grupo social, assim é que o “contrato, veste jurídica das operações
de circulação de riqueza, tem, inegavelmente, função social”26 .
Observa-se, pois, cada vez mais intercaladas as relações entre a
Economia e o Direito, o que levou Martinho Garcez Neto a dizer que
juristas e economistas se completam na preocupação indispensável
de estabelecerem uma ordem social e jurídica destinada à realização
do bem comum, de uma ordenação estável e justa. E
complementam-se, porque a colaboração de uma a outra é
impostergável, tanto que fatal e funesto seria o divórcio ou
antagonismo que entre elas pudesse lavrar27 .
Na verdade, a diferença mais tênue é que, perante os acontecimento na sociedade,
enquanto que o jurista persegue a solução mais justa, o economista procura a
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26 MARTINS-COSTA, Judith. A Boa Fé no Direito Privado: sistema e tópica no processo obrigacional, p. 352. 27 GARCEZ NETO, Martinho. Direito Econômico e o futuro do Código Civil. Temas atuais de Direito Civil, p. 330.
128
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_________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE
FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO
PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A
MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil
como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de
2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS
BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado
Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em
Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de
Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do
Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO
DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito
Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/
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___________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in
memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do
curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira,
Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os
quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de
Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como
estrelas no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”.
(Miguel Reale)
28 LOBO, Paulo Luiz Neto. Contrato e mudança social. Álter Ágora, p. 33-34. 29 REALE, Miguel. Nova fase do Direito Moderno, p. 90.
130
SumárioResumo
................................................................................................................ 11Abstract
................................................................................................................ 12Resumen
............................................................................................................... 13Introdução
...............................................................................................................14Capítulo I –
As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil
Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência
exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro
.................................................................................................................191.1. O
Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo
...................................................................................................................... 191.2. A
codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade
pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da
ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX
............................................................................................... 30 2. A influência
exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro
.............nte, o qual se encontrava vinculado aos senhores feudais, impedindo, desta
feita, a livre exploração pela classe burguesa que ascendia. Daí haver a
concentração dos poderes junto ao proprietário no sistema capitalista, excluindo
quem não fosse proprietário de exercer este direito; segundo, o indivíduo era
concebido isoladamente do contexto social, um ser auto-suficiente que não
precisava guardar relação com os demais, a menos para interesses pessoais.
Sociedade e indivíduos, assim, eram duas realidades distintas que andavam por
caminhos distintos; por fim, a existência de relação entre a propriedade e o trabalho
próprio, na medida em que o proprietário explorava igualmente sua propriedade,
constituindo a propriedade meio de vida dele, o que leva a considerar que
protegendo a propriedade estaria protegendo seu trabalho, sua vida, enfim, a si
próprio30 .
Miguel Reale analisa que a influência do direito francês quanto ao modo
de se pensar a propriedade no código civil brasileiro como voluntarista continua, ao
que dispõe o art. 17, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que
30 ROCHA, José de Albuquerque. Função social da propriedade e judiciário. Revista do Instituto dos Magistrados do Ceará. p. 174-175.
131
considera a propriedade como um direito inviolável e sagrado, e somente em casos
de evidente necessidade pública, legalmente verificada, e mediante justa e prévia
indenização, perdia este status, o que tornou a desapropriação por utilidade ou
necessidade pública elementos importantes do direito administrativo, em fase de
gestação e desenvolvimento, demonstrando a autonomia do indivíduo frente o poder
do Estado31 .
Todas estas situações foram objeto de análise pelos codificadores do
direito civil (Das Coisas) brasileiro do final do século XIX e início do século XX,
muitas das vezes premidos em seguirem um modelo com o qual eles mesmos
discordavam, mas, por pressões das classes sociais mais abastadas, que
elaboravam, de fato, as leis, tinham que manter e estabelecer aqueles padrões. A
sociedade agrícola e patrimonialista daquela época, logicamente, reclamava por um
Direito que manifestasse seus padrões. As normas jurídicas não poderiam, desta
forma, disciplinar aquilo que não fosse reflexo dos anseios e do modo de viver de
seu povo. E o código de Beviláqua bem inspirou este ideal.
1.3.2.2. A concepção atual do direito de propriedade: a função social
O mundo contemporâneo clama por igualdade social. Os bens não podem
servir de esteio apenas para aqueles que já os possuem. A riqueza da nação é
medida pela riqueza de seu povo, e seu povo só é rico se for feliz, o que implica
viver com dignidade e austeridade. A propriedade, ou melhor, a distribuição dela,
constitui, certamente, um meio de se alavancar o desenvolvimento de um povo.
O Estado contemporâneo se identifica, cada vez mais, pela preocupação
com o social, o que implica na produção de normas jurídicas tuteladoras desta
diretriz. As leis ditas de cunho social, assim, vão impregnar as constituições durante
todo o século XX32 .
31 REALE, Miguel. Nova fase do Direito Moderno, p. 89. 32 Assim na Constituição de Weimar (art. 153): “A propriedade obriga e o seu uso e exercício devem ao mesmo tempo representar uma função no interesse social”.
132
Velhos paradigmas, como o direito absoluto e exclusivo sobre a
propriedade, vão ruir, o próprio direito constitucional brasileiro já antevia esta
mudança do entendimento da função social da propriedade, ao estabelecer a
desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, do imóvel rural que
não esteja cumprindo sua função social33 .
Especificamente em relação ao novo código civil, contudo, o princípio da
socialidade ganha dimensão no art. 1.228, § 1º, quando diz que “o direito de
propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas
e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido
em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o
patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.
É posta de lado, pois, a idéia individualista da propriedade, circunscrita
em todo o código de 1916 e passa-se a entender a propriedade como elemento de
ação, não estaticamente presente, mas capaz de gerar e distribuir riquezas.
Neste sentido Radbruch ensina que
[...] a propriedade privada aparece já hoje como um campo de acção livre,
confiado pela
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33 Art. 184, CF/88. 34 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito, p. 280.
133
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FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO
PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A
MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil
como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de
2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS
BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado
Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em
Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de
Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do
Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO
DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito
Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/
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___________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in
memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do
curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira,
Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os
quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de
Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas
no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel
35 “Art. 1.228, § 4º. O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico”. 36 GOMES, Luiz Roldão de Freitas. Notas sobre o “Direito das Coisas” no projeto do Código Civil, p. 84. 37 O mesmo ocorre no art. 1228, § 5º, quanto à fixação da indenização: “No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores”. 38 TAPAI, Gisele de Melo Braga. Novo Código Civil Brasileiro – Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002: estudo comparativo com o Código Civil de 1917, constituição federal, legislação codificada e extravagante, p. XV.
135
Reale) SumárioResumo
................................................................................................................ 11Abstract
................................................................................................................ 12Resumen
............................................................................................................... 13Introdução
...............................................................................................................14Capítulo I –
As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil
Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência
exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro
.................................................................................................................191.1. O
Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo
...................................................................................................................... 191.2. A
codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade
pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da
ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX
............................................................................................... 30 2. A influência
exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro
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40 ADEODATO, João Maurício. Ética e Retórica: para uma teoria da dogmática jurídica, p. 186.
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_________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE
FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO
PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A
MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil
como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de
2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS
BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado
Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em
Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de
Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do
Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS
LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Autor:
Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/
_____.Examinadores:________________________________________________________
_________________________________________________________________________
Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in memorian) e Júlia Lima
Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do curso de mestrado: Drs.
Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nélson Saldanha e, em
especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os quais não teria sido
possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de Direito.“Infelizmente,
falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas no alto sempre
acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel Reale)
SumárioResumo
................................................................................................................ 11Abstract
................................................................................................................ 12Resumen
............................................................................................................... 13Introdução
...............................................................................................................14Capítulo I –
41 REALE, Miguel. O Projeto do novo Código Civil: situação após a aprovação pelo Senado Federal, p. 39.
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As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil
Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência
exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro
.................................................................................................................191.1. O
Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo
...................................................................................................................... 191.2. A
codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade
pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da
ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX
............................................................................................... 30 2. A influência
exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro
.............está jungido, necessariamente, ao texto de lei, podendo e devendo construir
o Direito tomando como referência valores sociais e éticos presentes na
comunidade44 .
Não se deve esquecer que o Coordenador da Comissão que elaborou o
atual código civil, Prof. Miguel Reale, é um filósofo humanista, sendo natural que
tenha direcionado o projeto para essa visão jurídica, o que implica na opção pela
ética. É do espírito dos filósofos humanistas o gosto por temas propedêuticos, e a
ética constitui, com razão, um vetor capaz de arrancar da consciência jurídica
nacional a idéia de que o Direito pode ser operado sem este fundamento.
2.2. Situações legais previstas no código civil: a boa-fé objetiva
42 REALE, Miguel. O Projeto do novo Código Civil: situação após a aprovação pelo Senado Federal, p. 28. 43 REALE, Miguel. O Projeto do novo Código Civil: situação após a aprovação pelo Senado Federal, p. 29. 44 Neste particular é que se sustenta dever o magistrado, cada vez mais, interagir-se com a sociedade, não sendo aconselhável enclausurar-se em seu gabinete de trabalho, não recebendo as partes ou, quando muito, recebendo-as mas somente se acompanhadas de advogado, propiciando, desta feita, tomar conhecimento do que acontece no meio no qual vive. Deve, inclusive, ter vida social ativa, dentro, naturalmente, dos limites impostos a um agente político transformador da sociedade, nos padrões que lhes são apresentados pela função que exerce, abraçando comportamento ético por tudo aquilo que realiza além ambiente de trabalho, a fim de servir de exemplo como julgador que é.
139
A boa-fé pode ser considerada um conceito jurídico indeterminado45 ,
contudo, referindo-se ao tipo de comportamento exigido é identificada como cláusula
geral. Igualmente, pode ser entendida como um “princípio, uma diretriz a ser
seguida, quando da interpretação das normas e também da concretização”46 .
Certamente que o principal campo de atuação da boa-fé se dá no direito
obrigacional (contratos), mas permeia toda relação jurídica em diversos campos do
direito civil. Praticamente inexistente no código civil de 191647 , passa a incorporar
uma das diretrizes do novo código, como cláusula geral capaz de dar mais agilidade
ao ordenamento jurídico e propiciar decisões judiciais mais justas e calcadas na
ética comportamental que todo cidadão deve possuir e aplicar.
Por boa-fé se entende que os contraentes necessariamente devem agir
com lealdade, cada qual respeitando os interesses da outra parte, reconhecidos
como valores, sendo a obrigação atendida como uma ordem de cooperação48 . Vê-
se, pois, a exigência de um comportamento, daí ser o princípio da eticidade
referência obrigatória que circunda todo o diploma material civilista.
Três exemplos, bem visíveis, encontram-se na aplicabilidade do princípio
da eticidade no código: arts. 113, 187 e 422, relacionados com a boa-fé objetiva.
O art. 11349 trata a boa-fé como norma de interpretação dos negócios
jurídicos; no dizer de Gerson Luiz Carlos Branco:
A atividade interpretativa conforme a boa-fé passa a ser a forma
principal de interpretação, dispensando a retirada de uma bitola
exata do comportamento dos contratantes e a necessidade de
45 Para Karl Engisch vem a ser “um conceito cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos”. (ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico, p. 208) 46 BONATTO, Cláudio; MORAES, Paulo Valério. Questões controvertidas no Código de Defesa do Consumidor, p. 37. 47 A boa-fé objetiva somente aparece, expressamente, no art. 1.443: “O segurado e o segurador são obrigados a guardar no contrato a mais estrita boa-fé e veracidade, assim a respeito do objeto, como das circunstâncias e declarações a ele concernentes”. O Código Civil Suíço, em seu art. 2, I, disciplina o seguinte: “Cada um deve ao exercer os seus direitos e ao cumprir os seus deveres agir conforme a boa-fé”. No direito brasileiro, o art. 4º, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) prevê como um dos princípios da Política Nacional das Relações de Consumo visando a “harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo”, enquanto que o art. 51, inc. V, tem como critério de aferição de abusividade de cláusula contratual, impondo a nulidade caso se verifique. 48 FABIAN, Christoph. O dever de informar no Direito Civil, p. 61. 49 “Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.
140
aplicação subsuntiva imediata, constituindo-se numa chamada
constante do julgador para as regras gerais do sistema50 .
Ao magistrado, pois, é dado o poder-dever de realizar interpretação
integradora, sistemática, preenchendo vazio existente na celebração do contrato. É
uma atividade que os positivistas extremados identificariam como bastante perigosa,
por conceder demasiada liberalidade ao magistrado, que terá que “penetrar” na
consciência dos contratantes para saber o que realmente eles desejavam pactuar no
momento da celebração da avença. Os elementos objetivos existentes no próprio
contrato, sem embargo, fazem dispersar essa subjetividade, e a boa-fé objetiva toma
grau de importância e realmente se identifica como cláusula geral capaz, em sendo
bem utilizada pelo magistrado, de dar à altercação a solução mais justa e ética
pertinente.
Outro aporte do princípio da eticidade, onde se depara a boa-fé objetiva
no código civil, encontra-se no art. 18751 , do CC, havendo regramento interno ao
direito subjetivo. Este dispositivo legal cria mais uma modalidade de
responsabilidade civil, por abuso de direito, que se dá não pelo descumprimento do
contrato, mas sim pelo abuso contratual realizado pela parte que se encontra em
posição dianteira da relação jurídica, ou tem maior poder diante do outro contratante.
A crítica a este artigo centraliza-se no fato de que a própria vítima teria que provar o
ato ilícito culposo praticado (teoria externa subjetiva), o que se apresenta
demasiadamente penosa a coleta de provas nestas situações. A norma, contudo,
tem caráter objetivo e não exige a prova de culpa ou dolo, posto que o dispositivo
não faz menção ao que preconiza o art. 159, do CC. Basta a verificação “objetiva” do
excesso praticado, tendo o agente exercido o direito
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50 BRANCO, Gerson Luiz Carlos; MARTINS COSTA, Judith. Diretrizes teóricas do novo Código Civil Brasileiro, p. 61. 51 “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
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52 “Art. 422. Os contraentes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
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________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE
FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO
PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A
MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil
como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de
2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS
BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado
Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em
Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de
Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do
Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO
DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito
Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/
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___________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in
memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do
53 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Insuficiências, deficiências e desatualização do Projeto de Código Civil na questão da boa-fé objetiva nos contratos. Revista Trimestral de Direito Civil, v. 1, p. 06. 54 “... conquanto não esteja expresso na littera do Código, o dever de ser observada a conduta segundo a boa-fé também na fase das tratativas negociais, e, quando for o caso, no período pós-contratual, há de ser compreendida a sua extensão também a esses períodos, em razão da própria natureza de cláusula geral que reveste o art. 422 e do cunho eminentemente prospectivo que está no cerne desta técnica legislativa”. (BRANCO, Gerson Luiz Carlos; MARTINS COSTA, Judith. Diretrizes teóricas do novo Código Civil Brasileiro, p. 135). 55 “Art. 518. Responderá por perdas e danos o comprador, se alienar a coisa sem ter dado ao vendedor ciência do preço e das vantagens que por ela lhe oferecem. Responderá o adquirente, se tiver procedido de má-fé”. Este artigo corresponde ao art. 1.156, do Código de 1916. 56 “Art. 523. Não pode ser objeto de venda com reserva de domínio a coisa insuscetível de caracterização perfeita, para estremá-la de outras congêneres. Na dúvida, decide-se a favor do terceiro adquirente de boa-fé”. 57 “Art. 686. A revogação do mandato, notificada somente ao mandatário, não se pode opor aos terceiros que, ignorando-a, de boa-fé com ele trataram; mas ficam salvas ao constituinte as ações que no caso lhe possam caber contra o procurador”. Este artigo corresponde ao art. 1.318, do Código de 1916. 58 “Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes”. Este artigo corresponde ao art. 1.443, do Código de 1916.
143
curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira,
Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os
quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de
Direito.
“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas no
alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel Reale)
SumárioResumo ................................................................................................................
11Abstract ................................................................................................................
12Resumen ...............................................................................................................
13Introdução
...............................................................................................................14Capítulo I –
As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil
Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência
exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro
.................................................................................................................191.1. O
Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo
...................................................................................................................... 191.2. A
codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade
pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da
ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX
............................................................................................... 30 2. A influência
exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro
.............o que somente complica a sua realizabilidade. A operabilidade “sustenta que
59 “Art. 856, § único. O candidato de boa-fé, que houver feito despesas, terá direito a reembolso”. 60 “Art. 879, § único. Se o imóvel foi alienado por título gratuito, ou se, alienado por título oneroso, o terceiro adquirente agiu de má-fé, cabe ao que pagou por erro o direito de reivindicação”. 61 “Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”. 62 “Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. § único: Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido”. “Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir”. “Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido”. 63 BRANCO, Gerson Luiz Carlos; MARTINS COSTA, Judith. Diretrizes teóricas do novo Código Civil Brasileiro, p. 140. 64 “Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”. 65 “Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”. 66 SANTOS, José Camacho. O novo Código Civil Brasileiro e suas coordenadas axiológicas, p. 14.
144
a decisão estabelece soluções normativas para facilitar a sua interpretação e a sua
aplicação pelo interessado e cultor do direito”67 .
A reconstrução do sistema de direito privado passa, necessariamente,
pela reformulação da doutrina da codificação. O modelo de códigos do começo do
século passado, que expressam os dogmas do liberalismo e do individualismo não
mais subsistem frente ao “neo-liberalismo” e ao Estado Democrático de Direito, onde
cada vez mais são concedidos e garantidos direitos às classes ditas marginalizas,
tanto assim que o relator do código civil, Sen. Josaphat Marinho, falecido
recentemente, bem explanou que “um código se prestigia pela unidade de suas
normas, sobretudo as de sentido social”68 , e a reformulação dos códigos só é
possível sendo introduzidas novas técnicas legislativas de elaboração de normas
jurídicas – entre elas as cláusulas gerais.
Por outro lado, seria recomendável, em homenagem ao princípio da
operabilidade, que todas as vezes que houver referência ao código civil passado, a
expressão a ser utilizada deveria ser “código de 1917” e, quanto ao atual, utilizar-se
da expressão “código de 2003”, exatamente para demonstrar que a partir destes
anos é que cada um entrou em vigor, passaram a se tornar aplicáveis, isto porque
durante a vacatio legis ocorrida entre janeiro de 1916 e janeiro de 1917 e a outra
verificada entre janeiro de 2002 e janeiro de 2003, fase de adaptação dos diplomas,
não podiam estes ser operados69 . A referência nesta dissertação, contudo, continua
sendo “código de 1916” e “código de 2002”, tomando como esteio o ano da
publicação das leis.
3.2. A presença de cláusulas gerais no código civil brasileiro como técnica
legislativa adequada ao aperfeiçoamento da operabilidade do Direito
67 PEDROTTI, Irineu; PEDROTTI, William. Código Civil Brasileiro: quadro comparativo, p. 12. 68 REZENDE, Afonso Celso Furtado de. Novo Código Civil, p. v. 69 “Art. 2.044. “Este Código entrará em vigor 1 (um) ano após a sua publicação” (atual Código Civil). “Ar. 1.806. O Código entrará em vigor no dia 1º de janeiro de 1917” (Código Civil de 1916).
145
As cláusulas gerais constituem típico modelo jurídico da segunda metade
do século XX, tendo como encosto a flexibilidade e abertura dos conceitos jurídicos.
Com o (re)pensamento de sistemas abertos, em decorrência da evolução e
sedimentação do direito constitucional, da aplicabilidade cada vez mais intensa dos
princípios gerais de direito, como se fosse uma volta ao direito natural,
demonstrativo de que o modelo positivista kelseniano70 já se encontra ultrapassado;
as cláusulas gerais ganham importância como técnica legislativa capaz de ordenar e
universalizar os anseios da população, tudo isto numa dinâmica de tornar o Direito
mais fácil de ser manobrado.
Procurou-se com a nova codificação reformular a linguagem hermética do
código civil de 1916, toda baseada em tipos e não em princípios, apesar da diretriz
de se preservar ao máximo, sempre que possível, a atual redação do código civil, a
menos que haja mudança profunda, ou em virtude das variações semânticas
ocorridas deste o código passado.
A era não é de codificar as leis nos moldes do modelo oitocentista, não se
podendo, contudo, abruptamente, pôr de lado toda uma construção histórico-milenar
esculpida em cima da teoria da codificação, isto porque a Ciência de Ulpiano é uma
das mais formalistas, repleta de conceitos já sedimentados, refletindo a própria
cultura da humanidade. Há de se pesquisar novas técnicas de reformulação da
codificação; se esta não pode deixar de existir, deve, porém, ser aperfeiçoada. A
70 É claro que a referência diz respeito à Teoria Pura do Direito anterior à década de 60 do século XX, quando então, inopinadamente, com nova tomada de posição, muda, quase por completo, o entendimento original de sua Teoria. Isto se deu no famoso Simpósio de Salzburgo, em 1963, onde, à perplexidade dos homenageados, incluído ele, foi taxativo a expressar que “uma norma no es ni verdadera ni falsa, es válida o no válida. Y no hay nigún tipo de paralelo o analogía entre la verdad de una proposición y la validez de una norma. Subrayo esto en deliberado contraste com una opinión comúnmente aceptada, e tambíén defendida por mí durante mucho tiempo... En obras anteriores he hablado de normas que no son el contenido significativo de un acto de volición. En mi doctrina, la norma básica fue siempre concebida com una norma que no era el contenido signficativo de un acto de volición sino que estaba presupuesta por nuestro pensamient. Debo ahora confesar que no puedo seguir sosteniendo esa doctrina, que tengo que abandonarla. Pueden creerme, no há sido fácil renuncia a una doctrina que he defendido durante décadas. La he abandonado al comprobar que una norma deve ser (Sollen) el correlato de una voluntad (Wollen). Mi norma básica es una norma fictícia basada en un acto de volición ficticio, que realmente no existe” (HERRENDORF, Daniel Esteban. Las corrientes actuales de la Filosofia del Derecho, p. 93-94). A verdade é que pouco se fala e se discute a respeito do novo posicionamento do maior jusfilósofo do século XX. Seus discípulos, como que querendo ignorar ou não acreditar na nova tomada de posição de Kelsen, silenciam-se a respeito do tema e, quando o fazem, justificam sua atitude dizendo ser própria da condição humana mudar de idéias e de pensamentos, sempre para melhor, por ser o homem produto da história e do meio que o cerca. Esteban Herrenforf analisa esta questão indagando se houve motivos ideológicos profundos que levaram aos analistas científicos e aos investigadores neokantianos a silenciarem sobre os prováveis desacertos de Kelsen, e a evidenciar as críticas que se tem realizado a Kelsen, e inclusive a crítica suicida que o mesmo confessou tão honestamente. São motivos encontrados – ideologia mesclada com algo sem importância –, e que obstaculam o
146
técnica, o formalismo sempre existiu e deve continuar a traçar os rumos do Direito,
mas não como elemento obstaculizador às transformações, o que acaba por barrar o
desenvolvimento da própria sociedade.
Tornar o Direito mais ágil, menos apegado ao formalismo, que apenas
distancia o próprio espírito da norma daquele a quem se dirige, constitui, sem
dúvida, um dos princípios traçados pelos codificadores do atual diploma civil,
cabendo, no entanto, aos magistrados “captarem” esta nova referência
transformadora e atualizante do Direito. E as cláusulas gerais constituem,
certamente, um modelo a ser perquirido, a fim de torná-lo mais flexível e apto a
transformar a sociedade, pela abertura que proporciona ao sistema jurídico de
mobilidade.
As cláusulas gerais,
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caminho de uma completa revisão kelsiana. (HERRENDORF, Daniel Esteban. Las corrientes actuales de la Filosofia del Derecho, p. 97).
147
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_______UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE FEDERAL
DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO PIAUÍMESTRADO
EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A MODERNA
CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do
Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de 2003Joseli Lima MagalhãesA
MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil
como eixo central do Direito Privado Trabalho Monográfico apresentado como exigência do
Curso de Pós-Graduação em Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela
Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob
a orientação do Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA
CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do
Direito Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/
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___________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in
memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do
curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira,
Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os
quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de
71 “Art. 575, § único. Se o aluguel arbitrado for manifestamente excessivo, poderá o juiz reduzi-lo, mas tendo sempre em conta o seu caráter de penalidade”. 72 “Art. 720, § único. No caso de divergência entre as partes, o juiz decidirá da razoabilidade do prazo e do valor devido”. 73 MARTINS-COSTA, Judith. O Direito Privado como um “sistema em construção”. Revista de Informação Legislativa, p. 6-7. 75 Neste particular é de bastante valia a observação feita pelo Professor da UFC, José de Albuquerque Rocha, no sentido de que “as razões para mudar a postura tradicional do Judiciário perante a lei são diversas e de diferentes origens. No entanto, em um esforço de síntese, poderíamos dizer que todas estão relacionadas com a dinâmica dos processos sociais. Em poucas palavras, a necessidade de uma mudança de papel do Judiciário diante da lei é uma exigência das pressões sociais, que reclamam a adaptação de suas funções às novas necessidades decorrentes das transformações científicas, tecnológicas, sociais, políticas e econômicas, ocorridas nas últimas décadas. Essas transformações nos distintos setores da realidade, como não poderia deixar de ser, repercutiram na Constituição de 1988, que, buscando adaptar o direito e o Estado ao contexto histórico emergente dessas transformações, deu-lhes nova estrutura e função, determinando, implicitamente, a necessidade de um novo
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Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas
no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel
Reale) SumárioResumo
................................................................................................................ 11Abstract
................................................................................................................ 12Resumen
............................................................................................................... 13Introdução
...............................................................................................................14Capítulo I –
As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil
Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência
exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro
.................................................................................................................191.1. O
Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo
...................................................................................................................... 191.2. A
codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade
pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da
ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX
............................................................................................... 30 2. A influência
exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro
.............om certeza, a maioria dos conceitos e institutos para os demais ramos do
Direito, principalmente para o Público, daí o seu caráter histórico de apego ao
formalismo e abuso do tecnicismo, porque a história é fruto da maturação dos
acontecimentos importantes na vida do homem, e o Direito, de certo modo, por
refletir esta maturação, deve suprimir o dogma de que os códigos são capazes de
posicionamento do Judiciário diante dos demais Poderes, sobretudo em relação ao Legislativo e à lei e, de conseqüência, nova função na vida jurídica e social do país”. (ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário, p. 109-110). 76 Luiz Roldão de Freitas Gomes sustenta que para não “desertar desta missão, em que os conflitos buscam soluções, não regras programáticas ou controvérsias doutrinárias, o fato impõe-se, exigindo do magistrado, no diuturno lavor de entregar a prestação jurisdicional, o enfrentamento das questões advindas. Projeta-se, deste modo, a jurisprudência como inequívoca força a nortear as mutações processadas. Eis por que passa pela atividade do juiz, inequivocadamente, a construção do Direito hoje e no próximo milênio. Organizar a jurisprudência talvez seja missão tão relevante quanto codificar, ensejando aos cidadãos e jurisdicionados o conhecimento de seus novos rumos”. (GOMES, Luiz Roldão de Freitas. Notas sobre o “Direito das Coisas” no projeto do Código Civil. Revista Trimestral de Direito Civil, p. 173). 77 MARTINS-COSTA, Judith. O Direito Privado como um “sistema em construção”. Revista de Informação Legislativa, p. 9. 78 MARTINS-COSTA, Judith. O Direito Privado como um “sistema em construção”. Revista de Informação Legislativa, p. 11. 79 REALE, Miguel. O Projeto do novo Código Civil: situação após a aprovação pelo Senado Federal, p. 11-12. 80 MARTINS-COSTA, Judith. O Direito Privado como um “sistema em construção”. Revista de Informação Legislativa, p. 11.
150
tudo disciplinar e manter coerente e completo o sistema, não satisfazendo à nossa
época pós-moderna81 .
Neste aspecto é que novos caminhos hão de ser traçados, e um deles é a
introdução, nos códigos privados, das cláusulas gerais como ancoradouros das
normas e princípios de direito público.
3.3. Alguns exemplos legais previstos no código civil
A diminuição da maioridade civil de 21 anos para 18 anos de idade
propiciou maior agilidade ao tráfego jurídico, na medida em que encontra-se
evidenciado que o jovem (adulto), relativamente incapaz de que tratava o art. 6º, I,
do código de 1916, hoje, dado o influxo de informações que lhe chegam e o grau de
maturidade que adquiriu, pela pressão cada vez maior que o homem tem de estudar
e possuir conhecimento a respeito de tudo no mundo, o que nem sempre é possível,
mas deve ser buscado, já adquiriu o pleno conhecimento da importância dos atos da
vida civil, não havendo por que esperar-se mais três anos para tornar-se plenamente
capaz, o qual precisava da anuência dos pais ou responsáveis para a prática destes
atos.
Miguel Reale procurou imprimir caráter mais prático e efetivo às normas
do código civil. Assim, na parte referente à prescrição e à decadência, consistindo
um dos grandes tormentos enfrentados pelos Tribunais e doutrina pátrios para se
saber a real diferença entre os dois e em quais casos se tratava de norma
prescricional ou decadencial, de maneira prática e direta para solver a dúvida,
lançou mão de “enumerar, na Parte Geral, os casos de prescrição, em numerus
81 Cada vez mais há procura por novas técnicas legislativas e de tipos diferentes de criação de normas jurídicas para solver esta crise que o Direito atravessa. Assim, é que nos Estados Unidos da América existem as leis uniformes e as leis modelos, criações do final do século XIX, por iniciativa da American Bar Association, a National Conference of Comississioners on Uniform State Laws, as quais “objetivam publicar textos que possam servir como esteio de se uniformizar os direitos locais o que ocorre, também, com as leis-modelos, promovidas por Instituições de cunho privado, como o Model Penal Code e Model Business Corporatin Act. Segundo Carlos Ferreira de Almeida, estas leis não são obviamente direito federal. Em rigor, não são sequer textos legislativos. São textos de vocação legislativa, que, uma vez aprovados livremente, com ou sem modificações, pelos órgãos legislativos de um ou mais Estados, passa a ser direito estadual circunscrito aos Estado onde vigoram”. (ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Introdução ao Direito Comparado, p. 127).
151
clausus, sendo as hipóteses de decadência previstas em imediata conexão com a
disposição normativa que a estabelece”82 .
Tem caráter de operabilidade, também, o art. 1.180, do CC83 , que
possibilita seja a escrituração empresarial feita utilizando-se de processos
eletrônicos. Em contrapartida, não se atualizou ao fazer menção, na parte da
“prova”, que o “telegrama, quando lhe for contestada a autenticidade, faz prova
mediante conferência com o original assinado” (Art. 222), silenciando-se quanto à
prova produzida por fax ou por e-mail.
Igualmente, o princípio se encontra presente no Direito de Empresa, ao
empregar a palavra empresa “no sentido de atividade desenvolvida pelos indivíduos
ou pelas sociedades a fim de promover a produção e a circulação das riquezas”84 ,
bem assim propiciar aos doutrinadores e Tribunais a diferenciação entre
associações85 e sociedades86 , consistindo as primeiras sempre de natureza civil e
as segundas sempre de natureza empresarial.
Indica-se, por fim, o caso do testamento particular, que se antes exigia
como requisitos à sua validade fosse escrito e assinado pelo testador, e por mais
cinco testemunhas, além de ser lido na presença de todos (art. 1.645, código de
1916). Hoje, porém, a fim de operacionalizar e tornar menos formal o código, requer
apenas a assinatura de próprio punho ou mediante processo mecânico, lido na
presença de três testemunhas e assinado por elas, além, claro, pelo próprio
testador.
82 TAPAI, Gisele de Melo Braga. Novo Código Civil Brasileiro – Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002: estudo comparativo com o Código Civil de 1917, constituição federal, legislação codificada e extravagante, p. XV. 83 “Art. 1.180. “Além dos demais livros exigidos por lei, é indispensável o Diário, que pode ser substituído por fichas no caso de escrituração mecanizada ou eletrônica”. 84 REALE, Miguel. Visão geral do Projeto de Código Civil, p. 29. 85 “Art. 53, caput. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos”. 86 “Art. 981, caput. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”.
152
Capítulo IV
A criação de micro-sistemas jurídicos como técnica jurídica de amainar a crise
do direito privado e suas relações com o direito constitucional
Sumário: 1. A noção de sistema jurídico e de ordenamento jurídico; 2. A crise do
direito civil clássico: 2.1. A constitucionalização do Direito Civil; 2.2. A publicização do Direito
Civil e o Estado Social; 3. A necessidade de se codificar as leis civis: 3.1. Conceito de
codificação; 3.2. Objetivos da codificação das leis civis; 4. Os micro-sistemas jurídicos e a
descodificação do direito civil; 5. Paradigmas da modernidade que devem ser enfrentados
pela nova visão codificadora das leis civis; 6. O Código Civil como eixo central do
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1 Às vezes, entretanto, os termos “sistema” e “ordenamento” são empregados um no lugar do outro, como identificadores do mesmo significado.
153
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________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE FEDERAL DO
PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO PIAUÍMESTRADO EM
FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A MODERNA CODIFICAÇÃO
DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado
Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de 2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA
CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo
central do Direito Privado Trabalho Monográfico apresentado como exigência do
Curso de Pós-Graduação em Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela
Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em
Direito, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A
MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo
central do Direito Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/
_____.Examinadores:________________________________________________________
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_____Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in memorian) e
Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do curso de
mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nélson
Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os quais não
teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de
Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas no alto
sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel Reale)
SumárioResumo ................................................................................................................
11Abstract ................................................................................................................
12Resumen ...............................................................................................................
2 ARNAUD, André Jean; FARIÑAS, Dulce. Introdução à análise sociológica dos sistemas jurídicos, p. 11. 3 Savigny entende o sistema como a “concatenação interior que liga todos os institutos jurídicos e as regras de Direito numa grande unidade”. (apud CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito, p. 10-11). 4 CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito, p. 280. 5 CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito, p. 12-13. 6 CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito, p. 22. 7 GOYARD-FABRE, Simone. Os fundamentos da ordem jurídica, p. 114.
155
13Introdução
...............................................................................................................14Capítulo I –
As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil
Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência
exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro
.................................................................................................................191.1. O
Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo
...................................................................................................................... 191.2. A
codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade
pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da
ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX
............................................................................................... 30 2. A influência
exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro
.............a romano e germânico.
Cada sistema jurídico, desta forma, tende a projetar um modelo de
técnica legislativa reinante, isto porque se consubstancia em elementos
estruturalmente pertencentes a uma mesma “família jurídica”. As leis, os códigos,
porém, não apresentam necessariamente a mesma estrutura – por representarem
angústias, desejos e anseios de cada povo, e dos grupos que os governa, e por
reproduzirem o ordenamento jurídico inerente de cada Estado. Somem-se a isto os
fatores metajurídicos que contribuem para o nascimento e aperfeiçoamento de suas
próprias normas. Os sistemas jurídicos projetam, ademais, a idéia de poderem ser
abertos ou fechados, dependendo do grau de interação que sofrem com outros
sistemas, ou a capacidade de não sofrerem tal influência.
O sistema aberto pode ser entendido como aquele que se encontra
disposto a sofrer influência e se comunicar com outros sistemas. Na seara do direito
constitucional, diz-se que um sistema constitucional encontra-se aberto se as
normas constitucionais estiverem efetivamente em interação com a realidade social,
flexível, portanto, para serem modificadas naquilo que interessar à sociedade. O
sistema fechado, no dizer de Maria Célia de Araújo Furquim, é “autônomo,
8 SALDANHA, Nélson. Pequeno dicionário da Teoria do Direito e Filosofia Política, p. 215. 9 RÁO, Vicente. O Direito e a vida dos Direitos, p. 101.
156
individualizado, que mantém constante a sua unidade, desprovido de inptus e
outputs. Não só auto organizado como também auto produzido”10 .
O Brasil, com efeito, adota o sistema aberto frente à sua Constituição, não
só pela aplicação dos princípios constitucionais, pela proliferação de medidas
provisórias11 verificadas nos últimos anos, e agora parcialmente estancada, com
regramento mais disciplinador, como também pela quantidade significativa de
publicação de emendas constitucionais modificadoras do texto originário de 1988, o
que demonstra, de certo modo e aparentemente, não se encontrar petrificada.
Konrad Hesse12 , na obra “A Força Normativa da Constituição”, aponta
que Ferdinand Lassalle baseia-se na tese de que as questões constitucionais não
são questões jurídicas, mas questões de poder. Assim, sob fatores que dominam
determinada sociedade, como o poder militar, o poder social, o poder econômico e o
poder intelectual constituem a força ativa determinante da constituição, chamada por
ele de Constituição Real; ao lado dela existe a Constituição Jurídica (que não passa
de um pedaço de papel morto), limitada totalmente pela outra. Assim, questões
constitucionais não são questões jurídicas, mas questões políticas, a força e o poder
estão acima da lei.
Num outro aspecto, aponta a dependência do direito constitucional para
com o poder emanado por aqueles que “detêm” a Constituição, ou seja, “o Direito
Constitucional está em contradição com a própria essência da Constituição”, já que a
Constituição Jurídica sucumbe perante a força da Constituição Real, servindo tão
somente para justificar, legalmente, o poder constituído, mas assegura que a
Constituição é possuidora de uma força própria, sendo preciso observar se tal força
não seria mera ficção jurídica, a fim de justificar que o Estado de Direito deve
10 FURQUIM, Maria Célia de Araújo. Caderno de Direito Constitucional e Ciência Política, p. 131. 11 O Juiz Federal Leomar Barros Amorim de Sousa conclui, entre outros aspectos, o seguinte sobre o uso abusivo de medidas provisórias pelo Poder Executivo: “1) O princípio da separação de poderes, em que pese as profundas mudanças sociais, ainda contém um núcleo essencial cujo maior ou menor respeito traduz um índice do grau de acatamento ao postulado do Estado Democrático de Direito; 2) A legislação governamental é um fenômeno inevitável e resulta, entre outras causas, da intervenção estatal do domínio econômico e do estado de necessidade legislativa provocado pelas graves crises experimentadas pelos Estados ao longo, sobretudo, deste século; 3) A lei delegada, a medida provisória, o decreto-lei (ou que nome tenha o ato do Executivo com força de lei) representam o reconhecimento da inevitabilidade do fenômeno da “legislação governamental” e uma racional e adequada tentativa de juridizá-la em sede constitucional; 4) A experiência brasileira demonstra que o Presidente da República tem feito uso abusivo das medidas provisórias para disciplinar matérias que não reclamam intervenção legislativa urgente, banalizando sua utilização e exercendo verdadeira competência ordinária paralela ao Congresso Nacional”. (SOUSA, Leomar Barros Amorim de. A Produção Normativa do Poder Executivo: medidas provisórias, leis delegadas e regulamentos, p. 154-155).
157
prevalecer sobre o Estado do Poder, bem como qual o fundamento que a força da
constituição se baseia e o alcance projetado por esta.
A importância da releitura da obra do Professor da Universidade de
Freiburg focaliza-se no aspecto de que se deve ter o texto Constitucional como
aquele a ser efetivamente seguido e tomado como paradigma frente aos demais
textos de lei, principalmente os códigos13 , apesar de que historicamente nem
sempre ter existido um vínculo entre constitucionalismo e codificação14 . Neste
sentido, a idéia de sistema jurídico parte, mais do nunca, da figura da Constituição,
que centraliza as metas a serem alcançadas, esboçando os objetivos almejados pelo
Estado, não perdendo-se, contudo, o desiderato de se manter a coerência e a ordem
do próprio sistema de direito.
Hesse aponta, ainda, que a Constituição objetiva dar forma e modificação
à realidade existente, elemento igualmente presente nos sistemas abertos, e que
vem a ser no estado de necessidade, de calamidade pública, ou aparente falta de
ordem, que se verifica a força normativa da constituição, devendo-se observar,
nestes casos, a superioridade da norma perante os fatos; e não o contrário. A
Constituição não representa um "simples pedaço de papel", ela efetivamente
distribui o poder, mas não está desvinculada dos fatos históricos ocorridos na
realidade, e também não se encontra, necessariamente, vinculada sempre a tais
acontecimentos.
Tudo isto leva ao entendimento de que a Constituição é obra imperfeita e
inacabada, assim como os sistemas abertos o são, havendo, desta feita, perfeita
sincronia entre ambos; mais do que as Constituições, um código civil moderno, como
o atual recentemente em vigor, parte, obrigatoriamente, deste posicionamento –
estar aberto para ser modificado, naquilo que for incompatível com o texto Magno, e
naquilo que não mais exprimir os anseios da população.
12 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição, p. 20. 13 Neste sentido é que Simone Goyard-Fabre observa que a partir do século XIX os problemas constitucionais ocuparam lugar de destaque na doutrina jurídica dos países do velho mundo, sob o escopo da supremacia do texto constitucional como fundamento da ordem jurídica reinante. Aponta ainda a conceituada professora de Filosofia da Universidade de Caen que “sob a Constituição, a catedral jurídica se organiza em sistema; este, em seu significado filosófico, é a expressão jurídica de uma racionalidade lógico-formal; em sua eficiência prática, a ordem constitucional é portadora de normatividade, de modo que as regras de direito ganham figura, no âmbito estatal, de modelos de diretividade”. (GOYARD-FABRE, Simone. Os fundamentos da ordem jurídica, p. 112). 14 TAMM, Ditlev. Derecho Privado y revolucion burguesa, p. 123.
158
Por outro lado, não se pode imaginar um sistema constitucional hermético
frente ao avanço democrático e dialético que o Direito sofreu no Brasil nas últimas
décadas, principalmente após a entrada em vigor da atual constituição, onde se vê
que o magistrado encontra-se cada vez mais independente para decidir e interpretar
as leis em conformidade com o texto Supremo e com os anseios dos jurisdicionados.
A importância de ver e sentir a Constituição como sistema aberto de
normas e princípios propicia, no campo do direito privado, principalmente o civil,
interação constante e atualizante entre os dogmas do direito público e do privado,
gerando a diretriz de que cada vez mais o Direito (como Ciência) se torna um só, e
que esta dicotomia entre o público e o privado tende, dia a dia, tornar-se obsoleta e
impertinente. A idéia de completude, assim, inserida nas grandes codificações
oitocentistas, de que as lacunas existentes nos códigos civis não precisavam ser
preenchidas por outras normas jurídicas, não mais é aceita, principalmente quando
se sabe que a revitalização dos códigos civis atuais passa, forçosamente, por esta
interrelação com o direito público (constitucional). Exemplos desta interação são a
constitucionalização e publicização do direito civil.
Por outro lado, a noção de sistema jurídico produz a vantagem de
relacionar os aspectos comuns e inerentes entre os vários ordenamentos jurídicos
existentes em cada Estado, nas suas linhas mais gerais, porém se apresenta vazio
de identidade, como ocorre com o direito positivo de cada povo, a ponto de ser
possível encontrarem-se constituições, seja no aspecto formal ou material,
substancialmente diferentes de um Estado para o outro, mas pertencentes à mesma
família de sistema jurídico. Esta identificação somente se processa tendo-se
conhecimento do ordenamento jurídico de cada Estado. A noção de ordenamento
jurídico, por sua vez, pressupõe a existência de mais de uma norma jurídica.
Norberto Bobbio15 não admite a existência de um ordenamento jurídico composto de
uma única norma, a menos que se imaginasse uma norma referente a todas as
ações possíveis e que fosse qualificada e pertencente a uma única modalidade.
Assim, este ordenamento teria como norma central e única as seguintes
possibilidades:
15 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, p. 31-32.
159
a) a norma em que tudo é permitido: configurando-se a negação do
próprio ordenamento, em que voltar-se-ia ao estado de natureza, e não haveria
“ordem”, já que todos estariam livres para bem praticar suas atitudes como bem
quiserem; b) a norma em que tudo é proibido: há ações na vida do homem que têm
que ser realizadas, por serem inerentes à própria condição humana, como se
alimentar, respirar, manifestação de pensamento. Nestes casos, haveria a
equiparação de ações possíveis e impossíveis, o que juridicamente não é
recomendável e plausível; c) a norma em que tudo é obrigatório: esta norma tornaria
impossível a vida em sociedade, posto que as ações possíveis estão sempre em
conflito, e uma delas, ou ambas, teria que ausentar-se do sistema.
O ordenamento jurídico, mais do que nunca, requer a existência de um
conjunto de normas que disciplinam a vida política, social e cultural de um povo,
confunde-se com a próprio direito positivo de um Estado,
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_________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE
FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO
PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A
MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil
como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de
2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS
BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado
Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em
Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de
Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do
Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO
DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito
Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/
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___________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in
memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores
do curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira,
Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os
quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de
Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas
no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel
Reale) SumárioResumo
16 Neste sentido, Bartolome Clavero, ao tratar da Codificação Civil e da Revolução Constitucional (especialmente a francesa), após salientar que a forma codificada constituía historiograficamente o ponto de chegada e intelectualmente o de partida, afirma que para ser norma extensa, que cobre um ordenamento de matéria, devidamente coerente, a codificação também precisava de um requisito não menos moderno nem menos revolucionário em si: sujeito unitário. (CLAVERO, Bartolomé. Razon de Estado, razon de individuo, razon de historia, p. 63). 17 ENNECCERUS, Ludwig. Tratado de Derecho Civil, p. 01.
162
................................................................................................................ 11Abstract
................................................................................................................ 12Resumen
............................................................................................................... 13Introdução
...............................................................................................................14Capítulo I –
As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil
Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência
exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro
.................................................................................................................191.1. O
Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo
...................................................................................................................... 191.2. A
codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade
pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da
ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX
............................................................................................... 30 2. A influência
exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro
............. de cumprir as normas estabelecidas, buscando-se, assim, a própria unidade
do sistema. Os códigos civis, apesar de toda teoria positivista dos séculos XVIII e
XIX, e parte significativa do século XX, elaborados que foram inicialmente para
acomodar a vida jurídica dos cidadãos (na verdade, aqueles que detinham o poder
pela propriedade), constituem meras leis ordinárias no sentido de serem
hierarquicamente inferiores às leis constitucionais. A unidade do ordenamento
jurídico exige, desta feita, que as leis codificadas tomem como base as leis
constitucionais, aplicando seus princípios e fundamentos últimos, da mesma forma
que estas devem assim se posicionarem frente à norma hipotética fundamental20 .
Há de se destacar a figura do intérprete, especialmente do magistrado, o
qual deverá ponderar que as normas de direito civil, principalmente as elencadas no
18 BRUTU, José Puig. Introducción al Derecho Civil, p. 42. 19 BRUTU, José Puig. Introducción al Derecho Civil, p. 65. 20 Fábio Ulhoa Coelho aponta que a “ciência do direito, para descrever o seu objeto, deve se indagar sobre o fundamento de validade das normas integrantes da ordem jurídica em estudo. Ao se indagar, contudo, sobre a validade da Constituição – a norma jurídica de que decorre a validade das demais –, ela deve forçosamente pressupor a existência de uma norma fundamental, que imponha a observância da mesma Constituição e das normas jurídicas por ela fundamentadas. Ainda que inconscientemente, todo o cientista do direito formula esta pressuposição ao se debruçar sobre o seu objeto de conhecimento. A norma fundamental, portanto, não é positiva, mas hipotética e prescreve a obediência aos editores da primeira constituição histórica”. (COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen, p. 29).
163
código civil, é que devem ser compatibilizadas e adaptadas aos princípios e normas
constitucionais, e não o contrário.
Nesta tomada de posição é que o direito civil clássico se acha em crise: o
direito civil sempre emprestou boa parte de seus conceitos, institutos e princípios
para os demais ramos do Direito e, agora, tem que obedecer aos princípios de
direito público e de direito constitucional. Os códigos civis devem ter respeito e
temerem as Constituições; e não o inverso. Assim, é que se apresenta cada vez
premente um redirecionamento do direito civil, sob pena de naufrágio de toda uma
dogmática criada, recriada e aperfeiçoada durante milênios de ano do direito
ocidental. A história do Direito se confunde com a história do próprio direito civil; mas
é necessário serem revistos seus paradigmas, os quais devem ter resistente e
preciso arrimo para reencaminhar seus rumos, certamente por meio da
constitucionalização e da publicização do direito civil.
2.1. A Constitucionalização do Direito Civil
Para Paulo Luiz Netto Lobo:
A constitucionalização do direito civil é processo de elevação ao
plano constitucional dos princípios fundamentais do direito civil, que
passam a condicionar a observância pelos cidadãos, e a aplicação
pelos tribunais, da legislação infraconstitucional 21 .
Após identificar que o direito privado é direito constitucional aplicado, por
representar os valores sociais de vigência efetiva, e que por isso é constantemente
modificado por normas constitucionais, Ricardo Luis Lorenzetti alerta que “o Direito
Civil ascende progressivamente, pretendendo dar caráter fundamental a muitas de
suas regras, produzindo-se então uma ‘constitucionalização do Direito Civil’”22 .
21 LOBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. Revista de Informação Legislativa, p. 100. 22 LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do Direito Privado , p. 255.
164
A constitucionalização do direito civil, pois, oxigena o direito civil,
tornando-o mais flexível, mais vivo, menos formal, moderno e coerente com o que
de atual tem sido produzido na órbita do direito constitucional.
De certa forma, o direito constitucional é menos imune a mudanças, ainda
mais por ter como esteio os princípios constitucionais e uma nova visão de se
interpretar as normas, daí poder auxiliar o direito civil na concretização de se manter
presentemente atualizado com as mudanças sociais vivenciadas, cujos reflexos são
materializados, ordinariamente, prima face, no texto constitucional de cada país.
Daí porque ao lado da constitucionalização do direito civil, a dogmática
civilística moderna tem criado e dado espaço ao desenvolvimento de uma nova
disciplina: direito civil constitucional, que está ainda engatinhando, mas certamente
nos próximos anos terá identidade mais consolidada, quando não, será capaz de
transformar a própria visão atual que se tem do direito civil clássico.
O direito civil constitucional, desta feita, vem a ser o
sistema de norma y principios normativos institucionales integrados
en la constitucion, relativos a la proteccion de la persona en si misma
y sus dimensiones fundamentales familiar y patrimonial, en el orden
de sus relaciones juridico-privadas generales, y concernientes a
aquellas otras materias residualmente consideradas civiles, que
tienen por finalidad fijar las bases mas comunes y abstractas de la
regulacion de tales relaciones y materias, a las que son susceptibles
de aplicacion inmediata o pueden servir de marco de referencia de la
vigencia, validez e interpretacion de la normativa aplicable o de pauta
para su desarrollo23 .
Arce y Flórez-Valdés destaca, como conseqüência desta definição, que o
direito civil constitucional é apresentado não apenas como uma parte do direito civil,
senão a infra-estrutura dele mesmo, contribuindo, assim, ao fracionamento essencial
dos saberes jurídicos e, singularmente, a encobrir efeitos existentes entre a clássica
dicotomia Direito Privado/Direito Público, ressaltando a superioridade do
ordenamento. Ainda em decorrência desta infra-estrutura, polariza uma nova
23 ARCE Y FLÓREZ-VALDÉS, Joaquim. El Derecho Civil Constitucional, p. 178-179.
165
imagem do direito civil, mais adequada à realidade social, vista através de uma
releitura de seus textos tradicionais, à base dos valores que caracterizam a
legalidade constitucional24 .
A verdade é que o direito civil, historicamente, sempre serviu de
referência para outros ramos do Direito, produzindo e exportando institutos jurídicos
que se desenvolveram e se tornaram independentes. É o direito mais antigo, mais
precioso e, por que não dizer, o mais difícil de ser compreendido em sua acepção
mais ampla. Por ser o mais antigo, foi o mais trabalhado, possui seus institutos já
envelhecidos, desgastados com a mudança epistemológica que ocorreu durante o
final do século XIX e todo o século XX.
A resolutividade da crise por que atravessa o direito civil (e por que não
dizer de todo o direito privado) passa, necessariamente, por uma interação sempre
dialética com o direito constitucional, onde devem ser buscados novos
ancoradouros, novos métodos interpretativos, e modos de elaboração e de aplicação
de suas normas.
Nesta linha, observa-se a inexistência de Congressos Jurídicos realizados
nos últimos anos no Brasil versando sobre direito civil, em contrapartida com a
quantidade de congressos de Direito Público, especialmente de Direito
Constitucional e enfoques afins. Evidente que somente a partir de 2002, voltaram a
proliferar os Congressos jurídicos tratando de temas civilísticos: por outra razão
senão conhecer melhor o novo código civil. Passada esta fase de ansiedade, de
curiosidade por aquilo que de inovador trouxe o diploma privatístico, voltar-se-ão os
olhos críticos dos doutrinadores à esfera do direito público (constitucional), quando
não, estudam-se os próprios institutos de direito civil em congressos e em revistas
de direito constitucional.
No Brasil, a constitucionalização do direito civil apresenta-se mais visível
no ramo do direito de família, e na moderna doutrina do princípio da dignidade da
pessoa humana, que está remodulando o conceito de pessoa, dando a ela visão
mais publicista, menos individualista. Este novo posicionamento parte, com efeito,
pelo modo de se interpretar o direito civil, com esteio na constituição, e conseqüente
24 ARCE Y FLÓREZ-VALDÉS, Joaquim. El Derecho Civil Constitucional, p. 179.
166
aplicação de seus princípios. Os velhos dogmas e conceitos civilísticos estão sendo
redirecionados, e totalmente postos de lado, frente às novéis referências
constitucionais.
Não mais se estuda aquilo que se encontra fora de moda, que não
representa o moderno, o atual, enfim, aquilo que o Direito, a sociedade, suas
Instituições constituídas se preocupam. Se o Direito se acha em crise; o direito civil,
efetivamente, encontra-se numa crise bem mais profunda, aguda e preocupante.
Novo vetores devem ser pesquisados, superando-se este estado crônico: a
constitucionalização do direito civil representa um bom caminho para se iniciar este
desiderato.
2.2. A Publicização do direito civil e o Estado Social
Segundo Paulo Luiz Netto Lobo a publicização:
compreende o processo de crescente intervenção estatal,
especialmente no âmbito legislativo, característica do estado Social
do século XX. Tem-se a redução do espaço de autonomia privada
para a garantia da tutela jurídica dos mais fracos25 .
Acentua-se, neste particular, que micro-sistemas jurídicos também se
relacionam-se com o aspecto da completitude do ordenamento jurídico, pelo que se
verifica que a publicização do direito civil não se confunde, contudo, com a
constitucionalização deste ramo do direito privado: sendo aquela entendida como o
“processo de intervenção legislativa infraconstitucional, ao passo que a
constitucionalização tem por fito submeter o direito positivo aos fundamentos de
validade constitucionalmente estabelecidos”26 .
Fator determinante da publicização do direito civil advém do aparecimento
do Welfare State, onde todos os temas sociais tidos por importantes foram
25 LOBO, Paulo Luiz Neto. Constitucionalização do Direito Civil. Revista de Informação Legislativa, p. 100. 26 LOBO, Paulo Luiz Neto. Constitucionalização do Direito Civil. Revista de Informação Legislativa, p. 101.
167
publicizados. Estudando-se o código civil de 1916 torna-se perceptível a falta de
disciplina a respeito de direitos sociais. Isto se deve, entre outros aspectos, pela
mudança de paradigma que a sociedade do começo do século passado entendeu
como pertinente e necessária, o que traz imediato reflexo na elaborações das leis
inseridas nos ordenamentos jurídicos de cada Estado.
Da passagem para o Estado Liberal, onde não havia a presença
marcante da publicização do direito civil (privado), para o Estado Social, muito
sangue foi derramado, eclodiram as revoluções, as classes sociais se dividiram,
surgindo outras, agora não mais centradas na figura do latifundiário ou do rico
comerciante, mas nos proprietários de indústrias, que começavam a se alavancar.
Aqueles que tomavam as leis como modo de dominação, as leis liberais que eles
mesmos elaboraram, (in)diretamente por meio dos representantes legais, sendo o
direito privado a base de todo o ordenamento jurídico de um Estado, e, via de
conseqüência, de seu povo, sem ou quase nenhuma influência do direito público,
tinham agora com o que se preocupar, frente ao caráter prospectivo que estes novos
direitos inevitavelmente assumiram, servido o Estado como achega ao
desenvolvimento deles mesmos.
Os direitos sociais se desenvolveram não somente por encontrarem no
Estado a base sólida para difusão, mas porque historicamente a sociedade vive de
ciclos, e estava no momento de terminar o ciclo do liberalismo, como atualmente se
acha plenamente em vigor o retorno ao neo-liberalismo, sob certos aspectos.
Márcio Iorio Aranha aponta que os direitos liberais apenas representavam
a estrutura das relações passadas, não projetando qualquer visão de futuro,
inerentes a poucos, que assim mantinham sua condição social privilegiada27 ;
assevera que com a institucionalização do Estado Social, humanizaram-se temas
jurídicos básicos, por meio de regimes jurídicos específicos, constatando-se que um
direito, embora abstratamente uno, pulverizou-se em diversas gradações de acordo
com os desejos do homem28 , o que no fundo constituía o nascimento dos micro-
sistemas jurídicos. Efetivamente, o Estado Social contribuiu para a publicização do
27 ARANHA, Márcio Iorio. Interpretação constitucional e as garantias institucionais dos direitos fundamentais, p. 111.
168
direito privado, na medida em que, também, boa parte dos direitos sociais foram
inseridos nas constituições principiológicas, advindas principalmente a partir do
século passado.
3. A necessidade de se codificar as leis civis
A Teoria do Estado sempre trabalhou com a idéia de ordem, de
organização, no que se refere à produção legislativa. A primeira tomada de atitude
para manutenção da ordem, do poder aos governantes, nos Estados totalitários, se
deu por meio da coação, da repressão, que se identifica diretamente com a
elaboração e aplicação de normas de conteúdo penal. Nem sempre, porém, torna-se
possível, por meio da reprimenda criminal, a manutenção da calma e da
tranqüilidade. O soberano tende a ser ou autoritário demais ou bondoso demais; o
meio termo, constitui, por assim dizer, o fator determinante para realizar uma
tranqüila e próspera administração. Numa segunda fase do desenvolvimento do
Estado, e bem mais por pressão da sociedade, aqueles que mantinham-se no poder
viram-se obrigados a editar normas jurídicas que disciplinassem o modo de
comportamento e interação entre os próprios súditos.
Com o progresso do próprio Estado e aumento das relações sociais, o
que implica, profundamente, no aumento das relações jurídicas, o Estado, com o
propósito não somente de controlar o Poder, mas igualmente de acompanhar o
desenvolvimento dos povos, inflaciona a produção legislativa, muitas vezes sem a
participação popular, elaborando regulamentos, leis e códigos nos frios gabinetes
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28 ARANHA, Márcio Iorio. Interpretação constitucional e as garantias institucionais dos direitos fundamentais, p. 112.
169
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_________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE
FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO
PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A
MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil
como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de
2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS
BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado
Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em
Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de
Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do
Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO
DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito
Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/
_____.Examinadores:__________________________________________________
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___________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in
memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do
curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira,
Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os
quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de
Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas
no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel
Reale) SumárioResumo
................................................................................................................ 11Abstract
................................................................................................................ 12Resumen
29 BRAIBANT, Guy. El modelo francés de la nueva codificacion, p. 91. 30 PRIETO, Luis María Cazorla. La Codificación como función de los Poderes Públicos en el Estado contemporáneo: el caso español, p. 33/34. 31 SALVAT, Raymundo M. Tratado de Derecho Civil Argentino: parte general, p. 41.
171
............................................................................................................... 13Introdução
...............................................................................................................14Capítulo I – As
Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil Brasileiro
.......................................................................................... 191. A influência exercida
pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro
.................................................................................................................191.1. O
Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo
...................................................................................................................... 191.2. A
codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade
pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da
ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX
............................................................................................... 30 2. A influência
exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro
.............-se da filosofia do direito na sua dimensão mais ampla, deixando de estudar
o Direito como norma de conduta33 , muitos dos objetivos traçados pela codificação
civil foram alcançados, senão todos, mas que modernamente é preciso rever estes
dogmas.
Os principais objetivos de codificação das leis civis consistem em:
a) facilitar o acesso de todos aos textos legais, na medida em que as leis
condensadas em um só corpo facilmente são manuseadas, a partir daí são mais
facilmente e constantemente questionadas. Esta foi uma das razões da necessidade
da elaboração das Leis das XII Tábuas – os plebeus tinham que ter conhecimento
de quais as leis que estavam em vigor, a clareza do direito, não só do ponto de vista
de ter que ser numa linguagem fácil, acessível, mas também de estar ao alcance de
todos.
É claro que atualmente, pela facilidade que o ser humano possui de se
comunicar e, via de conseqüência, ser capaz de saber quais as leis que estão ou
não em vigor, ajuda a diminuir consideravelmente este aspecto. No entanto, a
multiplicidade de leis existentes corrobora para entendimento oposto, concluindo-se
que os jurisdicionados, de um modo geral, somente têm condições de tomar
32 DAVID, René. Os grandes sistemas do Direito contemporâneo, p. 52. 33 DAVID, René. Os grandes sistemas do Direito contemporâneo, p. 53-54.
172
conhecimento das principais leis, que são exatamente a Constituição e os códigos, e
não de leis extravagantes.
b) Tornar o Direito mais certo e mais preciso, face à sua sistematização.
Os artigos de leis não são elaborados para se confrontarem uns com os outros,
trata-se de trabalho cuidadoso, franciscano, que leva anos de investigação científica
e estudo aprofundado feito pelos codificadores.
A fase antecessora das grandes codificações mundiais, principalmente a
francesa e alemã, caracteriza-se por tendência das monarquias em editaram em
demasia normas jurídicas, constantemente confusas e conflitantes entre si,
constituindo verdadeiras calamidades públicas. Poucas leis é o ideal, onde elas
proliferam o povo é escravo, e tirano o seu criador.
A segurança jurídica, por sinal, sempre foi um dos pontos basilares do
positivismo jurídico. Van Caenegem salienta ser a segurança jurídica uma das
vantagens do fenômeno da codificação das leis, principalmente por conter um código
todo o Direito. Aponta, ainda, que qualquer
norma que não figure no código ou contrário a ele é tida como
inválida, possuindo seu texto precedência sobre a doutrina jurídica
(que muitas vezes está dividida) e sobre a jurisprudência. Essa
situação é inteiramente diferente da que prevalecia antes das
codificações, quando havia uma confusão de autoridade jurídica: um
complexo e, às vezes, incoerente corpo de normas consuetudinárias
(algumas das quais jamais tinham sido escritas); pontos de vista
jurídicos divergentes e contraditórios; jurisprudências de diversas
regiões e de épocas diferentes34 .
c) Contribuir para a unificação do Direito. Os códigos tendem a regular
toda a matéria pertinente a um ramo do Direito. Evidente que isto nunca foi possível,
visto que a mutação ocorrida nas relações sociais, propiciadoras do nascimento das
normas jurídicas, a cada momento sua multiplicação se verifica, levando o legislador
ao anseio de produzir outras normas jurídicas para disciplinar estas relações
inacabadas e recém criadas. Tem-se, pelo menos, um panorama geral deste ou
34 VAN CAENENGEM, R.C. Uma introdução histórica ao Direito Privado, p. 18.
173
daquele ramo do direito, ajudando a unificar, em torno do código, as normas de
direito pertinentes à matéria e, a partir daí, serem desenvolvidos outros institutos
jurídicos necessário não só à comunidade jurídica, mas ao próprio homem.
Aspecto de salutar importância permeia o estudo da (des)codificação, no
que se refere de que os códigos são absoletos, porquanto não se prestam a
inovações jurídicas, o que acaba contribuindo para a desunificação do Direito, na
medida em que apresenta, lado a lado, matéria já sedimentada e outra em franca
evolução. Neste particular, Moreira Alves assinala que
[...] quando se fala em inovação não se pretende significar que se inventou algo
de que jamais se teve conhecimento. Código não é campo de experimentação, não é cobaia
em que se testem princípios originais, ainda sem a aquiescência do tempo.
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35 MOREIRA ALVES, José Carlos. Inovações do Novo Anteprojeto de Código Civil. Revista de Informação Legislativa, p. 08.
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________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE
FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO
PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A
MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil
como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de
2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS
BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado
Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em
Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de
Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do
Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO
DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito
Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/
_____.Examinadores:___________________________________________________
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__________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in
memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do
curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira,
Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os
quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de
Direito.
36 Nélson Saldanha aponta que o “conflito entre formalismos e antiformalismos, durante o século XX, não estaria longe de ser correlato da própria crise geral que se veio revelando no Ocidente em vários setores e sob vários aspectos. Desde logo, crise do próprio “Ocidente” no sentido visto por pensadores das mais diferentes índoles: crise do ‘mundo burguês’ em diversos pontos; saturação das formas de vida remotamente oriundas da urbanização da vida histórica. Crise do liberalismo e do capitalismo, do legalismo e da imagem oitocentista do direito, inclusive ocasionalmente – justamente em nosso século e com o conflito entre formalismos e antiformalismos – uma espécie de “implosão da ciência jurídica”. (SALDANHA, Nélson. A Ordem Estatal e Legalista. Revista de Informação Legislativa, n. 96, p. 28). 37 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil, p. 09. 38 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil, p. 09.
176
“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como
estrelas no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”.
(Miguel Reale) SumárioResumo
................................................................................................................ 11Abstract
................................................................................................................ 12Resumen
............................................................................................................... 13Introdução
...............................................................................................................14Capítulo I –
As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil
Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência
exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro
.................................................................................................................191.1. O Código Civil
Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo
...................................................................................................................... 191.2. A
codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade
pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da
ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX
............................................................................................... 30 2. A influência
exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro
.............s que tomam como escólio o continental-europeu. Isto porque a lei é
elaborada antes da aplicação pelo magistrado no caso concreto, o qual observa com
proficiência a conduta realizada pelo agente, compulsa o ordenamento jurídico e
realiza a operação jurídica conhecida como subsunção. Não se pode exigir do
39 Perelman doutrina que “a concepção segundo a qual todo o direito está na lei levava certos professores da primeira metade do século XIX a proclamar que ensinavam não o direito civil, mas o Código de Napoleão. Conhece-se o relatório do reitor Aubry, que dizia em 1857: ‘A missão dos professores, chamados a ministrar, em nome do Estado, o ensino jurídico, é de protestar, com comedimento por certo, mas também com firmeza, contra toda inovação que tenderia a substituir a vontade do legislador por uma vontade alheira’. Em 1846, Mourlon publicava Répétitions écrites sur le Code civil, onde se empenhava em incultar aos estudantes o respeito sagrado pela lei: ‘Um bom magistrado humilha sua razão perante a razão da lei; pois ele é instituído para julgar segundo ela e não pode julgá-la. Nada está acima da lei e é prevaricar eludir-lhe as disposições a pretexto de que a eqüidade natural lhe resiste. Em jurisprudência, não há, não pode haver razão mais razoável, eqüidade mais eqüitativa, do que a razão ou eqüidade da lei’”. (PERELMAN, Chaïm. Ética e Direito, p. 446-447). 40 Salutar a observação de Karl Larenz, no sentido de que “só a lei ou o Direito conformado em regras podem ter lacunas, mas não o Direito como um todo de sentido; este conteria sempre uma norma jurídica que possibilitasse a resolução e que só não foi ainda conhecida e formulada até ao momento. Consta esta concepção há que objectar que ela desconhece o momento criador de todo o desenvolvimento do Direito, em especial da integração de lacunas. Assim como o Direito, enquanto espírito objectivo, só existe, só está temporalmente presente, em virtude de aqueles a quem se dirige e que o aplicam dele terem consciência, uma norma jurídica que tem primeiro que ser achada, não existe ainda. É, em todo o caso, Direito em potência, mas não em acto, quer dizer, existente na aplicação. Converte-se direito em acto, vigente pelo menos factualmente (law in action), só quando é declarado por um tribunal e é tomado, pelos menos num caso, como fundamento da sua resolução”. (LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 572-573). 41 PERELMAN, Chaïm. Ética e Direito, p. 645.
177
legislador, que em última análise representa a vontade da sociedade, que seja ele
capaz de “advinhar” os anseios e necessidades da população, caso a caso. A vida
social é dinâmica; a ponto do que ser preocupação legislativa hoje não mais ser
amanhã, ou o que não foi ontem passar a ser pouco tempo depois. Esta dinâmica
jurídico-social somente existe porque o homem é um ser que está constantemente à
procura da felicidade, movimentando e utilizando de todos os meios para conseguir
este intento.
O aprofundamento da crise entre o direito público e direito privado
contribuiu para o esfacelamento da idéia totalizante da codificação, ainda mais pelo
(re)nascimento do Direito Social –, o qual compreende institutos de ambos; e da
própria crise por que atravessa o direito privado, onde muitos de seus institutos
jurídicos estão sendo constitucionalizados ou publicizados.
Neste particular, os limites entre um e outro ramo focalizam-se na
participação do Estado nas relações jurídicas43 , o que acaba frutificando a idéia
romana da “teoria do interesse”, mas com o advento do Estado Social, praticamente
“tudo”, todas as relações jurídicas, passaram a ter como cérebro difusor o Estado.
Verifica-se nesta crise entre o direito público e o privado, (ou melhor),
entre o direito constitucional e o civil, que apesar da longa sedimentação dos
institutos civilistas, a interpretação da Constituição pelos magistrados, e nisto tem-se
conseguido com significativo valor, vem suprindo as lacunas no âmbito do direito
privado, e às vezes utilizando-se até de elementos metajurídicos para se chegar ao
desiderato estipulado.
A crise por que passa o direito constitucional, com suas constituições,
ainda que principiológicas, propositadamente repletas de lacunas, refletindo
diretamente nas relações de direito privado, já que estas, quer queira ou não, tomam
como esteio aquelas, é fruto do próprio amadurecimento ou peco da ciência jurídica,
com o dogma de que o direito constitucional é capaz de resolver todos as aporias e
problemas suscitados.
42 OLIVEIRA, Lourival Gonçalves de. Lacunas: Direito Público e Direito Privado. Revista de Informação Legislativa, p. 61. 43 OLIVEIRA, Lourival Gonçalves de. Lacunas: Direito Público e Direito Privado. Revista de Informação Legislativa, p. 63.
178
Nesse sentido é que Campilongo doutrina que:
as lacunas do direito, mais do que um problema de técnica jurídica,
são reflexos de um contraditório processo de tutela de interesses
antagônicos. Por outras palavras; discutir as lacunas do direito
constitucional significa refletir sobre o estatuto teórico da ciência do
direito, a natureza das categorias jurídicas, o papel do jurista e,
principalmente, os limites de eficácia da noção de norma como
mecanismo apto a compatibilizar o pluralismo de interesses, sujeitos,
razões e, até mesmo, formas de juridicidade44 .
A teoria da codificação teve como sustentáculo, dentre outros fatores,
passar a idéia de que este tipo de diploma legal é capaz de por si mesmo agrupar,
disciplinar e harmonizar todo o sistema de direito de um povo, que à época era
precipuamente o direito privado, já que nem se falava em Constituição, ou esta tinha
apenas o aspecto meramente político, havendo uma grande divisão entre o direito
público e privado, prevalecendo este em muitas situações, como o caso da
manifestação da vontade nos contratos e da soberania do direito de propriedade,
propiciando, assim, a inexistência de lacunas dentro do ordenamento jurídico.
Efetivamente, como bem assinala Van Caenengem, ao lado da segurança
jurídica, da unidade de escala de um Estado, reino ou império, tendo em vista a
confusão de ordenações e costumes locais existentes à época principalmente dos
séculos XVIII e XIX, agiganta-se o fator da clareza, que vem a ser capacidade de
assegurar o conteúdo do direito. Diz, pois, que um código
[...] trata sistematicamente da totalidade de um assunto, numa
linguagem acessível aos leigos. Essas qualidades representam um
avanço importante em relação a um estágio anterior, em que o direito
estava escrito numa linguagem técnica obscura, freqüentemente um
latim ininteligível para os não-iniciados45 .
O direito civil, mais do que qualquer outro ramo do Direito, não tolera a
existência de lacunas jurídicas, por demonstrar a própria desmoralização de toda
uma teoria codificadora, que sente nos códigos a capacidade de “agrupar” todo o
44 CAMPILONGO, Celso Fernandes. As lacunas no Direito Constitucional. Revista de Informação Legislativa, p. 92-93.
179
ordenamento jurídico de um povo. O direito constitucional vai romper com este
aspecto e se projetar cada vez mais para ser um sistema de direito aberto, lacunoso
em si, e a todo instante completado por outros ramos do saber, por elementos
metajurídicos, de tal maneira que haverá uma constante interação entre direito
público e privado; este, utilizando-se da criação dos micro-sistemas jurídicos, não se
sabendo, com precisão, quais os limites dogmáticos de cada um, constituindo, no
fundo, um só direito, misto, eclético, cujo objetivo primordial é assegurar ou propiciar
a felicidade dos jurisdicionados, por meio da concretização do ideal de justiça.
O certo é que as lacunas jurídicas sempre existirão no ordenamento
jurídico de um país. Deve-se, no entanto, conviver com elas, o que se faz por meio
de procurar suprimi-las. Lourival Gonçalves de Oliveira aponta que
[...] o problema é, antes de tudo, constituído por elementos
concretos; a norma em si, ou o direito como todo, de um lado, e do
outro o fato, a realidade. Ocorrendo hiato na conexão tentada, há a
lacuna; a lei específica, ou o direito, não foi capaz de reconhecer,
organizar ou decidir de forma suficiente, ou de forma exigida46 .
O Direito, pois, como criação humana, nem sempre é capaz de dirimir e
solver todos os problemas existentes, exatamente porque, na sua essência, o
homem é composto de vicissitudes e anseios um tanto volúveis e complexos.
4. Os micro-sistemas jurídicos e a descodificação do direito civil
Desde o fim do Estado Liberal e início do Estado Social, o Direito vem
sofrendo intensas transformações de difícil apreensão e maturação. A necessidade
premente de serem disciplinados os anseios e as próprias angústias do homem,
aliada à conexão que deve existir a recriação de modelos comportamentais que
deve ele seguir, faz do Direito hoje uma ciência cada vez mais atual e importante.
45 VAN CAENENGEM, R. C. Uma introdução histórica ao Direito Privado, p. 18-19. 46 OLIVEIRA, Lourival Gonçalves de. Lacunas: Direito Público e Direito Privado. Revista de Informação Legislativa, p. 59.
180
Tudo isto ocorre, especificamente no Brasil, por estarmos vivendo o
Estado Democrático de Direito. A Constituição é a grande responsável por este
“salto” na modernização de como são vistas as coisas47 . Mudaram-se os vetores
identificadores das normas jurídicas: mais fluidas, gerais, principiológicas; o
formalismo jurídico cede espaço à dialética, que procura por meio do discurso,
legitimar as ações de seus governantes; as três funções do Estado, que vez ou outra
entram em conflito, assumem papéis de guardiãs do processo de direcionar o
homem a uma vida social plena de felicidade. Reflexo deste quadro é a “procura” por
direitos que a sociedade impõe ao Estado sejam-lhes outorgados; multiplicam-se as
leis, os princípios gerais de direito agora são positivados48 , passando a idéia de que
integram o mundo jurídico na sua dimensão mais importante e extensa; a
jurisprudência assume definitivo papel de fonte do direito, completando o
ordenamento jurídico naquilo em que este se acha omisso. Enfim, nova e mutável
ordem jurídica se apresenta.
Justamente neste contexto entra a relação entre a Constituição, como
expressão mais forte e geral dos anseios de um povo, e os micro-sistemas jurídicos,
gerados pela sucumbência da idéia totalizante dos códigos oitocentistas. Ora, se a
sociedade reclama por mais direitos, o que se dá no caso do sistema jurídico
(continental-europeu) predominante no Brasil, especialmente por meio da
elaboração de normas jurídicas, urge pela procura de novos modelos, os quais não
estejam presentes apenas nos códigos civis, mas em repositórios de leis com o fito
de satisfazer a necessidade existente – o que se conquista por meio da elaboração
destas espécies de mini-códigos especializados.
Fábio Siebeneichler de Andrade, após fazer uma análise crítica sobre a
concepção clássica da lei como expressão da vontade geral,
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47 Para Pietro Barcelona a “modernización se presenta como la consumación de la modernidad (de su vocaci ilustrada) y como el triunfo definitivo del carácter infundamentado, artificial y polimorfo del mundo moderno. La modernización materizaliaría de este modo la eliminación de todo “resíduo metafísico” y, en particular, de la idea de una “vida libre, buena y justa”, que há constituido el motor del antagonismo del Manifiesto de Marx. (BARCELONA, Pietro. Postmodernidad y Comunidad: el regreso de la vinculación social, p. 15). 48 Quando um princípio geral de direito passa a ser positivado é sinal de que atingiu um estado de maturação bastante acentuado; contudo, tal aspecto pode petrificar a raiz principiológica do seu enunciado, na medida em que sendo direito natural, na sua essência, (entendimento primário que os princípios agregam) seu entendimento
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depende menos de interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais, encontrando-se na própria natureza humana a busca de seu efetivo sentido.
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49 ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. Da Codificação: crônica de um conceito, p. 129.
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________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE
FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO
PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A
MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil
como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de
2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS
BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado Trabalho
Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em Filosofia do
Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção
do título em Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne. Teresina,
junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo
Código Civil como eixo central do Direito Privado Autor: Joseli Lima
MagalhãesAprovado em : ____/____/
_____.Examinadores:__________________________________________________
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___________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in
memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do
curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira,
Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os
quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de
Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas
no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel
Reale) SumárioResumo
................................................................................................................ 11Abstract
................................................................................................................ 12Resumen
............................................................................................................... 13Introdução
50 ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. Da Codificação: crônica de um conceito, p. 132. 52 VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica, p. 181/182.
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...............................................................................................................14Capítulo I – As
Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil Brasileiro
.......................................................................................... 191. A influência exercida
pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro
.................................................................................................................191.1. O
Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo
...................................................................................................................... 191.2. A
codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade
pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da
ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX
............................................................................................... 30 2. A influência
exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro
.............processual e direito penal, carreando verdadeira assistematização do direito,
sendo objeto de pertinazes críticas pelos civilistas, os quais vêem nos códigos civis
modelos históricos de sistematização da ciência jurídica. De uma hora para outra
tudo isto é escamoteado, toda a história da doutrina dogmática civilística que se
construiu em cima dos institutos históricos do direito civil são postos à porfia.
Adir-se a tudo isto o aspecto de que a “vida útil” das lei especiais tendem
a ser cada vez menores. Elaboram-se normas para fatos ou situações concretas,
com prazo existencial já quase que previamente determinado, resultado da
transmudação das necessidades humanas.
Esta multiplicação de normas jurídicas, como se fosse a salvação de
todos os problemas enfrentados pelos Estados modernos, verbi gratia, baixos
salários, quando não desemprego, fome, falta de assistência educacional e
previdenciária, leva ao próprio descrédito da produção legisferante. O mito da
obediência e sujeição ao texto da lei é desmascarado; eclodem, no seio da
sociedade, as greves e a desobediência, junto ao Estado de Direito.
Para Siebeneichler, ao tomar como escopo pensamento de Francisco
Carnelutti, na obra La Morte del Diritto, salienta que por ser a crise tão intensa,
caminha para o fim do estado de Direito, dada a multiplicação a inflação de normas
53 ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. Da Codificação: crônica de um conceito, p. 135.
185
jurídicas, que acaba por multiplicar consideravelmente a quantidade de regras
jurídicas, surgindo daí uma hipertrofia legislativa54 .
Paradoxalmente, desta “hipertrofia legislativa”, no sistema jurídico
brasileiro, o próprio Estado, sabedor da importância que mesmo inseridos direitos na
constituição, muitos outros ainda não foram garantidos, põe à disposição dos
cidadãos institutos que visam suprir esta lacuna legislativa, o que ocorre por meio do
Mandado de Injunção55 , como garantia processual constitucional, para possibilitar,
mais ainda, a fruição de quaisquer direitos constitucionalmente assegurados em
normas não auto-executáveis, e que, infelizmente, não teve e não está tendo a
repercussão e finalidade para qual foi idealizado originariamente no texto de 1988; a
Ação de Inconstitucionalidade por Omissão, que no dizer de Gisele Cittadino, após
salientar a congruência de fatores que os une, como a efetivação da idéia
comunitária de intérpretes da Constituição, mais evidente no caso do Mandado de
Injunção, pela extensão da legitimidade ativa de seus membros, assevera que:
os cidadãos e as associações possuem legitimidade, assegurada
pela própria Constituição, para deflagrar processos judiciais perante
juízes e tribunais, especialmente no sentido de tornar efetivas as
normas constitucionais protetoras dos direitos sociais fundamentais,
combatendo as omissões dos poderes públicos. Neste contexto de
Constituição aberta e de abertura constitucional, não se poderia
destinar outro papel aos tribunais, senão o de regente republicano
das liberdades positivas56 .
54 ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. Da Codificação: crônica de um conceito, p. 141. 55 Carlos Augusto Alcântara Machado, na sua tese de mestrado pela Universidade Federal do Ceará, sobre Mandado de Injunção, conclui ser este remédio constitucional o “meio viabilizador do exercício de direitos Constitucionais que dependam de regulamentação, e visa conferir efetividade à Constituição, entre outras conclusões, assevera o seguinte sobre este importante instrumento processual constitucional: a) o STF, ao conferir ao mandado de injunção o mesmo efeito da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, adotando posição não concretista, esvazia o novo writ e o despoja da finalidade para o qual foi criado; b) o problema que autoriza o ajuizamento da mandado de injunção não se situa no plano da teoria tradicional das lacunas, como pode parecer; c) A hipótese, portanto, não é de completude ou incompletude do Sistema Jurídico, no sentido de que o caso concreto (litígio) tem de ser decidido pelo magistrado (proibição do non liquet – art. 126, CPC), com base nos meios supletivos consagrados no próprio ordenamento jurídico. A tarefa confiada ao julgador, de desvendar normas com base no sistema jurídico, considerando-se os elementos fornecidos pelo mesmo sistema, refoge ao âmbito do mandado de injunção; d) no mandado de injunção, o problema surge em razão da falta da norma regulamentadora que inviabiliza o exercício de direitos e liberdades constitucionais; e) Na teoria das lacunas, a norma existe no sistema jurídico, apesar de ainda não desvendada, aparecendo somente no momento da decisão. O que autoriza a utilização do mandado de injunção é a inexistência de regulamentação, total ou parcial”. (MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. Mandado de Injunção: um Instrumento de efetividade da Constituição, p. 138-189). 56 CITTADINO, Gisele. Direito e Justiça distributiva: elementos da Filosofia Constitucional contemporânea, p. 59-60.
186
Não se diga que os magistrados ou os Tribunais estariam legislando, mas
forçando a existência de novo paradigma interpretativo da lei, que deixa de ser
autêntica, no âmbito da Função Legisladora, e alcança importância na Função
Judicante, na medida em que, também, novos comportamentos legais são
permitidos e assegurados, o que de uma forma ou de outra acabam sendo
acoplados aos micro-sistemas de direito, possuidores, na essência, de abertura a
normas de direito constitucional, modificando, desta feita, o conteúdo do próprio
direito privado.
Por outro lado, a pluralidade de normas igualmente propicia uma nova
atividade do cidadão: a evasão. Isto se dá no âmbito do direito municipal,
previdenciário e tributário, tendo o jurisdicionado à sua disposição, desta forma, uma
pluralidade de regras jurídicas que lhes podem ser manuseadas satisfatoriamente,
principalmente contando com os préstimos de atuante advogado.
É claro que todo este “espetáculo de criação de leis” não se verifica
apenas, no Brasil, mas é fruto do verdadeiro Estado Democrático de Direito que
atravessamos, e que os micro-sistemas jurídicos, como repositórios primários destas
leis,
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FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO
PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A
MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil como
eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de 2003Joseli Lima
MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo
Código Civil como eixo central do Direito Privado Trabalho Monográfico apresentado
como exigência do Curso de Pós-Graduação em Filosofia do Direito e Teoria
Geral do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do
título em Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. George Browne. Teresina,
junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo
Código Civil como eixo central do Direito Privado Autor: Joseli Lima
MagalhãesAprovado em : ____/____/
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___________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in
memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do
curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira,
Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os
quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de
Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas
57 ARCE Y FLÓREZ-VALDÉS, Joaquim. El Derecho Civil Constitucional, p. 60. 58 Neste sentido a obra de SACCO, R.: Codificar: modo superato di legiferare?, in Riv. Dir. Civ., n. 2, 1983. 59 ARCE Y FLÓREZ-VALDÉS, Joaquim. El Derecho Civil Constitucional, p. 61. 60 Um conceito de paradigma, bastante atual, é do Professor Meton Marques, presente na sua tese de doutorado pela UFMG, no sentido de que “traduz as maneiras de ver o mundo e agir numa moldura de conceitos, pré conceitos, valores e pré-compreensões reinantes no nosso meio social, que imprimem o clima e normalidade. Paradigmas, no sentido da pesquisa cientitífica, são modelos oriundos da prática científica real – incluídos, a um só tempo, lei, teoria, aplicação e instrumentação – a partir dos quais brotam as tradições coerentes e específicas de pesquisa científica”. (MARQUES, Francisco Meton. O resgate dos valores na interpretação constitucional: por uma hermenêutica reabilitadora do homem como “ser–moralmente-melhor”, p. 286). 61 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. O Direito pós moderno e a codificação. Revista da Faculdade de Direito da USP, p. 6.
189
no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel
Reale) SumárioResumo
................................................................................................................ 11Abstract
................................................................................................................ 12Resumen
............................................................................................................... 13Introdução
...............................................................................................................14Capítulo I –
As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil
Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência
exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro
.................................................................................................................191.1. O
Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo
...................................................................................................................... 191.2. A
codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade pela
magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da ideologia dos
códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX
............................................................................................... 30 2. A influência exercida pela
Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro .............. A lei
passa a ser interpretada, o uso da razão ganha novo contexto, mais dialético e
menos preconceituoso, abre-se a mente para novos pensamentos, sempre, contudo,
vinculados ao princípio legal da motivação das decisões judiciais, não como
elemento do velho positivismo jurídico e da segurança jurídica, mas como fator
determinante dos jurisdicionados saberem o porquê desta ou daquela decisão, e a
partir daí saber fundamentar o recurso.
Do arbítrio da lei passamos ao arbítrio da razão. O direito (aplicação da
lei) passa a se atualizar, não mais exprimindo o momento que foi elaborado. A
62 Neste particular, pertinente a lição de Nélson Saldanha, segundo o qual há pelo menos dois mil anos que os juristas se habituaram a estimar a ordem. Por outro lado, sempre existiu a impressão de que o direito privado –defendido pelos que indigitam a crise – é o direito propriamente dito, menos permeável que o direito “público” às ingerências políticas e à presença do Estado: no pensamento de KELSEN, herdeiro da linha de SEYDEL e de GERBER, o ideal privatístico atuou como ideal de cientificidade e como ideal de sistematização. Neste desejo de se destacar da presença do Estado, revelado por muitos juristas, parece-nos, contudo, ver uma espécie de nostalgia do medievo, quando o estudo do direito lidava com um objeto dado em textos quase sagrados, sem um direito “público” digno de nota e sem estatizações criadoras de crises. Sem embargo de que muitos destes mesmos juristas, desconfiados do Estado, continuem supervalorizando a lei e praticando sob diversas formas o positivismo jurídico. É que a crise, que atinge em especial o tipo de direito consolidado no Estado contemporâneo, se agrava precisamente por não se entremostrar nenhuma alternativa para esse tipo. (SALDANHA, Nélson, Transformação e Crise no Direito: uma visão histórico-crítica. Revista de Informação Legislativa, p. 65-66). 63 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. O Direito pós moderno e a codificação. Revista da Faculdade de Direito da USP, p. 7.
190
decisão é um conjunto de fatores que vão buscar os costumes, as outras decisões
semelhantes, o que pensam os doutrinadores sobre o assunto, enfim, é dado ao
magistrado construir todo um sistema livre de interpretação. A lei de referência
obrigatória passa a ser, tão-somente, um vetor não necessariamente a ser seguido.
Essa nova cosmovisão encontra respaldo, principalmente, na Escola Realista do
Direito, Escandinava e Norte-americana, que inseriu no Direito o elemento da
eficácia. No Brasil, em particular, após a entrada em vigor da Constituição de 1988.
Tentando dar satisfatória solução a este conflito, em se saber se o Direito a ser aplicado é o texto da lei ou a livre consciência do magistrado, Junqueira de Azevedo propõe que:
[...] a lei e o juiz ficarão para os casos extremos. O paradigma
jurídico, portanto, que passara da lei ao juiz, está mudando, agora,
do juiz ao caso. A centralidade do caso é este: o eixo em torno do
qual gira o paradigma jurídico pós-moderno64 .
Justamente neste sentido é que avulta a figura da “arbitragem”, em seus
contornos mais elásticos, como modo de solução de conflitos entre as partes,
desafogando, por conexão, a Função Judiciária, que se preocuparia, como dito,
apenas com os casos ditos relevantes, e que abarcasse variada gama de
jurisdicionados numa única decisão. Todos estes aspectos, de compor e solucionar
os conflitos judiciais e, essencialmente, impedir que venham a ocorrer, passam, sem
dúvida alguma, pelo desenvolvimento de novos métodos de pensar o Direito. A
figura da arbitragem é, por assim dizer, um dos modos eficientes para se resolver a
crise pela qual o Direito atravessa, ademais, o Estado tem que investir neste
desiderato e, com isso, então, a sociedade tome consciência de que seus conflitos
particulares podem e devem ser resolvidos sem a direta intervenção estatal.
A codificação também se apresenta como elemento capaz de contribuir
para a resolutividade da crise do Direito. Os magistrados, mas do que nunca, terão
que ter à disposição mecanismos eficientes e sistemáticos de aplicar o Direito. Os
códigos da modernidade não devem ser apresentados como modelos do
64 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. O Direito pós moderno e a codificação. Revista da Faculdade de Direito da USP, p. 8.
191
racionalismo e positivismo do século XIX, com a tendência de unidade65 e
completude do ordenamento jurídico, e assim servir como base de apoio para o
desenvolvimento do Direito. Os códigos não podem petrificar o Direito; mas têm
como escopo desenvolvê-lo e aperfeiçoá-lo.
6. O Código Civil como eixo central do direito civil
O movimento codificador típico dos séculos XVIII, XIX e parte do século
XX, como técnica legislativa priorizada pelos legisladores, encontra-se definida em
cada época, pela própria complexidade da situação histórica. As características irão
depender da composição e estrutura do Estado, da cultura política dos membros da
Função Legislativa, bem assim a relação com a ciência jurídica da época66.
Por ser criação de uma época em que o Direito passava por grandes
transformações, inclusive tentando sustentar-se por meio da sistematização e da
segurança jurídica, pondo de lado, de certo modo, um pouco os princípios basilares
do Direito Natural, não mais se podendo acoplar este modelo codificante à realidade
vivenciada pelos jurisdicionados no mundo todo. Assim como as pessoas, o Direito é
suceptível de mudanças, às vezes para pior, mas a procura pela perfeição é sempre
buscada. A codificação das leis civis, neste particular, não pode lastrear-se em
repetir os mesmos princípios e teorias; a visão da codificação
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65 Nélson Saldanha aponta que os gregos não passaram por esta preocupação da falta de unidade no ordenamento jurídico, mas mesmo assim tiveram legislações e códigos. Aponta ainda que os “romanos não se detiveram sobre o problema com maiores perquirições teóricas, mas ele se acha latente nas definições do direito da época clássica, bem como na hierárquica diferenciação entre fontes que implicava uma idéia da “unitariedade” da ordem jurídica. Citemos ainda o tema das relações entre direito (jus) e lei (lex), também praticamente ignorado pelos gregos, entre os quais a experiência do jurídico como tal não chegou a se consolidar nem a se constituir em termos mais ponderáveis”. (SALDANHA, Nélson. O Direito Romano e a Noção Ocidental de “Direito”. Revista dos Tribunais, n. 80, p. 123). 66 IRTI, Natalino. La edad de la descodificación, p. 172.
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PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A
MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil
como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de
2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS
BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado
Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em
Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de
Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do
Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO
DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito
Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/
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___________Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in
memorian) e Júlia Lima Magalhães.
Agradeço ao incentivo dado pelos professores do curso de mestrado: Drs.
Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nélson Saldanha e, em
especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os quais não teria sido
possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de Direito.“Infelizmente,
falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas no alto sempre
acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel Reale)
SumárioResumo
................................................................................................................ 11Abstract
................................................................................................................ 12Resumen
67 ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. Da Codificação: crônica de um conceito, p. 154.
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............................................................................................................... 13Introdução
...............................................................................................................14Capítulo I –
As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil
Brasileiro .......................................................................................... 191. A influência
exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil brasileiro
.................................................................................................................191.1. O
Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo
...................................................................................................................... 191.2. A
codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade
pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da
ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX
............................................................................................... 30 2. A influência
exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro
.............utido e valorado, extraem-se as seguintes conclusões primordiais do
dissertação:
A codificação constitui novidade na História do Direito; o homem sempre
procurou aprimorar mecanismos jurídicos suficientes para tornar cada vez mais fácil
e pragmática a vida social.
No direito ocidental, os códigos Civis são fruto do desenvolvimento do
iluminismo e da burguesia como classe que legitimava, pela lei emanada do Estado,
seu poder e influência perante as outras classes;
Os códigos civis antecipavam, já no início do século XVIII, o papel
desempenhado pelas Constituições, ainda mais porque à época o direito prevalente
era o privado, não tendo encontrado amparo para se desenvolver em países de
cultura jurídica que não fosse sólida;
A Escola da Exegese surgiu após a entrada em vigor do Code (1804)
como movimento dos juspositivistas e juristas franceses, especialmente professores
universitários, que tinham por escólio principal proceder a interpretação de artigos do
diploma civil francês, devendo ser entendida pela época em que teve vida, na
medida em que representa uma fase do real desenvolvimento do homem; onde o
68 ALBUQUERQUE, Ronaldo Gatti de. A Reconstrução do Direito Privado: reflexos dos princípios, diretrizes e
195
Direito centralizado na figura da lei, da unidade, da coerência e da completitude do
ordenamento jurídico.
Os reflexos e influências da Escola da Exegese no direito civil brasileiro
foram desde logo (começo do século XVIII) sentidos por aqueles que o faziam, ainda
mais porque, à época, o Brasil ainda era dependente politicamente de Portugal e
vigoravam em nossas terras as Ordenações, as quais, por sua vez, sofreram
acentuada influência do direito civil francês. Boa parte do código civil brasileiro de
1916 esmerava-se no Code, especialmente incorporando o teor patrimonialista e
individualista, inerente à Revolução Francesa;
A Escola Histórica do Direito nasceu como reação contra os exageros
existentes no direito natural e racional, que não observavam ser o Direito
manifestação da sociedade, da história, com estreita relação com as características
inerentes de cada povo, contribuindo, fortemente, tanto para os preceitos instalados
no antigo quanto no novo código civil brasileiro, por propiciar liberalidade ao
magistrado no exercício de sua profissão e incorporar, posteriormente, de certo
modo, os preceitos jurídicos imanentes ao realismo jurídico;
A importância que a Escola Histórica do Direito atribui ao costume
assume relevo face ao caráter aproximativo existente entre ambos. Se por um lado a
lei, apesar de ser manifestação da sociedade, pela representação identificadora no
corpo legislativo, e por outro a jurisprudência pecar por ser manifestação quase que
exclusiva da classe formada por um dos poderes constituídos, o costume,
efetivamente, diagnostica o que a população almeja, deseja ou repele;
Não se pode concluir que Thibaut ou Savigny estavam certos ou errados
em suas proposições e argumentos pela codificação do direito na Alemanha, apesar
da discussão acadêmica ter sido travada no início do século XIX, quando apenas em
1900 entrou em vigor o BGB, estando profundamente presente o caráter
participativo da cientificidade jurídica tão declamado por Savigny;
Os fenômenos do centralismo jurídico e do bartolismo, ocorridos no Brasil,
representaram importante passagem sócio-jurídica de uma época em que se
direitos fundamentais constitucionais no direito privado, p. 84.
196
pretendia consolidar e codificar as leis civis, seguindo o paradigma político-cultural
dominante na Europa do século XVIII;
Uma das mais fortes heranças deixadas no Brasil por Portugal, nas letras
jurídicas, foi a existência de toda uma legislação escorada na idéia de um Direito de
origem legislativa, de procedência estatal;
O centralismo jurídico projetou no seio da cultura jurídica brasileira a
concepção de se elaborar, o quanto antes, um código de relações civis disciplinando
o comportamento da sociedade de então, não refletindo toda cultura baseada no
costume como fonte do direito;
O bartolismo propiciou a elaboração da unidade de nosso ordenamento
jurídico civilista, na medida em que compatibilizava os costumes universais com os
costumes locais, introduzindo a figura do direito romano e do poder da doutrina
como
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_________UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOUNIVERSIDADE
FEDERAL DO PIAUÍESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DO ESTADO DO
PIAUÍMESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO E TEORIA GERAL DO DIREITO A
MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS BRASILEIRAS: O novo Código Civil
como eixo central do Direito Privado Joseli Lima MagalhãesTeresina, junho de
2003Joseli Lima MagalhãesA MODERNA CODIFICAÇÃO DAS LEIS CIVIS
BRASILEIRAS: O novo Código Civil como eixo central do Direito Privado
Trabalho Monográfico apresentado como exigência do Curso de Pós-Graduação em
Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de
Pernambuco, para a obtenção do título em Mestre em Direito, sob a orientação do
Prof. Dr. George Browne. Teresina, junho de 2003A MODERNA CODIFICAÇÃO
DAS LEIS CIVIS BRASILEIRA: O Novo Código Civil como eixo central do Direito
Privado Autor: Joseli Lima MagalhãesAprovado em : ____/____/
_____.Examinadores:__________________________________________________
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Dedico este trabalho a meus pais: José Magalhães da Costa (in
memorian) e Júlia Lima Magalhães.Agradeço ao incentivo dado pelos professores do
curso de mestrado: Drs. Andreas Krell, João Maurício Adeodato, Luciano Oliveira,
Nélson Saldanha e, em especial, ao Professor-orientador, George Browne, sem os
quais não teria sido possível superar mais esta fase de minha vida na Academia de
Direito.“Infelizmente, falha-me a certezaou a crença em valores ideais, como estrelas
no alto sempre acesas, guiando o passo inquieto dos mortais”. (Miguel
Reale) SumárioResumo
................................................................................................................ 11Abstract
................................................................................................................ 12Resumen
............................................................................................................... 13Introdução
199
...............................................................................................................14Capítulo I –
As Influências da codificação francesa e alemã na codificação do Direito Civil
Brasileiro .......................................................................................... 191. A
influência exercida pela Escola da Exegese na codificação do Direito Civil
brasileiro
.................................................................................................................191.1. O
Código Civil Francês como o primeiro código na acepção estrita do termo
...................................................................................................................... 191.2. A
codificação francesa como ideário do positivismo jurídico: a utilização da eqüidade
pela magistratura francesa ............................................... 221.3. A recepção da
ideologia dos códigos civis oitocentistas europeus no Brasil do século XIX
............................................................................................... 30 2. A influência
exercida pela Escola Histórica do Direito na codificação do Direito Civil brasileiro
.............o do princípio a boa fé objetiva;
O princípio da operabilidade tem como esteio propiciar sejam as normas
jurídicas do código civil interpretadas e aplicadas de tal maneira que satisfaçam a
realização do Direito;
Tornar o Direito mais ágil, menos apegado ao formalismo, que apenas
distancia o próprio espírito da norma daquele a quem se dirige, constitui, sem
dúvida, um dos princípios traçados pelos codificadores do atual diploma civil,
cabendo, no entanto, aos magistrados “captarem” esta nova referência
transformadora e atualizante do Direito;
A importância de se ter a Constituição como sistema aberto de normas e
princípios propicia, no campo do direito privado, principalmente o civil, interação
constante e atualizante entre os dogmas do direito público e do privado, gerando a
diretriz de que cada vez mais o direito se torna um só, e que esta dicotomia
acadêmica entre o público e o privado tende se tornar obsoleta e impertinente;
O direito civil sempre emprestou boa parte de seus conceitos, institutos e
princípios para os demais ramos do direito e, agora, tem que obedecer aos
princípios de direito público e de direito constitucional. Os código civis devem
respeitar e temer as Constituições; e não o contrário;
200
A constitucionalização do direito civil oxigena o próprio direito civil,
tornando-o mais flexível, mais vivo, menos formal, e coerente com o que de atual
tem sido produzido na órbita do direito constitucional.
No Brasil, a constitucionalização do direito civil é mais visivelmente
verificada no ramo do direito de família, e na doutrina do princípio da dignidade da
pessoa humana, que está remodulando o conceito de pessoa, dando uma visão
publicista do direito civil, advinda do aparecimento do Welfare State, onde boa parte
de temas sociais considerados relevantes foram publicizados;
A codificação das leis civis, apesar de sistematizar o Direito, tornando-o
mais claro, menos formal, mais conhecido e mais preciso, não tem sido capaz de se
manter atual face às novas transformações pelas quais o mundo moderno tem
passado, principalmente em face da proliferação dos micro-sistemas jurídicos;
São considerados objetivos da codificação facilitar o acesso de todos aos
textos legais; tornar o Direito mais certo e mais preciso, em decorrência de sua
sistematização; contribuir para a unificação do Direito; facilitar a organização
científica do Direito e, por fim, propiciar o agrupamento total de determinado ramo do
Direto;
Perderam os códigos civis o comando totalizador do direito privado, e de
exportarem a dogmática inserida em seus institutos jurídicos, inexistindo uma base
sólida paradigmática a ser seguida, abalando, conseqüentemente, a unidade e
estabilidade que aglutinavam. São os micro-sistemas, pois, o repouso propulsor da
criação das leis no ordenamento jurídico de cada Estado;
Os micro-sistemas jurídicos passam cada vez mais a integrar um corpo
legislativo completo em si, dentro naturalmente de seus limites, com matéria muitas
vezes versando inclusive sobre direito processual e direito penal, carreando
verdadeira assistematização do direito, sendo objeto de pertinazes críticas pelos
civilistas, os quais vêem nos códigos civis modelos históricos de sistematização da
ciência jurídica;
Um novo paradigma da modernidade segue o entendimento de que o
redirecionamento do Direito não encontra abrigo somente na elaboração de novas
201
leis, ou mesmo codificá-las sob nova égide, dando ao magistrado mais liberdade
para construir o Direito, mas sim aplicando o instituto da “Arbitragem”, em seus
contornos mais elásticos, como modo de solução de conflitos entre as partes,
desafogando, por conexão, a Função Judiciária, que se preocuparia apenas com os
casos ditos relevantes.
Modernamente, a codificação das leis civis deve ser entendida
visualizando o código civil como eixo central das normas de direito civil; para onde
congregam os principais institutos e princípios de direito civil, existindo, pois, um
núcleo mínimo direcionador do direito privado, supra-conectado com os micro-
sistemas jurídicos de caráter e com a constituição.
O código civil de 2002 vem demonstrar a mutabilidade e atualização de se
legislar por meio da codificação, onde foram revistos muitos de seus conceitos, mas,
principalmente, modernizou-se a visão que um código deve possuir: como eixo
central de um ramo do direito, não possuindo o caráter totalizante; mas sim
direcionador.
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