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Universidade de Brasília - UnB Faculdade de Direito O CONTROLE EXTERNO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS FUNDAMENTOS E LIMITES DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito Autor: Guilherme Henrique de La Rocque Almeida Orientador: Prof. Márcio Nunes Iório Aranha Oliveira Banca Examinadora: Dr. Benjamin Zymler e Dr. Paulo Soares Bugarin

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Universidade de Brasília - UnB

Faculdade de Direito

O CONTROLE EXTERNO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS –

FUNDAMENTOS E LIMITES DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE

CONTAS DA UNIÃO

Monografia apresentada como requisito parcial à

obtenção do título de Bacharel em Direito

Autor: Guilherme Henrique de La Rocque Almeida

Orientador: Prof. Márcio Nunes Iório Aranha Oliveira

Banca Examinadora: Dr. Benjamin Zymler e Dr. Paulo Soares

Bugarin

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Agradeço ao Professor Márcio Nunes Aranha,

não só pela valiosa orientação na elaboração

desta monografia, mas também pelos muitos

ensinamentos ministrados durante o Curso de

Direito.

Agradeço ao Ministro Benjamin Zymler e ao

Subprocurador-Geral junto ao TCU Paulo

Soares Bugarin pelas críticas e sugestões

recebidas, as quais colaboraram

significativamente para o aperfeiçoamento do

presente trabalho.

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Dedico esta monografia a minha esposa,

Patrícia Liz, consciente de que seu apoio

constante foi fundamental para a realização

deste trabalho.

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Sumário

1. Introdução 5

2. Agências reguladoras brasileiras

2.1 Origens 7

2.2 Natureza jurídica 15

2.3 Características 20

3. Algumas questões relevantes

3.1 Os principais problemas enfrentados pelo modelo de

agências reguladoras adotado no Brasil 24

3.2 As soluções propostas no Direito Comparado 26

4. O controle

4.1 Controle: conceito, evolução e fundamentos 36

4.2 Tipos de Controle 37

5. O Tribunal de Contas da União

5.1 Gênese e evolução do TCU 42

5.2 Posição institucional da Corte de Contas Federal 44

5.3 Competências do Tribunal de Contas da União 52

6. O controle das agências pelo TCU

6.1 Histórico 57

6.2 Escopo dos trabalhos realizados pelo TCU 60

6.3 Metodologia utilizada pelo TCU 62

6.4 Competências do TCU relativas à fiscalização das agências

reguladoras 62

6.5 Principais decisões do Tribunal de Contas da União sobre

as agências reguladoras 65

7. Considerações Finais 74

Referências Bibliográficas 82

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1. Introdução

Nos últimos anos, as agências reguladoras tem despertado interesse no meio

acadêmico e ensejado a elaboração de vários artigos e livros. Entretanto, ainda existem pontos

obscuros com relação a esse tema, dentre os quais destaca-se a questão do controle dessas

agências, especialmente no que concerne aos seus fundamentos, limites e executores. Afinal,

se é unânime o entendimento de que essas entidades podem e devem ser controladas, há

discordâncias marcantes quando se analisa, por exemplo, a competência do TCU para

fiscalizar as atividades ligadas à área fim das agências1.

No dia 12/04/2004, o Presidente da República assinou mensagem encaminhando

ao Congresso Nacional projeto de lei dispondo sobre a gestão, a organização e os mecanismos

de controle das agências2. Além de criar diversos mecanismos de controle, o projeto

estabelece o envio obrigatório ao Tribunal de Contas da União dos contratos de gestão

firmados por essas entidades, que servirão de peças de referência para auditorias

operacionais3, as quais têm por objeto as atividades fim das agências

4. Logo, esse projeto

explicita que o TCU possui competência não só para verificar a regularidade das atividades

administrativas das agências, mas também para analisar, de forma plena e exauriente, as

1 Marçal Justen Filho, por exemplo, entende que o controle parlamentar é ilimitado enquanto aquele exercido

pelo TCU estaria adstrito à gestão administrativa em sentido próprio, não podendo abarcar o conteúdo das

decisões regulatórias (O Direito das Agências Reguladoras Independentes. São Paulo: Dialética, 2002. pp.

588 e 589). No mesmo sentido, Luiz Roberto Barroso considera que escapa às atribuições do TCU o exame das

atividades das agências que não impliquem dispêndio de recursos públicos (Apontamentos sobre as agências

reguladoras. In Agências Reguladoras. Alexandre de Moraes (org.). São Paulo: Atlas, 2002. pp. 128 a 130) 2 Esse projeto foi elaborado com base nas conclusões contidas no Relatório Final do Grupo de Trabalho

constituído para proceder à análise e à avaliação do papel das agências reguladoras no atual arranjo institucional

brasileiro, o qual foi composto por representantes da Casa Civil da Presidência da República e dos Ministérios da

Justiça, da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Saúde, do Meio Ambiente, das Comunicações, de

Minas e Energia, da Defesa e dos Transportes, além da Advocacia-Geral da União. 3 Segundo o art. 8

o do projeto: “A administração das Agências Reguladoras será objeto de contrato de gestão,

negociado e celebrado entre a Diretoria Colegiada ou o Conselho Diretor e o titular da Pasta a que estiver

vinculada a Agência, ouvidos previamente os Ministros de Estado da Fazenda e do Planejamento, Orçamento e

Gestão, no prazo máximo de cento e vinte dias após a nomeação do Diretor-Geral, Diretor-Presidente ou

Presidente.”

(...)

§ 4o O contrato de gestão, seus aditamentos e relatórios de avaliação deverão ser publicados na

imprensa oficial, pela Agência Reguladora, no prazo máximo de vinte dias, contados a partir de sua assinatura,

condição indispensável para sua eficácia, sem prejuízo de sua ampla e permanente divulgação por meio

eletrônico pelas respectivas Agências Reguladoras, devendo uma cópia do instrumento ser encaminhada para

registro no Tribunal de Contas da União, onde servirá de peça de referência em auditoria operacional. 4 Segundo publicação do Tribunal de Contas da União, as auditorias operacionais avaliam os padrões de

economicidade, eficiência e eficácia das atividades dos órgãos e entidades jurisdicionados e dos sistemas, ações

e programas do governo federal. Dessas auditorias resultam recomendações do Tribunal, destinadas a aprimorar

o gerenciamento dos entes públicos e das ações e programas governamentais implementados (Ver Conhecendo o

Tribunal. 2ª ed. rev. ampl. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2003. p. 38)

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atividades fim dessas entidades reguladoras. Assim sendo, existe uma divergência importante

quanto aos limites da competência da Corte de Contas Federal.

O presente trabalho visa oferecer algumas considerações sobre esse tema, sem

almejar esgotá-lo, o que, aliás, seria inviável face às limitações de espaço e tempo típicas de

uma monografia de final de curso de graduação.

No primeiro capítulo, serão analisadas as origens das agências reguladoras,

destacando-se o conceito de regulação, o processo histórico que gerou a criação dessas

entidades e as semelhanças com o modelo norte-americano de agências. Posteriormente, será

analisada a natureza jurídica e as principais características dessas entidades, com ênfase nos

elementos que as distinguem dos demais órgãos e entidades existentes no Brasil.

No segundo capítulo, serão abordados os principais problemas apresentados pelo

modelo de agências adotado no Brasil e aventadas algumas possíveis soluções para essas

questões, adotando-se como fulcro tanto as experiências locais quanto as internacionais.

O terceiro capítulo é dedicado a uma breve introdução ao controle. Nessa

oportunidade, serão analisados de forma sucinta seu conceito, sua evolução, seus fundamentos

e suas classificações.

No quarto capítulo, estudar-se-á o Tribunal de Contas da União, sua gênese,

evolução, posição institucional e competências. O foco desse estudo será centrado nas

competências do TCU, na estabilidade de suas decisões e no relacionamento mantido pelo

Tribunal com os Poderes da República.

No último capítulo, serão analisadas as experiências práticas de controle das

atividades fim das agências reguladoras pelo TCU. Assim, será apresentado um histórico

desse controle, incluindo o processo de elaboração de normas e de assimilação das

experiências internacionais. Ao final desse capítulo, serão colacionadas as principais decisões

proferidas pela Corte de Contas da União sobre o tema sob comento.

Finalmente, nas considerações finais, o autor dessa monografia, com fulcro nas

análises anteriormente empreendidas, externará seu ponto de vista pessoal sobre o tema desta

monografia.

Por oportuno, esclareço que todas as opiniões emitidas neste trabalho, bem como

todas as falhas cometidas em sua elaboração, são de inteira responsabilidade do seu autor.

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2. Agências Reguladoras Brasileiras

2.1 Origens

Preliminarmente, cumpre esclarecer que, no âmbito desta monografia, adotar-se-á

a definição de FIGUEIREDO para regulação:

“atividade administrativa desempenhada por pessoa jurídica de direito público

consistente no disciplinamento, na regulamentação, na fiscalização e no

controle do serviço prestado por outro ente da Administração Pública ou por

concessionário, permissionário ou autorizatário do serviço público, à luz de

poderes que lhe tenham sido por lei atribuídos para a busca da adequação

daquele serviço, do respeito às regras fixadoras da política tarifária, da

harmonização, do equilíbrio e da composição dos interesses de todos os

envolvidos na prestação deste serviço, bem como da aplicação de penalidades

pela inobservância das regras condutoras da sua execução.”5

Depreende-se dessa definição que o âmbito da regulação supera

significativamente o da regulamentação. Afinal, como salienta DI PIETRO6, regular significa

estabelecer regras, inclusive as de caráter regulamentar. A possibilidade de as agências

reguladoras ditarem normas jurídicas tem ensejado acirrados debates em nosso país, como se

verá posteriormente neste trabalho.

Consoante a lição de DI PIETRO, as agências reguladoras brasileiras assumiram o

papel anteriormente desempenhado pela Administração Pública direta, na qualidade de poder

concedente7. Assim sendo, seu advento decorreu de um processo de desestatização

implementado no Brasil a partir da primeira metade da década de 19908, em virtude da crise

fiscal e do fracasso experimentado pelo modelo do Estado do Bem Estar Social. Além da

privatização, foram fundamentais para a adoção do modelo de agências a globalização9 e a

5 FIGUEIREDO, Pedro Henrique Poli de. A Regulação do Serviço Público Concedido. Porto Alegre: Síntese,

1999. p. 40. 6 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 3ª ed. ver. ampl. São Paulo: Atlas,

1999. p. 146. 7 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 3ª ed. ver. ampl. São Paulo: Atlas,

1999. p. 130. 8 BEMERGUY ressaltou que, em virtude das privatizações e das delegações, os serviços públicos passaram a ser

providos por empreendedores privados e pelos agentes públicos remanescentes, quase todos eles atuando como

monopolistas ou oligopolistas em seus setores de mercado. Para dar conta de regular esse novo ambiente, foi

necessário construir todo um aparato institucional e normativo, visto que não havia uma distinção clara entre

poder concedente e concessionário num cenário até então dominado pelo setor público. (In BEMERGUY,

Marcelo. O Controle das Agências Reguladoras. Palestra proferida no III Congresso Brasileiro de Regulação de

Serviços Públicos, promovido pela ABAR – Associação Brasileira de Agências Reguladoras em 2003) 9 A influência da globalização será melhor analisada a seguir.

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necessidade de conferir credibilidade internacional ao marco regulatório a ser implantado no

Brasil10

.

O então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, reformou o Estado

Brasileiro, procurando desenvolver um novo arranjo político-institucional, o qual deveria ser

capaz de estabelecer novos padrões de relacionamento entre Estado, Sociedade Civil e

mercado11

. Essa reforma, cujas idéias básicas podem ser encontradas nas obras de

PEREIRA12

, possuía quatro objetivos principais: reduzir o papel executor do Estado, redefinir

o papel regulador estatal, recuperar a governança e aumentar a governabilidade.

Para reduzir o papel executor do Estado, recorreu-se à privatização, à

publicização13

e à terceirização. A redefinição do papel regulador estatal objetivava permitir a

substituição do Estado por entidades privadas na prestação direta de serviços públicos14

. Já a

recuperação da governança era entendida como a retomada da capacidade estatal de tornar

efetivas suas decisões15

. Finalmente, o aumento da governabilidade visava melhorar a

intermediação de interesses, por meio do aperfeiçoamento da democracia representativa, e

aumentar a legitimidade dos governantes. Para tanto, deveria ser estimulado o controle social

das ações estatais.

Em 31/05/1996, o Conselho de Reforma do Estado recomendou a construção de

um marco legal para os entes reguladores, o qual deveria possibilitar a formulação de uma

política regulatória que desse consistência e coerência às propostas de Governo. Referido

10

Segundo Márcio Nunes Aranha, há vários indícios de que a instituição das agências em nosso país visou gerar

um maior grau de confiança internacional nas instituições brasileiras. Nesse sentido, foi sintomático o fato de a

apresentação do Projeto de lei anteriormente citado ter sido feita pelo Ministro da Fazenda, que, por dever de

ofício, deve zelar pela conquista e pela manutenção dessa confiança. 11

Essa análise foi empreendida, entre outros, por Marçal Justen Filho (10 anos de Constituição: Uma análise.

São Paulo: IBDC, 1998. p. 130) 12

Entre outras, podem ser consultadas PEREIRA, Bresser. A Reforma do Estado nos anos 90: Lógica e

Mecanismos de Controle. Brasília: Cadernos MARE. nº 1; A Crise do Estado. São Paulo: Nobel, 1991, e Crise

Econômica e Reforma do Estado no Brasil. São Paulo: Editora 34, 1996. 13

A publicização consiste na transferência de serviços sociais e científicos para o setor público não estatal. Nesse

sentido, foram instituídas as Organizações Sociais (OS). 14

Face à crise fiscal, a qual impossibilitava a realização dos vultosos investimentos necessários em diversos

setores básicos da economia, buscou o Estado brasileiro, a partir do Programa Nacional de Desestatização -

PND, implantado pela Lei nº 8.031/1990, posteriormente revogada pela Lei nº 9.491/1997, novos mecanismos

de oferta de serviços públicos. Referidos mecanismos visam possibilitar a aplicação de recursos privados nas

áreas necessitadas, o que, a par de aliviar o Tesouro Nacional, garante o atendimento aos usuários desses

serviços.

Afastando-se gradualmente da prestação direta dos referidos serviços, o Estado reserva para si as

atividades de regulação e fiscalização, que passam a ser exercidas basicamente por agências criadas por lei. A

prestação destes serviços, agora realizada por terceiros, em regra, estranhos à Administração, concretiza-se

mediante contratos de concessão ou de permissão e atos de autorização, de acordo com o disposto nos arts. 175 e

21, XI e XII, da Constituição Federal vigente. 15

Avaliou-se que essa retomada dependia tanto de um rigoroso ajuste fiscal quanto da implementação de um

modelo gerencial de Administração Pública, o qual substituiria o modelo burocrático weberiano.

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marco deveria adotar os seguintes princípios:

autonomia e independência decisória;

ampla publicidade de normas, procedimentos e ações;

celeridade processual e simplificação das relações entre consumidores e

investidores;

participação de todas as partes interessadas no processo de elaboração de

normas regulamentares, em audiências públicas;

limitação da intervenção estatal na prestação de serviços públicos aos níveis

indispensáveis à sua execução.

Foi sugerido que esses entes adotassem a forma autárquica, a qual garantiria a

autonomia financeira. Adicionalmente, visando garantir autonomia decisória, recomendou-se:

nomear os dirigentes dessas entidades após a aprovação de seus nomes pelo

Senado Federal;

adotar decisões colegiadas;

vedar a representação corporativa;

permitir a perda de mandato somente em virtude de decisão do Senado, por

provocação do Presidente da República.

Os entes reguladores deveriam:

promover e assegurar a competitividade do respectivo mercado;

garantir o direito de consumidores e usuários dos serviços públicos;

estimular o investimento privado;

buscar qualidade e segurança dos serviços aos menores custos possíveis;

garantir remuneração adequada dos investimentos realizados;

dirimir conflitos entre prestadores de serviços e consumidores e prevenir

abusos de poder econômico por parte dos prestadores de serviços públicos.

Com o fito de introduzir efetivamente esses entes no ordenamento jurídico

brasileiro e sob o impacto da globalização16

17

, procurou-se adotar aqui o modelo norte-

16

Consoante Iorio Aranha, o fenômeno da globalização tende a produzir uma uniformização internacional dos

diversos ordenamentos jurídicos, chegando mesmo a induzir a superação das fronteiras nacionais e a cogitação

de um direito global (IORIO ARANHA, Márcio. Agências: sua introdução no Modelo Jurídico-Administrativo

Brasileiro. In OLIVEIRA PEREIRA, Cláudia Fernanda (org.). O novo direito administrativo brasileiro. Belo

Horizonte: Forum, 2003, p. 166). 17

Em alguns casos, a criação da agência reguladora estava prevista em acordos celebrados com entidades

internacionais, como foi o caso da Agência Estadual Reguladora dos Serviços Públicos Concedidos do Rio

Grande do Sul (AGERGS), cuja implantação estava prevista no Contrato de Empréstimo celebrado entre aquele

Estado e o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), o qual visou ao

financiamento de projeto de melhoria da malha rodoviária.

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americano18

de agências reguladoras (“Independent Regulatory Commission”). Foi um

exemplo da adoção daquilo que SUNDFELD denominou “direito global”, que se opõe ao

direito doméstico. Segundo esse autor, o direito global extrapola largamente as fronteiras do

Estado Nacional para buscar suas fontes também fora dele19

, mas a simples existência de

órgãos e de fontes normativas internacionais nem constitui novidade nem basta para

caracterizar uma nova era20

.

Quanto à origem do modelo de agências implantado no Brasil, existem autores

que afirmam a existência de fortes semelhanças entre o nosso modelo e o britânico21

. Essas

semelhanças teriam sido fortalecidas pela adoção de princípios propostos por uma empresa de

consultoria, que, por sua vez, fundamentou seu trabalho no modelo adotado na Grã-Bretanha.

Efetivamente, verifica-se que, em 1995, o Ministério das Minas e Energia contratou, com

recursos do Banco Mundial, a empresa de consultoria Coopers and Librand para auxiliar na

formulação do modelo elétrico brasileiro. Esse trabalho, concluído em 1997 e que serviu de

base para o modelo adotado no Brasil até o mês de março de 2004, observou alguns princípios

básicos oriundos do modelo britânico. Todavia, não se pode afirmar que os idealizadores da

Aneel, agência diretamente vinculada ao setor de energia elétrica, cuja criação ocorreu em

Dezembro de 1996 (Lei nº 9.427), tenha adotado o modelo britânico de agências reguladoras.

Aduz-se que o modelo do Setor Elétrico acima citado foi profundamente alterado

por intermédio das Leis nº 10.847/2004 (que autoriza a criação da Empresa de Pesquisa

Energética – EPE, empresa pública vinculada ao Ministério das Minas e Energia) e nº

10.848/2004 (que dispõe sobre a comercialização de energia elétrica e altera as Leis nº

5.655/1971, nº 8.631/1993, nº 9.074/1995, nº 9.427/1996, nº 9.478/1997, nº 9.648/1998, nº

9.991/2000 e nº 10.438/2002). Em virtude dessas alterações, esse modelo afastou-se dos

princípios que orientam o seu congênere britânico.

Nos Estados Unidos, as primeiras agências foram instituídas nas últimas décadas

do século XIX. Porém, elas só se consolidaram a partir do “New Deal”, que marcou o

surgimento do “Regulatory State”.

18

Segundo DI PIETRO, a adoção no Brasil do termo “agência”, provavelmente, pretendeu ressaltar que a idéia

era a de realmente copiar o modelo norte-americano. (In DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na

Administração Pública. 3ª ed. ver. ampl. São Paulo: Atlas, 1999. p. 144.) 19

Para CHITI, o direito norte-americano serviu de modelo para o fenômeno que já vem sendo chamado de

agencificação, que corresponde à proliferação de entes com personalidades jurídicas próprias. (ver DI PIETRO,

obra citada, p. 133). 20

SUNDFELD, Carlos Ari. A administração pública na era do direito global. In SUNDFELD, Carlos Ari e

VIEIRA, Oscar Vilhena. Direito Global. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 137. 21

Entre eles, Maria Sylvia Di Pietro.

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Segundo MENDES22

:

“A história das agências reguladoras nos Estados Unidos passou por quatro

fases principais. O nascimento desse modelo de regulação deu-se em 1887,

quando se verificou a premente necessidade de se conferir uma resposta

reguladora às disputas que estavam a ocorrer entre as empresas de transporte

ferroviário e os empresários rurais (...) Como as companhias de estradas de

ferro procurassem obter o lucro máximo nas tarifas que livremente

estipulavam, sob o critério do mais alto preço que a clientela pudesse

suportar, os fazendeiros do Oeste, organizados no movimento conhecido como

National Grange, atuaram como grupo de pressão sobre as Assembléias

estaduais, obtendo que fossem reguladas, legislativamente, as tarifas

ferroviárias e o preço de armazenagem de cereais. Nesse ano, criou-se então a

ICC e um pouco mais tarde, a FTC, destinadas a controlar condutas

anticompetitivas de empresas e corporações monopolistas. Numa segunda

fase, entre os anos 1930 e 1945, a economia norte-americana, abalada por

uma forte crise, foi socorrida por uma irrupção de inúmeras agências

administrativas que, como parte do New Deal, intervieram fortemente na

economia. Tal intervenção, suprimindo os princípios básicos do Liberalismo e

conferindo ampla autonomia a tais agências administrativas, foi motivo de um

início de debate constitucional-jurisprudencial substancioso. O terceiro

momento, entre 1945 e 1965, foi marcado pela edição de uma lei geral de

procedimento administrativo (APA – Administrative Procedural Act), que

trouxe uma uniformidade no processo de tomada de decisões pelas agências,

conferindo-lhes maior legitimidade. Entre os anos de 1965 e 1985, defrontou-

se o sistema regulatório americano com um problema que desvirtuou as

finalidades da regulação desvinculada do poder político: a captura das

agências reguladoras pelos agentes econômicos regulados. Explique-se: os

agentes privados, com seu colossal poder econômico e grande poder de

influência, diante de entes reguladores que dispunham de completa autonomia

perante o poder político, não encontraram dificuldades para implantar um

mecanismo de pressão que acabasse por quase que determinar o conteúdo da

22

MENDES, Conrado Hubner. Reforma do Estado e agências reguladoras: estabelecendo os parâmetros de

discussão, in SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2000.

p. 99.

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regulação que iriam sofrer. Os maiores prejudicados, por conseqüência, foram

os consumidores. Finalmente, em 1985, num processo que continua até hoje, o

modelo começou a se redefinir para que se consolide como um regulador

independente, mas com os controles externos adequados para garantir essa

independência.”

Cabe salientar que, nos Estados Unidos, o termo agência possui um sentido muito

mais amplo que no Brasil, pois, excluídos os três Poderes do Estado, todas as demais

autoridades públicas daquele país constituem agências. Assim, como lembra DI PIETRO23

,

falar em Administração Pública naquele país significa falar em agências. Nesse sentido,

CARBONELLI e MUGA afirmaram que “o direito administrativo norte-americano é o

direito das agências.”24

Procurando garantir a transparência e a legitimidade de suas decisões, bem como

permitir recursos das partes por elas atingidas, as agências norte-americanas desenvolveram

um conjunto de procedimentos seguidos de forma rigorosa. Assim, adotou-se uma conduta

assemelhada ao “due process”, a qual permite o contraditório e a ampla defesa e limita, de

forma significativa, a competência discricionária dos dirigentes das agências. CUÉLLAR

esclarece que, a partir da decisão prolatada no caso United States v. Curtiss-Wright Export

Co., de 1936, os tribunais passaram a considerar válida a delegação de poderes pelo

Congresso Norte-Americano, desde que fossem fixados standards com significado

determinável (meaningful standards) para guiar os administradores. Referida autora

acrescenta que, ao julgar o caso United States v. Southwestern Cable Co., a Suprema Corte

determinou os standards a serem seguidos, asseverando que a agência deveria administrar de

forma consistente com o direito, consoante demandado pela conveniência pública, seu

objetivo ou necessidade.25

Dessa forma, procurou-se diferenciar o poder administrativo das agências do

poder burocrático estatal típico e garantir o respeito aos direitos dos usuários dos serviços

públicos.

No Brasil, começam a surgir questionamentos sobre a conduta das agências26

, até

porque, como lembraram WALD e MORAES27

, a importação de inovações institucionais não

23

Obra citada. p. 133. 24

CARBONELLI, Eloísa e MUGA, Luís. Agencias y procedimiento administrativo en Estados Unidos da

America. Madri: Marcial Pons, 1996. p. 22. 25

CUÉLLAR, Leila. As agências reguladoras e seu poder normativo. São Paulo: Dialética, 2001. p. 73. 26

São exemplos dessas discussões as críticas endereçadas à ANEEL quando do “apagão” e aquelas proferidas

contra a ANATEL por ocasião do reajuste das tarifas telefônicas ocorrido em 2003. Tais críticas partiram tanto

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traz consigo o contexto cultural e jurídico originário, o que implica profundas adaptações na

sua transposição. Essas adaptações tornam-se mais necessárias quando se observa que em

nosso país, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos e na Inglaterra (outro país

apontado como modelo para as nossas agências), a observância dos princípios da legalidade e

da unicidade da jurisdição28

tende a conduzir a disputas judiciais visando estabelecer os

limites das competências normativas e punitivas das agências29

.

Cumpre destacar, ainda, que, ao contrário do que ocorre no Brasil, a regulação de

atividades desenvolvidas por entidades privatizadas é um tema insignificante para os norte-

americanos. Nos Estados Unidos, a regulação por intermédio de agências independentes

constituiu o rompimento não com o modelo do Estado do Bem Estar Social mas com uma

concepção de Estado mínimo, mero garantidor da ordem pública e da segurança externa,

alheio ao bem-estar econômico da população, e, sobretudo, proibido de fixar preços,

disseminar informações úteis aos usuários, impor, consolidar e monitorar práticas

concorrenciais justas, em suma, de regular mercados.

Note-se que, ao abandonar a crença ingênua na “mão invisível do mercado” e

implementar a regulação, os norte-americanos aperfeiçoaram o capitalismo e desenvolveram

um novo modelo de atuação estatal. Nesse sentido, consoante BARBOSA GOMES:

“De fato, nação-símbolo e terra de eleição do chamado laissez-faire

econômico, os Estados Unidos se notabilizaram até o início do século 20 pelo

culto obstinado ao dogma da não-intervenção do Estado nas relações

econômicas privadas. Tal período, conhecido no direito público do país como

o da “Era Lochner”, foi paulatinamente substituído a partir do início do

século 20 por uma cada vez mais intensa presença regulatória do Estado,

chancelada por sucessivas decisões da Corte Suprema. Foram tão profundas

as mudanças no papel reservado ao Estado americano em matéria econômica

que alguns autores chegam ao ponto de qualificar essa brusca alteração de

de representantes de organizações da sociedade civil quanto de membros dos Poderes Executivo e Legislativo da

União. 27

WALD, Arnold e MORAES, Luiza. Agências Reguladoras. Revista de Informação Legislativa. Ano 36. nº

141. jan/mar 1999. p. 153. 28

Márcio Nunes Aranha destacou as diferenças existentes no que concerne aos mecanismos de estabilização das

decisões e aos limites recursais. 29

Pode-se citar, como exemplo, a multa aplicada pela ANEEL quando do apagão ocorrido no Rio de Janeiro.

Naquela oportunidade, a concessionária de energia elétrica, a Light, insinuou que poderia ingressar em juízo

contra essa multa, alegando que a agência estaria extrapolando sua competência.

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14

rota como uma verdadeira mudança de regime ou até mesmo como uma

revolução sem derramamento de sangue.

O que é certo é que esse fenômeno de mutação constitucional,

desencadeado pelas mudanças estruturais por que passou a sociedade, teve

como conseqüência, no plano das instituições políticas, o surgimento do

imperativo de mudança nas formas de exercício das funções estatais clássicas.

O fenômeno da Regulação, tal como concebido nos dias atuais, nada mais

representa, pois, do que uma espécie de corretivo indispensável a dois

processos que se entrelaçam. De um lado, trata-se de um corretivo às mazelas

e às deformações do regime capitalista. De outro, um corretivo ao modo de

funcionamento do aparelho do Estado engendrado por esse mesmo

capitalismo.

Em célebre obra, na qual examina o crescimento da industrialização e da

democracia, bem como o impacto e os problemas que esses fenômenos

trouxeram à arte de governar, James M. Landis estabelece com certa

perplexidade o confronto entre as idéias que se tinha acerca do papel do

Estado no campo econômico no início do século XIX e no período pós-

Lochner. Landis assinala que, se os avanços no campo dos transportes, das

comunicações e da produção em massa constituíram elementos de

transformação da ordem social, os problemas mais profundos relacionavam-se

com as questões econômicas e sociais brotadas na era das invenções

mecânicas. Para resolvê-los, algumas soluções foram extraídas do

humanitarismo. Mas o essencial mesmo veio da constatação, pelas classes

dirigentes, da absoluta necessidade de se promover o bem-estar dos

governados. Para isso, era preciso fazer concessões, a tal ponto que se chegou

finalmente à conclusão de que o Estado do “laissez-faire” chegara à exaustão.

Assim, constatando as deficiências das funções judicial e legislativa no

período do laissez-faire, o autor conclui dizendo que a nova função reguladora

do Estado representa uma tentativa de se consertar tais deficiências

institucionais.”30

30

BARBOSA GOMES, Joaquim Benedito. Agências Reguladoras: a «Metamorfose» do Estado e da

Democracia - uma Reflexão de Direito Constitucional e Comparado. Texto publicado na Internet –

www.anpr.org.br/bibliote/artigos

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No Brasil, a regulação nasceu em um contexto inteiramente diferente: buscou-se

substituir o Estado clientelista, que sempre foi ativo no campo da economia, não para regulá-

la eficazmente, mas para servir aos interesses dos diversos estamentos superiores31

. Essa visão

foi compartilhada pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, tendo o principal ideólogo da

reforma do Estado brasileiro, Bresser Pereira, afirmado que, nas décadas de 1980 e 1990, o

nosso modelo de Estado mostrou-se superado, vítima de distorções decorrentes da tendência

observada em grupos de empresários e de funcionários, que buscavam utilizar o Estado em

seu próprio benefício.32

Assim, observa-se que a crise do Estado brasileiro apresentava três aspectos: a

crise fiscal, caracterizada pela crescente perda do crédito por parte do Estado e pela poupança

pública negativa; o esgotamento da estratégia estatizante de intervenção do Estado, a qual se

manifestou com clareza no fracasso da política de substituição de importações e a superação

da administração pública “burocrática”. Doravante, o Estado pretende transferir a atores

privados as atividades executivas que antes detinha, a título de monopólio33

ou quase-

monopólio, assumindo o papel de regulador. Dessa forma, seriam alcançados três objetivos:

maior eficiência econômica, distribuição social dos resultados auferidos mais eqüitativa e uma

administração mais transparente para a sociedade34

.

2.2 Natureza Jurídica

Como acentua CUÉLLAR35

, no Brasil, não há nenhuma lei que defina de forma

genérica o que seja agência administrativa ou mesmo agência reguladora. A Constituição

Federal utiliza a expressão agência somente quando se refere às agências financeiras oficiais

de fomento (art. 165, § 2º) e às agências de instituições financeiras (art. 52, I, do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias). Aliás, a Carta Magna apenas faz referência a órgão

31

Em relação à nossa experiência histórica recente, Guillermo O’Donnell ressaltou o caráter “bifronte e

segmentário” do corporativismo latino-americano sob o regime militar ou burocrático-autoritário. Ele é bifronte

por possuir dois componentes distintos: o estatizante (subordinação ao Estado das organizações da sociedade

civil, visando basicamente controlar a classe trabalhadora) e o privatista (abertura de áreas do Estado à

representação de interesses organizados da sociedade civil, principalmente aqueles da classe economicamente

dominante). É segmentário pois o funcionamento e o impacto das estruturas corporativas são distintos em

relação às classes sociais. Ressalte-se que essa caracterização se adequa perfeitamente ao regime militar

brasileiro, vigente entre 1964 e 1985. (apud PIMENTA DE FARIA, Carlos Aurélio. Uma Genealogia das

Teorias e Modelos do Estado de Bem-Estar Social. BIB nº 46, 1998, pp. 13 e 14) 32

Ver Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília: Presidência da República, Câmara da

Reforma do Estado, 1995. p. 15. 33

A prestação de vários serviços públicos baseia-se em onerosas redes de infra-estrutura. Esse fato representa

grande barreira à entrada de novos competidores e constitui um incentivo à formação de monopólios naturais. 34

Em relação a esse último aspecto, ressalte-se que membros dos Poderes Executivo e Legislativo

freqüentemente imputavam às empresas estatais a pecha de serem “caixas-pretas”, ou seja, instituições que

defendiam prioritariamente interesses corporativos e cuja gestão não era transparente.

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16

regulador36

, não à agência reguladora. Ressalte-se, finalmente, que a Constituição de 1988

somente faz referência a entidades reguladoras das áreas de telecomunicações e petróleo (arts.

21, XI, e 177, § 2º, alínea “c”).

Por outro lado, cumpre salientar que a Lei nº 9.649, de 27/05/1998, que dispõe

sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, ao abordar os órgãos

reguladores, fez referência à ANP e à Aneel37

.

Conforme lembrado por MOREIRA, o termo agência é plurívoco, possuindo um

significado vulgar (agência telefônica, dos correios ou das capitanias dos portos, etc), um

sentido específico (Anatel, ANP, Anvisa, etc) e um sentido técnico indefinido (Agência

Espacial Brasileira, Agência Brasileira de Informações, etc).38

Em face dessa pluralidade de acepções atribuídas ao termo agência, deve-se

enfatizar a diferença entre agência reguladora e agência executiva, a qual foi introduzida em

nosso ordenamento jurídico pelo Decreto nº 2.487, de 02/02/1998. Agência Executiva é uma

qualificação atribuída às autarquias e às fundações públicas que celebraram contrato de gestão

com o respectivo Ministério supervisor e que elaboraram plano estratégico de reestruturação e

de desenvolvimento institucional. Referida qualificação não altera a natureza jurídicas dessas

autarquias ou fundações, as quais não são objeto dessa monografia por serem distintas das

agências reguladoras.

As leis específicas que criaram as diversas agências reguladoras atribuíram a elas

a natureza jurídica de autarquias, conferindo-lhes algumas características específicas. Assim,

elas são pessoas jurídicas de direito público, criadas por lei, somente por lei podem ser

extintas, exercem atividades e serviços administrativos, possuem autonomia patrimonial e

administrativa, permanecem sob o controle e a tutela do Estado quanto à sua organização,

administração e fiscalização.

Em face do acima exposto, entende-se que essas agências são efetivamente

autarquias.

Sopesada sua significativa autonomia, entende-se que as agências reguladoras são

autarquias especiais, dotadas de competência para regulamentar, contratar, fiscalizar, dirimir

conflitos, aplicar sanções e zelar pelos direitos dos usuários de serviços públicos ou atividades

35

CUÉLLAR, Leila. Obra citada. p. 75. 36

Considera-se ter havido uma imprecisão terminológica do constituinte, o qual estaria se referindo a entidade e

não a órgão. 37

Ver art. 35 do referido dispositivo legal. 38

MOREIRA, Egon Bockmann. Agências Administrativas. Poder Regulamentar e Sistema Financeiro Nacional.

Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. nº 218. p. 95.

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econômicas relevantes. A fundamentação de seu caráter especial é ressaltada em alguns

normativos39

, como se constata no § 2º do art. 8º da Lei 9.472/199740

, o qual estabeleceu que

“a natureza de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por independência

administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo41

e estabilidade de seus

dirigentes42

e autonomia financeira”.

Parcela da doutrina ressalta esse regime especial das agências reguladoras. Nesse

sentido, DI PIETRO assinala que as agências estão sendo criadas como autarquias de regime

especial porque:

“sendo autarquias, sujeitam-se às normas constitucionais que disciplinam esse

tipo de entidade; o regime especial vem definido nas respectivas leis

39

Especificamente nas leis de criação da Anatel, da Anvisa e da ANS. Os demais diplomas legais apenas

reiteram que as agências são autarquias especiais, sem detalhar as causas dessa especialidade. 40

Esse dispositivo legal criou a ANATEL. 41

Cumpre ressaltar que, recentemente, o Presidente da República determinou a substituição do então Presidente

da Anatel Luís Guilherme Schymura pelo recém-nomeado conselheiro Pedro Jaime Ziller. Naquela

oportunidade, prevaleceu a tese, defendida pelo Palácio do Planalto, no sentido de que o mandato fixo se refere

ao cargo de Conselheiro, não ao de Presidente da Agência. Referida tese não é pacífica, pois a forma como foi

redigido o art. 5º da Lei nº 9.986/2000, que rege a nomeação do Presidente e dos demais Conselheiros, é dúbia.

Durante um Fórum sobre agências reguladoras, Luiz Alberto dos Santos, Subchefe de Coordenação da Ação

Governamental da Casa Civil da Presidência da República, afirmou que os mandatos dos Presidentes das

agências são meramente indicativos e, consequentemente, eles podem ser substituídos, a qualquer tempo, por

determinação do Presidente da República. Posteriormente, durante a cerimônia de assinatura da mensagem

presidencial que encaminhou ao Congresso Nacional o multicitado projeto de lei sobre a organização e o

funcionamento das agências, Luiz Alberto aduziu que, em conformidade com esse projeto, os presidentes das

agências terão estabilidade no cargo por quatro anos, podendo ser substituídos no primeiro semestre do segundo

ano de mandato do presidente da República. Ressalte-se que todos os diretores e conselheiros terão mandato de

quatro anos, podendo ser reconduzidos por igual período. Os mandatos terão início e fim em datas diferentes e

não coincidirão com o do presidente da República. 42

Ressalte-se que alguns opositores da instituição de um maior controle sobre a área fim das agências não se

opuseram à substituição do Presidente da Anatel. O Dr. Floriano Marques de Azevedo, por exemplo,

disponibilizou na internet interessante artigo do qual destaco o seguinte trecho:

“Os questionamentos veiculados nos últimos dias pela mídia revelam, na verdade, uma percepção

equivocada do funcionamento destes órgãos reguladores. É pressuposto do funcionamento de uma agência

independente de o poder a ela transferido seja exercido de forma colegiada, que conselheiros e diretores

decidam, sempre por maioria e com igualdade de poderes, as questões submetidas ao órgão.

A pluralidade e a divisão de competências nos órgãos de direção das agências obriga que seja evitada

a concentração de poderes na mão do presidente do órgão. Daí porque o dirigente que ocupa a presidência não

deve ter incumbências especiais que não as de natureza meramente administrativa e eventualmente

representação protocolar. O poder de regular só há de ser exercido de forma colegiada. Afinal, nenhum sentido

teria deslocar competências regulatórias do governo para um regulador independente se elas fossem lá

exercidas por um só agente, por uma só cabeça. Isso negaria o princípio republicano que está na base do

modelo. Os mandatos dos conselheiros das agências é intocável porque eles não foram escolhidos

exclusivamente pelo presidente da República e sim por um processo complexo, com envolvimento do Legislativo.

Porém, dentre os conselheiros, nada obsta que o Executivo escolha aquele que exercerá a função, meramente

administrativa, de presidir o Conselho. Não há ilegalidade na troca do presidente. O mandato do conselheiro da

Anatel é fixado em lei e deve ser respeitado. O exercício da presidência se dará por prazo fixado pelo presidente

da República em decreto e, portanto, não cria estabilidade legal.

Risco há não na troca de presidentes, mas na eventual concentração de poderes na mão de um só

conselheiro ou diretor de agência. O modelo estará em xeque se à substituição corresponder a uma tentativa de

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instituidoras, dizendo respeito, em regra, à maior autonomia em relação à

Administração Direta; à estabilidade de seus dirigentes, garantida pelo

exercício de mandato fixo, que eles somente podem perder nas hipóteses

expressamente previstas, afastada a possibilidade de exoneração ad nutum; ao

caráter final de suas decisões, que não são passíveis de apreciação por outros

órgãos ou entidades da Administração Pública.”43

É importante ressaltar que as agências foram concebidas como organismos

independentes e autônomos em relação aos três poderes estatais clássicos, tendo sido

delegadas a elas funções de cunho legislativo (regulação), judicial (solução de conflitos) e

administrativo (fiscalização e aplicação de sanções). A atribuição dessas funções foi motivada

pela crença de que as agências, por possuírem conhecimento técnico especializado, estariam

melhor aparelhadas para regular o funcionamento de determinados e importantes setores da

economia nacional, o que favoreceria o fornecimento de serviços públicos de qualidade a

preços módicos.

Contudo, esse caráter especial e inovador das agências não é unanimemente aceito

pela doutrina. BANDEIRA DE MELLO44

, por exemplo, discorda desse suposto caráter, por

considerar que “independência administrativa”, “ausência de subordinação hierárquica” e

“autonomia administrativa” são elementos característicos de todas as autarquias45

. Para ele, o

que pode ocorrer é a maior ou menor intensidade dessas características básicas.

Acrescenta o referido autor que a atribuição às agências da natureza de autarquia

especial não representa uma novidade no Direito brasileiro, pois tal natureza já foi,

anteriormente, atribuída às Universidades, tendo em vista o maior grau de autonomia

desfrutado por essas últimas46

.

Frise-se que a maior autonomia conferida às agências, em relação às autarquias

comuns, altera o relacionamento dos entes reguladores com os Ministros de Estado das

respectivas áreas de atuação. Nesse sentido, ZYMLER destacou que47

:

concentração de poderes ou se vingar a indigitada tentativa de manietar a independência via submissão a

contratos de gestão negociados exclusivamente pelo presidente da agência.” 43

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2002. 44

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000. p.

139. 45

Ressalte-se que, etimologicamente, o termo autarquia indica autonomia, pois “autos” é próprio e “arquia” é

comando, direção, logo, autarquia é direção própria. 46

Obra citada. p. 139. 47

ZYMLER, Benjamin. O papel do Tribunal de Contas da União no controle das agências reguladoras.

Palestra proferida no II Congresso Brasiliense de Direito Constitucional. Brasília: 2003. p. 4.

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“Discussão que se impõe, decorrente do maior nível de autonomia conferido

às agências reguladoras, diz respeito à aplicação das normas relativas à

supervisão ministerial, na forma como disciplinada pelo Decreto-lei nº

200/1967. A característica fundamental dos entes estatais autárquicos é sua

maior independência em relação à Administração Direta. Contudo, as

entidades submetidas a regime autárquico comum apresentam nível de

interação com o ente superior mais estreito, quando comparadas às de regime

especial. O controle sobre aquelas é exercido pelo Ministério respectivo, sob a

forma de supervisão ministerial, nos termos dos arts. 19 a 29 do citado

Diploma Legal. Evidente que, em relação às dotadas de regime especial, não

há falar em sujeição às mesmas limitações das demais autarquias. Por

conseguinte, impõe-se afastar as normas do Decreto-lei nº 200/1967 que

tratam da supervisão ministerial no que for incompatível com o novo

regramento conferido às agências reguladoras.”

É importante ressaltar que a Casa Civil da Presidência da República tornou

público, nos termos do art. 34, II, do Decreto nº 4.176/2002, dois anteprojetos de lei cujo

conteúdo é relevante para o estudo do objeto desta monografia. O primeiro deles dispõe sobre

a gestão, a organização e o controle social das Agências Reguladoras, altera a Lei nº

9.986/200048

e dá outras providências. O segundo acresce e altera dispositivos das Leis no

9.427/199649

, 9.472/199750

, 9.478/199751

e 10.233/200152

e dá outras providências.

Referidos anteprojetos foram posteriormente consolidados em um único projeto

de lei, encaminhado ao Congresso Nacional no dia 12/04/2004, o qual prevê importantes

alterações no modelo regulatório brasileiro. No que concerne ao objeto da presente

monografia, merecem destaque os seguintes pontos:

a) antes da tomada de decisão sobre questão relevante, as Agências Reguladoras

deverão realizar consulta ou audiência pública para manifestação dos interessados e formação

48

Dispõe sobre a gestão de recursos humanos das Agências Reguladoras e dá outras providências. 49

Institui a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, disciplina o regime das concessões de serviços

públicos de energia elétrica e dá outras providências. 50

Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e o funcionamento de um órgão

regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8/1995. 51

Dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o

Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá outras providências. 52

Dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre, cria o Conselho Nacional de Integração de

Políticas de Transporte, a Agência Nacional de Transportes Terrestres, a Agência Nacional de Transportes

Aquaviários e o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes, e dá outras providências.

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de juízo de valor pelas autoridades envolvidas no processo. Esse procedimento visa também

favorecer a atuação do controle social;

b) o contrato de gestão será o instrumento de controle da atuação administrativa

da autarquia e da avaliação do seu desempenho, além de ser elemento integrante da prestação

de contas do Ministério setorial e da Agência Reguladora, a que se refere o art. 9º da Lei nº

8.443/199253

, sendo sua inexistência considerada falta de natureza formal de que trata o inciso

II do art. 16 da mesma Lei;

c) uma cópia do contrato de gestão deverá ser encaminhada para registro no

Tribunal de Contas da União, onde servirá de peça de referência para auditoria operacional;

d) o contrato de gestão estabelecerá parâmetros para a administração interna da

agência, especificando metas de desempenho, prazos de consecução, indicadores, mecanismos

de avaliação, recursos orçamentos, obrigações das partes e penalidades aplicáveis aos

respectivos signatários;

e) o cumprimento do contrato de gestão será avaliado pelos Ministros signatários,

os quais contarão com o apoio de Comissão de Acompanhamento e Avaliação, integrada por

representantes do Ministério supervisor, da Casa Civil da Presidência da República e do

Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;

f) os Ministros supervisores passarão a deter competência para elaborar os editais,

promover as licitações e celebrar os contratos relativos às concessões;

g) os atos previstos no item acima deverão ser precedidos de manifestação da

agência reguladora respectiva.

Quanto aos itens “f” e “g”, entende-se ser oportuno e conveniente separar a

entidade pública que regula do agente político que concede. Afinal, a decisão sobre o que,

como e quando conceder deve ser tomada por quem é responsável pela formulação das

políticas públicas setoriais.

Em face do significativo impacto das mudanças contidas no projeto de lei que

resultou da consolidação desses dois anteprojetos, o qual já foi encaminhado pelo Presidente

da República ao Congresso Nacional, sua eventual aprovação acarretará a necessidade de ser

revista e atualizada a análise efetuada nesta monografia.

2.3 Características

WALD e MORAES consideram que as agências reguladoras são:

53

Lei Orgânica do TCU.

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“organismos constituídos pelo Poder Público, para normatizar, aplicar as

normas legais, regulamentares e contratuais da atividade sob sua tutela,

outorgar e rescindir os contratos de concessão, bem como fiscalizar os

serviços concedidos, além de funcionar, em muitos casos, como instância

decisória dos conflitos entre as empresas concessionárias e os usuários.”54

Ressalte-se que, embora as agências reguladoras brasileiras destinem-se

precipuamente a regular serviços públicos cuja execução passou a ser prestada por

particulares, o âmbito de sua atuação não se restringe a esses serviços. A Lei nº 9.782/1999,

ao criar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa, inaugurou um movimento de

expansão das agências, que passaram a intervir nos mais diversos setores em que se faz

necessária a presença reguladora e disciplinadora do Estado55

e não apenas nas áreas de

atividade econômica outrora monopolizadas pelo poder público56

.

As agências podem ser criadas nas esferas federal, estadual ou municipal, pois a

competência para criá-las deriva da titularidade do serviço público57

ou da previsão

constitucional. Note-se que, consoante AFONSO DA SILVA58

, a Constituição de 1988

estruturou um sistema que combina competências exclusivas, privativas e principiológicas

com competências comuns e concorrentes, buscando reconstruir o sistema federativo segundo

critérios de equilíbrio ditados pela experiência histórica59

. Assim, cada ente da Federação

pode regular as atividades abarcadas por sua competência originária. A título de exemplo de

agência reguladora municipal, pode-se citar a Agersa, instituída em Itapemirim (ES), por

intermédio da Lei Municipal nº 4.798, de 14/07/1999.

Ressalte-se que os Municípios, os Estados e o Distrito Federal podem receber, por

meio de lei federal, delegação para regular setores que não se encontram no âmbito de suas

54

WALD, Arnold e MORAES, Luiza Rangel. Obra citada. pp. 143-171. 55

Conrado Mendes observou que, em conformidade com o disposto no Plano Diretor de Reforma do Estado, as

agências reguladoras foram criadas para assumir as vezes de poder concedente e suas correspondentes

atribuições em relação à prestação de serviços, mas assumiram também o papel de ordenar certas atividades em

que há apenas um vínculo genérico do Estado com o administrado, as chamadas atividades econômicas em

sentido estrito. (MENDES, Conrado Hübner. Obra citada. p. 108) 56

É interessante notar que, atualmente, as agências norte-americanas, que serviram de inspiração ao modelo

brasileiro, regulam os mais variados temas. Assim, por exemplo, a Equal Employment Opportunity Commission

foi criada nos anos 60 com a incumbência de implementar as normas de promoção da igualdade no mercado de

trabalho em favor das minorias raciais e sexuais. 57

Para os fins dessa monografia, e concordando com a corrente majoritária na doutrina, considerar-se-á que

serviço público é aquele ao qual o ordenamento jurídico atribuiu essa qualidade. Assim, não se considerará

nenhuma definição baseada em critérios ontológicos. 58

AFONSO DA SILVA, José. Curso de Direito Positivo. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 477. 59

O art. 22 da Constituição Federal estabeleceu a competência privativa da União, enquanto o art. 30, I, de nossa

Lei Maior estatuiu a competência municipal, a qual está vinculada aos assuntos de natureza local. Finalmente, o

art. 25, § 1º, da Carta Magna atribuiu competência residual aos Estados.

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competências originárias. Isso acontece, por exemplo, nas hipóteses previstas nos arts. 20 da

Lei nº 9.427/1996 (descentralização das atividades da Aneel) e 7º da Lei nº 9.782/1999

(delegação de algumas das atividades da Anvisa).

As agências podem adotar dois modelos: o “setorial especializado” (são criadas

diversas agências, uma para cada setor) e o “multissetorial” (cria-se apenas uma agência, que

regula todos os serviços públicos prestados por particulares). Enquanto o Governo Federal

optou pelo primeiro modelo, o segundo foi adotado pela maioria dos Estados. Segundo

CUÉLLAR, a opção estadual se deve ao número reduzido de concessões de serviço público

objeto de regulação, à limitação da área de atuação do ente, ao elevado custo de implantação

de várias agências estaduais e à adoção de um enfoque global de regulação, que evitaria

contradições e conflitos de competências60

.

Entretanto, em alguns Estados, verifica-se um movimento pela criação de

agências especializadas61

, tendo em vista que a instituição de uma agência única prejudica a

especialização e o aprimoramento técnico de seus dirigentes e funcionários, o que vai de

encontro aos pressupostos do modelo regulatório adotado no Brasil. Poder-se-ia até questionar

se a instituição dessa agência única, por tender a diminuir a eficiência da regulação, não

estaria desnaturando as entidades reguladoras e duplicando indevidamente o modelo de

Estado que se pretende suplantar. Enfim, essa discussão promete se estender por mais alguns

anos, até que o modelo se estabilize em nosso país.

Visando à consecução de seus objetivos, as agências foram concebidas como

entes altamente especializados do ponto de vista técnico e imunes às injunções políticas ou

oriundas do mercado62

. Com esse desiderato, elas devem possuir as seguintes autonomias, que

foram apontadas por MOREIRA NETO63

:

60

Obra citada. p. 86. 61

Segundo Diogo Moreira Neto, em São Paulo, existe uma agência especializada no setor de energia, no Paraná,

está sendo discutida a criação de duas agências especializadas e no Rio de Janeiro aventa-se a substituição da

agência multisetorial existente por duas agências setoriais (Mutações do Direito Administrativo. Rio de Janeiro:

Renovar, 2000. p. 180. 62

A necessidade de uma administração pública isenta de influências políticas indevidas, sejam elas oriundas de

partidos políticos ou do mercado, é antiga. Nesse sentido, Kelsen já considerava de fundamental importância

para a Democracia eliminar influências políticas indevidamente exercidas sobre quem aplica as leis, processo

que ele denominou “despolitização” da Administração Pública, aduzindo que a esfera de atuação dos partidos

políticos deve ser o Legislativo, não o Executivo. (KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes,

1993. pp. 84 e 85)

, após frisar a importância da “despolitização” da Administração Pública, afirmou que o Princípio da Legalidade

é um importante instrumento para impedir qualquer pressão indevida dos partidos políticos sobre o Executivo 63

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A Independência das Agências Reguladoras. Boletim de Direito

administrativo, junho/2000. pp. 416-418.

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política dos gestores, decorrente da nomeação para o exercício de mandatos

fixos;

técnica decisional, devendo predominar a discricionariedade técnica e a

negociação sobre a conveniência política;

normativa;

gerencial, financeira e orçamentária.

Entretanto, não basta conferir estabilidade aos dirigentes de uma agência para que

ela automaticamente passe a ser “independente”. Mesmo nos EUA, onde o Congresso exerce

com zelo o controle da Administração Pública e o sistema de “checks and balances” funciona

com razoável eficiência, não são raras as críticas no sentido de que as agências, ao invés de

atuarem em busca do cumprimento do interesse público, procuram preferencialmente atingir

seus próprios interesses e os de lobbies eficazmente incrustados e com atuação concertada,

tanto nos comitês do Congresso incumbido de supervisioná-las quanto no âmbito das

atividades privadas que lhes incumbe regulamentar e fiscalizar. Corre-se o risco de retirar as

agências do âmbito de influência da Política e submetê-las ao jugo de forças econômicas

poderosas, o que inviabiliza o pleno exercício da regulação. Afinal, como observou

MACEDO JÚNIOR64

, é imprescindível que as agências reguladoras efetivamente tenham a

independência necessária, tanto do Poder Executivo quanto dos interesses privados das

prestadoras dos serviços públicos. Só assim será possível garantir os direitos dos usuários.

Avalia-se que uma das alternativas para minorar esse risco é o incremento da

eficácia dos controles externo e social exercidos sobre as atividades das agências.

64

MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. A proteção dos usuários do serviço público. In SUNDFELD, Carlos Ari

(coord.). Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 253.

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3. Algumas questões relevantes

3.1 Os principais problemas apresentados pelo modelo de agências adotado no

Brasil

O modelo de agências reguladoras autônomas oferece vantagens inegáveis, dentre

as quais destaca-se o fato de essas entidades possuírem as condições técnicas e a autonomia

necessárias para a adoção de medidas tempestivas, adequadas e isentas de injunções políticas

indevidas. Porém, existem riscos ponderáveis, dentre os quais avulta o anteriormente

mencionado perigo de captura dessas agências por grupos econômicos65

.

Outros problemas relevantes se referem ao déficit de legitimidade66

desses entes e

à quebra do equilíbrio entre os poderes estatais. No Brasil, esse último problema é agravado

pela manifesta preponderância do Poder Executivo sobre os demais Poderes67

. Ressalte-se

que, consoante observado por BARBOSA GOMES68

, se a nomeação pelo Chefe do Poder

Executivo dos dirigentes máximos das agências não tiver como contrapartida um controle

efetivo por parte do Poder Legislativo, que representa a soberania popular, as agências

consagrarão, provavelmente, um processo ainda mais intenso de fortalecimento do Presidente

da República em detrimento do Congresso69

. Aduz-se que, além desse incremento no

controle, é necessário maior rigor na delimitação dos poderes atribuídos a essas entidades e na

compatibilização deles com os princípios constitucionais.

Essas questões serão analisadas, a seguir, a luz do direito comparado, tendo em

vista que o modelo norte-americano serviu de inspiração maior para o legislador brasileiro.

Após sofrerem várias críticas, a principal das quais se referia a uma suposta

usurpação do poder que o Povo delega aos órgãos representativos, as agências dos Estados

65

A captura das agências reguladoras por entidades do mercado há muito vem sendo objeto de estudo nos

Estados Unidos. Galbraith chegou a afirmar que “muitos têm observado que organismos regulatórios tendem a se

tornar instrumentos ou mesmo fantoches das indústrias que devem fiscalizar.” (GALBRAITH, John Kenneth. A

Economia e o Interesse Público. Trad. Antônio Zoratto Sanvicente. São Paulo: Pioneira, 1988. p. 220) 66

Para os propósitos desta monografia, adotar-se o conceito específico de legitimidade constante do Dicionário

de Política, de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino. 12ª ed. Brasília: UnB, 1999. pp. 675 e

ss. Segundo essa obra, legitimidade é um atributo que consiste na presença, em uma parcela significativa da

população, de um grau de consenso capaz de assegurar a obediência sem a necessidade de se recorrer ao uso da

força, a não ser em casos esporádicos. Todo poder político busca alcançar consenso e, por via de conseqüência,

legitimidade, de maneira a transformar obediência em adesão. 67

Esse entendimento é adotado tanto por doutrinadores quanto por políticos. Por exemplo, no final de 2002, o

então Presidente do Partido dos Trabalhadores e atual Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da República,

José Dirceu, falando em nome de sua agremiação política, afirmou que o Presidente Brasileiro chega a ter

poderes imperiais (ver PT Notícias – Jornal do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, disponível na

internet). 68

BARBOSA GOMES, Joaquim Benedito. Texto citado.

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25

Unidos adaptaram-se às exigências democráticas. Com essa finalidade, foram adotadas

diversas medidas, dentre as quais se destaca a exigência de um consenso partidário como

condição para a nomeação dos dirigentes das entidades reguladoras.

Em face do mesmo problema, os legisladores franceses dividiram eqüitativamente

entre os Presidentes da República, da Assembléia Nacional e do Senado a competência para

nomear os dirigentes das agências reguladoras daquele país. Esse dispositivo configura um

mecanismo de “checks-and-balances” e preserva de forma explícita o equilíbrio entre os

Poderes da República. Ressalte-se, ainda, que o Primeiro-Ministro francês, que chefia a

Administração Pública, não nomeia nenhum dos dirigentes das agências, o que acentua ainda

mais o equilíbrio existente entre os supremos mandatários políticos70

.

Até hoje, o ordenamento brasileiro não prevê nenhum desses mecanismos.

Visando garantir a legitimidade das decisões das agências71

, o legislador previu apenas a

instituição de Conselhos Consultivos, os quais permitiriam a participação da sociedade civil

nas tomadas de decisões ocorridas nessas entidades. Entretanto, tais conselhos, cujos

membros são indicados pelo Senado Federal, pela Câmara dos Deputados, pelo Poder

Executivo e por entidades representativas de prestadores de serviços, de usuários e da

sociedade civil, são órgãos meramente consultivos, pois suas recomendações não vinculam a

direção das entidades reguladoras. Assim sendo, a eficácia da ação desses Conselhos é

reduzida.

Entende-se que, para aumentar a legitimidade das decisões adotadas pelas

agências, os conselhos consultivos necessitam de independência, autonomia, amplo acesso às

informações relevantes e, principalmente, competência para influenciar significativamente na

tomada de decisões. Caso contrário, eles continuarão sendo pouco mais do que meros canais

de divulgação de reclamações.

Ressalte-se que a efetiva participação da sociedade civil na tomada de decisões

governamentais é fundamental para a legitimação dessas decisões. Afinal, a melhor forma de

garantir a legitimidade de uma decisão é fazer com que a sociedade perceba que os

fundamentos e os fins dessa decisão estão em conformidade com o sistema de crenças e

69

Ressalte-se que a preocupação com o controle dessas agências, seja pelo Congresso, seja pelos Tribunais de

Contas, seja pela Sociedade Civil organizada, está patente no anteprojeto de lei anteriormente citado, o que

demonstra a importância do tema ora sob enfoque. 70

Ademais, cumpre frisar que, na França, não raras vezes o Primeiro-Ministro representa um determinado

partido político, que detém a maioria na Assembléia, e o Presidente da República integra outro, que é rival do

primeiro. Tal situação, denominada de “coabitação”, ocorreu, por exemplo, com François Miterrand (Presidente)

e Jacques Chirac (Primeiro-Ministro). Nesse contexto, os dirigentes das agências reguladoras representam

interesses políticos e ideologias diversificadas, reforçando o caráter democrático da atuação dessas entidades.

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26

valores prevalecentes nessa sociedade. Se a atuação governamental estiver claramente

direcionada para a manutenção desse sistema, haverá um claro processo de legitimação das

decisões políticas adotadas.

3.2 As soluções propostas no Direito Comparado

As agências reguladoras possuem cinco funções básicas:

regular as respectivas áreas de atuação. Para tanto, possuem competência para

estabelecer e aplicar regras específicas para cada área;

outorgar o exercício de atividades a terceiros, os quais podem integrar ou não

a Administração Pública. Com esse desiderato, promovem licitações e celebram contratos72

;

fiscalizar o cumprimento dos contratos administrativos celebrados e a

execução dos serviços públicos e das atividades econômicas;

aplicar sanções àqueles que descumprirem as normas relativas aos serviços

públicos ou às atividades econômicas sob enfoque;

manter contato direto com os usuários desses serviços/atividades econômicas,

exercendo o papel de ouvidor e possibilitando a participação desses usuários em audiências

públicas, nas quais devem ser discutidas as principais decisões das agências.

Com o fito de desempenhar essas funções, as agências brasileiras, a exemplo das

norte-americanas, exercem atividades assemelhadas àquelas tradicionalmente conferidas aos

Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo73

. O exercício das atividades típicas do Poder

Executivo, dentre as quais destaca-se o exercício do poder de polícia, não causa espécie, visto

que as agências integram a Administração Pública indireta. Os questionamentos se dirigem ao

exercício de atividades características dos demais Poderes.

71

Aduz-se que essa legitimidade será racional-legal, em conformidade com os ensinamentos de Max Weber. 72

O anteprojeto de lei disponibilizado pela Casa Civil do Palácio do Planalto, que acresce e altera dispositivos

das Leis nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, nº 9.472, de 16 de julho de 1997, nº 9.478, de 6 de agosto de

1997, e nº 10.233, de 5 de junho de 2001, retira a competência das agências para licitar e celebrar contratos de

concessão/permissão. Às agências competiria gerir esses contratos, expedir as autorizações e fiscalizar,

diretamente ou mediante convênios com órgãos estaduais, as concessões e a prestação dos serviços públicos

delegados. Tendo em vista que, até a presente data, esse projeto não foi encaminhado ao Congresso Nacional,

optou-se por considerar que essa competência das agências permanece inalterada. 73

Barbosa Gomes cita como exemplo desse amplo leque de competências o caso da Federal Trade Commission

(FTC), a qual edita normas de validade nacional definindo quais os tipos de conduta constituem prática

empresarial violadora do princípio da livre concorrência (função “legislativa”), instaura procedimento

investigativo destinado a verificar se as empresas estão cumprindo fielmente as normas por ela baixadas (função

“executiva”) e julga as acusações de violação das regras de concorrência que emergem da sua própria

investigação (função “judicial”). Assim, a FTC faz as vezes de legislador, polícia judiciária, Ministério Público e

juiz. (BARBOSA GOMES, Joaquim Benedito. Texto citado.)

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BARBOSA GOMES lembra que o cerne das atribuições das agências

independentes americanas reside na função reguladora (“rulemaking”), no exercício da qual

elas ora agem como um típico Poder Regulamentar, ora adotam procedimentos usuais do

Poder Judiciário. Em princípio, as agências editam “prescritive formulations” ou “legislative

rules”, que regulam as atividades incluídas no respectivo campo de especialidade. Tais

normas passam a ter força de lei tanto para os agentes econômicos envolvidos quanto para os

usuários dos respectivos serviços. Esse autor acrescenta que a eficácia de tais normas é, em

geral, confirmada pelos tribunais norte-americanos, os quais levam em conta a capacidade

técnica das agências74

.

Ainda visando legitimar as decisões das agências norte-americanas, por meio da

transparência e da interação com a sociedade, essas entidades adotam o denominado “notice-

and-comment rulemaking”, que consiste na promoção de estudos preliminares, cujos

resultados, após serem devidamente publicados, servirão de base para audiências públicas e

para a coleta de sugestões/críticas de toda a sociedade. Registre-se que procedimento similar

já é adotado no Brasil e deverá ser incrementado caso o projeto de lei anteriormente citado

seja efetivamente aprovado pelo Congresso75

.

No Brasil, questiona-se a constitucionalidade da edição de normas pelas agências

reguladoras, tendo em vista que o art. 84, IV, da Constituição Federal de 1988 estabeleceu que

o poder regulamentar é exclusivo do Chefe do Poder Executivo, não podendo ser delegado

por não ter sido incluído entre as competências delegáveis, previstas no parágrafo único desse

dispositivo constitucional. Aduz-se que o art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias revogou, a partir de 180 dias da promulgação da Constituição, sujeito esse prazo

a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuem ou delegam a órgão do Poder

Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente

no que tange à ação normativa.

Respondendo a esses questionamentos, SUNDFELD considera que:

“nos novos tempos, o Poder Legislativo faz o que sempre fez: edita leis,

freqüentemente com alto grau de abstração e generalidade. Só que, segundo os

novos padrões da sociedade, agora essas normas não bastam, sendo preciso

74

Idem. 75

Por exemplo, o art. 42 da Lei nº 9.472/1997 estipula que as minutas de atos normativos serão submetidas à

consulta pública, formalizada por publicação no Diário Oficial da União, devendo as críticas e sugestões merecer

exame e permanecer à disposição do público na Biblioteca. Já o artigo 44 dessa mesma Lei, visando fomentar a

participação da sociedade no processo decisório da Anatel, estabelece que qualquer pessoa terá o direito de

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editar normas mais diretas para tratar das especificidades, realizar o

planejamento dos setores, viabilizar a intervenção do Estado em garantia do

cumprimento ou da realização daqueles valores: proteção do meio ambiente e

do consumidor, busca do desenvolvimento nacional, expansão das

telecomunicações nacionais, controle sobre o poder econômico – enfim, todos

esses que hoje consideramos fundamentais e cuja persecução exigimos do

Estado. Isso justificou a atribuição de poder normativo para as agências, o

qual não exclui o poder de legislar que conhecemos, mas significa, sim, o

aprofundamento da atuação normativa do Estado (...) A constitucionalidade da

lei atributiva depende de o legislador haver estabelecido standards suficientes,

pois, do contrário, haveria delegação pura e simples de função legislativa.

Saber qual é o conteúdo mínimo que, nessas circunstâncias, a lei deve ter é

uma das mais clássicas e tormentosas questões constitucionais, como se vê da

jurisprudência comparada, em países tão diferentes quanto os Estados Unidos,

a Alemanha e a França”76

.

Efetivamente, como observou NUNES ARANHA, existe a necessidade de normas

jurídicas que permitam a implementação de políticas públicas adequadas a uma realidade em

permanente mutação. Tais normas se identificam melhor com aquelas editadas pelas agências,

em face de casos concretos, do que com leis abstratas, genéricas e supostamente perenes77

.

Tais afirmações são confirmadas pelo fato de diversos órgãos e entidades da

Administração Pública brasileira editarem atos normativos sob a forma de Resoluções,

Instruções Normativas e Portarias, com fulcro em expressa delegação legal ou abordando

aspectos puramente técnicos que não modificam aquilo que foi definido no texto legal. Aduz-

se que os entes da Administração Pública também podem editar normas que produzam apenas

efeitos interna corporis. Cumpre frisar que, no caso de delegação, a competência deve ser

exercida nos limites estabelecidos na lei que a delegou, sob pena de esse exercício tornar-se

inconstitucional.

Ressalte-se que a concretude das normas editadas pelas agências foi confirmada

pelo Supremo Tribunal Federal, o qual entendeu que as Resoluções editadas pelos entes

peticionar ou de recorrer contra ato da Agência no prazo máximo de trinta dias, devendo a decisão da Agência

ser conhecida em até noventa dias. 76

SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito

Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2000. pp. 27 e 28. 77

NUNES ARANHA, Márcio. Obra citada. p. 168.

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reguladores têm a natureza jurídica de atos administrativos de efeitos concretos, ainda que

possuam efeitos normativos e sejam editados com força legislativa formal78

.

Cumpre analisar outro aspecto da questão. Freqüentemente, alega-se existir uma

dicotomia entre as leis, cujo conteúdo foi decidido por representantes eleitos pelo Povo, e as

normas editadas pelas agências, que foram elaboradas por dirigentes indicados pelo

Presidente da República. Essa dicotomia não é de todo verdadeira, pois nem todas as leis tem

seu conteúdo elaborado e decidido pela maioria dos congressistas. Afinal, a rápida evolução

tecnológica e o amplo leque de matérias submetidas à apreciação do Congresso tornam

impossível para os parlamentares analisar em profundidade todas as questões ali colocadas.

Assim, as decisões de caráter técnico são adotadas com base em estudos elaborados por

assessores, que não foram eleitos mas cujas opiniões, não raras vezes, são adotadas pelos

congressistas. Com fulcro no exposto, entende-se que a criação das entidades reguladoras

poderia suprir deficiências do Poder Legislativo79

.

Quanto às competências “quase judiciais”, BARBOSA GOMES esclarece que as

agências reguladoras americanas, ao exercê-las, adotam um procedimento decisório distinto

do clássico exame burocrático efetuado por diversos e sucessivos órgãos e agentes

hierarquizados de forma mais ou menos lógica. Ao contrário, aquelas entidades submetem-se

a um procedimento muito parecido com o que antecede às decisões judiciais, envolvendo

audiências públicas, colheitas de depoimentos, intervenção de advogados representantes das

partes envolvidas e decisão final por parte de um órgão colegiado.

O Poder Judiciário americano pode rever as decisões das agências reguladoras,

desde que haja previsão legal expressa. Por outro lado, a lei instituidora da agência pode

excluir expressamente o reexame judicial de questões específicas. Além disso, a questão

objeto da disputa pode ser tida como da alçada discricionária da agência ou o Tribunal pode

considerar que, ao julgar os litígios específicos da área posta sob sua regulamentação, as

agências atuam na qualidade de agentes das Cortes de Justiça. Conclui-se que a revisão

judicial das decisões das agências norte-americanas só ocorre quando ela é estritamente

necessária80

.

Finalmente, BARBOSA GOMES acentua que o exercício da função quase judicial

foi facilitada pelo surpreendente advento nas agências norte-americanas do “juiz

78

ADIN nº 1.827 – Relator Min. Néri da Silveira – julgamento da medida cautelar realizado em 13/05/1988. 79

Nesse sentido, ver CUÉLLAR, Leila. Obra citada. pp. 130 e ss.

80

BARBOSA GOMES, Joaquim Benedito. Texto citado.

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administrativo”, o qual simboliza uma radical mudança no direito anglo-saxão. Sua criação

foi uma resposta às críticas ao acumulo em um mesmo ente das três funções governamentais

básicas e às preocupações com o caráter justo e razoável das decisões proferidas pelas

agências. O “juiz administrativo” é um agente estatal qualificado ao qual a lei atribui função

jurisdicional no âmbito das agências. Atualmente, ele goza de grande independência

funcional, possui estabilidade no emprego, remuneração superior a dos demais servidores das

agências e sólidas garantias estatutárias asseguradas em lei, o que lhe atribui um status

diferenciado em relação aos servidores ordinários dessas entidades81

.

Voltando ao estudo do caso brasileiro, deve-se ter em mente que o acesso ao

Poder Judiciário constitui um direito fundamental, consoante dispõe o art. 5º, XXXV, de

nossa Constituição Federal. Aduz-se que os Tribunais, ao julgar ações coletivas, vêm

adotando decisões, inclusive liminares, que implicam na assunção de atividades regulatórias82

.

Porém, como acentua SALLES83

, a atuação judicial, ao contrário daquela das agências, não é

orgânica nem constante, pois depende de provocação de uma das partes.

Além de a atuação judicial na área de regulação ser ocasional, devem ser

sopesadas as conhecidas e reconhecidas limitações apresentadas pelo Poder Judiciário

nacional, as quais impedem que seus membros resolvam de forma rápida e eficaz questões

complexas como as analisadas pelas agências. Afinal, como salienta SUNDFELD84

, todos

desejam que os conflitos sejam resolvidos por juizes imparciais, porém, isso não basta. As

lides devem ser resolvidas por pessoas que entendam não apenas de direito mas também das

questões específicas tratadas nos processos. Entretanto, o Judiciário, com sua estrutura atual

bastante semelhante aquela existente no início do século XX, não é capaz de resolver

prontamente todos os conflitos decorrentes da vida moderna e das normas editadas para

transformar em valores jurídicos os novos valores incorporados pela sociedade85

.

Avaliados os questionamentos relativos à pretensa “usurpação de funções” pelas

agências e à alegada quebra do Princípio da Separação de Poderes, cumpre analisar a

legitimidade dos entes reguladores, que é condição indispensável para a inserção das agências

no cenário político-institucional de um Estado Democrático de Direito. Esse tema ganha

81

Idem. 82

Esse é apenas um dos aspectos de um processo mais amplo de interferência do Poder Judiciário na órbita das

decisões políticas, que é freqüentemente denominado de “judicialização da política”. 83

SALLES, Carlos Alberto. Processo civil de interesse público – Uma nova perspectiva metodológica. In

SUNDFELD, Carlos Ari e BUENO, Cássio Scarpinella (coord.) Direito Processual Público – A Fazenda

Pública em Juízo. São Paulo: Sociedade Brasileira de Direito Público/Malheiros, 2000. pp. 45 e ss. 84

SUNDFELD, Carlos Ari. Obra citada. pp. 30 e 31.

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relevância ainda maior face à amplitude das competências atribuídas às agências, que lhes

permite interferir em setores vitais tanto para a sociedade quanto para o cidadão.

Visando esclarecer essa questão, BARBOSA GOMES indaga: em que repousaria

a legitimidade dessas entidades? Quais “fatores reais de poder” estariam por trás das agências,

impulsionando-lhes as decisões? Em que medida fica assegurado, no seu processo decisório, o

interesse maior do povo, titular da soberania? Que mecanismos de controle seriam aptos a

impedir-lhes de descambar para o arbítrio e para o desvio de poder?86

Essas questões não foram respondidas de forma convincente e definitiva nem

mesmo no berço histórico desse novo instituto, os EUA, onde problemas dessa natureza são

objeto de escrutínio cerrado no âmbito da jurisdição constitucional. Não obstante o

reconhecimento pela Suprema Corte da validade constitucional de um número significativo de

entidades regulatórias independentes, críticas acerbas a esse modelo ainda subsistem naquele

país.

Cumpre salientar que, nos EUA, a legitimidade das agências deriva também da

utilização de procedimentos democráticos para sua criação, dos quais participam de maneira

efetiva os titulares dos dois poderes representativos da soberania popular. Contribui ainda a

fixação pelo Congresso americano dos limites estritos de suas competências. Finalmente, não

se pode olvidar que as agências dos EUA observam as garantias constitucionais do devido

processo legal, da isonomia e das imposições e limitações da primeira emenda.

No Brasil, o questionamento da legitimidade das agências se coloca de forma

ainda mais aguda. HÜBNER MENDES, examinando a questão sob a ótica do destinatário

final de toda e qualquer regulamentação (o usuário)87

, registrou:

“Identificamos no interior do processo decisório das agências ao menos três

tipos de interesses em jogo: o interesse do próprio Estado, o interesse das

empresas concessionárias e o interesse dos usuários. Desvelar qual destes é

atendido numa decisão concreta da agência é de fundamental importância

para não nos curvarmos à enunciação de um interesse público genérico. Terá

85

Com fulcro nessas considerações, pode-se cogitar da criação de Varas especializadas em Direito Regulatório,

as quais poderiam minimizar esse problema. 86

BARBOSA GOMES, Joaquim Benedito. Texto citado. 87

É interessante observar que os efeitos dos contratos de concessão ou permissão e das autorizações para a

prestação de serviços públicos atingem o Poder concedente, o agente delegado e o usuário desses serviços.

Segundo DI PIETRO, esses contratos produzem efeitos trilaterais, pois o usuário, por força das normas

regulamentares da delegação ou das cláusulas contratuais (contrato de adesão), assume direitos e obrigações

perante a Administração Pública e o agente delegado. Consequentemente, o usuário está sujeito aos efeitos da

delegação e deve observar suas regras, apesar de não ter participado diretamente da assinatura dos respectivos

atos de delegação.

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legitimidade democrática, portanto, a agência que der canais de

representação a cada um destes interesses. A alegação da doutrina americana,

que justifica a legitimidade democrática pela simples nomeação dos dirigentes

pelo Presidente da República, é por demais simplificadora. Pretendemos

mostrar que tal conceito de legitimidade democrática é muito mais amplo que

a simples nomeação dos dirigentes. Ele passa, efetivamente, pela

procedimentalização do agir do ente regulador. Não há o regime democrático.

Há aqueles que se aproximam em maior ou menor grau da hipótese ideal de

Democracia. As agências reguladoras se aproximam ou se distanciam desse

modelo ideal? Até onde a retórica não tem manipulado nossa já limitada

consciência? Existe algum mecanismo de participação popular (no sentido de

efetivamente ter peso na decisão e não de dar meras opiniões provindas dos

portadores de boa vontade cívica)? Notamos que a esfera da relação com

maior carência de representatividade é, definitivamente, a parcela dos

usuários. A participação destes, ressalte-se, é extremamente dificultosa, eis

que são leigos nos assuntos eminentemente técnicos postos na pauta decisória

da agência. Para que emitam sua opinião, ao contrário dos concessionários,

que possuem toda a capacitação técnica e o poder de barganha econômico

para discutir, são necessárias traduções que demonstrem a essência dos

problemas postos na mesa”88

.

Do acima exposto, depreende-se o elevado grau de complexidade da atuação das

agências reguladoras, que deve ser pautada pela necessidade de preservar os interesses dos

usuários (que buscam receber serviços contínuos, universais, de boa qualidade, a preços

módicos) e dos agentes delegados (que visam auferir uma justa remuneração pelo capital

investido). Para mitigar incertezas e oportunismos89

a relação entre a Administração Pública e

os agentes delegados – públicos e privados – passou por um processo de contratualização que

resultou num conjunto de direitos e obrigações recíprocas.

A tarefa das agências torna-se mais difícil pelo fato de a participação popular no

processo de tomada de decisões ser restringida tanto pela desorganização dos usuários quanto

88

MENDES, Conrado Hubner. Obra citada. pp. 131 e 132. 89

Segundo MELO, “sob incerteza e oportunismo, as promessas dão lugar a contratos cuja validade e

cumprimento (enforcement) são assegurados por regras”. Esclarece o autor que “o oportunismo descreve a

discrepância entre o comportamento ex-ante e ex-post uma situação contratual”. (In MELO, Marcus A.

Governance e reforma do Estado: o paradigma agente x principal. Revista do Serviço Público, ano 47, vol. 120,

n. 1, 1996)

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pela limitação de seus conhecimentos técnicos. Aduz-se que, consoante ressaltado por

BEMERGUY90

, o hermetismo das informações necessárias ao acompanhamento, por parte

dos consumidores, dos instrumentos de regulação econômica − principalmente no que

concerne aos reajustes e às revisões tarifárias91

− e a dependência de informações detidas em

caráter exclusivo pelos provedores privados de serviços públicos provocam grande assimetria

de informação.

Esse quadro fica ainda mais complexo quanto se considera o grau de pluralismo

existente nas sociedades contemporâneas, que torna os interesses ainda mais difusos. Afinal,

nessas sociedades:

“o povo não é um somatório abstrato de indivíduos, cada qual participando

diretamente com igual fatia de poder no controle do Governo e no processo de

elaboração de decisões políticas. As relações sociais não subsistem entre

indivíduos totalmente autônomos, mas entre indivíduos inseridos num contexto,

que desempenham um papel definido pela divisão social do trabalho.”92

De qualquer forma, considerando que numa democracia deve prevalecer a

soberania popular, avalia-se que as agências devem adotar procedimentos que privilegiem a

transparência e facilitem a expressão da vontade da maioria dos cidadãos.

Ressalte-se que a própria Constituição Federal estabeleceu mecanismos jurídicos

que visam possibilitar uma participação mais ativa da sociedade na gestão pública, dentre os

quais se destaca o direito de petição. Nesse mesmo sentido, a Emenda Constitucional nº 19,

de 1998, inseriu no § 3º do art. 37 de nossa Lei Maior a previsão da participação do usuário na

Administração Pública direta e indireta93

.

Ao dispor sobre o regime de concessão e de permissão da prestação de serviços

públicos, previsto no art. 175 da Constituição Federal, o art. 3º da Lei nº 8.987/1995

estabeleceu o direito de o usuário desses serviços fiscalizar sua prestação, em colaboração

90

Ver texto da palestra anteriormente citada. 91

Reajustes tarifários visam recompor o valor real das tarifas, que teria sido corroído pela inflação. Já as revisões

tarifárias visam restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, tendo em vista que nem sempre os

reajustes tarifários refletem as mudanças ocorridas no ambiente operacional da entidade regulada. 92

BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 12ª ed.

Brasília: UnB, 1999. pp. 677. 93

§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta,

regulando especialmente:

I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de

serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;

II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado

o disposto no art. 5º, X e XXXIII;

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34

com o Poder concedente94

. Com o intuito de exercer essa fiscalização, os usuários poderão

comunicar a prática pelo concessionário de atos irregulares ou ilícitos, com fulcro nos incisos

IV e V do art. 7º dessa lei.95

Finalmente, o inciso II do art. 7º desse dispositivo legal previu o

direito à informação para defesa de interesses individuais ou coletivos.96

Com o fito de defender seus direitos, o usuário pode optar entre a via

administrativa e a judicial. No caso de ocorrência de danos ao patrimônio público, ao meio

ambiente ou ao consumidor, ele poderá representar ao Ministério Público, visando à

propositura de ação civil pública, com fulcro na Lei nº 7.347/1985 com as alterações

introduzidas pelo Código de Defesa do Consumidor. Poderá, ainda, optar pela ação popular,

observadas as regras estipuladas pelo art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal e pela Lei nº

4.717/1965. É também cabível a impetração de mandado de segurança contra o Poder

concedente ou contra o concessionário, tendo em vista tratar-se de pessoa jurídica no

exercício de atribuições do Poder Público, em consonância com o disposto no art. 5º, LXIX,

de nossa Lei Maior. Finalmente, poderá pleitear indenização por eventuais danos causados

pelo concessionário durante a prestação do serviço. Nesse caso, a responsabilidade do

concessionário será objetiva, em conformidade com o disposto no art. 37, § 6º, da Carta

Magna.

Por outro lado, face às dificuldades práticas atualmente existentes para tornar essa

participação eficaz, considera-se que devem ser incrementados os mecanismos de controle

previstos no nosso ordenamento jurídico. Aliás, esse entendimento está implícito no citado

projeto de lei relativo ao funcionamento das agências reguladoras, que prevê, entre outras

medidas, a criação da ouvidoria nas agências.

Finalmente, destaque-se que o grau de eficácia da ação das agências também

contribui de forma significativa para a sua maior ou menor legitimidade. Afinal, quando o

III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função

na administração pública. 94

Art. 3o As concessões e permissões sujeitar-se-ão à fiscalização pelo poder concedente responsável pela

delegação, com a cooperação dos usuários. 95

Art. 7o Sem prejuízo do disposto na Lei n

o 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos

usuários:

(...)

IV - levar ao conhecimento do poder público e da concessionária as irregularidades de que tenham

conhecimento, referentes ao serviço prestado;

V - comunicar às autoridades competentes os atos ilícitos praticados pela concessionária na prestação do

serviço; 96

Art. 7o Sem prejuízo do disposto na Lei n

o 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos

usuários:

(...)

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- 35 -

35

poder político consegue desempenhar de forma satisfatória suas funções essenciais (defesa,

segurança interna e desenvolvimento econômico e social), propiciando períodos de

crescimento econômico e estabilidade política, uma parcela significativa da sociedade tende a

aderir ao grupo político dominante, gerando o consenso necessário a sua legitimação. Ao

contrário, quando a ação governamental é ineficaz, o que acaba por permitir a instauração de

uma conjuntura econômico-social crítica, rompe-se o consenso e a legitimidade do governo

tende a declinar rapidamente97

. Conclui-se que, caso as agências utilizem de forma profícua o

seu cabedal de conhecimento técnico especializado e adotem medidas que melhorem o nível

de vida da população98

, o grau de legitimidade dessas entidades tenderá a crescer de forma

substancial.

Todavia, cumpre ressaltar que a eficiência gerencial nunca poderá justificar a

inobservância do Princípio Fundamental da Soberania Popular. Assim, é indispensável que as

agências estejam inseridas em um ambiente democrático e sujeitas aos controles previstos

para todos os centros de poder. Afinal, a atuação das agências só será legitima enquanto

contribuir para a realização dos valores aceitos consensualmente pela sociedade civil. Sobre

esse tema, JUSTEN FILHO acrescenta que “o argumento da eficiência gerencial não poderá

afastar os controles democráticos sobre órgão estatal algum. E a necessidade de controle

será tanto maior quanto mais relevantes forem as competências atribuídas a determinados

órgãos.”99

II - receber do poder concedente e da concessionária informações para a defesa de interesses individuais ou

coletivos; 97

A eficiência da ação governamental é tão importante que a Emenda Constitucional nº 19 a incluiu entre os

princípios gestores da Administração Pública. 98

Quando se fala em melhoria do nível de vida da população, considera-se fundamental que as agências zelem

pelos interesses dos “excluídos” ou “sem serviços”, os quais ainda não usufruem dos serviços de telefonia ou de

energia. Assim, o comprometimento com a implementação efetiva das metas de universalização dos serviços

públicos é um dos requisitos para a legitimação das entidades reguladoras. Aduz-se que, atuando nesse sentido,

as agências estarão colaborando para o atingimento de um dos objetivos da República Federativa do Brasil,

consoante disposto no art. 3º, III, da Constituição Federal de 1988: a redução das desigualdades sociais. 99

JUSTEN FILHO, Marçal. O Direito das Agências Reguladoras Independentes. São Paulo: Dialética, 2002. p.

380.

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36

4. O controle das agências reguladoras

4.1 Controle: conceito, evolução e fundamentos

Segundo LOPES MEIRELLES, controle é “a faculdade de vigilância, orientação e

correção que um Poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional do outro.”100

O controle dos atos praticados pelos agentes públicos adquiriu maior realce a

partir da Revolução Francesa101

, tendo alcançado seu atual status a partir da implantação do

Estado Democrático de Direito, quando foi totalmente superada a “irresponsabilidade” dos

governantes, sintetizada na expressão “the king can do no wrong”. Nesse sentido, pode-se

dizer que o respeito ao binômio controle/responsabilidade caracteriza essa forma de Estado.

Consoante exposto por SPECK102

, os Estados modernos conferiram relevo ao

controle visando à consecução de dois objetivos principais: coibir o abuso do poder político-

administrativo (dimensão liberal) e aumentar a eficiência da Administração Pública

(dimensão gerencial)103

. Visando atingir o primeiro objetivo, arranjos institucionais foram

incorporados aos Estados modernos com a intenção precípua de restringir o poder do

governante e de seu corpo administrativo. Assim, foram editadas normas constitucionais

limitando esse poder, foi implementada a separação funcional de poderes e foram criados

mecanismos de competência concorrentes. Essa preocupação com a limitação do poder dos

governantes fica patente na definição de controle formulada por LOPES MEIRELLES, acima

transcrita, a qual explicita a estreita relação existente entre controle do Estado e separação de

poderes estatais.

Ressalte-se que dessa preocupação decorreu a instituição de mecanismos de

controle mútuo, exercidos por instâncias relativamente autônomas e dotadas de poderes de

revisão sobre a atuação de outras instituições. A existência desses mecanismos, conhecidos

como freios e contrapesos ou checks and balances, caracteriza as modernas democracias

ocidentais.

100

Apud CONTI, José Maurício. Direito financeiro na Constituição de 1988. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998.

p. 7. 101

O art. 15 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão previa que "a sociedade tem o direito de pedir

conta a todo agente público de sua administração". 102

SPECK, Bruno Wilhelm. Inovação e rotina no Tribunal de Contas da União. São Paulo: Fundação Konrad

Adenauer, 2000. p. 205. 103

Para os fins do presente trabalho, não serão consideradas as teorias que consideram a Política como um

sistema auto-regulado, cuja missão principal é adotar decisões visando atender a demandas emanadas da

sociedade. Nesse contexto, o controle visa fornecer informações sobre o impacto dessas decisões no ambiente

social (feedback). Conclui-se que, uma vez adotada essa teoria, o controle perde a função de

limitar/fiscalizar/responsabilizar, passando a visar a incorporação ao sistema político de informações que

deverão ser levadas em conta nos próximos processos decisórios.

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37

O segundo objetivo, qual seja conferir maior eficiência às ações da Administração

Pública, ensejou um incremento do controle paralelamente à racionalização dos processos

administrativos, à profissionalização da burocracia e à criação de normas formais regulando

os procedimentos governamentais.

SPECK ressalta que as duas dimensões do controle produzem arranjos

institucionais e significados políticos diversos. Na dimensão liberal, o controle visa

responsabilizar agentes individuais pelo não cumprimento de normas prescritas. Assim sendo,

ele é, predominantemente, externo e retrospectivo. Para desempenhar esse papel de

responsabilização, a entidade encarregada de exercer o controle precisa de poderes e de

independência suficientes, o que a aproxima dos órgãos jurisdicionais. Já a dimensão

gerencial tende a analisar a atuação das instituições, visando atingir determinados padrões de

eficiência. Consequentemente, sob esse segundo enfoque, o controle está voltado para a

identificação de pontos fracos no sistema administrativo, os quais devem ser aperfeiçoados.

Nesse caso, o requisito básico para uma atuação eficiente da entidade controladora não é a

independência mas a excelência técnica.104

Inobstante sua importância, não se pode olvidar que o controle é uma atividade

acessória do Estado. Nesse sentido, MEDAUAR destacou que “na acepção lógico-filosófica,

o termo controle designa aspecto do agir humano necessariamente secundário e acessório,

porque destinado a rever ou reexaminar ou confrontar uma atividade de caráter primário ou

principal”105

.

4.2 Tipos de controle

O controle da atividade estatal é classificado, consoante quem o executa, em

parlamentar, administrativo, judicial ou social. O estudo desses vários tipos de controle

adquire maior relevo quando se considera que o modelo constitucional adotado no Brasil

propicia o desenvolvimento de mecanismos de controle do Estado localizados tanto no âmbito

do aparelho estatal quanto no do corpo social que o integra. Aduz-se que, dentro de uma visão

republicana de Estado, a Constituição vigente considerou o dever dos agentes públicos de

prestar contas um princípio sensível, cuja violação enseja a intervenção federal ou estadual.106

Afinal, esses agentes não administram o patrimônio próprio, mas a coisa pública, a res

publica.

104

SPECK, Bruno Wilhelm. Obra citada. p. 206. 105

MEDAUAR, Odete. Controle da Administração Pública. São Paulo: Revista dos tribunais, 1993. p. 17. 106

Em consonância com o disposto nos arts. 34, VII, “d”, e 35, II, da Constituição de 1988.

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O controle parlamentar tem raízes na Idade Média, como constatou FERREIRA

FILHO107

:

“por tradição que data do medievo, compete ao Parlamento autorizar a

cobrança de tributos, consentir nos gastos públicos, tomar conta dos que usam

do patrimônio geral. Na verdade, o poder financeiro das câmaras é

historicamente anterior ao exercício, por elas, da função legislativa”.

Atualmente, em nosso país, o controle parlamentar é exercido pelo Poder

Legislativo, com ou sem a ajuda do Tribunal de Contas. O art. 49, X, da Constituição Federal

de 1988 conferiu ao Congresso Nacional competência exclusiva para fiscalizar e controlar,

diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da

Administração indireta. Aduz-se que nossa Lei Maior atribuiu às Casas do Congresso várias

competências relevantes para o exercício do controle, dentre as quais cumpre citar, a título de

exemplo, as seguintes:

a) compete ao Senado Federal julgar o Presidente e o Vice-Presidente da

República, além dos Ministros de Estado, pela prática de crimes de responsabilidade108

(art.

52, I).

b) a Câmara, o Senado ou qualquer uma de suas Comissões pode convocar

Ministro de Estado ou titular de órgão diretamente subordinado à Presidência da República

para prestar depoimento sobre assuntos previamente determinados. Além disso, as Mesas da

Câmara e do Senado podem encaminhar pedidos de informação às mesmas autoridades. A

recusa ao comparecimento ou à prestação de informações ou a prestação de informações

falsas ou intempestivas, caracteriza crime de responsabilidade (art. 50);

c) o Congresso Nacional pode suspender a eficácia dos atos normativos do Poder

Executivo que extrapolem os limites do poder regulamentar ou o âmbito da delegação

legislativa (art. 49, V);

d) as Casas do Congresso podem instalar Comissões Parlamentares de Inquérito

(art. 58, § 3º);

e) tanto o Congresso quanto o Senado devem aprovar ou autorizar a prática de

vários atos pelo Poder Executivo (diversos incisos dos arts. 49 e 52);

107

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1992.

p. 137. 108

Parcela da doutrina denomina como “delitos administrativos” os crimes de responsabilidade, ressaltando sua

estreita ligação com o exercício da função administrativa.

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f) o Congresso julga as contas anuais do Presidente da República, após a emissão

de parecer prévio pelo TCU (art. 49, IX);

g) o Congresso pode sustar, após comunicação realizada pelo TCU, contratos

administrativos eivados de irregularidades (art. 71, § 1º), e

h) a Comissão Mista de Orçamento pode sustar despesa não autorizada que possa

causar dano irreparável às finanças públicas (art. 72).

O controle parlamentar pode ser político ou financeiro. DI PIETRO109

frisa que o

controle político abrange questões de legalidade e de mérito. Assim, até decisões

administrativas discricionárias podem ser apreciadas quanto à oportunidade e à conveniência.

Quanto à fiscalização financeira, contábil e orçamentária, cumpre ressaltar que ela é realizada

pelo Congresso com o auxílio do TCU, como se verá em detalhes em tópico específico.

Aduz essa autora que o controle administrativo é o poder de fiscalização e

correção que a Administração Pública (em sentido amplo) exerce sobre sua própria atuação,

sob os aspectos da legalidade e do mérito, por iniciativa própria ou mediante provocação110

.

Na esfera federal, esse controle é denominado de supervisão ministerial pelo Decreto-Lei nº

200, de 25/02/1967.

O controle administrativo abrange as atividades de órgãos e entidades. No

primeiro caso, ele decorre do poder de autotutela, que permite à Administração Pública rever

os próprios atos quando ilegais, inoportunos ou inconvenientes, com fulcro nos princípios da

legalidade e da supremacia do interesse público111

. Já o controle exercido sobre as entidades

da Administração indireta, também denominado tutela, está adstrito aos limites legalmente

estabelecidos, sob pena de ofender a autonomia dessas entidades.

DI PIETRO112

ressalta que o controle judicial constitui, juntamente com o

princípio da legalidade, um dos fundamentos sobre os quais se assenta o Estado de Direito.

Afinal, esse princípio teria eficácia reduzida se os atos ilegais eventualmente praticados pela

Administração Pública não pudessem ser invalidados pelo Poder Judiciário113

.

O Poder Judiciário pode examinar os atos da Administração Pública apenas sob os

aspectos da legalidade e da moralidade, com fulcro nos arts. 5º, LXXIII, e 37 da Constituição

109

DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2002. pp. 611 a 613. 110

DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Obra citada (2002). pp. 600 a 610. 111

As Súmulas nº 346 e 473 do STF reconhecem essa competência da Administração Pública. 112

DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Obra citada (2002). pp. 616 e 617. 113

Ressalte-se que, em decorrência do princípio da unicidade da jurisdição, o Poder Judiciário é o detentor

exclusivo da competência para exercer o controle judicial. Esse princípio não é adotado universalmente, pois

existem países, como a França, onde há uma dualidade de jurisdição, envolvendo o Poder Judiciário e o

Conselho de Estado, responsável pelo contencioso administrativo.

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Federal de 1988. Assim, o controle judicial não pode avaliar o mérito desses atos, ou seja, não

pode questionar a oportunidade e a conveniência de sua prática. Porém, caso o agente público

tenha declinado os motivos que ensejaram a prática de um ato, o Judiciário poderá avaliar a

existência desses motivos e, caso eles não existam, invalidar o ato sob enfoque.114

Cumpre ressaltar, ainda, que os atos normativos emanados pelo Poder Executivo

submetem-se ao controle judicial de constitucionalidade sob dois aspectos: o abstrato e o

concreto. O primeiro ocorre por meio das ações diretas de inconstitucionalidade – ADIN115

e

das ações declaratórias de constitucionalidade - ADC116

. Já o controle concreto é realizado

pelos Tribunais, devendo as decisões serem adotadas por maioria absoluta117

.

O Poder Judiciário também pode apreciar atos políticos que provoquem lesões a

direito individuais ou coletivos, com base no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, que

proíbe seja excluída da apreciação judicial lesão ou ameaça a direito. Ressalte-se que nossa

Lei Maior previu várias medidas judiciais tendentes à promoção desse controle, quais sejam a

ação popular, a ação civil pública e o mandado de segurança coletivo.

Finalmente, saliente-se que os atos considerados interna corporis, em regra, não

estão submetidos ao controle judicial. Entretanto, se direitos individuais ou coletivos forem

violados, os interessados poderão recorrer ao Poder Judiciário.

Segundo MARTINS118

, controle social é o exercido pela sociedade sobre o

sistema político, por meio de uma extensa gama de mecanismos institucionais e extra-

institucionais. Note-se que um dos desafios das democracias modernas é construir um modelo

de governo baseado no controle institucionalizado exercido pelo povo soberano sobre os

detentores do poder político. Afinal, como ressaltou FRANCO MONTORO:119

“não se trata, simplesmente, de receber passivamente os benefícios do

progresso, mas de tomar parte nas decisões e no esforço para a sua

realização. Em lugar de ser tratado como objeto das atenções paternalistas

dos detentores do poder, o homem tem o direito de ser considerado pessoa

114

Aplica-se a denominada teoria dos motivos determinantes. 115

Em consonância com o disposto no art. 102, I, “a”, da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal

possui competência originária para julgar ADIN impetrada contra lei ou ato normativo federal ou estadual que

contrarie nossa Lei Maior. Caso se trate de lei ou normativo estadual ou municipal que viole a constituição

estadual, o julgamento se processará no Tribunal de Justiça respectivo. 116

O art. 102, I, da Carta Magna, com a redação conferida pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993, atribuiu

competência originária ao STF para julgar ADC impetrada contra lei ou ato normativo federal. 117

A regra da maioria está prevista no art. 97 da Constituição Federal de 1988. 118

MARTINS, Carlos Estevam. Governabilidade e Controles. In Revista de Administração Pública. Rio de

Janeiro: FGV, 1989. v. 23, nº 1, pp. 5 a 20. 119

FRANCO MONTORO, André. Estudos de Filosofia do Direito. 2ª ed. São Paulo: Saraiva. p. 228.

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consciente e responsável, capaz de ser sujeito e agente no processo do

desenvolvimento”.

Cabe ressaltar a existência de outras classificações. Assim, por exemplo, quanto à

relação existente entre controlado e controlador, o controle pode ser interno ou externo;

quanto ao momento em que se efetiva, ele pode ser prévio, concomitante ou posterior etc.

Referidas classificações, por não despertarem maior interesse, não serão analisadas de forma

minudente.

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5. O Tribunal de Contas da União e as agências reguladoras

5.1 Gênese e evolução do TCU

A institucionalização da função de fiscal das atividades estatais tem origem na

Grécia Antiga, com os logistas, e na República Romana, com os questores. Na Idade Média, a

Inglaterra e a França implantaram dois órgãos de controle das finanças, o Exchequer e a

Chambre de Compte, respectivamente. Na Idade Moderna, esses entes foram extintos e

substituídos pelo Comptroller General of the Receipt and Issue of his Majesty‟s e pela Cour

de Comptes. Como assinalou FERRAZ120

, essas instituições influenciaram as demais que

foram criadas em todo o mundo.

CRETELLA JÚNIOR121

salientou que existem três modelos clássicos de

Tribunais de Contas, a saber:

a) o francês, caracterizado pelo controle posterior. Esse modelo é criticado pelos

que entendem que a fiscalização a posteriori não evita o dano, mas apenas pune o culpado;

b) o italiano, caracterizado pelo controle a priori e pelo veto absoluto à execução

das despesas consideradas irregulares. É mais eficaz no que concerne à prevenção de ilícitos,

porém, o veto absoluto pode engessar a Administração e gerar muitos conflitos judiciais

envolvendo a Corte e o Executivo;

c) o belga, que adota o controle prévio, o veto passível de desconsideração pelo

Chefe do Poder Executivo e o registro sob protesto (caso o Primeiro Ministro determine o

registro de um ato considerado irregular pela Corte). É um meio termo entre os dois modelos

anteriores.

No Brasil, durante o Primeiro Reinado, sob a égide da Constituição de 1824, foi

apresentado projeto de lei que criava o Tribunal de Exame de Contas. Referido projeto, que

adotava o modelo francês, foi arquivado, o mesmo acontecendo com dois projetos similares

apresentados posteriormente. Durante o Segundo Reinado, foram apresentados vários projetos

que não lograram melhor sorte. Assim, somente durante o Governo Provisório de Deodoro da

Fonseca, por intermédio do Decreto nº 966-A, de 07/11/1890, foi criado o Tribunal de Contas.

Segundo Rui Barbosa, idealizador do Tribunal de Contas, essa Corte seria:

“um corpo de magistratura intermediária à administração e à legislatura que,

colocado em posição autônoma, com atribuições de revisão e julgamento,

120

FERRAZ, Luciano. Controle da Administração Pública. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999. p. 112. 121

CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Administrativo. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. pp. 107

e ss.

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cercado de garantias contra quaisquer ameaças, possa exercer as suas funções

vitais no organismo constitucional, sem risco de converter-se em instituição de

ornato aparatoso e inútil. Convém levantar, entre o Poder que autoriza

periodicamente as despesas e o que cotidianamente as executa, um mediador

independente, auxiliar de um e de outro, que, comunicando-se com a

Legislatura e intervindo na Administração, seja, não só o vigia, mas a mão

forte da primeira sobre a segunda, obstando a perpretação de infrações

orçamentárias, por um veto oportuno aos atos do Executivo que, direta ou

indiretamente, próxima ou remotamente, discrepem da linha das leis das

finanças.”122

Apesar de a Constituição de 1891 ter confirmado a criação do Tribunal de Contas,

ele só foi instalado em 17/11/1893. De início, a Corte gozou de grande poder, tendo sido

adotados o controle prévio e o veto absoluto123

. Posteriormente, o caráter absoluto do veto foi

abrandado, passando os Ministros de Estados a poder apelar ao Presidente da República

contra os vetos do Tribunal124

. Nessa época, as decisões definitivas da Corte transitavam em

julgado e ensejavam o seqüestro de bens e a prisão administrativa dos responsáveis

condenados.

A Revolução de 1930 ocasionou um enfraquecimento do Tribunal de Contas, que

passou a apenas informar aos Ministros de Estado as irregularidades detectadas125

. Note-se

que, após o advento da Constituição de 1937, o controle das despesas públicas passou a

realizado a posteriori. Com a redemocratização do país e o advento da Constituição de 1946,

a Corte de Contas recuperou seu prestígio e ampliou suas competências, passando a examinar

também os atos de pessoal (aposentadorias, reformas e pensões). Apesar de o controle

continuar predominantemente posterior, havia hipóteses, como no caso dos contratos, em que

ele era concomitante. Além disso, a legislação ordinária podia prever hipóteses de controle

prévio.

A posição institucional do Tribunal de Contas começou a ser definida pela Lei nº

830/1949, que utilizou pela primeira vez a expressão “órgão auxiliar do Poder Legislativo”.

Referida posição foi tema de muitos debates e será analisada detalhadamente a seguir.

122

BARBOSA, Rui. Obras completas. 1891. v. XVIII, t. III. 123

Por força do Regulamento nº 1.166/1892. 124

Com fulcro no Decreto Legislativo nº 392/1986. 125

Uma análise do enfraquecimento das competências do Tribunal de Contas durante o primeiro governo Vargas

pode ser encontrada em PINHEIRO, Ewald Sizenando. O controle financeiro pelo Tribunal de Contas. Rio de

Janeiro: DASP, 1958.

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A Revolução de 1964 implicou novo declínio das competências do Tribunal, pois

foi conferido poder ao Presidente da República para derrogar as impugnações da Corte, ad

referendum do Congresso, e determinar a execução dos atos considerados irregulares.

Segundo RAMOS, não se pode olvidar que se estava “vivendo a temporada de cassações de

mandatos”126

. Por outro lado, não se pode negar que a Constituição de 1967 incorporou

importantes inovações do ponto de vista técnico. Assim, foi formalizada a distinção entre os

controles interno e externo127

, foi prevista a realização de auditorias e inspeções e foi abolido

o controle prévio, sem embargo da possibilidade de haver um controle concomitante.

Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 7, de 13/04/1977, ampliou os poderes

do Chefe do Executivo, permitindo que ele ordenasse a execução ou o registro de atos

impugnados pela Corte de Contas.

Com a nova redemocratização e a promulgação da Constituição de 1988, o

Tribunal de Contas da União ganhou novas atribuições, que serão analisadas a seguir.

5.2 Posição institucional da Corte de Contas Federal

A Constituição de 1988 não situou o Tribunal de Contas da União em nenhum dos

três Poderes da República. Assim sendo, entende-se que ele é um órgão autônomo. Nesse

sentido, CELSO DE MELLO ressaltou que "como o Texto Maior desdenhou designá-lo como

Poder, é inútil ou improfícuo perguntarmo-nos se seria ou não um Poder. Basta-nos uma

conclusão ao meu ver irrefutável: o Tribunal de Contas, em nosso sistema, é um conjunto

orgânico perfeitamente autônomo."128

Nessa mesma linha, MEDAUAR salientou que "se a

sua função é de atuar em auxílio ao Legislativo, sua natureza, em razão das próprias normas

da Constituição, é a de órgão independente, desvinculado da estrutura de qualquer dos três

poderes.”129

Para melhor compreender a posição do TCU na estrutura do Estado Brasileiro,

deve-se ter em mente que, como ressaltou MOREIRA NETO130

, atualmente está superada a

126

RAMOS, Saulo. A inserção dos Tribunais de Contas. Revista do Tribunal de Contas de Minas Gerais. Ano

XIII, nº 2. 1995. p. 363. 127

O controle interno sobre os atos de um Poder é exercitado por órgãos desse mesmo Poder. Já o controle

externo é a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, patrimonial e operacional da Administração Pública

realizada pelo Poder Legislativo, com o auxílio do Tribunal de Contas. 128

RDP 72:137. 129

MEDAUAR, Odete. Obra citada. p. 141. 130

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. O Parlamento e a Sociedade como destinatários do trabalho dos

Tribunais de Contas. In SOUSA, Alfredo José de, et alli. O Novo Tribunal de Contas – Órgão Protetor dos

Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Fórum, 2003. pp. 52 e ss.

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tese da rígida tripartição de poderes, que foi substituída pela idéia de policentrismo

institucional131

.

A existência de múltiplos centros de poder estatal não elimina a noção de que esse

poder é uno e indivisível, mas apenas confirma a tese de que a Constituição Federal,

exercitando o seu papel de limitar e condicionar o emprego desse poder, confere

competências a determinados entes para exercê-lo visando ao desempenho de funções

especializadas distintas. Ressalte-se que esses entes não estão, obrigatoriamente enquadrados

na clássica tripartição de poderes, como bem observou HESSE: “podem existir órgãos

especiais que inegavelmente detém poder estatal mas não se enquadram em esquemas

rígidos, como é o caso do Tribunal Constitucional Federal.”132

Quando essas funções são essenciais à existência e ao funcionamento do Estado,

os órgãos que as desempenham são criados pela própria Constituição133

, como é o caso do

Tribunal de Contas da União. Nessa hipótese, a Carta Magna, além de instituir o órgão,

confere-lhe competência para exercitar o poder público correspondente. Note-se que o

objetivo maior da criação desses múltiplos centros de poder deve ser, nas palavras de

CANOTILHO, “a constituição de direitos fundamentais, materialmente legitimada”. Com

esse desiderato, deve haver uma “articulação das normas de competência com a idéia de

responsabilidade constitucional dos órgãos constitucionais (sobretudo dos órgãos de

soberania134

) aos quais é confiada a prossecução autônoma de tarefas.”135

À luz desses conceitos, fica patente que o Tribunal de Contas da União é um

órgão constitucional, autônomo e de soberania, pois foi criado pela Constituição, que lhe

conferiu essa autonomia, e suas funções são essenciais para a consolidação do Estado

Democrático de Direito que se pretende preservar no Brasil. Ademais, como lembrou

MOREIRA NETO136

, o TCU é um órgão constitucional essencial porque desempenha

funções políticas, que são expressões imediatas da soberania, e garante a aplicação dos

princípios republicano e democrático a um dos mais delicados aspectos de qualquer complexo

131

Segundo CANOTILHO, o fenômeno do policentrismo institucional acarreta a distribuição de funções

políticas para vários órgãos e entidades públicos, os quais passam a atuar como centros de poder.

(CANOTILHO. J. J. Gomes. Direito Constitucional. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 1991. p. 711) 132

HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luis Afonso

Heck. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1998, pp. 487 a 489. 133

Esses entes são denominados órgãos constitucionais. 134

Órgãos de soberania são aqueles que, além de derivarem imediatamente da Constituição, destacam-se por

serem essenciais à caracterização da forma de governo constitucionalmente instituída (CANOTILHO, obra

citada, p. 709) 135

Obra citada, p. 689. 136

Obra citada, pp. 60 e 61.

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juspolítico, qual seja, a gestão fiscal.137

Nesse sentido, o TCU, ao desempenhar o seu papel de

Tribunal administrativo, ajuda a conferir legitimidade democrática às finanças públicas.

Finalizando a discussão sobre a autonomia do TCU, cumpre a analisar as

implicações da norma contida no caput do art. 71 da Constituição Federal, verbis:

“Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com

o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:”

Constata-se que a Constituição Federal, além de estabelecer uma distinção clara

entre o Congresso Nacional e o TCU, estabeleceu entre ambos uma relação de cooperação,

não de subordinação ou hierárquica. Tal entendimento é corroborado por MEDAUAR, que

afirmou138

:

“A Constituição Federal, em artigo algum, utiliza a expressão „órgão auxiliar‟;

dispõe que o controle externo do Congresso Nacional será exercido com o auxílio do

Tribunal de Contas; a sua função, portanto, é de exercer o controle financeiro e

orçamentário da Administração em auxílio ao poder responsável, em última instância, por

essa fiscalização.

Tendo em vista que a própria Constituição assegura ao Tribunal de Contas as

mesmas garantias de independência do Poder Judiciário, impossível considerá-lo

subordinado ao Legislativo ou inserido na estrutura do Legislativo. Se sua função é atuar em

auxílio ao Poder Legislativo, sua natureza, em razão das próprias normas da Constituição, é

a de órgão independente, desvinculado da estrutura de qualquer dos três poderes. A nosso

ver, por conseguinte, o Tribunal de Contas configura instituição estatal independente.”

Nesse mesmo sentido, BANDEIRA DE MELLO asseverou que139

:

“O ser órgão auxiliar não configura, por si só, a integração em um dado

conjunto orgânico ... O Tribunal de Contas, em verdade, não é subordinado ao Poder

Legislativo, nem está sob a tutela dele.”

Tendo em conta que esse entendimento foi acolhido pelo Pretório Excelso, como

se constatou por ocasião dos julgamentos da ADInMC nº 1.779 – PE e da ADIn nº 849 – MT,

estão elididas definitivamente quaisquer dúvidas que pudessem subsistir a respeito da

autonomia do TCU.

137

Referidas funções são atribuídas à Corte de Contas Federal pelo artigo 71 de nossa Lei Maior. 138

MEDAUAR, Odete. Obra citada. pp. 140 e 141. 139

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O Tribunal de Contas e sua jurisdição. Revista do Tribunal de

Contas do Estado do Rio de Janeiro, 1982. p. 122.

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Questão importante que decorre da posição institucional do TCU é a relativa à

possibilidade e aos limites da revisão judicial das decisões da Corte de Contas. De um lado,

alega-se que a impossibilidade dessa revisão colaboraria para uma eventual perpetuação de

erros, injustiças ou violações de direitos porventura emergentes dessas decisões. Por outro

lado, avalia-se que a possibilidade ilimitada de serem revistas as decisões dos Tribunais de

Contas tornaria inócua a nobre função do controle. Dessas considerações emergem as duas

principais correntes de pensamento sobre o tema. Para a primeira, o Poder Judiciário somente

poderia realizar o exame extrínseco do ato, verificando sua conformidade com a Lei. Já a

segunda defende que os tribunais podem adentrar no mérito das decisões do TCU.

O receio de que decisões injustas proferidas pelas Cortes de Contas prevaleçam

perde muito de sua força quando se considera que a legislação ordinária e os Regimentos

Internos dos Tribunais de Contas, em consonância com o disposto no art. 5º, LV, da

Constituição de 1988, prevêem a possibilidade de serem interpostos diversos recursos no

âmbito dessas Cortes, quais sejam, agravos, embargos de declaração, recursos de

reconsideração, pedidos de reexame e recursos de revisão. Cumpre frisar, ainda, que a maior

parte desses recursos possui efeito suspensivo, o que minimiza ainda mais a justa preocupação

com eventuais prejuízos decorrentes de decisões incorretas provenientes dos Tribunais de

Contas.

A preocupação com a recorribilidade das decisões das Cortes de Contas é antiga,

como demonstra a existência, ainda no regime do registro prévio dos contratos e atos de

despesa, de um mecanismo recursal peculiar. Naquela época, a recusa de registro a contrato

suspendia sua execução, até pronunciamento do Congresso Nacional, cabendo recurso ex

officio para ele, também, nos casos de registro sob reserva de despesa impugnada, se o

Presidente da República ordenasse mesmo assim sua execução140

. Mecanismo semelhante era

aplicado às concessões de aposentadorias, reformas e pensões até a promulgação da Carta

Magna de 1988.141

Visando esclarecer a controvérsia sob comento, cumpre, preliminarmente, definir

qual é a natureza jurídica do “julgamento” efetuado pelo Tribunal de Contas da União142

.

140

Consoante disposto no art. 77, §§ 1° a 3°, da Constituição de 1946 e nos arts. 48 a 51 da Lei nº 830/1949. 141

Em conformidade com o art. 72, § 7°, da Constituição de 1967 e com o art. 8º da Emenda nº 1/1969,

considerada a alteração efetuada pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977. 142

Ressalte-se que a Constituição Federal vigente consagrou o termo “julgamento” como gênero dos atos

decisórios praticados pelo TCU.

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Há décadas, parcela significativa da doutrina vem entendendo que o TCU, embora

não integre o Poder Judiciário, pratica atos quase judiciais. Nesse sentido, SEABRA

FAGUNDES asseverou que:143

"O art. 71, § 4º, da Constituição Federal lhe comete o julgamento da

regularidade das contas dos administradores e demais responsáveis por bens

ou dinheiros públicos, o que implica em investi-lo no parcial exercício da

função judicante. Não bem pelo emprego da palavra julgamento, mas sim pelo

sentido definitivo da manifestação da corte, pois se a regularidade das contas

pudesse dar lugar a nova apreciação (pelo Poder Judiciário), o seu

pronunciamento resultaria em mero e inútil formalismo. Sob esse aspecto

restrito (o criminal compete à Justiça da União) a Corte de Contas decide

conclusivamente. Os órgãos do Poder Judiciário carecem de jurisdição para

reexaminá-lo."144

PONTES DE MIRANDA defendeu ponto de vista semelhante, como se

depreende da leitura do seguinte trecho de sua lavra:

"A função de julgar as contas está claríssima no texto constitucional. Não

havemos de interpretar que o Tribunal de Contas julgue e outro juiz as

rejulgue depois. Tratar-se-ia de absurdo bis in idem."145

Nesse mesmo sentido, CAVALCANTI asseverou que:

“É assim que, no exame das contas, aparece uma limitação ao controle

judicial, porque o Judiciário não tem competência para, na expressão de

Castro Nunes, rever as contas ou apurar o alcance. Por isso é que decidiu o

STF, em acórdão de 16/10/1952, que o Poder Judiciário não pode arrogar-se

a competência em matéria reservada ao Congresso.”146

Tal posição era reforçada pelo fato de a antiga Lei Orgânica do TCU afirmar que a

Corte funcionava como um Tribunal de Justiça.147

Aliás, tal afirmação repetia o disposto nos

arts. 2º a 4º da Lei nº 392, de 08/10/1896, os quais estipulavam que o Tribunal de Contas

143

FAGUNDES, Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 4ª ed. Rio de janeiro:

Forense. p. 142. 144

Apesar de esse texto ter sido escrito sob a égide da Constituição de 1946, ele permanece atual porque a

Constituição vigente, como mencionado anteriormente, também utiliza a expressão "julgar" e igualmente não

relaciona o Tribunal de Contas entre os órgãos do Poder Judiciário. 145

PONTES DE MIRANDA, Francisco. Comentários a Constituição de 1946. 3ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi,

1960. vol. 2. p. 95. 146

CAVALCANTI, Themístocles Brandão. O Tribunal de Contas – órgão constitucional – funções próprias e

funções delegadas. Revista de Direito Administrativo nº 109, julho/setembro de 1972. 147

Ver arts. 69 e 70 da Lei nº 830/1949.

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funcionava como Tribunal de Justiça, com jurisdição contenciosa e graciosa, mediante

processo em estilo judicial, no julgamento e na revisão das contas, em única instância.

A crença na atuação jurisdicional do TCU era tamanha que, até o advento do art.

5º, LXI, da Constituição de 1988, o Tribunal podia decretar a prisão dos responsáveis que

procurassem "ausentar-se furtivamente", cabendo-lhe julgar a legalidade das prisões

decretadas pelas autoridades governamentais148

. Era o exercício da "jurisdição contenciosa"

das Cortes de Contas.

A Constituição Federal de 1988, ao consagrar o sistema da Jurisdição única149

,

possibilitou o exercício do controle judicial das decisões do TCU. Entretanto, esse controle

não é amplo e irrestrito, pois essas decisões só são passíveis de reforma quando caracterizada

ilegalidade manifesta, preterição de formalidade legal ou violação da coisa julgada150

.

Ressalte-se que ilegalidade manifesta é um procedimento contrário à clara disposição da lei,

não um julgamento resultante de interpretação curial da norma, mesmo que sobre as decisões

proferidas haja divergências. A preterição de formalidade legal normalmente enseja a afronta

a princípios e garantias constitucionais capazes de tornar nulo de pleno direito o decisum da

Corte de Contas, tais como a inobservância dos princípios do devido processo legal, do

contraditório e da ampla defesa.

A título de exemplo de decisões do STF concernentes à afronta a esses princípios

e garantias constitucionais, podem ser citadas as seguintes:

“Mandado de Segurança. Questão de fato que não pode ser examinada no rito

estreito do mandado de segurança é a de saber, em face das circunstâncias do caso, da

licitude do procedimento adotado pelo DNER para a decretação de emergência, ao contrário

do decidido pelo Tribunal de Contas. Improcedência das alegações de ofensa aos princípios

constitucionais da ampla defesa e do contraditório que se exercem nos termos da lei. Quanto

à inabilitação para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança, o Tribunal de

Contas seguiu estritamente o disposto no artigo 60 da Lei 8.443/92. Mandado de segurança

indeferido.” (Mandado de Segurança nº 23.739 - DF, Relator Ministro Moreira Alves)

“LEI COMPLENTAR Nº 35/79. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. MAGISTRATURA.

INEXISTÊNCIA DE DIREITO. Tem caráter exaustivo a enumeração das vantagens

148

Com fulcro no art. 70, III e IV, da Lei nº 830/1949 e no art. 40, III, do Decreto-Lei nº 199/1967. 149

O art. 5º, XXXV, da Constituição de 1988 dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário

lesão ou ameaça a direito.” 150

Pode-se fazer uma analogia com os atos de natureza predominantemente política, discricionária ou de

economia interna do Parlamento, que são insusceptíveis de apreciação judicial, salvo quanto à regularidade do

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conferidas aos magistrados pela Lei Complementar nº 35/79. Precedentes (RE 100.584, RMS

21.410, AO 184, AO 155, MS 21.405). Benefício outorgado aos servidores em geral, por lei

ordinária, não aos juízes. Inexistência de ofensa aos princípios do contraditório, ampla

defesa e devido processo legal se o agente público responsável pelo administrativo

impugnado teve amplo acesso aos autos e interpôs as impugnações que julgou necessárias e

se a impetrante também apresentou ao Tribunal de Contas pedido de reconsideração,

regularmente apreciado. Segurança denegada.” (Mandado de Segurança nº 24.353 – Relatora

Ministra Ellen Gracie)

“PREFEITO MUNICIPAL. CONVÊNIO COM GOVERNO FEDERAL.

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CONDENAÇÃO IMPOSTA PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA

UNIÃO. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 5º E 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A

Corte de Contas, levando em consideração o montante das verbas federais repassadas ao

Município de Aquidabã - SE durante a gestão do impetrante, concluiu por sua

responsabilidade na administração de tais recursos, não havendo falar em contrariedade aos

princípios da isonomia, legalidade, moralidade e impessoalidade pelo simples fato de o

convênio em questão haver sido firmado pelo Prefeito antecessor. Mandado de segurança

indeferido.” (Mandado de Segurança nº 24.328 - DF, Relator Ministro Ilmar Galvão)

Quanto à violação da coisa julgada, entende-se que o Tribunal de Contas está

obrigado a respeitar a coisa julgada material. Assim, o TCU não poderá rever o mérito de

decisão transitada em julgado nem tampouco proferir decisão ou determinação em sentido

contrário. Caso discorde desse decisum, a Corte de Contas poderá valer-se dos institutos

processuais pertinentes para tentar alterar a decisão proferida pelo Poder Judiciário, mas

jamais poderá desrespeitá-la. Esse entendimento vem sendo seguidamente corroborado pelo

STF, como se observa nessas duas decisões:

“Mandado de Segurança. - Determinação de suspensão de pagamento de

vantagem pessoal aos impetrantes que fere a coisa julgada. - Mandado de segurança

deferido, para tornar sem efeito a decisão do Tribunal de Contas da União com relação aos

ora impetrantes” (Mandado de Segurança nº 23.758 - RJ, Relator Ministro Moreira Alves)

“Mandado de Segurança. Tribunal de Contas da União. Aposentadoria. Registro.

Vantagem deferida por sentença transitada em julgado. Dissonância com a jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal. Determinação à autoridade administrativa para suspender o

seu procedimento. Nesse sentido, ver, por exemplo, os seguintes Acórdãos do STF: Mandados de Segurança nº

20.247, 20.464, 20.941, 21.263 e 21.374.

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pagamento da parcela. Impossibilidade. 1. Vantagem pecuniária incluída nos proventos de

aposentadoria de servidor público federal por força de decisão judicial transitada em

julgado. Impossibilidade de o Tribunal de Contas da União impor à autoridade

administrativa sujeita à sua fiscalização a suspensão do respectivo pagamento. Ato que se

afasta da competência reservada à Corte de Contas (CF, artigo 71, III). 2. Ainda que

contrário à pacífica jurisprudência desta corte, o reconhecimento de direito coberto pelo

manto da res judicata somente pode ser desconstituído pela via da ação rescisória.

Segurança concedida.” (Mandado de Segurança nº 23.665 - RJ, Relator Ministro Maurício

Corrêa)

Compulsando a fundamentação das decisões prolatadas pelo Pretório Excelso,

constata-se que seus membros tem procurado evitar uma interferência paralisante do

Judiciário sobre o normal funcionamento dos Tribunais de Contas, no exercício da sua

competência própria e privativa, salvo no caso "de ato concreto violador de direito subjetivo

determinado, que seria grave lesão à ordem constitucional, que é prisma eminentíssimo de

ordem pública".151

Assim, conclui-se que, salvo nos casos de ilegalidade manifesta, preterição de

formalidade legal ou violação da coisa julgada material, as decisões do TCU fazem coisa

julgada administrativa152

, não devendo seu mérito ser reapreciado pelo Poder Judiciário.

Como importante corolário dessa conclusão tem-se que, apesar de a decisão

condenatória proferida pelo TCU ser um título executivo extrajudicial, por força do disposto

no § 3º do art. 71 da Constituição Federal de 1988, um eventual embargo à execução não

poderá versar todas as matérias que seria lícito deduzir em um processo de conhecimento.

Esse entendimento, apesar de à primeira vista contrariar o disposto no art. 745 do Código de

Processo Civil, mantém coerência lógica com o que foi acima exposto, pois evita que, salvo

ilegalidade manifesta ou preterição de formalidade legal, haja rediscussão do mérito da

decisão embargada. Ressalte-se que essa tese não acarreta prejuízo para o responsável

apenado pelo TCU, ao qual já foi assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa

quando do julgamento pelo Tribunal de Contas.

151

Despacho do Ministro Sepúlveda Pertence na Suspensão de Segurança nº 773 – ES. 152

Diz-se que as decisões proferidas pelo TCU fazem coisa julgada administrativa por serem insuscetíveis de

reapreciação no âmbito da Corte de Contas. Assim, a definição de coisa julgada administrativa pode ser a mesma

mencionada no art. 467 do Código de Processo Civil, a seguir transcrito, com a ressalva de que opera no âmbito

administrativo e não no âmbito do Poder Judiciário.

“Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não

mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.

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52

Finalmente, deve-se salientar a independência das instâncias administrativa, civil

e penal. Esse princípio há muito existente no direito brasileiro encontra-se positivado, por

exemplo, no art. 121 da Lei nº 8.112/1990, que prevê a responsabilidade do servidor público

pelo exercício irregular de suas atribuições nas esferas cível, penal e administrativa. Assim,

por um mesmo ato, um agente público pode ser responsabilizado penal, civil e

administrativamente.

Contudo, existem exceções a essa regra. A sentença penal absolutória que

proclamar a inexistência do fato ou a negativa de autoria obstará a atuação do Tribunal. Por

outro lado, se o fundamento da sentença absolutória for a inexistência de provas, o Tribunal

poderá apurar os fatos, quantificar o eventual dano causado ao erário federal e condenar o

responsável, que poderá ser o mesmo da ação penal. Nesse sentido, pode-se citar o seguinte

trecho de uma deliberação do TCU:

“6. (...) o fato de o responsável não ter sido condenado pelo crime de peculato

não é suficiente para isentá-lo de responsabilidade na esfera administrativa, haja vista que a

absolvição deu-se em razão exclusiva da ausência de provas. Consoante o ordenamento

jurídico vigente, absolvição penal em razão de falta de provas não faz coisa julgada cível e

não vincula decisão administrativa. Para que os efeitos da decisão penal se estendessem à

esfera administrativa, a causa da absolvição deveria ser a negação da autoria ou da

existência do fato legalmente descrito como crime.” (Acórdão nº 7/1999 - Primeira Câmara –

Relator Ministro Benjamin Zymler)

5.3 Competências do Tribunal de Contas da União

Até 1967, o TCU julgava as contas dos gestores públicos e realizava o registro

prévio das despesas públicas. Naquele ano, a Constituição então promulgada extinguiu esse

registro e conferiu competência ao Tribunal para realizar inspeções e auditorias em todos os

órgãos e entidades da Administração Pública.

Até 1988, a Corte de Contas Federal realizava o controle contábil, financeiro e

orçamentário apenas sob a ótica da legalidade. Essa situação foi radicalmente alterada quando

a Constituição Federal vigente, ampliando o escopo desse controle, conferiu ao TCU

competência para fiscalizar aspectos operacionais e patrimoniais, inclusive no que concerne à

legitimidade e à economicidade. Essa ampliação da competência do Tribunal está

consubstanciada no art. 71 da Constituição Federal de 1988, o qual dispõe que compete ao

TCU:

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“I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República,

mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar

de seu recebimento;

II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros,

bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as

fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as

contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de

que resulte prejuízo ao erário público;

III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de

pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as

fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações

para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de

aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que

não alterem o fundamento legal do ato concessório;

IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado

Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de

natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas

unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e

demais entidades referidas no inciso II;

V - fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital

social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado

constitutivo;

VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União

mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a

Estado, ao Distrito Federal ou a Município;

VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por

qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a

fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e

sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas;

VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou

irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre

outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;

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IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências

necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;

X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a

decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;

XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos

apurados.”

No plano infraconstitucional, a ampliação do leque de competências do

TCU foi consagrada na Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (Lei nº

8.443/1992). Ressalte-se que, posteriormente, leis diversas conferiram ao Tribunal

novas atribuições, a exemplo da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº

101/2000)153

.

As competências do TCU foram conferidas visando dotar o Tribunal das

condições necessárias ao bom desempenho de suas oito funções básicas, a saber:

- fiscalizadora: realização de auditorias e inspeções nos órgãos e entidades

federais;

- judicante: julgamentos realizados pelo Tribunal;

- sancionadora: possui uma tripla finalidade, pois pune aqueles que praticaram

atos irregulares, inibe a prática de novas irregularidades (função pedagógica) e garante o

ressarcimento dos prejuízos causados ao erário;

153

O art. 58 da Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece que o Tribunal de Contas da União emitirá parecer

prévio e separado sobre as contas prestadas pelos Chefes do Poder Executivo e do Ministério Público e pelos

Presidentes dos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, todos da esfera federal. Além disso, o § 3º do art. 59

dessa Lei determina que o TCU acompanhará o cumprimento do disposto nos §§ 2º a 4º do art. 39 do normativo

sob comento, verbis:

“Art. 39. Nas suas relações com ente da Federação, o Banco Central do Brasil está sujeito às vedações

constantes do art. 35 e mais às seguintes:

I - compra de título da dívida, na data de sua colocação no mercado, ressalvado o disposto no § 2º

deste artigo;

II - permuta, ainda que temporária, por intermédio de instituição financeira ou não, de título da dívida

de ente da Federação por título da dívida pública federal, bem como a operação de compra e venda, a termo,

daquele título, cujo efeito final seja semelhante à permuta;

III - concessão de garantia.

§ 1º O disposto no inciso II, in fine, não se aplica ao estoque de Letras do Banco Central do Brasil,

Série Especial, existente na carteira das instituições financeiras, que pode ser refinanciado mediante novas

operações de venda a termo.

§ 2º O Banco Central do Brasil só poderá comprar diretamente títulos emitidos pela União para

refinanciar a dívida mobiliária federal que estiver vencendo na sua carteira.

§ 3º A operação mencionada no § 2º deverá ser realizada à taxa média e condições alcançadas no dia,

em leilão público.

§ 4º É vedado ao Tesouro Nacional adquirir títulos da dívida pública federal existentes na carteira do

Banco Central do Brasil, ainda que com cláusula de reversão, salvo para reduzir a dívida mobiliária.”

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55

- consultiva: emissão de parecer prévio sobre as contas do Presidente da

República e resposta a consultas formuladas por quem é legitimado para tanto;

- informativa: envio ao Congresso Nacional de informações, solicitadas ou não

pelo Legislativo; expedição dos alertas previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal e

divulgação na internet de dados sobre as atividades da Administração Pública, especialmente

sobre as contas públicas das três esferas de governo154

;

- corretiva: fixação de prazos para a correção de irregularidades ou falhas e

sustação dos atos impugnados;

- normativa: decorrente do poder regulamentar conferido pela Lei Orgânica do

TCU;

- ouvidoria: recebimento de denúncias, que podem ser formuladas por qualquer

cidadão, partido político, sindicato ou organização da sociedade civil.

No exercício de suas competências, o TCU pode apreciar a constitucionalidade de

atos normativos155

. Entretanto, cumpre ressaltar que o Tribunal não pode exercer um controle

abstrato de constitucionalidade, pois, se o fizer, estará invadindo uma competência exclusiva

do STF. Logo, a Corte de Contas não pode declarar a inconstitucionalidade de uma norma,

mas apenas se negar a aplicá-la a uma determinação situação concreta.

Finalizando o estudo das competências do TCU, deve-se salientar que o Tribunal

está desenvolvendo novos horizontes, pois, como já mencionado, suas ações estão sendo

progressivamente direcionadas para a análise do desempenho da administração pública. Note-

se que a adoção dessa nova forma de análise não implica o abandono do exame da legalidade.

Assim, o Tribunal deve estar apto a analisar tanto o desempenho da Administração Pública

quanto a legalidade dos atos praticados pelos gestores públicos.

Consoante lembrado por SPECK156

, a bifurcação dos enfoques adotados pelo

TCU acarreta a necessidade de o Tribunal legitimar suas ações com base em duas lógicas

distintas. A legitimidade do exame da legalidade de um ato decorre da observância das

normas processuais aplicáveis à espécie, especialmente as que visam garantir o exercício do

contraditório e da ampla defesa. Já a análise do desempenho da Administração Pública e a

auditoria operacional angariam legitimidade a partir do reconhecimento do respectivo valor

154

O TCU mantém uma página na internet por meio da qual divulga diversas informações relacionadas a suas

atividades (www.tcu.gov.br). Há também uma página específica para a consulta às contas públicas

(www.contaspublicas.gov.br). 155

Essa prerrogativa foi confirmada pela Súmula 347 do STF, verbis: “O Tribunal de Contas, no exercício de

suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público.” 156

SPECK, Bruno Wilhelm. Obra citada. pp. 210 e ss.

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como fonte de informações confiáveis, adequadas e oportunas para as instituições que delas

farão uso157

. Para tanto, mais do que a observância de regras processuais, é vital que o corpo

técnico da Corte de Contas adquira a expertise necessária à elaboração de trabalhos de peso,

cujas conclusões sejam respeitadas e acatadas por profissionais altamente especializados e

capacitados do ponto de vista técnico.

Note-se que, ainda em consonância com as idéias de SPECK, a forma de interação

do TCU com as instituições envolvidas varia de acordo com o enfoque do trabalho realizado.

Caso o Tribunal esteja atuando como instância de justiça administrativa, ele precisa ter

autonomia, independência e autoridade em relação às outras instâncias decisórias. Porém,

quando o TCU analisa aspectos operacionais, a Corte deve buscar ser reconhecida como um

órgão de excelência cujas conclusões devem ser consideradas, por quem tem poder decisório,

seja ele o Congresso ou a própria Administração Pública, em virtude de sua qualidade técnica.

Nessa última hipótese, também é importante que a sociedade civil veja o Tribunal como um

agente capaz de avaliar as políticas públicas e propor soluções adequadas para os problemas e

para as carências que afligem os brasileiros. Assim, a forma de comunicação e de interação

com os envolvidos, juntamente com a qualidade técnica dos trabalhos desenvolvidos pela

Corte, desempenha papel relevante para o sucesso das iniciativas do TCU.

Essas últimas considerações são de fundamental importância para a análise do

tema desta monografia, pois os trabalhos desenvolvidos pelo TCU em relação às atividades

fim das agências reguladoras, como se verá de forma detalhada a seguir, possuem natureza

operacional e visam avaliar o desempenho dessas agências e o impacto de suas ações. Por ora,

basta constatar que a execução desses trabalhos encontra fulcro nos dispositivos

constitucionais e legais mencionados, além de representar o exercício das competências

conferidas ao Tribunal nas duas últimas décadas.

157

Referidas informações poderão ser utilizadas por varias instituições, dentre as quais se destacam o ente

auditado, outros órgãos ou entidades da Administração Pública, concessionários/permissionários e organizações

da sociedade civil, visando incrementar a efetividade da ação dos entes públicos e proteger os interesses dos

cidadãos/usuários de serviços públicos.

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6. O controle das agências reguladoras pelo TCU

6.1 Histórico

Dentre as múltiplas atividades do Tribunal de Contas da União, que foram

abordadas anteriormente de forma sintética, a presente monografia vai analisar em detalhes o

controle exercido sobre as atividades finalísticas das entidades estatais encarregadas de

regular a prestação de serviços públicos delegados.

Quando a prestação de serviços públicos se dava preponderantemente por meio de

empresas estatais, a atuação do Controle Externo baseava-se na análise das prestações de

contas daquelas entidades. Nessa época, o Tribunal concentrava sua análise nos atos de gestão

dos administradores, praticados durante o exercício das atividades meio das empresas,

relegando a um segundo plano a análise do desempenho dessas entidades na condição de

provedoras de serviços públicos.

Com a privatização das empresas estatais e a transferência do direito de

exploração de serviços públicos para a iniciativa privada, por meio de concessões, permissões

e, mais recentemente, autorizações158

, implementou-se, em bases legais, um novo modelo

regulatório que conferiu instrumentos ao poder concedente para atuar mais intensivamente na

regulamentação, contratação e fiscalização das delegações, ao invés de prover diretamente os

serviços públicos.

A Lei nº 8.987, de 13/02/1995, com espeque nas normas constitucionais relativas

à transferência da prestação de serviços públicos para o setor privado159

, permitiu o

incremento do volume dessas transferências. Sopesados os impactos econômicos e sociais

dessas delegações e em decorrência do processo evolutivo das atividades de fiscalização do

TCU, que, conforme ressaltado anteriormente, passaram a ter como objeto também o

desempenho dos entes públicos, o Tribunal reavaliou sua forma de atuação e passou a analisar

a eficiência da entidade reguladora e a qualidade dos serviços prestados.

Reitere-se que o TCU não deixou de verificar a legalidade dos atos praticados

pelos gestores das agências reguladoras. Essa verificação continuou a ocorrer pelos meios

usuais, merecendo destaque a apreciação das contas dessas entidades e a realização de

auditorias de conformidade160

.

158

Existem casos de autorizações, por exemplo, na prestação de serviços de telefonia celular. 159

O art. 175 da Constituição Federal especifica que a delegação para a prestação de serviços públicos ocorrerá

sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação. 160

As auditorias de conformidade buscam aferir a conformidade dos atos administrativos aos dispositivos legais

e regulamentares pertinentes.

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A avaliação pelo TCU da legalidade dos atos de gestão orçamentária e financeira

praticados pelos administradores das agências reguladoras não enfrenta maiores

questionamentos. Afinal, como ressaltou MEIRELLES161

, a submissão do gestor público ao

controle externo realizado com vistas a apurar a regularidade das contas de todos que

administram bens, valores e dinheiros públicos e o fiel cumprimento do orçamento público “é

decorrência natural da administração como atividade exercida em relação a interesses

alheios. Não é, pois, a natureza do órgão ou da pessoa que a obriga a prestar contas; é a

origem pública do bem administrado ou do dinheiro gerido que acarreta para o gestor o

dever de comprovar seu zelo e bom emprego.” Com espeque no acima exposto, esta

monografia não analisará em detalhes a competência do TCU para aferir a legalidade dos atos

de gestão orçamentária e financeira praticados pelos dirigentes das agências reguladoras.

Os trabalhos iniciais desenvolvidos pelo TCU, no que concerne ao

acompanhamento de concessões versaram sobre rodovias federais162

, tendo as respectivas

decisões plenárias formulado as primeiras normas relativas a esse acompanhamento. Com o

passar do tempo, ocorreu uma sedimentação do conteúdo dessas decisões, possibilitando a

edição de Instruções Normativas.

A primeira Instrução Normativa do TCU sobre esse tema foi a de n 10/1995, que,

posteriormente, foi substituída pela Instrução Normativa TCU n 27/1998163

, a qual

permanece em vigor com algumas alterações.

Em 1998, o Tribunal de Contas da União criou uma unidade técnica voltada para a

análise dos processos de privatização e para o controle da atuação dos órgãos reguladores: a

Secretaria de Fiscalização de Desestatização – Sefid. Nessa ocasião, houve uma divisão

interna das competências do Tribunal: a Sefid ficou incumbida de verificar a atuação

finalística dos entes reguladores e o acompanhamento dos atos de gestão orçamentária e

financeira das agências ficou a cargo de outras unidades técnicas. Assim, toda a força de

161

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25ª ed. atualizada por Eurico de Andrade

Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 607. 162

Cumpre destacar que, em 1993, o Tribunal aprovou requerimento formulado pelo Ministro Luciano Brandão,

acerca do acompanhamento de todos os procedimentos relativos à concessão para a exploração da Ponte Rio-

Niterói, especialmente quanto à viabilidade técnica e econômica da outorga, à licitação e aos aspectos do

contrato de concessão. 163

Registre-se que, para editar essas Instruções Normativas, o Tribunal utilizou-se da competência conferida

pelos arts. 5 e 41 da Lei n 8.443, de 16/07/1992.

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trabalho da Sefid foi alocada para avaliar, do ponto de vista operacional, os atos associados à

regulação dos serviços públicos164

.

Em 03/07/2002, diante dos questionamentos da sociedade civil e do próprio

governo sobre a razoabilidade dos reajustes aplicados nas contas de energia elétrica, a Corte

de Contas editou a Instrução Normativa nº 43, dispondo sobre o acompanhamento pelo TCU

dos processos de revisão tarifária periódica dos contratos de concessão dos serviços de

distribuição dessa energia.

Visando aperfeiçoar a fiscalização dos serviços públicos delegados à iniciativa

privada, o Tribunal vem estreitando o relacionamento com as agências reguladoras. Afinal,

como observado anteriormente nesta monografia, no caso das auditorias operacionais, a

eficácia do processo de comunicação é muito importante para a aquisição de legitimidade. No

que concerne ao outro fundamento dessa legitimidade, qual seja a qualidade técnica dos

trabalhos realizados, estão sendo realizados treinamentos específicos, em parceria com as

agências, visando dotar os técnicos do Tribunal de um maior conhecimento sobre os diversos

fatores relacionados à delegação de serviços públicos165

.

Aduz-se que o Tribunal, com recursos oriundos de um convênio firmado com o

Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, desenvolveu um projeto visando

desenvolver e consolidar sua capacidade operacional para realizar trabalhos de controle

externo na área de regulação de serviços públicos objeto de delegação. Com esse intuito, estão

sendo implementadas ações visando capacitar recursos humanos, desenvolver e atualizar

métodos e técnicas de controle da regulação, avaliar o modelo organizacional e elaborar

documentos técnicos sobre o tema166

. Dentre os impactos decorrentes da execução desse

projeto, destaca-se a possibilidade de melhoria do controle em outras esferas de governo, pois

o TCU poderá difundir o conhecimento e os métodos e técnicas desenvolvidos para outras

entidades de controle, como, por exemplo, os Tribunais de Contas Estaduais e Municipais.

No bojo desse projeto serão desenvolvidos e validados novos modelos de controle

da regulação, os quais contemplarão a fiscalização pelo TCU dos futuros projetos de parcerias

164

Alguns analistas lotados na Sefid dedicam-se ao controle das privatizações. Todavia, cumpre ressaltar que,

tendo em vista o pequeno volume de privatizações ainda em curso, esse serviço é cada vez menos relevante e

demanda recursos humanos mais reduzidos. 165

A delegação, que ocorre quando a administração pública delega ao agente privado ou público a prestação de

um serviço, pode decorrer de privatização, quando uma delegação é transferida juntamente com os ativos de uma

empresa estatal, ou de outorga pura e simples, no caso de concessão, permissão ou autorização. 166

Dentre as ações desse projeto, destacam-se o mapeamento, a documentação e a análise de melhoria dos

processos organizacionais e atividades da Sefid, compreendendo, também, a elaboração de manuais técnicos de

fiscalização das atividades das agências reguladoras.

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público-privadas (PPP) que envolvam a delegação da prestação de serviços públicos no setor

de infra-estrutura.

Em 07/04/2004, o Presidente do Tribunal comunicou ao Plenário do TCU que foi

concebido e será implementado o Centro de Estudos em Controle da Regulação (CECR), que

será a instância de organização das informações voltadas para o apoio às atividades

desenvolvidas pelo Tribunal nessa área. Adicionalmente, esse Centro disseminará

conhecimentos associados ao controle e à regulação de serviços públicos delegados,

propiciando maior visibilidade às ações do TCU e facilitando o diálogo do Tribunal com seu

público-alvo.

6.2 Escopo dos trabalhos realizados pelo TCU

Atualmente, o Tribunal acompanha a prestação de serviços públicos nas áreas de

energia elétrica, telecomunicações, serviços postais, portos, rodovias, ferrovias, transportes de

passageiros interestaduais e internacionais, estações aduaneiras interiores (os denominados

portos secos), petróleo e gás natural.

É importante ressaltar que o papel do Tribunal no controle das concessões,

permissões e autorizações de serviço público não se confunde com o das agências

reguladoras. Afinal, o TCU fiscaliza a atuação da agência, visando aferir sua aderência ao

ordenamento jurídico e às orientações emanadas do Poder competente. Dito de outra forma, o

Tribunal realiza uma fiscalização de segunda ordem. Conclui-se que, se por um lado a Corte

de Contas, no exercício de suas competências constitucionais e legais, deve fiscalizar as

atividades fim das agências, por outro lado ela atuar com cuidado para não invadir o âmbito

de ação exclusivo da entidade reguladora.

Apesar dos inúmeros questionamentos sobre a viabilidade técnica e jurídica e os

limites da fiscalização pelo TCU das atividades fim das agências reguladoras, constata-se que

o tema é objeto de estudos em nível internacional, tendo a maioria dos analistas concluído

pela oportunidade e conveniência de fiscalizações do gênero das ora realizadas pela Corte de

Contas brasileira. Nesse sentido, a International Organization of Supreme Institutions –

Intosai (Organização Internacional das Entidades de Fiscalização Superior)167

, vem dedicando

especial atenção aos trabalhos de fiscalização das entidades reguladoras168

. Como fruto das

análises desenvolvidas pela Intosai, em outubro de 2001, foi publicado um documento por

167

A Intosai reúne mais de 100 entidades encarregadas do controle externo em todo o mundo, entre Tribunais de

Contas, Controladorias ou Auditorias.

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meio do qual foram apresentadas 22 diretrizes para a atuação das Entidades de Fiscalização

Superior em todo o mundo, entre as quais se encontra o TCU169

.

Reforçando a preocupação da Intosai com o efetivo controle externo das

atividades finalísticas das agências reguladoras, o Auditor Geral do Reino Unido afirmou

que170

:

“Uma das conseqüências mais intrincadas da privatização é o

desenvolvimento do papel da regulação econômica como modo de equilibrar o

poder de fornecedores dominantes ou monopolistas de serviços públicos agora

sob controle privado. Os reguladores enfrentam a difícil tarefa de equilibrar

os interesses legítimos dos consumidores em contraposição aos dos

fornecedores, assegurando a prestação de um serviço razoável a preço justo.”

Finalmente, cabe ressaltar que os trabalhos produzidos pelo Tribunal têm

apresentado elevada qualidade, a qual foi recentemente atestada pela Intosai. Outra prova do

apoio internacional à realização de auditorias operacionais na área fim das agências foi a

celebração, em setembro de 2002, de acordo com o Reino Unido (Projeto TCU – Reino

Unido171

), cujo objeto inclui estudo do modelo de delegação da prestação de serviços públicos

no Brasil, com foco na redução das desigualdades sociais. A primeira auditoria operacional

realizada no âmbito desse projeto apresentou resultados positivos, dentre os quais destaca-se a

análise dos critérios de definição dos consumidores de energia elétrica que podem ser

beneficiados com a tarifa social. Em 07/10/2003, durante o “Fórum Mundial sobre Regulação

de Energia”, realizado em Roma (Itália), a Aneel apresentou as conclusões dessa análise,

confirmando a alta qualidade desse trabalho. Aduz-se que as sugestões formuladas pelo TCU

foram levadas em conta pela agência quando da reformulação dos critérios de definição dos

consumidores de baixa renda.

168

A Intosai constituiu um grupo de trabalho especializado no tema, visando traçar diretrizes para a ação das

entidades de controle externo e acompanhar os resultados obtidos. 169

Ver O Controle externo das agências reguladoras. Questões relevantes sobre o setor elétrico e de petróleo e

gás natural. Brasília: TCU, Sefid, 2003. 170

Idem. 171

Referido projeto conta com recursos do TCU e do DFID – Department for International Development, órgão

do governo do Reino Unido.

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6.3 Metodologia utilizada pelo TCU

Segundo a Intosai, o modelo de controle da regulação deve observar 22 diretrizes,

que podem ser estruturadas em cinco seções172

: competência técnica dos órgãos de controle;

ambiente de regulação econômica; fornecimento do serviço; preço do serviço e

desenvolvimento da competição.

Em conformidade com essas diretrizes, o TCU avalia os processos relativos às

delegações efetuadas por intermédio de concessões ou permissões em dois momentos: quando

das outorgas dos respectivos atos delegatórios e quando das execuções contratuais. Já as

autorizações, em geral não precedidas por processos licitatórios, são acompanhadas por meio

do exame de relatórios periódicos encaminhados pelos órgãos que delegam.

Importa lembrar que os contratos de concessão ou permissão sob enfoque

possuem um longo período de vigência. Apenas a título de exemplo, registre-se que, no caso

dos contratos relativos à construção e à exploração de usinas hidroelétricas, esse prazo é de 35

anos, prorrogável por igual período. Assim sendo, no curto espaço de tempo dedicado à

outorga, o Tribunal deve avaliar a regularidade legal da delegação em questão, a viabilidade

técnico-econômica das condições de transferência do serviço público e as respectivas

implicações ambientais.

A execução contratual é controlada por meio de auditorias e inspeções, além do

exame dos Relatórios Consolidados de Acompanhamento, que são elaborados pelos órgãos

concedentes federais e encaminhados semestralmente ao Tribunal. Nessa fase, o TCU avalia o

cumprimento das cláusulas contratuais, notadamente daquelas relativas à tarifa praticada, à

qualidade do serviço prestado e à efetiva realização dos investimentos previstos.

Especificamente em relação à qualidade do serviço, são avaliados a regularidade, a

continuidade, a eficiência, a segurança, a atualidade, a generalidade e a cortesia na sua

prestação.

6.4 Competências do TCU relativas à fiscalização das agências reguladoras

Tendo em vista que as agências reguladoras são Autarquias especiais, sua inclusão

no âmbito da jurisdição do TCU decorre diretamente do texto constitucional, tendo seus

administradores o dever político de prestar contas ao Tribunal dos recursos geridos em

determinado exercício. Pode, ainda, a Corte de Contas realizar, por iniciativa própria ou em

decorrência de solicitação do Congresso Nacional, auditorias nessas entidades, visando

172

A íntegra do documento publicado pela Intosai está disponível na internet no seguinte endereço eletrônico:

http: www.nao.gov.uk/intosai/wgap/ecregguidelines.htm.

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verificar a regularidade nas áreas contábil, financeira, patrimonial e orçamentária. Caso essas

auditorias detectem a existências de irregularidades graves, que demandem a adoção de

providências imediatas por parte do TCU, o Ministro-Relator ou o Plenário podem adotar

medida cautelar, com vistas a evitar a ocorrência de dano ao erário ou aos usuários dos

serviços173

.

Ainda no exercício das competências relacionadas anteriormente nesta

monografia, o TCU deve conhecer das denúncias apresentadas por qualquer cidadão, partido

político, associação ou sindicato sobre possíveis irregularidades ou ilegalidades ocorridas na

atuação das agências.

Além das fiscalizações voltadas para a análise da legalidade e da regularidade dos

aspectos jurídicos formais, compete à Corte de Contas examinar os resultados alcançados

pelas agências no exercício de sua missão institucional. Afinal, consoante o entendimento do

eminente Ministro Marcos Vinicios Vilaça, “a fiscalização da legalidade só será relevante e

eficaz se estiver integrada à avaliação do desempenho da administração pública e dos

responsáveis pela gestão dos recursos públicos.”174

Aduz-se que o art. 71, IV, da Constituição Federal expressamente conferiu ao

Tribunal competência para realizar auditoria de natureza operacional, cujo objeto inclui a

verificação da conformidade dos resultados obtidos pelo órgão ou entidade auditada com os

173

A Lei Orgânica do TCU previu a possibilidade de decretação de medida cautelar nos seguintes termos:

“Art. 44. No início ou no curso de qualquer apuração, o Tribunal, de ofício ou a requerimento do

Ministério Público, determinará, cautelarmente, o afastamento temporário do responsável, se existirem indícios

suficientes de que, prosseguindo no exercício de suas funções, possa retardar ou dificultar a realização de

auditoria ou inspeção, causar novos danos ao Erário ou inviabilizar o seu ressarcimento.

§ 1º Estará solidariamente responsável a autoridade superior competente que, no prazo determinado pelo

Tribunal, deixar de atender à determinação prevista no caput deste artigo.

§ 2º Nas mesmas circunstâncias do caput deste artigo e do parágrafo anterior, poderá o Tribunal, sem

prejuízo das medidas previstas nos arts. 60 e 61 desta Lei, decretar, por prazo não superior a um ano, a

indisponibilidade de bens do responsável, tantos quantos considerados bastantes para garantir o ressarcimento

dos danos em apuração.”

Medidas cautelares também podem ser adotadas quando há perigo de ocorrência de danos ao erário. Nessa

hipótese, o TCU atua com fulcro no art. 45 de sua Lei Orgânica, verbis:

“Art. 45. Em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá motivadamente adotar providências

acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado.”

A título de exemplo, podem ser citadas as seguintes deliberações da Corte de Contas, que impuseram a

suspensão temporária da execução de contratos: Acórdãos nº 422/2003 – Plenário e nº 1.373/2003 – Plenário.

Caso, posteriormente, seja confirmada a existência de graves irregularidades não passíveis de convalidação,

o Tribunal determinará aos órgãos ou entidades que celebraram o contrato viciado a instauração de procedimento

administrativo, visando facultar à empresa contratada o exercício da ampla defesa e do contraditório. Ao término

desse procedimento, o contrato inquinado será rescindido, se for essa a medida mais adequada ao interesse

público. 174

VILAÇA, Marcos Vinicios. Palestra proferida no XXI Encontro Anual de Dirigentes do Tribunal de Contas

da União e publicada no Informativo União nº 68, de 29.4.99.

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respectivos objetivos institucionais fixados em lei, quanto aos aspectos da economicidade,

eficiência e eficácia.

Esse entendimento ganhou ainda mais força com o advento da Emenda

Constitucional nº 19/1998, que consagrou o Princípio da Eficiência, em decorrência do qual:

“a atividade administrativa deve ser exercida com presteza, perfeição e

rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa,

que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo

resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das

necessidades da comunidade e de seus membros.”175

Nesse mesmo sentido, MORAES afirmou que, atualmente:

“o administrador público precisa ser eficiente, ou seja, deve ser aquele que

produz o efeito desejado, que dá bom resultado, exercendo suas atividades sob

o manto da igualdade de todos perante a lei, velando pela objetividade e pela

imparcialidade.”176

Assim, o administrador público atual deve, além de observar os ditames legais,

procurar organizar e dirigir a Administração Pública de forma a obter as soluções ótimas na

prestação dos serviços públicos177

. Contudo, nunca é demais repetir que o administrador

público, em nome de uma almejada eficiência, não pode agir ao arrepio da lei, pois o

Princípio da Eficiência não pode se sobrepor aos demais Princípios regentes da Administração

Pública178

.

Ainda em relação ao impacto da constitucionalização do Princípio da Eficiência

sobre a atuação dos gestores públicos, cumpre colacionar a observação de HARGER, no

sentido de que o princípio sob comento restringiu a amplitude da competência discricionária

desses gestores. Afinal, agora, eles não podem mais optar livremente entre as várias opções

permitidas pela lei, mas devem obrigatoriamente sopesar qual é a solução mais adequada aos

interesses públicos, no sentido de ser a solução mais eficiente179

.

175

MEIRELLES, Hely Lopes. Obra citada. p. 90. 176

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7ª ed. rev. ampl. e atual. com a EC nº 24/1999. São Paulo:

Atlas, 2000. p. 302. 177

Esse entendimento é também esposado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, como se depreende da leitura de

seu livro “Direito Administrativo”, anteriormente citado, p. 83. 178

Nesse sentido, ver MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno, de acordo com a EC 19/1998. 4ª ed.

rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. pp. 152 e 153, e DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella.

Obra citada. p. 84. 179

HARGER, Marcelo. Reflexões iniciais sobre o Princípio da Eficiência. Boletim de Direito Administrativo.

São Paulo, ano XV, nº 12, dez/1999. p. 808.

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Por intermédio das auditorias operacionais realizadas nas agências reguladoras, o

TCU fiscaliza, entre outras questões, a execução dos contratos de concessão ou de permissão.

Essa fiscalização poderia ensejar uma redundância das esferas de controle, visto que uma das

principais atribuições das agências é exatamente fiscalizar esses contratos. Para evitar que

essa superposição de atividades ocorra, o Tribunal deve exercer uma atividade fiscalizatória

de segundo grau, buscando identificar se as agências estão cumprindo bem e fielmente seus

objetivos institucionais, dentre os quais avulta o de fiscalizar a prestação de serviços públicos,

sem se imiscuir indevidamente na área de competência privativa das agências.

Assim, se por um lado a Corte de Contas deve, no exercício de sua competência

constitucional, avaliar a execução desses contratos, por outro lado, o TCU não pode controlar

as empresas concessionárias em si mesmas consideradas, mas apenas examinar se as agências

estão fiscalizando de forma adequada a execução dos contratos por elas firmados.

Sintetizando o acima exposto, pode-se afirmar que cabe ao Tribunal contribuir

para o atingimento de um nível de excelência na prestação de serviços públicos. Para tanto, no

que concerne à fiscalização operacional das atividades fim das agências reguladoras, o TCU

deve assumir uma posição de parceiro dessas entidades paralelamente a de fiscal.

Finalmente, é importante ressaltar que essa metodologia de controle, por enfatizar

a fiscalização concomitante da atuação do Estado, tem permitido a adoção pelo TCU de

relevantes ações preventivas e corretivas, como será demonstrado a seguir.

6.5 Principais decisões do Tribunal de Contas da União sobre as agências

reguladoras

No âmbito do objeto desta monografia, as mais importantes decisões do TCU

dizem respeito às atividades da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), da Agência

Nacional de Telecomunicações (Anatel), da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e do

Departamento Nacional de Infra-estrutura Terrestre (DNIT), sucessor do Departamento

Nacional de Estradas de Rodagem (DNER). Em abril de 2004, estão sendo realizadas

auditorias operacionais na Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) e na Agência

Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), cujas conclusões ainda não estão disponíveis.

Num primeiro momento, considerando o ineditismo dos trabalhos, o TCU

procurou conhecer a organização e a forma de atuação de cada uma das agências reguladoras,

bem como elaborar e implementar métodos e procedimentos para as fiscalizações das

delegações de serviços públicos. Posteriormente, de posse dessas informações, a Corte de

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Contas realizou auditorias com objetivos mais específicos dentro do universo de atribuições

das agências.

No setor de telecomunicações, o TCU determinou à Anatel que:

- elaborasse um novo método de cálculo do preço mínimo das outorgas de TV a

cabo e dos Serviços de Distribuição Multiponto Multicanal (MMDS), visando obter uma

melhor avaliação do valor de mercado dessas outorgas. Com essa finalidade, foram

promovidos estudos sobre a viabilidade econômica dos empreendimentos, levando em conta

inclusive as projeções de lucros e as taxas de risco, de atratividade e de retorno do negócio.

Essa determinação foi exarada tendo em vista terem sido detectadas inconsistências no

método de cálculo até então utilizado (Decisão TCU Plenário nº 182/2001);

- em seus estudos econômicos voltados para a fixação de preço mínimo de outorga

de concessões, permissões e autorizações, justifique as premissas e os critérios adotados,

fazendo referência a dados econômico-financeiros, índices, estudos e projeções, de modo a

assegurar a confiabilidade, a segurança e o rigor desses estudos (Acórdão TCU Plenário nº

736/2003);

- promovesse estudos conclusivos visando definir uma metodologia de

mensuração dos ganhos de produtividade efetivamente auferidos pelas empresas de

telecomunicações, incluindo os ganhos econômicos decorrentes da modernização, expansão

ou racionalização dos serviços, os decorrentes de novas receitas alternativas, bem como

aqueles que não decorrem diretamente da eficiência empresarial. Adicionalmente, o TCU

recomendou que, em virtude dos aumentos de tarifas superiores ao IPCA, dos indícios de

impropriedades na fixação pela agência das tarifas de interconexão e de inexatidões no

cômputo dos fatores de transferência de produtividade previstos nos contratos de concessão,

fossem verificadas a oportunidade e a conveniência de ser iniciado um processo de revisão

tarifária nas concessionárias. Essa revisão visou adequar as tarifas à realidade de custos das

operadoras e ao estabelecido pela Lei Geral das Telecomunicações, permitindo a correção de

desequilíbrios relacionadas ao serviço em si, à interconexão de redes ou ao compartilhamento

de infra-estrutura (Decisão TCU Plenário nº 215/2002);

- corrigisse um erro existente nas fórmulas de cálculo dos preços mínimos das

outorgas das bandas C, D e E (telefonia celular). Da correção dessa falha resultou um

acréscimo de cerca de R$ 1,6 bilhão nos preços inicialmente estipulados pela agência.

Ainda no setor de telecomunicações, o Tribunal, respondendo à consulta

formulada pelo então Ministro das Comunicações, esclareceu que a implantação, a

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manutenção e a operação do serviço de acesso de escolas, hospitais e bibliotecas públicas a

redes digitais de informação, inclusive Internet, podem ser contratadas com recursos do

Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – FUST. Aduziu a Corte de

Contas que essas contratações implicam outorgas de concessões pela Anatel de uma nova

modalidade de serviço de telecomunicações a ser prestado em regime público, aplicando-se,

portanto, a Lei nº 9.472/1997, consoante estabelecido nos seus arts. 89 e 210. Adicionalmente,

foram esclarecidas diversas dúvidas a respeito do processamento das licitações relativas às

contratações e às outorgas mencionadas (Acórdão TCU Plenário nº 1.107/2003).

No setor elétrico, o TCU dedicou especial atenção às revisões das tarifas das

empresas distribuidoras. Tendo em vista que esses processos são complexos e envolvem

elevadas somas de recursos, foi elaborado projeto específico para o acompanhamento das

mais de 50 revisões tarifárias que ocorreram em 2003 e ocorrerão em 2004.

As principais determinações dirigidas à Aneel são as seguintes:

- reavaliar as novas tarifas fixadas para as Centrais Elétricas do Espírito Santo

S.A. (Escelsa), adotando uma nova metodologia para o cálculo do custo de remuneração do

capital, que desempenha papel relevante na definição da receita estimada (Decisão TCU

Plenário nº 1.483/2002);

- regulamentar o processo de revisão tarifária para os serviços de transmissão de

energia elétrica, prevendo mecanismos de repassasse aos consumidores de possíveis ganhos

de alavancagem financeira (Decisão TCU Plenário nº 300/2001);

- alterar o critério de fixação do preço mínimo para outorga de aproveitamentos

hidrelétricos, visando adequá-lo às conclusões de estudos desenvolvidos pelo TCU, pela

Aneel e por consultores contratados pela agência. Referida alteração propiciou, no primeiro

ano de utilização do novo método, um acréscimo no preço inicial das outorgas de mais de R$

200 milhões. Cumpre ressaltar que a agência vem realizando estudos para aperfeiçoar ainda

mais esse método;

- no processo de revisão tarifária periódica da Companhia Energética de Minas

Gerais – Cemig ocorrido em 2003 (Acórdão TCU Plenário nº 1.756/2003): corrigir o valor

das receitas de uso do sistema de distribuição, haja vista terem sido consideradas tanto como

item autônomo quanto compondo o item Outras Receitas, e considerar no cálculo do reajuste

tarifário o benefício fiscal decorrente da distribuição de juros sobre o capital próprio, nos

termos na Lei nº 9.249/1995;

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- visando permitir a participação eficaz dos usuários nos processos de revisão

tarifária, divulgar tempestivamente a data de realização das audiências públicas e os motivos

da aceitação ou rejeição dos pleitos dos participantes dessas audiências e definir previamente

o valor da remuneração da concessionária e o critério utilizado para calcular o percentual da

receita extra-concessão que será considerado para efeito de modicidade tarifária (Acórdão

TCU Plenário nº 1.756/2003);

- adotar as providências necessárias ao saneamento de diversas impropriedades

verificadas na quantificação do capital de giro das concessionárias, que deverá observar o

disposto na Resolução Aneel nº 493/2002 (Acórdão TCU Plenário nº 1.757/2003).

Analisando a situação do setor energético, o Tribunal constatou a ausência de

uma política setorial que orientasse a atuação da Aneel e da ANP. Referida política deveria ter

sido estabelecida pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), instituído pela Lei

nº 9.478/1997, como um órgão de assessoramento do Presidente da República180

.

Essa omissão do CNPE ensejou uma atuação anômala das agências, que passaram

a traçar a política energética, fixando objetivos e definindo prioridades. Diante disso, em

outubro de 2000, o TCU determinou ao Ministro de Estado de Minas e Energia, Presidente do

CNPE, que adotasse as medidas necessárias à imediata ativação do Conselho (Decisão TCU

Plenário nº 833/2000), o que veio a ocorrer em novembro de 2000.

Avalia-se que uma atuação pró-ativa do CNPE minimizará o risco de novos

“apagões”. Esse entendimento é compartilhado pelo Poder Executivo Federal, como

180

Em conformidade com o disposto na Lei nº 9.478/1997, compete ao CNPE formular políticas e diretrizes de

energia destinadas a:

I - promover o aproveitamento racional dos recursos energéticos do País, em conformidade com o disposto

na legislação aplicável e com os seguintes princípios: preservação do interesse nacional; promoção do

desenvolvimento sustentado, ampliação do mercado de trabalho e valorização dos recursos energéticos; proteção

dos interesses do consumidor quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos; proteção do meio ambiente e

promoção da conservação de energia; garantia do fornecimento de derivados de petróleo em todo o território

nacional, nos termos do § 2º do artigo 177 da Constituição Federal; incremento da utilização do gás natural;

identificação das soluções mais adequadas para o suprimento de energia elétrica nas diversas regiões do País;

utilização de fontes renováveis de energia, mediante o aproveitamento dos insumos disponíveis e das tecnologias

aplicáveis; promoção da livre concorrência; atração de investimento na produção de energia e ampliação da

competitividade do País no mercado internacional;

II – assegurar, em função das características regionais, o suprimento de insumos energéticos ás áreas mais

remotas ou de difícil acesso do País, submetendo as medidas específicas ao Congresso Nacional, quando

implicarem criação de subsídios, observado o disposto no parágrafo único do artigo 73 da Lei n.º 9.478/1997;

III – rever periodicamente as matrizes energéticas aplicadas às diversas regiões do País, considerando as

fontes convencionais e alternativas e as tecnologias disponíveis;

IV – estabelecer diretrizes para programas específicos, como os de uso do gás natural, do álcool, de outras

biomassas, do carvão e da energia termonuclear;

V – estabelecer diretrizes para a importação e exportação, de maneira a atender às necessidades de consumo

interno de petróleo e seu derivados, gás natural e condensado, e assegurar o adequado funcionamento do Sistema

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comprova o Decreto nº 4.261/2002, que, ao extinguir a Câmara de Gestão da Crise de Energia

Elétrica – GCE, transferiu para o Ministério de Minas e Energia a responsabilidade de propor

ao CNPE a adoção das medidas necessárias para a redução de riscos de insuficiência de oferta

de energia elétrica.

Em cumprimento a esse dispositivo, o Ministério de Minas e Energia encaminhou

as propostas sob enfoque ao CNPE, que as utilizou como supedâneo para editar sua Resolução

nº 10/2003, a qual dispôs sobre os procedimentos e critérios para a fixação do Mecanismo de

Representação de Aversão a Risco de Racionamento, cuja instituição havia sido prevista na

Resolução da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica nº 109/2002.

No setor de petróleo, o Tribunal vem acompanhado as licitações de blocos para

exploração e produção, tendo sido feitas diversas determinações à ANP, dentre as quais

destacam-se as seguintes:

- assegurar maior transparência e garantir adequadas condições para a atuação da

agência durante a execução contratual (Decisão TCU nº 351/1999 - Plenário);

- não realizar novas rodadas de licitação sem antes regulamentar as penalidades

cabíveis aos concessionários. Em que pese os primeiros contratos de concessão de blocos

haverem sido assinados em 06/08/1998, até meados de 2003, a Agência não dispunha de um

instrumento que regulasse as penalidades, o que dificultava a sua atuação fiscalizadora. Essa

falha foi sanada com a edição da Portaria ANP nº 234/2003, que aprovou o Regulamento de

penalidades aplicáveis aos infratores das disposições dos contratos de concessão e da

legislação aplicável;

- retirar dos contratos de concessão cláusulas que permitam a aprovação tácita de

pleitos dos concessionários, caso a agência não se pronuncie em, no máximo, sessenta dias.

Tendo em vista que a ANP não dispunha de recursos humanos suficientes para analisar em

tempo hábil os requerimentos dos concessionários, essas cláusulas propiciavam a aprovação

tácita desses pedidos. Em decorrência dessa determinação, a agência, além de retirar dos

contratos de concessão as cláusulas impugnadas, ajustou os termos contratuais ao disposto na

Lei nº 9.478/1997, que estabelece o prazo de 180 dias para a análise de alguns tipos de pleitos

dos concessionários.

Outra relevante questão analisada foi a possibilidade de prorrogação dos prazos

estabelecidos nos contratos firmados com a Petrobrás, sem prévia licitação, por força do

Nacional de Estoques de Combustíveis e o cumprimento do Plano Anual de Estoques Estratégicos de

Combustíveis, de que trata o artigo 4º da Lei nº 8.176, de 8 de fevereiro de 1991.

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estabelecido no art. 33 da Lei do Petróleo (Lei nº 9.478/1997) 181, 182

. Em uma primeira

assentada (Decisão Plenário TCU nº 981/2000), o Tribunal entendeu que tais prorrogações

somente seriam aceitáveis, sob o ponto de vista jurídico, se, no prazo de três anos, estivesse

concluída a fase de exploração. Posteriormente, a Corte de Contas alterou esse

posicionamento, concordando ser aplicável àquelas prorrogações a Teoria da Imprevisão.

Adicionalmente, o Tribunal determinou que a agência se abstivesse de promover novas

prorrogações nos prazos contratuais de exploração (Decisão TCU nº 150/2001 - Plenário).

O TCU determinou ao CNPE que se manifestasse acerca dos blocos a serem

ofertados nas rodadas de licitação. Tal decisão foi motivada pelo fato de esse Conselho ser o

formulador da política setorial e de a escolha desses blocos dever estar em consonância com a

política energética. Em atendimento a essa determinação, o CNPE editou a Resolução nº 8, de

21/07/2003, que estabelece a política de produção de petróleo e gás natural e define diretrizes

para a realização de licitações de blocos exploratórios ou áreas com descobertas já

caracterizadas, nos termos da Lei nº 9.478/1997.

Note-se que a própria ANP reconhece que a política para o setor deve ser definida

pelo CNPE, como se depreende da leitura do seguinte pronunciamento do representante da

agência (Sr. John Forman), ocorrido durante a audiência pública que antecedeu à 6ª Rodada

de licitação de blocos: “A ANP é uma agência reguladora. Ela não traça a política. Ela não

estabelece o que tem que ser produzido ou deixado de produzir, exportado ou não exportado

(...) A relação entre reserva e produção é estabelecida pelo Ministério de Minas e Energia,

não pela ANP.”183

Quanto às rodovias federais concedidas à iniciativa privada, o TCU adotou as

seguintes decisões de destaque:

- ao apreciar representação formulada pelo Deputado Sérgio Miranda, o Tribunal

constatou que as concessionárias embutiam no valor do pedágio uma parcela de 5 %, relativa

ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). Essa cobrança foi considerada

indevida tendo em vista esse tributo só poderia ser cobrado após a edição de leis municipais

específicas em cada um dos municípios cortados pelas rodovias, o que não havia ocorrido até

181

“Art. 33. Nos blocos em que, quando do início da vigência desta Lei, tenha a PETROBRÁS realizado

descobertas comerciais ou promovido investimentos na exploração, poderá ela, observada sua capacidade de

investir, inclusive por meio de financiamentos, prosseguir nos trabalhos de exploração e desenvolvimento pelo

prazo de três anos e, nos casos de êxito, prosseguir nas atividades de produção.

Parágrafo único. Cabe à ANP, após a avaliação da capacitação financeira da PETROBRÁS e dos dados

e informações de que trata o art. 31, aprovar os blocos em que os trabalhos referidos neste artigo terão

continuidade.” 182

O processo de concessão desses blocos foi denominado Rodada Zero das licitações.

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então.184

Saliente-se que a receita proveniente dessa cobrança, além de ilegal, estava sendo

administrada pelas concessionárias, o que, por si só, constituía outra irregularidade. Com

fulcro nessas considerações, o TCU assinou prazo para o Diretor-Geral do antigo DNER

adotar as seguintes providências, todas elas necessárias ao exato cumprimento da lei (Decisão

TCU Plenário nº 434/1999): interrupção imediata da cobrança do ISSQN sobre a tarifa de

pedágio; alteração dos contratos de concessão que previam a cobrança de tal tributo e

suspensão da utilização dos recursos provenientes dessa cobrança em obras ou quaisquer

outras finalidades, até ulterior deliberação do Tribunal. Adicionalmente, o TCU permitiu que

as concessionárias executassem melhorias nas rodovias utilizando os recursos arrecadados

com a cobrança considerada indevida, desde que essas melhorias não estivessem previstas no

contrato de concessão;

- fixação de prazo para que o DNER revogasse a autorização concedida para a

implantação de cabine de bloqueio na Via Dutra, tendo em vista que esse bloqueio, não

previsto no contrato de concessão, geraria receitas tarifárias não relacionadas no edital.

Referida decisão encontrou supedâneo no art. 29, VI, da Lei nº 8.987/1995;

- adequação aos ditames legais dos editais de concessão de sete importantes lotes

rodoviários, que incluíam trechos das rodovias Fernão Dias e Régis Bitencourt. O Ministério

dos Transportes revogou essas licitações e determinou a realização de estudos visando à

elaboração de um novo modelo de edital de concessão. Referidos estudos deverão ficar

prontos até abril de 2004, devendo a licitação ocorrer até meados de 2005. Em consonância

com as determinações do TCU, esse novo modelo deverá prever uma revisão tarifária a cada

quatro anos;

- entre 2001 e 2003, o TCU auditou as concessões de rodovias federais visando

verificar a pertinência dos valores dos pedágios, a correção da execução contratual e a

manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Em decorrência desses

trabalhos, os usuários dessas rodovias auferiram benefícios, pois foram corrigidas falhas na

execução contratual e reduzidas diversas tarifas de pedágio. Cite-se, a título de exemplo, que

uma auditoria realizada na NovaDutra185

identificou uma falha na determinação do valor do

pedágio, cuja correção redundou em uma redução de aproximadamente R$ 0,30 para veículos

183

Conforme registrado na Ata da Audiência Pública relativa à 6ª Rodada de Licitações. 184

O art. 150, inciso I, da Constituição Federal estabelece o princípio da legalidade tributária, não sendo

permitido “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. A Lei Complementar nº 56/1987, que regula o

ISSQN, não incluiu o serviço prestado pelas concessionárias de serviço público entre os fatos geradores do

tributo, o que só ocorreu com a Lei Complementar nº 100/1999. 185

Concessionária que administra a Rodovia Presidente Dutra, a mais movimentada estrada brasileira.

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de passeio186

. Outro resultado significativo dessas fiscalizações foi a proibição de a

Concessionária Rodonorte apropriar em seu fluxo de caixa valores de obras não previstas

inicialmente no contrato, o que impediu que o usuário arcasse com o ônus de custear

investimentos desnecessários;

- determinação à ANTT no sentido de alterar o contrato firmado com a Concepa a

fim de prever "a consideração das receitas alternativas no cálculo do equilíbrio econômico-

financeiro dos contratos, dando ensejo à revisão contratual, na forma já adotada nos demais

contratos de concessão rodoviária.". Foi determinada, ainda, a análise do impacto das receitas

alternativas obtidas pelas concessionárias, visando preservar a modicidade tarifária (Decisão

TCU Plenário nº 1.460/2002);

- determinação ao Ministério dos Transportes e à ANTT no sentido de que os

estudos de viabilidade econômico-financeira utilizados para definir o valor dos pedágios

sejam sempre atualizados, visando compatibilizar a data-base dos fluxos de caixa projetados

com a data fixada para os respectivos certames. Esse procedimento assegura a propriedade e a

atualidade dos valores utilizados nas projeções, principalmente em relação aos valores

máximos de tarifas de pedágios a serem admitidos. Tal determinação evitou que os usuários

arcassem com tarifas majoradas em relação às praticadas em outras concessões;

- determinação ao DNIT no sentido de adotar imediatas providências visando

remover fatores de risco de acidentes para os usuários das rodovias federais (Acórdão TCU

Plenário nº 1.365/2003);

O Tribunal determinou que o Ministério dos Transportes revisse os estudos,

datados de 1989, que subsidiavam a definição do coeficiente tarifário e dos preços mínimos

para as outorgas das permissões dos serviços de transporte rodoviário interestadual e

internacional de passageiros (Decisão TCU Plenário nº 427/2002). A ANTT reviu esses

estudos, o que propiciou uma redução relevante do percentual de reajuste concedido em julho

de 2003 para o setor187

. O TCU recomendou, ainda, que a ANTT continue atualizando os

coeficientes básicos e aprofundando a análise de custos, estratificando os dados obtidos por

serviço e região.

No setor portuário, o TCU determinou à Superintendência do Porto de Rio

Grande (RS) que incluísse no contrato de concessão cláusulas essenciais referentes aos

critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade do serviço, bem como

186

Em valores históricos de 2001. 187

O reajuste concedido foi de 17,48 %, enquanto o setor estimava, com base nos antigos coeficientes tarifários,

um aumento de 28 %.

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fizesse constar nesse contrato as metas e os prazos para o aperfeiçoamento da exploração do

serviço por parte da arrendatária (Decisão TCU Plenário nº 748/2001).

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7. Considerações Finais

Apesar de o tema desta monografia ser considerado polêmico, avalia-se que, com

base no que foi exposto anteriormente, é possível tecer algumas considerações finais a guisa

de conclusão.

Há décadas existem no Brasil entidades públicas que se assemelham às agências

reguladoras, por serem autarquias especiais e regularem as atividades de setores econômicos

específicos, como é o caso do Banco Central do Brasil e da CVM. Entretanto, o modelo de

agências, com todas as suas peculiaridades, só foi implantado recentemente em nosso país.

Isso explica, parcialmente, as várias controvérsias ainda existentes nos círculos jurídicos sobre

aspectos relevantes desse modelo, como, por exemplo, a questão dos mandatos dos dirigentes

dessas entidades, os limites do poder regulamentar das agências ou os limites da competência

do TCU em relação à área fim das agências.

Deve-se considerar, também, os vultosos recursos financeiros envolvidos na

prestação dos serviços públicos concedidos, os quais estimulam a defesa dos legítimos

interesses dos atores sociais envolvidos na questão, sejam eles usuários ou fornecedores

desses serviços. Com freqüência, as decisões do TCU propiciam ganhos significativos para

uma parcela desses agentes e perdas correspondentes para outros, provocando a reação dos

que julgam ter tido seus direitos violados por essas decisões. Isso também explica, em parte,

os posicionamentos contrários à ação da Corte de Contas.

Existem, ainda, os que defendem ou criticam essa atuação do TCU por motivos

político-ideológicos. Tendo em vista que a implantação das agências no Brasil está

diretamente ligada à privatização, que polarizou as discussões políticas tanto no Parlamento

quanto fora dele, os debates sobre temas concernentes a essas entidades, muitas vezes,

apresentam um viés que compromete a isenção dos argumentos apresentados.

Com espeque nessas considerações, conclui-se que o debate sobre essa questão

nem sempre é isento ou bem fundamentado do ponto de vista jurídico. Entretanto, é forçoso

reconhecer que vários críticos da atuação do TCU na área fim das agências defendem

posições solidamente embasadas, as quais demandam uma reflexão mais aprofundada sobre o

tema.

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Preliminarmente a essa reflexão, serão apresentados de forma sucinta os principais

argumentos daqueles que negam ao TCU a competência ora analisada. Com esse intuito, será

transcrita a conclusão de um parecer elaborado por BARROSO, verbis188

:

“É possível compendiar os argumentos desenvolvidos ao longo do presente

parecer nas proposições objetivas que se seguem:

A. O processo de desestatização transferiu para a iniciativa privada encargos

e responsabilidades que antes eram do Estado. A diminuição do papel

econômico do Estado deslocou a ênfase de sua atuação para o campo da

regulação e fiscalização da prestação de serviços públicos e da exploração

de algumas atividades econômicas

B. As Agências reguladoras são autarquias especiais com finalidades

múltiplas, que incluem o controle de tarifas, a universalização do serviço,

o fomento da competitividade, a fiscalização dos contratos de concessão e

o arbitramento dos conflitos entre os usuários, concessionários e poder

concedente. O desempenho eficaz de tal missão depende,

incondicionalmente, de ser a agência dotada de autonomia administrativa

e autonomia financeira.

C. O tribunal de Contas desempenha, nos termos da Constituição, um amplo

conjunto de atribuições como órgão auxiliar do Poder Legislativo no

controle externo da Administração Pública, na fiscalização contábil,

financeira e orçamentária. Não cabe, todavia, ao Tribunal de Contas:

(a) exercer fiscalização que não tenha natureza contábil, financeira ou

orçamentária, isto é, que não envolva o emprego de recursos públicos;

(b) invadir a esfera de reserva administrativa de agência reguladora de

serviços públicos para perquirir o mérito de suas decisões político-

administrativas, interferindo com a sua atividade fim.

Por tais razões, a requisição de informação e documentos sobre matérias

afetas à legítima esfera de autonomia administrativa da ASEP-RJ tipifica

comportamento sem lastro constitucional e legal.

Dessarte, em razão do imperativo constante no inciso II do Art. 71 da

CF/1988, fica estreme de dúvidas que cabe ao TCU tão-somente julgar as

188

BARROSO, Luiz Roberto. Parecer emitido em virtude de consulta formulada pela Agência Reguladora de

Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio de Janeiro, publicado no Boletim de Direito Administrativo de

junho de 1999.

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contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e

valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e

sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público Federal, bem como

daqueles cuja irregularidade cause prejuízo ao erário. A mesma sorte seguirá

os Tribunais de Contas estaduais e municipais diante de agências criadas

naquelas respectivas esferas de poder.

A solução será diversa em relação às Agências Executivas e Organizações

Sociais, essas apenas quando gestoras de dinheiro público. Hipótese em que

ficarão sob o controle e fiscalização do órgão auxiliar do Legislativo

competente para tanto.”

A reflexão a ser empreendida deve ter como ponto de partida o momento no qual

as agências foram introduzidas no ordenamento jurídico nacional. Naquela época, premido

pela crise fiscal do Estado e pela exaustão do modelo do Estado do Bem Estar Social, o

Governo Fernando Henrique Cardoso procurou desenvolver um novo arranjo político-

institucional, implementando uma reforma do Estado Brasileiro que redimensionou o papel da

Administração Pública na prestação de serviços públicos. O Estado viu diminuir sua função

de prestador direto desses serviços na mesma proporção em que testemunhou o crescimento

de sua função regulatória. Nesse contexto, inserem-se as agências reguladoras, como

entidades dotadas de maior autonomia financeira, administrativa e patrimonial.

Por meio da outorga da execução dos serviços públicos, procurou-se garantir a

prestação eficiente desses serviços, o que eqüivale a dizer que eles deveriam ser de boa

qualidade, ter oferta adequada do ponto de vista quantitativo e ser prestados a preços módicos.

Além disso, foi devidamente sopesada a possibilidade de a iniciativa privada aportar os

recursos indispensáveis que o Estado não tinha mais condições de investir.

Visando atingir tais objetivos, o Estado atua na regulamentação e na fiscalização

dos serviços, diretamente, mediante um de seus órgãos, ou de forma descentralizada, por meio

das agências reguladoras.

Dentro desta nova concepção de Estado, por vários motivos, o controle ganha

preeminência. Em primeiro lugar, porque, além do exame da legalidade, os órgãos

controladores devem verificar a eficiência da atuação das agências reguladoras, consoante

demonstrado anteriormente nesta monografia. Esse poder-dever decorre de suas competências

constitucionais, especialmente daquela que autoriza a realização de auditorias operacionais

(art. 71, IV, da Carta Magna). Aduz-se que diversas leis também consagram essa competência

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da Corte de Contas Federal, como, por exemplo, a Lei nº 9.427/1996, que criou a Aneel, a

qual estipulou em seu art. 7º que:

“Art. 7º A administração da Aneel será objeto de contrato de gestão, negociado e

celebrado entre a Diretoria e o Poder Executivo no prazo máximo de noventa dias após a

nomeação do Diretor-Geral, devendo uma cópia do instrumento ser encaminhada para

registro no Tribunal de Contas da União, onde servirá de peça de referência em auditoria

operacional.”

Assim, a alegação do Professor Luiz Roberto Barroso de que o TCU possui

competência apenas para realizar fiscalizações de caráter contábil, financeiro ou orçamentário

não merece prosperar.

Em segundo lugar, porque, consoante exposto anteriormente, as agências

reguladoras padecem de um déficit de legitimidade, o qual pode ser minimizado por meio da

ação do controle externo, que confere mais transparência às ações das agências e afere a

aderência dessas ações aos ditames legais e regulamentares e às políticas setoriais traçadas

pelas instâncias competentes.

Em terceiro lugar, porque a emissão pelo TCU de pareceres técnicos bem

fundamentados pode ajudar a esclarecer muitas questões controvertidas relativas à regulação.

Dessa forma, uma atuação eficaz e tempestiva da Corte de Contas diminuirá a quantidade e a

complexidade das contendas que, como último recurso, serão encaminhadas ao Poder

Judiciário. Essa ação do TCU adquire ainda mais relevância quando se constata que,

conforme acentuado no corpo do presente trabalho, nosso aparelho judicial não se encontra

adequadamente preparado para responder a questões versando sobre regulação.

Em quarto lugar, porque a consagração do Princípio da Eficiência como um

Princípio fundamental da Administração Pública, em conformidade com a nova redação do

caput do art. 37 da Constituição Federal, gerou novos deveres para o administrador público e,

consequentemente, para o controle. Se, anteriormente, a atenção dos agentes públicos devia

estar voltada para a legalidade dos atos administrativos, hoje, tanto o gestor quanto o auditor

devem se dedicar à análise concomitante da legalidade e da eficiência. Donde se conclui que,

independentemente da natureza jurídica da entidade pública que pratique um determinado ato,

ele pode e deve ser apreciado sob os dois aspectos retromencionados.

Em quinto lugar, porque o exercício eficaz do controle externo colabora no

esforço para impedir a captura das agências reguladoras. Em todo o mundo, as agências, por

lidarem com os interesses de forças econômicas poderosas, correm o risco de serem

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capturadas. Caso isso ocorra, as agências terão sido afastadas das ingerências políticas

indevidas, graças a sua autonomia, e colocadas sob o jugo de agentes econômicos

privilegiados, o que inviabilizaria o exercício pleno da regulação. Esse entendimento é

corroborado pelo fato de os Estados Unidos, berço das agências reguladoras, terem concluído

que um controle externo eficaz é um poderoso instrumento na luta contra a captura dessas

entidades189

. Conclui-se que a atuação do TCU amplia o pluralismo de pressões sobre os

reguladores e, conseqüentemente, ajuda a inibir eventuais relações clientelistas190

entre

reguladores e agentes econômicos regulados.

Ressalte-se que a captura de uma agência pelas entidades controladas pode

conduzir a um círculo vicioso, pois, consoante FIANI191

:

“A conseqüência [da captura] é um progressivo aumento da dependência da

agência em relação a um grupo de interesse, tanto porque a agência não tem como contrapor

outros interesses ao interesse do grupo que a capturou, como também pelo fato de que a

agência depende do grupo de interesse para obter as informações que necessita. Em função

disso, a agência vai passar a defender interesses particulares ao invés de interesses gerais da

população. Para tanto, a agência tenderá a reforçar o sigilo e a despolitização no seu

processo decisório, uma vez que deseja evitar a prestação de contas e a investigação por

parte do público.”

Em sexto lugar, porque, consoante a mencionada lição de SPECK, o TCU deve

exercer o controle sob o enfoque liberal (concernente à fiscalização da legalidade) e sob o

enfoque gerencial (concernente ao incremento da eficiência da Administração Pública).

Consequentemente, o Tribunal não só pode como deve atuar visando dotar as ações das

agências da maior eficiência possível. Ademais, conforme ressaltado por BEMERGUY192

, as

agências reguladoras não dispõem de robustez operacional para dar conta da grande

quantidade de desdobramentos contratuais e normativos da relação entre poder concedente e

os agentes delegados.

189

Conforme MENDES, Conrado Hubner. Reforma do Estado e agências reguladoras: estabelecendo os

parâmetros de discussão, in SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito Administrativo Econômico. São Paulo:

Malheiros, 2000. p. 99 (texto anteriormente citado nesta monografia). 190

Adota-se, aqui, o seguinte conceito de clientelismo, fornecido por Guy Peters: situação em que um grupo de

interesse é percebido pela Administração como representante exclusivo do setor objeto de sua regulação. Esse

monopólio de representação pode resultar na captura das agências reguladoras pelos agentes econômicos com

maior poder de organização. (apud FIANI, Ronaldo. “Aspectos do modelo regulatório brasileiro: uma avaliação

a partir dos conceitos de redes de políticas e herança institucional”, in TCU. O Controle Externo da regulação de

serviços públicos, Brasília, 2002) 191

FIANI, Ronaldo. “Aspectos do modelo regulatório brasileiro: uma avaliação a partir dos conceitos de redes de

políticas e herança institucional”, in TCU. O Controle Externo da regulação de serviços públicos, Brasília, 2002 192

Ver texto da palestra anteriormente citada.

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Em sétimo lugar, porque compete ao TCU verificar se as agências estão atuando

em consonância com as determinações legais e regulamentares e com as Políticas Públicas

traçadas por quem detém competência para tanto. Aduz-se que a Administração Direta não

está preparada para aferir o desempenho e a aderência das ações das agências reguladoras às

políticas e diretrizes formuladas pelo governo, em decorrência do sensível enxugamento

ocorrido durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Além disso, grande parte do

expertise setorial apto a produzir políticas e diretrizes, que estava localizado em empresas

estatais, foi dispersado pela agressiva redução de quadros dessas empresas adotada na etapa

preparatória dos processos de privatização.193

As conseqüências dessa conjuntura foram sentidas recentemente, quando a Aneel

e a ANP foram obrigadas a extrapolar as respectivas competências em virtude da inércia do

CNPE, a qual só foi eliminada após determinação do Tribunal nesse sentido.

Finalmente, deve-se considerar que a atuação do TCU, analisando detalhadamente

os atos praticados pelas agências e divulgando o resultado de seus trabalhos, facilita

sobremaneira o exercício do controle social. Afinal, os usuários dos serviços públicos não

dispõem de assessoria profissionalizada para fazer frente aos interesses dos grupos mais

organizados.

Reitero que, consoante analisado anteriormente, um dos desafios das democracias

modernas é a construção de um modelo de governo baseado no controle exercido pela

sociedade civil sobre os detentores do poder político. Aliás, nesse sentido, nossa Lei Maior

previu a participação do usuário na Administração Pública direta e indireta.194

O controle social somente será eficaz se forem estabelecidos vínculos sistêmicos

entre a sociedade civil organizada e os entes estatais encarregados do controle, a exemplo da

participação dos cidadãos nas comissões de fiscalização das concessionárias e nos Conselhos

de Administração das Organizações Sociais. Por outro lado, considerando que a sociedade

civil ainda não conta com mecanismos plenos de mobilização e de absorção de

conhecimentos, somente técnicos especialistas e organizados em instituições estáveis, como

os que compõem os quadros estatais, podem canalizar as demandas sociais. Daí a inafastável

integração que deve existir entre os diversos tipos de controle de serviços públicos.

193

As empresas estatais proveram longos e intensivos programas de demissão incentivada a fim de reduzir

quadros e a pressão de custeio que pudesse prejudicar o processo de privatização. 194

Ver o § 3º do art. 37 da Constituição Federal de 1988, com a redação conferida pela Emenda Constitucional

nº 19, de 1998.

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Outra questão relevante diz respeito à estabilidade do sistema regulatório, que está

diretamente relacionada ao nível de transparência dos processos decisórios dentro das

agências reguladoras. Os agentes econômicos envolvidos, investidores e consumidores,

precisam compreender com clareza o regramento jurídico do mercado regulado, a fim de

negociar em bases consistentes. Note-se que essa é uma negociação complexa, pois é preciso

assegurar simultaneamente o acesso de todos os usuários aos serviços e a rentabilidade dos

investimentos privados.

Um dos pilares de equilíbrio de uma relação justa entre usuários e investidores

está justamente na disseminação ampla de informações sobre os aspectos técnicos,

econômicos e sociais das concessões. Atualmente, pesa sobre os usuários um grande déficit de

informação, deixando os órgãos de defesa dos consumidores em flagrante desvantagem no

debate de questões relevantes, tais como as revisões tarifárias. Executando os seus trabalhos

de fiscalização que, em regra, são públicos, está o TCU contribuindo para viabilizar o

surgimento de um controle social realmente efetivo.

Com fulcro nessas breves considerações e nas análises expendidas ao longo desta

monografia, acredita-se ter ficado patente que o TCU possui competência para fiscalizar as

atividades finalísticas das agências reguladoras. Entretanto, cumpre analisar a forma como o

Tribunal deve atuar e os limites dessa atuação.

O Tribunal deve atuar de forma complementar à ação das entidades reguladoras

no que concerne ao acompanhamento da execução contratual dos serviços concedidos. Afinal,

o fato de o Poder Concedente deter competência originária para fiscalizar a atuação das

concessionárias não impede a atuação cooperativa e suplementar do TCU, que pode, assim,

fiscalizar a prestação dos serviços públicos delegados. Por outro lado, a Corte de Contas não

pode substituir o órgão regulador, sob pena de atuar de forma contrária à Constituição

Federal. Nesse sentido, cumpre reiterar que a fiscalização do Tribunal deve ser sempre de

segunda ordem, sendo seu objeto a atuação das agências reguladoras como agentes

estabilizadores mediadores do jogo regulatório e não o jogo regulatório em si.

Ademais, a atuação do TCU na área sob comento deve ser sempre pautada pela

busca da excelência técnica, a qual conferirá ao Tribunal legitimidade junto às agências, aos

concessionários e à sociedade civil em geral. Note-se que, sendo o TCU o órgão que examina,

sob diferentes aspectos, a atuação de agentes reguladores em praticamente todos os setores da

economia, ele detém as melhores condições potenciais para desenvolver uma visão sistêmica

do modelo regulatório brasileiro. Em conseqüência, a Corte pode contribuir

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significativamente para a disseminação de boas práticas de regulação, independentemente do

segmento em que atuam as agências.

Finalmente, deve-se ressaltar que o TCU não pode assumir a condição de defensor

dos interesses de quaisquer dos grupos em disputa, mas deve atuar em defesa da estabilidade

das regras, dos contratos e da eficiência do jogo regulatório.

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