271
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO João Dimas Nazário “O HOMEM SERÁ O QUE À CRIANÇA LHE TRANSMITIR...”: Representações de criança na Série Fontes (Santa Catarina décadas de 1920 1930).

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

  • Upload
    others

  • View
    3

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

João Dimas Nazário

“O HOMEM SERÁ O QUE À CRIANÇA LHE TRANSMITIR...”: Representações

de criança na Série Fontes (Santa Catarina – décadas de 1920 – 1930).

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

João Dimas Nazário

“O HOMEM SERÁ O QUE À CRIANÇA LHE TRANSMITIR...”: Representações

de criança na Série Fontes (Santa Catarina – décadas de 1920 – 1930).

Tese submetida ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da

Universidade Federal de Santa Catarina,

para obtenção do título de Doutor em

Educação.

Orientador: Prof. Dr. Ademir Valdir dos

Santos.

Florianópolis

2019.

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer
Page 4: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

João Dimas Nazário

Título: “O HOMEM SERÁ O QUE À CRIANÇA LHE TRANSMITIR...”:

Representações de criança na Série Fontes (Santa Catarina – décadas de 1920 – 1930).

O presente trabalho em nível de doutorado foi avaliado e aprovado por banca

examinadora composta pelos seguintes membros:

Orientador - Prof. Ademir Valdir dos Santos Dr.

Universidade Federal de Santa Catarina

Membro Titular – Prof.(a) Gladys Mary Ghizoni Teive, Dr(a).

Universidade do Estado de Santa Catarina

Membro Titular – Prof.(a) Samara Elisana Nicareta, Dr(a).

Secretaria de Estado da Educação do Paraná

Membro Titular – Prof.(a) Eliane Debus, Dr(a).

Universidade Federal de Santa Catarina

Suplente - Prof.(a) Gisela Eggert Steindel, Dr(a).

Universidade do Estado de Santa Catarina

Suplente - Prof.(a) Patrícia de Moraes Lima, Dr(a).

Universidade Federal de Santa Catarina

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi

julgado adequado para obtenção do título de doutor em Educação.

____________________________

Prof. Dra. Andrea Brandão Lapa

Coordenadora do Programa

____________________________

Prof. Dr. Ademir Valdir dos Santos

Orientador

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

Meu saber cresceu.

Meu fazer, se multiplicou.

Meu ser, não é apenas eu,

Com os livros de leitura se modificou.

J. D. Nazário/2018.

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos que estão comigo, me incentivando, entendendo minha ausência,

apontando-me os caminhos que me levam a esta pesquisa. Em especial a minha esposa

Julia, por ter sempre um sorriso todas às manhãs me fazendo ver a leveza da vida e que

nem tudo é tão difícil como nos apresentam.

Também ao estimado e ladino orientador Professor Doutor Ademir Valdir dos

Santos, que me indica os caminhos, me incentiva, me faz crer no valor desta pesquisa

para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as

possibilidades e aponta na qual devem acontecer as mudanças.

À banca examinadora, que gentilmente abriu um espaço em sua agenda para

examinar e dar indicativos para que este texto se torne uma tese.

Aos meus familiares, que traduzem minha história escolar, em especial minha

mãe, Delorme Etelvina Peirão (in memoriam) e minha Dadá, irmã amada, que me

ensinaram a ser a pessoa que sou e o professor que me tornei, e a ver na educação o

único caminho possível para a mudança. Aos meus amigos Alba e Jair, juntos as suas

filhas, que tanto me incentivam, ouvem minhas lamúrias de pesquisador, me servindo

um cafezinho, me doando seus ouvidos e seus ombros.

À Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis, que nos incentiva aos

estudos, à qualificação profissional. Ao Departamento de Logística por todo carinho e a

Gerência de Formação, onde tenho vivido momentos de aprendizagem.

Minha estimada, querida, ladina Ana Claudia, Aninha, por ter me doado seus

livros que ajudaram a fundamentar esta pesquisa, desprendendo-se de raridades e até

dando-me seus disquetes, mesmo não tendo me servido pra nada porque não consegui

abri-los (risos), onde estão materiais do Arquivo Público de Santa Catarina,

relacionados à educação do período que se estipulou para esta pesquisa. Aos colegas

de linha – Sociologia e História da Educação e aos de outras linhas, que durante o

momento de efetivação dos créditos, estiveram presentes nas mais variadas disciplinas.

Em especial à Marlise Oestreich, que me é muito valiosa em suas palavras e afeto.

Às crianças, que traduzem o lugar que escolhi como profissão e que venho ao

longo desses trinta anos qualificando meus saberes e ampliando meus fazeres

pedagógicos. Enfim, a tudo que acredito, como as energias boas que me cercam e que

me fazem um ser humano melhor.

Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

RESUMO

A pesquisa se situa na área da História da Educação, numa perspectiva da História

Cultural. O objetivo é verificar representações de criança enunciadas (que estão

relacionadas com seu contexto – proferidas e expressas) nas lições dos livros de leitura

da Série Fontes, organizados pelo Henrique da Silva Fontes, que estiveram em

circulação entre as décadas de 1920 a 1950, nas escolas públicas primárias do estado de

Santa Catarina. Esses livros eram destinados a crianças de sete a doze anos de idade,

estudantes da 1ª a 4ª série naquela época, anunciavam o empenho em torná-las

salvadoras da pátria, enquanto cidadãos do futuro. A pesquisa se desenvolveu pelo

caminho metodológico da análise de conteúdo (BARDIN, 2016). A amostra é assim

composta: Primeiro Livro de Leitura, Segundo Livro de Leitura; Terceiro Livro de

Leitura e Quarto Livro de Leitura. Como referencial teórico-metodológico, se optou:

pelos estudos sobre representação embasados nos conceitos de Chartier; pelas

teorizações de Bardin (2016) quanto à análise de conteúdo; pelos discursos de Fiori,

Dallabrida e Teive, sobre aspectos relacionados à história da educação pública do estado

de Santa Catarina. Ainda se fez uso dos estudos de Ariés, Gondra, Kuhlmann Jr.,

Fernandes, Veiga e Del Priore. Os resultados indicam que as lições contidas nesses

livros (re)produziam e circulavam conteúdos relacionados as categorias à religião,

moral, saúde, higiene, obediência, trabalho, disciplina, esperança, solidariedade,

responsabilidade, dentre outros. Tais conteúdos caracterizam representações que

apontam a produção de uma criança vistas como possibilidade sendo preparada para a

adultez com base em lições moralizadoras, vista paradoxalmente nas condições de

inferioridade e possibilidade.

Palavras-chave: Série Fontes. Representação de criança. Livros de leitura.

Page 8: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

ABSTRACT

The research is located in the area of the History of Education, in a perspective of

Cultural History. The objective is to verify representations of children enunciated

(which are related to their context - uttered and expressed) in the lessons of the Fontes

Series reading books, organized by Henrique da Silva Fontes, which were in circulation

between the 1920s and 1950s. primary public schools in the state of Santa Catarina.

These books were intended for seven- to twelve-year-olds, students in grades 1-4 at that

time, announced their commitment to make them saviors of their homeland as citizens

of the future. The research was developed along the methodological path of content

analysis (BARDIN, 2016). The sample is composed as follows: First Reading Book,

Second Reading Book; Third Reading Book and Fourth Reading Book. As a theoretical-

methodological reference, we opted for: studies on representation based on Chartier

concepts; by Bardin (2016) theorizations regarding content analysis; by the speeches of

Fiori, Dallabrida and Teive, on aspects related to the history of public education in the

state of Santa Catarina. It was also made use of the studies of Ariés, Gondra, Kuhlmann

Jr., Fernandes, Veiga and Del Priore. The results indicate that the lessons contained in

these books (re) produced and circulated content related to the categories of religion,

morals, health, hygiene, obedience, work, discipline, hope, solidarity, responsibility,

among others. Such contents characterize representations that point to the production of

a child seen as a possibility being prepared for adulthood based on moralizing lessons,

paradoxically seen in the conditions of inferiority and possibility.

Keywords: Series Fontes. Child Representation. Reading Books.

Page 9: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Manchete ―Coisas e loisas da cidade‖...........................................................65

Figura 2 – Professor Fontes quando Secretário da Viação e Obras Públicas de 1926 –

1929...............................................................................................................................132

Figura 3 – Professor Fontes na sua formatura na Faculdade de Direito no Paraná em

1927...............................................................................................................................132

Figura 4 – Relação dos livros a serem adotados a partir de 1928.................................143

Figura 5 – Capa do Primeiro Livro de Leitura, 1945....................................................151

Figura 6 – Capa do Segundo Livro de Leitura, 1922....................................................151

Figura 7 – Capa do Terceiro Livro de Leitura, 1949.....................................................151

Figura 8 – Capa do Quarto Livro de Leitura, 1949.......................................................151

Figura 9 – Imagem da lição O Trabalho – Primeiro Livro de Leitura...........................160

Figura 10 – Imagem da lição Pergunta Inocente – Primeiro Livro de Leitura..............162

Figura 11 – Imagem da lição O Medroso – Primeiro Livro de Leitura.........................165

Figura 12 – Imagem da lição Duas boas irmãs – Primeiro Livro de Leitura................166

Figura 13 – Imagem da lição Ditados – Primeiro Livro de Leitura..............................167

Figura 14 – Imagem da lição Confiança em Deus – Primeiro Livro de Leitura...........169

Figura 15 – Imagem da lição Boas qualidades e defeitos das crianças – Primeiro Livro

de Leitura.......................................................................................................................172

Figura 16 – Imagem da lição O Menino chorão – Primeiro Livro de Leitura...............174

Figura 17 – Imagem da lição Más desculpas – Primeiro Livro de Leitura...................175

Figura 18 – Imagem da lição Gula, avareza e liberalidade – Primeiro Livro de

Leitura............................................................................................................................176

Figura 19 – Imagem da lição O Dia 21 de abril – Primeiro Livro de Leitura...............217

Page 10: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Estudos sobre os livros de leitura da Série Fontes ......................................27

Quadro 2 – Descritores citados nos periódicos de Santa Catarina..................................60

Quadro 3 – Lições já analisadas......................................................................................69

Quadro 4 – Lições citadas...............................................................................................77

Quadro 5 – Conteúdos Programáticos ─ Grupos Escolares e Escolas Isoladas............108

Quadro 6 – Conteúdos Programáticos ─ Grupos Escolares e Escolas Isoladas............109

Quadro 7 – Obras ─ Grupos Escolares e Escolas Isoladas............................................116

Quadro 8 – Contrastação ─ Lições e autores ................................................................146

Quadro 9 – Análise de conteúdo e categorização –Primeiro Livro de Leitura – 1945..177

Quadro 10 – Análise de conteúdo e categorização –Segundo Livro de Leitura –

1922...............................................................................................................................191

Quadro 11 – Análise de conteúdo e categorização – Terceiro Livro de Leitura –

1933...............................................................................................................................202

Quadro 12 – Análise de conteúdo e categorização –Quarto Livro de Leitura –

1949...............................................................................................................................206

Quadro 13 – Categorias Intermediárias.........................................................................209

Quadro 14 – Análises Categoria Trabalho....................................................................213

Quadro 15 – Análises Categoria Patriotismo................................................................216

Quadro 16 – Análises Categoria Honestidade..............................................................219

Quadro 17 – Análises Categoria Obediência................................................................221

Quadro 18 – Análises Categoria Inferioridade.............................................................224

Quadro 19 – Análises Categoria Possibilidade.............................................................227

Quadro 20 – Análises Categoria Caridade....................................................................231

Page 11: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

LISTA DE ABREVIATURAS

ADD – Análise Dialógica do Discurso.

ALESC – Assembléia Legislativa de Santa Catarina.

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

FAED – Faculdade de Educação do Estado de Santa Catarina.

IPUF – Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis.

NEI – Núcleo de Educação Infantil Campeche

PPGE – Programa de Pós-Graduação/UFSC.

UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina.

UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí.

Page 12: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 10

CAPÍTULO 1: ESTADO DA ARTE DAS PESQUISAS SOBRE A SÉRIE

FONTES ........................................................................................................................ 26

1.1 – EM BUSCA DAS FONTES: ALGUNS ESCRITOS SOBRE PROFESSOR

FONTES E SOBRE OS LIVROS DE LEITURA DA SÉRIE FONTES. ................ 26

1.1.1 – OS ARTIGOS ................................................................................................. 29

1.1.2 – AS DISSERTAÇÕES ..................................................................................... 35

1.1.3 – A TESE ........................................................................................................... 50

1.1.4 – OS LIVROS: BIOGRAFIAS DE UM INTELECTUAL CATARINENSE ... 52

1.1.4.1 – A grafia da história de Professor Fontes: produções literárias, documentos

e palavras. ................................................................................................................ 52

1.1.5 – OS PERIÓDICOS: JORNAIS DO BRASIL E DE SANTA CATARINA –

1920 A 1950 ................................................................................................................ 59

1.2 – AS LIÇÕES NA SÉRIE FONTES: ALGUNS DOS DESTAQUES

ABORDADOS COM BASE NO ESTADO DA ARTE ............................................. 67

CAPÍTULO 2 – EDUCAÇÃO ESCOLAR NO CONTEXTO DO FIM DO

SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX .............................................................. 84

2.1 – A EDUCAÇÃO NA REPÚBLICA DO FINAL DO SÉCULO XIX ................ 84

2.1.1 – ALGUNS ASPECTOS DA EDUCAÇÃO EM SANTA CATARINA NO

INÍCIO DO SÉCULO XX: apontamentos .................................................................. 87

2.1.2 – REFORMAS NA EDUCAÇÃO PÚBLICA DE SANTA CATARINA:

revisão, modificação e instrução ................................................................................. 90

2.1.3 – ASPECTOS SOBRE A OBRIGATORIEDADE DO ENSINO ..................... 95

2.1.4 – CRIANÇA – SUJEITO ESCOLAR ............................................................... 98

2.1.5 – A FORMAÇÃO DA CRIANÇA SOB O OLHAR DO ADULTO – CIDADÃ

DO FUTURO ............................................................................................................ 102

2.1.6 – LIVROS ESCOLARES E A CRIANÇA ..................................................... 106

2.1.6.1 – Os livros de leitura ................................................................................. 110

2.1.7 – CRIANÇA: FIGURA SOCIAL E CULTURAL – FINS DO SÉCULO XIX E

INÍCIO DO SÉCULO XX. ....................................................................................... 120

CAPÍTULO 3 – OS LIVROS DE LEITURA DA SÉRIE FONTES E SEU

AUTOR/ORGANIZADOR ........................................................................................ 128

Page 13: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

3.1 – PROFESSOR FONTES: alguns dados biográficos ........................................ 128

3.2 – LEIS, DECRETOS E NORMATIVAS. .......................................................... 133

3.3 – A SÉRIE FONTES .......................................................................................... 140

3.4 – AUTORES E LIÇÕES ESCOLHIDAS PELO PROFESSOR FONTES: por que

umas lições e não outras? .......................................................................................... 144

CAPÍTULO 4: ANÁLISE DE CONTEÚDO ........................................................... 149

4 – OS LIVROS DE LEITURA: EM BUSCA DE UMA INVESTIGAÇÃO ........ 149

4.1 – ANALISANDO OS LIVROS DE LEITURA DA SÉRIE FONTES: A

PREMÊNCIA DAS REPRESENTAÇÕES .............................................................. 152

4.1.1 – Primeiro livro - 1945 ..................................................................................... 158

4.1.2 – Segundo Livro de Leitura - 1922 .................................................................. 179

4.1.3 – Terceiro Livro de Leitura – 1933 .................................................................. 192

4.1.4 – Quarto Livro de Leitura – 1949 .................................................................... 202

4.1.5 - Representações de criança em lições da Série Fontes: considerando o corpus

de análise ................................................................................................................... 207

4.1.6 – Caminhos que levaram às categorias finais .................................................. 210

4.1.7 – A Série Fontes: conceitos e valores de uma determinada época .................. 235

4.2 – DA LEITURA DAS LIÇÕES: OS LIVROS DA SÉRIE FONTES E AS

EXPRESSÕES QUE CONSTITUEM AS REPRESENTAÇÕES DE CRIANÇA 241

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 250

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 255

Page 14: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

10

A história é uma composição

Dos fatos que vivemos,

De memórias existentes,

guardadas pelo tempo.

J.D.Nazário/2018.

INTRODUÇÃO

O tema principal desta pesquisa é a criança e seu sentido principal é constituir

uma escrita acerca das representações de criança por meio da história cultural, em uma

vertente de quem escreve sobre e para a criança, num modo de pensar as interfaces entre

a criança, a história e a educação, entendendo que, conforme Kohan (2005, p. 244) ―[...]

a infância um momento, uma etapa cronológica, uma condição de possibilidades da

existência humana, cabendo a criança ser protagonista desse tempo‖. A opção por

querer investigar as representações de criança historicamente constituídas, se relaciona

estreitamente à minha formação, bem como à atuação como docente na rede pública de

ensino de Florianópolis (SC) há quase trinta anos.

A ideia de trabalhar com a pesquisa em história da educação pública, e, nessa

ambiência com a criança, surgiu em 2013 quando fiz uma disciplina, como aluno

especial, no Programa de Pós Graduação da Educação (UFSC), intitulada: Seminário

Especial História de Instituições Escolares: questões teóricas e metodológicas,

ministrada pelo Professor Doutor Ademir Valdir dos Santos. No momento em que me

propus a esse desafio, optei em pesquisar a história da criança de escola pública, em

virtude de meu interesse pelo conhecimento acerca da criança e da infância

historicamente relacionado à educação.

Também é necessário dizer que meu processo histórico, dentro da educação, teve

grandes influências. Filho de um pescador com uma professora Regionalista 1, nasci em

um bairro do sul da ilha de Florianópolis, em Pântano do Sul. Segundo minha Dadá,

apelido dado por mim a minha irmã, desde meus quatro meses de vida vivo dentro de

uma sala de aula, pois minha mãe, voltando a trabalhar, teve que me levar junto com ela

1 Para saber sobre o uso dessa terminologia, ver decreto nº 8.530 de 02 de jan. de 1946, que trata da Lei

Orgânica do Ensino Normal.

Page 15: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

11

em alguns períodos. Em todo esse processo, a escola e toda materialidade que nela se

insere, era como minha segunda pele, um tipo de segunda, ou até mesmo, primeira casa.

Alfabetizei-me cedo, antes mesmo de estar matriculado oficialmente na primeira

série. Sempre fui aquele aluno que estava envolvido nas atividades festivas da escola,

seguindo o caminho de líder de sala, até de presidente de grêmio estudantil. Estar na

escola me dava/dá prazer. Mesmo em dias de férias, que em meu tempo de primário

eram longas, eu estava na escola, ajudando na horta, arrumando os livros em uma sala

que chamávamos de biblioteca, ou até brincando de escolinha: hora sendo aluno, hora

sendo o professor. Ainda tenho minha cartilha, o Livro do Davi, única lembrança desse

tempo, junto com meus boletins escolares. Bem, depois que me formei no segundo grau,

no Instituto Estadual de Educação (IEE), fiz técnico em contabilidade, na Escola Básica

Estadual Getúlio Vargas. Logo em seguida fui trabalhar no escritório da Drogaria

Catarinense por três anos.

Nesse meio tempo fiz concurso para auxiliar de sala na prefeitura de

Florianópolis, com a promessa de que, se passasse, iria trabalhar na secretaria da

administração. Bem, já era 1991, precisamente 4 de abril, quando fui me apresentar no

Núcleo de Educação Infantil Campeche. Lá tudo iniciou e me fez o professor que hoje

sou. Nunca fui trabalhar na secretaria da administração. Fiz o magistério por incentivo

da esposa, das colegas de trabalho e para o orgulho de minha mãe, que tanto almejava

que um dos três filhos se tornasse professor. Em 1996 me formei no magistério no

Instituto Estadual de Educação (IEE); em 1997, fiz o Adicional (Materno Infantil), um

tipo de especialização para trabalhar com a educação infantil. Nesse mesmo ano me

desvinculei do NEI Campeche como auxiliar de sala efetivo, e passei a ser professor

alfabetizador, substituto, na Escola Desdobrada2 Lupércio Belarmino da Silva,

localizada na Caieira da Barra do Sul. Lá trabalhei como professor e como diretor.

Depois atuei em outras unidades educativas da rede (na Barra do Sambaqui, no Morro

do Horácio, no Monte Cristo), até me efetivar como professor de educação infantil em

São José, no ano de 2001.

Antes, em 1998, passei para o curso de pedagogia na Universidade Federal de

Santa Catarina (UFSC), mas não o fiz, pois era durante o dia e precisava trabalhar.

Optei por fazer o vestibular para a Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), que

tinha sede em São José e ficava mais perto do trabalho e de minha casa. No 2º semestre

2 Sobre essa terminologia, ver os estudos de Norberto Dallabrida, 2003 (pp. 281-308).

Page 16: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

12

de1999 iniciei o curso de pedagogia, me formando no segundo semestre de 2003. Ano

esse em que também fui aprovado no concurso como professor efetivo de educação

infantil em Florianópolis, mas só sendo chamado para assumir o cargo em 2005. Nesse

meio tempo trabalhei na Secretaria de Educação de São José, no qual exerci o cargo de

Coordenador da Educação infantil durante dois anos. Nessa mesma secretaria ajudei a

escrever a cartilha para a alfabetização, intitulada Alfabetizar Para Vencer. Fiquei nessa

secretaria até 2006, quando optei por trabalhar só em Florianópolis. Fiquei dois anos na

Creche Conjunto Habitacional Chico Mendes, localizada no bairro de Monte Cristo,

área continental da cidade de Florianópolis. Em 2008 fui convidado para trabalhar na

Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis, como Assessor Pedagógico da

Educação Infantil. Fiquei nesse papel dois anos.

Em agosto de 2009 me matriculei no mestrado na UFSC, na linha Educação e

Infância, tendo como orientadora a Professora Doutora. Roselane Fátima Campos. Meu

objeto de pesquisa eram as crianças que não tinha acesso à educação infantil na rede

municipal de ensino. Trabalhei com os dados demográficos a partir das fichas das

crianças em lista de espera por uma vaga em creches e pré-escolas do município de

Florianópolis. Em 2011 voltei para a Secretaria, mas em outra função, na Diretoria

Financeira, sendo responsável pela compra de materiais para toda rede. Nessa função

fiquei até 2016, quando iniciei o doutorado na UFSC. Assim, me constituo como um ser

histórico, tendo como base a educação escolar, desde a barriga da mãe.

A escolha do objeto também se deu pelo fato de considerar que na pesquisa

‗sobre‘ e ‗com‘ a criança na história da educação ainda há muito a ser dito, e por

entender que a criança é o sujeito de todo o processo de escolarização inicial. Sobre a

escolha dos livros didáticos como fonte, se dá pelo fato de encontrar, nesses elementos

da cultura escolar, rastros que podem informar quem é essa criança, ou, quem se quer

como criança?. Quanto ao uso dos livros de leitura da Série Fontes como instrumento

balizador, é devido aos mesmos serem escritos por um autor catarinense, por estarem

presentes nas escolas públicas locais, notadamente pelo tempo de quatro décadas: 1920-

1950, período em que foram instrumentos de leitura para essas crianças.

Page 17: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

13

―O HOMEM SERÁ O QUE À CRIANÇA LHE TRANSMITIR...‖3:

Representações de criança na Série Fontes (Santa Catarina – décadas de 1920 – 1930) 4,

título escolhido para apresentar esta pesquisa, se compõe em um conjunto de ações que

pretendem trazer à tona ideias de como estava representada a criança nas lições da Série

Fontes, num período em que se queria preparar um cidadão para o futuro, com base em

ideais republicanos, conforme Neide Fiori (1991), Ademir Valdir dos Santos (2008),

Norberto Dallabrida (2003), Gladys Teive (2003), José Gonçalves Gondra (2004) e

outros. O termo representação se apresenta com base nos estudos de Roger Chartier

(1991, 1999, 2002). Como diz o autor, a palavra representação está ‗substituindo‘ algo

que se quer apresentar, pois a imagem (por vezes conjugada a um texto) nos permite ver

um objeto ausente. No caso das lições da Série Fontes, essas, por hipótese, podem

apresentar representações de criança em um determinado período da história da

educação de Santa Catarina.

Quanto ao termo representação, o mesmo vem do latim ‗repraesentatiõne’. A

palavra representação é um substantivo feminino, ideia que concebemos do mundo ou

de uma coisa. Reprodução, ato ou efeito de representar. Etimologicamente,

‗representação‘ provém da forma latina ‗repraesentare‘ – fazer presente ou apresentar

de novo. Fazer presente alguém, ou alguma coisa ausente, inclusive uma ideia, por

intermédio da presença de um objeto. Ainda em Chartier (1991), vemos que a

representação é o produto do resultado de uma prática.

Nicola Abbagnano, em seu Dicionário de Filosofia (2007), afirma que

representação significa ―imagem‖ ou ―idéia‖ ou ambas as coisas e que este termo foi

usado pelos escolásticos para se referir ao conhecimento como ―semelhança‖ do objeto.

Abbagnano, a partir dos estudos de Guilherme de Ockham, distinguia três significados

fundamentais para o termo representação: Primeiro, designa aquilo por meio do qual se

conhece algo – conhecimento é representativo. Segundo, por representar pode-se

entender conhecer alguma coisa, após cujo conhecimento conhece-se outra. Neste

sentido, a imagem representa aquilo de que é imagem. E terceiro lugar, por representar

entende-se causar o conhecimento do mesmo modo como o objeto causa o

conhecimento. O autor conclui que, estas concepções, se dão da seguinte forma: no

3 ―O HOMEM SERÁ O QUE A CRIANÇA LHE TRANSMITIR, E DA CRIANÇA HERDARÁ O

HOMEM QUE DELA HÁ DE SURGIR. Frase retirada da 4ª lição, intitulada A criança e o dever, de

Lemos Brito, do Terceiro livro de leitura. (FONTES, 1933, p. 11). 4 A escolha dessa linha temporal se dá pelo fato de que é nesse período que são escritas e organizadas, por

Professor Fontes, as primeiras edições dessa coleção.

Page 18: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

14

primeiro caso, a representação é a ideia no sentido mais geral; no segundo, é a imagem;

e no terceiro, é o próprio objeto (Abbagnano, 2007: p. 853).

Nesse sentido, os livros de leitura da Série Fontes, como elementos da literatura

catarinense, trazem um poder representativo do que se tinha como projeto de nação para

a época. Essa literatura é um produto simbólico de uma prática que se transforma em

representação e essa ―[...] nunca é o fato. Seja qual for o discurso e o meio, o que temos

é a representação do fato. A representação é uma referência e temos que nos aproximar

dela para nos aproximar do fato‖ (MAKOWIECKY, 2003, p. 4).

A partir desse esclarecimento, fez-se um exercício historiográfico no campo da

História da Educação que se configura na elaboração desta pesquisa, compreendendo

que para a sua fomentação é preciso alinhavar alguns conceitos, apresento os objetivos

de pesquisa: Identificar as representações de criança presentes na Série Fontes; Analisar

o papel formativo das representações de criança nesta Série; e Compreender a

construção das representações de criança com base numa escrita dirigida à criança em

lições da Série Fontes. Por conseguinte, questionamentos foram delineando o problema:

O que é a Série Fontes? Como ela foi elaborada? Quem é o autor/organizador? Quem

são os autores das lições da Série Fontes? Como a criança está representada nessas

lições? Por que essas lições foram escolhidas pelo autor? Quem é essa criança?

Ao questionar como se dão as representações de criança produzidas nas lições da

Série Fontes, presente nas escolas públicas primárias do estado de Santa Catarina nas

décadas de 1920 a 1950, comecei a perceber, em suas linhas e imagens, o delineamento

de significativas contribuições na formação das crianças catarinenses que estudaram nas

escolas públicas naquele período; lembro que, segundo a bibliografia consultada, essa

Série foi reeditada até a década de 1950; portanto, quatro gerações viveram direta ou

indiretamente, com os propósitos formativos desse projeto que se inseria no ambiente de

escolarização.

Tal hipótese foi reforçada por consultas a pesquisas já feitas sobre a Série

Fontes, bem como pelas leituras dos decretos, normativas, regulamentos, programas e

leis sobre o ensino público do estado de Santa Catarina estatuídos naquelas décadas

(1910-1930), que me levaram à busca de outros documentos. Esses me permitiram

constatar a contribuição dessa Série e de seu autor/organizador para a história da

educação pública de Santa Catarina.

Page 19: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

15

Portanto, a contribuição histórica da Série Fontes, foi por mim percebida como

fundamental para compreender alguns elementos do processo de escolarização de

crianças de sete a quatorze anos de idade nessas lições. Minha investigação se deu no

sentido de elaborar análises que procuram propor outras, e, ainda, lançar novas luzes

sobre um recorte de como eram representadas as crianças catarinenses, a partir das

lições da Série Fontes, daquele período. Deste modo, busco contribuir com a

historiografia, partindo do pressuposto da relevância da pesquisa sobre a educação no

estado de Santa Catarina.

O recorte temporal proposto está pautado em dois momentos. O primeiro, 1920,

marca a primeira edição da Série Fontes — Cartilha, Primeiro e Segundo Livros de

Leitura — no campo educacional, que anteriormente, com Orestes Guimarães, desde

1911, anunciava mudanças para a educação no estado de Santa Catarina,

compreendendo o que se convencionou chamar reformas (FIORI, 1991;

DALLABRIDA, 2003; TEIVE, 2011). O segundo momento, referente à década de

1930, corresponde ao período da primeira edição do Terceiro e Quarto Livros de

Leitura, em que a prática educativa sofreu mudanças como apresentadas nos

Regulamentos de 1910, 1920 e 1935 e Programas de Ensino de 1920 e 1935 exarados

para as escolas públicas primárias do estado de Santa Catarina. Entre tais demarcações

cronológicas, evidenciaram-se outras iniciativas que visaram à transformação

educacional na época, como podemos encontrar nos documentos analisados desse

período, o que será mais bem detalhado no segundo capítulo.

Contudo, entendo que na constituição da pesquisa não basta simplesmente

descrever os acontecimentos que levaram a tais reformas educacionais (1911 e 1935). É

um exercício exaustivo do diálogo do pensamento com o exercício da escrita, que por

sua vez torna-se um fazer que não é apenas particular, para que se caracterize como

produção científica, com uma linguagem técnica própria da academia. Papel difícil, para

quem gosta de escrever contos.

A bibliografia lida apresenta indicações de alguns documentos que me serviram

como base de estudos. Esses, por sua vez, instigaram a busca de outros que foram

produzidos na época, que apresentam vestígios da prática escolar e das representações

de criança. Portanto, o diálogo promovido por este pesquisador, entre a teoria e as

evidências, apresenta-se como condição importante para a formulação dessa pesquisa,

para compor na escrita de uma história sobre a educação de Santa Catarina e das

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

16

representações de criança (com base nas lições da Série Fontes) naquele período, que se

apresenta em torno do processo de escolarização, se caracterizando por uma educação

extraescolar, pois é necessário buscar e definir ações que não estão postas à primeira

vista e ir além, como nos diz Dominique Julia:

[...] para além dos limites da escola, pode-se buscar identificar em um

sentido mais amplo, modos de pensar e de agir largamente difundidos

no interior de nossas sociedades, modos que não concebem a

aquisição de conhecimentos e de habilidades senão por intermédio de

processos formais de escolarização. (JULIA, 2001, p. 11).

Esses processos que o autor se refere, estão imbricados na cultura escolar como

dispositivos, sendo necessário entender a importância das ―culturas infantis‖ que se

manifestam na escola e fora dela. Nesse sentido, segundo Justino Magalhães (2007),

pode-se dizer que a pesquisa documental torna-se fundamental, pois é capaz de

possibilitar,

[...] compreender e explicar a realidade histórica de uma instituição

educativa e integrá-la de forma interativa no quadro mais amplo do

sistema educativo e nos contextos e circunstâncias históricas,

implicando-a na evolução de uma comunidade, e de uma região, seu

território, seus públicos e zonas de influências. (MAGALHÃES, 2007,

p. 70).

É nesse território que me debruço: pesquisar as representações de criança,

pautado, também, na localização e análises de documentos como os Programas de

Ensino de 1920 e 1935, anos que foi organizada a Série Fontes, que colaboraram na

reconstituição e interpretação das fontes.

A análise com a qual procuro evidenciar as representações de criança indica

caminhos para desvelar a realidade material da escola, dos seus artefatos e do que nela

se faz, conforme escreve Antonio Vinão Frago (2008). Segundo o autor, há três campos

da historiografia educativa que se interessam pela análise de documentos escolares

como os cadernos (entre outros relacionados à infância) – que partem da perspectiva do

―olho móvel‖ – como fonte histórica, que se correlacionam e se complementam, mas

com diferentes enfoques e interesses: a história da infância, a da cultura escrita e a da

educação (VINÃO FRAGO, 2008, p.15). Tal metodologia de pesquisa é também

recorrente, em maior ou menor grau, nos trabalhos de Alain Choppin (2002); Paolo

Nosella e Ester Buffa (2004) e Ademir Valdir dos Santos (2008; 2018).

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

17

Entendendo que o processo de pesquisa é uma imersão nos mais diversos tipos

de fontes, perscrutei por documentos em bibliotecas, museus, arquivos públicos e

outros, assim como baús, arquivos pessoais e familiares, não medindo esforços para

encontrar elementos para essa pesquisa. Assim, foram diversos os locais em que efetuei

o garimpo das fontes. Como ponto de partida, realizei o Estado do Conhecimento, já

feito sobre a temática no Banco de Tese e Dissertações da CAPES (Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), e em revistas e periódicos da área,

onde se observou a existência de poucos trabalhos sobre a Série Fontes, o que está

organizado no capítulo I.

O período para essa investigação aconteceu entre março de 2016 e janeiro de

2019. Os lugares escolhidos para a sua realização e as correspondentes atividades

foram: Biblioteca Pública de Santa Catarina, no qual encontrei alguns dos livros da

Série Fontes digitalizados e dados referentes à legislação e aos periódicos também em

material digitalizado; Arquivo da Imprensa Oficial do Estado, estão alguns relatórios de

diretores da instrução pública, regimentos e leis do período analisado; Biblioteca da

ALESC (Assembléia Legislativa de Santa Catarina), em que localizei dados referentes

às ações políticas de Henrique da Silva Fontes (cargos e normativas); Bases de dados e

periódicos da biblioteca da Universidade Federal de Santa Catarina, em que se

encontram documentos digitalizados como Regimentos, Programas de Ensino,

Normativas, Leis, Decretos; Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, onde

encontrei dados sobre o Professor Fontes (história pessoal e profissional); Museu do

Professor (antiga Faculdade de Educação do Estado de Santa Catarina - FAED), onde há

três livros da Série Fontes impressos, Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis

– IPUF –, no qual busquei dados estatísticos populacionais da época; site da

Hemeroteca Digital Catarinense, em que encontrei também os quatro livros da Série

Fontes, e por fim, no site da Família Fontes, no qual estão informações diversas sobre o

Professor Fontes, um exemplar da Cartilha Popular, e, ainda, os quatro Livros de

Leitura, todos digitalizados, que foram material de análise juntamente aos que achei

impressos.

Também foi necessário buscar por outras fontes, perscrutando por materiais que

ampliassem a pesquisa. Assim, no site da Hemeroteca Digital Nacional localizei jornais

e revistas que anunciam momentos específicos do autor/organizador Professor Fontes e

da Série Fontes.

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

18

O primeiro passo foi reunir todos esses documentos, ou seja, tudo que fornecesse

matéria-prima para as análises. Assim, procedeu-se ao levantamento e à classificação

dos registros pertinentes, por meio das seguintes etapas: 1ª) Identificação do tipo de

material disponível sobre o objeto (Série Fontes); 2ª) Seleção dos materiais ligados

diretamente à Série Fontes (artigos, teses, dissertações, livros, revistas, jornais,

fotografias, entre outros); 3ª) Agrupamento dos materiais relativos ao objeto

organizador (relatórios, anúncios, cartas, ofícios) e 4ª) Documentos que caracterizaram

a importância da Série Fontes (Leis, decretos, regulamentos, programas de ensino). Para

a apropriação dos conteúdos foi feita uma leitura minuciosa, resultando em um

―inventário‖ de registros sobre o tema.

Portanto, quanto à metodologia, trata-se de uma pesquisa documental. A amostra

é assim composta: Primeiro Livro de Leitura (1945), com 38 textos; Segundo Livro de

Leitura (1922), com 87 textos; Terceiro Livro de Leitura (1933), com 84 textos e Quarto

Livro de Leitura (1949), com 85 textos.

Desse modo, esta pesquisa comporta a análise de fontes documentais,

entendendo os livros didáticos como tal e compreendendo que esses têm sido utilizados

enquanto fontes e objetos de análise de pesquisas em História da Educação. Convém

mencionar que o foco no aspecto e supostos usos é apenas uma perspectiva de

observação perante enredamento de análise do objeto livro, tão bem apresentado nas

tradições de estudos de Alain Choppin, em ―O historiador e o livro escolar‖, onde o

autor aponta que eles apresentam identidade histórica, ou seja: ―[...] constituem um

testemunho escrito‖ (CHOPPIN, 2002, p. 14). Já Kazumi Munakata (2016, p. 23)

explica que o livro: ―[...] é, em primeiro lugar, o portador dos saberes escolares, um dos

componentes explícitos da cultura escolar. De modo geral o livro didático é a

transcrição do que era ensinado, ou que deveria ser ensinado, em cada momento da

história da escolarização‖.

Dito isto, fico tranquilo em usar os livros de leitura da Série Fontes como

principal fonte para essa pesquisa, entendendo a relevância dos mesmos para a História

da Educação de Santa Catarina.

Os documentos a que tive acesso e as fontes analisadas não revelam,

quantitativamente, quantas crianças receberam os livros da Série Fontes, pois não foi

encontrada uma estatística oficial de livros distribuídos. Tem-se, apenas, uma noção da

quantidade dessas obras distribuídas pelo Estado, tomando por base os números de

Page 23: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

19

matrículas que estão apresentados no segundo capítulo com base nos estudos de Fiori

(1991), bem como em alguns Relatórios de Inspeção do período encontrados no

Arquivo Público do Estado de Santa Catarina e no Arquivo Municipal Eugênio Victor

Schmöckel, de Jaraguá do Sul.

Assim é que busco compreender a construção histórica das representações de

criança, tendo como referência a perspectiva apontada por Chartier (1991, p. 27), quer

seja: ―a análise do trabalho de representação, isto é, das classificações e exclusões que

constituem, na sua diferença radical, as configurações sociais e conceituais próprias de

um tempo ou espaço‖.

Várias investigações utilizam o conceito de representação. Sánchez (2014)

identifica como Roger Chartier e Edward Said fazem do uso das categorias de

representação, e as distintas preocupações de ambos quanto às relações de poder e às

desigualdades inscritas nas representações. Já Reis (2012) usa o conceito de

representação para identificar como esse se dá dentro dos conteúdos organizados no

livro didático, verificando se as representações contribuem ou não para as permanências

eurocêntricas e preconceituosas em relação à figura indígena. No trabalho de Sonia

Camara (2004) o conceito de representação está aplicado a estudos sobre a Reforma

Fernando de Azevedo, a partir da disciplina Educação Higiênica, para identificar as

diferentes representações de infância que configuram como modelo para a formação de

um ―novo cidadão‖. Maria Stephanou (2011) usou o conceito de representação para

examinar, na perspectiva da história cultural, representações de infância, enunciando

discursos em circulação entre fins do século XIX e início do século XX. Já Sandra

Makowiecky (2003) explora o conceito de representação relacionando-o com as artes e

com os estudos de Emst. H. Gombrich. Do mesmo, Poletto & Kreutz (2016) usam do

conceito de representação para escrever sobre a importância do Colégio Sagrado

Coração de Jesus para o cenário educacional de Rio Grande do Sul, na formação dos

sujeitos escolares. Desse modo, ao fazer uso do conceito de representação, esses autores

potencializam o mesmo e o caracterizam como elemento da história cultural. Dominique

Vieira Coelho dos Santos (2011) nomeia o conceito de representação apresentando um

breve mapeamento de caráter epistemológico e elenca algumas sugestões significativas

para interpretação e usos do conceito, afirmando que as obras de história, em linhas

gerais, pretendem ser ―representações de um passado que existiu‖, do modo que, o

discurso historiográfico almeja o convencimento de seus leitores sobre a realidade dos

Page 24: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

20

fatos nele apresentados. O autor, assim define o conceito: ―representar significa referir

por meio de símbolos a algo que está fora do texto. Trata-se de saber se a representação

representa, ou seja, se o discurso corresponde ou não à realidade‖ (p. 37). Assim,

identificar as representações de criança na Série Fontes determina o sujeito que a

caracteriza, ou seja, sua subjetividade representativa.

Para efeito de definição de representação, busca-se, enquanto instrumento

teórico-metodológico de análise da história cultural, aquelas determinadas

representações por interesses de grupos que a forjam, considerando que o conceito

aborda uma parte de materialidade, mas também uma questão simbológica de

construção social. Segundo Chartier (2002, p. 17), para o qual:

As representações do mundo social assim construídas, embora

aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são

sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí,

para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos

com a posição de quem os utiliza. [...] As percepções do social não

são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e

práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma

autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um

projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas

escolhas e condutas. Por isso esta investigação sobre as representações

supõe nas como estando sempre colocadas num campo de

concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em termos

de poder e dominação. As lutas de representações têm tanta

importância como as lutas econômicas para compreender os

mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua

concepção do mundo social, os valores que são seus, e o seu domínio.

Ocupar-se dos conflitos de classificações ou de delimitações não é,

portanto, afastar-se do social – como julgou uma história de vistas

demasiado curtas -, muito pelo contrário, consiste em localizar os

pontos de afrontamento tanto mais decisivos quanto menos

imediatamente materiais.

Pode-se observar que a representação compreendida quanto valores que os

grupos impõem consiste paralela à construção de um campo de poder em que está em

jogo é a própria ordenação e hierarquização da estrutura social.

As concepções de Chartier (2002) estão centradas nas práticas de leitura, que

destacam as formas diversificadas de apreensão dos bens simbólicos que produzem usos

e significados distintos, mas também a importância da materialidade dos textos, que é

criadora de sentidos. Apontam que o tempo e o espaço têm um caráter determinante na

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

21

elaboração de representações pelos sujeitos, havendo mobilidade na recepção ou leitura

de um dado objeto.

A delimitação do período resultou da imersão nos estudos já feitos com base na

Série Fontes, cujos dados levantados permitiram constituir o tema e o espaço de

abrangência, uma vez que as edições desses livros aconteceram entre os anos de 1920 e

1950, conforme já mencionado. Assim, esta pesquisa consiste em realizar um trabalho

de investigação, buscando pistas, indícios, detalhes quase imperceptíveis, mas que

podem contribuir de maneira fundamental para a compreensão de eventos e fenômenos

investigativos, em que o historiador precisa estar atento aos detalhes, às lacunas, às

minúcias das fontes históricas pesquisadas (VIÑAO, 2008).

O procedimento a ser adotado para a identificação e classificação dos textos é a

Análise de Conteúdo, com base nos estudos de Laurence Bardin (2016). Conforme

Bardin, essa análise é aplicável a um conjunto de textos constituintes de

um corpus selecionado, que resulta em possibilidades de codificação e categorização,

permitindo que sejam classificados. Serão adotados os critérios de categorização

semânticos e léxicos:

[...] semântico (categorias temáticas: por exemplo, todos os temas que

significam a ansiedade ficam agrupados na categoria <<ansiedade>>,

[...] léxico (classificação das palavras segundo seu sentido, com

emparelhamento dos sinônimos e dos sentidos próximos) (BARDIN,

2016, p. 117-118).

Segundo, ainda, Bardin (2016, p.125-132), a análise de conteúdo é dividida em

três fases: 1) ―a pré-análise; 2) exploração do material e 3) tratamento dos resultados, a

inferência e a interpretação‖. Na pré-análise, ―é a fase de organização propriamente

dita‖ (BARDIN, 2016, p.129), por meio da leitura flutuante, em que se verifica a

ocorrência de termos que passam a ser considerados como indicadores. Tal leitura

flutuante é constituída pelas várias leituras realizadas para se conhecer os textos, até que

se atinja uma exaustividade considerada suficiente. Na exploração do material, os

estudos se dão na fase de análise propriamente dita, que ―não é mais do que a aplicação

sistemática das decisões. [...] Esta fase, longa e fastidiosa, consiste essencialmente em

operações de codificação, decomposição ou enumeração, em função de regras

previamente formuladas‖ (BARDIN, 2016, p. 131). Desse modo, entendo que a

exploração possibilita a codificação, pela qual o pesquisador sistematiza e agrupa os

Page 26: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

22

indicadores com o intuito de descrever as características do conteúdo. Isto pode ser

feito por meio de recortes do texto em unidades de registro: títulos e textos completos

das lições que compõem o corpus documental para efeito desta pesquisa.

Já na terceira fase, que abrange o tratamento dos resultados, a inferência e a

interpretação, segue-se na direção de captar tanto os conteúdos explícitos como aqueles

tacitamente delineados:

Os resultados brutos são tratados de maneira a serem significativos

(falantes) e válidos. [...], tendo à sua disposição resultados

significativos e fiéis, pode então propor inferências e adiantar

interpretações a propósito dos objetivos previstos – ou que digam

respeito a outras descobertas inesperadas. (BARDIN, 2016, p. 131).

Considerando que cada uma destas unidades de registro é componente textual de

significação, constituída por parágrafos, frases e palavras, apreende-se que sua atenta

leitura possibilita a identificação de termos que compõem uma primeira categorização,

geralmente obtida por meio de duas ações: classificação dos dados da escrita por meio

das similaridades terminológicas, agrupando enunciados que exprimem significados

relacionados aos objetivos do estudo; constatação de que alguns termos são repetidos e

revelam, em linhas gerais, a natureza dos conteúdos (BARDIN, 2016).

A partir dessa compreensão, a metodologia para essa parte da pesquisa se dará,

levando em consideração que os termos da primeira categorização dão origem às

categorias iniciais. Em seguida, com base numa nova reunião temática, se compõem as

categorias intermediárias, que expressam o mesmo conteúdo com menor número de

termos. Por fim, após nova aglutinação devida à detecção de terminologia capaz de

sintetizar ainda mais o conteúdo e seus significados, chega-se às categorias finais ou

terminais (BARDIN, 2016). Portanto, tratamento do conjunto de fontes documentais e a

metodologia de análise, se dão com base na metodologia de Análise de Conteúdo

(BARDIN, 2016).

A leitura flutuante e o fichamento dos livros de leitura da Série Fontes a que tive

acesso possibilitaram a identificação das representações da criança que se queria formar

naquela época, presentes em configurações sociais e conceituais, tendo a escola como

instrumento balizador por meio dos livros de leitura. A construção epistemológica das

lições e autores dos textos que compõem as obras ajudaram a compor um primeiro

delineamento deste trabalho e, à medida que avancei nos estudos dos demais

Page 27: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

23

documentos, bem como nas leituras complementares, esse esboço foi se afinando num

conjunto de ideias do processo de síntese que envolveu essa obra e suas finalidades.

Nesse sentido, a pesquisa possibilitou compreender que representações de criança eram

idealizadas pelo Professor Fontes: como um cidadão em devir, que serviria a certo

modelo de país, segundo os discursos da época. Já o professor, a quem o Professor

Fontes se dirige apenas no prefácio dos livros, é idealizado como alguém investido da

missão de formar esse cidadão. Essa idealização dos interlocutores, aluno-professor,

como veremos nas análises, comporta implicações decisivas para a natureza da autoria

como ―ato ético‖ (SILVA FILHO, 2013) e para a criança que se queria formar.

A opção por estudar as representações de criança nas lições da Série Fontes se

dá, também, pelo fato de querer pensar o sujeito criança nesse tempo de vida que se

traduz como infância. A título de breve revisão bibliográfica tendo como temática essa

Série, dentre banco de teses e dissertações e revistas da área, encontrei onze artigos, sete

dissertações e uma tese. Também encontrei quatro livros, que falam sobre o autor ou

mencionam sua obra, e sete jornais da época, esses no sitio da Hemeroteca Digital

Nacional. Os trabalhos encontrados apresentam dados sobre os livros da Série Fontes,

falam superficialmente da clientela a que são dirigidos, mas não tratam especificamente

dessa criança. Há, portanto, a meu ver, uma ausência do trato da mesma. Nesse

sentindo, a criança passa a ser a protagonista de nossa pesquisa e a Série Fontes a base

de análise sobre um determinado período. A complexidade deste tema pode residir no

fato de a criança (assim como a infância) não ser ‗contada‘ por ela própria, mas sempre

por outro, como explica Marisa Lajolo (1997):

Enquanto objeto de estudo, a criança é sempre um outro em relação

àquele que a nomeia e a estuda. A palavra infante, infância e demais

cognatos, em sua origem latina e nas línguas daí derivadas, recobrem

um campo semântico estreitamente ligado à ideia de ausência de fala.

Esta noção de infância como qualidade ou estado do infante, isto é,

d’aquele que não fala, constrói-se a partir dos prefixos e radicais

lingüísticos que compõem a palavra: in = prefixo que indica negação;

fante = particípio presente do verbo latino fari, que significa falar,

dizer. (LAJOLO, 1997, p. 225).

Então, parte-se do pressuposto de que a criança pode ser vista como um campo

temático da História da Cultural, cujo objeto de análise é as lições da Série Fontes.

Assim, entendo que a fonte é elemento da materialidade que se caracteriza na escola

(Série Fontes), que ajuda na formação e organização a partir de normativas, Programas

Page 28: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

24

de Ensino e condutas que mobilizam dispositivos pedagógicos, que podem ser

relacionados à aquisição de determinada cultura escolar, que segundo Julia (2001, p.

10), é um conjunto de normas ―que definem conhecimentos a ensinar condutas a

inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses

comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar

segundo as épocas‖. Faço uso desse material para definir as representações de criança

que coabitavam as lições da Série Fontes. É a partir desse pressuposto que entendo que

os estudos focados na análise de materiais da cultural escolar, ao lançar mão de fontes

relativas às práticas cotidianas, nos permite o acesso das produções destinadas às

crianças em seu ―ofício de aluno‖. (FOULCALT, 2013).

Quanto à estruturação, esta escrita se divide em quatro partes. Na introdução

apresento os elementos da justificativa e delineio o problema, os objetivos e aspectos da

metodologia da pesquisa. Também apresento, brevemente, os referenciais teóricos que

dão suporte para esse trabalho.

O primeiro capítulo 5 está organizado como estado da arte. Optei por mantê-lo

nesta posição de destaque dentro da estrutura da tese pela relevância dessas referências

para esta pesquisa, como ―fontes‖. Outrossim, indico a valorização do trabalho de

análise anteriormente realizada. Primeiramente foco nos estudos do que já foi

pesquisado sobre o tema, apresentando sucintamente as investigações realizadas em

programas de pós-graduação stricto sensu em nível de mestrado e doutorado, na

sequência as obras escritas sobre o Professor Fontes e a Série Fontes, enfatizando o que

vem ao encontro do objeto a que me proponho pesquisar. E, para finalizar, apresento

periódicos, estratos de jornais da época que contém materiais pertinentes ao tema.

No segundo capítulo apresento um breve panorama sobre a educação pública de

Santa Catarina nas décadas delineadas no arco cronológico desta pesquisa, tendo como

fontes de análises documentação associadas à legislação, a inspeção escolar, programas

de ensino, além de dados estatísticos. Ainda ali, apresento, brevemente, os conceitos de

representação com base em Chartier (1991; 2002) e uma breve história do uso de livros

didáticos como relevante para a pesquisa em história cultural. Abordo, ainda, a criança

como objeto de pesquisa, entendendo que tudo isso se compõe dentro de uma prática

educativa.

5 Ou seja, a organização e manutenção desse capítulo se dá pelo fato de entender e respeitar todos os

esforços desses pesquisadores, bem como, da importância dessas pesquisas para o delineamento desse

trabalho.

Page 29: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

25

Por sua vez, o terceiro capítulo se compõe com um breve histórico biográfico

sobre o autor organizador da Série Fontes, o Professor Fontes e a apresentação de suas

obras. O quarto capítulo é referente à análise das lições dos livros de leitura da Série

Fontes, com algumas considerações embasadas no que se encontrou nesse processo

investigativo.

Vivi, estou vivendo, momentos incríveis, me apaixonando, e, acima de tudo, me

percebendo nesse lugar de pesquisador. Estou aqui não porque deveria estar, mas

porque tenho uma responsabilidade social e profissional. Só me deixem contar sobre a

criança, sobre a história da educação..., querendo voar, sem asas, se assim desejar,

deixando-me guiar por todo o aprendizado sobre a temática desta pesquisa.

Page 30: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

26

CAPÍTULO 1: ESTADO DA ARTE DAS PESQUISAS SOBRE A SÉRIE

FONTES

O Estado da Arte é o mapeamento que possibilitou o conhecimento e/ou

reconhecimento dos estudos já produzidos com temáticas acerca da Série Fontes. No

Estado da Arte do presente trabalho, a explanação científica fez-se por meio de cinco

seções. Trata-se, pois, da Busca das Fontes: alguns escritos sobre Professor Fontes e

sobre a Série Fontes; Os Artigos; As dissertações: resultados de uma longa pesquisa; A

tese; Os livros: memórias de um intelectual catarinense; Periódicos: jornais do Brasil e

de Santa Catarina. Com esse material pretendo estabelecer critérios para as análises,

entendendo que perpassa por uma linha tênue entre o que já foi dito e o que se pretende

dizer sobre as lições.

1.1 – EM BUSCA DAS FONTES: ALGUNS ESCRITOS SOBRE PROFESSOR

FONTES E SOBRE OS LIVROS DE LEITURA DA SÉRIE FONTES.

Após uma imersão na busca de documentos sobre a Série Fontes e seu

autor/organizador, Professor Fontes, encontrei dez artigos, seis dissertações e uma tese,

além de três livros que citam a Série Fontes e trazem, com ênfase, a relevância do

autor/organizador para o cenário político e educacional catarinense; também identifiquei

jornais que circulavam em Santa Catarina no período entre 1920 e 1950 e tratavam da

Série.

A busca em questão interroga, também, sobre como foi ―usada‖ a Série Fontes,

considerando, primeiramente, a imersão que tiveram os autores no estudo dessa obra,

situando o que foi pesquisado em períodos equivalentes ou próximos ao proposto nesta

tese, pois as mesmas serviram como material para subsidiá-la.

Fazer um levantamento de referências relacionadas ao objeto de pesquisa, a

Série Fontes, foi um deleite. Porém, exige destacar alguns fragmentos, uma vez que

tudo, a princípio, parece relevante e importante à compreensão da política em educação

catarinense e brasileira. Penso ser essa a tarefa do pesquisador: dar visibilidade aos

escritos, pois esses podem vir ―ao‖ encontro ou ―de‖ encontro aos objetivos. Cabe

destacar, também, que essas pesquisas, em diferentes anos, com objetivos específicos,

traçam uma linha tênue sobre a Série Fontes e seu autor/organizador, pois em muitos

Page 31: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

27

momentos seus argumentos se entrecruzam ou servem de base teórica de uns para os

outros.

Como base de construção textual do processo metodológico que se pretende

nesse momento, tem-se a seguinte questão: O que os pesquisadores já escreveram sobre

a Série Fontes e de seu autor/organizador Professor Fontes?

Para chegar à resposta, ou às respostas, identifiquei referenciais constantes no

quadro 1:

Quadro1: Estudos sobre os livros de leituras da Série Fonte.

Autor Título Tipo e Ano6

Solange Aparecida de

Oliveira Hoeller e Maria

das Dores Daros

Henrique Fontes: um intelectual no contexto

educacional catarinense da primeira

república (1910-1930)

Artigo – 2011

José Isaías Venera Produzindo o homem útil: a Série Fontes

distribuindo saberes e disciplinando corpos

Artigo – 2002

Cintia Gonçalves Martins e

Marli de Oliveira Costa

Os livros de leitura Série Fontes e a moral

cristã na educação das crianças de Santa

Catarina (1920-1950)

Artigo – 2015

Marli de Oliveira Costa e

Maria Stephanou

Memorias de Lecturas de Infancia – La Série

Fontes en Brasil (1925-1950)

Artigo – 2012

Nicholas Gomes Cardoso da

Silva

O higienismo e a eugenia nos livros de

leitura da coleção fontes usados no processo

de alfabetização da Educação Primária de

Santa Catarina no início do século XX

Artigo

Jun/2015

Nicholas Gomes Cardoso da

Silva

O higienismo e a eugenia nos livros de

leitura da coleção fontes usados no processo

de alfabetização da Educação Primária de

Santa Catarina no início do século XX

Artigo

Dez/2015

Nicholas Gomes Cardoso da

Silva

Série fontes: reflexões sobre as ideologias

ausentes nos textos de leitura

Artigo

Nov/2016

Valéria Aparecida Schena Série Fontes: Idéias pedagógicas modernas

do ensino primário de Santa Catarina

Artigo

Out/2014

Paulete Maria Cunha dos

Santos

Uma Memória Institucionalizada: os livros

escolares e a história-pátria

Artigo

Out/1999

Cristiani Bereta da Silva e

Helena Gabriela

Moellmann Gasparini

Livros didáticos e memórias: Heróis e mitos

catarinenses nas primeiras décadas do século

XX

Artigo – 2013

Cristiani Bereta da Silva e

Maria Bernadete Ramos

Flores

Gênero e nação: a Série Fontes e a

virilização da raça

Artigo – 2010

Paulete da Cunha dos

Santos

Protocolo do Bom Cidadão – Série Fontes:

Lições de moral e civismo na organização da

educação em Santa Catarina (1920-1950)

Dissertação –

1997

Mara Aguiar Souza Preus A Correspondência Epistolar de Professor Dissertação –

6 O ano refere-se a data da publicação. Vale salientar que além dos estudos sobre a Série Fontes, em

diferentes formatos e estilos, tais como: artigos, dissertações, teses e livros, têm-se os publicados em

diversos periódicos, como: A República, O Estado, A Notícia, O Apóstolo, Ecos da Semana, O Tico-Tico

e Sul: Revista de Circuito da Arte.

Page 32: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

28

Fontes 1998

Carla D’Lourdes do

Nascimento

―Sagrado dever é servir à Pátria‖: A

educação cívico-patriótica na Série Fontes

Dissertação –

2003

Denise de Paula Matias

Prochnow

Lições da Série Fontes no contexto da

Reforma Orestes Guimarães em Santa

Catarina (1911-1935)

Dissertação –

2009

João Fernando Silva de

Souza

Fé, Trabalho e Amor à Pátria: Os livros da

Série Fontes construindo brasileiros no

Estado Novo – 1937-1945

Dissertação –

2010

Ada Carolina Freitas

Fontes

A contribuição das Lições de Coisas da Série

Fontes para a instrução elementar no período

de 1920 a 1950

Dissertação –

2011

Vindomar Silva Filho A Série Didática Fontes: Autoria e Ato Ético Tese – 2013

Nicholas Cardoso Gomes da

Silva

Série Fontes: Reflexões sobre as ideologias

presentes nos textos de leitura

Dissertação –

2016

Ana Maria Martins Coelho A Secretaria da Justiça e sua com a Educação Livro - 1985

José Isaías Venera Tempo de Ordem: a construção discursiva do

homem útil

Livro – 2007

Celestino Sachet Professor Fontes - História e Memória Livro – 2013

Armem Mamigonian e

Marli Auras

Professor Fontes – Pensamentos, Palavras e

Obras

Livro – 2016

Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.

Como podemos verificar no quadro 1, há mais artigos do que dissertações, e há

apenas uma tese sobre a Série Fontes. Verifico, quanto a esse número de artigos, que

parte deles é uma extensão das pesquisas de mestrado. Isso me leva a pensar que há

mais a ser dito sobre essa fonte.

Os estudos da Série Fontes, de modo geral, mesmo só adquirindo maior

visibilidade a partir da primeira década dos anos dois mil, em que o uso dessa fonte de

pesquisa, conforme a história cultural, vieram ganhando espaço, mediante o que

podemos classificá-la como importante documento para a história da educação do

estado de Santa Catarina. Os fragmentos de pesquisa que farão parte de uma trama

maior, produzindo a história, discorrem sobre uma passagem do processo educacional

em Santa Catarina, em um período que compreende os anos entre 1920 a 1950. Vou

falar com simplicidade, mas com muito respeito, dos lugares por onde passaram os

pesquisadores, e das coisas que são relevantes. É um convite para estar por dentro de

todo o sacrifício, do saber fazer acerca de um tema, que ajudam a compreender a

complexidade da vida de um pesquisador; pois compreendo que em cada uma das

pesquisas reside a narrativa de sua produção, de suas travessias, de suas descobertas,

Page 33: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

29

aspirações e apropriações. É um olhar de perto, pois atrás de cada pesquisa está contida

uma história outra.

As pesquisas elencadas no quadro 1 se entrelaçam nas tramas de um passado, de

um homem com vida privada e pública; tratam de uma série de livros de leitura que

esteve presente no cotidiano escolar, de quatro gerações de crianças catarinenses, feito

fios que buscaram apertar os pontos entre a religião, a política, a educação e a família.

Essas pesquisas nos colocam em uma estrada e levam a olhar pelo retrovisor da história

da educação, por meio de uma das fontes de relevância para a história cultural: o livro

didático, ou escolar e ou de leitura. Sustentado e movido pelo desafio de conhecer o já

construído e produzido, para, depois, buscar o que ainda não foi feito, dediquei minha

atenção a um número considerável de pesquisas realizadas com o intuito de dar conta de

determinado saber que se avoluma cada vez mais rapidamente, a fim de divulgá-lo para

a sociedade. Todos esses pesquisadores trazem em comum a opção temática, por

constituírem pesquisas e também avaliações do conhecimento sobre o tema que escolhi

como pesquisa.

O curso em que os trabalhos serão apresentados não segue a ordem cronológica

de suas publicações, mas a sequência que foram encontrados durante o levantamento de

dados, realizado em 2016 e 2017.

1.1.1 – OS ARTIGOS

Na elaboração de trabalhos acadêmicos, o artigo científico se caracteriza pela

descrição e apresentação de dados resultantes de uma pesquisa realizada seguindo um

método científico. Um artigo científico deve obedecer à linguagem e métodos próprios

da área da ciência para a qual é feita a investigação. O que veremos a seguir são

apontamentos feitos com base nos estudos realizados por pós-graduandos e

pesquisadores que usaram a Série Fontes como fonte.

O cenário público, aparentemente, é um veículo em que muitas pessoas

escrevem sua história. Podemos pensar que, também no período em que foram editados

os livros de leitura da Série Fontes, esse era o caminho a ser trilhado, como sinalizam

Hoeller e Daros (2011, p. 2): ―Participar do cenário público aparenta ser algo próprio

aos intelectuais, naquele momento histórico brasileiro. Miceli (1979) destaca os anos de

Page 34: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

30

1920 e 1930 como um período de intensificação da presença da intelectualidade na cena

pública‖.

O artigo escrito por Solange Aparecida de Oliveira Hoeller e Maria das Dores

Daros para o VI Congresso Brasileiro de História da Educação, em 2011, intitulado

―Henrique Fontes: um intelectual no contexto educacional catarinense da primeira

república (1910-1930)‖, apresenta um breve discurso da produção intelectual de

Professor Fontes como ―produtor de capital simbólico‖ (DAROS; HOELLER, 2011, p.

8). As autoras falam sobre as obras desse intelectual e destacam a Série Fontes ―como

modos de escolarização para as crianças, correspondentes também aos anseios de um

projeto de civilidade e moralidade, pretendido pelo Estado e também por toda a nação

brasileira‖ (DAROS; HOELLER, 2011, p. 8). Destacam, ainda, que ―As obras didáticas

– Série Fontes – representavam-se tanto material como simbolicamente. Fossem pelo

ensinamento do conteúdo dos seus textos (de acordo com as matérias escolares) ou por

sua condição simbólica, diante das condutas a serem inculcadas‖ (DAROS; HOELLER,

2011, p. 8).

Já José Isaias Venera (2002, p. 2), em seu artigo intitulado ―Produzindo o

homem útil: a Série Fontes distribuindo saberes e disciplinando corpos‖, tem como

objeto de pesquisa a ―noção de homem útil, observando a partir das Lições de Leitura da

Série Fontes, a diretriz como as crianças devem agir, pensar, e sentir‖, utilizando-se do

conceito de disciplina na perspectiva de Michel Foucault (1998). Venera, ao utilizar-se

da Série Fontes como objeto de pesquisa, destaca que esse material didático, empregado

nas escolas públicas catarinense, contempla os ideais importantes que marcaram esse

período histórico, ―possibilitando observar que tipo de sujeito que se pretendia produzir

neste momento e, principalmente, no Estado Novo (1937-1945), marcado por medidas

fortemente autoritárias‖ (VENERA, 2002, p. 2).

Em 2015, Cintia Gonçalves Martins e Marli de Oliveira Costa escreveram ―Os

livros de leitura da Série Fontes e a moral cristã na educação das crianças de Santa

Catarina (1920-1950)‖, para o XXVIII Simpósio Nacional de História, com o objetivo

de dar visibilidade à religiosidade apresentada nos textos da Série Fontes usando como

fonte de análise o Terceiro Livro de Leitura: ―A escolha pelo terceiro livro de leitura

deu-se por este artefato conter uma quantidade significativa de textos religiosos em

relação aos outros da Série Fontes‖, que ―contribuiu na formação de uma geração que

viveu em Santa Catarina entre os anos de 1925-1950‖. (MARTINS; COSTA, 2015, p.

Page 35: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

31

1). Para as autoras, essa Série demonstrou uma das formas que o governo da época

utilizou para fazer chegar até as famílias sua ideia de nação, dentro de um caráter

religioso cristão, ―sendo que esses materiais regulavam os sentidos das crianças,

transformando-as em crianças exemplo de bondade, de compaixão, de amor e

responsabilidade perante a nação‖ (MARTINS; COSTA, 2015, p. 14), caindo sobre

ombros, ainda em formação, um peso muito grande. Martins e Costa, (2015), concluem

que: ―Com a realização desta pesquisa é possível afirmar que o Estado e a Igreja

Católica estiveram por muitos anos ligados para alcançar os mesmos objetivos, de

controlar a população através de diferentes mecanismos‖ (MARTINS; COSTA, 2015, p.

15).

A Série Fontes também inspirou Marli de Oliveira Costa e Maria Stephanou, que

no ano de 2012 publicaram um artigo em espanhol intitulado Memorias de lecturas de

infancia – La Série Fontes en Brasil (1925-1950). O estudo das autoras desenvolveu-se

a partir de análises realizadas com adultos, da região de Criciúma/SC, que tiveram

contato com a Série Fontes em seus primeiros anos escolares, no período da década de

1940. Essas entrevistas as ajudaram a identificar a forte influência que essa Série teve

nessas pessoas, ao ponto de muitas lembrarem, ainda hoje. Segundo as autoras, a

maioria dos textos lembrados pelos entrevistados tinha ―caráter persuasivo‖, onde as

crianças recebiam informações moralistas, como por exemplo, nas lições do Primeiro

Livro de Leitura: ―O Trabalho‖; ―O macaco intrometido‖; ―O menino chorão‖; e do

Segundo Livro de Leitura, a lição ―Gratidão‖. Elas afirmam, ainda, que os entrevistados

guardam dessas lições recordações que os levaram a constituir suas histórias. A Série

Fontes, segundo as autoras, marcou gerações e traduz sentimentos de formação por

meio das narrativas contidas.

Na busca de respostas sobre higienismo e eugenia, Nicholas Cardoso Gomes da

Silva publicou três artigos relacionados à temática, dois em 2015, durante sua pesquisa

de mestrado7, e um em 2016, após a conclusão da dissertação. Os artigos são: O

higienismo e a eugenia nos livros de leituras da coleção fontes usados no processo de

alfabetização da Educação Primária de Santa Catarina no início do século XX

(jun/2015); O higienismo e a eugenia nos livros de leituras da coleção fontes usados no

processo de alfabetização da Educação Primária de Santa Catarina no início do século

7 Será tratada junto às demais dissertações no próximo item.

Page 36: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

32

XX (dez/2015); Série fontes: reflexões sobre as ideologias presentes nos textos de

leitura (nov/2016). Suas inquietações levaram-no ao encontro da Série Fontes.

Embasado por essas obras, especificamente a Cartilha Popular e o Primeiro Livro de

Leitura, ambos escritos e editados em 1920, objetivou discutir o Higienismo e a

Eugenia na educação primária do Estado de Santa Catarina, na primeira metade do

século XX. Essas fontes de pesquisa lhe possibilitaram verificar e saber sobre as ideias

pedagógicas daquele período, bem como sobre o processo civilizador que vivia a nação

brasileira por meio dos ideais nacionalistas estabelecidos pelo governo da época, dentro

de um contexto vivido. Para o autor, a Série Fontes dá conta do que prescrevem as

ideologias de Higiene e Eugenismo: ―Contendo preceitos Eugênicos e Higienistas, a

coleção buscava formar sujeitos obedientes às novas Instituições instaladas com a

República e acatar as decisões da nova elite dominante‖; e acrescenta, ainda, ―os textos

falavam sobre o contexto histórico do país na época, ou melhor, eles objetivavam

divulgar os imaginários do período, o que se almejava para a sociedade brasileira‖

(SILVA, 2015, p. 63). Nessa perspectiva, Silva (2016) considera que a Série Fontes, que

esteve presente por um longo tempo na educação de crianças catarinense, se constitui

como documento relevante:

Serviu como um dos instrumentos do projeto nacional republicano

civilizador, com vistas ao desenvolvimento da nação, porém o Brasil

não chegou ao tão desejado status capitalista de país desenvolvido, nem

também moral ou justo, como ―pretendiam‖ os preceitos, que realmente

tinham por pretensão mascarar as reais situações nas quais a sociedade

dessa pátria era constituída. As verdadeiras mazelas que a população

digladiava foram sucumbidas nos textos, sendo em algumas raras

exceções servindo de lição às gerações futuras. (SILVA, 2015, p. 9).

Como podemos perceber até aqui, a Série Fontes representa parcela da história

da educação em Santa Catarina, sintonizada com um projeto de formação do bom

cidadão: projeto nacional republicano e civilizador.

Em um artigo intitulado ―Série Fontes: ideias pedagógicas modernas no ensino

primário de Santa Catarina‖, publicado em outubro de 2014 para o XIV Encontro

Regional de História – 1964-2014: 50 anos do Golpe Militar no Brasil, Valéria

Aparecida Shena também se utilizou dos livros da Série Fontes para entender como se

dava o processo de produção e apropriação dos ideais pedagógicos no ensino primário

do estado de Santa Catarina. Pautadas nas ideias de Roger Chartier (1990), a autora faz

Page 37: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

33

suas análises sobre a Série Fontes e ressalta que ―As obras, os discursos só existem a

partir do momento em que se tornam realidades físicas, estão inscritos nas páginas de

um livro, são transmitidos por uma voz que lê ou conta, são ouvidos na cena de teatro‖

(SHENA, 2014, p.284). Shena verificou que a Série Fontes traduz adequação de leitura

às finalidades educativas da época, dentro dos preceitos morais e cívicos.

Em seu artigo ―Uma Memória Institucionalizada: os livros escolares e a história-

pátria, (1999)‖, Paulete Maria Cunha dos Santos aponta que a Série Fontes é usada para

o projeto educacional em Santa Catarina no início do século XX. Segundo a autora,

esses livros apontam um recrudescimento do nacionalismo, retratado nas lições dessa

série, como por exemplo: "O menino estudioso, obediente, leal e cuidadoso de suas

obrigações será depois um cidadão excelente‖ (SANTOS, 1999, p. 23). A educação

aparece destacada como redentora de uma nação. Para a autora, a ―Série Fontes

representa uma das medidas encaminhadas pelo governo de Santa Catarina, para

administrar a instrução elementar nas escolas públicas do Estado‖ (SANTOS, 1999,

p.24). Ou seja, os conteúdos dessa Série dão significados ao nacionalismo válido

durante o Estado Novo, se estendendo até a década de 1950, ano de sua última edição.

No artigo intitulado ―Livros didáticos e memórias: Heróis e mitos catarinenses

nas primeiras décadas do século XX‖, em 2013, Cristiani Bereta da Silva e Helena

Gabriela Mollmann Gasparini narram sobre os livros didáticos de História e como são

importantes para a pesquisa em História da Educação, pois

Os livros didáticos de História são suportes de memória que auxiliam

a fixar sentidos sobre determinados acontecimentos, possibilitando ao

pesquisador analisar o campo de disputa sobre as memórias que cada

sociedade deseja preservar e quais pretendem esquecer. Assim como

os demais produtos culturais que circulam nas escolas, os livros

didáticos também produzem o social, o cultural e o político (SILVA;

GASPARINI, 2013, p. 1).

Segundo as autoras, os livros didáticos são ―importantes mediadores e

produtores de identidades‖, difundindo e consolidando uma memória coletiva, e, a Série

Fontes traduz essa memória num discurso em que destaca as figuras políticas influentes

e os heróis propriamente catarinenses, bem como seu formato que ―trouxe inovações

que adentravam diferentes âmbitos da educação infantil e juvenil‖ (SILVA;

GASPARINI, 2013, p. 6). Silva e Gasparinni destacam que pouco se fala das mulheres

e com as mulheres, e quando isso acontece, tratam ―somente aquelas que são

Page 38: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

34

relacionadas como personagens de ‗grandes feitos‘ e sacrifícios pela pátria‖ (SILVA;

GASPARINI, 2013, p. 7).

O último artigo localizado foi publicado em 2010, por Cristiani Bereta da Silva e

Maria Bernadete Ramos Flores, com o título: ―Gênero e Nação: A Série Fontes e a

virilização da raça‖. O objetivo das autoras era ―perceber como nesse processo de

formação de cidadãos e de construção da idéia de pátria moderna e civilizada, as

pedagogias prescreviam o ethos da virilidade para almejar o progresso da Nação‖

(SILVA; FLORES, 2010, p. 77).

Segundo as autoras, essa Série está sintonizada com o projeto de nação

constituído naquele período. Em seus textos de leitura se percebe que há valorização e

ênfase do civismo, do patriotismo, uma abordagem centrada no ufanismo patriota. Por

entenderem que a ―história não nasceu pronta‖, as lições da Série Fontes têm muito a

nos dizer:

Assim como outros livros didáticos utilizados nas escolas no passado

e no presente, bem como as seleções de conteúdos a serem ensinados,

atuam como mediadores entre concepções e práticas políticas

culturais, tornando-se parte importante da engrenagem de manutenção

de determinadas visões de mundo e de história. (SILVA; FLORES,

2010, p. 84).

O modelo do herói masculino perpassa por quase todos os textos de forma

excêntrica: ―Não faltam exemplos, seja através de lições para meninos, como os temas

relativos ao escotismo, seja através de grandes audácias, como Silva Jardim, herói da

República, segundo José do Patrocínio‖ (SILVA; FLORES, 2010, p. 95). Nessa

exaltação ao homem viril, presente nos textos da Série Fontes, há quase uma ―ausência‖

da mulher, submetida a uma ―macrologia‖8, colocando-a em um patamar de fragilidade,

de doçura. Para as autoras, os textos da Série Fontes representam uma sociedade

tipicamente masculina e, nas escolas, serviram como veículos de discurso de poder, que

validavam o projeto nacionalista da época.

As pesquisas citadas ganharam caráter nacional, e até internacional, como é o

caso do artigo de Marli de Oliveira Costa e Maria Stephanou (2012), uma vez que estão

em revistas, periódicos, fóruns, congressos de renome, em que o pesquisador e o leitor

8 É o conjunto de estudos teológicos acerca de Maria, mãe de Jesus Cristo na Igreja Católica. Disponível

em: <https://www.significados.com.br>. Acesso em 22 jan. 2018.

Page 39: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

35

curioso sobre essas temáticas acessam periodicamente para produzirem saberes e

fazeres em suas áreas específicas. Isso nos faz pensar que a Série Fontes, mesmo sendo

produzida para as crianças das escolas de Santa Catarina, tem relevância para a História

Cultural e conta uma parte da história da educação. Focaliza também a política

catarinense, por meio de seu autor/organizador, bem como pelos autores das lições

inseridas nessa obra. Essas são constatações pelas quais busco, também, nas

dissertações e tese.

1.1.2 – AS DISSERTAÇÕES

É usual que algumas pesquisas busquem reconstruir parte da trajetória da

educação usando como fonte de pesquisa livros didáticos. Estes têm sido utilizados

enquanto fontes e objetos de análise de pesquisas em História da Educação. Alain

Choppin, em ―O historiador e o livro escolar‖, assinala que apresentam identidade

histórica: ―[...] constituem um testemunho escrito‖ (CHOPPIN, 2002, p. 14). Já

Munakata (2016) afirma que o livro: ―[...] é, em primeiro lugar, o portador dos saberes

escolares, um dos componentes explícitos da cultura escolar. De modo geral o livro

didático é a transcrição do que era ensinado, ou que deveria ser ensinado, em cada

momento da história da escolarização‖ (MUNAKATA, 2016, p. 13).

As investigações aqui referenciadas se dedicaram à análise de exemplares da

coleção de livros da Série Fontes, utilizada entre as décadas de 1920 e 1950 em escolas

primárias de Santa Catarina. Optei por apresentar as dissertações em ordem cronológica,

conforme o quadro 1, diferente dos artigos, por verificar que aquelas são base de

estudos e de fundamentação teórica de uma para as outras.

Parto, primeiramente, da pesquisa feita por Paulete da Cunha dos Santos (1997),

com o título de Protocolo do Bom Cidadão – Série Fontes: Lições de moral e civismo

na organização da educação em Santa Catarina (1920-1950). A dissertação está

organizada em quatro partes. A autora vê a Série Fontes como um documento conectado

a um ―momento de recrudescimento do nacionalismo (SANTOS, 1997, p. 6)‖, que está

retratado em suas lições. Na introdução a autora informa como foram feitas as escolhas

dos livros de leitura da Série Fontes, e, como objeto de pesquisa teve o objetivo de fazer

uma análise mais acurada, bem como devido a sua importância para a educação em

Santa Catarina. Um dos pontos relevantes citado está no tempo em que a Série Fontes

Page 40: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

36

esteve presente nas escolas catarinenses: ―A partir de dados cronológicos obtidos,

constata-se um acontecimento da maior relevância, ou seja, a Série Fontes fez parte da

educação, de pelo menos duas gerações, já que ela teve grande circulação em todo o

Estado‖ (SANTOS, 1997, p. 9).

Para elucubrar sobre a pertinência dessa obra, a autora faz uso de João Amós

Comênio (1592-1670), pois percebe aproximações da Didactica Magna9, com os

fundamentos da Série Fontes.

Nele encontramos alguns fundamentos similares ao da Série Fontes e

da instrução pública em Santa Catarina dos quais destacamos: 1) O

homem é a mais elevada, a mais absoluta e a melhor de tôdas as coisas

criadas. 6) Só pela educação se pode formar o homem. 7) Um homem

pode mais facilmente ser formado na juventude e não pode ser

adequadamente formado senão nesta idade. 9) Todos os jovens de

ambos os sexos deveriam ser enviados à escola. 10) A instrução dada

nas escolas deveria ser universal. Percebemos nesta lógica os preceitos

que igualmente orientam a Série Fontes tais como: o saber, a virtude e

a composição do caráter humano. (SANTOS, 1997, p. 39).

Esses fundamentos instruem a educação pública em Santa Catarina e servem

como base para a organização da Série Fontes e o que seu autor tinha como ideal.

Santos destaca, ainda, as ideias de Mirian L. Moreira Leite (1990) para ajudá-la na

organização de suas hipóteses: ―O pensamento nacionalista brasileiro foi construído

durante o século XIX, através de vários processos paralelos: lutas armadas, medidas

políticas, obras literárias e um esforço concentrado de europeização e modernização do

país‖ (SANTOS, 1997, p. 65). Assim, a Série Fontes prescrevia o que estava dito na

composição das lições.

Já no Capítulo III, inicia suas análises do Terceiro e do Quarto Livro de Leitura

e verifica que dentre os escritores presentes, os franceses parecem indicar o sentimento

universal que o Professor Fontes queria para sua obra:

Constatamos na Série Fontes, a partir do Terceiro e Quarto Livro o

acréscimo de citações de autores nacionais e estrangeiros ao final das

lições. Desse modo, os alunos são iniciados no pensamento de

escritores prestigiados, entre eles os brasileiros Rui Barbosa e Olavo

Bilac e dos romancistas franceses Alexandre Dumas Filho e Victor

Hugo. A presença dos escritores franceses parece indicar a

9 Didactica magna, ou Didática Magna, também conhecido por Tratado da Arte Universal de Ensinar

Tudo a Todos. É um livro de Comenius publicado em 1649.

Page 41: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

37

possibilidade de um saber mais cosmopolita, além, é claro, do fascínio

que a França exercia na elite intelectual do Brasil. (SANTOS, 1997, p.

88).

Segundo a autora, a partir da leitura as crianças aprendiam, por meio de

escritores renomados, os valores a serem apreendidos, e que também realçam os

princípios positivistas que aparecem na Série Fontes; como a exaltação à bandeira e ao

hino nacional. A autora descreve que o teor das lições contidas nos livros da Série

Fontes revela a tônica desenvolvida pelos intelectuais que pretendiam a salvação da

pátria:

A aproximação entre o corpo humano e a sociedade significa o

organismo individual e o organismo social. Nesse sentido, o

desenvolvimento do corpo total depende de cada uma das partes

integradas. Enfim, do desenvolvimento individual depende o

desenvolvimento social. (SANTOS, 1997, p. 109).

Desse modo, as configurações sociais dão elementos para os encaminhamentos

conceituais que reproduzem os indivíduos. Por fim, a autora salienta que o apostolado

do Professor Fontes e dos intelectuais nacionalistas da época tinha como objetivo

incentivar o cuidado consigo e, a partir, disso com os outros, ou seja, orientar e formar o

cidadão consciente, visando a defesa nacional, pois esse teria presente seus deveres para

com a família, a sociedade, a pátria e a humanidade.

Esse apostolado (referindo-se às ideias de Professor Fontes e dos

intelectuais nacionalistas da época) pode traduzir-se em: orientar os

hábitos de higiene para conservação da saúde, e formar o cidadão

excelente, que irá lutar pela defesa da nação. Enfim, um cidadão

civilizado, fruto da ―raça nova‖ e por isso consciente de seus deveres

para com a família, a sociedade, a pátria e a humanidade. (SANTOS,

1997, p. 114, grifo nosso).

Essa orientação na formação do cidadão consciente se traduz na conservação dos

bons atos e tudo que o torna ―civilizado‖, ou seja, deveres a serem cumpridos. Ações

presentes também nas análises da dissertação a seguir.

A segunda dissertação que apresento é de Mara Aguiar Souza Preuss (1998),

intitulada ―A correspondência epistolar de Professor Fontes‖. A autora organizou esse

material em sete partes: I – Introdução (com três subitens); II – A Correspondência

Page 42: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

38

Epistolar; III – Deo Gratias!; IV - Bibliografia; V – Índice Analítico; VI – Índice das

Cartas; VI – Apêndice (cópia das cartas transcritas).

Para Preuss (1998), a relevância desse estudo se dá pelo fato de que o Professor

Fontes, ao transitar por vários seguimentos da política do Estado de Santa Catarina, tem,

em suas correspondências, elementos relacionados à educação, à história e às letras.

Com esse trabalho, se autoriza a homenagear o intelectual Professor Fontes. Os estudos

sobre ele se deram após conhecer algumas de suas obras: A Cartilha Popular, Os Livros

da Série e o livro A Beata Joana Gomes de Gusmão, no momento em que auxiliava um

colega em seu projeto fotográfico sobre Barreiros Filho. Segundo a autora, houve um

encantamento por todo o material que lhe foi apresentado, no qual percebeu o quanto o

Professor Fontes era cuidadoso com as suas correspondências. Preuss o compara a

Mario de Andrade, pois ambos mantinham com seus correspondentes, ―uma carinhosa

relação de posse‖ (PREUSS, 1998, p. 10). Ela nos convida a ver, nas cartas, a

possibilidade de contar a história da educação de Santa Catarina e do Brasil.

Outra informação caracterizada pela autora é a correspondência epistolar que

matinha com Padre Tomás, seu irmão, onde expõe sobre a Série Fontes. Em nota de

rodapé nº27, página 18, a autora apresenta um trecho da carta em que o Professor

Fontes fala com clareza o objetivo dessa série:

Tenho, porém, a eles ligado o meu trabalho e o meu nome e daí vem à

estimação que lhes voto. Além disso, são mais baratos do que outros

quaisquer, prestando assim auxilio aos desprovidos. Essa modicidade

de preço foi um dos motivos de sua elaboração. Outro, - e não menos

poderoso, - foi incluir neles o nome de Deus, que em outros fora

simplesmente omitido. (PREUSS, 1998, p. 18).

Desse modo, verificamos que a religiosidade era uma constante nessa Série,

colocando presente os preceitos religiosos do Professor Fontes – o cristianismo. Assim,

ao apresentar a Série Fontes, a apresentadora destaca a sua função social para a

educação em Santa Catarina, os objetivos do autor/organizador, bem como a relevância

desse material como fonte, o que nos dá subsídios que ajudam a conhecer um pouco

mais da educação brasileira no período em que foi escrita e editada.

A terceira dissertação que apresento é de Carla D‘Lourdes do Nascimento

(2003), intitulada ―‗Sagrado Dever é Servir à Pátria‘: A educação cívico-patriótica na

Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

39

Série Fontes‖, a qual está organizada em cinco capítulos, considerando a introdução e as

considerações finais.

A pesquisadora inicia informando que nos anos de 1930 aconteceu a expansão

no mercado de livros, com inúmeras editoras, que deram eco ao discurso do Estado e

que as ideias de nação estavam se aproximando ainda mais da população, por meio do

campo educacional, em que os livros e as revistas pedagógicas divulgavam os ideais de

patriotismo: ―O livro de leitura era um dos meios para divulgação desse discurso, por

meio do qual se instruía a criança desde a tenra idade‖ (NASCIMENTO, 2003, p. 8). A

autora destaca que, além de disseminar a campanha nacionalista, esses livros de leitura

―eram o principal elemento na campanha de alfabetização por todo o país‖

(NASCIMENTO, 2003, p. 9), que proclamavam uma campanha do Governo Vargas: a

Cruzada Nacional da Educação e a escola tinha a responsabilidade de ―desnalfabetizar‖

aos que eram vistos como ―peso morto‖, para que se tornassem em ―trabalhador

disciplinado, ordeiro e obediente‖ (NASCIMENTO, 2003, p. 9).

Para entender como a identidade educacional nacional se estabelecia no estado

de Santa Catarina, a autora objetivou analisar as ―motivações que objetivam modelar o

cidadão por meio da difusão de valores cívicos e patrióticos, de como foi forjado um

sentimento de nacionalidade no início da República em Santa Catarina e como se

compreendeu esse sentimento‖ (NASCIMENTO, 2003, p. 12). Assim, para alcançar

seus objetivos e responder suas questões, buscou na Série Fontes elementos que

pudessem validar suas indagações. Enfatiza que a Série Fontes procurava direcionar o

homem num processo civilizador, de autocontrole, e a criança leitora iria se moldando

nesse ambiente, o professor preparando sua mente, dispondo-a e adequando-a ao

trabalho. Para isso, ―A Série Fontes teve como colaboradores abolicionistas,

republicanos, monarquistas, estrangeiros, homens e mulheres, evidenciando meios

diferentes para um mesmo fim, isto é, a união nacional‖ (NASCIMENTO, 2003, p. 14).

O Professor Fontes era um católico fervoroso e seus princípios cristãos aparecem

nas lições da Série Fontes, como assinala a autora, que destaca também que:

Como homem intelectual, Professor Fontes pertenceu ao universo da

nova elite. Homem letrado, bacharel, de orientação humanística

auxiliou e estruturou instituições catarinenses. [...] Como educador-

profissinal, Professor Fontes foi um educador-reformista.

(NASCIMENTO, 2003, p. 30).

Page 44: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

40

Outra informação relevante trazida se refere ao Primeiro Livro de Leitura da

Série Fontes ser traduzido para a língua alemã em 1935, no Curso Normal do Colégio

Coração de Jesus, em Florianópolis. Isso é um indicativo que essa Série seguia os ideais

nacionalistas. A política de nacionalização da educação catarinense caracterizava-se

pelos dispositivos federais que determinavam o fechamento das escolas que não

ministrassem o ensino em língua portuguesa. Caso isso viesse a acontecer, o Governo

Federal determinou que, no mesmo local que fosse fechada uma escola estrangeira, o

estado deveria inaugurar uma escola pública.

A autora constata que as lições enfatizam o modelo da família cristã

representado nos primeiro livros da Série Fonte. O trabalho também é destaque da Série,

pois ―Propaga na Série Fontes a instrumentalização do trabalho por meio de discursos

figurativos, exaltados também nos ditados populares, tais como: Quem muito dorme,

pouco aprende ou De pequenino é que se torce o pepino‖ (NASCIMENTO, 2003, p.

86). Imprimia-se na criança a necessidade de compreender e querer bem o país no qual

vivia. Afirma que as ideologias nacionalistas caracterizadas nos livros da Série Fontes

fortaleciam uma consciência de existência nacional, e que ―Neste sentido, percebe-se a

importância que os currículos escolares atribuem ao conhecimento do país, da sua

paisagem e territorialidade, bem como da sua história para desenvolver o sentido e a

consciência patriótica‖ (NASCIMENTO, 2003, p. 97).

Por fim, acrescenta: ―[...] a Série Fontes auxiliou o governo catarinense na

construção e afirmação dos semióforos nacionais e na inculcação do sentimento de

pertença a um solo, ultrapassando a temporalidade do governo varguista‖

(NASCIMENTO, 2003, p. 112). Enfatiza ainda que essa Série foi a primeira coleção de

livros de leitura catarinense para o ensino primário editado no próprio Estado e que,

além de ter um outro ponto relevante e diferencial entre as demais coleções do período,

priorizou a formação das crianças de acordo com os preceitos do catolicismo.

O que vimos até aqui é que as pesquisas demonstram que a Série Fontes não

estava atrelada somente a alfabetização das crianças de escolas públicas catarinenses,

mas reforçava hábitos de patriotismo, brasilidade e de higiene, reunidos nas lições em

fábulas, poesias e pequenos contos.

A quarta dissertação que apresento é de Denise de Paulo Matias Prochnow

(2009), intitulada ―Lições da Série Fontes no Contexto da Reforma Orestes Guimarães

em Santa Catarina (1911-1935)‖.

Page 45: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

41

Entendendo o livro didático como objeto cultural, a autora faz uso dos conceitos

de Roger Chartier (2002), quando esse autor diz que o livro expressa valores, atitudes e

representações homogêneas da sociedade que o produziu. Nesse sentido, toma a Série

Fontes por julgá-la um ―valioso documento para conhecer valores, perfis e

sensibilidades, se não do povo catarinense, daquilo que seu autor, o Professor Fontes,

projetava como ideal a ser ensinado nas escolas públicas primárias‖ (PROCHNOW,

2009, p. 15). Prochnow vê na Série Fontes uma expressão do que vivia o país naquele

período, com os objetivos e ideais específicos: ―Produzir o cidadão político, civilizado,

patriota, higiênico e trabalhador foi o objetivo da escola republicana e de suas lições

diárias‖ (PROCHNOW, 2009, p. 16).

A pesquisadora escreve sobre o projeto de modernidade e como o estado de

Santa Catarina se apropriou das ideias de processo civilizatório: homogeneização,

uniformização e padronização dos métodos de ensino, dentro dos propósitos que o

estado de Santa Catarina tinha quanto à necessidade de reforma na instrução pública.

Segundo a autora, os Grupos Escolares foram um divisor de águas na educação de Santa

Catarina. Além dos aspectos físicos dos grupos escolares, nota a adoção de um método

de ensino chamado de Ensino Intuitivo ou Lições de Coisas: ―A nova organização

escolar assegurava a distribuição dosada das disciplinas do programa, facilitando o

progressivo desenvolvimento dos/as alunos/as, desde a classe elementar até o último

ano‖ (PROCHNOW, 2009, p. 34).

A autora enfatiza que a criança tornou-se figura emblemática como simbologia

do futuro, ―carregada de esperança e de certezas do amanhã. Residia na criança

instruída e educada a garantia de um futuro melhor para a nação‖ (PROCHNOW, 2009,

p. 36). Ressalta, ainda, que a criança ganha evidência e respeito nas suas

especificidades, compreendidas com base nos estudos de Comenius, Rousseau,

Pestalozi e Froebel, em que se apregoava o contato das crianças com as coisas. Segundo

a autora, os livros de leitura, da Série Fontes, materializavam e unificavam o ensino por

textos, que buscavam ensinar a formar crianças com valores nacionais: ―Na busca pela

nacionalização da leitura, Orestes Guimarães declarava que um livro de leitura só

deveria ter páginas de nossos prosadores, de nossos poetas, de nossos navegantes, que

descrevessem a nossa terra, o que temos, o que somos, o que seremos‖ (PROCHNOW,

2009, p. 42). Mas as novas obras tinham as crianças como personagens principais,

modelando-as em valores civis. Ainda segundo a autora, privilegiavam temas

Page 46: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

42

relacionados à natureza, à família, à escola, ao cotidiano infantil, ao trabalho e ao

patriotismo, ressaltando os valores morais. Afirma, ainda, que o livro didático se tornou

um material essencial para muitas crianças, principalmente das escolas mais afastadas

dos centros urbanos, pois os materiais escolares eram raros e caros, dificultando a

penetração da proposta do método de ensino intuitivo e das lições de coisas.

Sobre as lições e temas da Série Fontes, faz uma análise dos quatro livros da

Série, destacando algumas lições. Ao elencá-las as lições, categoriza os aspectos

peculiares que denominam a metodologia abordada pelo autor/organizador: ―O autor e

organizador Henrique Fontes escolhe para o Primeiro livro lições que dão um

ensinamento de moral, mas com a preocupação de inserir a criança na atmosfera

infantil‖ (PROCHNOW, 2009, p. 91). Afirma, ainda, que ―A Série Fontes, por meio de

suas lições, veiculava estes valores visando formar o pequeno cidadão‖ (PROCHNOW,

2009, p. 92).

Outro ponto relevante, também, é sobre a Religiosidade na Série Fontes, em que

a autora dá destaque aos princípios religiosos de Professor Fontes, distribuídos em seus

livros de leitura. Como sinaliza a autora, essa é uma questão recorrente na Série, e ―é

encontrada como pano de fundo dos mais diversos temas apresentados: família,

natureza, nacionalismo, habitação, estudo, etc.‖ (PROCHNOW, 2009, p. 125-126). A

autora ressalta, ainda, que ao contrário de Francisco Vianna (autor indicado por Orestes

Guimarães na reforma orestiana), que tinha muitas obras escritas para as crianças,

Professor Fontes escreveu apenas a Série Fontes, ou melhor dizendo, ―escreveu apenas

algumas lições sem expressar sua autoria, constituindo-se mais como um organizador da

coleção‖ (PROCHNOW, 2009, p. 139). Assim, podemos verificar que a pesquisa

visitada alcançou seu objetivo e tornou-se uma referência sobre a Série Fontes para

pesquisas posteriores.

A quinta dissertação que apresento é de João Fernando Silva de Souza (2010),

intitulada ―Fé, trabalho e amor à pátria: os livros da Série Fontes construindo brasileiros

no estado novo – 1937-1945‖. Está organizada em cinco partes, cujo objetivo é cruzar

dados acerca da educação em Santa Catarina no período do Estado Novo (1930-1945),

considerando a Série Fontes e depoimentos de pessoas que viveram nesse tempo e

tiveram suas escolarizações embasadas pelos ideais (ação e consequência) dessa Série.

Page 47: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

43

As pessoas escolhidas são da Família Nardelli10, moradoras do município de

Laurentino11/SC, que viveram a nacionalização do ensino.

Souza informa o porquê de ter escolhido os livros da Série Fontes para

caracterizar sua pesquisa: ―Esta escolha se deve ao fato de que os materiais didáticos,

autorizados pelo Estado, eram um dos meios de transmissão da brasilidade em Santa

Catarina, ou seja, eram obras escritas em que a política estava igualmente didatizada

entre os mais diversos temas que continham‖ (SOUZA, 2010, p. 12).

O autor verificou, nas entrevistas, que os ideais da igreja católica eram fortes

diante desse povo e que a ―A catolicidade era parte da cultura, do ambiente social em

que viviam e se expressava nas reuniões familiares religiosas, nas missas, nas festas e

em várias tradições católicas que os antepassados trouxeram de Trento‖ (SOUZA, 2010,

p. 33). Ao ilustrar a devoção da fé, ressalta que há um significativo número de textos da

Série Fontes, onde princípios cristãos moldavam a identidade da criança e,

posteriormente, do adulto: ―Para a criança que aprende em casa esse princípio, aprende

também na escola, além das missas, a imagem se consolida como algo natural e

incontestável, uma vez em que todos os ambientes que a criança freqüenta está

legitimando esse conceito‖ (SOUZA, 2010, p. 40).

Em suas análises, Souza enfatiza que as lições pregam: devoção, atributos a

divindade, laços familiares, a obediência, a caridade, a naturalização da pobreza, o

medo, a culpa, ou seja, a cultura da resignação das classes inferiores que vai conferir aos

cidadãos o conforto e este a pacificação popular. Pode-se apreender que as análises de

Souza buscam apresentar o papel do Estado, da Igreja Católica e da Série Fontes dentro

da educação. Ressalta, também, que nos textos da Série Fontes, fé e trabalho se

mesclam, e, o sujeito religioso será um trabalhador para a Pátria. Suas análises buscam

verificar a intervenção da igreja católica na educação catarinense e apontam que os

textos da Série Fontes caracterizam ―o homem moralmente correto é religioso,

trabalhador e patriótico‖ (SOUZA, 2010, p. 56).

10

A Família Nardelli, uma das mais extensas do Alto Vale do Itajaí, da qual alguns membros

proporcionaram a viabilidade do registro das suas memórias sobre o período estudado, se encontra na

região desde 1875, quando os imigrantes Sigismondo Agostino Nardelli e sua esposa Clementina

chegaram à Santa Catarina para fixar residência e produzir as melhores condições possíveis de vida para

seus filhos (SOUZA, 2010, p. 15). 11

O trabalho de campo foi realizado com pesquisas sobre a localidade escolhida, a cidade de Laurentino –

SC, onde se firmaram diversas famílias com predominância de origem trentina, além de outras etnias, que

ao longo do tempo conviveram mutuamente, resultando em uma cultura com características trentina,

italiana e nativa. (SOUZA, 2010, p. 15).

Page 48: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

44

O autor faz menção a algumas lições que estão relacionadas à temática trabalho,

em que a criança via, no plano teórico, práticas cotidianas, uma vez que era lapidada

desde a infância visando às virtudes a serem perseguidas e as falhas a serem evitadas:

A escolarização formal do período em questão estava em

concordância com o contexto do campo, como se observa nas lições

dos livros de leitura da Série Fontes. No conjunto das lições em que a

temática envolve o trabalho, percebe–se que se lapidava

gradativamente e persistentemente a criança desde a infância,

ensinando as virtudes e apontando as falhas que são perniciosas para a

lida. (SOUZA, 2010, p. 70, grifos meus).

Desse modo, adverte que o trabalho e a fé permeiam as lições da Série Fontes,

ressaltando que provavelmente, os princípios disseminados por Fontes, nesse exemplo,

o trabalho não eram absorvidos integralmente, pois faziam parte de uma ideologia e

como tal propensa às adaptações à realidade de cada um.

Souza usou os relatos dos entrevistados verificou o modo como aqueles

elucidam a interferência do nacionalismo no processo de escolarização das crianças e

jovens descendentes de imigrantes vivendo em território brasileiro, não sendo apenas

repressor, mas, mostrando a escola como o lugar que os aproximava de outras famílias

brasileiras, que além de se socializarem, aprendiam a língua portuguesa. As crianças

conseguiam abstrair o que era bom nesse processo? O autor evidencia, também, que

havia muita repreensão, instaurando-se o medo: ―Foi um aprendizado idiomático que

acarretou dificuldades, afinal todo processo de educação é um enfrentamento das

limitações para promoção dos conhecimentos‖ (SOUZA, 2010, p. 124).

O autor termina agradecendo à Família Nardelli à possibilidade de fazer relação

do material impresso (Série Fontes e outros documentos) com a memória deles sobre

um período da educação em Santa Catariana: ―Estudar a história da educação de um

povo, de uma parte da população brasileira é se permitir adentrar em um universo muito

rico, de idéias, perspectivas diversas, de etnias e de demonstrações culturais

fascinantes‖ (SOUZA, 2010, p. 158).

A sexta dissertação é de Ada Carolina Freitas Fontes (2011), intitulada ―A

contribuição das lições de coisas da Série Fontes para a instrução elementar no período

de 1920 a 1950‖, está organizada em cinco partes, considerando a introdução e as

considerações finais. Na introdução, a autora apresenta o seu tema de pesquisa: a Série

Fontes. Esses livros se encontram no acervo da biblioteca da família Fontes, da qual

Page 49: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

45

Ada faz parte. Outros documentos como ―leis, decretos, resoluções, atos oficiais,

biografias, livros, enciclopédias, anais, fotografias, cartas, anotações em cadernetas

pessoais, discursos e outros escritos, livros escolares, manuais de ensino, regimentos e

programas curriculares‖ (FONTES, 2011, p. 10), também serviram como base de seus

estudos. Os documentos citados são do período entre o final do século XIX e os anos de

1950. O objetivo de sua pesquisa foi ―cotejar as lições de coisas selecionadas na Série

Fontes para demonstrar o enfoque político-pedagógico na formação de

comportamentos‖ (FONTES, 2011, p. 10), ou seja, apresentar ao leitor as mudanças nas

terminologias para definir escola e de que forma se estabeleciam no estado, verificando

a contribuição pedagógica das ―Lições de Coisas da Série Fontes‖, que estiveram

presentes na instrução elementar no Estado de Santa Catarina.

Fontes (2011) apresenta uma informação que até agora não havia sido

mencionada, mas que tem relevância para quem tem como fonte de pesquisa a Série

Fontes, em uma triagem de ensaio em decorrência do pouco tempo para sua elaboração

e da carestia do papel.

No Prefácio da Cartilha Popular, do Primeiro e Segundo Livro de

Leitura, datado em janeiro de 1920, o professor Fontes frisa que ‘[...]

esta edição, devido ao curto espaço de tempo em que foi organizada,

e devido também à carestia do papel, é uma triagem de ensaio, já

calculada para se esgotar no corrente anno lectivo’, evidenciando

uma das estratégias que revelam o projeto pedagógico e social do

governo. (FONTES, 2011, p. 26).

O método pedagógico desses livros é outro destaque relevante a ser observado,

pois, segundo Fontes, não inova com relação ao já instituído.

A Série Fontes não institui novidade no que concerne aos métodos

didáticos e conteúdos curriculares de seu tempo. Pelo contrário,

cuidou em dar continuidade à preparação dos bons costumes e das

virtudes cívicas, anteriormente apregoadas por outros escritores, cuja

finalidade era proporcionar aos alunos uma cultura geral, que pudesse

ser aplicada no cotidiano. (FONTES, 2011, p. 27).

Podemos verificar que Professor Fontes não tinha como objetivo mudanças de

método, seguindo o que outros autores já faziam, num padrão metodológico de ensino

próprio, a partir de seus objetivos, vinculados da época.

Page 50: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

46

Outra informação ressaltada pela autora está no Decreto-Lei nº 1.006, de 30 de

dezembro de 1938, em que Professor Fontes requereu junto ao Ministério da Educação

e Saúde, ―a autorização para a adoção, nas escolas primárias, dos livros didáticos, a

saber: Cartilha Popular, Primeiro Livro de Leitura, Segundo Livro de Leitura, Terceiro

Livro de Leitura e Quarto Livro de Leitura‖ (FONTES, 2011, p.85). Aponta que, em 2

de janeiro de 1940, em que o Professor Fontes escreve a seu irmão, padre Thomás

Fontes, para que indagasse junto ao Ministério da Educação e Saúde quem formaria a

comissão que avaliaria os livros didáticos, informando-o quem a comporia, e, se

possível, pedisse aprovação dos livros que organizou, esclarecendo que são de ótima

qualidade e de baixo custo. Parece-nos que o Professor Fontes queria que seus livros

chegassem a todo Brasil, uma vez que já estavam nas escolas públicas catarinense desde

1920.

A autora enfatiza, ainda, que o autor/organizador da Série Fontes,

[...] imprimiu um tratamento antológico ao reunir textos de diversos

autores de natureza e procedência variada. [...], revela um pensamento

pedagógico coerente com os processos didáticos mais avançados da

sua época ao tornar visível, audível, oloroso, saboroso e sensível

múltiplas lições de coisas que permeiam o coração, a mente e a alma

dos leitores infantis. (FONTES, 2011, p. 91).

A constatação sobre as lições exalta a Série Fontes como elemento avançado à

sua época, dando a entender que esse material tinha todos os suportes necessários para

colocar em prática o projeto de seu autor num modo ―sensível‖ que chegasse ao

―coração e mente‖ das crianças.

Nas Considerações Finais, Fontes afirma que o ensino popular estava ganhando

espaço nas discussões filosóficas e metodológicas de países estrangeiros e os

procedimentos de ensino e materiais escolares, até então utilizados, precisavam de uma

revisão. Santa Catarina passou a receber atenção dos governantes e a instrução escolar

deveria ser remodelada. Dentre as ações para isso, a autora destaca a adoção obrigatória

de livros de leitura e manuais escolares, conforme o nível de ensino. E que com a vinda

de Orestes Oliveira Guimarães ao Estado de Santa Catarina, a instrução pública

catarinense teve uma nova organização, tendo o livro de leitura como material

pedagógico apropriado. A educação estava voltada para a educação moral e a cívico-

patriótica, onde a formação do caráter do aluno configurava-se na interação com os

Page 51: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

47

saberes específicos. A Série Fontes, por meio de seus textos, ―incutia‖ nas crianças o

amor, o respeito, a importância da oração e do trabalho, estabelecendo padrões comuns

de comportamentos e valores.

A sétima pesquisa, intitulada ―Série Fontes: Reflexões sobre a ideologia

presentes nos textos de leitura, escrita por Nicholas Cardoso Gomes da Silva‖, (2016),

está organizada em cinco capítulos, levando em consideração a introdução e as

considerações finais.

As questões que suscitaram a pesquisa partiram do tempo de permanência da

Série Fontes em circulação nas escolas públicas de Santa Catarina e do contexto em que

os livros foram elaborados, bem como se pautaram na pergunta: ―o conteúdo dos livros

da Série Fontes contém ideias de higiene e eugenia?‖ (SILVA, 2016, p. 13). Sobre o

objetivo geral, tem o seguinte foco: ―[...] analisar o conteúdo dos livros da Série Fontes

procurando conhecer até que ponto seus textos contêm ideias dos movimentos do início

do século XX, higienistas e de eugenia‖ (SILVA, 2016, p. 13). Para suas análises, Silva

utiliza-se dos quatro livros da Série Fontes editados entre os anos de 1920-1950.

Segundo o autor, o período em que essas obras permaneceram nas escolas públicas de

Santa Catarina o instigou, considerando as transformações socioeconômicas e culturais

que atravessavam o Brasil e o estado de Santa Catarina naquele período. Ao destacar

essas questões valorativas sobre a relevância da Série Fontes para o contexto

educacional catarinense, Silva define esse material como elemento circunstancial.

O estudo traz um aspecto ainda não mencionado nas pesquisas anteriores o fato

de que os livros de leitura que estavam presentes nas escolas naquele período eram

oriundos de outros países e ou de outros estados. Esse é um elemento que Silva destaca

e que levou o Professor Fontes à organização dessa Série, ao detectar que os livros

antecessores não primavam à realidade de Santa Catarina, indagando-se:

[...] será que, realmente, carecia-se de uma coleção de livros

adequados à realidade de Santa Catarina? De que realidade ele está

falando? Do problema das escolas estrangeiras e ou das colônias

formadas descendente de alemães que mantinham vivas suas origens e

por isso a necessidade de adequar a linguagem para que a ideologia

necessária a ser propagada pela escola alcançasse os objetivos do

projeto nacional em curso naquele momento. (SILVA, 2016, p. 15).

Page 52: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

48

Essas indagações também são fios condutores para essa pesquisa, segundo o

autor, pois a preocupação do Professor Fontes é algo que ainda se faz presente durante

as escolhas dos livros didáticos.

A educação em Santa Catarina começa a dar alguns passos, seguindo o modelo

nacional, atendendo as necessidades requeridas pelo momento histórico, e as escolas

públicas de Santa Catarina, em sua estrutura física e organizacional, não estavam

preparadas para tantas mudanças, pois ―funcionam em sua totalidade em casas alugadas

sem as condições pedagógicas e higiênicas indispensáveis a estabelecimentos de

instrução‖ (SILVA, 2016, p. 37-38). Segundo o autor, a escola catarinense vai constituir

a adequação pretendida para o novo cidadão brasileiro que se queria formar.

Para falar sobre ―A Série Fontes na conjuntura da sociedade brasileira e

catarinense‖ (SILVA, 2016, p. 40), o autor destaca o período que o Brasil se adequava

ao modelo econômico mundial: aceleração do processo industrial e a adequação da

educação ao modelo republicano, que segundo o autor, ―objetivava-se incentivar o

modelo burguês de viver, trabalhar e governar, ao mesmo tempo civilizando as crianças

e atingindo os pais, familiares e os que, de alguma forma, tinham contato com os

jovens‖ (SILVA, 2016, p. 45).

Para os estudos sobre o seu objeto de pesquisa, ―Higienismo e Eugenia na Série

Fontes‖ (SILVA, 2016, p. 50), apresenta a análise dos livros, traçada nos seus objetivos,

ou seja, a ocorrência de preceitos oriundos desses dois elementos, no qual entende que

eugenia é:

[...] movimento que aborda o aperfeiçoamento físico e moral das

pessoas, cabendo desde educar até sanear (SILVA, 2016, p.58) e

quanto o higienismo, é um movimento que [...] objetivava ―moldar a

população em geral e, mais particularmente, a população pobre [...],

sob a cultura da higiene [...] em nome da ordem e do progresso.

(SILVA, 2016, p. 59, grifo nosso).

O autor enfatiza que, no Brasil, a eugenia tinha um caráter mais sociológico,

entendendo que essas correntes traziam consigo um discurso ideológico, que segundo o

autor, emergia dos espaços médicos para a instrução pública. Ao fazer as leituras das

lições da Série Fontes, percebeu o quanto esses valores estavam intrínsecos em seus

textos. Sobre as questões de higiene, o autor realça as lições: nº14, ―Higiene da

Habitação‖, Quarto Livro de Leitura, e nº24, ―O Bom Estudante‖, Segundo Livro de

Leitura, nas quais o higienismo é percebido na preocupação com o sono do educando e

Page 53: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

49

a necessidade do mesmo em despertar e dormir cedo. Além disso, frisa o cuidado que

cada estudante deve ter com os materiais escolares, respeito com os professores, pais e

colegas.

Outro ponto ligado à higiene é o cuidado que um ―bom estudante

deve ter com os seus materiais; já na temática da eugenia, é o

compromisso com as lições, fazendo sempre com antecedência, assim

como a revisão dos conteúdos. A ausência nas aulas, quando em

excessos, é considerada prejudicial ao desempenho escolar. Por fim, o

respeito e a admiração para com os professores, pais e colegas, bem

como jamais ter atitudes que não o eleve ao título de cidadão útil a

todos. (SILVA, 2016, p. 85, grifos nossos).

Ao terminar suas análises, o autor estabeleceu critérios acerca do higienismo e

eugenia, concluindo que:

[...] as ideias higienistas e de eugenia eram mais que apenas cuidar

da questão física dos indivíduos, era educar para a sociedade

conforme o que uma parte da população requeria. O povo, em sua

maioria, teve que se adequar aos novos rumos que o país estava

tomando, moldando-se física e moralmente, incorporando algumas

atitudes como se fossem as mais corretas e eficientes. (SILVA, 2016,

p. 97, grifos nossos).

E assim sendo, conclui que a Série Fontes constituiu um projeto do que se

pretendia para a época e que a influência exercida pelo Professor Fontes na instrução

catarinense figura princípios ideológicos de higienismo e eugenia.

Os laivos ideológicos oriundos da eugenia e do higienismo integram

algo maior, não exclusivamente catarinense, mas pertencentes ao país

inteiro, o preceito nacionalista necessitava ser largamente

difundido pelo território da nação, nos diversos povoados e cidade.

(SILVA, 2016, p. 98, grifos nossos).

As dissertações apresentam constatações que nos dão elementos para pesquisa.

Verificar as representações de criança na Série Fontes ainda é algo a ser dito, mesmo

sob as verificações já feitas pelas pesquisas mencionadas, nas quais a criança é causa e

efeito do projeto que se tinha para a época. Assim, ao apresentar o ponto de vista dos

autores sobre essa série, indago ainda mais sobre a sua relevância, uma vez que até o

presente momento só foi feita uma tese sobre ela, como veremos a seguir.

Page 54: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

50

1.1.3 – A TESE

O caminho que leva à pesquisa nos coloca diante de descobertas, que encharcam

nossos saberes de novos saberes. A tese de Vidomar Silva Filho, intitulada ―A Série

Didática Fontes: autoria e ato ético‖ é um desses achados, defendida no Programa de

Pós-Graduação em Linguística, na Universidade Federal de Santa Catarina, em 2013.

Está organizada em quatro capítulos, considerando também a introdução e as

considerações finais. Sua base teórica está nos estudos de Mikhail Bakhtin. Na parte

introdutória, o autor apresenta-se enquanto pesquisador e fala de sua proposta que é a de

analisar a autoria na Série Fontes. Considerando provérbios que ouvia de sua mãe,

quando era criança, Vidomar percebeu que havia ali uma materialidade, que estava nos

livros escolares da infância dela. O autor buscou os livros — Série Fontes — a que a

sua mãe se referia e encontrou alguns exemplares digitalizados. Ao folhear os livros

percebeu que havia algo a ser descoberto, e o tom patriótico e moralizante de suas lições

o instigou a conhecer mais dessa fonte, assim como de seu autor/organizador.

Então, junto a sua orientadora e com base nos conceitos de Bakhtin, a

investigação girou em torno de sua autoria, numa instância significativa da obra:

―Considerada a importância da Série Fontes, tanto pela longa duração quanto por sua

participação na formação de muitos milhares de crianças catarinenses, é relevante a

verificação do valor ético de sua autoria‖ (SILVA FILHO, 2013, p. 3-4).

Essa constatação levou a fazer a seguinte pergunta de pesquisa: ―Considerando o

contexto sócio-histórico e ideológico da enunciação, as concepções manifestas do autor

e as características de conteúdo temático, composição e estilo da Série Fontes, o

movimento da autoria dessa série didática constitui o ato ético?‖ (SILVA FILHO, 2013,

p. 4).

Quanto às bases teóricas da pesquisa, o autor fundamenta sua pesquisa nos

estudos de Bakhtin e seus comentadores, discutindo alguns conceitos como: ideologia;

signo verbal; língua; enunciado, gênero do discurso, dialogismo; ato ético, sujeito; autor

e autoria. Sobre o nacionalismo e outras ideologias das primeiras décadas da república,

Vidomar destaca as relacionadas ao civismo, positivismo, higienismo e catolicismo.

Quanto à ―A autoria na Série Didática Fontes‖ (SILVA FILHO, 2013, p. 188),

Silva Filho apresenta os seus objetivos ao analisar a Série Fontes; discutir a relação

axiológica do autor com seus interlocutores; discutir a constituição da autoria e o

Page 55: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

51

movimento de autoria da Série Fontes como possível ato ético, usando como base os

prefácios dos livros, os gêneros textuais, a autoria dos textos e os discursos

materializados, as escolhas ―estilístico-composicionais‖, a constituição da autoria e seu

possível ato ético. Todavia, parece que os motivos maiores da criação dessa Série estão

em colocar presente nos bancos escolares das escolas de Santa Catarina, a educação

religiosa da qual participava seu autor/organizador Professor Fontes.

O autor reforça, ainda, que a Série Fontes mobiliza discursos que materializam

ideologias que promoveram subsídios ao projeto republicano burguês: Nacionalismo e

Patriotismo; Moral e Civismo; Positivismo e Catolicismo, e que os enredos dos textos

têm um tratamento rebuscado, tratam de valores emergentes do pensamento que

circunscreve os ideais do Professor Fontes:

Podem-se ouvir na Série Fontes – como notas compondo um acorde

cuja dominante é a celebração da Nação – os tons elogiosos à pátria, à

família, à escola, à língua, ao dever, à obediência, aos valores

religiosos, como formadores da nova identidade almejada, o cidadão

republicano. (SILVA FILHO, 2013, p. 373).

Silva Filho constata que a autoria da Série Fontes como ato ético, é ilusória, pois

[...] considerando todos esses elementos, a autoria na Série Fontes não

pode caracterizar-se como ato ético. Ela, efetivamente, não faz

coincidir uma pravda com uma instina, porque as verdade que faz

coincidir são duas intiny, duas verdades abstratas, ambas oriundas de

sua classe, da qual ele não se afastou para enunciar-se. Ao contrário,

sua posição enunciativa de autor permanece ancorada na autoridade

do Estado – instância máxima de poder da classe dominante. (SILVA

FILHO, 2013, p. 378).

Segundo o autor, a autoria da Série Fontes, embasada nas análises supracitadas,

não a caracteriza como ato ético, pois não há diálogo entre os sujeitos plenos.

Tratei até aqui das pesquisas acadêmicas relacionadas à Série Fontes e a seu

autor/organizador, Professor Fontes, abrangendo artigos, dissertações e tese. Na seção

seguinte apresentarei o discurso sobre esse autor em livros publicados.

Page 56: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

52

1.1.4 – OS LIVROS: BIOGRAFIAS DE UM INTELECTUAL CATARINENSE

Os quatro livros encontrados são organizados com base em documentos

diversos, num período de imersão que dá visibilidade ao intelectual Professor Fontes.

Essas obras são compostas de materiais enriquecedores que nos apresentam quem foi

esse homem.

A primeira obra, intitulada: ―A Secretaria da Justiça e sua relação com a

Educação‖ Correia, (1985) é uma pesquisa sobre a Secretaria do Interior e Justiça e sua

relação com a educação. A segunda está organizada com dados de uma dissertação, que

teve como foco a Série Fontes. A terceira é uma apresentação de Professor Fontes

considerando o olhar de seus familiares e de amigos. E a quarta, é uma homenagem ao

Professor Fontes por sua trajetória na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.

1.1.4.1 – A grafia da história de Professor Fontes: produções literárias,

documentos e palavras.

O livro de Ana Maria Martins Coelho Correia, intitulado ―A Secretara da Justiça

e sua relação com a Educação‖, publicado pela Editora UFSC, é fruto de uma pesquisa

organizada contando com documentos encontrados, em sua grande maioria, no Arquivo

Público do Estado de Santa Catarina, para verificar a ―[...] a criação da Secretaria do

Interior e Justiça e sua relação com a educação‖ (CORREIA, 1985, p. 13). O uso da

Série Fontes como objeto de pesquisa se deu pelo fato de que, segundo a autora, a

mesma contribuiu como o ―[...] conhecimento de um fator que marcou profundamente a

história educacional catarinense‖ (CORREIA, 1985, p. 13). Essa obra está organizada

em dez capítulos, dentre os quais destacamos o Capítulo VI, intitulado ―SÉRIE

FONTES‖. Nesse a autora apresenta os livros da Série Fontes, afirmando que os

mesmos foram,

[...] uma iniciativa pioneira no Estado de Santa Catarina, pois se

considerava a responsabilidade de se cumprir a legislação que tornava

obrigatório estende o ensino a toda a população, inclusive a quem não

possuía recursos financeiros, e, além disso, a necessidade de se

modernizar e unificar os compêndios pedagógicos então em seu uso.

(CORREIA, 1985, p. 31).

Page 57: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

53

A autora faz uma apresentação da Série Fontes, iniciando pela Cartilha Popular,

―[...] destinada à alfabetização, é aquele em que julgamos ter existido um maior cuidado

na adequação metodológica e pedagógica‖ (CORREIA, 1985, p. 31). Destaca ainda que

as lições dessa obra apresentam conceitos que reforçam a crença em Deus, o valor da

obediência e da disciplina, formando o cidadão e o cristão. Do Primeiro Livro de

Leitura, salienta que as lições contidas apresentam caráter formativo e moral, ―[...] com

forte embasamento religioso‖ (CORREIA, 1985, p. 32).

Outro assunto abordado é o fato que nas lições há um predomínio de autores

nacionais, que se utilizam de vários gêneros literários e os textos não assinados se

referem a normas de comportamento. Já no Segundo Livro de Leitura, a autora chama a

atenção ao fato de que na sua primeira edição (1920), possuía 56 lições, já na segunda

(1945) constam 87 lições, havendo um acréscimo de 31 lições. As lições enfatizam a

ambientação rural, informações científicas, textos históricos que reforçam os

sentimentos de nacionalidade e da exaltação à Pátria. Outrossim, ―Os textos acrescidos

na edição de 1945 são quase todos assinados, reforçando o conteúdo nacionalista e ético

da edição de 1920‖ (CORREIA, 1985, p. 33), destaca a autora. Sobre o Terceiro

Livro de Leitura, a autora evidencia que na introdução o autor/organizador Professor

Fontes informa que,

[...] não estava mais na Diretoria de Instrução Pública, mas que não se

furtaria do compromisso e interesse que possuía em relação ao ensino

elementar. No Terceiro Livro de Leitura, havia um comprometimento

maior com as questões nacionalistas, com predomínio de textos

referentes aos símbolos e heróis pátrios‖ (CORREIA, 1985, p. 34).

Destaca ainda que, ao fazer comparações entre as edições de 1941 e 1945, não

constatou nenhuma alteração. Sobre o Quarto Livro de Leitura, chama a atenção no que

está escrito na introdução, onde o autor fala sobre um pequeno glossário que ajuda o

aluno na compreensão das lições. Outro ponto abordado é o fato do livro trazer uma

linguagem clássica, de conteúdo predominantemente político e urbano: ―A noção de

patriotismo aparece ligada à nacionalidade, à necessidade de integração racial, na qual

aparecem referências críticas às doutrinas que tentam inferiorizar o brasileiro‖

(CORREIA, 1985, p. 35).

E, na conclusão enfatiza que: ―Focalizamos a Série, numa tentativa de localizar e

delimitar uma área onde a figura do jurista e do educador se mesclava pela estruturação

Page 58: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

54

administrativa que o Estado vivia‖ (CORREIA, 1985, p. 37). Embora esse livro tenha

apenas 64 páginas, incluindo os anexos, é de riqueza para quem tem interesse sobre a

história da educação de Santa Catarina.

A obra de José Isaías Venera, intitulada ―Tempo de Ordem: a construção

discursiva do homem útil‖, publicada pela Editora Univali, em 2007, é a reprodução de

sua dissertação de mestrado apresentada em 2003, pela Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI.

O livro está organizado em seis partes, compondo um olhar criterioso do autor

sobre os discursos nacionalistas nas primeiras décadas do século XX.

Com base nos modos de pensar de Franz Kafka (1883-1924), o autor narra os

efeitos ―inquisidores‖ que propunham os programas de ensino de Santa Catarina nos

anos de 1930, numa analogia que cria condições e possibilidades de sujeitos específicos,

úteis à pátria, e com a preocupação de que sua escrita revele os caminhos pelos quais os

sujeitos eram produzidos.

No primeiro capítulo, A grafia da história: fabricando sentidos de educação, o

autor usa fontes como jornais, decretos, livros, programas de ensino, analisando-os em

relação aos discursos de políticos, articuladores e educadores: ―[...] este capítulo faz

uma análise em várias instâncias discursivas que demarcavam a escrita da história, além

da aplicação de medidas que objetivava normatizar a instrução pública no Estado‖

(VENERA, 2007, p. 33).

O segundo capítulo, O homem útil na Série Fontes: a criança entre a docilidade e

o desvio, o autor descreve a Série Fontes, afirmando que essa foi utilizada por três

décadas nas escolas públicas de Santa Catarina, ―[...] enquanto um dispositivo

pedagógico que convocava a criança a ocupar um lugar específico, de submissão total,

ao mesmo tempo em que demarcava a posição e o dever do professor e da família na

formação do futuro cidadão‖ (VENERA, 2007, p. 33).

As imagens trazidas por Venera contam a história política e educacional de

Santa Catarina, como por exemplo, a imagem de uma rua da cidade de Itajaí (1942), em

que aparecem moradores sendo escoltados por policiais, por serem suspeitos de

pertencer a uma organização secreta alemã. Outra é a imagem na qual aparecem alunos,

professores e diretores da Sociedade Alemã de Itajaí, em 1905, em uma

representatividade do Brasil da época que a imigração alemã sofreu retaliações, num

processo conflituoso de nossa história.

Page 59: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

55

O discurso nacionalista, segundo o autor, salientava as ideias proferidas pelo

Presidente da República Getúlio Vargas, que defendiam um programa para as escolas

que ―[...] pretendia mudar os hábitos e costumes, principalmente, de descentes de

imigrantes europeus que freqüentavam escolas consideradas de estrangeiros e que

estavam sob influência de um ambiente perigoso para as pretensões do governo‖

(VENERA, 2007, p. 81).

Os efeitos dessa política nacionalista estavam presentes no fechamento de

escolas estrangeiras e na construção de outras de base estatal, com focos culturais para a

manutenção de uma realidade que apareciam nos discursos governamentais. Para

ilustrar esse pensamento, apresenta uma tabela que demonstra como estavam as escolas

na época: 298 escolas particulares mantidas por associações de imigrantes e igrejas, e a

abertura de 472 novas escolas pelo estado, evidenciando que:

O investimento em escolas públicas evidenciou o rígido controle sobre

as escolas, mas se podia perceber, também, o cuidado com a

organização dos saberes, a preocupação com o tempo e o espaço, a

definição do dever do professor e a demarcação da posição que o

aluno deveria assumir. (VENERA, 2007, p. 84).

Com isso, nos informa que a política do estado para a educação estava se

aproximando dos ideais políticos de ordem federal, pois os saberes ressaltavam a

legitimidade desse governo.

O autor apresenta uma relação de livros que foram adotados para as escolas

públicas de Santa Catarina sob o Decreto nº. 2.186, Art 1º, na qual aparece a indicação

da Cartilha Popular e dos Quatro Livros de Leitura organizados por Professor Fontes:

―A seleção dos livros que podiam ser adquiridos pelas escolas e o programa das

disciplinas levam-nos a perceber que o currículo não deixava de ser artefato da cultura‖

(VENERA, 2007, p. 95). Ressalta ainda que, por meio da escola, o Estado defendia

padrões, valores morais e cívicos e buscava eliminar comportamentos não legitimados,

por meio do fechamento de escolas estrangeiras, por exemplo.

Na organização de suas ideias, análises e conclusões, Venera (2007) vê que a

Série Fontes foi um instrumento avaliador de como estava organizada a escola naquele

período. Esses livros, segundo ainda o autor, são exemplares de uma ideologia

representativa na qual se instaurava o pensamento burguês.

Page 60: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

56

A Série Fontes seguia um método disciplinador, na qual os conteúdos das lições

enunciavam os ideais republicanos de hegemonia: ―Nessa perspectiva, a Série Fontes

não escapa de uma malha enunciativa em que o discurso é sempre autorizado‖.

(VENERA, 2007, p. 132). O autor ressalta que a Série Fontes aparecia como

dispositivos que articulavam vários discursos, formando hábitos e valores morais de

comportamento, disciplinando corpos na ―construção do homem útil‖ (VENERA, 2007,

p.161), e esse poder disciplinador potencializado pela escola no Estado Novo

qualificava as práticas educacionais organizadas dentro de um sistema, objetivando

controlar as massas.

A terceira obra apresentada é organizada por Celestino Sachet (2013), pela

Editora Insular, intitulada ―Henrique da Silva Fontes: História e Memória‖, que reúne

documentos e depoimentos de familiares e amigos desse intelectual.

Organizada em dez capítulos, a obra percorre a vida e as obras desse intelectual

catarinense, informando ao leitor os acontecimentos, percalços e conquistas, traçando

marcas da personalidade e do trabalho de Professor Fontes. Conforme apresenta o

organizador:

Aqui está a origem e a filosofia desta obra intitulada Professor Fontes.

História e memória, com as duas áreas distribuídas em dez capítulos

que se alongam da apresentação sucinta dos fatos familiares,

profissionais, culturais e memorialistas até uma carta de Altino Flores

a Carlos da Costa Pereira, contemporâneos de nosso homenageado. Os

capítulos centrais giram em torno de dois eixos: atividades na

educação básica: Grupo escolar e vaivém e na educação superior:

Direito, Filosofia e Universidade. Seguem publicações e cartas e, por

último, manifestações da cultura desde o tempo da convivência com o

homenageado até a contemporaneidade. (SACHET, 2013, p. 10).

No capítulo I, de forma cronológica, são apresentados os primeiros passos da

história de vida de Professor Fontes, desde a vinda de seu pai de Portugal para o Brasil,

até a homenagem que recebeu da Universidade Federal de Santa Catarina, com um

busto em comemoração ao 35º aniversário do campus. No capítulo II, Therezinha de

Jesus da Luz Fontes, filha mais moça, descreve o homem, Professor Fontes, como

―figura do centro da família como agente do amor‖ (SACHET, 2013, p. 10). No

capítulo III e IV é apresentada sua história educacional e política, momento em que

também é apresentada a Série Fontes. No capítulo V são apresentadas 24 obras do

intelectual, escritas entre 1931e 1965 e delas são extraídos alguns trechos que ajudam o

leitor a entender o percurso literário de Professor Fontes. Nos capítulos VI e VII estão

Page 61: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

57

reunidos textos e datas que detalham a história da cultura catarinense, bem como, cartas

que apresentam a participação de Professor Fontes na educação do Estado. Nos

capítulos VIII, IX e X é o momento em que autoridades e intelectuais homenageiam

Professor Fontes, dignificando o trabalho e a vida desse intelectual.

Vou dar destaque ao capítulo III, onde é apresentada a Série Fontes, que também

é fonte de minha pesquisa, identificando a relevância que é dada para cada obra. Na

página 76 é apresentado um quadro populacional dos anos de 1890 a 1900, no qual

estão registrados os que sabem não ler e os alfabetizados. De um total de 282.100

habitantes do estado catarinense, apenas 55.344 sabiam ler e 226.756 eram analfabetos.

Esses dados foram apresentados para anunciar como se encontrava a alfabetização dos

catarinenses antes da entrada de Professor Fontes no campo educacional. Na página 82

o autor faz menção ao período em que Professor Fontes é nomeado como Diretor de

Instrução Pública (1919) e aos seus argumentos para com o governador, sobre a

impressão da Série Fontes, destacando o baixo custo e a boa qualidade dos mesmos.

Seguindo a proposta do livro, a primeira obra apresentada é a Cartilha Popular:

A Cartilha mostra um cuidado especial com as crianças da zona rural,

já que dentre as 17 gravuras em desfile, segundo a ordem do alfabeto,

sete referem-se à realidade não urbana: boi, gado, pá, sabiá, tatu, vela,

zebu. Na parte final do livro, palavras e pequenas frases referem-se a

normas de comportamento da criança em relação a si mesma, com

outras crianças e com a família. Em resumo, com a educação cívica.

(SACHET, 2013, p. 83).

O Primeiro Livro de Leitura é a segunda obra tratada: ―Ao todo, o livro reúne 38

diferentes histórias condimentadas com humor, quase sempre com personagens que

estão entrando na realidade familiar, que aprendem às próprias custas‖ (SACHET, 2013,

p. 84). Quanto ao Segundo Livro de Leitura, reúne ―[...] 72 textos dirigidos às

obrigações das crianças com o próprio corpo, com a Pátria, com a Natureza e com a

Sociedade‖ (SACHET, 2013, p. 85). O Terceiro Livro de Leitura, editado em 1929, é

visto como o

[...] mais amplo e mais prático. Afinal o estudante já ultrapassou a

metade da caminhada escolar. Os 84 textos são menos extensos do que

os dos livros anteriores, mas o nível de concentração parece desafiar o

estudante que deve ir além da leitura e tentar a análise temática e a

elaboração dos princípios não abordados pelo autor da matéria.

(SACHET, 2013, p. 85).

Page 62: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

58

Por fim, sobre o Quarto Livro de Leitura, publicado em 1930: ―Pela leitura e

pela análise dos 85 textos reunidos nesse quarto livro, percebe-se que os estudantes,

agora entrados na adolescência, precisam encontrar modelos na linha do velho ditado:

Conhecer para amar‖ (SACHET, 2013, p. 86).

A quarta obra que faço referência é organizada por Marli Auras e Armen

Mamigonian, publicada pela Editora UFSC em 2016, intitulada ―Professor Fontes:

pensamentos, palavras e obras‖. Esse livro reúne dados sobre o homem, o intelectual, o

político, o professor. O foco principal dos autores é a grande investida de Professor

Fontes para com a fundação da Faculdade de Filosofia e a idealização do campus da

Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.

Os autores trazem na Apresentação as intenções que os levaram a essa obra: os

registros nas placas de bronze junto aos bustos localizados próximos ao prédio da

reitoria, que homenageiam Ferreira Lima e Professor Fontes, pelos 50 anos (2010) da

criação da Universidade Federal de Santa Catarina. No tocante a essas homenagens,

destacam o fato do Professor Fontes não ter sido reconhecido por seu grande empenho

na criação desse campus. Afirmam que:

[...] visa chamar a atenção para o fato de que há um claro litígio na

história dos primórdios de nossa Universidade, corporificado na

presença próxima desses dois monumentos, em que o personagem de

um é prestigiado e reconhecido como ―fundador‖, enquanto o do

outro, bastante esquecido, é visto como ―idealizador‖. Como se

construiu, ao longo do tempo, tal narrativa? (MAMIGONIAN;

AURAS, 2016, p. 19).

Essa questão é o que impulsiona essa obra e, a partir dela, os autores querem

homenagear, de ―forma justa‖, o mérito do trabalho desse intelectual catarinense, e, para

isso, fizeram uma imersão no acervo do Arquivo Central da UFSC, na biblioteca da

Família Fontes, no Setor de Obras Raras da UFSC, na Biblioteca Central da UFSC e no

acervo do Gabinete do Reitor da UFSC, juntando documentos históricos na tentativa de

mostrar ao leitor todo esforço de Professor Fontes para a existência do campus.

No Primeiro Caderno: Da Faculdade de Filosofia (1960), estão organizados

dezessete escritos de Professor Fontes, em forma de documentos: mandados de ofícios,

de cooperação ou de cortesia e outros escritos que, nas palavras de Professor Fontes, são

a forma de ―[...] deixar fixados, pela escrita, os meus ideais e as minhas ideias, tais quais

Page 63: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

59

eram nas várias situações da minha labuta‖ (MAMIGONIAN; AURAS, 2016, p. 25).

No Segundo Caderno: Da Cidade Universitária (1962), estão organizados quatorze

escritos e um ―Caderno de Fotos‖ (material cedido pela Família Fontes). Nesses escritos

do Professor Fontes está denominado seu percurso e empenho para que a UFSC não

ficasse apenas nos campo das ideias.

É importante ressaltar que, na página 11, no ―Prefácio‖, Mamigoniam e Auras

escrevem sobre a trajetória de Professor Fontes e cita o Terceiro e o Quarto Livros de

Leitura como obras importantes publicadas pelo autor.

Em suma, essa é uma referência para quem se interessa pela história da fundação

da UFSC e da Faculdade de Filosofia, bem como sobre outros momentos da vida de

Professor Fontes.

Entendo que, para cada pesquisa, a Série Fontes serviu como fonte contribuinte,

mas foi preciso fazer um panorama histórico da educação, tanto em nível nacional como

estadual, no período estudado, para poderem contextualizar a Série Fontes e seu

organizador. Então, alargando um pouco mais a pesquisa sobre esse autor e suas obras,

busquei também na Biblioteca Nacional Digital do Brasil, outras informações sobre a

Série Fontes e seu organizador, Professor Fontes, como se pode verificar na próxima

seção.

1.1.5 – OS PERIÓDICOS: JORNAIS DO BRASIL E DE SANTA CATARINA –

1920 A 1950

Fez-se uma busca na Biblioteca Nacional Digital Brasil – Hemeroteca Digital

Brasileira. Para essa pesquisa, escolhi o período de 1920 a 1950, que corresponde ao

tempo de edição da Série Fontes e as palavras-chave: Série Fontes, Livros Didáticos,

Livros Escolares, Professor Fontes. Nesse banco de dados encontrei sete jornais 12

com

matérias pertinentes ao tema da pesquisa. São eles: República, O Estado, A Notícia, O

Apóstolo, Ecos da Semana, O Tico-Tico e Sul: revista de circuito da arte.

12

No que se refere as fontes jornalísticas, a escolha pautou-se em alguns critérios, como por exemplo,

análise o anúncio revelava algo mais específico sobre a Série Fontes ou seu autor/organizador, ou até

mesmo se constituía apenas em propaganda que se repetia em outros exemplares. Segundo Espig (1998),

o jornal possui toda uma série de qualidades peculiares, extremamente úteis para a pesquisa histórica, pois

os jornais constituem-se em verdadeiros arquivos do cotidiano.

Page 64: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

60

Com base no levantamento de dados, organizei o quadro a seguir como

sistematização do que foi encontrado.

Quadro 2: Descritores citados nos periódicos de Santa Catarina.

JORNAIS/SC DO PERÍODO DE 1920 A 1950

DE

SC

RIT

OR

RE

BL

ICA

O E

ST

AD

O

A N

OT

ÍCIA

O A

ST

OL

O

EC

OS

DA

SE

MA

NA

O T

ICO

-TIC

O

(RJ

)

SU

L:

RE

VIS

TA

DE

CIR

CU

ITO

DA

AR

TE

TO

TA

L

SÉRIE

FONTES

3 1 3 0 0 1 0 8

LIVROS

DIDÁTICO

S

6 2 11 0 1 0 0 20

LIVROS

ESCOLARE

S

7 8 17 3 0 0 0 35

PROFESSO

R FONTES

38 35 3 2 0 0 1 79

TOTAL 54 46 34 5 1 1 1 142

Fonte: Biblioteca Nacional Digital do Brasil – Hemeroteca Digital Nacional. Elaborado pelo autor, 2018.

Optei em não restringir a abrangência dos jornais, uma vez que meu objetivo era

verificar até onde circularam as notícias a respeito da Série Fontes. Porém, encontrei

apenas um jornal de circulação fora do estado de Santa Catarina: ―O Tico-Tico‖, de 12

de julho de 1935 (p.29), que cita a lição ―A ÁRVORE‖, de autoria de Valdir O. Santos.

Não citam o local na lição, mas ao fazer uma busca nos livros que tenho da coleção,

verifiquei que se trata de uma lição do Quarto Livro de Leitura, edição de 1949. Ao

fazer uma busca sobre esse jornal, encontrei em site algumas informações sobre o

mesmo e verifiquei que se trata de uma revista carioca semanal, com engajamento

patriótico e voltada, principalmente, para o público infantil masculino, ―os futuros

condutores da nação‖. Acompanhando as reformas educacionais da década de 1940, a

revista buscou também subsidiar a prática escolar, publicando séries voltadas para cada

uma das disciplinas dos currículos escolares, como: ―Gramática infantil pela imagem‖;

―Escudos e bandeiras dos estados‖; ―Noções de botânica‖; ―Noções de história natural‖,

entre outras. Durante os mais de 50 anos em que circulou, a revista aproveitou-se das

novas possibilidades comerciais abertas pela expansão do transporte ferroviário e pelo

surgimento de esquemas de distribuição nacional. Nos primeiros anos da década de

Page 65: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

61

1960, frente à concorrência dos super-heróis dos quadrinhos norte-americanos, as

histórias de Tico-Tico já não pareciam ter o mesmo atrativo para as crianças brasileiras

e, em 1962, após alguns anos de vendas declinantes e periodicidade irregular, a revista

deixou de ser publicada13

. Segundo os objetivos da revista, podemos entender que a

lição ―A ÁRVORE‖ estava adequada aos seus propósitos, pois a mesma fala de Deus,

do amor à pátria, do valor do homem trabalhador, do futuro do cidadão.

Os demais jornais circularam no estado de Santa Catarina. Destacamos o jornal

―O Apóstolo‖, que era de base religiosa, de ações católicas na imprensa e na educação,

filiado a Associação dos Jornalistas Católicos e de publicação quinzenal. Nesse o

Professor Fontes é destacado como um homem religioso e de grande importância para a

educação de Santa Catarina, como provedor de bons costumes.

Ao lançarmos a palavra-chave livros escolares, a encontramos em três desses

jornais, num total de 35 anúncios. Em sua maioria se referiam à propaganda de venda,

com anúncios das editoras e livrarias. No jornal ―A Notícia‖, que tem o maior número

de anúncios com conteúdos relacionados a livros escolares, 17, esses são apresentados

como sendo um material importante para a formação do povo brasileiro, bem como têm

importância econômica, uma vez que fazem parte de uma parcela da economia, pois se

apresentam como nicho de mercado. Já o teor livros didáticos é encontrado em 22

publicações, em cinco dos jornais. Novamente, o jornal A Noticia é aquele em que mais

aparecem anúncios (11), apresentando-os como recurso didático de ensino e

aprendizagem. Há também anúncios referentes a comissões sobre o livro didático, nos

quais se informa a qualidade dos livros, quais devem ser comprados, indicando autores.

Também fazem menção à baixa qualidade de uns e à boa qualidade de outros. Destaco o

jornal A Notícia de 1932 (n.º 1113), na qual aparece um anúncio intitulado ―Notável

Decreto do governo português‖, em que o ministro da instrução manda inserir nos livros

escolares, oficialmente adotados, uma série de pensamentos e máximas de políticos e

escritores nacionais e estrangeiros. A Série Fontes carrega essas características.

Partindo do pressuposto que esse é um anúncio de origem portuguesa, mas que

está em jornal catarinense, podemos pensar que a Série Fontes está alinhada com essas

normas, pois em sua maioria os autores das lições são políticos e escritores brasileiros.

Mas, por que um anúncio desses para os catarinenses lerem? Ao usarmos o nome de

13

Segundo informações obtidas no sitio da revista. Disponível em:

<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/tico-tico-o>. Acesso em 16 fev. 2018.

Page 66: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

62

Professor Fontes como palavra-chave, encontramos quatro jornais, totalizando 77

anúncios. Em sua maioria, esses dão destaque a sua passagem por órgãos do estado,

suas ações políticas, ao seu aniversário ou de familiares, bem como ao casamento e

nascimento de seus filhos. Também aparecem notas de falecimento de três de seus onze

filhos; fala ainda sobre o empenho para a fundação da Faculdade de Filosofia, sua

participação em congressos e em reuniões em que representava o estado de Santa

Catarina. Em dois anúncios foi relacionado como autor da Série Fontes, em que se cita a

importância da mesma em relação ao seu autor/organizador.

O meu objeto central com essa pesquisa são os livros de leitura da Série Fontes.

Usei essa como palavra-chave, mas não apareceu nenhum jornal. Assim, optei em

utilizar somente Série Fontes e encontrei quatro jornais e nesses, oito anúncios.

O jornal A Republica teve três anúncios/manchetes: em 14 de agosto de 1927,

uma manchete anuncia ―Conferencia de Ensino Primario‖, em que é mencionada a Série

Fontes, sob a These .19 – do Professor Fernando Steirhauser. Segundo o parecer desse

professor, a ―Cartilha Popular‖, não tem boa impressão e as letras não são nítidas, mas a

mesma tem bom conteúdo e deve ser esgotada no primeiro ano letivo e que, o ―Primeiro

Livro de Leitura‖ deve ser adotado no segundo ano e o ―Segundo Livro de Leitura‖, no

terceiro ano. Anuncia ainda que: ―[...] se estes livros também contivessem algo de

educação cívica, seria muito útil‖. Essas informações não encontrei nas pesquisas aqui

citadas, mas a meu entender são relevantes, pois o professor Fernando apresenta fatos

sobre a Série Fontes que devem ser levados em consideração, as primeiras críticas

estabelecidas à Série.

Já na edição de 24 de março de 1928, a manchete intitulada ―DIVERSAS‖, traz

a seguinte informação:

Pela Instrução – a Diretoria da Instrução á vista dos motivos

apresentados pelo sr. superintendente municipal de Florianópolis,

mandou fornecer ao menos o seguinte material: 600 – Cartilhas, série

H. Fontes; 400 – 1ºs Livros, idem; 300 – 2ºs, idem; 20 Dicionários

Historia e Geographia J. Boiteux; 20 Amarelão e Maleita; 20 – Mapas

do Estado; 20 Livros de Chamada. (A REPUBLICA, 1928, p. 6).

A Edição de 15 de fevereiro de 1931, apresenta a seguinte manchete:

Diretoria da Instrução Pública – Parecer da Comissão designada

estudar as propostas de fornecimento de material escolar. 1) Julgar

preferível afirma Paschoal Simone S. A., quanto aos livros da série H.

Fontes, por ser a única que apresentou propostas para fornecimento.

Para prova que essa comissão agiu com todo o critério, zelando pelos

Page 67: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

63

interesses do Estado, resolveu dar abaixo a lista dos preços

apresentados14

: - Cartilha H. Fontes 10.000 a $440 – 4:400$000;

Primeiro Livro H. Fontes 10.000 a $570 – 5:700$000; Segundo Livro

H. Fontes 5.000 a $850 – 4:250$000; Terceiro Livro H. Fontes 2.500 a

1$060 – 2:650$000; Quarto Livro H. Fontes 2.000 a 1$420 –

2:840$000. (A REPUBLICA, 1931, p. 2).

Pude assim verificar que, para os cofres do Estado de Santa Catarina , cada

Cartilha Popular custou $440 Réis; o Primeiro Livro de Leitura $570 Réis; o Segundo

Livro de Leitura $850 Réis; o Terceiro Livro de Leitura 1$060 Réis e o Quarto Livro de

Leitura 1$420 Réis. Aos valores adicionados a cada livro, pode-se pressupor que quanto

maior a série de estudos, maior seu valor monetário, possivelmente devido ao aumento

do número de páginas e até mesmo de ilustrações. Um questionamento a ser feito é

verificar quanto custavam para os cofres públicos os livros utilizados nas escolas

anteriores a Série Fontes. O que chama a atenção é o fato de que nas pesquisas

anteriormente mencionadas todos os livros tinham a mesma gramatura, tamanho,

qualidade de papel, o que os diferenciava era o número de lições, e, consequentemente,

o número de páginas, que aumenta a cada livro, o que poderia levar a encarecê-los,

pressupõe-se.

O jornal A NOTICIA teve também três manchetes: em 26 de fevereiro de 1937,

as informações apresentadas sobre a Série Fontes dão destaque ao anúncio apresentado

pelo jornal O ESTADO, no qual se informa que:

O Departamento de Educação torna público que, até a presente data,

não houve nenhum acto afficial que modificasse a dopção dos livros da

―Série Fontes‖ e a ―Cartilha Analytica‖ de Barreto nos estabelecimentos

de ensino primário do Estado. Sendo assim, a adoção de outros livros

por iniciativa alheia ao Departamento não pode prevalecer. A respeito já

foram tomadas providencias junto aos directores de Grupos Escolares

para evitar aquela irregularidade. (A NOTICIA, 1937, p. 6).

Essa informação não está muito clara quanto à ―irregularidade‖ que mencionam

sobre a Série Fontes. Assim, pressupõe-se que não podem ser adquiridos outros livros

pelos Grupos Escolares, a não ser os da Série Fontes. Já a edição n.º 02521 (1 – 1937)

destaca a notícia supracitada. Não encontrei informações sobre o porquê do mesmo

jornal fornecer a mesma notícia duas vezes. Na edição de 12 de agosto de 1937 é

14

Optei por apresentar só o que se refere a Série Fontes, tendo outros materiais didáticos nesta lista, mas

que não são relevantes para essa pesquisa.

Page 68: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

64

apresentada a nota ―Despesa Orçamentária – Educação Popular – Material Escolar‖, que

trata das despesas e impostos do fornecimento de ―150 livros série Fontes, no mês de

maio do corrente ano, no valor de 144$00. Essas informações evidenciam que a Série

Fontes tem relevância para a imprensa escrita.

O jornal O ESTADO, de 3 de março de 1937, apresenta uma manchete intitulada

―Coisas e loisas da cidade‖. O que chama a atenção é a crítica que Flamma Rion (a

pessoa que assina a manchete) faz sobre a Série Fontes, dizendo que não são adequados

às crianças catarinenses e da forma como ela foi

[...] introduzida, sem prévia adopção official, nos grupos escolares,

[...] com as deficiencias e falhas didactas‖. É citado ainda que: ―É

notavel o desiquilibrio entre as diferentes posições literárias que o

constituem. Algumas dellas, sob pretexto de versarem assumptos do

cór local, são frivolas e desinteressantes, peccando, ademais, por

clamoroso mau gosto e nenhuma belleza literaria. (O ESTADO, 1937,

p. 4).

Para melhor compreensão de como se apresentava a manchete, apresentamos a

seguir a página do jornal onde a mesma se encontra, mostrando o lugar de destaque e as

outras manchetes que a compõem. Podemos entender que era uma manchete bem

apresentada, uma vez que estava entre as que geralmente chamam a atenção do leitor.

Também, essa mesma autora ganha destaque, uma vez que essa coluna ―Coisas e loisas

da cidade” está presente em várias edições.

Page 69: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

65

Figura 1– Manchete ―Coisas e loisas da cidade‖

Fonte: Jornal O ESTADO, 1937 – Hemeroteca Digital Nacional:

<http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/>

Page 70: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

66

Coisas e loisas da cidade: Ainda não arrefeceram de todo os

commentarios de redor do caso do sr. Inspetor escolar Antonio Lucio

cujo livro foi atirado ao limbo pela nota que o Departamento de

Educação forneceu aos jornais, assegurando que os volumes da <<

serie Fontes>> – estes e só estes – continuavam a gozar das boas

graças do magistério estadual. O facto de o referido instpector do

ensino haver organizado um livro de leitura e tê-lo introduzido, sem

prévia adopção oficial, nos grupos escolares, pareceu-me supino acto

de insciplina. Certo, o caso poderia ser sanado, si o Departamento de

Educação, considerando as despesas feitas pelos numerosos alunos

que haviam adquirido o volume por ordem dos professores, o

adaptasse, pelo menos, no corrente ano lectivo. Ainda, assim, não

acredito que se pudesse aceitar livro com as deficiência e falhas

didacticas de que se resente. É notável o desequilíbrio entre as

dfferenes composições literárias que o constituem. Algumas delas, sob

pretexto de versarem assumptos de côr local, são frívolas e

desinteressantes, pecando, ademais, por clamoroso máu-gôsto e

nenhuma beleza literária. Haja vista o hymno a José Boiteux (p. 20-

21), escripto pelo sr. João Areão, collega do autor livro. Rimas

forçadíssimas. Infantilidades e incongruências de expressão

imperdoáveis. É assim a última quadra da << Canção>> da autoria do

sr. Agenor Nunes Pires (p. 38): ―A mocidade cantante chia de fé que

reluz também quer a luz orante [?] do saber, que fulge e luz‖. O sr.

Trajano Margarida, – trovador popular antes que poeta, ou simples

poeta pela ingenuidade da emoção e que jamais poude atingir ou

siquer viu de longe a perfeição formal, – forneceu ao livro do sr.

Lucio << Aspiração Divina>> (p. 105-108). Prosa e verso. Prosa

insipida, versos talhado em enxô, salpicados de solecismo. E a mesma

procura displicente da rima, qualquer que seja, como quem mette a

mão no bôlso para retirar um cigarro banal. Por essas simples

amostras pôde qualquer leigo reconhecer a fraqueza do trabalho do sr.

Antonio Lucio. E, ao mesmo tempo, consegue perceber qual é o

critério da Cia. Editora Nacional ao imprimir obras dadacticas ...

Flamma – Rion. (O ESTADO, 1937, p. 6, grifos meus).

Essa manchete é a única encontrada que faz uma observação negativa sobre a

Série Fontes. Busquei dados sobre a autoria da mesma, mas nada encontrei. O que

podemos deduzir é que o codinome Flamma Rion, é uma separação do nome ou do

Flammarion. Assim, não dá para saber que posição essa pessoa ocupava no cenário

catarinense, bem como se era um codinome que usava para escrever sua coluna.

Cabe ressaltar que optei, para essa pesquisa, pelo banco de dados, da Biblioteca

Nacional Digital Brasil – Hemeroteca Digital Brasileira, uma vez que a Hemeroteca

Digital Catarinense apresenta as mesmas informações dos jornais e porque queria

verificar se haviam jornais e outros periódicos, de outros estados, que poderiam dar

alguma notícia sobre a Série Fontes e seu autor/organizador, como foi o caso da

manchete na revista Tico-Tico, do Rio de Janeiro.

Page 71: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

67

1.2 – AS LIÇÕES NA SÉRIE FONTES: ALGUNS DOS DESTAQUES ABORDADOS

COM BASE NO ESTADO DA ARTE

O que temos a seguir representa o levantamento das lições contidas na Série

Fontes que foram trabalhadas, ou mencionadas, pelos autores em suas pesquisas.

Inicialmente, busquei extrair de cada artigo, dissertação e tese, as lições que

foram mencionadas. Em seguida, fiz um panorama daquelas que mais foram apontadas

e aquelas que ficaram de fora, relativizando aspectos dos objetos de cada pesquisa e os

conteúdos apresentados nos textos da Série Fontes.

Primeiramente, os dados apresentados são dos artigos, seguindo pelas

dissertações e tese, terminando com os livros. Uso números ordinais para identificar as

pesquisas, seguindo a sequência do Quadro 1, apresentada no início desse estudo.

Para que o leitor tenha uma compreensão do todo, organizo os dados em dois

quadros: o primeiro se refere às lições relacionadas em cada pesquisa (Quadro 3), e o

segundo à quantidade de vezes que as lições foram citadas (Quadro 4).

Em muitas pesquisas as lições foram só citadas, não analisadas profundamente,

por isso fiz a escolha de extrair apenas aquelas que foram analisadas, pois entendo que

essas são as que tiveram maior significado. Nessa perspectiva, os periódicos servem

como fonte para a pesquisa em educação, apresentando-se como possibilidade de

análise de fatos e ideologias de época. Dessa forma, o cruzamento, previamente

pretendido, entre as informações obtidas a partir dos descritores, oferece subsídios para

a pesquisa sobre representações de criança em lições da Série Fontes.

A organização dos quadros permite verificar o uso das lições. Nos artigos (onze)

as lições aparecem em menor número, talvez por ser um relato menor, diferente das

dissertações (7) e da tese (1). Mas, ao observar o artigo escrito por José Isaias Venera e

a sua dissertação que se tornou um livro, pude verificar que no artigo ele apresenta um

número de lições expressivo, principalmente do Primeiro e do Segundo Livro de

Leitura. Do Quarto Livro de Leitura não foi mencionada nenhuma lição, nem no artigo,

nem no livro e, assim, pude entender que sua pesquisa não tinha como objeto a coleção

toda. Nos dois artigos de Nicholas Gomes Cardoso da Silva, mesmo sendo de revistas

diferentes, foram utilizadas quase que as mesmas lições como análise, que foram

ampliadas na dissertação.

Page 72: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

68

Vale ressaltar ainda que minha intenção é apresentar as pesquisas, seus

resultados, as lições que foram analisadas, extraindo as mais citadas e verificando a

relação dessas com as demais pesquisas.

Page 73: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

69

Quadro 3 – Lições já analisadas.

TIPO DE

PESQUISA

PESQUISADOR(A) LIÇÕES MENCIONADAS

CARTILHA LIVRO 1 LIVRO 2 LIVRO 3 LIVRO 4

1º Artigo Solange Aparecida de Oliveira

Hoeller e Maria das Dores Daros

Não mencionaram as lições da Série Fontes

2º Artigo José Isaías Venera Não mencionou

lições desse livro.

- O trabalho;

- Boas Qualidades e

defeitos das crianças;

- No aniversário do

papai;

- Um menino

exemplar;

- O cão;

- Os meninos

brigões;

- O macaco

intrometido

- Sonhos de um

estudante;

- A atitude ereta;

- Nossa Pátria;

- Meu Brasil;

- A Pátria

- O General Osório;

- Queres Ser

Escoteiro

Não mencionou

lições desse livro.

3º Artigo Cintia Gonçalves Martins e Marli

de Oliveira Costa Não mencionou

lições desse livro.

Não mencionou

lições desse livro.

Não mencionou lições

desse livro.

- Oração do

Educador;

- Oração pela Pátria;

- A verdadeira

caridade;

- O amor de Deus e

de nossos Paes.

Não mencionou

lições desse livro.

4º Artigo Marli de Oliveira Costa e Maria

Stephanou

- Ze Bu - O trabalho;

- O macaco

intrometido;

- Homem útil;

- O menino chorão;

- Pergunta inocente;

- Gratidão.

Não mencionou lições

desse livro.

Não mencionou

lições desse livro.

Não mencionou

lições desse livro.

5º Artigo Nicholas Gomes Cardoso da

Silva Não mencionou

lições desse livro.

- Bons Provérbios;

- Boas qualidades e

defeitos das crianças.

- Não fica bem;

- A grandeza do Brasil;

- Hymno ao Brasil.

- A higiene do corpo

e a higiene da alma.

- A Pátria.

6º Artigo Nicholas Gomes Cardoso da

Silva Não mencionou

lições desse livro.

- Bons Provérbios;

- Boas qualidades e

- Não fica bem;

- A grandeza do Brasil;

- A higiene do corpo

e a higiene da alma.

- A Pátria.

Page 74: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

70

defeitos das crianças. - Hymno ao Brasil.

7º Artigo Nicholas Gomes Cardoso da

Silva Não mencionou

lições desse livro.

- Bons Provérbios;

- Boas qualidades e

defeitos das crianças.

- Não fica bem;

- A grandeza do Brasil;

- Hymno ao Brasil.

- A higiene do corpo

e a higiene da alma.

- A Pátria.

8º Artigo Valéria Aparecida Schena Não mencionou

lições desse livro.

- Boas qualidades e

defeitos das crianças. Não mencionou lições

desse livro.

Não mencionou

lições desse livro.

Não mencionou

lições desse livro.

9º Artigo Paulete Maria Cunha dos Santos - A mão Não mencionou

lições desse livro.

- Dos braços;

- Do nariz;

- Nova Pátria;

- Noções de Hygiene;

- Defeitos que se deve

evitar na sociedade;

- As pernas e os pés;

- A boca;

- A atitude erecta;

- Da cabeça e dos olhos.

- Preceitos

Hygienicos. Não mencionou

lições desse livro.

10º Artigo Cristiani Bereta da Silva e Maria

Bernadete Ramos Flores

Não mencionou

lições desse livro. Não mencionou

lições desse livro. - Amor fraterno;

- A Pátria.

- O General Osório;

- O grito do Ipiranga;

- Sete de setembro;

- O escotismo;

- Silva Jardim;

- Ordem e Progresso.

- O avô;

- Ensinemos o Brasil

aos brasileiros;

- Heroínas brasileiras.

11º Artigo Cristiani Bereta da Silva e Helena

Gabriela Moellmann Gasparini Não mencionou

lições desse livro. Não mencionou

lições desse livro. - O Descobrimento do

Brasil;

- Os dias feriados.

- Sete de setembro. - Heroínas Brasileiras;

- Felipe Schmidt.

Dissertação

Paulete da Cunha dos Santos - O Boi;

- Paulo é bom;

- Eu fujo do fogo;

- Deveres para com

os pais.

- Caridade;

- Um menino

exemplar;

- Confiança em

Deus;

- Boas qualidades e

defeitos das crianças;

- O trabalho;

- Nunca se deve

mentir;

- No aniversário do

- O descobrimento do

Brasil;

- Hymn- A Pátria;

o do Brasil;

- Canção do Exílio;

- Os dias feriados;

- O campo inculto;

- Nossa Pátria;

- Meu Brasil;

- A grandeza do Brasil;

- O ovo do Colombo

- Na aula de leitura;

- O dia 21 de abril;

- Uma lição bem

aproveitada;

- A Pátria;

- Ordem e Progresso;

- Preceitos

Hygienicos.

- Ser mãe;

- Ser pae;

- A avózinha;

- O avô;

- Inviolabilidade de

domicilio;

- Solidariedade

familiar.

Page 75: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

71

papai;

- Ao entrar na escola.

- Primeira Missa;

- Para a escola;

- O filho desobediente;

- Defeitos que se devem

evitar na sociedade;

- O fabricante de cesto;

- O que custamos aos

nossos pais;

- A lição;

- Sonhos de estudante;

- O bom estudante;

- O Professor;

- Noções de higiene;

- A calça;

- Da cabeça e das

orelhas;

- Do nariz;

- Dos braços.

Dissertação

Maria Aguiar Souza Peres Não mencionou

lições desse livro.

- Duas boas irmãs - Gratidão. - O castigo do cedro;

- Cachoeiras;

- O periquito.

- A lição;

- Para escola;

- Heroinas brasileiras.

Dissertação

Carla D‘Lourdes Nascimento - Deveres para com

os pais

- O trabalho

- Um menino

exemplar;

- Boas qualidades e

defeitos das crianças;

- A Pátria;

- Para a escola;

- O estudantinho da

aldeia;

- Nossa Pátria;

- Hino ao Brasil

- O escotismo;

- Pátria;

- Oração pela Pátria;

- Meu Brasil;

- O patriota;

- O Rato;

- Juramento a

bandeira;

- Saudação a

bandeira;

- O que devemos aos

que trabalham;

- A criança e o dever

- Oração a bandeira

- Impostos;

- Direitos e deveres;

- Felipe Schimidt;

- Provérbios;

- A pequena pátria;

- Caxias;

- Hino ao trabalho;

- Trabalho, lei

universal;

-A pátria;

- Ensinemos o Brasil

aos brasileiros.

Dissertação

Denise de Paula Matias

Prochnow Não mencionou

lições desse livro.

- O trabalho

- Pergunta inocente;

- Defeitos que se devem

evitar na sociedade;

- O escotismo;

- Oração do

- Hino ao creador;

- A família;

Page 76: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

72

- Jantar de barbados;

- Um menino

exemplar;

- Caridade;

- Boas qualidades e

defeitos das crianças;

- Os meninos

brigões;

- A alegria de um

estudante;

- No aniversário do

papai;

- Reprehensão

amigável;

- Confiança em

Deus.

- Nossa Pátria;

- Meu Brasil;

- Para a escola;

- A lição;

- O bom estudante;

- A criança e o dever;

- O estudantinho da

aldeia;

- O rico e o pobre;

- Preces da infância;

- Hymno dos sentidos.

educador;

- A árvore;

- Relações e deveres

entre irmãos;

- Conselhos;

- A rua;

- Os pássaros;

- O universo;

- Deus;

- Férias;

- Oração;

- A simplicidade;

- Aos desamparados;

- A criança e o dever;

- Saudação a

bandeira;

- Juramento a

bandeira;

- Oração pela Pátria;

- O periquito.

- A casa;

- A pequena Pátria;

- Direitos e deveres;

- O semeador;

- Ensinemos o Brasil

aos brasileiros;

- Joaquim Nabuco;

- A Pátria;

- Águia e o sol;

- O ideal;

- Comportamento

escolar;

- José da Silva Mafra.

Dissertação

João Fernando Silva de Souza - O Boi. - A Pátria;

- Honradez;

- Gula, avareza e

liberdade;

- Ao entrar na aula;

- O Trabalho.

- A grandeza do Brasil;

- O rachador de lenha e

o narrador;

- Atenção para com os

pais;

- O poder do exemplo;

- Hino do Brasil;

- Os dias feriados;

- Uma boa lição;

- Necessidade do

trabalho;

- O castigo da

indolência;

- O campo inculto;

- Os braços;

- Deus;

- A verdadeira

caridade;

- Aos desamparados;

- A obediência;

- O que devemos aos

que trabalham;

- Plantas, flores,

frutos e sementes;

- Germinação;

- A roseira;

- Diligencia;

- O trabalho;

- O ferreiro;

- O sapateiro e o Rei;

- Os três grãos de

milho;

- Hino do trabalho;

- A campanha do

trigo;

- Lavra sempre;

- Amor à profissão;

- Meu Pai;

- O trabalho, lei

nacional;

- Solidariedade

Familiar;

- O ideal;

- Terra de Santa Cruz;

- A pequena pátria;

- O torrão Natal;

- O avô;

- Rosa Maria Paulina

Page 77: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

73

- A ta e o boi;

- Natal;

- O lobo e o esquilo;

- As plantas;

- Gratidão;

- Guarda o que comer,

não guardes o que

fazer;

- O bom estudante;

- Fazer bem tudo o que

fizeres;

- O fabricante de cesto;

- A Pátria.

- A independência;

- O castigo do cedro;

- Relação e deveres

entre irmãos;

- A nossa Bandeira;

- Saudação a

Bandeira;

- Conselhos;

- A criança e o dever;

- Ordem e Progresso;

- O segredo nacional;

- O patriota;

- O general Osório;

- Silva Jardim.

da Fonseca;

- A paz e a guerra;

- O homem forte;

- Apara a paz e para a

liberdade;

- Impostos.

Dissertação

Ada Carolina Freitas Fontes Não mencionou

lições desse livro.

- Meu papgaio;

- Tico Tico;

- Ao entrar na aula;

- As flores.

- Meu Brasil;

- O professor;

- A raposa e as uvas;

- As plantas;

- Preces da infância;

- Canção do Exílio;

- Atenção para com os

pais;

- Amor fraternal;

- Do nariz;

- Meus oito anos;

- Minha mãe;

- O tempo;

- O mentiroso;

- A pátria;

- Hino à Bandeira

Nacional.

- Não furtarás;

- A justiça;

- Deus;

- Amor filial;

- Conselhos;

- Oração pela Pátria;

- O sono de um anjo;

- Silva Jardim;

- Os três grãos de

milho;

- O exército negro;

- O universo.

- Ensinemos o Brasil

aos brasileiros;

- Para a paz e

liberdade;

- A pequena Pátria;

- A campanha de

trigo;

- Os criminosos do

machado;

- Ubi natus sum;

- A cidade da luz;

- Domus áurea;

- Trajano de Carvalho;

- Conselheiro

Jerônimo Francisco

Coelho;

- Cantando espalharei

...;

- Os livro;

- Virtude e ciência;

- Hino do trabalho;

- O torrão natal;

Page 78: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

74

- Rosa Maria Paulina

da Fonseca;

- José da Silva Mafra;

- O homem forte;

- Comportamento

escolar;

- Os negros;

- Ao Brasil;

- As boas ações;

- O ideal;

-A casa;

- Lingua portuguesa.

Dissertação

Nicholas Cardoso Gomes da

Silva Não mencionou

lições desse livro.

- Boas qualidades e

defeitos das crianças;

- Duas boas irmãs;

- A alegria de um

estudante;

- Más desculpas;

- Ao entrar na escola;

- O trabalho.

- A Pátria;

- A grandeza do Brasil;

- O descobrimento do

Brasil;

- Meu Brasil;

- Nossa Pátria;

-Hino do Brasil;

- Os dias feriados;

- Hino à Bandeira

Nacional;

- Atenção para com os

pais;

- O poder do exemplo;

- O bom estudante;

- Necessidade de

trabalho;

- Hino dos sentidos;

- Anchieta;

- Não fica bem ...;

- Dos braços.

- Ordem e Progresso;

- Conselhos;

- Oração do

educador;

- Na aula de leitura;

- O que devemos aos

que trabalham;

- O trabalho, lei

universal;

- Não condenes sem

provas;

- O altruísmo.

- Águia e o sol;

- Comportamento

escolar;

- Higiene e habitação;

- Heroínas Brasileiras;

- Dever de

solidariedade;

- Os livros;

- Ser mãe;

- A Pátria;

- Deixem isto para as

mulheres;

- Ubi Natus Sum;

- A família;

- Meu Pai.

1ª Tese Vindomar Silva Filho Não mencionou

lições desse livro.

- Más desculpas;

- As flores;

- Os meninos

brigões;

- Hymno dos Sentidos;

- Para escola;

- Pontualidade;

- O filho desobediente;

- Não Condenemos

sem prova;

- A rua;

- Ordem e progresso;

- Os grandes índios;

- Lingua Portuguesa;

- As boas ações;

- Hygiene e

Page 79: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

75

- O trabalho;

- No aniversário do

papai;

- O tempo;

- Boas qualidades e

defeitos das crianças;

- Alegria de um

estudante;

- Tico Tico;

- Um menino

exemplar;

- Ao entrar na escola;

- Confiança em

Deus;

- Duas boas irmãs;

- O medroso;

- O menino chorão.

- O talismã;

- Gratidão;

- O professor;

- O castigo da

indolência;

- Doçura e bondade;

- Os três reinos da

natureza;

- As plantas;

- A alma;

- O rico e o pobre;

- Noções de higiene;

- Nossa Pátria;

- O bom estudante;

- Carta de parabéns;

- A grandeza do Brasil;

- O descobrimento do

Brasil;

- Defeitos que devem

evitar na sociedade;

- Os dias feriados.

- O escotismo;

- Aos desamparados;

- Silva Jardim;

- O rato;

- O sapateiro e o rei;

- Sangue;

- Os pássaros;

- A caridade;

- Ferro;

- Plantas e flores,

frutos e sementes;

- Germinação;

- As araucárias;

- Músculos;

- Cachoeiras;

- Relações e deveres

entre irmãos;

- A simplicidade;

- A obediência;

- Violetas;

- O ouro e o carvão;

- Deus;

- Amor filiar;

- A criança e o dever;

- Conselhos;

- O que devemos aos

que trabalham;

- As armas nacionais;

- Os jesuítas;

- Violetas roxas;

- O amor de Deus e

de nossos pais;

- Ordem e progresso;

- A roseira.

Habitação;

- Heroínas brasileiras;

- Solidariedade

familiar;

- Os negros;

- Parentesco;

- A casa;

- A pátria;

- Inviolabilidade de

domicílio;

- Direitos e deveres;

- Comportamento

escolar;

- A paz e a guerra;

- Deixem isso para as

mulheres;

- Virtude e sciencia;

- Impostos;

- Pindorama;

- Os portugueses;

- Em família;

- Trabalhador;

- Amor de mãe;

- José de Anchieta;

- Para a paz e para a

liberdade;

- O poder da família;

- Águia e o sol;

- Ensinemos o Brasil

aos brasileiros;

- O homem

magnânimo.

Ana Maria

Martins

A Secretaria da Justiça e sua com

a Educação

A autora não trabalha diretamente com as lições dos livros, mas cita nos anexos as lições encontradas nas edições:

Cartilha Popular – 1920; Primeiro Livro de Leitura – 1945; Segundo Livro de Leitura – 1920 e 1945; Terceiro Livro de

Page 80: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

76

Coelho Leitura – 1941 e 1945; Quarto Livro de Leitura – 1930.

José Isaías

Venera

Tempo de Ordem: a construção

discursiva do homem útil

- Deveres com os

pais.

- Boas qualidades e

defeitos das crianças;

- No aniversário do

papai

- O macaco

intrometido;

- O trabalho;

- O cão;

- Os meninos

brigões;

- Um menino

exemplar.

- A atitude ereta;

- A pátria;

- O bom estudante;

- O filho desobediente;

- Meu Brasil;

- Nossa Pátria;

- Sonhos de estudante.

- O amor a Deus e de

nossos pais;

- O general Osório;

- Queres ser

escoteiro.

Celestino

Sachet

Professor Fontes - História e

Memória

O autor não faz menção a nenhuma lição específica, apenas cita os Série Fontes como uma das grandes obras de

Professor Fontes.

Armem

Mamigonian

e Marli

Auras

Professor Fontes – Pensamentos,

Palavras e Obras

As autoras só citam os Série Fontes como uma das obras de Professor Fontes.

Fonte: Elaborado pelo autor, 2018, com dados obtidos por meio do levantamento bibliográfico.

Page 81: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

77

Quadro 4 – Lições citadas.

QUANTIDADE DE LIÇÕES MENCIONADAS NAS PESQUISAS

CARTILHA LIVRO I

28 lições

LIVRO II

66 lições

LIVRO III

68 lições

LIVRO IV

66 lições 3 VEZES

Deveres com os pais

O Boi

11 VEZES

Boas qualidade das crianças

7 VEZES

A pátria

Nossa Pátria

O bom estudante

5 VEZES

Conselhos

7 VEZES

A Pátria

8 VEZES

O trabalho

6 VEZES

A grandeza do Brasil

Hino ao Brasil

4 VEZES

Deus

Lição pela pátria

O General Osório

O escotismo

O que devemos aos que trabalham

Silva Jardim

Ordem e Progresso

6 VEZES

Heroínas Brasileiras

5 VEZES

Ao entrar na escola

Um menino exemplar

5 VEZES

Meu Brasil

5 VEZES

Ensinemos o Brasil aos

brasileiros

1 VEZ

A mão

Eu fujo do fogo Paulo é

bom

4 VEZES

No aniversário do papai

Os meninos brigões

4 VEZES

Dos braços

Defeitos que se devem evitar na sociedade

Os dias feriados

Para a escola

3 VEZES

A criança e o dever

A higiene do corpo e a higiene da alma

Oração do educador

O amor a Deus e de nossos pais

Ordem e Progresso

Relações e deveres entre irmãos

Saudação a bandeira

4 VEZES

A pequena pátria

Comportamento escolar

3 VEZES

Bons provérbios

Confiança em Deus

Duas boas irmãs

A alegria de um estudante

O macaco intrometido

3 VEZES

As plantas

A atitude ereta

A lição para com os pais

Brasil

Do nariz

Gratidão

Hygiemne dos sentidos

Não fica bem

Noções de higiene

O filho desobediente

2 VEZES

A rua

A verdadeira caridade

Aos desamparados

A obediência

A roseira

Cachoeiras

Germinação

Juramento à Bandeira

Na aula de literatura

O patriota

3 VEZES

A casa

Águia e o sol

Direitos e deveres

Hino ao trabalho

Impostos

O avô

O ideal

Para a paz e para a

liberdade

Solidariedade familiar

Page 82: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

78

O descobrimento do

O professor

O sapateiro e o rei

Os três grãos de milho

O rato

O castigo do cedro

Os pássaros

O universo

Plantas, flores, frutos e sementes

Preceitos higiênicos

Queres ser escoteiro

Sangue

Sete de setembro

O periquito

2 VEZES

As flores

Caridade

Más desculpas

O menino chorão

O cão

Pergunta inocente

Tico tico

2 VEZES

A lição

Amor fraterno

Da cabeça e dos olhos

Hino a bandeira nacional

Necessidade do trabalho

Preces da infância

Sonhos de um estudante

O estudantinho da aldeia

Canção do Exílio

O campo inculto

O castigo da indolência

O rico e o pobre

O fabricante de cesto

O poder do exemplo

2 VEZES

As boas ações

A paz e a guerra

A família

A companhia de trigo

Deixem isso para as

mulheres

Felipe Schmidt

Higiene e habitação

Inviolabilidade

José da Silva Mafra

Língua Portuguesa

Meu pai

O trabalho universal

O torrão de natal

O homem forte

Os livros

Os negros

Rosa Maria Paulino

Ser mãe

Ubi Natus Sum

Virtude e ciência

1 VEZ

Homem útil

Gratidão

Nunca se deve mentir

Jantar de barbados

Repreensão amigável

A pátria

Honradez

1 VEZ

As pernas e os pés

A boca

A alma

Anchieta

A raposa e as uvas

A foca e o boi

A criança e o dever

1 VEZ

A independência

A caridade

As araucárias

As armas nacionais

Amor filial

A nossa bandeira

A justiça

1 VEZ

Amor de mãe

Ao Brasil

A avozinha

A lição

Amor a profissão

Catando espalharei ...

Caxias

Page 83: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

79

Gula, avareza e liberdade

Meu papagaio

O tempo

A cabeça

Carta de parabéns

Doçura e bondade

Fazer bem tudo o que fizeres

Guarda o que comer

Meus oito anos

Minha mãe

Não fica bem

Natal

O ovo de Colombo

O lobo e o esquilo

O medroso

O rachador de lenha e o narrador

O que custamos aos nossos pais

O tempo

O mentiroso

Os três reinos da natureza

O talismã

Pontualidade

Primeira missa

Uma boa lição

Amor filiar

A caridade

A pátria

A árvore

A simplicidade

Diligência

Férias

Ferro

Higiene da alma

Meu Brasil

Não furtarás

Não condenes sem provas

O grito do Ipiranga

O dia 21 de abril

Oração

O trabalho

O ferreiro

O segredo nacional

O sono de um anjo

O exército negro

O trabalho, lei universal

O ouro e o carvão

Os jesuítas

Uma lição bem aproveitada

Violetas

Conselheiro Jerônimo

Francisco Coelho

Dever de solidariedade

Em família

Hino ao criador

Joaquim Nabuco

José de Anchieta

Lavra sempre

Oração à Bandeira

O Semeador

Os portugueses

Os grandes índios

O homem magno

O poder da família

Os criminosos do

machado

Provérbios

Para a escola

Parentesco

Pindorama

Ser pai

Trabalhador

Terra de Santa Cruz

Trajano de Carvalho

Fonte: Elaborado pelo autor com dados obtidos por meio do levantamento bibliográfico, 2018.

Page 84: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

80

A elaboração desses dois quadros permite perceber como os autores se

apropriaram da Série Fontes com base na quantidade de lições utilizadas. Desse modo,

pode-se verificar que muitas das lições que analisei não foram usadas por esses

pesquisadores, levando a entender a relevância do objetivo desta pesquisa que é

verificar as representações de criança na Série Fontes.

Sobre as lições mencionadas nas pesquisas, apresento as quantidades de citação

e os percentuais entre a quantidade de lições que há em cada livro em relação às edições

que tive acesso. Faço uma amostra seguindo a ordem dos livros: da Cartilha Popular ao

Quarto Livro de Leitura.

A Cartilha Popular é um dos livros da Série Fontes que menos apresenta lições

em forma de texto. A lição do ―Boi‖ aparece três vezes nas pesquisas e todas elas são

mencionadas em entrevistas. Quando os entrevistados lembram-se da Série Fontes, lhe

dão o nome de ―Cartilha do Boi‖, fazendo alusão à primeira lição da Cartilha Popular.

Segundo os pesquisadores, a maioria das pessoas lembra-se da Série Fontes com base

nessa lição, que decoraram, possivelmente. Outra lição três vezes mencionada é

―Deveres com os Pais‖, que é o primeiro texto apresentado no final da cartilha, no qual

se subentende que as crianças já sabiam ler. Essa lição foi mencionada nas pesquisas

devido ao teor que ela apresenta: lições de obediência aos pais. Também são citadas

duas sentenças que fazem parte do corpo da cartilha: ―Paulo é Bom‖ e ―Eu fujo do

fogo‖; ambas também relacionadas à obediência e ao medo. Talvez por não apresentar

muitos textos, podemos pensar que a ―Cartilha Popular‖, não foi muito explorada pelos

pesquisadores.

O ―Primeiro Livro de Leitura‖ é composto por 38 lições15

. Dessas, foram

mencionadas 28 lições16

, correspondendo a 74% das lições existentes no livro, sendo as

mais citadas ―Boas qualidades e defeitos das crianças‖ (11x). ―O trabalho‖ (8x). ―Ao

entrar na escola‖ e ―Um menino exemplar‖ (5x). As lições, segundo Prochnow (2009, p.

93), ―[...] são lições de moral. [...] Lições que revelam o valor educativo, alem de

instrutivo, que a escola assumia como sua função essencial‖. Sobre as lições desse livro,

Nascimento (2003) destaca que:

15

A quantidade de lições aqui apresentadas são dos livros que tenho acesso. 16

Nos comparativos dos quatro livros, só dou destaque às lições com maior número de vezes citado, pois

estão todas organizadas no quadro 4.

Page 85: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

81

O Primeiro Livro de Leitura da Série Fontes centrava-se em histórias

protagonizadas por crianças nas quais as virtudes da moral cristã eram

ressaltadas, como caridade, a honradez, a piedade, a servidão e o

temos a Deus. As histórias revelam verdades sobre a vida e as

implicações que ela apresentava como o trabalho, a injustiça, castigo

pela mentira ou roubo, além da vitória, prêmio e conquista provindas

da boa conduta. (NASCIMENTO, 2003, p.57).

Desse modo, pude verificar que além do teor moralista e cívico, as lições

apresentam teor religioso, reproduzindo na criança leitora o que estava previsto no

projeto republicano daquele período.

O ―Segundo Livro de Leitura‖ apresenta 72 lições, sendo citadas 64 delas,

correspondendo a 89% das lições que existem no livro. Destaco as lições ―A pátria‖,

―Nossa pátria‖, ―O bom estudante‖ (7x) seguidas quanto à frequência pelas lições ―A

grandeza do Brasil‖ e ―Hino do Brasil‖ (6x) e ―Meu Brasil‖ (5x). Nas palavras de

Nascimento (2003, p. 58), as lições desse livro sinalizam que ―[...] os valores sociais e

os hábitos de higiene tinham maior relevância‖, pois ―[...] os valores e normas

burguesas deveriam ser disseminados pela escola através das lições escolares‖,

acrescenta Prochnow (2009, p.58). Pude, assim, entender que, tal como o ―Primeiro

Livro de Leitura‖, o ―Segundo Livro de Leitura‖ projeta na criança leitora, hábitos de

um ideal republicano, recheado de valores morais e educativos. Pude pensar que as

lições desse livro foram bem exploradas, porém, ainda ficaram de fora mais de dez por

cento das lições contidas no livro.

No ―Terceiro Livro de Leitura‖ estão contidas 84 lições. Dessas, 71 foram

analisadas pelos estudos citados, correspondendo a 84% das lições inseridas nesse livro.

As lições mais citadas são: ―Conselhos‖ (5x). ―Deus‖, ―Lição pela pátria‖, ―O General

Osório‖, ―O escotismo‖, ―O que devemos aos que trabalham‖, ―Silva Jardim‖ e,

―Ordem e Progresso‖ (4x). ―O amor a Deus e de nossos pais‖, ―Relação e deveres entre

irmãos‖ e ―Saudação a bandeira‖ foram abordadas três vezes. Segundo Nascimento

(2003, p. 58-59), ―[...] os textos enfatizam os valores para a formação do futuro cidadão

brasileiro. [...] Os temas do livro concentram-se no trabalho, na higiene, nos vultos e

heróis, na produção econômica e na natureza do Brasil, os quais eram apresentados em

pequenos contos, poesias e fábulas‖. Partindo do pressuposto que as lições enfatizam a

formação do futuro cidadão, o ―Terceiro Livro de Leitura‖, em suas lições, tem como

princípio modelar o cidadão, tomando como exemplo os mártires que sacrificaram suas

vidas pelo país.

Page 86: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

82

O ―Quarto Livro de Leitura‖ contém oitenta e cinco lições. Dessas, foram

citadas pelos pesquisadores sessenta e quatro, correspondendo a 75% do total. A lição

mais citada é ―A Pátria‖ (7x), vindo depois ―Heroínas Brasileiras‖ (6x), ―Ensinemos o

Brasil aos brasileiros (5x) e ―Pequena Pátria‖ e ―Comportamento escolar‖ (4x). Segundo

as pesquisas, o ―Quarto Livro de Leitura da Série Fontes‖ é diferente dos anteriores. A

primeira edição foi lançada em 1930, dez anos após a Cartilha Popular, o Primeiro e o

Segundo Livro de Leitura (1920), num momento que Professor Fontes não ocupava

mais o cargo de Diretor de Inspeção Pública: ―Fontes organizou durante o período que

esteve ausente da administração pública‖, enfatiza Nascimento (2003, p.46). A autora

destaca ainda que:

[...] diferente dos demais livros, o Quarto Livro de Leitura apresenta

os semióforos de maneira mais sistemática, formando uma divisão em

blocos dos valores cívicos, da conduta moral, da língua, das etnias e

religião católica, isto é, dos elementos do caráter nacional. Além dos

textos sobre a condição da mulher como mãe e heroína, o Quarto

Livro de Leitura versa sobre a escola, o trabalho e o Estado e suas

funções‖ (NASCIMENTO, 2003, p.59).

A ênfase ao herói e às figuras ilustres são destaque nas lições deste livro, que

segundo Prochnow (2009) estão organizados em agrupamentos de temas em comum:

―O autor/organizador Professor Fontes parece buscar interligar os assuntos por

temáticas, dando um fio condutor aos conteúdos que são apresentados‖ (PROCHNOW,

2009, p.117).

Ao retirar das pesquisas as lições que ajudaram a compor aquelas análises,

pretendo verificar quais delas foram mais referidas e a relação das mesmas na

composição das pesquisas. Assim constato que em algum momento a Cartilha Popular e

os quatro livros de leitura foram além de instrumento de pesquisas, pois suas lições

serviram como deleite, momento de imersão dos pesquisadores sobre o objeto.

Dentre o conjunto das obras, o Segundo Livro de Leitura foi o que teve suas

lições mais examinadas, com 89% do total de 64 lições, vindo na sequência o Terceiro

Livro de Leitura com 84%, o Quarto Livro de Leitura com 75% e o Primeiro Livro de

Leitura com 74%. Sobre as lições, as que aparecem por mais vezes analisadas são ―Boas

qualidades das crianças‖ (11x) e ―O trabalho‖ (8x), ambas do Primeiro Livro de Leitura.

―A Pátria‖ (7x) está presente no Segundo Livro de Leitura com a autoria de Rui Barbosa

Page 87: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

83

e no Quarto Livro de Leitura com autoria de Olavo Bilac. Autores diferentes, poesias

diferentes, mas com o mesmo título, dando ênfase ao valor da pátria.

Ao verificar essas lições, pude constatar que as mesmas levavam as crianças a

reproduzirem e a incorporarem valores que na escola lhes eram apresentados, que

formariam uma criança moldável, confirmando uma unidade nacional produzida pelos

republicanos, vinculando valores para formar o pequeno cidadão, que muitas vezes

aparecem em forma de conselhos, como na lição ―Boas qualidades das crianças‖, outras

vezes como dever a nação, como nas lições ―A Pátria‖.

Assim, como afirma Nascimento (2003, p. 53), ―Sendo mais que compilações de

conhecimentos úteis e de fornecimento de conceitos, os livros abrangiam a formação

dos novos cidadãos, apresentando textos de autores consoantes às idéias moralizadoras

do trabalho e ao desenvolvimento do civismo e do patriotismo‖. Mas, uma pergunta tem

que ser feita: Por que algumas lições ficaram de fora das pesquisas? Essa resposta só é

possível tendo-se em mãos todas as edições analisadas pelos autores. No entanto, não

posso perder de vista que as lições da Série Fontes não são o espelho da realidade, mas

uma representação desta, pela exposição das intenções oficiais, como uma representação

dos anseios da sociedade da época.

A caracterização geral feita pelos pesquisadores sobre os livros da Série Fontes

contribuiu para a definição do espaço temporal da presente pesquisa, além de motivar

um maior detalhadamento, incluindo outros aspectos não observados por aqueles. Além

disso, as pesquisas indicaram fontes e referenciais de análise que foram fundamentais.

Enfim, a análise e o entrecruzamento dessas diversas referências, permitiram um olhar

sobre a materialidade e os conceitos veiculados na Série Fontes.

Page 88: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

84

CAPÍTULO 2 – EDUCAÇÃO ESCOLAR NO CONTEXTO DO FIM DO

SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX

Para melhor compreender a importância e relevância da Série Fontes para o

período que ela foi editada, cabe atentar, primeiramente, para a forma pela qual a

educação brasileira e a catarinense estavam postas naquela época, de modo a propiciar

uma relação entre os livros da Série Fontes e os contextos em que foram gerados.

Sendo assim, inicialmente apresentam-se alguns aspectos para caracterizar a

educação no contexto republicano.

2.1 – A EDUCAÇÃO NA REPÚBLICA DO FINAL DO SÉCULO XIX

No final do século XIX, um novo regime político foi instaurado no Brasil, na

busca de se estabelecer como republicano. Desse modo, o Brasil procurava firmar-se

como nação pautada em ideias de progresso e civilidade.

Já nos primeiros anos da República brasileira definiu-se que a educação seria um

dos meios mais eficazes para tornar o Brasil digno de participar do concerto das nações

civilizadas. Com vistas a tornar isso possível, despontaram no país vários discursos,

principalmente aqueles voltados para a educação da parcela menos favorecida da

população. A educação das ―classes inferiores da sociedade‖, segundo Cynthia Greive

Veiga (2007), era considerada, nos discursos de dirigentes e intelectuais, como meio

para fazer do Brasil um país moderno e elevá-lo ao nível das ―nações cultas‖. Nesse

contexto, a criança em processo de educação passou a ser pensada como um projeto do

humano, que deveria ser cuidado, acompanhado e disciplinado, para que ―frutificasse

como um bom cidadão no futuro‖. Esse direcionamento dos planos civilizatórios para a

infância justificava-se por se considerar que o avançar da idade era inversamente

proporcional à possibilidade de moldar seu corpo, seu espírito, sua moral.

Sobre o período imperial, Veiga (2007, p.39) observa que ―O estabelecimento do

Império do Brasil se fez como um ato de escritura consubstanciado na Constituição de

25 de março de 1824. Por meio desse aparato jurídico definiu-se a forma de localização

dos habitantes do território como associação política de todos os cidadãos‖. A autora

ressalta também que ―Ao longo do século XIX, inúmeras normatizações se sucederam

como atos de reafirmação da escrita da nação‖ (p. 39). Frente a isso, tornou-se

Page 89: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

85

imprescindível a realização de um projeto, com intenções de civilidade e progresso da

nação brasileira.

Veiga (2007) acentua ainda que, nesse projeto republicano, interessava às

autoridades inserir os cidadãos brasileiros na nação. Porém, esta inserção deveria vir

civilizada e ajustada ao progresso que pretendiam os dirigentes da Nação, dos estados e

dos municípios. Nessa perspectiva, uma instituição intencionalmente demarcada foi a

escola, que tomou a escolarização da infância como um grande passo para representar o

que se queria demarcar. Assim, a autora destaca a instrução e a educação da criança

como alvo das intenções da República que planejava firmar seus fundamentos. ―Os

discursos que estruturam são componentes de figurações de poder e pretendem dar

visibilidade aos lugares de poder‖ (VEIGA, 2007, p.39).

A escolarização, então, faz-se necessária, uma vez que um dos elementos

centrais difundidos era indicado pela necessidade de ampliação e reorganização do

ensino primário, sobretudo, do ensino público primário. Era preciso pensar em meios de

civilizar as crianças para que se tornassem cidadãos da república. (VEIGA, 2007, p.41).

Veiga (2007, p. 42-43) constata que no Brasil Império a criança também havia

sido preocupação das ações governamentais: ―O desenvolvimento de uma cultura escrita

no âmbito da burocracia governamental elaborou, pois, a população como um problema

de governo nas relações que pretendeu estabelecer entre ela e as formas normativas de

sua localização social‖, ou seja, a criança e a infância do período imperial ―podem ser

reconhecidas como problema de governo‖. A autora ressalta, ainda, que a escolarização

da criança a partir do século XIX foi tema central relativo à regulamentação da

instrução pública elementar, que contribuiu para produzir a infância como ―tempo e

lugar distinto do adulto‖ (VEIGA, 2007, p.43), dando condição necessária à formação

da civilização.

Ainda sobre a escolarização da criança, a obrigatoriedade do ensino escolar

esteve presente como um elemento do processo de produção das civilizações ocidentais,

existente em vários países, com variação das épocas em que se efetivaram ao longo do

século XIX. Assim, ―A questão da obrigatoriedade é um acontecimento

predominantemente político e esteve relacionado à necessidade sociocultural de

produção da consciência de um pertencimento nacional‖ (VEIGA, 2007, p.76-77).

Corroborando com Veiga (2007) sobre a obrigatoriedade do ensino, Maria Cristina

Soares Gouvêa (2004) sinaliza que a obrigatoriedade do ensino no Brasil Imperial, foi

Page 90: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

86

articulada de modo a selecionar quem seria incluído nessa medida. Essa autora

acrescenta ainda que, em certo momento as meninas foram desprezadas, assim como

também as crianças escravas:

Não é a infância no singular, porém, que é tomada como objeto da

ação escolar, mas as infâncias serão alvo de políticas diferenciadas,

estabelecidas com base no pertencimento ético, social e de gênero

da criança, definidores de sua identidade. Nesse sentido, serão

estabelecidos diversos tempos e espaços de formação durante a

infância, tendo em vista sua origem, inserção e lugar social quando

adulto. (GOUVÊA, 2004, p. 191).

Desse modo essa obrigatoriedade também se fez presente na Província de Santa

Catarina. Segundo Neide Almeida Fiori (1991, p. 52), no ano de 1872, o então

carregado da instrução pública da Província de Santa Catarina, Senhor Delfino Pinheiro

Cintra Junior, manifestara-se favoravelmente à obrigatoriedade do ensino ―como uma

idéia que está na moda‖. Sobre a obrigatoriedade do ensino, a autora faz uma ressalva

dizendo que: ―No Brasil, era impraticável a adoção de tal medida, pois a maioria das

famílias que não providenciava escola para seus filhos, não possuía recursos para pagar

multas governamentais‖ (FIORI, 1991, p.52).

No entanto, em 1874, a partir da lei nº 699 de 11 de abril do corrente ano, foi

instituída na Província de Santa Catarina a obrigatoriedade à instrução primária

incluindo ―meninos de 7 a 14 anos e meninas de 7 a 10 anos, residentes em cidades e

vilas‖ (FIORI, 1991, p. 53). Este ocorrido na Província de Santa Catarina, dentro do

regime político do Brasil imperial, se dá com o argumento do alto índice de

analfabetismo.

Sobre essa questão, a autora ressalta que adotar o ensino obrigatório constituía-

se numa tomada de decisões que levavam a importantes consequências. Em Santa

Catarina, segundo Fiori (1991, p. 52), ―A população total da Província, no ano de 1874,

era de 159.802 habitantes, sendo que 137.830 eram analfabetos (86%). Somente 21.972

pessoas sabiam ler e escrever (14%), incluindo nessa cifra 46 escravos‖.

Entretanto, já no regime republicano, ocorria que, em Santa Catarina, como em

muitos outros estados da federação brasileira, a escola passou a ser considerada um

mecanismo fundamental na máquina republicana. Para Santa Catarina, um momento

decisivo frente à reorganização da instrução pública – e isso implicou criar ou

reorganizar as escolas existentes – diz respeito à reforma educacional de 1911, onde

Page 91: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

87

novas diretrizes foram delineadas no contexto da educação. Destacada nas referências

pesquisadas, como a primeira grande reforma do período republicano, também ficou

reconhecida por muitos pelo nome do seu mentor intelectual: ―Reforma Orestes

Guimarães‖ 17

.

2.1.1 – ALGUNS ASPECTOS DA EDUCAÇÃO EM SANTA CATARINA NO

INÍCIO DO SÉCULO XX: apontamentos

A Reforma do Ensino de 191118

, dentro do contexto educacional de Santa

Catarina, buscou novas diretrizes para a instrução dos catarinenses, com a reorganização

do ensino público primário tornando-se prioridade, e, estreitamente relacionada a isso, a

formação dos professores. Assim, o estado de Santa Catarina procurou consolidar seus

ideais educativos mesmo não encontrando referenciais no próprio contexto, buscando

elementos em outros estados para êxito nos seus propósitos, em especial o estado de São

Paulo, que era considerado modelo em educação.

Segundo Fiori (1991, p. 82) a tradição vigente na instrução pública catarinense –

durante o período imperial e avançando pela fase republicana – era de que toda a

reorganização do ensino fosse iniciada com a montagem de um sofisticado esquema

administrativo: ―A originalidade de Orestes Guimarães repousa no fato de que, ao invés

de começar uma reforma de ensino construindo uma superestrutura administrativa, ele

iniciou pelos estabelecimentos de ensino, a sua ação reformadora‖.

17

Orestes de Oliveira Guimarães nasceu na cidade paulista de Taubaté em 27 de fevereiro de 1871.

Formou-se pela Escola normal de São Paulo. Foi diretor de grupos escolares no Estado de São Paulo.

Antes de dirigir a reforma da Instrução Pública em Santa Catarina, atuou em Joinville, para dirigir e

(re)organizar o Colégio Municipal de Joinville, Santa Catarina. Casado com Cacilda Guimarães, quando

veio a serviço da Instrução Pública em Santa Catarina, em 1911, sua esposa também assumiu a função de

disseminar as idéias do método analítico de alfabetização ao magistério catarinense. Orestes de Oliveira

Guimarães pode ser apontado como um dos mentores intelectuais – talvez mesmo o mais proeminente –

determinante para a reforma educacional de 1911, como também para outras determinações no campo

educacional catarinense, por quase duas décadas. Atuou como Inspetor Geral do Ensino de Santa

Catarina; redigiu parecer sobre a adoção de obras didáticas nas escolas catarinenses; foi responsável,

juntamente, com sua esposa, a professora Cacilda Guimarães, pela difusão do método analítico de leitura

junto ao professorado catarinense, a partir da reforma de 1911; foi Inspetor Federal, para fiscalizar as

escolas estrangeiras subvencionadas pela União, no tocante à nacionalização do ensino; também esteve à

frente da elaboração do Regimento Interno e da organização da Primeira Conferência Estadual do Ensino

Primário, em Santa Catarina, no ano de 1927; além de outras prescrições educativas que estiveram sob

sua responsabilidade. (FIORI, 1991; DALLABRIDA & TEIVE, 2011; HOELLER; DAROS, 2011). 18

A partir dos estudos de Fiori (1991, p. 83), uso o ano de 1911 como o ano em que iniciou a reforma do

ensino em Santa Catarina por Orestes Guimarães, com ―a reorganização do ensino normal

consubstanciado no decreto n. 572 de 25 de fevereiro de 1911‖.

Page 92: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

88

A reforma do ensino em 1911, promovida pelo então governador do estado de

Santa Catariana, Vidal Ramos, modernizou o ensino catarinense, e, ainda que buscasse

atacar, segundo Fiori (1991, p. 95), o problema do analfabetismo em geral e da

assimilação dos grupos étnicos estrangeiros19

as ações governamentais foram de

pequena monta até a eclosão da Primeira Grande Guerra. Nessa ocorrência, a presença

de populações de origem estrangeiras no estado, especialmente alemães, ao se tornarem

um problema político nacional, desencadeando uma série de medidas que levou o estado

de Santa Catarina a intervir no ensino nas áreas coloniais. A necessidade de nacionalizar

as populações de origem estrangeira implicou mudança na avaliação do papel do

imigrante na economia e na cultura nacional. As ideias racistas relacionadas ao

aprimoramento do povo brasileiro por meio do branqueamento regenerador da

imigração operavam mudanças nas representações referentes ao aperfeiçoamento dos

povos, com a educação sendo hasteada a posição de fator determinante, predominando

aos fatores raciais. Diante disso, a alfabetização e a expansão da escola pública

tornaram-se panaceias capazes de resolver os problemas do país, especialmente na

década de 1920, expressando-se nas preocupações centrais das reformas do ensino

naquele período. (SANTOS; 2008; 2009 e 2013).

A nova forma de organização escolar para o ensino primário, por meio dos

grupos escolares, advinda de São Paulo, consistiu em uma realidade presente em

diversos contextos brasileiros. Nessa circunstância, é que os dirigentes da educação e do

Estado de Santa Catarina propõem-se a visitar outros Estados da federação para

perceber e apreender referenciais percebidos em outros contextos.

O Estado de São Paulo insere-se neste propósito, pois, naquele momento,

responderia aos ideais de progresso e civilização almejados. Com o intento de aprimorar

e reorganizar a instrução pública de Santa Catarina e firmar seus ideais de progresso e

civilidade, por meio da educação, é que o Governador do Estado – Vidal Ramos –

solicita a presença de Orestes Guimarães para atuar em terras catarinenses.

Tendo assumido o Governo com o firme propósito de empregar

toda a energia de que me sinto capaz para demover a instrução

popular do nível em que está foi um dos meus primeiros cuidados

pedi ao ilustre Presidente do adiantado Estado de S. Paulo que

pusesse á disposição do meu Governo o professor Orestes

19

Para maiores informações, ver os artigos elaborados, entre os anos 2008 a 2015, por Ademir Valdir dos

Santos.

Page 93: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

89

Guimarães escolhido por mim para auxiliar o trabalho de

reorganização do ensino primário no Estado (SANTA

CATHARINA, 1911, p.26).

As obrigações de Orestes Guimarães iam além de instituir reforma, pois

praticamente não existia um sistema de educação, mas escolas e alguns professores e

inspetores regidos por leis. Desse modo, Orestes Guimarães deveria estabelecer um

sistema educacional que fosse capaz de prover ações capazes de resolver os problemas

do analfabetismo em geral e da assimilação dos grupos etinos estrangeiros. Sobre isso,

Fiori (1991) acrescenta:

Essa reorganização do ensino teve repercussão além das fronteiras

estaduais e isto deveu-se à sua eficiência, quando analisado no

contexto da época. Além disso, ela testemunhava a possibilidade

de um Estado de modesta receita orçamentária, com Santa

Catarina, poder remodelar sua instrução segundo o modelo vigente

no Estado de são Paulo, cujo farto orçamento deslumbrava as

demais unidades da federação. Essa repercussão foi estimulada,

ainda, pela circunstância dessa reforma ocupar-se veemente com a

ação da escola na assimilação de populações de origem alienígena

– principalmente alemã. Esse fato, com a participação do Brasil na

primeira guerra mundial em 1917 e conseqüente consideração da

Alemanha como país beligerante, tornou-se então um discutido

problema político de ordem nacional. (FIORI, 1991, p. 83).

A presença de Orestes de Guimarães em terras catarinenses é anterior à reforma

da instrução pública de 1911. Antes disso, a convite do governo, Guimarães veio residir

no município de Joinville, Santa Catarina, para dirigir e organizar o Colégio Municipal

de Joinville. O professor exerceu esta função de 1906 a 1909, ―fazendo com que o

referido colégio tomasse ares inspirados nos grupos escolares paulistas‖ (FIORI, 1991,

p. 85).

A atuação de Orestes Guimarães o levou a implantar a reforma da instrução

pública do Estado de Santa Catarina (1911). Esta visou, em grande proporção, ―à

reorganização do ensino primário, considerando-se também como ponto fundamental a

formação do professorado para atuar junto às escolas primárias‖ (FIORI, 1991, p.86).

Nesse contexto, em 1911 foi instalado, oficialmente, o primeiro grupo escolar em Santa

Catarina. Esta escola gestada na república compartilhava com outras modalidades de

escolas para as crianças catarinenses. De acordo com Norberto Dallabrida (2003), Santa

Catarina apresentava modalidades distintas de escolas e educação.

Page 94: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

90

Segundo o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis – IPUF, o Estado

de Santa Catarina possuía, em 1900, um total de 320.289 habitantes, distribuídos por 24

municípios. Nestes primeiros anos do século XX, a situação das escolas públicas

estaduais em Santa Catarina era muito precária. Vigorava a estrutura e o modelo

educacional de 1894, planejado na administração de Hercílio Luz, no qual predominava

a mentalidade de criar escolas atendendo mais à quantidade do que à qualidade do

ensino ministrado. Em 1906, havia 157 escolas e essas tinham 4.970 alunos

matriculados. Dois anos depois, em 1908, eram 177 estabelecimentos, com 6.707

alunos. Para Fiori (1991, p. 92), ―a atuação governamental de Vidal Ramos – período de

1910 a 1914 – foi decisiva para a educação catarinense, da qual seu Governo é

considerado o grande reformador‖.

Pode-se dizer que um dos principais eixos da Reforma do Ensino de 1911, foi a

criação de grupos escolares: amplas construções, bem iluminadas e arejadas, com novo

tipo de ensino: simultâneo, graduado em turmas homogêneas com lições que

originavam do chamado ―método intuitivo‖ ou ―lições de coisas‖ (TEIVE, 2014 ). Os

grupos escolares foram construídos nos principais centros urbanos do estado de Santa

Catarina: Joinville, Laguna, Florianópolis Itajaí, Lages e Blumenau.

2.1.2 – REFORMAS NA EDUCAÇÃO PÚBLICA DE SANTA CATARINA:

revisão, modificação e instrução

Vidal Ramos ao assumir o governo de Santa Catarina em 28 de setembro de

1910, fez uma ampla reforma no ensino público. Era um desejo, desde o início do

século XX, das elites republicanas catarinenses de reorganizar o ensino a partir do

modelo adotado pelo estado de São Paulo em que se investiu em um sistema de ensino

modelar, em que a escola passou a ser sinônimo de progresso e modernidade

republicana. As ações do governo catarinense iniciaram-se com a reorganização da

escola normal e adoção de uma série de leis e regulamentos que implementavam um

efetivo sistema de ensino público (FIORI, 1991, DALLABRIDA, 2001, TEIVE: 2003,

2011, 2014).

Cabe ainda salientar que, na passagem do século XIX para o XX, ganha relevo o

modelo paulista de educação, caracterizado na reforma da instrução pública do estado

de São Paulo, iniciada em 1891e que se tornou modelo para os demais estados da

Page 95: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

91

federação, na primeira década do século XX, dentre eles Santa Catarina. Esse modelo de

ensino já vinha sendo desenvolvido na Escola Americana de São Paulo, bem como no

Colégio Kopke e em outras escolas particulares do Rio de Janeiro e São Paulo. De

acordo com Teive (2014), esse era alicerçado na Pedagogia Moderna, que carrega em

seu bojo, uma concepção de criança20

muito peculiar. ―No seu ímpeto de disseminar,

país afora, o novo método de ensino, para os professores ‗bandeirantes paulistas foi de

grande ajuda os manuais de lições de coisas utilizados como guia para o preparo das

lições‖ (TEIVE, 2014, p. 167). É importante dizer ainda que, mediante o projeto de

educação paulista e, sobretudo, da criação dos grupos escolares, considerados a escola

da república por excelência (TEIVE, 2008), que houve o alargamento em que foram

adotadas as séries graduadas de leitura na Pedagogia Moderna. Elas foram criadas por

conta do ensino graduado, dividido em quatro séries, onde para cada ano escolar havia

um livro de leitura, além da cartilha de alfabetização, esta para o primeiro ano (TEIVE,

2008).

Contrapondo-se ao método tradicional de ensino, baseado na dedução,

o método de ensino intuitivo seguia a abordagem indutiva baconiana,

sintetizada pela versão científica da pedagogia, segundo a qual o

ensino deveria partir do simples para o complexo, do concreto para o

abstrato, do particular para o geral, do conhecido para o desconhecido,

das coisas para os nomes, das ideias para as palavras. Primeiro as

coisas, depois as palavras; primeiro a ideia, depois as palavras, signos

representativos das coisas. A perfeita relação estabelecida entre as

palavras e as coisas, entre ideia e signo, sintetiza o pensamento

moderno, assentado na concepção do conhecimento como

representação das coisas: as coisas se representariam como ideias; as

ideias representariam as coisas e as palavras seriam signos das ideias

(TEIVE, 2008: 113, apud, TEIVE, 2014, p. 156-157).

Desse modo, a criança elaboraria juízos, ordenando e fazendo relações,

expressando-se por meio da língua, comparando as representações sintetizadas entre os

signos e as relações estabelecidas entre as palavras e as coisas que as significam.

As ações instituídas pela reforma de 1911 sofreram revisões, em que o

Governador Vidal Ramos foi autorizado pela lei n. 967 de 22 de agosto de 1913, ―a

20

O protagonismo estava centrado no professor. ―As crianças deveriam ser educadas tal como a natureza

educou o gênero humano: intuitivamente, empiricamente, repetindo em suas vidas os estágios de

desenvolvimento de toda a humanidade‖ (p. 157). A criança tinha um ritmo, não poderia ir além, tudo

deveria estar adequado a sua idade, pois cada coisa deveria acontecer ao seu tempo. ―as lições de coisas

não deveriam ser resumidas a um molde, a uma lista, em que, para perguntas destituídas de interesse, se

apresentassem respostas secas, sem sentido para as crianças‖ (p. 169). ―a simples observação e descrição

dos objetos pela criança não garantiria o seu aprendizado: ela deveria apoderar-se do espírito das coisas, ir

além da intuição sensível‖ (p. 169).

Page 96: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

92

providenciar nova revisão nos regulamentos da instrução pública, introduzindo as

modificações que julgasse convenientes‖ (FIORI, 1991, p. 82), o que,

consequentemente, deu vida ao Regulamento Geral da Instrução Pública, em 2 de maio

de 1914, com o Decreto n. 794. Nesse novo Regulamento foram revisados os Programas

e Regimento das modalidades de escolas presentes no Estado. Muito do que fora

determinado pela reforma de 1911 permaneceu validado na reforma de 1914.

De acordo com o Regulamento da Instrução Pública (1914), as escolas

primárias do Estado recebiam as seguintes denominações: Grupo Escolar; Escola

Preliminar (escolas isoladas regidas por normalistas); Escola Intermediária (escolas

isoladas regidas por professores vitalícios ou efetivos, não normalistas); e Escola

Provisória (escolas isoladas regidas por professores nomeados); Escolas particulares,

subvencionadas ou não pelo Estado. Essa diversidade de escolas participava da

escolarização da criança (SANTA CATHARINA, 1914, p.19).

No estado de Santa Catarina, as escolas isoladas presentes no período imperial

foram reorganizadas dentro das propostas estabelecidas no período republicano.

Segundo Fiori (1991) essa modalidade escolar apresentava-se em quantidade superior e

alocava o maior número de crianças em Santa Catarina, presentes mais nas áreas rurais,

mas também apresentava um considerável número nos espaços urbanos.

Nessas escolas as atividades eram feitas por um só professor, que trabalhava na

mesma sala e com todos os alunos das três ou quatro séries ao mesmo tempo. É

importante ressaltar que os níveis de ensino eram diferenciados e os conteúdos eram

distintos para cada um deles, considerando a série que as crianças frequentavam. As

escolas isoladas apresentavam, em termos de número de alunos em relação aos grupos

escolares, um número considerável de matrículas, que se davam da seguinte forma:

―Escolas Isoladas – 9.138 alunos. Grupos Escolares – 2.261 alunos. Escolas Reunidas –

627 alunos. Escolas Complementares – 195 alunos e Escola Normal com 85 alunos‖

(FIORI, 1991, p. 87).

Em conformidade com os regulamentos da instrução pública do estado de Santa

Catarina (1911 e 1914), as escolas isoladas seriam criadas de preferência nos perímetros

urbanos e suburbanos dos municípios que não tivessem grupos escolares, permitindo

um grande fluxo de alunos, como se pode ver nas informações supracitadas. Para essas

escolas, fazia-se necessário comprovar a existência de no mínimo 60 crianças em idade

Page 97: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

93

escolar (7 a 14 anos), entre meninos e meninas de acordo com a escola a ser criada

(masculina, feminina ou mista).

As diferenças das instalações poderiam contribuir para que as crianças, em

certos casos, vivenciassem sua escolarização de modos distintos. Os grupos escolares

catarinenses seriam criados, de preferência nas sedes dos municípios com um terreno

apropriado à instalação e um prédio que fosse adequado ao funcionamento deste tipo de

escola. Para a criação dos grupos escolares deveria existir, no perímetro urbano, no

mínimo 150 alunos de ambos os sexos, em condições de matrícula.

Segundo Veiga (2007), os grupos escolares representam uma escola gestada de

acordo com os ideais republicanos. Referente aos grupos escolares, a autora afirma

ainda que: ―as novações básicas eram a organização das classes em séries, cada série

numa sala, um professor para cada série, organização das séries em etapas sucessivas e

grupos de quatro ou cinco séries reunidas em um mesmo prédio‖ (VEIGA, 2007,

p.242). Já Fiori (1911) salienta que os Regimentos Internos para os Grupos Escolares

(1911 e 1914) prescreviam condutas tanto para as crianças quanto para os docentes, bem

como aos demais servidores.

Outro aspecto apresentado diz respeito aos recursos financeiros para com a

educação catarinense. No ano de 1926, Adolpho Konder, governador eleito naquele

mesmo ano, já questionava sobre a precariedade da receita orçamentária do Estado.

Konder citava os esforços que o Estado empreendera para apurar a estrutura do ensino

catarinense, mas que, apesar disso, não fora possível, com os recursos financeiros

disponíveis, ―(...) alargar muito os benefícios da instrucção, levando-a onde seja

reclamada (...)‖ (SANTA CATHARINA, 1926a, p.39).

Essa expansão, à qual se referia o governador, dizia respeito à oferta de escolas e

às condições de suas instalações, que deixavam muito a desejar. Apesar das observações

do governador Konder (1926), o mesmo reconhecia sobre o muito que se havia feito

pelo ensino em Santa Catarina, mas afirmava que: ―Sempre alguma cousa resta, por

fazer, para adaptar a organização montada ás melhores conquistas da pedagogia, que

evolue no sentido da formação de uma mentalidade pratica, na criança‖. (SANTA

CATHARINA, 1926a, p. 39). Podemos verificar, com isso, que o Estado procurava,

com seus recursos, expandir o ensino primário aos catarinenses por meio da instalação

ou reorganização de escolas.

Page 98: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

94

Ainda sobre o ensino catarinense, em 1935, inspirado nas diretrizes delineadas

no VI Congresso de Educação realizado em Fortaleza, o ensino catarinense teve uma

nova reorganização. Sob a baluarte do professor Luiz Sanches Bezerra da Trindade, o

Decreto 713, de 5 de janeiro de 1935, a Reforma Trindade, estabelecido pelo Interventor

Federal Aristiliano Ramos, segundo Fiori (1991) considerava a necessidade de uma

nova formação dos docentes para que aplicassem novos métodos de ensino. Entre outros

aspectos relacionados está a criação do Departamento de Educação do Estado de Santa

Catarina, extinguindo a então Diretoria da Instrução Pública.

Porém essa Reforma não teve a qualidade apresentada para o ensino de Santa

Catarina como foi a Reforma Orestes Guimarães, resumindo-se numa reestrutura

administrativa.

A reorganização do ensino do ano de 1935 não teve a organicidade, a

amplidão e a complexidade da reforma levada a efeito por Orestes

Guimarães. Segundo alguns, foi uma política de ensino que, apesar da

elevação de propósito de seus mentores, pouco frutificou por ter sido

basicamente uma superestrutura administrativa e que nada introduziu

de novo nos currículos escolares – redistribuiu-os apenas. A partir de

1938, leis e decretos de diferentes natureza foram derrubando,

lentamente, essa reforma de ensino. (FIORI, 1991, p. 123).

Dentre os aspectos estabelecidos nessa Reforma, podemos entender que essa

reorganização do ensino sob a batuta de Luiz Trindade, concentrava-se numa ―missão

pedagógica e de técnicas administrativas‖ (FIORI, 1991, p. 123), ou seja, uma nova

política de ensino introduzindo quase nada de novo nos currículos escolares.

Compreende-se que os dirigentes do estado de Santa Catarina, nesse período do

início do século XX, buscavam as possibilidades da expansão do ensino público às

crianças catarinense. As reformas do ensino buscaram reorganizar administrativamente

e pedagogicamente as escolas públicas catarinenses, e os programas de ensino

orquestrados por Orestes Guimarães foram imprescindíveis para o ensino catarinense,

em acordo com as novas concepções educacionais implantadas por ele.

Essa nova sistemática de ensino apresentava-se também com uma uniformização

do período de matrícula: ―Anteriormente, as escolas costumavam receber alunos em

todo o correr do ano letivo, fato que afetava seriamente o bom aproveitamento dos

discentes‖ (FIORI, 1991, p. 96).

Desse modo, podemos entender que a legislação pode ser vista como conjunto

de leis possíveis em determinada sociedade, em dado momento histórico e como

Page 99: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

95

produto do jogo de forças, presentes no aparelho do Estado. Assim, as leis, com seus

artigos, parágrafos e incisos, são resultados do jogo de forças das diferentes classes

sociais que estão representadas no aparelho estatal, assim como as pressões possíveis

que as demandas representam, permitindo também outras considerações, auxiliando no

cotejamento da história regional com a história nacional (CHARTIER, 2002).

No tocante às condições pedagógicas no início do período republicano,

investiram em sucessivas tentativas de melhorar a estrutura organizativa do ensino. Os

primeiros governadores republicanos do estado de Santa Catarina – Manoel Joaquim

Machado, Hercílio Pedro da Luz e Gustavo Richard – tentaram promover tais

mudanças. Mas, foi no início da década de 1910, com o então governador Vidal José de

Oliveira Ramos, que essas tentativas iriam lograr êxito, com a Reforma Orestes

Guimarães, em 1911 (FIORI, 1991).

2.1.3 – ASPECTOS SOBRE A OBRIGATORIEDADE DO ENSINO

Quanto à escolarização da criança do ensino público catarinense, outro ponto a

ser tratado é sobre a obrigatoriedade do ensino. Parte dos pressupostos de que ―A

obrigatoriedade escolar era exigida para crianças de sete a quatorze anos e que

residissem até dois quilômetros distantes de uma escola pública‖ (FIORI, 1991, p. 96).

Essa obrigatoriedade viria para colocar todas as crianças na escola e, assim, promoveria

o projeto republicano que se estabelecia.

As reformas da instrução pública catarinense de 1911 e depois, em 1914, traziam

por meio de regulamentos da instrução pública os indicadores da obrigatoriedade do

ensino do Estado de Santa Catarina. Quanto a isso, o Regulamento de 1911 apresenta as

seguintes observações:

Art. 128 – O ensino preliminar é obrigatório para ambos os sexos, até

aos 14 anos, começando aos 7. Art. 129 – No perímetro de 2

kilometros, onde houver escola publica, as creanças de 7 a 10 annos

serão obrigadas a frequental-a, salvo freqüência em escola particular,

ou aprendizagem em casa própria. Art. 30 – Os paes ou responsáveis

por qualquer creança, que não satisfizerem ás condições do artigo

antecedente, ficam sujeitos á multa de 10$000 a 20$000. Art. 131 –

Para execução desses multas o inspetor escolar deverá: a) avisar ao

pae ou responsável, fazendo-lhe sentir a pena em que esteja

incorrendo; b) impor a multa e communical-a ao exactor, para que

proceda conforme a legislação fiscal. (SANTA CATHARINA, 1911b,

p. 31-32).

Page 100: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

96

O Regulamento de 1914 apresentou dois aspectos diferentes dos de 1911: 1) a

ampliação da faixa etária da obrigatoriedade de ensino de 7 a 14, anos prevista em 1911

passou para 7 a 15 anos em 1914. 2) o acréscimo do seguinte parágrafo: ―§ único. No

caso do responsável allegar falsamente aprendizagem em casa ou em escola particular

será cobrada a multa (...)‖ referente ao art. 127. Era preciso garantir o ensino obrigatório

e a gratuidade do mesmo a uma parcela da infância que corresponderia ao ideário

republicano, sendo que uma das justificativas para essa obrigatoriedade pode ser

pensada na garantia de que as crianças estivessem em acordo com os ideais de

civilidade, pretendidos pelo Estado e pela Nação.

É relevante ressaltar que a obrigatoriedade do ensino primário não era de

competência da União, pois a organização deste nível de ensino ficou a cargo dos

estados e municípios a partir da Proclamação da República. As questões relacionadas à

obrigatoriedade e à gratuidade para o ensino primário, nas primeiras décadas do Brasil

republicano, eram obrigações de cada estado, instituídas de acordo com a realidade de

cada contexto, conforme sinaliza Fiori (1991). Todavia, a obrigatoriedade das crianças

de frequentarem a escola estava associada à gratuidade do ensino, que deveria ser

mantido pelo poder público.

Porém, essa obrigatoriedade encontrara dificuldades orçamentárias no estado de

Santa Catarina, existindo o obstáculo de tornar possível a criação de muitas escolas

onde fossem solicitadas, principalmente na zona rural. Além disso, mesmo havendo

escolas, faltavam materiais, professores e até alunos, conforme afirma Fiori (1991). A

autora observa que as condições desfavoráveis de muitas escolas geravam o desinteresse

de muitos professores em lecionar nessas localidades.

Há de se pensar, também, que a determinação legal da obrigatoriedade carecia

não só da responsabilidade dos estado em garantir o acesso a escola, mas também da

permanência das crianças por parte das famílias, uma vez que era delas a

obrigatoriedade da matrícula. Outrossim, as famílias alegavam que também precisavam

de seus filhos, principalmente as moradoras na zona rural, onde as crianças contribuíam,

em certa medida, com os afazeres domésticos ou no campo.

Sobre esses aspectos podemos observar a fala do Superintendente Municipal de

Florianópolis, João Pedro de Oliveira Carvalho, em 1920, quando o mesmo assinala em

seu relatório que: ―nos centro ruraes nem mesmo se conseguiria alumnos para um curso

mais completo, porque as crianças, desde cedo, tomam parte na faina paterna e deixam,

Page 101: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

97

por isso, a escola, logo que adquirem os conhecimentos mais indispensáveis‖. (SANTA

CATHARINA, 1920, p.21-22).

Segundo Veiga (2006, p.85), deve-se analisar não apenas o cumprimento ou não

das normas prescritas, mas se trata da necessidade de perceber a ―exterioridade social‖

(famílias, condição material e orçamentária do Estado, localização geográfica das

escolas, entre outros aspectos), que contribuíram para que determinada realidade se

efetivasse.

Em outros aspectos, essa ―homogeneização da infância‖ através da

obrigatoriedade da matrícula, caracterizava, também, a exclusão, que em muitos pontos

tornava as experiências das crianças um instrumento de classificação que podiam ser

visto por meio da idade, de gênero, bem como por fatores sociais e materiais das

crianças.

Sobre isso, podemos discutir a partir dos regulamentos da Instrução Pública

(1911/1914), que em suas observações gerais sinalizavam a quem seriam negadas as

matrículas no ensino público primário, como podemos ver no Regulamento da Instrução

Pública de 1914: ―Àqueles que tivessem fora da faixa etária estabelecida; Os que

padecessem de moléstia contagiosa ou repugnante‖ (SANTA CATHARINA, 1914,

p.32).

Segundo, ainda, aqueles regulamentos, a faixa etária (para crianças acima de seis

anos de idade – 1911, e, para crianças acima de sete anos de idade – 1914) destinada às

escolas isoladas e aos grupos escolares, era comum, mas, que poderia ocorrer uma

separação de acordo com o sexo das crianças. Sobre essa questão, Teive (2011, p. 43)

afirma que, ―Nas escolas isoladas, as crianças poderiam ser separadas em escolas

masculinas, femininas e mistas. Nos grupos escolares, não seria admitido matrícula às

meninas nas seções masculinas, e, tão pouco os meninos seriam admitidos nas seções

femininas‖.

As indicações existentes nos regimentos dos grupos escolares diziam também

que não poderiam ser matriculadas ―as crianças de notório maus costumes; as imbecis e

os que, por defeito orgânico, forem incapazes de receber instrucção no estabelecimento‖

(SANTA CATHARINA, 1911 e 1914). Sobre esse aspecto, faz-se relevante pensar

sobre quem são as crianças consideradas ―de notório maus costumes‖ e fora das

indicações exigidas na matrícula nos grupos escolares: poderiam elas ser matriculadas

em outros estabelecimentos de ensino? Conforme Dallabrida, é possível que a elas

Page 102: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

98

estivessem reservadas outras ―instituições assistenciais e educativas de caráter

disciplinador, como asilos, orfanatos, o lazarento‖ (DALLABRIDA, 2001, p. 62).

As justificativas presentes nos regulamentos/regimentos, quanto à aceitação ou

negação de matrículas às crianças catarinenses, levam a refletir, também, sobre a

possível concepção de criança presente na proposta de escolarização vigente,

observando, também, o que o Professor Fontes apresenta, no prefácio da 1ª edição da

Série Fontes, sendo reproduzido em todas as demais com data de janeiro de 1920, sobre

a obrigatoriedade do ensino e a razão pela qual justifica o uso dessa série nas escolas

públicas do estado de Santa Catarina: ―Empenhando-se o Estado em tornar efetivas as

leis que promulgou sôbre a obrigatoriedade do ensino, precisa, por isso, facilitar a

aquisição de livros; precisa, mesmo, dá-los aos que não os possam comprar e aos que

relutem em adquiri-los‖ (FONTES, 1922, p. 5).

2.1.4 – CRIANÇA – SUJEITO ESCOLAR

As crianças são sujeitos da história e de história, uma vez que a condição infantil

é construída sócio-historicamente, pois, a história está nas crianças, uma vez que estar

vivendo a condição infantil comporta os sedimentos do tempo e da construção social

passada do ser criança.

A criança, ao nascer, necessariamente ingressa no ‗mundo dos

adultos‘, que na realidade é um mundo em que existem pessoas de

diferentes idades. Se adultos exercem a hegemonia dos processos

sociais, há que se pôr em questão os processo como são recebidos os

novos membros da humanidade na vida social, nos diferentes lugares,

momentos, grupos sociais, etc. A defesa da necessidade da educação

fundada nas instituições familiar e escolar, fez dessas instituições o

novo ―mundo dos adultos‖ pelo qual elas deveriam passar.

(KUHLMANN JR. & FERNANDES, 2004, p. 22).

Parece-nos evidente que querer saber mais sobre a criança com base nos estudos

historiográficos, as formas de pensar e ser de cada uma delas é também querer que mais

vozes ecoem dentro de todos os acontecimentos em que ela está presente, diretamente

ou não. Elas introduzem e sofrem modificações no modo como estão sendo crianças.

Em de 12 de outubro de 1927, entrou em vigor o primeiro Código de Menores,

Decreto nº 17.943-a, afirmando, em seu artigo primeiro, que aquela legislação era para

ser aplicada aos menores de 18 anos de idade. (BRASIL, Código de Menores, 1927).

Este critério foi seguido pelo Código Penal de 1940 (ainda vigente), em seu artigo 27.

Page 103: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

99

(BRASIL, Código Penal, 1940). O Código de Menores de 1927 declarava que ―Crianças

da Primeira Idade‖ (art. 2º) eram os menores de 02 (dois) anos de idade. (BRASIL,

Código de Menores, 1927). Estes recebiam, ou pelo menos deveriam receber os

primeiros cuidados dos seus pais ou responsáveis legais, bem como pelas autoridades

constituídas da época, significando uma cultura de proteção, guarda e vigilância à

integridade física, psicológica, e à saúde das crianças.

As crianças, com toda sua instrumentalização – seus sins e seus nãos, são mais

do que coadjuvantes na história da educação. A participação das mesmas na formação

de uma cultura está nos fatos que as constituem historicamente: já foram colocadas

dentro de ―rodas‖, presas em roupas que lhes impediam de movimentarem-se,

escondidas dentro de muros, largadas nas ruas. Lugares esses que desrespeitam suas

singularidades. Nota-se que as crianças das diferentes classes sociais eram submetidas a

contextos diferenciados de desenvolvimento: enquanto as crianças as classes menos

favorecidas eram atendidas com propostas de trabalho quem partiam de uma ideia de

carência e deficiência, as crianças das classes sociais mais abastadas recebiam uma

educação que privilegiava a criatividade e a sociabilidade infantil. A partir das décadas

de 1920 e 1930, quando se inicia o processo de implantação da industrialização no país

fomentando a inserção da mão de obra feminina no mercado de trabalho, os

movimentos operários ganharam força. Iniciavam sua organização nos centros urbanos

mais industrializados, e, reivindicavam melhores condições de trabalho, dentre elas a

criação de instituições de educação e cuidados para os filhos dos trabalhadores

(NAZÁRIO, 2011). Nessa mesma perspectiva, como sinaliza Priori (2009),

As crianças brasileiras estão em toda parte. Nas ruas, à saída das

escolas, nas praças, nas praias. Sabemos que seu destino é variado. Há

aquelas que estudam, as que trabalham, as que cheiram cola, as que

brincam, as que roubam. Há aquelas que são amadas e, outras,

simplesmente usadas. Seus rostinhos mulatos, brancos, negros e

mestiços desfilam na televisão, nos anúncios da mídia, nos rótulos dos

variados gêneros de consumo. (PRIORI, 2009, p. 7).

Assim, as crianças foram tomando espaço, passando de reis e rainhas a ditadoras

de opiniões.

Sobre a concepção de criança presente nas indicações para a matrícula nas

escolas primárias de Santa Catarina, podemos pensar que também estivessem

relacionadas aos aspectos da eugenia. Veiga (2007, p. 212) afirma que ―O termo

Page 104: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

100

eugenia foi cunhado por Francisco Galton (1822-1911) e se deteve na investigação da

transmissão de caracteres hereditários e, por meio dela, exprimiu-se a visão de

sociedade dos ‗bem nascidos‘‖. Já Silva (2016, p. 58-59) faz um estudo relacionado ao

termo e afirma que:

A eugenia é o movimento que aborda o aperfeiçoamento físico e

moral das pessoas, cabendo desde educar até sanear. Este conceito fez

parte da política de Estado no Brasil, que na época levantaram-se

bandeiras de todas as áreas e partes com o mesmo objetivo, instruir,

educar, higienizar e melhorar o conceito de brasileiro (tanto cidadão

quanto biologicamente).

Ainda sobre a faixa etária (7 a 14 anos de idade) que a criança deveria ter para

ser matriculada no ensino público catarinense, faz-se relevante ressaltar que essa idade

então destinada a ―escolarizar‖ a infância, estava associada a um dos aspectos de

representação de criança. Podemos entender que o número de crianças que eram

matriculadas nas escolas, correspondia ao que caracterizava o projeto de nação a que se

pretendia naquele período. No entanto, é importante compreender que essa constatação

corresponde às matrículas entre os anos de 1919 a 1935, conforme sinaliza Hoeller

(2009).

Segundo sintetiza Hoeller (2009, p. 44), no ano de 1919 o número de escolas

isoladas estaduais era 423, e o número de matrícula era de 11.537. Já o número de

grupos escolares era de 10 e o número de matrículas, 4.072. As escolas reunidas eram

duas, com 799 crianças matriculadas. No ano de 1924 eram 543 escolas isoladas, com

27.907 crianças matriculadas. Os grupos escolares eram onze, com 3.590 crianças

matriculadas. Já nas escolas reunidas, que eram sete, havia 1.128 crianças matriculadas.

No ano de 1925, mesmo com as novas escolas isoladas (554) o número de matrículas

caiu, totalizando 27.624. Embora o número de grupos escolares continuasse o mesmo

(onze), as matrículas aumentaram para 3.652 crianças e as escolas reunidas de sete

foram para nove, totalizando 1.427 matrículas. No ano de 1926 duas novas escolas

foram construídas, atendendo 28.326 crianças.

Os grupos escolares de 1ª e 2ª classe (nomenclatura da época) totalizavam 10 e

11, respectivamente, num total de 1.929 crianças matriculadas para o primeiro e de

3.722 para o segundo. Em 1927, eram 593 escolas isoladas, com 30.542 matrículas.

Nesse mesmo ano, os grupos escolares de 1ª e 2ª classe totalizavam onze,

Page 105: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

101

respectivamente com um total de 3.726 e 2.043 crianças matriculadas. Já no ano de

1928 o número de escolas isoladas passou para 673, com um total de 34.379 crianças

matriculadas. O número de grupos escolares de 1ª classe se manteve em 11, com 3.846

crianças matriculadas e o de 2ª classe passou para 12, com 2.225 matrículas. No ano de

1929 houve um aumento de escolas isoladas, passando para 690, com 38.798

matrículas. O número de grupos escolares de 1ª classe passou para 11, com 4.577

crianças matriculadas e o de 2ª classe passou para 13, com 2.546 matrículas. Em 1935,

eram 818 escolas isoladas com 45.621 matrículas e 49 grupos escolas, com 13.056

matrículas. Segundo a autora, o índice de matrículas nas escolas nem sempre

correspondia aos números de frequência: ―Aquela, grosso modo, ficava além desta‖.

(HOELLER, 2009, p.55).

Essas informações sobre as matrículas nos dão pistas de quantas crianças

tiveram acesso à Série Fontes no período entre 1924 e 1935. Pressupondo que era doado

um livro de leitura para cada criança, no ano de 1926, por exemplo, podemos elucubrar

que houve uma tiragem que poderia compor um número de 33.977 exemplares.

Outro aspecto relacionado à frequência das crianças nas escolas se refere às

condições atribuídas a elas de acordo com o regimento interno. No ano de 1911, dizia:

―trajar-se asseiadamente e calçar-se em dias determinados pelo diretor‖. Já no ano de

1914 destaca-se: ―Comparecer calçado nos dias de festas realizadas no estabelecimento.

Os alunos podem frequentar as aulas, calçados ou descalços‖ (SANTA CATHARINA,

1914, p. 26)

Exemplo disso é um registro localizado no Relatório da Conferência

Interestadual de Ensino Primário, realizada no Rio de Janeiro em 1921, no qual se

encontra a seguinte passagem: ―[...] a obrigatoriedade da frequência exige um serviço de

assistência aos alunos indigentes, aos quais teem de ser fornecidos livros e material

escolar como em muitos casos até vestidos e alimentação‖ (BRASIL, 1922, p.96 apud

HOELLER, 2009, p.56, grifo meu). A autora conclui que: ―O tema que fora tratado em

âmbito nacional, talvez, pudesse ser compreendido como realidade presente nos

diversos estados brasileiros, reservadas as devidas especificidades de cada contexto‖.

(HOELLER, 2009, p.57).

Outro ponto que posso destacar quanto ao ensino público primário catarinense se

refere à vestimenta, aos trajes usados pelas crianças, que de certo modo contribuíam

para dar visibilidade às escolas republicanas.

Page 106: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

102

Era importante demarcar os trajes das crianças nos momentos de

festas cívicas, desfiles patrióticos ou congêneres, pois essas ocasiões

transcendiam os espaços escolares e a própria uniformização. As

celebrações e vestimentas contribuíam para representar aquilo que a

escola pretendia estabelecer: uma escola da ordem, do civismo. Uma

escola da república. (HOELLER, 2009, p.59. grifo meu).

Podemos entender, então, que os uniformes remetiam às condições materiais,

diferenciando as crianças, tanto as que frequentavam os grupos escolares como as

escolas isoladas.

Dialoguei, até aqui, com base no entendimento do que apresentam os

Regulamentos de Ensino do estado de Santa Catarina dentro do período proposto para

essa pesquisa, destacando o de 1911 e o de 1914, que fazem parte de uma reforma

educativa para o estado, onde se estabeleceram diretrizes e normas dentro de um

engendramento político. Percebo, também, que esses encaminhamentos produziam uma

homogeneização da infância, colocando a escola como instituição provedora dessas

ações. Porém, podemos defender que nesses espaços diferentes infâncias eram

vivenciadas, pois mesmo tendo um caráter homogenizador, a escola era instituída de

crianças nas suas individualidades, singularidades, apresentando a concepção de criança

que se tinha naquele período.

2.1.5 – A FORMAÇÃO DA CRIANÇA SOB O OLHAR DO ADULTO – CIDADÃ

DO FUTURO

As práticas educativas das escolas no período 1911-1930, que interferiam no

processo de aprendizagem da criança e na sua formação como cidadão do futuro,

relacionavam-se a outros sujeitos, que efetivavam os propósitos estabelecidos. Esses

sujeitos com funções específicas eram o professor e o inspetor de ensino, que

contribuíam para a educação e formação da criança nas escolas de ensino primário de

Santa Catarina.

Referindo-se às docentes dos grupos escolares, ou seja, às professoras da

―Escola da República‖, Teive afirma que estas não só tinham a obrigação com o ensino

e aprendizagem das crianças quanto à formação cognitiva, mas, também, de dar

exemplo de ―moralidade e polidez em seus atos, tanto na escola como fora dela‖

Page 107: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

103

(TEIVE, 2011, p.67). Esses aspectos traduzem o papel do mestre e sua responsabilidade

social, apresentando às crianças elementos de uma certa cultura escolar, assegurando-

lhes o preparo para reproduzir o cidadão patriota, com princípios que deveriam aprender

no seu fazer pedagógico junto às crianças.

No Regulamento de 1911, Capítulo VIII, sobre os deveres e penas do pessoal

docente, se apresenta o ―Art. 39 – É dever dos professores: 5) Dar caráter prático ao

ensino e inspirar aos alumnos sentimentos moraes e cívicos que os habilitem ao

preenchimento do fim a que destinam‖. Já no Regulamento de 1914, Secção VII, ―Art.

91. A sua principal missão é educar physica, moral, e intellectualmente, de accordo com

os respectivos programmas, os alunos que se matricularem nas escolas do Estado‖.

Sobre esses regulamentos, Teive (2011, p. 121) afirma que: ―Apesar de alguns ajustes, o

regimento interno e o programa de ensino de 1914, tiveram vida longa na história do

ensino primário de Santa Catarina‖.

Os regulamentos da instrução pública do Estado de Santa Catarina de 1911 e

1914 atribuíam aos professores obrigações de ordem hierárquica, entre outros aspectos,

de obedecer às disposições do regimento. Além disso, no exercício de sua função

pública, dentro de suas atribuições, era-lhes assegurada uma gratificação por meio de

seu desempenho, verificado pelo diretor da escola onde lecionava e por uma banca

examinadora por ocasião dos exames finais.

Esses fatos indicam questões relacionadas à formação das crianças e ao que a

elas era empregado dentro desses regulamentos, no que se referia às obrigações

estimadas aos professores, pois esses exerciam uma ação direta sobre elas crianças.

Entendo que a escolarização da criança catarinense, nesse período, determinava algumas

especificidades relacionadas à sua formação, quanto ao que se queria como cidadão que

aquela viria a ser tornar. Outrossim, a formação docente daqueles que iriam preparar as

novas gerações também era vista como fator preponderante para o progresso social,

advindo dos investimentos na educação das crianças entre sete e quatorze anos de idade,

matriculadas no ensino público primário do estado de Santa Catarina.

Outro ator que tinha ação direta sobre a formação das crianças naquele período

era o inspetor escolar, que segundo Fiori (2011, p. 98), tinha o cargo remunerado e em

comissão: ―Desses profissionais exigia-se que fossem diplomados em Curso Superior,

Ginásio ou Escola Normal; e logo depois de nomeados deviam praticar durante dois

Page 108: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

104

meses nos Grupos Escolares, acompanhando sua organização, método e processos de

ensino‖.

Esses homens tinham papel importante no êxito da organização do ensino, a eles

cabendo não só a fiscalização sobre a infraestutura e os bens materiais das instituições

escolares e das ações pedagógicas dos professores, mas também da atividade das

crianças quanto à postura em sala, às suas vestimentas e as suas produções em todas as

matérias do ensino. Além disso, eram respeitados diante da sociedade: ―Os Inspetores

Escolares gozavam de elevado status nas comunidades e frente ao professorado

catarinense‖. A autora diz, ainda, que além de exercerem seus cargos de fiscalização

administrativa e pedagógica, ganhavam visibilidade no Estado e passavam a atuar na

vida pública: ―Homens que iriam ter decisiva atuação na vida pública de Santa Catarina,

atuavam então como Inspetores Escolares‖. (FIORI, 1991, p.99).

Em meio a esses profissionais da educação, quem também exerceu esse cargo foi

o Professor Fontes, na atividade de inspeção escolar como Chefe Escolar da Capital,

assumindo a ―responsabilidade de dirigir os destinos da instrução pública, sendo,

também, o fundador da primeira Faculdade de Filosofia‖ (FIORI, 1991, p.99).

Talvez seja oportuno pensar o papel do inspetor escolar não apenas como fiscal,

exercendo as normas impostas pelo Estado, prescritas nos regulamentos da época, mas,

considerar que suas ações no ensino catarinense produziam nas crianças sentimentos de

medo e admiração, respeito e repúdio.

Os relatórios elaborados pelos inspetores quando de suas visitas podiam conter

não apenas as ações dos professores, mas também indicações sobre as condutas das

crianças, como pode ser observado no relatório do inspetor Altino Corsino da Silva

Flores no ano de 1917, referente à visita ao Grupo Escolar Jerônimo Coelho, em

Laguna:

Os alumnos tem por habito conversar quase em voz alta, em

particular, não observam a posição de rigor em aula e, por

conseguinte, são desattentos e recalcitrantes. E o que se não explica é

que a professora dessa classe, D. Honorata Freitas, pouco se aperceba

disso, pois varias vezes a surpreendi a ministrar aulas sem se importar

com a conversa dos alumnos sem exigir que elles tornassem nas

carterias a devida posição. As ruidosas explosões da professora pouca

expressão deixam no espírito infantil, e até essa impressão se

desvanece facilmente se aquelas explosões são frequentes, por isso

que as crianças se acostumam a ouví-la e não temê-la. Quanto mais o

mestre grita, mais obrigado é a gritar, o movimento dos pés, as

Page 109: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

105

crianças mudando de atitudes, folheando os livros ou os cadernos,

tossindo, pedindo uma explicação, cochichando, formam esse todo,

um ruído contínuo, inevitável. A fadiga torna-o nervoso, desigual,

sujeito a arrebatamentos descomedidos, e toda classe se torna febril e

irritável. (CEZAR, 2007, p. 85, apud, HOELLER, 2009, p.77).

Sobre o controle do ensino público de Santa Catarina, pode-se dizer que foi de

relevância para aquele período, considerado um dos fatores decisivos para o êxito das

reformas educacionais republicanas, pois ―sem fiscalização, as reformas, em certos

casos, não iriam além das prescrições/previsões‖ (HOELLER, 2009, p.84).

As crianças estavam o tempo todo sendo vigiadas. A escola era um espaço de

controle sobre elas, sejam nos aspectos culturais, seja nas questões materiais

(uniformes, materiais didáticos e programas de ensino). Existia a vigilância direta dos

adultos, que dava, sob a ótica desses, significados às ações das crianças que não

correspondiam ao que estava estatuído dentro dos regulamentos, sob a ressalva de que

era para garantir a qualidade de escolarização das crianças. Esses elementos materiais

ou simbólicos contribuíram, de certa forma, com o modo de educar a infância nas

escolas primárias do Estado de Santa Catarina.

Com base nisso, podemos aferir os livros da Série Fontes como símbolos de

vigilância, na qual as representações de criança são condensações de uma dinâmica da

construção da sociedade humana, forjando novas possibilidades de ser/estar no mundo,

novas possibilidades de sentir e significar a vida social dentro dos ideais do projeto

republicano.

Assim, entende-se que a educação pública para as crianças do Estado de Santa

Catarina, nas décadas de 1910, 1920 e 1930, teve uma transformação cultural como as

Reformas instituídas por Orestes Guimarães. O cenário catarinense apontava para uma

educação moderna e as crianças de todo o estado ajudaram a promover, em certa

medida, essas ações, com a responsabilidade de aplicarem, no futuro, o aprendizado

vivido por elas na infância, principalmente o que aprenderam nos bancos escolares.

Nesse cenário cultural, diversos foram os atores que contribuíram para o exercício de

cidadania das crianças, em especial os professores e os inspetores escolares.

Page 110: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

106

2.1.6 – LIVROS ESCOLARES 21

E A CRIANÇA

Alan Choppin (2002), em ―O historiador e o livro didático‖, escreve que o livro

é um instrumento poderoso, que representa para os historiadores ―uma fonte

privilegiada‖ independente do interesse que têm sobre esse material, como questões

relacionadas ―[...] à educação, à cultura ou às mentalidades, à linguagem, às ciências...

ou ainda à economia do livro, às técnicas de impressão ou à semiologia da imagem‖

(CHOPPIM, 2002, p. 13). Assim, contribui para o estudo histórico dentro do universo

cultural, ganhando espaço como outros símbolos representativos da história (bandeiras,

moedas, estátuas...), pois transmite ideologias, ―participa, assim, estreitamente do

processo de socialização, de aculturação (até mesmo de doutrinamento) da juventude‖

(CHOPPIM, 2002, p. 14). A proposta do autor para pensar a pesquisa, tendo como fonte

os livros escolares, parte de cinco elementos estruturantes: (1) A amostragem; (2) As

condições regulamentares, técnicas e econômicas; (3) A defasagem temporal; (4) O

manual como imagem, o manual como espelho e (5) O manual como instrumento. A

complexidade que há frente às condições do uso dos livros escolares como fonte de

pesquisa constitui para o historiador uma fonte privilegiada, e que ―... a complexidade

do manual escolar como produto cultural e editorial, justificam amplamente o interesse

crescente que lhe destinam os historiadores...‖ (CHOPPIN, 2002, p. 23).

Cabe lembrar, ainda, que devemos ler os livros, estudá-los, compreendê-los,

como produtos de sua época (SANTOS, Ademir Valdir dos, em aula – 31/10/2017), e

que, as diferentes sociedades, em diferentes épocas, constituíram seu ideal de

representação, num jogo que algumas representações seriam mais dignas de se

lembradas do que outras; e os livros escolares contam isso.

Em um período em que o acesso aos livros era restrito, as crianças, além de

estarem sendo vigiadas pelos olhos dos adultos, estavam sujeitas a outros elementos que

também exerciam essa função, como os livros didáticos, por exemplo, que entre outros

aspectos, apresentavam, por meio de suas lições, o que estava prescrito nos Programas

de Ensino. Esses programas definiam o percurso e o curso das ações para com as

crianças, delineando os caminhos a serem percorridos e as disciplinas a serem

ministradas para cada ano escolar, nos quais os professores tinham referências legais

21

Para maiores informações sobre esse tema, ver estudo de Circe Bittencourt (1993), com base no projeto

―Educação e memória: organização de acervos de livros didáticos‖.

Page 111: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

107

para planejamento. Podemos observar que, a partir da legislação, eram estatuídas as

disciplinas, bem como os materiais a serem usados e até mesmo as ações dos

professores. Como estipulo um período de abrangência dentro da pesquisa, busco nos

programas de 1914, 1926 e 1928 elementos que ajudem a compreender as ações dos

professores, bem como que venham ao encontro do que estava sendo apresentado nas

lições da Série Fontes.

Como se viu anteriormente, a reforma do ensino, por meio do Regulamento da

Instrução Pública do Estado, em 1914, constituía em sua materialidade o papel do

professor para com as crianças das escolas públicas de Santa Catarina, em que os

professores tinham como dever, dentre outros, o que estava estatuído no item três do

Art. 94, que dizia: ―Usar nas escolas, exclusivamente, os livros adotados‖. (SANTA-

CATHARIANA, 1914, p.29). Compreendia-se que essa norma garantiria às crianças, de

certa forma, acesso aos materiais, ao menos na escola. A escola apresenta-se como o

lugar de saberes e fazeres, e o livro escolar é uma mercadoria destinada a esse mercado

específico. Assim, entendendo a escola como, ―um espaço e uma temporalidade que não

se reduz como espelho ou reflexo, à sociedade que a contém, mas inaugura práticas e

culturas que lhe são específica‖ (CHOPPIN, 2002, p. 15), o livro escolar deve se

adequar a esse lugar, significando que a escola, tomada como mercado, determina usos

específicos do livro, mediado por sua materialidade. No entanto, aqui cabe a pergunta:

foram os livros de leitura da Série Fontes que se adequaram à escola ou essa que teve

que se adequar aos livros?

A elaboração desses programas de ensino e a sua efetivação ou não nas escolas

públicas primárias de Santa Catarina são fatores que, em certa medida, estavam na pauta

daqueles que pretendiam reformar o ensino público catarinense, uma vez que os

conteúdos desses programas apresentavam a possibilidade de garantir tanto saberes

quanto condutas desejáveis às crianças, o que ocorria em consonância com as intenções

do Estado naquela época: o amor à pátria e formar as condutas do futuro bom cidadão.

O Decreto n.796, de 2 de maio de 1914, a partir da Lei n. 967 de 22 de Agosto

de 1913, ―resolve approvar e mandar observar nos Grupos Escolares e Escolas Isoladas‖

(SANTA CATHARINA, 1914, p. 6) o programa de ensino para esses estabelecimentos.

De acordo com o documento, cabia aos professores dos grupos escolares e escolas

isoladas do Estado de Santa Catharina, ―antes de ministrar as licções de cada pagina do

quadro, deve estudar os conselhos relativos ás mesmas, afim de tornar profícuas as suas

Page 112: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

108

aulas‖ (SANTA CATHARINA, 1914, p.25). O Decreto n. 1322, de 29 de janeiro de

1926, sob a Lei n. 1283, de 15 de setembro de 1919, ―considera que há necessidade de

uma revisão nos programmas dos Grupos Escolares e das escolas isoladas‖. (SANTA

CATHARINA, 1926, p.2). O Decreto n. 2.218, de 24 de outubro de 1928, sob a Lei n.

1.619, de 1º de outubro de 1928, assinada por Adolfo Konder, autorizou o Poder

Executivo a organizar a Instrução Pública.

Os programas de ensino para as escolas primárias de Santa Catarina

contribuíam, em certa medida, para categorizar as crianças através de seus currículos,

como podemos observar nos quadros 5 e 6:

Quadro 5: Conteúdos Programáticos ─ Grupos Escolares e Escolas Isoladas.

GRUPOS ESCOLARES ESCOLAS ISOLADAS

1º ano 2º ano 3º ano 4º ano 1º ano 2º ano 3º ano

Leitura Leitura Leitura Leitura Leitura Leitura Leitura

Linguagem

oral

Linguagem

oral

Linguagem

oral

Linguagem

oral

Linguagem

oral

Linguagem

oral

Linguagem

oral

Linguagem

escripta

Linguagem

escripta

Linguagem

escripta

Linguagem

escripta

-------------- -------------- --------------

Calligraphia Calligraphia -------------- -------------- Calligraphia Calligraphia --------------

Arithmetica Arithmetica Arithmetica Arithmetica Arithmetica Arithmetica Arithmetica

Gynastica

Gynastica

(seção

masculina e

feminina)

Gynastica

(seção

masculina e

feminina)

Gynastica

(seção

masculina e

feminina)

Gynastica

Gynastica

Gynastica

Trabalhos

Manuais

Trabalhos

Manuais

Trabalhos

Manuais

Trabalhos

Manuais

Trabalhos Trabalhos Trabalhos

História História do

Brasil

História História História História História

Música Música Música Música Canto Canto Canto

---------------- Ed. Moral e

Cívica

Ed. Moral e

Cívica

Ed. Moral e

Cívica

Ed. Cívica Ed. Cívica Ed. Cívica

Desenho Desenho Desenho Desenho -------------- -------------- --------------

---------------- Geometria

prática

Geometria Geometria -------------- -------------- --------------

-------------- Botânica 1ª

parte

Botânica Botânica -------------- -------------- --------------

-------------- Zoologia 1ª

e 2ª parte

Zoologia Zoologia -------------- -------------- --------------

-------------- Physica e

Chimica

Physica e

Chimica

Physica e

Chimica

-------------- -------------- --------------

-------------- Mineralogia Mineralogia Mineralogia -------------- -------------- --------------

Elementos

de Sciencias

e de

Hygiene

--------------

---------------

-

--------------

--------------

--------------

--------------

Fonte: Elaborado pelo autor, 2018, a partir dos dados do Decreto N. 796, de 2 de maio de 1914.

Page 113: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

109

Quadro 6: Conteúdos Programáticos ─ Grupos Escolares e Escolas Isoladas.

GRUPOS ESCOLARES ESCOLAS ISOLADAS

1º ano 2º ano 3º ano 4º ano 1º ano 2º ano 3º ano

Leitura Leitura Leitura Leitura Leitura Leitura Leitura

Linguagem

oral

Linguagem

oral

Linguagem

oral

Linguagem

oral

Linguagem

oral

Linguagem

oral

Linguagem

oral

Linguagem

escripta

Linguagem

escripta

Linguagem

escripta

Linguagem

escripta

Linguagem

escripta

Linguagem

escripta

Linguagem

escripta

Calligraphia Calligraphia -------------- -------------- Calligraphia Calligraphia --------------

Arithmetica Arithmetica Arithmetica Arithmetica Arithmetica Arithmetica Arithmetica

Hygiene Hygiene Hygiene Hygiene Hygiene Hygiene Hygiene

Agricultura Agricultura Agricultura Agricultura Agricultura Agricultura Agricultura

Canto Canto Música Canto Canto Canto -------------

Gynastica Gynastica Gynastica Gynastica Gynastica Gynastica Gynastica

Geographia Geographia Geographia Geographia -------------- Geographia Geographia

História História História História -------------- História História

(Pátria)

Ed. Moral e

Cívica

Ed. Moral e

Cívica

Ed. Moral e

Cívica

Ed. Moral e

Cívica

-------------- Ed. Moral e

Cívica

Ed. Moral e

Cívica

-------------- Desenho Desenho Desenho -------------- Desenho Desenho

Trabalhos

Manuais

Trabalhos

Manuais

Trabalhos

Manuais

Trabalhos

Manuais

-------------- Trabalhos

Manuais

Trabalhos

Manuais

-------------- -------------- Physica Physica -------------- -------------- --------------

-------------- -------------- Botanica Botanica -------------- -------------- --------------

-------------- -------------- Geometria Geometria -------------- -------------- --------------

-------------- -------------- Zoologia Zoologia -------------- -------------- --------------

-------------- -------------- Physiologia -------------- -------------- -------------- --------------

Fonte: Elaborado pelo autor, 2018, a partir dos dados do Decreto N. 2.218, de 24 de outubro de 1928.

Pode-se observar nos quadros que os programas apresentam conteúdos

diferentes para Grupos Escolares e Escolas Isoladas, demonstrando que o ensino se dava

de modo distinto. Assim, podemos entender que essa diferença, ou ausência de

disciplinas e conteúdos, principalmente para as crianças do quarto ano, revela que há

diferentes representações de criança no entendimento dos dirigentes do Estado de Santa

Catarina. Em ambos os quadros, em muitos aspectos, as especificidades dos conteúdos

estipulados para os Grupos Escolares apresentam maiores exigências para as crianças

que neles estudaram. Pode-se entender, assim, que as exigências quanto ao ensino para

as crianças de escolas isoladas eram menores. Talvez fosse o que se pretendia para o

cidadão do futuro: diferenciação de ensino.

Os programas de ensino apresentavam, também, questões quanto à leitura das

crianças. Nos quadros pode-se verificar que a leitura está presente em todas as séries

(anos) de ensino e em todos os programas. Assim, faz-se necessário escrever sobre esse

conteúdo do ensino para as escolas primárias de Santa Catarina, uma vez que a Série

Fontes, a nosso ver, é mecanismo para se verificar as representações de criança nas

Page 114: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

110

lições inseridas. Desse modo denota-se que a década de 1920 caracterizou-se pela oferta

e procura por instrução pública arrebatada pelo projeto de modernização da economia e

da construção da nacionalidade. A ideia de que resolver o problema educacional estava

no de demonstrar maior preocupação com a acessibilidade à educação, deixando

transparecer o antagonismo das classes sociais, como se pode ver presente nos

programas de ensino representados nos quadros 5 e 6, reforça o antagonismo da

educação brasileira. Nas regiões do interior, escolas isoladas e rurais, tinham-se,

teoricamente, uma educação apontada para a realidade de seu público, diferenciando-se

das escolas urbanas. Dessa forma, Estado e Municípios passaram a dividir o ônus

investindo escassos recursos e apostando numa melhor estrutura organizacional da

educação em Santa Catarina (FIORI, 1991, p. 82-123).

Tomar os livros de leitura da Série Fontes como modo de produção cultural leva-

me a considerar os mesmo como ―[...] prática simbólica, configurando-se como

formulação de uma outra realidade que, embora tenha como referente constante o real

no qual o autor e leitor se insere‖ (GOUVÊA, 2009, p. 2). Assim, ao trazer sua

compreensão do real por meio das lições organizadas na Série Fontes, o Professor

Fontes projeta a realidade pretendida e representa seu modo de pensar e ver o mundo

que quer formar, formular.

2.1.6.1 – Os livros de leitura

O livro é uma fonte cada vez mais discutida em congressos nacionais e

internacionais. Considerados efêmeros e pouco dignos de catalogação e guarda, os

livros escolares raramente ocupam as prateleiras dos arquivos públicos. Quando isso

ocorre, nem sempre são localizados ou estão em condições precárias de conservação

(BATISTA, 2002). Ainda segundo essa autora, as primeiras seis décadas do século XX

podem ser consideradas como ―período predominantemente representado na coleção de

livros de leitura‖ (BATISTA, 2002, p. 30), mas quanto ao seu acervo é pequena a

representação de coleções. Na proporção que instaura métodos e técnicas de

aprendizagem, torna-se um instrumento pedagógico, mas que, segundo Choppin (2002,

p. 14) ―Enquanto objeto fabricado, difundido e ‗consumido‘, [...] está sujeito às

limitações técnicas de sua época e participa de um sistema econômico cujas regras e

usos, influem necessariamente na sua concepção quanto na sua realização material‖.

Page 115: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

111

Convém por oportuno perguntar se os livros da Série Fontes podem ter atingido, em

maior ou menor grau, essa função, lembrando o que alerta Chervel: nem sempre as

―finalidades de objetivos‖ são convertidas em ―finalidades reais‖, ou seja, quando se

discutem as finalidades do ensino há de se considerar uma ―defasagem entre programa

oficial e realidade escolar‖. Enfatiza o autor: ―― De que lado colocaremos as

finalidades? Do lado da lei ou do lado das práticas concretas?‖ (CHERVEL, 1990, p.

189). É uma relação complexa.

Segundo Laurence Hallewell (2012), as edições impressas no Brasil são

comparáveis aos países com boa tradição editorial e, apesar do problema linguístico, as

exportações do livro brasileiro aumentam sensivelmente a cada ano. Após a reforma de

1911, a edição do Programa de Ensino para os Grupos Escolares de 1920, e o decreto

que tornou oficial a adoção da Pequena História Catharinense, as primeiras décadas do

século XX foram marcadas pela escassez de produção e circulação de obras sobre

história de Santa Catarina: ―Isso se deve, em parte, pela constituição tardia (em relação

aos demais Estados do Sul e do Sudeste) de uma chamada rede editorial no Estado, algo

que só se efetivaria a partir da década de 1980, com a implantação da Editora da UFSC‖

(Silva; Gasparini, 2010, p. 41). Na ausência de uma rede editorial, mesmo com a

presença da tipografia em Santa Catarina desde a década de 1830, foi o Estado que se

ocupou em financiar a produção e a circulação das obras relativas à história local e/ou

regional na primeira metade do século XX, condição que guarda ainda resíduos e se faz

atual.

Hallewell (2012) interessou-se pela produção bibliográfica latino-americana e,

em especial, pela brasileira, vindo ao Brasil por diversas vezes com a preocupação de

pesquisar a história da indústria editorial brasileira, quando organizou sua pesquisa de

doutorado (1970-1975) com base na coleta de subsídios bibliográficos em diversas

instituições culturais, onde manteve contato com as principais editoras, com

bibliotecários, historiadores e intelectuais. Com os dados em mãos, escreveu uma

história das editoras comerciais do Brasil, reunindo em um livro intitulado ―O livro no

Brasil – sua história, com primeira edição em inglês no ano de 1982. Depois, em 1985,

em português, apresentando vinte anos mais tarde (2005) uma nova versão.

Emir Suaiden, na apresentação dessa obra, a descreve como um relato

minuciosos das obras e dos autores publicados pelas editoras comercias e oficiais: ―A

obra retrata com precisão, clareza e com uma riqueza sem precedentes de dados

Page 116: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

112

estatísticos, todo o desenvolvimento das editoras brasileiras e os problemas econômicos,

sociais e políticos que elas enfrentaram para sobreviver‖ (SUAIDEN, 2012, p.19, apud,

HALLEWELL, 2012).

Trato desses dados para fomentar a discussão sobre o livro no campo da História

Cultural, ressaltando que na pesquisa do autor, os dados apresentados percorrem o

período do início do século XIX, com a chegada da corte portuguesa, a segunda metade

do século XX, por volta dos anos de 1970, buscando informações em um século de

história.

Dos dados apresentados pelo autor, destacamos a seção 19: A atividade editorial

nos estados no século XX, em que o autor afirma que:

Santa Catarina é o mais pobre dos estados do sul (o autor se refere a

edição de livros). O Anuário da Literatura Brasileira pra 1960, sem

dúvida consciente de que sua capital, Florianópolis, situa-se numa ilha

da costa e era antigamente chamada de Desterro, referiu-se a ela como

―uma ilha solitária no panorama da cultura brasileira‖, onde a

publicação de um livro era um evento que ocuparia apenas

―esporadicamente, com largos intervalos e quase despercebido do

grande público (HALLEWELL, 2012, p. 680-681).

Quanto ao destaque dos estudos sobre a literatura catarinense, Junkes,

pesquisador da produção literária de Santa Catarina, reporta-se sobre o assunto quanto à

existência, ou não, de uma literatura realizada no estado, perguntando-se: ―Existe uma

literatura catarinense? Talvez não. Mas, após ler e reler centenas de livros, cabe a

conclusão de que existem obras de autores catarinenses portadoras de valores estéticos e

humanos‖ (JUNKES, 1987, p. 15). O autor enfatiza ainda que a ―criação literária só

tem sentindo em função desse processo de ressonância através do leitor‖, ou seja, o

leitor se torna responsável por seu crescimento e maturação.

Ainda sobre as edições de livros em Santa Catarina o autor cita várias editoras,

mas em nenhum momento as que editaram a Série Fontes. Podemos entender que essas

editoras passaram despercebidas, ou que não se apresentaram em nenhum outro livro a

não ser na Série Fontes, ou, ainda, que essa era uma edição específica para as escolas

públicas de Santa Catarina, embora seu apresentador, Emir Suaiden, afirme que a

pesquisa de Hallewell retratou as publicações de editoras comerciais e oficiais. Assim,

podemos inferir que a Série Fontes pouco teve relevância para as pesquisas sobre as

editoras de Santa Catarina e Brasil.

Page 117: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

113

Quanto ao conceito de literatura, buscamos em Junkes (1987) quando o autor a

define como arte, comunicação e experiência humana, pressupondo que a obra literária

não conclui sua trajetória e função ao término de sua redação e publicação, pois ela é

comunicação, instrução escrita para o leitor, ou seja:

Não é qualquer pensamento que nos passa pela mente que pode

interessar a todos e nem qualquer associação de palavras será capaz de

comunicar uma experiência humana e despertar uma sensação

estética. A criação artística normalmente resulta de um persistente

aprendizado, de uma árdua luta pela expressão daquilo que se possui

em si. (JUNKES, 1987, p. 12).

Todavia, em Santa Catarina, até meados de 1910 não havia obrigatoriedade

quanto à adoção de obras didáticas oficialmente sistematizadas e adequadas às crianças

do ensino público primário. Porém, em outubro desse mesmo ano, o então governador

Vidal José de Oliveira Ramos sancionou a Lei n. 846, para ―reformar o primeiro

boccado do ‗pão de espirito‘ dada á infância catharinense‖ (GUIMARÃES, 1911, p.11).

Orestes Guimarães, então inspetor, pensando sobre o uso dos livros escolares,

argumenta sobre os mesmos por meio do Decreto n. 586, de 22 de abril de 1911,

dizendo que:

Não tenho a adopção geral das obras didacticas approvadas e

mandadas usar nas Escolas deste Estado; creio mesmo que jamais

houve adopção obrigatoria, mas no momento actual, em se tratando da

reforma do ensino, urge modificar o systema de simples approvação,

que, quando muito, significa a satisfação de algum pedido interessado.

Na Directoria da Instrucção Publica, porém, obtive esta significativa

lista de livros usadas nas escolas publicas primarias: Grammatica,

Lapagesse; Arithmetica elementar, Trajano; Constituição, Barbalho;

Geographia e Historia, Lacerda; Syllabario, Jardim; 1º, 2º e 3º livro de

leitura, H. Ribeiro. Excepto os três últimos, nenhum outro há que se

possa recommendar para o ensino primário. Não me refiro, está visto,

ao valor intriseco de cada um, digo, apenas, que estão mal collocados

nas mãos de creanças de 12, 13 e 14 anos. (GUIMARÃES, 1911,

p.10-11).

A partir deste parecer, sob o Decreto n. 596, de 7 de junho de 1911, o então

governador Vidal José de Oliveira Ramos, tornou obrigatória a adoção dos livros

didáticos: ―Art. 1º - Fica adoptadas para serem exclusivamente usadas em todas as

escolas publicas estadoaes as obras didacticas constantes da relação que a este

acompanha, assignada pelo Secretario Geral dos Negocios do Estado‖, senhor Caetano

Vieira da Costa. A relação das obras às quais se refere o governador traz a seguinte

Page 118: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

114

ordem: 1) Cartilha – Arnaldo Barreto; 2) Leitura Preparatoria – Francisco Vianna; 3)

Primeiro Livro – Francisco Vianna; 4) Segundo Livro – Francisco Vianna; 5) Terceiro

Livro – Francisco Vianna; 6) Minha Patria – Pinto e Silva e 6) Caderno de Calligraphia

vertical – por Francisco Vianna.

Sobre a adoção dos livros indicados por Orestes Guimarães (1911), o mesmo

ressalta:

O assumpto com effeito, para que adoptarmos livros de leitura que

ensinem ás creanças: brinquedos com bolas de neve, que lhes narrem

o uso de materias que não possuimos, que lhes descrevam em contos

cheios de saudades – o canto do rouxinol, do cuco, da cotovia e as

bellezas de céos etc., que jamais viram?! Não será mais justo, mais

natural e proveitoso lhes darmos livros que lhes digam: onde são

encontrados o café, o matte, o cacau, a borracha, o assucar, o algodao,

as madeiras etc?! Como são colhidos, preparados e expportados?! Não

é mais proprio que lhes narremos: como são fabricados o queijo e a

manteiga, segundo o nosso clima?! Que lhes digam alguma cousa do

saudoso canto do sabiá, do gaturamo, da araponga ou ferreiro?! [...]

Pobres creanças, que passaes cinco horas em bancos duros,

desacommodadas, embebidas na leitura de taes capitulos!

(GUIMARÃES, 1911, p.8).

Essas inferências de Orestes Guimarães indicam certa preocupação com a

criança, no desejo que aproximá-la de temas referentes ao estado de Santa Catarina,

assim como quanto o seu bem-estar físico.

No ano de 1917, sob o Decreto n. 1.062, de 7 de novembro, o então governador

Felipe Schmidt, considerou que:

algumas obras actualmente em uso nas escolas e mandadas adoptar

pelo Decreto n. 596, de 7 de junho de 1911, já não fazem as

necessidades do ensino publico, ministrado pelo Estado, e tendo em

vista a proposta do Secretario Geral e o parece da commissão por esse

nomeada, Decreta: Art. Unico: Ficam adoptadas para serem usadas

nas escola publicas estaduaes as obras e material didatico constantes

da relação que a este acompanha, assignada pelo Secretario Geral dos

Negocios do Estado‖. (SANTA CATHARINA, 1917, p.63-64).

Apresentam-se nessa lista, as seguintes obras (SANTA CATHARINA, 1917,

p.64):

Cartilha – Ensino Rapido – M.Oliveira;

Cartilha Analytica – M. Oliveira;

Cartilha Analytica – Arnaldo Oliveira;

Paginas Infantis – M. Oliveira;

Segundo Livro – Francisco Vianna;

Terceiro Livro – Francisco Vianna;

Page 119: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

115

Nossa Patria – Rocha Pombo;

A.B.C. do Agricultor – Dr. Dias Martins;

Grammatica Expositiva Elementar – Eduardo C. Pereira;

Anthologia Brazileira – de Eugenio Werneck;

Calligraphia Vertical – Francisco Vianna;

Calligraphia Ronder – Otto Boehm;

Quadros da Linguagem Oral – Ramon Roca e outros;

Mappas de Parker – F. Parker;

Cartões pra trabalhos – Breser e Rocca;

Livro do Mestre – Miguel Miliano;

Material para tecelagem – D. Rozina Soares e Miguel Milano;

Curso de Cartographia – José Carneiro e Pedro Voss.

Podemos observar que a relação dos livros e material didático foi ampliada,

tomando-se como comparação as indicações de 1911. Porém, essas relações tiveram

uma nova revisão. Sobre esses aspectos, Prochnow afirma que os livros de leitura

materializavam e unificavam o ensino por textos que buscavam ensinar a formar

crianças com valores nacionais.

Na busca pela nacionalização da leitura, Orestes Guimarães declarava

que um livro de leitura só deveria ter páginas de nossos prosadores, de

nossos poetas, de nossos navegantes, que descrevessem a nossa terra,

o que temos, o que somos, o que seremos (PROCHNOW, 2009, p.

42).

Prochnow ressalta ainda que, nesse período, o mercado literário brasileiro era

fortemente marcado por obras estrangeiras, nas quais se aprendia mais sobre os países

europeus e quase nada sobre o nosso país.

Em 21 de julho de 1928, o governador do Estado de Santa Catarina, Dr. Adolpho

Konder, entendendo que ―algumas das obras actualmente em uso nas escolas e

mandadas adoptar pelo decreto n. 1.602, de 7 de novembro de 1917, já não satisfazem

as necessidades do ensino publico‖, apresenta uma nova listagem de livros para serem

usados nas escolas publicas de Santa Catarina, e instituiu, a partir do Decreto n. 2.186,

uma nova relação para uso nas Escolas Isoladas, Grupos Escolares, Escolas

Complementares e Escola Normal. Apresento no quadro abaixo somente a listagem para

as escolas isoladas e grupos escolares, pois nessa se encontram os livros que irei

analisar.

Page 120: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

116

Quadro 7: Obras ─ Grupos Escolares e Escolas Isoladas.

Para Grupos Escolares Para Escolas Isoladas

Obra Autor Obra Autor

Cartilha analytica Marianno Oliveira Cartilha Popular Henrique Fontes

Cartilha analytica Arnaldo Barreto Primeiro Livro Henrique Fontes

Primeiro Livro Henrique Fontes Segundo Livro Henrique Fontes

Segundo Livro Henrique Fontes Terceiro Livro Henrique Fontes

Terceiro Livro Henrique Fontes Quarto Livro Henrique Fontes

Quarto Livro Henrique Fontes Cartilha Nacional Hilario Ribeiro

Terceiro Livro

(Corações de Crianças)

Rita Barreto Primeiro Livro Hilario Ribeiro

Contos Patrios Olavo Bilac e Coelho

Neto

Scenario Infantil Hilario Ribeiro

Mappa da America do

Norte

J. Monteiro Na terra, no Mar e no

Espaço

Hilario Ribeiro

Mappa do Brasil J. Monteiro Patria e Dever Hilario Ribeiro

Mappa da America do

Sul

J. Monteiro Mappa do Brasil J. Monteiro

Mappa da Europa J. Monteiro Mappa da America do Sul J. Monteiro

Mappa da Asia J. Monteiro Mappa de Santa Catharina (Propriedade do

Estado)

Mappa da Africa J. Monteiro A.B.C. dos termos

geographicos

General Niox

Mappa da Oceania J. Monteiro ----------------------------- -----------------------

A.B.C. Geographico General Niox ----------------------------- -----------------------

Mappa da figuras

geometrias

Henrique Figueiredo ----------------------------- -----------------------

Mappa do Systema

Metrico

Olavo Freire ----------------------------- -----------------------

Cadernos de

Calligraphia

Olavo Freire ----------------------------- -----------------------

Mappas de Parker Weisflog ----------------------------- -----------------------

Calligraphia Vertical F. Vianna ----------------------------- -----------------------

Ronde O. Boehm ----------------------------- -----------------------

Fonte: Elaborado pelo autor, 2018, a partir dos dados do Decreto N. 2.186, de 21 de julho de

1928.

Este decreto (Decreto N. 2.186, de 21 de julho de 1928), segundo Fontes (2011,

p. 82), ―considerava que os resultados dos métodos de ensino dependiam, de certa

forma, da seleção do material didático e, por isso, apresentava nova relação com

diversas obras e utensílios didáticos para serem adotados nas escolas isoladas e nos

grupos escolares‖.

Sobre a seleção dos livros de leitura, destacamos os do Professor Fontes, que,

em 1920, nove anos após o parecer de Orestes Guimarães (1911), organizou a Série

Fontes, que levou seu sobrenome, e, que esteve presente nas escolas do interior do

estado, tornando-se um material para as crianças, principalmente das escolas mais

afastadas dos centros urbanos, pois os materiais escolares eram, então, raros e caros,

dificultando a proposta do método de ensino intuitivo e das lições de coisas. Sobre isso,

Prochnow (2011) afirma que se tornou na maioria das escolas,

Page 121: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

117

[...] o regulador do currículo, e somente quando contemplava os

conteúdos curriculares é que se verificava a concretização das

determinações oficiais. Este foi o caso da Série Fontes, onde se

percebe que o autor buscou trazer, dentre as lições de cunho literário,

informações e textos que contemplavam disciplina como História,

Ciências e Geografia. (PROCHNOW, 2009, p. 61).

No prefácio dessas obras (tomadas para análise nessa pesquisa como veremos no

capítulo 4), explicava e justificava os motivos que levaram o autor à organização desses

livros: ―A causa deste emprehendimento foi a falta de livros de custo módico, de livros

que, podendo ser adquiridos sem sacrifícios pelos remedados [...] pudessem também,

[...] á larga, ser distribuídos gratuitamente entre aquelles para quem alguns tostões

representam quantia apreciável‖ (FONTES, 1920, s.p.).

Ainda sobre a justificativa da implantação de suas obras nas escolas

catarinenses, o Professor Fontes, apesar de se referir aos custos e à distribuição,

explicava que ―as lições de pedagogia, de modo que, ainda sob este aspecto de

importância capital, não sejam os presentes livros inferiores aos seus congêneres‖.

(FONTES, 1920, s.p.). O autor queria que todas as crianças tivessem acesso aos livros

de leitura, e, também, que esses fossem de qualidade, mesmo que tivessem baixo custo

para o Estado. Assim, tanto possibilita quanto restringe determinadas representações de

criança do mundo social.

Sobre isso, Souza (2010, p. 12) afirma que os livros da Série Fontes eram um

dos maiores transmissores do projeto de nação que o Brasil tinha naquela época, e que

―os materiais didáticos, autorizados pelo Estado, eram um dos meios de transmissão da

brasilidade em Santa Catarina, ou seja, eram obras escritas em que a política estava

igualmente didatizada entre os mais diversos temas que continham‖.

O Professor Fontes buscava se aproximar dos professores do ensino primário,

por meio de suas obras. No prefácio, destaca que, devido ao curto espaço de tempo que

teve para organizá-las e devido, também aos altos custos do papel, seus livros eram uma

―tiragem de ensaio‖, calculada para se esgotar naquele ano. Desse modo, fez as

seguintes observações:

Serão recebidas com muito agrado, todas as observações que os srs.

Professores publicos ou particulares a respeito dos mesmo queiram

fazer, convindo mesmo frisar que esta edição, devido ao curto espaço

de tempo em que foi organizada, e devido também á atual carestia do

papel, é uma tiragem de ensaio, já calculada para se esgotar no

Page 122: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

118

corrente ano letivo. Isso é mais uma razão para que os que lidam no

ensino se dignem mandar-me suas indicações, que serão acolhidas

como assinalado favor. (FONTES, 1920, s.p.).

Nesse sentido, supõe-se que a Série Fontes passou a ter contribuição dos

professores em suas próximas reedições, a partir do que tivessem vivenciado na sua

prática pedagógica, como uso dos livros da Série junto às crianças das escolas

primárias. Faz-se relevante ressaltar que não encontrei nenhum indicativo explícito da

participação dos professores nessas obras, nem em documentos oficiais, nem nas fontes

e referências apresentadas no primeiro capítulo dessa tese.

Mesmo só sendo indicada oficialmente no ano de 1928, como vimos no Decreto

n. 2.186, a escolarização das crianças catarinenses contou, segundo as fontes

pesquisadas, a partir do ano de 1920, com ―uma série de obras didáticas organizada por

um conterrâneo‖ (HOELLER, 2009, p.120).

Podemos pensar que, tanto as obras indicadas por Orestes Guimarães em 1911,

como as obras organizadas por Henrique Fontes em 1920, ―teriam a função de instruir e

educar a infância que frequentava as escolas primárias catarinenses, procurando se

instituir tanto material quanto simbolicamente‖ (HOELLER, 2009, p.120). Desse modo,

a formação das crianças das escolas públicas de Santa Catarina, nas décadas de 1910

(período em que Orestes Guimarães indicou as obras) a 1950 (ano da última reedição da

Série Fontes), se deu com essas obras como instrução, a partir de lições, demarcando

distintamente a criança que queria formar.

José D´Assunção Barros anuncia que todos os ―objetos culturais‖ e, dentre eles,

o livro, são produzidos entre práticas e representações, ou seja, os ―modos de fazer‖ e os

―modos de ver‖. Nesse sentido, as ―práticas culturais‖ não cabem apenas ―na feitura de

um livro, uma técnica artística ou uma modalidade de ensino, mas também os modos

como, em uma dada sociedade, os homens falam e se calam, comem e bebem‖

(BARROS, 2011, p. 46). Do mesmo modo, ainda afirma que esses pensamentos se

reformulam, pois ―Fazem parte do conjunto das práticas culturais de uma sociedade

também os modos de vida, as atitudes ou as normas de convivência, [...] que além de

gerarem produtos culturais no sentindo literário e artístico, geram padrões da vida

cotidiana‖ (BARROS, 2011, p. 48).

Quanto à representação desse objeto, o autor enfatiza que ela ―está associada a

um certo modo de ver as coisas, de dá-los a ver, de refigurá-los‖ (BARROS, 2011, p.

Page 123: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

119

46). Configurando suas ideias sobre essa teoria, ainda afirma que ―as práticas geram

representações e que suas representações geram práticas‖ (BARROS, 2011, p. 50).

Para melhor entendermos o sentido que o autor quer apresentar com base nas

práticas e representações como objetos culturais, busquei o que ele nos apresenta como

exemplo. O livro se constitui num ponto em que se encontra uma fonte comum, que

pode estar em uma junção de práticas e representações:

O livro é esse objeto da cultura que já passou por inúmeras formas,

mas, que nas linhas gerais, é um objeto cultural bem conhecido no

nosso tipo de sociedade. Para a sua produção, são movimentadas

determinadas práticas culturais e também representações, sem contar

que o próprio livro, depois de produzido, irá difundir novas

representações e contribuir para a produção de novas práticas.

(BARROS, 2011, p. 50).

A prática cultural que constitui na construção de um livro apresenta-se tanto na

ordem autoral como editorial. Sobre esses aspectos, Barros descreve que do ponto de

vista de ordem autoral, apresentam-se os modos de escrever, de pensar ou expor o que

será escrito e, quanto à ordem editorial, essa envolve o que foi escrito para construí-los.

Já segundo Junkes (1987, p. 15), ―O livro pretende ser um serviço ao estudante e leitor,

um caminho de compreensão e interpretação das obras literárias (nunca único e

exaustivo) e um meio de valorização daqueles que dedicaram tempo e esforço para a

construção de uma literatura‖.

Essas constatações nos fazem pensar, também, sobre a materialidade que o

Professor Fontes apresentou sobre os seus ideais a partir da organização da Série

Fontes, pois, as lições nela reunidas têm um caráter muito próximo à formação do

autor/organizador: a terra como religião. Não pretendo adentrar sobre esse aspecto, uma

vez que os estudos de Souza (2010), em sua dissertação intitulada ―Fé, Trabalho e Amor

à Pátria: os livros da Série Fontes construíram brasileiros no Estado Novo (1937-

1945)‖, já apresenta essas definições. Porém, quero enfatizar a relação do

autor/organizador com seus ideais e as representações de criança que ele caracteriza

como ―cidadão útil‖.

Sobre esse aspecto, Barros (2011, p. 50), afirma que:

Page 124: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

120

Da mesma forma, quando um autor se põe a escrever um livro, ele se

conforma a determinadas representações do que deve ser um livro, a

certas representações concernentes ao gênero literário no qual se

inscreverá a sua obra, a representações concernentes aos temas por ela

desenvolvidos. Este autor também poderá ser criador de novas

representações, que encontrarão no devido tempo uma ressonância

maior ou menor circuito leitor ou na sociedade mais ampla. Com

relação a este último aspecto, seria preciso lembrar que a leitura de um

livro também gera práticas criadoras, podendo produzir

concomitantemente práticas sociais.

Assim, o conteúdo do livro e, no meu caso, o da Série Fontes, pode gerar

inúmeras representações e termos que o atravessam, resultando determinadas

motivações e necessidade sociais ou individuais. Nesse estudo busco perceber o ideal de

criança para o Professor Fontes, ou seja, quais as representações de criança contida em

suas lições. Em decorrência, faz-se necessário compreender como foi representada a

criança ao longo da história.

2.1.7 – CRIANÇA: FIGURA SOCIAL E CULTURAL – FINS DO SÉCULO XIX

E INÍCIO DO SÉCULO XX.

Por crianças, entendemos, por ―sujeito histórico e de direitos que, nas interações,

relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva,

brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e

constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura‖ (BRASIL, 2010,

p. 12). Para esse estudo uso os trabalhos dos autores Philippe Ariès (2006), José

Gonçalves Gondra (2002), Moysés Kuhlmann Jr. e Rogério Fernandes (2004), Walter

Kohan (2005), Cynthia Greive Veiga (2007) e Mary Del Priore (2009).

Partindo do pressuposto de que a nação se forma com as crianças, podemos

perguntar por que se levou tanto tempo para estudar a história da educação com base

nelas. Se dirigirmos nossa atenção para o século XIX, ou até mesmo para períodos

anteriores, veremos que é difícil encontrar estudos e/ou pesquisas voltados à criança,

pois a falta de conhecimento sobre a mesma é digna de nota. Foi a partir do século XX,

com os estudos proporcionados pela biologia e pela psicologia, que a criança adquiriu

uma importância até então tida como ‗inexistente‘.

Page 125: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

121

Retendo a atenção para o contexto brasileiro, pode-se compreender que foi nas

primeiras décadas do século XX que a infância passou a ser objeto não só de estudos,

mas de importância para os intelectuais brasileiros.

Porém, há de se pensar que a ideia de criança é moderna. Dentro de um percurso

histórico, podemos perceber que o conceito de criança vem sofrendo modificações: ―(...)

as crianças estão ausentes na história no período que compreende a Antiguidade até a

Idade Média por não existir este objeto discursivo que chamamos ‗infância‘, nem esta

figura social e cultural ‗criança‘‖ (CORAZZA, 2002, apud OLIVEIRA, 2004, p.22).

Para melhor compreendermos esse processo, buscamos em Philippe Ariès (1981,

p. 156), argumentos quanto a esse sentimento sobre a infância. O autor mostra que:

[...] o sentimento da infância não existia - o que não quer dizer que as

crianças fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O

sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas

crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil, essa

particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto,

mesmo jovem. Essa consciência não existia.

De acordo com Ariès, as crianças eram vistas nos séculos XIV, XV e XVI como

um adulto em miniatura, ―pois os pequenos entravam logo no mundo adulto e não

dependiam tanto dos pais. Esses sim dependiam deles, pois quanto mais filhos, mais

braços teriam para trabalhar‖ (ARIÈS, 2006, p.157).

Esse entendimento de criança como adulto em miniatura foi sendo abandonado,

cedendo lugar para a criança como um ser social. No entanto, inserido nesse aspecto de

práticas que vieram para a colônia com os colonizadores, Mary Del Priore (2009, p. 83)

retrata o sentimento de ―paparicação‖ na época colonial brasileira, afirmando: ―Crianças

pequenas, brancas ou negras, passavam de colo em colo e eram mimadas à vontade,

tratadas como pequenos brinquedos‖. A autora completa dizendo que:

As pequenas crianças negras eram consideradas graciosas e serviam

de distração para as mulheres brancas que viviam reclusas, em uma

vida monótona. Eram como que brinquedos, elas as agradavam, riam

de suas cambalhotas e brincadeiras, lhes davam doces e biscoitos,

deixavam que, enquanto pequenos, participassem da vida de seus

filhos. (DEL PRIORI, 2009, p.111).

Page 126: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

122

Ainda sobre a criança no Brasil colônia, Del Priori (2009, p. 115) afirma que ―a

partir dos sete anos, os filhos de senhores iam estudar e dos pobres e escravos

trabalhar‖.

Já no século XIX, o conceito de criança como um ser singular está mais sólido.

Segundo Del Priore (2009, p. 140), ―Os termos criança, adolescente e menino, já

aparecem em dicionários da década de 1830. Menina surge primeiro como tratamento

carinhoso e, só mais tarde, também como designativo de ‗creança ou pessoa do sexo

feminino que está no período da meninice‘‖.

Assim, as crianças tornavam-se o centro das atenções e passaram a ser tema e

possibilidades de estudos e observações, e, aos poucos, começando pela Europa, elas

vão assumindo identidade, voz e estatuto legal. De acordo com Del Priore (2009), surge

a partir de então a preocupação com a higiene e a saúde da criança.

No Brasil, essa preocupação se dá em meados do século XIX, como afirma José

Gonçalves Gondra (2002, p. 107): ―Higienizar a esfera pública. Higienizar a esfera do

mundo privado. Torná-las indiferenciadas, a partir de um funcionamento moldado pelos

cânones da racionalidade higiênica, eis o desafio perseguido pelos homens da incipiente

ordem médica no Brasil oitocentista‖.

O autor indaga que, ao reconhecer e divulgar as contribuições da higiene, o

médico sanitarista Dr. Coutinho procurou produzir a legitimação do discurso higiênico,

em que a criança e sua educação deviam ser abrigadas:

Evitar, atenuar, corrigir e conservar, são constituídos em ações

diretamente vinculadas à Higiene, recobrindo-a de uma perspectiva

antecipatória, preditiva e preventiva. Marcas que, de sua parte,

também produzem uma espécie de religiosidade com que essa ciência

se faz representar. Marcas que procuram deslocar a ênfase da cura

para a ênfase na prevenção, processos cujos efeitos também são

assinalados pelo dr. Coutinho. (GONDRA, 2002, p.109).

O maior cuidado com a higiene fez com que as crianças tivessem maior chance

de sobreviver. Consequentemente, sua morte passa a ser vivida como um drama: ―Essa

vontade de salvar a criança só aumenta ao longo do século XIX‖ (GONDRA, 2002,

p.109).

Essa mudança também pôde ser percebida na inclusão de trajes próprios às

crianças, assim como também nas ciências. Personagens aparecem no universo infantil,

Page 127: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

123

dentre eles, o pedagogo, o professor, o assistente social, o juiz de menores, tornando,

dessa forma, a infância uma categoria particular.

Essa nova percepção em relação à criança, considerando sua individualidade,

ocorre simultaneamente às mudanças culturais associadas à premência de uma vida

urbana mais intensa, como afirmam Kuhlmann & Fernandes (2004).

Ao pesquisarem sobre a história da criança e da infância no Brasil, Kuhlmann &

Fernandes (2004, p. 15), destacam a dimensão da materialidade em que se dão as

práticas e se expressam as representações atribuídas à criança, dispostas nos espaços

públicos e privados, bem como nos impressos, nos manuscritos, nas imagens, nos

brinquedos, tentando estabelecer questões relacionadas à abrangência do conceito de

criança e de infância, ―sob os aspectos da sua duração, da sua dominação, da sua

universalização e das particularidades geográficas, sociais, culturais, históricas‖.

Os autores afirmam que as expressões história da infância e história da criança

não se sobrepõem. Segundo esses autores, a palavra infância ―evoca um período da vida

humana‖. Já o vocábulo criança,

[...] indica uma realidade psicobiológica referenciada ao indivíduo.

Pode essa realidade ser capturável como sujeito, no exterior do

conjunto de instituições? [...] Se a criança é definida como um dever

ser, ‗inventado‘ no decorrer da história, como surpreendê-la senão à

contra-luz das representações e práticas que a promovem? Assim, se a

história da criança não é possível de ser narrada na primeira pessoa, se

a criança não é nunca biógrafa de si própria, na medida que não toma

posse da sua história e não aparece como sujeito dela, sendo o adulto

quem organiza e dimensiona a narrativa, talvez a forma mais direta de

percepcionar a criança, individualmente ou em grupo, seja

precisamente tentar captá-la com base nas significações atribuídas aos

diversos discursos que tentam definir historicamente o que é ser

criança. (KUHLMAMM JR., FERNANDES, 2004, p.16).

Buscamos nos dizeres desses autores o que queremos salientar sobre a escolha

de pesquisar as representações de criança, entendendo que a criança é o sujeito que dá

significado a esse momento temporal vivido por todos. Ela que sente e que vive todas as

ações: brinca, se emociona, questiona, se forma, se informa. É por meio dos discursos

(pensando com base da filosofia relacionada ao significado do ser e da existência)

ontológicos que quero descobrir as representações de criança nas lições da Série Fontes.

Segundo esses autores, a história da assistência à criança pobre passou a ser

fonte de pesquisas, por meio de tratados, da legislação, de relatórios, especialmente após

Page 128: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

124

a segunda metade do século XIX: ―A história da assistência à infância constitui-se como

parte da própria história das instituições assistenciais‖. (KUHLMAMM JR.,

FERNANDES, 2004, p.27). Enfatizam, ainda, que a pesquisa sobre a criança no Brasil

ganha notoriedade a partir da Exposição Internacional Comemorativa do Centenário da

Independência, em 1922, momento em que,

[...] várias publicações e congressos se ocupam de propostas para as

crianças, com destaque para o 1º Congresso Brasileiro de Proteção à

Infância, que ocorreu em conjunto com o 3º Congresso Americano da

Criança, mas também a Conferência Interestadual do Ensino Primário,

o Congresso Jurídico, o 1º Congresso Eucarístico Nacional, o 2º

Congresso Internacional de Mutualidade e Previdência Social e o

Congresso Nacional dos Práticos. (KUHLMAMM JR.;

FERNANDES, 2004, p.27).

Desse modo entendemos que ao contrário de outros sujeitos que deixaram

registros de suas experiências, a criança não se faz escritora de sua própria história. No

entanto, por meio do discurso e práticas, se faz destinatária à formação de sua vida,

permitindo reflexões variadas na análise das fontes na escrita da história da criança.

Para kuhlmann & Fernandes (2004, p. 16),

Se a história da criança não é passível de ser narrada na primeira

pessoa, se a criança não é nunca biografia de si própria, na medida em

que não torna posse da sua história e não aparece como sujeito dela,

sendo o adulto quem organiza e dimensiona tal narrativa, talvez a

forma mais direta de percepcionar a criança, individualmente ou em

grupo, seja precisamente tentar captá-la com base nas significações

atribuídas aos diversos discursos que tentam definir historicamente o

que é ser criança.

São esses discursos que buscamos em lições da Série Fontes, que se fazem como

produções materiais e simbólicas sobre as representações de criança, numa perspectiva

que se construa hipóteses dentro de um registro documental, entendendo que essas

lições não traduzem a realidade, mas uma forma de representação do real, construída

por meio de signos, em que a matéria prima é a Série Fontes.

Ao dar visibilidade à criança a partir dos acontecimentos supracitados, podemos

entender que a década de 1920 apresenta propostas e iniciativas, ganhando mais

expressão e chegando às leis e à organização da Nação. Essa atenção à criança, dentro

de um campo histórico, se materializa por meio de conhecimentos historicamente

produzidos, legitimando a criança com base nos estudos sobre ela.

Page 129: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

125

Seguindo a linha de estudos sobre a criança na história, busco nos estudos de

Walter Kohan (2005), que faz uma analogia entre educação e filosofia. Em sua rigorosa

análise filosófica, Kohan busca nas obras de Platão esse sentimento de criança.

Segundo esse autor, o pensamento de Platão apresenta formas de tratar a criança

na história. Na primeira ele vê a criança como possibilidade. Na segunda, como

inferioridade. A terceira assertiva vê a criança como a não importante, a supérflua. E a

quarta a vê como material político. Sobre a infância como possibilidade, Kohan (2005,

p. 33) afirma que: ―infância é a possibilidade quase total, e enquanto tal, a ausência de

uma marca específica; a infância pode ser quase tudo; esta é a marca do sem-marca, a

presença de uma ausência‖. Quanto à segunda forma, a criança vista como

inferioridade, o autor afirma que essa inferioridade se estabelece ―frente ao homem

adulto, cidadão e sua conseqüente equiparação com outros grupos sociais, como as

mulheres, os ébrios, os anciãos, os animais; esta é a marca do ser menos, do ser

desvalorizado, hierarquicamente inferior‖. (KOHAN, 2005, p.33). Sobre a criança vista

como supérflua, afirma que está associada à ideia anterior, a qual ―é marca do não-

imporante, o acessório, o supérfluo e o que pode se prescindir, portanto o que merece

ser excluído da pólis, o que não tem nela lugar, o outro desaparecido‖. (KOHAN, 2005,

p.34). Na quarta forma a criança é vista pelos seus significados políticos, ou seja: ―tem a

marca instaurada pelo poder; ela é material de sonhos políticos; sobre a infância recai

um discurso normativo, próprio de uma política que necessita da infância para afirmar a

perspectiva de um futuro melhor‖ (KOHAN, 2005, p.34). Essas são as marcas que

constituem o pensamento platônico sobre a criança e a infância, conclui Kohan.

É importante ressaltar o que Kohan adverte sobre não corrermos o risco de julgar

as percepções platônicas descontextualizando-as da complexidade que é tratar com

diferentes realidades históricas: ―As realidades históricas são complexas demais para

permitir juízos tão superficiais. Simplesmente, estamos querendo delinear o modo como

Platão pensou a ideia de infância, para depois analisar a produtividade desse

pensamento na forma contemporânea de pensar a infância‖ (KOHAN, 2005, p.49).

Desse modo, Kohan nos traduz que esta concepção de criança, segundo as ideias de

Platão, põe em evidência particularidades que somente naquele período teriam a atenção

desejada.

Veiga (2004) trata os seus estudos sobre a criança e a infância com base no

conceito de modernidade, associada à civilização e progresso: ―Nessa primeira ordem

Page 130: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

126

de considerações, quero enfatizar que as relações entre infância e modernidade se

estabeleceram no esforço de produção de uma tradição, o ser criança civilizada‖

(VEIGA, 2004, p.37). A autora entende que o tratamento dado à criança em relação ao

mundo adulto esteve associado à produção de lugares específicos a ela destinados:

―Esses elementos foram fundamentais para que o ser criança civilizada fosse

universalizado como a infância moderna, revelando-se como uma tradição‖ (VEIGA,

2004, p.37).

Ao enfatizar questões relacionadas à criança civilizada, a autora afirma que os

acontecimentos que deram visibilidade à criança relacionam-se ao desenvolvimento dos

saberes científicos. Veiga (2004) destaca tais acontecimentos como:

O higienismo, a medicina, a psicologia, a eugenia e a pedagogia; o

aparecimento de instituições especializadas na infância, com destaque

para a escola primária; o desenvolvimento da família nuclear e seu

entorno, tais como a intimidade e o privado, o desenvolvimento de

uma nova e cada mais abundante materialidade e de hábitos de

consumo; a elaboração de novas formas de lazer e comemoração de

festividade; as reformas urbanas e previsão ao final do século XIX de

construção de parques infantis; a proliferação de muitos equipamentos

destinados à criança; a estruturação das leis trabalhistas ao final do

século XIX e a regulamentação do trabalho infantil. (VEIGA, 2004,

p.67-68).

Entre todos esses acontecimentos sobre a criança, quero dar destaque ao

processo de escolarização, em que, segundo a autora, confunde-se a identidade de

criança com a identidade de aluno: ―Queremos enfatizar que na condição de aluno não

esteve necessariamente presente uma consciência da infância como etapa distinta de

outras gerações‖ (VEIGA, 2004, p.68).

Podemos perceber por meio desse recorte que a criança foi sendo apresentada e

respeitada pelos homens de acordo com as necessidades sociais de cada momento

histórico. A criança passa a ser vista como categoria histórico-cultural, associada aos

contextos em que se insere. A criança tornou-se o centro das atenções e digna de ser

estudada por si só. Mas também podemos perceber que a criança é apresentada de forma

escassa até a literatura do século XVIII. Ariés (2006) mostra ainda que será na virada do

século XVIII para o século XIX que a criança renascerá como um ser cândido, puro,

alvo, digno de atenções e cuidados, tendo sua aparência quase angelical. Aos poucos,

essa criança começa a ser muito mais notada, vista, estudada. Isto não significa que o

Page 131: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

127

tratamento dispensado a ela fosse o ideal, apesar de algumas evoluções práticas

institucionais terem ocorrido nesta época: a criação de creches, de jardins de infância,

com o intuito de socializar essa criança.

Conforme já mencionado objetivo analisar as representações de criança

reproduzida nas lições contidas na Série Fontes. Para a elaboração de caminhos

conceituais que orientam a ideia de representação, entendo que a mesma equivale a uma

história de ideias. Segundo Chartier (1991, p. 17), nos permite ―identificar o modo

como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída,

pensada, dada a ler‖. Ainda em Chartier, representação é o produto do resultado de uma

prática, que nessa pesquisa, são os livros da Série Fontes: ―As lutas de representações

têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos

pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua compreensão de mundo social, os

valores que são os seus, e o seu domínio‖ (CHARTIER, 1991, p.17).

Para elucidar o diálogo quanto ao conceito de representação que está dentro de

meus objetivos, procuro entender como as ideias chegam até a criança por meio das

lições da Série Fontes, pois há que se compreender que ―nenhum texto fora do suporte

que o dá a ler, que não há compreensão de um escrito, qualquer que ele seja, que não

dependa das formas através dos quais ele chega ao seu leitor‖ (CHARTIER, 1991,

p.127). Quer dizer, as representações demonstram uma presença pública, de uma coisa

ou de uma pessoa, formando um corpo. Assim, pode-se entender que as representações

permitem, também, analisar o ser que o indivíduo ou grupo constrói e propõe para si

mesmo e para os outros.

No capítulo seguinte irei tratar do autor/organizador da Série Fontes e sua

trajetória de vida pública, bem como de decretos, leis e programas de ensino para as

escolas públicas catarinenses do período estudado, que dão base epistemológica para

esta pesquisa.

Page 132: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

128

CAPÍTULO 3 – OS LIVROS DE LEITURA DA SÉRIE FONTES E SEU

AUTOR/ORGANIZADOR

Esta pesquisa está circunscrita à análise de aspectos de conteúdo com base nas

lições instituídas na Série Fontes, elaborada pelo Professor Fontes. Para isto, me

aproprio de estudos já realizados sobre essa Série e seu autor/organizador, bem como

utilizo artigos de jornais da época, documentos e normativas oficiais para a escola

pública catarinense, em busca das respostas para questionamentos tais como: Quais

representações de criança se pode identificar nestes livros de leitura a partir da seleção

das lições? E, de modo complementar: Quem é e de onde fala o autor?

Um dos desafios encontrados na construção deste estudo foi à dificuldade em

conseguir exemplares originais, ou mesmo cópias (microfilmadas ou digitalizadas) das

obras para análise. Aqueles a que tive acesso estavam disponibilizados em sites ou

adquiridos em sebo foram: Cartilha Popular (1947), Primeiro Livro de Leitura (1945),

Segundo Livro de Leitura (1922 e 1934), um destes adquirido em sebo e o outro do site

da família Fontes. Quanto aos exemplares do Terceiro Livro de Leitura (1933, 1948 e

1951), um foi adquirido em sebo, outro emprestado e o outro acessado no site da família

fontes, assim como o Quarto Livro de Leitura (1949). Lembrando que, como ressalta

Choppin (2002, p. 22) ―O livro funciona, assim, ao mesmo tempo, como um filtro e

como um prisma: revela bem mais a imagem que a sociedade quer dar de si mesma do

que sua verdadeira face‖, as representações de criança que se insere nas lições da Série

Fontes podem também caracterizar procedimentos metodológicos e especificidades

juntos aos diversos destinatários (alunos, professores, famílias...). Assim, com essas

fontes em mãos, entendo a necessidade de apresentar primeiramente seu

autor/organizador, para, depois, apresentar a Série Fontes.

3.1 – PROFESSOR FONTES: alguns dados biográficos 22

O Professor Fontes tem uma trajetória complexa, em vários seguimentos. Tem

sido objeto de vários estudos que enfatizam um ou outro aspecto de sua vida. Nesse

trabalho o objetivo é apenas apresentar alguns elementos sobre o sujeito e suas relações

22

Informações obtidas no site da Família Fontes <http://www.henriquefontes.pro.br> , e no Instituto

Histórico e Geográfico do Estado de Santa Catarina em jul. 2017, bem como nos documentos

apresentados no capítulo 1 dessa tese.

Page 133: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

129

com o sistema educacional, destacando o seu papel como autor e organizador da Série

Fontes. Outras questões sobre sua configuração como homem público sugiro ver nas

pesquisas citadas no primeiro capítulo desta tese.

O Professor Fontes nasceu em 15 de março de 1885, na cidade de Itajaí, estado

de Santa Catarina. Era filho de Manoel Antonio Fontes e Ana da Silva Fontes, ambos de

ascendência portuguesa. Fez seu curso primário na cidade natal, mas aos 18 anos foi

estudar no Rio Grande do Sul, passando a frequentar o Ginásio Nossa Senhora da

Conceição, em São Leopoldo, na qual recebeu o bacharelado em Ciências e Letras, em

1906. Veio para Florianópolis em 1910, atuando como professor no então Ginásio

Catarinense e na Escola Normal Catarinense, nos anos de 1910 a 1917. Nesse mesmo

período, mas até 1918, foi professor de Pedagogia e Psicologia, em seguida substituindo

nas cadeiras de História e Geografia. É relevante ressaltar que em 1910 fundou o jornal

semanário A Época, que era de orientação católica, fundamentação religiosa do

Professor Fontes.

Em 25 de janeiro de 1912 casou-se com Clotilde da Luz (Fontes), que era natural

de Palhoça, município pertencente à grande Florianópolis. Desse casamento tiveram

treze filhos. Em 22 de março de 1966 o Professor Fontes faleceu no Imperial Hospital

de Caridade, da Irmandade do Senhor dos Passos, em Florianópolis, no qual também foi

sepultado.

Gostava de ser chamado de Professor Fontes (FONTES, 2011), pois em grande

parte de sua vida foi um educador. Sobre seu espírito e sua conduta diante da vida e das

pessoas, muito já foi dito, como mostram vários estudos, anteriormente citados.

Formado em Letras e Filosofia pelo Ginásio Nossa Senhora da Conceição, no

Rio Grande do Sul, o professor Fontes preenchia os requisitos exigidos para o cargo da

inspeção, assim como posteriormente veio a atua como chefe escolar e como professor

da Escola Normal Catarinense.

Exerceu cargos no estado, além dos de magistério secundário e normal:

encarregado de Serviço de Recenseamento Estadual (1918); Diretor da Instrução

Pública (de 1919 a 1926); Secretário da Fazenda, Viação, Obras Públicas e Agricultura

no Governo Adolfo Konder (de 1926 a 1929); Juiz Federal Substituto (de 1929 a 1934);

Juiz do Tribunal Regional Eleitoral e Procurador do mesmo Tribunal (de 1932 a 1934);

Procurador Geral do Estado (de 1934 a 1937); Desembargador do Tribunal de Justiça de

Santa Catarina, cargo em que se aposentou (entre 1937 e 1946); Professor de Economia

Page 134: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

130

Política da Faculdade de Direito de Santa Catarina, de cuja fundação participou,

colaborando com o Desembargador José Artur Boiteux (de 1932-1957); nesse cargo foi

aposentado, ao ser federalizada a Faculdade; Diretor, por duas vezes, da mesma

Faculdade, tendo-a, na primeira gestão, deixado instalada em prédio próprio (1933-1935

e 1942-1945); Diretor da Faculdade Catarinense de Filosofia, desde a sua fundação, a 8

de setembro de 1951, até ser incorporada na Universidade de Santa Catarina, a 15 de

setembro de 1961, tendo-a deixado instalada em prédio próprio, que inaugurou como

Cidade Universitária de Santa Catarina; encarregado dos estudos da criação da

Universidade de Santa Catarina, na conformidade da Lei estadual n. 1.362, de 29 de

outubro de 1955, art. 9º, cargo de exercício gratuito, de cujo desempenho apresentou

relatório, que está publicado no 2º caderno de "Pensamentos, palavras e obras" (1955-

1961).

Esses cargos deram ao Professor Fontes popularidade nacional, abrindo-lhe

portas para participação como representante estadual em eventos culturais, bem como

possibilitando que integrasse instituições renomadas como: Instituto Histórico e

Geográfico de Santa Catarina; Academia Catarinense de Letras, sendo um dos

fundadores; Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e Instituto Histórico

e Geográfico de Minas Gerais, dos quais era sócio correspondente; Academia Brasileira

de Filologia e Academia Carioca de Letras, do Rio de Janeiro, e Sociedade de Estudos

Filológicos, de São Paulo, das quais foi sócio correspondente. Membro do PEN. Clube

do Brasil 23

. Como presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, foi

um dos organizadores das Comemorações do Segundo Centenário da Colonização

Açoreana, em Santa Catarina e do Primeiro Congresso de História Catarinense, que fez

parte das mesmas comemorações, cabendo-lhe as funções de Presidente (1948). Foi

Provedor da Irmandade do Divino Espírito Santo e Asilo de Órfãs São Vicente de

Paulo, sendo em sua gestão ampliado o prédio e construída a capela (1929-1932). Foi o

primeiro Diretor-geral da Casa dos Professores de Santa Catarina, tomando parte na

organização do seu Estatuto e deixando-a instalada em prédio próprio (1952-1957).

Era um homem patriota e muito católico, e suas ideologias reverberaram em

obras literárias. Suas principais publicações são: quando Diretor da Instrução Pública

23

Fundado em 2 de abril de 1936, no Rio de Janeiro, por iniciativa do escritor Cláudio de Souza, destina-

se a congregar escritores do País, estimular a criação literária e a concepção universalista dos bens de

cultura, da liberdade e da paz, propugnando os sentimentos que animam o PEN Internacional, bem como

a UNESCO, sob cujos auspícios se encontra. Fonte: <http://www.penclubedobrail.org.br/historia.html>.

Page 135: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

131

escreveu os livros de leitura da Série de Livros de Leitura, iniciada em 1920 e que teve

edição até meados de 1950: Cartilha Popular; Primeiro, Segundo, Terceiro e Quarto

Livros de Leitura; além dessas obras, que são objeto de estudo para essa pesquisa,

publicou também: A Nova Ortografia (1931), ampliada no Prontuário Ortográfico e

Prosódico (1932); O Empréstimo Americano (estudo matemático, 1933); O Conselheiro

José Mascarenhas Pacheco Pereira Coelho de Melo (biografia, 1938); Lacerda

Coutinho (biografia e crítica literária, 1943); Estudinhos Antroponímicos (filologia 1ª.

série, 1944; 2ª. série, 1949); Projeto de Consolidação da Legislação de Terras do Estado

de Santa Catarina (1947); Digressões Antroponímicas (filologia, 1951). A Beata Joana

Gomes de Gusmão (biografia, 1954); O Irmão Joaquim, o Vicente de Paulo

Brasileiro (biografia, 1958); Nomes germânicos de mulheres (filologia 1959);

Primórdios e primícias (duas alocuções, 1959); Pensamentos, palavras e

obras (discursos e noticiário; 1º. caderno - Da Faculdade Catarinense de Filosofia, 1960-

2º. caderno - Da Cidade Universitária, 1962); O nosso Cruz e Sousa (discurso, 1961);

Temas Catarinenses (Os primeiros versos de Cruz e Sousa e os versos de circunstância;

O Almirante Henrique Boiteux no seu centenário natalício; Por que e para que a Cidade

Universitária de Santa Catarina? 1962). Consta ainda que deixou em adiantada

elaboração um Dicionário de nomes de pessoas, etimológico e comparativo. Publicou

em jornais e revistas artigos assinados e também editoriais, versando principalmente

assuntos históricos, biográficos, econômicos e filológicos. Proferiu muitos discursos no

exercício de funções públicas, em cargos de associações e como paraninfo.

Uma das curiosidades sobre o autor é saber que jamais realizou qualquer viagem

para fora do Brasil: ―Seu espaço geográfico palmilhado distribui-se entre o Rio Grande

do Sul e o Rio de Janeiro. No entanto, sua voz, por meio da carta, ecoou por todo o

Brasil, ultrapassando fronteiras e chegando até o outro lado do Atlântico‖ (PREUS,

1998, p.8).

Na sua gestão no setor educacional ampliou as escolas básicas, reuniu escolas

femininas e masculinas, criou a escola mista, fez cumprir a obrigatoriedade do ensino da

língua vernácula em todas as instituições, regulamentou o ingresso de professores por

meio de concurso público e reformulou os conteúdos programáticos do ensino básico e

da escola normal (PREUS, 1998).

Era constantemente muito sério, como aparenta nas fotos encontradas no site da

família Fontes e em publicações sobre o autor.

Page 136: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

132

Figura 2: Professor Fontes: Secretário de Viação e

Obras Públicas, no período de 1926 – 1929.

Fonte: site da família Fontes, acessado em 14 de fevereiro de 2018.

Havia nesse intelectual algo de muito valioso, como expressam os mais

próximos a ele. Compartilhava seu conhecimento e demonstrava-se solícito a quem lhe

viesse requerer algo, mesmo nos momentos que ocupou cargos elevados na educação

pública.

Para os seus confrades e admiradores mais íntimos era assim como um

timoneiro, embora sempre de cenho fechado e com algo de austero, não

era totalmente severo porque quando respondia ao diálogo, demonstrava-

se tocado de irradiação agradável, apenas era assim mesmo por causa do

saber erudito. (AURAS; MAMIGONIAN, 2016, p. 11).

Essa característica aparece, também, em lições da Série Fontes, nas quais não há

praticamente aproximação alguma de bom humor, ou algum aspecto lúdico, pois os

textos das lições aparentam ser predominantemente austeros e sempre possuírem

alguma utilidade, como podemos observar, por exemplo, na lição O Trabalho (Lição 1

do Primeiro Livro de Leitura), que Professor Fontes inscreve como virtude, pontuando

que se devia trabalhar com seriedade: ―quem não está sempre muito ocupado não é

capaz de fazer alguma coisa‖ (FONTES, 1945, p.5).

Em 1918, ao assumir o cargo de Diretor Geral da Instrução Pública, logo de

início, começou a fazer algumas modificações que considerava necessárias à educação

primária. Dentre elas, a substituição da série graduada de Francisco Viana pela série que

popularmente ficaria conhecida como Série Fontes.

Como já foi mencionado, o Professor Fontes era um católico devoto, posição

que reverbera em muitas lições que fazem parte da Série Fontes. No entanto, o período

Figura 3: Formatura na Faculdade

de Direito no Paraná – 1927.

Page 137: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

133

que se instaura na máquina pública é de uma educação laica, o que nos faz acreditar da

forte influência que esse intelectual tinha na esfera pública de Santa Catarina. Don

ponto de vista da prática religiosa, as lições da Série Fontes carregam em seu bojo a

mensagem proferida por seu autor/organizador, e, a escola que deveria ter uma

educação laica, trabalha com um material de cunho religioso.

Diante de tais afirmações, é fundamental reforçar como se apresentou seus

pressupostos teóricos e metodológicos, a partir das leis, decretos e normas.

3.2 – LEIS, DECRETOS E NORMATIVAS.

O contexto em que o Professor Fontes estava inserido, numa posição social e

política privilegiada, dava-lhe a oportunidade de estar presente nas discussões mais

próximas acerca da educação de Santa Catarina. Por ser ativo na política educacional

e por sentir-se muito à vontade nesse campo, buscava estar ativo nos espaços de

discussão sobre a educação catarinense, com o objetivo de qualificá-la, oportunizando

o acesso ao maior número possível de crianças.

Como já foi mencionado, o estado de Santa Catarina buscava qualificar o

ensino público, sintonizando-se com o que havia de mais moderno com base nos

pressupostos teóricos e metodológicos advindos do estado de São Paulo, considerado

à frente no campo educacional brasileiro.

Para o Professor Fontes, a organização do ensino público de Santa Catarina,

advindo de uma orientação à base de normas e decretos diante de um aparato

fiscalizador, do qual ele fazia parte, estabelecia e ampliava o acesso à educação aos

espaços mais remotos.

Os regimentos e os programas de ensino decorrentes desse período, fins do

século XIX e início do século XX, regulavam a instrução pública do estado,

autorizando e consolidando em suas leis e decretos a potência do que se acreditava

que constituía o ensino público catarinense (FIORI, 1991). Os pormenores

estabelecidos cumpriam o que se achava que era subsequente à aprendizagem,

apontando os caminhos a serem seguidos e os métodos a serem ensinados.

O acesso a documentos tais como decretos, leis, regimentos, normas e

programas de ensino possibilitou perceber, em boa medida, como se dava o ensino

Page 138: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

134

público em Santa Catarina nesse período estudado. A exaustiva imersão no campo da

pesquisa em busca de uns deles, apresentou outros que foram compondo a rede.

Para entendermos como se compôs, em alguns momentos, o cenário

educacional catarinense, apresenta-se alguns desses documentos, aos quais tive

acesso, com o intuito de demarcar o período que o Professor Fontes se fez presente,

bem como no intervalo anterior à sua passagem no cenário educacional catarinense.

Entendo, ainda, que buscar no passado as explicações que ajudem a compreender esse

processo, é considerar a história tal como se realiza em cada época, em parte

estabelecida nas definições das propostas educacionais.

O levantamento, e, seleção dos documentos da legislação educacional,

corresponde ao período de 1892 a 1937. Além de serem importantes para a história

das políticas educacionais de Santa Catarina, institucionalizam a própria história da

educação do Brasil. Esse conjunto de leis relaciona-se com as demais regras e normas

que regem a sociedade, constituindo e dando significados a expressões específicas.

O tenente Manoel Joaquim Machado, governador provisório do Estado de

Santa Catarina, sob Decreto n. 155 de 10 de junho de 1892, regulamentou o Ensino

Primário de Santa Catharina. O Título I – Fim e Classificação das Escolas Primárias,

em seu Art. 1, indica que: ―As escolas de ensino primário tem por fim dar a criança os

primeiros elementos da cultura physica, intellectual e moral, precisos para o

preenchimento de sua missão social‖ (SANTA CATHARINA, 1892,p.11). De acordo

com esse artigo, coloca na criança certa responsabilidade, uma missão a ser cumprida,

cabendo à escola promover essa ação.

Em suas obrigações como Instrutor Público, o professor Orestes Guimarães,

através do Parecer sobre Obras Didactas, em 21 de março de 1911, aprovou a adoção

dos livros de Francisco Vianna para o uso dos Grupos Escolares e Escola Isoladas do

Estado de Santa Catarina. Esses foram recomendados sob a justificativa de que ―O

livro de leitura é o livro dos livros no ensino primário‖ (1911, p.6) e ainda:

O assumpto com effeito, para que adoptarmos livros de leitura que

ensinem ás creanças: brinquedos com bolas de neve, que lhes

narrem o uso de materiais que não possuímos, que lhes descrevam

em contos cheios de saudades – o canto do rouxinol, do cuco, da

cotovia e as bellezas de céos etc., que jamais virma?! Não serão

mais justo, mas natural e proveitoso lhes darmos livros que lhe

digam: onde são encontrados o café, o matte, o cacau, a borracha, o

assucar, o algodao, as madeiras etc?! Como são colhidos,

Page 139: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

135

preparados e exportados?! Não é mais próprio que lhe narremos:

como são fabricados o queijo e a manteiga, segundo o nosso clima?!

Que lhes digamos alguma cousa do saudoso canto do sabiá, do

gaturamo, da araponga ou ferreiro?! Quantas historietas interessante

dos episódios da nossa curta e brilhante vida nacional, esquecidos

da maioria de nossas escolas, aliás cheias de livro de leitura com

capítulos como estes: A Sensibilidade Moral; A justiça; O Poder da

Imaginação etc; O Calor; O Magnetismo Animal; Da Camara dos

Deputados; Do Senado; Das Attribuições do Congresso. Pobres

creanças, que passaes cinco horas em banco duros,

desaccommodadas, embebidas na leitura de taes capítulos! (SANTA

CATHARINA, 1911, p. 8).

Com isso, entende-se que os livros de Francisco Viana estavam adequados ao

que seria ensinado nas escolas públicas catarinenses, seguindo os pressupostos

teóricos e metodológicos de que participava Orestes Guimarães.

Em abril de 1911, o Coronel Vidal José de Oliveira Ramos, Governador do

Estado de Santa Catarina, sob Decreto n. 586 aprovou o Programma de Ensino para a

Escola Normal, e o Decreto n. 588, sobre o Regimento Interno dos Grupos Escolares.

No Capítulo III deste decreto, destaco o Art. 9 que fala sobre os livros escolares: ―Os

livros escolares e mais objectos destinados ao ensino preliminar serão os aprovados e

adoptados pelo Secretario Geral, mediante parecer e proposta do Inspector Geral com

exclusão de quaesquer outros‖ (SANTA CATHARINA, 1911, p. 5). Em 7 de junho

de 1911, o governador, considerando o parecer do Inspector Geral do Ensino,

determinou a partir do Decreto n. 596 que: ―Art. 1º Ficam adptadas para serem

exclusivamente usadas em todas as escolas públicas estadoaes as obras didactas

constantes da relação que a este acompanha, assignada pelo Secretario Geral dos

Negocios do Estado‖. (SANTA CATHARINA, 1911, p. 88). As obras didáticas às

quais se refere são: as de autoria de Francisco Vianna: Leitura Preparatória; Primeiro,

Segundo e Terceiro Livro e o Caderno de Calligraphia Vertical. A Cartilha, de

Arnaldo Barreto e Minha Pátria, de Pinto e Silva. Por meio desses decretos podemos

observar que os livros de leitura para a educação pública catarinense estão submetidos

ao início de nova era.

A formação de professores de escolas públicas em Santa Catarina organizava-

se dentro dos parâmetros estabelecidos por Leis, Decretos, Regulamentos, ―seguindo

uma tendência não somente no Estado de Santa Catarina, como também em outros

lugares do Brasil quanto à necessidade de munir os professores de instrumentos mais

científicos e racionais para exercer sua prática‖ (DAROS, 2005, p. 14). Destaco

Page 140: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

136

algumas normatizações que, por meio de uma série de decretos consubstanciam a

formação dos professores para atuarem no ensino público catarinense, as quais

deveriam ser seguidas à risca.

Em 11 de julho de 1911, o Decreto n. 604 tratou do Regulamento das Escolas

Complementares do Estado de Santa Catarina. No Capítulo I, o Art. 1º destacava: ―As

escolas complementares são estabelecimentos destinados a facilitar a habilitação de

candidatos ao professorado e, bem assim, a desenvolver o ensino dos alumnos que

tenham terminado o curso dos grupos escolares‖ (SANTA CATHARINA, 1911, p. 5).

Em 29 de janeiro de 1912, ainda o governador Vidal Ramos, sob o regulamento

expedido com o Decreto n.585, de 19 de abril de 1911, ―Resolve approvar e mandar

observar para a pratica nos Grupos Escolares, dos candidatos ao magistério publico,

diplomados pela Escola Normal‖ (SANTA CATHARINA, 1912, p. 130).

Já a Lei n. 967, de 22 de agosto de 1913, ―Autoriza a revisão dos

Regulamentos da Instrucção Publica do Estado‖, revoga o Decreto n.796, de 2 de

Maio de 1914, do Regulamento Geral da Instrução Publica, estabelecendo a

graduação do ensino público estadual em quatro modalidades: Escolas Isoladas (três

anos de curso), Grupos Escolares (sequencia das escolas isoladas, quatro anos de

curso), Escolas Complementares (sequencia dos grupos escolares, annexas aos grupos

escolares, funccionando em desdobramento dos mesmos) e Escola Normal

(desenvolvimento dos programmas das escolas complementares).

Evidencio, também, o Programa de Ensino dos Grupos Escolares, aprovado

pelo decreto n. 1322, de 29 de Janeiro de 1920, revogado pelo governador em

exercício o Engenheiro Civil Hercílio Pedro da Luz. Nesse Programa faz-se menção à

cartilha e aos livros de leitura, do que podemos entender que seriam os livros da Série

Fontes, uma vez que não há nada indicado diretamente a eles. Na página 5 deste

Programa, chama a atenção a menção à cartilha para os alunos do 1º ANNO: ―1ª.

Leitura de sentenças da cartilha, escriptas no quadro negro. Os alumnos ficarão juntos

ao quadro negro, sem a cartilha‖. (SANTA CATHARINA, 1920, p. 5). Outro ponto

relevante são as notas das páginas 7 e 8:

NOTA: Às cartilhas ficam nas classes, a fim de evitar a confusão

que adiviria, aí, os paes em casa, para auxiliar, ensinassem por outro

methodo‖. (SANTA CATHARINA, 1920, p. 7). ―NOTA: O

professor deve ter todos os cuidados em não deturpar a pronuncia

das palavras, ao perguntar aos alumnos em quanto tempo são elas

Page 141: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

137

pronunciadas. Depois ensinará que não se diz tempo e sim sillaba.

Os alumnos, ao chegarem a esta phase, poderão levar a cartilha pra

casa, o que mais ou menos será em agosto. (SANTA CATHARINA,

1920, p. 8).

No 2º ANNO é mencionado o livro de leitura, dentro do primeiro ponto: ―1º.

Leitura de trechos do livro adoptado, feita pelo professor‖ (SANTA CATHARINA,

1920, p. 17). No 3º ANNO, pontua-se também: ―1º. Leitura, commentario e

reprodução de trechos do livro de leitura‖. (SANTA CATHARINA, 1920, p. 25).

Destaco a nota da página 30:

NOTA: O professor deve lembrar-se de que a história pátria é um

dos principaes elementos da educação cívica. Aproveite, por isso,

todas as oportunidades para despertar nos alumnos sentimentos de

são patriotimos. Três phases: 1ª) exposição; 2ª) argüição pelo

professor; 3ª) exposição pelo alumno. Aproveitem-se os mappas

sempre que for possível‖. (SANTA CATHARINA, 1920, p. 31).

No 4º ANNO não é mencionado o livro de leitura, mas se trata de um

compêndio. Podemos entender que a Série Fontes foi adotada até o terceiro ano

escolar, seguindo a ordem da Cartilha Popular, do Primeiro e do Segundo Livro de

Leitura, uma vez que, nesse ano, o Terceiro e o Quarto Livros não haviam ainda sido

editados.

Em fevereiro de 1926, o então Coronel Pereira da Silva e Oliveira, vice-

governador da época, no exercício do cargo de governador do Estado de Santa

Catarina, Decreta o Programma de Ensino das Escolas Isoladas das Zonas Coloniaes:

―Artigo único: Fica aprovado o programma que com este é expedido, organizado pelo

professor Orestes Guimarães, inspector das escolas subvencionadas pelo Governo

Federal, para uso das escolas das zonas coloniaes, revogadas as disposições em

contrario‖. (SANTA CATHARINA, Decreto n. 1944, de 27 de fevereiro de 1926, p.

4). O parecer desse Programma é assinado por Professor Fontes, Diretor de Instrução

Pública nesse período. Nesse programa é mencionado para o 1º ANNO, dentro da

SEÇÃO A, na PRIMEIRA e SEGUNDA PHASE ―A leitura correta da Cartilha‖. para

a TERCEIRA PHASE ―Primeiro livro‖. (SANTA CATHARINA, 1926, p. 9). No 2º

ANNO, ―Leitura diária do livro usado Segundo Livro‖. (SANTA CATHARINA,

1926, p. 14). Já para o 3º ANNO, ―Continuação e conclusão da leitura do Terceiro

Livro; leitura do Quarto Livro‖. (SANTA CATHARINA, 1926, p.20). O que mais

Page 142: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

138

chama a atenção não é o fato desses livros serem indicados, mas, os mesmos estarem

destacados em negrito e a menção ao Terceiro e ao Quarto Livro de Leitura, uma vez

que esses, segundo as pesquisas apresentadas no Capítulo I dessa tese, foram

publicados nos anos de 1929 e 1930, respectivamente. Sendo assim, não podemos

afirmar que esses faziam parte da coleção da Série Fontes.

Em 21 de julho de 1928, o Dr. Adolpho Konder, Governador do Estado de

Santa Catarina, ―considerando que algumas obras actualmente em uso nas escolas e

mandadas adoptar pelo decreto n. 1.602, de 7 de novembro de 1917, já não satisfazem

as necessidades do ensino publico, DECRETA: ―Art. 1º - Ficam adoptadas, para

serem usadas nas escolas publicas, as obras da relação que este acompanha, assignada

pelo Secretario do Interior e Justiça‖. (SANTA CATHARINA, 1928). Na relação

mencionada, as obras a que se refere são: para as Escolas Isoladas: Cartilha Popular,

Primeiro, Segundo, Terceiro e Quarto Livros de Leitura de autoria de Henrique

Fontes; já para os Grupos Escolares a Cartilha Popular não é mencionada, os demais

sim. Quanto às obras do Professor Fontes, mesmo já estando presentes nas escolas

públicas de Santa Catarina desde 1920, vemos que é somente por meio desse decreto

que são indicadas.

O Programma de Ensino dos Grupos Escolares, aprovado pelo Decreto n.

2.218, de 24 de Outubro de 1928, apresenta algumas mudanças em relação ao

programa de 1920. Destaco: ―1º ANNO – NOTA: Recorde-se a cartilha e passe-se ao

primeiro livro de leitura, iniciando os alunos no conhecimento dos synonymos das

palavras mais fáceis do livro‖. (SANTA CATHARINA, 1928, p. 7). Depois temos ―2º

ANNO. 1. Leitura – (Recapitulação do Primeiro Livro até junho, seguindo-se a leitura

do Segundo Livro)‖. (SANTA CATHARINA, 1928, p. 14). E a seguir ―3º ANNO 1.

Leitura (Recapitulação do Segundo Livro até junho, passando-se ao Terceiro Livro)‖.

(SANTA CATHARINA, 1928, p. 24). Por fim, exara que para o ―4º ANNO 1. Leitura

(Recapitulação do Terceiro Livro, leitura e conclusão do Quarto Livro)‖ (SANTA

CATHARINA, 1928, p. 35). Essas informações levam a perceber que os livros

mencionados no Decreto n. 1944, de 27 de fevereiro de 1926, que institui o

Programma de Ensino das Escolas Isoladas das Zonas Coloniaes, são dessa coleção.

Mais tarde, o Decreto n. 19.941, de 30 de Abril de 1931, assinado por

Francisco Campos, dispõe sobre a instrução religiosa nos cursos primários,

secundário e normal. São 11 artigos que dão vigência a esse decreto. Destacamos o

Page 143: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

139

―Art. 11º O Governo poderá, por simples aviso do Ministério da Educação e Saude

Pública, suspender o ensino religioso nos estabelecimentos oficiais de instrução

quando assim o exigirem os interesses da ordem pública e a disciplina escolar‖

(BRASIL, 1931, p. 26). Apesar de, anteriormente a esse decreto, a escola ser definida

constitucionalmente como laica, pode-se averiguar que perpassa em toda a Série

Fontes a noção da crença em Deus, havendo até lições com esse título.

Cabe destacar que, no Relatório apresentado a Cid Campos (Secretário do

Interior e Justiça), em 15 de fevereiro de 1927, pelo Director da Instrucção Publica,

Antônio Mâncio da Costa, se lê: [...] com o fim de facilitar a acquisição de livros de

baixo preço, que facilitassem às exigencias do ensino, o meu ilustrado antecessor

organizou, em boa-hora, uma série de compendios de leitura, cujos 1º e 2º são

largamente utilizados em nossas escolas, atravessando os prélos os 3º e 4º da série; o

secretário se refere a Série Fontes apresentando-a como material qualificado para o

ensino e aprendizagem nas escolas públicas catarinenses que não sairia caro para os

cofres públicos (COSTA, A. M. 1926, apud, FONTES, 2011, p.84).

Para evidenciar a contribuição da Série Fontes, em 2 de janeiro de 1940, o

professor Fontes requereu ao Ministro da Educação e Saúde, nos termos do Decreto-Lei

n.º 1.006, de 30 de dezembro de 1938, a autorização para a adoção, nas escolas

primárias, dos livros didáticos, a saber: Cartilha Popular, Primeiro, Segundo, Terceiro e

Quarto Livros de Leitura. Frisa no requerimento que, ao elaborar esses livros,

Não visou [...] qualquer provento de ordem pecuniária, nem tão pouco

os auferiu, subsequentemente, quando deixou aquele cargo [Diretor da

Instrução Pública de Santa Catarina] quer nas edições feitas pelo

Governo do Estado, quer nas feitas por particulares. Nem quer de ora

em diante tirar desses livros qualquer lucro material, não só pela sua

qualidade de magistrado – desembargador do Tribunal de Apelação de

SC, senão também porque se tem por muito bem pago com a

satisfação de continuar a contribuir para a educação popular.

(HENRIQUE FONTES, 1940, apud, FONTES, 2011, p.85).

Também nessa mesma data, escreveu ao irmão, o Cônego Thomas Fontes,

residente no Rio de Janeiro, pedindo que indagasse junto ao Ministério da Educação

sobre a relevância de sua obra para o ensino público:

Passando a outro assunto: preciso de um favor teu, que é o seguinte:

indagares com toda a brevidade, no Ministério da Educação, se já foi

nomeada a comissão incumbida de estudar os livros didáticos, de

Page 144: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

140

conformidade com o Decreto-lei nº. 1.006, de 30 de dezembro de

1938. Em caso afirmativo, de quem se compõe. Em caso negativo, se

vai ser prorrogado o prazo estabelecido no mesmo decreto. Motiva

este pedido o propósito que tenho de pedir aprovação para os livros

que organizei, quando DIP, nos quais, como sabes, não tenho

nenhuma vantagem pecuniária nem de outra ordem. Tenho, porém, a

eles ligado o meu trabalho e o meu nome e daí vem a estimação que

lhes voto. Além disso, são mais baratos do que outros quaisquer,

prestando assim auxílio aos desprovidos de bens. Essa modicidade de

preço foi até um dos motivos da sua elaboração. Outro, - e não menos

poderoso, - foi o incluir neles o nome de Deus, que em outros fora

sistematicamente omitido. (HSF. Carta ao irmão Cônego Thomas

Fontes. Florianópolis, 2, jan., 1940, apud PREUSS, 1998, p.84).

Enfim, a leitura desses documentos é prática criadora quanto às lições da Série

Fontes para buscarmos as representações de criança em seus textos, com base no

pensamento do autor/organizador e dos autores das lições. Pode-se dizer, ainda, que

cada um desses documentos, mesmo já sendo abordados na escrita da história da

educação de Santa Catarina e do Brasil, em suas especificidades constitui o escopo de

investigação que envolve essa Série e seu autor/organizador, dos quais, os livros da

Série Fontes associa o ensino de leitura aos conteúdos morais, cívicos, ideológicos

expressos em suas lições.

3.3 – A SÉRIE FONTES

Durante o período em que foi diretor da Instrução Pública (1919-1926), e até

mesmo nos anos posteriores, o professor Fontes se propôs a organizar uma coleção de

livros de leitura de baixo custo aos cofres públicos. Tal coleção se tornaria acessível a

todas as crianças do ensino público das escolas catarinense. Assim, organizou uma

cartilha e quatro livros que completavam a coleção: Primeiro, Segundo, Terceiro e

Quarto livros de leitura.

Em um projeto de civilidade e moralidade, pretendido pela nação brasileira

republicana, estava a necessidade de conduzir as crianças a um projeto que teria como

um de seus princípios a educação e que tinha na escola primária o espaço privilegiado

para fundamentar suas bases. Nesse sentido, a escola instrui a criança, garantindo por

intermédio de seus programas, leis e decretos, certos conhecimentos a serem adquiridos

e certos conteúdos a serem incorporados (TEIVE, 2014). Nesta perspectiva, o Professor

Page 145: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

141

Fontes lança um material que traria em seu conteúdo princípios correspondentes a tal

projeto de civilização.

Ao estabelecer uma seriação de 1º, 2º, 3º e 4º livro de leitura, no que parece, o

Professor Fontes estava atento a questão da escola seriada. Como problematiza Teive

(2014),

O chamado ―bandeirismo paulista‖ estava relacionado ao

pioneirismo do estado de São Paulo na organização da sua

instrução pública, de forma centralizada e hierarquizada, na

elaboração de programas e regimentos fixados em lei, na

implantação da escola graduada 24

, com seus prédios

imponentes, construídos de acordo com as prescrições médico-

higienistas e organizados segundo os postulados da pedagogia

moderna, leia-se, do método de ensino intuitivo e das lições de

coisas. (TEIVE, 2014, p. 167).

É nesse sentido que à escola graduada – na qual vários professores ensinam

―para certo número de crianças distribuídas em diferentes grupos e salas de aula, de

acordo com a idade e nível de conhecimento‖ (VIÑAO FRAGO, 2003, p. 75, tradução

minha)25

– representa o projeto de modernização do ensino.

Em 1920 o Professor Fontes publicou essa Série, a começar pela Cartilha

Popular, o Primeiro e o Segundo Livros. Em 1929, o Terceiro Livro na primeira edição,

e em 1930, finalizava a coleção com o Quarto Livro de leitura, sendo essa adotada nas

escolas públicas primárias até meados dos anos 1950. Segundo Silva Filho, esse tempo

de vida da Série Fontes deve ser levado em conta pela instância significativa da obra:

―Considerada a importância da Série Fontes, tanto pela longa duração quanto por sua

participação na formação de muitos milhares de crianças catarinenses, é relevante a

verificação do valor ético de sua autoria‖ (SILVA FILHO, 2013, p. 3-4).

A partir do prefácio das edições dos livros da Série Fontes, que serão analisadas

no capítulo IV, pressupõe-se que o Professor Fontes tinha como ideal, para os

24

O ensino primário era ministrado em quatro anos, com um programa enciclopédico com matérias que

proporcionavam uma educação integral - a educação física, intelectual e moral. Previa a utilização do

método intuitivo, o qual usava diversificados materiais didáticos, laboratórios e museus. Exigia-se uma

rígida disciplina dos alunos (assiduidade, asseio, ordem, obediência, etc.). O tempo escolar passou a ser

controlado através do calendário. Havia também práticas ―ritualizadas‖ e ―simbólicas‖, como os exames

finais, as exposições escolares, as datas cívicas e as festas de encerramento do ano letivo. A escola

graduada foi também responsável por gerar novos ―dispositivos de racionalização administrativa e

pedagógica‖, necessários para o desenvolvimento da sociedade capitalista, principalmente nos processos

de urbanização e industrialização. Foi ainda um projeto cultural a favor da nação, o qual educava mais do

que instruía. (TEIVE & DALLABRIDA, 2011). 25

―a un número determinado de niños distribuidos en grupos y aulas distintas en función de la edad y el

nivel de conocimientos‖ (Viñao Frago, 2003, p. 75).

Page 146: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

142

estudantes das escolas públicas primárias catarinenses, o acesso à leitura. Portanto, a

Série Fontes constitui-se como valioso documento para as pesquisas em História

Cultural.

A Série Fontes, adotada a partir de 1920, ainda na reforma Orestes Guimarães,

apresenta valores constituídos no discurso republicano, como patriotismo, moralismo,

normas, valores (dedicação ao estudo, à natureza, à família, ao lar, ao trabalho, à higiene

e cuidado com o corpo e alimentação). Outro aspecto a ser observado é o culto aos

heróis nacionais, aos símbolos nacionais, aos governantes políticos, bem como a

responsabilidade de ser criança. Pode-se pensar que viam as crianças não o que eram,

mas o que viriam a se tornar, um ―Vir a Ser!‖, o futuro do Brasil.

Além destes temas, algumas lições remetem aos valores cristãos, deixando em

segunda ordem os pressupostos de ensino laico estabelecido em lei (Decreto nº 119-A,

de 7 de janeiro de 1890), tão fervorosamente defendido pelos republicanos e,

particularmente, por Orestes Guimarães. O Professor Fontes, seja por sua formação

católica ou mesmo por seus ideais, ―deixa entrever aspectos que valorizam a

religiosidade, seja com ensinamento de caridade e de fé, ou até mesmo vinculando a

religiosidade ao sentimento patriótico‖ (PROCHNOW, 2009, p. 19).

A Série Fontes foi oficialmente indicada como material didático pelo Decreto nº.

2.186, em 1928, mesmo que os três primeiros exemplares já fossem usados nas escolas

púbicas primárias catarinenses desde janeiro de 1920. Segundo Ada Fontes (2011), o

sucessor do professor Fontes, Antonio Mâncio da Costa, no Departamento de Instrução

Pública, aponta no item ―XII – Livros escolares‖, do Relatório apresentado, em 15 de

fevereiro de 1927, ao Secretário do Interior e Justiça, Cid Campos, a relevância da

referida série para o ensino público catarinense, cujo benefício destacado é o baixo

preço,

[...] com o fim de facilitar a acquisição de livros de baixo preço, que

facilitassem às exigencias do ensino, o meu ilustrado antecessor

organizou, em boa-hora, uma série de compendios de leitura, cujos 1º

e 2º são largamente utilizados em nossas escola, atravessando os

prélos os 3º e 4º da série. (Governo de Santa Catharina, - 1926

Antônio Pereira da Silva e Oliveira. Relatório apresentado ao Exmo.

Dr. Secretário do Interior e Justiça pelo Director da Instrucção Pública

Antonio Mâncio da Costa – Anno de 1926. Florianópolis: Arquivo

Público do Estado de Santa Catarina, 1927, p. 14. (FONTES, 2011, p.

84).

Page 147: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

143

Outro fator que se faz relevante mencionar, segundo Souza (2010, p. 13), é o

fato de que a Série Fontes foi proferida como ―amostra da educação catarinense na

primeira metade do século XX, pois o papel do seu organizador na educação do estado é

reconhecido na história‖. Outro aspecto é que o conteúdo da Série Fontes não se limita

apenas aos escritos de Henrique Fontes, mas cita diversos autores de relevância da

época, e ―deste modo, sintetizava significativa parte do pensamento pedagógico

brasileiro‖ (SOUZA, 2010, p15).

Assim sendo, apresenta-se a relação dos livros a serem adotados a partir de

1928. Na publicação abaixo observa-se a listagem dos livros e cartilhas a serem

utilizados nas escolas isoladas e grupos escolares, na qual se fazia referência à Série

Fontes.

Figura 4. Relação dos livros a serem adotados a partir de 1928. Fonte: Jornal A República - Acervo do Banco de Dados da Hemeroteca Nacional – 1927.

O que chama a atenção é a data que se apresenta nessa relação, pois, as

pesquisas feitas enfatizam que a Série Fontes estava presente nas escolas públicas do

estado de Santa Catarina desde os anos de 1920. Assim, entende-se que o Professor

Fontes fez uso de seu cargo de Diretor de Instrução Pública (1919 a 1926) para colocar

nas escolas o material que organizou mesmo antes de um decreto publicado como o

mencionado, ou que por haver um forte vínculo entre as editoras e editores; quem

gozava de certa influência política era convidado como tal, apto 26

.

26

Sobre essa temática, ver em: NICARETA, 2009 e 2010.

Page 148: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

144

Após essas análises, algumas questões ainda estão por ser respondidas. Dentre

elas, as escolha dessas lições e de seus autores. Desse modo, no item seguinte, apresento

uma possível resposta, partindo do pressuposto que os autores das lições se apresentam

na obra Antologia Nacional (1964), organizado por Fausto Barreto e Carlos de Laet.

3.4 – AUTORES E LIÇÕES ESCOLHIDAS PELO PROFESSOR FONTES: por

que umas lições e não outras?

Algumas questões ainda precisam ser respondidas. Uma delas está relacionada à

escolha dos escritores e das lições que o Professor Fontes selecionou para compor a

Série Fontes.

Ada Fontes (2011) dá destaque aos autores escolhidos pelo Professor Fontes

para compor as lições da Série, fazendo um paralelo com a obra Antologia Nacional.

Enfatiza que o Professor Fontes imprimiu

[...] um tratamento antológico ao reunir textos de diversos autores de

natureza e procedência variada. [...], revela um pensamento

pedagógico coerente com os processos didáticos mais avançados da

sua época ao tornar visível, audível, oloroso, saboroso e sensível

múltiplas lições de coisas que permeiam o coração, a mente e a alma

dos leitores infantis. (FONTES, 2011, p. 91).

Pergunta-se: por que ele escolheu uma lição e não outra do escritor que

selecionou? Para obter alguma resposta, fui à busca dos escritores que compõem a Série

Fontes e verifiquei que a gama de publicações é grande. Ao fazer uma busca encontrei o

livro Antologia Nacional (1964), organizado por Fausto Barreto e Carlos de Laet. Na

sobrecapa dessa obra há uma informação dizendo que é uma ―Coleção de excertos dos

principais escritores da Língua Português, do 20º ao 13º século‖. Segundo esse dado, há

uma escolha dos organizadores por escritores renomados do período, sendo esses

brasileiros e portugueses, e o entendimento de que:

O apartamento dos escritores em Brasileiros e Portuguêses fizemo-lo

só na fase contemporânea, em que claramente se afastaram as duas

literaturas como galhos vicejantes a partirem do mesmo tronco. Antes

disso razão de ser não houvera para tal apartamento, que apenas se

fundara em ciúmes de nacionalidade, muito mal cabidos na serena

esfera das letras. (BARRETO; LAET, 1964, p. 8).

Page 149: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

145

Quanto à escolha dos assuntos para a formação dessa obra, configura-se como

valor singular que se prendesse à literatura nacional:

Já não se nos afigurou desarrazoado, na escolha dos assuntos,

optarmos por aquêles que entendessem com a nossa terra; e por isto

nos sorriu que do Brasil falassem, não sòmente ROCHA PITA,

MAGALHÃES ou ALENCAR, mas ainda o quinhentista JOÃO DE

BARROS, e seiscentista FRANCISCO MANUEL DE MELO e o

coevo LATINO COELHO. Ouvir da Pátria por boca estrangeira e

imparcial é sempre delícia para todo coração bem nascido.

(BARRETO; LAET, 1964, p. 8).

É importante informar que, na busca dos escritores que compõem a obra

Antologia Nacional, verificou-se que se apresentam um total de 121 escritores entre

brasileiros e portugueses, poetas, escritores de contos e de fábulas. Desses 121, 16 deles

estão presentes na Série Fontes.

Ao examinar os textos (16) daqueles, fazendo uma comparação entre os que

estão na Série Fontes e os que estão na Antologia Nacional, encontro apenas um em

comum, intitulado ―Torrão Natal‖, sendo que na Série Fontes leva a assinatura de

Joaquim Manuel da Silva e na Antologia Nacional é de autoria de Joaquim Manuel de

Macedo. Ao fazer uma busca em outras referências verifico que essa lição é realmente

de Joaquim Manuel de Macedo. Portanto, há erros impressos na Série Fontes.

Mas, a pergunta que faço ainda não estava respondida. Assim, procuro ler as

lições dos dezesseis escritores perscrutando por uma possível resposta. No quadro 20

apresento os escritores e suas lições, presentes em ambas as obras, para que o leitor

possa verificar e elucubrar, também, sobre algumas hipóteses quanto à questão

levantada: Por que ―essa‖ lição e não ―aquela‖?

Page 150: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

146

Quadro 8: Contrastação ─ Lições e autores AUTOR OBRAS E TÍTULOS DAS LIÇÕES

ANTOLOGIA NACIONAL SÉRIE FONTES

Joaquim Manuel de

MACEDO

A Harpa Quebrada José da Silva Mafra

Torrão Natal

Joaquim Machado de

ASSIS

A Môsca Azul

Círculo vicioso

A Carolina

Quincas Borba

Visconde de Outro Preto

José de Anchieta

Rui BARBOSA O Trabalho e a Oração

A Paixão da Verdade

A Oração do Filho

A Liberdade

A Couve e o Carvalho

Bustos e Estátuas

O velho, o menino e a Mulinha

A Pátria

As bênçãos

O trabalhador

Trabalhador

O ideal

Ler e refletir

PS: esse autor tem alguns excertos

que não apresentam título

Henrique Coelho

NETO

A Primeira Palavra

Energia

Insone

Miragem

O Mentiroso

A roseira

O rato

A obediência

Os três grãos de milho

Diligência

A Família

Joaquim Nabuco

Silvio Vasconcelos da

Silva Ramos

ROMERO

O Romantismo no Brasil Rosa Maria Paulina da Fonseca

Olavo Brás Martins

dos Guimarães BILAC

Santos Dumont

Aos Jovens Brasileiros

Vanitas

Inania Verba

O Caçador de Esmeraldas

Aos meus Amigos de São Paulo

Beneditice

As flores

A pátria

Natal

O ovo de Colombo

O universo

O velho Rei

O avô

A casa

Oração a bandeira

José Maria Latino

COELHO

A Palavra

América e Portugal

Deus

Domingos José

Gonçalves de

MAGALHÃES

O Amazonas

Rio de Janeiro a Nápoles

Napoleão

Preces da infância

Hinos ao Criador

Antonio Feliciano de

CASTILHO

A Alberto de Oliveira

O Padre Manuel Bernardes

Paralelo entre Bernardes e Vieira

Conselhos do Conde D. Henrique a

seu Filho

Cântico da Noite

As plantas

Virtude e Ciência

Hino do trabalho

Antônio Gonçalves

DIAS

Canto do Piaga

Canção do Tamoio

O Mar

Canção do exílio

O homem forte

Casemiro Joaquim

Marques de ABREU

Meus Oito Anos Deus

Canção do exílio

Luis Nicolau

FAGUNDES

Cântico do Calvário O sabiá

Armas

Sete de Setembro

Raimundo da Mata Anoitecer A Leoa

Page 151: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

147

Azevedo CORREIA As Pombas

Mal Secreto

A Cavalgada

Peregrina

João de DEUS

RAMOS

Hino do Amor

A Vida

Amor filial

Conselhos

Comportamento escolar

João da CRUZ e

SOUZA

Siderações

Canções da Formosura

Assim Seja!

Domus áurea

Manuel Maria Barbosa

de BOCAGE

Deus

Contrição

Doçura da Vida Campestre

Resignação do Sábio

Um Condenado a Morte

A raposa e as uvas

Fonte: Elaboração do autor, 2018.

Ao fazer a leitura de cada texto, verifiquei que boa parte das lições que está na

Antologia Nacional é maior, apresentando mais caracteres, podendo-se entender que a

não escolha dessas é devido ao encarecimento que geraria na Série Fontes, uma vez que

uma das questões do Professor Fontes era apresentar uma obra de custo não elevado.

Outra hipótese é o fato de que a Série Fontes, na maior parte das lições, exalta o

patriotismo, os heróis nacionais, o ufanismo, enquanto nas lições apresentadas pelos

escritores na Antologia Nacional (1964) isso pouco aparece. Porém, verifico que os

textos de Rui Barbosa, por exemplo, estão muito próximos em seu conteúdo, em ambas

as obras, como se pode notar no quadro. Mas, o que chamou a atenção foi terem ficado

de fora da Série Fontes as lições A Oração do Filho (BARRETE; LAET, 1964, p. 120-

121) e O Trabalho e a Oração (BARRETO; LAET, 1964, p. 126), uma vez que

apresentam temáticas que estão abordadas na Série Fontes e também não são longas.

Outrossim, seus conteúdos não diferem muito do que o Professor Fontes queria

apresentar: a religiosidade, a obediência e o valor do trabalho.

Outro autor a ser destacado é Olavo Bilac, que está citado nos quatro livros da

Série Fontes. Uma das lições que caberia nessa é a que está na Antologia Nacional sob o

título Aos Jovens Brasileiros. Essa é um convite à juventude a ter ―impulso heróico, esta

arrancada sublime, em que vibra a nossa nação, neste alvorecer de pujança. Para que

esta alvorada se perpetue em dia gloriosos, é indispensável que desde já vivais, pensais

e trabalheis como homens‖ (BILAC, 1918, p. 168).

A pesquisa de João Souza (2010) aponta a necessidade de pesquisar um pouco

mais esse grupo de intelectuais que são apresentados como autores das lições. O autor

Page 152: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

148

enfatiza, ainda, que o Professor Fontes, ao citar esses escritores, conseguiu legitimar sua

obra frente à elite intelectual e política catarinense da época.

Assim, não se pode afirmar precisamente sobre as escolhas do Professor Fontes

quanto à cada lição que compõe a Série, mas penso que o tamanho da lição e a temática

da mesma informam uma boa hipótese que se apresenta com base no que ele com sua

obra: ―livros de custo módico‖.

As narrativas com crianças encontradas na Série fontes dão indicativos de que o

Professor Fontes queria com a educação e a escola: desenvolver e estimular nas

crianças, ao longo de suas trajetórias infantis, certas habilidades e conhecimentos que

atendessem expectativas, para se atingir certos perfis de adulto.

Esses fatos nos ajudam a olhar para a Série Fontes tentando entender seu valor

para a educação catarinense, bem como o poder ou a influência que o Professor Fontes

tinha, uma vez que se encontram nela dados circunstanciais que têm como base primária

a criança ali presente.

No Brasil, nas primeiras décadas do século XX cabia à escola um papel

civilizador, que deveria forjar a nação ordeira, laboriosa e educada, mediante a tarefa de

[...] regenerar as classes populares, capacitar as pessoas para o

exercício do trabalho livre disciplinado, moldar moralmente os pobres,

a fim de inseri-los na sociedade de forma subordinada; higienizar e

regenerar os corpos e para melhorar a raça, e, capacitar os indivíduos a

produzir o mais possível. Por fim, domesticar, por uma rígida

disciplina, as almas para aceitarem passivamente a ordem, a

hierarquia, a desigualdade social. (NUNES, 2017, p. 128).

Sabe-se que aprender é uma tarefa infinita, não linear e que permite compor as

ideias. Então, por que educar as crianças com sabes advindos da escola? Para que

educar as crianças? Pois, entendemos que os saberes subjetivos e objetivos definem-se

com base nos saberes disciplinares vindos da escola, num espaço institucional

sistemático, que busca constituir e apresentar as crianças. Desse modo, buscamos nos

livros de leitura da Série Fontes as representações de criança vinculadas a um ato

pedagógico de quem ensina e de quem aprende.

No capítulo seguinte irei tratar das análises das lições escolhidas em cada livro

da Série Fontes.

Page 153: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

149

CAPÍTULO 4: ANÁLISE DE CONTEÚDO

A análise de conteúdo das lições se dará com base nos estudos de Bardin (2016).

O procedimento metodológico se constituirá da seguinte forma: apresentação dos quatro

livros de leitura da Série Fontes; análises das lições escolhidas para essa pesquisa, com

o objetivo de perceber as representações de criança.

4 – OS LIVROS DE LEITURA: em busca de uma investigação

O presente estudo tem como objetivo principal buscar nas lições dos Livros de

Leitura da Série Fontes, organizados no período de 1920 a 1930, pelo Professor/Inspetor

Escolar Henrique da Silva Fontes, as representações de criança. Por oportuno, salienta-

se que não será contemplada a Cartilha Popular, parte integrante da referida Série, por

entender-se que a mesma não se incluiu no objetivo do presente estudo. A escolha

dessas obras decorre do alento, por parte desse pesquisador, da possibilidade de melhor

conhecer a criança que se almeja como projeto de cidadão, por meio dos textos de

leitura inseridos na Série Fontes, bem como da relevância da mesma, e, de seu

autor/organizador, para história da educação catarinense.

Utilizada entre as décadas de 1920 e 1950 em Santa Catarina, a coleção de livros

da Série Fontes, corresponde a quatro livros de leitura, além de uma cartilha de

alfabetização. Os exemplares que constituem as primeiras edições são assim

caracterizados: Primeiro Livro de Leitura, edição de 1920, com 38 textos, dimensões de

13,5 cm por 18,5 cm, editado pela Tipografia Livraria Central de Alberto Entres em

Florianópolis; o Segundo Livro de Leitura também é de 1920, impresso pela Livraria

Cysne, com 87 textos e as mesmas dimensões do Primeiro Livro; o Terceiro Livro de

Leitura é edição de 1929, impresso pela Livraria Central, contendo 84 textos e tendo as

mesmas dimensões dos anteriores; já o Quarto Livro de Leitura, edição de 1930,

também publicado pela Livraria Central Alberto Entres, com 85 textos, dimensões 14,5

cm por 19,5 cm (PROCHNOW, 2009).

Já as obras que serão analisadas, constituindo o corpus documental, são as que

tivemos acesso: Primeiro Livro de Leitura, edição de 1945; Segundo Livro de Leitura,

edições de 1922 e 1934; Terceiro Livro de Leitura, edições de 1933, 1948 e 1951 e o

Quarto Livro de Leitura, edição de 1949.

Page 154: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

150

Assim como nas pesquisas com que dialogo, não encontrei nenhum registro

sobre como se deu a organização desses livros, de como o Professor Fontes fez as

escolhas, coletou ou elaborou os textos que a compõem. Também não encontrei, como

verificou Silva Filho (2013) ―[...] Fontes quanto aos critérios para seleção dos textos.

Mas podemos supor que Fontes seguia, como um dos critérios, a conformação geral do

gênero livro de leitura, conforme apresentava na época (SILVA FILHO, 2013, p. 305).

As edições de 1922, 1945, 1948, 1949 e 1951 encontram-se no banco de dados

no site da hemeroteca catarinense. Com relação às de 1933, 1934 e 1948, foram

adquiridas em sebo. Busquei, ainda, ter acesso às primeiras edições, pois essas foram

editadas pelo autor, embora não obtive êxito.

Não foram encontradas significativas diferenças entre as edições, havendo o

mesmo número de textos em cada obra. O material utilizado parece ser papel jornal. Os

livros foram feitos dessa forma, possivelmente para diminuir o seu custo, pois como

colocado pelo Professor Fontes no prefácio de cada obra:

A causa dêste empreendimento foi a falta de livros de custo módico,

de livros que, podendo ser adquiridos sem sacrifício pelos remediados,

possam também, à larga escola, ser distribuídos gratuitamente entre

aquêles para quem alguns tostões representam quantia apreciável.

(FONTES, 1920, p.3).

Pude verificar que a coleção era para ser acessível às comunidades carentes, para

os ―remediados‖, mas sem faltar com qualidade se comparada às obras de preço mais

elevado. Sobre essas afirmativas, Fontes ressalta outro aspecto relevante feito pelo

Professor Fontes, que também se encontra no prefácio das edições da Série:

No Prefácio da Cartilha Popular, do Primeiro e Segundo Livro de

Leitura, datado em janeiro de 1920, o professor Fontes frisa que ‘[...]

esta edição, devido ao curto espaço de tempo em que foi organizada,

e devido também à carestia do papel, é uma triagem de ensaio, já

calculada para se esgotar no corrente anno lectivo’, evidenciando

uma das estratégias que revelam o projeto pedagógico e social do

governo. (FONTES, 2011, p. 26).

De 1920 até a década de 1950, período em que a Série Fontes circulou nas

escolas públicas primárias de Santa Catarina, a mesma perpassou dois momentos da

história política catarinense, segundo Prochnow (2009). Na década de 1920, se inseriu

no projeto político educacional iniciado por Orestes Guimarães, até 1934; e seguiu

Page 155: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

151

dentro dos novos rumos que a educação ganhou com a nova Constituinte, em 1935,

quando Nereu Ramos assumiu o Governo do Estado e mudanças significativas, como o

golpe do Estado Novo, em 1937, estavam ainda por acontecer (PROCHNOW, 2009,

p.66-67).

A circulação da Série Fontes permaneceu até 1951, quando de sua última edição.

Abaixo apresento as capas de quatro edições, com o objetivo de mostrar como se

apresentavam.

Figura 5: Capa do Primeiro Livro de Leitura, 1945 – Figura 6: Capa do Segundo Livro de Leitura,

1930. Fonte: PROCHNOW, 2009, p.67.

Figura 7: Capa do Terceiro Livro de Leitura, 1949 – Figura 8: Capa do Quarto Livro de Leitura, 1949.

Fonte: PROCHNOW, 2009, p.67.

Sobre as capas dos três primeiros livros, o que chama a atenção é o fato das

mesmas apresentarem um material com gramatura mais grossa, tipo cartolina, enquanto

que a do quarto livro apresentava-se um pouco mais elaborada, com capa dura, que

Page 156: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

152

também podem ter essa diferenciação devido à variação das edições ao longo dos

tempos. O que não se pode afirmar é se todas as edições do quarto livro eram feitas com

esse mesmo tipo de material e se isso também não acabava encarecendo para o Estado,

uma vez que o Professor Fontes prezava pelo baixo custo. Cabe destacar, ainda, que é

possível pensar, segundo Peixoto (2004, p.275, apud SANTOS, 2018, p. 7), que as

capas dão uma visão de valores constituídos sob o prisma do projeto nacionalista que se

tinha para a época.

A partir das capas dessa obra, que nos dão uma noção de como estavam

editadas, apresentam-se os referidos livros. Inicialmente sua descrição física, para,

posteriormente, traçar-se uma linha analítica que dê elementos para perceber as

representações de criança com base nas lições ali contidas.

Nesse sentido, falar de representações de criança inscritas em lições contidas na

Série Fontes possibilitou-me a singularidade do olhar (ou dos olhares, pois são vários

autores de lições) sobre a criança, expressa numa prática cultural específica – a Série

Fontes; em um momento histórico, num contexto sócio-cultural em que o Brasil se

encontrava como vimos no capítulo 2 desta pesquisa.

4.1 – ANALISANDO OS LIVROS DE LEITURA DA SÉRIE FONTES: A

PREMÊNCIA DAS REPRESENTAÇÕES

Inicialmente, com base nos estudos de Laurence Bardin (2016), o diálogo se dá

por meio do que a autora chama de ―leitura flutuante‖, com a posteriores configurações

de ―categorias iniciais/preliminares‖. Em seguida, apresento as análises, buscando,

atentamente em relação aos postulados de Bardin (2016), o que defini, na sequência do

processo, como ―categorias intermediárias‖. E, por fim, estabeleço ―categorias finais‖,

com o objetivo de mostrar o caminho das análises.

As análises que serão apresentadas se compõem a partir do seguinte processo

metodológico. Inicialmente, parti do pressuposto de que todas as lições contidas na

Série Fontes eram suscetíveis à análise. Primeiro, observei os títulos por meio de

leituras flutuantes, buscando alguma indicação de representação em termo associado à

criança. Desses títulos, selecionei 186 lições, dentro das 279 dos quatro livros que

compõem a Série Fontes e que tive acesso. Depois de ler repetidas vezes, as 186 lições

que, com base na leitura flutuante, indicavam aspectos relacionados a eventuais e

Page 157: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

153

possíveis representações de criança, verifiquei que, dentro dos objetivos que se tem para

essa pesquisa, 72 lições apresentam conteúdos que ajudam a compor a categorização,

conforme os critérios de análise de conteúdo de Bardin. Tudo isso levando em

consideração o que Chartier (1991) define para constituir representação, entendendo que

essas não são discursos neutros: produzem estratégias e práticas tendentes a impor uma

autoridade, uma referência, e mesmo a legitimar escolhas, dentro dos quatro aspectos de

classificação, exclusão e configurações sociais e conceituais; entendendo que o conceito

de representação definido por Chartier permite articular diferenciações culturais e

práticas sociais, escapando da dicotomia entre o que ele define como ―objetividade

estruturais, que seria o território da história mais segura, que, ao manipular

documentos maciços, seriais, quantificáveis, reconstrói as sociedades tais como

verdadeiramente eram; e, a subjetividade das representações, o que se ligaria uma

outra história dedicada aos discursos e situada a distância do real‖. (CHARTIER, 1991,

p. 182-183, grifos meus). Nesta perspectiva, abrem-se a possibilidade das análises de

representações de criança em lições da Série Fontes, dentro de um conjunto de lições, os

registros que se estabelecem quanto a subjetividade.

No primeiro caso, dentro dos aspectos de ―classificação‖ – criança boa,

obediente, caridosa, mas que também é má e preguiçosa –, exemplifico com a lição

‖Duas boas irmãs‖, em que a classificação apresentada é ser boa, servir, como se pode

observar na seguinte expressão: ―Logo que volta da escola vai para o quarto da

irmãzinha para servir e lhe dar coragem. Assim é que se devem estimar a ajudar as boas

irmãs‖ (FONTES, 1945, p. 15). A lição ―O castigo da indolência‖ também se apresenta

dentro da estrutura que Chartier denomina como classificação, como podemos constatar

na seguinte expressão: ―Um lavrador ia um dia viajando por uma estrada, acompanhado

do filho que, ainda criança, o estava sempre a interpellar, perguntando-lhe mil

futilidades‖ (FONTES, 1922, p. 58). Também Chartier se refere a aspectos de

―exclusão‖ (a criança que chora, que mente, que não pertence ao mundo adulto), que

incluem a criança numa representação desejada e processo de identificação de

representações que excluem a criança desse lugar desejado (desobediente, preguiçosa,

medrosa), como podemos observar nas lições ―O medroso‖, ―Os meninos brigões‖ e

―Boas qualidades e defeitos das crianças‖, todas do Primeiro Livro de Leitura (1945).

Esses aspectos também são observados na lição ―O mentiroso‖, quando da expressão:

―Mentia tanto, que ninguém dava credito ao que diz. Ás vezes queixava-se de moléstias:

Page 158: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

154

e, longe de o tratarem carinhosamente, reprehendiam-no, ameaçavam-no‖ (FONTES,

1922, p. 68). Quanto às ―configurações sociais‖, a criança é conformada como um

sujeito para ir à escola, pra brincar, cujos conteúdos estão apresentados nas seguintes

lições: ―O trabalho‖; ―Necessidade do trabalho‖: ―Olha Mariazinha, sem um pouco de

trabalho não se pode ser nada‖ (FONTES, 1922, p. 13). Ir ―Para a escola‖, ter ―Sonhos

de um estudante‖ ou ter ―A rua‖ como lugar que deve ocupar, caracteriza representações

de crianças como figura social. Um sujeito do lugar do mundo masculino ou do mundo

feminino: ―Meu filho, hoje sós os homens barbados jantam comigo‖ (FONTES, 1945,

p.45) e ―Mas há uma obrigação especial para os mais velhos, que é darem sempre bom

conselho e bom exemplo aos mais moços; repreendendo-os, se necessário fôr, mas com

moderação, principalmente ás meninas; porque a mulher é de natureza mais mimosa, o

seu destino mais delicado, por isso também o seu coração mais sensível‖ (FONTES,

1922, lição Amor Fraternal, p. 80). Um sujeito de relação com o mundo do religioso,

que tudo deve agradecer. Essa criança é considerada caridosa, bondosa, como podemos

ver nas lições: ―Deus‖ (segundo livro de leitura, 1922, p. 12) – ―Mais forte que tufão,

meu filho, é Deus!‖, ou na lição ―O amor de Deus e de nossos pais‖ (terceiro livro de

leitura, 1933, p. 90) – ―Meu Deus! Fazei com que nossos pais não morram antes de nós.

Nós os amamos tanto!‖. Já, dentro das ―configurações conceituais‖ que, também

constituem o que é representação segundo Chartier (2002), caracteriza a criança como

aquela que é ou não é, que aparece como possibilidade, mas também como

inferioridade. ―Um discípulo deve ser modesto [...], não deve ter vaidade. Seja diante de

quem for, devemos proceder de modo que se mostre a nossa boa educação, e fazendo de

conta que estão presentes os nossos pais‖ (quarto livro de leitura, 1945, p. 53). Já na

lição ―O papel e a corda‖, o autor conceitua a criança com base do estigma das

companhias: ―Vive com os bons e serás um deles. Foge dos maus para não seres maus

como eles‖ (segundo livro de leitura, 1922, p. 20).27

Daí originando, primeiramente, as vinte e uma categorias iniciais: obediência,

medo, adulto em miniatura, criação divina, heroína por renúncia, honestidade, trabalho,

27

Cabe ressaltar que esse é um modelo didático, explicativo, pois não é tão explicito que as

representações presentes atentem um ou outro desses critérios constitutivos de representação. Eles

aparecem amalgamados. Desse modo, quando classifico lições no grupo A eu as excluo do grupo B e

vice-versa, como por exemplo: as lições ―Nossa Patria‖ e ―O bom estudante‖, de acordo com o título

poderiam estar na categoria Patriotismo, mas, as análises feitas mostram que a lição garante muito mais a

representação de criança como possibilidade, ou seja, vir a ser. Já as lições definidas para a categoria

Patriota são aquelas que se caracterizam com base na voz da criança que fala sobre o assunto, no caso faz

referência aos heróis e datas comemorativas.

Page 159: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

155

lugar de criança, generosidade, caridade, amistosidade, bondade, indisciplina,

patriotismo, malandragem, travessura, mentira, esperança, inocência, curiosidade,

família, aprendiz, solidariedade e responsabilidade. Entendendo que a leitura flutuante

que originou as categorias iniciais ainda precisava ter uma nova filtragem para que

pudesse chegar às categorias intermediárias, buscou-se em dicionários especializados o

significado de cada uma delas, verificando que entre elas havia semelhanças nos

sentidos e significados, como por exemplo, a categoria ―heroína por renúncia‖, pois,

quem renuncia dá ao outro, é solidário, generoso e bom.

A composição dessas novas categorias caracteriza o percurso metodológico que

estava se constituindo diante das análises. As muitas horas de leitura e releitura me

apresentaram diretrizes que condicionavam a certas representações. O conteúdo das

lições que emergiram à essas categorias tiveram por base a ―subjetividade das

representações‖, ou seja, os discursos presentes nas lições se amalgamavam e onde

apenas as representações de criança se instauravam, percebeu-se que a união das

categorias complementava-se. Como, por exemplo, a categoria preguiça, que apareceu

inicialmente para algumas lições, mas que deveria estar junto à categoria trabalho, que é

seu oposto. A leitura que aqui faço é o peso que ambas as categorias têm sob o prisma

do trabalho como componente indispensável à vida, para Marx, segundo Enguita

(1993).

Desse modo, as novas leituras feitas ajudaram a compor as categorias

intermediárias, que se constituem em doze: obediência, inferioridade, amistosidade,

possibilidade, generosidade, preguiça, honestidade, trabalho, bondade, caridade, mentira

e patriotismo. Pois considerando que cada unidade de registro é um ―componente

textual‖, na análise de conteúdo as palavras-chave que equivalem às primeiras

categorias são agrupadas de acordo com temas similares e dão origem às ―categorias

iniciais e intermediárias‖.

A reunião temática das categorias iniciais/intermediárias formou um novo grupo

categorial: bondade, amistosidade, generosidade e honestidade juntaram-se à categoria

caridade; preguiça juntou-se a categoria trabalho; e mentira juntou-se à categoria

honestidade.

Concebendo que cada unidade analítica é um ―componente de significação‖, a

partir de uma leitura, ainda mais minuciosa, ou seja, com uma maior exploração do

material e das inferências dentro de uma compreensão de sentidos e significações sobre

Page 160: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

156

as representações de criança, o processo levou a uma nova interpretação. Ou seja, a

atenta leitura analítica possibilitou a identificação de palavras-chave, que, por meio do

tratamento dos resultados, devido aos temas comuns, resultaram no que defini como

―categorias finais‖, que se classificam em sete: Caridade, Trabalho, Inferioridade,

Honestidade, Obediência, Possibilidade e Patriotismo. Nesta etapa coube a comparação

entre categorias oriundas das análises, de modo a colocar em evidência aspectos

similares, gerando fusão e ou diferenciação dos termos.

Em alguns momentos me vi com preocupação excessiva para com os métodos e

técnicas de análise de conteúdo, tentando não esquecer os significados presentes nas

lições quanto às representações de criança, gerando um distanciamento entre a teoria e a

prática de pesquisa. Ou seja, para que fosse possível chegar a essas representações

finais, com base em definições dos termos recorrentes, adotei um crivo de leitura que

ajudou a nomeá-las. Esse processo só se tornou possível no momento em que estabeleci

uma compreensão dos dados coletados, confirmando ou não os pressupostos da

pesquisa, e sua conexão com as representações que emergiram. Foram estabelecidos

significados às expressões em torno do conceito de representação, abrangendo o que foi

selecionado para determinada categoria. Assim, desde o momento inicial da coleta de

dados ou mesmo na classificação das categorias, foi sendo desenvolvido o trabalho em

que se pudesse enquadrar as lições de acordo com as categorias que se apresentavam,

sempre atento ao conceito de representação definido por Chartier (1991), buscando

entender de como se apresentam nessas lições, os conceitos estabelecidos para definir as

representações de criança, tendo por base o produto do resultado de uma prática.

Observou-se que, a partir do produto de resultados de uma prática, que no caso

derivam da compreensão de representações de criança sob o prisma do Professor

Fontes, fundamentado na reunião de lições que originou a Série Fontes, definindo um

poder representativo do que aquele tinha como projeto com base em um produto

simbólico – os livros –, que originou uma prática – ação dos/as professores/as –, e que,

por fim, se transformou em um ideal de criança, numa representação de fatos. Desse

modo, a fomentação das ideias alinhava-se com os conceitos configurados, de forma

alguma com ―discursos neutros‖, mas que produzissem estratégias e práticas – sociais,

escolares e políticas – impostas por uma autoridade, legitimando um projeto formador

que se exprime em termos de poder e dominação (Chartier, 1991). Nesse conjunto

crítico-analítico ressalta-se que as definições das categorias demarcaram também dois

Page 161: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

157

aspectos importantes apontados por Chartier: 1 – As lutas de representações têm tanta

importância como às lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais

um grupo impõe, e, 2 – Ocupar-se dos conflitos de classificações ou de delimitações

não é, portanto, afastar-se do social, muito pelo contrário, consiste em localizar os

pontos de afrontamento tanto mais decisivos quanto menos imediatamente materiais.

Esses aspectos nos remetem às ações centradas nas práticas de leitura sobre a

importância da materialidade dos textos que apontam valores sociais e os domínios de

um mecanismo de um grupo, que são determinantes na constatação das representações

de criança imersas nas lições aqui analisadas.

Para que tudo isso fosse categoricamente compreendido: a identificação dos

termos; a classificação das categorias (inicias, intermediárias e finais); a construção

epistemológica das lições (codificação, decomposição, enumeração); a sistemática e

agrupamento dos indicadores que descrevem as características do conteúdo, que

compõem o corpus documental dessa pesquisa, foi preciso um delineamento

significativo das constatações que revelaram a natureza de todo processo.

Assim, apresento com detalhes o processo e os resultados das análises que se

constituíram pelas várias leituras realizadas para se conhecer os textos. Para cada livro

levou-se em consideração a arte da escrita de cada autor da lição, fazendo-se perceber,

em seus enredos, o que caracterizava representações de criança, entendendo que faziam

parte, em sua grande maioria, de um tempo anterior ao que se destinava a organização

da Série. Vale ressaltar que as lições que levam a assinatura Extr., ou não são assinadas,

as pesquisas anteriores julgam que são escritos do Professor Fontes, e que aquelas que

só apresentam o primeiro nome (Mário, Paulo, José) são textos produzidos por seus

filhos. Desse modo, as análises foram ainda mais enfáticas, uma vez que nelas estavam

o pensar direto de seu autor sobre as representações de criança.

Como modo de organização das análises, segui a ordem dos livros editados pelo

Professor Fontes, iniciando pelo Primeiro Livro de Leitura, seguindo pelo Segundo

Livro de Leitura, o Terceiro Livro de Leitura, até chegarmos ao Quarto Livro de

Leitura. Essa ordem me apresentou o processo que se deu na elaboração dessa Série

quanto ao que se pretendia pesquisar, uma vez que, conforme será verificado pelo leitor,

mesmo tendo o menor número de lições, o Primeiro Livro de Leitura é o que apresenta

maior número de lições que deram indicativos sobre as representações de criança.

Subjuga-se que nele apresenta-se a fomentação de seus ideais, uma vez que está inserido

Page 162: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

158

o maior número de lições que não são assinadas, ou que levam a assinatura Extr., ou até

as que se classificam como assinaturas de seus filhos. Nota-se os conteúdos

moralizantes no livro 1. Isso quer dizer que nessa idade a criança está muito mais

propensa a ser moldada, coisa que a família queria que a escola fizesse. Desse modo,

entendendo que a representação, segundo Chartier (2002), permite compreender os

mecanismos pelos quais um grupo se impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo

social, os valores que são seus e o seu domínio, as lições analisadas indicam isso

quando da internalização simbólica, nas crianças, pelo poder e dominação existentes nas

lições.

4.1.1 – Primeiro livro - 1945

O primeiro livro analisado, intitulado Primeiro Livro de Leitura, foi editado pela

Editora Central, publicado em 1945. Esse apresenta na primeira página as seguintes

informações: ―Adotado nas escolas públicas do estado de Santa Catarina; Nova Edição

posta que está de acordo com a ortografia oficial, e, com os seguintes decretos:

Decretos-leis federais n. 292 de fevereiro de 1938 e n. 5.186 de 13 de janeiro de 1943‖

(FONTES, 1920, p. 2). Portanto, foi um livro imposto por decreto, sinalizando uma

imposição às escolas públicas de Santa Catarina.

O livro tem 13,5 cm de largura, 18,5 cm de comprimento e 1 cm de espessura.

Tem formato brochura, preso por dois grampos, com folhas de tipo papel jornal. Vale

ressaltar que o tamanho e o tipo de letra são diferentes em cada lição, apresentando,

aparentemente como único elemento padrão, a primeira letra em maiúsculo da palavra

que inicia a lição. Tais características implicam em um livro pequeno, imagens em preto

e branco, letras não uniformes. Estimo que pouco atrativo para a criança.

O presente livro é composto de 38 lições, que são identificadas com títulos

específicos e não numerados, distribuídas em 137 páginas, sem epígrafes em todas as

lições e, em grande parte, trazendo provérbios em suas linhas finais. Tais provérbios

(aparentemente) não apresentam conexão com o conteúdo da lição.

Passo, a seguir, a elencar as lições contidas nessa obra: O trabalho; O macaco

intrometido; Canto da manhã; Pergunta inocente; Alegria de um estudante; O

importuno; A mão; O medroso; Bom provérbio; Duas boas irmãs; Tico-Tico; A

colméia; Ditados; No aniversário do papai; Um menino exemplar; Caridade; Confiança

Page 163: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

159

em Deus; O cão; Os meninos brigões; A menina e o gatinho; Conseqüências de uma

maldade; O tempo; Meu papagaio; O menino generoso; Boas qualidades e defeitos das

crianças; O rato da dispensa; Resposta a uma carta; O cavalo roubado; Ao entrar na

aula; Jantar de barbados; Honradez; O menino chorão; Nunca se deve mentir; A verdade

e a mentira; Más desculpas; O ―Vai-Vem‖; Gula, Avareza e liberdade e As flores.

Salienta-se que para o presente estudo, as lições aqui analisadas serão aquelas que foram

mais expressivas na sua relação com o objeto dessa pesquisa, tais como: O trabalho;

Canto da manhã; Pergunta inocente; Alegria de um estudante; O importuno; O medroso;

Duas boas irmãs; Tico-Tico; A colméia; Ditados; No aniversário do papai; Um menino

exemplar; Confiança em Deus; Os meninos brigões; A menina e o gatinho; O menino

generoso; Boas qualidades e defeitos das crianças; O rato da dispensa; Resposta a uma

carta; Jantar de barbados; Honradez; O menino chorão; Nunca se deve mentir; Más

desculpas; O ―Vai-Vem‖; Gula, Avareza e liberdade e As flores, num total de 27 lições.

Pode-se apreender, a partir dos títulos das referidas lições, que as mesmas

trazem elementos que se aproximam, mesmo compondo histórias diferentes, sendo que

não há um padrão e nem uma conexão, aparentemente. Mas, ao olharmos a sua

composição dialógica, os mesmos podem ser divididos em cinco temáticas: Trabalho,

animais, ciência, escola, criança e lições de moral, estas visando um comportamento

exemplar.

Após fazer sucessivas leituras das 38 lições desse livro, decidi analisar 21. Os

critérios para a escolha dessas lições, e, não das demais, se justificam devido às mesmas

estarem se referindo a uma ou mais crianças, por meio de um nome próprio, de um

termo ou de um adjetivo.

Com base nos critérios de categorização semântica e léxica, descritos por Bardin

(2016) e após a ―pré-análise‖ e ―exploração do material‖ por meio de ―leitura flutuante‖,

verificou-se a ocorrência de termos que pudessem ser considerados indicadores de

análise, levando em consideração que cada unidade de registro constitui-se por

parágrafos, frases e palavras, o que me permitiu compor uma primeira categorização.

A seguir apresento as lições selecionadas, seguindo a ordem em que se

apresentam no livro, as primeiras análises e as categorias que nelas identifiquei e que

dão subsídios no que tange as representações de criança.

O Trabalho (p.5-6) é a primeira lição analisada e também é a primeira desse

livro, composta por um texto de 21 linhas e uma imagem, ambos sem indicação de

Page 164: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

160

autoria. A imagem nela inserida, aparentemente, parece ser um menino trabalhando,

munido de uma chave de fenda, colocando uma placa em algo que seria uma porta,

mostrando situação de trabalho. Por outro lado, a imagem poderia também apresentar

um adulto trabalhando (Figura 9, p. 5). Não há uma clareza sobre o sujeito representado,

uma vez que, também no texto, há o contraponto entre a criança e o que ela virá a ser,

como evidenciam as expressões utilizando os verbos no futuro – poderás e prepararás:

―Só pelo trabalho poderás aprender, só pelo trabalho te prepararás para ser um homem

útil‖ (FONTES, 1945, p.5).

Figura 9 – O trabalho

Fonte: Primeiro Livro de Leitura – 1945 – Hemeroteca Digital Catarinense:

<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br>

No texto dessa lição a criança é apresentada pelo sexo masculino, como menino

e pequeno. O termo ―menino‖ ocorre duas vezes e é empregado como sendo um

sinônimo natural de criança. Leva em consideração que a criança tem que dar valor ao

trabalho desde cedo, que o mesmo a preparará para ser um ―homem útil‖ (FONTES,

1951, p. 5). A palavra ―pequeno‖ é apresentada para identificar a criança, que é

comparada a um inseto trabalhador, como pode ser observado na seguinte expressão:

―Os animais também trabalham. Todos elês, grandes e pequenos, se ocupam em alguma

coisa‖ (FONTES, 1951, p. 6). A comparação entre animais e seres humanos, no que se

refere ao trabalho, é um sofisma, ou seja, uma argumentação que não se sustenta,

porque os animais fazem a atividade por natureza instintiva e o homem trabalha como

condição fundamental de sua existência, conforme Enguita (1993).

Para Enguita (1993), segundo Marx o que distingue a forma de trabalho humana

de uma forma de trabalho meramente instintiva, animal, é que o homem, antes de

realizar o seu trabalho e ter o produto que deseja, concebe esse produto, ou melhor, o

seu resultado, idealmente em sua cabeça.

Page 165: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

161

Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana. Uma

aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera

mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o

pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua

construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo

do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na

imaginação do trabalhador. (ENGUITA, 2011, p. 104-105).

O autor, com base na definição de Marx sobre trabalho, quer dizer que o

trabalho que o homem leva a cabo é uma ação que se conforma a determinado fim, que

o homem estabelece previamente, antes da efetivação de sua atividade laboral

propriamente dita. A lição, ao destacar o trabalho dos animais, mas enfatizando à

criança que ―Todos elês, grandes e pequenos, se ocupam em alguma coisa‖ (FONTES,

1951, p. 6) dá vazão ao fato de que o trabalho é condição necessária de sua existência.

Outrossim, ainda segundo Enguita (2011), o tema trabalho em relação a educação, para

Marx, é que ele é um ―componente indispensável desta‖, ou seja:

Se o trabalho produtivo sempre se acha presente na proposta educativa

marxiana, não é porque os educandos, desde a infância, devam

compartilhar sua cota de sacrifício com a sociedade, nem por

imperativo moral algum, nem por necessidade fisiológica, nem porque

possa ser a base da aquisição de uma consciência proletária e

revolucionária [...]. Se o trabalho ocupa um lugar central na educação

é, sem dúvida, porque é o que distingue o homem como gênero e

porque é a forma com que o homem se relaciona com a natureza ou,

digamos melhor, porque é ambas as coisas ao mesmo tempo.

(ENGUITA, 2011, p. 103-104).

A representação contida nesta lição nos leva a pensar na criança como sujeito de

uma ―infância como pura possibilidade‖, ou seja, em conformidade com a clássica idéia

de Platão, ―É fundamental [...] que nos ocupemos das crianças e de sua educação, não

tanto pelo que os pequenos são, mas pelo que deles devirá, pelo que se gerará em um

tempo posterior‖ (KOHAN, 2003, pp. 34;39).

Os objetivos da lição são subliminares, onde a necessidade de trabalhar é

incutida na criança por meio de entrelinhas. É uma criança que não pensa por si, está

sempre induzida a seguir as regras estabelecidas, que são como uma doutrina. Como

ratifica Kohan (2003, p.39): ―Por isso, não se permitirá que as crianças escutem os

relatos que contêm mentiras, opiniões e valores contrários aos que se espera deles no

futuro‖.

Page 166: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

162

Portanto, a compreensão mais evidente sobre uma representação de criança nesta

lição remete à concepção de criança como um ―projeto‖, constituindo, desse modo, uma

categoria inicial relevante. Sendo que projeto pode ser entendido como ―Plano de fazer

algo em futuro próximo ou distante‖ 28

. Esta concepção é encontrada no repertório

coloquial de referência à criança, como na expressão ―Projeto de gente‖, significando

―criança muito pequena‖ 29

. Nesse caso, o projeto se refere, essencialmente, à criança

como futuro trabalhador, sendo o valor do trabalho o elemento de inculcação. Desse

modo, a categoria que se apresenta é Trabalho.

A segunda lição analisada é intitulada Pergunta Inocente (p.9), quarta lição do

livro, composta por um texto de 15 linhas e imagem. Esta, por sua vez, é um desenho de

uma criança chorando, representado na expressão dos olhos fechados e da boca aberta,

relacionando-se com o que enfatiza o texto. (Figura 10, p. 9).

Figura 10 – Pergunta Inocente

Fonte: Primeiro Livro de Leitura – 1945 – Hemeroteca Digital Catarinense:

<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br>

A palavra ―Joãozinho‖ aparece três vezes no texto e é empregada para se referir

ao diminutivo do nome João. Os termos ―chorando‖, ―chorar‖, ―choram‖ são destacados

para distinguir a criança do adulto, num tom repreensivo de comportamento, como

podemos observar na expressão: ―Deixa de chorar, Joãozinho, porque as crianças que

choram muito ficam depois sendo homens muito feios‖ (FONTES, 1951, p. 9). Ao usar

a palavra ―homem‖, basicamente desconsidera o gênero feminino, dando centralidade à

condição masculina, retratada tanto na escrita quanto na imagem. O termo ―inocente‖

aparece no título do texto, sendo utilizado como que para qualificar a pergunta do

menino, sendo adjetivada como pura, mas que, a meu ver, exprime ironia e sarcasmo.

28

Conforme <http://www.aulete.com.br/projeto>. Acesso em 8 nov. 2018. 29

Conforme <http://www.michaelis.uol.com.br> . Acesso em 8 nov. 2018.

Page 167: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

163

Pois se o tio era feio, deveria ser por ter chorado muito na infância. Essa expressão é

decorrente da pergunta que a criança fez: ―Tio Joaquim, o senhor chorou muito quando

era pequeno?‖ (FONTES, 1951, p. 9). O adjetivo ―pequeno‖ está preestabelecido à

criança, para distingui-la dos adultos. O conteúdo do texto tem tom de repreensão,

dentro de um diálogo entre duas gerações.

A leitura flutuante traz para a centralidade do discurso a questão do ―choro‖,

sendo chorar um ato que tem consequência e, portanto, resulta em uma condição de

inferioridade, de desvantagem, já que ―ser feio‖ é uma qualidade depreciativa, quando o

valor estimado pela sociedade é o da beleza. Leva-nos a uma categorização que remete

à ―infância como pura possibilidade‖, pautada na perspectiva de ―[...] um modelo

antropológico de homem adulto, racional, forte, destemido, equilibrado, justo, belo,

prudente, qualidades cuja ausência ou estado embrionário, incipiente, torna as crianças e

outros grupos sociais que compartilham destes estados inferiores‖ (KOHAN, 2003,

p.49). No processo de construção de categorias iniciais, elegi como termo que a vincula

com essa análise de conteúdo ―possibilidade‖. A possibilidade sendo significada como

―Estado do que pode ocorrer ou tende a acontecer; característica do que é possível‖ 30

.

No texto em análise, a possibilidade de tornar-se feio foi relacionada à condição de

chorar muito.

A lição intitulada A alegria de um estudante (p. 10), número cinco do livro, é a

terceira que analiso. Composta por um texto de 19 linhas, está estruturada no formato de

uma carta assinada por Vitor, a criança que a subscreve. O destaque dado à carta está

presente no termo ―filho‖ (p. 10), que aparece uma única vez no final do texto que é

dirigido à mãe. O ―filho‖ coloca-se na carta como uma criança estudiosa e esforçada,

qualificando-se como bom aluno.

Propondo uma aproximação para efeitos de elaboração de uma categoria inicial,

a partir do que Bardin (2016) denomina como ―leitura flutuante‖, entendi que a

terminologia que a informa é composta por ―ler‖, ―escrevendo‖, ―cartilha‖, ―Primeiro

Livro‖, ―esforçar‖, ―aprender‖. Essas ações indicam que a criança, ao saber ―ler e

―escrever‖, já pode inserir-se no universo do adulto, como podemos verificar na

expressão: ―Então poderei aproveitar os lindos livros que Papai tem e poderei também

ler os jornais‖ (FONTES, 1951, p. 10). Igualmente, ela só se sente parte do contexto

familiar porque já sabe ler e escrever.

30

Conforme <https://www.dicio.com.br/possibilidade/>. Acesso em 08 nov. 2018.

Page 168: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

164

Conforme análise, entendi que a simbologia e a discursividade presentes na carta

remetem o autor – uma criança -, à condição de ―pura possibilidade‖, pois ―[...] poderei

aproveitar os lindos livros que Papai tem‖ e ―poderei também ler os jornais‖ (FONTES,

1945, p.10). Nos termos de Kohan (2003, p.39): ―Porque se se pensa a vida como uma

sequência em desenvolvimento, como um devir progressivo, como um futuro que será

resultado das sementes plantadas, tudo o que venha depois dependerá desses primeiros

passos‖. Nesse caso, os primeiros passos correspondem à aprendizagem de leitura, que

uma vez tendo sido realizada, possibilitará à criança apropriar-se das leituras necessárias

e convenientes à sua realização futura como adulto integrado ao mundo letrado. Fica

reforçada a categoria Possibilidade.

O Importuno (p.11), lição número seis, é a próxima analisada, que é composta

por um texto de 18 linhas. Os termos ―menino‖ e ―filho‖ estão diretamente relacionados

ao nome do protagonista do texto, de nome Fernando, enfatizando, mais uma vez, o

gênero masculino. A lição enfatiza os ―defeitos‖ que compõem um conjunto de termos

adjetivados como comportamentos, em que a terminologia dada é: ―impaciente‖,

―inquieto‖, como pode ser observado na seguinte expressão: ―Fernando tinha cinco

anos. Um dia estava êle muito impaciente. Andava na sala, de um lado para o outro, a

perseguir alguma coisa. – Por que estás tão inquieto? – perguntando-lhe sua mãe. –

Estou vendo se apanho uma mosca que me anda aborrecendo‖ (FONTES, 1951, p. 11).

O conteúdo do texto é moralista, havendo uma dicotomia entre o que incomoda e o que

compreende. Dessa maneira, a leitura flutuante traz para a análise do discurso a questão

do ―importuno‖, que é adjetivado à criança de cinco anos, por um ato promovido pela

mesma, sendo que, para os especialistas da área, essa é uma idade em que a agitação e a

curiosidade lhe são provenientes. Portanto, isso resulta na condição de desprezado,

daquele que foi desconsiderado e leva a uma categorização que remete esse sujeito a

uma ―infância como inferioridade‖, que por ―natureza, é coisa sem importância‖

(KOHAN, 2005, p. 53).

No processo de categorização, elegi como termo que a aproxima a essa análise

de conteúdo ―importuno‖, ou seja, como ―o que incomoda com ação repetida ou fora de

propósito‖ 31

. Na lição, o termo importuno dá condição de ação fora de hora, e é visto

31

Conforme <https://www.dicio.com.br/possibilidade/>. Acesso em 06 dez. 2018.

Page 169: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

165

como alguém inferior, que é incapaz que compreender as ações externas. Desse modo se

apresenta na categoria Inferioridade.

A quinta lição analisada quanto ao seu conteúdo é intitulada O Medroso (p.13-

14). É composta por um texto de 22 linhas e uma imagem. Esta, por sua vez, é o

desenho do perfil de um ―menino‖ com um semblante assustado, como podemos

observar na figura 11.

Figura 11 – O medroso

Fonte: Primeiro Livro de Leitura – 1945 – Hemeroteca Digital Catarinense:

<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br>

Assim como ocorre na lição O Trabalho, não há uma clareza quanto ao sujeito

representado nessa imagem, que pode está representando um adolescente ou um homem

adulto, pouco definindo-se como sujeito uma criança. A lição compreende a presença de

expressões que indicam um conjunto de atitudes que se podem relacionar à criança,

referentes ao comportamento, que são decorrentes de defeitos. Os adjetivos ―medroso‖ e

―ridículo‖ enfatizam o olhar do adulto sobre a criança, como pode ser percebido nas

seguintes expressões: ―Por toda parte julga ver bichos e fantasmas‖; ―É muito ridículo

ser medroso‖. O conteúdo do texto é uma alusão ao fato de que criança não pode ter

medo. A representação trazida nesta lição indica que essa criança é um sujeito de uma

―infância como inferioridade‖. Ou seja, nesse caso, como afirma Platão ―A infância

também aparece associada a outros estados inferiores, como quando serve como

analogia para a embriaguez‖ (KOHAN, 2005, p. 43). Ser medroso caracteriza-se como

covardia, que por sua vez é sinônimo de fraqueza, o que leva a ressaltar a categoria

Inferioridade.

A quinta lição sobre a qual deito olhar é intitulada Duas boas irmãs (p.15).

Composta por um texto de 14 linhas, essa aborda questões sobre companheirismo,

servir, encorajamento, ajuda e estima. A partir do que caracterizamos como

―qualidades‖, os termos utilizados para qualificar as crianças/meninas estão presentes

Page 170: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

166

no título, sendo elas adjetivadas como ―boas‖. A terminologia que a informa é:

―companheirismo‖, ―servir‖, ―dar coragem‖, ―ajudar‖, ―boas‖ e ―estimar‖. As

expressões: ―Sua irmã Aurélia também contentemente lhe faz companhia‖, ―Logo que

volta, vai para o quarto da irmãzinha para servir e lhe dar coragem‖ e ―Assim é que se

devem estimar a ajudar as boas irmãs‖ (FONTES, 1945, p. 15), apresentam ações de

comportamento que são decorrência das qualidades que uma criança/irmã deve ter para

com a outra, como aquela que é generosa, bondosa, caridosa, misericordiosa. Desse

modo, a leitura flutuante dá elementos para pensar como categorial inicial

Generosidade. Por generosidade entende-se ―virtude daquele que se dispõe a sacrificar

os próprios interesses em benefício de outrem; magnanimidade‖ 32

. Essa ação generosa

da menina gerou um comportamento que expressa bondade em ajudar a irmã.

Figura 12 – Duas boas irmãs

Fonte: Primeiro Livro de Leitura – 1945 – Hemeroteca Digital Catarinense:

<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br>

Nota-se que a imagem mostra duas ―meninas‖, uma com semblante triste e a

outra feliz, relacionada ao título e ao enredo do texto (Figura 12, p. 15). A representação

contida nessa lição pode nos levar ao pensamento de que essas crianças são sujeitos de

uma ―infância como pura generosidade‖, ou seja, em que ―os indivíduos não autárquicos

e têm necessidade uns dos outros‖ (KOHAN, 2005, p. 37). Desse modo, em

consonância com a clássica ideia de Platão ao analisar as origens da ―polis‖, e que essa

―necessitará de guerreiros guardiões‖ (KOHAN, 2005, p. 37). Ou seja, característica do

que é possível, como o fato da irmã recuperar-se a partir das boas ações da outra irmã.

Apresenta-se aqui, a categoria Generosidade.

32

Conforme < https://www.dicio.com.br>. Acesso em 25 jan. 2019.

Page 171: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

167

Ditados (p.18) é a lição número treze do exemplar em análise, sendo a sétima a

que me debruço, composta por quatro ditados e uma imagem de um homem (ou

menino?) engravatado, com as mãos no queixo, que parece estar escrevendo algo em

um caderno. (Figura 13, p. 18).

Figura 13 – Ditados

Fonte: Primeiro Livro de Leitura – 1945 – Hemeroteca Digital Catarinense:

<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br>

Para análise destaco o quarto ditado ―De pequenino é que se torce o pepino‖

(FONTES, 1945, p. 17). Entende-se que, desde cedo, se deve formatar as crianças e que

os ―defeitos‖ devem ser cortados já na tenra idade. As crianças devem ser moldadas a

partir dos padrões que os adultos estabelecem.

Nos diálogos de Platão, na infância vista como ―etapa primeira da vida humana‖,

a criança deve adquirir funções para a vida adulta, pois, ―é admirável como

permanecem na memória os conhecimentos aprendidos quando se é criança‖ (KOHAN,

2005, p. 34). O destaque dado nesta lição, quanto ao ditado citado, se coaduna com o

pensamento de Platão sobre o que se aprende quando se é criança e as ações que o

adulto tem para coagi-las. Segundo o filósofo, o mesmo diz-se, ―[...] temer muito mais

aqueles que foram convencidos quando eram crianças [...], do que aqueles que só foram

convencidos daquelas ações em idade adulta‖ (KOHAN, 2005, p. 34-35). O autor traz

ainda que ―não se trata de que, para Platão, a natureza humana se consolide e se torne

imodificável a partir de certa idade‖ (KOHAN, 2005, p. 35). Porém, não podemos

afirmar isso quanto ao pensamento do Professor Fontes ao apresentar esse ditado como

lição. Todavia, fica reforçada a categoria Inferioridade.

A lição número quatorze, intitulada No Aniversário do Papai (p. 19), é

composta por um texto de 11 linhas. Está estruturada no formato carta, assinada por

Paulo. As qualidades indicadas por meio dos adjetivos bom, obediente, respeitador e

Page 172: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

168

agradecido representam a criança nessa lição. Mais uma vez, assim como no contexto

―A alegria de um estudante‖, entendo que a discursividade na carta remete a criança à

condição de ―pura possibilidade‖, como se pode verificar na seguinte expressão:

―Prometo-lhe ser, daqui em diante, muito bom para o Senhor, para minha mãe e meus

irmãos‖ (FONTES, 1945, p. 19). Ao fazer essas promessas, a criança dá indicativo de

que era má, que desagradava aos pais e aos irmãos. Nesse caso, a promessa equivale à

realização de uma mudança, longe das travessuras, tornando-a ―um filho obediente e

agradecido‖ (FONTES, 1945, p. 19). Fica reforçada, também, a categoria Possibilidade.

A nona lição analisada é intitulada Um menino exemplar (p. 20-21), sendo

composta por um texto de 24 linhas. As análises se deram com base na seguinte

terminologia: ―menino‖, ―educado‖ e ―ações tão feias‖. O texto apresenta à criança

leitora ―qualidades‖ e ―defeitos‖ a partir de ações de uma criança, por meio do

personagem Xisto. As expressões: ―Saindo da escola, vai direto para casa, sem parar no

caminho para brincar ou conversar‖, ―Cumprimenta os conhecidos que encontra‖;

identificam a criança exemplar, ―um menino bem educado‖ (FONTES, 1951, p.20). No

entanto, as expressões ―Não faz como tantos outros seus colegas, que correm pelas ruas

aos empurrões, às gargalhadas‖, ―[...] provocando as pessoas que passam‖, ―Não

respeitando os velhos‖, ―Escarnecendo dos pobres e dos aleijados‖, e, ―Apedrejando e

perseguindo os cães‖ (FONTES, 1951, p.21), indicam como não deve ser o

comportamento de uma criança, tendo um tom moralista. Assim, a criança leitora deve-

se perceber nesse contexto e buscar ser educada, ―muito séria‖. Da análise dessa lição

emerge a categoria Obediência.

Na lição número dezessete, intitulada Confiança em Deus (p. 22-23), há uma

imagem e é composta por um texto com 27 linhas. Aquela, por sua vez, é de uma

criança que não se pode dizer o estado de espírito que se encontra, uma vez que suas

expressões não estão bem definidas. (Figura 14, p. 22).

Page 173: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

169

Figura 14 – Confiança em Deus

Fonte: Primeiro Livro de Leitura – 1945 – Hemeroteca Digital Catarinense:

<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br>

Nesse texto a criança está representada com base em ―qualidades‖ como

―desembaraçosa‖, ―amiga‖, ―coragem‖. ―Engraçadinha‖ e ―pequenino‖, que

desqualificam a criança, apresentando essa como sujeito de uma ―infância como outro

desprezado‖.

Nesse exercício de antagonismos quanto à condição da criança, percebemos as

manifestações da condição de ―inferioridade‖, que, nos termos de Kohan (2003, p.

44;45), fazem com que a criança possa ser percebida como ―uma ausência, vazio‖,

como alguém que ―carece de atividade sensorial e intelectual‖ e, que, em última

instância, se encontra num estágio da vida em que ―[...] não é possível saber sobre o

justo e o injusto; é o tempo da incapacidade, das limitações no saber e, também, no

tempo; é a etapa da falta de experiência; é a imagem da ausência do saber, do tempo e

da vida‖. Ou seja, a criança que tende a portar-se do modo desejado – um menino

exemplar – está em condição superior àquela que se submete a cometer ―ações feias‖.

Assim como na lição ―Pergunta inocente‖, a criança é julgada por que chora,

como podemos ver na expressão: ―Ora! Que é isso, meu afilhado? – disse-lhe seu

padrinho. Um homem não chora de medo‖ (FONTES, 1945, p. 23). Porém, a leitura

flutuante que se faz nessa lição não é de uma criança relacionada à ―infância como pura

possibilidade‖, mas de uma ―infância como outro desprezado‖, por sentir-se com medo

e assustada diante de trovões, quando deveria ser amparada pelos adultos, que a

ignoram. Derivando de inferior, esta categoria remete ao conjunto de significados dados

por: ―Somemos; pior importância. Que tem menos importância. Subordinado,

subalterno. Que ocupa o lugar mais baixo da escala. [...] Pessoa que está em categoria

Page 174: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

170

baixo em relação a outra‖ 33

. Note-se, portanto, a aplicação do adjetivo à condição das

pessoas, estabelecendo uma hierarquização que distancia o que mais tem e o que tem

menor importância. Assim, ratificam-se elementos para a categoria Inferioridade.

Os meninos brigões (p. 25-26) é a décima primeira lição em análise. Essa é

composta por 23 linhas e não apresenta imagem, nem autor. Os termos que posso

classificar como ―defeitos‖ são os que sobressaem para representar a criança que briga e

que bate. Que é penalizada e ―desgraçada‖, quanto às ações de comportamento que tem,

decorrentes de ―má conduta‖. A expressão ―Estevam e Eugênio eram irmãos, mas

brigavam constantemente. Às vezes chegavam até a bater-se‖, assim ratifica. (FONTES,

1945, p. 25). A leitura flutuante que o texto apresenta, categoriza os ―meninos brigões‖

quanto às atitudes das crianças que causavam grandes desgostos aos pais, resultando

uma condição do estado que um irmão deixou o outro após uma briga: ―Estevão caiu de

tão mau jeito que quebrou o braço. Teve, por isso, de sofrer uma dolorosa operação‖

(FONTES, 1945, p. 25). Porém, na interferência do sentimento que transita na lição,

―porque os irmãos devem ser os melhores amigos‖, e ―dão grande prazer aos pais‖,

suscita que há um desejo que apaziguar a relação, um ato conciliador. Esse ato

caracteriza como categoria Amistosidade.

A lição intitulada A menina e o gatinho (p. 27), é composta por um texto com

25 linhas e, à parte, por um ditado assinado por M. Paper – Carpentier. Nessa lição a

criança é representada por uma ―menina‖ que, a princípio, é destacada por sua meiguice,

retratada no carinho para com seu gatinho ―Tareco‖. Mas, em seguida demonstra-se

―má‖ para com seu gato, sinalizando que as meninas também fazem malvadezas, como

podemos ver na seguinte expressão: ―Mas a menina fez-se má. Puxou pela cauda do

bichinho‖ (FONTES, 1945, p. 27). A criança aqui é representada por termos

antagônicos: boa e má; porém, podemos colocar na categoria Amistosidade, uma vez

que, ao contrário de ser má, a lição quer uma criança que busque demonstrar amizade,

apaziguar. A lição termina com tom de moralidade, como podemos ver na seguinte

expressão: ―Os maus não têm amigos‖ (FONTES, 1945, p. 27). Fica reforçada aqui a

categoria Amistosidade, por se entender que a criança apresenta, primeiramente, gestos

amigáveis para com o animalzinho.

A décima terceira lição analisada é a vigésima quarta do livro, intitulada Um

menino Generoso (p. 33). É composta por um texto de quinze linhas, não tem autoria,

33

Conforme <https://dicionario.priberam.org/inferior>. Acesso em 06 de Nov. 2018.

Page 175: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

171

nem imagem. As expressões: ―Um menino de muito bom coração‖; ―Escolheu o melhor

de seus dois lápis e deu-o de presente‖ (FONTES, 1945, p. 33), apontam as qualidades

do menino, qualificando-o como ―generoso‖ e bom. Esse conjunto de atitudes

relacionadas ao menino/criança refere-se às ações decorrentes das qualidades que se

deve ter diante do olhar de um adulto, como revela a expressão: ―Muito bem, Hermínio,

assim fazem os meninos generosos‖ (FONTES, 1945, p. 33). Categoria Generosidade.

Boas qualidades e defeitos das crianças (p. 34-35) é a décima quarta que elegi

para ser analisada. Ela é composta por um texto de 33 linhas. Os termos destacados são:

Menino, qualidades, defeitos e atitudes. O termo ―menino‖ ocorre 13 vezes – portanto, é

bastante recorrente –, e é empregado como se fosse um natural sinônimo de ―criança‖,

que está presente desde o título. As ―qualidades‖ são compostas por termos utilizados

para qualificar as ―crianças adjetivadas como ―boas‖. A terminologia que a informa:

―aplicado‖, ―delicado‖, ―amável‖, ―serviçal‖, ―discreto‖, ―agradecido‖, ―amigo‖,

―pontual‖. Por sua vez, os ―defeitos‖ compõem um conjunto de termos antagônicos

àqueles da categoria ―qualidades‖, adjetivados como ―maus‖. A terminologia é dada

por: ―leviano‖, ―vadio‖, ―ignorante‖, ―grosseiro‖, ―desagradável‖, ―egoísta‖, ―ingrato‖,

―descuidado‖.

Compreendendo a presença de expressões que indicam um conjunto de

―atitudes‖ destacamos: ―ouve tudo o que diz o professor‖, ―aprende com facilidade‖,

―nunca presta atenção às palavras do professor‖, ―cuida mais de observar as moscas do

que de estudar as lições‖, ―sabe agradecer às pessoas‖, ―cumprimenta as pessoas mais

velhas‖, ―não agradece os favores que recebe‖, ―nem cumprimenta as pessoas de

respeito‖, ―gosta de ajudar os outros‖, ―cuida só de si‖, ―não fala a torto e a direito‖,

―sabe guardar segredos‖, ―lembra-se sempre do favor que lhe fizeram‖, ―é amigo da

pessoa que lhe fez bem‖, ―esquece-se dos benefícios que recebe‖, ―não gosta do seu

benfeitor‖, ―chega à escola à hora certa‖, ―chega sempre atrasado à escola‖, ―não

prepara as suas lições‖. O conteúdo tem um tom moralizante. A dicotomia entre o

―bem‖ e o ―mal‖ é a tônica.

Page 176: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

172

Figura 15 – Boas qualidades e defeitos das crianças.

Fonte: Segundo Livro de Leitura – 1934 – Hemeroteca Digital Catarinense:

<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br>

Como uma análise geral do texto, atento também para a leitura que se pode fazer

da relação entre o texto e a imagem. Note-se que a imagem mostra um ―menino‖

brincando com seu patinete (Figura 15, p. 34). Portanto, a imagem não relaciona o

menino aos deveres e qualidades que o texto enfatiza, próprios da escola, mas ao brincar

desinteressado. Um contraste curioso. Categoria Possibilidade.

Resposta a uma carta (carta) (p. 38-39), eis a décima quinta lição analisada. É

composta por um texto, do gênero textual carta, de 19 linhas, assinado por Mário. Como

categoria inicial, a partir de leitura flutuante, destacamos os termos consequências,

roubar, franqueza e sofrimentos. Essa carta, em resposta à lição 21 desse livro, traz, em

seu enredo, um conjunto de palavras que indicam as causas de um mau ato:

―consequências‖, ―sofrimento‖. O termo ―franqueza‖ é apresentado como um ato de

repúdio de uma ação de roubo, conforme a expressão: ―Imagina quantas dores sofrestes,

— mas, deixe-me falar-te com franqueza, elas foram conseqüência do teu mau ato de

roubar o ninho do passarinho‖ (FONTES, 1945, p. 38).

O autor usa o antropomorfismo 34

para apontar à criança, os atos que cometeu,

como se pode ver na seguinte expressão: ―Os passarinhos também têm vida, também

sente, também têm amor a seus filhos‖ (FONTES, 1945, p. 39). Essa criança é um

sujeito da ―infância como inferioridade‖, ou seja, nos termos de Kohan (2005, p. 46)

―nessa passagem, a figura da infância é, como a vergonha, uma metáfora da

inferioridade‖, reafirmando a categoria Inferioridade.

34

Conceito, ponto de vista, doutrina filosófica que busca compreender a realidade através da atribuição de

qualidades e comportamentos humanos aos seres inanimados ou irracionais, conforme

<https://www.dicio.com.br>. Acesso em 30 nov. 2018.

Page 177: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

173

A lição trinta, intitulada Jantar de barbados (p. 44-45), é a décima sexta

analisada. Ela é composta por um texto de 23 linhas. Seu conteúdo expõe que, onde os

adultos se reuniam, as crianças não poderiam estar junto, como pode ser percebido na

expressão: ―Meu filho, hoje só os homens barbados jantam comigo‖ (FONTES, 1945, p.

44). Aqui faz-se entender que é um pai falando para seu filho. Por sua vez, os termos

―filhinho‖ e ―mesinha‖, indicam o lugar da criança naquele espaço familiar: ―Seu

filhinho Mário, que tinha cinco anos, veio, como de costume, sentar-se ao pé dêle‖

(FONTES, 1945, p. 45). A condição dada a criança é de um sujeito de ―infância como

inferioridade‖, ou seja, ―o forte domina o fraco‖, como descreve Sócrates ao fazer uma

analogia entre as forças da natureza e o homem. (KOHAN, 2005, p. 51). Mais uma vez

apresenta-se a categoria Inferioridade.

Honradez (p. 46-47) é a trigésima primeira lição do livro e a décima sétima

analisada. Após uma cuidadosa leitura flutuante, foram definidas como categorias

iniciais: menino, qualidade e honestidade. A lição é composta por um texto de trinta

linhas. O termo ―menino‖ aparece três vezes, empregado como sinônimo de criança,

indicando centralidade na condição masculina. As palavras que qualificam o menino

como bom, honesto e honrado, podem ser vistas nas seguintes expressões: ―Não,

senhor. A minha bolsa não tinha tanto dinheiro como essa; tinha pouco valor‖ e ―Oh! É

essa sim! – brandou o menino, tansportado de alegria – é ela mesma!‖ (FONTES, 1945,

p. 46). O ato correto do menino lhe trouxe uma recompensa, enfatizando à criança

leitora o quanto é importante ser honesto. Incluí na categoria Honestidade, entendendo

que honestidade se atribui à ―Qualidade ou caráter de honesto; honradez – dignidade;

probidade, decoro – decência; castidade, pureza – virtude‖ 35

, sendo traduzida como

uma qualidade dos seres humanos, baseada no falar e agir com coerência e sinceridade,

sempre tendo em conta os valores da justiça e da verdade, que está relacionada com o

não mentir e dizer a verdade em todos os tempos‖. 36

A lição número trinta e dois, intitulada O menino chorão (p. 48-49), é a décima

oitava analisada, contendo um texto de trinta e nove linhas e uma imagem (Figura 16, p.

48). Os termos ―choram‖, ―manhoso‘ e ―menino‖ foram os que elegemos como

categorias iniciais a partir da leitura flutuante. O termo ―menino‖, que também está

35

Dicionário Básico Jurídico – Termos e Expressões. Autor: Patrick Giuliano Tarantini, Cajuru,/SP.

2011. 36

<https://edukavita.blogspot.com/2013/05/honestidade-definicao-conceito.html>. Acesso em 22 jan.

2019.

Page 178: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

174

presente no título, aparece sete vezes no corpo do texto e também é representado pelo

termo ―filho‖ e pelo nome Anacleto (cinco vezes).

Figura 16 – O menino chorão

Fonte: Primeiro Livro de Leitura – 1945 – Hemeroteca Digital Catarinense:

<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br>

A inferioridade também está representando a criança, que se apresenta na

expressão ―Meus meninos, não chorais nunca sem motivo‖. ―Acostumai-vos ser

corajosos desde pequenos‖ (FONTES, 1945, p. 49). É uma fala direta à criança leitora,

que precisa entender que deve ser forte desde a mais tenra idade. Categoria

Inferioridade.

A décima nona lição analisada é intitulada Nunca se deve mentir (p. 50-51),

sendo a trigésima terceira constante no livro. Ela é composta por um texto de 30 linhas,

e os termos selecionados para a categorial inicial são: ―brincavam‖, ―meninos‖,

―mentira‖, ―coragem‖, ―verdade‖ e ‗castigo‖. A lição traz questões (ao dizer a verdade)

relacionadas às qualidades e defeitos, compreendidas nos termos ―coragem‖, ―verdade‖,

endossadas na expressão: ―[...] e outro será, talvez, castigado em meu lugar. Não, não

negarei; não quero mentir‖ (FONTES, 1945, p. 50). Quanto aos ―defeitos‖, estão

simbolizados no termo ―mentira‖, que está também inserido no título da lição,

indicando às crianças que o mentir não é certo, como podemos perceber na expressão:

―[...] ainda ontem nos foi ensinado que a mentira é coisa bem feia‖. (FONTES, 1945, p.

51). Tempos e lugares de infância. Categoria Possibilidade.

Más desculpas (p. 54-55), trigésima quinta lição do livro e a vigésima analisada,

é composta por um texto de trinta e duas linhas e um desenho de uma mãe que,

aparentemente, repreende uma criança. Os termos, ―desculpa‖, ―repreensão‖,

―comparação‖, ―culpa‖, ―irmão‖ e ―filho‖ são os destacados para essa análise inicial.

Compreendendo que a presença dos termos ―desculpas‖, ―repreensão‖, ―comparação‖,

Page 179: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

175

―culpa‖, se referem a um conjunto de ―defeitos‖ (os atos e consequências), referindo-se

a ações e comportamentos, podemos pensar que nessa lição a criança leitora entenderá

que tem que fazer bem feito e que não há desculpas para o erro, como podemos ver na

expressão: ―Olha, meu filho: teu irmão Hélio escreveu como a mesma tina, e seu tema

estava muito bem escrito‖ (FONTES, 1945, p. 54). Outro ponto importante a ser

destacado é a comparação entre irmãos, que pode ser observada na seguinte expressão:

―Tuas desculpas são más. É justo que teu irmão tenha boas notas e que tu sejas

repreendido‖ (FONTES, 1945, p. 55).

Figura 17– Más desculpas

Fonte: Primeiro Livro de Leitura – 1945 – Hemeroteca Digital Catarinense:

<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br>

A imagem que representa uma mãe, com olhar de repúdio sobre uma criança,

enfatiza questões relacionadas à cobrança (Figura 17, p. 54). As ações do filho

caracterizam uma criança propensa a não gostar de fazer suas tarefas, ou seja, aversão à

realização de coisas, que gosta de estar no ócio, num estado de moleza. Desse modo, a

categoria que se apresenta é Preguiça.

A próxima lição analisada é a trigésima sétima do livro, intitulada Gula,

avareza e liberalidade (p. 58-59). Composta por um texto de vinte e sete linhas e uma

imagem de um menino sentado em uma cadeira à frente de uma lata de doces,

apresentando-se ao que traz o título da lição (Figura 18, p. 58). Para análise inicial

destacam-se os termos: ―guloso‖, ―avarento‖, ―liberal‖, ―qualidade‖ e ―defeito‖. As

qualidades vêm categorizar uma das crianças, que no caso se chama Carlos, adjetivado

como ―liberal‖. Nessa lição a criança leitora irá perceber que ―gula‖ e ―avareza‖ são

―defeitos‖ e que isso só lhe fará mal. O conteúdo da lição tem tom moralista, como

Page 180: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

176

podemos perceber na expressão: ―Artur era um menino guloso; Bruno era avarento;

Carlos era liberal‖ (FONTES, 1945, p. 57).

Figura 18– Gula, avareza e liberalidade

Fonte: Primeiro Livro de Leitura – 1945 – Hemeroteca Digital Catarinense:

<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br>

A priori, pode-se apreender que as lições do Primeiro Livro de Leitura,

organizadas pelo Professor Fontes, formam um fio condutor, apresentando um exemplo

a ser seguido. Para exemplificar, toma-se a atenção dada ao trabalho. Tal atenção

possivelmente foi elaborada nas lições com a intenção de incutir na criança, já no

ambiente escolar, uma atitude exemplar a ser seguida. Nessa análise, verificou-se que a

categoria Generosidade é que se apresenta nessa lição.

Nesse primeiro livro de leitura há muitas imagens. Mesmo sendo apresentadas

em preto e branco e de qualidade ruim, percebe-se que elas carregam um peso, pois dão

sentido, mesmo que de forma não tão clara, ao que se apresenta na lição. Quanto a isso,

Chartier (1999) destaca a força que um texto impresso possui em gerar sentidos e os

sentidos dados pelos leitores acontecem depois do sistema de representações que a ele é

apresentado, oriundo de sua cultura, assim pondera que as representações do mundo

social é determinada pela relação de interesse de grupo que a produz.

Portanto, as imagens produzem valores e estabelecem diferenças, o que nos leva

a entender que as representações de criança que busco na Série Fontes também estão

subordinadas a essas imagens.

Após analisar e relacionar as lições dentro das categorias, com o intuito de

melhor visualização dos dados obtidos, foram elaborados quadros distintos referentes à

cada lição. As categorias iniciais/intermediárias estão apresentadas conforme a

quantidade de lições a elas relacionadas, seguidas de comentários, por meio dos quais se

Page 181: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

177

procura fazer uma análise preliminar do que apresentam quanto às representações de

criança.

Quadro 9: Análise de conteúdo e categorização –Primeiro Livro de Leitura – 1945.

CATEGORIAS LIÇÕES

Obediência 15ª lição: Um menino exemplar.

Trabalho 1ª lição: O trabalho.

Inferioridade 6º lição: O importuno;

8ª lição: O medroso;

13ª lição: Ditados;

17ª lição: Confiança em Deus;

27ª lição: Resposta de uma carta;

30ª lição: Jantar de barbados;

32ª lição: O menino chorão.

Possibilidade 4ª lição: Pergunta Inocente;

5ª lição: Alegria de um estudante (carta);

14ª lição: No aniversário do papai;

25ª lição: Boas qualidades e defeitos das crianças;

33ª lição: Nunca se deve mentir.

Honestidade 31ª lição: Honradez

Preguiça 35ª lição: Más desculpas

Generosidade 10ª lição: Duas boas irmãs;

24ª lição: Um menino generoso;

37ª lição: Gula, avareza e liberalidade.

Amistosidade 19ª lição: Os meninos brigões;

20ª lição: A menina e o gatinho.

Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos dados obtidos da Análise de Conteúdo no Primeiro Livro de

Leitura da Série Fontes (1945).

As categorias elencadas estão traduzidas com base nas análises das lições,

apresentando-se nesse quadro como possível elemento para se pensar as representações

de criança. Das 21 lições contempladas, a categoria Inferioridade é a que mais se

apresenta. Nelas há, por via de regra, um sujeito situado numa condição menos elevada.

Posso, ainda, inferir que essa criança é moldada, formatada, preparada para ser a cidadã

do futuro, vista como flor num jardim, um anjo, a esperança do amanhã. A figura do

menino assume o papel de maior relevância na composição das lições do Primeiro Livro

de Leitura, com o intuito de forjar um cidadão útil à sociedade.

As lições que se apresentam para análise aplicam-se à criança leitora por um

mecanismo de identificação do que está na lição ao que faz parte de sua vida cotidiana.

Essa criança seguirá, entretida, a história de um menino exemplar, que confia em Deus,

que se apresenta com boas qualidades, mas que também tem defeitos. Que deve saber

seu lugar diante dos adultos, nunca mentido, não sendo chorão nem medroso. Que

diante das adversidades, deve ser honrada e prestativa, ser boa, generosa, alegre e

Page 182: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

178

entender que as más desculpas lhe colocará em posição ruim. Ela verá então, com

simpatia, que o trabalho enobrece o homem.

Dessa forma, a escola, por meio do livro de leitura, instituído por um decreto,

vai replicar o que o Estado espera da criança: um homem útil. Isso por meio de lições

que podem, em alguma medida, doutrinar o sujeito, pois a escola, segundo Foucault

(1998) é um exemplo clássico de dispositivo, ou seja, tudo aquilo que captura o ser

humano, que o condiciona, que o doutrina. Inicialmente pode-se pensar que esse livro

de leitura é um elemento bom, acessível a todos, como está apresentado no prefácio.

Mas veio de certa forma, para doutrinar, oferecendo as mesmas lições, em que todas as

crianças são iguais. Pois quando eu escrevo para a criança, eu estou pensando nela!

Os verbos, em algumas lições, são conjugados no imperativo afirmativo (Olha!

Vê! Trabalha!), ou seja, usados quando se quer impor. Remetendo, em alguma medida,

ao sistema de militarização presente, em maior ou menor grau, durante as primeiras

décadas do período republicano. Tal imposição é percebida, também, na lição O

trabalho, convidando a criança a ser trabalhadora: ―Trabalha também, tu meu menino‖

(FONTES, 1951, p. 8), colocando à criança essa obrigação.

Pergunta-se a razão de se selecionar o tema trabalho na primeira lição, num

período de estudo nas séries iniciais, em que a criança está aberta para o conhecimento,

e onde suas memórias levarão um tempo a diluir. Por exemplo: ―Só pelo trabalho irás

aprender‖ (FONTES, 1951, p. 8). Por que não iniciar com as brincadeiras corriqueiras

infantis, coisas de criança ou outro tema mais ameno? Então a escola não ensina nada?

A criança vai para casa, trabalha, e aprende sozinha? Então, a criança não é vista no

individual, mas no coletivo, fazer o que o outro faz. São colocadas a pensarem igual, e

ao pensarem da mesma maneira, doutrinam-se, conformam-se.

Além do trabalho, outro tema que chamou a atenção foi o foco nas lições de

conteúdo moral, que perpassam todo o Primeiro Livro de Leitura. Lições que revelam o

fator educativo, além do instrutivo, que a escola assumia como sua função essencial.

Como pode ser observado na fala do Governador do Estado, Adolpho Konder:

Mas - além de instruir, é preciso educar. «Faz-se necessario,

observa Jules Delafosse, não sómente em bem da criança, mas

ainda no interesse da sociedade, que a instrucção e a educação se

associem, se completem e concorram fraternalmente para a cultura

moral e intelectual do educando, afim de que este se torne mais

tarde um homem consciente de seus deveres e capaz de os

Page 183: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

179

cumprir). O ensino, convém, pois, seja um complexo de processos

tendentes a desenvolver todas as virtualidades animicas e physicas

da criança, educando-lhe o coração, o cerebro e as mãos, para

formar-lhe a intelligencia, o caracter e a aptidão creadora. Educar

e instruir fixam, portanto, actividades correlatas e um bom

methodo educacional não deve juxtapor-se ao ensino, mas

confundir-se com este. Assim - educando e instruindo, formando o

cérebro e o coração dos homens - intervém o mestre na

estructuração mental e moral das nações. (KONDER, 1927, p.22).

Educar e instruir, correlatos que o governador Konder exaltava em seus

discursos, formulando enunciados sobre a criança, significando representações

constituídas pelo seu entendimento e atribuídos às crianças. Essa obra constitui uma

unidade discursiva, produtora de ordenamento, de afirmação de distância, de divisões

(CHARTIER, 1991, p. 28), ainda, quanto ao projeto pedagógico republicano de

formação do novo homem para o novo regime; características apresentadas com base

nas virtudes da instrução moral e cívica, como forma de manter a ordem social e

fortalecer o caráter nacional no período da primeira república (DALLABRIDA, 2001).

4.1.2 – Segundo Livro de Leitura - 1922

O presente livro é composto de 87 lições, que são identificadas com títulos

específicos e não numerados, distribuídas em 141 páginas.

Passa-se, a seguir, a elencar as referidas lições: Nossa pátria; Meu Brasil;

Gratidão; A figueira e o junco; Os três reinos da natureza; Deus; As plantas;

Necessidade do trabalho; A raposa e as uvas; O todo e as moscas; Uma boa lição; A

cabeça; Carta de parabéns; O papel e a corda; A lição; A leitura; Para a escola; A

pontualidade; Os olhos; O lobo e o esquilo; Doença e bondade; As abelhas; Os três

salteadores; Repreensão amigável; As crianças as almas; A boca; A boca; A flauta do

pastor; O bom estudante; Canção do exílio; A grandeza do Brasil; A pátria; O cão fiel;

O campo inculto; Provérbios; O poder do exemplo; Um anjinho enfermeiro; Hymno ao

Brasil; O descobrimento do Brasil; O castigo da indolência; O seu a seu dono; Utilidade

da chuva; O cravo da ferradura; O criado mentiroso; Os braços; O ninho; Guarda que

comer, não guardes que fazer; Pedido justo; O fabricante de cestos; Faze bem tudo o

que fizeres; O que custamos aos nossos pais; O professor; Defeitos que se devem evitar

na sociedade; Mães; O talismã; Natal; O rachador de lenha e o nadador; O filho

desobediente; O lobo de são Francisco de Assis; Noções de higiene; Sonhos de um

Page 184: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

180

estudante; Hymno dos sentidos; Os cinco dedos da mão; O ovo de Colombo; Os dias

feriados; Preces da infância; O rico e o pobre; O sabiá; O estudantinho da aldeia e

Férias. Salienta-se que assim como ocorreu com o Primeiro Livro de Leitura, as lições

aqui analisadas serão aquelas que foram mais expressivas dentro do objeto desta

pesquisa.

Após fazer sucessivas leituras das 87 lições desse livro, decidi analisar 26. Os

critérios para a escolha dessas lições, são os mesmos utilizados para o livro 1, ou seja,

se justificam devido às mesmas estarem se referindo a uma ou mais crianças, por meio

de um nome próprio, de um termo ou de um adjetivo.

A primeira lição analisada é, também, a primeira lição desse livro, intitulada

Nossa Pátria (pp.7-8). É composta por um texto de vinte duas linhas, não tem imagem

nem autoria. Para as análises que conformam as categorias iniciais, destaco os seguintes

termos: ―meninos‖, ―estudioso‖, ―obediente‖, ―leal‖, ―cuidadoso‖, ―cumprimento‖,

―pátria‖, ―deveres‖, ―amizade‖. O termo ―menino‖ é empregado para criança,

representando o gênero masculino. Nessa lição, é alguém que precisa ser responsável

pela pátria brasileira, servindo-a e engrandecendo-a, conforme posso verificar na

seguinte expressão: ―Os meninos devem também mostrar-lhe seu amor; devem também

trabalhar pela grandeza da Pátria‖ (FONTES, 1922, p.7). Os adjetivos adicionados ao

menino, como ―estudioso‖, ―obediente‖, ―amigo‖, ‖leal‖, e ―cuidadoso‖, representam

aquele que deve ―trabalhar pela grandeza da pátria‖. O excerto: ―Por meio do estudo, da

obediência aos pais e aos mestres, da amizade a seus companheiros, cumprimento de

todos os seus deveres em casa e na escola, mostrarão os meninos o amor que têm à sua

Pátria‖ (FONTES, 1922, p.8), indica que a criança deve entender o lugar que a Pátria

ocupa em sua vida e suas obrigações para com ela, em um conjunto de atitudes

referentes a comportamentos: ―Devemos ter orgulho de ser brasileiros e procurar ser

cidadãos dignos de um país tão cheio de riquezas e maravilhas como é o Brasil‖

(FONTES, 1922, p.8). O conteúdo do texto tem um tom moralizante, de obediência.

Vislumbro a categoria Possibilidade.

A segunda lição, intitulada Deus (pp. 11-12), é a sexta lição desse livro. É

composta por uma poesia com três estrofes e doze linhas, assinada por Cassiano de

Abreu. Elegemos as palavras: ―pequeno‖ e ―Deus‖, para análise categorial inicial. A

lição é um diálogo entre filho e mãe sobre a grandeza e a força do mar e do vento, que

representam a ação de Deus na terra. A palavra ―pequena‖ expressa quem é esse

Page 185: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

181

menino, que se vincula à memória do adulto, como se pode ver na expressão ―Eu me

lembro! eu me lembro! Era pequeno e brincava na praia!‖ (FONTES, 1922, p.11). O

que por sua vez, remete ao tempo vivido por essa criança em sua infância. A criança

leitora deve entender que apesar de toda essa grandeza vista na natureza, Deus é algo

supremo, muito maior, porque foi ele quem tudo criou, como é salientado na expressão:

―Mais forte que o tufão! Meu filho, é Deus!‖ (FONTES, 1922, p.12). Nessa lição a

religiosidade é algo muito presente, expressando os ideais católicos de Professor Fontes,

sobre a criança que ele queria formar. A categoria Inferioridade é associada ao

conteúdo.

A oitava lição do livro, intitulada Necessidade do trabalho (p. 13), é a terceira

analisada. Composta por um texto de vinte linhas, não apresenta imagem nem

assinatura. Os termos apontados para essa primeira análise são: ―Mariasinha‖,

―Augusto‖, ―menina‖, ―menino‖, ―irmã‖, ―irmão‖ e ―esforço‖. A lição pontua sobre o

esforço que se deve ter para conseguir as coisas, o que nada é fácil. Não devemos

desistir diante das dificuldades que são apresentadas, como podemos observar na

expressão: ―Vês, minha irmã? Tudo na vida é assim. Nada se pôde conseguir sem

esforço nem trabalho‖ (FONTES, 1922, p.13). Há, também, a ênfase na figura

masculina, representada por um irmão mais velho que ensina algo à irmã mais moça,

como se percebe na seguinte expressão: ―Olha Mariasinha, sem um pouco de trabalho,

não se pôde nada‖ (FONTES, 1922, p.13). Aqui, o trabalho é algo que dignifica o

homem, e a criança deve aprender isso desde cedo. A categoria Trabalho é indicada.

A lição intitulada Uma boa lição (pp. 16-17), é a quarta lição analisada e a

décima primeira do livro. Essa é composta por um texto de vinte e oito linhas e não

apresenta assinatura nem imagem. ―Hipólyto‖, ―menino‖, ―obrigações‖ e ―lição‖ são os

termos selecionados para essa primeira análise. Nessa lição, a dicotomia entre o ―bem‖

e o ―mal‖ é a tônica. A criança leitora é induzida a entender que quando lhe dão uma

tarefa, essa deve ser cumprida, e que os outros seres não podem ser castigados por seus

erros, como podemos observar na seguinte expressão: ―Quem merece castigo, tu ou esse

animal, que não sabe distinguir o bem do mal?‖ (FONTES, 1922, p.16). O texto

apresenta um tom moralista, em que a criança leitora é induzida a entender sobre suas

―obrigações‖ diante do que lhe é atribuído, aprendendo a ter responsabilidades de

adulto, destacando a categoria Inferioridade.

Page 186: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

182

A décima terceira lição do livro, intitulada Carta de parabéns, (p. 18) é a quinta

analisada. Do gênero carta, está organizada em vinte e uma linhas e assinada por

Manuel. Esse se dirige à mãe felicitando-a pela passagem de seu aniversário e

aproveitando para pedir desculpas por atos que aparentemente para ter inferido a ela,

jurando não mais desagradá-la, como podemos ver na seguinte expressão: ―Ah! minha

querida Mãesinha, muito me arrependo em lhe ter dado desgostos, e creio que hoje, dia

de festa para a Senhora, lhe será agradável ouvir esta declaração sincera que lhe faz seu

filho‖ (FONTES, 1922, p.18). A categoria Obediência é sublinhada.

O papel e a corda (pp. 19-20) é composta por um texto de vinte e oito linhas e

está assinada com a abreviatura Extr.. Os termos para análise são: ―bons‖ e ―discípulos‖.

Novamente, a dicotomia entre o bom e o mal é a tônica. Nessa lição é representada entre

o ―cheiro agradável‖ e o ―mau cheiro‖. A criança leitora é levada a entender que as

escolhas caminham entre o que é bom e o que é mau, como podemos observar na

seguinte expressão: ―O contacto com as cousas puras e perfumadas comunica bom

aroma, o contacto com as cousas impuras e corrompidas comunica cheiro

desagradável‖. Assim, a mesma dever fazer as escolhas certas: ―Vive com os bons e

serás um deles. Foge dos maus para não seres maus como elles‖ (FONTES, 1922, p.20).

O uso do cheiro para representar bom e ruim, aproxima a criança, por meio do que lhe é

familiar com um aspecto sensorial, do entendimento sobre as questões relacionadas ao

tema. A categoria Inferioridade é composta.

A lição número dezesseis, intitulada A Leitura (pp. 21-22), é a sexta a ser

analisada. É formada por um texto de trinta e oito linhas e assinada por Julia Lopes de

Almeida. Destacamos os seguintes termos como categorias iniciais: ―filha‖, ―menina‖,

―neta‖, ―meiga‖, ―mimosa‖ e ―voz aveludada‖. A palavra ―menina‖ está descrita na

―docilidade‖ que carregam os termos: ―meiga‖, ―mimosa‖ e ―voz aveludada‖. O papel

da mulher estava em saber usar toda sua ―meiguice‖ e ―fragilidade‖ desde pequena,

como podemos perceber na seguinte expressão: ―Veio a menina ameigar o avô; beijava-

o, passava-lhe pelas longas barbas brancas as mãozinhas mimosas, contava-lhe cousas

divertidas passadas com as collegas ... e o velho silencioso‖ (FONTES, 1922, p.22).

Cabe à menina ser mais carinhosa, não aparecendo esse papel para os meninos em

alguma lição. A categoria Bondade é indicada como inicial.

A sétima lição analisada é Para a escola (pp. 22-23), sendo a décima sétima do

livro. É composta por uma poesia, contendo oito estrofes com três linhas cada, assinada

Page 187: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

183

por Anna de Castro Osório. Os termos ―criança‖, ―ave‖, ―flores‖, ―voar‖ e ―emplumar‖

formam a base para essa análise preliminar. Nessa lição a criança é representada como

uma ave que está emplumando e aprendendo a voar, vendo-se na escola o lugar que lhe

dá essa oportunidade. A criança é vista, também, como ―botões de flores‖, que esperam

o sol para abrir após serem acaricidas pelo orvalho. A escola passa a ser lugar de

transformação, como veremos na seguinte expressão: ―Criança, ave a emplumar; Vinde

aprender a voar! Vinde á Escola pára ter asas‖ (FONTES, 1922, p.23). Nesse lugar, a

criança é uma flor a ser regada todos os dias e a escola o jardim onde irá florescer. Essa

metáfora que compara as crianças a flores de um jardim é usual na história da infância,

tendo aparecido em autores como Comênio e Froebel, que ajudaram a cunhar a

expressão ―jardim de infância‖ (kindergarten). Outrossim, a escola simboliza algo para

a criança, segundo a autora, como um rio, no qual poderá matar sua sede de

conhecimento, mas que também aprisiona, como podemos ver nas seguintes estrofes:

―A Escola é água a correr ... Descei à Escola a beber, Vinde, vinde, criancinhas [...] A

Escola é prisão, mas calma, Que dá luz e ar à alma, e que liberta e redime‖ (FONTES,

1922, p.23). A categoria Possibilidade é alinhada à terminologia.

A décima oitava lição é intitulada Pontualidade (pp. 24-25). O texto é composto

de vinte e nove linhas, em que trabalho com os termos: ―Timótheo‖, ―menino‖, ―filho‖,

―incorrigível‖, ―escola‖ e ―lições‖. Os excertos que aludem aos defeitos do menino

Timótheo são apresentados no termo ―incorrigível‖, em que o professor faz o

diagnóstico de seu aluno, a partir dos atrasos ao chegar à escola e também por tirar

―notas ruins‖ (p. 24). A fala da mãe para o filho Timótheo, sugere ao mesmo que deve

refletir sobre suas ações: ―Queixas-te, meu filho, de que te fazem esperar e nada está

prompto e preparado, quando desejas. E tu tens sempre promptas, à hora da aula, as tuas

lições? Chegas sempre a tempo à escola? E´s cumpridor dos teus defeitos?‖ (FONTES,

1922, p. 24 e 25). Timótheo é para a criança leitora, um exemplo a não ser seguido. A

categoria Obediência é destacada nessa leitura flutuante.

Doçura e bondade (p. 28-29) é a vigésima primeira lição do livro. O texto é

composto por vinte cinco linhas e assinado por Guerra Junqueira. A partir da leitura

flutuante destaco os termos ―filhos‖, ―índoles‖, ―remorsos‖, ―doçura‖ e ―bondade‖. O

narrador descreve ações que cabem às crianças, ter usando o termo ―filhos‖ para evocar

―á prática de boas ações‖, por meio de duas pequenas histórias: uma sobre um cego que

apanha na rua e a outra de um coxo que sofre escárnios. Essas lições desejam que a

Page 188: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

184

criança perceba o quanto deve ser boa para com os outros: ―Que vos parecem estas duas

lições? Estou convencido que aproveitaram a quem as recebeu‖ (FONTES, 1922, p. 25).

A categoria Bondade é mais uma vez evidenciada.

A décima lição analisada é Reprehensão Amigável (pp. 32-33), sendo a

vigésima quarta do livro. É composta por um texto, do gênero carta, de vinte e nove

linhas e assinada por Alvaro. É uma carta de um irmão para outro. Nela, a criança

leitora perceberá que é necessário ter muito cuidado com sua escrita, pois ao escrever

algo deverá certificar-se que não tem erros, que sua escrita é legível, para que a pessoa

que a leia não tenha que adivinhar. A criança está representada como alguém que não

pode errar. Tudo tem que ser belo e perfeito, como está salientado na expressão em que

são caracterizados os ―defeitos‖: ―As phrases estão mal redigidas, as palavras estão

cheias de erros de orthographia; as emendas são sem conta, sem conta são também as

palavras que são adivinhadas e não lidas, devido á letra horrível com que foram

escriptas‖ (FONTES, 1922, p. 33). A categoria Possibilidade é, novamente, indicada.

As crianças (p. 34), vigésima quinta lição desse livro e a décima segunda

analisada, é composta por uma poesia com quatro estrofes formadas por quatro linhas

cada e assinada por Osório Duque-Estrada. Os termos ―candura‖, ―meiguice‖, ―flores-

desabrochadas‖, ―aroma‖, ―aves‖ e ―esperança‖ são os que representam as crianças,

sendo tomadas como categorias iniciais. Ao serem sinalizadas por adjetivos como

―candura‖ e ―meiguice‖, as crianças são vistas como um ser imaculado. São vistas,

também, como ―flores desabrochando‖ e como a ―tagarelice das aves‖. Nelas são

depositadas todas as esperanças como se elas fossem sinônimas de salvação. Portanto, a

categoria Possibilidade é mais uma vez destacada, pois a criança aqui representada é a

―esperança‖, assim, passa a ser vista como perspectiva, a promessa.

A décima terceira lição analisada é A alma (p. 35-36), composta por um texto

com vinte e quatro linhas e assinada por Guerra Junqueiro. As palavras ―crianças‖,

―Maria‖ e ―alma‖ apresentam-se como categoria inicial de representação de criança uma

vez que, a partir delas, podemos entender como se representavam as crianças. Nesse

diálogo entre mãe e filha podemos perceber a categoria inferioridade na representação

de criança quando essa quer entender o significado de ―alma‖, como na seguinte

expressão: ―Maria, é a tua alma, que se alegra ou se entristece, que te reprehende,

quando fazes o mal, e que está satisfeita, quando praticas o bem‖ (FONTES, 1922, p.

35-36). Ao levar Maria a comparar sua alma, coloca-a numa posição menos elevada,

Page 189: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

185

repreendida, numa relação de insuficiência. Desse modo, ratifico a categoria

Inferioridade.

A lição número trinta, O bom estudante (pp. 40-41), é a décima quarta lição

inclusa na leitura flutuante, composta por um texto de vinte e seis linhas. As palavras

―menino‖, ―estudante‖ e ―cidadão útil‖ ajudam a analisar a criança expressa nessa lição.

O termo ―estudante‖ apresenta a criança que se tornará o ―cidadão útil‖. Nela está

imbricada a responsabilidade ligada a lições de ordem. Os adjetivos ―pontual‖,

―organizado‖, ―preparado‖, ―respeitado‖, ―dedicado‖, ―condescendente‖, ―amoroso‖ e

―delicado‖ apresentam essa criança, que deve se sacrificar para poupar os pais de

―dissabores‖. A presença das expressões indica um conjunto de ―atitudes‖ a serem

seguidas pela criança leitora: ―Tem os cadernos limpos, sem borrões nem rasuras‖,

―Cuida muito dos livros, trazendo-os sempre bem encapados‖ e ―Está sempre prompto a

prestar serviço seja a quem for‖. (FONTES, 1922, p. 41). Ratifica-se a categoria

Possibilidade.

A lição O poder do exemplo (pp. 49 a 52) é composta por dois textos

organizados em dois capítulos, sendo o primeiro, com quarenta e duas linhas, e o

segundo, com vinte e seis. Os termos ―criança‖, ―filho‖, ―menino‖, ―neto‖, ―amor‖ e

―desvelo‖ emergem para a categorização inicial. A lição tem um tom moralista e a

criança é protagonista dessa ação ao mostrar para seus pais que eles são o exemplo a ser

seguido por ela, tornando-os responsáveis por boas ou más condutas dos filhos. Os

termos ―amor‖ e ―desvelo‖ caracterizam essa ação, demonstrando que a criança tem

responsabilidades a serem instauradas desde sua mais tenra idade. A categoria Bondade

é evidente.

A lição número trinta e oito, intitulada Um anjinho enfermeiro (pp. 52-53), é a

décima sexta lição estudada, formada por um texto de vinte e oito linhas e está assinada

por Menezes Vieira. Os termos menino, anjinho e inocência são bases para essa análise.

A palavra ―anjinho‖ como que representa o menino ―Pedrinho‖, que, aos três anos de

idade, em sua ―inocência‖, toma uma atitude a partir da recomendação médica à sua

mãe. Vale ressaltar que é uma criança de três anos de idade vendo-se com tamanha

responsabilidade. A expressão ―Toma, toma mamãesinha, - diz elle – o doutor

mandou... Não tem mau gosto, não ... É para ficar boa, prova um bocadinho... É sol‖

(FONTES, 1922, p. 52), revela para a criança leitora o dever de ser muito cuidadosa

com sua mãe. Mas também insinua que as crianças, desde a mais tenra idade, têm que

Page 190: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

186

ter responsabilidade. ―Anjinho‖, que aparece no título do texto, caracteriza a criança,

sua docilidade e presteza, em suas ações e como ―anjos‖ (na sua representatividade): são

seres de luz, que só fazem o bem. A ação da criança representada no cuidado para com

sua mãe, delineia, mais uma vez, a categoria Bondade.

A décima sétima lição analisada é intitulada O castigo da indolência (pp. 58-

59), sendo a quadragésima primeira do livro, sendo composta por um texto com

quarenta linhas e tem a abreviatura Extr37

. como assinatura. Os termos destacados para

essa análise são: ―menino‖, ―criança‖, ―tagarela‖ e ―indolente‖. A criança é apresentada

como alguém tagarela, que só diz futilidades: ―Um lavrador ia um dia viajando por uma

estrada, acompanhado do filho que, ainda criança, o estava sempre a interpellar,

perguntando-lhe mil futilidades‖ (FONTES, 1922, p. 58). Outro ponto a ser destacado é

quando a criança é interpelada pelo pai: ―Farias muito melhor, se, em vez de estares ahi

a falar, apanhasses aquella ferradura, pois é um objecto que, conservado como parece

estar, póde ainda ser vendido e render alguma coisa‖ (FONTES, 1922, p. 58). Ou seja,

criança não pode falar, criança tem que obedecer. A categoria destacada é Preguiça.

O seu a seu dono (pp. 60 a 62), décima oitava analisada, é uma lição composta

por um texto de trinta e uma linhas e assinado por Hilário Ribeiro. Cabe lembrar que

este é um conhecido autor de livros escolares para a criança, entre eles títulos de

Educação Moral e Cívica. Para análise dessa lição destaco os termos: ―Thomás‖,

―menino‖, ―consciência‖ e ―honestidade‖. As ações do menino, quanto a sua

honestidade em entregar ao dono o objeto que achou, qualificam-no como um menino

bom, com boas atitudes e que terá recompensas, como pode ser visto na seguinte

expressão: ―O menino cumpriu o seu dever, indo restituir um objecto que não lhe

37

Sobre essa abreviação, busco as conclusões de SILVA FILHO (2013, p. 281), em que o mesmo conclui

dizendo que ―os textos assinalados com ―Extr.‖ também se mostram controversos quanto à autoria.

Nenhum dos autores das dissertações citadas manifestou-se quanto à autoria desses textos. Em conversa

com Ada Carolina Fontes, ela nos disse que sua tia-avó, Therezinha Fontes, e ela própria supõem ser

―Extr.‖ a abreviatura de ―Extraído‖ ou ―Extrato‖, mas não têm certeza quanto a isso. Um dado que pode

ajudar a elucidar a autoria dos textos assinalados com ―Extr.‖ é a variação entre a primeira edição do

Segundo Livro e a edição de 1945. Vários textos que aparecem sem assinatura na primeira edição figuram

na edição de 1949 com ―Extr.‖. Creio que uma explicação bastante plausível é que tais textos constituam

adaptações. Assim, Henrique Fontes primeiramente teria considerado essas adaptações como textos

próprios e, depois, teria decidido apor a observação ―Extr.‖ a fim de evitar possíveis acusações de que

estivesse apresentando histórias populares ou de autor anônimo como se fossem suas. Um exemplo claro

em que o texto marcado com ―Extr.‖ trata-se de uma adaptação é ―O sapateiro e o rei‖ (TL, lição 33).

Esse conto, que mostra como um sapateiro que vivia a cantar torna-se infeliz ao receber de um rei uma

bolsa de ouro, é versão de história bem mais antiga, que foi aproveitada pelo poeta português Bulhão Pato

para compor o poema ―O rei e o sapateiro‖.

Page 191: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

187

pertencia. O dono ficou por isso muito contente e recompensou a boa acção de Thomás,

dando-lhe um canivete novo e ainda mais bonito‖ (FONTES, 1922, p. 62). Nessa lição,

a criança é qualificada como honesta por ter uma atitude correta. A categoria

Honestidade é candente.

O mentiroso (pp. 67 a 69) é assinada por Coelho Neto, tendo um texto de

cinquenta e duas linhas. A lição enfatiza que mentir traz consequências, que podem

prejudicar quem as pratica e também a outras pessoas. Nesse caso, a mentira levou à

morte, como podemos ver na expressão: ―Mentia tanto, que ninguém dava credito ao

que diz. Ás vezes queixava-se de moléstias: e, longe de o tratarem carinhosamente,

reprehendiam-no, ameaçavam-no‖ (FONTES, 1922, p. 68). Essa ação caracteriza a

criança que engana, que trapaceia, e, em consequência, a mentira levou-a à morte: ―Eu

bem que ouvi o seu grito, bem ouvi, mas elle mentia tanto... Dias depois, apareceu

coberto de hervas, horrivelmente deformado [...] – Coitado! Mas foi por culpa delle.

Mentia tanto!‖ (FONTES, 1922, p. 69). A categoria Mentira, associada à moralização, é

sublinhada.

A gratidão é o que define a criança: ―[...] como pagará tudo isso que tens custado

a seus Paes? [...] Amando-os de todo o coração, obedecendo, respeitando-os e, quando

eu fôr homem, trabalhando para eles‖ (FONTES, 1922, p. 85). Assim, expressa a lição

O que custamos a nossos pais (pp. 80 a 85), composta por um texto com três capítulos

e que contém vinte e seis linhas, assinado por Hilário Ribeiro. Apresenta à criança

leitora que deve sempre ser grata aos pais. A criança representada é aquela que entende

o valor da família e todo o ―investimento‖ da mesma para com seus filhos. Quer dizer,

ela sempre está devendo! Um menino, chamado Joãosinho, que é bom aluno, se destaca

entre os demais, principalmente no cálculo. Com dez anos de idade e estudante da

quarta série, é a criança aqui representada. A lição estabelece que esse menino é bom

filho e estudante, cumpridor de suas lições. Um exemplo a ser seguido. A categoria

Possibilidade é emergente.

A vigésima primeira lição discutida é intitulada Mães (pp. 89 a 91), sendo a

quinquagésima sexta do Segundo livro de Leitura da Série Fontes. A lição é composta

por um texto com sessenta linhas e assinado por Anna de Castro Osorio. A criança é

representada nessa lição por uma menina chamada Bertha. Ela se compadece com a dor

e o sofrimento de uma mãe com a morte do filho. Faz-se necessário destacar que a

criança que está representada nessa lição assim se faz por sua fragilidade e doçura, que

Page 192: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

188

nessa época a mulher deveria carregar em seu ser. A expressão ―Não, não! Porque tenho

a certeza que valerei mais do que valho hoje, tendo feito este presente ao pobresinho‖,

sugere que as crianças serão recompensadas em seu futuro. Assim, deve estar se

preparando para o porvir. A categoria Caridade, impregnada pela ética cristã, é o ponto

fulcral.

O filho desobediente (pp. 99-100) é uma lição composta por um texto com

setenta e duas linhas e, mais uma vez, assinado com a abreviatura Extr.. A lição gira em

torno da representação da criança/menino que é desobediente. Perante sua mãe tinha um

bom comportamento, mas quando ela não estava por perto, vivia intensamente suas

travessuras. As expressões ―não estuda quasi nada‖ e ―não gostava de brincar senão com

os mais travessos‖, sublinham à criança leitora que esse tipo de comportamento traz más

consequências. E que sua desobediência pode, até mesmo, lhe causar a morte. A

categoria Obediência é evidenciada, partindo do pressuposto que de a criança

desobediente é aquela que não apresente características de obediência, ou seja, a criança

leitora deve entender que ser desobediente lhe trará malefícios.

Sabemos que nas primeiras décadas do século passado foi desenvolvida uma

preocupação com a higiene da população e que, nas escolas, esse aspecto se

materializou nas chamadas campanhas higienistas. Nesse sentido, a lição número

sessenta e dois, intitulada Noções de Hygiene (pp. 103 a 106), é a vigésima terceira a

ser analisada. É composta por cinco textos e contém setenta e duas linhas, sendo

assinada por Abílio Cesar Borges. As palavras que descrevem a criança são: ―menino‖,

―guloso‖, ―desleixado‖, ―preguiçoso‖ e ―ocioso‖. Os textos são dirigidos diretamente

aos meninos, apontando o que poderíamos chamar de ―defeitos‖, carregados nos

adjetivos ―guloso‖, ―desleixado‖, ―preguiçoso‖ e ―ocioso‖. O autor chama a atenção da

criança leitora para que a perceba a necessidade dos bons hábitos de higiene. As

expressões: ―Comer a horas certas, e somente quanto possa o estomago digerir sem

custo. [...] O asseio do corpo e dos vestidos é de grande importância para a conservação

da saúde. Quem vive ociosamente, não pode gozar de boa saúde. Deitar cedo e levantar

cedo é um importantíssimo preceito de hygiene, autorizado pelas experiências de todos

os tempos‖ (FONTES, 1922, p. 105 e 106), colocam para as crianças conselhos a serem

seguidos e que formam uma representação que leva à categoria Obediência.

A vigésima quarta lição analisada é intitulada Sonhos de um estudante (pp. 107

a 109), sendo a sexagésima terceira lição do livro. É composta por um texto de setenta

Page 193: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

189

e três linhas, não tem assinatura nem imagem. Vinculando-se ao sugestivo título,

apresenta um menino com sonhos de ser um militar. Esse menino exibe sua roupa de

militar na instituição em que estuda, com o sonho de ir para uma escola militar após

terminar o ginásio. Usando a roupa apresentava um tom de superioridade perante seus

colegas: ―No recreio, aos collegas que o rodeavam para lhe admirar a bella farda,

contava com grande verbosidade e enthusiasmo suas chimeras, e parecia crer-se na

realidade um general‖ (FONTES, 1922, p. 109). A exaltação ao militarismo era muito

presente no imaginário das crianças nessa época, não só pelo crença de que era passado

às crianças lutarem por sua pátria, mas o quanto, para muitos, era majestoso o uso de

uniformes militares de todos os âmbitos federativos, sugerindo uma relação muito

próxima com a produção de identidades. Esses trajes compartilham modos de pensar,

sentir, crer, imaginar sobre a égide do reconhecimento 38

. A lição exalta os valores do

militarismo por meio da imponência do uso da farda, que leva a uma representação

associada aos desejos quanto ao futuro, delineando a categoria Possibilidade.

Preces de infância (pp. 123 a 125) é a vigésima quinta lição examinada em

nosso trabalho, sendo a sexagésima oitava do livro. É constituída por uma poesia com

onze estrofes com quatro linhas cada, assinadas por D. J. Gonçalves de Magalhães.

Busco a categorização inicial nas palavras ―menina‖, ―filhinha‖, ―pequena‖, ―inocente‖,

―desabrocha‖, ―perfumada‖, ―anjos‖, ―singela‖ e ―infância‖. A palavra ―menina‖ está

representada nessa lição como aquela que é ―inocente‖, ―perfumada‖ e ―singela‖. Esses

termos são empregados para qualificar a criança menina, colocando centralidade no

feminino, que deve ter essas características. Os termos ―desabrocha‖ e ―perfumada‖

comparam a menina a uma flor, em sua fragilidade e beleza. Por sua vez, os termos

―pequena‖ e ―anjo‖ caracterizam o olhar do autor sobre a infância. Associo a lição à

categoria Possibilidade, pois, mais uma vez, a criança aqui representada é assinalada

como perspectiva.

A vigésima sétima lição que esquadrinho é intitulada O estudantinho da

Aldeia (pp. 132 a 137). É composta por um texto com cento e quinze linhas e assinada

por Maria Pinto Figueirinha. As palavras ―menino‖, ―rapazinho‖, ―estudioso‖, ―bom‖,

―respeitador‖, ―virtuoso‖ e ―trabalhador‖ são as condutoras da análise de conteúdo. As

―qualidades‖ são compostas por termos utilizados para qualificar a criança/menino,

38

Sobre uniformes ver Corazza, 2004, em: <https://www.oei.es/historico/n8932.htm> . Acesso em 22 de

fev. 2019.

Page 194: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

190

sendo adjetivado como ―estudioso‖, ―bom‖, ―respeitador‖, ―virtuoso‖ e ―trabalhador‖.

As expressões: ―Aqui tem a recompensa por ser um menino respeitador e não ocultar a

verdade‖ e ―O professor é sempre bom, quando os discípulos cumprem os seus deveres‖

(FONTES, 1922, p. 135), indicam à criança leitora que suas atitudes têm recompensa,

subentendendo que ela precisa fazer as coisas para ser recompensada. A categoria

Generosidade é indicada, assinalada à criança que pratica boa ação, exemplo para as

demais.

Dentre essas 26 lições analisadas, posso inferir que o Segundo Livro de Leitura

aproxima-se do estilo do Primeiro quanto aos temas. A essência das lições está

alicerçada no esforço e na dedicação apresentados às crianças como quesitos essenciais

para que o trabalho produza resultados benéficos, num tom de Possibilidade.

Pontualidade, a gratidão aos pais e à família são elementos-chave do sucesso na vida

pessoal. A mentira e a desonestidade aparecem como elementos corrosivos do caráter e

do progresso. ―Gratidão‖, um dos textos que abre o Segundo Livro, apresenta como

personagem central um senhor de 75 anos que planta árvores, mesmo sabendo que não

colherá os frutos da semente. Mas planta para deixar para a posteridade colher, assim

como ele tem colhido os frutos resultantes da semente plantada por seus antepassados.

―Nossa Pátria‖, primeira lição desse livro, traz a noção ideal de comportamento

infantil atrelado ao amor à Pátria, dando um panorama do que seria tratado nesse livro,

inoculando o nacionalismo, mostrando que os meninos precisam estudar, valorizar a

família, serem leais com seus amigos, valorizar o trabalho – todos fatores que

indicavam o nível do seu amor à Pátria.

Assim, pude averiguar que, no Segundo Livro de leitura, os textos crescem em

complexidade quando comparados aos do Primeiro. Também aumenta o número de

lições: eram 38 no Primeiro Livro e são 87 no Segundo. Subentendendo-se que a

criança a que se destinava o Segundo Livro estava mais pronta para as leituras um

pouco mais complexas que esse último apresentava.

As representações de criança averiguadas estão intimamente associadas ao

referencial de criança ajustada e em consonância com a perspectiva de civilização

pretendida para o país nos anos de 1920. Nesse contexto, essa criança precisaria

associar novas capacidades, reforçando as representações construídas acerca do lugar de

criança na sociedade, estabelecendo distinções por sexo, raça, capacidade física. Neste

sentido, como salienta Chartier (1991) as representações se constituem como matrizes

Page 195: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

191

de práticas construtoras do mundo social e a escola não só transmitiu valores, mas

também se apropriou deles intervindo no mundo social. Assim somos levados ao

epílogo ―O Brasil é um país grande, belo e glorioso‖ (FONTES, Primeiro Livro de

Leitura, 1945).

No Quadro 10 sistematizo as categorias iniciais que emergiram da análise de

contudo das lições do Segundo Livro de Leitura.

Quadro 10: Análise de conteúdo e categorização –Segundo Livro de Leitura – 1922.

CATEGORIAS LIÇÕES

Inferioridade 6ª lição: Deus

11ª lição: Uma boa lição

14ª lição: O papel e a corda

26ª lição: A alma

Trabalho 8ª lição: Necessidade do trabalho

Bondade 16ª lição: A leitura

21ª lição: Doçura e bondade

37ª lição: O poder do exemplo

38ª lição: Um anjinho enfermeiro

Obediência 13ª lição: Carta de Parabéns

18ª lição: Pontualidade

60ª lição: O filho desobediente

62ª lição: Noções de hygiene

Possibilidade 1ª lição: Nossa Patria

17ª lição: Para a escola

24ª lição: Reprehensão amigável

25ª lição: As crianças

30ª lição: O bom estudante

53ª lição: O que custamos a nossos paes

63ª lição: Sonhos de um estudante

68ª lição: Preces da Infancia

Caridade 56ª lição: Mães

Preguiça 41ª lição: O castigo da indolência

Honestidade 42ª lição: O seu a seu dono

Generosidade 71ª lição: O estudantinho da aldeia

Mentira 46ª lição: O mentiroso

Fonte: elaborada pelo autor, com base nos dados obtidos da Análise de Conteúdo no Segundo Livro de

Leitura da Série Fontes (1922).

Ao verificar o Quadro 10, em suas categorias, posso afirmar que o Segundo

Livro, em suas lições, apresenta a criança como aquela que é possível, ou seja, a

possibilidade de fontes de valorização. As oito lições destacadas na categoria

Possibilidade caracterizam a criança dentro dos aspectos que carregam a promessa e se

tem na escola o lugar desses acontecimentos, sob o prisma dos discursos estabelecidos

pelos autores, formulados no seu conjunto enunciados que atravessam as diferentes

lições. Ao mesmo tempo em que apontam uma visão de criança, definem um repertório

Page 196: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

192

de ações e comportamentos atribuídos a ela numa relação que define, também, esse

adulto escritor. Nessa perspectiva, analisar tal série significa não somente buscar no

interior de suas lições o retrato de uma época, mas as representações de criança

apresentada pelos autores. Assim, ao fazer a leitura flutuante e iniciais das lições

destacadas do Segundo Livro de Leitura, compreendo que as categorias que se

apresentam estão embasadas nos critérios de caracterização semânticos e léxicos que

Bardin atribui à análise de conteúdo.

4.1.3 – Terceiro Livro de Leitura – 1933

O exemplar é composto por 84 lições, que são identificadas com títulos

específicos, distribuídas em 143 páginas.

Passa-se a elencar as referidas lições: Oração do educador; Deus; Amor filial; A

criança e o dever; O universo; Sangue; A nossa bandeira; A festa do Lúcio; Silva

Jardim; A pátria; A roseira;Preceitos higiênicos; A verdadeira caridade; O general

Osório; Violetas roxas; A raposa e o tucano; O grito do Ipiranga; O exército negro;

Conselhos; O rato; A caridade; Pássaros; Anchieta; A verdade; Queres ser escoteiro?;

Ferro; Não condenes sem provas; O trabalho; Vingança de martelo; Plantas e flores,

frutos e sementes; Um contratempo útil; O patriota; O sapateiro; A obediência; Na aula

de leitura; Não furtarás; A rua; Dia 21 de abril; O velho rei; O castigo do cedro;

Economia; Relações e deveres entre irmãos; Aos desamparados; Sete de setembro; O

que devemos aos que trabalham; Exílio; Uma lição bem aproveitada; A raposa e a onça;

Laffitte; O altruísmo; O velho, o menino e a mulinha; O escotismo; Germinação; Os

Jesuítas; O amor de Deus e o de nossos pais; Os bandeirantes; A árvore; Antonio

Gonçalves Dias; O segredo nacional; Viletas A independência; As araucárias; Os três

grãos de milho; Músculos; Pinheiros; O ferreiro; A justiça; A proclamação; Ordem e

progresso; O ouro e o carvão; As armas nacionais; Cachoeiras; Juramento à bandeira; A

simplicidade; Armas; O jaboti e o gigante; Dois de novembro; Diligência; Oração;

Saudação à bandeira; O sono de um anjo e Férias.

Do mesmo modo como feito nos livros anteriores, após fazer sucessivas leituras

das 84 lições desse livro, verifico que 21 delas correspondem aos critérios que se

justificam devido às mesmas estarem se referindo a uma ou mais crianças, por meio de

um nome próprio, de um termo ou de um adjetivo.

Page 197: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

193

Oração do educador (p. 7), a primeira lição do livro é, também, a primeira

analisada. Ela é composta por uma poesia de três estrofes com seis linhas cada, e

assinada por Prisciliana Duarte de Almeida. Para a categorização inicial tomo por base

os termos: ―criança‖, ―pequeninos‖, ―alminhas‖ e ―paladinos‖, buscando compreender a

criança apresentada pelo autor. A palavra ―criança‖ está apresentada na poesia como um

ser – nas palavras da autora – que precisa de orientação, pois está ainda em formação.

Os adjetivos ―pequeninos‖ e ―alminhas‖ indicam como a autora vê as crianças: seres

frágeis e delicados, que precisam ser ensinados a tornarem-se guerreiros, ―paladinos‖. É

uma lição também voltada diretamente aos professores, vistos como seres bons e que

nunca erram com as crianças, como podemos ver nas seguintes expressões: ―Que eu

nunca seja pedra de trôpeço‖. ―Que eu nunca escandalize uma criança‖. ―Que eu saiba

respeitar seu coração!‖. ―Dá-me essa força poderosa e mansa. Êsse dom de educar, que

não tem preço: saber, ternura, esfôrço, inspiração!‖ (FONTES, 1933, p. 7). Embora seja

uma lição destinada para os professores, nela a criança leitora perceberia o papel

daqueles em sua educação e em sua formação humana. Uma criança a ser educada!,

também alusiva à categoria Possibilidade.

Amor filial (p. 10), a terceira lição do livro, é composta por um texto com vinte

e três linhas e assinado por João de Deus. Os termos ―filhos‖, ―virtude‖ e ―generosos‖

orientam na composição das categorias desse estudo. A categoria ―qualidade‖ é

caracterizada nos termos ―virtude‖ e ―generosos‖, referenciando-se aos sentimentos dos

―filhos‖ para com os ―pais‖. A condição em que a criança está constituída encontra-se

nos ―filhos‖ que, desde cedo, devem entender de suas obrigações para com os pais,

como indica a expressão: ―Os pais não desamparam nunca os seus filhos, nunca se

esqueçam dêles‖ (FONTES, 1933, p. 10). Assim, indica à criança leitora os valores da

família que o autor quer passar, relacionadas à categoria Caridade.

A criança e o dever (p. 11) é a terceira lição examinada. É composta por um

texto com vinte e duas linhas, assinado por Lemos Brito. As palavras: ―pequenos‖,

―criança‖, ―desabrocha‖, ―meninice‖, ―frutífera‖, ―fruto‖ e ―semente‖ dão o tom para a

análise de conteúdo. A ―criança‖ está representada na lição como uma árvore que deve

ser cuidada para render bons frutos no futuro; já os termos ―pequenos‖ e ―meninice‖

indicam o período da vida em que se encontra. As crianças leitoras perceberão que são

―frutos do amanhã‖ e, feito sementes, precisam ser bem tratadas, pois elas herdarão a

pátria e serão aquilo que os adultos formaram; a escrita dá-lhes à condição de ―fruto‖ e

Page 198: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

194

―semente‖, que frutificam conforme os valores transmitidos, como podemos observar na

seguinte expressão: ―O homem será, em geral, o que à criança lhe transmitir, e da

criança só herdará o homem que dela há de surgir, o que de bom ou de mau, de nobre ou

de mesquinho se lhe der a beber na vossa idade‖ (FONTES, 1933, p. 11). Ao comparar

a criança a uma semente, o autor a caracteriza como algo que virá a ser, bom ou mau,

levando à categoria Possibilidade.

A quarta lição analisada, intitulada A festa de Lúcio (pp. 16-17), é a oitava do

livro. Os termos: ―menino‖, ―filho‖, ―bondade‖ e ―satisfação‖ traduzem a criança nessa

lição, sendo utilizados na categorização inicial. A característica ―qualidade‖ é expressa

nos adjetivos ―bondade‖ e ―satisfação‖, que refletem a criança/menino que deverá ser

―despertada‖ na criança leitora. A lição indica que a criança precisa pensar em dar mais

do que receber e que ―bondade‖ é sinônimo de criança. Assim, receberá no futuro as

coisas boas que fez. Desse modo, o relacionando está atinente à categoria Bondade.

A verdadeira caridade (p.27) contempla um texto de vinte e seis linhas e leva a

abreviatura Extr.. Nessa lição destaco as palavras ―menino‖, ―filho‖ e ―caridade‖ como

(possíveis) termos apresentados para identificar a criança. Luís, o personagem central da

lição é apontado por suas qualidades diante de sua ação para com um senhor mais velho.

O adjetivo ―caridade‖ caracteriza a criança/menino/filho por suas ―boas ações‖, que

serão pagas por Deus, como está apresentado na seguinte expressão: ―A caridade não

consiste só em dar alguma coisa aos pobres; consiste também em consolá-los nos seus

sofrimentos. Aprovando o teu procedimento, repito como o bom velhinho: Deus te

pague‖ (FONTES, 1933, p. 27). Tem-se contribuição à categoria Caridade, uma vez que

a ação da criança caracteriza atos a serem seguidos, de benevolência.

Conselhos (p. 36) é a denominação da décima nona lição do livro e sexta lição

analisada. Ela contempla um texto com vinte e três linhas e é assinada por João de Deus.

Os termos selecionados, que, a meu ver, qualificam a criança, são: ―menino‖, ―filho‖,

―bom‖, ―tenra idade‖, ―justo‖, ―descente‖ e ―amor à família‖. As ―qualidades‖ estão nos

termos ―bom‖, ―justo‖ e ―descente‖, caracterizando a criança/menino/filho. A lição

propõe à criança leitora valores a carregar desde a ―tenra idade‖, como o ―amor à

família‖. Essa criança é vista como aquela que ouve os ―conselhos‖ dos mais velhos: ―A

pessoa habituada, de tenra idade, a respeitar o que é justo e descente, adquiri uma forte

repugnância ao vício‖. (FONTES, 1933, p. 36). Assim, reforça a categoria

Possibilidade, presente nos valores a serem adquiridos e passados pela criança.

Page 199: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

195

A escrita intitulada O Rato (pp. 37 a 39) traz um conto com 98 linhas e leva a

assinatura de Coelho Neto. Os termos: ―menino‖, ―filho‘, ―pequeno‖, ―criança‖,

―rapazola‖, ―meiguice‖, ―forte‖, ―trabalhador‖ e ―estudante‖ aparecem como elementos

para identificar a criança. A categoria ―qualidade‖ é aplicada à criança/menino com os

termos ―forte‖ e ―trabalhador‖, que são utilizados para identificar a criança

trabalhadora, filha de pobre. Por sua vez, ―meiguice‖ e ―estudante‖ são termos que

qualificam a criança/menino filho de rico. A expressão ―Quando eu for mais forte, irei

para uma fábrica e tu não terás mais necessidade, nem ninguém me falará mais com

desprezo‖ (FONTES, 1933, p. 38), indica que o lugar de criança pobre é trabalhando e

que deve ter responsabilidades desde cedo na economia do lar. A categoria

Possibilidade é vislumbrada.

A oitava lição lida no procedimento de leitura flutuante é intitulada A caridade

(p. 40). Ela contempla um texto com trinta linhas e leva a assinatura de Rita Barreto.

Escolhi para compor as categorias iniciais os termos ―meninas‖, ―bondosa‖ e

―caridade‖, que auxiliam a pensar a criança representada nessa lição. A categoria

―qualidade‖ está composta pelos termos ―caridade‖ e ―bondosa‖, qualificando a

criança/menina, que mais uma vez é apresentada às crianças leitoras como aquela que

deve sempre ser boazinha, delicada e pensar no semelhante. Compreendendo a presença

de expressões que atribuem à menina sua bondade, há um conjunto de ―atitudes‖ que

lhe são relacionadas: ―Minha filha, Deus te abençoe!‖; ―Não há nada mais sublime do

que a CARIDADE‖ (FONTES, 1933, p. 40). É interessante ressaltar que as lições até

aqui analisadas, quando ser referem às meninas, apresentam a criança menina como

frágil, que precisa ser boa e aprender a cuidar do lar para ―ser uma mãe de família‖

(FONTES, 1933, p. 40), evidenciando a categoria Caridade.

A vigésima segunda lição analisada é intitulada A verdade (p. 43-44), sendo a

vigésima quarta do livro. É um texto com quarenta e duas linhas e leva a assinatura de

C. W. Armstrong. Os termos ―menino‖, ―verdade‖, ―obediência‖ e ―instrução‖ indicam

possíveis representações de criança apresentada nessa lição. O atributo ―qualidade‖ está

velado na ―obediência‖ que o menino teve a partir das palavras de sua mãe, o quanto é

importante, sempre, falar a ―verdade‖: ―Porque jurei a minha mãe que, acontecesse o

que tivesse de acontecer, eu nunca havia de dizer uma mentira‖ (FONTES, 1933, p. 44).

Os termos ―verdade‖ e ―obediência‖ estão vinculados à criança/menino enquanto

cidadão que se quer formar; já o termo ―instrução‖ se dirige ao conhecimento adquirido

Page 200: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

196

a partir de lições apresentadas por adultos, vislumbrando a categoria Honestidade, pois

dizer a verdade prescreve bom caráter.

Queres ser escoteiro (p. 45 e 46), a décima lição analisada, e a décima quinta

do Terceiro Livro de Leitura da Série Fontes, apresentando um texto com quarenta e

quatro linhas que leva a abreviatura Extr. como possível assinatura indicativa de autoria.

As palavras ―menino‖, ―companheiro‖, ―respeitador‖, ―comandos‖ e ―instrução‖

apresentam a criança nessa lição. A redação trata sobre os princípios do escotismo,

trazendo para a criança leitora valores por meio dos termos ―companheirismo‖,

―respeitador‖, ―comando‖ e ―instrução‖. Estão presentes ensinamentos que devem ser

seguidos, uma ―doutrina‖ que toma o escotismo como referência, pois em seus códigos

são apresentados instrumentos que transferem à criança a ―qualidade‖ de bom cidadão,

aquilo que poderá vir a ser, como indica a seguinte expressão: ―O escoteiro é econômico

e respeitador do bem alheio‖ (FONTES, 1933, p. 46). Os preceitos do escotismo são

ideais que propugnavam o projeto de Brasil da época, propondo para a criança

comportamentos a serem seguidos. Contribuem para a construção da categoria

Possibilidade.

A lição Plantas e flores, frutos e sementes (p. 52-53) é composta por um texto

com cinquenta e quatro linhas, com abreviatura Extr.. A lição demarca questões

relacionadas à terra, cuidados que a criança deve ter e aquilo a saber. Os termos

―menino‖ e ―trabalham‖, que selecionei após a leitura flutuante para a categorização

inicial, intensificam o projeto de nação da época. A lição constitui a terra como um

tesouro a ser cuidado, pois dela saem os alimentos. A criança vista como sendo

elemento importante para a preservação e manutenção da terra, é, também, comparada à

mesma, como raiz a ser cuidada. Essa obrigação para com a terra, que deve ser cuidada,

uma tarefa a ser realizada, torna-se uma atividade laboriosa para a criança, um convite

ao trabalho. Ao saber sobre como cuidar da terra, encarrega-se de tais

responsabilidades: ―Eis, em poucas palavras, superficiais conhecimentos de botânica

elementar, que todos os meninos dever aprender. E, possuidores de tais conhecimentos,

não devem esquecer os cuidados que a terra reclama‖ (FONTES, 1933, p. 53). Dá-se à

criança a função do labor. Outro aspecto está relacionado ao trabalho, conclamando a

criança a não ficar no ―ócio‖, como pode ser observado na seguinte expressão: ―Todo

menino, na hora de folga, deve cuidar da terra, revolvendo-a, abundando-a, entregando-

lhe a semente, que germinará e dará a planta‖ (FONTES, 1933, p. 52). Assim, o lugar

Page 201: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

197

de criança é também representado por um lugar de trabalho, sugerindo a categoria

Trabalho como central.

A lição número trinta e um do livro, intitulada Um contratempo útil (p. 54 e

55), é a décima segunda analisada. Ela contempla um texto com cinquenta e cinco

linhas e leva a abreviatura Extr.. Aborda a relação entre pai e filho, o protagonista

Alexandre destacando o egoísmo do menino ao pensar só em si, queixoso e injusto: ―À

injustiça das queixas e a loucura do seu procedimento feriam no vivamente. [...] isto foi

bastante para o pai compreender que a reflexão de seu filho era suficiente para ensinar

lhe não se devia sacrificar ao interêsse particular o bem estar da humanidade‖

(FONTES, 1933, p. 55). É uma lição de moral, em que o pai diz ao seu filho o caminho

a ser seguido. Nessa relação fica sugerida a categoria Inferioridade.

Décima terceira lição examinada, Na aula de leitura (pp. 60-61) é a trigésima

quinta do livro. Nela, J. Pinto e Silva é apresentado como o autor do texto que tem

sessenta e duas linhas. Os termos ―Benedito‖, ―menino‖, ―pretinho‖, ―insulto‖,

―negros‖, ―heróis‘, ―Henrique Dias‖, ―guerreiro‖ e ―bravura‖ nos ajudam na análise,

compondo as categorias iniciais. Os termos citados compreendem o tratamento que se

tinha para com uma criança negra, como podemos ver na seguinte expressão: ―Benedito

não quer acusar, ninguém, mas êle tem razão em chorar. Um colega insultou-o muito,

no recreio, e ainda lhe disse: Negro não é gente. Muitos meninos concordaram com o

insulto‖ (FONTES, 1933, p. 60, grifo meu). O tratamento dado a essa criança pelos

colegas expressa a relação entre crianças negras e brancas, intensificando o lugar que

cada uma ocupa na história e, nesse caso, se vincula a fatos da história do Brasil. Para

que os insultores percebam a importância do negro, conta-se a história de um homem

negro, Henrique Dias, que lutou bravamente contra a invasão dos holandeses, a ponto

de que, ao ser ferido por estilhaços de pólvora, ―mandou amputar a mão ferida e

continuou a peleja‖ (FONTES, 1933, p. 61). Então, o professor pergunta: ―Agora me

digam se negro não é gente? (FONTES, 1933, p. 61). Nessa lição, o personagem

―pretinho Benedito‖ serviu como agente de retratação a que os meninos brancos se

submeteram após insultá-lo. A criança leitora deveria entender que na construção da

pátria brasileira há heróis negros e que esses, com seu trabalho e com sua vida, fizeram-

se ―bravos da guerra‖. (FONTES, 1933, p. 61). Contudo, fica evidente a categoria

Inferioridade.

Page 202: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

198

A lição número trinta e oito do livro, intitulada A rua (pp. 64-65), foi escrita em

quarenta e uma linhas e leva a assinatura de Rita M. Barreto, apresentando em seguida

uma poesia de quatro linhas, assinada por D. Aquino Corrêa e um ditado assinado por

Daniel Ross. A lição fala sobre qualidades, direitos e deveres da criança. As

―qualidades‖ relacionadas ao menino Ernesto, tais como as expressas nas seguintes

frases ―Sempre o primeiro da classe‖ e ―Na rua tinha procedimento irrepreensível‖

(FONTES, 1933, p. 64), caracterizam-no por meio de seu bom gesto para com um

senhor na rua, mostrando que a criança necessita ser ―Boa, assim será recompensada‖

(FONTES, 1933, p. 65). E quanto aos direitos e deveres, esses estão relacionados às

obrigações das crianças: ―Se quereis ver absolutamente respeitados os vossos direitos,

cumpri escrupulosamente os vossos deveres‖ (FONTES, 1933, p. 65). A categoria

Bondade é relacionada.

Trago para o foco de análise a décima quinta lição que compõe o corpus

documental, referente ao Terceiro Livro de Leitura, intitulada Dia 21 de abril (pp. 66-

67), que é a trigésima nona do livro. Ela está estruturada em um texto com cinquenta e

oito linhas e também leva a assinatura de J. Pinto e Silva. É uma lição que exalta o

―herói‖ nacional. Nesse caso o herói é Tiradentes, enfatizando-se sua luta para a

independência do Brasil e seu amor pela pátria, como podemos ver na expressão do

menino Renato: ―Herói mesmo, confirmou Renato. E como herói subiu à forca no dia

21 de abril de 1792, como vês, Guilherme, Tiradentes foi uma vitima do amor da Pátria.

É por isso que memoramos o dia 21 de abril, dia da sua morte‖ (FONTES, 1933, p. 67).

A criança é quem dá a voz a essa lição, num diálogo sobre o que foi passado em sala de

aula e o porquê se comemora essa data. Esse conteúdo absolvido pelas crianças edifica a

categoria Patriotismo.

O velho Rei (pp. 68-69), quadragésima lição desse livro, é apresentada como um

conto com setenta linhas que leva a assinatura de Olavo Bilac. Os termos que seleciono,

a saber ―menino‖, ―filho‖, ―criança‖, ―principezinho‖, ―anjo‖, ―bela‖ e ―casta‖, nos

ajudarão a compreender a representação de criança proposta pelo autor e, indiretamente,

por Henrique Fontes. Os termos ―anjo‖, ―bela‖ e ―casta‖ são apresentados como

sinônimo de criança: ―O velho rei, com um sorriso que lhe iluminava as barbas, ficou

mirando com amor a criança, tão bela e tão casta, filha do seu sangue e da sua alma‖

(FONTES, 1933, p. 69). A criança, esse ser ―angelical, louro, branco, de olhos azuis e

inocentes como os de um anjo‖, traduz-se na criança aristocrata, que se assemelha,

Page 203: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

199

fisicamente, às representações das crianças filhas de imigrantes europeus do interior do

estado de Santa Catarina. A lição se refere ao poder de um rei sobre seus súditos: ―Esse

poder sem limites e essa riqueza sem têrmo haviam embriagado a alma do velho rei‖

(FONTES, 1933, p. 68), indicando a soberania demasiada. Mas a lição observa,

também, o quanto as crianças podem interferir na decisão de um adulto, como se pode

ver na seguinte expressão: ―O velho rei curvou-se para ver o que o filho trazia na mão.

Era uma mosca feia, negra, pequenina miserável, nojenta. Tinha as asas molhadas e não

podia voar. O principezinho colocou-a na palma microscópica, e virou-se para o lado

Sol. Daí a pouco, a mosca reanimou-se e voou. A criança batia palmas. Não fiz bem,

Pai? Não é um crime deixar morrer uma criatura qualquer, por falta de piedade‖

(FONTES, 1933, p. 69). Sua atitude em salvar uma mosca de afogar-se numa pequena

poça de água, fez com que seu pai, o rei, não assinasse a sentença de morte de muitos

homens. A criança leitora deveria perceber o quanto carrega, em suas mãos, de

salvação. Mas, e a criança que não apresenta esse estereótipo, também se sentirá assim

capaz? Todavia, a categoria Caridade é destaque.

Relações e deveres entre irmãos (pp. 72 a 74) é a décima sétima lição

discutida, sendo a quadragésima terceira do livro. O texto é constituído por uma carta

escrita por Mme. Permond, contendo quarenta e oito linhas. Essa carta, destinada aos

―Meus queridos filhos‖, aborda questões de relacionamentos entre parentes, em

destaque os irmãos e a importância da boa relação entre eles. A autora busca, com essa

carta, salientar o quanto é importante que os irmãos sejam amigos e sigam as normas

―criadas por Deus‖, pois ―Nunca deverão deixar seus irmãos na desgraça, sem lhes irem

a socorro: é neste momento que começam suas obrigações; e rejeitá-los, apesar das

faltas que pudessem ter cometido, seria o modo de atrair a maldição de Deus e a

reprovação de todas as pessoas de bem‖ (FONTES, 1933, pp. 72-73). Ajudarem-se,

aconselharem-se, estimarem-se e terem boas relações são palavras de ordem para as

crianças. A categoria Bondade emerge dessa textualidade.

A décima oitava lição estudada é intitulada O Escotismo (pp. 92 a 94), sendo a

septuagésima quarta do livro. Ela nos traz um texto com oitenta e três linhas e leva a

abreviatura Extr.. Percebe-se que é um convite à criança leitora para fazer parte da

―instituição escotismo‖, que tem como foco principal a disciplina, que prepara desde a

―idade tenra‖ a servir a pátria, a se tornar como os ―homens do amanhã‖ (FONTES,

1933, p. 94). A lição O Escotismo carrega em seu bojo questões relacionadas ao

Page 204: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

200

civismo e à moral, num movimento advindo de práticas escolares e dimensões

simbólicas estabelecidas na época. Esse pensamento se funda a partir do Decreto 3.355

de 27 de maio de 1921, que regulamentou a Reforma da Instrução Pública quando que

em seu conteúdo afirmava que todo aluno a partir de 10 anos matriculado em escola

pública seria considerado aspirante a escoteiro, configurando-se como uma associação

escolar e civil. Essas práticas deveriam ocorrer dentro e fora das escolas, assim

subentende-se que o Professor Fontes adotou essas e outras ações de mesma temática,

seguindo as mesmas concepções de militarização da criança. Portanto, podemos

verificar que a criança aqui representada é aquela que está sendo preparada para servir.

Assim, se vincula à categoria Possibilidade.

O amor de Deus e de nossos pais (pp. 98-99) é a décima nona escrita a ser

analisada, sendo a quinquagésima sétima do livro. Esta lição contempla um texto com

quarenta e seis linhas e leva a abreviatura Extr.. Os termos ―filhos‖, ―Deus‖,

―obediência‖, ―amor fraternal‖ e ―desconfiança‖ nos ajudam a caracterizar as

representações de criança no conteúdo dessa lição. A categoria ―qualidade‖ é instruída

pelos termos ―obediência‖, ―amor‖, ―cuidado‖, ―respeito‖ e ―educação‖, que

compreendem um conjunto de ações dos filhos para com os pais. Por outro lado, a

categoria ―defeito‖ apresenta-se no termo ―desconfiança‖, quando os pais julgam seus

filhos por atitudes que até então não tinham. A lição apresenta à criança leitora o amor à

família, aos pais e a Deus, compondo a categoria Caridade.

Denominada A Proclamação (pp. 119-120), a septuagésima lição do Terceiro

Livro de Leitura da Série Fontes contém quarenta e uma linhas e subscrita com a

abreviatura Extr.. É um diálogo entre o menino Luiz e seu professor sobre a relevância

da data 15 de novembro de 1889, em que Manoel Deodoro da Fonseca proclamou a

República Brasileira com ―um belo exemplo de civismo e amor a pátria‖ (FONTES,

1933, p. 120). Evidencia valores a serem passados às crianças, compondo a categoria

Patriotismo.

A lição número setenta e seis do livro, intitulada A simplicidade (131 – 132), é

a vigésima primeira a ser analisada. Trata-se de um texto com 28 linhas que leva a

assinatura de Mme. Permond. As palavras ―menina‖, ―generoso‖, ―fortuna‖,

―abundância‖, ―simplicidade‖ e ―filhas‖ conduzem nossa análise preliminar. O destaque

a ser dado é o ponto em que a autora informa as suas filhas sobre a necessidade de ser

uma pessoa simples, mesmo que afortunada:

Page 205: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

201

Não é necessário, para ser feliz, viver rodeado de tudo o que há de

mais belo, de mais extraordinário e elegante. [...]. Se Deus vos der

fortunas, minhas queridas filhas, não ostenteis um luxo insolente, mas

conservai a simplicidade [...]; porque se Deus nos concedeu fortuna,

convencei-vos de que não foi unicamente para vossa utilidade pessoal,

mas para que ajudeis àqueles que dela são menos favorecidos e que

vivem na pobreza. (FONTES, 1933, pp. 131 - 132).

Nessa lição as representações de criança encontra-se na menina que é vista como

frágil e doce. Esses adjetivos que a caracterizam como generosa representam a criança

boa, identificando a categoria Bondade.

De modo geral, temos que o Terceiro Livro de Leitura da Série Fontes enfatiza

o asseio, a higiene, os hábitos alimentares, a importância do sono e da oração diária para

manter o espírito sadio, entre outros valores. Além disso, pensando no comportamento

infantil, o escotismo é visto como atividade ideal para exercitar e cultivar as virtudes e

combater o vício entre os meninos. Nesse livro, o autor aborda temas de caráter mais

ecológico. Numa fábula, em forma de poema, de Baltasar Pereira, o ―eu-lírico‖ 39

de ―O

castigo do cedro‖, reclama dos golpes duros do machado. No poema ―O periquito‖, de

Luís Pistarini, o ―eu-lírico‖ roga à menina que dê liberdade ao pássaro – retratado como

uma jóia – que está preso na gaiola. O ninho do pássaro é intocável e inviolável como

nosso lar.

Efetivamente a leitura das lições demonstra o quanto o Professor Fontes e os

autores estiveram sob a influência eminente dos discursos republicanos. Nesse sentido,

a Série Fontes representa o pensamento não só de seu autor/organizador, mas de vários

intelectuais representativos de um pensamento daquele tempo, numa combinação viável

de uma discursividade que oscila entre uma representação de criança moldável e aquela

que via na criança possibilidade alargada a partir do seu vir a ser.

O quadro 11 apresenta uma sistematização das categorias iniciais coletadas com

base na análise de conteúdo do total de lições examinadas.

39

voz que expressa a subjetividade do poeta e/ou a maneira pela qual o mundo exterior se converte em

vivência interior. Disponível em <https://www.dicio.com.br>. Acesso em 23 jan. 2018.

Page 206: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

202

Quadro 11: Análise de conteúdo e categorização – Terceiro Livro de Leitura – 1933.

CATEGORIAS LIÇÕES

Patriotismo 39ª lição: Dia 21 de abril

70ª lição: A proclamação

Trabalho 30ª lição: Plantas e flores, frutos e sementes

Possibilidade 1ª lição: Oração do educador

4ª lição: A criança e o dever

19ª lição: Conselhos

20ª lição: O rato (conto)

25ª lição: Queres ser escoteiro

54ª lição: O escotismo Caridade 3ª lição: Amor filia

13ª lição: A verdadeira caridade

21ª lição: A caridade

40ª lição: O velho rei (conto)

57ª lição: O amor de Deus e de nossos pais

Bondade 8ª lição: A festa de Lúcio

38ª lição: A rua

43ª lição: Relações e deveres entre irmãos

6ª lição: A simplicidade Inferioridade 31ª lição: Um contratempo útil

35ª lição: Na aula de leitura Honestidade 24ª lição: A verdade Fonte: elaborada pelo autor, com base nos dados obtidos da Análise de Conteúdo no Terceiro Livro de

Leitura da Série Fontes (1933).

Como verificado, mais uma vez a categoria Possibilidade é a que mais se

apresenta, com base nas análises das lições do Terceiro Livro de Leitura. Isso dá o

indicativo de que por meio das lições da Série Fontes, seu autor quer uma criança

preparada, que se apresente como possível fonte de realização futura, levando em

consideração a construção de sujeitos que buscam modelar, a partir de práticas sociais

anunciadas e produzidas nas lições analisadas. Outrossim, podemos averiguar que as

representações de crianças expressas nas categorias analíticas aqui apresentadas,

aproximam-se dos padrões do adulto, não afirmando apenas uma incompletude e

imaturidade da criança, mas proclamando a possibilidade de valores que lhes é

atribuído. Nesse sentido, a criança carrega a dimensão do novo, da energia vital,

configurando o modelo no qual o leitor deveria se espelhar.

4.1.4 – Quarto Livro de Leitura – 1949

O presente livro é composto por 85 lições, que são identificadas com títulos

específicos, distribuídas em 168 páginas. Passa-se a elencar as referidas lições: Hino ao

creador; A família; A avozinha; O poder da família; O avô; Amor de mãe; Ser mãe;

Page 207: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

203

Meu pai; Em família; Solidariedade familiar; A leoa; Parentesco; A casa; Higiene da

habitação; Ubi Natus Sum; Inviolabilidade de domicilio; Domus Aurea; O torrão natal;

Visita à casa paterna; A pequena pátria; De volta à terra; A pátria; A pátria; Pindorama;

Terra do Brasil; Língua Portuguesa; Terra de Santa Cruz; Direitos e deveres; O

semeador; Ensinemos o Brasil aos brasileiros; O trabalhador; Trabalhador; O trabalho,

lei universal; Comportamento escolar; A cidade da luz: Escola; Os livros; Ler e refletir;

A guerra; A paz e a guerra; A paz; Apelo à mocidade; Na defesa do solo; Oração à

bandeira; À bandeira; Os portugueses; Língua Portuguesa; Os grandes índios; Os

negros; O homem forte; Virtude magnânima; Sete de setembro; Inteireza dos Andradas;

Para a paz e para a liberdade; Ao Brasil; Deixem isto para as mulheres; Heroínas

brasileiras; Liberdade; Jose da Silva Mafra; Rosa Maria Paulina da Fonseca;

Simplicidade, felicidade; Uma heroína; O pessimismo nas escolas; Amor à profissão;

Hino do trabalho; Campanha do trigo; Dever de solidariedade; A paixão da verdade; A

pátria; Impostos; Joaquim Nabuco; Conselheiro Antonio Francisco Coelho; Marechal

Deodoro; O velho guia; O visconde de Mauá; Lavra sempre; Os criminosos do

machado; Felipe Schmidt; As boas ações; Trajano de Carvalho; Caxias; A água e o sol e

O ideal.

Após fazer sucessivas leituras das 85 lições desse livro, decidi analisar somente

quatro. Os critérios para a escolha dessas lições, e, não das demais, se justificam devido

às mesmas estarem se referindo a uma ou mais crianças, por meio de um nome próprio,

de um termo ou de um adjetivo, perspectiva analítica recorrente conforme a

metodologia eleita.

A Família (pp. 8-9) é a segunda lição do livro e a primeira analisada. A lição

contempla um texto com trinta e sete linhas, e leva a assinatura de Henrique Coelho. Os

termos: ―filhos‖, ―discípulo‖, ―irmãos‖, ‗família‖, ―parentes‖, ―pais‖, ―amigos‖,

―obediente‖, ―atento‖, ―bons‖ e ―honra‖ ajudaram, a saber sobre a criança nessa lição. A

categoria ―qualidade‖ está apresentada nos termos ―bons‖ e ―honra‖, que dão

significado, segundo o autor, ao que os filhos devem ter para com os pais. A criança

caracterizada nessa lição está nos ―filhos‖ e nos ―irmãos‖, que necessitam ser bons,

solidários, cordiais para com sua família e seus amigos. Criança tem que ser boa e estar

sempre à disposição de sua família. Há um conjunto de expressões que delineiam a

relação da família com a escola em suas ―obrigações‖: ―No seio da família contempla-se

o que se adquire no ambiente da escola. O pai continua com a tarefa do mestre,

Page 208: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

204

aconselhando e guiando; o filho é ainda o discípulo, atento e obediente‖ (FONTES,

1949, p. 9); ―Da escola traz o discípulo a mente esclarecida, de família recebe a grande

lição da solidariedade, que vai ser a inspiradora do seu procedimento na vida social‖

(FONTES, 1949, p. 9). Lugar da criança é na família e na escola! Essa lição apresenta-

se com características que se definem em três categoria: Amistosidade, Bondade e

Obediência. Assim defino, levando em consideração os termos que nela se retratam,

como: ―amigos‖, ―bons‖, ―honra‖ e ―obediente‖. Ainda se faz relevante o fato que essas

categorias são subliminares, no sentido de dignificar o contexto que a família se

organizava na época e de como a criança era vista dentro da mesma.

A lição número quatro, intitulada O poder da Família (p. 11), é a segunda lição

em análise. Esta contempla um texto com vinte e cinco linhas e leva a assinatura de

Samuel Smiles. Os termos: ―crianças‖, ―lar‖, ―rédeas‖, ―poder‖, ―escola‖, ―educação‖ e

―sementes‖, ajudam a compreender como está representada a criança. A criança é

comparada a ―sementes que brotam‖ e que serão o futuro do país. Os termos ―lar‖ e

―escola‖ representam o lugar em que a criança/semente deve ser cuidada, pois tudo o

que lhes for passado se converterá em opinião pública. O autor traz, ainda, que as

crianças, como futuro da nação, recebam de seus pais o exercício da cidadania, pois eles

têm o poder sobre seus filhos muito mais que o governo: ―Os mais pequenos fragmentos

de opinião semeados no espírito das crianças na vida privada brotam mais tarde no

mundo, e convertem-se em opinião pública; porque a nação se forma com as crianças, e

aqueles que as dirigem exercem um poder talvez maior do que aqueles que teem as

rédeas do govêrno‖ (FONTES, 1949, p. 11). Ainda se vincula ao o conceito que Kohan

(2003) apresenta quanto à ―infância como pura possibilidade‖, numa perspectiva em que

a família apresentada está pautada num modelo de homem racional, forte, destemido e

justo, servindo como preceitos para a criança se referenciar. Desse modo, classificamos

essa lição na categoria Possibilidade.

A lição trinta e quatro, intitulada Comportamento escolar (p. 53), é a terceira

analisada. Contempla um texto com trinta e uma linhas, com assinatura de João de

Deus. As palavras ―filho‖, ―obediente‖, ―aluno‖, ―disciplina‖ e ―escola‖ apresentam

questões relacionadas à criança, ao seu comportamento, diretos e deveres. A lição traz a

necessidade da ―instrução‖ como sustento, uma vez que essa ―nos diferencia dos demais

animais‖, pois ―sem instrução a gente é como animais‖ (FONTES, 1949, p. 53). A

criança é identificada como um ―discípulo‖, aquele que segue as orientações de seu

Page 209: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

205

mestre, é ―disciplinado‖ e a escola exerce o papel de ―mantê-lo no caminho certo‖,

cabendo aos pais dar uma ―boa orientação‖: ―Um discípulo deve ser modesto, [...] não

deve ter vaidade. Seja diante de quem for, devemos proceder de modo que se mostre a

nossa boa educação, e fazendo de conta que estão presentes os nossos pais‖ (FONTES,

1949, p. 53). Ao fazer a criança leitora refletir sobre a necessidade da ―instrução‖ e

postular dessa provém o sustento, fazendo-a entender que isso as ―diferencia dos demais

animais‖, coloca-a num lugar de subalternidade, ―sem importância‖. Desse modo,

apresenta-se a categoria Inferioridade, partindo do conceito apresentado por Kohan

(2003, p. 45) ―[...] é o tempo da incapacidade, das limitações do saber; é a etapa da falta

de experiência‖.

O pessimismo nas escolas (p. 105-106), sexagésima quinta lição do Quarto

Livro de Leitura da Série Fontes, é a última em análise permitindo a seleção dos termos

―crianças‖, ―ingênuas‖, ―pessimismo‖, ―escola‖ e ―aluno‖, como elementos que

representam a criança. O texto de 41 linhas é assinado por Araripe Júnior. Seu teor

chama a atenção para o que muitas vezes a escola acaba fazendo com suas crianças,

quando as trata como ―ingênuas‖ em relação ao mundo em que vivem. O autor quer

chamar a atenção da criança leitora sobre esse ―pessimismo‖ que é passado na escola,

uma vez que não precisariam se esforçar tanto nos estudos, pois ―se tudo isso se tem de

esbarrar diante da convicção de que o círculo em que êle (aluno) viver não o animará‖

(FONTES, 1949, p. 105). O autor acrescenta ainda: ―[...] desde os bancos de primeiras

letras só se faz plantar em seu espírito a idéia de inferioridade do caráter nacional, da

importância da raça a que pertencemos, da inutilidade do esforço num meio social

condenado pelas leis fatais da história a ser mero campo de exploração de industriais de

outras nações?‖ (FONTES, 1949, p. 106). Emergem, portanto, representações negativas

sobre a escola e o seu papel na formação das crianças, realçando a categoria

Inferioridade.

O Quarto Livro de Leitura contém a valorização de leitura como ato reflexivo,

instrumento formador da consciência crítica à sociedade que se apresenta.

Diferentemente dos demais que compõem a coleção, está organizado por agrupamento

de temas em comum No seu final reserva um espaço para mulheres que fizeram história.

As figuras exaltadas nos textos são Florisbela, a guerreira e enfermeira gaúcha; Maria

Curupaiti, apelidada de Chica Biriba; sóror Maria Angélica; dona Maria Paulina de

Fonseca, em texto assinado por Sílvio Romero; Maria Quitéria, que participou, em

Page 210: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

206

1822, do Batalhão do Príncipe; Anita Garibaldi, figura do cenário histórico catarinense,

não aparece como personagem central, é apenas mencionada.

A peculiaridade de iniciar o livro com uma leitura de contornos religiosos nos

leva a recordar o costume de iniciar os trabalhos escolares com uma oração, comum nas

escolas naquele período.

O quadro 12 sistematiza os dados iniciais oriundos da análise das lições

selecionadas do Quarto Livro de Leitura da Série Fontes, inferindo com base nas

categorias intermediárias aqui apontadas.

Quadro 12: Análise de conteúdo e categorização –Quarto Livro de Leitura – 1949.

Categorias Lições

Inferioridade 34ª lição: Comportamento escolar

65ª lição: O pessimismo nas escolas

Amistosidade 2ª lição: A Família

Bondade 2ª lição: A Família

Obediência 2ª lição: A Família

Possibilidade 4ª lição: O poder da família

Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos dados obtidos da Análise de Conteúdo no Primeiro

Livro de Leitura da Série Fontes (1949).

Observo que as lições presentes no Quarto Livro de Leitura pouco nos traduzem

as representações de criança que quero buscar, que segundo Chartier (1990, p. 17) nos

permite ―identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada

realidade social é construída, pensada, dada a ler‖. Ou seja, as lições do Quatro Livro,

estavam mais voltadas para as características das terras brasileiras, seus heróis nacionais

e o amor a pátria, não revelando diretamente a criança, mas a nação. Em outros termos:

[...] O Quarto Livro de Leitura apresenta os semióforos de maneira

mais sistemática, formando uma divisão em blocos dos valores

cívicos, da conduta moral, da língua, das etnias e religião católica, isto

é, dos elementos do caráter nacional. Além dos textos sobre a

condição da mulher como mãe e heroína, o Quarto Livro versa sobre a

escola, o trabalho e o Estado e suas funções. (NASCIMENTO, 2003,

p.58-59).

Ao lado da permanência de uma visão de criança expressa nos livros anteriores,

o quarto livro de leitura configura-se nas representações de criança em quatro lições. A

centralidade está no poder que a família exerce, atribuindo à criança aspectos e

caracteres centrais, em que os autores constituem não apenas um repertório de ações

sobre as crianças, mas também que cheguem aos seus familiares, numa consonância de

Page 211: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

207

pensamentos, cabendo aos adultos cuidar para que os ―bons valores‖ prevaleçam sobre a

formação infantil.

4.1.5 - Representações de criança em lições da Série Fontes: considerando o corpus

de análise

Para melhor visualizarmos os dados apresentados nos quadros 9, 10, 11 e 12 já

destacados, anuncio as categorias relacionadas, que têm por objetivo qualificar as fontes

de acordo com as análises desenvolvidas para esta pesquisa. O objetivo é estabelecer

novas categorias, que se apresentam nas lições de cada livro da Série Fontes, destacando

os termos que se repetem, levando em conta o critério de enumeração, tendo por base os

estudos de Laurence Bardin (2016) quanto à metodologia denominada Análise de

Conteúdo. Segundo o que informa a autora sobre os caminhos a serem feitos para as

análises: ―As diferentes fases da análise de conteúdo, tal como inquérito sociológico ou

a experimentação, organizam-se em torno de três pólos cronológicos: 1) a pré-análise,

2) a exploração do material e 3) o tratamento dos resultados, a inferência e a

interpretação‖ (BARDIN, 2016, p.125).

A Série Fontes foi considerada como constituinte do corpus de análise. Assim,

tendo em mãos os quatro livros de leitura de edições distintas, por meio de ―leitura

flutuante‖, verificou-se em suas lições a ocorrência daquelas que tratamos como as

palavras-chave relacionadas a representações de criança, as quais constituem os

―indicadores‖ utilizados para o entendimento sobre essa representação. Essas ações

correspondem à etapa de pré-análise.

Ainda, de acordo com Bardin (2016, p.125-132), a fase de exploração possibilita

a codificação, processo pelo qual o pesquisador sistematiza e agrupa os dados com

intuito de descrever as características do conteúdo, por meio da escolha de recortes do

texto em unidades de registro, pela definição de regras de contagem e pela classificação

e agregação do teor da escrita em categorias temáticas, conforme apresentamos nos item

4.1. Assim, estabeleceram-se como unidades de registro as lições, os títulos, as palavras

relacionadas a representações de criança. Essas unidades constituem um conjunto de

dados brutos dentro dos documentos.

Se cada unidade de registro é uma componente textual de significação,

constituída por parágrafos, frases e palavras, sua atenta leitura analítica possibilita a

Page 212: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

208

identificação de palavras-chave que compuseram uma primeira categorização,

apresentada entre o item 4.1.1 e 4.1.4. O processo segue agrupando enunciados

selecionados pelo grau de proximidade, exprimindo significados e elaborações

significativas relacionados aos objetivos desta tese. Estes são encontrados não somente

na parte visível e aparente dos textos, mas também nas entrelinhas da escrita, como

podemos verificar na lição ―O medroso‖, quando o autor fala da criança que tem medo e

expressa na última linha: ―É muito ridículo ter medo‖ (FONTES, 1945, p. 13), é muito

mais elegante ser corajoso. Além disso, se apóia na constatação por meio de contagem,

após sucessivas leituras flutuantes, de que alguns termos são repetidos e indicam, em

linhas gerais, a natureza da prática educativa registrada.

Ainda embasado pelos estudos de Bardin (2016), selecionei as palavras-chave

que correspondem às categorias iniciais, agrupadas de acordo com temas parecidos, que

deram origem às primeiras categorias. Em seguida, da junção temática das categorias

iniciais se compõem as categorias intermediárias. Estas, ao serem novamente agregadas

devido à ocorrência de temas comuns, resultam nas categorias finais ou terminais.

Considerada a inferência e a interpretação, segui na direção de colher tanto os conteúdos

explícitos como aqueles tacitamente sugeridos.

Pelas exaustivas leituras realizadas para se reconhecer nas lições as

representações de criança, atingi a seleção de categorias que deram evidência aos

aspectos de similaridade ao objeto dessa pesquisa, organizando-os em quadros e

explicitados com base nos conteúdos das lições. À primeira vista, parece que se é

redundante, mas pretende-se evidenciar todas as etapas recorrentes, que são

estabelecidas por Bardin. Os detalhes vão delineando o caminho que nos levaram às

categorias finais. Os quadros elaborados têm como objetivo uma visualização conjunta

das análises, contribuindo no processo de classificação.

Considero importante apresentar, em linhas gerais, como estas categorias foram

constituídas. Para tanto, apresento a seguir um quadro com esses dados referentes à

categorização.

Page 213: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

209

Quadro 13: Categorias intermediárias L

IVR

OS

CATEGORIAS

Ob

ediê

nci

a

Infe

rio

rid

ade

Am

isto

sid

ade

Po

ssib

ilid

ade

Gen

erosi

dad

e

Pre

guiç

a

Tra

bal

ho

Ho

nes

tid

ade

Bo

nd

ade

Car

idad

e

Men

tira

Pat

rioti

smo

1º livro de leitura X X X X X X X X

2º livro de leitura X X X X X X X X X X

3º livro de leitura X X X X X X

4º livro de leitura X X X X X

Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.

Os termos que mais aparecem nas leituras, instruindo a continuidade do processo

de categorização, dão indicativos de qual a representação de criança que se apresenta

nas lições: a criança como um cidadão que virá a ser, a que iria salvar a pátria, honrá-la

e torná-la melhor, ou seja, aquela que tem a característica do que é possível, definida

pela categoria Possibilidade. Se formos pensar a possibilidade com base nos conceitos

matemáticos, podemos significá-la como categoria a partir do conjunto de todas as

demais, dentro de uma combinação de categorias, ou seja, na variação remitente dentro

das análises combinatórias. Pode-se até aferir que dentro de um conjunto de leis que o

Professor Fontes permitir-se-ia homologar, processualmente o cidadão que viria ser,

com base em uma condição do que é possível, segundo seus preceitos republicanos.

Partindo do pressuposto de que se concebia a criança como ―sujeito de pura

possibilidade‖, podemos constatar que essa era tratada como depositária de esperanças,

caracterizadas como obediente, heroína, generosa, um anjo, uma flor, uma semente, pois

é ―De pequenino que se torce o pepino‖ (FONTES, 1922, p. 63).

Nessa perspectiva verificou-se que as lições consideravam desenvolver e incutir

na criança padrões de comportamento que se aproximavam dos padrões dos adultos,

representados como expressões centradas em práticas discursivas voltadas à criança

como possibilidade, a que apresenta viabilidade e perspectiva, que tem a capacidade em

poder fazer algo.

Page 214: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

210

4.1.6 – Caminhos que levaram às categorias finais

No aprimoramento do tratamento categorial dado às lições, cheguei às categorias

finais: Trabalho, Obediência, Honestidade, Inferioridade, Possibilidade, Patriotismo e

Caridade.

As diferentes fases de análise de conteúdo foram estabelecidas com base nas

definições de Bardin (2016), que passaram pela leitura flutuante, estabelecendo as

categorias iniciais e intermediárias, chegando às categorias finais. Verificou-se que as

lições analisadas permitiram definir sete categorias, que nos dão elementos para definir

as representações de criança nas lições dos livros de leitura da Série Fontes.

O percurso metodológico, reafirmo, só foi possível pautado pelo que Bardin

estabelece como a organização da análise: ―a pré-análise, a exploração do material e o

tratamento dos resultados obtidos e a interpretação‖ (BARDIN, 2016, p. 123); ou seja,

em tom confrontativo, buscou-se esclarecimentos acerca dos conteúdos das lições, a

relação entre esses e os adjetivos relacionados às crianças. Essas diferentes fases da

análise de conteúdo fazem interrogar, a todo o momento: quais as representações de

criança na Série Fontes?

A exploração do material, segundo os fundamentos metodológicos

estabelecidos, possibilitou a classificação das categorias iniciais e intermediárias,

decodificando os dados brutos dos textos, que indicaram uma representação de conteúdo

suscetível, que ajudou a estabelecer características como a classificação de tais

categorias, correspondentes aos termos, substantivos, verbos e até advérbios, por meio

do que se pretendeu chegar à representações de crianças. Os tratamentos dos resultados

ajudaram a buscar os significados dos conteúdos dispostos, não somente o que estava

explícito nas lições, tratando-se de criança, mas o que o autor/autora das lições queria

passar como mensagem. Do mesmo modo, quanto à escolha do autor/organizador da

Série de tais lições, por que umas lições e não outras.

A divisão das lições analisadas e, depois, classificadas em categorias, se deve

aos critérios semânticos e léxicos. As definições das categorias em critérios de

categorização semântica se deram, por exemplo, quando todos os temas que

significavam bondade ficaram reunidos na categoria inicial ―Bondade‖, enquanto os que

desqualificaram a criança ficaram na categoria ―Inferioridade‖; e, nos critérios de

classificação léxica, se deram com base na classificação de palavras segundo o seu

Page 215: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

211

sentido, com emparelhamento dos sinônimos e dos sentidos próprios relacionados à

criança (BARDIN, 2016). Assim, o que permitiu o agrupamento das categorias foi o

que havia em comum entre elas, fornecido por uma ―condição, uma representação

simplificada dos dados brutos‖ (BARDIN, 2016, p. 149).

Desse modo, o método utilizado para analisar as 272 lições contidas na Série

Fontes foi possível embasado nos conceitos que Bardin define como um ―conjunto de

categorias [...] que reúne um grupo de elementos‖ (BARDIN, 2016, p. 147), quer dizer

as unidades de registro. Os discursos atribuídos às lições, tais como bom cidadão,

criança não chora se não fica feia, amar a pátria, o trabalho dignifica o homem, respeito

aos mais velhos, contar a verdade traz recompensa, ter confiança em Deus,

comportamento escolar, boas qualidades e defeitos das crianças, entre outros,

esclareceram, no decorrer das análises, os oradores, as instituições que os englobam,

mas também as crianças a quem se dirigiam esses discursos. Ademais, dando indicações

com possível passagem de dados sobre o que se tinha como projeto de nação. Os

conteúdos encontrados estão ligados a valores contidos nos títulos e dentro das lições.

No conjunto das análises de conteúdo, buscando a percepção de representações

de criança, organizei quadros para cada uma das sete categorias finais, segundo

agrupamentos das lições que as formam. Entre as diferentes possibilidades de

categorização, os discursos aqui anunciados se dão dentro dos conteúdos apresentados

em cada lição. Depois foi passado um ―pente fino‖, correspondendo ao que segue

quanto à estruturação e construção teórica analítica de Bardin. Esses quadros e as

análises resultaram na definição das categorias definidas no processo.

Essas definições categoriais, situadas nas condições de recepção e leitura

produzidas nas lições, também revelam o que deixou de ser dito, o que pressupõe, por

vezes, um sentido muito forte do que não deve ser abafado. Ou seja, os resultados

obtidos apresentam características válidas para a elaboração dessa tese. Assim, a

sistematização dos dados, a organização das categorias, a confrontação sistemática com

as lições, tudo isso dá uma base disposta nas dimensões teóricas explicitadas pelo modo

como pude fazer as análises e traçar as representações de criança. Um tratamento

conforme as possibilidades de leitura, na construção de indicadores pertinentes às

questões abertas na introdução desse estudo.

Desse modo, apresentamos as categorias conforme a quantidade em que

aparecem nas lições – critérios de enumeração –, uma síntese semântica de cada

Page 216: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

212

categoria, assim definida: Patriotismo, duas lições; Honestidade, quatro lições; Trabalho

– cinco lições; Obediência, seis lições; Inferioridade, quinze lições; Possibilidade, vinte

e uma lições e Caridade com vinte e duas lições (Quadro 14).

Page 217: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

213

Quadro 14: Análises categoria Trabalho

Ordem Categoria Livro Lição Quantidade Representação de criança

01 Trabalho I 1ª – O trabalho

35ª – Más desculpas

2 Menino e preguiçoso

II 8ª – Necessidade do trabalho

41ª – O castigo da indolência

2

III 30ª – Plantas e flores, frutos e

sementes

1

IV ------------- 0

Resumo I Resumo II (esquema) Síntese

1 – criança – menino; homem – utilidade (ser

útil), foco na sociedade.

2 – desculpas não boas, inaceitabilidade do

erro, a preguiça não combina com o trabalho.

3 – o trabalho como uma necessidade, esforço,

dedicação para as conquistas – foco no

masculino; nada vem de graça, tudo tem um

custo.

4 – a preguiça é castigada por meio do outro, o

pai, de sua atitudes. Lição mais didática, o

trabalho somente feito por interesse.

5 – cuidado com a terra, consciência ecológica

envolvendo o trabalho.

- preparar o individuo para ser útil e não cometer erros:

utilidade e assertividade.

- o custo na obtenção das coisas necessárias à

vida/sobrevivência e a observância/percepção de si por

meio do outro quando do trabalho feito por interesse

próprio.

- consciência ecológica – cuidado com a terra, com o

ambiente de onde tira seu sustento.

Forjar o indivíduo almejando um ser

útil e assertivo para o futuro, por

meio do entendimento de que tudo

tem um custo, que o trabalho não

deve somente ser realizado visando

o interesse próprio e que a terra é um

patrimônio universal (consciência

ecológica). Assim, se estabelece a

conexão entre trabalho, indivíduo

(consciência) e terra, pois menino

preguiçoso comete erros e pensa só

em si.

Fonte: Elaborado pelo autor, 2018

Page 218: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

214

Na categoria trabalho tem-se cinco incidências de lições que abordam esse

elemento, por meio dos quatro livros de leitura.

O Primeiro Livro de Leitura traz duas lições: 1ª – O trabalho (p. 5-6 ) e 35ª –

Más desculpas (p. 54-55). No Segundo Livro de Leitura tem-se: 8ª – Necessidade do

trabalho (p.13) e 41ª – O castigo da indolência (p.58-59). A lição Plantas e flores, frutos

e sementes fecha essa categoria na 3ª lição do Terceiro Livro de Leitura. Já no Quarto

Livro de Leitura não se tem menção a essa categoria.

Entende-se por trabalho o ―Conjunto das atividades realizadas por alguém para

alcançar um determinado fim ou propósito‖ 40

. Desse modo, percebe-se que a categoria

trabalho, caracterizada nessas lições, carrega em si o significado que lhes é dado, uma

vez que nelas é especulado o dever que as crianças têm sobre suas obrigações no

presente e no futuro, colocadas sobre elas a responsabilidade de garantir o progresso da

nação.

Apreende-se por meio dessas que o indivíduo é forjado, almejando ser útil. A

expressão ―Menino, olha em redor de ti: tudo trabalha, tudo convida ao trabalho‖

(FONTES, 1945, p. 5) personifica a visão do autor sobre o trabalho como bem maior,

apresentando-o como condição de vida, como prioridade desde a infância. O autor ainda

intensifica essa sua percepção do mundo do trabalho, caracterizando-o como algo

comum, e, de forma incisiva, dá um ―ultimato‖ aos meninos: ―Trabalha também, tu,

meu menino‖ (FONTES, 1945, p. 6).

Já na lição ―Más desculpas‖ a categoria trabalho apresenta-se no antagonismo de

quem não gosta de fazer as tarefas: ―Quando Flávio fazia qualquer coisa inconveniente,

arranjava sempre alguma desculpa‖ (FONTES, 1945, p. 54). O autor chama a atenção

da criança por meio das observações que a mãe faz sobre as desculpas que a criança dá

para não cumprir o que lhe é de obrigação, mostrando indisposição e preguiça.

As lições da Série Fontes já mostram a que vieram, também por seus títulos,

como podemos observar na lição ―Necessidade do trabalho‖. O termo necessidade

qualifica aquilo que é necessário, ou seja, que não se pode evitar, inevitável 41

. Assim, a

criança vê que o trabalho é indispensável, que superará suas necessidades (lembrando

que as lições sobre trabalho caracterizam ainda o trabalho na terra). Então, a criança que

ao ler essa lição e que vê sua família passando necessidades, pensaria que seria melhor

40

<https://www.dicio.com.br/trabalho/>. Acesso em 19 fev. 2019. 41

<https://www.dicio.com.br/necessidade/>. Acesso em 19 fev. 2019.

Page 219: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

215

ela trabalhar para ajudar do que estudar. Nesse sentido, a lição ―O castigo da

indolência‖ reafirma a necessidade de trabalhar desde a infância, pois a criança

indolente, que não tem vigor e que age com preguiça, seria incapaz de realizar o que lhe

é indicado. Podemos ver isso na seguinte expressão: ―Não vale a pena atravessar a rua

por causa daquilo, que não paga nem mesmo o trabalho de uma pessoa se abaixar para o

apanhar‖ (FONTES, 1945, p. 58), fala o menino a seu pai quando esse solicita que

aquele pegue uma ferradura de cavalo que está jogada na estrada.

A categoria trabalho, com base no que esse significa, ou seja, ―alcançar um

determinado fim‖, o ofício que se apregoa, uma profissão, é detonada no sentido da

lição ―Plantas e flores, frutos e sementes‖. Apresenta-se a criança, entendendo que o

trabalho na terra – a lavoura, o campo – caracteriza-se como um ―tesouro‖, pois ―ela é

pródiga na dor, opulenta no produzir‖ (FONTES, 1933, p. 52). É nesse sentido que o

Professor Fontes constrói seu pensamento sobre a criança. A lição destacada abrange o

valor da terra, entregando à criança a importância dela para sua existência: ―A terra é

um tesouro maravilhoso do qual cada um de vocês pode tirar com pequeno trabalho,

proventos e utilidades sem conta‖ (FONTES, 1933, p. 52).

As plantas e flores são úteis ao homem, pois produzem frutos e esses contêm

sementes que gerarão outras plantas. Assim, seguindo essas lições, a criança dará bons

frutos, pois ―se conhece o ser pelas suas obras‖. Entende-se que o trabalho ―é o modo

em que o homem transforma a natureza e, portanto, transforma a si mesmo‖, ou seja,

―ao produzir seus meios de vida, o homem produz indiretamente sua vida material‖

(MARX, apud, ENGUITA, 1993, p. 105). Nesse mesmo sentido, ainda seguindo a linha

de pensamento desse autor, podemos dizer que a conexão trabalho e criança está no

processo educativo que se inscreve plenamente nas lições supracitadas. Nelas a natureza

apresenta-se como sinônimo de trabalho: ―O trabalho é a relação do homem com a

natureza, relação em cujo caráter transformador deve-se insistir, e a natureza faz parte

das circunstâncias do homem‖ (ENGUITA, 1993, p. 105). Nesse contexto, a

representação de criança nessa categoria leva do ―menino e preguiçoso‖ para (projeção)

―menino trabalhador e útil‖. Ou seja, aquele que será o futuro do Brasil, mas a quem foi

negada a infância.

Page 220: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

216

Quadro 15: Análises Categoria Patriotismo

Ordem Categoria Livro Lição Quantidade Representação de criança

02 Patriotismo I -------------------- 0 Herói nacional

II -------------------- 0

III 39ª – Dia 21 de

abril (p. 66-67)

70ª – A

proclamação (p.

119-120)

2

IV -------------------- 0

Resumo I Resumo II (esquema) Síntese

1 – Heroísmo

(menino), herói

nacional, exemplo

Tiradentes.

2 – exemplo XV de

Novembro –

Proclamação da

República

- herói nacional – heroísmo

- sentimento de nacionalismo –

do nacionalismo ao patriotismo

- a Pátria como um valor

interiorizado por parte das

crianças num sentimento

patriota

Despertar no indivíduo o

amor pela Pátria que é

interiorizado nessas lições

pelas crianças, perceptível

quando comentam sobre o

assunto.

A representação de criança,

conforme Chartier, é o

Herói Nacional.

Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.

Na categoria Patriotismo tem-se somente duas lições e essas se encontram no

Terceiro Livro de Leitura, sendo elas: 39ª lição – Dia 21 de abril (p. 66-67) e 70ª lição –

A proclamação (p. 119-120). (Conforme Quadro 15).

No Estado da Arte, Capítulo I dessa tese, observo que as pesquisas já feitas

sobre a Série Fontes, bem como sobre seu autor/organizador Professor Fontes, apontam

o termo patriotismo como elemento recorrente dessa Série, como podemos ver em

alguns excertos: ―Amor a Pátria, emergindo um sentimento de patriotismo nos leitores‖

(VENERA, 1999, p. 12). "O menino estudioso, obediente, leal e cuidadoso de suas

obrigações será depois um cidadão excelente‖ (SANTOS, 1999, p. 23). O amor à Pátria

estabelecia a prosperidade da nação; o trabalho, como parte do processo civilizatório, se

constitui por uma divisão social e os oprimidos aprendiam a ver a ordem social como

algo sagrado, ressalta Nascimento, (2003, p. 12). ―Residia na criança instruída e

educada a garantia de um futuro melhor para a nação‖ (PROCHNOW, 2009, p. 36). E

ainda: ―Passava a vigorar um plano que visava definir um perfil de cidadão brasileiro, e

que seria realizado, em grande medida, por meio da escolarização‖ (SOUZA, 2010, p.

11). E mais: ―A educação estava voltada entre a educação moral e a cívico-patriótica

onde a formação do caráter do aluno configurava-se na interação com os saberes

específicos‖ (FONTES, 2011, p.108). Em outras palavras: ―Essas práticas chegaram ao

Page 221: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

217

espaço educacional em que todos fazem uso da educação para semear e colher os frutos

da nova nação, limpa, forte e com padrão de qualidade‖ (SILVA, 2016, p. 62).

Ademais: ―Nesses discursos públicos, percebe-se como o nacionalismo de Fontes tem o

tom ufanista do patriotismo exacerbado‖ (SILVA FILHO, 2013, p. 176).

Nessa pesquisa verifico que muitas são as lições que tratam dessa temática, em

que o patriotismo está presente nos valores da terra brasileira – suas riquezas naturais,

nos símbolos nacionais, bem como nos grandes feitos por meio dos heróis e heroínas.

Mas, como procuro as representações de criança, entendo que as lições presentes

no terceiro livro de leitura apresentam uma representação, conforme Chartier (2002),

como já mencionado. Nessas lições não é a voz do adulto que se apresenta, mas da

criança que expõe as informações apreendidas em sala de aula, como podemos observar

em um trecho da lição 39, assinada por J. Pinto e Silva (Figura 19):

Figura 19 – Dia 21 de abril42

Fonte: Terceiro Livro de Leitura – 1933 – Hemeroteca Digital Catarinense:

<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br>

Esse diálogo caracteriza o sentido de patriotismo da época, apreendido pelas

crianças. Desse modo, a representação de criança patriota está no feito de um cidadão

que deu sua vida pela pátria.

42

Para melhor visualização transcreve-se, na íntegra, o texto integral da lição: ―Dia 21 de abril – J. Pinto

e Silva. Era num grupo escolar. Os alunos se achavam no vasto palco de recepção. Estavam á espera das

aulas. Uns conversavam, outros pulavam, outros jogavam bolinhas, todos muito alegres e satisfeitos. Á

fresca sombra duma frondosa figueira, conversavam Renato e Guilherme. – Renato, porque motivo não

ouve aula ontem? – Pois não sabes, Guilherme?! – Não; não compareci, ante-ontem, ao grupo. – é

verdade! Já não me lembrava! Mas não importa. Vais já saber o que desejas. E Renato começou: - Ontem

não houve aula, em honra á memoria dum grande brasileiro. – E quem foi êsse brasileiro, Renato? – Foi

um verdadeiro patriota. Amava tanto sua pátria, que por ela derramou seu sangue‖. (FONTES, 1933, p.

39).

Page 222: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

218

Já na lição 70, ―A proclamação‖, o diálogo está entre o professor e uma criança,

em que o primeiro a instiga com a seguinte questão: ―Luiz, se te perguntassem qual é o

acontecimento mais importante de nossa História, o que responderias? [...] – A data que

vejo ter sido saudada com maior entusiasmo é a de 13 de maio [...]. Da festa da

Bandeira que se faz em 19 de novembro‖ (FONTES, 1933, p. 118), respondeu Luiz.

Mas, o professor interpela dizendo que essas datas são sim muito importantes, mas que

a da Proclamação da República é a maior:

[...] porém a data mais popular, a que mais concorreu para a

realização dessas tantas coisas que tu admiras, foi, sem dúvida, a

de 15 de novembro de 1889. Na madrugada dêsse dia memorável,

um punhado de patriotas, animados pela mais robusta fé, impelidos

por um desejo ardente de liberdade e progresso, agrupados em

torno do brioso militar marechal Deodoro da Fonseca, deu ao

mundo, um belo exemplo de civismo e amor da Patria. (FONTES,

1933, p. 119-120).

Ambas relatam situações envolvendo o orgulho e o amor pela nação,

objetivando, em alguma medida, despertar no indivíduo o amor pela pátria que se

percebe já interiorizado, como nas crianças que comentam sobre o assunto. São falas

idealizadas que procuram convencer as crianças.

Com relação à representação de criança, tem-se o herói nacional. Compreende-

se que o Patriotismo, segundo Norberto Bobbio ―Trata-se de uma ideologia unificadora,

elaborada intencionalmente para garantir a coesão do povo no Estado‖ (BOBBIO, 2010,

p. 800). O autor acrescenta dizendo que: ―Na realidade a finalidade última da operação

política resultante na fusão do Estado e nação é justamente a de desenvolver um

sentimento nacional‖ (BOBBIO, 2010, p. 800).

A afirmação coaduna com o projeto de nação que se tinha para o período, como

vimos no Capítulo 2. Esse sentimento patriótico exacerbado nas pesquisas já

mencionadas, ocupa o lugar do que Bobbio (2010, p. 803) chama de ―dedicação extrema

a própria pátria‖, ou seja, o amor dos homens para com sua nação ao ponto de

sacrificarem suas vidas por ela.

Assim, ao proclamar as representações de criança nessa categoria, quero

enfatizar a ideia de nação e o lugar que a criança, nesse período, ocupavam um

imaginário a ser forjado, uma projeção a ser conquista. Nas palavras de Bobbio, essa

ideia se justifica pela existência de quererem proteger as fronteiras naturais do Estado

nação dentro de uma representação: ―Apesar das limitações, porém, a ideia de nação é a

Page 223: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

219

imagem mítica que possibilita aos indivíduos a representação da ideia de que o Estado

pertence ao povo‖ (BOBBIO, 2010, p. 800).

Quadro 16: Análises categoria Honestidade

Ordem Categoria Livro Lição Quanti

dade

Representação de

criança

03 Honestidade I 31ª - Honradez 01 Indivíduo honrado

II 42ª – O seu a seu

dono

46ª – O mentiroso

2

III 24ª – A verdade 1

IV ---------------------- 0

Resumo I Resumo II (esquema) Síntese

1 – Bem fazer, dizer a

verdade;

2 – Dai a Cesar o que é

de Cesar (nunca ficar

com o que não é seu);

3 – As consequências

da mentira;

4 – Importância da

verdade .

- Verdade

- Dever

- Consequências da mentira

- valor da verdade

O indivíduo é

―induzido‖ dizer a

verdade. Com isso,

bem fará a ele e a

todos.

Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.

Como mostra o Quadro 16, a categoria Honestidade vem descrita em quatro

lições. No Primeiro Livro de Leitura destaca-se a lição 31ª – Honradez. No Segundo

Livro de Leitura as lições 42ª – O seu a seu dono e 46ª – O mentiroso e lição 24ª – A

verdade contida no Terceiro Livro de Leitura. O Quarto Livro de Leitura não apresenta

lição relacionada a essa categoria. Dentro dessa categoria, Honestidade, o destaque a ser

dado está no ato da honradez, cujos valores têm uma relação estreita com a verdade, a

justiça e a integridade moral.

As lições em evidência, que representam essa categoria, de modo geral realçam

a aprendizagem quanto às ações de nossos atos que podem ou não trazer recompensas,

como descrito na lição ―Honradez‖: ―- Menino; - disse-lhe o caçador, - eu te faço

presente desta outra (bolsa) com o dinheiro que contém, como recompensa de tua

honradez‖ (FONTES, 1945, p. 47). E ainda na lição ―O seu a seu dono‖: ―O menino

cumpriu o seu dever, indo restituir um objecto que não lhe pertencia. O dono ficou por

isso muito contente e recompensou a boa ação de Thomás, dando-lhe um canivete novo

e ainda mais bonito‖ (RIBEIRO apud FONTES, 1922, p. 61).

Page 224: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

220

Ao marcar o ato honesto, a recompensa caracteriza que o princípio da verdade

está ligado ao bem material, ou seja, o que é para ser um princípio torna-se interesse.

Mas entende-se que essa categoria quer representar a criança que compreende o

valor da verdade que precede bons atos, sejam eles de ações diretas ou em pensamentos.

O que é de se esperar que as crianças aprendam em casa ou na escola, tendo em vista a

narrativa das lições destacadas, não de forma isolada, mas de modo que as práticas

discursivas partilhadas (CHARTIER, 1991) constituem os modos de pensar e de sentir

tomados coletivamente.

Destaco, também, outras duas lições que apresentam a importância da

honestidade e que sustentam a classificação dessa categoria. Na lição ―O mentiroso‖ o

destaque a ser dado está no antagonismo da palavra honestidade. Por nunca dizer a

verdade, o menino não era respeitado pelos colegas: ―- Ora, sae daqui mentiroso!

Pensas, então, que somo tolos?‖ (NETO, apud, FONTES, 1922, p. 68). Por não dizer a

verdade, o menino foi castigado com sua própria vida: ―Eu bem ouvi o seu grito, bem

ouvi, mas elle mentia tanto ... [...]. – Coitado! Mas foi por culpa delle. Mentia tanto!‖

(NETO, apud, FONTES, 1922, p. 69). O vício que tinha em mentir, esse ato desonesto

presente causou-lhe a morte. Assim, ao não dizer a verdade, não obteve recompensa. A

verdade deve estar em conformidade com seus atos, como pode ser vista na lição ―A

verdade‖, na expressão: ―- menino, - disse o salteador, - deste-me uma boa lição, és tão

pequeno e não tens medo de falar a verdade, nem és capaz de trair tua mãe. Oxalá fosse

tão fiel a Deus como tua a tua mãe‖ (ARMSTRONG, apud, FONTES, 1933, p. 44).

A sinceridade do menino, atribuída ao respeito por sua mãe em dizer sempre a

verdade ―[...] aconteça o que acontecer nunca deves mentir‖ (p.43) lhe trouxe

recompensa e honradez, que também está relacionada à qualidade de quem possui

pureza 43

, termo também usado para representar a criança.

Pode-se considerar que dizer a verdade é bem fazer a si e aos outros, o que está

relacionado com o não mentir e dizer a verdade em todos os tempos. Assim, ao

definirmos honestidade, buscamos dar sentido às ações que procedem das informações

apresentadas nas lições: virtudes, respeito, moral, honradez, não mentir, dignidade, que

levaram a essa categoria, dentro da perspectiva de que se constitui como ―a qualidade de

ser verdadeiro: não mentir, não fraudar, não enganar; obediência incondicional

43

<https://www.dicio.com.br/honestidade/>. Acesso em 19 fev. 2019.

Page 225: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

221

às regras morais existentes. Enfim, pode ser uma característica de uma pessoa ou

instituição, significa falar a verdade, não omitir, não dissimular‖ 44

.

A representação de criança fica por conta do indivíduo honrado. Ou seja, há

certo modo de ver as coisas, de dá-las a ver, de verificá-las, dentro de um conjunto de

práticas, modos de vida e atitudes que geram padrões de vida cotidiana (CHARTIER,

1991).

Quadro 17: Análises categoria Obediência

Ordem Categoria Livro Lição Quantidade Representação de criança

04 Obediência I 15ª – Um menino

exemplar

1 Homem exemplar

II 13ª – Carta de

parabéns;

18ª –

Pontualidade;

60ª – O filho

desobediente;

62ª – Noções de

higiene.

4

III --------------------- 0

IV 2ª – A família 1

Resumo I Resumo II (esquema) Síntese

1 – Qualidade X

defeitos, como deve se

comportar uma criança –

obediência.

2 – Obediência –

consciência de seus atos.

3 – Defeitos

incorrigíveis.

4 – Obedece só a mãe.

5 – O menino não deve

ser guloso, desleixado,

preguiçoso e ocioso.

6 – Os filhos devem ser

bons e honrados para

com os pais.

- Obediência em casa e fora dessa. Um menino exemplar é

aquele que reconhece deus

deslizes, é pontual na

escola, obedece as pessoas

mais velhas e tem atenção à

higiene, não somente em

casa. E tudo isso vai

replicar/ressoar na e com a

família de modo geral,

apresentando bondade e

honra para com os pais.

Fontes: Elaborada pelo autor, 2019.

Por sua vez, constituo o Quadro 17, que foca na categoria Obediência, em que

foram selecionadas seis lições dos quatro livros em estudo, apresentando-se da seguinte

44

<https://edukavita.blogspot.com/2013/05/honestidade-definicao-conceito.html>. Acesso em 20 fev.

2019.

Page 226: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

222

forma: O livro I traz a lição: 15ª lição: Um menino exemplar. As lições: 13ª – Carta de

parabéns; 18ª – Pontualidade; 60ª – O filho desobediente e 62ª – Noções de higiene

estão no livro II. Já o livro III não apresenta lições para essa categoria, segundo análises.

No livro IV tem-se a 12ª lição – A família.

As lições relacionadas a essa categoria apresentam características que definem o

seu significado, como podemos ver em alguns termos nos títulos das lições: exemplar –

pontualidade – desobediente – parabéns – higiene. Características de conformação,

resignação, disciplina, docilidade e respeito.

Por entender que a obediência constitui-se pelo ato de obedecer, de quem é

submisso, dócil; ato pelo qual alguém se conforma com ordens recebidas 45

, relaciono à

obediência o que Foucault (2013) chama de disciplina, que é ―um tipo de poder, uma

modalidade para exercê-lo, que comporta todo um conjunto de instrumentos, técnicas,

de procedimentos, de nível de aplicação, de alvo‖ (FOUCAULT, 20013, p. 203). Pode-

se dizer que quem tem disciplina é obediente, pois atende aos modos de poder, de

regulamento entre o que é aprendido e o poder, na arte de governar a conduta dos

indivíduos, como ―dispositivos que estruturam o que os outros podem fazer com a

função principal de dirigir condutas‖ (FOUCAULT, 20013, p. 205).

Na lição ―Um menino exemplar‖ a categoria obediência apresenta-se no respeito

e docilidade do menino para com seus semelhantes, como na expressão: ―No passeio,

cede sempre o lugar junto á parede ás senhoras e ás pessoas mais velhas‖ (FONTES,

1945, p. 21). Essa característica é delineada por um sentimento de condutas a serem

seguidas pelas crianças, que são como rituais em que se definem os papéis para esses

sujeitos. Na lição 13, a expressão ―Desobedeci suas ordens e recebi seus conselhos com

máus modos‖ (MANUEL, apud, FONTES, 1922, p. 21), demonstra a apropriação do

discurso da obediência, por meio da desobediência cometida.

Esse discurso também se apresenta na lição ―Pontualidade‖, mas como forma de

cobrança sobre a criança que não cumpriu seus deveres e que ignora seus atos maus. Há

uma ritualização de palavras, como podemos ver na seguinte expressão: ―- Queixa-te,

meu filho, de que te fazem esperar e nada está pompto e preparado, quando desejar. E tu

tens sempre promptas, á hora da aula, as tuas lições? Chegas sempre a tempo á escola?

És cumpridor dos teus deveres?‖ (FONTES, 1922, p. 18). A obediência está em cumprir

os deveres e conformar-se com as ordens recebidas, num jogo de relações de poder. Do

45

<https://www.dicio.com.br/obediência/>. Acesso em 19 fev. 2019.

Page 227: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

223

mesmo modo, a desobediência define a indisciplina, num momento antagônico do que

essa categoria caracteriza. A desobediência pode ser vista como defeito: ―Eduardo tinha

o grande defeito de ser desobediente‖ (FONTES, 1922, p. 99), e traduz também o ato

indisciplinar que acabou causando-lhe a morte: ―Que desgraçada morte, fruto da

desobediência!‖ (FONTES, 1922, p. 100).

Essas lições estão dentro de um complexo jogo de ―práticas discursivas e não

discursivas que geram as condições para que tenhamos uma certa experiência de nós

mesmos‖ (KOHAN, 2003, p. 80), em que o sujeito joga um jogo no qual se é jogador e

jogado ao mesmo tempo. Segundo Kohan, ―O ponto mais energético do jogo está na

constituição do próprio modo de ser, na forma que toma a criança no interior uma de

série de estratégias reguladas de comunicação e prática de poder que permitem produzir

um certo eu‖ (KOHAN, 2003, p. 81).

Na obediência há um poder exercido que determina algo. No caso da Série

Fontes, a conduta que as crianças devem seguir e a escola apresentam-se como aquilo

que dá significado aos conceitos normativos ligadas à família: ―No seio da família

completa-se o que se adquire no âmbito escolar. [...]. Da escola traz o discípulo a mente

esclarecida‖ (COELHO, apud, FONTES, 1949, p. 9). Desse modo, o professor ocupa

uma posição estratégica na disseminação do poder disciplinar na escola (KOHAN,

2003).

A categoria obediência permeia aspectos relacionados à representação de criança

quanto ao seu modo de ser, instituído no que Chartier (2011) define como

representação: o que os indivíduos exibem, por meio de suas práticas, dentro de uma

realidade social, sobre uma ―força de uma identidade ou a permanência de um poder‖

(CHARTIER, 2011, p. 20).

Com base nas análises pude concluir que a obediência é um bem caro à família,

e, consequentemente, à sociedade. Propõe ao indivíduo bondade e honradez, elementos

importantes na vida em comunidade e na formação do cidadão patriota.

Page 228: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

224

Quadro 18: Análises categoria Inferioridade

Ordem Categoria Livro Lição Quantidade Representação de criança

05 Inferioridade I 6º lição: O importuno;

8ª lição: O medroso;

13ª – Ditados

17ª lição: Confiança em Deus;

27ª lição: Resposta de uma carta;

30ª lição: Jantar de barbados;

32ª lição: O menino chorão

6 Aquele que não é capaz

II 6ª lição: Deus

11ª lição: Uma boa lição

14ª lição: O papel e a corda

26ª lição: A alma

4

III 31ª lição: Um contratempo útil

35ª lição: Na aula de leitura

2

IV 34ª lição: Comportamento escolar

65ª lição: O pessimismo nas escolas

2

Resumo I Resumo II (esquema) Síntese

1 – incomodar = importuno.

2 – medo/ridículo – poder dos adultos.

3 – adultos ―coagem‖ as crianças.

4 – criança, engraçadinha – relações com fenômenos da natureza.

5 – fraqueza – roubo.

6 – coisas de adultos – o não lugar da criança.

7 – coragem desde pequena.

8 – catolicismo – marca do Professor Fontes.

9 – bem X mal – tarefa para ser cumprida.

10 – os bons amigos são fios condutores.

11 – não é esclarecida a o termo ―alma‖.

12 – pensar só em si – caminho a seguir.

13 – pretos – cor, inferioridade X heroísmo.

14 – estudar para subsistir – o professor como mestre.

15 – inutilidade de estudar.

- incômodo por ser pequeno

- forte X fraco

- medo

- coragem

- religiosidade

- responsável para com os adultos

- ―digas com quem andas que te direi quem és‖

- a relação dos brancos com os pretos.

A inferioridade seja por meio de cor,

tamanho, falta de estudos.

Contempla a criança como

importuna, medrosa, covarde,

chorona, preconceituosa, que deve

obedecer às leis divinas, que deve

comportar-se na escola e saber onde

é seu lugar.

Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.

Page 229: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

225

O Quadro 18, por sua vez, traz as quinze lições que compõem a categoria

Inferioridade, assim elencadas nos quatro livros de leitura: Livro I - 6º lição: O

importuno, 8ª lição: O medroso, 13ª – Ditados, 17ª lição: Confiança em Deus, 27ª lição:

Resposta de uma carta, 30ª lição: Jantar de barbados e 32ª lição: O menino chorão. Já no

livro II aparecem as seguintes lições: 6ª lição: Deus, 11ª lição: Uma boa lição, 14ª lição:

O papel e a corda e 26ª lição: A alma. No livro III temos as lições 31ª lição: Um

contratempo útil e 35ª lição: Na aula de leitura. No livro IV, segundo minhas análises, a

categoria inferioridade apresenta-se nas lições 34ª lição: Comportamento escolar e 65ª

lição: O pessimismo nas escolas.

Ao apresentar o termo inferioridade como categoria, pretendo dar destaque às

lições que tratam a criança com insignificância, ou seja, que apresentam o ―estado do

que é inferior, situada numa posição menos elevada‖ 46

. Frente a isso, Kohan (2003)

apresenta o discurso em que se conceitua a infância como inferioridade frente ao

homem adulto e equiparada com outros grupos sociais como ―as mulheres, os ébrios, os

anciãos, os animais, esta é a marca do ser menos, do ser desvalorizado hierarquicamente

inferior‖ (KOHAN, 2003, p. 33). Tomo como referência para essa categoria o que

Kohan define como ―ser menos‖ e ―desvalorizado‖, para inferir acerca das

representações de criança que também se apresenta nas lições da Série Fontes.

Esse entendimento apresenta-se na lição ―Jantar de barbados‖, como podemos

ver nas expressões a seguir: ―- Meu filho, hoje só os homens barbados jantam comigo‖

(FONTES, 1945, p. 44), e, que a infância se apresenta associada a ―imagem do vazio

[...], em que não é possível saber sobre o justo e o injusto, é o tempo da incapacidade

[...] é a falta de experiência‖ (KOHAN, 2003, p. 45). A lição evidencia o estado do

inferior, pois, junto ao animalzinho ela poderia estar, mas com os homens não: ―Quando

Mário começou a servir-se, chegou o gato velho da casa, o Marquês, que foi colocando

as patas sôbre a mesa do menino‖ (FONTES, 1945, p. 45).

Esse pensamento também se apresenta em ―Uma boa lição‖, no qual uma criança

tem a responsabilidade de cuidar de um animal, mas não o faz com primazia,

priorizando seu desejo infantil de comer frutas, enquanto a vaca fica solta e estraga todo

o jardim. Ao ver o estrago que ela fez, começa a lhe bater. Devido a isso, foi

repreendida pelo pai: ―- Quem merece castigo, tu ou esse animal, que não sabe

distinguir o bem e o mal?‖ (FONTES, 1922, p. 16). Sobre esse estado do que é justo e

46

<https://www.dicio.com.br/inferioridade/>. Acesso em 19 fev. 2019.

Page 230: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

226

injusto – almoçar com o pai e comer frutas quando se tem vontade, Kohan (2005)

teoriza referindo-se a Platão, quando afirma sobre o lugar que a infância ocupa. As

crianças não têm razão, compreensão ou juízo, nesses casos, o adjetivo infantil é

―sinônimo de pueril, ingênuo, débil‖ (KOHAN, 2005, p. 47). Nesse estado de

inferioridade, a criança é situada numa posição menos elevada, sendo colocada abaixo

dos adultos e comparada aos animais.

De outro modo, essa categoria também se apresenta na lição ―Na aula de

leitura‖, sendo que dessa vez a criança está sendo desqualificada por outras crianças

devido a sua cor: ―Um colega insultou-o muito, no recreio, e ainda lhe disse: Negro não

é gente‖ (SILVA, apud, FONTES, 1933, p. 60). A percepção da criança é limitada, ou

seja, só percebe superfícies, e não as profundidades (KOHAN, 2005). O que também é

ressaltada na lição ―Comportamento escolar‖, como a seguinte expressão: ―Porque sem

instrução a gente é como os animais‖ (DEUS, apud, FONTES, 1949, p. 60).

Em todos esses casos, como também em outros já descritos, as representações

são sempre resultantes de determinadas motivações e necessidade sociais. Outrossim:

―Esse modo tem como parâmetro de medida um modelo antropológico de homem

adulto, racional, forte, destemido, equilibrado, justo, belo, prudente, qualidades cuja

ausência ou estado embrionário, incipiente, torna as crianças e outros grupos sociais que

compartilham desse estado inferior‖ (KOHAN, 2005, p. 49).

Nessas lições apreende-se que a criança é vista como um ―estorvo‖, importuna,

fraca, covarde, engraçadinha, é coagida pelo adulto. Portanto, em posição de

inferioridade, que nas palavras de Kohan (2005) traduzem o lugar que ela ocupa na

sociedade. As lições da Série Fontes representam um período em que a criança ainda

não era vista como um sujeito de direitos, ou seja, ela aprende sobre o trabalho, o

patriotismo, a honestidade e a obediência, e, mesmo assim, ainda é vista como inferior.

Detalho, a seguir, sobre o Quadro 19, que aborda a constituição da categoria

Possibilidade.

Page 231: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

227

Quadro 19: Análises categoria Possibilidade

Ordem Categoria Livro Lição Quantidade Representação de criança

06 Possibilidade I 4ª lição: Pergunta Inocente;

5ª lição: Alegria de um estudante (carta);

14ª lição: No aniversário do papai;

25ª lição: Boas qualidades e defeitos das crianças;

33ª lição: Nunca se deve mentir.

5 Agente transformador, em

desenvolvimento - possibilidade

II 1ª lição: Nossa Patria

17ª lição: Para a escola

24ª lição: Reprehensão amigável

25ª lição: As crianças

30ª lição: O bom estudante

53ª lição: O que custamos a nossos paes

63ª lição: Sonhos de um estudante

68ª lição: Preces da Infancia

8

III 1ª lição: Oração do educador

4ª lição: A criança e o dever

19ª lição: Conselhos

20ª lição: O rato (conto)

25ª lição: Queres ser escoteiro

54ª lição: O escotismo

6

IV 4ª lição: O poder da família 1

Resumo I Resumo II (esquema) Síntese

1 – Destacar a criança do adulto –

chorona/repreensão do adulto.

2 – saber ler.

3 – promessa de obediência e gratidão – carta.

4 – qualidade X defeitos das crianças – boa e mau.

5 – bem, fazer, dizendo a verdade – pontos fortes e

pontos a desenvolver (a mentira é instalada em uma

relação de poder).

6 – servir a pátria –seu lugar nela naturalmente.

7 – criança saber escrever – não pode errar e deve ter

boa caligrafia.

8 – esperança – estudar.

9 – aquela que vê o estudo como possibilidade –

- Inocente – qualificar a criança = pura, modelo de adulto a ser

seguido.

- aquela que poderá se apropriar de novos conceitos.

- o que virá a ser melhor – possibilidade de mudanças.

- o que se espera da criança – obediência, que será a cumpridora de

seus deveres.

- o que diz a verdade será sempre recompensado, tendo elementos a

se desenvolver – encorajada a assumir seus erros e não ser

castigada.

- o lugar que a pátria tem na vida dos brasileiros – servidão.

- a criança vê a escola como lugar de oportunidade/transformação.

- aquela que não erra, que está presente a possibilidade de escrita

com boa caligrafia.

A criança vista como possibilidade e

cristalizada na percepção da mesma

como boa e má – sempre estará

olhando para o outro lado.

Aquela que servirá à pátria

naturalmente, assumindo seu lugar

de servidão, sendo engajada para

com seu país.

Nesse processo, a criança tem a

oportunidade de aprender, e a escola

é o lugar de transformação.

Page 232: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

228

tornar-se cidadão.

10 – pontualidade, amoroso e pronto a prestar serviço

e doar-se.

11 – custo X benefícios – resultados. Dar valor a

família, que é um exemplo a ser seguido.

12 – a vida militar como possibilidade – sonho a

alcançar.

13 – inocente, singela e perfumada – a flor que

desabrocha é uma nova esperança, a vida se

renovando.

14 – criança em formação – necessita ser conduzida –

consciência do bom professor em apontar o caminho

a ser seguido.

15 – fruto X semente – crianças são os frutos, que

vieram das árvores plantadas pensadas na colheita do

amanhã.

16 – filho bom, justo e decente. Valores – desde cedo

aprende a respeitar os seus semelhantes.

17 – forte e trabalhador. Criança pobre instigada a

trabalhar desde cedo pra não ser menosprezada diante

dos que tem dinheiro.

18 – escotismo – companheirismo, doutrinamento,

disciplina.

19 – sementes que brotam, porque foram bem

adubadas e regadas.

- estudar é a esperança para a criança.

- exemplo a ser seguido.

- desabrocha – um vir a ser. Ser conduzida.

Amanhã – árvore da vida (a fruta não deve cair longe do pé).

- desde cedo aprende a respeitar os mais velhos, a entender que o

trabalho lhe tornará uma pessoa mais dignas das recompensas

Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.

Page 233: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

229

O termo Possibilidade, apresentado esquematicamente, carrega a potência da

esperança, da expectativa lançada. Seu significado apresenta-se no ―estado do que pode

ocorrer ou tende a acontecer; característica do que é possível. De acordo com

Aristóteles, o conceito de dynamis revela uma nova possibilidade que a matéria tem de

se transformar em algo diferente do que é e se opõe à energéia (ato), a fonte de

realização‖ 47

. Saliento aqui o conceito de Aristóteles, representando a criança na Série

Fontes como ―fonte de realização‖.

Sobre isso, entendo essa categoria como a perspectiva da oportunidade de um

futuro promissor. As lições que escolhi para análise definem essa categoria: ela carrega

uma promessa, num cenário onde a infância é sinônimo de futuro.

Com base no que Kohan (2005, p. 33) caracteriza como ―A infância como pura

possibilidade‖, destaco o seu ponto de vista sobre o aspecto de que a ―infância pode ser

quase tudo‖, num estado em que ―é admirável como permanecem na memória os

conhecimentos aprendidos quando se é criança‖ (KOHAN, 2005, p. 34).

Esses conceitos estabelecidos por Kohan estão intimamente imbricados nas

lições da Série Fontes, como podemos verificar na seguinte expressão contida em ―No

aniversário do papai‖: ―Minha mãe querida. Dê-me a sua benção. Eu estou muito

contente, porque já sei ler e também vou escrevendo. – Já acabei a Cartilha. Estou indo

agora para o Primeiro Livro‖ (VICTOR, apud, FONTES, 1945, p. 10). Desse modo,

está representada uma infância que se conserva no pensamento educacional. Nas

palavras de Kohan, a educação é um passo para o futuro: ―Neste registro, a infância é

um degrau fundador na vida humana, a base sobre a qual se constituirá o resto. [...], a

educação da infância tem projeções políticas: uma boa educação garante um cidadão

prudente‖ (KOHAN, 2005, p. 39). É ideia central dos livros da Série Fontes. Outrossim,

como se apresenta na lição, a representação de criança está no fato que os primeiros

anos escolares dão base para a aprendizagem, como passos a serem dados, degrau por

degrau, numa subida para o futuro.

Essas características também estão definidas na lição ―O bom estudante‖,

associada às possibilidades, dispostas em virtudes, em que a criança passa a estar

―sempre proposta a prestar serviços. Pensa muitas vezes no melhor meio de vir a ser um

cidadão útil para si, á sua família, á Patria e á humanidade‖ (FONTES, 1922, p. 41).

47

<https://www.significados.com.br/possibilidade/>. Acesso em 19 de fev. 2019.

Page 234: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

230

A criança é assinalada como meio. Assim podem ser vistas as crianças, ―[...]

porque elas são um material de um sonho que podemos forjar à nossa vontade e que elas

nos ajudarão, mansamente, a realizar‖ (KOHAN, 2005, p. 41). Do mesmo modo, a

expressão ―O homem será em geral, o que á criança lhe transmitir, e da criança só

herdará o homem, que dela há de surgir, o que de bom ou de mau, de nobre ou de

mesquinho, se lhe der a beber na vossa idade‖ (BRITO apud FONTES, 1933, p. 11),

ressalta a possibilidade, ou seja, aquela que ocupa uma posição que herdará o

conhecimento e o que irá fazer com esse. Ainda, ao homem o cuidado com o que

apresenta à criança, pois ela poderá não corresponder se não for muito bem instruída.

Penso que esse discurso é de um tempo de construção de um projeto de nação,

sedimentado em servir à pátria. Temos a representação de uma criança como a heroína

da pátria, aquela que apresenta a possibilidade da construção de um mundo melhor, de

manter os ideais nacionalistas. A criança é a semente que será a futura árvore, que dará

frutos, produzindo novas sementes. Nesse lugar, a escola é um lugar de passagem, onde

ocorrerá a transformação.

Por último, detalho o quadro 20, abordando a constituição da categoria Caridade.

Page 235: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

231

Quadro 20: Análises relacionadas à categoria Caridade

Ordem Categoria Livro Lição Quantidade Representação de criança

07 Caridade I 10ª lição: Duas boas irmãs;

19ª lição: Os meninos brigões;

20ª lição: A menina e o gatinho.

24ª lição: Um menino generoso;

37ª lição: Gula, avareza e liberdade.

5 Caridosa, bondosa, generosa,

amistosa – a criança ser de luz.

II 16ª lição: A leitura

21ª lição: Doçura e bondade

37ª lição: O poder do exemplo

38ª lição: Um anjinho enfermeiro

56ª lição: Mães

71ª lição: O estudantinho da aldeia

6

III 3ª lição: Amor filial

8ª lição: A festa de Lúcio

13ª lição: A verdadeira caridade

21ª lição: A caridade

38ª lição: A rua

40ª lição: O velho rei (conto)

43ª lição: Relações e deveres entre irmãos

46ª lição: O que devemos aos que trabalham

57ª lição: O amor de Deus e de nossos pais

76ª lição: A simplicidade

0

IV 2ª lição: A Família 1

Resumo I Resumo II (esquema) Síntese

1 – servir – compaixão X servidão.

2 – má conduta, mas que pode se tornar

diferente.

3 – generosidade e bondade.

4 – defeitos e qualidade a serem atribuídos às

crianças.

5 – cuidados com os animais – capaz de ser

- servidão e compaixão.

- má conduta.

- que sabe compartilhar o que é seu.

- cuidar é ser caridoso.

- ser doce = é ser caridosa.

- amor ao próximo.

- bons atos = ser caridoso.

A categoria caridade perpassa

todos os livros. Passa por bem

servir em casa e pela consciência

com o em torno: pais, amigos,

plantas, animais. É o movimento

em que há uma ligação entre a

família, a fraternidade e a

Page 236: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

232

benevolente com todos ao seu redor.

6 – docilidade – brandura, mas também

submissa.

7 – ser doce e bondosa.

8 – o exemplo como poder.

9 – anjo – meiguice, pureza. Catolicismo.

10 – compaixão.

11 – aldeia, pequeno grupo, união.

12 – sentimentos que os filhos devem ter para

com os pais.

13 – bondade.

14 – atenção para com os mais velhos – o

passado que também virá.

15 – anjo, catolicismo, consideração.

16 – boa relação em família.

17 – amor fraternal.

18 – ser simples apesar de afortunados.

19 – cumprimento dos deveres.

20 – ser bondosa.

21 – estar prestativa a família – doação.

- doação é caridade.

- cuidado com a mãe/filho – ato de caridade.

- compaixão é caridade – se colocar no lugar do outro.

- união – benevolência é ser caridoso.

- uma via de mão dupla – pais e filhos, gestos de caridade.

- bons atos geram caridade.

- caridade = consolação os idosos.

- considerar o outro é ter gesto caridoso.

- tratar bem os familiares – caridade.

- fraternidade = caridade.

- simplicidade = caridade.

- cumprir suas tarefas com afinco é ser caridoso.

- bondade transforma e cristaliza-se em caridade.

- lugar de praticar a bondade é dentro da família.

caridade.

Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.

Page 237: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

233

A categoria Caridade, sistematizada no quadro 20, percorre todos os livros. No

livro I, em: 10ª lição: Duas boas irmãs; 19ª lição: Os meninos brigões; 20ª lição: A

menina e o gatinho. 24ª lição: Um menino generoso e 37ª lição: Gula, avareza e

liberdade. Já no livro II aparece nas lições: 16ª lição: A leitura, 21ª lição: Doçura e

bondade, 37ª lição: O poder do exemplo, 38ª lição: Um anjinho enfermeiro, 56ª lição:

Mães e 71ª lição: O estudantinho da aldeia. As lições que abordam essa categoria no

livro três são: 3ª lição: Amor filial, 8ª lição: A festa de Lúcio, 13ª lição: A verdadeira

caridade, 21ª lição: A caridade, 38ª lição: A rua, 40ª lição: O velho rei (conto), 43ª lição:

Relações e deveres entre irmãos, 46ª lição: O que devemos aos que trabalham, 57ª lição:

O amor de Deus e de nossos pais e 6ª lição: A simplicidade. No livro IV a lição presente

é a 2ª lição: A Família.

Essa categoria se formou na junção de outras categorias: amistosidade, bondade

e generosidade; pois ao buscar sua definição – ―Disposição para ajudar o próximo,

tendência natural para auxiliar alguém que está numa situação desfavorável.

Benevolência, piedade; expressão de bondade, compaixão, amistosidade, generosidade‖

48, entendi que as categorias que classifico como intermediárias formavam a categoria

final e Caridade contemplava todas elas.

Desse modo, ao refazer a leitura das lições que constituem essas categorias, tive

que focar nas características que estabelecem a definição de caridade. Assim, verifico

que tais lições têm cunho religioso, ou seja, ―caridade é ser cristão‖, dentro de uma

perspectiva do cristianismo, pois é daí que vem o termo caridade. Segundo Paul Eugène

Charbonneau: ―Se a caridade desaparece, não atuamos mais em um universo cristão‖

(CHARBONNEAU, 1967, p. 51). O autor ainda acrescenta dizendo que a caridade é ser

cristão e que ser cristão é amar. Parafraseando o autor, entendemos que caridade é um

ato de amor, não é esmola; é respeito ao outro, é justiça para com os injustiçados.

Caridade é equidade, respeito ao bem comum, é direito (CHARBONNEAU, 1967).

Convém evidenciar que o valor cristão que o Professor Fontes representa, por

meio das lições também foi discutido nas pesquisas apresentadas no Capítulo 1, com

grande ênfase. Souza (2010) ressalta que há um significativo número de textos da Série

Fontes onde princípios cristãos moldavam a identidade da criança e, posteriormente, do

adulto: ―Para a criança que aprende em casa esse princípio, aprende também na escola,

além das missas, a imagem se consolida como algo natural e incontestável, uma vez em

48

<https://www.dicio.com.br/caridade/>. Acesso em 19 fev. 2019.

Page 238: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

234

que todos os ambientes que a criança freqüenta estão legitimando esse conceito‖

(SOUZA, 2010, p. 40).

As vinte e duas lições analisadas para a definição dessa categoria se

circunscrevem em atos provenientes do evangelho: ter compaixão, perdoar, tirar de si

para ajudar o próximo, ser generoso, não ter gula e avareza, como descritos nos

mandamentos. Conforme Charbonneau (1967, p. 49): ―Ser cristão é amor. Amar a Deus

e ao próximo‖. As lições têm essa conotação: autêntica moral cristã, que é outra marca

na Série Fontes, mesmo com a laicidade estabelecida na Constituição de 1891.

Esses sentimentos estão expressos, como podemos ver em um dos trechos da

lição ―Um menino generoso‖: ―Hermínio tinha dois lápis, e Inácio não tinha nenhum. –

Hermínio, - pediu Início, - você me empresta um lápis? Hermínio escolheu o melhor de

seus dois lápis e deu-o de presente a Inácio‖ (FONTES, 1945, p. 33). O ato do menino

caracteriza um dos preceitos da caridade – a generosidade.

Essa ação também está presente na lição ―Mães‖, na seguinte expressão: ―Não,

não! Porque tenho a certeza que valerei mais do que valho hoje, tendo feito este

presente ao pobrezinho‖ (OSÓRIO, apud, FONTES, 1922, p. 91). Nela podemos

perceber a caridade como ato de benevolência, de respeito ao outro, o que, nas palavras

de Charbounneau (1967, p. 57), indica amor verdadeiro: ―Na mesma medida em que a

caridade impõe o amor do próximo, amor efetivo e verdadeiro, deve conduzir-nos

também ao respeito ao outro‖. Essa boa ação também apresenta-se na lição ―A

caridade‖, no ato da menina Julia: ―Talvez eu seja tola, mas o contentamento que tu dá a

tua boneca, o prazer de Amélia ao saborear os sorvetes e doces, estão muito longe da

satisfação que tive ao ver sorrir a nossa pobre vizinha quando ofereci o dinheiro que iria

dar confôrto á sua querida doente‖ (BARRETO, apud, FONTES, 1933, p. 40).

Essas predisposições dão à categoria Caridade a ação que nos leva a pensar na

relação entre os escritos e o homem católico que era o Professor Fontes. Talvez seja

essa uma razão dessa Série, pois como afirma Charbounneau (1967, p. 58), ―Uma

análise mais atenta do preceito da caridade formulado por Cristo esclarece ainda mais

êste ponto de vista. Na verdade, o Evangelho ensina-nos não só que devemos amar o

próximo, mas também como amá-lo‖.

De certo modo, percebe-se a ênfase dada aos valores aprendidos por meio da

família – bondade com os pais, irmãos e mais velhos (avós), passando pelos

companheiros de escola e pela sociedade. Nesta categorização, a caridade torna-se

Page 239: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

235

urgente e evidente, ou seja, indica se foi ou não interiorizada. O processo educativo

deve ser mediado por sentimentos como amor, compreensão, bondade, cooperação,

solidariedade, compaixão. Tais sentimentos permitiram a criança orientar-se e conduzir-

se dentro de uma ação educativa, formando-se um cidadão capaz de refletir suas atitudes

com relação à pátria, evidenciando as expectativas educacionais atribuídas nas lições da

Série Fontes.

Tais são os preceitos da caridade, que se norteiam nos princípios do

cristianismo, como colunas mestras sobre as quais devem erigir-se as relações entre os

homens. Então, ―amando-se cada um, a gente pode preocupar-se com todos, e é neste

sentido que a caridade, por ser universal, impõe o amor e o respeito do bem comum‖

(CHARBONNEAU, 1967, p. 64).

Tomando como pressupostos as categorias que servem como base para definir

ou caracterizar as representações de criança, percebem-se os valores que definem as

intenções do Professor Fontes, que, ao utilizar as lições como formadoras de conduta,

ao destacar e adjetivar determinados aspectos do comportamento atribuído à criança as

define historicamente como práticas mediadoras na relação entre adultos e crianças.

Assim, analisar as representações de criança presentes em lições da Série Fontes situa-

se na direção apontada por Kuhlmann (2003, p.17), quer seja: ―[...] os estudos dos

aspectos mais diretamente ligados ao imaginário, que trata de colher as mutações que

intervêm na história das mentalidades em relação ao fenômeno infância, as diversas

atitudes que se externam nos documentos‖, quer apontam currículos a serem

trabalhados. Desse modo, como ainda aponta o próprio autor, analisar na literatura (essa

como fonte documental) dirigidas a criança, as dimensões que a compõem, que retratam

o olhar do adulto sobre ela, personificam práticas socializadoras com enfoques

comportamentais com base em um registro que a descreve sob o prisma de análise de

conteúdo, perspectiva teórico-metodológica desta pesquisa.

4.1.7 – A Série Fontes: conceitos e valores de uma determinada época

Permeando a reflexão com base nos conceitos citados, buscou-se em Chartier

(2002) a noção de representação. O mesmo afirma que as representações inserem-se

―em um campo de ocorrências e de competições cujos desafios se enunciam em termos

de poder e de dominação‖, ou seja, produzem verdadeiras ―lutas de representação‖

Page 240: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

236

(CHARTIER, 2002, p.17). O que o autor enfatiza está relacionado à noção de poder, em

que procura compreender as práticas que constroem o mundo como representação.

Entendo, desse modo, que a Série Fontes se constitui em fonte vantajosa para os

estudos da História Cultural. Expressa conceitos, valores e conhecimentos que

representam uma determinada época, bem como objetos marcados por uma

regularização, encharcados de uma intencionalidade. Há uma especificidade referente à

sua utilização, que apregoa sistemas de pensamentos, valores e ideologias de seus

autor/organizador, inferindo assim na mentalidade de seus leitores: crianças, professores

e familiares. Segundo Souza (2010), as lições da Série Fontes têm elementos

riquíssimos para

[...] se entender o retrato daquela época, perceber como o pensamento

brasileiro se constituía e, desse modo, apreender quais as bases

formadoras de gerações de brasileiros que vieram desde então.

Sugerimos, enfaticamente, como exemplo de estudos a serem

realizados, que nas lições há um vasto material sobre comportamento

humano, sobre como se pretendia moldar as ações, os gestos das

crianças, por meio da educação. (SOUZA, 2010, p. 154).

Desse modo, entende-se que a Série Fontes é, também, uma representação do

modo como se queria conceber a prática do ensino, expressando teorias pedagógicas e

nacionalistas por meio de suas lições, apresentando-se como ―manuais de civilidade que

propalam valores‖ (NASCIMENTO, 2003, p. 13). Tal como representação de um ideal

pedagógico pensado estrategicamente por meio da constituição das práticas do universo

escolar, que possivelmente configuram ideais e propósitos. Um conjunto de ações e

posicionamentos que expressam o pensamento de seu autor/organizador.

É imperioso destacar que a Série Fontes, em seus textos de leitura, representa,

também, a imagem da família brasileira: ―Cada integrante dessa instituição social tem

uma função definida e fundamental para o bom funcionamento do sistema familiar‖

(SOUZA, 2010, p. 125). Essa organização familiar se dá com: pai – o homem

trabalhador; mãe – mulher generosa e gestora do lar; avós – pessoas que se dedicaram

muito à família, trabalhadores exemplares; filhos – classificados como bons: modelos a

ser seguido; e como maus: que devem ser corrigidos pelos pais. Com isso, João Souza

define os papéis familiares dentro dos textos, no quais cada um tem um conjunto de

valores e a família aparece para os leitores como ―uma pequena pátria‖, construindo

bons cidadãos: ―se as crianças agem corretamente dentro dos parâmetros postos na

Page 241: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

237

família, serão consequentemente bons sujeitos para a sua comunidade e para o Brasil‖

(SOUZA, 2010, p. 126).

Nesse sentido, a Série Fontes é uma produtora de representações sociais e

culturais. Considero os textos nela inseridos como produzidos com base em ordens,

regras e convenções específicas. Leva em conta as práticas de leitura deles extraídas,

segundo Chartier (2002, p. 121) ―A face de um texto, é historicamente produzir um

sentido, e construir uma significação‖. Ou seja, essa prática de leitura é produtora de

significações que não se circunscrevem às intenções dos autores dos textos, mas que

constituem, pensam e direcionam as interpretações sobre as realidades sociais.

Entendo que a Série Fontes, no uso de seus textos, alcançou várias gerações,

perpetuando seus ideais, não somente por meio de suas edições. Mas que ―viralizou‖,

como se diz em tempos atuais, diante das posturas que eles formaram. As

representações acerca do uso das lições seguem seus objetivos por meio das

incorporações obtidas nos ditados, na moralidade imposta, no entendimento sobre o que

é apresentado como pecado, no que produziram e produzem. Reproduzem estratégias e

práticas específicas, impondo autoridade, legitimando e justificando as escolhas de

conduta dos sujeitos.

Nascimento (2003) enfatiza que a Série Fontes procurava direcionar o homem

num processo civilizador, de autocontrole; a criança leitora iria se moldando nesse

ambiente, o professor preparando sua mente, dispondo-as e adequando-a ao trabalho.

Para isso, segundo a autora, ―A Série Fontes teve como colaboradores abolicionistas,

republicanos, monarquistas, estrangeiros, homens e mulheres, evidenciando meios

diferentes para um mesmo fim, isto é, a união nacional‖ (NASCIMENTO, 2003, p. 14).

Desse modo, faz levar em consideração o pensamento de Chartier (2011) sob o

prisma das práticas criativas das representações. Para esse autor, a noção de

representação apresenta uma díade. De um lado faz ver uma ausência, ou seja, uma

distinção clara entre o que representa e o que é representado. Do outro, apresenta uma

presença, referindo-se à exposição pública de uma coisa ou de uma pessoa. Assim, as

lições da Série Fontes se constituem ao representar algo ausente, partindo da premissa

de que estão produzidas com base nos ideais de seus autores e de suas épocas. Mas há o

uso de práticas, dentro da compreensão de como o Professor Fontes representou, em sua

Série, seus princípios de militante católico e nacionalista.

Page 242: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

238

Esse sentimento reverberou, também, por meio da imprensa. E também teve a

participação do serviço militar e da educação:

Pela imprensa, a população passava a conhecer as características da

nação, no exército, o sujeito era constantemente preparado para

defendê-la com a própria vida, e na escola as crianças não só

aprendiam a língua nacional como a única de todos, mas tinham a

mentalidade construída em torno da idéia de um patriotismo sem

concessões. (SOUZA, 2010, p. 106).

Considero que, na perspectiva ―chartireana‖, as representações e práticas da

representação, inventadas por meio das leituras das lições, expressam os bens

produzidos, ou seja: ―Sempre as representações das práticas (leitura das lições) tem

razões, códigos, finalidades e destinatários particulares. Identificá-los é uma condição

obrigatória para entender as situações ou práticas que são o objeto da representação‖

(CHARTIER, 2011, p. 16).

Na busca de representações de criança entendi, com base em Chartier, que toda

representação representa algo, e que, no caso desta pesquisa, as lições da Série Fontes

são demarcadas por palavras e verbetes, dentro de um objeto (ausente) que permite ver

coisas, conceitos ou pessoas, substituindo-os por ideais capazes de traduzi-los

adequadamente. A mesma ótica que quero mostrar: a criança representada, num período

em que, segundo Fontes (2011), a educação estava focada entre a educação moral e a

cívico-patriótica, na qual a formação do caráter do aluno configurava-se na interação

com os saberes específicos. A Série Fontes, por meio de seus textos, segundo essa

autora, ―incutia‖ nas crianças o amor, o respeito, a importância da oração e do trabalho,

estabelecendo padrões comuns de comportamentos e valores.

Pesquisar a criança e a infância na história, tendo a Série Fontes como objeto de

pesquisa, mostra coisas que se perderam em nossas memórias e que as lições nos fazem

lembrar: a criança não existe hoje! Ela é tratada como futuro cidadão! Chorar é feio! Os

meninos não podem chorar, isso é coisa de menina! Aos 7 anos, a criança, para ser

intitulada de inteligente, tinha que saber ler correntemente (essa era a expressão usada).

As crianças queriam fazer diferente e os adultos diziam: "não invente moda". Os

meninos deviam ser inteligentes, corajosos, e as meninas dóceis, meigas e

companheiras. Quando a criança fazia alguma travessura (segundo os adultos), além de

castigada, era obrigada a jurar que não faria mais! Menino bonzinho não brigava na rua!

Page 243: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

239

Diziam que os meninos briguentos eram os que tinham mais dificuldades de

aprendizagem, eram burros. A ação da doutrinação religiosa era forte. As crianças eram

classificadas como portadoras de qualidades e de defeitos. Assim mesmo, era comum os

pais se vangloriarem dos filhos que tinham. Nas conversas entre eles, as crianças eram

comparadas com as outras – isso quando o filho pertencia ao grupo dos portadores de

qualidades, pois os demais ficavam escondidos. O menino pobre tinha que estudar para

ser alguém na vida e dar uma vida melhor a seus pais. As crianças eram obrigadas a

honrar e agradecer sempre aos pais. A caridade era feita como uma demonstração de

superioridade social. Quando um "pobre" batia à porta da casa para pedir comida, dava-

se um prato e dizia-se que podia comer qualquer coisa, porque pobre não tem paladar.

Os pais queriam por os meninos no escotismo para aprenderem a serem homens.

Quando aparecia uma pessoa negra, muito bondosa, os brancos falavam: Ele é um negro

de alma branca. Sobre isso, nos termos de Nascimento ―[...] a Série Fontes auxiliou o

governo catarinense na construção e afirmação dos semióforos nacionais e na

inculcação do sentimento de pertença a um solo, ultrapassando a temporalidade do

governo varguista‖ (NASCIMENTO, 2003, p. 112).

A criança possível, a esperada. Eis uma representação de criança que emerge das

lições contidas nos quatro livros de leitura da Série Fontes. É aquela que tem as

seguintes características: obediente, disciplinada, demonstra caridade, interioriza os

conceitos de trabalho e patriotismo, para ser a possibilidade de um cidadão que seja

bom para a nação. O próprio projeto de nação que se tinha para a época apresenta-se

nessas lições e, consequentemente, na criança que queria formar. O discurso público é

de enaltecimento do sujeito. Mas, ao mesmo tempo, o traz no meio privado como

inferior. Se queria fixar o homem à terra, feito árvore: a raiz que se prende ao solo, fixa

e garante o sustento das possíveis gerações.

Cabe ainda ressaltar que as lições da Série Fontes, além de passar conceitos,

―produzem‖ sujeitos que precisam de outros para criar uma identidade, dentro de uma

relação dialógica. Desse modo, entendo que esse sujeito produzido, ‒ a criança ‒ em sua

composição histórica, è anunciado por meio do discurso do autor, o Professor Fontes.

Há uma imposição de estilos não só escolares, mas em todo seu em torno. De acordo

com Silva Filho (2013), a Série Fontes serviu para duas finalidades básicas: apresentar

ao aluno a língua portuguesa e formar a consciência do aluno nas ideologias

dominantes.

Page 244: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

240

Assim, constata-se que os discursos incutidos nas lições da Série Fontes são

como representações das ―ideologias‖ do Professor Fontes ‒ Nacionalismo, Moral e

Civismo, Positivismo e Catolicismo ‒ que materializam princípios, que promovem

subsídios ao projeto republicano burguês, tudo isso que as lições trazem em uma

―linguagem culta e até rebuscada‖, que podem ser ouvidas ―[...] como notas compondo

um acorde cuja dominante é a celebração da Nação – os tons elogiosos à pátria, à

família, à escola, à língua, ao dever, à obediência, aos valores religiosos, como

formadores da nova identidade almejada, o cidadão republicano‖ (SILVA FILHO,

2013, p. 373).

Essa constatação é corroborada por Venera (2007), em que a Série Fontes é um

dispositivo que articulava vários discursos, formando hábitos e valores morais de

comportamento, disciplinando corpos.

Cabe, ainda, destacar a manchete assinada por Flamma Rion no jornal O Estado,

de 3 de março de 1937, em que essa fez uma crítica dizendo que a Série Fontes não era

adequada às crianças, assim como quanto à forma como ela foi introduzida nas escolas

públicas de Santa Catariana:

[...] introduzida, sem prévia adopção official, nos grupos escolares,

[...] com as deficiencias e falhas didactas‖. É citado ainda que: ―É

notavel o desiquilibrio entre as diferentes posições literárias que o

constituem. Algumas dellas, sob pretexto de versarem assumptos do

cór local, são frivolas e desinteressantes, peccando, ademais, por

clamoroso mau gosto e nenhuma belleza literaria. (O ESTADO, 1937,

p. 4).

Considerando que a Série Fontes teve uma abrangência de mais de trinta anos no

cenário educacional de Santa Catarina, as palavras destacadas na manchete implicam

numa relação de forças. Nesta perspectiva, para Chartier (1991, p.183) as ―construções

das identidades sociais resultam sempre de uma relação de força entre as representações

impostas pelos que detêm o poder de classificar e de nomear e a definição de aceitação

ou de resistência, que cada comunidade produz de si‖. Assim, leva-se em consideração

que a ―representação transforma-se em máquina de fabricar respeito e submissão, um

sentimento que produz uma exigência interiorizada‖ (CHARTIER, 1991, p. 184).

Com isso exposto, acrescento sobre as representações de criança nas lições da

Série Fontes. Para melhor elucidar essas análises, apresento no próximo item algumas

considerações.

Page 245: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

241

4.2 – DA LEITURA DAS LIÇÕES: OS LIVROS DA SÉRIE FONTES E AS

EXPRESSÕES QUE CONSTITUEM AS REPRESENTAÇÕES DE CRIANÇA

No Brasil as pesquisas, em relação à Europa, quanto ao status da criança.

Segundo Veiga (2007) esse se caracterizou, no âmbito privado, pela centralidade da

criança na família, posição que a constitui em objeto de todo tipo de investimento:

afetivo, econômico e educativo. Já segundo Michelle Perrot (2009), o investimento

sobre a criança, nos fins do século XIX e início do século XX não visava

necessariamente à criança em sua singularidade e interesse próprio, mas sim aos

interesses da coletividade: a família em primeiro lugar, e, em seguida, a nação, passando

a ser vista como ―o futuro da nação e da raça, produtor, reprodutor, cidadão e soldado

do amanhã‖ (PERROT, 2009, p. 148).

A intitulada Série Fontes, organizada e assinada pelo Professor Fontes, como

vimos, apresenta tópicos fundamentais dos aspectos cívico-pedagógicos da época,

expressos em um conjunto de lições, que convergiam para a formação da nação

brasileira. Apontam para uma modernização com base em um projeto de sociedade que

se pretendia, conferindo às crianças, nos âmbitos privado e público, a missão de

salvadoras da pátria.

A própria literatura cívica na qual se insere a Série Fontes constrói inúmeras

analogias entre a criança e a nação, sendo a boa formação da primeira entendida como

condição da futura grandeza da segunda. Procura impor às crianças a consciência de sua

própria responsabilidade para com a pátria, como se pode ver em trechos das lições

abaixo, extraídas do Primeiro, Segundo, Terceiro e Quarto Livro de Leitura:

Um menino exemplar. Basta olhar para êle na rua, vê-lo muito sério,

com os seus livros muito em ordem, para se ficar sabendo que é um

menino bem educado. (FONTES, 1945, p. 21).

Boas qualidades e defeitos das crianças. O menino serviçal gosta de

ajudar os outros; o menino egoísta cuida só de si. (FONTES, 1945, p.

34).

A grandeza do Brasil. As terras do Brasil têm a vantagem de ser todas

aproveitadas, porque entre nós não há desertos nem geleiras onde o

homem não possa viver. (FONTES, 1922, p. 43-44).

A Patria. Ama, com fé e orgulho, a terra em que nascestes! Crianças!

Não verás nenhum país como este. (BILAC, s.d., apud, FONTES,

1922, p. 44).

Page 246: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

242

A Pátria. A Pátria é o berço mimoso; que a nossa infancia embalou; é

o regaço carinhoso, que a vida nos amparou. (CARREIRO, s.d., apud,

FONTES, 1933, p. 20).

Ferro. No reino mineral o ferro representa a maior riqueza do Brasil.

O nosso país tem o primeiro lugar no mundo como produtor de ferro.

(ROTSCH, s.d., apud, FONTES, 1933, p. 47).

O torrão natal. Depois dos pais que recebem o nosso primeiro grito, o

solo pátrio recebe os nossos primeiros passos: é um duplo receber que

é um duplo dar. (SILVA, s.d., apud, FONTES, 1949, p. 31).

A pátria. Os que a servem, são os que não infamam, os que não

conspiram, os que não sublevam, os que não desalentam, os que não

emudecem, os que se não acobardam, mas resistem, mas ensinam, mas

se esforçam, mas pacificam, mas discutem, mas praticam a justiça, a

admiração, o entusiasmo. (BARBOSA, s.d., apud, FONTES, 1949, p.

38).

O novo significado social da infância como ―futuro da nação‖ inscreve-se no

contexto do surgimento de projetos que tinham como finalidade maior efetuar uma

verdadeira regeneração nacional. A Série Fontes cabe dentro deles. Afirmo isso a partir

do que analisei nas lições que caracterizam a criança que se queria formar, refletindo até

mesmo na valorização da infância e da juventude. Como em trechos das lições abaixo:

O menino generoso. Hermínio era um menino de muito bom coração

[...] – Muito bem, Hermínio, assim fazem os meninos gêneros.

(FONTES, 1945, p. 33).

Nossa pátria. O menino estudioso, obediente, leal e cuidadoso de suas

obrigações será depois um cidadão escellente. O Brasil é um país

grande, bello, glorioso e hospitaleiro. Nelle todos podem viver em paz

e liberdade. (FONTES, 1922, p. 7).

O general Osório. Por mais caros que vos sejam o vosso patrimônio,

as honras e a vida, estarei prontos a sacrificar tudo do dever, se êste

vos exigir semelhante sacrifício. (PÉLICO, s.d., apud, FONTES,

1933, p. 29).

A pátria. Deus num último batismo, meu país Brasil chamou. Se me

abrasa o patriotismo, brasileiro então eu sou. (CORRÊA, s.d., apud,

FONTES, 1949, p. 38).

Ao fazer da pátria, também, uma instância valorativa, dotando as crianças como

condutoras de ações, as lições da Série Fontes dão significado ao projeto cívico como

instância reguladora, promovendo indiretamente riqueza da nação e, consequentemente,

sua grandeza.

Page 247: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

243

Deve-se destacar, também, que em seus escritos a Série Fontes dirigia-se quase

que exclusivamente às crianças do sexo masculino. Das 279 lições apresentadas nos

quatro livros de leitura, 157 lições citam a palavra menino ou se referem ao sexo

masculino e somente 50 lições citam a palavra menina ou se referem ao sexo feminino.

Um público sobre a qual se projetava, além do patriotismo, a representação de um ideal

de virilidade, conforme descrevem diversas lições. Essa noção apenas reproduzia a

diferença entre os papéis projetados sobre as crianças dos dois sexos: o de ―futuros

salvadores da pátria‖ e de ―futuras mães de família‖, como se pode ver em trechos das

lições abaixo:

Duas boas irmãs. Célia está doente. Há oito dias que está de cama.

Sua mãe não lhe abandona a cabeceira, procurando aliviá-las e distraí-

la. Sua irmã Aurélia também constantemente lhe faz companhia.

(FONTES, 1945, p. 15).

Sonhos de um estudante. Orlando era um alumno interno de um

gymnasio. Intelligente e dotado de ardente imaginação ás vezes

deixava-se arrebatadas nas asas da phantasia concebendo idéas

corajosos, grandiosos. Louco de alegria ficou ao receber a dádiva do

padrinho. Mirava a farda por todos os lados, ora punha o boné, ora

cingia a espada, ensaiava posições militares e dava livre curso á

torrente de idéas que se revoluteavam em sua mente. (FONTES, 1922,

p. 107).

A Caridade. Júlia tinha três filhas: Ana, Amélia e Alzira. No dia de

Natal chamou-as e a cada uma deu Cr$, dizendo-lhes: — Com êsse

dinheiro podem vocês comprar o que lhes aprouver. Ana comprou

uma boneca. Amélia comprou uma peça de fita e, com o resto do

dinheiro, belos doces e sorvetes. Alzira, tendo ido a casa de uma

vizinha muito pobre e que estava com uma filha doente deu-lhe todo

seu dinheiro. (BARRETO, s.d., apud, FONTES, 1933, p. 40).

O trabalho, lei universal. Pela manhã quando achares penoso o sair do

leito, faze esta reflexão: É para agir como homem que desperto. Hei

de me lamentar, porque vou fazer aquilo que é a minha própria razão

de ser e para que fui lançado no mundo? Teria eu nascido, por

ventura, para dormir? Seria mais agradável. Nasci eu, porém, apenas

para o prazer? Não, mas para agir, para desenvolver minha energia.

(AURÉLIO, s.d., apud, FONTES, 1949, p. 52).

Tornar-se um homem forte era uma das condições para que o menino fosse

―útil‖ no futuro. Uma rotina regrada, boa alimentação e exercícios eram os ingredientes

da vida saudável, dos sujeitos de uma nação próspera. Como destaca Gondra (2002), a

Page 248: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

244

medicina tomou frente do que achava que era sua função na formação do indivíduo, por

meio de um discurso acrescido de afirmações médicas.

A crença no poder indeterminado da razão faz com que a medicina

reivindicasse para si a condição de ciência do social ao construir um

discurso alargado, capaz de redistribuir saberes e competências,

subordinando problemas os mais variados ao chamado saber médico.

Expansão e proliferação de discursos que funcionou como estratégia

de afirmação da ordem médica, na medida em que, como esse

procedimento, ―nada‖ deveria ser estranho aos representantes dessa

ordem. Tal perspectiva, condensada na área da higiene, colaborou para

construir uma representação salvacionista da medicina porque

bifurcada no plano da redenção dos indivíduos e no da sociedade. Um

dos aspectos que não escapou desse esforço de colonização dos

demais saberes foi o tema da infância. (GONDRA, 2002, p. 107).

Nesse sentido, a saúde apresenta-se nas lições como valor máximo, cuja

condição básica é a limpeza, e cuja prova explicita é a beleza. Observe-se nos trechos

das lições abaixo:

Noções de hygiene. Comer a horas certas, e sómente quanto passa o

estamago digerir sem custo. [...] O asseio do corpo e dos vestidos,

além de ser uma necessidade social [...], é de grande importancia para

a conservação da saúde. [...] O sono é absolutamente necessario ao

corpo, como restaurador das forças abatidos pelo trabalho do dia. Aos

meninos e velhos bastam 9 horas de cama, aos moços 8, e aos adultos

7. (BORGES, s.d., apud, FONTES, 1922, p. 106).

Preceitos higiênicos. É conservar a saúde que a higiene tem por fim:

ser ela grande virtude afirma todos assim. [...] Quatro horas dorme o

santo, e cinco o que não é tanto, seis ou sete o estudante, oito ou nove

o caminhante. Por dez horas dorme o porco, mais que isso o que está

morto. (FONTES, 1933, p. 26).

Higiene e habitação. A habitação é o abrigo que o homem constrói

para se proteger contra os rigores do tempo; é, ao mesmo tempo, a sua

tenda de trabalho, ou o refugio onde vai procurar o repouso para o seu

corpo e o seu espírito fastigado. (RANGEL, s.d., apud, FONTES,

1949, p. 26).

O valor da saúde, dentro das lições da Série Fontes, foi apontado nos estudos de

Silva (2016), quando o autor afirma que:

[...] as ideias higienistas e de eugenia eram mais que apenas cuidar da

questão física dos indivíduos, era educar para a sociedade conforme o

que uma parte da população requeria. O povo, em sua maioria, teve

que se adequar aos novos rumos que o país estava tomando,

Page 249: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

245

moldando-se física e moralmente, incorporando algumas atitudes

como se fossem as mais corretas e eficientes. (SILVA, 2016, p. 97).

As lições ainda apresentam outra condição dada à criança: o uso correto do

tempo. Este devendo ser aproveitado ao máximo, com regras e métodos, para evitar

futuros arrependimentos, como podemos ver nos excertos abaixo:

Um menino exemplar. Não faz como tantos outros seus colegas que

correm pelas ruas aos empurrões, às gargalhadas, provocando as

pessoas, não respeitando os velhos. (FONTES, 1945, p. 20).

O bom estudante. O bom estudante levanta-se cedo, tanto no verão

como no inverno. Deita-se também cedo, mas depois de ter preparado

as lições do dia seguinte. Não perde tempo em inutilidades. [...] Pensa

muitas vezes no melhor meio de vir a ser um cidadão útil a si, á sua

família, á Pátria e á humanidade. (FONTES, 1922, p. 41).

Plantas e flores, frutos e sementes. Todo menino, nas horas de folga,

deve cuidar da terra, revolvendo-a, adubando-a, entregando-lhe a

semente, que germinará e dará a planta, que, por sua vez, há de florir e

frutificar. E, para que assim proceda, deve a criança conhecer, de um

modo geral, alguns elementos da botânica rudimentar. (FONTES,

1933, p. 52).

Impostos. É o serviço militar consequência inevitável da necessidade

da defesa do país, ameaçado na sua integridade territorial, se não

houver fôrças capazes de repelir as gerações externas. [...] Fugir, sem

justa causa, ao cumprimento dessa obrigação, é suprema covardia.

(SERRANO, s.d., apud, FONTES, 1949, p. 117-118).

E, aliada ao tempo, está à ordem, que não aparece somente como lema da

bandeira nacional, mas como assunto de formação. É apresentado na lição 73 do quarto

livro de leitura: ―Juntou-se ao número dos que sentem verdadeiro prazer em ajudar e

servir. Dadivoso e munificente, avaliava não só as angústias, como os vexames dos

necessitados e dos pobres‖ (COELHO, s.d., apud, FONTES, 1949, p. 119). Nesse

entendimento, pode-se dizer que, em havendo ordem o tempo se dá conta de tudo, por

que uma criança desregrada terá dificuldade de desenvolver-se nas condições que se

pretendia, como se apresenta nos excertos das lições abaixo:

Queres ser escoteiro. Procura instruí-los na previsão do tempo, a se

orientarem pela bússola pelo Sol, pela Lua, pelas estrelas: ensina-lhes

a conhecer as horas pelo Sol. Via para o campo, faze a tua choça,

aprende a fazer a tua comida, procure comer os frutos silvestres da tua

terra, aprende a fazer o nó, para construir as tuas tendas e consertar

alguma ponte, aprende a fazer a tua cama de folhas e armar a tua

Page 250: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

246

barraca,e assim, moço, serás feliz, forte, alegre, honesto, ciente de teus

deveres e, quando homem, serás o escoteiro da Pátria, o defensor da

tua amada Bandeira. (FONTES, 1933, p. 46).

O Escotismo. É na infância que se prepara o homem. O que se obtem

com brandura na idade tenra. [...] Os exemplos são moldes nos quais

se deve formar a alma da criança. [...] O escoteiro é um sentinela

atento, que não só vigia como ainda acode os acidentes com o socorro

pronto. [...] Assim, esse civismo, na qual se devem matricular todos os

meninos brasileiros que, amando o seu País, queiram aprender a bem

servi-lo e honrá-lo. (FONTES, 1933, p. 94).

Apêlo à mocidade. Não deis ouvidos, meus jovens compatriotas, não

deis nunca ouvidos a êsses impostores, que, talvez para inculcarem a

própria e não demonstram superioridade, vivem a propalar a

incapacidade dos brasileiros para o progresso e para a civilização,

porque descendem de raças inferiores e condenadas a estereis

agitações, a irremediável estacionamento, ou mesmo à retrogradação e

à extinção. (LESSA, s.d., apud, FONTES, 1949, p. 62).

Oração à Bandeira. Bendita sejas! e, para todo o sempre, expande-te,

desfralde-te, palpita e resplandece, como uma grande asa, sobre a

definitiva Pátria que queremos criar forte e livre. (BILAC, s.d., apud,

FONTES, 1949, p. 68).

Se a saúde, o bom aproveitamento do tempo e a ordem eram condições básicas

para a utilidade do homem, o trabalho era a expressão maior dessa espécie de obsessão.

Era preciso mostrar que o trabalho, numa sociedade cujo passado escravocrata era tão

recente, apresentava-se como um dos principais pontos a serem absorvidos pelas

crianças por meio das lições, como podemos ver a seguir:

O Trabalho. Menino, olha em redor de ti: tudo trabalha, tudo convida

ao trabalho. [...] Os homens trabalham. [...] Os animais trabalham. [...]

Trabalha também, tu meu menino. (FONTES, 1945, p. 5-6).

As Abelhas! E andam a voar, sem descansar, a trabalhar do sol

nascente a sol poente, constantemente ... Vivem voando e trabalhando

no serviço. (VIEIRA, s.d., apud, FONTES, 1922, p. 29).

Faze bem tudo o que fizeres. Uma falta de atenção, uma negligencia

póde tornar-se um crime. Repetimos sem cessar: Não posso prever as

inúmeras consequências desta ação, mas o que eu posso, o que devo

fazer, é entregar-me a ella de corpo e alma. (VIEIRA, s.d., apud,

FONTES, 1922, p. 81).

Não furtarás. Repare na formiga, gastador; observa a sua vida e sê

sábio: ela não tendo guia ou diretor, prevê a sua comida durante o

verão e reúne alimentos no tempo da colheita. (GARRETT, s.d., apud,

FONTES, 1933, p. 63).

Page 251: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

247

O trabalhador. Trabalhar. Curtos se fizeram os dias, para que nós os

dobrássemos, madrugando. [...] O que se esperdiça para o trabalho

como as noitadas inuteis, não se lhe recobra com as manhãs de

extemporâneo dormir, ou as tardes de cansado labutar. (BARBOSA,

s.d., apud, FONTES, 1949, p. 51).

Hino do trabalho. Mar e Terra, Ar e Céu, tudo lida, Deus a todos deu

luz e pôs mãos; Lei suprema, o trabalho é a vida: Trabalhar!

Trabalhar! meus irmãos! (CASTILHO, s.d., apud, FONTES, 1949, p.

110).

Da leitura das lições feitas se destaca o quadro de valores, sentimentos, virtudes

e comportamentos esperados daqueles que, apesar de serem ―homens pequenos‖, já

tinham ―obrigações sérias‖. Não por acaso, o verbo ―dever‖ era dos mais utilizados nos

texto dirigidos aos pequenos leitores, atribuindo-lhes diversas responsabilidades

enquanto ―brasileiros‖. Vejamos nas lições abaixo como se aproximam, também, das

representações que fui identificando:

O macaco intrometido. Ninguém deve meter-se a fazer aquilo que não

entende. (FONTES, 1945, p. 7).

A criança e o dever. Anda cá, meus pequeninos, e escutai. [...] O

escoteiro sabe obedecer. Compreende que a disciplina é necessidade

de interesse geral. (BRITO, s.d., apud, FONTES, 1933, p. 11).

Relações e deveres entre irmãos. Meus queridos filhos. Vamos agora

dizer algumas palavras sôbre os deveres e relações entre irmãos, pois

vós deveis uns aos outros auxilio e proteção. Nosso dever é fazer de

vocês homens honrados, bons cristãos. (Mme. PERMOND, s.d., apud,

FONTES, 1933, p. 72).

Direitos e deveres. Êsses deveres geram direitos correspondentes – os

da liberdade, igualdade e fraternidade – e uns e outros constituem os

liames que unem o INDIVIDUO à PÁTRIA e constituem a RAZÃO

de ser da NACIONALIDADE. (CARDOSO, s.d., apud, FONTES,

1949, p. 45).

Pode-se afirmar que a Série Fontes apresenta um entendimento de nação que vê

a ―pátria uma grande família‖, numa construção de ―ordem e progresso‖, pois, ―sem

ordem não pode haver progresso. Este é o desenvolvimento daquele‖ (BARRETO, s.d.,

apud, FONTES, 1933, p. 123). Pretendia-se que, por meio das crianças, chegassem até

suas famílias princípios dos ideais republicanos, para pensar as relações de poder e de

desigualdade registradas nas representações. Como Chartier afirma, dentro dos aspectos

da subjetividade de representações, ―[...] as estratégicas simbólicas que determinam

Page 252: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

248

posições e relacionamentos, constroem um significado dentro de um componente da sua

identidade‖ (CHARTIER, 1991, p. 133). E era com essa vertente que os pequenos

leitores cumpririam o papel social que lhes era atribuído e para o qual as lições se

incumbiam de preparar.

O próprio modo pelo qual o conceito de ―pátria‖ era usado nas lições da Série

Fontes reforçava, principalmente, o que faltava fazer. Subentendia determinadas

representações, destinadas a moldar as crianças (como padrões de caráter), a viabilizar

uma determinada postura na realização da futura grandeza pátria, ao menos na que

pensavam os poderes dominantes.

Nesse sentido, as lições não somente defendiam o valor do trabalho, sinônimo de

―ser útil a si e à pátria‖, como procuravam efetuar uma orientação profissional, para a

qual apelavam tanto ao interesse individual quanto ao mérito pelo engrandecimento da

pátria.

Nota-se que, em muitas lições, há um conjunto de fatores que exalta as

maravilhas da pátria e o valor de tudo isso para o progresso do país. Na lição número

30, do quarto livro, intitulada ―Ensinemos o Brasil aos brasileiros‖, o tema se apresenta

como hábito a ser seguindo pelas crianças, no qual a valoração da pátria era sinônimo de

progresso:

Sobretudo nos turbados tempos que vivemos nada parece mais

necessária do que ensinar o Brasil aos jovens brasileiros! Ensiná-los

na sua história e na sua tradição, desde o dia em que aqui apontou

representante de um nobre povo, maior pelo esfôrço inaudito que pôs

nos defender e delatar a conquista do que na própria descoberta.

(MÜLLER, s.d., apud, FONTES, 1949, p. 49).

Destaco que à medida que as lições se apresentam nos livros, a grandiloquência

da retórica patriótica se torna mais evidente, acentuando-se as ―terras fecundas‖, e um

―país grande, bello, glorioso e hospitaleiro‖ (FONTES, 1922, p. 7) prometidos, pela

natureza, aos brasileiros.

A noção de aproveitamento dos recursos e a beleza da terra/pátria eram

apregoadas às crianças, sendo um dos pontos principais da vertente dos textos cívicos.

De um lado, a representação de um patriotismo no qual as crianças devem se orgulhar.

De outro, a criança é levada a perceber, por meio das lições, a constituição de uma ética

Page 253: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

249

do trabalho e a formação moral e cívica dos futuros homens como condição necessária à

grandeza da pátria, bem como valor do trabalho no campo.

As vantagens naturais do território brasileiro, listadas nas lições, demarcam o

lugar em que a criança estaria futuramente, dando condição de realização da grandeza

nacional, bem como do alicerçar-se sobre uma educação moral e cívica capaz de

modificar hábitos, sentimentos e valores. O amor pela pátria estatuído nas lições da

Série Fontes fazia com que as crianças leitoras se reconhecessem nela e aprendessem

sobre seus recursos e problemas para amá-la ―melhor‖.

No projeto nacionalista de ―formar brasileiros‖, a Série Fontes representa a

criança em lições de como ―ser útil‖ à pátria, cuidar do corpo e da saúde, modificar

hábitos arraigados, adquirir virtudes para melhor trabalhar pelo desenvolvimento do

país: eis a prova de patriotismo que se pedia às crianças leitoras. Não era suficiente

amar a pátria, era preciso aprender como, para amá-la ainda mais.

Inserida neste contexto, a Série Fontes, pautada na noção de ―país novo‖, viu nas

crianças a ponte de passagem, que serviria como representação da nação futura e, com

isso, confiou a elas o papel de agentes privilegiados no processo de (con)formação da

nação brasileira.

Diante de tal perspectiva, considero que os livros de leitura da Série Fontes não

retratam fielmente a realidade em que está inserido, mas representam aspectos de fatos

ou acontecimentos por meio de diferentes olhares. Nesse sentido, entendo essa Série

como documento que representa o cotidiano dentro da esquematização do real, num

discurso eminentemente formal, que introduz uma ordem, mas que não transmite uma

verdade, pelo fato de falar do ponto de vista de um determinado grupo (os autores das

lições) para propagar ou difundir seus ideais. Para Chartier (1991, p. 135) a produção de

um conhecimento é constitutiva de uma intencionalidade histórica. Nessa perspectiva,

percebo que a intenção do Professor Fontes insere-se historicamente em um momento

de exaltação da nação brasileira, que é marca da produção intelectual da Primeira

República, em constante busca ou afirmação de uma identidade nacional. Ademais, os

livros de leitura da Série Fontes, tendo como base as lições neles inseridas, são uma

exaltação à nacionalidade brasileira para gerações de estudantes fazendo apologia de

país do futuro, de progresso e de ordem.

Page 254: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

250

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Seguir o caminho de todos já traçados

a nossa frente, é fácil; tarefa árdua

Mas gratificante é olhar o próprio

Caminho, de acordo com nosso projeto

De vida. (JUNKES, 1987, p. 7)

Fiz uma travessia e as braçadas, não foram fáceis, algumas vezes longas e outras

curtas, principalmente quando os braços pareciam querer cansar. No entanto, tinha um

alvo, um objeto que inicialmente representava outra aparência, até porque estava longe,

mas quando me aproximava via a necessidade de mudá-lo. As braçadas dessa travessia

tiveram que aumentar e a bússola dar uma guinada para outros hemisférios dentro da

história da educação.

Mas, essa travessia, diante do grau que ela estava se formando, ganhou

proporções indescritíveis e a história não tinha tomado outro rumo, apenas me dado

fôlego para rever os conceitos iniciais. Porém, a infância e a criança estavam presentes o

tempo todo, não somente aquela que fui um dia, mas aquela que permanece em mim.

Desse modo, não dá para falar da história da educação indo até o período em que

se quer estudar, pois ainda não temos uma máquina de teletransporte, nem vivemos no

Sítio do Pica-Pau-Amarelo, onde poderíamos pedir à boneca Emília um pouco do pó de

pirlimpimpim. Então, para falar sobre a criança num contexto histórico é preciso

entender as circunstâncias que vivem as crianças hoje, bem como não dá para esquecer-

se a criança que fomos. Faz-se necessário dizer que hoje, ainda, temos lições passadas

às crianças, que remontam o início do século XX, quando escrita a Série Fontes, levam

a crer serem, portanto, atemporais.

Se o Professor Fontes representa a criança como um cidadão do futuro, como o

salvador da pátria, defendia, no entanto, que essa modelação fosse conduzida com base

nos preceitos nacionalistas, na direção de uma educação pautada na constituição do

caráter das crianças, desde sua mais tenra idade. As lições também apelam para as

expectativas e temores maternos em relação aos filhos, em que se valorizavam as boas

intenções rotineiramente observadas entre as mães, essas responsabilizadas de modo

direto pela vida dos filhos, orientadas para vigiar e controlar continuamente. Tal

perspectiva também era apresentada às meninas, que deveriam ter esse caráter no futuro.

Page 255: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

251

Outro ponto também a ser destacado é o fato da criança ser vista como criação

divina. Ela é pensada com base nos preceitos do catolicismo: a criança representada

como um ser angelical, doce, pele alva, que aprende que Deus é o grande criador e que

em tudo deve ser grata a Ele. A criança tem consigo uma parte de divindade, riqueza a

ser preservada, fonte de inspiração para a construção de um mundo melhor. Há uma

articulação entre passado e futuro, segundo o que nos revelam as lições.

Nas lições, também se percebe que as crianças são protagonistas: observam os

pais, escutam conselhos dos mais velhos, dos sábios, tendo a natureza como lugar de

prosperidade e trabalho – aprendem na atividade, na escuta, na observação, mas

particularmente no fazer e no sentir, não apenas aprendem, mas também ensinam a

outras crianças, mas sempre com um tom de moralidade.

Assim, podemos perguntar: as representações de criança nos livros da Série

Fontes estão vinculadas a que projeto de sociedade? Diante do exposto, entendo que o

Professor Fontes representou criança de acordo com suas ideologias, nas lições dos

livros de leitura da série que organizou. Melhor dizendo, como ele queria que fosse:

cidadão do futuro. Recorrência nos livros de leitura da época.

Na visão do Professor Fontes, essas obras introduzem questões à instrução e à

educabilidade da criança catarinense no contexto republicano, decorrentes, sobretudo,

dos conteúdos dos livros de leitura. Nesse caso, cidadãos que se queria formar sob um

projeto republicano de civilidade, progresso e amor à pátria.

Vale salientar, além disso, que alguns textos trazem a identificação da autoria de

alguns autores catarinenses, como o caso da professora Delmira Silveira de Souza e de

Dionísio Cerqueira; ou de âmbito nacional, como Francisco Vianna, autor dos livros de

leitura indicados por Orestes Guimarães, em seu parecer de 1911. Alguns vinham sem

referências aos autores, fazendo creditar o que as pesquisas apresentadas no Capítulo 1

indicam, ou seja, que parte deles pode tratar-se de composições feitas pelo próprio

autor. Os textos também realçam os preceitos de higienismo, mais presentes no segundo

e terceiro livro, remetendo às afirmações de Gondra (2002) quanto aos cuidados com a

criança para a época.

Por sua vez, faz-se necessário ressaltar que a escola de hoje continua sendo o

lugar de maestria, em que meninos e meninas, nos anos iniciais escolares, são

bombardeados de informações, e os livros didáticos, cartilhas, compêndios, mesmo em

Page 256: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

252

um tempo em que a tecnologia se faz presente nas escolas, são materiais que apresentam

às crianças e familiares, os conceitos que devem ser adquiridos.

Sabe-se que as lições contidas na Série Fontes foram escritas por autores que

viveram suas infâncias bem antes mesmo desses livros serem lançados, editados e

―dados‖ às crianças das escolas de Santa Catarina, como veículo, de informações

singulares, cujo propósito era torná-las seres com possibilidades. Um instrumento

basilar que teve percurso longo, produziu história e ajudou a caracterizar, sob forma de

―decreto‖ e leituras, a identidade da educação nas escolas públicas de Santa Catarina.

Se construirmos um itinerário entre 1920 e 1950, no qual a Série Fontes

sobreviveu e fez sua história, podemos dizer que ela alcançou seus objetivos, pois as

crianças desse período ajudaram na formação das gerações posteriores, que nos

formaram e que ainda resistem – de certa maneira – por meio dos ditados e das lições

moralistas. Mas essa suposição abre os caminhos para uma nova pesquisa.

Desse modo, temos que entender que os livros dessa Série foram produzidos

dentro de sua linguagem constitutiva, como ressalta Silva Filho (2013), vinculando-se

ao meio social em que estava inserida. Ela detém uma historicidade e uma peculiaridade

própria, que requer ser trabalhada e compreendida como tal. Porém, não podemos

deixar de sinalizar o quanto foi persuasiva com suas lições moralistas e de cunho

cristão. Nesse sentido, é relevante pensar que se tem um objeto – o livro, e que é

imperativo expressá-lo como fonte, constituindo-se em uma força histórica ativa

naquele momento, frente à materialidade histórica por ela assumida na história da

educação de Santa Catarina.

Essas lições, além de tratarem sobre saberes específicos das matérias escolares,

definidas pelas lições de ciência, história e geografia, delineiam condutas de

comportamentos almejados para o futuro cidadão, que cumprirão seus deveres para com

a pátria. As escritas perpassam por um sujeito criança, que estava sendo instruído e

educado para a vida adulta. Desse modo, podemos pensar que a escolarização da criança

pautada em pressupostos morais, cívicos, higiênicos e patriótico, buscava o

fortalecimento da identidade nacional, em representações de criança construídas

historicamente. Porém, vale ressaltar também que os livros não apresentavam nenhum

atrativo, como cores: eram opacos, sem cor e com letras de variados tipos e tamanhos.

Esse era, a meu ver, indício de que para algumas crianças não despertava encantamento,

uma vez que a ludicidade é presença viva na vida infantil.

Page 257: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

253

Mas, entendo que toda essa formação faz compreender que as representações de

criança estão presentes, notadamente, nas categorias Inferioridade e Possibilidade. Há

nisso um paradoxo, pois ao mesmo tempo que a criança é vista como inferior, limitada,

é, também, a salvadora da pátria. Essa condições da criança nas intenções do autor,

seriam combatidas por meio do reforço das aprendizagens, cujos fatores determinantes

são explorados pelo potencial cognitivo e definidos pelas ações pedagógicas.

Assim, resultam-se sete categorias finais. A Obediência é entendida como um

bem caro à família, e, consequentemente, à sociedade. Propõe ao indivíduo bondade e

honradez, elementos importantes na vida em comunidade e na formação do cidadão

patriota. Já a categoria Honestidade sugere a representação de criança por conta do

indivíduo honrado. Ou seja, há certo modo de ver as coisas, de dá-las a ver, de verificá-

las, dentro de um conjunto de práticas, modos de vida e atitudes que geram padrões de

vida cotidiana. O Patriotismo é um sentimento. Ocupa o lugar do que Bobbio (2010, p.

803) chama de ―dedicação extrema a própria pátria‖, ou seja, o amor dos homens para

com sua nação ao ponto de sacrificarem suas vidas por ela. Assim, ao proclamar as

representações de criança nessa categoria, quero enfatizar a ideia de nação e o lugar que

a criança, nesse período, ocupava um imaginário a ser forjado, uma projeção a ser

conquista. A categoria Caridade se formou na junção de outras categorias: amistosidade,

bondade e generosidade; pois ao buscar sua definição entendi que as categorias que

classifico como intermediárias formavam a categoria final e Caridade contemplava

todas elas. Ao focar nas características que estabelecem a definição de caridade verifico

que tais lições têm cunho religioso, ou seja, ―caridade é ser cristão‖, e que ser cristão é

amar. Desse modo, entendemos que caridade é um ato de amor, é equidade, respeito ao

bem comum, é direito. A Inferioridade está associada à percepção da criança limitada,

ou seja, só percebe superficialidades, Essas representações são sempre resultantes de

determinadas motivações e necessidade sociais. As lições da Série Fontes representam

um período em que a criança ainda não era vista como um sujeito de direitos, ou seja,

ela aprende sobre o trabalho, o patriotismo, a honestidade e a obediência, e, mesmo

assim, ainda é vista como inferior. O Trabalho carrega em si o significado do trabalho

humano, tarefa pela qual a criança é chamada desde cedo. As crianças têm obrigações

no presente e no futuro, sendo colocadas sobre elas a responsabilidade de garantir o

progresso da nação. Dever-se-ia transformar o menino preguiçoso em alguém útil, num

―cidadão‖. Então emerge uma criança possível, também evidenciada pela Possibilidade.

Page 258: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

254

Entendo essa categoria como a perspectiva de um futuro promissor. Boa parte das lições

define essa categoria como central: ela carrega uma promessa, num cenário no qual a

criança é sinônimo de futuro. Ressalta a possibilidade, ou seja, aquela que ocupa a

posição de quem herdará e utilizará o conhecimento. Desse modo, o discurso

predominante nas lições analisadas é de uma criança como possibilidade, associada ao

futuro da nação, mas, paradoxalmente, como inferior, oriunda de uma percepção

―fontiana‖ de inferior. Tal feito se dá da época em que a Série foi escrita, pois era

preciso cuidar da formação moral da criança. As lições descortinam diferentes formas

de suscitar e reproduzir na criança tal conjunto de valores, sendo os mais recorrentes os

da moral, o higienismo, o catolicismo e o patriotismo, legitimando práticas cotidianas

dentro de um processo de escolarização.

Para futuros estudos, entendo que se faz necessário aprofundar as análises

vinculadas às categorias ―inferioridade‖ e ―possibilidade‖. É necessário, ainda, buscar

outros autores, movimentando o conceito de representação, o que pode ampliar as

análises do discurso e dos conteúdos das lições da Série Fontes.

As representações de criança que segundo Chartier ocupam o intervalo entre a

presença e a ausência, tecem a trama de aproximações de uma realidade de uma época,

representada na Série Fontes: um real representado no passado, que legitima ideais de

crianças e que, dentro daquela conjuntura, possibilitaria um ideal de futuro.

Enfim, as representações de criança imersas em lições da Série Fontes não são

singulares, pois se constituem com base nas diferentes categorias a que associei

significados. Carregam o estigma de uma geração vindoura, que iria compor uma nação

moralizada, saudável e produtiva, e, ao mesmo tempo, responsável por salvá-la das

mazelas que a assolavam e com a obrigação de lançá-la ao patamar das nações

―civilizadas‖. Esse discurso moral, conforme reafirmo, em grande medida esteve

associado à religião católica. Assim, como praticante fervoroso do catolicismo, o

Professor Fontes inscreve nas lições seus próprios princípios. Em minhas análises foi

possível ter acesso tanto às representações sobre as crianças, bem como a pistas quanto

à visão de mundo dos autores das lições. A palavra proferida quanto às representações

de criança, não é simplesmente palavra, é ação que entrelaça passado-presente-futuro.

Escrever essa tese foi como vestir um pedaço da história da educação de Santa

Catarina, numa intersecção entre o dito e o documentado. E, assim, da criança se fez à

―possibilidade‖. Era uma vez...

Page 259: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

255

REFERÊNCIAS

ARIÉS, Philippe. Tradução de Dora Flaskman. História social da criança e da

família. 2.ed. Rio de Janeiro: LTC, 2006.

ARROYO, Leonardo. Literatura Infantil Brasileira. 3ª. ed. rev. e ampliada. São

Paulo: Editora Unesp, 2011.

AQUINO, Ivo. Nacionalização do Ensino: Aspectos Políticos. 2ª ed. Florianópolis:

Imprensa Oficial do Estado, 1942.

AURAS, Marli; MAMIGONIAN, Armen. Pensamentos, palavras e obras – Professor

Fontes. Florianópolis: EdUFSC, 2016.

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Tradução de Luís Antero Reto, Augusto Pinheiro.

São Paulo:Edições 70, 2016.

BARRETO, Fausto e LAET, Carlos. Antologia Nacional. Coleção de excertos dos

principais escritores da Língua Portuguesa do 20º ao 13º século. 40ª ed. Editora

Paulo de Azevedo LTDA, 1964.

BARROS, José D´Assunção. A NOVA HISTÓRIA CULTURAL – considerações

sobre o seu universo conceitual e seus diálogos com outros campos históricos.

Cadernos de História, Belo Horizonte, v.12, n. 16. 1º sem. 2011.

BATISTA, Antônio Augusto Gomes. Um objeto variável e instável: textos, impressos

e livros didáticos. In: ABREU, Márcia (org.). Leitura, História e História da Leitura.

Campinas: Mercado de Letras, 2000.

BETHELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Tradução de Arlene

Caetano. 31ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2015.

BILAC, Olavo. Aos Jovens Brasileiros. In: Antologia Nacional. São Paulo, 1918.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Os confrontos de uma disciplina escolar:

da história sagrada à história profana. Revista Brasileira de História, v. 13, n. 25/26,

p. 193-221, set. 1992 / ago. 1993.

BOBBIO, N. M. & PASQUINO, G. Dicionário de política. Trad. Carmem C, Virriale

ET ai.; coord. Trad. João Ferreira; ver. geral João Ferreira e Guerreiro Pinto Cascais. –

Brasilia: Ed. Univ. de Brasilia, 13ª ed., 4ª reimpressão, 2010. Vol. 1: 674 p.

BRANCHER, Ana. História de Santa Catarina: estudos contemporâneos.

Florianópolis: Letras Contemporâneas Oficina Editorial LTDA. 2ª edição, revista. 2004.

Page 260: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

256

BRASIL. Decreto 17.943-A, de 12 de outubro de 1927. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1910-1929/d17943a.htm> Acesso em 19

de junho de 2019.

________. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil. Secretaria da

Educação Básica. Brasília: MEC/SEB, 2010.

CABRAL, O. Rodrigues. História de Santa Catarina. 3. ed. Florianópolis: Lunardelli,

1987.

CAMARA, Sonia. A constituição dos saberes escolares e as representações de

infância na Reforma Fernando de Azevedo de 1927 a 1930. Revista Brasileira de

História da Educação, nº 8. Jul/dez 2004.

CAMPOS, C. Machado. Santa Catarina, 1930: da degenerescência à regeneração.

Florianópolis: Ed. da UFSC, 2008.

CARDOSO, Manoel. Estudos de literatura infantil. São Paulo: Editora do Brasil, 1991.

CELSO, Afonso. Porque me ufano de meu país. Revisão ortográfica da Prof. Rita

Amil de Rialva. 12ª Edição, Rio de Janeiro. Editores, F. Briguiet & CIA. –, 1943.

CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Tradução de Maria de Lourdes Menezes;

revisão técnica Arno Vogel. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

CHARBONNEAU, Paul Eugène. Cristianismo, Sociedade e Revolução. 2ª edição,

São Paulo, Editôra Herder, , 1967.

CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos Avançados. 11(5). São

Paulo: Instituto de Estudos Avançados da USP, 1991.

________________. A aventura do livro: do leitor ao navegador. Tradução de

Reginaldo de Moraes. –São Paulo: Editora UNESP, 1999.

________________. A História Cultural: entre práticas e representações. 2. ed.

Lisboa: DIFEL, 2002.

CHAUÍ, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. 10ª ed. São Paulo:

Fundação Perseu Abramo, 2007.

CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de

pesquisa. Teoria & Educação, Porto Alegre, n. 2, p. 177-229, 1990.

CHOPPIN, Alain. O historiador e o livro escolar. História da Educação,

ASPHE/Fa/UFPel. Pelotas(11):5-24, Abr. 2002.

COELHO, Ana Mª. M. A Secretaria da Justiça e sua com a Educação. Florianópolis:

Editora da UFSC, 1985.

Page 261: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

257

CORRÊA, C. H. Perdeneira. Diálogo com Clio – Ensaios de História Política e

Cultural. Florianópolis: Insular, 2003.

CORREIA, A. M. M. Coelho. A Secretaria da Justiça e sua relação com a Educação.

Florianópolis: Editora da UFSC, 1985.

COSTA, M. de O. & STEPHANOU, Maria. Memorias de lecturas de infância – La

Série Fontes em Brazil (1925-1950). Sem data e referência de publicação.

DALLABRIDA, N. A fabricação escolar das elites: o Ginásio Catarinense na

Primeira República. Florianópolis: Cidade Futura, 2001.

_______________. Colméia de virtudes: o grupo escolar Arquidiocesano São José e

a (re)produção das classes populares. In. DALLABRIDA, N. (Org.). Mosaico de

escolas: modos de educação em Santa Catarina na Primeira República. Florianópolis:

Cidade Futura, 2003.

DEMARTINI, Z. de B. Fabri. Crianças como agentes do processo de alfabetização

no final do século XIX início do XX. In. Educação da infância brasileira: 1875-

1983/Calor Monarcha (Org.). Campinas, SP: Autores Associados. 2001.

ENGUITA, M. Fernandez. Trabalho, escola e ideologia: Marx e acrítica da

educação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul. 1993. 353 p.

ESPIG, M. J. O uso da fonte jornalística no trabalho historiográfico: o caso do

Contestado. Estudo Ibero-Americanos, Porto Alegre: PUCRS, v. XXIV, n. 2, p. 269-

289, dez. 1998.

FIORI, N. M. Aspectos da evolução do ensino público: ensino público e política de

assimilação cultural no Estado de Santa Catarina – períodos imperial e

republicano. Florianópolis: Editora da UFSC, 1991.

FONTES, A. C. F. A contribuição das lições de coisas da Série Fontes para a

instrução elementar no período de 1920 a 1950. 2011. 120p. Dissertação (Mestrado

em Educação e Cultura), UDESC, Florianópolis, 2011.

FONTES, H. S.. Primeiro livro de leitura. Florianópolis: Tp. Liv. Central, 1945.

FONTES, H. S.. Segundo livro de leitura. Série Fontes. Florianópolis: Tp. Liv.

Central, 1922.

FONTES, H. S.. Terceiro livro de leitura. Série Fontes. Florianópolis. Tp. Liv.

Central, 1933.

FONTES, H. S.. Quarto livro de leitura. Série Fontes. Florianópolis. Tp. Liv. Central,

1949.

Page 262: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

258

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir - História da violência nas prisões. 11 ed.

Petrópolis: Vozes, 2013.

__________________. A Ordem do Discurso: aula inaugural no Collége de França,

pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Tradução Laura Fraga de Almeida Sampaio.

24. ed.- São Paulo: Edições Loyla, 2014.

FRAGO, A. Viñao. Os cadernos escolares como fonte histórica: aspectos

metodológicos e historiográficos. In: MIGNOT, A. C. V. (Org.). Cadernos à vista:

escola, memória e cultura escrita. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2008, p.15-33.

FREITAS, M. Cezar de. (Org.). História Social da Infância no Brasil.2ª edição. São

Paulo, Cortez Editora. 1999.

GONDRA, José Gonçalves. A higiene e o investimento médico na educação da

infância. In.GONDRA, José Gonçalves (Org.) História, Infância e Escolarização. Rio

de Janeiro: Viveres de Castro Editora, 2004.

GOUVEIA, Maria Cristina. A construção do “infantil” na literatura brasileira.

Revista Teias. V.1, n.2. julho-dezembro, 2000. p. 1-13.

_______________________. Tempos de aprender: A produção histórica da idade

escolar. Revista Brasileira da História da Educação, nº8. Jul/Dez. 2004.

_______________________. A escrita da história da infância: periodização e fontes.

In. GOUVEA, Maria Cristina e SARMENTO, Manuel (Org.). Estudos da Infância e

Práticas Sociais. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2009.

GUIMARÃES, P. C. David. Tudo precisa a quem tudo precisa: os discursos sobre a

escolarização da infância pobre, presentes na Revista do Ensino, de Minas Gerais

(1925-1930). Revista Brasileira de Educação, Campinas – SP, v.13., n. 3 (33), p. 87-

116, set./dez. de 2013.

HALLEWELL, Laurence. O Livro no Brasil: Sua História. [trad. de Maria da Penha

Villalobos, Lólio Lourenço de Oliveira e Geraldo Gerson de Souza] 3. ed. São Paulo:

Editora da Universidade de São Paulo, 2012.

HOELLER, S. A. De Oliveira; DAROS, Maria das Dores. Henrique Fontes: Um

Intelectual no Contexto Educacional Catarinense da Primeira República (1910-

1930). SBHE, Sociedade Brasileira de História da Educação, 2011.

Page 263: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

259

HAELLER, S. A. DE Oliveira. Escolarização da infância catarinense: a

normatização do ensino público primário (1910-1935). Dissertação de Mestrado.

Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2009.

JULIA, Dominique. “A cultura escolar como objeto histórico”. In: Revista Brasileira

de História da Educação. Campinas: Autores Associados, 2001, jan./jun, n.1, p. 10-11.

JUNKES, Lauro. O Mito e o Rito. Florianópolis: Ed. UFSC, - 1987.

KOHAN, Walter O. Infância. Entre Educação e Filosofia. – 1 ed. , 1. Reimp. – Belo

Horizonte: Autêntica, 2005.

KUHLMANN Jr., Moysés. A circulação das ideias sobre a educação das crianças;

Brasil, início do século XX. Os intelectuais na história da infância. Marcos Cezar de

Freitas e Moysés Kuhlmann Jr. (Org.). São Paulo : Cortez, 2002.

______________________. Infância e educação infantil: uma abordagem histórica.

Porto Alegre: Mediação, 1998.

KUHLMANN Jr., Moysés, FERNANDES, Rogério. Sobre a história da infância. In.

A infância e sua educação: materiais, práticas e representações (Portugal e Brasil).

Luciano Mendes Faria Filho, (Org.) Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

LAJOLO, Marisa. Sociedade e literatura: parceria sedutora e problemática. In:

ORLANDI, Eni Pulcinelli et al. Sociedade e Linguagem. Campinas: Editora da

UNICAMP, 1997.

LINS, H. Nunes. Ensaios sobre Santa Catarina. Florianópolis: Letras

Contemporâneas. 2000.

LOURENÇO FILHO, M.B. Introdução ao estudo da Escola Nova. Bases,sistemas e

diretrizes da Pedagogia Contemporânea. 14ª. ed. Rio de Janeiro: EdUERJ: Conselho

Federal de Psicologia, 2002.

MACIEL, F. P. e FRADE, I. C. A. da Silva. Cartilhas de Alfabetização e

Nacionalismo. In. PERES, E. & TAMBARA, E. (Org.). Livros Escolas e ensino da

leitura e da escrita no Brasil (séculos XIX-XX). Pelotas: Seiva, 2003.

MAGALDI, A. M. B. de Mello. Cera a modelar ou riqueza a preservar: a infância

nos debates educacionais brasileiros. (Anos 1920-30). In.GONDRA, José Gonçalves

(org.) História, Infância e Escolarização. Rio de Janeiro: Viveres de Castro Editora,

2002.

Page 264: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

260

MAGALHÃES, Justino. A construção de um objecto do conhecimento histórico. Do

arquivo ao texto – a investigação em história das instituições educativas. Educação

Unisinos 11(2):69-74,maio/agosto 2007, by Unisinos.

MAKOWIECK, Sandra. Representação: A Palavra, A Idéia, A Coisa. Cadernos de

Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas, Nº 57 – Dezembro de 2003.

MARTINS, C. Gonçalves e COSTA, M. de O. Os livros de leitura Série Fontes e a

moral cristã na educação das crianças de Santa Catarina (1920-1950). XXVIII

Congresso Nacional de História: Lugares de Historiadores – velhos e novos desafios. 27

a 31 de julho de 2015. (16p).

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I. Vol. I. Trad.

Reginaldo Sant´Anna. 27ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

MATOS, Felipe. Uma ilha de leitura: notas para uma história de Florianópolis

através de suas livrarias, livreiros e livros (1830-1950). Florianópolis: Editora da

UFSC, 2008.

MUNAKATA, K. Livro didático como indício da cultura escolar. História da

Educação. (Online) Porto Alegre v. 20 n. 50 Set./dez., 2016 p. 119-138.

NASCIMENTO, Carla D´Lourdes do. “Sagrado dever é servir à Pátria”: A educação

cívico-patriótica na Série Fontes. Dissertação de Mestrado – UFSC, 2003.

NAZÁRIO, João Dimas. O Acesso de crianças de zero a seis anos à educação

infantil de Florianópolis: uma análise sóciodemográfica de crianças em “lista de

espera”. Dissertação de Mestrado, Florianópolis, UFSC, 2011.

NECKEL, Roselane. A República em Santa Catarina: modernidade e exclusão

(1889-1920). – Florianópolis: ed. da UFSC, 2003.

NICARETA, S.E. Para serem bem-comportadas?: imagens de mulheres em livros

escolares de autoria feminina (1889-1945). Universidade Federal de Santa Catarina,

Centro de Ciências da Educação, Florianópolis, 2018.

________________. Livros didáticos: gênero, currículo e ideologia na escola

primária. 2010. 162 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-

graduação em Educação, Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, 2010.

______________. A imagem feminina nos livros didáticos nos anos 1930-40. In:

CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 9., 2009, Curitiba. Anais... Curitiba:

2009. p.1941-1948.

Page 265: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

261

NOSELA, Paolo e BUFFA, Ester. INSTITUIÇÕES ESCOLARES: porque e como

pesquisar. Cultura escolar e história das práticas pedagógicas. Curitiba: Editora:

Universidade Tuiti do Paraná. 1. ed., 2008, p. 13-31.

NUNES, E. S. Netto. Crianças e adolescentes: sujeitos da história e do processo

educativo no Brasil (Século XX). Revista Educaciones Universidad de Salamanca.

Hist. educ., 36, 2017, p.123-141, in Historia de la Educación. Revista Interuniversitaria.

Vol. 36, 2017. Universidade de Salamanca.

OLIVEIRA, Indiara C. Cunha de. INFÂNCIAS: Lugar do lúdico nas tramas do

trabalho infantil. Dissertação de mestrado do Programa de Pós-Graduação em

Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2004.

PEDROSO, Adriana. Histórias da Infância. 1ª ed., São Paulo, MASP, 2016.

PERROT, Michelle. A criança como objeto de investimento. In: História da vida

privada, 4: Da Revolução Francesa a Primeira Guerra/ organização Michelle Perrot;

tradução Denise Bottmann, Bernardo Joffily – São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

POLETTO, Mª Julia & KREUTZ, Lúcio. Representações e cultura escolar compondo

uma história: o processo identitário do Colégio Sagrado Coração de Jesus, Bento

Gonçalves/RS (1956-1972). Revista Brasileira de História da Educação. Maringá-Pr.

V.16, nº 3(42), p. 266-287, jul/set. 2016.

PREUS, Mara A. S. A Correspondência Epistolar de Professor Fontes. Dissertação

de Mestrado. Florianópolis: UFSC, 1998.

PRIORI, M. Del. O cotidiano da criança livro no Brasil entre a Colônia e o Império.

In. PRIORI, M. Del. (Org.) História das Crianças no Brasil. 6ª. ed. 2ª reimpressão. –

São Paulo: Contexto, 2009.

PROCHNOW, Denise de P. M. Lições da Série Fontes no contexto da Reforma

Orestes Guimarães em Santa Catarina (1911-1935). Dissertação de Mestrado –

UDESC, 2009.

REIS, Elisangela Alves. A Representação do índio no livro didático. Anais da

Semana da Pedagogia da UEM. Vol. 1. Marigá UEM, 2012.

RIBEIRO, M. L. dos Santos. História da educação brasileira: a organização escolar.

13ª. ed. ver. e ampl. – Campinas, SP: Autores Associados, 1993.

SÁNCHEZ, Emiliano Gastón. Reflexiones em torno al concepto de represetacón y su

uso em la História Cultural. Universidade de Buenos Aires (Argentina). Questión –

Revista Especializada em Periodismo y Comunicacion. V. 1, n. 42 (abril-junio 2014).

Page 266: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

262

SANTOS, A. V. dos. & VECHIA, Ariclê. (Org.). Cultura Escolar e História das Práticas

Pedagógicas. Curitiba: UTP, 2008.

SANTOS, A. V. dos. O Estado Novo, o período pós 1945 e as escolas primárias

catarinenses: (Des)nacionalização do ensino estrangeiro? Revista HISTEDBR On-

line, Campinas, n.32, p.65-84, dez. 2008.

______________ A inspeção escolar e a campanha nacionalista: políticas e práticas

na escola primária catarinense. Revista Educação em Questão, Natal, v.33, n.19,

p.229-252, set./dez. 2008.

______________. A instituição escolar como ambiente de relações étnicas: o caso

das “Escolas Alemães” no sul do Brasil. Ecos-Rev. Cient., São Paulo, v. II, n.2, p.

467-486, jul./dez. 2009.

_______________. Lo Stato Nuovo brasiliano (1937-1945) e la formazione

scolastica dell’infanzia: Il facismo “goccia a goccia”. History of Education &

Children‘s Literature, v.1 (2010), pp.315-336.

______________. Educação e fascismo no Brasil: a formação escolar da infância e

o Estado Novo (1937-1945). Rev. Portuguesa de Ed., 2012, 25 (1), pp. 137-163. CIED

– Universidade do Minho.

______________. Escola, imigração alemã e identidade étnica no Paraná e em

Santa Catarina. Cadernos de História da Educação – v. 12, - jul./dez. 2013, SANTOS,

A. V. dos. Escritos sob os regimes políticos de Vargas e Mussolini: para ima

fascistização da infância? Rev. bras. hist. educ., Maringá-PR, v. 14, n. 1 (34), p. 165-

193, jan./abr. 2014.

_______________. As escolas alemãs em Santa Catarina e sua transformação ara

teuto-brasileira: uma análise histórica. Acta Scientiarum. Education. Maringá, v. 36,

n.2, p. 233-242, July-Dec., 2014.

_______________. Zeitgeist ou espírito alemão: etno-história de germanidade e

instituições da escola em Santa Catarina. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n.2, p. 325-

340, abr./jun. 2015.

______________ A instituição escolar como ambiente de relações étnicas: o caso

das “Escolas Alemães” no sul do Brasil. Ecos-Rev. Cient., São Paulo, v. II, n.2, p.

467-486, jul./dez. 2009.

______________ A escola, imigração alemã e identidade étnica no Paraná e em

Santa Catarina. Cadernos de História da Educação – v. 12, - jul./dez. 2013.

Page 267: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

263

______________. CADERNOS COMO ARTEFATOS ETNOHISTÓRICOS.

Revista Brasileira de História da Educação (v. 18, 2018), artigo original.

SANTOS, Paulete Mª da C. dos. UMAMEMÓRIAINSTITUCIONALIZADA: os

livros escolares e a história-pátria. História & Ensino, Londrina, v. 5, p. 23-40, OUI.

1999.

_________________________. Protocolo do Bom Cidadão – Série Fontes: Lições de

moral e civismo na organização da educação em Santa Catarina (1920-1950),

Dissertação de Mestrado, UFSC – 1997.

SANTOS, Dominique V. C. dos. Acerca do conceito de representação. Revista de

Teoria da Historia Ano 3, Número 6, dez/2011 Universidade Federal de Goiás .

SCHENA, Valéria Ap. SÉRIE FONTES: Idéias pedagógicas modernas do ensino

primário de Santa Catarina. XIV Encontro Regional de História. Paraná, 2014.

SCHMIDT, Leonete e SCHARDONG, Rosmeri. A educação em Santa Catarina no

século XIX: as escolas de instrução elementar e secundária e os debates nos jornais

da época. Florianópolis: DIOESC, 2012.

SILVA, Cristiani B. da. e FLORES, Mª B. R. Gênero e nação: a Série Fontes e a

virilização da raça. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 14, n. 32, p.

77-107, Set/Dez 2010. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe.

SILVA, Cristiani B. da. e GASPARINI, Helena G. M. Livros didáticos e memórias:

Heróis e mitos catarinenses nas primeiras décadas do século XX, Cadernos do

Aplicação, Porto Alegre, v. 23, n. 1, jan./jun. 2013.

SILVA, Nicholas G. C. da. O higienismo e a eugenia nos livros de leituras da coleção

fontes usados no processo de alfabetização da Educação Primária de Santa

Catarina no início do século XX, Revista Memorare, Tubarão, SC, v. 2,n. esp. VII

SIMFOP, p. 52-65set./dez. 2015.

_______________________. Série fontes: reflexões sobre as ideologias ausentes nos

textos de leitura. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 69, p.355-355, set. 2016.

______________________. Série Fontes: Reflexões sobre as ideologias presentes

nos textos de leitura. Dissertação de Mestrado, UNISUL, 2016.

SILVA FILHO, V.. A Série Didática Fontes: autoria e ato ético. 2013. 423f. Tese

(Doutorado em Linguística). Florianópolis: UFSC, 2013.

Page 268: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

264

SOUZA, João F. S. de. Fé, trabalho e amor a pátria: os livros da Série Fontes:

construindo brasileiros no Estado Novo, 1937 - 1945. 175p. Dissertação (Mestrado

em Educação). Florianópolis: UFSC, 2010.

STEPHANOU, Maria. O que um menino deve saber para seu bem. Representações

de infância em manual de educação moral e sexual do início do século 20. Revista

Brasileira de História da Educação. RHD. Porto Alegre, v.15, nº34, jan/abr 2011. p. 63-

87.

STEPHANOU, M. e BASTOS, M. H. Camara. (Org.) Histórias e Memórias da

Educação no Brasil. Vol. III – Século XX. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

TEIVE, G. M. G. A escola normal catarinense sob a batuta do professor Orestes

Guimarães. In. DALLABRIDA, Norberto. (Org.). Mosaico de escolas: modos de

educação em Santa Catarina na Primeira República. Florianópolis: Cidade Futura, 2003.

_______________. “Uma vez normalista, sempre normalista” – cultura escolar e

produção de um habitus pedagógico (Escola Normal Catarinense (1911-1935),

Florianópolis: Editora Insular, (2008).

_______________. Pedagogia Moderna no Brasil: primeiras discussões e

experiências práticas (final do século XIX e início do XX). Revista Mexicana de

História de Education, vol II, num. 4, 2014, pp. 153-172.

TEIVE, G. M. G. e DALLABRIDA, Norberto. A escola normal escola da República:

os grupos escolares e a modernização do ensino primário em Santa Catarina (911-

1918). 1ª ed. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2011.

VEIGA, C. G. e FONSECA, T. N. de Lima. História e Historiografia da Educação no

Brasil. – 1. ed. 1. reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

VENERA, J. Isaias. Produzindo o homem útil: a Série Fontes distribuindo saberes e

disciplinando corpos. Revista UNIVALI, 2002.

________________. Tempo de ordem: a construção discursiva do homem útil.

Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, 2007.

VEIGA, C. G. Infância e modernidade. In. A infância e sua educação: materiais,

práticas e representações (Portugal e Brasil). Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

______________. Cultura escrita e educação: representações de criança e

imaginário de infância, Brasil, século XIX. In. FERNANDES, R.; LOPES, A.;

FARIA FILHO, L. M. (Org.). Para compreensão histórica da infância. Porto: Campo

das Letras, 2006.

Page 269: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

265

_____________. História da educação. São Paulo: Ática, 2007.

VIDAL, D. Gonçalves; FARIA FILHO, L. M. As lentes da história: estudos de

história e historiografia da educação no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados,

2005.

WEREBE, M. J. Garcia. Grandezas e Misérias do Ensino no Brasil: Corpo e alma

do Brasil. 4ª ed. São Paulo, 1970.

LEIS – DECRETOS – PROGRAMAS

SANTA CATHARINA. Programa dos Grupos Escolares e das Escolas Isoladas do

Estado de Santa Catharina. Approvado e mandado observar pelo Decreto n. 587 de 22 de

abril de 1911.

SANTA CATHARINA. RAMOS, Vidal J. de Oliveira. Programa e Horário da Escola

Normal do Estado de Santa Catharina. Aprovado e mandado observar pelo Decreto

n. 586 de 22 de Abril de 1911.

SANTA CATHARINA. GUIMARÃES, Orestes. Parecer sobre as Obras Didacticas.

Florianópolis, 21 de Março de 1911.

SANTA CATHARINA. RAMOS, Vidal J. de Oliveira. Regulamento das Escolas

Complementares do Estado de Santa Catharina. Aprovado, “ad-referendum” do Congresso

Representativo do Estado, pelo Decreto n. 604 de 11 de Julho de 1911.

SANTA CATHARINA. RAMOS, Vidal J. de Oliveira. Regimento Interno dos Grupos

Escolares do Estado de Santa Catharina. Aprovado e mandado observar pelo Decreto

n. 588 de 22 de Abril de 1911.

SANTA CATHARINA. COSTA, Caetano Vieira da. Regulamento Geral da Instrução

Publica em execução da Lei n. 846, de 11 de outubro de 1910. Florianópolis, 1911b.

SANTA CATHARINA. RAMOS, Vidal J. de Oliveira. Lei n. 967, de 22 de Agosto de

1913. Autoriza a revisão dos Regulamentos da Instrucção Publica do Estado.

SANTA CATHARINA. RAMOS, Vidal J. de Oliveira. Decreto n. 794 de 2 de Maio

de 1914. Regulamento Geral da Instrucção Publica.

SANTA CATHARINA. Decreto n. 855. Aprovado pelo governador do Estado Fellippe

Schmidt. Trata da idade para o ingresso na primeira série.

Page 270: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

266

SANTA CATHARINA. Decreto n. 796 de 2 de maio de 1914. Aprovação e adoção do

Regulamento da Instrução Pública.

SANTA CATHARINA. SCHMIDT, Felippe. Decreto n. 1.062, de 7 de Novembro de

1917. Adoptando diversas obras didacticas para serem usadas nas escolas publicas.

SANTA CATHARINA. LUZ, H. Pedro da. Lei n. 1.283, de 15 de Setembro de 1919,

versando sobre licenças de professores publicos.

SANTA CATHARINA. Decreto n. 1.416 de 29 de novembro de 1920. Estabelece o

regime de trabalho e férias escolares.

SANTA CATHARINA. LUZ, H. Pedro da. Programma de Ensino dos Grupos

Escolares, aprovado pelo decreto n. 1.332, de 29 de Janeiro de 1920. Annaes da

Conferencia Interestadual de Ensino Primario. Rio de Janeiro: EMP Industrial Editora

―O Norte‖, 1922.

SANTA CATHARINA. OLIVEIRA, A. P. da Silva e. Programma de ensino das escolas

isoladas das zonas coloniaes, aprovado pelo Decreto n. 1.944, de 27 de fevereiro de 1926.

SANTA CATHARINA. KONDER, Adolpho. Estado de Santa Catarina. Programma de

Ensino dos Grupos Escolares, approvado pelo Decreto n. 2.218, de 24 de outubro de

1928, sob a Lei 1.619, de 1º de Outubro de 1928.

SANTA CATHARINA. KONDER, Adolpho. Decreto n. 2.186, de 21 de julho de

1928. Regulamenta a adpção de obras didáticas.

SANTA CATHARINA. KONDER, Adolpho. Programma de ensino para As Escolas

Isoladas. Florianópolis, 24 de outubro de 1928.

SANTA CATHARINA. KONDER, Adolpho. Programma de Ensino das Escolas

Complementares. Aprovado pelo Decreto n. 2.218, de 24 de Outubro de 1928b.

SANTA CATHARINA. KONDER, Adolpho. Mensagem apresentada ao Congresso

Representativo. Florianópolis, 1928.

SANTA CATHARINA. Decreto n. 713, de 5 de janeiro de 1935. Secretaria de Estado

dos Negócios do Interior e Justiça. Decreto assinado por Aristiliano Ramos. Autoriza a

reforma educacional de 1935.

SANTA CATHARINA. Decreto n. 714, de 03 de março de 1939. Expede regulamento

para os grupos escolares. Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e Justiça. Decreto

assinado por Nereu Ramos.

PERIÓDICOS

Page 271: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA …...para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as possibilidades e aponta na qual devem acontecer

267

República – Edições entre 1919 e 1939.

O Estado – Edições entre 1920 e 1937.

A Notícia – Edições entre 1937 e 1939.

O Apóstolo – Edições entre 1938 e 1956.

Ecos da Semana – Edição de 1949.

O Tico-Tico – Edição de 1937.

Sul: Revista de Circuito da Arte – Edição de 1950.