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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
João Dimas Nazário
“O HOMEM SERÁ O QUE À CRIANÇA LHE TRANSMITIR...”: Representações
de criança na Série Fontes (Santa Catarina – décadas de 1920 – 1930).
João Dimas Nazário
“O HOMEM SERÁ O QUE À CRIANÇA LHE TRANSMITIR...”: Representações
de criança na Série Fontes (Santa Catarina – décadas de 1920 – 1930).
Tese submetida ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da
Universidade Federal de Santa Catarina,
para obtenção do título de Doutor em
Educação.
Orientador: Prof. Dr. Ademir Valdir dos
Santos.
Florianópolis
2019.
João Dimas Nazário
Título: “O HOMEM SERÁ O QUE À CRIANÇA LHE TRANSMITIR...”:
Representações de criança na Série Fontes (Santa Catarina – décadas de 1920 – 1930).
O presente trabalho em nível de doutorado foi avaliado e aprovado por banca
examinadora composta pelos seguintes membros:
Orientador - Prof. Ademir Valdir dos Santos Dr.
Universidade Federal de Santa Catarina
Membro Titular – Prof.(a) Gladys Mary Ghizoni Teive, Dr(a).
Universidade do Estado de Santa Catarina
Membro Titular – Prof.(a) Samara Elisana Nicareta, Dr(a).
Secretaria de Estado da Educação do Paraná
Membro Titular – Prof.(a) Eliane Debus, Dr(a).
Universidade Federal de Santa Catarina
Suplente - Prof.(a) Gisela Eggert Steindel, Dr(a).
Universidade do Estado de Santa Catarina
Suplente - Prof.(a) Patrícia de Moraes Lima, Dr(a).
Universidade Federal de Santa Catarina
Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi
julgado adequado para obtenção do título de doutor em Educação.
____________________________
Prof. Dra. Andrea Brandão Lapa
Coordenadora do Programa
____________________________
Prof. Dr. Ademir Valdir dos Santos
Orientador
Meu saber cresceu.
Meu fazer, se multiplicou.
Meu ser, não é apenas eu,
Com os livros de leitura se modificou.
J. D. Nazário/2018.
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos que estão comigo, me incentivando, entendendo minha ausência,
apontando-me os caminhos que me levam a esta pesquisa. Em especial a minha esposa
Julia, por ter sempre um sorriso todas às manhãs me fazendo ver a leveza da vida e que
nem tudo é tão difícil como nos apresentam.
Também ao estimado e ladino orientador Professor Doutor Ademir Valdir dos
Santos, que me indica os caminhos, me incentiva, me faz crer no valor desta pesquisa
para a História da Educação; que com toda sua gentileza e sabedoria apresenta-me as
possibilidades e aponta na qual devem acontecer as mudanças.
À banca examinadora, que gentilmente abriu um espaço em sua agenda para
examinar e dar indicativos para que este texto se torne uma tese.
Aos meus familiares, que traduzem minha história escolar, em especial minha
mãe, Delorme Etelvina Peirão (in memoriam) e minha Dadá, irmã amada, que me
ensinaram a ser a pessoa que sou e o professor que me tornei, e a ver na educação o
único caminho possível para a mudança. Aos meus amigos Alba e Jair, juntos as suas
filhas, que tanto me incentivam, ouvem minhas lamúrias de pesquisador, me servindo
um cafezinho, me doando seus ouvidos e seus ombros.
À Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis, que nos incentiva aos
estudos, à qualificação profissional. Ao Departamento de Logística por todo carinho e a
Gerência de Formação, onde tenho vivido momentos de aprendizagem.
Minha estimada, querida, ladina Ana Claudia, Aninha, por ter me doado seus
livros que ajudaram a fundamentar esta pesquisa, desprendendo-se de raridades e até
dando-me seus disquetes, mesmo não tendo me servido pra nada porque não consegui
abri-los (risos), onde estão materiais do Arquivo Público de Santa Catarina,
relacionados à educação do período que se estipulou para esta pesquisa. Aos colegas
de linha – Sociologia e História da Educação e aos de outras linhas, que durante o
momento de efetivação dos créditos, estiveram presentes nas mais variadas disciplinas.
Em especial à Marlise Oestreich, que me é muito valiosa em suas palavras e afeto.
Às crianças, que traduzem o lugar que escolhi como profissão e que venho ao
longo desses trinta anos qualificando meus saberes e ampliando meus fazeres
pedagógicos. Enfim, a tudo que acredito, como as energias boas que me cercam e que
me fazem um ser humano melhor.
RESUMO
A pesquisa se situa na área da História da Educação, numa perspectiva da História
Cultural. O objetivo é verificar representações de criança enunciadas (que estão
relacionadas com seu contexto – proferidas e expressas) nas lições dos livros de leitura
da Série Fontes, organizados pelo Henrique da Silva Fontes, que estiveram em
circulação entre as décadas de 1920 a 1950, nas escolas públicas primárias do estado de
Santa Catarina. Esses livros eram destinados a crianças de sete a doze anos de idade,
estudantes da 1ª a 4ª série naquela época, anunciavam o empenho em torná-las
salvadoras da pátria, enquanto cidadãos do futuro. A pesquisa se desenvolveu pelo
caminho metodológico da análise de conteúdo (BARDIN, 2016). A amostra é assim
composta: Primeiro Livro de Leitura, Segundo Livro de Leitura; Terceiro Livro de
Leitura e Quarto Livro de Leitura. Como referencial teórico-metodológico, se optou:
pelos estudos sobre representação embasados nos conceitos de Chartier; pelas
teorizações de Bardin (2016) quanto à análise de conteúdo; pelos discursos de Fiori,
Dallabrida e Teive, sobre aspectos relacionados à história da educação pública do estado
de Santa Catarina. Ainda se fez uso dos estudos de Ariés, Gondra, Kuhlmann Jr.,
Fernandes, Veiga e Del Priore. Os resultados indicam que as lições contidas nesses
livros (re)produziam e circulavam conteúdos relacionados as categorias à religião,
moral, saúde, higiene, obediência, trabalho, disciplina, esperança, solidariedade,
responsabilidade, dentre outros. Tais conteúdos caracterizam representações que
apontam a produção de uma criança vistas como possibilidade sendo preparada para a
adultez com base em lições moralizadoras, vista paradoxalmente nas condições de
inferioridade e possibilidade.
Palavras-chave: Série Fontes. Representação de criança. Livros de leitura.
ABSTRACT
The research is located in the area of the History of Education, in a perspective of
Cultural History. The objective is to verify representations of children enunciated
(which are related to their context - uttered and expressed) in the lessons of the Fontes
Series reading books, organized by Henrique da Silva Fontes, which were in circulation
between the 1920s and 1950s. primary public schools in the state of Santa Catarina.
These books were intended for seven- to twelve-year-olds, students in grades 1-4 at that
time, announced their commitment to make them saviors of their homeland as citizens
of the future. The research was developed along the methodological path of content
analysis (BARDIN, 2016). The sample is composed as follows: First Reading Book,
Second Reading Book; Third Reading Book and Fourth Reading Book. As a theoretical-
methodological reference, we opted for: studies on representation based on Chartier
concepts; by Bardin (2016) theorizations regarding content analysis; by the speeches of
Fiori, Dallabrida and Teive, on aspects related to the history of public education in the
state of Santa Catarina. It was also made use of the studies of Ariés, Gondra, Kuhlmann
Jr., Fernandes, Veiga and Del Priore. The results indicate that the lessons contained in
these books (re) produced and circulated content related to the categories of religion,
morals, health, hygiene, obedience, work, discipline, hope, solidarity, responsibility,
among others. Such contents characterize representations that point to the production of
a child seen as a possibility being prepared for adulthood based on moralizing lessons,
paradoxically seen in the conditions of inferiority and possibility.
Keywords: Series Fontes. Child Representation. Reading Books.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Manchete ―Coisas e loisas da cidade‖...........................................................65
Figura 2 – Professor Fontes quando Secretário da Viação e Obras Públicas de 1926 –
1929...............................................................................................................................132
Figura 3 – Professor Fontes na sua formatura na Faculdade de Direito no Paraná em
1927...............................................................................................................................132
Figura 4 – Relação dos livros a serem adotados a partir de 1928.................................143
Figura 5 – Capa do Primeiro Livro de Leitura, 1945....................................................151
Figura 6 – Capa do Segundo Livro de Leitura, 1922....................................................151
Figura 7 – Capa do Terceiro Livro de Leitura, 1949.....................................................151
Figura 8 – Capa do Quarto Livro de Leitura, 1949.......................................................151
Figura 9 – Imagem da lição O Trabalho – Primeiro Livro de Leitura...........................160
Figura 10 – Imagem da lição Pergunta Inocente – Primeiro Livro de Leitura..............162
Figura 11 – Imagem da lição O Medroso – Primeiro Livro de Leitura.........................165
Figura 12 – Imagem da lição Duas boas irmãs – Primeiro Livro de Leitura................166
Figura 13 – Imagem da lição Ditados – Primeiro Livro de Leitura..............................167
Figura 14 – Imagem da lição Confiança em Deus – Primeiro Livro de Leitura...........169
Figura 15 – Imagem da lição Boas qualidades e defeitos das crianças – Primeiro Livro
de Leitura.......................................................................................................................172
Figura 16 – Imagem da lição O Menino chorão – Primeiro Livro de Leitura...............174
Figura 17 – Imagem da lição Más desculpas – Primeiro Livro de Leitura...................175
Figura 18 – Imagem da lição Gula, avareza e liberalidade – Primeiro Livro de
Leitura............................................................................................................................176
Figura 19 – Imagem da lição O Dia 21 de abril – Primeiro Livro de Leitura...............217
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Estudos sobre os livros de leitura da Série Fontes ......................................27
Quadro 2 – Descritores citados nos periódicos de Santa Catarina..................................60
Quadro 3 – Lições já analisadas......................................................................................69
Quadro 4 – Lições citadas...............................................................................................77
Quadro 5 – Conteúdos Programáticos ─ Grupos Escolares e Escolas Isoladas............108
Quadro 6 – Conteúdos Programáticos ─ Grupos Escolares e Escolas Isoladas............109
Quadro 7 – Obras ─ Grupos Escolares e Escolas Isoladas............................................116
Quadro 8 – Contrastação ─ Lições e autores ................................................................146
Quadro 9 – Análise de conteúdo e categorização –Primeiro Livro de Leitura – 1945..177
Quadro 10 – Análise de conteúdo e categorização –Segundo Livro de Leitura –
1922...............................................................................................................................191
Quadro 11 – Análise de conteúdo e categorização – Terceiro Livro de Leitura –
1933...............................................................................................................................202
Quadro 12 – Análise de conteúdo e categorização –Quarto Livro de Leitura –
1949...............................................................................................................................206
Quadro 13 – Categorias Intermediárias.........................................................................209
Quadro 14 – Análises Categoria Trabalho....................................................................213
Quadro 15 – Análises Categoria Patriotismo................................................................216
Quadro 16 – Análises Categoria Honestidade..............................................................219
Quadro 17 – Análises Categoria Obediência................................................................221
Quadro 18 – Análises Categoria Inferioridade.............................................................224
Quadro 19 – Análises Categoria Possibilidade.............................................................227
Quadro 20 – Análises Categoria Caridade....................................................................231
LISTA DE ABREVIATURAS
ADD – Análise Dialógica do Discurso.
ALESC – Assembléia Legislativa de Santa Catarina.
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
FAED – Faculdade de Educação do Estado de Santa Catarina.
IPUF – Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis.
NEI – Núcleo de Educação Infantil Campeche
PPGE – Programa de Pós-Graduação/UFSC.
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina.
UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 10
CAPÍTULO 1: ESTADO DA ARTE DAS PESQUISAS SOBRE A SÉRIE
FONTES ........................................................................................................................ 26
1.1 – EM BUSCA DAS FONTES: ALGUNS ESCRITOS SOBRE PROFESSOR
FONTES E SOBRE OS LIVROS DE LEITURA DA SÉRIE FONTES. ................ 26
1.1.1 – OS ARTIGOS ................................................................................................. 29
1.1.2 – AS DISSERTAÇÕES ..................................................................................... 35
1.1.3 – A TESE ........................................................................................................... 50
1.1.4 – OS LIVROS: BIOGRAFIAS DE UM INTELECTUAL CATARINENSE ... 52
1.1.4.1 – A grafia da história de Professor Fontes: produções literárias, documentos
e palavras. ................................................................................................................ 52
1.1.5 – OS PERIÓDICOS: JORNAIS DO BRASIL E DE SANTA CATARINA –
1920 A 1950 ................................................................................................................ 59
1.2 – AS LIÇÕES NA SÉRIE FONTES: ALGUNS DOS DESTAQUES
ABORDADOS COM BASE NO ESTADO DA ARTE ............................................. 67
CAPÍTULO 2 – EDUCAÇÃO ESCOLAR NO CONTEXTO DO FIM DO
SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX .............................................................. 84
2.1 – A EDUCAÇÃO NA REPÚBLICA DO FINAL DO SÉCULO XIX ................ 84
2.1.1 – ALGUNS ASPECTOS DA EDUCAÇÃO EM SANTA CATARINA NO
INÍCIO DO SÉCULO XX: apontamentos .................................................................. 87
2.1.2 – REFORMAS NA EDUCAÇÃO PÚBLICA DE SANTA CATARINA:
revisão, modificação e instrução ................................................................................. 90
2.1.3 – ASPECTOS SOBRE A OBRIGATORIEDADE DO ENSINO ..................... 95
2.1.4 – CRIANÇA – SUJEITO ESCOLAR ............................................................... 98
2.1.5 – A FORMAÇÃO DA CRIANÇA SOB O OLHAR DO ADULTO – CIDADÃ
DO FUTURO ............................................................................................................ 102
2.1.6 – LIVROS ESCOLARES E A CRIANÇA ..................................................... 106
2.1.6.1 – Os livros de leitura ................................................................................. 110
2.1.7 – CRIANÇA: FIGURA SOCIAL E CULTURAL – FINS DO SÉCULO XIX E
INÍCIO DO SÉCULO XX. ....................................................................................... 120
CAPÍTULO 3 – OS LIVROS DE LEITURA DA SÉRIE FONTES E SEU
AUTOR/ORGANIZADOR ........................................................................................ 128
3.1 – PROFESSOR FONTES: alguns dados biográficos ........................................ 128
3.2 – LEIS, DECRETOS E NORMATIVAS. .......................................................... 133
3.3 – A SÉRIE FONTES .......................................................................................... 140
3.4 – AUTORES E LIÇÕES ESCOLHIDAS PELO PROFESSOR FONTES: por que
umas lições e não outras? .......................................................................................... 144
CAPÍTULO 4: ANÁLISE DE CONTEÚDO ........................................................... 149
4 – OS LIVROS DE LEITURA: EM BUSCA DE UMA INVESTIGAÇÃO ........ 149
4.1 – ANALISANDO OS LIVROS DE LEITURA DA SÉRIE FONTES: A
PREMÊNCIA DAS REPRESENTAÇÕES .............................................................. 152
4.1.1 – Primeiro livro - 1945 ..................................................................................... 158
4.1.2 – Segundo Livro de Leitura - 1922 .................................................................. 179
4.1.3 – Terceiro Livro de Leitura – 1933 .................................................................. 192
4.1.4 – Quarto Livro de Leitura – 1949 .................................................................... 202
4.1.5 - Representações de criança em lições da Série Fontes: considerando o corpus
de análise ................................................................................................................... 207
4.1.6 – Caminhos que levaram às categorias finais .................................................. 210
4.1.7 – A Série Fontes: conceitos e valores de uma determinada época .................. 235
4.2 – DA LEITURA DAS LIÇÕES: OS LIVROS DA SÉRIE FONTES E AS
EXPRESSÕES QUE CONSTITUEM AS REPRESENTAÇÕES DE CRIANÇA 241
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 250
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 255
10
A história é uma composição
Dos fatos que vivemos,
De memórias existentes,
guardadas pelo tempo.
J.D.Nazário/2018.
INTRODUÇÃO
O tema principal desta pesquisa é a criança e seu sentido principal é constituir
uma escrita acerca das representações de criança por meio da história cultural, em uma
vertente de quem escreve sobre e para a criança, num modo de pensar as interfaces entre
a criança, a história e a educação, entendendo que, conforme Kohan (2005, p. 244) ―[...]
a infância um momento, uma etapa cronológica, uma condição de possibilidades da
existência humana, cabendo a criança ser protagonista desse tempo‖. A opção por
querer investigar as representações de criança historicamente constituídas, se relaciona
estreitamente à minha formação, bem como à atuação como docente na rede pública de
ensino de Florianópolis (SC) há quase trinta anos.
A ideia de trabalhar com a pesquisa em história da educação pública, e, nessa
ambiência com a criança, surgiu em 2013 quando fiz uma disciplina, como aluno
especial, no Programa de Pós Graduação da Educação (UFSC), intitulada: Seminário
Especial História de Instituições Escolares: questões teóricas e metodológicas,
ministrada pelo Professor Doutor Ademir Valdir dos Santos. No momento em que me
propus a esse desafio, optei em pesquisar a história da criança de escola pública, em
virtude de meu interesse pelo conhecimento acerca da criança e da infância
historicamente relacionado à educação.
Também é necessário dizer que meu processo histórico, dentro da educação, teve
grandes influências. Filho de um pescador com uma professora Regionalista 1, nasci em
um bairro do sul da ilha de Florianópolis, em Pântano do Sul. Segundo minha Dadá,
apelido dado por mim a minha irmã, desde meus quatro meses de vida vivo dentro de
uma sala de aula, pois minha mãe, voltando a trabalhar, teve que me levar junto com ela
1 Para saber sobre o uso dessa terminologia, ver decreto nº 8.530 de 02 de jan. de 1946, que trata da Lei
Orgânica do Ensino Normal.
11
em alguns períodos. Em todo esse processo, a escola e toda materialidade que nela se
insere, era como minha segunda pele, um tipo de segunda, ou até mesmo, primeira casa.
Alfabetizei-me cedo, antes mesmo de estar matriculado oficialmente na primeira
série. Sempre fui aquele aluno que estava envolvido nas atividades festivas da escola,
seguindo o caminho de líder de sala, até de presidente de grêmio estudantil. Estar na
escola me dava/dá prazer. Mesmo em dias de férias, que em meu tempo de primário
eram longas, eu estava na escola, ajudando na horta, arrumando os livros em uma sala
que chamávamos de biblioteca, ou até brincando de escolinha: hora sendo aluno, hora
sendo o professor. Ainda tenho minha cartilha, o Livro do Davi, única lembrança desse
tempo, junto com meus boletins escolares. Bem, depois que me formei no segundo grau,
no Instituto Estadual de Educação (IEE), fiz técnico em contabilidade, na Escola Básica
Estadual Getúlio Vargas. Logo em seguida fui trabalhar no escritório da Drogaria
Catarinense por três anos.
Nesse meio tempo fiz concurso para auxiliar de sala na prefeitura de
Florianópolis, com a promessa de que, se passasse, iria trabalhar na secretaria da
administração. Bem, já era 1991, precisamente 4 de abril, quando fui me apresentar no
Núcleo de Educação Infantil Campeche. Lá tudo iniciou e me fez o professor que hoje
sou. Nunca fui trabalhar na secretaria da administração. Fiz o magistério por incentivo
da esposa, das colegas de trabalho e para o orgulho de minha mãe, que tanto almejava
que um dos três filhos se tornasse professor. Em 1996 me formei no magistério no
Instituto Estadual de Educação (IEE); em 1997, fiz o Adicional (Materno Infantil), um
tipo de especialização para trabalhar com a educação infantil. Nesse mesmo ano me
desvinculei do NEI Campeche como auxiliar de sala efetivo, e passei a ser professor
alfabetizador, substituto, na Escola Desdobrada2 Lupércio Belarmino da Silva,
localizada na Caieira da Barra do Sul. Lá trabalhei como professor e como diretor.
Depois atuei em outras unidades educativas da rede (na Barra do Sambaqui, no Morro
do Horácio, no Monte Cristo), até me efetivar como professor de educação infantil em
São José, no ano de 2001.
Antes, em 1998, passei para o curso de pedagogia na Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC), mas não o fiz, pois era durante o dia e precisava trabalhar.
Optei por fazer o vestibular para a Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), que
tinha sede em São José e ficava mais perto do trabalho e de minha casa. No 2º semestre
2 Sobre essa terminologia, ver os estudos de Norberto Dallabrida, 2003 (pp. 281-308).
12
de1999 iniciei o curso de pedagogia, me formando no segundo semestre de 2003. Ano
esse em que também fui aprovado no concurso como professor efetivo de educação
infantil em Florianópolis, mas só sendo chamado para assumir o cargo em 2005. Nesse
meio tempo trabalhei na Secretaria de Educação de São José, no qual exerci o cargo de
Coordenador da Educação infantil durante dois anos. Nessa mesma secretaria ajudei a
escrever a cartilha para a alfabetização, intitulada Alfabetizar Para Vencer. Fiquei nessa
secretaria até 2006, quando optei por trabalhar só em Florianópolis. Fiquei dois anos na
Creche Conjunto Habitacional Chico Mendes, localizada no bairro de Monte Cristo,
área continental da cidade de Florianópolis. Em 2008 fui convidado para trabalhar na
Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis, como Assessor Pedagógico da
Educação Infantil. Fiquei nesse papel dois anos.
Em agosto de 2009 me matriculei no mestrado na UFSC, na linha Educação e
Infância, tendo como orientadora a Professora Doutora. Roselane Fátima Campos. Meu
objeto de pesquisa eram as crianças que não tinha acesso à educação infantil na rede
municipal de ensino. Trabalhei com os dados demográficos a partir das fichas das
crianças em lista de espera por uma vaga em creches e pré-escolas do município de
Florianópolis. Em 2011 voltei para a Secretaria, mas em outra função, na Diretoria
Financeira, sendo responsável pela compra de materiais para toda rede. Nessa função
fiquei até 2016, quando iniciei o doutorado na UFSC. Assim, me constituo como um ser
histórico, tendo como base a educação escolar, desde a barriga da mãe.
A escolha do objeto também se deu pelo fato de considerar que na pesquisa
‗sobre‘ e ‗com‘ a criança na história da educação ainda há muito a ser dito, e por
entender que a criança é o sujeito de todo o processo de escolarização inicial. Sobre a
escolha dos livros didáticos como fonte, se dá pelo fato de encontrar, nesses elementos
da cultura escolar, rastros que podem informar quem é essa criança, ou, quem se quer
como criança?. Quanto ao uso dos livros de leitura da Série Fontes como instrumento
balizador, é devido aos mesmos serem escritos por um autor catarinense, por estarem
presentes nas escolas públicas locais, notadamente pelo tempo de quatro décadas: 1920-
1950, período em que foram instrumentos de leitura para essas crianças.
13
―O HOMEM SERÁ O QUE À CRIANÇA LHE TRANSMITIR...‖3:
Representações de criança na Série Fontes (Santa Catarina – décadas de 1920 – 1930) 4,
título escolhido para apresentar esta pesquisa, se compõe em um conjunto de ações que
pretendem trazer à tona ideias de como estava representada a criança nas lições da Série
Fontes, num período em que se queria preparar um cidadão para o futuro, com base em
ideais republicanos, conforme Neide Fiori (1991), Ademir Valdir dos Santos (2008),
Norberto Dallabrida (2003), Gladys Teive (2003), José Gonçalves Gondra (2004) e
outros. O termo representação se apresenta com base nos estudos de Roger Chartier
(1991, 1999, 2002). Como diz o autor, a palavra representação está ‗substituindo‘ algo
que se quer apresentar, pois a imagem (por vezes conjugada a um texto) nos permite ver
um objeto ausente. No caso das lições da Série Fontes, essas, por hipótese, podem
apresentar representações de criança em um determinado período da história da
educação de Santa Catarina.
Quanto ao termo representação, o mesmo vem do latim ‗repraesentatiõne’. A
palavra representação é um substantivo feminino, ideia que concebemos do mundo ou
de uma coisa. Reprodução, ato ou efeito de representar. Etimologicamente,
‗representação‘ provém da forma latina ‗repraesentare‘ – fazer presente ou apresentar
de novo. Fazer presente alguém, ou alguma coisa ausente, inclusive uma ideia, por
intermédio da presença de um objeto. Ainda em Chartier (1991), vemos que a
representação é o produto do resultado de uma prática.
Nicola Abbagnano, em seu Dicionário de Filosofia (2007), afirma que
representação significa ―imagem‖ ou ―idéia‖ ou ambas as coisas e que este termo foi
usado pelos escolásticos para se referir ao conhecimento como ―semelhança‖ do objeto.
Abbagnano, a partir dos estudos de Guilherme de Ockham, distinguia três significados
fundamentais para o termo representação: Primeiro, designa aquilo por meio do qual se
conhece algo – conhecimento é representativo. Segundo, por representar pode-se
entender conhecer alguma coisa, após cujo conhecimento conhece-se outra. Neste
sentido, a imagem representa aquilo de que é imagem. E terceiro lugar, por representar
entende-se causar o conhecimento do mesmo modo como o objeto causa o
conhecimento. O autor conclui que, estas concepções, se dão da seguinte forma: no
3 ―O HOMEM SERÁ O QUE A CRIANÇA LHE TRANSMITIR, E DA CRIANÇA HERDARÁ O
HOMEM QUE DELA HÁ DE SURGIR. Frase retirada da 4ª lição, intitulada A criança e o dever, de
Lemos Brito, do Terceiro livro de leitura. (FONTES, 1933, p. 11). 4 A escolha dessa linha temporal se dá pelo fato de que é nesse período que são escritas e organizadas, por
Professor Fontes, as primeiras edições dessa coleção.
14
primeiro caso, a representação é a ideia no sentido mais geral; no segundo, é a imagem;
e no terceiro, é o próprio objeto (Abbagnano, 2007: p. 853).
Nesse sentido, os livros de leitura da Série Fontes, como elementos da literatura
catarinense, trazem um poder representativo do que se tinha como projeto de nação para
a época. Essa literatura é um produto simbólico de uma prática que se transforma em
representação e essa ―[...] nunca é o fato. Seja qual for o discurso e o meio, o que temos
é a representação do fato. A representação é uma referência e temos que nos aproximar
dela para nos aproximar do fato‖ (MAKOWIECKY, 2003, p. 4).
A partir desse esclarecimento, fez-se um exercício historiográfico no campo da
História da Educação que se configura na elaboração desta pesquisa, compreendendo
que para a sua fomentação é preciso alinhavar alguns conceitos, apresento os objetivos
de pesquisa: Identificar as representações de criança presentes na Série Fontes; Analisar
o papel formativo das representações de criança nesta Série; e Compreender a
construção das representações de criança com base numa escrita dirigida à criança em
lições da Série Fontes. Por conseguinte, questionamentos foram delineando o problema:
O que é a Série Fontes? Como ela foi elaborada? Quem é o autor/organizador? Quem
são os autores das lições da Série Fontes? Como a criança está representada nessas
lições? Por que essas lições foram escolhidas pelo autor? Quem é essa criança?
Ao questionar como se dão as representações de criança produzidas nas lições da
Série Fontes, presente nas escolas públicas primárias do estado de Santa Catarina nas
décadas de 1920 a 1950, comecei a perceber, em suas linhas e imagens, o delineamento
de significativas contribuições na formação das crianças catarinenses que estudaram nas
escolas públicas naquele período; lembro que, segundo a bibliografia consultada, essa
Série foi reeditada até a década de 1950; portanto, quatro gerações viveram direta ou
indiretamente, com os propósitos formativos desse projeto que se inseria no ambiente de
escolarização.
Tal hipótese foi reforçada por consultas a pesquisas já feitas sobre a Série
Fontes, bem como pelas leituras dos decretos, normativas, regulamentos, programas e
leis sobre o ensino público do estado de Santa Catarina estatuídos naquelas décadas
(1910-1930), que me levaram à busca de outros documentos. Esses me permitiram
constatar a contribuição dessa Série e de seu autor/organizador para a história da
educação pública de Santa Catarina.
15
Portanto, a contribuição histórica da Série Fontes, foi por mim percebida como
fundamental para compreender alguns elementos do processo de escolarização de
crianças de sete a quatorze anos de idade nessas lições. Minha investigação se deu no
sentido de elaborar análises que procuram propor outras, e, ainda, lançar novas luzes
sobre um recorte de como eram representadas as crianças catarinenses, a partir das
lições da Série Fontes, daquele período. Deste modo, busco contribuir com a
historiografia, partindo do pressuposto da relevância da pesquisa sobre a educação no
estado de Santa Catarina.
O recorte temporal proposto está pautado em dois momentos. O primeiro, 1920,
marca a primeira edição da Série Fontes — Cartilha, Primeiro e Segundo Livros de
Leitura — no campo educacional, que anteriormente, com Orestes Guimarães, desde
1911, anunciava mudanças para a educação no estado de Santa Catarina,
compreendendo o que se convencionou chamar reformas (FIORI, 1991;
DALLABRIDA, 2003; TEIVE, 2011). O segundo momento, referente à década de
1930, corresponde ao período da primeira edição do Terceiro e Quarto Livros de
Leitura, em que a prática educativa sofreu mudanças como apresentadas nos
Regulamentos de 1910, 1920 e 1935 e Programas de Ensino de 1920 e 1935 exarados
para as escolas públicas primárias do estado de Santa Catarina. Entre tais demarcações
cronológicas, evidenciaram-se outras iniciativas que visaram à transformação
educacional na época, como podemos encontrar nos documentos analisados desse
período, o que será mais bem detalhado no segundo capítulo.
Contudo, entendo que na constituição da pesquisa não basta simplesmente
descrever os acontecimentos que levaram a tais reformas educacionais (1911 e 1935). É
um exercício exaustivo do diálogo do pensamento com o exercício da escrita, que por
sua vez torna-se um fazer que não é apenas particular, para que se caracterize como
produção científica, com uma linguagem técnica própria da academia. Papel difícil, para
quem gosta de escrever contos.
A bibliografia lida apresenta indicações de alguns documentos que me serviram
como base de estudos. Esses, por sua vez, instigaram a busca de outros que foram
produzidos na época, que apresentam vestígios da prática escolar e das representações
de criança. Portanto, o diálogo promovido por este pesquisador, entre a teoria e as
evidências, apresenta-se como condição importante para a formulação dessa pesquisa,
para compor na escrita de uma história sobre a educação de Santa Catarina e das
16
representações de criança (com base nas lições da Série Fontes) naquele período, que se
apresenta em torno do processo de escolarização, se caracterizando por uma educação
extraescolar, pois é necessário buscar e definir ações que não estão postas à primeira
vista e ir além, como nos diz Dominique Julia:
[...] para além dos limites da escola, pode-se buscar identificar em um
sentido mais amplo, modos de pensar e de agir largamente difundidos
no interior de nossas sociedades, modos que não concebem a
aquisição de conhecimentos e de habilidades senão por intermédio de
processos formais de escolarização. (JULIA, 2001, p. 11).
Esses processos que o autor se refere, estão imbricados na cultura escolar como
dispositivos, sendo necessário entender a importância das ―culturas infantis‖ que se
manifestam na escola e fora dela. Nesse sentido, segundo Justino Magalhães (2007),
pode-se dizer que a pesquisa documental torna-se fundamental, pois é capaz de
possibilitar,
[...] compreender e explicar a realidade histórica de uma instituição
educativa e integrá-la de forma interativa no quadro mais amplo do
sistema educativo e nos contextos e circunstâncias históricas,
implicando-a na evolução de uma comunidade, e de uma região, seu
território, seus públicos e zonas de influências. (MAGALHÃES, 2007,
p. 70).
É nesse território que me debruço: pesquisar as representações de criança,
pautado, também, na localização e análises de documentos como os Programas de
Ensino de 1920 e 1935, anos que foi organizada a Série Fontes, que colaboraram na
reconstituição e interpretação das fontes.
A análise com a qual procuro evidenciar as representações de criança indica
caminhos para desvelar a realidade material da escola, dos seus artefatos e do que nela
se faz, conforme escreve Antonio Vinão Frago (2008). Segundo o autor, há três campos
da historiografia educativa que se interessam pela análise de documentos escolares
como os cadernos (entre outros relacionados à infância) – que partem da perspectiva do
―olho móvel‖ – como fonte histórica, que se correlacionam e se complementam, mas
com diferentes enfoques e interesses: a história da infância, a da cultura escrita e a da
educação (VINÃO FRAGO, 2008, p.15). Tal metodologia de pesquisa é também
recorrente, em maior ou menor grau, nos trabalhos de Alain Choppin (2002); Paolo
Nosella e Ester Buffa (2004) e Ademir Valdir dos Santos (2008; 2018).
17
Entendendo que o processo de pesquisa é uma imersão nos mais diversos tipos
de fontes, perscrutei por documentos em bibliotecas, museus, arquivos públicos e
outros, assim como baús, arquivos pessoais e familiares, não medindo esforços para
encontrar elementos para essa pesquisa. Assim, foram diversos os locais em que efetuei
o garimpo das fontes. Como ponto de partida, realizei o Estado do Conhecimento, já
feito sobre a temática no Banco de Tese e Dissertações da CAPES (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), e em revistas e periódicos da área,
onde se observou a existência de poucos trabalhos sobre a Série Fontes, o que está
organizado no capítulo I.
O período para essa investigação aconteceu entre março de 2016 e janeiro de
2019. Os lugares escolhidos para a sua realização e as correspondentes atividades
foram: Biblioteca Pública de Santa Catarina, no qual encontrei alguns dos livros da
Série Fontes digitalizados e dados referentes à legislação e aos periódicos também em
material digitalizado; Arquivo da Imprensa Oficial do Estado, estão alguns relatórios de
diretores da instrução pública, regimentos e leis do período analisado; Biblioteca da
ALESC (Assembléia Legislativa de Santa Catarina), em que localizei dados referentes
às ações políticas de Henrique da Silva Fontes (cargos e normativas); Bases de dados e
periódicos da biblioteca da Universidade Federal de Santa Catarina, em que se
encontram documentos digitalizados como Regimentos, Programas de Ensino,
Normativas, Leis, Decretos; Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, onde
encontrei dados sobre o Professor Fontes (história pessoal e profissional); Museu do
Professor (antiga Faculdade de Educação do Estado de Santa Catarina - FAED), onde há
três livros da Série Fontes impressos, Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis
– IPUF –, no qual busquei dados estatísticos populacionais da época; site da
Hemeroteca Digital Catarinense, em que encontrei também os quatro livros da Série
Fontes, e por fim, no site da Família Fontes, no qual estão informações diversas sobre o
Professor Fontes, um exemplar da Cartilha Popular, e, ainda, os quatro Livros de
Leitura, todos digitalizados, que foram material de análise juntamente aos que achei
impressos.
Também foi necessário buscar por outras fontes, perscrutando por materiais que
ampliassem a pesquisa. Assim, no site da Hemeroteca Digital Nacional localizei jornais
e revistas que anunciam momentos específicos do autor/organizador Professor Fontes e
da Série Fontes.
18
O primeiro passo foi reunir todos esses documentos, ou seja, tudo que fornecesse
matéria-prima para as análises. Assim, procedeu-se ao levantamento e à classificação
dos registros pertinentes, por meio das seguintes etapas: 1ª) Identificação do tipo de
material disponível sobre o objeto (Série Fontes); 2ª) Seleção dos materiais ligados
diretamente à Série Fontes (artigos, teses, dissertações, livros, revistas, jornais,
fotografias, entre outros); 3ª) Agrupamento dos materiais relativos ao objeto
organizador (relatórios, anúncios, cartas, ofícios) e 4ª) Documentos que caracterizaram
a importância da Série Fontes (Leis, decretos, regulamentos, programas de ensino). Para
a apropriação dos conteúdos foi feita uma leitura minuciosa, resultando em um
―inventário‖ de registros sobre o tema.
Portanto, quanto à metodologia, trata-se de uma pesquisa documental. A amostra
é assim composta: Primeiro Livro de Leitura (1945), com 38 textos; Segundo Livro de
Leitura (1922), com 87 textos; Terceiro Livro de Leitura (1933), com 84 textos e Quarto
Livro de Leitura (1949), com 85 textos.
Desse modo, esta pesquisa comporta a análise de fontes documentais,
entendendo os livros didáticos como tal e compreendendo que esses têm sido utilizados
enquanto fontes e objetos de análise de pesquisas em História da Educação. Convém
mencionar que o foco no aspecto e supostos usos é apenas uma perspectiva de
observação perante enredamento de análise do objeto livro, tão bem apresentado nas
tradições de estudos de Alain Choppin, em ―O historiador e o livro escolar‖, onde o
autor aponta que eles apresentam identidade histórica, ou seja: ―[...] constituem um
testemunho escrito‖ (CHOPPIN, 2002, p. 14). Já Kazumi Munakata (2016, p. 23)
explica que o livro: ―[...] é, em primeiro lugar, o portador dos saberes escolares, um dos
componentes explícitos da cultura escolar. De modo geral o livro didático é a
transcrição do que era ensinado, ou que deveria ser ensinado, em cada momento da
história da escolarização‖.
Dito isto, fico tranquilo em usar os livros de leitura da Série Fontes como
principal fonte para essa pesquisa, entendendo a relevância dos mesmos para a História
da Educação de Santa Catarina.
Os documentos a que tive acesso e as fontes analisadas não revelam,
quantitativamente, quantas crianças receberam os livros da Série Fontes, pois não foi
encontrada uma estatística oficial de livros distribuídos. Tem-se, apenas, uma noção da
quantidade dessas obras distribuídas pelo Estado, tomando por base os números de
19
matrículas que estão apresentados no segundo capítulo com base nos estudos de Fiori
(1991), bem como em alguns Relatórios de Inspeção do período encontrados no
Arquivo Público do Estado de Santa Catarina e no Arquivo Municipal Eugênio Victor
Schmöckel, de Jaraguá do Sul.
Assim é que busco compreender a construção histórica das representações de
criança, tendo como referência a perspectiva apontada por Chartier (1991, p. 27), quer
seja: ―a análise do trabalho de representação, isto é, das classificações e exclusões que
constituem, na sua diferença radical, as configurações sociais e conceituais próprias de
um tempo ou espaço‖.
Várias investigações utilizam o conceito de representação. Sánchez (2014)
identifica como Roger Chartier e Edward Said fazem do uso das categorias de
representação, e as distintas preocupações de ambos quanto às relações de poder e às
desigualdades inscritas nas representações. Já Reis (2012) usa o conceito de
representação para identificar como esse se dá dentro dos conteúdos organizados no
livro didático, verificando se as representações contribuem ou não para as permanências
eurocêntricas e preconceituosas em relação à figura indígena. No trabalho de Sonia
Camara (2004) o conceito de representação está aplicado a estudos sobre a Reforma
Fernando de Azevedo, a partir da disciplina Educação Higiênica, para identificar as
diferentes representações de infância que configuram como modelo para a formação de
um ―novo cidadão‖. Maria Stephanou (2011) usou o conceito de representação para
examinar, na perspectiva da história cultural, representações de infância, enunciando
discursos em circulação entre fins do século XIX e início do século XX. Já Sandra
Makowiecky (2003) explora o conceito de representação relacionando-o com as artes e
com os estudos de Emst. H. Gombrich. Do mesmo, Poletto & Kreutz (2016) usam do
conceito de representação para escrever sobre a importância do Colégio Sagrado
Coração de Jesus para o cenário educacional de Rio Grande do Sul, na formação dos
sujeitos escolares. Desse modo, ao fazer uso do conceito de representação, esses autores
potencializam o mesmo e o caracterizam como elemento da história cultural. Dominique
Vieira Coelho dos Santos (2011) nomeia o conceito de representação apresentando um
breve mapeamento de caráter epistemológico e elenca algumas sugestões significativas
para interpretação e usos do conceito, afirmando que as obras de história, em linhas
gerais, pretendem ser ―representações de um passado que existiu‖, do modo que, o
discurso historiográfico almeja o convencimento de seus leitores sobre a realidade dos
20
fatos nele apresentados. O autor, assim define o conceito: ―representar significa referir
por meio de símbolos a algo que está fora do texto. Trata-se de saber se a representação
representa, ou seja, se o discurso corresponde ou não à realidade‖ (p. 37). Assim,
identificar as representações de criança na Série Fontes determina o sujeito que a
caracteriza, ou seja, sua subjetividade representativa.
Para efeito de definição de representação, busca-se, enquanto instrumento
teórico-metodológico de análise da história cultural, aquelas determinadas
representações por interesses de grupos que a forjam, considerando que o conceito
aborda uma parte de materialidade, mas também uma questão simbológica de
construção social. Segundo Chartier (2002, p. 17), para o qual:
As representações do mundo social assim construídas, embora
aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são
sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí,
para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos
com a posição de quem os utiliza. [...] As percepções do social não
são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e
práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma
autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um
projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas
escolhas e condutas. Por isso esta investigação sobre as representações
supõe nas como estando sempre colocadas num campo de
concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em termos
de poder e dominação. As lutas de representações têm tanta
importância como as lutas econômicas para compreender os
mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua
concepção do mundo social, os valores que são seus, e o seu domínio.
Ocupar-se dos conflitos de classificações ou de delimitações não é,
portanto, afastar-se do social – como julgou uma história de vistas
demasiado curtas -, muito pelo contrário, consiste em localizar os
pontos de afrontamento tanto mais decisivos quanto menos
imediatamente materiais.
Pode-se observar que a representação compreendida quanto valores que os
grupos impõem consiste paralela à construção de um campo de poder em que está em
jogo é a própria ordenação e hierarquização da estrutura social.
As concepções de Chartier (2002) estão centradas nas práticas de leitura, que
destacam as formas diversificadas de apreensão dos bens simbólicos que produzem usos
e significados distintos, mas também a importância da materialidade dos textos, que é
criadora de sentidos. Apontam que o tempo e o espaço têm um caráter determinante na
21
elaboração de representações pelos sujeitos, havendo mobilidade na recepção ou leitura
de um dado objeto.
A delimitação do período resultou da imersão nos estudos já feitos com base na
Série Fontes, cujos dados levantados permitiram constituir o tema e o espaço de
abrangência, uma vez que as edições desses livros aconteceram entre os anos de 1920 e
1950, conforme já mencionado. Assim, esta pesquisa consiste em realizar um trabalho
de investigação, buscando pistas, indícios, detalhes quase imperceptíveis, mas que
podem contribuir de maneira fundamental para a compreensão de eventos e fenômenos
investigativos, em que o historiador precisa estar atento aos detalhes, às lacunas, às
minúcias das fontes históricas pesquisadas (VIÑAO, 2008).
O procedimento a ser adotado para a identificação e classificação dos textos é a
Análise de Conteúdo, com base nos estudos de Laurence Bardin (2016). Conforme
Bardin, essa análise é aplicável a um conjunto de textos constituintes de
um corpus selecionado, que resulta em possibilidades de codificação e categorização,
permitindo que sejam classificados. Serão adotados os critérios de categorização
semânticos e léxicos:
[...] semântico (categorias temáticas: por exemplo, todos os temas que
significam a ansiedade ficam agrupados na categoria <<ansiedade>>,
[...] léxico (classificação das palavras segundo seu sentido, com
emparelhamento dos sinônimos e dos sentidos próximos) (BARDIN,
2016, p. 117-118).
Segundo, ainda, Bardin (2016, p.125-132), a análise de conteúdo é dividida em
três fases: 1) ―a pré-análise; 2) exploração do material e 3) tratamento dos resultados, a
inferência e a interpretação‖. Na pré-análise, ―é a fase de organização propriamente
dita‖ (BARDIN, 2016, p.129), por meio da leitura flutuante, em que se verifica a
ocorrência de termos que passam a ser considerados como indicadores. Tal leitura
flutuante é constituída pelas várias leituras realizadas para se conhecer os textos, até que
se atinja uma exaustividade considerada suficiente. Na exploração do material, os
estudos se dão na fase de análise propriamente dita, que ―não é mais do que a aplicação
sistemática das decisões. [...] Esta fase, longa e fastidiosa, consiste essencialmente em
operações de codificação, decomposição ou enumeração, em função de regras
previamente formuladas‖ (BARDIN, 2016, p. 131). Desse modo, entendo que a
exploração possibilita a codificação, pela qual o pesquisador sistematiza e agrupa os
22
indicadores com o intuito de descrever as características do conteúdo. Isto pode ser
feito por meio de recortes do texto em unidades de registro: títulos e textos completos
das lições que compõem o corpus documental para efeito desta pesquisa.
Já na terceira fase, que abrange o tratamento dos resultados, a inferência e a
interpretação, segue-se na direção de captar tanto os conteúdos explícitos como aqueles
tacitamente delineados:
Os resultados brutos são tratados de maneira a serem significativos
(falantes) e válidos. [...], tendo à sua disposição resultados
significativos e fiéis, pode então propor inferências e adiantar
interpretações a propósito dos objetivos previstos – ou que digam
respeito a outras descobertas inesperadas. (BARDIN, 2016, p. 131).
Considerando que cada uma destas unidades de registro é componente textual de
significação, constituída por parágrafos, frases e palavras, apreende-se que sua atenta
leitura possibilita a identificação de termos que compõem uma primeira categorização,
geralmente obtida por meio de duas ações: classificação dos dados da escrita por meio
das similaridades terminológicas, agrupando enunciados que exprimem significados
relacionados aos objetivos do estudo; constatação de que alguns termos são repetidos e
revelam, em linhas gerais, a natureza dos conteúdos (BARDIN, 2016).
A partir dessa compreensão, a metodologia para essa parte da pesquisa se dará,
levando em consideração que os termos da primeira categorização dão origem às
categorias iniciais. Em seguida, com base numa nova reunião temática, se compõem as
categorias intermediárias, que expressam o mesmo conteúdo com menor número de
termos. Por fim, após nova aglutinação devida à detecção de terminologia capaz de
sintetizar ainda mais o conteúdo e seus significados, chega-se às categorias finais ou
terminais (BARDIN, 2016). Portanto, tratamento do conjunto de fontes documentais e a
metodologia de análise, se dão com base na metodologia de Análise de Conteúdo
(BARDIN, 2016).
A leitura flutuante e o fichamento dos livros de leitura da Série Fontes a que tive
acesso possibilitaram a identificação das representações da criança que se queria formar
naquela época, presentes em configurações sociais e conceituais, tendo a escola como
instrumento balizador por meio dos livros de leitura. A construção epistemológica das
lições e autores dos textos que compõem as obras ajudaram a compor um primeiro
delineamento deste trabalho e, à medida que avancei nos estudos dos demais
23
documentos, bem como nas leituras complementares, esse esboço foi se afinando num
conjunto de ideias do processo de síntese que envolveu essa obra e suas finalidades.
Nesse sentido, a pesquisa possibilitou compreender que representações de criança eram
idealizadas pelo Professor Fontes: como um cidadão em devir, que serviria a certo
modelo de país, segundo os discursos da época. Já o professor, a quem o Professor
Fontes se dirige apenas no prefácio dos livros, é idealizado como alguém investido da
missão de formar esse cidadão. Essa idealização dos interlocutores, aluno-professor,
como veremos nas análises, comporta implicações decisivas para a natureza da autoria
como ―ato ético‖ (SILVA FILHO, 2013) e para a criança que se queria formar.
A opção por estudar as representações de criança nas lições da Série Fontes se
dá, também, pelo fato de querer pensar o sujeito criança nesse tempo de vida que se
traduz como infância. A título de breve revisão bibliográfica tendo como temática essa
Série, dentre banco de teses e dissertações e revistas da área, encontrei onze artigos, sete
dissertações e uma tese. Também encontrei quatro livros, que falam sobre o autor ou
mencionam sua obra, e sete jornais da época, esses no sitio da Hemeroteca Digital
Nacional. Os trabalhos encontrados apresentam dados sobre os livros da Série Fontes,
falam superficialmente da clientela a que são dirigidos, mas não tratam especificamente
dessa criança. Há, portanto, a meu ver, uma ausência do trato da mesma. Nesse
sentindo, a criança passa a ser a protagonista de nossa pesquisa e a Série Fontes a base
de análise sobre um determinado período. A complexidade deste tema pode residir no
fato de a criança (assim como a infância) não ser ‗contada‘ por ela própria, mas sempre
por outro, como explica Marisa Lajolo (1997):
Enquanto objeto de estudo, a criança é sempre um outro em relação
àquele que a nomeia e a estuda. A palavra infante, infância e demais
cognatos, em sua origem latina e nas línguas daí derivadas, recobrem
um campo semântico estreitamente ligado à ideia de ausência de fala.
Esta noção de infância como qualidade ou estado do infante, isto é,
d’aquele que não fala, constrói-se a partir dos prefixos e radicais
lingüísticos que compõem a palavra: in = prefixo que indica negação;
fante = particípio presente do verbo latino fari, que significa falar,
dizer. (LAJOLO, 1997, p. 225).
Então, parte-se do pressuposto de que a criança pode ser vista como um campo
temático da História da Cultural, cujo objeto de análise é as lições da Série Fontes.
Assim, entendo que a fonte é elemento da materialidade que se caracteriza na escola
(Série Fontes), que ajuda na formação e organização a partir de normativas, Programas
24
de Ensino e condutas que mobilizam dispositivos pedagógicos, que podem ser
relacionados à aquisição de determinada cultura escolar, que segundo Julia (2001, p.
10), é um conjunto de normas ―que definem conhecimentos a ensinar condutas a
inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses
comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar
segundo as épocas‖. Faço uso desse material para definir as representações de criança
que coabitavam as lições da Série Fontes. É a partir desse pressuposto que entendo que
os estudos focados na análise de materiais da cultural escolar, ao lançar mão de fontes
relativas às práticas cotidianas, nos permite o acesso das produções destinadas às
crianças em seu ―ofício de aluno‖. (FOULCALT, 2013).
Quanto à estruturação, esta escrita se divide em quatro partes. Na introdução
apresento os elementos da justificativa e delineio o problema, os objetivos e aspectos da
metodologia da pesquisa. Também apresento, brevemente, os referenciais teóricos que
dão suporte para esse trabalho.
O primeiro capítulo 5 está organizado como estado da arte. Optei por mantê-lo
nesta posição de destaque dentro da estrutura da tese pela relevância dessas referências
para esta pesquisa, como ―fontes‖. Outrossim, indico a valorização do trabalho de
análise anteriormente realizada. Primeiramente foco nos estudos do que já foi
pesquisado sobre o tema, apresentando sucintamente as investigações realizadas em
programas de pós-graduação stricto sensu em nível de mestrado e doutorado, na
sequência as obras escritas sobre o Professor Fontes e a Série Fontes, enfatizando o que
vem ao encontro do objeto a que me proponho pesquisar. E, para finalizar, apresento
periódicos, estratos de jornais da época que contém materiais pertinentes ao tema.
No segundo capítulo apresento um breve panorama sobre a educação pública de
Santa Catarina nas décadas delineadas no arco cronológico desta pesquisa, tendo como
fontes de análises documentação associadas à legislação, a inspeção escolar, programas
de ensino, além de dados estatísticos. Ainda ali, apresento, brevemente, os conceitos de
representação com base em Chartier (1991; 2002) e uma breve história do uso de livros
didáticos como relevante para a pesquisa em história cultural. Abordo, ainda, a criança
como objeto de pesquisa, entendendo que tudo isso se compõe dentro de uma prática
educativa.
5 Ou seja, a organização e manutenção desse capítulo se dá pelo fato de entender e respeitar todos os
esforços desses pesquisadores, bem como, da importância dessas pesquisas para o delineamento desse
trabalho.
25
Por sua vez, o terceiro capítulo se compõe com um breve histórico biográfico
sobre o autor organizador da Série Fontes, o Professor Fontes e a apresentação de suas
obras. O quarto capítulo é referente à análise das lições dos livros de leitura da Série
Fontes, com algumas considerações embasadas no que se encontrou nesse processo
investigativo.
Vivi, estou vivendo, momentos incríveis, me apaixonando, e, acima de tudo, me
percebendo nesse lugar de pesquisador. Estou aqui não porque deveria estar, mas
porque tenho uma responsabilidade social e profissional. Só me deixem contar sobre a
criança, sobre a história da educação..., querendo voar, sem asas, se assim desejar,
deixando-me guiar por todo o aprendizado sobre a temática desta pesquisa.
26
CAPÍTULO 1: ESTADO DA ARTE DAS PESQUISAS SOBRE A SÉRIE
FONTES
O Estado da Arte é o mapeamento que possibilitou o conhecimento e/ou
reconhecimento dos estudos já produzidos com temáticas acerca da Série Fontes. No
Estado da Arte do presente trabalho, a explanação científica fez-se por meio de cinco
seções. Trata-se, pois, da Busca das Fontes: alguns escritos sobre Professor Fontes e
sobre a Série Fontes; Os Artigos; As dissertações: resultados de uma longa pesquisa; A
tese; Os livros: memórias de um intelectual catarinense; Periódicos: jornais do Brasil e
de Santa Catarina. Com esse material pretendo estabelecer critérios para as análises,
entendendo que perpassa por uma linha tênue entre o que já foi dito e o que se pretende
dizer sobre as lições.
1.1 – EM BUSCA DAS FONTES: ALGUNS ESCRITOS SOBRE PROFESSOR
FONTES E SOBRE OS LIVROS DE LEITURA DA SÉRIE FONTES.
Após uma imersão na busca de documentos sobre a Série Fontes e seu
autor/organizador, Professor Fontes, encontrei dez artigos, seis dissertações e uma tese,
além de três livros que citam a Série Fontes e trazem, com ênfase, a relevância do
autor/organizador para o cenário político e educacional catarinense; também identifiquei
jornais que circulavam em Santa Catarina no período entre 1920 e 1950 e tratavam da
Série.
A busca em questão interroga, também, sobre como foi ―usada‖ a Série Fontes,
considerando, primeiramente, a imersão que tiveram os autores no estudo dessa obra,
situando o que foi pesquisado em períodos equivalentes ou próximos ao proposto nesta
tese, pois as mesmas serviram como material para subsidiá-la.
Fazer um levantamento de referências relacionadas ao objeto de pesquisa, a
Série Fontes, foi um deleite. Porém, exige destacar alguns fragmentos, uma vez que
tudo, a princípio, parece relevante e importante à compreensão da política em educação
catarinense e brasileira. Penso ser essa a tarefa do pesquisador: dar visibilidade aos
escritos, pois esses podem vir ―ao‖ encontro ou ―de‖ encontro aos objetivos. Cabe
destacar, também, que essas pesquisas, em diferentes anos, com objetivos específicos,
traçam uma linha tênue sobre a Série Fontes e seu autor/organizador, pois em muitos
27
momentos seus argumentos se entrecruzam ou servem de base teórica de uns para os
outros.
Como base de construção textual do processo metodológico que se pretende
nesse momento, tem-se a seguinte questão: O que os pesquisadores já escreveram sobre
a Série Fontes e de seu autor/organizador Professor Fontes?
Para chegar à resposta, ou às respostas, identifiquei referenciais constantes no
quadro 1:
Quadro1: Estudos sobre os livros de leituras da Série Fonte.
Autor Título Tipo e Ano6
Solange Aparecida de
Oliveira Hoeller e Maria
das Dores Daros
Henrique Fontes: um intelectual no contexto
educacional catarinense da primeira
república (1910-1930)
Artigo – 2011
José Isaías Venera Produzindo o homem útil: a Série Fontes
distribuindo saberes e disciplinando corpos
Artigo – 2002
Cintia Gonçalves Martins e
Marli de Oliveira Costa
Os livros de leitura Série Fontes e a moral
cristã na educação das crianças de Santa
Catarina (1920-1950)
Artigo – 2015
Marli de Oliveira Costa e
Maria Stephanou
Memorias de Lecturas de Infancia – La Série
Fontes en Brasil (1925-1950)
Artigo – 2012
Nicholas Gomes Cardoso da
Silva
O higienismo e a eugenia nos livros de
leitura da coleção fontes usados no processo
de alfabetização da Educação Primária de
Santa Catarina no início do século XX
Artigo
Jun/2015
Nicholas Gomes Cardoso da
Silva
O higienismo e a eugenia nos livros de
leitura da coleção fontes usados no processo
de alfabetização da Educação Primária de
Santa Catarina no início do século XX
Artigo
Dez/2015
Nicholas Gomes Cardoso da
Silva
Série fontes: reflexões sobre as ideologias
ausentes nos textos de leitura
Artigo
Nov/2016
Valéria Aparecida Schena Série Fontes: Idéias pedagógicas modernas
do ensino primário de Santa Catarina
Artigo
Out/2014
Paulete Maria Cunha dos
Santos
Uma Memória Institucionalizada: os livros
escolares e a história-pátria
Artigo
Out/1999
Cristiani Bereta da Silva e
Helena Gabriela
Moellmann Gasparini
Livros didáticos e memórias: Heróis e mitos
catarinenses nas primeiras décadas do século
XX
Artigo – 2013
Cristiani Bereta da Silva e
Maria Bernadete Ramos
Flores
Gênero e nação: a Série Fontes e a
virilização da raça
Artigo – 2010
Paulete da Cunha dos
Santos
Protocolo do Bom Cidadão – Série Fontes:
Lições de moral e civismo na organização da
educação em Santa Catarina (1920-1950)
Dissertação –
1997
Mara Aguiar Souza Preus A Correspondência Epistolar de Professor Dissertação –
6 O ano refere-se a data da publicação. Vale salientar que além dos estudos sobre a Série Fontes, em
diferentes formatos e estilos, tais como: artigos, dissertações, teses e livros, têm-se os publicados em
diversos periódicos, como: A República, O Estado, A Notícia, O Apóstolo, Ecos da Semana, O Tico-Tico
e Sul: Revista de Circuito da Arte.
28
Fontes 1998
Carla D’Lourdes do
Nascimento
―Sagrado dever é servir à Pátria‖: A
educação cívico-patriótica na Série Fontes
Dissertação –
2003
Denise de Paula Matias
Prochnow
Lições da Série Fontes no contexto da
Reforma Orestes Guimarães em Santa
Catarina (1911-1935)
Dissertação –
2009
João Fernando Silva de
Souza
Fé, Trabalho e Amor à Pátria: Os livros da
Série Fontes construindo brasileiros no
Estado Novo – 1937-1945
Dissertação –
2010
Ada Carolina Freitas
Fontes
A contribuição das Lições de Coisas da Série
Fontes para a instrução elementar no período
de 1920 a 1950
Dissertação –
2011
Vindomar Silva Filho A Série Didática Fontes: Autoria e Ato Ético Tese – 2013
Nicholas Cardoso Gomes da
Silva
Série Fontes: Reflexões sobre as ideologias
presentes nos textos de leitura
Dissertação –
2016
Ana Maria Martins Coelho A Secretaria da Justiça e sua com a Educação Livro - 1985
José Isaías Venera Tempo de Ordem: a construção discursiva do
homem útil
Livro – 2007
Celestino Sachet Professor Fontes - História e Memória Livro – 2013
Armem Mamigonian e
Marli Auras
Professor Fontes – Pensamentos, Palavras e
Obras
Livro – 2016
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
Como podemos verificar no quadro 1, há mais artigos do que dissertações, e há
apenas uma tese sobre a Série Fontes. Verifico, quanto a esse número de artigos, que
parte deles é uma extensão das pesquisas de mestrado. Isso me leva a pensar que há
mais a ser dito sobre essa fonte.
Os estudos da Série Fontes, de modo geral, mesmo só adquirindo maior
visibilidade a partir da primeira década dos anos dois mil, em que o uso dessa fonte de
pesquisa, conforme a história cultural, vieram ganhando espaço, mediante o que
podemos classificá-la como importante documento para a história da educação do
estado de Santa Catarina. Os fragmentos de pesquisa que farão parte de uma trama
maior, produzindo a história, discorrem sobre uma passagem do processo educacional
em Santa Catarina, em um período que compreende os anos entre 1920 a 1950. Vou
falar com simplicidade, mas com muito respeito, dos lugares por onde passaram os
pesquisadores, e das coisas que são relevantes. É um convite para estar por dentro de
todo o sacrifício, do saber fazer acerca de um tema, que ajudam a compreender a
complexidade da vida de um pesquisador; pois compreendo que em cada uma das
pesquisas reside a narrativa de sua produção, de suas travessias, de suas descobertas,
29
aspirações e apropriações. É um olhar de perto, pois atrás de cada pesquisa está contida
uma história outra.
As pesquisas elencadas no quadro 1 se entrelaçam nas tramas de um passado, de
um homem com vida privada e pública; tratam de uma série de livros de leitura que
esteve presente no cotidiano escolar, de quatro gerações de crianças catarinenses, feito
fios que buscaram apertar os pontos entre a religião, a política, a educação e a família.
Essas pesquisas nos colocam em uma estrada e levam a olhar pelo retrovisor da história
da educação, por meio de uma das fontes de relevância para a história cultural: o livro
didático, ou escolar e ou de leitura. Sustentado e movido pelo desafio de conhecer o já
construído e produzido, para, depois, buscar o que ainda não foi feito, dediquei minha
atenção a um número considerável de pesquisas realizadas com o intuito de dar conta de
determinado saber que se avoluma cada vez mais rapidamente, a fim de divulgá-lo para
a sociedade. Todos esses pesquisadores trazem em comum a opção temática, por
constituírem pesquisas e também avaliações do conhecimento sobre o tema que escolhi
como pesquisa.
O curso em que os trabalhos serão apresentados não segue a ordem cronológica
de suas publicações, mas a sequência que foram encontrados durante o levantamento de
dados, realizado em 2016 e 2017.
1.1.1 – OS ARTIGOS
Na elaboração de trabalhos acadêmicos, o artigo científico se caracteriza pela
descrição e apresentação de dados resultantes de uma pesquisa realizada seguindo um
método científico. Um artigo científico deve obedecer à linguagem e métodos próprios
da área da ciência para a qual é feita a investigação. O que veremos a seguir são
apontamentos feitos com base nos estudos realizados por pós-graduandos e
pesquisadores que usaram a Série Fontes como fonte.
O cenário público, aparentemente, é um veículo em que muitas pessoas
escrevem sua história. Podemos pensar que, também no período em que foram editados
os livros de leitura da Série Fontes, esse era o caminho a ser trilhado, como sinalizam
Hoeller e Daros (2011, p. 2): ―Participar do cenário público aparenta ser algo próprio
aos intelectuais, naquele momento histórico brasileiro. Miceli (1979) destaca os anos de
30
1920 e 1930 como um período de intensificação da presença da intelectualidade na cena
pública‖.
O artigo escrito por Solange Aparecida de Oliveira Hoeller e Maria das Dores
Daros para o VI Congresso Brasileiro de História da Educação, em 2011, intitulado
―Henrique Fontes: um intelectual no contexto educacional catarinense da primeira
república (1910-1930)‖, apresenta um breve discurso da produção intelectual de
Professor Fontes como ―produtor de capital simbólico‖ (DAROS; HOELLER, 2011, p.
8). As autoras falam sobre as obras desse intelectual e destacam a Série Fontes ―como
modos de escolarização para as crianças, correspondentes também aos anseios de um
projeto de civilidade e moralidade, pretendido pelo Estado e também por toda a nação
brasileira‖ (DAROS; HOELLER, 2011, p. 8). Destacam, ainda, que ―As obras didáticas
– Série Fontes – representavam-se tanto material como simbolicamente. Fossem pelo
ensinamento do conteúdo dos seus textos (de acordo com as matérias escolares) ou por
sua condição simbólica, diante das condutas a serem inculcadas‖ (DAROS; HOELLER,
2011, p. 8).
Já José Isaias Venera (2002, p. 2), em seu artigo intitulado ―Produzindo o
homem útil: a Série Fontes distribuindo saberes e disciplinando corpos‖, tem como
objeto de pesquisa a ―noção de homem útil, observando a partir das Lições de Leitura da
Série Fontes, a diretriz como as crianças devem agir, pensar, e sentir‖, utilizando-se do
conceito de disciplina na perspectiva de Michel Foucault (1998). Venera, ao utilizar-se
da Série Fontes como objeto de pesquisa, destaca que esse material didático, empregado
nas escolas públicas catarinense, contempla os ideais importantes que marcaram esse
período histórico, ―possibilitando observar que tipo de sujeito que se pretendia produzir
neste momento e, principalmente, no Estado Novo (1937-1945), marcado por medidas
fortemente autoritárias‖ (VENERA, 2002, p. 2).
Em 2015, Cintia Gonçalves Martins e Marli de Oliveira Costa escreveram ―Os
livros de leitura da Série Fontes e a moral cristã na educação das crianças de Santa
Catarina (1920-1950)‖, para o XXVIII Simpósio Nacional de História, com o objetivo
de dar visibilidade à religiosidade apresentada nos textos da Série Fontes usando como
fonte de análise o Terceiro Livro de Leitura: ―A escolha pelo terceiro livro de leitura
deu-se por este artefato conter uma quantidade significativa de textos religiosos em
relação aos outros da Série Fontes‖, que ―contribuiu na formação de uma geração que
viveu em Santa Catarina entre os anos de 1925-1950‖. (MARTINS; COSTA, 2015, p.
31
1). Para as autoras, essa Série demonstrou uma das formas que o governo da época
utilizou para fazer chegar até as famílias sua ideia de nação, dentro de um caráter
religioso cristão, ―sendo que esses materiais regulavam os sentidos das crianças,
transformando-as em crianças exemplo de bondade, de compaixão, de amor e
responsabilidade perante a nação‖ (MARTINS; COSTA, 2015, p. 14), caindo sobre
ombros, ainda em formação, um peso muito grande. Martins e Costa, (2015), concluem
que: ―Com a realização desta pesquisa é possível afirmar que o Estado e a Igreja
Católica estiveram por muitos anos ligados para alcançar os mesmos objetivos, de
controlar a população através de diferentes mecanismos‖ (MARTINS; COSTA, 2015, p.
15).
A Série Fontes também inspirou Marli de Oliveira Costa e Maria Stephanou, que
no ano de 2012 publicaram um artigo em espanhol intitulado Memorias de lecturas de
infancia – La Série Fontes en Brasil (1925-1950). O estudo das autoras desenvolveu-se
a partir de análises realizadas com adultos, da região de Criciúma/SC, que tiveram
contato com a Série Fontes em seus primeiros anos escolares, no período da década de
1940. Essas entrevistas as ajudaram a identificar a forte influência que essa Série teve
nessas pessoas, ao ponto de muitas lembrarem, ainda hoje. Segundo as autoras, a
maioria dos textos lembrados pelos entrevistados tinha ―caráter persuasivo‖, onde as
crianças recebiam informações moralistas, como por exemplo, nas lições do Primeiro
Livro de Leitura: ―O Trabalho‖; ―O macaco intrometido‖; ―O menino chorão‖; e do
Segundo Livro de Leitura, a lição ―Gratidão‖. Elas afirmam, ainda, que os entrevistados
guardam dessas lições recordações que os levaram a constituir suas histórias. A Série
Fontes, segundo as autoras, marcou gerações e traduz sentimentos de formação por
meio das narrativas contidas.
Na busca de respostas sobre higienismo e eugenia, Nicholas Cardoso Gomes da
Silva publicou três artigos relacionados à temática, dois em 2015, durante sua pesquisa
de mestrado7, e um em 2016, após a conclusão da dissertação. Os artigos são: O
higienismo e a eugenia nos livros de leituras da coleção fontes usados no processo de
alfabetização da Educação Primária de Santa Catarina no início do século XX
(jun/2015); O higienismo e a eugenia nos livros de leituras da coleção fontes usados no
processo de alfabetização da Educação Primária de Santa Catarina no início do século
7 Será tratada junto às demais dissertações no próximo item.
32
XX (dez/2015); Série fontes: reflexões sobre as ideologias presentes nos textos de
leitura (nov/2016). Suas inquietações levaram-no ao encontro da Série Fontes.
Embasado por essas obras, especificamente a Cartilha Popular e o Primeiro Livro de
Leitura, ambos escritos e editados em 1920, objetivou discutir o Higienismo e a
Eugenia na educação primária do Estado de Santa Catarina, na primeira metade do
século XX. Essas fontes de pesquisa lhe possibilitaram verificar e saber sobre as ideias
pedagógicas daquele período, bem como sobre o processo civilizador que vivia a nação
brasileira por meio dos ideais nacionalistas estabelecidos pelo governo da época, dentro
de um contexto vivido. Para o autor, a Série Fontes dá conta do que prescrevem as
ideologias de Higiene e Eugenismo: ―Contendo preceitos Eugênicos e Higienistas, a
coleção buscava formar sujeitos obedientes às novas Instituições instaladas com a
República e acatar as decisões da nova elite dominante‖; e acrescenta, ainda, ―os textos
falavam sobre o contexto histórico do país na época, ou melhor, eles objetivavam
divulgar os imaginários do período, o que se almejava para a sociedade brasileira‖
(SILVA, 2015, p. 63). Nessa perspectiva, Silva (2016) considera que a Série Fontes, que
esteve presente por um longo tempo na educação de crianças catarinense, se constitui
como documento relevante:
Serviu como um dos instrumentos do projeto nacional republicano
civilizador, com vistas ao desenvolvimento da nação, porém o Brasil
não chegou ao tão desejado status capitalista de país desenvolvido, nem
também moral ou justo, como ―pretendiam‖ os preceitos, que realmente
tinham por pretensão mascarar as reais situações nas quais a sociedade
dessa pátria era constituída. As verdadeiras mazelas que a população
digladiava foram sucumbidas nos textos, sendo em algumas raras
exceções servindo de lição às gerações futuras. (SILVA, 2015, p. 9).
Como podemos perceber até aqui, a Série Fontes representa parcela da história
da educação em Santa Catarina, sintonizada com um projeto de formação do bom
cidadão: projeto nacional republicano e civilizador.
Em um artigo intitulado ―Série Fontes: ideias pedagógicas modernas no ensino
primário de Santa Catarina‖, publicado em outubro de 2014 para o XIV Encontro
Regional de História – 1964-2014: 50 anos do Golpe Militar no Brasil, Valéria
Aparecida Shena também se utilizou dos livros da Série Fontes para entender como se
dava o processo de produção e apropriação dos ideais pedagógicos no ensino primário
do estado de Santa Catarina. Pautadas nas ideias de Roger Chartier (1990), a autora faz
33
suas análises sobre a Série Fontes e ressalta que ―As obras, os discursos só existem a
partir do momento em que se tornam realidades físicas, estão inscritos nas páginas de
um livro, são transmitidos por uma voz que lê ou conta, são ouvidos na cena de teatro‖
(SHENA, 2014, p.284). Shena verificou que a Série Fontes traduz adequação de leitura
às finalidades educativas da época, dentro dos preceitos morais e cívicos.
Em seu artigo ―Uma Memória Institucionalizada: os livros escolares e a história-
pátria, (1999)‖, Paulete Maria Cunha dos Santos aponta que a Série Fontes é usada para
o projeto educacional em Santa Catarina no início do século XX. Segundo a autora,
esses livros apontam um recrudescimento do nacionalismo, retratado nas lições dessa
série, como por exemplo: "O menino estudioso, obediente, leal e cuidadoso de suas
obrigações será depois um cidadão excelente‖ (SANTOS, 1999, p. 23). A educação
aparece destacada como redentora de uma nação. Para a autora, a ―Série Fontes
representa uma das medidas encaminhadas pelo governo de Santa Catarina, para
administrar a instrução elementar nas escolas públicas do Estado‖ (SANTOS, 1999,
p.24). Ou seja, os conteúdos dessa Série dão significados ao nacionalismo válido
durante o Estado Novo, se estendendo até a década de 1950, ano de sua última edição.
No artigo intitulado ―Livros didáticos e memórias: Heróis e mitos catarinenses
nas primeiras décadas do século XX‖, em 2013, Cristiani Bereta da Silva e Helena
Gabriela Mollmann Gasparini narram sobre os livros didáticos de História e como são
importantes para a pesquisa em História da Educação, pois
Os livros didáticos de História são suportes de memória que auxiliam
a fixar sentidos sobre determinados acontecimentos, possibilitando ao
pesquisador analisar o campo de disputa sobre as memórias que cada
sociedade deseja preservar e quais pretendem esquecer. Assim como
os demais produtos culturais que circulam nas escolas, os livros
didáticos também produzem o social, o cultural e o político (SILVA;
GASPARINI, 2013, p. 1).
Segundo as autoras, os livros didáticos são ―importantes mediadores e
produtores de identidades‖, difundindo e consolidando uma memória coletiva, e, a Série
Fontes traduz essa memória num discurso em que destaca as figuras políticas influentes
e os heróis propriamente catarinenses, bem como seu formato que ―trouxe inovações
que adentravam diferentes âmbitos da educação infantil e juvenil‖ (SILVA;
GASPARINI, 2013, p. 6). Silva e Gasparinni destacam que pouco se fala das mulheres
e com as mulheres, e quando isso acontece, tratam ―somente aquelas que são
34
relacionadas como personagens de ‗grandes feitos‘ e sacrifícios pela pátria‖ (SILVA;
GASPARINI, 2013, p. 7).
O último artigo localizado foi publicado em 2010, por Cristiani Bereta da Silva e
Maria Bernadete Ramos Flores, com o título: ―Gênero e Nação: A Série Fontes e a
virilização da raça‖. O objetivo das autoras era ―perceber como nesse processo de
formação de cidadãos e de construção da idéia de pátria moderna e civilizada, as
pedagogias prescreviam o ethos da virilidade para almejar o progresso da Nação‖
(SILVA; FLORES, 2010, p. 77).
Segundo as autoras, essa Série está sintonizada com o projeto de nação
constituído naquele período. Em seus textos de leitura se percebe que há valorização e
ênfase do civismo, do patriotismo, uma abordagem centrada no ufanismo patriota. Por
entenderem que a ―história não nasceu pronta‖, as lições da Série Fontes têm muito a
nos dizer:
Assim como outros livros didáticos utilizados nas escolas no passado
e no presente, bem como as seleções de conteúdos a serem ensinados,
atuam como mediadores entre concepções e práticas políticas
culturais, tornando-se parte importante da engrenagem de manutenção
de determinadas visões de mundo e de história. (SILVA; FLORES,
2010, p. 84).
O modelo do herói masculino perpassa por quase todos os textos de forma
excêntrica: ―Não faltam exemplos, seja através de lições para meninos, como os temas
relativos ao escotismo, seja através de grandes audácias, como Silva Jardim, herói da
República, segundo José do Patrocínio‖ (SILVA; FLORES, 2010, p. 95). Nessa
exaltação ao homem viril, presente nos textos da Série Fontes, há quase uma ―ausência‖
da mulher, submetida a uma ―macrologia‖8, colocando-a em um patamar de fragilidade,
de doçura. Para as autoras, os textos da Série Fontes representam uma sociedade
tipicamente masculina e, nas escolas, serviram como veículos de discurso de poder, que
validavam o projeto nacionalista da época.
As pesquisas citadas ganharam caráter nacional, e até internacional, como é o
caso do artigo de Marli de Oliveira Costa e Maria Stephanou (2012), uma vez que estão
em revistas, periódicos, fóruns, congressos de renome, em que o pesquisador e o leitor
8 É o conjunto de estudos teológicos acerca de Maria, mãe de Jesus Cristo na Igreja Católica. Disponível
em: <https://www.significados.com.br>. Acesso em 22 jan. 2018.
35
curioso sobre essas temáticas acessam periodicamente para produzirem saberes e
fazeres em suas áreas específicas. Isso nos faz pensar que a Série Fontes, mesmo sendo
produzida para as crianças das escolas de Santa Catarina, tem relevância para a História
Cultural e conta uma parte da história da educação. Focaliza também a política
catarinense, por meio de seu autor/organizador, bem como pelos autores das lições
inseridas nessa obra. Essas são constatações pelas quais busco, também, nas
dissertações e tese.
1.1.2 – AS DISSERTAÇÕES
É usual que algumas pesquisas busquem reconstruir parte da trajetória da
educação usando como fonte de pesquisa livros didáticos. Estes têm sido utilizados
enquanto fontes e objetos de análise de pesquisas em História da Educação. Alain
Choppin, em ―O historiador e o livro escolar‖, assinala que apresentam identidade
histórica: ―[...] constituem um testemunho escrito‖ (CHOPPIN, 2002, p. 14). Já
Munakata (2016) afirma que o livro: ―[...] é, em primeiro lugar, o portador dos saberes
escolares, um dos componentes explícitos da cultura escolar. De modo geral o livro
didático é a transcrição do que era ensinado, ou que deveria ser ensinado, em cada
momento da história da escolarização‖ (MUNAKATA, 2016, p. 13).
As investigações aqui referenciadas se dedicaram à análise de exemplares da
coleção de livros da Série Fontes, utilizada entre as décadas de 1920 e 1950 em escolas
primárias de Santa Catarina. Optei por apresentar as dissertações em ordem cronológica,
conforme o quadro 1, diferente dos artigos, por verificar que aquelas são base de
estudos e de fundamentação teórica de uma para as outras.
Parto, primeiramente, da pesquisa feita por Paulete da Cunha dos Santos (1997),
com o título de Protocolo do Bom Cidadão – Série Fontes: Lições de moral e civismo
na organização da educação em Santa Catarina (1920-1950). A dissertação está
organizada em quatro partes. A autora vê a Série Fontes como um documento conectado
a um ―momento de recrudescimento do nacionalismo (SANTOS, 1997, p. 6)‖, que está
retratado em suas lições. Na introdução a autora informa como foram feitas as escolhas
dos livros de leitura da Série Fontes, e, como objeto de pesquisa teve o objetivo de fazer
uma análise mais acurada, bem como devido a sua importância para a educação em
Santa Catarina. Um dos pontos relevantes citado está no tempo em que a Série Fontes
36
esteve presente nas escolas catarinenses: ―A partir de dados cronológicos obtidos,
constata-se um acontecimento da maior relevância, ou seja, a Série Fontes fez parte da
educação, de pelo menos duas gerações, já que ela teve grande circulação em todo o
Estado‖ (SANTOS, 1997, p. 9).
Para elucubrar sobre a pertinência dessa obra, a autora faz uso de João Amós
Comênio (1592-1670), pois percebe aproximações da Didactica Magna9, com os
fundamentos da Série Fontes.
Nele encontramos alguns fundamentos similares ao da Série Fontes e
da instrução pública em Santa Catarina dos quais destacamos: 1) O
homem é a mais elevada, a mais absoluta e a melhor de tôdas as coisas
criadas. 6) Só pela educação se pode formar o homem. 7) Um homem
pode mais facilmente ser formado na juventude e não pode ser
adequadamente formado senão nesta idade. 9) Todos os jovens de
ambos os sexos deveriam ser enviados à escola. 10) A instrução dada
nas escolas deveria ser universal. Percebemos nesta lógica os preceitos
que igualmente orientam a Série Fontes tais como: o saber, a virtude e
a composição do caráter humano. (SANTOS, 1997, p. 39).
Esses fundamentos instruem a educação pública em Santa Catarina e servem
como base para a organização da Série Fontes e o que seu autor tinha como ideal.
Santos destaca, ainda, as ideias de Mirian L. Moreira Leite (1990) para ajudá-la na
organização de suas hipóteses: ―O pensamento nacionalista brasileiro foi construído
durante o século XIX, através de vários processos paralelos: lutas armadas, medidas
políticas, obras literárias e um esforço concentrado de europeização e modernização do
país‖ (SANTOS, 1997, p. 65). Assim, a Série Fontes prescrevia o que estava dito na
composição das lições.
Já no Capítulo III, inicia suas análises do Terceiro e do Quarto Livro de Leitura
e verifica que dentre os escritores presentes, os franceses parecem indicar o sentimento
universal que o Professor Fontes queria para sua obra:
Constatamos na Série Fontes, a partir do Terceiro e Quarto Livro o
acréscimo de citações de autores nacionais e estrangeiros ao final das
lições. Desse modo, os alunos são iniciados no pensamento de
escritores prestigiados, entre eles os brasileiros Rui Barbosa e Olavo
Bilac e dos romancistas franceses Alexandre Dumas Filho e Victor
Hugo. A presença dos escritores franceses parece indicar a
9 Didactica magna, ou Didática Magna, também conhecido por Tratado da Arte Universal de Ensinar
Tudo a Todos. É um livro de Comenius publicado em 1649.
37
possibilidade de um saber mais cosmopolita, além, é claro, do fascínio
que a França exercia na elite intelectual do Brasil. (SANTOS, 1997, p.
88).
Segundo a autora, a partir da leitura as crianças aprendiam, por meio de
escritores renomados, os valores a serem apreendidos, e que também realçam os
princípios positivistas que aparecem na Série Fontes; como a exaltação à bandeira e ao
hino nacional. A autora descreve que o teor das lições contidas nos livros da Série
Fontes revela a tônica desenvolvida pelos intelectuais que pretendiam a salvação da
pátria:
A aproximação entre o corpo humano e a sociedade significa o
organismo individual e o organismo social. Nesse sentido, o
desenvolvimento do corpo total depende de cada uma das partes
integradas. Enfim, do desenvolvimento individual depende o
desenvolvimento social. (SANTOS, 1997, p. 109).
Desse modo, as configurações sociais dão elementos para os encaminhamentos
conceituais que reproduzem os indivíduos. Por fim, a autora salienta que o apostolado
do Professor Fontes e dos intelectuais nacionalistas da época tinha como objetivo
incentivar o cuidado consigo e, a partir, disso com os outros, ou seja, orientar e formar o
cidadão consciente, visando a defesa nacional, pois esse teria presente seus deveres para
com a família, a sociedade, a pátria e a humanidade.
Esse apostolado (referindo-se às ideias de Professor Fontes e dos
intelectuais nacionalistas da época) pode traduzir-se em: orientar os
hábitos de higiene para conservação da saúde, e formar o cidadão
excelente, que irá lutar pela defesa da nação. Enfim, um cidadão
civilizado, fruto da ―raça nova‖ e por isso consciente de seus deveres
para com a família, a sociedade, a pátria e a humanidade. (SANTOS,
1997, p. 114, grifo nosso).
Essa orientação na formação do cidadão consciente se traduz na conservação dos
bons atos e tudo que o torna ―civilizado‖, ou seja, deveres a serem cumpridos. Ações
presentes também nas análises da dissertação a seguir.
A segunda dissertação que apresento é de Mara Aguiar Souza Preuss (1998),
intitulada ―A correspondência epistolar de Professor Fontes‖. A autora organizou esse
material em sete partes: I – Introdução (com três subitens); II – A Correspondência
38
Epistolar; III – Deo Gratias!; IV - Bibliografia; V – Índice Analítico; VI – Índice das
Cartas; VI – Apêndice (cópia das cartas transcritas).
Para Preuss (1998), a relevância desse estudo se dá pelo fato de que o Professor
Fontes, ao transitar por vários seguimentos da política do Estado de Santa Catarina, tem,
em suas correspondências, elementos relacionados à educação, à história e às letras.
Com esse trabalho, se autoriza a homenagear o intelectual Professor Fontes. Os estudos
sobre ele se deram após conhecer algumas de suas obras: A Cartilha Popular, Os Livros
da Série e o livro A Beata Joana Gomes de Gusmão, no momento em que auxiliava um
colega em seu projeto fotográfico sobre Barreiros Filho. Segundo a autora, houve um
encantamento por todo o material que lhe foi apresentado, no qual percebeu o quanto o
Professor Fontes era cuidadoso com as suas correspondências. Preuss o compara a
Mario de Andrade, pois ambos mantinham com seus correspondentes, ―uma carinhosa
relação de posse‖ (PREUSS, 1998, p. 10). Ela nos convida a ver, nas cartas, a
possibilidade de contar a história da educação de Santa Catarina e do Brasil.
Outra informação caracterizada pela autora é a correspondência epistolar que
matinha com Padre Tomás, seu irmão, onde expõe sobre a Série Fontes. Em nota de
rodapé nº27, página 18, a autora apresenta um trecho da carta em que o Professor
Fontes fala com clareza o objetivo dessa série:
Tenho, porém, a eles ligado o meu trabalho e o meu nome e daí vem à
estimação que lhes voto. Além disso, são mais baratos do que outros
quaisquer, prestando assim auxilio aos desprovidos. Essa modicidade
de preço foi um dos motivos de sua elaboração. Outro, - e não menos
poderoso, - foi incluir neles o nome de Deus, que em outros fora
simplesmente omitido. (PREUSS, 1998, p. 18).
Desse modo, verificamos que a religiosidade era uma constante nessa Série,
colocando presente os preceitos religiosos do Professor Fontes – o cristianismo. Assim,
ao apresentar a Série Fontes, a apresentadora destaca a sua função social para a
educação em Santa Catarina, os objetivos do autor/organizador, bem como a relevância
desse material como fonte, o que nos dá subsídios que ajudam a conhecer um pouco
mais da educação brasileira no período em que foi escrita e editada.
A terceira dissertação que apresento é de Carla D‘Lourdes do Nascimento
(2003), intitulada ―‗Sagrado Dever é Servir à Pátria‘: A educação cívico-patriótica na
39
Série Fontes‖, a qual está organizada em cinco capítulos, considerando a introdução e as
considerações finais.
A pesquisadora inicia informando que nos anos de 1930 aconteceu a expansão
no mercado de livros, com inúmeras editoras, que deram eco ao discurso do Estado e
que as ideias de nação estavam se aproximando ainda mais da população, por meio do
campo educacional, em que os livros e as revistas pedagógicas divulgavam os ideais de
patriotismo: ―O livro de leitura era um dos meios para divulgação desse discurso, por
meio do qual se instruía a criança desde a tenra idade‖ (NASCIMENTO, 2003, p. 8). A
autora destaca que, além de disseminar a campanha nacionalista, esses livros de leitura
―eram o principal elemento na campanha de alfabetização por todo o país‖
(NASCIMENTO, 2003, p. 9), que proclamavam uma campanha do Governo Vargas: a
Cruzada Nacional da Educação e a escola tinha a responsabilidade de ―desnalfabetizar‖
aos que eram vistos como ―peso morto‖, para que se tornassem em ―trabalhador
disciplinado, ordeiro e obediente‖ (NASCIMENTO, 2003, p. 9).
Para entender como a identidade educacional nacional se estabelecia no estado
de Santa Catarina, a autora objetivou analisar as ―motivações que objetivam modelar o
cidadão por meio da difusão de valores cívicos e patrióticos, de como foi forjado um
sentimento de nacionalidade no início da República em Santa Catarina e como se
compreendeu esse sentimento‖ (NASCIMENTO, 2003, p. 12). Assim, para alcançar
seus objetivos e responder suas questões, buscou na Série Fontes elementos que
pudessem validar suas indagações. Enfatiza que a Série Fontes procurava direcionar o
homem num processo civilizador, de autocontrole, e a criança leitora iria se moldando
nesse ambiente, o professor preparando sua mente, dispondo-a e adequando-a ao
trabalho. Para isso, ―A Série Fontes teve como colaboradores abolicionistas,
republicanos, monarquistas, estrangeiros, homens e mulheres, evidenciando meios
diferentes para um mesmo fim, isto é, a união nacional‖ (NASCIMENTO, 2003, p. 14).
O Professor Fontes era um católico fervoroso e seus princípios cristãos aparecem
nas lições da Série Fontes, como assinala a autora, que destaca também que:
Como homem intelectual, Professor Fontes pertenceu ao universo da
nova elite. Homem letrado, bacharel, de orientação humanística
auxiliou e estruturou instituições catarinenses. [...] Como educador-
profissinal, Professor Fontes foi um educador-reformista.
(NASCIMENTO, 2003, p. 30).
40
Outra informação relevante trazida se refere ao Primeiro Livro de Leitura da
Série Fontes ser traduzido para a língua alemã em 1935, no Curso Normal do Colégio
Coração de Jesus, em Florianópolis. Isso é um indicativo que essa Série seguia os ideais
nacionalistas. A política de nacionalização da educação catarinense caracterizava-se
pelos dispositivos federais que determinavam o fechamento das escolas que não
ministrassem o ensino em língua portuguesa. Caso isso viesse a acontecer, o Governo
Federal determinou que, no mesmo local que fosse fechada uma escola estrangeira, o
estado deveria inaugurar uma escola pública.
A autora constata que as lições enfatizam o modelo da família cristã
representado nos primeiro livros da Série Fonte. O trabalho também é destaque da Série,
pois ―Propaga na Série Fontes a instrumentalização do trabalho por meio de discursos
figurativos, exaltados também nos ditados populares, tais como: Quem muito dorme,
pouco aprende ou De pequenino é que se torce o pepino‖ (NASCIMENTO, 2003, p.
86). Imprimia-se na criança a necessidade de compreender e querer bem o país no qual
vivia. Afirma que as ideologias nacionalistas caracterizadas nos livros da Série Fontes
fortaleciam uma consciência de existência nacional, e que ―Neste sentido, percebe-se a
importância que os currículos escolares atribuem ao conhecimento do país, da sua
paisagem e territorialidade, bem como da sua história para desenvolver o sentido e a
consciência patriótica‖ (NASCIMENTO, 2003, p. 97).
Por fim, acrescenta: ―[...] a Série Fontes auxiliou o governo catarinense na
construção e afirmação dos semióforos nacionais e na inculcação do sentimento de
pertença a um solo, ultrapassando a temporalidade do governo varguista‖
(NASCIMENTO, 2003, p. 112). Enfatiza ainda que essa Série foi a primeira coleção de
livros de leitura catarinense para o ensino primário editado no próprio Estado e que,
além de ter um outro ponto relevante e diferencial entre as demais coleções do período,
priorizou a formação das crianças de acordo com os preceitos do catolicismo.
O que vimos até aqui é que as pesquisas demonstram que a Série Fontes não
estava atrelada somente a alfabetização das crianças de escolas públicas catarinenses,
mas reforçava hábitos de patriotismo, brasilidade e de higiene, reunidos nas lições em
fábulas, poesias e pequenos contos.
A quarta dissertação que apresento é de Denise de Paulo Matias Prochnow
(2009), intitulada ―Lições da Série Fontes no Contexto da Reforma Orestes Guimarães
em Santa Catarina (1911-1935)‖.
41
Entendendo o livro didático como objeto cultural, a autora faz uso dos conceitos
de Roger Chartier (2002), quando esse autor diz que o livro expressa valores, atitudes e
representações homogêneas da sociedade que o produziu. Nesse sentido, toma a Série
Fontes por julgá-la um ―valioso documento para conhecer valores, perfis e
sensibilidades, se não do povo catarinense, daquilo que seu autor, o Professor Fontes,
projetava como ideal a ser ensinado nas escolas públicas primárias‖ (PROCHNOW,
2009, p. 15). Prochnow vê na Série Fontes uma expressão do que vivia o país naquele
período, com os objetivos e ideais específicos: ―Produzir o cidadão político, civilizado,
patriota, higiênico e trabalhador foi o objetivo da escola republicana e de suas lições
diárias‖ (PROCHNOW, 2009, p. 16).
A pesquisadora escreve sobre o projeto de modernidade e como o estado de
Santa Catarina se apropriou das ideias de processo civilizatório: homogeneização,
uniformização e padronização dos métodos de ensino, dentro dos propósitos que o
estado de Santa Catarina tinha quanto à necessidade de reforma na instrução pública.
Segundo a autora, os Grupos Escolares foram um divisor de águas na educação de Santa
Catarina. Além dos aspectos físicos dos grupos escolares, nota a adoção de um método
de ensino chamado de Ensino Intuitivo ou Lições de Coisas: ―A nova organização
escolar assegurava a distribuição dosada das disciplinas do programa, facilitando o
progressivo desenvolvimento dos/as alunos/as, desde a classe elementar até o último
ano‖ (PROCHNOW, 2009, p. 34).
A autora enfatiza que a criança tornou-se figura emblemática como simbologia
do futuro, ―carregada de esperança e de certezas do amanhã. Residia na criança
instruída e educada a garantia de um futuro melhor para a nação‖ (PROCHNOW, 2009,
p. 36). Ressalta, ainda, que a criança ganha evidência e respeito nas suas
especificidades, compreendidas com base nos estudos de Comenius, Rousseau,
Pestalozi e Froebel, em que se apregoava o contato das crianças com as coisas. Segundo
a autora, os livros de leitura, da Série Fontes, materializavam e unificavam o ensino por
textos, que buscavam ensinar a formar crianças com valores nacionais: ―Na busca pela
nacionalização da leitura, Orestes Guimarães declarava que um livro de leitura só
deveria ter páginas de nossos prosadores, de nossos poetas, de nossos navegantes, que
descrevessem a nossa terra, o que temos, o que somos, o que seremos‖ (PROCHNOW,
2009, p. 42). Mas as novas obras tinham as crianças como personagens principais,
modelando-as em valores civis. Ainda segundo a autora, privilegiavam temas
42
relacionados à natureza, à família, à escola, ao cotidiano infantil, ao trabalho e ao
patriotismo, ressaltando os valores morais. Afirma, ainda, que o livro didático se tornou
um material essencial para muitas crianças, principalmente das escolas mais afastadas
dos centros urbanos, pois os materiais escolares eram raros e caros, dificultando a
penetração da proposta do método de ensino intuitivo e das lições de coisas.
Sobre as lições e temas da Série Fontes, faz uma análise dos quatro livros da
Série, destacando algumas lições. Ao elencá-las as lições, categoriza os aspectos
peculiares que denominam a metodologia abordada pelo autor/organizador: ―O autor e
organizador Henrique Fontes escolhe para o Primeiro livro lições que dão um
ensinamento de moral, mas com a preocupação de inserir a criança na atmosfera
infantil‖ (PROCHNOW, 2009, p. 91). Afirma, ainda, que ―A Série Fontes, por meio de
suas lições, veiculava estes valores visando formar o pequeno cidadão‖ (PROCHNOW,
2009, p. 92).
Outro ponto relevante, também, é sobre a Religiosidade na Série Fontes, em que
a autora dá destaque aos princípios religiosos de Professor Fontes, distribuídos em seus
livros de leitura. Como sinaliza a autora, essa é uma questão recorrente na Série, e ―é
encontrada como pano de fundo dos mais diversos temas apresentados: família,
natureza, nacionalismo, habitação, estudo, etc.‖ (PROCHNOW, 2009, p. 125-126). A
autora ressalta, ainda, que ao contrário de Francisco Vianna (autor indicado por Orestes
Guimarães na reforma orestiana), que tinha muitas obras escritas para as crianças,
Professor Fontes escreveu apenas a Série Fontes, ou melhor dizendo, ―escreveu apenas
algumas lições sem expressar sua autoria, constituindo-se mais como um organizador da
coleção‖ (PROCHNOW, 2009, p. 139). Assim, podemos verificar que a pesquisa
visitada alcançou seu objetivo e tornou-se uma referência sobre a Série Fontes para
pesquisas posteriores.
A quinta dissertação que apresento é de João Fernando Silva de Souza (2010),
intitulada ―Fé, trabalho e amor à pátria: os livros da Série Fontes construindo brasileiros
no estado novo – 1937-1945‖. Está organizada em cinco partes, cujo objetivo é cruzar
dados acerca da educação em Santa Catarina no período do Estado Novo (1930-1945),
considerando a Série Fontes e depoimentos de pessoas que viveram nesse tempo e
tiveram suas escolarizações embasadas pelos ideais (ação e consequência) dessa Série.
43
As pessoas escolhidas são da Família Nardelli10, moradoras do município de
Laurentino11/SC, que viveram a nacionalização do ensino.
Souza informa o porquê de ter escolhido os livros da Série Fontes para
caracterizar sua pesquisa: ―Esta escolha se deve ao fato de que os materiais didáticos,
autorizados pelo Estado, eram um dos meios de transmissão da brasilidade em Santa
Catarina, ou seja, eram obras escritas em que a política estava igualmente didatizada
entre os mais diversos temas que continham‖ (SOUZA, 2010, p. 12).
O autor verificou, nas entrevistas, que os ideais da igreja católica eram fortes
diante desse povo e que a ―A catolicidade era parte da cultura, do ambiente social em
que viviam e se expressava nas reuniões familiares religiosas, nas missas, nas festas e
em várias tradições católicas que os antepassados trouxeram de Trento‖ (SOUZA, 2010,
p. 33). Ao ilustrar a devoção da fé, ressalta que há um significativo número de textos da
Série Fontes, onde princípios cristãos moldavam a identidade da criança e,
posteriormente, do adulto: ―Para a criança que aprende em casa esse princípio, aprende
também na escola, além das missas, a imagem se consolida como algo natural e
incontestável, uma vez em que todos os ambientes que a criança freqüenta está
legitimando esse conceito‖ (SOUZA, 2010, p. 40).
Em suas análises, Souza enfatiza que as lições pregam: devoção, atributos a
divindade, laços familiares, a obediência, a caridade, a naturalização da pobreza, o
medo, a culpa, ou seja, a cultura da resignação das classes inferiores que vai conferir aos
cidadãos o conforto e este a pacificação popular. Pode-se apreender que as análises de
Souza buscam apresentar o papel do Estado, da Igreja Católica e da Série Fontes dentro
da educação. Ressalta, também, que nos textos da Série Fontes, fé e trabalho se
mesclam, e, o sujeito religioso será um trabalhador para a Pátria. Suas análises buscam
verificar a intervenção da igreja católica na educação catarinense e apontam que os
textos da Série Fontes caracterizam ―o homem moralmente correto é religioso,
trabalhador e patriótico‖ (SOUZA, 2010, p. 56).
10
A Família Nardelli, uma das mais extensas do Alto Vale do Itajaí, da qual alguns membros
proporcionaram a viabilidade do registro das suas memórias sobre o período estudado, se encontra na
região desde 1875, quando os imigrantes Sigismondo Agostino Nardelli e sua esposa Clementina
chegaram à Santa Catarina para fixar residência e produzir as melhores condições possíveis de vida para
seus filhos (SOUZA, 2010, p. 15). 11
O trabalho de campo foi realizado com pesquisas sobre a localidade escolhida, a cidade de Laurentino –
SC, onde se firmaram diversas famílias com predominância de origem trentina, além de outras etnias, que
ao longo do tempo conviveram mutuamente, resultando em uma cultura com características trentina,
italiana e nativa. (SOUZA, 2010, p. 15).
44
O autor faz menção a algumas lições que estão relacionadas à temática trabalho,
em que a criança via, no plano teórico, práticas cotidianas, uma vez que era lapidada
desde a infância visando às virtudes a serem perseguidas e as falhas a serem evitadas:
A escolarização formal do período em questão estava em
concordância com o contexto do campo, como se observa nas lições
dos livros de leitura da Série Fontes. No conjunto das lições em que a
temática envolve o trabalho, percebe–se que se lapidava
gradativamente e persistentemente a criança desde a infância,
ensinando as virtudes e apontando as falhas que são perniciosas para a
lida. (SOUZA, 2010, p. 70, grifos meus).
Desse modo, adverte que o trabalho e a fé permeiam as lições da Série Fontes,
ressaltando que provavelmente, os princípios disseminados por Fontes, nesse exemplo,
o trabalho não eram absorvidos integralmente, pois faziam parte de uma ideologia e
como tal propensa às adaptações à realidade de cada um.
Souza usou os relatos dos entrevistados verificou o modo como aqueles
elucidam a interferência do nacionalismo no processo de escolarização das crianças e
jovens descendentes de imigrantes vivendo em território brasileiro, não sendo apenas
repressor, mas, mostrando a escola como o lugar que os aproximava de outras famílias
brasileiras, que além de se socializarem, aprendiam a língua portuguesa. As crianças
conseguiam abstrair o que era bom nesse processo? O autor evidencia, também, que
havia muita repreensão, instaurando-se o medo: ―Foi um aprendizado idiomático que
acarretou dificuldades, afinal todo processo de educação é um enfrentamento das
limitações para promoção dos conhecimentos‖ (SOUZA, 2010, p. 124).
O autor termina agradecendo à Família Nardelli à possibilidade de fazer relação
do material impresso (Série Fontes e outros documentos) com a memória deles sobre
um período da educação em Santa Catariana: ―Estudar a história da educação de um
povo, de uma parte da população brasileira é se permitir adentrar em um universo muito
rico, de idéias, perspectivas diversas, de etnias e de demonstrações culturais
fascinantes‖ (SOUZA, 2010, p. 158).
A sexta dissertação é de Ada Carolina Freitas Fontes (2011), intitulada ―A
contribuição das lições de coisas da Série Fontes para a instrução elementar no período
de 1920 a 1950‖, está organizada em cinco partes, considerando a introdução e as
considerações finais. Na introdução, a autora apresenta o seu tema de pesquisa: a Série
Fontes. Esses livros se encontram no acervo da biblioteca da família Fontes, da qual
45
Ada faz parte. Outros documentos como ―leis, decretos, resoluções, atos oficiais,
biografias, livros, enciclopédias, anais, fotografias, cartas, anotações em cadernetas
pessoais, discursos e outros escritos, livros escolares, manuais de ensino, regimentos e
programas curriculares‖ (FONTES, 2011, p. 10), também serviram como base de seus
estudos. Os documentos citados são do período entre o final do século XIX e os anos de
1950. O objetivo de sua pesquisa foi ―cotejar as lições de coisas selecionadas na Série
Fontes para demonstrar o enfoque político-pedagógico na formação de
comportamentos‖ (FONTES, 2011, p. 10), ou seja, apresentar ao leitor as mudanças nas
terminologias para definir escola e de que forma se estabeleciam no estado, verificando
a contribuição pedagógica das ―Lições de Coisas da Série Fontes‖, que estiveram
presentes na instrução elementar no Estado de Santa Catarina.
Fontes (2011) apresenta uma informação que até agora não havia sido
mencionada, mas que tem relevância para quem tem como fonte de pesquisa a Série
Fontes, em uma triagem de ensaio em decorrência do pouco tempo para sua elaboração
e da carestia do papel.
No Prefácio da Cartilha Popular, do Primeiro e Segundo Livro de
Leitura, datado em janeiro de 1920, o professor Fontes frisa que ‘[...]
esta edição, devido ao curto espaço de tempo em que foi organizada,
e devido também à carestia do papel, é uma triagem de ensaio, já
calculada para se esgotar no corrente anno lectivo’, evidenciando
uma das estratégias que revelam o projeto pedagógico e social do
governo. (FONTES, 2011, p. 26).
O método pedagógico desses livros é outro destaque relevante a ser observado,
pois, segundo Fontes, não inova com relação ao já instituído.
A Série Fontes não institui novidade no que concerne aos métodos
didáticos e conteúdos curriculares de seu tempo. Pelo contrário,
cuidou em dar continuidade à preparação dos bons costumes e das
virtudes cívicas, anteriormente apregoadas por outros escritores, cuja
finalidade era proporcionar aos alunos uma cultura geral, que pudesse
ser aplicada no cotidiano. (FONTES, 2011, p. 27).
Podemos verificar que Professor Fontes não tinha como objetivo mudanças de
método, seguindo o que outros autores já faziam, num padrão metodológico de ensino
próprio, a partir de seus objetivos, vinculados da época.
46
Outra informação ressaltada pela autora está no Decreto-Lei nº 1.006, de 30 de
dezembro de 1938, em que Professor Fontes requereu junto ao Ministério da Educação
e Saúde, ―a autorização para a adoção, nas escolas primárias, dos livros didáticos, a
saber: Cartilha Popular, Primeiro Livro de Leitura, Segundo Livro de Leitura, Terceiro
Livro de Leitura e Quarto Livro de Leitura‖ (FONTES, 2011, p.85). Aponta que, em 2
de janeiro de 1940, em que o Professor Fontes escreve a seu irmão, padre Thomás
Fontes, para que indagasse junto ao Ministério da Educação e Saúde quem formaria a
comissão que avaliaria os livros didáticos, informando-o quem a comporia, e, se
possível, pedisse aprovação dos livros que organizou, esclarecendo que são de ótima
qualidade e de baixo custo. Parece-nos que o Professor Fontes queria que seus livros
chegassem a todo Brasil, uma vez que já estavam nas escolas públicas catarinense desde
1920.
A autora enfatiza, ainda, que o autor/organizador da Série Fontes,
[...] imprimiu um tratamento antológico ao reunir textos de diversos
autores de natureza e procedência variada. [...], revela um pensamento
pedagógico coerente com os processos didáticos mais avançados da
sua época ao tornar visível, audível, oloroso, saboroso e sensível
múltiplas lições de coisas que permeiam o coração, a mente e a alma
dos leitores infantis. (FONTES, 2011, p. 91).
A constatação sobre as lições exalta a Série Fontes como elemento avançado à
sua época, dando a entender que esse material tinha todos os suportes necessários para
colocar em prática o projeto de seu autor num modo ―sensível‖ que chegasse ao
―coração e mente‖ das crianças.
Nas Considerações Finais, Fontes afirma que o ensino popular estava ganhando
espaço nas discussões filosóficas e metodológicas de países estrangeiros e os
procedimentos de ensino e materiais escolares, até então utilizados, precisavam de uma
revisão. Santa Catarina passou a receber atenção dos governantes e a instrução escolar
deveria ser remodelada. Dentre as ações para isso, a autora destaca a adoção obrigatória
de livros de leitura e manuais escolares, conforme o nível de ensino. E que com a vinda
de Orestes Oliveira Guimarães ao Estado de Santa Catarina, a instrução pública
catarinense teve uma nova organização, tendo o livro de leitura como material
pedagógico apropriado. A educação estava voltada para a educação moral e a cívico-
patriótica, onde a formação do caráter do aluno configurava-se na interação com os
47
saberes específicos. A Série Fontes, por meio de seus textos, ―incutia‖ nas crianças o
amor, o respeito, a importância da oração e do trabalho, estabelecendo padrões comuns
de comportamentos e valores.
A sétima pesquisa, intitulada ―Série Fontes: Reflexões sobre a ideologia
presentes nos textos de leitura, escrita por Nicholas Cardoso Gomes da Silva‖, (2016),
está organizada em cinco capítulos, levando em consideração a introdução e as
considerações finais.
As questões que suscitaram a pesquisa partiram do tempo de permanência da
Série Fontes em circulação nas escolas públicas de Santa Catarina e do contexto em que
os livros foram elaborados, bem como se pautaram na pergunta: ―o conteúdo dos livros
da Série Fontes contém ideias de higiene e eugenia?‖ (SILVA, 2016, p. 13). Sobre o
objetivo geral, tem o seguinte foco: ―[...] analisar o conteúdo dos livros da Série Fontes
procurando conhecer até que ponto seus textos contêm ideias dos movimentos do início
do século XX, higienistas e de eugenia‖ (SILVA, 2016, p. 13). Para suas análises, Silva
utiliza-se dos quatro livros da Série Fontes editados entre os anos de 1920-1950.
Segundo o autor, o período em que essas obras permaneceram nas escolas públicas de
Santa Catarina o instigou, considerando as transformações socioeconômicas e culturais
que atravessavam o Brasil e o estado de Santa Catarina naquele período. Ao destacar
essas questões valorativas sobre a relevância da Série Fontes para o contexto
educacional catarinense, Silva define esse material como elemento circunstancial.
O estudo traz um aspecto ainda não mencionado nas pesquisas anteriores o fato
de que os livros de leitura que estavam presentes nas escolas naquele período eram
oriundos de outros países e ou de outros estados. Esse é um elemento que Silva destaca
e que levou o Professor Fontes à organização dessa Série, ao detectar que os livros
antecessores não primavam à realidade de Santa Catarina, indagando-se:
[...] será que, realmente, carecia-se de uma coleção de livros
adequados à realidade de Santa Catarina? De que realidade ele está
falando? Do problema das escolas estrangeiras e ou das colônias
formadas descendente de alemães que mantinham vivas suas origens e
por isso a necessidade de adequar a linguagem para que a ideologia
necessária a ser propagada pela escola alcançasse os objetivos do
projeto nacional em curso naquele momento. (SILVA, 2016, p. 15).
48
Essas indagações também são fios condutores para essa pesquisa, segundo o
autor, pois a preocupação do Professor Fontes é algo que ainda se faz presente durante
as escolhas dos livros didáticos.
A educação em Santa Catarina começa a dar alguns passos, seguindo o modelo
nacional, atendendo as necessidades requeridas pelo momento histórico, e as escolas
públicas de Santa Catarina, em sua estrutura física e organizacional, não estavam
preparadas para tantas mudanças, pois ―funcionam em sua totalidade em casas alugadas
sem as condições pedagógicas e higiênicas indispensáveis a estabelecimentos de
instrução‖ (SILVA, 2016, p. 37-38). Segundo o autor, a escola catarinense vai constituir
a adequação pretendida para o novo cidadão brasileiro que se queria formar.
Para falar sobre ―A Série Fontes na conjuntura da sociedade brasileira e
catarinense‖ (SILVA, 2016, p. 40), o autor destaca o período que o Brasil se adequava
ao modelo econômico mundial: aceleração do processo industrial e a adequação da
educação ao modelo republicano, que segundo o autor, ―objetivava-se incentivar o
modelo burguês de viver, trabalhar e governar, ao mesmo tempo civilizando as crianças
e atingindo os pais, familiares e os que, de alguma forma, tinham contato com os
jovens‖ (SILVA, 2016, p. 45).
Para os estudos sobre o seu objeto de pesquisa, ―Higienismo e Eugenia na Série
Fontes‖ (SILVA, 2016, p. 50), apresenta a análise dos livros, traçada nos seus objetivos,
ou seja, a ocorrência de preceitos oriundos desses dois elementos, no qual entende que
eugenia é:
[...] movimento que aborda o aperfeiçoamento físico e moral das
pessoas, cabendo desde educar até sanear (SILVA, 2016, p.58) e
quanto o higienismo, é um movimento que [...] objetivava ―moldar a
população em geral e, mais particularmente, a população pobre [...],
sob a cultura da higiene [...] em nome da ordem e do progresso.
(SILVA, 2016, p. 59, grifo nosso).
O autor enfatiza que, no Brasil, a eugenia tinha um caráter mais sociológico,
entendendo que essas correntes traziam consigo um discurso ideológico, que segundo o
autor, emergia dos espaços médicos para a instrução pública. Ao fazer as leituras das
lições da Série Fontes, percebeu o quanto esses valores estavam intrínsecos em seus
textos. Sobre as questões de higiene, o autor realça as lições: nº14, ―Higiene da
Habitação‖, Quarto Livro de Leitura, e nº24, ―O Bom Estudante‖, Segundo Livro de
Leitura, nas quais o higienismo é percebido na preocupação com o sono do educando e
49
a necessidade do mesmo em despertar e dormir cedo. Além disso, frisa o cuidado que
cada estudante deve ter com os materiais escolares, respeito com os professores, pais e
colegas.
Outro ponto ligado à higiene é o cuidado que um ―bom estudante
deve ter com os seus materiais; já na temática da eugenia, é o
compromisso com as lições, fazendo sempre com antecedência, assim
como a revisão dos conteúdos. A ausência nas aulas, quando em
excessos, é considerada prejudicial ao desempenho escolar. Por fim, o
respeito e a admiração para com os professores, pais e colegas, bem
como jamais ter atitudes que não o eleve ao título de cidadão útil a
todos. (SILVA, 2016, p. 85, grifos nossos).
Ao terminar suas análises, o autor estabeleceu critérios acerca do higienismo e
eugenia, concluindo que:
[...] as ideias higienistas e de eugenia eram mais que apenas cuidar
da questão física dos indivíduos, era educar para a sociedade
conforme o que uma parte da população requeria. O povo, em sua
maioria, teve que se adequar aos novos rumos que o país estava
tomando, moldando-se física e moralmente, incorporando algumas
atitudes como se fossem as mais corretas e eficientes. (SILVA, 2016,
p. 97, grifos nossos).
E assim sendo, conclui que a Série Fontes constituiu um projeto do que se
pretendia para a época e que a influência exercida pelo Professor Fontes na instrução
catarinense figura princípios ideológicos de higienismo e eugenia.
Os laivos ideológicos oriundos da eugenia e do higienismo integram
algo maior, não exclusivamente catarinense, mas pertencentes ao país
inteiro, o preceito nacionalista necessitava ser largamente
difundido pelo território da nação, nos diversos povoados e cidade.
(SILVA, 2016, p. 98, grifos nossos).
As dissertações apresentam constatações que nos dão elementos para pesquisa.
Verificar as representações de criança na Série Fontes ainda é algo a ser dito, mesmo
sob as verificações já feitas pelas pesquisas mencionadas, nas quais a criança é causa e
efeito do projeto que se tinha para a época. Assim, ao apresentar o ponto de vista dos
autores sobre essa série, indago ainda mais sobre a sua relevância, uma vez que até o
presente momento só foi feita uma tese sobre ela, como veremos a seguir.
50
1.1.3 – A TESE
O caminho que leva à pesquisa nos coloca diante de descobertas, que encharcam
nossos saberes de novos saberes. A tese de Vidomar Silva Filho, intitulada ―A Série
Didática Fontes: autoria e ato ético‖ é um desses achados, defendida no Programa de
Pós-Graduação em Linguística, na Universidade Federal de Santa Catarina, em 2013.
Está organizada em quatro capítulos, considerando também a introdução e as
considerações finais. Sua base teórica está nos estudos de Mikhail Bakhtin. Na parte
introdutória, o autor apresenta-se enquanto pesquisador e fala de sua proposta que é a de
analisar a autoria na Série Fontes. Considerando provérbios que ouvia de sua mãe,
quando era criança, Vidomar percebeu que havia ali uma materialidade, que estava nos
livros escolares da infância dela. O autor buscou os livros — Série Fontes — a que a
sua mãe se referia e encontrou alguns exemplares digitalizados. Ao folhear os livros
percebeu que havia algo a ser descoberto, e o tom patriótico e moralizante de suas lições
o instigou a conhecer mais dessa fonte, assim como de seu autor/organizador.
Então, junto a sua orientadora e com base nos conceitos de Bakhtin, a
investigação girou em torno de sua autoria, numa instância significativa da obra:
―Considerada a importância da Série Fontes, tanto pela longa duração quanto por sua
participação na formação de muitos milhares de crianças catarinenses, é relevante a
verificação do valor ético de sua autoria‖ (SILVA FILHO, 2013, p. 3-4).
Essa constatação levou a fazer a seguinte pergunta de pesquisa: ―Considerando o
contexto sócio-histórico e ideológico da enunciação, as concepções manifestas do autor
e as características de conteúdo temático, composição e estilo da Série Fontes, o
movimento da autoria dessa série didática constitui o ato ético?‖ (SILVA FILHO, 2013,
p. 4).
Quanto às bases teóricas da pesquisa, o autor fundamenta sua pesquisa nos
estudos de Bakhtin e seus comentadores, discutindo alguns conceitos como: ideologia;
signo verbal; língua; enunciado, gênero do discurso, dialogismo; ato ético, sujeito; autor
e autoria. Sobre o nacionalismo e outras ideologias das primeiras décadas da república,
Vidomar destaca as relacionadas ao civismo, positivismo, higienismo e catolicismo.
Quanto à ―A autoria na Série Didática Fontes‖ (SILVA FILHO, 2013, p. 188),
Silva Filho apresenta os seus objetivos ao analisar a Série Fontes; discutir a relação
axiológica do autor com seus interlocutores; discutir a constituição da autoria e o
51
movimento de autoria da Série Fontes como possível ato ético, usando como base os
prefácios dos livros, os gêneros textuais, a autoria dos textos e os discursos
materializados, as escolhas ―estilístico-composicionais‖, a constituição da autoria e seu
possível ato ético. Todavia, parece que os motivos maiores da criação dessa Série estão
em colocar presente nos bancos escolares das escolas de Santa Catarina, a educação
religiosa da qual participava seu autor/organizador Professor Fontes.
O autor reforça, ainda, que a Série Fontes mobiliza discursos que materializam
ideologias que promoveram subsídios ao projeto republicano burguês: Nacionalismo e
Patriotismo; Moral e Civismo; Positivismo e Catolicismo, e que os enredos dos textos
têm um tratamento rebuscado, tratam de valores emergentes do pensamento que
circunscreve os ideais do Professor Fontes:
Podem-se ouvir na Série Fontes – como notas compondo um acorde
cuja dominante é a celebração da Nação – os tons elogiosos à pátria, à
família, à escola, à língua, ao dever, à obediência, aos valores
religiosos, como formadores da nova identidade almejada, o cidadão
republicano. (SILVA FILHO, 2013, p. 373).
Silva Filho constata que a autoria da Série Fontes como ato ético, é ilusória, pois
[...] considerando todos esses elementos, a autoria na Série Fontes não
pode caracterizar-se como ato ético. Ela, efetivamente, não faz
coincidir uma pravda com uma instina, porque as verdade que faz
coincidir são duas intiny, duas verdades abstratas, ambas oriundas de
sua classe, da qual ele não se afastou para enunciar-se. Ao contrário,
sua posição enunciativa de autor permanece ancorada na autoridade
do Estado – instância máxima de poder da classe dominante. (SILVA
FILHO, 2013, p. 378).
Segundo o autor, a autoria da Série Fontes, embasada nas análises supracitadas,
não a caracteriza como ato ético, pois não há diálogo entre os sujeitos plenos.
Tratei até aqui das pesquisas acadêmicas relacionadas à Série Fontes e a seu
autor/organizador, Professor Fontes, abrangendo artigos, dissertações e tese. Na seção
seguinte apresentarei o discurso sobre esse autor em livros publicados.
52
1.1.4 – OS LIVROS: BIOGRAFIAS DE UM INTELECTUAL CATARINENSE
Os quatro livros encontrados são organizados com base em documentos
diversos, num período de imersão que dá visibilidade ao intelectual Professor Fontes.
Essas obras são compostas de materiais enriquecedores que nos apresentam quem foi
esse homem.
A primeira obra, intitulada: ―A Secretaria da Justiça e sua relação com a
Educação‖ Correia, (1985) é uma pesquisa sobre a Secretaria do Interior e Justiça e sua
relação com a educação. A segunda está organizada com dados de uma dissertação, que
teve como foco a Série Fontes. A terceira é uma apresentação de Professor Fontes
considerando o olhar de seus familiares e de amigos. E a quarta, é uma homenagem ao
Professor Fontes por sua trajetória na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
1.1.4.1 – A grafia da história de Professor Fontes: produções literárias,
documentos e palavras.
O livro de Ana Maria Martins Coelho Correia, intitulado ―A Secretara da Justiça
e sua relação com a Educação‖, publicado pela Editora UFSC, é fruto de uma pesquisa
organizada contando com documentos encontrados, em sua grande maioria, no Arquivo
Público do Estado de Santa Catarina, para verificar a ―[...] a criação da Secretaria do
Interior e Justiça e sua relação com a educação‖ (CORREIA, 1985, p. 13). O uso da
Série Fontes como objeto de pesquisa se deu pelo fato de que, segundo a autora, a
mesma contribuiu como o ―[...] conhecimento de um fator que marcou profundamente a
história educacional catarinense‖ (CORREIA, 1985, p. 13). Essa obra está organizada
em dez capítulos, dentre os quais destacamos o Capítulo VI, intitulado ―SÉRIE
FONTES‖. Nesse a autora apresenta os livros da Série Fontes, afirmando que os
mesmos foram,
[...] uma iniciativa pioneira no Estado de Santa Catarina, pois se
considerava a responsabilidade de se cumprir a legislação que tornava
obrigatório estende o ensino a toda a população, inclusive a quem não
possuía recursos financeiros, e, além disso, a necessidade de se
modernizar e unificar os compêndios pedagógicos então em seu uso.
(CORREIA, 1985, p. 31).
53
A autora faz uma apresentação da Série Fontes, iniciando pela Cartilha Popular,
―[...] destinada à alfabetização, é aquele em que julgamos ter existido um maior cuidado
na adequação metodológica e pedagógica‖ (CORREIA, 1985, p. 31). Destaca ainda que
as lições dessa obra apresentam conceitos que reforçam a crença em Deus, o valor da
obediência e da disciplina, formando o cidadão e o cristão. Do Primeiro Livro de
Leitura, salienta que as lições contidas apresentam caráter formativo e moral, ―[...] com
forte embasamento religioso‖ (CORREIA, 1985, p. 32).
Outro assunto abordado é o fato que nas lições há um predomínio de autores
nacionais, que se utilizam de vários gêneros literários e os textos não assinados se
referem a normas de comportamento. Já no Segundo Livro de Leitura, a autora chama a
atenção ao fato de que na sua primeira edição (1920), possuía 56 lições, já na segunda
(1945) constam 87 lições, havendo um acréscimo de 31 lições. As lições enfatizam a
ambientação rural, informações científicas, textos históricos que reforçam os
sentimentos de nacionalidade e da exaltação à Pátria. Outrossim, ―Os textos acrescidos
na edição de 1945 são quase todos assinados, reforçando o conteúdo nacionalista e ético
da edição de 1920‖ (CORREIA, 1985, p. 33), destaca a autora. Sobre o Terceiro
Livro de Leitura, a autora evidencia que na introdução o autor/organizador Professor
Fontes informa que,
[...] não estava mais na Diretoria de Instrução Pública, mas que não se
furtaria do compromisso e interesse que possuía em relação ao ensino
elementar. No Terceiro Livro de Leitura, havia um comprometimento
maior com as questões nacionalistas, com predomínio de textos
referentes aos símbolos e heróis pátrios‖ (CORREIA, 1985, p. 34).
Destaca ainda que, ao fazer comparações entre as edições de 1941 e 1945, não
constatou nenhuma alteração. Sobre o Quarto Livro de Leitura, chama a atenção no que
está escrito na introdução, onde o autor fala sobre um pequeno glossário que ajuda o
aluno na compreensão das lições. Outro ponto abordado é o fato do livro trazer uma
linguagem clássica, de conteúdo predominantemente político e urbano: ―A noção de
patriotismo aparece ligada à nacionalidade, à necessidade de integração racial, na qual
aparecem referências críticas às doutrinas que tentam inferiorizar o brasileiro‖
(CORREIA, 1985, p. 35).
E, na conclusão enfatiza que: ―Focalizamos a Série, numa tentativa de localizar e
delimitar uma área onde a figura do jurista e do educador se mesclava pela estruturação
54
administrativa que o Estado vivia‖ (CORREIA, 1985, p. 37). Embora esse livro tenha
apenas 64 páginas, incluindo os anexos, é de riqueza para quem tem interesse sobre a
história da educação de Santa Catarina.
A obra de José Isaías Venera, intitulada ―Tempo de Ordem: a construção
discursiva do homem útil‖, publicada pela Editora Univali, em 2007, é a reprodução de
sua dissertação de mestrado apresentada em 2003, pela Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI.
O livro está organizado em seis partes, compondo um olhar criterioso do autor
sobre os discursos nacionalistas nas primeiras décadas do século XX.
Com base nos modos de pensar de Franz Kafka (1883-1924), o autor narra os
efeitos ―inquisidores‖ que propunham os programas de ensino de Santa Catarina nos
anos de 1930, numa analogia que cria condições e possibilidades de sujeitos específicos,
úteis à pátria, e com a preocupação de que sua escrita revele os caminhos pelos quais os
sujeitos eram produzidos.
No primeiro capítulo, A grafia da história: fabricando sentidos de educação, o
autor usa fontes como jornais, decretos, livros, programas de ensino, analisando-os em
relação aos discursos de políticos, articuladores e educadores: ―[...] este capítulo faz
uma análise em várias instâncias discursivas que demarcavam a escrita da história, além
da aplicação de medidas que objetivava normatizar a instrução pública no Estado‖
(VENERA, 2007, p. 33).
O segundo capítulo, O homem útil na Série Fontes: a criança entre a docilidade e
o desvio, o autor descreve a Série Fontes, afirmando que essa foi utilizada por três
décadas nas escolas públicas de Santa Catarina, ―[...] enquanto um dispositivo
pedagógico que convocava a criança a ocupar um lugar específico, de submissão total,
ao mesmo tempo em que demarcava a posição e o dever do professor e da família na
formação do futuro cidadão‖ (VENERA, 2007, p. 33).
As imagens trazidas por Venera contam a história política e educacional de
Santa Catarina, como por exemplo, a imagem de uma rua da cidade de Itajaí (1942), em
que aparecem moradores sendo escoltados por policiais, por serem suspeitos de
pertencer a uma organização secreta alemã. Outra é a imagem na qual aparecem alunos,
professores e diretores da Sociedade Alemã de Itajaí, em 1905, em uma
representatividade do Brasil da época que a imigração alemã sofreu retaliações, num
processo conflituoso de nossa história.
55
O discurso nacionalista, segundo o autor, salientava as ideias proferidas pelo
Presidente da República Getúlio Vargas, que defendiam um programa para as escolas
que ―[...] pretendia mudar os hábitos e costumes, principalmente, de descentes de
imigrantes europeus que freqüentavam escolas consideradas de estrangeiros e que
estavam sob influência de um ambiente perigoso para as pretensões do governo‖
(VENERA, 2007, p. 81).
Os efeitos dessa política nacionalista estavam presentes no fechamento de
escolas estrangeiras e na construção de outras de base estatal, com focos culturais para a
manutenção de uma realidade que apareciam nos discursos governamentais. Para
ilustrar esse pensamento, apresenta uma tabela que demonstra como estavam as escolas
na época: 298 escolas particulares mantidas por associações de imigrantes e igrejas, e a
abertura de 472 novas escolas pelo estado, evidenciando que:
O investimento em escolas públicas evidenciou o rígido controle sobre
as escolas, mas se podia perceber, também, o cuidado com a
organização dos saberes, a preocupação com o tempo e o espaço, a
definição do dever do professor e a demarcação da posição que o
aluno deveria assumir. (VENERA, 2007, p. 84).
Com isso, nos informa que a política do estado para a educação estava se
aproximando dos ideais políticos de ordem federal, pois os saberes ressaltavam a
legitimidade desse governo.
O autor apresenta uma relação de livros que foram adotados para as escolas
públicas de Santa Catarina sob o Decreto nº. 2.186, Art 1º, na qual aparece a indicação
da Cartilha Popular e dos Quatro Livros de Leitura organizados por Professor Fontes:
―A seleção dos livros que podiam ser adquiridos pelas escolas e o programa das
disciplinas levam-nos a perceber que o currículo não deixava de ser artefato da cultura‖
(VENERA, 2007, p. 95). Ressalta ainda que, por meio da escola, o Estado defendia
padrões, valores morais e cívicos e buscava eliminar comportamentos não legitimados,
por meio do fechamento de escolas estrangeiras, por exemplo.
Na organização de suas ideias, análises e conclusões, Venera (2007) vê que a
Série Fontes foi um instrumento avaliador de como estava organizada a escola naquele
período. Esses livros, segundo ainda o autor, são exemplares de uma ideologia
representativa na qual se instaurava o pensamento burguês.
56
A Série Fontes seguia um método disciplinador, na qual os conteúdos das lições
enunciavam os ideais republicanos de hegemonia: ―Nessa perspectiva, a Série Fontes
não escapa de uma malha enunciativa em que o discurso é sempre autorizado‖.
(VENERA, 2007, p. 132). O autor ressalta que a Série Fontes aparecia como
dispositivos que articulavam vários discursos, formando hábitos e valores morais de
comportamento, disciplinando corpos na ―construção do homem útil‖ (VENERA, 2007,
p.161), e esse poder disciplinador potencializado pela escola no Estado Novo
qualificava as práticas educacionais organizadas dentro de um sistema, objetivando
controlar as massas.
A terceira obra apresentada é organizada por Celestino Sachet (2013), pela
Editora Insular, intitulada ―Henrique da Silva Fontes: História e Memória‖, que reúne
documentos e depoimentos de familiares e amigos desse intelectual.
Organizada em dez capítulos, a obra percorre a vida e as obras desse intelectual
catarinense, informando ao leitor os acontecimentos, percalços e conquistas, traçando
marcas da personalidade e do trabalho de Professor Fontes. Conforme apresenta o
organizador:
Aqui está a origem e a filosofia desta obra intitulada Professor Fontes.
História e memória, com as duas áreas distribuídas em dez capítulos
que se alongam da apresentação sucinta dos fatos familiares,
profissionais, culturais e memorialistas até uma carta de Altino Flores
a Carlos da Costa Pereira, contemporâneos de nosso homenageado. Os
capítulos centrais giram em torno de dois eixos: atividades na
educação básica: Grupo escolar e vaivém e na educação superior:
Direito, Filosofia e Universidade. Seguem publicações e cartas e, por
último, manifestações da cultura desde o tempo da convivência com o
homenageado até a contemporaneidade. (SACHET, 2013, p. 10).
No capítulo I, de forma cronológica, são apresentados os primeiros passos da
história de vida de Professor Fontes, desde a vinda de seu pai de Portugal para o Brasil,
até a homenagem que recebeu da Universidade Federal de Santa Catarina, com um
busto em comemoração ao 35º aniversário do campus. No capítulo II, Therezinha de
Jesus da Luz Fontes, filha mais moça, descreve o homem, Professor Fontes, como
―figura do centro da família como agente do amor‖ (SACHET, 2013, p. 10). No
capítulo III e IV é apresentada sua história educacional e política, momento em que
também é apresentada a Série Fontes. No capítulo V são apresentadas 24 obras do
intelectual, escritas entre 1931e 1965 e delas são extraídos alguns trechos que ajudam o
leitor a entender o percurso literário de Professor Fontes. Nos capítulos VI e VII estão
57
reunidos textos e datas que detalham a história da cultura catarinense, bem como, cartas
que apresentam a participação de Professor Fontes na educação do Estado. Nos
capítulos VIII, IX e X é o momento em que autoridades e intelectuais homenageiam
Professor Fontes, dignificando o trabalho e a vida desse intelectual.
Vou dar destaque ao capítulo III, onde é apresentada a Série Fontes, que também
é fonte de minha pesquisa, identificando a relevância que é dada para cada obra. Na
página 76 é apresentado um quadro populacional dos anos de 1890 a 1900, no qual
estão registrados os que sabem não ler e os alfabetizados. De um total de 282.100
habitantes do estado catarinense, apenas 55.344 sabiam ler e 226.756 eram analfabetos.
Esses dados foram apresentados para anunciar como se encontrava a alfabetização dos
catarinenses antes da entrada de Professor Fontes no campo educacional. Na página 82
o autor faz menção ao período em que Professor Fontes é nomeado como Diretor de
Instrução Pública (1919) e aos seus argumentos para com o governador, sobre a
impressão da Série Fontes, destacando o baixo custo e a boa qualidade dos mesmos.
Seguindo a proposta do livro, a primeira obra apresentada é a Cartilha Popular:
A Cartilha mostra um cuidado especial com as crianças da zona rural,
já que dentre as 17 gravuras em desfile, segundo a ordem do alfabeto,
sete referem-se à realidade não urbana: boi, gado, pá, sabiá, tatu, vela,
zebu. Na parte final do livro, palavras e pequenas frases referem-se a
normas de comportamento da criança em relação a si mesma, com
outras crianças e com a família. Em resumo, com a educação cívica.
(SACHET, 2013, p. 83).
O Primeiro Livro de Leitura é a segunda obra tratada: ―Ao todo, o livro reúne 38
diferentes histórias condimentadas com humor, quase sempre com personagens que
estão entrando na realidade familiar, que aprendem às próprias custas‖ (SACHET, 2013,
p. 84). Quanto ao Segundo Livro de Leitura, reúne ―[...] 72 textos dirigidos às
obrigações das crianças com o próprio corpo, com a Pátria, com a Natureza e com a
Sociedade‖ (SACHET, 2013, p. 85). O Terceiro Livro de Leitura, editado em 1929, é
visto como o
[...] mais amplo e mais prático. Afinal o estudante já ultrapassou a
metade da caminhada escolar. Os 84 textos são menos extensos do que
os dos livros anteriores, mas o nível de concentração parece desafiar o
estudante que deve ir além da leitura e tentar a análise temática e a
elaboração dos princípios não abordados pelo autor da matéria.
(SACHET, 2013, p. 85).
58
Por fim, sobre o Quarto Livro de Leitura, publicado em 1930: ―Pela leitura e
pela análise dos 85 textos reunidos nesse quarto livro, percebe-se que os estudantes,
agora entrados na adolescência, precisam encontrar modelos na linha do velho ditado:
Conhecer para amar‖ (SACHET, 2013, p. 86).
A quarta obra que faço referência é organizada por Marli Auras e Armen
Mamigonian, publicada pela Editora UFSC em 2016, intitulada ―Professor Fontes:
pensamentos, palavras e obras‖. Esse livro reúne dados sobre o homem, o intelectual, o
político, o professor. O foco principal dos autores é a grande investida de Professor
Fontes para com a fundação da Faculdade de Filosofia e a idealização do campus da
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
Os autores trazem na Apresentação as intenções que os levaram a essa obra: os
registros nas placas de bronze junto aos bustos localizados próximos ao prédio da
reitoria, que homenageiam Ferreira Lima e Professor Fontes, pelos 50 anos (2010) da
criação da Universidade Federal de Santa Catarina. No tocante a essas homenagens,
destacam o fato do Professor Fontes não ter sido reconhecido por seu grande empenho
na criação desse campus. Afirmam que:
[...] visa chamar a atenção para o fato de que há um claro litígio na
história dos primórdios de nossa Universidade, corporificado na
presença próxima desses dois monumentos, em que o personagem de
um é prestigiado e reconhecido como ―fundador‖, enquanto o do
outro, bastante esquecido, é visto como ―idealizador‖. Como se
construiu, ao longo do tempo, tal narrativa? (MAMIGONIAN;
AURAS, 2016, p. 19).
Essa questão é o que impulsiona essa obra e, a partir dela, os autores querem
homenagear, de ―forma justa‖, o mérito do trabalho desse intelectual catarinense, e, para
isso, fizeram uma imersão no acervo do Arquivo Central da UFSC, na biblioteca da
Família Fontes, no Setor de Obras Raras da UFSC, na Biblioteca Central da UFSC e no
acervo do Gabinete do Reitor da UFSC, juntando documentos históricos na tentativa de
mostrar ao leitor todo esforço de Professor Fontes para a existência do campus.
No Primeiro Caderno: Da Faculdade de Filosofia (1960), estão organizados
dezessete escritos de Professor Fontes, em forma de documentos: mandados de ofícios,
de cooperação ou de cortesia e outros escritos que, nas palavras de Professor Fontes, são
a forma de ―[...] deixar fixados, pela escrita, os meus ideais e as minhas ideias, tais quais
59
eram nas várias situações da minha labuta‖ (MAMIGONIAN; AURAS, 2016, p. 25).
No Segundo Caderno: Da Cidade Universitária (1962), estão organizados quatorze
escritos e um ―Caderno de Fotos‖ (material cedido pela Família Fontes). Nesses escritos
do Professor Fontes está denominado seu percurso e empenho para que a UFSC não
ficasse apenas nos campo das ideias.
É importante ressaltar que, na página 11, no ―Prefácio‖, Mamigoniam e Auras
escrevem sobre a trajetória de Professor Fontes e cita o Terceiro e o Quarto Livros de
Leitura como obras importantes publicadas pelo autor.
Em suma, essa é uma referência para quem se interessa pela história da fundação
da UFSC e da Faculdade de Filosofia, bem como sobre outros momentos da vida de
Professor Fontes.
Entendo que, para cada pesquisa, a Série Fontes serviu como fonte contribuinte,
mas foi preciso fazer um panorama histórico da educação, tanto em nível nacional como
estadual, no período estudado, para poderem contextualizar a Série Fontes e seu
organizador. Então, alargando um pouco mais a pesquisa sobre esse autor e suas obras,
busquei também na Biblioteca Nacional Digital do Brasil, outras informações sobre a
Série Fontes e seu organizador, Professor Fontes, como se pode verificar na próxima
seção.
1.1.5 – OS PERIÓDICOS: JORNAIS DO BRASIL E DE SANTA CATARINA –
1920 A 1950
Fez-se uma busca na Biblioteca Nacional Digital Brasil – Hemeroteca Digital
Brasileira. Para essa pesquisa, escolhi o período de 1920 a 1950, que corresponde ao
tempo de edição da Série Fontes e as palavras-chave: Série Fontes, Livros Didáticos,
Livros Escolares, Professor Fontes. Nesse banco de dados encontrei sete jornais 12
com
matérias pertinentes ao tema da pesquisa. São eles: República, O Estado, A Notícia, O
Apóstolo, Ecos da Semana, O Tico-Tico e Sul: revista de circuito da arte.
12
No que se refere as fontes jornalísticas, a escolha pautou-se em alguns critérios, como por exemplo,
análise o anúncio revelava algo mais específico sobre a Série Fontes ou seu autor/organizador, ou até
mesmo se constituía apenas em propaganda que se repetia em outros exemplares. Segundo Espig (1998),
o jornal possui toda uma série de qualidades peculiares, extremamente úteis para a pesquisa histórica, pois
os jornais constituem-se em verdadeiros arquivos do cotidiano.
60
Com base no levantamento de dados, organizei o quadro a seguir como
sistematização do que foi encontrado.
Quadro 2: Descritores citados nos periódicos de Santa Catarina.
JORNAIS/SC DO PERÍODO DE 1920 A 1950
DE
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TA
L
SÉRIE
FONTES
3 1 3 0 0 1 0 8
LIVROS
DIDÁTICO
S
6 2 11 0 1 0 0 20
LIVROS
ESCOLARE
S
7 8 17 3 0 0 0 35
PROFESSO
R FONTES
38 35 3 2 0 0 1 79
TOTAL 54 46 34 5 1 1 1 142
Fonte: Biblioteca Nacional Digital do Brasil – Hemeroteca Digital Nacional. Elaborado pelo autor, 2018.
Optei em não restringir a abrangência dos jornais, uma vez que meu objetivo era
verificar até onde circularam as notícias a respeito da Série Fontes. Porém, encontrei
apenas um jornal de circulação fora do estado de Santa Catarina: ―O Tico-Tico‖, de 12
de julho de 1935 (p.29), que cita a lição ―A ÁRVORE‖, de autoria de Valdir O. Santos.
Não citam o local na lição, mas ao fazer uma busca nos livros que tenho da coleção,
verifiquei que se trata de uma lição do Quarto Livro de Leitura, edição de 1949. Ao
fazer uma busca sobre esse jornal, encontrei em site algumas informações sobre o
mesmo e verifiquei que se trata de uma revista carioca semanal, com engajamento
patriótico e voltada, principalmente, para o público infantil masculino, ―os futuros
condutores da nação‖. Acompanhando as reformas educacionais da década de 1940, a
revista buscou também subsidiar a prática escolar, publicando séries voltadas para cada
uma das disciplinas dos currículos escolares, como: ―Gramática infantil pela imagem‖;
―Escudos e bandeiras dos estados‖; ―Noções de botânica‖; ―Noções de história natural‖,
entre outras. Durante os mais de 50 anos em que circulou, a revista aproveitou-se das
novas possibilidades comerciais abertas pela expansão do transporte ferroviário e pelo
surgimento de esquemas de distribuição nacional. Nos primeiros anos da década de
61
1960, frente à concorrência dos super-heróis dos quadrinhos norte-americanos, as
histórias de Tico-Tico já não pareciam ter o mesmo atrativo para as crianças brasileiras
e, em 1962, após alguns anos de vendas declinantes e periodicidade irregular, a revista
deixou de ser publicada13
. Segundo os objetivos da revista, podemos entender que a
lição ―A ÁRVORE‖ estava adequada aos seus propósitos, pois a mesma fala de Deus,
do amor à pátria, do valor do homem trabalhador, do futuro do cidadão.
Os demais jornais circularam no estado de Santa Catarina. Destacamos o jornal
―O Apóstolo‖, que era de base religiosa, de ações católicas na imprensa e na educação,
filiado a Associação dos Jornalistas Católicos e de publicação quinzenal. Nesse o
Professor Fontes é destacado como um homem religioso e de grande importância para a
educação de Santa Catarina, como provedor de bons costumes.
Ao lançarmos a palavra-chave livros escolares, a encontramos em três desses
jornais, num total de 35 anúncios. Em sua maioria se referiam à propaganda de venda,
com anúncios das editoras e livrarias. No jornal ―A Notícia‖, que tem o maior número
de anúncios com conteúdos relacionados a livros escolares, 17, esses são apresentados
como sendo um material importante para a formação do povo brasileiro, bem como têm
importância econômica, uma vez que fazem parte de uma parcela da economia, pois se
apresentam como nicho de mercado. Já o teor livros didáticos é encontrado em 22
publicações, em cinco dos jornais. Novamente, o jornal A Noticia é aquele em que mais
aparecem anúncios (11), apresentando-os como recurso didático de ensino e
aprendizagem. Há também anúncios referentes a comissões sobre o livro didático, nos
quais se informa a qualidade dos livros, quais devem ser comprados, indicando autores.
Também fazem menção à baixa qualidade de uns e à boa qualidade de outros. Destaco o
jornal A Notícia de 1932 (n.º 1113), na qual aparece um anúncio intitulado ―Notável
Decreto do governo português‖, em que o ministro da instrução manda inserir nos livros
escolares, oficialmente adotados, uma série de pensamentos e máximas de políticos e
escritores nacionais e estrangeiros. A Série Fontes carrega essas características.
Partindo do pressuposto que esse é um anúncio de origem portuguesa, mas que
está em jornal catarinense, podemos pensar que a Série Fontes está alinhada com essas
normas, pois em sua maioria os autores das lições são políticos e escritores brasileiros.
Mas, por que um anúncio desses para os catarinenses lerem? Ao usarmos o nome de
13
Segundo informações obtidas no sitio da revista. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/tico-tico-o>. Acesso em 16 fev. 2018.
62
Professor Fontes como palavra-chave, encontramos quatro jornais, totalizando 77
anúncios. Em sua maioria, esses dão destaque a sua passagem por órgãos do estado,
suas ações políticas, ao seu aniversário ou de familiares, bem como ao casamento e
nascimento de seus filhos. Também aparecem notas de falecimento de três de seus onze
filhos; fala ainda sobre o empenho para a fundação da Faculdade de Filosofia, sua
participação em congressos e em reuniões em que representava o estado de Santa
Catarina. Em dois anúncios foi relacionado como autor da Série Fontes, em que se cita a
importância da mesma em relação ao seu autor/organizador.
O meu objeto central com essa pesquisa são os livros de leitura da Série Fontes.
Usei essa como palavra-chave, mas não apareceu nenhum jornal. Assim, optei em
utilizar somente Série Fontes e encontrei quatro jornais e nesses, oito anúncios.
O jornal A Republica teve três anúncios/manchetes: em 14 de agosto de 1927,
uma manchete anuncia ―Conferencia de Ensino Primario‖, em que é mencionada a Série
Fontes, sob a These .19 – do Professor Fernando Steirhauser. Segundo o parecer desse
professor, a ―Cartilha Popular‖, não tem boa impressão e as letras não são nítidas, mas a
mesma tem bom conteúdo e deve ser esgotada no primeiro ano letivo e que, o ―Primeiro
Livro de Leitura‖ deve ser adotado no segundo ano e o ―Segundo Livro de Leitura‖, no
terceiro ano. Anuncia ainda que: ―[...] se estes livros também contivessem algo de
educação cívica, seria muito útil‖. Essas informações não encontrei nas pesquisas aqui
citadas, mas a meu entender são relevantes, pois o professor Fernando apresenta fatos
sobre a Série Fontes que devem ser levados em consideração, as primeiras críticas
estabelecidas à Série.
Já na edição de 24 de março de 1928, a manchete intitulada ―DIVERSAS‖, traz
a seguinte informação:
Pela Instrução – a Diretoria da Instrução á vista dos motivos
apresentados pelo sr. superintendente municipal de Florianópolis,
mandou fornecer ao menos o seguinte material: 600 – Cartilhas, série
H. Fontes; 400 – 1ºs Livros, idem; 300 – 2ºs, idem; 20 Dicionários
Historia e Geographia J. Boiteux; 20 Amarelão e Maleita; 20 – Mapas
do Estado; 20 Livros de Chamada. (A REPUBLICA, 1928, p. 6).
A Edição de 15 de fevereiro de 1931, apresenta a seguinte manchete:
Diretoria da Instrução Pública – Parecer da Comissão designada
estudar as propostas de fornecimento de material escolar. 1) Julgar
preferível afirma Paschoal Simone S. A., quanto aos livros da série H.
Fontes, por ser a única que apresentou propostas para fornecimento.
Para prova que essa comissão agiu com todo o critério, zelando pelos
63
interesses do Estado, resolveu dar abaixo a lista dos preços
apresentados14
: - Cartilha H. Fontes 10.000 a $440 – 4:400$000;
Primeiro Livro H. Fontes 10.000 a $570 – 5:700$000; Segundo Livro
H. Fontes 5.000 a $850 – 4:250$000; Terceiro Livro H. Fontes 2.500 a
1$060 – 2:650$000; Quarto Livro H. Fontes 2.000 a 1$420 –
2:840$000. (A REPUBLICA, 1931, p. 2).
Pude assim verificar que, para os cofres do Estado de Santa Catarina , cada
Cartilha Popular custou $440 Réis; o Primeiro Livro de Leitura $570 Réis; o Segundo
Livro de Leitura $850 Réis; o Terceiro Livro de Leitura 1$060 Réis e o Quarto Livro de
Leitura 1$420 Réis. Aos valores adicionados a cada livro, pode-se pressupor que quanto
maior a série de estudos, maior seu valor monetário, possivelmente devido ao aumento
do número de páginas e até mesmo de ilustrações. Um questionamento a ser feito é
verificar quanto custavam para os cofres públicos os livros utilizados nas escolas
anteriores a Série Fontes. O que chama a atenção é o fato de que nas pesquisas
anteriormente mencionadas todos os livros tinham a mesma gramatura, tamanho,
qualidade de papel, o que os diferenciava era o número de lições, e, consequentemente,
o número de páginas, que aumenta a cada livro, o que poderia levar a encarecê-los,
pressupõe-se.
O jornal A NOTICIA teve também três manchetes: em 26 de fevereiro de 1937,
as informações apresentadas sobre a Série Fontes dão destaque ao anúncio apresentado
pelo jornal O ESTADO, no qual se informa que:
O Departamento de Educação torna público que, até a presente data,
não houve nenhum acto afficial que modificasse a dopção dos livros da
―Série Fontes‖ e a ―Cartilha Analytica‖ de Barreto nos estabelecimentos
de ensino primário do Estado. Sendo assim, a adoção de outros livros
por iniciativa alheia ao Departamento não pode prevalecer. A respeito já
foram tomadas providencias junto aos directores de Grupos Escolares
para evitar aquela irregularidade. (A NOTICIA, 1937, p. 6).
Essa informação não está muito clara quanto à ―irregularidade‖ que mencionam
sobre a Série Fontes. Assim, pressupõe-se que não podem ser adquiridos outros livros
pelos Grupos Escolares, a não ser os da Série Fontes. Já a edição n.º 02521 (1 – 1937)
destaca a notícia supracitada. Não encontrei informações sobre o porquê do mesmo
jornal fornecer a mesma notícia duas vezes. Na edição de 12 de agosto de 1937 é
14
Optei por apresentar só o que se refere a Série Fontes, tendo outros materiais didáticos nesta lista, mas
que não são relevantes para essa pesquisa.
64
apresentada a nota ―Despesa Orçamentária – Educação Popular – Material Escolar‖, que
trata das despesas e impostos do fornecimento de ―150 livros série Fontes, no mês de
maio do corrente ano, no valor de 144$00. Essas informações evidenciam que a Série
Fontes tem relevância para a imprensa escrita.
O jornal O ESTADO, de 3 de março de 1937, apresenta uma manchete intitulada
―Coisas e loisas da cidade‖. O que chama a atenção é a crítica que Flamma Rion (a
pessoa que assina a manchete) faz sobre a Série Fontes, dizendo que não são adequados
às crianças catarinenses e da forma como ela foi
[...] introduzida, sem prévia adopção official, nos grupos escolares,
[...] com as deficiencias e falhas didactas‖. É citado ainda que: ―É
notavel o desiquilibrio entre as diferentes posições literárias que o
constituem. Algumas dellas, sob pretexto de versarem assumptos do
cór local, são frivolas e desinteressantes, peccando, ademais, por
clamoroso mau gosto e nenhuma belleza literaria. (O ESTADO, 1937,
p. 4).
Para melhor compreensão de como se apresentava a manchete, apresentamos a
seguir a página do jornal onde a mesma se encontra, mostrando o lugar de destaque e as
outras manchetes que a compõem. Podemos entender que era uma manchete bem
apresentada, uma vez que estava entre as que geralmente chamam a atenção do leitor.
Também, essa mesma autora ganha destaque, uma vez que essa coluna ―Coisas e loisas
da cidade” está presente em várias edições.
65
Figura 1– Manchete ―Coisas e loisas da cidade‖
Fonte: Jornal O ESTADO, 1937 – Hemeroteca Digital Nacional:
<http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/>
66
Coisas e loisas da cidade: Ainda não arrefeceram de todo os
commentarios de redor do caso do sr. Inspetor escolar Antonio Lucio
cujo livro foi atirado ao limbo pela nota que o Departamento de
Educação forneceu aos jornais, assegurando que os volumes da <<
serie Fontes>> – estes e só estes – continuavam a gozar das boas
graças do magistério estadual. O facto de o referido instpector do
ensino haver organizado um livro de leitura e tê-lo introduzido, sem
prévia adopção oficial, nos grupos escolares, pareceu-me supino acto
de insciplina. Certo, o caso poderia ser sanado, si o Departamento de
Educação, considerando as despesas feitas pelos numerosos alunos
que haviam adquirido o volume por ordem dos professores, o
adaptasse, pelo menos, no corrente ano lectivo. Ainda, assim, não
acredito que se pudesse aceitar livro com as deficiência e falhas
didacticas de que se resente. É notável o desequilíbrio entre as
dfferenes composições literárias que o constituem. Algumas delas, sob
pretexto de versarem assumptos de côr local, são frívolas e
desinteressantes, pecando, ademais, por clamoroso máu-gôsto e
nenhuma beleza literária. Haja vista o hymno a José Boiteux (p. 20-
21), escripto pelo sr. João Areão, collega do autor livro. Rimas
forçadíssimas. Infantilidades e incongruências de expressão
imperdoáveis. É assim a última quadra da << Canção>> da autoria do
sr. Agenor Nunes Pires (p. 38): ―A mocidade cantante chia de fé que
reluz também quer a luz orante [?] do saber, que fulge e luz‖. O sr.
Trajano Margarida, – trovador popular antes que poeta, ou simples
poeta pela ingenuidade da emoção e que jamais poude atingir ou
siquer viu de longe a perfeição formal, – forneceu ao livro do sr.
Lucio << Aspiração Divina>> (p. 105-108). Prosa e verso. Prosa
insipida, versos talhado em enxô, salpicados de solecismo. E a mesma
procura displicente da rima, qualquer que seja, como quem mette a
mão no bôlso para retirar um cigarro banal. Por essas simples
amostras pôde qualquer leigo reconhecer a fraqueza do trabalho do sr.
Antonio Lucio. E, ao mesmo tempo, consegue perceber qual é o
critério da Cia. Editora Nacional ao imprimir obras dadacticas ...
Flamma – Rion. (O ESTADO, 1937, p. 6, grifos meus).
Essa manchete é a única encontrada que faz uma observação negativa sobre a
Série Fontes. Busquei dados sobre a autoria da mesma, mas nada encontrei. O que
podemos deduzir é que o codinome Flamma Rion, é uma separação do nome ou do
Flammarion. Assim, não dá para saber que posição essa pessoa ocupava no cenário
catarinense, bem como se era um codinome que usava para escrever sua coluna.
Cabe ressaltar que optei, para essa pesquisa, pelo banco de dados, da Biblioteca
Nacional Digital Brasil – Hemeroteca Digital Brasileira, uma vez que a Hemeroteca
Digital Catarinense apresenta as mesmas informações dos jornais e porque queria
verificar se haviam jornais e outros periódicos, de outros estados, que poderiam dar
alguma notícia sobre a Série Fontes e seu autor/organizador, como foi o caso da
manchete na revista Tico-Tico, do Rio de Janeiro.
67
1.2 – AS LIÇÕES NA SÉRIE FONTES: ALGUNS DOS DESTAQUES ABORDADOS
COM BASE NO ESTADO DA ARTE
O que temos a seguir representa o levantamento das lições contidas na Série
Fontes que foram trabalhadas, ou mencionadas, pelos autores em suas pesquisas.
Inicialmente, busquei extrair de cada artigo, dissertação e tese, as lições que
foram mencionadas. Em seguida, fiz um panorama daquelas que mais foram apontadas
e aquelas que ficaram de fora, relativizando aspectos dos objetos de cada pesquisa e os
conteúdos apresentados nos textos da Série Fontes.
Primeiramente, os dados apresentados são dos artigos, seguindo pelas
dissertações e tese, terminando com os livros. Uso números ordinais para identificar as
pesquisas, seguindo a sequência do Quadro 1, apresentada no início desse estudo.
Para que o leitor tenha uma compreensão do todo, organizo os dados em dois
quadros: o primeiro se refere às lições relacionadas em cada pesquisa (Quadro 3), e o
segundo à quantidade de vezes que as lições foram citadas (Quadro 4).
Em muitas pesquisas as lições foram só citadas, não analisadas profundamente,
por isso fiz a escolha de extrair apenas aquelas que foram analisadas, pois entendo que
essas são as que tiveram maior significado. Nessa perspectiva, os periódicos servem
como fonte para a pesquisa em educação, apresentando-se como possibilidade de
análise de fatos e ideologias de época. Dessa forma, o cruzamento, previamente
pretendido, entre as informações obtidas a partir dos descritores, oferece subsídios para
a pesquisa sobre representações de criança em lições da Série Fontes.
A organização dos quadros permite verificar o uso das lições. Nos artigos (onze)
as lições aparecem em menor número, talvez por ser um relato menor, diferente das
dissertações (7) e da tese (1). Mas, ao observar o artigo escrito por José Isaias Venera e
a sua dissertação que se tornou um livro, pude verificar que no artigo ele apresenta um
número de lições expressivo, principalmente do Primeiro e do Segundo Livro de
Leitura. Do Quarto Livro de Leitura não foi mencionada nenhuma lição, nem no artigo,
nem no livro e, assim, pude entender que sua pesquisa não tinha como objeto a coleção
toda. Nos dois artigos de Nicholas Gomes Cardoso da Silva, mesmo sendo de revistas
diferentes, foram utilizadas quase que as mesmas lições como análise, que foram
ampliadas na dissertação.
68
Vale ressaltar ainda que minha intenção é apresentar as pesquisas, seus
resultados, as lições que foram analisadas, extraindo as mais citadas e verificando a
relação dessas com as demais pesquisas.
69
Quadro 3 – Lições já analisadas.
TIPO DE
PESQUISA
PESQUISADOR(A) LIÇÕES MENCIONADAS
CARTILHA LIVRO 1 LIVRO 2 LIVRO 3 LIVRO 4
1º Artigo Solange Aparecida de Oliveira
Hoeller e Maria das Dores Daros
Não mencionaram as lições da Série Fontes
2º Artigo José Isaías Venera Não mencionou
lições desse livro.
- O trabalho;
- Boas Qualidades e
defeitos das crianças;
- No aniversário do
papai;
- Um menino
exemplar;
- O cão;
- Os meninos
brigões;
- O macaco
intrometido
- Sonhos de um
estudante;
- A atitude ereta;
- Nossa Pátria;
- Meu Brasil;
- A Pátria
- O General Osório;
- Queres Ser
Escoteiro
Não mencionou
lições desse livro.
3º Artigo Cintia Gonçalves Martins e Marli
de Oliveira Costa Não mencionou
lições desse livro.
Não mencionou
lições desse livro.
Não mencionou lições
desse livro.
- Oração do
Educador;
- Oração pela Pátria;
- A verdadeira
caridade;
- O amor de Deus e
de nossos Paes.
Não mencionou
lições desse livro.
4º Artigo Marli de Oliveira Costa e Maria
Stephanou
- Ze Bu - O trabalho;
- O macaco
intrometido;
- Homem útil;
- O menino chorão;
- Pergunta inocente;
- Gratidão.
Não mencionou lições
desse livro.
Não mencionou
lições desse livro.
Não mencionou
lições desse livro.
5º Artigo Nicholas Gomes Cardoso da
Silva Não mencionou
lições desse livro.
- Bons Provérbios;
- Boas qualidades e
defeitos das crianças.
- Não fica bem;
- A grandeza do Brasil;
- Hymno ao Brasil.
- A higiene do corpo
e a higiene da alma.
- A Pátria.
6º Artigo Nicholas Gomes Cardoso da
Silva Não mencionou
lições desse livro.
- Bons Provérbios;
- Boas qualidades e
- Não fica bem;
- A grandeza do Brasil;
- A higiene do corpo
e a higiene da alma.
- A Pátria.
70
defeitos das crianças. - Hymno ao Brasil.
7º Artigo Nicholas Gomes Cardoso da
Silva Não mencionou
lições desse livro.
- Bons Provérbios;
- Boas qualidades e
defeitos das crianças.
- Não fica bem;
- A grandeza do Brasil;
- Hymno ao Brasil.
- A higiene do corpo
e a higiene da alma.
- A Pátria.
8º Artigo Valéria Aparecida Schena Não mencionou
lições desse livro.
- Boas qualidades e
defeitos das crianças. Não mencionou lições
desse livro.
Não mencionou
lições desse livro.
Não mencionou
lições desse livro.
9º Artigo Paulete Maria Cunha dos Santos - A mão Não mencionou
lições desse livro.
- Dos braços;
- Do nariz;
- Nova Pátria;
- Noções de Hygiene;
- Defeitos que se deve
evitar na sociedade;
- As pernas e os pés;
- A boca;
- A atitude erecta;
- Da cabeça e dos olhos.
- Preceitos
Hygienicos. Não mencionou
lições desse livro.
10º Artigo Cristiani Bereta da Silva e Maria
Bernadete Ramos Flores
Não mencionou
lições desse livro. Não mencionou
lições desse livro. - Amor fraterno;
- A Pátria.
- O General Osório;
- O grito do Ipiranga;
- Sete de setembro;
- O escotismo;
- Silva Jardim;
- Ordem e Progresso.
- O avô;
- Ensinemos o Brasil
aos brasileiros;
- Heroínas brasileiras.
11º Artigo Cristiani Bereta da Silva e Helena
Gabriela Moellmann Gasparini Não mencionou
lições desse livro. Não mencionou
lições desse livro. - O Descobrimento do
Brasil;
- Os dias feriados.
- Sete de setembro. - Heroínas Brasileiras;
- Felipe Schmidt.
1ª
Dissertação
Paulete da Cunha dos Santos - O Boi;
- Paulo é bom;
- Eu fujo do fogo;
- Deveres para com
os pais.
- Caridade;
- Um menino
exemplar;
- Confiança em
Deus;
- Boas qualidades e
defeitos das crianças;
- O trabalho;
- Nunca se deve
mentir;
- No aniversário do
- O descobrimento do
Brasil;
- Hymn- A Pátria;
o do Brasil;
- Canção do Exílio;
- Os dias feriados;
- O campo inculto;
- Nossa Pátria;
- Meu Brasil;
- A grandeza do Brasil;
- O ovo do Colombo
- Na aula de leitura;
- O dia 21 de abril;
- Uma lição bem
aproveitada;
- A Pátria;
- Ordem e Progresso;
- Preceitos
Hygienicos.
- Ser mãe;
- Ser pae;
- A avózinha;
- O avô;
- Inviolabilidade de
domicilio;
- Solidariedade
familiar.
71
papai;
- Ao entrar na escola.
- Primeira Missa;
- Para a escola;
- O filho desobediente;
- Defeitos que se devem
evitar na sociedade;
- O fabricante de cesto;
- O que custamos aos
nossos pais;
- A lição;
- Sonhos de estudante;
- O bom estudante;
- O Professor;
- Noções de higiene;
- A calça;
- Da cabeça e das
orelhas;
- Do nariz;
- Dos braços.
2ª
Dissertação
Maria Aguiar Souza Peres Não mencionou
lições desse livro.
- Duas boas irmãs - Gratidão. - O castigo do cedro;
- Cachoeiras;
- O periquito.
- A lição;
- Para escola;
- Heroinas brasileiras.
3ª
Dissertação
Carla D‘Lourdes Nascimento - Deveres para com
os pais
- O trabalho
- Um menino
exemplar;
- Boas qualidades e
defeitos das crianças;
- A Pátria;
- Para a escola;
- O estudantinho da
aldeia;
- Nossa Pátria;
- Hino ao Brasil
- O escotismo;
- Pátria;
- Oração pela Pátria;
- Meu Brasil;
- O patriota;
- O Rato;
- Juramento a
bandeira;
- Saudação a
bandeira;
- O que devemos aos
que trabalham;
- A criança e o dever
- Oração a bandeira
- Impostos;
- Direitos e deveres;
- Felipe Schimidt;
- Provérbios;
- A pequena pátria;
- Caxias;
- Hino ao trabalho;
- Trabalho, lei
universal;
-A pátria;
- Ensinemos o Brasil
aos brasileiros.
4ª
Dissertação
Denise de Paula Matias
Prochnow Não mencionou
lições desse livro.
- O trabalho
- Pergunta inocente;
- Defeitos que se devem
evitar na sociedade;
- O escotismo;
- Oração do
- Hino ao creador;
- A família;
72
- Jantar de barbados;
- Um menino
exemplar;
- Caridade;
- Boas qualidades e
defeitos das crianças;
- Os meninos
brigões;
- A alegria de um
estudante;
- No aniversário do
papai;
- Reprehensão
amigável;
- Confiança em
Deus.
- Nossa Pátria;
- Meu Brasil;
- Para a escola;
- A lição;
- O bom estudante;
- A criança e o dever;
- O estudantinho da
aldeia;
- O rico e o pobre;
- Preces da infância;
- Hymno dos sentidos.
educador;
- A árvore;
- Relações e deveres
entre irmãos;
- Conselhos;
- A rua;
- Os pássaros;
- O universo;
- Deus;
- Férias;
- Oração;
- A simplicidade;
- Aos desamparados;
- A criança e o dever;
- Saudação a
bandeira;
- Juramento a
bandeira;
- Oração pela Pátria;
- O periquito.
- A casa;
- A pequena Pátria;
- Direitos e deveres;
- O semeador;
- Ensinemos o Brasil
aos brasileiros;
- Joaquim Nabuco;
- A Pátria;
- Águia e o sol;
- O ideal;
- Comportamento
escolar;
- José da Silva Mafra.
4ª
Dissertação
João Fernando Silva de Souza - O Boi. - A Pátria;
- Honradez;
- Gula, avareza e
liberdade;
- Ao entrar na aula;
- O Trabalho.
- A grandeza do Brasil;
- O rachador de lenha e
o narrador;
- Atenção para com os
pais;
- O poder do exemplo;
- Hino do Brasil;
- Os dias feriados;
- Uma boa lição;
- Necessidade do
trabalho;
- O castigo da
indolência;
- O campo inculto;
- Os braços;
- Deus;
- A verdadeira
caridade;
- Aos desamparados;
- A obediência;
- O que devemos aos
que trabalham;
- Plantas, flores,
frutos e sementes;
- Germinação;
- A roseira;
- Diligencia;
- O trabalho;
- O ferreiro;
- O sapateiro e o Rei;
- Os três grãos de
milho;
- Hino do trabalho;
- A campanha do
trigo;
- Lavra sempre;
- Amor à profissão;
- Meu Pai;
- O trabalho, lei
nacional;
- Solidariedade
Familiar;
- O ideal;
- Terra de Santa Cruz;
- A pequena pátria;
- O torrão Natal;
- O avô;
- Rosa Maria Paulina
73
- A ta e o boi;
- Natal;
- O lobo e o esquilo;
- As plantas;
- Gratidão;
- Guarda o que comer,
não guardes o que
fazer;
- O bom estudante;
- Fazer bem tudo o que
fizeres;
- O fabricante de cesto;
- A Pátria.
- A independência;
- O castigo do cedro;
- Relação e deveres
entre irmãos;
- A nossa Bandeira;
- Saudação a
Bandeira;
- Conselhos;
- A criança e o dever;
- Ordem e Progresso;
- O segredo nacional;
- O patriota;
- O general Osório;
- Silva Jardim.
da Fonseca;
- A paz e a guerra;
- O homem forte;
- Apara a paz e para a
liberdade;
- Impostos.
5ª
Dissertação
Ada Carolina Freitas Fontes Não mencionou
lições desse livro.
- Meu papgaio;
- Tico Tico;
- Ao entrar na aula;
- As flores.
- Meu Brasil;
- O professor;
- A raposa e as uvas;
- As plantas;
- Preces da infância;
- Canção do Exílio;
- Atenção para com os
pais;
- Amor fraternal;
- Do nariz;
- Meus oito anos;
- Minha mãe;
- O tempo;
- O mentiroso;
- A pátria;
- Hino à Bandeira
Nacional.
- Não furtarás;
- A justiça;
- Deus;
- Amor filial;
- Conselhos;
- Oração pela Pátria;
- O sono de um anjo;
- Silva Jardim;
- Os três grãos de
milho;
- O exército negro;
- O universo.
- Ensinemos o Brasil
aos brasileiros;
- Para a paz e
liberdade;
- A pequena Pátria;
- A campanha de
trigo;
- Os criminosos do
machado;
- Ubi natus sum;
- A cidade da luz;
- Domus áurea;
- Trajano de Carvalho;
- Conselheiro
Jerônimo Francisco
Coelho;
- Cantando espalharei
...;
- Os livro;
- Virtude e ciência;
- Hino do trabalho;
- O torrão natal;
74
- Rosa Maria Paulina
da Fonseca;
- José da Silva Mafra;
- O homem forte;
- Comportamento
escolar;
- Os negros;
- Ao Brasil;
- As boas ações;
- O ideal;
-A casa;
- Lingua portuguesa.
6ª
Dissertação
Nicholas Cardoso Gomes da
Silva Não mencionou
lições desse livro.
- Boas qualidades e
defeitos das crianças;
- Duas boas irmãs;
- A alegria de um
estudante;
- Más desculpas;
- Ao entrar na escola;
- O trabalho.
- A Pátria;
- A grandeza do Brasil;
- O descobrimento do
Brasil;
- Meu Brasil;
- Nossa Pátria;
-Hino do Brasil;
- Os dias feriados;
- Hino à Bandeira
Nacional;
- Atenção para com os
pais;
- O poder do exemplo;
- O bom estudante;
- Necessidade de
trabalho;
- Hino dos sentidos;
- Anchieta;
- Não fica bem ...;
- Dos braços.
- Ordem e Progresso;
- Conselhos;
- Oração do
educador;
- Na aula de leitura;
- O que devemos aos
que trabalham;
- O trabalho, lei
universal;
- Não condenes sem
provas;
- O altruísmo.
- Águia e o sol;
- Comportamento
escolar;
- Higiene e habitação;
- Heroínas Brasileiras;
- Dever de
solidariedade;
- Os livros;
- Ser mãe;
- A Pátria;
- Deixem isto para as
mulheres;
- Ubi Natus Sum;
- A família;
- Meu Pai.
1ª Tese Vindomar Silva Filho Não mencionou
lições desse livro.
- Más desculpas;
- As flores;
- Os meninos
brigões;
- Hymno dos Sentidos;
- Para escola;
- Pontualidade;
- O filho desobediente;
- Não Condenemos
sem prova;
- A rua;
- Ordem e progresso;
- Os grandes índios;
- Lingua Portuguesa;
- As boas ações;
- Hygiene e
75
- O trabalho;
- No aniversário do
papai;
- O tempo;
- Boas qualidades e
defeitos das crianças;
- Alegria de um
estudante;
- Tico Tico;
- Um menino
exemplar;
- Ao entrar na escola;
- Confiança em
Deus;
- Duas boas irmãs;
- O medroso;
- O menino chorão.
- O talismã;
- Gratidão;
- O professor;
- O castigo da
indolência;
- Doçura e bondade;
- Os três reinos da
natureza;
- As plantas;
- A alma;
- O rico e o pobre;
- Noções de higiene;
- Nossa Pátria;
- O bom estudante;
- Carta de parabéns;
- A grandeza do Brasil;
- O descobrimento do
Brasil;
- Defeitos que devem
evitar na sociedade;
- Os dias feriados.
- O escotismo;
- Aos desamparados;
- Silva Jardim;
- O rato;
- O sapateiro e o rei;
- Sangue;
- Os pássaros;
- A caridade;
- Ferro;
- Plantas e flores,
frutos e sementes;
- Germinação;
- As araucárias;
- Músculos;
- Cachoeiras;
- Relações e deveres
entre irmãos;
- A simplicidade;
- A obediência;
- Violetas;
- O ouro e o carvão;
- Deus;
- Amor filiar;
- A criança e o dever;
- Conselhos;
- O que devemos aos
que trabalham;
- As armas nacionais;
- Os jesuítas;
- Violetas roxas;
- O amor de Deus e
de nossos pais;
- Ordem e progresso;
- A roseira.
Habitação;
- Heroínas brasileiras;
- Solidariedade
familiar;
- Os negros;
- Parentesco;
- A casa;
- A pátria;
- Inviolabilidade de
domicílio;
- Direitos e deveres;
- Comportamento
escolar;
- A paz e a guerra;
- Deixem isso para as
mulheres;
- Virtude e sciencia;
- Impostos;
- Pindorama;
- Os portugueses;
- Em família;
- Trabalhador;
- Amor de mãe;
- José de Anchieta;
- Para a paz e para a
liberdade;
- O poder da família;
- Águia e o sol;
- Ensinemos o Brasil
aos brasileiros;
- O homem
magnânimo.
Ana Maria
Martins
A Secretaria da Justiça e sua com
a Educação
A autora não trabalha diretamente com as lições dos livros, mas cita nos anexos as lições encontradas nas edições:
Cartilha Popular – 1920; Primeiro Livro de Leitura – 1945; Segundo Livro de Leitura – 1920 e 1945; Terceiro Livro de
76
Coelho Leitura – 1941 e 1945; Quarto Livro de Leitura – 1930.
José Isaías
Venera
Tempo de Ordem: a construção
discursiva do homem útil
- Deveres com os
pais.
- Boas qualidades e
defeitos das crianças;
- No aniversário do
papai
- O macaco
intrometido;
- O trabalho;
- O cão;
- Os meninos
brigões;
- Um menino
exemplar.
- A atitude ereta;
- A pátria;
- O bom estudante;
- O filho desobediente;
- Meu Brasil;
- Nossa Pátria;
- Sonhos de estudante.
- O amor a Deus e de
nossos pais;
- O general Osório;
- Queres ser
escoteiro.
Celestino
Sachet
Professor Fontes - História e
Memória
O autor não faz menção a nenhuma lição específica, apenas cita os Série Fontes como uma das grandes obras de
Professor Fontes.
Armem
Mamigonian
e Marli
Auras
Professor Fontes – Pensamentos,
Palavras e Obras
As autoras só citam os Série Fontes como uma das obras de Professor Fontes.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018, com dados obtidos por meio do levantamento bibliográfico.
77
Quadro 4 – Lições citadas.
QUANTIDADE DE LIÇÕES MENCIONADAS NAS PESQUISAS
CARTILHA LIVRO I
28 lições
LIVRO II
66 lições
LIVRO III
68 lições
LIVRO IV
66 lições 3 VEZES
Deveres com os pais
O Boi
11 VEZES
Boas qualidade das crianças
7 VEZES
A pátria
Nossa Pátria
O bom estudante
5 VEZES
Conselhos
7 VEZES
A Pátria
8 VEZES
O trabalho
6 VEZES
A grandeza do Brasil
Hino ao Brasil
4 VEZES
Deus
Lição pela pátria
O General Osório
O escotismo
O que devemos aos que trabalham
Silva Jardim
Ordem e Progresso
6 VEZES
Heroínas Brasileiras
5 VEZES
Ao entrar na escola
Um menino exemplar
5 VEZES
Meu Brasil
5 VEZES
Ensinemos o Brasil aos
brasileiros
1 VEZ
A mão
Eu fujo do fogo Paulo é
bom
4 VEZES
No aniversário do papai
Os meninos brigões
4 VEZES
Dos braços
Defeitos que se devem evitar na sociedade
Os dias feriados
Para a escola
3 VEZES
A criança e o dever
A higiene do corpo e a higiene da alma
Oração do educador
O amor a Deus e de nossos pais
Ordem e Progresso
Relações e deveres entre irmãos
Saudação a bandeira
4 VEZES
A pequena pátria
Comportamento escolar
3 VEZES
Bons provérbios
Confiança em Deus
Duas boas irmãs
A alegria de um estudante
O macaco intrometido
3 VEZES
As plantas
A atitude ereta
A lição para com os pais
Brasil
Do nariz
Gratidão
Hygiemne dos sentidos
Não fica bem
Noções de higiene
O filho desobediente
2 VEZES
A rua
A verdadeira caridade
Aos desamparados
A obediência
A roseira
Cachoeiras
Germinação
Juramento à Bandeira
Na aula de literatura
O patriota
3 VEZES
A casa
Águia e o sol
Direitos e deveres
Hino ao trabalho
Impostos
O avô
O ideal
Para a paz e para a
liberdade
Solidariedade familiar
78
O descobrimento do
O professor
O sapateiro e o rei
Os três grãos de milho
O rato
O castigo do cedro
Os pássaros
O universo
Plantas, flores, frutos e sementes
Preceitos higiênicos
Queres ser escoteiro
Sangue
Sete de setembro
O periquito
2 VEZES
As flores
Caridade
Más desculpas
O menino chorão
O cão
Pergunta inocente
Tico tico
2 VEZES
A lição
Amor fraterno
Da cabeça e dos olhos
Hino a bandeira nacional
Necessidade do trabalho
Preces da infância
Sonhos de um estudante
O estudantinho da aldeia
Canção do Exílio
O campo inculto
O castigo da indolência
O rico e o pobre
O fabricante de cesto
O poder do exemplo
2 VEZES
As boas ações
A paz e a guerra
A família
A companhia de trigo
Deixem isso para as
mulheres
Felipe Schmidt
Higiene e habitação
Inviolabilidade
José da Silva Mafra
Língua Portuguesa
Meu pai
O trabalho universal
O torrão de natal
O homem forte
Os livros
Os negros
Rosa Maria Paulino
Ser mãe
Ubi Natus Sum
Virtude e ciência
1 VEZ
Homem útil
Gratidão
Nunca se deve mentir
Jantar de barbados
Repreensão amigável
A pátria
Honradez
1 VEZ
As pernas e os pés
A boca
A alma
Anchieta
A raposa e as uvas
A foca e o boi
A criança e o dever
1 VEZ
A independência
A caridade
As araucárias
As armas nacionais
Amor filial
A nossa bandeira
A justiça
1 VEZ
Amor de mãe
Ao Brasil
A avozinha
A lição
Amor a profissão
Catando espalharei ...
Caxias
79
Gula, avareza e liberdade
Meu papagaio
O tempo
A cabeça
Carta de parabéns
Doçura e bondade
Fazer bem tudo o que fizeres
Guarda o que comer
Meus oito anos
Minha mãe
Não fica bem
Natal
O ovo de Colombo
O lobo e o esquilo
O medroso
O rachador de lenha e o narrador
O que custamos aos nossos pais
O tempo
O mentiroso
Os três reinos da natureza
O talismã
Pontualidade
Primeira missa
Uma boa lição
Amor filiar
A caridade
A pátria
A árvore
A simplicidade
Diligência
Férias
Ferro
Higiene da alma
Meu Brasil
Não furtarás
Não condenes sem provas
O grito do Ipiranga
O dia 21 de abril
Oração
O trabalho
O ferreiro
O segredo nacional
O sono de um anjo
O exército negro
O trabalho, lei universal
O ouro e o carvão
Os jesuítas
Uma lição bem aproveitada
Violetas
Conselheiro Jerônimo
Francisco Coelho
Dever de solidariedade
Em família
Hino ao criador
Joaquim Nabuco
José de Anchieta
Lavra sempre
Oração à Bandeira
O Semeador
Os portugueses
Os grandes índios
O homem magno
O poder da família
Os criminosos do
machado
Provérbios
Para a escola
Parentesco
Pindorama
Ser pai
Trabalhador
Terra de Santa Cruz
Trajano de Carvalho
Fonte: Elaborado pelo autor com dados obtidos por meio do levantamento bibliográfico, 2018.
80
A elaboração desses dois quadros permite perceber como os autores se
apropriaram da Série Fontes com base na quantidade de lições utilizadas. Desse modo,
pode-se verificar que muitas das lições que analisei não foram usadas por esses
pesquisadores, levando a entender a relevância do objetivo desta pesquisa que é
verificar as representações de criança na Série Fontes.
Sobre as lições mencionadas nas pesquisas, apresento as quantidades de citação
e os percentuais entre a quantidade de lições que há em cada livro em relação às edições
que tive acesso. Faço uma amostra seguindo a ordem dos livros: da Cartilha Popular ao
Quarto Livro de Leitura.
A Cartilha Popular é um dos livros da Série Fontes que menos apresenta lições
em forma de texto. A lição do ―Boi‖ aparece três vezes nas pesquisas e todas elas são
mencionadas em entrevistas. Quando os entrevistados lembram-se da Série Fontes, lhe
dão o nome de ―Cartilha do Boi‖, fazendo alusão à primeira lição da Cartilha Popular.
Segundo os pesquisadores, a maioria das pessoas lembra-se da Série Fontes com base
nessa lição, que decoraram, possivelmente. Outra lição três vezes mencionada é
―Deveres com os Pais‖, que é o primeiro texto apresentado no final da cartilha, no qual
se subentende que as crianças já sabiam ler. Essa lição foi mencionada nas pesquisas
devido ao teor que ela apresenta: lições de obediência aos pais. Também são citadas
duas sentenças que fazem parte do corpo da cartilha: ―Paulo é Bom‖ e ―Eu fujo do
fogo‖; ambas também relacionadas à obediência e ao medo. Talvez por não apresentar
muitos textos, podemos pensar que a ―Cartilha Popular‖, não foi muito explorada pelos
pesquisadores.
O ―Primeiro Livro de Leitura‖ é composto por 38 lições15
. Dessas, foram
mencionadas 28 lições16
, correspondendo a 74% das lições existentes no livro, sendo as
mais citadas ―Boas qualidades e defeitos das crianças‖ (11x). ―O trabalho‖ (8x). ―Ao
entrar na escola‖ e ―Um menino exemplar‖ (5x). As lições, segundo Prochnow (2009, p.
93), ―[...] são lições de moral. [...] Lições que revelam o valor educativo, alem de
instrutivo, que a escola assumia como sua função essencial‖. Sobre as lições desse livro,
Nascimento (2003) destaca que:
15
A quantidade de lições aqui apresentadas são dos livros que tenho acesso. 16
Nos comparativos dos quatro livros, só dou destaque às lições com maior número de vezes citado, pois
estão todas organizadas no quadro 4.
81
O Primeiro Livro de Leitura da Série Fontes centrava-se em histórias
protagonizadas por crianças nas quais as virtudes da moral cristã eram
ressaltadas, como caridade, a honradez, a piedade, a servidão e o
temos a Deus. As histórias revelam verdades sobre a vida e as
implicações que ela apresentava como o trabalho, a injustiça, castigo
pela mentira ou roubo, além da vitória, prêmio e conquista provindas
da boa conduta. (NASCIMENTO, 2003, p.57).
Desse modo, pude verificar que além do teor moralista e cívico, as lições
apresentam teor religioso, reproduzindo na criança leitora o que estava previsto no
projeto republicano daquele período.
O ―Segundo Livro de Leitura‖ apresenta 72 lições, sendo citadas 64 delas,
correspondendo a 89% das lições que existem no livro. Destaco as lições ―A pátria‖,
―Nossa pátria‖, ―O bom estudante‖ (7x) seguidas quanto à frequência pelas lições ―A
grandeza do Brasil‖ e ―Hino do Brasil‖ (6x) e ―Meu Brasil‖ (5x). Nas palavras de
Nascimento (2003, p. 58), as lições desse livro sinalizam que ―[...] os valores sociais e
os hábitos de higiene tinham maior relevância‖, pois ―[...] os valores e normas
burguesas deveriam ser disseminados pela escola através das lições escolares‖,
acrescenta Prochnow (2009, p.58). Pude, assim, entender que, tal como o ―Primeiro
Livro de Leitura‖, o ―Segundo Livro de Leitura‖ projeta na criança leitora, hábitos de
um ideal republicano, recheado de valores morais e educativos. Pude pensar que as
lições desse livro foram bem exploradas, porém, ainda ficaram de fora mais de dez por
cento das lições contidas no livro.
No ―Terceiro Livro de Leitura‖ estão contidas 84 lições. Dessas, 71 foram
analisadas pelos estudos citados, correspondendo a 84% das lições inseridas nesse livro.
As lições mais citadas são: ―Conselhos‖ (5x). ―Deus‖, ―Lição pela pátria‖, ―O General
Osório‖, ―O escotismo‖, ―O que devemos aos que trabalham‖, ―Silva Jardim‖ e,
―Ordem e Progresso‖ (4x). ―O amor a Deus e de nossos pais‖, ―Relação e deveres entre
irmãos‖ e ―Saudação a bandeira‖ foram abordadas três vezes. Segundo Nascimento
(2003, p. 58-59), ―[...] os textos enfatizam os valores para a formação do futuro cidadão
brasileiro. [...] Os temas do livro concentram-se no trabalho, na higiene, nos vultos e
heróis, na produção econômica e na natureza do Brasil, os quais eram apresentados em
pequenos contos, poesias e fábulas‖. Partindo do pressuposto que as lições enfatizam a
formação do futuro cidadão, o ―Terceiro Livro de Leitura‖, em suas lições, tem como
princípio modelar o cidadão, tomando como exemplo os mártires que sacrificaram suas
vidas pelo país.
82
O ―Quarto Livro de Leitura‖ contém oitenta e cinco lições. Dessas, foram
citadas pelos pesquisadores sessenta e quatro, correspondendo a 75% do total. A lição
mais citada é ―A Pátria‖ (7x), vindo depois ―Heroínas Brasileiras‖ (6x), ―Ensinemos o
Brasil aos brasileiros (5x) e ―Pequena Pátria‖ e ―Comportamento escolar‖ (4x). Segundo
as pesquisas, o ―Quarto Livro de Leitura da Série Fontes‖ é diferente dos anteriores. A
primeira edição foi lançada em 1930, dez anos após a Cartilha Popular, o Primeiro e o
Segundo Livro de Leitura (1920), num momento que Professor Fontes não ocupava
mais o cargo de Diretor de Inspeção Pública: ―Fontes organizou durante o período que
esteve ausente da administração pública‖, enfatiza Nascimento (2003, p.46). A autora
destaca ainda que:
[...] diferente dos demais livros, o Quarto Livro de Leitura apresenta
os semióforos de maneira mais sistemática, formando uma divisão em
blocos dos valores cívicos, da conduta moral, da língua, das etnias e
religião católica, isto é, dos elementos do caráter nacional. Além dos
textos sobre a condição da mulher como mãe e heroína, o Quarto
Livro de Leitura versa sobre a escola, o trabalho e o Estado e suas
funções‖ (NASCIMENTO, 2003, p.59).
A ênfase ao herói e às figuras ilustres são destaque nas lições deste livro, que
segundo Prochnow (2009) estão organizados em agrupamentos de temas em comum:
―O autor/organizador Professor Fontes parece buscar interligar os assuntos por
temáticas, dando um fio condutor aos conteúdos que são apresentados‖ (PROCHNOW,
2009, p.117).
Ao retirar das pesquisas as lições que ajudaram a compor aquelas análises,
pretendo verificar quais delas foram mais referidas e a relação das mesmas na
composição das pesquisas. Assim constato que em algum momento a Cartilha Popular e
os quatro livros de leitura foram além de instrumento de pesquisas, pois suas lições
serviram como deleite, momento de imersão dos pesquisadores sobre o objeto.
Dentre o conjunto das obras, o Segundo Livro de Leitura foi o que teve suas
lições mais examinadas, com 89% do total de 64 lições, vindo na sequência o Terceiro
Livro de Leitura com 84%, o Quarto Livro de Leitura com 75% e o Primeiro Livro de
Leitura com 74%. Sobre as lições, as que aparecem por mais vezes analisadas são ―Boas
qualidades das crianças‖ (11x) e ―O trabalho‖ (8x), ambas do Primeiro Livro de Leitura.
―A Pátria‖ (7x) está presente no Segundo Livro de Leitura com a autoria de Rui Barbosa
83
e no Quarto Livro de Leitura com autoria de Olavo Bilac. Autores diferentes, poesias
diferentes, mas com o mesmo título, dando ênfase ao valor da pátria.
Ao verificar essas lições, pude constatar que as mesmas levavam as crianças a
reproduzirem e a incorporarem valores que na escola lhes eram apresentados, que
formariam uma criança moldável, confirmando uma unidade nacional produzida pelos
republicanos, vinculando valores para formar o pequeno cidadão, que muitas vezes
aparecem em forma de conselhos, como na lição ―Boas qualidades das crianças‖, outras
vezes como dever a nação, como nas lições ―A Pátria‖.
Assim, como afirma Nascimento (2003, p. 53), ―Sendo mais que compilações de
conhecimentos úteis e de fornecimento de conceitos, os livros abrangiam a formação
dos novos cidadãos, apresentando textos de autores consoantes às idéias moralizadoras
do trabalho e ao desenvolvimento do civismo e do patriotismo‖. Mas, uma pergunta tem
que ser feita: Por que algumas lições ficaram de fora das pesquisas? Essa resposta só é
possível tendo-se em mãos todas as edições analisadas pelos autores. No entanto, não
posso perder de vista que as lições da Série Fontes não são o espelho da realidade, mas
uma representação desta, pela exposição das intenções oficiais, como uma representação
dos anseios da sociedade da época.
A caracterização geral feita pelos pesquisadores sobre os livros da Série Fontes
contribuiu para a definição do espaço temporal da presente pesquisa, além de motivar
um maior detalhadamento, incluindo outros aspectos não observados por aqueles. Além
disso, as pesquisas indicaram fontes e referenciais de análise que foram fundamentais.
Enfim, a análise e o entrecruzamento dessas diversas referências, permitiram um olhar
sobre a materialidade e os conceitos veiculados na Série Fontes.
84
CAPÍTULO 2 – EDUCAÇÃO ESCOLAR NO CONTEXTO DO FIM DO
SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX
Para melhor compreender a importância e relevância da Série Fontes para o
período que ela foi editada, cabe atentar, primeiramente, para a forma pela qual a
educação brasileira e a catarinense estavam postas naquela época, de modo a propiciar
uma relação entre os livros da Série Fontes e os contextos em que foram gerados.
Sendo assim, inicialmente apresentam-se alguns aspectos para caracterizar a
educação no contexto republicano.
2.1 – A EDUCAÇÃO NA REPÚBLICA DO FINAL DO SÉCULO XIX
No final do século XIX, um novo regime político foi instaurado no Brasil, na
busca de se estabelecer como republicano. Desse modo, o Brasil procurava firmar-se
como nação pautada em ideias de progresso e civilidade.
Já nos primeiros anos da República brasileira definiu-se que a educação seria um
dos meios mais eficazes para tornar o Brasil digno de participar do concerto das nações
civilizadas. Com vistas a tornar isso possível, despontaram no país vários discursos,
principalmente aqueles voltados para a educação da parcela menos favorecida da
população. A educação das ―classes inferiores da sociedade‖, segundo Cynthia Greive
Veiga (2007), era considerada, nos discursos de dirigentes e intelectuais, como meio
para fazer do Brasil um país moderno e elevá-lo ao nível das ―nações cultas‖. Nesse
contexto, a criança em processo de educação passou a ser pensada como um projeto do
humano, que deveria ser cuidado, acompanhado e disciplinado, para que ―frutificasse
como um bom cidadão no futuro‖. Esse direcionamento dos planos civilizatórios para a
infância justificava-se por se considerar que o avançar da idade era inversamente
proporcional à possibilidade de moldar seu corpo, seu espírito, sua moral.
Sobre o período imperial, Veiga (2007, p.39) observa que ―O estabelecimento do
Império do Brasil se fez como um ato de escritura consubstanciado na Constituição de
25 de março de 1824. Por meio desse aparato jurídico definiu-se a forma de localização
dos habitantes do território como associação política de todos os cidadãos‖. A autora
ressalta também que ―Ao longo do século XIX, inúmeras normatizações se sucederam
como atos de reafirmação da escrita da nação‖ (p. 39). Frente a isso, tornou-se
85
imprescindível a realização de um projeto, com intenções de civilidade e progresso da
nação brasileira.
Veiga (2007) acentua ainda que, nesse projeto republicano, interessava às
autoridades inserir os cidadãos brasileiros na nação. Porém, esta inserção deveria vir
civilizada e ajustada ao progresso que pretendiam os dirigentes da Nação, dos estados e
dos municípios. Nessa perspectiva, uma instituição intencionalmente demarcada foi a
escola, que tomou a escolarização da infância como um grande passo para representar o
que se queria demarcar. Assim, a autora destaca a instrução e a educação da criança
como alvo das intenções da República que planejava firmar seus fundamentos. ―Os
discursos que estruturam são componentes de figurações de poder e pretendem dar
visibilidade aos lugares de poder‖ (VEIGA, 2007, p.39).
A escolarização, então, faz-se necessária, uma vez que um dos elementos
centrais difundidos era indicado pela necessidade de ampliação e reorganização do
ensino primário, sobretudo, do ensino público primário. Era preciso pensar em meios de
civilizar as crianças para que se tornassem cidadãos da república. (VEIGA, 2007, p.41).
Veiga (2007, p. 42-43) constata que no Brasil Império a criança também havia
sido preocupação das ações governamentais: ―O desenvolvimento de uma cultura escrita
no âmbito da burocracia governamental elaborou, pois, a população como um problema
de governo nas relações que pretendeu estabelecer entre ela e as formas normativas de
sua localização social‖, ou seja, a criança e a infância do período imperial ―podem ser
reconhecidas como problema de governo‖. A autora ressalta, ainda, que a escolarização
da criança a partir do século XIX foi tema central relativo à regulamentação da
instrução pública elementar, que contribuiu para produzir a infância como ―tempo e
lugar distinto do adulto‖ (VEIGA, 2007, p.43), dando condição necessária à formação
da civilização.
Ainda sobre a escolarização da criança, a obrigatoriedade do ensino escolar
esteve presente como um elemento do processo de produção das civilizações ocidentais,
existente em vários países, com variação das épocas em que se efetivaram ao longo do
século XIX. Assim, ―A questão da obrigatoriedade é um acontecimento
predominantemente político e esteve relacionado à necessidade sociocultural de
produção da consciência de um pertencimento nacional‖ (VEIGA, 2007, p.76-77).
Corroborando com Veiga (2007) sobre a obrigatoriedade do ensino, Maria Cristina
Soares Gouvêa (2004) sinaliza que a obrigatoriedade do ensino no Brasil Imperial, foi
86
articulada de modo a selecionar quem seria incluído nessa medida. Essa autora
acrescenta ainda que, em certo momento as meninas foram desprezadas, assim como
também as crianças escravas:
Não é a infância no singular, porém, que é tomada como objeto da
ação escolar, mas as infâncias serão alvo de políticas diferenciadas,
estabelecidas com base no pertencimento ético, social e de gênero
da criança, definidores de sua identidade. Nesse sentido, serão
estabelecidos diversos tempos e espaços de formação durante a
infância, tendo em vista sua origem, inserção e lugar social quando
adulto. (GOUVÊA, 2004, p. 191).
Desse modo essa obrigatoriedade também se fez presente na Província de Santa
Catarina. Segundo Neide Almeida Fiori (1991, p. 52), no ano de 1872, o então
carregado da instrução pública da Província de Santa Catarina, Senhor Delfino Pinheiro
Cintra Junior, manifestara-se favoravelmente à obrigatoriedade do ensino ―como uma
idéia que está na moda‖. Sobre a obrigatoriedade do ensino, a autora faz uma ressalva
dizendo que: ―No Brasil, era impraticável a adoção de tal medida, pois a maioria das
famílias que não providenciava escola para seus filhos, não possuía recursos para pagar
multas governamentais‖ (FIORI, 1991, p.52).
No entanto, em 1874, a partir da lei nº 699 de 11 de abril do corrente ano, foi
instituída na Província de Santa Catarina a obrigatoriedade à instrução primária
incluindo ―meninos de 7 a 14 anos e meninas de 7 a 10 anos, residentes em cidades e
vilas‖ (FIORI, 1991, p. 53). Este ocorrido na Província de Santa Catarina, dentro do
regime político do Brasil imperial, se dá com o argumento do alto índice de
analfabetismo.
Sobre essa questão, a autora ressalta que adotar o ensino obrigatório constituía-
se numa tomada de decisões que levavam a importantes consequências. Em Santa
Catarina, segundo Fiori (1991, p. 52), ―A população total da Província, no ano de 1874,
era de 159.802 habitantes, sendo que 137.830 eram analfabetos (86%). Somente 21.972
pessoas sabiam ler e escrever (14%), incluindo nessa cifra 46 escravos‖.
Entretanto, já no regime republicano, ocorria que, em Santa Catarina, como em
muitos outros estados da federação brasileira, a escola passou a ser considerada um
mecanismo fundamental na máquina republicana. Para Santa Catarina, um momento
decisivo frente à reorganização da instrução pública – e isso implicou criar ou
reorganizar as escolas existentes – diz respeito à reforma educacional de 1911, onde
87
novas diretrizes foram delineadas no contexto da educação. Destacada nas referências
pesquisadas, como a primeira grande reforma do período republicano, também ficou
reconhecida por muitos pelo nome do seu mentor intelectual: ―Reforma Orestes
Guimarães‖ 17
.
2.1.1 – ALGUNS ASPECTOS DA EDUCAÇÃO EM SANTA CATARINA NO
INÍCIO DO SÉCULO XX: apontamentos
A Reforma do Ensino de 191118
, dentro do contexto educacional de Santa
Catarina, buscou novas diretrizes para a instrução dos catarinenses, com a reorganização
do ensino público primário tornando-se prioridade, e, estreitamente relacionada a isso, a
formação dos professores. Assim, o estado de Santa Catarina procurou consolidar seus
ideais educativos mesmo não encontrando referenciais no próprio contexto, buscando
elementos em outros estados para êxito nos seus propósitos, em especial o estado de São
Paulo, que era considerado modelo em educação.
Segundo Fiori (1991, p. 82) a tradição vigente na instrução pública catarinense –
durante o período imperial e avançando pela fase republicana – era de que toda a
reorganização do ensino fosse iniciada com a montagem de um sofisticado esquema
administrativo: ―A originalidade de Orestes Guimarães repousa no fato de que, ao invés
de começar uma reforma de ensino construindo uma superestrutura administrativa, ele
iniciou pelos estabelecimentos de ensino, a sua ação reformadora‖.
17
Orestes de Oliveira Guimarães nasceu na cidade paulista de Taubaté em 27 de fevereiro de 1871.
Formou-se pela Escola normal de São Paulo. Foi diretor de grupos escolares no Estado de São Paulo.
Antes de dirigir a reforma da Instrução Pública em Santa Catarina, atuou em Joinville, para dirigir e
(re)organizar o Colégio Municipal de Joinville, Santa Catarina. Casado com Cacilda Guimarães, quando
veio a serviço da Instrução Pública em Santa Catarina, em 1911, sua esposa também assumiu a função de
disseminar as idéias do método analítico de alfabetização ao magistério catarinense. Orestes de Oliveira
Guimarães pode ser apontado como um dos mentores intelectuais – talvez mesmo o mais proeminente –
determinante para a reforma educacional de 1911, como também para outras determinações no campo
educacional catarinense, por quase duas décadas. Atuou como Inspetor Geral do Ensino de Santa
Catarina; redigiu parecer sobre a adoção de obras didáticas nas escolas catarinenses; foi responsável,
juntamente, com sua esposa, a professora Cacilda Guimarães, pela difusão do método analítico de leitura
junto ao professorado catarinense, a partir da reforma de 1911; foi Inspetor Federal, para fiscalizar as
escolas estrangeiras subvencionadas pela União, no tocante à nacionalização do ensino; também esteve à
frente da elaboração do Regimento Interno e da organização da Primeira Conferência Estadual do Ensino
Primário, em Santa Catarina, no ano de 1927; além de outras prescrições educativas que estiveram sob
sua responsabilidade. (FIORI, 1991; DALLABRIDA & TEIVE, 2011; HOELLER; DAROS, 2011). 18
A partir dos estudos de Fiori (1991, p. 83), uso o ano de 1911 como o ano em que iniciou a reforma do
ensino em Santa Catarina por Orestes Guimarães, com ―a reorganização do ensino normal
consubstanciado no decreto n. 572 de 25 de fevereiro de 1911‖.
88
A reforma do ensino em 1911, promovida pelo então governador do estado de
Santa Catariana, Vidal Ramos, modernizou o ensino catarinense, e, ainda que buscasse
atacar, segundo Fiori (1991, p. 95), o problema do analfabetismo em geral e da
assimilação dos grupos étnicos estrangeiros19
as ações governamentais foram de
pequena monta até a eclosão da Primeira Grande Guerra. Nessa ocorrência, a presença
de populações de origem estrangeiras no estado, especialmente alemães, ao se tornarem
um problema político nacional, desencadeando uma série de medidas que levou o estado
de Santa Catarina a intervir no ensino nas áreas coloniais. A necessidade de nacionalizar
as populações de origem estrangeira implicou mudança na avaliação do papel do
imigrante na economia e na cultura nacional. As ideias racistas relacionadas ao
aprimoramento do povo brasileiro por meio do branqueamento regenerador da
imigração operavam mudanças nas representações referentes ao aperfeiçoamento dos
povos, com a educação sendo hasteada a posição de fator determinante, predominando
aos fatores raciais. Diante disso, a alfabetização e a expansão da escola pública
tornaram-se panaceias capazes de resolver os problemas do país, especialmente na
década de 1920, expressando-se nas preocupações centrais das reformas do ensino
naquele período. (SANTOS; 2008; 2009 e 2013).
A nova forma de organização escolar para o ensino primário, por meio dos
grupos escolares, advinda de São Paulo, consistiu em uma realidade presente em
diversos contextos brasileiros. Nessa circunstância, é que os dirigentes da educação e do
Estado de Santa Catarina propõem-se a visitar outros Estados da federação para
perceber e apreender referenciais percebidos em outros contextos.
O Estado de São Paulo insere-se neste propósito, pois, naquele momento,
responderia aos ideais de progresso e civilização almejados. Com o intento de aprimorar
e reorganizar a instrução pública de Santa Catarina e firmar seus ideais de progresso e
civilidade, por meio da educação, é que o Governador do Estado – Vidal Ramos –
solicita a presença de Orestes Guimarães para atuar em terras catarinenses.
Tendo assumido o Governo com o firme propósito de empregar
toda a energia de que me sinto capaz para demover a instrução
popular do nível em que está foi um dos meus primeiros cuidados
pedi ao ilustre Presidente do adiantado Estado de S. Paulo que
pusesse á disposição do meu Governo o professor Orestes
19
Para maiores informações, ver os artigos elaborados, entre os anos 2008 a 2015, por Ademir Valdir dos
Santos.
89
Guimarães escolhido por mim para auxiliar o trabalho de
reorganização do ensino primário no Estado (SANTA
CATHARINA, 1911, p.26).
As obrigações de Orestes Guimarães iam além de instituir reforma, pois
praticamente não existia um sistema de educação, mas escolas e alguns professores e
inspetores regidos por leis. Desse modo, Orestes Guimarães deveria estabelecer um
sistema educacional que fosse capaz de prover ações capazes de resolver os problemas
do analfabetismo em geral e da assimilação dos grupos etinos estrangeiros. Sobre isso,
Fiori (1991) acrescenta:
Essa reorganização do ensino teve repercussão além das fronteiras
estaduais e isto deveu-se à sua eficiência, quando analisado no
contexto da época. Além disso, ela testemunhava a possibilidade
de um Estado de modesta receita orçamentária, com Santa
Catarina, poder remodelar sua instrução segundo o modelo vigente
no Estado de são Paulo, cujo farto orçamento deslumbrava as
demais unidades da federação. Essa repercussão foi estimulada,
ainda, pela circunstância dessa reforma ocupar-se veemente com a
ação da escola na assimilação de populações de origem alienígena
– principalmente alemã. Esse fato, com a participação do Brasil na
primeira guerra mundial em 1917 e conseqüente consideração da
Alemanha como país beligerante, tornou-se então um discutido
problema político de ordem nacional. (FIORI, 1991, p. 83).
A presença de Orestes de Guimarães em terras catarinenses é anterior à reforma
da instrução pública de 1911. Antes disso, a convite do governo, Guimarães veio residir
no município de Joinville, Santa Catarina, para dirigir e organizar o Colégio Municipal
de Joinville. O professor exerceu esta função de 1906 a 1909, ―fazendo com que o
referido colégio tomasse ares inspirados nos grupos escolares paulistas‖ (FIORI, 1991,
p. 85).
A atuação de Orestes Guimarães o levou a implantar a reforma da instrução
pública do Estado de Santa Catarina (1911). Esta visou, em grande proporção, ―à
reorganização do ensino primário, considerando-se também como ponto fundamental a
formação do professorado para atuar junto às escolas primárias‖ (FIORI, 1991, p.86).
Nesse contexto, em 1911 foi instalado, oficialmente, o primeiro grupo escolar em Santa
Catarina. Esta escola gestada na república compartilhava com outras modalidades de
escolas para as crianças catarinenses. De acordo com Norberto Dallabrida (2003), Santa
Catarina apresentava modalidades distintas de escolas e educação.
90
Segundo o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis – IPUF, o Estado
de Santa Catarina possuía, em 1900, um total de 320.289 habitantes, distribuídos por 24
municípios. Nestes primeiros anos do século XX, a situação das escolas públicas
estaduais em Santa Catarina era muito precária. Vigorava a estrutura e o modelo
educacional de 1894, planejado na administração de Hercílio Luz, no qual predominava
a mentalidade de criar escolas atendendo mais à quantidade do que à qualidade do
ensino ministrado. Em 1906, havia 157 escolas e essas tinham 4.970 alunos
matriculados. Dois anos depois, em 1908, eram 177 estabelecimentos, com 6.707
alunos. Para Fiori (1991, p. 92), ―a atuação governamental de Vidal Ramos – período de
1910 a 1914 – foi decisiva para a educação catarinense, da qual seu Governo é
considerado o grande reformador‖.
Pode-se dizer que um dos principais eixos da Reforma do Ensino de 1911, foi a
criação de grupos escolares: amplas construções, bem iluminadas e arejadas, com novo
tipo de ensino: simultâneo, graduado em turmas homogêneas com lições que
originavam do chamado ―método intuitivo‖ ou ―lições de coisas‖ (TEIVE, 2014 ). Os
grupos escolares foram construídos nos principais centros urbanos do estado de Santa
Catarina: Joinville, Laguna, Florianópolis Itajaí, Lages e Blumenau.
2.1.2 – REFORMAS NA EDUCAÇÃO PÚBLICA DE SANTA CATARINA:
revisão, modificação e instrução
Vidal Ramos ao assumir o governo de Santa Catarina em 28 de setembro de
1910, fez uma ampla reforma no ensino público. Era um desejo, desde o início do
século XX, das elites republicanas catarinenses de reorganizar o ensino a partir do
modelo adotado pelo estado de São Paulo em que se investiu em um sistema de ensino
modelar, em que a escola passou a ser sinônimo de progresso e modernidade
republicana. As ações do governo catarinense iniciaram-se com a reorganização da
escola normal e adoção de uma série de leis e regulamentos que implementavam um
efetivo sistema de ensino público (FIORI, 1991, DALLABRIDA, 2001, TEIVE: 2003,
2011, 2014).
Cabe ainda salientar que, na passagem do século XIX para o XX, ganha relevo o
modelo paulista de educação, caracterizado na reforma da instrução pública do estado
de São Paulo, iniciada em 1891e que se tornou modelo para os demais estados da
91
federação, na primeira década do século XX, dentre eles Santa Catarina. Esse modelo de
ensino já vinha sendo desenvolvido na Escola Americana de São Paulo, bem como no
Colégio Kopke e em outras escolas particulares do Rio de Janeiro e São Paulo. De
acordo com Teive (2014), esse era alicerçado na Pedagogia Moderna, que carrega em
seu bojo, uma concepção de criança20
muito peculiar. ―No seu ímpeto de disseminar,
país afora, o novo método de ensino, para os professores ‗bandeirantes paulistas foi de
grande ajuda os manuais de lições de coisas utilizados como guia para o preparo das
lições‖ (TEIVE, 2014, p. 167). É importante dizer ainda que, mediante o projeto de
educação paulista e, sobretudo, da criação dos grupos escolares, considerados a escola
da república por excelência (TEIVE, 2008), que houve o alargamento em que foram
adotadas as séries graduadas de leitura na Pedagogia Moderna. Elas foram criadas por
conta do ensino graduado, dividido em quatro séries, onde para cada ano escolar havia
um livro de leitura, além da cartilha de alfabetização, esta para o primeiro ano (TEIVE,
2008).
Contrapondo-se ao método tradicional de ensino, baseado na dedução,
o método de ensino intuitivo seguia a abordagem indutiva baconiana,
sintetizada pela versão científica da pedagogia, segundo a qual o
ensino deveria partir do simples para o complexo, do concreto para o
abstrato, do particular para o geral, do conhecido para o desconhecido,
das coisas para os nomes, das ideias para as palavras. Primeiro as
coisas, depois as palavras; primeiro a ideia, depois as palavras, signos
representativos das coisas. A perfeita relação estabelecida entre as
palavras e as coisas, entre ideia e signo, sintetiza o pensamento
moderno, assentado na concepção do conhecimento como
representação das coisas: as coisas se representariam como ideias; as
ideias representariam as coisas e as palavras seriam signos das ideias
(TEIVE, 2008: 113, apud, TEIVE, 2014, p. 156-157).
Desse modo, a criança elaboraria juízos, ordenando e fazendo relações,
expressando-se por meio da língua, comparando as representações sintetizadas entre os
signos e as relações estabelecidas entre as palavras e as coisas que as significam.
As ações instituídas pela reforma de 1911 sofreram revisões, em que o
Governador Vidal Ramos foi autorizado pela lei n. 967 de 22 de agosto de 1913, ―a
20
O protagonismo estava centrado no professor. ―As crianças deveriam ser educadas tal como a natureza
educou o gênero humano: intuitivamente, empiricamente, repetindo em suas vidas os estágios de
desenvolvimento de toda a humanidade‖ (p. 157). A criança tinha um ritmo, não poderia ir além, tudo
deveria estar adequado a sua idade, pois cada coisa deveria acontecer ao seu tempo. ―as lições de coisas
não deveriam ser resumidas a um molde, a uma lista, em que, para perguntas destituídas de interesse, se
apresentassem respostas secas, sem sentido para as crianças‖ (p. 169). ―a simples observação e descrição
dos objetos pela criança não garantiria o seu aprendizado: ela deveria apoderar-se do espírito das coisas, ir
além da intuição sensível‖ (p. 169).
92
providenciar nova revisão nos regulamentos da instrução pública, introduzindo as
modificações que julgasse convenientes‖ (FIORI, 1991, p. 82), o que,
consequentemente, deu vida ao Regulamento Geral da Instrução Pública, em 2 de maio
de 1914, com o Decreto n. 794. Nesse novo Regulamento foram revisados os Programas
e Regimento das modalidades de escolas presentes no Estado. Muito do que fora
determinado pela reforma de 1911 permaneceu validado na reforma de 1914.
De acordo com o Regulamento da Instrução Pública (1914), as escolas
primárias do Estado recebiam as seguintes denominações: Grupo Escolar; Escola
Preliminar (escolas isoladas regidas por normalistas); Escola Intermediária (escolas
isoladas regidas por professores vitalícios ou efetivos, não normalistas); e Escola
Provisória (escolas isoladas regidas por professores nomeados); Escolas particulares,
subvencionadas ou não pelo Estado. Essa diversidade de escolas participava da
escolarização da criança (SANTA CATHARINA, 1914, p.19).
No estado de Santa Catarina, as escolas isoladas presentes no período imperial
foram reorganizadas dentro das propostas estabelecidas no período republicano.
Segundo Fiori (1991) essa modalidade escolar apresentava-se em quantidade superior e
alocava o maior número de crianças em Santa Catarina, presentes mais nas áreas rurais,
mas também apresentava um considerável número nos espaços urbanos.
Nessas escolas as atividades eram feitas por um só professor, que trabalhava na
mesma sala e com todos os alunos das três ou quatro séries ao mesmo tempo. É
importante ressaltar que os níveis de ensino eram diferenciados e os conteúdos eram
distintos para cada um deles, considerando a série que as crianças frequentavam. As
escolas isoladas apresentavam, em termos de número de alunos em relação aos grupos
escolares, um número considerável de matrículas, que se davam da seguinte forma:
―Escolas Isoladas – 9.138 alunos. Grupos Escolares – 2.261 alunos. Escolas Reunidas –
627 alunos. Escolas Complementares – 195 alunos e Escola Normal com 85 alunos‖
(FIORI, 1991, p. 87).
Em conformidade com os regulamentos da instrução pública do estado de Santa
Catarina (1911 e 1914), as escolas isoladas seriam criadas de preferência nos perímetros
urbanos e suburbanos dos municípios que não tivessem grupos escolares, permitindo
um grande fluxo de alunos, como se pode ver nas informações supracitadas. Para essas
escolas, fazia-se necessário comprovar a existência de no mínimo 60 crianças em idade
93
escolar (7 a 14 anos), entre meninos e meninas de acordo com a escola a ser criada
(masculina, feminina ou mista).
As diferenças das instalações poderiam contribuir para que as crianças, em
certos casos, vivenciassem sua escolarização de modos distintos. Os grupos escolares
catarinenses seriam criados, de preferência nas sedes dos municípios com um terreno
apropriado à instalação e um prédio que fosse adequado ao funcionamento deste tipo de
escola. Para a criação dos grupos escolares deveria existir, no perímetro urbano, no
mínimo 150 alunos de ambos os sexos, em condições de matrícula.
Segundo Veiga (2007), os grupos escolares representam uma escola gestada de
acordo com os ideais republicanos. Referente aos grupos escolares, a autora afirma
ainda que: ―as novações básicas eram a organização das classes em séries, cada série
numa sala, um professor para cada série, organização das séries em etapas sucessivas e
grupos de quatro ou cinco séries reunidas em um mesmo prédio‖ (VEIGA, 2007,
p.242). Já Fiori (1911) salienta que os Regimentos Internos para os Grupos Escolares
(1911 e 1914) prescreviam condutas tanto para as crianças quanto para os docentes, bem
como aos demais servidores.
Outro aspecto apresentado diz respeito aos recursos financeiros para com a
educação catarinense. No ano de 1926, Adolpho Konder, governador eleito naquele
mesmo ano, já questionava sobre a precariedade da receita orçamentária do Estado.
Konder citava os esforços que o Estado empreendera para apurar a estrutura do ensino
catarinense, mas que, apesar disso, não fora possível, com os recursos financeiros
disponíveis, ―(...) alargar muito os benefícios da instrucção, levando-a onde seja
reclamada (...)‖ (SANTA CATHARINA, 1926a, p.39).
Essa expansão, à qual se referia o governador, dizia respeito à oferta de escolas e
às condições de suas instalações, que deixavam muito a desejar. Apesar das observações
do governador Konder (1926), o mesmo reconhecia sobre o muito que se havia feito
pelo ensino em Santa Catarina, mas afirmava que: ―Sempre alguma cousa resta, por
fazer, para adaptar a organização montada ás melhores conquistas da pedagogia, que
evolue no sentido da formação de uma mentalidade pratica, na criança‖. (SANTA
CATHARINA, 1926a, p. 39). Podemos verificar, com isso, que o Estado procurava,
com seus recursos, expandir o ensino primário aos catarinenses por meio da instalação
ou reorganização de escolas.
94
Ainda sobre o ensino catarinense, em 1935, inspirado nas diretrizes delineadas
no VI Congresso de Educação realizado em Fortaleza, o ensino catarinense teve uma
nova reorganização. Sob a baluarte do professor Luiz Sanches Bezerra da Trindade, o
Decreto 713, de 5 de janeiro de 1935, a Reforma Trindade, estabelecido pelo Interventor
Federal Aristiliano Ramos, segundo Fiori (1991) considerava a necessidade de uma
nova formação dos docentes para que aplicassem novos métodos de ensino. Entre outros
aspectos relacionados está a criação do Departamento de Educação do Estado de Santa
Catarina, extinguindo a então Diretoria da Instrução Pública.
Porém essa Reforma não teve a qualidade apresentada para o ensino de Santa
Catarina como foi a Reforma Orestes Guimarães, resumindo-se numa reestrutura
administrativa.
A reorganização do ensino do ano de 1935 não teve a organicidade, a
amplidão e a complexidade da reforma levada a efeito por Orestes
Guimarães. Segundo alguns, foi uma política de ensino que, apesar da
elevação de propósito de seus mentores, pouco frutificou por ter sido
basicamente uma superestrutura administrativa e que nada introduziu
de novo nos currículos escolares – redistribuiu-os apenas. A partir de
1938, leis e decretos de diferentes natureza foram derrubando,
lentamente, essa reforma de ensino. (FIORI, 1991, p. 123).
Dentre os aspectos estabelecidos nessa Reforma, podemos entender que essa
reorganização do ensino sob a batuta de Luiz Trindade, concentrava-se numa ―missão
pedagógica e de técnicas administrativas‖ (FIORI, 1991, p. 123), ou seja, uma nova
política de ensino introduzindo quase nada de novo nos currículos escolares.
Compreende-se que os dirigentes do estado de Santa Catarina, nesse período do
início do século XX, buscavam as possibilidades da expansão do ensino público às
crianças catarinense. As reformas do ensino buscaram reorganizar administrativamente
e pedagogicamente as escolas públicas catarinenses, e os programas de ensino
orquestrados por Orestes Guimarães foram imprescindíveis para o ensino catarinense,
em acordo com as novas concepções educacionais implantadas por ele.
Essa nova sistemática de ensino apresentava-se também com uma uniformização
do período de matrícula: ―Anteriormente, as escolas costumavam receber alunos em
todo o correr do ano letivo, fato que afetava seriamente o bom aproveitamento dos
discentes‖ (FIORI, 1991, p. 96).
Desse modo, podemos entender que a legislação pode ser vista como conjunto
de leis possíveis em determinada sociedade, em dado momento histórico e como
95
produto do jogo de forças, presentes no aparelho do Estado. Assim, as leis, com seus
artigos, parágrafos e incisos, são resultados do jogo de forças das diferentes classes
sociais que estão representadas no aparelho estatal, assim como as pressões possíveis
que as demandas representam, permitindo também outras considerações, auxiliando no
cotejamento da história regional com a história nacional (CHARTIER, 2002).
No tocante às condições pedagógicas no início do período republicano,
investiram em sucessivas tentativas de melhorar a estrutura organizativa do ensino. Os
primeiros governadores republicanos do estado de Santa Catarina – Manoel Joaquim
Machado, Hercílio Pedro da Luz e Gustavo Richard – tentaram promover tais
mudanças. Mas, foi no início da década de 1910, com o então governador Vidal José de
Oliveira Ramos, que essas tentativas iriam lograr êxito, com a Reforma Orestes
Guimarães, em 1911 (FIORI, 1991).
2.1.3 – ASPECTOS SOBRE A OBRIGATORIEDADE DO ENSINO
Quanto à escolarização da criança do ensino público catarinense, outro ponto a
ser tratado é sobre a obrigatoriedade do ensino. Parte dos pressupostos de que ―A
obrigatoriedade escolar era exigida para crianças de sete a quatorze anos e que
residissem até dois quilômetros distantes de uma escola pública‖ (FIORI, 1991, p. 96).
Essa obrigatoriedade viria para colocar todas as crianças na escola e, assim, promoveria
o projeto republicano que se estabelecia.
As reformas da instrução pública catarinense de 1911 e depois, em 1914, traziam
por meio de regulamentos da instrução pública os indicadores da obrigatoriedade do
ensino do Estado de Santa Catarina. Quanto a isso, o Regulamento de 1911 apresenta as
seguintes observações:
Art. 128 – O ensino preliminar é obrigatório para ambos os sexos, até
aos 14 anos, começando aos 7. Art. 129 – No perímetro de 2
kilometros, onde houver escola publica, as creanças de 7 a 10 annos
serão obrigadas a frequental-a, salvo freqüência em escola particular,
ou aprendizagem em casa própria. Art. 30 – Os paes ou responsáveis
por qualquer creança, que não satisfizerem ás condições do artigo
antecedente, ficam sujeitos á multa de 10$000 a 20$000. Art. 131 –
Para execução desses multas o inspetor escolar deverá: a) avisar ao
pae ou responsável, fazendo-lhe sentir a pena em que esteja
incorrendo; b) impor a multa e communical-a ao exactor, para que
proceda conforme a legislação fiscal. (SANTA CATHARINA, 1911b,
p. 31-32).
96
O Regulamento de 1914 apresentou dois aspectos diferentes dos de 1911: 1) a
ampliação da faixa etária da obrigatoriedade de ensino de 7 a 14, anos prevista em 1911
passou para 7 a 15 anos em 1914. 2) o acréscimo do seguinte parágrafo: ―§ único. No
caso do responsável allegar falsamente aprendizagem em casa ou em escola particular
será cobrada a multa (...)‖ referente ao art. 127. Era preciso garantir o ensino obrigatório
e a gratuidade do mesmo a uma parcela da infância que corresponderia ao ideário
republicano, sendo que uma das justificativas para essa obrigatoriedade pode ser
pensada na garantia de que as crianças estivessem em acordo com os ideais de
civilidade, pretendidos pelo Estado e pela Nação.
É relevante ressaltar que a obrigatoriedade do ensino primário não era de
competência da União, pois a organização deste nível de ensino ficou a cargo dos
estados e municípios a partir da Proclamação da República. As questões relacionadas à
obrigatoriedade e à gratuidade para o ensino primário, nas primeiras décadas do Brasil
republicano, eram obrigações de cada estado, instituídas de acordo com a realidade de
cada contexto, conforme sinaliza Fiori (1991). Todavia, a obrigatoriedade das crianças
de frequentarem a escola estava associada à gratuidade do ensino, que deveria ser
mantido pelo poder público.
Porém, essa obrigatoriedade encontrara dificuldades orçamentárias no estado de
Santa Catarina, existindo o obstáculo de tornar possível a criação de muitas escolas
onde fossem solicitadas, principalmente na zona rural. Além disso, mesmo havendo
escolas, faltavam materiais, professores e até alunos, conforme afirma Fiori (1991). A
autora observa que as condições desfavoráveis de muitas escolas geravam o desinteresse
de muitos professores em lecionar nessas localidades.
Há de se pensar, também, que a determinação legal da obrigatoriedade carecia
não só da responsabilidade dos estado em garantir o acesso a escola, mas também da
permanência das crianças por parte das famílias, uma vez que era delas a
obrigatoriedade da matrícula. Outrossim, as famílias alegavam que também precisavam
de seus filhos, principalmente as moradoras na zona rural, onde as crianças contribuíam,
em certa medida, com os afazeres domésticos ou no campo.
Sobre esses aspectos podemos observar a fala do Superintendente Municipal de
Florianópolis, João Pedro de Oliveira Carvalho, em 1920, quando o mesmo assinala em
seu relatório que: ―nos centro ruraes nem mesmo se conseguiria alumnos para um curso
mais completo, porque as crianças, desde cedo, tomam parte na faina paterna e deixam,
97
por isso, a escola, logo que adquirem os conhecimentos mais indispensáveis‖. (SANTA
CATHARINA, 1920, p.21-22).
Segundo Veiga (2006, p.85), deve-se analisar não apenas o cumprimento ou não
das normas prescritas, mas se trata da necessidade de perceber a ―exterioridade social‖
(famílias, condição material e orçamentária do Estado, localização geográfica das
escolas, entre outros aspectos), que contribuíram para que determinada realidade se
efetivasse.
Em outros aspectos, essa ―homogeneização da infância‖ através da
obrigatoriedade da matrícula, caracterizava, também, a exclusão, que em muitos pontos
tornava as experiências das crianças um instrumento de classificação que podiam ser
visto por meio da idade, de gênero, bem como por fatores sociais e materiais das
crianças.
Sobre isso, podemos discutir a partir dos regulamentos da Instrução Pública
(1911/1914), que em suas observações gerais sinalizavam a quem seriam negadas as
matrículas no ensino público primário, como podemos ver no Regulamento da Instrução
Pública de 1914: ―Àqueles que tivessem fora da faixa etária estabelecida; Os que
padecessem de moléstia contagiosa ou repugnante‖ (SANTA CATHARINA, 1914,
p.32).
Segundo, ainda, aqueles regulamentos, a faixa etária (para crianças acima de seis
anos de idade – 1911, e, para crianças acima de sete anos de idade – 1914) destinada às
escolas isoladas e aos grupos escolares, era comum, mas, que poderia ocorrer uma
separação de acordo com o sexo das crianças. Sobre essa questão, Teive (2011, p. 43)
afirma que, ―Nas escolas isoladas, as crianças poderiam ser separadas em escolas
masculinas, femininas e mistas. Nos grupos escolares, não seria admitido matrícula às
meninas nas seções masculinas, e, tão pouco os meninos seriam admitidos nas seções
femininas‖.
As indicações existentes nos regimentos dos grupos escolares diziam também
que não poderiam ser matriculadas ―as crianças de notório maus costumes; as imbecis e
os que, por defeito orgânico, forem incapazes de receber instrucção no estabelecimento‖
(SANTA CATHARINA, 1911 e 1914). Sobre esse aspecto, faz-se relevante pensar
sobre quem são as crianças consideradas ―de notório maus costumes‖ e fora das
indicações exigidas na matrícula nos grupos escolares: poderiam elas ser matriculadas
em outros estabelecimentos de ensino? Conforme Dallabrida, é possível que a elas
98
estivessem reservadas outras ―instituições assistenciais e educativas de caráter
disciplinador, como asilos, orfanatos, o lazarento‖ (DALLABRIDA, 2001, p. 62).
As justificativas presentes nos regulamentos/regimentos, quanto à aceitação ou
negação de matrículas às crianças catarinenses, levam a refletir, também, sobre a
possível concepção de criança presente na proposta de escolarização vigente,
observando, também, o que o Professor Fontes apresenta, no prefácio da 1ª edição da
Série Fontes, sendo reproduzido em todas as demais com data de janeiro de 1920, sobre
a obrigatoriedade do ensino e a razão pela qual justifica o uso dessa série nas escolas
públicas do estado de Santa Catarina: ―Empenhando-se o Estado em tornar efetivas as
leis que promulgou sôbre a obrigatoriedade do ensino, precisa, por isso, facilitar a
aquisição de livros; precisa, mesmo, dá-los aos que não os possam comprar e aos que
relutem em adquiri-los‖ (FONTES, 1922, p. 5).
2.1.4 – CRIANÇA – SUJEITO ESCOLAR
As crianças são sujeitos da história e de história, uma vez que a condição infantil
é construída sócio-historicamente, pois, a história está nas crianças, uma vez que estar
vivendo a condição infantil comporta os sedimentos do tempo e da construção social
passada do ser criança.
A criança, ao nascer, necessariamente ingressa no ‗mundo dos
adultos‘, que na realidade é um mundo em que existem pessoas de
diferentes idades. Se adultos exercem a hegemonia dos processos
sociais, há que se pôr em questão os processo como são recebidos os
novos membros da humanidade na vida social, nos diferentes lugares,
momentos, grupos sociais, etc. A defesa da necessidade da educação
fundada nas instituições familiar e escolar, fez dessas instituições o
novo ―mundo dos adultos‖ pelo qual elas deveriam passar.
(KUHLMANN JR. & FERNANDES, 2004, p. 22).
Parece-nos evidente que querer saber mais sobre a criança com base nos estudos
historiográficos, as formas de pensar e ser de cada uma delas é também querer que mais
vozes ecoem dentro de todos os acontecimentos em que ela está presente, diretamente
ou não. Elas introduzem e sofrem modificações no modo como estão sendo crianças.
Em de 12 de outubro de 1927, entrou em vigor o primeiro Código de Menores,
Decreto nº 17.943-a, afirmando, em seu artigo primeiro, que aquela legislação era para
ser aplicada aos menores de 18 anos de idade. (BRASIL, Código de Menores, 1927).
Este critério foi seguido pelo Código Penal de 1940 (ainda vigente), em seu artigo 27.
99
(BRASIL, Código Penal, 1940). O Código de Menores de 1927 declarava que ―Crianças
da Primeira Idade‖ (art. 2º) eram os menores de 02 (dois) anos de idade. (BRASIL,
Código de Menores, 1927). Estes recebiam, ou pelo menos deveriam receber os
primeiros cuidados dos seus pais ou responsáveis legais, bem como pelas autoridades
constituídas da época, significando uma cultura de proteção, guarda e vigilância à
integridade física, psicológica, e à saúde das crianças.
As crianças, com toda sua instrumentalização – seus sins e seus nãos, são mais
do que coadjuvantes na história da educação. A participação das mesmas na formação
de uma cultura está nos fatos que as constituem historicamente: já foram colocadas
dentro de ―rodas‖, presas em roupas que lhes impediam de movimentarem-se,
escondidas dentro de muros, largadas nas ruas. Lugares esses que desrespeitam suas
singularidades. Nota-se que as crianças das diferentes classes sociais eram submetidas a
contextos diferenciados de desenvolvimento: enquanto as crianças as classes menos
favorecidas eram atendidas com propostas de trabalho quem partiam de uma ideia de
carência e deficiência, as crianças das classes sociais mais abastadas recebiam uma
educação que privilegiava a criatividade e a sociabilidade infantil. A partir das décadas
de 1920 e 1930, quando se inicia o processo de implantação da industrialização no país
fomentando a inserção da mão de obra feminina no mercado de trabalho, os
movimentos operários ganharam força. Iniciavam sua organização nos centros urbanos
mais industrializados, e, reivindicavam melhores condições de trabalho, dentre elas a
criação de instituições de educação e cuidados para os filhos dos trabalhadores
(NAZÁRIO, 2011). Nessa mesma perspectiva, como sinaliza Priori (2009),
As crianças brasileiras estão em toda parte. Nas ruas, à saída das
escolas, nas praças, nas praias. Sabemos que seu destino é variado. Há
aquelas que estudam, as que trabalham, as que cheiram cola, as que
brincam, as que roubam. Há aquelas que são amadas e, outras,
simplesmente usadas. Seus rostinhos mulatos, brancos, negros e
mestiços desfilam na televisão, nos anúncios da mídia, nos rótulos dos
variados gêneros de consumo. (PRIORI, 2009, p. 7).
Assim, as crianças foram tomando espaço, passando de reis e rainhas a ditadoras
de opiniões.
Sobre a concepção de criança presente nas indicações para a matrícula nas
escolas primárias de Santa Catarina, podemos pensar que também estivessem
relacionadas aos aspectos da eugenia. Veiga (2007, p. 212) afirma que ―O termo
100
eugenia foi cunhado por Francisco Galton (1822-1911) e se deteve na investigação da
transmissão de caracteres hereditários e, por meio dela, exprimiu-se a visão de
sociedade dos ‗bem nascidos‘‖. Já Silva (2016, p. 58-59) faz um estudo relacionado ao
termo e afirma que:
A eugenia é o movimento que aborda o aperfeiçoamento físico e
moral das pessoas, cabendo desde educar até sanear. Este conceito fez
parte da política de Estado no Brasil, que na época levantaram-se
bandeiras de todas as áreas e partes com o mesmo objetivo, instruir,
educar, higienizar e melhorar o conceito de brasileiro (tanto cidadão
quanto biologicamente).
Ainda sobre a faixa etária (7 a 14 anos de idade) que a criança deveria ter para
ser matriculada no ensino público catarinense, faz-se relevante ressaltar que essa idade
então destinada a ―escolarizar‖ a infância, estava associada a um dos aspectos de
representação de criança. Podemos entender que o número de crianças que eram
matriculadas nas escolas, correspondia ao que caracterizava o projeto de nação a que se
pretendia naquele período. No entanto, é importante compreender que essa constatação
corresponde às matrículas entre os anos de 1919 a 1935, conforme sinaliza Hoeller
(2009).
Segundo sintetiza Hoeller (2009, p. 44), no ano de 1919 o número de escolas
isoladas estaduais era 423, e o número de matrícula era de 11.537. Já o número de
grupos escolares era de 10 e o número de matrículas, 4.072. As escolas reunidas eram
duas, com 799 crianças matriculadas. No ano de 1924 eram 543 escolas isoladas, com
27.907 crianças matriculadas. Os grupos escolares eram onze, com 3.590 crianças
matriculadas. Já nas escolas reunidas, que eram sete, havia 1.128 crianças matriculadas.
No ano de 1925, mesmo com as novas escolas isoladas (554) o número de matrículas
caiu, totalizando 27.624. Embora o número de grupos escolares continuasse o mesmo
(onze), as matrículas aumentaram para 3.652 crianças e as escolas reunidas de sete
foram para nove, totalizando 1.427 matrículas. No ano de 1926 duas novas escolas
foram construídas, atendendo 28.326 crianças.
Os grupos escolares de 1ª e 2ª classe (nomenclatura da época) totalizavam 10 e
11, respectivamente, num total de 1.929 crianças matriculadas para o primeiro e de
3.722 para o segundo. Em 1927, eram 593 escolas isoladas, com 30.542 matrículas.
Nesse mesmo ano, os grupos escolares de 1ª e 2ª classe totalizavam onze,
101
respectivamente com um total de 3.726 e 2.043 crianças matriculadas. Já no ano de
1928 o número de escolas isoladas passou para 673, com um total de 34.379 crianças
matriculadas. O número de grupos escolares de 1ª classe se manteve em 11, com 3.846
crianças matriculadas e o de 2ª classe passou para 12, com 2.225 matrículas. No ano de
1929 houve um aumento de escolas isoladas, passando para 690, com 38.798
matrículas. O número de grupos escolares de 1ª classe passou para 11, com 4.577
crianças matriculadas e o de 2ª classe passou para 13, com 2.546 matrículas. Em 1935,
eram 818 escolas isoladas com 45.621 matrículas e 49 grupos escolas, com 13.056
matrículas. Segundo a autora, o índice de matrículas nas escolas nem sempre
correspondia aos números de frequência: ―Aquela, grosso modo, ficava além desta‖.
(HOELLER, 2009, p.55).
Essas informações sobre as matrículas nos dão pistas de quantas crianças
tiveram acesso à Série Fontes no período entre 1924 e 1935. Pressupondo que era doado
um livro de leitura para cada criança, no ano de 1926, por exemplo, podemos elucubrar
que houve uma tiragem que poderia compor um número de 33.977 exemplares.
Outro aspecto relacionado à frequência das crianças nas escolas se refere às
condições atribuídas a elas de acordo com o regimento interno. No ano de 1911, dizia:
―trajar-se asseiadamente e calçar-se em dias determinados pelo diretor‖. Já no ano de
1914 destaca-se: ―Comparecer calçado nos dias de festas realizadas no estabelecimento.
Os alunos podem frequentar as aulas, calçados ou descalços‖ (SANTA CATHARINA,
1914, p. 26)
Exemplo disso é um registro localizado no Relatório da Conferência
Interestadual de Ensino Primário, realizada no Rio de Janeiro em 1921, no qual se
encontra a seguinte passagem: ―[...] a obrigatoriedade da frequência exige um serviço de
assistência aos alunos indigentes, aos quais teem de ser fornecidos livros e material
escolar como em muitos casos até vestidos e alimentação‖ (BRASIL, 1922, p.96 apud
HOELLER, 2009, p.56, grifo meu). A autora conclui que: ―O tema que fora tratado em
âmbito nacional, talvez, pudesse ser compreendido como realidade presente nos
diversos estados brasileiros, reservadas as devidas especificidades de cada contexto‖.
(HOELLER, 2009, p.57).
Outro ponto que posso destacar quanto ao ensino público primário catarinense se
refere à vestimenta, aos trajes usados pelas crianças, que de certo modo contribuíam
para dar visibilidade às escolas republicanas.
102
Era importante demarcar os trajes das crianças nos momentos de
festas cívicas, desfiles patrióticos ou congêneres, pois essas ocasiões
transcendiam os espaços escolares e a própria uniformização. As
celebrações e vestimentas contribuíam para representar aquilo que a
escola pretendia estabelecer: uma escola da ordem, do civismo. Uma
escola da república. (HOELLER, 2009, p.59. grifo meu).
Podemos entender, então, que os uniformes remetiam às condições materiais,
diferenciando as crianças, tanto as que frequentavam os grupos escolares como as
escolas isoladas.
Dialoguei, até aqui, com base no entendimento do que apresentam os
Regulamentos de Ensino do estado de Santa Catarina dentro do período proposto para
essa pesquisa, destacando o de 1911 e o de 1914, que fazem parte de uma reforma
educativa para o estado, onde se estabeleceram diretrizes e normas dentro de um
engendramento político. Percebo, também, que esses encaminhamentos produziam uma
homogeneização da infância, colocando a escola como instituição provedora dessas
ações. Porém, podemos defender que nesses espaços diferentes infâncias eram
vivenciadas, pois mesmo tendo um caráter homogenizador, a escola era instituída de
crianças nas suas individualidades, singularidades, apresentando a concepção de criança
que se tinha naquele período.
2.1.5 – A FORMAÇÃO DA CRIANÇA SOB O OLHAR DO ADULTO – CIDADÃ
DO FUTURO
As práticas educativas das escolas no período 1911-1930, que interferiam no
processo de aprendizagem da criança e na sua formação como cidadão do futuro,
relacionavam-se a outros sujeitos, que efetivavam os propósitos estabelecidos. Esses
sujeitos com funções específicas eram o professor e o inspetor de ensino, que
contribuíam para a educação e formação da criança nas escolas de ensino primário de
Santa Catarina.
Referindo-se às docentes dos grupos escolares, ou seja, às professoras da
―Escola da República‖, Teive afirma que estas não só tinham a obrigação com o ensino
e aprendizagem das crianças quanto à formação cognitiva, mas, também, de dar
exemplo de ―moralidade e polidez em seus atos, tanto na escola como fora dela‖
103
(TEIVE, 2011, p.67). Esses aspectos traduzem o papel do mestre e sua responsabilidade
social, apresentando às crianças elementos de uma certa cultura escolar, assegurando-
lhes o preparo para reproduzir o cidadão patriota, com princípios que deveriam aprender
no seu fazer pedagógico junto às crianças.
No Regulamento de 1911, Capítulo VIII, sobre os deveres e penas do pessoal
docente, se apresenta o ―Art. 39 – É dever dos professores: 5) Dar caráter prático ao
ensino e inspirar aos alumnos sentimentos moraes e cívicos que os habilitem ao
preenchimento do fim a que destinam‖. Já no Regulamento de 1914, Secção VII, ―Art.
91. A sua principal missão é educar physica, moral, e intellectualmente, de accordo com
os respectivos programmas, os alunos que se matricularem nas escolas do Estado‖.
Sobre esses regulamentos, Teive (2011, p. 121) afirma que: ―Apesar de alguns ajustes, o
regimento interno e o programa de ensino de 1914, tiveram vida longa na história do
ensino primário de Santa Catarina‖.
Os regulamentos da instrução pública do Estado de Santa Catarina de 1911 e
1914 atribuíam aos professores obrigações de ordem hierárquica, entre outros aspectos,
de obedecer às disposições do regimento. Além disso, no exercício de sua função
pública, dentro de suas atribuições, era-lhes assegurada uma gratificação por meio de
seu desempenho, verificado pelo diretor da escola onde lecionava e por uma banca
examinadora por ocasião dos exames finais.
Esses fatos indicam questões relacionadas à formação das crianças e ao que a
elas era empregado dentro desses regulamentos, no que se referia às obrigações
estimadas aos professores, pois esses exerciam uma ação direta sobre elas crianças.
Entendo que a escolarização da criança catarinense, nesse período, determinava algumas
especificidades relacionadas à sua formação, quanto ao que se queria como cidadão que
aquela viria a ser tornar. Outrossim, a formação docente daqueles que iriam preparar as
novas gerações também era vista como fator preponderante para o progresso social,
advindo dos investimentos na educação das crianças entre sete e quatorze anos de idade,
matriculadas no ensino público primário do estado de Santa Catarina.
Outro ator que tinha ação direta sobre a formação das crianças naquele período
era o inspetor escolar, que segundo Fiori (2011, p. 98), tinha o cargo remunerado e em
comissão: ―Desses profissionais exigia-se que fossem diplomados em Curso Superior,
Ginásio ou Escola Normal; e logo depois de nomeados deviam praticar durante dois
104
meses nos Grupos Escolares, acompanhando sua organização, método e processos de
ensino‖.
Esses homens tinham papel importante no êxito da organização do ensino, a eles
cabendo não só a fiscalização sobre a infraestutura e os bens materiais das instituições
escolares e das ações pedagógicas dos professores, mas também da atividade das
crianças quanto à postura em sala, às suas vestimentas e as suas produções em todas as
matérias do ensino. Além disso, eram respeitados diante da sociedade: ―Os Inspetores
Escolares gozavam de elevado status nas comunidades e frente ao professorado
catarinense‖. A autora diz, ainda, que além de exercerem seus cargos de fiscalização
administrativa e pedagógica, ganhavam visibilidade no Estado e passavam a atuar na
vida pública: ―Homens que iriam ter decisiva atuação na vida pública de Santa Catarina,
atuavam então como Inspetores Escolares‖. (FIORI, 1991, p.99).
Em meio a esses profissionais da educação, quem também exerceu esse cargo foi
o Professor Fontes, na atividade de inspeção escolar como Chefe Escolar da Capital,
assumindo a ―responsabilidade de dirigir os destinos da instrução pública, sendo,
também, o fundador da primeira Faculdade de Filosofia‖ (FIORI, 1991, p.99).
Talvez seja oportuno pensar o papel do inspetor escolar não apenas como fiscal,
exercendo as normas impostas pelo Estado, prescritas nos regulamentos da época, mas,
considerar que suas ações no ensino catarinense produziam nas crianças sentimentos de
medo e admiração, respeito e repúdio.
Os relatórios elaborados pelos inspetores quando de suas visitas podiam conter
não apenas as ações dos professores, mas também indicações sobre as condutas das
crianças, como pode ser observado no relatório do inspetor Altino Corsino da Silva
Flores no ano de 1917, referente à visita ao Grupo Escolar Jerônimo Coelho, em
Laguna:
Os alumnos tem por habito conversar quase em voz alta, em
particular, não observam a posição de rigor em aula e, por
conseguinte, são desattentos e recalcitrantes. E o que se não explica é
que a professora dessa classe, D. Honorata Freitas, pouco se aperceba
disso, pois varias vezes a surpreendi a ministrar aulas sem se importar
com a conversa dos alumnos sem exigir que elles tornassem nas
carterias a devida posição. As ruidosas explosões da professora pouca
expressão deixam no espírito infantil, e até essa impressão se
desvanece facilmente se aquelas explosões são frequentes, por isso
que as crianças se acostumam a ouví-la e não temê-la. Quanto mais o
mestre grita, mais obrigado é a gritar, o movimento dos pés, as
105
crianças mudando de atitudes, folheando os livros ou os cadernos,
tossindo, pedindo uma explicação, cochichando, formam esse todo,
um ruído contínuo, inevitável. A fadiga torna-o nervoso, desigual,
sujeito a arrebatamentos descomedidos, e toda classe se torna febril e
irritável. (CEZAR, 2007, p. 85, apud, HOELLER, 2009, p.77).
Sobre o controle do ensino público de Santa Catarina, pode-se dizer que foi de
relevância para aquele período, considerado um dos fatores decisivos para o êxito das
reformas educacionais republicanas, pois ―sem fiscalização, as reformas, em certos
casos, não iriam além das prescrições/previsões‖ (HOELLER, 2009, p.84).
As crianças estavam o tempo todo sendo vigiadas. A escola era um espaço de
controle sobre elas, sejam nos aspectos culturais, seja nas questões materiais
(uniformes, materiais didáticos e programas de ensino). Existia a vigilância direta dos
adultos, que dava, sob a ótica desses, significados às ações das crianças que não
correspondiam ao que estava estatuído dentro dos regulamentos, sob a ressalva de que
era para garantir a qualidade de escolarização das crianças. Esses elementos materiais
ou simbólicos contribuíram, de certa forma, com o modo de educar a infância nas
escolas primárias do Estado de Santa Catarina.
Com base nisso, podemos aferir os livros da Série Fontes como símbolos de
vigilância, na qual as representações de criança são condensações de uma dinâmica da
construção da sociedade humana, forjando novas possibilidades de ser/estar no mundo,
novas possibilidades de sentir e significar a vida social dentro dos ideais do projeto
republicano.
Assim, entende-se que a educação pública para as crianças do Estado de Santa
Catarina, nas décadas de 1910, 1920 e 1930, teve uma transformação cultural como as
Reformas instituídas por Orestes Guimarães. O cenário catarinense apontava para uma
educação moderna e as crianças de todo o estado ajudaram a promover, em certa
medida, essas ações, com a responsabilidade de aplicarem, no futuro, o aprendizado
vivido por elas na infância, principalmente o que aprenderam nos bancos escolares.
Nesse cenário cultural, diversos foram os atores que contribuíram para o exercício de
cidadania das crianças, em especial os professores e os inspetores escolares.
106
2.1.6 – LIVROS ESCOLARES 21
E A CRIANÇA
Alan Choppin (2002), em ―O historiador e o livro didático‖, escreve que o livro
é um instrumento poderoso, que representa para os historiadores ―uma fonte
privilegiada‖ independente do interesse que têm sobre esse material, como questões
relacionadas ―[...] à educação, à cultura ou às mentalidades, à linguagem, às ciências...
ou ainda à economia do livro, às técnicas de impressão ou à semiologia da imagem‖
(CHOPPIM, 2002, p. 13). Assim, contribui para o estudo histórico dentro do universo
cultural, ganhando espaço como outros símbolos representativos da história (bandeiras,
moedas, estátuas...), pois transmite ideologias, ―participa, assim, estreitamente do
processo de socialização, de aculturação (até mesmo de doutrinamento) da juventude‖
(CHOPPIM, 2002, p. 14). A proposta do autor para pensar a pesquisa, tendo como fonte
os livros escolares, parte de cinco elementos estruturantes: (1) A amostragem; (2) As
condições regulamentares, técnicas e econômicas; (3) A defasagem temporal; (4) O
manual como imagem, o manual como espelho e (5) O manual como instrumento. A
complexidade que há frente às condições do uso dos livros escolares como fonte de
pesquisa constitui para o historiador uma fonte privilegiada, e que ―... a complexidade
do manual escolar como produto cultural e editorial, justificam amplamente o interesse
crescente que lhe destinam os historiadores...‖ (CHOPPIN, 2002, p. 23).
Cabe lembrar, ainda, que devemos ler os livros, estudá-los, compreendê-los,
como produtos de sua época (SANTOS, Ademir Valdir dos, em aula – 31/10/2017), e
que, as diferentes sociedades, em diferentes épocas, constituíram seu ideal de
representação, num jogo que algumas representações seriam mais dignas de se
lembradas do que outras; e os livros escolares contam isso.
Em um período em que o acesso aos livros era restrito, as crianças, além de
estarem sendo vigiadas pelos olhos dos adultos, estavam sujeitas a outros elementos que
também exerciam essa função, como os livros didáticos, por exemplo, que entre outros
aspectos, apresentavam, por meio de suas lições, o que estava prescrito nos Programas
de Ensino. Esses programas definiam o percurso e o curso das ações para com as
crianças, delineando os caminhos a serem percorridos e as disciplinas a serem
ministradas para cada ano escolar, nos quais os professores tinham referências legais
21
Para maiores informações sobre esse tema, ver estudo de Circe Bittencourt (1993), com base no projeto
―Educação e memória: organização de acervos de livros didáticos‖.
107
para planejamento. Podemos observar que, a partir da legislação, eram estatuídas as
disciplinas, bem como os materiais a serem usados e até mesmo as ações dos
professores. Como estipulo um período de abrangência dentro da pesquisa, busco nos
programas de 1914, 1926 e 1928 elementos que ajudem a compreender as ações dos
professores, bem como que venham ao encontro do que estava sendo apresentado nas
lições da Série Fontes.
Como se viu anteriormente, a reforma do ensino, por meio do Regulamento da
Instrução Pública do Estado, em 1914, constituía em sua materialidade o papel do
professor para com as crianças das escolas públicas de Santa Catarina, em que os
professores tinham como dever, dentre outros, o que estava estatuído no item três do
Art. 94, que dizia: ―Usar nas escolas, exclusivamente, os livros adotados‖. (SANTA-
CATHARIANA, 1914, p.29). Compreendia-se que essa norma garantiria às crianças, de
certa forma, acesso aos materiais, ao menos na escola. A escola apresenta-se como o
lugar de saberes e fazeres, e o livro escolar é uma mercadoria destinada a esse mercado
específico. Assim, entendendo a escola como, ―um espaço e uma temporalidade que não
se reduz como espelho ou reflexo, à sociedade que a contém, mas inaugura práticas e
culturas que lhe são específica‖ (CHOPPIN, 2002, p. 15), o livro escolar deve se
adequar a esse lugar, significando que a escola, tomada como mercado, determina usos
específicos do livro, mediado por sua materialidade. No entanto, aqui cabe a pergunta:
foram os livros de leitura da Série Fontes que se adequaram à escola ou essa que teve
que se adequar aos livros?
A elaboração desses programas de ensino e a sua efetivação ou não nas escolas
públicas primárias de Santa Catarina são fatores que, em certa medida, estavam na pauta
daqueles que pretendiam reformar o ensino público catarinense, uma vez que os
conteúdos desses programas apresentavam a possibilidade de garantir tanto saberes
quanto condutas desejáveis às crianças, o que ocorria em consonância com as intenções
do Estado naquela época: o amor à pátria e formar as condutas do futuro bom cidadão.
O Decreto n.796, de 2 de maio de 1914, a partir da Lei n. 967 de 22 de Agosto
de 1913, ―resolve approvar e mandar observar nos Grupos Escolares e Escolas Isoladas‖
(SANTA CATHARINA, 1914, p. 6) o programa de ensino para esses estabelecimentos.
De acordo com o documento, cabia aos professores dos grupos escolares e escolas
isoladas do Estado de Santa Catharina, ―antes de ministrar as licções de cada pagina do
quadro, deve estudar os conselhos relativos ás mesmas, afim de tornar profícuas as suas
108
aulas‖ (SANTA CATHARINA, 1914, p.25). O Decreto n. 1322, de 29 de janeiro de
1926, sob a Lei n. 1283, de 15 de setembro de 1919, ―considera que há necessidade de
uma revisão nos programmas dos Grupos Escolares e das escolas isoladas‖. (SANTA
CATHARINA, 1926, p.2). O Decreto n. 2.218, de 24 de outubro de 1928, sob a Lei n.
1.619, de 1º de outubro de 1928, assinada por Adolfo Konder, autorizou o Poder
Executivo a organizar a Instrução Pública.
Os programas de ensino para as escolas primárias de Santa Catarina
contribuíam, em certa medida, para categorizar as crianças através de seus currículos,
como podemos observar nos quadros 5 e 6:
Quadro 5: Conteúdos Programáticos ─ Grupos Escolares e Escolas Isoladas.
GRUPOS ESCOLARES ESCOLAS ISOLADAS
1º ano 2º ano 3º ano 4º ano 1º ano 2º ano 3º ano
Leitura Leitura Leitura Leitura Leitura Leitura Leitura
Linguagem
oral
Linguagem
oral
Linguagem
oral
Linguagem
oral
Linguagem
oral
Linguagem
oral
Linguagem
oral
Linguagem
escripta
Linguagem
escripta
Linguagem
escripta
Linguagem
escripta
-------------- -------------- --------------
Calligraphia Calligraphia -------------- -------------- Calligraphia Calligraphia --------------
Arithmetica Arithmetica Arithmetica Arithmetica Arithmetica Arithmetica Arithmetica
Gynastica
Gynastica
(seção
masculina e
feminina)
Gynastica
(seção
masculina e
feminina)
Gynastica
(seção
masculina e
feminina)
Gynastica
Gynastica
Gynastica
Trabalhos
Manuais
Trabalhos
Manuais
Trabalhos
Manuais
Trabalhos
Manuais
Trabalhos Trabalhos Trabalhos
História História do
Brasil
História História História História História
Música Música Música Música Canto Canto Canto
---------------- Ed. Moral e
Cívica
Ed. Moral e
Cívica
Ed. Moral e
Cívica
Ed. Cívica Ed. Cívica Ed. Cívica
Desenho Desenho Desenho Desenho -------------- -------------- --------------
---------------- Geometria
prática
Geometria Geometria -------------- -------------- --------------
-------------- Botânica 1ª
parte
Botânica Botânica -------------- -------------- --------------
-------------- Zoologia 1ª
e 2ª parte
Zoologia Zoologia -------------- -------------- --------------
-------------- Physica e
Chimica
Physica e
Chimica
Physica e
Chimica
-------------- -------------- --------------
-------------- Mineralogia Mineralogia Mineralogia -------------- -------------- --------------
Elementos
de Sciencias
e de
Hygiene
--------------
---------------
-
--------------
--------------
--------------
--------------
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018, a partir dos dados do Decreto N. 796, de 2 de maio de 1914.
109
Quadro 6: Conteúdos Programáticos ─ Grupos Escolares e Escolas Isoladas.
GRUPOS ESCOLARES ESCOLAS ISOLADAS
1º ano 2º ano 3º ano 4º ano 1º ano 2º ano 3º ano
Leitura Leitura Leitura Leitura Leitura Leitura Leitura
Linguagem
oral
Linguagem
oral
Linguagem
oral
Linguagem
oral
Linguagem
oral
Linguagem
oral
Linguagem
oral
Linguagem
escripta
Linguagem
escripta
Linguagem
escripta
Linguagem
escripta
Linguagem
escripta
Linguagem
escripta
Linguagem
escripta
Calligraphia Calligraphia -------------- -------------- Calligraphia Calligraphia --------------
Arithmetica Arithmetica Arithmetica Arithmetica Arithmetica Arithmetica Arithmetica
Hygiene Hygiene Hygiene Hygiene Hygiene Hygiene Hygiene
Agricultura Agricultura Agricultura Agricultura Agricultura Agricultura Agricultura
Canto Canto Música Canto Canto Canto -------------
Gynastica Gynastica Gynastica Gynastica Gynastica Gynastica Gynastica
Geographia Geographia Geographia Geographia -------------- Geographia Geographia
História História História História -------------- História História
(Pátria)
Ed. Moral e
Cívica
Ed. Moral e
Cívica
Ed. Moral e
Cívica
Ed. Moral e
Cívica
-------------- Ed. Moral e
Cívica
Ed. Moral e
Cívica
-------------- Desenho Desenho Desenho -------------- Desenho Desenho
Trabalhos
Manuais
Trabalhos
Manuais
Trabalhos
Manuais
Trabalhos
Manuais
-------------- Trabalhos
Manuais
Trabalhos
Manuais
-------------- -------------- Physica Physica -------------- -------------- --------------
-------------- -------------- Botanica Botanica -------------- -------------- --------------
-------------- -------------- Geometria Geometria -------------- -------------- --------------
-------------- -------------- Zoologia Zoologia -------------- -------------- --------------
-------------- -------------- Physiologia -------------- -------------- -------------- --------------
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018, a partir dos dados do Decreto N. 2.218, de 24 de outubro de 1928.
Pode-se observar nos quadros que os programas apresentam conteúdos
diferentes para Grupos Escolares e Escolas Isoladas, demonstrando que o ensino se dava
de modo distinto. Assim, podemos entender que essa diferença, ou ausência de
disciplinas e conteúdos, principalmente para as crianças do quarto ano, revela que há
diferentes representações de criança no entendimento dos dirigentes do Estado de Santa
Catarina. Em ambos os quadros, em muitos aspectos, as especificidades dos conteúdos
estipulados para os Grupos Escolares apresentam maiores exigências para as crianças
que neles estudaram. Pode-se entender, assim, que as exigências quanto ao ensino para
as crianças de escolas isoladas eram menores. Talvez fosse o que se pretendia para o
cidadão do futuro: diferenciação de ensino.
Os programas de ensino apresentavam, também, questões quanto à leitura das
crianças. Nos quadros pode-se verificar que a leitura está presente em todas as séries
(anos) de ensino e em todos os programas. Assim, faz-se necessário escrever sobre esse
conteúdo do ensino para as escolas primárias de Santa Catarina, uma vez que a Série
Fontes, a nosso ver, é mecanismo para se verificar as representações de criança nas
110
lições inseridas. Desse modo denota-se que a década de 1920 caracterizou-se pela oferta
e procura por instrução pública arrebatada pelo projeto de modernização da economia e
da construção da nacionalidade. A ideia de que resolver o problema educacional estava
no de demonstrar maior preocupação com a acessibilidade à educação, deixando
transparecer o antagonismo das classes sociais, como se pode ver presente nos
programas de ensino representados nos quadros 5 e 6, reforça o antagonismo da
educação brasileira. Nas regiões do interior, escolas isoladas e rurais, tinham-se,
teoricamente, uma educação apontada para a realidade de seu público, diferenciando-se
das escolas urbanas. Dessa forma, Estado e Municípios passaram a dividir o ônus
investindo escassos recursos e apostando numa melhor estrutura organizacional da
educação em Santa Catarina (FIORI, 1991, p. 82-123).
Tomar os livros de leitura da Série Fontes como modo de produção cultural leva-
me a considerar os mesmo como ―[...] prática simbólica, configurando-se como
formulação de uma outra realidade que, embora tenha como referente constante o real
no qual o autor e leitor se insere‖ (GOUVÊA, 2009, p. 2). Assim, ao trazer sua
compreensão do real por meio das lições organizadas na Série Fontes, o Professor
Fontes projeta a realidade pretendida e representa seu modo de pensar e ver o mundo
que quer formar, formular.
2.1.6.1 – Os livros de leitura
O livro é uma fonte cada vez mais discutida em congressos nacionais e
internacionais. Considerados efêmeros e pouco dignos de catalogação e guarda, os
livros escolares raramente ocupam as prateleiras dos arquivos públicos. Quando isso
ocorre, nem sempre são localizados ou estão em condições precárias de conservação
(BATISTA, 2002). Ainda segundo essa autora, as primeiras seis décadas do século XX
podem ser consideradas como ―período predominantemente representado na coleção de
livros de leitura‖ (BATISTA, 2002, p. 30), mas quanto ao seu acervo é pequena a
representação de coleções. Na proporção que instaura métodos e técnicas de
aprendizagem, torna-se um instrumento pedagógico, mas que, segundo Choppin (2002,
p. 14) ―Enquanto objeto fabricado, difundido e ‗consumido‘, [...] está sujeito às
limitações técnicas de sua época e participa de um sistema econômico cujas regras e
usos, influem necessariamente na sua concepção quanto na sua realização material‖.
111
Convém por oportuno perguntar se os livros da Série Fontes podem ter atingido, em
maior ou menor grau, essa função, lembrando o que alerta Chervel: nem sempre as
―finalidades de objetivos‖ são convertidas em ―finalidades reais‖, ou seja, quando se
discutem as finalidades do ensino há de se considerar uma ―defasagem entre programa
oficial e realidade escolar‖. Enfatiza o autor: ―― De que lado colocaremos as
finalidades? Do lado da lei ou do lado das práticas concretas?‖ (CHERVEL, 1990, p.
189). É uma relação complexa.
Segundo Laurence Hallewell (2012), as edições impressas no Brasil são
comparáveis aos países com boa tradição editorial e, apesar do problema linguístico, as
exportações do livro brasileiro aumentam sensivelmente a cada ano. Após a reforma de
1911, a edição do Programa de Ensino para os Grupos Escolares de 1920, e o decreto
que tornou oficial a adoção da Pequena História Catharinense, as primeiras décadas do
século XX foram marcadas pela escassez de produção e circulação de obras sobre
história de Santa Catarina: ―Isso se deve, em parte, pela constituição tardia (em relação
aos demais Estados do Sul e do Sudeste) de uma chamada rede editorial no Estado, algo
que só se efetivaria a partir da década de 1980, com a implantação da Editora da UFSC‖
(Silva; Gasparini, 2010, p. 41). Na ausência de uma rede editorial, mesmo com a
presença da tipografia em Santa Catarina desde a década de 1830, foi o Estado que se
ocupou em financiar a produção e a circulação das obras relativas à história local e/ou
regional na primeira metade do século XX, condição que guarda ainda resíduos e se faz
atual.
Hallewell (2012) interessou-se pela produção bibliográfica latino-americana e,
em especial, pela brasileira, vindo ao Brasil por diversas vezes com a preocupação de
pesquisar a história da indústria editorial brasileira, quando organizou sua pesquisa de
doutorado (1970-1975) com base na coleta de subsídios bibliográficos em diversas
instituições culturais, onde manteve contato com as principais editoras, com
bibliotecários, historiadores e intelectuais. Com os dados em mãos, escreveu uma
história das editoras comerciais do Brasil, reunindo em um livro intitulado ―O livro no
Brasil – sua história, com primeira edição em inglês no ano de 1982. Depois, em 1985,
em português, apresentando vinte anos mais tarde (2005) uma nova versão.
Emir Suaiden, na apresentação dessa obra, a descreve como um relato
minuciosos das obras e dos autores publicados pelas editoras comercias e oficiais: ―A
obra retrata com precisão, clareza e com uma riqueza sem precedentes de dados
112
estatísticos, todo o desenvolvimento das editoras brasileiras e os problemas econômicos,
sociais e políticos que elas enfrentaram para sobreviver‖ (SUAIDEN, 2012, p.19, apud,
HALLEWELL, 2012).
Trato desses dados para fomentar a discussão sobre o livro no campo da História
Cultural, ressaltando que na pesquisa do autor, os dados apresentados percorrem o
período do início do século XIX, com a chegada da corte portuguesa, a segunda metade
do século XX, por volta dos anos de 1970, buscando informações em um século de
história.
Dos dados apresentados pelo autor, destacamos a seção 19: A atividade editorial
nos estados no século XX, em que o autor afirma que:
Santa Catarina é o mais pobre dos estados do sul (o autor se refere a
edição de livros). O Anuário da Literatura Brasileira pra 1960, sem
dúvida consciente de que sua capital, Florianópolis, situa-se numa ilha
da costa e era antigamente chamada de Desterro, referiu-se a ela como
―uma ilha solitária no panorama da cultura brasileira‖, onde a
publicação de um livro era um evento que ocuparia apenas
―esporadicamente, com largos intervalos e quase despercebido do
grande público (HALLEWELL, 2012, p. 680-681).
Quanto ao destaque dos estudos sobre a literatura catarinense, Junkes,
pesquisador da produção literária de Santa Catarina, reporta-se sobre o assunto quanto à
existência, ou não, de uma literatura realizada no estado, perguntando-se: ―Existe uma
literatura catarinense? Talvez não. Mas, após ler e reler centenas de livros, cabe a
conclusão de que existem obras de autores catarinenses portadoras de valores estéticos e
humanos‖ (JUNKES, 1987, p. 15). O autor enfatiza ainda que a ―criação literária só
tem sentindo em função desse processo de ressonância através do leitor‖, ou seja, o
leitor se torna responsável por seu crescimento e maturação.
Ainda sobre as edições de livros em Santa Catarina o autor cita várias editoras,
mas em nenhum momento as que editaram a Série Fontes. Podemos entender que essas
editoras passaram despercebidas, ou que não se apresentaram em nenhum outro livro a
não ser na Série Fontes, ou, ainda, que essa era uma edição específica para as escolas
públicas de Santa Catarina, embora seu apresentador, Emir Suaiden, afirme que a
pesquisa de Hallewell retratou as publicações de editoras comerciais e oficiais. Assim,
podemos inferir que a Série Fontes pouco teve relevância para as pesquisas sobre as
editoras de Santa Catarina e Brasil.
113
Quanto ao conceito de literatura, buscamos em Junkes (1987) quando o autor a
define como arte, comunicação e experiência humana, pressupondo que a obra literária
não conclui sua trajetória e função ao término de sua redação e publicação, pois ela é
comunicação, instrução escrita para o leitor, ou seja:
Não é qualquer pensamento que nos passa pela mente que pode
interessar a todos e nem qualquer associação de palavras será capaz de
comunicar uma experiência humana e despertar uma sensação
estética. A criação artística normalmente resulta de um persistente
aprendizado, de uma árdua luta pela expressão daquilo que se possui
em si. (JUNKES, 1987, p. 12).
Todavia, em Santa Catarina, até meados de 1910 não havia obrigatoriedade
quanto à adoção de obras didáticas oficialmente sistematizadas e adequadas às crianças
do ensino público primário. Porém, em outubro desse mesmo ano, o então governador
Vidal José de Oliveira Ramos sancionou a Lei n. 846, para ―reformar o primeiro
boccado do ‗pão de espirito‘ dada á infância catharinense‖ (GUIMARÃES, 1911, p.11).
Orestes Guimarães, então inspetor, pensando sobre o uso dos livros escolares,
argumenta sobre os mesmos por meio do Decreto n. 586, de 22 de abril de 1911,
dizendo que:
Não tenho a adopção geral das obras didacticas approvadas e
mandadas usar nas Escolas deste Estado; creio mesmo que jamais
houve adopção obrigatoria, mas no momento actual, em se tratando da
reforma do ensino, urge modificar o systema de simples approvação,
que, quando muito, significa a satisfação de algum pedido interessado.
Na Directoria da Instrucção Publica, porém, obtive esta significativa
lista de livros usadas nas escolas publicas primarias: Grammatica,
Lapagesse; Arithmetica elementar, Trajano; Constituição, Barbalho;
Geographia e Historia, Lacerda; Syllabario, Jardim; 1º, 2º e 3º livro de
leitura, H. Ribeiro. Excepto os três últimos, nenhum outro há que se
possa recommendar para o ensino primário. Não me refiro, está visto,
ao valor intriseco de cada um, digo, apenas, que estão mal collocados
nas mãos de creanças de 12, 13 e 14 anos. (GUIMARÃES, 1911,
p.10-11).
A partir deste parecer, sob o Decreto n. 596, de 7 de junho de 1911, o então
governador Vidal José de Oliveira Ramos, tornou obrigatória a adoção dos livros
didáticos: ―Art. 1º - Fica adoptadas para serem exclusivamente usadas em todas as
escolas publicas estadoaes as obras didacticas constantes da relação que a este
acompanha, assignada pelo Secretario Geral dos Negocios do Estado‖, senhor Caetano
Vieira da Costa. A relação das obras às quais se refere o governador traz a seguinte
114
ordem: 1) Cartilha – Arnaldo Barreto; 2) Leitura Preparatoria – Francisco Vianna; 3)
Primeiro Livro – Francisco Vianna; 4) Segundo Livro – Francisco Vianna; 5) Terceiro
Livro – Francisco Vianna; 6) Minha Patria – Pinto e Silva e 6) Caderno de Calligraphia
vertical – por Francisco Vianna.
Sobre a adoção dos livros indicados por Orestes Guimarães (1911), o mesmo
ressalta:
O assumpto com effeito, para que adoptarmos livros de leitura que
ensinem ás creanças: brinquedos com bolas de neve, que lhes narrem
o uso de materias que não possuimos, que lhes descrevam em contos
cheios de saudades – o canto do rouxinol, do cuco, da cotovia e as
bellezas de céos etc., que jamais viram?! Não será mais justo, mais
natural e proveitoso lhes darmos livros que lhes digam: onde são
encontrados o café, o matte, o cacau, a borracha, o assucar, o algodao,
as madeiras etc?! Como são colhidos, preparados e expportados?! Não
é mais proprio que lhes narremos: como são fabricados o queijo e a
manteiga, segundo o nosso clima?! Que lhes digam alguma cousa do
saudoso canto do sabiá, do gaturamo, da araponga ou ferreiro?! [...]
Pobres creanças, que passaes cinco horas em bancos duros,
desacommodadas, embebidas na leitura de taes capitulos!
(GUIMARÃES, 1911, p.8).
Essas inferências de Orestes Guimarães indicam certa preocupação com a
criança, no desejo que aproximá-la de temas referentes ao estado de Santa Catarina,
assim como quanto o seu bem-estar físico.
No ano de 1917, sob o Decreto n. 1.062, de 7 de novembro, o então governador
Felipe Schmidt, considerou que:
algumas obras actualmente em uso nas escolas e mandadas adoptar
pelo Decreto n. 596, de 7 de junho de 1911, já não fazem as
necessidades do ensino publico, ministrado pelo Estado, e tendo em
vista a proposta do Secretario Geral e o parece da commissão por esse
nomeada, Decreta: Art. Unico: Ficam adoptadas para serem usadas
nas escola publicas estaduaes as obras e material didatico constantes
da relação que a este acompanha, assignada pelo Secretario Geral dos
Negocios do Estado‖. (SANTA CATHARINA, 1917, p.63-64).
Apresentam-se nessa lista, as seguintes obras (SANTA CATHARINA, 1917,
p.64):
Cartilha – Ensino Rapido – M.Oliveira;
Cartilha Analytica – M. Oliveira;
Cartilha Analytica – Arnaldo Oliveira;
Paginas Infantis – M. Oliveira;
Segundo Livro – Francisco Vianna;
Terceiro Livro – Francisco Vianna;
115
Nossa Patria – Rocha Pombo;
A.B.C. do Agricultor – Dr. Dias Martins;
Grammatica Expositiva Elementar – Eduardo C. Pereira;
Anthologia Brazileira – de Eugenio Werneck;
Calligraphia Vertical – Francisco Vianna;
Calligraphia Ronder – Otto Boehm;
Quadros da Linguagem Oral – Ramon Roca e outros;
Mappas de Parker – F. Parker;
Cartões pra trabalhos – Breser e Rocca;
Livro do Mestre – Miguel Miliano;
Material para tecelagem – D. Rozina Soares e Miguel Milano;
Curso de Cartographia – José Carneiro e Pedro Voss.
Podemos observar que a relação dos livros e material didático foi ampliada,
tomando-se como comparação as indicações de 1911. Porém, essas relações tiveram
uma nova revisão. Sobre esses aspectos, Prochnow afirma que os livros de leitura
materializavam e unificavam o ensino por textos que buscavam ensinar a formar
crianças com valores nacionais.
Na busca pela nacionalização da leitura, Orestes Guimarães declarava
que um livro de leitura só deveria ter páginas de nossos prosadores, de
nossos poetas, de nossos navegantes, que descrevessem a nossa terra,
o que temos, o que somos, o que seremos (PROCHNOW, 2009, p.
42).
Prochnow ressalta ainda que, nesse período, o mercado literário brasileiro era
fortemente marcado por obras estrangeiras, nas quais se aprendia mais sobre os países
europeus e quase nada sobre o nosso país.
Em 21 de julho de 1928, o governador do Estado de Santa Catarina, Dr. Adolpho
Konder, entendendo que ―algumas das obras actualmente em uso nas escolas e
mandadas adoptar pelo decreto n. 1.602, de 7 de novembro de 1917, já não satisfazem
as necessidades do ensino publico‖, apresenta uma nova listagem de livros para serem
usados nas escolas publicas de Santa Catarina, e instituiu, a partir do Decreto n. 2.186,
uma nova relação para uso nas Escolas Isoladas, Grupos Escolares, Escolas
Complementares e Escola Normal. Apresento no quadro abaixo somente a listagem para
as escolas isoladas e grupos escolares, pois nessa se encontram os livros que irei
analisar.
116
Quadro 7: Obras ─ Grupos Escolares e Escolas Isoladas.
Para Grupos Escolares Para Escolas Isoladas
Obra Autor Obra Autor
Cartilha analytica Marianno Oliveira Cartilha Popular Henrique Fontes
Cartilha analytica Arnaldo Barreto Primeiro Livro Henrique Fontes
Primeiro Livro Henrique Fontes Segundo Livro Henrique Fontes
Segundo Livro Henrique Fontes Terceiro Livro Henrique Fontes
Terceiro Livro Henrique Fontes Quarto Livro Henrique Fontes
Quarto Livro Henrique Fontes Cartilha Nacional Hilario Ribeiro
Terceiro Livro
(Corações de Crianças)
Rita Barreto Primeiro Livro Hilario Ribeiro
Contos Patrios Olavo Bilac e Coelho
Neto
Scenario Infantil Hilario Ribeiro
Mappa da America do
Norte
J. Monteiro Na terra, no Mar e no
Espaço
Hilario Ribeiro
Mappa do Brasil J. Monteiro Patria e Dever Hilario Ribeiro
Mappa da America do
Sul
J. Monteiro Mappa do Brasil J. Monteiro
Mappa da Europa J. Monteiro Mappa da America do Sul J. Monteiro
Mappa da Asia J. Monteiro Mappa de Santa Catharina (Propriedade do
Estado)
Mappa da Africa J. Monteiro A.B.C. dos termos
geographicos
General Niox
Mappa da Oceania J. Monteiro ----------------------------- -----------------------
A.B.C. Geographico General Niox ----------------------------- -----------------------
Mappa da figuras
geometrias
Henrique Figueiredo ----------------------------- -----------------------
Mappa do Systema
Metrico
Olavo Freire ----------------------------- -----------------------
Cadernos de
Calligraphia
Olavo Freire ----------------------------- -----------------------
Mappas de Parker Weisflog ----------------------------- -----------------------
Calligraphia Vertical F. Vianna ----------------------------- -----------------------
Ronde O. Boehm ----------------------------- -----------------------
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018, a partir dos dados do Decreto N. 2.186, de 21 de julho de
1928.
Este decreto (Decreto N. 2.186, de 21 de julho de 1928), segundo Fontes (2011,
p. 82), ―considerava que os resultados dos métodos de ensino dependiam, de certa
forma, da seleção do material didático e, por isso, apresentava nova relação com
diversas obras e utensílios didáticos para serem adotados nas escolas isoladas e nos
grupos escolares‖.
Sobre a seleção dos livros de leitura, destacamos os do Professor Fontes, que,
em 1920, nove anos após o parecer de Orestes Guimarães (1911), organizou a Série
Fontes, que levou seu sobrenome, e, que esteve presente nas escolas do interior do
estado, tornando-se um material para as crianças, principalmente das escolas mais
afastadas dos centros urbanos, pois os materiais escolares eram, então, raros e caros,
dificultando a proposta do método de ensino intuitivo e das lições de coisas. Sobre isso,
Prochnow (2011) afirma que se tornou na maioria das escolas,
117
[...] o regulador do currículo, e somente quando contemplava os
conteúdos curriculares é que se verificava a concretização das
determinações oficiais. Este foi o caso da Série Fontes, onde se
percebe que o autor buscou trazer, dentre as lições de cunho literário,
informações e textos que contemplavam disciplina como História,
Ciências e Geografia. (PROCHNOW, 2009, p. 61).
No prefácio dessas obras (tomadas para análise nessa pesquisa como veremos no
capítulo 4), explicava e justificava os motivos que levaram o autor à organização desses
livros: ―A causa deste emprehendimento foi a falta de livros de custo módico, de livros
que, podendo ser adquiridos sem sacrifícios pelos remedados [...] pudessem também,
[...] á larga, ser distribuídos gratuitamente entre aquelles para quem alguns tostões
representam quantia apreciável‖ (FONTES, 1920, s.p.).
Ainda sobre a justificativa da implantação de suas obras nas escolas
catarinenses, o Professor Fontes, apesar de se referir aos custos e à distribuição,
explicava que ―as lições de pedagogia, de modo que, ainda sob este aspecto de
importância capital, não sejam os presentes livros inferiores aos seus congêneres‖.
(FONTES, 1920, s.p.). O autor queria que todas as crianças tivessem acesso aos livros
de leitura, e, também, que esses fossem de qualidade, mesmo que tivessem baixo custo
para o Estado. Assim, tanto possibilita quanto restringe determinadas representações de
criança do mundo social.
Sobre isso, Souza (2010, p. 12) afirma que os livros da Série Fontes eram um
dos maiores transmissores do projeto de nação que o Brasil tinha naquela época, e que
―os materiais didáticos, autorizados pelo Estado, eram um dos meios de transmissão da
brasilidade em Santa Catarina, ou seja, eram obras escritas em que a política estava
igualmente didatizada entre os mais diversos temas que continham‖.
O Professor Fontes buscava se aproximar dos professores do ensino primário,
por meio de suas obras. No prefácio, destaca que, devido ao curto espaço de tempo que
teve para organizá-las e devido, também aos altos custos do papel, seus livros eram uma
―tiragem de ensaio‖, calculada para se esgotar naquele ano. Desse modo, fez as
seguintes observações:
Serão recebidas com muito agrado, todas as observações que os srs.
Professores publicos ou particulares a respeito dos mesmo queiram
fazer, convindo mesmo frisar que esta edição, devido ao curto espaço
de tempo em que foi organizada, e devido também á atual carestia do
papel, é uma tiragem de ensaio, já calculada para se esgotar no
118
corrente ano letivo. Isso é mais uma razão para que os que lidam no
ensino se dignem mandar-me suas indicações, que serão acolhidas
como assinalado favor. (FONTES, 1920, s.p.).
Nesse sentido, supõe-se que a Série Fontes passou a ter contribuição dos
professores em suas próximas reedições, a partir do que tivessem vivenciado na sua
prática pedagógica, como uso dos livros da Série junto às crianças das escolas
primárias. Faz-se relevante ressaltar que não encontrei nenhum indicativo explícito da
participação dos professores nessas obras, nem em documentos oficiais, nem nas fontes
e referências apresentadas no primeiro capítulo dessa tese.
Mesmo só sendo indicada oficialmente no ano de 1928, como vimos no Decreto
n. 2.186, a escolarização das crianças catarinenses contou, segundo as fontes
pesquisadas, a partir do ano de 1920, com ―uma série de obras didáticas organizada por
um conterrâneo‖ (HOELLER, 2009, p.120).
Podemos pensar que, tanto as obras indicadas por Orestes Guimarães em 1911,
como as obras organizadas por Henrique Fontes em 1920, ―teriam a função de instruir e
educar a infância que frequentava as escolas primárias catarinenses, procurando se
instituir tanto material quanto simbolicamente‖ (HOELLER, 2009, p.120). Desse modo,
a formação das crianças das escolas públicas de Santa Catarina, nas décadas de 1910
(período em que Orestes Guimarães indicou as obras) a 1950 (ano da última reedição da
Série Fontes), se deu com essas obras como instrução, a partir de lições, demarcando
distintamente a criança que queria formar.
José D´Assunção Barros anuncia que todos os ―objetos culturais‖ e, dentre eles,
o livro, são produzidos entre práticas e representações, ou seja, os ―modos de fazer‖ e os
―modos de ver‖. Nesse sentido, as ―práticas culturais‖ não cabem apenas ―na feitura de
um livro, uma técnica artística ou uma modalidade de ensino, mas também os modos
como, em uma dada sociedade, os homens falam e se calam, comem e bebem‖
(BARROS, 2011, p. 46). Do mesmo modo, ainda afirma que esses pensamentos se
reformulam, pois ―Fazem parte do conjunto das práticas culturais de uma sociedade
também os modos de vida, as atitudes ou as normas de convivência, [...] que além de
gerarem produtos culturais no sentindo literário e artístico, geram padrões da vida
cotidiana‖ (BARROS, 2011, p. 48).
Quanto à representação desse objeto, o autor enfatiza que ela ―está associada a
um certo modo de ver as coisas, de dá-los a ver, de refigurá-los‖ (BARROS, 2011, p.
119
46). Configurando suas ideias sobre essa teoria, ainda afirma que ―as práticas geram
representações e que suas representações geram práticas‖ (BARROS, 2011, p. 50).
Para melhor entendermos o sentido que o autor quer apresentar com base nas
práticas e representações como objetos culturais, busquei o que ele nos apresenta como
exemplo. O livro se constitui num ponto em que se encontra uma fonte comum, que
pode estar em uma junção de práticas e representações:
O livro é esse objeto da cultura que já passou por inúmeras formas,
mas, que nas linhas gerais, é um objeto cultural bem conhecido no
nosso tipo de sociedade. Para a sua produção, são movimentadas
determinadas práticas culturais e também representações, sem contar
que o próprio livro, depois de produzido, irá difundir novas
representações e contribuir para a produção de novas práticas.
(BARROS, 2011, p. 50).
A prática cultural que constitui na construção de um livro apresenta-se tanto na
ordem autoral como editorial. Sobre esses aspectos, Barros descreve que do ponto de
vista de ordem autoral, apresentam-se os modos de escrever, de pensar ou expor o que
será escrito e, quanto à ordem editorial, essa envolve o que foi escrito para construí-los.
Já segundo Junkes (1987, p. 15), ―O livro pretende ser um serviço ao estudante e leitor,
um caminho de compreensão e interpretação das obras literárias (nunca único e
exaustivo) e um meio de valorização daqueles que dedicaram tempo e esforço para a
construção de uma literatura‖.
Essas constatações nos fazem pensar, também, sobre a materialidade que o
Professor Fontes apresentou sobre os seus ideais a partir da organização da Série
Fontes, pois, as lições nela reunidas têm um caráter muito próximo à formação do
autor/organizador: a terra como religião. Não pretendo adentrar sobre esse aspecto, uma
vez que os estudos de Souza (2010), em sua dissertação intitulada ―Fé, Trabalho e Amor
à Pátria: os livros da Série Fontes construíram brasileiros no Estado Novo (1937-
1945)‖, já apresenta essas definições. Porém, quero enfatizar a relação do
autor/organizador com seus ideais e as representações de criança que ele caracteriza
como ―cidadão útil‖.
Sobre esse aspecto, Barros (2011, p. 50), afirma que:
120
Da mesma forma, quando um autor se põe a escrever um livro, ele se
conforma a determinadas representações do que deve ser um livro, a
certas representações concernentes ao gênero literário no qual se
inscreverá a sua obra, a representações concernentes aos temas por ela
desenvolvidos. Este autor também poderá ser criador de novas
representações, que encontrarão no devido tempo uma ressonância
maior ou menor circuito leitor ou na sociedade mais ampla. Com
relação a este último aspecto, seria preciso lembrar que a leitura de um
livro também gera práticas criadoras, podendo produzir
concomitantemente práticas sociais.
Assim, o conteúdo do livro e, no meu caso, o da Série Fontes, pode gerar
inúmeras representações e termos que o atravessam, resultando determinadas
motivações e necessidade sociais ou individuais. Nesse estudo busco perceber o ideal de
criança para o Professor Fontes, ou seja, quais as representações de criança contida em
suas lições. Em decorrência, faz-se necessário compreender como foi representada a
criança ao longo da história.
2.1.7 – CRIANÇA: FIGURA SOCIAL E CULTURAL – FINS DO SÉCULO XIX
E INÍCIO DO SÉCULO XX.
Por crianças, entendemos, por ―sujeito histórico e de direitos que, nas interações,
relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva,
brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e
constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura‖ (BRASIL, 2010,
p. 12). Para esse estudo uso os trabalhos dos autores Philippe Ariès (2006), José
Gonçalves Gondra (2002), Moysés Kuhlmann Jr. e Rogério Fernandes (2004), Walter
Kohan (2005), Cynthia Greive Veiga (2007) e Mary Del Priore (2009).
Partindo do pressuposto de que a nação se forma com as crianças, podemos
perguntar por que se levou tanto tempo para estudar a história da educação com base
nelas. Se dirigirmos nossa atenção para o século XIX, ou até mesmo para períodos
anteriores, veremos que é difícil encontrar estudos e/ou pesquisas voltados à criança,
pois a falta de conhecimento sobre a mesma é digna de nota. Foi a partir do século XX,
com os estudos proporcionados pela biologia e pela psicologia, que a criança adquiriu
uma importância até então tida como ‗inexistente‘.
121
Retendo a atenção para o contexto brasileiro, pode-se compreender que foi nas
primeiras décadas do século XX que a infância passou a ser objeto não só de estudos,
mas de importância para os intelectuais brasileiros.
Porém, há de se pensar que a ideia de criança é moderna. Dentro de um percurso
histórico, podemos perceber que o conceito de criança vem sofrendo modificações: ―(...)
as crianças estão ausentes na história no período que compreende a Antiguidade até a
Idade Média por não existir este objeto discursivo que chamamos ‗infância‘, nem esta
figura social e cultural ‗criança‘‖ (CORAZZA, 2002, apud OLIVEIRA, 2004, p.22).
Para melhor compreendermos esse processo, buscamos em Philippe Ariès (1981,
p. 156), argumentos quanto a esse sentimento sobre a infância. O autor mostra que:
[...] o sentimento da infância não existia - o que não quer dizer que as
crianças fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O
sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas
crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil, essa
particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto,
mesmo jovem. Essa consciência não existia.
De acordo com Ariès, as crianças eram vistas nos séculos XIV, XV e XVI como
um adulto em miniatura, ―pois os pequenos entravam logo no mundo adulto e não
dependiam tanto dos pais. Esses sim dependiam deles, pois quanto mais filhos, mais
braços teriam para trabalhar‖ (ARIÈS, 2006, p.157).
Esse entendimento de criança como adulto em miniatura foi sendo abandonado,
cedendo lugar para a criança como um ser social. No entanto, inserido nesse aspecto de
práticas que vieram para a colônia com os colonizadores, Mary Del Priore (2009, p. 83)
retrata o sentimento de ―paparicação‖ na época colonial brasileira, afirmando: ―Crianças
pequenas, brancas ou negras, passavam de colo em colo e eram mimadas à vontade,
tratadas como pequenos brinquedos‖. A autora completa dizendo que:
As pequenas crianças negras eram consideradas graciosas e serviam
de distração para as mulheres brancas que viviam reclusas, em uma
vida monótona. Eram como que brinquedos, elas as agradavam, riam
de suas cambalhotas e brincadeiras, lhes davam doces e biscoitos,
deixavam que, enquanto pequenos, participassem da vida de seus
filhos. (DEL PRIORI, 2009, p.111).
122
Ainda sobre a criança no Brasil colônia, Del Priori (2009, p. 115) afirma que ―a
partir dos sete anos, os filhos de senhores iam estudar e dos pobres e escravos
trabalhar‖.
Já no século XIX, o conceito de criança como um ser singular está mais sólido.
Segundo Del Priore (2009, p. 140), ―Os termos criança, adolescente e menino, já
aparecem em dicionários da década de 1830. Menina surge primeiro como tratamento
carinhoso e, só mais tarde, também como designativo de ‗creança ou pessoa do sexo
feminino que está no período da meninice‘‖.
Assim, as crianças tornavam-se o centro das atenções e passaram a ser tema e
possibilidades de estudos e observações, e, aos poucos, começando pela Europa, elas
vão assumindo identidade, voz e estatuto legal. De acordo com Del Priore (2009), surge
a partir de então a preocupação com a higiene e a saúde da criança.
No Brasil, essa preocupação se dá em meados do século XIX, como afirma José
Gonçalves Gondra (2002, p. 107): ―Higienizar a esfera pública. Higienizar a esfera do
mundo privado. Torná-las indiferenciadas, a partir de um funcionamento moldado pelos
cânones da racionalidade higiênica, eis o desafio perseguido pelos homens da incipiente
ordem médica no Brasil oitocentista‖.
O autor indaga que, ao reconhecer e divulgar as contribuições da higiene, o
médico sanitarista Dr. Coutinho procurou produzir a legitimação do discurso higiênico,
em que a criança e sua educação deviam ser abrigadas:
Evitar, atenuar, corrigir e conservar, são constituídos em ações
diretamente vinculadas à Higiene, recobrindo-a de uma perspectiva
antecipatória, preditiva e preventiva. Marcas que, de sua parte,
também produzem uma espécie de religiosidade com que essa ciência
se faz representar. Marcas que procuram deslocar a ênfase da cura
para a ênfase na prevenção, processos cujos efeitos também são
assinalados pelo dr. Coutinho. (GONDRA, 2002, p.109).
O maior cuidado com a higiene fez com que as crianças tivessem maior chance
de sobreviver. Consequentemente, sua morte passa a ser vivida como um drama: ―Essa
vontade de salvar a criança só aumenta ao longo do século XIX‖ (GONDRA, 2002,
p.109).
Essa mudança também pôde ser percebida na inclusão de trajes próprios às
crianças, assim como também nas ciências. Personagens aparecem no universo infantil,
123
dentre eles, o pedagogo, o professor, o assistente social, o juiz de menores, tornando,
dessa forma, a infância uma categoria particular.
Essa nova percepção em relação à criança, considerando sua individualidade,
ocorre simultaneamente às mudanças culturais associadas à premência de uma vida
urbana mais intensa, como afirmam Kuhlmann & Fernandes (2004).
Ao pesquisarem sobre a história da criança e da infância no Brasil, Kuhlmann &
Fernandes (2004, p. 15), destacam a dimensão da materialidade em que se dão as
práticas e se expressam as representações atribuídas à criança, dispostas nos espaços
públicos e privados, bem como nos impressos, nos manuscritos, nas imagens, nos
brinquedos, tentando estabelecer questões relacionadas à abrangência do conceito de
criança e de infância, ―sob os aspectos da sua duração, da sua dominação, da sua
universalização e das particularidades geográficas, sociais, culturais, históricas‖.
Os autores afirmam que as expressões história da infância e história da criança
não se sobrepõem. Segundo esses autores, a palavra infância ―evoca um período da vida
humana‖. Já o vocábulo criança,
[...] indica uma realidade psicobiológica referenciada ao indivíduo.
Pode essa realidade ser capturável como sujeito, no exterior do
conjunto de instituições? [...] Se a criança é definida como um dever
ser, ‗inventado‘ no decorrer da história, como surpreendê-la senão à
contra-luz das representações e práticas que a promovem? Assim, se a
história da criança não é possível de ser narrada na primeira pessoa, se
a criança não é nunca biógrafa de si própria, na medida que não toma
posse da sua história e não aparece como sujeito dela, sendo o adulto
quem organiza e dimensiona a narrativa, talvez a forma mais direta de
percepcionar a criança, individualmente ou em grupo, seja
precisamente tentar captá-la com base nas significações atribuídas aos
diversos discursos que tentam definir historicamente o que é ser
criança. (KUHLMAMM JR., FERNANDES, 2004, p.16).
Buscamos nos dizeres desses autores o que queremos salientar sobre a escolha
de pesquisar as representações de criança, entendendo que a criança é o sujeito que dá
significado a esse momento temporal vivido por todos. Ela que sente e que vive todas as
ações: brinca, se emociona, questiona, se forma, se informa. É por meio dos discursos
(pensando com base da filosofia relacionada ao significado do ser e da existência)
ontológicos que quero descobrir as representações de criança nas lições da Série Fontes.
Segundo esses autores, a história da assistência à criança pobre passou a ser
fonte de pesquisas, por meio de tratados, da legislação, de relatórios, especialmente após
124
a segunda metade do século XIX: ―A história da assistência à infância constitui-se como
parte da própria história das instituições assistenciais‖. (KUHLMAMM JR.,
FERNANDES, 2004, p.27). Enfatizam, ainda, que a pesquisa sobre a criança no Brasil
ganha notoriedade a partir da Exposição Internacional Comemorativa do Centenário da
Independência, em 1922, momento em que,
[...] várias publicações e congressos se ocupam de propostas para as
crianças, com destaque para o 1º Congresso Brasileiro de Proteção à
Infância, que ocorreu em conjunto com o 3º Congresso Americano da
Criança, mas também a Conferência Interestadual do Ensino Primário,
o Congresso Jurídico, o 1º Congresso Eucarístico Nacional, o 2º
Congresso Internacional de Mutualidade e Previdência Social e o
Congresso Nacional dos Práticos. (KUHLMAMM JR.;
FERNANDES, 2004, p.27).
Desse modo entendemos que ao contrário de outros sujeitos que deixaram
registros de suas experiências, a criança não se faz escritora de sua própria história. No
entanto, por meio do discurso e práticas, se faz destinatária à formação de sua vida,
permitindo reflexões variadas na análise das fontes na escrita da história da criança.
Para kuhlmann & Fernandes (2004, p. 16),
Se a história da criança não é passível de ser narrada na primeira
pessoa, se a criança não é nunca biografia de si própria, na medida em
que não torna posse da sua história e não aparece como sujeito dela,
sendo o adulto quem organiza e dimensiona tal narrativa, talvez a
forma mais direta de percepcionar a criança, individualmente ou em
grupo, seja precisamente tentar captá-la com base nas significações
atribuídas aos diversos discursos que tentam definir historicamente o
que é ser criança.
São esses discursos que buscamos em lições da Série Fontes, que se fazem como
produções materiais e simbólicas sobre as representações de criança, numa perspectiva
que se construa hipóteses dentro de um registro documental, entendendo que essas
lições não traduzem a realidade, mas uma forma de representação do real, construída
por meio de signos, em que a matéria prima é a Série Fontes.
Ao dar visibilidade à criança a partir dos acontecimentos supracitados, podemos
entender que a década de 1920 apresenta propostas e iniciativas, ganhando mais
expressão e chegando às leis e à organização da Nação. Essa atenção à criança, dentro
de um campo histórico, se materializa por meio de conhecimentos historicamente
produzidos, legitimando a criança com base nos estudos sobre ela.
125
Seguindo a linha de estudos sobre a criança na história, busco nos estudos de
Walter Kohan (2005), que faz uma analogia entre educação e filosofia. Em sua rigorosa
análise filosófica, Kohan busca nas obras de Platão esse sentimento de criança.
Segundo esse autor, o pensamento de Platão apresenta formas de tratar a criança
na história. Na primeira ele vê a criança como possibilidade. Na segunda, como
inferioridade. A terceira assertiva vê a criança como a não importante, a supérflua. E a
quarta a vê como material político. Sobre a infância como possibilidade, Kohan (2005,
p. 33) afirma que: ―infância é a possibilidade quase total, e enquanto tal, a ausência de
uma marca específica; a infância pode ser quase tudo; esta é a marca do sem-marca, a
presença de uma ausência‖. Quanto à segunda forma, a criança vista como
inferioridade, o autor afirma que essa inferioridade se estabelece ―frente ao homem
adulto, cidadão e sua conseqüente equiparação com outros grupos sociais, como as
mulheres, os ébrios, os anciãos, os animais; esta é a marca do ser menos, do ser
desvalorizado, hierarquicamente inferior‖. (KOHAN, 2005, p.33). Sobre a criança vista
como supérflua, afirma que está associada à ideia anterior, a qual ―é marca do não-
imporante, o acessório, o supérfluo e o que pode se prescindir, portanto o que merece
ser excluído da pólis, o que não tem nela lugar, o outro desaparecido‖. (KOHAN, 2005,
p.34). Na quarta forma a criança é vista pelos seus significados políticos, ou seja: ―tem a
marca instaurada pelo poder; ela é material de sonhos políticos; sobre a infância recai
um discurso normativo, próprio de uma política que necessita da infância para afirmar a
perspectiva de um futuro melhor‖ (KOHAN, 2005, p.34). Essas são as marcas que
constituem o pensamento platônico sobre a criança e a infância, conclui Kohan.
É importante ressaltar o que Kohan adverte sobre não corrermos o risco de julgar
as percepções platônicas descontextualizando-as da complexidade que é tratar com
diferentes realidades históricas: ―As realidades históricas são complexas demais para
permitir juízos tão superficiais. Simplesmente, estamos querendo delinear o modo como
Platão pensou a ideia de infância, para depois analisar a produtividade desse
pensamento na forma contemporânea de pensar a infância‖ (KOHAN, 2005, p.49).
Desse modo, Kohan nos traduz que esta concepção de criança, segundo as ideias de
Platão, põe em evidência particularidades que somente naquele período teriam a atenção
desejada.
Veiga (2004) trata os seus estudos sobre a criança e a infância com base no
conceito de modernidade, associada à civilização e progresso: ―Nessa primeira ordem
126
de considerações, quero enfatizar que as relações entre infância e modernidade se
estabeleceram no esforço de produção de uma tradição, o ser criança civilizada‖
(VEIGA, 2004, p.37). A autora entende que o tratamento dado à criança em relação ao
mundo adulto esteve associado à produção de lugares específicos a ela destinados:
―Esses elementos foram fundamentais para que o ser criança civilizada fosse
universalizado como a infância moderna, revelando-se como uma tradição‖ (VEIGA,
2004, p.37).
Ao enfatizar questões relacionadas à criança civilizada, a autora afirma que os
acontecimentos que deram visibilidade à criança relacionam-se ao desenvolvimento dos
saberes científicos. Veiga (2004) destaca tais acontecimentos como:
O higienismo, a medicina, a psicologia, a eugenia e a pedagogia; o
aparecimento de instituições especializadas na infância, com destaque
para a escola primária; o desenvolvimento da família nuclear e seu
entorno, tais como a intimidade e o privado, o desenvolvimento de
uma nova e cada mais abundante materialidade e de hábitos de
consumo; a elaboração de novas formas de lazer e comemoração de
festividade; as reformas urbanas e previsão ao final do século XIX de
construção de parques infantis; a proliferação de muitos equipamentos
destinados à criança; a estruturação das leis trabalhistas ao final do
século XIX e a regulamentação do trabalho infantil. (VEIGA, 2004,
p.67-68).
Entre todos esses acontecimentos sobre a criança, quero dar destaque ao
processo de escolarização, em que, segundo a autora, confunde-se a identidade de
criança com a identidade de aluno: ―Queremos enfatizar que na condição de aluno não
esteve necessariamente presente uma consciência da infância como etapa distinta de
outras gerações‖ (VEIGA, 2004, p.68).
Podemos perceber por meio desse recorte que a criança foi sendo apresentada e
respeitada pelos homens de acordo com as necessidades sociais de cada momento
histórico. A criança passa a ser vista como categoria histórico-cultural, associada aos
contextos em que se insere. A criança tornou-se o centro das atenções e digna de ser
estudada por si só. Mas também podemos perceber que a criança é apresentada de forma
escassa até a literatura do século XVIII. Ariés (2006) mostra ainda que será na virada do
século XVIII para o século XIX que a criança renascerá como um ser cândido, puro,
alvo, digno de atenções e cuidados, tendo sua aparência quase angelical. Aos poucos,
essa criança começa a ser muito mais notada, vista, estudada. Isto não significa que o
127
tratamento dispensado a ela fosse o ideal, apesar de algumas evoluções práticas
institucionais terem ocorrido nesta época: a criação de creches, de jardins de infância,
com o intuito de socializar essa criança.
Conforme já mencionado objetivo analisar as representações de criança
reproduzida nas lições contidas na Série Fontes. Para a elaboração de caminhos
conceituais que orientam a ideia de representação, entendo que a mesma equivale a uma
história de ideias. Segundo Chartier (1991, p. 17), nos permite ―identificar o modo
como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída,
pensada, dada a ler‖. Ainda em Chartier, representação é o produto do resultado de uma
prática, que nessa pesquisa, são os livros da Série Fontes: ―As lutas de representações
têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos
pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua compreensão de mundo social, os
valores que são os seus, e o seu domínio‖ (CHARTIER, 1991, p.17).
Para elucidar o diálogo quanto ao conceito de representação que está dentro de
meus objetivos, procuro entender como as ideias chegam até a criança por meio das
lições da Série Fontes, pois há que se compreender que ―nenhum texto fora do suporte
que o dá a ler, que não há compreensão de um escrito, qualquer que ele seja, que não
dependa das formas através dos quais ele chega ao seu leitor‖ (CHARTIER, 1991,
p.127). Quer dizer, as representações demonstram uma presença pública, de uma coisa
ou de uma pessoa, formando um corpo. Assim, pode-se entender que as representações
permitem, também, analisar o ser que o indivíduo ou grupo constrói e propõe para si
mesmo e para os outros.
No capítulo seguinte irei tratar do autor/organizador da Série Fontes e sua
trajetória de vida pública, bem como de decretos, leis e programas de ensino para as
escolas públicas catarinenses do período estudado, que dão base epistemológica para
esta pesquisa.
128
CAPÍTULO 3 – OS LIVROS DE LEITURA DA SÉRIE FONTES E SEU
AUTOR/ORGANIZADOR
Esta pesquisa está circunscrita à análise de aspectos de conteúdo com base nas
lições instituídas na Série Fontes, elaborada pelo Professor Fontes. Para isto, me
aproprio de estudos já realizados sobre essa Série e seu autor/organizador, bem como
utilizo artigos de jornais da época, documentos e normativas oficiais para a escola
pública catarinense, em busca das respostas para questionamentos tais como: Quais
representações de criança se pode identificar nestes livros de leitura a partir da seleção
das lições? E, de modo complementar: Quem é e de onde fala o autor?
Um dos desafios encontrados na construção deste estudo foi à dificuldade em
conseguir exemplares originais, ou mesmo cópias (microfilmadas ou digitalizadas) das
obras para análise. Aqueles a que tive acesso estavam disponibilizados em sites ou
adquiridos em sebo foram: Cartilha Popular (1947), Primeiro Livro de Leitura (1945),
Segundo Livro de Leitura (1922 e 1934), um destes adquirido em sebo e o outro do site
da família Fontes. Quanto aos exemplares do Terceiro Livro de Leitura (1933, 1948 e
1951), um foi adquirido em sebo, outro emprestado e o outro acessado no site da família
fontes, assim como o Quarto Livro de Leitura (1949). Lembrando que, como ressalta
Choppin (2002, p. 22) ―O livro funciona, assim, ao mesmo tempo, como um filtro e
como um prisma: revela bem mais a imagem que a sociedade quer dar de si mesma do
que sua verdadeira face‖, as representações de criança que se insere nas lições da Série
Fontes podem também caracterizar procedimentos metodológicos e especificidades
juntos aos diversos destinatários (alunos, professores, famílias...). Assim, com essas
fontes em mãos, entendo a necessidade de apresentar primeiramente seu
autor/organizador, para, depois, apresentar a Série Fontes.
3.1 – PROFESSOR FONTES: alguns dados biográficos 22
O Professor Fontes tem uma trajetória complexa, em vários seguimentos. Tem
sido objeto de vários estudos que enfatizam um ou outro aspecto de sua vida. Nesse
trabalho o objetivo é apenas apresentar alguns elementos sobre o sujeito e suas relações
22
Informações obtidas no site da Família Fontes <http://www.henriquefontes.pro.br> , e no Instituto
Histórico e Geográfico do Estado de Santa Catarina em jul. 2017, bem como nos documentos
apresentados no capítulo 1 dessa tese.
129
com o sistema educacional, destacando o seu papel como autor e organizador da Série
Fontes. Outras questões sobre sua configuração como homem público sugiro ver nas
pesquisas citadas no primeiro capítulo desta tese.
O Professor Fontes nasceu em 15 de março de 1885, na cidade de Itajaí, estado
de Santa Catarina. Era filho de Manoel Antonio Fontes e Ana da Silva Fontes, ambos de
ascendência portuguesa. Fez seu curso primário na cidade natal, mas aos 18 anos foi
estudar no Rio Grande do Sul, passando a frequentar o Ginásio Nossa Senhora da
Conceição, em São Leopoldo, na qual recebeu o bacharelado em Ciências e Letras, em
1906. Veio para Florianópolis em 1910, atuando como professor no então Ginásio
Catarinense e na Escola Normal Catarinense, nos anos de 1910 a 1917. Nesse mesmo
período, mas até 1918, foi professor de Pedagogia e Psicologia, em seguida substituindo
nas cadeiras de História e Geografia. É relevante ressaltar que em 1910 fundou o jornal
semanário A Época, que era de orientação católica, fundamentação religiosa do
Professor Fontes.
Em 25 de janeiro de 1912 casou-se com Clotilde da Luz (Fontes), que era natural
de Palhoça, município pertencente à grande Florianópolis. Desse casamento tiveram
treze filhos. Em 22 de março de 1966 o Professor Fontes faleceu no Imperial Hospital
de Caridade, da Irmandade do Senhor dos Passos, em Florianópolis, no qual também foi
sepultado.
Gostava de ser chamado de Professor Fontes (FONTES, 2011), pois em grande
parte de sua vida foi um educador. Sobre seu espírito e sua conduta diante da vida e das
pessoas, muito já foi dito, como mostram vários estudos, anteriormente citados.
Formado em Letras e Filosofia pelo Ginásio Nossa Senhora da Conceição, no
Rio Grande do Sul, o professor Fontes preenchia os requisitos exigidos para o cargo da
inspeção, assim como posteriormente veio a atua como chefe escolar e como professor
da Escola Normal Catarinense.
Exerceu cargos no estado, além dos de magistério secundário e normal:
encarregado de Serviço de Recenseamento Estadual (1918); Diretor da Instrução
Pública (de 1919 a 1926); Secretário da Fazenda, Viação, Obras Públicas e Agricultura
no Governo Adolfo Konder (de 1926 a 1929); Juiz Federal Substituto (de 1929 a 1934);
Juiz do Tribunal Regional Eleitoral e Procurador do mesmo Tribunal (de 1932 a 1934);
Procurador Geral do Estado (de 1934 a 1937); Desembargador do Tribunal de Justiça de
Santa Catarina, cargo em que se aposentou (entre 1937 e 1946); Professor de Economia
130
Política da Faculdade de Direito de Santa Catarina, de cuja fundação participou,
colaborando com o Desembargador José Artur Boiteux (de 1932-1957); nesse cargo foi
aposentado, ao ser federalizada a Faculdade; Diretor, por duas vezes, da mesma
Faculdade, tendo-a, na primeira gestão, deixado instalada em prédio próprio (1933-1935
e 1942-1945); Diretor da Faculdade Catarinense de Filosofia, desde a sua fundação, a 8
de setembro de 1951, até ser incorporada na Universidade de Santa Catarina, a 15 de
setembro de 1961, tendo-a deixado instalada em prédio próprio, que inaugurou como
Cidade Universitária de Santa Catarina; encarregado dos estudos da criação da
Universidade de Santa Catarina, na conformidade da Lei estadual n. 1.362, de 29 de
outubro de 1955, art. 9º, cargo de exercício gratuito, de cujo desempenho apresentou
relatório, que está publicado no 2º caderno de "Pensamentos, palavras e obras" (1955-
1961).
Esses cargos deram ao Professor Fontes popularidade nacional, abrindo-lhe
portas para participação como representante estadual em eventos culturais, bem como
possibilitando que integrasse instituições renomadas como: Instituto Histórico e
Geográfico de Santa Catarina; Academia Catarinense de Letras, sendo um dos
fundadores; Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e Instituto Histórico
e Geográfico de Minas Gerais, dos quais era sócio correspondente; Academia Brasileira
de Filologia e Academia Carioca de Letras, do Rio de Janeiro, e Sociedade de Estudos
Filológicos, de São Paulo, das quais foi sócio correspondente. Membro do PEN. Clube
do Brasil 23
. Como presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, foi
um dos organizadores das Comemorações do Segundo Centenário da Colonização
Açoreana, em Santa Catarina e do Primeiro Congresso de História Catarinense, que fez
parte das mesmas comemorações, cabendo-lhe as funções de Presidente (1948). Foi
Provedor da Irmandade do Divino Espírito Santo e Asilo de Órfãs São Vicente de
Paulo, sendo em sua gestão ampliado o prédio e construída a capela (1929-1932). Foi o
primeiro Diretor-geral da Casa dos Professores de Santa Catarina, tomando parte na
organização do seu Estatuto e deixando-a instalada em prédio próprio (1952-1957).
Era um homem patriota e muito católico, e suas ideologias reverberaram em
obras literárias. Suas principais publicações são: quando Diretor da Instrução Pública
23
Fundado em 2 de abril de 1936, no Rio de Janeiro, por iniciativa do escritor Cláudio de Souza, destina-
se a congregar escritores do País, estimular a criação literária e a concepção universalista dos bens de
cultura, da liberdade e da paz, propugnando os sentimentos que animam o PEN Internacional, bem como
a UNESCO, sob cujos auspícios se encontra. Fonte: <http://www.penclubedobrail.org.br/historia.html>.
131
escreveu os livros de leitura da Série de Livros de Leitura, iniciada em 1920 e que teve
edição até meados de 1950: Cartilha Popular; Primeiro, Segundo, Terceiro e Quarto
Livros de Leitura; além dessas obras, que são objeto de estudo para essa pesquisa,
publicou também: A Nova Ortografia (1931), ampliada no Prontuário Ortográfico e
Prosódico (1932); O Empréstimo Americano (estudo matemático, 1933); O Conselheiro
José Mascarenhas Pacheco Pereira Coelho de Melo (biografia, 1938); Lacerda
Coutinho (biografia e crítica literária, 1943); Estudinhos Antroponímicos (filologia 1ª.
série, 1944; 2ª. série, 1949); Projeto de Consolidação da Legislação de Terras do Estado
de Santa Catarina (1947); Digressões Antroponímicas (filologia, 1951). A Beata Joana
Gomes de Gusmão (biografia, 1954); O Irmão Joaquim, o Vicente de Paulo
Brasileiro (biografia, 1958); Nomes germânicos de mulheres (filologia 1959);
Primórdios e primícias (duas alocuções, 1959); Pensamentos, palavras e
obras (discursos e noticiário; 1º. caderno - Da Faculdade Catarinense de Filosofia, 1960-
2º. caderno - Da Cidade Universitária, 1962); O nosso Cruz e Sousa (discurso, 1961);
Temas Catarinenses (Os primeiros versos de Cruz e Sousa e os versos de circunstância;
O Almirante Henrique Boiteux no seu centenário natalício; Por que e para que a Cidade
Universitária de Santa Catarina? 1962). Consta ainda que deixou em adiantada
elaboração um Dicionário de nomes de pessoas, etimológico e comparativo. Publicou
em jornais e revistas artigos assinados e também editoriais, versando principalmente
assuntos históricos, biográficos, econômicos e filológicos. Proferiu muitos discursos no
exercício de funções públicas, em cargos de associações e como paraninfo.
Uma das curiosidades sobre o autor é saber que jamais realizou qualquer viagem
para fora do Brasil: ―Seu espaço geográfico palmilhado distribui-se entre o Rio Grande
do Sul e o Rio de Janeiro. No entanto, sua voz, por meio da carta, ecoou por todo o
Brasil, ultrapassando fronteiras e chegando até o outro lado do Atlântico‖ (PREUS,
1998, p.8).
Na sua gestão no setor educacional ampliou as escolas básicas, reuniu escolas
femininas e masculinas, criou a escola mista, fez cumprir a obrigatoriedade do ensino da
língua vernácula em todas as instituições, regulamentou o ingresso de professores por
meio de concurso público e reformulou os conteúdos programáticos do ensino básico e
da escola normal (PREUS, 1998).
Era constantemente muito sério, como aparenta nas fotos encontradas no site da
família Fontes e em publicações sobre o autor.
132
Figura 2: Professor Fontes: Secretário de Viação e
Obras Públicas, no período de 1926 – 1929.
Fonte: site da família Fontes, acessado em 14 de fevereiro de 2018.
Havia nesse intelectual algo de muito valioso, como expressam os mais
próximos a ele. Compartilhava seu conhecimento e demonstrava-se solícito a quem lhe
viesse requerer algo, mesmo nos momentos que ocupou cargos elevados na educação
pública.
Para os seus confrades e admiradores mais íntimos era assim como um
timoneiro, embora sempre de cenho fechado e com algo de austero, não
era totalmente severo porque quando respondia ao diálogo, demonstrava-
se tocado de irradiação agradável, apenas era assim mesmo por causa do
saber erudito. (AURAS; MAMIGONIAN, 2016, p. 11).
Essa característica aparece, também, em lições da Série Fontes, nas quais não há
praticamente aproximação alguma de bom humor, ou algum aspecto lúdico, pois os
textos das lições aparentam ser predominantemente austeros e sempre possuírem
alguma utilidade, como podemos observar, por exemplo, na lição O Trabalho (Lição 1
do Primeiro Livro de Leitura), que Professor Fontes inscreve como virtude, pontuando
que se devia trabalhar com seriedade: ―quem não está sempre muito ocupado não é
capaz de fazer alguma coisa‖ (FONTES, 1945, p.5).
Em 1918, ao assumir o cargo de Diretor Geral da Instrução Pública, logo de
início, começou a fazer algumas modificações que considerava necessárias à educação
primária. Dentre elas, a substituição da série graduada de Francisco Viana pela série que
popularmente ficaria conhecida como Série Fontes.
Como já foi mencionado, o Professor Fontes era um católico devoto, posição
que reverbera em muitas lições que fazem parte da Série Fontes. No entanto, o período
Figura 3: Formatura na Faculdade
de Direito no Paraná – 1927.
133
que se instaura na máquina pública é de uma educação laica, o que nos faz acreditar da
forte influência que esse intelectual tinha na esfera pública de Santa Catarina. Don
ponto de vista da prática religiosa, as lições da Série Fontes carregam em seu bojo a
mensagem proferida por seu autor/organizador, e, a escola que deveria ter uma
educação laica, trabalha com um material de cunho religioso.
Diante de tais afirmações, é fundamental reforçar como se apresentou seus
pressupostos teóricos e metodológicos, a partir das leis, decretos e normas.
3.2 – LEIS, DECRETOS E NORMATIVAS.
O contexto em que o Professor Fontes estava inserido, numa posição social e
política privilegiada, dava-lhe a oportunidade de estar presente nas discussões mais
próximas acerca da educação de Santa Catarina. Por ser ativo na política educacional
e por sentir-se muito à vontade nesse campo, buscava estar ativo nos espaços de
discussão sobre a educação catarinense, com o objetivo de qualificá-la, oportunizando
o acesso ao maior número possível de crianças.
Como já foi mencionado, o estado de Santa Catarina buscava qualificar o
ensino público, sintonizando-se com o que havia de mais moderno com base nos
pressupostos teóricos e metodológicos advindos do estado de São Paulo, considerado
à frente no campo educacional brasileiro.
Para o Professor Fontes, a organização do ensino público de Santa Catarina,
advindo de uma orientação à base de normas e decretos diante de um aparato
fiscalizador, do qual ele fazia parte, estabelecia e ampliava o acesso à educação aos
espaços mais remotos.
Os regimentos e os programas de ensino decorrentes desse período, fins do
século XIX e início do século XX, regulavam a instrução pública do estado,
autorizando e consolidando em suas leis e decretos a potência do que se acreditava
que constituía o ensino público catarinense (FIORI, 1991). Os pormenores
estabelecidos cumpriam o que se achava que era subsequente à aprendizagem,
apontando os caminhos a serem seguidos e os métodos a serem ensinados.
O acesso a documentos tais como decretos, leis, regimentos, normas e
programas de ensino possibilitou perceber, em boa medida, como se dava o ensino
134
público em Santa Catarina nesse período estudado. A exaustiva imersão no campo da
pesquisa em busca de uns deles, apresentou outros que foram compondo a rede.
Para entendermos como se compôs, em alguns momentos, o cenário
educacional catarinense, apresenta-se alguns desses documentos, aos quais tive
acesso, com o intuito de demarcar o período que o Professor Fontes se fez presente,
bem como no intervalo anterior à sua passagem no cenário educacional catarinense.
Entendo, ainda, que buscar no passado as explicações que ajudem a compreender esse
processo, é considerar a história tal como se realiza em cada época, em parte
estabelecida nas definições das propostas educacionais.
O levantamento, e, seleção dos documentos da legislação educacional,
corresponde ao período de 1892 a 1937. Além de serem importantes para a história
das políticas educacionais de Santa Catarina, institucionalizam a própria história da
educação do Brasil. Esse conjunto de leis relaciona-se com as demais regras e normas
que regem a sociedade, constituindo e dando significados a expressões específicas.
O tenente Manoel Joaquim Machado, governador provisório do Estado de
Santa Catarina, sob Decreto n. 155 de 10 de junho de 1892, regulamentou o Ensino
Primário de Santa Catharina. O Título I – Fim e Classificação das Escolas Primárias,
em seu Art. 1, indica que: ―As escolas de ensino primário tem por fim dar a criança os
primeiros elementos da cultura physica, intellectual e moral, precisos para o
preenchimento de sua missão social‖ (SANTA CATHARINA, 1892,p.11). De acordo
com esse artigo, coloca na criança certa responsabilidade, uma missão a ser cumprida,
cabendo à escola promover essa ação.
Em suas obrigações como Instrutor Público, o professor Orestes Guimarães,
através do Parecer sobre Obras Didactas, em 21 de março de 1911, aprovou a adoção
dos livros de Francisco Vianna para o uso dos Grupos Escolares e Escola Isoladas do
Estado de Santa Catarina. Esses foram recomendados sob a justificativa de que ―O
livro de leitura é o livro dos livros no ensino primário‖ (1911, p.6) e ainda:
O assumpto com effeito, para que adoptarmos livros de leitura que
ensinem ás creanças: brinquedos com bolas de neve, que lhes
narrem o uso de materiais que não possuímos, que lhes descrevam
em contos cheios de saudades – o canto do rouxinol, do cuco, da
cotovia e as bellezas de céos etc., que jamais virma?! Não serão
mais justo, mas natural e proveitoso lhes darmos livros que lhe
digam: onde são encontrados o café, o matte, o cacau, a borracha, o
assucar, o algodao, as madeiras etc?! Como são colhidos,
135
preparados e exportados?! Não é mais próprio que lhe narremos:
como são fabricados o queijo e a manteiga, segundo o nosso clima?!
Que lhes digamos alguma cousa do saudoso canto do sabiá, do
gaturamo, da araponga ou ferreiro?! Quantas historietas interessante
dos episódios da nossa curta e brilhante vida nacional, esquecidos
da maioria de nossas escolas, aliás cheias de livro de leitura com
capítulos como estes: A Sensibilidade Moral; A justiça; O Poder da
Imaginação etc; O Calor; O Magnetismo Animal; Da Camara dos
Deputados; Do Senado; Das Attribuições do Congresso. Pobres
creanças, que passaes cinco horas em banco duros,
desaccommodadas, embebidas na leitura de taes capítulos! (SANTA
CATHARINA, 1911, p. 8).
Com isso, entende-se que os livros de Francisco Viana estavam adequados ao
que seria ensinado nas escolas públicas catarinenses, seguindo os pressupostos
teóricos e metodológicos de que participava Orestes Guimarães.
Em abril de 1911, o Coronel Vidal José de Oliveira Ramos, Governador do
Estado de Santa Catarina, sob Decreto n. 586 aprovou o Programma de Ensino para a
Escola Normal, e o Decreto n. 588, sobre o Regimento Interno dos Grupos Escolares.
No Capítulo III deste decreto, destaco o Art. 9 que fala sobre os livros escolares: ―Os
livros escolares e mais objectos destinados ao ensino preliminar serão os aprovados e
adoptados pelo Secretario Geral, mediante parecer e proposta do Inspector Geral com
exclusão de quaesquer outros‖ (SANTA CATHARINA, 1911, p. 5). Em 7 de junho
de 1911, o governador, considerando o parecer do Inspector Geral do Ensino,
determinou a partir do Decreto n. 596 que: ―Art. 1º Ficam adptadas para serem
exclusivamente usadas em todas as escolas públicas estadoaes as obras didactas
constantes da relação que a este acompanha, assignada pelo Secretario Geral dos
Negocios do Estado‖. (SANTA CATHARINA, 1911, p. 88). As obras didáticas às
quais se refere são: as de autoria de Francisco Vianna: Leitura Preparatória; Primeiro,
Segundo e Terceiro Livro e o Caderno de Calligraphia Vertical. A Cartilha, de
Arnaldo Barreto e Minha Pátria, de Pinto e Silva. Por meio desses decretos podemos
observar que os livros de leitura para a educação pública catarinense estão submetidos
ao início de nova era.
A formação de professores de escolas públicas em Santa Catarina organizava-
se dentro dos parâmetros estabelecidos por Leis, Decretos, Regulamentos, ―seguindo
uma tendência não somente no Estado de Santa Catarina, como também em outros
lugares do Brasil quanto à necessidade de munir os professores de instrumentos mais
científicos e racionais para exercer sua prática‖ (DAROS, 2005, p. 14). Destaco
136
algumas normatizações que, por meio de uma série de decretos consubstanciam a
formação dos professores para atuarem no ensino público catarinense, as quais
deveriam ser seguidas à risca.
Em 11 de julho de 1911, o Decreto n. 604 tratou do Regulamento das Escolas
Complementares do Estado de Santa Catarina. No Capítulo I, o Art. 1º destacava: ―As
escolas complementares são estabelecimentos destinados a facilitar a habilitação de
candidatos ao professorado e, bem assim, a desenvolver o ensino dos alumnos que
tenham terminado o curso dos grupos escolares‖ (SANTA CATHARINA, 1911, p. 5).
Em 29 de janeiro de 1912, ainda o governador Vidal Ramos, sob o regulamento
expedido com o Decreto n.585, de 19 de abril de 1911, ―Resolve approvar e mandar
observar para a pratica nos Grupos Escolares, dos candidatos ao magistério publico,
diplomados pela Escola Normal‖ (SANTA CATHARINA, 1912, p. 130).
Já a Lei n. 967, de 22 de agosto de 1913, ―Autoriza a revisão dos
Regulamentos da Instrucção Publica do Estado‖, revoga o Decreto n.796, de 2 de
Maio de 1914, do Regulamento Geral da Instrução Publica, estabelecendo a
graduação do ensino público estadual em quatro modalidades: Escolas Isoladas (três
anos de curso), Grupos Escolares (sequencia das escolas isoladas, quatro anos de
curso), Escolas Complementares (sequencia dos grupos escolares, annexas aos grupos
escolares, funccionando em desdobramento dos mesmos) e Escola Normal
(desenvolvimento dos programmas das escolas complementares).
Evidencio, também, o Programa de Ensino dos Grupos Escolares, aprovado
pelo decreto n. 1322, de 29 de Janeiro de 1920, revogado pelo governador em
exercício o Engenheiro Civil Hercílio Pedro da Luz. Nesse Programa faz-se menção à
cartilha e aos livros de leitura, do que podemos entender que seriam os livros da Série
Fontes, uma vez que não há nada indicado diretamente a eles. Na página 5 deste
Programa, chama a atenção a menção à cartilha para os alunos do 1º ANNO: ―1ª.
Leitura de sentenças da cartilha, escriptas no quadro negro. Os alumnos ficarão juntos
ao quadro negro, sem a cartilha‖. (SANTA CATHARINA, 1920, p. 5). Outro ponto
relevante são as notas das páginas 7 e 8:
NOTA: Às cartilhas ficam nas classes, a fim de evitar a confusão
que adiviria, aí, os paes em casa, para auxiliar, ensinassem por outro
methodo‖. (SANTA CATHARINA, 1920, p. 7). ―NOTA: O
professor deve ter todos os cuidados em não deturpar a pronuncia
das palavras, ao perguntar aos alumnos em quanto tempo são elas
137
pronunciadas. Depois ensinará que não se diz tempo e sim sillaba.
Os alumnos, ao chegarem a esta phase, poderão levar a cartilha pra
casa, o que mais ou menos será em agosto. (SANTA CATHARINA,
1920, p. 8).
No 2º ANNO é mencionado o livro de leitura, dentro do primeiro ponto: ―1º.
Leitura de trechos do livro adoptado, feita pelo professor‖ (SANTA CATHARINA,
1920, p. 17). No 3º ANNO, pontua-se também: ―1º. Leitura, commentario e
reprodução de trechos do livro de leitura‖. (SANTA CATHARINA, 1920, p. 25).
Destaco a nota da página 30:
NOTA: O professor deve lembrar-se de que a história pátria é um
dos principaes elementos da educação cívica. Aproveite, por isso,
todas as oportunidades para despertar nos alumnos sentimentos de
são patriotimos. Três phases: 1ª) exposição; 2ª) argüição pelo
professor; 3ª) exposição pelo alumno. Aproveitem-se os mappas
sempre que for possível‖. (SANTA CATHARINA, 1920, p. 31).
No 4º ANNO não é mencionado o livro de leitura, mas se trata de um
compêndio. Podemos entender que a Série Fontes foi adotada até o terceiro ano
escolar, seguindo a ordem da Cartilha Popular, do Primeiro e do Segundo Livro de
Leitura, uma vez que, nesse ano, o Terceiro e o Quarto Livros não haviam ainda sido
editados.
Em fevereiro de 1926, o então Coronel Pereira da Silva e Oliveira, vice-
governador da época, no exercício do cargo de governador do Estado de Santa
Catarina, Decreta o Programma de Ensino das Escolas Isoladas das Zonas Coloniaes:
―Artigo único: Fica aprovado o programma que com este é expedido, organizado pelo
professor Orestes Guimarães, inspector das escolas subvencionadas pelo Governo
Federal, para uso das escolas das zonas coloniaes, revogadas as disposições em
contrario‖. (SANTA CATHARINA, Decreto n. 1944, de 27 de fevereiro de 1926, p.
4). O parecer desse Programma é assinado por Professor Fontes, Diretor de Instrução
Pública nesse período. Nesse programa é mencionado para o 1º ANNO, dentro da
SEÇÃO A, na PRIMEIRA e SEGUNDA PHASE ―A leitura correta da Cartilha‖. para
a TERCEIRA PHASE ―Primeiro livro‖. (SANTA CATHARINA, 1926, p. 9). No 2º
ANNO, ―Leitura diária do livro usado Segundo Livro‖. (SANTA CATHARINA,
1926, p. 14). Já para o 3º ANNO, ―Continuação e conclusão da leitura do Terceiro
Livro; leitura do Quarto Livro‖. (SANTA CATHARINA, 1926, p.20). O que mais
138
chama a atenção não é o fato desses livros serem indicados, mas, os mesmos estarem
destacados em negrito e a menção ao Terceiro e ao Quarto Livro de Leitura, uma vez
que esses, segundo as pesquisas apresentadas no Capítulo I dessa tese, foram
publicados nos anos de 1929 e 1930, respectivamente. Sendo assim, não podemos
afirmar que esses faziam parte da coleção da Série Fontes.
Em 21 de julho de 1928, o Dr. Adolpho Konder, Governador do Estado de
Santa Catarina, ―considerando que algumas obras actualmente em uso nas escolas e
mandadas adoptar pelo decreto n. 1.602, de 7 de novembro de 1917, já não satisfazem
as necessidades do ensino publico, DECRETA: ―Art. 1º - Ficam adoptadas, para
serem usadas nas escolas publicas, as obras da relação que este acompanha, assignada
pelo Secretario do Interior e Justiça‖. (SANTA CATHARINA, 1928). Na relação
mencionada, as obras a que se refere são: para as Escolas Isoladas: Cartilha Popular,
Primeiro, Segundo, Terceiro e Quarto Livros de Leitura de autoria de Henrique
Fontes; já para os Grupos Escolares a Cartilha Popular não é mencionada, os demais
sim. Quanto às obras do Professor Fontes, mesmo já estando presentes nas escolas
públicas de Santa Catarina desde 1920, vemos que é somente por meio desse decreto
que são indicadas.
O Programma de Ensino dos Grupos Escolares, aprovado pelo Decreto n.
2.218, de 24 de Outubro de 1928, apresenta algumas mudanças em relação ao
programa de 1920. Destaco: ―1º ANNO – NOTA: Recorde-se a cartilha e passe-se ao
primeiro livro de leitura, iniciando os alunos no conhecimento dos synonymos das
palavras mais fáceis do livro‖. (SANTA CATHARINA, 1928, p. 7). Depois temos ―2º
ANNO. 1. Leitura – (Recapitulação do Primeiro Livro até junho, seguindo-se a leitura
do Segundo Livro)‖. (SANTA CATHARINA, 1928, p. 14). E a seguir ―3º ANNO 1.
Leitura (Recapitulação do Segundo Livro até junho, passando-se ao Terceiro Livro)‖.
(SANTA CATHARINA, 1928, p. 24). Por fim, exara que para o ―4º ANNO 1. Leitura
(Recapitulação do Terceiro Livro, leitura e conclusão do Quarto Livro)‖ (SANTA
CATHARINA, 1928, p. 35). Essas informações levam a perceber que os livros
mencionados no Decreto n. 1944, de 27 de fevereiro de 1926, que institui o
Programma de Ensino das Escolas Isoladas das Zonas Coloniaes, são dessa coleção.
Mais tarde, o Decreto n. 19.941, de 30 de Abril de 1931, assinado por
Francisco Campos, dispõe sobre a instrução religiosa nos cursos primários,
secundário e normal. São 11 artigos que dão vigência a esse decreto. Destacamos o
139
―Art. 11º O Governo poderá, por simples aviso do Ministério da Educação e Saude
Pública, suspender o ensino religioso nos estabelecimentos oficiais de instrução
quando assim o exigirem os interesses da ordem pública e a disciplina escolar‖
(BRASIL, 1931, p. 26). Apesar de, anteriormente a esse decreto, a escola ser definida
constitucionalmente como laica, pode-se averiguar que perpassa em toda a Série
Fontes a noção da crença em Deus, havendo até lições com esse título.
Cabe destacar que, no Relatório apresentado a Cid Campos (Secretário do
Interior e Justiça), em 15 de fevereiro de 1927, pelo Director da Instrucção Publica,
Antônio Mâncio da Costa, se lê: [...] com o fim de facilitar a acquisição de livros de
baixo preço, que facilitassem às exigencias do ensino, o meu ilustrado antecessor
organizou, em boa-hora, uma série de compendios de leitura, cujos 1º e 2º são
largamente utilizados em nossas escolas, atravessando os prélos os 3º e 4º da série; o
secretário se refere a Série Fontes apresentando-a como material qualificado para o
ensino e aprendizagem nas escolas públicas catarinenses que não sairia caro para os
cofres públicos (COSTA, A. M. 1926, apud, FONTES, 2011, p.84).
Para evidenciar a contribuição da Série Fontes, em 2 de janeiro de 1940, o
professor Fontes requereu ao Ministro da Educação e Saúde, nos termos do Decreto-Lei
n.º 1.006, de 30 de dezembro de 1938, a autorização para a adoção, nas escolas
primárias, dos livros didáticos, a saber: Cartilha Popular, Primeiro, Segundo, Terceiro e
Quarto Livros de Leitura. Frisa no requerimento que, ao elaborar esses livros,
Não visou [...] qualquer provento de ordem pecuniária, nem tão pouco
os auferiu, subsequentemente, quando deixou aquele cargo [Diretor da
Instrução Pública de Santa Catarina] quer nas edições feitas pelo
Governo do Estado, quer nas feitas por particulares. Nem quer de ora
em diante tirar desses livros qualquer lucro material, não só pela sua
qualidade de magistrado – desembargador do Tribunal de Apelação de
SC, senão também porque se tem por muito bem pago com a
satisfação de continuar a contribuir para a educação popular.
(HENRIQUE FONTES, 1940, apud, FONTES, 2011, p.85).
Também nessa mesma data, escreveu ao irmão, o Cônego Thomas Fontes,
residente no Rio de Janeiro, pedindo que indagasse junto ao Ministério da Educação
sobre a relevância de sua obra para o ensino público:
Passando a outro assunto: preciso de um favor teu, que é o seguinte:
indagares com toda a brevidade, no Ministério da Educação, se já foi
nomeada a comissão incumbida de estudar os livros didáticos, de
140
conformidade com o Decreto-lei nº. 1.006, de 30 de dezembro de
1938. Em caso afirmativo, de quem se compõe. Em caso negativo, se
vai ser prorrogado o prazo estabelecido no mesmo decreto. Motiva
este pedido o propósito que tenho de pedir aprovação para os livros
que organizei, quando DIP, nos quais, como sabes, não tenho
nenhuma vantagem pecuniária nem de outra ordem. Tenho, porém, a
eles ligado o meu trabalho e o meu nome e daí vem a estimação que
lhes voto. Além disso, são mais baratos do que outros quaisquer,
prestando assim auxílio aos desprovidos de bens. Essa modicidade de
preço foi até um dos motivos da sua elaboração. Outro, - e não menos
poderoso, - foi o incluir neles o nome de Deus, que em outros fora
sistematicamente omitido. (HSF. Carta ao irmão Cônego Thomas
Fontes. Florianópolis, 2, jan., 1940, apud PREUSS, 1998, p.84).
Enfim, a leitura desses documentos é prática criadora quanto às lições da Série
Fontes para buscarmos as representações de criança em seus textos, com base no
pensamento do autor/organizador e dos autores das lições. Pode-se dizer, ainda, que
cada um desses documentos, mesmo já sendo abordados na escrita da história da
educação de Santa Catarina e do Brasil, em suas especificidades constitui o escopo de
investigação que envolve essa Série e seu autor/organizador, dos quais, os livros da
Série Fontes associa o ensino de leitura aos conteúdos morais, cívicos, ideológicos
expressos em suas lições.
3.3 – A SÉRIE FONTES
Durante o período em que foi diretor da Instrução Pública (1919-1926), e até
mesmo nos anos posteriores, o professor Fontes se propôs a organizar uma coleção de
livros de leitura de baixo custo aos cofres públicos. Tal coleção se tornaria acessível a
todas as crianças do ensino público das escolas catarinense. Assim, organizou uma
cartilha e quatro livros que completavam a coleção: Primeiro, Segundo, Terceiro e
Quarto livros de leitura.
Em um projeto de civilidade e moralidade, pretendido pela nação brasileira
republicana, estava a necessidade de conduzir as crianças a um projeto que teria como
um de seus princípios a educação e que tinha na escola primária o espaço privilegiado
para fundamentar suas bases. Nesse sentido, a escola instrui a criança, garantindo por
intermédio de seus programas, leis e decretos, certos conhecimentos a serem adquiridos
e certos conteúdos a serem incorporados (TEIVE, 2014). Nesta perspectiva, o Professor
141
Fontes lança um material que traria em seu conteúdo princípios correspondentes a tal
projeto de civilização.
Ao estabelecer uma seriação de 1º, 2º, 3º e 4º livro de leitura, no que parece, o
Professor Fontes estava atento a questão da escola seriada. Como problematiza Teive
(2014),
O chamado ―bandeirismo paulista‖ estava relacionado ao
pioneirismo do estado de São Paulo na organização da sua
instrução pública, de forma centralizada e hierarquizada, na
elaboração de programas e regimentos fixados em lei, na
implantação da escola graduada 24
, com seus prédios
imponentes, construídos de acordo com as prescrições médico-
higienistas e organizados segundo os postulados da pedagogia
moderna, leia-se, do método de ensino intuitivo e das lições de
coisas. (TEIVE, 2014, p. 167).
É nesse sentido que à escola graduada – na qual vários professores ensinam
―para certo número de crianças distribuídas em diferentes grupos e salas de aula, de
acordo com a idade e nível de conhecimento‖ (VIÑAO FRAGO, 2003, p. 75, tradução
minha)25
– representa o projeto de modernização do ensino.
Em 1920 o Professor Fontes publicou essa Série, a começar pela Cartilha
Popular, o Primeiro e o Segundo Livros. Em 1929, o Terceiro Livro na primeira edição,
e em 1930, finalizava a coleção com o Quarto Livro de leitura, sendo essa adotada nas
escolas públicas primárias até meados dos anos 1950. Segundo Silva Filho, esse tempo
de vida da Série Fontes deve ser levado em conta pela instância significativa da obra:
―Considerada a importância da Série Fontes, tanto pela longa duração quanto por sua
participação na formação de muitos milhares de crianças catarinenses, é relevante a
verificação do valor ético de sua autoria‖ (SILVA FILHO, 2013, p. 3-4).
A partir do prefácio das edições dos livros da Série Fontes, que serão analisadas
no capítulo IV, pressupõe-se que o Professor Fontes tinha como ideal, para os
24
O ensino primário era ministrado em quatro anos, com um programa enciclopédico com matérias que
proporcionavam uma educação integral - a educação física, intelectual e moral. Previa a utilização do
método intuitivo, o qual usava diversificados materiais didáticos, laboratórios e museus. Exigia-se uma
rígida disciplina dos alunos (assiduidade, asseio, ordem, obediência, etc.). O tempo escolar passou a ser
controlado através do calendário. Havia também práticas ―ritualizadas‖ e ―simbólicas‖, como os exames
finais, as exposições escolares, as datas cívicas e as festas de encerramento do ano letivo. A escola
graduada foi também responsável por gerar novos ―dispositivos de racionalização administrativa e
pedagógica‖, necessários para o desenvolvimento da sociedade capitalista, principalmente nos processos
de urbanização e industrialização. Foi ainda um projeto cultural a favor da nação, o qual educava mais do
que instruía. (TEIVE & DALLABRIDA, 2011). 25
―a un número determinado de niños distribuidos en grupos y aulas distintas en función de la edad y el
nivel de conocimientos‖ (Viñao Frago, 2003, p. 75).
142
estudantes das escolas públicas primárias catarinenses, o acesso à leitura. Portanto, a
Série Fontes constitui-se como valioso documento para as pesquisas em História
Cultural.
A Série Fontes, adotada a partir de 1920, ainda na reforma Orestes Guimarães,
apresenta valores constituídos no discurso republicano, como patriotismo, moralismo,
normas, valores (dedicação ao estudo, à natureza, à família, ao lar, ao trabalho, à higiene
e cuidado com o corpo e alimentação). Outro aspecto a ser observado é o culto aos
heróis nacionais, aos símbolos nacionais, aos governantes políticos, bem como a
responsabilidade de ser criança. Pode-se pensar que viam as crianças não o que eram,
mas o que viriam a se tornar, um ―Vir a Ser!‖, o futuro do Brasil.
Além destes temas, algumas lições remetem aos valores cristãos, deixando em
segunda ordem os pressupostos de ensino laico estabelecido em lei (Decreto nº 119-A,
de 7 de janeiro de 1890), tão fervorosamente defendido pelos republicanos e,
particularmente, por Orestes Guimarães. O Professor Fontes, seja por sua formação
católica ou mesmo por seus ideais, ―deixa entrever aspectos que valorizam a
religiosidade, seja com ensinamento de caridade e de fé, ou até mesmo vinculando a
religiosidade ao sentimento patriótico‖ (PROCHNOW, 2009, p. 19).
A Série Fontes foi oficialmente indicada como material didático pelo Decreto nº.
2.186, em 1928, mesmo que os três primeiros exemplares já fossem usados nas escolas
púbicas primárias catarinenses desde janeiro de 1920. Segundo Ada Fontes (2011), o
sucessor do professor Fontes, Antonio Mâncio da Costa, no Departamento de Instrução
Pública, aponta no item ―XII – Livros escolares‖, do Relatório apresentado, em 15 de
fevereiro de 1927, ao Secretário do Interior e Justiça, Cid Campos, a relevância da
referida série para o ensino público catarinense, cujo benefício destacado é o baixo
preço,
[...] com o fim de facilitar a acquisição de livros de baixo preço, que
facilitassem às exigencias do ensino, o meu ilustrado antecessor
organizou, em boa-hora, uma série de compendios de leitura, cujos 1º
e 2º são largamente utilizados em nossas escola, atravessando os
prélos os 3º e 4º da série. (Governo de Santa Catharina, - 1926
Antônio Pereira da Silva e Oliveira. Relatório apresentado ao Exmo.
Dr. Secretário do Interior e Justiça pelo Director da Instrucção Pública
Antonio Mâncio da Costa – Anno de 1926. Florianópolis: Arquivo
Público do Estado de Santa Catarina, 1927, p. 14. (FONTES, 2011, p.
84).
143
Outro fator que se faz relevante mencionar, segundo Souza (2010, p. 13), é o
fato de que a Série Fontes foi proferida como ―amostra da educação catarinense na
primeira metade do século XX, pois o papel do seu organizador na educação do estado é
reconhecido na história‖. Outro aspecto é que o conteúdo da Série Fontes não se limita
apenas aos escritos de Henrique Fontes, mas cita diversos autores de relevância da
época, e ―deste modo, sintetizava significativa parte do pensamento pedagógico
brasileiro‖ (SOUZA, 2010, p15).
Assim sendo, apresenta-se a relação dos livros a serem adotados a partir de
1928. Na publicação abaixo observa-se a listagem dos livros e cartilhas a serem
utilizados nas escolas isoladas e grupos escolares, na qual se fazia referência à Série
Fontes.
Figura 4. Relação dos livros a serem adotados a partir de 1928. Fonte: Jornal A República - Acervo do Banco de Dados da Hemeroteca Nacional – 1927.
O que chama a atenção é a data que se apresenta nessa relação, pois, as
pesquisas feitas enfatizam que a Série Fontes estava presente nas escolas públicas do
estado de Santa Catarina desde os anos de 1920. Assim, entende-se que o Professor
Fontes fez uso de seu cargo de Diretor de Instrução Pública (1919 a 1926) para colocar
nas escolas o material que organizou mesmo antes de um decreto publicado como o
mencionado, ou que por haver um forte vínculo entre as editoras e editores; quem
gozava de certa influência política era convidado como tal, apto 26
.
26
Sobre essa temática, ver em: NICARETA, 2009 e 2010.
144
Após essas análises, algumas questões ainda estão por ser respondidas. Dentre
elas, as escolha dessas lições e de seus autores. Desse modo, no item seguinte, apresento
uma possível resposta, partindo do pressuposto que os autores das lições se apresentam
na obra Antologia Nacional (1964), organizado por Fausto Barreto e Carlos de Laet.
3.4 – AUTORES E LIÇÕES ESCOLHIDAS PELO PROFESSOR FONTES: por
que umas lições e não outras?
Algumas questões ainda precisam ser respondidas. Uma delas está relacionada à
escolha dos escritores e das lições que o Professor Fontes selecionou para compor a
Série Fontes.
Ada Fontes (2011) dá destaque aos autores escolhidos pelo Professor Fontes
para compor as lições da Série, fazendo um paralelo com a obra Antologia Nacional.
Enfatiza que o Professor Fontes imprimiu
[...] um tratamento antológico ao reunir textos de diversos autores de
natureza e procedência variada. [...], revela um pensamento
pedagógico coerente com os processos didáticos mais avançados da
sua época ao tornar visível, audível, oloroso, saboroso e sensível
múltiplas lições de coisas que permeiam o coração, a mente e a alma
dos leitores infantis. (FONTES, 2011, p. 91).
Pergunta-se: por que ele escolheu uma lição e não outra do escritor que
selecionou? Para obter alguma resposta, fui à busca dos escritores que compõem a Série
Fontes e verifiquei que a gama de publicações é grande. Ao fazer uma busca encontrei o
livro Antologia Nacional (1964), organizado por Fausto Barreto e Carlos de Laet. Na
sobrecapa dessa obra há uma informação dizendo que é uma ―Coleção de excertos dos
principais escritores da Língua Português, do 20º ao 13º século‖. Segundo esse dado, há
uma escolha dos organizadores por escritores renomados do período, sendo esses
brasileiros e portugueses, e o entendimento de que:
O apartamento dos escritores em Brasileiros e Portuguêses fizemo-lo
só na fase contemporânea, em que claramente se afastaram as duas
literaturas como galhos vicejantes a partirem do mesmo tronco. Antes
disso razão de ser não houvera para tal apartamento, que apenas se
fundara em ciúmes de nacionalidade, muito mal cabidos na serena
esfera das letras. (BARRETO; LAET, 1964, p. 8).
145
Quanto à escolha dos assuntos para a formação dessa obra, configura-se como
valor singular que se prendesse à literatura nacional:
Já não se nos afigurou desarrazoado, na escolha dos assuntos,
optarmos por aquêles que entendessem com a nossa terra; e por isto
nos sorriu que do Brasil falassem, não sòmente ROCHA PITA,
MAGALHÃES ou ALENCAR, mas ainda o quinhentista JOÃO DE
BARROS, e seiscentista FRANCISCO MANUEL DE MELO e o
coevo LATINO COELHO. Ouvir da Pátria por boca estrangeira e
imparcial é sempre delícia para todo coração bem nascido.
(BARRETO; LAET, 1964, p. 8).
É importante informar que, na busca dos escritores que compõem a obra
Antologia Nacional, verificou-se que se apresentam um total de 121 escritores entre
brasileiros e portugueses, poetas, escritores de contos e de fábulas. Desses 121, 16 deles
estão presentes na Série Fontes.
Ao examinar os textos (16) daqueles, fazendo uma comparação entre os que
estão na Série Fontes e os que estão na Antologia Nacional, encontro apenas um em
comum, intitulado ―Torrão Natal‖, sendo que na Série Fontes leva a assinatura de
Joaquim Manuel da Silva e na Antologia Nacional é de autoria de Joaquim Manuel de
Macedo. Ao fazer uma busca em outras referências verifico que essa lição é realmente
de Joaquim Manuel de Macedo. Portanto, há erros impressos na Série Fontes.
Mas, a pergunta que faço ainda não estava respondida. Assim, procuro ler as
lições dos dezesseis escritores perscrutando por uma possível resposta. No quadro 20
apresento os escritores e suas lições, presentes em ambas as obras, para que o leitor
possa verificar e elucubrar, também, sobre algumas hipóteses quanto à questão
levantada: Por que ―essa‖ lição e não ―aquela‖?
146
Quadro 8: Contrastação ─ Lições e autores AUTOR OBRAS E TÍTULOS DAS LIÇÕES
ANTOLOGIA NACIONAL SÉRIE FONTES
Joaquim Manuel de
MACEDO
A Harpa Quebrada José da Silva Mafra
Torrão Natal
Joaquim Machado de
ASSIS
A Môsca Azul
Círculo vicioso
A Carolina
Quincas Borba
Visconde de Outro Preto
José de Anchieta
Rui BARBOSA O Trabalho e a Oração
A Paixão da Verdade
A Oração do Filho
A Liberdade
A Couve e o Carvalho
Bustos e Estátuas
O velho, o menino e a Mulinha
A Pátria
As bênçãos
O trabalhador
Trabalhador
O ideal
Ler e refletir
PS: esse autor tem alguns excertos
que não apresentam título
Henrique Coelho
NETO
A Primeira Palavra
Energia
Insone
Miragem
O Mentiroso
A roseira
O rato
A obediência
Os três grãos de milho
Diligência
A Família
Joaquim Nabuco
Silvio Vasconcelos da
Silva Ramos
ROMERO
O Romantismo no Brasil Rosa Maria Paulina da Fonseca
Olavo Brás Martins
dos Guimarães BILAC
Santos Dumont
Aos Jovens Brasileiros
Vanitas
Inania Verba
O Caçador de Esmeraldas
Aos meus Amigos de São Paulo
Beneditice
As flores
A pátria
Natal
O ovo de Colombo
O universo
O velho Rei
O avô
A casa
Oração a bandeira
José Maria Latino
COELHO
A Palavra
América e Portugal
Deus
Domingos José
Gonçalves de
MAGALHÃES
O Amazonas
Rio de Janeiro a Nápoles
Napoleão
Preces da infância
Hinos ao Criador
Antonio Feliciano de
CASTILHO
A Alberto de Oliveira
O Padre Manuel Bernardes
Paralelo entre Bernardes e Vieira
Conselhos do Conde D. Henrique a
seu Filho
Cântico da Noite
As plantas
Virtude e Ciência
Hino do trabalho
Antônio Gonçalves
DIAS
Canto do Piaga
Canção do Tamoio
O Mar
Canção do exílio
O homem forte
Casemiro Joaquim
Marques de ABREU
Meus Oito Anos Deus
Canção do exílio
Luis Nicolau
FAGUNDES
Cântico do Calvário O sabiá
Armas
Sete de Setembro
Raimundo da Mata Anoitecer A Leoa
147
Azevedo CORREIA As Pombas
Mal Secreto
A Cavalgada
Peregrina
João de DEUS
RAMOS
Hino do Amor
A Vida
Amor filial
Conselhos
Comportamento escolar
João da CRUZ e
SOUZA
Siderações
Canções da Formosura
Assim Seja!
Domus áurea
Manuel Maria Barbosa
de BOCAGE
Deus
Contrição
Doçura da Vida Campestre
Resignação do Sábio
Um Condenado a Morte
A raposa e as uvas
Fonte: Elaboração do autor, 2018.
Ao fazer a leitura de cada texto, verifiquei que boa parte das lições que está na
Antologia Nacional é maior, apresentando mais caracteres, podendo-se entender que a
não escolha dessas é devido ao encarecimento que geraria na Série Fontes, uma vez que
uma das questões do Professor Fontes era apresentar uma obra de custo não elevado.
Outra hipótese é o fato de que a Série Fontes, na maior parte das lições, exalta o
patriotismo, os heróis nacionais, o ufanismo, enquanto nas lições apresentadas pelos
escritores na Antologia Nacional (1964) isso pouco aparece. Porém, verifico que os
textos de Rui Barbosa, por exemplo, estão muito próximos em seu conteúdo, em ambas
as obras, como se pode notar no quadro. Mas, o que chamou a atenção foi terem ficado
de fora da Série Fontes as lições A Oração do Filho (BARRETE; LAET, 1964, p. 120-
121) e O Trabalho e a Oração (BARRETO; LAET, 1964, p. 126), uma vez que
apresentam temáticas que estão abordadas na Série Fontes e também não são longas.
Outrossim, seus conteúdos não diferem muito do que o Professor Fontes queria
apresentar: a religiosidade, a obediência e o valor do trabalho.
Outro autor a ser destacado é Olavo Bilac, que está citado nos quatro livros da
Série Fontes. Uma das lições que caberia nessa é a que está na Antologia Nacional sob o
título Aos Jovens Brasileiros. Essa é um convite à juventude a ter ―impulso heróico, esta
arrancada sublime, em que vibra a nossa nação, neste alvorecer de pujança. Para que
esta alvorada se perpetue em dia gloriosos, é indispensável que desde já vivais, pensais
e trabalheis como homens‖ (BILAC, 1918, p. 168).
A pesquisa de João Souza (2010) aponta a necessidade de pesquisar um pouco
mais esse grupo de intelectuais que são apresentados como autores das lições. O autor
148
enfatiza, ainda, que o Professor Fontes, ao citar esses escritores, conseguiu legitimar sua
obra frente à elite intelectual e política catarinense da época.
Assim, não se pode afirmar precisamente sobre as escolhas do Professor Fontes
quanto à cada lição que compõe a Série, mas penso que o tamanho da lição e a temática
da mesma informam uma boa hipótese que se apresenta com base no que ele com sua
obra: ―livros de custo módico‖.
As narrativas com crianças encontradas na Série fontes dão indicativos de que o
Professor Fontes queria com a educação e a escola: desenvolver e estimular nas
crianças, ao longo de suas trajetórias infantis, certas habilidades e conhecimentos que
atendessem expectativas, para se atingir certos perfis de adulto.
Esses fatos nos ajudam a olhar para a Série Fontes tentando entender seu valor
para a educação catarinense, bem como o poder ou a influência que o Professor Fontes
tinha, uma vez que se encontram nela dados circunstanciais que têm como base primária
a criança ali presente.
No Brasil, nas primeiras décadas do século XX cabia à escola um papel
civilizador, que deveria forjar a nação ordeira, laboriosa e educada, mediante a tarefa de
[...] regenerar as classes populares, capacitar as pessoas para o
exercício do trabalho livre disciplinado, moldar moralmente os pobres,
a fim de inseri-los na sociedade de forma subordinada; higienizar e
regenerar os corpos e para melhorar a raça, e, capacitar os indivíduos a
produzir o mais possível. Por fim, domesticar, por uma rígida
disciplina, as almas para aceitarem passivamente a ordem, a
hierarquia, a desigualdade social. (NUNES, 2017, p. 128).
Sabe-se que aprender é uma tarefa infinita, não linear e que permite compor as
ideias. Então, por que educar as crianças com sabes advindos da escola? Para que
educar as crianças? Pois, entendemos que os saberes subjetivos e objetivos definem-se
com base nos saberes disciplinares vindos da escola, num espaço institucional
sistemático, que busca constituir e apresentar as crianças. Desse modo, buscamos nos
livros de leitura da Série Fontes as representações de criança vinculadas a um ato
pedagógico de quem ensina e de quem aprende.
No capítulo seguinte irei tratar das análises das lições escolhidas em cada livro
da Série Fontes.
149
CAPÍTULO 4: ANÁLISE DE CONTEÚDO
A análise de conteúdo das lições se dará com base nos estudos de Bardin (2016).
O procedimento metodológico se constituirá da seguinte forma: apresentação dos quatro
livros de leitura da Série Fontes; análises das lições escolhidas para essa pesquisa, com
o objetivo de perceber as representações de criança.
4 – OS LIVROS DE LEITURA: em busca de uma investigação
O presente estudo tem como objetivo principal buscar nas lições dos Livros de
Leitura da Série Fontes, organizados no período de 1920 a 1930, pelo Professor/Inspetor
Escolar Henrique da Silva Fontes, as representações de criança. Por oportuno, salienta-
se que não será contemplada a Cartilha Popular, parte integrante da referida Série, por
entender-se que a mesma não se incluiu no objetivo do presente estudo. A escolha
dessas obras decorre do alento, por parte desse pesquisador, da possibilidade de melhor
conhecer a criança que se almeja como projeto de cidadão, por meio dos textos de
leitura inseridos na Série Fontes, bem como da relevância da mesma, e, de seu
autor/organizador, para história da educação catarinense.
Utilizada entre as décadas de 1920 e 1950 em Santa Catarina, a coleção de livros
da Série Fontes, corresponde a quatro livros de leitura, além de uma cartilha de
alfabetização. Os exemplares que constituem as primeiras edições são assim
caracterizados: Primeiro Livro de Leitura, edição de 1920, com 38 textos, dimensões de
13,5 cm por 18,5 cm, editado pela Tipografia Livraria Central de Alberto Entres em
Florianópolis; o Segundo Livro de Leitura também é de 1920, impresso pela Livraria
Cysne, com 87 textos e as mesmas dimensões do Primeiro Livro; o Terceiro Livro de
Leitura é edição de 1929, impresso pela Livraria Central, contendo 84 textos e tendo as
mesmas dimensões dos anteriores; já o Quarto Livro de Leitura, edição de 1930,
também publicado pela Livraria Central Alberto Entres, com 85 textos, dimensões 14,5
cm por 19,5 cm (PROCHNOW, 2009).
Já as obras que serão analisadas, constituindo o corpus documental, são as que
tivemos acesso: Primeiro Livro de Leitura, edição de 1945; Segundo Livro de Leitura,
edições de 1922 e 1934; Terceiro Livro de Leitura, edições de 1933, 1948 e 1951 e o
Quarto Livro de Leitura, edição de 1949.
150
Assim como nas pesquisas com que dialogo, não encontrei nenhum registro
sobre como se deu a organização desses livros, de como o Professor Fontes fez as
escolhas, coletou ou elaborou os textos que a compõem. Também não encontrei, como
verificou Silva Filho (2013) ―[...] Fontes quanto aos critérios para seleção dos textos.
Mas podemos supor que Fontes seguia, como um dos critérios, a conformação geral do
gênero livro de leitura, conforme apresentava na época (SILVA FILHO, 2013, p. 305).
As edições de 1922, 1945, 1948, 1949 e 1951 encontram-se no banco de dados
no site da hemeroteca catarinense. Com relação às de 1933, 1934 e 1948, foram
adquiridas em sebo. Busquei, ainda, ter acesso às primeiras edições, pois essas foram
editadas pelo autor, embora não obtive êxito.
Não foram encontradas significativas diferenças entre as edições, havendo o
mesmo número de textos em cada obra. O material utilizado parece ser papel jornal. Os
livros foram feitos dessa forma, possivelmente para diminuir o seu custo, pois como
colocado pelo Professor Fontes no prefácio de cada obra:
A causa dêste empreendimento foi a falta de livros de custo módico,
de livros que, podendo ser adquiridos sem sacrifício pelos remediados,
possam também, à larga escola, ser distribuídos gratuitamente entre
aquêles para quem alguns tostões representam quantia apreciável.
(FONTES, 1920, p.3).
Pude verificar que a coleção era para ser acessível às comunidades carentes, para
os ―remediados‖, mas sem faltar com qualidade se comparada às obras de preço mais
elevado. Sobre essas afirmativas, Fontes ressalta outro aspecto relevante feito pelo
Professor Fontes, que também se encontra no prefácio das edições da Série:
No Prefácio da Cartilha Popular, do Primeiro e Segundo Livro de
Leitura, datado em janeiro de 1920, o professor Fontes frisa que ‘[...]
esta edição, devido ao curto espaço de tempo em que foi organizada,
e devido também à carestia do papel, é uma triagem de ensaio, já
calculada para se esgotar no corrente anno lectivo’, evidenciando
uma das estratégias que revelam o projeto pedagógico e social do
governo. (FONTES, 2011, p. 26).
De 1920 até a década de 1950, período em que a Série Fontes circulou nas
escolas públicas primárias de Santa Catarina, a mesma perpassou dois momentos da
história política catarinense, segundo Prochnow (2009). Na década de 1920, se inseriu
no projeto político educacional iniciado por Orestes Guimarães, até 1934; e seguiu
151
dentro dos novos rumos que a educação ganhou com a nova Constituinte, em 1935,
quando Nereu Ramos assumiu o Governo do Estado e mudanças significativas, como o
golpe do Estado Novo, em 1937, estavam ainda por acontecer (PROCHNOW, 2009,
p.66-67).
A circulação da Série Fontes permaneceu até 1951, quando de sua última edição.
Abaixo apresento as capas de quatro edições, com o objetivo de mostrar como se
apresentavam.
Figura 5: Capa do Primeiro Livro de Leitura, 1945 – Figura 6: Capa do Segundo Livro de Leitura,
1930. Fonte: PROCHNOW, 2009, p.67.
Figura 7: Capa do Terceiro Livro de Leitura, 1949 – Figura 8: Capa do Quarto Livro de Leitura, 1949.
Fonte: PROCHNOW, 2009, p.67.
Sobre as capas dos três primeiros livros, o que chama a atenção é o fato das
mesmas apresentarem um material com gramatura mais grossa, tipo cartolina, enquanto
que a do quarto livro apresentava-se um pouco mais elaborada, com capa dura, que
152
também podem ter essa diferenciação devido à variação das edições ao longo dos
tempos. O que não se pode afirmar é se todas as edições do quarto livro eram feitas com
esse mesmo tipo de material e se isso também não acabava encarecendo para o Estado,
uma vez que o Professor Fontes prezava pelo baixo custo. Cabe destacar, ainda, que é
possível pensar, segundo Peixoto (2004, p.275, apud SANTOS, 2018, p. 7), que as
capas dão uma visão de valores constituídos sob o prisma do projeto nacionalista que se
tinha para a época.
A partir das capas dessa obra, que nos dão uma noção de como estavam
editadas, apresentam-se os referidos livros. Inicialmente sua descrição física, para,
posteriormente, traçar-se uma linha analítica que dê elementos para perceber as
representações de criança com base nas lições ali contidas.
Nesse sentido, falar de representações de criança inscritas em lições contidas na
Série Fontes possibilitou-me a singularidade do olhar (ou dos olhares, pois são vários
autores de lições) sobre a criança, expressa numa prática cultural específica – a Série
Fontes; em um momento histórico, num contexto sócio-cultural em que o Brasil se
encontrava como vimos no capítulo 2 desta pesquisa.
4.1 – ANALISANDO OS LIVROS DE LEITURA DA SÉRIE FONTES: A
PREMÊNCIA DAS REPRESENTAÇÕES
Inicialmente, com base nos estudos de Laurence Bardin (2016), o diálogo se dá
por meio do que a autora chama de ―leitura flutuante‖, com a posteriores configurações
de ―categorias iniciais/preliminares‖. Em seguida, apresento as análises, buscando,
atentamente em relação aos postulados de Bardin (2016), o que defini, na sequência do
processo, como ―categorias intermediárias‖. E, por fim, estabeleço ―categorias finais‖,
com o objetivo de mostrar o caminho das análises.
As análises que serão apresentadas se compõem a partir do seguinte processo
metodológico. Inicialmente, parti do pressuposto de que todas as lições contidas na
Série Fontes eram suscetíveis à análise. Primeiro, observei os títulos por meio de
leituras flutuantes, buscando alguma indicação de representação em termo associado à
criança. Desses títulos, selecionei 186 lições, dentro das 279 dos quatro livros que
compõem a Série Fontes e que tive acesso. Depois de ler repetidas vezes, as 186 lições
que, com base na leitura flutuante, indicavam aspectos relacionados a eventuais e
153
possíveis representações de criança, verifiquei que, dentro dos objetivos que se tem para
essa pesquisa, 72 lições apresentam conteúdos que ajudam a compor a categorização,
conforme os critérios de análise de conteúdo de Bardin. Tudo isso levando em
consideração o que Chartier (1991) define para constituir representação, entendendo que
essas não são discursos neutros: produzem estratégias e práticas tendentes a impor uma
autoridade, uma referência, e mesmo a legitimar escolhas, dentro dos quatro aspectos de
classificação, exclusão e configurações sociais e conceituais; entendendo que o conceito
de representação definido por Chartier permite articular diferenciações culturais e
práticas sociais, escapando da dicotomia entre o que ele define como ―objetividade
estruturais, que seria o território da história mais segura, que, ao manipular
documentos maciços, seriais, quantificáveis, reconstrói as sociedades tais como
verdadeiramente eram; e, a subjetividade das representações, o que se ligaria uma
outra história dedicada aos discursos e situada a distância do real‖. (CHARTIER, 1991,
p. 182-183, grifos meus). Nesta perspectiva, abrem-se a possibilidade das análises de
representações de criança em lições da Série Fontes, dentro de um conjunto de lições, os
registros que se estabelecem quanto a subjetividade.
No primeiro caso, dentro dos aspectos de ―classificação‖ – criança boa,
obediente, caridosa, mas que também é má e preguiçosa –, exemplifico com a lição
‖Duas boas irmãs‖, em que a classificação apresentada é ser boa, servir, como se pode
observar na seguinte expressão: ―Logo que volta da escola vai para o quarto da
irmãzinha para servir e lhe dar coragem. Assim é que se devem estimar a ajudar as boas
irmãs‖ (FONTES, 1945, p. 15). A lição ―O castigo da indolência‖ também se apresenta
dentro da estrutura que Chartier denomina como classificação, como podemos constatar
na seguinte expressão: ―Um lavrador ia um dia viajando por uma estrada, acompanhado
do filho que, ainda criança, o estava sempre a interpellar, perguntando-lhe mil
futilidades‖ (FONTES, 1922, p. 58). Também Chartier se refere a aspectos de
―exclusão‖ (a criança que chora, que mente, que não pertence ao mundo adulto), que
incluem a criança numa representação desejada e processo de identificação de
representações que excluem a criança desse lugar desejado (desobediente, preguiçosa,
medrosa), como podemos observar nas lições ―O medroso‖, ―Os meninos brigões‖ e
―Boas qualidades e defeitos das crianças‖, todas do Primeiro Livro de Leitura (1945).
Esses aspectos também são observados na lição ―O mentiroso‖, quando da expressão:
―Mentia tanto, que ninguém dava credito ao que diz. Ás vezes queixava-se de moléstias:
154
e, longe de o tratarem carinhosamente, reprehendiam-no, ameaçavam-no‖ (FONTES,
1922, p. 68). Quanto às ―configurações sociais‖, a criança é conformada como um
sujeito para ir à escola, pra brincar, cujos conteúdos estão apresentados nas seguintes
lições: ―O trabalho‖; ―Necessidade do trabalho‖: ―Olha Mariazinha, sem um pouco de
trabalho não se pode ser nada‖ (FONTES, 1922, p. 13). Ir ―Para a escola‖, ter ―Sonhos
de um estudante‖ ou ter ―A rua‖ como lugar que deve ocupar, caracteriza representações
de crianças como figura social. Um sujeito do lugar do mundo masculino ou do mundo
feminino: ―Meu filho, hoje sós os homens barbados jantam comigo‖ (FONTES, 1945,
p.45) e ―Mas há uma obrigação especial para os mais velhos, que é darem sempre bom
conselho e bom exemplo aos mais moços; repreendendo-os, se necessário fôr, mas com
moderação, principalmente ás meninas; porque a mulher é de natureza mais mimosa, o
seu destino mais delicado, por isso também o seu coração mais sensível‖ (FONTES,
1922, lição Amor Fraternal, p. 80). Um sujeito de relação com o mundo do religioso,
que tudo deve agradecer. Essa criança é considerada caridosa, bondosa, como podemos
ver nas lições: ―Deus‖ (segundo livro de leitura, 1922, p. 12) – ―Mais forte que tufão,
meu filho, é Deus!‖, ou na lição ―O amor de Deus e de nossos pais‖ (terceiro livro de
leitura, 1933, p. 90) – ―Meu Deus! Fazei com que nossos pais não morram antes de nós.
Nós os amamos tanto!‖. Já, dentro das ―configurações conceituais‖ que, também
constituem o que é representação segundo Chartier (2002), caracteriza a criança como
aquela que é ou não é, que aparece como possibilidade, mas também como
inferioridade. ―Um discípulo deve ser modesto [...], não deve ter vaidade. Seja diante de
quem for, devemos proceder de modo que se mostre a nossa boa educação, e fazendo de
conta que estão presentes os nossos pais‖ (quarto livro de leitura, 1945, p. 53). Já na
lição ―O papel e a corda‖, o autor conceitua a criança com base do estigma das
companhias: ―Vive com os bons e serás um deles. Foge dos maus para não seres maus
como eles‖ (segundo livro de leitura, 1922, p. 20).27
Daí originando, primeiramente, as vinte e uma categorias iniciais: obediência,
medo, adulto em miniatura, criação divina, heroína por renúncia, honestidade, trabalho,
27
Cabe ressaltar que esse é um modelo didático, explicativo, pois não é tão explicito que as
representações presentes atentem um ou outro desses critérios constitutivos de representação. Eles
aparecem amalgamados. Desse modo, quando classifico lições no grupo A eu as excluo do grupo B e
vice-versa, como por exemplo: as lições ―Nossa Patria‖ e ―O bom estudante‖, de acordo com o título
poderiam estar na categoria Patriotismo, mas, as análises feitas mostram que a lição garante muito mais a
representação de criança como possibilidade, ou seja, vir a ser. Já as lições definidas para a categoria
Patriota são aquelas que se caracterizam com base na voz da criança que fala sobre o assunto, no caso faz
referência aos heróis e datas comemorativas.
155
lugar de criança, generosidade, caridade, amistosidade, bondade, indisciplina,
patriotismo, malandragem, travessura, mentira, esperança, inocência, curiosidade,
família, aprendiz, solidariedade e responsabilidade. Entendendo que a leitura flutuante
que originou as categorias iniciais ainda precisava ter uma nova filtragem para que
pudesse chegar às categorias intermediárias, buscou-se em dicionários especializados o
significado de cada uma delas, verificando que entre elas havia semelhanças nos
sentidos e significados, como por exemplo, a categoria ―heroína por renúncia‖, pois,
quem renuncia dá ao outro, é solidário, generoso e bom.
A composição dessas novas categorias caracteriza o percurso metodológico que
estava se constituindo diante das análises. As muitas horas de leitura e releitura me
apresentaram diretrizes que condicionavam a certas representações. O conteúdo das
lições que emergiram à essas categorias tiveram por base a ―subjetividade das
representações‖, ou seja, os discursos presentes nas lições se amalgamavam e onde
apenas as representações de criança se instauravam, percebeu-se que a união das
categorias complementava-se. Como, por exemplo, a categoria preguiça, que apareceu
inicialmente para algumas lições, mas que deveria estar junto à categoria trabalho, que é
seu oposto. A leitura que aqui faço é o peso que ambas as categorias têm sob o prisma
do trabalho como componente indispensável à vida, para Marx, segundo Enguita
(1993).
Desse modo, as novas leituras feitas ajudaram a compor as categorias
intermediárias, que se constituem em doze: obediência, inferioridade, amistosidade,
possibilidade, generosidade, preguiça, honestidade, trabalho, bondade, caridade, mentira
e patriotismo. Pois considerando que cada unidade de registro é um ―componente
textual‖, na análise de conteúdo as palavras-chave que equivalem às primeiras
categorias são agrupadas de acordo com temas similares e dão origem às ―categorias
iniciais e intermediárias‖.
A reunião temática das categorias iniciais/intermediárias formou um novo grupo
categorial: bondade, amistosidade, generosidade e honestidade juntaram-se à categoria
caridade; preguiça juntou-se a categoria trabalho; e mentira juntou-se à categoria
honestidade.
Concebendo que cada unidade analítica é um ―componente de significação‖, a
partir de uma leitura, ainda mais minuciosa, ou seja, com uma maior exploração do
material e das inferências dentro de uma compreensão de sentidos e significações sobre
156
as representações de criança, o processo levou a uma nova interpretação. Ou seja, a
atenta leitura analítica possibilitou a identificação de palavras-chave, que, por meio do
tratamento dos resultados, devido aos temas comuns, resultaram no que defini como
―categorias finais‖, que se classificam em sete: Caridade, Trabalho, Inferioridade,
Honestidade, Obediência, Possibilidade e Patriotismo. Nesta etapa coube a comparação
entre categorias oriundas das análises, de modo a colocar em evidência aspectos
similares, gerando fusão e ou diferenciação dos termos.
Em alguns momentos me vi com preocupação excessiva para com os métodos e
técnicas de análise de conteúdo, tentando não esquecer os significados presentes nas
lições quanto às representações de criança, gerando um distanciamento entre a teoria e a
prática de pesquisa. Ou seja, para que fosse possível chegar a essas representações
finais, com base em definições dos termos recorrentes, adotei um crivo de leitura que
ajudou a nomeá-las. Esse processo só se tornou possível no momento em que estabeleci
uma compreensão dos dados coletados, confirmando ou não os pressupostos da
pesquisa, e sua conexão com as representações que emergiram. Foram estabelecidos
significados às expressões em torno do conceito de representação, abrangendo o que foi
selecionado para determinada categoria. Assim, desde o momento inicial da coleta de
dados ou mesmo na classificação das categorias, foi sendo desenvolvido o trabalho em
que se pudesse enquadrar as lições de acordo com as categorias que se apresentavam,
sempre atento ao conceito de representação definido por Chartier (1991), buscando
entender de como se apresentam nessas lições, os conceitos estabelecidos para definir as
representações de criança, tendo por base o produto do resultado de uma prática.
Observou-se que, a partir do produto de resultados de uma prática, que no caso
derivam da compreensão de representações de criança sob o prisma do Professor
Fontes, fundamentado na reunião de lições que originou a Série Fontes, definindo um
poder representativo do que aquele tinha como projeto com base em um produto
simbólico – os livros –, que originou uma prática – ação dos/as professores/as –, e que,
por fim, se transformou em um ideal de criança, numa representação de fatos. Desse
modo, a fomentação das ideias alinhava-se com os conceitos configurados, de forma
alguma com ―discursos neutros‖, mas que produzissem estratégias e práticas – sociais,
escolares e políticas – impostas por uma autoridade, legitimando um projeto formador
que se exprime em termos de poder e dominação (Chartier, 1991). Nesse conjunto
crítico-analítico ressalta-se que as definições das categorias demarcaram também dois
157
aspectos importantes apontados por Chartier: 1 – As lutas de representações têm tanta
importância como às lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais
um grupo impõe, e, 2 – Ocupar-se dos conflitos de classificações ou de delimitações
não é, portanto, afastar-se do social, muito pelo contrário, consiste em localizar os
pontos de afrontamento tanto mais decisivos quanto menos imediatamente materiais.
Esses aspectos nos remetem às ações centradas nas práticas de leitura sobre a
importância da materialidade dos textos que apontam valores sociais e os domínios de
um mecanismo de um grupo, que são determinantes na constatação das representações
de criança imersas nas lições aqui analisadas.
Para que tudo isso fosse categoricamente compreendido: a identificação dos
termos; a classificação das categorias (inicias, intermediárias e finais); a construção
epistemológica das lições (codificação, decomposição, enumeração); a sistemática e
agrupamento dos indicadores que descrevem as características do conteúdo, que
compõem o corpus documental dessa pesquisa, foi preciso um delineamento
significativo das constatações que revelaram a natureza de todo processo.
Assim, apresento com detalhes o processo e os resultados das análises que se
constituíram pelas várias leituras realizadas para se conhecer os textos. Para cada livro
levou-se em consideração a arte da escrita de cada autor da lição, fazendo-se perceber,
em seus enredos, o que caracterizava representações de criança, entendendo que faziam
parte, em sua grande maioria, de um tempo anterior ao que se destinava a organização
da Série. Vale ressaltar que as lições que levam a assinatura Extr., ou não são assinadas,
as pesquisas anteriores julgam que são escritos do Professor Fontes, e que aquelas que
só apresentam o primeiro nome (Mário, Paulo, José) são textos produzidos por seus
filhos. Desse modo, as análises foram ainda mais enfáticas, uma vez que nelas estavam
o pensar direto de seu autor sobre as representações de criança.
Como modo de organização das análises, segui a ordem dos livros editados pelo
Professor Fontes, iniciando pelo Primeiro Livro de Leitura, seguindo pelo Segundo
Livro de Leitura, o Terceiro Livro de Leitura, até chegarmos ao Quarto Livro de
Leitura. Essa ordem me apresentou o processo que se deu na elaboração dessa Série
quanto ao que se pretendia pesquisar, uma vez que, conforme será verificado pelo leitor,
mesmo tendo o menor número de lições, o Primeiro Livro de Leitura é o que apresenta
maior número de lições que deram indicativos sobre as representações de criança.
Subjuga-se que nele apresenta-se a fomentação de seus ideais, uma vez que está inserido
158
o maior número de lições que não são assinadas, ou que levam a assinatura Extr., ou até
as que se classificam como assinaturas de seus filhos. Nota-se os conteúdos
moralizantes no livro 1. Isso quer dizer que nessa idade a criança está muito mais
propensa a ser moldada, coisa que a família queria que a escola fizesse. Desse modo,
entendendo que a representação, segundo Chartier (2002), permite compreender os
mecanismos pelos quais um grupo se impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo
social, os valores que são seus e o seu domínio, as lições analisadas indicam isso
quando da internalização simbólica, nas crianças, pelo poder e dominação existentes nas
lições.
4.1.1 – Primeiro livro - 1945
O primeiro livro analisado, intitulado Primeiro Livro de Leitura, foi editado pela
Editora Central, publicado em 1945. Esse apresenta na primeira página as seguintes
informações: ―Adotado nas escolas públicas do estado de Santa Catarina; Nova Edição
posta que está de acordo com a ortografia oficial, e, com os seguintes decretos:
Decretos-leis federais n. 292 de fevereiro de 1938 e n. 5.186 de 13 de janeiro de 1943‖
(FONTES, 1920, p. 2). Portanto, foi um livro imposto por decreto, sinalizando uma
imposição às escolas públicas de Santa Catarina.
O livro tem 13,5 cm de largura, 18,5 cm de comprimento e 1 cm de espessura.
Tem formato brochura, preso por dois grampos, com folhas de tipo papel jornal. Vale
ressaltar que o tamanho e o tipo de letra são diferentes em cada lição, apresentando,
aparentemente como único elemento padrão, a primeira letra em maiúsculo da palavra
que inicia a lição. Tais características implicam em um livro pequeno, imagens em preto
e branco, letras não uniformes. Estimo que pouco atrativo para a criança.
O presente livro é composto de 38 lições, que são identificadas com títulos
específicos e não numerados, distribuídas em 137 páginas, sem epígrafes em todas as
lições e, em grande parte, trazendo provérbios em suas linhas finais. Tais provérbios
(aparentemente) não apresentam conexão com o conteúdo da lição.
Passo, a seguir, a elencar as lições contidas nessa obra: O trabalho; O macaco
intrometido; Canto da manhã; Pergunta inocente; Alegria de um estudante; O
importuno; A mão; O medroso; Bom provérbio; Duas boas irmãs; Tico-Tico; A
colméia; Ditados; No aniversário do papai; Um menino exemplar; Caridade; Confiança
159
em Deus; O cão; Os meninos brigões; A menina e o gatinho; Conseqüências de uma
maldade; O tempo; Meu papagaio; O menino generoso; Boas qualidades e defeitos das
crianças; O rato da dispensa; Resposta a uma carta; O cavalo roubado; Ao entrar na
aula; Jantar de barbados; Honradez; O menino chorão; Nunca se deve mentir; A verdade
e a mentira; Más desculpas; O ―Vai-Vem‖; Gula, Avareza e liberdade e As flores.
Salienta-se que para o presente estudo, as lições aqui analisadas serão aquelas que foram
mais expressivas na sua relação com o objeto dessa pesquisa, tais como: O trabalho;
Canto da manhã; Pergunta inocente; Alegria de um estudante; O importuno; O medroso;
Duas boas irmãs; Tico-Tico; A colméia; Ditados; No aniversário do papai; Um menino
exemplar; Confiança em Deus; Os meninos brigões; A menina e o gatinho; O menino
generoso; Boas qualidades e defeitos das crianças; O rato da dispensa; Resposta a uma
carta; Jantar de barbados; Honradez; O menino chorão; Nunca se deve mentir; Más
desculpas; O ―Vai-Vem‖; Gula, Avareza e liberdade e As flores, num total de 27 lições.
Pode-se apreender, a partir dos títulos das referidas lições, que as mesmas
trazem elementos que se aproximam, mesmo compondo histórias diferentes, sendo que
não há um padrão e nem uma conexão, aparentemente. Mas, ao olharmos a sua
composição dialógica, os mesmos podem ser divididos em cinco temáticas: Trabalho,
animais, ciência, escola, criança e lições de moral, estas visando um comportamento
exemplar.
Após fazer sucessivas leituras das 38 lições desse livro, decidi analisar 21. Os
critérios para a escolha dessas lições, e, não das demais, se justificam devido às mesmas
estarem se referindo a uma ou mais crianças, por meio de um nome próprio, de um
termo ou de um adjetivo.
Com base nos critérios de categorização semântica e léxica, descritos por Bardin
(2016) e após a ―pré-análise‖ e ―exploração do material‖ por meio de ―leitura flutuante‖,
verificou-se a ocorrência de termos que pudessem ser considerados indicadores de
análise, levando em consideração que cada unidade de registro constitui-se por
parágrafos, frases e palavras, o que me permitiu compor uma primeira categorização.
A seguir apresento as lições selecionadas, seguindo a ordem em que se
apresentam no livro, as primeiras análises e as categorias que nelas identifiquei e que
dão subsídios no que tange as representações de criança.
O Trabalho (p.5-6) é a primeira lição analisada e também é a primeira desse
livro, composta por um texto de 21 linhas e uma imagem, ambos sem indicação de
160
autoria. A imagem nela inserida, aparentemente, parece ser um menino trabalhando,
munido de uma chave de fenda, colocando uma placa em algo que seria uma porta,
mostrando situação de trabalho. Por outro lado, a imagem poderia também apresentar
um adulto trabalhando (Figura 9, p. 5). Não há uma clareza sobre o sujeito representado,
uma vez que, também no texto, há o contraponto entre a criança e o que ela virá a ser,
como evidenciam as expressões utilizando os verbos no futuro – poderás e prepararás:
―Só pelo trabalho poderás aprender, só pelo trabalho te prepararás para ser um homem
útil‖ (FONTES, 1945, p.5).
Figura 9 – O trabalho
Fonte: Primeiro Livro de Leitura – 1945 – Hemeroteca Digital Catarinense:
<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br>
No texto dessa lição a criança é apresentada pelo sexo masculino, como menino
e pequeno. O termo ―menino‖ ocorre duas vezes e é empregado como sendo um
sinônimo natural de criança. Leva em consideração que a criança tem que dar valor ao
trabalho desde cedo, que o mesmo a preparará para ser um ―homem útil‖ (FONTES,
1951, p. 5). A palavra ―pequeno‖ é apresentada para identificar a criança, que é
comparada a um inseto trabalhador, como pode ser observado na seguinte expressão:
―Os animais também trabalham. Todos elês, grandes e pequenos, se ocupam em alguma
coisa‖ (FONTES, 1951, p. 6). A comparação entre animais e seres humanos, no que se
refere ao trabalho, é um sofisma, ou seja, uma argumentação que não se sustenta,
porque os animais fazem a atividade por natureza instintiva e o homem trabalha como
condição fundamental de sua existência, conforme Enguita (1993).
Para Enguita (1993), segundo Marx o que distingue a forma de trabalho humana
de uma forma de trabalho meramente instintiva, animal, é que o homem, antes de
realizar o seu trabalho e ter o produto que deseja, concebe esse produto, ou melhor, o
seu resultado, idealmente em sua cabeça.
161
Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana. Uma
aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera
mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o
pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua
construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo
do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na
imaginação do trabalhador. (ENGUITA, 2011, p. 104-105).
O autor, com base na definição de Marx sobre trabalho, quer dizer que o
trabalho que o homem leva a cabo é uma ação que se conforma a determinado fim, que
o homem estabelece previamente, antes da efetivação de sua atividade laboral
propriamente dita. A lição, ao destacar o trabalho dos animais, mas enfatizando à
criança que ―Todos elês, grandes e pequenos, se ocupam em alguma coisa‖ (FONTES,
1951, p. 6) dá vazão ao fato de que o trabalho é condição necessária de sua existência.
Outrossim, ainda segundo Enguita (2011), o tema trabalho em relação a educação, para
Marx, é que ele é um ―componente indispensável desta‖, ou seja:
Se o trabalho produtivo sempre se acha presente na proposta educativa
marxiana, não é porque os educandos, desde a infância, devam
compartilhar sua cota de sacrifício com a sociedade, nem por
imperativo moral algum, nem por necessidade fisiológica, nem porque
possa ser a base da aquisição de uma consciência proletária e
revolucionária [...]. Se o trabalho ocupa um lugar central na educação
é, sem dúvida, porque é o que distingue o homem como gênero e
porque é a forma com que o homem se relaciona com a natureza ou,
digamos melhor, porque é ambas as coisas ao mesmo tempo.
(ENGUITA, 2011, p. 103-104).
A representação contida nesta lição nos leva a pensar na criança como sujeito de
uma ―infância como pura possibilidade‖, ou seja, em conformidade com a clássica idéia
de Platão, ―É fundamental [...] que nos ocupemos das crianças e de sua educação, não
tanto pelo que os pequenos são, mas pelo que deles devirá, pelo que se gerará em um
tempo posterior‖ (KOHAN, 2003, pp. 34;39).
Os objetivos da lição são subliminares, onde a necessidade de trabalhar é
incutida na criança por meio de entrelinhas. É uma criança que não pensa por si, está
sempre induzida a seguir as regras estabelecidas, que são como uma doutrina. Como
ratifica Kohan (2003, p.39): ―Por isso, não se permitirá que as crianças escutem os
relatos que contêm mentiras, opiniões e valores contrários aos que se espera deles no
futuro‖.
162
Portanto, a compreensão mais evidente sobre uma representação de criança nesta
lição remete à concepção de criança como um ―projeto‖, constituindo, desse modo, uma
categoria inicial relevante. Sendo que projeto pode ser entendido como ―Plano de fazer
algo em futuro próximo ou distante‖ 28
. Esta concepção é encontrada no repertório
coloquial de referência à criança, como na expressão ―Projeto de gente‖, significando
―criança muito pequena‖ 29
. Nesse caso, o projeto se refere, essencialmente, à criança
como futuro trabalhador, sendo o valor do trabalho o elemento de inculcação. Desse
modo, a categoria que se apresenta é Trabalho.
A segunda lição analisada é intitulada Pergunta Inocente (p.9), quarta lição do
livro, composta por um texto de 15 linhas e imagem. Esta, por sua vez, é um desenho de
uma criança chorando, representado na expressão dos olhos fechados e da boca aberta,
relacionando-se com o que enfatiza o texto. (Figura 10, p. 9).
Figura 10 – Pergunta Inocente
Fonte: Primeiro Livro de Leitura – 1945 – Hemeroteca Digital Catarinense:
<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br>
A palavra ―Joãozinho‖ aparece três vezes no texto e é empregada para se referir
ao diminutivo do nome João. Os termos ―chorando‖, ―chorar‖, ―choram‖ são destacados
para distinguir a criança do adulto, num tom repreensivo de comportamento, como
podemos observar na expressão: ―Deixa de chorar, Joãozinho, porque as crianças que
choram muito ficam depois sendo homens muito feios‖ (FONTES, 1951, p. 9). Ao usar
a palavra ―homem‖, basicamente desconsidera o gênero feminino, dando centralidade à
condição masculina, retratada tanto na escrita quanto na imagem. O termo ―inocente‖
aparece no título do texto, sendo utilizado como que para qualificar a pergunta do
menino, sendo adjetivada como pura, mas que, a meu ver, exprime ironia e sarcasmo.
28
Conforme <http://www.aulete.com.br/projeto>. Acesso em 8 nov. 2018. 29
Conforme <http://www.michaelis.uol.com.br> . Acesso em 8 nov. 2018.
163
Pois se o tio era feio, deveria ser por ter chorado muito na infância. Essa expressão é
decorrente da pergunta que a criança fez: ―Tio Joaquim, o senhor chorou muito quando
era pequeno?‖ (FONTES, 1951, p. 9). O adjetivo ―pequeno‖ está preestabelecido à
criança, para distingui-la dos adultos. O conteúdo do texto tem tom de repreensão,
dentro de um diálogo entre duas gerações.
A leitura flutuante traz para a centralidade do discurso a questão do ―choro‖,
sendo chorar um ato que tem consequência e, portanto, resulta em uma condição de
inferioridade, de desvantagem, já que ―ser feio‖ é uma qualidade depreciativa, quando o
valor estimado pela sociedade é o da beleza. Leva-nos a uma categorização que remete
à ―infância como pura possibilidade‖, pautada na perspectiva de ―[...] um modelo
antropológico de homem adulto, racional, forte, destemido, equilibrado, justo, belo,
prudente, qualidades cuja ausência ou estado embrionário, incipiente, torna as crianças e
outros grupos sociais que compartilham destes estados inferiores‖ (KOHAN, 2003,
p.49). No processo de construção de categorias iniciais, elegi como termo que a vincula
com essa análise de conteúdo ―possibilidade‖. A possibilidade sendo significada como
―Estado do que pode ocorrer ou tende a acontecer; característica do que é possível‖ 30
.
No texto em análise, a possibilidade de tornar-se feio foi relacionada à condição de
chorar muito.
A lição intitulada A alegria de um estudante (p. 10), número cinco do livro, é a
terceira que analiso. Composta por um texto de 19 linhas, está estruturada no formato de
uma carta assinada por Vitor, a criança que a subscreve. O destaque dado à carta está
presente no termo ―filho‖ (p. 10), que aparece uma única vez no final do texto que é
dirigido à mãe. O ―filho‖ coloca-se na carta como uma criança estudiosa e esforçada,
qualificando-se como bom aluno.
Propondo uma aproximação para efeitos de elaboração de uma categoria inicial,
a partir do que Bardin (2016) denomina como ―leitura flutuante‖, entendi que a
terminologia que a informa é composta por ―ler‖, ―escrevendo‖, ―cartilha‖, ―Primeiro
Livro‖, ―esforçar‖, ―aprender‖. Essas ações indicam que a criança, ao saber ―ler e
―escrever‖, já pode inserir-se no universo do adulto, como podemos verificar na
expressão: ―Então poderei aproveitar os lindos livros que Papai tem e poderei também
ler os jornais‖ (FONTES, 1951, p. 10). Igualmente, ela só se sente parte do contexto
familiar porque já sabe ler e escrever.
30
Conforme <https://www.dicio.com.br/possibilidade/>. Acesso em 08 nov. 2018.
164
Conforme análise, entendi que a simbologia e a discursividade presentes na carta
remetem o autor – uma criança -, à condição de ―pura possibilidade‖, pois ―[...] poderei
aproveitar os lindos livros que Papai tem‖ e ―poderei também ler os jornais‖ (FONTES,
1945, p.10). Nos termos de Kohan (2003, p.39): ―Porque se se pensa a vida como uma
sequência em desenvolvimento, como um devir progressivo, como um futuro que será
resultado das sementes plantadas, tudo o que venha depois dependerá desses primeiros
passos‖. Nesse caso, os primeiros passos correspondem à aprendizagem de leitura, que
uma vez tendo sido realizada, possibilitará à criança apropriar-se das leituras necessárias
e convenientes à sua realização futura como adulto integrado ao mundo letrado. Fica
reforçada a categoria Possibilidade.
O Importuno (p.11), lição número seis, é a próxima analisada, que é composta
por um texto de 18 linhas. Os termos ―menino‖ e ―filho‖ estão diretamente relacionados
ao nome do protagonista do texto, de nome Fernando, enfatizando, mais uma vez, o
gênero masculino. A lição enfatiza os ―defeitos‖ que compõem um conjunto de termos
adjetivados como comportamentos, em que a terminologia dada é: ―impaciente‖,
―inquieto‖, como pode ser observado na seguinte expressão: ―Fernando tinha cinco
anos. Um dia estava êle muito impaciente. Andava na sala, de um lado para o outro, a
perseguir alguma coisa. – Por que estás tão inquieto? – perguntando-lhe sua mãe. –
Estou vendo se apanho uma mosca que me anda aborrecendo‖ (FONTES, 1951, p. 11).
O conteúdo do texto é moralista, havendo uma dicotomia entre o que incomoda e o que
compreende. Dessa maneira, a leitura flutuante traz para a análise do discurso a questão
do ―importuno‖, que é adjetivado à criança de cinco anos, por um ato promovido pela
mesma, sendo que, para os especialistas da área, essa é uma idade em que a agitação e a
curiosidade lhe são provenientes. Portanto, isso resulta na condição de desprezado,
daquele que foi desconsiderado e leva a uma categorização que remete esse sujeito a
uma ―infância como inferioridade‖, que por ―natureza, é coisa sem importância‖
(KOHAN, 2005, p. 53).
No processo de categorização, elegi como termo que a aproxima a essa análise
de conteúdo ―importuno‖, ou seja, como ―o que incomoda com ação repetida ou fora de
propósito‖ 31
. Na lição, o termo importuno dá condição de ação fora de hora, e é visto
31
Conforme <https://www.dicio.com.br/possibilidade/>. Acesso em 06 dez. 2018.
165
como alguém inferior, que é incapaz que compreender as ações externas. Desse modo se
apresenta na categoria Inferioridade.
A quinta lição analisada quanto ao seu conteúdo é intitulada O Medroso (p.13-
14). É composta por um texto de 22 linhas e uma imagem. Esta, por sua vez, é o
desenho do perfil de um ―menino‖ com um semblante assustado, como podemos
observar na figura 11.
Figura 11 – O medroso
Fonte: Primeiro Livro de Leitura – 1945 – Hemeroteca Digital Catarinense:
<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br>
Assim como ocorre na lição O Trabalho, não há uma clareza quanto ao sujeito
representado nessa imagem, que pode está representando um adolescente ou um homem
adulto, pouco definindo-se como sujeito uma criança. A lição compreende a presença de
expressões que indicam um conjunto de atitudes que se podem relacionar à criança,
referentes ao comportamento, que são decorrentes de defeitos. Os adjetivos ―medroso‖ e
―ridículo‖ enfatizam o olhar do adulto sobre a criança, como pode ser percebido nas
seguintes expressões: ―Por toda parte julga ver bichos e fantasmas‖; ―É muito ridículo
ser medroso‖. O conteúdo do texto é uma alusão ao fato de que criança não pode ter
medo. A representação trazida nesta lição indica que essa criança é um sujeito de uma
―infância como inferioridade‖. Ou seja, nesse caso, como afirma Platão ―A infância
também aparece associada a outros estados inferiores, como quando serve como
analogia para a embriaguez‖ (KOHAN, 2005, p. 43). Ser medroso caracteriza-se como
covardia, que por sua vez é sinônimo de fraqueza, o que leva a ressaltar a categoria
Inferioridade.
A quinta lição sobre a qual deito olhar é intitulada Duas boas irmãs (p.15).
Composta por um texto de 14 linhas, essa aborda questões sobre companheirismo,
servir, encorajamento, ajuda e estima. A partir do que caracterizamos como
―qualidades‖, os termos utilizados para qualificar as crianças/meninas estão presentes
166
no título, sendo elas adjetivadas como ―boas‖. A terminologia que a informa é:
―companheirismo‖, ―servir‖, ―dar coragem‖, ―ajudar‖, ―boas‖ e ―estimar‖. As
expressões: ―Sua irmã Aurélia também contentemente lhe faz companhia‖, ―Logo que
volta, vai para o quarto da irmãzinha para servir e lhe dar coragem‖ e ―Assim é que se
devem estimar a ajudar as boas irmãs‖ (FONTES, 1945, p. 15), apresentam ações de
comportamento que são decorrência das qualidades que uma criança/irmã deve ter para
com a outra, como aquela que é generosa, bondosa, caridosa, misericordiosa. Desse
modo, a leitura flutuante dá elementos para pensar como categorial inicial
Generosidade. Por generosidade entende-se ―virtude daquele que se dispõe a sacrificar
os próprios interesses em benefício de outrem; magnanimidade‖ 32
. Essa ação generosa
da menina gerou um comportamento que expressa bondade em ajudar a irmã.
Figura 12 – Duas boas irmãs
Fonte: Primeiro Livro de Leitura – 1945 – Hemeroteca Digital Catarinense:
<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br>
Nota-se que a imagem mostra duas ―meninas‖, uma com semblante triste e a
outra feliz, relacionada ao título e ao enredo do texto (Figura 12, p. 15). A representação
contida nessa lição pode nos levar ao pensamento de que essas crianças são sujeitos de
uma ―infância como pura generosidade‖, ou seja, em que ―os indivíduos não autárquicos
e têm necessidade uns dos outros‖ (KOHAN, 2005, p. 37). Desse modo, em
consonância com a clássica ideia de Platão ao analisar as origens da ―polis‖, e que essa
―necessitará de guerreiros guardiões‖ (KOHAN, 2005, p. 37). Ou seja, característica do
que é possível, como o fato da irmã recuperar-se a partir das boas ações da outra irmã.
Apresenta-se aqui, a categoria Generosidade.
32
Conforme < https://www.dicio.com.br>. Acesso em 25 jan. 2019.
167
Ditados (p.18) é a lição número treze do exemplar em análise, sendo a sétima a
que me debruço, composta por quatro ditados e uma imagem de um homem (ou
menino?) engravatado, com as mãos no queixo, que parece estar escrevendo algo em
um caderno. (Figura 13, p. 18).
Figura 13 – Ditados
Fonte: Primeiro Livro de Leitura – 1945 – Hemeroteca Digital Catarinense:
<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br>
Para análise destaco o quarto ditado ―De pequenino é que se torce o pepino‖
(FONTES, 1945, p. 17). Entende-se que, desde cedo, se deve formatar as crianças e que
os ―defeitos‖ devem ser cortados já na tenra idade. As crianças devem ser moldadas a
partir dos padrões que os adultos estabelecem.
Nos diálogos de Platão, na infância vista como ―etapa primeira da vida humana‖,
a criança deve adquirir funções para a vida adulta, pois, ―é admirável como
permanecem na memória os conhecimentos aprendidos quando se é criança‖ (KOHAN,
2005, p. 34). O destaque dado nesta lição, quanto ao ditado citado, se coaduna com o
pensamento de Platão sobre o que se aprende quando se é criança e as ações que o
adulto tem para coagi-las. Segundo o filósofo, o mesmo diz-se, ―[...] temer muito mais
aqueles que foram convencidos quando eram crianças [...], do que aqueles que só foram
convencidos daquelas ações em idade adulta‖ (KOHAN, 2005, p. 34-35). O autor traz
ainda que ―não se trata de que, para Platão, a natureza humana se consolide e se torne
imodificável a partir de certa idade‖ (KOHAN, 2005, p. 35). Porém, não podemos
afirmar isso quanto ao pensamento do Professor Fontes ao apresentar esse ditado como
lição. Todavia, fica reforçada a categoria Inferioridade.
A lição número quatorze, intitulada No Aniversário do Papai (p. 19), é
composta por um texto de 11 linhas. Está estruturada no formato carta, assinada por
Paulo. As qualidades indicadas por meio dos adjetivos bom, obediente, respeitador e
168
agradecido representam a criança nessa lição. Mais uma vez, assim como no contexto
―A alegria de um estudante‖, entendo que a discursividade na carta remete a criança à
condição de ―pura possibilidade‖, como se pode verificar na seguinte expressão:
―Prometo-lhe ser, daqui em diante, muito bom para o Senhor, para minha mãe e meus
irmãos‖ (FONTES, 1945, p. 19). Ao fazer essas promessas, a criança dá indicativo de
que era má, que desagradava aos pais e aos irmãos. Nesse caso, a promessa equivale à
realização de uma mudança, longe das travessuras, tornando-a ―um filho obediente e
agradecido‖ (FONTES, 1945, p. 19). Fica reforçada, também, a categoria Possibilidade.
A nona lição analisada é intitulada Um menino exemplar (p. 20-21), sendo
composta por um texto de 24 linhas. As análises se deram com base na seguinte
terminologia: ―menino‖, ―educado‖ e ―ações tão feias‖. O texto apresenta à criança
leitora ―qualidades‖ e ―defeitos‖ a partir de ações de uma criança, por meio do
personagem Xisto. As expressões: ―Saindo da escola, vai direto para casa, sem parar no
caminho para brincar ou conversar‖, ―Cumprimenta os conhecidos que encontra‖;
identificam a criança exemplar, ―um menino bem educado‖ (FONTES, 1951, p.20). No
entanto, as expressões ―Não faz como tantos outros seus colegas, que correm pelas ruas
aos empurrões, às gargalhadas‖, ―[...] provocando as pessoas que passam‖, ―Não
respeitando os velhos‖, ―Escarnecendo dos pobres e dos aleijados‖, e, ―Apedrejando e
perseguindo os cães‖ (FONTES, 1951, p.21), indicam como não deve ser o
comportamento de uma criança, tendo um tom moralista. Assim, a criança leitora deve-
se perceber nesse contexto e buscar ser educada, ―muito séria‖. Da análise dessa lição
emerge a categoria Obediência.
Na lição número dezessete, intitulada Confiança em Deus (p. 22-23), há uma
imagem e é composta por um texto com 27 linhas. Aquela, por sua vez, é de uma
criança que não se pode dizer o estado de espírito que se encontra, uma vez que suas
expressões não estão bem definidas. (Figura 14, p. 22).
169
Figura 14 – Confiança em Deus
Fonte: Primeiro Livro de Leitura – 1945 – Hemeroteca Digital Catarinense:
<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br>
Nesse texto a criança está representada com base em ―qualidades‖ como
―desembaraçosa‖, ―amiga‖, ―coragem‖. ―Engraçadinha‖ e ―pequenino‖, que
desqualificam a criança, apresentando essa como sujeito de uma ―infância como outro
desprezado‖.
Nesse exercício de antagonismos quanto à condição da criança, percebemos as
manifestações da condição de ―inferioridade‖, que, nos termos de Kohan (2003, p.
44;45), fazem com que a criança possa ser percebida como ―uma ausência, vazio‖,
como alguém que ―carece de atividade sensorial e intelectual‖ e, que, em última
instância, se encontra num estágio da vida em que ―[...] não é possível saber sobre o
justo e o injusto; é o tempo da incapacidade, das limitações no saber e, também, no
tempo; é a etapa da falta de experiência; é a imagem da ausência do saber, do tempo e
da vida‖. Ou seja, a criança que tende a portar-se do modo desejado – um menino
exemplar – está em condição superior àquela que se submete a cometer ―ações feias‖.
Assim como na lição ―Pergunta inocente‖, a criança é julgada por que chora,
como podemos ver na expressão: ―Ora! Que é isso, meu afilhado? – disse-lhe seu
padrinho. Um homem não chora de medo‖ (FONTES, 1945, p. 23). Porém, a leitura
flutuante que se faz nessa lição não é de uma criança relacionada à ―infância como pura
possibilidade‖, mas de uma ―infância como outro desprezado‖, por sentir-se com medo
e assustada diante de trovões, quando deveria ser amparada pelos adultos, que a
ignoram. Derivando de inferior, esta categoria remete ao conjunto de significados dados
por: ―Somemos; pior importância. Que tem menos importância. Subordinado,
subalterno. Que ocupa o lugar mais baixo da escala. [...] Pessoa que está em categoria
170
baixo em relação a outra‖ 33
. Note-se, portanto, a aplicação do adjetivo à condição das
pessoas, estabelecendo uma hierarquização que distancia o que mais tem e o que tem
menor importância. Assim, ratificam-se elementos para a categoria Inferioridade.
Os meninos brigões (p. 25-26) é a décima primeira lição em análise. Essa é
composta por 23 linhas e não apresenta imagem, nem autor. Os termos que posso
classificar como ―defeitos‖ são os que sobressaem para representar a criança que briga e
que bate. Que é penalizada e ―desgraçada‖, quanto às ações de comportamento que tem,
decorrentes de ―má conduta‖. A expressão ―Estevam e Eugênio eram irmãos, mas
brigavam constantemente. Às vezes chegavam até a bater-se‖, assim ratifica. (FONTES,
1945, p. 25). A leitura flutuante que o texto apresenta, categoriza os ―meninos brigões‖
quanto às atitudes das crianças que causavam grandes desgostos aos pais, resultando
uma condição do estado que um irmão deixou o outro após uma briga: ―Estevão caiu de
tão mau jeito que quebrou o braço. Teve, por isso, de sofrer uma dolorosa operação‖
(FONTES, 1945, p. 25). Porém, na interferência do sentimento que transita na lição,
―porque os irmãos devem ser os melhores amigos‖, e ―dão grande prazer aos pais‖,
suscita que há um desejo que apaziguar a relação, um ato conciliador. Esse ato
caracteriza como categoria Amistosidade.
A lição intitulada A menina e o gatinho (p. 27), é composta por um texto com
25 linhas e, à parte, por um ditado assinado por M. Paper – Carpentier. Nessa lição a
criança é representada por uma ―menina‖ que, a princípio, é destacada por sua meiguice,
retratada no carinho para com seu gatinho ―Tareco‖. Mas, em seguida demonstra-se
―má‖ para com seu gato, sinalizando que as meninas também fazem malvadezas, como
podemos ver na seguinte expressão: ―Mas a menina fez-se má. Puxou pela cauda do
bichinho‖ (FONTES, 1945, p. 27). A criança aqui é representada por termos
antagônicos: boa e má; porém, podemos colocar na categoria Amistosidade, uma vez
que, ao contrário de ser má, a lição quer uma criança que busque demonstrar amizade,
apaziguar. A lição termina com tom de moralidade, como podemos ver na seguinte
expressão: ―Os maus não têm amigos‖ (FONTES, 1945, p. 27). Fica reforçada aqui a
categoria Amistosidade, por se entender que a criança apresenta, primeiramente, gestos
amigáveis para com o animalzinho.
A décima terceira lição analisada é a vigésima quarta do livro, intitulada Um
menino Generoso (p. 33). É composta por um texto de quinze linhas, não tem autoria,
33
Conforme <https://dicionario.priberam.org/inferior>. Acesso em 06 de Nov. 2018.
171
nem imagem. As expressões: ―Um menino de muito bom coração‖; ―Escolheu o melhor
de seus dois lápis e deu-o de presente‖ (FONTES, 1945, p. 33), apontam as qualidades
do menino, qualificando-o como ―generoso‖ e bom. Esse conjunto de atitudes
relacionadas ao menino/criança refere-se às ações decorrentes das qualidades que se
deve ter diante do olhar de um adulto, como revela a expressão: ―Muito bem, Hermínio,
assim fazem os meninos generosos‖ (FONTES, 1945, p. 33). Categoria Generosidade.
Boas qualidades e defeitos das crianças (p. 34-35) é a décima quarta que elegi
para ser analisada. Ela é composta por um texto de 33 linhas. Os termos destacados são:
Menino, qualidades, defeitos e atitudes. O termo ―menino‖ ocorre 13 vezes – portanto, é
bastante recorrente –, e é empregado como se fosse um natural sinônimo de ―criança‖,
que está presente desde o título. As ―qualidades‖ são compostas por termos utilizados
para qualificar as ―crianças adjetivadas como ―boas‖. A terminologia que a informa:
―aplicado‖, ―delicado‖, ―amável‖, ―serviçal‖, ―discreto‖, ―agradecido‖, ―amigo‖,
―pontual‖. Por sua vez, os ―defeitos‖ compõem um conjunto de termos antagônicos
àqueles da categoria ―qualidades‖, adjetivados como ―maus‖. A terminologia é dada
por: ―leviano‖, ―vadio‖, ―ignorante‖, ―grosseiro‖, ―desagradável‖, ―egoísta‖, ―ingrato‖,
―descuidado‖.
Compreendendo a presença de expressões que indicam um conjunto de
―atitudes‖ destacamos: ―ouve tudo o que diz o professor‖, ―aprende com facilidade‖,
―nunca presta atenção às palavras do professor‖, ―cuida mais de observar as moscas do
que de estudar as lições‖, ―sabe agradecer às pessoas‖, ―cumprimenta as pessoas mais
velhas‖, ―não agradece os favores que recebe‖, ―nem cumprimenta as pessoas de
respeito‖, ―gosta de ajudar os outros‖, ―cuida só de si‖, ―não fala a torto e a direito‖,
―sabe guardar segredos‖, ―lembra-se sempre do favor que lhe fizeram‖, ―é amigo da
pessoa que lhe fez bem‖, ―esquece-se dos benefícios que recebe‖, ―não gosta do seu
benfeitor‖, ―chega à escola à hora certa‖, ―chega sempre atrasado à escola‖, ―não
prepara as suas lições‖. O conteúdo tem um tom moralizante. A dicotomia entre o
―bem‖ e o ―mal‖ é a tônica.
172
Figura 15 – Boas qualidades e defeitos das crianças.
Fonte: Segundo Livro de Leitura – 1934 – Hemeroteca Digital Catarinense:
<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br>
Como uma análise geral do texto, atento também para a leitura que se pode fazer
da relação entre o texto e a imagem. Note-se que a imagem mostra um ―menino‖
brincando com seu patinete (Figura 15, p. 34). Portanto, a imagem não relaciona o
menino aos deveres e qualidades que o texto enfatiza, próprios da escola, mas ao brincar
desinteressado. Um contraste curioso. Categoria Possibilidade.
Resposta a uma carta (carta) (p. 38-39), eis a décima quinta lição analisada. É
composta por um texto, do gênero textual carta, de 19 linhas, assinado por Mário. Como
categoria inicial, a partir de leitura flutuante, destacamos os termos consequências,
roubar, franqueza e sofrimentos. Essa carta, em resposta à lição 21 desse livro, traz, em
seu enredo, um conjunto de palavras que indicam as causas de um mau ato:
―consequências‖, ―sofrimento‖. O termo ―franqueza‖ é apresentado como um ato de
repúdio de uma ação de roubo, conforme a expressão: ―Imagina quantas dores sofrestes,
— mas, deixe-me falar-te com franqueza, elas foram conseqüência do teu mau ato de
roubar o ninho do passarinho‖ (FONTES, 1945, p. 38).
O autor usa o antropomorfismo 34
para apontar à criança, os atos que cometeu,
como se pode ver na seguinte expressão: ―Os passarinhos também têm vida, também
sente, também têm amor a seus filhos‖ (FONTES, 1945, p. 39). Essa criança é um
sujeito da ―infância como inferioridade‖, ou seja, nos termos de Kohan (2005, p. 46)
―nessa passagem, a figura da infância é, como a vergonha, uma metáfora da
inferioridade‖, reafirmando a categoria Inferioridade.
34
Conceito, ponto de vista, doutrina filosófica que busca compreender a realidade através da atribuição de
qualidades e comportamentos humanos aos seres inanimados ou irracionais, conforme
<https://www.dicio.com.br>. Acesso em 30 nov. 2018.
173
A lição trinta, intitulada Jantar de barbados (p. 44-45), é a décima sexta
analisada. Ela é composta por um texto de 23 linhas. Seu conteúdo expõe que, onde os
adultos se reuniam, as crianças não poderiam estar junto, como pode ser percebido na
expressão: ―Meu filho, hoje só os homens barbados jantam comigo‖ (FONTES, 1945, p.
44). Aqui faz-se entender que é um pai falando para seu filho. Por sua vez, os termos
―filhinho‖ e ―mesinha‖, indicam o lugar da criança naquele espaço familiar: ―Seu
filhinho Mário, que tinha cinco anos, veio, como de costume, sentar-se ao pé dêle‖
(FONTES, 1945, p. 45). A condição dada a criança é de um sujeito de ―infância como
inferioridade‖, ou seja, ―o forte domina o fraco‖, como descreve Sócrates ao fazer uma
analogia entre as forças da natureza e o homem. (KOHAN, 2005, p. 51). Mais uma vez
apresenta-se a categoria Inferioridade.
Honradez (p. 46-47) é a trigésima primeira lição do livro e a décima sétima
analisada. Após uma cuidadosa leitura flutuante, foram definidas como categorias
iniciais: menino, qualidade e honestidade. A lição é composta por um texto de trinta
linhas. O termo ―menino‖ aparece três vezes, empregado como sinônimo de criança,
indicando centralidade na condição masculina. As palavras que qualificam o menino
como bom, honesto e honrado, podem ser vistas nas seguintes expressões: ―Não,
senhor. A minha bolsa não tinha tanto dinheiro como essa; tinha pouco valor‖ e ―Oh! É
essa sim! – brandou o menino, tansportado de alegria – é ela mesma!‖ (FONTES, 1945,
p. 46). O ato correto do menino lhe trouxe uma recompensa, enfatizando à criança
leitora o quanto é importante ser honesto. Incluí na categoria Honestidade, entendendo
que honestidade se atribui à ―Qualidade ou caráter de honesto; honradez – dignidade;
probidade, decoro – decência; castidade, pureza – virtude‖ 35
, sendo traduzida como
uma qualidade dos seres humanos, baseada no falar e agir com coerência e sinceridade,
sempre tendo em conta os valores da justiça e da verdade, que está relacionada com o
não mentir e dizer a verdade em todos os tempos‖. 36
A lição número trinta e dois, intitulada O menino chorão (p. 48-49), é a décima
oitava analisada, contendo um texto de trinta e nove linhas e uma imagem (Figura 16, p.
48). Os termos ―choram‖, ―manhoso‘ e ―menino‖ foram os que elegemos como
categorias iniciais a partir da leitura flutuante. O termo ―menino‖, que também está
35
Dicionário Básico Jurídico – Termos e Expressões. Autor: Patrick Giuliano Tarantini, Cajuru,/SP.
2011. 36
<https://edukavita.blogspot.com/2013/05/honestidade-definicao-conceito.html>. Acesso em 22 jan.
2019.
174
presente no título, aparece sete vezes no corpo do texto e também é representado pelo
termo ―filho‖ e pelo nome Anacleto (cinco vezes).
Figura 16 – O menino chorão
Fonte: Primeiro Livro de Leitura – 1945 – Hemeroteca Digital Catarinense:
<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br>
A inferioridade também está representando a criança, que se apresenta na
expressão ―Meus meninos, não chorais nunca sem motivo‖. ―Acostumai-vos ser
corajosos desde pequenos‖ (FONTES, 1945, p. 49). É uma fala direta à criança leitora,
que precisa entender que deve ser forte desde a mais tenra idade. Categoria
Inferioridade.
A décima nona lição analisada é intitulada Nunca se deve mentir (p. 50-51),
sendo a trigésima terceira constante no livro. Ela é composta por um texto de 30 linhas,
e os termos selecionados para a categorial inicial são: ―brincavam‖, ―meninos‖,
―mentira‖, ―coragem‖, ―verdade‖ e ‗castigo‖. A lição traz questões (ao dizer a verdade)
relacionadas às qualidades e defeitos, compreendidas nos termos ―coragem‖, ―verdade‖,
endossadas na expressão: ―[...] e outro será, talvez, castigado em meu lugar. Não, não
negarei; não quero mentir‖ (FONTES, 1945, p. 50). Quanto aos ―defeitos‖, estão
simbolizados no termo ―mentira‖, que está também inserido no título da lição,
indicando às crianças que o mentir não é certo, como podemos perceber na expressão:
―[...] ainda ontem nos foi ensinado que a mentira é coisa bem feia‖. (FONTES, 1945, p.
51). Tempos e lugares de infância. Categoria Possibilidade.
Más desculpas (p. 54-55), trigésima quinta lição do livro e a vigésima analisada,
é composta por um texto de trinta e duas linhas e um desenho de uma mãe que,
aparentemente, repreende uma criança. Os termos, ―desculpa‖, ―repreensão‖,
―comparação‖, ―culpa‖, ―irmão‖ e ―filho‖ são os destacados para essa análise inicial.
Compreendendo que a presença dos termos ―desculpas‖, ―repreensão‖, ―comparação‖,
175
―culpa‖, se referem a um conjunto de ―defeitos‖ (os atos e consequências), referindo-se
a ações e comportamentos, podemos pensar que nessa lição a criança leitora entenderá
que tem que fazer bem feito e que não há desculpas para o erro, como podemos ver na
expressão: ―Olha, meu filho: teu irmão Hélio escreveu como a mesma tina, e seu tema
estava muito bem escrito‖ (FONTES, 1945, p. 54). Outro ponto importante a ser
destacado é a comparação entre irmãos, que pode ser observada na seguinte expressão:
―Tuas desculpas são más. É justo que teu irmão tenha boas notas e que tu sejas
repreendido‖ (FONTES, 1945, p. 55).
Figura 17– Más desculpas
Fonte: Primeiro Livro de Leitura – 1945 – Hemeroteca Digital Catarinense:
<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br>
A imagem que representa uma mãe, com olhar de repúdio sobre uma criança,
enfatiza questões relacionadas à cobrança (Figura 17, p. 54). As ações do filho
caracterizam uma criança propensa a não gostar de fazer suas tarefas, ou seja, aversão à
realização de coisas, que gosta de estar no ócio, num estado de moleza. Desse modo, a
categoria que se apresenta é Preguiça.
A próxima lição analisada é a trigésima sétima do livro, intitulada Gula,
avareza e liberalidade (p. 58-59). Composta por um texto de vinte e sete linhas e uma
imagem de um menino sentado em uma cadeira à frente de uma lata de doces,
apresentando-se ao que traz o título da lição (Figura 18, p. 58). Para análise inicial
destacam-se os termos: ―guloso‖, ―avarento‖, ―liberal‖, ―qualidade‖ e ―defeito‖. As
qualidades vêm categorizar uma das crianças, que no caso se chama Carlos, adjetivado
como ―liberal‖. Nessa lição a criança leitora irá perceber que ―gula‖ e ―avareza‖ são
―defeitos‖ e que isso só lhe fará mal. O conteúdo da lição tem tom moralista, como
176
podemos perceber na expressão: ―Artur era um menino guloso; Bruno era avarento;
Carlos era liberal‖ (FONTES, 1945, p. 57).
Figura 18– Gula, avareza e liberalidade
Fonte: Primeiro Livro de Leitura – 1945 – Hemeroteca Digital Catarinense:
<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br>
A priori, pode-se apreender que as lições do Primeiro Livro de Leitura,
organizadas pelo Professor Fontes, formam um fio condutor, apresentando um exemplo
a ser seguido. Para exemplificar, toma-se a atenção dada ao trabalho. Tal atenção
possivelmente foi elaborada nas lições com a intenção de incutir na criança, já no
ambiente escolar, uma atitude exemplar a ser seguida. Nessa análise, verificou-se que a
categoria Generosidade é que se apresenta nessa lição.
Nesse primeiro livro de leitura há muitas imagens. Mesmo sendo apresentadas
em preto e branco e de qualidade ruim, percebe-se que elas carregam um peso, pois dão
sentido, mesmo que de forma não tão clara, ao que se apresenta na lição. Quanto a isso,
Chartier (1999) destaca a força que um texto impresso possui em gerar sentidos e os
sentidos dados pelos leitores acontecem depois do sistema de representações que a ele é
apresentado, oriundo de sua cultura, assim pondera que as representações do mundo
social é determinada pela relação de interesse de grupo que a produz.
Portanto, as imagens produzem valores e estabelecem diferenças, o que nos leva
a entender que as representações de criança que busco na Série Fontes também estão
subordinadas a essas imagens.
Após analisar e relacionar as lições dentro das categorias, com o intuito de
melhor visualização dos dados obtidos, foram elaborados quadros distintos referentes à
cada lição. As categorias iniciais/intermediárias estão apresentadas conforme a
quantidade de lições a elas relacionadas, seguidas de comentários, por meio dos quais se
177
procura fazer uma análise preliminar do que apresentam quanto às representações de
criança.
Quadro 9: Análise de conteúdo e categorização –Primeiro Livro de Leitura – 1945.
CATEGORIAS LIÇÕES
Obediência 15ª lição: Um menino exemplar.
Trabalho 1ª lição: O trabalho.
Inferioridade 6º lição: O importuno;
8ª lição: O medroso;
13ª lição: Ditados;
17ª lição: Confiança em Deus;
27ª lição: Resposta de uma carta;
30ª lição: Jantar de barbados;
32ª lição: O menino chorão.
Possibilidade 4ª lição: Pergunta Inocente;
5ª lição: Alegria de um estudante (carta);
14ª lição: No aniversário do papai;
25ª lição: Boas qualidades e defeitos das crianças;
33ª lição: Nunca se deve mentir.
Honestidade 31ª lição: Honradez
Preguiça 35ª lição: Más desculpas
Generosidade 10ª lição: Duas boas irmãs;
24ª lição: Um menino generoso;
37ª lição: Gula, avareza e liberalidade.
Amistosidade 19ª lição: Os meninos brigões;
20ª lição: A menina e o gatinho.
Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos dados obtidos da Análise de Conteúdo no Primeiro Livro de
Leitura da Série Fontes (1945).
As categorias elencadas estão traduzidas com base nas análises das lições,
apresentando-se nesse quadro como possível elemento para se pensar as representações
de criança. Das 21 lições contempladas, a categoria Inferioridade é a que mais se
apresenta. Nelas há, por via de regra, um sujeito situado numa condição menos elevada.
Posso, ainda, inferir que essa criança é moldada, formatada, preparada para ser a cidadã
do futuro, vista como flor num jardim, um anjo, a esperança do amanhã. A figura do
menino assume o papel de maior relevância na composição das lições do Primeiro Livro
de Leitura, com o intuito de forjar um cidadão útil à sociedade.
As lições que se apresentam para análise aplicam-se à criança leitora por um
mecanismo de identificação do que está na lição ao que faz parte de sua vida cotidiana.
Essa criança seguirá, entretida, a história de um menino exemplar, que confia em Deus,
que se apresenta com boas qualidades, mas que também tem defeitos. Que deve saber
seu lugar diante dos adultos, nunca mentido, não sendo chorão nem medroso. Que
diante das adversidades, deve ser honrada e prestativa, ser boa, generosa, alegre e
178
entender que as más desculpas lhe colocará em posição ruim. Ela verá então, com
simpatia, que o trabalho enobrece o homem.
Dessa forma, a escola, por meio do livro de leitura, instituído por um decreto,
vai replicar o que o Estado espera da criança: um homem útil. Isso por meio de lições
que podem, em alguma medida, doutrinar o sujeito, pois a escola, segundo Foucault
(1998) é um exemplo clássico de dispositivo, ou seja, tudo aquilo que captura o ser
humano, que o condiciona, que o doutrina. Inicialmente pode-se pensar que esse livro
de leitura é um elemento bom, acessível a todos, como está apresentado no prefácio.
Mas veio de certa forma, para doutrinar, oferecendo as mesmas lições, em que todas as
crianças são iguais. Pois quando eu escrevo para a criança, eu estou pensando nela!
Os verbos, em algumas lições, são conjugados no imperativo afirmativo (Olha!
Vê! Trabalha!), ou seja, usados quando se quer impor. Remetendo, em alguma medida,
ao sistema de militarização presente, em maior ou menor grau, durante as primeiras
décadas do período republicano. Tal imposição é percebida, também, na lição O
trabalho, convidando a criança a ser trabalhadora: ―Trabalha também, tu meu menino‖
(FONTES, 1951, p. 8), colocando à criança essa obrigação.
Pergunta-se a razão de se selecionar o tema trabalho na primeira lição, num
período de estudo nas séries iniciais, em que a criança está aberta para o conhecimento,
e onde suas memórias levarão um tempo a diluir. Por exemplo: ―Só pelo trabalho irás
aprender‖ (FONTES, 1951, p. 8). Por que não iniciar com as brincadeiras corriqueiras
infantis, coisas de criança ou outro tema mais ameno? Então a escola não ensina nada?
A criança vai para casa, trabalha, e aprende sozinha? Então, a criança não é vista no
individual, mas no coletivo, fazer o que o outro faz. São colocadas a pensarem igual, e
ao pensarem da mesma maneira, doutrinam-se, conformam-se.
Além do trabalho, outro tema que chamou a atenção foi o foco nas lições de
conteúdo moral, que perpassam todo o Primeiro Livro de Leitura. Lições que revelam o
fator educativo, além do instrutivo, que a escola assumia como sua função essencial.
Como pode ser observado na fala do Governador do Estado, Adolpho Konder:
Mas - além de instruir, é preciso educar. «Faz-se necessario,
observa Jules Delafosse, não sómente em bem da criança, mas
ainda no interesse da sociedade, que a instrucção e a educação se
associem, se completem e concorram fraternalmente para a cultura
moral e intelectual do educando, afim de que este se torne mais
tarde um homem consciente de seus deveres e capaz de os
179
cumprir). O ensino, convém, pois, seja um complexo de processos
tendentes a desenvolver todas as virtualidades animicas e physicas
da criança, educando-lhe o coração, o cerebro e as mãos, para
formar-lhe a intelligencia, o caracter e a aptidão creadora. Educar
e instruir fixam, portanto, actividades correlatas e um bom
methodo educacional não deve juxtapor-se ao ensino, mas
confundir-se com este. Assim - educando e instruindo, formando o
cérebro e o coração dos homens - intervém o mestre na
estructuração mental e moral das nações. (KONDER, 1927, p.22).
Educar e instruir, correlatos que o governador Konder exaltava em seus
discursos, formulando enunciados sobre a criança, significando representações
constituídas pelo seu entendimento e atribuídos às crianças. Essa obra constitui uma
unidade discursiva, produtora de ordenamento, de afirmação de distância, de divisões
(CHARTIER, 1991, p. 28), ainda, quanto ao projeto pedagógico republicano de
formação do novo homem para o novo regime; características apresentadas com base
nas virtudes da instrução moral e cívica, como forma de manter a ordem social e
fortalecer o caráter nacional no período da primeira república (DALLABRIDA, 2001).
4.1.2 – Segundo Livro de Leitura - 1922
O presente livro é composto de 87 lições, que são identificadas com títulos
específicos e não numerados, distribuídas em 141 páginas.
Passa-se, a seguir, a elencar as referidas lições: Nossa pátria; Meu Brasil;
Gratidão; A figueira e o junco; Os três reinos da natureza; Deus; As plantas;
Necessidade do trabalho; A raposa e as uvas; O todo e as moscas; Uma boa lição; A
cabeça; Carta de parabéns; O papel e a corda; A lição; A leitura; Para a escola; A
pontualidade; Os olhos; O lobo e o esquilo; Doença e bondade; As abelhas; Os três
salteadores; Repreensão amigável; As crianças as almas; A boca; A boca; A flauta do
pastor; O bom estudante; Canção do exílio; A grandeza do Brasil; A pátria; O cão fiel;
O campo inculto; Provérbios; O poder do exemplo; Um anjinho enfermeiro; Hymno ao
Brasil; O descobrimento do Brasil; O castigo da indolência; O seu a seu dono; Utilidade
da chuva; O cravo da ferradura; O criado mentiroso; Os braços; O ninho; Guarda que
comer, não guardes que fazer; Pedido justo; O fabricante de cestos; Faze bem tudo o
que fizeres; O que custamos aos nossos pais; O professor; Defeitos que se devem evitar
na sociedade; Mães; O talismã; Natal; O rachador de lenha e o nadador; O filho
desobediente; O lobo de são Francisco de Assis; Noções de higiene; Sonhos de um
180
estudante; Hymno dos sentidos; Os cinco dedos da mão; O ovo de Colombo; Os dias
feriados; Preces da infância; O rico e o pobre; O sabiá; O estudantinho da aldeia e
Férias. Salienta-se que assim como ocorreu com o Primeiro Livro de Leitura, as lições
aqui analisadas serão aquelas que foram mais expressivas dentro do objeto desta
pesquisa.
Após fazer sucessivas leituras das 87 lições desse livro, decidi analisar 26. Os
critérios para a escolha dessas lições, são os mesmos utilizados para o livro 1, ou seja,
se justificam devido às mesmas estarem se referindo a uma ou mais crianças, por meio
de um nome próprio, de um termo ou de um adjetivo.
A primeira lição analisada é, também, a primeira lição desse livro, intitulada
Nossa Pátria (pp.7-8). É composta por um texto de vinte duas linhas, não tem imagem
nem autoria. Para as análises que conformam as categorias iniciais, destaco os seguintes
termos: ―meninos‖, ―estudioso‖, ―obediente‖, ―leal‖, ―cuidadoso‖, ―cumprimento‖,
―pátria‖, ―deveres‖, ―amizade‖. O termo ―menino‖ é empregado para criança,
representando o gênero masculino. Nessa lição, é alguém que precisa ser responsável
pela pátria brasileira, servindo-a e engrandecendo-a, conforme posso verificar na
seguinte expressão: ―Os meninos devem também mostrar-lhe seu amor; devem também
trabalhar pela grandeza da Pátria‖ (FONTES, 1922, p.7). Os adjetivos adicionados ao
menino, como ―estudioso‖, ―obediente‖, ―amigo‖, ‖leal‖, e ―cuidadoso‖, representam
aquele que deve ―trabalhar pela grandeza da pátria‖. O excerto: ―Por meio do estudo, da
obediência aos pais e aos mestres, da amizade a seus companheiros, cumprimento de
todos os seus deveres em casa e na escola, mostrarão os meninos o amor que têm à sua
Pátria‖ (FONTES, 1922, p.8), indica que a criança deve entender o lugar que a Pátria
ocupa em sua vida e suas obrigações para com ela, em um conjunto de atitudes
referentes a comportamentos: ―Devemos ter orgulho de ser brasileiros e procurar ser
cidadãos dignos de um país tão cheio de riquezas e maravilhas como é o Brasil‖
(FONTES, 1922, p.8). O conteúdo do texto tem um tom moralizante, de obediência.
Vislumbro a categoria Possibilidade.
A segunda lição, intitulada Deus (pp. 11-12), é a sexta lição desse livro. É
composta por uma poesia com três estrofes e doze linhas, assinada por Cassiano de
Abreu. Elegemos as palavras: ―pequeno‖ e ―Deus‖, para análise categorial inicial. A
lição é um diálogo entre filho e mãe sobre a grandeza e a força do mar e do vento, que
representam a ação de Deus na terra. A palavra ―pequena‖ expressa quem é esse
181
menino, que se vincula à memória do adulto, como se pode ver na expressão ―Eu me
lembro! eu me lembro! Era pequeno e brincava na praia!‖ (FONTES, 1922, p.11). O
que por sua vez, remete ao tempo vivido por essa criança em sua infância. A criança
leitora deve entender que apesar de toda essa grandeza vista na natureza, Deus é algo
supremo, muito maior, porque foi ele quem tudo criou, como é salientado na expressão:
―Mais forte que o tufão! Meu filho, é Deus!‖ (FONTES, 1922, p.12). Nessa lição a
religiosidade é algo muito presente, expressando os ideais católicos de Professor Fontes,
sobre a criança que ele queria formar. A categoria Inferioridade é associada ao
conteúdo.
A oitava lição do livro, intitulada Necessidade do trabalho (p. 13), é a terceira
analisada. Composta por um texto de vinte linhas, não apresenta imagem nem
assinatura. Os termos apontados para essa primeira análise são: ―Mariasinha‖,
―Augusto‖, ―menina‖, ―menino‖, ―irmã‖, ―irmão‖ e ―esforço‖. A lição pontua sobre o
esforço que se deve ter para conseguir as coisas, o que nada é fácil. Não devemos
desistir diante das dificuldades que são apresentadas, como podemos observar na
expressão: ―Vês, minha irmã? Tudo na vida é assim. Nada se pôde conseguir sem
esforço nem trabalho‖ (FONTES, 1922, p.13). Há, também, a ênfase na figura
masculina, representada por um irmão mais velho que ensina algo à irmã mais moça,
como se percebe na seguinte expressão: ―Olha Mariasinha, sem um pouco de trabalho,
não se pôde nada‖ (FONTES, 1922, p.13). Aqui, o trabalho é algo que dignifica o
homem, e a criança deve aprender isso desde cedo. A categoria Trabalho é indicada.
A lição intitulada Uma boa lição (pp. 16-17), é a quarta lição analisada e a
décima primeira do livro. Essa é composta por um texto de vinte e oito linhas e não
apresenta assinatura nem imagem. ―Hipólyto‖, ―menino‖, ―obrigações‖ e ―lição‖ são os
termos selecionados para essa primeira análise. Nessa lição, a dicotomia entre o ―bem‖
e o ―mal‖ é a tônica. A criança leitora é induzida a entender que quando lhe dão uma
tarefa, essa deve ser cumprida, e que os outros seres não podem ser castigados por seus
erros, como podemos observar na seguinte expressão: ―Quem merece castigo, tu ou esse
animal, que não sabe distinguir o bem do mal?‖ (FONTES, 1922, p.16). O texto
apresenta um tom moralista, em que a criança leitora é induzida a entender sobre suas
―obrigações‖ diante do que lhe é atribuído, aprendendo a ter responsabilidades de
adulto, destacando a categoria Inferioridade.
182
A décima terceira lição do livro, intitulada Carta de parabéns, (p. 18) é a quinta
analisada. Do gênero carta, está organizada em vinte e uma linhas e assinada por
Manuel. Esse se dirige à mãe felicitando-a pela passagem de seu aniversário e
aproveitando para pedir desculpas por atos que aparentemente para ter inferido a ela,
jurando não mais desagradá-la, como podemos ver na seguinte expressão: ―Ah! minha
querida Mãesinha, muito me arrependo em lhe ter dado desgostos, e creio que hoje, dia
de festa para a Senhora, lhe será agradável ouvir esta declaração sincera que lhe faz seu
filho‖ (FONTES, 1922, p.18). A categoria Obediência é sublinhada.
O papel e a corda (pp. 19-20) é composta por um texto de vinte e oito linhas e
está assinada com a abreviatura Extr.. Os termos para análise são: ―bons‖ e ―discípulos‖.
Novamente, a dicotomia entre o bom e o mal é a tônica. Nessa lição é representada entre
o ―cheiro agradável‖ e o ―mau cheiro‖. A criança leitora é levada a entender que as
escolhas caminham entre o que é bom e o que é mau, como podemos observar na
seguinte expressão: ―O contacto com as cousas puras e perfumadas comunica bom
aroma, o contacto com as cousas impuras e corrompidas comunica cheiro
desagradável‖. Assim, a mesma dever fazer as escolhas certas: ―Vive com os bons e
serás um deles. Foge dos maus para não seres maus como elles‖ (FONTES, 1922, p.20).
O uso do cheiro para representar bom e ruim, aproxima a criança, por meio do que lhe é
familiar com um aspecto sensorial, do entendimento sobre as questões relacionadas ao
tema. A categoria Inferioridade é composta.
A lição número dezesseis, intitulada A Leitura (pp. 21-22), é a sexta a ser
analisada. É formada por um texto de trinta e oito linhas e assinada por Julia Lopes de
Almeida. Destacamos os seguintes termos como categorias iniciais: ―filha‖, ―menina‖,
―neta‖, ―meiga‖, ―mimosa‖ e ―voz aveludada‖. A palavra ―menina‖ está descrita na
―docilidade‖ que carregam os termos: ―meiga‖, ―mimosa‖ e ―voz aveludada‖. O papel
da mulher estava em saber usar toda sua ―meiguice‖ e ―fragilidade‖ desde pequena,
como podemos perceber na seguinte expressão: ―Veio a menina ameigar o avô; beijava-
o, passava-lhe pelas longas barbas brancas as mãozinhas mimosas, contava-lhe cousas
divertidas passadas com as collegas ... e o velho silencioso‖ (FONTES, 1922, p.22).
Cabe à menina ser mais carinhosa, não aparecendo esse papel para os meninos em
alguma lição. A categoria Bondade é indicada como inicial.
A sétima lição analisada é Para a escola (pp. 22-23), sendo a décima sétima do
livro. É composta por uma poesia, contendo oito estrofes com três linhas cada, assinada
183
por Anna de Castro Osório. Os termos ―criança‖, ―ave‖, ―flores‖, ―voar‖ e ―emplumar‖
formam a base para essa análise preliminar. Nessa lição a criança é representada como
uma ave que está emplumando e aprendendo a voar, vendo-se na escola o lugar que lhe
dá essa oportunidade. A criança é vista, também, como ―botões de flores‖, que esperam
o sol para abrir após serem acaricidas pelo orvalho. A escola passa a ser lugar de
transformação, como veremos na seguinte expressão: ―Criança, ave a emplumar; Vinde
aprender a voar! Vinde á Escola pára ter asas‖ (FONTES, 1922, p.23). Nesse lugar, a
criança é uma flor a ser regada todos os dias e a escola o jardim onde irá florescer. Essa
metáfora que compara as crianças a flores de um jardim é usual na história da infância,
tendo aparecido em autores como Comênio e Froebel, que ajudaram a cunhar a
expressão ―jardim de infância‖ (kindergarten). Outrossim, a escola simboliza algo para
a criança, segundo a autora, como um rio, no qual poderá matar sua sede de
conhecimento, mas que também aprisiona, como podemos ver nas seguintes estrofes:
―A Escola é água a correr ... Descei à Escola a beber, Vinde, vinde, criancinhas [...] A
Escola é prisão, mas calma, Que dá luz e ar à alma, e que liberta e redime‖ (FONTES,
1922, p.23). A categoria Possibilidade é alinhada à terminologia.
A décima oitava lição é intitulada Pontualidade (pp. 24-25). O texto é composto
de vinte e nove linhas, em que trabalho com os termos: ―Timótheo‖, ―menino‖, ―filho‖,
―incorrigível‖, ―escola‖ e ―lições‖. Os excertos que aludem aos defeitos do menino
Timótheo são apresentados no termo ―incorrigível‖, em que o professor faz o
diagnóstico de seu aluno, a partir dos atrasos ao chegar à escola e também por tirar
―notas ruins‖ (p. 24). A fala da mãe para o filho Timótheo, sugere ao mesmo que deve
refletir sobre suas ações: ―Queixas-te, meu filho, de que te fazem esperar e nada está
prompto e preparado, quando desejas. E tu tens sempre promptas, à hora da aula, as tuas
lições? Chegas sempre a tempo à escola? E´s cumpridor dos teus defeitos?‖ (FONTES,
1922, p. 24 e 25). Timótheo é para a criança leitora, um exemplo a não ser seguido. A
categoria Obediência é destacada nessa leitura flutuante.
Doçura e bondade (p. 28-29) é a vigésima primeira lição do livro. O texto é
composto por vinte cinco linhas e assinado por Guerra Junqueira. A partir da leitura
flutuante destaco os termos ―filhos‖, ―índoles‖, ―remorsos‖, ―doçura‖ e ―bondade‖. O
narrador descreve ações que cabem às crianças, ter usando o termo ―filhos‖ para evocar
―á prática de boas ações‖, por meio de duas pequenas histórias: uma sobre um cego que
apanha na rua e a outra de um coxo que sofre escárnios. Essas lições desejam que a
184
criança perceba o quanto deve ser boa para com os outros: ―Que vos parecem estas duas
lições? Estou convencido que aproveitaram a quem as recebeu‖ (FONTES, 1922, p. 25).
A categoria Bondade é mais uma vez evidenciada.
A décima lição analisada é Reprehensão Amigável (pp. 32-33), sendo a
vigésima quarta do livro. É composta por um texto, do gênero carta, de vinte e nove
linhas e assinada por Alvaro. É uma carta de um irmão para outro. Nela, a criança
leitora perceberá que é necessário ter muito cuidado com sua escrita, pois ao escrever
algo deverá certificar-se que não tem erros, que sua escrita é legível, para que a pessoa
que a leia não tenha que adivinhar. A criança está representada como alguém que não
pode errar. Tudo tem que ser belo e perfeito, como está salientado na expressão em que
são caracterizados os ―defeitos‖: ―As phrases estão mal redigidas, as palavras estão
cheias de erros de orthographia; as emendas são sem conta, sem conta são também as
palavras que são adivinhadas e não lidas, devido á letra horrível com que foram
escriptas‖ (FONTES, 1922, p. 33). A categoria Possibilidade é, novamente, indicada.
As crianças (p. 34), vigésima quinta lição desse livro e a décima segunda
analisada, é composta por uma poesia com quatro estrofes formadas por quatro linhas
cada e assinada por Osório Duque-Estrada. Os termos ―candura‖, ―meiguice‖, ―flores-
desabrochadas‖, ―aroma‖, ―aves‖ e ―esperança‖ são os que representam as crianças,
sendo tomadas como categorias iniciais. Ao serem sinalizadas por adjetivos como
―candura‖ e ―meiguice‖, as crianças são vistas como um ser imaculado. São vistas,
também, como ―flores desabrochando‖ e como a ―tagarelice das aves‖. Nelas são
depositadas todas as esperanças como se elas fossem sinônimas de salvação. Portanto, a
categoria Possibilidade é mais uma vez destacada, pois a criança aqui representada é a
―esperança‖, assim, passa a ser vista como perspectiva, a promessa.
A décima terceira lição analisada é A alma (p. 35-36), composta por um texto
com vinte e quatro linhas e assinada por Guerra Junqueiro. As palavras ―crianças‖,
―Maria‖ e ―alma‖ apresentam-se como categoria inicial de representação de criança uma
vez que, a partir delas, podemos entender como se representavam as crianças. Nesse
diálogo entre mãe e filha podemos perceber a categoria inferioridade na representação
de criança quando essa quer entender o significado de ―alma‖, como na seguinte
expressão: ―Maria, é a tua alma, que se alegra ou se entristece, que te reprehende,
quando fazes o mal, e que está satisfeita, quando praticas o bem‖ (FONTES, 1922, p.
35-36). Ao levar Maria a comparar sua alma, coloca-a numa posição menos elevada,
185
repreendida, numa relação de insuficiência. Desse modo, ratifico a categoria
Inferioridade.
A lição número trinta, O bom estudante (pp. 40-41), é a décima quarta lição
inclusa na leitura flutuante, composta por um texto de vinte e seis linhas. As palavras
―menino‖, ―estudante‖ e ―cidadão útil‖ ajudam a analisar a criança expressa nessa lição.
O termo ―estudante‖ apresenta a criança que se tornará o ―cidadão útil‖. Nela está
imbricada a responsabilidade ligada a lições de ordem. Os adjetivos ―pontual‖,
―organizado‖, ―preparado‖, ―respeitado‖, ―dedicado‖, ―condescendente‖, ―amoroso‖ e
―delicado‖ apresentam essa criança, que deve se sacrificar para poupar os pais de
―dissabores‖. A presença das expressões indica um conjunto de ―atitudes‖ a serem
seguidas pela criança leitora: ―Tem os cadernos limpos, sem borrões nem rasuras‖,
―Cuida muito dos livros, trazendo-os sempre bem encapados‖ e ―Está sempre prompto a
prestar serviço seja a quem for‖. (FONTES, 1922, p. 41). Ratifica-se a categoria
Possibilidade.
A lição O poder do exemplo (pp. 49 a 52) é composta por dois textos
organizados em dois capítulos, sendo o primeiro, com quarenta e duas linhas, e o
segundo, com vinte e seis. Os termos ―criança‖, ―filho‖, ―menino‖, ―neto‖, ―amor‖ e
―desvelo‖ emergem para a categorização inicial. A lição tem um tom moralista e a
criança é protagonista dessa ação ao mostrar para seus pais que eles são o exemplo a ser
seguido por ela, tornando-os responsáveis por boas ou más condutas dos filhos. Os
termos ―amor‖ e ―desvelo‖ caracterizam essa ação, demonstrando que a criança tem
responsabilidades a serem instauradas desde sua mais tenra idade. A categoria Bondade
é evidente.
A lição número trinta e oito, intitulada Um anjinho enfermeiro (pp. 52-53), é a
décima sexta lição estudada, formada por um texto de vinte e oito linhas e está assinada
por Menezes Vieira. Os termos menino, anjinho e inocência são bases para essa análise.
A palavra ―anjinho‖ como que representa o menino ―Pedrinho‖, que, aos três anos de
idade, em sua ―inocência‖, toma uma atitude a partir da recomendação médica à sua
mãe. Vale ressaltar que é uma criança de três anos de idade vendo-se com tamanha
responsabilidade. A expressão ―Toma, toma mamãesinha, - diz elle – o doutor
mandou... Não tem mau gosto, não ... É para ficar boa, prova um bocadinho... É sol‖
(FONTES, 1922, p. 52), revela para a criança leitora o dever de ser muito cuidadosa
com sua mãe. Mas também insinua que as crianças, desde a mais tenra idade, têm que
186
ter responsabilidade. ―Anjinho‖, que aparece no título do texto, caracteriza a criança,
sua docilidade e presteza, em suas ações e como ―anjos‖ (na sua representatividade): são
seres de luz, que só fazem o bem. A ação da criança representada no cuidado para com
sua mãe, delineia, mais uma vez, a categoria Bondade.
A décima sétima lição analisada é intitulada O castigo da indolência (pp. 58-
59), sendo a quadragésima primeira do livro, sendo composta por um texto com
quarenta linhas e tem a abreviatura Extr37
. como assinatura. Os termos destacados para
essa análise são: ―menino‖, ―criança‖, ―tagarela‖ e ―indolente‖. A criança é apresentada
como alguém tagarela, que só diz futilidades: ―Um lavrador ia um dia viajando por uma
estrada, acompanhado do filho que, ainda criança, o estava sempre a interpellar,
perguntando-lhe mil futilidades‖ (FONTES, 1922, p. 58). Outro ponto a ser destacado é
quando a criança é interpelada pelo pai: ―Farias muito melhor, se, em vez de estares ahi
a falar, apanhasses aquella ferradura, pois é um objecto que, conservado como parece
estar, póde ainda ser vendido e render alguma coisa‖ (FONTES, 1922, p. 58). Ou seja,
criança não pode falar, criança tem que obedecer. A categoria destacada é Preguiça.
O seu a seu dono (pp. 60 a 62), décima oitava analisada, é uma lição composta
por um texto de trinta e uma linhas e assinado por Hilário Ribeiro. Cabe lembrar que
este é um conhecido autor de livros escolares para a criança, entre eles títulos de
Educação Moral e Cívica. Para análise dessa lição destaco os termos: ―Thomás‖,
―menino‖, ―consciência‖ e ―honestidade‖. As ações do menino, quanto a sua
honestidade em entregar ao dono o objeto que achou, qualificam-no como um menino
bom, com boas atitudes e que terá recompensas, como pode ser visto na seguinte
expressão: ―O menino cumpriu o seu dever, indo restituir um objecto que não lhe
37
Sobre essa abreviação, busco as conclusões de SILVA FILHO (2013, p. 281), em que o mesmo conclui
dizendo que ―os textos assinalados com ―Extr.‖ também se mostram controversos quanto à autoria.
Nenhum dos autores das dissertações citadas manifestou-se quanto à autoria desses textos. Em conversa
com Ada Carolina Fontes, ela nos disse que sua tia-avó, Therezinha Fontes, e ela própria supõem ser
―Extr.‖ a abreviatura de ―Extraído‖ ou ―Extrato‖, mas não têm certeza quanto a isso. Um dado que pode
ajudar a elucidar a autoria dos textos assinalados com ―Extr.‖ é a variação entre a primeira edição do
Segundo Livro e a edição de 1945. Vários textos que aparecem sem assinatura na primeira edição figuram
na edição de 1949 com ―Extr.‖. Creio que uma explicação bastante plausível é que tais textos constituam
adaptações. Assim, Henrique Fontes primeiramente teria considerado essas adaptações como textos
próprios e, depois, teria decidido apor a observação ―Extr.‖ a fim de evitar possíveis acusações de que
estivesse apresentando histórias populares ou de autor anônimo como se fossem suas. Um exemplo claro
em que o texto marcado com ―Extr.‖ trata-se de uma adaptação é ―O sapateiro e o rei‖ (TL, lição 33).
Esse conto, que mostra como um sapateiro que vivia a cantar torna-se infeliz ao receber de um rei uma
bolsa de ouro, é versão de história bem mais antiga, que foi aproveitada pelo poeta português Bulhão Pato
para compor o poema ―O rei e o sapateiro‖.
187
pertencia. O dono ficou por isso muito contente e recompensou a boa acção de Thomás,
dando-lhe um canivete novo e ainda mais bonito‖ (FONTES, 1922, p. 62). Nessa lição,
a criança é qualificada como honesta por ter uma atitude correta. A categoria
Honestidade é candente.
O mentiroso (pp. 67 a 69) é assinada por Coelho Neto, tendo um texto de
cinquenta e duas linhas. A lição enfatiza que mentir traz consequências, que podem
prejudicar quem as pratica e também a outras pessoas. Nesse caso, a mentira levou à
morte, como podemos ver na expressão: ―Mentia tanto, que ninguém dava credito ao
que diz. Ás vezes queixava-se de moléstias: e, longe de o tratarem carinhosamente,
reprehendiam-no, ameaçavam-no‖ (FONTES, 1922, p. 68). Essa ação caracteriza a
criança que engana, que trapaceia, e, em consequência, a mentira levou-a à morte: ―Eu
bem que ouvi o seu grito, bem ouvi, mas elle mentia tanto... Dias depois, apareceu
coberto de hervas, horrivelmente deformado [...] – Coitado! Mas foi por culpa delle.
Mentia tanto!‖ (FONTES, 1922, p. 69). A categoria Mentira, associada à moralização, é
sublinhada.
A gratidão é o que define a criança: ―[...] como pagará tudo isso que tens custado
a seus Paes? [...] Amando-os de todo o coração, obedecendo, respeitando-os e, quando
eu fôr homem, trabalhando para eles‖ (FONTES, 1922, p. 85). Assim, expressa a lição
O que custamos a nossos pais (pp. 80 a 85), composta por um texto com três capítulos
e que contém vinte e seis linhas, assinado por Hilário Ribeiro. Apresenta à criança
leitora que deve sempre ser grata aos pais. A criança representada é aquela que entende
o valor da família e todo o ―investimento‖ da mesma para com seus filhos. Quer dizer,
ela sempre está devendo! Um menino, chamado Joãosinho, que é bom aluno, se destaca
entre os demais, principalmente no cálculo. Com dez anos de idade e estudante da
quarta série, é a criança aqui representada. A lição estabelece que esse menino é bom
filho e estudante, cumpridor de suas lições. Um exemplo a ser seguido. A categoria
Possibilidade é emergente.
A vigésima primeira lição discutida é intitulada Mães (pp. 89 a 91), sendo a
quinquagésima sexta do Segundo livro de Leitura da Série Fontes. A lição é composta
por um texto com sessenta linhas e assinado por Anna de Castro Osorio. A criança é
representada nessa lição por uma menina chamada Bertha. Ela se compadece com a dor
e o sofrimento de uma mãe com a morte do filho. Faz-se necessário destacar que a
criança que está representada nessa lição assim se faz por sua fragilidade e doçura, que
188
nessa época a mulher deveria carregar em seu ser. A expressão ―Não, não! Porque tenho
a certeza que valerei mais do que valho hoje, tendo feito este presente ao pobresinho‖,
sugere que as crianças serão recompensadas em seu futuro. Assim, deve estar se
preparando para o porvir. A categoria Caridade, impregnada pela ética cristã, é o ponto
fulcral.
O filho desobediente (pp. 99-100) é uma lição composta por um texto com
setenta e duas linhas e, mais uma vez, assinado com a abreviatura Extr.. A lição gira em
torno da representação da criança/menino que é desobediente. Perante sua mãe tinha um
bom comportamento, mas quando ela não estava por perto, vivia intensamente suas
travessuras. As expressões ―não estuda quasi nada‖ e ―não gostava de brincar senão com
os mais travessos‖, sublinham à criança leitora que esse tipo de comportamento traz más
consequências. E que sua desobediência pode, até mesmo, lhe causar a morte. A
categoria Obediência é evidenciada, partindo do pressuposto que de a criança
desobediente é aquela que não apresente características de obediência, ou seja, a criança
leitora deve entender que ser desobediente lhe trará malefícios.
Sabemos que nas primeiras décadas do século passado foi desenvolvida uma
preocupação com a higiene da população e que, nas escolas, esse aspecto se
materializou nas chamadas campanhas higienistas. Nesse sentido, a lição número
sessenta e dois, intitulada Noções de Hygiene (pp. 103 a 106), é a vigésima terceira a
ser analisada. É composta por cinco textos e contém setenta e duas linhas, sendo
assinada por Abílio Cesar Borges. As palavras que descrevem a criança são: ―menino‖,
―guloso‖, ―desleixado‖, ―preguiçoso‖ e ―ocioso‖. Os textos são dirigidos diretamente
aos meninos, apontando o que poderíamos chamar de ―defeitos‖, carregados nos
adjetivos ―guloso‖, ―desleixado‖, ―preguiçoso‖ e ―ocioso‖. O autor chama a atenção da
criança leitora para que a perceba a necessidade dos bons hábitos de higiene. As
expressões: ―Comer a horas certas, e somente quanto possa o estomago digerir sem
custo. [...] O asseio do corpo e dos vestidos é de grande importância para a conservação
da saúde. Quem vive ociosamente, não pode gozar de boa saúde. Deitar cedo e levantar
cedo é um importantíssimo preceito de hygiene, autorizado pelas experiências de todos
os tempos‖ (FONTES, 1922, p. 105 e 106), colocam para as crianças conselhos a serem
seguidos e que formam uma representação que leva à categoria Obediência.
A vigésima quarta lição analisada é intitulada Sonhos de um estudante (pp. 107
a 109), sendo a sexagésima terceira lição do livro. É composta por um texto de setenta
189
e três linhas, não tem assinatura nem imagem. Vinculando-se ao sugestivo título,
apresenta um menino com sonhos de ser um militar. Esse menino exibe sua roupa de
militar na instituição em que estuda, com o sonho de ir para uma escola militar após
terminar o ginásio. Usando a roupa apresentava um tom de superioridade perante seus
colegas: ―No recreio, aos collegas que o rodeavam para lhe admirar a bella farda,
contava com grande verbosidade e enthusiasmo suas chimeras, e parecia crer-se na
realidade um general‖ (FONTES, 1922, p. 109). A exaltação ao militarismo era muito
presente no imaginário das crianças nessa época, não só pelo crença de que era passado
às crianças lutarem por sua pátria, mas o quanto, para muitos, era majestoso o uso de
uniformes militares de todos os âmbitos federativos, sugerindo uma relação muito
próxima com a produção de identidades. Esses trajes compartilham modos de pensar,
sentir, crer, imaginar sobre a égide do reconhecimento 38
. A lição exalta os valores do
militarismo por meio da imponência do uso da farda, que leva a uma representação
associada aos desejos quanto ao futuro, delineando a categoria Possibilidade.
Preces de infância (pp. 123 a 125) é a vigésima quinta lição examinada em
nosso trabalho, sendo a sexagésima oitava do livro. É constituída por uma poesia com
onze estrofes com quatro linhas cada, assinadas por D. J. Gonçalves de Magalhães.
Busco a categorização inicial nas palavras ―menina‖, ―filhinha‖, ―pequena‖, ―inocente‖,
―desabrocha‖, ―perfumada‖, ―anjos‖, ―singela‖ e ―infância‖. A palavra ―menina‖ está
representada nessa lição como aquela que é ―inocente‖, ―perfumada‖ e ―singela‖. Esses
termos são empregados para qualificar a criança menina, colocando centralidade no
feminino, que deve ter essas características. Os termos ―desabrocha‖ e ―perfumada‖
comparam a menina a uma flor, em sua fragilidade e beleza. Por sua vez, os termos
―pequena‖ e ―anjo‖ caracterizam o olhar do autor sobre a infância. Associo a lição à
categoria Possibilidade, pois, mais uma vez, a criança aqui representada é assinalada
como perspectiva.
A vigésima sétima lição que esquadrinho é intitulada O estudantinho da
Aldeia (pp. 132 a 137). É composta por um texto com cento e quinze linhas e assinada
por Maria Pinto Figueirinha. As palavras ―menino‖, ―rapazinho‖, ―estudioso‖, ―bom‖,
―respeitador‖, ―virtuoso‖ e ―trabalhador‖ são as condutoras da análise de conteúdo. As
―qualidades‖ são compostas por termos utilizados para qualificar a criança/menino,
38
Sobre uniformes ver Corazza, 2004, em: <https://www.oei.es/historico/n8932.htm> . Acesso em 22 de
fev. 2019.
190
sendo adjetivado como ―estudioso‖, ―bom‖, ―respeitador‖, ―virtuoso‖ e ―trabalhador‖.
As expressões: ―Aqui tem a recompensa por ser um menino respeitador e não ocultar a
verdade‖ e ―O professor é sempre bom, quando os discípulos cumprem os seus deveres‖
(FONTES, 1922, p. 135), indicam à criança leitora que suas atitudes têm recompensa,
subentendendo que ela precisa fazer as coisas para ser recompensada. A categoria
Generosidade é indicada, assinalada à criança que pratica boa ação, exemplo para as
demais.
Dentre essas 26 lições analisadas, posso inferir que o Segundo Livro de Leitura
aproxima-se do estilo do Primeiro quanto aos temas. A essência das lições está
alicerçada no esforço e na dedicação apresentados às crianças como quesitos essenciais
para que o trabalho produza resultados benéficos, num tom de Possibilidade.
Pontualidade, a gratidão aos pais e à família são elementos-chave do sucesso na vida
pessoal. A mentira e a desonestidade aparecem como elementos corrosivos do caráter e
do progresso. ―Gratidão‖, um dos textos que abre o Segundo Livro, apresenta como
personagem central um senhor de 75 anos que planta árvores, mesmo sabendo que não
colherá os frutos da semente. Mas planta para deixar para a posteridade colher, assim
como ele tem colhido os frutos resultantes da semente plantada por seus antepassados.
―Nossa Pátria‖, primeira lição desse livro, traz a noção ideal de comportamento
infantil atrelado ao amor à Pátria, dando um panorama do que seria tratado nesse livro,
inoculando o nacionalismo, mostrando que os meninos precisam estudar, valorizar a
família, serem leais com seus amigos, valorizar o trabalho – todos fatores que
indicavam o nível do seu amor à Pátria.
Assim, pude averiguar que, no Segundo Livro de leitura, os textos crescem em
complexidade quando comparados aos do Primeiro. Também aumenta o número de
lições: eram 38 no Primeiro Livro e são 87 no Segundo. Subentendendo-se que a
criança a que se destinava o Segundo Livro estava mais pronta para as leituras um
pouco mais complexas que esse último apresentava.
As representações de criança averiguadas estão intimamente associadas ao
referencial de criança ajustada e em consonância com a perspectiva de civilização
pretendida para o país nos anos de 1920. Nesse contexto, essa criança precisaria
associar novas capacidades, reforçando as representações construídas acerca do lugar de
criança na sociedade, estabelecendo distinções por sexo, raça, capacidade física. Neste
sentido, como salienta Chartier (1991) as representações se constituem como matrizes
191
de práticas construtoras do mundo social e a escola não só transmitiu valores, mas
também se apropriou deles intervindo no mundo social. Assim somos levados ao
epílogo ―O Brasil é um país grande, belo e glorioso‖ (FONTES, Primeiro Livro de
Leitura, 1945).
No Quadro 10 sistematizo as categorias iniciais que emergiram da análise de
contudo das lições do Segundo Livro de Leitura.
Quadro 10: Análise de conteúdo e categorização –Segundo Livro de Leitura – 1922.
CATEGORIAS LIÇÕES
Inferioridade 6ª lição: Deus
11ª lição: Uma boa lição
14ª lição: O papel e a corda
26ª lição: A alma
Trabalho 8ª lição: Necessidade do trabalho
Bondade 16ª lição: A leitura
21ª lição: Doçura e bondade
37ª lição: O poder do exemplo
38ª lição: Um anjinho enfermeiro
Obediência 13ª lição: Carta de Parabéns
18ª lição: Pontualidade
60ª lição: O filho desobediente
62ª lição: Noções de hygiene
Possibilidade 1ª lição: Nossa Patria
17ª lição: Para a escola
24ª lição: Reprehensão amigável
25ª lição: As crianças
30ª lição: O bom estudante
53ª lição: O que custamos a nossos paes
63ª lição: Sonhos de um estudante
68ª lição: Preces da Infancia
Caridade 56ª lição: Mães
Preguiça 41ª lição: O castigo da indolência
Honestidade 42ª lição: O seu a seu dono
Generosidade 71ª lição: O estudantinho da aldeia
Mentira 46ª lição: O mentiroso
Fonte: elaborada pelo autor, com base nos dados obtidos da Análise de Conteúdo no Segundo Livro de
Leitura da Série Fontes (1922).
Ao verificar o Quadro 10, em suas categorias, posso afirmar que o Segundo
Livro, em suas lições, apresenta a criança como aquela que é possível, ou seja, a
possibilidade de fontes de valorização. As oito lições destacadas na categoria
Possibilidade caracterizam a criança dentro dos aspectos que carregam a promessa e se
tem na escola o lugar desses acontecimentos, sob o prisma dos discursos estabelecidos
pelos autores, formulados no seu conjunto enunciados que atravessam as diferentes
lições. Ao mesmo tempo em que apontam uma visão de criança, definem um repertório
192
de ações e comportamentos atribuídos a ela numa relação que define, também, esse
adulto escritor. Nessa perspectiva, analisar tal série significa não somente buscar no
interior de suas lições o retrato de uma época, mas as representações de criança
apresentada pelos autores. Assim, ao fazer a leitura flutuante e iniciais das lições
destacadas do Segundo Livro de Leitura, compreendo que as categorias que se
apresentam estão embasadas nos critérios de caracterização semânticos e léxicos que
Bardin atribui à análise de conteúdo.
4.1.3 – Terceiro Livro de Leitura – 1933
O exemplar é composto por 84 lições, que são identificadas com títulos
específicos, distribuídas em 143 páginas.
Passa-se a elencar as referidas lições: Oração do educador; Deus; Amor filial; A
criança e o dever; O universo; Sangue; A nossa bandeira; A festa do Lúcio; Silva
Jardim; A pátria; A roseira;Preceitos higiênicos; A verdadeira caridade; O general
Osório; Violetas roxas; A raposa e o tucano; O grito do Ipiranga; O exército negro;
Conselhos; O rato; A caridade; Pássaros; Anchieta; A verdade; Queres ser escoteiro?;
Ferro; Não condenes sem provas; O trabalho; Vingança de martelo; Plantas e flores,
frutos e sementes; Um contratempo útil; O patriota; O sapateiro; A obediência; Na aula
de leitura; Não furtarás; A rua; Dia 21 de abril; O velho rei; O castigo do cedro;
Economia; Relações e deveres entre irmãos; Aos desamparados; Sete de setembro; O
que devemos aos que trabalham; Exílio; Uma lição bem aproveitada; A raposa e a onça;
Laffitte; O altruísmo; O velho, o menino e a mulinha; O escotismo; Germinação; Os
Jesuítas; O amor de Deus e o de nossos pais; Os bandeirantes; A árvore; Antonio
Gonçalves Dias; O segredo nacional; Viletas A independência; As araucárias; Os três
grãos de milho; Músculos; Pinheiros; O ferreiro; A justiça; A proclamação; Ordem e
progresso; O ouro e o carvão; As armas nacionais; Cachoeiras; Juramento à bandeira; A
simplicidade; Armas; O jaboti e o gigante; Dois de novembro; Diligência; Oração;
Saudação à bandeira; O sono de um anjo e Férias.
Do mesmo modo como feito nos livros anteriores, após fazer sucessivas leituras
das 84 lições desse livro, verifico que 21 delas correspondem aos critérios que se
justificam devido às mesmas estarem se referindo a uma ou mais crianças, por meio de
um nome próprio, de um termo ou de um adjetivo.
193
Oração do educador (p. 7), a primeira lição do livro é, também, a primeira
analisada. Ela é composta por uma poesia de três estrofes com seis linhas cada, e
assinada por Prisciliana Duarte de Almeida. Para a categorização inicial tomo por base
os termos: ―criança‖, ―pequeninos‖, ―alminhas‖ e ―paladinos‖, buscando compreender a
criança apresentada pelo autor. A palavra ―criança‖ está apresentada na poesia como um
ser – nas palavras da autora – que precisa de orientação, pois está ainda em formação.
Os adjetivos ―pequeninos‖ e ―alminhas‖ indicam como a autora vê as crianças: seres
frágeis e delicados, que precisam ser ensinados a tornarem-se guerreiros, ―paladinos‖. É
uma lição também voltada diretamente aos professores, vistos como seres bons e que
nunca erram com as crianças, como podemos ver nas seguintes expressões: ―Que eu
nunca seja pedra de trôpeço‖. ―Que eu nunca escandalize uma criança‖. ―Que eu saiba
respeitar seu coração!‖. ―Dá-me essa força poderosa e mansa. Êsse dom de educar, que
não tem preço: saber, ternura, esfôrço, inspiração!‖ (FONTES, 1933, p. 7). Embora seja
uma lição destinada para os professores, nela a criança leitora perceberia o papel
daqueles em sua educação e em sua formação humana. Uma criança a ser educada!,
também alusiva à categoria Possibilidade.
Amor filial (p. 10), a terceira lição do livro, é composta por um texto com vinte
e três linhas e assinado por João de Deus. Os termos ―filhos‖, ―virtude‖ e ―generosos‖
orientam na composição das categorias desse estudo. A categoria ―qualidade‖ é
caracterizada nos termos ―virtude‖ e ―generosos‖, referenciando-se aos sentimentos dos
―filhos‖ para com os ―pais‖. A condição em que a criança está constituída encontra-se
nos ―filhos‖ que, desde cedo, devem entender de suas obrigações para com os pais,
como indica a expressão: ―Os pais não desamparam nunca os seus filhos, nunca se
esqueçam dêles‖ (FONTES, 1933, p. 10). Assim, indica à criança leitora os valores da
família que o autor quer passar, relacionadas à categoria Caridade.
A criança e o dever (p. 11) é a terceira lição examinada. É composta por um
texto com vinte e duas linhas, assinado por Lemos Brito. As palavras: ―pequenos‖,
―criança‖, ―desabrocha‖, ―meninice‖, ―frutífera‖, ―fruto‖ e ―semente‖ dão o tom para a
análise de conteúdo. A ―criança‖ está representada na lição como uma árvore que deve
ser cuidada para render bons frutos no futuro; já os termos ―pequenos‖ e ―meninice‖
indicam o período da vida em que se encontra. As crianças leitoras perceberão que são
―frutos do amanhã‖ e, feito sementes, precisam ser bem tratadas, pois elas herdarão a
pátria e serão aquilo que os adultos formaram; a escrita dá-lhes à condição de ―fruto‖ e
194
―semente‖, que frutificam conforme os valores transmitidos, como podemos observar na
seguinte expressão: ―O homem será, em geral, o que à criança lhe transmitir, e da
criança só herdará o homem que dela há de surgir, o que de bom ou de mau, de nobre ou
de mesquinho se lhe der a beber na vossa idade‖ (FONTES, 1933, p. 11). Ao comparar
a criança a uma semente, o autor a caracteriza como algo que virá a ser, bom ou mau,
levando à categoria Possibilidade.
A quarta lição analisada, intitulada A festa de Lúcio (pp. 16-17), é a oitava do
livro. Os termos: ―menino‖, ―filho‖, ―bondade‖ e ―satisfação‖ traduzem a criança nessa
lição, sendo utilizados na categorização inicial. A característica ―qualidade‖ é expressa
nos adjetivos ―bondade‖ e ―satisfação‖, que refletem a criança/menino que deverá ser
―despertada‖ na criança leitora. A lição indica que a criança precisa pensar em dar mais
do que receber e que ―bondade‖ é sinônimo de criança. Assim, receberá no futuro as
coisas boas que fez. Desse modo, o relacionando está atinente à categoria Bondade.
A verdadeira caridade (p.27) contempla um texto de vinte e seis linhas e leva a
abreviatura Extr.. Nessa lição destaco as palavras ―menino‖, ―filho‖ e ―caridade‖ como
(possíveis) termos apresentados para identificar a criança. Luís, o personagem central da
lição é apontado por suas qualidades diante de sua ação para com um senhor mais velho.
O adjetivo ―caridade‖ caracteriza a criança/menino/filho por suas ―boas ações‖, que
serão pagas por Deus, como está apresentado na seguinte expressão: ―A caridade não
consiste só em dar alguma coisa aos pobres; consiste também em consolá-los nos seus
sofrimentos. Aprovando o teu procedimento, repito como o bom velhinho: Deus te
pague‖ (FONTES, 1933, p. 27). Tem-se contribuição à categoria Caridade, uma vez que
a ação da criança caracteriza atos a serem seguidos, de benevolência.
Conselhos (p. 36) é a denominação da décima nona lição do livro e sexta lição
analisada. Ela contempla um texto com vinte e três linhas e é assinada por João de Deus.
Os termos selecionados, que, a meu ver, qualificam a criança, são: ―menino‖, ―filho‖,
―bom‖, ―tenra idade‖, ―justo‖, ―descente‖ e ―amor à família‖. As ―qualidades‖ estão nos
termos ―bom‖, ―justo‖ e ―descente‖, caracterizando a criança/menino/filho. A lição
propõe à criança leitora valores a carregar desde a ―tenra idade‖, como o ―amor à
família‖. Essa criança é vista como aquela que ouve os ―conselhos‖ dos mais velhos: ―A
pessoa habituada, de tenra idade, a respeitar o que é justo e descente, adquiri uma forte
repugnância ao vício‖. (FONTES, 1933, p. 36). Assim, reforça a categoria
Possibilidade, presente nos valores a serem adquiridos e passados pela criança.
195
A escrita intitulada O Rato (pp. 37 a 39) traz um conto com 98 linhas e leva a
assinatura de Coelho Neto. Os termos: ―menino‖, ―filho‘, ―pequeno‖, ―criança‖,
―rapazola‖, ―meiguice‖, ―forte‖, ―trabalhador‖ e ―estudante‖ aparecem como elementos
para identificar a criança. A categoria ―qualidade‖ é aplicada à criança/menino com os
termos ―forte‖ e ―trabalhador‖, que são utilizados para identificar a criança
trabalhadora, filha de pobre. Por sua vez, ―meiguice‖ e ―estudante‖ são termos que
qualificam a criança/menino filho de rico. A expressão ―Quando eu for mais forte, irei
para uma fábrica e tu não terás mais necessidade, nem ninguém me falará mais com
desprezo‖ (FONTES, 1933, p. 38), indica que o lugar de criança pobre é trabalhando e
que deve ter responsabilidades desde cedo na economia do lar. A categoria
Possibilidade é vislumbrada.
A oitava lição lida no procedimento de leitura flutuante é intitulada A caridade
(p. 40). Ela contempla um texto com trinta linhas e leva a assinatura de Rita Barreto.
Escolhi para compor as categorias iniciais os termos ―meninas‖, ―bondosa‖ e
―caridade‖, que auxiliam a pensar a criança representada nessa lição. A categoria
―qualidade‖ está composta pelos termos ―caridade‖ e ―bondosa‖, qualificando a
criança/menina, que mais uma vez é apresentada às crianças leitoras como aquela que
deve sempre ser boazinha, delicada e pensar no semelhante. Compreendendo a presença
de expressões que atribuem à menina sua bondade, há um conjunto de ―atitudes‖ que
lhe são relacionadas: ―Minha filha, Deus te abençoe!‖; ―Não há nada mais sublime do
que a CARIDADE‖ (FONTES, 1933, p. 40). É interessante ressaltar que as lições até
aqui analisadas, quando ser referem às meninas, apresentam a criança menina como
frágil, que precisa ser boa e aprender a cuidar do lar para ―ser uma mãe de família‖
(FONTES, 1933, p. 40), evidenciando a categoria Caridade.
A vigésima segunda lição analisada é intitulada A verdade (p. 43-44), sendo a
vigésima quarta do livro. É um texto com quarenta e duas linhas e leva a assinatura de
C. W. Armstrong. Os termos ―menino‖, ―verdade‖, ―obediência‖ e ―instrução‖ indicam
possíveis representações de criança apresentada nessa lição. O atributo ―qualidade‖ está
velado na ―obediência‖ que o menino teve a partir das palavras de sua mãe, o quanto é
importante, sempre, falar a ―verdade‖: ―Porque jurei a minha mãe que, acontecesse o
que tivesse de acontecer, eu nunca havia de dizer uma mentira‖ (FONTES, 1933, p. 44).
Os termos ―verdade‖ e ―obediência‖ estão vinculados à criança/menino enquanto
cidadão que se quer formar; já o termo ―instrução‖ se dirige ao conhecimento adquirido
196
a partir de lições apresentadas por adultos, vislumbrando a categoria Honestidade, pois
dizer a verdade prescreve bom caráter.
Queres ser escoteiro (p. 45 e 46), a décima lição analisada, e a décima quinta
do Terceiro Livro de Leitura da Série Fontes, apresentando um texto com quarenta e
quatro linhas que leva a abreviatura Extr. como possível assinatura indicativa de autoria.
As palavras ―menino‖, ―companheiro‖, ―respeitador‖, ―comandos‖ e ―instrução‖
apresentam a criança nessa lição. A redação trata sobre os princípios do escotismo,
trazendo para a criança leitora valores por meio dos termos ―companheirismo‖,
―respeitador‖, ―comando‖ e ―instrução‖. Estão presentes ensinamentos que devem ser
seguidos, uma ―doutrina‖ que toma o escotismo como referência, pois em seus códigos
são apresentados instrumentos que transferem à criança a ―qualidade‖ de bom cidadão,
aquilo que poderá vir a ser, como indica a seguinte expressão: ―O escoteiro é econômico
e respeitador do bem alheio‖ (FONTES, 1933, p. 46). Os preceitos do escotismo são
ideais que propugnavam o projeto de Brasil da época, propondo para a criança
comportamentos a serem seguidos. Contribuem para a construção da categoria
Possibilidade.
A lição Plantas e flores, frutos e sementes (p. 52-53) é composta por um texto
com cinquenta e quatro linhas, com abreviatura Extr.. A lição demarca questões
relacionadas à terra, cuidados que a criança deve ter e aquilo a saber. Os termos
―menino‖ e ―trabalham‖, que selecionei após a leitura flutuante para a categorização
inicial, intensificam o projeto de nação da época. A lição constitui a terra como um
tesouro a ser cuidado, pois dela saem os alimentos. A criança vista como sendo
elemento importante para a preservação e manutenção da terra, é, também, comparada à
mesma, como raiz a ser cuidada. Essa obrigação para com a terra, que deve ser cuidada,
uma tarefa a ser realizada, torna-se uma atividade laboriosa para a criança, um convite
ao trabalho. Ao saber sobre como cuidar da terra, encarrega-se de tais
responsabilidades: ―Eis, em poucas palavras, superficiais conhecimentos de botânica
elementar, que todos os meninos dever aprender. E, possuidores de tais conhecimentos,
não devem esquecer os cuidados que a terra reclama‖ (FONTES, 1933, p. 53). Dá-se à
criança a função do labor. Outro aspecto está relacionado ao trabalho, conclamando a
criança a não ficar no ―ócio‖, como pode ser observado na seguinte expressão: ―Todo
menino, na hora de folga, deve cuidar da terra, revolvendo-a, abundando-a, entregando-
lhe a semente, que germinará e dará a planta‖ (FONTES, 1933, p. 52). Assim, o lugar
197
de criança é também representado por um lugar de trabalho, sugerindo a categoria
Trabalho como central.
A lição número trinta e um do livro, intitulada Um contratempo útil (p. 54 e
55), é a décima segunda analisada. Ela contempla um texto com cinquenta e cinco
linhas e leva a abreviatura Extr.. Aborda a relação entre pai e filho, o protagonista
Alexandre destacando o egoísmo do menino ao pensar só em si, queixoso e injusto: ―À
injustiça das queixas e a loucura do seu procedimento feriam no vivamente. [...] isto foi
bastante para o pai compreender que a reflexão de seu filho era suficiente para ensinar
lhe não se devia sacrificar ao interêsse particular o bem estar da humanidade‖
(FONTES, 1933, p. 55). É uma lição de moral, em que o pai diz ao seu filho o caminho
a ser seguido. Nessa relação fica sugerida a categoria Inferioridade.
Décima terceira lição examinada, Na aula de leitura (pp. 60-61) é a trigésima
quinta do livro. Nela, J. Pinto e Silva é apresentado como o autor do texto que tem
sessenta e duas linhas. Os termos ―Benedito‖, ―menino‖, ―pretinho‖, ―insulto‖,
―negros‖, ―heróis‘, ―Henrique Dias‖, ―guerreiro‖ e ―bravura‖ nos ajudam na análise,
compondo as categorias iniciais. Os termos citados compreendem o tratamento que se
tinha para com uma criança negra, como podemos ver na seguinte expressão: ―Benedito
não quer acusar, ninguém, mas êle tem razão em chorar. Um colega insultou-o muito,
no recreio, e ainda lhe disse: Negro não é gente. Muitos meninos concordaram com o
insulto‖ (FONTES, 1933, p. 60, grifo meu). O tratamento dado a essa criança pelos
colegas expressa a relação entre crianças negras e brancas, intensificando o lugar que
cada uma ocupa na história e, nesse caso, se vincula a fatos da história do Brasil. Para
que os insultores percebam a importância do negro, conta-se a história de um homem
negro, Henrique Dias, que lutou bravamente contra a invasão dos holandeses, a ponto
de que, ao ser ferido por estilhaços de pólvora, ―mandou amputar a mão ferida e
continuou a peleja‖ (FONTES, 1933, p. 61). Então, o professor pergunta: ―Agora me
digam se negro não é gente? (FONTES, 1933, p. 61). Nessa lição, o personagem
―pretinho Benedito‖ serviu como agente de retratação a que os meninos brancos se
submeteram após insultá-lo. A criança leitora deveria entender que na construção da
pátria brasileira há heróis negros e que esses, com seu trabalho e com sua vida, fizeram-
se ―bravos da guerra‖. (FONTES, 1933, p. 61). Contudo, fica evidente a categoria
Inferioridade.
198
A lição número trinta e oito do livro, intitulada A rua (pp. 64-65), foi escrita em
quarenta e uma linhas e leva a assinatura de Rita M. Barreto, apresentando em seguida
uma poesia de quatro linhas, assinada por D. Aquino Corrêa e um ditado assinado por
Daniel Ross. A lição fala sobre qualidades, direitos e deveres da criança. As
―qualidades‖ relacionadas ao menino Ernesto, tais como as expressas nas seguintes
frases ―Sempre o primeiro da classe‖ e ―Na rua tinha procedimento irrepreensível‖
(FONTES, 1933, p. 64), caracterizam-no por meio de seu bom gesto para com um
senhor na rua, mostrando que a criança necessita ser ―Boa, assim será recompensada‖
(FONTES, 1933, p. 65). E quanto aos direitos e deveres, esses estão relacionados às
obrigações das crianças: ―Se quereis ver absolutamente respeitados os vossos direitos,
cumpri escrupulosamente os vossos deveres‖ (FONTES, 1933, p. 65). A categoria
Bondade é relacionada.
Trago para o foco de análise a décima quinta lição que compõe o corpus
documental, referente ao Terceiro Livro de Leitura, intitulada Dia 21 de abril (pp. 66-
67), que é a trigésima nona do livro. Ela está estruturada em um texto com cinquenta e
oito linhas e também leva a assinatura de J. Pinto e Silva. É uma lição que exalta o
―herói‖ nacional. Nesse caso o herói é Tiradentes, enfatizando-se sua luta para a
independência do Brasil e seu amor pela pátria, como podemos ver na expressão do
menino Renato: ―Herói mesmo, confirmou Renato. E como herói subiu à forca no dia
21 de abril de 1792, como vês, Guilherme, Tiradentes foi uma vitima do amor da Pátria.
É por isso que memoramos o dia 21 de abril, dia da sua morte‖ (FONTES, 1933, p. 67).
A criança é quem dá a voz a essa lição, num diálogo sobre o que foi passado em sala de
aula e o porquê se comemora essa data. Esse conteúdo absolvido pelas crianças edifica a
categoria Patriotismo.
O velho Rei (pp. 68-69), quadragésima lição desse livro, é apresentada como um
conto com setenta linhas que leva a assinatura de Olavo Bilac. Os termos que seleciono,
a saber ―menino‖, ―filho‖, ―criança‖, ―principezinho‖, ―anjo‖, ―bela‖ e ―casta‖, nos
ajudarão a compreender a representação de criança proposta pelo autor e, indiretamente,
por Henrique Fontes. Os termos ―anjo‖, ―bela‖ e ―casta‖ são apresentados como
sinônimo de criança: ―O velho rei, com um sorriso que lhe iluminava as barbas, ficou
mirando com amor a criança, tão bela e tão casta, filha do seu sangue e da sua alma‖
(FONTES, 1933, p. 69). A criança, esse ser ―angelical, louro, branco, de olhos azuis e
inocentes como os de um anjo‖, traduz-se na criança aristocrata, que se assemelha,
199
fisicamente, às representações das crianças filhas de imigrantes europeus do interior do
estado de Santa Catarina. A lição se refere ao poder de um rei sobre seus súditos: ―Esse
poder sem limites e essa riqueza sem têrmo haviam embriagado a alma do velho rei‖
(FONTES, 1933, p. 68), indicando a soberania demasiada. Mas a lição observa,
também, o quanto as crianças podem interferir na decisão de um adulto, como se pode
ver na seguinte expressão: ―O velho rei curvou-se para ver o que o filho trazia na mão.
Era uma mosca feia, negra, pequenina miserável, nojenta. Tinha as asas molhadas e não
podia voar. O principezinho colocou-a na palma microscópica, e virou-se para o lado
Sol. Daí a pouco, a mosca reanimou-se e voou. A criança batia palmas. Não fiz bem,
Pai? Não é um crime deixar morrer uma criatura qualquer, por falta de piedade‖
(FONTES, 1933, p. 69). Sua atitude em salvar uma mosca de afogar-se numa pequena
poça de água, fez com que seu pai, o rei, não assinasse a sentença de morte de muitos
homens. A criança leitora deveria perceber o quanto carrega, em suas mãos, de
salvação. Mas, e a criança que não apresenta esse estereótipo, também se sentirá assim
capaz? Todavia, a categoria Caridade é destaque.
Relações e deveres entre irmãos (pp. 72 a 74) é a décima sétima lição
discutida, sendo a quadragésima terceira do livro. O texto é constituído por uma carta
escrita por Mme. Permond, contendo quarenta e oito linhas. Essa carta, destinada aos
―Meus queridos filhos‖, aborda questões de relacionamentos entre parentes, em
destaque os irmãos e a importância da boa relação entre eles. A autora busca, com essa
carta, salientar o quanto é importante que os irmãos sejam amigos e sigam as normas
―criadas por Deus‖, pois ―Nunca deverão deixar seus irmãos na desgraça, sem lhes irem
a socorro: é neste momento que começam suas obrigações; e rejeitá-los, apesar das
faltas que pudessem ter cometido, seria o modo de atrair a maldição de Deus e a
reprovação de todas as pessoas de bem‖ (FONTES, 1933, pp. 72-73). Ajudarem-se,
aconselharem-se, estimarem-se e terem boas relações são palavras de ordem para as
crianças. A categoria Bondade emerge dessa textualidade.
A décima oitava lição estudada é intitulada O Escotismo (pp. 92 a 94), sendo a
septuagésima quarta do livro. Ela nos traz um texto com oitenta e três linhas e leva a
abreviatura Extr.. Percebe-se que é um convite à criança leitora para fazer parte da
―instituição escotismo‖, que tem como foco principal a disciplina, que prepara desde a
―idade tenra‖ a servir a pátria, a se tornar como os ―homens do amanhã‖ (FONTES,
1933, p. 94). A lição O Escotismo carrega em seu bojo questões relacionadas ao
200
civismo e à moral, num movimento advindo de práticas escolares e dimensões
simbólicas estabelecidas na época. Esse pensamento se funda a partir do Decreto 3.355
de 27 de maio de 1921, que regulamentou a Reforma da Instrução Pública quando que
em seu conteúdo afirmava que todo aluno a partir de 10 anos matriculado em escola
pública seria considerado aspirante a escoteiro, configurando-se como uma associação
escolar e civil. Essas práticas deveriam ocorrer dentro e fora das escolas, assim
subentende-se que o Professor Fontes adotou essas e outras ações de mesma temática,
seguindo as mesmas concepções de militarização da criança. Portanto, podemos
verificar que a criança aqui representada é aquela que está sendo preparada para servir.
Assim, se vincula à categoria Possibilidade.
O amor de Deus e de nossos pais (pp. 98-99) é a décima nona escrita a ser
analisada, sendo a quinquagésima sétima do livro. Esta lição contempla um texto com
quarenta e seis linhas e leva a abreviatura Extr.. Os termos ―filhos‖, ―Deus‖,
―obediência‖, ―amor fraternal‖ e ―desconfiança‖ nos ajudam a caracterizar as
representações de criança no conteúdo dessa lição. A categoria ―qualidade‖ é instruída
pelos termos ―obediência‖, ―amor‖, ―cuidado‖, ―respeito‖ e ―educação‖, que
compreendem um conjunto de ações dos filhos para com os pais. Por outro lado, a
categoria ―defeito‖ apresenta-se no termo ―desconfiança‖, quando os pais julgam seus
filhos por atitudes que até então não tinham. A lição apresenta à criança leitora o amor à
família, aos pais e a Deus, compondo a categoria Caridade.
Denominada A Proclamação (pp. 119-120), a septuagésima lição do Terceiro
Livro de Leitura da Série Fontes contém quarenta e uma linhas e subscrita com a
abreviatura Extr.. É um diálogo entre o menino Luiz e seu professor sobre a relevância
da data 15 de novembro de 1889, em que Manoel Deodoro da Fonseca proclamou a
República Brasileira com ―um belo exemplo de civismo e amor a pátria‖ (FONTES,
1933, p. 120). Evidencia valores a serem passados às crianças, compondo a categoria
Patriotismo.
A lição número setenta e seis do livro, intitulada A simplicidade (131 – 132), é
a vigésima primeira a ser analisada. Trata-se de um texto com 28 linhas que leva a
assinatura de Mme. Permond. As palavras ―menina‖, ―generoso‖, ―fortuna‖,
―abundância‖, ―simplicidade‖ e ―filhas‖ conduzem nossa análise preliminar. O destaque
a ser dado é o ponto em que a autora informa as suas filhas sobre a necessidade de ser
uma pessoa simples, mesmo que afortunada:
201
Não é necessário, para ser feliz, viver rodeado de tudo o que há de
mais belo, de mais extraordinário e elegante. [...]. Se Deus vos der
fortunas, minhas queridas filhas, não ostenteis um luxo insolente, mas
conservai a simplicidade [...]; porque se Deus nos concedeu fortuna,
convencei-vos de que não foi unicamente para vossa utilidade pessoal,
mas para que ajudeis àqueles que dela são menos favorecidos e que
vivem na pobreza. (FONTES, 1933, pp. 131 - 132).
Nessa lição as representações de criança encontra-se na menina que é vista como
frágil e doce. Esses adjetivos que a caracterizam como generosa representam a criança
boa, identificando a categoria Bondade.
De modo geral, temos que o Terceiro Livro de Leitura da Série Fontes enfatiza
o asseio, a higiene, os hábitos alimentares, a importância do sono e da oração diária para
manter o espírito sadio, entre outros valores. Além disso, pensando no comportamento
infantil, o escotismo é visto como atividade ideal para exercitar e cultivar as virtudes e
combater o vício entre os meninos. Nesse livro, o autor aborda temas de caráter mais
ecológico. Numa fábula, em forma de poema, de Baltasar Pereira, o ―eu-lírico‖ 39
de ―O
castigo do cedro‖, reclama dos golpes duros do machado. No poema ―O periquito‖, de
Luís Pistarini, o ―eu-lírico‖ roga à menina que dê liberdade ao pássaro – retratado como
uma jóia – que está preso na gaiola. O ninho do pássaro é intocável e inviolável como
nosso lar.
Efetivamente a leitura das lições demonstra o quanto o Professor Fontes e os
autores estiveram sob a influência eminente dos discursos republicanos. Nesse sentido,
a Série Fontes representa o pensamento não só de seu autor/organizador, mas de vários
intelectuais representativos de um pensamento daquele tempo, numa combinação viável
de uma discursividade que oscila entre uma representação de criança moldável e aquela
que via na criança possibilidade alargada a partir do seu vir a ser.
O quadro 11 apresenta uma sistematização das categorias iniciais coletadas com
base na análise de conteúdo do total de lições examinadas.
39
voz que expressa a subjetividade do poeta e/ou a maneira pela qual o mundo exterior se converte em
vivência interior. Disponível em <https://www.dicio.com.br>. Acesso em 23 jan. 2018.
202
Quadro 11: Análise de conteúdo e categorização – Terceiro Livro de Leitura – 1933.
CATEGORIAS LIÇÕES
Patriotismo 39ª lição: Dia 21 de abril
70ª lição: A proclamação
Trabalho 30ª lição: Plantas e flores, frutos e sementes
Possibilidade 1ª lição: Oração do educador
4ª lição: A criança e o dever
19ª lição: Conselhos
20ª lição: O rato (conto)
25ª lição: Queres ser escoteiro
54ª lição: O escotismo Caridade 3ª lição: Amor filia
13ª lição: A verdadeira caridade
21ª lição: A caridade
40ª lição: O velho rei (conto)
57ª lição: O amor de Deus e de nossos pais
Bondade 8ª lição: A festa de Lúcio
38ª lição: A rua
43ª lição: Relações e deveres entre irmãos
6ª lição: A simplicidade Inferioridade 31ª lição: Um contratempo útil
35ª lição: Na aula de leitura Honestidade 24ª lição: A verdade Fonte: elaborada pelo autor, com base nos dados obtidos da Análise de Conteúdo no Terceiro Livro de
Leitura da Série Fontes (1933).
Como verificado, mais uma vez a categoria Possibilidade é a que mais se
apresenta, com base nas análises das lições do Terceiro Livro de Leitura. Isso dá o
indicativo de que por meio das lições da Série Fontes, seu autor quer uma criança
preparada, que se apresente como possível fonte de realização futura, levando em
consideração a construção de sujeitos que buscam modelar, a partir de práticas sociais
anunciadas e produzidas nas lições analisadas. Outrossim, podemos averiguar que as
representações de crianças expressas nas categorias analíticas aqui apresentadas,
aproximam-se dos padrões do adulto, não afirmando apenas uma incompletude e
imaturidade da criança, mas proclamando a possibilidade de valores que lhes é
atribuído. Nesse sentido, a criança carrega a dimensão do novo, da energia vital,
configurando o modelo no qual o leitor deveria se espelhar.
4.1.4 – Quarto Livro de Leitura – 1949
O presente livro é composto por 85 lições, que são identificadas com títulos
específicos, distribuídas em 168 páginas. Passa-se a elencar as referidas lições: Hino ao
creador; A família; A avozinha; O poder da família; O avô; Amor de mãe; Ser mãe;
203
Meu pai; Em família; Solidariedade familiar; A leoa; Parentesco; A casa; Higiene da
habitação; Ubi Natus Sum; Inviolabilidade de domicilio; Domus Aurea; O torrão natal;
Visita à casa paterna; A pequena pátria; De volta à terra; A pátria; A pátria; Pindorama;
Terra do Brasil; Língua Portuguesa; Terra de Santa Cruz; Direitos e deveres; O
semeador; Ensinemos o Brasil aos brasileiros; O trabalhador; Trabalhador; O trabalho,
lei universal; Comportamento escolar; A cidade da luz: Escola; Os livros; Ler e refletir;
A guerra; A paz e a guerra; A paz; Apelo à mocidade; Na defesa do solo; Oração à
bandeira; À bandeira; Os portugueses; Língua Portuguesa; Os grandes índios; Os
negros; O homem forte; Virtude magnânima; Sete de setembro; Inteireza dos Andradas;
Para a paz e para a liberdade; Ao Brasil; Deixem isto para as mulheres; Heroínas
brasileiras; Liberdade; Jose da Silva Mafra; Rosa Maria Paulina da Fonseca;
Simplicidade, felicidade; Uma heroína; O pessimismo nas escolas; Amor à profissão;
Hino do trabalho; Campanha do trigo; Dever de solidariedade; A paixão da verdade; A
pátria; Impostos; Joaquim Nabuco; Conselheiro Antonio Francisco Coelho; Marechal
Deodoro; O velho guia; O visconde de Mauá; Lavra sempre; Os criminosos do
machado; Felipe Schmidt; As boas ações; Trajano de Carvalho; Caxias; A água e o sol e
O ideal.
Após fazer sucessivas leituras das 85 lições desse livro, decidi analisar somente
quatro. Os critérios para a escolha dessas lições, e, não das demais, se justificam devido
às mesmas estarem se referindo a uma ou mais crianças, por meio de um nome próprio,
de um termo ou de um adjetivo, perspectiva analítica recorrente conforme a
metodologia eleita.
A Família (pp. 8-9) é a segunda lição do livro e a primeira analisada. A lição
contempla um texto com trinta e sete linhas, e leva a assinatura de Henrique Coelho. Os
termos: ―filhos‖, ―discípulo‖, ―irmãos‖, ‗família‖, ―parentes‖, ―pais‖, ―amigos‖,
―obediente‖, ―atento‖, ―bons‖ e ―honra‖ ajudaram, a saber sobre a criança nessa lição. A
categoria ―qualidade‖ está apresentada nos termos ―bons‖ e ―honra‖, que dão
significado, segundo o autor, ao que os filhos devem ter para com os pais. A criança
caracterizada nessa lição está nos ―filhos‖ e nos ―irmãos‖, que necessitam ser bons,
solidários, cordiais para com sua família e seus amigos. Criança tem que ser boa e estar
sempre à disposição de sua família. Há um conjunto de expressões que delineiam a
relação da família com a escola em suas ―obrigações‖: ―No seio da família contempla-se
o que se adquire no ambiente da escola. O pai continua com a tarefa do mestre,
204
aconselhando e guiando; o filho é ainda o discípulo, atento e obediente‖ (FONTES,
1949, p. 9); ―Da escola traz o discípulo a mente esclarecida, de família recebe a grande
lição da solidariedade, que vai ser a inspiradora do seu procedimento na vida social‖
(FONTES, 1949, p. 9). Lugar da criança é na família e na escola! Essa lição apresenta-
se com características que se definem em três categoria: Amistosidade, Bondade e
Obediência. Assim defino, levando em consideração os termos que nela se retratam,
como: ―amigos‖, ―bons‖, ―honra‖ e ―obediente‖. Ainda se faz relevante o fato que essas
categorias são subliminares, no sentido de dignificar o contexto que a família se
organizava na época e de como a criança era vista dentro da mesma.
A lição número quatro, intitulada O poder da Família (p. 11), é a segunda lição
em análise. Esta contempla um texto com vinte e cinco linhas e leva a assinatura de
Samuel Smiles. Os termos: ―crianças‖, ―lar‖, ―rédeas‖, ―poder‖, ―escola‖, ―educação‖ e
―sementes‖, ajudam a compreender como está representada a criança. A criança é
comparada a ―sementes que brotam‖ e que serão o futuro do país. Os termos ―lar‖ e
―escola‖ representam o lugar em que a criança/semente deve ser cuidada, pois tudo o
que lhes for passado se converterá em opinião pública. O autor traz, ainda, que as
crianças, como futuro da nação, recebam de seus pais o exercício da cidadania, pois eles
têm o poder sobre seus filhos muito mais que o governo: ―Os mais pequenos fragmentos
de opinião semeados no espírito das crianças na vida privada brotam mais tarde no
mundo, e convertem-se em opinião pública; porque a nação se forma com as crianças, e
aqueles que as dirigem exercem um poder talvez maior do que aqueles que teem as
rédeas do govêrno‖ (FONTES, 1949, p. 11). Ainda se vincula ao o conceito que Kohan
(2003) apresenta quanto à ―infância como pura possibilidade‖, numa perspectiva em que
a família apresentada está pautada num modelo de homem racional, forte, destemido e
justo, servindo como preceitos para a criança se referenciar. Desse modo, classificamos
essa lição na categoria Possibilidade.
A lição trinta e quatro, intitulada Comportamento escolar (p. 53), é a terceira
analisada. Contempla um texto com trinta e uma linhas, com assinatura de João de
Deus. As palavras ―filho‖, ―obediente‖, ―aluno‖, ―disciplina‖ e ―escola‖ apresentam
questões relacionadas à criança, ao seu comportamento, diretos e deveres. A lição traz a
necessidade da ―instrução‖ como sustento, uma vez que essa ―nos diferencia dos demais
animais‖, pois ―sem instrução a gente é como animais‖ (FONTES, 1949, p. 53). A
criança é identificada como um ―discípulo‖, aquele que segue as orientações de seu
205
mestre, é ―disciplinado‖ e a escola exerce o papel de ―mantê-lo no caminho certo‖,
cabendo aos pais dar uma ―boa orientação‖: ―Um discípulo deve ser modesto, [...] não
deve ter vaidade. Seja diante de quem for, devemos proceder de modo que se mostre a
nossa boa educação, e fazendo de conta que estão presentes os nossos pais‖ (FONTES,
1949, p. 53). Ao fazer a criança leitora refletir sobre a necessidade da ―instrução‖ e
postular dessa provém o sustento, fazendo-a entender que isso as ―diferencia dos demais
animais‖, coloca-a num lugar de subalternidade, ―sem importância‖. Desse modo,
apresenta-se a categoria Inferioridade, partindo do conceito apresentado por Kohan
(2003, p. 45) ―[...] é o tempo da incapacidade, das limitações do saber; é a etapa da falta
de experiência‖.
O pessimismo nas escolas (p. 105-106), sexagésima quinta lição do Quarto
Livro de Leitura da Série Fontes, é a última em análise permitindo a seleção dos termos
―crianças‖, ―ingênuas‖, ―pessimismo‖, ―escola‖ e ―aluno‖, como elementos que
representam a criança. O texto de 41 linhas é assinado por Araripe Júnior. Seu teor
chama a atenção para o que muitas vezes a escola acaba fazendo com suas crianças,
quando as trata como ―ingênuas‖ em relação ao mundo em que vivem. O autor quer
chamar a atenção da criança leitora sobre esse ―pessimismo‖ que é passado na escola,
uma vez que não precisariam se esforçar tanto nos estudos, pois ―se tudo isso se tem de
esbarrar diante da convicção de que o círculo em que êle (aluno) viver não o animará‖
(FONTES, 1949, p. 105). O autor acrescenta ainda: ―[...] desde os bancos de primeiras
letras só se faz plantar em seu espírito a idéia de inferioridade do caráter nacional, da
importância da raça a que pertencemos, da inutilidade do esforço num meio social
condenado pelas leis fatais da história a ser mero campo de exploração de industriais de
outras nações?‖ (FONTES, 1949, p. 106). Emergem, portanto, representações negativas
sobre a escola e o seu papel na formação das crianças, realçando a categoria
Inferioridade.
O Quarto Livro de Leitura contém a valorização de leitura como ato reflexivo,
instrumento formador da consciência crítica à sociedade que se apresenta.
Diferentemente dos demais que compõem a coleção, está organizado por agrupamento
de temas em comum No seu final reserva um espaço para mulheres que fizeram história.
As figuras exaltadas nos textos são Florisbela, a guerreira e enfermeira gaúcha; Maria
Curupaiti, apelidada de Chica Biriba; sóror Maria Angélica; dona Maria Paulina de
Fonseca, em texto assinado por Sílvio Romero; Maria Quitéria, que participou, em
206
1822, do Batalhão do Príncipe; Anita Garibaldi, figura do cenário histórico catarinense,
não aparece como personagem central, é apenas mencionada.
A peculiaridade de iniciar o livro com uma leitura de contornos religiosos nos
leva a recordar o costume de iniciar os trabalhos escolares com uma oração, comum nas
escolas naquele período.
O quadro 12 sistematiza os dados iniciais oriundos da análise das lições
selecionadas do Quarto Livro de Leitura da Série Fontes, inferindo com base nas
categorias intermediárias aqui apontadas.
Quadro 12: Análise de conteúdo e categorização –Quarto Livro de Leitura – 1949.
Categorias Lições
Inferioridade 34ª lição: Comportamento escolar
65ª lição: O pessimismo nas escolas
Amistosidade 2ª lição: A Família
Bondade 2ª lição: A Família
Obediência 2ª lição: A Família
Possibilidade 4ª lição: O poder da família
Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos dados obtidos da Análise de Conteúdo no Primeiro
Livro de Leitura da Série Fontes (1949).
Observo que as lições presentes no Quarto Livro de Leitura pouco nos traduzem
as representações de criança que quero buscar, que segundo Chartier (1990, p. 17) nos
permite ―identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada
realidade social é construída, pensada, dada a ler‖. Ou seja, as lições do Quatro Livro,
estavam mais voltadas para as características das terras brasileiras, seus heróis nacionais
e o amor a pátria, não revelando diretamente a criança, mas a nação. Em outros termos:
[...] O Quarto Livro de Leitura apresenta os semióforos de maneira
mais sistemática, formando uma divisão em blocos dos valores
cívicos, da conduta moral, da língua, das etnias e religião católica, isto
é, dos elementos do caráter nacional. Além dos textos sobre a
condição da mulher como mãe e heroína, o Quarto Livro versa sobre a
escola, o trabalho e o Estado e suas funções. (NASCIMENTO, 2003,
p.58-59).
Ao lado da permanência de uma visão de criança expressa nos livros anteriores,
o quarto livro de leitura configura-se nas representações de criança em quatro lições. A
centralidade está no poder que a família exerce, atribuindo à criança aspectos e
caracteres centrais, em que os autores constituem não apenas um repertório de ações
sobre as crianças, mas também que cheguem aos seus familiares, numa consonância de
207
pensamentos, cabendo aos adultos cuidar para que os ―bons valores‖ prevaleçam sobre a
formação infantil.
4.1.5 - Representações de criança em lições da Série Fontes: considerando o corpus
de análise
Para melhor visualizarmos os dados apresentados nos quadros 9, 10, 11 e 12 já
destacados, anuncio as categorias relacionadas, que têm por objetivo qualificar as fontes
de acordo com as análises desenvolvidas para esta pesquisa. O objetivo é estabelecer
novas categorias, que se apresentam nas lições de cada livro da Série Fontes, destacando
os termos que se repetem, levando em conta o critério de enumeração, tendo por base os
estudos de Laurence Bardin (2016) quanto à metodologia denominada Análise de
Conteúdo. Segundo o que informa a autora sobre os caminhos a serem feitos para as
análises: ―As diferentes fases da análise de conteúdo, tal como inquérito sociológico ou
a experimentação, organizam-se em torno de três pólos cronológicos: 1) a pré-análise,
2) a exploração do material e 3) o tratamento dos resultados, a inferência e a
interpretação‖ (BARDIN, 2016, p.125).
A Série Fontes foi considerada como constituinte do corpus de análise. Assim,
tendo em mãos os quatro livros de leitura de edições distintas, por meio de ―leitura
flutuante‖, verificou-se em suas lições a ocorrência daquelas que tratamos como as
palavras-chave relacionadas a representações de criança, as quais constituem os
―indicadores‖ utilizados para o entendimento sobre essa representação. Essas ações
correspondem à etapa de pré-análise.
Ainda, de acordo com Bardin (2016, p.125-132), a fase de exploração possibilita
a codificação, processo pelo qual o pesquisador sistematiza e agrupa os dados com
intuito de descrever as características do conteúdo, por meio da escolha de recortes do
texto em unidades de registro, pela definição de regras de contagem e pela classificação
e agregação do teor da escrita em categorias temáticas, conforme apresentamos nos item
4.1. Assim, estabeleceram-se como unidades de registro as lições, os títulos, as palavras
relacionadas a representações de criança. Essas unidades constituem um conjunto de
dados brutos dentro dos documentos.
Se cada unidade de registro é uma componente textual de significação,
constituída por parágrafos, frases e palavras, sua atenta leitura analítica possibilita a
208
identificação de palavras-chave que compuseram uma primeira categorização,
apresentada entre o item 4.1.1 e 4.1.4. O processo segue agrupando enunciados
selecionados pelo grau de proximidade, exprimindo significados e elaborações
significativas relacionados aos objetivos desta tese. Estes são encontrados não somente
na parte visível e aparente dos textos, mas também nas entrelinhas da escrita, como
podemos verificar na lição ―O medroso‖, quando o autor fala da criança que tem medo e
expressa na última linha: ―É muito ridículo ter medo‖ (FONTES, 1945, p. 13), é muito
mais elegante ser corajoso. Além disso, se apóia na constatação por meio de contagem,
após sucessivas leituras flutuantes, de que alguns termos são repetidos e indicam, em
linhas gerais, a natureza da prática educativa registrada.
Ainda embasado pelos estudos de Bardin (2016), selecionei as palavras-chave
que correspondem às categorias iniciais, agrupadas de acordo com temas parecidos, que
deram origem às primeiras categorias. Em seguida, da junção temática das categorias
iniciais se compõem as categorias intermediárias. Estas, ao serem novamente agregadas
devido à ocorrência de temas comuns, resultam nas categorias finais ou terminais.
Considerada a inferência e a interpretação, segui na direção de colher tanto os conteúdos
explícitos como aqueles tacitamente sugeridos.
Pelas exaustivas leituras realizadas para se reconhecer nas lições as
representações de criança, atingi a seleção de categorias que deram evidência aos
aspectos de similaridade ao objeto dessa pesquisa, organizando-os em quadros e
explicitados com base nos conteúdos das lições. À primeira vista, parece que se é
redundante, mas pretende-se evidenciar todas as etapas recorrentes, que são
estabelecidas por Bardin. Os detalhes vão delineando o caminho que nos levaram às
categorias finais. Os quadros elaborados têm como objetivo uma visualização conjunta
das análises, contribuindo no processo de classificação.
Considero importante apresentar, em linhas gerais, como estas categorias foram
constituídas. Para tanto, apresento a seguir um quadro com esses dados referentes à
categorização.
209
Quadro 13: Categorias intermediárias L
IVR
OS
CATEGORIAS
Ob
ediê
nci
a
Infe
rio
rid
ade
Am
isto
sid
ade
Po
ssib
ilid
ade
Gen
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e
Pre
guiç
a
Tra
bal
ho
Ho
nes
tid
ade
Bo
nd
ade
Car
idad
e
Men
tira
Pat
rioti
smo
1º livro de leitura X X X X X X X X
2º livro de leitura X X X X X X X X X X
3º livro de leitura X X X X X X
4º livro de leitura X X X X X
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
Os termos que mais aparecem nas leituras, instruindo a continuidade do processo
de categorização, dão indicativos de qual a representação de criança que se apresenta
nas lições: a criança como um cidadão que virá a ser, a que iria salvar a pátria, honrá-la
e torná-la melhor, ou seja, aquela que tem a característica do que é possível, definida
pela categoria Possibilidade. Se formos pensar a possibilidade com base nos conceitos
matemáticos, podemos significá-la como categoria a partir do conjunto de todas as
demais, dentro de uma combinação de categorias, ou seja, na variação remitente dentro
das análises combinatórias. Pode-se até aferir que dentro de um conjunto de leis que o
Professor Fontes permitir-se-ia homologar, processualmente o cidadão que viria ser,
com base em uma condição do que é possível, segundo seus preceitos republicanos.
Partindo do pressuposto de que se concebia a criança como ―sujeito de pura
possibilidade‖, podemos constatar que essa era tratada como depositária de esperanças,
caracterizadas como obediente, heroína, generosa, um anjo, uma flor, uma semente, pois
é ―De pequenino que se torce o pepino‖ (FONTES, 1922, p. 63).
Nessa perspectiva verificou-se que as lições consideravam desenvolver e incutir
na criança padrões de comportamento que se aproximavam dos padrões dos adultos,
representados como expressões centradas em práticas discursivas voltadas à criança
como possibilidade, a que apresenta viabilidade e perspectiva, que tem a capacidade em
poder fazer algo.
210
4.1.6 – Caminhos que levaram às categorias finais
No aprimoramento do tratamento categorial dado às lições, cheguei às categorias
finais: Trabalho, Obediência, Honestidade, Inferioridade, Possibilidade, Patriotismo e
Caridade.
As diferentes fases de análise de conteúdo foram estabelecidas com base nas
definições de Bardin (2016), que passaram pela leitura flutuante, estabelecendo as
categorias iniciais e intermediárias, chegando às categorias finais. Verificou-se que as
lições analisadas permitiram definir sete categorias, que nos dão elementos para definir
as representações de criança nas lições dos livros de leitura da Série Fontes.
O percurso metodológico, reafirmo, só foi possível pautado pelo que Bardin
estabelece como a organização da análise: ―a pré-análise, a exploração do material e o
tratamento dos resultados obtidos e a interpretação‖ (BARDIN, 2016, p. 123); ou seja,
em tom confrontativo, buscou-se esclarecimentos acerca dos conteúdos das lições, a
relação entre esses e os adjetivos relacionados às crianças. Essas diferentes fases da
análise de conteúdo fazem interrogar, a todo o momento: quais as representações de
criança na Série Fontes?
A exploração do material, segundo os fundamentos metodológicos
estabelecidos, possibilitou a classificação das categorias iniciais e intermediárias,
decodificando os dados brutos dos textos, que indicaram uma representação de conteúdo
suscetível, que ajudou a estabelecer características como a classificação de tais
categorias, correspondentes aos termos, substantivos, verbos e até advérbios, por meio
do que se pretendeu chegar à representações de crianças. Os tratamentos dos resultados
ajudaram a buscar os significados dos conteúdos dispostos, não somente o que estava
explícito nas lições, tratando-se de criança, mas o que o autor/autora das lições queria
passar como mensagem. Do mesmo modo, quanto à escolha do autor/organizador da
Série de tais lições, por que umas lições e não outras.
A divisão das lições analisadas e, depois, classificadas em categorias, se deve
aos critérios semânticos e léxicos. As definições das categorias em critérios de
categorização semântica se deram, por exemplo, quando todos os temas que
significavam bondade ficaram reunidos na categoria inicial ―Bondade‖, enquanto os que
desqualificaram a criança ficaram na categoria ―Inferioridade‖; e, nos critérios de
classificação léxica, se deram com base na classificação de palavras segundo o seu
211
sentido, com emparelhamento dos sinônimos e dos sentidos próprios relacionados à
criança (BARDIN, 2016). Assim, o que permitiu o agrupamento das categorias foi o
que havia em comum entre elas, fornecido por uma ―condição, uma representação
simplificada dos dados brutos‖ (BARDIN, 2016, p. 149).
Desse modo, o método utilizado para analisar as 272 lições contidas na Série
Fontes foi possível embasado nos conceitos que Bardin define como um ―conjunto de
categorias [...] que reúne um grupo de elementos‖ (BARDIN, 2016, p. 147), quer dizer
as unidades de registro. Os discursos atribuídos às lições, tais como bom cidadão,
criança não chora se não fica feia, amar a pátria, o trabalho dignifica o homem, respeito
aos mais velhos, contar a verdade traz recompensa, ter confiança em Deus,
comportamento escolar, boas qualidades e defeitos das crianças, entre outros,
esclareceram, no decorrer das análises, os oradores, as instituições que os englobam,
mas também as crianças a quem se dirigiam esses discursos. Ademais, dando indicações
com possível passagem de dados sobre o que se tinha como projeto de nação. Os
conteúdos encontrados estão ligados a valores contidos nos títulos e dentro das lições.
No conjunto das análises de conteúdo, buscando a percepção de representações
de criança, organizei quadros para cada uma das sete categorias finais, segundo
agrupamentos das lições que as formam. Entre as diferentes possibilidades de
categorização, os discursos aqui anunciados se dão dentro dos conteúdos apresentados
em cada lição. Depois foi passado um ―pente fino‖, correspondendo ao que segue
quanto à estruturação e construção teórica analítica de Bardin. Esses quadros e as
análises resultaram na definição das categorias definidas no processo.
Essas definições categoriais, situadas nas condições de recepção e leitura
produzidas nas lições, também revelam o que deixou de ser dito, o que pressupõe, por
vezes, um sentido muito forte do que não deve ser abafado. Ou seja, os resultados
obtidos apresentam características válidas para a elaboração dessa tese. Assim, a
sistematização dos dados, a organização das categorias, a confrontação sistemática com
as lições, tudo isso dá uma base disposta nas dimensões teóricas explicitadas pelo modo
como pude fazer as análises e traçar as representações de criança. Um tratamento
conforme as possibilidades de leitura, na construção de indicadores pertinentes às
questões abertas na introdução desse estudo.
Desse modo, apresentamos as categorias conforme a quantidade em que
aparecem nas lições – critérios de enumeração –, uma síntese semântica de cada
212
categoria, assim definida: Patriotismo, duas lições; Honestidade, quatro lições; Trabalho
– cinco lições; Obediência, seis lições; Inferioridade, quinze lições; Possibilidade, vinte
e uma lições e Caridade com vinte e duas lições (Quadro 14).
213
Quadro 14: Análises categoria Trabalho
Ordem Categoria Livro Lição Quantidade Representação de criança
01 Trabalho I 1ª – O trabalho
35ª – Más desculpas
2 Menino e preguiçoso
II 8ª – Necessidade do trabalho
41ª – O castigo da indolência
2
III 30ª – Plantas e flores, frutos e
sementes
1
IV ------------- 0
Resumo I Resumo II (esquema) Síntese
1 – criança – menino; homem – utilidade (ser
útil), foco na sociedade.
2 – desculpas não boas, inaceitabilidade do
erro, a preguiça não combina com o trabalho.
3 – o trabalho como uma necessidade, esforço,
dedicação para as conquistas – foco no
masculino; nada vem de graça, tudo tem um
custo.
4 – a preguiça é castigada por meio do outro, o
pai, de sua atitudes. Lição mais didática, o
trabalho somente feito por interesse.
5 – cuidado com a terra, consciência ecológica
envolvendo o trabalho.
- preparar o individuo para ser útil e não cometer erros:
utilidade e assertividade.
- o custo na obtenção das coisas necessárias à
vida/sobrevivência e a observância/percepção de si por
meio do outro quando do trabalho feito por interesse
próprio.
- consciência ecológica – cuidado com a terra, com o
ambiente de onde tira seu sustento.
Forjar o indivíduo almejando um ser
útil e assertivo para o futuro, por
meio do entendimento de que tudo
tem um custo, que o trabalho não
deve somente ser realizado visando
o interesse próprio e que a terra é um
patrimônio universal (consciência
ecológica). Assim, se estabelece a
conexão entre trabalho, indivíduo
(consciência) e terra, pois menino
preguiçoso comete erros e pensa só
em si.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018
214
Na categoria trabalho tem-se cinco incidências de lições que abordam esse
elemento, por meio dos quatro livros de leitura.
O Primeiro Livro de Leitura traz duas lições: 1ª – O trabalho (p. 5-6 ) e 35ª –
Más desculpas (p. 54-55). No Segundo Livro de Leitura tem-se: 8ª – Necessidade do
trabalho (p.13) e 41ª – O castigo da indolência (p.58-59). A lição Plantas e flores, frutos
e sementes fecha essa categoria na 3ª lição do Terceiro Livro de Leitura. Já no Quarto
Livro de Leitura não se tem menção a essa categoria.
Entende-se por trabalho o ―Conjunto das atividades realizadas por alguém para
alcançar um determinado fim ou propósito‖ 40
. Desse modo, percebe-se que a categoria
trabalho, caracterizada nessas lições, carrega em si o significado que lhes é dado, uma
vez que nelas é especulado o dever que as crianças têm sobre suas obrigações no
presente e no futuro, colocadas sobre elas a responsabilidade de garantir o progresso da
nação.
Apreende-se por meio dessas que o indivíduo é forjado, almejando ser útil. A
expressão ―Menino, olha em redor de ti: tudo trabalha, tudo convida ao trabalho‖
(FONTES, 1945, p. 5) personifica a visão do autor sobre o trabalho como bem maior,
apresentando-o como condição de vida, como prioridade desde a infância. O autor ainda
intensifica essa sua percepção do mundo do trabalho, caracterizando-o como algo
comum, e, de forma incisiva, dá um ―ultimato‖ aos meninos: ―Trabalha também, tu,
meu menino‖ (FONTES, 1945, p. 6).
Já na lição ―Más desculpas‖ a categoria trabalho apresenta-se no antagonismo de
quem não gosta de fazer as tarefas: ―Quando Flávio fazia qualquer coisa inconveniente,
arranjava sempre alguma desculpa‖ (FONTES, 1945, p. 54). O autor chama a atenção
da criança por meio das observações que a mãe faz sobre as desculpas que a criança dá
para não cumprir o que lhe é de obrigação, mostrando indisposição e preguiça.
As lições da Série Fontes já mostram a que vieram, também por seus títulos,
como podemos observar na lição ―Necessidade do trabalho‖. O termo necessidade
qualifica aquilo que é necessário, ou seja, que não se pode evitar, inevitável 41
. Assim, a
criança vê que o trabalho é indispensável, que superará suas necessidades (lembrando
que as lições sobre trabalho caracterizam ainda o trabalho na terra). Então, a criança que
ao ler essa lição e que vê sua família passando necessidades, pensaria que seria melhor
40
<https://www.dicio.com.br/trabalho/>. Acesso em 19 fev. 2019. 41
<https://www.dicio.com.br/necessidade/>. Acesso em 19 fev. 2019.
215
ela trabalhar para ajudar do que estudar. Nesse sentido, a lição ―O castigo da
indolência‖ reafirma a necessidade de trabalhar desde a infância, pois a criança
indolente, que não tem vigor e que age com preguiça, seria incapaz de realizar o que lhe
é indicado. Podemos ver isso na seguinte expressão: ―Não vale a pena atravessar a rua
por causa daquilo, que não paga nem mesmo o trabalho de uma pessoa se abaixar para o
apanhar‖ (FONTES, 1945, p. 58), fala o menino a seu pai quando esse solicita que
aquele pegue uma ferradura de cavalo que está jogada na estrada.
A categoria trabalho, com base no que esse significa, ou seja, ―alcançar um
determinado fim‖, o ofício que se apregoa, uma profissão, é detonada no sentido da
lição ―Plantas e flores, frutos e sementes‖. Apresenta-se a criança, entendendo que o
trabalho na terra – a lavoura, o campo – caracteriza-se como um ―tesouro‖, pois ―ela é
pródiga na dor, opulenta no produzir‖ (FONTES, 1933, p. 52). É nesse sentido que o
Professor Fontes constrói seu pensamento sobre a criança. A lição destacada abrange o
valor da terra, entregando à criança a importância dela para sua existência: ―A terra é
um tesouro maravilhoso do qual cada um de vocês pode tirar com pequeno trabalho,
proventos e utilidades sem conta‖ (FONTES, 1933, p. 52).
As plantas e flores são úteis ao homem, pois produzem frutos e esses contêm
sementes que gerarão outras plantas. Assim, seguindo essas lições, a criança dará bons
frutos, pois ―se conhece o ser pelas suas obras‖. Entende-se que o trabalho ―é o modo
em que o homem transforma a natureza e, portanto, transforma a si mesmo‖, ou seja,
―ao produzir seus meios de vida, o homem produz indiretamente sua vida material‖
(MARX, apud, ENGUITA, 1993, p. 105). Nesse mesmo sentido, ainda seguindo a linha
de pensamento desse autor, podemos dizer que a conexão trabalho e criança está no
processo educativo que se inscreve plenamente nas lições supracitadas. Nelas a natureza
apresenta-se como sinônimo de trabalho: ―O trabalho é a relação do homem com a
natureza, relação em cujo caráter transformador deve-se insistir, e a natureza faz parte
das circunstâncias do homem‖ (ENGUITA, 1993, p. 105). Nesse contexto, a
representação de criança nessa categoria leva do ―menino e preguiçoso‖ para (projeção)
―menino trabalhador e útil‖. Ou seja, aquele que será o futuro do Brasil, mas a quem foi
negada a infância.
216
Quadro 15: Análises Categoria Patriotismo
Ordem Categoria Livro Lição Quantidade Representação de criança
02 Patriotismo I -------------------- 0 Herói nacional
II -------------------- 0
III 39ª – Dia 21 de
abril (p. 66-67)
70ª – A
proclamação (p.
119-120)
2
IV -------------------- 0
Resumo I Resumo II (esquema) Síntese
1 – Heroísmo
(menino), herói
nacional, exemplo
Tiradentes.
2 – exemplo XV de
Novembro –
Proclamação da
República
- herói nacional – heroísmo
- sentimento de nacionalismo –
do nacionalismo ao patriotismo
- a Pátria como um valor
interiorizado por parte das
crianças num sentimento
patriota
Despertar no indivíduo o
amor pela Pátria que é
interiorizado nessas lições
pelas crianças, perceptível
quando comentam sobre o
assunto.
A representação de criança,
conforme Chartier, é o
Herói Nacional.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
Na categoria Patriotismo tem-se somente duas lições e essas se encontram no
Terceiro Livro de Leitura, sendo elas: 39ª lição – Dia 21 de abril (p. 66-67) e 70ª lição –
A proclamação (p. 119-120). (Conforme Quadro 15).
No Estado da Arte, Capítulo I dessa tese, observo que as pesquisas já feitas
sobre a Série Fontes, bem como sobre seu autor/organizador Professor Fontes, apontam
o termo patriotismo como elemento recorrente dessa Série, como podemos ver em
alguns excertos: ―Amor a Pátria, emergindo um sentimento de patriotismo nos leitores‖
(VENERA, 1999, p. 12). "O menino estudioso, obediente, leal e cuidadoso de suas
obrigações será depois um cidadão excelente‖ (SANTOS, 1999, p. 23). O amor à Pátria
estabelecia a prosperidade da nação; o trabalho, como parte do processo civilizatório, se
constitui por uma divisão social e os oprimidos aprendiam a ver a ordem social como
algo sagrado, ressalta Nascimento, (2003, p. 12). ―Residia na criança instruída e
educada a garantia de um futuro melhor para a nação‖ (PROCHNOW, 2009, p. 36). E
ainda: ―Passava a vigorar um plano que visava definir um perfil de cidadão brasileiro, e
que seria realizado, em grande medida, por meio da escolarização‖ (SOUZA, 2010, p.
11). E mais: ―A educação estava voltada entre a educação moral e a cívico-patriótica
onde a formação do caráter do aluno configurava-se na interação com os saberes
específicos‖ (FONTES, 2011, p.108). Em outras palavras: ―Essas práticas chegaram ao
217
espaço educacional em que todos fazem uso da educação para semear e colher os frutos
da nova nação, limpa, forte e com padrão de qualidade‖ (SILVA, 2016, p. 62).
Ademais: ―Nesses discursos públicos, percebe-se como o nacionalismo de Fontes tem o
tom ufanista do patriotismo exacerbado‖ (SILVA FILHO, 2013, p. 176).
Nessa pesquisa verifico que muitas são as lições que tratam dessa temática, em
que o patriotismo está presente nos valores da terra brasileira – suas riquezas naturais,
nos símbolos nacionais, bem como nos grandes feitos por meio dos heróis e heroínas.
Mas, como procuro as representações de criança, entendo que as lições presentes
no terceiro livro de leitura apresentam uma representação, conforme Chartier (2002),
como já mencionado. Nessas lições não é a voz do adulto que se apresenta, mas da
criança que expõe as informações apreendidas em sala de aula, como podemos observar
em um trecho da lição 39, assinada por J. Pinto e Silva (Figura 19):
Figura 19 – Dia 21 de abril42
Fonte: Terceiro Livro de Leitura – 1933 – Hemeroteca Digital Catarinense:
<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br>
Esse diálogo caracteriza o sentido de patriotismo da época, apreendido pelas
crianças. Desse modo, a representação de criança patriota está no feito de um cidadão
que deu sua vida pela pátria.
42
Para melhor visualização transcreve-se, na íntegra, o texto integral da lição: ―Dia 21 de abril – J. Pinto
e Silva. Era num grupo escolar. Os alunos se achavam no vasto palco de recepção. Estavam á espera das
aulas. Uns conversavam, outros pulavam, outros jogavam bolinhas, todos muito alegres e satisfeitos. Á
fresca sombra duma frondosa figueira, conversavam Renato e Guilherme. – Renato, porque motivo não
ouve aula ontem? – Pois não sabes, Guilherme?! – Não; não compareci, ante-ontem, ao grupo. – é
verdade! Já não me lembrava! Mas não importa. Vais já saber o que desejas. E Renato começou: - Ontem
não houve aula, em honra á memoria dum grande brasileiro. – E quem foi êsse brasileiro, Renato? – Foi
um verdadeiro patriota. Amava tanto sua pátria, que por ela derramou seu sangue‖. (FONTES, 1933, p.
39).
218
Já na lição 70, ―A proclamação‖, o diálogo está entre o professor e uma criança,
em que o primeiro a instiga com a seguinte questão: ―Luiz, se te perguntassem qual é o
acontecimento mais importante de nossa História, o que responderias? [...] – A data que
vejo ter sido saudada com maior entusiasmo é a de 13 de maio [...]. Da festa da
Bandeira que se faz em 19 de novembro‖ (FONTES, 1933, p. 118), respondeu Luiz.
Mas, o professor interpela dizendo que essas datas são sim muito importantes, mas que
a da Proclamação da República é a maior:
[...] porém a data mais popular, a que mais concorreu para a
realização dessas tantas coisas que tu admiras, foi, sem dúvida, a
de 15 de novembro de 1889. Na madrugada dêsse dia memorável,
um punhado de patriotas, animados pela mais robusta fé, impelidos
por um desejo ardente de liberdade e progresso, agrupados em
torno do brioso militar marechal Deodoro da Fonseca, deu ao
mundo, um belo exemplo de civismo e amor da Patria. (FONTES,
1933, p. 119-120).
Ambas relatam situações envolvendo o orgulho e o amor pela nação,
objetivando, em alguma medida, despertar no indivíduo o amor pela pátria que se
percebe já interiorizado, como nas crianças que comentam sobre o assunto. São falas
idealizadas que procuram convencer as crianças.
Com relação à representação de criança, tem-se o herói nacional. Compreende-
se que o Patriotismo, segundo Norberto Bobbio ―Trata-se de uma ideologia unificadora,
elaborada intencionalmente para garantir a coesão do povo no Estado‖ (BOBBIO, 2010,
p. 800). O autor acrescenta dizendo que: ―Na realidade a finalidade última da operação
política resultante na fusão do Estado e nação é justamente a de desenvolver um
sentimento nacional‖ (BOBBIO, 2010, p. 800).
A afirmação coaduna com o projeto de nação que se tinha para o período, como
vimos no Capítulo 2. Esse sentimento patriótico exacerbado nas pesquisas já
mencionadas, ocupa o lugar do que Bobbio (2010, p. 803) chama de ―dedicação extrema
a própria pátria‖, ou seja, o amor dos homens para com sua nação ao ponto de
sacrificarem suas vidas por ela.
Assim, ao proclamar as representações de criança nessa categoria, quero
enfatizar a ideia de nação e o lugar que a criança, nesse período, ocupavam um
imaginário a ser forjado, uma projeção a ser conquista. Nas palavras de Bobbio, essa
ideia se justifica pela existência de quererem proteger as fronteiras naturais do Estado
nação dentro de uma representação: ―Apesar das limitações, porém, a ideia de nação é a
219
imagem mítica que possibilita aos indivíduos a representação da ideia de que o Estado
pertence ao povo‖ (BOBBIO, 2010, p. 800).
Quadro 16: Análises categoria Honestidade
Ordem Categoria Livro Lição Quanti
dade
Representação de
criança
03 Honestidade I 31ª - Honradez 01 Indivíduo honrado
II 42ª – O seu a seu
dono
46ª – O mentiroso
2
III 24ª – A verdade 1
IV ---------------------- 0
Resumo I Resumo II (esquema) Síntese
1 – Bem fazer, dizer a
verdade;
2 – Dai a Cesar o que é
de Cesar (nunca ficar
com o que não é seu);
3 – As consequências
da mentira;
4 – Importância da
verdade .
- Verdade
- Dever
- Consequências da mentira
- valor da verdade
O indivíduo é
―induzido‖ dizer a
verdade. Com isso,
bem fará a ele e a
todos.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
Como mostra o Quadro 16, a categoria Honestidade vem descrita em quatro
lições. No Primeiro Livro de Leitura destaca-se a lição 31ª – Honradez. No Segundo
Livro de Leitura as lições 42ª – O seu a seu dono e 46ª – O mentiroso e lição 24ª – A
verdade contida no Terceiro Livro de Leitura. O Quarto Livro de Leitura não apresenta
lição relacionada a essa categoria. Dentro dessa categoria, Honestidade, o destaque a ser
dado está no ato da honradez, cujos valores têm uma relação estreita com a verdade, a
justiça e a integridade moral.
As lições em evidência, que representam essa categoria, de modo geral realçam
a aprendizagem quanto às ações de nossos atos que podem ou não trazer recompensas,
como descrito na lição ―Honradez‖: ―- Menino; - disse-lhe o caçador, - eu te faço
presente desta outra (bolsa) com o dinheiro que contém, como recompensa de tua
honradez‖ (FONTES, 1945, p. 47). E ainda na lição ―O seu a seu dono‖: ―O menino
cumpriu o seu dever, indo restituir um objecto que não lhe pertencia. O dono ficou por
isso muito contente e recompensou a boa ação de Thomás, dando-lhe um canivete novo
e ainda mais bonito‖ (RIBEIRO apud FONTES, 1922, p. 61).
220
Ao marcar o ato honesto, a recompensa caracteriza que o princípio da verdade
está ligado ao bem material, ou seja, o que é para ser um princípio torna-se interesse.
Mas entende-se que essa categoria quer representar a criança que compreende o
valor da verdade que precede bons atos, sejam eles de ações diretas ou em pensamentos.
O que é de se esperar que as crianças aprendam em casa ou na escola, tendo em vista a
narrativa das lições destacadas, não de forma isolada, mas de modo que as práticas
discursivas partilhadas (CHARTIER, 1991) constituem os modos de pensar e de sentir
tomados coletivamente.
Destaco, também, outras duas lições que apresentam a importância da
honestidade e que sustentam a classificação dessa categoria. Na lição ―O mentiroso‖ o
destaque a ser dado está no antagonismo da palavra honestidade. Por nunca dizer a
verdade, o menino não era respeitado pelos colegas: ―- Ora, sae daqui mentiroso!
Pensas, então, que somo tolos?‖ (NETO, apud, FONTES, 1922, p. 68). Por não dizer a
verdade, o menino foi castigado com sua própria vida: ―Eu bem ouvi o seu grito, bem
ouvi, mas elle mentia tanto ... [...]. – Coitado! Mas foi por culpa delle. Mentia tanto!‖
(NETO, apud, FONTES, 1922, p. 69). O vício que tinha em mentir, esse ato desonesto
presente causou-lhe a morte. Assim, ao não dizer a verdade, não obteve recompensa. A
verdade deve estar em conformidade com seus atos, como pode ser vista na lição ―A
verdade‖, na expressão: ―- menino, - disse o salteador, - deste-me uma boa lição, és tão
pequeno e não tens medo de falar a verdade, nem és capaz de trair tua mãe. Oxalá fosse
tão fiel a Deus como tua a tua mãe‖ (ARMSTRONG, apud, FONTES, 1933, p. 44).
A sinceridade do menino, atribuída ao respeito por sua mãe em dizer sempre a
verdade ―[...] aconteça o que acontecer nunca deves mentir‖ (p.43) lhe trouxe
recompensa e honradez, que também está relacionada à qualidade de quem possui
pureza 43
, termo também usado para representar a criança.
Pode-se considerar que dizer a verdade é bem fazer a si e aos outros, o que está
relacionado com o não mentir e dizer a verdade em todos os tempos. Assim, ao
definirmos honestidade, buscamos dar sentido às ações que procedem das informações
apresentadas nas lições: virtudes, respeito, moral, honradez, não mentir, dignidade, que
levaram a essa categoria, dentro da perspectiva de que se constitui como ―a qualidade de
ser verdadeiro: não mentir, não fraudar, não enganar; obediência incondicional
43
<https://www.dicio.com.br/honestidade/>. Acesso em 19 fev. 2019.
221
às regras morais existentes. Enfim, pode ser uma característica de uma pessoa ou
instituição, significa falar a verdade, não omitir, não dissimular‖ 44
.
A representação de criança fica por conta do indivíduo honrado. Ou seja, há
certo modo de ver as coisas, de dá-las a ver, de verificá-las, dentro de um conjunto de
práticas, modos de vida e atitudes que geram padrões de vida cotidiana (CHARTIER,
1991).
Quadro 17: Análises categoria Obediência
Ordem Categoria Livro Lição Quantidade Representação de criança
04 Obediência I 15ª – Um menino
exemplar
1 Homem exemplar
II 13ª – Carta de
parabéns;
18ª –
Pontualidade;
60ª – O filho
desobediente;
62ª – Noções de
higiene.
4
III --------------------- 0
IV 2ª – A família 1
Resumo I Resumo II (esquema) Síntese
1 – Qualidade X
defeitos, como deve se
comportar uma criança –
obediência.
2 – Obediência –
consciência de seus atos.
3 – Defeitos
incorrigíveis.
4 – Obedece só a mãe.
5 – O menino não deve
ser guloso, desleixado,
preguiçoso e ocioso.
6 – Os filhos devem ser
bons e honrados para
com os pais.
- Obediência em casa e fora dessa. Um menino exemplar é
aquele que reconhece deus
deslizes, é pontual na
escola, obedece as pessoas
mais velhas e tem atenção à
higiene, não somente em
casa. E tudo isso vai
replicar/ressoar na e com a
família de modo geral,
apresentando bondade e
honra para com os pais.
Fontes: Elaborada pelo autor, 2019.
Por sua vez, constituo o Quadro 17, que foca na categoria Obediência, em que
foram selecionadas seis lições dos quatro livros em estudo, apresentando-se da seguinte
44
<https://edukavita.blogspot.com/2013/05/honestidade-definicao-conceito.html>. Acesso em 20 fev.
2019.
222
forma: O livro I traz a lição: 15ª lição: Um menino exemplar. As lições: 13ª – Carta de
parabéns; 18ª – Pontualidade; 60ª – O filho desobediente e 62ª – Noções de higiene
estão no livro II. Já o livro III não apresenta lições para essa categoria, segundo análises.
No livro IV tem-se a 12ª lição – A família.
As lições relacionadas a essa categoria apresentam características que definem o
seu significado, como podemos ver em alguns termos nos títulos das lições: exemplar –
pontualidade – desobediente – parabéns – higiene. Características de conformação,
resignação, disciplina, docilidade e respeito.
Por entender que a obediência constitui-se pelo ato de obedecer, de quem é
submisso, dócil; ato pelo qual alguém se conforma com ordens recebidas 45
, relaciono à
obediência o que Foucault (2013) chama de disciplina, que é ―um tipo de poder, uma
modalidade para exercê-lo, que comporta todo um conjunto de instrumentos, técnicas,
de procedimentos, de nível de aplicação, de alvo‖ (FOUCAULT, 20013, p. 203). Pode-
se dizer que quem tem disciplina é obediente, pois atende aos modos de poder, de
regulamento entre o que é aprendido e o poder, na arte de governar a conduta dos
indivíduos, como ―dispositivos que estruturam o que os outros podem fazer com a
função principal de dirigir condutas‖ (FOUCAULT, 20013, p. 205).
Na lição ―Um menino exemplar‖ a categoria obediência apresenta-se no respeito
e docilidade do menino para com seus semelhantes, como na expressão: ―No passeio,
cede sempre o lugar junto á parede ás senhoras e ás pessoas mais velhas‖ (FONTES,
1945, p. 21). Essa característica é delineada por um sentimento de condutas a serem
seguidas pelas crianças, que são como rituais em que se definem os papéis para esses
sujeitos. Na lição 13, a expressão ―Desobedeci suas ordens e recebi seus conselhos com
máus modos‖ (MANUEL, apud, FONTES, 1922, p. 21), demonstra a apropriação do
discurso da obediência, por meio da desobediência cometida.
Esse discurso também se apresenta na lição ―Pontualidade‖, mas como forma de
cobrança sobre a criança que não cumpriu seus deveres e que ignora seus atos maus. Há
uma ritualização de palavras, como podemos ver na seguinte expressão: ―- Queixa-te,
meu filho, de que te fazem esperar e nada está pompto e preparado, quando desejar. E tu
tens sempre promptas, á hora da aula, as tuas lições? Chegas sempre a tempo á escola?
És cumpridor dos teus deveres?‖ (FONTES, 1922, p. 18). A obediência está em cumprir
os deveres e conformar-se com as ordens recebidas, num jogo de relações de poder. Do
45
<https://www.dicio.com.br/obediência/>. Acesso em 19 fev. 2019.
223
mesmo modo, a desobediência define a indisciplina, num momento antagônico do que
essa categoria caracteriza. A desobediência pode ser vista como defeito: ―Eduardo tinha
o grande defeito de ser desobediente‖ (FONTES, 1922, p. 99), e traduz também o ato
indisciplinar que acabou causando-lhe a morte: ―Que desgraçada morte, fruto da
desobediência!‖ (FONTES, 1922, p. 100).
Essas lições estão dentro de um complexo jogo de ―práticas discursivas e não
discursivas que geram as condições para que tenhamos uma certa experiência de nós
mesmos‖ (KOHAN, 2003, p. 80), em que o sujeito joga um jogo no qual se é jogador e
jogado ao mesmo tempo. Segundo Kohan, ―O ponto mais energético do jogo está na
constituição do próprio modo de ser, na forma que toma a criança no interior uma de
série de estratégias reguladas de comunicação e prática de poder que permitem produzir
um certo eu‖ (KOHAN, 2003, p. 81).
Na obediência há um poder exercido que determina algo. No caso da Série
Fontes, a conduta que as crianças devem seguir e a escola apresentam-se como aquilo
que dá significado aos conceitos normativos ligadas à família: ―No seio da família
completa-se o que se adquire no âmbito escolar. [...]. Da escola traz o discípulo a mente
esclarecida‖ (COELHO, apud, FONTES, 1949, p. 9). Desse modo, o professor ocupa
uma posição estratégica na disseminação do poder disciplinar na escola (KOHAN,
2003).
A categoria obediência permeia aspectos relacionados à representação de criança
quanto ao seu modo de ser, instituído no que Chartier (2011) define como
representação: o que os indivíduos exibem, por meio de suas práticas, dentro de uma
realidade social, sobre uma ―força de uma identidade ou a permanência de um poder‖
(CHARTIER, 2011, p. 20).
Com base nas análises pude concluir que a obediência é um bem caro à família,
e, consequentemente, à sociedade. Propõe ao indivíduo bondade e honradez, elementos
importantes na vida em comunidade e na formação do cidadão patriota.
224
Quadro 18: Análises categoria Inferioridade
Ordem Categoria Livro Lição Quantidade Representação de criança
05 Inferioridade I 6º lição: O importuno;
8ª lição: O medroso;
13ª – Ditados
17ª lição: Confiança em Deus;
27ª lição: Resposta de uma carta;
30ª lição: Jantar de barbados;
32ª lição: O menino chorão
6 Aquele que não é capaz
II 6ª lição: Deus
11ª lição: Uma boa lição
14ª lição: O papel e a corda
26ª lição: A alma
4
III 31ª lição: Um contratempo útil
35ª lição: Na aula de leitura
2
IV 34ª lição: Comportamento escolar
65ª lição: O pessimismo nas escolas
2
Resumo I Resumo II (esquema) Síntese
1 – incomodar = importuno.
2 – medo/ridículo – poder dos adultos.
3 – adultos ―coagem‖ as crianças.
4 – criança, engraçadinha – relações com fenômenos da natureza.
5 – fraqueza – roubo.
6 – coisas de adultos – o não lugar da criança.
7 – coragem desde pequena.
8 – catolicismo – marca do Professor Fontes.
9 – bem X mal – tarefa para ser cumprida.
10 – os bons amigos são fios condutores.
11 – não é esclarecida a o termo ―alma‖.
12 – pensar só em si – caminho a seguir.
13 – pretos – cor, inferioridade X heroísmo.
14 – estudar para subsistir – o professor como mestre.
15 – inutilidade de estudar.
- incômodo por ser pequeno
- forte X fraco
- medo
- coragem
- religiosidade
- responsável para com os adultos
- ―digas com quem andas que te direi quem és‖
- a relação dos brancos com os pretos.
A inferioridade seja por meio de cor,
tamanho, falta de estudos.
Contempla a criança como
importuna, medrosa, covarde,
chorona, preconceituosa, que deve
obedecer às leis divinas, que deve
comportar-se na escola e saber onde
é seu lugar.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
225
O Quadro 18, por sua vez, traz as quinze lições que compõem a categoria
Inferioridade, assim elencadas nos quatro livros de leitura: Livro I - 6º lição: O
importuno, 8ª lição: O medroso, 13ª – Ditados, 17ª lição: Confiança em Deus, 27ª lição:
Resposta de uma carta, 30ª lição: Jantar de barbados e 32ª lição: O menino chorão. Já no
livro II aparecem as seguintes lições: 6ª lição: Deus, 11ª lição: Uma boa lição, 14ª lição:
O papel e a corda e 26ª lição: A alma. No livro III temos as lições 31ª lição: Um
contratempo útil e 35ª lição: Na aula de leitura. No livro IV, segundo minhas análises, a
categoria inferioridade apresenta-se nas lições 34ª lição: Comportamento escolar e 65ª
lição: O pessimismo nas escolas.
Ao apresentar o termo inferioridade como categoria, pretendo dar destaque às
lições que tratam a criança com insignificância, ou seja, que apresentam o ―estado do
que é inferior, situada numa posição menos elevada‖ 46
. Frente a isso, Kohan (2003)
apresenta o discurso em que se conceitua a infância como inferioridade frente ao
homem adulto e equiparada com outros grupos sociais como ―as mulheres, os ébrios, os
anciãos, os animais, esta é a marca do ser menos, do ser desvalorizado hierarquicamente
inferior‖ (KOHAN, 2003, p. 33). Tomo como referência para essa categoria o que
Kohan define como ―ser menos‖ e ―desvalorizado‖, para inferir acerca das
representações de criança que também se apresenta nas lições da Série Fontes.
Esse entendimento apresenta-se na lição ―Jantar de barbados‖, como podemos
ver nas expressões a seguir: ―- Meu filho, hoje só os homens barbados jantam comigo‖
(FONTES, 1945, p. 44), e, que a infância se apresenta associada a ―imagem do vazio
[...], em que não é possível saber sobre o justo e o injusto, é o tempo da incapacidade
[...] é a falta de experiência‖ (KOHAN, 2003, p. 45). A lição evidencia o estado do
inferior, pois, junto ao animalzinho ela poderia estar, mas com os homens não: ―Quando
Mário começou a servir-se, chegou o gato velho da casa, o Marquês, que foi colocando
as patas sôbre a mesa do menino‖ (FONTES, 1945, p. 45).
Esse pensamento também se apresenta em ―Uma boa lição‖, no qual uma criança
tem a responsabilidade de cuidar de um animal, mas não o faz com primazia,
priorizando seu desejo infantil de comer frutas, enquanto a vaca fica solta e estraga todo
o jardim. Ao ver o estrago que ela fez, começa a lhe bater. Devido a isso, foi
repreendida pelo pai: ―- Quem merece castigo, tu ou esse animal, que não sabe
distinguir o bem e o mal?‖ (FONTES, 1922, p. 16). Sobre esse estado do que é justo e
46
<https://www.dicio.com.br/inferioridade/>. Acesso em 19 fev. 2019.
226
injusto – almoçar com o pai e comer frutas quando se tem vontade, Kohan (2005)
teoriza referindo-se a Platão, quando afirma sobre o lugar que a infância ocupa. As
crianças não têm razão, compreensão ou juízo, nesses casos, o adjetivo infantil é
―sinônimo de pueril, ingênuo, débil‖ (KOHAN, 2005, p. 47). Nesse estado de
inferioridade, a criança é situada numa posição menos elevada, sendo colocada abaixo
dos adultos e comparada aos animais.
De outro modo, essa categoria também se apresenta na lição ―Na aula de
leitura‖, sendo que dessa vez a criança está sendo desqualificada por outras crianças
devido a sua cor: ―Um colega insultou-o muito, no recreio, e ainda lhe disse: Negro não
é gente‖ (SILVA, apud, FONTES, 1933, p. 60). A percepção da criança é limitada, ou
seja, só percebe superfícies, e não as profundidades (KOHAN, 2005). O que também é
ressaltada na lição ―Comportamento escolar‖, como a seguinte expressão: ―Porque sem
instrução a gente é como os animais‖ (DEUS, apud, FONTES, 1949, p. 60).
Em todos esses casos, como também em outros já descritos, as representações
são sempre resultantes de determinadas motivações e necessidade sociais. Outrossim:
―Esse modo tem como parâmetro de medida um modelo antropológico de homem
adulto, racional, forte, destemido, equilibrado, justo, belo, prudente, qualidades cuja
ausência ou estado embrionário, incipiente, torna as crianças e outros grupos sociais que
compartilham desse estado inferior‖ (KOHAN, 2005, p. 49).
Nessas lições apreende-se que a criança é vista como um ―estorvo‖, importuna,
fraca, covarde, engraçadinha, é coagida pelo adulto. Portanto, em posição de
inferioridade, que nas palavras de Kohan (2005) traduzem o lugar que ela ocupa na
sociedade. As lições da Série Fontes representam um período em que a criança ainda
não era vista como um sujeito de direitos, ou seja, ela aprende sobre o trabalho, o
patriotismo, a honestidade e a obediência, e, mesmo assim, ainda é vista como inferior.
Detalho, a seguir, sobre o Quadro 19, que aborda a constituição da categoria
Possibilidade.
227
Quadro 19: Análises categoria Possibilidade
Ordem Categoria Livro Lição Quantidade Representação de criança
06 Possibilidade I 4ª lição: Pergunta Inocente;
5ª lição: Alegria de um estudante (carta);
14ª lição: No aniversário do papai;
25ª lição: Boas qualidades e defeitos das crianças;
33ª lição: Nunca se deve mentir.
5 Agente transformador, em
desenvolvimento - possibilidade
II 1ª lição: Nossa Patria
17ª lição: Para a escola
24ª lição: Reprehensão amigável
25ª lição: As crianças
30ª lição: O bom estudante
53ª lição: O que custamos a nossos paes
63ª lição: Sonhos de um estudante
68ª lição: Preces da Infancia
8
III 1ª lição: Oração do educador
4ª lição: A criança e o dever
19ª lição: Conselhos
20ª lição: O rato (conto)
25ª lição: Queres ser escoteiro
54ª lição: O escotismo
6
IV 4ª lição: O poder da família 1
Resumo I Resumo II (esquema) Síntese
1 – Destacar a criança do adulto –
chorona/repreensão do adulto.
2 – saber ler.
3 – promessa de obediência e gratidão – carta.
4 – qualidade X defeitos das crianças – boa e mau.
5 – bem, fazer, dizendo a verdade – pontos fortes e
pontos a desenvolver (a mentira é instalada em uma
relação de poder).
6 – servir a pátria –seu lugar nela naturalmente.
7 – criança saber escrever – não pode errar e deve ter
boa caligrafia.
8 – esperança – estudar.
9 – aquela que vê o estudo como possibilidade –
- Inocente – qualificar a criança = pura, modelo de adulto a ser
seguido.
- aquela que poderá se apropriar de novos conceitos.
- o que virá a ser melhor – possibilidade de mudanças.
- o que se espera da criança – obediência, que será a cumpridora de
seus deveres.
- o que diz a verdade será sempre recompensado, tendo elementos a
se desenvolver – encorajada a assumir seus erros e não ser
castigada.
- o lugar que a pátria tem na vida dos brasileiros – servidão.
- a criança vê a escola como lugar de oportunidade/transformação.
- aquela que não erra, que está presente a possibilidade de escrita
com boa caligrafia.
A criança vista como possibilidade e
cristalizada na percepção da mesma
como boa e má – sempre estará
olhando para o outro lado.
Aquela que servirá à pátria
naturalmente, assumindo seu lugar
de servidão, sendo engajada para
com seu país.
Nesse processo, a criança tem a
oportunidade de aprender, e a escola
é o lugar de transformação.
228
tornar-se cidadão.
10 – pontualidade, amoroso e pronto a prestar serviço
e doar-se.
11 – custo X benefícios – resultados. Dar valor a
família, que é um exemplo a ser seguido.
12 – a vida militar como possibilidade – sonho a
alcançar.
13 – inocente, singela e perfumada – a flor que
desabrocha é uma nova esperança, a vida se
renovando.
14 – criança em formação – necessita ser conduzida –
consciência do bom professor em apontar o caminho
a ser seguido.
15 – fruto X semente – crianças são os frutos, que
vieram das árvores plantadas pensadas na colheita do
amanhã.
16 – filho bom, justo e decente. Valores – desde cedo
aprende a respeitar os seus semelhantes.
17 – forte e trabalhador. Criança pobre instigada a
trabalhar desde cedo pra não ser menosprezada diante
dos que tem dinheiro.
18 – escotismo – companheirismo, doutrinamento,
disciplina.
19 – sementes que brotam, porque foram bem
adubadas e regadas.
- estudar é a esperança para a criança.
- exemplo a ser seguido.
- desabrocha – um vir a ser. Ser conduzida.
Amanhã – árvore da vida (a fruta não deve cair longe do pé).
- desde cedo aprende a respeitar os mais velhos, a entender que o
trabalho lhe tornará uma pessoa mais dignas das recompensas
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
229
O termo Possibilidade, apresentado esquematicamente, carrega a potência da
esperança, da expectativa lançada. Seu significado apresenta-se no ―estado do que pode
ocorrer ou tende a acontecer; característica do que é possível. De acordo com
Aristóteles, o conceito de dynamis revela uma nova possibilidade que a matéria tem de
se transformar em algo diferente do que é e se opõe à energéia (ato), a fonte de
realização‖ 47
. Saliento aqui o conceito de Aristóteles, representando a criança na Série
Fontes como ―fonte de realização‖.
Sobre isso, entendo essa categoria como a perspectiva da oportunidade de um
futuro promissor. As lições que escolhi para análise definem essa categoria: ela carrega
uma promessa, num cenário onde a infância é sinônimo de futuro.
Com base no que Kohan (2005, p. 33) caracteriza como ―A infância como pura
possibilidade‖, destaco o seu ponto de vista sobre o aspecto de que a ―infância pode ser
quase tudo‖, num estado em que ―é admirável como permanecem na memória os
conhecimentos aprendidos quando se é criança‖ (KOHAN, 2005, p. 34).
Esses conceitos estabelecidos por Kohan estão intimamente imbricados nas
lições da Série Fontes, como podemos verificar na seguinte expressão contida em ―No
aniversário do papai‖: ―Minha mãe querida. Dê-me a sua benção. Eu estou muito
contente, porque já sei ler e também vou escrevendo. – Já acabei a Cartilha. Estou indo
agora para o Primeiro Livro‖ (VICTOR, apud, FONTES, 1945, p. 10). Desse modo,
está representada uma infância que se conserva no pensamento educacional. Nas
palavras de Kohan, a educação é um passo para o futuro: ―Neste registro, a infância é
um degrau fundador na vida humana, a base sobre a qual se constituirá o resto. [...], a
educação da infância tem projeções políticas: uma boa educação garante um cidadão
prudente‖ (KOHAN, 2005, p. 39). É ideia central dos livros da Série Fontes. Outrossim,
como se apresenta na lição, a representação de criança está no fato que os primeiros
anos escolares dão base para a aprendizagem, como passos a serem dados, degrau por
degrau, numa subida para o futuro.
Essas características também estão definidas na lição ―O bom estudante‖,
associada às possibilidades, dispostas em virtudes, em que a criança passa a estar
―sempre proposta a prestar serviços. Pensa muitas vezes no melhor meio de vir a ser um
cidadão útil para si, á sua família, á Patria e á humanidade‖ (FONTES, 1922, p. 41).
47
<https://www.significados.com.br/possibilidade/>. Acesso em 19 de fev. 2019.
230
A criança é assinalada como meio. Assim podem ser vistas as crianças, ―[...]
porque elas são um material de um sonho que podemos forjar à nossa vontade e que elas
nos ajudarão, mansamente, a realizar‖ (KOHAN, 2005, p. 41). Do mesmo modo, a
expressão ―O homem será em geral, o que á criança lhe transmitir, e da criança só
herdará o homem, que dela há de surgir, o que de bom ou de mau, de nobre ou de
mesquinho, se lhe der a beber na vossa idade‖ (BRITO apud FONTES, 1933, p. 11),
ressalta a possibilidade, ou seja, aquela que ocupa uma posição que herdará o
conhecimento e o que irá fazer com esse. Ainda, ao homem o cuidado com o que
apresenta à criança, pois ela poderá não corresponder se não for muito bem instruída.
Penso que esse discurso é de um tempo de construção de um projeto de nação,
sedimentado em servir à pátria. Temos a representação de uma criança como a heroína
da pátria, aquela que apresenta a possibilidade da construção de um mundo melhor, de
manter os ideais nacionalistas. A criança é a semente que será a futura árvore, que dará
frutos, produzindo novas sementes. Nesse lugar, a escola é um lugar de passagem, onde
ocorrerá a transformação.
Por último, detalho o quadro 20, abordando a constituição da categoria Caridade.
231
Quadro 20: Análises relacionadas à categoria Caridade
Ordem Categoria Livro Lição Quantidade Representação de criança
07 Caridade I 10ª lição: Duas boas irmãs;
19ª lição: Os meninos brigões;
20ª lição: A menina e o gatinho.
24ª lição: Um menino generoso;
37ª lição: Gula, avareza e liberdade.
5 Caridosa, bondosa, generosa,
amistosa – a criança ser de luz.
II 16ª lição: A leitura
21ª lição: Doçura e bondade
37ª lição: O poder do exemplo
38ª lição: Um anjinho enfermeiro
56ª lição: Mães
71ª lição: O estudantinho da aldeia
6
III 3ª lição: Amor filial
8ª lição: A festa de Lúcio
13ª lição: A verdadeira caridade
21ª lição: A caridade
38ª lição: A rua
40ª lição: O velho rei (conto)
43ª lição: Relações e deveres entre irmãos
46ª lição: O que devemos aos que trabalham
57ª lição: O amor de Deus e de nossos pais
76ª lição: A simplicidade
0
IV 2ª lição: A Família 1
Resumo I Resumo II (esquema) Síntese
1 – servir – compaixão X servidão.
2 – má conduta, mas que pode se tornar
diferente.
3 – generosidade e bondade.
4 – defeitos e qualidade a serem atribuídos às
crianças.
5 – cuidados com os animais – capaz de ser
- servidão e compaixão.
- má conduta.
- que sabe compartilhar o que é seu.
- cuidar é ser caridoso.
- ser doce = é ser caridosa.
- amor ao próximo.
- bons atos = ser caridoso.
A categoria caridade perpassa
todos os livros. Passa por bem
servir em casa e pela consciência
com o em torno: pais, amigos,
plantas, animais. É o movimento
em que há uma ligação entre a
família, a fraternidade e a
232
benevolente com todos ao seu redor.
6 – docilidade – brandura, mas também
submissa.
7 – ser doce e bondosa.
8 – o exemplo como poder.
9 – anjo – meiguice, pureza. Catolicismo.
10 – compaixão.
11 – aldeia, pequeno grupo, união.
12 – sentimentos que os filhos devem ter para
com os pais.
13 – bondade.
14 – atenção para com os mais velhos – o
passado que também virá.
15 – anjo, catolicismo, consideração.
16 – boa relação em família.
17 – amor fraternal.
18 – ser simples apesar de afortunados.
19 – cumprimento dos deveres.
20 – ser bondosa.
21 – estar prestativa a família – doação.
- doação é caridade.
- cuidado com a mãe/filho – ato de caridade.
- compaixão é caridade – se colocar no lugar do outro.
- união – benevolência é ser caridoso.
- uma via de mão dupla – pais e filhos, gestos de caridade.
- bons atos geram caridade.
- caridade = consolação os idosos.
- considerar o outro é ter gesto caridoso.
- tratar bem os familiares – caridade.
- fraternidade = caridade.
- simplicidade = caridade.
- cumprir suas tarefas com afinco é ser caridoso.
- bondade transforma e cristaliza-se em caridade.
- lugar de praticar a bondade é dentro da família.
caridade.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
233
A categoria Caridade, sistematizada no quadro 20, percorre todos os livros. No
livro I, em: 10ª lição: Duas boas irmãs; 19ª lição: Os meninos brigões; 20ª lição: A
menina e o gatinho. 24ª lição: Um menino generoso e 37ª lição: Gula, avareza e
liberdade. Já no livro II aparece nas lições: 16ª lição: A leitura, 21ª lição: Doçura e
bondade, 37ª lição: O poder do exemplo, 38ª lição: Um anjinho enfermeiro, 56ª lição:
Mães e 71ª lição: O estudantinho da aldeia. As lições que abordam essa categoria no
livro três são: 3ª lição: Amor filial, 8ª lição: A festa de Lúcio, 13ª lição: A verdadeira
caridade, 21ª lição: A caridade, 38ª lição: A rua, 40ª lição: O velho rei (conto), 43ª lição:
Relações e deveres entre irmãos, 46ª lição: O que devemos aos que trabalham, 57ª lição:
O amor de Deus e de nossos pais e 6ª lição: A simplicidade. No livro IV a lição presente
é a 2ª lição: A Família.
Essa categoria se formou na junção de outras categorias: amistosidade, bondade
e generosidade; pois ao buscar sua definição – ―Disposição para ajudar o próximo,
tendência natural para auxiliar alguém que está numa situação desfavorável.
Benevolência, piedade; expressão de bondade, compaixão, amistosidade, generosidade‖
48, entendi que as categorias que classifico como intermediárias formavam a categoria
final e Caridade contemplava todas elas.
Desse modo, ao refazer a leitura das lições que constituem essas categorias, tive
que focar nas características que estabelecem a definição de caridade. Assim, verifico
que tais lições têm cunho religioso, ou seja, ―caridade é ser cristão‖, dentro de uma
perspectiva do cristianismo, pois é daí que vem o termo caridade. Segundo Paul Eugène
Charbonneau: ―Se a caridade desaparece, não atuamos mais em um universo cristão‖
(CHARBONNEAU, 1967, p. 51). O autor ainda acrescenta dizendo que a caridade é ser
cristão e que ser cristão é amar. Parafraseando o autor, entendemos que caridade é um
ato de amor, não é esmola; é respeito ao outro, é justiça para com os injustiçados.
Caridade é equidade, respeito ao bem comum, é direito (CHARBONNEAU, 1967).
Convém evidenciar que o valor cristão que o Professor Fontes representa, por
meio das lições também foi discutido nas pesquisas apresentadas no Capítulo 1, com
grande ênfase. Souza (2010) ressalta que há um significativo número de textos da Série
Fontes onde princípios cristãos moldavam a identidade da criança e, posteriormente, do
adulto: ―Para a criança que aprende em casa esse princípio, aprende também na escola,
além das missas, a imagem se consolida como algo natural e incontestável, uma vez em
48
<https://www.dicio.com.br/caridade/>. Acesso em 19 fev. 2019.
234
que todos os ambientes que a criança freqüenta estão legitimando esse conceito‖
(SOUZA, 2010, p. 40).
As vinte e duas lições analisadas para a definição dessa categoria se
circunscrevem em atos provenientes do evangelho: ter compaixão, perdoar, tirar de si
para ajudar o próximo, ser generoso, não ter gula e avareza, como descritos nos
mandamentos. Conforme Charbonneau (1967, p. 49): ―Ser cristão é amor. Amar a Deus
e ao próximo‖. As lições têm essa conotação: autêntica moral cristã, que é outra marca
na Série Fontes, mesmo com a laicidade estabelecida na Constituição de 1891.
Esses sentimentos estão expressos, como podemos ver em um dos trechos da
lição ―Um menino generoso‖: ―Hermínio tinha dois lápis, e Inácio não tinha nenhum. –
Hermínio, - pediu Início, - você me empresta um lápis? Hermínio escolheu o melhor de
seus dois lápis e deu-o de presente a Inácio‖ (FONTES, 1945, p. 33). O ato do menino
caracteriza um dos preceitos da caridade – a generosidade.
Essa ação também está presente na lição ―Mães‖, na seguinte expressão: ―Não,
não! Porque tenho a certeza que valerei mais do que valho hoje, tendo feito este
presente ao pobrezinho‖ (OSÓRIO, apud, FONTES, 1922, p. 91). Nela podemos
perceber a caridade como ato de benevolência, de respeito ao outro, o que, nas palavras
de Charbounneau (1967, p. 57), indica amor verdadeiro: ―Na mesma medida em que a
caridade impõe o amor do próximo, amor efetivo e verdadeiro, deve conduzir-nos
também ao respeito ao outro‖. Essa boa ação também apresenta-se na lição ―A
caridade‖, no ato da menina Julia: ―Talvez eu seja tola, mas o contentamento que tu dá a
tua boneca, o prazer de Amélia ao saborear os sorvetes e doces, estão muito longe da
satisfação que tive ao ver sorrir a nossa pobre vizinha quando ofereci o dinheiro que iria
dar confôrto á sua querida doente‖ (BARRETO, apud, FONTES, 1933, p. 40).
Essas predisposições dão à categoria Caridade a ação que nos leva a pensar na
relação entre os escritos e o homem católico que era o Professor Fontes. Talvez seja
essa uma razão dessa Série, pois como afirma Charbounneau (1967, p. 58), ―Uma
análise mais atenta do preceito da caridade formulado por Cristo esclarece ainda mais
êste ponto de vista. Na verdade, o Evangelho ensina-nos não só que devemos amar o
próximo, mas também como amá-lo‖.
De certo modo, percebe-se a ênfase dada aos valores aprendidos por meio da
família – bondade com os pais, irmãos e mais velhos (avós), passando pelos
companheiros de escola e pela sociedade. Nesta categorização, a caridade torna-se
235
urgente e evidente, ou seja, indica se foi ou não interiorizada. O processo educativo
deve ser mediado por sentimentos como amor, compreensão, bondade, cooperação,
solidariedade, compaixão. Tais sentimentos permitiram a criança orientar-se e conduzir-
se dentro de uma ação educativa, formando-se um cidadão capaz de refletir suas atitudes
com relação à pátria, evidenciando as expectativas educacionais atribuídas nas lições da
Série Fontes.
Tais são os preceitos da caridade, que se norteiam nos princípios do
cristianismo, como colunas mestras sobre as quais devem erigir-se as relações entre os
homens. Então, ―amando-se cada um, a gente pode preocupar-se com todos, e é neste
sentido que a caridade, por ser universal, impõe o amor e o respeito do bem comum‖
(CHARBONNEAU, 1967, p. 64).
Tomando como pressupostos as categorias que servem como base para definir
ou caracterizar as representações de criança, percebem-se os valores que definem as
intenções do Professor Fontes, que, ao utilizar as lições como formadoras de conduta,
ao destacar e adjetivar determinados aspectos do comportamento atribuído à criança as
define historicamente como práticas mediadoras na relação entre adultos e crianças.
Assim, analisar as representações de criança presentes em lições da Série Fontes situa-
se na direção apontada por Kuhlmann (2003, p.17), quer seja: ―[...] os estudos dos
aspectos mais diretamente ligados ao imaginário, que trata de colher as mutações que
intervêm na história das mentalidades em relação ao fenômeno infância, as diversas
atitudes que se externam nos documentos‖, quer apontam currículos a serem
trabalhados. Desse modo, como ainda aponta o próprio autor, analisar na literatura (essa
como fonte documental) dirigidas a criança, as dimensões que a compõem, que retratam
o olhar do adulto sobre ela, personificam práticas socializadoras com enfoques
comportamentais com base em um registro que a descreve sob o prisma de análise de
conteúdo, perspectiva teórico-metodológica desta pesquisa.
4.1.7 – A Série Fontes: conceitos e valores de uma determinada época
Permeando a reflexão com base nos conceitos citados, buscou-se em Chartier
(2002) a noção de representação. O mesmo afirma que as representações inserem-se
―em um campo de ocorrências e de competições cujos desafios se enunciam em termos
de poder e de dominação‖, ou seja, produzem verdadeiras ―lutas de representação‖
236
(CHARTIER, 2002, p.17). O que o autor enfatiza está relacionado à noção de poder, em
que procura compreender as práticas que constroem o mundo como representação.
Entendo, desse modo, que a Série Fontes se constitui em fonte vantajosa para os
estudos da História Cultural. Expressa conceitos, valores e conhecimentos que
representam uma determinada época, bem como objetos marcados por uma
regularização, encharcados de uma intencionalidade. Há uma especificidade referente à
sua utilização, que apregoa sistemas de pensamentos, valores e ideologias de seus
autor/organizador, inferindo assim na mentalidade de seus leitores: crianças, professores
e familiares. Segundo Souza (2010), as lições da Série Fontes têm elementos
riquíssimos para
[...] se entender o retrato daquela época, perceber como o pensamento
brasileiro se constituía e, desse modo, apreender quais as bases
formadoras de gerações de brasileiros que vieram desde então.
Sugerimos, enfaticamente, como exemplo de estudos a serem
realizados, que nas lições há um vasto material sobre comportamento
humano, sobre como se pretendia moldar as ações, os gestos das
crianças, por meio da educação. (SOUZA, 2010, p. 154).
Desse modo, entende-se que a Série Fontes é, também, uma representação do
modo como se queria conceber a prática do ensino, expressando teorias pedagógicas e
nacionalistas por meio de suas lições, apresentando-se como ―manuais de civilidade que
propalam valores‖ (NASCIMENTO, 2003, p. 13). Tal como representação de um ideal
pedagógico pensado estrategicamente por meio da constituição das práticas do universo
escolar, que possivelmente configuram ideais e propósitos. Um conjunto de ações e
posicionamentos que expressam o pensamento de seu autor/organizador.
É imperioso destacar que a Série Fontes, em seus textos de leitura, representa,
também, a imagem da família brasileira: ―Cada integrante dessa instituição social tem
uma função definida e fundamental para o bom funcionamento do sistema familiar‖
(SOUZA, 2010, p. 125). Essa organização familiar se dá com: pai – o homem
trabalhador; mãe – mulher generosa e gestora do lar; avós – pessoas que se dedicaram
muito à família, trabalhadores exemplares; filhos – classificados como bons: modelos a
ser seguido; e como maus: que devem ser corrigidos pelos pais. Com isso, João Souza
define os papéis familiares dentro dos textos, no quais cada um tem um conjunto de
valores e a família aparece para os leitores como ―uma pequena pátria‖, construindo
bons cidadãos: ―se as crianças agem corretamente dentro dos parâmetros postos na
237
família, serão consequentemente bons sujeitos para a sua comunidade e para o Brasil‖
(SOUZA, 2010, p. 126).
Nesse sentido, a Série Fontes é uma produtora de representações sociais e
culturais. Considero os textos nela inseridos como produzidos com base em ordens,
regras e convenções específicas. Leva em conta as práticas de leitura deles extraídas,
segundo Chartier (2002, p. 121) ―A face de um texto, é historicamente produzir um
sentido, e construir uma significação‖. Ou seja, essa prática de leitura é produtora de
significações que não se circunscrevem às intenções dos autores dos textos, mas que
constituem, pensam e direcionam as interpretações sobre as realidades sociais.
Entendo que a Série Fontes, no uso de seus textos, alcançou várias gerações,
perpetuando seus ideais, não somente por meio de suas edições. Mas que ―viralizou‖,
como se diz em tempos atuais, diante das posturas que eles formaram. As
representações acerca do uso das lições seguem seus objetivos por meio das
incorporações obtidas nos ditados, na moralidade imposta, no entendimento sobre o que
é apresentado como pecado, no que produziram e produzem. Reproduzem estratégias e
práticas específicas, impondo autoridade, legitimando e justificando as escolhas de
conduta dos sujeitos.
Nascimento (2003) enfatiza que a Série Fontes procurava direcionar o homem
num processo civilizador, de autocontrole; a criança leitora iria se moldando nesse
ambiente, o professor preparando sua mente, dispondo-as e adequando-a ao trabalho.
Para isso, segundo a autora, ―A Série Fontes teve como colaboradores abolicionistas,
republicanos, monarquistas, estrangeiros, homens e mulheres, evidenciando meios
diferentes para um mesmo fim, isto é, a união nacional‖ (NASCIMENTO, 2003, p. 14).
Desse modo, faz levar em consideração o pensamento de Chartier (2011) sob o
prisma das práticas criativas das representações. Para esse autor, a noção de
representação apresenta uma díade. De um lado faz ver uma ausência, ou seja, uma
distinção clara entre o que representa e o que é representado. Do outro, apresenta uma
presença, referindo-se à exposição pública de uma coisa ou de uma pessoa. Assim, as
lições da Série Fontes se constituem ao representar algo ausente, partindo da premissa
de que estão produzidas com base nos ideais de seus autores e de suas épocas. Mas há o
uso de práticas, dentro da compreensão de como o Professor Fontes representou, em sua
Série, seus princípios de militante católico e nacionalista.
238
Esse sentimento reverberou, também, por meio da imprensa. E também teve a
participação do serviço militar e da educação:
Pela imprensa, a população passava a conhecer as características da
nação, no exército, o sujeito era constantemente preparado para
defendê-la com a própria vida, e na escola as crianças não só
aprendiam a língua nacional como a única de todos, mas tinham a
mentalidade construída em torno da idéia de um patriotismo sem
concessões. (SOUZA, 2010, p. 106).
Considero que, na perspectiva ―chartireana‖, as representações e práticas da
representação, inventadas por meio das leituras das lições, expressam os bens
produzidos, ou seja: ―Sempre as representações das práticas (leitura das lições) tem
razões, códigos, finalidades e destinatários particulares. Identificá-los é uma condição
obrigatória para entender as situações ou práticas que são o objeto da representação‖
(CHARTIER, 2011, p. 16).
Na busca de representações de criança entendi, com base em Chartier, que toda
representação representa algo, e que, no caso desta pesquisa, as lições da Série Fontes
são demarcadas por palavras e verbetes, dentro de um objeto (ausente) que permite ver
coisas, conceitos ou pessoas, substituindo-os por ideais capazes de traduzi-los
adequadamente. A mesma ótica que quero mostrar: a criança representada, num período
em que, segundo Fontes (2011), a educação estava focada entre a educação moral e a
cívico-patriótica, na qual a formação do caráter do aluno configurava-se na interação
com os saberes específicos. A Série Fontes, por meio de seus textos, segundo essa
autora, ―incutia‖ nas crianças o amor, o respeito, a importância da oração e do trabalho,
estabelecendo padrões comuns de comportamentos e valores.
Pesquisar a criança e a infância na história, tendo a Série Fontes como objeto de
pesquisa, mostra coisas que se perderam em nossas memórias e que as lições nos fazem
lembrar: a criança não existe hoje! Ela é tratada como futuro cidadão! Chorar é feio! Os
meninos não podem chorar, isso é coisa de menina! Aos 7 anos, a criança, para ser
intitulada de inteligente, tinha que saber ler correntemente (essa era a expressão usada).
As crianças queriam fazer diferente e os adultos diziam: "não invente moda". Os
meninos deviam ser inteligentes, corajosos, e as meninas dóceis, meigas e
companheiras. Quando a criança fazia alguma travessura (segundo os adultos), além de
castigada, era obrigada a jurar que não faria mais! Menino bonzinho não brigava na rua!
239
Diziam que os meninos briguentos eram os que tinham mais dificuldades de
aprendizagem, eram burros. A ação da doutrinação religiosa era forte. As crianças eram
classificadas como portadoras de qualidades e de defeitos. Assim mesmo, era comum os
pais se vangloriarem dos filhos que tinham. Nas conversas entre eles, as crianças eram
comparadas com as outras – isso quando o filho pertencia ao grupo dos portadores de
qualidades, pois os demais ficavam escondidos. O menino pobre tinha que estudar para
ser alguém na vida e dar uma vida melhor a seus pais. As crianças eram obrigadas a
honrar e agradecer sempre aos pais. A caridade era feita como uma demonstração de
superioridade social. Quando um "pobre" batia à porta da casa para pedir comida, dava-
se um prato e dizia-se que podia comer qualquer coisa, porque pobre não tem paladar.
Os pais queriam por os meninos no escotismo para aprenderem a serem homens.
Quando aparecia uma pessoa negra, muito bondosa, os brancos falavam: Ele é um negro
de alma branca. Sobre isso, nos termos de Nascimento ―[...] a Série Fontes auxiliou o
governo catarinense na construção e afirmação dos semióforos nacionais e na
inculcação do sentimento de pertença a um solo, ultrapassando a temporalidade do
governo varguista‖ (NASCIMENTO, 2003, p. 112).
A criança possível, a esperada. Eis uma representação de criança que emerge das
lições contidas nos quatro livros de leitura da Série Fontes. É aquela que tem as
seguintes características: obediente, disciplinada, demonstra caridade, interioriza os
conceitos de trabalho e patriotismo, para ser a possibilidade de um cidadão que seja
bom para a nação. O próprio projeto de nação que se tinha para a época apresenta-se
nessas lições e, consequentemente, na criança que queria formar. O discurso público é
de enaltecimento do sujeito. Mas, ao mesmo tempo, o traz no meio privado como
inferior. Se queria fixar o homem à terra, feito árvore: a raiz que se prende ao solo, fixa
e garante o sustento das possíveis gerações.
Cabe ainda ressaltar que as lições da Série Fontes, além de passar conceitos,
―produzem‖ sujeitos que precisam de outros para criar uma identidade, dentro de uma
relação dialógica. Desse modo, entendo que esse sujeito produzido, ‒ a criança ‒ em sua
composição histórica, è anunciado por meio do discurso do autor, o Professor Fontes.
Há uma imposição de estilos não só escolares, mas em todo seu em torno. De acordo
com Silva Filho (2013), a Série Fontes serviu para duas finalidades básicas: apresentar
ao aluno a língua portuguesa e formar a consciência do aluno nas ideologias
dominantes.
240
Assim, constata-se que os discursos incutidos nas lições da Série Fontes são
como representações das ―ideologias‖ do Professor Fontes ‒ Nacionalismo, Moral e
Civismo, Positivismo e Catolicismo ‒ que materializam princípios, que promovem
subsídios ao projeto republicano burguês, tudo isso que as lições trazem em uma
―linguagem culta e até rebuscada‖, que podem ser ouvidas ―[...] como notas compondo
um acorde cuja dominante é a celebração da Nação – os tons elogiosos à pátria, à
família, à escola, à língua, ao dever, à obediência, aos valores religiosos, como
formadores da nova identidade almejada, o cidadão republicano‖ (SILVA FILHO,
2013, p. 373).
Essa constatação é corroborada por Venera (2007), em que a Série Fontes é um
dispositivo que articulava vários discursos, formando hábitos e valores morais de
comportamento, disciplinando corpos.
Cabe, ainda, destacar a manchete assinada por Flamma Rion no jornal O Estado,
de 3 de março de 1937, em que essa fez uma crítica dizendo que a Série Fontes não era
adequada às crianças, assim como quanto à forma como ela foi introduzida nas escolas
públicas de Santa Catariana:
[...] introduzida, sem prévia adopção official, nos grupos escolares,
[...] com as deficiencias e falhas didactas‖. É citado ainda que: ―É
notavel o desiquilibrio entre as diferentes posições literárias que o
constituem. Algumas dellas, sob pretexto de versarem assumptos do
cór local, são frivolas e desinteressantes, peccando, ademais, por
clamoroso mau gosto e nenhuma belleza literaria. (O ESTADO, 1937,
p. 4).
Considerando que a Série Fontes teve uma abrangência de mais de trinta anos no
cenário educacional de Santa Catarina, as palavras destacadas na manchete implicam
numa relação de forças. Nesta perspectiva, para Chartier (1991, p.183) as ―construções
das identidades sociais resultam sempre de uma relação de força entre as representações
impostas pelos que detêm o poder de classificar e de nomear e a definição de aceitação
ou de resistência, que cada comunidade produz de si‖. Assim, leva-se em consideração
que a ―representação transforma-se em máquina de fabricar respeito e submissão, um
sentimento que produz uma exigência interiorizada‖ (CHARTIER, 1991, p. 184).
Com isso exposto, acrescento sobre as representações de criança nas lições da
Série Fontes. Para melhor elucidar essas análises, apresento no próximo item algumas
considerações.
241
4.2 – DA LEITURA DAS LIÇÕES: OS LIVROS DA SÉRIE FONTES E AS
EXPRESSÕES QUE CONSTITUEM AS REPRESENTAÇÕES DE CRIANÇA
No Brasil as pesquisas, em relação à Europa, quanto ao status da criança.
Segundo Veiga (2007) esse se caracterizou, no âmbito privado, pela centralidade da
criança na família, posição que a constitui em objeto de todo tipo de investimento:
afetivo, econômico e educativo. Já segundo Michelle Perrot (2009), o investimento
sobre a criança, nos fins do século XIX e início do século XX não visava
necessariamente à criança em sua singularidade e interesse próprio, mas sim aos
interesses da coletividade: a família em primeiro lugar, e, em seguida, a nação, passando
a ser vista como ―o futuro da nação e da raça, produtor, reprodutor, cidadão e soldado
do amanhã‖ (PERROT, 2009, p. 148).
A intitulada Série Fontes, organizada e assinada pelo Professor Fontes, como
vimos, apresenta tópicos fundamentais dos aspectos cívico-pedagógicos da época,
expressos em um conjunto de lições, que convergiam para a formação da nação
brasileira. Apontam para uma modernização com base em um projeto de sociedade que
se pretendia, conferindo às crianças, nos âmbitos privado e público, a missão de
salvadoras da pátria.
A própria literatura cívica na qual se insere a Série Fontes constrói inúmeras
analogias entre a criança e a nação, sendo a boa formação da primeira entendida como
condição da futura grandeza da segunda. Procura impor às crianças a consciência de sua
própria responsabilidade para com a pátria, como se pode ver em trechos das lições
abaixo, extraídas do Primeiro, Segundo, Terceiro e Quarto Livro de Leitura:
Um menino exemplar. Basta olhar para êle na rua, vê-lo muito sério,
com os seus livros muito em ordem, para se ficar sabendo que é um
menino bem educado. (FONTES, 1945, p. 21).
Boas qualidades e defeitos das crianças. O menino serviçal gosta de
ajudar os outros; o menino egoísta cuida só de si. (FONTES, 1945, p.
34).
A grandeza do Brasil. As terras do Brasil têm a vantagem de ser todas
aproveitadas, porque entre nós não há desertos nem geleiras onde o
homem não possa viver. (FONTES, 1922, p. 43-44).
A Patria. Ama, com fé e orgulho, a terra em que nascestes! Crianças!
Não verás nenhum país como este. (BILAC, s.d., apud, FONTES,
1922, p. 44).
242
A Pátria. A Pátria é o berço mimoso; que a nossa infancia embalou; é
o regaço carinhoso, que a vida nos amparou. (CARREIRO, s.d., apud,
FONTES, 1933, p. 20).
Ferro. No reino mineral o ferro representa a maior riqueza do Brasil.
O nosso país tem o primeiro lugar no mundo como produtor de ferro.
(ROTSCH, s.d., apud, FONTES, 1933, p. 47).
O torrão natal. Depois dos pais que recebem o nosso primeiro grito, o
solo pátrio recebe os nossos primeiros passos: é um duplo receber que
é um duplo dar. (SILVA, s.d., apud, FONTES, 1949, p. 31).
A pátria. Os que a servem, são os que não infamam, os que não
conspiram, os que não sublevam, os que não desalentam, os que não
emudecem, os que se não acobardam, mas resistem, mas ensinam, mas
se esforçam, mas pacificam, mas discutem, mas praticam a justiça, a
admiração, o entusiasmo. (BARBOSA, s.d., apud, FONTES, 1949, p.
38).
O novo significado social da infância como ―futuro da nação‖ inscreve-se no
contexto do surgimento de projetos que tinham como finalidade maior efetuar uma
verdadeira regeneração nacional. A Série Fontes cabe dentro deles. Afirmo isso a partir
do que analisei nas lições que caracterizam a criança que se queria formar, refletindo até
mesmo na valorização da infância e da juventude. Como em trechos das lições abaixo:
O menino generoso. Hermínio era um menino de muito bom coração
[...] – Muito bem, Hermínio, assim fazem os meninos gêneros.
(FONTES, 1945, p. 33).
Nossa pátria. O menino estudioso, obediente, leal e cuidadoso de suas
obrigações será depois um cidadão escellente. O Brasil é um país
grande, bello, glorioso e hospitaleiro. Nelle todos podem viver em paz
e liberdade. (FONTES, 1922, p. 7).
O general Osório. Por mais caros que vos sejam o vosso patrimônio,
as honras e a vida, estarei prontos a sacrificar tudo do dever, se êste
vos exigir semelhante sacrifício. (PÉLICO, s.d., apud, FONTES,
1933, p. 29).
A pátria. Deus num último batismo, meu país Brasil chamou. Se me
abrasa o patriotismo, brasileiro então eu sou. (CORRÊA, s.d., apud,
FONTES, 1949, p. 38).
Ao fazer da pátria, também, uma instância valorativa, dotando as crianças como
condutoras de ações, as lições da Série Fontes dão significado ao projeto cívico como
instância reguladora, promovendo indiretamente riqueza da nação e, consequentemente,
sua grandeza.
243
Deve-se destacar, também, que em seus escritos a Série Fontes dirigia-se quase
que exclusivamente às crianças do sexo masculino. Das 279 lições apresentadas nos
quatro livros de leitura, 157 lições citam a palavra menino ou se referem ao sexo
masculino e somente 50 lições citam a palavra menina ou se referem ao sexo feminino.
Um público sobre a qual se projetava, além do patriotismo, a representação de um ideal
de virilidade, conforme descrevem diversas lições. Essa noção apenas reproduzia a
diferença entre os papéis projetados sobre as crianças dos dois sexos: o de ―futuros
salvadores da pátria‖ e de ―futuras mães de família‖, como se pode ver em trechos das
lições abaixo:
Duas boas irmãs. Célia está doente. Há oito dias que está de cama.
Sua mãe não lhe abandona a cabeceira, procurando aliviá-las e distraí-
la. Sua irmã Aurélia também constantemente lhe faz companhia.
(FONTES, 1945, p. 15).
Sonhos de um estudante. Orlando era um alumno interno de um
gymnasio. Intelligente e dotado de ardente imaginação ás vezes
deixava-se arrebatadas nas asas da phantasia concebendo idéas
corajosos, grandiosos. Louco de alegria ficou ao receber a dádiva do
padrinho. Mirava a farda por todos os lados, ora punha o boné, ora
cingia a espada, ensaiava posições militares e dava livre curso á
torrente de idéas que se revoluteavam em sua mente. (FONTES, 1922,
p. 107).
A Caridade. Júlia tinha três filhas: Ana, Amélia e Alzira. No dia de
Natal chamou-as e a cada uma deu Cr$, dizendo-lhes: — Com êsse
dinheiro podem vocês comprar o que lhes aprouver. Ana comprou
uma boneca. Amélia comprou uma peça de fita e, com o resto do
dinheiro, belos doces e sorvetes. Alzira, tendo ido a casa de uma
vizinha muito pobre e que estava com uma filha doente deu-lhe todo
seu dinheiro. (BARRETO, s.d., apud, FONTES, 1933, p. 40).
O trabalho, lei universal. Pela manhã quando achares penoso o sair do
leito, faze esta reflexão: É para agir como homem que desperto. Hei
de me lamentar, porque vou fazer aquilo que é a minha própria razão
de ser e para que fui lançado no mundo? Teria eu nascido, por
ventura, para dormir? Seria mais agradável. Nasci eu, porém, apenas
para o prazer? Não, mas para agir, para desenvolver minha energia.
(AURÉLIO, s.d., apud, FONTES, 1949, p. 52).
Tornar-se um homem forte era uma das condições para que o menino fosse
―útil‖ no futuro. Uma rotina regrada, boa alimentação e exercícios eram os ingredientes
da vida saudável, dos sujeitos de uma nação próspera. Como destaca Gondra (2002), a
244
medicina tomou frente do que achava que era sua função na formação do indivíduo, por
meio de um discurso acrescido de afirmações médicas.
A crença no poder indeterminado da razão faz com que a medicina
reivindicasse para si a condição de ciência do social ao construir um
discurso alargado, capaz de redistribuir saberes e competências,
subordinando problemas os mais variados ao chamado saber médico.
Expansão e proliferação de discursos que funcionou como estratégia
de afirmação da ordem médica, na medida em que, como esse
procedimento, ―nada‖ deveria ser estranho aos representantes dessa
ordem. Tal perspectiva, condensada na área da higiene, colaborou para
construir uma representação salvacionista da medicina porque
bifurcada no plano da redenção dos indivíduos e no da sociedade. Um
dos aspectos que não escapou desse esforço de colonização dos
demais saberes foi o tema da infância. (GONDRA, 2002, p. 107).
Nesse sentido, a saúde apresenta-se nas lições como valor máximo, cuja
condição básica é a limpeza, e cuja prova explicita é a beleza. Observe-se nos trechos
das lições abaixo:
Noções de hygiene. Comer a horas certas, e sómente quanto passa o
estamago digerir sem custo. [...] O asseio do corpo e dos vestidos,
além de ser uma necessidade social [...], é de grande importancia para
a conservação da saúde. [...] O sono é absolutamente necessario ao
corpo, como restaurador das forças abatidos pelo trabalho do dia. Aos
meninos e velhos bastam 9 horas de cama, aos moços 8, e aos adultos
7. (BORGES, s.d., apud, FONTES, 1922, p. 106).
Preceitos higiênicos. É conservar a saúde que a higiene tem por fim:
ser ela grande virtude afirma todos assim. [...] Quatro horas dorme o
santo, e cinco o que não é tanto, seis ou sete o estudante, oito ou nove
o caminhante. Por dez horas dorme o porco, mais que isso o que está
morto. (FONTES, 1933, p. 26).
Higiene e habitação. A habitação é o abrigo que o homem constrói
para se proteger contra os rigores do tempo; é, ao mesmo tempo, a sua
tenda de trabalho, ou o refugio onde vai procurar o repouso para o seu
corpo e o seu espírito fastigado. (RANGEL, s.d., apud, FONTES,
1949, p. 26).
O valor da saúde, dentro das lições da Série Fontes, foi apontado nos estudos de
Silva (2016), quando o autor afirma que:
[...] as ideias higienistas e de eugenia eram mais que apenas cuidar da
questão física dos indivíduos, era educar para a sociedade conforme o
que uma parte da população requeria. O povo, em sua maioria, teve
que se adequar aos novos rumos que o país estava tomando,
245
moldando-se física e moralmente, incorporando algumas atitudes
como se fossem as mais corretas e eficientes. (SILVA, 2016, p. 97).
As lições ainda apresentam outra condição dada à criança: o uso correto do
tempo. Este devendo ser aproveitado ao máximo, com regras e métodos, para evitar
futuros arrependimentos, como podemos ver nos excertos abaixo:
Um menino exemplar. Não faz como tantos outros seus colegas que
correm pelas ruas aos empurrões, às gargalhadas, provocando as
pessoas, não respeitando os velhos. (FONTES, 1945, p. 20).
O bom estudante. O bom estudante levanta-se cedo, tanto no verão
como no inverno. Deita-se também cedo, mas depois de ter preparado
as lições do dia seguinte. Não perde tempo em inutilidades. [...] Pensa
muitas vezes no melhor meio de vir a ser um cidadão útil a si, á sua
família, á Pátria e á humanidade. (FONTES, 1922, p. 41).
Plantas e flores, frutos e sementes. Todo menino, nas horas de folga,
deve cuidar da terra, revolvendo-a, adubando-a, entregando-lhe a
semente, que germinará e dará a planta, que, por sua vez, há de florir e
frutificar. E, para que assim proceda, deve a criança conhecer, de um
modo geral, alguns elementos da botânica rudimentar. (FONTES,
1933, p. 52).
Impostos. É o serviço militar consequência inevitável da necessidade
da defesa do país, ameaçado na sua integridade territorial, se não
houver fôrças capazes de repelir as gerações externas. [...] Fugir, sem
justa causa, ao cumprimento dessa obrigação, é suprema covardia.
(SERRANO, s.d., apud, FONTES, 1949, p. 117-118).
E, aliada ao tempo, está à ordem, que não aparece somente como lema da
bandeira nacional, mas como assunto de formação. É apresentado na lição 73 do quarto
livro de leitura: ―Juntou-se ao número dos que sentem verdadeiro prazer em ajudar e
servir. Dadivoso e munificente, avaliava não só as angústias, como os vexames dos
necessitados e dos pobres‖ (COELHO, s.d., apud, FONTES, 1949, p. 119). Nesse
entendimento, pode-se dizer que, em havendo ordem o tempo se dá conta de tudo, por
que uma criança desregrada terá dificuldade de desenvolver-se nas condições que se
pretendia, como se apresenta nos excertos das lições abaixo:
Queres ser escoteiro. Procura instruí-los na previsão do tempo, a se
orientarem pela bússola pelo Sol, pela Lua, pelas estrelas: ensina-lhes
a conhecer as horas pelo Sol. Via para o campo, faze a tua choça,
aprende a fazer a tua comida, procure comer os frutos silvestres da tua
terra, aprende a fazer o nó, para construir as tuas tendas e consertar
alguma ponte, aprende a fazer a tua cama de folhas e armar a tua
246
barraca,e assim, moço, serás feliz, forte, alegre, honesto, ciente de teus
deveres e, quando homem, serás o escoteiro da Pátria, o defensor da
tua amada Bandeira. (FONTES, 1933, p. 46).
O Escotismo. É na infância que se prepara o homem. O que se obtem
com brandura na idade tenra. [...] Os exemplos são moldes nos quais
se deve formar a alma da criança. [...] O escoteiro é um sentinela
atento, que não só vigia como ainda acode os acidentes com o socorro
pronto. [...] Assim, esse civismo, na qual se devem matricular todos os
meninos brasileiros que, amando o seu País, queiram aprender a bem
servi-lo e honrá-lo. (FONTES, 1933, p. 94).
Apêlo à mocidade. Não deis ouvidos, meus jovens compatriotas, não
deis nunca ouvidos a êsses impostores, que, talvez para inculcarem a
própria e não demonstram superioridade, vivem a propalar a
incapacidade dos brasileiros para o progresso e para a civilização,
porque descendem de raças inferiores e condenadas a estereis
agitações, a irremediável estacionamento, ou mesmo à retrogradação e
à extinção. (LESSA, s.d., apud, FONTES, 1949, p. 62).
Oração à Bandeira. Bendita sejas! e, para todo o sempre, expande-te,
desfralde-te, palpita e resplandece, como uma grande asa, sobre a
definitiva Pátria que queremos criar forte e livre. (BILAC, s.d., apud,
FONTES, 1949, p. 68).
Se a saúde, o bom aproveitamento do tempo e a ordem eram condições básicas
para a utilidade do homem, o trabalho era a expressão maior dessa espécie de obsessão.
Era preciso mostrar que o trabalho, numa sociedade cujo passado escravocrata era tão
recente, apresentava-se como um dos principais pontos a serem absorvidos pelas
crianças por meio das lições, como podemos ver a seguir:
O Trabalho. Menino, olha em redor de ti: tudo trabalha, tudo convida
ao trabalho. [...] Os homens trabalham. [...] Os animais trabalham. [...]
Trabalha também, tu meu menino. (FONTES, 1945, p. 5-6).
As Abelhas! E andam a voar, sem descansar, a trabalhar do sol
nascente a sol poente, constantemente ... Vivem voando e trabalhando
no serviço. (VIEIRA, s.d., apud, FONTES, 1922, p. 29).
Faze bem tudo o que fizeres. Uma falta de atenção, uma negligencia
póde tornar-se um crime. Repetimos sem cessar: Não posso prever as
inúmeras consequências desta ação, mas o que eu posso, o que devo
fazer, é entregar-me a ella de corpo e alma. (VIEIRA, s.d., apud,
FONTES, 1922, p. 81).
Não furtarás. Repare na formiga, gastador; observa a sua vida e sê
sábio: ela não tendo guia ou diretor, prevê a sua comida durante o
verão e reúne alimentos no tempo da colheita. (GARRETT, s.d., apud,
FONTES, 1933, p. 63).
247
O trabalhador. Trabalhar. Curtos se fizeram os dias, para que nós os
dobrássemos, madrugando. [...] O que se esperdiça para o trabalho
como as noitadas inuteis, não se lhe recobra com as manhãs de
extemporâneo dormir, ou as tardes de cansado labutar. (BARBOSA,
s.d., apud, FONTES, 1949, p. 51).
Hino do trabalho. Mar e Terra, Ar e Céu, tudo lida, Deus a todos deu
luz e pôs mãos; Lei suprema, o trabalho é a vida: Trabalhar!
Trabalhar! meus irmãos! (CASTILHO, s.d., apud, FONTES, 1949, p.
110).
Da leitura das lições feitas se destaca o quadro de valores, sentimentos, virtudes
e comportamentos esperados daqueles que, apesar de serem ―homens pequenos‖, já
tinham ―obrigações sérias‖. Não por acaso, o verbo ―dever‖ era dos mais utilizados nos
texto dirigidos aos pequenos leitores, atribuindo-lhes diversas responsabilidades
enquanto ―brasileiros‖. Vejamos nas lições abaixo como se aproximam, também, das
representações que fui identificando:
O macaco intrometido. Ninguém deve meter-se a fazer aquilo que não
entende. (FONTES, 1945, p. 7).
A criança e o dever. Anda cá, meus pequeninos, e escutai. [...] O
escoteiro sabe obedecer. Compreende que a disciplina é necessidade
de interesse geral. (BRITO, s.d., apud, FONTES, 1933, p. 11).
Relações e deveres entre irmãos. Meus queridos filhos. Vamos agora
dizer algumas palavras sôbre os deveres e relações entre irmãos, pois
vós deveis uns aos outros auxilio e proteção. Nosso dever é fazer de
vocês homens honrados, bons cristãos. (Mme. PERMOND, s.d., apud,
FONTES, 1933, p. 72).
Direitos e deveres. Êsses deveres geram direitos correspondentes – os
da liberdade, igualdade e fraternidade – e uns e outros constituem os
liames que unem o INDIVIDUO à PÁTRIA e constituem a RAZÃO
de ser da NACIONALIDADE. (CARDOSO, s.d., apud, FONTES,
1949, p. 45).
Pode-se afirmar que a Série Fontes apresenta um entendimento de nação que vê
a ―pátria uma grande família‖, numa construção de ―ordem e progresso‖, pois, ―sem
ordem não pode haver progresso. Este é o desenvolvimento daquele‖ (BARRETO, s.d.,
apud, FONTES, 1933, p. 123). Pretendia-se que, por meio das crianças, chegassem até
suas famílias princípios dos ideais republicanos, para pensar as relações de poder e de
desigualdade registradas nas representações. Como Chartier afirma, dentro dos aspectos
da subjetividade de representações, ―[...] as estratégicas simbólicas que determinam
248
posições e relacionamentos, constroem um significado dentro de um componente da sua
identidade‖ (CHARTIER, 1991, p. 133). E era com essa vertente que os pequenos
leitores cumpririam o papel social que lhes era atribuído e para o qual as lições se
incumbiam de preparar.
O próprio modo pelo qual o conceito de ―pátria‖ era usado nas lições da Série
Fontes reforçava, principalmente, o que faltava fazer. Subentendia determinadas
representações, destinadas a moldar as crianças (como padrões de caráter), a viabilizar
uma determinada postura na realização da futura grandeza pátria, ao menos na que
pensavam os poderes dominantes.
Nesse sentido, as lições não somente defendiam o valor do trabalho, sinônimo de
―ser útil a si e à pátria‖, como procuravam efetuar uma orientação profissional, para a
qual apelavam tanto ao interesse individual quanto ao mérito pelo engrandecimento da
pátria.
Nota-se que, em muitas lições, há um conjunto de fatores que exalta as
maravilhas da pátria e o valor de tudo isso para o progresso do país. Na lição número
30, do quarto livro, intitulada ―Ensinemos o Brasil aos brasileiros‖, o tema se apresenta
como hábito a ser seguindo pelas crianças, no qual a valoração da pátria era sinônimo de
progresso:
Sobretudo nos turbados tempos que vivemos nada parece mais
necessária do que ensinar o Brasil aos jovens brasileiros! Ensiná-los
na sua história e na sua tradição, desde o dia em que aqui apontou
representante de um nobre povo, maior pelo esfôrço inaudito que pôs
nos defender e delatar a conquista do que na própria descoberta.
(MÜLLER, s.d., apud, FONTES, 1949, p. 49).
Destaco que à medida que as lições se apresentam nos livros, a grandiloquência
da retórica patriótica se torna mais evidente, acentuando-se as ―terras fecundas‖, e um
―país grande, bello, glorioso e hospitaleiro‖ (FONTES, 1922, p. 7) prometidos, pela
natureza, aos brasileiros.
A noção de aproveitamento dos recursos e a beleza da terra/pátria eram
apregoadas às crianças, sendo um dos pontos principais da vertente dos textos cívicos.
De um lado, a representação de um patriotismo no qual as crianças devem se orgulhar.
De outro, a criança é levada a perceber, por meio das lições, a constituição de uma ética
249
do trabalho e a formação moral e cívica dos futuros homens como condição necessária à
grandeza da pátria, bem como valor do trabalho no campo.
As vantagens naturais do território brasileiro, listadas nas lições, demarcam o
lugar em que a criança estaria futuramente, dando condição de realização da grandeza
nacional, bem como do alicerçar-se sobre uma educação moral e cívica capaz de
modificar hábitos, sentimentos e valores. O amor pela pátria estatuído nas lições da
Série Fontes fazia com que as crianças leitoras se reconhecessem nela e aprendessem
sobre seus recursos e problemas para amá-la ―melhor‖.
No projeto nacionalista de ―formar brasileiros‖, a Série Fontes representa a
criança em lições de como ―ser útil‖ à pátria, cuidar do corpo e da saúde, modificar
hábitos arraigados, adquirir virtudes para melhor trabalhar pelo desenvolvimento do
país: eis a prova de patriotismo que se pedia às crianças leitoras. Não era suficiente
amar a pátria, era preciso aprender como, para amá-la ainda mais.
Inserida neste contexto, a Série Fontes, pautada na noção de ―país novo‖, viu nas
crianças a ponte de passagem, que serviria como representação da nação futura e, com
isso, confiou a elas o papel de agentes privilegiados no processo de (con)formação da
nação brasileira.
Diante de tal perspectiva, considero que os livros de leitura da Série Fontes não
retratam fielmente a realidade em que está inserido, mas representam aspectos de fatos
ou acontecimentos por meio de diferentes olhares. Nesse sentido, entendo essa Série
como documento que representa o cotidiano dentro da esquematização do real, num
discurso eminentemente formal, que introduz uma ordem, mas que não transmite uma
verdade, pelo fato de falar do ponto de vista de um determinado grupo (os autores das
lições) para propagar ou difundir seus ideais. Para Chartier (1991, p. 135) a produção de
um conhecimento é constitutiva de uma intencionalidade histórica. Nessa perspectiva,
percebo que a intenção do Professor Fontes insere-se historicamente em um momento
de exaltação da nação brasileira, que é marca da produção intelectual da Primeira
República, em constante busca ou afirmação de uma identidade nacional. Ademais, os
livros de leitura da Série Fontes, tendo como base as lições neles inseridas, são uma
exaltação à nacionalidade brasileira para gerações de estudantes fazendo apologia de
país do futuro, de progresso e de ordem.
250
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Seguir o caminho de todos já traçados
a nossa frente, é fácil; tarefa árdua
Mas gratificante é olhar o próprio
Caminho, de acordo com nosso projeto
De vida. (JUNKES, 1987, p. 7)
Fiz uma travessia e as braçadas, não foram fáceis, algumas vezes longas e outras
curtas, principalmente quando os braços pareciam querer cansar. No entanto, tinha um
alvo, um objeto que inicialmente representava outra aparência, até porque estava longe,
mas quando me aproximava via a necessidade de mudá-lo. As braçadas dessa travessia
tiveram que aumentar e a bússola dar uma guinada para outros hemisférios dentro da
história da educação.
Mas, essa travessia, diante do grau que ela estava se formando, ganhou
proporções indescritíveis e a história não tinha tomado outro rumo, apenas me dado
fôlego para rever os conceitos iniciais. Porém, a infância e a criança estavam presentes o
tempo todo, não somente aquela que fui um dia, mas aquela que permanece em mim.
Desse modo, não dá para falar da história da educação indo até o período em que
se quer estudar, pois ainda não temos uma máquina de teletransporte, nem vivemos no
Sítio do Pica-Pau-Amarelo, onde poderíamos pedir à boneca Emília um pouco do pó de
pirlimpimpim. Então, para falar sobre a criança num contexto histórico é preciso
entender as circunstâncias que vivem as crianças hoje, bem como não dá para esquecer-
se a criança que fomos. Faz-se necessário dizer que hoje, ainda, temos lições passadas
às crianças, que remontam o início do século XX, quando escrita a Série Fontes, levam
a crer serem, portanto, atemporais.
Se o Professor Fontes representa a criança como um cidadão do futuro, como o
salvador da pátria, defendia, no entanto, que essa modelação fosse conduzida com base
nos preceitos nacionalistas, na direção de uma educação pautada na constituição do
caráter das crianças, desde sua mais tenra idade. As lições também apelam para as
expectativas e temores maternos em relação aos filhos, em que se valorizavam as boas
intenções rotineiramente observadas entre as mães, essas responsabilizadas de modo
direto pela vida dos filhos, orientadas para vigiar e controlar continuamente. Tal
perspectiva também era apresentada às meninas, que deveriam ter esse caráter no futuro.
251
Outro ponto também a ser destacado é o fato da criança ser vista como criação
divina. Ela é pensada com base nos preceitos do catolicismo: a criança representada
como um ser angelical, doce, pele alva, que aprende que Deus é o grande criador e que
em tudo deve ser grata a Ele. A criança tem consigo uma parte de divindade, riqueza a
ser preservada, fonte de inspiração para a construção de um mundo melhor. Há uma
articulação entre passado e futuro, segundo o que nos revelam as lições.
Nas lições, também se percebe que as crianças são protagonistas: observam os
pais, escutam conselhos dos mais velhos, dos sábios, tendo a natureza como lugar de
prosperidade e trabalho – aprendem na atividade, na escuta, na observação, mas
particularmente no fazer e no sentir, não apenas aprendem, mas também ensinam a
outras crianças, mas sempre com um tom de moralidade.
Assim, podemos perguntar: as representações de criança nos livros da Série
Fontes estão vinculadas a que projeto de sociedade? Diante do exposto, entendo que o
Professor Fontes representou criança de acordo com suas ideologias, nas lições dos
livros de leitura da série que organizou. Melhor dizendo, como ele queria que fosse:
cidadão do futuro. Recorrência nos livros de leitura da época.
Na visão do Professor Fontes, essas obras introduzem questões à instrução e à
educabilidade da criança catarinense no contexto republicano, decorrentes, sobretudo,
dos conteúdos dos livros de leitura. Nesse caso, cidadãos que se queria formar sob um
projeto republicano de civilidade, progresso e amor à pátria.
Vale salientar, além disso, que alguns textos trazem a identificação da autoria de
alguns autores catarinenses, como o caso da professora Delmira Silveira de Souza e de
Dionísio Cerqueira; ou de âmbito nacional, como Francisco Vianna, autor dos livros de
leitura indicados por Orestes Guimarães, em seu parecer de 1911. Alguns vinham sem
referências aos autores, fazendo creditar o que as pesquisas apresentadas no Capítulo 1
indicam, ou seja, que parte deles pode tratar-se de composições feitas pelo próprio
autor. Os textos também realçam os preceitos de higienismo, mais presentes no segundo
e terceiro livro, remetendo às afirmações de Gondra (2002) quanto aos cuidados com a
criança para a época.
Por sua vez, faz-se necessário ressaltar que a escola de hoje continua sendo o
lugar de maestria, em que meninos e meninas, nos anos iniciais escolares, são
bombardeados de informações, e os livros didáticos, cartilhas, compêndios, mesmo em
252
um tempo em que a tecnologia se faz presente nas escolas, são materiais que apresentam
às crianças e familiares, os conceitos que devem ser adquiridos.
Sabe-se que as lições contidas na Série Fontes foram escritas por autores que
viveram suas infâncias bem antes mesmo desses livros serem lançados, editados e
―dados‖ às crianças das escolas de Santa Catarina, como veículo, de informações
singulares, cujo propósito era torná-las seres com possibilidades. Um instrumento
basilar que teve percurso longo, produziu história e ajudou a caracterizar, sob forma de
―decreto‖ e leituras, a identidade da educação nas escolas públicas de Santa Catarina.
Se construirmos um itinerário entre 1920 e 1950, no qual a Série Fontes
sobreviveu e fez sua história, podemos dizer que ela alcançou seus objetivos, pois as
crianças desse período ajudaram na formação das gerações posteriores, que nos
formaram e que ainda resistem – de certa maneira – por meio dos ditados e das lições
moralistas. Mas essa suposição abre os caminhos para uma nova pesquisa.
Desse modo, temos que entender que os livros dessa Série foram produzidos
dentro de sua linguagem constitutiva, como ressalta Silva Filho (2013), vinculando-se
ao meio social em que estava inserida. Ela detém uma historicidade e uma peculiaridade
própria, que requer ser trabalhada e compreendida como tal. Porém, não podemos
deixar de sinalizar o quanto foi persuasiva com suas lições moralistas e de cunho
cristão. Nesse sentido, é relevante pensar que se tem um objeto – o livro, e que é
imperativo expressá-lo como fonte, constituindo-se em uma força histórica ativa
naquele momento, frente à materialidade histórica por ela assumida na história da
educação de Santa Catarina.
Essas lições, além de tratarem sobre saberes específicos das matérias escolares,
definidas pelas lições de ciência, história e geografia, delineiam condutas de
comportamentos almejados para o futuro cidadão, que cumprirão seus deveres para com
a pátria. As escritas perpassam por um sujeito criança, que estava sendo instruído e
educado para a vida adulta. Desse modo, podemos pensar que a escolarização da criança
pautada em pressupostos morais, cívicos, higiênicos e patriótico, buscava o
fortalecimento da identidade nacional, em representações de criança construídas
historicamente. Porém, vale ressaltar também que os livros não apresentavam nenhum
atrativo, como cores: eram opacos, sem cor e com letras de variados tipos e tamanhos.
Esse era, a meu ver, indício de que para algumas crianças não despertava encantamento,
uma vez que a ludicidade é presença viva na vida infantil.
253
Mas, entendo que toda essa formação faz compreender que as representações de
criança estão presentes, notadamente, nas categorias Inferioridade e Possibilidade. Há
nisso um paradoxo, pois ao mesmo tempo que a criança é vista como inferior, limitada,
é, também, a salvadora da pátria. Essa condições da criança nas intenções do autor,
seriam combatidas por meio do reforço das aprendizagens, cujos fatores determinantes
são explorados pelo potencial cognitivo e definidos pelas ações pedagógicas.
Assim, resultam-se sete categorias finais. A Obediência é entendida como um
bem caro à família, e, consequentemente, à sociedade. Propõe ao indivíduo bondade e
honradez, elementos importantes na vida em comunidade e na formação do cidadão
patriota. Já a categoria Honestidade sugere a representação de criança por conta do
indivíduo honrado. Ou seja, há certo modo de ver as coisas, de dá-las a ver, de verificá-
las, dentro de um conjunto de práticas, modos de vida e atitudes que geram padrões de
vida cotidiana. O Patriotismo é um sentimento. Ocupa o lugar do que Bobbio (2010, p.
803) chama de ―dedicação extrema a própria pátria‖, ou seja, o amor dos homens para
com sua nação ao ponto de sacrificarem suas vidas por ela. Assim, ao proclamar as
representações de criança nessa categoria, quero enfatizar a ideia de nação e o lugar que
a criança, nesse período, ocupava um imaginário a ser forjado, uma projeção a ser
conquista. A categoria Caridade se formou na junção de outras categorias: amistosidade,
bondade e generosidade; pois ao buscar sua definição entendi que as categorias que
classifico como intermediárias formavam a categoria final e Caridade contemplava
todas elas. Ao focar nas características que estabelecem a definição de caridade verifico
que tais lições têm cunho religioso, ou seja, ―caridade é ser cristão‖, e que ser cristão é
amar. Desse modo, entendemos que caridade é um ato de amor, é equidade, respeito ao
bem comum, é direito. A Inferioridade está associada à percepção da criança limitada,
ou seja, só percebe superficialidades, Essas representações são sempre resultantes de
determinadas motivações e necessidade sociais. As lições da Série Fontes representam
um período em que a criança ainda não era vista como um sujeito de direitos, ou seja,
ela aprende sobre o trabalho, o patriotismo, a honestidade e a obediência, e, mesmo
assim, ainda é vista como inferior. O Trabalho carrega em si o significado do trabalho
humano, tarefa pela qual a criança é chamada desde cedo. As crianças têm obrigações
no presente e no futuro, sendo colocadas sobre elas a responsabilidade de garantir o
progresso da nação. Dever-se-ia transformar o menino preguiçoso em alguém útil, num
―cidadão‖. Então emerge uma criança possível, também evidenciada pela Possibilidade.
254
Entendo essa categoria como a perspectiva de um futuro promissor. Boa parte das lições
define essa categoria como central: ela carrega uma promessa, num cenário no qual a
criança é sinônimo de futuro. Ressalta a possibilidade, ou seja, aquela que ocupa a
posição de quem herdará e utilizará o conhecimento. Desse modo, o discurso
predominante nas lições analisadas é de uma criança como possibilidade, associada ao
futuro da nação, mas, paradoxalmente, como inferior, oriunda de uma percepção
―fontiana‖ de inferior. Tal feito se dá da época em que a Série foi escrita, pois era
preciso cuidar da formação moral da criança. As lições descortinam diferentes formas
de suscitar e reproduzir na criança tal conjunto de valores, sendo os mais recorrentes os
da moral, o higienismo, o catolicismo e o patriotismo, legitimando práticas cotidianas
dentro de um processo de escolarização.
Para futuros estudos, entendo que se faz necessário aprofundar as análises
vinculadas às categorias ―inferioridade‖ e ―possibilidade‖. É necessário, ainda, buscar
outros autores, movimentando o conceito de representação, o que pode ampliar as
análises do discurso e dos conteúdos das lições da Série Fontes.
As representações de criança que segundo Chartier ocupam o intervalo entre a
presença e a ausência, tecem a trama de aproximações de uma realidade de uma época,
representada na Série Fontes: um real representado no passado, que legitima ideais de
crianças e que, dentro daquela conjuntura, possibilitaria um ideal de futuro.
Enfim, as representações de criança imersas em lições da Série Fontes não são
singulares, pois se constituem com base nas diferentes categorias a que associei
significados. Carregam o estigma de uma geração vindoura, que iria compor uma nação
moralizada, saudável e produtiva, e, ao mesmo tempo, responsável por salvá-la das
mazelas que a assolavam e com a obrigação de lançá-la ao patamar das nações
―civilizadas‖. Esse discurso moral, conforme reafirmo, em grande medida esteve
associado à religião católica. Assim, como praticante fervoroso do catolicismo, o
Professor Fontes inscreve nas lições seus próprios princípios. Em minhas análises foi
possível ter acesso tanto às representações sobre as crianças, bem como a pistas quanto
à visão de mundo dos autores das lições. A palavra proferida quanto às representações
de criança, não é simplesmente palavra, é ação que entrelaça passado-presente-futuro.
Escrever essa tese foi como vestir um pedaço da história da educação de Santa
Catarina, numa intersecção entre o dito e o documentado. E, assim, da criança se fez à
―possibilidade‖. Era uma vez...
255
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O Estado – Edições entre 1920 e 1937.
A Notícia – Edições entre 1937 e 1939.
O Apóstolo – Edições entre 1938 e 1956.
Ecos da Semana – Edição de 1949.
O Tico-Tico – Edição de 1937.
Sul: Revista de Circuito da Arte – Edição de 1950.