97
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM CARACTERÍSTICAS EPIDEMIOLÓGICAS DOS ÓBITOS FETAIS E NEONATAIS PRECOCES DE FILHOS DE PACIENTES COM NEAR MISS DANIELE MARIN NARDELLO ARACAJU 2016

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE … · Complicações na gravidez. 3. Epidemiologia. 4. ... (Cateter venoso central de inserção ... Quase todas essas mortes ocorreram

  • Upload
    letruc

  • View
    213

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

    PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENFERMAGEM

    CARACTERSTICAS EPIDEMIOLGICAS DOS BITOS FETAIS E NEONATAIS

    PRECOCES DE FILHOS DE PACIENTES COM NEAR MISS

    DANIELE MARIN NARDELLO

    ARACAJU

    2016

  • DANIELE MARIN NARDELLO

    CARACTERSTICAS EPIDEMILOGICAS DOS BITOS FETAIS E NEONATAIS

    PRECOCES DE FILHOS DE PACIENTES COM NEAR MISS

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Enfermagem da Universidade Federal de

    Sergipe como requisito parcial obteno do grau de

    Mestre em Enfermagem.

    Orientao: Profa. Dr Alzira Maria DAvila Nery

    Guimares.

    ARACAJU

    2016

  • FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA BISAU UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

    N223

    Nardello, Daniele Marin Caractersticas epidemiolgicas dos bitos fetais e neonatais precoces de filhos de pacientes com near mis / Daniele Marin Nardello ; orientadora Alzira Maria DAvila Nery Guimares. Aracaju, 2016.

    95 f. il. Dissertao (mestrado em Enfermagem) Universidade

    Federal de Sergipe, 2016.

    1. Relaes materno-fetais. 2. Complicaes na gravidez. 3. Epidemiologia. 4. Morte fetal. 5. Morte perinatal. I. Guimares, Alzira Maria DAvila Nery, orient. II. Ttulo.

    CDU 616-083

  • DANIELE MARIN NARDELLO

    CARACTERSTICAS EPIDEMILOGICAS DOS BITOS FETAIS E NEONATAIS

    PRECOCES DE FILHOS DE PACIENTES COM NEAR MISS

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Enfermagem da Universidade Federal de

    Sergipe como requisito parcial obteno do grau de

    Mestre em Enfermagem.

    Orientao: Profa. Dr Alzira Maria DAvila Nery

    Guimares.

    Aprovado em: ___/___/____.

    COMIT DE AVALIAO PARECER / ASSINATURA

    Prof. Dra. Alzira

    Guimares

    Parecer____________________________________________________

    Assinatura______________________________

    Prof. Dra.

    Cristiane Gois

    Parecer___________________________________________________

    Assinatura______________________________

    Prof. Dr.

    Ricardo Gurgel

    Parecer___________________________________________________

    Assinatura_____________________________

  • Dedico essa dissertao a Andr

    Stefferson Nardello Silva, meu filho

    amado, que possamos colher os frutos

    de nosso trabalho, sem esquecer das

    principais razes que nos inspiram.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo primeiramente a DEUS, por dar-me fora, capacidade, discernimento nos

    momentos difceis, sabedoria nas decises e principalmente luz para iluminar meus passos

    nesta trajetria; sem isso, esse sonho no seria realizado.

    minha famlia, em especial meu marido Charles Stefferson e meu filho Andr, pela

    dedicao, carinho e incentivo, por ajudar-me a chegar at aqui, por muitas vezes renunciar

    seus sonhos para realizar o meu, por muitas vezes compreender a ausncia nestes dois anos

    de estudos. Obrigado por acreditarem na minha capacidade de vencer e hoje podermos

    compartilhar a nossa vitria. Amo vocs!

    Aos meus pais e irmos, que, mesmo distantes, sempre estiveram presentes, auxiliando-me

    nos momentos de estresse, pelos conselhos e pelas risadas at em momentos que isto era

    quase impossvel. Agradeo pelo carinho e compreenso.

    minha orientadora Alzira Maria DAvila Nery Guimares, pela amizade, disponibilidade,

    compreenso e confiana. Seu incentivo, sua fora e seu conhecimento foram indispensveis

    para a realizao deste trabalho.

    Ao estatstico karo Daniel Barreto, que realizou as anlises do banco de dados da pesquisa

    com comprometimento e preocupao em todos os detalhes. Muito obrigada!

    Aos acadmicos de Medicina da Universidade Federal de Sergipe: Ana Brbara, Rebeca

    Yasmin, Luz Vincius, Luis Fabiano, Rafael, Victor Hugo, Lucas Varjo, Lucas Feitosa,

    Sergio Ricardo, Wendel, Ana Lusa, Nicolas, Thayana, Francis, Jlio, Fernanda, Inay,

    Caroline, Guilherme, Jssica, Vincius, Larissa, Leonardo, Bruna e Marlia. s acadmicas

    voluntrias da Faculdade Estcio de Sergipe: Daniele Amorim, Emanuela e Vanessa, por

    estarem comprometidas com o projeto, comparecendo nos trs turnos nas duas

    maternidades, sempre presentes e nunca deixando escapar nada. Muito obrigada pela

    dedicao! Sem vocs a pesquisa no seria realizada; juntos somos fortes e juntos somos o

    Grupo de pesquisa do Near Miss, para sempre em meu corao. Sucesso a todos!

  • s mulheres deste estudo, meu eterno agradecimento e reconhecimento, pois, mesmo

    passando por um momento to difcil, aceitaram participar desta pesquisa e foram

    compreensivas, colaborando com as perguntas do extenso questionrio. Muito Obrigada!

    Vocs foram as peas-chave para o meu estudo.

    s minhas colegas do mestrado: Mirian Geisa, Gabriela Menezes, Gabryella Garibalde,

    Tatiane, Simonize, Pabliane, Adriana, Aline e Luzineide, pelo carinho e pela presena nos

    momentos alegres e tristes com a mesma intensidade, os quais sempre sero lembrados com

    saudades.

  • O sucesso nasce do querer, da determinao e

    persistncia em se chegar a um objetivo. Mesmo

    no atingindo o alvo, quem busca e vence

    obstculos, no mnimo far coisas admirveis.

    Jos de Alencar

  • RESUMO

    Objetivo: Identificar as caractersticas epidemiolgicas dos bitos fetais e neonatais

    precoces em pacientes com near miss materno e os fatores associados a este desfecho.

    Mtodo: Estudo transversal, cuja populao foi composta por 79 mulheres com

    caractersticas de near miss (NM), identificadas no perodo de um ano, e dos seus

    respectivos recm-nascidos. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas e investigao

    dos pronturios. As variveis foram analisadas por meio de frequncias simples e percentual.

    Para avaliar associao entre as variveis, utilizou-se o teste Exato de Fisher. Para anlise

    multivariada, foi usado o mapa perceptual construdo a partir da anlise de correspondncia

    mltipla e utilizadas as variveis que foram significativas a 20%. Resultados: Entre as mes

    classificadas com NM, as desordens hipertensivas (pr-eclmpsia grave, eclmpsia,

    hipertenso) totalizaram 32 casos (40,5%) e, destes, 14 (58,3%) tiveram desfecho fetal e

    neonatal adverso (DFNA) com p-valor =0,046. A maior prevalncia de DFNA foi

    proveniente de parto cesreo (20, 83,3%), de mulheres com dois a trs filhos (11, 45,8%) e

    sem natimortos anteriores (17, 70,8%), verificando-se significncia para esta ltima varivel

    p =0,038. Na anlise dos DFNA, foi observada significncia estatstica para os recm-

    nascidos admitidos na UTIN (17, 70,8%, p

  • ABSTRACT

    Objective: To identify the epidemiological characteristics of early fetal and neonatal deaths

    in maternal near miss patients and the associated elements to this outcome. Method: Cross-

    sectional study including 79 women with features near miss, identified in a one-year period,

    and their newborns. Semi-structured interviews and the study of patients records were

    conducted. The variables were analyzed through simple frequency and percentage. To

    evaluate the association between those variables, the Fishers Exact Test was used. For the

    multivariate analysis the perceptual map constructed from the multiple correspondence

    examination was used, using the variables that were significant to 20%. Results: Amongst

    the near miss mothers, hypertensive disorders (severe pre-eclampsia, eclampsia,

    hypertension) totalized 32 cases (40,5%) and, of those, 14 (58,3%) had fetal and neonatal

    adverse outcome (p 0,046). The highest prevalence of fetal and neonatal adverse outcome

    was derived from cesarean delivery (20, 83,3%), of women with 2 or 3 children (11, 45,8%),

    and without previous stillbirths (17, 70,8%), this last variable with significance p 0,038. In

    the fetal and neonatal adverse outcome analysis significant levels were verified in newborns

    admitted in Neonatal Intensive Care Unit (17, 70,8%, p < 0,001); children with gestational

    age < 32 weeks (10, 41,6%, p < 0,001); birth weight < 2500 (16, 66,7%, p 0,001); APGAR

    score at 5 minutes < 7 (9, 52,9%, p < 0,001); neonatal asphyxia, 9 (50,00%, p < 0,001); and

    early respiratory distress syndrome, 13 (72,2%, p 0,002). Conclusion: The characteristic of

    early fetal and neonatal deaths in maternal near miss patients had a close association with

    fetal and neonatal adverse outcome. Among the mothers with hypertensive disorders the

    significant characteristics to the outcome in newborns were prematurity, neonatal asphyxia

    and early respiratory distress syndrome.

    Key words: Maternal-Fetal Relations; Pregnancy Complications; Epidemiology; Fetal

    Death; Perinatal Death.

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    AIG Adequado para a idade gestacional

    CID Classificao internacional de doenas

    COFEN Conselho Federal de Enfermagem

    DPP Deslocamento prematuro de placenta

    DFNA Desfecho fetal e neonatal adverso

    GIG Gigante para a idade gestacional

    HELLP Hemolytic anemia, Elevated Liver enzyme, Low Platelet count (Sndrome

    caracterizada por: Hemlise, Enzimas hepticas elevadas, Baixa contagem de plaquetas)

    HGS Hospital Gabriel Soares

    HSI Hospital Santa Isabel

    HUSE Hospital de Urgncia de Sergipe

    MMG Morbidade Materna Grave

    MNSL Maternidade Nossa Senhora de Lourdes

    NM near miss

    NMM near miss materno

    NMN near miss neonatal

    NV nascidos vivos

    ODM Objetivo de desenvolvimento do milnio

    OMS Organizao Mundial de Sade

    ONU Organizao das Naes Unidas

    PAS Presso arterial sistlica

    PAD Presso arterial diastlica

    PCR Parada cardiorrespiratria

    PIG Pequeno para a idade gestacional

    PIBIC - Programa Institucional de Bolsas de Iniciao Cientfica

    PICC - Peripherally Inserted Central Venous Catheter (Cateter venoso central de insero

    perifrica de longa permanncia)

    REBEN Revista Brasileira de Enfermagem

    RENOSPE Rede Norte Nordeste de Sade Perinatal

    RMM Razo de mortalidade materna

    RP Razo de prevalncia

    SE Sergipe

    SM Salrio mnimo

    SMS Secretaria Municipal de Sade

    SUS Sistema nico de Sade

    UFS Universidade Federal de Sergipe

    UTI Unidade de tratamento intensivo

    UTIN Unidade de tratamento intensivo neonatal

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Hem%C3%B3lisehttps://pt.wikipedia.org/wiki/Enzimas_hep%C3%A1ticashttps://pt.wikipedia.org/wiki/Plaquetas

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Distribuio dos critrios de near miss materno segundo desfecho neonatal

    adverso. Aracaju, SE, Brasil, 2014-2015...........................................................................

    39

    Tabela 2 Distribuio das desordens obsttricas dos near miss materno segundo

    desfecho neonatal adverso. Aracaju, SE, Brasil, 2014-2015.............................................

    40

    Tabela 3 Distribuio dos aspectos sociodemogrficos e relativos gestao e parto

    dos casos de near miss materno segundo desfecho neonatal adverso. Aracaju, SE,

    Brasil, 2014-2015...............................................................................................................

    42

    Tabela 4 Distribuio das caractersticas e dos diagnsticos mdicos dos recm-

    nascidos segundo os casos de near miss materno e o desfecho neonatal adverso.

    Aracaju, SE, Brasil, 2014-2015.........................................................................................

    44

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Mapa percentual construdo a partir da Anlise de Correspondncia

    Mltipla utilizando as variveis que foram significativas a 20%......................................

    45

  • SUMRIO

    1 INTRODUO..................................................................................................... 14

    2 REVISO DE LITERATURA............................................................................. 17

    3 OBJETIVOS.......................................................................................................... 30

    3.1 Objetivo Geral................................................................................................... 30

    3.2 Objetivos Especficos........................................................................................ 30

    4 CASUSTICA E MTODOS............................................................................... 31

    4.1 Tipo e local de estudo......................................................................................... 31

    4.2 Populao do estudo.......................................................................................... 32

    4.3 Classificao e critrios adotados...................................................................... 32

    4.4 Critrios de excluso.......................................................................................... 32

    4.5 Instrumento para coleta de dados....................................................................... 33

    4.6 Sistemtica para a coleta dos dados................................................................... 33

    4.7 Variveis do estudo............................................................................................ 34

    4.8 Construo, digitao do banco de dados e anlise estatstica........................... 34

    4.9 Consideraes ticas........................................................................................... 35

    4.10 Metodologia dos resultados, discusso e concluso......................................... 35

    5 ARTIGO CIENTFICO......................................................................................... 36

    6 REFERNCIAS.................................................................................................... 54

    Apndice A Manual do entrevistador.................................................................... 59

    Apndice B Formulrio para preenchimento de dados......................................... 73

    Apndice C Termo de consentimento livre e esclarecido..................................... 84

    Anexo A Aprovao do Comit de tica.............................................................. 85

    Anexo B Instrues aos autores da REBEN......................................................... 88

    Anexo C Check list para submisso na REBEN................................................... 93

  • 14

    1 INTRODUO

    Em 2013, foram estimadas 800 mortes de mulheres diariamente em todo o mundo

    por complicaes da gravidez e do nascimento da criana, o que contabilizou 289.000 bitos

    registrados naquele ano. Quase todas essas mortes ocorreram em ambiente de baixa renda;

    entretanto, a maioria poderia ter sido evitada (WHO, 2014). Em 2015, o nmero de bitos

    maternos registrados chegou a 303.000 (WHO, 2016).

    A diminuio das mortes maternas uma das principais metas discutidas em

    conferncias internacionais atuais, e a sua reduo em trs quartos at 2015 foi apresentado

    como o Objetivo de Desenvolvimento do Milnio (ODM) de nmero cinco pela

    Organizao das Naes Unidas (WHO, 2008).

    Globalmente, a taxa de mortalidade materna diminuiu 47,0% ao longo das ltimas

    duas dcadas, passando de 400 para 210 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos entre

    1990 e 2010. O Relatrio dos ODM 2013 j sinalizou que as aes conjuntas dos governos

    nacionais e da comunidade internacional esto sendo implementadas; no entanto, para o

    cumprimento da meta de reduo da mortalidade, h necessidade de intervenes aceleradas

    e forte apoio de polticas direcionadas s mulheres e s crianas (ONU, 2013).

    Em virtude da reduo das mortes maternas, em especial nos pases desenvolvidos, o

    estudo das situaes que podem levar ao bito materno tem sido utilizado com frequncia

    cada vez maior como forma de avaliao da qualidade da assistncia. Estas situaes de

    morbidade materna grave, que acontecem em consequncia de alguma complicao no ciclo

    grvido-puerperal, podem levar morte quando no so assistidas de forma adequada e tm

    magnitude sempre superior da morte materna (FILIPPI; RONSMANS, 2006).

    Em realidade, as mortes maternas constituem apenas a ponta de um iceberg de

    morbidade grave relacionada gestao, parto e puerprio. Estima-se que dez milhes de

    mulheres apresentem complicaes graves da gestao a cada ano, e que sua incidncia no

    seja muito diferente nos pases desenvolvidos e em desenvolvimento. Por outro lado, o

  • 15

    modo como as complicaes so percebidas e tratadas podem ser responsveis pelas

    enormes diferenas nas razes de morte materna (SOUZA, 2008).

    A despeito da melhoria das condies sociais e econmicas observadas no Brasil nas

    duas ltimas dcadas, a Razo de Mortalidade Materna (RMM) ainda elevada em nosso

    pas. Segundo dados da Organizao Mundial de Sade (OMS), em 1990, ocorreram 120

    decessos maternos para 100.000 nascidos vivos (NV) no territrio nacional, e em 2013,

    ocorreram 69 mortes maternas por 100.000 NV (WHO, 2014). Dados mais atuais no Brasil

    apontam que a taxa de mortalidade materna caiu em 55,0%, passando de 141 para 64 bitos

    por 100 mil nascidos vivos (BRASIL, 2014); porm, esses dados revelam que a mortalidade

    materna no Brasil ainda muito alta e preocupante, e que a reduo no atinge resultados

    significantes em curto prazo.

    Os casos relativos a near miss maternos (NMM) ou seja, de mulheres que no ciclo

    gravdico puerperal estiveram muito prximas da morte, mas que conseguiram por alguma

    razo sobreviver podem ocorrer com uma frequncia significativamente maior do que os

    bitos maternos e so, dessa forma, utilizados atualmente para avaliar no apenas a

    incidncia das complicaes que so ameaadoras da vida da mulher, mas tambm a

    qualidade da ateno obsttrica (OLIVEIRA, COSTA, 2013).

    Em 2009, a Organizao Mundial de Sade definiu o termo NMM como sendo a

    mulher que quase morreu, mas sobreviveu a uma complicao que ocorreu na gravidez,

    parto ou at 42 dias aps a gestao (SAY et al, 2009, p. 289). O estudo desses casos tem

    sido utilizado para reconhecer os pontos crticos referentes assistncia obsttrica e para

    identificar quais os verdadeiros fatores responsveis pelo desencadeamento, o que favorece

    o desenvolvimento de aes preventivas, capazes de influenciar o processo evolutivo que

    pode levar morte materna (GALVO, 2014). Com o objetivo de facilitar o seu uso na

    rotina e monitoramento da assistncia obsttrica, a OMS estabeleceu critrios que

    identificam um caso de NM. Estes critrios foram categorizados em clnicos, laboratoriais e

    de manejo (SAY et al, 2009).

    Condies maternas da gestao e do parto podem influenciar nas condies fetais e

    neonatais, de tal modo que o NMM pode contribuir para a elevao da morbimortalidade

    perinatal. Sua associao com eventos perinatais adversos so extremamente fortes. Alm do

  • 16

    bito fetal aumentado de mulheres identificadas com NM, verifica-se que os recm-

    nascidos, filhos dessas mulheres, apresentam um maior risco de morte e de necessidade de

    cuidados intensivos (OLIVEIRA, COSTA, 2013).

    Da mesma forma como na sade materna, a aplicao de um conceito de near miss

    ao contexto neonatal pode ser uma importante ferramenta para avaliao do sistema de

    sade. As mesmas vantagens da utilizao dos casos de NM materno em comparao com o

    estudo de bitos maternos se aplicam avaliao da qualidade do atendimento e

    identificao de fatores remediveis do sistema de sade para o aprimoramento do

    atendimento aos recm-nascidos (SAY, 2010).

    Apesar de no haver uma definio padro ou critrios de identificao com

    consenso internacional para os casos de near miss neonatal (NMN) (AVENANT, 2009), no

    Brasil, um estudo abrangendo dados das diversas regies do pas apresentou um conceito de

    NMN. Seus indicadores foram utilizados e considerados aplicveis, fornecendo informaes

    que poderiam ser teis para uma avaliao preliminar da qualidade do atendimento e, assim,

    estabelecer prioridades para outras avaliaes mais complexas, promovendo a melhoria da

    ateno sade dos recm-nascidos (PILEGGI et al., 2010; PILEGGI-CASTRO et al.,

    2014).

    NM , portanto, uma temtica muito atual. Estudos vm sendo desenvolvidos nos

    ltimos anos; entretanto, poucas so as pesquisas que se referem s complicaes perinatais

    entre esses pacientes, assim como os que relacionam o NMM morte fetal e neonatal

    precoce. Este estudo se torna indito, pois nenhuma pesquisa foi realizada no estado de

    Sergipe relacionada ao tema. Assim, foram levantados os seguintes questionamentos: Quais

    as caractersticas epidemiolgicas dos bitos fetais e neonatais precoces entre pacientes com

    NMM? Quais os fatores associados a este desfecho?

    Com base no exposto, considera-se de extrema relevncia um estudo mais

    aprofundado sobre esta temtica na realidade do estado de Sergipe, vez que visa melhorar a

    assistncia prestada s gestantes com NM e, com isso, contribuir para a reduo do nmero

    de bitos fetais e neonatais no estado de Sergipe.

  • 17

    2 REVISO DE LITERATURA

    A mortalidade materna considerada um bom indicador para avaliar as condies de

    sade de uma populao. Razes de mortalidade materna elevadas so indicativas de

    precrias condies socioeconmicas, baixo grau de informao e escolaridade, dinmicas

    familiares em que a violncia est presente e, sobretudo, dificuldades de acesso a servios de

    sade de boa qualidade (BRASIL, 2011).

    O risco de uma mulher, em um pas em desenvolvimento, morrer de uma causa

    materna cerca de 23 vezes maior em comparao com uma mulher que vive em um pas

    desenvolvido. A mortalidade materna um indicador de sade que mostra grandes

    disparidades entre regies ricas e pobres, urbanas e rurais de um determinado pas, bem

    como serve de comparao com outros pases (WHO, 2014).

    Pode-se presumir que, em pases desenvolvidos, em face da baixssima incidncia do

    evento, a dificuldade em mensurar adequadamente a mortalidade materna e entender as

    razes que levaram a este desfecho ainda maior. Dessa forma, para obter-se uma amostra

    grande o suficiente para identificar tendncias na qualidade da assistncia sade materna,

    ou das doenas que culminam na morte materna, seriam necessrios vrios anos

    (PATTINSON, 2009).

    A definio de morte materna est expressa, segundo a Classificao Internacional

    de Doenas 10 reviso (CID 10), como:

    A morte da mulher quando grvida ou at 42 dias aps o

    parto, independentemente de sua durao ou do local de implantao, por qualquer causa relacionada ou agravada pela gestao ou por seu manejo, excluindo-se

    as causas acidentais ou incidentais (OMS, 2000, p. 691).

  • 18

    A diferena da RMM extremamente grande entre as regies do planeta, variando de

    9 (nove) por 100.000 nascidos vivos em pases desenvolvidos a 905 por 100.000 nascidos

    vivos na frica Subsaariana, onde ocorre a maioria dos bitos maternos. A Amrica Latina

    apresenta nmeros intermedirios, com RMM de 132 por 100.000 nascidos vivos (HILL et

    al, 2007).

    No Brasil, as razes de mortalidade materna mantm-se ainda inaceitavelmente

    elevadas, cerca de 10 vezes mais altas se comparadas aos pases de mais alta renda. Apesar

    de ainda elevada, o pas vivenciou uma melhora no quadro geral de mortalidade materna nas

    ltimas duas dcadas. A razo de mortalidade materna caiu de 143,2/100.000NV em 1990

    para 64,8/100.000NV em 2011 (CECATTI,et al, 2015). Neste contexto, a RMM varia em

    diferentes regies do pas, sendo no Norte e Nordeste do pas os maiores ndices de morte

    materna. Um estudo recente realizado no estado de Sergipe verificou que a RMM foi de

    104,6 casos/100.000 NV maior que a mdia do pas (GALVO et al, 2014).

    A preocupao do governo brasileiro com a morte materna est expressa no plano de

    ao 2004-2007 da Poltica Nacional de Ateno Integral Sade da Mulher, que objetivava

    reduzir em 15,0% a RMM nas capitais brasileiras e implantar comits de morte materna em

    todos os estados e em municpios com populao superior a 50.000 habitantes (BRASIL,

    2004).

    O Brasil, como signatrio das Metas de Desenvolvimento do Milnio, tem

    implementado aes visando aprimorar a vigilncia da morte materna, em especial por meio

    da implantao dos Comits de Mortalidade Materna, o que vem ocorrendo desde 1987.

    Essa poltica foi reafirmada em 2004 com o Pacto Nacional pela Reduo da Mortalidade

    Materna e Neonatal. Em 2005, todos os 27 estados da federao encontravam-se com

    comits estaduais de morte materna implantados (BRASIL, 2007).

    Compreender a extenso e as causas de morte materna tem sido insuficiente para

    atingir os ODM. Em um estudo realizado na Argentina, com o objetivo de apresentar um

    modelo para abordar o near miss, concluiu-se que a gesto do conhecimento importante

    para a reorientao das polticas, programas e cuidados de sade; alm disso, a interao

    entre as pessoas, as comunidades e o sistema de sade deve ser reforada a fim de melhorar

    os resultados dos programas de sade da mulher (KAROLINSKI et al, 2015).

  • 19

    No municpio de Aracaju (SE) foi implantado, em 1991, o Comit de Mortalidade

    Materna, atualmente sediado na Secretaria Municipal de Sade (SMS) do municpio.

    composto por gestores e funcionrios de instituies de sade (hospitais, maternidades e

    unidades bsicas de sade) e realiza reunies regulares visando analisar, individualmente, os

    casos de morte materna ocorridos no municpio, a fim de detectar possveis falhas no

    processo assistencial (GALVO, 2012).

    Uma das falhas nesse processo a subinformao e o sub-registro, que dificultam o

    monitoramento do nvel e da tendncia da mortalidade materna. Com o intuito de melhorar o

    registro da morte materna, o Ministrio da Sade tornou-a evento de notificao

    compulsria, o que ocorreu atravs da Portaria n 653, de 28 de maio de 2003 (BRASIL,

    2007).

    Neste contexto, o estudo do NMM alinha-se aos esforos governamentais em atingir

    as metas de reduo da morte materna. O evento NM est prximo da morte materna, tem

    maior incidncia que a mesma e permite que a prpria paciente seja a fonte de informaes

    sobre o agravo. Por estes motivos, a possibilidade da morte materna configura,

    possivelmente, um evento de importncia para a ampliao dos conhecimentos acerca dos

    fatores de risco para o bito materno (ZYLBERSZTAJN, 2007).

    O interesse em quadros de complicao grave que pudessem culminar na morte

    materna foi viabilizado atravs da adaptao, para as cincias mdicas, de um conceito

    desenvolvido pela indstria aeronutica para descrever incidentes de aproximao indevida

    de aeronaves nas operaes de controle de trfego areo. O conceito de quase perda na

    sua forma original em ingls, near miss referia-se s situaes onde o choque de aeronaves

    durante o voo esteve muito prximo a ocorrer, mas que somente no ocorreu por um bom

    julgamento ou sorte (STONES et al, 1991).

    Do ponto de vista militar, o conceito NM refere-se ao projtil balstico que erra por

    pouco o seu alvo. Adaptando-se o primeiro desses conceitos para a temtica do estudo da

    morbidade materna, o termo NM foi introduzido por Stones et al (1991) e faz referncia

    situao em que mulheres apresentam complicaes potencialmente letais durante a

    gravidez, parto e puerprio, e somente sobrevivem por acaso ou devido ao bom cuidado

    hospitalar (STONES et al, 1991).

  • 20

    Os primeiros estudos sobre o tema apresentavam algumas variaes na definio do

    NMM. Segundo Filippi et al. (2000, p. 311), o termo NM definido como uma grave

    complicao obsttrica que impe imediata interveno mdica a fim de impedir a morte

    materna. Prual et al. (2000, p. 595) descreveram o NMM como qualquer gestante ou

    purpera que recentemente deu luz, tendo necessitado de atendimento imediato e que

    sobreviveu pelo acaso ou cuidados recebidos no hospital. J Mantel et al. (1998, p. 987)

    definem este evento como uma gestante com doena grave que teria falecido caso no

    tivesse tido sorte e/ou bom tratamento ao seu lado.

    A concluso que se apreende das definies acima expostas que, para

    caracterizao de evento NM, necessrio no somente a presena de doena ou

    complicao no ciclo grvido-puerperal levando morbidade materna grave, mas tambm a

    existncia de alguma forma de tratamento ou cuidado especial para que no houvesse

    evoluo para morte (PEREIRA, 2011).

    Do ponto de vista conceitual, existe um espectro de gravidade clnica que possui em

    suas extremidades, de um lado, a gravidez saudvel e, de outro, o bito materno. A partir

    dessa situao normal, a paciente pode evoluir com o desenvolvimento de situaes de

    gravidade leve, moderada e intensa. A concepo que os fatores de risco que culminam no

    prognstico mais desfavorvel possvel no caso, a morte materna so os mesmos que

    determinam o NM. O termo NM refere-se a uma situao de complicao obsttrica grave e

    potencialmente tratvel, e o termo morbidade materna grave refere-se a uma situao um

    pouco menos grave que a anterior. (GELLER et al., 2002).

    A grande vantagem em se estudar os casos de NM justamente a sua frequncia,

    que, em nmero absoluto de casos, superior em relao aos casos de morte materna

    (aproximadamente trs a quatro vezes mais frequente), somando ao fato de que a prpria

    paciente capaz de fornecer informaes muito mais completas e consistentes sobre a

    problemtica enfrentada (PATTINSON; HALL, 2003).

    Foi realizado um estudo transversal com um componente de caso-controle para

    identificar as mulheres grvidas que estavam em risco de Morbidade Materna Grave (MMG)

    e NM nos dois hospitais de referncia de maternidade do Estado de Sergipe, Nordeste do

    Brasil, entre junho de 2011 e maio de 2012. Neste perodo, ocorreram 16.243 partos, 1.102

  • 21

    casos MMG, 77 casos NM e 17 mortes maternas. A prevalncia total de MMG + NM foi de

    72,6 casos/1.000 NV; os casos de mortalidade versus NM foi de 4,5 casos/1 morte materna

    (GALVO et al, 2014).

    Outro estudo que teve como objetivo determinar os fatores de risco para MMG e NM

    em gestantes e purperas, realizado na Maternidade do Hospital Dom Malan, em Petrolina,

    no Nordeste do Brasil, no perodo entre maio e agosto de 2011, identificou um total de 2.291

    pronturios, com trs mortes maternas, 400 casos de MMG (17,5%), bem como 24 registros

    de NM (1%) (PACHECO; KATZ, 2014).

    At o ano de 2009, em reunio do grupo de estudos em mortalidade e morbidade

    materna para a OMS, que definiu os critrios para MMG e para NM, existiu grande

    controvrsia sobre a operacionalizao da definio desses casos. Inicialmente, alguns

    pesquisadores adotavam os critrios de Mantel et al. (1998), que eram baseados na

    ocorrncia de disfuno orgnica materna; outros elegiam os critrios de Waterstone,

    Bewley e Wolfe (2001), que levavam em conta a presena de determinadas doenas como,

    por exemplo, a eclmpsia (GALVO et al, 2012).

    Os critrios selecionados devem ser facilmente aplicveis e, ao mesmo tempo,

    permitir comparaes entre diferentes servios, reas e pases (VINCENT et al, 1998). A

    OMS iniciou um processo de consenso para definio e o desenvolvimento de um conjunto

    de critrios para MMG e NM, a fim de facilitar o seu uso de rotina para a monitorizao e

    melhoria da qualidade do cuidado obsttrico. Esse processo foi desenvolvido e baseado nos

    mesmos princpios da classificao de morte materna (WHO, 2008).

    Com o objetivo de facilitar o seu uso na rotina e monitorizaro da assistncia

    obsttrica, a Organizao Mundial de Sade (OMS) estabeleceu critrios que identificam o

    NM, os quais foram categorizados em clnicos, laboratoriais e de manejo. Teoricamente,

    estes critrios podem ser usados em qualquer nvel hospitalar, seja de baixa, mdia ou alta

    complexidade (SAY et al, 2009).

    A adoo dos critrios da OMS para a identificao dos casos de NMM um mtodo

    eficaz, conforme a concluso de um estudo de pr-validao realizado em Campinas, So

    Paulo. Concluiu-se que os critrios permitem a avaliao da gravidade da complicao e,

    consequentemente, a construo de um plano de cuidados e tomada de deciso, alm de

  • 22

    oferecer suporte para o uso de tais parmetros em todo o mundo (CECATTI, et al, 2011). As

    subdivises desses critrios esto expostas no quadro abaixo apresentado.

    Quadro 01 Critrios definidos pela Organizao Mundial de Sade (OMS) para NMM

    Clnicos

    Laboratoriais Manejo

    Perda de conscincia > 12

    horas

    Saturao de O2

    60min.

    Uso contnuo de drogas

    vasoativas

    Perda de conscincia e

    ausncia de pulso

    PaO2/FiO2 < 200 mmHg Histerectomia aps

    infeco ou hemorragia

    Ictercia na presena de

    pr-eclmpsia

    Bilirrubina > 6,0 mg/dl Transfuso >= 5 unidades

    de hemcias

    Convulses no

    controladas

    Trombocitopenia aguda

    (= 60 min no

    relacionada a anestesia

    Frequncia respiratria

    >40 ou 5 Ressuscitao

    cardiopulmonar

    Cianose aguda PH < 7,1

    Gasping Creatinina >= 3,5mg/dl

    Choque

    Distrbio da coagulao

    Acidente vascular

    cerebral

    As definies desses critrios de NMM tiveram como base as preconizadas pela

    OMS (SAY et al, 2009), que definiu a maior parte desses critrios.

    a. Critrios clnicos:

    Perda de conscincia > 12 horas (definida como um escore < 10 na escala de coma

    de Glasgow);

    Perda de conscincia e ausncia de pulso (definida como um escore < 10 na escala de

    coma de Glasgow e ausncia de pulso ou batimento cardaco);

  • 23

    Ictercia na presena de pr-eclmpsia; (Pr-eclmpsia definida como a presena de

    hipertenso associada proteinria. Hipertenso definida como Presso Arterial

    Sistlica (PAS) 140mmHg e/ou Presso Arterial Diastlica (PAD) 90mmHg em

    pelo menos duas ocasies, com intervalo de 4 a 6 horas aps a 20 semana de

    gestao. Proteinria definida como a excreo de 300mg ou mais de protenas em

    24 horas, ou 1 + na proteinria de fita, em pelo menos duas medidas com intervalo

    de 4 a 6 horas);

    Convulses no controladas (condio em que o crebro est em estado de convulso

    contnua);

    Oligria no responsiva a fluidos e diurticos (dbito urinrio < 30mL/h por 4 horas

    ou < 400mL/24 horas);

    Frequncia respiratria > 40 ou 2L);

    Distrbio da coagulao (falncia da coagulao avaliada pelo teste de coagulao

    ou pela ausncia de coagulao aps 7 a 10 minutos);

    Acidente vascular cerebral. (dficit neurolgico de causa cerebrovascular que

    persiste por mais de 24 horas).

    b. Critrios laboratoriais: Estes no foram definidos pela OMS, por se tratar de

    critrios claros de resultados de exames.

    c. Critrios de manejo:

    Uso contnuo de drogas vasoativas (uso contnuo de qualquer dose de dopamina,

    epinefrina ou norepinefrina);

    Os demais critrios de manejo no foram definidos por se tratar de intervenes

    claras da equipe de sade.

    Os casos de morbidade materna so menos graves e representam uma situao que

    precede as situaes NM. Os critrios para MMG (Quadro 02) tambm foram definidos pela

    OMS em 2009, e so expostos da seguinte forma: desordens hemorrgicas; desordens

  • 24

    hipertensivas; outras desordens sistmicas; indicadores de procedimentos invasivos. Alguns

    critrios se assemelham com os critrios de NM, porm com menor gravidade (SAY, 2009).

    Quadro 02 Critrios definidos pela OMS para MMG

    Desordens

    hemorrgicas

    Desordens

    hipertensivas

    Outras desordens

    sistmicas

    Indicadores de

    procedimentos

    invasivos

    Deslocamento

    prematuro de

    placenta (DPP)

    Pr-eclmpsia grave Endometrite Transfuso

    sangunea (at, no

    mximo, 4 bolsas de

    concentrado de

    hemcias)

    Acretismo

    placentrio

    (placenta acreta,

    percreta ou increta)

    Eclmpsia Edema pulmonar Acesso venoso

    central

    Prenhez ectpica Hipertenso severa Falncia respiratria Histerectomia

    Hemorragia ps-

    parto

    Encefalopatia

    hipertensiva

    Sepse Admisso em UTI

    Rotura uterina Sndrome de HELLP

    (hemlise, alteraes de

    enzimas hepticas e

    plaquetopenia)

    Choque Tempo de internao

    prolongado (>7 dias

    ps parto)

    Crise tireotxica Falha de intubao

    anestsica

    Trombocitopenia

    (

  • 25

    vantagens semelhantes utilizao da abordagem dos casos de NMM em comparao com o

    estudo de bitos maternos, uma vez que, devido ao fato de o nmero de sobreviventes

    identificados ser at quatro vezes maior do que o nmero de bitos de recm-nascidos (RN),

    o nmero de casos dos quais se pode coletar informaes maior em avaliaes de casos de

    NMN (PILLEGI et al., 2010).

    O termo NMN no tem uma definio padro ou critrios estabelecidos para os

    casos; assim, os poucos estudos encontrados na literatura no so uniformes e muitos

    definem NMN a partir de uma doena especfica ou disfuno orgnica dos RN (SKINNER

    et al., 2005; AVENANT, 2009). Uma definio operacional de NMN foi desenvolvida com

    base nas duas principais causas de bito neonatal precoce: prematuridade e asfixia perinatal.

    Desta forma, um caso de NMN seria um RN que apresentasse qualquer uma das condies

    de risco ao nascimento (Apgar menor que sete no 5o minuto, idade gestacional menor que 30

    semanas, peso menor que 1.500g) e no fosse a bito at o sexto dia de vida (PILLEGI et al.,

    2010).

    O conceito de NMN tem sido utilizado no contexto de condies graves desde os

    anos setenta, tais como casos graves de ictercia, encefalopatia ou sndrome da quase morte

    sbita (BHUTHANI, 2009). Seu uso constitui-se em uma ferramenta para aprimorar o

    atendimento clnico aos RN; contudo, o seu uso no tem sido generalizado e consistente. A

    mesma vantagem da utilizao da abordagem dos casos de NM, em comparao com o

    estudo de bitos maternos, se aplica avaliao da qualidade do atendimento e

    identificao de fatores remediveis do sistema de sade para o aprimoramento do

    atendimento aos recm-nascidos (SAY, 2010).

    Atualmente, 2/3 dos bitos infantis ocorrem no 1 ms de vida (mortalidade

    neonatal), e em torno de 50% de todos os bitos no 1 ano de vida ocorrem na 1 semana

    (mortalidade neonatal precoce). A importncia cada vez maior do componente neonatal

    precoce na constituio da mortalidade infantil tem gerado muitos estudos sobre as causas e

    fatores determinantes das mortes neste perodo (GARCIA; SANTANA, 2011;

    NASCIMENTO et al., 2012; KASSAR et al., 2013).

    Um estudo de coorte sobre mortalidade neonatal realizado recentemente no Brasil

    evidenciou, alm da associao entre a mortalidade neonatal com o muito baixo peso ao

  • 26

    nascer, o uso de ventilao mecnica, malformao congnita, asfixia ao nascer,

    apresentao plvica, e, ainda, com a inadequao da assistncia ao pr-natal e ao parto

    (LANSKY et al., 2014). Estudo que avaliou os preditores do bito neonatal, em uma srie

    histrica de nascidos vivos num hospital do Nordeste brasileiro, evidenciou tendncia de

    aumento na proporo de RN's com baixo peso ao nascer e prematuridade, corroborando

    com os outros estudos citados anteriormente; no entanto, acrescentou o Apgar menor que 7,

    parto cesreo e problemas na qualidade do pr-natal (VANDERLEI et al., 2010).

    vlido ressaltar que a maioria absoluta de partos ocorre em ambiente hospitalar

    (98,4%); no entanto, os resultados so insatisfatrios se comparados a outras partes do

    mundo que alcanam coeficientes menores de mortalidade neonatal e infantil. Esta situao

    tem sido denominada de "paradoxo perinatal brasileiro", em que h intensa medicalizao

    do parto e nascimento com manuteno de taxas elevadas de morbimortalidade materna e

    perinatal, possivelmente relacionadas baixa qualidade da assistncia e utilizao de

    prticas obsoletas e iatrognicas que podem repercutir sobre os resultados perinatais

    (LANSKY et al., 2014).

    No que diz respeito assistncia neonatal de maior complexidade, encontram-se em

    ascenso os estudos multicntricos das redes neonatais. Em linhas gerais, buscam analisar os

    dados de morbidade e mortalidade de diversas unidades neonatais e so capazes de retratar,

    em tempo real, a morbidade e mortalidade neonatal em centros com caractersticas

    especficas, comparando estes dados aos nacionais e internacionais (HORBAR et al., 2010).

    No Brasil, foi fundada a Rede de Pesquisas Neonatais, envolvendo servios de

    neonatologia do Sul-Sudeste representantes das regies com menores taxas de mortalidade

    do pas. No entanto, reconhecendo-se que as maiores taxas de mortalidade neonatal

    encontram-se nas regies Norte e Nordeste do pas, surgiu a Rede Norte-Nordeste de Sade

    Perinatal (RENOSPE), que possui como objetivos principais promover a melhoria do

    desempenho das unidades neonatais de mdio e alto riscos e reduzir a morbi-mortalidade

    evitvel na regio Norte-Nordeste do pas (SILVA, 2013).

    Em 2014, Pillegi e colaboradores desenvolveram e validaram marcadores da

    morbidade neonatal grave para identificao dos casos de NMN. Os marcadores pragmticos

    (peso ao nascer < 1.750g, Apgar no 5 minuto

  • 27

    desenvolvidos com dados do Inqurito Global sobre Sade Materna e Perinatal, da

    Organizao Mundial de Sade, e validados com dados da Pesquisa Multinacional em Sade

    Materna e Neonatal, da Organizao Mundial de Sade. (PILLEGI, CASTRO et al., 2014).

    Em recente pesquisa brasileira, um indicador de morbidade neonatal NM tambm foi

    testado e cinco variveis foram escolhidas para compor o indicador neonatal NM: peso ao

    nascer < 1500g, Apgar < 7 no 5o minuto de vida, uso de ventilao mecnica, idade

    gestacional < 32 semanas e relato de malformao congnita. A morbidade neonatal near

    miss mostrou elevadas sensibilidade e especificidade, o que indica que este indicador com

    base nas cinco variveis pode ser utilizado para monitorar a "quase morte" NM no perodo

    neonatal (SILVA et al., 2014).

    Como o nmero de sobreviventes aproximadamente quatro vezes o nmero de

    mortes, e principalmente em locais onde a taxa de mortalidade neonatal baixa, concluses

    e relatrios em sade materna seriam mais rpidos se o NMN fosse estudado (MUKWEVO;

    AVENANT; PATTINSON, 2007). Asfixia intraparto e trauma obsttrico constituem o

    maior grupo de sobreviventes e onde a investigao adicional sobre as circunstncias da

    gravidez e do parto pode ser necessria. A maioria desses bebs no iria a bito, mas a

    presena de asfixia e suas sequelas tambm poderiam apontar srias deficincias no cuidado

    obsttrico (AVENANT, 2009).

    Condies maternas da gestao e do parto influenciam nas condies fetais e

    neonatais. (PELGGI, 2010). Neste sentido, o NMM condio em que a mulher se encontra

    criticamente doente alm de aumentar a morbidade materna, pode tambm contribuir com

    a elevao da morbimortalidade perinatal. Sua associao com eventos perinatais adversos

    esperada e muito forte (SAY, et al, 2009).

    Alm do risco aumentado de bito fetal, os recm-nascidos de mulheres com NM

    apresentam maior risco de morrer na primeira semana de vida, de necessitar de cuidados em

    uma unidade de tratamento intensivo (UTI) ou de ser pequenos para a idade gestacional

    (FILIPPI, 2007).

    Uma pesquisa da OMS comparou 2.952 casos de NMM com 94.083 mulheres que

    no apresentavam tal morbidade, e encontrou um risco aproximadamente quatro vezes maior

    de bito fetal e bito neonatal entre os casos de NM. No entanto, os critrios de NM

    utilizados (admisso em UTI, transfuso sangunea, histerectomia, eclmpsia, complicaes

  • 28

    renais ou cardacas) foram diferentes do recomendado pela OMS (SOUZA; CECATTI,

    2010).

    Em um estudo realizado em Recife PE, foram includos 246 casos de NM. Entre as

    mulheres do estudo, os distrbios hipertensivos ocorreram em 62,7%, a sndrome HELLP

    em 41,2% e os critrios laboratoriais de NM em 59,6%. Foram evidenciados nesse estudo 48

    (19,5%) bitos fetais e 19 (7,7%) bitos neonatais. Aps a anlise estatstica, as variveis

    que permaneceram associadas aos bitos fetais e neonatais foram: pr-eclmpsia grave,

    DPP, endometrite, cesariana, prematuridade e os critrios laboratoriais de NMM. Como

    concluso, os autores relatam que elevada a ocorrncia de bitos fetais e neonatais entre as

    pacientes com NMM. Entre essas mulheres, foi observado uma sobreposio de fatores que

    contribuem para esse desfecho fatal. Em nosso estudo, aquelas que apresentaram pr-

    eclmpsia grave, deslocamento prematuro de placenta (DPP), endometrite, parto prematuro

    ou critrios laboratoriais tiveram associao positiva com os bitos (OLIVEIRA; COSTA,

    2013).

    Em uma reviso sistemtica de literatura, foram estudadas mulheres que sofriam de

    distrbios hipertensivos na gravidez. A incidncia de pr-eclmpsia, eclmpsia e hipertenso

    arterial crnica foi de 2,16%, 0,28% e 0,29%, respectivamente. Os casos de NMM

    registrados foram oito vezes mais frequentes em mulheres com pr-eclmpsia, aumentando

    para at 60 vezes mais frequentes em mulheres com eclmpsia quando comparados a

    mulheres sem essa condio. No geral, 8.542 (2,73%) mulheres, de um total de 313 030 no

    banco de dados, foram registradas como portadoras de qualquer desordem hipertensiva

    durante a gravidez, o parto e/ou perodos iniciais do ps-parto. Destas, 914 mulheres

    (0,29%) apresentaram hipertenso crnica; 6.753 (2,16%), pr-eclmpsia; e 875 (0,28%)

    tiveram eclmpsia. As chances de mulheres e bebs que morram ou desenvolvam

    complicaes graves so particularmente elevadas quando h pr-eclmpsia e eclmpsia

    (ABALOS et al, 2014).

    Um estudo transversal de partos em 359 instituies participantes, em 29 pases,

    (frica, sia, Amrica Latina e Oriente Mdio), realizado entre maio de 2010 e dezembro

    de 2011, incluiu 314.692 mulheres. Uma anlise sobre as mortes maternas e NMM verificou

    que entre 308.392 partos nicos, houve 5.462 mortes fetais tardias e 2.528 bitos neonatais

    precoces. A taxa de morte fetal tardia mdia foi de 6,6 por mil partos (intervalo interquartil

    4,2-26,8 por 1000 partos), e a taxa de mortalidade neonatal precoce mdia foi de 7,5 por mil

    nascidos vivos (intervalo interquartil 4,5-10,7 por 1000 nascidos vivos) considerando que

  • 29

    apenas 7,0% das mulheres tiveram uma complicao potencialmente fatal, 85,6% das mortes

    fetais tardias maceradas, 86,5% das mortes fetais tardias frescas, e 88,6% dos bitos

    neonatais precoces ocorreram na presena de pelo menos uma dessas complicaes

    (VOGEL; SOUZA, 2014).

    Musooko (2014) sugere que, para melhorar a sobrevida neonatal, deve-se

    incrementar as estratgias para garantir a disponibilidade de assistncia obsttrica e neonatal,

    assim como os encaminhamentos oportunos de mulheres com complicaes de parto, o

    acompanhamento durante o parto adequado, treinamento de equipes em reanimao neonatal

    e melhoria dos cuidados de recm-nascidos asfixiados. Aponta, ainda, que a inadequada

    monitorizao cardaca fetal durante o trabalho foi associada com um aumento de seis vezes

    o risco de morte neonatal precoce nestes recm-nascidos, enquanto o desconforto

    respiratrio foi associado com um aumento de 30 vezes no risco de morte neonatal precoce.

  • 30

    3 OBJETIVO

    3.1 Objetivo Geral

    Identificar as caractersticas epidemiolgicas dos bitos fetais e neonatais precoces,

    de pacientes filhos de mes com NMM, e os fatores associados a esse desfecho.

    3.2 Objetivos Especficos

    Identificar caractersticas sociodemogrfica da sade reprodutiva e aspectos clnicos

    de pacientes filhos de mes com NMM, cujos filhos foram a bito (fetal e neonatal

    precoce);

    Identificar caractersticas clnicas dos bitos fetais e neonatais precoces de filhos de

    pacientes com NMM;

    Analisar fatores associados aos bitos fetais e neonatais em mulheres com NMM.

  • 31

    4 CASUSTICA E MTODOS

    4.1 Tipo e local de estudo

    Esta pesquisa caracteriza-se por ser um estudo de corte transversal, realizada em

    Aracaju, capital do estado de Sergipe. O municpio de Aracaju possui uma populao de

    571.149 habitantes, localiza-se no litoral do Nordeste brasileiro e possui uma rea de

    181,857 km (IBGE, 2010).

    O local do estudo foram trs maternidades do municpio de Aracaju, sendo duas

    conveniadas ao Sistema nico de Sade (SUS) Hospital Santa Isabel (HSI) e Maternidade

    Nossa Senhora de Lourdes (MNSL) e uma maternidade privada que atende gestantes

    provenientes da categoria de internao particular e de operadoras de sade (Hospital

    Gabriel Soares HGS).

    A MNSL a referncia estadual para alto risco materno, mas ocasionalmente

    tambm atende aos partos de baixo risco. Realiza em mdia 350 partos/ms, dispe de 62

    leitos de enfermaria e UTI neonatal, porm funciona sem UTI materna. Nessa maternidade,

    pacientes com indicao de UTI aguardam remoo externa, que pode ser para UTI do

    Hospital Santa Isabel, UTI do Hospital de Cirurgia ou do Hospital de Urgncia de Sergipe

    (HUSE), a depender da disponibilidade de vaga dessas instituies (GALVO, 2012).

    O HSI realiza, em mdia, 800 partos/ms e referncia para baixo e mdio risco

    obsttrico; para o municpio de Aracaju, eventualmente mantm purperas de alto risco

    internadas. Dispe de 90 leitos de enfermaria, Unidade de Terapia Intensiva Neonatal

    (UTIN) e UTI materna, sendo a nica no estado com 10 leitos.

    O Hospital Gabriel Soares (nome comercial de HAPVIDA) um hospital privado,

    fundado h menos de 10 anos, que atende somente pacientes conveniados e particulares das

    mais diversas reas da medicina. Reserva 6 leitos para atendimento obsttrico, realiza em

  • 32

    mdia 45 partos/ms, possui uma UTIN com 5 leitos e uma UTI Peditrica com 2 leitos.

    Possui tambm uma UTI adulta com 3 leitos.

    Essas maternidades atendem o estado de Sergipe e tambm municpios de outros

    estados, como Alagoas e Bahia, em vista do acesso ser mais vivel. No estado de Sergipe,

    nasce anualmente uma mdia de 35.000 nascidos vivos a grande maioria em uma dessas

    trs maternidades acima mencionadas (DATASUS, 2012).

    4.2 Populao do estudo

    A populao do estudo foi composta por gestantes, parturientes e purperas (at 42

    dias ps-parto) que preencheram pelo menos um dos critrios de NM preconizados pela

    OMS (SAY et al, 2009) e que se internaram em uma dessas trs maternidades de Sergipe,

    localizadas em Aracaju, no perodo de 15 de setembro de 2014 a 15 de setembro de 2015.

    4.3 Classificao e critrios adotados

    Consideraram-se como desfecho fetal e neonatal precoce adverso (DFNA), os casos

    de bitos fetais e neonatais precoce, que se referem a 22 semanas de gestao at 7 dias aps

    o nascimento. Para anlise do DFNA, foram excludos os casos de NMM associados ao

    abortamento, doena trofoblstica gestacional e gravidez ectpica, uma vez que essas

    situaes no englobam fetos viveis. Os casos de gestaes gemelares foram contabilizados

    como dois desfechos de bito fetal e neonatal precoce.

    4.4 Critrios de excluso

    Foram excludas da pesquisa as mulheres com procedncia de outros estados; as que

    apresentaram aborto ou fetos no viveis com idade gestacional menor que 20 semanas; e

    aquelas que at 42 dias da data do parto vierem a bito.

  • 33

    4.5 Instrumento para coleta dos dados

    O instrumento para coleta de dados englobou trs projetos inseridos no grupo de

    estudos sobre NM, e foi constitudo por 70 perguntas abertas e 60 perguntas fechadas,

    totalizando 130 questes. O formulrio possui folha de identificao, dados de pronturio

    (dados da internao da me e relativos ao RN), critrios do RN para NMN (caso), dados

    relativos ao parto, dados do bito, critrios do NMM e entrevista que contemplam dados da

    me, dados relativos renda, gestao e parto (Apndice B).

    4.6 Sistemtica para a coleta dos dados

    Esta pesquisa fez parte de um projeto maior, inserido no Grupo de Estudos sobre

    Near Miss, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), que conta com 26 alunos da

    graduao de medicina (destes, 20 recebiam bolsa do PIBIC e os demais eram voluntrios).

    e mais duas mestrandas de Cincias da Sade, coordenados por Professores do

    Departamento de Medicina e Enfermagem.

    Foi elaborado um cronograma para a coleta de dados, assim como um manual

    explicativo referente s questes que foram investigadas (Apndice A), com explicao clara

    dos critrios para NM, preconizados pela OMS, a fim de orientar os pesquisadores na busca

    ativa dessas gestantes quando estavam no campo.

    O treinamento dos alunos se deu a partir de 2 meses antes de ser iniciada a coleta,

    com reunies para dirimir dvidas sobre o projeto, o formulrio utilizado, os critrios e a

    sistematizao da coleta. Foi disponibilizada uma cpia do manual da coleta para cada aluno

    (Apndice A) e criado um e-mail prprio para todos os membros da pesquisa, bem como um

    grupo de conversas instantneas via celular.

    A pesquisa se desenvolveu nos sete dias da semana, nos turnos da manh, tarde e

    eventualmente a noite, por um perodo de um ano. O projeto piloto iniciou no dia 15 de

    setembro de 2014, com durao de um ms, com acompanhamento das mestrandas, que

    supervisionavam os alunos em suas escalas, a fim de orient-los no campo prtico da coleta.

  • 34

    Inicialmente, realizou-se a busca nos pronturios das mulheres admitidas nos locais de

    estudo e a anlise do pronturio do recm-nascido.

    O formulrio para complementar as informaes foi aplicado para mulheres que

    preenchessem os critrios de incluso dos sujeitos desta pesquisa. Aps 30 dias, os alunos

    passaram a desenvolver a pesquisa sozinhos, porm sempre com a superviso de uma

    mestranda escalada, para verificar nas maternidades a operacionalizao da pesquisa. Com a

    aplicao do piloto, observou-se que no haveria necessidade de modificao do formulrio,

    motivo pelo qual o nico caso de NMM neste perodo foi includo na pesquisa.

    4.7 Variveis do estudo

    As variveis estudadas buscaram identificar diversos aspectos que podem ocorrer no

    curso de cada gestao e o desfecho de todos os RN. Capt-las de forma completa foi de

    extrema importncia para a consistncia da pesquisa, que contou com as seguintes variveis:

    critrios de NMM (critrios clnicos, laboratoriais e de manejo), caractersticas das

    desordens obsttricas dos NMM (doena pr-existente, desordens hemorrgicas, desordens

    hipertensivas, outras desordens sistmicas ou associadas, uso de medicamento para a doena

    identificada), variveis sociodemogrficas (idade da NMM, cor/raa, situao conjugal,

    escolaridade, renda familiar), variveis relativas gestao e parto (pr-natal, nmero de

    consultas, tipo de parto, paridade, natimortos anteriores, local de admisso do RN), e

    tambm caractersticas do RN (idade gestacional em semanas, sexo do RN, peso ao nascer,

    Apgar de 5 min, tamanho do RN, risco para hipoglicemia, hipoglicemia, asfixia neonatal,

    desconforto respiratrio precoce).

    4.8 Construo, digitao do banco de dados e anlise estatstica

    A construo do banco e digitao dos dados foi realizada pela pesquisadora, com

    auxlio de um estatstico. As variveis foram descritas por meio de frequncias simples e

    percentual. Para avaliar associao entre as variveis, utilizou-se o teste Exato de Fisher.

    Para avaliar a intensidade desta associao, foram ajustadas as razes de prevalncia brutas.

  • 35

    Para anlise multivariada, utilizou-se o mapa perceptual construdo a partir da Anlise de

    Correspondncia Mltipla, fazendo uso das variveis que foram significativas a 20%. Essa

    margem foi escolhida para melhor visualizao de possveis associaes. Para todas as

    anlises, utilizou-se o nvel de significncia de 5% e o software utilizado foi R Core Team

    2015.

    4.9 Consideraes ticas

    Este estudo foi aprovado pelo Comit de tica da Universidade Federal de Sergipe

    (CAAE: 27416214.8.0000.5546), em 11 de agosto de 2014 (Anexo A), assim como foi

    autorizada a coleta de dados desta pesquisa pelas trs maternidades.

    4.10 Metodologia dos resultados, discusses e concluso

    Os resultados, discusso e concluso da pesquisa foram apresentados no modelo de

    artigo cientfico, direcionados para a publicao na Revista Brasileira de Enfermagem

    (REBEN), com o objetivo de disponibilizar para o mundo acadmico informaes relevantes

    sobre a temtica NM que podero contribuir para a rea de sade materna e infantil. As

    instrues para os autores foram seguidas conforme disponibilizado pela revista (Anexo B) e

    pelo check list auxiliar submisso (Anexo C).

  • 36

    5 ARTIGO CIENTFICO

    bitos fetais e neonatais de filhos de mes classificadas com near miss

    Objetivo: Identificar os aspectos epidemiolgicos dos bitos fetais e neonatais precoces em

    filhos de pacientes classificadas com near miss materno e os fatores associados a este

    desfecho. Mtodo: Estudo transversal realizado com 79 mulheres identificadas com near

    miss e seus recm-nascidos. As variveis foram analisadas utilizando-se o teste Exato de

    Fisher. Os fatores de risco foram estimados a partir das razes de chances no ajustadas e

    ajustadas, e por meio de anlise de correspondncia mltipla, com significncia para p <

    0,05. Resultados: As desordens hipertensivas totalizaram 40,5%; destas, 58,3% tiveram

    desfecho fetal e neonatal adverso. Foi significante para o desfecho os recm-nascidos

    admitidos na Unidade Terapia Intensiva Neonatal (70,8%), idade gestacional < 32 semanas

    (41,6%), peso ao nascer < 2500 (66,7%), asfixia neonatal (50%) e desconforto respiratrio

    precoce (72,2%). Concluso: As caractersticas significantes para o desfecho entre os

    recm-nascidos foram a prematuridade, asfixia neonatal e desconforto respiratrio precoce.

    Descritores: Complicaes na Gravidez; Morte Fetal; Morte Perinatal.

    Key words: Pregnancy Complications; Fetal Death; Perinatal Death.

    Palabras clave: Complicaciones del Embarazo; Muerte Fetal; Muerte Perinatal.

    Introduo

    A reduo do nmero absoluto de morte materna levou ao interesse em estudar os

    nveis e as causas da morbidade materna grave e os casos de near miss maternos (NMM), ou

    seja, a mulher que quase morreu, mas sobreviveu a uma complicao que ocorreu na

    gravidez, parto ou at 42 dias aps a gestao1, cuja frequncia apresenta-se vrias vezes

    superior da morte materna e permite que a prpria paciente seja a fonte de informaes

    sobre o agravo. Essa condio til, atualmente, para avaliar tambm a qualidade da

    ateno obsttrica2-3.

    Condies maternas da gestao e parto podem influenciar nas condies fetais e

    neonatais, de tal modo que o NMM pode contribuir para a elevao da morbimortalidade

    perinatal, sendo relatada na literatura uma associao extremamente forte com eventos

    perinatais adversos que podem levar a bitos fetais e neonatais 3-4.

  • 37

    Estudos sobre near miss (NM) vm sendo desenvolvidos com frequncia nos ltimos

    anos, entretanto, poucas so as pesquisas que se referem s complicaes perinatais entre

    esses pacientes, assim como os que relacionam o NMM, a morte fetal e neonatal precoce.

    Pesquisas recentes realizadas no Brasil e China sobre essa relao revelam que as mes que

    tiveram complicaes obsttricas tm risco aumentado para bito fetal e neonatal, bem como

    para a prematuridade e para asfixia neonatal3,5.

    Neste contexto, o desfecho fetal e neonatal adverso (DFNA) entre as pacientes com

    NM ainda precisa ser explorado. Os recm-nascidos (RN) que estiveram prximos da morte

    por prematuridade extrema ou asfixia neonatal, cujas mes foram NMM, tambm

    necessitam de ateno especial3.

    A denominao near miss neonatal (NMN) para esses RN teve como base o conceito

    de NMM e se refere a um recm-nascido que apresenta uma complicao grave durante os

    primeiros dias de vida, quase foi a bito, mas sobreviveu durante o perodo neonatal. Apesar

    dos critrios ainda no serem um consenso, os mais utilizados so aqueles que apresentam

    qualquer uma das condies de risco ao nascimento (Apgar menor que 7 no 5o minuto, idade

    gestacional menor que 30 semanas, peso menor que 1.500g) e no for a bito at o sexto dia

    de vida4.

    Este estudo teve como objetivo identificar os aspectos epidemiolgicos dos bitos

    fetais e neonatais precoces em pacientes com NMM e os fatores associados ao seu desfecho.

    Mtodo

    A pesquisa caracteriza-se por ser de corte transversal, realizado no perodo de

    setembro de 2014 a setembro de 2015, em maternidades do municpio de Aracaju, capital do

    estado de Sergipe, Brasil. A coleta dos dados se desenvolveu nos sete dias da semana, nos

    turnos da manh, tarde e eventualmente noite.

    A populao do estudo foi composta por gestantes, parturientes e purperas que

    preencheram pelo menos um dos critrios de NM preconizados pela OMS1: critrios clnicos

    (cianose aguda, gasping, frequncia respiratria > 40 ou < 6/ipm, choque, oligria no

    responsiva a fluidos ou diurticos, distrbios da coagulao, perda da conscincia por 12

    horas ou mais, perda da conscincia e ausncia de pulso ou batimento cardaco, acidente

    vascular cerebral, convulso no controlada, ictercia na presena de pr-eclmpsia),

    laboratoriais [SO2 < 90% por 60 minutos ou mais, PaO2/FiO2 < 200mmHg, creatinina

    3,5mg/dL, bilirrubinas 6,0mg/dL, pH < 7,1, lactato > 5, trombocitopenia aguda (< 50.000),

    perda da conscincia e presena de glicose e cetona na urina] e de manejo (uso de drogas

  • 38

    vasoativas, histerectomia por infeco ou hemorragia, transfuso 5 unidades de

    concentrado de hemcias, intubao e ventilao por 60 minutos no relacionada

    anestesia, dilise para insuficincia renal aguda, parada cardiorrespiratria), alm dos recm-

    nascidos dessas pacientes.

    Inicialmente, realizou-se a busca nos pronturios das mulheres admitidas nos locais

    de estudo e anlise do pronturio do recm-nascido. Um formulrio para complementar as

    informaes foi aplicado para mulheres que preencheram os critrios de incluso e aceitaram

    participar desta pesquisa.

    Consideraram-se como desfecho fetal e neonatal adverso (DFNA) os casos de bitos

    fetais e neonatais precoce e os casos de NMN. Foram excludos os casos de NMM

    associados ao abortamento, doena trofoblstica gestacional e gravidez ectpica, uma vez

    que essas situaes no englobam fetos viveis.

    As variveis estudadas foram: critrios de NMM (critrios clnicos, laboratoriais e de

    manejo), caractersticas das desordens obsttricas dos NMM (doena pr-existente,

    desordens hemorrgicas, desordens hipertensivas, outras desordens sistmicas ou associadas,

    uso de medicamento para a doena identificada), variveis sociodemogrficas (idade da

    NMM, cor/raa, situao conjugal, escolaridade, renda familiar), variveis relativas

    gestao e parto (pr-natal, nmero de consultas, tipo de parto, paridade, natimortos

    anteriores, local de admisso do RN) e caractersticas do RN (idade gestacional em semanas,

    sexo do RN, peso ao nascer, Apgar de 5 min, tamanho RN, asfixia neonatal, desconforto

    respiratrio precoce).

    Os dados foram analisados no Programa Estatstico R Core Team 2015. Foram

    calculadas as medidas centrais para as variveis contnuas e medidas de frequncias para as

    variveis categricas. Para verificar a associao das variveis, utilizou-se o teste exato de

    Fisher, e, na avaliao das intensidades dos fatores de risco, foram estimadas as razes de

    chances no ajustadas e ajustadas com seus respectivos intervalos de confiana. Foram

    considerados significantes os valores com p < 0,05. Para a construo do mapa percentual,

    foi utilizada a anlise de correspondncia mltipla entre as variveis, cujo nvel de

    significncia associado ao DFNA foi inferior a 20%. Essa margem foi escolhida para melhor

    visualizao de possveis associaes.

    Este estudo foi aprovado pelo Comit de tica da Universidade Federal de Sergipe

    (CAAE: 27416214.8.0000.5546), em 11 de agosto de 2014.

  • 39

    Resultados

    No perodo do estudo, foram contabilizados 16.549 partos no municpio de Aracaju,

    todos provenientes de mulheres residentes no estado de Sergipe. Foram identificados 79

    casos de NMM, sendo o nmero de bitos maternos registrados nesse perodo de 17 bitos.

    A taxa de mortalidade materna da populao em questo ficou em 102,7 casos/100.000

    nascidos vivos (NV); a taxa de incidncia de NMM foi de 4,7 casos/1.000 NV; a razo de

    NMM:MM foi de 4,5:1 indicando que o nmero de casos de NMM foi 4,5 vezes maior

    que o nmero de MM. Foram identificados 24 DFNA, sendo 7 bitos fetais, 01 bito

    neonatal precoce e 16 NMN.

    Na tabela 1, est apresentada a distribuio dos casos de NMM, conforme os critrios

    preconizados pela OMS, bem como a relao com os DFNA. Entre os critrios de NMM, os

    clnicos foram os que tiveram maior prevalncia, com 62 casos (78,5%); os DFNA dessas

    mes foram 19 (31%). Mes que apresentaram critrios de manejo somaram 46 (58,2%); os

    DFNA, 15 casos (33%). Os critrios laboratoriais estiveram presentes em 18 casos (22,8%)

    e, destes, 7 (39%) foram DFNA.

    Tabela 1 Distribuio dos critrios de near miss materno segundo desfecho neonatal adverso. Aracaju, SE, Brasil, 2014-2015

    Desfecho Fetal

    Neonatal Adverso

    NMM* Sim No p-valor

    n % n % n %

    Clnico Sim 62 (78,5) 19 (31) 43 (69) 1,000 No 17 (21,5) 5 (29) 12 (71)

    Laboratorial Sim 18 (22,8) 7 (39) 11 (61) 0,392

    No 61 (77,2) 17 (28) 44 (72) Manejo Sim 46 (58,2) 15 (33) 31 (67) 0,399

    No 33 (41,8) 9 (14) 55 (86) *Near Miss Materno

    Referente s desordens obsttricas dos casos de NM (tabela 2), foi verificado que 20

    mulheres (25,3%) apresentaram doenas pr-existentes, sendo que 9 (37,5%) tiveram

    DFNA. As desordens hemorrgicas (deslocamento prematuro de placenta, ruptura uterina,

    distrbio da coagulao) estiveram presentes em 29 (36,7%) mulheres e, destas, 7 (29,2%)

    com DFNA. As desordens hipertensivas (pr-eclmpsia grave, eclmpsia, hipertenso)

    totalizaram 32 casos (40,5%) e, destes, 14 (58,3%) foram DFNA, com significncia p-valor

    =0,046. Outras desordens sistmicas ou associadas (anemia falciforme, sfilis, diabetes,

  • 40

    cardiopatia, aplasia de medula, lpus, infeco do trato urinrio) perfizeram 27 mulheres,

    (34,2%) e, destas, 5 (10,8%) apresentaram filhos com DFNA.

    Tabela 2 Distribuio das desordens obsttricas dos near miss materno segundo desfecho

    neonatal adverso. Aracaju, SE, Brasil, 2014-2015

    Desfecho Fetal

    Neonatal Adverso

    NMM* Sim No p-valor RP** (IC95%)

    n % n % n %

    Doena preexistente

    Sim 20 (25,3) 9 (37,5) 11 (20) 0,158 1,77 (0,92-3,40) No 59 (74,7) 15 (62,5) 44 (80) Desordens

    Hemorrgicas

    Sim 29 (36,7) 7 (29,2) 22 (40) 0,450 0,71 (0,33-1,51)

    No 50 (63,3) 17 (70,8) 33 (60)

    Desordens

    Hipertensivas

    Sim 32 (40,5) 14 (58,3) 18 (32,7) 0,046 2,06 (1,05-4,04)

    No 47 (59,5) 10 (41,7) 37 (76,3)

    Outras desordens

    sistmicas ou

    associadas

    Sim 27 (34,2) 5 (10,8) 22 (40) 0,125 0,51 (0,21-1,21)

    No 52 (65,8) 19 (79,2) 33 (60)

    Utilizou medicamento

    para a doena

    identificada

    Sim 27 (34,2) 11 (45,8) 16 (29,1) 0,198 1,63 (0,85-3,14) No 52 (65,8) 13 (54,2) 39 (70,9)

    *Near Miss Materno **Razo de prevalncia

    Os aspectos sociodemogrficos e relativos gestao e parto esto apresentados na

    tabela 3. Dos casos de near miss materno identificados, 49 (62,0%) estavam contidos na

    faixa etria de 20 a 35 anos, porm 18 casos (22,8%) ocorreram em mes adolescentes.

    Verificou-se que 12 (50,0%) de DFNA encontravam-se entre mulheres de 20 a 35 anos de

    idade. A maior frequncia de DFNA foi identificada nas mulheres no brancas (19, 79,2%);

    com situao conjugal com companheiro (22, 91,7%); escolaridade > 8 anos (12, 52,2%); e

    portadoras de renda familiar < 3 salrios mnimos (22, 91,7%).

    Foi observado que 22 (91,7%) casos de DFNA foram oriundos de mulheres que

    tiveram assistncia pr-natal, com nmero de consultas < 6 (13, 54,2%). A maior

    prevalncia de DFNA foi proveniente de parto cesreo 20 (83,3%), de mulheres com 2 a 3

    filhos (11, 45,8%) e sem natimortos anteriores (17, 70,8%), tendo sido constatada

  • 41

    significncia estatstica para esta ltima varivel p 0,038 , RP 0,43 (0,23-0,82). Os RN

    admitidos com DFNA na UTIN foram 17 (70,8%) e tiveram significncia p

  • 42

    Tabela 3 Distribuio dos aspectos sociodemogrficos e relativos gestao e parto dos casos de near miss materno segundo desfecho neonatal adverso. Aracaju, SE, Brasil, 2014-2015

    Desfecho Fetal

    Neonatal Adverso

    NMM* Sim No p-valor RP** (IC95%)

    n % n % n %

    Idade da NMM*

    35 12 (15,2) 5 (20,8) 7 (12,7) Cor/Raa

    Branca 11 (13,9) 5 (20,8) 6 (10,9) 0,295 1,63 (0,77-3,45) No Branca 68 (86,1) 19 (79,2) 49 (89,1) Situao Conjugal

    Com companheiro 70 (88,6) 22 (91,7) 48 (87,3) 0,715 1,41 (0,40-5,04) Sem companheiro 9 (11,4) 2 (8,3) 7 (12,7) Escolaridade

    8 anos 37 (50) 11 (47,8) 26 (51) 1,000 0,92 (0,46-1,81) >8 anos 37 (50) 12 (52,2) 25 (49) Renda familiar em

    Salrio Mnimo

  • 43

    Na tabela 4, observa-se que 30 (38,0%) das mulheres classificadas com NM tiveram

    parto prematuro, assim como os RN do sexo feminino contabilizaram 41 (51,9%); filhos

    com peso ao nascer < 2500 gramas somaram 29 (36,7%); APGAR < 7, no quinto minuto, 9

    (12,5%); e RN PIG e GIG, 6 (7,6%) e 9 (11,4%), respectivamente. Foi observado que 28

    (38,4%) dos filhos dessas mulheres apresentaram desconforto respiratrio precoce.

    Na anlise dos DFNA, foi identificada significncia estatstica para crianas

    provenientes de idade gestacional < 32 semanas (10, 41,6%), p

  • 44

    Tabela 4 Distribuio das caractersticas e dos diagnsticos mdicos dos recm-nascidos segundo os casos de near miss materno e o desfecho neonatal adverso. Aracaju, SE, Brasil, 2014-2015

    Desfecho Fetal

    Neonatal Adverso

    NMM* Sim No p-valor RP** (IC95%)

    n % n % n %

    Idade Gestacional em

    Semanas

  • 45

    Figura 1 Mapa percentual construdo a partir da Anlise de Correspondncia Mltipla

    utilizando as variveis que foram significativas a 20%.

    Discusso

    Neste estudo, a taxa de mortalidade materna, a taxa de incidncia de NMM e a razo

    de NMM:MM foram semelhantes aos identificados em um estudo realizado h dois anos em

    Sergipe6, o que indica que a reduo dos nmeros de bitos maternos e NM um processo

    lento e que requer polticas pblicas condizentes e atuantes, aliadas a uma vigilncia de

    qualidade. Mesmo os resultados estando em um padro abaixo do preconizado pela OMS,

    ainda apresenta melhores resultados quando comparado aos de outros pases, onde foi

    observado em um estudo realizado na Palestina, Lbano, Egito e Sria uma maior

    prevalncia para NMM e MM7.

    Entre os DFNA, a proporo dos bitos fetais, neonatal precoce e casos de NMN foi

    similar a um estudo realizado em Recife, no Brasil, sendo prevalentes os bitos fetais em

    relao aos neonatais3. Uma pesquisa realizada na Frana concluiu que a mortalidade

  • 46

    perinatal ocorre principalmente no tero, e isso pode estar relacionado com complicaes

    obsttricas8.

    Entre os critrios de NMM, os critrios clnicos foram os que tiveram a maior

    prevalncia; resultados idnticos foram evidenciados em uma pesquisa multicntrica no

    Brasil9. Os critrios laboratoriais ocorreram em menor nmero de casos (18 mulheres,

    22,8%); no entanto, foi responsvel pela maior porcentagem dos DFNA (39%). Em outros

    dois estudos, na regio Nordeste do Brasil, os critrios laboratoriais tambm se destacaram,

    pois apresentaram associao positiva com os bitos registrados3,10.

    Das mes que apresentaram doenas pr-existentes, 37,5% tiveram DFNA (anemia

    falciforme, sfilis, diabetes, cardiopatia, aplasia de medula, lpus). Em um estudo realizado

    em 29 pases, verificou-se que a mortalidade perinatal foi significativamente aumentada

    quando a paciente apresentava anemia grave11.

    As desordens hemorrgicas (deslocamento prematuro de placenta, ruptura uterina,

    distrbio da coagulao) estiveram presentes em 36,7% das mulheres e, destas, 29,2% com

    DFNA. Complicaes relacionadas hemorragia foram as condies mais frequentes entre

    casos near miss materno em outros estudos7,12. Em uma pesquisa desenvolvida no Brasil, a

    hemorragia intra-parto ocorreu em apenas 8,0% das mulheres, porm foi responsvel por

    18,2% de NMM e 10% dos casos de morte materna. Isso indica que os casos mais graves de

    NM esto relacionados aos distrbios hemorrgicos13.

    As desordens hipertensivas (pr-eclmpsia grave, eclmpsia, hipertenso) totalizaram

    40,5% e, destas, 58,3% tiveram DFNA, com significncia estatstica. Os distrbios

    hipertensivos foram prevalente nos casos de NMM em outros estudos realizados no

    Brasil3,14-15 apresentando uma relao forte com a prematuridade. O mesmo ocorreu neste

    estudo, uma vez que a hipertenso apresentou significncia estatstica para o DFNA.

    Resultado idntico foi encontrado na pesquisa desenvolvida por Oliveira e Costa, em Recife-

    PE/ Brasil, que refere que a sobreposio do NMM e pr-eclmpsia grave traduziu-se em

    uma forte associao com DFNA, sendo trs vezes maior se comparada s mes sem pr-

    eclmpsia3.

    Essa maior frequncia dos distrbios hipertensivos entre os casos de NMM e sua

    associao com DFNA sugere a necessidade de melhorias na assistncia pr-natal, visando

    identificao precoce e adoo de medidas que evitem a progresso para complicaes e

    que minimizem as repercusses sobre o feto. Considera-se isso factvel, j que foi observado

    que em pases desenvolvidos houve uma reduo dos casos de distrbios hipertensivos (e

  • 47

    no so eles que aparecem como principal condio materna associada ao NM, mas sim as

    desordens hemorrgicas)16.

    Dos casos de NMM identificados, a maioria estava na faixa etria de 20 a 35 anos,

    bem como os DFNA o que difere de outros estudos realizados no Brasil e nos pases

    nrdicos, onde o NMM esteve associado com a idade materna de 35 anos ou mais9,17. Neste

    estudo, a maior prevalncia de casos de NM relacionados paridade foram de primigestas.

    Isto tem a ver com as desordens hipertensivas que so mais frequentes na primeira gestao.

    Com isso, as divergncias em relao paridade podem ser observadas em diferentes pases.

    No estudo em Recife, 44,7% dos casos ocorreram em primparas e as desordens

    hipertensivas foram prevalentes10; j nos pases nrdicos, a taxa de paridade foi mais elevada

    e a maior frequncia foi de distrbios hemorrgicos17.

    A maior prevalncia de DFNA foi proveniente de parto cesreo, o mesmo ocorrendo

    nos demais estudos sobre NM3,18. Acredita-se que esta predominncia tenha relao com as

    complicaes na gravidez e intervenes necessrias para evitar os bitos. Um estudo

    realizado na Holanda contestou a vertente que a cesariana aumenta em cinco vezes a chance

    de uma mulher tornar-se um caso de near miss, j que essa associao pode sofrer influncia

    de fatores de confuso, sendo questionvel se a cesariana um fator de risco para near miss,

    ou se , na verdade, uma consequncia dessa condio19, tornando-se, em alguns casos, um

    fator de proteo ao DFNA.

    Verificou-se que a maior parte dos DFNA eram provenientes de mulheres que

    tiveram assistncia pr-natal, com um nmero de consultas < 6. Esse resultado pode ser

    justificado pela prematuridade, pois pode no existir tempo suficiente para a me realizar

    mais consultas. Uma pesquisa desenvolvida na Amrica Latina e Caribe em mulheres com

    assistncia pr-natal com nmero de consulta inferior a seis, devido a complicaes na

    gestao e interrupo da mesma, tiveram taxas de mortalidade mais elevadas e com maior

    frequncia de casos NM e bitos fetais e neonatais15. Em outros estudos, na China e no

    Brasil, foi referido que as complicaes na gravidez resultam em ndices mais elevados de

    morte fetal e neonatal, prematuridade, morte no parto5,20.

    Neste estudo, o histrico de natimortos anteriores foi fator de risco para o DFNA,

    com resultado significante estatisticamente. Em um estudo na Nigria, tambm foi

    encontrado esse fator de risco para natimorto21. Isso pode sugerir que, havendo caso de

    natimorto anterior no histrico reprodutivo da mulher, isso aumenta em duas vezes a chance

    de ter DFNA em uma prxima gestao.

  • 48

    Os RN admitidos com DFNA na UTIN tiveram resultados estatisticamente

    significantes. Os estudos existentes sobre admisso em UTI identificaram os principais

    motivos para a admisso22-23, porm so insuficientes os estudos que avaliam o local de

    admisso dos RN de mes com NM. Em Joinville, SC, foram evidenciados como fatores de

    risco para a admisso na UTIN: o baixo peso ao nascer, Apgar com 5 minutos < 7 e

    prematuridade22. No Paran, o diagnstico mais frequente foi a prematuridade (49,5%)23.

    Todas essas caractersticas esto relacionadas ao DFNA e tiveram resultados significantes

    para esta pesquisa.

    Verifica-se que 38,0% das mulheres NM tiveram parto prematuro; os DFNA dessas

    mes tiveram resultados significantes estatisticamente para crianas de idade gestacional <

    32 semanas (41,6%) e peso ao nascer < 2500 (66,7%). A relao entre essas variveis so

    referidas como extremamente fortes, j que um RN prematuro tambm ter baixo peso. A

    prematuridade citada como a principal caracterstica nos estudos que relacionam o NMM

    com os RN3,23.

    Entre os filhos das mulheres com NMM, houve tambm uma frequncia considervel

    de recm-nascidos com hipxia grave (Apgar no quinto min < 7) e asfixia neonatal3. Na

    Nigria, os bitos neonatais precoces tiveram principal relao com a asfixia durante o

    parto21. Na Finlndia, um estudo verificou que os resultados neonatais, aps as complicaes

    maternas, foi o bito elevado e na maioria dos casos, sendo 80,0% ligados ruptura uterina,

    o que aumenta o risco de asfixia perinatal grave24. Neste estudo, a asfixia neonatal tambm

    apresentou significncia para o DFNA.

    Foi observado que o desconforto respiratrio precoce apresentou resultados

    significantes para o DFNA. Em uma pesquisa desenvolvida no Chile, foi relatada a sndrome

    da angstia respiratria como principal causa de morte. O uso de corticoides e surfactante

    resultou na reduo da mortalidade25. Em um estudo realizado em Belo Horizonte, as taxas

    de morte decorrentes da asfixia/hipxia e a morte fetal no especificada foram crescentes

    com o aumento da rea de risco, isto , constatou-se que as mortes perinatais se distribuam

    de forma diferenciada em relao ao espao e s vulnerabilidades sociais e que, por

    conseguinte, o enfrentamento desse complexo problema requer o estabelecimento de

    parcerias intersetoriais26.

    Considera-se como limitao deste estudo o registro, algumas vezes, incompleto dos

    pronturios das pacientes, bem como a no realizao de exames em casos de complicaes

    obsttricas, o que poderia dificultar a identificao dos critrios de NM. Porm, como a

    coleta de dados foi realizada diariamente e em todos os turnos, observavam-se, in loco,

  • 49

    critrios que contemplavam a incluso da purpera no estudo, mesmo sem estar relatado no

    pronturio.

    Como contribuio, a pesquisa pretende proporcionar uma reflexo sobre a

    assistncia prestada s gestantes com near miss, colaborando para uma reduo do nmero

    de bitos fetais e neonatais. Vale ressaltar que esta pesquisa indita no estado de Sergipe,

    uma vez que no existe outro estudo que aborde essa temtica.

    Concluso

    As caractersticas dos bitos fetais e neonatais precoces em pacientes com NMM

    tiveram associao forte com o desfecho fetal e neonatal adverso. Nas mes com desordens

    hipertensivas, as caractersticas significantes para o desfecho entre os recm-nascidos foram

    a prematuridade, asfixia neonatal e desconforto respiratrio precoce.

    Referncias

    1. Say L, Souza JP, Pattinson RC. Maternal near miss: towards a standard tool for

    monitoring quality of maternal health care. Best pract. res., Clin. obstet. gynaecol. [Internet].

    2009[cited 2016 jan 4];23(3):287-96. Available from:

    http://www.bestpracticeobgyn.com/article/S1521-6934(09)00008-X/abstract. Referenced in

    doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.bpobgyn.2009.01.007.

    2. Ronsmans C. Severe acute maternal morbidity in low-income countries. Best pract. res.,

    Clin. obstet. gynaecol. [Internet]. 2009[cited 2016 jan 6];23(3):305-16. Available from:

    http://www.bestpracticeobgyn.com/article/S1521-6934(09)00002-9/abstract. Referenced in

    doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.bpobgyn.2009.01.001.

    3. Oliveira LC, Costa AAR. bitos fetais e neonatais entre casos de near miss materno. Rev.

    Assoc. Med. Bras. [Internet]. 2013[cited 2016 jan 6];59(5):487-94. Available from:

    http://ramb.elsevier.es/pt/bitos-fetais-e-neonatais-entre/articulo/90249380/. Referenced in

    doi: 10.1016/j.ramb.2013.08.004.

    4. Pileggi C, Souza JP, Cecatti JG, Fandes A. Neonatal near miss approach in the 2005

    WHO Global Survey Brazil. J. pediatr. [Internet]. 2010[cited 2016 jan 8];86(1):21-6.

    Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0021-

    75572010000100005&script=sci_arttext&tlng=ES. Referenced in doi:

    http://dx.doi.org/10.1590/S0021-75572010000100005.

    http://www.bestpracticeobgyn.com/article/S1521-6934(09)00008-X/abstracthttp://dx.doi.org/10.1016/j.bpobgyn.2009.01.007http://dx.doi.org/10.1016/j.bpobgyn.2009.01.001http://ramb.elsevier.es/pt/bitos-fetais-e-neonatais-entre/articulo/90249380/http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0021-75572010000100005&script=sci_arttext&tlng=EShttp://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0021-75572010000100005&script=sci_arttext&tlng=ES

  • 50

    5. Sun L, Yue H, Sun B, Han L, Tian Z, Qi M, et al. Estimation of high risk pregnancy

    contributing to perinatal morbidity and mortality from a birth population-based regional

    survey in 2010 in China. BMC pregnancy childbirth. [Internet]. 2014[cited 2016 jan

    10];14(1):338. Available from:

    http://bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2393-14-338.

    Referenced in doi: 10.1186/1471-2393-14-338.

    6. Galvo LPL, Alvim-Pereira F, de Mendona CMM, Menezes FEF, do Nascimento GKA,

    Ribeiro Jr RF et al. The prevalence of severe maternal morbidity and near miss and

    associated factors in Sergipe, Northeast Brazil. BMC pregnancy childbirth. [Internet].

    2014[cited 2016 jan 14];14(1):25. Available from:

    http://bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2393-14-25.

    Referenced in doi: 10.1186/1471-2393-14-25.

    7. Bashour H, Saad-Haddad G, DeJong J, Ramadan MC, Hassan S, Breebaart M, et al. A

    cross sectional study of maternal near-miss cases in major public hospitals in Egypt,

    Lebanon, Palestine and Syria. BMC pregnancy childbirth. [Internet]. 2015[cited 2016 jan

    15];15(1):1. Available from:

    http://bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12884-015-0733-7.

    Referenced in doi: 10.1186/s12884-015-0733-7.

    8. Boisram T, Sanans N, Fritz G, Boudier E, Viville B, Aissi G, et al. Abruptio placentae.

    Diagnosis, management and maternal-fetal prognosis: a retrospective study of 100 cases.

    Gynecol. obstet. fertil. [Internet]. 2014[cited 2016 jan 15];42(2):78-83. Available from:

    http://europepmc.org/abstract/med/24309032. Referenced in doi:

    10.1016/j.gyobfe.2013.06.012.

    9. Dias MAB, Domingues RMSM, Schilithz AOC, Nakamura PM, Diniz CSG, Brum IR, et

    al. Incidncia do near miss materno no parto e ps-parto hospitalar: dados da pesquisa

    Nascer no Brasil. Cad. sade pblica. [Internet]. 2014[cited 2016 jan 16];30(Suppl 1):169-

    81. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-

    311X2014001300022&lng=pt. Referenced in doi: http://dx.doi.org/10.1590/0102-

    311X00154213.

    10. Oliveira LC, Costa AARD. Maternal near miss in the intensive care unit: clinical and

    epidemiological aspects. Rev. bras. ter. intensiva. [Internet]. 2015[cited 2016 jan

    16];27(3):220-27. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-

    507X2015000300220&script=sci_arttext&tlng=pt. Referenced in doi:

    http://dx.doi.org/10.5935/0103-507X.20150033.

    http://bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2393-14-338http://bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2393-14-25http://bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12884-015-0733-7http://europepmc.org/abstract/med/24309032

  • 51

    11. Vogel JP, Souza JP, Mori R, Morisaki N, Lumbiganon P, Laopaiboon M, et al. Maternal

    complications and perinatal mortality: findings of the World Health Organization

    Multicountry Survey on Maternal and Newborn Health. BJOG: An International Journal of

    Obstetrics & Gynaecology. [Internet]. 2014[c