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Universidade Federal do ABC Programa de Pós-Graduação em Energia Paulo Guilherme Seifer A relação entre Usinas Hidrelétricas e Territórios para além da geração de energia : os casos das Usinas Hidrelétricas de Sobradinho - BA e de Machadinho - RS Tese Santo André SP 2017

Universidade Federal do ABC Programa de Pós …...como Alto Uruguai3, no Estado do Rio Grande do Sul, e Sobradinho, no Sertão do São 1 A partir de agora as Usina hidrelétricas

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Universidade Federal do ABC

Programa de Pós-Graduação em Energia

Paulo Guilherme Seifer

A relação entre Usinas Hidrelétricas e Territórios para além da

geração de energia : os casos das Usinas Hidrelétricas de Sobradinho -

BA e de Machadinho - RS

Tese

Santo André – SP

2017

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Paulo Guilherme Seifer

A relação entre Usinas Hidrelétricas e Territórios para além da

geração de energia : os casos das Usinas Hidrelétricas de Sobradinho -

BA e de Machadinho - RS

Tese

Tese apresentada ao Curso de Pós-graduação Universidade Federal do ABC, como

requisito para obtenção do grau de Doutor em Energia.

Orientador: Arilson da Silva Favareto

Santo André – SP

2017

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Resumo

A literatura voltada à construção de Usinas Hidrelétricas (UHEs) é ampla, mas peca por

normalmente tomar o território que a recebe como um agente passivo no processo de

sua entrada, tendo seu foco em grande parte nos impactos negativos e, mais

recentemente, buscando compreender de que modo esta infraestrutura pode influenciar

em seu desenvolvimento. Esta pesquisa apresenta uma abordagem na qual o território é

compreendido não como um agente passivo, mas sim capaz de refratar e absorver

determinados efeitos desta infraestrutura, ou seja, busca-se compreender de que forma

se dá a relação entre o território e a UHE. O princípio que norteia esta pesquisa é o de

que a forma como o território reagirá à entrada da UHE dependerá do quão inclusivas

ou extrativas são suas instituições locais, e em última instância, de como se dá a

distribuição de poder local, sendo que quanto mais inclusivas as instituições em um

território, maiores as chances de formação de coalizões amplas, de modo a gerir melhor

os efeitos da entrada da UHE, e que estas ações conduzam ao aumento de liberdades dos

agentes locais e à maior coesão territorial. No outro extremo, em um território com

poder mais concentrado, há a tendência de que a entrada seja guiada por interesses de

grupos menores, e que os agentes de menor poder sofram o ônus no processo,

resultando em privação de liberdades. A pesquisa foi conduzida nos territórios do Sertão

do São Francisco, onde está instalada da UHE Sobradinho, e no Alto Uruguai, onde está

a UHE Machadinho. A escolha destes territórios se deu pelo fato de que suas propostas

de entrada de UHE ocorreram em um período muito próximo, e por possuírem

trajetórias profundamente distintas. Foram realizados um movimento diacrônico, com

vistas a caracterizar a configuração de cada território antes da entrada de sua UHE,

como seu deu esse processo, e a configuração atual de cada um destes territórios, e um

movimento sincrônico, com o propósito de comparar os resultados dos processos de

entrada das UHEs entre os territórios. Os resultados indicam que no caso do Sertão do

São Francisco, onde a configuração territorial era de grande concentração de poder,

houve a formação de coalizões restritas, sendo a participação social dos atingidos

suprimida, resultando na apropriação das oportunidades econômicas, sociais e políticas

por parte de pequenos grupos, e o ônus sofridos pelos agentes com menor poder. No

outro extremo, no Alto Uruguai a configuração territorial apresentava uma maior

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desconcentração de poder, o que permitiu a formação de uma ampla coalizão, o que

tendo como resultados a diminuição dos efeitos negativos, e as oportunidades

econômicas, sociais e políticas menos concentradas.

Palavras-chave: Desenvolvimento Territorial, Instituições, Usinas Hidrelétricas,

Abordagem de Capacidades

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Abstract

The scientific production about the construction of hydropower plants (HPPs) is broad,

but it often fails by considering the territory that receives the infrastructure as a passive

agent in the process of its entry, focusing on the negative impacts and, more recently,

seeking to understand how this infrastructure can influence its development. This

research presents an approach in which the territory is understood not as a passive

agent, but rather capable of refracting and absorbing certain effects of this

infrastructure, that is, it seeks to understand how the relationship between the territory

and the HPP occurs. The guiding principle of this research is that the way the territory

will react to the entrance of the HPP will depend on how inclusive or extractive are its

local institutions, and ultimately, how the local power distribution occurs, that is, the

more inclusive the institutions in the territory are, the greater the chances of forming

broad coalitions, to better manage the effects of the entrance of the HPP, and to increase

the freedoms of the local agents and the territorial cohesion. At the other extreme, in a

territory with more concentrated power, there is a tendency for the entry to be guided by

the interests of smaller groups, and for the agents with less power to suffer the burden of

the process, resulting in deprivation of liberties. The research was conducted in the

territories of the Sertão do São Francisco, where it is installed the Sobradinho HPP, and

in Alto Uruguai, where the HPP Machadinho is located. The choice of these territories

was due to the fact that their proposals for the construction of the HPP occurred in a

very near period, and because they have trajectories with deep differences. A diachronic

movement was carried out in order to characterize the configuration of each territory

before the entrance of its HPP, how this process occured, and the current configuration

of each one, and a synchronic movement, with the aim of comparing the results of the

processes of entry of the HPPs between the territories. The results shows that in the case

of the Sertão do São Francisco, where the territorial configuration was of a big

concentration of power, there was the formation of restricted coalitions, with the social

participation of those affected being suppressed, resulting in the appropriation of

economic, social and political opportunities by small groups, and the burden suffered by

agents with less power. At the other extreme, in the Alto Uruguai the territorial

configuration presented a bigger deconcentration of power, which allowed the

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formation of a broader coalition, which results in the reduction of negative effects, and

the less concentrated economic, social and political opportunities.

Keywords: Territorial Development, Institutions, Hydropower Plants, Capability

Approach

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Lista de ilustrações

Figura 1.1 - Framework sobre a dinâmica de mudanças instituições 20

Figura 2.1 - Localização dos territórios do Sertão do São Francisco e do Alto Uruguai 35

Figura 3.1 - Variação do IDH do Território do Sertão do São Francisco para o período

de 1991 a 2010 64

Figura 3.2 - Distribuição de renda no Território do Sertão do São Francisco no ano de

2010 67

Figura 3.3 - Distribuição fundiária no Sertão do São Francisco 72

Gráfico 3.1 - Total de capitais dos grupos analisados no Sertão do São Francisco 78

Gráfico 3.2 - Total de capitais dos grupos analisados e por município no Sertão do São

Francisco 81

Gráfico 3.3 - Espaço social dos agentes entrevistados, segundo seus capitais político e

econômico no Sertão do São Francisco 83

Figura 4.1 - Variação do IDH no Território do Alto Uruguai no período de 1991 a 2010 98

Figura 4.2 - Distribuição de renda no Território do Alto Uruguai no ano de 2010 101

Figura 4.3 - Distribuição fundiária no Alto Uruguai 107

Gráfico 4.1 - Totais de capitais por grupos analisados no Alto Uruguai 113

Gráfico 4.2 - Espaço social dos agentes entrevistados, segundo seus capitais político e

econômico no Alto Uruguai 114

Gráfico 4.3 - Totais de capitais por grupos analisados e por município no Alto Uruguai 115

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Lista de Tabelas

Tabela 3.1 - Síntese das características dos agentes entrevistados e de seus

posicionamentos sobre o desenvolvimento local e seus vetores, entre eles a UHE

Sobradinho

78

Tabela 4.1 - Síntese das características dos agentes entrevistados e de seus

posicionamentos sobre o desenvolvimento local e seus vetores, entre eles a UHE

Machadinho 109

Tabela 5.1 – Comparativo entre a percolação ocorrida no Sertão do São

Francisco e no Alto Uruguai 127

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Sumário

1. Introdução 8

2. As hidrelétricas e os territórios 34

2.1 A literatura sobre Usinas Hidrelétricas e seus impactos 36

2.2 Usinas hidrelétricas e sua relação com regiões interioranas 44

Síntese do capítulo 1 52

3 O Sertão do São Francisco 54

3.1 A formação social do Sertão do São Francisco 54

3.2 A construção da Usina Hidrelétrica de Sobradinho 59

3.3 Indicadores socioeconômicos do Sertão do São Francisco 63

3.4 As metamorfoses no território e o papel da UHE 68

3.5 Balanço do capítulo 85

Síntese do capítulo 2 84

4. O Alto Uruguai 89

4.1 A formação social do Alto Uruguai 89

4.2 A construção da Usina Hidrelétrica de Machadinho 93

4.3 Indicadores socioeconômicos do Alto Uruguai atual 97

4.4 As metamorfoses no território e o papel da UHE 102

4.5 Balanço do capítulo 118

Síntese do capítulo 3 119

5. Conclusão 121

Referências 134

Anexo I 144

Anexo II 169

Anexo III 189

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8

1. INTRODUÇÃO

Por que estudar as relações entre hidrelétricas e desenvolvimento territorial?

Desde o ano de 2004, momento da reformulação do marco regulatório do setor elétrico

brasileiro, vem-se retomando no país a prática da construção de empreendimentos

hidrelétricos (Usinas Hidrelétricas, ou UHEs)1. Ocorre que, segundo o Plano Nacional

de Energia, 70% do potencial hídrico brasileiro se encontra na região Amazônica e no

Cerrado (PNE, 2007), regiões que, ao lado do Nordeste, ainda concentram mais baixos

indicadores de desenvolvimento humano como saúde, mortalidade infantil, saneamento

e acesso a fontes melhoradas de água, renda, pobreza e desigualdade (IBGE, 2011;

FAVARETO et al., 2014; ARRETCHE, 2015). Além disso, estes são biomas

fortemente ameaçados e com grande presença de populações tradicionais, o que

aumenta a controvérsia sobre o quão são estes empreendimentos desejáveis. Apesar das

controvérsias e do intenso debate público que elas mobilizam, a relação entre a presença

de uma UHE e a dinâmica do território - para além dos efeitos deletérios como

deslocamento de populações tradicionais e inundação de áreas para a formação do lago -

ainda é pouco estudada em uma perspectiva de longo prazo. Produzir conhecimentos

que contribuam para suprir esta lacuna é a motivação inicial desta pesquisa2.

O objeto deste estudo são os empreendimentos de Machadinho, na região conhecida

como Alto Uruguai3, no Estado do Rio Grande do Sul, e Sobradinho, no Sertão do São

1 A partir de agora as Usina hidrelétricas serão denominadas como UHE. Das possíveis formas de

aproveitamento hídrico para a geração de energia elétrica, o que interessa a essa tese é o que implica

na construção do reservatório para acumulo de água. Nesse caso, é o reservatório em si, ou a

barragem, quem produz os impactos mais pertinentes, que serão discutidos na sequência deste texto.

Em função do fato da barragem ser o principal elemento de modificações no meio, algumas

referências aqui citadas tratam de barragens para outros fins que não o de geração elétrica. Para uma

revisão dos tipos de hidrelétricas, ver Egré e Milewski (2002), e sobre uso e potencial hídrico no

mundo, Bartle (2002).

2 Esta pesquisa é parte do projeto “Mudanças de longo prazo e metamorfoses de dominação nas regiões

rurais ou interioranas do Brasil”, realizada de forma conjunta entre RIMISP, Centro Brasileiro de

Pesquisa (CEBRAP), e Universidade Federal do ABC (UFABC), com apoio do CNPq.

3 Formalmente, os municípios de Machadinho e Maximiliano de Almeida fazem parte da região

fisiográfica do Campo de Cima da Serra, no entanto, este mesmo nome é utilizado pelo governo do

Rio Grande do Sul para definição de região turística que não inclui estes municípios. Uma alternativa

para nomear o entorno que engloba Machadinho e Maximiliano de Almeida seria designar pelo seu

nome como Conselho Regional de Desenvolvimento, que é a COREDE Nordeste, mas isso poderia

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9

Francisco, Estado da Bahia. Idealizadas no fim da década de 1960, ambas envolveram

anos de planejamento e acirradas disputas em torno de sua construção. Além disso,

foram planejadas dentro de um mesmo contexto político, mas tendo gerado conflitos

distintos a ponto de um empreendimento ser construído ainda na década de 1970, e o

outro apenas no fim da década de 1990.

Apesar das similaridades, há diferenças significativas. A UHE Sobradinho foi uma das

principais obras realizadas durante o período ditatorial no Brasil. Construída ainda na

década de 1970, traz na sua história elementos particulares que merecem atenção. Dos

municípios atingidos, Pilão Arcado, Casa Nova, Remanso e Sento Sé, tiveram suas

sedes deslocadas em função do enchimento da barragem. Sobradinho, por sua vez, antes

uma pequena vila de Juazeiro, passou por um processo de explosão demográfica em

função do alojamento do pessoal migrante associado à realização da obra (SIGAUD,

1986), sendo depois emancipada, tornando-se município em 1989. A UHE Machadinho,

por sua vez, sofreu forte resistência social à sua construção, e fez surgir movimentos

organizados que tiveram atuação significativa durante o processo influenciando

decisivamente seus contornos (SIGAUD, 1986), a ponto de modificar o local de

construção da barragem (originalmente prevista para o município de Marcelino Ramos,

e depois reorientada para Maximiliano de Almeida), e retardar sua construção até

meados da década de 1990.

Outra diferença fundamental diz respeito à própria formação destes territórios e o tipo

de instituições e relações sociais ali predominantes. A região do Sertão do São

Francisco, bem como grande parte do Semiárido nordestino, se desenvolveu em função

do litoral açucareiro. Nessa região prevaleceu a pecuária e a concentração de terras em

grandes fazendas, o que conduziu a uma estrutura social extremamente desigual,

marcada especialmente por relações de mando típicas daquilo que Nunes Leal (1948)

caracterizou como coronelismo em seu livro clássico, Coronelismo, enxada e voto. Já a

região do Alto Rio Uruguai foi colonizada tardiamente e com base em um modelo de

resultar em confusão com a região do Sertão do São Francisco. Por razões históricas será utilizado o

nome Alto Uruguai, visto que esta é a região que engloba o desenho original deste empreendimento.

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10

organização social completamente distinto. Nela prevaleceu uma estrutura fundiária

mais desconcentrada, baseada em pequenas propriedades em mãos de produtores livres,

com população predominantemente imigrante, o que geraria uma estrutura social mais

diversificada e menos verticalizada.

Tanto Sobradinho como Machadinho são de um período em que as UHEs eram

festejadas por constituir fonte renovável de energia primária para a produção de energia

elétrica, e ocuparam lugar de destaque na retórica desenvolvimentista do Brasil dos anos

setenta, marcada por Grandes Projetos de Investimento (GPI). Com o tempo, no

entanto, a maior visibilidade dos impactos socioambientais resultantes do processo de

construção, especialmente do reservatório, motivou críticas a esta forma de

empreendimento (OUD, 2002). Sims (2001) observa que a demora em tomar a questão

social como algo relevante na construção de hidrelétricas se deu por circunstâncias

históricas, marcadas especialmente pela alta capacidade política de mobilização de

suporte às prioridades do Estado em um contexto ditatorial, mas de expansão

econômica.

A partir dos anos oitenta, com o recrudescimento da questão social (CASTEL, 1998) e

com a importância crescente da questão ambiental, ocorreu o aumento da sensibilidade

para os conflitos gerados com grandes investimentos e uma busca intensa por

mecanismos de mitigação de impactos4. No caso das UHEs, pode-se destacar os

relatórios da World Commision of Dams (WCD, 2000)5 e da International Energy

Agency (IEA, 1999)6, no fim da década de 1990. Neles, há avaliações distintas acerca

dos impactos resultantes da construção destes empreendimentos, sendo o relatório da

4 As estratégias de mitigação envolvem, tipicamente, a indenização e a construção de novas residências

para a população atingida, além de infraestrutura, ações de desenvolvimento local que podem ser

voltadas apenas para os atingidos, ou também para o município, e uma compensação financeira

recebida pelo município pelo uso do recurso natural (no Brasil, Compensação Financeira pela

Utilização de Recursos Hídricos para Fins de Geração de Energia Elétrica).

5 Formada em 1997 pelo Banco Mundial e pela World Conservation Union, possuindo representantes

da sociedade civil, setor privado, governos e academia. Teve como base Barragens em países

distintos: Brasil, EUA, Noruega, Paquistão, Tailândia, Turquia, Zimbábue e um projeto piloto da

WCD, além de mais dois estudos por país, realizados na Índia e China.

6 Desenvolvido pelo grupo de trabalho Implementing Agreement for Hydropower Technologies and

Programmes, da IEA. Os países que tiveram mais UHEs avaliadas são: Noruega, Finlândia, Canadá e

Japão.

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11

WCD mais pessimista quanto aos seus possíveis benefícios7. Como consequência, ao

processo de avaliação de impactos ambientais (Environmental Impact Assessment no

exterior, ou Estudo de Impacto Ambiental no Brasil, ambos EIA), agregou-se o estudo

de impactos sociais (Social Impact Assessment, ou SIA)8. Desde então o foco na

literatura internacional tem sido o aprimoramento deste tipo de ferramentas9. Hoje a

construção das grandes UHEs conforma uma das principais controvérsias

socioambientais no Brasil contemporâneo. Para seus críticos, os efeitos negativos são

maiores que os possíveis benefícios, principalmente os efeitos associados a impactos

ambientais derivados do alagamento de grandes áreas, ou os sociais, decorrentes do

deslocamento de populações tradicionais que habitavam as áreas destinadas ao

empreendimento (ACSELRAD, 2004; VAINER 2007; ZHOURI, 2008; FAVARETO e

MORALEZ, 2014).

O resultado da aplicação destes instrumentos voltados a melhor gerir os conflitos

socioambientais é, na melhor das hipóteses, algo difuso, ainda que signifique um grande

avanço por permitir que se questione os efeitos sociais e ambientais destas obras e

tragam participação pública para o processo. Podem ser observados na literatura

estrangeira alguns casos vistos como sucesso, indicando melhoria na condição de vida

das populações atingidas. Esses resultados seriam, de forma geral, fruto do tratamento

igualitário dado aos atingidos, e ao trabalho dedicado de equipes voltadas à aplicação

dos processos de mitigação (TRUSSART et al., 2002; EGRÉ e SENÉCAL, 2003; TILT

et al. 2009). Os resultados negativos, por outro lado, indicam um ponto importante que

é o da distância entre os interesses e a discrepância de poderes nos conflitos entre os

agentes envolvidos, o que acaba implicando em menor atenção aos impactos sociais,

7 Por diversos motivos o relatório da WCD teve mais receptividade (GAGNON e KLIMPT, 2002), mas

muito pouco deste relatório foi efetivamente assimilado na construção UHEs posteriores à sua

publicação (FUJIKURA e NAKAYAMA, 2009).

8 No Brasil os Estudos de Impactos Ambientais se tornaram instrumentos obrigatórios neste tipo de

infraestrutura a partir do ano de 1986 (CONAMA, 1987).

9 Rossouw e Malan (2007) observam que a metodologia dos SIA normalmente se baseia em

questionários padronizados, carecendo de embasamento teórico, e limitando temporalmente o

acompanhamento dos impactos e dos resultados dos instrumentos de mitigação. Outro problema

relacionado ao SIA é apontado por Egré e Senécal (2003), mas este voltado às dificuldades de

aplicação do instrumento, visto que dado o caráter negativo associado às UHEs, os profissionais que

os aplicam acabam "concorrendo" com outros agentes (normalmente ONGs), normalmente anti-

barragem.

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12

especialmente no caso do Brasil (PINHEIRO, 2007)10

.Estas análises entram em

consonância com o observado por Elinor Ostrom e colaboradores, em estudo voltado à

construção de megaprojetos em países emergentes, em que indicam que parte do

sucesso de projetos de infraestrutura depende, justamente, do comprometimento dos

envolvidos com o desenvolvimento local (OSTROM et al., 1993)11

.

Na maior parte dos casos a literatura destaca problemas comuns que acabam por limitar

a compreensão dos efeitos das estratégias de mitigação: é o caso da pequena janela de

tempo para análise (ROSENBERG et al., 1997) ou do foco quase exclusivo nas

populações diretamente atingidas12

. Com relação à janela de tempo, tipicamente curta

(análises realizadas pouco tempo após a construção), isso implica pouco tempo para que

se estabeleça uma nova dinâmica com a presença do empreendimento, como por

exemplo, no caso ambiental, em que praticamente é desconsiderado o processo de

adaptação ao novo bioma (THOMAS e ADAMS, 1999). Já com relação ao foco no

atingido, normalmente se observa aqueles que foram atingidos diretamente no processo

de construção da UHE, especialmente os reassentados, ignorando que há efeitos

indiretos para o entorno do empreendimento e de mais longo prazo que teriam que ser

tomados em conta.

No que diz respeito ao longo prazo, e ao território além da área da barragem, algumas

pesquisas buscam estabelecer alguma relação entre a presença de uma UHE e o

desempenho em indicadores selecionados. Nessa direção, algumas apontam a melhora

em indicadores sociais em locais que têm UHEs (GOMES e KHAN, 2003; NERES,

10 Há de se destacar que, mesmo quando o poder maior (o Estado) tem, em tese, alinhamento com as

questões sociais colocadas no campo sobre a construção de uma UHE, a distância entre os poderes

dos agentes e o descaso resultante dela podem persistir (CAETANO da SILVA, 2013).

11 A pesquisa de Ostrom e colaboradores analisa infraestruturas financiadas por organizações

internacionais desenvolvidas especialmente como forma de estímulos ao desenvolvimento, e o porquê

do fracassa, tanto na meta de desenvolvimento, como na construção da própria infraestrutura, ser o

resultado mais comum. Tomando como base a Economia Institucional, aponta o conjunto de

incentivos que se apresenta aos agentes, nos diversos estágios relativos à infraestrutura, como os

elementos fundamentais para o fracasso ou sucesso destas empreitadas.

12 Outro problema poderia ser o caráter relativo da melhora, como demonstram Egré e Senécal (2003),

ao observar que as melhoras ocorridas em Urra (Colômbia) podem ser, em parte, creditadas ao fato

das comunidades atingidas viverem em condições extremamente ruins. Assim, um acréscimo, ainda

que pequeno, à sua condição de vida significará uma melhora, mas não significará que, de fato, os

atingidos estejam em boas condições de bem-estar.

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13

2008), outras apresentam resultados positivos para indicadores que refletem a

compensação financeira recebida pelos municípios (SILVA, 2007)13

. Estas pesquisas,

no entanto, não oferecem uma explicação sobre qual foi a influência das UHEs nos

territórios analisados, ou, mais precisamente, não tratam da forma como as UHEs

afetaram os elementos estruturais e a dinâmica dos territórios, de modo a influenciar, ou

mesmo conduzir, a esses desempenhos destacados.

O que se nota na literatura voltada à relação entre UHEs e territórios é um grande e

consolidado conhecimento centrado nos impactos diretos da UHE, normalmente

voltados ao curto prazo, e cuja abordagem está mais voltada a compreender o processo

de desterritorialização e reterritorialização de grupos específicos, como as comunidades

reassentadas. Pouco se produziu sobre os efeitos de longo prazo de UHEs, e ainda,

considerando-se o território como um todo. Menos ainda considerando a importância do

próprio território na moldagem dos resultados da entrada da UHE. É este espaço,

justamente, que esta pesquisa pretende explorar: o da compreensão sobre a forma como

a entrada de uma Usina Hidrelétrica afeta a dinâmica do território que a recebe. Isto é, o

que acontece com o território, para além do que se passa com as populações deslocadas?

Para além dos royalties, o que muda na estrutura local? Como o próprio território reage

à entrada da UHE? Aqui a unidade de análise é o território e não especificamente um

segmento da população local, e a entrada da UHE é compreendida com um fator

exógeno de impacto em sua dinâmica. É importante destacar, porém, que isso implica

em dar valor ao território como uma unidade que possui valor por si só, que possui

características particulares que o distingue de outros territórios. Pode soar evidente esta

afirmação, mas a compreensão de que o território e suas características próprias

importam especialmente quando associadas com a ideia de desenvolvimento é

razoavelmente recente (FAVARETO, 2014).

13 Silva (2007) tem sua pesquisa centrada em Tucuruí (PA) e Neres (2008) nas UHEs construídas no rio

Madeira (PA) (aqui incluída Tucuruí).

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14

Qual teoria14

?

Se o intuito maior da pesquisa é discutir as articulações entre grandes investimentos, em

especial a construção de UHEs, e o desenvolvimento territorial, então é inevitável

começar pela própria definição de desenvolvimento15

. Esta pesquisa tomará como base

para tal a Abordagem de Capacidades, formulada pelo economista e filósofo Amartya

Sen. Mais especificamente, desenvolvimento é, naquele autor, compreendido como o

processo de aumento das liberdades substantivas dos indivíduos. A Abordagem de

Capacidades16

busca compreender a condição do indivíduo, o seu bem-estar, não por

aquilo de que dispõe17

, ou por suas posses, mas sim pelo que consegue obter desta

utilidade, ou seja, das realizações que a funcionalidade de tal utilidade lhe

proporciona18

.

Este enfoque se notabilizou nas últimas três décadas por oferecer um contraponto às

visões tradicionais sobre desenvolvimento, nas quais é a renda, no âmbito individual, e

o produto bruto ou o crescimento econômico, no âmbito agregado, o que se toma como

medida do desenvolvimento19

. A Abordagem de Capacidades não nega a renda como

algo com valor instrumental para a busca do indivíduo por aquilo que valoriza, mas

14 Este segmento tem como base o artigo Territórios importam - Bases conceituais para uma

abordagem relacional do desenvolvimento das regiões rurais ou interioranas no Brasil, de Favareto

et al. (2015), sendo realizadas adaptações para que se atendam as demandas desta pesquisa.

15 O senso comum costuma associar desenvolvimento econômico com diminuição da pobreza e da

desigualdade, porém esta relação ainda é motivo de muita controvérsia. No caso do desenvolvimento

local Collier e Dollar (2001, 2002), Olavarria-Gambi (2003) e Cougneau e Naudet (2004),

argumentam que a diminuição da pobreza depende de outros fatores, além do crescimento

econômico. Já Medeiros (2003) aponta para uma relação inversa entre crescimento e desigualdade. E

a relação entre pobreza e desigualdade é questionada por Sen (1983).

16 Há certa divergência na tradução do termo "capability", uma vez que esse teria sido cunhado por Sen

para significar "capacidade" e "habilidade" ("capacity" e "ability"), e não somente capacidade, por

isso alguns autores utilizam o termo capacitação para tal diferenciação. Por simplicidade, será

utilizado o termo capacidade

17 De fato, a Abordagem de Capacidades foi concebida como uma alternativa à Ética Utilitarista, dentro

da Filosofia, e depois se expandindo para a Economia. Ela difere da Ética Utilitarista em diversos

aspectos fundamentais, e para uma melhor compreensão ver Sen (1985)

18 Tomemos como exemplo uma commodity como a bicicleta. Ter a posse da bicicleta não caracteriza o

bem-estar do indivíduo, mas sim o que ele consegue obter dela. Ainda, mesmo tendo como uso mais

trivial o de transporte, uma pessoa com certa deficiência pode ter um aproveitamento desta

commodity diferente do de uma pessoa em plenas condições físicas, implicando em uma

funcionalidade distinta entre estes dois indivíduos (SEN, 1987).

19 Ora, se o comportamento deve ser guiado pelo prazer, ou pela felicidade, e esta é a utilidade como

impõe a Ética Utilitarista, e a felicidade é obtida através de bens e serviços, então a renda indica a

capacidade de acesso à utilidade, enquanto o PIB indica, grosso modo, a felicidade em termos

agregados.

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entende que a renda não tem valor intrínseco no bem-estar individual. Dois indivíduos

com mesma renda não gozam, necessariamente, das mesmas condições de vida. Por

exemplo, a Ilha dos Lençóis, no norte maranhense, e pertencente ao município de

Cururupu, fica a aproximadamente quatro horas de barco, em seu trecho mais curto, do

município mais próximo que é Apicum-açu, e conta apenas com um posto de

enfermagem para atender a comunidade local. Tomemos dois indivíduos que tenham

rendas idênticas, um em Apicum-açu e o outro na Ilha dos Lençóis. Em caso de

emergência médica, o indivíduo no continente conta com o hospital local próximo,

enquanto o da ilha depende de conseguir o transporte de barco, de condições favoráveis

de navegação, situação que evidencia a diferença destes indivíduos em termos de bem-

estar, ou ainda, sua liberdade de gozar de boa saúde. Logo, a liberdade está em poder

dispor de algo que necessite, no momento em que necessita, para gerar algo que lhe

tenha valor, ou sua capacidade. Aumentar as liberdades, ou desenvolver, consiste no

aumento das possibilidades de satisfação de necessidades do indivíduo.

Além disso, esta abordagem considera que o indivíduo deve ser capaz de agir segundo

seus interesses, segundo aquilo que valoriza, ou seja, aqui se valoriza a agência, a sua

condição de agente (SEN, 1985). Para Sen, o desenvolvimento vem, justamente, do

aumento das liberdades, ou seja, do aumento de suas capacidades, e das condições que

lhe garantem a agência (SEN, 1999). Mais que isso, o aumento das liberdades é também

o meio para o desenvolvimento. Sen elege cinco liberdades instrumentais que ajudam o

indivíduo a promover seu bem-estar, que são as (1) liberdades políticas, (2) facilidades

econômicas, (3) oportunidades sociais, (4) garantias de transparência, e (5) segurança

protetora (IBID., p. 25). Dessa forma, o desenvolvimento não é compreendido como

crescimento econômico, mas sim pelas diversas condições instrumentais que permitem

o incremento no bem-estar.

Mas como seguir no sentido de ampliação das liberdades dos indivíduos? Como já

destacado, renda e produto interno bruto não servem como indicador para o bem-estar

dos indivíduos. E isto porque, ainda que um determinado país possua bons valores para

estes indicadores, é o arranjo institucional que o governa que vai definir como se dá a

distribuição de bem-estar: instituições podem restringir ou ampliar as capacidades de

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indivíduos (JOHNSON, 2009). Em um ambiente onde as instituições restrinjam a

participação dos indivíduos às decisões políticas, a liberdade de participação política

fica comprometida, e seu acesso desigual.

As instituições são as regras do jogo, são as mediadoras das interações entre os agentes,

sejam elas formais ou informais, incentivando ou desincentivando formas de

comportamento (OSTROM, 2005), e seu papel no que diz respeito ao crescimento

econômico, já foi muito estudado (NORTH, 1991). Uma defesa ampla do papel das

instituições sobre o desenvolvimento, aqui tratando tanto do crescimento econômico,

mas também do bem-estar20

, é encontrada em dois trabalhos recentes: "Violence and

Social Orders", de Douglass North, John Wallis e Barry Weingast (2009), e "Porque as

Nações Fracassam", de Daron Acemoglu e James Robinson (2012). Neles os autores

argumentam em favor da qualidade das instituições, aqui mais especificamente as

políticas e econômicas, como determinantes para que um país tenha crescimento

sustentado e democracia estável.

A ideia central de suas teses é que instituições que garantam a propriedade privada, que

sejam impessoais, e que garantam a possibilidade de participação de mais amplos

segmentos sociais nas estruturas política e econômica, permitem a formação de

coalizões mais amplas, o que diminui a chance de apropriação de rendas por elites,

resultando numa melhor divisão dos resultados do crescimento e legitimando a ordem

social vigente. Além disso, trazem em seu bojo a possibilidade de incentivos para a

inovação, em um processo schumpeteriano de destruição criativa, tanto no âmbito

político como no econômico. O incentivo à inovação não é algo determinístico, mas

esse processo de renovação por meio da inovação tem como um dos reflexos o próprio

crescimento econômico, que mesmo que não seja grande, deve ser regular e sustentado,

uma vez que em um caso extremo como os momentos de crise econômica, abre-se

espaço para a renovação.

20 Nos dois casos os autores utilizam a ideia de bem-estar de uma maneira mais relaxada, com relação a

uma definição precisa, mas a aderência com relação à Abordagem de Capacidades é grande, como se

demonstrará na sequência do texto.

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Os autores têm nas elites e nas coalizões um dos elementos centrais de suas teses. É

pelo controle das instituições, especialmente as políticas, que as elites buscam manter

seus ganhos sobres os recursos vindos da estrutura econômica (ACEMOGLU e

ROBINSON, 2008). Outro ponto importante é a prevalência das instituições políticas

sobre as econômicas, na medida em que estas são moldadas em função das primeiras.

Para Acemoglu e Robinson é possível a coexistência entre instituições econômicas

inclusivas e políticas não tão inclusivas. É possível, por exemplo, que uma ditadura

cresça economicamente em função de instituições econômicas mais democráticas que

suas instituições políticas (2008, 2012). Já North, Wallis e Weingast (2009)

argumentam em favor da relação dinâmica entre essas instituições, pelo que se define

como duplo balanço, onde a inclusividade de um conjunto de instituições é tributário da

inclusividade do outro.

Essa sutil nuance entre as duas abordagens encerra uma diferença mais significativa.

Acemoglu e Robinson têm como foco de análise as instituições, e as classificam em

dois tipos, inclusivas e extrativas. As inclusivas são aquelas nas quais o acesso à

participação na ordem social por ela regida é garantido a amplos segmentos, de forma

impessoal, enquanto as instituições extrativas são aquelas que restringem o acesso,

garantido apenas a determinados grupos. Instituições econômicas extrativas restringem

o acesso ao mercado e aos recursos. Instituições políticas inclusivas são a base para a

democracia. É por esta tipologia que os autores inferem a relação entre os tipos de

instituições que países possuem e seus desempenhos em termos de crescimento

econômico e bem-estar.

Já North, Wallis e Weingast têm nas instituições um instrumento para a interpretação da

forma de organização social. Os autores apontam que as sociedades que atingiram um

maior grau de desenvolvimento são aquelas que conseguiram controlar melhor a

violência, dentro do princípio weberiano de que o Estado detém o seu monopólio. As

instituições então estariam diretamente ligadas aos incentivos para o controle da

violência, e este sim, ligado ao crescimento econômico e ao bem-estar21

. Para tanto, são

21 Esta diferença entre a abordagem dos autores é sutil, e não carrega dilemas para sua aplicação nesta

pesquisa, mas alguns pesquisadores a consideram significativa. Para uma crítica mais apurada, ver

Voigt (2012) e Glaeser et al. (2004).

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sociedades que oferecem maior liberdade política e econômica, além de possuir

instituições e incentivos que organizam o próprio sistema político contra o uso ilegítimo

da violência.

Os autores não estratificam as instituições, mas sim a forma de ordem social, sendo hoje

mais evidentes duas formas, que são a Sociedade de Acesso Limitado e Sociedades de

Acesso Aberto. A Sociedade de Acesso Limitado é o tipo de ordem social que imperou

até aproximadamente a Revolução Industrial, especialmente caracterizada pela

dominação de elites e suas coalizões, que tinham acesso aos recursos e às rendas22

, e

cujo equilíbrio na distribuição destes era o que garantia o controle da violência. Aqui as

relações são pessoalizadas, e mesmo a constituição de organizações é restrita àqueles

que detêm o poder. As Sociedades de Acesso Aberto, por sua vez, passam a operar a

impessoalidade. Nelas, as leis devem ser aplicadas também às elites, e as organizações

são caracterizadas pela impessoalidade, sendo sua existência não dependente de uma

pessoa, e são instrumentos efetivos de ação coletiva. Ainda, o Estado detém o controle

da violência, que não é mais dividida entre grupos dentro da elite, e a própria aplicação

da violência pelo Estado é restrita23

.

Aqui cabe mais uma ligação com a Abordagem de Capacidades, quando Sen toma a

liberdade como elemento central para o processo de desenvolvimento, pois “a realização

do desenvolvimento depende inteiramente da livre condição de agente das pessoas”

(SEN, 1999, p.8). A inclusividade política e econômica são relativas também às

oportunidades de expansão das liberdades de agência e bem-estar. Ter acesso às

oportunidades de mercado é um instrumento para a ampliação destas liberdades. Ter

acesso às oportunidades de escolha social, à participação política, é um instrumento para

que se busque aquilo que o indivíduo tem razões para valorizar. Nesta direção, é

22 Renda, aqui, no sentido rentista, ou, como definem os autores, como o excedente sobre os custos de

oportunidade, obtido a partir de alguma operação realizada com um ativo (NORTH et al. 2006).

23 Hoje são poucos os países considerados Sociedades de Acesso Aberto, como os Estados Unidos,

Canadá, países da Europa Ocidental e o Japão, que conseguiram desenvolver um crescimento

econômico regular e menor desigualdade por meio de uma democracia sólida, que viabiliza esse

desempenho especialmente por meio da inovação, ou da destruição criativa, de Schumpeter. Países

como Chile e Coreia do Sul estariam em um patamar intermediário, ou na Doorstep Conditions, para

se tornar países deste grupo, ao atingirem as condições de transição, que são a aplicação das leis às

elites, a possibilidade de desenvolvimento de organizações impessoais, ou Perpetually Lived

Organizations, e o controle pelo estado das forças armadas (NORTH et al., 2012).

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fundamental a distribuição de poder político e econômico. A desigualdade na

distribuição de poder político compromete a capacidade de participação nos processos

de escolha social, assim como a desigualdade econômica pode tanto impor barreiras

para esta mesma participação, como na participação no mercado, ou no aproveitamento

de oportunidades econômicas (DRÈZE e SEN, 2002).

Ainda que esta abordagem tenha como o foco o indivíduo, a constituição de

organizações, ou mesmo coalizões, são instrumentos que trazem mais força aos agentes,

por meio de formas de ação coletiva, na luta pelos seus interesses comuns24

. Para North,

Wallis e Weingast, "organizações são, em parte, ferramentas: ferramentas que

indivíduos usam para aumentar sua produtividade, para buscar e criar contatos e

relações, para coordenar ações de muitos indivíduos e grupos, e para dominar e coagir

outros"25

(NORTH et al., 2009, p. 7). Organizações têm maiores condições que o

indivíduo de conseguir atingir interesses específicos, e a liberdade e os meios para a

constituição de organizações são elementos que caracterizam as sociedades que têm as

melhores condições de bem-estar, e o maior número de organizações; características das

Sociedades de Acesso Aberto em comparação com as sociedades menos abertas

(NORTH et al., 2009).

Então, se pensamos na inserção de uma hidrelétrica em um território, o que temos é a

entrada de um elemento que pode promover mudanças radicais em termos de condições

de vida no local que a recebe, tanto em termos negativos, pela diminuição de bem-estar,

como positivos, pela criação de oportunidades, especialmente econômicas. A forma

como ocorrerão estas mudanças fica intimamente ligada à qualidade das instituições

locais, uma vez que quanto mais extrativas, menores as condições de ação coletiva

contra os seus efeitos negativos, e maiores as chances da apropriação das mudanças

positivas por uma elite dominante. No outro extremo, quanto mais inclusivas as

instituições, maiores as chances de que grupos que potencialmente possam perder

24 Existe uma certa controvérsia com relação à ideia de “coletivo”, dentro da Abordagem de

Capacidades, em especial quando se trata de capacidades coletivas. Para aprofundamento nesta

discussão, ver Deneulin (2008).

25 Tradução livre do original: "Organizations are, in part, tools: tools that individuals use to increase

their productivity, to seek and create human contact and relationships, to coordinate the actions of

many individuals and groups, and to dominate and coerce others".

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condição de bem-estar se organizem para evitar tal situação e, ainda, maiores as chances

de que outros grupos, para além das elites locais, tenham condições de explorar as

oportunidades geradas pela infraestrutura.

Mas se a qualidade das instituições políticas e econômicas é um elemento fundamental

para o desenvolvimento, como mudar instituições, e mais, como mudar na direção de

instituições mais inclusivas, tanto as políticas como as econômicas? A mudança nas

instituições pode ocorrer de forma gradual e por motivações endógenas, por meio de

choques exógenos ou pelo atrito entre instituições conflitantes. A chave para

compreender a mudança institucional, estaria em compreender o caráter distribucional

dos resultados das instituições. A manutenção destas estaria fundada no equilíbrio de

poder entre as coalizões. As mudanças, tanto de natureza endógena como exógena,

seriam motivadas por desequilíbrios nestas relações (MAHONEY e THELEN, 2010).

Um ponto importante aqui diz respeito ao poder político, que não necessariamente é

sempre de jure, ou fruto de atribuição resultante da aplicação das instituições políticas

(como eleições, por exemplo), mas também pode ser de facto, ou exercido por agentes

que disponham de capitais e possam influenciar as ações na estrutura política

(ACEMOGLU et al., 2005). Estas duas formas de exercício do poder são capazes de

modificar as instituições políticas e econômicas, influindo assim na performance

econômica e na distribuição de recursos. Isto é proposto no framework desenvolvido por

Acemoglu et al. (2005)

Figura 1.1 – Framework sobre a dinâmica de mudanças instituições

Fonte: (ACEMOGLU et al., 2005

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Dessa forma, uma mudança na distribuição de recursos, como por exemplo, com o

desenvolvimento de novas formas de obtenção de renda, ou ainda a mudança nos

agentes portadores de poder político de facto, provocariam um desbalanço nos

resultados das instituições, o que pode induzir a mudanças. Neste sentido, a ascensão de

organizações ora excluídas da distribuição dos recursos, pode provocar um desbalanço

na distribuição de poder de facto, e obrigar as elites ora portadoras deste poder a fazer

concessões, induzindo assim a mudanças nas instituições. Por outro lado, quanto mais

distribuído o poder político, menores as chances de que poucos grupos induzam

mudanças institucionais que beneficiem a si próprios. Aqui, a UHE pode atuar

induzindo a mudança institucional especialmente pela mudança nas formas de obtenção

de renda, que por sua vez, podem provocar o desbalanço na distribuição de poder, e daí

resultar um novo arranjo institucional que equilibre a nova condição dos agentes.

Esta revisão, até o momento, fundamenta em grande parte a análise que se propõe nesta

tese, mas alguns pontos ainda carecem de subsídios de uma teoria social. Quando

trazemos uma análise com o centro no indivíduo, por meio da Abordagem de

Capacidades, devemos ter em mente que muitas das aspirações, ou mesmo aquilo que o

indivíduo valoriza, é fruto de interações sociais (SEN, 1999; BOWMAN, 2010; HART,

2012). Mais que isso, a forma como o indivíduo atingirá determinadas capacidades, ou

liberdades, pode ser (e normalmente é) dependente não somente da renda, mas sim de

seu nível de educação formal, ou das suas redes sociais, ou mesmo do poder de que

dispõe para o exercício da agência, elementos normalmente dependentes da posição que

este ocupa na sociedade. Como então olhar o indivíduo em sua relação com a sociedade

em que está inserido? Esta lacuna é preenchida aqui a partir do conceito de

configurações, de Norbert Elias, e pelas Teorias do Campos e Habitus, do sociólogo

francês Pierre Bourdieu.

Para Elias (1994), em grande parte, os comportamentos individuais seriam motivados

pela internalização das normas da ordem social à qual o indivíduo pertence, e pelo

autopoliciamento deste indivíduo de modo que seu comportamento seja condizente com

aquele que é esperado. Aqui a punição é interna, auto proferida, como pelo sentimento

de vergonha, por exemplo. Esta relação entre a ordem social, resultado da estrutura

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social, e os respectivos comportamentos individuais, resultantes da internalização das

normas em conformidade com a ordem social, é definida como configuração.

Já Bourdieu (2008, 2014) fundamenta sua teoria em três conceitos chave, que são o

campo, os capitais, e o habitus. O campo é uma estrutura de posições em disputa, cujos

agentes têm um interesse comum, como por exemplo, o campo econômico, ou o campo

político. Todo campo tem seu senso comum, ou doxa, e seu conjunto de regras, a que

Bourdieu define como nomos, mas, apesar disso, os campos não são autônomos entre si.

Nada impede que um agente acumule trunfos em um campo e o utilize em outro, como

por exemplo, converta seus trunfos obtidos no campo econômico para ingressar no

campo político.

Estes trunfos, definidos como capital, são recursos que o agente dispõe para atuar dentro

do Campo, e não se restringem ao Capital no sentido meramente econômico. As formas

mais comuns de Capital são, além do econômico propriamente dito, o cultural, o

simbólico, o social, e o político, e é a forma como se dá a distribuição destes capitais

que define a posição de um agente no campo. Capitais são conversíveis de uma forma

para a outra, como por exemplo, o acúmulo de capital cultural (especialmente na sua

forma institucional, como no caso de um diploma) pode ser convertido em econômico.

Mais que isso, capitais são trunfos do indivíduo, o que não restringe sua obtenção por

meio de um campo, e utilização em outro, como já destacado.

A forma como o agente atua no campo, o uso dos capitais de que dispõe, suas

estratégias, compõem parte do seu habitus. O habitus são disposições adquiridas pelo

aprendizado gerado na exposição aos constrangimentos sociais. O habitus atua também

como um guia à ação, mas de forma alguma torna as ações mecânicas, ele preserva ao

agente certa liberdade, ele é espontaneamente condicionado e limitado (BOURDIEU,

2006).

Desta forma, extrair funcionalidades de uma commodity depende do estoque de capitais

que um agente dispõe, tanto o econômico, quanto qualquer outro que ele necessite para

poder realizar a conversão desta commodity em funcionalidade. Além disso, suas

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aspirações são condicionadas ao seu horizonte de possibilidades, que são parte do seu

habitus, por sua vez resultante da sua interação com o meio social em que o agente está

inserido (HART, 2012). Aqui a UHE também pode contribuir para a mudança

institucional, por exemplo, ao possibilitar o acúmulo de capitais por meio de

oportunidades econômicas e sociais, ou ao promover novas aspirações por meio do

conflito que a cerca, induzindo uma mudança no habitus dos agentes para a expansão do

seu horizonte de possibilidades. Em um sentido contrário, pode acabar por mudar as

instituições em uma direção negativa, ao permitir a apropriação das novas

oportunidades por grupos pequenos, ampliando a desigualdade local em termos de

liberdades.

Até o momento buscou-se estabelecer aquilo que se compreende aqui como

desenvolvimento, que é o aumento da liberdade dos indivíduos, além da importância da

mudança nas instituições para que se atinja este aumento, e em como a configuração em

um território constrange tanto o que é compreendido como liberdade, como os meios

para que ocorra a mudança institucional. Mais que isso, buscou-se exemplificar de que

forma a entrada de UHE interage com estes elementos de modo a modificar instituições,

ampliando ou reduzindo liberdades, na medida em que o território absorve ou refrata

determinadas possibilidades.

Mas é possível definir instâncias específicas em um território, cujas características

permitam explicar seu desempenho em termos de bem-estar? Nesse sentido, a pesquisa

desenvolvida pelo Berdegué et al. (2012) traz importantes contribuições26

. Dentro do

contexto da América Latina, e com parte de sua pesquisa realizada no Brasil, foram

analisadas as dinâmicas territoriais de dezenove regiões, em onze diferentes países da

América Latina. Observou-se que, apesar dos notáveis avanços no que diz respeito à

redução da pobreza e ao aumento da renda per capita, ocorre a persistência da

desigualdade na América Latina. Esta persistência pode ser explicada por estruturas

concentradoras e pouco dinâmicas, instituições pouco inclusivas econômica e

26 A pesquisa buscou compreender porque alguns territórios da América Latina (13%, na verdade),

conseguiram obter, no período de 1990 a 2000, melhorias nos indicadores de pobreza, renda e

desigualdade, tendo como hipótese a existência de uma componente territorial para a explicação deste

desempenho. A pesquisa de campo foi conduzida em 11 países, envolvendo mais de 50 organizações,

durante o período de 5 anos.

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24

politicamente, e agentes que se beneficiam deste status quo, que concentram seus

esforços para que esta dinâmica se reproduza de forma contínua. Esta situação acaba

induzindo a armadilhas de pobreza e desigualdade que impedem, ou dificultam, a sua

superação (BERDEGUÉ et al., 2015).

De forma um tanto mais estrutural para os casos estudados na América Latina, pode-se

observar empiricamente uma forte ligação do desempenho dos territórios com as

estruturas, instituições e formas de agência em cinco instâncias empíricas, que são (1) a

estrutura de acesso e uso de recursos naturais, (2) o acesso a mercados dinâmicos, (3) a

estrutura produtiva, (4) a relação dos territórios com cidades e (5) a presença de

políticas públicas. Ter maior diversidade e menor concentração de produção aumenta as

possibilidades de que pequenos produtores tenham acesso ao sistema produtivo local,

bem como no caso do acesso aos recursos naturais, o que pode imprimir uma menor

desigualdade. O acesso a mercados permite a entrada de renda externa na economia

local, bem como a presença de um centro urbano dinâmica oferece a possibilidade de

que os agentes locais invistam seus diversos capitais dentro do próprio território. E, por

fim, políticas públicas podem interferir de direta nas instâncias anteriores, concentrando

ou desconcentrando, diversificando ou especializando, enfim, alterando ou reforçando a

dinâmica no território.

Observou-se, também, que as mudanças institucionais que conduziam a uma dinâmica

territorial de aumento de renda e diminuição da pobreza e da desigualdade, ocorreram

nos territórios com maior diversidade de agentes, com visões distintas e diferentes

formas de capital que impliquem em algum poder. A coalizão formada por essa

diversidade de agentes foi definida por aqueles autores como coalizão social

transformadora, e com a formação deste tipo de coalizão é maior a chancede que ações

efetivas que promovam mudanças nas dinâmicas territoriais tenham como objetivo o a

coesão territorial (BERDEGUÉ et al., 2012). Daí:

“Como corolário, num tipo extremo, quanto mais desconcentrado e quanto mais

diversificado é um território (...), maiores são as chances de que se constituam coalizões

amplas e que tenham na valorização do território uma base importante para sua

reprodução social. Enquanto que, no outro extremo, naqueles territórios com estrutura

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mais concentrada e especializada, as coalizões tendem a se formar reunindo um leque

mais estreito de atores e a orientar-se, sobretudo, para as modalidades de inserção

externa, com menor preocupação com a coesão territorial. Entre os dois extremos outras

combinações entre os cinco fatores são possíveis, e a elas correspondem distintas

composições do desempenho dos territórios em termos de desigualdade, pobreza e

crescimento econômico” (FAVARETO, 2015).

Desta forma, para que a influência da entrada da UHE em um território possa conduzi-

lo à maior coesão, além da evidente mudança nas instituições de modo a torná-las mais

inclusivas (assumindo aqui um cenário negativo), deve também ocorrer nestas

instâncias citadas por Berdegué e colegas. Essa influência na direção de uma maior

diversificação e menor concentração na estrutura de produção e no acesso aos recursos

naturais, por exemplo, pode, por si mesma, ser o elemento de desequilíbrio na estrutura

de poder local e levar às mudanças institucionais, mas a falta de acesso a mercados, ou

mesmo de um centro urbano dinâmico pode limitar a ampliação das liberdades no

território.

Com base na construção deste arcabouço teórico, são definidos aqui dois elementos

analíticos que guiarão a sequência desta tese. O primeiro, configuração territorial, que

toma como base o conceito de configuração, de Norbert Elias, é a unidade de análise

aqui empregada, e que é compreendida como uma unidade espacial dada, estruturada e

dinâmica, que abarca formas de organização social, e assim as formas de dominação e o

exercício da violência e os relativos comportamentos sociais individuais em

consonância com estas formas de dominação. Trata-se de uma unidade processual, uma

vez que deve ser entendido não apenas pelo comportamento social individual, ou pela

ordem social, mas pela sua relação, estruturada e estruturante. A configuração territorial

que a UHE encontra será responsável pela forma como o território reagirá ao processo

de entrada. Ou, mais especificamente, é a amplitude das coalizões formadas, decorrente

da forma como se dá a distribuição de poder local, ou do quanto as instituições políticas

e econômicas locais são mais ou menos inclusivas, que determinará este processo.

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26

O segundo elemento trata da relação entre a UHE e a configuração territorial, e é a

percolação. Nela é identificado o quanto uma configuração territorial absorve ou refrata

um choque exógeno, e em que direção se dá esse processo. Trata-se de um processo

permanente, mas pode ser observado em lapsos temporais, por meio (1) da observação

de como o fator que provoca choque se confronta com as estruturas sociais do território,

(2) pela observação de mudanças residuais do choque exógeno, como variação nas

liberdades individuais, no campo de possíveis em que se estrutura a existência social

dos habitantes locais, e mudanças na valorização de recursos. E (3), identificar

mudanças nas estruturas sociais na configuração territorial após a passagem do choque

exógeno. Em se tratando da entrada de uma infraestrutura como uma UHE em um

território, a percolação trata do quanto este processo é capaz de alterar sua estrutura

produtiva, oferecendo ou cortando oportunidades econômicas, do quanto este processo é

capaz de alterar os comportamentos dos agentes e, por fim, a distribuição de poder

local, de modo a mudar a qualidade das instituições locais.

Objetivos, problema e hipótese

À luz do quadro de análise esboçado acima, o objetivo desta pesquisa consiste em

analisar os efeitos da construção de Hidrelétricas sobre a dinâmica de municípios

selecionados do Sertão do São Francisco (BA) e do Alto Rio Uruguai (RS), visando

compreender a estrutura das mudanças resultantes na vida econômica e social local e,

por aí, os resultados de médio prazo da relação entre estes empreendimentos e seus

territórios em termos de desenvolvimento local. Para isto, será utilizada uma abordagem

que busca integrar os efeitos destes empreendimentos em três dimensões específicas: as

alterações na distribuição de poder local, as alterações nas formas de apropriação e uso

dos recursos, e a dinâmica da relação entre os comportamentos e as instituições, formais

e informais, que regulam as dimensões anteriores, e sua modificação com a entrada da

UHE. Ao abordar estas várias dimensões a pesquisa pretende capturar o movimento das

contradições que cercam a dinamização territorial impulsionada por uma obra deste

tipo, de um lado, e os conflitos sociais e suas formas de regulação de outro. Da síntese

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27

desta unidade de contrários resulta a dinâmica de desenvolvimento territorial, na qual a

UHE é um elemento forte27

.

Este objetivo geral, por sua vez, se desdobra nos seguintes objetivos específicos:

- caracterizar a distribuição de poder local nestes territórios;

- compreender de que forma se dão as mudanças ou as permanências nos processos de

apropriação e uso dos recursos naturais, a partir da desconstrução do antigo território e a

construção de um novo;

- compreender de que forma as estruturas de poder locais nos territórios se modificam

ou se mantém em função das mudanças ou permanências nos processos de apropriação

e uso dos recursos naturais;

- identificar o papel da UHE neste movimento de metamorfose dos territórios.

Estes objetivos podem ser enfeixados sob a forma de uma pergunta, que os traduz pelo

seguinte problema de pesquisa a ser enfrentado: considerando a UHE um fator exógeno

e que afeta a morfologia de um território, que por sua vez possui características próprias

para absorver tais mudanças em um certo sentido, de que forma a entrada de uma UHE

afeta tais estruturas, características do território e, inversamente, quais são os aspectos

decisivos destas mesmas estruturas que reagem à entrada da UHE, e que respondem

pelos resultados diferenciados da entrada de uma UHE em cada território estudado?

A hipótese que serve de guia à pesquisa é que, longe de ser um processo que depende

somente dos interesses dos agentes responsáveis pela construção da UHE, a

configuração do território tem peso fundamental, uma vez que, quanto mais

desconcentrado o poder local, maior a quantidade de indivíduos com liberdade de

agência, e assim de participação social, e maiores as chances de formação de coalizões

amplas capazes de confrontar o agente externo, resistindo aos riscos gerados por este

grande investimento, ou gerindo melhor os conflitos que surgem com esta nova situação

criada com a realização deste grande empreendimento. Neste caso a percolação desta

27 É importante reforçar que não se trata de observar impactos, como usual na literatura voltada ao tema,

mas sim, de forma mais ampla, como a relação entre a UHE e o território que a recebe moldou estes

efeitos.

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28

influência exógena deve se dar num sentido mais favorável ao território, com uma

configuração territorial resultante da entrada da UHE mais favorável a gerar maior

coesão territorial. No outro extremo, numa configuração territorial em que ocorra

grande concentração de poder, as maiores chances são as de que se imponham interesses

pessoais de agentes locais, capturando os benefícios trazidos com este investimento e

imputando os custos sociais aos agentes com menos poder. Nesse caso, a entrada da

UHE resulta numa de percolação cuja configuração territorial resultante não conduz à

maior coesão territorial.

Traduzindo este enunciado geral para o caso concreto em estudo, no caso do Alto Rio

Uruguai, a estrutura de poder local encontrada no início do processo de entrada da UHE

é menos concentrada e com uma diversidade maior de agentes (comparativamente ao

Sertão do São Francisco), reunindo condições favoráveis para a formação de uma

coalizão ampla administrando minimamente os efeitos do investimento planejado no

território. No processo de disputa em torno da entrada da UHE, esta coalizão foi capaz

de reduzir seus efeitos negativos, diminuindo a perda de bem-estar, bem como

direcionar certos potenciais efeitos positivos, especialmente aqueles voltados para a

criação de oportunidades econômicas e ampliação das liberdades. As novas fontes de

renda proporcionaram novas aspirações e permitiram a ascensão de novos agentes com

condições de formação de novas coalizões com interesses próprios, resultando em um

território cuja configuração é mais diversificada que anteriormente à entrada da UHE.

Já no Sertão do São Francisco, a estrutura de poder encontrada era significativamente

concentrada, o que fez prevalecer os interesses de poucos agentes, os quais não incluíam

de maneira central a mitigação dos efeitos negativos derivados da construção da UHE.

Esses efeitos acabaram por ser violentos, resultando no aumento da privação de

liberdades dos agentes atingidos. Ainda, a forma como ocorreu a percolação restringiu a

capacidade de que setores mais amplos da sociedade local pudessem se apropriar de

potenciais efeitos positivos. Estes elementos conduzem a uma certa mudança na

configuração território local, mas que não seguem na direção de uma maior coesão

territorial.

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29

Procedimentos metodológicos

Os territórios selecionados para o estudo comparado no âmbito desta pesquisa - Sertão

do São Francisco e Alto Uruguai – foram escolhidos por guardarem semelhanças na

origem contemporânea dos dois projetos de aproveitamento hídrico, e por isso com

trajetórias praticamente equivalentes no que diz respeito à ação do Estado, de um lado, e

pelas diferenças na sua formação histórica, de outro. Isto permite uma análise acera de

como as diferenças nas configurações territoriais locais afetam a forma como o

investimento externo, a construção da UHE, é recebido e absorvido localmente, o que

está na base da hipótese orientadora do estudo. Destes territórios foram selecionados os

municípios de Sento Sé, Casa Nova e Sobradinho, no Sertão do São Francisco, e

Machadinho e Maximiliano de Almeida, no Alto Rio Uruguai. A escolha se deu por

serem municípios diretamente atingidos pela construção das respectivas barragens28

.

Deve-se destacar, também, que esta pesquisa se beneficia de um marco inicial que é a

pesquisa realizada por Lygia Sigaud e colegas, "Efeitos sociais de grandes projetos

hidrelétricos: as barragens de Sobradinho e Machadinho", de 1986, que por meio de

análise documental, estuda o processo de entrada destas UHEs até aquele momento,

visto que a UHE Machadinho entrou em operação em 2002.

Um primeiro movimento realizado aqui foi o de análise diacrônica, iniciado na

formação do território, caracterizado em função da forma como se estrutura o poder

local, mais ou menos concentrado, e daí a reconstrução histórica por meio da

observação das mudanças ocorridas no acesso e uso de recursos naturais, na estrutura

produtiva, no acesso a mercados e na relação com cidades (BERDEGUÉ et al., 2015).

Das mudanças encontradas, procurou-se determinar a contribuição da UHE, seja como

uma relação direta, seja pela exploração de oportunidades econômicas pela formação do

lago, ou indiretas, como por meio de elementos de compensação, bem como os efeitos

da violência resultante do processo de entrada da UHE, e em como estes elementos

afetaram as relações dos agentes na configuração territorial.

28 Por questões logísticas, outros municípios não foram incluídos, como seria o caso de Remanso, no

Sertão do São Francisco, ou de Barracão e Marcelino Ramos, no lado gaúcho do Alto Uruguai, e

evidentemente, os municípios do lado catarinense da barragem de Machadinho.

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30

O passo seguinte compreendeu a análise sincrônica do território, buscando analisar a

atual distribuição de poder e dos trunfos necessários ao exercício do poder sobre os

destinos do território e da vida social local. Esta análise ocorreu em dois movimentos,

sendo o primeiro buscando caracterizar as elites locais, e o segundo voltado a

compreender a distribuição de poder local. O primeiro ocorre nos moldes da abordagem

de campos, de Bourdieu, sendo que desta forma, observa-se a distribuição de capitais

entre agentes, bem como a hierarquia de suas posições, destacando como se sustentam

instituições inclusivas ou extrativas, nos termos de Acemoglu e Robinson (2012). Este

movimento foi realizado por meio de entrevista semiestruturada (ANEXO I),

desenvolvida de modo que se permitisse reconstruir a trajetória do agente entrevistado e

de seus antepassados, identificando momentos notáveis e seus significados29

, e

compreender o trânsito de atributos, a saber, os capitais social, cultural, econômico,

simbólico e político, nesta trajetória e como esta composição se altera ao largo do

tempo30

. Foram selecionados agentes representativos dos campos político e econômico,

de famílias tradicionais, e de beneficiários de políticas sociais de alívio de pobreza, ou

de inclusão produtiva.

No segundo movimento buscou-se identificar a forma como se dá a distribuição de

poder no território. Este movimento foi desenvolvido de forma quantitativa, observando

a distribuição fundiária, elemento formador dos territórios analisados e associados à

estrutura de poder, o número de organizações nos municípios analisados, apontadas por

North et al. (2009) como indicador de uma sociedade mais inclusiva (ou de acesso

aberto). Estas informações são utilizadas de forma relacional, de modo a permitir

observar o quanto um território oferece mais acesso à terra que o outro, ou o quanto há

de mais liberdade de organização social em um território que no outro. Como fontes de

informação foram utilizados o Censo Agropecuário do ano de 2006, para a distribuição

29

Por exemplo, a movimentação espacial realizada por conta de reassentamento compulsório, ou a

exploração de oportunidades econômicas abertas no processo de construção da UHE, ou ainda, num

caso extremo, a total desvinculação do agente representativo do território com relação a esta

infraestrutura.

30 No Território do Sertão do São Francisco a pesquisa de campo foi realizada por uma equipe composta

por este doutorando e por mais três doutorandos, tendo em vista o interesse comum de todos neste

território para sua pesquisa individual, haver convergências entre as metodologias a ponto de se

justificar a aplicação do mesmo instrumento, e pelo fato do Sertão do São Francisco ser um campo de

interesse de pesquisa coletiva da qual esta tese tem parte. No caso do Alto Rio Uruguai, o campo foi

realizado exclusivamente por este doutorando.

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31

de terras, e a pesquisa do Cadastro Central de Empresas (CEMPRE) do ano de 2010,

para a identificação do número de organizações nos municípios analisados, todas estas

pesquisas conduzidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). Estas

informações são complementadas com informações colhidas no questionário sobre a

visão dos entrevistados a respeito das forças políticas locais, e de que formas estas se

relacionam.

Ainda que não seja possível contar com dados apropriados da década de 1970 que

permitam comparar quantitativamente a estrutura de poder local no território, a

construção da sua história como proposto, permite uma visão das mudanças desta

estrutura no tempo (FAVARETO et al., 2011). Estas mudanças, no entanto, como já

citado, não são frutos apenas da UHE, mas sim de processos contínuos de percolação

relativos aos fatores exógenos aos quais o território foi exposto.

Os resultados da percolação entre os territórios e suas respectivas UHEs foram

determinados pela observação das mudanças em oportunidades econômicas e sociais31

,

qual o significado destas mudanças para a dinâmica territorial, e como estas se

difundiram entre os agentes do território, modificando suas trajetórias, gerando novas

aspirações, ou comprometendo seu bem-estar, por exemplo, e pela forma como o

processo de entrada afetou sua mobilidade social32

. Por fim, tomando-se estes aspectos,

como a entrada da UHE afetou a distribuição de poder local, resultando assim, em uma

nova configuração territorial.

Por fim, pela comparação da configuração de cada um dos territórios observada antes da

entrada da UHE e dos processos de percolação e as respectivas metamorfoses pelas

quais estas configurações territoriais passaram, foi possível determinar o significado do

território nos resultados obtidos, tanto no Sertão do São Francisco, como no Alto

Uruguai.

31 Criando oportunidades econômicas, ou prejudicando práticas tradicionais, por exemplo. 32 Se hoje o agente está em condição de ascendência, estagnação ou descendência.

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32

Estrutura da tese

No capítulo a seguir é apresentada uma revisão bibliográfica que aborda aspectos do

processo de entrada de UHEs em territórios, que vão desde a gênese da questão social

que este processo carrega, os impactos propriamente ditos, a configuração de agentes de

oposição à sua construção, e o que se sabe sobre os efeitos deste processo em termos de

desenvolvimento territorial. Estas informações, a seguir, são confrontadas com a

abordagem teórica proposta neste capítulo para uma interpretação do processo de

entrada à luz desta abordagem, buscando compreender os fenômenos descritos na

literatura, sendo o capítulo finalizado com uma primeira interpretação da hipótese

proposta, à luz da literatura de UHEs.

Os capítulos 3 e 4 seguem a mesma estrutura, e tratam do Sertão do São Francisco e do

Alto Uruguai, respectivamente. Nestes capítulos são apresentadas as análises dos

territórios, sendo sua estrutura iniciada com a reconstrução da formação social e

econômica do território, enfatizando como esta trajetória resultou em determinada

distribuição de poder local e na dinâmica territorial. Na sequência o processo de entrada

da UHE é reconstruído, de modo que seja possível observar a amplitude das coalizões,

bem como seu posicionamento a respeito da UHE e seus efeitos, e como sua entrada

afetou a dinâmica do território. O terceiro momento de cada um destes capítulos é o de

caracterização dos territórios em suas condições atuais onde são apresentados

indicadores relacionados a bem-estar, de modo a situar cada um dos territórios tanto em

nível estadual como nacional. A seguir, os dados primários coletados em campo são

analisados, em conjunto com os dados secundários relativos à distribuição fundiária e

número de organizações, de modo a caracterizar a atual configuração do território,

segundo a participação da UHE, e assim apresentar como se deu o processo de

percolação na relação UHE e território.

No último capítulo as análises construídas nos capítulos 3 e 4 são recuperadas e, por

meio da comparação entre os processos de entradas das UHEs em seus respectivos

territórios, é verificada a importância da configuração territorial anterior à entrada da

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UHE no processo de percolação, bem como nos resultados posteriores, ou seja, na

configuração territorial que resulta desta entrada.

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34

2. AS HIDRELÉTRICAS E OS TERRITÓRIOS

A barragem de Sobradinho tem em suas margens cinco municípios: Pilão Arcado, Sento

Sé, Casa Nova, Remanso e Sobradinho (ver figura 2.1). Casa Nova conta com uma

razoável estrutura de irrigação que alimenta empresas voltadas à vitivinicultura. Sento

Sé já teve projetos voltados à formação de perímetros irrigados, mas nenhum deles

vingou. No caso da barragem de Machadinho, no seu lado gaúcho fazem parte da sua

área de reservatório Maximiliano de Almeida, Machadinho, Barracão e Pinhal da

Serra33

(ver figura 2.1). Esta barragem é mais recente que a de Sobradinho, e os recursos

hoje explorados em Machadinho e Maximiliano de Almeida estão mais relacionados à

relação com o Consórcio Machadinho que com o aproveitamento direto das mudanças

impostas pela infraestrutura. Sobradinho e Machadinho foram pensadas em um mesmo

momento, ambas dentro de um contexto de forte apelo do discurso desenvolvimentista e

voltadas ao aproveitamento hídrico de suas bacias para a geração de energia.

Sobradinho foi construída pouco tempo depois de seu planejamento, e de forma que

qualquer resistência fosse superada de forma avassaladora, já em Machadinho a

resistência foi efetiva a ponto de que sua construção fosse adiada diversas vezes.

33 No lado catarinense da barragem fazem parte da área de reservatório Piratuba, Capinzal, Zortéa,

Celso Ramos, Campos Novos e Anita Garibaldi.

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35

Figura 2.1 - Localização dos Territórios do Sertão do São Francisco e Alto Uruguai

A observação destes resultados diversos evidencia o fato de que os efeitos da entrada de

UHE não podem ser associados de forma determinística a processos e resultados. Se a

barragem é a mesma para Casa Nova e para Sento Sé, por que o seu aproveitamento

como recurso para a produção é diferente? Se Sobradinho e Machadinho foram

pensadas em uma mesma época, com a mesma motivação, por que a resistência foi

eficaz em um lugar e no outro não? A resposta, como se pretende demonstrar ao longo

das próximas páginas não está na UHE, mas sim no território que a recebe, e na forma

como este se relaciona com esta infraestrutura, desde o processo de entrada, até sua

construção e posteriores usos.

Este capítulo tem como objetivo apresentar uma leitura da literatura atual sobre UHEs,

de modo a buscar compreender melhor a relação entre estas infraestruturas e os

territórios que as recebem. Para tanto, dois movimentos serão realizados aqui. No

primeiro se busca analisar como a literatura consagrada nos estudos sobre este tema

trata os efeitos relacionados à entrada de uma UHE em um território. O ponto de

chegada deste movimento é a identificação de que há uma certa polarização na

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36

literatura, a qual deixa escapar aspectos relevantes para a resposta ao problema de

pesquisa aqui colocado e que consiste em saber porque os efeitos de um

empreendimento deste tipo geramresultados distintos nos diferentes territórios onde ele

se realiza. No segundo movimento pretende-se oferecer uma proposta analítica voltada a

suprir lacunas observadas, moldando o quadro de análise que será aplicado nos

capítulos seguintes, estes de caráter empírico.

2.1 A literatura sobre Usinas Hidrelétricas e seus impactos

Os dois campos escolhidos para a análise que esta tese empreende têm grande valor para

o cenário da construção de grandes empreendimentos hídricos no Brasil. No caso da

UHE Sobradinho, a forma como ocorreu sua construção praticamente inaugurou a visão

crítica sobre estes empreendimentos, tanto em nível nacional, como internacional. Já no

caso da UHE Machadinho, a forma como se deu a resistência à sua construção (e a

outras duas, que fariam parte de um projeto de aproveitamento do potencial da Bacia do

Rio Uruguai), inaugurou a resistência organizada a estes empreendimentos no Brasil34

.

Estas infraestruturas fazem parte do conjunto de Grandes Projetos de Investimentos

(GPI), que tinham como propósito alavancar o crescimento econômico brasileiro e

promover a integração nacional, levando investimentos em infraestrutura para territórios

até então mais isolados, buscando associá-los ao desenvolvimento nacional (VAINER,

2007). Este discurso integrador sobre a construção de UHEs era um tanto contraditório,

visto que algumas foram construídas na região amazônica para a alimentação de

indústrias eletro-intensivas, como as de alumínio (FEARNSIDE, 1999; WERNER,

2012). De fato, Vainer argumenta que naquele período as decisões sobre o

desenvolvimento regional eram tomadas mais pelos planejadores dos macro-setores

(como o energético), do que pelos planejadores regionais (Superintendência do

Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE, Superintendência do Desenvolvimento do

Amazonas - SUDAM, Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste -

SUDECO) (2007). Como resultado disso, Vainer e Araújo (1992) argumentam que em

34 Isso faz com que estes territórios sejam citados em alguns momentos neste capítulo, mas de forma

geral por preocupações ilustrativas. O detalhamento dos processos relativos à UHE Sobradinho e à

UHE Machadinho acontecerá nos capítulos a seguir.

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37

muitos casos estes projetos acabaram se tornando enclaves territoriais, e ao invés da

redução das disparidades, o que houve foi a captura das periferias pelos centros

hegemônicos por meio da associação de capitais envolvidos nos GPI.

Os primeiros desencantos com as Usinas Hidrelétricas

Anteriormente à década de 1970 havia pesquisas esparsas sobre o impacto provocado

pela construção de UHEs, especialmente em projetos de grande porte. O primeiro

movimento na direção de um desencanto por parte de uma instituição de grande porte, e

que realmente colocou a questão dos impactos na agenda se expressa, paradoxalmente,

por meio do Banco Mundial, um típico financiador de projetos desta natureza. Esse

desencanto se materializou, em um primeiro momento no trabalho seminal de Michel

Cernea, Involuntary Resettlement in Development Projects: Policy Guydelines in World

Bank – Financed Projects (1988)35

, que tinha como elemento empírico central a forma

como ocorreu a construção da UHE Sobradinho. Isto teve como motivação o fato de que

esta UHE teve no Banco Mundial um de seus financiadores, e uma sucessão de erros de

projeto, inclusive no que diz respeito ao volume formado do lago, além da violência

com que ocorreu o reassentamento, foram aspectos que provocaram questionamentos

quanto a forma como se davam processos de construção de UHEs. O resultado disso foi

o engajamento do Banco Mundial em uma tentativa de diminuir os questionamentos a

este tipo de investimentos, com especial atenção à melhoria dos processos de

reassentamento.

Um dos desdobramentos mais importantes desse florescimento da questão social em

projetos de infraestrutura são dois relevantes documentos produzidos a respeito dos

impactos da construção de hidrelétricas: Implementing agreement for hydropower

technologies and programmes, da International Energy Agency, (IEA, 1999), e o Dams

and Devlopment, da World Comission on Dams (WCD, 2000), que vieram atender uma

demanda crescente sobre conhecimento a respeito da construção de hidrelétricas.

Amplos, tratam de aspectos sociais, centralmente, e em menor dimensão de questões

ambientais.

35 A título de curiosidade, uma das fotos na abertura do livro é do sítio de construção da barragem de

Sobradinho, ainda chamada de Paulo Afonso IV na época.

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No caso da IEA, os estudos foram realizados por meio da análise de questionários

aplicados em vinte e oito projetos, predominantemente no hemisfério norte (oito na

Noruega, cinco na Finlândia, quatro no Japão e três no Canadá). No caso da WCD

foram oito estudos de caso, nos EUA, Paquistão, Turquia, Zimbábue, Tailândia,

Noruega, África do Sul e Brasil (UHE Tucuruí). Estes estudos levaram à observação

mais atenta das questões sociais e ambientais, e com isso houve a intensificação da

produção de pesquisas com vistas à compreensão destes impactos, e estes se mostraram

razoavelmente comuns. Pela análise dessa literatura, o que se observa é que há um certo

padrão na incidência dos problemas. Outro ponto comum diz respeito à natureza da

análise, normalmente focada em grupos específicos, e no curto prazo como janela de

tempo para a análise.

Os impactos mais comuns da entrada de uma UHE em um território

Os impactos relatados nos estudos da WCD e IEA são razoavelmente comuns e

relacionados, basicamente, à terra, seja pela perda de posse ou titularidade, ou pela

mudança no fluxo de rios, o que prejudica a agricultura local. O reassentamento forçado

é citado em função da ruptura das redes sociais e também da perda de infraestrutura e do

desemprego decorrente. Há também menções ao impacto econômico por conta da

mudança de uso da terra. E a WCD ainda cita o aprofundamento de problemas

relacionados a gênero, em função do reassentamento forçado. O relatório do IEA, por

sua vez, é um pouco mais otimista com relação à possibilidade de que se concretizem

resultados positivos vindos do processo de construção, e cita como elemento de

mitigação programas de desenvolvimento que envolvam áreas alternativas para a

agricultura e pesca, além de programas de gerenciamento e monitoramento de recursos.

Na literatura geral sobre o tema, o problema mais comum destacado é o do

deslocamento compulsório de populações locais. A população atingida por este impacto

é, normalmente, aquela que se encontra na área que será alagada para a formação do

lago, e tipicamente é constituída de população rural, ribeirinha e pobre (SIGAUD, 1986;

FEARNSIDE, 1999; WCD, 2000; KOCH, 2002; TRUSSART et al., 2002; EGRÉ e

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SENÉCAL, 2003). Deve-se destacar, também, o impacto em comunidades específicas,

tipicamente minorias, como indígenas, quilombolas, entre outras (FEARNSIDE, 1999;

TRUSSART et al. 2002). A mitigação normalmente ocorre ou pelo ressarcimento

financeiro ou, o que é mais comum, pelo reassentamento do atingido em outra área.

Com o deslocamento compulsório ocorre a desestruturação das relações sociais das

comunidades atingidas e a perda de suas referências territoriais e das suas práticas

tradicionais (SIGAUD, 1986; VIANA, 2003; NOGUEIRA, 2007), e o reassentamento

implica na criação, imposta por um novo território, do estabelecimento de novas

relações, de novas práticas, e com isso ocorrem transformações culturais (SILVA e da

SILVA, 2011). Ocorre, porém, que esta condição nem sempre é aceita (ZHOURI e

OLIVEIRA, 2007; CRUZ e da SILVA, 2010) resultando na tentativa de retorno do

reassentado para seu lugar de origem.

É importante destacar que o ribeirinho não vive o impacto da entrada da barragem

apenas pelo reassentamento. Não são raras as vezes em que ocorre a valorização do

terreno do entorno do lago, seja pela possibilidade de aproveitamento para o turismo

(SILVA, 2012), ou por conta da agricultura irrigada, e as pessoas que não conseguem

comprovar a posse do seu terreno, acabam por sofrer a violência pela ação da grilagem

em suas terras (SIGAUD, 1986)

As alterações no bioma local também são um aspecto significativo relacionado à entrada

da barragem. Isso envolve a mudança nos ciclos dos rios que têm barragens, uma vez

que sua vazão passa a ser controlada, implicando em problemas relacionados à

produção agrícola (VIANA, 2003). Nesse sentido, vale mais uma observação com

relação à importância do acompanhamento em longo prazo dos efeitos das mudanças na

morfologia imposta pela UHE, uma vez que o agricultor pode se adaptar com o tempo à

nova realidade (THOMAS e ADAMS, 1999)36

. Além disso, a formação do lago, se

explorada por grandes produtores agrícolas, pode vir acompanhado uso de produtos

agrotóxicos, o que pode tornar a água do lago imprópria para o consumo, prejudicando a

população local (DUQUÉ, 2010). Por fim, as mudanças ambientais podem resultar

também em graves problemas de saúde em populações locais decorrentes, em especial,

36 Observação estritamente relacionada aos aspectos de produção agrícola.

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da formação do lago, com a emissão de gases ou proliferação de insetos peçonhentos

(ROSENBERG et al., 1997; FEARNSIDE, 1999; TRUSSART et al., 2002;

ACSELRAD e da SILVA, 2004).

Embora a literatura estrangeira quase não mencione este tema, um problema comum nas

construções no Brasil é o intenso afluxo de pessoas em busca de trabalho no período de

construção da UHE. Nessa situação é comum ocorrer um inchaço no município, que

tipicamente é pequeno e não tem condições de absorver os migrantes, normalmente

resultando em aumento de violência, prostituição, estrangulamento da infraestrutura

pública local que, em geral, já é bastante precária, acarretando problemas relacionados à

saúde pública. Esta situação se agrava após o fim da construção, em função do

desemprego gerado tanto pela obra em si, como por consequência das mudanças de

ocupação durante o processo de construção (p. ex.: aqueles que saem do campo para

aproveitar o comércio, e que depois acabam se tornando desempregadas com o fim da

obra). Também pouco citada é a questão político-administrativa no município que

recebe a UHE, pois em muitos casos “o que ocorre é a captura de determinado espaço

por lógicas e estrutura de poder e de decisão que lhe são estranhas, conformando, em

alguns casos, verdadeiros territórios sob jurisdição do empreendimento" (VAINER e

ARAUJO, 1992, p. 38).

Alguns autores destacam também alguns potenciais impactos37

positivos, como a

mudança na paisagem, que apesar de significar, normalmente, a perda de práticas

tradicionais, pode também trazer a diversificação em novas práticas, e isto é observado,

em especial, no turismo e na piscicultura. Além disso, argumenta-se também como

positivos a infraestrutura, em especial as estradas, muitas vezes construídas para

possibilitar a realização da obra, a regulação do uso d‟água, e os novos empregos diretos

(KOCH, 2002), ou indiretos (FEARNSIDE, 1999).

Ainda que vistos como positivos com relação à entrada de UHE, estes elementos não

necessariamente conduzem a resultados também positivos, em termos distributivos.

37 Talvez soe evidente, mas essas consequências, como o nome supõe, ocorrem após o impacto da

construção, podendo ser consideradas mudanças sociais. Para uma discussão sobre a diferença entre

impacto e mudança social, bem como um review sobre o tema, ver Vanclay (2002).

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41

Dados os efeitos já destacados da apropriação dos recursos (grilagem, cooptação

política etc.), o que se observa na literatura é que a partilha dos resultados das novas

oportunidades econômica acaba ainda concentrada, resultando no empobrecimento da

população local e eventual exclusão (SIGAUD, 1986; TRUSSART et al., 2002; SILVA,

2012). E ainda que pouco estudada a questão de gênero, o relatório da World Comission

on Dams, aponta que as mulheres sofrem os maiores custos sociais, sendo muitas vezes

discriminadas no processo de partilha de benefícios (2000). Para Vainer, a entrada da

UHE no território implica na formação de novas dinâmicas socioeconômicas, novos

grupos sociais, novos interesses e novos problemas (2008).

Como forma de diminuir os impactos negativos locais, os instrumentos de compensação

e mitigação são previstos desde a instituição da obrigatoriedade das Análises de

Impactos Ambientais (CONAMA, 1986). Estas medidas são propostas junto aos

Estudos de Impactos Ambientais, e são resultado de análise de equipes

multidisciplinares que procuram compreender de que forma a UHE afetará sua área de

influência. No caso brasileiro, a legislação relativa a este instrumento é criticável, uma

vez que a responsabilidade pelo relatório é da parte interessada na construção

(PIAGENTINI e FAVARETO, 2014). Trussart et al. (2002), por meio da revisão da

literatura sobre impactos, constatam que muito pouco foi produzido sobre a mitigação

dos problemas sociais e ambientais resultantes da construção de barragens. Destacam,

porém, elementos empíricos que foram observados em casos de sucesso na mitigação:

- Distribuir de forma equitativaa participação de organizações locais e regionais;

- Criar fundos gerenciados de forma conjunta de mitigação para impactos

ambientais;

- Desenvolver comitê para o desenvolvimento regional, com stakeholders

econômicos locais;

- Distribuir os contratos de construção de modo que se permita a participação de

pequenas construtoras locais;

- Estimular grandes empresas a utilizar o comércio local para serviços e

suprimentos;

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42

- Buscar a contratação de trabalhadores locais para serviços de construção e de

auxílio, e prover treinamento para estes trabalhadores, de modo a aumentar suas

chances de emprego futuro;

- Desenvolver plantas de controle para o fluxo de água onde será construída a

barragem de modo a garantir as necessidades locais;

- Garantir no longo prazo a pesca e irrigação, bem como a infraestrutura de

comércio e serviços associados à barragem;

- Garantir que os atingidos sejam beneficiários das novas formas de

desenvolvimento, garantindo acesso a novas oportunidades de emprego.

A oposição à construção das UHEs

Como oposição direta à construção de UHEs devem ser destacados os movimentos de

atingidos e destes o destaque vai para o Movimento dos Atingidos por Barragens, MAB.

O berço para a formação do MAB foi, justamente, a região do Alto Uruguai, na divisa

entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, quando uma comissão formada por

agricultores locais e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) decidiu pela formação da

Comissão de Barragens38

, com o propósito de defender os interesses dos agricultores

que teriam suas terras submersas pelas UHEs de Itá e Machadinho. Mais adiante esse

movimento daria origem ao movimento organizado em escala nacional. Não é difícil

associar a formação da comissão com a própria Sobradinho e seus impactos, uma vez

que uma comissão local, antes ainda da formação de Comissão de Barragens visitou o

Sertão do São Francisco para compreender o que seria o processo de construção de uma

UHE.

O movimento que deu origem à Comissão de Barragens, no ano de 1979, não é um caso

isolado no período, muito pelo contrário. O período da ditadura militar no Brasil foi de

grande efervescência de movimentos sociais. Vindo em um movimento crescente desde

a década de 1940, especialmente pela atuação do Partido Comunista do Brasil, e pela

formação das Ligas Camponesas e da União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas,

na década de 1950 (MEDEIROS, 1989), a luta no campo começou a tomar maior forma.

38 Antes do MAB ainda foi definida como Comissão Regional de Barragens.

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43

Em 1975 é criada a Comissão Pastoral da Terra, durante o Encontro de Bispos e

Prelados da Amazônia (vinculada a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), com o

propósito de dar suporte à organização dos agricultores (CPT NACIONAL, 2017

Também no começo da década de 1980, surgia o embrião do Movimento dos Sem

Terra. No ano de 1981 centenas de agricultores acamparam em uma região conhecida

como Encruzilhada Natalino, um entroncamento de estradas entre Passo Fundo,

Sarandi, Carazinho e Ronda Alta, no Rio Grande do Sul (MST, 2017)39

. Tanto a

Comissão de Barragens, que depois se tornaria a Comissão Regional dos Atingidos por

Barragens, como o acampamento na Encruzilhada Natalino ficaram marcados como

fortes movimentos de oposição à ditadura.

Esse período da história brasileira foi marcado pela formação e consolidação de

diversos movimentos, especialmente voltados à resistência contra a repressão na

ditadura militar. Movimentos estudantis, o movimento Diretas Já, movimentos rurais e

urbanos, com identidades e demandas próprias, ajudariam a consolidar direitos sociais

logo depois do fim da ditadura, tanto nas demandas destes movimentos como no próprio

direito à participação pública, na constituição de 1988 (GOHN, 2011).

Hoje o MAB apresenta grande diversidade de segmentos representados como

ribeirinhos, pescadores, indígenas, quilombolas, trabalhadores rurais e urbanos,

camponeses proprietários ou não de suas terras, e a população urbana atingida pelo

empreendimento, mas que tem na sua identidade, justamente, a relação direta com os

efeitos da UHE (CAETANO DA SILVA, 2012). O MAB atua de diversas formas, mas

destaca-se, em especial, por um primeiro momento de ação contrária à construção da

UHE, usando para tal um repertório que vai de ações para paralisação da obra, até

abaixo-assinados contrários à mesma, passando a atuar pelos direitos dos atingidos

durante e após a construção permanecendo e atuando no município atingido.

A importância da participação dos movimentos é especialmente notada quando se

observa a distância entre os agentes no campo de disputas que é a construção de uma

39 Passo Fundo dista cerca de 84km de Erechim, um dos centros de disputas contra a construção da

UHE Machadinho.

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44

UHE. Aqui, os arranjos institucionais, que deveriam promover a ampla participação de

setores da sociedade independente de seu estoque de recursos, acabam por reforçar as

desigualdades estruturais entre estes setores (GALVANESE, 2009)40

. Esta distância

também é evidenciada no processo de participação pública, seja pela racionalidade

diferente entre os agentes, tipicamente ribeirinhos de um lado e representantes do setor

elétrico do outro (ACSELRAD, 2004), ou pelos relatórios elaborados em linguagem

eminentemente técnica, o que pode configurar em instrumento de "limitação de natureza

simbólica" (ZHOURI, 2008), ou ainda, simplesmente pela falta de diálogo entre UHE e

a população que faz uso das águas após sua construção (ROSENBERG et al., 1995;

FAURE, 2003).

Um outro momento de fundamental importância dos movimentos vem quando há

imposição do "nacional" sobre o territorial, ou quando há falta de abertura política, que

pode limitar o processo de participação da população atingida no processo (IP, 1990;

WCD, 2000), ou simplesmente desarticulando-a, ou suprimindo-a, em função do caráter

salvacionista associado a estes empreendimentos (ZHOURI e OLIVEIRA, 2007;

NOGUEIRA, 2007).

Neste sentido, a participação dos movimentos é fundamental, na medida em que oferece

aos indivíduos informação que complementa, ou ainda, que "traduz" as oferecidas pelos

agentes portadores da UHE, bem como promove e dá suporte à participação popular.

Estes dois elementos são fundamentais para que os indivíduos tenham condição de

compreender o significado da entrada da UHE, e para que possam exercer a agência,

buscando aquilo que consideram melhor ante a situação colocada.

2.2 Usinas hidrelétricas e sua relação com regiões interioranas

O estudo da inserção de projetos do porte de UHEs, em territórios, tomados de uma

forma mais ampla, para além do atingido numa perspectiva de longo prazo, constitui um

elemento emergente na literatura mundial. Do que há de produzido, porém, pode-se

40

Magalhães (2009) argumenta, ainda, que o arranjo institucional que rege a construção de UHEs não

responde à questão socioambiental, por incorporar de maneira muito frágil os debates acerca da

construção destas infraestruturas.

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45

destacar que, apesar do argumento em favor destas infraestruturas como vetores de

crescimento econômico, não há material empírico que sustente estes argumentos

(FLYVBJERG et al., 2003).

Dentro da literatura nacional alguns trabalhos apresentam evidências positivas da

relação entre indicadores de sociais e econômicos, como o IDH (NERES, 2008)41

, ou

mesmo pelo desenvolvimento de indicadores próprios (FURTADO et al, 2010,

FURTADO e FURTADO, 2011)42

, enquanto alguns buscam estabelecer diretamente

uma relação entre a compensação financeira e o desempenho positivo de municípios

atingidos (SILVA, 2007)43

. Estas pesquisas, no entanto, não oferecem uma explicação

sobre qual foi a influência específica das UHEs nos indicadores verificados, ou, mais

precisamente, não tratam da forma como as UHEs afetaram suas morfologias, de modo

a influenciar, ou mesmo conduzir, aos desempenhos destacados.

É nesse espaço que esta tese pretende se colocar: o de sair das variáveis-resultado, para

a compreensão do processo que leva aos resultados. Ou seja, ao invés de apontar

indicadores relacionando-os com os territórios que possuem UHE, buscar compreender

de que forma a entrada desta influenciou a obtenção destes resultados. Mais que isso,

compreender o papel do próprio território neste processo, ou seja, de que forma sua

morfologia se apropriou do choque, refratando determinadas mudanças e assimilando

outras.

41 Neres (2008) realiza a análise dos impactos ambientais da entrada de hidrelétricas na bacia do Rio

Tocantins, por meio de imagens de satélite, e utiliza dados socioeconômicos e demográficos para

avaliar se houve ou não melhoria nas condições de bem-estar nos municípios analisados. De modo

geral, tomando-se o IDHM de 1991 e 2000, o autor aponta melhoria nestes indicadores nos

municípios, mas esta análise é feita apenas sobre os municípios atingidos, e não envolve a

comparação com outros municípios na região. 42

Os autores desenvolvem o Índice de Desenvolvimento Local Sustentável, dentro do contexto de

pesquisa denominada Avaliação dos Efeitos de Usinas Hidrelétricas sobre o Desenvolvimento

Socioeconômico dos Municípios Diretamente Afetados, e o aplicam para determinar, de forma

comparativa, se os municípios diretamente afetados apresentavam vantagens neste indicador sobre

municípios da mesma região não afetados. Realizaram sua pesquisa com base nas UHEs Tucuruí,

Xingó, Serrada Mesa, Nova Ponte e Itá. Com base neste indicador determinaram que em três dos

cinco casos estudados os municípios diretamente afetados apresentaram melhor desempenho.

43 Silva (2007), por sua vez, analisa a importância da compensação financeira para os municípios

atingidos, e toma como estudo de caso os atingidos pela UHE Tucuruí, usando dados

socioeconômicos do período 1991-2000. A autora, de forma prudente, não conclui em favor da

melhoria dos indicadores em função da compensação, mas apresenta duas constatações importantes,

que são (1) o fato de que os municípios que destinaram a maior parte da sua receita a investimentos

em infraestrutura são os que tiveram melhor desempenho, e (2) onde o peso da compensação

financeira na receita municipal é maior, também é melhor o desempenho nos índices

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46

Se o resultado de uma UHE não pode ser determinado de forma direta apenas pela sua

construção, e mais determinante que uma infraestrutura em um território é o conjunto de

instituições que governam as relações neste, como determinar, então, o quanto uma

UHE pode influenciar o desenvolvimento deste território? A resposta está na forma

como a UHE interfere, ou induz mudanças, no conjunto de instituições do território e,

da mesma forma, como estruturas sociais locais interagem com esta indução. Da síntese

deste enfrentamento emergem os resultados efetivos no plano territorial. Se o processo

de entrada desta infraestrutura e sua absorção e redirecionamento pelo território forem

capazes de induzir mudanças institucionais na direção de instituições inclusivas

(ACEMOGLU e ROBINSON, 2012), e mais, de desconcentrar o poder e diversificar as

atividades, pode-se supor uma razoável chance de que o território encontre caminhos

para usar este choque exógeno como motor de dinamização e coesão territorial. Do

contrário, as chances são pequenas e devem prevalecer os impactos negativos tão

enfatizados pela literatura.

Mas como compreender as interdependências entre a UHE e conjunto de instituições

políticas e econômicas do território? Aqui deve-se ter em conta dois fatores: o fato de

que a UHE é apenas um elemento que contribui com mudanças na morfologia social do

território e que também é apenas um elemento que faz parte de sua dinâmica e, por isso

mesmo, as instituições atuais que governam os territórios são resultado de diversos

fatores além da UHE e exercem papel ativo na forma de receber este choque exógeno.

Em uma palavra, tomar a relação entre UHE e territórios nestes termos significa evitar a

tendência a tomar o território como passivo e, em vez disso, buscar compreender as

relações vivas entre forças sociais e instituições locais e a interferência externa

desencadeada com a chegada destes grandes projetos de investimento.

Os territórios aqui em análise, Sertão do São Francisco e Alto Rio Uruguai, começaram

a sentir as interferências das suas respectivas hidrelétricas ainda na década de 1970.

São, portanto, quase cinquenta anos de vivência do conflito socioambiental

desencadeado com as UHEs e que afetaram a atual morfologia social destes territórios

em direção ainda pouco ou nada conhecida. O primeiro fator neste período,

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47

evidentemente foi a retórica desenvolvimentista e seu padrão de intervenção sobre o

território nacional. Mas além destes, outros promoveram significativas mudanças.

As mudanças no contexto nacional

O primeiro movimento a ser destacado veio da Constituição Federal de 1988 (CF/88),

que trouxe mudanças significativas, dentre elas a constitucionalização dos direitos ao

acesso à saúde e à educação, que trouxe para o Estado o dever de prover a todo

indivíduo estas liberdades, o reconhecimento do município como ente da federação, o

que resulta no fato de que os municípios passaram a ter mais atribuições e obrigações

(especialmente relacionadas à descentralização da saúde e da educação), além do acesso

à previdência garantido ao trabalhador rural, à assistência social e, por fim, de forma um

pouco mais específica para a problemática aqui apresentada, a Compensação Financeira

pela Utilização dos Recursos Hídricos para Fins de Geração de Energia Elétrica.

Um ponto importante da CF/88, que afeta especialmente os municípios que possuem

área alagada pelas UHEs de Sobradinho e Machadinho, é a Compensação Financeira

pela Utilização de Recursos Hídricos para Fins de Geração de Energia Elétrica, que

garantiu aos municípios e estados onde é produzida energia elétrica por meio de

hidrelétricas, ou que foram afetados por barragens, 6% do valor gerado, na forma de

compensação. Em casos como o da UHE de Sobradinho, onde há mais de um município

atingido pela barragem, fixou-se que a parcela recebida por cada um seria proporcional

à sua área alagada. Dos municípios que recebem, o maior valor recebido é o de Sento

Sé, aproximadamente 40%, seguido de Casa Nova e Remanso. Pilão Arcado e

Sobradinho recebem os menores valores, sendo o de Pilão Arcado aproximadamente

9,5%, e Sobradinho, 1,2%. No caso da UHE de Machadinho, do lado gaúcho da

barragem, Machadinho tem percentual de participação de aproximadamente 29,6%,

Barracão, 12,4%, Maximiliano de Almeida, 9,3% e Pinhal da Serra, 1,6%.

A década de 1990 viu, ainda que de forma tímida, o surgimento de programas voltados

à proteção social, como o Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER),

PROGER Rural, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

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(Pronaf), o Programa de Desenvolvimento Energético de Estados e Municípios

(PRODEEM) entre outros.

Uma mudança significativa viria a partir da década de 2000, especialmente pelo

fortalecimento dos programas sociais. Primeiro com o Programa Fome Zero, na sua

sequência com o Programa Bolsa Família e depois com o conjunto de ações que

englobam o Programa Brasil Sem Miséria, houve significativa ampliação na

abrangência de programas sociais, o que resultou em uma impactante diminuição da

pobreza. Além disso, a valorização do salário mínimo, cujo impacto pode ser sentido

positivamente pela população rural em função da previdência social, e o aumento da

oferta de crédito, potencializou os setores de comércio e serviços de pequenos

municípios (FAVARETO et al. 2015)

O sucesso desse processo de aumento de direitos pode ser observado pela expressiva

redução na pobreza em todo território nacional. No que diz respeito à desigualdade,

porém, sua redução foi mais tímida, sendo considerável o número de municípios em que

ocorreu o aumento da desigualdade (FAVARETO et al., 2014). O problema é que esses

indicadores não se distribuíram de forma homogênea, pelo contrário, houve grande

heterogeneidade na forma como se deram estes avanços da década de 2000, e isto tanto

no que diz respeito às regiões brasileiras, com as regiões Norte e Centro-Oeste

apresentando resultados aquém das demais, com relação às regiões rurais também um

tanto aquém das urbanas.

Todos esses fatores influenciam a morfologia social do território, além da própria UHE,

fazendo com que uma medida direta do resultado das instituições locais não reflita

somente a influência desta infraestrutura.

O território, as instituições e a UHE

Como já destacado, uma das formas de induzir o processo de mudança institucional é o

desbalanço na distribuição dos recursos obtidos por meio da estrutura econômica. Este

pode produzir um desequilíbrio na distribuição de poder político de facto, que por sua

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vez, pode induzir mudança nas instituições na direção de um novo equilíbrio na

distribuição dos resultados econômicos. E a UHE pode provocar o desequilíbrio na

estrutura de poder? Tomando novamente o framework proposto por Acemoglu et al.

(2002) (figura 1.1), a forma mais evidente é pela geração de novas formas de renda, o

que pode implicar em uma nova distribuição dos recursos resultantes da nova estrutura

econômica. Não tão evidente pela leitura do framework, mas um motivo claro pela

leitura dos efeitos da entrada da UHE, é a mudança direta na estrutura de poder político

local, propiciada pela ascensão de novos agentes, e pela formação de novas coalizões.

A mudança na paisagem, em especial pela construção da barragem, significa a perda de

práticas, como a agricultura ou a pesca. Isto implica na perda, tipicamente, da fonte de

renda do atingido, mas não raro, também na fonte direta de alimento. O resultado não é

outro senão a perda de liberdades básicas, como pela fome, ou ainda, a imposição de

limitações ao acesso a mercados. Das mudanças também surgem outras formas de

renda, como o turismo, por exemplo, mas essa mudança não é trivial, e exige dos

agentes envolvidos certo capital, em especial cultural e econômico, indicando que a

apropriação de novas formas de produção pode ocorrer ainda de forma desigual, em

especial por aqueles que possuam maior estoque destes capitais.

Outra forma de incentivo à mudança institucional pode vir das tensões resultantes do

desacordo entre as instituições e o habitus, por exemplo, quando o agente é obrigado a

mudar de lugar, sujeito a um novo meio social, ou ainda, pela modificação do espaço

físico apropriado44

(BOURDIEU, 1977), incentivando o questionamento e o conflito.

Aqui cabe a questão do reassentamento de populações para que possa ser criado o

reservatório da UHE. O território é um espaço físico apropriado, o habitat45

, muitas

vezes um reflexo do que é o próprio campo (BOURDIEU, 2013). O reassentamento

significa a desconstrução dos campos relativos ao território de origem, significa a perda

da posição para os agentes, das relações estabelecidas entre as posições de seus vizinhos

e outros agentes com quem se relaciona e, de certa forma, um abalo para as disposições

44 Espaço físico apropriado, segundo Bourdieu, “é definido […] pela correspondência entre uma

determinada ordem de coexistência dos agentes e uma determinada ordem de coexistência das

propriedades” (BOURDIEU, 2013).

45 Um habitat é um lugar físico socialmente qualificado (BOURDIEU, 2013).

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relacionadas à antiga distribuição espacial. O novo habitat, representa um novo

aprendizado para os agentes, sendo que a nova distribuição espacial pode implicar em

uma mudança física na proximidade entre agentes, em novos espaços a serem

significados. A nova moradia, por sua vez, pode implicar na origem de novos elementos

de distinção entre classes, e, talvez, na própria relação entre aqueles que residem na casa

(BOURDIEU, 1977). Por esse conflito não são raras as vezes em que reassentamentos

resultam em fracasso, com parte da população reassentada retornando para local

próximo de sua antiga residência.

A migração em massa em busca do trabalho temporário, por sua vez, pode, também,

desconstruir o espaço apropriado nos locais não afetados pela barragem, mas não pela

mudança física do local, e sim pela entrada dos novos agentes e de tudo o que pode

resultar na sua entrada maciça. O aumento na violência, a concorrência pelos serviços,

são elementos que podem inculcar nos agentes locais uma visão negativa da construção

da UHE. Por sua vez, a UHE pode também representar uma troca de capitais,

eventualmente apresentando aos agentes antigos novas aspirações. Um exemplo disso é

a própria prática de comércio temporário, que traz para o agente que a realiza o

aprendizado e as disposições relativas da nova prática, além da possibilidade do

aumento do seu capital cultural e econômico, aqui pela prática. Na saída dos migrantes,

porém, resta um espaço que já não é mais o anterior, que talvez não tenha sido sequer

adequado aos novos agentes, e que será novamente desconstruído, e reconstruído por

aqueles que ficaram.

Também o questionamento de grupos dominados pode prover incentivos para mudança,

sendo que neste sentido mostram-se valiosos os movimentos sociais, as coalizões, e as

redes públicas (BEBBINGTON et al., 2008), em especial pelo inculcamento da

necessidade de mudança desta condição. De fato, por toda a violência simbólica à qual

os agentes são sujeitos, inclusive nas audiências públicas, pode provocar em alguns o

desejo da ação, da luta pelos direitos. Isso pode resultar em incentivo para a formação

de ações coletivas, que por sua vez podem resultar em movimentos sociais, ainda em

associações, cooperativas, que tratem dos interesses específicos dos grupos, sendo

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possível, inclusive, sua representação em escala política, por meio da luta pelo aumento

do seu capital político46

.

Estas três últimas situações estão intimamente relacionadas ao processo de percolação,

ou o quanto o território refrata ou absorve destas situações, e ainda, nas possibilidades

abertas para mudanças nos comportamentos dos agentes, especialmente pelos conflitos,

pela possibilidade de desenvolvimento de aspirações improváveis antes da entrada da

UHE, como forma de rompimento com o processo de reprodução no qual o agente se

inscreve. E nessa relação entre o território e a UHE é de se esperar que resultem em

mudanças na configuração territorial. A mudança institucional, no entanto, como já

destacado, dependerá do quanto estas mudanças são capazes de impor modificações na

distribuição de poder político de facto no território, ou ainda, mudanças nas

componentes territoriais determinantes para o desenvolvimento apontadas por Berdegué

et al. (2015).

O que se observa pela primeira seção é que mesmo estes elementos não podem ser

entendidos de forma causal, sendo os resultados da entrada da UHE na configuração

territorial diversos, como pela possibilidade da mudança de sua estrutura produtiva, ou

da sua organização social, por exemplo. Mas é justamente essa diversidade que

interessa, e que se propõe que explique a participação das UHEs nos resultados diversos

de desempenho dos seus territórios. Ora, se o território que recebeu a UHE logrou

promover mudanças na sua configuração territorial, de modo a induzir a diversificação

das atividades produtivas, e desconcentrar o poder político local, é natural que ocorrem

também as mudanças institucionais. No entanto, se não houve a diversificação das

atividades produtivas, e ainda houve a manutenção do poder local, é natural que se

mantenha o status quo.

O quanto esta configuração será afetada ou não depende da forma como se dá a

percolação deste território na sua relação com a UHE. E a percolação, por sua vez,

46 Essa relação entre a exploração de recursos naturais, formação de ações coletivas, e a dinâmica

territorial não é muito explorada na literatura, mas seu valor pode ser observado de forma empírica na

exploração de gás natural na Bolívia, mais especificamente em Tarija, onde os grupos de ações

sociais são relevantes e atuantes na sua dinâmica (HINOJOSA, 2012).

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depende da configuração territorial anterior à construção da UHE. Por isso o que se

defende nesta tese é a importância da configuração territorial anterior ao processo de

entrada da UHE como um elemento determinante para a forma como esta infraestrutura

pode influenciar seus resultados em termos de crescimento e bem-estar. Esta terá papel

fundamental em como se dará o processo de percolação. Ainda, como pode ser

observado na seção anterior, um território normalmente é sujeito historicamente a

fatores exógenos de diversas naturezas, o que significa que seus indicadores de bem-

estar não podem ser creditados exclusivamente à entrada da UHE, portanto defende-se

que aqui o olhar seja direcionado para mudanças na morfologia social do território, bem

como na trajetória dos agentes.

Assim, mais desconcentrada a distribuição de poder, maiores as chances de formação de

coalizões amplas, com condições de influenciar o processo de entrada da UHE, de modo

a que a percolação ocorra de forma positiva ao território, especialmente pela formação

de novas oportunidades econômicas e sociais, proporcionando, inclusive, a formação de

novas aspirações em seus agentes, e seguindo na direção de maior coesão territorial.

Desta forma, o resultado esperado é que a entrada da UHE possa efetivamente

contribuir para a ampliação das liberdades dos agentes locais. No sentido inverso,

quanto mais concentrado o poder local, maiores as possibilidades de que interesses de

grupos reduzidos prevaleça, o que implica em grandes chances de que na percolação os

impactos negativos sejam negligenciados, enquanto aqueles elementos que possam

significar a geração de novas forma de renda podem continuar concentrados em poucos

agentes, ou mesmo perdidos pela pouca condição de aproveitamento das elites locais.

Síntese

Antes celebradas como indutoras do desenvolvimento, as UHEs começaram a passar

por um processo de desencanto a partir da década de 1970, com a observação dos

impactos negativos motivados por negligência e sucessivos erros quando da sua entrada

em um território. A emergência das questões social e ambiental na construção de

barragens motivou o surgimento de uma literatura voltada aos efeitos da sua construção,

que destacaram questões fundamentais sobre o processo de desconstrução e

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reconstrução dos territórios atingidos, a violência simbólica envolvida no processo, os

impactos no bioma local, e mesmo efeitos potencialmente positivos, entre outros. Deste

processo derivaram, por sua vez, o desenvolvimento de instrumentos com foco na

mitigação de seus impactos, como os Estudos de Impactos Ambientais, bem como o

surgimento de movimentos voltados ao suporte ao atingido.

Essa literatura é ampla e rica no registro e na compreensão de impactos, mas peca por

normalmente limitar seu escopo ao atingido, e tipicamente em momentos imediatamente

posteriores à sua construção. Uma literatura mais voltada para a compreensão dos

efeitos da entrada de uma UHE no desenvolvimento do território ainda é recente. Mais

que isso, essa literatura acaba por buscar relacionar indicadores com a presença da

UHE, sem que se busque compreender qual o papel, de fato, do território nesse

desempenho.

Um olhar sobre essa mesma literatura, agora sob a ótica do referencial teórico utilizado,

permite observar que o território não é um agente meramente passivo no processo de

entrada da UHE, mas é sim capaz de refratar ou absorver determinados efeitos de

acordo com as características de sua configuração, de modo a efetivamente influenciar

os resultados da entrada. Nesse sentido, em uma configuração territorial, quanto menos

concentrada a distribuição de poder, maiores as chances de que se forme uma coalizão

ampla, e que o processo de percolação seja guiado por múltiplos interesses, aumentando

assim as chances de a entrada da UHE contribua para a coesão territorial. No sentido

oposto, no caso em que a configuração apresenta o poder mais concentrado, há a

tendência de que a percolação seja guiada por interesses pessoais, o que aumenta as

chances de que as oportunidades geradas pela infraestrutura sejam apropriadas por

poucos, e que os impactos negativos sejam negligenciados.

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3. O SERTÃO DO SÃO FRANCISCO

Quando se pensou a barragem de Sobradinho o intuito principal era controlar o fluxo de

água para o complexo de Paulo Afonso. Somente em um segundo momento o projeto

foi adaptado para transformá-la em uma hidrelétrica. Se a hidrelétrica não foi desde o

início algo inteiramente planejado, o impacto de sua barragem, se pode dizer, não era

desconhecido. E não sairia barato. Nem para os atingidos, nem para a história

subsequente da construção de Usinas Hidrelétricas. Por conta da forma como aconteceu

sua construção, Sobradinho virou marco, e referência das más práticas de tratamento de

temas sociais em grandes projetos de infraestrutura.

Neste capítulo é apresentado um olhar circunstanciado sobre a região do Sertão do São

Francisco, no seu lado baiano, e sobre o processo de construção da UHE Sobradinho.

Aqui pretende-se, por meio da reconstrução histórica do território, demonstrar como sua

configuração anterior à construção da UHE foi determinante para um processo de

percolação pouco inclusivo que, apesar de ter afetado as trajetórias sociais de diversos

agentes, não logrou representar oportunidades efetivas para o fortalecimento da coesão

social local.

3.1 A formação social do Sertão do São Francisco

As primeiras investidas portuguesas no território do Sertão do São Francisco ocorreram

por meio das bandeiras, que tinham por objetivo explorar o sertão com vistas à sua

ocupação, captura de mão de obra indígena e descoberta de metais preciosos. A região

era uma concessão à Casa da Torre, da família D'Ávila, e começou a ser explorada, de

fato, a partir de 1640, por meio da pecuária, que constituiu um fundamental setor

inorgânico da economia açucareira, principal atividade produtiva do Brasil Colônia

naquele período47

.

47 Esta subseção, bem como outras partes deste capítulo, se fundamenta no artigo "Metamorfoses da

dominação nos territórios rurais - qual a extensão das mudanças recentes nas regiões interioranas

do Brasil contemporâneo?" (FAVARETO et al., 2015b), que traz reflexão sobre os resultados da

pesquisa realizada no Sertão do São Francisco, da qual este doutorando faz parte. Neste artigo busca-

se compreender o processo de metamorfose no Sertão do São Francisco numa perspectiva ampla,

considerando diversos pontos notáveis na trajetória social deste território, como o desenvolvimento

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Quem primeiro se estabeleceu na região com esse propósito de exploração foi o

vaqueiro, geralmente indígena catequizado, e dada a forma de organização da pecuária

local, vivia em completo isolamento. A forma de organização da produção, neste

período, foi o da pecuária extensiva, sem delimitação de terrenos, com o gado sendo

criado solto e misturado entre as propriedades, diferenciados apenas pela marca do

ferrão de cada proprietário. No seu isolamento, o vaqueiro levava vida de subsistência,

dispondo de pequenas criações para sobrevivência, mantido sob coação constante do

senhor das terras, nesse caso a Família D‟Ávila, que mantinha um conjunto de currais

da região, mas que era ausente das terras, representados por procuradores

(GONÇALVES, 1997).

Desta forma, aconteceria nesse período a gênese de uma estrutura vertical,

hierarquizada e rígida de dominação, sendo na época constituída por figuras típicas da

vida sertaneja: Senhor (Casa da Torre), fazendeiro-procurador, fazendeiro (eventual e

pequeno que pudesse ter terras no local) e o vaqueiro. Também nessa época começou a

se consolidar um núcleo populacional denominado “passagem do Joazeiro” (este nome

é dado à região em ambas as margens do São Francisco), como importante ponto de

passagem de boiada, surgindo ali pequenos e simples comércios e serviços.

Em 1699, Portugal visando estimular o povoamento, inclusive nesta região, promulgou

Lei Régia que obrigou que as terras que não estivessem efetivamente ocupadas pelos

seus fazendeiros fossem devolvidas. Esta lei foi amplamente desrespeitada pela Casa da

Torre, mas proporcionou as primeiras vindas de migrantes para a região. Estes

migrantes acabaram por viver em situação de isolamento semelhante à do vaqueiro.

Também era constante a rotina de violência na região, com os procuradores da Casa da

Torre se impondo sobre os outros fazendeiros. Já em meados século XVIII ocorreu o

do Polo de fruticultura Petrolina-Juazeiro, o processo de expansão das liberdades iniciado a partir da

Constituição Federal de 1988 e ampliado pela política social desenvolvimentista da década de 2000, e

pela própria UHE Sobradinho. Esta tese, como já destacado, deriva desta pesquisa, mas pretende

analisar a contribuição de um fator exógeno específico no processo de metamorfose do território, por

isso houve uma adaptação do referencial teórico proposto em Favareto et al. (2015a), e o

desenvolvimento de uma metodologia específica para esta pesquisa. Este ponto é importante também

pelo fato de no Alto Uruguai esta pesquisa não conta com uma análise ampla com a mesma proposta

desenvolvida em Favareto et al. (2015b).

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56

afastamento da Casa da Torre e a intensificação do poder de seus procuradores. Dada a

distância e a dificuldade em se impor na região, o governador escolhia entre os

fazendeiros mais fortes aqueles que nomearia oficiais, capitão-mor e coronel-mor,

responsáveis pela ordem local (GONÇALVES, 1997)

Com a transferência da capital de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763, e a

concorrência da pecuária com Minas Gerais, começou um longo período de isolamento

na região. Isso resultou no abandono de muitas fazendas. No fim século XVIII e começo

do XIX, começa um novo momento de migração. Também nesse período, iniciou-se a

ampliação da navegação pelo rio São Francisco, consolidando outro importante

elemento da estrutura local, que já contava com os personagens típicos da figura da

fazenda (o coronel, o fazendeiro e o vaqueiro), o morador da margem do rio, o

beradeiro, que aproveitava dos ciclos do rio para a agricultura de subsistência. Este

último participou ativamente do comércio fazendo a troca de produtos dos quais

necessitava por produtos da agricultura que produzia (MELLO, 1989; GONÇALVES,

1997).

As primeiras décadas da República marcaram o reconhecimento em nível nacional da

figura dos coronéis locais como figuras de poder na região, especialmente por sua

participação em confrontos contra a Coluna Prestes e contra o governador eleito, J. J.

Seabra. Nessa época, Pilão Arcado e Remanso estavam sob o controle de uma família

que tinha ramificações em Salvador. O poder em Sento Sé, de família homônima, estava

restrito ao município, se expandindo apenas na forma de coalizões ocasionais, quando

fosse necessário. Casa Nova estabeleceu relações próximas a Juazeiro e, ao contrário

das outras, a família dominante tinha nas soluções jurídicas a estratégia e a preferência

para resolver desavenças. Além disso, as famílias dominantes em Casa Nova foram as

únicas a optar pela diversificação de suas atividades, contanto com investimentos na

pecuária, no comércio e na navegação. Juazeiro, naquela época, não tinha uma família

dominante, mas sim algumas, com força aparentemente equilibrada, o que tornava

necessário buscar alternativas outras que não apenas a violência física para a solução de

conflitos (MELLO, 1989).

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57

A região se desenvolveu acompanhada de significativa pobreza, sempre impulsionada

por períodos de seca. Com o desenvolvimento da Comissão do Vale do São Francisco,

em 1948, teve início um ciclo de projetos voltados ao alívio da seca e à irrigação com

fins de produção. Petrolina e Juazeiro já se beneficiaram, ainda que de forma simples,

de sistemas de irrigação na primeira metade do século XX. Apesar disso, a dificuldade

imposta pelo restrito acesso à terra e a dificuldade no escoamento da produção

impediam o desenvolvimento da fruticultura (KAWAMURA et al., 2013).

A SUDENE48

realizou na década de 1960 os primeiros estudos sobre os recursos

naturais na região, o que deu origem aos primeiros perímetros irrigados. A partir da

década de 1970 essa experiência começou a se difundir, especialmente com culturas

como tomate, melancia e também a uva (SILVA, 2001). Destacou-se nesse processo a

participação de agentes externos ligados à agricultura, que exerceram papel importante

na introdução de novos produtos, como a vitivinicultura, trazida por estrangeiros, ou por

descendentes de japoneses que instalaram uma base da Cooperativa Agrícola de Cotia

(KAWAMURA et al., 2013). Como destaca Silva (2003, p.80), a atuação conjunta da

Sudene, Codevasf49

e outros agentes foi a base para a transformação produtiva,

impulsionando a ascensão da hoje conhecida fruticultura local. Em tal processo, resta

evidente o caráter exógeno da dinamização que viria a se estabelecer ali, tornando o

polo de Petrolina e Juazeiro um exemplo das novas formações econômicas nordestinas

do período (BACELAR, 2002).

Ocorre, porém, que estes investimentos se concentraram mais no Polo Petrolina-

Juazeiro, e pouco se difundiram para o entorno destes dois municípios. Daqueles,

apenas Casa Nova aproveitou parte dos projetos de irrigação deste período, fazendo

parte do Perímetro Irrigado Nilo Coelho. Por lá se desenvolveu a vitivinicultura, a partir

de 1985, trazida para região também por migrantes japoneses.

48

SUDENE, Superintendência para o desenvolvimento do Nordeste.

49 Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco. Sucedeu a Superintendência do Vale do

São Francisco e, antes desta, a já citada Comissão do Vale do São Francisco. Hoje agrega-se ao nome

"do Paraíba", indicando a sua abrangência de atuação.

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58

Pouco após a constituição do Polo Petrolina-Juazeiro veio a construção da UHE

Sobradinho, que será destacada na subseção a seguir. Estes dois investimentos na

região, associados a um processo mais amplo de ampliação de liberdades a partir do fim

do período ditatorial, tiveram influência no território, em sua configuração. Favareto et

al. (2015b), em um olhar amplo sob todo o território do Sertão do São Francisco, aponta

quatro aspectos que indicam sua metamorfose, que são (1) a constituição de agentes

coletivos capazes de espelhar os interesses das populações mais pobres, (2) a radical

diminuição do poder das famílias tradicionais, que é a base tradicional de dominação,

especialmente pelo acesso a direitos e pela geração de novas oportunidades econômicas,

(3) a constituição de novas elites nestes territórios e (4) uma distribuição um tanto maior

dos capitais, antes fortemente concentrados nas elites tradicionais.

Ocorre, porém, que ainda há certa concentração fundiária no território. Este elemento

ainda impede uma plena transformação do território na direção de instituições políticas

e econômicas mais inclusivas, ou de uma Sociedade de Acesso Aberto, nos termos de

North, Wallis e Weingast, na medida em que, sendo um elemento constitutivo do

território, ainda preserva certo poder às antigas elites, e pelo fato de que por não ocorrer

a melhor distribuição fundiária, não se logrou uma transformação na estrutura

produtiva.

Estes elementos, adiantados aqui de Favareto et al. (2015b), constituem o ponto de

chegada para a análise que segue sobre o papel da UHE Sobradinho, em sua relação

com o Sertão do São Francisco, na atual configuração deste território. É o papel da UHE

Sobradinho nessas transformações e permanências, que esta pesquisa pretende

investigar. O caminho percorrido naquela análise será em parte reconstituído aqui,

sendo resgatadas evidências e análises, na medida em que permitem compreender o

processo de percolação entre a entrada da UHE, e sua contribuição para esta atual

configuração territorial.

Para tanto, nas seções seguintes serão apresentados o processo de construção da UHE de

Sobradinho, destacando-se nele a visão das elites locais sobre este processo e de seus

efeitos, além da resistência à forma como ocorreu a entrada, que pouco pode fazer

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contra seu destino. A atual configuração do território do Sertão do São Francisco, será

analisada na sequência, observando-se o desempenho atual em temos de bem-estar

local, a forma como as elites locais metamorfosearam desde o período anterior à

construção da UHE, bem como a estrutura produtiva local. E, por fim, a participação da

UHE Sobradinho neste processo50

.

3.2 A construção da Usina Hidrelétrica de Sobradinho

A visão de “integrador” dada ao Rio São Francisco, na década de 1930, com o tempo

perdeu força e o rio passou a ser visto predominantemente pelo seu potencial de geração

de energia. O primeiro movimento nesse sentido foi a construção do complexo de Paulo

Afonso, no Baixo São Francisco. Essa tendência ganhou força e, de certa forma, virou

diretriz, com a entrada do regime militar, motivado pela crise do petróleo e por uma

tendência na divisão internacional do trabalho, com países desenvolvidos assumindo a

condição de desenvolvedores em empreitadas estratégicas, e países em desenvolvimento

atuando como fornecedores de matéria-prima (ROCHA, 2005).

Apesar dessa tendência, no final da década de 1960, a Codevasf passou a investir em

sistemas de irrigação, tendo desenvolvido áreas experimentais de irrigação (em 1963 e

1964) e dando início à vitivinicultura em 1969. A produção principal ainda era, na

época, o cultivo de mandioca, milho (SILVA, 2001). Esta intervenção envolveu,

inclusive, a desapropriação de terras para a agricultura irrigada, criando “perímetros

públicos de irrigação” (DAMIANI, 2003; DOURADO et al., 2006).

Nesse meio tempo Sobradinho começou a ser planejada e desenvolvida, tendo como

propósito inicial a regulação das águas para alimentação do complexo de Paulo Afonso,

no final da década de 1960. Sua construção começou no ano de 1973. Com o objetivo

de diminuir a dependência do petróleo, o projeto foi modificado em 1974 de modo a

50 Optou-se por essa estrutura, com o resgate de parte da análise anterior, pelo fato de não há análise

equivalente para a relação entre a UHE Machadinho e o Alto Uruguai, e desta forma ficam

padronizados os capítulos relativos a estas UHEs. É importante destacar, porém, que aqui o

município de Canudos não é analisado, como foi feito em Favareto et al. (2015b), sendo a ênfase

dada aos municípios que foram diretamente afetados pela constituição da barragem.

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acrescentar geradores na barragem, tornando-a uma UHE. O represamento começou em

1976, e a UHE começou a produzir energia em 1979 (SIGAUD, 1986).

Não houve uma consulta ampla à população, participando destas basicamente a

população urbana e alguns agricultores com melhor condição financeira (SIGAUD,

1986), e a construção da UHE teve apoio da maioria dos políticos e das principais

famílias das cidades atingidas. De fato, tanto em Sento Sé como em Casa Nova,

representantes das famílias foram nomeados prefeitos, uma vez que a região se tornou

Área de Segurança Nacional. Em Sento Sé, Demóstenes Sento-Sé foi mantido prefeito e

em Casa Nova Adolfo Vianna de Castro foi nomeado. Além disso, em Sento Sé, Jayro

Sento-Sé era funcionário da CHESF, e Adolfo Vianna de Castro era funcionário da

DERBA, além de ser primo do Senador Luiz Vianna, e irmão do Presidente da

Assembleia Legislativa da Bahia, Honorato Vianna (SILVA, 2009), e ambos

trabalharam ativamente no processo de entrada da barragem51

.

Em Sento Sé o apoio foi total à construção (BRAGA, 2014), já em Casa Nova, Siqueira

argumenta por certa ambiguidade (1992), mas ainda assim, não há registro de oposição

de fato à construção da UHE. A única oposição observada diz respeito ao deslocamento

de reassentados das áreas rurais para outros municípios, mais especificamente para o

município de Bom Jesus da Lapa, para o Projeto Especial de Colonização (PEC) Serra

do Ramalho, mas este seria motivado por conta do Fundo de Participação dos

Municípios, sendo que a perda de população implicaria em prejuízo destes municípios

com relação ao fundo (SILVA, 2009).

De fato, houve pouca resistência por parte da população, em especial rural, com relação

à construção da barragem. A resistência maior, como será destacado a seguir, foi contra

o deslocamento, especialmente pela falta de compreensão dos atingidos com relação aos

efeitos do enchimento da barragem. Parte deste desconhecimento pode ser creditado à

falta ou imprecisão de informações por parte da CHESF. Os atingidos tiveram como

ponto de apoio, basicamente, a igreja católica, por meio da atuação de membros da

Comissão Pastoral da Terra e parte dos funcionários ligados à construção da barragem,

51 Um dos relatos dá conta de que Adolfo Vianna de Castro, inclusive, desenvolveu a distribuição

espacial urbana da nova Casa Nova.

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61

que por vezes passavam informações sigilosas, e pelos Sindicatos Rurais, cuja atuação

foi mais de denúncia (SIGAUD, 1986).

O apoio da igreja, no entanto, veio de forma tardia. Ela própria via a construção da

barragem como um vetor para o desenvolvimento. Esse quadro começou a mudar

quando Dom José Rodrigues de Souza assumiu a Diocese de Juazeiro, em 1975, e esta

passou a assumir uma posição crítica com relação ao tratamento dado à população rural.

Em 1977 foi criada a Comissão Pastoral da Terra de Juazeiro, que passaria a atuar em

duas frentes, a do acionamento da justiça contra ações ilegais relativas à terra, e a de

educação com a população rural (SILVA, 2009).

Remanso, Casa Nova, Sento Sé e Pilão Arcado, tiveram suas sedes alagadas, precisando

ser deslocadas. Juazeiro e Xique-Xique também foram afetadas, mas em menor escala.

Segundo os dados oficiais da CHESF, o número de deslocados foi de 60.000, enquanto

que para a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais (Contag) esse número

chegava a 72.000. Esse número representava 77% da população local, sendo que 80%

destes se dedicavam à agropecuária (SIGAUD, 1986).

As porções urbanas de Sento Sé, Remanso, Pilão Arcado e Casa Nova, foram

reassentadas em novas sedes, dentro dos próprios municípios. Essa parcela representava

cerca de 20% dos atingidos. Já a porção rural, 80% dos atingidos, teve destino diverso.

O deslocamento foi compulsório, sendo os atingidos deslocados para locais como

Quixaba, na “nova” Sento Sé (LIMA, 2004), ou na PEC Serra do Ramalho, a 700km de

distância (MENDES DA SILVA e GERMANI, 2010). Sigaud (1986) e Mendes da Silva

e Germani (2010), registram que a forma como houve a distribuição dos reassentados,

bem como o discurso do governo, e a forma de condução do projeto, à época, indicam a

visão de que as comunidades locais seriam “cidadãos de segunda classe”, um entrave a

ser superado para o desenvolvimento. Tais mudanças implicaram em transformações

radicais no modo de vida do atingido, não só na produção, tendo em vista que muitos

eram produtores de subsistência, como também na própria estrutura social na qual

estavam inseridos.

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62

Sigaud aponta como uma pequena vitória da população rural, o fato de que alguns

conseguiram ser reassentados em agrovilas na borda do lago ao se recusarem a ir para

outro município. Esse processo foi feito às pressas, e direcionado para locais sem

interesse econômico. Aqui, no entanto, pôde-se notar o descaso com os reassentados. A

forma como foi conduzida a remoção resultou em profundas perdas, tanto financeiras

como de suas criações, além disso, os núcleos, em muitos casos, foram invadidos, e

terrenos ocupados. E na pior situação, em duas ocasiões erros na coordenação das UHEs

Três Marias e Sobradinho implicaram no aumento de nível do lago, o que provocou

perdas irreparáveis para os reassentados (SIGAUD, 1986)52

.

O processo de reassentamento foi considerado um fracasso. Realizado sob pressão do

Banco Mundial, investidor na ocasião e que desejava uma solução para os

desapropriados, o plano de reassentamento contou com 70% dos atingidos

permanecendo na vizinhança do lago de Sobradinho, 19% aceitando compensações

financeiras e apenas 8% sendo efetivamente reassentados (HALL, 1994).

Enquanto para a população urbana os efeitos foram minimizados pela reprodução dos

centros urbanos, e ainda por um processo de modernização, como por exemplo com a

chegada de bancos e a melhoria de estradas, a população rural sofreu com os mais

diversos impactos. Desde a dúvida sobre o futuro, especialmente em função da falta de

informação, até a efetiva desconstrução dos tecidos social e econômico (sabe-se que

muitos produtores rurais vendiam seus excedentes nas feiras nos centros urbanos), seu

modo de vida foi profundamente afetado (SIGAUD, 1986).

Além da desapropriação da terra para a construção da UHE, outros 25.000 hectares

também foram desapropriados com o propósito de construir sistemas de irrigação,

buscando mitigar os problemas decorrentes da formação do lago (HALL, 1994).

Também foram amplamente prejudicados os agricultores que não tinham a posse de sua

terra, sendo reservado a estes apenas a compensação por eventuais benfeitorias. Outro

52 Dois agentes entrevistados viveram essa situação. Reassentados em Xique-xique, com o aumento do

nível do lago em 1979 tiveram suas casas destruídas, e retornaram para sua cidade de origem. Há uma

descrição do ocorrido no relato integral do Beneficiário 4, onde cita as perdas por conta do aumento

do nível do lago e a necessidade de viver por três dias em um barco, até seu retorno à sua cidade

natal, abandonando o reassentamento.

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efeito posterior à construção da barragem, foi o de grilagem das terras próximas ao lago,

que se mostraram interessantes para a agricultura. Nesse processo, muitos dos atingidos

que se recusaram a ir para os locais designados e se fixaram próximos ao lago foram,

muitas vezes, abordados de forma violenta para ceder suas terras a grileiros (SIGAUD,

1986)

Outro resultado da construção da barragem de Sobradinho é a própria constituição de

uma cidade homônima. Sobradinho é o resultado do assentamento de operários para a

construção da barragem, que se deslocavam com suas famílias para o local da obra, que

com o tempo acabou por ganhar certas características urbanas. A vila constituída para a

obra era dividida em três áreas, uma para os engenheiros, outra para o corpo técnico, e

uma para os operários. A parte que cabia aos operários não contava com infraestrutura

alguma, e tinha um alto grau de mortalidade, tanto por conta de homicídios, como por

outras causas, e por isso recebeu o apelido de "Cai-duro". A CPT atuou também em

Sobradinho, especialmente com a educação política dos operários53

. Ao final da obra os

operários se recusaram a sair, e no ano de 1989 parte do município de Juazeiro foi

desmembrada, formando o município de Sobradinho (SOBRADINHO, 2014).

3.3 Indicadores socioeconômicos do Sertão do São Francisco

Nas seções anteriores buscou-se compreender como ocorreu a formação social do

território do São Francisco, quais foram os elementos determinantes neste processo, e

inferir como era a organização social do território antes da entrada da UHE. Na

sequência o processo de construção da UHE Sobradinho é apresentado, desde o seu

momento inicial, até a conclusão da construção da UHE, em 1979. Todos estes

elementos afetam o desempenho do território em termos de bem-estar, uma vez que

configuram o território, e consequentemente, a qualidade de suas instituições.

Esta subseção visa caracterizar o território, situando os municípios em análise ante seus

pares mais próximos, e com relação ao Estado da Bahia e ao Brasil. Estes são

municípios populosos, tendo Casa Nova 64.940 habitantes, Sento Sé 37.425 e

53 Estas informações tomam como base as informações obtidas nas entrevistas realizadas em

Sobradinho, em especial da entrevista com o Representante da Prefeitura de Sobradinho.

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Sobradinho, o menor entre os três, 22.000 (IBGE, 2010). Tomam-se aqui como

indicadores de desempenho dos municípios no Território do Sertão do São Francisco o

IDH municipal e o índice de Gini para a desigualdade de renda. A escolha destes

indicadores não se dá por acaso, e tem como motivação (1) o fato de que a diminuição

da desigualdade tem uma importante função instrumental no sentido de permitir a

ascensão de agentes, e (2) medidas monetárias não refletem a qualidade de vida, o que

estimula o uso do IDH como uma referência (não perfeita, evidentemente, mas

ilustrativa) para tal.

O crescimento do IDH no território é notável no período 1991 a 2010 (figura 3.1), com

uma média de crescimento superior a 100%. No período 2000 a 2010, o crescimento

médio ainda é bastante significativo, 43,4%. Das figuras 1, 2 e 3, pode-se observar que

desde 1991 Sobradinho e Juazeiro se destacaram em termos de desempenho nos

indicadores de desenvolvimento humano. De fato, numa observação um pouco mais

ampla, estes municípios sempre tiveram desempenho superior ao da média dos

municípios do estado da Bahia (0,593), e Juazeiro sempre superior à média dos

municípios nacionais (0,659), sendo que Sobradinho fica pouco abaixo desta média em

2010.

Figura 3.1 - Variação do IDH do Território do Sertão do São Francisco para o período de 1991 a 2010

Fonte: PNUD Elaboração do autor

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Pode-se creditar grande parte do crescimento do IDH no território à educação, que saiu

de patamares baixíssimos, para um nível que fica próximo da média dos municípios

brasileiros. O analfabetismo continua sendo um problema, com taxa média de

analfabetos em 24% (uma diminuição de 23,3% com relação a 2000), mas em outros

indicadores, como o acesso ao Ensino Médio, por exemplo, ainda que o acesso seja

inferior à média dos municípios brasileiros (34,9% contra 46,9%), seu crescimento no

território é de aproximadamente 389% (muito acima dos 171% nacionais). Outro ponto

importante é o fato de que o IDH Educação tem como um de seus elementos a

expectativa de anos de estudo, e isso é significativo dentro de um território cujo

histórico de defasagem em educação é enorme.

A longevidade, que é calculada segundo a expectativa de anos de vida, também teve um

aumento expressivo de 2000 a 2010, em 19,8% (sendo 11,2% o aumento médio

nacional). Apesar do aumento, alguns elementos que são caros à vida, como o acesso à

água e saneamento, e a segurança, continuam em patamares ruins. Em termos de água e

saneamento, os valores ainda são apenas razoáveis, com uma média de 30,7% de

municípios com acesso a estes serviços, contra 40,2% de média nacional. Deve-se

destacar também, que enquanto Campo Alegre de Lourdes e Pilão Arcado não contam

nem com 1% de seus domicílios com estes recursos, Sobradinho, Remanso e Juazeiro

ficam acima da média nacional. No que diz respeito à violência, o Mapa da Violência de

2012, construído com dados de 2008, 2009 e 2010, coloca Sobradinho como uma das

cidades brasileiras mais violentas, na posição 244 de seu ranking, assim como Juazeiro,

que se situa na posição 251. Situação próxima está Casa Nova (posição 622), e Curaçá

(posição 510), sendo que os demais municípios do território estão acima da posição

1000 deste ranking.

A componente relativa à renda no IDH não chega a ser expressiva, muito pelo contrário,

tanto o valor de IDH de renda média (0,562) está bem abaixo da média nacional (0,643),

embora a variação no período 2000 a 2010 tenha sido pouco maior (13,04% contra

11,68% de média nacional). Nesta componente nenhum dos municípios se destaca, e

apenas Juazeiro fica acima da média nacional, com um IDH de renda em 0,657. Em

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66

termos de pobreza os indicadores acabam resultando piores, dados que o Sertão do São

Francisco apresentava, em 2010, 44% da sua população em condição de pobreza, com

uma queda de 30,2% com relação à 2000, enquanto a média nacional foi de 24,6%, com

queda de 45,7%.

O município Casa Nova é o que mais possuía famílias beneficiárias do Programa Bolsa

Família dentre os analisados no ano de 2015, com 10.372, enquanto em Sento Sé 6.672

eram beneficiárias, e em Sobradinho 3.159, valores que correspondem a

aproximadamente 60%, 70% e 52%, respectivamente, das famílias residentes nestes

municípios em 2010 (IBGE, 2010). O Pronaf também é um recurso muito utilizado

pelos pequenos produtores rurais, e ele reflete bem o que é a pobreza rural local, sendo

que a categoria predominante é o grupo "B", que atende aqueles cuja renda anual não

supera R$ 20.000,00. Nessa categoria, no biênio 2013/2014 Casa Nova tinha

aproximadamente 664 famílias com crédito, enquanto Sento Sé possuía 375, e

Sobradinho registrava apenas 21 famílias.

É importante notar que a administração pública é o setor que mais emprega nos

municípios de Sobradinho e Sento Sé, com valores superiores aos 50% (64,10% e

78,24%), sendo que Casa Nova, dos três municípios analisados é o único onde um setor,

o agropecuário, supera a administração pública, empregando 44,92% da população

economicamente ativa (e com vínculo formal), contra 38,07% do setor público. No caso

do PIB, no entanto, por ser sede da UHE, Sobradinho tem no valor agregado relativo à

indústria 80,56% do seu PIB total, enquanto em Sento Sé e Casa Nova o valor agregado

relativo a serviços é a maior parcela, representando 65,84% e 56,63%, respectivamente,

dos PIBs destes municípios.

Já no caso do índice de Gini de renda, enquanto a média nacional em 2010 foi de 0,49, o

Sertão do São Francisco apresentou a desigualdade de renda na casa de 0,54, com o

agravante de que este valor representa um aumento de 1,7% com relação à 2000 (contra

uma queda de 7% em média nacional). Sobradinho é o único município que apresenta

valor próximo da média nacional (0,49), enquanto todos os outros municípios

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apresentam valores acima. Vale destacar, também, que apenas Sobradinho, Remanso,

Juazeiro e Curaçá tiveram diminuição nestes valores.

Figura 3.2 - Distribuição de renda no Território do Sertão do São Francisco no ano de 2010

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2010) Elaboração do autor

O olhar conjunto dos indicadores IDH e Gini de renda mostra certa ambiguidade.

Enquanto houve melhoria expressiva em elementos de bem-estar, como a educação e a

longevidade, um olhar mais apurado em algumas variáveis, como o analfabetismo, o

acesso à água e saneamento, e a violência, ainda estão aquém do nível nacional. No que

diz respeito às variáveis monetárias o desempenho é ruim. Tanto as componentes de

renda do IDH como do Gini mostram que o progresso neste critério foi baixo na região,

e no caso do segundo, houve piora.

Além disso, o ritmo de melhoria neste território não permite dizer que houve

diminuição em termos de desigualdade do Sertão do São Francisco com relação ao

restante do Brasil. Este fato, associado ao de que há forte heterogeneidade interna, com

Sobradinho e Juazeiro polarizando os bons indicadores locais, permitem dizer que

avanços oriundos especialmente do polo de fruticultura não chegaram a se irradiar pelo

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68

restante do território, fazendo com que o Sertão do São Francisco ainda não tenha

logrado diminuir substancialmente sua defasagem com relação ao resto do país.

Dos municípios com relação direta com a barragem, Sobradinho é o que mais se

diferencia positivamente, e também parte de uma situação diferenciada dos demais.

Apesar de ser um município resultado da construção da UHE, até 2000 contou com uma

CHESF atuante. Isso faz com que o ponto de partida seja realmente diferenciado em

termos de qualidade de vida. Também foi citado por informantes, em mais de uma

ocasião na pesquisa de campo, que Sobradinho não “tem gente rica”, e que “quem puxa

o IDH para cima é o pessoal da CHESF”. De fato, a componente de renda do IDH do

município é superior às dos demais, com a exceção de Juazeiro, mas também é de

Sobradinho o Gini mais baixo, indicando que a diferença de renda não é tão grande

quanto nos demais municípios.

Como destacado anteriormente, estes indicadores não são resultado apenas de um fator,

como a entrada da UHE, ou da constituição do polo de fruticultura, por exemplo, mas

sim de um processo histórico de constituição de uma configuração territorial, processo

este que envolve fatores endógenos e fatores exógenos, sendo que destes fazem parte o

polo e a UHE. Desse processo resulta o conjunto de instituições políticas e econômicas

que regem o território, e este sim é responsável pela qualidade dos indicadores

apresentados. Como se constitui hoje a configuração territorial do Sertão do São

Francisco, especialmente em comparação com a configuração encontrada no território

antes da entrada UHE, e qual a participação desta infraestrutura no processo de

mudanças e permanências nesta configuração, são o foco de análise da seção seguinte.

3.4. As metamorfoses no território e o papel da UHE

Nesta seção discute-se o papel da UHE Sobradinho nas metamorfoses pelas quais

passou o Sertão do São Francisco nos últimos 50 anos. Aqui se analisa o papel da UHE

em três aspectos, que são as alterações na distribuição de poder local, as alterações nas

formas de apropriação e uso dos recursos, e a dinâmica da relação entre os

comportamentos e as instituições, formais e informais, que regulam as dimensões

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69

anteriores. Para tanto, serão analisados os resultados dos trabalhos de campo realizados

no Sertão do São Francisco, contrapostos com dados secundários.

Os trabalhos em campo no Sertão do São Francisco ocorreram em abril de 2015, sendo

realizados por um grupo de quatro pesquisadores, dentre estes, este doutorando. As

primeiras entrevistas ocorrem nos municípios de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA),

cidades polo da região, e onde encontramos os primeiros informantes, que foram um

articulador regional, dois representantes do corpo técnico da EMBRAPA - Semiárido e

uma representante da Comissão Pastoral da Terra da Diocese de Juazeiro. Estas foram

entrevistas não estruturadas, cujo objetivo foi caracterizar o território segundo a visão

destes agentes54

. A escolha destes agentes-chave ocorreu em função da sua posição do

território, que permite uma visão ampla das potencialidades, barreiras e

constrangimentos locais.

Em seguida foram iniciadas as atividades nos municípios selecionados para pesquisa em

campo, Casa Nova, Sento Sé, Sobradinho e Canudos55

. Nestes municípios foram

realizadas entrevistas semiestruturadas com agentes pertencentes a grupos específicos

de interesse desta pesquisa, que são os grupos político e econômico, em função da sua

importância e predominância no território no momento da pesquisa, o grupo relacionado

às famílias tradicionais, ou famílias que historicamente detinham grande poder local, e o

grupo de beneficiários de políticas de inclusão produtiva, o extremo oposto dos demais

grupos, que enfrenta os maiores constrangimentos na tentativa de ascensão local e de

ampliação das próprias liberdades. Esta entrevista teve como objetivo reconstruir a

trajetória social destes agentes e familiares mais próximos, buscando identificar em uma

perspectiva intergeracional as estratégias de reprodução social, aspirações,

constrangimentos, seu bem-estar, e a movimentação de atributos56

durante sua vida,

situando o agente em sua posição no campo do território, em condição de ascensão,

54 É importante destacar que os trabalhos em campos foram conduzidos de modo a conciliar os

interesses de pesquisa de cada um dos pesquisadores envolvidos, e do trabalho coletivo ao qual esta

pesquisa é afiliada.

55 Por não ter sido atingida de forma direta pela UHE de Sobradinho, Canudos não foi incluída nesta

pesquisa. É importante notar que os agentes locais pouco se relacionam com esta UHE, sendo as

barragens mais lembradas durante as entrevistas as de Paulo Afonso e do Açude de Cocorobó em

Canudos.

56 Ou, capitais econômico, político, social, cultural e simbólico.

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70

descenso ou estabilidade. Além disso, parte do questionário foi dedicada ao

posicionamento do entrevistado sobre o desenvolvimento recente do território e sobre a

importância dada por ele à UHE e ao polo de fruticultura57

. Para cada grupo foram

selecionados dois agentes, considerados representativos pelo informante local. Quando

possível também foi realizada uma entrevista informal com um agente local, mais curta,

e com o mesmo caráter das realizadas em Petrolina (PE) e Juazeiro (BA).

Estas informações são base para a análise que segue e, associadas a dados secundários,

permitem compor um quadro do Sertão do São Francisco atual, olhando de forma mais

centrada nos municípios aqui analisados, e de que forma a UHE contribuiu, tanto para a

formação deste quadro atual do território, como destes municípios58

. Nesse sentido, a

análise segue em três momentos, que são (1) as mudanças na paisagem do território e as

oportunidades geradas, e também perdidas, por conta da entrada da UHE, (2) as

mudanças nas trajetórias dos agentes e, por fim, (3) as mudanças na distribuição de

poder local e sua relação com a entrada da UHE.

A UHE, as mudanças na paisagem e a dinâmica das oportunidades econômicas e a

terra

Em termos de mudanças territoriais inequivocamente consequentes da entrada da UHE

de Sobradinho, um primeiro ponto a destacar é o deslocamento urbano nos municípios

atingidos em um processo radical de desterritorialização e reterritorialização

(HASBAERT, 2011). Por um lado, esse momento significou um processo rápido de

modernização dos centros urbanos de Sento Sé e Casa Nova, e a melhoria dos acessos

por rodovias (SIGAUD, 1986). Mas com a gradativa deterioração da rodovia que liga

Sento Sé a (agora) Sobradinho59

(e na sequência com Juazeiro), e com o aumento da

57 O questionário encontra-se no anexo I.

58 No desenvolvimento dessa seção serão utilizadas informações coletadas nas entrevistas. Estas

informações estão concentradas no anexo II, e distribuídas da seguinte forma: a primeira parte

contêm uma síntese da discussão realiza com os informantes no território, a segunda contem a síntese

de algumas entrevistas com os agentes no campo, e a terceira uma transcrição de cinco relatos

considerados mais relevantes para a observação das mudanças na dinâmica do território. Na medida

em que informações forem apresentadas na seção, quando relevante serão feitas referências a

entrevistas específicas, ou o resgate de trechos considerados mais importantes.

59 A estrada é a BA-210, e está asfaltada apenas até o distrito de Piçarrão, logo na entrada de Sento Sé.

Todas as outras ligações de Sento Sé com os municípios vizinhos se dão por estradas de terra.

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71

distância entre Sento Sé e Casa Nova, que resultou na perda da sua ligação fluvial, o que

ocorreu foi o isolamento ainda maior de Sento Sé. Casa Nova, por sua vez manteve uma

boa proximidade com Petrolina, o que facilitou o escoamento de sua produção agrícola,

especialmente pelo fato de contar com uma boa estrada que liga estes dois municípios.

É importante destacar que a mudança da sede por conta da UHE fez com que a estrada

(BR-235) passasse pelo seu centro urbano.

Das formas de aproveitamento do potencial de geração de rendas da UHE, apenas a

irrigação teve certo sucesso. Este é o caso de Casa Nova, que faz parte do Perímetro

Irrigado Nilo Coelho, cuja criação ocorreu em 1984 (DAMIANI, 2015), e impulsionou

o Polo Petrolina Juazeiro, e onde hoje é explorada a agroindústria, mais destacadamente

a vitivinicultura. Esta mudança trouxe maior dinamismo econômico à Casa Nova, que

tem na agroindústria o seu maior empregador60

, com 44,92% dos empregos formais

locais61

(RAIS, 2010), mas que é explorada por agentes externos ao território62

.

Em um levantamento fotográfico realizado pela Agência Nacional das Águas, o lago

contava com cinco grandes consumidores de irrigação, e uma centena cujo consumo era

insignificante (ANA, 2010)63

. Deve-se observar, no entanto, que a alteração

morfológica da paisagem promovida pela barragem facilitou a irrigação, mas é pouco

provável que a ausência da barragem impedisse seu desenvolvimento, uma vez que

Juazeiro já contava com o perímetro público de irrigação de Mandacaru desde 1973, e

Petrolina (PE), vizinha de Casa Nova, com o perímetro público de irrigação do

Bebedouro desde 1968 (DAMIANI, 2015). Já no caso de Sento Sé ocorreram

oportunidades para a formação de perímetros irrigados, mas que não vingaram, e o

próprio acesso asfáltico do município que se perdeu com o tempo, acabou

inviabilizando o escoamento da produção da fruticultura. Práticas como a pesca e a

agricultura na margem do rio acabaram se perdendo também, sendo a piscicultura muito

60 Segundo os relatos, os empregos gerados atendem também moradores de Sobradinho.

61 Em Sento Sé e Sobradinho a agroindústria é inexpressiva, sendo o maior empregador a administração

pública, com 78,24% e 64,10% dos empregos formais, respectivamente (RAIS, 2010).

62 Casa Nova está entre os maiores produtores do Brasil de Caprinos e Ovinos.

63 A análise desse relatório é visual, já que não há uma tabulação formal desses dados. Outro ponto

importante é o fato de que ele ainda conta com a captação de água pela empresa Frutimag, que já não

está mais em Sento Sé. Por fim, este relatório também registra a grande quantidade de plantações de

cebola, cujo uso de agrotóxicos é intensivo.

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72

pouco explorada, e hoje ainda há o problema da qualidade da água, decorrente do uso de

agrotóxicos por produtores (DUQUÈ, 2010; ANA, 2010).

Os relatos apontam que a terra, que é o elemento formador da estrutura social do

território, continua sendo uma questão sensível64

. Os conflitos permanecem,

especialmente em Sento Sé e Casa Nova, onde os relatos, tanto dos beneficiários, como

de um dos informantes, indicam que há pressão sobre as comunidades mais pobres por

parte de empresas de mineração e agropecuária. Ainda há a percepção por parte dos

entrevistados que a terra segue concentrada65

. Isso pode ser observado pela distribuição

fundiária, segundo o Gini de estrutura agrária do Censo Agropecuário de 2006 (IBGE,

2006) (Figura 3.3). Neste sentido, Casa Nova apresenta o melhor indicador de

distribuição, que em 2006 apresentava um índice de Gini de 0,63, valor abaixo da média

de distribuição dos municípios brasileiros, de 0,70 e dos municípios baianos, de 0,74.

Nessa dimensão, Sento Sé e Sobradinho apresentam indicadores piores, com Sento Sé

com uma concentração de terra em torno de 0,85 e Sobradinho de 0,76.

Figura 3.3 - Distribuição fundiária no Sertão do São Francisco

Fonte: Censo Agropecuário 2006 (IBGE, 2006) Elaboração própria do autor

64 Ver relatos da Representante da CPT, Beneficiário 1 e Beneficiário 2. Os beneficiários vivem o

problema, de fato, pela pressão por conta da mineração, e pela grilagem de terras.

65 Ver relato do Articulador Territorial. O relato dos Representantes da Embrapa - Semiárido dá conta,

também, das grandes propriedades em Sento Sé.

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73

Em Sento Sé, apenas onze estabelecimentos, segundo o Censo Agropecuário de 2006

(IBGE, 2006), registram 49,02% de toda a área com estabelecimentos agropecuários no

município. Este número é referente às propriedades com mais de 2.500 hectares66

,

menor área do grupo de grandes propriedades do censo, mas se forem incluídas as

propriedades com área entre 1.000 e 2.000 hectares, o número da concentração sobre

para 58,57%, acrescentando quinze propriedades ao total (1,15% do número de

estabelecimentos agropecuários em Sento Sé). Em Casa Nova este mesmo exercício

apresenta resultados bem distintos, com um total de cinco estabelecimentos com mais

de 2.500 hectares, valor relativo a 11,14% dos estabelecimentos no município, enquanto

que o total de estabelecimentos com mais de 1.000 hectares representa 13,50% da área

total no município. Em Casa Nova prevalecem as propriedades com área entre 20

hectares a 200 hectares, representando 59,64% da área total.

Com relação à terra, o processo de entrada da UHE de Sobradinho foi, sem dúvida,

perverso. Ainda que não seja possível comparar os dados de concentração de terra

anteriores à UHE com os atuais67

, e levando-se em conta que já são cerca de 30 anos

entre o fim da sua construção e a coleta de dados do Censo Agropecuário de 2006, a

literatura já apontava o acentuado processo de tomada de terras às margens do lago,

tanto por meios oficiais, para a constituição de empresas agropecuárias, como pela

grilagem, em função da valorização da área (SIGAUD, 1986), e este aspecto foi

reforçado pelos entrevistados.

66 O Censo Agropecuário não divulga os tamanhos das propriedades, por isso é possível apenas

trabalhar com os dados agregados por grupos de área.

67 De fato, o Censo Agropecuário do VIII Recenseamento Geral de 1970, apontava que os

estabelecimentos agropecuários com mais de 1.000 hectares em Sento Sé ocupavam 47,63% da área

total, enquanto que em Casa Nova, 26,03%, o que indicaria, grosso modo, uma maior concentração

em Sento Sé e desconcentração em Casa Nova desde a UHE (IBGE, 1970). No entanto, a área total

dos estabelecimentos recenseados à época foi de 42.428 hectares em Casa Nova e 36.397 hectares em

Sento Sé, números consideravelmente menores que os 258.640 hectares e 207.520 hectares,

respectivamente, atuais, o que inviabiliza uma comparação precisa. Também não se pode afirmar que

esse aumento de área nos dois municípios (acima de 200%) possa ser creditado somente à UHE, ou se

é consequência de limitações no recenseamento, ou ainda de processos de regularização fundiária

desde 1970.

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74

A UHE e as mudanças nas trajetórias dos agentes e as organizações

A tabela 3.1 sintetiza algumas das informações coletadas em campo. Nela é possível

identificar a qual grupo pertence o entrevistado, sua principal atividade, sua trajetória

dentro do campo e a relação desta trajetória com a UHE, e sua posição sobre o

desenvolvimento do território, sobre a UHE e sobre o Polo de Fruticultura Petrolina-

Juazeiro.

Quando se observa as mudanças nas trajetórias dos agentes entrevistados,

primeiramente em Sento Sé e Casa Nova, um primeiro ponto que se destaca é que

poucos ascenderam de forma diretamente relacionada à entrada da UHE (Tabela 3.1).

De fato, com a exceção dos beneficiários de políticas de inclusão produtiva, cuja

ascensão foi indireta, em Casa Nova nenhum dos agentes viveu esse processo. Em

Sento Sé, no entanto, dois passaram por mudanças em suas trajetórias pelas

oportunidades econômicas abertas no momento da construção da UHE, e um de maneira

indireta. Seja ela resultado do aproveitamento do espaço aberto na mudança das sedes

dos municípios, ou por possibilidades relacionadas ao aproveitamento do potencial de

produção da barragem, espaços foram abertos para a entrada de novos agentes68

.

Sobradinho, como já citado, é um caso à parte. Apesar de antes da construção da

barragem se constituir em uma região pouco habitada, quase nada restou desta da

estrutura anterior. Dos entrevistados, nenhum foi elite local, até porque, como já

destacado, o município pertencia a Juazeiro, onde efetivamente estava a elite. Dos que

pertenciam à região antes da barragem, a maioria eram de origem extremamente

pobre69

, com a exceção de um dos agentes.

68 Sobre a ascensão de agentes, o relato integral Elite Econômica 2 traz a trajetória de um agente de

origem pobre, cuja família aproveitou o momento da mudança para a nova sede municipal para

constituir o seu comércio.

69 Um exemplo de ascensão de agentes em Sobradinho é apresentado no relato integral do agente de

Elite Econômica 4, que vivia nesta mesma região, ainda de Juazeiro, de família extremamente pobre,

e que ascendeu pela constituição de estoque de capital social em decorrência das oportunidades

abertas por conta do associativismo local.

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75

Tabela 3.1 - Síntese das características dos agentes entrevistados e de seus posicionamentos sobre o

desenvolvimento local e seus vetores, entre eles a UHE Sobradinho. VDR – Vetor de Desenvolvimento

Regional.

Fonte: adaptado de Favareto et al. 2015b.

O momento de emancipação do município, e com a consequente criação de postos de

trabalhos relativos à administração pública, acabou por beneficiar diversos outros

agentes locais, muitos operários e filhos de operários que vieram para Juazeiro para

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76

construir a barragem. Também se beneficiaram agentes que já contavam com situação

diferenciada no momento da sua construção, o que permitiu a constituição de uma

pequena elite econômica, que não chegava de fato a ser rica, mas com condições de

bem-estar maiores. Isso permitiu a constituição de uma elite local razoavelmente

diferente das que se encontram em Sento Sé e Casa Nova.

A parte dominada destes municípios pouco se beneficiou da barragem. Na verdade,

mais sofreu o ônus de sua construção que se apropriou dos resultados. De fato, a

violência sofrida na época, a forma como a barragem alterou a pesca e a agricultura

local, e os efeitos da grilagem das terras devolutas são sentidos até hoje. E não chega a

esta parcela as possibilidades da irrigação, ou mesmo o bem-estar decorrente de água

tratada e encanada. Fica claro por conta das entrevistas realizadas, que dois momentos

são determinantes para uma expansão nas suas liberdades, que são a atuação da igreja

na formação de associações tanto no período de construção da UHE como após ele, e as

políticas sociais decorrentes a partir da CF/88 e das políticas de alívio da pobreza e

inclusão produtiva das duas últimas décadas.

Nesse caso, a influência da UHE é determinante, ainda que novamente, por um motivo

negativo. De fato, é o papel da igreja, ao reagir à forma de construção da barragem, que

efetivamente contribui na promoção de mudanças por meio do incentivo à formação de

associações70

. Esse fica expresso em relatos de Casa Nova e Sento Sé, mas é em

Sobradinho que ele se torna mais evidente. E se a formação de organizações é um

elemento fundamental para a ação coletiva (DREZÈ e SEN, 2002) e uma característica

estruturante das sociedades que contam com instituições mais inclusivas (NORTH et al.

2009), o que se observa é uma clara diferenciação destes municípios. No que diz

respeito às organizações de modo mais amplo, segundo o Cadastro Central de Empresas

(CEMPRE) (IBGE, 2010b), que considera o número de empresas e outras organizações,

Sento Sé apresentava um número de 6,44 empresas e outras organizações por mil

habitantes, Casa Nova, por sua vez, registrava 8,85 e Sobradinho, muito à frente, 17,36.

Sento Sé apresenta o pior desempenho no território para este indicador, enquanto Casa

70 A importância da igreja é apontada por muitos beneficiários, mas sua entrada na questão da barragem

é descrita pelo agente de Família Tradicional 2, que teve efetiva participação neste processo,

trabalhando com a CPT.

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77

Nova fica à frente de Pilão Arcado (também atingida pela barragem) e Canudos, e

ambas muito abaixo da média dos municípios do Estado da Bahia, que é de 12,22

empresas e outras organizações por mil habitantes. Sobradinho, novamente, se

diferencia estando acima da média do estado, e abaixo apenas de Juazeiro, a cidade mais

dinâmica do território, que registra 20,4971

.

Quando se toma o número de Fundações Privada e Associações sem Fins Lucrativos

(fasfil) (IBGE, 2010c), um recorte do CEMPRE específico para organizações de

sociedade civil72

, o que se observa é um número de 0,88 fasfil por mil habitantes em

Sento Sé, 1,83 fasfil por mil habitantes em Casa Nova e 2,45 fasfil por mil habitantes

em Sobradinho, único município com valor acima da média nacional de 1,98 fasfil por

mil habitantes73

. Sento Sé segue entre os piores do território, se considerarmos as fasfil,

enquanto Casa Nova assume uma posição intermediária, e Sobradinho fica atrás apenas

de Uauá. Ora, se as "organizações são, em parte, instrumentos: instrumentos que

indivíduos utilizam para aumentar sua produtividade, para procurar e criar contato

humano e relacionamentos, para coordenar a ação de muitos indivíduos e grupos, e para

dominar e coagir outros74

" (NORTH et al., 2009, p. 7)75

, nota-se uma grande diferença

entre Sento Sé, Casa Nova e Sobradinho, tanto no número do CEMPRE, como nos

específicos da FASFIL.

71 Todos esses municípios, no entanto, ficam abaixo da média dos municípios brasileiros, que é de

22,00 empresas e outras organizações por mil habitantes.

72 A fasfil inclui organizações de sociedade civil (OSC) não necessariamente de interesse público, o que

inclui, por exemplo, partidos políticos. A diferenciação entre o tipo de OSC é feita pelo IBGE apenas

para os municípios com mais de 50.000 habitantes, o que impede que esta seja realizada para a

maioria dos municípios aqui analisados (é possível apenas para Casa Nova).

73 Evidentemente, o número fasfil não engloba apenas associações de produtores, a maioria destacada

nos relatos, mas esta relação acaba sendo quase direta quando se tomam as informações oriundas dos

relatos e os dados secundários.

74 Tradução livre de "Organizations are, in part, tools: tools that individuals use to increase their

productivity, to seek and create human contact and relationships, to coordinate the actions of many

individuals and groups, and to dominate and coerce others"

75 Pode-se, em um primeiro momento, imaginar que estes valores sejam fortemente marcados pela

diferença nas populações locais, mas isso não é verdade. Salvador, por exemplo, com uma população

de 2.675.656, registrava 21,34 empresas e outras organizações e 0,89 fasfil, ambos por mil habitantes,

já a cidade de São Paulo, com 11.253.503 habitantes, registrava 48,07 e 1,60, respectivamente, e

Porto Alegre, com uma população de 1.409.351, registrava 61,62 empresas e outras organizações e

2,19 fasfil, ambas por mil habitantes (IBGE 2010, 2010b, 2010c).

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A UHE, e a distribuição do poder local

Como destacado anteriormente, poucos agentes ascenderam de forma direta em Sento

Sé e Casa Nova por conta da construção da barragem. Mais que isso, as mudanças

ocorridas na paisagem local que poderiam induzir mudanças significativas nos

municípios analisados se perderam em Sento Sé, e em Casa Nova prosperaram, mas sob

investimento e exploração de agentes que não estão por lá. Mas, e as relações de poder

local? Houve mudança decorrente da entrada da UHE Sobradinho?

Por meio das entrevistas foi possível determinar como os agentes e seus familiares

movimentaram seus capitais no decorrer de sua trajetória. Essa informação permite

compreender de que forma foram formados seus estoques de capitais, e inferir quais são

os capitais que estes agentes valorizam. No gráfico 3.1 é apresentado o volume médio

de capitais tabulados das entrevistas, segundo os grupos.

Gráfico 3.1 - Total de capitais dos grupos analisados no Sertão do São Francisco76

Fonte: Adaptado de Favareto et al., 2015b

A literatura dá conta de que a forma de que as elites tradicionais exerciam forte

domínio, tanto político quanto econômico, em seus municípios. O que se observa, no

76

As siglas apresentadas identificam respectivamente: Ks, capital social; Kc, capital cultural; Kp,

capital político; Ke, capital econômico e Ksi, capital simbólico.

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79

entanto é que as famílias tradicionais já não se destacam mais com relação às elites

política e econômica, como sugere a literatura da formação social do Sertão do São

Francisco, especialmente em termos de poder político. Isso se torna ainda mais evidente

quando se tomam os relatos, que retratam o fim da estrutura de dominação do

coronelismo, na sua forma mais tradicional.

Parte desta mudança se dá por conta de que tradicionalmente os membros mais jovens

das elites tradicionais saíam de seus municípios para estudar em outros centros, e depois

retornavam para seus municípios de origem para dar continuidade ao domínio

familiar77

. Ocorre que com o tempo os mais jovens passaram a optar por criar vínculos

em centros mais dinâmicos, não retornando para seus municípios. Isso provocou a

diminuição nas condições das famílias locais de manutenção de poder e abriu espaço

para a ascensão de outros agentes.

A mobilidade física alta é um elemento característico na região, e parte disso é expresso

pelos valores altos de capital social. São muitos os agentes entrevistados que tiveram

experiências fora do território, e também fora do Estado da Bahia. O principal

motivador para tal é a busca por oportunidades, ou por emprego, e essa é a situação

vivida por grande parte dos agentes que ascenderam no território, que tinham na região

Sudeste uma oportunidade de formação de capital, especialmente econômico. Já no caso

das elites tradicionais, o trânsito maior era dentro do próprio estado da Bahia, uma vez

que o emprego não era o motivador, mas sim a educação. Ainda hoje se busca fora

destes municípios recursos que não são encontrados neles, sendo as principais ligações

locais com Juazeiro e Petrolina.

Dos agentes entrevistados muitos tiveram passagens pelo Estado de São Paulo, sendo a

região do ABC a preferência da maioria, onde havia forte pressão por trabalho que

necessitava baixa qualificação de ensino, em especial na indústria, destacadamente nos

anos 1970 e início dos anos 1980. Alguns passaram poucos meses, como o pescador

atingido pela barragem, que passou curto período em Santos, trabalhando no porto,

especialmente buscando "aventura de trabalhar em outro lugar". Mas alguns

77 Um relato exemplar é o do agente de Família Tradicional 3, que permaneceu em seu município, a

despeito do fato de que a maioria de seus parentes já não estão por lá.

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80

permaneceram por décadas, como o atual agente do campo da política local, que veio

criança para São Paulo, quando adulto se tornou empresário do ramo alimentício, e

voltou para sua cidade natal, construindo sua carreira política.

O grupo de entrevistados que são beneficiários de políticas públicas é o mais

homogêneo dentre os quatro. Apesar do baixo valor de capital cultural observado nas

suas trajetórias individuais, é quase unânime para estes agentes a importância da

educação como um elemento que pode romper com o ciclo de pobreza no qual vivem,

como um instrumento de ampliação das suas liberdades. Esse grupo reflete, também, a

importância da formação de associações, não só pela oportunidade de renda vinda da

venda para programas como o PAA ou PNAE, mas também como uma forma de

ascensão política, uma vez que alguns deles se candidataram à vereança (sem sucesso

nas eleições).

Os relatos dão conta, também, de uma certa diferenciação entre os municípios de Casa

Nova e Sento Sé. E isso pode ser observado por meio do gráfico 3.2, onde são

apresentadas médias dos capitais tabulados das entrevistas, agora separados por

municípios. Nesse caso é possível observar que tanto o capital simbólico quanto o

econômico e o político dos representantes das famílias tradicionais são maiores em

Sento Sé do que em Casa Nova. Ainda, em termos comparativos com a elite política

local, os capitais simbólico e econômico são maiores, enquanto em Casa Nova ocorre o

contrário. Isso evidencia um diferencial no peso simbólico das famílias tradicionais

nestes dois municípios, o que pode guardar relação com o maior dinamismo econômico

de Casa Nova, comparado com o menor dinamismo de Sento Sé, onde o peso simbólico

da família tradicional ainda é maior. No caso de Sobradinho, por tem sido uma área de

Juazeiro, as elites tradicionais não se encontravam nessa área, e com a emancipação do

município, estes postos acabaram ocupados por pessoas de fora.

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81

Gráfico 3.2 - Total de capitais dos grupos analisados e por município no Sertão do São Francisco

Fonte: Adaptado de Favareto et al., 2015b

Mas a barragem pode ter tido influência direta na mudança da atuação das famílias

tradicionais? Como já destacado, já ocorria a saída dos membros das famílias

tradicionais, que se deslocavam para outros centros por contas dos estudos. Alguns

voltavam, mas era comum que quem saísse não voltasse. Ficaram aqueles que contavam

com menos condições, ou mesmo com menos prestígio entre aqueles da família,

atuando especialmente como mantenedores da posição política e econômica familiar no

território. Grosso modo, pode-se dizer que a barragem não ofereceu atrativos para que

se mudasse essa relação entre família e território, provocando a permanência desses

membros das famílias tradicionais. Os relatos também dão conta que, ainda que tenham

permanecido apenas membros destinados a manter certa posição das elites tradicionais,

a erosão acabou acentuada por meio de políticas sociais que aumentaram um pouco a

liberdade do pequeno agricultor. Além, disso, como se observa pelos relatos, tanto em

Sento Sé como em Casa Nova nenhum dos agentes da elite política entrevistados teve

sua ascensão ligada de forma direta a barragem. A rigor, um dos agentes de Casa Nova,

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82

inclusive, foi afetado negativamente pela barragem quando esta prejudicou o comércio

de sua família78

.

Em Sento Sé pôde-se notar por meio das entrevistas que a Elite Econômica busca certo

distanciamento do envolvimento político. Ainda, seu capital econômico é mais baixo

que o das Famílias Tradicionais. Pelos relatos pode-se evidenciar que esta é uma elite

ainda em formação, onde um agente, de origem pobre, ascendeu por conta da

oportunidade aberta pela mudança da cidade velha para a cidade nova no comércio

aproveitada por sua família, e o outro, vindo de fora e também ascendente, encontrou

oportunidades no comércio local. Essa ausência de elites econômicas com maior capital

no território, também se dá pelo fato de que as atividades mais dinâmicas,

especialmente a fruticultura e a vitinicultura ocorre com agentes externos ao território.

No caso de Sobradinho a Elite Econômica tem forte vínculo com a política local,

especialmente por conta da formação de redes desenvolvidas em função do

associativismo.

O espaço social dos agentes, segundo seus capitais político e econômico pode ser

observado no gráfico 3.3. Neste gráfico os capitais são apresentados em termos

percentuais com relação ao valor máximo de cada um destes no questionário aplicado. É

possível observar como se destacam as famílias tradicionais e as elites políticas em

termos de concentração dos capitais econômicos, enquanto as elites econômicas, em sua

maioria, pouco se destacam em termos de capitas políticos, ficando aquém, inclusive,

do grupo de beneficiários, cujo envolvimento associativo confere aos seus agentes este

capital.

78 Seu comércio era baseado em atividade fluvial, que se perdeu com a barragem, mas esse agente

dispunha de certo capital econômico e simbólico, o que lhe permitiu reconstituir sua atividade de

comércio, e posteriormente, a expandir para serviços.

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83

Gráfico 3.3 - Espaço social dos agentes entrevistados, segundo seus capitais político e econômico

no Sertão do São Francisco

Fonte: Adaptado de Favareto et al., 2015b

Ainda que o quadro apresentado até aqui aponte para uma diminuição do peso das

famílias tradicionais, com a ascensão de agentes à elite política, também se evidencia,

especialmente pelos relatos, que ainda há certo peso destas famílias, e essa é a base de

formação das coalizões locais. As famílias tradicionais ainda se sustentam pelo seu

estoque de capital simbólico, com o qual se associam aos novos agentes das políticas

locais, mantendo-se assim ainda ligado ao poder político e ajudando a sustentar essa

nova elite. Essa coalizão acaba sendo restrita, uma vez que, como destacado, há certo

distanciamento das elites econômicas, e mesmo os agentes do grupo de beneficiários,

muitas vezes presidentes de associações, que gozam de certo prestígio, tem dificuldade

de penetrar.

Parte deste alinhamento pode ser observado na tabela 3.1, quando uma maioria de

agentes da elite política e das famílias tradicionais tem uma visão positiva sobre o

desenvolvimento recente do território, em contraste com uma visão mais fragmentada,

mas em sua maioria negativa, dos agentes representativos das elites econômicas e dos

beneficiários de políticas sociais. O que se nota claramente é que são entendidos de

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84

forma positiva para o desenvolvimento local o polo de fruticultura e as políticas sociais

que incidem neste território, sendo predominantemente os beneficiários de políticas

públicas os mais críticos com relação ao polo.

Com relação à UHE, no entanto, não há consenso entre os grupos. Enquanto o grupo de

representantes das famílias tradicionais veem, na sua maioria, a UHE como um

elemento positivo para o desenvolvimento do território, as elites política e econômica se

mostram mais fragmentadas, enquanto os beneficiários são predominantemente

contrários. Uma explicação para isso pode vir do fato de que as famílias tradicionais, em

sua maioria, deram suporte à construção da UHE, o que significaria uma manutenção

dessa posição ainda hoje. Já com relação aos beneficiários e às elites econômicas,

muitos dos entrevistados viveram os problemas decorrentes da construção da barragem,

e tiveram suas trajetórias sensivelmente transformadas por esse momento, daí o caráter

fragmentado das visões das elites econômicas e predominantemente crítico dos

beneficiários. Já com relação às elites políticas, ainda que alguns tenham vivido os

problemas da construção, o que prevalece, segundo as entrevistas, é o caráter restrito

dos benefícios da barragem, especialmente da irrigação, uma vez que, como já

destacado, os maiores investidores neste tipo de produção são agentes de fora do

território.

Os dados apresentados em cada uma das subseções anteriores, quando vistos de forma

independente, não são suficientes para afirmar o quão mais aberta é a sociedade em um

município com relação a outro, mas a sua análise conjunto permite inferir isto, e esta é a

proposta da próxima seção, a de um balanço das informações apresentadas até o

momento, de modo a caracterizar o Sertão do São Francisco, e mais especificamente

Sento Sé, Casa Nova e Sobradinho, especialmente na sua relação com a entrada da

UHE, observando como o processo de percolação alterou a configuração territorial

local.

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85

3.5 Balanço do capítulo

Quando se pensa o processo de percolação ocorrido no território do Sertão do São

Francisco, o que se nota é uma extrema heterogeneidade entre os municípios analisados.

Tanto Sento Sé como Casa Nova passaram por processos similares, com uma radical

mudança na sua morfologia, com um processo de rápida modernização e melhorias de

acesso por vias terrestres (lembrando que as fluviais foram encerradas), e ambas tiveram

certa oportunidade de expansão da sua atividade produtiva por conta do processo de

irrigação. De fato, apenas a produção agrícola foi apresentada como alternativa79

.

No caso de Sento Sé, no entanto, estas oportunidades se perderam, e o município tem na

sua produção agrícola basicamente voltada para o cultivo da cebola, e vive grande

isolamento. Já no caso de Casa Nova, ocorreu a diversificação da produção agrícola,

especialmente pela formação do Perímetro Irrigado Nilo Coelho. Mas por que em Sento

Sé houve o retrocesso, e no caso de Casa Nova ela ficou restrita? Nem Sento Sé nem

Casa Nova lograram mudanças em suas estruturas de poder na direção de uma

desconcentração de poder. Ainda que não se veja o coronelismo na forma em que ele

moldou o território, o poder político de facto ainda é muito concentrado. Dessa forma

não há possibilidade da formação de coalizões amplas que tenham seus objetivos

voltados à coesão territorial. Casa Nova ainda consegue desempenho um tanto melhor

por conta da formação do perímetro irrigado, e por conta dos investimentos de agentes

externos para o desenvolvimento da fruticultura. Nesse sentido, no processo de

percolação o papel da UHE foi importante, efetivamente alterando a paisagem local pela

própria formação do lago e facilitando o processo de irrigação, mas pouco influenciando

na distribuição de poder local.

Um ponto fundamental de mudança diz respeito à compreensão dos agentes em termos

de sua posição dentro do território. Quando se observa o grupo de beneficiários, a

mudança ocorre de forma radical. Nesse processo a UHE acaba tendo um papel indireto,

79 O turismo relacionado à vitivinicultura é explorado em Casa Nova, mas é incipiente. Houve também

uma tentativa de turismo nas margens do lago, com as praias que se formam ali. A gestão pública

ensaiou algumas iniciativas, mas, com a seca persistente, esta atividade tem sofrido revezes e na

atualidade é praticamente inexistente.

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86

e outro agente, a igreja, e todo o seu trabalho que foi desde a oposição à forma como era

dada a atenção à população rural na construção da barragem, até o de auxílio aos

atingidos, acaba por ser o determinante. Esse processo estimulou a luta pelos seus

interesses, a participação social, a busca de melhores práticas de produção e luta pela

formação de associações, que por sua vez se configuram como instrumentos de agência

coletiva. Se antes o controle social era a ferro e fogo, a organização social para luta por

interesses destes agentes passou a ser uma realidade.

De certa forma, o conjunto formado pela violência e a participação da igreja conseguiu

provocar em muitos dos agentes mais pobres a disposição à busca daquilo que se

valoriza, ao invés da resignação e submissão típicas do sertanejo do período do

Coronelismo. Ainda que a liberdade à agência não seja algo forte em Casa Nova e Sento

Sé, é desse grupo que se nota a maior mudança em termos de destas mudanças. Se antes

os beneficiários estariam fadados a uma vida de extrema pobreza com poucas

possibilidades de mudança, por se submeter aos interesses dos grupos dominantes, hoje

buscam ativamente esta mudança, na direção da ampliação de suas liberdades. Ainda

que não tenha ocorrido mudanças na direção de maior desconcentração do poder local, a

mudança na base da pirâmide da dominação implica em uma importante mudança na

estrutura de poder.

Aqui cabe uma nota importante: como já destacado, compreender os efeitos da entrada

de uma UHE de forma isolada não é viável, uma vez que se trata de uma infraestrutura

construída na década de 1970, por isso é importante notar a importância das políticas

socialdesenvolvimentistas da década de 2000. Não seria exagero dizer que a barragem

abriu a porta para condições favoráveis ao aumento de liberdades dos beneficiários, mas

quem deu o impulso para a entrada foram estas políticas.

Em termos de abertura de oportunidades aos agentes e nova aspirações geradas pela

entrada da UHE, os efeitos são heterogêneos. No caso de Sobradinho se torna evidente a

formação de novas aspirações, especialmente pela emancipação do município, que criou

oportunidades sociais e políticas para os agentes locais. Já no caso de Sento Sé e Casa

Nova, o que se nota é que nenhum dos agentes entrevistados teve novas aspirações

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geradas por conta da UHE e mesmo os que ascenderam por conta da barragem, o

fizeram dentro de seus ramos de atividade. Um dos agentes em Sento Sé, no entanto,

que iniciou no comércio com a construção da UHE, reconverteu seus capitais obtidos

migrando para o campo da política.

Síntese

O território do Sertão do São Francisco, antes da chegada da UHE Sobradinho, era um

território cuja configuração envolvia uma estrutura de poder demasiadamente

concentrada, com a liberdade à ação extremamente restrita, dentro do princípio que

consagrou o coronelismo. Ainda, esta mesma configuração carregava uma estrutura

produtiva muito pouco diversificada, e também extremamente concentrada.

A entrada da UHE -, a literatura é unânime sobre isso -, ocorreu de forma violenta. No

processo de percolação, a UHE impôs drásticas mudanças ao território, e atingindo

grande parte da população ribeirinha. Ainda que tardiamente movimentos,

especialmente ligados à igreja, tenham feito oposição à forma como ocorreria a

construção da UHE, esta resistência acabou não obtendo sucesso. Sobradinho, antes

campo de construção da UHE de mesmo nome, também teve na violência e na ação de

movimentos base da sua formação.

O resultado do processo de percolação é de que a ação da UHE foi demasiadamente

determinante, especialmente pela mudança na paisagem do território e pela apropriação

das oportunidades por pequenos grupos. A configuração territorial resultante ainda sente

o peso de uma estrutura de poder concentrada, ainda que tenha ocorrido uma mudança

nas elites e em suas estratégias, e o território acabou por absorver de forma

extremamente limitada as oportunidades econômicas decorrentes da entrada da UHE.

Destas, a mais notável é a irrigação, que beneficiou pouco Casa Nova pela criação do

Perímetro Irrigado Nilo Coelho. Mas estes elementos pouco se difundiram na direção de

uma maior coesão territorial, com os resultados destes investimentos restritos às agentes

de fora do território.

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88

Nos comportamentos dos agentes se nota uma mudança profunda no grupo de

beneficiários de políticas públicas. Aqui menos pela ação da UHE, mas mais pela da

igreja, ou das Comissões Pastorais, que trabalharam com os grupos reprimidos na

direção da formação de associações como instrumento de ação coletiva para a luta pelos

seus interesses. Esse efeito se nota de forma ainda heterogênea, mas pode ser observado

em Sobradinho, município que nasceu da obra, e da violência que a cercou. Esse grupo

deixa de ter postura de submissão aos grupos dominantes locais, e passa a ter atuação

mais ativa e independente na condução de suas vidas.

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89

4. O ALTO URUGUAI

A ideia do aproveitamento hídrico para a geração de energia na bacia do Rio Uruguai

ocorre ainda dentro do regime militar brasileiro, na década de 1960, atrelado à ideia de

diminuição da dependência de outras formas combustíveis para a geração de energia.

Na ocasião foram planejadas 22 UHEs ao longo do Rio Uruguai, sendo a primeira a ser

construída a UHE Machadinho, que seria construída no município de Marcelino Ramos,

no território conhecido como Alto Uruguai. O Alto Uruguai, no entanto, é um território

com diferenças marcantes quando contrastado com o território do Sertão do São

Francisco. Tais diferenças imprimiram uma forma muito distinta de relação entre este

território e a UHE ali construída e a que ocorreu entre a UHE de Sobradinho e o Sertão

do São Francisco. Assim como Sobradinho, Machadinho também é exemplar, mas pelo

caminho diametralmente inverso.

Neste capítulo, como no anterior, pretende-se demonstrar como a trajetória do território

foi determinante para a forma como o processo de entrada da UHE Machadinho

ocorreu, resultando aqui em uma percolação diferente da ocorrida no Sertão do São

Francisco, mais guiada à diminuição dos efeitos negativos e à coesão territorial, e que

hoje se fundamenta mais na geração de uma boa relação com o agente externo, a

concessionária, que com o aproveitamento dos resultados diretos das mudanças na

paisagem local.

4.1 A formação social do Alto Rio Uruguai

O Alto Uruguai é uma região de ocupação tardia, diferente da porção mais ao sul do Rio

Grande do Sul, que foi palco de muitas disputas por territórios entre Portugal e Espanha.

O Norte, na porção mais interior do Estado, bem como grande parte de Santa Catarina,

acabaram por receber povoamento para fins de colonização por volta da metade do

século XIX. Mais que isso, de uma forma consideravelmente distinta do formato de

colonização empregado no País até aquele momento, inclusive nas porções litorânea e

sul, do próprio Rio Grande do Sul.

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90

O Estado do Rio Grande do Sul foi inicialmente povoado com o propósito básico de

ocupação do espaço e garantia de fronteiras. Na ocasião, a região ocupada foi o litoral

ea fronteira sul e, assim como no interior nordestino, a ocupação principal dos colonos

iniciais era a pecuária. Nesse período, com as fronteiras na região ainda mal definidas, a

população de colonizadores na região era muito baixa, especialmente no interior. A

produção de bovinos na região ganhou destaque com o tempo, chegando a competir

com a produção do interior nordestino e com a mineira. Ainda no século XIX, tropeiros

usavam uma passagem pelo que é hoje o município de Barracão, na época conhecido

como Passo do Pontão, como passagem para gado no século XVIII (BARBOSA, 1981).

As primeiras experiências de imigração com fins de colonização no Rio Grande do Sul

são as da colônia São Leopoldo, de imigrantes alemães, no início do século XIX, ainda

no período monárquico. Esta não é a primeira experiência de colonização no Brasil

(para além da evidente colonização portuguesa), mas é considerada a primeira que teve

sucesso (PETRONE, 1982).

Um ponto importante a se destacar a respeito do processo de colonização por imigrantes

na região Sul do Brasil é que esta se deu com base na posse de fato da terra. Isso a

diferencia, especialmente, da imigração no Sudeste, ou em São Paulo, em meados do

século XIX, onde a colonização ocorreu por meio de parceria com grandes fazendas de

café. Nestas fazendas os colonos atuavam como mão de obra, normalmente em

substituição da mão de obra escrava. Apesar de resistir por certo tempo, as colônias de

parceria não eram bem vistas em função do tratamento que os colonos recebiam.

Acostumados ao uso de trabalho escravo, e sem prática do uso de mão de obra livre, os

fazendeiros dispensavam aos colonos tratamento também violento (PETRONE, 1982).

A forma como ocorreu a colonização na região acabou por ser determinante na

formação da configuração territorial de grande parte dessa macrorregião, e também do

Alto Uruguai. Os colonos, de forma geral, não tiveram apoio do governo, tanto federal,

quanto estadual, e não raras as vezes encontraram terras em condições diferentes

daquelas que haviam sido prometidas. Isso fez com que os colonos acabassem por criar

um forte senso comunitário, e muitas das dificuldades locais foram resolvidas dentro

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das colônias, por ação dos próprios imigrantes. Dessa forma, para suprir a necessidade

de uma escola na comunidade, os imigrantes se organizavam e contratavam professor

para seus filhos. Da mesma forma ocorria com a igreja, que era construída por eles, e o

padre contratado por todos.

Outro ponto diz respeito ao tamanho das propriedades que os colonos recebiam.

Tratava-se de propriedades de pequena dimensão, variando entre 25 hectares a

aproximadamente 75 hectares, o que permitia uma produção diversificada na

agricultura, mas dificultava, ou mesmo impedia, a divisão do lote para a herança. Isso

fazia com que os descendentes dos colonos buscassem novos terrenos, por vezes

abrindo novas linhas. Dessa forma, o povoamento antes próximo do litoral, começava a

se estender para dentro do Rio Grande do Sul, e levando consigo as características das

colônias originais (PETRONE, 1982).

Esse caso de expansão de colônias é o que ocorreu com os municípios do Alto Uruguai

aqui analisados, sendo que os primeiros municípios, aqueles que seriam a base da

região, foram fundados em meados do século XIX. Em 1857 foi fundado o município

de Lagoa Vermelha, em uma área cujo povoamento começou apenas em 1840, pela

constituição de uma fazenda, que dois anos depois se tornou distrito de Vacaria. Dele se

desmembraram Sananduva em 1954, Machadinho em 1959, Barracão em 1964,

Marcelino Ramos em 1960, Maximiliano de Almeida em 1962 (emancipada de

Marcelino Ramos) e Cacique Doble, em 1964 (BARBOSA, 1981).

Neste processo de expansão interna no Estado, Machadinho recebeu italianos da

primeira onda de migração logo no começo do século XX, e Maximiliano de Almeida,

italianos e portugueses, no mesmo período (BARBOSA, 1981). Nessa região, seguindo

os mesmos princípios da colonização europeia, a distribuição de terras ocorreu de forma

razoavelmente igualitária, resultando na formação de uma economia baseada na

pequena produção. Em torno dessa produção foram desenvolvidos mercados com vistas

a suprir a região em suas necessidades básicas. Dessa forma, resultou na região uma

economia mais diversificada, e menos concentrada (HERRLEIN JR., 2004).

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92

A partir da década de 1930 o Rio Grande do Sul começou a passar por um processo de

transição para o modelo de capitalismo industrial80

. Enquanto nas regiões litorânea e

sul, cuja formação se assemelha mais à do Brasil colonial, ocorreu a constituição de

indústrias, isso não aconteceu na região do Alto Uruguai. Sua vocação essencialmente

agrária, com muitas pequenas propriedades, o que garantia bom sustento às famílias

produtoras e uma estrutura urbana baseada em comércio, acabaram por impor

dificuldades à industrialização na região, uma vez que se tornou difícil encontrar mão de

obra (HERRLEIN JR., 2004).

Esse fato foi sentido na região, o que ocasionou seu empobrecimento monetário. Mais

que isso, provocou seu gradativo isolamento. Dessa forma, os municípios mais ao norte

do Estado acabaram ganhando a alcunha de "Volta da Fome"81

. Esta região acabou por

ser identificada como uma das mais pobres do Rio Grande do Sul no início do século

XXI. Em 2001 o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, com vistas a diminuir as

desigualdades regionais no Estado, estruturou o Grupo de Trabalho para Regiões Menos

Desenvolvidas, que selecionou sete regiões prioritárias para sua ação82

, e a região do

Conselho Regional de Desenvolvimento Nordeste83

, onde se situam Machadinho e

Maximiliano de Almeida, foi uma delas. As ações propostas pelo grupo e efetivamente

implementadas foram a constituição de um campus da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul em Sananduva (e ligado a Vacaria), um Polo Tecnológico em Lagoa

Vermelha, ligado à Universidade de Passo Fundo. Houve tentativa de desenvolvimento

do projeto LEADER, mas que acabou por não avançar (CARGNIM, 2014).

80 No Rio Grande do Sul esse processo começou de forma tardia em relação ao resto do Brasil, e

segundo Herrlein Jr. (2004), teve características muito particulares, especialmente pela forma como

se constituiu este estado.

81 A situação de isolamento da região que deu a alcunha de "Volta da Fome" gerou, inclusive, um

movimento de separação desta região do Rio Grande do Sul para anexação a Santa Catarina. Segundo

um dos relatos, não havia, a intenção de separação real do Estado, mas sim de exercer pressão sob o

governo para o desenvolvimento de acesso asfáltico desta com outras regiões do Rio Grande do Sul,

para facilitar o trânsito local, e facilitar o escoamento da produção agrícola. Sobre a "Volta da Fome"

o melhor relato é do agente de Elite Política 2 (ver anexo III), que viveu de forma direta os conflitos

políticos relacionados.

82 É importante destacar que o critério para definição das COREDEs selecionadas foi apenas o PIB.

83 Reforça-se aqui que o uso de Alto Uruguai para a análise do território se dá por razões históricas, e

evitar confusão com o fato da região do Sertão do São Francisco pertencer à região Nordeste.

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Estes investimentos ocorreram contemporaneamente à construção da UHE Machadinho,

no início da década de 2000, e pouco foi comentado nas entrevistas sobre seus efeitos,

tanto em Machadinho como em Maximiliano de Almeida. De fato, a ligação maior entre

estes municípios se dá mais com Erechim e Passo Fundo, que com Lagoa Vermelha e

Sananduva. Resta então compreender de que forma a UHE propriamente dita

influenciou (e vem influenciando) o território. Para tanto, na sequência será discutida a

forma como ocorreu a entrada desta infraestrutura.

4.2 A construção da Usina Hidrelétrica de Machadinho

Ao contrário de Sobradinho, Machadinho passou por forte resistência à sua forma de

construção, que foi concebida no fim da década de 1960, como a primeira de uma série

de barragens que deveriam explorar o Rio Pelotas, divisa entre os estados do Rio

Grande do Sul e Santa Catarina. Sua construção foi definida no ano de 1982, e deveria

ser realizada no município de Marcelino Ramos, vizinho de Maximiliano de Almeida.

O anúncio formal da construção ocorreu no ano de 1979, e a partir daí começou forte

resistência à forma de construção da barragem (tanto de Machadinho, como de Itá,

hidrelétrica vizinha), por parte da Comissão Pastoral da Terra e dos Sindicatos de

Trabalhadores Rurais, que questionaram a forma como ocorreria o reassentamento da

população atingida. Estes grupos passaram a constituir uma Comissão de Barragem.

Além desta comissão, os prefeitos da região, por meio da Associação dos Municípios do

Alto Uruguai, também expressaram preocupação, ao solicitar garantias a respeito dos

impactos e formas de mitigação do projeto (SIGAUD, 1986; HALL, 1994).

A posição da Comissão de Barragem não era a de oposição à construção da UHE, mas

sim da garantia de um tratamento correto aos atingidos, e a correção dos valores de

indenização, sendo que no desenho original do projeto haveria o deslocamento 11.200

pessoas. E nessa direção buscou diálogo constante com a Eletrosul. Em 1981 a

Comissão consolidou sua estrutura, da qual faziam parte Sindicatos de Trabalhadores

Rurais, representantes das igrejas luterana e católica, e pela CPT, e passou a ser

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designada como Comissão Regional dos Atingidos por Barragens (CRAB) (SIGAUD,

1986).

Dada a pouca informação disponível na época, e mesmo o fato de que o reassentamento

não era uma prática comum, a comissão formou delegações com o propósito de visitar

os assentamentos realizados para os atingidos na região do São Francisco, visitando

Moxoró, Paulo Afonso e Sobradinho (HALL, 1994)84

. Não havia por parte dos

potenciais atingidos a compreensão da dimensão deste momento em suas vidas, e coube

ao CRAB informar aos colonos, especialmente aqueles das linhas que seriam atingidas,

os efeitos desse processo. Além disso, o CRAB acabou por constituir como um

centralizador das demandas locais e a ponte de diálogo entre a Eletrosul e os colonos85

.

A reação à construção da barragem ganhou grande dimensão, sendo realizados

encontros e marchas para a mobilização dos agricultores, e como pressão contra a

Eletrosul na busca de soluções apropriadas para a questão daqueles que seriam atingidos

pela formação do lago86

. A repercussão da construção da barragem e sua oposição

provocou a formação de uma Comissão Especial de Barragens, no legislativo gaúcho no

anode 1983. O crescente apoio aos atingidos, e a constante recusa da Eletrosul na busca

por uma solução em consenso com os grupos locais, levou a que fossem realizadas

propostas alternativas à construção de UHEs do porte proposto, e levou, inclusive, à sua

total condenação, no mesmo ano de 1983, no Encontro Estadual sobre a implantação de

Barragens na Bacia do Rio Uruguai, promovido pela Comissão Especial de Barragens

(SIGAUD, 1986).

84 A importância do MAB, e também do MST, no sentido de informar os potenciais atingidos, e

também de organizar os reassentamentos, foi reforçado pelos agentes de Família Tradicional 3 e Elite

Política 4, agora no contexto da construção já no segundo eixo, como será descrito a seguir (ver

anexo III).

85 Não se pode dizer, de forma alguma, que o CRAB, na ocasião em plena formação, fosse uma

coalizão com alinhamento perfeito de interesses. Ao contrário, havia por parte dos agentes envolvidos

interesses diversos, e formas diversas de compreender a CRAB, ainda que o resultado final tenha sido

o de oposição à construção da barragem em um primeiro momento, e depois a negociação de formas

de mitigação, quando se percebeu que seria inevitável a sua construção. Sobre isso Aurélio Vianna Jr.

apresenta um trabalho etnográfico que detalhada estes pontos, ver Vianna Jr. (2012).

86 Vale lembrar que no mesmo período ocorriam ações que dariam origem ao Movimento dos Sem

Terra, também no Rio Grande do Sul.

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95

No ano de 1984 o movimento ganhou apoio dos governadores dos Estados de Santa

Catarina e Rio Grande do Sul, que defendiam o fim das obras. Mas nem tudo era

consenso. O relatório da Comissão Especial de Barragens, da Assembleia Legislativa,

apontava alternativas para a construção da UHE, mas não tinha uma posição firme a

respeito da não construção das UHEs de Machadinho e Itá, o que desagradou à CRAB.

Ainda no fim do ano de 1984, a Cooperativa Tritícola de Erechim (COTREL), alguns

presidentes de Sindicatos de Trabalhadores Rurais e prefeitos, formaram a "Equipe

Justiça e Trabalho na barragem de Machadinho"87

, com o objetivo de buscar uma

solução com a Eletrosul sobre a questão dos atingidos (SIGAUD, 1986), também de

forma menos incisiva que a CRAB.

Os enfrentamentos só intensificaram a partir daí. Houve mobilizações, barreiras,

expulsão e "prisões"88

de técnicos ligados às empresas responsáveis pela construção, até

que ocorreu o acordo para a construção da UHE89

em 198790

, com o acordo de que o

reassentamento dos atingidos ocorreria de forma anterior à construção das UHEs, mas o

não cumprimento de ações de mitigação provocou novos protestos em Machadinho e a

construção foi interrompida novamente em 1988 (VIANNA JR., 2012). A solicitação

maior por parte dos atingidos, na sua maioria agricultores, era a de que se deveria trocar

terra por terra, ao invés de indenização, pelo temor de não conseguirem adquirir outras

terras.

Gradativamente ocorreu a mudança dos agentes que construiriam a UHE. Em 1985,

com o fim da ditadura militar e do período de opressão, e o fortalecimento das

instituições democráticas, o agente estatal já não tem mais o mesmo poder para se impor

no território. Mesmo dentro da Eletrosul, já havia a mudança no seu corpo técnico, com

segmentos muitos mais alinhados às questões sociais que permeavam o processo de

construção da UHE. Por fim, com o processo de privatização do setor elétrico, a partir

87 Vianna Jr., define esta equipe como uma concorrente com o CRAB como legítima representante dos

atingidos.

88 Nem todas ações foram realizadas pela CRAB, mas capitalizadas para o movimento. Estas prisões

consistiam na retenção de funcionários ligados à construção da barragem, normalmente por um dia.

Para uma descrição detalhada de uma das prisões, ver Vianna Jr. (2012).

89 Nesse acerto também ficou decidida a construção da UHE Itá, na mesma bacia, que foi efetivamente

construída.

90 O ano de 1986 marca a entrada em vigor da Resolução CONAMA 001/1986, marco da avaliação de

impactos ambientais de grandes infraestruturas.

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96

de 1994, muda definitivamente a natureza de quem construiria a UHE, passando de

empresa estatal para consórcio privado (VIANNA JR., 2012).

Em 1996, especialmente em função dos custos envolvidos91

(VIANNA JR., 2012)

houve mudança de eixo da UHE, deslocada em 7km do desenho original, tirando os

impactos de Paim Filho (NÉSPOLI e PIZZATO, 2007), município que concentrou

muitos dos conflitos. Com isso diminuiu consideravelmente o número de potenciais

atingidos, com repercussão no contingente de agentes que constituíam oposição à

construção da barragem. Mais que isso, se concentrava o processo praticamente todo em

dois dos municípios que mais sofriam com o estigma da "Volta da Fome". Ocorre então

um posicionamento diferente entre poder público da época e parte da população local

que ainda se opunha à construção92

. A visão de que a barragem poderia trazer benefícios

à região ainda um tanto isolada se opunha à visão de que a construção dela traria fortes

impactos ambientais e sociais.

Todo o processo de negociação foi finalizado apenas no ano de 1997, quando a

construção foi passada para a iniciativa privada, por meio do Consórcio Machadinho,

que constituiu a empresa Machadinho Energética S. A. (MAESA) para a construção da

barragem. Nesse processo ficou decidido que o município que receberia a barragem

seria Maximiliano de Almeida, e não Marcelino Ramos, o que diminuiu o número de

atingidos potenciais de 11.200 pessoas para aproximadamente 8.000.

Depois da construção da barragem, no entanto, houve certo desencanto. Em reportagem

de encarte especial do jornal A Hora, de fevereiro de 2003, foram entrevistadas diversas

pessoas, representantes do comércio e serviço, sindicato dos trabalhadores rurais, da

câmara de vereadores e de cooperativas e, de forma geral, havia a sensação de que a

barragem não trouxe o que havia sido prometido. Esse sentimento, especialmente

observado no comércio e serviços, veio por conta da diminuição da população por conta

91 Aurélio Vianna Jr. indica que estes custos seriam motivados pela questão social, relativas às

indenizações (2012).

92 O agente de Família Tradicional 2 indica que neste momento os prefeitos já eram a favor da

construção da UHE, enquanto ainda havia oposição do MAB, sendo que os prefeitos passaram a

discutir e argumentar em favor da construção com o movimento.

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97

do reassentamento93

, o que gerou impacto na economia local94

. Mas a esperança do

desenvolvimento local estava depositada no parque termal, que na época estava sendo

construído. Havia também a visão das possibilidades abertas pela relação estabelecida

com a Concessionária, que já havia viabilizado a construção do parque termal, e o

desenvolvimento no município de um tipo próprio de erva-mate95

, e poderia viabilizar a

construção de uma fábrica de calçados96

. No caso dos representantes da política local

havia, além da relação estabelecida com a concessionária como positiva, a visão do

benefício da entrada da compensação financeira (A HORA, 2003).

4.3 Indicadores socioeconômicos do Alto Uruguai

Nas subseções anteriores buscou-se compreender como ocorreu a formação social do

território do Auto Uruguai, quais foram os elementos determinantes neste processo, e

inferir como era a organização social do território antes da entrada da UHE. Na

sequência o processo de construção da UHE Machadinho é apresentado, desde o seu

momento inicial, até a conclusão da construção da UHE, em 2002. Todos estes

elementos contribuem para o desempenho do território em termos de bem-estar, uma

vez que configuram o território, e consequentemente, a qualidade de suas instituições.

Assim como no Sertão do São Francisco, esta subseção visa caracterizar o território,

situando os municípios em análise ante seus pares mais próximos, e com relação ao

Estado do Rio Grande do Sul e ao Brasil. Serão tomados indicadores socioeconômicos

para a caracterização do desempenho atual dos municípios do Alto Uruguai. Estes são

municípios com população baixa, assim como os municípios em seu entorno, tendo

Machadinho 5.510 habitantes e Maximiliano de Almeida 4.911, no ano de 2010 (IBGE,

2010). Novamente serão utilizados como base os valores de IDH municipal e suas

93

Boamar (2003) identifica seis formas de mitigação dos atingidos diretos, que são as indenizações, os

reassentamentos, tanto pequenos, como em áreas de remanescentes e determinados casos especiais, o

fornecimento de carta de crédito e remanejamentos coletivos.

94 Houve também a perda de uma ligação que era realizada por balsa entre Machadinho e Piratuba (SC),

o que teria impactado o comércio também, segundo os representantes da ASCAR/EMATER (ver

anexo III).

95 Tipo denominado de Cambona 4, da ervateira Cambona, desenvolvida em conjunto com a Embrapa.

96 A fábrica de calçados acabou não sendo desenvolvida.

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98

componentes para os anos de 1991, 2000 e 2010, bem como indicadores que os

complementem, assim como o índice de Gini para a desigualdade de renda.

Um primeiro ponto a destacar é que os municípios deste território vêm gradativamente

perdendo população, e isso não se deve somente à construção da UHE, mas também a

aspectos como o isolamento da região e às circunstâncias que caracterizaram

historicamente o local como"Volta da Fome". Ainda assim, os municípios mais afetados

por esta diminuição foram, justamente, Machadinho e Maximiliano de Almeida, que de

1991 a 2010 perderam 1.828 e 1.578 habitantes, respectivamente. Esse dado é

significativo, uma vez que resulta na perda de força de trabalho e perdas no comércio.

Um efeito analítico que também deve ser considerado é o fato de que parte dessa

população deixou o território por conta da construção da UHE, e se trata de população

essencialmente pobre, o que pode acabar resultando em sensível melhora em

determinados indicadores econômicos, mais pela diminuição dessa parcela pobre, que

por melhorias efetivas na economia local97

.

Figura 4.1 - Variação do IDH no Território do Alto Uruguai no período de 1991 a 2010

Fonte: PNUD

Elaboração do autor

97 Por essa razão esses dados são tratados aqui para fins meramente descritivos, para situar o território

no seu entorno.

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99

O desempenho dos municípios do Alto Uruguai, no que diz respeito ao IDH enquanto

componente agregado é bom se comparado ao desempenho médio dos municípios

brasileiros, mas fica um tanto aquém do desempenho da média dos municípios do Rio

Grande do Sul. Enquanto a média nacional para o IDHM de 2010 é 0,659, todos

municípios têm desempenho superior, estando apenas Cacique Doble pouco acima, com

0,662. Já com relação à média estadual, 0,713, apenas Ibiaçá, Sananduva, Santo

Expedito do Sul e São José do Ouro têm desempenho superior. Barracão, um dos

municípios que faz parte da área do lago formado pela barragem, fica muito próximo,

com 0,710, enquanto Machadinho fica em 0,692, e Maximiliano de Almeida, com

0,699, bem abaixo, dentro do que o PNUD define como desempenho médio (valor entre

0,600 e 0,699). No período de 2000 a 2010, no entanto, os municípios que apresentaram

variação maior foram justamente Barracão (25,44%), Machadinho (21,19%) e

Maximiliano de Almeida (24,37%), com aumentos próximos à média nacional, e muito

acima da média do Estado do Rio Grande do Sul.

Assim como no caso do Sertão do São Francisco, é na componente da educação que se

encontra o principal fator de crescimento do IDH dos municípios da região. Os três

municípios sob o lago da barragem são os que apresentam maior crescimento nesta

componente, além de São José da Urtiga e Tupinanci do Sul. Machadinho, Maximiliano

de Almeida e Barracão tiveram crescimento de 45,70%, 45,92% e 62,28%

respectivamente, neste indicador. A taxa de analfabetismo na região é praticamente a

metade da média dos municípios brasileiros, com 8,44% contra 16,25%, sendo

Machadinho (ao lado de Cacique Doble) um dos municípios com maior índice, 10,55%.

No que diz respeito ao ensino médio, as taxas de acesso estão acima da média nacional

para Machadinho (50,83%) e Maximiliano de Almeida (53,27%) e próximas, no caso de

Barracão (42,35% contra 46,9%), mas estes municípios estão abaixo do desempenho

dos demais do território.

A componente longevidade do IDH não teve aumento expressivo na região. Os valores

já eram altos em 2000, sendo que dos municípios sob o lago da barragem, apenas

Maximiliano de Almeida estava abaixo de 0,75 (0,729 na época), sendo a melhora em

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100

2010 maior que a média nacional (13,16% contra 11,2%). Em 2010 todos os municípios

contaram com índices acima de 0,8, mas aqui Machadinho é quem apresentava o pior

desempenho, com 0,807.

Se tomamos outros elementos caros à saúde como o acesso à água e saneamento e a

violência, temos que o acesso à água e saneamento apresenta um quadro um tanto

paradoxal, pois enquanto Barracão e Machadinho apresentaram um aumento no número

de domicílios e um aumento considerável nos domicílios com acesso à fontes

melhoradas de água e a saneamento (308,6% e 405,3% de aumento, respectivamente),

Maximiliano de Almeida apresentou aumento no número de domicílios, com redução

nos que tem acesso a tais recursos (que de 57,9% de acesso para 42,6%). Segundo os

relatos em Machadinho, grande parte dessa melhoria vem, justamente, dos

investimentos da empresa concessionária no município, o que não ocorreu em

Maximiliano de Almeida. Ainda assim, os três municípios apresentam acesso superior à

média nacional (40,2%). No que diz respeito à violência, segundo o Mapa da Violência

de 2012, no período entre 2008 e 2010, Maximiliano de Almeida não apresentou

registros de homicídios, enquanto que Machadinho registrou 1 homicídio, e Barracão, 4.

A componente de renda do IDH dos municípios do Alto Uruguai é sempre maior que a

média dos municípios brasileiros, de 0,642, sendo que de Machadinho e Barracão

apresentam valores de 0,711 ambos e Maximiliano de Almeida, 0,699, o que os coloca

em posições intermediárias no território. Os índices de pobreza na região estão todos

abaixo da média nacional (24,62%), mas Barracão e Machadinho estão entre os piores

neste índice, com 18,79% e 15,68% de sua população em condição de pobreza,

respectivamente (Maximiliano apresenta índice de 10,25%).

Já no caso do índice de Gini de renda, Machadinho fica pouco acima da média nacional

(0,49), com uma distribuição de praticamente 0,5, enquanto Maximiliano apresenta um

valor de 0,44. Em comparação com os outros municípios deste território seu

desempenho é apenas mediano, indicando ambos melhores que Barracão e Cacique

Doble, por exemplo, mas com valores piores Sananduva e São da Urtiga (que apresenta

a menor desigualdade de renda, com 0,39).

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101

Figura 4.2 - Distribuição de renda no Território do Alto Uruguai no ano de 2010

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2010) Elaboração do autor

A agricultura ainda é a principal fonte de riqueza em Maximiliano de Almeida e

Machadinho, especialmente com a produção de soja, mate e trigo. Esse aspecto,

associado ao fato de que há grande quantidade de famílias que produzem, acaba

refletindo no tipo de política pública que mais incide na região, e nesse caso é o Pronaf,

especialmente os dos grupos "A" e "A/C", que apresentam valores maiores de crédito98

.

O escoamento dessa produção não é um problema para a população local que, apesar de

não contar com os melhores acessos, conta com a presença de duas cooperativas, a

Camol – Cooperativa Agrícola Mista Ourense Ltda. – e a Cotrel – Cooperativa Tritícola

de Erechim Ltda. –, além de empresas cerealistas particulares, o que dá certa garantia ao

pequeno produtor familiar.

Apesar deste viés de agricultura familiar os setores de comércio e serviços vêm

ganhando destaque na região, especialmente em Machadinho, por conta da exploração

do turismo. Sua contribuição para a economia local é significativa, mas segundo os

relatos, ainda é muito pontual (se dá mais na época de férias), e ainda apresenta

dificuldades de crescimento especialmente pela dificuldade de acesso a Machadinho,

98 Informação obtida em campo com representantes da ASCAR/EMATER.

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102

que ocorre por meio de estradas de terra. A participação do valor adicionado relativo a

serviços no PIB municipal de Machadinho e Maximiliano de Almeida, no ano de 2010,

eram de 53,86% e 55,90%, respectivamente, valores superiores mesmo aos valores

adicionados referentes à agricultura (36,25% e 32,94%, respectivamente).

O que se nota é um território que, de forma geral, apresenta indicadores melhores que a

média dos municípios nacionais, mas com razoável heterogeneidade. Ainda que tenha

ocorrido aumento maior nos valores de IDH de Machadinho e Maximiliano de Almeida

que nos demais municípios, estes continuam mais baixos, assim como são baixos seus

indicadores de educação, e longevidade. Estes fatores colocam Machadinho e

Maximiliano em situação pior relativa a bem-estar com relação a seus vizinhos de

COREDE, o que não surpreende para uma região marcada pelo isolamento.

Resta saber qual a influência da UHE nestes indicadores, ou na possibilidade de

mudança deles, tendo em vista que sua construção ainda é recente, bem como o

processo de percolação na relação entre UHE e território, sendo que, como se observará

a seguir, ainda segue em marcha o estímulo da UHE na mudança da configuração do

território.

4.4. As metamorfoses no território e o papel da UHE

Nesta seção é discutido como vem ocorrendo o processo de metamorfose no território

do Alto Uruguai, que se iniciou ainda no fim da década de 1970, e tem desde então,

uma participação ativa da UHE Machadinho99

. Como já apresentado anteriormente,

reforça-se que mais importante que observar os indicadores de bem-estar e renda, ou

mesmo os investimentos públicos aplicados no território com o tempo, é em quem guia

estes investimentos que está a resposta para compreender o papel da barragem nestas

mudanças. E no caso da UHE Machadinho isso se torna mais evidente, uma vez que os

investimentos diretos decorrentes da construção da barragem, ainda vem acontecendo.

99

Vignatti (2013) e Pritsch e Miranda (2015) apresentam mudanças ocorridas na morfologia dos

territórios do lado catarinese de barragens construídas no Rio Uruguai. Vignatti trata das mudanças

ocorridas nos municípios-sede das UHEs Itá, Machadinho e Foz do Chapecó, enquanto Pritsch e

Miranda focam os municípios na área de influência da UHE Itá.

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103

Aqui se analisará o papel da UHE em três aspectos, que são as alterações na distribuição

de poder local, as alterações nas formas de apropriação e uso dos recursos, e a dinâmica

da relação entre os comportamentos e as instituições, formais e informais, que regulam

as dimensões anteriores. Para tanto, serão analisados os resultados dos trabalhos de

campo realizados no Sertão do São Francisco, contrapostos com dados secundários.

Os trabalhos de campo ocorreram em dois momentos, sendo o primeiro em agosto de

2015, e o segundo em outubro de 2016. A primeira visita a campo teve como objetivo

um primeiro conjunto de entrevistas com agentes-chaves, e a realização de um conjunto

de quatro entrevistas semiestruturadas. O foco integral deste momento foi Machadinho,

dada sua importância no processo de entrada da UHE (ainda que construída em

Maximiliano de Almeida).

Um problema identificado em Machadinho diz respeito à condição dos beneficiários de

política públicas. O perfil ideal para a pesquisa é o de pequeno agricultor que acesse

políticas de inclusão produtiva, especialmente o Pronaf B, e o PAA ou PNAE100

. Este

perfil não foi encontrado em Machadinho, onde o Pronaf é acessado em níveis mais

altos. Optou-se por realizar apenas uma entrevista neste momento, e no retorno ao

campo, entrevistar um beneficiário do Programa Bolsa Família, desta forma observando

o extremo entre o acesso a políticas públicas no território.

No segundo momento o foco central foi Maximiliano de Almeida, e a complementação

das entrevistas em Machadinho. Nesse caso também foram realizadas entrevistas com

agentes-chave e entrevistas semiestruturadas com agentes representativos dos grupos de

interesse, o das elites econômica e política, de famílias tradicionais e de beneficiários. É

importante notar que muitos dos agentes selecionados nestes grupos também tiveram

importante papel na construção da UHE, o que significa que em suas entrevistas

também foram registrados momentos da construção, para além de suas trajetórias

pessoais e opiniões sobre o desenvolvimento local recente.

100 Esta questão foi apontada, especialmente, pelos representantes da ASCAR/EMATER, que apontaram

também certa resistência dos Bancos locais em disponibilizar linhas de Pronaf menores.

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104

Estas informações são base para a análise que segue e, associadas a dados secundários,

permitem compor um quadro do território atual, olhando de forma mais centrada nos

municípios aqui analisados, e de que forma a UHE contribuiu, tanto para a formação

deste quadro atual do território, como destes municípios101

. Nesse sentido, a análise

segue em três momentos, que são (1) as mudanças na paisagem do território e as

oportunidades geradas, e também perdidas, por conta da entrada da UHE, (2) as

mudanças nas trajetórias dos agentes e, por fim, (3) as mudanças na distribuição de

poder local e sua relação com a entrada da UHE.

A UHE, as mudanças na paisagem e a dinâmica das oportunidades econômicas e a

terra

Um primeiro ponto que se destaca aqui é a perda de população nos dois municípios em

análise. Assim, como nos casos consagrados na literatura, aqui também há a perda de

elementos culturais e de relações sociais, mas deve-se observar que já havia uma

diminuição gradual da população nestes municípios, especialmente por conta do seu

isolamento e falta de oportunidades. No entanto, a construção da UHE acelerou este

processo deslocando muito habitantes de linhas próximas ao lago. Isto, dada a dimensão

dos municípios de Machadinho e Maximiliano de Almeida, implicou também num

problema econômico, uma vez que se perdeu parte do mercado consumidor.

No sentido inverso, o isolamento histórico da região acabou por ser diminuído por conta

da ligação asfáltica com Santa Catarina. Segundo os relatos, essa ligação asfáltica entre

Maximiliano de Almeida e Piratuba, no lado catarinense da barragem não estava

previsto originalmente102

. Acontece que com a mudança da relação entre a construtora e

os municípios da região, que possibilitou a construção da UHE, começaram a ocorrer

diálogos diretos entre ambas as partes sobre investimentos nos municípios. Nestes

101 No desenvolvimento dessa seção serão utilizadas informações coletadas nas entrevistas. Estas

informações estão concentradas no anexo III, e distribuídas da seguinte forma: a primeira parte

contêm uma síntese da discussão realiza com os informantes no território, a segunda contem a síntese

de algumas entrevistas com os agentes no campo, e a terceira uma transcrição de cinco relatos

considerados mais relevantes para a observação das mudanças na dinâmica do território. Na medida

em que informações forem apresentadas na seção, quando relevante serão feitas referências a

entrevistas específicas, ou o resgate de trechos considerados mais importantes.

102 A forma como ocorreu esta ligação é relatada pelo agente de Família Tradicional 2.

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105

diálogos, já com a construção em andamento, surgiu a proposta da ligação asfáltica. A

ligação trouxe a possibilidade da ocupação de parte da população local em empregos

(notadamente em fábricas) neste estado. Além disso facilitou o acesso de pessoas de

fora à região103

.

Esse gradativo acerto na relação entre os municípios e a construtora, e depois com a

própria concessionária, também trouxe elementos vistos como benefícios pelos agentes

locais. Estes vieram por meio de investimentos no perímetro urbano de Machadinho, e

agora vem se revertendo em investimentos na recuperação de diversas linhas,

especialmente as próximas à barragem, tanto em Machadinho como em Maximiliano de

Almeida104

.

Longe de serem elementos meramente cosméticos, esses investimentos reforçam uma

tendência que foi viabilizada pela relação com a concessionária, que é o do investimento

no turismo local105

. Ao contrário do usual apontado pela literatura, que seria a própria

barragem o principal elemento atrativo para o turismo, esta relação viabilizou a

construção de um parque termal em Machadinho, que por sua vez vem ampliando o

setor de serviços e de construção, em função da ampliação do setor imobiliário que

cresce em função da construção de leitos para o turismo.

O que se nota na região é a convergência na idéia da diversificação das atividades

econômicas, hoje materializada na busca da consolidação do turismo. É interessante

notar que é comum a visão de que turismo traz "dinheiro limpo" para o município, ou

seja, aumentando a circulação monetária local. Também é importante observar que o

próprio turismo, enquanto atividade econômica de interesse comum aos dois

municípios, reforça a ligação destes como território, tendo em vista que, segundo os

103 Além da ligação para Santa Catarina pela barragem, a ligação com Maximiliano de Almeida acontece

pela ERS-126, ligando com Paim Filho, com más condições de trafegabilidade, por esta mesma

estrada até Erechim, com asfalto, passando por Marcelino Ramos, e com Machadinho pela ERS-208,

com asfalto. Já Machadinho, além da ligação com Maximiliano de Almeida, tem ligação com São

José do Ouro, via ERS-442, com péssimas condições trafegabilidade.

104 Como relatado pelos agentes Elite Política 3 e Elite Política 4.

105 O turismo local é destacado por diversos agentes, mas os mais incisivos sobre seu valor (e também

seus dilemas) são o Representante da ADTM e o Representante Comercial 2. Nesse sentido, um

ponto importante diz respeito à saída do jovem do campo, que foi destacado pelos Representantes da

ASCAR/EMATER e pelo agente de Família Tradicional 3. Neste sentido, o turismo oferece

oportunidades econômicas para quem vem para a cidade.

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106

relatos, Maximiliano de Almeida vem buscando alternativas que complementem as de

Machadinho106

. Ao menos duas alternativas foram comentadas durantes as entrevistas.

Uma seria a de construção de um hotel às margens do lago da barragem, a outra seria a

de explorar o fato de que Maximiliano de Almeida conta com duas UHEs (já abriga a

pequena UHE Forquilha, no rio de mesmo nome, em operação desde 1950), e deve

contar no futuro com Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) no rio Forquilha. Sobre a

primeira também foram ouvidas críticas, uma vez que não seria suficientemente distinta

do parque termal de Machadinho. O fato é que o senso comum entre os entrevistados

aponta para a insuficiência dos atuais atrativos para manter uma estrutura turística e,

mais importante que isso, é que os dois municípios podem atuar de forma conjunta e

articulada na direção de melhorias nesta atividade.

Neste sentido, Machadinho segue mais avançada que Maximiliano de Almeida. Por lá

há a formação de uma grande estrutura hoteleira, tanto com a construção do hotel ligado

ao seu parque termal107

, como por diversas pousadas e chalés, além de grande expansão

do seu parque gastronômico e do comércio em geral. O município já conta com dois

museus, um em sua principal igreja, a de Frei Teófilo, e outro o da Alma Campeira.

Esta estrutura, porém, conta praticamente com o sucesso das temporadas de férias, e

esporádicas visitas de grandes grupos. Maximiliano de Almeida, porém, não conta com

atrativos para turismo108

,

Da exploração direta das possibilidades abertas pela formação do lago de Machadinho,

além da possibilidade de uso turístico, vem-se buscando a legalização da produção de

tilápias em tanques-rede no Rio Grande do Sul, atividade hoje proibida no estado em

função deste peixe ser entendido como uma variedade exótica, o que abriria uma nova

possibilidade de exploração de renda. A escolha da tilápia não se dá por acaso, pois seu

valor justifica a prática da cultura em tanques-rede, mas o mais interessante é o fato de

que a proibição desta prática não ocorre no Estado de Santa Catarina.

106 Esta relação emergente entre Machadinho e Maximiliano de Almeida foi apontada pelos agentes Elite

Econômica 1 e Família Tradicional 2.

107 As Thermas Machadinho tiveram sua construção iniciada 2003, após a consolidação da parceria com

a MAESA e finalizada em 2004 (A HORA, 2003). O Park Hotel Thermas Machadinho foi

inaugurado em 2013 (PARK THERMAS MACHADINHO, 2017).

108 Reforçando-se a declaração de um dos agentes sobre a procura de representantes de Machadinho por

atrativos em Maximiliano de Almeida para os turistas.

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107

Mas, e com relação à distribuição fundiária, houve mudanças? A terra é um elemento

formador da estrutura social do Alto Uruguai, sendo sua distribuição desconcentrada, e

em pequenos lotes, ter tido forte, senão determinante, influência na forma menos

concentrada de poder, e na forma mais cooperativa de viver (PETRONE, 1982;

SIGAUD,1986). Considerando a literatura e os relatos locais, o que se observa é o

sentimento da população local, especialmente em Maximiliano de Almeida, que há um

grande equilíbrio entre os pequenos produtores. Em Machadinho também há, mas por lá

já é possível encontrar propriedades maiores que a média. E vale destacar, nenhum

agente registrou a existência de conflitos por terra na região. Isso se reflete nos valores

de Gini de distribuição fundiária. Neles, a distribuição em Maximiliano de Almeida é

0,42 e em Machadinho, 0,55. Em ambos os casos a distribuição maior tanto com relação

à média do Estado do Rio Grande do Sul, como com a nacional.

Figura 4.3 - Distribuição fundiária no Alto Uruguai

Fonte: Censo Agropecuário 2006 (IBGE, 2006) Elaboração do autor

Quando são tomados os dados do Censo Agropecuário de 2006 sobre os

estabelecimentos agropecuários e suas respectivas áreas, se confirma a visão dos

entrevistados de que não há concentração fundiária nestes municípios. De fato,

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108

Machadinho registrava apenas dois estabelecimentos com dimensão entre 500 e 1000

hectares, com média de aproximadamente 500 hectares cada um (4,48% da área total de

estabelecimentos no município), enquanto os maiores estabelecimentos em Maximiliano

de Almeida, também dois, tinha área média de 235 hectares109

(2,70% da área total de

estabelecimentos no município). Tanto em Machadinho como em Maximiliano de

Almeida, a maior ocupação de área se dá por estabelecimentos entre 20 e 200 hectares.

Dentro do território, apenas Cacique Doble possui um estabelecimento com mais de

4.000 hectares (23,48% de toda a área de estabelecimentos do município), enquanto São

José do Ouro e Sananduva contam com propriedades com área entre 1.000 e 2.000

hectares.

Mas a UHE pode ter tido influência direta na distribuição de terras em Machadinho e

Maximiliano de Almeida? Não há evidências de mudanças para além da área

desapropriada para a UHE110

. Não foram registrados conflitos por terra nas entrevistas,

e quando se confronta os dados atuais com os do Censo Agropecuário de 1995, tem-se

uma distribuição de terras muito próximas da atual, com poucas propriedades acima de

500 hectares em Machadinho, e de 200 hectares em Maximiliano de Almeida, e uma

concentração maior de área nas propriedades menores111

.

A UHE e as mudanças nas trajetórias dos agentes e as organizações

A tabela 4.1 sintetiza algumas das informações coletadas em campo. Nela é possível

identificar a qual grupo pertence o entrevistado, sua principal atividade, sua trajetória

109 Como o Censo Agropecuário não identifica a área total em grupos de área com menos de três

informantes, esses valores foram calculados sobre a área total de todos os estabelecimentos no

município, menos as áreas totais dos grupos com a área registrada.

110 Um ponto importante a esse respeito é o fato de que, segundo os representantes da

ASCAR/EMATER, Comercial 2 e o agente de Família Tradicional 1, as terras alagadas não eram

próprias para a produção agrícola. Sobre isso, o agente de Família Tradicional 2 diz ainda que a UHE

"aplainou os terrenos", o que favoreceu a agricultura (único a citar este fato).

111 É evidente que a própria possibilidade da construção da UHE, na década de 1970, poderia provocar

uma corrida pela compra de terras que poderiam posteriormente ser valorizadas pela presença da

barragem. Mas um olhar sobre o Censo Agropecuário do IX Recenseamento Geral, de 1980, mostra

uma distribuição não muito diferente da atual, sendo as maiores em Machadinho e em Maximiliano

de Almeida, equivalentes às atuais (IBGE, 1980). É muito pouco provável, no entanto, que diferenças

possam ser creditadas à UHE, uma vez que estes municípios já vinham passando por um processo de

saída de seus colonos.

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109

dentro do campo e a relação desta trajetória com a UHE, e sua posição sobre o

desenvolvimento do território, sobre a UHE e sobre as políticas sociais.

Tabela 4.1 - Síntese das características dos agentes entrevistados e de seus posicionamentos sobre o desenvolvimento

local e seus vetores, entre eles a UHE Machadinho/VDR – Vetores de Desenvolvimento Regional

Fonte: Pesquisa de campo Elaboração do autor

Dos agentes entrevistados a UHE impactou nas suas trajetórias, de forma direta, em

quatro situações112

. Dos que ascenderam113

, dois o concretizaram em função do

acúmulo de capital simbólico obtido pela luta contra a barragem, um pelo acumulo de

capital social, e um aproveitou a oportunidade econômica aberta para explorar o

comércio em função do turismo. Aqui vale uma ressalva: apesar deste ser um caso único

entre os entrevistados, como já destacado muitos agentes vêm explorando serviços e

112 De fato, apenas um indivíduo foi apontado por agentes e informantes como tendo efetivamente

formado grande capital econômico por conta da construção da barragem, ao explorar o ramo de

transportes na região, mas não possível conseguir contato com ele para a realização da entrevista.

113 Os agentes ascendentes foram os selecionados como o relato integral.

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110

comércio em função do turismo, e muitos, apesar de não indicados como elite

econômica, esse tipo de mudança pode ser considerado significativo.

O que se nota em alguns agentes, como citado, é a ampliação de seus capitais,

especialmente o simbólico, em função do seu envolvimento com a luta contra a

barragem. Aurelio Vianna Jr. já havia observado a ascensão política de diversos agentes

em Carlos Gomes. Tanto em Machadinho como em Maximiliano de Almeida o

envolvimento na luta rendeu este acréscimo em capital simbólico, de modo que um dos

agentes foi capaz de convertê-los em capital político, ascendendo no campo político

local, e outro vem buscando esta conversão, mas gozando de boa posição política em

seu partido.

Com relação aos beneficiários, não se notou mudanças em suas liberdades, nem

positivas, nem negativas. Como já destacado, houve sim o processo de reassentamento

que carrega todos os problemas já bem registrados na literatura, e aqui a questão da

desterritorialização e reterritorialização também foram marcantes. Dos entrevistados,

porém, a construção da barragem não chegou a ter efeito. Ainda, sua visão sobre a

construção da barragem não era negativa, a não ser por conta dos valores pagos de

indenização para os que tiveram suas propriedades alagadas. De forma geral, no

entanto, fica por conta dos relatos a impressão de que o capital cultural relacionado à

prática da agricultura tenha sido o determinante para um bom reassentamento, uma vez

que (ainda segundo os relatos) reassentados que tinham o conhecimento da prática da

agricultura conseguiram se reassentar com sucesso, enquanto os que não tinham esse

conhecimento, especialmente os agregados, acabaram por não conseguir se

reestabelecer, venderam suas novas terras, e muitos retornaram a seus municípios de

origem114

.

Por fim, a literatura mostra que a formação de organizações é um elemento fundamental

para a ação coletiva (DREZÈ e SEN, 2002) e uma característica estruturante das

sociedades que contam com instituições mais inclusivas (NORTH et al. 2009), e além

do mais, a formação social do território tem a ação coletiva muito presente (PETRONE,

114 Esta situação foi apontada pelos agentes da Elite Política 3 e Família Tradicional 3. Ambos com

envolvimento muito próximo na questão do reassentamento.

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111

1982), e essa ação coletiva foi um elemento determinante para o retardo da construção

UHE (SIGAUD, 1986; VIANNA JR., 2012). Nesse sentido, a própria luta por um

tratamento apropriado aos atingidos gerou uma das mais importantes organizações de

sociedade civil brasileira, que é o MAB. Mas a entrada da UHE pode ter fomentado o

aumento de organizações no território? Esta é uma questão que não é trivial, uma vez

que a partir de 1988 houve expressivo aumento no número de organizações de

sociedade civil no Brasil, além do que o associativismo é uma característica local. Resta

saber se estes municípios se destacam frente aos seus vizinhos.

No que diz respeito às organizações de um modo mais amplo, segundo o Cadastro

Central de Empresas (CEMPRE) (IBGE, 2010b), que considera o número de empresas e

outras organizações, Machadinho e Maximiliano de Almeida apresentam valores muito

próximos, de 39,38 e 40,11 empresas e outras organizações por mil habitantes. Esse

valor coloca estes municípios em uma posição apenas intermediária frente aos demais,

sendo Santo Expedito do Sul e Sananduva os extremos destes indicadores, com 16,65 e

45,92 empresas e outras organizações por mil habitantes. Em comparação com a média

dos municípios no Estado do Rio Grande do Sul e no Brasil, de 36,91 e 22,00 empresas

e outras organizações por mil habitantes, ambos apresentam valores superiores.

Quando se toma a quantidade de Fundações Privadas e Associações sem Fins

Lucrativos (fasfil), (IBGE, 2010c) um recorte do CEMPRE específico para

organizações de sociedade civil115

, em Machadinho um total de 6,17 fasfil por mil

habitantes, número consideravelmente maior que a média nacional (1,98) e também que

a média do Estado do Rio Grande do Sul (3,81) e em Maximiliano de Almeida números

mais modestos, 3,66 fasfil por mil habitantes, este último acima dos nacionais, mas

próximo dos de seu estado. Nestes dois indicadores Machadinho e Maximiliano de

Almeida acabam por se destacar um tanto mais, com Machadinho ficando atrás apenas

de São José da Urtiga, e Maximiliano de Almeida se colocando entre os cinco com

maior número de fasfil por mil habitantes.

115 A fasfil inclui organizações de sociedade civil (OSC) não necessariamente de interesse público, o que

inclui, por exemplo, partidos políticos. A diferenciação entre o tipo de OSC é feita pelo IBGE apenas

para os municípios com mais de 50.000 habitantes, o que impede que esta seja realizada para a

maioria dos municípios aqui analisados (é possível apenas para Casa Nova).

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112

Ainda que o número de Fundações e Associações Sem Fins Lucrativos apresente uma

razoável diferença entre Machadinho e Maximiliano de Almeida, ambos ainda ficam

muito acima do desempenho médio dos municípios brasileiros, e isso se torna ainda

mais evidente no número de empresas e outras organizações. Isso não significa, por si

só, que estes municípios tenham um conjunto de instituições políticas e econômicas

mais inclusivas que a maioria dos demais municípios brasileiros, mas isso será melhor

avaliado com os demais dados116

. Ainda, não é possível definir se a UHE induziu um

aumento no número de organizações locais, e acredita-se aqui que não, uma vez que o

cooperativismo já era uma característica local, e os números de Machadinho e

Maximiliano de Almeida não se destacam sobremaneira aos demais do território, ou

ainda aos do Estado do Rio Grande do Sul.

A UHE e a distribuição do poder local

Como destacado, poucos agentes ascenderam por alguma relação com a UHE

Machadinho. E de modo geral essa ascensão envolveu a reconversão de capitais

adquiridos, especialmente o capital simbólico, decorrente do envolvimento na luta ao

lado do MAB. Em outros casos, envolveu o aproveitamento de oportunidades

econômicas abertas, seja a possibilidade aberta pela composição de um estoque de

capital social, seja pela oportunidade de fato, decorrente de investimentos ligados à

UHE. Resta saber de que forma essa movimentação de agentes, e o que as motivou,

alterou, ou não, a estrutura do poder local.

Por meio das entrevistas foi possível determinar como os agentes, e seus familiares

movimentaram seus capitais no decorrer de sua trajetória. Essa informação permite

compreender de que forma foram formados seus estoques de capitais, e inferir quais são

os capitais que estes agentes valorizam. No gráfico 4.1 é apresentado o volume médio

de capitais tabulados das entrevistas, segundo os grupos.

116 Especialmente na comparação com o Sertão do São Francisco.

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113

Gráfico 4.1 - Totais de capitais por grupos analisados no Alto Uruguai117

Elaboração do autor

As elites econômicas e as famílias tradicionais locais são, de fato, aquelas que detêm os

maiores valores em termos de atributos econômicos, e têm grande participação na

política local, por vezes atuando em cargos eletivos, ou na administração pública, mas

mais destacadamente atuando nos bastidores por meio do financiamento de campanhas.

Esse fato é mais destacado em Machadinho, onde os relatos apontam para campanhas

milionárias em eleições municipais. Nem tanto em Maximiliano de Almeida (segundo

os relatos), mas mais em Machadinho, o capital econômico acaba sendo um elemento

importante para a conversão do poder político de facto em de jure. Essa relação entre

campo econômico e o político local pode ser bem observada pelo gráfico 4.2, onde o

espaço social é caracterizado pela maior predominância de agentes da política e da

economia local no que diz respeito ao capital político, e uma maior dispersão entre os

grupos em termos econômicos.

117 Sendo Ks, o capital social, Kp, capital político, Ke, capital econômico, Ks, capital social e Ksi,

capital simbólico.

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114

Gráfico 4.2 - Espaço social dos agentes entrevistados, segundo seus capitais político e econômico no Alto

Uruguai

Elaboração do autor.

Um ponto importante a destacar é o fato de que, grosso modo, praticamente todos os

agentes entrevistados são, de fato, de famílias tradicionais, mas de uma perspectiva de

duas a três gerações, dado o fato de que estes municípios são relativamente novos.

Ainda, ou estes agentes foram eleitos para algum cargo eletivo, ou tem parentes que

foram, ou ainda, atuam nos bastidores políticos. Essa é uma condição histórica, segundo

os relatos, e ainda que existam políticos de carreira, a circulação entre os campos é

constante, e o envolvimento na política é amplo.

Os capitais sociais próximos (e baixos), vistos no gráfico 4.1., são um reflexo do fato de

que a circulação da maioria dos agentes locais se dá dentro do próprio território. Paim

Filho, Erechim e Passo Fundo acabam sendo os locais de maior circulação local. No

caso de Erechim e Passo Fundo118

há também um vínculo maior por conta de serviços

que não estão disponíveis nos dois municípios. É comum que fases da vida como a

educação (especialmente o Ensino Médio), o serviço militar (muito comum na

juventude dos entrevistados) e mesmo o mercado matrimonial se deem nos municípios

118 Ainda que muitos agentes tenham destacado este ponto em suas entrevistas, ela foi reforçada pelos

Representantes da ASCAR/EMATER.

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115

vizinhos maiores119

. Mas a saída efetiva para outras regiões aconteceu muito pouco, e

como destacado anteriormente, foi com o propósito de saída permanente.

Gráfico 4.3 - Totais de capitais por grupos analisados e por município no Alto Uruguai

Elaboração do autor.

Quando são tomados os capitais organizados por municípios (gráfico 4.3), é que se nota

que a distribuição dos capitais segue equivalente entre os grupos, ainda que seus

volumes sejam consideravelmente distintos. Isso pode ser explicado pelas características

dos agentes entrevistados. No caso da elite política de Maximiliano de Almeida,

encontram-se dois agentes ascendentes, e de origem humilde, diferente dos agentes

políticos de Machadinho, políticos por muito tempo, e com atuação constante nos

bastidores. Já no caso da elite econômica de Machadinho, um agente também

ascendente que, embora seja de um município que pertence ao território, ainda não goza

de capital simbólico e não constituiu carreira política, diferente dos agentes de

Machadinho, cuja atuação na política é mais evidente. Nesse sentido, pode-se dizer que

a influência da UHE nestes grupos é significativa, uma vez que um dos agentes da elite

política de Maximiliano de Almeida e o agente da elite econômica de Machadinho, tem

119 De forma anedótica, dois agentes disseram, em entrevistas distintas, que os homens de Maximiliano

de Almeida iam buscar esposas em Paim Filho, quando comentaram que seus próprios parentes

fizeram isso.

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116

sua ascensão diretamente ligada à UHE120

. A título de comparação, as características

das famílias tradicionais entrevistadas nos dois municípios são equivalentes (ver tabela

4.1), o que pode explicar a grande similaridade entre estes grupos nos dois municípios.

É importante destacar, porém, que se a ascensão foi viabilizada pelos capitais adquiridos

e pela abertura de oportunidades econômicas, o fato é que ela foi possibilitada por não

haver maior barreira imposta pela estrutura de poder local. Isso implica no fato de que

se antes da construção da UHE havia uma estrutura de poder não tão concentrada, esta

estrutura ainda guarda estas características.

Um destaque negativo é evidenciado pelos beneficiários nestes territórios. Como

apontado anteriormente, em Machadinho o agente entrevistado é pequeno agricultor,

mas com capital econômico suficiente para acessar níveis de Pronaf mais altos que o B,

aquele destinado ao agricultor que se enquadra no perfil do Brasil sem Miséria, e em

Maximiliano de Almeida, a agente entrevistada tem na sua trajetória familiar formada

como agregada em propriedades rurais, trabalhando como diarista. A diferença entre os

agentes é abissal, mas parece de fato ser uma face marcante da pobreza rural local.

Ainda que não seja uma região pobre, ao menos em termos relativos como restante do

Brasil, ainda preserva parte da população em miséria, e que parece tender a aumentar,

uma vez que segundo o relato da agente já está difícil conseguir a empreita.

A política nestes dois municípios é marcadamente dividida em dois grupos, tanto em

Machadinho, como em Maximiliano de Almeida, como informaram todos os agentes

entrevistados121

. Apesar de a relação familiar ser marcante na região, estes grupos não

são relativos a famílias específicas, ou famílias dominantes, mas sim grupos que

possuem interesses específicos e que por motivos diversos se tornaram rivais. Isso pode

ser observado pela formação de coligações nas eleições municipais, onde as coligações

formadas para a chapa relativa a vereadores são rigorosamente as mesmas para

120 Vale observar que houve resistência de outros agentes ligados à elite econômica local em realizar a

entrevista. Caso fosse possível realizar a entrevista, os valores médios de capitais certamente

mudariam, especialmente o de capital simbólico, mas isto não muda o fato de que há a ascensão de

um agente externo na elite econômica local, e com a influência direta da UHE Machadinho.

121 Esta visão é a predominante entre os entrevistados, e foi reforçada pelos Representantes da ADTM,

Comercial 1 e Elite Econômica 1.

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117

prefeitos, e constituídas por poucos partidos. Segundo os relatos, as eleições locais são

marcadas por essa forte rivalidade, não sendo incomuns os atos de violência e a

oposição ao governo vigente acontecer de forma forte.

Essa é rivalidade histórica, que remonta os tempos de disputa entre MDB e ARENA122

,

é quem de certa forma molda a base das coalizões locais. Estas coalizões são amplas,

mas baseadas nessa rivalidade local, e mobilizam agentes locais de diversos campos. O

que é curioso notar é que nenhum dos grupos é portador de uma visão única sobre o

desenvolvimento local, nem em Machadinho, nem em Maximiliano de Almeida, e isto

pode ser observado na tabela 4.1, sobre o posicionamento dos agentes sobre o

desenvolvimento local. Quando se associa esta posição sobre o desenvolvimento com a

sobre as políticas sociais, novamente não há consenso entre grupo algum. Essa posição

muda, e parece guiar para certo alinhamento, quando se trata da evolução nos últimos

anos, e a ligação entre a visão de evolução com a entrada UHE fica evidente quando se

observa que a grande maioria dos agentes toma esta infraestrutura de forma positiva

para o município.

E esse alinhamento é um ponto importante. Nota-se uma mudança radical na estratégia

de condução do desenvolvimento do município de Machadinho. Tendo em vista as

oportunidades abertas pelo turismo, formou-se no ano de 2016 uma coalizão em

Machadinho com o propósito de diminuir os conflitos resultantes dos dois grupos

prevalentes locais. Saíram das vistas os agentes políticos tradicionais, e entrou um novo

agente, sem passado político no local, e que teve suporte dos dois grupos123

. Ainda é

cedo para avaliar resultados deste processo, mas não seria exagero tratar esta coalizão

como social transformadora, como diria Berdegué et al. (2015), dadas suas

características de formação.

122 Hoje expressa por PMDB x PP.

123 Isto foi apontado pelo Representante da Prefeitura de Machadinho e pelo agente Elite Política 1.

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118

4.5 Balanço do capítulo

Quando se toma o processo de construção da UHE Machadinho, o que se nota é que o

território teve grande influência no processo de percolação ocorrido. A começar pela

implacável resistência, que resultou no adiamento da obra por anos, e na mudança do

eixo da UHE, o que implicou na diminuição da área alagada e, assim, do tamanho da

população a ser reassentada. Este momento evidencia também a importância da ação

social, e evidentemente, da liberdade de agência, uma vez que uma ampla mobilização,

que envolveu em especial os trabalhadores rurais, foi quem impulsionou essa reação do

território ao fator exógeno. É importante destacar, também, que a importância da ação

coletiva como instrumento de força se apresenta: segundo os relatos só conseguiram a

indenização no formato "terra por terra" aqueles que agiram por meio de uma

organização.

Esse primeiro momento, por si só, já registra um importante ponto relativo à

configuração territorial, uma vez que com a mudança radical do projeto, diminuiu-se em

muito o impacto em termos de paisagem, e a área afetada acabou não significar perdas

na produção agrícola local. Mas mais que isso, no processo de percolação o território

conseguiu uma ligação com outros centros, e a diversificação da sua estrutura produtiva.

O primeiro por conta da ligação com Santa Catarina, e aqui é importante ressaltar que

esta ligação veio por meio de um acesso que foi sugerido em Maximiliano de Almeida,

e não por meio de uma estrada pavimentada para facilitar o acesso à construção, como é

usualmente observado na literatura. O segundo veio pela negociação de Machadinho

com a MAESA para o financiamento do parque termal, o que impulsionou o turismo

local como alternativa de renda124

. Estes dois momentos são consequência direta da

ação do território sobre o fator exógeno, e já são consolidados, mas dois outros

potenciais efeitos, que podem ser creditados de forma indireta à forma como se deu a

percolação, são o fato de que se observa um movimento em Machadinho na direção da

formação de uma coalizão ampla direcionada uma maior coesão territorial, e outro,

124 É importante lembrar que alguns agentes apontaram o problema do envelhecimento do campo pela

vinda dos jovens para a cidade. Isso implica que há, de fato, a necessidade desta expansão nas

atividades produtivas.

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119

ainda um pouco mais tímido, que a melhor articulação entre ações entre Machadinho e

Maximiliano de Almeida.

Pode-se observar mudanças nas trajetórias de alguns agentes, que foram afetadas na

medida em que a entrada da UHE deu suporte a outros interesses, apresentando novas

aspirações, como a própria ascensão política e a exploração econômica do turismo. Aqui

a infraestrutura tem um papel mais instrumental que influenciador no que diz respeito

aos horizontes de possibilidades abertos aos agentes locais, por meio de oportunidades

econômicas e políticas. Disso, o destino dado por estes agentes a estas possibilidades

vai mais em direção independente da UHE, de certa autonomia, obtida como destacado

na subseção anterior, por meio da diversificação das atividades produtivas.

Mas aqui deve-se destacar que ocorreu a ascensão de quatro agentes, o que aqui é um

número significativo. Não se pode deixar de notar que isso foi possível porque no

território que se encontraram elites cujo poder não foi suficiente para preservar suas

posições, permitindo assim a ascensão destes agentes. Isso caracteriza um território com

uma estrutura de poder mais desconcentrada, onde a distância entre os agentes não é tão

grande.

Síntese

O Alto Uruguai foi formado como um território de pequenas propriedades rurais, com

colonos e descendentes de colonos, numa estrutura em que associação era necessária

para a superação das dificuldades relativas à ocupação de novas terras. O resultado disso

foi uma configuração territorial com uma estrutura de poder mais distribuída, e uma

estrutura produtiva nem tão diversificada, mas pouco concentrada.

Nesse cenário a Eletrosul encontrou resistência desde a proposta do aproveitamento

hídrico para a geração de energia. Essa só fez crescer, resultando na formação de uma

ampla coalizão que se opôs à construção da UHE Machadinho, e que resultou, inclusive,

na formação do MAB. A construção acabou sendo retardada por um longo período, no

qual a configuração do agente externo, e o próprio desenho do projeto mudaram. A

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120

UHE só sai do papel quando houve a convergência de interesses entre o território e sua

construtora.

A percolação na relação entre a UHE e o território acabou por minimizar os efeitos

negativos de construção, diminuindo o número de atingidos, e os efeitos potenciais na

produção agrícola. Mais que isso, muitos dos atingidos conseguiram o que desejavam,

que era a troca de terra por terra. Ainda na percolação, o território conseguiu gerar dois

elementos destacadamente positivos na sua configuração, que é a de uma ligação com

Santa Catarina, e a construção de um parque termal, que significam o acesso da região

outrora chamada de "Volta da Fome" com outros centros, e a possibilidade de

diversificação da sua estrutura produtiva, gerando novas oportunidades econômicas. A

abertura de oportunidades econômicas e políticas, inclusive, resultou na ascensão de

agentes em um número significativo, o que denota um território onde as elites oferecem

menos resistência à mudança, ou ainda, um território com o poder menos concentrado.

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121

5. CONCLUSÃO

A literatura voltada a compreender a relação entre UHEs e os territórios que as recebem

é rica no que diz respeito a compreender quais são os efeitos, especialmente os

negativos, decorridos da entrada deste empreendimento em um território. Mais que isso,

normalmente focalizam no grupo de atingidos, e em um curto período de tempo, sem

buscar compreender os efeitos no território como um todo, e depois de longo prazo.

Uma literatura voltada a compreender a relação entre UHEs e territórios, numa visão

mais ampla, tem começado a surgir, mas ainda peca por não compreender quais são os

fatores que levam um território a possuir um bom ou um mau desempenho em seus

indicadores de bem-estar. É nesse contexto que se insere esta pesquisa, o de

compreender quais são as características de um território na sua relação com a UHE, e

que são determinantes para os resultados desse processo de inserção da UHE no

território.

Os objetos de análise aqui foram as Usinas Hidrelétricas de Sobradinho e Machadinho,

não por acaso, uma vez que as duas foram concebidas em períodos próximos, dentro de

um mesmo contexto político nacional e com propósitos muito parecidos, mas resultaram

em processos de entrada absolutamente distintos. E como se buscou demonstrar nos

capítulos anteriores, com resultados consideravelmente diferentes.

Mas se estes territórios estavam sujeitos a um conjunto de fatores muito próximos, por

que tais diferenças ocorreram? A resposta para essa pergunta está no conjunto de

instituições, políticas e econômicas, que governavam estes territórios. Instituições mais

inclusivas implicam em menores constrangimentos à agência dos indivíduos

(ACEMOGLU e ROBINSON, 2012). Implicam na maior possibilidade de o indivíduo

exercer a participação social, exercer a agência transformadora, em termos de Sen

(SEN, 2009; DRÈZE e SEN, 2012). Mais que isso, instituições mais inclusivas

implicam em maior número de indivíduos com condição de agência, com interesses

mais diversos, e assim na possibilidade de formação de coalizões que resultem na

diminuição da chance de apropriação de um determinado recurso por parte de uma elite,

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122

ou ainda, na formação de coalizões que busquem ações que tenham na coesão territorial

o seu foco, ou coalizões sociais transformadoras (BERDEGUÉ et al. 2015).

Lygia Sigaud já apontava, em 1986, para uma diferença crucial entre os dois territórios:

o associativismo marcante no Alto Uruguai, e sua consequente capacidade de

organização, como elemento que diferencia os dois territórios em sua capacidade de

lidar com os impactos da entrada de suas hidrelétricas125

. Nele foi possível a formação

de coalizões amplas que se opuseram com vigor (e por muito tempo de forma eficiente)

contra a forma como seria conduzida a mitigação aos impactos da construção da UHE

Machadinho, enquanto que no Sertão do São Francisco, a principal coalizão, formada

entre as elites locais, não tinha como tema primário esta questão, e a resistência tardia,

especialmente por conta da igreja, acabou não surtindo efeito e não conseguiu impedir a

forma violenta como os impactos atingiram a população rural da região na construção

de Sobradinho. Pode-se afirmar, sem dúvida, que as instituições informais no Sertão do

São Francisco, à época da construção de Sobradinho, eram muito menos inclusivas, ou

melhor, eram extrativas, nos termos de Acemoglu e Robinson (2012), que no Alto

Uruguai.

Essa diferença pode ser compreendida especialmente pela formação dos territórios,

consideravelmente diferentes, tanto em forma, como em motivação. O Sertão do São

Francisco se desenvolveu voltado ao abastecimento do litoral baiano canavieiro,

estruturado à base da posse de grandes extensões de terra, mantida com grande violência

e isolamento, enquanto o Alto Uruguai teve como principal motivador a colonização da

região nordeste do Rio Grande do Sul, estruturada à base de melhor distribuição de terra

para colonos, e fortemente fundado na agricultura familiar e na cooperação para

superação de problemas. Enquanto no Sertão do São Francisco se desenvolve uma

estrutura concentradora de poder e de dependência do pequeno agricultor para o grande

125 Sigaud (1986) e Hall (1994) apontam também para a questão demográfica, onde um território com

maior densidade demográfica, o caso do Alto Uruguai, teria mais facilidade para mobilizar grupos de

ação coletiva, e Sigaud ainda aponta para a questão de que as relações próximas entre as pessoas do

Sul, na sua maioria descendentes de imigrantes, funcionariam para aproximar os interesses dos

envolvidos. Aqui se vai um tanto além, pois ainda que estes elementos tenham influência na forma

como os eventos no Sertão do São Francisco e no Alto Uruguai ocorreram, foi o conjunto de

instituições locais o elemento determinante, uma vez que foi este que garantiu, ou negou, voz às

populações rurais locais, e mais que isso, conduziu a forma com os territórios influenciaram as, e se

apropriaram das mudanças induzidas pela UHE.

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123

fazendeiro, no Alto Uruguai se desenvolve uma estrutura de poder menos concentrada, e

com independência considerável maior das famílias pequeno produtoras, donas de suas

terras.

Como apresentado nos capítulos anteriores, são estas as bases das configurações

territoriais que as UHEs encontram, tanto na entrada em Sobradinho, quanto na

proposição de Machadinho. E como observou Sigaud (1986), as características destas

configurações foram determinantes para a forma como se deu o tratamento dos

impactos, e como se pretende demonstrar aqui, mais do que a forma como se responde

aos impactos, estas configurações foram determinantes, inclusive para a forma como

estes territórios reagiram às entradas de suas respectivas UHEs, absorvendo os efeitos

negativos e guiando os positivos de formas distintas. E como isso ocorreu?

Tomando os territórios de forma independente, o que se observa no Sertão do São

Francisco é uma considerável mudança na sua configuração territorial decorrente

entrada da UHE. Em termos espaciais, Sento Sé acabou por se isolar ainda mais, pela

mudança de sua sede, e depois pela perda de seu acesso asfáltico, enquanto Casa Nova

reforçou seus vínculos com as cidades próximas, especialmente Petrolina. Esse

isolamento de Sento Sé acabou implicando, inclusive, na perda de oportunidades

econômicas, como a saída de empresa fruticultora, e por sua vez, na diminuição das

possibilidades e aspirações dos agentes locais. Evidentemente esses efeitos não são

resultantes apenas da configuração territorial anterior, mas também decorrentes do

próprio projeto da UHE de Sobradinho. No entanto, a manutenção da condição de

isolamento de Sento Sé pode ser sim, em grande medida, creditada a sua configuração

territorial, uma vez que houve a possibilidade de ligação asfáltica com outros

municípios, mas que foi perdida posteriormente (especialmente com Juazeiro, via

Sobradinho). Essa junção de elementos contribui para a atual situação do município. No

caso de Sobradinho, a configuração territorial tem gênese direta da construção da UHE.

Seu perímetro urbano ainda guarda as marcas do canteiro de obras e sua violenta

conformação de discriminação espacial entre os espaços destinados aos operários, aos

técnicos e aos engenheiros, e além disso, a violência como aconteceu a construção ainda

marca alguns agentes entrevistados.

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124

Das formas de oportunidades econômicas geradas por conta da UHE, a mais evidente é

a irrigação. Ainda que já houvesse a irrigação por meio de perímetros públicos

anteriormente à UHE, após a formação do lago houve a expansão desta prática. Destes,

o maior é o Perímetro Irrigado Nilo Coelho, que abastece predominantemente Petrolina

(PE), mas que tem área irrigada também em Casa Nova. A irrigação, associada a bons

acessos asfálticos, contribuiu para uma maior diversificação da produção local,

implicando em uma maior dinamização do território como um todo, mas com os lucros

desta produção se concentrando mais em Petrolina (PE) e Juazeiro. As entrevistas

evidenciaram o descontentamento local com o fato da irrigação pouco beneficiar Casa

Nova. No caso de Sento Sé houve a tentativa de diversificação da produção agrícola,

mas em decorrência do acesso ao município acabou perdendo-se investimentos, e a

produção hoje é predominantemente de cebola.

A concentração do poder local acabou guiando os efeitos da entrada da UHE por

interesses que não tinham na mitigação dos impactos uma de suas prioridades, o que

implicou numa menor condição do território de refratar os efeitos negativos da UHE, e

na maior privação das liberdades dos atingidos, que perderam terras e práticas de

produção. Mais que isso, a literatura e os relatos deixam clara a prática da grilagem, o

que significa uma apropriação ainda mais concentrada dos ativos na região. A

percolação acabou se dando na direção de uma influência significativa dos efeitos da

UHE, e num sentido que não conduziu à maior coesão territorial.

Pensando a configuração territorial pelos agentes, pelo que se pode observar nas

entrevistas, a maior mudança veio justamente dos impactos negativos na população

mais pobre, que é a disposição à organização social como instrumento de agência. Fruto

da consciência de seu papel na estrutura de dominação local, associada à ação da igreja

e das comissões pastorais, essa disposição tem se mostrado importante para a

contestação das condições de vida da população mais pobre, e para a busca daquilo que

estes agentes valorizam. Isso fica evidente pela forma como o associativismo ganhou

força na região, especialmente no município de Sobradinho.

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125

Além disso, o aproveitamento de oportunidades econômicas e políticas abertas no

momento da construção da UHE, em especial no comércio, e depois pela reconversão

dos capitais possibilitada a partir do espaço aberto pelo arrefecimento do papel das

elites tradicionais, permitiu ascensão de novos agentes (econômicos e políticos), num

processo de rompimento de seu ciclo de reprodução social. É importante destacar que

ambos são processos contínuos, com ocorrências desde o início do século XX, mas

ampliados após a instalação da UHE.

É importante ressaltar que estes elementos não são suficientes para explicar o atual

desempenho em termos de bem-estar do Sertão do São Francisco, e mais

especificamente, dos municípios aqui estudados, uma vez que além da UHE, o polo de

fruticultura e a expansão das liberdades decorrentes da Constituição Federal de 1988

também têm forte influência nos seus resultados, mas pode-se dizer que eles formam a

base de uma configuração territorial que acabou se beneficiando, especialmente, de

políticas socialdesenvolvimentistas da década passada de 2000. Isso pode ser observado

tanto pela prosperidade dos agentes econômicos locais neste período, muitos ligados ao

comércio, e pelo impulso dado ao associativismo local por meio das políticas de

inclusão produtiva, o que implicou em certo aumento de liberdades dos agentes locais.

No caso do Alto Uruguai, apesar das mudanças em termos territoriais serem menores do

que no Sertão do São Francisco, alguns elementos vindos diretamente da construção

modificaram o que era o território antes, e isto vem, especialmente, pela ligação

asfáltica de alguns municípios, tanto com outros municípios do estado, como com o

Estado de Santa Catarina, o que gerou oportunidades econômicas para a população

local, efetivamente materializada por meio do emprego em empresas em outras regiões,

algo que é significativo para uma região cujo isolamento lhe rendeu a alcunha de "Volta

da Fome".

De forma indireta, mas possibilitada a partir do Consórcio Machadinho, vem o

investimento no turismo local, especialmente em Machadinho. Por meio da

concessionária, Machadinho conseguiu construir um parque termal que vem

impulsionando o turismo local. Já há estrutura, especialmente hoteleira, e uma tentativa

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126

de expansão de atrativos para manter o interesse turístico no local. Essa expansão do

turismo é possibilitada especialmente pelo fato de que a barreira para entrada neste

mercado não é grande, o que permitiu o acesso de muitos agentes. E é do turismo que

derivam dois dos pontos potencialmente mais importantes que podem guiar mudanças

mais significativas na configuração territorial local, levando a um território mais coeso,

que são a formação de uma coalizão ampla com vistas à diminuição das disputas

negativas ao território, e mais guiada ao desenvolvimento local em Machadinho, com o

primeiro passo dado pela eleição de um candidato único entre as tradicionais forças

políticas locais, e também com a tentativa de uma articulação com Maximiliano de

Almeida para a complementaridade entre os dois municípios no turismo, esta ainda em

início.

Os agentes locais tiveram suas trajetórias afetadas basicamente de duas formas, uma em

decorrência do acúmulo de capitais, e posterior reconversão na busca da concretização

de novas aspirações, e pelo aproveitamento de oportunidades econômicas e políticas,

especialmente no turismo. No primeiro caso, o que se observou pelas entrevistas é que o

acúmulo de capital simbólico por parte de alguns agentes envolvidos na resistência à

construção da barragem lhes impulsionou aspirações políticas, e buscaram sua entrada

neste campo pela reconversão dos capitais conquistados. De forma semelhante, o

acúmulo de capital social por um agente permitiu que este alçasse a carreira de

consultor e articulador local.

No segundo caso, o turismo despertou novas aspirações em parte da população local,

antes essencialmente agrícola, mas que agora busca mais o comércio e os serviços. Este

caso é particularmente importante, pois representa a diversificação econômica no

município, o que implica em maior liberdade de acesso ao mercado, já que agora há

maior diversificação na oferta de postos de trabalho. E isso vem em um momento em

que, segundo os agentes entrevistados, ocorre a migração dos jovens do meio rural para

o centro urbano dos municípios.

No fim, a percolação se deu de modo que a entrada da UHE se desse num sentido em

que essa influência fosse positiva em sua configuração territorial, na direção de maior

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coesão territorial, especialmente pelo diálogo estabelecido com a concessionária.Não

seria exagero dizer o território vê em sua relação com a UHE um recurso para que possa

guiar suas transformações, e não como um instrumento de transformação em

decorrência de mudanças na paisagem local, ou outros efeitos diretos.

Tomando de forma comparativa o processo de percolação ocorrido nos dois territórios,

é possível perceber os elementos determinantes que fizeram com que a percolação

ocorresse de uma forma no Alto Uruguai, e de outra forma no Sertão do São Francisco.

De forma sintética, a tabela 5.1 reúne os principais pontos para comparação.

Tabela 5.1 - Comparação entre a percolação ocorrida no Sertão do São Francisco e no Alto Uruguai

Sertão do São Francisco Alto Uruguai

Formação social com base em grandes

latifúndios; estrutura produtiva pouco

diversificada e altamente concentrada; estrutura

de poder mais concentrada

Formação social com base em pequenas

propriedades rurais e no cooperativismo;

estrutura produtiva pouco diversificada e menos

concentrada; estrutura de poder mais distribuída

Reação à barragem por meio de uma coalizão

restrita que não se opôs à sua construção;

tentativas de oposição infrutíferas

Formação de ampla coalizão que se opôs à

construção da barragem, retardando-a até que

houvesse alinhamento entre as partes

Profundos impactos negativos decorrentes da

violência como ocorreu o processo de entrada da

UHE

Impactos negativos diminuídos por modificações

no desenho do projeto e ao sucesso parcial da

mitigação

Oportunidades econômicas decorrentes do

aproveitamento da irrigação, que impulsionou o

crescimento do Polo Fruticultor, mas cujos

lucros ainda ficam restritos aos grandes

produtores externos ao território

Oportunidades econômicas decorrentes da

negociação com a concessionária para o

investimento no turismo local, impulsionando os

setores de comércio e serviços, e da ligação com

outros centros

Ascensão de agentes em decorrência da

conversão de capitais e possibilitada pelo espaço

aberto pelo arrefecimento das antigas elites;

mudança na visão dos grupos mais dominados

com relação à sua posição no território

Ascensão de agentes em decorrência (1) da

conversão de capitais e possibilitada pela menor

concentração de poder local e (2) do

aproveitamento das oportunidades econômicas

abertas pelo novo mercado do turismo

Em relação ao Alto Uruguai: ainda há forte

concentração de terra, menor número de

organizações, e uma estrutura de poder mais

concentrada

Em relação ao Sertão do São Francisco: há

menor concentração de terras, maior número de

organizações, e uma estrutura de poder menos

concentrada

Elaboração do autor.

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128

Quando se toma a relação entre os territórios do Sertão do São Francisco e do Alto

Uruguai em suas relações com suas UHEs numa perspectiva comparada, o que se nota

em primeiro lugar é o caráter muito mais inclusivo das instituições no Alto Uruguai

quanto no Sertão do São Francisco, isto tanto antes da construção das suas UHEs como

depois delas. Ora, se a forma como se dá a distribuição do poder local, bem como a

liberdade de organizar, diferenciam a qualidade das instituições locais, essa diferença se

faz clara nos dois casos.

Quando comparada ao processo da UHE de Sobradinho, não é exagero dizer que no

caso da UHE de Machadinho a política pública foi moldada em função do conflito que

se estabeleceu já no seu projeto. Desde sua proposição foi forte a oposição à construção

na sua forma original, resultando na formação de uma coalizão ampla que envolveu

sindicatos rurais, acadêmicos e políticos locais (SIGAUD, 1986) e impondo resistência

à construção da barragem até conseguir uma solução satisfatória para os que perderiam

suas terras, e desta derivou um importante agente de expressão nacional, o MAB

(CRAB à época). Do período de sua primeira proposição até sua construção mudou o

contexto político brasileiro, mudou o arcabouço legal para sua construção, e mudou,

inclusive, a natureza dos agentes que seriam responsáveis por sua construção, mas ela

só foi possível quando houve uma convergência entre os interesses da maioria dos

agentes envolvidos, resultado da mudança do eixo de construção, o que diminuiu o

número de agentes contrários, e centralizando em agentes que viviam na chamada

"Volta da Fome", e da visão da inevitabilidade da construção da barragem.

Desse processo é possível perceber a dinâmica da formação de coalizões e de interesses.

A participação social não fica restrita a uma elite dominante, mas se estende para

agricultores nas linhas de colonos, que pela associação tem a liberdade de agência

garantida. Fica clara a capacidade de organização de uma coalizão ampla, e com o

interesse comum, o do combate aos impactos da barragem, logo na idealização da sua

construção, e a maneira como mudam as coalizões, e os interesses, à medida que o

processo evolui. Essas mudanças vão desde a resistência ampla no começo, passando à

visão da inevitabilidade da construção, que associada à concordância da Eletrosul em

promover melhor compensação aos atingidos, na base do "terra por terra", diminuiu a

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resistência à barragem, indo até a diminuição do tamanho das coalizões, fruto da

mudança de seu eixo, e assim a diminuição dos agentes envolvidos pela saída de seus

municípios. Essa diminuição centralizou a luta contra Machadinho a poucos municípios

(no lado do rio-grandense), que por sua vez eram os mais atingidos pelo isolamento, os

municípios da "Volta da Fome", o que fez com que o interesse pela construção da

barragem como indutor para o desenvolvimento local passasse a ser a tônica da coalizão

vigente.

Já no caso do Sertão do São Francisco, não se pode dizer que houve a formação de uma

coalizão ampla propriamente dita a favor da construção da barragem, mas sim o

alinhamento das elites locais com a proposta da construção. Houve tentativa de

resistência, tardia, mas o pouco, ou quase nenhum poder político dos moradores das

áreas rurais deste território não permitiu que qualquer coalizão formada fosse capaz de

se opor efetivamente a Sobradinho (SIGAUD, 1986).

Como já destacaram Dréze e Sen (2002) a desigualdade de poder político é um

elemento que compromete a capacidade de participação no processo de escolha social.

Isso se torna evidente na comparação entre os dois territórios. As duas formações

sociais, distintas, resultaram em uma diferença na concentração de poder, que explica a

participação social nesse processo. A maior liberdade de participação em Alto Uruguai

é decorrente de uma menor distância em termos de poder político, enquanto a

participação social mais restrita no Sertão do São Francisco, condiz com uma maior

concentração do poder local. Se nota no Alto Uruguai instituições mais inclusivas, nos

termos de Acemoglu e Robinson (2012) do que no Sertão do São Francisco, a ponto de

que os agentes locais têm maiores condições de se organizar e buscar algo que

valorizam, ao contrário do Sertão do São Francisco, onde a condição de agência é muito

mais restrita.

A coalizão mais ampla no Alto Uruguai tinha no seu bojo, inclusive aqueles que seriam

os mais atingidos pela construção da UHE, que perderiam suas terras, e também seus

laços sociais, e naturalmente incluiu a diminuição destes impactos na confrontação com

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a construtora126

. No Sertão do São Francisco, a coalizão formada, muito mais restrita,

não trazia a preocupação de minimização dos impactos para a população rural local,

especialmente a ribeirinha127

. A exclusão de uma grande parcela da sociedade no Sertão

do São Francisco do processo de decisão social, bem como a violência exercida durante

a construção, torna evidente que esta era uma sociedade de instituições mais exclusivas.

Mas as instituições locais são suficientes para explicar a forma como os territórios

reagiram à construção das suas respectivas UHEs? Tomando as características

anteriormente expostas, associadas à forma como foi construída cada uma das UHEs, o

que se observa é um processo de percolação que conduz a uma maior mudança na

configuração territorial em Sobradinho, mas que não conduz a uma maior coesão

territorial, e uma percolação que altere de forma menos negativa a configuração

territorial de Machadinho, e com tendências a uma maior coesão territorial.

Quando se tomam as características atuais dos territórios, o que não é tributário

exclusivamente da construção e presença da UHE, mas de um processo de construção

social da qual a UHE é parte, o que se nota é um Sertão do São Francisco que ainda tem

uma estrutura de poder razoavelmente concentrada, um tanto heterogêneo, com Sento

Sé ainda mais concentrado, Sobradinho menos, e Casa Nova em um patamar

intermediário, enquanto o Alto Uruguai segue menos concentrado. Esta diferença entre

os territórios pode ser observada, pela forma com são constituídas as coalizões locais,

pela forte diferença na distribuição fundiária, elemento formador destes territórios, e

pelo número de organizações, como já destacado por North et al. como um diferencial

entre sociedades mais ou menos inclusivas (2009).

E o resultado disso é um Alto Uruguai que segue na direção de uma diversificação da

sua estrutura produtiva, que pode resultar em uma ampliação da liberdade de

participação no mercado econômico, e com vistas à formação de uma coalizão social

ampla com foco no desenvolvimento local, e assim na direção de uma maior coesão

126 Mais do que diminuir, no começo desejava-se a não construção da UHE.

127 Lembrando que a pressão para que ocorresse o reassentamento veio por parte do Banco Mundial, e

que houve um processo de grilagem e apropriação de terras na região, no processo de construção da

UHE.

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territorial, enquanto o Sertão do São Francisco tem grande parte dos resultados da UHE

Sobradinho concentrado no Polo de Fruticultura Petrolina e Juazeiro, mantendo-se

assim, um território muito pouco coeso.

Retomando a hipótese desta pesquisa, na sua aplicação específica aos objetos do campo,

é a maior desconcentração de poder, com mais agentes com liberdade para a

participação, que permitiu a formação de uma coalizão ampla, que foi capaz de

administrar os riscos relativos à entrada da UHE Machadinho, no Alto Uruguai. Nesse

processo, o desenho do projeto, bem como os mecanismos de mitigação foram

resultantes da ação do território, a perda em bem-estar foi reduzida, e os efeitos

positivos geraram oportunidades econômicas e políticas e a consequente ampliação de

liberdades. No caso da ascensão de novos agentes, decorrente das oportunidades

econômicas, nesse caso geradas pelo turismo, ela ainda acontece de forma tímida, mas a

formação de uma estrutura ampla voltada a este mercado já vem resultando na formação

de uma ampla coalizão voltada ao desenvolvimento do território, expressa tanto na

coalizão formada pelos grupos dominantes em Machadinho, como pela tentativa de

articulação de atividades turísticas complementares com Maximiliano de Almeida, por

uma melhor sustentação deste mercado.

Por outro lado, também como proposto na hipótese que guia esta pesquisa, no Sertão do

São Francisco, com uma estrutura de poder muito mais concentrada que a do Alto

Uruguai, se fizeram valer os interesses de um grupo restrito de agentes, mesmo com

alguma resistência, que acabou por surtir pouco efeito, o que resultou numa

considerável perda de liberdades especialmente da população rural que se encontrava na

área de formação do lago, e restringindo a poucos as novas oportunidades econômicas

geradas, especialmente pela irrigação.

Estes elementos se alinham também com a hipótese central desta tese ao demonstrar o

peso da configuração territorial na forma de condução da entrada destas infraestruturas

em seus territórios. Naquele com o poder local mais desconcentrado se viu a maior

participação social e uma coalizão mais ampla, e uma percolação cujo resultado guia a

uma maior coesão territorial. No extremo oposto, onde o poder era mais concentrado,

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houve a imposição dos interesses da elite local, sendo o ônus da construção da barragem

aplicado aos agentes mais pobres, e uma percolação que não foi guiada à maior coesão

territorial.

Esta tese buscou sair da dicotomia que permeia a literatura voltada à relação entre as

UHEs e o território, não se pautando em uma visão de que este empreendimento induz

apenas efeitos negativos quando é construída em um território, e também aquela que

enxerga a sua construção como um indutor natural do desenvolvimento territorial. O

que se procurou mostrar é que o território é um elemento fundamental nesta equação

que envolve duas variáveis independentes, e não apenas uma, a UHE. O território

carrega em si características que podem ser determinantes nos resultados finais do

processo de entrada deste empreendimento. Mais que isso, não bastam elemento de

compensação se o território não é capaz de se apropriar deles. E se essa apropriação

acontecer, mas não for guiada na direção de coesão territorial, não restará

desenvolvimento do processo de construção da UHE.

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POSSIBILIDADES DE DESENVOLVIMENTO FUTURO

Esta pesquisa não pretende, e nem consegue, esgotar o tema proposto. Algumas

questões derivaram diretamente do fato de que há a possibilidade de ampliação da

pesquisa para outros campos, como Tucuruí, também contemporânea das aqui

analisadas, ou mesmo Belo Monte, cujo histórico de resistência se diferencia do Alto

Uruguai. Outras, no entanto, surgem de acordo com o seu desenvolvimento. Desta

forma, alguns temas para pesquisas futuras são propostos, a seguir.

Um primeiro ponto a destacar é o fato de que aqui se trabalha com dois casos que

podem ser considerados extremos, fica a questão aqui de como se configuraria um caso

intermediário, ou ainda se seria possível quantificar os resultados aqui apresentados de

modo a compor uma métrica para a medida da percolação entre o território e a UHE.

Outra questão que se coloca é o fato de que nos dois casos apresentados os agentes

externos que se opuseram à construção de suas respectivas UHEs ainda estavam em

processo de formação, a CRAB e o CPT. E ainda, no caso da CRAB, foi composta

basicamente por pessoas do local da resistência. Como se dá a participação destes

agentes neste processo, agora que estão mais consolidados?

Alguns dos entrevistados afirmaram que o diferencial entre o sucesso e o fracasso no

reassentamento estaria na condição do reassentado. Aquele que já era proprietário e

produzia, não teve dificuldades em reassentar, enquanto aquele que era agregado, e que

não produzia, normalmente vendia o terreno recebido e retornava à sua cidade. A

questão que se coloca é se é possível compor uma tipologia de reassentados.

Por fim, o acompanhamento da evolução da coalizão formada em Machadinho é um

elemento que pode trazer grandes aprendizados no que diz respeito à dinâmica do

desenvolvimento territorial, visto há a oportunidade de acompanhá-lo em seu pleno

desenvolvimento e estimulado por uma grande infraestrutura como fator exógeno.

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144

Anexo I – Questionário aplicado no Sertão do São Francisco e no Alto Uruguai

O questionário a seguir tem como objetivo reconstruir parte da trajetória do entrevistado

e de seu grupo familiar, identificando a forma como movimentou os capitais aqui

analisados (econômico, político, social, simbólico e cultural), sua condição ante o grupo

de interesse nesta pesquisa (se é ascendente, descendente ou estagnado dentro da elite

econômica, por exemplo), sua relação com a UHE, e sua posição sobre temas sensíveis

ao desenvolvimento de seu território.

Este é uma versão modificada do utilizado em Galvanese (2009), e foi utilizado de

maneira mais ampla pelo grupo de pesquisa ao qual esta pesquisa é afiliada, englobando

assim outros tópicos além da relação entre os territórios aqui analisados e suas

respectivas hidrelétricas.

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145

Questionário

1. Dados de Controle

1.1. Questionário nº: L_____________

1.2. Data da entrevista:

1.3. Nome do entrevistador:

1.4. Local da entrevista:

1.5. Condições da entrevista [Observações relevantes sobre o local, o momento, forma de acesso ao entrevistado

– rede - e a disponibilidade para a entrevista. Observar reações do entrevistado – desconfiança ou abertura,

colaboração ou resistência, timidez ou desenvoltura, impáfia ou humildade, etc., e comportamento – forma de

cumprimento, hexis corporal (postura, gestos), vestuário (formalidade/informalidade, vestes tradicionais/modernas).

Informações sobre como a situação da entrevista entra no cotidiano do entrevistado – pelo local em que é realizada

(fora da casa/dentro da casa, local público/privado, se interrompida ou não por outros temas e questões].

Início da Entrevista: Término da Entrevista:

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146

2. Dados Pessoais

2.1. Nome do entrevistado:

2.2. Fone:

2.3. E-mail:

2.4. Endereço:

2.5. Cidade:

2.6. Idade:

2.7. Ocupação profissional:

a. [ ] agricultor

[ ] trabalha somente em terra própria ou da família

[ ] trabalha também em outra(s) propriedade(s)

[ ] trabalha como assalariado em outra propriedade

[ ] divide o tempo fora da propriedade entre atividade assalariada e outras

[ ] trabalha sem salário em outra(s) propriedade(s)

b. [ ] assalariado do setor privado

c. [ ] assalariado do setor público

d. [ ] autônomo/ profissional liberal

e. [ ] empesário/empregador

f. [ ] dono(a) de casa

g. [ ] desempregado

h. [ ] aposentado/ pensionista público

i. [ ] aposentado/ pensionista privado

j. [ ] outro: ______________________________

Se houver mais de uma: a) qual a atividade que mais ocupa o seu tempo? b) qual sua principal fonte de renda?

3. Origem Familiar [Informações sobre: ancestralidade, condições de vida dos pais e familiares e ambiente familiar

do entrevistado]

3.1. Fale um pouco sobre a origem da sua família. [É crucial relatar a “lógica da memória” – onde começa o

relato, entender porque começa naquela familiar, naquele momento da trajetória do grupo familiar. Relatar o tom

do relato – orgulho, lamento, resignação, vergonha, etc...]

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3.2. Qual o local de origem de seus pais e familiares próximos?

Familiar Município de origem Região (UF)

Pai

Mãe

Avós maternos

Avós paternos

Filhos

Netos

3.3. Seus pais e avós viveram no mesmo lugar durante a maior parte de suas vidas ou se deslocaram ao

longo da vida? Caso tenham ocorrido deslocamentos, quais foram os principais motivos para isso?

3.4. Seus pais foram criados em regiões predominantemente:

a. [ ] rurais b. [ ] urbanas c. [ ] igualmente em ambas

3.5. Indique a escolaridade, profissão e/ou ocupação dos familiares:

Escolaridade Profissão / (principal ocupação ao longo da vida)

Entrevistado

Pai

Mãe

Tio 1

Tio 2

Tio 3

Tio 4

Avô materno

Avó materna

Avô paterno

Avó paterna

Irmã(o) 1

Irmã(o) 2

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Irmã(o) 3

Irmã(o) 4

Irmã(o)5

Irmã(o) 6

Filho(a) 1

Filho(a) 2

Neto(a) 1

Neto(a) 2

3.6. Caso possua irmã(os), qual é a ordem de nascimento? [Informação importante é a posição do entrevistado

na fratria: mais velho, caçula, etc].

3.7. Como os seus pais imaginavam o futuro dos filhos? [Expectativas em relação à educação formal; estímulo

para os filhos irem para a escola; valorização da educação; expectativas em relação à profissão que os filhos

deveriam seguir; como os pais interferiram ou tentaram interferir na vida profissional dos filhos; como foi a

transmissão do patrimônio familiar. Valores, investimentos, o que se valoriza e como enxergam o campo de

possíveis].

3.8. Das lembranças que o sr.(a) tem do ambiente familiar, quais eram as principais atividades feitas em

casa nas horas vagas e como era a relação entre pais, filhos e irmãos? [Atentar para as regras, ética, padrões

de comportamento, aquilo que era passível de discussão e negociação na educação recebida dos pais. Entender o

padrão de dominaçãoo mais presente]

3.9. Como era a relação dos seus pais com a religião?

a. [ ] Católicos praticantes

b. [ ] Católicos não-praticantes

c. [ ] Evangélicos praticantes

d. [ ] Evangélicos não-praticantes

e. [ ] Praticantes de outra religião: ________________________

f. [ ] Simpatizantes de outra religião: ______________________

g. [ ] Não simpatizam com nenhuma religião em particular

3.10. Considerando as pessoas abaixo e seus casamentos, é possível dizer que eles casaram com pessoas

de fora da comunidade ou de dentro da comunidade?

Familiar parceiro da mesma

comunidade

parceiro de outra

comunidade

parceiro de outra região, estado, país

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Pais

Tios

Avós

Irmã(o) 1

Irmã(o) 2

Irmã(o) 3

Irmã(o) 4

Irmã(o) 5

Filho(a) 1

Filho(a) 2

Neto(a) 1

Neto(a) 2

3.11. Seus pais tiveram ocupações variadas ao longo de suas vidas ou sempre se mantiveram dentro do

mesmo ramo de atividade?

a. [ ] Sempre tiveram a mesma ocupação

b. [ ] Tiveram até 3 ocupações diferentes (Quais?)

c. [ ] Tiveram mais do que três ocupações diferentes

3.12. Em relação às oportunidades de trabalho e emprego, seus pais e familiares próximos encontraram

trabalho:

a. Sempre trabalharam na própria propriedade/negócios da família.

b. Próximo ao local de moradia

c. Distante do local de moradia

d. Tiveram que migrar constantemente em busca de novas oportunidades de trabalho

A B C D OUTRO

Pai

Mãe

Irmão 1

Irmão 2

Irmão 3

Irmão 4

3.13. Como era a casa onde você passou sua infância? [Classificar o tipo de habitação (sobrado/mocambo,

casa grande/casebre, situações intermediarias, quais). Notar o tom da descrição (se de nostalgia, de lembrança

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amarga, ênfase nas restrições ou nas amenidades etc). “Destacar os destaques” – o que marca a descrição (no tom,

na singularidade atribuída pelo entrevistado).Ver onde está a ênfase. Que tipo de diferenciação em relação ao

entorno. Questão simbólica que dá sentido à descrição física da casa. Vizinhança e relação com ela]

Recurso e Serviços a. Fácil

acesso

b. Difícil acesso c. Não tinha acesso

3.13.1. Saneamento básico (fossa séptica,

esgoto)

3.13.2. Água (de qualquer tipo de fonte,

cisterna, ou encanada)

3.13.3. Eletricidade

3.13.4. Transporte público

3.13.5. Serviço de correio

3.13.6. Posto de saúde público

3.13.7. Hospital

3.13.8. Serviço de saúde privado

3.13.9. Escola pública

3.13.10. Escola particular

3.13.11. Acesso a crédito/empréstimo

3.13.12 Acesso a mercados, comércio, venda

3.14. Quais os acontecimentos positivos mais marcantes do tempo que vivia com a sua família (pais,

avós, irmãos)? [Lembranças idilicas, lembranças de solidariedade e cooperação, sucessos familiares ou pessoais,

lembranças relacionadas à mobilidade social, lembranças relacionadas a recompensas por esforços familiares ou

pessoais, etc.Explorar causalidades].

3.15. Quais são suas lembranças dos momentos mais difíceis daquele tempo? Quais foram as maiores

dificuldades enfrentadas durante sua infância e adolescência? [Em não havendo resposta espontânea, induzir o

entrevistado a falar dos seguintes temas: insegurança alimentar (fome), insegurança fundiária (grilagem; roubo ou

ocupação da propriedade familiar; legislação ambiental limitadora), insegurança profissional (desemprego;

trabalho intermitente), violência (doméstica ou local), discriminação (racial ou não), doença grave, falta de

educação formal). Se forem membros das elites locais, a falar dos seguintes temas: riscos, insegurança, incertezas,

reviravoltas no grupo familiar ou nos negócios, acontecimentos políticos ou econômicos marcantes e com

repercussões para a familia].

3.16. Na sua opinião, quais as principais razões dos problemas citados acima?

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3.17. Como a família enfrentou esses problemas?

3.18. Quais foram as pessoas ou entidades que mais ajudaram sua família ao longo de sua trajetória?

a. [ ] Amigos, vizinhos e membros da comunidade

b. [ ] Igreja

c. [ ] ONGs, Associações, movimentos sociais e/ou fundações

d. [ ] Políticos

e. [ ] Outro: _____________________

f. [ ] Ninguém. A família sempre dependeu mais de si própria

3.19. Considerando os dois atores mais decisivos mencionados acima, explique como eles ajudaram sua

família.

a.___________________________________________________________________________________

___

b.___________________________________________________________________________________

___

c.___________________________________________________________________________________

__

3.20. Quando não estavam trabalhando, o que os membros da sua família costumavam fazer fora de casa?

Quais as principais formas de lazer e diversão? [Possíveis induções: participar de eventos promovidos pela

Igreja (atividades beneficentes, grupos diversos, quermesses), participar de eventos promovidos pelo estado

(prefeitura, Governo, etc.), fazer atividades esportivas ou recreativas em clubes e/ou parques e locais públicos, fazer

atividades culturais (teatro, cinema, exposições)].

3.21. Você acredita que as condições da sua familia hoje são melhores, iguais ou piores do que eram na

sua infância? [Se não for explicitado espontaneamente – Porque pensa isso? Ou: quais os elementos que sustentam

esta afirmação?]

3.22. O que aconteceu com famílias próximas, nas mesmas condições que a sua, com o passar do tempo? [Se for diferente, explicitar as razões da diferenciação. Inferir convergência ou divergência entre a trajetória da

família do entrevistado e do grupo social a que pertencia e as razões em caso de divergência].

4. Trajetória Individual [Informações sobre condições de vida do entrevistado e sua formação social –

queremos saber em que medida a trajetória individual difere da familiar]

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4.1. Em que cidade o sr.(a) nasceu?

Mun.: _________________________________________ Região: _____________________ (UF:____ )

4.2. Foi lá que o sr.(a) passou a maior parte da sua infância e adolescência?

a. [ ] Sim b. [ ] Não. Onde foi? __________________________________

4.3. Sua criação se deu, predominantemente: [Criação compreende o período de formação e amadurecimento

do entrevistado. Diz respeito à sua infância e parte de sua adolescência pré-profissional].

a. [ ] no meio rural b. [ ] no meio urbano c. [ ] igualmente em ambos

4.4. Durante a sua infância e adolescência o sr.(a) morou:

a. [ ] na mesma moradia durante todo o período

b. [ ] no mesmo bairro/comunidade (mais de uma moradia)

c. [ ] em bairros/comunidades distintos

d. [ ] em municípios distintos

e. [ ] em regiões distintas

f. [ ] em estados distintos

4.5. Descreva, brevemente, os locais em que morou e as razões de suas mudanças. [Classificar o tipo de

habitação (sobrado/mocambo, casa grande/casebre, situações intermediarias, quais), notar o tom da descrição (se

de nostalgia, de lembrança amarga, ênfase nas restrições ou nas amenidades etc).“Destacar os destaques” – o que

marca a descrição (no tom, na singularidade atribuída pelo entrevistado). Notar se a trajetória é ascendente,

descendente ou neutra. Se é linear ou errática. Etc. Relação com o entorno].

4.6. Com quantos anos o sr.(a) saiu da casa dos seus pais?

a. [ ] antes dos 18 anos

b. [ ] entre os 18 e 25 anos

c. [ ] após os 25 anos

d. [ ] ainda mora com os pais (pule a próxima questão)

4.7. Quais os principais motivos para a mudança? [Sempre, junto da informação concreta dada pelo

entrevistado, anotar o tom do relato]

4.8. O sr.(a) é ou foi casado?

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a. [ ] SIM b. [ ] NÃO (pule a próxima questão)

4.9. Onde conheceu sua esposa e em que circunstâncias? [Se for mais de um/uma, repetir a pergunta para cada

um/uma].

4.10. O sr(a) tem filhos? Caso tenha, como é a sua relação com eles? [Partilham do tempo? Que tipo de

atividade costumam fazer juntos? atentar para conflitos, regras, ética, padrões de comportamento, aquilo que é

passível de discussão e negociação na educação dos filhos].

4.11. Como é a sua relação com a religião?

a. [ ] Católico praticante

b. [ ] Católico não-praticante

c. [ ] Evangélico praticante

d. [ ] Evangélico não-praticante

e. [ ] Praticante de outra religião: ___________________

f. [ ] Simpatizante de outra religião: _________________

g. [ ] Não simpatiza com nenhuma religião em particular

5. Educação [Informações sobre a formação educacional formal e informal do entrevistado – queremos saber

como e onde o entrevistado foi educado e quem foram os personagens que mais influenciaram na sua carreira].

5.1. Qual o seu grau de escolaridade? Comparando com seus amigos de infância e parentes próximos, este

grau de escolaridade é igual, superior ou inferior? [Caso não seja igual, indagar as razões da diferenciação]

5.2. Quais as razões de ter estudado até o grau mencionado?

5.3. Em sua opinião quais foram – ou são – os efeitos dessa experiência escolar na sua vida?

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5.4. Onde o sr.(a) realizou a maior parte dos seus estudos (relativo ao ensino fundamental e médio)?

a. [ ] escola pública próxima à moradia

b. [ ] escola pública distante da moradia

c. [ ] escola rural comunitária (dentro da própria comunidade/bairro)

d. [ ] escola particular

e. [ ] supletivo

f. [ ] escola técnica

g. [ ] outro: ______________________________

5.5. Onde o sr.(a) realizou seus estudos secundários e/ou superiores (caso tenha feito)? [Considere o estudo

secundário para os que tiverem completado o 2º grau e superiores para os que tiverem nível universitário, mesmo

que incompleto].

Inst.: ____________________________________________________________

Município.: _________________________________ Região: ________________ UF: ______

5.6. Além da escola e/ou faculdade, o sr.(a) realizou outros cursos? Quais? Quando? Como ou por quem

foi levado a fazer esses cursos?

Curso Quando realizou Quem indicou e/ou razões por fazer o curso

5.7. Em que medida o sr.(a) considera que a educação que recebeu foi diferente da que seus irmãos(ãs) ou

parentes e amigos próximos receberam?

a. [ ] muito diferente b. [ ] pouco diferente c. [ ] praticamente a mesma

5.8. Por quê?

5.9. No que se refere à educação, o sr.(a) considera que, ao longo de sua vida:

a. [ ] o sr.(a) aproveitou ao máximo as oportunidades que teve para estudar

b. [ ] o sr.(a) poderia ter aproveitado melhor as oportunidades que teve para estudar

c. [ ] o sr.(a) teve poucas oportunidades e muitas dificuldades para estudar

d. [ ] o sr.(a) não deu muita importância para os estudos

5.10. Por quê?

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5.11. Além da escola, que outras pessoas ou entidades contribuíram de forma decisiva para a sua

formação? [caso não haja resposta espontânea, citar: parentes próximos? amigos? Igreja? Partido político?

Movimento social? etc. Estimular respostas objetivas e nomes específicos. Até 4 nomes.]

5.12. O que o sr.(a) espera da educação dos seus filhos?

5.13. Como o sr.(a) imagina o futuro dos seus filhos? [Em termos de ocupação, moradia, realizações pessoais,

etc.]

6. Experiências Profissionais [Informações sobre a formação profissional do entrevistado – queremos

saber quais as ocupações e profissões do entrevistado e quem foram os personagens que mais influenciaram na sua carreira].

6.1. Ao longo de sua vida profissional, o sr.(a) procurou: [Assinale a mais importante]

a. [ ] ter ocupações variadas e diversificadas

b. [ ] especializar-se numa atividade profissional

c. [ ] ter um emprego estável

d. [ ] arriscar ao máximo em busca de maiores ganhos

e. [ ] Nenhuma das anteriores

6.2. Por quê?

6.3. Ao longo de sua vida o sr.(a) teve ocupações variadas ou sempre se manteve dentro do mesmo ramo

de atividade?

a. [ ] Sempre teve a mesma ocupação.

b. [ ] Teve 2 ou mais ocupações diferentes.

6.4. Indique quais foram suas principais ocupações ao longo da vida, onde e quando foram realizadas e

como se inseriu na ocupação:

Ocupação Onde foi realizada Quando Como se inseriu (principais contatos)

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6.5. Caso tenha mudado de ocupação/profissão, explique por que estas mudanças ocorreram:

6.6. Nos momentos em que o sr.(a) precisou de emprego/trabalho, quais foram as principais pessoas a

quem recorreu? [Se forem empresários a vida toda, substituir por: Nos momentos em que seu trabalho ou negócio

precisou de auxílio, a quem recorreu?]

6.7. Em relação às oportunidades de trabalho e emprego, o sr.(a) encontrou trabalho: [Se for empresário,

trocar por oportunidades de negócio]

a. [ ] Próximo ao local de moradia.

b. [ ] Distante do local de moradia.

c. [ ] Sempre trabalhou na própria propriedade. Nunca procurou emprego fora.

d. [ ] Teve que migrar constantemente em busca de novas oportunidades de trabalho.

6.8. No início de sua vida profissional, qual era o seu maior “sonho”? [“ambição profissional”, “expectiva de

realização”. Explorar a justificativa e notar o tom...]

6.9. Como avalia o que se fez desse “sonho”?

6.10. Qual é, aproximadamente, a renda familiar mensal?

a. [ ] Menos de um salário mínimo

b. [ ] De um a dois salários mínimos

c. [ ] De três a cinco salários mínimos

d. [ ] De seis a dez salários mínimos

e. [ ] Mais de dez salários mínimos

f. [ ] Sem renda mensal

6.11. O sr.(a) é o principal responsável pela renda de sua família?

a. [ ] SIM b. [ ] NÃO. Quem é? _______________________

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6.12. Ao longo de sua vida profissional, as condições de vida do sr.(a) e de sua família:

a. [ ] permaneceram basicamente as mesmas.

b. [ ] sempre oscilaram muito.

c. [ ] pioraram nos último anos.

d. [ ] melhoraram nos últimos anos.

6.13. Quais as principais razões dessas oscilações – caso elas tenham ocorrido – ou da estabilidade nas

condições de vida da sua família? [Basear a pergunta a partir da resposta anterior]

6.14. Dentre as pessoas com as quais o sr.(a) mantém contato (grupo familiar, amigos, vizinhança), quais

seriam as que o sr.(a) considera bem sucedidas? Por quê?

6.15. Dentre as pessoas com as quais o sr.(a) mantém contato (grupo familiar, amigos, vizinhança), quais

as que o sr.(a) considera que não tiveram sucesso? Por quê?

6.16. Considerando a trajetória de seus familiares próximos e amigos de infância, o sr.(a) considera que a

sua trajetória profissional tenha sido:

a. [ ] melhor sucedida do que a deles

b. [ ] pior sucedida do que a deles

c. [ ] tão bem sucedida quanto a deles

d. [ ] não sabe dizer

6.17. Por quê?

6.18. Como o sr.(a) imagina seu futuro? [Em termos de moradia, ocupação, segurança, realizações, etc.]

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7. Vida Cotidiana [Informações sobre a vida privada do entrevistado – queremos saber quais as atividades

domésticas e extra-profissionais desempenhadas pelo entrevistado e como e com quem se dão as relações cotidianas do mesmo.]

7.1. Como é um dia normal da sua semana? (Atividades regulares que realiza, locais que freqüenta e pessoas

que encontra.)

7.2. Como é um dia normal no seu final de semana? (Atividades regulares que realiza, locais que freqüenta e

pessoas que encontra.)

7.3. Onde o sr.(a) mora hoje? Há quanto tempo mora neste local?

7.4. Como são as relações com seus vizinhos e com a comunidade? (atividades comunitárias, relações de

ajuda ou de apoio entre famílias ou indivíduos OU relações individualizadas, conflitos etc)

7.5. Estas relações estão ligadas ao lazer, religião, à ajuda mutua, ao trabalho, às fontes de renda da

família ou às atividades produtivas? Como?

7.6. Quais são as pessoas mais importantes para o sr.(a) fora da sua família? Pessoas com quem o sr.(a)

sabe que pode contar? [Se possível, pedir para o entrevistado relatar um caso concreto no qual precisou da ajuda

de alguém e foi atendido.]

7.7. Qual a disponibilidade atual dos seguintes recursos e serviços para a sua o sr.(a) e sua família?

Recurso e Serviços Fácil acesso Difícil acesso Não tem acesso

a. Saneamento básico (fossa

séptica,esgoto tratado)

b. Água encanada

c. Cisterna ou outra fonte de

água

d. Eletricidade

e. Transporte público

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f. Serviço de correio

g. Serviço médico (Posto ou

PSF)

h. Hospital

i. Serviço de saúde privado

j. Escola pública

k. Escola particular

l. Crédito; crediário

m. Comércio (variado)

8. ENVOLVIMENTO ASSOCIATIVO [Informações sobre a trajetória de engajamento em atividades associativas do entrevistado – queremos saber como, onde e quando o entrevistado recebeu sua formação, quais as relações que manteve com associações e grupos de participação etc].

8.1. Quando, como e por que o sr.(a) começou a se envolver com movimentos sociais/associações? O que estava acontecendo na sua vida naquele momento? [Onde estava; quais eram as situações concretas da vida; quais foram as influências decisivas]

8.2 O sr.(a) já participava de atividades dentro da sua comunidade, junto com a Igreja ou em outros espaços de discussão? Em caso afirmativo, explique como eram esses espaços e como o sr.(a) passou a participar deles:

8.3. Em quais movimentos o sr.(a) se engajou (ou sempre esteve no mesmo movimento)? Qual era o seu papel, cargo ou função neste(s) outros movimentos?

Movimento/organização civil Período Cargo/função

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8.4. Quais pessoas estiveram mais presentes nesta trajetória? Fale um pouco do seu envolvimento com cada uma delas

8.5. O sr.(a) ainda mantém relações com tais pessoas? Como são hoje estas relações em relação a quando o sr.(a) conheceu essas pessoas?

8.6. Ao longo da sua trajetória nos movimentos sociais/associações, houve pessoas ou entidades que impediram a sua atividade? O sr.(a) tem adversários ou inimigos na região? Quem são? Quais os motivos das desavenças?

8.7. Qual o seu papel na entidade/movimento em que está atualmente? Há quanto tempo desempenha este papel? O que o levou a desempenhar este papel?

a. Papel/cargo/função atual: ________________________________________

b. Há quanto tempo: ________________________

c. Motivos que levaram a ocupar o cargo:

_________________________________________________

_________________________________________________________________________________

___

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8.8. Participa de alguma outra entidade ou movimento?

a. [ ] Não (pule a próxima) b. [ ] Sim

8.9. Se sim, quais?

a. ________________________________

b. ________________________________

c. ________________________________

8.10. Por que o sr.(a) considera importante participar destas entidades/movimentos?

8.11. O sr.(a) é ou já foi simpatizante de ou filiado a algum partido político?

a. [ ] Sim, simpatizante.

b. [ ] Sim, filiado.

c. [ ] Não.

8.12. Por que?

8.13. Se é filiado, qual é ou foi este partido?

a. [ ] PT b. [ ] PSB c. [ ] PTB d. [ ] PC do B e. [ ] PSDB f. [ ] PMDB g. [ ] PFL

h. [ ] PSTU i. [ ] PPB j. [ ] PPS l. [ ] PV m. [ ] Outro:____________________

8.14. Caso tenha se filiado a mais de um partido ou tenha desistido de uma filiação passada, por favor, relate essa trajetória:

8.15. O sr.(a) já se candidatou a algum cargo público?

a. [ ] NÃO (pule a próxima) b. [ ] SIM.

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8.16. Quando e como foi?

8.17. Quais são, na sua opinião, as principais forças políticas em sua cidade/região atualmente? Por

quê? Essas forças mudaram ao longo do tempo?

8.18. O sr.(a) tem conhecimento de conselhos e fóruns participativos em seu município? Quais? Em caso afirmativo, qual a sua opinião sobre a importância desses fóruns para o município?

8.19. O sr.(a) tem conhecimento de fóruns e colegiados regionais – Comitê de Bacia Hidrográfica, Colegiado Territorial, etc? Em caso afirmativo, qual a sua opinião sobre a importância desses fóruns para a região?[Se possível, coletar informações sobre o perfil dos grupos participantes ao longo do tempo, composição

setorial]

9. Dinamização econômica, bem-estar e recursos naturais

9.1. Como o senhor definiria que vem se dando o desenvolvimento da região? [Identificar estilos,

expectativas, percepção de inclusão ou exclusão].

9.2. Pensando na situação atual da região, quais são, na sua opinião, as atividades econômicas mais importantes e que respondem pela maior produção de riquezas hoje em dia?

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9.4. O senhor acredita que existam atividades pouco exploradas na região? Por que? Quais e como elas poderiam ser aproveitadas?

9.5. Nos últimos 10 anos, a situação da região:

a) melhorou

b) permaneceu a mesma

c) piorou

9.6. Por que?

9.7. Caso o sr. Fosse eleito para um cargo importante na região (prefeito, vereador, presidente do comitê de bacias, ou mesmo governador do estado), quais as três principais medidas que o senhor tomaria para o bem da região ? Explique.

9.8. Qual o seu posicionamento sobre a barragem de Sobradinho? Explique. [Captar mudanças

importantes e efeitos negativos na vida do entrevistado]

a. a favor

9.3. As principais atividades econômicas da região mudaram nos últimos 10 anos? Por que?

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b. depende

c. contra

d. não tenho opinião formada

9.9. Qual é o seu posicionamento sobre o polo de fruticultura irrigada regional? Explique. [Captar mudanças importantes e efeitos negativos na vida do entrevistado]

9.10. Na sua opinião, qual o papel das políticas sociais no desenvolvimento recente da região?[Captar mudanças e efeitos na vida do entrevistado]

9.13. Comente as seguintes frases:

a) viver na região era...

b) viver na região é...

c) a barragem gera empregos

d) a barragem destrói os recursos naturais

e) a barragem traz desenvolvimento à região

f) a barragem impede/atrapalha outras atividades econômicas

g) a produção irrigada de frutas na região trouxe melhorias na renda das pessoas

h) a produção irrigada de frutas dinamizou a região

i) o Bolsa Familia faz com que as pessoas não queiram mais trabalhar

j) o Bolsa Família melhorou a economia do município

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10.A Informações sobre as coalizões e elites políticas regionais [para os entrevistados da elite

política da região]

10.1. O senhor conhece o Plano de Desenvolvimento Territorial? Em que medida esse plano abrange as necessidades da região? [Buscar entender em que medida esse plano integra diferentes políticas. Se possível,

olhar o Plano, seus principais eixos] Interrogar também como ele foi construído e se o entrevistado participou dele..

10.2. Como o senhor enxerga iniciativas de territorialização de políticas públicas? [Como o PPA territorializado, por exemplo] Interrogar se o entrevistado participou e explorar conflitos e complementaridades com a pergunta acima.

10.3. A região costuma eleger deputados estaduais ou federais? Quais e com que frequência? Como estes parlamentares representma a região?

10.4. Informações sobre o consórcio [perfil dos envolvidos]

10.5. Informações sobre o perfil dos prefeitos e sobre a composição da Câmara de Vereadores nas décadas de 60, 80, 2000 e 2010.

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10. B Informações sobre as coalizões e elites econômicas regionais [para os entrevistados da elite

econômica da região]

10.1.Como o senhor descreveria a Economia do município? [Buscar entender que atividades são vistas como dmoinantes e como subsidiárias, como ascendentes ou descendentes e porque) .

10.2. Como o senhor enxerga a sua posição/do seu negócio, na Economia do município? [Entre os

dominantes ou dominados? Quais são os aliados e os opositores? Por que?)

10.3. Que fatores contribuem ou dificultam o seu negócio? (Explorar fatores históricos e fatores atuais, tentar relacionar com os determinantes históricos da região)

10.4.Qual é a perspectiva futura do seu negócio e o que o condiciona? (futuro imaginado e bloqueios e potencialidades para concretizá-lo)

10.5. Informações sobre o perfil dos membros da associação comercial local e sobre outros empresários que não participam da associação local nas décadas de 60, 80, 2000 e 2010.

10.C Informações sobre os beneficiários do Bolsa Família [para os entrevistados

agricultoresbeneficiários do programa]

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10.1. O senhor recebe benefícios ligados ao Programa Brasil Sem Miséria? Quais? [Ver quais cita espontaneamente. Se não citar espontaneamente mencionar um a um – Bolsa, ATER, Água (consumo), Água (produção), Crédito de Fomento, Garantia Safra, Crédito Pronaf) .

Os que não recebe, perguntar a razão (não sabe, não procurou, foi informado que não tem direito, outros)

10.2. Como o senhor tomou contato com a possibilidade de receber esses benefícios e acessar essas políticas? [Importante saber se ele foi procurado ou se procurou, identificar os agentes envolvidos) Notar o tom da resposta (agradecimento, direito, surpresa, vergonha, etc).

10.3 Que efeitos esses benefícios tiveram na sua vida e da sua família? (ver o que vem espontaneamente, depois perguntar pontualmente sobre produção, saúde, renda, alimentação, filhos, segurança, dependência) Notar também o tom do relato (orgulho, vergonha, acesso a direito, etc)

Perguntar em geral e depois para cada componente (bolsa, água 1 e 2, ater, fomento, garantia safra, crédito pronaf)

10.4.O senhor comercializa parte da sua produção? Caso positivo, o que, com que regularidade e com quem? Caso negativo, perguntar a razão.

10.5. O senhor participa de programas como o PAA e o PNAE? Caso positivo, como (vendendo o que, como, em que quantidade, com que regularidade, para qual programa, como funciona). Notar o tom do relato. Caso negativo, perguntar o porque (nao conhece, prefeitura não tem o programa, não tem produção, etc).

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10.6.Como o senhor avalia esses benefícios e programas? (ver o que surge espontameamente, depois induzir a resposta por cada componente – água, ater, etc.

10.7.Como o senhor avalia o futuro desses programas? (deve continuar, deve mudar, em que?) – Explorar aspectos relativos a ele, filhos, comunidade e região.

FINAL DA ENTREVISTA: Muito obrigado pela sua atenção.

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Anexo II – Entrevistas realizadas no Sertão do São Francisco

Síntese das entrevistas com agentes-chave

O articulador territorial

A irrigação permitiu a diversificação na produção dentro do território, mas dados seus

custos, ainda é concentrada na mão de poucos produtores, sendo que os mais pobres

produzem, predominantemente cebola e melancia. As mudanças vieram a partir do

governo Lula, por conta de políticas públicas, como o acesso à água e luz e programas

como o Programa Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de

Alimentação Escolar (PNAE). Sobre Casa Nova, tem forte presença de caprinocultura,

que substituiu o gado e apenas 1/4 da sua população está na sede do município, demais,

vive em comunidades. Já Sobradinho praticamente não tem produção agrícola, pois sua

população vive mais no perímetro urbano. Na região ainda há grande concentração de

terra, e em Sento Sé ainda se observa resquícios do Coronelismo.

Representantes da EMBRAPA - Semiárido

A estrutura de poder que tinha como centro a figura do coronel foi predominante até as

décadas de 1960 e 1970. Com a minifundização por herança, e politicas de valorização

da Agricultura Familiar como o Pronaf e a Assistência Técnica Rural, esta estrutura

parou de imperar. Sento Sé ainda preserva um pouco dessa estrutura, por conta grandes

propriedades, do vazio demográfico. Lá ainda prevalece a pecuária. Nos demais

municípios da região há a predominância da caprioncultura, que substituiu o gado. Casa

Nova tem recebido investimentos por conta do aproveito eólico para geração de energia.

A irrigação permitiu a diversificação da produção.

Representante da Comissão Pastoral da Terra - Diocese de Juazeiro

A região sofreu profundas mudanças com a chegada da barragem. Foram expulsas entre

70 mil e 72 mil pessoas, e houve muito conflito por terra por conta de grilagem

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realizada por associados das famílias que ainda dominavam a região. Houve a tentativa

de resistência por parte das comunidades. Destas, a do Riacho Grande resiste até hoje. A

CPT exerceu trabalho de organização sindical e política das comunidades que restaram,

além de realizar outros projetos, como os de cisternas, antes de se tornarem políticas

públicas. Em Casa Nova a irrigação ainda é acessível apenas a médios produtores e

empresas. Os conflitos por terra ainda persistem, sendo que já não são mais as famílias

tradicionais que buscam a tomada das terras das comunidades rurais, mas sim as

grandes empresas de agronegócio, mineração e geração eólica. Considera que hoje a

região está melhor, pois diminuiu a migração, as casas estão melhores, existe comida e

os filhos estão na escola. A juventude rural ainda é o desafio. A concentração de terra e

a estrutura de poder continua, mas as pessoas sabem ler.

Representante da Prefeitura de Sobradinho

Originalmente a CHESF queria derrubar todo o campo de obras e manter somente os

escritórios par a administração da UHE. Com a emancipação do município Juazeiro "se

livrou" do problema social. O bairro de São Joaquim originalmente serviu como

hospedagem aos migrantes que vieram para a obra, ficando fora do acampamento da

CHESF. Por conta dos assassinatos e acidentes constantes, recebeu o apelido de "Cai-

Duro". Ainda é possível ver os muros e as bases das guaritas que separavam as áreas da

construção, entre a área dos engenheiros, a dos técnicos e a dos operários. A maior fonte

de renda para o município é o ICMS, da CHESF, mas a construção de um parque eólico

vem como alternativa para aumento da renda. O município conta com muitos

aposentados, e ainda é muito dependente. O IDH do município hoje é alto por conta dos

funcionários da CHESF. Pela luta dos barrajeiros veio o Projeto de Irrigação Tatauí que

hoje alimenta pouco a agricultura familiar. Sobradinho conta hoje com 12 associações

de produtores articuladas para a obtenção de recursos. Tentam desde 1993 a construção

do Canal Serra da Batateira, que seria a redenção econômica do município pelo seu

potencial de irrigação, mas nunca foi concluído.

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Trechos selecionados de algumas entrevistas

Agente Elite Política 1

Nascido em Casa Nova, como toda sua família, e passou por sérias privações na

infância, especialmente pela fome.

Mudou-se para São Paulo aos 13 anos para estudar, e onde permaneceu por mais

43 anos, até seu retorno para Casa Nova.

Em São Paulo passou por várias ocupações, até se tornar sócio de um

restaurante. O dinheiro recebido era investido na agropecuária em Casa Nova

(em gado e cebola).

Entrou para a política pelos relacionamentos com outros políticos e foi eleito em

2012 para seu primeiro mandato em um cargo eletivo.

Na sua visão a barragem, por conta da irrigação, trouxe desenvolvimento por

meio da fruticultura realizada por agroindústrias, mas esse é um benefício que

não se estende aos pequenos e médios produtores do município, e nem ao

próprio município, que conta com sérios problemas em temos de água e

saneamento.

Agente Elite Política 2

Sua família era de comerciantes bem-sucedidos da comunidade de Pau-a-Pique,

que tinha no Rio São Francisco uma via de comunicação com outros territórios

para troca de mercadorias, que viu o seu comércio definhar por conta da

construção da barragem.

Sua família era bem-conceituada, e recebeu e abrigou os padres estrangeiros e

Dom José Rodriguez, no período de oposição à construção da UHE.

Participou de diversas associações a partir do ano de 1987, mas não vê com bons

olhos as associações, pois hoje o envolvimento acontece mais por interesses

pessoais que por ideais.

As famílias tradicionais perderam espaço, e hoje apoiam mais do que são

apoiadas.

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Agente Família Tradicional 1

Um dos últimos de sua família que ficaram em Casa Nova.

Trabalha na prefeitura, está sempre presente nas administrações.

Apesar disso, tem residência e Salvador em Petrolina, onde passa parte do tempo

por não ter que estar o tempo inteiro em Casa Nova. Eventualmente vai para

Salvador.

Além de servido público, também possui fazenda na região.

Considera que a barragem é boa, mas só serve para gerar energia. Na sua visão, a

CHESF não liga para a agricultura.

Agente Beneficiário 1

Os conflitos por terra são permanentes na sua comunidade, por conta da

grilagem de terras há muito tempo.

Ignorada pelo poder público, a associação é a chave para tudo que sua

comunidade conseguiu até hoje.

A barragem trouxe benefícios, como água e trabalho, mas deveria ter vindo de

outra forma.

A educação é a chave para a mudança.

Agente Elite Política 3

Antes da barragem Sento Sé era muito ruim, não tinha opções de trabalho.

Nasceu em Sento Sé, mas passou um período em outro município, retornando

em 1977 para explorar o comércio.

A cidade ia bem até a deterioração da estrada, quando perde a empresa

Frutimag, e perderam-se 3.000 empregos.

Quando não ocupa cargo político, exerce função de secretário.

Em cidade pequena não existe 100% de fidelidade partidária.

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Agente Elite Política 4

Hoje existem dois grupos dominantes na cidade, e a família Sento Sé se alia aos

dois.

Não há conflitos com entre situação e oposição. A oposição é "light".

É contra a barragem, pois ela só gera energia, sem que exista preocupação com a

agricultura.

Agente Elite Econômica 1

De Salvador, veio para Sento Sé na década de 1990 em busca de oportunidades

para trabalho.

Encontrou espaço no comércio, onde ascendeu e tem forte envolvimento

associativo

Prefere evitar a política para evitar conflitos com sua atividade.

Agente Beneficiário 2

Era de uma comunidade dista cerca de 18km da sede do município. Foi

reassentada dentro de Sento Sé, mas em um local que isolado quando o nível do

lago subia em função da barragem.

A igreja teve forte participação na sua vida, auxiliando nas situações difíceis

vividas no reassentamento [único apoio, segundo ela], e no incentivo à

educação.

Estudou pedagogia e faz pós-graduação [na época da entrevista]. Em um

momento de sua vida chegou a lecionar.

Programas como o Pronaf foram fundamentais para a modificação no

Coronelismo.

Ainda há conflitos por terra em Sento Sé, especialmente motivados pela

mineração.

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Agente Família Tradicional 2

A entrevistada viveu a questão dos problemas envolvidos na construção de uma

barragem, mas em outro ponto, no município de Rodelas, em decorrência da

construção de Paulo Afonso.

Possui vínculos com associações128

, "[N]o entanto, sua ligação com o tema

começou bem antes, quando estudava e seu marido também e tiveram contato

com o Bispo da Diocese de Juazeiro. Conta que em 1971 com a proposta de

construção da Represa no Rio São Francisco muitas pessoas vieram para

trabalhar. A Chesf entendia que a Vila São Joaquim não fosse necessária e,

portanto, fez dali um acampamento precário. Apenas a Vila de Santana, com

residências maiores e para trabalhadores graduados é que seria necessária.

Havia, inclusive, uma guarita e cerca de arame que não permitiam a entrada de

pobres na área da Vila São Francisco e Santana. Os pobres eram discriminados e

havia segregação social. Diante dessa situação, o Bispo de Juazeiro Dom José

Rodrigues de Souza, implantou, com Leonardo Boff, algumas comissões

pastorais; dentre elas a CPT – Comissão Pastoral da Terra. Os agentes pastorais

tinham por papel um trabalho de conscientização da população em seu papel na

sociedade.

Diante do clima tenso em Sobradinho, o Bispo pediu para que [a entrevistada e

seu marido] viessem à cidade para realizar o acompanhamento das pessoas que

não tinham sido indenizadas pela Chesf e os operários que estavam ali desde a

construção e que seriam despejados. A CPT realizava um trabalho de

permanência do homem a terra, com apoio da Diocese e de verbas da Alemanha.

Criou-se a Associação Agrícola São Joaquim, uma espécie de associação mãe

que agregou os problemas associados à agricultura. As pessoas sabiam criar

animais, que tinham feito ou faziam desde sempre, mas plantar não era realidade

por ali. Criaram-se 22 associações no município e terras devolutas foram

ocupadas por essas associações. Mais adiante se criou a UASA – União das

128 Dada a importância deste trecho do relato, optou-se pela citação direta da transcrição da entrevista. A

entrevista foi realizada e transcrita por Suzana Kleeb.

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Associações de Sobradinho. Contudo, após esse movimento muitos venderam as

suas terras e se aproveitaram do movimento. Esse foi o resultado ruim, mas,

segundo ela, Sobradinho criou a cultura do associativismo na cidade, com

associações de estudantes, de mulheres, entre outras. A entrevistada vê essa

condição como importante, uma luz no final do túnel que resultou, por exemplo,

na emancipação de Sobradinho de Juazeiro. No entanto, percebeu que em

seguida, a Chesf ficou na posição de se livrar dos problemas sociais: fechou o

hospital, postos de saúde, escolas [..]. E tudo foi municipalizado, mas há pouca

condição orçamentária no município para dar conta de tudo. A municipalização

ocorreu entre 2000 e 2001."

Agente Elite Econômica 2

Pernambucano, veio jovem com a família para Sobradinho na época da

construção da barragem. Seu pai trabalhou como operário.

Começou seu envolvimento associativo na Associação Agrícola de São

Joaquim, e depois criou outras duas associações.

Considera a participação nos movimentos importantes, pois os movimentos têm

construído o Brasil. “Muitas pessoas têm mais chances que uma em prol de um

objetivo".

Por meio das redes formadas pelas associações, alçou carreira política, sendo

eleito vereador em 2008.

Agente Beneficiário 3

Mudou jovem com a família para Sobradinho, mas depois da construção da

Barragem.

Fundou sua associação com suporte de programas de crédito fundiário e com

parte de financiamento do Banco Mundial.

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Para ele as associações são importantes pois “as pessoas acreditam em você, te

cobram e com isso você vai aprendendo como fazer as coisas, lidar com pessoas

é um aprendizado constante, sempre vai mudando seu jeito de pensar e agir129

”.

Relatos integrais

Agente Beneficiário 4

Nascido e criado em Casa Nova, em uma comunidade de pescadores e com 62 anos,

viveu diretamente o drama da construção da barragem de Sobradinho, e depois, as

consequências da própria barragem: em 1975 viu sua casa ser alagada, sendo deslocado

para Xique-Xique, e em 1979 viu sua casa, agora em Xique-Xique, ser alagada em

função do fechamento das comportas da barragem (fechadas para impedir o alagamento

de Juazeiro). Após a perda de segunda casa, passou 3 dias em um barco, com sua

família, decidindo voltar para Casa Nova, onde se reestabeleceu.

Filho e neto de casa-novenses (todos casados dentro da comunidade), perdeu o pai aos 8

anos (em relato de forte emoção), e viu sua mãe “perder o juízo”, se tornando o homem

da casa nessa idade, ainda que fosse o 4o em um grupo de 6 filhos, sendo as mais

velhas, moças. Da sua família, nem seus pais, nem seus avós estudaram, sendo ele e as

irmãs os primeiros. A irmã mais velha chegou à 2a série, enquanto a segunda completou

o 1o grau. Suas filhas estudaram mais, sendo duas formadas (Estudos Sociais e

Geografia). Completou a formação geral, equivalente à 5 a série, em uma escola pública

próxima à sua casa. Esse grau de instrução faz com que se sinta excluído, pois não pode

ensinar. Apesar disso, sente que sua vida melhorou, pois não se sente excluído no

sentido da comunicação, pois agora pode ler. Isso lhe imprimiu confiança. Ainda que

com pouca edução, considera que aproveitou ao máximo as oportunidades que teve. Em

função da situação vivida pela perda do pai, considera que sua educação foi diferente da

das irmãs. Dos filhos espera a valorização dos estudos, e acredita que vão ter sucesso

por buscar o caminho correto (religião).

129 Citação direta da transcrição da entrevista cedida a, e transcrita por, Rafael Moralez.

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Quando criança, seus pais não viam outra perspectiva além de serem pescadores,

segundo ele, “sem direito de mudar”. De fato, foram poucas as experiências fora da

pesca, sendo a mais marcante, de 14 anos (1986 a 2001) no SAAE (Serviço Autônomo

de Água e Esgoto), trabalhando com bombeamento, depois retornando para a pesca

(nunca parou com a pesca, diz ele). Essa experiência foi motivada pelo desejo de

conhecer outras atividades, conhecer a vida de empregado. Saiu da SAAE por questões

políticas, já que lá se envolveu com o sindicato. Além disso, em 1973 trabalhou 1 mês

em SP e 3 meses em Santos (períodos diferentes do ano), também motivado por

conhecer outras atividades, outras realidades.

Na infância, sua família possuía duas casas, uma para a pesca, e uma para a lavoura.

Todas de taipa, barro batido. Na sua comunidade as casas cresciam de acordo com os

casamentos, sendo a casa do novo casal construída próxima da dos pais. Lembra-se de

carregar água e lenha nas horas vagas, e tem boas memórias da Festa de Reis, e

emocionado, tem memórias de seu pai e os membros da família que costumavam se

reunir quando estavam fora de casa. A infraestrutura era ruim. A água vinha do São

Francisco, e correio, posto de saúde e hospital eram de difícil acesso. O comércio, por

sua vez, de fácil acesso. Sua irmã, certa vez, sonhou com Padre Cícero indicando o local

onde poderiam encontrar água, e encontraram no local indicado, diz ele. O mais

positivo, dessa época, era o amor, o respeito, a vida em comunidade (diz emocionado),

o que foi dissolvido pela construção da barragem, que levou junto a tradição da Novena.

O sentimento pelas perdas da barragem veio da impotência (não conseguir brigar,

ditadura).

É casado, e tem 3 filhos (1 fora do casamento). Conheceu sua esposa, que foi quem

mais ajudou na sua educação no retorno a Casa Nova. Sua convivência com os filhos é

boa. É católico praticante, e teve na igreja e na família ajuda sempre que precisou (o

primo chegou a ajudar com material de pesca no retorno a Casa Nova). A igreja foi mais

marcante para a fuga dos momentos ruins da vida (e, inclusive, para a sua vida

associativa). Sua renda hoje, segundo ele, é de 1 a 2 salários mínimos, e sua esposa o

ajuda na pesca. Sua situação melhorou ao longo do tempo, com destaque para o pós

2002, em função do crédito para pesca (era DAP B – BSM, mas hoje está enquadrado

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na DAP V, o que é ruim, segundo ele). Considera que 2002 foi um bom ano também

para as pessoas que conhece, pois não precisavam trabalhar em condição de exploração.

A educação melhorou também. Na sua visão, isso fez com que todos tivessem

condições semelhantes às dele em termos de bem-estar. Seu cotidiano é pesca, a igreja,

e a reunião do Grupo de Casais com Cristo. Considera seus vizinhos, e a comunidade,

como irmãos, e tem na religião (caminho contra o errado) e na ajuda mútua o elemento

forte destas relações. É nos pescadores (e pessoal de Remanso) e padres que tem mais

confiança.

Sua vida associativa começou com a filiação à Colônia de Pescadores, em 1981, onde

candidatou-se a presidente, por desejo de mudanças. Perdeu as eleições. Em 2004 pôs

para funcionar a Associação de Pescadores, onde hoje é presidente, no segundo mandato

(de 3 anos). No meio deste processo, foi filiado ao sindicato da SAAE, por 7 anos,

atuando como representante dos funcionários. Além disso, faz parte da direção da

Associação dos Ribeirinhos de Sobradinho. É motivado, basicamente, por apoiar quem

deseja fazer. Como citado, a igreja foi importante na sua vida associativa, a Comissão

Pastoral da Pesca, onde valoriza todas as pessoas. Não vê “inimigos” na sua trajetória,

pois “pensamento negativo”, e o “não vai dar certo” servem como estímulos para

avançar.

É filiado ao PT desde 2001 e chegou a se candidatar a vereador, apenas para “ocupar

chapa”, mas não foi eleito (não fez campanha). Para ele, como diz, o município é

ausente nas câmaras, o prefeito é ausente, e a política é ausente. Não tem conhecimento

de conselhos ou fóruns participativos no município, mas conhece a APA do Lago de

Sobradinho. Para ele a condição do município é precária, sem grandes empresas. As

principais atividades econômicas são a pesca, a agricultura familiar e a apicultura.

Apesar disso a pesca é pouco explorada, especialmente pela falta de infraestrutura (falta

gelo), e ainda há o atravessador130

. Ele próprio vem realizando experiências de

piscicultura com a construção de um tanque em sua casa.

130 No dia da entrevista, associadas de Remanso ensinavam associadas de Casa Nova a beneficiar o

peixe, via CPP.

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As atividades econômicas mudaram nos últimos 10 anos, em função da mecanização da

agricultura, mas apesar disso ele considera que houveram melhorias nesse período,

especialmente em função da atuação do Governo Federal. É contra Sobradinho, por tudo

que causou à população ribeirinha (lamenta a morte do São Francisco), e acha que a

riqueza de Casa Nova vai toda para Petrolina (Polo Fruticultor). Vê o desenvolvimento

em função das políticas sociais, pois melhoraram muito as condições de vida, mas acha

que precisa melhorar mais.

A vida na região era boa demais, mas hoje é boa também, diz. A barragem gerou

empregos, mas causou muitos danos ao meio ambiente. Até trouxe desenvolvimento,

mas trouxe muitos problemas, e impede a pesca artesanal. A produção irrigada não

melhorou a renda das pessoas, mas trouxe doenças em função dos agrotóxicos. E o

bolsa família ajuda! Melhorou muito a economia do município. Muitas pessoas

próximas seguiram na pesca, e ele considera que sua melhorou em termos, pois hoje há

liberdade (de expressão, pois antes seguia o coronelismo). Acredita que seguindo a

trajetória atual, sua vida deve melhorar mais ainda. Ele ainda depende do trabalho, mas

segundo sua visão, o governo dá oportunidades, reconhece o pescador. “Precisa bater no

governo para ser ouvido”.

Agente Elite Econômica 3

Comerciante com 42 anos é o 17º filho de um grupo de 21 dos 14 que sobreviveram à

infância. O pai era de Massaroca (Juazeiro), e a mãe de São Pedro. O pai era produtor

rural e comerciante, assim como a maioria de seus ascendentes. Da infância lembra

como momento mais marcante para a família quando o pai comprou uma roça de

mamona, e com os ganhos obtidos dessa roça, comprou um ponto comercial em

Piçarrão (Sento Sé). Nessa época tinha oito anos, e vivia em uma casa mista de taipa e

alvenaria, sem recursos e acesso a equipamentos públicos, a não ser uma escola pública.

Da pobreza na época, lembra-se também da ajuda dada por um primo de Juazeiro, que

lhe mandava roupas e outros auxílios. Seu tio era a única pessoa em sua comunidade

que possuía um carro, e era quem levava a família para Sento Sé, cuja sede fica a

aproximadamente 100 km do distrito de Piçarrão.

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Passou pouco tempo ali, mudando-se aos oito anos para a região urbana de Sento Sé,

para ajudar um de seus irmãos no comércio. Já era a nova Sento Sé, inaugurada em

1976. Outros irmãos também foram mandados pelos pais para trabalhar em Sento Sé,

mas ele foi o único que permaneceu por algum período. Com o irmão, trabalhou em

Sento Sé até os nove anos, quando se mudou para Senhor do Bonfim, onde trabalhou

por mais três anos com a irmã mais velha. Neste período fazia as cobranças e

aproveitava e vendia “piqueniques” para fazer o próprio dinheiro. O pai (de quem era o

xodó, segundo o próprio), acreditava no potencial do filho para o comércio, e mais do

que estimular a estudar, o instigou a ter seu próprio comércio. Sua infância, afirma, foi

trabalho, sem lazer.

Estudou até o segundo grau [ensino médio], primeiro em uma escola rural, e depois na

cidade de Sento Sé. Tentou o Ensino Superior a Distância em Administração, mas não

gostou do curso e o abandonou. Todos os irmãos estudaram, e alguns chegaram ao

ensino superior. Duas irmãs, inclusive, lecionaram em escolas de Sento Sé.

Os filhos apenas estudam (todos em Petrolina), e, sobre a educação dos meninos, deseja

que seja melhor que a dele, e que consigam algo pelos estudos. Ao longo de toda a vida

foi comerciante, mas hoje também tem pequena atividade pecuária. Com o tempo sua

vida, e a da maioria de sua família, melhorou bastante. Muitos de seus parentes também

viraram comerciantes e, destes, “90% melhoraram bem”. Sua referência para sucesso,

inclusive, é seu irmão mais velho, com que conviveu, e que hoje também tem seu

comércio em Sento Sé.

Procura não se envolver com política, pois “ser comerciante e político não dá certo”, até

pela dedicação que estas atividades exigem. Também tem pouco envolvimento em

associações em Sento Sé ou na região, sendo apenas membro da Câmara de Dirigentes

Lojistas, da qual diz ter participado da fundação. Seu presente mascara um passado

humilde e marcado por dificuldades. Apesar delas, identifica em dois momentos os

marcos de sua trajetória: a compra da roça de mamona e a construção da nova Sento Sé,

com abertura de espaços que logrou aproveitar. Estes momentos e um mínimo de

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condições materiais se converteram em oportunidades para que a família rompesse

bloqueios da formação territorial local e saísse da condição de pobreza.

Sobre Sobradinho, considera que provocou um estrago ambiental grande, mas não tinha

outro meio de trazer o progresso e a energia. No longo prazo ainda foi pior, pois a

cidade não se beneficia da represa. Sobre as políticas sociais, elas têm seus prós e

contras. São um benefício para quem não precisa, como o seguro-pesca para quem não é

pescador, mas também é mais dinheiro para a população. Na balança, é mais bom, pois

o dinheiro proporciona movimento para o comércio.

Para ele, viver na região era, e ainda é, razoável. A barragem não gera empregos “aqui”,

mas também não atrapalha outras atividades econômicas, e destrói os recursos naturais,

e o único desenvolvimento vem por conta da energia. A Frutimag, como produção

irrigada, trouxe melhoria de renda para as pessoas, e dinamizou a região. Não acha que

o PBF faça com que as pessoas não queiram trabalhar, e acha que o programa melhorou

a economia do município, pois o dinheiro chega na mão de quem gasta, o dinheiro

circula.

Agente Elite Política 5

Com 32 anos, advogado, sua trajetória se inicia com o funcionamento da barragem que

dá nome ao município de Sobradinho. É o mais velho dos quatro filhos de um casal de

engenheiros agrônomos e funcionários públicos que ali se estabeleceram em 1981, para

o exercício de seus cargos na então empresa estadual de assistência técnica e extensão

rural (Emater-BA). Sua mãe, natural de Juazeiro, Bahia, é descendente de árabes e

italianos. Seu pai, natural de Buerarema, também na Bahia, é descendente de espanhóis

que, com a vinda para o Brasil em busca de um clima quente capaz de curar os males de

vesícula da bisavó, dedicaram-se à plantação de cacau na região sul do estado, deixando

terras que foram, posteriormente, herdadas pelo avô. Seus pais foram criados em áreas

rurais e, em decorrência das posses dos avós, tiveram a oportunidade de cursar todos os

níveis do ensino formal, passando por universidades particulares e chegando à pós-

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graduação, trajetória pouco provável na época para a maioria da população rural do

estado.

Com a emancipação do município de Sobradinho, em 1989, concomitantemente à

transformação da Emater-BA na atualmente também extinta Empresa Baiana de

Desenvolvimento Agrícola (EBDA-BA), sua mãe prestou o primeiro concurso da nova

prefeitura e seu pai entrou na política local, tendo sido eleito prefeito por dois mandatos

consecutivos, em 1996 e em 2000, e elegendo um sucessor em 2004, o que o projetou

como importante figura na cena política do jovem município.

As lembranças de infância são permeadas pela estrutura segregada da cidade, em que se

operava um sistema de intenso apartheid social. Composta por três vilas, a cidade

mantinha separados os segmentos de trabalhadores, técnicos e engenheiros que ali se

estabeleceram por conta da construção da barragem. A Vila São Joaquim era onde

residiam os mais humildes, em grande parte trabalhadores braçais que ali se mantiveram

após o término da obra. A Vila São Francisco era a moradia dos técnicos e operadores,

um pouco melhor em infraestrutura e acesso a serviços básicos. Por fim, a Vila Santana,

onde ele morava, era o local de moradia de engenheiros e ocupantes dos cargos de alto

escalão da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), e tinha uma cota de

casas reservadas para funcionários públicos. Se por um lado isso significava certa

distinção social ao seu grupo familiar – ele reconhece que teve um padrão de vida na

infância muito diferente e sem as restrições materiais e de infraestrutura que marcavam

o restante da cidade –, por outro, o fez ser alvo de preconceitos que muito o

incomodavam. Na época seu pai era funcionário do estado, o que na escola o colocava

em uma posição inferior à dos filhos dos altos funcionários da Chesf. Esse preconceito

velado, ele acredita não existir mais.

A expansão do acesso à educação teria sido a principal responsável por uma maior

igualdade na região, ainda que as desigualdades permaneçam. Ele entende a educação

como único caminho para a liberdade. No seu caso, buscou seguir a trajetória de seu

grupo familiar, cursou direito na Universidade Metropolitana de Salvador e chegou a

iniciar um curso de pós-graduação em direito público, que interrompeu por causa de sua

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candidatura. Até se eleger prefeito, advogou nas áreas de direito criminal e

administrativo, em prefeituras e câmaras de municípios vizinhos, como Casa Nova.

Assim como ele, os três irmãos têm formação superior; dois deles atuam

profissionalmente como advogados na cidade de Juazeiro e Sento Sé; e um atua como

engenheiro elétrico nos perímetros irrigados da Companhia de Desenvolvimento dos

Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) no município de Rodelas.

Nunca havia pensado em se candidatar. Gostaria de ser promotor ou juiz, mas após

entrar na política não sabe se este sonho ainda existe. Considera a política um

sacerdócio e diz ter vontade de galgar passos mais largos, como a Assembleia

Legislativa. Apresenta a gestão coletiva, territorial e integrada como pilar de um

discurso racional sobre o desenvolvimento regional. Com a esposa, historiadora e

professora natural de Pernambuco, teve dois filhos, para quem espera poder

proporcionar as mesmas oportunidades que ele teve, garantindo assim a reprodução de

um grupo familiar que, diferentemente das elites tradicionais cujo poder tinha como

base o controle das terras e da vida social e econômica local, tem no capital cultural seu

trunfo mais estratégico.

Agente Família Tradicional 3

Com 62 anos de idade sua biografia representa um ponto de inflexão na trajetória

familiar, que iniciou o povoamento local em meados da segunda metade do século XIX.

Há muito tempo, a família de seu pai estava por lá e sentiu na pele as transformações

que vinham se estabelecendo no estrato social das famílias tradicionais, as quais, no

sertão do São Francisco, experimentaram um momento importante na década de 1970.

Significativos foram a constituição do lago de Sobradinho e a inundação de grandes

porções de terra; a transferência da cidade para lugar distante da antiga sede; e a

chegada de novas habitantes interessados nas possibilidades econômicas que se

apresentavam com a barragem.

Seu pai, devido às interações políticas da família, que iam além dos limites locais, foi

indicado como prefeito durante o processo de mudança da cidade, ficando no cargo por

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seis anos. Planejou a nova cidade instalada no eixo da rodovia, entre dois braços do

grande lago; distribuiu as novas moradias; e determinou o lugar dos espaços de

sociabilidade, a praça, a igreja, os poderes constituídos e o mercado. O pai alcançou

êxito em sua atividade política por meio de um tecido familiar ricamente estruturado

sob o abrigo da ordem patriarcal e personalista associado ao poder estadual desde os

primeiros tempos da República. Sua indicação ainda externava, em meados da década

de 1970, traços da cordialidade que marcou a trajetória familiar e local desde fins do

século XIX. Passado esse momento, o pai assumiu um posto de secretário no governo

estadual, e as relações locais se modificaram gradualmente para quem ficou na cidade,

como era seu caso. O respaldo familiar ficou mais restrito, e o reconhecimento por todos

como representante de família de prestígio foi ficando menos intenso.

A chegada de novos habitantes tornou-o mais distante, quase indiferente. Ele também

foi estudar fora, em Salvador, ainda menino. Tentou cursar faculdade de agronomia,

mas não conseguiu. Desistiu, apesar de ser de uma família de „pessoas estudadas‟. Seu

avô estudara advocacia; o pai se formou em engenharia; e seus três irmãos também

concluíram o ensino superior e trabalham na capital. Ele, ao contrário, ficou no ensino

médio. Das quatro irmãs, apenas uma delas fez faculdade; ela é médica em Salvador. As

outras são professoras e reproduziram a tradição: mulheres cuidam da casa e dos filhos.

Com suas avós e sua mãe foi assim.

A mobilidade espacial dos homens rumo à capital ou Juazeiro era intensa. No caso de

famílias da elite, as mulheres, depois dos estudos elementares, em geral voltavam para a

cidade de origem e ali construíam novas famílias lastreadas por interesses de

manutenção ou expansão de poder. Cristalizava-se o poder patriarcal e familiar, que

tinha seu centro no domínio do mundo rural baseado em laços econômicos, controle das

terras e da vida social local. Hoje em dia, para sua filha única não há mais esse destino.

Ela estudou administração e tem um escritório em Petrolina. As relações sociais eram

arranjadas e determinadas muitas vezes na infância. Havia pouca margem para

mudanças. Foi o seu caso. Como não quis estudar mais, retornou a sua cidade para

cuidar das terras da família. Não que isso lhe fosse um peso. Adorava as tardes na

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fazenda quando, na infância, ajudava a preparar rapadura. Mas não era o destino que seu

pai tinha lhe planejado e no retorno teve que rearticular suas relações.

Talvez pelo tempo decorrido, pela cidade não ser mais a mesma, pelas novas

características socioeconômicas, com o surgimento de novos agentes locais, e

possivelmente por suas características pessoais nas quais a vida política não era a mais

almejada, não converteu o capital político de herança familiar para alcançar um posto de

comando local. Sua posição era ambígua e isso não lhe era confortável. Sempre teve

uma atuação mais discreta. Ocupa pela terceira vez cargo de secretário na prefeitura.

Não importam os interesses ou grupos partidários, ele está lá. São as coligações e os

interesses que o movem, inclusive com outras escalas de poder que estão em jogo. Tem

certeza da importância da agricultura e das novas possibilidades que a fruticultura traz

para a cidade, mas isso é para investimento externo, com grandes recursos financeiros.

Os pequenos proprietários plantam cebola e criam caprinos. É o seu caso, apesar de ter

tentado plantar uvas quando ainda era novidade, mas não deu certo. Hoje, lamenta não

ter estudado, pois seria outra a sua vida.

Agente Elite Econômica 4

Com 44 anos, é de uma comunidade de Juazeiro, que hoje estaria em Sobradinho,

Juacema. Hoje é agricultor, e articulador social na empresa Gestamp, de fontes

renováveis. Assim como tantos, foi realocado em função da barragem. Seu pai também

é de Juacema, sua mãe, de Malhadaria, outra comunidade da região. Seus filhos já são

de Sobradinho. Em Juacema sua família era ribeirinha, de agricultura familiar, mas

trabalhavam também em Malhadaria, em uma fazenda (o pai trabalhou lá).A família

teve pouco estudo, sendo os pais semianalfabetos, o pai vaqueiro, a mãe trabalhou por 8

ou 9 anos, e depois de vir para Sobradinho, a situação ficou difícil. Chegou a produzir

carvão, aos 10 anos, em função das dificuldades. Tem 12 tios por parte de pai, e 5 de

mãe, todos agricultores familiares semianalfabetos, com a exceção de 1, que trabalha

em uma embarcação.

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Sua família era católica não-praticante, e teve uma vida de muitas dificuldades. Não

tinham lazer, a vida era só estudo e trabalho (de vez em quando, o circo). O pai era

muito esforçado, por isso a família não passava fome. Os pais valorizavam os estudos,

“tem que aprender a ler e escrever”, e era nisso que viam o futuro dos filhos. O

ambiente familiar era o de estudos durante a semana, e a roça e a criação no fim de

semana. Os irmãos, assim como ele próprio, chegaram ao 2o grau. Ele é o 2o de 7

filhos.

Na comunidade em que viveu a infância, sua casa era de taipa, pequena, com 3 quartos,

sala. A comunidade tinha 25 residências, e todos vizinhos tinham boa relação. Uma

relação familiar. Em Sobradinho, por sua vez, a casa era de tijolos, com 3 quartos. O

convívio com os vizinhos também era bom. Nos dois casos, as condições de bem-estar

eram ruins. Em Sobradinho o acesso à água era por chafariz. Sem saneamento, sem

transporte público. Em Sobradinho tinha o serviço de correios e escola pública. Ainda

em Sobradinho, o posto de saúde público e o hospital eram de difícil acesso (o hospital

era da CHESF, e só atendia os não funcionários em casos extremos).

Um momento positivo na infância foi quando a mãe conseguiu o emprego de

merendeira. Ele tinha 11 anos. Apesar disso, mesmo depois do emprego da mãe, a

família continuou com o carvão, como garantia de uma renda extra. Ele credita esse

momento da vida à falta de empregos, de oportunidades, ao que superaram fazendo

carvão, e depois com o plantio na beira do rio.

Com o 2o grau completo (1o grau em Sobradinho, 2o o em Juazeiro, sempre em escolas

públicas), técnico em Administração, tentou também o EAD em Administração. Boa

parte de seus amigos fez faculdade, mas considera que para ele faltaram oportunidades.

Foram poucas oportunidades e muitas dificuldades. Considera também que “faculdade

maior é a vida”, e argumenta que não tem dificuldades de comunicação (com

engenheiros, cita). Apesar das dificuldades em comparação com amigos, com relação

aos seus irmãos a educação foi praticamente a mesma. O apoio na educação sempre

veio da própria família, inclusive por tios, por meio de estímulo aos estudos.

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Quando começou sua vida profissional, almejava ter um emprego estável. Tinha como

sonho ter casa própria, ter uma vida, uma vida social que garantisse condições de

sobreviver e criar os filhos. Hoje considera que 80% do que imaginava aconteceu, mas

não 100%. Trabalhou na construção civil (em Teixeira de Freitas, década de 1990), com

associações (em Sobradinho, em 1997), na ânsia de busca por irrigação para

assentamentos (trabalhou com 4 núcleos de assentados). Acabou presidente da

Associação Agrícola São Gonçalo. Depois foi presidente da UASA, de 1998 a 2000.

Considera o maior estímulo para a participação de movimentos as dificuldades da

infância.

Trabalhou também na indústria de polpa (2000 a 2004). Foi secretário da agricultura, e

agora trabalha com a energia eólica (em contato conseguido por meio do prefeito).

Todos os trabalhos foram conseguidos por meio de busca direta. Considera que as

condições de sua família melhoraram muito nos últimos anos. Isso um pouco por tudo,

diz. Com base na formação não tem o que falar. O início da vida ativa foi muito ruim

(época de Collor). Quando jovem, no alistamento obrigatório, tentou continuar militar,

pela estabilidade. Suas condições melhoraram com a oportunidade na prefeitura, e

depois com a parceria público-privada eólica, que lhe dá sustentação.

Sobre o futuro, diz que “estabelece coisas na vida”. Tentou e não conseguiu a política.

Agora tenta a estabilidade com a eólica, e depois expandir os negócios. Além disso, tem

foco também no agronegócio. Com flexibilidade de tempo, trabalha em novos projetos

de eólica e agronegócio. Em decorrência disso, passa 2 dias por semana em Salvador.

Sobre o desenvolvimento da região, considera que a agricultura precisa de atenção. A

energia eólica tem potencial O desenvolvimento deve vir a partir da agricultura. Na sua

visão, a pesca e a agricultura são quem mais responde pelas atividades econômicas de

Sobradinho, e a pesca, além de ter potencial, foi que mudou nos últimos 10 anos. Sobre

os últimos 10 anos, ainda, o fato de muita gente trabalhar nos arredores fez com que a

situação da região melhorasse. Sobre a barragem, é a favor, pois permitiu que os povos

pudessem ter acesso melhor à educação, saúde e à infraestrutura.

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Os empregos da barragem vêm pela irrigação; por ela, é pouco. Hoje a barragem não

destrói recursos naturais, trouxe desenvolvimento e não atrapalha outras atividades. A

produção irrigada trouxe melhoria de renda e dinamizou a região. Antes era contrário ao

bolsa família, hoje vê como benéfico. “Amenizou a fome”. Permitiu a compra de

alimentos. Compreende programas como este como um investimento no NE. Antes o

“investimento era mais no café com leite, e não no NE”, “desigualdade regional, o NE

esquecido”. O PBF ameniza desigualdade. Complementa com “sem a barragem daria

para estudar? ” A economia do município precisa ser melhor trabalhada a partir da

agricultura. Falta despertar. Não tem indústria. “Sobradinho não tem nenhum rico”, diz.

Isso vem da falta de apoio do poder público. A perspectiva de futuro vem do

agronegócio bem administrado e mais trabalhado. Vai ser incentivo para maior

produção de frutas. “Alguns agricultores já têm irrigação de gotejo”. “Falta órgão

federal botar programa de irrigação”.

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Anexo III – Entrevistas realizadas no Alto Uruguai

Síntese das entrevistas com agentes-chave

Representante da Associação de Desenvolvimento Turístico de Machadinho - ADTM

O município é dividido em dois grupos políticos fortes e opostos. Há oposição é grande

e chega a gerar violência física em períodos de eleição. O balneário onde foi construído

o parque termal era público, com os investimentos passou a ser privado, do grupo

Thermas Machadinho. O município evoluiu por causa disso, sendo que o turismo gerou

empregos e crescimento cultural. Houve aumento da construção civil, e hoje falta mão

de obra. A população local não apoia o turismo, sendo que a Prefeitura busca cursos de

capacitação, mas pouca gente participa. A população foi muito bairrista, "Machadinho

pertence aos machadinhenses", mas essa visão está mudando por conta do turismo [o

representante da ADTM é de outro Estado]. Apesar do crescimento do turismo, a

atividade principal ainda é a agricultura.

Representantes ASCAR - EMATER

A barragem veio para Maximiliano para diminuir o número de atingidos, e não pegou

áreas agriculturáveis, por isso não há necessidade de estrutura de irrigação por lá. Ela

trouxe a ligação com Santa Catarina, que antes ela acontecia por balsa. Para a

construção das termas houve uma doação de R$ 3.000.000,00. Hoje Machadinho tem

mais vínculo com Erechim, mas questões mais complicadas de saúde ainda são

resolvidas em Passo Fundo. Hoje o problema no campo é de sucessão na Agricultura

Familiar em geral. Especialmente pela diminuição do número de escolas, o campo só

está envelhecendo, sendo que hoje ocorre a migração dos jovens do rural para o urbano.

A agricultura familiar é mecanizada, com recursos obtidos pela prefeitura e governo

federal. Para o gado de leite há ordenhadeiras. O Pronaf mais comum é o V. No caso do

Pronaf B há resistência dos bancos em operacionalizá-lo, em virtude da baixa demanda.

Há baixa inadimplência. As atividades principais são a Soja (com área plantada de

11.500ha), o gado de corte e leite, e a avicultura. Há o investimento para a

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diversificação da produção investindo na erva-mate, sendo que foi desenvolvido o tipo

Cambona 4 para o município. Há três cooperativas que atendem o município, Cotrel,

Camol e Cotrigo, além de duas cerealistas particulares. A Camol faliu há 4 anos, em

função de conflitos internos, mas cooperados continuaram unidos mesmo com o

fracasso da cooperativa.

Representante do comércio local - 1

A barragem foi boa para alguns e ruim para outros [referente às compensações

financeiras aos atingidos]. Em 2008 fizeram barricadas exigindo melhoria nas

compensações financeiras. O município e a região têm forte rivalidade partidária, "de

vez em quando sai briga aqui". A forma como o turismo é gerenciado agora é ruim, já

foi melhor. Na última temporada [2015, na época da entrevista] ocorreu pouca visitação.

O poder público sabe que existem problemas nas redondezas da terma. É puro barro o

acesso das cabanas.

Representante do comércio local - 2

As mudanças foram para melhor. As terras da barragem eram improdutivas. O vínculo

com a barragem foi bom. Dos atingidos, poucos voltaram. Nesse ano de 2002 [ano em

que entrou para o comércio, e que foi concluída a obra da UHE] o município começou a

andar. 2003 e 2004 foram anos bons. O turismo desenvolveu por conta da barragem.

Turismo é uma boa fonte de renda, mas falta organização. A sociedade não está

preparada.

Representante da prefeitura de Machadinho

Por conta da rivalidade, perdiam-se muitas oportunidades, e as eleições acabavam

ficando caras demais para os padrões de uma cidade pequena. Representantes dos dois

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grupos políticos se reuniram, e decidiram lançar um candidato único, para mudar esse

cenário. Foi escolhida uma pessoa querida no município, e sem passado político131

.

Trechos selecionados das entrevistas

Como muitos representantes de Maximiliano de Almeida estiveram ligados diretamente

com a construção da barragem, na sua entrevista relativa à trajetória foi realizada

também uma parte mais extensa relativa ao momento da construção. Estas informações

são apresentadas separadamente.

Agente Elite Política 1

Nascido em Paim Filho, foi ainda novo para Machadinho.

Quando jovem quis estudar, fazer direito, mas o pai não deixou, pois tinha que

ficar na roça.

Primeiro cargo eletivo em 1978, sendo eleito 3 vezes prefeito.

Agora vem tentando a formação de uma coligação PMDB e PP132

, para diminuir

os problemas políticos.

Sobre os conflitos

No começo houve muito problema no rio Pelotas. Os Colonos não deixavam

nem [a EletroSul] entrar.

Depois seguiu par o rio Forquilha, o novo Machadinho.

Muitos eram contra, por não saber o que era. Ele era a favor.

Machadinho cresceu mais pela barragem e pelo turismo. Receberam da

concessionária R$ 3.000.000,00 para as termas.

Na época o prefeito conseguiu sistema de armazenamento para leite.

131 Na ocasião da entrevista, final de outubro, houve a tentativa de contato com o candidato eleito,

Hamilton Centeleghe, mas este se encontrava afastado, segundo o informante, por conta do choque

emocional que foi a disputa pela eleição em Machadinho. O candidato deveria representar uma chapa

única na eleição, mas o PT se recusou a apoiar o grupo (segundo o informante por determinação do

diretório estadual), resultando em uma chapa que representou os grupos dominantes representados

pelo PMDB e pelo PP.

132 Esta entrevista foi realizada em 2015, antes da concretização da coligação que lançou candidato único

entre estes grupos para a eleição para prefeito em 2016.

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Agente Elite Política 2

Nasceu e esteve toda a vida em Machadinho.

Pai era rigoroso, queria que os filhos estudassem, e o apoiou na abertura de sua

sala e contabilidade [a única até pouco tempo em Machadinho].

Entrou para a política em 1977 e teve seu último cargo eletivo em 1994.

Sobre a Volta da Fome

A região começou a ficar isolada em 1964, com o fechamento da ferrovia de

Marcelino Ramos [que ligava a Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul].

Reuniu grupo de prefeitos da região para negociar com o então Governador

Alceu Collares a ligação asfáltica entre os municípios (especialmente em

Erechim, a cidade polo da região), e as coisas só começaram a andar quando

ameaçar solicitar a separação da região do Rio Grande do Sul, e a anexação ao

Santa Catarina.

A ligação asfáltica com Maximiliano de Almeida só ocorreu 2 mandatos depois,

com o Governador Olívio Dutra (já no período de construção da UHE).

Sobre o processo de negociação para a entrada da UHE

Prefeito, era a favor, mas ainda houve desentendimentos [não quis entrar em

detalhes].

Conseguiu indenizações maiores.

As negociações no Rio Grande do Sul não tinham relação com as Santa

Catarina.

Agente Elite Econômica 1

Nascido em São João da Urtiga, viveu pouco em Machadinho, e desde os 7 anos

vive em Maximiliano.

Tentou, mas não conseguiu a agricultura. Foi mecânico por muito tempo, e hoje

tem comércio e é funcionário público (desde 2009).

Tem vínculo com a associação comercial.

As principais atividades em Maximiliano de Almeida são a agricultura de grãos

e o leite.

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O município só tem propriedades pequenas.

O turismo e a criação de peixes em tanque deveriam ser mais explorados.

A região melhorou nos últimos 10 anos, em especial pela ação da prefeitura e da

EMATER.

Entrou para a política a 16 anos, mas nunca quis se candidatar. Prefere atuas nos

bastidores.

A política em Maximiliano de Almeida é polarizada em dois grupos. Um dos

grupos foi o prevalente por anos, e substituído nos dois últimos mandatos.

Sobre a relação com a UHE de Maximiliano de Almeida

A relação com a concessionária nas gestões anteriores não era boa.

Pessoal de Machadinho já procurou Maximiliano de Almeida para ver o que

tinha no município para mostrar para os turistas.

O município vem buscando, e conseguindo, a reaproximação com a

concessionária.

Maximiliano de Almeida deve receber quatro novas PCHs no rio Forquilha.

Uma delas já está nos passos finais para o início da construção.

Agente Elite Econômica 2

Nasceu em Machadinho, mas com um ano sua família se estabeleceu em

Maximiliano de Almeida.

É agricultor e comerciante, e esteve por pouco tempo na administração pública

[ainda está envolvido com a política].

Por ação da EMATER, formou com outros agricultores uma cooperativa de

citricultores, a Coocimax, 1996. A cooperativa abriu uma loja de frutas na

cidade, da qual se tornou responsável. Com a desistência de diversos

cooperados, a cooperativa passou a ser associação.

Considera que o desenvolvimento de Maximiliano de Almeida é fraco,

especialmente pela falta de estradas, o que gera pouco interesse a empresas.

Entrou para a política pelo desejo de sair da loja de frutas [mas não saiu]. Foi

eleito prefeito interrompendo logo ciclo no poder de um dos grupos dominantes

no município.

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Em comparação com Machadinho, as terras em Maximiliano de Almeida são

menores e com menos condições de agricultura.

Nos últimos 10 anos considera que a situação melhorou, apesar da diminuição

da população, o que é ruim para o comércio.

Agente Elite Política 3

Nascida em Paim Filho, veio para Maximiliano de Almeida após o casamento.

Teve infância muito difícil, especialmente relacionada à violência familiar.

Entrou para a política quando apareceu uma oportunidade para se candidatar. O

prefeito convocou um funcionário do setor (trabalhava na área da saúde) em que

ela trabalhava para se candidatar a cargo eletivo, e ela topou.

Municípios vem tendo um desempenho melhor por conta do acesso asfáltico.

O desenvolvimento deveria vir por meio de pequenas agroindústrias familiares.

Sobre os reassentados

Muitos das famílias que vendaram seus lotes tinham convivência de uma forma

de que não tinham a visão de que deveriam ter a propriedade para trabalhar. Na

maioria eram diaristas.

Alguns estão muito bem em reassentamentos.

Agente Família Tradicional 1

Nascido em Maximiliano de Almeida, passou a juventude circulando dentro do

território, estudando contabilidade em Marcelino Ramos, e depois Letras, em

Erechim.

Foi contabilista por pouco tempo. A partir dos 25 anos lecionou em Maximiliano

de Almeida.

A prática da herança quando ainda era jovem, era de que o filho recebia a terra e

a filha, mobiliário.

Para ele Maximiliano de Almeida vem desenvolvendo por conta das melhorias

técnicas na agricultura.

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A UHE Machadinho foi boa para a região. Aplainou a terra, e agora é possível

produzir. Quem vivia nas linhas próximas vivia mal e porcamente. Os impactos

negativos são como efeitos colaterais de remédios.

Agente Beneficiário 1

Toda a sua família é da região Maximiliano de Almeida X Machadinho. E

sempre viveram como agregados em propriedades, tendo uma pequena roça para

o sustento.

Analfabeta, assim como a maioria de sua família.

Da sua geração, apenas um irmão está fora da roça, empregado na indústria. E

dos filhos, também apenas um, que está no comércio.

O momento mais difícil da sua juventude foi quando a mãe partiu para a

empreita sem comer, e desmaiou. O proprietário do terreno lhe ofereceu comida

depois disso.

Ela mesma tentou o trabalho na indústria, em Vacaria, mas teve que retornar por

conta de doença.

Hoje vive na cidade, e aguarda os produtores solicitarem o serviço do diarista,

mas está mais difícil conseguir empreitas. Parte disso vem do uso de veneno

[agrotóxicos] por parte dos produtores.

Foi uma das primeiras pessoas a receber o Fome Zero no município, em 2005, e

foi bom, porque com a vinda dos filhos não poderia trabalhar na empreita. O

programa também foi bom pelo acompanhamento dos filhos.

Considera que o PBF é baixinho, mas ajuda.

Ela nunca ouviu do PAA e do PNAE.

Sobre a UHE Machadinho, diz apenas que antes não tinha eletricidade.

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Relatos integrais

Agente Família Tradicional 2

Sua família é pioneira em Maximiliano de Almeida. Seus avôs materno e paterno se

estabeleceram por lá vindos das terras velhas de Nova Prata. A família, de maioria de

agricultores, poucos estudaram. Seus pais mesmo, só tiveram o professor leigo. Um tio

conseguiu se formar advogado, e uma tia professora. Das suas irmãs, uma é educadora

física e a outra fez o curso técnico profissionalizante. Seus filhos foram além, dois são

dentistas e um é arquiteto. Ele mesmo estudou no internato em Erechim, fez técnico

agrícola. Queria ser engenheiro mecânico (gosta de mexer nas máquinas), mas por conta

de casamento e trabalho, não conseguiu.

Ele nasceu no pé da barragem, 59 anos atrás, mas por problemas de saúde, relacionados

à pressão atmosférica, teve que se mudar, indo para mais perto da sede do município.

Desde pequeno gostava de mexer no trator, e de ouvir o pai tocar violão. Não tinha

muito lazer em Maximiliano de Almeida naquela época. Aliás, não tinha recursos

também. Seu gosto pelo maquinário era tanto, que o momento positivo mais marcante

de sua infância aconteceu quando seu pai comprou o primeiro trator automotriz.

Na época das escolhas, seus pais deixavam que os filhos escolhessem o que queriam de

profissão. Mas não foi bem assim. Ele queria ir para o norte, para o Mato Grosso,

trabalhar com agricultura, mas a mãe não deixou. Tentou mais vezes, em outros

momentos de sua vida, ir para o norte do país, mas alguma coisa sempre o impedia.

Depois do colégio começou a trabalhar em uma granja ainda na década de 1970. No

final da década de 1970 foi convidado para administrar o posto da COTREL, em

Faxinalzinho. Quando surgiu uma oportunidade em Maximiliano para se realocar na

cooperativa, aproveitou. Saiu da COTREL po r problemas de saúde em 1985. Montou

uma agropecuária, que tocou de 1987 a 1994. Pela agropecuária fazia serviços de

colheita com a automotriz até fora do Estado. Nesse período perdeu seu pai, vítima do

câncer. Em 1998 entrou no serviço público, como secretário da administração, onde

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ficou até 2004. A cidade, aliás, é polarizada em dois grupos políticos, com o PT em

menor escala.

No período em que esteve na administração pública, participou ativamente da ligação

entre os atingidos, a prefeitura e a construtora. Aprendeu muito nesse período. E com

esse aprendizado, e por meio das atividades desenvolvidas nesse período, ampliou suas

redes, e viu uma oportunidade. Quando saiu da administração pública passou a atuar

como consultor para o desenvolvimento de projetos para os municípios.

Hoje sua vida é tranquila. Tem um bom convívio com os vizinhos, apesar de já não se

fazer mais filó. E a família é a fiel de sempre, com quem sempre pode contar. Seu dia-a-

dia é basicamente trabalhar nos projetos, com contatos e despachos, mas no final de

semana descansa e trabalha nas coisas da casa. E no futuro espera viver um pouco mais

solto.

Sobre o território, considera que o seu desenvolvimento ainda está a deseja. A

agricultura, que é um dos carros chefe do município ao lado do comércio, já não

desenvolve mais. A saída é o turismo. Ele pode desenvolver o município. Aliás, não

houve mudança na economia nos últimos 10 anos, em sua visão. E pior, o pequeno

produtor vem enfrentando o problema da saída dos jovens do campo. A população rural

está diminuindo e a urbana aumentando.

Por outro lado, de forma geral a situação melhorou nos últimos 10 anos. A cidade

melhorou por conta da pavimentação, e pela Unidade Básica de Saúde. Mas ele mesmo,

se pudesse, investiria no turismo, na vinda de uma indústria, e em programa agrícola.

Para ele, a UHE Machadinho é opção de futuro, e cita como exemplo de mudança

significativa a ligação com Santa Catarina.

Sobre a construção da barragem

Antes do início da construção, o MAB fazia forte oposição, mas os prefeitos,

que eram a favor da construção, buscavam convencer da importância da UHE.

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A prefeitura chegou a contratar os serviços da Universidade de Passo Fundo

para determinar a dimensão dos impactos da barragem, e definiram que estes

seriam mais socioculturais que ambientais. Foi solicitada uma contrapartida da

MAESA, que não reconheceu o relatório. A prefeitura foi para Brasília, no

IBAMA, mas a situação não progrediu.

No período da construção conseguiram a ligação asfáltica com Santa Catarina,

que não estava prevista. Originalmente as turbinas para a UHE seriam

compradas em São Paulo, mas com a proposta de Maximiliano de Almeida de

aproveitar a barragem como ponto de ligação com Santa Catarina, as turbinas

foram compradas no Rio Grande do Sul [a casa de máquinas fica em Piratuba

(SC), motivo pelo qual, inclusive, Maximiliano de Almeida não recebe ICMS

pela produção de energia].

Na época era conhecido como "Volta da Fome", e chegou a ocorrer um

movimento para mudar a região do Rio Grande do Sul para Santa Catarina.

As coisas começaram a mudar com a barragem.

A ligação asfáltica foi fundamental, mudou a visão da região.

Gradativamente, segundo ele, a prefeitura mudou sua relação com a construtora,

e agora com a concessionária, e busca uma relação de parceria.

Maximiliano hoje busca alternativas que se complemente com as de

Machadinho.

Está se buscando a liberação da produção de tilápias para a piscicultura, o que é

proibido no Rio Grande do Sul. E isto é curioso, pois do lado de Santa Catarina

existe essa produção.

Agente Elite Política 4

Dos avôs conheceu pouco. Sabe que tinham origem italiana, mas não sabe de onde

vieram, ou o quanto estudaram. Já os pais dela são de Maximiliano de Almeida, a mãe,

e de Paim Filho, o pai. Hoje com 44 anos, foi a segunda filha mais nova de um grupo de

14 filhos, todos criados no interior de Maximiliano de Almeida. Assim como os pais,

que estudaram pouco, seus tios também, e mesmo seus irmãos só conseguiram chegar

ao ensino fundamental I.

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A vida naquela na sua infância foi muito boa. Toda semana tinha o trabalho braçal, mas

no final de semana era só diversão. Não tem um momento positivo que marque, porque

todo o conjunto era bom. Sua casa era boa, mas era uma casa de interior, sem muitos

recursos de bem-estar. O que era realmente ruim, para ela, era a questão do crédito.

Quando ia com seu pai tratar de crédito, tinha vergonha de levantar a cabeça e olhar.

Mas ainda não deixa de dizer que viveu tempos maravilhosos.

Os estudos só vieram para ela depois de casada, aos 25 anos. Fez o ensino médio (EJA)

em Capinzal (SC), para onde ia com pessoal de Machadinho. Concluiu o curso em 2

anos. Um dos professores, nesse período indicou a ela fazer o concurso para merendeira,

ela passou, e passou a exercer função. Depois ainda decidiu realizar o curso superior,

que era seu grande sonho. Fez o EAD em São João da Urtiga. O curso durou quatro

anos, e em 2015 se formou. Isso foi muito bom para sua autoestima. Hoje, dos 3 filhos,

um já está formado, em administração, e trabalha fora, em outro município. Dos demais

espera que estudem, que todos tenham curso superior, pois o mundo exige isso hoje.

Aliás, do futuro dos filhos, espera que o mais velho fique em Maximiliano de Almeida,

tocando a propriedade, acredita que o filho do meio, que é muito inteligente, deve sair, e

da filha ainda criança, espera que seja alguma coisa na vida. Quando ela era a criança, a

prática era a de que os filhos recebessem lotes, e as filhas, máquinas de costura.

Lembra com tristeza do problema de saúde da mãe, quando ainda era criança. Sua mãe

teve um problema no coração, mas o sistema de saúde não deu suporte à sua família. Ela

ficou um longo período internada em Erechim.

As condições de sua família sempre oscilaram muito, mas começaram a se estabilizar

quando começaram uma pequena carvoaria, que agregaram à agricultura e à pecuária de

corte como suas atividades. Apesar disso, a vida era boa. Ela considera como uma

pessoa bem-sucedida uma pessoa que acorda de manhã de bom humor, cumprimenta as

pessoas sorrido, que é positiva. Malsucedida é a pessoa negativa, mal-humorada.

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Se envolveu, antes da construção da barragem, com o clube das mães, uma iniciativa da

EMATER para a integração das mulheres das comunidades de Maximiliano de

Almeida. Mas o seu envolvimento mais importante foi com o MAB, durante a

construção da barragem. Foi por conta desse envolvimento com movimentos sociais que

resolveu se filiar ao PT, e depois se candidatar vereadora. Na verdade, a candidatura

veio por um pouco de acaso. Seu marido iria se candidatar, mas por problemas diversos

não pode, e ela prontamente se colocou no lugar dele. Foi eleita em 2012, e agora em

2016, eleita Prefeita.

Acaba tendo uma vida corrida. Trabalha fora, dá atenção aos filhos, recebe a diarista

duas vezes por semana, e ainda faz o almoço. Isso porque se licenciou da escola em que

é merendeira para exercer um cargo eletivo.

Sobre Maximiliano de Almeida, acha que muita coisa melhorou. Hoje a cidade é bonita,

e tem creches, o que melhorou a vida das mães. O município ainda tem na agricultura

familiar sua força, mas faltam empresas para gerar emprego e renda. A indústria e o

turismo são as atividades que deveriam ser mais exploradas. Hoje a UHE Machadinho é

uma parceira do município, e ela vê nela uma entidade que pode dar suporte às metas

locais. Ao contrário da maioria dos seus conterrâneos, ela não acha que o PBF faça com

que as pessoas não queiram trabalhar, mas sim serve como suplemento da renda.

Sobre a resistência à barragem

Município perdeu muito com a barragem. Perdeu-se toda a cultura dos atingidos.

Que foi indenizado e soube comprar, comprou, mas muitos vieram para as vilas

por não se adaptar às casas novas.

A linha do Bertiolo (sua colônia) perdeu metade da comunidade por conta da

área de proteção da barragem.

As mulheres eram mais felizes antes. O Clube de Mães antes conseguia reunir

40 mulheres, hoje não chega a 10.

Hoje a concessionária está reconstruindo a infraestrutura das comunidades.

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O MAB conseguiu com a CONAB cestas básicas para auxiliar os atingidos. As

cestas eram retiradas em Porto Alegre, e o trabalho de entrega era porta a porta,

e era voluntário [ela participou]. Hoje Machadinho ainda recebe as cestas.

O MAB e o MST participaram da organização dos reassentamentos,

especialmente em Barracão.

A coordenação era realizada pelo MAB em Erechim. O grupo de Maximiliano

de Almeida lotava ônibus, e ia gente da cidade também. Machadinho também

tinha suas lideranças.

Até o Bispo de Vacaria veio apoiar os protestos.

Agente Família Tradicional 3

Seus avós vieram clandestinos da Itália para o Brasil, e logo se estabeleceram em

Machadinho. E foi em Machadinho que nasceram seus pais. Aliás, seus tios e seus

irmão também. Mas ela, hoje com 54 anos, acabou nascendo em Piratuba, Santa

Catarina. Seu pai trabalhava como carpinteiro e agricultor, mas no período de seu

nascimento, teve que ir para Santa Catarina, para trabalhar em uma olaria. Com

oportunidades surgindo em Machadinho, acabou voltando, e a famílias se estabeleceu

na linha Polo.

Apesar de ser uma época de muito trabalho, tem boas lembranças. Fala com carinho da

casa construída pelo pai, com a porta ornamentada, como nos casarões italianos. Mas

esse período durou pouco. O pai não teve estudos, mas queria que os filhos estudassem,

por isso a família se mudou para a cidade quando ela tinha 11 anos. Por um curto

período moraram de aluguel, mas logo o pai conseguiu comprar uma casa. Esse também

é um período marcado por um momento de profunda tristeza. O pai não se adaptou bem

à nova vida, e também por decepção com os outros filhos, acabou se entregando ao

alcoolismo. Depois de casar, ela acabou levando o pai e o marido para os Alcoólicos

Anônimos, a quem tem profunda gratidão.

Estudou pedagogia, o que para ela foi um sonho realizado. Lutou muito por

oportunidades como a de estuda. Da 1a a 5a série tinha que andar 7km a pé. Fez o

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magistério em Júlio de Castilhos, nas férias. O superior teve que fazer em Passo Fundo,

na UPF, também como curso de férias. Lecionou em uma escola do estado, na linha do

Coqueiro, por quase toda vida, e agora está se aposentando.

Não teve envolvimento associativo formal, mas participou intensamente das ações do

MAB durante a construção da barragem. Na luta da barragem aprendeu muito, aprendeu

a ter posicionamento por lutas de direito. Aprendeu com o MAB. Seu irmão foi um dos

líderes locais, e sua casa foi ponto de encontro. Por esse histórico de luta decidiu entrar

para a política. Por paixão pelo Lula, que considera um exemplo de político, se filiou ao

PT, de onde é vice-presidente em Machadinho faz quatro anos, e por onde se candidatou

como vice-prefeita nas últimas eleições.

Para ela o desenvolvimento em Machadinho se dá de forma bastante lenta, pela falta de

ligação asfáltica, com acesso seria muito diferente, daria para gerar emprego e renda. Vê

a agricultura e o turismo como principais atividades locais. O turismo, inclusive, é a

única mudança na economia local nos últimos 10 anos. Mas a agricultura vem sofrendo

o problema da saída do jovem do campo. É necessário investimento para manter o

jovem no meio rural.

Para ela a UHE tem seu lado positivo e negativo. Positivo pois trouxe crescimento

econômico, mas o saldo negativo, com a perda das relações, ainda é maior. Não vê o

PBF como um incentivador para que a pessoa não trabalhe, aliás, o programa traz

benefícios para o comércio local.

Sobre a resistência e a indenização pela luta

Quando começou o processo de entrada da barragem ninguém entendia do que

se tratava. O trabalho do CRAB foi fundamental para a conscientização.

Em Machadinho os maiores conflitos começaram na década de 1990.

O irmão foi do MAB, e foi reassentado em Campos Novos (SC). Considera que

o ressarcimento foi bom. Os terrenos são melhores para a agricultura, são mais

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produtivos. Quase toda a vizinhança da linha Polo está lá. Batizaram o

reassentamento como Nova Machadinho.

Muita gente não valorizou o terreno, e vendeu a preço de banana (conta

aproximadamente 20 famílias).

Os atingidos que aderiram ao MAB conseguiram melhores resultados, por meios

de bons reassentamentos. Os que não aderiram só conseguiram cartas de crédito.

Agente Elite Econômica 3

Seus pais eram produtores rurais em Cacique Doble (seu pai e avô paterno eram de

Nova Prata). Eles estudaram somente até a 4a série, e viviam da agricultura. Da família

do pai, apenas um tio se formou no ensino médio. Apesar da família ser predominante

de agricultores, um tio segui a carreira militar. É o mais novo de um casal de filhos,

com 34 anos.

Teve uma infância boa. Lembra das brigas com a irmã, das rodinhas de chimarrão. Da

boa convivência com os pais. Na folga gostava de jogar bola. Os vizinhos se visitavam

muito. Essa era a vida do interior. Não lembra de te momentos ruins. Mas do dia mais

feliz se lembra, que foi quando recebeu a notícia que tinha passado no colégio. A mãe

estava muito emocionada, mas não sabia como fazer para pagar o colégio.

Dessa forma, saiu de casa cedo para estudar no colégio agrícola, com 13 anos. Quando

terminou o colégio seus pais não cobraram seu retorno para Cacique Doble, pelo

contrário, o estimularam a procurar emprego fora.

Começou sua vida profissional na COOPERIO, onde entrou como estagiário. Por conta

disso morou em Joaçaba (SC) por três anos, visitando muito Herval D'oeste. Em

Joaçaba, aliás, conheceu sua esposa, mas ainda não tem filhos. Abriu unidades da

empresa em 12 municípios. Em 2004 veio para Machadinho, onde ficou 1,5 anos e

depois partiu para Varjão. Voltou para Machadinho em 2006, onde se estabeleceu. Com

6 meses no município mudou para o Sicredi, por ver chances de crescimento. Trabalhou

lá por 7 anos, e em paralelo começou suas atividades no comércio.

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Investiu na carreira fazendo o curso de Administração de Empresas, por EaD, e depois

pós-graduação de Gestão em Negócios e Pessoas, em Passo Fundo. Também participou

da Associação para Desenvolvimento Turístico de Machadinho, chegando a ser

presidente, pela qual queria desvincular a necessidade das ações públicas, focando nas

iniciativas privadas.

Hoje a economia da agricultura é maior que o comércio, e o Turismo representa 30%

desta parte. A UHE serviu como um pontapé inicial para isso, mas hoje faltam projetos

relacionados. A exploração do turismo em Machadinho é baixa, se comparada com a

estrutura que tem Marcelino Ramos (RS) e Piratuba (SC). Apesar disso, a situação na

região melhorou nos últimos 10 anos, pois não aconteceu a estiagem, e teve boa oferta

de crédito.