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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA CIVIL (RECURSOS HÍDRICOS) MARCOS VINICIUS NUNES SAMPAIO SEGURANÇA DE BARRAGENS DE TERRA: UM RELATO DA EXPÊRIENCIA DO PIAUI. FORTALEZA-CE 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

CENTRO DE TECNOLOGIA

DEPARTAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA CIVIL (RECURSOS

HÍDRICOS)

MARCOS VINICIUS NUNES SAMPAIO

SEGURANÇA DE BARRAGENS DE TERRA: UM RELATO DA EXPÊRIENCIA DO

PIAUI.

FORTALEZA-CE

2014

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MARCOS VINICIUS NUNES SAMPAIO

SEGURANÇA DE BARRAGENS DE TERRA: UM RELATO DA EXPERIÊNCIA DO

PIAUI.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Engenharia Civil (Recursos

Hídricos) da Universidade Federal do Ceará,

como requisito parcial à obtenção do título de

Mestre em Engenharia Civil. Área de

concentração: Recursos Hídricos.

Orientador: Prof. PhD. José Nilson Beserra

Campos.

FORTALEZA-CE

2014

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Federal do Ceará

Biblioteca de Pós-Graduação em Engenharia - BPGE

S184s Sampaio, Marcos Vinicius Nunes.

Segurança de barragens de terra: um relato da experiência do Piauí / Marcos

Vinicius Nunes Sampaio. – 2014.

76 p. : il. color., enc. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Tecnologia,

Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental, Programa de Pós-Graduação em

Engenharia Civil: Recursos Hídricos, Fortaleza, 2014.

Área de Concentração: Recursos Hídricos.

Orientação: Prof. Dr. José Nilson Beserra Campos.

1. Recursos hídricos. 2. Barragens de terra - Segurança. 3. Administração de risco. I. Título.

CDD 627

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MARCOS VINICIUS NUNES SAMPAIO

SEGURANÇA DE BARRAGENS DE TERRA: UM RELATO DA EXPERIÊNCIA DO

PIAUI.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Engenharia Civil (Recursos

Hídricos) da Universidade Federal do Ceará,

como requisito parcial à obtenção do título de

Mestre em Engenharia Civil. Área de

concentração: Recursos Hídricos.

Aprovada em: 26/11/2014.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

Prof. PhD. José Nilson Beserra Campos (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________

Prof. Prof. Dr. Francisco Chagas da Silva Filho

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________

Prof. Prof. Dr. Antônio Nunes Miranda

Universidade Federal do Ceará (UFC)

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A Deus.

Aos meus pais, Sr. Antônio de Jesus Sampaio

e Srª. Julia Cardoso Nunes Sampaio pelo

exemplo de vida e dedicação exclusiva a

família.

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AGRADECIMENTO

A Deus, por ser presença constante nos momentos difíceis e nos permitir superar

os obstáculos com o olhar de esperança.

Ao Prof. PhD. José Nilson Beserra Campos, orientador e amigo, pelo apoio às

minhas atividades de pesquisa, pela atenção especial.

Ao Coordenador do Minter, Prof. PhD. Marco Aurélio Holanda de Castro, pela

dedicação e qualidade com que conduz seus trabalhos, as quais também enquadram aos

demais professores que colaboraram com o programa (Francisco de Assis Sousa Filho, Iran

Eduardo Lima Neto, Jose Capelo Neto, José Nilson Beserra Campos, John Kenedy de Araújo

e Ticiana Marinho de Carvalho Studart) e demais participantes da banca examinadora.

Aos servidores da Prefeitura Universitária, em especial Maria José, irmã de

coração, por incentivar-me a todo o momento.

Aos colegas da turma de mestrado (Antônio Filho, Barbara, Eveline, Gabriela,

Israel, Jeferson, Joaosue, Francisco Reis, Viana e Wagner) pelo aprendizado e sugestões

recebidas.

A toda minha família, em especial aos meus irmãos (Marcio e Marcelo) pelo

companheirismo e palavras de incentivo e motivação.

A minha conselheira (Jamaira Laís), pelo incentivo, que sempre esteve ao meu

lado, ajudando-me a enfrentar os obstáculos.

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“Nosso objetivo é destacar os diversos fatores

que contribuem para a instalação de situações

de risco e as ferramentas ao alcance dos

agentes de fiscalização que, uma vez

aplicadas, contribuem para a garantia da

segurança do empreendimento.”

(MEDEIROS, C. H., 2010, 2011)

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RESUMO

O presente trabalho busca compilar os fatores envolvidos na segurança de barragens de terra,

identificando os principais tópicos relacionados à segurança e ao controle dos riscos que elas

possuem. Apresenta um breve histórico do processo das regulamentações sobre segurança de

barragem no cenário internacional e nacional, enfatizando a importância e os desafios no trato

de questões legais que comprometem a segurança de nossas barragens. Faz uma exposição

dos principais acidentes e incidentes registrados no período de formulação e tramitação da

recente legislação aprovada no Brasil sobre segurança de barragens, Lei 12.334 de 20 de

setembro de 2010. Descreve uma metodologia de avaliação de risco com seus princípios e

vantagens. Apresenta um estudo sobre o rompimento da barragem de terra Algodões I,

construída no município de Cocal, Norte do Estado do Piauí, enfatizando o histórico da obra,

as características do empreendimento, aspectos de projeto e seus métodos construtivos. Faz

uma análise dos elementos de segurança desta barragem com base na bibliografia consultada e

aplicação da metodologia descrita, objetivando identificar o potencial de risco que a barragem

representava antes do seu rompimento. A partir da investigação dos antecedentes e respectivas

causas de vinculação remota e imediatas ao incidente é possível avaliar alguns dos fatores que

contribuíram com o rompimento da barragem, subsidiado nos relatórios técnicos emitidos por

especialista e/ou instituições competentes. O fator condicionante para o colapso da barragem

Algodões I foi à ausência de um dispositivo legal imperativo e a necessidade de uma

fiscalização intensa no cumprimento dos preceitos estabelecidos pela lei para garantir a

segurança da barragem, e que devem ser levadas em consideração para evitar riscos de

colapso no tipo de estrutura estudado, já que tal barragem representava um potencial de risco

alto conforme metodologia especifica apresentada.

Palavras-chave: Barragem. Segurança. Risco.

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ABSTRACT

This study aims to compile the factors involved in safety earth dams, identifying key topics

related to the security and control of the risks they have. Presents a brief history of the process

of dam safety regulations in the international and national scene, emphasizing the importance

and challenges in dealing with legal issues that compromise the safety of our dams. Gave a

presentation of the main accidents and incidents recorded in the formulation and processing

period of legislation passed in Brazil on dam safety, Law 12.334 of September 20, 2010.

Describes a risk assessment methodology with its principles and advantages. Presents a study

of the disruption of the earth dam Algodões I, built in the city of Cocal, North of Piauí State,

emphasizing the history of the work, project characteristics, design features and their

construction methods. An analysis of the security features of this dam based on bibliography

and application of the described methodology in order to identify the potential risk that the

dam stood before his break. From the research of the past and the causes of remote and

immediate link to the incident is possible to evaluate some of the factors that contributed to

the dam break, subsidized in the technical reports issued by expert and / or competent

institutions. The determining factor for the collapse of Algodões I dam was the absence of a

mandatory legal provision and the need for intensive supervision in compliance with the rules

established by law to ensure dam safety, and that should be taken into account to avoid risk

collapse on the type of structure studied, as this dam posed a high risk potential as specific

methodology presented.

Keywords: Dam. Safety. Risk.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01– Pilares básicos da segurança de barragens....................................................... 24

Figura 02– Esquema proposto para avaliação do potencial de risco.................................. 29

Figura 03– Vertedouro Tipo Creager.................................................................................. 43

Figura 04– Projeto do Sangradouro.................................................................................... 44

Figura 05– Creager e muro de contato com o maciço........................................................ 45

Figura 06– Início de Deslizamento de Material no Sangradouro....................................... 48

Figura 07– Sangradouro Obstruído..................................................................................... 49

Figura 08– Lâmina de sangria passando pelo sangradouro................................................ 51

Figura 09– Queda da placa de concreto situada mais a jusante.......................................... 52

Figura 10– Rompimento da Barragem Algodões I............................................................. 53

Figura 11– Vista aérea de montante e jusante da Barragem Algodões I antes do Sinistro. 55

Figura 12– Vista aérea do sangradouro da Barragem Algodões I antes do Sinistro........... 55

Figura 13– Vista aérea do sangradouro da Barragem Algodões I antes do Sinistro........... 56

Figura 14– Vista aérea do sangradouro da Barragem Algodões I antes do Sinistro........... 56

Figura 15– Vista do sangradouro da Barragem Algodões I antes do Sinistro.................... 56

Figura 16– Vista do sangradouro da Barragem Algodões I antes do Sinistro.................... 57

Figura 17– Vista do sangradouro da Barragem Algodões I antes do Sinistro.................... 57

Figura 18– Vista do sangradouro da Barragem Algodões I antes do Sinistro.................... 57

Figura 19– Vista do sangradouro da Barragem Algodões I antes do Sinistro.................... 58

Figura 20– Vista aérea da Barragem Algodões I antes do Sinistro..................................... 58

Figura 21– Vista do sangradouro da Barragem Algodões I antes do Sinistro.................... 58

Figura 22– Vista aérea da Barragem Algodões I antes do Sinistro..................................... 59

Figura 23– Vista aérea da Barragem apresentando o processo erosivo já em curso........... 59

Figura 24– Vista aérea da Barragem apresentando o processo erosivo mais intenso......... 59

Figura 25– Vista aérea da Barragem apresentando o processo erosivo mais intenso......... 60

Figura 26– Vista aérea da Barragem apresentando o processo erosivo já me curso........... 60

Figura 27– Deslocamento das placas de concreto do maciço da Barragem Algodoes I..... 60

Figura 28– Vista aérea apresentando o elevado grau de erosão no maciço e ombreia....... 61

Figura 29– Vista aérea de juzante, dias antes rompimento mostrando o vale do rio.......... 61

Figura 30– Vista da Barragem Algodões I no momento do rompimento........................... 62

Figura 31– Vista da Barragem Algodões I no momento do rompimento........................... 62

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Figura 32– Vista do sangradouro da Barragem Algodões I após o rompimento................ 62

Figura 33– Vista do sangradouro da Barragem Algodões I após o rompimento................ 63

Figura 34– Vista da parte juzante da Barragem Algodões I após o rompimento............... 63

Figura 35– Vista do sangradouro da Barragem Algodões I após o rompimento................ 63

Figura 36– Vista do sangradouro da Barragem Algodões I após o rompimento................ 64

Figura 37– Vista de fissuras no maciço da Barragem Algodões I após o rompimento...... 64

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LISTA DE TABELAS

Tabela01– Classificação da consequência de ruptura de barragens................................... 26

Tabela02– Grau de Periculosidade (P)............................................................................... 30

Tabela03– Vulnerabilidade (V), estado de condição atual da barragem............................ 31

Tabela04– Importância Estratégica (I)............................................................................... 31

Tabela05– Potencial de Risco (PR).................................................................................... 32

Tabela06– Frequência de Inspeções................................................................................... 32

Tabela07– Índice de Magnitude de maior gravidade aceito para cada classe barragem.... 33

Tabela08– Critério "indicativo" para instrumentação........................................................ 33

Tabela09– Ficha Técnica da Barragem Algodões I............................................................ 36

Tabela10– Vazões máximas de saída................................................................................. 39

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13

2 REFERENCIAL TEÓRICO.................................................................................. 16

2.1 Regulamentações Internacionais............................................................................ 16

2.2 Regulamentação Nacional....................................................................................... 17

2.3 Históricos de Rupturas de Barragens.................................................................... 20

2.4 Estatísticas sobre Acidentes de Barragens............................................................ 21

3 SEGURANÇA DE BARRAGENS ..……………………………………….……. 23

3.1 Risco e Segurança de Barragens............................................................................. 25

3.2 Metodologia para Avaliação do Potencial de Risco em Barragens................... 28

4 ESTUDO DE CASO: ROMPIMENTO DA BARRAGEM ALGODÕES I....... 35

4.1 Histórico.................................................................................................................... 35

4.2 Características da Barragem.................................................................................. 35

4.3 Estudos Preliminares............................................................................................... 38

4.4 Métodos Construtivos.............................................................................................. 40

4.4.1 Fundações................................................................................................................. 40

4.4.2 Maciço....................................................................................................................... 41

4.4.3 Tomada D’ Agua...................................................................................................... 42

4.4.4 Sangradouro............................................................................................................. 42

4.5 Coleta de Informações e Analise das Ocorrências................................................ 45

4.5.1 Talude de Montante................................................................................................. 46

4.5.2 Talude de Jusante.................................................................................................... 46

4.5.3 Coroamento.............................................................................................................. 46

4.5.4 Fundação................................................................................................................... 46

4.5.5 Maciço....................................................................................................................... 46

4.5.6 Tomada d’Agua....................................................................................................... 47

4.5.7 Sangradouro............................................................................................................. 48

4.6 Diagnostico das Causas do Sinistro........................................................................ 53

5 AVALIAÇÃO DO POTENCIAL DE RISCO ALGODÕES I............................ 65

6 CONCLUSÃO.......................................................................................................... 68

REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 70

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1 INTRODUÇÃO

As barragens vêm ao longo do tempo desenvolvendo um papel social importante

no sentido de promover a garantia de abastecimento de água e segurança de várias populações

seja no cenário nacional ou mundial. No entanto, para o mínimo entendimento dos assuntos

relacionados a estas barreiras artificiais que necessitam cada vez mais de métodos eficazes de

segurança, é importante primeiramente entender o que vem a ser uma barragem. Nesse

sentido, podem-se conceituar as barragens de maneira informal como sendo uma construção

no sentido de formar um barramento em um determinado curso d’água para que esta seja

represada para atender a várias finalidades. Sendo a água essencial para a grande maioria das

atividades humanas, as barragens desempenham importante papel no desenvolvimento

socioeconômico de uma região, especialmente daquelas que apresentam disponibilidade

hídrica restrita, como é o caso do semiárido do Nordeste.

Atualmente, as principais discussões acerca das barragens estão relacionadas aos

seus aspectos gerenciais: projetos, construção e manutenção, tendo como foco, a segurança,

uma vez que, cada barragem apresenta um risco inerente à população localizada à jusante,

tendo em vista o grande poder destrutivo da massa de água que pode ser liberada no caso de

um colapso do barramento, poder este tanto maior quanto maior for à barragem e seu volume

acumulado.

Assim, é imprescindível conhecer e que sejam tomadas todas as medidas

necessárias para minorar o risco de ruptura, seja na fase de projeto, execução e operação. O

presente trabalho busca compilar os fatores envolvidos na segurança de barragens e a qual

garantem sua eficiência e segurança com relação aos riscos de arrombamento.

O objetivo geral do trabalho é a identificação dos principais tópicos relacionados

ao controle da segurança das barragens.

São objetivos específicos:

• destacar a importância dos aspectos legais como ferramenta de controle dos

eventos de incidentes e acidentes, assegurando mecanismos mais eficazes para a melhoria da

segurança de barragens;

• descrição de metodologia para avaliação do potencial de risco apresentado por

uma barragem;

• discutir o rompimento da barragem Algodões I, no município de Cocal, Piauí

através investigação dos antecedentes e respectivas causas de vinculação remota e imediatas

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ao incidente, subsidiado nos relatórios técnicos emitidos por especialista e/ou instituições

competentes, inclusive avaliando o risco apresentado pela barragem antes de seu colapso a

partir de metodologia específica pesquisada.

As justificativas para a elaboração deste trabalho são assentadas:

• o reconhecimento do elevado nível de problemas, responsável pelo estado

geral de abandono de milhares de barragens brasileiras, com vulnerabilidades latentes em

projetos, construção e operação de estruturas existentes;

• a ocorrência de colapso da Barragem Algodões I provocando prejuízos nas

populações localizadas à jusante da mesma, inclusive mortes, foi incentivo ao estudo sobre

segurança de barragem, e a motivação ao conhecimento das causas sobre rompimento da

Barragem Algodoes I, ocorrido em 27 de maio de 2009 no município de Cocal-Pi.

O desenvolvimento do trabalho é composto de:

• levantamento bibliográfico, tendo como fundamentação teórica artigos,

dissertações, teses, ou seja, diversas produções científicas voltadas para o assunto de

segurança em barragens com ênfase às regulamentações no cenário nacional e internacional;

• descrição de metodologia existente de avaliação de riscos de barragens, análise

da mesma e aplicação para avaliação da Barragem Algodões I quanto a seu nível de risco

antes da ocorrência do seu rompimento;

• análise dos projetos existentes (Básico e/ou Executivo) para o levantamento e

apreciação dos principais elementos da barragem escolhida para o estudo, das características

pertinentes ao projeto (estudo geotécnico, hidráulico, hidrológico, etc.);

• estudo dos relatórios técnicos emitidos por especialista e/ou instituições

competentes avaliando a obra após o seu rompimento, referenciado na reunião das

informações narradas e declarações dos profissionais envolvidos nas diversas fases da obra.

O trabalho está dividido em seis capítulos principais, além da listagem da

bibliografia consultada e de anexos pertinentes ao tema abordado.

O presente capítulo aborda os objetivos gerais e específicos, as justificativas

pertinentes à realização do trabalho, assim como a metodologia adotada para obtenção dos

dados pertinentes e desenvolvimento das conclusões do mesmo.

O segundo capítulo aborda um breve histórico e evolução do processo acerca das

regulamentações sobre segurança de barragens no cenário nacional e internacional,

destacando os desafios no trato de questões legais que comprometem a segurança de nossas

barragens, objetivando destacar a importância dos aspectos legais e coibir e/ou estancar o

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aumento do imenso passivo de estruturas de barragens em condições de insegurança e

posteriormente é feita uma exposição sobre o histórico dos principais acidentes e incidentes

registrados no período de formulação e tramitação da legislação recentemente aprovada no

Brasil sobre segurança de Barragens, Lei Nº 12.334 de 20 de setembro de 2010 que estabelece

a Política Nacional de Segurança de Barragens - PNSB e cria o Sistema Nacional de

Informações sobre Segurança de Barragens – SNISB.

O terceiro capítulo trata sobre segurança de barragens propriamente dita

abordando aspectos relacionados a segurança de barragem, bem como os fatores de riscos

identificados, nas fases de projeto, construção e operação das mesmas. E também apresentada

uma metodologia existente para avaliação de potencial de risco de barragens.

O quarto capítulo dispõe sobre o estudo referente à Barragem Algodões I,

identificando todos os seus elementos de projeto, destacando os principais fatores

responsáveis pelo colapso dessa estrutura levantados nos laudos técnicos elaborados pelos

técnicos especialistas das instituições competentes que atuaram no caso.

O quinto capítulo apresenta uma aplicação prática utilizando a metodologia

estudada para avaliar o potencial de risco que a barragem Algodões I apresentava antes do seu

rompimento.

Nas considerações finais, que compõem o sexto capítulo, são destacadas as

ferramentas que, uma vez aplicadas contribuem para a garantia da segurança da barragem e os

principais fatores que deverão ser levados em consideração para evitar riscos de colapso no

tipo de estrutura estudado.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

O estudo que segue baseia-se no material produzido pelo Prof. Carlos Henrique de

A. C. Medeiros no âmbito do Convênio nº 001/ANA/2011 – SICONV nº 756001/2011,

firmado entre a Agência Nacional de Águas - ANA e a Fundação Parque Tecnológico de

Itaipu - Brasil – FPTI no ano de 2011, apresentando um breve histórico do processo evolutivo

das regulamentações sobre segurança de barragem no cenário internacional, e enfatizando a

importância da questão, bem como evidencia o atraso do Brasil no tratamento do assunto.

2.1 Regulamentações Internacionais

Na Inglaterra, a segurança das barragens foi regulamentada por Ato do

Parlamento, em 1930; garantindo assim as ações de inspeção dessas estruturas, por

engenheiro especialista em barragens. Dando continuidade aos trabalhos o governo britânico

vem promovendo programas de avaliação da segurança dessas barragens, a luz do

conhecimento técnico e ferramentas tecnológicas atuais, através do Building Research

Establishment (BRE).

Nos Estados Unidos, em 1929, após o acidente com a barragem Saint Francis, o

Estado da Califórnia aprovou um programa de segurança de barragens. Posteriormente,

ocorreram outros acidentes com barragens, causando perda de vidas e propriedades, fato que

motivou a elaboração de legislações adicionais a nível estadual e federal. O Congresso

Americano, em 1972, promulgou a Lei Publica 92-367, conhecida como a "Lei Nacional de

Segurança de Barragem".

Na Austrália, o Australian National Committee on Large Dams (ANCOLD),

publicou uma revisão dos documentos intitulados: Guidelines on Dam Safety Management e,

Guidelines on Risk Assessment, em 1994; com o objetivo de contribuir no planejamento,

projeto, construção e operação de grandes barragens.

No Canada, The Canadian Dam Association (CDA) publicou uma edição revisada

do Dam Safety Guidlines, contendo recomendações para avaliação de segurança de barragens

existentes, atentos a problemas de ordem construtiva e principalmente, no intuito de contribuir

com a legislação e regulamentação sobre segurança de barragens (CDA, 1999).

Em Portugal o primeiro regulamento sobre projeto e construção de barragens de

terra intitulado: Regulamento de Pequenas Barragens de Terra, foi oficializado através do

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Decreto-Lei No. 48.373/68, em 08/05/1968. Em 1990, o governo português instituiu um novo

Regulamento para Segurança de Barragens, na forma de anexo ao Decreto-Lei No. 11/90 de

06/01/90. Em 1993 foi publicado um novo Regulamento de Pequenas Barragens, anexo ao

Decreto Lei No. 409/93. Em 1999 foi publicada a Legislação Sobre Segurança de Barragens.

Na Espanha, em 1992 foi publicada a Legislacion Espanola Sobre Seguridad de

Presas, produzida pela Comission de Normas de Grandes Presas. Em 12 de marco de 1996,

por ordem ministerial, foi aprovado “El Regulamento Técnico sobre Seguridad y Emblases”.

2.2 Regulamentação Nacional

No Brasil, a década de 70 foi marcada por grandes obras de barragens e

empolgação (anos dourados ou do milagre brasileiro), com os barragistas focados em

hidrelétricas. Poucos dedicaram tempo ou tiveram oportunidade de enxergar as barragens do

outro setor, também em franco crescimento e voltado para o atendimento do aumento da

demanda por agua para abastecimento e irrigação. Neste setor, as equipes também ousaram,

construindo grandes barragens e também, pequenas barragens, mas com grandes problemas e

carentes em recursos técnicos e financeiros.

Na pratica esses dois setores não se conheciam ou mantinham entre si, uma

distancia que impedia a troca de experiências e de conhecimento. Cabe lembrar que as

barragens não identificam setor pobre do rico quando o assunto é ruptura. O aprendizado com

o acidente pode ser replicado em qualquer outra estrutura, não importa qual seja a sua

grandeza.

Segundo CARDIA, R. J. R. e ANDERAOS, A. (2012) existiram tentativas de se

obter uma legislação adequada, desde 1977 (Decreto Lei N°. 10.752/77 SP), como

consequência das rupturas de duas Barragens no rio Pardo, em São Paulo, mas que nunca foi

regulamentado. O mesmo esforço foi dedicado através da Comissão de Deterioração e

Recuperação de Barragens do Comitê Brasileiro de Grandes Barragens, desde 1986.

Contudo, a legislação de segurança de barragem, ora em vigor, teve como ponto

de partida uma versão preliminar de projeto de lei, denominado Substitutivo de PL No. 1181,

de autoria do Dep. Leonardo Monteiro, motivada pelo rompimento da Barragem de

Cataguazes, em 2003, lançando 1,2 bilhões de litros de resíduos tóxicos nos rios Pomba e

Paraíba do Sul, atingindo o norte e o noroeste fluminense.

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O PL No. 1181/2003 foi elaborado no GT de Segurança de Barragens, criado na

Câmara Técnica de Estudos e Projetos (CTAP) do Conselho Nacional de Recursos Hídricos

(CNRH) e aprovado apos sete anos de tramitação na Câmara dos Deputados. O próximo passo

foi à aprovação no Senado Federal, na Comissão de Infraestrutura; com a designação de PLC

No. 168.

Apos a aprovação no Senado Federal foi encaminhado para sanção da Presidência

da Republica (em 21/09/2010), resultando na Lei No. 12.334. Infelizmente, ao longo desses 7

anos de espera assistimos aos graves acidentes e incidentes.

Os principais acidentes e incidentes registrados no período de formulação e

tramitação da Lei No. 12.334 foram: Cataguases - MG (2003), Camará – PB (2004), Campos

Novos - SC (2006), Mirai – MG (2007), UHE de Apertadinho – RO (2008), PCH Espora –

GO (2008), Algodoes I – PI (2009), PCH Bocaiuva (2010) e dezenas de barragens na região

no nordeste (KANJI, M. A., 2004; SILVEIRA, J. F. A., 1999; 2001).

No Brasil, a legislação sobre segurança de Barragens é a recentemente aprovada

Lei Nº 12.334 que estabelece a Politica Nacional de Segurança de Barragens, e passa a ser,

desde 2010, o instrumento nacional para regular o setor de barragens no Brasil.

São fundamentos da Politica Nacional de Segurança de Barragens (PNSB): a

segurança de uma barragem deve ser considerada nas suas fases de planejamento, projeto,

construção, primeiro enchimento e primeiro vertimento, operação, desativação e de usos

futuros; a população deve ser informada e estimulada a participar, direta ou indiretamente, das

ações preventivas e emergenciais; o empreendedor e o responsável legal pela segurança da

barragem, cabendo-lhe o desenvolvimento de ações para garanti-la; a promoção de

mecanismos de participação e controle social e, que a segurança de uma barragem influi

diretamente na sua sustentabilidade e no alcance de seus potenciais efeitos sociais e

ambientais (BRASIL, 2010).

São instrumentos da PNSB: o sistema de classificação de barragens por categoria

de risco e por dano potencial associado; o Plano de Segurança de Barragem (PSB); o Sistema

Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (SNISB); o Sistema Nacional de

Informações sobre o Meio Ambiente (SINIMA); o Cadastro Técnico Federal de Atividades e

Instrumentos de Defesa Ambiental; o Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente

Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais e o Relatório de Segurança de Barragens.

Segundo a Lei No. 12.334, no Art. 7, as barragens serão classificadas pelos

agentes fiscalizadores, por categoria de risco, por dano potencial associado e pelo seu volume,

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com base em critérios gerais estabelecidos pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos

(CNRH). A classificação por categoria de dano potencial associado a barragem em alto,

médio ou baixo será feita em função do potencial de perdas de vidas humanas e dos impactos

econômicos, sociais e ambientais.

A lei coíbe a pratica da má engenharia e a participação de atores não qualificados

para a consecução de projeto, construção e operação de barragens, um empreendimento

complexo e de grande impacto sobre a sociedade, e se justifica na medida em que objetiva a

organização do “sistema” (conjunto de atores em torno do empreendimento) com amparo da

legislação vigente e com o intuito de contribuir para o exercício da pratica profissional com

responsabilidade e cidadania, tendo como foco os atores que: contratam, projetam, constroem,

fiscalizam, operam e zelam pela segurança das barragens.

As barragens experimentam situações de operação que caracterizam risco para as

comunidades situadas à jusante, durante a ocorrência de vazões acima do previsto em projeto,

que implica no “galgamento” ou liberação de grande volume de agua para a calha do rio a

jusante, causando inundação e enchente; mesmo sem uma condição de colapso estrutural

(rompimento da barragem). Isso determina a obrigatoriedade de elaboração do PSB e do PAE,

atentos a condição de risco potencial e o dano potencial associado, na eventualidade de um

acidente com rompimento. Deve-se observar também, a função, a importância estratégica e o

porte da barragem (CARDIA, R. J. e ANDERAOS, A., 2012). E preciso compilar e adequar o

conhecimento as nossas necessidades. Segurança e inversamente proporcional a risco. Os

riscos são decorrentes de erros potenciais ou vulnerabilidade que por sua vez depende de uma

serie de natureza dos erros devido a fatores técnicos e não técnicos. Dentre os fatores técnicos

cabe destacar: o desconhecimento técnico-cientifico que na maioria dos casos, resultam da

ausência absoluta de dados e/ou informações relevantes ao projeto; como por exemplo, a

participação de empresas e/ou profissionais que se aventuram no desenvolvimento de estudos,

projetos e obras de engenharia de barragens, sem a devida qualificação e especialidade.

Em muitas situações a responsabilidade técnica e legal dos atores é diluída ou de

difícil apuração nos casos de insucessos, devido a fatores não técnicos - quando as decisões

sobre o empreendimento sofrem influencias de ordem econômica e/ou politica, a exemplo de

a contratação pelo critério de menor preço e negociações para a redução de prazos de projeto

e construção.

Muitos fatores não técnicos contribuem para a formação de uma cadeia de ações

que resultam em omissão em momentos de decisão, em simplificações no projeto por

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desconhecimento das implicações técnicas implícitas ou por prioridades (DEKKER, 2002;

REASON, 1997; MEDEIROS, 2012).

2.3 Históricos de Rupturas de Barragens

Segundo Menescal (2005), as barragens são obras geralmente associadas a um

elevado potencial de risco devido à possibilidade de um eventual colapso, com consequências

catastróficas para as estruturas das próprias barragens, ao meio ambiente, com destruição da

fauna e da flora, e, principalmente, pela perda de vidas humanas.

A ruptura em barragens ocorre, muitas vezes, em período de cheia sendo as

principais causas de ruptura de barragens de aterro: galgamento e erosão regressiva.

Galgamento é o transbordamento da água do reservatório através do coroamento,

ocasionando ruptura do maciço de terra. Os principais fatores relacionados ao galgamento

são: insuficiência do vertedouro ou sua obstrução; vazão não prevista a montante

(MIRANDA, 2010).

Já a erosão regressiva consiste na desagregação de partículas de solo que

compõem o corpo da barragem, provocada pela ação da água que percola no interior do

maciço ou da fundação. A erosão regressiva também pode ocorrer a jusante do vertedouro. Os

principais fatores que podem provocar a erosão regressiva são: camadas mal compactadas;

problemas na tubulação da tomada d’água; deficiência no sistema de drenagem interno;

camadas permeáveis ou fraturas na fundação (MIRANDA, 2010).

Um acidente entre os mais famosos e catastróficos afetou a barragem do Vajont

(nordeste da Itália), em resultado do deslizamento de cerca de 240 milhões de m³ de rocha de

uma encosta, provocando a morte de 2.600 pessoas no vale a jusante (PONCE e GIL, 2008).

No Brasil, tem-se o exemplo da barragem Campos Novos (MONTEIRO, 2006),

de enrocamento com face de concreto, construída no Rio Pelotas, divisa dos Estados de Santa

Catarina e Rio Grande do Sul. Tratava-se de uma das maiores barragens do mundo com um

muro de mais de 200 metros de altura. Tal barragem enfrentava problemas de vazamentos

desde 2005.

Como exemplo de acidentes em barragens no Nordeste, pode-se citar os casos das

barragens de terra Arneiroz II e Diversos, construídas no Estado do Ceará, ambas

apresentaram problemas de galgamento, no ano de 2004. Outro acidente com barragem no

Nordeste foi o da Barragem de Camará, no Estado da Paraíba, que consiste no único acidente

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com represas que utilizaram a técnica do Concreto Compactado com Rolo (CCR), ocorrido

por erosão progressiva (MIRANDA, 2010).

No Piauí, além do caso da barragem Algodões I, objeto de estudo deste trabalho,

tem-se o caso da barragem Joana, em 2004, onde ocorreu o desenvolvimento de erosão

regressiva (pipping), quase causando um acidente (MIRANDA, 2010).

O acidente da Barragem de Algodoes I, com perdas de vidas, danos econômicos,

ambientais e a exposição pública de colegas de profissão, foi o divisor de aguas entre o

ceticismo e o desejo de mudanças na conduta das ações focadas na consecução de

empreendimentos de barragens. Foram grandes os prejuízos para a sociedade com reflexos

negativos para o prestigio da engenharia brasileira, com destaque nos meios de comunicação

que, paradoxalmente, contribuiu para momentos de reflexão sobre as nossas limitações e

deficiências técnicas e/ou administrativas.

No Anexo I deste trabalho, é apresentada uma coletânea de acidentes, ocorridos

no mundo, em barragens de vários tipos conforme legenda contida no anexo, compilada por

Ladeira (2007).

O relato destes casos de ruínas e acidentes e seu entendimento são importantes,

pois no campo das barragens muito foi aprendido pelos erros cometidos. A análise e o

entendimento de alguns acidentes provocaram um grande avanço no conhecimento.

2.4 Estatísticas Sobre Acidentes de Barragens

O Boletim 99 da CIGB (1995) retrata algumas considerações sobre as estatísticas

de acidentes e ruínas de barragens.

A determinação das causas da ruína nem sempre é fácil, e em muitos casos há

mais de uma causa que leva ao colapso da barragem. No entanto, todas as análises estatísticas

chegam a conclusões bastante coerentes sobre as principais causas.

Uma primeira conclusão importante é que 70% das rupturas ocorrem nos

primeiros dez anos de vida da barragem.

A principal causa dos acidentes foi a insuficiente capacidade dos órgãos de

descarga (vertedouro e descarregador de fundo), e secundariamente problemas estruturais ou

de erosão das fundações.

Para todos os tipos de barragem os demais acidentes foram atribuídos a diversas

outras causas com porcentagens menores. O tipo de barragem que tem maior potencial de

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risco de acordo com os resultados das estatísticas é a barragem de terra, pois ela é mais

vulnerável na ocorrência de galgamento. Entre as barragens de concreto as mais seguras são

as barragens em arco.

Portanto, as estatísticas indicam que as causas mais frequentes dos acidentes das

barragens são relacionadas com os campos da geologia e hidrologia, nos quais existem as

maiores incertezas e é mais difícil, se não impossível, ter um conhecimento completo,

registram as causas mais frequentes dos acidentes das barragens.

Uma pesquisa recente sobre acidentes ou ruínas de pequenas barragens (SMALL

DAMS, Design, Surveillance and Rehabilitation - Boletim da CIGB) mostrou os seguintes

resultados:

Galgamento 65%

Erosão interna (piping) 12%

Escorregamento de taludes 12%

Outras causas 12%

Nesta segunda estatística aumentou a porcentagem atribuída ao galgamento,

talvez devido ao fato de que para as pequenas barragens o tempo de retorno da enchente de

projeto para dimensionamento do vertedouro é inferior ao calculado para as barragens de

maior porte. Também se deve observar que a maioria das pequenas barragens é do tipo de

aterro e, portanto mais sujeita ao colapso por galgamento.

A ruína por galgamento nas barragens de aterro pode ser atribuída a um evento

muito raro ou a uma avaliação incorreta da enchente de projeto, resultando na construção de

órgãos de descarga com capacidade insuficiente.

As outras duas causas, erosão interna e escorregamento, podem ser atribuídas a

erros humanos na avaliação incorreta das propriedades do solo ou da fundação e/ou falhas na

construção, e insuficiente controle de qualidade da compactação.

Os estudos das enchentes são realizados com base nos registros de eventos

passados, cobrindo um período que pode variar de algumas dezenas a centenas de anos, que

quando comparados com os ciclos das épocas glaciais e geológicas são insignificantes. Além

dos ciclos e variações próprias da natureza devem ser acrescentadas as mudanças provocadas

pelas intervenções antrópicas, como os desmatamentos e o cultivo em grandes extensões, que

afetam o clima e a resposta das bacias hidrográficas.

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3 SEGURANÇA DE BARRAGENS

A segurança deve constituir o objetivo fundamental no projeto, construção e

operação de barragens. Este deve ser referencial a ser buscado, uma vez que a ruptura de uma

barragem pode ter consequências imensuráveis em termos de impactos socioeconômicos e

ambientais.

Apesar de reduzido, o risco de ruptura de uma barragem constitui uma realidade

potencial para tais empreendimentos. De acordo com o Boletim 99 do ICOLD (1995), a

percentagem de ruptura de grandes barragens é de 2,2% para as barragens construídas antes

de 1950 e de cerca de 0,5% para as construídas após esta data. A maior parte das rupturas,

cerca de 70%, ocorreu com barragens nos seus primeiros 10 anos de operação e, mais

especialmente, no primeiro ano após o comissionamento.

Foster et al. (1998) analisaram um total de 11.192 grandes barragens de

enrocamento construídas até 1986, registrando 136 casos de ruptura neste universo. A

frequência média de ruptura (nº total de rupturas / nº total de barragens) foi de 0,012, ou 0,011

se consideradas apenas as barragens que estavam em operação, ou seja, de cada 100 barragens

construídas, uma se rompe. A frequência anual histórica foi de 4,5x10-4. Assim, para o

mesmo grupo de 100 barragens, a probabilidade de ruptura anual é de 0,045, portanto, a cada

22 anos, uma barragem se romperia.

Sabendo-se então da existência de uma probabilidade, ainda que baixa, de ruptura

de uma barragem e do alto impacto que este evento teria a jusante, a questão é como este risco

pode ser reduzido. Biedermann (1997) considera que a segurança de barragens pode ser

obtida apoiando-se em três pilares básicos: segurança estrutural (projeto, construção e

manutenção adequados), monitoramento e gestão de emergência, como apresentado na figura

01 a seguir.

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Figura 01 – Pilares básicos da segurança de barragens

Fonte: Biedermann, 1997.

Nas fases de projeto e construção, devem ser feitos investimentos de forma que os

riscos associados a cada estrutura civil sejam minimizados. Entretanto, sabe-se que alguns

riscos são inerentes à construção de uma barragem, como transbordamento por falha na

operação dos extravasores ou envelhecimento dos materiais de construção.

Assim, mesmo sendo o projeto e construção adequados, existe um risco

remanescente a ser controlado através de um processo de acompanhamento e avaliação

permanentes do desempenho das estruturas. Este processo é usualmente denominado de

auscultação de barragens, e engloba as atividades de observação, detecção e caracterização de

eventuais deteriorações que possam aumentar o potencial de risco de uma estrutura (Fonseca,

2003). O objetivo final da auscultação é fornecer elementos para as avaliações do

comportamento de barragens e indicar a necessidade de reparos para o restabelecimento das

condições de segurança desejadas ou mesmo a necessidade de adoção de medidas

emergenciais.

A auscultação de barragens tem como ferramentas as inspeções visuais e a

instrumentação. O olho humano treinado é geralmente o melhor instrumento para avaliar a

performance de uma barragem. Segundo o Corps of Engineers (2000), “apesar das inspeções

visuais certamente terem limitações, nenhum outro método tem o mesmo potencial de integrar

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rapidamente toda a situação do comportamento”. A instrumentação agrega valor a estas

avaliações, como um meio de fazer medidas da aferição do comportamento de uma barragem.

Estas medidas (leituras dos instrumentos) não eliminam a necessidade do julgamento de

engenharia, mas fornecem informações importantes sobre o comportamento das estruturas e

permitem uma visão ‘de dentro’ sobre a existência ou não de determinado problema.

Entretanto, pouca importância terá o monitoramento se, quando detectadas

necessidades de manutenção (reparo ou melhorias), estas não forem realizadas em tempo

hábil para que sejam restaurados os níveis de segurança estrutural desejados. Em outras

palavras. “medidas estruturais” devem ser tomadas para o restabelecimento da segurança.

Nem sempre essas medidas são suficientes para eliminar o perigo a que está

submetido o sistema vale-barragem. Passou-se, então, a conceber a adoção de “medidas não

estruturais”, como a instalação de sistemas de alerta e planos de atendimento a emergências

como formas de gerenciamento de riscos. Constituiu-se, assim, o terceiro pilar da segurança, a

gestão de emergências, considerando que a segurança do sistema vale-barragem só pode ser

garantida por meio da adoção de medidas integradas de gerenciamento de risco e emergências

por parte dos responsáveis por ambos os conjuntos do sistema. Os documentos que

consolidam os procedimentos para o gerenciamento do risco e as respostas a situações de

emergência são os Planos de Ações Emergenciais ou Planos de Atendimento a Emergências.

3.1 Risco e Segurança de Barragens

Com relação a barragens, risco é a probabilidade que um evento indesejável

especificado ou uma situação de perigo aconteça dentro de um dado intervalo de tempo,

enquanto que segurança é a capacidade da barragem de satisfazer as exigências de

comportamento necessárias para evitar incidentes e acidentes relacionados a aspectos

estruturais, econômicos, ambientais e sociais (FACCHINETTI, 2008).

O mesmo autor enfatiza que, durante a fase de projeto, os riscos consistem em não

se definir, ou definir de forma equivocada, os critérios a serem seguidos pelo projetista no

desenvolvimento dos projetos. Esses critérios estão relacionados com a hidrologia, a geologia,

a geotecnia, o dimensionamento hidráulico, o dimensionamento geotécnico e o

dimensionamento estrutural.

Com relação à etapa de construção de uma barragem, os riscos surgem quando a

construção passa a não obedecer fielmente o projeto e nem seguir as normas e especificações.

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Nesta fase são de fundamental importância o controle da qualidade dos materiais e uma

fiscalização atenta para que sejam seguidos os documentos de projeto (normas, especificações

e desenhos). São exemplos de riscos que ocorrem na construção: mudanças no projeto sem a

presença do projetista; equipe inexperiente de construção; durante a etapa de desvio do rio,

normalmente se corre um risco maior – galgamentos de ensecadeiras.

Menescal (2005) ressalta que uma barragem segura é aquela cujo desempenho

satisfaz às exigências de comportamento necessárias para evitar incidentes e acidentes que se

referem a aspectos estruturais, econômicos, ambientais e sociais.

Ainda segundo Menescal (2005), a segurança de uma determinada barragem pode

ser garantida adotando-se três procedimentos básicos, são eles: correção de qualquer

deficiência prevista ou constatada; operação segura, continuada, manutenção e inspeção;

preparação adequada para emergências.

O mesmo autor assinala que devem ser previstas reavaliações regulares das

consequências de ruptura de uma barragem, na medida em que tais consequências possam

mudar, por exemplo, devido a alterações no uso de terras a jusante.

O proprietário da barragem tem, em última instância, a responsabilidade por todos

os aspectos relacionados à sua segurança, devendo assegurar que a operação da barragem e a

sua manutenção sejam executadas por pessoas que tenham conhecimento e habilitação para

tal. Iniciativas apropriadas devem ser tomadas com relação ao treinamento do quadro de

pessoal.

Cada barragem é classificada de acordo com as consequências de sua ruptura. Esta

classificação constitui a base para a análise da segurança da barragem e para fixar níveis

apropriados de atividades de inspeção. Na tabela 01 é mostrada uma classificação das

barragens baseado no potencial de perda de vidas e danos econômicos.

Tabela 01 - Classificação da consequência de ruptura de barragens

Fonte: BRASIL, 2002

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As estruturas associadas podem ser classificadas separadamente. Desta forma, os

diques e as barragens auxiliares poderiam ser de categorias diferentes com relação à

barragem, dependendo das consequências da ruptura. No caso de considerarem-se sistemas de

alerta, para redução do potencial de perda de vidas, a confiabilidade de tais sistemas deve ser

incorporada em todas as análises e avaliações.

A avaliação do potencial de perdas, com ou sem a ruptura da barragem, deve ser

baseada em estudos de inundação, e deve considerar o desenvolvimento existente e o previsto,

na utilização das terras a jusante. Para as barragens em que houver incertezas acerca das

consequências de seu colapso, deve-se utilizar uma análise simplificada e conservadora,

quanto às previsões preliminares. Se esta análise demonstrar certo potencial de risco, parte-se

para uma análise mais sofisticada. No caso de barragens nas quais as consequências de

ruptura recaiam claramente dentro da categoria “Muito Baixa”, não será necessário um estudo

formal de inundação.

Uma barragem é considerada “descomissionada” caso ela não seja mais utilizada

para os propósitos de capacitar a acumulação ou desvio de água, ou se ela tiver sido removida

ou demolida. Uma barragem somente poderá ser abandonada se parte suficiente de sua

estrutura tiver sido removida, a ponto de torná-la incapaz de acumular um reservatório que

possa representar ameaça para os habitantes, propriedades ou ao meio ambiente a jusante.

Facchinetti (2008) sustenta que uma barragem possui várias fases durante sua

vida, são elas: a fase de planejamento (levantamento de dados, hierarquização, tomada de

decisão); a fase de elaboração dos estudos e projetos (desenvolvimento dos estudos e

elaboração do projeto, projeto final); a fase de execução das obras e implantação das medidas

mitigadoras (licitação, execução); a fase de operação e manutenção.

Ainda segundo Facchinetti (2008), na maioria dos casos, as causas de ruptura

podem ser atribuídas não apenas a falhas de projeto, mas devido à falta de fiscalização

durante a construção. Quando ocorrem falhas na fase de projeto, pode-se afirmar que o

projeto não foi elaborado por profissional experiente, enquanto que nas falhas de construção,

pode-se afirmar que a construção não foi executada por empresa devidamente habilitada.

Erros podem ser atribuídos à falha humana durante as fases preliminares das

investigações para o projeto; dados e critérios de projeto deficientes, fiscalização deficiente e

fase pós-construtiva, devido à negligência durante o primeiro enchimento/vertimento. Os

erros também podem ser atribuídos à operação inadequada, monitoramento inadequado e

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erros de interpretação de dados do monitoramento e devido à operação indevida das estruturas

hidráulicas, negligência com manutenção das estruturas e/ou equipamentos hidráulicos, etc.

3.2 Metodologia para Avaliação do Potencial de Riscos em Barragens

É apresentada uma metodologia referente à avaliação dos riscos de uma barragem.

Esta metodologia foi aplicada em diversas barragens sob a responsabilidade da Companhia de

Gestão de Recursos Hídricos do Estado do Ceará – COGERH, visando obter uma

classificação dessas barragens, essencialmente quanto à sua segurança estrutural e

operacional, considerando aspectos econômicos, sociais e ambientais, de forma a

proporcionar à direção da empresa um meio eficiente de planejar e programar a alocação dos

recursos necessários à sua manutenção. A metodologia estudada tem como objetivo principal

classificar a barragem, de acordo com seu potencial de risco, e definir a periodicidade com

que devem ser feitas as inspeções para identificar suas anomalias.

Segundo Menescal (2005) esta metodologia foi aplicada pela COGEHR

(Companhia de Gerenciamento dos Recursos Hídricos do Estado do Ceará) em 35 açudes de

diversos tamanhos e tipos no estado do Ceará.

O modelo de avaliação do potencial de risco em barragens em questão é regido

por algumas premissas básicas, são elas:

Abrangência para todos os tipos e tamanhos de obras;

Facilidade e rapidez na sua aplicação;

Restrição, ao máximo, da subjetividade na aplicação da metodologia;

Consideração dos aspectos da segurança estrutural e operacional, envolvendo os

aspectos econômicos, sociais e ambientais.

Na figura 02 é apresentado o esquema proposto para avaliação do potencial de

risco, sendo este calculado a partir de três parâmetros: a periculosidade das estruturas (P), a

importância estratégica da obra (I) e a vulnerabilidade das estruturas (V). Como mostra a

figura 02, a periculosidade (P) se dá a partir de informações técnicas de projeto e construção,

enquanto que a importância estratégica (I) é definida por critérios econômicos, ambientais e

sociais; já a vulnerabilidade (V) se dá com base nos dados de inspeção de campo e de leitura

de instrumentação, onde é feita uma avaliação preliminar da segurança.

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Figura 02 - Esquema proposto para avaliação do potencial de risco.

Fonte: Menescal (2005).

Os três parâmetros citados são obtidos com o auxílio de tabelas que serão

apresentadas a seguir. O Potencial de Risco calculado é qualitativo, mesmo tendo uma

representação numérica, pois na concepção da metodologia não foram utilizados métodos

estatísticos para atribuição de valores.

O grau de periculosidade (P) é reproduzido pelas características técnicas do

projeto, conforme mostrado na tabela 02:

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Tabela 02: Grau de Periculosidade (P), características de projeto da barragem.

Fonte: Menescal (2005).

De acordo com as características de projeto da barragem, tem-se o valor de P

retirado da tabela 02, sendo P= ∑pi com o resultado de P, classifica-se a barragem, de acordo

com a periculosidade observando as três condições a seguir:

P > 30 – Elevado;

P de 20 a 30 – Significativo;

P de 10 a 20 – Baixo a Moderado.

O grau de vulnerabilidade (V) é avaliado levando em consideração os aspectos

relacionados com o estado atual da barragem, seu histórico, operacionalidade e/ou facilidade

de manutenção das estruturas hidráulicas que a mesma apresenta, além do tipo de material

acumulado. Vide tabela 03.

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Tabela 03 - Vulnerabilidade (V), estado de condição atual da barragem.

Fonte: Menescal (2005).

NOTA: Pontuação (10) em qualquer coluna implica em intervenção na barragem, a ser definida com base em

Inspeção Especial.

Por fim, na avaliação da importância estratégica (I), os aspectos considerados

relevantes são: o volume regularizado do reservatório, a população à jusante sujeita a risco e o

custo atualizado da barragem (e estruturas anexas), de acordo com a tabela 04.

Tabela 04 - Importância Estratégica (I)

Fonte: Menescal (2005).

A importância estratégica (I) é calculada de acordo com a fórmula a seguir:

I = (A+B+C) / 3

Então, de posse desses três parâmetros, classifica-se a barragem segundo o nível

de risco de sua segurança, que está associada ao potencial de risco (PR) e de vulnerabilidade

(V), calculando (PR) através da expressão abaixo e avaliando conforme a tabela 05.

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Tabela 05 - Potencial de Risco (PR)

Fonte: Menescal (2005).

NOTAS:

(1) Barragens com PR acima de 55 devem ser reavaliadas por critérios de maior detalhe;

(2) Barragens incluídas na classe A exigem intervenção, a ser definida com base em Inspeção Especial.

De posse da classe na qual a Barragem está incluída, de acordo com tabela 05

acima, obtém-se o tipo de inspeção e a frequência na qual ela deva ser inspecionada, como

representado na tabela 06.

Tabela 06 - Frequência de Inspeções

Fonte: Menescal (2005).

Daí, ainda de acordo com a classificação da Barragem, tem-se o índice de

magnitude de maior gravidade aceito para cada classe e o critério “indicativo” para cada

classificação, conforme tabelas 07 e 08, respectivamente.

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Tabela 07 - Índice de Magnitude de maior gravidade aceito para cada classe de barragem

Fonte: Menescal (2005).

Tabela 08 - Critério "indicativo" para instrumentação

Fonte: Menescal (2005).

NOTA:

(1) x – dispositivo obrigatório

(2) (x) – dispositivo opcional

A metodologia (COGERH) apresenta uma maneira fácil e objetiva de quantificar

e qualificar o risco de uma determinada barragem. Esta metodologia leva em conta muitos

aspectos impostos pelas próprias características técnicas de projeto da barragem, sendo

informações de fácil obtenção. São avaliados 3 (três) parâmetros nessa metodologia: a

periculosidade, a vulnerabilidade e a importância estratégica da obra. A periculosidade leva

em conta características como a dimensão da barragem, o volume total do reservatório, o tipo

de barragem, o tipo de fundação e a vazão de projeto, sendo todas elas obtidas no Projeto

Executivo da barragem. A vulnerabilidade considera o estado de condição atual da barragem,

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abordando seu tempo de operação, a existência de projeto, a confiabilidade das estruturas

vertedouras, a tomada d’água, a percolação, as deformações, a deterioração dos taludes e o

tipo de material acumulado no reservatório. Por fim, a importância estratégica baseia-se no

volume útil, na população a jusante e no custo da barragem, também sendo informações de

fácil obtenção.

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4 ESTUDO DE CASO: ROMPIMENTO DA BARRAGEM ALGODÕES I

4.1 Histórico

De acordo com o Relatório Técnico elaborado pelo Conselho Regional de

Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Piauí – CREA/PI (2010), a Barragem Algodões I

teve, no ano de 1953, a realização dos primeiros estudos visando à execução do seu projeto

original, através do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS.

Posteriormente, tais estudos foram cedidos a então Companhia de Desenvolvimento do Piauí

– COMDEPI, atual Instituto de Desenvolvimento do Piauí – IDEPI.

O projeto da barragem, de propriedade do Departamento Nacional de Obras

Contas as Secas – DNOCS foi elaborado com a finalidade de perenizar o rio Pirangi, que é

um rio federal que nasce no Estado do Ceara e desagua no rio Parnaíba, no Estado do Piauí e

abastece a população do município de Cocal/PI.

Sua construção ocorreu num período de aproximadamente oito anos, com início

em 01/02/1996 até 15/03/2004. A obra da Barragem contou com recursos de Convênio

firmado entre o Governo Federal, através do DNOCS, e o Governo do Estado do Piauí,

através da Companhia de Desenvolvimento do Piauí – COMDEPI.

4.2 Características da Barragem

O Projeto Executivo da Barragem Algodões I (Volume I – Relatório Geral)

discorre que tal barragem possui uma capacidade de armazenamento de 51 milhões de metro

cúbicos de água, sendo considerada de porte médio. Localizada a aproximadamente 4 km da

sede do município de Cocal, no estado do Piauí, trata-se de uma Barragem de terra

homogênea composta por uma tomada d’água do tipo galeria com controle da comporta no

coroamento da Barragem e de um sangradouro tipo canal lateral. De acordo com sua ficha

técnica, tal Barragem foi construída com a finalidade de abastecimento de água da cidade de

Cocal, irrigação do vale e piscicultura.

Com um coroamento de 378,0 m de extensão e 8,0 m de largura, a Barragem

possui um maciço com seção trapezoidal, assente sobre uma fundação estável, com cut-off

escavado a montante até atingir o arenito compacto, a partir do eixo do barramento até o off-

set. A cava de fundação foi executada com tratamento através de injeção de cimento.

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A proteção do talude de montante foi feita através do rip-rap com uma camada de

0,70 m de um material denominado “bica corrida”. O talude de jusante foi protegido com

plantação de grama e dispositivos de drenagem superficial.

O sangradouro seria constituído por canal de aproximação escavado, um

vertedouro em perfil Creager que deságua em um canal lateral revestido em concreto, seguido

de um canal de restituição simplesmente escavado. Inicialmente, também foi projetado um

muro de proteção à Barragem para servir de guia às águas vertentes.

Posteriormente, o projeto do sangradouro sofreu algumas modificações, no qual o

muro de proteção à Barragem foi substituído por placas de concreto com contrafortes.

A Tabela 09 apresenta a Ficha Técnica da Barragem Algodões I, com as

principais características pertinentes a essa obra:

Tabela 09 - Ficha Técnica da Barragem Algodões I

CARACTERÍSTICAS GERAIS

Nome da Barragem: Algodões I

Município: Cocal

Estado: Piauí

Rio: Pirangi

Sistema: Bacias do Baixo Parnaíba

Capacidade: 51.000.000,00 m³

Precipitação média anual: 1.100 mm

Área da bacia hidráulica: 288,00 ha

Área da bacia hidrográfica: 383,36 km²

Finalidades: Abastecimento de água da cidade de

Cocal, irrigação do vale e piscicultura

CARACTERÍSTICAS DA BARRAGEM

Tipo: Terra homogênea

Extensão pelo coroamento: 378,00 m

Largura do coroamento: 8,00 m

Altura máxima acima da fundação: 47,10 m

Altura máxima com fundação: 50,10 m

Cota de coroamento: 325,00 m

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Talude:

- Montante:

Cota 325 a 315: 2,5 : 1 (H:V)

Cota 315 a 305: 3,0 : 1 (H:V)

Cota 305 a 295: 3,5 : 1 (H:V)

Cota 295 a 285: 4,0 : 1 (H:V)

Cota 295 a terreno natural: 4,5 : 1

(H:V)

Talude:

- Jusante:

Cota 325 ao rock-fill: 2,0 : 1 (H:V)

Volume do maciço: 1.141.333.22 m³

Volume da fundação: 179.527,22 m³

Área dos taludes da barragem: 57.320,00 m²

Largura máxima da base: 253,00 m

Rocha de fundação: Arenitos da formação Serra Grande

TOMADA D’ÁGUA

Localização: Estaca 15+15,00 m do eixo de

referência

Tipo: Galeria com controle da comporta no

coroamento da barragem

Diâmetro: 900 mm

Comprimento: 220,00 m

Descarga regularizada: 1,60 m³/s

Escavação: 6.083,00 m³

Volume do concreto armado: 727,00 m³

Concreto ciclópico: 2.073,93 m³

Dispositivo de jusante: Válvula dispersora

Dimensões do dispositivo: DN = 0,90 m

Cota de Galeria:

- no eixo

- na entrada

285,00 m

290,52 m

CARACTERÍSTICAS DO SANGRADOURO

Tipo: Canal lateral

Largura: 120,00 m

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4.3 Estudos Preliminares

Nesse item serão enfatizados, de acordo com o Projeto Executivo da barragem

Algodões I (Volume I – Relatório Geral e Volume III – Estudos Básicos), os estudos

preliminares realizados, abrangendo a topografia, a hidrologia, a geologia e a geotecnia.

Topografia

Os estudos topográficos consistiram em um levantamento plani–altimétrico da

bacia hidráulica na escala de 1: 5.000, com curvas de nível a cada metro, realizado ainda no

primeiro estudo da barragem.

Também foi feito levantamento topográfico na escala 1: 1000, da área de

implantação da obra com curvas de nível a cada metro e seções transversais a cada 20,00 m

em um levantamento planimétrico das áreas de jazida.

Hidrologia

A bacia hidrográfica da barragem está situada na fronteira dos estados Piauí e

Ceará, com uma área de 383,36 km² e comprimento do talvegue de 38,00 km.

O regime pluviométrico (mensal e anual) da região é irregular e,

consequentemente, o regime de escoamento é considerado também irregular, ocorrendo

períodos com vazões significativas e períodos de vazões nulas.

O regime da região é caracterizado por elevadas temperaturas e reduzidas

amplitudes. A temperatura média anual é de 27ºC, sendo novembro o mês mais quente com

29ºC e abril o mês mais frio com 26ºC. A umidade relativa média anual é de 60%, sendo

março o mês de maior umidade relativa e setembro o mês de menor umidade.

O dimensionamento do vertedouro foi feito com base nos estudos de chuvas

intensas da região, através da relação chuva-vazão por causa da inexistência de observações

Folga: 2,53 m

Revanche: 5,00 m

Escavação: 247.500,00 m³

Volume concreto armado: 4.799,45 m³

Cota do sangradouro: 320,00 m

Lâmina máxima de sangria: 2,47 m

Vazão máxima: 718,15 m³/s (Tr = 100 anos)

Fonte: Projeto Executivo da Barragem Algodões I.

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fluviométricas no local ou nas proximidades do local da barragem. O método utilizado no

estudo das precipitações intensas na região foi o das Isozonas, desenvolvido por Jaime

Taborga Torrico (1975). O procedimento consiste em utilizar estudos estatísticos de uma série

de chuvas diárias para, através de um processo de desagregação e regionalização, estimar as

precipitações de menores durações. Para o cálculo da precipitação média da bacia, foi

aplicado o método de Thiessen, para chuvas diárias. Na determinação das cheias no açude

Algodões I, foi utilizado o Método do Hidrograma Unitário Triangular (HUT), do Soil

Conservation Service (SCS).

A tabela 10 mostra as vazões máximas calculadas de saída (m³/s) no vertedouro

para os diferentes períodos de retorno.

Tabela 10 - Vazões máximas de saída

TR (anos) Vazão Máxima de Saída (m³/s)

100 718,15

200 809,05

500 933,61

1000 1.022,52

Fonte: Projeto Executivo da barragem Algodões I

Geologia e Geotecnia

Para a investigação dos tipos de materiais da fundação, do maciço e do

sangradouro foram realizadas sondagens rotativas e ensaios de perda d’água. Já para a

identificação de materiais adequados à construção do maciço, foram feitos alguns ensaios de

laboratório, sendo eles: granulometria por peneiramento, limites de Atteberg e compactação

(Proctor Normal). Os estudos geológicos foram realizados em escalas regionais e locais.

O estudo referente à geologia regional compreende uma área situada na região

norte dos estados do Ceará e Piauí, onde se apresenta sua estratigrafia constituída pelas

seguintes unidades: Complexo de Granja, Grupo Martinópole, Formação Serra Grande,

Formação Pimenteiras, Formação Cabeças, Formação Orozimbo, Grupo Barreiras, Colúvios e

Aluviões, com as características pertinentes a cada uma.

O boqueirão da barragem apresentava uma morfologia em forma de “U”, com o

rio pouco encaixado e largura da ordem de 10 m. A ombreira direita apresentava escarpa

(talude) suave, característico de material menos resistente (arenito), enquanto que a ombreira

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esquerda apresentava uma escarpa mais íngreme, característico de material mais resistente ao

intemperismo (diabásio).

Geologicamente, a superfície do sítio barrável é constituída por arenitos da

Formação Serra Grande, que se apresentam aflorantes, principalmente na ombreira direita,

com grande quantidade de talus (material resultante da ação da gravidade sobre fragmentos

rochosos soltos, misturados com terra).

Os estudos geotécnicos consistiram nas sondagens do subsolo do eixo e do

sangradouro, na localização e detalhamento dos empréstimos que seriam utilizados na

construção, assim como na realização de ensaios geotécnicos de laboratório.

Os estudos geotécnicos realizados foram divididos nos seguintes itens: sondagens

e ensaios de perda d’água do eixo da barragem e do sangradouro; áreas de empréstimos;

jazidas de areia; pedreira.

4.4 Métodos Construtivos

4.4.1 Fundações

A execução da fundação das Ombreiras compreendeu a remoção dos solos

humosos, bem como dos matacões soltos ou parcialmente enterrados, areias e siltes

inconsolidados e camadas de solos compressíveis. Após a remoção desses materiais, o terreno

foi regularizado e compactado, antes de receber a primeira camada de material do maciço. Na

região do núcleo central, foi executada uma trincheira de vedação (cut-off) entre a fundação e

o núcleo, até atingir rocha sã por toda extensão do núcleo. Após ser feito o tratamento

localizado das irregularidades da rocha de fundação, foi executada uma camada de 5 a 7 cm

de concreto de regularização por toda a superfície em contato com o núcleo impermeável. Em

seguida, a rocha de fundação foi tratada com injeções de cimento.

Na fundação do leito do rio, foi feita uma remoção das areias que se encontravam

acima da cota do depósito normal da aluvião e dos bolsões de areia fofa com SPT (Standard

Penetration Test) ≤ 4 a 5, resultante dos furos de sondagens. Nas áreas das margens, foi feita

uma regularização da superfície natural do terreno, em cotas variáveis. Em seguida, o terreno

da fundação foi compactado antes de receber a primeira camada de material do aterro.

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4.4.2 Maciço

Após serem concluídos todos os serviços relativos à escavação, preparo e

tratamento das fundações em solo e rocha, foi executado o maciço de terra.

Na construção do maciço da barragem foi empregado o material arenoso para os

filtros vertical e horizontal encontrado nas jazidas ao longo do rio e os materiais coluvionares

e residuais de composição silte–argilosa investigados nas áreas dos empréstimos estudados.

Esse material foi lançado e espalhado com espessuras pré-determinadas, corrigindo a umidade

e compactando. Para a zona de transição fina de areia adensada, foi utilizada areia existente

no leito principal do rio.

Na execução das zonas de enrocamento foi utilizada rocha proveniente das

escavações e de pedreiras selecionadas, sendo essa rocha selecionada de acordo com as

especificações de projeto. O lançamento destes materiais foi efetuado sobre o talude ou nas

bordas da camada que foi lançada.

Na zona impermeável do maciço houve uma preocupação com as características

de resistência, deformabilidade e permeabilidade, obtidas através do controle da variação de

umidade e do grau de compactação. O material utilizado foi obtido das áreas dos empréstimos

indicados no projeto.

O lançamento das camadas de solo foi feito em camadas horizontais e dispostas

em faixas paralelas ao eixo da barragem. Inicialmente foi adotada uma espessura de 25 cm de

material solto, lançada com controle lateral de espessuras, por intermédio de cruzetas.

Na execução do maciço de terra foi considerada a umidade ótima do Proctor

Normal, com uma faixa de tolerância de 2% para baixo até 0,5% para cima da ótima. Os

materiais que se encontravam com umidade fora destes limites foram submetidos à rega ou

secamento, antes da compactação.

Na compactação de locais de difícil acesso foi utilizado o sapo mecânico ou

pneumático. Em locais de acesso mais fácil, a compactação do aterro foi feita com 10

passadas com o rolo pé-de-carneiro (v ≤ 5 km/h).

O adensamento dos materiais dos filtros foi feito por vibração em camadas de 50

cm ou mais, sendo adotados tratores de esteira para esse serviço. Do ponto de vista

geotécnico, os materiais de filtro estavam bem lavados e compostos por areias de

granulometria aproximadamente contínua.

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As zonas de transição foram constituídas de fragmentos de rocha sã com elevada

resistência à abrasão e à decomposição química. A compactação desses materiais foi realizada

em camadas não superiores a 50 cm, com emprego de equipamentos vibratórios. Os materiais

de transições são compostos por materiais britados, isentos de material pulverulento, com

granulometria contínua (DNOCS a, 1994).

4.4.3 Tomada d’agua

A tomada d’água foi construída fazendo um ângulo de 87º30’ com o eixo da

barragem, na direção montante–jusante. A tomada d’água é composta de uma tubulação de

aço ASTM 36 com chapas de espessura de 3/8’’, diâmetro de 900 mm comprimento total de

220,00 m.

Esta tomada era controlada, do lado de montante, através de uma comporta

acionada pelo tubo de aeração de 250 mm, ligado à casa de comando instalada no coroamento

da barragem. Já do lado de jusante, foi instalada uma válvula dispersora para regulagem da

vazão necessária ao atendimento das demandas.

Depois de construído o tubo de descarga, este foi envolvido por concreto armado

com fck = 15 Mpa e 0,50 m de espessura. Este tubo foi construído assente sobre embasamento

de concreto ciclópico com fck = 10 Mpa e 12% de pedras-de-mão. A cada 10,00 m foram

feitas juntas de dilatação tipo Fugenband–O–22.

4.4.4 Sangradouro

O sangradouro era constituído de um canal de aproximação escavado na cota

319,00 m, de um vertedouro em perfil Creager (figura 03 ) que desaguava em um canal lateral

revestido em concreto, seguido de um canal simplesmente escavado.

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Figura 03 - Vertedouro Tipo Creager

Fonte: IDEPI

O vertedouro em perfil Creager possuía 120,00 m de largura e um paramento de

montante vertical de 1,00 m de largura.

O canal lateral possuía o mesmo comprimento do vertedouro e a seção trapezoidal

com base de largura variável. Foi escavado na rocha e depois revestido em concreto armado,

com laje de espessura 0,50 m.

A figura 04 mostra o projeto do sangradouro com a planta baixa e o perfil

longitudinal do eixo dos canais.

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Figura 04 – Projeto do Sangradouro

Fonte: IDEPI

Foi construído também um muro frontal (figura 05), limitando a seção inicial do

canal e direcionando as águas de sangria para dentro do canal. Além do muro frontal, foram

implantadas placas de concreto como proteção ao aterro da barragem.

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Figura 05 - Creager e muro de contato com o maciço

Fonte: IDEPI

O canal de restituição possuía um comprimento aproximado de 250,00 m e

declividade de 0,05%, simplesmente escavado em rocha, em direção a calha do rio, chegando

ao terreno natural.

4.5 Coleta de Informações e Analise das Ocorrências

O item que segue baseia-se nos questionamentos e exame de toda documentação

fornecidos por técnicos envolvidos em diversas fases da obra, visando conhecer os detalhes de

projeto e execução da obra, bem como a partir da investigação dos antecedentes e respectivas

causas de vinculação remota e imediatas ao incidente através dos relatórios técnicos emitidos

por especialista e/ou instituições competentes avaliando a obra após o seu rompimento

(CREA – PI, 2010)

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4.5.1 Talude de Montante

No talude de montante da barragem, a proteção se deu através da construção do

“Rip-Rap”. Este elemento de proteção foi executado conforme especificado no projeto, com

uma camada de 0,70 m de bica corrida. Não foi detectada nenhuma anomalia (depressão,

falhas, trincas, erosões, escorregamentos, árvores, etc.) nessa parte da barragem.

4.5.2 Talude de Jusante

Para a proteção do talude de jusante contra a erosão, foi executada plantação de

grama, bem como a drenagem por um sistema de calhas em concreto armado, tipo “escama de

peixe”. De acordo com a pesquisa de informações sobre o sinistro, foram detectados sinais de

umedecimento nas áreas do terreno à jusante da barragem, bem como a obstrução do sistema

de drenagem superficial.

4.5.3 Coroamento

O coroamento da barragem era revestido por uma camada de 0,50 m de espessura

de pedrisco, com declividade de 1% do eixo para montante e jusante, possuindo meio-fio de

concreto simples em toda sua extensão. As fontes deram conta da ocorrência de pequenos

abatimentos no coroamento da barragem. Porém, esses abatimentos não foram relevantes no

colapso da mesma.

4.5.4 Fundação

A cava de fundação (cut-off) recebeu um tratamento através de injeção de cimento

e, em seguida, foi preenchida pelo mesmo material sílico-argiloso compactado, utilizado no

maciço. Não foi detectada nenhuma anomalia na fundação da barragem.

4.5.5 Maciço

O maciço da barragem foi executado em terra homogênea compactada, com seção

trapezoidal e constituído de material sílico-argiloso. O sistema de drenagem interna, criado

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para controlar a percolação através do maciço, é composto pelo rock-fill, sendo este ligado ao

filtro vertical por meio de um tapete drenante, não sendo detectada nenhuma anomalia

considerável nesse sistema.

No entanto, na região do maciço próxima às placas de concreto com contrafortes,

havia um problema na execução da compactação do maciço, o que necessitava de reparos.

4.5.6 Tomada D’água

A conclusão da construção do aterro e das obras do vertedouro ocorreu no final do

ano de 1999. Em agosto de 2000, houve o aparecimento das primeiras surgência d’água, na

encosta da ombreira esquerda, próximo da casa de comando da válvula dispersora da tomada

d’água. As águas das infiltrações saturaram o solo da encosta da ombreira esquerda numa

extensão de aproximadamente 60,00 m a jusante e altura de 5,0 m.

Com isso, foram executados trabalhos de correção no talude da encosta da

ombreira esquerda através de: injeção de calda de cimento e água; construção de enrocamento

e de drenos para proteção da área saturada no off-set da encosta. As injeções foram realizadas

a partir do coroamento da barragem, algumas feitas em furos verticais e outras em furos

inclinados. Os drenos foram construídos na extensão dos 60,00 m onde o solo encontrava-se

saturado. O enrocamento foi construído com pedras de diâmetro maior que 50 cm, para

proteção do pé da encosta.

Em julho de 2004, o nível d’água do reservatório da barragem Algodões I atingiu

a cota 310,60 m, sendo constatado o aumento da quantidade de água saindo das surgências de

pontos verificados antes e em novos pontos da encosta da ombreira esquerda. No ano de 2006,

especificamente no mês de Março, foi recomendada a realização de injeções de calda de

cimento e água na encosta da ombreira esquerda, pelos consultores contratados pelo IDEPI

(CREA-PI,2010).

Em junho de 2008, o nível d’água do reservatório atingiu a cota 314,00 m, onde se

verificou o aumento da vazão dos pontos de surgências de água na ombreira esquerda, bem

como uma extensa superfície de escorregamento de massa em local a jusante da casa de

comando da válvula dispersora da tomada d’água, compreendendo grande área saturada pelas

infiltrações (aproximadamente 600,00 m²).

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Em 2009, no mês de abril, houve um incremento da saturação das massas de solos

na encosta da ombreira esquerda e a intensificação de escorregamento de massa de solo nesta

ombreira.

Porém, apesar da tomada d’água se apresentar deficiente, este fato não foi a

principal causa do rompimento da barragem.

4.5.7 Sangradouro

Logo após o final das escavações do canal do sangradouro, em março de 1997, o

talude do canal do lado da encosta da ombreira direita já se apresentava instável, iniciando a

ocorrência de pequenos deslizamentos de massa de solo e pedra, para dentro do canal do

sangradouro, conforme figura 06. Em abril do mesmo ano, foram realizadas obras de

estabilização do talude do canal do sangradouro, com a execução de escavações adicionais e

construção de banquetas, conforme projeto executivo desenvolvido por empresa contratada.

Figura 06 - Início de Deslizamento de Material no Sangradouro

Fonte: IDEPI

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No mês de agosto de 2000, ocorreram deslizamentos de massa de solo e pedra

causando a obstrução parcial do sangradouro.

No ano de 2004, especificamente em julho, foi constatada a continuação de

movimento de massa de solo e pedras na encosta da ombreira direita, aumentando a obstrução

do canal do sangradouro.

Dois anos depois, em março de 2006, em uma visita técnica à barragem Algodões

I, foram contratados consultores especialistas em barragens, que recomendaram a realização

de estudos para elaboração de projeto para estabilização da encosta da ombreira direita.

Em mais uma visita técnica, em junho de 2008, novamente foi constatada a

continuação do movimento de solo e de pedra na encosta da ombreira direita, o que aumentou

consideravelmente a obstrução do canal do sangradouro (Figura 07).

Figura 07 - Sangradouro Obstruído

Fonte: IDEPI

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50

Em fevereiro de 2009, o Governo do Estado do Piauí, através do IDEPI, contratou

uma empresa especializada para elaborar projetos de restauração da barragem Algodões I,

sendo realizada visita técnica pelos consultores geotécnicos da empresa contratada à barragem

apenas no dia dezessete de março do mesmo ano.

Porém, no mês de abril de 2009, houve um incremento das chuvas na bacia

hidrográfica, ocorrendo com maiores intensidades e maior frequência, o que ocasionou o

enchimento do reservatório em doze de maio do mesmo ano.

Em abril de 2009, houve também um aumento da saturação das massas de solo,

talus, na encosta da ombreira direita, assim como uma intensificação de escorregamento de

massa de solo e pedra na encosta da ombreira direita, provocando a obstrução total do

sangradouro. Foi construída uma ensecadeira (estrutura provisória destinada a manter a seco o

local de uma obra) a montante da barragem com o objetivo de proteger o encontro do maciço

com o muro do vertedouro. Outra providência tomada foi o preenchimento com calda de

cimento e água, do deslocamento entre o topo da barragem e o canal do vertedouro, bem

como a construção de aterro com enrocamento para proteção da parede da barragem contra os

efeitos da ação das erosões regressivas do sangradouro.

No dia doze de maio de 2009, ocorreu o início da passagem de água pelo

vertedouro (ver figura 08). A continuação das chuvas provocou incremento da lâmina d’água

sobre a soleira do vertedouro, aumentando a vazão. Essa vazão ocorreu de forma concentrada

junto ao muro de proteção com placas de concreto armado, havendo as primeiras erosões no

sangradouro com início a 200 m a jusante do eixo da barragem. Tais erosões apresentaram-se

regressivas: primeiramente destruiu a estrada de acesso a barragem pela ombreira direita,

dificultando a realização dos trabalhos emergenciais de recuperação; depois destruíram o

substratum (alicerce) de apoio das placas de proteção da barragem e do canal do vertedouro,

ocorrendo, então, a queda da placa situada mais a jusante, conforme mostrado na figura 09.

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Figura 08 - Lâmina de sangria passando pelo sangradouro

Fonte: IDEPI

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Figura 09 – Queda da placa de concreto situada mais a jusante

Fonte: IDEPI

No dia seguinte, treze de maio, houve o desalinhamento de outras duas placas de

proteção do topo da barragem, em concreto armado. Com isso, somente a placa de proteção

da barragem e canal do vertedouro, ligada ao muro do vertedor de perfil Creager, estava na

posição de construção.

As dificuldades de execução dos trabalhos emergenciais aumentaram devido à

ocorrência de fortes de chuvas, da destruição da estrada de acesso a barragem, da destruição

dos acessos à área de jazidas de solo e de pedras, da saturação do solo criando áreas de

atoleiros. Os trabalhos finais de construção de aterro e enrocamento de proteção realizados do

lado de montante da barragem foram executados manualmente, devido ao desmoronamento

da estrada de acesso a parede da barragem pela ombreira direita.

O incremento de passagem de água entre o topo da parede da barragem e as placas

de proteção da barragem e canal de vertedouro, arrastou material de solo e intensificou queda

contínua de partes da parede da barragem. Esses fatos culminaram no rompimento da mesma

às 16,00h do dia 27 de maio de 2009.

Nota-se, desta forma, que grande parte dos problemas da barragem Algodões I

aconteceram na região da encosta da ombreira direita, onde se encontrava o sangradouro.

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Como não foram feitas intervenções pertinentes no intuito de solucionar o problema dos

deslizamentos de materiais, houve a total obstrução do vertedouro e o rompimento se tornou

inevitável (ver figura 10).

Figura 10 - Rompimento da Barragem Algodões I

Fonte: IDEPI

5.6 Diagnóstico das Causas do Sinistro

O item que segue baseia-se, principalmente, no Relatório Técnico elaborado pelo

CREA – PI (Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Piauí) em maio

de 2010.

O colapso da barragem Algodões I ocorreu devido a uma série de fatores, que

serão descritos adiante. O sangradouro da barragem sofreu grande obstrução devido aos

constantes escorregamentos de materiais provenientes da encosta. Com o aumento das

precipitações, esses escorregamentos tornaram-se ainda mais frequentes. Então, houve o

rompimento das placas de concreto que davam proteção ao maciço de terra e,

consequentemente, a erosão regressiva de parte do maciço. Com a obstrução do sangradouro,

a lâmina de sangria estava passando por uma largura inferior a 1,00 m, gerando uma torrente

turbulenta, com vazão específica equivalente à de projeto.

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A área da região da barragem Algodões I manifestou-se como altamente

suscetível a processos de movimentos de massa, devido à dinâmica superficial das encostas.

Os fenômenos de movimentos de massa ocorreram no local da barragem em ambas as

ombreiras de forma diferente. Vale salientar que não havia registros nem evidências deste tipo

de fenômenos na região, como cicatrizes, inclinações diferenciadas de árvores, etc.

Na ombreira esquerda, onde se realizaram pequenos cortes para assentamento da

galeria da tomada de água e escavações para o engastamento do cut-off da barragem,

apareceram surgências de água à jusante da barragem um ano após a entrada em operação da

barragem no segundo semestre do ano de 2000. Foram elaborados estudos geofísicos, no final

do ano 2000, e serviços executados em 2001 através de uma campanha complementar de

injeções, furos de drenagem e enrocamento para estabilizar o talude da encosta, diminuindo as

vazões das surgências. Posteriormente em 2004, observou-se, na mesma área a jusante da

barragem, trincas e degraus de abatimento na encosta, que nos últimos anos avançaram no

sentido de jusante para montante.

Na ombreira direita, os fenômenos se manifestaram nos primeiros anos de

construção (1997), sendo estabilizados com a execução de banquetas nos cortes até final do

ano 2000. Após o ano 2000, estes fenômenos se intensificaram, observando-se vários degraus

de abatimento de mais de 1,0 m de profundidade e cicatrizes de centenas de metros ao longo

do desenvolvimento do sangradouro, provocando, com isto, a obstrução parcial do canal

inicialmente até chegar à obstrução total na parte inferior dos muros de proteção.

Os fenômenos em questão inicialmente aconteceram de forma gradativa. Os altos

índices pluviométricos da região aceleraram os movimentos de massa, bem como a erosão

regressiva, que consiste na ocorrência de deslizamentos mais violentos provocados pela ação

erosiva das águas do canal do sangradouro que atingia o pé dos taludes instáveis, gerando os

movimentos. Grandes estrondos eram escutados cada vez que estes deslizamentos bruscos

aconteciam, como o ocorrido na noite do dia 13 de maio quando se pensou que a barragem

tivesse rompido. Porém, foram verificados que os níveis do rio perto da barragem não tinham

sofrido elevações, constatando-se, no dia seguinte, que as primeiras placas de concreto tinham

colapsado totalmente por efeitos destes fenômenos, que se repetiriam até o acidente. Uma

combinação de todos estes fenômenos acelerados pelas chuvas excepcionais que aconteceram

antes do acidente, aliado à dificuldade de executar obras emergenciais pela destruição do

acesso à barragem, impossibilitou evitar o acidente.

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Segundo relatório técnico emitido pelo CREA – PI, as principais causas do

rompimento da barragem foram a falta de manutenção da obra por parte dos órgãos

competentes, através do Governo do Estado, e a deficiência nos estudos geológicos e

geotécnicos apresentados no projeto, que não detectaram falhas geológicas nas encostas, o

que acarretou grandes deslizamentos de material, causando a total obstrução do sangradouro.

Figura 11: Vista aérea de montante e jusante da Barragem Algodões I antes do Sinistro

Fonte: CREA-PI, 2010

Figura 12: Vista aérea do sangradouro da Barragem Algodões I antes do Sinistro

Fonte: CREA-PI, 2010

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Figura 13: Vista aérea do sangradouro da Barragem Algodões I antes do Sinistro

Fonte: CREA-PI, 2010

Figura 14: Vista aérea do sangradouro da Barragem Algodões I antes do Sinistro

Fonte: CREA-PI, 2010

Figura 15: Vista do sangradouro da Barragem Algodões I antes do Sinistro

Fonte: CREA-PI, 2010

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Figura 16: Vista do sangradouro da Barragem Algodões I antes do Sinistro

Fonte: CREA-PI, 2010

Figura 17: Vista do sangradouro da Barragem Algodões I antes do Sinistro

Fonte: CREA-PI, 2010

Figura 18: Vista do sangradouro da Barragem Algodões I antes do Sinistro

Fonte: CREA-PI, 2010

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Figura 19: Vista do sangradouro da Barragem Algodões I antes do Sinistro

Fonte: CREA-PI, 2010

Figura 20: Vista aérea da Barragem Algodões I antes do Sinistro

Fonte: CREA-PI, 2010

Figura 21: Vista do sangradouro da Barragem Algodões I antes do Sinistro

Fonte: CREA-PI, 2010

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Figura 22: Vista aérea da Barragem Algodões I antes do Sinistro

Fonte: CREA-PI, 2010

Figura 23: Vista aérea da Barragem Algodões I apresentando o processo erosivo já em curso

Fonte: CREA-PI, 2010

Figura 24: Vista aérea da Barragem Algodões I apresentando o processo erosivo mais intenso

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Fonte: CREA-PI, 2010

Figura 25: Vista aérea da Barragem Algodões I apresentando o processo erosivo mais intenso

Fonte: CREA-PI, 2010

Figura 26: Vista aérea da Barragem Algodões I apresentando o processo erosivo já me curso

Fonte: CREA-PI, 2010

Figura 27: Deslocamento das placas de concreto do maciço da Barragem Algodoes I

Fonte: CREA-PI, 2010

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Figura 28: Vista aérea da Barragem Algodões I dias antes do rompimento apresentando o

elevado grau de erosão no maciço e ombreia

Fonte: CREA-PI, 2010

Figura 29: Vista aérea de jusante da Barragem Algodões I dias antes do rompimento,

mostrando o vale do rio Potengi

Fonte: CREA-PI, 2010

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Figura 30: Vista da Barragem Algodões I no momento do rompimento

Fonte: CREA-PI, 2010

Figura 31: Vista da Barragem Algodões I no momento do rompimento

Fonte: CREA-PI, 2010

Figura 32: Vista do sangradouro da Barragem Algodões I após o rompimento

Fonte: CREA-PI, 2010

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Figura 33: Vista do sangradouro da Barragem Algodões I após o rompimento

Fonte: CREA-PI, 2010

Figura 34: Vista da parte jusante da Barragem Algodões I após o rompimento

Fonte: CREA-PI, 2010

Figura 35: Vista do sangradouro da Barragem Algodões I após o rompimento

Fonte: CREA-PI, 2010

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Figura 36: Vista do sangradouro da Barragem Algodões I após o rompimento

Fonte: CREA-PI, 2010

Figura 37: Vista de fissuras no maciço da Barragem Algodões I após o rompimento

Fonte: CREA-PI, 2010

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5 AVALIAÇÃO DO POTENCIAL DE RISCO ALGODOES I

Para avaliação da barragem Algodões I quanto ao nível de risco em que se

encontrava antes da ocorrência do seu rompimento foi aplicada a metodologia desenvolvida

pela COGERH. Esta metodologia foi escolhida pela sua facilidade de aplicação e sua

objetividade.

O primeiro parâmetro a ser avaliado é a periculosidade das estruturas, utilizando a

tabela 02 mostrada no item 3.2 do presente trabalho.

Do Projeto Executivo da barragem Algodões I, retira-se as seguintes informações:

Dimensão da Barragem: altura de 50,10 m e comprimento 378,00 m (6);

Volume total do reservatório: 51 hm³ (5);

Tipo de barragem: terra homogênea (10);

Tipo de Fundação: rocha alterada (4);

Vazão de projeto: 100 anos (10).

Daí calcula-se o valor da periculosidade, conforme abaixo:

P = 6 + 5 + 10 + 4 + 10

P = 35 (Elevado)

Posteriormente, avalia-se o estado de condição da barragem antes de seu

rompimento (vulnerabilidade). Essa avaliação foi feita com o auxílio de técnicos

(engenheiros) que conheceram a obra, participaram da sua construção ou fizeram alguma

vistoria da obra antes do colapso, utilizando a tabela 03 do item 3.2. Foram obtidas as

seguintes informações:

Tempo de operação: 10 anos (1);

Existência de projeto: projeto executivo e relatórios mensais de construção da

barragem (3);

Confiabilidade das estruturas vertedouras: não satisfatório (10);

Tomada de água: deficiente (5);

Percolação: existência de percolação (4);

Deformações/Afundamentos/Assentamentos: pequenos abatimentos da crista (2);

Deterioração dos taludes/paramentos: não constatado (1);

Tipo de material acumulado no reservatório: água (1).

Então, tem-se que:

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V = 1 + 3 + 10 + 5 + 4 + 2 + 1 + 1

V = 27 (Moderada a Elevada)

Obs: O item “confiabilidade das estruturas vertedouras” recebeu pontuação 10

(Vi=10), o que implica em intervenção na barragem com base em Inspeção Especial e,

consequentemente, torna a barragem com classificação de potencial de risco alto.

Por fim, o último parâmetro a ser avaliado é a importância estratégica da obra. Na

análise deste parâmetro, foram consultados alguns dados de projeto, bem como informações

de técnicos do Instituto de Desenvolvimento do Piauí – IDEPI. Foi utilizada a tabela 04 do

item 3.2 desse trabalho, obtendo as seguintes informações:

Volume Útil (hm³): < 200 hm³ (1);

População a jusante: média (2);

Custo da barragem: médio (1,2).

Portanto, tem-se:

I = (1 + 2 + 1,2) / 3

I = 1,40 (Elevada)

Com os valores da periculosidade (P), da vulnerabilidade (V) e da importância

estratégica (I), determina-se o potencial de risco da barragem e a classe na qual ela se

encontra, conforme cálculo abaixo:

PR = (35 + 27) * 1,40 / 2

PR = 43,40

Analisando a tabela 05 do item 3.2, conclui-se que a barragem Algodões I

enquadra-se na Classe A, com potencial de Risco Alto. De acordo com a tabela 05, caso

algum dos itens do parâmetro Vulnerabilidade (tabela 03) receba pontuação 10 (Vi=10), a

barragem será classificada como tendo o potencial de Risco Alto.

A tabela 06 do item 3.2 fornece o tipo de inspeção a ser realizada, bem como a

frequência de tais inspeções, de acordo com a classe da barragem. Portanto, no caso da

barragem Algodões I, deveria ter sido realizada inspeção especial (para definir intervenção e

reclassificação) ou emergencial (após eventos de magnitude especial).

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De acordo com a tabela 07 do item 3.2, a barragem Algodões I deveria sofrer

intervenção imediata para correção das deficiências e posteriormente ser submetida à nova

reclassificação.

As vistorias realizadas na barragem Algodões I já demonstravam o incremento do

risco de rompimento, seja pela percolação na ombreira ao lado da tomada d’água, seja pela

obstrução total do canal lateral de deságue do sangradouro, implicando na necessidade de

adoção de medidas corretivas emergenciais que, infelizmente, não foram tomadas.

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6 CONCLUSÕES

A segurança de barragens tem sido a principal preocupação das instituições

envolvidas com o planejamento, construção e operação. Os eventos de incidentes e acidentes

destacaram a necessidade de se rever os procedimentos e critérios empregados, com o

objetivo de assegurar que os mecanismos de controle mais eficazes fossem estabelecidos para

a melhoria da segurança de barragens. A segurança dos projetos de barragens assumiu papel

relevante, com destaque para a responsabilidade do proprietário da barragem e seu

compromisso de assegurar que a operação da barragem e sua manutenção sejam executadas

por pessoas que tenham conhecimento e habilitação para tal.

A lei coíbe a pratica da má engenharia e a participação de atores não qualificados

para a consecução de projeto, construção e operação de barragens, um empreendimento

complexo e de grande impacto sobre a sociedade, e se justifica na medida em que objetiva a

organização do “sistema” (conjunto de atores em torno do empreendimento) com amparo da

legislação vigente e com o intuito de contribuir para o exercício da pratica profissional com

responsabilidade e cidadania, tendo como foco os atores que: contratam, projetam, constroem,

fiscalizam, operam e zelam pela segurança das barragens.

Diversos aspectos de segurança devem ser levados em consideração para o bom

desempenho de uma barragem, são elas: a fase de planejamento (levantamento de dados,

hierarquização, tomada de decisão); a fase de elaboração dos estudos e projetos (

desenvolvimento dos estudos e elaboração do projeto, projeto final); a fase de execução das

obras e implantação das medidas mitigadoras (licitação, execução); a fase de operação e

manutenção, incluindo a definição de responsabilidade das instituições relacionadas e

aplicação da legislação com responsabilidades.

O presente trabalho identificou os principais fatores relacionados ao controle da

segurança de barragens de terra. Foi apresentada e analisada uma metodologia para avaliação

do potencial de risco de uma barragem. Também foi discutido o rompimento da barragem

Algodões I, com a avaliação do risco apresentado pela barragem antes de seu colapso.

Para a barragem Algodões I, foi verificado, através da aplicação da metodologia

estudada, e que classifica a barragem de acordo com o potencial de risco, que tal obra

representava um potencial de risco alto e enquadrava-se na classe A, indicando que a

barragem necessitava de uma inspeção especial, no intuito de definir intervenção e uma

reclassificação, bem como da realização de inspeção emergencial.

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Com base na avaliação dos elementos de segurança da barragem Algodões I,

pode-se concluir que a mesma apresentou falhas logo após o término de sua construção. Tais

falhas se deram, principalmente, devido aos movimentos de massa em ambas as ombreiras, o

que motivou a obstrução total do sangradouro, localizado ao lado da encosta da ombreira

direita. Porém, os escorregamentos de materiais nas ombreiras da barragem aconteceram ao

longo dos anos, gradativamente. Assim, fica clara a falta de um mecanismo legal normativo

para o controle da segurança de barragens.

Verifica-se a necessidade de uma fiscalização intensa no cumprimento dos

preceitos estabelecidos pela Lei Nº 12.334/2010, que estabelece o Plano Nacional de

Segurança de Barragens e define que toda barragem deve possuir um proprietário responsável

pela obra, cabendo a ele as obrigações referentes à manutenção adequada da barragem.

Como podemos observar, os itens necessários ao controle da segurança em

barragens esta contemplado no dispositivo legal, em especial na fase de operação. Apesar de

não explicitamente, o projeto, construção e manutenção adequados estão nas revisões de

segurança, tornando completo o conjunto de elementos necessários para garantir a segurança a

segurança do empreendimento.

Concluímos que a proposta de classificação proposta pela lei é uma ferramenta de

analise de riscos simples, mas que permite uma visão panorâmica da segurança das barragens

brasileiras, essencialmente quanto à sua segurança estrutural e operacional, de forma a

propiciar as tomadas de decisões em tempo em que se apresentam falhas nas estruturas.

Por fim, para a Barragem Algodoes I, objeto de estudo de caso no presente

trabalho, pode-se concluir que a ausência de um dispositivo legal imperativo e a necessidade

de uma fiscalização intensa no cumprimento dos preceitos estabelecidos pela lei resultou em

uma tragédia anunciada.

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since 1980. Wasser, Energie, Luft, 89: 55-72.

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CARDIA, R. J. e R., ANDERAOS, A. Algumas considerações sobre a importância do

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CBDB - Comitê Brasileiro de Barragens. Diretrizes para a Inspeção e Avaliação de

Segurança de Barragens em Operação, Rio de Janeiro. 1983

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ANEXO I – RELAÇÃO DE RUPTURAS E ACIDENTES EM BARRAGENS

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