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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE MESTRADO EM DIREITO MARCUS AUGUSTUS SABOIA RATTACASO RESTRIÇÕES AO DEVIDO PROCESSO LEGAL NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA FEDERAL Fortaleza Ceará 2010

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO ... · Paulo Bonavides destaca a normatividade como traço característico do conceito de princípio, sendo que ... Curso de Direito

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

CURSO DE MESTRADO EM DIREITO

MARCUS AUGUSTUS SABOIA RATTACASO

RESTRIÇÕES AO DEVIDO PROCESSO LEGAL NO ÂMBITO DA

ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA FEDERAL

Fortaleza – Ceará

2010

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MARCUS AUGUSTUS SABOIA RATTACASO

RESTRIÇÕES AO DEVIDO PROCESSO LEGAL NO ÂMBITO DA

ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA FEDERAL

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado

em Direito da Universidade Federal do Ceará

como requisito parcial necessário à obtenção

do grau de Mestre em Direito.

Orientadora: Profª.Drª.Germana de Oliveira

Moraes.

Fortaleza - Ceará

2010

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DEDICATÓRIA

A Angelo Rattacaso Junior (in memoriam). A

saudade é imensa, meu pai e amigo. Na certeza

de que um dia nos reencontraremos, vou me

confortando com as lições de vida por ti

deixadas, as quais jamais esquecerei.

À Sabrinna, minha esposa, que nunca

economizou esforços para me possibilitar alçar

mais um degrau na infinita escalada em busca

do conhecimento.

À pequena Giovanna, razão maior de nossas

vidas, cuja alegria contagiante me encoraja a

enfrentar os mais árduos desafios.

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AGRADECIMENTOS

Aos grandes amigos, de todas as horas, Gilmário e Gisilene Lima Maia, pelo incentivo,

apoio e valiosa contribuição intelectual que deram a este trabalho, sempre dispostos a debater

pontos relevantes com apurado censo crítico e inexcedíveis ética e profissionalismo.

Aos Professores e Colegas do Curso de Mestrado em Direito da Universidade Federal

do Ceará, que me abriram as portas para o ingresso em uma nova dimensão do saber jurídico,

o da pesquisa, com foco nos Direitos Fundamentais.

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“nenhum homem livre será detido ou preso ou

tirado de sua terra ou posto fora da lei ou

exilado ou, de qualquer outro modo destruído,

nem lhe imporemos nossa autoridade pela

força ou enviaremos contra ele nossos agentes,

senão pelo julgamento de seus pares ou pela

lei da terra.” (Tradução do Capítulo 39 da

Magna Carta de 1215).

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RESUMO

A presente dissertação busca perquirir os obstáculos que impedem a efetivação plena do

princípio do devido processo legal e de seus consectários imediatos, no âmbito da

administração tributária federal, impossibilitando que o processo administrativo tributário

atue como instrumento eficaz de garantia ao cidadão-contribuinte, contra as ingerências do

poder público exacional que extrapolem as fronteiras da juridicidade. Identificados todos os

entraves, propõe-se, como solução, a criação de tribunais administrativos tributários, dotados

de autonomia técnica, administrativa, patrimonial e financeira, cujo ingresso dos membros,

juízes administrativos, gozariam das mesmas prerrogativas dos juízes judiciais. O estudo se

deu a partir de obras jurídicas nacionais e estrangeiras, do repertório legal, de publicações do

gênero em periódicos e congressos, e da experiência do autor como julgador administrativo.

Palavras-chave: processo. legal. princípios. tribunais. administrativo.

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ABSTRACT

This thesis aims to investigate the obstacles that prevent the full application of the general

principle of due process of law and their derived principles under federal tax administration.

These obstacles prevents the tax administrative process acts as an effective tool to protect the

citizen-taxpayer against government taxing power interfering beyond the boundaries of

juridical. First, the study aims to identify all these obstacles. After that, it proposes the

designing of administrative tax courts, which have technical, administrative, and financial

autonomy. Judges of administrative tax tribunals would have the same guarantees of court

judges. This research is based on domestic and foreign law literature, statutory laws,

specialized journals and conferences, and the author's experience as administrative judge.

Key-words: process. legal. principles. court. administrative.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1: O PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL................................. 14

1.1. A Força Normativa dos Princípios ................................................................................ 15

1.2. Evolução Histórica do Princípio do Devido Processo Legal ......................................... 19

1.2.1. A Magna Carta de 1215 .......................................................................................... 22

1.2.2. O Capítulo 39 da Magna Carta ............................................................................... 24

1.2.3. O Devido Processo Legal nos Estados Unidos ....................................................... 25

1.3. Devido Processo Legal Procedimental .......................................................................... 29

1.4. Devido Processo Legal Substantivo .............................................................................. 34

1.5. História Político-Constitucional Brasileira .................................................................... 37

1.5.1. O Devido Processo Legal no Brasil ........................................................................ 39

CAPÍTULO 2: O PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO .............................. 43

2.1. Processo ou Procedimento Administrativo? .................................................................. 44

2.2. Análise das Correntes Opostas. Posicionamento a Favor da Ampla Processualidade .. 48

2.3. Lançamento de Tributo e Aplicação de Penalidade ...................................................... 53

2.4. Fase Não Contenciosa do Lançamento .......................................................................... 54

2.5. Fase Contenciosa do Lançamento ................................................................................. 57

2.6. Breve Histórico do Processo Administrativo Fiscal Brasileiro ..................................... 58

2.7. Processo Administrativo Fiscal: Faculdade ou Obrigação Legal? ................................ 60

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CAPÍTULO 3: CONSECTÁRIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL NO PROCESSO

ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO ................................................................................... 62

3.1. Princípio do Juiz Natural ............................................................................................... 63

3.1.1. O Princípio do Juiz Natural nas Constituições Brasileiras ..................................... 66

3.1.2. O Princípio do Julgador Natural ............................................................................. 68

3.2. Princípio da Publicidade ................................................................................................ 72

3.2.1. Julgamento a Portas Fechadas ................................................................................ 76

3.2.2 Abolição de Sessões Secretas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Antigo

Conselho de Contribuintes ............................................................................................... 79

3.3. Princípio da Oralidade ................................................................................................... 80

3.3.1. Idade Média. Predomínio do Procedimento Escrito ............................................... 81

3.3.2. Tempos Modernos. Mitigação do Procedimento Escrito ....................................... 82

3.3.3. Postulados do Princípio da Oralidade ..................................................................... 83

3.3.4. O Princípio da Oralidade no Processo Brasileiro ................................................... 83

3.3.5. Sustentação Oral no Processo Administrativo Tributário ...................................... 84

3.3.6. Audiência Pública no Processo Administrativo Tributário .................................... 87

3.4. Princípio da Razoável Duração do Processo ................................................................. 91

3.4.1. O Significado de Duração Razoável do Processo .................................................. 92

3.4.2. Demora no Julgamento do Processo. Prejuízo para Ambas as Partes, Fisco e

Contribuinte ...................................................................................................................... 95

3.4.3. Propostas para Efetivação do Princípio .................................................................. 96

3.5. Princípio da Juridicidade ............................................................................................. 102

3.5.1. Princípio Republicano .......................................................................................... 104

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3.5.2. A Constituição Brasileira segundo a Estabilidade ................................................ 105

3.5.3. Controle da Constitucionalidade das Leis e Atos Normativos ............................. 107

3.5.4. Análise da Constitucionalidade por Julgador Administrativo .............................. 110

3.5.4.1. Administração Tributária Ativa ..................................................................... 110

3.5.4.2. Administração Tributária Judicante............................................................... 111

3.5.4.3. O Julgamento Administrativo Segundo o Direito ......................................... 113

3.5.5. Teoria da Tripartição de Poderes de Montesquieu ............................................... 116

3.5.6. Ampla Defesa e Contraditório .............................................................................. 117

3.5.7. A Posição das DRJs e do CARF........................................................................... 120

CAPÍTULO 4: JUSTIÇA ADMINISTRATIVA FISCAL ............................................... 123

4.1. O Modelo Francês ....................................................................................................... 125

4.1.1. Organização da Justiça Francesa .......................................................................... 129

4.2. O Modelo Inglês .......................................................................................................... 131

4.3. O Modelo Alemão ....................................................................................................... 133

4.4. O Modelo Italiano ........................................................................................................ 135

4.5. Modelo Espanhol ......................................................................................................... 136

4.6. Modelo Português ........................................................................................................ 137

4.7. A Experiência Brasileira .............................................................................................. 138

4.8. Tribunais Administrativos Tributários ........................................................................ 145

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................... 150

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 153

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INTRODUÇÃO

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O objetivo da presente pesquisa é a identificação dos obstáculos à concreção do devido

processo legal, no âmbito da administração tributária federal, bem assim a proposição de

soluções de forma a eliminar os referidos entraves, tornando o processo administrativo

instrumento apto a atender ao clamor de sua função social, e a garantir ao cidadão-

contribuinte a fruição dos demais direitos fundamentais consectários do due process of law.

Vale dizer que não tem a dissertação o anseio de estudar o processo administrativo em

suas mais variadas formas, mas, especificamente, aquela referente à fase contenciosa do ato

do lançamento tributário.

A principal forma de obtenção de receita pelo Estado é através da incidência dos mais

variados tipos de tributo, atividade esta que deve ser efetivada com observância dos limites

constitucionais ao poder de tributar, estabelecidos no Capítulo I do Título VI da Constituição,

bem como aos ditames da legislação tributária.

O desígnio do princípio devido processo legal, na seara administrativo-tributária, é

assegurar garantias processuais ao cidadão-contribuinte contra possíveis ingerências estatais

que extrapolem a fronteira da juridicidade, quando do exercício da função estatal de arrecadar

e cobrar tributos. Atua como instrumento de proteção dos bens juridicamente tutelados em

oposição a eventuais abusos do poder público exacional.

Nesse sentido, os órgãos de julgamento da Administração devem estar estruturados de

forma a assegurar o controle da atividade estatal através da concreta efetivação do princípio,

garantindo a prolação de decisões administrativas marcadas por procedimentos que melhor o

promovam.

O tema foi explorado em quatro capítulos, que possuem entre si uma concatenação

lógica, assim dispostos para que a ideia que almejamos transmitir fosse melhor compreendida.

No primeiro capítulo, discorre-se sobre a norma de direito fundamental veiculadora do

princípio do devido processo legal, destacando sua força normativa, e como se deu

historicamente o seu surgimento na Inglaterra e, depois, nos Estados Unidos, para então

ganhar lugar de destaque nas constituições democráticas do mundo todo.

O segundo capítulo cuida de investigar se realmente pode-se falar em processo

administrativo no âmbito da administração pública, enfocando, sobretudo, a administração

tributária.

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No capítulo terceiro, abordam-se os consectários do devido processo legal que não são

observados, ou são impropriamente mitigados, no âmbito do processo administrativo

tributário federal, procurando-se sempre apontar soluções que favoreçam à efetivação dos

mesmos.

O capítulo quarto engloba o estudo da justiça administrativa no Direito Comparado, sem

perder de vista a análise da experiência brasileira. Pretende-se, com este exame, conhecer

como se deu o desenvolvimento, aqui e noutras terras, das soluções das lides havidas entre o

Estado-Administração e os particulares, principalmente as de natureza tributária.

Reputa-se importante a presente dissertação pela intenção de despertar o debate em

torno do processo administrativo desenvolvido nas primeira e segunda instâncias da

administração tributária federal, apontando aspectos que podem ser aperfeiçoados para

conferir-lhe maior poder de legitimação e persuasão das decisões proferidas, evitando-se a

renovação de toda a discussão na via judicial.

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CAPÍTULO 1: O PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

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1.1. A Força Normativa dos Princípios

O significado do vocábulo princípio origina-se do latim principium, o qual denota o

começo ou a causa de algum fenômeno.

Na filosofia clássica os primeiros filósofos a tratarem sobre o tema foram os milésios

Tales, Anaximandro e Anaxímenes, no século VI a.C, cada um deles atribuindo ao princípio

de todas as coisas elementos distintos.

Para Tales, o princípio era a água; para Anaximandro, o infinito, e para Anaxímenes, o

ar. Já para os pensadores da Escola Pitagórica a gênese de tudo eram os números, visto serem

estes o objeto de estudo daquela corrente filosófica.

Segundo Luís-Diez Picazo, a idéia de princípio descende da linguagem da geometria e

significa o lugar onde residem as verdades primeiras. Por isso mesmo são princípios, porque

estando ao princípio embasam e desenvolvem todo o more geométrico.1

Daí porque, segue Picazo, princípios são verdades objetivas nem sempre pertencentes

ao mundo do ser, mas do dever-ser, que na qualidade de normas jurídicas são dotadas de

vigência, validade e obrigatoriedade.2

Paulo Bonavides destaca a normatividade como traço característico do conceito de

princípio, sendo que a adoção de tal linha - a do princípio como norma obrigatória e

vinculante - representa a grande contribuição da doutrina contemporânea emprestada ao tema.

O professor cearense cita que o conceito de princípio como norma já estava presente em

formulação elaborada por Crisafulli, em 1952:

Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como

determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem,

desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais

1 Los Princípios Generales del Derecho en el Pensamiento de F. de Castro in Anuário de Direito Civil, t.

XXXVI, fasc 3º, out/dez. 1983, p.1267 e 1268 apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.

21ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 255-256.

2 Los Princípios Generales del Derecho en el Pensamiento de F. de Castro in Anuário de Direito Civil, t.

XXXVI, fasc 3º, out/dez. 1983, p.1268 apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21ª ed.

São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p.256.

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particulares (menos gerais), das quais determinam, e portanto resumem,

potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam, ao

contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém.

Na jurisprudência, ressalta ainda Bonavides, importante conceito de princípio, seguindo

a linha de normatividade que anima o mesmo, foi formulado pelo Tribunal Constitucional da

Itália no bojo de uma sentença proferida em 1956:

Faz-se mister assinalar que se devem considerar como princípios do ordenamento

jurídico aquelas orientações e aquelas diretrizes de caráter geral e fundamental que

se possam deduzir da conexão sistemática, da coordenação e da íntima racionalidade

das normas, que concorrem para formar assim, num dado momento histórico, o

tecido do ordenamento jurídico.3

Nos dias atuais é patente a força normativa que possuem os princípios no ordenamento

jurídico, significando proposições de alto grau de generalidade e abstração que revelam os

valores fundamentais do sistema jurídico, orientam e condicionam a aplicação do direito. São

normas de hierarquia superior que norteiam todo o processo de elaboração legislativa, bem

como a tarefa de interpretação das leis para aplicação ao caso concreto.

A promoção dos princípios e valores éticos como patamares de sustentação são fruto da

superação tanto do jusnaturalismo como do positivismo e constitui um estágio da teoria do

direito conhecido como Pós-Positivismo, cuja difusão cedeu espaço para uma ampla

discussão do papel da ciência jurídica, no que diz com sua função social e à árdua tarefa de

sua interpretação, conforme demonstram Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcelos:

O Pós-Positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no

qual se inclui a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da

chamada Nova Hermenêutica Constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais,

edificada sobre o fundamento da dignidade humana. A valorização dos princípios,

sua incorporação, explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o

reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse

ambiente de reaproximação entre Direito e Ética.4

3 Apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007,

p.257.

4 BARROSO, Luís Roberto; BARCELOS, Ana Paula de. A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação,

Argumentação e o Papel dos Princípios. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006 In LEITE, George Salomão. Dos

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O Pós-Positivismo veio dar nova feição ao direito na medida em que os princípios

constitucionais devem ser considerados como normas jurídicas, por mais abstrato que sejam

os seus textos, bem assim por exigir que a norma para se legitimar deve tratar todos os seres

humanos com igualdade, respeito e dignidade.

Um dos principais defensores do Pós-Positivismo, o jusfilósofo alemão Robert Alexy

afirmou categoricamente que o direito atual, que se baseia em valores positivados através de

princípios, deve ter uma “pretensão de correção” com vista a se aproximar do ideal de

justiça.5

Os princípios conferem ao ordenamento jurídico a idéia de sistema integrado.

Constituem fontes primárias do direito, atuando como norma de base e impedindo que norma

subordinada contrária a eles seja legitimada.

O direito brasileiro sofreu forte influxo das teorias elaboradas por Ronald Dworkin e

Robert Alexy, os quais diferenciaram a norma-princípio da norma-regra a partir da natureza

de suas estruturas.

Para Dworkin, princípio significa:

um padrão que deve ser observado, não porque irá alcançar ou assegurar uma

situação econômica, política ou social supostamente desejada, mas porque é uma

exigência de justiça ou equidade, ou alguma outra dimensão de moralidade.6

Já Robert Alexy assevera que:

O ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios é que os princípios são

normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das

possibilidades jurídicas e reais existentes. Os princípios são, por conseguinte,

mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em

graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende

Princípios Constitucionais: Considerações em torno de Normas Principiológicas da Constituição. São

Paulo: Malheiros, 2003, p.107.

5 ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Trad. Luís Afonso Heck. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2006, p.20.

6 DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge: Havard University Press, 1999, p.22.

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somente das possibilidades fáticas, mas também das jurídicas. O âmbito das

possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras opostas.7

Conforme preconiza Alexy, o âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos

princípios e regras que se opõem. Assim é que o conflito entre dois ou mais princípios não

deve fazer com que apenas um seja aplicado em sacrifício dos demais. A solução para a

colisão deve se dar de forma a promover, em maior medida possível, a harmonização entre os

princípios colidentes. Não sendo possível a convivência harmônica de todos os princípios que

se conflitam deve-se aplicar a regra do sopesamento, optando-se, para o caso concreto, por

determinado princípio, segundo os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, sem que

isto signifique, para os demais, exclusão definitiva do ordenamento jurídico.

Como se pode perceber a colisão de princípios se resolve por meio de critério distinto

daquele aplicado ao conflito aparente de regras, para os quais incide o critério do tudo ou nada

– a aplicação de uma necessariamente implica a exclusão das demais –, segundo os critérios

hierárquico, cronológico e da especificidade.

É por este motivo que se diz que os direitos fundamentais, geralmente positivados nos

textos constitucionais através de normas-princípio, não são absolutos, posto que, de alguma

forma, eles vão ter que ceder quando se chocarem com outros valores de maior importância

para a solução que se deseja encontrar para o caso concreto.

Outra Linha de pensamento, em que se sobressai a ideia de princípio como elemento

nuclear do ordenamento jurídico que o legitima e fundamenta, é encontrada no conceito desta

espécie normativa elaborado por Celso Antonio Bandeira de Mello:

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce

dele, dispositivo fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes

o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência

exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe

confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. (...) Violar um princípio é muito mais

grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica

ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de

comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme

o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema,

subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço

lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

7 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 5ª ed. alemã. São Paulo:

Malheiros, 2008, p.90.

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Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a

estrutura nelas esforçada.8

Na mesma toada o Professor Paulo de Barros Carvalho:

Princípios são normas diretivas que informam e iluminam a compreensão de

segmentos normativos, imprimindo-lhes um caráter de unidade relativa e servindo

de fator de agregação num dado feixe de normas. Existem, nos preceitos legais, duas

espécies de princípios: alguns estão expressos e outros estão implícitos. Entre os

princípios expressos e os implícitos não há hierarquia, com apenas uma única

exceção: o princípio da certeza do direito, pois todos os outros princípios atuam em

conjunto harmônico para realizá-lo.9

O Pós-Positivismo enterra a tese do positivismo clássico, cujo principal expoente foi

Hans Kelsen, para quem a norma jurídica deveria encerrar neutralidade, numa tentativa

fracassada de separar o direito das demais ciências sociais.

Sem perder a característica de normatividade que impera na ciência jurídica a norma

passou a absorver os valores e a ideologia de uma sociedade, sobretudo através dos princípios

que, como dito antes, são dotados de alto grau de abstração e possuem força vinculante

potencializada pelas constituições. Assim é que valores como o da dignidade humana, a

democracia, a legalidade, o julgamento segundo o devido processo legal, entre tantos outros,

passaram a ser tão vinculantes quanto qualquer outro tipo de norma jurídica. Mais ainda:

passaram a fundamentar e dar unidade a todo o ordenamento jurídico.

1.2. Evolução Histórica do Princípio do Devido Processo Legal

No ano de 1606, o conquistador normando Guilherme I foi coroado rei da Inglaterra,

após ter derrotado o rei Haroldo II na célebre batalha de Hasting.

8 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

9 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p.90.

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Ao assumir o trono inglês, Guilherme I, cansado do enfrentamento de muitas guerras,

pretendeu estabelecer um governo de paz e estabilidade administrativa. Para tanto, tomou

várias medidas para garantir segurança ao povo inglês por longos anos. Nesse sentido, sem

perder de vista a sua condição de rei invasor, e tendo percebido logo de início a adoração que

os ingleses mantinham por um antigo monarca saxão denominado Eduardo, “o Confessor”,

canonizado pela Igreja Católica após quase cem anos de sua morte, tratou de jurar em

cerimônia solene as suas antigas leis, no lugar das de Haroldo II, que era um rei derrotado e

impopular.

Ao jurar as leis de Eduardo, Guilherme I acabou atenuando a sua condição de rei

estrangeiro invasor e salientando mais a condição de continuador da tradição jurídica posta

pelo rei saxão.

Entretanto, seu feito de maior relevância foi a edificação de um conceito que se tornaria

essencial para o mundo jurídico ocidental: o dever do governante respeitar não apenas suas

leis mas também as leis de seus antecessores. Tais leis, editadas pelos monarcas anteriores se

tornavam, com sua morte, o que se denominou de leis da terra (legem terrae). Essa tradição

foi transferida aos reis que se seguiram a Guilherme I.

Sobre o prisma econômico, consolidaram-se na Inglaterra as estruturas de vassalagem

do sistema feudal, no qual a propriedade do solo pertencia ao soberano e o uso era destinado

ao baronato10

.

Por sua vez, edificava-se um sistema social estamentário, cujo topo era ocupado pela

autoridade inabalável do soberano, que elaborava e executava as leis, bem como impunha ao

povo o seu cumprimento sem que se sujeitasse aos seus próprios atos legais.

Da consolidação deste modelo sócio-econômico até o advento da outorga da Magna

Carta pelo rei João Sem Terra muitos fatos relevantes se passaram, os quais serão, a partir de

agora, resumidamente listados.11

10

Neste ponto vale conferir o que disse Carlos Roberto Siqueira de Castro: “A partir daí o fracionamento da

utilização da terra e a acumulação da riqueza e do poder em mãos do baronato normando fizeram aguçar os

ímpetos de resistência ao arbítrio real até desaguarem, com a Great Charter, nesse estatuto de convivência

política e econômica entre as elites dominantes naquela quadra medieval em que a posse e a exploração da terra

constituíam o sinal da própria cidadania embrionária e as fronteiras muito tênues entre o domínio público e o

privado.” In O Devido Processo Legal e os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade. 4ª ed. Rio

de Janeiro: Forense, 2006, p.6.

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O rei João Sem terra, bem como seus antecessores desde o Rei Henrique I, subiram ao

trono não por obra do direito divino, mas por sufrágio, que, a bem da verdade, resumia a

vontade de um certo número de senhores feudais suficiente para assegurar ao soberano o

controle das finanças e da administração do reino. Esta forma de eleição acarretava para o rei

inúmeros compromissos com o estamento que o elegera.

Coroado rei em 1199, João Sem Terra firmou, sob juramento, o compromisso de bem

governar e respeitar as leis de seus antecessores. Entretanto, os anos que se seguiram

demonstraram justamente o oposto, trazendo a lume a inaptidão do soberano para governar a

Inglaterra, tanto do ponto de vista da política interna quanto externa.

No plano externo, a Inglaterra perdeu para a França o território da Normandia, em 1204,

fato que marcou sensivelmente a desintegração do poder continental inglês.

No plano interno, rompeu com a aliança mantida com o Clero quando, em 1205, após a

morte do Arcebispo e conselheiro pessoal do rei, Hubert Walter, o Papa Inocêncio III

providenciou para a sucessão, sem o consentimento prévio do soberano, o nome de Stephen

Langton, seu desafeto.

A negativa do rei em admitir o novo Arcebispo acirrou o desentendimento entre ele e o

Clero, fato que culminou com a excomunhão de João Sem Terra pelo Papa Inocêncio III, no

ano de 1209.

Como represália, o rei João Sem Terra determinou a delimitação imobiliária do Clero, o

que forçou a retirada de vários bispos, além de atribuir aos seus membros pesados tributos que

tinham por fim fomentar o exército e tornar mais rica a coroa.

No ano de 1213, dois anos após receber ultimato do Papa Inocêncio III para se submeter

ao Clero, sob pena de ser destronado e o seu reino entregue ao rei Felipe da França, João Sem

Terra curvou-se à vontade papal e aceitou Stephen Langton como Arcebispo. Além disso,

indenizou a Igreja pelo dinheiro extorquido por meio de injusta tributação e rendeu

humilhantemente seu reino à Roma, recebendo-o de volta como vassalo e, nessa condição,

jurou obediência e lealdade.

11

O resumo histórico que se passa a fazer teve por base a obra Devido Processo Legal de Maria Rosynete

Oliveira Lima. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999, passim.

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O retorno da relação com a Igreja, todavia, não trouxe para o rei a paz necessária para

governar, visto que o baronato se encontrava bastante insatisfeito com a forma despótica com

que dirigia os rumos da Inglaterra, descumprindo, por conseguinte, as promessas de lealdade

aos barões e de fazer justiça. Prova dessa insatisfação pôde ser aferida quando João Sem

Terra, por duas vezes consecutivas, ordenou aos barões que formassem uma expedição à

França com o intuito de responder, com altivez, as ameaças de invasão à Inglaterra

empreendidas pelo rei Felipe, sem obter, todavia, a adesão do baronato.

Ainda no ano de 1213, registraram-se dois importantes encontros havidos entre o Rei, o

Clero e os barões. Tratava-se das assembléias de St. Albans e St. Paul. Nestas, as leis do rei

Henrique I foram lembradas ao rei João Sem Terra, pelo Arcebispo Langton, como padrão de

bons costumes a serem restaurados.12

No início do ano de 1214, João Sem Terra ausentou-se por motivo de viagens e

campanhas no exterior, apenas retornando à Inglaterra em outubro. Revoltosos, os Barões

reuniram-se em St. Edmund e acordaram em romper a aliança com o rei, caso ele não

restaurasse as leis e a liberdade. As reivindicações do baronato foram formalizadas no Feast

of the Epiphany, em janeiro de 1215.

Não tendo sido atendidas as demandas formuladas, os barões formaram um exército e

marcharam para Londres, e, tendo obtido grande adesão do povo, obrigaram o rei João Sem

Terra a aceitar as suas reivindicações, fato que se deu em Runnymede, através de um

documento conhecido como Articles of the Barons, o qual serviu de base para a redação do

texto da Magna Carta de 1215, devidamente selada pelo rei.

1.2.1. A Magna Carta de 1215

O baronato ao conquistar a Magna Carta, em 1215, jamais imaginaria que estava não

apenas obtendo um instrumento de controle dos atos do rei João Sem Terra, mas fomentando

12

Sobre o encontro de St. Albans registrou Willian Stubs que foi a “primeira tentativa hesitante na direção do

grande ato no qual a Igreja, os Barões e o Povo fizeram sua resumida constituição” in STUBBS, Willian. The

Constitutional History of England. 5ª ed. Oxford: Claredon Press, v.I, 1891 apud LIMA, Maria Rosynete

Oliveira. Devido Processo Legal, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999, p.25.

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o embrião do instituto do devido processo legal, que representaria a garantia das liberdades

individuais em face do Poder Público. 13

É de se notar que a Magna Carta teve, na sua origem, cunho elitista, pois se destinava a

restaurar antigos privilégios feudais e proteger os interesses da nobreza contra o arbítrio do

soberano, sobretudo no que dizia respeito às violações dos direitos fundamentais à vida,

liberdade e propriedade. Não tinham os nobres a idéia de uma lei para todos.

Corrobora com esse pensamento Antonio Enrique Perez Luño, citado por Maria

Rosynete Oliveira Lima14

para quem a Magna Carta trata de declarações destinadas apenas a

alguns estamentos sociais.

Ponto de vista discordante é o sustentado por Orlando Bitar, assegurando o caráter

popular da Magna Carta com base no artigo 6015

, que obrigava os barões a conferirem a seus

homens os costumes e liberdades que lhes haviam sido outorgados, e ainda mencionando o

fato de que não teriam os nobres sozinhos, sem a ajuda do povo, conseguido enfrentar o

despotismo do rei João Sem Terra16

.

Apesar do artigo 60 estabelecer que o respeito aos costumes e liberdades devesse ser

observado por nobres, membros do clero e leigos, impende dizer que todo o texto da Magna

Carta, composto de 63 capítulos, foi integralmente escrito em latim – língua cujo domínio não

13

Carlos Roberto Siqueira Castro bem traduziu este histórico momento que repercutiu para a construção jurídica

da defesa dos direitos fundamentais do indivíduo: “Aqueles revoltosos de alta linhagem, que, sob a liderança do

arcebispo de Canterbury, Stephen Langton, conquistaram a aposição do selo real naquela autêntica declaração

dos direitos da nobreza inglesa frente à Coroa, jamais poderiam cogitar que nesse dia 15 de junho de 1215 se

estava lançando aos olhos da história da civilização a sementeira de princípios imorredouros como o da

“conformidade com as leis”, o do “juiz natural”, o da “legalidade tributária” e o instituto do “habeas corpus. A

bem dizer, ao lado da “igualdade perante a lei” (equal protection of the law), a cláusula due processo f Law

erigiu-se no postulado maior da organização social e política dos povos cultos da era moderna. In O Devido

Processo Legal e os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense,

2006, p.5.

14

LIMA, Maria Rosynete Oliveira. Devido Processo Legal de Maria Rosynete Oliveira Lima. Porto Alegre:

Sergio Antonio Fabris, 1999, p.26.

15

Artigo 60 da Magna Carta, original: “Moreover, all these previously described customs and liberties which we

have granted shall be maintained in our kingdom as far as it concerns our own relations toward our men. Let

these customs and liberties be observed similarly by all of our kingdom, by clergy as well as by laymen, in their

relations towards their men.” In http://www.magnacartaplus.org/magnacarta/. Acesso em 07/02/2009 às

13:56h.

Na tradução para o vernáculo: “Além disso, todos estes costumes e liberdades descritos anteriormente que temos

concedido devem ser mantidos em nosso reino, na medida em que dizem respeito às nossas relações para com

nossos próprios homens. Devem esses costumes e liberdades ser observados de forma similar por todo o nosso

reino, pelo clero, bem como por leigos, nas suas relações para com os seus homens.” 16

BITAR, Orlando. Obras Completas. Brasília: Ed. Conselho Federal de Cultura – MEC, 1978, v.2, p.268.

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pertencia à grande massa do povo inglês, mas apenas aos membros da nobreza e do clero, e

assim permaneceu por mais de duzentos anos, com a finalidade de que a grande massa da

população não pudesse invocá-la em sua defesa.

1.2.2. O Capítulo 39 da Magna Carta

O capítulo 39 da Magna Carta destaca-se por trazer, no seu bojo, a semente do princípio

do devido processo legal (due process of Law), sob a designação do termo Law of the land,

cujo teor deixa aflorar nitidamente a influência das idéias jusnaturalistas que permearam

aquela época.

Pela importância do dispositivo aludido passamos a transcrevê-lo conforme o original

em latim:

Ne corpus liberi hominis capiatur nec impresionetur nec disseisiatur nec autlagetur

nec exuleter, nec aliquo modo destruatur, nec rex eat vel mittat super eum vi, nisi

per judicium parium suorum, vel per legem terrae.17

Com isto ficava firmado que os direitos à vida, liberdade e propriedade somente

sofreriam qualquer limitação segundo as leis da terra, ou seja, os costumes e princípios que

norteiam o common law. Esta garantia representou formalmente a limitação do poder

monárquico.

O julgamento per legem terrae ou law of the land constituíram-se antecedentes do

termo due process of law, podendo ser consideradas expressões sinônimas, ainda que não

tenha a Magna Carta utilizado tal expressão originalmente, apenas vindo a consagrá-la em

1534, por força do Statute of Westminster of the Liberties of the London.18

17

Tradução: “nenhum homem livre será detido ou preso ou tirado de sua terra ou posto fora da lei ou exilado ou,

de qualquer outro modo destruído, nem lhe imporemos nossa autoridade pela força ou enviaremos contra ele

nossos agentes, senão pelo julgamento de seus pares ou pela lei da terra.”

18

Muitas são as decisões da Suprema Corte americana reconhecendo a sinonímia entre law of the land e due

process of law, comprovando que a segunda é sucessora incontroversa da primeira, como, por exemplo, no caso

Davidson v. New York em que o juiz Miller assentou que o “equivalente da frase due process of law se encontra,

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1.2.3. O Devido Processo Legal nos Estados Unidos

A cláusula due process of law foi, desde o primeiro momento, herdada pelas colônias

inglesas da América do Norte e, mais tarde, incorporada na nascente federação americana,

através do instituto da recepção.

Antes mesmo de a cláusula ser incorporada à constituição americana de 1787, através

das emendas 5ª e 14ª, várias constituições e declarações de direito (Bill of Rights) das ex-

colônias inglesas, que originariam mais tarde a federação americana, já a utilizavam, sempre

com a função de ressaltar a cidadania e resistência à coroa inglesa.

Quando os colonizadores protestantes ingleses imigraram para as colônias inglesas na

América do Norte trouxeram consigo o conhecimento da common law e, portanto do due

process of law.

Esses colonos, entretanto, não defendiam a common law nos moldes em que era

aplicada no território inglês, visto que a maioria deles imigrou para as terras da “Nova

Inglaterra” por sofrer perseguição religiosa. Assim, embora as treze colônias a tivessem

absorvido, fizeram-no com algumas adaptações, sobretudo no que diz respeito à aplicação da

lei, que passou a ser encargo das cortes de justiça. Isto porque, sendo as colônias alvos de

constantes leis arbitrárias e discriminatórias, promulgadas pelo parlamento inglês, temiam

fortemente que a preservação da supremacia do poder legislativo pudesse dar continuidade a

este estágio de dominação.19

Esta mudança de postura ideológica em relação à common law britânica foi ao encontro

do pensamento de Sir Edward Coke, e atuou como instrumento de proteção contra o arbítrio

segundo Lord Coke, na expressão do law of the land” conforme CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O Devido

Processo Legal e os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade . Rio de Janeiro : Forense, 2006. 19

A passagem a seguir da obra de Louis B. Wright, Magna Carta and the Tradition of Liberty, bem ilustra o

tratamento desigual dado pelas leis inglesas aos colonos de seus territórios sob domínio, além de comprovar que

o caráter democrático destas leis era apenas produto de consumo interno: “Bem no fim do século XVII, quando

Sr. Francis Nicholson, um arbitrário governador da Virgínia, entendeu de atirar alguns colonos na cadeia sem o

devido processo legal, ele foi acusado de ter violado as previsões da Magna Carta. Alguns deles tiveram a

liberdade de dizer-lhe que tal procedimento era ilegal e não justificável num país que tinha a felicidade de ser

governado pelas leis inglesas, como reportou o historiador Roberto Verveley, de quem ouviu-se dizer que eles

não tinham nenhum direito às liberdades dos cidadãos ingleses e ele enforcaria a todos que presumivelmente lhe

opusessem, colocando a Magna Carta sob seus pescoços” in SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido Processo

Legal. 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p.24-25.

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da coroa e para melhoria das condições dos colonos, além de promover importantes mudanças

no cenários político e jurídico do país que estava na iminência de se formar.

A estes fatos históricos acrescente-se a doutrina de John Locke, baseada nos

indisponíveis direitos naturais do homem, sobretudo no inabalável direito de propriedade20

,

entendido este no sentido de maior amplitude possível, englobando os direitos naturais à vida,

liberdade e bens, cuja defesa era a razão maior de os homens terem consentido num pacto

social que transferia para o Estado o monopólio da justiça. Essa ideologia foi, em larga escala,

utilizada para a confecção das Declarações de Direito e das Constituições das primitivas

colônias, que mais tarde transformar-se-iam em estados-membros da nascente federação

americana.

As antigas colônias, ao se reunirem para formar a federação, imprimiram à legalidade

(rule of law) sentido diverso daquele adotado na Inglaterra. Para os ingleses, ela significava a

supremacia incontestável do parlamento, representada pela elaboração e aprovação das leis

segundo a vontade da maioria. Já para os americanos, a legalidade consistia na superioridade

constitucional, conforme a interpretação emprestada pelos juízes e tribunais.

Percebe-se que, apesar dos Estados Unidos terem herdado a tradição política inglesa, a

incorporação desta não se deu de forma integral, como mero instrumento a ser assimilado por

uma nação. Em território americano, vigorou o controle dos atos parlamentares,

principalmente aqueles que atentassem contra os direitos individuais, salvaguardando desse

modo os princípios apregoados pela doutrina do liberalismo, que muito influenciou os

americanos durante a Guerra da Independência. Para isso criaram dois mecanismos para

controle da atividade legislativa: o judicial review, baseado nas ideias de Coke de supremacia

da common law sobre a monarquia e o próprio parlamento, e o veto presidencial – institutos

que ganharam o mundo, infiltrando-se nas constituições da maioria dos países democráticos.21

20

Locke, analisando o estado de natureza do homem, no qual sua condição de ser livre era plena, indagou os

motivos que o levaram a sujeitar-se ao domínio e controle de outro poder. O próprio filósofo respondeu: “A

resposta óbvia é que, embora o estado de natureza lhe dê tais direitos, sua fruição é muito incerta e

constantemente sujeita a invasões porque, sendo os outros tão reis quanto ele, todos iguais a ele, e na sua maioria

poucos observadores da equidade e da justiça, o desfrute da propriedade que possui nessa condição é muito

insegura e arriscada. (...) Não é, pois, sem razão, que busca, de boa vontade, juntar-se com outros que estão já

unidos, ou pretendem unir-se, para a conservação recíproca da vida, liberdade e dos bens a que chamou de

“propriedade””. In Locke, Segundo Tratado Sobre o Governo. São Paulo: Martin Claret, 2006, p.92.

21

Para averiguação do poder do parlamento inglês e ao mesmo tempo o grau de amadurecimento deste povo,

veja-se a seguinte passagem da obra O Devido Processo Legal e os Princípios da Razoabilidade e da

Proporcionalidade. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.13 e 14, de Carlos Roberto Siqueira Castro: “Na

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27

Não obstante não tenha vingado na Inglaterra a ideia do judicial review, registra-se

excepcionalmente a aplicação deste instituto, no processo que ficou conhecido como o caso

do Dr. Bonham (Dr. Bonham’s case) e que contribuiu diretamente para a adoção da prática de

revisão dos atos legislativos nos Estados Unidos.

No ano de 1610, o Dr. Bonham foi acusado de prática ilegal da medicina por ter

exercido a profissão sem estar inscrito no Colégio de Médicos de Londres, exigência imposta

por lei a todos os profissionais que recebessem do rei autorização para efetiva inscrição. O

caso chegou às mãos do juiz Edward Coke que proferiu a seguinte decisão: “Quando uma lei

do parlamento contraria o direito comum e a razão, ou é inaceitável, o direito comum deverá

controlá-la e promover a sua anulação”.22

Com este julgado ficou formulada a Teoria da

Revisão Judicial, pela qual um juiz ou tribunal poderia declarar inválida uma lei contrária à

Constituição.

O temor das antigas colônias da América do Norte, quanto à possibilidade de se adotar

um poder legislativo que pudesse vir a ser opressor dos direitos do homem, explica a

diferença entre o Bill of Rights inglês e o americano. Enquanto o primeiro significou o triunfo

do parlamento sobre o monarca, o segundo representou a preponderância da sociedade civil

sobre o Estado, cuja implementação ficou a cargo do judiciário.

Vale ressaltar que, mesmo após promulgação da constituição americana, em 1.787,

ficaram os estados-membros da federação utilizando suas próprias Declarações de Direitos,

não tendo vingado a proposta de Madison de estabelecimento de um Bill of Rights único, já

no corpo da nascente constituição. Tal apenas se deu quatro anos mais tarde, através de

proposta do próprio Madison apresentada ao congresso para adoção de dez emendas ao texto

constitucional, obtendo a aprovação de setenta e cinco por cento da federação, e que

representaram o Bill of Rights, ao qual, posteriormente, foram adicionadas mais dez emendas,

formando o corpo de normas protetoras dos direitos humanos americano.

Merece destaque a Quinta Emenda à Constituição que consagrou a cláusula do Devido

Processo Legal:

Inglaterra, por exemplo, pela lei ou statute, o parlamento poderá abolir até mesmo os mais veneráveis

documentos constitucionais, a exemplo da Magna Carta ou do Bill of Rights. Todavia, por força da rigidez

sociológica, que imprime autêntica imutabilidade a esses documentos calcados na pujança de tradições seculares,

resta impensável que a atuação parlamentar pudesse ser exercida para levar ao descrédito os tesouros jurídico-

constitucionais.”

22

LIMA, Maria Rosynete Oliveira. Devido Processo Legal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999, p.38.

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Nenhuma pessoa será levada a responder por crime capital, ou de outro modo

infamante, a não ser por declaração sob juramento ou acusação formal de um júri de

instrução, exceto em casos surgidos nas forças terrestres ou navais, ou na milícia,

quando em serviço, em tempo de guerra ou de perigo público; da mesma forma,

nenhuma pessoa estará sujeita, pelo mesmo crime, a correr por duas vezes perigo de

vida; nem será obrigada, em nenhum caso criminal, a depor contra si mesma, nem

será privada da vida, liberdade ou propriedade, sem o devido processo legal; nem a

propriedade privada será desapropriada para uso público sem a justa compensação.23

Nos idos de 1850, um emblemático caso, Dred Scott vs. Sanford, viria a marcar

negativamente a imagem da Suprema Corte Americana, no que se relaciona com o seu papel

de proteção dos direitos fundamentais.

Um escravo denominado Dred Scott ingressou com uma ação alegando que, por ter

residido em um estado que proibia a escravidão, teria alcançado a condição de ser livre em

qualquer parte do território americano que viesse a residir. O fato chegou à Suprema Corte

que julgou que os negros, fossem eles livres ou escravos, não tinham legitimidade para

postular em juízo perante aos tribunais, pois não eram, segundo a Constituição, cidadãos

americanos.

Neste caso, pela primeira vez, foi utilizada a cláusula do devido processo legal no

sentido substantivo, para o efeito de declarar a inconstitucionalidade do Missouri

Compromise, ato estatal que proibia a escravidão em territórios situados acima de uma

determinada latitude nos Estados Unidos, por atentar contra o direito de liberdade.

Defendendo o caráter absoluto do direito de propriedade, o justice Taney, da Suprema

Corte, assim se manifestou em seu voto:

Um ato do congresso que priva um cidadão dos Estados Unidos de sua liberdade ou

propriedade meramente porque ele foi ou levou sua propriedade para um território

específico dos Estados Unidos, e que não cometeu nenhuma ofensa contra as leis,

dificilmente poderia ser dignificado como devido processo legal.24

23

Texto original: “No person shall be held to answer for a capital, or otherwise infamous crime, unless on a

presentment or indictment of a grand jury, except in cases arising in the land or naval forces, or in the militia,

when in actual service in time of war or public danger; nor shall any person be subject for the same offense to be

twice put in jeopardy of life or limb; nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against himself,

nor be deprives of life; liberty, or property be taken for public use without Just compensation”.

24

Conforme pesquisado em http://www2.maxwell.syr.edu/plegal/scales/dred.html. Acesso em 11/02/2010 às

10:40h.

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A injustiça da decisão proferida no julgamento do caso Dred Scott vs. Sanford,

marcada, sobretudo, pela irrazoabilidade, ensejou a promulgação da 14ª Emenda à

Constituição norte-americana, a qual também fazia menção expressa à cláusula do devido

processo legal, além de estender a todas as pessoas nascidas nos Estados Unidos o gozo pleno

dos direitos de cidadão, homenageando, assim, o princípio da isonomia (equal protetion of the

law).

Preconizava a 14ª emenda, em sua Seção I:

Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas à sua

jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado onde residam. Nenhum

Estado editará ou aplicará qualquer lei que prejudique os privilégios e imunidades

dos cidadãos americanos; também nenhum Estado privará qualquer pessoa de sua

vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal, nem negará a qualquer

pessoa dentro de sua jurisdição a igual proteção da lei.25

Conforme se desenvolverá adiante, demonstrar-se á que o Princípio do Devido Processo

Legal, principalmente visto sob o aspecto substancial atuará no direito constitucional como

limitador do mérito das decisões estatais.

1.3. Devido Processo Legal Procedimental

Inicialmente o conceito de devido processo legal se relacionava à garantia que toda

pessoa devia ter sempre que houvesse violação aos direitos à vida, liberdade e propriedade.

Noutras palavras, estava a se garantir um iter pré-constituído toda vez que tais direitos eram

infringidos. Essa foi a concepção do devido processo legal adotada pelos colonos das treze

colônias americanas, sempre que tais direitos eram violados por ato arbitrário da coroa

inglesa.

25

“All persons born or naturalized in the United States, and subject to the jurisdiction thereof, are citizens of the

United States and of the state wherein they reside. No state shall make or enforce any law which shall abridge

the privileges or immunities of citizens of the United States; nor shall any state deprive any person of life,

liberty, or property, without due process of law; nor deny to any person within its jurisdiction the equal

protection of the laws”, cf. http://topics.law.cornell.edu/constitution/amendmentxiv. Acesso em 11/02/2010

às 10:49h.

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30

Foi com esta feição essencialmente processualista que, mais tarde, a cláusula due

process of law incorporou-se à Quinta e à Décima Quarta Emenda à Constituição norte-

americana.

A função do procedimento é averiguar se a ação ou omissão do Estado que originou

uma condição desfavorável para o indivíduo foi empreendida segundo os ditames

procedimentais do devido processo.

Neste ponto é importante ressaltar que, a princípio, o procedural due process of law

exerceu a função de garantia para os indivíduos de que, na seara penal, ninguém seria privado

da liberdade, a não ser por um procedimento pré-conhecido, sob pena de se invalidar o ato

praticado pela autoridade estatal.

O devido processo legal envolvia garantias implícitas e explícitas. Dentre as primeiras

podemos citar: proibição de edição de Bill of Atainder, ou seja, de ser considerado culpado

sem que fosse assegurado ao réu ampla defesa, proibição de edição de leis retroativas (ex post

facto law), direito a julgamento por júri (jury trial), vedação a alguém ser julgado duas vezes

pelo mesmo fato (doble jeopardy), direito a não produzir provas contra si mesmo (self

incrimination), direito a um julgamento rápido e público (speed and public trial), direito a ser

informado sobre o motivo da acusação (fair notice) e direito à ampla defesa e ao

contraditório, este considerado de forma muito abrangente, apto a englobar a produção ampla

de provas com todos os meios admitidos em lei, e a inquirição de testemunhas.

Ao lado das garantias explícitas, havia as garantias implícitas, reveladas a partir da

construção jurisprudencial dos tribunais, sobremodo da Suprema Corte. Essas garantias estão

previstas na Nona Emenda, que inclui como direitos individuais aqueles já pertencentes ao

povo, anteriores ao processo de positivação das normas, aspecto que deixa transparecer muito

claramente o ideal jusnaturalista que permeou a Carta Constitucional americana e que tinha

por fundamento a concepção de direitos pré-estatais.

Entre as citadas garantias implícitas podemos relacionar: o direito de ser ouvido antes

de qualquer audiência judicial (prompt hearings), o direito de se pronunciar sobre documentos

juntados pela acusação, o direito de ser notificado formalmente pela autoridade policial da

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faculdade de o suspeito permanecer calado, o direito de assistência judicial gratuita, se o réu

não puder realizar o custeio de sua defesa por profissional tecnicamente qualificado.26

As garantias processuais do devido processo legal, não obstante terem tido aplicação

imediata na área penal, como forma de adequação entre o jus libertatis e o jus puniendi, logo

afluíram também para o processo civil, graças principalmente à contribuição de juristas do

quilate de Büllow e Wach, que preconizavam a independência do direito de ação em relação

ao direito material. Desta forma, passou o processo civil a ser tratado pelas constituições,

semelhante ao que de início se dera com a teoria processual penal.27

A constitucionalização do processo civil permitiu a proteção judicial das partes

envolvidas em litígio – tanto a quem formula uma pretensão a ser deduzida em juízo quanto a

quem resiste a tal pretensão.

Segundo Ada Pellegrini Grinover, o devido processo legal, no que diz respeito a um

procedimento a ser observado, significa a possibilidade concreta de agir e se defender com

observância do contraditório e com igualdade de possibilidade de obtenção do resultado

prático do processo.28

Neste sentido também Eduardo Couture:

Se necessita, no ya um procedimiento, sino um processo. El processo no es um fin

sino um médio; pero es el médio insuperable de la justicia misma. Privar de las

garantias de la defensa em juicio, equivale, virtualmente, a privar del derecho.29

26

No processo Baldwin vs. Hale foi decidido que: partes cujos direitos são afetados estão tituladas a serem

ouvidas. Para que possam usufruir desse direito devem ser primeiro notificadas. Já no processo Twining vs. New

Jersey assentou-se: Devido processo requer uma notificação e que se dê às partes uma oportunidade de ouvi-las.

Estas duas condições fundamentais parecem estar universalmente prescritas pelos povos civilizados. In LIMA,

Maria Rosynete Oliveira. Devido Processo Legal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999, p.79.

27

O processo, como diz Couture, é por si mesmo instrumento de tutela do direito, que se realiza através de

previsões constitucionais. A constituição pressupõe a existência do processo, como garantia da pessoa humana.

Ao ver o processo como garantia constitucional, fundamenta que as Constituições do século XX, com poucas

ressalvas, reconhecem a necessidade de proclamação programática de princípio do direito processual como

garantia ao conjunto dos direitos da pessoa humana in BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo

Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.125 e 363.

28

A mesma autora ainda pontua que no due process of law, o elemento a que se subordina toda a legalidade do

procedimento é a efetiva possibilidade da parte de defender-se, de sustentar suas próprias razões, de ter his day

in court, na denominação genérica da Suprema Corte dos Estados unidos GRINOVER, Ada Pellegrini. As

Garantias Constitucionais do Direito de Ação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p.16 e 40.

29

COUTURE, Eduardo. Inconstitucionalidad por Privación de la Garantia del Debido Proceso in Estudios

de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Depalma, 1979, tomo I, p.194.

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32

Até 1970, a Suprema Corte norte-americana não considerava fixa a forma do

procedural due process, podendo seu conteúdo variar de acordo com as peculiaridades

reveladas pelo fato posto em juízo. Exceção, todavia, se dava em relação aos dispositivos do

Bill of Rights, que deveriam ser observados de toda forma sempre que houvesse intervenção

estatal na esfera individual dos cidadãos.

Não havia preocupação por parte do Poder Judiciário, como hoje há, em se estabelecer

que bens da vida mereciam a tutela judicial. Estes bens, nesta época, eram revelados a partir

da aplicação da cláusula do devido processo legal, porém no seu aspecto substantivo, aspecto

este que adiante será convenientemente analisado neste trabalho.

A partir da densificação do conceito de liberdade, por exemplo, empreendida pela

Suprema Corte norte-americana, muitas decisões prolatadas por tribunais estaduais foram,

mais tarde, anuladas por aquela Pretória Corte, a exemplo de condenações que levaram em

conta provas ilicitamente obtidas, sejam diretas ou indiretamente – situação que a doutrina

denominou de fruit of the poisonous tree doctrine – , ingresso em domicílio do réu sem a

necessária permissão judicial, inquérito presidido sem a oitiva do acusado, julgamento do réu

sem a devida assistência de advogado, entre tantas outras.30

É de se notar que o devido processo legal, tendo inicialmente sido aplicado no campo

do processo penal e, depois, também, no processo civil, enveredou para o processo

administrativo, atuando de igual forma como instrumento de garantia individual contra

eventuais abusos promovidos por autoridades administrativas constituídas pelo Estado,

impondo-lhes cuidadosa observância aos princípios da legalidade e moralidade.

O devido processo legal assumiu papel de grande importância no controle do poder de

polícia estatal, modernamente considerado, segundo Carlos Roberto Siqueira de Castro, como

“a competência implícita ou explícita dos órgãos estatais para disciplinar o exercício da

liberdade individual e a utilização da propriedade em benefício do bem comum”.31

30

No processo judicial Miranda vs Arizona (1966), a Suprema Corte estendeu este amparo constitucional,

restando decidido que Ernesto A. Miranda tinha direito a um advogado durante a fase do inquérito perante a

polícia – Pretrial phase -, isto é, desde a sua prisão. A Suprema Corte disse que para a polícia estar habilitada a

utilizar a confissão, deve demonstrar que deu ao indiciado direito de permanecer calado, ressaltando que tudo o

que disser será usado contra ele, além de poder contar com a presença de um advogado in LIMA, Maria

Rosynete Oliveira. Devido Processo Legal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999, p.82.

31

CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O Devido Processo Legal e os Princípios da Razoabilidade e da

Proporcionalidade. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.35.

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33

É de se notar que a concepção inicial de poder de polícia, concebida pela doutrina

americana, era a de limitador das liberdades individuais em prol do interesse público, atuando

no exercício da competência residual dos poderes conferidos ao legislativo.

Entretanto, ganhou espaço na doutrina da maioria dos países, inclusive o Brasil, o

modelo adotado pela França e Itália, segundo o qual o poder de polícia significava o exercício

do poder discricionário conferido à autoridade administrativa para a prática de determinados

atos reguladores de algum aspecto da vida social ou econômica dos administrados, ou da

defesa da segurança e da ordem pública.

Neste sentido, o devido processo legal se apresentava como poderoso instrumento de

controle do poder de polícia dos atos administrativos que desbordassem das limitações

constitucionais, ou que promovessem ingerência indevida na esfera jurídica individual,

assegurando aos administrados a garantia de notificação prévia e audiência posterior, com a

finalidade de evitar a arbitrariedade do executivo ou falta de justificativa de seus atos.

Noutras palavras, estava-se a garantir ao administrado a certeza do conhecimento

prévio, com futura possibilidade de oitiva do mesmo, sempre que o agir da administração se

inclinasse na direção de causar limitação ao exercício dos direitos individuais.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 elencou o processo administrativo no rol de

direitos fundamentais, ao preceituar no artigo 5º, inciso LV, que aos litigantes, em processo

judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla

defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Assim, o devido processo legal é princípio embasador de todas as espécies do gênero

processo, e do qual derivam também todos os demais princípios aplicados para a garantia do

direito material assegurado.

Nesse sentido, destaca-se a opinião de Nelson Nery, para quem bastaria a Constituição

Federal de 1988 ter enunciado o princípio do devido processo legal, ficando o caput e os

incisos do artigo 5º, em sua grande maioria, absolutamente despiciendos. Entretanto, sustenta

que a explicitação dos princípios derivados do devido processo legal é uma forma de

prestigiar a importância dessas garantias, para que os poderes legislativo, executivo e

judiciário possam utilizá-las da forma mais abrangente possível e para que os cidadãos

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34

tenham a exata dimensão do caráter constitucional de que se reveste o processo, toda vez que

dele precisarem para reclamar determinada posição jurídica.32

1.4. Devido Processo Legal Substantivo

O devido processo legal, visto sob a forma procedimental, garantia a certeza de um

procedimento legal prévio toda vez que houvesse restrição a direitos, mas não visava a uma

revisão dos atos do poder público, sobremodo aqueles provindos do poder legislativo. Noutras

palavras, o procedure due process of law não permitia o controle do mérito das normas, o que

só veio acontecer com a construção teórica do substantive due process of law, que se baseia

no fato de que há direitos substantivos que não podem ser violados por qualquer processo,

ainda que justo e razoável. Tais direitos atuam como barreira de proteção contra ação abusiva

do Estado.

Nelson Nery Junior aponta o julgamento do caso Calder vs. Bull, em 1.798, como

marco principal da doutrina que apregoa a possibilidade da revisão judicial dos atos do

legislativo.33

Apesar da Suprema Corte ter concluído pela constitucionalidade da lei do estado

de Connecticut, ficaram marcadas as posições, ainda que contrárias, dos juízes Chase e

Iredell.

Para Chase, que se filiava à corrente do pensamento jusnaturalista, o judiciário tinha a

obrigação de declarar a inconstitucionalidade de lei que interferisse abusivamente nos direitos

individuais. Já Iredell, defensor da doutrina do judicial self-restraint, os atos legislativos

estariam sujeitos apenas a limites constitucionais expressos, mas não a visões jusnaturalistas

dos membros do judiciário.34

A posição inovadora do justice Chase é tida como o arcabouço da construção do devido

processo legal substantivo.

32

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. Processo civil, penal e

administrativo. 8ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.70. 33

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. Processo civil, penal e

administrativo. 8ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.67.

34

LIMA, Maria Rosynete Oliveira. Devido Processo Legal. Porto Alegre: Editor Sergio Antonio Fabris, 1999,

p.109-110.

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35

No período que antecedeu à Guerra Civil americana identificam-se dois casos, nos quais

se cogitou, mesmo sem sucesso, o afastamento de ato legislativo sob o fundamento da

utilização da cláusula do devido processo legal substantivo: Wynehaumer vs. People e Dred

Scott vs. Sanford.

Após a Guerra Civil, em 1873, retorna à Suprema Corte a possibilidade do judicial

review no Slaughter-House case, que versou sobre uma ação de inconstitucionalidade

formulada por um grupo de açougueiros de Lousiana contra uma Lei Estadual que garantia a

uma determinada empresa agropecuária o monopólio, pelo prazo de 25 anos, do abate animal

para consumo alimentar. O justice Miller confirmou o acórdão da justiça local que entendia

legal a concessão da exploração da atividade econômica sob regime de monopólio, tendo em

vista que a 14ª Emenda não permitia o controle judicial dos atos legislativos. Tal decisão foi

acompanhada pela maioria dos juízes da Corte, mas ficou ressalvada a importância dos votos

da minoria vencida, a qual opinava pela sindicabilidade dos atos legislativos, para a futura

construção do devido processo legal substantivo.35

O caso Slaughter-House serviu como precedente para várias outras decisões da Suprema

Corte, todas ressaltando o aval judicante para com os valores do liberalismo econômico, cujo

apogeu se deu entre os séculos XVIII e XIX, sob a bandeira da doutrina de Adam Smith, que

pregava o absenteísmo estatal em relação à economia, devendo as funções do Estado se

voltarem para a preservação da ordem pública, zelando para este fim pela segurança interna e

pela soberania no plano internacional.36

Com intuito de resguardar os valores da liberdade e propriedade, muito caros à doutrina

do liberalismo econômico, os tribunais americanos passaram a enxergar no devido processo

legal, a fórmula de controle da razoabilidade e da racionalidade dos atos emanados do Poder

Público, a qual, por sua vez, seria aferida tendo em conta sempre o caso concreto posto em

juízo. 37

35

CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O Devido Processo Legal e os Princípios da Razoabilidade e da

Proporcionalidade. 4ª ed. Rio de Janeiro : Forense, 2006, p.28.

36

Vale destacar conforme preconizava Hayek que a melhor organização política era aquela que previa a inércia

estatal, devendo a chamada ordem social espontânea sobrepor-se à ordem social constituída in Hayek, F.A, Law,

Legislation and Liberty, V.I, Rules and Order. Ed. Routledge & Kegan Paul, 1973, p.38.

37

Veja-se esta passagem do juiz Feliz Frankfurte sobre o trabalho de verificação do devido processo legal pelo

intérprete, caso a caso: “Due process não pode ser aprisionado dentro dos traiçoeiros lindes de uma fórmula ...

“due process” é produto da história, da razão, do fluxo das decisões passadas e da inabalável confiança na força

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36

A partir da década de 30 do século XX, a cláusula do devido processo legal substantivo

passou a alcançar outros direitos fundamentais de natureza não econômica. A cláusula,

constante da Quinta e Décima Quarta Emendas à Constituição, tornou-se o instrumento de

revelação dos direitos fundamentais do Bill of Rights, e também daqueles outros

implicitamente contidos no texto constitucional. 38

A função da Suprema Corte como guardiã dos direitos fundamentais, utilizando em

grande escala a cláusula do devido processo legal, pode ser aferida, a título de exemplo, a

partir de vários dos seus julgados.39

Modernamente, o devido processo legal pode ser considerado como uma garantia que se

estabelece à limitação do poder estatal, de modo a censurar a própria legislação e declarar a

ilegitimidade das leis que violem o princípio democrático.40

É o princípio por meio do qual se controla o arbítrio do Legislativo e a

discricionariedade dos atos do Poder Público, ou seja, no entender de Luiz Roberto Barroso,"é

da fé democrática que professamos. Due process não é um instrumento mecânico. Não é um padrão. É um

processo. É um delicado processo de adaptação que inevitavelmente envolve o exercício do julgamento por

aqueles a quem a Constituição confiou o desdobramento desse processo” apud CASTRO, Carlos Roberto

Siqueira. O Devido Processo Legal e os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade. 4ª ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2006, p.48.

38

O juiz Harlam, sobre a importância da preservação dos valores constitucionais e do Bill of Rights, implícitos e

explícitos, declarou, no julgado Poe vs. Ulman :“ O total alcance da liberdade garantida pela Cláusula do Devido

Processo não pode ser encontrado ou limitado pelos termos precisos das garantias específicas contidas em outros

artigos da Constituição. Tal liberdade não é uma série de pontos isolados considerados em termos de privação da

propriedade; liberdade de expressão, imprensa e religião; direito a ter e portar armas; liberdade contra buscas e

apreensão arbitrárias; e assim por diante. É um continuum racional que, de modo geral, inclui a liberdade contra

todas as imposições arbitrárias e restrições sem propósito e que também reconhece que certos interesses exigem

um exame particularmente cuidadoso das necessidades do estado usadas para justificar sua redução”. TRIBE,

Laurence H. American constitutional law. 2ª ed. New York: The Foundation Press, Inc, 1988 apud LIMA,

Maria Rosynete Oliveira. Devido Processo Legal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999, p.125-126.

39

Meyer vs. Nebraska: cuidou do direito de estudar língua estrangeira;

Pierce vs. Society of Sisters: versou sobre o direito de uma criança matriculada em uma escola particular,

havendo a Suprema Corte invalidado uma lei estadual que, além de proibir a existência de escolas particulares ou

paroquiais, obrigava crianças entre oito e dezesseis anos a serem atendidas apenas em escolas públicas;

Skinner vs. Oklahoma: sobre o direito à procriação, tendo a Suprema Corte declarado a inconstitucionalidade de

uma lei que autorizava a esterilização de condenados. Entre outros, elencados por LIMA, Maria Rosynete

Oliveira. Devido Processo Legal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999, p.127.

40

Nesse sentido, Candido Rangel Dinamarco assevera que o devido processo legal tem a missão de “proclamar a

autolimitação do Estado no exercício da própria jurisdição, no sentido de que a promessa de exercê-la será

cumprida com as limitações contidas nas demais garantias e exigências, sempre segundo os padrões

democráticos da República brasileira” in DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições De Direito Processual

Civil. São Paulo: Malheiros, 2005, v.4, p. 94.

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37

por seu intermédio que se procede ao exame da razoabilidade (reasonableness) e da

racionalidade (rationality) das normas jurídicas e dos atos do Poder Público em geral".41

Convém lembrar que a Constituição brasileira de 1988 aponta como um dos objetivos

da República a construção de uma sociedade livre, justa e igualitária (artigo 3º, inciso I), logo

para que se interprete corretamente o valor justiça constante desse dispositivo há que se

afastar as normas de conteúdo injusto, irrazoável ou desproporcional, e o instrumento

adequado para este exercício exegético é a utilização do princípio do devido processo legal

substantivo.42

1.5. História Político-Constitucional Brasileira

A Constituição de 1824 não refletia a história política da nação brasileira, apesar de ter

vigido durante sessenta e cinco anos. Na época em que foi outorgada, a Constituição

americana já tinha recebido a Quinta Emenda, na qual presente a cláusula due process of law

que, infelizmente, não veio a ser incorporado ao patrimônio político constitucional brasileiro.

Apesar disso, do seu texto podem-se extrair artigos que deixam evidentes o objetivo de limitar

a ação estatal no campo dos direitos humanos.43

41

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática

constitucional transformadora. 4ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 214.

42

Conforme discorreu André L. Borges Netto: “Lei que não atinge um fim legítimo é inválida, como tal devendo

ser declarada, por força da garantia constitucional em exame. Na atualidade, o texto da Lei ou ato governamental

será preservado pela Suprema Corte, até que nenhum posicionamento razoavelmente concebível possa

estabelecer uma relação entre a regulamentação contestada e um fim legítimo do governo. Fato é que o

entendimento atual do devido processo legal substantivo permite o controle de atos normativos disciplinadores

de liberdades individuais até mesmo "não econômicas". Este princípio, em sua concepção substantiva, é fonte

inesgotável de criatividade hermenêutica, transformando-se numa mistura entre os princípios da "legalidade" e

"razoabilidade" para o controle dos atos editados pelo Executivo e Legislativo.” In BORGES NETTO, André L.

A razoabilidade constitucional: o princípio do devido processo legal substantivo aplicado a casos

concretos. Revista Jurídica Virtual, Brasília, maio/2000. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/revista/Rev_12/razoab_const.htm. Acesso em 19/02/2010 às 16:05h.

43

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a

liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira

seguinte.

I. Nenhum Cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei.

II. Nenhuma Lei será estabelecida sem utilidade publica.

III. A sua disposição não terá efeito retroativo.

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38

A Constituição de 1891 conservou as conquistas da Constituição de 1824 no campo das

liberdades individuais e acrescentou a estas novos direitos como a plenitude de defesa, a

liberdade de associação e de expressão. Além disso, assegurou, no artigo 78, a existência de

outros direitos não enumerados, mas que decorriam da ordem constitucional instaurada. 44

A Constituição de 1934, de caráter eminentemente democrático, ampliou ainda mais o

conceito de liberdade, inovando ao trazer explícitas as liberdades de crença, consciência e de

religião, e ratificou a existência de direitos implícitos decorrentes do regime e dos princípios

adotados por aquela constituição.45

A constituição de 1937 ficou caracterizada pela subtração de direitos fundamentais

conquistados, através da exclusão, por exemplo, dos princípios da legalidade e da

irretroatividade das leis, tudo com o objetivo de enfeixar na pessoa do Presidente da

República o poder supremo despótico que caracterizou o Estado Novo. Esta Carta

Constitucional também garantia a existência de direitos implícitos, ressalvando que: “o uso

desses direitos e garantias terá por limite o bem público, as necessidades da defesa, do bem-

estar, da paz e da ordem coletiva, bem como as exigências da segurança da nação e do Estado

em nome dela constituído e organizado nesta Constituição”.

VI. Qualquer pode conservar-se, ou sair do Império, como lhe convenha, levando consigo os seus bens,

guardados os Regulamentos policiais, e salvo o prejuízo de terceiro.

VII. Todo o Cidadão tem em sua casa um asilo inviolável. De noite não se poderá entrar nela, senão por seu

consentimento, ou para o defender de incêndio, ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada nos

casos, e pela maneira, que a Lei determinar.

VIII. Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados na Lei; e nestes dentro de vinte

e quatro horas contadas da entrada na prisão, sendo em Cidades, Vilas, ou outras Povoações próximas aos

lugares da residência do Juiz; e nos lugares remotos dentro de um prazo razoável, que a Lei marcará, atenta a

extensão do território, o Juiz por uma Nota, por ele assinada, fará constar ao Réu o motivo da prisão, os nomes

do seu acusador, e os das testemunhas, havendo-as.

XI. Ninguém será sentenciado, senão pela Autoridade competente, por virtude de Lei anterior, e na forma por ela

prescrita.

XVII. A exceção das Causas, que por sua natureza pertencem a Juízos particulares, na conformidade das Leis,

não haverá Foro privilegiado, nem Comissões espaciais nas Causas cíveis, ou crimes.

XX. Nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente. Por tanto não haverá em caso algum confiscação de bens,

nem a infâmia do Réu se transmitirá aos parentes em qualquer.

XXII. É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legalmente verificado

exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A Lei

marcará os casos, em que terá lugar esta única exceção, e dará as regras para se determinar a indenização.

44 Art 78 - A especificação das garantias e direitos expressos na Constituição não exclui outras garantias e

direitos não enumerados, mas resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos princípios que consigna.

45

Art 114 - A especificação dos direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui outros, resultantes

do regime e dos princípios que ela adota.

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39

O fim da Segunda Guerra Mundial coincidiu com a deposição do Ditador Getúlio

Vargas e, com esta, a instalação do Governo Provisório, tendo governado o país o Presidente

do Supremo Tribunal Federal, José Linhares, até a posse do Presidente Eleito, General Eurico

Gaspar Dutra.

Os trabalhos da Assembléia constituinte de 1945 resultaram na Constituição de 1946,

documento que consagrou novamente e amplamente os princípios norteadores das liberdades

humanas ao declarar expressamente a inviolabilidade dos direitos à vida, liberdade e

propriedade, além de prescrever a aceitação de direitos e garantias implícitos sem a ressalva

constante da Constituição anterior.

A Constituição de 1967 destacou-se pelo caráter autoritário, em moldes ainda superiores

àqueles da Carta de 1937, tendo em vista que previu a suspensão dos direitos fundamentais.

Inobstante, continuou a aceitar a existência de direitos implícitos.

A Carta de 1988, conhecida como constituição cidadã, é tida como uma das que mais

elencam direitos e garantias fundamentais no mundo, através dos incisos do artigo 5º e de

outros dispositivos constantes do seu corpo de normas.

1.5.1. O Devido Processo Legal no Brasil

Conforme visto, todos os textos constitucionais, com exceção da Constituição de 1824,

admitiam a existência de outros direitos não explicitamente enumerados pelas Cartas

constitucionais, mas que decorriam dos princípios e garantias instituídos pelas ordens jurídica

e política inauguradas por cada uma delas.

Segundo Maria Rosynette Oliveira Lima, a aceitação pelas constituições de direitos

implícitos foi o pórtico para implementação de devido processo legal no Brasil.46

No mesmo sentido, Carlos Alberto Lúcio Bittencourt:

46

LIMA, Maria Rosynette Oliveira. Devido Processo Legal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,1999,

p.166.

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40

Sendo o nosso regime com base precipuamente no americano, é manifesto que todas

aquelas garantias que o direito constitucional dos Estados Unidos reconhece aos

cidadãos americanos se incluem também, ex vi do artigo 144

( referente ao art. 150, § 35 da Constituição de 1967) da nossa constituição.

Essa conclusão é tanto mais importante quanto é certo que, em virtude dela, deverá

ter plena aplicação entre nós a cláusula due process of law , que o legislador

constituinte não enumerou expressamente.47

Ainda sob a vigência da Constituição de 1967 e na mesma linha de raciocínio adotada

por Carlos Alberto Lúcio Bittencourt, vaticinou José Frederico Marques:

No direito pátrio, está implícita entre as garantias constitucionais, a do chamado

„due process of law‟ (ou „devido processo legal‟) em face do que diz o art. 150, § 35

da Constituição do Brasil de 1967, „in verbis‟ (...)”

Desse modo, também entre nós: „ninguém será privado da vida, da liberdade ou da

propriedade sem o devido processo legal.48

As lições destes renomados mestres passaram a consolidar a idéia de que era

plenamente defensável a posição que sustentava a vigência implícita do preceito due process

of law entre nós. Todavia, este pensamento encontrou na comunidade jurídica pátria forte

oposição, sobretudo pelos juristas Victor Nunes Leal e San Tiago Dantas.

San Tiago Dantas destacou que a cláusula due process of law , constante do direito

americano, servia como instrumento para medir a constitucionalidade das leis, e que, no

direito brasileiro, a medida hábil a afastar leis arbitrárias era o princípio da igualdade perante

a lei; para ele, verdadeiro equivalente ao due process of law , de acordo com o fim para o qual

foi criado.

Já Victor Nunes Leal expressava que a nossa tradição imperial, marcada pelo direito

escrito e pela imunidade da Administração Pública perante o Judiciário, não havia

incorporado a cláusula due process of law.

Examinemos o pensamento do ilustre jurista:

47

BITTENCOURT, Carlos Alberto Lúcio. O Controle Jurisdicional de Constitucionalidade das Leis. 2ª ed.

Brasília: Ministério da Justiça, 1997, p.90.

48

MARQUES, José Frederico. A garantia do “due process of law” no Direito Tributário in Revista de

Direito Público. São Paulo: Revista dos Tribunais nº 05, jul/set, 1968, p.28.

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41

O détournment de pouvoir é mera modalidade do excés de pouvoir, mas dificilmente

se poderia admitir, entre nós, um conceito de desvio de poder tão amplo como o dos

franceses, o qual envolve, segundo Duguit, a abolição do poder discricionário.

Nossa concepção da divisão de poderes, lastreada pela tradição imperial da quase

completa desproteção do indivíduo em face dos atos administrativos ilegais ou

abusivos, não comportaria tão extensa interferência dos órgãos jurisdicionais, que

constituem um poder autônomo, na atividade dos órgãos administrativos, que

pertencem a outro poder.

Também não valeria invocar o exemplo norte americano porque nunca

incorporamos à nossa doutrina e à nossa jurisprudência as conseqüências, que a

construction da Corte Suprema tem extraído da larguíssima claúsula due process of

law.49

Felizmente esta divergência doutrinária foi aos poucos se transformando em posição

consolidada, com base no pensamento de Carlos Alberto Lúcio Bittencourt e José Frederico

Marques, mais tarde acompanhada de juristas de igual renomada como Humberto Theodoro

Junior, Antonio Roberto Sampaio Dória e Ada Pellegrini Grinover, todos a asseverar a

existência da cláusula do devido processo legal no ordenamento jurídico brasileiro, apesar do

não reconhecimento expresso da mesma nos textos constitucionais que antecederam à

Constituição de 1988.50

Após a admissão da cláusula do devido processo legal como garantia implícita, outra

discussão surgiu em torno do campo de abrangência da mesma, momento em que se

sobressaiu, mais uma vez, a perspectiva vanguardista de José Frederico Marques, ao estudar a

garantia citada no âmbito do direito tributário brasileiro, afirmando que a admissão da

cláusula no ordenamento jurídico nacional de então guiava não só o processo judicial, mas

comandava mesmo toda a atividade administrativa.51

Vale destacar o pensamento inaugurado pelo citado jurista:

49

LEAL, Victor Nunes. Problemas de Direito Público e outros Problemas. Brasília: Ministério da Justiça,

1997, p.290-291.

50

Nesse sentido vale conferir as lições de Humberto Theodoro Junior: “Faltou, porém, para que a declaração

constitucional brasileira fosse completa, em torno do tema, a parte relativa à garantia de um processo ordenado

segundo a lei. Aí, sim, a conjugação do princípio do juiz natural com a do direito de ação, e, ainda, com o do

princípio da legalidade, ensejaria uma completa e expressa adoção da garantia constitucional do due process of

law. Essa omissão, todavia, não exclui a plena vigência da garantia do devido processo legal entre nós. É que

nossa Magna Carta ressalva que a especificação dos direitos e garantias nela expressos não exclui outros direitos

e garantias „decorrentes do regime e princípios que ela adota (...)” in THEODORO JÚNIOR, Humberto. A

Execução de Sentença e a Garantia Do Devido Processo Legal. Rio de Janeiro: AIDE, 1987, p.66.

51

Conforme LIMA, Maria Rosynette Oliveira. Devido Processo Legal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris

Editor,1999, p.174.

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42

Daí não se segue, porém, que fora do processo judicial possam os outros ramos do

poder público exercer, sem contraste, o seu „imperium‟, aguardando intervenção

posterior do judiciário, para corrigir ou anular os atos que atinjam ou, causem, lesão

a direito individual. Se ninguém pode sofrer gravame em sua fazenda, patrimônio ou

bens (como corolário da garantia do direito de propriedade) sem o devido processo

legal (o mesmo acontecendo „a fortiori‟ no que tange à vida e à liberdade), seria

incivil, injusto e em antagonismo com a Constituição que a atividade administrativa

ficasse com a inteira liberdade de atuar, quando, em sua função externa, entra em

contato com os administrados, à espera de intervenção „a posteriori‟ da magistratura,

para cortar-lhe os excessos e as arbitrariedades.

(...) Se o poder administrativo, no exercício de suas atividades, vai criar limitações

patrimoniais imediatas ao administrado inadmissível seria que assim atuasse fora das

fronteiras do „due process of law‟. Se o contrário fosse permitido, ter-se-ia que se

concluir que seria lícito atingir alguém em sua fazenda ou bens, sem o devido

processo legal”.52

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o devido processo legal, conforme já

visto, ganhou explicitamente status de garantia e direito fundamental, não só no processo

judicial como também no administrativo e legislativo, em seus aspectos processual e

substancial.

É este sentido amplo e genérico adotado pela Constituição Federal de 1988, em seu

artigo 5º, inciso LIV53

, quando fala da proteção da liberdade e dos bens, dispositivo

nitidamente inspirado nas Emendas 5ª e 14ª da Constituição americana.

52

MARQUES, José Frederico. A garantia do “due process of law” no Direito Tributário in Revista de

Direito Público. São Paulo: Revista dos Tribunais nº 05, jul/set, 1968, p.28-29.

53

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes:

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

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CAPÍTULO 2: O PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO

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44

2.1. Processo ou Procedimento Administrativo?

A palavra processo tem como origem o termo latino procedere, cujo significado é

caminhar para diante, ou, como é mais comum dizer-se no mundo jurídico, uma marcha para

frente cadenciada por uma série de atos, interdependentes e concatenados, com vista à

produção de um ato final para solucionar um conflito ou ratificar uma convergência de

interesses.

Se, por um lado, não pairam dúvidas quanto à origem e formação da palavra, por outro

o seu emprego ainda hoje está permeado por querelas centralizadas em dois braços da

doutrina. O primeiro, a ressaltar que processo é termo afeto à função jurisdicional,

resguardando o termo procedimento para as atividades próprias da Administração Pública; o

outro, a dar relevo ao fato de que o emprego do termo é cabível sempre que houver atividade

procedimentalizada, seja no âmbito administrativo ou judicial.54

Passemos a examinar mais de perto as duas correntes apresentadas para, ao final,

concluir pela existência ou não de processo no âmbito da administração tributária federal.

Posicionando-se no sentido de negar a existência de processo na seara administrativa,

pontificou Marçal Justen Filho:

(...) a peculiaridade do processo não está em se tratar de uma relação jurídica.

Afinal, todo o relacionamento entre Estado e particulares se traduz em uma relação

jurídica. Nem há maior relevância, para fins de identificação do processo, na

natureza de direito público. Todo campo do Direito Público é preenchido por

relações com essa característica.

O que dá identidade ao processo é uma composição totalmente peculiar e sem

paralelo em qualquer outro tipo de vínculo jurídico. O processo vincula três

“sujeitos”, produzindo situações jurídicas subjetivas favoráveis e (ou) desfavoráveis.

O vínculo entre os três sujeitos apresenta-se com perfil totalmente ímpar. Cada

sujeito assume determinada posição no processo. Não é possível afirmar que as três

“posições” processuais sejam intercambiáveis entre si. São situações jurídicas

infungíveis. Mais ainda, um dos sujeitos ocupa uma posição jurídica totalmente

peculiar. O juiz participa do processo não na condição de parte, mas com autonomia

que é de essência e inafastável. O juiz é imparcial, não apenas no sentido de ser-lhe

vedado tomar partido, mas também na acepção de que “não é parte”. Ou seja, o juiz

não tem interesse próprio no objeto da relação jurídica. Em nenhum outro tipo de

relação jurídica um dos pólos é ocupado por um sujeito que não seja parte. O

54

Sobre esta polêmica observaram Sergio Ferraz e Adilson Abreu Dallari: “a querela nominal

processo/procedimento é, em nosso Direito Administrativo, antiquíssima” in Processo Administrativo. 2ª ed.

São Paulo: Malheiros, 2002.

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45

processo é a única hipótese em que tal situação ocorre. Tem-se uma relação jurídica

com duas partes e três pólos. Um dos pólos é ocupado por um sujeito que não é

parte.55

O conceito deste autor está centrado no fato de que o processo comporta sempre a figura

de terceiro impessoal, o juiz, equidistante das partes e sem interesse no objeto da disputa da

relação jurídica processual instaurada.

Deste modo, conclui-se que, para afirmar a inexistência de processo no âmbito da

administração, Marçal Filho parte do princípio de que os julgadores administrativos têm

interesse no resultado do processo, o que lhes subtrai o traço da imparcialidade, característico

apenas do processo jurisdicional.

Ainda sobre a necessária presença do terceiro que atua com imparcialidade para a

caracterização do processo, Marçal Filho afirma que, no âmbito do processo administrativo

fiscal, tal seria possível somente com a criação de “órgãos independentes com competência

para conduzir a solução da controvérsia na via administrativa”. Todavia, conclui que esta

possibilidade não é admitida pela realidade brasileira, visto que “o sistema brasileiro alicerça-

se na unidade da jurisdição, atribuída ao Poder Judiciário”. Para ele, como se pode deduzir do

seu pensamento, a existência de processo fora do âmbito do judiciário seria algo inadmissível

pela Ordem Jurídica Constitucional brasileira.56

Carlos Ary Sunfeld também prefere reservar a expressão processo para uso apenas nas

manifestações do Poder Judiciário.57

À sua doutrina aderiu o eminente jurista Geraldo

Ataliba, com base nos seguintes fundamentos:

a) como todas as características do processo judicial são muito marcadas em nossa

mente, já que seu estudo é parte importante da formação jurídica, falar em processo

administrativo pode parecer forçado, pois imediatamente ocorrem as

inadaptabilidades; b) falar-se em processos administrativos pode sugerir que seja

dado à Administração julgar definitivamente em certas situações, desde que realize

55

JUSTEN FILHO, Marçal. Considerações sobre o Processo Administrativo Fiscal. Revista Dialética de

Direito Tributário. São Paulo: nº 33, jun. 1998, p.112.

56

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p.222.

57

SUNFELD, Carlos Ary. A Importância do Procedimento Administrativo. Revista de Direito Público. São

Paulo, nº 84, out-dez, 1987, p.73 apud ROCHA, Sergio André in Processo Administrativo Fiscal. Controle

Administrativo do Lançamento Tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.36.

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46

processo, é dizer, desde que respeitadas garantias semelhantes às do processo

judicial e c) o Judiciário, quando administra, realiza procedimento administrativo.58

O Professor Paulo de Barros Carvalho, patrocinando o crucial dever do jurista de

diferenciar processo de procedimento, afirmou que o primeiro está destinado

efetivamente à composição de litígios que se opera no plano da atividade

jurisdicional do Estado, para que signifique a controvérsia desenvolvida perante os

órgãos do Poder Judiciário. Procedimento, embora sirva também para nominar a

conjugação de atos e termos harmonizados na ambitude da relação processual, deve

ser étimo apropriado para referir a discussão que tem curso na esfera

administrativa.59

Posição diversa é a sustentada por Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco

e Antonio Carlos de Araújo Cintra para quem o processo é um conceito que transcende ao

direito processual. Funciona como instrumento de legitimação do poder estatal, sendo comum

a todas as funções pelas quais se exteriorizam este poder (executiva, legislativa e

jurisdicional).

Além disso, o processo também é meio de fundamentação da ordem não estatal, como

são os casos dos processos administrativos instaurados no âmbito de partidos políticos,

entidades esportivas, sociedades empresariais, etc.

Para os mesmos autores, processo não se confunde com procedimento, sendo este

simples aspecto formal daquele, podendo existir mais de um procedimento relativo a um

mesmo processo, como é o caso dos procedimentos de primeira e segunda instâncias.60

Procedimento, então, para os citados juristas é a mera manifestação fenomenológica do

processo cuja característica principal é a manifestação do poder através da prestação estatal.

58

ATALIBA, Geraldo. Princípios Constitucionais do Processo e Procedimento em Matéria Tributária.

Revista de Direito Tributário. São Paulo, nº46, out-dez, 1988, p.118-132 apud ROCHA, Sergio André in

Processo Administrativo Fiscal. Controle Administrativo do Lançamento Tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2009, p.36.

59

CARVALHO, Paulo de Barros. Processo Administrativo tributário. São Paulo, nºs 9-10, jul-dez, 1979,

p.277 apud ROCHA, Sergio Andre in Processo Administrativo Fiscal. Controle Administrativo do

Lançamento Tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.36.

60

GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. Teoria

Geral do Processo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.296.

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47

Corroborando com o pensamento ilustrado, situa-se o magistério de Eduardo Couture

que enxerga diferença entre os processos instaurados pelas diversas funções do Estado apenas

no que diz com a finalidade do ato final almejado:

Vistos do ponto de vista de sua estrutura, existe unidade entre o processo

parlamentar, o processo administrativo e o processo judicial. Todos eles se apóiam,

dentro desse ponto de vista, na necessidade do debate e da conveniência derivada da

exposição das ideias opostas para que se chegue à verdade. Mas, em sua finalidade,

diferem. O processo parlamentar, com seu debate de representantes do povo, aponta

para a sanção da lei; o processo administrativo, com sua carga avultada de

antecedentes técnicos, aponta para o governo e para a administração; e o processo

judicial, com seu debate das partes interessadas e produção de provas, aponta para a

coisa julgada, isto é, para a solução (eventualmente coativa) do conflito de

interesses.61

No mesmo sentido, Odete Medauar, baseando-se em artigo de Feleciano Benvenuti,

publicado em 1952, asseverou que “há processualidade em todo exercício de uma função; a

extensão das formas processuais ao exercício da função administrativa está de acordo com a

mais alta concepção de Administração: o agir a serviço da comunidade”.62

Nas letras jurídicas argentinas, merece destaque o escólio de Hector Jorge Escola que,

tratando do tema referente à ampla noção da processualidade, mencionou a existência de um

conceito geral de processo válido para qualquer manifestação do poder estatal.63

Contra a admissão da ampla processualidade encontramos a crítica de Agustín Gordillo

fundamentada nos seguintes argumentos:

a) raízes históricas ligam o termo processo ao exercício jurisdicional, assim como há

uma especificidade na relação jurídico-processual que se desenvolve no exercício da

função jurisdicional, a qual se distinguiria pela presença de um terceiro imparcial

com poder para resolver o litígio entre as partes; b) uma vez que a noção de processo

se encontra vinculada ao exercício da função jurisdicional, poder-se-ia acabar por

61

COUTURE, Eduardo J. Introdução ao Estudo do Processo Civil. 3ª ed. Rio de Janeiro: José Konfino, p.67-

68 apud ROCHA, Sergio Andre in Processo Administrativo Fiscal. Controle Administrativo do Lançamento

Tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.33.

62

MEDAUAR, Odete. A Processualidade no Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993,

p.20.

63

ESCOLA, Hector Jorge, Tratado General de Procedimiento Administrativo, 2ª ed., 1981, p.10 apud

MEDAUAR, Odete. A Processualidade no Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993,

p.21.

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48

entender que “não há violação da defesa em juízo se os direitos de um indivíduo são

definitivamente resolvidos pela administração, sempre que esta tiver ouvido o

interessado”.64

2.2. Análise das Correntes Opostas. Posicionamento a Favor da Ampla

Processualidade

Inicialmente cumpre dizer que a admissão da ampla processualidade como manifestação

do Poder do Estado não impede que as questões analisadas pela Administração possam ser

revistas pelo Poder Judiciário. Neste ponto, entendemos que a crítica de Gordillo não merece

prosperar, pois, no Brasil, como se sabe, vige o sistema de jurisdição una, segundo o qual a lei

não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito, conforme

preconizado pelo inciso XXXV da Constituição Federal de 1988.

Razões históricas também não podem estancar o necessário processo de contínua

interpretação dos institutos da ciência jurídica, engessando-os no tempo, distanciando-as da

realidade, que é dinâmica e quase sempre marcada por mudanças não exatamente lineares.

Assim, o ponto que se reveste de maior importância deve ser o de que o processo, em

última instância, representa o atuar do Estado, e não há como dizer que não existe atuação do

Estado – Administração, posto que inúmeras são as relações nascidas entre ele e os seus

administrados.

Não acatamos de igual forma a premissa de que para existir processo deve haver

necessariamente uma lide, como quer afirmar o ilustre Professor Paulo de Barros Carvalho.

Como exemplos podemos citar os casos abrangidos pela jurisdição voluntária e, ainda,

quando no processo penal, o Ministério Público reconhece a inocência do réu e formula

perante ao magistrado pedido de absolvição.

Na Administração Tributária assinalamos que, no momento da instauração do processo

administrativo fiscal, que se dá com o cumprimento de mandato de procedimento fiscal, com

vista à apuração e lançamento do tributo devido, não há, ainda, lide, posto que não se

configura, neste momento, nenhuma pretensão resistida por parte do contribuinte. A

64

GORDILLO, Augustín. Tratado de Derecho Administrativo. 4ª ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho

Administrativo, 2000, tomo 2, p IX – 2-4.

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49

possibilidade de formação da lide apenas se tornará real se houver por parte do sujeito passivo

inconformidade com os valores lançados, fato que ensejará a abertura da fase contenciosa do

lançamento.

Por conseguinte, a presença de lide a ser dirimida não pode ser elemento diferenciador

entre os exercícios das funções jurisdicional e executiva. Como conseqüência disto, melhor é

considerar que na ambitude da função administrativa pode haver manifestação do Estado

tanto na forma de processo quanto na de procedimento. Diante desta afirmação, torna-se

imperioso destacar os traços característicos destas formas de atuação estatal, o que fazemos

nos filiando à doutrina de Sergio André Rocha:

(...) somente se pode falar em processo administrativo quando da prática, pelos

órgãos e agentes da Administração Pública, de atos sucessivos, encadeados e inter-

relacionados, com os quais se visa à obtenção de um ato final, o qual

consubstanciará um agir da Administração que venha a intervir no exercício de

direitos pelos particulares (controle prévio da legalidade dos atos administrativos) ou

venha a chancelar com o crivo da legalidade ato já praticado (controle ulterior da

legalidade dos atos administrativos). Nesses casos, a prática de ato com a

precedência de um processo administrativo ou a possibilidade de sua posterior

instauração com a garantia do direito de defesa do administrado, é uma decorrência

do princípio do devido processo legal, sendo, portanto, resguardado pelos direitos e

garantias deste emanados.65

Por outro lado, quando houver uma série de atos encadeados com o intuito de produção

de ato final, porém sem que haja interferência na esfera dos direitos dos administrados, estar-

se-á diante de mero procedimento administrativo. Neste caso, revela-se a opção democrática

do Estado em atuar de forma procedimentalizada, possibilitando a participação dos

administrados. Além disso, o procedimento também é a forma de exteriorização dos atos que

guardam uma sequência lógica e que formam o processo administrativo. Assim é que

podemos afirmar que todo processo é procedimento, mas nem todo procedimento é

processo.66

65

ROCHA, Sergio André in Processo Administrativo Fiscal. Controle Administrativo do Lançamento

Tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.38.

66

Vale conferir a lição esclarecedora do Professor José Albuquerque Rocha sobre processo e procedimento: “(...)

o processo é a atividade necessária à produção de determinado resultado final; o procedimento é o conjunto de

normas em conformidade com as quais deve desenvolver-se essa atividade. O processo envolve a idéia de

finalidade (resultado final) a ser alcançada através de uma atividade humana. O procedimento determina a

maneira, o modo, como essa finalidade deve ser realizada. Em síntese, a expressão processo é uma abstração que

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50

Com base no que foi dito é que podemos assegurar que o processo administrativo

tributário não pode ser reduzido a simples procedimento da Administração, tendo em vista

que nenhuma pessoa poderá ser atingida em seus bens sem que sejam a ela garantidos todos

os direitos de natureza processual que lhe são constitucionalmente assegurados.67

Tanto é

assim que a Constituição de 1988, ao assegurar os direitos ao contraditório e à ampla defesa

como consectários do devido processo legal, previsto no inciso LV do artigo 5º, não fala em

procedimento, mas, acertadamente, em processo administrativo.

O processo administrativo tributário se instaura a partir da impugnação do lançamento

do tributo ou da imposição de multa.

O poder de tributar do Estado se sujeita ao império da lei, logo as exações tributárias se

constituem por meio de relações jurídicas estabelecidas em conformidade com os princípios

constitucionais e a legislação tributária, os quais asseguram direitos e deveres, tanto do Estado

quanto do contribuinte.

Como é próprio mesmo de um Estado Democrático de Direito, há limites bem definidos

para a atividade exacional, que são dados pela Constituição e pela Lei.68

Em decorrência do princípio constitucional da legalidade é que o nascimento da

obrigação tributária, a partir da qual surge para o sujeito passivo o dever de recolher o tributo

devido ou a penalidade imposta, exige, previamente, a existência de lei material que institua o

fato gerador do tributo ou comine pena pecuniária.

A tipificação legal do fato gerador, portanto, é, segundo Ruy Barbosa Nogueira: “ ... o

conjunto dos pressupostos abstratos descritos na norma de direito material de cuja concreta

só existe em nossa mente. Em concreto o que há são procedimentos. Daí dizermos ser o procedimento a

concretização da idéia de processo. Vale dizer, o procedimento é a tradução, na realidade concreta da vida, do

conceito de processo que, como conceito, sé existe em nosso intelecto.” In Teoria Geral do Processo. 8ª ed. São

Paulo: Atlas, 2006, p.199.

67

BONILHA, Paulo Celso Bergstrom. Contraditório e Provas no Processo Administrativo Tributário

(Ônus, Direito à Perícia, Prova Ilícita) in ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Processo Administrativo

Fiscal. São Paulo: Dialética, 1995, p.130.

68

Nelson Saldanha, em sábia lição, assim definiu Estado Democrático de Direito: “aquele em que o limite e o

fundamento da ação estatal se encontram na ordem jurídica e, essencialmente na base desta, a Constituição” in

Formação da Teoria Constitucional, 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p.18.

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51

realização decorrem os efeitos jurídicos previstos”.69

Portanto, para que efetivamente ocorra o

fato gerador há que se concretizar no plano da realidade os pressupostos definidos na norma

de incidência.70

Ocorrido o fato gerador – concretização da hipótese de incidência da norma tributária –

surge então a obrigação tributária, porém nenhum pagamento poderá ser exigido do sujeito

passivo, sem que haja a prática de ato formal por parte do Estado com o intuito de constituir o

crédito tributário. Este ato, de natureza declaratória, denomina-se lançamento, definido,

conforme o artigo 142 do Código Tributário Nacional, como sendo o “procedimento

administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente,

determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito

passivo e, sendo o caso, propor a aplicação de penalidade cabível”.

O Código ainda registra a necessidade de o lançamento ser efetuado mediante atividade

administrativa plenamente vinculada, respondendo funcionalmente a autoridade que

descumprir este preceito (parágrafo único do art. 142). Decorre a atividade regrada justamente

do Princípio da Legalidade estrita, conforme salientou Gerd W. Rothman:

No Direito Tributário, o princípio da legalidade da administração não significa

somente que os tributos devem ser cobrados em observância da legislação tributária,

mas também que a administração é obrigada a cobrar o tributo nascido de acordo

com a lei. Isto decorre do fato de que, modernamente, a lei não é somente barreira

contra intervenções do Estado na esfera jurídica dos indivíduos, mas também a força

motriz da atividade administrativa. A obrigação de apurar e cobrar o tributo, nascido

na conformidade da lei resulta do princípio da legalidade da administração.71

69

NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p.146 apud

BONILHA, Paulo Celso Bergstrom. Da Prova no Processo Administrativo Tributário. 2ª ed. São Paulo:

Dialética, 1997, p.42.

70

Conforme Ruy Barbosa Nogueira: “Para o nascimento da obrigação tributária não basta só a descrição pela lei

da “hipótese de incidência” que previamente a lei modelou ou instituiu” in Teoria e Prática do Direito

Tributário. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p.13 apud BONILHA, Paulo Celso Bergstrom. Da Prova no

Processo Administrativo Tributário. 2ª ed. São Paulo: Dialética, 1997, p.42.

71

ROTHMAN, Gerd W. O Princípio da Legalidade Tributária in Direito Tributário, 5ª Coletânea. São Paulo:

José Bushatsky Ed, 1973, p.139-140.

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52

O lançamento tributário realiza a função de declarar os efeitos da obrigação tributária72

,

muito embora tenha também a “virtude de exteriorizar a forma constitutiva do crédito, pois é

só através desse ato que a Administração pode emprestar-lhe os requisitos de certeza e

exequibilidade.”73

É nesse sentido, segundo Ruy Barbosa Nogueira, que a parte primeira do

artigo 142 do Código Tributário Nacional deve ser entendido:

Portanto, a nosso ver, o que o dispositivo quer aí significar é que o lançamento é ato

constitutivo formal do crédito, tanto assim é que a continuação explicativa da função

do lançamento que traz o texto é de que o lançamento é simples ato de mecânica de

constatação de ocorrência do fato gerador, determinação da matéria tributável, do

cálculo do tributo, da identificação do sujeito passivo e de proposição da penalidade

legal.74

Também merece ressalva o prefalado dispositivo quando conceitua o lançamento como

procedimento administrativo. Assiste Razão a Alberto Xavier ao afirmar que:

Na verdade, a referência a „verificar a ocorrência do fato gerador‟, de „determinar a

matéria tributável‟, „calcular o montante do tributo devido‟, identificar o sujeito

passivo‟, traduz-se numa enumeração exemplificativa de operações lógicas que se

englobam no processo subsuntivo de aplicação da lei tributária aos fatos concretos.

Enumeração desprovida de qualquer rigor, pois propicia confundir operações lógicas

com atos jurídicos, além de encobrir, sob a aparência de uma pluralidade de

realidades referidas, sejam atos ou simples operações intelectivas, o caráter unitário

do ato de aplicação da lei.75

72

Sobre a natureza jurídica do lançamento tributário, Hugo de Brito Machado afirma que “já foi objeto de

grandes divergências doutrinárias. Hoje, porém, é praticamente pacífico o entendimento segundo o qual o

lançamento não cria direito. Seu efeito é simplesmente declaratório” in Curso de Direito Tributário. 29ª ed.

São Paulo: Malheiros Editores, 2009 p.174.

73

BONILHA, Paulo Celso Bergstrom. Da Prova no Processo Administrativo Tributário. 2ª ed. São Paulo:

Dialética, 1997, p.44.

74

NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Teoria e Prática do Direito Tributário. São Paulo: Ed. Resenha Tributária,

1975, p.13 apud BONILHA, Paulo Celso Bergstrom. Da Prova no Processo Administrativo Tributário. 2ª ed.

São Paulo: Dialética, 1997, p.44. Conforme visto, podemos concluir que o legislador não foi feliz ao redigir o

artigo 142 do Código Tributário Nacional: “Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o

crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a

ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do

tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”, pelo que

deve o intérprete utilizar-se da interpretação restritiva visando adequar a redação ao espírito da norma.

75

XAVIER, Alberto. Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Resenha Tributária, 1977,

p.19.

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53

É que não podemos confundir a série de procedimentos lógicos tendente a fomentar o

lançamento com o próprio lançamento. As formalidades de identificação dos sujeitos, cálculo

do montante devido e imposição de penalidades, entre outras, têm natureza de procedimento

realmente, porém são instrumentos para a produção do ato administrativo de lançamento, a ser

empreendido por autoridade fiscal competente com o intuito de produzir efeitos jurídico-

tributários e exteriorizar a vontade da Administração de cobrar o tributo ou cominar a

penalidade.

2.3. Lançamento de Tributo e Aplicação de Penalidade

É importante destacar que o Código Tributário Nacional, em um mesmo dispositivo

(art. 142), reuniu e equiparou duas realidades jurídicas diversas: o lançamento do tributo e a

cominação de penalidades. Entretanto, as duas coisas não devem ser confundidas. O

lançamento é ato administrativo que cuida da aplicação da lei material ao caso concreto,

explicitando os elementos essenciais da obrigação tributária e implicando o pagamento do

tributo devido. Já a penalidade é ato administrativo que resulta da aplicação de normas

tributárias penais, tendo em vista o descumprimento de algum preceito da legislação

tributária, normalmente uma obrigação de fazer ou permitir.

Já pontificamos, linhas atrás, que processo é o conjunto de atos logicamente encadeados

com o intuito de produção de um ato final. Desta forma, após o desenvolvimento dos

procedimentos previstos pelo Código de cálculo do tributo devido, determinação da matéria

tributável, identificação do sujeito passivo e, em alguns casos, de proposição de penalidade

cabível, tem-se, ao cabo, o ato final de lançamento, pelo qual se constituirá formalmente o

crédito tributário, declarando os elementos e efeitos jurídicos oriundos da relação jurídico

tributária formada pelos dois sujeitos: o Estado, sujeito ativo, e o contribuinte, dito sujeito

passivo desta obrigação.

De tudo o que foi dito, chegamos à conclusão que o crédito tributário, revestido de suas

inerentes qualidades de certeza e exequibilidade, se perfaz através de gênero de processo.

Mais precisamente se realiza por via de espécie deste denominada Processo Administrativo

Fiscal.

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54

A formação do crédito tributário assim realizada é também chamada de processo de

acertamento da relação tributária ou simplesmente lançamento. Tal processo está dividido em

duas fases: uma não contenciosa, unilateral; outra, contenciosa e, portanto, bilateral. 76

2.4. Fase Não Contenciosa do Lançamento

A fase não contenciosa inicia-se com a ação fiscal, sempre empreendida por autoridade

competente, e precedida pela emissão de dois documentos: o Mandado de Procedimento

Fiscal e o Termo de Início de Procedimento Fiscal.

O primeiro tem por finalidade conferir maior transparência à relação entre o Fisco e o

contribuinte, permitindo que este conheça previamente a extensão e os limites da ação fiscal a

que estará submetido, coibindo, por sua vez, eventuais excessos do agente fiscalizador.

Também o referido mandado cientifica o contribuinte de que a autoridade encarregada de

realizar o processo de apuração do tributo é mesmo aquela constante do citado documento.

O segundo tem por finalidade intimar o contribuinte para, em data e hora estabelecidas,

apresentar livros contábeis e outros documentos que possam interessar ao fisco no seu mister

de verificação do cumprimento de todas as obrigações tributárias pelo sujeito passivo.77

É de

se registrar que, em se tratando do imposto de importação, a ação fiscal inicia-se com o

despacho aduaneiro competente. Excepcionalmente, pode ainda a atividade fiscal se deflagrar

através da apreensão de livros e/ou mercadorias.

Não concordamos com a afirmação sustentada pela Administração Tributária de que o

mandado de procedimento fiscal é utilizado como instrumento de controle interno das

76

Conforme MACHADO, Hugo de Brito in Curso de Direito Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2009, p.447

77

"IRPF – TERMO DE INÍCIO DO PROCEDIMENTO FISCAL – A intimação do contribuinte para

apresentação de Declarações de Imposto de Renda Pessoa Física enquadra-se na hipótese do artigo n° 893 do

Decreto n° 1.041/94 ou 844 do Decreto n° 3.000/99 e, ainda, do artigo 7°, inciso I, do Decreto n° 70.235/72,

configurando o início do procedimento de lançamento de ofício." (Acórdão n° 106-13088 – Sessão de

05/12/2002 – Por unanimidade de votos – Rel. Cons. Wilfrido Augusto Marques).

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atividades do Fisco e, portanto, a falta de emissão do mesmo não gera nulidade do

lançamento. 78

Já dissemos que este documento tem por fim dar transparência ao contribuinte dos

limites da ação fiscal a ser empreendida em seu estabelecimento, logo não pode estar restrito

ao corpo de agentes fazendários. O próprio conceito de transparência já envolve a existência

de terceira pessoa apta a verificar a integridade e legitimidade da atuação estatal. Outro fato a

corroborar nossa opinião é que se fosse de uso interno o mandado de procedimento fiscal não

comportaria aposição da assinatura do contribuinte sujeito à ação fiscal.

O início da ação fiscal impede a denúncia espontânea por parte do sujeito passivo,

através da qual poderia se eximir da responsabilidade por infração cometida, sempre

acompanhada, é claro, do pagamento do tributo devido e de seus penduricalhos legais. É o

que diz o artigo 138 do Código Tributário.

A fase não contenciosa finda com a lavratura do Termo de Encerramento de

Procedimento Fiscal e, se for o caso, com a lavratura de auto de infração, toda vez que for

verificado o descumprimento de obrigações fiscais, ocasião em que será formalizado o ato

administrativo de lançamento do tributo ou a imposição de penalidade.

O auto de infração deve trazer todos os elementos constitutivos da relação tributária tais

como: identificação do sujeito, assinatura da autoridade responsável pela ação fiscal,

descrição pormenorizada dos fatos imputados, tipificação legal relativa às exações e

penalidades impostas, valor do crédito tributário e prazos para pagamento e impugnação, além

de local e data em que se deu o lançamento.

Dos elementos acima citados, sobressai-se a descrição dos fatos que configuraram

infração à legislação tributária. Tal descrição, segundo Hugo de Brito Machado:

78

Trecho de acórdão que reduz o mandado de procedimento fiscal a mero instrumento de controle interno –

posição que veementemente discordamos: “MPF – O Mandado de Procedimento Fiscal é mero instrumento

interno de planejamento e controle das atividades e procedimentos fiscais, não implicando nulidade dos

procedimentos fiscais as eventuais falhas na emissão e trâmite desse instrumento." (Acórdão nº 107 08028 –

Sessão de 13/04/2005 – Por unanimidade de votos – Rel. Cons. Nilton Pêss – D.O.U. de 20/03/2006, Seção 1, p.

37).

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(...) há de ser objetiva, clara e tão completa quanto necessária a que o autuado possa

saber de que realmente está sendo acusado, pois, a não ser assim, não terá condições

para o exercício da plena defesa que lhe assegura a Constituição Federal.

O próprio nome do documento, vale dizer, a expressão “auto de infração”, está a

dizer que é da essência deste a descrição do fato tido como infringente da lei, porque

auto quer dizer descrição, e auto de infração, portanto, é descrição da infração, que é

a descrição do fato contrário à lei.79

Nesta fase do lançamento, de natureza predominantemente inquisitória, embora

inexistindo contraditório e ampla defesa, deve ser franqueado ao sujeito passivo amplo acesso

a todos os elementos de prova utilizados pelo fisco para a efetivação do lançamento.80

Veja

que não estamos a defender que o sujeito passivo embarace a atividade fiscal de constituição

do crédito, mas que, após a constituição deste, seja dado ao contribuinte conhecimento de

tudo o que foi usado para que o Fisco concluísse pela existência de tributos devidos ou

aplicação de pena pecuniária.81

Entendemos, ainda, que, para maior segurança do autuado,

devam estas informações constar de forma minudente da descrição dos fatos que integra o

auto de infração.

Concordando o sujeito passivo com o tributo lançado ou a penalidade imposta,

extingue-se o crédito tributário pelo pagamento ou suspende-se, pelo parcelamento do mesmo.

De outra banda, não aquiescendo com os valores lançados, resta ao contribuinte impugná-lo

em prazo legalmente fixado, que, para os tributos federais, é de trinta dias.

79

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009,

p.448.

80

Trata-se aqui de garantia assegurada na seara penal já devidamente sumulada pelo Supremo Tribunal Federal

(Súmula Vinculante nº 14), mas plenamente aplicável, a nosso ver, ao processo administrativo fiscal: “É direito

do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em

procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao

exercício do direito de defesa”.

81

Nesse sentido apresentamos ementa de acórdão proferido pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais:

"PROCEDIMENTO FISCAL – CERCEAMENTO DE DIREITO DE DEFESA – Por ter o procedimento fiscal

natureza inquisitória, não se aplica nessa fase o direito ao contraditório e à ampla defesa. Somente depois de

cientificado da exigência e dos elementos em que se funda, pode o contribuinte impugnar a exigência, devendo

para tanto ser-lhe franqueadas amplas condições para o exercício do direito de defesa. Verificando-se que o auto

de infração e seus anexos permitem ao autuado amplas condições de conhecer os fundamentos da exigência e,

portanto, exercer o amplo direito ao contraditório, não há falar-se em cerceamento do direito de defesa."

(Acórdão n° 104-21003 – Sessão de 13/09/2005 – Por unanimidade de votos – Rel. Cons. Pedro Paulo Pereira

Barbosa).

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2.5. Fase Contenciosa do Lançamento

A fase contenciosa representa o ato de o contribuinte resistir ao lançamento do tributo

cujo lançamento foi efetuado de ofício pela autoridade fiscal.

O sujeito passivo inconformado com o lançamento do tributo ou com a aplicação de

penalidade poderá, no prazo de trinta dias contados da ciência do auto de infração, apresentar

impugnação perante o órgão de julgamento de primeira instância que, no caso dos tributos

federais, é a Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento, órgão de formação

colegiada, característica esta que já o faz diferente da maioria dos órgãos administrativos de

julgamento estaduais e municipais. Os julgamentos colegiados tendem a uma maior

legitimidade, tendo em vista que há o aprofundamento do debate da matéria por todos os

julgadores, permitindo o confronto de teses jurídicas e a busca da verdade por meio do

consenso.

Após o julgamento de primeira instância, restando inconformado, o sujeito passivo

poderá interpor, no mesmo prazo de trinta dias, recurso para o Conselho Administrativo de

Recursos Fiscais, que representa o órgão de julgamento de segunda instância, também de

formação colegiada.

Da decisão do órgão recursal cabem ainda embargos de declaração e recurso especial

Os embargos de declaração são possíveis quando o acórdão contiver obscuridade,

omissão ou contradição entre a decisão e os seus fundamentos, ou for omitido ponto sobre o

qual devia pronunciar-se a turma, podendo ser interpostos por conselheiros, pelo Procurador

da Fazenda Nacional, pelos Delegados de Julgamento, pelo titular da unidade da

administração tributária encarregada da execução do acórdão ou pelo recorrente, mediante

petição fundamentada dirigida ao presidente da Câmara, no prazo de 5 (cinco) dias contado da

ciência do acórdão.82

O recurso especial, cuja competência para julgamento é da Câmara Superior de

Recursos Fiscais, pode ser manejado quando houver decisão que tenha dado à lei tributária

82

Conforme Regimento Interno do CARF, aprovado pela Portaria MF 256 de 22 de junho de 2009.

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interpretação diversa daquela dada por uma câmara, turma de câmara, turma especial ou a

própria Câmara Superior de Recursos Fiscais.

No caso de decisão favorável ao contribuinte e sempre que o valor do crédito for

superior ao valor de um milhão de reais deverá haver recurso de ofício para o conselho de

contribuintes.83

Nesta fase contenciosa, o processo administrativo segue seu curso de forma semelhante

ao que se dá no processo civil comum, com a prática de atos de instrução, produção de

provas, inclusive realização de perícias e diligências, seguido de julgamento em primeira

instância.

Não há, infelizmente, diga-se de passagem, no nosso ordenamento jurídico, um Código

de Processo Administrativo à semelhança do que ocorre com o processo civil. Na falta de uma

codificação, este tipo de processo é conduzido, primordialmente, pelos dispositivos do

Decreto 70.235/72, incorporado ao ordenamento com status de Lei. Entretanto, como este

instrumento legal não traz, no seu bojo, a carga principiológica que deve ser aplicada a

quaisquer tipos de processo, utiliza-se, subsidiariamente, o disposto na Lei 9.784/99,

considerada lei geral do processo administrativo, e, ainda, o nosso Código de Processo Civil

(Lei 5.869/73).

2.6. Breve Histórico do Processo Administrativo Fiscal Brasileiro

O Conselho de Estado, órgão do Ministério da Fazenda criado pelo Marquês de Pombal,

em 1761, é considerado o marco inicial do processo administrativo fiscal brasileiro.

Até o advento da Emenda Constitucional nº1/1969, o processo administrativo fiscal era

regido por leis esparsas, em quantidade muito maior do que as hoje existentes.

Diante da premente necessidade de se regrar o processo administrativo fiscal, a junta

militar que governou o país, tendo por supedâneo legal Ato Institucional, editou o Decreto-Lei

83

Conforme artigo 34, I, do Decreto-Lei 70.235/72.

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nº 822/1969, delegando ao Poder Executivo competência para regular esta espécie de

processo.84

Com base na competência a ele atribuída o Poder Executivo editou o Decreto

70.235/72, em 06 de março de 1972, o qual estruturou os órgãos de julgamento do Ministério

da Fazenda e reorganizou o Conselho de Contribuintes85

, colegiado responsável pela instância

administrativa recursal.

Embora a Constituição de 1988 tenha estabelecido que apenas a lei é instrumento

bastante para a produção de normas processuais, o Decreto 70.235/72 foi recepcionado pela

mesma com tal status, tendo em vista que no regime constitucional brasileiro inexiste o

fenômeno da inconstitucionalidade formal superveniente.

Não obstante, o Decreto 70.235/72 só pode ser revogado ou alterado mediante lei, e não

mais por espécie normativa de mesma hierarquia formal, quais sejam, decretos presidenciais

expedidos na forma do artigo 84, inciso IV, da Constituição de 1988.

Como a Constituição de 1988 trouxe, no rol de direitos e garantias fundamentais, o

direito de petição aos órgãos públicos, ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla

defesa em processos judiciais e administrativos, além de reforçar outros princípios oriundos

de Cartas Políticas anteriores, deflagrou-se a necessidade de se instituir, em sede de processo

administrativo, um instrumento legal que estivesse à altura dos princípios processuais

carreados pela atual Constituição. Tal instrumento veio ao mundo jurídico sob a forma da Lei

n° 9.784/99, que passou a regular o processo administrativo na esfera federal. Sendo

considerada como Lei Geral do Processo Administrativo, conforme já destacado, passou a ter

84

Decreto-Lei 822/1969:

Art. 1°. Independe de garantia de instância a interposição de recurso no processo administrativo fiscal de

determinação e exigência de créditos tributários federais.

Art. 2°. O Poder Executivo regulará o processo administrativo de determinação e exigência de créditos

tributários federais, penalidades, empréstimos compulsórios e o de consulta.

A legitimidade da delegação de competência constante no Decreto-Lei nº 822/69 foi referendada pelo Tribunal

Federal de Recursos (Apelação em Mandado de Segurança nº 106.747), bem como pelo Superior Tribunal de

Justiça, como se pode inferir do Recurso Especial nº 1.314 (publicação no Diário da Justiça em 18/12/1989),

conforme ROCHA, Sergio Andre in Processo Administrativo Fiscal. Controle Administrativo do

Lançamento Tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.296.

85

O antigo Conselho de Contribuintes foi substituído pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais -

CARF, criado pela Medida Provisória nº 449, de 2008, convertida na Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009, e

instalado pelo Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado da Fazenda em 15/2/2009, mediante Portaria MF nº 41,

de 2009.

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aplicação subsidiária para a resolução de controvérsias surgidas na ambitude das relações

havidas entre fisco e contribuinte.

No campo da aplicação subsidiária de normas processuais de caráter geral ao processo

administrativo fiscal, há de se ressaltar, mais uma vez, a possibilidade do julgamento

administrativo abeberar-se também das prescrições contidas no Código de Processo Civil

Brasileiro.

2.7. Processo Administrativo Fiscal: Faculdade ou Obrigação Legal?

Questão sempre recorrente é a que orbita em torno da previsão legal da fase contenciosa

do lançamento. Tem o processo administrativo o timbre de dever do ente estatal competente

para instituir o tributo ou é mera faculdade deste?

Entendemos que o processo administrativo fiscal como instrumento de resolução de

conflitos entre Fisco e Contribuinte é obrigação imposta a todos os entes estatais: União,

Estados e Municípios, em relação aos tributos para os quais receberam a incumbência

constitucional de instituí-los.

A base da afirmação que sustentamos acima é o próprio artigo 5º, inciso LV, da

Constituição de 1988, que estabelece que “aos litigantes em processo judicial ou

administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa com

os meios e recursos a ela inerentes.”

Alguns doutrinadores, entretanto, sustentam que o processo administrativo fiscal tem

caráter obrigatório apenas para os casos de infração, quando é aplicada uma pena pecuniária

ao infrator de dispositivo da legislação tributária. Para eles o princípio do devido processo

legal, no âmbito da administração tributária, se aplica somente aos casos de acusados de

infração fiscal.

Seguindo a linha de pensamento acima exposta, podemos citar o escólio de José

Frederico Marques:

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61

Para impor – verbi gratia – multa fiscal, a Fazenda Pública não necessita do prévio

controle jurisdicional da magistratura. Também as conseqüências e reflexos dessa

imposição de multa independem de tal prévio controle. Todavia, sem o devido

processo legal, a multa não pode ser imposta na instância administrativa, para que,

depois, o administrado procure socorrer-se de remédios judiciais. Já na esfera

administrativa o devido processo legal tem de ser atendido, em virtude das imediatas

restrições à vida financeira do administrado que a multa acaba por constituir e criar.

Trata-se, a nosso ver, de equívoco na exegese de um direito fundamental, impingindo a

este interpretação restritiva, quando a regra para interpretação desses direitos aponta para

direção radicalmente oposta, qual seja, a de maximização dos seus sentido e alcance.

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CAPÍTULO 3: CONSECTÁRIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL NO

PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO

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3.1. Princípio do Juiz Natural

A denominação princípio do juiz natural, também chamado de juiz legal, fez-se

presente, pela primeira vez, na Lei Francesa de 1790, segundo a qual “A ordem constitucional

das jurisdições não pode ser perturbada, nem os jurisdicionados subtraídos de seus juízes

naturais, por meio de qualquer comissão nem mediante outras atribuições ou evocações, salvo

nos casos determinados pela lei”.86

Também a Constituição francesa, em 1791, deu ao princípio lugar de destaque naquela

Carta ao preconizar que “os cidadãos não podem ser subtraídos dos juízes que a lei lhes

atribui, por nenhuma comissão, nem por outras atribuições e evocações, além das

determinadas pela lei”.87

Embora o conteúdo do princípio tenha sido mais claramente expresso pelas normas

francesas, seu espírito e, portanto sua mais remota origem, já figurava no texto da Carta

Magna de 1215, em mais de um dispositivo, conforme atestam os artigos 20, 21 e 39.88

Gilson Bonato, mencionando Ada Pelegrini Grinover, em obra já aqui citada, observa,

todavia, que há de se entender os conteúdos dos artigos acima referidos de acordo com o

sistema feudal de justiça que vigia na época, cuja distribuição cabia aos nobres proprietários

de terras.

Após a estatização da justiça é que surgiram os denominados juízes itinerantes que

atuavam, inicialmente, como meros inspetores, os quais somente depois passaram a

desempenhar a função jurisdicional, ao lado das Cortes Feudais já existentes.

86

Artigo 17 do Título II da referida lei, conforme BONATO, Gilson. Devido Processo Legal e Garantias

Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p.132.

87

Artigo do 4º do Capítulo V da Constituição Francesa, também conforme BONATO, Gilson. Devido Processo

Legal e Garantias Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p.132.

88

Artigo 20: “Nenhuma multa será lançada senão pelo juramento de homens honestos da vizinhança”

Artigo 21: “condes e barões não serão multados senão pelos seus pares, e somente de conformidade com o grau

de transgressão”

Artigo 39: “nenhum homem livre será preso ou detido em prisão ou privado de suas terras, ou posto fora da lei o

banido ou de qualquer maneira molestado; e não procederemos contra ele, nem o faremos vir a menos que por

julgamento legítimo de seus pares e pela lei da Terra”.

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Bonato sustenta, ainda com base no escólio de Grinover, que o sentido do princípio

naquele tempo ainda não pode ser considerado como o da garantia contra juízes

extraordinários, constituídos ex post facto. O que se pode aferir do texto inglês é que, dentro

do sistema feudal, o julgamento se dava “pelos seus pares”.

A outra garantia, qual seja, a de que nenhum juízo seria constituído ex post facto, seria

consagrada na Petition of Rights, de 1627 e, depois, também, no Bill of Rights, de 1628,

motivada pelo fato de a coroa britânica ter nomeado, mesmo após a estatização da justiça,

comissários com poderes para a aplicar a justiça da lei marcial contra soldados, marinheiros e

pessoas que a eles se reunissem e que houvessem praticado roubo, crime grave, motim ou

qualquer outra infração ou delito.89

É de se notar que, conforme assenta Gilson Bonato, em território americano o princípio

extraído dos artigos 21 e 39 da Magna Carta recebeu interpretação mais extensiva que aquela

empreendida pelo povo inglês. O nascente constitucionalismo americano, influenciado que foi

pela filosofia iluminista, tinha a clara idéia de que, além da proibição de juízos post facto, e

mais importante ainda do que isto, o postulado do juiz natural deveria significar a

inderrogabilidade de um juízo, a qual não podia ser vista como critério de organização

judiciária, mas como garantia da imparcialidade do juiz.

Na França, também por influência do iluminismo e, sobretudo, pelos ideais da

Revolução Francesa, os tribunais de exceção já haviam sido abolidos através da extinção das

justiças senhoriais, verdadeiros tribunais. Isto possibilitou que, em França, a subtração do

julgamento pelos juízos naturais fosse proibida através de três garantias: impossibilidade de

existência de comissões, de outras atribuições ou de evocações.

Conforme Bonato:

A comissão compreendia a instituição de órgãos jurisdicionais sucessivos ao crime,

estranhos à organização judiciária e não previstos em lei. Em síntese, eram juízos

extraordinários, ex post facto. Já a evocação dizia respeito à possibilidade de

designação de órgão julgador pertencente à organização judiciária diverso do

previsto em lei, por ordem do soberano e posterior ao crime. Atualmente, tal

89

Na época, existiam certas pessoas nomeadas como comissários para proceder segundo a justiça da lei marcial

Na petição, então, era pedido que nenhum homem livre fosse julgado por comissões, que eram contrárias às leis

e aos costumes do reino. “Poder de comissão é a instituição de órgãos jurisdicionais sem prévia previsão legal e

estranhos à organização judiciária estatal. Eram, enfim, juízes extraordinários, ex post facto”, conforme

PORTANOVA, Rui in Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p.64.

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instituto é conhecido ou assemelha-se à derrogação de competência. Por fim, o

poder atribuição – este de origem incontestavelmente francesa, enquanto os dois

primeiros respectivamente no direito inglês e americano -, dizia respeito à

possibilidade de atribuição de competência relativa a certas matérias, previamente à

ocorrência do crime, correspondente aos atuais juízos especiais.90

Conforme ainda Bonato, na mesma citada obra, o próprio desenvolvimento do

constitucionalismo francês excluiu a proibição de criação de juízos especiais, restando o

sentido clássico do princípio, que é a proibição de juízos ex post facto.

Devido à grande importância do princípio do juiz natural, ele passou a campear o

ordenamento constitucional de vários países, conforme a seguir será demonstrado.

A legislação italiana o adotou tomando como fundamento a proibição de criação de

tribunais extraordinários, sendo que, atualmente, a Constituição da Itália, de acordo com

Gilson Bonato, “separou a proibição da subtração do juiz natural do impedimento de criação

de tribunais extraordinários”.91

No direito espanhol, utiliza-se a expressão juiz competente ao invés de juiz natural,

garantindo a Constituição espanhola a todos o direito a um juiz ordinário pré-determinado por

lei, conforme assevera Luiz Flávio Gomes.92

Na Alemanha, conforme ainda o citado autor, a expressão utilizada é juiz legal. O artigo

105 da Constituição de Weimar prevê a proibição de tribunais de exceção e, na Lei

Fundamental de Bonn, artigo 101, está consignado que não pode ser criada jurisdição de

exceção.

90

BONATO, Gilson. Devido Processo Legal e Garantias Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2003, p.135-136.

91

BONATO, Gilson. Devido Processo Legal e Garantias Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2003, p.136. O referido autor também cita o exato teor do artigo 71 do Estatuto Albertino que acolheu

inicialmente o princípio “Ninguém pode ser subtraído de seus juízes naturais. Não poderão, portanto, ser criadas

comissões ou tribunais extraordinários a qualquer título e sob qualquer denominação”. Prossegue citando ainda o

artigo 25 da Constituição italiana que acolhe o princípio do juiz natural: “Ninguém pode ser subtraído do juiz

natural pré-constituído por lei.” Já o artigo 102 prevê a vedação à criação de tribunais extraordinários: “A função

jurisdicional é exercida pelos magistrados ordinários instituídos e regulados pelas normas de organização

judiciária. Não podem ser instituídos juízos extraordinários ou juízes especiais. Podem somente instituir-se, junto

aos órgãos jurisdicionais ordinários, seções especializadas para determinadas matérias, mesmo com a

participação de cidadãos idôneos, estranhos à magistratura. A lei regula os casos e as formas de participação

direta do povo na administração da justiça.”

92

GOMES, Luiz Flávio. Apontamentos sobre o Princípio do Juiz Natural. RT 703, 1994, p.417-422.

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66

Também a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia

Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, prevê, no artigo 10, a citada garantia.93

3.1.1. O Princípio do Juiz Natural nas Constituições Brasileiras

O princípio do juiz natural, de um modo geral, sempre esteve presente nos textos

constitucionais brasileiros, conforme podemos observar através da história política do país.

A Constituição de 1824, no seu artigo 179, inciso XVII, o acolheu com seus dois

importantes significados que são a proibição de juízos extraordinários e a subtração do

julgamento pelo juízo natural, através da transferência da causa para outro tribunal. Não

havia, todavia, proibição para criação de juízos especiais, desde que sua instituição se desse

anteriormente ao caso a ser julgado. O artigo 149, inciso II, referia que “ninguém será

sentenciado senão pela autoridade competente, por virtude de lei anterior e na forma por ela

estabelecida.”

A Constituição de 1891 manteve o espírito da anterior, porém não impôs vedação à

criação de juízos extraordinários (artigo 72, parágrafo 23). O parágrafo 15 do mesmo artigo

reproduzia o teor do artigo 149, inciso II, da Constituição passada.

A constituição de 1934 acrescentou à garantia do juiz competente, a expressão

“ninguém será processado nem sentenciado...”, porquanto as anteriores apenas referiam-se a

“ninguém será sentenciado...”.

A Carta de 1937, outorgada durante a vigência do governo do Estado Novo, suprimiu o

princípio do seu texto, sendo o mesmo resgatado pela Constituição seguinte, a de 1946.

A Constituição de 1967 não mencionou a garantia do juiz competente, mantendo

somente a garantia da proibição de foros privilegiados e tribunais de exceção.

Já o texto da Constituição Brasileira de 1988 não deixou de explicitar as duas garantias

do juiz natural, a exemplo dos textos constitucionais de outros países: “não haverá juízo ou

93

Artigo 10 da Declaração dos Direitos do Homem: “todo homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e

pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou

do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”.

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tribunal de exceção” (CF/88, art.5º, inc. XXXVII) e “ninguém será processado nem

sentenciado senão pela autoridade competente” (CF/88, art.5º, inc. LIII).

O princípio em questão, atualmente, não é visto somente como uma garantia das partes,

mas como instrumento de garantia da própria jurisdição, coibindo manipulações políticas dos

julgamentos, permitindo que estes sejam produzidos como expressão da imparcialidade do

Estado. Sobre a imparcialidade necessária do juiz, vale assimilar lição de Antonio Carlos de

Araújo Cintra:

O caráter de imparcialidade é inseparável do órgão da jurisdição. O juiz coloca-se

entre as partes e acima delas esta é a primeira condição para que possa exercer sua

função dentro do processo. A imparcialidade do juiz é pressuposto para que a

relação processual se instaure validamente. É nesse sentido que se diz que o órgão

jurisdicional deve ser subjetivamente capaz. A incapacidade subjetiva do juiz, que se

origina de suspeita de sua imparcialidade, afeta profundamente a relação processual.

Justamente para assegurar a imparcialidade do juiz, as constituições lhe estipulam

garantias (Const. Art.95), prescrevem-lhe vedações (art.95, par. Único) e proíbem

juízos e tribunais de exceção (art. 5º, inc. XXXVII).94

A imparcialidade constitui, portanto, mais um atributo do princípio do juiz natural.

Desta forma podemos afirmar, com base na doutrina de Nelson Nery Junior, o caráter

tridimensional do princípio, significando que “1) não o haverá juízo ou tribunal ad doc, isto é,

tribunal de exceção; 2) todos têm o direito de se submeter a julgamento (civil ou penal) por

juiz competente, pré constituído na forma da lei; 3) o juiz competente tem de ser

imparcial”. 95

Apenas queremos acrescentar à lição do renomado mestre o fato de que o direito ao

julgamento por juízo competente não está restrito apenas aos processos civil e penal, mas se

estende a toda espécie de processo, com é o caso do processo administrativo tributário, o qual,

à semelhança dos outros dois, representa a demonstração da força coativa do Estado ao

restringir direitos e garantias fundamentais, devendo às partes ser assegurados todos os

postulados constitucionais atinentes ao processo.

94

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo et al. Teoria Geral do Processo. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2002,

p.34.

95

NERY JUNIOR, Nelson, Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. Processo civil, penal e

administrativo 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p.126.

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68

A imparcialidade é assim condição para que um juiz atue, sem favorecer qualquer parte,

para que o julgamento não comprometa a justiça por ele almejada.

3.1.2. O Princípio do Julgador Natural

Conforme já dissemos, o princípio do juiz natural se aplica por igual ao processo

administrativo, recebendo no âmbito deste a denominação de princípio do julgador natural,

vez que o termo juiz está ligado a órgão do Poder Judiciário investido de jurisdição.

Não importa o termo que se empreste a terceiro incumbido da difícil e árdua tarefa de

aplicar a lei no caso concreto, como se dá com os julgadores administrativos tributários, o que

importa dizer é que qualquer que esteja submetido a julgamento tem o legítimo direito

constitucional à pré-constituição dos órgãos julgadores, compostos de membros

desinteressados no resultado do objeto da lide, orientados que devem estar pelo princípio da

imparcialidade, corolário do princípio do juiz (julgador) natural.

Nesse mesmo sentido, Nery Junior:

O princípio do juiz natural aplica-se indistintamente ao processo civil, ao penal e ao

administrativo. A cláusula constitucional brasileira “ninguém será processado nem

sentenciado senão pela autoridade competente” (CF, 5º, LIII) não distingue o tipo de

processo que é abrangido pela garantia. A constituição imperial de 1824 dispunha

expressamente que a garantia da inexistência de foros privilegiados valia para as

“causas cíveis,ou crimes” (CI/1824 179 § 17). As constituições que se lhe seguiram

não repetiram o termo “causas cíveis”, mas a doutrina sempre entendeu válido o

princípio para o processo civil. Em alguns sistemas, como o constitucional

português, o juiz natural é garantia expressa do processo penal (Const. port. 32, 7).96

O mesmo autor arremata dizendo que o princípio encontra tradução do seu conteúdo na

exigência de determinabilidade dos juízes por meio de leis gerais, na segurança da justiça

material, garantida pela independência e imparcialidade, na fixação da competência através de

critérios objetivos, e na observância dos procedimentos referentes à divisão funcional interna.

96

NERY JUNIOR, Nelson, Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 9ª ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2009, p.131.

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69

Ponto interessante a ser destacado é que a possibilidade de juízos especializados não

compromete o princípio do juiz natural, desde que, claro, sejam previamente instituídos e suas

competências bem definidas, para que seja afastada qualquer hipótese de configuração de

tribunais de exceção. Trata-se, pois, de questão atinente à organização judiciária, visando

melhor aplicação do direito a todos.

A divisão orgânica da justiça encontra semelhança também na Administração tributária

federal, na qual os órgãos de julgamento são divididos em turmas ou câmaras, tratando-se,

respectivamente de Delegacias de Julgamento ou Conselho de Administração de Recursos

Fiscais. Cada turma ou conselho tem competência para julgar um ou mais tributos instituídos

pela União, nestes incluídos, após a fusão do fisco federal, as contribuições sociais destinadas

à Seguridade Social.

A divisão dos órgãos de julgamento, em si mesma, conforme já demonstrado, não traz

nenhuma mácula ao princípio do julgador natural nem à imparcialidade deste. Trata-se, à

semelhança do que ocorre com o Poder Judiciário, de liberdade concedida à Administração

para processar e julgar com melhor qualidade e celeridade os feitos havidos entre o fisco e o

contribuinte.

Dada a velocidade com que se altera a legislação ordinária de cada tributo federal, bem

assim a existência de um número infinito de atos normativos das mais diversas espécies,

muitos, diga-se, não publicados no Diário Oficial da União, a especialização das turmas ou

conselhos, segundo a matéria, é muito bem vinda, porquanto possibilita a que os julgadores

dos mesmos possam ter pleno domínio de toda a legislação e, desta forma, proferiram

melhores decisões, ainda que, ressalte-se, esta tarefa seja dificultada pela enorme quantidade

de processos que aportam aos órgãos julgadores cujos quadros são de difícil preenchimento,

tendo em vista o perfil que deve possuir os auditores julgadores, e a maior importância dada

pela Administração aos quadros voltados para arrecadação e fiscalização dos tributos.

Este raciocínio não nos parece, entretanto, dos mais lógicos, posto que não basta uma

fiscalização eficiente se não se tem, ao lado disso, órgãos de julgamento capazes de aferir se a

ação dos agentes da administração ativa se deu conforme prescrito na Lei e na Constituição.

A questão que nos parece relevante é a possibilidade de criação de turmas e alteração de

competência das mesmas pelos gestores dos órgãos de julgamento – delegados de julgamento

e presidente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.

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Em verdade, o problema da reorganização da competência também se passa no âmbito

do Poder Judiciário e aqui vamos, primeiro, examiná-lo para, depois, retornarmos à seara

administrativa.

No âmbito do Poder Judiciário indaga-se com freqüência pela doutrina se a criação de

novas comarcas e o envio dos processos em andamento para as mesmas representa nódoa ao

princípio do juiz natural. Segundo Gilson Bonato97

, o posicionamento atual é o de que não há

ferimento ao princípio, tendo em vista que a extinção e criação de novas comarcas se dão

mediante lei processual e esta, como se sabe, possui aplicação imediata conforme prescreve o

artigo segundo do Código de Processo Civil. Ressalta o referido autor, entretanto, que

somente o caso concreto dirá se os processos devem ser julgados pelo novo juízo, devendo-se

considerar sempre se houve ou não diminuição no direito de defesa ou se a transferência dos

feitos irá implicar maior dificuldade de compreensão pelo julgador.

No âmbito do Poder Executivo e aqui nos interessa mais de perto a Administração

Tributária Federal, o caso nos parece mais grave. É que a criação e extinção de turmas e

câmaras não ocorrem por previsão de lei, mas por simples Portaria do Secretário da Receita

Federal do Brasil ou presidente do Conselho. Referido ato normativo também tem o poder de

alterar as competências das turmas e conselhos.

Se a criação ou extinção de comarcas, bem assim a competência das mesmas por via de

lei já gera alguma controvérsia doutrinária, não temos dúvida de que a criação ou extinção de

turmas administrativas tributárias por ato normativo do tipo portaria implica malferimento do

princípio do juiz natural. É que, conforme já expressamos, o princípio não admite qualquer

possibilidade de manipulação política que possa retirar da parte o direito de ser julgado pelo

juiz natural, ou que dê ensejo à criação de tribunais extraordinários.

Queremos salientar que ainda que efetivamente isto não ocorra, a mera possibilidade de

existência de qualquer favorecimento, seja para o fisco ou para o impugnante, é suficiente

para condenarmos tal liberdade administrativa, sobretudo quando o exercício da mesma

depende da concretização da vontade de apenas uma autoridade.

Entendemos então que a criação de turmas ou câmaras de julgamento deva se dar

através de lei, que é o tipo de regra apropriado para alterar o processo – qualquer tipo de

97

BONATO, Gilson. Devido Processo Legal e Garantias Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2003, p.141-142.

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processo. Pensar de forma diversa é deixar ao alvedrio da autoridade administrativa a escolha

do julgador, tendo, anteriormente, prévio conhecimento do fato, o que vai de encontro ao

princípio do juiz natural.

Não se compraz o postulado do juiz natural com a simples obediência à competência

territorial, pela qual se fixa o lugar em que deve ser julgada a lide, mas é necessário também

que o julgador com competência material e territorial esteja previamente investido por leis

processuais. Melhor seria que toda a organização dos órgãos judicantes administrativos fosse

tratada por lei específica.

Tudo o que se disse a respeito da criação e extinção de turmas por ato unilateral da

Administração é extensivo, por absoluta identidade quanto às restrições ao princípio do juiz

natural que apontamos, à possibilidade de alteração da competência material de uma turma de

julgamento pelo mesmo instrumento legal, ou seja, por portaria.

A possibilidade de alteração de competência por meio de portaria já foi vedada no

âmbito do Poder Judiciário, como assentou Gilson Bonato:

Exemplo claro de desrespeito ao princípio em questão ocorreu no Estado do Paraná

quando, através de portaria, o Presidente do Tribunal de Justiça criou o projeto

“Paraná sentença em dia”, onde os processos em fase de julgamento eram

distribuídos (sem se saber através de qual critério) a juízes de comarcas diversas

daquela onde estava sendo processado o feito, para simples prolatação de sentença.

Por óbvio, portaria não pode modificar a competência. Mesmo que a atitude fosse

tomada através de lei, também assim feriria o princípio, por infringir a questão

temporal, isto é, a determinação do juízo competente não foi anterior ao fato.98

Prática também violadora do princípio em questão é a possibilidade de criação das

chamadas turmas especiais, no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos fiscais, e da

convocação de julgadores pro tempore para as turmas das Delegacias de Julgamento, pois que

são instituídos post factum e, desta feita, padecem de inconstitucionalidade formal.99

98

BONATO, Gilson. Devido Processo Legal e Garantias Processuais Penais. Rio de Janeiro: Ed. Lumen

Juris, 2003, p.141.

99

Quanto à possibilidade de existência de julgadores pro tempore, examine-se o artigo segundo da Portaria MF

nº 58, de 17 de março de 2006, que disciplina o funcionamento das turmas das DRJs:

Art. 2º As DRJ são constituídas por turmas de julgamento, cada uma delas integrada por cinco julgadores.

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3.2. Princípio da Publicidade

O crédito tributário constituído pelo lançamento, nos moldes preconizados pelo artigo

142 do Código Tributário Nacional, enseja, nos casos em que a constituição se dá através de

lavratura de auto de infração por autoridade administrativa competente, a possibilidade de o

sujeito passivo autuado insurgir-se contra o lançamento efetuado, apresentando aos órgãos de

julgamento defesa administrativa.

O direito de impugnar o lançamento tem como fundamento de validade o inciso LV do

artigo 5º da Constituição Federal, o qual dispõe que “aos litigantes, em processo judicial ou

administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa,

com os meios e recursos a ela inerentes”.

Sendo pública a natureza do processo administrativo fiscal há de reger-se pelo Princípio

da Publicidade, como, aliás, acontece com todos os atos da administração pública, por

imperativo do artigo 37 da Constituição Federal: “A administração pública direta, indireta ou

fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade”.

Sobre o princípio constitucional em comento, deixou registradas suas palavras José dos

Santos Carvalho Filho:

O último princípio mencionado pela constituição é o da publicidade. Indica que os

atos da Administração devem merecer a mais ampla divulgação possível entre os

administrados, e isso porque constitui fundamento do princípio propiciar-lhes a

possibilidade de controlar a legitimidade da conduta dos agentes administrativos. Só

§ 1º As turmas são dirigidas por um presidente nomeado entre os julgadores, sendo uma delas presidida pelo

Delegado da DRJ, que também exerce a função de julgador.

§ 2º Excepcionalmente, as turmas de julgamento das DRJ poderão funcionar com até sete julgadores, titulares ou

pro tempore.

§ 3º A nomeação de Presidente de Turma e a designação de julgadores, titulares ou pro tempore, de que tratam

os §§ 1º e 2º, é de competência do Secretário da Receita Federal, mediante indicação do Delegado da DRJ.

No que tange à previsão de turmas especiais no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais,

examine-se a Portaria nº 256, de 22 de junho de 2009, que aprovou o regimento interno deste colegiado:

Art. 2° Ficam criadas no CARF 21 (vinte e uma) turmas especiais temporárias.

§ 1° As turmas especiais de que trata o caput serão instaladas no ato de designação dos respectivos conselheiros.

§ 2° A competência das turmas especiais fica restrita ao julgamento de recursos em processos de valor inferior

ao limite fixado para interposição de recurso de oficio pela autoridade julgadora de primeira instância.

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com a transparência dessa conduta é que poderão os indivíduos aquilatar a

legalidade ou não dos atos e o grau de eficiência de que se revestem.100

É para observar esse princípio que os atos administrativos são publicados em órgãos de

imprensa ou afixados em determinado local das repartições administrativas. O que importa,

com efeito, é dar a eles a maior publicidade, porque somente em raríssimas hipóteses se

admite o sigilo na Administração.

Em verdade, o princípio da publicidade é garantia da democracia, na medida em que

garante aos administrados que lhes sejam dado conhecimento de todos os atos e decisões

administrativas que possam interferir na sua esfera jurídica, ressalvando a hipótese de sigilo

apenas para situações e circunstâncias que o justificarem.

A publicidade como garantia democrática já foi enaltecida por Noberto Bobbio, quando

assentou que a democracia é o “governo do poder público em público”, daí porque “nada

possa permanecer confinado no espaço do mistério”. 101

Carlos Ary Sunfeld também destacou o papel de relevância da publicidade na

Administração Pública, segundo o que:

A razão de ser do Estado é toda externa. Tudo que nele se passa, tudo que faz, tudo

que possui, tem uma direção exterior. A finalidade de sua ação não reside jamais em

algum benefício íntimo: está sempre voltado ao interesse público. E o que é o

interesse público? O que o ordenamento entende valioso para a coletividade (não

para a pessoa estatal) e que, por isso, protege e prestigia. Assim, os beneficiários de

sua atividade são sempre os particulares. Os recursos que manipula não são seus:

vêm dos particulares individualmente considerados e passam a pertencer à

coletividade deles. Os atos que produz estão sempre voltados aos particulares:

mesmo os atos internos são mero estágio intermediário para que, ao final, algo se

produza em relação a eles. Em uma figura: falta ao Estado vida interior, faltam-lhe

interesses pessoais íntimos. 102

100

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11ª ed. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2004, p.17-18. 101

BOBBIO, Noberto. El Futuro de la Democracia. Tradução José F. Fernandez Santillan. México: Fondo de

Cultura Econômica, 1986, p.65.

102

SUNFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.177 apud

ROCHA, Sergio André. Processo Administrativo Fiscal. Controle Administrativo do Lançamento

Tributário. 3ª ed. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 78.

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O Princípio da Publicidade, conforme se pode extrair dos ensinamentos acima

delineados, no que diz respeito ao processo, é garantia assegurada não apenas às partes

diretamente envolvidas no litígio, mas a toda sociedade, posto que a esta cabe o controle dos

atos administrativos. Busca o princípio o afastamento daquelas decisões que se distanciem do

interesse público e se aproximem do interesse particular.

Enfocando o Princípio da Publicidade no âmbito do Poder Judiciário, registrou Couture:

A publicidade, com sua conseqüência natural da presença do público nas audiências

judiciais, constitui o mais precioso instrumento de fiscalização popular sobre a obra

de magistrados e advogados. No final, o povo é o juiz dos juízes. 103

O que se extrai da citação do referido autor é a premente necessidade de se fundamentar

as decisões resultantes das atuações dos órgãos com competência para julgar. E aqui podemos

tranquilamente ampliar o conteúdo da lição do renomado mestre processualista para abranger

não apenas o processo judicial, mas também o processo administrativo, vez que a constituição

brasileira não fez distinção quanto à aplicação do Princípio da Publicidade. Ao contrário, quis

o legislador constitucional pátrio dar amplo poder de alcance ao princípio, conforme se pode

concluir a partir da redação do inciso LX do artigo 5º, apenas permitindo restrição ao mesmo

nos casos em que estiverem envolvidos o interesse social ou a intimidade das partes.104

A publicidade dos atos processuais se traduz em importante mecanismo de fiscalização

da imparcialidade e independência de magistrados e também de julgadores administrativos.

Este poder de fiscalização da sociedade sobre os atos decisórios não diz respeito apenas às

decisões escritas mas, e principalmente, às discussões e decisões que são tomadas no âmbito

das audiências, sejam elas dirigidas por um único magistrado ou julgador administrativo ou

por um órgão colegiado, como ocorrem nos tribunais e nos julgamentos administrativos de

tributos federais.

Feitas as considerações até aqui, levanta-se a questão se o processo administrativo fiscal

estaria coberto pela exceção à regra constitucional da publicidade dos atos processuais. Para

103

COUTURE, Eduardo. Fundamento Del Derecho Processual Civil. 3ª ed. Buenos Aires: Ediciones Depalma,

1978, p. 192-193.

104

Artigo 5º, inciso LX da Constituição de 1988: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais

quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.

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responder a esta indagação, devemos objetivamente analisar se a publicidade desse processo

causa nódoa ao interesse social ou à intimidade das partes.

Quanto ao primeiro, temos a certeza de que não, posto que não há nenhum interesse da

sociedade a ser resguardado com o sacrifício de seu poder de controle social sobre as decisões

tomadas por órgãos administrativos tributários. Ao contrário, quer a sociedade conhecer a

idoneidade de pessoas e empresas que, não raras vezes, prestam-lhe serviços ou ofertam-lhe

mercadorias para o consumo. Não admitir a publicidade dos processos administrativos

tributários implicaria da mesma forma não se permitir a divulgação de processos de empresas

envolvidas em práticas atentatórias a direito do consumidor, e isso sabemos é vedado pela

legislação pátria.

Quanto a questão de que a publicidade dos processos administrativos fiscais causaria

prejuízo à intimidade das partes, a administração tributária, respaldada por alguns

doutrinadores de renome, cita, em abono à tese de manutenção do sigilo dos feitos, o artigo

198 do Código Tributário Nacional, cuja redação é a seguinte:

Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação,

por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de qualquer informação obtida

em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira dos sujeitos passivos

ou de terceiros e sobre a natureza e o estado dos seus negócios ou atividades.

Entendemos, entretanto, que esta interpretação estaria a confundir sigilo fiscal com

publicidade do crédito tributário constituído.

Isto porque a autoridade administrativa tributária, no desincumbir de seu mister,

examina livros, documentos, contratos, arquivos, etc. dos contribuintes, os quais têm o dever

instrumental de apresentá-los, por força do artigo 195 do Código Tributário Nacional.105

As

informações cujos sigilos devem ser resguardados pela administração tributária são as

relativas à situação econômica e financeira do sujeito passivo, obtidas a partir do exame de

livros, documentos e do que mais for verificado durante a auditoria fiscal. Assim, a autoridade

105

Artigo 195 do Código Tributário Nacional: “Para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação

quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos,

documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais dos comerciantes, industriais ou produtores, ou da obrigação

deste em exibi-los”.

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fiscal deve manter sigilo sobre aqueles dados econômicos e financeiros que lhe subsidiaram

no processo de apuração do tributo devido, o que não se confunde com a publicidade do

crédito tributário constituído e com o processo administrativo relacionado com ele.

Em suma, o artigo 195 do Código Tributário protege o sigilo das informações

econômico-financeiras dos contribuintes, às quais teve acesso a autoridade fiscal durante

procedimento de auditoria, mas não pode infringir a ampla publicidade que deve ter o

processo administrativo, visto que não há motivo que justifique seu enquadramento nas

hipóteses excepcionais relacionadas pela própria Constituição, quais sejam, a proteção do

interesse social e da intimidade das partes.

3.2.1. Julgamento a Portas Fechadas

Se alguma dúvida pode pairar sobre a possibilidade de dar publicidade a toda sociedade

do processo administrativo fiscal, parece-nos mais claro, e distante de qualquer celeuma, que

às partes envolvidas não se pode permitir nenhuma atrofia ao princípio da publicidade ampla

dos atos processuais, nos quais os interesses das mesmas são evidentes. Seria algo como

atribuir sigilo sobre dados à própria pessoa interessada em obter informações que versem a

seu respeito. Tal situação representaria excrescência jurídica que deve ser afastada de

qualquer processo que vise à legitimação da decisão proferida ao seu final.

Entretanto, não obstante o que foi dito, nos julgamentos de primeira instância

administrativa, realizados pelas Delegacias de Julgamento da Receita Federal do Brasil, não é

permitido ao contribuinte ou a seu advogado o acesso ao recinto onde se dá o julgamento do

auto de infração, no qual figura como parte. Em decorrência disso, fica vedada a sustentação

oral, e qualquer outro meio de recurso que possa ser interposto como conseqüência lógica da

ampla garantia de defesa.

Ademais, retira-se da parte e de seu advogado o poder de fiscalizar as decisões

proferidas pelos órgãos de julgamento que alcançarão o patrimônio e, muita vez, até mesmo,

ainda que indiretamente, a liberdade do indivíduo, posto que nos casos em que a autuação

fiscal implicou representação para fins penais para o Ministério Público, por configuração, em

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tese, de crime contra a ordem tributária, o atuar do parquet dependerá da decisão

administrativa que julgou pela procedência ou improcedência do auto de infração.

Não se possibilitando a participação do contribuinte no julgamento agride-se o princípio

da publicidade, na medida em que a presença da parte é poderoso instrumento para assegurar

que os julgadores tenham proferido votos com imparcialidade e impessoalidade, sobretudo

quando os mesmos advêm da própria administração ativa.

Nesse ponto, impossível não citar Gadamer, ao estabelecer que o universo de

compreensão do indivíduo está sempre mediatizado pelo tempo e pelos conhecimentos

próprios de cada um, denominado por ele de pré-conhecimento.

Sendo assim, como afirmar que o voto de determinado vogal não teve por escopo a

proteção sem motivação legal dos interesses do Fisco, ou que não se deu em atendimento ao

cumprimento de metas de julgamento estabelecidas pela Administração? Como assegurar que

antecedeu ao veredicto colegiado uma discussão autêntica de todos os pontos alegados pelo

impugnante? E as diligências administrativas? Será que não foram concedidas com o intuito

de sanar eventuais nulidades materiais arguidas pela impugnante? E quanto aos impedimentos

e suspeições eventuais dos julgadores que não puderam ser arguidos pela parte?

Sem que a presença da parte seja garantida, todos esses questionamentos pairarão sobre

a decisão, deixando de conferir-lhe maior grau de legitimidade.

O mero assentamento nos autos do teor dos ritos processuais não assegura que a

transcrição se deu de forma livre e transparente. O que aqui se discute é a própria identidade

do que foi oralmente debatido com aquilo que foi reduzido a termo. Noutras palavras: discute-

se a transparência da atuação do órgão julgador.

A vedação em comento não se justifica sob qualquer ângulo lógico de análise, visto que

no julgamento administrativo de segunda instância, que se dá no âmbito do Conselho

Administrativo de Recursos Fiscais, em grau de recurso, ao impugnante, por meio de seu

advogado, é dada a participação, inclusive possibilitando-lhe utilização da sustentação oral.

106 Ora, se a função da segunda instância, como sabido, é atuar como órgão revisor da

primeira, então a imediata medida de ofício a ser providenciada deveria ser a anulação do

106

Portaria Nº 256, de 22 de junho de 2009, art. 58: “Anunciado o julgamento de cada recurso, o presidente dará

a palavra, sucessivamente: I - ao relator, para leitura do relatório; II - ao recorrente ou ao seu representante legal

para, se desejar, fazer sustentação oral por 15 (quinze) minutos, prorrogáveis por igual período.

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julgamento realizado nas Delegacias de Julgamento, por infringência ao princípio da

publicidade dos atos processuais – indiscutivelmente válido, pelo menos, para a parte

interessada. Anote-se ainda que a falta de publicidade também provoca nódoas no amplo

direito de defesa e ao contraditório.

Também deve ser feita menção de que, segundo a Lei 8.906/1994, que dispõe sobre o

Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, ao causídico é franqueado

livre acesso a todas as salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios de

justiça, serviços notariais e de registro, e, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora

de expediente e independentemente da presença de seus titulares (artigo 7º, VI, “b”). Já o

inciso XIII do mesmo artigo assegura ao profissional da advocacia examinar, em qualquer

órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de

processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a

sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos. Neste ponto não custa

frisar mais uma vez que não pode existir sigilo para o próprio autuado pelo Fisco.

É ainda de se registrar que não há nenhuma disposição legal expressamente afirmando

que ao contribuinte é vedada a participação no julgamento. Tal proibição não consta nem da

Portaria MF nº 58, de 17 de março de 2006, que disciplina o funcionamento das turmas e

Delegacias de Julgamento, nem do Decreto 70.235, de 6 de março de 1972, que regula o

processo administrativo fiscal.

É certo também que não há dispositivo facultando a presença do contribuinte, mas isso

não pode servir de fundamento para excluir deste tal garantia, visto que esta provem de

regramento constitucional normatizador de direito fundamental e que, portanto, tem eficácia

imediata.

Celso Ribeiro Bastos, sobre a necessária publicidade dos atos processuais, observou

que:

(...) insere-se em um campo mais amplo da transparência da atuação dos poderes

públicos em geral. É uma decorrência do principio democrático. Esse não pode

conviver com o sigilo, o segredo, o confinamento a quatro portas, a falta de

divulgação, porque por este caminho, da sonegação de dados à coletividade, impede-

se o exercício importante de um direito do cidadão em Estado governado pelo povo,

qual seja: o de controle. Não há dúvida portanto de que a publicidade dos atos, e

especificamente dos atos jurisdicionais atende ao interesse das partes e ao interesse

público. Protege o magistrado contra insinuações e maledicências; da mesma forma

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que protege as partes contra um possível arbítrio ou prepotência. E confere à

coletividade, de um modo geral, a possibilidade de controle sobre atos que são

praticados com a força própria do Estado. 107

E o que foi dito pelo ilustre constitucionalista em relação aos atos jurisdicionais e ao

magistrado estenda-se, porque perfeitamente aplicáveis os mesmos princípios, aos atos

decisórios dos colegiados administrativos fiscais e aos seus membros, julgadores

administrativos.

3.2.2 Abolição de Sessões Secretas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo

Antigo Conselho de Contribuintes

Por força dos princípios da publicidade e da motivação das decisões judiciais, o

Supremo Tribunal Federal que também realizava sessões secretas, devido à previsão constante

do seu Regimento Interno, alterou as redações dos dispositivos que tratavam da matéria para

adequá-los aos consectários do devido processo legal.108

Tal fato demonstra o anacronismo da

administração em insistir em prática há muito abolida do nosso ordenamento.

Também já não tem lugar no atual Regimento Interno do Conselho Administrativo

Fiscal,109

antigo Conselho de Contribuintes, dispositivo que estabelecia, no anterior

regimento,110

a possibilidade de a Câmara se reunir em conferência, de caráter reservado, com

a presença apenas de seus membros e de Secretário, por solicitação de qualquer conselheiro.

Em relação a estas reuniões, observou o Professor Hugo de Brito Machado:

107

BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. V.2. Artigos 5º ao 17. São Paulo: Saraiva,

1988, p.285 apud BONATO, Gilson. Devido Processo Legal e Garantias Processuais Penais. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, p.178. 108

A ER 21/07 alterou as redações dos artigos 124, caput; 151 a 153 e 328, VIII do RISTF, pelo que a regra geral

passou a ser a da publicidade das sessões – conforme NERY JUNIOR, Nelson in Princípios do Processo na

Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009,

p.279.

109

Instituído pela Portaria Nº 256, de 22 de Junho de 2009.

110

Artigo 21, inciso III, § 6º, da Portaria nº 55, de 16 de março de 1998.

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(...) e consiste na reunião reservada dos conselheiros, a pedido de um deles, que

certamente tem a dizer aos demais algo que não pode ou não quer dizer

publicamente. Mas que reputa relevante para a decisão, posto que a não ser assim a

conferência secreta não teria nenhum sentido.

Dessa reunião secreta participavam apenas os membros do órgão julgador e um

secretário. Não podem estar presentes, portanto, os representantes da fazenda nem

do contribuinte. Vê-se desde logo um conflito entre esse dispositivo da legislação

inferior e o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, segundo o qual todos os

julgamentos dos órgãos do poder judiciário serão públicos, podendo a lei limitar a

presença, em determinados atos, às próprias partes e seus advogados, ou somente a

estes.111

3.3. Princípio da Oralidade

O princípio da oralidade é um dos princípios base do contraditório, na medida em que

aproxima as partes do juiz, possibilitando-lhes maior poder de influência na decisão das lides.

Não se quer afirmar com isto a prevalência da oralidade sobre a escrita, mas que as duas

coisas devem conviver no processo moderno. A escrita libertou o processo de procedimentos

ilógicos e permitiu que aquilo que apenas era considerado como tradição se transformasse em

princípios positivados pelos sistemas jurídicos.

Inobstante o princípio privilegiar a palavra falada deve-se ressaltar a importância da

colheita e avaliação das provas, de forma que os princípios da oralidade e da documentação

coexistam numa relação complementaridade. A adoção do princípio da documentação puro

acarreta inegável prejuízo para a humanização do processo e efetividade da justiça.

A oralidade permite o contato imediato e pessoal entre os sujeitos do processo para a

resolução justa do conflito, tornando possível o diálogo entre partes e testemunhas, e

aproximando o magistrado ou julgador da situação concreta sobre a qual proferirá um juízo.

111

MACHADO, Hugo de Brito. Conferência Secreta no Processo Administrativo Fiscal. Revista Dialética de

Direito Tributário nº 110, nov/2000, p.41-42.

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81

3.3.1. Idade Média. Predomínio do Procedimento Escrito

O sistema escrito teve seu ápice na Idade Média, dada a crença no fato de que se os

juízes tivessem contato pessoal com as partes, estas poderiam exercer influência direta sobre

aqueles, fazendo-os proferir resultados com base na parcialidade e injustiça.

Desta forma tudo era reduzido a termo para que se evitasse qualquer aproximação do

julgador com os sujeitos do processo e o material de prova.

Em relação a esta, vigorava o sistema tarifário segundo o qual era atribuído à cada tipo

de prova escrita um valor, sendo que, ao final, o juiz deveria proferir sua sentença com base

na média aritmética ponderada de todos os valores.

A certeza de um julgamento justo estava na interpretação infalível das escrituras pelos

juízes, sendo que, nos casos mais complexos, o processo era enviado aos doutores das

Faculdades de Direito para o fim de solucioná-lo, fato que distanciava ainda mais o julgador

da causa submetida à sua apreciação. Sobre a falibilidade do apego demasiado à escrita no

processo penal, escreveu Gustavo Radbruch: “O jogo dos gestos, o enrubescer e empalidecer

do acusado, a hesitação do depoimento testemunhal relutante e a tagarelice ágil do

testemunho decorado, todas as nuanças e imponderabilidades, contudo, perdem-se no

monótono estilo do protocolo". 112

Chiovenda, que sempre foi árduo defensor da oralidade no processo, afirmou que o

sistema feudal, predominante na Idade Média, em muito contribuiu para o desinteresse do juiz

pela celeridade do feito, tendo em conta que a remuneração dos mesmos era aferida com base

em cada ato processual praticado. Isto fazia com que o julgador não demonstrasse nenhuma

pressa pelo andamento do feito, pois que tal não lhe era financeiramente proveitoso.

É de se registrar o grande valor que teve a escrita nesta época, na medida em que

possibilitou a sistematização de informações à proporção que aumentava o número de súditos

ou se expandia o território do soberano.

112

RADBRUCH, Gustav. Introdução à Ciência do Direito. Tradução brasileira de Vera Barkow. São Paulo:

Martins Fontes, 1999, p. 158.

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A escrita permitiu aos governos um acervo organizado de documentos públicos,

entretanto, o apego demasiado à burocracia implicou o distanciamento do centro de decisões

de seus destinatários, a ponto de Peter Burke afirmar que nos primórdios da Idade Moderna

quase todas as monarquias européias transformaram-se em núcleos da burocracia, como

ocorreu com Catarina, da Rússia, e Maria Teresa e José II, da Áustria.113

3.3.2. Tempos Modernos. Mitigação do Procedimento Escrito

Nos tempos modernos, o que se vislumbra é a mitigação do procedimento escrito rígido,

de forma a dar maior valor à oralidade, tendo em conta que esta, como já dito, aproxima o juiz

da causa das partes, exigindo-lhe maior comprometimento com o feito a ser julgado, quebra a

formalização exacerbada que é própria dos procedimentos escritos, além do que, na medida

em que aproxima os sujeitos do processo, imprime maior grau de humanização ao mesmo.

Segundo Mauro Cappelletti, o princípio atualmente guarda o significado da socialização

progressiva do direito e do processo em especial. Registra ainda o autor que o processo

deixou de ser um fenômeno eminentemente socialista para se tornar um fenômeno mundial.

A idéia de processo moderno é a de uma instituição voltada para o bem-estar social, na

qual o juiz assume posição ativa de assistência das partes, concorrendo com estas para a busca

da verdade, pois é através da mesma que a justiça, fim último do processo, se revelará.

Por esta concepção de processo, abandonou-se a idéia de que o julgador não passa de

um árbitro isolado. O juiz, tanto quanto as partes, tem interesse na decisão da lide, vez que

com esta é que se alcançará a finalidade perseguida por ele, que é a pacificação social dos

conflitos. Trata-se, assim, segundo o mesmo autor, de um fenômeno de democratização do

processo. 114

113

BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento: de Gutemberg a Diderot. Tradução. Plínio

Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 111/112. 114

CAPPELLETTI, Mauro. Procédure Orale e Procédure Écrite – oral and written procedure in civil

litigation. In Studi di diritto comparato. Milano : Giuffrè, 1971. 116 p.) apud SILVA, Tatiana Mareto. O

Princípio do Juiz Natural e a Distribuição de Processos nos Juizados Especiais Cíveis no Espírito Santo in

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 8 - Junho de 2006, p.505. Disponível em

http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista08/Discente/Tatiana.pdf. Acesso em 29/03/2010 às

10:23h.

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3.3.3. Postulados do Princípio da Oralidade

O princípio da oralidade implica ainda nos postulados da imediação, da identidade física

do juiz e da concentração. Pelo primeiro postulado, deve o juiz da causa estar presente quando

da produção da prova, podendo formar seu convencimento a partir da observação direta do

depoimento das partes e testemunhas ou da realização de perícias.

A identidade física das partes com o juiz da causa está intrinsecamente ligada à

mediação, pois de nada adiantaria a presença do juiz a todos os atos processuais, se outro

fosse o prolator da sentença. Nesse caso, a oralidade teria perdido a sua razão de ser, posto

que a decisão teria se dado através de registros operados pelo primeiro juiz, o que, no fundo,

significaria um retorno à decisão com base nos papéis.

Pelo postulado da concentração, deve haver uma diminuição do tempo entre a fase

instrutória e a decisória, devendo o juiz julgar pelo seu convencimento formado no menor

número de audiências possível.

3.3.4. O Princípio da Oralidade no Processo Brasileiro

O Código Civil de 1939 adotou o procedimento oral, conforme se aduz de sua

Exposição de Motivos, entretanto, conforme anota Ada Pellegrini Grinover, é raro a

identificação da oralidade na sua forma pura, sendo mais comum a utilização do

procedimento misto, isto é, a conjugação da palavra escrita com a palavra falada. E o que se

disse sobre o processo civil, vale também, segundo a mesma autora, para o processo penal. 115

Já o processo trabalhista destaca-se pela adoção do princípio da oralidade, rompendo,

conforme Grinover, com os “esquemas clássicos, estruturados para acudir a um processo de

índole individualista e elitista”.116

115

GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006,

p.348.

116

GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p.349.

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Merece destaque, no campo da utilização do princípio abordado, a Lei dos Juizados

Especiais (Lei nº 9.099/95) que adotou expressamente a oralidade, atendendo apelo do artigo

98, inciso I, da Constituição de 1988, para o julgamento de causas cíveis de menor

complexidade, e infrações penais de menor potencial ofensivo. 117

Infelizmente, no processo administrativo fiscal federal, o princípio da oralidade goza de

pouco ou quase nenhum prestígio. Não há neste tipo de processo nenhuma previsão para que

o julgador promova a oitiva de testemunhas ou que esteja presente no momento da produção

de determinada prova, ou mesmo que determine de ofício a realização de perícia.

Nem mesmo o parágrafo 4º do artigo 9º do Decreto 70.235/72, com a redação imposta

pela Lei 11.941/09, abraçou o princípio, posto que prevê para a constituição do crédito

tributário ou aplicação de multa que os depoimentos, laudos, e demais elementos de prova

sejam todos reduzidos a termo. Ou seja, o julgador sempre decidirá com base no que está dito

“no papel”, afastando-se qualquer contato dele com as partes, negando-lhe os benefícios da

oralidade já ressaltados por Radbruch. Em matéria de prova, a documental ganhou lugar de

destaque. Como se pode concluir da leitura do artigo, elegeu-se como principal meio de prova

a escrita.

3.3.5. Sustentação Oral no Processo Administrativo Tributário

A Sustentação oral é o meio pelo qual o representante da parte, na tribuna, defende os

interesses desta, reforçando os argumentos desenvolvidos na impugnação escrita, com a

finalidade de persuadir o relator e os demais membros do órgão colegiado.

O instrumento está regulamentado tanto pelos códigos de processo quanto pelos

regimentos internos dos tribunais, sendo mais comum o proferimento da palavra do advogado

após a leitura do voto pelo relator e antes da pronúncia do voto deste e dos demais vogais.

117

Confira-se o art. 2º da Lei 9.099/95: “O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade,

informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.”,

e o artigo 98, I, da Constituição Federal: “A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I -

juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o

julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial

ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação

e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau”.

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A possibilidade de o causídico fazer uso da sustentação oral, em qualquer processo, seja

em instância judicial ou administrativa, pelo prazo de quinze minutos, salvo se outro maior

não lhe for concedido, foi formalmente prevista pelo Estatuto dos Advogados (Lei nº

8.906/94), no inciso IX do artigo 7º. Entretanto, o dispositivo foi considerado inconstitucional

pelo Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 127-

8/DF. Desta forma, por decisão do Supremo, a sustentação oral não é instrumento de que se

possa valer o advogado em qualquer caso diretamente, devendo o mesmo estar regulamentado

por algum ato normativo do Executivo ou regimento interno do tribunal.

A previsão da sustentação oral, em qualquer espécie de processo, malgrado a decisão do

Supremo Tribunal Federal, deve ser vista como forma de implemento da ampla defesa

concedida aos litigantes prevista pelo inciso LV da Constituição de 1988. Por este prisma,

parece-nos que o advogado tem o direito constitucional de acudir-se da sustentação oral,

sempre que necessário for, para que possibilite à parte o exercício de sua defesa com maior

amplitude.

Cabe ao advogado a tarefa de reunir todos os meios legais que possam favorecer a

defesa de sua tese, e neste ponto, a sustentação oral, se afigura como um desses meios mais

eficazes. Não se está aqui defendendo que a oralidade da defesa seja sempre empreendida,

mas dizendo-se que sempre que esta forma de exposição for propícia para multiplicar o poder

de convencimento do órgão julgador, deveria ser livremente facultada ao representante da

parte.

A importância da oralidade nos julgamentos proferidos por órgãos colegiados, como os

tribunais e também os órgãos de julgamento da administração tributária federal, está na

possibilidade de o orador, com seu discurso persuasivo, poder influenciar o voto dos demais

vogais, os quais, muitas vezes, só tomam conhecimento do processo quando da leitura do voto

pelo relator.

A sustentação pode ainda, embora raro, ter o efeito de convencer o relator a alterar o seu

voto, tendo em vista que o grande volume de processos distribuídos não permitem sempre

uma análise profunda dos fatos e das provas constantes dos autos, elementos estes que podem

ser melhor elucidados pela palavra na tribuna do advogado, que teve mais tempo para se

debruçar sobre todas as nuances da causa.

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É de se notar que a mera presença do advogado nas sessões de julgamentos já desperta

maior atenção dos julgadores e maior acurácia de seus votos para o deslinde do feito. A

palavra do advogado pode, se bem manejada, e desde que revestido de alto grau de

convencimento, influenciar o voto dos julgadores, mesmo daqueles que antes já tenham

preparado o seu veredito.

No âmbito da Administração Pública federal, como já dissemos, tanto o órgão de

primeira quanto o de segunda instância são colegiados, o que, à primeira vista, muito favorece

a adoção da sustentação oral na forma mais ampla possível. Contudo, tecendo a exame mais

detalhado do funcionamento destes órgãos, observa-se que, sem motivo plausível, apenas o

Conselho Administrativo de Recursos Fiscais possui ato normativo com vista a permitir a

sustentação oral pelo advogado da parte, enquanto que, nas Delegacias de Julgamento, tal

direito não é facultado ao causídico por falta de previsão legal.118

A Administração judicante de primeira instância frequentemente alega que a presença

do advogado da parte e a possibilidade de sustentação oral pelo mesmo demandaria mais

tempo destinado ao julgamento, o que impactaria ainda mais o escoamento do enorme estoque

de processos que compõem a realidade das Delegacias de Julgamento.

Não temos dúvida de que a presença do advogado acarretaria maior tempo para

conclusão do julgamento. Entretanto, se atentarmos para o fato de que à sustentação oral, em

regra, como praticado no âmbito do Conselho de Administração de Recursos Fiscais, são

dedicados apenas quinze minutos, concluiremos que o acréscimo na duração de cada sessão

não é tão representativo assim. Além do mais, nem sempre haverá a utilização do instrumento

por parte do advogado, vez que, para aquelas matérias já pacificadas no âmbito

administrativo, para as quais poucas discussões são cabíveis, a oralidade certamente não terá

vez.

Queremos crer que o ganho trazido por uma sessão de julgamento em que imperou o

amplo debate será muito maior que qualquer eventual “prejuízo” que possa ter havido no

tempo destinado ao julgamento do feito. Isto porque as decisões se revestirão de maior

118

Artigo 57 do Anexo II do Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Portaria MF

256 de 22 de junho de 2009): “Art. 58. Anunciado o julgamento de cada recurso, o presidente dará a palavra,

sucessivamente: I - ao relator, para leitura do relatório; II - ao recorrente ou ao seu representante legal para, se

desejar, fazer sustentação oral por 15 (quinze) minutos, prorrogáveis por igual período; III - à parte adversa ou

ao seu representante legal para, se desejar, fazer sustentação oral por 15 (quinze) minutos, prorrogáveis por igual

período; e IV - aos demais conselheiros.

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legitimidade e credibilidade, pois a parte terá tido todos os benefícios da oralidade aqui já

ressaltados para, através do seu representante, desconstituir o lançamento e extinguir o crédito

tributário.

É certo que nem sempre isto ocorrerá, porém restará para o advogado, mesmo diante do

insucesso da defesa empreendida, a certeza de que utilizou todos os meios possíveis para fazer

valer sua tese, não lhe tendo sido olvidado nenhuma alternativa legal. A grande vantagem a

ser contabilizada por um julgamento mais legítimo é que ele, na maioria das vezes, poderá

convencer a parte do veredicto administrativo, desestimulando-a ingressar com recurso para

revisão da decisão do órgão de primeira instância. Com isto, aquilo que antes, por algum

motivo, fora considerado como demora, poderá se converter em celeridade, fazendo logo com

que a Administração tome conhecimento da decisão administrativa irretratável, podendo, se

for o caso, levar de imediato o crédito tributário à inscrição na dívida ativa da União.

O que foi dito referente ao contribuinte, sujeito passivo da obrigação tributária, é claro

deve ser extensivo ao representante da Fazenda Nacional, para que reste incólume o princípio

da paridade das armas que deve nortear todo processo.

Por tudo o que foi exposto é injustificável a vedação ao exercício da oralidade no

âmbito do processo administrativo fiscal federal de primeira instância, máxime quando é nela

em que as provas são analisadas, as perícias autorizadas e as diligências que se fizerem

necessárias empreendidas.

3.3.6. Audiência Pública no Processo Administrativo Tributário

A audiência pública é um poderoso instrumento de participação direta no processo,

acarretando em inúmeros subsídios conduzidos aos julgadores para que melhor profiram seus

votos, naqueles feitos em que a questão envolver conhecimento técnico especializado.

Podemos enxergar a audiência pública como mais um desdobramento do princípio da

oralidade, no qual os membros da sociedade civil são chamados a participar da formação do

convencimento do órgão julgador. Funciona como meio de democratização das decisões

administrativas e judiciais.

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Evana Soares muito bem dissertou sobre o tema da efetivação do princípio democrático

no âmbito da administração pública:

O Estado Democrático de Direito é caracterizado pela participação direta, referindo-

se à terceira fase de evolução da Administração Pública, em que o particular,

individual e pessoalmente, influencia na gestão, no controle e nas decisões do

Estado, como decorrência do princípio democrático. A democracia participativa,

assim, é conseqüência da insuficiência da democracia representativa reinante no

final do Século XX e decorre da exigência da presença direta dos particulares na

tomada de decisões coletivas, através das audiências públicas, por exemplo (...) A

audiência pública tem importância material porque é ela que dá a sustentação fática

à decisão adotada. Quem mais se beneficia de seus efeitos são os próprios

particulares, considerada a prática de uma administração mais justa, mais razoável,

mais transparente, decorrente do consenso da opinião pública e da democratização

do poder (...) O fundamento prático da realização da audiência pública consiste do

interesse público em produzirem-se atos legítimos, do interesse dos particulares em

apresentar argumentos e provas anteriormente à decisão, e, pelo menos em tese,

também do interesse do administrador em reduzir os riscos de erros de fato ou de

direito em suas decisões, para que possam produzir bons resultados.119

Podemos enumerar alguns instrumentos legais que tratam da audiência pública, tais

como: a Lei nº 9.868/99, que trata sobre o processo e julgamento da ação direta de

inconstitucionalidade, a Lei nº 9.427/96, que instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica,

e a Lei nº 9.478/1997, que dispõe sobre a política energética.120

De maior importância para

nós se revela a Lei nº 9.784/99 pelo fato de que pode ser aplicada subsidiariamente ao

processo administrativo fiscal federal, cujo artigo 32 assim dispõe: “Antes da tomada de

decisão, a juízo da autoridade, diante da relevância da questão, poderá ser realizada audiência

pública para debates sobre a matéria do processo.”

O Decreto 70.235/72, que regula o processo administrativo fiscal federal, nada fala a

respeito e, não obstante poder se valer subsidiariamente o julgador administrativo da Lei

119

SOARES, Evanna. A Audiência Pública no Processo Administrativo. Revista do Ministério Público do

Trabalho / Procuradoria-Geral do Trabalho -- Ano 1, nº.1 (mar., 1991). Brasília: Procuradoria-Geral do Trabalho,

1991, v. Semestral. p 22-50.

120

Lei nº 9.868/99, art. 9º, §1º: "em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato

ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, poderá o relator (...) fixar data para, em

audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria".

Lei nº 9.427/96, art. 4º, §3º: "o processo decisório que implicar afetação de direitos dos agentes econômicos do

setor elétrico ou dos consumidores, mediante iniciativa de projeto de lei ou, quando possível, por via

administrativa, será precedido de audiência pública convocada pela ANEEL.".

Lei nº 9.478/1997, art. 19: “as iniciativas de projetos de lei ou de alteração de normas administrativas que

impliquem afetação de direito dos agentes econômicos ou de consumidores e usuários de bens e serviços da

indústria do petróleo serão precedidas de audiência pública (...)".

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9.784/96, nos casos em que determinada matéria não tiver sido tratada por aquele instrumento

legal, os órgãos de julgamento não têm dado relevância ao tema, posto que não se noticia na

Administração casos em que audiência pública fora efetivada para elucidar o julgamento de

algum feito.

A participação da sociedade no processo administrativo fiscal pode ser justificada nos

casos em que a oitiva de profissionais com domínio de matéria técnica específica em muito

poderia auxiliar os julgadores em suas decisões, tornando o fato mais límpido sempre que

envolver conhecimentos que, embora normatizados, exijam domínio da técnica para correta

interpretação e aplicação dos mesmos, restando evidente que o julgador jamais dominará

todos os ramos da ciência, devendo sempre que necessário recorrer a experts em assuntos

específicos para que ao julgar não cometa injustiça proferindo decisões que, embora possuam

um encadeamento jurídico lógico, em nada se relacionam com a situação concreta.

Pode-se enumerar, no âmbito dos tributos federais, algumas situações em que a

aceitação de terceiro no processo deve ser incentivada como subsídio a dar sustentação a

decisões mais legítimas. No que diz com as contribuições sociais previdenciárias, por

exemplo, cujas arrecadação e fiscalização passaram, com a Lei 11.457/2007 a compor o rol

dos tributos administrados pela Receita Federal do Brasil, sobressai-se a necessidade de oitiva

de engenheiros, médicos, fonoaudiólogos e outros profissionais da área de segurança do

trabalho para dirimirem dúvidas frequentemente levantadas acerca de autuações empreendidas

pela administração ativa relativas a riscos ocupacionais laborais, posto que a exposição a

esses agentes químicos, físicos e biológicos podem implicar redução do tempo de serviço

reconhecida através do benefício de aposentadoria especial, o qual é financiado por

contribuição específica, prevista pela legislação previdenciária incidente sobre a remuneração

atribuída a segurados que prestam serviços a empresas. Nestes casos, o exame e interpretação

de laudos médicos, exames audiométricos, medições técnicas como as de intensidade de

ruídos, concentração de substâncias químicas, etc, sempre integram os autos e demandam

esclarecimentos de profissionais habilitados.

Também nos casos de julgamento de processos que versem sobre lançamento do

Imposto sobre Produtos Industrializados, o recurso a conhecimentos de profissionais

habilitados pode ser crucial para identificar se determinada matéria prima ou insumo integrou

o processo de industrialização de determinado produto, com vista a apurar se o procedimento

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de levantamento da base de cálculo do tributo foi corretamente efetuado pela Auditoria da

Receita Federal do Brasil.

Idêntica necessidade pode surgir quando do julgamento dos feitos que tratarem da

incidência de Imposto de importação por descumprimento do regime aduaneiro especial

denominado drawback. Por tal regime, a tributação incidente sobre insumos que irão compor

produtos industrializados em território nacional, mas destinados ao exterior, fica suspensa ou

até mesmo excluída, desde que tal condição seja implementada, pelo que o mecanismo

funciona como redutor dos custos de produção, tornando as mercadorias brasileiras mais

competitivas no cenário do comércio exterior. Aqui, a retratação do processo industrial

envolvido é decisivo para o deslinde da questão.

Já em relação ao Imposto sobre a Renda, sobremodo da pessoa jurídica, pode ter papel

de relevância o comparecimento ao processo de profissional contabilista com conhecimentos

específicos sobre determinada operação contábil, cujo entendimento, em toda sua extensão,

pode ser de fundamental importância para se concluir se a mesma integra ou não a base de

cálculo do tributo.

Estes são apenas alguns exemplos que bem ilustram a importância da audiência de

terceiros no processo, porém, diante do caso concreto, muitas outras situações poderão

justificar o mencionado instrumento processual.

É de se notar que a audiência pública, nos moldes aqui referidos insere-se no conceito

de democracia participativa construído pela filosofia habermasiana, na medida em que

promove a reconstrução da ciência jurídia partir da teoria do discurso e da razão

comunicativa, chamando a sociedade para atuar diretamente no processo de sua legitimação.

O cidadão deixa então de ser mero destinatário da norma jurídica para assumir, no caso

concreto, o papel de co-autor. Neste ponto, vale destacar lição de Maria Fernanda Salcedo

Rapolês:

(...) Para isso, eles próprios devem poder aplicar por si mesmos o princípio do

discurso. Dessa forma, os cidadãos, não mais como teóricos, mas enquanto

participantes, aplicam o princípio do discurso à forma do direito, como legisladores

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historicamente concretos, sem os quais é impensável a idéia de direito positivo

(...)121

3.4. Princípio da Razoável Duração do Processo

O princípio da razoável duração do processo não foi, no âmbito judicial, frise-se,

inovação trazida pela Emenda Constitucional nº 45, de 31 de dezembro de 2009.

Em verdade, a razoável duração do processo já estava prevista no item 1 da Convenção

Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22.11.1969,

aprovado pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo nº 27/92, tendo sua

execução possibilitada pelo Decreto 678/92. Desta feita, o dispositivo ao tratar das garantias

judiciais, assim dispunha:

Artigo 8º - Garantias judiciais

Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um

prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial,

estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal

formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter

civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

Por sua vez o parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição Federal assegura que “os direitos

e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos

princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do

Brasil seja parte”.

Também é de se mencionar que o princípio do devido processo legal, por si mesmo, já

reclama resposta da atividade jurisdicional em tempo razoável.

Assim, sendo o Brasil signatário da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e

tendo em conta que a ampliação de garantia constante de tratado internacional, prevista pelo

parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição Federal, bem assim o consectário do devido

121

RAPOLÊS, Maria Fernanda Salcedo. Habermas e a Desobediência Civil. Belo Horizonte: Mandamentos,

2003.

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92

processo legal, chega-se à conclusão final de que, na seara judicial, a duração razoável do

processo já mesmo existia antes do advento da EC 45.122

O que trouxe de inovação a Emenda Constitucional nº 45 foi a extensão do princípio da

razoável duração de sorte a abranger o processo administrativo, além, é claro, de inseri-lo no

texto constitucional com status de direito fundamental, vez que constante do último inciso do

artigo 5º da Constituição Federal.123

Semelhante regramento pode ser encontrado em outros

ordenamentos, tais como o artigo 111 da Constituição italiana, os itens 4 e 5 da Constituição

portuguesa e o item 2 do artigo 24 da Constituição espanhola e o item 1 do artigo 6º da

Convenção Européia de Direitos Humanos.

3.4.1. O Significado de Duração Razoável do Processo

Duração razoável do processo parece fazer parte dos conceitos jurídicos

indeterminados, como de resto muitas outras expressões ganham esse qualificativo quando

admitidas pelo mundo do Direito.

Sobre conceitos determinados e indeterminados, vale assimilar a lição da Professora

jus-administrativista Germana de Moraes:

Com efeito, identificam-se nas normas jurídicas conceitos que demandam durante

sua aplicação, um processo de preenchimento semântico, isto é, de “densificação”,

feito através de uma valoração e, a par destas, aquelas que prescidem deste processo

decisório mais complexo de complementação do significado em cada caso concreto.

Na primeira hipótese, há conceitos jurídicos indeterminados, e na outra, conceitos

jurídicos determinados. Nas duas situações, no momento da concretização do

Direito, há a determinação do significado exato do conceito. A questão que se põe, é

saber quem pode proceder a essa perquirição do sentido do conceito nas situações

122

Alinhamo-nos com a doutrina de José Rogério de Cruz e Tucci esposada na obra Tempo e Processo: Uma

Análise Empírica das Repercussões do Tempo na Fenomenologia Processual Civil e Penal. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 1997, p.145. Destacamos, embora discordemos, a posição do Professor Nelson

Nery Junior para quem a garantia do item 1 do artigo 8º da Convenção Interamericana de Direitos Humanos deve

ter interpretação ampliativa e sistemática, de modo a alcançar o processo judicial, civil e penal, e o processo

administrativo in Princípios do Processo na Constituição Federal. Processo civil, penal e administrativo. 9ª

edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p.312.

123

Inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são

assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

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93

em que o Direito admite diferentes resultados para o processo de complementação

do significado, os quais também ensejam distintas opções para a aplicação das

normas.124

Assim, tendo em conta os ensinamentos de Germana de Moraes, o cerne do problema

está em saber qual dos agentes – o político ou o administrador – seria o mais adequado para se

estabelecer o lapso temporal razoável do processo, considerando que, neste trabalho de

fixação do tempo, deve-se ter em mente que ele deve atender a uma ponderação entre o tempo

destinado à parte contraditar os fatos e apresentar defesa com todos os meios inerentes a ela, e

o tempo efetivo para prolação da decisão.

Queremos acreditar que a solução que melhor atende à certeza e segurança jurídica é a

que o razoável tempo de duração do processo seja, a priori, firmado por obra do legislador,

mas que na norma elaborada haja espaço para o construtivismo lógico do julgador, naqueles

casos que justificarem demora além do prazo fixado pela regra, tendo-se sempre em conta que

no processo, conforme Couture, “o tempo é algo mais que ouro: é justiça”. 125

Assim, não pode o cumprimento de lapso temporal, fixado pela norma para os casos

genéricos, atropelar, no caso concreto, princípios constitucionais tão caros ao Direito, como o

do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e do juiz natural. Diante de

situação como esta deve haver uma conciliação entre a razoável duração e os demais

princípios constitucionais que informam o processo.

Mais uma vez retornamos à teoria dos conceitos indeterminados, desta feita com apoio

em Phillip Heck, para quem o conceito revela uma zona nuclear ou fixa (núcleo) e uma zona

periférica ou orla (halo).

Para ele sempre que se tem clara noção do conceito, está-se no domínio do seu núcleo,

incidindo a norma sobre o fato por mera subsunção lógica. De outro giro, quando dúvidas em

torno da interpretação são geradas depara-se com o halo do conceito, e, nesta zona de

124

MORAES, Germana de Oliveira. Controle Jurisdicional da Administração Pública. 2ª edição. São Paulo:

Dialética, 2004, p.65. 125

“Por outra parte es menester recordar que en el procedimiento el tiempo es algo más que oro: es justicia” in

COUTURE, Eduardo J. Proyecto de Código de Procedimiento Civil (con exposición de motivos).

Montevidéu: Impresora Uruguaya, 1945, Exposição de Motivos, Capítulo II, § 1º, nº 10, p.37 apud NERY

JUNIOR, Nelson in Princípios do Processo na Constituição Federal. Processo civil, penal e administrativo.

9ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p.315.

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penumbra, apenas a tarefa axiológica autônoma do aplicador da norma é que poderá apontar a

melhor decisão dentre aquelas ofertadas pelas possibilidades de interpretação do conceito. 126

Em suma, queremos afirmar que norma que estabelece prazo razoável de duração do

processo deve ser utilizada pelo aplicador do Direito – juiz ou julgador administrativo – na

maioria dos casos, nos quais não se justifica maior lapso temporal que aquele estabelecido

pelo legislador. Trata-se, neste caso, de mera identificação do núcleo duro do conceito de

razoável duração, previamente dado pela norma.

Entretanto, para aqueles casos em que o cego atendimento a prazo previamente

estabelecido implicar risco ao princípio de justiça, nos parece que a atividade de valoração

axiológica do juiz ou julgador administrativo para estabelecer prazo mais elástico deve

pautar-se nos seguintes critérios, todos já adotados em várias decisões do Tribunal Europeu de

Direitos Humanos: 127

a) a natureza do processo e a complexidade da causa;

b) o comportamento das partes e de seus procuradores;

c) a atividade e o comportamento das autoridades judiciárias e administrativas

competentes;

No que tange ao processo administrativo fiscal federal, centro da problematização

lançada por este trabalho, já existe norma estabelecendo prazo para o órgão judicante proferir

a sua decisão. Neste sentido, prevê o artigo 24 da Lei 11.457, de 16 de março de 2007,

responsável pela fusão dos fiscos federais e a criação da Receita Federal do Brasil, que “é

obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e

sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do

contribuinte.”

De lege ferenda, pensamos que melhor redação seria aquela que comportasse exceção

no sentido de que: “salvo nos casos devidamente justificados pela natureza do processo, a

complexidade da causa, o comportamento das partes, seus procuradores e das autoridades

126

Recorremos à dedução lógica demonstrada por Germana de Oliveira Moraes, a partir da idéia de conceito

desenvolvida por Phillip Heck, in Controle Jurisdicional da Administração Pública. 2ª edição. São Paulo:

Dialética, 2004, p.64-65. 127

Para tanto ver, entre tantos, acórdãos Manzoni, de 12.02.1991, A 195-B, p.29, § 7º; Kemache, de 27.11.1991,

A 218, p.27, § 60 e Doustaly, de 23.04.1998, R 98, § 39.

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judiciárias e administrativas, é obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo

máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou

recursos administrativos do contribuinte”.

Infelizmente assim não procedeu o legislador. Preferiu estabelecer lapso temporal de

duração do processo a açambarcar todos os feitos, de forma geral. E mais, não prevendo

sanção ao Estado pelo seu descumprimento, deixou patente se tratar de prazo impróprio,

freqüentemente não observado pela administração, não obstante raríssimas decisões judiciais

no sentido de compelir o Poder Executivo a observar o prazo do artigo 24 da Lei 11.457/2007.

3.4.2. Demora no Julgamento do Processo. Prejuízo para Ambas as Partes,

Fisco e Contribuinte

A demora no julgamento dos processos administrativos, além de ferir de morte o

princípio do devido processo legal, o qual já traz em si mesmo a necessidade de resposta

jurisdicional em tempo razoável, acarreta em prejuízos contabilizados tanto pelo sujeito

passivo quanto pelo Fisco, sendo que, em última instância, a perda sofrida por este acaba

sendo custeada por toda sociedade através da sangria dos cofres públicos.

Nesta toada, a duração razoável do processo deve homenagear tanto o dever

fundamental de recolher tributo, posto que é através dele que há o financiamento para a

consecução dos fins constitucionais, quanto o direito fundamental do contribuinte de não

sofrer exação além dos limites impostos pelos princípios da Constituição Federal que regulam

o poder de tributar de cada ente federativo.

Do lado do contribuinte, a demora no julgamento dos autos de infração por ele

impugnados acarreta, segundo Sergio André Rocha, nas seguintes consequências:

1. aumento das despesas com a representação jurídica;

2. riscos atrelados a eventuais erros da Administração Fazendária, principalmente

para os contribuintes que necessitam comprovar sua regularidade fiscal;

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3. impossibilidade de se adotar medidas gerenciais necessárias para a

compatibilização entre os procedimentos da empresa e o entendimento das

autoridades fiscais sobre a questão objeto do processo.128

Em verdade, configurados os prejuízos acima, pode-se concluir que os mesmos

representam verdadeiro desestímulo ao livre exercício da atividade profissional, direito

fundamental resguardado pela Constrição Federal.

Por outro lado, como é sabido por todos, a impugnação do auto de infração lavrado pelo

Fisco implica suspensão da exigibilidade do crédito tributário, bem como a fluência dos juros

de mora.129

Assim, a extrapolação do tempo razoável para julgar o processo acarreta o

ingresso de numerário no Tesouro com considerável perda financeira, a qual será suportada

por toda sociedade.

3.4.3. Propostas para Efetivação do Princípio

A doutrina tem apontado algumas medidas com vista a dar efetivação ao princípio da

razoável duração do processo, a maioria delas tendente a punir o Fisco. Passemos ao exame

dessas medidas para depois manifestarmos nosso entendimento acerca do que consideramos

ser o melhor caminho a se trilhar em busca da almejada celeridade no julgamento dos

processos administrativos.

Há doutrinadores que sustentam como meio de implementação da razoável duração o

estabelecimento meticuloso de prazos para a prática dos atos processuais, apregoando que a

inobservância dos mesmos implicaria na responsabilização pessoal do agente administrativo,

evitando a do Estado como única forma de sanção pela demora no julgamento.

O Professor Adilson Rodrigues Pires, por sua vez, concorda com a suspensão da

fluência dos juros de mora e da progressão da multa moratória sempre que a Administração

não cumprir os prazos processuais previamente estabelecidos por lei.

128

ROCHA, Sergio André. Processo Administrativo Fiscal. Controle Administrativo do Lançamento

Tributário. 3ª edição. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2009, p.83. 129

Artigo 151 do Código Tributário Nacional: “Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: I - moratória; II

- o depósito do seu montante integral; III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do

processo tributário administrativo;”

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97

A fixação de limites de alçada para interposição de recursos para a segunda instância –

Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – também aparece como alternativa para

solução do problema.

O reconhecimento do direito do contribuinte é medida mais drástica cogitada para os

casos em que o processo não se desenvolva dentro de lapso temporal fixado.

Por fim, e como alternativa de conseqüência mais amena em relação à exposta

anteriormente, surge a tese de aplicação da prescrição intercorrente no âmbito do processo

administrativo fiscal.

Expostas as idéias, passa-se, à luz de nosso entendimento, a analisá-las.

Quanto à tese da responsabilização pessoal do servidor, entendemos que a mesma já

existe, de forma regressiva, sempre que este tenha agido com dolo ou culpa. Assim, em um

primeiro momento, por suposto dano causado a terceiros responde o Estado objetivamente,

devendo acionar regressivamente o servidor que agindo com culpa causou o prejuízo a ser

reparado.

A responsabilização exclusiva do servidor afasta do contribuinte lesado maior garantia

de ressarcimento do dano, posto que o Estado dispõe de maiores recursos para a satisfação do

prejuízo causado.

Já a suspensão do prazo de fluência dos juros de mora e da multa moratória implicaria

ônus para toda sociedade, que já se vê compelida a suportar carga tributária excessivamente

elevada. Isto porque a não correção do crédito tributário geraria dano ao tesouro nacional,

cujo desfecho histórico tem sido sempre no sentido de transferi-lo para toda coletividade.

A fixação de limite de alçada para a interposição de recurso para o Conselho

Administrativo de Recursos Fiscais prejudicaria, sobretudo pequenos contribuintes,

principalmente pessoas físicas, cujos créditos lançados são normalmente de diminuto valor.

Essa classe ficaria excluída do seu direito de revisão do julgamento de segunda instância,

acentuando ainda mais as desigualdades sociais que tão negativamente mancham a imagem

deste país.

Não obstante, o artigo 10 da Medida Provisória nº 232, de 30 de dezembro de 2004,

tentou instituir julgamento em única instância dos processos administrativos fiscais cujo

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crédito tributário tivesse valor inferior a R$ 50.000,00.130

Entretanto, tal artigo não

remanesceu quando da conversão da Medida Provisória na Lei 11.119, de 17 de maio de

2005.

Importante ponto destacou Sergio André Rocha sobre o artigo 10 desta Medida

Provisória. Segundo o autor, a inconstitucionalidade do dispositivo estava na

desproporcionalidade entre a limitação pretendida e o fator de discriminação escolhido.

Assim, para ele, não há, a priori, inconstitucionalidade na utilização de limites de alçada

como instrumento de redução de processos apreciados na segunda instância, desde que o

critério eleito para tal finalidade mantenha uma relação de proporcionalidade que alcance a

todos, para que não haja malferimento do princípio da isonomia. Partindo desse parâmetro,

sugere como justificável a vedação de recursos nos casos em que o montante do crédito

tributário represente um dado percentual do ativo permanente ou do patrimônio líquido da

empresa ou ainda do patrimônio da pessoa física.131

Quanto ao reconhecimento automático do direito do contribuinte, alegado em

impugnação não julgada em lapso temporal previamente fixado, sustenta-se o que se disse em

relação a não consideração dos penduricalhos legais para créditos que se encontravam nesta

situação. Mais uma vez a sociedade seria penalizada, porque é com os recursos arrecadados

pelo Estado que se investe na construção de escolas, hospitais, obras de infra-estrutura, etc.

A proposta de aplicação da prescrição intercorrente não soa como das mais felizes, por

entendermos não ser aplicável tal espécie no âmbito do processo administrativo fiscal.

Apesar de defensores desta tese, com ela não concordamos. A interposição de

impugnação ou recurso suspende legalmente a exigibilidade do crédito tributário. Sendo

assim, e considerando que a prescrição é a perda sofrida pela parte na sua pretensão de ver

130

Artigo 10 da MP 232/2004: “Os arts. 2o, 9o, 15, 16, 23, 25 e 62 do Decreto no 70.235, de 6 de março de

1972, passam a vigorar com a seguinte redação: (...) Art. 25. O julgamento de processo relativo a tributos e

contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal compete: I - às Delegacias da Receita Federal de

Julgamento, órgão de deliberação interna e natureza colegiada da Secretaria da Receita Federal: a) em instância

única, quanto aos processos relativos a penalidade por descumprimento de obrigação acessória e a restituição, a

ressarcimento, a compensação, a redução, a isenção, e a imunidade de tributos e contribuições, bem como ao

Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno

Porte – Simples; e aos processos de exigência de crédito tributário de valor inferior a R$ 50.000,00 (cinqüenta

mil reais), assim considerado principal e multa de ofício”.

131

ROCHA, Sergio André. Processo Administrativo Fiscal. Controle Administrativo do Lançamento

Tributário. 3ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.87.

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satisfeito um direito, não se pode falar no instituto sem que antes ocorra lesão ao mesmo, e

este, como assentado, encontra-se com a exigibilidade suspensa.132

Talvez a melhor solução para promoção da razoável duração do processo seja a

modernização do processo administrativo tributário, para que possa atender aos anseios da

sociedade.

Já não é de hoje que se clama por um Código de Processo Administrativo capaz de

estabelecer, com nitidez, todos os atos processuais. O processo administrativo é regido pelo

Decreto 70.235/72, arcaico, cuja época remonta a tempo em que esta espécie de processo não

gozava da importância que os dias de hoje a ele impõe.

São muitas atualmente as lides tributárias, geradas por uma legislação inflacionada,

complexa, permeada de conceitos indeterminados cujo direito de interpretá-los, na maioria

das vezes, é dado apenas ao Fisco. Apesar disso, observa-se forte tendência de transferência

da tarefa de arrecadar e recolher para o contribuinte, posto que os tributos cada vez mais são

lançados por homologação, o que o conduz a declarar e recolher o que reputa devido sem o

prévio exame da autoridade administrativa.

Diante desses conceitos abertos, muitas vezes, o sujeito passivo há que formar

convicção sobre os mesmos para que possa cumprir com sua obrigação acessória de declarar o

montante do tributo devido, sendo que, mais tarde, pode ser surpreendido por interpretação

diversa da Administração, a qual pode lhe acarretar o ônus de pagar maior valor de tributo, e

ainda, acrescido de juros e multas.

Faz-se premente, portanto, um Código de Processo Administrativo Tributário que

estabeleça com nitidez todos os atos processuais desenvolvidos a partir da relação conflituosa

entre Fisco e Contribuinte.

É necessária também maior preocupação da Administração na formação do quadro de

julgadores administrativos. E aqui não falamos apenas no aspecto quantitativo, que sabemos

132

Eurico Marcos Diniz de Santi situa-se dentre àqueles que não concebem a prescrição intercorrente em virtude

da suspensão da exigibilidade do crédito tributário, conforme transcrito abaixo: “Consideramos que não pode

haver prescrição intercorrente no processo administrativo porque, quando há impugnação ou recurso

administrativo durante o prazo para pagamento do tributo, suspende-se a exigibilidade do crédito, o que

simplesmente impede a fixação do início do prazo prescricional.” In SANTI, Eurico Marcos Diniz de.

Decadência e Prescrição no Direito Tributário. 3ª. ed. São Paulo: Max Limonad, 2004, p.239.

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não ser suficiente a atender tantas demandas da sociedade, mas, e principalmente, do aspecto

qualitativo do mesmo.

Atualmente, os julgadores são recrutados do efetivo dos Auditores Fiscais, cujo ingresso

no cargo não exige formação de nível superior específica. Esta diversidade de profissionais,

oriundos das mais variadas áreas do conhecimento, tem se mostrado muito eficaz no tocante

aos trabalhos de auditoria fiscal, além do que a Receita Federal do Brasil continuamente

aperfeiçoa o pessoal de fiscalização através de cursos, treinamentos, intercâmbios com outros

fiscos, etc, para que obtenha o melhor desempenho nas suas tarefas.

A Auditoria, enfim, não é tarefa afeta a apenas um tipo de profissão, sendo esta uma

realidade marcante da modernidade. Mais importante mesmo é a atividade da instituição em

melhor capacitar seu quadro, alinhando-o com sua missão estatal historicamente reconhecida.

Entretanto, no que tange aos órgãos de julgamento, entendemos que somente o Bacharel

em Direito possui formação bastante para exercer com plenitude a árdua função de julgar.

Trata-se de conhecimento altamente específico cujo aperfeiçoamento requer como pré-

requisito que se parta de profissional aplicador do direito. Basta que passemos em rápida

revista ao Poder Judiciário para verificarmos que não há notícia de nenhum dos seus membros

que tenha proferido decisão autorizada por diploma de médico ou engenheiro, por exemplo.

E não se diga que após a instância administrativa restaria ao contribuinte a alternativa

de renovar no Poder Judiciário toda a discussão acerca da relação controvertida. Pensamos

que a solução administrativa livre e dotada dos mesmos pressupostos da decisão judicial –

entre eles a formação dos seus membros – poderia mudar o curso dessa cultura, que se mostra

incrustada no seio social, e que vem superlotando as prateleiras do Poder Judiciário. Em

suma, quer-se acreditar que soluções administrativas eficazes são dotadas de maior poder de

convencimento, possibilitando o deslinde mais rápido das questões tributárias, o que, em

última instância representará ingresso de numerário nos cofres públicos em menor tempo.

Assim, antes de tudo, é preciso que a Administração reestruture o elemento humano que

é, sem dúvida, o vetor condutor de mudanças em qualquer instituição.

Depois, e isso vale também para o processo judicial, se faz necessário que as partes e

julgadores administrativos se comportem com postura própria de quem deseja zelar pela

rápida e eficiente solução da lide tributária, peticionando e realizando perícias e diligências

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apenas quando necessário e dentro de prazos razoáveis, desvinculando os julgadores de metas

administrativas semelhantes às aplicadas à fiscalização (Administração ativa), as quais, muita

vez, promovem a celeridade ao preço do sacrifício da solução que mais se aproxima dos

princípios da legalidade e eficiência do serviço público. De sua parte, o sujeito passivo deve

evitar práticas protelatórias, quando já convencido da legitimidade do lançamento.

Em suma, é imperioso que se adote comportamento com o intuito de alcançar o término

do feito, de sorte a conciliar razoável duração do processo com eficiência, princípios

constitucionais que norteiam a Administração Pública.

Tão importante quanto a criação de um Código de Processo Administrativo é a

precedente mudança de paradigma a ser operada pelos atores que militam na seara

administrativa. De nada adianta mais um código, para se somar à enxurrada de leis de que já

dispomos, se não houver por parte dos envolvidos no processo disposição para adoção de

comportamento baseado na ética e voltado para a utilização do Estado somente na medida

exata para resolver os conflitos entre o fisco e o contribuinte.133

Não se pode olvidar também a urgência de melhoramento da estrutura e logística dos

órgãos de julgamento para inseri-los na era digital em que vivemos, na qual as informações se

propagam com a velocidade da luz, conduzidas por fibras óticas ou através de satélites, e

recepcionadas por computadores com poderosa capacidade de processamento.

Desta realidade a Administração judicante não pode mais fugir, sob pena de ser, ainda

mais, cobrada pela sociedade para adoção de soluções que atendam ao razoável tempo de

duração do processo e aos anseios desta “era digital”, cuja tomada de decisões demandam

posições imediatas, muitas das quais atreladas ao deslinde dos feitos tributários, como

participação em licitações, incorporações, fusões, transformações, formações de consórcio, e

outras associações surgidas no mundo empresarial moderno.

133

Interessante comentário foi escrito por Nelson Nery Junior, a respeito da má utilização do processo pelo

próprio poder público e da assustadora estatística de que 60% dos feitos que tramitam nos principais tribunais

brasileiros, STJ e STF, têm como protagonista o poder público: “Esse dado é preocupante porque, ao mesmo

tempo em que o móvel político da reforma constitucional que culminou com a promulgação da EC 45/04,

conhecida popularmente como Reforma do Judiciário, foi a lentidão e ineficiência do Poder Judiciário pela

demora excessiva da prestação jurisdicional, do outro lado vê-se o Poder Público postergando a solução dos

processos judiciais em razão dessa mesma demora. Tem interessado, portanto, ao poder público valer-se da

morosidade do Poder Judiciário para adiar o cumprimento de seus valores constitucionais perante os

administrados e cidadãos.” In Princípios do Processo na Constituição Federal. Processo civil, penal e

administrativo. 9ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p.319.

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Neste passo, a introdução do processo administrativo fiscal eletrônico é primordial, com

distribuição automática dos feitos, defesas e recursos formulados on-line a partir de escritórios

de advogados, diligências e perícias por igual meio deferidas e operacionalizadas, e até

mesmo a realização de sessões de julgamento virtuais.

Tais medidas se, por um lado, enxugam o trâmite burocrático – absolutamente

anacrônico –, percorrido pelo processo, reduzindo inclusive o número de servidores

envolvidos em tarefas de administrar papéis, por outro ampliam o clamor pela contratação de

julgadores administrativos com o conhecimento e técnicas afinados com o progresso dos dias

em que vivemos.

Incorporada as mudanças a que nos referimos, só então seria plausível falar-se em

condenação do Estado e do servidor por demora no processo, à luz de necessário e inovador

Código de Processo Administrativo e nos moldes já relacionados pela doutrina.

E afirmamos isto tendo por base a seara penal. Como já restou comprovado pela

experiência, de nada adiantam leis penais severas se, antes, não houver mudanças no sentido

de atenuação das desigualdades sociais e econômicas e do incremento da educação e saúde da

coletividade, que são, em verdade, as grandes causas do crime. Da mesma forma, de nada

adianta estabelecer punição, que em última instância será suportada pelo próprio contribuinte,

sem que antes se promova a apregoada mudança de paradigma no serviço público.

3.5. Princípio da Juridicidade

O princípio da juridicidade nasceu da superação do princípio da legalidade, que foi um

dos pilares de sustentação do liberalismo, baseado na separação de poderes e na idéia de

supremacia da lei, como forma de contenção do despotismo monárquico.

Ultrapassou-se o culto exacerbado à regra, predominante no Estado de Direito, para

abraçar, em adição a esta, os princípios, tradução dos mais caros valores da sociedade.

Assim, a discussão que predominou até a primeira metade do século XX sobre a

existência, no Direito, de normas e princípios, foi suplantada pela estabilidade da doutrina que

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pugna pela existência de normas-regra e normas-princípio, consolidada após a Segunda

Guerra Mundial, pelo robustecimento do constitucionalismo.

Na doutrina constitucional moderna, sobeja pacífica a coexistência de regras e

princípios como espécies do gênero norma, característica que marca, conforme já ressaltamos,

no capítulo 1, uma nova fase da ciência jurídica, enaltecedora da força normativa dos

princípios, conhecida como pós-positivismo.

A positivação dos princípios nos textos constitucionais alargou o campo da legalidade,

outrora predominante nas letras jurídicas, baseado na concepção do Direito segundo regras,

possibilitando raiar nesta ciência o campo da juridicidade, cujo domínio é formado por regras

e princípios.

O princípio da juridicidade, em suma, roga pela observância do Direito como todo:

regras e princípios constitucionais.

Na nova ordem instaurada, a hegemonia dos princípios conduziu a constituição ao

patamar de centro de convergência de todas as normas, implicando em que toda interpretação

do direito se perfaça em conformidade com os seus fundamentos.

Desejamos, então, investigar se os órgãos de julgamento da administração tributária

devem julgar segundo a concepção moderna do direito ou se permanecem engessados no

tempo, atados a ordem que antecede até mesmo a da legalidade.

Mais objetivamente, desejamos perquirir se aos órgãos de julgamento é dado conhecer o

Direito como todo, o que acarreta a possibilidade de análise da constitucionalidade pelo

julgador administrativo.

É o que nos arvoramos a fazer à luz dos conceitos de princípio republicano, de

estabilidade das constituições, de controle de constitucionalidade das leis e atos normativos,

da teoria da tripartição de poderes, de contraditório e ampla defesa.

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3.5.1. Princípio Republicano

O termo República vem do latim res publica e significa coisa pública, tendo surgido

como forma de governo a se contrapor à Monarquia, na medida em que apregoava a

substituição do exercício do poder de um só, o soberano, por um corpo político a quem

caberia as funções deste poder, quais sejam, a executiva, a legislativa e a judiciária.

É característica da república que as funções do poder estatal sejam exercidas de forma

transitória e com atribuição de responsabilidade e, em regra, que seus membros sejam eleitos

pelo povo para representá-lo. A exceção fica por conta da função judiciária, eminentemente

técnica, cujos agentes não são investidos nos cargos através da vontade popular.

A República está consagrada já no artigo primeiro da Constituição Federal, sendo certo

que suas funções são exercidas de forma harmônica e independente entre si, como prescreve o

artigo segundo.

O princípio também foi resguardado pelo constituinte originário que não deixou

margem para a mínima possibilidade de existência, por parte do constituinte derivado, de

proposta de emenda constitucional tendente a aboli-lo. Figura, pois, o princípio, entre as

cláusulas pétreas previstas no parágrafo quarto do artigo 60 da Constituição de 1988.

Nesse sentido, merece ressalvas o texto do artigo segundo da Constituição quando

refere que os poderes da União são o legislativo, o executivo e judiciário. Em verdade, o

poder estatal é uno e, no caso brasileiro, emana do povo que o exerce por meio de seus

representantes. É a consagração da soberania popular pela Constituição pátria. Os agentes do

poder, que é um só, exercem, isto sim, as funções que são atinentes ao mesmo.

Passemos em revista a estas funções com o objetivo de verificar que elas realmente não

vivem isoladamente nem são exercidas com exclusividade.

A principal função do Poder Legislativo, como se sabe, é a de produzir as leis.

Entretanto, ao lado desta, podemos relacionar, a partir do texto constitucional, outras, como a

de fiscalizar o Poder Executivo (função executiva) e a de julgar o Presidente da República nos

casos dos chamados crimes de responsabilidade (função judicial).

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Quanto ao Poder Executivo, sua principal função é governar e administrar o interesse

público, cumprindo fielmente a lei e a constituição, porém também exerce atípica função

legislativa quando ao Presidente da República é dado o poder para edição de medidas

provisórias ou quando recebe delegação do Poder Legislativo para legislar, nos moldes

constitucionais previstos.

Também exerce função judicante, quando, por exemplo, os órgãos de julgamento

emitem decisões para solucionar lides tributárias havidas entre o fisco e os contribuintes.

De igual forma se passa com o Poder Judiciário que, além de exercer sua principal

função de julgar – aplicando a lei e a constituição – , exerce também funções administrativas

atinentes à organização de seu pessoal, bem como pratica verdadeira função legislativa ao

editar portarias ou quando determina a conduta a ser praticada nos casos em que há omissão

de lei.

3.5.2. A Constituição Brasileira segundo a Estabilidade

A classificação relativa à rigidez constitucional foi estabelecida, inicialmente, por Lord

Bryce A Constituição brasileira é classificada quanto à estabilidade ou consistência como

rígida. Trata-se de uma Constituição que somente pode ser modificada mediante processo

legislativo, solenidades e exigências formais especiais, diferentes e mais difíceis do que

aqueles exigidos para a formação e modificação de leis comuns (ordinárias e

complementares).

Quanto maior for a dificuldade de alterar a constituição, maior será a rigidez. A da atual

Constituição Brasileira é marcada por limitações procedimentais ou formais, materiais e

temporais. Quase todos os Estados modernos aderem a essa forma de Constituição, assim

como todas as Constituições Brasileiras, salvo a primeira, a Constituição Imperial de 1824.

Os limites formais obrigam que a Emenda à Constituição se dê através de quorum de

três quintos, em dois turnos de votação e em seção bicameral. A Constituição também

especifica de quem deve partir a proposta tendente a modificá-la: do Presidente da República,

de pelo menos um terço dos membros de uma das casas legislativas, e de mais da metade das

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Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela

maioria relativa de seus membros.134

Os limites materiais dizem respeito às matérias cujos conteúdos não podem ser objeto

de emenda. Podem ser expressos ou implícitos.

Os limites materiais implícitos são atinentes à própria essência do poder de reforma.

Objetivam a que o poder de reforma não se transforme em verdadeiro poder originário,

motivo pelo que devem ficar protegidos os princípios fundantes e estruturantes da

Constituição, pois reformar não é construir outro, mas modificar, mantendo a estrutura e os

fundamentos.

Os limites materiais expressos prevêem que é vedada emenda tendente a abolir a forma

federal, os direitos individuais e suas garantias, a separação de poderes e a democracia.135

Existem também limites circunstanciais, que proíbem emendas ou revisão durante

situações de grave comprometimento da estabilidade democrática como o estado de sitio,

estado de defesa e intervenção federal.136

Cabe lembrar que só há rigidez constitucional em Constituições escritas e que só cabe

controle da constitucionalidade na parte rígida de uma Constituição. Por conseqüência, não

existe possibilidade de controle da constitucionalidade nas Constituições flexíveis ou em

qualquer Constituição costumeira.

A Constituição rígida contrasta com aquela denominada flexível ou plástica, que pode

ser modificada livremente pelo legislador segundo o mesmo processo de elaboração e

modificação das leis ordinárias. A flexibilidade constitucional se faz possível tanto nas

Constituições costumeiras quanto nas Constituições escritas.

A rigidez constitucional ajuda a conferir maior estabilidade e segurança às

constituições, vedando que se altere o que foi estatuído sob intenso debate na Assembléia

Constituinte, mediante a aprovação de uma lei complementar ou ordinária, muitas vezes

visando a atender interesses de determinado segmento social, principalmente daquele que

detém maior poder econômico.

134

Artigo 60, incisos I a III da Constituição de 1988. 135

Artigo 60, parágrafo quarto, incisos I a IV da Constituição de 1988.

136

Artigo 60, parágrafo primeiro da Constituição de 1988.

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A rigidez caracteriza a supremacia constitucional, expressa a soberania popular, o

reflexo dos ideais de um povo. Implica a garantia de que a vontade soberana do povo

representada pela constituição somente será alterada por meio de processo mais dificultoso,

após intenso debate que resulte na aprovação da maioria qualificada do parlamento.

Além dos tipos rígida e flexível, ainda há a Constituição semi-rígida, que é aquela que

contém uma parte rígida e outra flexível. A Constituição Imperial Brasileira de 1824 foi semi-

rígida.

Alguns doutrinadores mencionam outra espécie, a Constituição imutável. Mas a grande

maioria dos autores a considera reprovável porque entende que a estabilidade das

Constituições não deve ser absoluta, imutável, perene, porque a própria dinâmica social exige

constantes adaptações para atender as suas exigências. A Constituição deve representar a

vontade de um povo e essa vontade varia com o tempo, por isso a necessidade de que a

Constituição se modifique.

3.5.3. Controle da Constitucionalidade das Leis e Atos Normativos

A segunda característica essencial à sustentação da República Federativa é o controle de

constitucionalidade das leis. Seria inútil utilizar tanta precaução no procedimento de reforma

constitucional e em estabelecer uma Constituição rígida, se a elaboração de uma lei fosse de

encontro aos princípios constitucionais e não pudesse ser objeto de controle.

A idéia de controle está intimamente ligada à de rigidez constitucional e consiste na

verificação da adequação formal e material das normas à Constituição, com vista a manter a

unicidade do sistema normativo, segundo orientação dos princípios constitucionais.

De nada adiantaria um procedimento rígido para alterar a Constituição, caso não

houvesse um controle de leis e atos que frontalmente colidissem com a mesma.

Atribui-se a Hans Kelsen a autoria da Teoria do Controle segundo um sistema

escalonado de normas, no qual a Constituição figura com inegável supremacia hierárquica.

Segundo o célebre jurista da Teoria Pura do Direito:

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(...) é preciso ter em conta que a ordem jurídica não é um sistema de normas de

Direito coordenadas, colocadas ao lado umas das outras, por assim dizer, mas uma

série escalonada de diferentes zonas normativas, que, em esquema, podemos

apresentar da forma seguinte: o grau supremo de uma ordem jurídica estatal é

formado pela constituição – no sentido material da palavra – , cuja função essencial

consiste em determinar os órgãos e o processo da criação das normas jurídicas

gerais, quer dizer, da legislação. 137

Todavia, a supremacia da Constituição decorre mais de uma concepção histórica

progressivamente incorporada à consciência jurídica do que de postulados teóricos138

Em regra, o controle de constitucionalidade pode ser exercido por via política ou

jurisdicionada. No Brasil, o sistema de controle é exercido por todos os detentores das

funções que caracterizam o Poder estatal.

O Poder Executivo o exerce, conforme parágrafo primeiro do artigo 66 da Constituição,

através do veto a projeto de lei, considerado, no todo ou em parte, inconstitucional ou

contrário ao interesse público.

O Poder Legislativo, através de suas Casas, controla a constitucionalidade dos projetos

de lei através de comissões especificamente constituídas para tal fim, conforme prescreve o

artigo 58 da Constituição.

O controle exercido pelos poderes legislativo e executivo, conforme se pode perceber,

atua sobre projetos de lei, porquanto é conceituado como controle preventivo de

constitucionalidade.

O controle posterior ou repressivo cabe ao Poder Judiciário, que atua não mais sobre

projetos, mas sobre leis já promulgadas, bem como atos normativos, retirando do

ordenamento jurídico a norma considerada inconstitucional.

No Brasil, o controle repressivo jurisdicional apresenta-se através de duas formas: a

concentrada (via de ação) e a difusa (via de exceção).

Na via de exceção, também chamada de controle difuso da constitucionalidade, controle

incidental ou via de defesa, a declaração se dá apenas no caso concreto. Todo aquele que

137

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2ª ed. Coimbra: Armenio Amado, 1962. 138

CLÈVE, Clèmerson Merlin. A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p.20.

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possuir direito cerceado por lei que entenda ser inconstitucional pode requerer a apreciação do

Poder Judiciário para que, caso aceitas as alegações, afaste do caso concreto a incidência da

referida lei. Neste caso, a lei continua plenamente vigente e eficaz no sistema normativo, ou

seja, continuará a ser aplicada a todos os casos em que não for contestada.

Por esta via, qualquer magistrado, analisando o caso concreto, pode manifestar-se sobre

a inconstitucionalidade alegada, desde que indispensável para se chegar ao julgamento do

mérito do processo. Em outras palavras, é analisada incidentalmente, antes de julgado o

pedido principal.

Pela via concentrada, as questões de inconstitucionalidade são levantadas a título

principal, mediante ação direta de inconstitucionalidade proposta pelas pessoas e entidades

legitimadas pelo artigo 103 da Constituição.139

A decisão prolatada em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade produzirá efeitos

ex tunc, erga omnes e vinculante. O foro competente para julgar a ADIN é o Órgão de Cúpula

do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal. Ocorrendo o entendimento de que se trata

de ato inconstitucional, deverá este ser excluído do sistema normativo.

Destaca-se que o controle difuso da constitucionalidade pode alcançar os efeitos do

controle concentrado quando a questão chegar ao Supremo Tribunal Federal e este, decidindo

pela inconstitucionalidade, comunicar a decisão ao Senado Federal, o qual, julgando

oportuno, suspenderá a execução da lei ou ato normativo em questão, com efeito erga omnes

e eficácia ex nunc.140

139

Segundo o artigo 103 da Constituição, são legitimados para propor a referida ação: o Presidente da República;

a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa de Assembléia Legislativa; o Governador

de Estado; a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador de

Estado ou do Distrito Federal; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados

do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional; confederação sindical ou entidade de

classe de âmbito nacional.

140

Constituição Federal, artigo 52, inciso X: “Compete privativamente ao Senado Federal: (...) X - suspender a

execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal

Federal;

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3.5.4. Análise da Constitucionalidade por Julgador Administrativo

A questão que se apresenta neste ponto é saber se o julgador administrativo tem

competência para, julgando a impugnação do contribuinte inconformado com o lançamento

fiscal, analisar possível inconstitucionalidade de lei ou ato normativo que embasou o referido

ato administrativo.

Antes, convém estabelecer, desde logo, a diferença que há entre a Administração

Tributária Ativa e a Judicante.

3.5.4.1. Administração Tributária Ativa

No âmbito da Administração Tributária, a função administrativa ativa é a mais

difundida, tendo em vista que é esta quem realiza a atividade fim do fisco: arrecadação,

fiscalização e cobrança dos tributos.

Não por outro motivo é que a estrutura necessária para o bom funcionamento da mesma

está sempre entre as prioridades dos governos, que a provêem de pessoal adequado em

número e capacitação, ávidos cada vez mais pelo atingimento de novas metas de arrecadação,

para que possam satisfazer as enormes despesas estatais e fomentar investimentos necessários

ao desenvolvimento do país.

Cabe à Administração tributária ativa a produção dos atos jurídicos concretos. Dentre

estes atos, se destaca o lançamento fiscal, segundo as normas tributárias.

Segundo Eurico Marcos Diniz de Santi, a função ativa realiza o que ele denomina ato-

norma administrativa, cujo conceito se transcreve:

Uma norma jurídica individual e concreta que em seu prescritor estabelece uma

relação jurídica entre a Administração e o particular, condicionada pela ocorrência

de uma hipótese fática concreta, dirigida à realização das normas gerais e abstratas,

postas pelo Estado ou quem lhes faça as vezes no exercício da função

administrativa.141

141

SANTI, Eurico Diniz de. Lançamento Tributário. São Paulo: Ed. Max Limonad, 1996, p.85.

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111

Na Administração Tributária federal, o agente que melhor representa a função ativa é o

Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil, cujo mister principal é a auditagem de pessoas

físicas e jurídicas, com o fito de verificar o fiel cumprimento das obrigações fiscais e, sendo o

caso, realizar, de forma vinculada, o lançamento do tributo.

Segundo o Professor Eduardo Botallo:

Nesse processo, o Estado age não apenas como fonte emanadora de tais atos, mas

também como parte das relações a que eles se referem, assumindo, dessa forma, uma

posição de superioridade ante as demais partes, na medida em que tanto aqueles atos

como estas relações, embora produzidos unilateralmente, irão interferir na esfera

jurídica de terceiros.

Daí por que, no desempenho da função administrativa o Estado aparece no pleno

exercício de seu poder soberano: as relações que dela resultam situam no plano

vertical, e não horizontal. 142

3.5.4.2. Administração Tributária Judicante

A função judicante consiste na resolução de conflitos surgidos quando da aplicação do

Direito pela administração ativa, após manifestada a resistência do contribuinte ao lançamento

do tributo por esta efetuado, a qual se dá em sede do processo administrativo tributário.

A principal função da administração judicante é interpretar o sentido e o alcance das

normas jurídicas tributárias com o fito de estabelecer, ao final, se o lançamento é ou não

procedente, solucionando a contenda instaurada entre o fisco e o contribuinte.

Conforme Gilberto de Ulhoa Canto:

O contencioso só surge, a rigor, após o ato de determinação, que implica em

exigência ao contribuinte, do cumprimento de sua obrigação tributária. Ele se

instala, portanto, a partir de quando o sujeito passivo dispõe de um órgão diverso

142

BOTALLO, Eduardo Domingos. Curso de Processo Administrativo Tributário. 2ª ed. São Paulo:

Malheiros, Editores, 2009, p. 53-54.

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112

daquele que fez o lançamento, para lhe dirigir o seu pedido de reforma do ato que

repudia. 143

A função judicante é desenvolvida na Administração Pública Federal por julgadores

administrativos, Auditores da Receita Federal do Brasil oriundos da administração ativa,

empossados no cargo para cumprimento de mandato de dois anos, no caso da primeira

instância e de três anos, em se tratando da instância recursal. Na primeira situação, o referido

mandato pode ser renovado indefinidamente, enquanto que, no Conselho Administrativo de

Recursos Fiscais, tal fato pode se dar apenas por mais duas vezes, perfazendo o total de nove

anos.144

Criticamos o fato de que os julgadores administrativos sejam agentes recrutados da

administração ativa, o que pode afetar a imparcialidade dos mesmos, pois nesta, como se

sabe, os atos jurídicos são produzidos no interesse da parte – o fisco, enquanto no âmbito da

administração judicante dever imperar a neutralidade, porquanto o que se persegue é a

realização do interesse público.

A função judicante dos órgãos de julgamento tributários, atípica atividade do executivo,

muito se assemelha àquela exercida pelos órgãos do Poder Judiciário, posto que visam a

resolver situação surgida quando do processo de aplicação do direito, segundo uma

interpretação fixada.

Não podemos deixar sem registro outro fator negativo que é a não exigência de

formação jurídica dos julgadores administrativos, o que pode redundar em julgamento

fundado em convicções pessoais, distante das provas, que poderá levar ao abuso, a

arbitrariedade. A atividade de aplicação do Direito no caso concreto é eminentemente técnica

e deve ser exercida por profissional para tanto habilitado, que é o bacharel em direito.

143

In Processo Tributário – Anteprojeto da Lei Federal Orgânica do Processo Tributário e respectiva

Justificação apud BOTALLO, Eduardo Domingos. Curso de Processo Administrativo Tributário. 2ª ed. São

Paulo: Malheiros, Editores, 2009, p. 53-54.

144

Conforme Portaria MF nº 58, de 17 de março de 2006, em seu art. 4º: “O julgador será designado para

mandato de até dois anos, com término no dia 31 de dezembro do ano subseqüente ao da designação, admitida a

recondução.” Em relação ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, prescreve o art. 40 do Anexo II da

portaria nº 256, de 22 de junho de 2009: “Os conselheiros do CARF serão designados pelo Ministro de Estado da

Fazenda, com mandato de 3 (três) anos.” O parágrafo segundo do mesmo artigo preconiza: “É permitida a

recondução de conselheiros, titulares, pro tempore e dos suplentes de que trata o art. 24, desde que o tempo total

de exercício nos mandatos não exceda ou venha exceder 9 (nove) anos.”

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113

Neste tocante, vale destacar a lição de Maria Izabel Pohl Grechinski, que, embora

referente ao processo administrativo disciplinar, se aplica na integralidade ao processo

tributário:

Deve o processo administrativo disciplinar se submeter à especialização do julgador

administrativo, admitido pelo salutar critério do concurso público de provas e

títulos, e exame de saúde física e mental, para os candidatos que ostentem a

condição de Bacharéis em Direito e que possuam prática forense, com prazo a ser

fixado pela lei, como condição mínima para a participação no certame.

(...)

Essa especialização da justiça administrativa disciplinar, através de juízes

ordinários, com competência administrativa, iria qualificar o Órgão julgador como

independente e técnico, preocupado em fazer justiça e não em julgar em

conformidade com interesses superiores ou políticos. Esse poder independente teria

fundamento no próprio Estado Democrático de Direito instalado em nosso País,

além de garantir a devida segurança jurídica ao servidor acusado, no sentido de que

ele será investigado e julgado por um Órgão técnico e imparcial.145

3.5.4.3. O Julgamento Administrativo Segundo o Direito

Analisados os conceitos de estabilidade constitucional, controle de constitucionalidade e

especialização das funções desenvolvidas pela Administração Tributária, podemos agora

retornar ao questionamento sobre a possibilidade de o julgador administrativo deixar de

aplicar lei ou ato normativo para, no lugar destes, aplicar dispositivo constitucional com o

qual a norma inferior não se compatibiliza.

A decisão administrativa, segundo Aldo de Paula Junior, pode ser classificada segundo

dois critérios: o subjetivo e o objetivo.146

O critério subjetivo está ligado ao julgador e ao grau de subordinação deste ao órgão de

julgamento. Por tal critério, a decisão administrativa é ato preponderantemente administrativo,

posto que emanado por agente público do Poder Executivo, que se encontra ligado a um órgão

deste mesmo Poder.

145

GRECHINSKI. Maria Izabel Pohl. Do Julgamento Político dos Processos Administrativos Disciplinares e

da Necessidade de Uma Justiça Administrativa Disciplinar Especializada Brasileira. In: Revista Ibero-

Americana de Direito Público – RIADP. Rio de Janeiro, v. XVIII p. 451, 2º trimestre de 2005.

146

PAULA JR., Aldo de. Processo Administrativo Tributário Federal e Estadual. São Paulo: MP, 2005,

p.33.

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114

O critério objetivo diz respeito à função exercida pelo julgador administrativo. Neste

sentido, o ato emanado de autoridade pertencente à administração tributária judicante pode ser

considerado jurisdicional, uma vez que produzido no curso de um processo administrativo,

devendo, portanto, obedecer ao princípio constitucional do devido processo legal (art. 5º, LIV

e LV, Constituição Federal).

Conclui-se então que o ato do julgador, inobstante produzido no âmbito do Poder

Executivo, tem natureza jurisdicional, pois a decisão não faz outra coisa senão dizer o direito

no caso concreto, ainda que esta possa ser questionada por via judicial, pelo que não há

nenhuma violação ao dispositivo constitucional que reserva ao judiciário competência para

apreciação de lesão ou ameaça a direito (artigo 5º XXXV da Constituição de 1988).

Desta forma, deve o julgador administrativo estar totalmente sujeito não apenas à lei ou

ato normativo infralegal, mas a todos os postulados constitucionais. Noutras palavras, o

julgador deve cumprir o princípio da juridicidade, pelo qual deve manter-se subordinado ao

Direito como todo.

Por esta razão, retirar dos órgãos do julgamento a competência para exercer na plenitude

a sua tarefa que, materialmente, é jurisdicional, se apresenta injustificável e verdadeira afronta

ao direito de defesa do contribuinte, pois este pode, e em muitos casos é o que acontece,

fundamentar a sua impugnação administrativa no fato de ser improcedente o lançamento

tributário efetuado, tendo em vista a inconstitucionalidade de dispositivo de lei em que se

fundou aquele ato administrativo.

O princípio da juridicidade, desta forma, é quem melhor dar guarida a esta garantia

constitucional, posto que descreve de maneira mais completa a necessária ligação que deve

haver entre a Administração e o Direito.

Ao ter o Direito como manancial, no qual vai o julgador administrativo buscar os

fundamentos de sua decisão, jamais poderá ser negado o prestígio que o mesmo deve

dispensar às normas constitucionais, que possuem hierarquia superior a todas as demais do

ordenamento jurídico, servindo-lhes como fundamento de validade.

A decisão que deixa de aplicar dispositivo de lei ou ato normativo para aplicar norma

constitucional, segundo Luís Roberto Barroso é “decisão auto executória e independe do

prévio pronunciamento do Judiciário. Tal posição só merecerá ser revista se o órgão

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115

competente do Poder Judiciário, provocado por algum interessado, vier a decidir em sentido

inverso”.147

No mesmo sentido, James Marins, baseado na doutrina de Roque Carazza, expondo

suas idéias sobre a criação de tribunais administrativos, sustenta que “não apenas é

recomendável como necessário – pois premido por modalidade de poder-dever – que se

pronuncie em acordo com a Constituição Federal, justamente porque sejam quais forem os

membros da administração pública, não são senhores, mas servidores da lei.” 148

Não concordamos com a alegação de que a Constituição Federal, ao atribuir

competência para os chefes dos Poderes Executivos federal e estadual para impetrar ação

direta de inconstitucionalidade, estaria negando a possibilidade de afastamento da norma

inconstitucional pelo julgador administrativo. Há que se dizer que quando o julgador prefere

norma constitucional à outra de hierarquia inferior incompatível com a mesma, não exerce o

controle de constitucionalidade nos mesmos moldes em que exercido pelo Poder Judiciário, o

qual tem a competência para declarar a norma inconstitucional, seja através do controle

concentrado ou difuso.

O que faz o julgador é diante de duas normas – uma constitucional e outra

infraconstitucional – aplicar ao caso concreto a norma superior, fazendo valer a Constituição.

Não tem, pois, a competência para declarar, de nenhuma forma, a inconstitucionalidade de

qualquer tipo de norma com os efeitos próprios das decisões dos órgãos judiciais. Assim, a

legitimidade dos chefes dos Poderes Executivos federal e estadual para deflagrar o processo

de declaração de alguma norma inconstitucional, via ação direta de inconstitucionalidade, a

ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal, não se confunde com o poder-dever do julgador

administrativo tributário de utilizar o Direito em suas decisões, homenageando a lei máxima

que é a Constituição.

Se tomarmos como válido este argumento, seríamos obrigados a aceitar então que

órgãos julgadores municipais, somente estes, estariam autorizados a afastar normas

147

BARROSO, Luís Roberto. Poder Executivo – Lei Inconstitucional – Descumprimento. Revista de Direito

Administrativo, Rio de Janeiro, nº 181-182, jul-dez. 1990 p.397 apud ROCHA, Sergio André. Processo

Administrativo Fiscal. Controle Administrativo do Lançamento Tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2009, p.190.

148

MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Tributário). 3ª ed. São

Paulo: Dialética, 2003, p.336, com apoio na doutrina de Roque Carazza exposta no seu curso de Direito

Constitucional Tributário. 3ª ed. São Paulo: RT, 1991, p.150.

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116

inconstitucionais, posto que o chefe do Executivo municipal não possui legitimidade para

ingressar com Ação Direta de Inconstitucionalidade.

É sempre imperioso lembrar que a atividade do julgador administrativo, pelas

peculiaridades já apresentadas, não pode ser comparada à do servidor público membro da

administração ativa, pois este não possui o atributo de apreciar a juridicidade dos atos

administrativos.

3.5.5. Teoria da Tripartição de Poderes de Montesquieu

A clássica doutrina da tripartição de poderes, elaborada por Montesquieu, merece

atualização de sua interpretação, de forma a se adequar à realidade dos tempos atuais, nos

quais a idéia de um Poder Executivo limitado a funções da administração ativa cede lugar a

um novo modelo que lhe atribui também funções de natureza jurisdicional.149

Segundo James

Marins, “Tais necessidades conduzem a que semelhante pureza conceitual da doutrina de

Montesquieu receba sucessivas mitigações, quer de ordem positiva, doutrinária e

jurisprudencial”.150

O Princípio Republicano, em que se apóia o Estado Democrático de Direito, e que

fundamenta a separação de poderes não pode ser visto, hodiernamente, como justificador de

uma tripartição de funções rígidas, sem pontos de contato entre os poderes, visto que a

Constituição enumera várias situações em que um determinado poder exerce, ainda que

atipicamente, funções atinentes a outro poder.

A Administração Pública tributária não pode ficar atrelada somente à sua função típica,

que é a cobrança e arrecadação dos tributos, há que se ter em mente que, para cumprir o

149

O trecho a seguir, dos professores José Américo M. Pessanha e Bolivar Lamounier, bem ilustra a doutrina de

Montesquieu, segundo originalmente concebida: “... opta claramente pelos interesses da nobreza, quando põe a

aristocracia a salvo tanto do rei quanto da burguesia. Do rei, quando a teoria da separação dos poderes impede o

Executivo de penetrar nas funções judiciárias; dos burgueses quando estabelece que os nobres não podem ser

julgados por magistrados populares. (...)” in PESSANHA, José Américo Motta e LAMOUNIER, Bolivar:

Montesquieu (1689-1755): Vida e Obra. Montesquieu: Do Espírito das Leis. 2ª ed. São Paulo: Ed. Abril,

1979. (Coleção "Os Pensadores").

150

MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Tributário). 3ª ed. São

Paulo: Dialética, 2003, p.337.

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desiderato de sua função judicante deve obrigatoriamente perseguir os fins da justiça, o que só

pode ser alcançado se levado em conta o princípio da juridicidade.

3.5.6. Ampla Defesa e Contraditório

A obediência ao princípio da juridicidade por parte dos órgãos de julgamento implica o

atendimento da garantia constitucional da ampla defesa assegurada ao cidadão-contribuinte,

na medida em que permite ao julgador administrativo afastar norma inconstitucional quando

alegada pelo mesmo.

Deixar de analisar todas as alegações manejadas pelos contribuintes é malferir o Estado

Democrático de Direito. A decisão que insiste em aplicar norma inconstitucional tendo em

vista o cego cumprimento do princípio da legalidade estrita, já nasce desprovida de qualquer

constitucionalidade. Tal conduta conduz à inadmissível conclusão que no âmbito da

Administração Pública a Constituição não vige, podendo ser suplantada por lei inferior a esta

e até mesmo por ato normativo, produzido unilateralmente no interior da própria

Administração.

Sintetiza o que queremos afirmar a lição de Alberto Xavier, ao dizer que:

A amplitude da defesa no processo administrativo tributário envolve a possibilidade

de alegação de todos os fundamentos possíveis da ilegalidade de ato administrativo

de lançamento, entre os quais o vício de inconstitucionalidade indireta, cujo

conhecimento é perfeitamente normal num sistema de controle difuso. 151

Concordamos também com Alberto Xavier quando defende a idéia de que o julgador

administrativo, ao analisar a constitucionalidade de norma infraconstitucional, em nenhum

momento tem aptidão para gerar os efeitos de uma decisão judicial no mesmo sentido. O que

faz o órgão judicante é aferir a “validade do ato administrativo de lançamento em função da

151

XAVIER, Alberto. Princípios do Processo Administrativo e Judicial Tributário. Rio de Janeiro: Forense,

2005, p. 97-98.

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118

relação de conformidade ou desconformidade com o parâmetro material à luz do qual deve ser

aferida, parâmetro esse genericamente designado “lei””.152

Avança no tema para concluir que:

os órgãos judicantes da Administração nada mais fazem, nos casos atrás referidos,

do que proceder a uma declaração de nulidade dos atos administrativos tributários

por vício de inconstitucionalidade indireta. Assim sendo, a procedência do pedido de

tal declaração, no processo administrativo, depende de uma decisão positiva de

inconstitucionalidade de lei, existindo um nexo incindível entre a declaração de

nulidade do ato administrativo (objeto principal do processo administrativo) e a

questão da constitucionalidade da lei. 153

O que se garante ao contribuinte é a possibilidade de toda vez que se sentir lesado por

lançamento fiscal que, no seu entender, é nulo por basear-se em norma inconstitucional,

requerer ao órgão judicante que reconheça essa situação, afastando a exação descabida.

Não assentimos com o pensamento esboçado por Sérgio André Rocha, no seu “Processo

Administrativo Fiscal. Controle Administrativo do Lançamento Tributário” 154

, de que, ao se

admitir que os órgãos de julgamento possam afastar norma inconstitucional, estaria se

inaugurando autorização para que os particulares deixem de cumprir obrigações por eles

assumidas por entenderem que as mesmas se fundamentam em regra destoante da

Constituição Federal.

Não nos parece que seja assim, entretanto. É que se o referido controle do ato

administrativo de lançamento não pode ser efetuado por qualquer órgão, necessitando que este

possua função jurisdicional para tanto – órgão judicante, com muito mais ênfase é que se deve

vedar que a compatibilidade de normas em face da Constituição seja levada a efeito por

qualquer particular.

Se a possibilidade de amplo emprego do princípio da juridicidade pelos órgãos

administrativos de julgamento é tema atual de disputa doutrinária, questão menos controversa

é a redução desse poder-dever para alcançar apenas atos normativos emanados pelas

152

XAVIER, Alberto. Princípios do Processo Administrativo e Judicial Tributário. Rio de Janeiro: Forense,

2005, p. 85.

153

XAVIER, Alberto. Princípios do Processo Administrativo e Judicial Tributário. Rio de Janeiro: Forense,

2005, p. 87.

154

ROCHA, Sergio André. Processo Administrativo Fiscal. Controle Administrativo do Lançamento

Tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p.192.

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autoridades tributárias. Para muitos autores tal pode se dar, pois atos normativos

complementares à legislação tributária, como Portarias, Instruções Normativas, Ordens de

Serviço, Circulares, etc, são normas emanadas pelo próprio ente tributante, não são

submetidos ao complexo processo legislativo. Portanto, a não aplicação dos mesmos, para

esta corrente, é conseqüência direta do poder de autotutela da administração, restando

incólume o princípio da separação de poderes.

Nesta linha doutrinária, Hugo de Brito Machado Segundo:

(...) o órgão administrativo de julgamento pode declarar a inconstitucionalidade de

um ato administrativo sempre que esse ato estiver fundado em lei e normas

infralegais de validade não impugnada, mas, apesar disso, violar (o ato, e não as tais

normas infraconstitucionais) diretamente a Constituição. 155

Entendemos, todavia, que a possibilidade de afastamento de norma inconstitucional

deve ser mais ampla, para englobar também leis que não se harmonizam com a Constituição,

mas que fundamentaram o lançamento efetuado por agente da administração ativa, o qual, por

este motivo já nasce tisnado de nulidade. Não proceder dessa forma significa ignorar os

argumentos de defesa do contribuinte, os quais, não poucas vezes, baseiam-se somente na

inconstitucionalidade. Não poder analisá-los ou decidir apenas citando que não cabe aos

órgãos administrativos tal exame, funciona como verdadeira supressão do direito de defesa no

âmbito do processo administrativo tributário.

Se não puderem ser apreciados todos os argumentos do contribuinte, edificados para

desconstituir o crédito tributário, melhor opção seria o recurso direto à via judicial. Todavia, a

Constituição de 1988 não reservou os postulados da ampla defesa e do contraditório somente

aos órgãos do Poder Judiciário, mas também àqueles encarregados do julgamento

administrativo, conforme se depreende do artigo 5º, inciso LV.

Não satisfaz à garantia do contraditório, a simples concessão formal ao contribuinte

para impugnar o lançamento. De nada adianta isso se laudas e mais laudas escritas em sua

defesa passarão distante do conhecimento do julgador. O contraditório pleno exige mais, roga

155

MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Inconstitucionalidade de Declaração de Inconstitucionalidade

de Lei pela Autoridade Administrativa de Julgamento. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: nº

9, nov. 2003, p.98-99.

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pela participação efetiva da parte no processo com o intuito de poder, com seus argumentos,

influenciar a autoridade administrativa que decide. Reclama a participação dos interessados

na produção da vontade estatal.

3.5.7. A Posição das DRJs e do CARF

Não obstante a postura que sustentamos deva ter a autoridade administrativa integrante

da administração judicante, as turmas da Delegacia da Receita Federal do Brasil de

Julgamento e as câmaras do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, continuam a

proferir decisão no sentido da impossibilidade do julgador afastar a norma infraconstitucional

para preferir aplicar a Constituição156

, isto porque alegam, em grande parte, vinculação ao

artigo 26-A do Decreto 70.235/72, cuja redação foi dada pela Lei 11.941/2009.157

Ocorre que

o próprio dispositivo já traz, no nascedouro, incompatibilidade com o artigo 5º, inciso LV, da

Constituição.

156

Veja-se, nesse sentido, a seguinte decisão, proferida pela Quinta Câmara do Conselho Administrativo de

Recursos Fiscais, em sede de recurso voluntário (processo nº 13971.002719/2007-24, sessão de julgamento

realizada em 06/05/2009).

Assunto: Contribuições Sociais Previdenciárias Período de apuração: 01/01/2002 a 31/03/2005 GFIP. TERMO

DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE

ANÁLISE NA ESFERA ADMINISTRATIVA - CONTRIBUIÇÕES DESTINADAS AOS TERCEIROS.

COMPATIBILIDADE. - GRAU DE RISCO. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA. AUTO

ENQUADRAMENTO. – MULTA MORATÓRIA NÃO POSSUI NATUREZA CONFISCATÓRIA.

CARÁTER IRRELEVÁVEL. A GFIP é termo de confissão de dívida, quando não recolhidos os valores nela

declarados. A análise de inconstitucionalidade não pode ser efetuada na esfera administrativa, que tem que

cumprir a lei, haja vista a presunção de compatibilidade com o ordenamento jurídico vigente. As

contribuições destinadas aos Terceiros possuem natureza tributária, estando perfeitamente compatível

com o ordenamento jurídico vigente. O contribuinte inadimplente tem que arcar com o ônus de sua mora, ou

seja, os juros e a multa legalmente previstos. A multa moratória possui caráter irrelevável. COOPERATIVAS

DE TRABALHO. ENCARGO DO TOMADOR DE SERVIÇOS. O art. 22, IV da Lei n ° 8.212/1991 prevê a

obrigatoriedade de as empresas tomadoras de serviço efetuarem o recolhimento das contribuições devidas sobre

a nota fiscal, quando a prestadora de serviço for uma cooperativa de trabalho. Assim, a cota patronal sobre os

segurados cooperados filiados à cooperativa de trabalho é custeada pela tomadora de serviços e não pela própria

cooperativa de trabalho. Recurso Voluntário Negado.

157

Art. 26-A do Decreto 70.235/72: “No âmbito do processo administrativo fiscal, fica vedado aos órgãos de

julgamento afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob

fundamento de inconstitucionalidade”.

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121

O posicionamento acima, equivocado, a nosso juízo, já foi, inclusive, sumulado pelos

Primeiro e Segundo Conselhos do antigo Conselho de Contribuintes do Ministério da

Fazenda, órgão hoje substituído pelo atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.158

Há de se ressaltar, contudo, que cresce cada vez mais o descontentamento dos

julgadores administrativos com tal limitação, como podemos aferir de nossa experiência de

alguns anos no contencioso administrativo fiscal de primeira instância.

Em fóruns de discussão e reuniões internas, o tema é sempre recorrente, deixando claro

que há parcela significativa de auditores julgadores que almejam ver alterada a legislação que

estabelece, ao nosso ver, injustificada vedação a que julguem segundo o princípio da

juridicidade, no lugar do princípio da legalidade estrita.

Vale destacar que o Supremo Tribunal Federal, nos autos da Medida Cautelar em Ação

Direta de Inconstitucionalidade nº 221-DF,159

já reconheceu a possibilidade do Chefe do

Poder Executivo ordenar que os agentes deste Poder deixem de aplicar norma por ele

considerada inconstitucional, muito embora, como assentou Sérgio André Rocha, a própria

158

Confira-se a este propósito a Súmula nº 02 do Primeiro Conselho de Contribuintes, cuja íntegra também foi

utilizada para a edição de súmula de mesmo número pelo Segundo Conselho: “O Primeiro Conselho de

Contribuintes não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária”. 159

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA. REVOGAÇÃO. PEDIDO

DE LIMINAR. - por ser a medida provisória ato normativa com força de lei, não é admissível seja retirada do

congresso nacional a que foi remetida para o efeito de ser, ou não, convertida em lei. - em nosso sistema jurídico,

não se admite declaração de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo com forca de lei por lei ou por ato

normativo com força de lei posteriores. O controle de constitucionalidade da lei ou dos atos normativos é da

competência exclusiva do poder judiciário. Os poderes executivo e legislativo, por sua chefia - e isso mesmo tem

sido questionado com o alargamento da legitimação ativa na ação direta de inconstitucionalidade -, podem tão-só

determinar aos seus órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com forca de

lei que considerem inconstitucionais. - a medida provisória n. 175, porem, pode ser interpretada (interpretação

conforme a constituição) como ab-rogatoria das medidas provisórias n.s. 153 e 156. Sistema de ab-rogação das

medidas provisórias do direito brasileiro. - rejeição, em face desse sistema de ab-rogação, da preliminar de que a

presente ação direta de inconstitucionalidade esta prejudicada, pois as medidas provisórias n.s. 153 e 156, neste

momento, só estão suspensas pela ab-rogacao sob condição resolutiva, ab-rogação que só se tornara definitiva se

a medida provisória n. 175 vier a ser convertida em lei. E essa suspensão, portanto, não impede que as medidas

provisórias suspensas se revigorem, no caso de não conversão da ab-rogante. - o que está prejudicado, neste

momento em que a ab-rogacao está em vigor, é o pedido de concessão de liminar, certo como é que essa

concessão só tem eficácia de suspender "ex nunc" a lei ou ato normativo impugnado. E, evidentemente, não há

que se examinar, neste instante, a suspensão do que já esta suspenso pela ab-rogação decorrente de outra medida

provisória em vigor. Pedido de liminar julgado prejudicado "si et in quantum". (ADI 221 MC / DF - DISTRITO

FEDERAL MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min.

MOREIRA ALVES Publicação: DJ DATA-22-10-93).

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ementa desta decisão tenha ressalvado que “este posicionamento tem sido questionado após o

alargamento da legitimidade para o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade”. 160

Também o Decreto nº 2.194, de 7 de abril de 1997, autorizou o Secretário da Receita

Federal do Brasil a determinar que não sejam constituídos créditos tributários baseados em

lei, tratado ou ato normativo federal, declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal

Federal, através de controle difuso ou concentrado.

Se a possibilidade de afastamento da norma inconstitucional é reconhecida ao Chefe do

Poder Executivo e até mesmo ao Secretário da Receita Federal do Brasil, com maior

fundamento deve-se admitir decisões dos órgãos judicantes nesse sentido, pois se tratam de

corpos técnicos com o dever de aplicar o Direito quando da verificação da exatidão do

lançamento tributário, tendo, antes, travado intenso debate sobre a matéria nas sessões de

julgamento.

Decretos dessa natureza, atos unilaterais que são, representam verdadeiras amarras aos

julgadores administrativos tributários, subtraindo a importância e independência dos mesmos

e gerando atrofia das garantias do contraditório e ampla defesa do cidadão-contribuinte.161

160

ROCHA, Sergio André. Processo Administrativo Fiscal. Controle Administrativo do Lançamento

Tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.197. 161

Artigo primeiro do Decreto Nº 2.194, de 7 de abril de 1997.

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CAPÍTULO 4: JUSTIÇA ADMINISTRATIVA FISCAL

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Há muitos séculos a formulação do conceito de justiça é objeto de reflexão por parte dos

juristas. Para o direito romano, foi conceituada como a vontade perpétua de dar a cada um o

que é seu. Para Sócrates, era a simetria entre o justo agir e o reto pensar. Em Platão, a justa

ordenação da cidade. Sob o influxo do cristianismo, a justiça foi tida como forma de

concreção da caridade. De acordo com Dante Alighieri, a idéia de justiça estava ligada

diretamente à de proporção e, para Nelson Saldanha, o termo se relacionava com a

distribuição das igualdades possíveis.

Estes são apenas muitos dos vários conceitos de justiça que podem ser relacionados a

partir da história do direito. Entretanto, ao presente trabalho assiste mais de perto a questão do

estudo da justiça administrativa, seu desenvolvimento no direito comparado e a experiência

travada pelo ordenamento pátrio.

Dito isto, força é conceituar Justiça Administrativa, termo que, como muitos no mundo

direito, comporta abordagem segundo os sentidos formal e material.

No sentido formal ou orgânico, de acordo com o Professor Eduardo Lobo Botallo

Gualazzi, a “Justiça Administrativa consiste no aparelhamento público, encarregado de

aplicar o Direito Administrativo, ao conjunto de litígios originados da atividade da

Administração Pública”.162

Segundo a concepção formal, a justiça administrativa abrange o complexo de órgãos

destinados a solucionar litígios, mediante provocação, nos quais uma das partes envolvida é a

Administração Pública. Neste aspecto, a justiça administrativa não comporta apenas o

contencioso administrativo, stricto sensu, mas também a parcela especializada do poder

judiciário encarregada exclusivamente de resolver litígios administrativos. A preocupação

aqui é com a preservação do princípio da juridicidade no campo das querelas que envolvam

matéria atinente ao Direito Administrativo, ou seja, com a aplicação de regras, princípios e

postulados, quer por parte de um sistema de órgãos e tribunais com vida autônoma em relação

ao Poder Judiciário; quer através de varas especializadas deste último.

A Justiça Administrativa, no sentido material, segundo ainda o Professor Gualazzi, se

interessa pelo objeto, o conteúdo do litígio, a res in judicio deducta, o conflito entre o Estado

e o Administrado, em matéria de Direito Administrativo. Não se importa por quem irá

resolvê-lo.

162

GUALAZZI, Eduardo Lobo Botelho. Justiça Administrativa. São Paulo: RT, 1986, p.23.

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125

É sob o aspecto material ou substancial que se determinará a competência para

julgamento das lides administrativas: através do sistema do contencioso, nos países que

adotam a dualidade jurisdicional; ou, por via do Poder Judiciário, naqueles países que

albergam o sistema de unicidade da jurisdição.

Apresentados os conceitos formal e material de Justiça Administrativa, impende, agora,

estudar o seu desenvolvimento no direito comparado e no ordenamento pátrio.

4.1. O Modelo Francês

Em França, vige o modelo de dualidade jurisdicional ou de dupla jurisdição. Naquelas

terras, campeia a máxima de que o conteúdo é causa determinante da forma. Assim, a matéria

administrativa exige um sistema estatal especializado, independente do Poder Judiciário, cuja

finalidade é julgar os litígios que exorbitam do direito comum.

Pode-se creditar o surgimento do contencioso administrativo na França a fatores

históricos.

A princípio, na idade média, não se identificava na França nenhuma instituição

responsável pela jurisdição contenciosa, fosse administrativa ou judicial, pois nesta época

todo poder estava centralizado nas mãos do Senhor Feudal, a quem era facultado a delegação

a quaisquer oficiais, que poderiam exercer qualquer função sem nenhuma exigência de

especialização.

O cenário medievo não se alterou com a monarquia nascente, vez que continuou não

existindo diferenciação no exercício de funções. Prebostes, Senescais e Administradores

exerciam as funções de administradores, juízes administrativos e juízes judiciais, cumulativa e

indistintamente.

Foi no longo período monárquico conhecido como Ancien Regime que se consolidaram

duas visíveis tendências: a distinção entre funções administrativas e jurisdicionais, e a

especialização da função jurisdicional em judiciária e administrativa.

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126

No que toca à primeira tendência, verificou-se a especialização dos delegados do Rei,

de tal forma que uns se especializaram em funções administrativas, enquanto que outros se

tornaram especializados na função jurisdicional.

Já a especialização da função jurisdicional se deu com a decisão político-administrativa

da Monarquia que atribuiu ao Conselho do Rei a competência para solucionar as reclamações

e pedidos que versassem sobre a matéria administrativa ou negócios do Estado, restando

competentes para conhecer e julgar os litígios particulares os juízes comuns ou ordinários.

De acordo com a concepção acima, traçou-se o esboço do contencioso administrativo

francês, tendo por órgão de cúpula o Conselho do Rei, composto por prebostes, senescais,

governadores e intendentes. Os últimos estavam circundados por conselheiros, cujas decisões

podiam ser objeto de apelação para o Conselho. Os intendentes, pode-se asseverar, foram os

ancestrais dos Conselhos de Prefeitura franceses, os quais deram origem aos modernos

Tribunais Administrativos.

A monarquia, apesar de distinguir funções administrativas das jurisdicionais,

historicamente jamais concedeu o monopólio destas aos juízes judiciários, pois considerava

que não cabia ao mesmo juiz conhecer de assuntos particulares e administrativos. Sob o

argumento de que julgar é ainda administrar, reservou o conhecimento das lides

administrativas a juízes integrantes do corpo administrativo.

A jurisdição administrativa nasceu juntamente com a jurisdição judiciária durante a

Monarquia, tendo a especialização das funções encontrado forte oposição dos juízes

ordinários e dos parlamentos.

Os magistrados ordinários não aceitavam a limitação de apenas julgar os litígios civis e

penais e se verem impedidos de decidir acerca das lides administrativas. Assim, esforçaram-se

para reverter a divisão da jurisdição em administrativa e comum estabelecida pela monarquia.

Em vista dessa convivência hostil entre magistrados e corpos administrativos, a

monarquia foi obrigada a imediatamente reagir, o que fora feito, no ano de 1641, com a

promulgação do Edito de São Germano (Edit de Saint-Germain) cuja inspiração teve raízes

nas idéias do Cardeal Richelieu.

O teor do trecho a seguir transcrito descreve a resistência da monarquia à rebeldia dos

juízes comuns:

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Declaramos que nossa dita corte de parlamento de paris e todas outras cortes foram

estabelecidas somente para prestar justiça a nossos súditos; fazemo-lhes bem

expressas inibições e proibições. de tomar, no futuro, conhecimento de qualquer

assunto que possa concernir ao Estado, à Administração, ao governo que reservamos

somente à nossa pessoa, se somos nós que lhe damos o poder e a competência

especial pelas nossas cartas patentes.

A reação dos parlamentos contra o disposto no Edito de São Germano se deu através do

Fronde Parlamentaire, de 1648. Tal movimento foi sufocado pelo célebre Luís XIV, o Rei

Sol, através de aresto do Conselho do Rei, de 08 de julho de 1661, cuja essência foi a

proibição definitiva de os juízes judiciais conhecerem das questões afetas ao Monarca e ao

seu Conselho.

Era a consolidação do instituto que ficou conhecido como “justiça retida”, segundo o

qual os parlamentos não deveriam se imiscuir nas questões que o Rei havia separado para si

ou para o seu Conselho. Este sistema manteve-se incólume por quase um século. Neste longo

período, os parlamentos deixaram de oferecer resistência ao julgamento, pelo Monarca, das

lides sobre matéria de Direito Administrativo.

Poucos anos antes da Revolução de 1789, os parlamentos, controlados pela aristocracia,

tornaram-se instrumento político contra a concentração de poder exercido pelo Monarca. Os

principais meios de que se serviram estes tribunais foram o direito de registro e a censura.

Pelo primeiro, os tribunais recusavam-se a aplicar as decisões reais que não haviam sido

registradas perante o parlamento, atuando como uma espécie de veto em relação às

ordenanças não registradas. Já as censuras funcionavam como poder de controle sobre as

decisões do Rei, podendo até mesmo, em casos extremos, revogá-las.

Estas intervenções dos parlamentos na administração foram consideradas abusivas na

época, pelo que se denota que a dualidade jurisdicional já estava inscrita no espírito político

do povo francês.

Com a Revolução Burguesa de 1789, pôs-se fim às instituições do Antigo Regime.

Assim, parlamentos, intendentes e Conselho do Rei foram extintos. No lugar dos parlamentos

surgiram os juízes eleitos, encarregados do exercício da função jurisdicional, no que tocava às

matérias cível e penal.

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128

Entretanto, a dualidade jurisdicional que imperou na Monarquia foi mantida pelos

revolucionários. Uma nova Administração foi constituída a partir de comunas, distritos e

departamentos subordinados a um governo central, permanecendo a proibição de os tribunais

ordinários conhecerem e julgarem litígios administrativos.

É oportuno registrar que, embora houvesse divisão da função jurisdicional, cabendo aos

tribunais ordinários o julgamento das causas relativas às matérias cível e penal, e à

administração a matéria administrativa, inexistia ainda uma justiça administrativa composta

por tribunais e juízes independentes dos corpos judiciário e administrativo. A decisão em

última instância cabia ao Rei, com exceção do período conhecido por Diretório (1795–1799),

em que aos ministros foi reconhecida a competência para decidir as lides administrativas,

sistema que ficou conhecido como o do Ministro-Juiz.

Ao assumir o poder em 1799, Napoleão Bonaparte mandou elaborar nova constituição

para a França, com o Poder Executivo sendo exercido por três cônsules sob a sua presidência,

auxiliado por um órgão colegiado denominado de Conselho de Estado, cujas incumbências

eram: a preparação de projetos de lei; a elaboração de regulamentos; e a solução de conflitos

em matéria administrativa. Com relação a esta última atribuição, pela qual promovia-se a

separação entre as autoridades administrativas e do contencioso, verificou-se nítida

aproximação da administração com o sistema que vigorou durante o Antigo regime

Em 1806, foi criada a Comissão do Contencioso no Conselho de Estado, a qual passou a

ser a responsável pela solução das lides administrativas. É de se registrar que Napoleão

Bonaparte tinha o poder de vetar as decisões do Conselho de Estado em matéria relativa ao

contencioso, porém a história demonstra que não houve registro de recusa à chancela de

decisões daquele órgão.

Desde a queda de Napoleão até 1870 o Conselho de Estado sempre integrou a estrutura

do Poder Executivo francês, registrando-se nesse período apenas alterações não substanciais

no seu rol de atribuições.

Em 1870, após proclamada a Terceira República, foi suprimido o Conselho de Estado,

embora mantidas suas atribuições de contencioso administrativo, através de uma comissão

provisória.

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Dois anos depois, a Assembléia Nacional da França, sob influência do notável jurista

Aucóc, restaurou o Conselho de Estado através de lei que o regeu até o ano de 1940.

O ano de 1872 representa novo marco no sistema jurídico-político francês, pois o

Conselho de Estado, a partir de então, deixou de exercer definitivamente a justiça retida

substituindo-a pela justiça delegada, segundo a qual a função jurisdicional de contencioso

administrativo passava a ser exercida com plena autonomia em relação ao Poder Executivo.

4.1.1. Organização da Justiça Francesa

Como visto, devido a fatos históricos, marcados sobretudo pela resistência à intromissão

dos parlamentos na Administração, a justiça francesa está sustentada sobre dois grandes

pilares-mestres: a Justiça Administrativa ou Contenciosa Administrativo e a Justiça Comum

ou Ordinária.

A justiça Administrativa ou Contencioso Administrativo julga as lides que envolvem

matéria relacionada ao direito administrativo. Tal matéria é conhecida e processada por

tribunais administrativos, situados fora do âmbito do Poder Judiciário, em cujo topo se

encontra o Conselho de Estado, órgão colegiado encarregado de dar a última palavra nos

litígios em que se achem envolvidos Administração Pública e Administrado, ou seja, suas

decisões fazem a res judicata pública.

É o sistema de Contencioso Administrativo o responsável pela conversão da jurisdição

una em dupla, constituído por um aparelhamento diferenciado para tomar conhecimento de

questões exclusivamente inerentes ao Direito Administrativo, a partir de princípios e regras de

caráter não privatísticos.

O Contencioso Administrativo é composto por magistrados formados em Direito

Administrativo, em tese melhores conhecedores dos princípios, regras e institutos do mesmo

do que os juízes comuns ou ordinários.

Por seu turno, a Justiça Comum ou Ordinária julga as lides que envolvem matéria

diferente da administrativa, a partir de normas e institutos do direito privado. É formada por

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tribunais judiciais, e tem como órgão supremo a Corte de Cassação, responsável pela res

judicata privada, própria do Direito comum.

É de se ressaltar que a expressão Contencioso Administrativo já foi duramente

combatida pelo jurista brasileiro Cardozo de Mello Neto, catedrático da Faculdade de Direito

do Largo do São Francisco, para quem “o contencioso administrativo é um monstro jurídico

de invenção francesa, onde a Administração é parte e juiz ao mesmo tempo”.

Cardozo de Melo, entretanto, com todo o reconhecimento que a comunidade jurídica lhe

empresta, elaborou, equivocadamente, conceito do todo a partir da parte.

É que o citado mestre levou em conta, em sua formulação, apenas o período em que

vigorou o sistema de justiça retida, pelo qual funcionários integrantes do próprio Poder

Executivo julgavam os litígios administrativos, embora, muita vez, já gozando de

especialização na função jurisdicional.

Esse período foi sucedido, nos anos seguintes, pela afirmação do contencioso

administrativo, representante da administração judicante, separado e independente da

Administração Ativa, de forma semelhante à estrutura concebida para o Poder Judiciário.

O contencioso administrativo é considerado espécie do gênero jurisdição contenciosa,

com a característica de possuir aparelho judicante diverso do judiciário e tendo como órgão

supremo o Conselho de Estado, encarregado de decidir, em última instância, os litígios

envolvendo matéria de Direito Administrativo.

O Conselho de Estado não se encontra inserido na estrutura do Poder Judiciário, nem

subordinado ao Poder Executivo – Administração Ativa, o que lhe garante plena

independência para proferir as suas decisões.

Os conflitos de competência havidos entre as duas jurisdições, comum e administrativa,

são resolvidos através de órgão constituído especificamente para essa função, denominado

Tribunal de Conflitos.

O sistema de jurisdição administrativa não suprimiu, todavia, a possibilidade do

particular contestar a validade de ato administrativo, perante à Administração ativa, através de

procedimento de natureza não contenciosa. Por tal mecanismo, a Administração revisa a

conformação do ato emanado por autoridade com a legislação pertinente. Não discute, pois, a

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relação jurídica estabelecida entre Estado e Administrado, funcionando como mera revisão de

ofício.

No que se refere à área fiscal, é imperioso registrar que o contencioso atinente a

tributos, cuja obrigação de arrecadar e recolher correm exclusivamente por conta do

contribuinte, escapam à jurisdição administrativa, submetendo-se à jurisdição ordinária.

Também fica a cargo da jurisdição comum o julgamento de atos fiscais gerais que

implicarem prejuízos patrimoniais ou de ordem penal. Somente os atos do fisco relativos a

contribuintes específicos é que são conhecidos e julgados pela jurisdição administrativa-fiscal,

que é composta, em primeira instância, pelos Tribunais Administrativos Fiscais, e, em última

instância, pelo Conselho de Estado, o qual atua como corte de cassação.

Assim é que foi concebido o contencioso administrativo francês, cuja base teórica

emanada da genialidade do legislador daquele país, por fértil e pujante, irradiou-se por muitos

países da Europa, seja em sua forma pura ou, aproveitando o núcleo central da idéia,

ensejando outras formas, híbridas, de jurisdição contenciosa.

4.2. O Modelo Inglês

Ao sistema de dualidade jurisdicional contrapõem-se o de unicidade da jurisdição, no

qual a solução dos conflitos pela jurisdição se dá dentro de um mesmo aparelhamento estatal,

no âmbito do poder judiciário. Tal modelo está fulcrado na máxima una Lex, una jurisdictio.

Diferentemente do contencioso administrativo em que as lides administrativas são

julgadas por um conjunto de órgão situados fora do âmbito de abrangência do poder

judiciário, aqui, o que pode haver, facultativamente, é uma especialização formal e material

da justiça administrativa, situada na esfera de abrangência do Poder Judiciário, para resolver

litígios administrativos. Algo semelhante ao que existe no Brasil, como é o caso da justiça

eleitoral, trabalhista ou militar.

O sistema jurisdicional uno, portanto, é aquele em que o mesmo aparelhamento

judicante, com ou sem especialização interna, processa e julga, originariamente ou através de

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recurso, a totalidade dos litígios, inclusive os administrativos, ocorrentes em um Estado

Soberano.

A unicidade é garantida por um recurso, em grau último e extraordinário, a um tribunal

supremo, suprema corte ou tribunal constitucional, nomenclatura cuja variação se dá em

função do ordenamento jurídico considerado para o estudo.

Segundo Aristóteles, causa é aquilo de que uma coisa é feita, ou a razão em vista da

qual algo existe ou ocorre.163

Assim, cumpre, da mesma forma que fizemos para o modelo

Francês, perquirirmos pela causa do surgimento do sistema uno de jurisdição na Inglaterra.

Nesta empreitada investigativa, podemos afirmar, como resultado da mesma, que a origem

está em causas históricas e práticas.

Como causa prática, a idéia de separação de poderes deita raízes na antiguidade e

continuou sendo cultivada por empiristas liberais, de cunho individualista, dentre os quais se

destacou John Locke, tendo suas idéias mais fecundas sido reunidas na obra “Segundo

Tratado do Governo Civil”. Os empiristas ingleses não viam razão por que não entregar ao

judiciário o conhecimento e a decisão de todos os litígios, visto que, pela divisão das funções

estatais pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, a este cabia a solução litigiosa dos

conflitos.

No que tange às razoes históricas, podemos citar como a principal delas o fato de o

direito inglês não reconhecer um regime administrativo derrogatório e exorbitante do direito

comum, informado por princípios diversos daqueles que norteiam o Direito Privado.

Vale dizer também que as instituições judiciárias inglesas são resultado da evolução de

vários séculos, sem revoluções e sem rupturas, diferentemente do que ocorreu em França.

Elas foram construídas a partir de imemoriais costumes e tradições, as quais não rompiam

com o passado, mas, sim, o aperfeiçoavam. Assim foi desde o período anglo saxônico,

passando pelo absolutismo Tudor-Stuart, pelo liberalismo oligárquico, até chegar ao

liberalismo democrático dos dias de hoje.

No período anglo-saxônico (450-1066) não havia diferenciação quanto às funções

estatais.

163

CRETELLA JUNIOR, José. Filosofia do Direito. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p.10.

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133

Na Alta Idade Média (1066-1307) foram instituídas a Corte de Ações Ordinárias, a

Corte do Tesouro Público e as Justiças Itinerantes. Na Baixa Idade Média (1307-1485)

registraram-se as rivalidades entres as cortes criadas no período anterior. Por relevante,

destaca-se a instituição da Corte da Eqüidade e as Cortes Marítima e do Almirantado.

Na era absolutista Tudor – Stuart foram introduzidas as Cortes das Prerrogativas e do

Tesouro. No período do liberalismo oligárquico (1637-1822) foram abolidas as Cortes das

Prerrogativas e efetuadas alterações de pouco relevo no aparelhamento judicial.

Finalmente no período do liberalismo democrático (1822 até hoje) foram criadas as

Cortes Civis e as de Divórcio e Provação, as quais mais tarde foram reorganizadas para dar

origem à estrutura atual da justiça inglesa, que se compõe das seguintes Cortes: dos Condados

(primeira instância), de Apelação (segunda instância) e Câmara dos Lordes (supremo grau de

jurisdição).

O sistema de jurisdição una irradiou-se pelo continente norte-americano (Estados

Unidos e Canadá), chegando mais tarde a terras mais distantes como Noruega, Dinamarca e

Suécia. Na America do Sul, podemos ainda mencionar a adoção do modelo por Chile, Peru e

Brasil.

4.3. O Modelo Alemão

O Sistema alemão, conforme sua Lei Fundamental, é baseado na unicidade

jurisdicional, segundo o qual a jurisdição é exercida pelo Poder Judiciário, cujos órgãos

possuem especialização em determinadas matérias, como é o caso da trabalhista, da

financeira.

Estabelece o artigo 95 da Lei Fundamental da Alemanha que “para os propósitos das

jurisdições ordinária, administrativa, financeira, trabalhista e social, a Federação criará, com

caráter de Tribunais supremos, o Tribunal Federal de Justiça, o Tribunal Administrativo

Federal, o Tribunal Federal de Finanças, o Tribunal Federal de Trabalho e o Tribunal Social

Federal”.

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Embora o artigo use o termo “jurisdições”, trata-se, na verdade, segundo melhor

interpretação da doutrina, de ramos de uma jurisdição única exercida pelo Poder Judiciário.164

Em conformidade com essa estrutura, a matéria tributária é englobada pelos tribunais

financeiros (Finanzgerichte). Por seu turno, o processo tributário alemão já se encontra

codificado desde o ano de 1966 (Finanzgerichtsordnung), fato que denota inegável avanço da

Alemanha em relação a alguns países como o Brasil, por exemplo, que, até hoje, não possui

codificação específica da matéria, seja no âmbito judicial ou administrativo.

Os tribunais judiciais financeiros são fruto da evolução histórica dos antigos tribunais

administrativos que já existiam na Alemanha antes mesmo da Lei Fundamental de 1949, a

qual representa a Constituição daquele país.

Sainz de Bujanda descreve a trajetória histórico-política que culminou com a

institucionalização dos Finanzgerichte.165

Inicialmente, foram formadas comissões especializadas, no âmbito da Administração,

para conhecer e julgar as reclamações interpostas pelos contribuintes contra ato administrativo

fiscal.

Em um segundo momento, foram criados, em 1919, os tribunais administrativos

financeiros, cujos membros, embora gozando de independência, submetidos apenas à lei,

eram vinculados à Administração ativa.

Em 1945, os tribunais administrativos foram transformados em órgãos jurisdicionais,

constituindo a denominada jurisdição financeira. Os integrantes desses tribunais passaram a

ser juízes de carreira, togados, gozando das prerrogativas comuns aos magistrados daquele

país.

A existência de jurisdição administrativa não afasta o procedimento de impugnação

perante a Administração tributária, que, na Alemanha, é obrigatório e pressuposto para o

recurso à via judicial de discussão.

Hartmut Maurer bem resume todo o sistema:

164

Conforme MARINS, James. Direito Processual Brasileiro (Administrativo e Tributário). 3ª Edição. São

Paulo: Dialética, 2003, p.357.

165

In Sistema de Derecho Financeiro. Madrid: Facultad de Derecho de la Universitad Complutense, 1985,

p.770.

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135

O procedimento de oposição ainda permanece no âmbito administrativo e apresenta,

com isso, um controle intra-administrativo. Com a demanda de impugnação, o

âmbito administrativo é excedido e causado um controle extra-administrativo. O

tribunal administrativo decide como instância independente e provida de pessoas

versadas em direito. Sua posição especial e o procedimento judicial administrativo,

dotado de garantias especiais, garantem um exame jurídico amplo e neutro. A

autoridade que até então era “dona do procedimento”, entra – como o cidadão

demandante – no papel de parte processual e precisa expor e defender sua concepção

jurídica diante das barreiras do tribunal.166

As decisões dos tribunais financeiros são em geral definitivas, podendo apenas ser

reformuladas pela Corte Constitucional, quando arguida matéria desta natureza.

4.4. O Modelo Italiano

Na Itália, o controle dos atos administrativos gerais está a cargo dos Tribunais

Administrativos Regionais e do Conselho de Estado, por força do que dispõe o artigo 103 da

Constituição italiana: “O Conselho de Estado e outras cortes de justiça administrativa

possuem jurisdição sobre litígios relativos a direito administrativo, bem como sobre lides de

direito civil contra a administração pública, conforme específicas previsões legais”.

Segundo Giovanni Paleólogo, o processo administrativo italiano tem origem nos

tribunais regionais, cujas decisões podem sofrer recurso para o Conselho de Estado. Por sua

vez, das decisões do Conselho de Estado poderá caber recurso para a Corte de Cassação, nos

seguintes casos: quando a matéria não era suscetível de tutela jurisdicional, quando houver

alegação de incompetência da jurisdição administrativa, e nos casos em que o juiz exorbitar

dos poderes a ele legalmente reconhecidos.

O artigo 113 da Constituição italiana estabelece o princípio da inafastabilidade da

jurisdição, porém, segundo Filipo Satta,167

esta norma assegura que a tutela jurisdicional será

exercida tanto no âmbito da jurisdição ordinária quanto da administrativa, peculiaridade que

166

MAURER, Hartmut. Elementos de Direito Administrativo Alemão. Tradução Luís Afonso Heck. Porto

Alegre: Sérgio Antonio Fabris , 2001, p.105-106.

167

In Giustizia Amministrativa, 1997, p.461 apud ROCHA, Sergio André. Processo Administrativo Fiscal.

Controle Administrativo do Lançamento Tributário. 3ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.139.

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136

ressalta a semelhança com o modelo francês, segundo o qual o controle dos atos

administrativos é realizado por órgão que se encontra fora do âmbito do Poder Judiciário.

No que diz respeito especificamente aos atos fiscais, são os mesmos controlados pela

jurisdição administrativo-fiscal formada em primeiro e segundo graus pelas Comissões

Tributárias, e, em terceiro grau, pela Comissão Tributária Central, encontrando-se as normas

processuais tributárias disciplinadas pelo Decreto Legislativo nº 545, de 31 de dezembro de

1992.

É de se notar que apenas algumas matérias decididas pela Comissão Tributária de

Segundo Grau são passíveis de recurso para a Comissão Tributária Central, tais como: o

questionamento do juiz tributário para a solução da lide, erro na aplicação do Direito,

nulidade da sentença ou presença de contradição ou omissão quanto a determinado ponto da

lide.

4.5. Modelo Espanhol

Na Espanha se reconhece aos tribunais administrativos a competência para o controle da

legalidade dos atos administrativos. Tal instância é condição de admissibilidade para o

exercício do direito de ação ante ao Poder Judiciário, conforme disposto na sua Lei Orgânica.

Tal qual o sistema francês o espanhol também possui órgão denominado Conselho de

Estado, porém a diferença está no fato de que, em França, ele exerce, com definitividade, a

função de julgamento e consulta administrativa, em matéria de direito administrativo, ao

passo que, na Espanha, o mesmo órgão está incumbido do exercício apenas da função

consultiva.

Desta forma, tem-se claro que a competência para decidir sobre matéria administrativa,

em última instância, pertence ao Poder Judiciário, semelhante ao que ocorre no Brasil, com a

diferença da não exigência do esgotamento prévio da instância administrativa como pré-

requisito para o ingresso da discussão na via judicial.

No que diz respeito aos conflitos tributários, a revisão dos atos administrativos fiscais,

que constitui a necessária e prévia instância administrativa, se dá através de dois instrumentos

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de impugnação: o recurso de reposição e o recurso econômico-administrativo. O primeiro é

direcionado ao próprio órgão que emitiu a decisão recorrida, e o segundo tramita na jurisdição

econômico-administrativa, que se compõe dos seguintes órgãos: Tribunais Econômico-

Administrativos locais, Tribunais Econômico-Administrativos Regionais, Tribunal

Econômico-Central e Ministério da Economia.

Superada a instância administrativa, os atos fiscais podem ser submetidos à jurisdição

contencioso-administrativa, no âmbito do Poder Judiciário, a qual será exercida através dos

Tribunais Contencioso-Administrativos. As sentenças proferidas por estes, por sua vez, são

executadas pela Administração.

É de se registrar que a Lei Geral Tributária estabelece, em seu artigo 228, que os

julgadores administrativos que atuam nos Tribunais Econômico-Administrativos atuarão com

independência funcional, calando a norma geral em relação à atribuição de qualquer grau de

independência para os servidores da Administração Pública que julgam o recurso de

reposição.

A Lei Geral prevê ainda, conforme artigo 233, que o ingresso nos tribunais econômico-

administrativos suspendem a exigibilidade do crédito tributário desde que apresentada, pelo

impugnante, uma garantia, que pode ser: depósito em dinheiro, aval ou fiança.

4.6. Modelo Português

O sistema português, baseado no princípio da inafastabilidade da jurisdição, preconiza

que, em última instância, conhecerá dos litígios administrativos o Poder Judiciário, através de

tribunais administrativos.

A jurisdição administrativa, ramo específico do Poder Judiciário, está prevista no item 3

do artigo 212 da Constituição portuguesa, segundo o qual compete aos tribunais

administrativos “o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto

dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.

O controle da legalidade pela própria administração é possível e se dá através de

processo administrativo denominado de gracioso.

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Em relação aos atos administrativos fiscais, tanto o processo administrativo quanto o

judicial são normatizados pelo Código de Procedimento e de Processo Tributário, instituído

pelo Decreto-Lei nº 433/99.

O procedimento fiscal gracioso está regido pelo artigo 68 do Código, e tem por

finalidade a anulação, parcial ou total, dos atos tributários pela própria administração, a partir

de iniciativa do contribuinte.

Da mesma maneira que o processo administrativo brasileiro, o português proíbe a

interposição de recurso gracioso quando houver, sobre a mesma matéria, impugnação a ser

deduzida na seara judicial, evitando, assim, a superposição de instâncias.

A justiça administrativa fiscal está organizada em primeira instância pelos tribunais

tributários, em segunda instância pelos tribunais centrais e possui como órgão máximo o

Supremo Tribunal Administrativo.

4.7. A Experiência Brasileira

Para se conhecer a experiência brasileira em matéria de justiça administrativa necessário

se faz passar em revista às diversas fases políticas de nossa história.

Na época do Brasil-Colônia, todos os poderes estavam concentrados nas mãos do

monarca, logo era impossível o pronunciamento livre de qualquer magistrado, vez que a sua

decisão poderia ser avocada a qualquer tempo pelo soberano.

Entre as órgãos que exerciam as funções administrativas ativa e contenciosa

destacavam-se: o Conselho Real da Fazenda, Mesa da Consciência e Ordem, Conselho

Ultramarino, Almirantado, Junta dos Três Estados e Mesas de Inspeção do Açúcar e do

Tabaco.

Nesta época, nenhuma autoridade poderia ir de encontro ao que o governo julgasse de

interesse público, posto que o absolutismo dispunha de meios para coibir manifestações que

fossem contrárias ao regime. Além disso, havia o fato de que juízes, delegados e demais

órgãos do Poder Executivo formavam um único poder indiviso.

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No início do Brasil- Império, as Câmaras Municipais, que exerciam função contenciosa,

foram gradativamente perdendo o seu exercício, graças ao Movimento Liberal que na época

clamava por um regime representativo e pela independência dos poderes.

O restabelecimento do contencioso se deu através da promulgação de decretos e outros

atos normativos, por vezes abusivos e ilegais, residindo aí, muito provavelmente, a gênese

fragmentária do nosso Direito Administrativo.

O órgão de cúpula era o Conselho de Estado. Entretanto, não havia um sistema de

contencioso, como o que foi erigido pelo gênio administrativista francês, pois o imperador

podia rever e modificar a qualquer tempo as decisões do Conselho, característica que muito

nos aproximou do efêmero período francês da Adminstração-Juiz (1789-1799), no qual a

Administração Ativa julgava os litígios de que também era parte.

O Conselho de Estado, a rigor, no Império, não tinha a função de julgar, mas de ser

consultado nos atos em que o imperador considerasse por bem ouvi-lo.

Podemos asseverar que não tivemos no Império um contencioso administrativo

propriamente dito. Tivemos, a bem da verdade, um arremedo de justiça administrativa,

desvinculada do Poder Judiciário, porém inserido no âmbito da Administração Pública ativa e

subordinada ao imperador.168

No Brasil-República, ficou registrada marcadamente a unidade jurisdicional, salvo pela

previsão constante na Emenda Constitucional nº 07/1977, conforme se discorrerá

oportunamente.

A Constituição de 1891 pôs fim ao contencioso administrativo obliquamente

estabelecido pela Carta outorgada de 1824. Tal fato pode ser atestado pelo teor do artigo 60.

Em verdade, o dispositivo concentrava o conhecimento de todos os litígios

administrativos na Justiça Federal, especialização formal e material do Poder Judiciário. A

168

Conforme Maria de Souza Furtado de Mendonça: “o Conselho de Estado Atual, não é uma instituição

política, mas puramente administrativa, e dentro da administração mesmo tem limites muito estritos, pois não

exerce autoridade alguma, cingindo-se suas atribuições a ilustrar o imperador, auxiliá-lo, com suas luzes, servi-lo

com sua experiência” in Excerpto de Direito Administrativo Pátrio. São Paulo, 1865, Tipografia Alemã de

Henrique Schroeder apud GUALAZZI, Eduardo Lobo Botelho. Justiça Administrativa. São Paulo: RT, 1986,

p.139.

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competência dos juízes e tribunais estava firmada ratione personae, pela presença da União e

ratione materiae, pela aplicação do direito constitucional e administrativo.169

O controle dos atos da Administração se dava através do Princípio da Legalidade,

desautorizado que estava o Judiciário de adentrar nas questões de mérito administrativo.

O sistema de unidade jurisdicional, inaugurado pela Constituição de 1891, perdurou ao

longo das Constituições de 1934, 1937, 1946 e 1967 (em sua redação original).

Neste ponto, é interessante observar que a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de

outubro de 1969, em seu artigo 110, estabelecia que a competência para julgar os litígios

decorrentes das relações de trabalho dos servidores da União, inclusive suas autarquias e

empresa públicas era dos juízes federais com recurso, quando fosse o caso, para o Tribunal

Federal de Recursos.

Já no artigo 111, cuja redação provocou intensa discussão doutrinária, previa a citada

Emenda que a Lei poderia criar sistema de contencioso administrativo para julgar os litígios

acima referidos.170

Em face da redação do artigo 111, foi designada, pelo eminente Ministro da Justiça,

Alfredo Buzaid, Comissão de Estudo do Contencioso Administrativo, sob a presidência de

José Cretella Júnior, contando ainda com a participação de várias juristas notáveis.

Ao final dos trabalhos, a Comissão concluiu que houve uma erronia técnica na

expressão “contencioso Administrativo” utilizada pelo legislador de 1969, visto que tal

sistema, de origem francesa, já havia sido excluído do nosso ordenamento pela Constituição

de 1891.

Além do mais, apontou a Comissão que o contencioso administrativo, na forma em que

é universalmente conhecido, jamais admitiria subordinação ao Poder Judiciário, sob pena de

desnaturação do instituto, o qual se fundamenta em uma justiça administrativa livre de

qualquer intervenção de outro poder.

169

Conforme GUALAZZI, Eduardo Lobo Botelho. Justiça Administrativa. São Paulo: RT, 1986, p.143.

170

Confiram-se, na íntegra, os artigos citados:

Art. 110. Os litígios decorrentes das relações de trabalho dos servidores com a União, inclusive as autarquias e as

empresas públicas federais, qualquer que seja o seu regime jurídico, processar-se-ão e julgar-se-ão perante os

juízes federais, devendo ser interposto recurso, se couber, para o Tribunal Federal de Recursos.

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Arremataram os estudiosos que o instituto previsto no artigo 111, indevidamente

denominado de contencioso administrativo, tratava-se, na verdade, de uma especialização da

jurisdição trabalhista, inserida na estrutura do Poder Judiciário e com competência para julgar

os litígios entre servidores e a União, autarquia ou empresa pública.

Já a Emenda Constitucional nº 7/1977, alterou a redação do artigo 153, § 4º, da

Constituição de 1967, para estabelecer que a Lei não poderia excluir da apreciação do Poder

Judiciário qualquer lesão a direito individual, porém, o ingresso em juízo poderia fiar

condicionado ao exaurimento da via administrativa, desde que não exigida garantia de

instância, nem ultrapassando o prazo de cento e oitenta dias para a decisão sobre o pedido.

Paralelamente, esta última Emenda incluiu no texto constitucional o artigo 203,

prevendo a criação de contenciosos administrativos, federais e estaduais, sem poder

jurisdicional, para a decisão de questões fiscais e previdenciárias, inclusive relativas a

acidentes do trabalho. Ademais, inseriu regra, constante do artigo 204 da Constituição,

estabelecendo que a parte vencida na instância administrativa poderia recorrer ao Tribunal

competente para pleitear revisão da decisão.

Novamente, forte corrente doutrinária se insurgiu contra o dispositivo para reafirmar

que não se tratava verdadeiramente de instituição de contencioso administrativo, tomando

sempre como paradigma o modelo francês.

Sobre as inovações trazidas pela Emenda 7/77, escreveu Ada Pellegrini Grinover:

(...) donde se verifica, já quanto à terminologia, a impropriedade da Emenda, quando

denomina “contenciosos administrativos” meros tribunais administrativos, sem

função jurisdicional, e quando simplesmente omite a denominação de instituto que

pode adquirir, em certos casos ao menos, as características do contencioso

administrativo propriamente dito.171

A ideia de exigência de esgotamento da instância administrativa como condição para

ingresso em juízo contra ato da administração tributária foi também cogitada durante os

trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte convocada para elaboração da Constituição de

1988, tendo sido rejeitada.

171

O contencioso Administrativo na Emenda nº 7/77 in Revista da Procuradoria do Estado de São Paulo nº 10,

junho de 1977, São Paulo, p.257.

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As tentativas de implantação de formas alternativas para resolução de questões

administrativas, especialmente aquelas de natureza tributária, acabaram por levar à conclusão

de que dificilmente seria possível reproduzir em nosso país o contencioso administrativo nos

moldes franceses.

Talvez esse fenômeno se deva a motivos como inexistência das razões históricas que

deram origem ao modelo francês, falta de tradição nesta forma de administração da justiça, e

maior identificação da população com o princípio do monopólio judiciário do controle

jurisdicional.

A impossibilidade de implantação do verdadeiro contencioso administrativo, à

semelhança do que ocorre na França, não significa, todavia, que não se possa aperfeiçoar o

nosso modelo.

Um dos pontos mais importantes a serem levados em conta refere-se ao reconhecimento

de que o processo tributário, pelas suas peculiaridades - em especial, a natureza pública do

crédito tributário -, não pode seguir as mesmas regras do processo comum.

Neste sentido é que tramitou no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à

Constituição nº 578/2002, de iniciativa do Deputado Federal Moreira Ferreira, que dispunha

sobre a criação da Justiça Administrativa Fiscal no âmbito da União, Estados, Distrito Federal

e Municípios.

Os principais pontos da Proposta eram os seguintes: a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios deveriam organizar tribunais administrativos fiscais, com autonomia

administrativa e funcional; competência decisória ampla e definitiva (ressalvada a

interposição de ação judicial própria, ou de recurso, no foro competente); independência dos

julgadores administrativos; estrutura colegiada, paritária (com representantes do poder

executivo e dos contribuintes) e especializada por espécie de tributo ou contribuição; duplo

grau de conhecimento, sendo garantido o acesso às instâncias de julgamento

independentemente de qualquer garantia, depósito ou outro ônus; mandatos coincidentes, de

dois anos, para todos os membros, permitida uma renovação;

A função principal dos tribunais era julgar recursos voluntários ou de ofício, formulados

pelo sujeito passivo, pela Fazenda Pública ou por órgão competente da seguridade social

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contra decisões de autoridade em processo administrativo fiscal, sempre que instaurado o

contencioso.

Os tribunais administrativos fiscais poderiam, pelo voto de três quintos de seus

membros, reconhecer a inconstitucionalidade de tratado, lei ou ato normativo do poder

público.

As decisões definitivas de mérito dos tribunais administrativos fiscais produziriam

eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Executivo

correspondente, bem como somente poderiam ser apreciadas pelo Poder Judiciário em caso de

ofensa à Constituição, tratado ou lei, interpretação divergente daquela realizada por Tribunais

superiores ou oposição manifesta à prova dos autos.

A competência originária para apreciação dos recursos contra decisões dos tribunais

administrativos fiscais seria dos tribunais judiciais de segundo grau de jurisdição, cabendo à

lei prever a exigência de prévia garantia de instância, a condição de renúncia à via judicial em

primeiro grau de jurisdição e os efeitos do recebimento do recurso.

Como se pode observar, a idéia central da Proposta era substituir os atuais órgãos de

julgamento administrativo de segunda instância, em matéria fiscal e previdenciária, por

verdadeiros tribunais, dotados de maior poder de cognição.

Não se tratava de implantação do contencioso administrativo nos moldes franceses, mas

sem dúvida representou uma tentativa de caminhar em direção à harmonização processual

entre as esferas administrativa e judicial, conforme se depreende da redação do artigo

proposto sob o número 162-D, pelo qual os recursos contra decisões dos tribunais

administrativos fiscais deveriam ser apreciados por tribunais judiciais de segundo grau,

devendo ainda a lei, conforme inciso II do mesmo artigo, dispor sobre a condição de renúncia

à via judicial em primeiro grau de jurisdição.

Tal regra suscitou discussões acerca de sua constitucionalidade, tendo em vista os

princípios constitucionais do monopólio do controle jurisdicional pelo Poder Judiciário, do

controle judiciário (artigo 5º, XXXV), do devido processo legal (artigo 5º, LIV), e do

contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LV), que se inserem entre os direitos e garantias

individuais, considerados como cláusulas pétreas da Constituição Federal (artigo 60, § 4º, IV).

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O artigo 162-E da PEC também gerou muitas controvérsias ao restringir a possibilidade

de recurso contra decisão do tribunal administrativo fiscal aos casos de ofensa à Constituição,

tratado ou lei; interpretação divergente daquela realizada por Tribunais superiores e oposição

manifesta à prova dos autos.

De fato, este dispositivo, se implementado, faria com que o contribuinte, evitasse a via

administrativa, com receio de futuros empecilhos ao seu direito de recurso. Em outras

palavras, a via administrativa somente seria vantajosa em casos restritos como, por exemplo,

quando a jurisprudência dos Tribunais Superiores fosse favorável ao contribuinte, o que, na

prática, eliminaria a importância e necessidade do julgamento administrativo.

Outra questão polêmica dizia respeito à possibilidade dos tribunais administrativos

reconhecerem a inconstitucionalidade de tratado, de lei ou ato normativo do poder público,

prevista no artigo 162-C, inserido na PEC 578/2002.

Neste aspecto, a PEC em questão divergia frontalmente do Anteprojeto do Código

Tributário Nacional e do Anteprojeto de Código de Processo Administrativo Tributário, que,

em seu artigo 172, exclui da competência dos órgãos julgadores administrativos "o exame da

legalidade e da constitucionalidade de disposição de lei em matéria ainda não reconhecida por

decisões reiteradas do Superior Tribunal de Justiça ou por decisão definitiva do Supremo

Tribunal Federal...".

É importante esclarecer que a defesa da possibilidade do exame da constitucionalidade

de lei, não significa a admissão da competência do julgador administrativo para realizar o

controle da constitucionalidade e declarar a inconstitucionalidade de lei.

Na verdade, o que se admite é que os órgãos de julgamento administrativo, na atividade

de interpretação das normas aplicáveis ao caso concreto, levem em consideração o princípio

da hierarquia das normas jurídicas para afastar a aplicação de normas inferiores que

contrariem normas superiores, inclusive a Constituição Federal, como é comum acontecer, no

âmbito do próprio Poder Judiciário, com os juízes singulares.

A tese de afastamento de normas por incompatibilidade com outras de grau superior

encontra albergue nas lições de doutrinadores como Gilberto Ulhôa Canto, Miguel Reale, Rui

Barbosa, Francisco Campos, Themístocles Brandão Cavalcanti, Moreira Alves, Hely Lopes

Meirelles, Rui Barbosa Nogueira.

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145

Já dissemos neste trabalho e voltamos a afirmar que o Princípio da separação dos

poderes precisa ser atualizado de modo a se adequar à realidade dos tempos atuais, em que a

idéia de um poder executivo limitado a funções administrativas e de execução cede espaço a

um novo modelo em que se lhe atribui funções de natureza jurisdicional.

A atitude do julgador administrativo, membro da Administração judicante, não pode ser

comparada à atitude dos funcionários públicos em geral, membros da Administração ativa,

uma vez que o primeiro tem por função apreciar a juridicidade dos atos administrativos

Além disso, os membros da Administração Pública são subordinados à lei e, portanto, à

Constituição, que é a lei máxima e deve ser zelada por todos os Poderes da República.

A PEC 578/2002 não logrou aprovação na Comissão de Constituição e Justiça da

Câmara dos Deputados, tendo sido arquivada ao argumento de que feria o sistema de

independência dos poderes, nos moldes então concebidos por Montesquieu.

4.8. Tribunais Administrativos Tributários

Se a tentativa de harmonização processual não se apresenta como idéia aceitável, a curto

prazo, pela sociedade brasileira, devido, em grande parte, ao culto exacerbado ao monopólio

judicial do controle jurisdicional, temos a plena convicção de que mudanças devem ser feitas

no sentido de dotar o julgamento administrativo federal de maior independência,

imparcialidade e rigor técnico, provendo-o de incremento na capacidade de transmitir aos

contribuintes a impressão de que sofreram um julgamento justo, segundo o direito, e com isso

desencorajá-los a repetir toda a discussão na via judicial, contribuindo desta forma para aliviar

o peso da carga recai sobre os ombros do Poder Judiciário, fato que o torna, de igual forma,

desacreditado pela sociedade.

Estas mudanças são motivadas pelo fato de crermos que grande parte das críticas

dirigidas ao julgamento administrativo das lides tributárias são dirigidas aos órgãos nos quais

o processo se desenvolve.

No caso do processo administrativo tributário federal, o órgão de primeira instância –

Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento – está inserido na estrutura da Receita

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Federal do Brasil, e o órgão de segunda instância – Conselho Administrativo de Recursos

Fiscais –, embora não integrante da organização da Receita Federal, pertence ao Ministério da

Fazenda e possui composição paritária, com membros oriundos da Receita Federal e dos

contribuintes.

O grau de vinculação dos órgãos julgadores à estrutura administrativa responsável pela

arrecadação tributária tem permitido, não raras vezes, que o processo administrativo fiscal se

torne mero instrumento protelatório, tendo em vista que a discussão final sobre a procedência

ou não do lançamento desaguará inevitavelmente na via judicial.

O quadro desenhado denuncia o panorama de desprezo com que é visto o processo

administrativo tributário pela parte impugnante, além do que representa desperdício de

esforços dos atores envolvidos no julgamento, que despendem seu tempo e dinheiro dos

cofres públicos para proferirem julgamento que não têm, grande parte das vezes, o condão de

persuadir, não permitindo que o crédito tributário possa se tornar líquido e certo a partir da

decisão administrativa, o que impossibilita o ingresso sem desembaraço de recursos aos cofres

públicos, seja pelo recolhimento do tributo empreendido pelo contribuinte que se convenceu

da decisão, seja através da rápida promoção de execução do título extrajudicial pela

procuradoria da Fazenda Nacional.

Este estado de coisas tem proporcionado verdadeira chicana processual que permite que

uma discussão em torno de lançamento tributário efetuado pelo Fisco perdure cerca de três a

cinco anos no âmbito do Poder Executivo e até cerca de seis anos na via judicial, totalizando

um período de até longos onze anos.

Ou seja, os órgãos julgadores passam a ser um meio eficaz para que as partes

prejudiquem o bom andamento dos feitos, favorecendo à lamentável visão de ineficiência que

o povo tem dos mesmos, os quais passam a ser vistos como inimigos da sociedade e não como

instrumentos de distribuição da justiça constituídos para servi-la.

A situação deixa evidente a necessidade de fortalecimento do processo administrativo

fiscal com o objetivo precípuo de desestimular o ingresso em juízo por parte dos

contribuintes.

A nossa proposta é a criação de Tribunais Administrativos Tributários com a

consequente extinção das Delegacias de Julgamento e do Conselho Administrativo de

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Recursos Fiscais, os quais seriam respectivamente substituídos por tribunais regionais, cada

um deles com jurisdição sobre determinada região fiscal, formada por um conjunto de estados

da federação, e por um tribunal central, órgão de cúpula da administração tributária judicante,

com sede em Brasília, incumbido de processar e julgar os recursos interpostos em face das

decisões dos tribunais regionais.

Estes tribunais, apesar de integrarem o Poder Executivo não ficariam subordinados ao

Ministério da Fazenda. Deveriam situar-se, do ponto de vista do organograma da

Administração, logo abaixo da Presidência da República e gozarem de autonomia patrimonial,

administrativa e financeira, além, por evidente, da técnica.

Os membros desses tribunais não mais seriam egressos dos quadros da Fazenda

Nacional, nem de entidades representativas dos contribuintes. O ingresso se daria por

concurso público de provas e títulos, para o qual se exigiria formação específica em Direito,

devendo ainda o Bacharel demonstrar experiência na área tributária, seja como advogado,

auditor ou procurador.

Como se pode ver abandona-se a exigência de composição paritária que atualmente

caracteriza os quadros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.

Não é a presença de julgadores oriundos do Fisco e de representações dos contribuintes

que confere ao julgamento legitimidade e imparcialidade, ao contrário, tal formação pode

favorecer decisões tendentes à proteção de interesses originários desses órgãos e entidades

que cedem seus membros.

Numa situação ainda pior, pode proporcionar até mesmo o patrocínio de interesses

particulares, sobretudo por parte de advogados indicados por organizações representativas dos

interesses dos contribuintes, pelo fato de não ser exigida desses julgadores dedicação

exclusiva às atividades do Conselho.

Se, por exemplo, determinado advogado e também conselheiro, desenvolver tese

tributária que, mais tarde, for submetida à apreciação pelo órgão de julgamento no qual atua,

tal fato será motivo de arguição de impedimento e, neste caso, não restaria comprometida a

imparcialidade. Entretanto, se a mesma tese for levantada pela defesa, em outro processo, no

qual atue outro causídico, não existirá impedimento do citado conselheiro que obviamente

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poderá votar pela procedência da mesma, ainda que convencido do contrário pelos seus pares,

se estiver visando à satisfação de interesses particulares.

Sobre a abolição da paridade nos órgãos de julgamento aqui defendida vale à pena

trazer à colação o posicionamento do Professor Ricardo Lobo Torres:

A representação paritária nos Conselhos de Contribuintes, a nosso ver, é arcaísmo

que se precisa eliminar do direito brasileiro. Aqui penetrou por influência das ideias

corporativas prevalecentes na Itália dos anos 30. A representação clássica já vai

desaparecendo até mesmo do Direito Trabalhista.

A eficiência dos órgãos administrativos julgadores depende do conhecimento

jurídico e técnico de seus aplicadores, coisa que se não obtém com a paridade, salvo

em raríssimos casos, como parece ser o do Tribunal de Impostos e Taxas de São

Paulo. Seria necessário, portanto, que se criassem cargos para a nomeação de

pessoas com sólidos conhecimentos em matéria tributária e com reputação ilibada,

funcionários públicos ou não. 172

Ademais, acrescente-se que não há previsão constitucional para adoção de composição

paritária nos referidos tribunais.

Os julgadores administrativos devem também gozar das mesmas prerrogativas

garantidas aos magistrados pelo artigo 95 da Constituição: vitaliciedade, irredutibilidade de

subsídio e inamovibilidade, além de mesmo patamar remuneratório.

Aos julgadores dos tribunais administrativos seria atribuída competência para julgar

segundo o princípio da juridicidade, possibilitando-se, desta feita, o julgamento conforme o

Direito, o que lhes permitiria o exame da legalidade e da constitucionalidade de norma, no

caso concreto, nos moldes desenvolvidos no decorrer deste trabalho.

Com estes tribunais, espera-se garantir a necessária independência dos julgadores

administrativos, conferindo às decisões prolatadas maior grau de legitimidade e adesão por

parte do contribuinte, além de afastar todas as restrições ao devido processo legal que

permeiam o atual regime jurídico do julgamento administrativo, conforme dissecadas ao

longo desta disssertação.

172

TORRES, Ricardo Lobo. Processo Administrativo Fiscal: Caminhos para o seu Desenvolvimento.

Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, nº 46, jul. 1999, p.79.

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Quem sabe, caso as mudanças aqui propostas obtenham os resultados esperados, se

possa partir para a harmonização entre os processos administrativo e judicial, empreendidas as

devidas alterações constitucionais, tornando ainda mais célere o desenlace das lides

tributárias, e evitando, por definitivo, a renovação de toda a discussão na via judicial.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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A superação das teorias jusnaturalista e positivista do Direito conduziu os princípios à

categoria de patamar de sustentação dos valores de uma sociedade, fase da ciência jurídica

que ficou conhecida como pós-positivismo, na qual a norma-princípio passou a ser tão

vinculante quanto qualquer outra norma jurídica, com a prerrogativa de fundamentar e dar

unidade a todo o ordenamento jurídico.

Nesse sentido, o devido processo legal, em seus desdobramentos – procedimental e

substantivo –, garantido pelo inciso LIV, do artigo 5º da Constituição de 1988, dispositivo

nitidamente inspirado nas Emendas 5ª e 14ª da Constituição Americana, se apresenta como

poderoso instrumento de controle dos atos do Poder Público que desbordam das limitações

constitucionais, ou promovem ingerência indevida na esfera jurídica individual. Por força do

inciso LV do citado artigo da Constituição pátria, o princípio deve ser observado, em sua

plenitude, tanto no processo judicial quanto no administrativo. Portanto, não pode a

administração tributária negar-lhe plena efetivação.

Filiou-se ao conceito de processo como instrumento de legitimação do poder estatal,

sendo comum a todas as funções através das quais este atua, logo não há como dizer que não

existe atuação do Estado-Administração, posto que inúmeras são as relações nascidas entre

este e os seus administrados, entre elas, notadamente, as tributárias.

A ampla processualidade, entretanto, não impede que as questões decididas pela

Administração sejam revisadas pelo Poder Judiciário, posto que no Brasil vige o sistema de

jurisdição una, conforme preconizado pelo inciso XXXV do artigo 5º da Constituição.

Após incursão teórica empreendida nos consectários imediatos do devido processo

legal, concluiu-se que vários deles não são observados ou têm sua efetividade mitigada pelos

órgãos colegiados de primeira e segunda instâncias da administração tributária, entre os quais

destacamos os princípios do juiz natural, da publicidade, da oralidade, da razoável duração do

processo e da juridicidade.

Após apontados os aspectos que implicam restrições ao devido processo legal e aos

demais princípios derivados do mesmo, realizou-se estudo acerca das possibilidades de

concreção de uma justiça administrativa, em sistema de jurisdição dual e una, bem como se

retratou a tentativa frustrada de harmonização dos processos tributários administrativo e

judicial, introduzida pelo Projeto de Emenda Complementar nº 578/2002, o qual foi arquivado

devido à estreita interpretação do princípio da tripartição dos poderes.

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Ao fim, posicionou-se no sentido da criação de Tribunais Administrativos Tributários,

como forma de efetivar plenamente o princípio do devido processo legal e seus consectários,

com a consequente extinção das Delegacias de Julgamento e do Conselho Administrativo de

Recursos Fiscais, os quais seriam respectivamente substituídos por tribunais regionais, cada

um deles com jurisdição sobre determinada região fiscal, formada por um conjunto de estados

da federação, e por um tribunal central, órgão de cúpula da administração tributária judicante,

com sede em Brasília, incumbido de processar e julgar os recursos interpostos em face das

decisões dos tribunais regionais.

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