Upload
hathien
View
216
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
0
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR
PR-REITORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO REDE NORDESTE DE FORMAO EM SADE DA FAMLIA
MESTRADO PROFISSIONAL EM SADE DA FAMLIA
ADRIANA FERREIRA DE MENEZES
CONDIES SOCIODEMOGRFICAS E DE SADE BUCAL DAS PESSOAS
COM DEFICINCIA, E DO SEU ACESSO ATENO ODONTOLGICA EM
UMA UNIDADE DE ATENO PRIMRIA SADE (UAPS), FORTALEZA-CE
FORTALEZA-CE
2016
1
ADRIANA FERREIRA DE MENEZES
CONDIES SOCIODEMOGRFICAS E DE SADE BUCAL DAS PESSOAS COM
DEFICINCIA, E DO SEU ACESSO ATENO ODONTOLGICA EM UMA
UNIDADE DE ATENO PRIMRIA SADE (UAPS), FORTALEZA-CE
Trabalho de Concluso de Mestrado apresentado banca de defesa do Mestrado Profissional em Sade da Famlia, da Rede Nordeste de Formao em Sade da Famlia, Universidade Federal do Cear. Orientadora: Prof. Dr. Andra Silvia Walter de Aguiar. rea de concentrao: Sade da Famlia
Linha de Pesquisa: Ateno e Gesto do
Cuidado em Sade
FORTALEZA-CE
2016
2
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao Universidade Federal do Cear Biblioteca de Cincias da Sade
M51c Menezes, Adriana Ferreira de. Condies sociodemogrficas e de sade bucal das pessoas com deficincia, e do
seu acesso ateno odontolgica em uma unidade de Ateno Primria Sade (UAPS), Fortaleza-CE / Adriana Ferreira de Menezes. 2016.
169 f. : il. color. Dissertao (Mestrado) Universidade Federal do Cear, Faculdade de Farmcia,
Odontologia e Enfermagem, Rede Nordeste de Formao em Sade da Famlia, Mestrado Profissional em Sade da Famlia, Fortaleza, 2016.
rea de Concentrao: Sade da Famlia. Orientao: Profa. Dra. Andra Silvia Walter de Aguiar. 1. Pessoas com Deficincia. 2. Estratgia Sade da Famlia. 3. Sade Bucal. 4.
Acesso aos Servios de Sade. I. Ttulo.
CDD 362.10422
3
4
A Deus, pelo dom da vida, e por sempre
me conceder:
esperana nos momentos de angstia,
perseverana nas horas de desnimo,
calma nos momentos de aflio,
coragem para enfrentar os meus medos
fora para vencer os obstculos impostos
por minhas prprias escolhas.
A todas as pessoas com deficincia, que,
com a sua convivncia, permitiram me
transformar num ser humano melhor.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter me dado mais essa oportunidade na vida profissional e a
graa de realiz-la.
Nossa Senhora, minha me maior e me de todos, pela sua proteo,
por me socorrer e consolar nos momentos mais difceis dessa jornada.
minha famlia, meu porto seguro, pelo amor, sabedoria, unio, apoio e
motivao doados em todos os momentos da minha vida, e que sempre me deram
fora para acreditar em minha prpria capacidade.
A meus filhos Arthur e Andr Filho, meus eternos amores, pela pacincia,
pela tolerncia e por ter compreendido o motivo das minhas ausncias durante essa
caminhada.
Aos colegas da turma de mestrado, pelos momentos de compreenso,
carinho, afeto, solidariedade, alegrias, confraternizao e, ao mesmo tempo, de
angstias, dificuldades, fragilidades que vivemos juntos nesse perodo, num esprito
de famlia, formando e fortalecendo laos de amizade para nossas vidas, com os
quais muito aprendi e dos quais sentirei muitas saudades.
Aos professores do mestrado Sade da Famlia da UFC, pelos
conhecimentos transmitidos e por nos permitir essa troca de experincia.
professora Andra Silva Walter de Aguiar, minha orientadora, pelas
contribuies.
Aos professores da banca de qualificao e defesa, por aceitarem
participar, contribuindo com reflexes, crticas e sugestes, essenciais para a
elaborao da dissertao.
Suerda, funcionria do mestrado, nosso maior suporte desse curso, pela
disponibilidade e gentiliza que sempre nos ajudou.
professora Lucianna Leite Pequeno, grande amiga, mestre e profissional,
pelo incentivo e colaborao na idealizao deste projeto.
s colegas do NUASB/SESA, grupo de trabalho e amizade, pela
coorperao e estmulo durante essa trajetria.
Rita Simone Mendes Dantas, gestora da UAPS Maria de Lourdes
Jereissati, pela liberao dos turnos de trabalho, durante esses dois anos de estudo,
sem o seu apoio e compreenso, no seria possvel a concretizao deste trabalho.
6
Aos colegas dentistas, as ASB e demais profissionais da UAPS Maria de
Lourdes Jereissati, equipe competente e solidria, pelo suporte que me deram para
efetivao deste trabalho.
ASB Andra da Silva Fernandes, maior parceira desta pesquisa, pelo
seu profissionalismo, dedicao e perseverana durante a rdua coleta dos dados,
sem a qual no teria conseguido.
Aos ACS da UAPS Maria de Lourdes Jereissati, profissionais
fundamentais na conduo deste projeto, pela participao voluntria, pelo empenho
e disposio nas atividades, sem os quais no seria possvel a sua realizao.
Ao professor Paulo Goberlnio de Barros Silva, pelo excelente
desempenho dos trabalhos estatsticos e principalmente pela ateno e carinho nos
momentos de dvidas.
professora Maria Vieira de Lima Saintrain, pela concesso e os
conhecimentos prestados sobre o Indicador Comunitrio em Sade Bucal (ICSB).
A todos os amigos, parentes, profissionais e pessoas, que contriburam
de alguma forma, diretamente ou indiretamente, para essa minha etapa profissional.
Um agradecimento especial s Pessoas com Deficincia e seus
familiares/responsveis que, voluntariamente, participaram desta pesquisa, pela
credibilidade e gentileza que nos receberam em seus lares, permitindo que os
resultados desta pesquisa, futuramente, possam ser transformados em aes de
incluso social e de melhoria de suas qualidades de vida. Minha eterna gratido.
7
Tudo tem o seu tempo determinado, e h tempo para todo o propsito debaixo do cu.
H tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de colher; tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar; tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de danar; tempo de espalhar pedras, e tempo de juntar pedras; tempo de abraar, e tempo de afastar-se de abraar; tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lanar fora; tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de calar, e tempo de falar; tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz. Eclesiastes 3:1-8
https://www.bibliaonline.com.br/acf/ec/3/1-8
8
RESUMO
O estado do Cear o terceiro estado com maior ndice de Pessoas com Deficincia
(PcD), superando os ndices nordestino e nacional. Historicamente, PcD tem
dificuldade de acesso aos servios odontolgicos, apesar de suas condies de
sade bucal (SB) serem desfavorveis em relao populao em geral. Este
estudo tem como objetivo analisar as condies sociodemogrficas e as condies
de SB das PcD, assim como o acesso ateno odontolgica dessas pessoas em
uma Unidade de Ateno Primria Sade (UAPS), Fortaleza-CE. Realizou-se uma
pesquisa transversal e quantitativa, com 230 PcD da rea de abrangncia da UAPS
Maria de Lourdes Jereissati, Fortaleza-CE. Utilizou-se para avaliao um formulrio
estruturado, com dados sociodemogrficos e de acesso, e para as condies de SB
um Indicador Comunitrio em SB (ICSB). A anlise estatstica mostrou maior
prevalncia de PcD intelectual (34,6%) e motora (32,7%), predominando a faixa
etria acima de 60 anos (37%), com equilbrio ente o sexo masculino (49,1%) e
feminino (50,9%), a maioria solteiras (52,2%) e sem profisso/ocupao (73%),
43,9% eram analfabetas e com renda familiar em torno de 1,5 a 2 salrios mnimos.
Sobressaiu as deficincias adquiridas (73,5%), e a presena de 75,2% do cuidador.
Quanto ao acesso ateno odontolgica na UAPS, verificou-se pouca procura pelo
atendimento (35,2%), sendo que, 72,2% nunca foram atendidos pelo dentista da sua
unidade, 52,6% receberam orientao de higiene oral, 89,6% nunca participaram de
atividades de promoo e 87,8% nunca receberam a visita de um profissional de SB.
Dentre as PcD, a maioria demonstrou desconhecimento sobre o agendamento
(85,2%) e a prioridade (69,1%) para o atendimento odontolgico para PcD. Sobre as
condies de SB, prevaleceram as doenas periodontais (86,9%), seguida da crie
dentria (43,7%). Identificou-se o edentulismo (28,6 %), e quanto ao uso e
necessidade de prtese, 29,6% faziam uso e 56, 3% necessitavam de algum tipo de
prtese. Diante dos resultados, conclui-se ser necessrio conhecer a realidade das
PcD, para organizao dos servios e planejamento de aes que venham ampliar e
priorizar o acesso; qualificar a ateno odontolgica dessas pessoas no mbito
local; e, consequentemente, melhorar as suas condies de SB.
Palavras-chave: Pessoas com Deficincia. Estratgia Sade da Famlia. Sade
Bucal. Acesso aos Servios de Sade.
9
ABSTRACT
The state of Cear is the third state with the highest rate of People with Disabilities
(PWDS), surpassing the Northeast and national rates. Historically, PWDS has limited
access to dental services, although their oral health (OH) conditions are unfavorable
when compared to the general population. This study aims to analyze the
sociodemographic conditions and the conditions of the OH of the PWDS, as well as
the access to dental care of these people in a Unit of Primary Health Care (UPHC),
Fortaleza-CE. A cross-sectional and quantitative research was made with 230 PWDS
of the coverage area of UPHC Maria de Lourdes Jereissati, Fortaleza-CE. A
structured form was used to evaluate, with sociodemographic and access data, and
for the OH conditions a Community Indicator in OH (CIOH). The statistical analysis
showed a higher prevalence of People with Intellectual Disabilities (34.6%) and
People with Motor Disabilities (32.7%), predominantly aged over 60 (37%), with
balance between males (49.1%) and females (50.9%), most of them single (52.2%)
and with no profession/occupation (73%), 43.9% were illiterate and with a family
income around 1.5 to 2 minimum wages. Stood out the acquired deficiencies
(73.5%), and the presence of 75.2% of the caregiver. Regarding the access to dental
care in the UPHC, it was verified a little demand for the service (35.2%), of which,
72.2% were never treated by his unit dentist, 52.6% received oral hygiene care,
89,6% never participated of promotion activities and 87.8% never received a visit
from an OH professional. Among the PWDS, most showed ignorance about the
schedule (85.2%) and priority (69.1%) of the dental care for PWDS. About OH
conditions prevailed the periodontal disease (86.9%), followed by the dental caries
(43.7%). It was identified edentulism (28.6%), and on the use and need of
prostheses, 29.6% used and 56, 3% required some type of prosthesis. Given the
results, it is clear the need to know the reality of the PWDS, for the organization of
services and the planning of actions that will expand and prioritize access, qualify the
dental care of these people at the local level, and therefore improve their conditions
of OH.
Keywords: People with Disabilities. Family Health Strategy. Oral Health. Access to
Health Services.
10
LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 Mapa da cidade de Fortaleza de acordo com a diviso das
Secretarias Regionais, Fortaleza, Cear, 2016...............................
51
Figura 2 Mapa da Secretaria Regional VI, de acordo com a distribuio
dos bairros, Fortaleza, Cear, 2016................................................
52
Figura 3 Fotografia da diviso do bairro Jardim das Oliveiras, Fortaleza,
Cear, 2016.....................................................................................
53
Figura 4 Distribuio percentual de motivos de busca de servios de
sade bucal das pessoas com deficincia da UAPS Lourdes
Jereissati, Fortaleza, Cear, 2016...................................................
69
Figura 5 Distribuio percentual de motivos de no procurar os servios
de sade bucal das pessoas com deficincia da UAPS Lourdes
Jereissati, Fortaleza, Cear, 2016...................................................
70
Figura 6 Distribuio da classificao por quantidade de dentes na
cavidade oral, por deficincia, das pessoas com deficincia da
UAPS Lourdes Jereissati, Fortaleza, Cear, 2016..........................
77
11
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Bloco I: Dados sociodemogrficos das PcD; Bloco II: Dados
relacionados ao acesso ateno odontolgica das PcD..............
56
Quadro 2 Variveis e definies do ICSB para avaliao das condies de
sade bucal das PcD......................................................................
56
12
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Distribuio das tipologias de deficincias, nas macroreas da
UAPS Maria de Lourdes Jereissati, Fortaleza, Cear,
2016...........
61
Tabela 2 Distribuio do perfil sociodemogrfico das pessoas com
deficincias da UAPS Maria de Lourdes Jereissati, Fortaleza,
Cear, 2016.....................................................................................
62
Tabela 3 Distribuio das caractersticas das pessoas com deficincia, da
UAPS Maria de Lourdes Jereissati, Fortaleza, Cear, 2016............
66
Tabela 4 Distribuio das caractersticas da deficincia e cuidador das PcD
da UAPS Maria de Lourdes Jereissati, Fortaleza, Cear,
2016..................................................................................................
68
Tabela 5 Associao ente as variveis Procura do Atendimento
Odontolgico na Unidade e Conhecimento sobre o
Agendamento de PcD para o Atendimento Odontolgico na
Unidade, por deficincia, das pessoas com deficincia da UAPS
Maria de Lourdes Jereissati, Fortaleza, Cear, 2016....
71
Tabela 6 Associao das variveis Procura do Atendimento Odontolgico
na Unidade e Conhecimento sobre a prioridade de PcD para o
atendimento, por deficincia, das pessoas com deficincia da
UAPS Maria de Lourdes Jereissati, Fortaleza, Cear, 2016...........
72
Tabela 7 Distribuio em relao ao ltimo atendimento odontolgico das
pessoas com deficincia da UAPS Maria de Lourdes Jereissati,
Fortaleza, Cear, 2016.....................................................................
74
Tabela 8 Distribuio das condies de sade bucal, de acordo com os
tipos de severidades bucais, das pessoas com deficincia da
UAPS Maria de Lourdes Jereissati, Fortaleza, Cear, 2016............
78
Tabela 9 Distribuio da necessidade e do uso de prtese dentria, por
deficincias, das pessoas com deficincia da UAPS Maria de
Lourdes Jereissati, Fortaleza, Cear, 2016......................................
79
Tabela 10 Associao entre as variveis Procura do Atendimento
Odontolgico na Unidade e Condies de Sade Bucal, por
13
deficincias, das pessoas com deficincia da UAPS Maria de
Lourdes Jereissati, Fortaleza, Cear, 2016........
80
Tabela 11 Associao entre as variveis Presena do Cuidador e
Condies de Sade Bucal, das pessoas com deficincia da
UAPS Maria de Lourdes Jereissati, Fortaleza, Cear, 2016............
82
14
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AB Ateno Bsica
ACS Agente Comunitrio de Sade
APS Ateno Primria Sade
ASB Auxiliar de Sade Bucal
CD Cirurgi-dentista
CE Cear
CEO Centro de Especialidades Odontolgicas
CEP Comit de tica em Pesquisa
CER Centro Especializado de Reabilitao
CFO Conselho Federal de Odontologia
CNS Conselho Nacional de Sade
CONEP Comisso Nacional de tica em Pesquisa
EPI Equipamento de Proteo Individual
EqSF Equipe de Sade da Famlia
ESB Equipe de Sade Bucal
ESF Estratgia Sade da Famlia
IBDD Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficincia
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
ICSB Indicador Comunitrio em Sade Bucal
INSS Instituto Nacional de Previdncia Social
IPECE Instituto de Pesquisa do Cear
LRPD Laboratrio Regional de Prtese Dentria
MG Minas Gerais
MS Ministrio da Sade
MT Mato Grosso
NASF Ncleo de Apoio Sade da Famlia
OMS Organizao Mundial de Sade
ONG Organizao No Governamental
ONU Organizao das Naes Unidas
PB Paraba
PcD Pessoa com Deficincia
PDAPU Plano Diretor de Ateno Primria da Unidade
15
PE Pernambuco
PNAB Poltica Nacional da Ateno Bsica
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios
PNSB Poltica Nacional de Sade Bucal
PSF Programa Sade da Famlia
RAIS Relao Anual de Informaes Sociais
RAS Rede de Ateno Sade
RCPcD Rede de Cuidados Pessoa com Deficincia
RS Rio Grande do SUL
SB Sade Bucal
SIAB Sistema de Informao da Ateno Bsica
SMS Secretaria Municipal de Sade
SP So Paulo
SR Secretaria Regional
SUS Sistema nico de Sade
TA Termos de Assentimento
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecimento
UAPS Unidade de Ateno Primria Sade
UBS Unidade Bsica de Sade
ULBRA Universidade Luterana Brasileira
UPA Unidade de Pronto Atendimento
16
SUMRIO
1 INTRODUO........................................................................................ 17
2 REVISO DE LITERATURA.................................................................. 23
2.1 O SUS e a ESF, na perspectiva do acesso sade........................... 23
2.2 Poltica Nacional de Sade Bucal (PNSB) - Brasil Sorridente.......... 25
2.3 Acesso/acessibilidade aos servios de sade.................................. 27
2.4 Acesso sade bucal.......................................................................... 31
2.5 Pessoas com Deficincia (PcD)........................................................... 35
2.6 Acesso ateno odontolgica das PcD e suas condies de
sade bucal...........................................................................................
39
2.7 Rede de Cuidados Pessoa com Deficincia.................................... 45
3 OBJETIVOS........................................................................................... 49
3.1 Geral....................................................................................................... 49
3.2 Especficos............................................................................................ 49
4 METODOLOGIA..................................................................................... 50
4.1 Tipo de estudo...................................................................................... 50
4.2 Localizao do estudo......................................................................... 50
4.3 Populao do estudo............................................................................ 54
4.4 Instrumentos de pesquisa e coleta de dados.................................... 55
4.5 Processamento e anlise de dados.................................................... 58
4.6 Consideraes ticas........................................................................... 58
5 RESULTADOS....................................................................................... 60
5.1 Identificao das PcD na rea de abrangncia da UAPS.................. 60
5.2 Perfil sociodemogrfico das PcD......................................................... 61
5.3 Acesso ateno odontolgica das PcD........................................... 69
5.4 Condies de sade bucal das PcD................................................... 76
6 DISCUSSO........................................................................................... 84
6.1 Identificao das PcD na rea de abrangncia da UAPS.................. 84
6.2 Perfil sociodemogrfico das PcD........................................................ 86
6.3 Acesso ateno Odontolgica das PcD.......................................... 99
6.4 Condies de sade bucal das PcD................................................... 115
6.4.1 Capacidade mastigatria..................................................................... 117
17
6.4.2 Severidades bucais.............................................................................. 120
6.4.3 Uso e necessidades de prtese.......................................................... 125
7 CONCLUSO......................................................................................... 134
REFERNCIAS...................................................................................... 137
APNDICE A INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS -
LEVANTAMENTO..................................................................................
155
APNDICE B INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS -
FORMULRIO.........................................................................................
156
APNDICE C TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO (TCLE).........................................................................
159
APNDICE D TERMO DE ASSENTIMENTO..................................... 162
ANEXO A DECLARAO DE ANUNCIA PARA REALIZAO
DE PESQUISA E APRECIAO DE PROJETO...................................
164
ANEXO B PARECER DO COMIT DE TICA EM PESQUISA......... 165
ANEXO C INDICADOR COMUNITRIO EM SADE BUCAL
(ICSB).....................................................................................................
169
17
1 INTRODUO
Em termos constitucionais, a criao do Sistema nico de Sade (SUS)
pode ser considerada como o maior movimento de incluso social j visto na Histria
do Brasil, devido o compromisso poltico do Estado brasileiro com os direitos dos
seus cidados sade (BRASIL, 2007).
Dentre os princpios do SUS, a universalidade do acesso merece um
destaque, pois traz consigo uma das questes bsicas, que a necessidade da
populao de ter acesso aos servios de sade, sem os quais os direitos no esto
garantidos (GIOVANELLA; FLEURY, 1996; LORA, 2004; OLIVEIRA, 2008).
Com a implantao do SUS, a sade no Brasil passou a ser direito de
todos e dever do Estado, e mudanas no modelo de assistncia sade ocorreram
com a finalidade de priorizar a Ateno Bsica (AB), destacando-se em 1994 o
Programa Sade da Famlia (PSF), que, posteriormente, passou a ser Estratgia
Sade da Famlia (ESF), como uma nova proposta do Ministrio da Sade (MS) de
reorganizar as aes da AB, reorientando a assistncia sade, enfatizando a
promoo e preveno, incorporando os princpios e diretrizes do SUS. A insero
da sade bucal (SB) na ESF, s ocorreu em 2000, diante da necessidade de ampliar
a ateno odontolgica para a populao brasileira, sendo uma proposta de
mudana no modelo excludente e tecnicista para um modelo de incluso social e de
promoo da sade, que valorize o trabalho em equipe, a epidemiologia e a
interdisciplinaridade, tendo o conceito de cuidado como eixo de reorientao do
modelo (ARAUJO; ROCHA, 2007; BRASIL, 2011a).
Em 2004, o MS lanou oficialmente a Poltica Nacional de Sade Bucal
(PNSB), denominada Brasil Sorridente, com o objetivo de reorganizar a prtica e
qualificar as aes e servios de sade bucal, oferecidos para os cidados de todas
as idades, com ampliao do acesso ao tratamento odontolgico gratuito aos
brasileiros por meio do SUS (BRASIL, 2004a).
Polticas Pblicas de Sade como o SUS, ESF e PNSB vm enfrentando,
ao longo dos anos, o desafio de tornar suas aes e servios de sade mais
acessveis populao, para que realmente seja conquistada a garantia da ateno
sade, assim como o direito de todos sade (CARVALHO et al., 2004; LORA,
2004).
18
Em relao ao acesso sade bucal, para ampliar a oferta e a qualidade
dos servios prestados no mbito da integralidade do cuidado e do trabalho em
equipe multidisciplinar, a PNSB prope que a insero da sade bucal nos
diferentes programas de sade se processe, observando-se as linhas de cuidado,
que preveem o reconhecimento de especificidades prprias da idade e consideram a
condio de vida, estabelecendo protocolos de atendimentos para determinados
grupos etrios e prioritrios, como Pessoas com Deficincia (BRASIL, 2004a;
SILVESTRE et al., 2013).
No caso especfico dessa pesquisa, enfatizou-se o grupo das Pessoas
com Deficincia (PcD), sendo o objeto deste estudo. Segundo conveno da
Organizao das Naes Unidas (ONU), PcD so aquelas que tm impedimentos de
longo prazo de natureza fsica, auditiva, visual, intelectual ou sensorial, os quais, em
interao com diversas barreiras, podem obstruir sua participao plena e efetiva na
sociedade, em igualdade de condies com as demais pessoas (BRASIL, 2009).
Em termos epidemiolgicos, a Organizao Mundial da Sade (OMS)
estima que cerca de um bilho de pessoas no mundo convivam com alguma forma
de deficincia, algo em torno de 15% da populao mundial. Dentre essas pessoas,
cerca de 200 milhes apresentam dificuldades funcionais considerveis e possuem
piores perspectivas de sade comparadas s pessoas sem deficincia (OMS, 2012).
Ainda de acordo com a OMS, em torno de 10% das pessoas de qualquer pas, em
tempo de paz, apresentam algum tipo de deficincia, das quais 5% apresentam
deficincia mental; 2% fsica; 1,5% auditiva; 0,5% visual e 1% mltipla (SILVA;
PANHOCA; BLANCHMAN, 2004).
No Brasil, os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
(IBGE), censo de 2010, apontam que 45,6 milhes de pessoas tm algum tipo de
deficincia, o que corresponde a 23,91% da populao brasileira. Destas, 12,7
milhes (6,7% da populao total) possuem, pelo menos, um tipo de deficincia
severa. A pesquisa mostra ainda que entre as pessoas com deficincia que vivem
no Brasil, a deficincia mais comum a visual (18,8%), seguida da motora (7,0%);
auditiva (5,1%) e intelectual (1,4%) (IBGE, 2011).
Esse mesmo censo de 2010 revelou que o Estado do Cear foi
considerado o terceiro estado com o maior ndice de PcD no Brasil (27,69%),
superando os ndices nordestino (26,63%) e nacional (23,91%), sendo que a
deficincia mais comum entre os cearenses a visual (22,15%) (IBGE, 2011). Em
19
Fortaleza, capital do estado, em 2000, data do ltimo levantamento por municpio, os
dados obtidos constam que 15% da populao apresenta algum tipo de deficincia
(IBGE, 2003).
A OMS afirma que a prevalncia das deficincias no mundo de uma
pessoa a cada dez e que mais de 2/3 no recebem nenhum tipo de assistncia
odontolgica (BRASIL, 1992; SAMPAIO; CESAR; MARTINS, 2004). No Brasil,
alguns estudos como o de Pereira et al. (2010), que avaliou as condies de sade
bucal dos pacientes com deficincia atendidos no Projeto de Extenso do Curso de
Odontologia em Canoas-RS, constatou que aproximadamente 80% dos pacientes
apresentavam experincia de crie.
As PcD podem apresentar condies de sade bucal associada sua
doena de base, ou o tipo de deficincia apresentada pode torn-las mais
vulnerveis s doenas da cavidade bucal, o que confirma a necessidade de
incluso desse grupo populacional na ateno odontolgica (BRASIL, 2002). Esses
pacientes necessitam de um atendimento diferenciado, prioritrio e integral. Devido
s limitaes da deficincia, muitos desses indivduos no conseguem realizar uma
higiene oral eficiente, e consequentemente apresentam maior frequncia de
problemas bucais relevantes como a crie e a doena periodontal. Normalmente
seus pais/responsveis possuem dificuldades de encontrar atendimento
odontolgico adequado para suas demandas, alm de enfrentarem outras
dificuldades como: as barreiras arquitetnicas, limitaes financeiras, medo,
ignorncia ou negligncia em relao sade bucal e, principalmente, carncia de
profissionais qualificados e interessados em tratar tais pacientes (CANCINO et al.,
2005)
O acesso das PcD no SUS deve acontecer como ocorre para todo e
qualquer paciente, ou seja, de preferncia por meio da AB. Para tanto, os servios
devem se organizar a fim de ofertarem atendimento prioritrio no mbito da ateno
primria, considerada um campo importante na tica da incluso e dos direitos de
cidadania da PcD (OTHERO; DALMASO, 2009).
Nesse sentindo, o MS estabelece no Caderno da Ateno Bsica n 17,
em seu tpico Ateno Sade Bucal de PcD, que as ESB na ESF devem ser
capazes de acolher, avaliar e prestar assistncia odontolgica a pacientes
deficientes, e estes s devem ser encaminhados ao atendimento de nvel secundrio
Centro de Especialidades Odontolgicas (CEO) e tercirio (ambiente hospitalar),
20
nos casos em que as Unidades Bsicas de Sade (UBS) extrapolem essa
capacidade (BRASIL, 2006a, 2010).
A UBS, como porta de entrada do sistema, deve ser responsvel pela
garantia do acesso universal aos servios de sade s PcD, constituindo-se como
local ideal de atendimento, devido a sua proximidade geogrfica e sociocultural com
a comunidade circundante. A grande maioria desses usurios possui necessidade
de atendimento solucionvel no mbito da ateno primria, nas UBS, desde que os
locais estejam adaptados e as equipes capacitadas para esse atendimento (BRASIL,
2006b; CUNHA; VIEIRA-DA-SILVA, 2010).
Entretanto, para que esse acesso realmente acontea, necessrio que
seja implementada a Poltica Nacional de Sade da PcD, e que assegure a sade
bucal numa perspectiva de ateno integral a essas pessoas. A Poltica Nacional de
Sade da PcD (2002), em conformidade com esse iderio democrtico, assegurou
os direitos dessas pessoas nos mais diferentes campos.
A partir de ento, outros instrumentos legais foram estabelecidos para a
integrao da PcD. Mais recentemente, o MS instituiu por meio do Decreto 7.612/11
o Plano Nacional dos Direitos da PcD Plano Viver sem Limite, e pela portaria n
793/12 a Rede de Cuidados PcD (BRASIL, 2012a) Considerando que a linha do
cuidado a imagem pensada para expressar os fluxos assistenciais seguros e
garantidos ao usurio, no sentido de atender s suas necessidades de sade,
incorpora a ideia da integralidade na assistncia sade, o que significa unificar
aes preventivas, curativas e de reabilitao; proporcionar o acesso a todos os
recursos tecnolgicos que o usurio necessita (FRANCO, C.; FRANCO,T., 2003).
No mbito da sade bucal, a Rede de cuidados PcD no SUS se prope
a garantir o atendimento odontolgico qualificado e integral a todas as PcD.
Contudo, dados e informaes acerca da acessibilidade dessas pessoas aos
servios odontolgicos so muito limitados, mesmo diante de polticas pblicas que
garantem a ateno integral e asseguram o acesso a bens e servios de sade
(BRASIL, 2012a; FRANA; PAGLIUCA; BAPTISTA, 2008).
Nesse contexto, atuando como cirurgi-dentista (CD) na ESF do
municpio de Fortaleza-CE, desde 2006, na Unidade de Ateno Primria Sade
(UAPS) Maria de Lourdes Jereissati, percebe-se na prtica cotidiana que as ESB
no realizavam uma busca criteriosa dos usurios com deficincia, para cadastr-los
e definir as aes que garantam seu atendimento odontolgico, conforme
21
recomenda o MS no caderno n 17 da AB (BRASIL, 2006a). Observa-se que
geralmente esses usurios tinham acesso ao atendimento odontolgico por uma
queixa de dor, como demanda de emergncia/urgncia. Ento sensibilizada com
essa situao do acesso e com as condies de sade bucal dessas pessoas, como
defensora do SUS e solidria s polticas de integrao da PcD, surgiu a
necessidade e o interesse de realizar esse projeto de pesquisa com as PcD do meu
territrio.
A ideia desse estudo tambm foi instigada e subsidiada pelos resultados
de outras pesquisas envolvendo PcD, e principalmente a realizada por uma cirurgi-
dentista (CD) da ESF do municpio de Fortaleza, em 2012, sobre Acessibilidade das
PcD aos Servios Pblicos Odontolgicos em Fortaleza-CE. Participaram dessa
pesquisa uma amostra de 293 pessoas, das quais 89 eram CD atuantes na ESF e
204 PcD, seja ela motora, auditiva ou visual, entre 3 a 97 anos, residentes no
municpio de Fortaleza. A pesquisa demonstrou os seguintes resultados: 43,1% dos
usurios com deficincia no reconhecem seu atendimento como prioritrio na
UAPS; 52,5% no costumam procurar o servio odontolgico e dos que buscam o
servio, 76,3% encontram dificuldade para receber atendimento odontolgico e
84,5% o fazem em carter de urgncia. Quanto organizao dos servios
odontolgicos, a referida pesquisa verificou que 45% dos usurios desconhecem os
servios ofertados na unidade. Esse estudo concluiu que a pequena procura e a
baixa utilizao dos servios odontolgicos por PcD, na UAPS, pode ser
consequncia da dificuldade enfrentada por essas pessoas em superar barreiras
culturais na busca e obteno de ateno sade bucal, assim como da
necessidade imperativa de reorientao dos servios odontolgicos (ROCHA, 2012).
Nesse sentindo, como profissional da ESF do municpio de Fortaleza, os
dados da pesquisa acima despertaram preocupao e ainda mais a curiosidade de
estudar no s o acesso ateno odontolgica das PcD, mas tambm conhecer
perfil sociodemogrfico e as condies de sade bucal dessas pessoas no territrio
da minha unidade. Surgindo os seguintes questionamentos: Quantas PcD tm no
territrio? Ser que todas as PcD esto tendo acesso ateno odontolgica?
Como esto as condies de sade bucal dessas pessoas? Tais questionamentos
serviram para nortear o objetivo dessa pesquisa que consiste em estudar o perfil
sociodemogrfico e as condies de sade bucal das PcD, e do seu acesso
ateno odontolgica na UAPS.
22
Diante do exposto, os dados acima citados em relao PcD,
principalmente referente aos altos ndices do estado do Cear (27,69%) e os
resultados da pesquisa feita em Fortaleza sobre acessibilidade dessas pessoas, por
si s, j justifica a relevncia da proposta deste estudo, que culmina com a proposta
da Poltica Nacional de Sade da PcD, ao determinar o aprimoramento nos
processos de acolhimento, incluso social, ateno e referncia, voltados s
especificidades das PcD para que elas possam ter melhor acesso aos servios de
sade, contribuindo assim, para fortalecer a implantao da Rede de Cuidados PcD
no mbito do SUS. Essa rede est sendo discutida e estruturada em todos os nveis
de ateno, e um dos seus componentes organizativos a AB, tendo como pontos
de ateno UAPS, Ncleo de Apoio Sade da Famlia (NASF) e Ateno
Odontolgica.
Acredita-se que os resultados desta pesquisa venham a contribuir para
que as Equipes de Sade dessa UAPS tenham conhecimento da realidade das PcD
do seu territrio, apropriando-se desses resultados para o planejamento das aes e
organizao dos servios, que venham ampliar e priorizar o acesso, melhorar e
qualificar a ateno odontolgica a essas pessoas, no mbito local, de uma maneira
humanizada, com intuito de promover efetivamente a incluso e igualdade social,
resgatar a cidadania e possibilitar o cuidado integral, em conformidade com os
princpios e diretrizes do SUS. Alm de servir de motivao e incentivo para que os
profissionais da ESF dessa e de outras unidades de sade do municpio de
Fortaleza-CE possam realizar projetos como esse no seu territrio, em relao as
PcD.
23
2 REVISO DE LITERATURA
Iniciou-se a reviso de literatura relatando um pouco sobre o Sistema
nico de Sade (SUS), a Estratgia Sade da Famlia (ESF) e Poltica Nacional de
Sade Bucal (PNSB), resgatando nessas polticas pblicas de sade questes
relacionadas cidadania, direitos constitucionais, lutas sociais, acesso e incluso
social, que so questes que esto diretamente relacionadas com PcD, nosso objeto
de estudo.
2.1 O SUS e a ESF, na perspectiva do acesso sade
A garantia da ateno sade, assim como o direito de todos sade,
somente adquirida se a populao tiver condies de acesso s aes e aos
servios de sade. No Brasil, esses direitos foram conquistados, ao longo da histria
de lutas sociais e polticas iniciadas por vrias instituies legais e movimentos
sociais, que culminaram com a criao do SUS (LORA, 2004).
O SUS uma poltica social e universalista, criado em 1990, resultante da
Reforma Sanitria, baseada juridicamente nas definies legais estabelecidas no
Artigo 196 da Constituio Federal de 1988, sendo regulamentada pelas Leis
Orgnicas n 8.080/90 e n 8.142/90, e considerou a sade como direito de todos e
dever do Estado (BRASIL, 2007).
A criao do SUS constituiu um grande avano social e poltico, podendo
ser considerado como o maior movimento de incluso social na Histria do Brasil e,
em termos constitucionais, representou o compromisso poltico do Estado brasileiro
para com os direitos dos seus cidados (BRASIL, 2007). Garantiu medidas sociais e
econmicas que visam reduo do risco de doena e de outros agravos,
possibilitando o acesso universal e igualitrio s aes e servios para promoo,
proteo e recuperao (BRASIL, 1988). Formulado em diretrizes organizativas e
princpios doutrinrios, os quais se complementam e se articulam no amoldamento
da lgica e do iderio de organizao do sistema (VASCONCELOS; PASCHE,2009).
24
Os princpios doutrinrios que atribuem extensa legitimidade ao SUS
consistem em: Universalidade, Integralidade e Equidade. Porm, o direito
informao se constitui um requisito bsico para firmao da cidadania.
As diretrizes organizativas mais significativas do SUS correspondem :
Descentralizao, Regionalizao e Hierarquizao dos servios, e a Participao
Comunitria (VASCONCELOS; PASCHE, 2009).
A Universalidade do Acesso merece aqui uma ressalva, pois entre os
princpios do SUS, ela traz consigo uma das questes bsicas, que a necessidade
da populao de ter acesso aos servios de sade, sem os quais os direitos no
esto garantidos. A universalidade da ateno implica na formulao de um modelo
social tico e equnime norteado pela incluso social e pela solidariedade humana
(GIOVANELLA; FLEURY, 1996; LORA, 2004; OLIVEIRA, 2008).
Nesse sentido, desde a criao do SUS at os dias atuais, vivencia-se um
impasse na concretizao do acesso universal aos servios de sade, marcado por
uma luta constante de fortalecimento da sade como bem pblico e pela construo
de uma utopia social e igualitria, tendo a sade como direito individual e coletivo,
necessitando de um redirecionamento de uma nova prtica construda a partir de
uma gesto democrtica e participativa, para que de fato o SUS seja efetivamente
consolidado (ASSIS; VILLA; NASCIMENTO, 2003).
Assim, aps a criao do SUS, o Estado comeou a adotar polticas de
ampliao do acesso ateno bsica, promovendo a um maior nmero de pessoas
uma diversidade de aes e servios de sade. Segundo Oikawa (2001), esta
universalizao do acesso ateno vem sendo implementada ao longo das duas
ltimas dcadas por uma srie de mecanismos legais, institucionais e
organizacionais, objetivando unificar e descentralizar a ateno sade.
Nesse contexto, dentre o universo das experincias que foram surgindo,
destacou-se, em 1994, o Programa Sade da Famlia (PSF) renomeado como
Estratgia Sade da Famlia (ESF), como uma nova proposta do Ministrio da
Sade (MS) de atuar nesse setor, mudando toda a antiga concepo de atuao dos
profissionais de sade, saindo da medicina curativa e passando a atuar na
integralidade da assistncia (ARAJO; ROCHA, 2007; BRASIL, 2011a).
A ESF visa a atender o indivduo e a famlia de forma integral e contnua,
no seu ambiente fsico e sociocultural, desenvolvendo aes de promoo, proteo
e recuperao da sade. Tem como objetivo reorganizar, ampliar e qualificar a
25
assistncia, a partir da ateno primria, em conformidade com os princpios do
SUS, imprimindo uma nova dinmica de atuao das equipes de sade, com
definio de responsabilidades entre os servios de sade e a populao, o estmulo
organizao da comunidade para o efetivo exerccio do controle social e o
estabelecimento de parcerias, buscando desenvolver aes intersetoriais,
configurando-se, portanto, como a porta de entrada do modelo de ateno
(ANDRADE et al., 2007; BRASIL,1997, 2004b, 2011a)
A ESF, formada por equipes multiprofissionais, atua a partir de um
conjunto de aes conjugadas em sintonia com os princpios de territorializao,
intersetorialidade, descentralizao, corresponsabilizao e priorizao de grupos
populacionais com maior risco de adoecer ou morrer, orientada pelos atributos
essenciais da Ateno Primria em Sade (APS): acesso, vnculo, elenco de
servios, coordenao ou integrao dos servios. A indissociabilidade entre gesto
e a ateno so fundamentais no desenvolvimento dessas aes (ANDRADE et al.,
2007; BRASIL,1997, 2004b, 2011a).
No Brasil, a ESF destacou-se como uma estratgia de real implantao
do SUS e de seus princpios doutrinrios e organizacionais. Atualmente, a portaria
2488/11 do MS, aprovou a Poltica Nacional de Ateno Bsica (PNAB)
considerando a ESF como estratgia prioritria para reorganizao da APS.
inegvel a significativa expanso da ESF em mbito nacional como reorganizadora
da APS, ampliando o acesso, a resolutividade e o impacto na situao de sade das
pessoas e comunidade (BRASIL, 2011a).
2.2 Poltica Nacional de Sade Bucal (PNSB) - Brasil Sorridente
Mesmo sendo a integralidade um dos princpios doutrinrios da ESF, a
incluso da sade bucal s aconteceu aps 06 anos de sua implantao, em 2000,
devido divulgao dos dados da Pesquisa Nacional de Amostras de Domiclio
(PNAD), que mostraram que 30 milhes de brasileiros estavam totalmente excludos
de ateno odontolgica. Com isso, o MS, diante da necessidade de ampliar a
ateno em sade bucal para a populao brasileira, melhorar os ndices
epidemiolgicos e incluir aes de sade bucal na ESF, estabeleceu incentivo
financeiro para formao das ESB, o que representou um importante aporte no
financiamento pblico da odontologia, resultando um grande impulso na sua
26
expanso e no aumento da rede de servios em todo o pas (CARVALHO et al.,
2004; SILVESTRE et al., 2013).
Em 2004, o MS lanou oficialmente a Poltica Nacional de Sade Bucal
(PNSB), denominado Brasil Sorridente, no qual foram apresentadas as diretrizes do
MS para organizao da ateno sade bucal, no mbito do SUS, com o intuito de
ampliar o atendimento e melhorar as condies de sade bucal da populao
brasileira, reunindo uma srie de aes voltada para os cidados de todas as idades
(BRASIL, 2004a; SILVESTRE et al., 2013).
A PNSB Brasil Sorridente se constitui num marco na histria das
Polticas Pblicas no Brasil na medida em que incorpora uma poltica centrada na
vigilncia em sade, foco na famlia, guiada por linhas do cuidado. Suas principais
linhas de ao so a reorganizao da ateno bsica em sade bucal,
principalmente com a implantao das ESB na ESF; a ampliao e qualificao da
ateno especializada, especialmente com a implantao de Centros de
Especialidades Odontolgicas (CEO) e Laboratrios Regionais de Prteses
Dentrias (LRPD), como elementos estruturantes da ateno secundria. Na
Ateno Especializada encontra-se tambm a Assistncia Hospitalar (BRASIL,
2004a).
Para a Odontologia, a implantao da PNSB representa, ao mesmo tempo,
um avano significativo e um grande desafio. Vislumbra-se uma possibilidade de
aumento de cobertura, a oferta de mais servios, assegurando atendimentos nos
nveis secundrios e tercirios de modo a buscar a integralidade da ateno, de
efetividade na resposta s demandas da populao e de alcance de medidas de
carter coletivo. As maiores possibilidades de ganhos situam-se nos campos do
trabalho em equipe, das relaes com os usurios e da gesto, implicando uma
nova forma de se produzir o cuidado em sade bucal. (BRASIL, 2004a; PUCCA,
2004, 2006).
Nesse sentindo, no mbito da integralidade do cuidado e na busca de um
trabalho em equipe multi e interdisciplinar, foram elaborados protocolos de
atendimento para determinados grupos etrios, prioritrios e especiais, como o de
PcD. Dessa maneira, cabe ESB atender as PcD de acordo com sua competncia
de ao e escopo, acolhendo, prestando assistncia s queixas, orientando para
realizao de exames complementares e encaminhando para unidades de ateno
http://dab.saude.gov.br/portaldab/ape_brasil_sorridente.php?conteudo=assistencia_hospitalar
27
especializada somente quando necessrio, de acordo como previsto nas diretrizes
(BRASIL, 2004a; PUCCA, 2004, 2006).
2.3 Acesso/acessibilidade aos servios de sade
O SUS, assim como os outros sistemas de sade de vrios pases
europeus, orienta-se pelo princpio de acesso universal e igualitrio. O princpio
constitucional de justia social nos servios de sade pode ser traduzido em
igualdade no acesso entre indivduos socialmente distintos (VAN DOORSLAER;
WAGSTAFF; RUTTEN, 1993; OLIVEIRA, 2008).
O acesso aos servios de sade constitui um dos pontos mais pertinentes
dentre as variveis que atuam na dificuldade da efetiva consolidao do SUS,
necessitando de uma anlise das questes referentes aos problemas encontrados
pelo usurio que busca esse servio. A maneira primordial para anlise dessas inter-
relaes o acesso (GIOVANELLA; FLEURY, 1996).
Para Pereira (2002) o acesso sade envolve mltiplos aspectos de
ordem socioeconmica e cultural que extrapolam a assistncia sade. Portanto o
acesso deve ser garantido a todos os nveis de complexidade, sejam de ordem
mdica, odontolgica, sanitria, epidemiolgica e ambiental.
Dessa forma, de acordo com a legislao vigente em sade pblica no
Brasil, a Constituio Federal, Captulo II - Dos Princpios e Diretrizes, Artigo 7,
relata que as aes e servios pblicos de sade e os servios privados contratados
ou conveniados que integram o SUS, desenvolvidos de acordo com as diretrizes
previstas no art. 198, devem obedecer, alm de outros princpios, a universalidade
de acesso aos servios de sade em todos os nveis de assistncia e a integralidade
de assistncia, entendida como conjunto articulado e contnuo das aes e servios
preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os
nveis de complexidade do sistema. Assim, as polticas pblicas de sade devem ser
formuladas dando nfase questo do acesso (BRASIL, 1988).
A definio de acesso tem significado amplo, complexo, ainda de uso
impreciso, variando entre autores, sendo ainda hoje alvo de debate e discusso
(TRAVASSOS; MARTINS, 2004). Acesso refere-se possibilidade de utilizar
servios de sade quando necessrio, implica garantia de ingresso do indivduo no
sistema, ou o uso de bens e servios considerados socialmente importantes, sem
28
obstculos fsicos, financeiros ou de outra natureza, de forma que os indivduos
possam usufruir desses servios de maneira contnua e organizada (FRENK, 1985;
ANDRADE et al., 2004). Para Donabedian (1973) ultrapassa a entrada nos servios,
representa a adequao entre as caractersticas do servio oferecido e as
expectativas e necessidades trazidas pelo paciente.
De uma forma geral, o conceito de acesso aos servios de sade est
relacionado percepo das necessidades de sade, converso destas
necessidades em demanda e converso das demandas em uso dos servios de
sade (PEREIRA, 2002).
Alguns autores, como Donabedian (1973), empregam o substantivo
acessibilidade carter ou qualidade do que acessvel , enquanto outros
preferem o substantivo acesso ato de ingressar, entrada , ou ambos os termos
para indicar o grau de facilidade com que as pessoas obtm cuidados de sade.
A terminologia acessibilidade tambm varivel. Para Donabedian (1973)
acessibilidade um dos aspectos da oferta de servios relativos capacidade de
produzir servios e de responder s necessidades de sade de uma determinada
populao.
Starfiel (2002) refere-se acessibilidade como a caracterstica da oferta e
o acesso a forma como as pessoas percebem a acessibilidade, ou seja, a
disponibilidade, as dificuldades/facilidades para conseguirem os servios de sade
de que necessitam e, portanto, o acesso aos mesmos. nessa perspectiva que se
pode afirmar que a forma como as pessoas percebem a disponibilidade de servios
afeta a deciso de procur-los.
Para o MS acessibilidade significa o grau de ajuste entre as
caractersticas dos servios e as caractersticas da populao na busca e obteno
da ateno. Conceito importante porque possibilita verificar se os servios
favorecem de fato o acesso do usurio, sendo desta forma influenciada por diversas
barreiras: geogrficas que representam a localizao do estabelecimento, a
distncia a ser percorrida, os obstculos a serem transpostos, entre outros;
funcionais horrios e dias de atendimento e de agendamento de consultas,
capacidade de atendimento de demanda, programas e aes de sade oferecidas,
entre outros; culturais desrespeito e desconhecimento dos hbitos e costumes da
populao, destacando-se as questes de gnero, etnia, raa, orientao sexual e
populaes especficas; e econmicas medicamentos, exames e consultas
29
especializadas no fornecidas, transporte, dentre outros. Sendo de extrema
importncia a avaliao de todas essas dimenses da acessibilidade (BRASIL,
2006b)
O estudo das questes referentes acessibilidade aos servios de sade
de vital importncia para a garantia da universalidade da ateno. Para Oliveira, et
al. (2012) a acessibilidade a servios de sade refere-se s caractersticas destes
que permitem que sejam facilmente utilizados pelos usurios, porm a persistncia
de barreiras no processo de busca e utilizao dos servios gera oportunidades
diferenciadas entre os grupos sociais na obteno do cuidado em sade, que muitas
vezes caracterizam situaes de injustia social, proporcionando que indivduos com
condies socioeconmicas mais favorveis faam maior e melhor uso dos servios
de sade. Uma maneira de se estudar as condies de acessibilidade aos servios
utilizando-se da metodologia da Territorializao em Sade, adotada pela ESF.
Outro conceito importante para a melhoria das condies de acessibilidade aos
servios o Acolhimento, que hoje tratado como diretriz operacional.
A melhoria das condies de acesso aos servios deve ser permeada
pelo aumento do coeficiente de vnculo entre o profissional e a comunidade
assistida. Coeficiente este que se eleva medida que ambos passam a conviver,
cotidianamente, na unidade de sade e no territrio de abrangncia. A ESF trabalha
com ferramentas que aproximam esses dois lados, atuando no territrio por meio da
adscrio de clientela, do diagnstico situacional e do planejamento de aes
dirigidas aos problemas de sade, de forma pactuada com a comunidade
fortalecendo o vnculo e, portanto, facilitando e garantindo o acesso (DI GIOVANI,
2001). De acordo com Rohr e Barcellos (2008) a equidade e o acesso aos servios
de sade esto diretamente relacionados aos obstculos da assistncia sade,
como a insuficincia de recursos e/ou a ineficincia de seu uso.
Alguns autores, como Travassos e Martins (2004), argumentaram que o
conceito de acessibilidade mais comum que o de acesso e que prevalece a ideia
de que o acesso uma dimenso do desempenho dos sistemas de ateno sade
associada oferta. Segundo essas autoras, a utilizao dos servios de sade
representa o centro do funcionamento dos sistemas de sade. Os fatores
determinantes do uso dos servios de sade variam em funo do tipo de servio
(ambulatrio, hospital, assistncia domiciliar) e da proposta assistencial (cuidados
30
preventivos ou curativos ou de reabilitao). O que vai determinar esta utilizao so
fatores relacionados:
a) necessidade de sade morbidade, gravidade e urgncia da doena;
b) aos usurios caractersticas demogrficas (idade e sexo), geogrficas
(regio), socioeconmicas (renda, educao), culturais (religio) e
psquicas;
c) aos prestadores de servios caractersticas demogrficas (idade e
sexo), tempo de graduao, especialidade, caractersticas psquicas,
experincia profissional, tipo de prtica, forma de pagamento;
d) organizao recursos disponveis, caractersticas da oferta
(disponibilidade de mdicos, hospitais, ambulatrios), modo de
remunerao, acesso geogrfico e social;
e) poltica tipo de sistema de sade, financiamento, tipo de seguro de
sade, quantidade, tipo de distribuio dos recursos, legislao e
regulamentao profissional e do sistema.
Vale ressaltar que a acessibilidade, ou o acesso, a aes e servios de
sade tem sido considerada como um dos componentes principais da qualidade da
ateno sade (DONABEDIEN, 2003). No entanto, no basta dispor dos servios
em posies estratgicas e considerar que o acesso esteja assegurado.
conveniente avaliar, constantemente, se os servios esto realmente atingindo os
seguimentos que mais necessitam de ateno, por exemplo PcD.
Em geral, a preocupao das autoridades sanitrias direcionada para a
falta ou a dificuldade de acesso de subgrupos menos privilegiados da populao. A
vigilncia dos grupos em maior risco, com particular ateno em suas necessidades
em sade, postulada como forma de verificar acesso aos servios e assegurar a
equidade (TAYLOR, 1992). A equidade entendida como igualdade no acesso
sade e deve ser provida como um direito de todo cidado. Um princpio de justia
social. importante destacar que o acesso/acessibilidade dos servios de sade
um fator de fundamental importncia para que essa equidade seja concretizada
(TRAVASSOS, 1997).
31
2.4 Acesso sade bucal
A problemtica do acesso ateno sade bucal no uma questo
recente. Durante anos, a sade bucal esteve margem das polticas pblicas de
sade, mas, mesmo assim, o acesso dos brasileiros aos servios odontolgicos
sempre foi difcil e limitado (BRASIL, 2004a; VIANA et al., 2011).
Um dos eixos do Programa Brasil Sorridente a busca do acesso
universal assistncia odontolgica, adotando aes integrais, voltadas para todas
as faixas etrias, e aos grupos prioritrios e especiais, inclusive PcD. Porm,
existem poucas informaes acerca do uso de servios odontolgicos por parte da
populao brasileira. Por meio da PNAD, pode-se conseguir um retrato da situao
dos servios odontolgicos no Brasil, e ter condies de averiguar se est havendo
algum progresso no que se refere a polticas pblicas voltadas para a sade bucal.
Geralmente, nos resultados dessas pesquisas, relatado baixo acesso aos servios
odontolgicos, havendo diferenas significativas entre os estados, sendo menor nas
regies mais pobres, principalmente nos estados da regio norte. Sendo assim, os
pobres, homens e idosos so os que apresentaram valores de acessibilidade mais
baixos (PINHEIRO et al., 2006).
A PNAD (1998) apresentava um mdulo especfico de demanda sobre
necessidade, acesso e utilizao dos servios de sade. A partir desses dados,
constatou-se que dentre todos os servios odontolgicos realizados pelo servio
pblico, o SUS financiou apenas 24,2% desses atendimentos, enquanto para
atendimentos de sade no-odontolgicos o SUS financiou 52,4% (ANTUNES;
NARVAI, 2010)
Conforme dados da PNAD (1998), quase um quinto (19%) da populao
brasileira nunca consultou um dentista. Em 2003, os resultados da PNAD
demonstraram que caiu para 15,7% o percentual dos entrevistados que nunca
haviam ido ao dentista. Aps 10 anos, ao comparar o dado da PNAD-1998 com a
PNAD-2008, observou-se que houve uma queda de 19% para 7,8% em relao ao
nmero de brasileiros que nunca foram ao dentista. Embora essa reduo tenha
sido em torno de 11,5%, esse dado foi considerado alarmante, pois correspondia a
21.805.474 brasileiros (IBGE, 2010), comprovando que a falta de acesso s aes e
servios ainda um grande problema na sade bucal.
32
No estado do Cear, o SB Cear 2004, apresentou alguns resultados
relevantes em relao ao acesso aos servios odontolgicos no Estado. Nesse
estudo, verificou-se que nos grupos etrios: 15 a 19 anos; 35 a 44 anos e 65 a 74
anos, 89% j tinha feito uma consulta odontolgica pelo menos uma vez na vida,
sendo que 37% h menos de 01 ano, 17% entre 01 e 02 anos e 35% h mais de trs
anos, consequentemente 11% nunca tinha ido ao dentista na vida. Dentre os
entrevistados, 66% foram atendidos no servio pblico, 13% no privado liberal e 5%
no privado suplementar. No que se refere aos motivos da ida ao dentista, foi relatado
que 17% foram consultas de rotina, 41% por causa da dor e 23% cavidades nos
dentes (CEAR, 2004).
Viana et al., (2011) destacaram que a cobertura populacional pelas
ESF/ESB um dos elementos constitutivos do acesso, mas no o suficiente para
indicar que o acesso tenha sido ampliado e que os servios de sade estejam sendo
utilizados adequadamente. Desde a implantao das ESB houve uma grande
expanso das mesmas no Brasil, mas pouco tem sido feito para monitorar os
impactos, inclusive para propor novas estratgias para melhoria do acesso da
populao aos servios odontolgicos.
De modo geral, as dificuldades de acesso, tambm chamadas de
barreiras de acesso aos cuidados bucais, e as taxas de utilizao desses servios
podem se apresentar diferenciadas por vrias razes, como acessibilidade
geogrfica, econmica, cultural e funcional. O conhecimento sobre essas barreiras
de acesso pode gerar informaes importantes para a implantao da poltica de
sade bucal (ROHR; BARCELOS, 2008). Existem barreiras concernentes ao
indivduo que so: baixa percepo de necessidade, ansiedade e medo, custos e
dificuldade de acesso. Entre os fatores limitantes prtica da odontologia, aparecem
a inadequao dos recursos humanos, a formao inadequada dos profissionais, a
m distribuio geogrfica da mo de obra e a ocorrncia de estresse ocupacional.
As barreiras concernentes sociedade se referem ao nmero insuficiente de aes
de promoo de sade, a instalaes imprprias dos servios e ao reduzido apoio
financeiro pesquisa (ALBUQUERQUE et al., 2004).
A importncia da identificao das barreiras de acesso ao atendimento
odontolgico, responde necessidade de atingir clientelas especficas e sondar
grupos ainda no alcanados pelos servios de sade, como os PcD. Tais grupos,
em geral, no buscam esses servios por iniciativa prpria porque, embora
33
percebam as necessidades de tratamento, no se sentem seguros quanto sua
indicao formal (FINCH et al., 1988). Ao investigar barreiras ao atendimento
odontolgico, deve-se enfatizar questes fundamentais que dizem respeito
equidade, integralidade, humanizao, acesso e qualidade da ateno odontolgica
(ALBUQUERQUE et al., 2004).
Talvez seja a sade bucal, dentro das condies de vida da populao
brasileira, uma das reas que mais traduz as desigualdades em relao ao acesso
aos servios de sade. Dentre os fatores que levam a uma oferta desigual dos
servios odontolgicos, destacam-se: o modelo assistencial privatista predominante
no Brasil, desigualdade socioeconmica, m distribuio dos profissionais de sade,
baixa capacidade instalada e financiamento irregular do setor, comprometendo,
assim, o acesso aos servios, especialmente da populao menos favorecida
socioeconomicamente. A condio socioeconmica apresentou-se como um fator
significante para a utilizao dos servios de sade bucal: indivduos inseridos nas
classes econmicas mais favorecidas procuram mais por servios. Apesar dos
esforos feitos nos ltimos anos, ainda alta a disparidade nas desigualdades das
condies socioeconmicas da populao no acesso aos servios de sade bucal
(VIANA et al., 2011; JACCOTTET et al., 2012).
De acordo com os dados do projeto SB Brasil 2010 (BRASIL, 2011b), o
Brasil passou a fazer parte do grupo de pases com baixa prevalncia de crie.
Apesar de o perfil epidemiolgico das doenas bucais estar mudando,
principalmente com a reduo da prevalncia e severidade da crie aos 12 anos de
idade, evidenciado que tal fato no ocorre de forma equnime na populao, ou
seja, as desigualdades sociais presentes, implicam em desigualdades nos padres
de doenas e tambm no padro de utilizao dos servios, com prejuzo aqueles
de maior risco social, tambm vlidos aos agravos em sade bucal (FIGUEIREDO,
2001; MATOS et al., 2002; BRASIL, 2004a).
Quanto utilizao dos servios de sade, os servios odontolgicos so
menos utilizados do que os servios de ateno sade geral. Embora a sade
bucal seja reconhecida como parte integrante e inseparvel da sade geral do
indivduo, os problemas bucais, em sua maioria, no causam ameaa vida
diretamente, sendo compostos, em geral, de alguns episdios agudos e
prontamente tratveis (BARROS; BERTOLDI, 2002). Dessa forma, as razes de sua
importncia esto em sua alta prevalncia, demanda pblica elevada aos servios,
34
impacto sobre a vida dos indivduos e sociedade em termos de dor, desconforto,
limitao, deficincia social e funcional, interferindo sobre a qualidade de vida
(BALDIRSSEROTTO, 1995).
A insero das Equipes de Sade Bucal na ESF (2000) e a implantao da
PNSB Brasil Sorridente (2004) contribuiro de forma significante para
reorganizao e ampliao das aes e servios de sade bucal, favorecendo um
avano expressivo no que se refere ao sistema pblico de sade bucal no Brasil.
Porm os investimentos j realizados nesta rea ficam aqum do que realmente a
populao necessita em termos de servios odontolgicos ofertados pelo Estado, e
o acesso e a utilizao dos servios odontolgicos no SUS continua sendo um
desafio para a Odontologia. (NARVAI; FRAZO, 2008; ROHR; BARCELOS, 2008)
A assistncia odontolgica pblica no Brasil tem se restringido quase
completamente aos servios bsicos, ainda assim com grande demanda reprimida.
Sua utilizao no Brasil baixa, ficando uma parcela importante da populao sem
acesso a esses servios. Nesse sentido, ainda so necessrios esforos para que
seja efetivada uma poltica ampla capaz de reduzir desigualdades sociais no acesso,
num processo do cuidado e na avaliao dos resultados epidemiolgicos da rea de
sade bucal. A problemtica da demanda publica dos servios odontolgicos ainda
elevada (ANTUNES; NARVAI, 2010).
A universalidade do acesso aos servios de sade bucal ainda parece
uma realidade longnqua. Mais do que garantir o acesso, vale lembrar que o modelo
de assistncia odontolgica deve ser constante, universal, justo, eficiente, de carter
integral e resolutivo, capaz de satisfazer tanto usurios como profissionais de sade,
de forma a contribuir para melhorar a qualidade de vida da populao (ROHR;
BARCELOS, 2008). A partir desse contexto, mudanas na organizao dos servios
odontolgicos devem ser feitas, e a rede de AB deve ser responsvel pela maioria
das aes em sade bucal, funcionando como porta de entrada, de maneira
resolutiva. Certamente, esse um desafio ainda a se vencer na grande maioria dos
municpios brasileiros.
Existem vrios trabalhos na rea do acesso aos servios de sade,
porm, so poucas as pesquisas do acesso aos servios de sade bucal,
principalmente, aps a insero da sade bucal na ESF (ROCHA, 2006).
35
2.5 Pessoas com Deficincia (PcD)
A sociedade sempre encontrou dificuldades em lidar com PcD. Essas
dificuldades so frutos do legado histrico e da falta de informao, gerando
preconceito e despreparo da sociedade para atend-las (MATARAZZO, 2009).
Definir a PcD pressupe analisar conceito discrepantes daqueles
produzidos no campo das Polticas Pblicas e das Instituies sociais. Essas
pessoas so denominadas geralmente como portadoras, termo usado em relao
queles que tem ou adquiriram alguma deficincia como portadoras de doenas, o
que obrigatoriamente no ocorre. Ademais, conceitua-se toda PcD como pessoas
com necessidades especiais, conceito tambm imprprio, haja vista necessidade
especial no significa que a pessoa tem deficincia (FVERO, 2004). medida que
o conceito de deficincia foi ampliado, estabeleceu-se uma interao entre a PcD, a
limitao da atividade e os fatores do contexto socioambiental. A deficincia, antes
conceituada como incapacidade, passa a ser entendida como uma dificuldade no
desempenho pessoal (SILVA; PANHOCA; BLANCHMAN, 2004). Ento, atualmente,
o termo considerado mais politicamente correto pessoa com deficincia (LIPPO,
2008; MATARAZZO, 2009).
A Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia da ONU
definiu que a PcD aquela que tem impedimentos de longo prazo, de natureza
fsica, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interao com diversas
barreiras, podem obstruir sua participao plena e efetiva na sociedade em
igualdade de condies com as demais pessoas. Reconhece-se que a deficincia
um conceito em evoluo e que resultante da interao entre pessoas com
deficincia e barreiras comportamentais e ambientais que impedem sua participao
plena e eficaz na sociedade de forma igualitria, portanto, no se restringe ou
atributo da pessoa, e sim do ambiente a sua volta (BRASIL, 2009)
Esse modelo representa uma mudana de paradigma de uma perspectiva
medica e individual (modelo mdico) em que a deficincia estaria na pessoa para
uma perspectiva social e estrutural (modelo social), no qual a deficincia est na
sociedade, que no consegue acolher as diferentes formas de existncia, e no no
indivduo. A deficincia, assim como a funcionalidade compreendem uma interao
dinmica entre problemas de sade e fatores contextuais, tanto pessoais quanto
ambientais (OMS, 2012)
36
Segundo a Academia Americana de Odontopediatria (2006), na odontologia
considerado Paciente com Necessidades Especiais (PNE) todo usurio que
apresenta uma ou mais limitaes, temporrias ou permanentes, de ordem mental,
fsica, sensorial, emocional, de crescimento ou mdica, que o impea de ser
submetido a uma situao odontolgica convencional. Assim, entende-se que as
PcD so consideradas uma parcela de pacientes do grupo de PNE.
Em relao ao Brasil, a Poltica Nacional para a Integrao da Pessoa
Portadora de Deficincia serviu de instrumento para orientar aes do setor de
sade voltadas a esse segmento social, e pelo Decreto n 3.298/99, adotou o
conceito que considera: Pessoa com deficincia aquela que apresenta, em carter
permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou funo psicolgica,
fisiolgica ou anatmica, que gerem incapacidade para o desempenho de atividades
dentro do padro considerado normal para o ser humano (BRASIL, 1999).
No Brasil, para fins de delimitao da problemtica das deficincias, so
utilizadas, nas Polticas da PcD, os tipos de deficincias mais abrangentes e
frequentes, segundo a classificao adotada pela OMS, com as definies
estabelecidas pelos Decretos N 3.298/99 e N 5.296/04, que classificam as pessoas
mediante as deficincias por elas apresentadas em cinco categorias (BRASIL,
2004c):
a) Deficincia fsica: alterao completa ou parcial de um ou mais
segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da
funo fsica, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia,
monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia,
hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputao ou ausncia de membro,
paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congnita ou
adquirida, exceto as deformidades estticas e as que no produzam
dificuldades para o desempenho de funes;
b) Deficincia auditiva: perda bilateral, parcial ou total, de quarenta
e um decibis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequncias de
500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz;
c) Deficincia visual: cegueira, na qual a acuidade visual igual ou
menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correo ptica; a baixa
viso, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho,
37
com a melhor correo ptica; os casos nos quais a somatria da
medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que
60o; ou a ocorrncia simultnea de quaisquer das condies anteriores;
d) Deficincia mental: funcionamento intelectual significativamente
inferior mdia, com manifestao antes dos dezoito anos e limitaes
associadas a duas ou mais reas de habilidades adaptativas, tais
como: comunicao; cuidado pessoal; habilidades sociais /
interpessoais / acadmicas; atividades de vida diria, vida comunitria,
autossuficincia; sade e segurana; lazer e trabalho
e) Deficincia mltipla - associao de duas ou mais deficincias.
De acordo com o Relatrio Mundial sobre Deficincia (OMS, 2012) a
deficincia faz parte da condio humana e quase todas as pessoas tem ou tero
uma deficincia temporria ou permanente em algum momento de suas vidas.
Diversos fatores contribuem para isso, como o envelhecimento, o aumento da
populao idosa e a sobrevida dos bebs prematuros e de baixo peso, graas
melhoria da tecnologia nos hospitais e medicaes de alta gerao.
De acordo com a OMS, cerca de 10% das pessoas de qualquer pas, em
tempo de paz, apresentam algum tipo de deficincia, das quais: 5% apresentam
deficincia mental; 2% fsica; 1,5% auditiva; 0,5% visual e 1% mltipla (BRASIL,
2002; SILVA; PANHOCA; BLANCHMAN, 2004).
O Brasil vem se organizando em termos de dados estatsticos oficiais
sobre as PcD. Pela Lei n 7.853/89, ficou obrigatria a incluso de itens especficos
nos censos nacionais. O Censo Demogrfico de 1991, pela primeira vez, incluiu
essas questes, e indicou 1,49% de PcD na populao brasileira (BRASIL, 2010).
No censo realizado no ano 2000, o IBGE, utilizando nova abordagem
conceitual e metodolgica (CIF/percepo de funcionalidade), identificou 24,5
milhes de pessoas com algum tipo de deficincia (14,5% da populao brasileira),
desde alguma dificuldade para andar, ouvir e enxergar, at as graves leses
incapacitantes. A metodologia adotada incluiu, na contagem, muitos idosos que
apresentam dificuldades para se locomover, ver e/ou ouvir. Ao se considerar apenas
as pessoas com limitaes mais severas (percepo de incapacidade) o percentual
encontrado foi de 2,5% do total da populao (4,3 milhes de pessoas) (BRASIL,
2010).
38
O Censo 2010 possibilitou a investigao acerca da existncia ou no de
algum tipo de deficincia permanente por autodeclarao, sendo os tipos de
deficincia investigados a visual, auditiva, mental e motora (IPECE, 2012). Tendo os
seguintes resultados: 48,1% de deficientes visuais, 4,1% fsicos, 8,3% mentais,
22,9% motores e 16,7% auditivos. Demonstrou, tambm, que o nmero de pessoas
com deficincia aumenta com a idade e que h uma maior quantidade dessas
pessoas no Nordeste (16,8%) quando comparado ao sudeste brasileiro (13,1%)
(LIMA; ARRUDA; GUERRA, 2006).
No mbito estadual, de acordo com os resultados do IBGE (2011), o
Estado do Cear, o terceiro com o maior ndice de PcD no Brasil, o percentual da
populao residente no Estado com algum tipo de deficincia de 27,69%, superior
aos ndices nordestino (26,63%) e nacional (23,92%), sendo a deficincia visual a
mais incidente nos cearenses (22,15%), seguida da deficincia fsica com 8,08% e
auditiva com 6,23%. Em nmeros absolutos, a pesquisa indicou que no Cear h
mais de dois milhes de pessoas com pelo menos uma das deficincias
investigadas (IPECE, 2012). A nvel municipal, Fortaleza, capital do estado, a
populao de aproximadamente 2,5 milhes de habitantes, e segundo dados
apenas do ano 2000, revelou uma estimativa de que 293 mil pessoas possuem
algum tipo de deficincia, o que significava quase 15% da populao (IBGE, 2011).
Dados como esses em relao s PcD confirmam a necessidade de
incluso desse segmento populacional em todos os setores sociais, haja vista que
para as PcD, a palavra incluso tem o significado de possibilitar a elas iguais
oportunidades de cuidados, no apenas o tratamento convencional, mas o
tratamento diferenciado (HADDAD, 2007). Entretanto, embora haja um esforo
louvvel para acertar, o mais importante a incluso vem sendo feito de maneira
muito mais lenta que o desejvel (MATARAZZO, 2009). A sociedade se preocupa
muito com a incapacidade desses indivduos, porm esquece que eles necessitam
de educao e atendimento especiais.
No Brasil a todo o momento ocorrem mudanas e inovaes sobre o tema
Pessoas com Deficincia. Isso acontece com a finalidade de diminuir a
desigualdade e promover a incluso social dessas pessoas. Nessa perspectiva
que o Brasil se encontra dentro de 1/3 dos pases membros da ONU que dispem
de legislao para as PcD (BRASIL, 2008b).
39
Os direitos que as PcD possuem esto estabelecidos na Constituio
Federal e se referem acessibilidade, educao, trabalho, sade e assistncia
social, transporte, cultura e lazer, entre outros. A Constituio Federal, juntamente
com o Poder Pblico, tem o dever de assegurar s PcD o pleno exerccio e a
viabilizao de seus direitos individuais e sociais, sua integrao social; promover
aes governamentais visando ao cumprimento das leis; conferir tratamento
prioritrio e adequado aos assuntos relativos s PcD; implementar as polticas que
assegurem os direitos dessas pessoas, com a criao e o desenvolvimento de
planos, programas e projetos especficos (BRASIL, 2008b).
A Conveno sobre os Direitos da Pessoa com Deficincia promulgada
pelo Estado brasileiro, por meio do Decreto n 6.949, de 25 de agosto de 2009,
resultou numa mudana paradigmtica das condutas oferecidas s pessoas com
deficincia, elegendo a acessibilidade como ponto central para a garantia dos
direitos individuais. Seu propsito promover, proteger e assegurar o exerccio
pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais para
todas as pessoas com deficincia e promover respeito pela sua dignidade inerente
(BRASIL, 2009).
Assim, segundo apontam alguns autores, no campo da sade s aes
destinadas a PcD no so marcadas pelos desgnios da integralidade, ou seja, nos
moldes da universalidade. Nessa tica, a implementao de uma poltica atinente
sade da PcD e sua consolidao no cenrio brasileiro um demonstrativo da
situao a ser estudada num contexto de aes focalizadas e descontnuas,
portanto produtoras de desigualdades que acentuam as iniquidades vivenciadas por
essa parcela da populao. Contudo, a garantia da integralidade da assistncia
PcD deve ultrapassar os aspectos das boas prticas de sade e da organizao dos
servios adequados, centrando-se no acolhimento das necessidades e dos desejos
de sade especficos dessa populao (FRANA; PAGLIUCA; BAPTISTA, 2008).
2.6 Acesso ateno odontolgica das PcD e suas condies de sade bucal
A Conveno sobre os Direitos de Cidadania da PcD representa um
marco definitivo para os direitos humanos e sua clientela especifica. Considerada
um tratado do direito internacional veio para promover, defender e garantir melhor
qualidade de vida e emancipao cidad para as PcD, e no artigo 25, refora o
40
direito dessas pessoas em alcanar um alto padro de cuidados com a sade, sem
discriminao (OMS, 2012).
No Brasil existem poucos estudos sobre as reais condies de vida e
sade da pessoa que vive com deficincia. Desse modo, dimensionar
quantitativamente e qualitativamente a problemtica que envolve essas pessoas
uma tarefa complexa, haja vista a ausncia de produo de informaes
sistemticas sobre essa populao. As instituies pblicas de sade no dispem
de informaes aptas a diagnosticar com preciso a situao de sade e as
necessidades da PcD (BRASIL, 2006a).
Nesse sentindo, por iniciativa do MS, em 1991, foi criado o Programa de
Ateno Sade da PcD (BRASIL,1992). Esse programa teve como objetivo o apoio
ao desenvolvimento de pesquisas e de estudos epidemiolgicos que buscassem o
diagnstico da situao dos servios de assistncia sade da PcD e o
levantamento das necessidades dessa clientela. Com os resultados, esperava-se
obter dados para planejar, implantar, acompanhar e avaliar a assistncia integral
sade e reabilitao dessas pessoas. Porm, mesmo existindo h 24 anos, esse
programa ainda no foi implantado em sua plenitude no nosso pas, apesar de suas
diretrizes continuarem atuais (RIBEIRO; PINHEIRO, 2004).
Existe uma determinao, desde a Constituio Federal de 1988, em seu
artigo 23, Captulo II, que: competncia comum da Unio, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municpios cuidarem da sade e assistncia pblicas, da proteo e
garantia das PcD (BRASIL, 1988). No entanto, para que isso acontea,
instrumentos legais foram necessrios para regulamentar os ditames constitucionais
relativos a esse grupo populacional, tendo como destaque, no campo da sade, A
Poltica Nacional de Sade da PcD, criada pela Portaria n 1060/2002. Essa poltica
voltada para a incluso da PcD em toda a rede de servios do SUS. Define como
seus propsitos gerais um amplo leque de possibilidades que vai da preveno de
agravos proteo da sade, passando pela reabilitao (BRASIL, 2010). Apesar
de legtima, sem discutir seu mrito, a Poltica Nacional de Sade da PcD ocorre de
modo tardio na agenda da poltica de proteo social, quase vinte e cinco anos aps
a criao do SUS.
Para a implementao desta Poltica, a AB tem papel de fundamental
importncia, pois com a ESF trabalhando com reas territorializadas de
abrangncia, capilariza o cuidado sade e ao adoecimento, aproximando os
41
servios das comunidades, famlias e indivduos. Os processos de trabalho devem
incorporar, ao reconhecer seus territrios de responsabilidade sanitria, um olhar
especialmente voltado s PcD que habitam as comunidades. Da a importncia do
tema ser includo nas capacitaes, manuais, cartilhas, projetos de pesquisa,
protocolos tcnicos e clnicos, sensibilizando gestores, profissionais e comunidades
(BRASIL, 2010).
A populao com deficincia, historicamente, tem dificuldades de acesso
aos servios primrios de sade, pois, tradicionalmente, considerada como usuria
dos servios especializados (ROCHA, E., 2006). PcD necessitam, em muitos casos,
de um maior apoio do setor de sade, entretanto pouco se sabe sobre a capacidade
deste de atender, de forma integral, a esta necessidade. Um dos aspectos
importantes dessa ateno integral relaciona-se ao acesso dessa parcela da
populao aos servios de sade. O acesso pleno da populao com deficincia
pressupe servios organizados para receb-la; a articulao de aes intersetoriais
que facilitem a chegada desses usurios aos mesmos e um modelo assistencial
centrando em princpio tico pautado na proposta de humanizao do SUS e dirigido
incluso e participao social de todas as pessoas. (ROCHA, E., 2006; ROCHA,
R., 2006)
H muito ainda o que se trabalhar nos processos de Acolhimento,
Ateno, Referncia e Contrarreferncia, voltados s especificidades das PcD para
que elas possam ter acesso s Unidades de Sade, em todo o Pas, sem barreiras
(arquitetnicas ou atitudinais), como todos os demais cidados brasileiros (BRASIL,
2010).
No que tange ateno odontolgica da PcD, segundo estimativa da
OMS, a prevalncia das deficincias no mundo de uma pessoa a cada dez e que
mais de 2/3 no recebem nenhum tipo de assistncia odontolgica. (BRASIL, 1992;
SAMPAIO, CEZAR e MARTINS, 2004).
Segundo Cancino et al. (2005) pacientes deficientes apresentam
necessidades de cuidado em sade bucal e enfrentam dificuldades para encontrar
os servios apropriados s suas demandas como barreiras arquitetnicas, limitaes
financeiras, medo, ignorncia ou negligncia em relao sade bucal e,
principalmente, carncia de profissionais qualificados e interessados em tratar tais
pacientes.
42
Geralmente as condies de sade bucal das PcD so desfavorveis e seu
acesso ateno odontolgica limitado. Algumas pesquisas mostram a dificuldade
de acesso, como um estudo sobre o uso de servios de assistncia mdica bucal
por crianas de Lagos, na Nigria, o qual revelou que aquelas com deficincias ou
com menores condies socioeconmicas no usavam adequadamente os
consultrios odontolgicos. Outra pesquisa realizada na Austrlia sobre tratamento
dentrio de crianas com deficincia, concluiu que no eram atendidas as
necessidades relativas a tratamentos simples de 41% da amostra pesquisada (OMS,
2012).
Os pacientes com deficincias tm um risco maior em desenvolver doenas
bucais, que, por sua vez, podem ter um impacto direto e negativo em sua sade. Os
problemas odontolgicos so frequentes nesses pacientes. A incidncia de crie
dentria e doena periodontal so geralmente altas, sendo igual ou superior ao da
populao em geral (SOUZA FILHO; NOGUEIRA; MARTINS, 2010). O grau de
limitao da prpria deficincia, a dificuldade da realizao da higiene bucal, a dieta
alimentar, geralmente rica em carboidratos e alimentos pastosos, alm do fato de
muitas vezes terem sua higiene oral negligenciada pelos seus responsveis so
fatores que favorecem o acmulo de placa bacteriana e, consequentemente, o
aparecimento dessas patologias (SILVA; LOBO, 2010).
Em um estudo realizado por Queiroz, et.al (2014), foram avaliadas as
condies de sade bucal de alunos com deficincias de uma Escola Especial da
cidade de Patos-PB, de uma amostra de 74 alunos examinados (deficientes
intelectuais, auditivos, visuais e mltiplos), foi observado que 52% dos alunos
apresentaram uma condio de higiene oral deficiente e ndice mdio de crie
dentria com uma prevalncia muito alta.
Para Previtali et al. (2012) cada grupo de PcD deve ter uma abordagem
odontolgica especfica considerando e respeitando a condio incapacitante de
cada tipo de deficincia, avaliando-se os riscos, as necessidades versus
oportunidades e o custo/benefcio para o tratamento odontolgico.
Baseado nesse contexto, constata-se a necessidade de incluso desse
segmento populacional na ateno odontolgica, haja vista que sua incluso
significa respeitar as necessidades prprias da sua condio, possibilit-las o
acesso aos servios pblicos de sade, aos bens culturais e produtos decorrentes
do avano social, poltico, econmico e tecnolgico (BRASIL, 2001). Esse processo,
43
entretanto, tem sido bastante irregular com avanos em alguns setores e lentido
em outros. Neste sentido, o acesso assistncia odontolgica precisa ser
incentivado para esse grupo populacional.
O tratamento odontolgico integral, com medidas preventivas e
educativas, alm do tratamento reabilitador, pode modificar o perfil das PcD
estimulando sua participao social como cidados (FIGUEIREDO et al., 2003).
Assim, a ateno integral sade das PcD dever incluir a sade bucal e a
assistncia odontolgica nos programas de sade pblica destinados populao
em geral, tendo a AB organizada em redes assistenciais e como porta de entrada do
SUS.
Com relao ao atendimento odontolgico, a grande maioria das PcD
podem e devem ter esse atendimento solucionado no mbito da AB, nas UBS. De
acordo com o Caderno da AB n 17, em seu tpico Ateno Sade Bucal de PcD,
a orientao que:
Servios de sade devem realizar uma busca criteriosa dos usurios com deficincia, cadastr-los e definir as aes para garantir seu atendimento. As equipes de sade bucal devem ser capacitadas a fim de que possam, em nvel local, estarem aptas ao atendimento destes usurios, em nveis crescentes de complexidade de atendimento. Protocolos podem ser elaborados, com a definio, em cada nvel de ateno, dos cuidados a serem tomados (de acordo com diagnstico mdico, condies de sade e tratamento, agravos associados, limitaes e capacidades individuais de cada paciente). Em seguida, definir os critrios de encaminhamento e os fluxos de referncia e contrarreferncia (BRASIL, 2008a,