191
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO TECNOLÓGICO PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM ENGENHARIA DE SAÚDE PÚBLICA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL MPESA / UFES WALLACE DE MEDEIROS CAZELLI INTERFACES DA ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE E O SANEAMENTO BÁSICO NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NOS ANOS DE 2001, 2006 E 2011 VITÓRIA 2013

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO …portais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_6558_DISSERTA%C7%C3O%20WALLACE... · “Como em um filme, minha visão volta no tempo, mais exatamente

Embed Size (px)

Citation preview

  • 1

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO

    CENTRO TECNOLGICO

    PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM ENGENHARIA

    DE SADE PBLICA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL

    MPESA / UFES

    WALLACE DE MEDEIROS CAZELLI

    INTERFACES DA ATENO BSICA SADE E O

    SANEAMENTO BSICO NO ESTADO DO ESPRITO SANTO

    NOS ANOS DE 2001, 2006 E 2011

    VITRIA

    2013

  • 2

    WALLACE DE MEDEIROS CAZELLI

    INTERFACES DA ATENO BSICA SADE E O

    SANEAMENTO BSICO NO ESTADO DO ESPRITO SANTO

    NOS ANOS DE 2001, 2006 E 2011

    Dissertao apresentada ao programa de

    Mestrado Profissional de Engenharia de Sade

    Pblica e Desenvolvimento Sustentvel do

    Centro Tecnolgico da Universidade Federal do

    Esprito Santo, como requisito parcial para

    obteno do Grau de Mestre em Engenharia de

    Sade Pblica e Desenvolvimento Sustentvel

    no Centro Tecnolgico da Universidade Federal

    do Esprito Santo, na rea de concentrao em

    Sade Coletiva.

    Orientadora: Prof. Ftima Maria Silva

    VITRIA

    2013

  • 3

    WALLACE DE MEDEIROS CAZELLI

    INTERFACES DA ATENO BSICA SADE E O

    SANEAMENTO BSICO NO ESTADO DO ESPRITO SANTO

    NOS ANOS DE 2001, 2006 E 2011

    Dissertao apresentada ao programa de Mestrado Profissional de Engenharia de

    Sade Pblica e Desenvolvimento Sustentvel do Centro Tecnolgico da Universidade

    Federal do Esprito Santo, como requisito parcial para obteno do Grau de Mestre em

    Engenharia de Sade Pblica e Desenvolvimento Sustentvel no Centro Tecnolgico da

    Universidade Federal do Esprito Santo, na rea de concentrao em Sade Coletiva.

    Aprovado em ......... de ....................................... de 2013.

    COMISSO EXAMINADORA

    __________________________________________________

    Prof. Ftima Maria Silva Universidade Federal do Esprito Santo Orientadora

    _________________________________________ Prof. Dr. Ricardo Franci Gonalves Universidade Federal do Esprito Santo

    _________________________________________ Prof. Dr. Carlos Eduardo Aguilera Campos

    Universidade Federal do Rio de Janeiro

  • 4

    DEDICATRIA

    Como em um filme, minha viso volta no tempo, mais exatamente em 1969, ano de grandes mudanas na experincia humana. Vejo-me em minha casa, na frente de uma caixa mgica, de onde um mundo infinito de informaes se espalhava ao meu redor, com imagens de astronautas na Lua, guerras distantes, ndios gigantes descobertos na selva amaznica desbravada por heris construtores de estradas, tudo isso na trilha sonora dos Beatles, da jovem guarda e os inmeros desenhos importados pelos capites Asa e Furaco. Reproduzia nas brincadeiras, como que para fixar, tudo aquilo que chegava. Nas peladas imaginava os estdios lotados que o rdio falava... Neste ano, fui para uma nova escola, iniciar o 2 ano, primrio nesta poca, e j no incio das aulas percebi algo que at ento no fazia parte da vida: eu no sabia escrever! Mas como? Eu lia tudo o que achava pela frente, e h tanto tempo, que nem sei como aprendi! Ali estava, de frente a uma jovem professora, que logo percebeu a minha diferena para o restante da turma. Mas para minha surpresa, no disse nada para ningum, no brigou comigo e ainda passou a ficar do meu lado quase todo o tempo nas aulas. Fazia-me permanecer na escola um pouco mais todos os dias, e sem que ningum percebesse, nem eu, logo aprendi a escrever... Quero dedicar este trabalho a esta professora, e nela, a todos os professores do mundo, que perseveram diante dos inmeros desafios que encontram pelo caminho, para construir uma humanidade melhor!

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo a DEUS, pela oportunidade do tempo.

    A minha grande famlia: meus pais, razes profundas que constituram um tronco

    forte, que alimentou frteis galhos deram vida a mim e a meus irmos e irms, que

    por sua vez geraram muitos e queridos sobrinhos e sobrinhas.

    A meus frutos, Karin e Wendy, herdeiras e guardis dessa histria, que vieram por

    meio de Katia, esposa, amiga, companheira e parceira de todos os momentos, que

    trouxe junto toda a fora de uma famlia forte e obstinada.

    A Almerinda, Renate, Ricardo e Joana, companheiros de jornada.

    A minha orientadora, Professora Ftima Silva, a quem no tenho como descrever a

    importncia neste processo, pela direo dada, pela confiana, incentivo e

    pacincia.

    Aos professores, que foram tantos, to importantes e queridos, que no podendo

    aqui falar de todos, quero agradecer a Prof Rita lima, minha prefeRita e o Prof.

    Ricardo Franci Gonalves, incentivadores durante todo o tempo, e por eles

    agradecer a dedicao, a competncia e o carinho de todos.

    Aos professores que fizeram parte da banca de avaliao, meu muito obrigado: Prof

    Ftima Maria Silva; Prof. Ricardo Franci Gonalves; Prof. Carlos Eduardo Aguilera

    Campos, indispensveis como orientadores, crticos e amigos. Prof Marluce Aguiar,

    que participou de minha qualificao, contribuindo e muito para o resultado final.

    Aos colegas de curso, fundamentais para chegar at aqui, em especial a Hudson e

    Laila.

    Aos amigos e colegas da SESA, que sem a pacincia, o incentivo e a ajuda que me

    dispensaram durante este perodo, jamais teria conseguido realizar esta dupla

    jornada.

    A grande amiga e incentivadora Marina.

  • 6

    A Secretaria de Estado da Sade, por meio dos gestores maiores que autorizaram

    minha participao neste mestrado, Dr. Jos Tadeu Marino e Dr. Anselmo Tozi, que

    acreditaram na contribuio que este assunto traria para a Instituio.

    A Universidade Federal do Esprito Santo, que mais uma vez entra na minha histria

    de vida.

    A todos que contriburam diretamente para este resultado: Camila, Marcinha,

    Fabiano, Cida, Solange, Tnia Mara, entre tantos.

    Por fim e muito importante: agradeo a todos os cidados brasileiros que com seu

    suor e obstinao me permitiram fechar mais um ciclo em uma instituio pblica, e

    por isso merecem todo o meu respeito e a minha dedicao para retribuir da melhor

    forma possvel ajudando na construo de uma sociedade mais justa!

  • 7

    RESUMO

    A moderna relao entre a Ateno Primria Sade (APS) e o saneamento bsico

    tem sua certido de nascimento lavrada na Declarao de Alma Ata em 1978,

    quando a proposta de instituir servios locais de sade centrados nas necessidades

    reais da populao trazia como uma de suas aes elementares o tratamento da

    gua e o saneamento. Passados 34 anos, a reviso da literatura nos revela que a

    relao saneamento e sade foi mais teorizada a de fato conjugada para promover

    melhorias nas condies de sade das populaes mundo a fora, da a motivao

    deste presente estudo: conhecer suas interfaces, suas associaes e como ela

    contribui para a sade da populao nos municpios capixabas.

    Para cumprir os objetivos a metodologia utilizada foi a anlise estatstica de uma

    varivel dependente dos indicadores de sade e saneamento, sobre dados

    secundrios, referentes aos municpios capixabas nos anos de 2001, 2006 e 2011.

    Nos ltimos anos as doenas infecciosas e parasitarias causadas pela falta de

    saneamento bsico, esto diminuindo nos territrios onde encontramos intervenes

    de Ateno Primria Sade, mas so consideradas como bons indicadores no

    planejamento dos servios de sade.

    Os resultados mostraram forte relao entre Ateno Primria Sade e a oferta de

    abastecimento de gua e da coleta de esgoto por rede geral, sobre a varivel taxa

    de diarria em crianas menores de 2 anos por 1.000 habitantes, nos anos de 2001,

    2006 e 2011 nos municpios capixabas.

    A anlise mostra que em reas de atuao de equipes de Agentes Comunitrios de

    Sade e da estratgia de Sade da Famlia, bons resultados no controle de diarrias

    so apresentados em todos os anos do estudo, sendo potencializados quando

    consorciados por maiores ofertas no abastecimento de gua e na coleta de esgoto

    por rede geral. Esta complementaridade confirma a necessidade de maiores

    investimentos nas aes planejadas e executadas de forma intersetorial pelas

    gestes pblicas municipais.

    Palavras chaves: ateno primria sade, saneamento bsico, diarria,

    abastecimento de gua, coleta de esgoto, associao.

  • 8

    ABSTRACT

    The modern relationship between the primary health care and the basic sanitation

    has his birth certificate recorded in the Declaration of Alma-Ata in 1978, when the

    proposal to establish local health services focusing on the real needs of the

    population had as one of its elementary actions water treatment and sanitation. After

    34 years, the review of the literature reveals that the sanitation and health has been

    more theorized the indeed coupled to promote improvements in health conditions of

    populations around the world, hence the motivation of this present study: knowing

    their interfaces, their associations and how it contributes to the health of the

    population in the municipalities of Esprito Santo State.

    To fulfill the goals the methodology used was the statistical analysis of a variable

    dependent on health and sanitation indicators, on secondary data, concerning

    municipalities in Esprito Santo in 2001, 2006 and 2011. In recent years the parasitic

    and infectious diseases caused by the lack of basic sanitation, are decreasing in

    areas where we find interventions in primary health care, but are considered good

    indicators in planning of health services.

    The results showed a strong relationship between primary health care and the

    provision of water supply and sewage collection for network neneral, over the

    variable rate of diarrhea in children younger than 2 years per 1,000 inhabitants, in

    2001, 2006 and 2011 in Esprito Santo.

    The analysis shows that in areas of operation of teams of community health agents

    and the family health strategy, good results in controlling diarrhea are presented in all

    years of the study, being enhanced when members for more deals on water supply

    and sewage collection network in general. This complementarity confirms the need

    for greater investments in the actions planned and performed in order by municipal

    public agencies.

    Key words: primary health care, basic sanitation, diarrhea, water supply, sewage

    collection, association.

  • 9

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Srie histrica da Ateno Primria Sade no ES 2001 a 2011

    (Populao total; N de ACS; % pop. coberta ACS; N equipes Sade da Famlia; %

    pop. coberta ESF) .................................................................................................. 144

    Tabela 2 Nmero de famlias, nmero de domiclios com abastecimento de gua

    por rede geral ou pblica e nmero de domiclios com coleta de esgoto por rede

    geral ou pblica cadastrados no SIAB nos anos de 2001, 2006, 2011 no Esprito

    Santo .......................................................................................................................152

    Tabela 3 Populao e casos de diarria em crianas menores de 2 anos por

    municpio nos anos 2001, 2006 e 2011 ................................................................. 154

    Tabela 4 Base de dados para anlise estatstica por municpio no ano de 2001

    ................................................................................................................................. 155

    Tabela 5 Base de dados para anlise estatstica por municpio no ano de 2006

    ................................................................................................................................. 157

    Tabela 6 - Base de dados para anlise estatstica por municpio no ano de 2006

    ................................................................................................................................. 159

    Tabela 7 Coeficientes de correlao de Pearson entre as variveis independentes

    - Ano 2001 ...............................................................................................................161

    Tabela 8 Coeficientes de correlao de Pearson entre as variveis independentes

    - Ano 2006 ..............................................................................................................161

    Tabela 9 Coeficientes de correlao de Pearson entre as variveis independentes

    - Ano 2011 ...............................................................................................................161

    Tabela 10 Resultado do modelo de regresso linear 2001 ...............................162

    Tabela 11 Resultado do modelo de regresso linear 2006 .............................. 162

    Tabela 12 Resultado do modelo de regresso linear 2011 ...............................163

  • 10

    Tabela 13 Estatsticas descritivas da Cobertura APS (%), Cobertura de famlias

    com abastecimento de gua (%) e Cobertura de famlias com esgoto (%) por grupos

    2001 ..................................................................................................................... 163

    Tabela 14 Estatsticas descritivas da Taxa de Diarria em crianas menores de 2

    anos (por 1.000 habitantes) por grupos 2001 ..................................................... 163

    Tabela 15 Estatsticas descritivas da Cobertura APS (%), Cobertura de famlias

    com abastecimento de gua (%) e Cobertura de famlias com esgoto (%) por grupos

    2006 ..................................................................................................................... 164

    Tabela 16 Estatsticas descritivas da Taxa de Diarria em crianas menores de 2

    anos (por 1.000 habitantes) por grupos 2006 ..................................................... 164

    Tabela 17 Estatsticas descritivas da Cobertura APS (%), Cobertura de famlias

    com abastecimento de gua (%) e Cobertura de famlias com esgoto (%) por grupos

    2011 ..................................................................................................................... 164

    Tabela 18 Resultados do teste t 2011 ............................................................... 165

    Tabela 19 Estatsticas descritivas da Taxa de diarria em crianas menores de 2

    anos (por 1.000 habitantes) segundo grupos 2011 ............................................. 165

    Tabela 20 Comparao de mdias entre as variveis ........................................ 165

    Tabela 21 Estatsticas descritivas da Taxa de diarria em crianas menores de 2

    anos (por 1.000 habitantes) segundo regies e ano .............................................. 166

    Tabela 22 Resultados do teste de normalidade (p-valores) ................................ 166

    Tabela 23 Resultados do teste de homogeneidade da varincia .........................166

    Tabela 24 Resultados dos testes de Comparao entre as regies ................... 167

    Tabela 25 Comparao de mdias de comparaes regionais, seus pontos mdios

    e a populao APS nos anos de 2001 e 2011 ....................................................... 167

    Tabela 26 Variao percentual de mdias de comparaes regionais, seus pontos

    mdios e a populao total nos anos de 2001 e 2011 ........................................... 167

  • 11

    LISTA DE SIGLAS

    AB Ateno Bsica

    ACS - Agente Comunitrio de Sade

    AIDS Acquired Immunodeficiency Syndrome

    AIS - Aes Integradas em Sade

    AMQ - Avaliao para Melhoria da qualidade da Estratgia de Sade da Famlia

    APS - Ateno Primria Sade

    BNH Banco Nacional de Habitao

    CEF - Caixa Econmica Federal

    CESAN - Companhia Espiritosantense de Saneamento

    CNDSS Comisso Nacional sobre os Determinantes Sociais da Sade

    CONASP - Conselho Consultivo de Administrao da Sade Previdenciria

    CONASS - Conselho Nacional de Secretrios de Sade

    CONSANE - Conselho Nacional de Saneamento

    DAB Departamento de Ateno Bsica

    DATASUS - Departamento de Informaes e Informtica do SUS

    DNOS - Departamento Nacional de Obras de Saneamento

    eACS Equipe de Agentes Comunitrios de Sade

    EACS Estratgia de Agentes Comunitrios de Sade

    eSF Equipe de Sade da Famlia

    ESF - Estratgia de Sade da Famlia

    FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Servio

    FISANE - Fundo de Financiamento para o Saneamento

    FUNASA - Fundao Nacional de Sade

  • 12

    IBE - Instituto Brasileiro de Economia

    IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IBOPE - Instituto Brasileiro de Opinio Pblica e Estatstica

    IEMA Instituto Estadual do Meio Ambiente

    IPEA - Instituto de Pesquisas Econmicas Aplicadas

    M&A Monitoramento e Avaliao

    MS - Ministrio da Sade

    NAS - National Academy of Sciences

    NOAS - Norma Operacional da Assistncia Sade

    NOB - Normas Operacionais Bsicas

    ODM - Objetivo de Desenvolvimento do

    OMS - Organizao Mundial de Sade

    ONU - Organizao das Naes Unidas

    OPAS - Organizao Pan-Americana da Sade

    PAB - Piso de Ateno bsica

    PACS - Programa de Agentes Comunitrios de Sade

    PDAPS - Plano Diretor da Ateno Primria sade

    PIB - Produto Interno Bruto

    PLANASA - Plano Nacional de Saneamento Bsico

    PLANSAB - Plano Nacional de Saneamento Bsico

    PMAQ - Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da qualidade da ateno

    Bsica

    PMSS - Programa de Modernizao do Setor de Saneamento

    PNAB - Poltica Nacional de Ateno Bsica

    PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios

  • 13

    PNSB - Pesquisa Nacional de Saneamento Bsico

    PNUD - Relatrio de Desenvolvimento Humano do Programa das Naes Unidas

    para o Desenvolvimento

    PPI - Programao Pactuada Integral

    PROESF - Programa de Expanso e consolidao da Sade da Famlia

    PROVAB - Programa de Valorizao do Profissional da Ateno Bsica

    PSE - Programa Sade na Escola

    PSF Programa de Sade da Famlia

    REQUALI SUS - Programa de Requalificao de Unidades Bsicas de Sade

    SESA - Secretaria de Estado da Sade do Estado do Esprito Santo

    SESP - Fundao Servio Especial de Sade Pblica,

    SIAB - Sistema de Informao da Ateno Bsica

    SIM - Sistema de Informao de Mortalidade

    SNIS - Sistema Nacional de Informaes sobre Saneamento

    SUDS - Sistema Unificado e Descentralizado de Sade

    SUS - Sistema nico de Sade

    UNICEF - Fundo das Naes Unidas para a Infncia

    WWDR4 - Quarto Relatrio Mundial das Naes Unidas sobre o Desenvolvimento de

    Recursos Hdricos

  • 14

    SUMRIO

    1 INTRODUO ...................................................................................................... 16

    2 OBJETIVOS .......................................................................................................... 21

    2.1 OBJETIVO GERAL ............................................................................................. 21

    2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS .............................................................................. 21

    3 REVISO DE LITERATURA ................................................................................ 22

    3.1 REVISITANDO O SANEAMENTO BSICO NA HISTRIA MUNDIAL,

    NACIONAL E ESTADUAL PARA COMPREENDER OS SEUS PROCESSOS NA

    ATUALIDADE ........................................................................................................... 22

    3.2 A MUDANA DO MODELO DE ATENO SADE NO DECORRER DA

    HISTRIA: QUEBRANDO PARADIGMAS PARA OFERTAR ATENO INTEGRAL,

    ACESSVEL E RESOLUTIVA .................................................................................. 39

    3.3 ESTRATGIA DE SADE DA FAMLIA: UM LUGAR PARA SE PROMOVER A

    SADE INTEGRAL, EMPODERAMENTO E PARTICIPAO DA COMUNIDADE. 69

    3.4 A INTERFACE DA SADE E DO SANEAMENTO: UM PONTO DE

    CONVERGNCIA PARA A PROMOO DA SADE, OU UM N A SER

    DESATADO? ............................................................................................................ 82

    4 METODOLOGIA ................................................................................................... 91

    4.1 DELINEAMENTO DO ESTUDO......................................................................... 91

    4.2 LOCAL DO ESTUDO ......................................................................................... 91

    4.3 UNIVERSO DA PESQUISA ............................................................................... 92

    4.4 PROCEDIMENTOS ........................................................................................... 92

    4.4.1 Coleta de Dados ............................................................................................ 93

  • 15

    4.4.2 Variveis ......................................................................................................... 94

    4.4.3 Tabulao e Tratamento dos Dados ............................................................ 96

    4.4.4 Anlise Estatstica ......................................................................................... 98

    4.4.5 tica ................................................................................................................ 99

    5 RESULTADOS E DISCUSSES......................................................................... 100

    6 CONCLUSO ..................................................................................................... 116

    7 RECOMENDAES ........................................................................................... 119

    8 REFERNCIAS ................................................................................................... 121

    APNDICES............................................................................................................ 143

    APNDICE A Tabelas gerais .............................................................................. 141

    APNDICE B Anlise estatstica ......................................................................... 168

    APNDICE C Solicitao de autorizao para pesquisa de banco de dados .... 189

  • 16

    1 INTRODUO

    A implantao do Sistema nico de Sade (SUS) e o investimento em polticas de

    ateno primria vm alterando vrios indicadores de sade, atingindo metas de

    cobertura e modificando o perfil de morbimortalidade da populao. Tal constatao

    apresenta-se na melhoria das condies de sade da populao brasileira, que nas

    ltimas dcadas vem demonstrando aumento expressivo de cobertura, com efeitos

    positivos na melhoria da mortalidade infantil e talvez na mortalidade das demais

    faixas etrias, alm de reduo de internaes desnecessrias (VICTORA et al.,

    2011, p. 92).

    Apesar de todo o investimento no setor sade e das melhorias alcanadas e

    evidenciadas no dia a dia da sade da populao, nota-se que existem muitos

    fatores limitadores desse processo seja no que tange s questes relacionadas

    rea da sade, que precisa dar maior resposta s necessidades reais da populao

    e, no entanto, vem demonstrando limitaes em suprir essas necessidades, sejam

    por outras questes no inerentes a responsabilizao da rea da sade, mas que

    afetam diretamente esse processo sade/doena da populao, como as questes

    relacionadas ao saneamento bsico dos territrios de sade onde se inserem os

    usurios que acessam esses servios, e o buscam, com problemas relacionados a

    desestruturao ou ausncia desse.

    O saneamento bsico das reas urbanas e rurais tem sido um grande desafio aos

    governantes de todos os pases, no sentido de ofertar servios e estruturas

    adequadas que possam dar suporte ao crescimento da populao e das cidades, e

    com isso, promover ambientes saudveis, que passam a se constituir a partir das

    mudanas vindas dessa urbanizao e do crescimento populacional. A maioria dos

    problemas sanitrios que afetam a populao mundial hoje est intrinsecamente

    relacionada com o meio ambiente deteriorado, pouco preservado e poludo por

    diversos poluentes, afetando, solo, ar, gua, e os ambientes nos quais habitam as

    populaes rurais e urbanas (BRASIL, 2006).

  • 17

    A falta de saneamento bsico tem sido fator disparador de problemas relacionados

    sade, e entre as enfermidades relacionadas, podem-se citar as hepatites virais, as

    diarrias infecciosas causadas por bactrias, vrus e parasitas, a desnutrio

    proteico-calrica, doenas respiratrias, leptospirose, dentre outras. Essas doenas

    implicam em um alto custo de ateno mdica e contribui para o aumento da

    mortalidade infantil quando comparados aos dos pases desenvolvidos. No Brasil,

    as doenas resultantes dessa falta de saneamento, especialmente em reas pobres,

    tm agravado esse quadro epidemiolgico, que trazem ao campo da sade,

    discusses intersetoriais no sentido de intervir nesse quadro de morbidade e

    mortalidade por essas doenas evitveis (GUIMARES; CARVALHO; SILVA, 2007;

    BRASIL, 2006).

    O Relatrio de Desenvolvimento Humano do Programa das Naes Unidas para o

    Desenvolvimento (PNUD) de 2006 apontou como de menor importncia os custos

    econmicos do saneamento bsico, pois a proliferao de doenas e a perda de

    vidas em razo de doenas de tratamento simples so inaceitveis, recomendando

    que as polticas pblicas devam dar prioridade absoluta questo do saneamento.

    Alm disso, os indicadores sociodemogrficos e de sade no Brasil divulgado pelo

    IBGE, referentes ao ano de 2009, mostraram que existe ainda um excesso de

    mortes que afetam principalmente as regies e setores sociais menos favorecidos e

    que podem ser evitadas, com o aumento de programas de ateno bsica

    preventiva na rea de sade pblica, maior oferta dos servios de sade, e

    universalizao dos servios de saneamento bsico (ONU, 2006; 2010; IBGE,

    2010).

    A utilizao do saneamento como instrumento de promoo da sade pressupe

    que haja a superao dos entraves tecnolgicos, polticos e gerenciais, que dificulta

    extenso dos benefcios a parte da populao residente em reas rurais,

    municpios e localidades de pequeno porte, e regies perifricas. O conceito de

    Promoo de Sade proposto pela Organizao Mundial de Sade (OMS) desde a

    Conferncia de Ottawa, em 1986, foi visto como o princpio orientador das aes de

    sade em todo o mundo, e como parte fundamental dessa sade, esto as

    condies ambientais e o saneamento bsico (BRASIL, 2006).

  • 18

    Ao analisar dados oriundos das reas de implantao da Estratgia de Sade da

    Famlia relacionados aos aspectos socioeconmicos dos usurios cadastrados no

    territrio de sade, percebe-se a grande variedade de dados sanitrios em cada

    regio de sade, e esses muitas vezes, no muito favorveis ao desenvolvimento

    das aes de ateno primria sade nessa populao local, porm no havendo

    dados que reflitam essa relao. Esse fato desperta o interesse em compreender

    melhor o contexto da Ateno Primria Sade (APS) por meio da atuao dos

    Agentes Comunitrios de Sade e da Estratgia de Sade da Famlia (ESF) no que

    diz respeito ao saneamento bsico das reas de implantao dessa, e a relao

    entre elas.

    A Estratgia de Sade da Famlia vem sendo uma proposta de um novo paradigma

    na ateno sade, com diretrizes que criam uma nova forma de produzir as aes

    e servios de sade, devendo nos territrios adstritos, produzir aes de sade

    amplas e abrangentes para a realizao de aes de preveno, promoo e

    reabilitao, bem como, na produo de ambientes saudveis e protegidos,

    mobilizando a comunidade nesse sentido e em prol da melhoria de sua qualidade de

    vida (ESCOREL et al., 2007; SOUZA et al., 2008). Mediante a isso, torna-se

    relevante compreender as diferentes realidades oriundas dos territrios de Sade

    das ESF no que tange as aes de sade local, principalmente as doenas que

    podem ser evitadas com aes de educao e sade e interveno intersetorial.

    No Brasil, a Estratgia de Sade da Famlia (ESF) a principal estratgia de

    implementao e organizao da Ateno Primria Sade (BRASIL, 2004;

    CONILL, 2008; STRALEN et al., 2008), e vem sendo implantada em todo o pas,

    como um modelo de reordenao da ateno sade conforme os princpios do

    SUS, priorizando aes de promoo, proteo e recuperao da sade de

    indivduos, famlias e comunidade, de forma contnua e integral.

    A ESF, ao longo dos ltimos anos, tem colaborado de forma significativa para a

    melhoria dos indicadores de sade no pas, e na mudana de hbitos e

    comportamentos da populao onde se encontra inserida (MACINKO; GUANAIS;

    SOUZA, 2006; FACCHINI, 2006; RONCALLI; LIMA, 2006).

    Assim, justifica-se esse estudo que busca associar o impacto que traz o

    saneamento bsico sade da populao e ao meio ambiente, principalmente nas

  • 19

    reas de implantao de equipes APS, pois essas, apesar de serem vistas como

    pontos estratgicos e prioritrios nos avanos e melhoria da sade da populao por

    ela assistida, e pelas evidncias trazidas por vrias pesquisas nacionais, e pelo

    prprio Ministrio da Sade (MS), apresentam desafios que precisam ser superados

    para que de fato a populao tenha uma sade integral, acessvel e de qualidade,

    principalmente nas aes de promoo da sade e dos ambientes saudveis onde

    se inserem os usurios do Sistema nico de Sade (SUS).

    Conhecer a realidade dos municpios no que tange ao saneamento e a sade de sua

    populao adstrita a equipes de sade APS de suma importncia, pois alm dessa

    se propor a desempenhar papel de porta de entrada preferencial do sistema de

    sade local, tambm assume o compromisso de construir com os usurios, vnculo

    permanente, integralidade do cuidado, e tambm mobilizao desses no sentido de

    melhorar a sua qualidade de vida e do local onde habitam.

    Segundo o Ministrio da Sade, as ESF devem conhecer o que ocorre em sua rea

    de abrangncia, e com essas informaes poder construir planejamentos, elaborar

    estratgias e realizar intervenes que possam impactar na sade da populao.

    Com o resultado deste estudo, acredita-se que a gesto, municipal e estadual,

    possa ter nas mos importantes dados e subsdios de sua realidade local no que

    tange ao saneamento e doenas vinculados a esse, justificando aes e estratgias

    de projetos de captao de financiamentos para o desenvolvimento de sua rede de

    saneamento bsico para, de fato, impactar na realidade de sade local da

    populao, fortalecendo os processos de trabalho dos profissionais que acolhem

    esses usurios diariamente nos servios de sade.

    Esta investigao tambm poder dar maior visibilidade as Equipes de Sade da

    Famlia, a realidade de seu territrio no que tange ao saneamento e as doenas

    oriundas da desestruturao desse, e com isso, motivar a construo de estratgias

    de enfrentamento local em conjunto com os usurios do territrio, com a finalidade

    de melhorar as condies de sade local e do ambiente, bem como sensibilizar

    gestores e profissionais no sentido de melhor alimentar os dados de sade e

    epidemiolgicos relacionados a essa questo, que podero dar subsdio a essa

    equipe para as suas aes e enfrentamentos.

  • 20

    Desse modo, deseja-se compreender por meio desse estudo, essa lacuna

    saneamento bsico e sade da populao, e desse modo, contribuir para a

    melhoria desse processo.

    Nesse contexto, essa dissertao pretende verificar qual a relao entre o

    saneamento bsico e a APS. Em funo disso, emergem as seguintes questes

    norteadoras:

    - Como est o saneamento bsico nos municpios com APS organizada por ACS e

    ESF?

    - Como est a qualidade da APS dos municpios do ES, no que tange as aes

    direcionadas ao saneamento bsico?

    - Como est a relao da APS organizada pela ESF e as doenas vinculadas ao

    saneamento?

  • 21

    2 OBJETIVOS

    2.1 OBJETIVO GERAL

    Esta dissertao tem como objetivo geral, analisar a relao da Ateno Primria

    Sade e o saneamento bsico, por meio do indicador de sade diarria em crianas

    menores de 02 (dois) anos, nos municpios com Ateno Primria Sade

    organizada do Estado do Esprito Santo nos anos de 2001, 2006 e 2011.

    2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS

    Caracterizar a implantao da Ateno Primria Sade organizada por equipes de

    Agentes Comunitrios de Sade e Estratgia de Sade da Famlia nos municpios

    do Estado do Esprito Santo;

    Caracterizar a situao do saneamento bsico nos municpios com Ateno Primria

    Sade organizada por equipes de Agentes Comunitrios de Sade e Estratgia de

    Sade da Famlia no Estado do Esprito Santo;

    Caracterizar a situao da taxa de diarria em crianas menores de 02(dois) anos

    nos municpios com Ateno Primria Sade organizada por equipes de Agentes

    Comunitrios de Sade e Estratgia de Sade da Famlia no Estado do Esprito

    Santo.

    Analisar as interfaces entre Ateno Primria Sade e o saneamento bsico.

  • 22

    3 REVISO DE LITERATURA

    3.1 REVISITANDO O SANEAMENTO BSICO NA HISTRIA

    MUNDIAL, NACIONAL E ESTADUAL PARA COMPREENDER OS

    SEUS PROCESSOS NA ATUALIDADE

    No decorrer da histria as preocupaes com a gua e o saneamento das cidades

    estiveram presentes nas diferentes civilizaes e perodos da histria da

    humanidade. Desde o incio da histria das civilizaes, o domnio da gua e a

    sobrevivncia das populaes j eram buscados, seja com o desenvolvimento de

    tcnicas, como a irrigao, canalizaes exteriores ou subterrneas, construo de

    diques, dentre tantas outras, que pudessem subsidiar a sobrevivncia das

    populaes, seja com obras relacionadas ao saneamento (DECROSSE, 1990;

    SILVA, 1998).

    Na Antiguidade, os fenmenos naturais continham grande contedo simblico por

    meio de mitos e rituais, e a gua, essencial a vida, era tida como elemento

    sacralizado, sendo motivo de devoo por vrias culturas e povos. Fundamental

    sobrevivncia da vida humana, as civilizaes antigas como a Mesopotmia e Egito,

    buscaram superar os desafios que o meio natural impunha no acesso a gua, e

    passaram a erguer em seus imprios grandes obras hidrulicas em suas bacias

    hidrogrficas, bem como obras de saneamento (SILVA, 1998).

    Vrias experincias em outros povos podem ser citadas na busca da garantia de

    sobrevivncia das suas populaes em manter condies sanitrias mnimas nas

    cidades. Em Nippur, na ndia, por volta de 3750 a.C, foram construdas galerias de

    esgotos para escoarem os efluentes da cidade; no vale do Indo, muitas ruas e

    passagens possuam canais de esgoto cobertos por tijolos e com aberturas para

    facilitar a inspeo, bem como, casas com banheiras e privadas, que lanavam seus

    dejetos nos canais construdos. Os egpcios em 2000 a.C faziam a clarificao da

    gua por meio do sulfato de alumnio; no palcio do fara Quops havia tubos de

    cobre para levar os efluentes at os canais e rios (AZEVEDO NETTO, 1959).

  • 23

    Segundo Netto (1959) da Grcia Antiga a Roma, houve maior sofisticao das obras

    relacionadas s questes hidrulicas e transporte hdrico, sendo construdos

    aquedutos elaborados, que podiam levar gua as cidades, facilitando a vida das

    populaes que l viviam. Os gregos possuam grandes preocupaes sanitrias

    relacionadas o suprimento de gua e a eliminao dos esgotos. Nas construes

    das partes mais altas das cidades, coletava-se a gua pluvial em cisternas, que

    partiam por canalizaes transportando a gua at as regies mais baixas. O grau

    de sofisticao do sistema grego pode ser demonstrado por meio dos relatos das

    descargas em vasos sanitrios encontrado em Atenas. Os romanos construram

    importantes obras hidrulicas, banheiros pblicos e termas, quanto ao esgoto, eram

    transportados por canalizaes, evitando o lanamento de guas servidas nas ruas,

    o que evitou uma srie de doenas e epidemias (LIEBMANN, 1979).

    No apogeu do Imprio Romano, houve abundncia de gua transportada por

    adutoras e distribuda em fontes pblicas e nas casas de banho. Roma foi

    abastecida nesse perodo por um sistema de onze aquedutos, com uma distribuio

    diria de gua de cerca de 1000 litros por habitante, o que excedia o necessrio

    para o consumo humano da poca. Mas apesar desta preocupao com relao

    distribuio e quantidade de gua, comeou haver um declnio durante a poca

    medieval, juntamente com as condies sanitrias, o que facilitou o avano das

    epidemias (COSTA, 1994).

    Na Idade Mdia as cidades que investiram em construes hidrulicas, instalao de

    moinhos e no transporte hdrico, apresentaram grande desenvolvimento econmico,

    porm, ao se comparar ao desenvolvimento das cidades medievais, com algumas

    da Antiguidade, houve um grande retrocesso sanitrio, o que gerou vrias epidemias

    e graves consequncias para a sade das populaes, causadas pela poluio dos

    rios pelos dejetos oriundos da populao e a falta de limpeza das cidades

    (DECROSSE, 1990; SILVA, 1998).

    Assim, at o final do sculo XIV, vrios decretos relacionados limpeza pblica e ao

    abastecimento de gua, foram se instituindo e sendo disseminados pela Europa,

    com intuito de amenizar os problemas gerados pela falta de higiene nas cidades e

    pelos problemas gerados por essa falta de higiene e cuidado com o ambiente onde

    as pessoas viviam. No existia na idade mdia nas cidades da Europa, ruas,

  • 24

    caladas, iluminao pblica, coleta de lixo, canalizao e distribuio de gua,

    esgotamento sanitrio e outros (EIGENHEER, 2003).

    Na Idade Moderna no muito diferente da idade mdia, o saneamento bsico das

    cidades ainda era muito precrio, e as condies de higiene deixavam a desejar. Tal

    fato se agravou com a Revoluo Industrial, onde o a populao dos campos

    migraram para a cidade para trabalharem nas indstrias, sobrecarregando as

    cidades, gerando grandes problemas sanitrios, devido a falta de infraestrutura

    dessas cidades, falta de higiene individual e coletiva da populao, pssimas

    condies de trabalho, baixos salrios, o que aumentava a favelizao das cidades,

    a formao de ambientes de moradia insalubres e com pssimas condies de

    higiene, causando alm de muitos problemas de sade, disseminao de pestes a

    destruio do meio ambiente (RIBEIRO; ROOKE, 2010).

    Segundo Cavinatto (1992) na Inglaterra, Frana, Blgica e Alemanha, os servios de

    saneamento bsico eram precrios e no acompanhava o crescimento da cidade,

    no havia suprimento de gua limpa e limpeza das ruas, o lixo, as fezes e os detritos

    eram atirados nas ruas, ou depositados em recipientes para serem transferidos para

    reservatrios pblicos uma vez por ms, o que gerava a proliferao de animais,

    atrados pela sujeira e transmissores de vrias doenas, mau cheiro, contaminao

    do solo e locais, bem como a proliferao de doenas como a clera, febre tifide,

    transmitidas por gua contaminada e ambientes contaminados e com falta de

    higiene.

    Com intuito de melhorar as condies sanitrias e higinicas das cidades

    generalizou-se a pavimentao das ruas, a coleta do lixo e dejetos, a elaborao de

    normas sanitrias que a populao deveria seguir, e principalmente a construo de

    canais de drenagem, porm sem muito xito. O aumento do sistema de drenagem

    por carreamento de gua, ao invs de favorecer as condies sanitrias, agravou

    ainda mais a situao, as fossas raramente eram limpas, o contedo dessas fossas

    infiltravam no solo e contaminavam poos e solos, bem como a gua dos rios que

    abasteciam as cidades, os rios muitas vezes se tornavam esgoto a cu aberto, o que

    gerava alm do mal cheiro grandes problemas de sade populao (CAVINATO,

    1992; RIBEIRO; ROOKE, 2010).

  • 25

    Em funo dos inmeros problemas gerados nas cidades pela falta de saneamento

    e do suprimento de gua irregulares, que no acompanhou o crescimento urbano

    desencadeado pela migrao das pessoas da zona rural para a urbana, o aumento

    das doenas e mortes geradas por esse processo, bem como, da destruio do

    ambiente em funo da intensa industrializao, as autoridades sanitrias das

    cidades comearam a se preocupar em melhorar as condies de vida da

    populao, evitando com isso grandes prejuzos na indstria e economia local

    (CAVINATTO, 1992).

    A partir do sculo XIX, as condies de vida urbana em muitas cidades comearam

    a melhorar. H maior investimento no saneamento pblico dessas cidades, maior

    investimento por parte do governo em pesquisas e na rea mdica, com intuito de

    melhorar as epidemias e pestes. A descoberta de Pasteur sobre os organismos

    patognicos e as doenas, bem como a de outros cientistas, trouxe grandes

    investimentos nas questes de sade e higiene. As autoridades viram a direta

    relao das doenas com a sujeira das cidades e das moradias, bem como da falta

    de higiene da populao, o que levou a tomada de uma srie de decises. Como

    decises importantes podem-se citar: a reforma radical no sistema sanitrio das

    cidades separando rigorosamente a gua potvel da gua a ser servida, a

    substituio do esgotamento aberto por encanamentos subterrneos construdos

    com manilhas de cermica cozida, a coleta de lixo urbano e outros (CAVINATTO,

    1992; GUIMARES; CARVALHO; SILVA, 2007).

    Com o incio da Revoluo Francesa e o incio da Idade contempornea, deu-se

    incio a um intenso processo de preocupao com a sade da populao, em funo

    de todas as mudanas vindas da idade moderna (expanso do mercantilismo,

    expanso martima, renascimento cientfico, iluminismo, revoluo industrial,

    revoluo americana e outros). Da idade moderna a contempornea muita coisa

    mudou nas questes de saneamento. Nos pases capitalistas, os problemas de

    sade foram tidos como prioritrios o que promoveu um aumento da expectativa de

    vida da populao e das taxas de natalidade, declinando as taxas de mortalidade

    (GUIMARES; CARVALHO; SILVA, 2007).

    A evoluo tecnolgica e a industrializao nos pases capitalistas possibilitaram a

    execuo em larga escala de sistemas de abastecimento de gua e de esgotamento

  • 26

    sanitrio, e a necessidade de se pensar em um saneamento que contemplasse

    vrios aspectos. Tal preocupao foi mais intensa nos pases capitalistas ricos, nos

    pases capitalistas pobres o investimento no saneamento bsico no atingiu os

    nveis mnimos necessrios a assegurar uma sade adequada e condies de

    infraestrutura que garantissem: coleta de lixo com destino adequado;

    descontaminao do ambiente, solo, lenis freticos e bacias hidrogrficas; destino

    adequado dos dejetos e poluentes; gua tratada e limpa para toda populao,

    esgotamento sanitrio, e diminuio das doenas relacionadas ao saneamento

    (GUIMARES; CARVALHO; SILVA, 2007; BRASIL, 2006).

    Assim, chega-se ao sculo XXI com esse grande desafio, o de proporcionar

    saneamento bsico a toda populao mundial, seja nos pases desenvolvidos ou em

    desenvolvimento, bem como, elaborar e fortalecer polticas pblicas relacionadas ao

    saneamento bsico, de forma a garantir condies necessrias qualidade de vida

    das suas populaes. O panorama mundial no muito animador, segundo o quarto

    Relatrio Mundial das Naes Unidas sobre o Desenvolvimento de Recursos

    Hdricos (WWDR4), cerca de um bilho de pessoas no tm acesso a fontes

    tratadas de gua potvel, h cerca de 2,6 bilhes de pessoas que no dispem de

    servios de saneamento de qualidade (UNESCO, 2012).

    O mundo est longe de alcanar a meta Objetivo de Desenvolvimento do Milnio

    (ODM) para o saneamento, e improvvel que venha a consegui-lo at 2015. S 63

    por cento da populao mundial tm agora acesso a saneamento melhorado, um

    nmero que se estima poder aumentar apenas para 67 por cento at 2015, muito

    abaixo dos 75 por cento almejados pelos ODM. Aproximadamente 1,3 bilho de

    pessoas, cerca de 64%, vivem em zonas urbanas com saneamento, apesar de

    receberem mais servios do que nas zonas rurais, se esforam em manter a

    qualidade do tratamento de gua e saneamento diante do crescimento da sua

    populao. Em toda a Terra ainda h mais de mil milhes de pessoas que praticam

    defecao ao ar livre, o que tem impacto sobre o crescimento e o desenvolvimento

    humano, incluindo o desenvolvimento econmico, a sade, a educao e a

    igualdade dos gneros (OMS, 2012; UNESCO, 2012).

    Ainda como desafios a serem superados, os fluxos de ajuda global que so

    destinados para a gua e o saneamento, tiveram queda de 9%, da ajuda total

  • 27

    atribuveis ao setor em 1997 para 6% em 2010. Os recursos no so destinados as

    populaes ou pases mais necessitados, como fato, podemos citar que somente

    metade da ajuda ao desenvolvimento para o saneamento e a gua potvel, visa a

    frica ao Sul do Saara, o Sul da sia e o Sudeste asitico, onde vivem 70% das

    pessoas sem servios a nvel global (WATERAID, 2012; OMS, 2012).

    Mediante as evidencias de que no mundo o saneamento bsico das naes, esta

    abaixo do que necessrio para a qualidade de vida das populaes e as

    consequncias na sade so cada vez mais graves e crescentes, gerando o

    aumento da mortalidade nas populaes vulnerveis, a Assemblia das Naes

    Unidas em 28 de Julho de 2010, pela Resoluo A/RES/64/292 declarou a gua

    limpa e segura e o saneamento um direito humano essencial para gozar plenamente

    a vida e todos os outros direitos humanos (ONU, 2010).

    A Organizao das Naes Unidas (ONU) chama ateno atualmente sobre a

    quantidade do lixo produzido pelas cidades em todo o mundo. De acordo como o

    Programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA), os governos devem tomar

    medidas urgentes para evitar o que chamou de uma ameaa de crise global de

    resduos, problema esse que traria consequncias catastrficas no s para o meio

    ambiente, mas tambm para a sade das populaes. As cidades geram cerca de

    1,3 bilho de toneladas de resduos slidos, e a quantidade de lixo deve chegar a

    2,2 bilhes de toneladas at 2025, situao essa mais grave nos pases de baixa

    renda, onde muitas vezes o volume de coleta do lixo no alcana sequer a metade

    da quantidade produzida (ONU, 2011).

    O Saneamento nos pases em desenvolvimento e mais pobres, alm de precrios e

    sem infraestrutura adequada, so limitados, e ineficazes, bem como no ofertado a

    toda a populao. A populao mais pobre e da zona rural tem acesso limitado ao

    saneamento, ou mesmo a ausncia desse, o que gera alm de doenas vinculadas

    a falta desse, a degradao do meio ambiente. As polticas destinadas a esse, no

    so devidamente implantadas e implementadas, o que agrava ainda mais as

    condies de sade da populao e o aumento das doenas no transmissveis, o

    que preocupa os organismos internacionais e os governos locais (ONU, 2011).

    A falta de recursos destinados a esse fim, cada vez se tornam escassos, o que

    agrava ainda mais a problemtica. Tem-se atualmente, segundo esse estudo da

  • 28

    PNUMA (2011) que a falta de gua limpa mata 1,8 milho de crianas com menos

    de 5 anos de idade anualmente em todo mundo, o que significa uma morte a cada

    20 segundos. Nos pases em desenvolvimento ou pobres, grande parte do despejo

    de resduos lanada nos rios, sem o menor tratamento, o lixo destinado em

    locais inapropriados, o que causa alm da contaminao do solo a contaminao

    dos lenis freticos, alm da proliferao de animais roedores e peonhentos.

    O esgotamento sanitrio precrio e inferior s necessidades da populao, ficando

    grande parte dele cu aberto, gerando vrias doenas e transtornos sociais.

    Apenas 39% da populao mundial tem acesso a ele. Metade da populao dos

    pases em desenvolvimento tem um banheiro, uma latrina ou um poo sptico de

    uso domstico. Uma grave doena causada pela falta saneamento a diarria, essa

    mata cerca de 2,2 milhes de pessoas em todo o mundo anualmente e mais da

    metade dos leitos de hospital no planeta, so ocupadas por pessoas com doenas

    ligadas gua contaminada e a falta de saneamento (OMS, 2011).

    So claros os sinais de destruio e deteriorao dos ecossistemas, atmosfera em

    crescente contaminao, solo e gua contaminados e poludos, bem como, o

    aquecimento global, do mostras do impacto que as atividades humanas causam no

    ambiente. Atualmente a coexistncia dos efeitos da industrializao e da intensa

    urbanizao, somados aos problemas seculares como a falta de gua tratada, a falta

    de esgoto sanitrio, o destino inadequado do lixo, bem como, o aumento das favelas

    nas cidades, vem configurando grandes riscos sade, advindos de condies

    ambientais adversas. Tais situaes trazem a tona em vrios cenrios internacionais

    e nacionais, discusses com diversos setores da sociedade, sobre como intervir

    nesses processos para assegurar uma melhor qualidade de vida populao, e

    tambm como manter a sustentabilidade do meio ambiente de maneira a assegurar

    sua proteo e garantir a sustentabilidade do homem, principalmente nos pases

    com grande ndice de pobreza extrema que acaba agravando ainda mais essa

    situao (CSILLAG, 2007).

    O Brasil se comparado a outros pases mais desenvolvidos teve uma expanso

    tardia dos servios de saneamento bsico. Nos Estados Unidos o avano do acesso

    ao servio de saneamento se fortaleceu e se intensificou no final da dcada do

    sculo XIX e as duas primeiras dcadas do sculo XX. Em se tratando dos pases

  • 29

    menos desenvolvidos o saneamento teve seu avano apenas no sculo passado, e

    no Brasil, apenas na segunda metade do sculo passado, o que demonstra algo

    bem recente (CUTLER; MILLER, 2005).

    No diferente do contexto mundial, o saneamento bsico no Brasil passou por

    diferentes fases. O Brasil tem sua histria iniciada a partir de sua descoberta, j na

    idade moderna. Os indgenas que habitavam a terra brasileira apresentavam

    segundo os jesutas, tima condio de sade. Porm a partir da chegada do

    colonizador e dos negros, houve uma grande disseminao de inmeras molstias

    contra as quais os nativos no possuam defesas naturais no organismo. Doenas

    como varola, tuberculose e sarampo resultaram em epidemias que frequentemente

    matavam os ndios. Com os colonizadores, suas doenas e forma de cultura, vieram

    as preocupaes sanitrias com a limpeza de ruas e quintais, e com a construo de

    chafarizes em praas pblicas para a distribuio de gua populao, transportada

    em recipientes pelos escravos (CAVINATTO, 1992).

    No perodo colonial a economia brasileira estava toda voltada explorao intensiva

    de recursos naturais e s monoculturas com mo-de-obra escrava, caracterizada por

    sucessivos ciclos mercantis, como o do pau-brasil, do acar, do ouro, da borracha

    e caf. As diferentes regies brasileiras estavam se desenvolvendo diretamente

    associadas a tais ciclos, onde se podia ver maneira clara os efeitos antrpicos sobre

    os ecossistemas e as civilizaes autctones. Sobre a questo sanitria no pas no

    havia aes desenvolvidas pelo governo colonial, voltadas para a questo. O

    abastecimento de gua e evacuao dos dejetos ficava na responsabilidade de cada

    indivduo, a captao da gua para abastecimento individual e das famlias eram

    feitas nos mananciais e, as aes de saneamento, voltadas drenagem com menor

    importncia ao abastecimento de gua (IYDA, 1994).

    A partir do sculo XVIII, muda-se a forma de abastecimento de gua na cidade,

    torna-se pblico e por meio de chafarizes e fontes. A remoo de dejetos e de lixo

    era tratada de forma individualizada pelas famlias. A administrao portuguesa

    exigia que a captao e a distribuio da gua fossem plena responsabilidade de

    cada vila, apesar das atribuies municipais serem mal delimitadas e subordinadas

    centralizao monrquica, o que gerava srios problemas de sade pblica

    (TELLES, 1984; COSTA, 1994).

  • 30

    Segundo Cavinatto (1992) o saneamento no Brasil s comea a ser melhorado e

    implementado com a vinda da famlia Real em 1808. O Brasil foi um dos pioneiros

    no mundo a implantar redes de coleta para o escoamento da gua da chuva.

    Contudo somente no Rio de Janeiro o sistema foi instalado, atendendo apenas a

    rea da cidade onde se instalava a aristocracia. As condies de saneamento eram

    extremamente precrias, no tinha esgotamento sanitrio, mesmo as casas mais

    ricas eram construdas sem sanitrios, tendo que escravos, denominados tigres,

    carregarem potes e barricas cheios de fezes e lanarem nos rios, onde eram

    lavados para serem novamente utilizados. Com o trmino da escravido em 1888,

    no havia mais escravos para realizarem o transporte dos detritos, o que levou as

    autoridades sanitrias a buscarem outras solues para o saneamento no Brasil.

    Cresciam as demandas por infraestrutura urbana tais como habitao,

    abastecimento dgua e eliminao de dejetos, o governo imperial passa a se

    preocupar com as questes sanitrias da cidade, ento cria o cargo de provedor-

    mor de sade da Corte e do Estado do Brasil, para tratar dessas questes. Os

    servios de infraestrutura, gua e esgoto da cidade, tornam-se de concesso

    iniciativa privada. Algumas redes para abastecimento e esgotamento sanitrio, so

    realizadas, porm tornam-se insatisfatrias com a demanda das cidades e cobrem

    apenas os ncleos centrais urbanos, o que atendia a uma pequena parcela da

    populao. Assim, do Imprio a Repblica, vrias iniciativas pelo governo vo se

    instituindo no sentido de melhorar as questes de saneamento nas cidades,

    principalmente no Rio de Janeiro, local onde se encontrava a famlia real, apesar

    disso, esse era insuficiente para toda a demanda da cidade, o que gerava ainda

    grandes problemas sanitrios e de sade na populao (RODRIGUES; ALVES,

    1977; BAER, 1988).

    Houve uma maior flexibilidade nos servios prestados de saneamento no perodo

    1850-1930, quando o Estado, passou a permitir que o servio de saneamento no

    Brasil fosse prestado por firmas concessionrias estrangeiras. As empresas

    internacionais eram responsveis pelo abastecimento de gua e de esgotamento

    sanitrio, bem como, no transporte ferrovirio, pela distribuio de energia eltrica,

    pelos transportes urbanos e demais atividades correlacionadas. Essas empresas

    estrangeiras no apenas controlavam diferentes tecnologias existentes de servios

    pblicos, como tambm proporcionavam recursos para investimentos no aumento da

  • 31

    oferta dos seus servios (INSTITUTO SOCIEDADE, POPULAO E NATUREZA,

    1995).

    Ainda segundo o Instituto Sociedade, Populao e Natureza (1995), com o fim do

    modelo agroexportador no Brasil, e incio do processo de crescimento urbano e

    acelerao industrial no comeo da dcada de 30, exigiu um incremento no setor de

    infraestrutura, incluindo, nesse caso, o saneamento bsico. Com isso, o governo

    Vargas em 1934, promulgou, por meio do Decreto no 24.643, de julho de 1934, o

    Cdigo das guas. Esse dava ao governo a possibilidade de fixar tarifas, iniciando

    assim, uma interveno estatal no setor e no processo de nacionalizao das

    concessionrias estrangeiras. No setor, os investimentos passaram a ser originados

    no oramento governamental, o que fez com que o governo em 1940, criasse o

    Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS) para dar sustentao as

    mudanas oriundas do processo de urbanizao e do crescimento populacional nas

    cidades geradas pelo intenso processo de industrializao desse perodo.

    O saneamento como setor no Brasil no existiu at o final da dcada de 1950, os

    servios ofertados eram insuficientes, precrios, no havendo uma uniformidade de

    distribuio e acesso desses por todos Estados e Municpios. O Estado de So

    Paulo apresentava uma situao de saneamento um pouco melhor, aonde o

    governo estadual desde a dcada de 1930 vinha investindo na construo de novos

    sistemas, que acarretou um atendimento de 57% dos 369 municpios, sendo que

    127 deles j contavam com rede de esgoto (TUROLLA, 2007).

    Mas essa realidade no se aplicava a todos os Estados de maneira uniforme, muitos

    municpios operacionalizavam o saneamento bsico de forma autnoma, obtendo

    melhores resultados, mas outros realizavam a operao do saneamento de forma

    coletiva em conjunto com municpios vizinhos, o que dava resultados bem

    insatisfatrios para a populao, o que gerava problemas sociais e de sade. O

    modelo onde os departamentos estaduais centralizavam o servio desde o

    planejamento, passando pela execuo das obras, indo at a operao dos servios

    de fato, obtiveram xito no saneamento, ao contrrio os que no tiveram todo

    processo sobre sua gesto deixaram a desejar (MENDES, 1992).

    Na dcada de 60 o governo brasileiro transformou o SESP na Fundao Servio

    Especial de Sade Pblica, esse tendo tambm como funo o saneamento. Os

  • 32

    servios de saneamento nesse perodo estavam cada vez mais concentrados nas

    mos do municpio e eram realizados com receitas provenientes da Unio e de

    emprstimos estrangeiros. Mesmo assim, os dados no eram to animadores.

    Apenas 43,4% das residncias brasileiras recebiam gua potvel e 27,6% estava

    conectada a rede de esgoto. Na tentativa de melhorar tal situao em 1962, Joo

    Goulart lanou o Plano Trienal, determinando os planos para o saneamento bsico

    como sendo parte integrante do setor de sade, unindo o Ministrio da Sade e o

    Departamento Nacional de Sade como responsveis pelo programa (MENDES,

    1992).

    Ainda segundo o autor, em 1964, o governo criou o Banco Nacional de Habitao

    (BNH) pela Lei n 4.380, e depois no governo de Castelo Branco o Programa de

    Ao Econmica do Governo (1965), com intervenes que beneficiaram a rea de

    saneamento. Por meio da Lei 5.318, de 26 de setembro de 1967, o governo Costa e

    Silva criou o Conselho Nacional de Saneamento (CONSANE), esse visava planejar,

    coordenar e controlar a poltica de saneamento do pas, mas em funo de sua

    baixa funcionalidade foi encerrado. Nesse mesmo ano, foi criado o Fundo de

    Financiamento para o Saneamento (FISANE), esse reunia recursos do Fundo

    Nacional de Obras de Saneamento e do Fundo Rotativo de guas e Esgotos, tal

    medida visava a melhoria do saneamento bsico do pas, mas tambm no foi

    suficiente para impactar nos problemas gerados pela falta dele, tanto nas questes

    oriundas da sade da populao, quanto no impacto ambiental.

    Pode-se dizer que as principais caractersticas do saneamento no Brasil foram

    estabelecidas mesmo, durante a dcada de 1970, pelo Plano Nacional de

    Saneamento Bsico (PLANASA). Esse veio em funo da necessidade da demanda

    urbana por abastecimento de gua, pelo crescimento populacional acelerado nas

    cidades a partir de meados da dcada de 1960. Por ser esse fundamentado na

    lgica da autosustentao tarifria, observou-se que em reas com maior retorno

    dos investimentos eram privilegiadas, enquanto as reas carentes ficavam excludas

    desse processo de melhoria no saneamento (REZENDE; HELLER, 2002).

    Outra crtica que se faz ao Plano, que tinha como objetivo desenvolver uma

    poltica para o setor, no seu perodo de vigncia (1970-1986), mas nunca conseguiu

    atingir mais que 1% do PIB. Apesar disso, ampliou entre os anos 70 e 80, de 54,4%

  • 33

    para 76% o nmero de domiclios com fornecimento de gua da rede pblica e de

    22,3% para 36% o nmero de domiclios com instalao sanitria de uso exclusivo.

    Esse ampliou sim, o abastecimento de gua domiciliar, mas no ocorreu mesmo

    com o esgotamento sanitrio. Alm disso, a desigualdade de recursos para regies

    foi mais que evidente (COSTA, 1994).

    Ainda segundo o autor, a regio Sudeste em 1984, contava com 44% da populao

    abastecida (61% de recursos destinados), o Nordeste com 29%, receberia apenas

    22% dos recursos. O mesmo ocorreu com a regio Sul que, com 15% da populao

    recebeu apenas 10 % dos investimentos. regio Centro-Oeste, com 7% de

    populao couberam 5% dos recursos, enquanto ao Norte, com 5% de populao,

    restaram apenas 2% do plano no mesmo perodo. No perodo de 1968 a 1984, foi

    para o abastecimento de gua domiciliar 61,2% dos investimentos, enquanto que

    para o esgotamento sanitrio apenas 25,2% dos recursos, restando apenas 13,6%

    para a drenagem urbana.

    O PLANASA se encerrou na dcada de 80, no havendo nenhuma proposta

    significativa que pudesse ser contraposta aos resultados desse plano no

    saneamento. A partir da, as iniciativas governamentais tornaram-se pontuais e

    desarticuladas. Diante dessa crise institucional instalada a partir do fim do

    PLANASA, profissionais e entidades representativas vinculadas ao setor, articularam

    vrios debates junto ao governo federal e seus membros, bem como com a

    sociedade civil, com intuito de criar um novo modelo institucional para o setor, j que

    esse se encontrava em plena decadncia. Em 1988 com a Constituio Federal, que

    estabelecia no Artigo 21 a competncia da Unio para definio de diretrizes gerais

    para o saneamento bsico, e no artigo 23, que todos os nveis de governo devem

    cooperar na implementao de programas de melhoria das condies sanitrias,

    vrias medidas vo surgir com intuito de promover a melhoria da qualidade de vida

    da populao e melhorar o ambiente em que vivem (VARGAS, 2004; TUROLLA,

    2007).

    Com a constituio Federal implantada no pas dando direcionamento quanto ao

    saneamento e os vrios debates institudos, formula-se o projeto de lei 199/93, que

    visava instituir a Poltica Nacional de Saneamento conforme princpios da

    descentralizao, aes integradas (gua, esgoto, lixo e drenagem) e controle

  • 34

    social. A concepo de saneamento bsico se ampliou para o saneamento

    ambiental e incluiu drenagem pluvial e manejo de resduos slidos, alm do controle

    de vetores (VARGAS, 2004; TUROLLA, 2007).

    A Poltica Nacional de Saneamento permaneceu sem regulamentao durante toda

    dcada de 90. Isso se deu, pelo fato do projeto ser aprovado pelo congresso

    Nacional, mas vetado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso em 1994. Como

    alternativa, o presidente por meio das orientaes do Banco Mundial, cria o

    Programa de Modernizao do Setor de Saneamento (PMSS). Nesse momento as

    companhias estaduais vivenciavam intensa crise financeira. As funes de agente

    financeiro central dos sistemas financeiros de habitao e saneamento, acabaram

    indo do BNH Caixa Econmica Federal, e os recursos do FGTS, passaram a ser

    concorridos por outros setores sociais, tais situaes desencadearam uma drstica

    reduo de investimentos no setor, gerando um forte entrave para o avano dos

    servios de saneamento no pas (COSTA,1994; TUROLLA, 2007).

    O PMSS trazia como objetivo, diagnosticar e propor diretrizes para que o setor de

    saneamento no pas pudesse ser modernizado, por meio de seu reordenamento

    jurdico-institucional e aumento de eficincia global para que se alcanasse a

    universalizao do acesso gua e ao esgotamento adequado at 2010. Para isso,

    deveria aumentar o investimento privado no setor, com ampliao de concesses ao

    capital privado e um novo marco regulatrio. Tal Programa encontrava-se em

    consonncia com a agenda do Banco Mundial para o setor, onde era necessria a

    abertura do setor de saneamento a iniciativa privada, em uma regulao mais

    segura para os investidores internacionais ligados ao setor de gua no mundo. Entre

    os anos de 1996 e 2000 a opo pelo governo para o saneamento no pas foi a

    privatizao desses servios (COSTA, 2003; VARGAS, 2004).

    A partir de 2000 aos dias atuais o saneamento vem enfrentando inmeros desafios

    O Brasil precisa avanar no saneamento bsico e na poltica de saneamento, a fim

    de ofertar totalidade da sua populao um servio sanitrio adequado, eficaz e

    moderno. Para reverter o quadro defasado e insuficiente do saneamento no pas, foi

    formulada e implantada em 2007, a Lei n 11.445, onde ficam estabelecidas as

    diretrizes nacionais para o saneamento bsico no pas. Essa determina em seu

  • 35

    artigo 52 a elaborao do Plano Nacional de Saneamento Bsico - PLANSAB

    (INFANTE, 2005; BRASIL, 2007).

    Esse plano contempla 4 itens: o abastecimento de gua potvel, o esgotamento

    sanitrio, a limpeza urbana e manejo de resduos slidos, e a drenagem e manejo

    das guas pluviais urbanas (INFANTE, 2005). Ainda segundo o autor, para ser

    universalizado o acesso ao saneamento bsico a todos os brasileiros at o ano de

    2020, necessrio que haja um investimento anualmente de 0,45% do PIB com o

    crescimento do PIB em 4% ao ano. A ONU traz que esse investimento deveria ser

    de, no mnimo, 1%.

    Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD) de 2002 a 2009,

    evidenciaram o avano do saneamento no Brasil, mas tambm trouxeram vrias

    reflexes a serem feitas quanto a esse saneamento bsico e os desafios que ainda

    tem que serem enfrentados, para que toda a populao tenha o acesso a esse, e

    possam desfrutar da qualidade desse saneamento nos territrios onde vivem, bem

    como a garantia da sustentabilidade do meio ambiente, atualmente to afetado pela

    inadequao do saneamento. As pesquisas de 2002 a 2009 mostraram que 10,7

    milhes de domiclios passam a ter acesso rede de gua com canalizao interna.

    Isso significa que o aceso de gua, em reas urbanas, de 89,3% passou para 92,6%

    dos domiclios. Na zona rural de 18,3% passou para 28,9% dos domiclios. A

    cobertura por rede de esgotos e a utilizao de fossas spticas cresceu de 76,6%

    para 80,4% dos domiclios reas urbanas e, nas rurais, de 17,1% para 26% dos

    domiclios. Ao considerar o total de domiclios que passaram a contar com o servio

    de coleta no perodo, verifica-se a ampliao da cobertura para mais de 11 milhes

    de domiclios em sete anos (IBGE, 2002; 2009).

    A coleta de resduos slidos nas reas urbanas em 2009 chegou a 98,5% das

    residncias no pas, houve ampliao da cobertura para mais de 11 milhes de

    domiclios entre os anos de 2002 a 2009. Ao se tratar da drenagem urbana houve

    aumento de 21,5% no nmero de municpios que passaram a realizar, o equivalente

    a 929 municpios, segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Bsico (PNSB).

    Apesar desses avanos, os dados disponibilizados mostram o quantitativo aumento

    do servio no pas, mas no evidncia a qualidade oferecida (IBGE, 2002; 2008;

    2009).

  • 36

    Vrios autores que vem estudando o impacto do saneamento na sade da

    populao e no meio ambiente, questionam acerca da qualidade desse saneamento

    e no mais somente o quantitativo desse, trazem que dispor de uma ligao rede

    no significa ter acesso regular gua e a gua de boa qualidade. De acordo com

    dados do Sistema Nacional de Informaes sobre Saneamento (SNIS), de 2007,

    foram registradas 45 mil interrupes sistemticas nos sistemas de abastecimento,

    sendo que cada intermitncia ocorrida durou, aproximadamente, sete horas. Outra

    questo trazida pelo SNIS, que no Brasil coletado apenas 43,2% do esgoto

    produzido pela populao, sendo tratado apenas 66% desse esgoto coletado.

    Quanto aos resduos slidos, os vazadouros a cu aberto (lixes) constituram o

    destino final dos resduos slidos em 50,8% dos municpios brasileiros, o que

    evidencia que no basta ofertar mais servio se esse muitas vezes no assegura

    qualidade (IBGE, 2008).

    Quanto a instrumentos reguladores dos servios de saneamento bsico, a PNSB

    2008, investigou os servios de abastecimento de gua, esgotamento sanitrio e

    manejo de guas pluviais. O resultado preocupante, poucas prefeituras no Pas

    lanavam mo desses instrumentos, independente da modalidade. O abastecimento

    de gua foi o servio com maior expresso: 32,5% das cidades brasileiras aplicavam

    algum instrumento de regulao, sendo esta mais efetiva no Centro-sul, onde

    aproximadamente 40% dos municpios regulavam o servio. No que tange ao

    esgotamento sanitrio e ao manejo de guas pluviais, o nmero de prefeituras

    regulando esses servios foram apenas de 18% dos municpios: para o esgotamento

    sanitrio, essa regulao foi mais efetiva na Regio Sudeste (32,9%), enquanto para

    o manejo de guas pluviais, na Regio Sul (30,7%). O Plano Diretor de

    Desenvolvimento Urbano foi o instrumento mais utilizado no manejo de guas

    fluviais (IBGE, 2008).

    Ainda segundo a pesquisa quanto a legislaes municipais para tratar da aprovao

    e da implantao dos servios de saneamento bsico, no abastecimento de gua,

    45% das cidades possuam leis para novos loteamentos. Em relao ao

    esgotamento sanitrio, nos municpios onde o servio ofertado para a populao,

    53% deles aprovaram leis para ordenar o servio nos novos loteamentos. A

    ausncia de legislao foi mais emblemtica nas Regies Norte e Nordeste. Quanto

    ao servio de manejo de guas pluviais, apenas 39% dos municpios com acesso ao

  • 37

    servio possuam legislao. As nicas regies com a presena de leis para essa

    finalidade, que superavam 50% das cidades com legislao, foram Sudeste e Sul.

    Chega-se em 2011, e os dados do IBGE mostram que 71,8% dos municpios no

    possuem uma poltica municipal de saneamento bsico. Esse nmero corresponde a

    3.995 cidades que no respeitam a Lei Nacional de Saneamento Bsico, aprovada

    em 2007. Ainda, 60,5% no tem acompanhamento algum quanto s licenas de

    esgotamento sanitrio, alm da drenagem e manejo de guas pluviais urbanas e do

    abastecimento de gua. Em quase metade das cidades do pas (47,8%), no h

    rgo de fiscalizao da qualidade da gua. No entanto, 4.060 municpios (73%)

    ainda no aprovaram normas neste sentido, para qualquer um dos servios de

    saneamento bsico. Entre as cidades onde h gestores pblicos responsveis por

    aes referentes ao saneamento, 768 (48,9%) definiram metas e estratgias por

    meio de planos municipais devidamente aprovados pelo poder legislativo local. J

    759 municpios (48,4%) utilizavam prestao de servios e/ou realizavam processo

    licitatrio (IBGE, 2011).

    Somados a toda problemtica levantada, 376 cidades no possuem poltica

    municipal de coleta seletiva; 1.070 cidades no tm programa, apesar de

    desenvolverem algum tipo de ao; 184 cidades possuem projeto piloto de coleta

    seletiva em reas restritas e por fim 138 cidades iniciaram programas de coleta

    seletiva, que foram interrompidos posteriormente, o que evidencia a falta de

    continuidade e sistematizao desses, ou mesmo a falta de planejamento adequado

    ou interesse poltico. 3,3% dos municpios possuem projeto piloto de coleta seletiva,

    mas apenas em reas restritas. Assim, 2,5% das cidades chegaram a iniciar

    programas dessa natureza, porm interromperam por motivos no especificados, o

    que refora a lgica da descontinuidade e falta de investimento no setor, nada

    diferente da trajetria desse no pas (IBGE, 2011).

    Ainda segundo o IBGE (2011) o servio de limpeza urbana, se destaca no estudo

    sobre o perfil dos municpios brasileiros a regio sul, com 663 cidades nas quais h

    coleta seletiva, o que representa 55,8% em relao ao resto do pas. Em seguida

    vem regio Sudeste, com 41,5% (693 cidades). Mas isso, no evidencia uma

    homogeneidade no pas e nem to pouco uma igualdade de investimento, as regies

    Norte e Nordeste possuem as maiores propores de municpios sem programas:

  • 38

    62,8% (282) e 62,3% (1.118) respectivamente. De acordo com o IBGE, a coleta

    seletiva mais comum nas grandes cidades: 68,2% (193) dos municpios com mais

    de 100 mil declaram possuir programa em atividade. H muito a ser discutido sobre

    a poltica inerente a rea, e todos os programas e projetos implementados no

    sentido de fortalecer o saneamento no pas, e assegurar a regularidade,

    sistematizao e o acesso universal.

    Segundo o censo do IBGE de 2010 comparado aos dados de 2000, o saneamento

    bsico no Esprito Santo, mostra que a proporo de domiclios cobertos por rede

    geral de esgoto ou fossa sptica, passou de 66,4% para 74% em 10 anos, sendo

    que a mdia em todo o pas foi de 67,1%, no ano anterior. Em relao aos demais

    servios de saneamento, a coleta de lixo aumentou de 77,6% em 2000 para 88,2%

    em 2010, no Estado. Nas reas urbanas, o servio de coleta de lixo dos domiclios

    chegou ao ndice de 98% a mais. Nas reas rurais, o servio se ampliou de 13,9%

    em 2000, para 35,4% em 2010, sendo que a mdia nacional foi de 26,0% (IBGE,

    2010).

    Ainda segundo o censo de 2010, quanto ao destino do lixo houve melhoras em

    2010, principalmente nas reas rurais, contudo, a dificuldade e o alto custo da coleta

    do lixo rural tornam a opo de queim-lo a mais adotada pelos moradores dessas

    regies. Apesar disso, no Esprito Santo essa alternativa diminuiu em torno de 5

    pontos percentuais, passando de 65,6% em 2000 para 60,5% em 2010. A soluo

    de jogar o lixo em terreno baldio, que em 2000 era adotada por moradores de 14,2%

    dos domiclios rurais, reduziu para 1,5 em 2010.

    Como nas demais unidades da federao, as condies do saneamento bsico no

    Estado apesar de terem apresentado grande melhoria em seus indicadores, ainda

    precisa superar grandes desafios para que se torne mais universal e equnime. O

    Programa guas Limpas implantado em 2004, prev a ampliao do abastecimento

    de gua e servios de tratamento de esgoto no Estado a vrios municpios, e com

    esse projeto, espera-se que at 2014, a capital Vitria dever ser a primeira capital

    brasileira com 100% de esgoto tratado, o desafio at ento, a participao popular,

    onde cada morador dever ficar responsvel por estabelecer a ligao da rede de

    esgoto domstico rede de coleta, com intuito de melhorar a qualidade dos recursos

    hdricos e a preservao ambiental do Estado (CESAN, 2011).

  • 39

    3.2 A MUDANA DO MODELO DE ATENO SADE NO

    DECORRER DA HISTRIA: QUEBRANDO PARADIGMAS PARA

    OFERTAR ATENO INTEGRAL, ACESSVEL E RESOLUTIVA

    A relao entre pobreza, doena e vida urbana est na origem dos modelos de

    assistncia, proteo social e da prestao de servios locais (CONILL, 2008).

    At o sculo XIX a forma de representao da ateno a sade, estava de fato,

    representada na doena. No perodo antigo entre os caldeus, hebreus, Assrios,

    Egpcios e outros povos, atribuam a enfermidade um estatuto de causa nica e na

    perspectiva mgico-religiosa. Assim, como afirma Canguilhem (1978):

    Predominava na Antigidade, especialmente entre os assrios, egpcios, caldeus e hebreus, a concepo ontolgica que enfermidade um estatuto de causa nica e de entidade, sempre externa ao ser humano e com existncia prpria - um mal, sendo o doente, o ser humano ao qual essa entidade-malefcio se agregou: o corpo humano tomado com receptculo de um elemento natural ou esprito sobrenatural que, invadindo-o, produz a 'doena'; sem haver qualquer participao ou controle desse organismo no processo de causa (CANGUILHEM, 1978, p.19-23).

    Assim, na antiguidade o tratamento dispensado aos doentes, era ofertado por

    mdicos em suas prprias casas, nas casas dos pacientes ou em locais pblicos,

    sendo alguns tratamentos de sade, realizados em templos destinados a deuses

    relacionados com a doena do paciente. Os sacerdotes utilizavam de banhos, jejuns

    e rituais para promover a cura dos enfermos.

    Durante a Idade Mdia graas difuso do cristianismo, a doena passou a ser

    vinculada ao pecado, ao castigo de Deus, a possesso do demnio, em

    consequncia desta viso, as prticas de cura deixaram de ser realizadas por

    mdicos e passaram a ser atribuio de religiosos. Assim, no lugar de

    recomendaes dietticas, exerccios, chs, repousos e outras medidas teraputicas

    da medicina clssica, foram recomendados rezas, penitncias, invocaes de

    santos, exorcismos, e outros meios para purificao da alma. Como no havia

    muitos recursos para deter o avano das doenas, a interpretao crist oferecia

    conforto espiritual, e morrer equivalia libertao de todos os problemas (ROSEN,

    1994).

  • 40

    Nesse perodo a populao foi assolada por vrias doenas e pestes que tinham

    como principais causas, as viagens martimas, o aumento da populao urbana, os

    conflitos militares, os intensos movimentos migratrios, a misria, a promiscuidade e

    a falta de higiene nos burgos medievais. A aglomerao crescente da populao,

    que trazia hbitos da vida rural, a ausncia de esgotamento sanitrio e as pssimas

    condies de higiene, produzia um quadro de sade pssimo na populao. Nos

    Hospitais medievais se falava das prticas de higiene preconizada na Idade Mdia, e

    das doenas geradas (RESENDE, 1989).

    O hospital que funcionava na Europa desde a Idade Mdia no era, de modo algum,

    um meio de cura, e sim uma instituio para proporcionar salvao, conforme se v

    abaixo com Foucault (1979, pg.101):

    (...) no uma instituio mdica, e a medicina , nesta poca, uma prtica no hospitalar. (...) era uma instituio de assistncia aos pobres. (...) O pobre como pobre tem necessidade de assistncia e, como doente, portador de doena e de possvel contagio, perigoso. (...) O personagem ideal do hospital, at o sculo XVIII, no o doente que preciso curar, mas o pobre que est morrendo. (...) algum a quem se deve dar os ltimos cuidados e o ltimo sacramento. Esta a funo essencial do hospital. (...) o hospital era um morredouro, um lugar onde morrer. E o pessoal hospitalar no era fundamentalmente destinado a realizar a cura do doente, mas a conseguir a prpria salvao.

    Na idade Mdia a medicina permaneceu quase paralisada com relao s

    descobertas cientficas que iam sendo estabelecidas. As escolas de medicina

    surgiram de profissionais independentes que se organizavam para ensinar o oficio

    nas suas prprias casas, e o hospital era local mais de abrigo a mendigos e pobres

    e as populaes de baixa renda, acometidas por diversas doenas relacionadas a

    sujeira, falta de higiene, pestes, condies sanitrias, loucura e pobreza, do que

    efetivamente um lugar de cincia e cura (ROSEN, 1994).

    Na idade moderna, com o incio da Revoluo Industrial, aumentaram os relatos de

    doenas associadas ao ambiente, especialmente as ocupacionais e aquelas

    decorrentes da pobreza, misria e da falta de saneamento bsico das cidades que

    geravam inmeras doenas e mortes. Com a urbanizao desenfreada pela

    revoluo industrial, o adensamento de pessoas em bairros operrios e fbricas,

    bem como uma alimentao inadequada, resultaram em agravamento das

    condies de sade da populao, a um nvel capaz de ameaar at mesmo a

    sobrevivncia biolgica dos grupos sociais menos favorecidos e risco de afetar a

  • 41

    reproduo ampliada da fora de trabalho, mediante a isso, algumas aes de

    sade pblica foram sendo realizadas e de saneamento, com intuito de limpar as

    cidades e melhorar o ambiente onde viviam as populaes urbanas. Quanto a

    populao rural, porm nada se foi feito (CANGUILHEM, 1978; RESENDE, 1989).

    Desnutrio, alcoolismo, doenas mentais e violncia atingiam pesadamente a nova

    classe de trabalhadores urbanos. Doenas conhecidas, como a febre tifide, vrias

    outras novas, como a clera, passaram a ser transmitidas de modo ampliado, para o

    conjunto da populao, pelos precrios sistemas coletivos urbanos de distribuio

    de gua, causando grandes epidemias letais. A sade desse perodo era precria,

    havendo somente intervenes sanitrias pontuais e sem continuidade, direcionadas

    s doenas institudas pelos problemas citados, a ateno a sade era hospitalar e

    voltada para os problemas gerados nas cidades e pela revoluo industrial

    (CANGUILHEM, 1978; RESENDE, 1989).

    Segundo a autora, na idade moderna, perodo da histria que compreende os

    sculos XV at XVIII, ocorreram vrios acontecimentos que mudaram os conceitos

    de sade/doena e lhes proporcionou maior cientificismo. O Iluminismo, o

    Renascimento, a descoberta de continentes e outras grandes mudanas no mundo,

    vo impulsionar a necessidade de se estudar e estabelecer melhor as causas para

    as epidemias e para as doenas que acometiam as populaes.

    Vrias teorias explicativas foram propostas para os problemas de sade/doena, tais

    como: ao estado atmosfrico; a um miasma que se elevava da terra, ou uma origem

    astrolgica para as epidemias; diminutos agentes infecciosos que eram especficos

    de determinadas doenas, que se reproduziam por si s, e eram transmitidos por

    contato direto ou por meio de fmites; teoria miasmtica, que se manteve at a era

    bacteriolgica na metade do sculo XIX. As condies sanitrias ruins, criavam um

    estado atmosfrico que facilitava o aparecimento de doenas infecciosas e surtos

    epidmicos. Assim, foram institudas vrias medidas de urbanizao e combate as

    doenas, como: derrubada de prdios deteriorados; alargamento das ruas;

    destruio dos cortios; suprimento de gua e esgoto; coleta de lixo, dentre outras,

    como forma de combater as ameaas sade, baseadas nessas teorias modernas

    (BARATA, 1985; GUTIERREZ; OBERDIEK, 2001; PEREIRA, 2005).

  • 42

    At esse perodo a patologia em si era o foco de toda ateno, o controle da sua

    evoluo e o retorno ao estado de no doena eram os objetivos de todas as

    atividades e intervenes. A doena era tradicionalmente conceituada como falta

    ou perturbao da sade. A partir da Idade Moderna, a ateno a sade volta-se

    ao corpo fsico, visto de forma individualizada e fragmentada e com o predomnio do

    modelo biomdico, centrado na doena (PEREIRA, 2005).

    Do fim do sculo XVIII ao inicio do sculo XX, j idade contempornea, e com todas

    as mudanas geradas pela Idade Moderna, constituda a medicina social. Essa

    cria as condies de salubridade adequadas nova sociedade e abre espao para

    que a prtica mdica individual viesse gradativamente a ocupar o lugar central nas

    praticas de sade, e a ateno sade vai sendo transformada. No sculo XIX,

    aparece a bacteriologia e a definio de que para cada doena ha um agente

    etiolgico, que poderia ser combatido com produtos qumicos ou vacinas (BARATA,

    1985; GONCALVES, 1994).

    fortalecida a biologia cientifica, aflora a patologia celular, a fisiologia, a

    bacteriologia e o desenvolvimento de pesquisas, a medicina passa, dessa forma, de

    cincia emprica para cincia, tendo sua atuao voltada ao corpo, a doena, na

    busca por um estado biolgico normal, exigindo desta forma alta tecnologia e custos

    elevados. O corpo torna-se fragmentado e dividido em especialidades, com

    perspectivas tericas redutoras que compem o experimental (NORDENFELT,

    2000).

    Com o investimento cientfico chega-se concluso de que as doenas eram

    resultantes de lugares insalubres, das pssimas condies de saneamento, da

    remoo deficiente de lixo e excrees, com superpopulao das habitaes e dos

    processos fabris. Tambm estavam vinculadas com a alimentao inadequada ou

    insuficiente das pessoas, hbitos sedentrios, ausncia de estmulos fsicos e

    mentais, monotonia de muitas profisses e preocupaes e ansiedades da vida, ou

    seja, h uma multicausalidade relacionada ao agente etiolgico, ao hospedeiro e ao

    meio ambiente. O homem passa a ser visto como um ser bio-psico-social (ROSEN,

    1994; SILVA JNIOR, 2006).

    Na Inglaterra autoridades como Chadwick, defendiam a necessidade de aes

    sociais preventivas sobre os problemas gerados pela pobreza e pelas doenas. Na

  • 43

    Alemanha Virchow, Neumann e Leubuscher, colocava que a sade pblica deveria

    promover o desenvolvimento sadio do cidado, a preveno de riscos sade e

    controle de doenas, sendo a sade um direito de cidadania e dever do Estado

    mant-la e promove-la. Nesse perodo a ateno a sade e os sistemas de sade

    eram precrios, baseavam-se no modelo flexineriano, hospitalocntrico e

    medicocntrico, alm dos altos custos e baixa resolutividade (SILVA JUNIOR, 2006).

    As precrias condies econmicas e sanitrias, e os pssimos indicadores de

    sade que apresentavam os pases em desenvolvimento e pobres, bem como as

    grandes iniquidades na sade, trazia a urgncia de se pensar em novas formas de

    ateno a sade e a organizao do sistema de sade, de modo que pudessem

    impactar nessas realidades, e contrapor o modelo flexineriano que era predominante

    na poca. Assim, como forma de se buscar novas perspectivas e melhoria na sade

    de vrios pases e contrapor o modelo flexineriano, algumas iniciativas para

    mudana comeavam a surgir, e com isso, a idia de se ter um modelo de sade

    que pudesse ter os cuidados primrios como foco de sua ateno comeava a tomar

    fora (PEREIRA, 2005).

    Na Alemanha, em 1847 frente a um surto de clera, o mdico e poltico Virchow

    sugere como forma de melhorar essa epidemia e a sade da populao local, a

    reformulao do sistema de sade e a melhoria do sistema de atendimento sade.

    Alm disso, sugere a necessidade de grandes transformaes polticas, econmicas

    e sociais para avano nesse campo, uma vez que os problemas de sade possuam

    natureza multifatorial. Alm disso, traz a reflexo que para que o sistema de sade

    possa dar melhores resultados, deveria somar esforo com outros setores diferentes

    da sade, para promover melhorias na sade da populao e impactar mais no

    ambiente que elas vivem (ROSEN, 1979).

    Na Rssia, em 1864, o projeto Zemstvo, criou assemblias distritais deliberativas,

    responsveis pela construo de uma rede de centros de sade em reas rurais,

    instituiu cargos e organizaes sanitrias nas provncias, e mais tarde o posto de

    mdico sanitrio. Somente treze anos mais tarde vai ser institudo o primeiro Instituto

    de Mdicos Sanitrios (DEBONO; RENAUD, 2000; TRAGAKES; LESSOF, 2003).

  • 44

    Na Inglaterra em 1920, como forma de organizao do seu sistema de sade, por

    meio do relatrio de Dawnson, contrapondo ao modelo americano flexineriano, de

    cunho curativo, traz um novo foco ao sistema de sad