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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO
CENTRO TECNOLGICO
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM ENGENHARIA
DE SADE PBLICA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL
MPESA / UFES
WALLACE DE MEDEIROS CAZELLI
INTERFACES DA ATENO BSICA SADE E O
SANEAMENTO BSICO NO ESTADO DO ESPRITO SANTO
NOS ANOS DE 2001, 2006 E 2011
VITRIA
2013
2
WALLACE DE MEDEIROS CAZELLI
INTERFACES DA ATENO BSICA SADE E O
SANEAMENTO BSICO NO ESTADO DO ESPRITO SANTO
NOS ANOS DE 2001, 2006 E 2011
Dissertao apresentada ao programa de
Mestrado Profissional de Engenharia de Sade
Pblica e Desenvolvimento Sustentvel do
Centro Tecnolgico da Universidade Federal do
Esprito Santo, como requisito parcial para
obteno do Grau de Mestre em Engenharia de
Sade Pblica e Desenvolvimento Sustentvel
no Centro Tecnolgico da Universidade Federal
do Esprito Santo, na rea de concentrao em
Sade Coletiva.
Orientadora: Prof. Ftima Maria Silva
VITRIA
2013
3
WALLACE DE MEDEIROS CAZELLI
INTERFACES DA ATENO BSICA SADE E O
SANEAMENTO BSICO NO ESTADO DO ESPRITO SANTO
NOS ANOS DE 2001, 2006 E 2011
Dissertao apresentada ao programa de Mestrado Profissional de Engenharia de
Sade Pblica e Desenvolvimento Sustentvel do Centro Tecnolgico da Universidade
Federal do Esprito Santo, como requisito parcial para obteno do Grau de Mestre em
Engenharia de Sade Pblica e Desenvolvimento Sustentvel no Centro Tecnolgico da
Universidade Federal do Esprito Santo, na rea de concentrao em Sade Coletiva.
Aprovado em ......... de ....................................... de 2013.
COMISSO EXAMINADORA
__________________________________________________
Prof. Ftima Maria Silva Universidade Federal do Esprito Santo Orientadora
_________________________________________ Prof. Dr. Ricardo Franci Gonalves Universidade Federal do Esprito Santo
_________________________________________ Prof. Dr. Carlos Eduardo Aguilera Campos
Universidade Federal do Rio de Janeiro
4
DEDICATRIA
Como em um filme, minha viso volta no tempo, mais exatamente em 1969, ano de grandes mudanas na experincia humana. Vejo-me em minha casa, na frente de uma caixa mgica, de onde um mundo infinito de informaes se espalhava ao meu redor, com imagens de astronautas na Lua, guerras distantes, ndios gigantes descobertos na selva amaznica desbravada por heris construtores de estradas, tudo isso na trilha sonora dos Beatles, da jovem guarda e os inmeros desenhos importados pelos capites Asa e Furaco. Reproduzia nas brincadeiras, como que para fixar, tudo aquilo que chegava. Nas peladas imaginava os estdios lotados que o rdio falava... Neste ano, fui para uma nova escola, iniciar o 2 ano, primrio nesta poca, e j no incio das aulas percebi algo que at ento no fazia parte da vida: eu no sabia escrever! Mas como? Eu lia tudo o que achava pela frente, e h tanto tempo, que nem sei como aprendi! Ali estava, de frente a uma jovem professora, que logo percebeu a minha diferena para o restante da turma. Mas para minha surpresa, no disse nada para ningum, no brigou comigo e ainda passou a ficar do meu lado quase todo o tempo nas aulas. Fazia-me permanecer na escola um pouco mais todos os dias, e sem que ningum percebesse, nem eu, logo aprendi a escrever... Quero dedicar este trabalho a esta professora, e nela, a todos os professores do mundo, que perseveram diante dos inmeros desafios que encontram pelo caminho, para construir uma humanidade melhor!
5
AGRADECIMENTOS
Agradeo a DEUS, pela oportunidade do tempo.
A minha grande famlia: meus pais, razes profundas que constituram um tronco
forte, que alimentou frteis galhos deram vida a mim e a meus irmos e irms, que
por sua vez geraram muitos e queridos sobrinhos e sobrinhas.
A meus frutos, Karin e Wendy, herdeiras e guardis dessa histria, que vieram por
meio de Katia, esposa, amiga, companheira e parceira de todos os momentos, que
trouxe junto toda a fora de uma famlia forte e obstinada.
A Almerinda, Renate, Ricardo e Joana, companheiros de jornada.
A minha orientadora, Professora Ftima Silva, a quem no tenho como descrever a
importncia neste processo, pela direo dada, pela confiana, incentivo e
pacincia.
Aos professores, que foram tantos, to importantes e queridos, que no podendo
aqui falar de todos, quero agradecer a Prof Rita lima, minha prefeRita e o Prof.
Ricardo Franci Gonalves, incentivadores durante todo o tempo, e por eles
agradecer a dedicao, a competncia e o carinho de todos.
Aos professores que fizeram parte da banca de avaliao, meu muito obrigado: Prof
Ftima Maria Silva; Prof. Ricardo Franci Gonalves; Prof. Carlos Eduardo Aguilera
Campos, indispensveis como orientadores, crticos e amigos. Prof Marluce Aguiar,
que participou de minha qualificao, contribuindo e muito para o resultado final.
Aos colegas de curso, fundamentais para chegar at aqui, em especial a Hudson e
Laila.
Aos amigos e colegas da SESA, que sem a pacincia, o incentivo e a ajuda que me
dispensaram durante este perodo, jamais teria conseguido realizar esta dupla
jornada.
A grande amiga e incentivadora Marina.
6
A Secretaria de Estado da Sade, por meio dos gestores maiores que autorizaram
minha participao neste mestrado, Dr. Jos Tadeu Marino e Dr. Anselmo Tozi, que
acreditaram na contribuio que este assunto traria para a Instituio.
A Universidade Federal do Esprito Santo, que mais uma vez entra na minha histria
de vida.
A todos que contriburam diretamente para este resultado: Camila, Marcinha,
Fabiano, Cida, Solange, Tnia Mara, entre tantos.
Por fim e muito importante: agradeo a todos os cidados brasileiros que com seu
suor e obstinao me permitiram fechar mais um ciclo em uma instituio pblica, e
por isso merecem todo o meu respeito e a minha dedicao para retribuir da melhor
forma possvel ajudando na construo de uma sociedade mais justa!
7
RESUMO
A moderna relao entre a Ateno Primria Sade (APS) e o saneamento bsico
tem sua certido de nascimento lavrada na Declarao de Alma Ata em 1978,
quando a proposta de instituir servios locais de sade centrados nas necessidades
reais da populao trazia como uma de suas aes elementares o tratamento da
gua e o saneamento. Passados 34 anos, a reviso da literatura nos revela que a
relao saneamento e sade foi mais teorizada a de fato conjugada para promover
melhorias nas condies de sade das populaes mundo a fora, da a motivao
deste presente estudo: conhecer suas interfaces, suas associaes e como ela
contribui para a sade da populao nos municpios capixabas.
Para cumprir os objetivos a metodologia utilizada foi a anlise estatstica de uma
varivel dependente dos indicadores de sade e saneamento, sobre dados
secundrios, referentes aos municpios capixabas nos anos de 2001, 2006 e 2011.
Nos ltimos anos as doenas infecciosas e parasitarias causadas pela falta de
saneamento bsico, esto diminuindo nos territrios onde encontramos intervenes
de Ateno Primria Sade, mas so consideradas como bons indicadores no
planejamento dos servios de sade.
Os resultados mostraram forte relao entre Ateno Primria Sade e a oferta de
abastecimento de gua e da coleta de esgoto por rede geral, sobre a varivel taxa
de diarria em crianas menores de 2 anos por 1.000 habitantes, nos anos de 2001,
2006 e 2011 nos municpios capixabas.
A anlise mostra que em reas de atuao de equipes de Agentes Comunitrios de
Sade e da estratgia de Sade da Famlia, bons resultados no controle de diarrias
so apresentados em todos os anos do estudo, sendo potencializados quando
consorciados por maiores ofertas no abastecimento de gua e na coleta de esgoto
por rede geral. Esta complementaridade confirma a necessidade de maiores
investimentos nas aes planejadas e executadas de forma intersetorial pelas
gestes pblicas municipais.
Palavras chaves: ateno primria sade, saneamento bsico, diarria,
abastecimento de gua, coleta de esgoto, associao.
8
ABSTRACT
The modern relationship between the primary health care and the basic sanitation
has his birth certificate recorded in the Declaration of Alma-Ata in 1978, when the
proposal to establish local health services focusing on the real needs of the
population had as one of its elementary actions water treatment and sanitation. After
34 years, the review of the literature reveals that the sanitation and health has been
more theorized the indeed coupled to promote improvements in health conditions of
populations around the world, hence the motivation of this present study: knowing
their interfaces, their associations and how it contributes to the health of the
population in the municipalities of Esprito Santo State.
To fulfill the goals the methodology used was the statistical analysis of a variable
dependent on health and sanitation indicators, on secondary data, concerning
municipalities in Esprito Santo in 2001, 2006 and 2011. In recent years the parasitic
and infectious diseases caused by the lack of basic sanitation, are decreasing in
areas where we find interventions in primary health care, but are considered good
indicators in planning of health services.
The results showed a strong relationship between primary health care and the
provision of water supply and sewage collection for network neneral, over the
variable rate of diarrhea in children younger than 2 years per 1,000 inhabitants, in
2001, 2006 and 2011 in Esprito Santo.
The analysis shows that in areas of operation of teams of community health agents
and the family health strategy, good results in controlling diarrhea are presented in all
years of the study, being enhanced when members for more deals on water supply
and sewage collection network in general. This complementarity confirms the need
for greater investments in the actions planned and performed in order by municipal
public agencies.
Key words: primary health care, basic sanitation, diarrhea, water supply, sewage
collection, association.
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Srie histrica da Ateno Primria Sade no ES 2001 a 2011
(Populao total; N de ACS; % pop. coberta ACS; N equipes Sade da Famlia; %
pop. coberta ESF) .................................................................................................. 144
Tabela 2 Nmero de famlias, nmero de domiclios com abastecimento de gua
por rede geral ou pblica e nmero de domiclios com coleta de esgoto por rede
geral ou pblica cadastrados no SIAB nos anos de 2001, 2006, 2011 no Esprito
Santo .......................................................................................................................152
Tabela 3 Populao e casos de diarria em crianas menores de 2 anos por
municpio nos anos 2001, 2006 e 2011 ................................................................. 154
Tabela 4 Base de dados para anlise estatstica por municpio no ano de 2001
................................................................................................................................. 155
Tabela 5 Base de dados para anlise estatstica por municpio no ano de 2006
................................................................................................................................. 157
Tabela 6 - Base de dados para anlise estatstica por municpio no ano de 2006
................................................................................................................................. 159
Tabela 7 Coeficientes de correlao de Pearson entre as variveis independentes
- Ano 2001 ...............................................................................................................161
Tabela 8 Coeficientes de correlao de Pearson entre as variveis independentes
- Ano 2006 ..............................................................................................................161
Tabela 9 Coeficientes de correlao de Pearson entre as variveis independentes
- Ano 2011 ...............................................................................................................161
Tabela 10 Resultado do modelo de regresso linear 2001 ...............................162
Tabela 11 Resultado do modelo de regresso linear 2006 .............................. 162
Tabela 12 Resultado do modelo de regresso linear 2011 ...............................163
10
Tabela 13 Estatsticas descritivas da Cobertura APS (%), Cobertura de famlias
com abastecimento de gua (%) e Cobertura de famlias com esgoto (%) por grupos
2001 ..................................................................................................................... 163
Tabela 14 Estatsticas descritivas da Taxa de Diarria em crianas menores de 2
anos (por 1.000 habitantes) por grupos 2001 ..................................................... 163
Tabela 15 Estatsticas descritivas da Cobertura APS (%), Cobertura de famlias
com abastecimento de gua (%) e Cobertura de famlias com esgoto (%) por grupos
2006 ..................................................................................................................... 164
Tabela 16 Estatsticas descritivas da Taxa de Diarria em crianas menores de 2
anos (por 1.000 habitantes) por grupos 2006 ..................................................... 164
Tabela 17 Estatsticas descritivas da Cobertura APS (%), Cobertura de famlias
com abastecimento de gua (%) e Cobertura de famlias com esgoto (%) por grupos
2011 ..................................................................................................................... 164
Tabela 18 Resultados do teste t 2011 ............................................................... 165
Tabela 19 Estatsticas descritivas da Taxa de diarria em crianas menores de 2
anos (por 1.000 habitantes) segundo grupos 2011 ............................................. 165
Tabela 20 Comparao de mdias entre as variveis ........................................ 165
Tabela 21 Estatsticas descritivas da Taxa de diarria em crianas menores de 2
anos (por 1.000 habitantes) segundo regies e ano .............................................. 166
Tabela 22 Resultados do teste de normalidade (p-valores) ................................ 166
Tabela 23 Resultados do teste de homogeneidade da varincia .........................166
Tabela 24 Resultados dos testes de Comparao entre as regies ................... 167
Tabela 25 Comparao de mdias de comparaes regionais, seus pontos mdios
e a populao APS nos anos de 2001 e 2011 ....................................................... 167
Tabela 26 Variao percentual de mdias de comparaes regionais, seus pontos
mdios e a populao total nos anos de 2001 e 2011 ........................................... 167
11
LISTA DE SIGLAS
AB Ateno Bsica
ACS - Agente Comunitrio de Sade
AIDS Acquired Immunodeficiency Syndrome
AIS - Aes Integradas em Sade
AMQ - Avaliao para Melhoria da qualidade da Estratgia de Sade da Famlia
APS - Ateno Primria Sade
BNH Banco Nacional de Habitao
CEF - Caixa Econmica Federal
CESAN - Companhia Espiritosantense de Saneamento
CNDSS Comisso Nacional sobre os Determinantes Sociais da Sade
CONASP - Conselho Consultivo de Administrao da Sade Previdenciria
CONASS - Conselho Nacional de Secretrios de Sade
CONSANE - Conselho Nacional de Saneamento
DAB Departamento de Ateno Bsica
DATASUS - Departamento de Informaes e Informtica do SUS
DNOS - Departamento Nacional de Obras de Saneamento
eACS Equipe de Agentes Comunitrios de Sade
EACS Estratgia de Agentes Comunitrios de Sade
eSF Equipe de Sade da Famlia
ESF - Estratgia de Sade da Famlia
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Servio
FISANE - Fundo de Financiamento para o Saneamento
FUNASA - Fundao Nacional de Sade
12
IBE - Instituto Brasileiro de Economia
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IBOPE - Instituto Brasileiro de Opinio Pblica e Estatstica
IEMA Instituto Estadual do Meio Ambiente
IPEA - Instituto de Pesquisas Econmicas Aplicadas
M&A Monitoramento e Avaliao
MS - Ministrio da Sade
NAS - National Academy of Sciences
NOAS - Norma Operacional da Assistncia Sade
NOB - Normas Operacionais Bsicas
ODM - Objetivo de Desenvolvimento do
OMS - Organizao Mundial de Sade
ONU - Organizao das Naes Unidas
OPAS - Organizao Pan-Americana da Sade
PAB - Piso de Ateno bsica
PACS - Programa de Agentes Comunitrios de Sade
PDAPS - Plano Diretor da Ateno Primria sade
PIB - Produto Interno Bruto
PLANASA - Plano Nacional de Saneamento Bsico
PLANSAB - Plano Nacional de Saneamento Bsico
PMAQ - Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da qualidade da ateno
Bsica
PMSS - Programa de Modernizao do Setor de Saneamento
PNAB - Poltica Nacional de Ateno Bsica
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios
13
PNSB - Pesquisa Nacional de Saneamento Bsico
PNUD - Relatrio de Desenvolvimento Humano do Programa das Naes Unidas
para o Desenvolvimento
PPI - Programao Pactuada Integral
PROESF - Programa de Expanso e consolidao da Sade da Famlia
PROVAB - Programa de Valorizao do Profissional da Ateno Bsica
PSE - Programa Sade na Escola
PSF Programa de Sade da Famlia
REQUALI SUS - Programa de Requalificao de Unidades Bsicas de Sade
SESA - Secretaria de Estado da Sade do Estado do Esprito Santo
SESP - Fundao Servio Especial de Sade Pblica,
SIAB - Sistema de Informao da Ateno Bsica
SIM - Sistema de Informao de Mortalidade
SNIS - Sistema Nacional de Informaes sobre Saneamento
SUDS - Sistema Unificado e Descentralizado de Sade
SUS - Sistema nico de Sade
UNICEF - Fundo das Naes Unidas para a Infncia
WWDR4 - Quarto Relatrio Mundial das Naes Unidas sobre o Desenvolvimento de
Recursos Hdricos
14
SUMRIO
1 INTRODUO ...................................................................................................... 16
2 OBJETIVOS .......................................................................................................... 21
2.1 OBJETIVO GERAL ............................................................................................. 21
2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS .............................................................................. 21
3 REVISO DE LITERATURA ................................................................................ 22
3.1 REVISITANDO O SANEAMENTO BSICO NA HISTRIA MUNDIAL,
NACIONAL E ESTADUAL PARA COMPREENDER OS SEUS PROCESSOS NA
ATUALIDADE ........................................................................................................... 22
3.2 A MUDANA DO MODELO DE ATENO SADE NO DECORRER DA
HISTRIA: QUEBRANDO PARADIGMAS PARA OFERTAR ATENO INTEGRAL,
ACESSVEL E RESOLUTIVA .................................................................................. 39
3.3 ESTRATGIA DE SADE DA FAMLIA: UM LUGAR PARA SE PROMOVER A
SADE INTEGRAL, EMPODERAMENTO E PARTICIPAO DA COMUNIDADE. 69
3.4 A INTERFACE DA SADE E DO SANEAMENTO: UM PONTO DE
CONVERGNCIA PARA A PROMOO DA SADE, OU UM N A SER
DESATADO? ............................................................................................................ 82
4 METODOLOGIA ................................................................................................... 91
4.1 DELINEAMENTO DO ESTUDO......................................................................... 91
4.2 LOCAL DO ESTUDO ......................................................................................... 91
4.3 UNIVERSO DA PESQUISA ............................................................................... 92
4.4 PROCEDIMENTOS ........................................................................................... 92
4.4.1 Coleta de Dados ............................................................................................ 93
15
4.4.2 Variveis ......................................................................................................... 94
4.4.3 Tabulao e Tratamento dos Dados ............................................................ 96
4.4.4 Anlise Estatstica ......................................................................................... 98
4.4.5 tica ................................................................................................................ 99
5 RESULTADOS E DISCUSSES......................................................................... 100
6 CONCLUSO ..................................................................................................... 116
7 RECOMENDAES ........................................................................................... 119
8 REFERNCIAS ................................................................................................... 121
APNDICES............................................................................................................ 143
APNDICE A Tabelas gerais .............................................................................. 141
APNDICE B Anlise estatstica ......................................................................... 168
APNDICE C Solicitao de autorizao para pesquisa de banco de dados .... 189
16
1 INTRODUO
A implantao do Sistema nico de Sade (SUS) e o investimento em polticas de
ateno primria vm alterando vrios indicadores de sade, atingindo metas de
cobertura e modificando o perfil de morbimortalidade da populao. Tal constatao
apresenta-se na melhoria das condies de sade da populao brasileira, que nas
ltimas dcadas vem demonstrando aumento expressivo de cobertura, com efeitos
positivos na melhoria da mortalidade infantil e talvez na mortalidade das demais
faixas etrias, alm de reduo de internaes desnecessrias (VICTORA et al.,
2011, p. 92).
Apesar de todo o investimento no setor sade e das melhorias alcanadas e
evidenciadas no dia a dia da sade da populao, nota-se que existem muitos
fatores limitadores desse processo seja no que tange s questes relacionadas
rea da sade, que precisa dar maior resposta s necessidades reais da populao
e, no entanto, vem demonstrando limitaes em suprir essas necessidades, sejam
por outras questes no inerentes a responsabilizao da rea da sade, mas que
afetam diretamente esse processo sade/doena da populao, como as questes
relacionadas ao saneamento bsico dos territrios de sade onde se inserem os
usurios que acessam esses servios, e o buscam, com problemas relacionados a
desestruturao ou ausncia desse.
O saneamento bsico das reas urbanas e rurais tem sido um grande desafio aos
governantes de todos os pases, no sentido de ofertar servios e estruturas
adequadas que possam dar suporte ao crescimento da populao e das cidades, e
com isso, promover ambientes saudveis, que passam a se constituir a partir das
mudanas vindas dessa urbanizao e do crescimento populacional. A maioria dos
problemas sanitrios que afetam a populao mundial hoje est intrinsecamente
relacionada com o meio ambiente deteriorado, pouco preservado e poludo por
diversos poluentes, afetando, solo, ar, gua, e os ambientes nos quais habitam as
populaes rurais e urbanas (BRASIL, 2006).
17
A falta de saneamento bsico tem sido fator disparador de problemas relacionados
sade, e entre as enfermidades relacionadas, podem-se citar as hepatites virais, as
diarrias infecciosas causadas por bactrias, vrus e parasitas, a desnutrio
proteico-calrica, doenas respiratrias, leptospirose, dentre outras. Essas doenas
implicam em um alto custo de ateno mdica e contribui para o aumento da
mortalidade infantil quando comparados aos dos pases desenvolvidos. No Brasil,
as doenas resultantes dessa falta de saneamento, especialmente em reas pobres,
tm agravado esse quadro epidemiolgico, que trazem ao campo da sade,
discusses intersetoriais no sentido de intervir nesse quadro de morbidade e
mortalidade por essas doenas evitveis (GUIMARES; CARVALHO; SILVA, 2007;
BRASIL, 2006).
O Relatrio de Desenvolvimento Humano do Programa das Naes Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) de 2006 apontou como de menor importncia os custos
econmicos do saneamento bsico, pois a proliferao de doenas e a perda de
vidas em razo de doenas de tratamento simples so inaceitveis, recomendando
que as polticas pblicas devam dar prioridade absoluta questo do saneamento.
Alm disso, os indicadores sociodemogrficos e de sade no Brasil divulgado pelo
IBGE, referentes ao ano de 2009, mostraram que existe ainda um excesso de
mortes que afetam principalmente as regies e setores sociais menos favorecidos e
que podem ser evitadas, com o aumento de programas de ateno bsica
preventiva na rea de sade pblica, maior oferta dos servios de sade, e
universalizao dos servios de saneamento bsico (ONU, 2006; 2010; IBGE,
2010).
A utilizao do saneamento como instrumento de promoo da sade pressupe
que haja a superao dos entraves tecnolgicos, polticos e gerenciais, que dificulta
extenso dos benefcios a parte da populao residente em reas rurais,
municpios e localidades de pequeno porte, e regies perifricas. O conceito de
Promoo de Sade proposto pela Organizao Mundial de Sade (OMS) desde a
Conferncia de Ottawa, em 1986, foi visto como o princpio orientador das aes de
sade em todo o mundo, e como parte fundamental dessa sade, esto as
condies ambientais e o saneamento bsico (BRASIL, 2006).
18
Ao analisar dados oriundos das reas de implantao da Estratgia de Sade da
Famlia relacionados aos aspectos socioeconmicos dos usurios cadastrados no
territrio de sade, percebe-se a grande variedade de dados sanitrios em cada
regio de sade, e esses muitas vezes, no muito favorveis ao desenvolvimento
das aes de ateno primria sade nessa populao local, porm no havendo
dados que reflitam essa relao. Esse fato desperta o interesse em compreender
melhor o contexto da Ateno Primria Sade (APS) por meio da atuao dos
Agentes Comunitrios de Sade e da Estratgia de Sade da Famlia (ESF) no que
diz respeito ao saneamento bsico das reas de implantao dessa, e a relao
entre elas.
A Estratgia de Sade da Famlia vem sendo uma proposta de um novo paradigma
na ateno sade, com diretrizes que criam uma nova forma de produzir as aes
e servios de sade, devendo nos territrios adstritos, produzir aes de sade
amplas e abrangentes para a realizao de aes de preveno, promoo e
reabilitao, bem como, na produo de ambientes saudveis e protegidos,
mobilizando a comunidade nesse sentido e em prol da melhoria de sua qualidade de
vida (ESCOREL et al., 2007; SOUZA et al., 2008). Mediante a isso, torna-se
relevante compreender as diferentes realidades oriundas dos territrios de Sade
das ESF no que tange as aes de sade local, principalmente as doenas que
podem ser evitadas com aes de educao e sade e interveno intersetorial.
No Brasil, a Estratgia de Sade da Famlia (ESF) a principal estratgia de
implementao e organizao da Ateno Primria Sade (BRASIL, 2004;
CONILL, 2008; STRALEN et al., 2008), e vem sendo implantada em todo o pas,
como um modelo de reordenao da ateno sade conforme os princpios do
SUS, priorizando aes de promoo, proteo e recuperao da sade de
indivduos, famlias e comunidade, de forma contnua e integral.
A ESF, ao longo dos ltimos anos, tem colaborado de forma significativa para a
melhoria dos indicadores de sade no pas, e na mudana de hbitos e
comportamentos da populao onde se encontra inserida (MACINKO; GUANAIS;
SOUZA, 2006; FACCHINI, 2006; RONCALLI; LIMA, 2006).
Assim, justifica-se esse estudo que busca associar o impacto que traz o
saneamento bsico sade da populao e ao meio ambiente, principalmente nas
19
reas de implantao de equipes APS, pois essas, apesar de serem vistas como
pontos estratgicos e prioritrios nos avanos e melhoria da sade da populao por
ela assistida, e pelas evidncias trazidas por vrias pesquisas nacionais, e pelo
prprio Ministrio da Sade (MS), apresentam desafios que precisam ser superados
para que de fato a populao tenha uma sade integral, acessvel e de qualidade,
principalmente nas aes de promoo da sade e dos ambientes saudveis onde
se inserem os usurios do Sistema nico de Sade (SUS).
Conhecer a realidade dos municpios no que tange ao saneamento e a sade de sua
populao adstrita a equipes de sade APS de suma importncia, pois alm dessa
se propor a desempenhar papel de porta de entrada preferencial do sistema de
sade local, tambm assume o compromisso de construir com os usurios, vnculo
permanente, integralidade do cuidado, e tambm mobilizao desses no sentido de
melhorar a sua qualidade de vida e do local onde habitam.
Segundo o Ministrio da Sade, as ESF devem conhecer o que ocorre em sua rea
de abrangncia, e com essas informaes poder construir planejamentos, elaborar
estratgias e realizar intervenes que possam impactar na sade da populao.
Com o resultado deste estudo, acredita-se que a gesto, municipal e estadual,
possa ter nas mos importantes dados e subsdios de sua realidade local no que
tange ao saneamento e doenas vinculados a esse, justificando aes e estratgias
de projetos de captao de financiamentos para o desenvolvimento de sua rede de
saneamento bsico para, de fato, impactar na realidade de sade local da
populao, fortalecendo os processos de trabalho dos profissionais que acolhem
esses usurios diariamente nos servios de sade.
Esta investigao tambm poder dar maior visibilidade as Equipes de Sade da
Famlia, a realidade de seu territrio no que tange ao saneamento e as doenas
oriundas da desestruturao desse, e com isso, motivar a construo de estratgias
de enfrentamento local em conjunto com os usurios do territrio, com a finalidade
de melhorar as condies de sade local e do ambiente, bem como sensibilizar
gestores e profissionais no sentido de melhor alimentar os dados de sade e
epidemiolgicos relacionados a essa questo, que podero dar subsdio a essa
equipe para as suas aes e enfrentamentos.
20
Desse modo, deseja-se compreender por meio desse estudo, essa lacuna
saneamento bsico e sade da populao, e desse modo, contribuir para a
melhoria desse processo.
Nesse contexto, essa dissertao pretende verificar qual a relao entre o
saneamento bsico e a APS. Em funo disso, emergem as seguintes questes
norteadoras:
- Como est o saneamento bsico nos municpios com APS organizada por ACS e
ESF?
- Como est a qualidade da APS dos municpios do ES, no que tange as aes
direcionadas ao saneamento bsico?
- Como est a relao da APS organizada pela ESF e as doenas vinculadas ao
saneamento?
21
2 OBJETIVOS
2.1 OBJETIVO GERAL
Esta dissertao tem como objetivo geral, analisar a relao da Ateno Primria
Sade e o saneamento bsico, por meio do indicador de sade diarria em crianas
menores de 02 (dois) anos, nos municpios com Ateno Primria Sade
organizada do Estado do Esprito Santo nos anos de 2001, 2006 e 2011.
2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS
Caracterizar a implantao da Ateno Primria Sade organizada por equipes de
Agentes Comunitrios de Sade e Estratgia de Sade da Famlia nos municpios
do Estado do Esprito Santo;
Caracterizar a situao do saneamento bsico nos municpios com Ateno Primria
Sade organizada por equipes de Agentes Comunitrios de Sade e Estratgia de
Sade da Famlia no Estado do Esprito Santo;
Caracterizar a situao da taxa de diarria em crianas menores de 02(dois) anos
nos municpios com Ateno Primria Sade organizada por equipes de Agentes
Comunitrios de Sade e Estratgia de Sade da Famlia no Estado do Esprito
Santo.
Analisar as interfaces entre Ateno Primria Sade e o saneamento bsico.
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3 REVISO DE LITERATURA
3.1 REVISITANDO O SANEAMENTO BSICO NA HISTRIA
MUNDIAL, NACIONAL E ESTADUAL PARA COMPREENDER OS
SEUS PROCESSOS NA ATUALIDADE
No decorrer da histria as preocupaes com a gua e o saneamento das cidades
estiveram presentes nas diferentes civilizaes e perodos da histria da
humanidade. Desde o incio da histria das civilizaes, o domnio da gua e a
sobrevivncia das populaes j eram buscados, seja com o desenvolvimento de
tcnicas, como a irrigao, canalizaes exteriores ou subterrneas, construo de
diques, dentre tantas outras, que pudessem subsidiar a sobrevivncia das
populaes, seja com obras relacionadas ao saneamento (DECROSSE, 1990;
SILVA, 1998).
Na Antiguidade, os fenmenos naturais continham grande contedo simblico por
meio de mitos e rituais, e a gua, essencial a vida, era tida como elemento
sacralizado, sendo motivo de devoo por vrias culturas e povos. Fundamental
sobrevivncia da vida humana, as civilizaes antigas como a Mesopotmia e Egito,
buscaram superar os desafios que o meio natural impunha no acesso a gua, e
passaram a erguer em seus imprios grandes obras hidrulicas em suas bacias
hidrogrficas, bem como obras de saneamento (SILVA, 1998).
Vrias experincias em outros povos podem ser citadas na busca da garantia de
sobrevivncia das suas populaes em manter condies sanitrias mnimas nas
cidades. Em Nippur, na ndia, por volta de 3750 a.C, foram construdas galerias de
esgotos para escoarem os efluentes da cidade; no vale do Indo, muitas ruas e
passagens possuam canais de esgoto cobertos por tijolos e com aberturas para
facilitar a inspeo, bem como, casas com banheiras e privadas, que lanavam seus
dejetos nos canais construdos. Os egpcios em 2000 a.C faziam a clarificao da
gua por meio do sulfato de alumnio; no palcio do fara Quops havia tubos de
cobre para levar os efluentes at os canais e rios (AZEVEDO NETTO, 1959).
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Segundo Netto (1959) da Grcia Antiga a Roma, houve maior sofisticao das obras
relacionadas s questes hidrulicas e transporte hdrico, sendo construdos
aquedutos elaborados, que podiam levar gua as cidades, facilitando a vida das
populaes que l viviam. Os gregos possuam grandes preocupaes sanitrias
relacionadas o suprimento de gua e a eliminao dos esgotos. Nas construes
das partes mais altas das cidades, coletava-se a gua pluvial em cisternas, que
partiam por canalizaes transportando a gua at as regies mais baixas. O grau
de sofisticao do sistema grego pode ser demonstrado por meio dos relatos das
descargas em vasos sanitrios encontrado em Atenas. Os romanos construram
importantes obras hidrulicas, banheiros pblicos e termas, quanto ao esgoto, eram
transportados por canalizaes, evitando o lanamento de guas servidas nas ruas,
o que evitou uma srie de doenas e epidemias (LIEBMANN, 1979).
No apogeu do Imprio Romano, houve abundncia de gua transportada por
adutoras e distribuda em fontes pblicas e nas casas de banho. Roma foi
abastecida nesse perodo por um sistema de onze aquedutos, com uma distribuio
diria de gua de cerca de 1000 litros por habitante, o que excedia o necessrio
para o consumo humano da poca. Mas apesar desta preocupao com relao
distribuio e quantidade de gua, comeou haver um declnio durante a poca
medieval, juntamente com as condies sanitrias, o que facilitou o avano das
epidemias (COSTA, 1994).
Na Idade Mdia as cidades que investiram em construes hidrulicas, instalao de
moinhos e no transporte hdrico, apresentaram grande desenvolvimento econmico,
porm, ao se comparar ao desenvolvimento das cidades medievais, com algumas
da Antiguidade, houve um grande retrocesso sanitrio, o que gerou vrias epidemias
e graves consequncias para a sade das populaes, causadas pela poluio dos
rios pelos dejetos oriundos da populao e a falta de limpeza das cidades
(DECROSSE, 1990; SILVA, 1998).
Assim, at o final do sculo XIV, vrios decretos relacionados limpeza pblica e ao
abastecimento de gua, foram se instituindo e sendo disseminados pela Europa,
com intuito de amenizar os problemas gerados pela falta de higiene nas cidades e
pelos problemas gerados por essa falta de higiene e cuidado com o ambiente onde
as pessoas viviam. No existia na idade mdia nas cidades da Europa, ruas,
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caladas, iluminao pblica, coleta de lixo, canalizao e distribuio de gua,
esgotamento sanitrio e outros (EIGENHEER, 2003).
Na Idade Moderna no muito diferente da idade mdia, o saneamento bsico das
cidades ainda era muito precrio, e as condies de higiene deixavam a desejar. Tal
fato se agravou com a Revoluo Industrial, onde o a populao dos campos
migraram para a cidade para trabalharem nas indstrias, sobrecarregando as
cidades, gerando grandes problemas sanitrios, devido a falta de infraestrutura
dessas cidades, falta de higiene individual e coletiva da populao, pssimas
condies de trabalho, baixos salrios, o que aumentava a favelizao das cidades,
a formao de ambientes de moradia insalubres e com pssimas condies de
higiene, causando alm de muitos problemas de sade, disseminao de pestes a
destruio do meio ambiente (RIBEIRO; ROOKE, 2010).
Segundo Cavinatto (1992) na Inglaterra, Frana, Blgica e Alemanha, os servios de
saneamento bsico eram precrios e no acompanhava o crescimento da cidade,
no havia suprimento de gua limpa e limpeza das ruas, o lixo, as fezes e os detritos
eram atirados nas ruas, ou depositados em recipientes para serem transferidos para
reservatrios pblicos uma vez por ms, o que gerava a proliferao de animais,
atrados pela sujeira e transmissores de vrias doenas, mau cheiro, contaminao
do solo e locais, bem como a proliferao de doenas como a clera, febre tifide,
transmitidas por gua contaminada e ambientes contaminados e com falta de
higiene.
Com intuito de melhorar as condies sanitrias e higinicas das cidades
generalizou-se a pavimentao das ruas, a coleta do lixo e dejetos, a elaborao de
normas sanitrias que a populao deveria seguir, e principalmente a construo de
canais de drenagem, porm sem muito xito. O aumento do sistema de drenagem
por carreamento de gua, ao invs de favorecer as condies sanitrias, agravou
ainda mais a situao, as fossas raramente eram limpas, o contedo dessas fossas
infiltravam no solo e contaminavam poos e solos, bem como a gua dos rios que
abasteciam as cidades, os rios muitas vezes se tornavam esgoto a cu aberto, o que
gerava alm do mal cheiro grandes problemas de sade populao (CAVINATO,
1992; RIBEIRO; ROOKE, 2010).
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Em funo dos inmeros problemas gerados nas cidades pela falta de saneamento
e do suprimento de gua irregulares, que no acompanhou o crescimento urbano
desencadeado pela migrao das pessoas da zona rural para a urbana, o aumento
das doenas e mortes geradas por esse processo, bem como, da destruio do
ambiente em funo da intensa industrializao, as autoridades sanitrias das
cidades comearam a se preocupar em melhorar as condies de vida da
populao, evitando com isso grandes prejuzos na indstria e economia local
(CAVINATTO, 1992).
A partir do sculo XIX, as condies de vida urbana em muitas cidades comearam
a melhorar. H maior investimento no saneamento pblico dessas cidades, maior
investimento por parte do governo em pesquisas e na rea mdica, com intuito de
melhorar as epidemias e pestes. A descoberta de Pasteur sobre os organismos
patognicos e as doenas, bem como a de outros cientistas, trouxe grandes
investimentos nas questes de sade e higiene. As autoridades viram a direta
relao das doenas com a sujeira das cidades e das moradias, bem como da falta
de higiene da populao, o que levou a tomada de uma srie de decises. Como
decises importantes podem-se citar: a reforma radical no sistema sanitrio das
cidades separando rigorosamente a gua potvel da gua a ser servida, a
substituio do esgotamento aberto por encanamentos subterrneos construdos
com manilhas de cermica cozida, a coleta de lixo urbano e outros (CAVINATTO,
1992; GUIMARES; CARVALHO; SILVA, 2007).
Com o incio da Revoluo Francesa e o incio da Idade contempornea, deu-se
incio a um intenso processo de preocupao com a sade da populao, em funo
de todas as mudanas vindas da idade moderna (expanso do mercantilismo,
expanso martima, renascimento cientfico, iluminismo, revoluo industrial,
revoluo americana e outros). Da idade moderna a contempornea muita coisa
mudou nas questes de saneamento. Nos pases capitalistas, os problemas de
sade foram tidos como prioritrios o que promoveu um aumento da expectativa de
vida da populao e das taxas de natalidade, declinando as taxas de mortalidade
(GUIMARES; CARVALHO; SILVA, 2007).
A evoluo tecnolgica e a industrializao nos pases capitalistas possibilitaram a
execuo em larga escala de sistemas de abastecimento de gua e de esgotamento
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sanitrio, e a necessidade de se pensar em um saneamento que contemplasse
vrios aspectos. Tal preocupao foi mais intensa nos pases capitalistas ricos, nos
pases capitalistas pobres o investimento no saneamento bsico no atingiu os
nveis mnimos necessrios a assegurar uma sade adequada e condies de
infraestrutura que garantissem: coleta de lixo com destino adequado;
descontaminao do ambiente, solo, lenis freticos e bacias hidrogrficas; destino
adequado dos dejetos e poluentes; gua tratada e limpa para toda populao,
esgotamento sanitrio, e diminuio das doenas relacionadas ao saneamento
(GUIMARES; CARVALHO; SILVA, 2007; BRASIL, 2006).
Assim, chega-se ao sculo XXI com esse grande desafio, o de proporcionar
saneamento bsico a toda populao mundial, seja nos pases desenvolvidos ou em
desenvolvimento, bem como, elaborar e fortalecer polticas pblicas relacionadas ao
saneamento bsico, de forma a garantir condies necessrias qualidade de vida
das suas populaes. O panorama mundial no muito animador, segundo o quarto
Relatrio Mundial das Naes Unidas sobre o Desenvolvimento de Recursos
Hdricos (WWDR4), cerca de um bilho de pessoas no tm acesso a fontes
tratadas de gua potvel, h cerca de 2,6 bilhes de pessoas que no dispem de
servios de saneamento de qualidade (UNESCO, 2012).
O mundo est longe de alcanar a meta Objetivo de Desenvolvimento do Milnio
(ODM) para o saneamento, e improvvel que venha a consegui-lo at 2015. S 63
por cento da populao mundial tm agora acesso a saneamento melhorado, um
nmero que se estima poder aumentar apenas para 67 por cento at 2015, muito
abaixo dos 75 por cento almejados pelos ODM. Aproximadamente 1,3 bilho de
pessoas, cerca de 64%, vivem em zonas urbanas com saneamento, apesar de
receberem mais servios do que nas zonas rurais, se esforam em manter a
qualidade do tratamento de gua e saneamento diante do crescimento da sua
populao. Em toda a Terra ainda h mais de mil milhes de pessoas que praticam
defecao ao ar livre, o que tem impacto sobre o crescimento e o desenvolvimento
humano, incluindo o desenvolvimento econmico, a sade, a educao e a
igualdade dos gneros (OMS, 2012; UNESCO, 2012).
Ainda como desafios a serem superados, os fluxos de ajuda global que so
destinados para a gua e o saneamento, tiveram queda de 9%, da ajuda total
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atribuveis ao setor em 1997 para 6% em 2010. Os recursos no so destinados as
populaes ou pases mais necessitados, como fato, podemos citar que somente
metade da ajuda ao desenvolvimento para o saneamento e a gua potvel, visa a
frica ao Sul do Saara, o Sul da sia e o Sudeste asitico, onde vivem 70% das
pessoas sem servios a nvel global (WATERAID, 2012; OMS, 2012).
Mediante as evidencias de que no mundo o saneamento bsico das naes, esta
abaixo do que necessrio para a qualidade de vida das populaes e as
consequncias na sade so cada vez mais graves e crescentes, gerando o
aumento da mortalidade nas populaes vulnerveis, a Assemblia das Naes
Unidas em 28 de Julho de 2010, pela Resoluo A/RES/64/292 declarou a gua
limpa e segura e o saneamento um direito humano essencial para gozar plenamente
a vida e todos os outros direitos humanos (ONU, 2010).
A Organizao das Naes Unidas (ONU) chama ateno atualmente sobre a
quantidade do lixo produzido pelas cidades em todo o mundo. De acordo como o
Programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA), os governos devem tomar
medidas urgentes para evitar o que chamou de uma ameaa de crise global de
resduos, problema esse que traria consequncias catastrficas no s para o meio
ambiente, mas tambm para a sade das populaes. As cidades geram cerca de
1,3 bilho de toneladas de resduos slidos, e a quantidade de lixo deve chegar a
2,2 bilhes de toneladas at 2025, situao essa mais grave nos pases de baixa
renda, onde muitas vezes o volume de coleta do lixo no alcana sequer a metade
da quantidade produzida (ONU, 2011).
O Saneamento nos pases em desenvolvimento e mais pobres, alm de precrios e
sem infraestrutura adequada, so limitados, e ineficazes, bem como no ofertado a
toda a populao. A populao mais pobre e da zona rural tem acesso limitado ao
saneamento, ou mesmo a ausncia desse, o que gera alm de doenas vinculadas
a falta desse, a degradao do meio ambiente. As polticas destinadas a esse, no
so devidamente implantadas e implementadas, o que agrava ainda mais as
condies de sade da populao e o aumento das doenas no transmissveis, o
que preocupa os organismos internacionais e os governos locais (ONU, 2011).
A falta de recursos destinados a esse fim, cada vez se tornam escassos, o que
agrava ainda mais a problemtica. Tem-se atualmente, segundo esse estudo da
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PNUMA (2011) que a falta de gua limpa mata 1,8 milho de crianas com menos
de 5 anos de idade anualmente em todo mundo, o que significa uma morte a cada
20 segundos. Nos pases em desenvolvimento ou pobres, grande parte do despejo
de resduos lanada nos rios, sem o menor tratamento, o lixo destinado em
locais inapropriados, o que causa alm da contaminao do solo a contaminao
dos lenis freticos, alm da proliferao de animais roedores e peonhentos.
O esgotamento sanitrio precrio e inferior s necessidades da populao, ficando
grande parte dele cu aberto, gerando vrias doenas e transtornos sociais.
Apenas 39% da populao mundial tem acesso a ele. Metade da populao dos
pases em desenvolvimento tem um banheiro, uma latrina ou um poo sptico de
uso domstico. Uma grave doena causada pela falta saneamento a diarria, essa
mata cerca de 2,2 milhes de pessoas em todo o mundo anualmente e mais da
metade dos leitos de hospital no planeta, so ocupadas por pessoas com doenas
ligadas gua contaminada e a falta de saneamento (OMS, 2011).
So claros os sinais de destruio e deteriorao dos ecossistemas, atmosfera em
crescente contaminao, solo e gua contaminados e poludos, bem como, o
aquecimento global, do mostras do impacto que as atividades humanas causam no
ambiente. Atualmente a coexistncia dos efeitos da industrializao e da intensa
urbanizao, somados aos problemas seculares como a falta de gua tratada, a falta
de esgoto sanitrio, o destino inadequado do lixo, bem como, o aumento das favelas
nas cidades, vem configurando grandes riscos sade, advindos de condies
ambientais adversas. Tais situaes trazem a tona em vrios cenrios internacionais
e nacionais, discusses com diversos setores da sociedade, sobre como intervir
nesses processos para assegurar uma melhor qualidade de vida populao, e
tambm como manter a sustentabilidade do meio ambiente de maneira a assegurar
sua proteo e garantir a sustentabilidade do homem, principalmente nos pases
com grande ndice de pobreza extrema que acaba agravando ainda mais essa
situao (CSILLAG, 2007).
O Brasil se comparado a outros pases mais desenvolvidos teve uma expanso
tardia dos servios de saneamento bsico. Nos Estados Unidos o avano do acesso
ao servio de saneamento se fortaleceu e se intensificou no final da dcada do
sculo XIX e as duas primeiras dcadas do sculo XX. Em se tratando dos pases
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menos desenvolvidos o saneamento teve seu avano apenas no sculo passado, e
no Brasil, apenas na segunda metade do sculo passado, o que demonstra algo
bem recente (CUTLER; MILLER, 2005).
No diferente do contexto mundial, o saneamento bsico no Brasil passou por
diferentes fases. O Brasil tem sua histria iniciada a partir de sua descoberta, j na
idade moderna. Os indgenas que habitavam a terra brasileira apresentavam
segundo os jesutas, tima condio de sade. Porm a partir da chegada do
colonizador e dos negros, houve uma grande disseminao de inmeras molstias
contra as quais os nativos no possuam defesas naturais no organismo. Doenas
como varola, tuberculose e sarampo resultaram em epidemias que frequentemente
matavam os ndios. Com os colonizadores, suas doenas e forma de cultura, vieram
as preocupaes sanitrias com a limpeza de ruas e quintais, e com a construo de
chafarizes em praas pblicas para a distribuio de gua populao, transportada
em recipientes pelos escravos (CAVINATTO, 1992).
No perodo colonial a economia brasileira estava toda voltada explorao intensiva
de recursos naturais e s monoculturas com mo-de-obra escrava, caracterizada por
sucessivos ciclos mercantis, como o do pau-brasil, do acar, do ouro, da borracha
e caf. As diferentes regies brasileiras estavam se desenvolvendo diretamente
associadas a tais ciclos, onde se podia ver maneira clara os efeitos antrpicos sobre
os ecossistemas e as civilizaes autctones. Sobre a questo sanitria no pas no
havia aes desenvolvidas pelo governo colonial, voltadas para a questo. O
abastecimento de gua e evacuao dos dejetos ficava na responsabilidade de cada
indivduo, a captao da gua para abastecimento individual e das famlias eram
feitas nos mananciais e, as aes de saneamento, voltadas drenagem com menor
importncia ao abastecimento de gua (IYDA, 1994).
A partir do sculo XVIII, muda-se a forma de abastecimento de gua na cidade,
torna-se pblico e por meio de chafarizes e fontes. A remoo de dejetos e de lixo
era tratada de forma individualizada pelas famlias. A administrao portuguesa
exigia que a captao e a distribuio da gua fossem plena responsabilidade de
cada vila, apesar das atribuies municipais serem mal delimitadas e subordinadas
centralizao monrquica, o que gerava srios problemas de sade pblica
(TELLES, 1984; COSTA, 1994).
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Segundo Cavinatto (1992) o saneamento no Brasil s comea a ser melhorado e
implementado com a vinda da famlia Real em 1808. O Brasil foi um dos pioneiros
no mundo a implantar redes de coleta para o escoamento da gua da chuva.
Contudo somente no Rio de Janeiro o sistema foi instalado, atendendo apenas a
rea da cidade onde se instalava a aristocracia. As condies de saneamento eram
extremamente precrias, no tinha esgotamento sanitrio, mesmo as casas mais
ricas eram construdas sem sanitrios, tendo que escravos, denominados tigres,
carregarem potes e barricas cheios de fezes e lanarem nos rios, onde eram
lavados para serem novamente utilizados. Com o trmino da escravido em 1888,
no havia mais escravos para realizarem o transporte dos detritos, o que levou as
autoridades sanitrias a buscarem outras solues para o saneamento no Brasil.
Cresciam as demandas por infraestrutura urbana tais como habitao,
abastecimento dgua e eliminao de dejetos, o governo imperial passa a se
preocupar com as questes sanitrias da cidade, ento cria o cargo de provedor-
mor de sade da Corte e do Estado do Brasil, para tratar dessas questes. Os
servios de infraestrutura, gua e esgoto da cidade, tornam-se de concesso
iniciativa privada. Algumas redes para abastecimento e esgotamento sanitrio, so
realizadas, porm tornam-se insatisfatrias com a demanda das cidades e cobrem
apenas os ncleos centrais urbanos, o que atendia a uma pequena parcela da
populao. Assim, do Imprio a Repblica, vrias iniciativas pelo governo vo se
instituindo no sentido de melhorar as questes de saneamento nas cidades,
principalmente no Rio de Janeiro, local onde se encontrava a famlia real, apesar
disso, esse era insuficiente para toda a demanda da cidade, o que gerava ainda
grandes problemas sanitrios e de sade na populao (RODRIGUES; ALVES,
1977; BAER, 1988).
Houve uma maior flexibilidade nos servios prestados de saneamento no perodo
1850-1930, quando o Estado, passou a permitir que o servio de saneamento no
Brasil fosse prestado por firmas concessionrias estrangeiras. As empresas
internacionais eram responsveis pelo abastecimento de gua e de esgotamento
sanitrio, bem como, no transporte ferrovirio, pela distribuio de energia eltrica,
pelos transportes urbanos e demais atividades correlacionadas. Essas empresas
estrangeiras no apenas controlavam diferentes tecnologias existentes de servios
pblicos, como tambm proporcionavam recursos para investimentos no aumento da
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oferta dos seus servios (INSTITUTO SOCIEDADE, POPULAO E NATUREZA,
1995).
Ainda segundo o Instituto Sociedade, Populao e Natureza (1995), com o fim do
modelo agroexportador no Brasil, e incio do processo de crescimento urbano e
acelerao industrial no comeo da dcada de 30, exigiu um incremento no setor de
infraestrutura, incluindo, nesse caso, o saneamento bsico. Com isso, o governo
Vargas em 1934, promulgou, por meio do Decreto no 24.643, de julho de 1934, o
Cdigo das guas. Esse dava ao governo a possibilidade de fixar tarifas, iniciando
assim, uma interveno estatal no setor e no processo de nacionalizao das
concessionrias estrangeiras. No setor, os investimentos passaram a ser originados
no oramento governamental, o que fez com que o governo em 1940, criasse o
Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS) para dar sustentao as
mudanas oriundas do processo de urbanizao e do crescimento populacional nas
cidades geradas pelo intenso processo de industrializao desse perodo.
O saneamento como setor no Brasil no existiu at o final da dcada de 1950, os
servios ofertados eram insuficientes, precrios, no havendo uma uniformidade de
distribuio e acesso desses por todos Estados e Municpios. O Estado de So
Paulo apresentava uma situao de saneamento um pouco melhor, aonde o
governo estadual desde a dcada de 1930 vinha investindo na construo de novos
sistemas, que acarretou um atendimento de 57% dos 369 municpios, sendo que
127 deles j contavam com rede de esgoto (TUROLLA, 2007).
Mas essa realidade no se aplicava a todos os Estados de maneira uniforme, muitos
municpios operacionalizavam o saneamento bsico de forma autnoma, obtendo
melhores resultados, mas outros realizavam a operao do saneamento de forma
coletiva em conjunto com municpios vizinhos, o que dava resultados bem
insatisfatrios para a populao, o que gerava problemas sociais e de sade. O
modelo onde os departamentos estaduais centralizavam o servio desde o
planejamento, passando pela execuo das obras, indo at a operao dos servios
de fato, obtiveram xito no saneamento, ao contrrio os que no tiveram todo
processo sobre sua gesto deixaram a desejar (MENDES, 1992).
Na dcada de 60 o governo brasileiro transformou o SESP na Fundao Servio
Especial de Sade Pblica, esse tendo tambm como funo o saneamento. Os
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servios de saneamento nesse perodo estavam cada vez mais concentrados nas
mos do municpio e eram realizados com receitas provenientes da Unio e de
emprstimos estrangeiros. Mesmo assim, os dados no eram to animadores.
Apenas 43,4% das residncias brasileiras recebiam gua potvel e 27,6% estava
conectada a rede de esgoto. Na tentativa de melhorar tal situao em 1962, Joo
Goulart lanou o Plano Trienal, determinando os planos para o saneamento bsico
como sendo parte integrante do setor de sade, unindo o Ministrio da Sade e o
Departamento Nacional de Sade como responsveis pelo programa (MENDES,
1992).
Ainda segundo o autor, em 1964, o governo criou o Banco Nacional de Habitao
(BNH) pela Lei n 4.380, e depois no governo de Castelo Branco o Programa de
Ao Econmica do Governo (1965), com intervenes que beneficiaram a rea de
saneamento. Por meio da Lei 5.318, de 26 de setembro de 1967, o governo Costa e
Silva criou o Conselho Nacional de Saneamento (CONSANE), esse visava planejar,
coordenar e controlar a poltica de saneamento do pas, mas em funo de sua
baixa funcionalidade foi encerrado. Nesse mesmo ano, foi criado o Fundo de
Financiamento para o Saneamento (FISANE), esse reunia recursos do Fundo
Nacional de Obras de Saneamento e do Fundo Rotativo de guas e Esgotos, tal
medida visava a melhoria do saneamento bsico do pas, mas tambm no foi
suficiente para impactar nos problemas gerados pela falta dele, tanto nas questes
oriundas da sade da populao, quanto no impacto ambiental.
Pode-se dizer que as principais caractersticas do saneamento no Brasil foram
estabelecidas mesmo, durante a dcada de 1970, pelo Plano Nacional de
Saneamento Bsico (PLANASA). Esse veio em funo da necessidade da demanda
urbana por abastecimento de gua, pelo crescimento populacional acelerado nas
cidades a partir de meados da dcada de 1960. Por ser esse fundamentado na
lgica da autosustentao tarifria, observou-se que em reas com maior retorno
dos investimentos eram privilegiadas, enquanto as reas carentes ficavam excludas
desse processo de melhoria no saneamento (REZENDE; HELLER, 2002).
Outra crtica que se faz ao Plano, que tinha como objetivo desenvolver uma
poltica para o setor, no seu perodo de vigncia (1970-1986), mas nunca conseguiu
atingir mais que 1% do PIB. Apesar disso, ampliou entre os anos 70 e 80, de 54,4%
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para 76% o nmero de domiclios com fornecimento de gua da rede pblica e de
22,3% para 36% o nmero de domiclios com instalao sanitria de uso exclusivo.
Esse ampliou sim, o abastecimento de gua domiciliar, mas no ocorreu mesmo
com o esgotamento sanitrio. Alm disso, a desigualdade de recursos para regies
foi mais que evidente (COSTA, 1994).
Ainda segundo o autor, a regio Sudeste em 1984, contava com 44% da populao
abastecida (61% de recursos destinados), o Nordeste com 29%, receberia apenas
22% dos recursos. O mesmo ocorreu com a regio Sul que, com 15% da populao
recebeu apenas 10 % dos investimentos. regio Centro-Oeste, com 7% de
populao couberam 5% dos recursos, enquanto ao Norte, com 5% de populao,
restaram apenas 2% do plano no mesmo perodo. No perodo de 1968 a 1984, foi
para o abastecimento de gua domiciliar 61,2% dos investimentos, enquanto que
para o esgotamento sanitrio apenas 25,2% dos recursos, restando apenas 13,6%
para a drenagem urbana.
O PLANASA se encerrou na dcada de 80, no havendo nenhuma proposta
significativa que pudesse ser contraposta aos resultados desse plano no
saneamento. A partir da, as iniciativas governamentais tornaram-se pontuais e
desarticuladas. Diante dessa crise institucional instalada a partir do fim do
PLANASA, profissionais e entidades representativas vinculadas ao setor, articularam
vrios debates junto ao governo federal e seus membros, bem como com a
sociedade civil, com intuito de criar um novo modelo institucional para o setor, j que
esse se encontrava em plena decadncia. Em 1988 com a Constituio Federal, que
estabelecia no Artigo 21 a competncia da Unio para definio de diretrizes gerais
para o saneamento bsico, e no artigo 23, que todos os nveis de governo devem
cooperar na implementao de programas de melhoria das condies sanitrias,
vrias medidas vo surgir com intuito de promover a melhoria da qualidade de vida
da populao e melhorar o ambiente em que vivem (VARGAS, 2004; TUROLLA,
2007).
Com a constituio Federal implantada no pas dando direcionamento quanto ao
saneamento e os vrios debates institudos, formula-se o projeto de lei 199/93, que
visava instituir a Poltica Nacional de Saneamento conforme princpios da
descentralizao, aes integradas (gua, esgoto, lixo e drenagem) e controle
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social. A concepo de saneamento bsico se ampliou para o saneamento
ambiental e incluiu drenagem pluvial e manejo de resduos slidos, alm do controle
de vetores (VARGAS, 2004; TUROLLA, 2007).
A Poltica Nacional de Saneamento permaneceu sem regulamentao durante toda
dcada de 90. Isso se deu, pelo fato do projeto ser aprovado pelo congresso
Nacional, mas vetado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso em 1994. Como
alternativa, o presidente por meio das orientaes do Banco Mundial, cria o
Programa de Modernizao do Setor de Saneamento (PMSS). Nesse momento as
companhias estaduais vivenciavam intensa crise financeira. As funes de agente
financeiro central dos sistemas financeiros de habitao e saneamento, acabaram
indo do BNH Caixa Econmica Federal, e os recursos do FGTS, passaram a ser
concorridos por outros setores sociais, tais situaes desencadearam uma drstica
reduo de investimentos no setor, gerando um forte entrave para o avano dos
servios de saneamento no pas (COSTA,1994; TUROLLA, 2007).
O PMSS trazia como objetivo, diagnosticar e propor diretrizes para que o setor de
saneamento no pas pudesse ser modernizado, por meio de seu reordenamento
jurdico-institucional e aumento de eficincia global para que se alcanasse a
universalizao do acesso gua e ao esgotamento adequado at 2010. Para isso,
deveria aumentar o investimento privado no setor, com ampliao de concesses ao
capital privado e um novo marco regulatrio. Tal Programa encontrava-se em
consonncia com a agenda do Banco Mundial para o setor, onde era necessria a
abertura do setor de saneamento a iniciativa privada, em uma regulao mais
segura para os investidores internacionais ligados ao setor de gua no mundo. Entre
os anos de 1996 e 2000 a opo pelo governo para o saneamento no pas foi a
privatizao desses servios (COSTA, 2003; VARGAS, 2004).
A partir de 2000 aos dias atuais o saneamento vem enfrentando inmeros desafios
O Brasil precisa avanar no saneamento bsico e na poltica de saneamento, a fim
de ofertar totalidade da sua populao um servio sanitrio adequado, eficaz e
moderno. Para reverter o quadro defasado e insuficiente do saneamento no pas, foi
formulada e implantada em 2007, a Lei n 11.445, onde ficam estabelecidas as
diretrizes nacionais para o saneamento bsico no pas. Essa determina em seu
35
artigo 52 a elaborao do Plano Nacional de Saneamento Bsico - PLANSAB
(INFANTE, 2005; BRASIL, 2007).
Esse plano contempla 4 itens: o abastecimento de gua potvel, o esgotamento
sanitrio, a limpeza urbana e manejo de resduos slidos, e a drenagem e manejo
das guas pluviais urbanas (INFANTE, 2005). Ainda segundo o autor, para ser
universalizado o acesso ao saneamento bsico a todos os brasileiros at o ano de
2020, necessrio que haja um investimento anualmente de 0,45% do PIB com o
crescimento do PIB em 4% ao ano. A ONU traz que esse investimento deveria ser
de, no mnimo, 1%.
Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD) de 2002 a 2009,
evidenciaram o avano do saneamento no Brasil, mas tambm trouxeram vrias
reflexes a serem feitas quanto a esse saneamento bsico e os desafios que ainda
tem que serem enfrentados, para que toda a populao tenha o acesso a esse, e
possam desfrutar da qualidade desse saneamento nos territrios onde vivem, bem
como a garantia da sustentabilidade do meio ambiente, atualmente to afetado pela
inadequao do saneamento. As pesquisas de 2002 a 2009 mostraram que 10,7
milhes de domiclios passam a ter acesso rede de gua com canalizao interna.
Isso significa que o aceso de gua, em reas urbanas, de 89,3% passou para 92,6%
dos domiclios. Na zona rural de 18,3% passou para 28,9% dos domiclios. A
cobertura por rede de esgotos e a utilizao de fossas spticas cresceu de 76,6%
para 80,4% dos domiclios reas urbanas e, nas rurais, de 17,1% para 26% dos
domiclios. Ao considerar o total de domiclios que passaram a contar com o servio
de coleta no perodo, verifica-se a ampliao da cobertura para mais de 11 milhes
de domiclios em sete anos (IBGE, 2002; 2009).
A coleta de resduos slidos nas reas urbanas em 2009 chegou a 98,5% das
residncias no pas, houve ampliao da cobertura para mais de 11 milhes de
domiclios entre os anos de 2002 a 2009. Ao se tratar da drenagem urbana houve
aumento de 21,5% no nmero de municpios que passaram a realizar, o equivalente
a 929 municpios, segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Bsico (PNSB).
Apesar desses avanos, os dados disponibilizados mostram o quantitativo aumento
do servio no pas, mas no evidncia a qualidade oferecida (IBGE, 2002; 2008;
2009).
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Vrios autores que vem estudando o impacto do saneamento na sade da
populao e no meio ambiente, questionam acerca da qualidade desse saneamento
e no mais somente o quantitativo desse, trazem que dispor de uma ligao rede
no significa ter acesso regular gua e a gua de boa qualidade. De acordo com
dados do Sistema Nacional de Informaes sobre Saneamento (SNIS), de 2007,
foram registradas 45 mil interrupes sistemticas nos sistemas de abastecimento,
sendo que cada intermitncia ocorrida durou, aproximadamente, sete horas. Outra
questo trazida pelo SNIS, que no Brasil coletado apenas 43,2% do esgoto
produzido pela populao, sendo tratado apenas 66% desse esgoto coletado.
Quanto aos resduos slidos, os vazadouros a cu aberto (lixes) constituram o
destino final dos resduos slidos em 50,8% dos municpios brasileiros, o que
evidencia que no basta ofertar mais servio se esse muitas vezes no assegura
qualidade (IBGE, 2008).
Quanto a instrumentos reguladores dos servios de saneamento bsico, a PNSB
2008, investigou os servios de abastecimento de gua, esgotamento sanitrio e
manejo de guas pluviais. O resultado preocupante, poucas prefeituras no Pas
lanavam mo desses instrumentos, independente da modalidade. O abastecimento
de gua foi o servio com maior expresso: 32,5% das cidades brasileiras aplicavam
algum instrumento de regulao, sendo esta mais efetiva no Centro-sul, onde
aproximadamente 40% dos municpios regulavam o servio. No que tange ao
esgotamento sanitrio e ao manejo de guas pluviais, o nmero de prefeituras
regulando esses servios foram apenas de 18% dos municpios: para o esgotamento
sanitrio, essa regulao foi mais efetiva na Regio Sudeste (32,9%), enquanto para
o manejo de guas pluviais, na Regio Sul (30,7%). O Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano foi o instrumento mais utilizado no manejo de guas
fluviais (IBGE, 2008).
Ainda segundo a pesquisa quanto a legislaes municipais para tratar da aprovao
e da implantao dos servios de saneamento bsico, no abastecimento de gua,
45% das cidades possuam leis para novos loteamentos. Em relao ao
esgotamento sanitrio, nos municpios onde o servio ofertado para a populao,
53% deles aprovaram leis para ordenar o servio nos novos loteamentos. A
ausncia de legislao foi mais emblemtica nas Regies Norte e Nordeste. Quanto
ao servio de manejo de guas pluviais, apenas 39% dos municpios com acesso ao
37
servio possuam legislao. As nicas regies com a presena de leis para essa
finalidade, que superavam 50% das cidades com legislao, foram Sudeste e Sul.
Chega-se em 2011, e os dados do IBGE mostram que 71,8% dos municpios no
possuem uma poltica municipal de saneamento bsico. Esse nmero corresponde a
3.995 cidades que no respeitam a Lei Nacional de Saneamento Bsico, aprovada
em 2007. Ainda, 60,5% no tem acompanhamento algum quanto s licenas de
esgotamento sanitrio, alm da drenagem e manejo de guas pluviais urbanas e do
abastecimento de gua. Em quase metade das cidades do pas (47,8%), no h
rgo de fiscalizao da qualidade da gua. No entanto, 4.060 municpios (73%)
ainda no aprovaram normas neste sentido, para qualquer um dos servios de
saneamento bsico. Entre as cidades onde h gestores pblicos responsveis por
aes referentes ao saneamento, 768 (48,9%) definiram metas e estratgias por
meio de planos municipais devidamente aprovados pelo poder legislativo local. J
759 municpios (48,4%) utilizavam prestao de servios e/ou realizavam processo
licitatrio (IBGE, 2011).
Somados a toda problemtica levantada, 376 cidades no possuem poltica
municipal de coleta seletiva; 1.070 cidades no tm programa, apesar de
desenvolverem algum tipo de ao; 184 cidades possuem projeto piloto de coleta
seletiva em reas restritas e por fim 138 cidades iniciaram programas de coleta
seletiva, que foram interrompidos posteriormente, o que evidencia a falta de
continuidade e sistematizao desses, ou mesmo a falta de planejamento adequado
ou interesse poltico. 3,3% dos municpios possuem projeto piloto de coleta seletiva,
mas apenas em reas restritas. Assim, 2,5% das cidades chegaram a iniciar
programas dessa natureza, porm interromperam por motivos no especificados, o
que refora a lgica da descontinuidade e falta de investimento no setor, nada
diferente da trajetria desse no pas (IBGE, 2011).
Ainda segundo o IBGE (2011) o servio de limpeza urbana, se destaca no estudo
sobre o perfil dos municpios brasileiros a regio sul, com 663 cidades nas quais h
coleta seletiva, o que representa 55,8% em relao ao resto do pas. Em seguida
vem regio Sudeste, com 41,5% (693 cidades). Mas isso, no evidencia uma
homogeneidade no pas e nem to pouco uma igualdade de investimento, as regies
Norte e Nordeste possuem as maiores propores de municpios sem programas:
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62,8% (282) e 62,3% (1.118) respectivamente. De acordo com o IBGE, a coleta
seletiva mais comum nas grandes cidades: 68,2% (193) dos municpios com mais
de 100 mil declaram possuir programa em atividade. H muito a ser discutido sobre
a poltica inerente a rea, e todos os programas e projetos implementados no
sentido de fortalecer o saneamento no pas, e assegurar a regularidade,
sistematizao e o acesso universal.
Segundo o censo do IBGE de 2010 comparado aos dados de 2000, o saneamento
bsico no Esprito Santo, mostra que a proporo de domiclios cobertos por rede
geral de esgoto ou fossa sptica, passou de 66,4% para 74% em 10 anos, sendo
que a mdia em todo o pas foi de 67,1%, no ano anterior. Em relao aos demais
servios de saneamento, a coleta de lixo aumentou de 77,6% em 2000 para 88,2%
em 2010, no Estado. Nas reas urbanas, o servio de coleta de lixo dos domiclios
chegou ao ndice de 98% a mais. Nas reas rurais, o servio se ampliou de 13,9%
em 2000, para 35,4% em 2010, sendo que a mdia nacional foi de 26,0% (IBGE,
2010).
Ainda segundo o censo de 2010, quanto ao destino do lixo houve melhoras em
2010, principalmente nas reas rurais, contudo, a dificuldade e o alto custo da coleta
do lixo rural tornam a opo de queim-lo a mais adotada pelos moradores dessas
regies. Apesar disso, no Esprito Santo essa alternativa diminuiu em torno de 5
pontos percentuais, passando de 65,6% em 2000 para 60,5% em 2010. A soluo
de jogar o lixo em terreno baldio, que em 2000 era adotada por moradores de 14,2%
dos domiclios rurais, reduziu para 1,5 em 2010.
Como nas demais unidades da federao, as condies do saneamento bsico no
Estado apesar de terem apresentado grande melhoria em seus indicadores, ainda
precisa superar grandes desafios para que se torne mais universal e equnime. O
Programa guas Limpas implantado em 2004, prev a ampliao do abastecimento
de gua e servios de tratamento de esgoto no Estado a vrios municpios, e com
esse projeto, espera-se que at 2014, a capital Vitria dever ser a primeira capital
brasileira com 100% de esgoto tratado, o desafio at ento, a participao popular,
onde cada morador dever ficar responsvel por estabelecer a ligao da rede de
esgoto domstico rede de coleta, com intuito de melhorar a qualidade dos recursos
hdricos e a preservao ambiental do Estado (CESAN, 2011).
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3.2 A MUDANA DO MODELO DE ATENO SADE NO
DECORRER DA HISTRIA: QUEBRANDO PARADIGMAS PARA
OFERTAR ATENO INTEGRAL, ACESSVEL E RESOLUTIVA
A relao entre pobreza, doena e vida urbana est na origem dos modelos de
assistncia, proteo social e da prestao de servios locais (CONILL, 2008).
At o sculo XIX a forma de representao da ateno a sade, estava de fato,
representada na doena. No perodo antigo entre os caldeus, hebreus, Assrios,
Egpcios e outros povos, atribuam a enfermidade um estatuto de causa nica e na
perspectiva mgico-religiosa. Assim, como afirma Canguilhem (1978):
Predominava na Antigidade, especialmente entre os assrios, egpcios, caldeus e hebreus, a concepo ontolgica que enfermidade um estatuto de causa nica e de entidade, sempre externa ao ser humano e com existncia prpria - um mal, sendo o doente, o ser humano ao qual essa entidade-malefcio se agregou: o corpo humano tomado com receptculo de um elemento natural ou esprito sobrenatural que, invadindo-o, produz a 'doena'; sem haver qualquer participao ou controle desse organismo no processo de causa (CANGUILHEM, 1978, p.19-23).
Assim, na antiguidade o tratamento dispensado aos doentes, era ofertado por
mdicos em suas prprias casas, nas casas dos pacientes ou em locais pblicos,
sendo alguns tratamentos de sade, realizados em templos destinados a deuses
relacionados com a doena do paciente. Os sacerdotes utilizavam de banhos, jejuns
e rituais para promover a cura dos enfermos.
Durante a Idade Mdia graas difuso do cristianismo, a doena passou a ser
vinculada ao pecado, ao castigo de Deus, a possesso do demnio, em
consequncia desta viso, as prticas de cura deixaram de ser realizadas por
mdicos e passaram a ser atribuio de religiosos. Assim, no lugar de
recomendaes dietticas, exerccios, chs, repousos e outras medidas teraputicas
da medicina clssica, foram recomendados rezas, penitncias, invocaes de
santos, exorcismos, e outros meios para purificao da alma. Como no havia
muitos recursos para deter o avano das doenas, a interpretao crist oferecia
conforto espiritual, e morrer equivalia libertao de todos os problemas (ROSEN,
1994).
40
Nesse perodo a populao foi assolada por vrias doenas e pestes que tinham
como principais causas, as viagens martimas, o aumento da populao urbana, os
conflitos militares, os intensos movimentos migratrios, a misria, a promiscuidade e
a falta de higiene nos burgos medievais. A aglomerao crescente da populao,
que trazia hbitos da vida rural, a ausncia de esgotamento sanitrio e as pssimas
condies de higiene, produzia um quadro de sade pssimo na populao. Nos
Hospitais medievais se falava das prticas de higiene preconizada na Idade Mdia, e
das doenas geradas (RESENDE, 1989).
O hospital que funcionava na Europa desde a Idade Mdia no era, de modo algum,
um meio de cura, e sim uma instituio para proporcionar salvao, conforme se v
abaixo com Foucault (1979, pg.101):
(...) no uma instituio mdica, e a medicina , nesta poca, uma prtica no hospitalar. (...) era uma instituio de assistncia aos pobres. (...) O pobre como pobre tem necessidade de assistncia e, como doente, portador de doena e de possvel contagio, perigoso. (...) O personagem ideal do hospital, at o sculo XVIII, no o doente que preciso curar, mas o pobre que est morrendo. (...) algum a quem se deve dar os ltimos cuidados e o ltimo sacramento. Esta a funo essencial do hospital. (...) o hospital era um morredouro, um lugar onde morrer. E o pessoal hospitalar no era fundamentalmente destinado a realizar a cura do doente, mas a conseguir a prpria salvao.
Na idade Mdia a medicina permaneceu quase paralisada com relao s
descobertas cientficas que iam sendo estabelecidas. As escolas de medicina
surgiram de profissionais independentes que se organizavam para ensinar o oficio
nas suas prprias casas, e o hospital era local mais de abrigo a mendigos e pobres
e as populaes de baixa renda, acometidas por diversas doenas relacionadas a
sujeira, falta de higiene, pestes, condies sanitrias, loucura e pobreza, do que
efetivamente um lugar de cincia e cura (ROSEN, 1994).
Na idade moderna, com o incio da Revoluo Industrial, aumentaram os relatos de
doenas associadas ao ambiente, especialmente as ocupacionais e aquelas
decorrentes da pobreza, misria e da falta de saneamento bsico das cidades que
geravam inmeras doenas e mortes. Com a urbanizao desenfreada pela
revoluo industrial, o adensamento de pessoas em bairros operrios e fbricas,
bem como uma alimentao inadequada, resultaram em agravamento das
condies de sade da populao, a um nvel capaz de ameaar at mesmo a
sobrevivncia biolgica dos grupos sociais menos favorecidos e risco de afetar a
41
reproduo ampliada da fora de trabalho, mediante a isso, algumas aes de
sade pblica foram sendo realizadas e de saneamento, com intuito de limpar as
cidades e melhorar o ambiente onde viviam as populaes urbanas. Quanto a
populao rural, porm nada se foi feito (CANGUILHEM, 1978; RESENDE, 1989).
Desnutrio, alcoolismo, doenas mentais e violncia atingiam pesadamente a nova
classe de trabalhadores urbanos. Doenas conhecidas, como a febre tifide, vrias
outras novas, como a clera, passaram a ser transmitidas de modo ampliado, para o
conjunto da populao, pelos precrios sistemas coletivos urbanos de distribuio
de gua, causando grandes epidemias letais. A sade desse perodo era precria,
havendo somente intervenes sanitrias pontuais e sem continuidade, direcionadas
s doenas institudas pelos problemas citados, a ateno a sade era hospitalar e
voltada para os problemas gerados nas cidades e pela revoluo industrial
(CANGUILHEM, 1978; RESENDE, 1989).
Segundo a autora, na idade moderna, perodo da histria que compreende os
sculos XV at XVIII, ocorreram vrios acontecimentos que mudaram os conceitos
de sade/doena e lhes proporcionou maior cientificismo. O Iluminismo, o
Renascimento, a descoberta de continentes e outras grandes mudanas no mundo,
vo impulsionar a necessidade de se estudar e estabelecer melhor as causas para
as epidemias e para as doenas que acometiam as populaes.
Vrias teorias explicativas foram propostas para os problemas de sade/doena, tais
como: ao estado atmosfrico; a um miasma que se elevava da terra, ou uma origem
astrolgica para as epidemias; diminutos agentes infecciosos que eram especficos
de determinadas doenas, que se reproduziam por si s, e eram transmitidos por
contato direto ou por meio de fmites; teoria miasmtica, que se manteve at a era
bacteriolgica na metade do sculo XIX. As condies sanitrias ruins, criavam um
estado atmosfrico que facilitava o aparecimento de doenas infecciosas e surtos
epidmicos. Assim, foram institudas vrias medidas de urbanizao e combate as
doenas, como: derrubada de prdios deteriorados; alargamento das ruas;
destruio dos cortios; suprimento de gua e esgoto; coleta de lixo, dentre outras,
como forma de combater as ameaas sade, baseadas nessas teorias modernas
(BARATA, 1985; GUTIERREZ; OBERDIEK, 2001; PEREIRA, 2005).
42
At esse perodo a patologia em si era o foco de toda ateno, o controle da sua
evoluo e o retorno ao estado de no doena eram os objetivos de todas as
atividades e intervenes. A doena era tradicionalmente conceituada como falta
ou perturbao da sade. A partir da Idade Moderna, a ateno a sade volta-se
ao corpo fsico, visto de forma individualizada e fragmentada e com o predomnio do
modelo biomdico, centrado na doena (PEREIRA, 2005).
Do fim do sculo XVIII ao inicio do sculo XX, j idade contempornea, e com todas
as mudanas geradas pela Idade Moderna, constituda a medicina social. Essa
cria as condies de salubridade adequadas nova sociedade e abre espao para
que a prtica mdica individual viesse gradativamente a ocupar o lugar central nas
praticas de sade, e a ateno sade vai sendo transformada. No sculo XIX,
aparece a bacteriologia e a definio de que para cada doena ha um agente
etiolgico, que poderia ser combatido com produtos qumicos ou vacinas (BARATA,
1985; GONCALVES, 1994).
fortalecida a biologia cientifica, aflora a patologia celular, a fisiologia, a
bacteriologia e o desenvolvimento de pesquisas, a medicina passa, dessa forma, de
cincia emprica para cincia, tendo sua atuao voltada ao corpo, a doena, na
busca por um estado biolgico normal, exigindo desta forma alta tecnologia e custos
elevados. O corpo torna-se fragmentado e dividido em especialidades, com
perspectivas tericas redutoras que compem o experimental (NORDENFELT,
2000).
Com o investimento cientfico chega-se concluso de que as doenas eram
resultantes de lugares insalubres, das pssimas condies de saneamento, da
remoo deficiente de lixo e excrees, com superpopulao das habitaes e dos
processos fabris. Tambm estavam vinculadas com a alimentao inadequada ou
insuficiente das pessoas, hbitos sedentrios, ausncia de estmulos fsicos e
mentais, monotonia de muitas profisses e preocupaes e ansiedades da vida, ou
seja, h uma multicausalidade relacionada ao agente etiolgico, ao hospedeiro e ao
meio ambiente. O homem passa a ser visto como um ser bio-psico-social (ROSEN,
1994; SILVA JNIOR, 2006).
Na Inglaterra autoridades como Chadwick, defendiam a necessidade de aes
sociais preventivas sobre os problemas gerados pela pobreza e pelas doenas. Na
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Alemanha Virchow, Neumann e Leubuscher, colocava que a sade pblica deveria
promover o desenvolvimento sadio do cidado, a preveno de riscos sade e
controle de doenas, sendo a sade um direito de cidadania e dever do Estado
mant-la e promove-la. Nesse perodo a ateno a sade e os sistemas de sade
eram precrios, baseavam-se no modelo flexineriano, hospitalocntrico e
medicocntrico, alm dos altos custos e baixa resolutividade (SILVA JUNIOR, 2006).
As precrias condies econmicas e sanitrias, e os pssimos indicadores de
sade que apresentavam os pases em desenvolvimento e pobres, bem como as
grandes iniquidades na sade, trazia a urgncia de se pensar em novas formas de
ateno a sade e a organizao do sistema de sade, de modo que pudessem
impactar nessas realidades, e contrapor o modelo flexineriano que era predominante
na poca. Assim, como forma de se buscar novas perspectivas e melhoria na sade
de vrios pases e contrapor o modelo flexineriano, algumas iniciativas para
mudana comeavam a surgir, e com isso, a idia de se ter um modelo de sade
que pudesse ter os cuidados primrios como foco de sua ateno comeava a tomar
fora (PEREIRA, 2005).
Na Alemanha, em 1847 frente a um surto de clera, o mdico e poltico Virchow
sugere como forma de melhorar essa epidemia e a sade da populao local, a
reformulao do sistema de sade e a melhoria do sistema de atendimento sade.
Alm disso, sugere a necessidade de grandes transformaes polticas, econmicas
e sociais para avano nesse campo, uma vez que os problemas de sade possuam
natureza multifatorial. Alm disso, traz a reflexo que para que o sistema de sade
possa dar melhores resultados, deveria somar esforo com outros setores diferentes
da sade, para promover melhorias na sade da populao e impactar mais no
ambiente que elas vivem (ROSEN, 1979).
Na Rssia, em 1864, o projeto Zemstvo, criou assemblias distritais deliberativas,
responsveis pela construo de uma rede de centros de sade em reas rurais,
instituiu cargos e organizaes sanitrias nas provncias, e mais tarde o posto de
mdico sanitrio. Somente treze anos mais tarde vai ser institudo o primeiro Instituto
de Mdicos Sanitrios (DEBONO; RENAUD, 2000; TRAGAKES; LESSOF, 2003).
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Na Inglaterra em 1920, como forma de organizao do seu sistema de sade, por
meio do relatrio de Dawnson, contrapondo ao modelo americano flexineriano, de
cunho curativo, traz um novo foco ao sistema de sad