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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁDEPARTAMENTO DE HIDRÁULICA
GESTÃO MUNICIPAL DE RECURSOS HÍDRICOS
GESTÃO URBANA E GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL: EM BUSCA
DA INTERSETORIALIDADE
Curitiba2005
1
MAGDA CRISTINA VILLANUEVA FRANCO
GESTÃO URBANA E GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL: EM BUSCA
DA INTERSETORIALIDADE
Trabalho a ser entregue a Universidade
Federal do Paraná, como requisito de
conclusão do Curso de Especialização em
Gerenciamento Municipal de Recursos
Hídricos, sob a orientação da Profa. Sylvia
Ramos Leitão.
Curitiba2005
2
FOLHA DE APROVAÇÃO
_________________________________ Nota:________________
Profa. Sylvia Ramos Leitão
Orientadora
3
1. INTRODUÇÃO
A gestão das águas no meio urbano implica em várias questões, mas
geralmente o primeiro impacto é o abastecimento público, cuja problemática está
centrada no aspecto da qualidade das águas, pois atualmente o adensamento
populacional tem gerado poluição de todas as ordens, e conseqüentemente a
degradação da qualidade das águas.
A poluição doméstica e também a industrial são fatores que têm se
agravado, pois propiciam condições ambientais inadequadas, causando o
desenvolvimento de doenças de veiculação hídrica, poluição do ar, contaminação
das águas entre outras. Esta realidade acentuou-se por volta da década de 60, e
demonstrou que o desenvolvimento urbano com ausência de um planejamento
resulta em significativos prejuízos ambientais para toda a sociedade.
Com relação à gestão das águas, o impacto causado pelas cidades é
ainda maior, tendo em vista que a qualidade destas águas está ligada diretamente à
forma de uso e ocupação do solo.
Deste modo, pode-se observar que os impactos da urbanização têm
causado significativos prejuízos, e por isso a nova ordem jurídico-institucional da
gestão dos recursos hídricos veio modificar inteiramente o aparato anteriormente
existente, tendo por base a crise da água que se estabelece sobre a sociedade
contemporânea.
A nova forma de gestão foi inaugurada no Brasil através da Lei
9433/1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, e trouxe uma
proposta inovadora, ou seja, tornar a administração das águas descentralizada e
4
participativa, e neste contexto está sendo implantada de forma gradativa em âmbito
nacional e estadual.
Ocorre que, segundo a Constituição Federal, as águas são de domínio da
União e Estados, então, indaga-se qual o papel do município na gestão? De que
forma o município poderá efetivar a gestão das águas no contexto do planejamento
urbano, visto que, este é o responsável pela adequada utilização do uso e ocupação
do solo? Estas são algumas das inúmeras questões que se tem acerca da interface
entre a gestão de recursos hídricos e a gestão urbana.
Recentemente o desenvolvimento urbano deu um salto inovador,
especificamente após a Constituição de 1988, a qual trouxe a noção de função
social da propriedade urbana, nos art. 182 e 183, que recentemente foram
regulamentados pela Lei 10.257/2001, o qual trouxe instrumentos de planejamento
para a gestão urbana.
Assim, como se pode perceber, o conceito de gestão urbana vem sendo
constantemente alterado, especialmente após a Constituição Federal de 1988 que
veio consolidar a relevância da questão ambiental de modo geral, bem como, a
proteção das águas.
E neste contexto, mesmo o município não sendo referido diretamente nas
legislações de proteção dos recursos hídricos é um dos atores fundamentais no
cenário de efetivação da política de proteção deste recurso.
Portanto é dentro desta temática que o presente estudo está inserido, ou
seja, num universo extremamente atual e desafiador, cujo objetivo consiste em
realizar uma análise entre a política de recursos hídricos em face dos aparatos
legais pertinentes ao município, tais como o Estatuto da Cidade e Plano Diretor, com
5
intuito de apontar as incongruências e eventuais conflitos, bem como, apresentar os
prováveis benefícios da sua adequada integração e a busca pela intersetorialidade.
Pretende-se também, apresentar casos práticos para demonstrar a
integração da gestão urbana e a proteção das águas, com o objetivo de buscar
caminhos para o sucesso do planejamento jurídico-institucional integrado.
Para tanto, buscar-se-á inicialmente apresentar a realidade legislativa
existente acerca da gestão urbana, bem como o histórico da regulamentação, a
interface de políticas hídricas e urbanas, através da revisão bibliográfica.
Em segundo momento, serão analisadas as informações coletadas nas
discussões e resultados buscando encontrar caminhos que proporcionem a
adequada integração das políticas com vistas a promover a efetiva implantação da
gestão e conseqüentemente a proteção das águas.
E por derradeiro, apresentar-se-á jurisprudências, que constituem casos
práticos judiciais, com a finalidade de demonstrar a interdependência entre gestão
das águas e urbana, realizando as devidas considerações.
Com isso, espera-se contribuir para que os gestores hídricos e urbanos
possam usufruir do presente estudo no sentido de vislumbrar todas as dimensões
que envolvem a questão da interface das políticas, tanto do ponto de vista jurídico,
quanto administrativo e social, propiciando a compreensão da necessidade de
integração entre os diversos atores sociais para o sucesso da gestão, e assim,
efetivar a proteção das águas, bem como, a democratização das decisões,
contribuindo também para com a construção das cidades sustentáveis.
6
SUMÁRIO
2. RESUMO
O presente estudo objetivou analisar a gestão das águas no âmbito da
gestão urbana, sob a ótica do novo cenário jurídico inovador que está sendo
implantado desde a Constituição Federal de 1988, com a criação do Estatuto da
Cidade e os Planos Diretores Municipais sob o enfoque da Lei 9433/97, que instituiu
a Política Nacional de Proteção aos Recursos Hídricos, enfatizando a importância de
relevância de um gerenciamento integrado aliado á participação da sociedade. A
presente pesquisa obteve conclusões após ampla investigação bibliográfica
conjugadas com análises da realidade local, tendo como objetivo principal
proporcionar aos gestores o conhecimento acerca das inúmeras questões que
envolvem a gestão hídrica e urbana a fim de contribuir para a construção das
cidades sustentáveis.
7
3. ABSTRACT
The present study objectified to analyze the administration of the waters in
the ambit of the urban administration, under the optics of the new innovative juridical
scenery that is being implanted from the Federal Constitution of 1988, with the
creation of the Statute of the City and the Municipal Managing Plans under the focus
of the Law 9433/97, that it instituted the National Politics of Protection to the waters,
emphasizing the importance of relevance of a integrated management allied with
participation of the society. This present research obtained conclusions after wide
bibliographical investigation conjugated with analyses of the local reality, tends as
main objective to provide to the managers the knowledge concerning the countless
subjects that involve the hydric administration and urban in order to contribute for the
construction of the sustainable cities.
8
4. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
4.1 Gestão ambiental urbana
4.1.1 Origem histórica das cidades
As primeiras povoações que foram denominadas de cidades surgiram por
volta de 5.000 A.C. nas Planícies Aluviais do Oriente Próximo. Primeiramente os
aglomerados iniciaram-se porque os produtores de alimento foram obrigados a
produzir um excedente a fim de manter uma população na urbe, que eram os
artesãos, mercadores, guerreiros e sacerdotes que controlavam o campo.
Mas em seguida nasceu a aldeia, que se formou a partir do momento em
que as indústrias e serviços não eram executados pelas pessoas que cultivavam a
9
terra, e sim por outras que eram mantidas pelas primeiras com o excedente do
produto total (BENEVOLO in: ROCHA, 1999).
Assim, da aldeia evolui-se para a cidade, e transforma-se numa
velocidade elevadíssima, assinalando o começo de uma nova história civil,
provocando mudanças muito profundas da composição das atividades das classes
dominantes, que influenciaram toda a sociedade, dando-se inicio a aventura da
civilização. Primeiramente com a civilização feudal e civilização burguesa, que
prepararam a transição histórica seguinte, que ocorreu com o desenvolvimento da
produção e dos métodos científicos, que culminou com a civilização industrial, e
assim surge a cidade moderna tal qual se conhece até hoje.
4.1.2 Conceito de cidade
RATZEL (1999) conceitua a cidade como sendo: “uma reunião durável de
homens e habitações humanas que cobre uma grande superfície e encontra-se no
cruzamento de grandes vias comerciais”.(ROCHA, 1999)
Já para PIERRE GEORGE (1999), as cidades são formas de acumulação
humana e de atividades concentradas, próprias a cada sistema econômico e social,
reconhecidos a partir de fatos de massa e arquitetônicos. (ROCHA, 1999)
ROCHA (1999) define a cidade como um lugar geográfico onde há
manifestação de forma concentrada, das diversas realidades sociais, econômicas,
políticas e demográficas de um território, ou ainda, um espaço contínuo ocupado por
um aglomerado humano considerável, denso e permanente, cuja evolução e
10
estrutura é determinado pelo meio físico, pelo desenvolvimento tecnológico e pelo
modo de produção do período histórico considerado.
Deste modo, pode-se observar que são variadas as definições para as
cidades, e fixar um conceito não é tarefa fácil, pois se pode tomar como base uma
diversidade de abordagens. Portanto, em resumo, a cidade não pode ser definida
com uma compreensão isolada. (ROCHA, 1999)
Mas considerando o enfoque do presente estudo, juridicamente, este
centro urbano somente assume categoria de cidade quando este território se
transforma num Município, pessoa jurídica de direito público interno, pertencente ao
Estado e à federação.
Assim, a palavra município surge pela primeira vez, por volta do séc. XVI,
cuja origem é do latim muncipium, que por sua vez deriva de municep, o qual quer
dizer “cidadão municipal”, ou seja, aquele que desempenha os ofícios municipais.
(ROCHA, 1999)
4.1.3 A lei e a cidade
As cidades brasileiras tiveram as suas formas de apropriação do espaço e
de construção das novas cidades, inspiradas num paradigma lusitano, que permitia
uma ocupação livre da terra, diferentemente do modelo espanhol, que desde o inicio
delimitaram precisamente as regras de construções de suas cidades.
Nesse sentido, observou-se que os portugueses disciplinavam muito as
questões de ordem judiciária e fiscal em detrimento das questões urbanísticas ou
políticas, já os espanhóis buscaram normatizar o traçado e definir as formas de
administração do cotidiano de suas cidades na América.
11
A ocupação do solo urbano no país se deu sob o modelo das sesmarias,
de 1822, combinado com a concessão de terras pela municipalidade a partir do
chamado “rocio da vila”, sistema de datas, semelhante às sesmarias urbanas, lotes,
que eram porções de terras incultas que os reis de Portugal cediam para o cultivo
(ROCHA, 1999).
A partir da independência foi extinto o modelo das sesmarias, que durou
de 1822 a 1850, quando ocorreu a publicação da Lei de Terras, onde ficou
estabelecido que a aquisição legal de terras somente poderia ser feita através da
compra devidamente registrada da terra, implicando no direito de propriedade e a
monetarização da terra, como mercadoria e forma de investimento.
Nesse contexto o Poder Público, começa a sistematizar uma série de
legislações, como o Estado de São Paulo, que criou o Código de Ética e Posturas
Municipais, demarcando o espaço público e privado, e também se inicia uma
intervenção no território da classe trabalhadora, que se deu com a disciplinação dos
cortiços e casas de operários, tendo em vista a política higienista da época.
Deste modo, o Brasil, um país essencialmente rural, em 1930 passa por
um processo de urbanização e a população urbana supera a rural a partir da década
de 60. E isto se deu, por força da atração que as cidades exerciam em virtude da
industrialização, o que acarretou imediatamente o inchaço das cidades e
conseqüentemente a perda da qualidade de vida dos seus habitantes.
Como se observou, o direito de propriedade permeia todo o contexto
histórico de ocupação e regulamentação das cidades, e as constituições brasileiras
sempre garantiram a sua tutela. As Cartas de 1824, 1891, 1934, 1937, sempre
garantiram a proteção absoluta da propriedade. Somente a partir da Constituição de
1946, observou-se o condicionamento ao bem-estar social. Já as Cartas de 1967 e
12
1969 estabeleceram pela primeira vez a noção de função social da propriedade. E
finalmente a atual Constituição Federal de 1988, ao reafirmar a função social, trouxe
uma preocupação maior com a gestão urbana e com a garantia da função social das
cidades (ROCHA, 1999).
Através dessa breve análise histórica observa-se que as cidades não
foram pensadas de maneira uniforme, na sua totalidade; isto significa que durante
muito tempo o sistema jurídico regulamentou timidamente a ordenação e o
planejamento urbano. E quando havia tal preocupação atendia-se uma camada de
privilegiados, ou seja, as classes médias e altas da sociedade, deixando-se sempre
de lado as camadas periféricas das cidades.
Atualmente, essa omissão histórica, tem causado uma série de
conseqüências para as cidades, tanto do ponto de vista social quanto ambiental,
advindas dessas desigualdades, o que motivou uma reflexão acerca da importância
de se elaborar uma atuação urbanística global e integrada.
4.1.4 O Direito Urbanístico e o Direito Ambiental
Sobre a emergência dos novos direitos, do direito ambiental, e a
insuficiência do ordenamento jurídico, Antonio Carlos Wolkemer e José Rubens
Morato Leite citado em COUTINHO (2004), assim afirmam:
A crise dos paradigmas de legitimação, as mudanças no modo de vida, a
entrada em cena dos novos sujeitos sociais e a ampliação das propriedades
materiais tendem a favorecer o aparecimento de novas formas “idealizadas” e
“práticas” de juridicidade. A nova juridicidade rompe e transpõe os cânones
clássicos da dogmática jurídica contemporânea, mitificada pelos princípios da
13
neutralidade científica, da completude formal, do rigor técnico e da autonomia
absoluta (in: COUTINHO e ROCCO: 2004, 31)
O surgimento de um novo protagonista, denominado “sujeito coletivo”, ou
seja, as coletividades, onde seus membros procuram defender seus interesses e
expressar suas vontades, fez com que houvesse a necessidade de se reformular a
noção de Estado como única fonte de direito.
E assim, surge o novo ramo do direito, o direito ambiental, que na verdade
não significa uma ruptura com a vigente configuração do direito na sociedade
capitalista, mas uma tentativa de compatibilizar este direito com as novas questões
buscando solucioná-las (COUTINHO, 2004). Deste modo, observa-se que o direito
ambiental tem natureza difusa, à medida que pertence a todos de forma
indeterminada.
Observa-se também, que a norma ambiental depende da atuação do
Estado e da sociedade, uma vez que, a Constituição de 1988, no seu art. 225, impõe
à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente com vistas a
garantir o direito das presentes e futuras gerações.
Assim, sinteticamente, pode-se conceituar o direito ambiental como um
microssistema jurídico que visa proteger e defender o meio ambiente. E
considerando que o tema cidade adentra ao ordenamento jurídico repercutindo no
estabelecimento de normas ambientais, por conseguinte, está incluída também no
direito ambiental, como meio ambiente urbano.
Segundo FIORILLO (2001), a divisão do meio ambiente em aspectos que
o compõem facilita a identificação da atividade degradante e do bem agredido, e
considerando que o direito ambiental tem como objetivo maior a tutela da vida
saudável, é necessária uma classificação, cujo objetivo seja identificar quais valores
14
foram violados. Desta forma, o referido autor classificou o meio ambiente em quatro
aspectos: meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho.
Portanto, o meio ambiente urbano é entendido como o espaço urbano
construído, que ainda de acordo com FIORILLO (2001): “consiste no conjunto de
edificações (chamado espaço urbano fechado), e pelos equipamentos públicos
(espaço urbano aberto). ”Deste modo, tem-se que todo o espaço construído,
habitado pelo homem compõem o meio ambiente artificial (FIORILLO, 2001).
Entretanto, ressalte-se que esta divisão é meramente didática, cuja
finalidade é facilitar ao operador, o manejo da matéria, bem como, a utilização dos
instrumentos jurídicos pertinentes ao sistema.
Neste sentido, observa-se que o direito urbanístico tem como objeto direto
a ordenação e planejamento do espaço urbano, ou seja, disciplina a atuação do
Poder Público para a utilização adequada dos espaços, sendo suas normas
estabelecidas em função da propriedade urbana e do adensamento.
Partindo desta análise, vislumbra-se que assim como a questão
ambiental, a atividade urbanística é prerrogativa estatal, ou seja, o Poder Público é
quem deve estabelecer a ordenação do solo urbano de forma que beneficie toda a
coletividade. Isto significa que a titularidade do direito às funções sociais da cidade é
a pólis, caracterizando-se como direito essencialmente difuso, pois o sujeito de
direito é coletivo.
Mas, ainda que seja tarefa do Poder Público a execução das políticas
urbanísticas, é necessário ressaltar que é inegável a importância dos instrumentos
participativos, pois possibilitam aos cidadãos determinar as prioridades como ocorre,
por exemplo, no planejamento do orçamento participativo em determinadas
15
administrações municipais brasileiras, atenuando o caráter estritamente estatal das
atividades urbanas.
Portanto, diante de tais considerações, observa-se que o tema cidade
ingressa com repercussão significativa no meio ambiente, e a correlação entre esses
sistemas, ambiental e urbano, evidencia-se no que se refere aos objetos tutelados,
quais sejam, a proteção e defesa da qualidade de vida e do bem estar dos
habitantes.
Com relação à defesa ambiental, a ordenação de espaços habitáveis
concretiza as funções sociais da cidade, que em resumo efetiva todos os objetivos
do art. 225, da Constituição Federal, que é a sadia qualidade de vida.
Decorre daí, a necessidade de que haja uma integração entre as políticas
com vistas a uma gestão ambientalmente adequada e socialmente justa.
4.1.5 O Desenvolvimento Urbano e o Meio Ambiente
A população urbana compunha cerca de 15% de toda a população
mundial no inicio do século, já no final deste, estima-se que 50% da população
mundial estarão nas cidades. Em paises desenvolvidos como os Estados Unidos a
urbanização já atinge 94% da população, sendo o fator responsável a conseqüência
natural do desenvolvimento econômico.
Nos paises em desenvolvimento também existe um acelerado processo
de urbanização, na América Latina e no Caribe, por exemplo, a população urbana
cresce a uma taxa de 3 a 5% ao ano. (FOSTER in: TUCCI, 2002)
Neste contexto, o Brasil também apresentou um elevado crescimento
urbano ao longo das últimas décadas, em especial após a década de 60, onde a
16
taxa de urbanização elevou-se para 76%. Ressaltando-se alguns Estados como São
Paulo, onde 91% da população é urbana, equiparando às características dos paises
desenvolvidos, o que tem gerado cidades com infra-estruturas precárias.
Esse forte crescimento tem sido concentrado em certas regiões,
geralmente nas regiões sul e sudeste, em regiões metropolitanas, na capital dos
Estados e em pólos-regionais. E os efeitos desse processo têm se refletido sobre o
meio ambiente, em especial sobre os recursos hídricos: abastecimento de água,
transporte e tratamento de esgoto cloacal e pluvial.
O planejamento urbano embora envolva aspectos interdisciplinares, na
prática isto não ocorre, desenvolvendo-se em âmbito mais restrito, pois o
planejamento da ocupação dos espaços urbanos brasileiros não tem considerado
aspectos fundamentais e que têm acarretado grandes custos sociais e ambientais.
O desenvolvimento urbano tem provocado aumento significativo da
freqüência de inundações, produção de sedimentos e deterioração da qualidade da
água, e assim, à medida que a cidade cresce ocorrem os seguintes impactos de
ordem técnica:
Aumento das vazões máximas, devido à impermeabilização das superfícies;
Aumento da produção de sedimentos, devido à desproteção da superfície e a
produção de resíduos sólidos (lixo);
Deterioração da qualidade da água, ocasionada pela lavagem de ruas,
transporte de materiais sólidos, ligações de esgoto clandestinas.
Pontes e taludes - superfície inclinada do terreno, na base de um morro ou
encosta de vale, onde se encontra um depósito de detritos - de estradas que
obstruem o escoamento, redução da seção de escoamento de aterros,
deposição e obstrução de rios, canais e condutos de lixos e sedimentos;
17
projeto de drenagem e obras inadequadas; todos esses fatores têm ocorrido
devido à forma desorganizada como a infra-estrutura urbana é implantada.
(TUCCI, 2002).
Esses impactos têm se intensificado, pois não estão sendo contidos e sim
ampliados, como se tem observado, à medida que se tem acompanhado em
noticiários cenas de enchente com danos materiais e humanos em diferentes
localidades do país.
Ocorre que nestes casos, as ações públicas têm sido pontuais, ou seja,
voltadas para medidas chamadas estruturais, isto é, na construção de canais, que
transferem a enchente de um lugar para outro da bacia, sem que sejam avaliados os
efeitos à jusante e os reais benefícios da obra.
Com esse tipo de medida, os prejuízos públicos são enormes, pois além
de não resolver o problema, os recursos são gastos de maneira equivocada, e isto
ocorre na maioria das cidades em virtude da falta de planejamento, ocupação de
áreas de risco e o gerenciamento inadequado de obras públicas e privadas em
relação ao ambiente.
4.1.5.1 Drenagem Urbana Sustentável
Como se observou anteriormente, a drenagem tem sido um tema bastante
recorrente, tanto sob a ótica da gestão de recursos hídricos quanto do planejamento
das cidades, podendo-se dizer que é um instrumento fundamental no controle de
cheias e também no sentido de indução de práticas de adequação do uso e
ocupação do solo.
18
Neste sentido, o sistema de drenagem assume importante papel no
âmbito das políticas ambientais e no desenvolvimento urbano, pois com este
sistema busca-se alternativas sustentáveis que impliquem na minimização dos
impactos sociais, por isso é chamado de sistema de drenagem sustentável.
Este novo sistema busca drenar as águas pluviais através de práticas que
se assemelham ao processo natural, com o intuito de diminuir áreas de
impermeabilização, restringir a construção de grandes e dispendiosos sistemas
hidráulicos e minimizar os impactos ambientais.
Atualmente as técnicas de drenagem utilizadas deparam-se com
obstáculos como a ocupação irregular do solo, falta de técnicos capacitados nos
municípios e insuficiência de recursos para investimento nos projetos. Por isso,
geralmente o sistema de drenagem tem sido desenvolvido paralelamente às
políticas de saneamento, inexistindo um planejamento próprio. Portanto, é neste
contexto que a drenagem urbana sustentável está inserida, pois com esta nova
técnica os impactos são mínimos e em regra tem custo baixo.
Assim, vislumbra-se que o município é também, importante ator na
implementação desta política, pois cabe a este a responsabilidade pelo
planejamento integrado, bem como, a articulação entre os diversos segmentos da
sociedade, inclusive na convocação para a participação ativa da sociedade civil
organizada. (PARKINSON et al; 2003)
Diante desse breve relato, observa-se que o plano de drenagem urbana
sustentável consiste em uma questão estratégica para o município, pois orienta uma
adequada ocupação dos espaços, e ainda promove a qualidade de vida da
população.
19
4.1.5.2 Saneamento Básico
Saneamento, geralmente é assunto vital para as políticas de saúde
pública, pois o abastecimento de água potável está atrelado ao fornecimento de
serviços de esgotamento sanitário. Assim, BRUNONI (2002) define o saneamento
básico como:
“conjunto de medidas higiênicas aplicadas especialmente na melhoria das
condições de saúde de uma determinada localidade, para o controle de doenças
transmissíveis ou não, sobretudo pelo fornecimento de rede de água potável e
esgotos sanitários.”
E assim por estar diretamente ligado às condições de higiene e saúde
constitui um direito inalienável do cidadão. A Constituição Federal em seu art. 196
dispõe que a saúde é direito de todos e dever do Estado, e neste mesmo enfoque a
Lei 8080/90, que disciplina as atribuições do SUS, Sistema Único de Saúde,
estabelece a sua participação na formulação de políticas de execução de ações de
saneamento básico. Por isso BRUNONI (2002) ressalta: “receber água limpa,
própria para o consumo, deveria ser considerado o primeiro e mais elementar direito
ambiental de uma família e de toda a comunidade.”
O sistema de esgoto sanitário é importante também para a preservação
dos recursos naturais, potencial produtivo das pessoas, diminuição dos custos de
tratamento de água e salubridade ambiental.
A salubridade ambiental diz respeito às condições favoráveis para a
promoção da saúde no interior de uma habitação, bem como no ambiente externo. A
saúde publica compreende a ciência e arte de promover, proteger e recuperar a
20
saúde através de medidas de alcance coletivo e de motivação popular e o potencial
produtivo das pessoas que são as conseqüências provocadas pela interação entre a
população humana e o ambiente físico, tanto o natural quanto o artificial, e também
o ambiente social.
Os índices de salubridade ambiental e saúde pública, por exemplo,
fornecem a estimativa dos índices de salubridade ambiental, tais como os
indicadores de abastecimento de água, esgoto sanitário, resíduos sólidos, controle
de vetores, riscos de contaminação de recursos hídricos e indicador socioeconômico
(SANTOS, 2004).
Nesse sentido, os investimentos que forem efetuados com saneamento
básico reverterão em economia na área da saúde pública, que aliada à política de
municipalização do SUS, adotada pelo governo federal, intensifica a incumbência do
Poder Público local em reverter as distorções deste setor.
Assim, a Constituição Federal, no seu art. 30, I, conferiu ao município
autonomia de legislar em assunto de seu interesse, e o inciso V do mesmo artigo,
delega ao município a competência de organizar e prestar serviços públicos de
interesse peculiar, dentre os quais destaca-se o saneamento básico, pela afetação
imediata do agrupamento local, permitindo-lhe prestar tal serviço de forma direta ou
indireta. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)
Assim dispõe a Constituição no seu art. 30, V: “compete aos municípios:
V. organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os
serviços públicos de interesse local, incluindo o de transporte coletivo, que tem
caráter essencial”. Isto significa que, no que se refere a interesse local, os demais
entes políticos não poderão prestá-los direta ou mesmo transferi-los a terceiros sem
anuência do município.
21
Desta forma, o serviço de saneamento básico é questão de prioridade
máxima ao município devido à sua relevância social e também porque produz
reflexo em todas as esferas da gestão das águas e urbana, como bem ressalta
SUETÔNIO MOTA: “a cidade que conta com um adequado sistema de esgoto tem
os seus problemas de poluição das águas bastante reduzidos” (in: BRUNONI, 2002).
Portanto, como se pode observar, além de contornos de direito
fundamental, o saneamento básico é questão das mais relevantes para a gestão
urbana e inclusive está sendo objeto de um Projeto de Lei n. 5.296/05, que visa
instituir a Política Nacional de Saneamento Básico, que encontra-se em trâmite na
Casa de Leis.
4.1.5.3 Resíduos sólidos
Outro tema fundamental, na gestão urbana é a gestão dos resíduos
sólidos, porém antes de se adentrar ao tema faz-se necessário uma breve análise
de ordem conceitual.
A denominação de resíduo sólido engloba todas as formas de descartes,
ou seja, as descargas de materiais sólidos provenientes de operações industriais,
comerciais, agrícolas e da comunidade. Em sentido mais singelo, significa qualquer
lixo, refugo, lodo, lamas ou borras resultantes de atividades humanas de origem
doméstica, profissional, agrícola, industrial, nuclear ou de serviço.
Entendida a denominação, pode-se observar que este problema se
agrava constantemente em decorrência do processo intenso de urbanização, que
associado aos problemas econômicos e sociais, afeta as condições de vida e
acarreta a degradação do meio ambiente, trazendo implicações à saúde.
22
Assim, é neste contexto que o lixo urbano está inserido, atingindo valores
relacionados com a saúde, habitação, lazer, segurança, direito ao trabalho,
agredindo além do meio ambiente urbano, também o ambiente natural, como solo,
água e ar.
Do ponto de vista jurídico, de acordo com as leis ambientais, o lixo possui
natureza jurídica de poluente, desde o momento em que é produzido, e por isso
deverá ser submetido a um processo de tratamento. Mas admite-se a existência de
resíduos sólidos com níveis aceitáveis de poluição e assim seu tratamento é
determinado de acordo com as normas estabelecidas.
O gerenciamento dos resíduos não se submete a um regime jurídico
único, pois varia de acordo com a localidade onde são gerados e seu conteúdo,
deste modo, conforme os tipos de resíduo têm-se os tipos de tratamento que vão
desde a deposição, aterragem, aterros sanitários, compostagem e
reaproveitamentos em geral (FIORILLO, 2001).
Como se constatou da análise, o lixo urbano constitui um enorme
problema para a gestão das cidades e tende a crescer cada vez mais, em virtude do
aumento populacional e do consumo, e por isso também cabe ao município através
de suas políticas públicas buscar um gerenciamento adequado, pois o tratamento
em geral é feito de acordo com a localidade, e também porque a gestão dos
resíduos deverá estar atrelada às demais políticas ambientais.
4.1.6 Proteção das águas no contexto urbano
Como se observou até o presente momento, a água no meio urbano
possui diversos aspectos, mas prioritariamente está ligada ao abastecimento
23
público. Entretanto, vários fatores devem também ser levados em consideração, tais
como o crescimento populacional, a poluição doméstica e industrial, que criam
condições ambientais inadequadas e propiciam a proliferação de doenças de
veiculação hídrica, poluição do ar, sonora, aumento da temperatura, contaminação
da água subterrânea, deterioração de mananciais entre outros (TUCCI, 2002).
Deste modo, como se verificou anteriormente, a água é fator fundamental
na ocupação do solo e na fixação das cidades, pois constitui elemento fundamental
à sobrevivência humana, bem como, ao desenvolvimento das sociedades.
Neste contexto, o país já despertou para a falsa concepção de
abundância da água, embora detenha 8% das reservas de água doce do planeta,
ainda assim, tem sofrido com a degradação e poluição de todas as ordens, em
especial causadas pelas cidades que têm provocado grandes impactos
socioambientais.
Neste contexto, foi criada a Lei 9433/97, conhecida como lei das águas,
onde ficou superada a concepção privatista da água fluvial, emergindo uma nova
política que considera a água como um bem de domínio público, recurso natural
limitado e dotado de valor econômico.
Neste cenário, surge o município como ator principal para a efetivação
dos programas de desenvolvimento local em consonância com os usos múltiplos e
racionais dos recursos hídricos (BRUNONI, 2002). Vale dizer ainda, que é no
município onde tudo acontece e por isso, este depende sobremaneira de seus
mananciais, de forma que, torna-se imprescindível a implementação de ações de
combate a poluição e controle da qualidade da água. Portanto, é fundamental a
participação deste ator na execução e efetivação da nova gestão de recursos
hídricos.
24
4.1.7 O direito urbanístico e a construção das cidades sustentáveis
O direito urbanístico é o ramo das ciências jurídicas cujo objetivo direto é
a ordenação e planejamento dos espaços urbanos, isto é, disciplina a atuação do
Poder Público na utilização dos espaços urbanos.
De acordo com a teoria jurídica, assume dupla ascepção, ou seja, pode
ser dividido em direito urbanístico positivo e direito urbanístico cientifico. Segundo
COSTA (2004), o primeiro aspecto refere-se à nova realidade do direito urbanístico
introduzido pela Constituição Federal de 1988, e que deu status constitucional a
esse ramo do direito público, podendo ser conceituado como conjunto de normas
que regem as intervenções materiais nas propriedades imobiliárias, publicas ou
privadas, localizadas em territórios urbanos.
Sob a ascepção de direito urbanístico, enquanto ciência, é definido como
um conjunto de normas jurídicas postas em um dado ordenamento, segundo
condições de tempo e de espaço.
Apesar de ser considerado um ramo das ciências jurídicas, o direito
urbanístico no Brasil possui uma legislação escassa, esparsa e pouco didática, por
isso a dificuldade na extração de princípios norteadores, que até o momento não se
têm mostrado firmemente delineados pela doutrina, pois em geral preocupa-se mais
com a autonomia desta disciplina. Mas para MUKAI (2004), os princípios nascem
com o próprio texto constitucional a partir do momento que permite depreender um
arcabouço principiológico decorrente do estabelecimento da função social da
propriedade.
25
JOSÉ AFONSO DA SILVA citado em COSTA (2004), extraiu alguns
princípios a seguir: princípio da função social da propriedade, que se refere à
mitigação do direito de propriedade sob a fundamentação do interesse público;
princípio do urbanismo como exercício da função pública, significa que a ordenação
do meio urbano somente é possível por meio do Poder Público; princípio da afetação
das mais-valias ao custo da urbanização, quer dizer que os benefícios oferecidos
pelo Poder Público no desempenho das ações urbanísticas, podem ser cobrados
dos particulares, como, por exemplo, quando ocorre a valorização dos imóveis em
virtude do processo de urbanização.
E por fim, o princípio da justa distribuição de benefícios e ônus derivados
da atuação urbanística, no qual entende-s que está inserido uma das faces do
princípio da igualdade, ou seja, o Poder Público ao traçar uma política de
desenvolvimento deverá atender as peculiaridades dos variados grupos urbanos do
município, com vistas a atenuar as desigualdades sociais (COSTA, 2004).
MUKAI (2004) ainda destaca o princípio da função ambiental da
propriedade, que segundo este autor, está delineado no art. 170, VI, da Constituição
Federal, o qual elenca “a defesa do meio ambiente” como princípio da Ordem
Econômica e Financeira. E no art. 182, CF, quando ressalta que a política de
desenvolvimento urbano executada pelo Poder Público municipal tem por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade garantindo o bem
estar dos seus habitantes.
Assim, pode-se observar que a disciplina urbanística está em franca
expansão e atualmente reveste-se de importância vital, em face do processo de
urbanização, e tem exercido enorme influência na relação entre os cidadãos, as
cidades, o meio ambiente e suas prioridades.
26
Das análises anteriores, observou-se também que o urbanismo não foi
tratado da mesma forma ao longo do tempo, havendo a necessidade de uma
reflexão a esse respeito a fim de que se possa dar um conteúdo atual e equânime a
esse ramo em prol da sociedade. Nesta linha, a moderna concepção de urbanismo
entende que este passa a ser concebido preocupado com valores espirituais e com
a melhoria das condições de vida do homem (MUKAI, 2004).
Assim, verifica-se que o direito urbano é um ramo extremamente
importante para a concretização do bem comum, da melhoria da qualidade de vida,
bem como, na manutenção do equilíbrio ambiental. Entretanto, vale destacar, que é
uma disciplina bastante recente, com princípios ainda em formação, com legislações
esparsa, mas que a partir da Constituição Federal de 1988, inaugura um novo
cenário jurídico.
Neste sentido, a regulamentação que constitui a maior inovação
concretizada nos últimos anos, em termos urbanísticos, é a Lei 10.257/2001 que
veio regulamentar o art. 182 e 183 da CF, e ficou conhecida como Estatuto da
Cidade, que após um difícil e vagaroso processo de tramitação, com duração de
mais de dez anos, veio instrumentalizar os municípios no seu papel constitucional de
executores da política de desenvolvimento urbano e conseqüentemente, iniciar os
primeiros passos na concretização das cidades sustentáveis.
27
4.2 Gestão Urbana e o Novo Cenário Jurídico Ambiental
4.2.1 O Município e suas competências na Constituição Federal de 1988
O art. 18 da Constituição Federal (1988) apresenta a organização político-
administrativa do país, assegurando a autonomia dos entes federados nos seguintes
termos: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil
compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos
autônomos nos termos desta Constituição.”
Em seguida, o art. 23 vem estabelecer a competência comum, dos quais
destacam-se aqui os incisos, III, VI, VII e XI, que tratam dos seguintes bens
respectivamente: a proteção bens de valor histórico e paisagens naturais de valores
notáveis; a proteção do meio ambiente e combate à poluição; preservação de
28
florestas, fauna e flora e ainda a fiscalização de concessões de direitos de pesquisa
e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios.
Em seguida a Constituição Federal (1988), dedica capítulo especial – a
partir do art. 29 – para regulamentar a atuação do município, onde destaca-se o art.
30, que traça as competências dos municípios, ressaltando-se os incisos I, V e VIII,
afetos ao presente estudo, que assim dispõem:
Art. 30. Compete aos Municípios:
I – legislar sobre assuntos de interesse local;
(...)
V – organizar, e prestar diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,
os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem
caráter essencial;
(...)
VII – prestar, com cooperação técnica e financeira da União e do Estado,
serviços de atendimento à saúde da população;
VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.
(grifo nosso)
Como se pode observar através dos dispositivos apresentados, é notório
o fortalecimento conferido pela Constituição Federal de 1988 aos municípios,
elevando-os à condição de entes federativos autônomos.
Verifica-se também que a Constituição optou pela descentralização
política, manifestando o principio da subsidiariedade, que representa a regra
fundamental do federalismo, em virtude da divisão de competências conferindo
equilíbrio entre as diversas esferas governamentais (TORRES, 2001. In:
GUIMARÃES, 2004).
29
Assim, sobre a competência municipal, GUIMARÃES (2004) sintetiza
brilhantemente:
“Dessa forma, na divisão de competências entre os entes políticos (União,
Estados-Membros e municípios) confere-se prioridade aos menores para a
satisfação dos interesses locais, aos intermediários para a realização dos
interesses regionais e, finalmente, ao central para cumprimento das demandas
que os demais não possam cumprir de forma satisfatória. Portanto, aquele
princípio reclama a atribuição das responsabilidades públicas às autoridades
mais próximas dos cidadãos, por estas estarem assim posicionadas e em
condições de executar, de forma mais eficiente, o interesse público.”
Desta forma, vislumbra-se que sem dúvida o município é o principal ator
na eficácia das políticas públicas de forma geral, pois é o centro de poder mais
próximo ao cidadão, constitui entidade natural, oriunda da imposição da natureza
social do homem, e anterior ao próprio Estado (GUIMARÃES, 2004). E por assim
ser, é naturalmente o nível de governo com maior aptidão para compreender as
necessidades dos cidadãos.
4.2.2 Competência municipal em matéria ambiental
Sobre a atuação municipal em matéria ambiental, a Constituição Federal,
atribui dois tipos de competência ambiental: a competência material ou
administrativa e formal ou legislativa, que juntamente com a competência urbanística
é imprescindível para efetivar uma gestão urbana voltada ao desenvolvimento
sustentável.
30
Competência material é o poder-dever atribuído a uma esfera
governamental, que lhe permite fiscalizar e sancionar condutas contrárias a uma
norma. Esta se subdivide em competência exclusiva, na qual a atuação é atribuída a
uma entidade com exclusão das demais; e comum, onde a atuação é feita em
condição de igualdade entre as entidades, ou seja, de forma cooperativa.
Já a competência legislativa refere-se à atividade de legislar sobre
determinadas matérias, que também pode ser subdividida em: competência
exclusiva, onde a atividade de legislar é própria de um ente, com exclusão dos
demais; privativa, é competência legal própria de uma entidade, mas que pode ser
delegada a outra; concorrente, há possibilidade de mais de uma entidade legislar
sobre a mesma matéria, porém prevalece a União na fixação de normas gerais, e
por fim, a competência suplementar, cuja finalidade é formular normas que
desdobrem o conteúdo de outras ou supram omissões (GUIMARÃES, 2004).
Assim, o texto constitucional prevê a competência material exclusiva do
município em alguns artigos, como exemplo, os artigos 30, VIII, 144, § 8° e 182, §
4°, onde são conferidos ao Poder Público municipal poderes para atuar nesta área.
Com relação a esta matéria existe grande discussão acerca do tema entre
juristas, pois BESSA ANTUNES (2003), entende que há diferença entre poder
administrativo e competência. Poder administrativo seria uma atividade executiva
para administrar e fazer cumprir as determinações, enquanto competência seria a
capacidade para tomar decisões políticas, neste caso, para a proteção do meio
ambiente.
Esse entendimento leva a concluir que as normas ambientais federais e
estaduais não poderiam ser impostas pelos órgãos ambientais municipais,
entretanto, com a Política Nacional de Meio Ambiente, através da Lei 6.938/81, a
31
competência municipal ambiental no âmbito do SISNAMA – Sistema Nacional de
Meio Ambiente – adquire contornos definidos, que fica claramente demonstrado
quando a referida lei dispõe sobre o poder fiscalizador e controlador dos órgãos
locais sobre as atividades capazes de provocar danos ambientais. Portanto, fica
configurado que o município também possui o poder de polícia ambiental.
Para melhor compreender, poder de polícia, em sentido amplo, é
importante demonstrar que este significa um sistema total de regulamentação
interna, pelo qual o Estado busca não só preservar a ordem pública, senão também
estabelecer para a vida de relações dos cidadãos aquelas regras de boa conduta e
de boa vizinhança que se supõe necessárias para evitar conflitos de direitos e para
garantir a cada um o gozo ininterrupto de seu próprio direito até onde for
razoavelmente compatível com o direito dos demais (COOLEY. In: PACIORNIK,
2002).
Neste sentido, pode-se afirmar que a competência material dos
municípios também vale para as normas federais e estaduais (GUIMARÃES, 2004).
Mas há que se ressaltar ainda o parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal,
o qual estabelece a necessidade de se criar uma lei complementar para
regulamentar a cooperação entre todas as pessoas políticas, conforme destaca
GUIMARÃES (2004):
“... embora tal norma ainda não tenha sido criada, deve-se entender que como a
atuação nas questões relativas ao meio ambiente é de competência das três
esferas de governo, a cooperação entre eles deve ocorrer, independente de tal
norma.”
32
E assim, o Ministério do Meio Ambiente tem trabalho nesta linha, pois tem
como prioridade acelerar a construção do pacto federativo nas questões ambientais,
e articular os governos municipais, distritais e estaduais, privilegiando a execução
local das políticas ambientais.
No que se refere à competência legislativa, tem-se por base o art. 30, I,
que traz a expressão “assuntos de interesse local”, que é considerada bastante
vaga, pois tem dado margem a diversas interpretações.
No âmbito dessa discussão, há autores que afirmam que tal expressão
restringe a competência municipal, pois assuntos de seu interesse local, são
também interessa a outros entes, e assim acabam não sendo regulados pelo
município, sob o fundamento de não ser interesse exclusivo.
Mas a grande maioria da doutrina é pacífica no sentido de entender que
interesse local não se caracteriza exclusividade, mas sim predominância, isto
significa que, o município é livre para organizar-se, considerando seus interesses
particulares, isto é, suas normas prevalecem sobre qualquer outra, confirmado pelo
art. 18 da Constituição Federal, que confere ampla autonomia ao município
(FREITAS. In: GUIMARÃES, 2004).
Neste enfoque, com bastante propriedade GUIMARÃES (2004) e
TORRES (2001) fazem a seguinte análise:
“Apesar de todas essas afirmações de imprescindível conhecimento, não há
como deixar de reconhecer que a expressão “interesse local” não garante um
núcleo determinado de competências em favor do ente local, dada a própria
indeterminação daquele conceito. Assim, conforme SILVIA TORRES (2001), ele
demanda que o legislativo ordinário paute pelo principio da subsidiariedade,
deixando de atribuir determinadas tarefas públicas aos Estados e União quando
o município puder eficazmente executá-las.”
33
Já na opinião de PASSOS DE FREITAS (2000) sobre as competências
legislativas, as atribuições privativas do município na proteção ambiental não são
expressivas, pois na maioria das vezes a competência é concorrente.
No que se refere à competência suplementar, pode-se dizer que se
pressupõe que seja concorrente, ou seja, o município pode legislar em todas as
matérias de sua competência legislativa comum, incluídos o meio ambiente,
entretanto, cabe ressaltar que apesar de poder legislar não lhe foram conferidas
atribuições, art. 24, caput, VI e VII, da Constituição Federal, por isso, esta
competência está atrelada às normas estaduais e federais, isto é, não pode
contrariá-las, como bem apresenta JULIANA PITTA GUIMARÃES, com a seguinte
colocação:
“Os temas afetos ao Direito Urbanístico, proteção ao meio ambiente, defesa do
patrimônio histórico-cultural, controle da poluição etc. (matérias dispostas no art.
24, I, VI, VII) são de competência concorrente dos Estados e União. O município,
ao dispor sobre essas matérias em razão do seu interesse local, não pode ir
contra o que se estabeleceu em âmbito federal e estadual, mas seu interesse
não fica restrito ao que tais entes estabeleceram.”
Em síntese, é tarefa do município adequar as normas às realidades
locais, e regulamentar outras matérias que não foram objeto de normas federais ou
estaduais.
4.2.3 Competência constitucional urbanística
34
Quanto às competências urbanísticas, até a promulgação da Constituição
de 1988, não havia um tratamento constitucional específico, somente com a nova
Carta Magna, foram extraídos diversos princípios de direito urbanístico e de políticas
urbanas, capazes de dar suporte ao desenvolvimento sustentável, com o ser
humano como centro das preocupações.
A repartição de competências em matéria urbanística seguiu a sistemática
traçada pela Constituição, ou seja, a União tem a competência de elaborar e
executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e desenvolvimento
econômico e social, e estabelecendo normas gerais de desenvolvimento urbano,
segundo os artigos. 21, IX, XX e XXI, e art. 24, I da CF.
Entretanto cabe ressaltar, a necessidade de lei federal, para a
regulamentação dos artigos 21, XX, referente a saneamento, que está em trâmite na
Casa de Leis, de transporte e desenvolvimento urbano, e o art. 24, normas de direito
urbanístico.
Aos Estados-membros cabe legislar concorrentemente sobre direito
urbanístico, dispondo acerca do território estadual, e suplementar com relação às
normas gerais estabelecidas pela União, art. 24, I, da CF, e ainda inexistindo lei
federal, estes poderão exercer a competência legislativa plena para atender suas
peculiaridades, art. 24, § 3°, da CF, (ROCHA, 1999).
Com relação ao município, cabe a este estabelecer a política de
desenvolvimento urbano local, com vistas a atender a função social da cidade,
segundo o art. 182, da CF, bem como, promover o adequado ordenamento do
território, mediante planejamento do uso, parcelamento e ocupação do solo, através
do Plano Diretor, art. 30, VIII, CF.
35
Neste contexto, em síntese a competência municipal em matéria
urbanística e ambiental é basicamente suplementar às normas gerais – federal e
estadual. Entretanto, cabe ressaltar novamente, que a cidade é o cenário onde
acontecem os processos de construção das condições materiais de vida, daí a
importância e relevância do interesse local na efetivação da política urbana e
ambiental, bem como, na proteção das águas que a seguir será analisada.
4.2.4 Legislações infraconstitucionais referentes ao meio ambiente natural e
urbano
Dentre as normas de proteção ao meio ambiente e meio ambiente urbano
destacam-se em ordem cronológica:
Decreto 24.634/34, Código de Águas;
Decreto – lei n. 25/37 disciplina o patrimônio cultural;
Decreto – lei n. 3.365/41, que regula a desapropriação por utilidade pública;
Lei 4.591/64, dispõe sobre condomínio e edificações;
Lei 4.717/65, regula a Ação Popular;
Lei 4.4771/65 – o Código Florestal;
Lei n. 197/67, disciplina a proteção da fauna;
Lei n. 5.318/67, dispõe sobre a Política Nacional de Saneamento;
Lei n. 5.917/73, aprova plano nacional de viação;
Lei n. 6.189/74, trata das atividades nucleares;
Decreto – lei n. 1.413/75 e Lei n. 6.513/77, que dispõe sobre atividades industriais e
zoneamento industriais;
Lei 6.513/77, dispõe sobre áreas especiais e de interesse turístico;
36
Lei n. 6.766/79, dispõe sobre parcelamento do solo urbano;
Lei n. 6.803/80, dispõe sobre zoneamento industrial;
Lei 6.902/81, trata das estações ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental;
Lei 6.938/81, estabelece a Política Nacional de Meio Ambiente;
Lei 7.347/85, disciplina a Ação Civil Pública, para a defesa do meio ambiente e
demais interesses difusos;
Lei 7.661/88, trata do gerenciamento costeiro;
Lei 7.802/89, disciplina atividades relacionadas a agrotóxicos;
Lei 8.080/90, regulamenta a Saúde;
Lei 8.629/93, trata da reforma agrária;
Lei 9.433/97, institui a Política Nacional de Recursos Hídricos (ROCHA, 1999);
Lei 9.605/98, trata dos crimes ambientais;
Lei 9.795/99, dispõe sobre educação ambiental e;
Lei 10.257/2001, estabelece diretrizes para a política urbana (MEDAUAR, 2002)
Em síntese estas são as legislações ambientais e urbanas que norteiam a
proteção do meio ambiente urbano.
4.2.5 Política nacional de desenvolvimento urbano
O marco inicial da política urbana nacional foi durante o regime militar.
Mas somente em 1973 foram criadas as primeiras diretrizes para uma política
nacional de desenvolvimento urbano, neste período o planejamento urbano obteve
grande prestigio, porém com acentuada ineficácia, pois os planos diretores
formulados não garantiam rumos para um adequado crescimento das cidades.
37
A década de 70 foi marcada pelo crescimento de construções que foram
feitas através do BNH, Sistema Nacional de Habitação. Neste período, de 1964 a
1984, foram construídas mais de 4 milhões de moradias e foram implantados os
primeiros sistemas de saneamento, através do PLANASA, Plano Nacional de
Saneamento Básico.
Nas décadas de 80 e 90, o país entra num compasso de baixo
crescimento, em virtude da reestruturação produtiva internacional, nas chamadas
décadas perdidas, que impactou fortemente o financiamento público e privado, e o
BNH, endividado é extinto. E desde então, as políticas não avançaram, mas os
movimentos de reivindicação de uma reforma urbana sempre estiveram presentes,
fortalecendo-se na década de 80, quando estes apresentaram propostas à
Assembléia Constituinte de 1988 para a inclusão de dois capítulos na Constituição
Federal, destinados á política urbana (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004).
Assim, após décadas de discussões sobre a necessidade de utilização de
instrumentos de controle do solo urbano, a Constituição Federal de 1988, inaugura
as primeiras normas com o intuito de tornar as cidades espaços mais democráticos.
Neste contexto, tornou-se necessário uma reforma urbana no país, para
atender aos preceitos constitucionais, assim com este objetivo, foi criado em 2003 o
Ministério das Cidades, cuja função é combater as desigualdades sociais, ampliar o
acesso à moradia, ao saneamento, transporte, consolidar a política nacional de
desenvolvimento urbano e as políticas setoriais tornando as cidades espaços
humanizados e ambientalmente sustentáveis.
Com esta missão, o Ministério viabilizou a criação do pacto para a
construção de um Plano de Desenvolvimento Urbano pautado pela ação
democrática, descentralização e participação popular, visando a integração de
38
investimentos e ações. Para tanto, foi criado o Conselho das Cidades com a
participação de 71 representantes dos diversos segmentos da sociedade civil, cujo
intuito é formular as diretrizes para o desenvolvimento do Plano Nacional de
Desenvolvimento Urbano, para fins de efetivar os preceitos constitucionais.
Assim, considerando a realidade urbana vivenciada pela imensa maioria
da população no país, em especial quanto às precárias condições de habitação,
transporte, saneamento, educação e outros, o Plano Nacional de Desenvolvimento
Urbano vem no sentido de estruturar as políticas setoriais existentes, bem como a
integração destas, com vistas a implementar em síntese os seguintes programas:
1. Implementação dos instrumentos fundiários do Estatuto da Cidade, cujo objetivo é
observar a função social da propriedade e da sociedade;
2. Criação de um novo sistema nacional de habitação, através da integração de
políticas e pautados pelos preceitos constitucionais e do Estatuto da Cidade visando
em especial a inclusão social;
3. Promoção da mobilidade urbana sustentável e cidadania no trânsito, através da
criação de políticas públicas de transporte e trânsito, priorizando o modelo centrado
na mobilidade de pessoas sobre o modelo de mobilidade de veículos;
4. Um novo marco legal para o saneamento ambiental, que está sendo discutido
através do Projeto de Lei n° 5.296/05, que visa implantação de uma política nacional
de saneamento ambiental, pautado pelo conceito de salubridade ambiental, como
direito coletivo, cuja obrigatoriedade deverá ser compartilhada entre Estado e
operadores privados, criando uma visão multidisciplinar a fim de evitar ações
isoladas, incluindo nestas diretrizes o manejo das águas pluviais e dos resíduos
sólidos, a fim de consolidar e dinamizar estas políticas;
39
5. Capacitar e informar as cidades, proposta cujo sentido é propiciar a capacitação
dos agentes públicos e sociais para as políticas públicas urbanas integradas, a fim
de impulsionar a formação de sujeitos sociais aptos a intervir no debate político, lidar
com as diversidades, com as críticas e a busca pela redução das desigualdades, a
ser feito através de programas de capacitação. (CADERNO M.CIDADES, 2004)
Enfim, estas propostas de estruturação de um plano, são frutos da
participação democrática através das Conferências das Cidades, que têm
acontecido pelo país, e que já estabeleceram os objetivos, diretrizes e princípios
para o Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano.
4.2.6 Estatuto da Cidade e a nova ordem jurídico-institucional na gestão
urbana ambiental
No decorrer do processo de consolidação da Constituição Federal de
1988, um movimento multissetorial e de abrangência nacional lutou para incluir no
texto constitucional instrumentos que levassem à instauração da função social da
cidade e da propriedade no processo de construção das cidades.
As tentativas de construção de um marco regulatório federal para a
política urbana remontaram na proposta de uma lei de desenvolvimento urbano
elaborada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano, nos anos 70,
resultando no Projeto de Lei n. 775/83.
O projeto em questão coloca como objetivo o desenvolvimento urbano e a
melhoria da qualidade de vida nas cidades, e dentre as diretrizes destacaram-se:
40
1. funções clássicas do planejamento urbano, como a ordenação da expansão,
prevenção e correção de distorções do crescimento, contenção da concentração
urbana, controle do uso do solo;
2. ação do Poder Público municipal, que se refere à adequação de investimentos
públicos e da política fiscal e financeira aos objetivos do desenvolvimento urbano;
3. a observância da função social da propriedade;
4. a justa distribuição dos benefícios e ônus do processo de urbanização, tais como
oportunidade de acesso à moradia;
5. estímulo da participação individual e comunitária e iniciativa privada;
6. proteção ao meio ambiente, patrimônio histórico, artístico, arqueológico e
paisagístico.
Mas, com a lentidão dos debates na Câmara levou a diversas
modificações e propostas do Projeto de Lei 775/83. A proposta final elaborada pelos
movimentos sociais baseou-se nos seguintes princípios:
O Estado fica obrigado a assegurar os direitos urbanos a todos os cidadãos;
Submissão da propriedade à sua função social;
Direito à cidade e;
Gestão democrática da cidade.
E assim, foi sendo construída a LDU, Lei de Desenvolvimento Urbano
como ficou conhecida, que traz pela primeira vez a questão social, através da noção
de função social, invocando a ação do Poder Público municipal, a contenção das
especulações imobiliárias e propõe áreas especiais para a regularização fundiária ou
para contenção da ocupação (CARDOSO, 2003).
41
E como resposta a essa luta, pela primeira vez na história, a Constituição
incluiu um capítulo específico para a política urbana, prevendo uma série de
instrumentos de garantia, contidos nos artigos 182 e 183, da CF/88.
Entretanto, o texto constitucional necessitava de uma legislação
específica de abrangência nacional para que os instrumentos e princípios fossem de
fato implementados, e por outro lado, para efetivar importantes instrumentos
previstos na Constituição, tais como, a edificação compulsória; IPTU – imposto
predial territorial urbano – progressivo no tempo e a desapropriação com pagamento
mediante títulos da dívida pública, que permaneciam sem aplicação devido a
ausência de uma regulamentação específica.
Deste modo, iniciou-se um período de mais de uma década de
negociações referente ao Projeto de Lei n. 5.788/90, que buscava regulamentar os
dispositivos constitucionais, e que finalmente foi aprovado em 2001, e ficou
conhecido como Estatuto da Cidade.
Hoje a Lei n. 10.257 de 2001 é considerada um dos maiores avanços
legislativos dos últimos anos, e finalmente regulamentou o capítulo da política
urbana da Constituição Federal, que a partir de então, combinada com o texto da
Medida Provisória n. 2.220/01 dão as diretrizes da política urbana nas três esferas –
federal, estadual e municipal.
A edição desta lei veio instrumentar os municípios no seu papel
constitucional de executores da política de desenvolvimento urbano, e também
constitui um primeiro passo para que os brasileiros tenham assegurado seu direito
às cidades sustentáveis, conceito entendido como sendo o direito à terra urbana, à
moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte, aos
serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.
42
Em verdade, com o Estatuto da Cidade o legislativo criou um suporte
jurídico para a atuação das municipalidades na gestão urbana, e não a imposição de
modelos fechados, por isso é considerada um marco inicial, além do que todos os
instrumentos contemplados pelo Estatuto, demandarão regulamentação através de
leis municipais especificas (INSTITUTO PÓLIS e CÂMARA DOS DEPUTADOS,
2002).
Da análise do Estatuto da Cidade, observa-se que este insere claramente
a preocupação ambiental no âmbito da política urbana, pois dentre as diretrizes
gerais com vistas a ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da terra e
da cidade, aparece pela primeira vez, o conceito de sustentabilidade, fato este de
grande importância, pois as disposições desta lei se refletirão nas demais políticas
do município.
Entretanto, como o município atenderá a tais obrigatoriedades
ambientais? Certamente será através dos instrumentos jurídico-administrativos
contidos no Estatuto da Cidade, que deverão ser adequados conforme à realidade
local, através do Plano Diretor competente, que a seguir será apresentado.
4.2.6.1 Instrumentos do Estatuto da Cidade em prol do meio ambiente
O Estatuto da Cidade incorporou boa parte dos princípios e
instrumentos discutidos ao longo dos últimos vinte anos. Primeiramente
recuperou a noção de direito urbano, quando trouxe a garantia do direito às
cidades sustentáveis – entendido como direito à terra urbana, à moradia, ao
saneamento, à infra-estrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos, ao
trabalho e ao lazer para as presentes e futuras gerações.
43
E em seguida com a proposta de gestão democrática das cidades,
garante a participação da população e associações representativas na
formulação, execução e acompanhamento de planos e programas de
desenvolvimento urbano e demais instrumentos específicos (RIBEIRO e
CARDOSO, 2003)
Deste modo, o Estatuto da Cidade (2001) além de regulamentar os
artigos 182 e 183 da CF, traz instrumentos divididos nos seguintes grupos:
Grupo de instrumentos de indução ao desenvolvimento urbano: que é
constituído pelo parcelamento, edificação ou utilização compulsória; IPTU
progressivo no tempo; desapropriação, com pagamento feito em títulos da
dívida pública; consórcio imobiliário; outorga onerosa do direito de
construir; direito de superfície; transferência do direito de construir;
operações urbanas consorciadas e direito de preempção;
Grupo de instrumentos de financiamento da política urbana: constituído
pela regulação urbanística e financiamento do desenvolvimento urbano e,
critérios de avaliação da contrapartida e resultados econômicos de
operações urbanas;
Grupo de instrumentos de regularização fundiária, que são as zonas
especiais de interesse social, usucapião especial de imóvel urbano,
concessão de uso especial para fins de moradia e concessão de direito
real de uso, e por fim;
Grupo de instrumentos da democratização da gestão urbana, que são
compostos pelos conselhos, audiências públicas, conferências sobre
assuntos de interesse urbano, iniciativa popular, gestão orçamentária
44
participativa, gestão participativa metropolitana, voto, plebiscito e
referendo (INSTITUTO PÓLIS e CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002)
Todos os instrumentos apresentados são de extrema importância para
a consolidação da política de desenvolvimento urbano, e também são relevantes
para o direito ambiental.
4.2.6.2 Estatuto da Cidade e o direito ambiental
A primeira impressão que se tem, é que com o advento do Estatuto da
Cidade os ambientalistas não teriam nenhuma preocupação, pois verifica-se
expressamente no Estatuto vinte referências ao meio ambiente, tais como a
preocupação com o equilíbrio ambiental, necessidade de sustentabilidade
ambiental e a preocupação com os impactos e normas ambientais.
Ocorre que na visão de MATA (2004), este instrumento legal por si,
não cuida da proteção ambiental de forma satisfatória e sistemática, daí a
necessidade de sua conjugação com o arcabouço jurídico de tutela ao meio
ambiente.
Observando a lei, logo no art. 1°, parágrafo único, demonstra boa
intenção quanto à defesa do meio ambiente, pois faz referências ao bem coletivo
e bem-estar dos cidadãos, revelando preocupação como meio ambiente. Outro
ponto a ser destacado é a preocupação com o desenvolvimento sustentável, que
foi introduzido com a noção de cidades sustentáveis.
O art. 2° também traz referências ao meio ambiente das quais
destaca-se: a correção dos efeitos negativos sobre o meio ambiente; ordenação
e controle do uso do solo para evitar poluição e degradação ambiental; proteção,
45
preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído; do patrimônio
natural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; e audiência do Poder
Público e da população com respeito à implantação de atividades impactadoras.
Até o presente momento, não há o que reclamar quanto à proteção do
ambiente. Porém os problemas começam a surgir no tocante à regularização
urbanística e fundiária e a defesa do meio ambiente, em especial no art. 2°, XIV,
pois este dispositivo dispõe de forma frágil acerca da proteção ambiental, como
aponta MATA (2004): “... da interpretação conjugada dos dispositivos do Estatuto
da Cidade resulta claro que o legislador não teve em mente condicionar a
regularização urbana ou fundiária ao estrito cumprimento das normas de padrões
ambientais...”
Outro ponto salientado é com respeito ao enigmático inciso XV, do
mesmo artigo, que preconiza a simplificação da legislação de parcelamento, uso
e ocupação do solo e normas edilícias, com vistas a reduzir os custos e aumento
de lotes e unidades habitacionais. Este dispositivo não pode ser visto como
legitimador da qualidade de vida urbana e ambiental (MATA, 2004).
A outorga onerosa do direito de construir, também deve ser objeto de
preocupação quanto à compatibilização com o direito ambiental, pois poderá ter
uma finalidade meramente arrecadatória. Isto significa que poderá ser utilizada
tanto como indutora de condutas, em prol do planejamento e do meio ambiente,
quanto custosa à sociedade se utilizada apenas como instrumento financiador.
Já o art. 42, I, do estatuto dispõe que o plano diretor deverá conter
a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento,
edificação ou utilização compulsória, considerando a infra-estrutura e
demanda pela utilização, o que acaba por exigir um amplo diagnóstico para
46
que sejam delimitadas todas as áreas do município passíveis de
aproveitamento compulsório.
Ocorre que, para MATA (2004), esta definição a ser feita pelo
Plano Diretor parece equivocada, pois caso seja alterada a infra-estrutura de
um bairro, ensejará hipótese de reformar o Plano Diretor, que deveria ser
mais estável. Entretanto, vale dizer que o Plano é baseado em projeções
futuras de adensamento, não sendo totalmente procedente tal afirmativa.
Com essas breves análises observa-se que o Estatuto da Cidade
traz instrumentos bastante inovadores que merecem ser discutidos e
interpretados cuidadosamente para serem bem aplicados, sem que acarretem
custos ambientais e sociais (MATA, 2004), como destaca Túlio Ascarelli,
através de singela frase, citada por MATA: “na atual crise de valores, o
mundo pede aos juristas idéias novas, mais que sutis interpretações”.
Entretanto, somente a prática constatará se o Estatuto da Cidade
conseguirá institucionalizar o planejamento nos municípios com a participação
popular, mas é certo que este propiciará uma ampla aprendizagem coletiva devido
aos inúmeros problemas que serão enfrentados como a violência, o desemprego, a
pobreza e outros que demandam urgência na tomada de decisões do Poder Público
e da sociedade.
4.2.7. Plano Diretor como instrumento da gestão urbana ambiental
A institucionalização de um planejamento urbano nas administrações
municipais brasileiras disseminou-se a partir da década de 70, com a explosão do
processo de urbanização.
47
O planejamento urbano era idealizado através de um plano diretor de
desenvolvimento integrado, cujo ponto de partida era a definição de padrões
adequados de organização do espaço físico que se consubstanciava em
investimentos públicos e na legislação de uso e ocupação do solo, a ser
implementada pelo Poder Público municipal.
O instrumento preponderante para a prática do planejamento era o
zoneamento, que significa a divisão do conjunto do território em zonas diferenciadas,
baseado no modelo de cidade ideal, sem parâmetro de uso e ocupação específicos.
Neste período havia a adoção de padrões urbanísticos exigentes e de
difícil compreensão, e alta complexidade dos planos, que eram concebidos sob a
hegemonia de uma visão tecnocrática da legislação urbanística. A cidade era objeto
puramente técnico, sendo que a legislação tinha a função apenas de estabelecer os
padrões satisfatórios da qualidade de seu funcionamento, ignorando-se os demais
conflitos que influenciam no crescimento das cidades.
Após duas décadas de elaboração de planos diretores segundo um
receituário tecnocrático, verificou-se a incapacidade dos planejamentos urbanos em
produzir cidades equilibradas, surgindo assim, os questionamentos acerca desses
parâmetros, impulsionando o surgimento de movimentos sociais urbanos em busca
de uma reforma (INSTITUTO PÓLIS e CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002).
Nesse contexto, a Constituição Federal de 1988, vem atender esses
anseios, que através do seu art. 182 contemplou o instituto do plano diretor como
instrumento básico da política de desenvolvimento urbano, a ser executada pelo
município, através de lei especial, com objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento
das funções sociais da cidade, como bem apresenta MUKAI (2004):
48
“De fato, a ocupação e o desenvolvimento dos espaços habitáveis, sejam eles
no campo ou na cidade, não podem ocorrer de forma meramente acidental, sob
as forças dos interesses privados e da coletividade. Ao contrário, são
necessários profundos estudos acerca da natureza da ocupação, sua finalidade,
avaliação da geografia local, da capacidade de comportar essa utilização sem
danos para o meio ambiente, de forma a permitir boas condições de vida para as
pessoas, permitindo o desenvolvimento econômico-social, harmonizando os
interesses particulares e os da coletividade”.
Sob este aspecto pode-se compreender a necessidade de um
planejamento urbano, que segundo Celso Ferrari deve ser integral e abrangente,
envolvendo diversos aspectos da realidade local. Mas Hely Lopes Meirelles, citado
em MUKAI (2004), é quem melhor conceitua o plano de desenvolvimento urbano
integrado, em três diferentes linhas:
“1) O Plano Diretor ou Plano de Desenvolvimento Integrado, como
modernamente se diz, é o complexo de normas legais e diretrizes técnicas para
o desenvolvimento global, constante do Município, sob os aspectos físico, social,
econômico e administrativo, desejado pela comunidade local.
2) É o instrumento técnico-legal definido dos objetivos de cada Municipalidade e
por isso mesmo com supremacia sobre os outros, para orientar toda a atividade
da Administração e dos Administrados nas realizações públicas e particulares
que interessem ou afetem a coletividade.
3) Na fixação dos objetivos e na orientação do desenvolvimento do Município é a
lei suprema e geral que estabelece as prioridades nas realizações do governo
local, conduz e ordena o crescimento da cidade, disciplina e controla as
atividades urbanísticas em benefício do bem-estar social.”
Dessa análise, pode-se ressaltar três aspectos jurídicos relevantes, a
saber: primeiramente, o plano diretor é obrigatório para o município, com mais de
vinte mil habitantes conforme o art. 182, § 1° da Constituição, concretizado pelo
49
Estatuto da Cidade, nos artigos, 41, 52 e 54. Em segundo, verifica-se que podem
existir planos nacionais, estaduais, regionais e metropolitanos concomitantes.
E finalmente em terceiro, o município é obrigado a observar seu Plano
Diretor, e ocorrendo conflito de diretrizes e normas, ainda assim, prevalecem as
normas de interesse local, sobre os planos nacionais, estaduais ou metropolitanos.
Portanto em síntese, o plano diretor pode ser conceituado como um
complexo de normas legais, contendo diretrizes, objetivos, programas e metas, que
abrangem o desenvolvimento econômico, social, ambiental e o uso e ocupação do
solo, projetados todos para um determinado período de tempo (MUKAI, 2004).
Deste modo, o plano diretor deverá explicitar de forma clara qual o
objetivo da política urbana, partindo de um amplo processo de leitura da realidade
local, envolvendo os mais variados setores da sociedade. E somente a partir dessa
leitura poderá estabelecer o destino e as estratégias.
Como se pode observar, o desenvolvimento de um plano diretor é
bastante complexo, tendo em vista o envolvimento de diversos ramos do
conhecimento. Assim devido à sua abrangência e complexidade, pode ser divido em
três fases: 1. Fase de diagnóstico, coleta e interpretação de dados; 2. Fase de
pesquisa sobre as aspirações e realidade desejada pela comunidade e; 3. Fase de
fixação de diretrizes e objetivos.
Outro ponto a ser mencionado é que, em termos formais o plano diretor
deverá ser instituído por meio de lei, seguindo o processo legislativo pelas vias
normais, porém há que se ressaltar que tal matéria é de iniciativa do Prefeito
(MUKAI, 2004).
Já no que se refere à lei, depois de aprovada há a possibilidade de
inserções, que poderão ser feitas observando o quórum estabelecido na Lei
50
Orgânica Municipal, a única restrição é no sentido de que a emenda não poderá
tratar de questões financeiras, pois é vedado o acréscimo de despesas além
daquelas previstas para a execução do plano.
4.2.7.1. Implementação e conteúdo do Plano Diretor
Como já mencionado anteriormente, o plano diretor deverá partir de um
amplo processo de leitura da realidade local, envolvendo a sociedade, para então se
estabelecer o destino para as diferentes regiões do município, baseado em objetivos
estratégicos.
Essas diretrizes serão alcançadas através de um macrozoneamento, ou
seja, a divisão do território em unidades que expressem o destino que o município
pretende para as diferentes áreas da cidade.
O macrozoneamento é uma espécie de referencial espacial para o uso e
ocupação do solo, de acordo com as estratégias de política urbana, onde
inicialmente são definidas as grandes áreas de ocupação, como área rural,
detectando as áreas de produção de alimento, minério, de madeira, e a área urbana,
quais sejam, a área de comércio, indústria, residencial, etc, delimitando-se assim o
perímetro urbano, o qual é objeto das regras da política urbana.
Com a definição dessas áreas, o macrozoneamento também auxiliará na
definição de grandes áreas de interesse de uso, ou seja, as zonas onde se pretende
incentivar ou coibir a ocupação, utilizando-se do principio da compatibilidade, que
significa a capacidade de infra-estrutura instalada, condições físicas, necessidades
de preservação ambiental e as características de uso e ocupação do solo existente.
51
Assim, para se realizar um macrozoneamento é imprescindível o
conhecimento da realidade local, que somente será possível através de um sistema
de informações, cuja finalidade será a disponibilização de informações pertinentes à
ocupação de cada área, tais como:
dados geomorfológicos, que indicarão as áreas adequadas para ocupação de
acordo com o solo, índices de declividade, altura do lençol freático;
dados do ecossistema, indicam área de vegetação e fauna de interesse a ser
preservada; dados de atendimento pela infra-estrutura, referente ao sistema
viário, captação e tratamento de esgoto, iluminação, abastecimento de água;
dados relativos às características e padrões de uso e ocupação do solo
existentes e;
dados relativos ao preço da terra (INSTITUTO PÓLIS e CÂMARA DOS
DEPUTADOS, 2002).
Somente com este mapeamento poderão ser estabelecidos instrumentos
a fim de se definir os objetivos da cidade. Portanto, verifica-se que o
macrozoneamento constitui a base para definir o uso e ocupação do solo da cidade,
sendo fundamental que suas definições estejam inteiramente contidas no Plano
Diretor.
Ressalte-se ainda, que o Plano Diretor também deverá ser
complementado de tal forma que esteja de acordo com legislações específicas,
como a Lei de Zoneamento, do Parcelamento do Solo, Código de Edificações, Lei de
Proteção Ambiental e Paisagem Urbana, e outros planos específicos (MUKAI, 2004).
Quanto aos efeitos jurídicos, cabe salientar que não se pode confundir os
planos setoriais com o Plano Diretor, pois aqueles são atos concretos e autônomos
da administração, e mesmo que aprovados por lei, quando o correto seria por
52
Decreto, são passiveis de impugnação judicial quando incidirem sobre a propriedade
particular ou interesse individual.
4.3 Interfaces entre a Gestão das Águas e a Gestão Urbana
4.3.1 Aspectos sócioambientais da gestão hídrica
Atualmente estima-se que mais de 1 bilhão de pessoas no mundo não
disponham de água suficiente para seu consumo, e que em 25 anos, cerca de 5,5
bilhões estarão vivendo em locais de falta d’ água. A ONU estima que faltará água
potável para 40% da população mundial em 2050, enquanto especialistas com uma
visão pragmática antecipam esse prazo para 2025.
Neste contexto é importante lembrar que aproximadamente 97% da água
do planeta é salgada, portanto de dificílimo aproveitamento para o consumo
humano. E que dos 3% da água doce, cerca de 2% estão no estado de gelo nas
calotas polares, e somente os 1% restantes, em sua maior parte estão no subsolo.
Como se pode observar, ínfima é a quantidade de água existente,
cabendo ainda ressaltar, que a água doce aproveitável para o consumo está
distribuída de forma desigual na Terra (VIEGAS, 2005).
53
Indissociáveis são água e vida, pois aquele elemento é indispensável à
manutenção do homem, dos animais e vegetais. E para que a vida se mantenha é
necessário que a água esteja em disponibilidade e quantidade suficiente à
satisfação das necessidades básicas dos seres vivos.
Nesta ótica, é necessário ressaltar que o direito à vida está enquadrado
no ordenamento pátrio, como direito fundamental, (art. 5°, caput, CF), ou de primeira
geração, como ensina André Ramos Tavares, citado por VIEGAS (2005):
“É o mais básico de todos os direitos, no sentido de que surge como verdadeiro
pré-requisito da exigência dos demais direitos consagrados constitucionalmente.
É por isto, o direito humano mais sagrado”.
“O conteúdo do direito à vida assume duas vertentes. Traduz-se, em primeiro
lugar, no direito de permanecer existente, e, em segundo lugar, no direito a um
adequado nível de vida”.
Assim, em primeiro lugar, cumpre assegurar a todos o direito de simplesmente
continuar vivo, permanecer existindo até a interrupção da vida por causas
naturais. Isso se faz com a segurança pública, com a proibição da justiça
privada, e com respeito, por parte do Estado, à vida e seus cidadãos.
Em segundo lugar, é preciso assegurar um nível mínimo de vida, compatível
com a dignidade humana. Isso inclui o direito à alimentação adequada, à
moradia (art. 5°, XXIII), ao vestuário, à saúde (art. 196), à educação (art. 205), à
cultura (art. 215) e ao lazer (art. 217).”
Dessa análise, extrai-se que para a continuidade da vida a população não
necessita apenas da disponibilidade de água doce, mas também que a água seja
potável e em quantidade compatíveis com a dignidade da pessoa humana, que
corresponde um dos fundamentos da República Brasileira, art. 1°, III, CF.
Portanto, é neste cenário que a gestão da água está inserida, então,
como enfrentar a chamada “crise da água”?
54
Primeiramente é importante destacar que, ao lado da escassez natural e
histórica que é recorrente em determinadas regiões do mundo, existe também
aquela provocada pela ação humana, da qual se destaca a poluição ambiental, que
sem dúvida é um dos principais fatores da crise, visto que, ao longo da história do
desenvolvimento dos povos, especialmente a partir da Revolução Industrial, a
preocupação da humanidade centrou-se basicamente na produção, sem maiores
cuidados para com o meio ambiente.
E este fato é facilmente constatado quando se verifica que a maioria dos
rios que banham cidades importantes tem suas águas consideradas tecnicamente
poluídas, o que decorre da falta de saneamento básico, lançamento de resíduos
industriais entre outros.
Neste mesmo sentido, destaca-se o aquecimento global que repercute
diretamente sobre as fontes de água doce, pois este fenômeno provoca o recuo das
geleiras e o derretimento das calotas polares, e conseqüentemente o aumento do
nível do mar, provocando o desequilíbrio do clima, entre outros.
Outra importante modificação ambiental que repercute na crise da água é
a destruição da camada vegetal em todo o planeta que tem ensejado uma série de
prejuízos à humanidade, como o desequilíbrio ecológico. Ao lado da poluição
ambiental a escassez é provocada também, pelo aumento desordenado da
população mundial, visto que, à medida que a população cresce, aumenta a
demanda e também a poluição dos recursos hídricos, que aliada ao desperdício,
contribui consideravelmente para com a crise da água (VIEGAS, 2005).
Assim, o gerenciamento adequado dos recursos hídricos, em especial nos
centros urbanos, constitui um desafio para o Poder Público e a própria sociedade do
século XXI.
55
4.3.2 Entendendo o contexto da regulamentação e gestão das águas
A Lei 9433/97, de 08/01/1997 instituiu a Política Nacional de Recursos
Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, e
regulamentou o art. 21, inciso, XIX, da Constituição Federal que assim dispõe: Art.
21. Compete à União: (...) XIX - instituir o sistema nacional de gerenciamento de
recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de uso.”
A referida lei não é apenas um instrumento de disciplinação das águas,
mas é considerada um arcabouço jurídico inovador, quanto aos rumos da gestão da
água e da sociedade, como demonstra MILARÉ (2001):
“Engana-se quem se contenta em ver na Lei 9433, de 08.01.1997, apenas um
instrumento legal disciplinador do uso das águas sobe o aspecto juridicamente
formal. O estudioso ou o observador atento vislumbrará, de pronto, uma
formulação cabalmente inovadora, quer na Doutrina do Direito, quer nos rumos
da gestão.”(2001, 392)
Em linhas gerais, a Lei Federal traça os fundamentos, objetivos,
diretrizes, instrumentos para a implantação da Política e as Ações do Poder Público,
e ainda cria o Sistema Nacional de Recursos Hídricos.
Neste contexto, em síntese, são objetivos principais da política: assegurar
a disponibilidade das águas e a qualidade adequada às presentes e futuras
gerações; garantir o uso deste recurso de forma racional e, atuar na prevenção e
defesa contra eventos hidrológicos decorrentes do uso inadequado dos recursos
hídricos.
56
Ainda segundo a Lei Federal, são fundamentos da Política Nacional de
Recursos Hídricos: I – água como bem de domínio público; II – a água é um
recurso limitado, dotado de valor econômico; III – em situações de escassez
deve-se levar em conta o uso prioritário dos recursos hídricos; IV – na gestão
deve-se levar em conta os usos múltiplos das águas; V – a adoção da bacia
hidrográfica como unidade territorial para a implementação da política de proteção
e, VI – a gestão deve ser participativa e descentralizada (BRASIL, Lei:
9433/1997).
Portanto, a gestão das águas deve levar em conta os usos múltiplos da
água, mas em caso de escassez, prevalecerão os usos prioritários dos recursos
hídricos, que são: o consumo humano e a dessedentação de animais conforme o
art.1°, III. Deste modo, cumpre ao órgão federal ou estadual, responsável pela
outorga, suspender parcial ou totalmente as outorgas que prejudiquem o consumo
essencial da água, evitando assim, privilégios de usos e a exclusividade.
A bacia hidrográfica – no âmbito da política – é considerada instrumento
de planejamento, unidade territorial básica para efetivação da política. E os
integrantes de uma determinada bacia, que podem incluir territórios, Estados ou
países, devem promover a gestão e o aproveitamento dos recursos hídricos de
forma integrada, sem prejuízo das unidades político-geográficas já existentes
(MACHADO, 1998).
Assim, surge a importância dos chamados Comitês de Bacias, que atuam
como uma espécie de parlamento das águas, onde reúnem-se usuários, o Poder
Público e organizações da sociedade civil em geral para a tomada de decisões.
Dentre os instrumentos destacam-se também, os planos de recursos
hídricos – conceituados como planos diretores – que visam fundamentar e orientar a
57
implementação da política a longo prazo, e o enquadramento dos corpos de água
em classes, segundo os usos preponderantes, já previstos pela legislação
ambiental, através de Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente -
CONAMA - que define a classificação de cada corpo de água numa determinada
classe, visando assegurar a qualidade e quantidade de água adequados, através de
instrumentos que irão proporcionar significativas transformações econômicas e
sociais para este novo milênio.
4.3.3 O Papel do município na integração de políticas
Em 2003 foram realizadas as Conferências das Cidades e do Meio
Ambiente, onde foram discutidas e consolidadas ações relativas à implantação da
Política Nacional de Recursos Hídricos, demonstrando que a tomada de consciência
é responsabilidade de todos para que se possa garantir água em quantidade e
qualidade adequadas para atender aos múltiplos usos desse recurso.
Neste sentido, a comunidade mundial, desde o final dos anos 90, vem
construindo processos, que estão expressos nas declarações de conferências,
recomendações e fóruns, tanto no âmbito das Nações Unidas como no Conselho
Mundial da Água e Saneamento, acerca dos problemas decorrentes da falta de água
potável e saneamento.
Nestas declarações e recomendações estão as metas estabelecidas na
Cúpula do Milênio das Nações Unidas, em 2000, e de Joanesburgo, 2002, cuja
finalidade é reduzir pela metade até o ano de 2015 o número de pessoas sem
acesso à água potável e saneamento. Estes são desafios que a comunidade
58
mundial precisa enfrentar, embora possam ocorrer sérias divergências no processo
de tomada de decisões.
Esta é uma realidade a ser enfrentada, pois a problemática da escassez é
conseqüência da poluição dos cursos d’ água, por resíduos oriundos da derivação
de muitas décadas sem qualquer controle, e que não atinge apenas alguns países,
mas atinge a todo o planeta.
Nesta ótica, as cidades passam a ser consideradas fonte principal da
poluição, pois são espaços complexos e desordenados pela incapacidade
administrativa, falta de investimento, pela migração do homem do campo – causada
pela devastação ambiental no mundo rural – atividades agropecuárias insustentáveis
e falta de capacitação para compreender seu ambiente natural, submissão aos
ditames tecnocráticos desde a época da revolução industrial, agravada após a
Segunda Guerra Mundial (KLOSKE e FRANCO, 2004).
Conforme dados oficiais do Ministério das Cidades, 60 milhões de
brasileiros não têm coleta de esgoto e cerca de 15 milhões não têm acesso à água
encanada. E ROCCO (1997), na Conferência Rio + 5 em 1997, já alertava para a
responsabilidade governamental em relação à reforma agrária que continua a
aumentar os bolsões de pobreza ao redor das cidades, gerando assim, o aumento
da violência, ocupação de unidades de conservação e recursos naturais, poluição
por esgotos e lixos. Deste modo, observa-se que a pobreza provoca além da
degradação social, mas também ambiental, considerada uma das maiores barreiras
à sustentabilidade.
Porém este quadro de degradação já estava delineado desde a
Conferência de Estocolmo em 1972, que constituiu o marco inicial ao processo de
preocupação com o meio ambiente, sendo a pobreza tema principal que passou a
59
integrar a Agenda 21, de 1992, que dez anos mais tarde, em Joanesburgo, foi
colocada em conexão com as metas para água e saneamento. Daí decorre a
importância da integração das políticas hídricas e urbanas.
E como já visto anteriormente, a Lei 9433/97 trouxe uma das maiores
novidades que foi o princípio da bacia hidrográfica como unidade territorial para a
implantação da política de recursos hídricos. Outra importante meta, contida no
artigo 3º da Lei, é o estabelecimento de diretrizes que relacionam a gestão dos
recursos hídricos à gestão do uso do solo, gestão ambiental, diversidade biológica,
aspectos demográficos, econômicos, sociais e culturais das diversas regiões do país
e ainda a necessária integração da gestão das bacias hidrográficas com outros
sistemas como as zonas costeiras.
Mas por outro lado, a Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional
de Meio Ambiente, definiu a água como recurso ambiental, e assim, sob este vértice
o Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA, dispõe sobre questões ligadas
aos recursos hídricos como, por exemplo, sobre o controle de qualidade da água,
que é regulamentada através da Resolução CONAMA 357/2005, e a necessidade de
licenciamento ambiental para os empreendimentos na área de recursos hídricos,
conforme Resolução CONAMA 237/97, sem prejuízo do atendimento das normas
especificas da Política Nacional de Recursos Hídricos.
Entretanto, a articulação do Sistema Nacional de Meio Ambiente com o
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos somente começa a ser
desenvolvida a partir das discussões resultantes da Conferência Nacional do Meio
Ambiente realizada em 2003.
Outro ponto de integração é a Agenda 21 - documento pragmático
desenvolvido na Rio-92 - que em seu capítulo 18, define como objetivo a “proteção
60
da qualidade e do abastecimento dos recursos hídricos: aplicação de critérios
integrados no desenvolvimento, manejo e uso dos recursos hídricos” (LEME
FRANCO in: KLOSKE e FRANCO, 2004).
Como já se observou anteriormente, instituiu-se a gestão descentralizada
a partir da bacia hidrográfica, compartilhada entre o Poder Público, os usuários e as
comunidades, e neste sentido, surge o desafio da formação e funcionamento dos
Comitês de Bacia.
Estas dificuldades operacionais da gestão compartilhada aliadas às
questões nacionais – como a imposição do contingenciamento de recursos
financeiros – têm provocado uma verdadeira mobilização por parte do Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, em especial no que se refere à
efetivação do instrumento da cobrança pelo uso das águas.
Mas além das dificuldades apresentadas, têm surgido embates e conflitos
entre Poder Público, usuários e sociedade civil, em virtude do desequilíbrio de
representação e pela confusão de atores, visto que por vezes, entes estatais podem
ser considerados usuários – como, por exemplo, as empresas de água e
saneamento; ou então, como integrantes da sociedade civil – como consórcios e
associações intermunicipais.
Decorre deste impasse a necessidade de incorporar à gestão da bacia
hidrográfica, a sua relação com o uso do solo, assentamentos humanos, diversidade
biológica, clima e florestas, na medida em que é a bacia a unidade de planejamento
territorial. E para que tal intuito seja alcançado, assumem papéis importantíssimos
os Comitês de Bacia, que ainda têm sua natureza jurídica pública ou privada
bastante discutida, como demonstram KLOSKE e FRANCO (2004): “Na realidade, é
61
um ente que integra um sistema nacional de gestão compartilhada de um bem
público – recursos hídricos – e sujeitos às normas de direito público.”
Como já foi demonstrado, os municípios não têm dominialidade sobre
recursos hídricos, que está restrita à União e Estados-Membros, sendo que a atual
ordem Constitucional prevê apenas a possibilidade do uso comum da água,
enquanto bem público, de modo gratuito ou retribuído nos termos do art. 103 do
Código Civil de 2002, em conformidade com a Política Nacional de Recursos
Hídricos (KLOSKE e FRANCO, 2004).
Sob esta ótica, como o Município poderá desenvolver este papel de
articulador da gestão?
Na verdade, a participação dos municípios dá-se através dos
instrumentos da política de uso do solo, assumindo a posição de usuários dos
recursos hídricos, pois são titulares dos serviços de fornecimento de água potável e
saneamento básico, o que define a sua representatividade no Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos, nos Comitê de Bacias, nos Conselhos
Estaduais e no Conselho Nacional de Recursos Hídricos, na categoria de consórcios
ou associações de municípios como previsto na Lei das Águas e no Dec.
4.613/2003.
4.3.4 O Sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos - SINGREH
O SINGREH, em síntese, tem como objetivo coordenar a gestão integrada
das águas, arbitrar conflitos, implementar a Política de Recursos Hídricos, planejar,
regular e controlar o uso, preservar e recuperar os recursos hídricos, bem como,
promover a cobrança pelo uso das águas. É formado pelo Conselho Nacional de
62
Recursos Hídricos, Agência Nacional de Águas, Conselhos de Recursos Hídricos
dos Estados, do Distrito Federal, pelos Comitês de Bacia Hidrográfica, pelos órgãos
dos poderes público federal, estaduais, do Distrito Federal e municipal e pelas
Agências de Água.
A Lei 9433/97 também destaca em seu art. 47, as organizações civis, que
são as associações e consórcios intermunicipais de bacias hidrográficas,
associações regionais, locais ou setoriais de usuários de recursos hídricos,
organizações técnicas de ensino e pesquisa com interesse na área de recursos
hídricos, organizações não-governamentais com objetivos de defesa de interesses
difusos e coletivos da sociedade, apesar de serem entidades essencialmente
diversas por seus objetivos, finalidades e composição.
Cabe destacar ainda que, os comitês, consórcios e associações
intermunicipais de bacias hidrográficas assumem natureza de entidades regidas pelo
Direito Civil, apesar de seus objetivos e formação serem de entes públicos.
Quanto à Agência Nacional de Águas, é considerada uma autarquia com
autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente,
responsável pela implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e
outorga de direito de uso, entretanto, não se pode compará-la às agências
reguladoras, como usualmente tem ocorrido, pois esta trata da implementação da
gestão e não da regulação de serviços (KLOSKE e LEME FRANCO, 2004).
Já os Comitês de Bacias Hidrográficas, são instituídos por Decreto
Federal e estão vinculados ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos - CNRH.
Quanto aos Estados, estes estabelecem seus próprios Comitês em rios de seu
domínio. A Resolução do CNRH 05/2000 regulamenta as diretrizes para formação e
funcionamento do comitê no âmbito dos rios de domínio da União.
63
Assim a área de atuação de um comitê poder ser a totalidade de uma
bacia hidrográfica, sub-bacia hidrográfica ou grupo de bacias hidrográficas
contíguas; e são compostos de acordo com a dominialidade, isto é, por
representantes da União, Estados e Distrito Federal, e dos Municípios situados no
todo ou em parte na área da bacia, bem como, dos usuários da água, entidades civis
de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia.
Quanto aos comitês de rios transfronteiriços e fronteiriços, a gestão é
compartilhada pelos países da bacia, incluindo nestes casos a representação
obrigatória do Ministério das Relações Exteriores.
Ainda conforme a Lei 9433/97, está prevista a criação de Agências de
Bacias, com a função de secretaria do Comitê que atuará na mesma área deste,
entretanto, a sua criação deverá ser autorizada pelo Conselho Nacional de Recursos
Hídricos ou pelos Conselhos Estaduais segundo a dominialidade das águas.
Desta forma uma Agência de Bacia ou de águas funcionarão em
diferentes situações, sendo uma Agência de Águas poderá atender uma ou mais
bacias hidrográficas, mas, como Agência de Bacia deverá atuar como secretaria
executiva de uma determinada bacia hidrográfica de acordo com o Projeto de Lei
1.116/99. Acerca desta questão existem propostas de alteração do texto, no sentido
que exista somente a denominação de Agências de Bacia, e não mais Agências de
Água.
Ainda nesta linha a recente Medida Provisória - MP 165/2004, dispõe
sobre contrato de gestão e a possibilidade de delegação das funções de Agências
de Bacia para as entidades previstas no art. 51 da Lei das Águas, que incluem
consórcios e associações intermunicipais.
64
Na verdade esta é uma solução transitória, enquanto estes organismos
não estão devidamente constituídos. Assim cabe destacar, que as Agências de
Água, conforme a Lei, adotam forma jurídica distinta da Agência Nacional de Águas,
pois são constituídas na forma de associação, nos termos do Direito Civil, enquanto
a segunda é uma autarquia, pessoa de direito público, que integra a administração
federal.
Nesta mesma análise, é importante ressaltar que os consórcios
intermunicipais de bacias hidrográficas não assumem natureza jurídica de consórcio
do direito societário, o qual é desprovido de personalidade jurídica, ao contrário,
neste caso, são entidades dotadas de personalidade jurídica que reúnem diversos
municípios, pessoas jurídicas de direito público, para a realização de ações
conjuntas de interesse dos Municípios associados, que isoladamente não atingiriam
os mesmos resultados ou necessitariam de um maior volume de recursos.
Em geral, os consórcios intermunicipais assumem a forma de associação,
isto é, pessoa de direito privado, significando que, apresentam uma estrutura de
gestão autônoma e orçamento próprio, podendo inclusive, dispor de patrimônio
próprio para a realizar suas atividades. Quanto aos recursos para a manutenção
destas entidades, podem vir de receitas próprias, ou contribuições dos municípios
integrantes.
Deste modo, as Agências de Água ou de Bacia, os consórcios e as
associações intermunicipais são entidades enquadradas como da sociedade civil, e
que evidentemente, não está sendo considerada a natureza de suas atividades e
nem seus objetivos, de modo que, tais temas merecem ainda uma maior reflexão e
aprofundamento.
65
De qualquer forma é importante destacar que, sob a ótica dos governos
municipais envolvidos, a criação de consórcios intermunicipais pode produzir
resultados positivos, como o aumento da capacidade de realização, eficiência no
uso dos recursos hídricos, aumento de realizações que antes eram inacessíveis às
Prefeituras de pequeno porte e ainda maior transparência nas decisões.
Ainda nesta questão, torna-se necessário destacar também que a relação
entre o Consórcio de Municípios e o Comitê nem sempre é positiva, pois na prática
têm ocorrido conflitos, como por exemplo, no Comitê para Integração da Bacia do
Rio Paraíba do Sul, que recentemente começou a adequar-se aos parâmetros da Lei
9433/97. Neste caso, para atuar como Agência de Águas foi constituída uma
associação civil sem fins lucrativos, com função equivalente a uma Agência de
Bacias por delegação do CNRH, e nos termos do contrato de gestão previsto na
Medida Provisória 165/2004. Mas de outro lado, existe uma corrente da
administração federal cujo entendimento é que a Agência deve assumir natureza
jurídica de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), e não
organização social (KLOSKE e FRANCO, 2004).
Ocorre que, com o advento da Medida Provisória 165/2004, foi autorizada
a delegação e o contrato de gestão junto aos consórcios e associações
intermunicipais, o que constitui um dos maiores passos em direção a implementação
do gerenciamento das águas, entretanto, a efetiva participação e a gestão
compartilhada dos recursos hídricos ainda encontra-se no discurso, significando que
há um longo caminho a ser percorrido para internalizar esses propósitos, que
constituem o cerne da Lei das Águas.
66
5. DISCUSSÕES E RESULTADOS
5.1 Análises e conclusões do estudo
Como se constatou através da revisão bibliográfica, o direito urbano, é um
ramo das ciências jurídicas extremamente importante para a concretização do bem
comum, a melhoria da qualidade de vida, bem como na manutenção do equilíbrio
ambiental.
Entretanto, é também uma disciplina bastante recente, com princípios
ainda em formação, legislação extremamente esparsa e incompleta, mas que a
partir da Constituição Federal de 1988, adentrou um novo cenário jurídico, sendo a
sua regulamentação considerada a maior inovação concretizada nos últimos anos,
em termos urbanísticos, a qual materializou-se com o advento da Lei 10.257/2001,
que regulamentou o art. 182, da Constituição Federal, ficando conhecida como
Estatuto da Cidade.
Observou-se também que a aprovação da referida Lei, se deu após um
difícil e vagaroso processo de tramitação que durou mais de dez anos, mas que
felizmente veio instrumentalizar os municípios no seu papel constitucional de
67
principal executor da política de desenvolvimento urbano e conseqüentemente
iniciou a caminhada para a concretização do direito às cidades sustentáveis.
A cidade é o cenário que repercute significativamente no meio ambiente,
sendo que a correlação entre esses sistemas, ambiental e urbano, efetiva-se com os
objetos tutelados, que em resumo são, a proteção e defesa da qualidade de vida e o
bem estar dos habitantes. Assim, a defesa ambiental se dá através da ordenação
dos espaços habitáveis, pautada pelo cumprimento da função social da cidade, que
em síntese, vem efetivar os objetivos o art. 225, da Constituição Federal, cujo intuito
central é assegurar a todos uma sadia qualidade de vida.
Deste modo, para que tal empreitada se dê, é necessário que haja uma
integração entre ambas as políticas, para uma gestão ambientalmente adequada, e
socialmente correta, considerando o município como o local onde os problemas de
fato ocorrem, o que o torna principal ator na eficácia das políticas públicas de forma
geral, considerando que é centro de poder mais próximo do cidadão, portanto,
naturalmente é o nível de governo com maior aptidão para compreender as
necessidades dos cidadãos.
Nesta ótica vislumbra-se que os municípios dependem sobremaneira de
seus mananciais, necessitando de ações de combate à poluição, do controle da
qualidade da água, participação, ou seja, inserir-se efetivamente na nova realidade
da gestão dos recursos hídricos.
Como foi analisado, constatou-se que em síntese a competência
municipal formal ou legislativa em matéria urbanística e ambiental é basicamente
suplementar às normas gerais – federal e estadual – cabendo a este legislar no que
se refere a interesse local, ou seja, é tarefa do município adequar as normas à
realidade local, bem como, regulamentar matéria que não seja objeto de normas
68
federais ou estaduais. Quanto à competência material ou administrativa, o município
é responsável em propiciar acesso à água potável e saneamento básico, o que o faz
assumir responsabilidade considerável perante a gestão das águas.
Assim, concluiu-se que o município é o principal responsável pelas
Políticas Públicas, enquanto promotor da intersetorialidade, pois fica devidamente
caracterizada a sua responsabilidade para a efetiva implementação de ações, sendo
fundamental a sua participação no processo de tomada de decisões. Ressaltando
ainda, que deste também depende o sucesso da efetivação das políticas hídricas e
ambientais.
Como foi apresentado ao longo do estudo, as cidades foram objeto de
diversos projetos políticos de desenvolvimento urbano, sendo que alguns
alcançaram certo avanço, outros fracassaram, visto que, esta matéria fica
basicamente refém da vontade política. Somente após a Constituição de 1988 e
posteriormente do Estatuto da Cidade, este tema assume contornos mais definidos.
Atualmente está sendo implementado o Estatuto da Cidade em todo o
país, cujo intuito é efetivar a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano.
Inicialmente está sendo implementado através da obrigatoriedade, para cidades com
mais de vinte mil habitantes, ou mediante incentivos para os pequenos Municípios
apresentarem seus Planos Diretores, ou mesmo adequarem os já existentes
conforme os instrumentos contidos na nova ordem.
Ficou demonstrado também na revisão bibliográfica, que o Estatuto da
Cidade inseriu claramente a preocupação ambiental, pois dentre as suas diretrizes
gerais com vistas a ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da terra e
da cidade, aparece o conceito de sustentabilidade, que deverá ser observada em
todas as ações do Município.
69
Já o Plano Diretor fornecerá as diretrizes, objetivos, programas e metas,
para o desenvolvimento econômico, social, ambiental e para o uso e ocupação do
solo, devendo ainda estar de acordo com legislações especificas, como a Lei de
Zoneamento, do Parcelamento do Solo, Lei de Proteção Ambiental e Paisagem
Urbana, e outros.
Neste sentido, observa-se que esta nova ordem tem o intuito de alcançar
as cidades sustentáveis através de medidas sociais e ambientais adequadas.
Enfim, dentro do contexto da gestão urbana que foi apresentado, o maior
questionamento do estudo foi de como o Município poderá atuar na defesa das
águas, ou participar ativamente da gestão?
Considerando que a poluição ambiental, o aumento da população, o
desperdício, a pobreza, entre outros, são fatores que contribuem para a degradação
das águas e conseqüentemente com a escassez, conclui-se que a atual política
urbana, com o intuito de alcançar a sustentabilidade, vem contribuir sobremaneira
para a proteção dos recursos hídricos.
E por isso, o gerenciamento adequado dos recursos hídricos, em especial
nos centros urbanos, é um desafio para o Poder Público e para a sociedade,
entretanto, é necessário destacar que, ainda não fica claro o papel do Município
nesta política, e isto se deve ao fato de que este não têm a dominialidade dos
recursos hídricos, que atualmente é restrita à União e Estados-Membros.
Assim, somente poderemos verificar a participação efetiva dos Municípios
nos instrumentos da política de uso e ocupação do solo ou assumindo a posição de
usuários dos recursos hídricos, tendo em vista, a sua titularidade nos serviços de
fornecimento de água potável e saneamento básico, fatores que definem a sua
representatividade no Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos –
70
SMGRH – nos Comitês de Bacias, nos Conselhos Estaduais e no Conselho
Nacional de Recursos Hídricos.
Para participação no SNGRH, os Municípios em regra, organizam-se na
categoria de consórcios ou associações como está previsto na Lei 9433/97, pois
esta forma de organização, que reúne diversos municípios, permite a realização de
ações conjuntas afetas a todos os associados que isoladamente não atingiriam os
mesmos resultados ou necessitariam de um grande volume de recursos.
A forma de associação, isto é, pessoa de direito privado, é considerada a
mais eficaz, porque apresenta uma estrutura de gestão autônoma e orçamento
próprio, podendo esta inclusive dispor de patrimônio próprio para realizar suas
atividades, e esses recursos de manutenção podem vir de receitas próprias, ou
contribuições dos Municípios integrantes.
Por isso, como já foi apresentado, as Agências de Água ou de Bacias, os
consórcios e as associações intermunicipais são entidades enquadradas como da
sociedade civil, entretanto, sem considerar a natureza de suas atividades e
objetivos, o que tem provocado uma série de dúvidas, pois não raro contribuem,
para a confusão de representatividade de participação no âmbito da gestão, gerando
a necessidade de maiores reflexões acerca do tema, ou a nosso ver, merece ser
regulamentado pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos.
Mas é importante, observar que diversos são os pontos positivos da
criação de consórcios intermunicipais, pois além do aumento da capacidade de
realização dos municípios, dá-se também a eficiência no uso dos recursos hídricos,
pois haverá aumento nas realizações, antes inacessíveis às Prefeituras de pequeno
porte, bem como, ensejará maior transparência nas decisões. Fatores que
contribuem demasiadamente para incentivar os pequenos, no sentido de reunirem-
71
se em associações na busca de uma significativa participação e voz nos Conselhos
e Comitês.
Entretanto, a questão acerca da confusão de representatividade é ainda
um fato bastante polêmico porque as associações intermunicipais sendo
consideradas usuários da água provocam uma diminuição considerável na
representação dos usuários propriamente ditos, tornando o poder de voz destes no
âmbito dos Comitês, extremamente fragilizado, ficando a gestão dita compartilhada
e democrática a cargo basicamente do Poder Público, o que a torna novamente
refém da política, culminando com a tomada de decisões que muitas vezes não
levam em consideração o contexto ambiental, social e da própria justiça hídrica,
como por exemplo, está ocorrendo com a polêmica Transposição do Rio São
Francisco1, que têm gerado diversas e longas discussões em vários setores da
sociedade.
Outro ponto importante acerca das associações intermunicipais, é que
estas, apesar de estar prevista na legislação, não é recomendável que assumam a
categoria de Agência de Bacia, tendo em vista a ineficiência administrativa das
Prefeituras, por isso, o mais adequado é a constituição de Organização da
Sociedade Civil de Interesse Público no âmbito da bacia para a execução das ações
e projetos da gestão local.
E por derradeiro, com respeito a busca da integração de políticas, ou seja,
a intersetorialidade, é necessário que esteja expressamente contemplado no Plano
Diretor as decisões do Comitê de Bacias, ou do Plano de Bacias que envolvam a
bacia que o Município está inserido, mas caso não seja possível, é importante que 1Transposição do Rio São Francisco é um projeto do governo federal, que visa a transferência das águas do Rio
São Francisco para regiões mais secas, com o intuito de propiciar o desenvolvimento, bem como, acabar com a
seca, entretanto, as ações não tem levado em consideração os custos ambientais, os reais impactos futuros,
(COUBET, 2004), e nem mesmo a decisão do Comitês de Bacia, que posicionou-se contra, foi ouvido.
72
haja a possibilidade de serem incorporadas posteriormente, pois é imprescindível
que ambas as políticas estejam em conformidade, para que futuramente não se gere
incompatibilidade de ações.
5.2 Casos judiciais gerados pela incongruência da gestão urbana e gestão das
águas
Como se discorreu ao longo do estudo, ficou amplamente demonstrado a
necessidade da integração entre a gestão das águas e a política urbana, para que
se dê a proteção das águas de forma adequada, e também no sentido de efetivar a
construção de cidades sustentáveis.
Entretanto até o presente momento nunca se falou em integração, ou
trabalho compartilhado, ou mesmo intersetorialidade. Na verdade são expressões
que surgiram ao longo do tempo com a quebra de paradigmas que a problemática
ambiental e das águas tem inserido na sociedade contemporânea. E para que se
possa constatar a real relevância e necessidade dessa integração optou-se por
trazer alguns julgados acerca desta questão, que a seguir serão apresentados.
Então, para que se tenha a noção do inter-relacionamento da gestão
hídrica e urbana, na prática passamos agora a descrever alguns casos práticos que
foram objeto de ações judiciais e hoje fazem parte da jurisprudência nacional, que
foram descritos em COUBET (2004):
73
A. POLUIÇÃO INDUSTRIAL E COMPROMETIMENTO DE BACIA HIDROGRÁFICA
EM TIMBÓ - SC
“Poluição hídrica causada por indústria em Timbó (SC):
Este caso foi julgado em 09.12.1998, e trata da poluição de um
riacho em decorrência do lançamento intencional de dejetos químicos e
resíduos tóxicos resultantes das atividades de uma indústria de
transformação de sebo e fábrica de sabão. Houveram irreparáveis danos
ecológicos, prejudicais à flora e à fauna das margens dos rios e aos
recursos hídricos de um modo geral, pois a poluição hídrica (carga tóxica)
não afeta somente o lugar originário; é transportada por um longo
caminho. Também houveram danos patrimoniais e à saúde causados aos
moradores ribeirinhos, morte de animais e comprometimento no
abastecimento de água para consumo próprio e para as lavouras. Este
conjunto de impactos é a verdadeira dimensão do dano ecológico
resultante do lançamento de resíduos químicos na água. Depois de
instaurado o inquérito policial, o Ministério Público da comarca de Timbó
(1ª Vara) ofertou denúncia contra os proprietários. Na instrução do
processo foi realizado laudo pericial pelo Instituto de Pesquisa
Tecnológica da FURB/SC que constatou elevados índices de toxicidade
das águas, resultantes da indústria de transformação de sebo e fábrica de
sabão. Estes índices são muito superiores aos tidos como desejáveis pela
Resolução 20/86 do CONAMA. A sentença condenou os proprietários à
pena de um ano e quatro meses de reclusão, em regimento aberto,
sendo-lhe concedido o sursis pelo prazo de dois anos e pagamento de
treze dias multa, no valo de um salário mínimo vigente à época dos fatos,
por infração ao art. 15, caput, § 1°, II, da Lei 6.938/81, ou seja, poluição
decorrente de atividade industrial que expôs a perigo a incolumidade
humana, animal e vegetal. (..)
Inconformado, o proprietário apelou da sentença de 1° grau para o
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina que, analisando o mérito
da questão, manteve a decisão recorrida por entender que a atividade é
gravosa ao meio ambiente, principalmente aos recursos hídricos. A
74
poluição gerada não atinge somente as águas do Rio Benedito, mas
também a todos os seus afluentes, inclusive o rio Itajaí-Açu, considerado
uma das principais fontes de água para consumo humano no Estado,
além de afetar a flora e a fauna e de gerar danos patrimoniais para
vizinhos ribeirinhos.
A decisão do Tribunal fundamentou-se na Constituição Federal
Brasileira de 1988, art. 225, dispositivo que também vem explícito no art.
181 da Carta Estadual Catarinense e na Lei da Política Nacional de Meio
Ambiente (Lei 6.938/81) para aplicação da pena, bem como para trazer os
conceitos de poluição e degradação da qualidade ambiental”. (COUBET,
2004)
B. PARCELAMENTO INADEQUADO EM ÁREA DE MANANCIAL EM XANXERÊ –
SC
“Ameaça de poluição de rio provoca suspensão de construção e
loteamento em Xanxerê (SC)”:
“G. S. A. LTDA interpôs agravo de instrumento contra liminar
proferida nos autos da Ação Civil Pública 080.00.000983-0, intentada pelo
Ministério Público. Houve paralisação do “Loteamento Residencial Park
Bela Vista” situado no bairro São Romero, Xanxerê (SC). As obras para
implantação do loteamento danificaram o meio ambiente, mais
especificamente o Rio Ditinho (classe I), manancial que abastece de água
potável o Município de Xanxerê.
Sustenta a agravante, G. S. A. LTDA, que as preocupações
manifestadas pelo Ministério Público são improcedentes, pois o projeto
atende a todos os trâmites legais exigidos, tais como: incorporação de
gleba rural ao perímetro urbano do município de Xanxerê; consulta ao
INCRA a respeito da criação de um núcleo urbano naquela localidade;
licenças ambientais junto a FATMA (LAP 083/98 E 252/99); escritura de
compra e venda relativa à área do loteamento; aprovação da lei municipal
específica para o loteamento da área sob análise e termo de caução de
75
imóveis junto à Prefeitura local. A agravante alega também ter investido
muito, principalmente em dispositivos de controle ambiental: esgoto
sanitário e drenagem pluvial. Assim sendo, entende não ser justa a
paralisação das obras, razão pela qual recorreu. O representante do
Ministério Público afirma que o projeto de loteamento apresenta diversas
irregularidades, algumas das quais são: 1) a aprovação do Projeto de Lei
2.340/97 que estendeu os limites do perímetro urbano até o referido
imóvel, desconsiderando que o mesmo se localiza dentro da bacia do Rio
Ditinho; 2) a concessão de licenciamento ambiental pela FATMA, sem
respeitar o parecer do Engenheiro S. M.; 3) o Engenheiro S. M. alega
ainda que a CASAN também deu parecer contrário à construção do
loteamento; 4) os documentos fornecidos pelo órgão ambiental são
inválidos por estarem em confronto com os mencionados pareceres e por
não ter sido realizado o “Relatório de Estudo de Impacto Ambiental –
Rima”, 5) a ausência de “autorização municipal para a instalação do
loteamento”, embora o agravante argumente ter concessão de todos os
órgãos competentes.
A Procuradoria-Geral de Justiça posicionou-se pela improcedência
do recurso. Não obstante, o órgão recursal entendeu que o recorrente
atendeu a todos os trâmites legais indispensáveis à concretização da
“implantação do loteamento” de acordo com a Lei 6.938/81 em seu art.
10. Na esfera administrativa, obteve licença da Prefeitura local, da FATMA
e do INCRA. Também alega a incompetência da CASAN e relata ainda
que a Licença Ambiental 252/99, dada pela FATMA, ao autorizar a
implantação do loteamento, está vinculada ao cumprimento de algumas
condições (construções de esgotos sanitários, sistemas de tratamento
constituídos de fossas sépticas, filtro anaeróbico, valas de transporte,
destino de resíduos sólidos e sistema de drenagem pluvial). Segundo os
técnicos da FATMA, cumpridos esses requisitos não haverá perigo de
contaminação das águas do Rio Ditinho. O Tribunal de Justiça do Estado
de Santa Catarina, em 26.06.2000 entendeu que não existem razões para
paralisar a obra do loteamento ‘Residencial Park Bela Vista’”(COUBET,
2004).
76
Através das decisões jurisprudenciais apresentadas, fica demonstrado
que os tribunais dão amparo a pedidos que objetivam suprimir ou ressarcir danos
ambientais, que se dão tanto na esfera penal quanto na reparação civil.
Como se observou dos casos apresentados, todos se referem à gestão
das cidades com vistas à responsabilidade para com a qualidade das águas, e por
isso verifica-se a importância do Plano Diretor, pois no âmbito desta Lei todos os
fatores de desenvolvimento, no sentido de localização e alocação de recursos
devem estar traçados, e com a devida observância da legislação ambiental e das
águas.
Caso todas as metas já estivessem traçadas e planejadas, já se teria
delimitado as áreas com seus potenciais, seja de estabelecer empreendimentos
comerciais, industriais ou residenciais, que sem dúvida, é de responsabilidade do
Município, pois refere-se ao uso e ocupação do solo, com vistas a orientar, e assim,
problemas como os apresentados pela jurisprudência não mais ocorram no futuro.
Entretanto não se pode delegar toda a responsabilidade à administração
pública local: compete também ao interessado em empreendimento na região
inteirar-se do planejamento local, das legislações, nos licenciamentos, na
observância dos impactos entre outros, mas caso isso não seja observado,
certamente estará configurada a má-fé desse possível empreendedor.
De toda sorte, clara fica a importância de uma adequada gestão urbana
integrada com a gestão hídrica, bem como na defesa do meio ambiente, pois caso
não sejam devidamente organizadas pelos diversos setores envolvidos, daí a
importância da busca pela intersetorialidade, também deverão estar regulamentadas
no Plano Diretor da cidade.
77
Porém não se pode olvidar do dever constitucional da sociedade na
preservação ambiental, bem como na proteção das águas, portanto desse
entendimento, cabe também o setor privado atuar na defesa dos recursos hídricos, e
ser responsabilizado por eventuais omissões.
Mas para que caos como os descritos acima não mais ocorram é
realmente imprescindível a integração dos setores envolvidos na questão, pois não
se pode mais relegar ao judiciário a tomada de decisões desta natureza, tendo em
vista que, costuma-se socorrer-se da justiça, não preventivamente, mas quando o
mal já esta feito. Assim, conclui-se que é necessário um planejamento efetivo e
multidisciplinar entre os sistemas, pois somente neste caminho será possível a
construção de verdadeiras cidades sustentáveis.
5.3 Plano Diretor Trasnfronteiriço: um estudo de caso
Em busca de demonstrar a amplitude de fatos envolvidos na gestão
urbana integrada, apresenta-se algumas informações práticas através e um breve
relato acerca do Plano Diretor do Municipal de Ponta Porã, cidade situada no Estado
de Mato Grosso do Sul, e fronteira com o Paraguay, que foram adquiridas mediante
entrevista realizada em 25 de outubro de 2005, com o técnico ambiental Roberto
Winters Steil, integrante da equipe de trabalho.
Este município está elaborando, pela primeira vez, seu Plano Diretor
através de uma equipe técnica local, com orientações de consultores experientes na
área.
Atualmente os trabalhos encontram-se na fase chamada de diagnóstico,
onde estão sendo feitas coletas de informações existentes sobre o município, e
78
solicitando aquelas informações inexistentes ou não disponíveis, mediante pesquisa
de campo.
Concomitante a essas coletas de dados, também estão sendo feitas
reuniões populares em diferentes pontos estratégicos da cidade, que foram
escolhidos previamente. As reuniões estão sendo realizadas através de uma
dinâmica de grupo adaptada á realidade local. Com essa metodologia estão sendo
eficazmente detectadas as vulnerabilidades ambientais, bem como, os anseios da
população.
O maior problema com respeito á proteção dos recursos hídricos
constatado é a degradação de seis nascentes existentes no município, onde foram
detectados, comprometimento bactereológico; degradação em função da pressão de
ocupação, que gera a invasão irregular de áreas, o comprometimento da mata ciliar
e poluição de todas as ordens; e também em função do estabelecimento da
exploração de olarias e carvoarias nas regiões de mananciais.
Após o levantamento de todos os dados, será realizado o planejamento, e
as medidas a serem adotadas, para então iniciar propriamente construção da Lei do
Plano Diretor. Até o presente momento tudo esta transcorrendo normalmente,
entretanto há que se destacar que trata-se de uma cidade de fronteira seca, que faz
limite com a cidade de Pedro Juan Caballero no Paraguay, então são duas cidades
em uma.
Isto significa que, o planejamento de um lado reflete no outro ou a má
conduta de um lado reflete no outro, eis a dificuldade do planejamento, que neste
caso não pode ser apenas intersetorial, mas tem a necessidade de se construir um
plano transnacional ou trasnfronteiriço, pois cada cidade tem suas peculiaridades.
79
Assim, considerando que no Estado de Mato Grosso do Sul, a Política
Estadual de Recursos Hídricos não está bem definida, cabe ao Município zelar pela
proteção e defesa de suas águas, como está de fato ocorrendo.
Como se pode ver também, há uma diversidade de questões no âmbito
da gestão urbana e hídrica, por isso, o estudo acerca desta temática é bastante
desafiador e ao mesmo tempo, satisfatório pois, com o desenvolvimento destes
trabalhos estamos inserindo a sociedade na discussão e conseqüentemente
contribuindo para a construção de uma nova mentalidade nos habitantes da cidade e
por sua vez, gerando uma sociedade comprometida com a igualdade e justiça.
80
6. CONCLUSÃO
Ao longo da história referente à urbanização, observou-se que as cidades
não foram pensadas de maneira uniforme, e que durante muito tempo o sistema
jurídico regulamentou timidamente a ordenação e planejamento urbano, de modo
que, quando se manifestava tal preocupação, atendia-se a uma camada de
privilegiados, ou seja, as classes médias e altas da sociedade, deixando-se sempre
de lado as camadas periféricas das cidades.
Entretanto, esta omissão histórica, causou e vem causando uma série de
conseqüências para as cidades, tanto de ordem social quanto ambiental. Em virtude
dessas desigualdades, surgiu a necessidade de se refletir sobre a importância de se
elaborar uma atuação urbanística global e integrada.
Atualmente, o tema central de preocupação dos ambientalistas são os
problemas das megalópoles, que inclusive recentemente foi tema de discussões,
que reuniu governantes de todo o mundo, e ocorreu em São Francisco, na costa
oeste dos Estados Unidos.
Neste encontro salientou-se que em 1950, apenas uma cidade tinha mais
de 10 milhões de habitantes: Nova Iorque. Em 1975, eram cinco, incluindo São
81
Paulo; hoje são pelo menos 19 megalópoles. Esse inchaço das cidades torna a
administração destas mais difícil. A distribuição da infra-estrutura fica precária, a
poluição e os congestionamentos de tráfego atingem níveis caóticos e, em geral, o
combate à violência é ineficiente.
E mesmo apesar de todos esses problemas, cidadãos em todo o mundo
são cada vez mais atraídos para as megalópoles, em busca de oportunidades. A
lista das cidades com mais de 10 milhões de habitantes cresce cada vez mais
rápido, estimando-se que em 2015, serão 23 e, em 2030, perto de 30, segundo
estudos da ONU (Gazeta do Povo, 03/06/2005).
Portanto, é neste contexto que se pode vislumbrar a magnitude que
assume o Direito Urbanístico aliado ao Direito Ambiental, pois ambos objetivam o
bem estar dos cidadãos, entendido como uma sadia qualidade de vida, e justiça
social.
Neste contexto, nossa Carta de 1988, vem ao encontro de todos esses
anseios quanto traz um capítulo especial disciplinando a política urbana no país, e
outro capítulo destinado à proteção do meio ambiente. Com essa nova ordem tais
disciplinas ganham status constitucional, inclusive seus princípios formadores
adquirem contornos de direito fundamental, pois visam de modo geral garantir a
dignidade da pessoa humana.
Outro ponto levantado no estudo, que vem consolidar a nova ordem
urbanística no Brasil, foi a regulamentação do capitulo da política urbana, com a
criação da Lei 10.257/2001, denominada Estatuto da Cidade. Esta lei vem de fato
ser um divisor de águas para a política urbana sob a ótica do direito ambiental, pois
regulamenta diversos instrumentos, importantes para a proteção ambiental, tais
82
como o Plano Diretor, IPTU progressivo entre outros, que sem dúvida traz inserido
nos seus objetivos a busca pela sutentabilidade.
Assim, pode-se concluir, da análise dos capítulos que buscaram abordar
de forma genérica a gestão urbana sob a ótica ambiental e da gestão hídrica, é que
a Constituição Federal veio impor à sociedade a necessidade de se repensar o atual
modelo de desenvolvimento e organização, que foi reforçado pelo advento do
Estatuto da cidade, o qual colocou o Município como ator principal na integração das
políticas urbana e hídrica, e principalmente na efetivação destas em conjunto com a
sociedade, que também assume o dever de preservar e a responsabilidade de
participar do processo de planejamento e consolidação das cidades sustentáveis,
bem como, de efetivar a gestão hídrica, com vista à proteção da qualidade de
nossas águas.
83
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Código Civil. Lei 10406 de 11 de janeiro de 2002. Brasilia: DOU,
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84
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85
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VIEGAS, Eduardo Coral. Visão jurídica da água. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2005.
86
ANEXOS
87
ANEXO 01
DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS ACERCA DA GESTÃO DAS ÁGUAS E
GESTÃO AMBIENTAL
CAPÍTULO II
DA POLÍTICA URBANA
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público
municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o
pelnao desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de
seus habitantes.
§ 1° O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para as cidades
com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de
desenvomento e de expansão urbana.
88
§ A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende ás exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
§ 3° As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com previa e justa
indenização em dinheiro.
§4° É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para a área
incluída no plano diretor, exigir nos termos da lei federal, do proprietário do solo
urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado
aproveitamento, sob pena, sucessivamente de:
I – parcelamento ou edificação compulsórios;
II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III – desepropriação com pagamento mediante títulos da divida pública de emissão
previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo para resgate de até dez
anos, em parcelas anuais, igausis e sucessivas, assegurados o valor real da
indenização e os juros legais.
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta
metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a
para sua moradia ou de sua família adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano rural.
§1° O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à
mulher, ou ambos, independentemente do estado civil.
§2° Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
89
§3° Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
ANEXO 02
LEI No 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001.
Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e
eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DIRETRIZES GERAIS
Art. 1o Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da
Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.
Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da
Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso
90
da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos
cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.
Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes
gerais:
I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra
urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte
e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras
gerações;
II – gestão democrática por meio da participação da população e de
associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação,
execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento
urbano;
III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da
sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;
IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da
população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de
influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus
efeitos negativos sobre o meio ambiente;
V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços
públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às
características locais;
91
VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:
a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;
b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;
c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados
em relação à infra-estrutura urbana;
d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como
pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente;
e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização
ou não utilização;
f) a deterioração das áreas urbanizadas;
g) a poluição e a degradação ambiental;
VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais,
tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob
sua área de influência;
VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de
expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e
econômica do Município e do território sob sua área de influência;
IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de
urbanização;
92
X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e
dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar
os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes
segmentos sociais;
XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a
valorização de imóveis urbanos;
XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e
construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;
XIII – audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos
processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos
potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto
ou a segurança da população;
XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população
de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização,
uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da
população e as normas ambientais;
XV – simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e
das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da
oferta dos lotes e unidades habitacionais;
XVI – isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção
de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o
interesse social.
93
Art. 3o Compete à União, entre outras atribuições de interesse da política
urbana:
I – legislar sobre normas gerais de direito urbanístico;
II – legislar sobre normas para a cooperação entre a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios em relação à política urbana, tendo em vista o
equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional;
III – promover, por iniciativa própria e em conjunto com os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, programas de construção de moradias e a melhoria das
condições habitacionais e de saneamento básico;
IV – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação,
saneamento básico e transportes urbanos;
V – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território
e de desenvolvimento econômico e social.
CAPÍTULO II
DOS INSTRUMENTOS DA POLÍTICA URBANA
Seção I
Dos instrumentos em geral
Art. 4o Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:
94
I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de
desenvolvimento econômico e social;
II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e
microrregiões;
III – planejamento municipal, em especial:
a) plano diretor;
b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;
c) zoneamento ambiental;
d) plano plurianual;
e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual;
f) gestão orçamentária participativa;
g) planos, programas e projetos setoriais;
h) planos de desenvolvimento econômico e social;
IV – institutos tributários e financeiros:
a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU;
b) contribuição de melhoria;
c) incentivos e benefícios fiscais e financeiros;
95
V – institutos jurídicos e políticos:
a) desapropriação;
b) servidão administrativa;
c) limitações administrativas;
d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano;
e) instituição de unidades de conservação;
f) instituição de zonas especiais de interesse social;
g) concessão de direito real de uso;
h) concessão de uso especial para fins de moradia;
i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios;
j) usucapião especial de imóvel urbano;
l) direito de superfície;
m) direito de preempção;
n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso;
o) transferência do direito de construir;
p) operações urbanas consorciadas;
q) regularização fundiária;
96
r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais
menos favorecidos;
s) referendo popular e plebiscito;
VI – estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de
vizinhança (EIV).
§ 1o Os instrumentos mencionados neste artigo regem-se pela legislação que
lhes é própria, observado o disposto nesta Lei.
§ 2o Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social,
desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública com atuação
específica nessa área, a concessão de direito real de uso de imóveis públicos
poderá ser contratada coletivamente.
§ 3o Os instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio de
recursos por parte do Poder Público municipal devem ser objeto de controle social,
garantida a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade
civil.
Seção II
Do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios
Art. 5o Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá
determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano
não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos
para implementação da referida obrigação.
97
§ 1o Considera-se subutilizado o imóvel:
I – cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em
legislação dele decorrente;
II – (VETADO)
§ 2o O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o
cumprimento da obrigação, devendo a notificação ser averbada no cartório de
registro de imóveis.
§ 3o A notificação far-se-á:
I – por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, ao
proprietário do imóvel ou, no caso de este ser pessoa jurídica, a quem tenha
poderes de gerência geral ou administração;
II – por edital quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notificação na
forma prevista pelo inciso I.
§ 4o Os prazos a que se refere o caput não poderão ser inferiores a:
I - um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto no órgão
municipal competente;
II - dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do
empreendimento.
§ 5o Em empreendimentos de grande porte, em caráter excepcional, a lei
municipal específica a que se refere o caput poderá prever a conclusão em etapas,
98
assegurando-se que o projeto aprovado compreenda o empreendimento como um
todo.
Art. 6o A transmissão do imóvel, por ato inter vivos ou causa mortis, posterior à
data da notificação, transfere as obrigações de parcelamento, edificação ou
utilização previstas no art. 5o desta Lei, sem interrupção de quaisquer prazos.
Seção III
Do IPTU progressivo no tempo
Art. 7o Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na
forma do caput do art. 5o desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no §
5o do art. 5o desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a
propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a
majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.
§ 1o O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a
que se refere o caput do art. 5o desta Lei e não excederá a duas vezes o valor
referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.
§ 2o Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em
cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se
cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no art. 8o.
§ 3o É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação
progressiva de que trata este artigo.
Seção IV
99
Da desapropriação com pagamento em títulos
Art. 8o Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o
proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o
Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos
da dívida pública.
§ 1o Os títulos da dívida pública terão prévia aprovação pelo Senado Federal e
serão resgatados no prazo de até dez anos, em prestações anuais, iguais e
sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais de seis por
cento ao ano.
§ 2o O valor real da indenização:
I – refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante
incorporado em função de obras realizadas pelo Poder Público na área onde o
mesmo se localiza após a notificação de que trata o § 2o do art. 5o desta Lei;
II – não computará expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros
compensatórios.
§ 3o Os títulos de que trata este artigo não terão poder liberatório para
pagamento de tributos.
§ 4o O Município procederá ao adequado aproveitamento do imóvel no prazo
máximo de cinco anos, contado a partir da sua incorporação ao patrimônio público.
100
§ 5o O aproveitamento do imóvel poderá ser efetivado diretamente pelo Poder
Público ou por meio de alienação ou concessão a terceiros, observando-se, nesses
casos, o devido procedimento licitatório.
§ 6o Ficam mantidas para o adquirente de imóvel nos termos do § 5o as
mesmas obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 5o
desta Lei.
Seção V
Da usucapião especial de imóvel urbano
Art. 9o Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos
e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição,
utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que
não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1o O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos,
independentemente do estado civil.
§ 2o O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo
possuidor mais de uma vez.
§ 3o Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito,
a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura
da sucessão.
Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros
quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco
101
anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos
ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente,
desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo,
acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.
§ 2o A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz,
mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de
imóveis.
§ 3o Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor,
independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de
acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.
§ 4o O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de
extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos
condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do
condomínio.
§ 5o As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão
tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os
demais, discordantes ou ausentes.
Art. 11. Na pendência da ação de usucapião especial urbana, ficarão
sobrestadas quaisquer outras ações, petitórias ou possessórias, que venham a ser
propostas relativamente ao imóvel usucapiendo.
102
Art. 12. São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial
urbana:
I – o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente;
II – os possuidores, em estado de composse;
III – como substituto processual, a associação de moradores da comunidade,
regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente
autorizada pelos representados.
§ 1o Na ação de usucapião especial urbana é obrigatória a intervenção do
Ministério Público.
§ 2o O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita,
inclusive perante o cartório de registro de imóveis.
Art. 13. A usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada como
matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para registro no
cartório de registro de imóveis.
Art. 14. Na ação judicial de usucapião especial de imóvel urbano, o rito
processual a ser observado é o sumário.
Seção VI
Da concessão de uso especial para fins de moradia
Art. 15. (VETADO)
103
Art. 16. (VETADO)
Art. 17. (VETADO)
Art. 18. (VETADO)
Art. 19. (VETADO)
Art. 20. (VETADO)
Seção VII
Do direito de superfície
Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície
do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública
registrada no cartório de registro de imóveis.
§ 1o O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o
espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo,
atendida a legislação urbanística.
§ 2o A concessão do direito de superfície poderá ser gratuita ou onerosa.
§ 3o O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que
incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua
parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da
concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do contrato
respectivo.
104
§ 4o O direito de superfície pode ser transferido a terceiros, obedecidos os
termos do contrato respectivo.
§ 5o Por morte do superficiário, os seus direitos transmitem-se a seus herdeiros.
Art. 22. Em caso de alienação do terreno, ou do direito de superfície, o
superficiário e o proprietário, respectivamente, terão direito de preferência, em
igualdade de condições à oferta de terceiros.
Art. 23. Extingue-se o direito de superfície:
I – pelo advento do termo;
II – pelo descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo
superficiário.
Art. 24. Extinto o direito de superfície, o proprietário recuperará o pleno domínio
do terreno, bem como das acessões e benfeitorias introduzidas no imóvel,
independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o
contrário no respectivo contrato.
§ 1o Antes do termo final do contrato, extinguir-se-á o direito de superfície se o
superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para a qual for concedida.
§ 2o A extinção do direito de superfície será averbada no cartório de registro de
imóveis.
Seção VIII
Do direito de preempção
105
Art. 25. O direito de preempção confere ao Poder Público municipal preferência
para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares.
§ 1o Lei municipal, baseada no plano diretor, delimitará as áreas em que incidirá
o direito de preempção e fixará prazo de vigência, não superior a cinco anos,
renovável a partir de um ano após o decurso do prazo inicial de vigência.
§ 2o O direito de preempção fica assegurado durante o prazo de vigência fixado
na forma do § 1o, independentemente do número de alienações referentes ao
mesmo imóvel.
Art. 26. O direito de preempção será exercido sempre que o Poder Público
necessitar de áreas para:
I – regularização fundiária;
II – execução de programas e projetos habitacionais de interesse social;
III – constituição de reserva fundiária;
IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana;
V – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;
VI – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;
VII – criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de
interesse ambiental;
VIII – proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico;
106
IX – (VETADO)
Parágrafo único. A lei municipal prevista no § 1o do art. 25 desta Lei deverá
enquadrar cada área em que incidirá o direito de preempção em uma ou mais das
finalidades enumeradas por este artigo.
Art. 27. O proprietário deverá notificar sua intenção de alienar o imóvel, para
que o Município, no prazo máximo de trinta dias, manifeste por escrito seu interesse
em comprá-lo.
§ 1o À notificação mencionada no caput será anexada proposta de compra
assinada por terceiro interessado na aquisição do imóvel, da qual constarão preço,
condições de pagamento e prazo de validade.
§ 2o O Município fará publicar, em órgão oficial e em pelo menos um jornal local
ou regional de grande circulação, edital de aviso da notificação recebida nos termos
do caput e da intenção de aquisição do imóvel nas condições da proposta
apresentada.
§ 3o Transcorrido o prazo mencionado no caput sem manifestação, fica o
proprietário autorizado a realizar a alienação para terceiros, nas condições da
proposta apresentada.
§ 4o Concretizada a venda a terceiro, o proprietário fica obrigado a apresentar
ao Município, no prazo de trinta dias, cópia do instrumento público de alienação do
imóvel.
107
§ 5o A alienação processada em condições diversas da proposta apresentada é
nula de pleno direito.
§ 6o Ocorrida a hipótese prevista no § 5o o Município poderá adquirir o imóvel
pelo valor da base de cálculo do IPTU ou pelo valor indicado na proposta
apresentada, se este for inferior àquele.
Seção IX
Da outorga onerosa do direito de construir
Art. 28. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir
poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado,
mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.
§ 1o Para os efeitos desta Lei, coeficiente de aproveitamento é a relação entre a
área edificável e a área do terreno.
§ 2o O plano diretor poderá fixar coeficiente de aproveitamento básico único
para toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona
urbana.
§ 3o O plano diretor definirá os limites máximos a serem atingidos pelos
coeficientes de aproveitamento, considerando a proporcionalidade entre a infra-
estrutura existente e o aumento de densidade esperado em cada área.
Art. 29. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais poderá ser permitida
alteração de uso do solo, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.
108
Art. 30. Lei municipal específica estabelecerá as condições a serem
observadas para a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso,
determinando:
I – a fórmula de cálculo para a cobrança;
II – os casos passíveis de isenção do pagamento da outorga;
III – a contrapartida do beneficiário.
Art. 31. Os recursos auferidos com a adoção da outorga onerosa do direito de
construir e de alteração de uso serão aplicados com as finalidades previstas nos
incisos I a IX do art. 26 desta Lei.
Seção X
Das operações urbanas consorciadas
Art. 32. Lei municipal específica, baseada no plano diretor, poderá delimitar
área para aplicação de operações consorciadas.
§ 1o Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e
medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos
proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o
objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias
sociais e a valorização ambiental.
§ 2o Poderão ser previstas nas operações urbanas consorciadas, entre outras
medidas:
109
I – a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação
do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o
impacto ambiental delas decorrente;
II – a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em
desacordo com a legislação vigente.
Art. 33. Da lei específica que aprovar a operação urbana consorciada constará
o plano de operação urbana consorciada, contendo, no mínimo:
I – definição da área a ser atingida;
II – programa básico de ocupação da área;
III – programa de atendimento econômico e social para a população
diretamente afetada pela operação;
IV – finalidades da operação;
V – estudo prévio de impacto de vizinhança;
VI – contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e
investidores privados em função da utilização dos benefícios previstos nos incisos I
e II do § 2o do art. 32 desta Lei;
VII – forma de controle da operação, obrigatoriamente compartilhado com
representação da sociedade civil.
110
§ 1o Os recursos obtidos pelo Poder Público municipal na forma do inciso VI
deste artigo serão aplicados exclusivamente na própria operação urbana
consorciada.
§ 2o A partir da aprovação da lei específica de que trata o caput, são nulas as
licenças e autorizações a cargo do Poder Público municipal expedidas em
desacordo com o plano de operação urbana consorciada.
Art. 34. A lei específica que aprovar a operação urbana consorciada poderá
prever a emissão pelo Município de quantidade determinada de certificados de
potencial adicional de construção, que serão alienados em leilão ou utilizados
diretamente no pagamento das obras necessárias à própria operação.
§ 1o Os certificados de potencial adicional de construção serão livremente
negociados, mas conversíveis em direito de construir unicamente na área objeto da
operação.
§ 2o Apresentado pedido de licença para construir, o certificado de potencial
adicional será utilizado no pagamento da área de construção que supere os padrões
estabelecidos pela legislação de uso e ocupação do solo, até o limite fixado pela lei
específica que aprovar a operação urbana consorciada.
Seção XI
Da transferência do direito de construir
Art. 35. Lei municipal, baseada no plano diretor, poderá autorizar o proprietário
de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante
111
escritura pública, o direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação
urbanística dele decorrente, quando o referido imóvel for considerado necessário
para fins de:
I – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;
II – preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico,
ambiental, paisagístico, social ou cultural;
III – servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas
ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social.
§ 1o A mesma faculdade poderá ser concedida ao proprietário que doar ao
Poder Público seu imóvel, ou parte dele, para os fins previstos nos incisos I a III do
caput.
§ 2o A lei municipal referida no caput estabelecerá as condições relativas à
aplicação da transferência do direito de construir.
Seção XII
Do estudo de impacto de vizinhança
Art. 36. Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou
públicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de
impacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção,
ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal.
112
Art. 37. O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e
negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população
residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das
seguintes questões:
I – adensamento populacional;
II – equipamentos urbanos e comunitários;
III – uso e ocupação do solo;
IV – valorização imobiliária;
V – geração de tráfego e demanda por transporte público;
VI – ventilação e iluminação;
VII – paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.
Parágrafo único. Dar-se-á publicidade aos documentos integrantes do EIV, que
ficarão disponíveis para consulta, no órgão competente do Poder Público municipal,
por qualquer interessado.
Art. 38. A elaboração do EIV não substitui a elaboração e a aprovação de
estudo prévio de impacto ambiental (EIA), requeridas nos termos da legislação
ambiental.
CAPÍTULO III
DO PLANO DIRETOR
113
Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor,
assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de
vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas
as diretrizes previstas no art. 2o desta Lei.
Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da
política de desenvolvimento e expansão urbana.
§ 1o O plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal,
devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual
incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas.
§ 2o O plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo.
§ 3o A lei que instituir o plano diretor deverá ser revista, pelo menos, a cada dez
anos.
§ 4o No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua
implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão:
I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da
população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade;
II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos;
III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações
produzidos.
114
§ 5o (VETADO)
Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades:
I – com mais de vinte mil habitantes;
II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;
III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos
no § 4 o do art. 182 da Constituição Federal;
IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico;
V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com
significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.
§ 1o No caso da realização de empreendimentos ou atividades enquadrados no
inciso V do caput, os recursos técnicos e financeiros para a elaboração do plano
diretor estarão inseridos entre as medidas de compensação adotadas.
§ 2o No caso de cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser
elaborado um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor
ou nele inserido.
Art. 42. O plano diretor deverá conter no mínimo:
I – a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento,
edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infra-estrutura e
de demanda para utilização, na forma do art. 5o desta Lei;
115
II – disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei;
III – sistema de acompanhamento e controle.
CAPÍTULO IV
DA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE
Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados,
entre outros, os seguintes instrumentos:
I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e
municipal;
II – debates, audiências e consultas públicas;
III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional,
estadual e municipal;
IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de
desenvolvimento urbano;
V – (VETADO)
Art. 44. No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a
alínea f do inciso III do art. 4o desta Lei incluirá a realização de debates, audiências e
consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes
orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação
pela Câmara Municipal.
116
Art. 45. Os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações
urbanas incluirão obrigatória e significativa participação da população e de
associações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a
garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania.
CAPÍTULO V
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 46. O Poder Público municipal poderá facultar ao proprietário de área
atingida pela obrigação de que trata o caput do art. 5o desta Lei, a requerimento
deste, o estabelecimento de consórcio imobiliário como forma de viabilização
financeira do aproveitamento do imóvel.
§ 1o Considera-se consórcio imobiliário a forma de viabilização de planos de
urbanização ou edificação por meio da qual o proprietário transfere ao Poder Público
municipal seu imóvel e, após a realização das obras, recebe, como pagamento,
unidades imobiliárias devidamente urbanizadas ou edificadas.
§ 2o O valor das unidades imobiliárias a serem entregues ao proprietário será
correspondente ao valor do imóvel antes da execução das obras, observado o
disposto no § 2o do art. 8o desta Lei.
Art. 47. Os tributos sobre imóveis urbanos, assim como as tarifas relativas a
serviços públicos urbanos, serão diferenciados em função do interesse social.
Art. 48. Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social,
desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública com atuação
117
específica nessa área, os contratos de concessão de direito real de uso de imóveis
públicos:
I – terão, para todos os fins de direito, caráter de escritura pública, não se
aplicando o disposto no inciso II do art. 134 do Código Civil;
II – constituirão título de aceitação obrigatória em garantia de contratos de
financiamentos habitacionais.
Art. 49. Os Estados e Municípios terão o prazo de noventa dias, a partir da
entrada em vigor desta Lei, para fixar prazos, por lei, para a expedição de diretrizes
de empreendimentos urbanísticos, aprovação de projetos de parcelamento e de
edificação, realização de vistorias e expedição de termo de verificação e conclusão
de obras.
Parágrafo único. Não sendo cumprida a determinação do caput, fica
estabelecido o prazo de sessenta dias para a realização de cada um dos referidos
atos administrativos, que valerá até que os Estados e Municípios disponham em lei
de forma diversa.
Art. 50. Os Municípios que estejam enquadrados na obrigação prevista nos
incisos I e II do art. 41 desta Lei que não tenham plano diretor aprovado na data de
entrada em vigor desta Lei, deverão aprová-lo no prazo de cinco anos.
Art. 51. Para os efeitos desta Lei, aplicam-se ao Distrito Federal e ao
Governador do Distrito Federal as disposições relativas, respectivamente, a
Município e a Prefeito.
118
Art. 52. Sem prejuízo da punição de outros agentes públicos envolvidos e da
aplicação de outras sanções cabíveis, o Prefeito incorre em improbidade
administrativa, nos termos da Lei n o 8.429, de 2 de junho de 1992, quando:
I – (VETADO)
II – deixar de proceder, no prazo de cinco anos, o adequado aproveitamento do
imóvel incorporado ao patrimônio público, conforme o disposto no § 4o do art. 8o
desta Lei;
III – utilizar áreas obtidas por meio do direito de preempção em desacordo com
o disposto no art. 26 desta Lei;
IV – aplicar os recursos auferidos com a outorga onerosa do direito de construir
e de alteração de uso em desacordo com o previsto no art. 31 desta Lei;
V – aplicar os recursos auferidos com operações consorciadas em desacordo
com o previsto no § 1o do art. 33 desta Lei;
VI – impedir ou deixar de garantir os requisitos contidos nos incisos I a III do §
4o do art. 40 desta Lei;
VII – deixar de tomar as providências necessárias para garantir a observância
do disposto no § 3o do art. 40 e no art. 50 desta Lei;
VIII – adquirir imóvel objeto de direito de preempção, nos termos dos arts. 25 a
27 desta Lei, pelo valor da proposta apresentada, se este for, comprovadamente,
superior ao de mercado.
119
Art. 53. O art. 1o da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, passa a vigorar
acrescido de novo inciso III, renumerando o atual inciso III e os subseqüentes: .(Vide
Medida Provisória nº 2.180-35, de 24.8.2001)
"Art. 1o .......................................................
...................................................................
III – à ordem urbanística;
.........................................................." (NR)
Art. 54. O art. 4o da Lei no 7.347, de 1985, passa a vigorar com a seguinte
redação:
"Art. 4 o Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins desta Lei, objetivando,
inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística ou
aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico
(VETADO)." (NR)
Art. 55. O art. 167, inciso I, item 28, da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de
1973, alterado pela Lei no 6.216, de 30 de junho de 1975, passa a vigorar com a
seguinte redação:
"Art. 167. ...................................................
I - ..............................................................
..................................................................
120
28) das sentenças declaratórias de usucapião, independente da regularidade do
parcelamento do solo ou da edificação;
........................................................." (NR)
Art. 56. O art. 167, inciso I, da Lei no 6.015, de 1973, passa a vigorar acrescido
dos seguintes itens 37, 38 e 39:
"Art. 167. ....................................................
I – ..............................................................
37) dos termos administrativos ou das sentenças declaratórias da concessão de uso
especial para fins de moradia, independente da regularidade do parcelamento do
solo ou da edificação;
38) (VETADO)
39) da constituição do direito de superfície de imóvel urbano;" (NR)
Art. 57. O art. 167, inciso II, da Lei no 6.015, de 1973, passa a vigorar acrescido
dos seguintes itens 18, 19 e 20:
"Art. 167. ....................................................
II – ..............................................................
18) da notificação para parcelamento, edificação ou utilização compulsórios de
imóvel urbano;
19) da extinção da concessão de uso especial para fins de moradia;
121
20) da extinção do direito de superfície do imóvel urbano." (NR)
Art. 58. Esta Lei entra em vigor após decorridos noventa dias de sua
publicação.
Brasília, 10 de julho de 2001; 180o da Independência e 113o da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
122
ANEXO 03
DA POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS
CAPÍTULO I
DOS FUNDAMENTOS
Art. 1º A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes
fundamentos:
I - a água é um bem de domínio público;
II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;
III - em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo
humano e a dessedentação de animais;
IV - a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das
águas;
V - a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política
Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos;
123
VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a
participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.
CAPÍTULO II
DOS OBJETIVOS
Art. 2º São objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos:
I - assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em
padrões de qualidade adequados aos respectivos usos;
II - a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte
aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável;
III - a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou
decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais.
(...)
SEÇÃO I
DOS PLANOS DE RECURSOS HÍDRICOS
Art. 6º Os Planos de Recursos Hídricos são planos diretores que visam a
fundamentar e orientar a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos
e o gerenciamento dos recursos hídricos.
124
Art. 7º Os Planos de Recursos Hídricos são planos de longo prazo, com horizonte de
planejamento compatível com o período de implantação de seus programas e
projetos e terão o seguinte conteúdo mínimo:
I - diagnóstico da situação atual dos recursos hídricos;
II - análise de alternativas de crescimento demográfico, de evolução de atividades
produtivas e de modificações dos padrões de ocupação do solo;
III - balanço entre disponibilidades e demandas futuras dos recursos hídricos, em
quantidade e qualidade, com identificação de conflitos potenciais;
IV - metas de racionalização de uso, aumento da quantidade e melhoria da
qualidade dos recursos hídricos disponíveis;
V - medidas a serem tomadas, programas a serem desenvolvidos e projetos a serem
implantados, para o atendimento das metas previstas;
VI - (VETADO)
VII - (VETADO)
VIII - prioridades para outorga de direitos de uso de recursos hídricos;
IX - diretrizes e critérios para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos;
X - propostas para a criação de áreas sujeitas a restrição de uso, com vistas à
proteção dos recursos hídricos.
125
Art. 8º Os Planos de Recursos Hídricos serão elaborados por bacia hidrográfica, por
Estado e para o País.
(...)
TÍTULO II
DO SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS
CAPÍTULO I
DOS OBJETIVOS E DA COMPOSIÇÃO
Art. 32. Fica criado o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos,
com os seguintes objetivos:
I - coordenar a gestão integrada das águas;
II - arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com os recursos hídricos;
III - implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos;
IV - planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a recuperação dos recursos
hídricos;
V - promover a cobrança pelo uso de recursos hídricos.
126
Art. 33. Integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos:"
(Redação dada pela Lei 9.984, de 17.7.2000)
"I – o Conselho Nacional de Recursos Hídricos;" (Redação dada pela Lei 9.984, de
17.7.2000)
"I-A. – a Agência Nacional de Águas;" (AC) (Incluído pela Lei 9.984, de 17.7.2000)
"II – os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal;"
(Redação dada pela Lei 9.984, de 17.7.2000)
"III – os Comitês de Bacia Hidrográfica;" (Redação dada pela Lei 9.984, de
17.7.2000)
"IV – os órgãos dos poderes públicos federal, estaduais, do Distrito Federal e
municipais cujas competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos;"
(NR) (Redação dada pela Lei 9.984, de 17.7.2000)
"V – as Agências de Água." (Redação dada pela Lei 9.984, de 17.7.2000)
CAPÍTULO II
DO CONSELHO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS
Art. 34. O Conselho Nacional de Recursos Hídricos é composto por:
I - representantes dos Ministérios e Secretarias da Presidência da República com
atuação no gerenciamento ou no uso de recursos hídricos;
127
II - representantes indicados pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos;
III - representantes dos usuários dos recursos hídricos;
IV - representantes das organizações civis de recursos hídricos.
Parágrafo único. O número de representantes do Poder Executivo Federal não
poderá exceder à metade mais um do total dos membros do Conselho Nacional de
Recursos Hídricos.
Art. 35. Compete ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos:
I - promover a articulação do planejamento de recursos hídricos com os
planejamentos nacional, regional, estaduais e dos setores usuários;
II - arbitrar, em última instância administrativa, os conflitos existentes entre
Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos;
III - deliberar sobre os projetos de aproveitamento de recursos hídricos cujas
repercussões extrapolem o âmbito dos Estados em que serão implantados;
IV - deliberar sobre as questões que lhe tenham sido encaminhadas pelos
Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos ou pelos Comitês de Bacia Hidrográfica;
V - analisar propostas de alteração da legislação pertinente a recursos hídricos e à
Política Nacional de Recursos Hídricos;
VI - estabelecer diretrizes complementares para implementação da Política Nacional
de Recursos Hídricos, aplicação de seus instrumentos e atuação do Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos;
128
VII - aprovar propostas de instituição dos Comitês de Bacia Hidrográfica e
estabelecer critérios gerais para a elaboração de seus regimentos;
VIII - (VETADO)
IX – acompanhar a execução e aprovar o Plano Nacional de Recursos Hídricos e
determinar as providências necessárias ao cumprimento de suas metas; " (NR)
(Redação dada pela Lei 9.984, de 17.7.2000)
X - estabelecer critérios gerais para a outorga de direitos de uso de recursos hídricos
e para a cobrança por seu uso.
Art. 36. O Conselho Nacional de Recursos Hídricos será gerido por:
I - um Presidente, que será o Ministro titular do Ministério do Meio Ambiente, dos
Recursos Hídricos e da Amazônia Legal;
II - um Secretário Executivo, que será o titular do órgão integrante da estrutura do
Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal,
responsável pela gestão dos recursos hídricos.
CAPÍTULO III
DOS COMITÊS DE BACIA HIDROGRÁFICA
Art. 37. Os Comitês de Bacia Hidrográfica terão como área de atuação:
I - a totalidade de uma bacia hidrográfica;
129
II - sub-bacia hidrográfica de tributário do curso de água principal da bacia, ou de
tributário desse tributário; ou
III - grupo de bacias ou sub-bacias hidrográficas contíguas.
Parágrafo único. A instituição de Comitês de Bacia Hidrográfica em rios de domínio
da União será efetivada por ato do Presidente da República.
Art. 38. Compete aos Comitês de Bacia Hidrográfica, no âmbito de sua área de
atuação:
I - promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a
atuação das entidades intervenientes;
II - arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos
recursos hídricos;
III - aprovar o Plano de Recursos Hídricos da bacia;
IV - acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia e sugerir as
providências necessárias ao cumprimento de suas metas;
V - propor ao Conselho Nacional e aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos
as acumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para
efeito de isenção da obrigatoriedade de outorga de direitos de uso de recursos
hídricos, de acordo com os domínios destes;
VI - estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir
os valores a serem cobrados;
130
VII - (VETADO)
VIII - (VETADO)
IX - estabelecer critérios e promover o rateio de custo das obras de uso múltiplo, de
interesse comum ou coletivo.
Parágrafo único. Das decisões dos Comitês de Bacia Hidrográfica caberá recurso ao
Conselho Nacional ou aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, de acordo
com sua esfera de competência.
Art. 39. Os Comitês de Bacia Hidrográfica são compostos por representantes:
I - da União;
II - dos Estados e do Distrito Federal cujos territórios se situem, ainda que
parcialmente, em suas respectivas áreas de atuação;
III - dos Municípios situados, no todo ou em parte, em sua área de atuação;
IV - dos usuários das águas de sua área de atuação;
V - das entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia.
§ 1º O número de representantes de cada setor mencionado neste artigo, bem como
os critérios para sua indicação, serão estabelecidos nos regimentos dos comitês,
limitada a representação dos poderes executivos da União, Estados, Distrito Federal
e Municípios à metade do total de membros.
131
§ 2º Nos Comitês de Bacia Hidrográfica de bacias de rios fronteiriços e
transfronteiriços de gestão compartilhada, a representação da União deverá incluir
um representante do Ministério das Relações Exteriores.
§ 3º Nos Comitês de Bacia Hidrográfica de bacias cujos territórios abranjam terras
indígenas devem ser incluídos representantes:
I - da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, como parte da representação da União;
II - das comunidades indígenas ali residentes ou com interesses na bacia.
§ 4º A participação da União nos Comitês de Bacia Hidrográfica com área de
atuação restrita a bacias de rios sob domínio estadual, dar-se-á na forma
estabelecida nos respectivos regimentos.
Art. 40. Os Comitês de Bacia Hidrográfica serão dirigidos por um Presidente e um
Secretário, eleitos dentre seus membros.
CAPÍTULO IV
DAS AGÊNCIAS DE ÁGUA
Art. 41. As Agências de Água exercerão a função de secretaria executiva do
respectivo ou respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica.
Art. 42. As Agências de Água terão a mesma área de atuação de um ou mais
Comitês de Bacia Hidrográfica.
132
Parágrafo único. A criação das Agências de Água será autorizada pelo Conselho
Nacional de Recursos Hídricos ou pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos
mediante solicitação de um ou mais Comitês de Bacia Hidrográfica.
Art. 43. A criação de uma Agência de Água é condicionada ao atendimento dos
seguintes requisitos:
I - prévia existência do respectivo ou respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica;
II - viabilidade financeira assegurada pela cobrança do uso dos recursos hídricos em
sua área de atuação.
Art. 44. Compete às Agências de Água, no âmbito de sua área de atuação:
I - manter balanço atualizado da disponibilidade de recursos hídricos em sua área de
atuação;
II - manter o cadastro de usuários de recursos hídricos;
III - efetuar, mediante delegação do outorgante, a cobrança pelo uso de recursos
hídricos;
IV - analisar e emitir pareceres sobre os projetos e obras a serem financiados com
recursos gerados pela cobrança pelo uso de Recursos Hídricos e encaminhá-los à
instituição financeira responsável pela administração desses recursos;
V - acompanhar a administração financeira dos recursos arrecadados com a
cobrança pelo uso de recursos hídricos em sua área de atuação;
133
VI - gerir o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos em sua área de
atuação;
VII - celebrar convênios e contratar financiamentos e serviços para a execução de
suas competências;
VIII - elaborar a sua proposta orçamentária e submetê-la à apreciação do respectivo
ou respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica;
IX - promover os estudos necessários para a gestão dos recursos hídricos em sua
área de atuação;
X - elaborar o Plano de Recursos Hídricos para apreciação do respectivo Comitê de
Bacia Hidrográfica;
XI - propor ao respectivo ou respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica:
a) o enquadramento dos corpos de água nas classes de uso, para encaminhamento
ao respectivo Conselho Nacional ou Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, de
acordo com o domínio destes;
b) os valores a serem cobrados pelo uso de recursos hídricos;
c) o plano de aplicação dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso de
recursos hídricos;
d) o rateio de custo das obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo.
CAPÍTULO V
134
DA SECRETARIA EXECUTIVA DO CONSELHO NACIONAL DE RECURSOS
HÍDRICOS
Art. 45. A Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Recursos Hídricos será
exercida pelo órgão integrante da estrutura do Ministério do Meio Ambiente, dos
Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, responsável pela gestão dos recursos
hídricos.
Art. 46. Compete à Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Recursos
Hídricos:" (Redação dada pela Lei 9.984, de 17.7.2000)
I – prestar apoio administrativo, técnico e financeiro ao Conselho Nacional de
Recursos Hídricos;" (Redação dada pela Lei 9.984, de 17.7.2000)
II – revogado;" (Redação dada pela Lei 9.984, de 17.7.2000)
III – instruir os expedientes provenientes dos Conselhos Estaduais de Recursos
Hídricos e dos Comitês de Bacia Hidrográfica;" (Redação dada pela Lei 9.984, de
17.7.2000)
IV – revogado;" (Redação dada pela Lei 9.984, de 17.7.2000)
V – elaborar seu programa de trabalho e respectiva proposta orçamentária anual e
submetê-los à aprovação do Conselho Nacional de Recursos Hídricos." (Redação
dada pela Lei 9.984, de 17.7.2000)
CAPÍTULO VI
DAS ORGANIZAÇÕES CIVIS DE RECURSOS HÍDRICOS
135
Art. 47. São consideradas, para os efeitos desta Lei, organizações civis de recursos
hídricos:
I - consórcios e associações intermunicipais de bacias hidrográficas;
II - associações regionais, locais ou setoriais de usuários de recursos hídricos;
III - organizações técnicas e de ensino e pesquisa com interesse na área de
recursos hídricos;
IV - organizações não-governamentais com objetivos de defesa de interesses
difusos e coletivos da sociedade;
V - outras organizações reconhecidas pelo Conselho Nacional ou pelos Conselhos
Estaduais de Recursos Hídricos.
Art. 48. Para integrar o Sistema Nacional de Recursos Hídricos, as organizações
civis de recursos hídricos devem ser legalmente constituídas.
136