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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ FERNANDO PRESTES DE SOUZA TROPAS DE PARDOS E DE PRETOS EM SÃO PAULO COLONIAL: A RECRUTA GRANDE (1765-1777). CURITIBA 2008

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ FERNANDO … · portuguesa, utilizou-se como fonte correspondências diversas trocadas entre os vários administradores portugueses durante 1765 e

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

FERNANDO PRESTES DE SOUZA

TROPAS DE PARDOS E DE PRETOS EM SÃO PAULO COLONIAL: A

RECRUTA GRANDE (1765-1777).

CURITIBA 2008

FERNANDO PRESTES DE SOUZA

TROPAS DE PARDOS E DE PRETOS EM SÃO PAULO COLONIAL: A

RECRUTA GRANDE (1765-1777).

Monografia apresentada à disciplina de Estágio

Supervisionado em Pesquisa Histórica como

requisito parcial à conclusão do Curso de História,

Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes,

Universidade Federal do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Geraldo Silva

CURITIBA 2008

Dedico aos meus pais, Haroldo

e Aurélia, por optarem sempre

em trocar o conforto a si

mesmos pela educação de seus

quatro filhos.

2

AGRADECIMENTOS.

Ao professor Luiz Geraldo Silva, pelo apoio e incentivo irrestritos. Pelas muitas “aulas” de ética no trabalho e pela excelente orientação.

Aos colegas de graduação, orientandos do professor Luiz Geraldo Silva e companheiros nas discussões quinzenais acerca de suas monografias, em especial a Marlon

Peterlini Ferreira. À amizade, fiel e honesta, de Fernando Schmiguel e Leandro Francisco de Paula.

Aos meus familiares. À Priscila de Lima, por tudo e mais um pouco.

As instituições que, através da gentileza de seus funcionários, disponibilizaram o acesso às fontes para a pesquisa – Círculo de Estudos dos Bandeirantes, Biblioteca Pública do

Paraná e Biblioteca do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFPR. Ao CNPq pelo auxílio financeiro.

3

RESUMO

A presente monografia teve como objetivo abordar o recrutamento e a mobilização militar dos homens livres de cor na capitania de São Paulo, entre os anos 1765 e 1777. Em decorrência das amplas tensões européias, os conflitos entre Portugal e Espanha se acirraram na bacia do Prata por esta época, provocando a reorganização das estruturas defensivas em ambos os reinos. Dentre outras medidas adotadas por Portugal, na carta régia de 1766 se ordenou que pessoa alguma fosse isenta do serviço militar. Além do autoritarismo e violência característicos dos métodos de recruta, chamou-se a atenção neste trabalho para a existência de interesses da parte de alguns homens de cor ao ingresso nas tropas, um importante instrumento propiciador de mobilidade social. No esforço de recompor a atuação social dos pretos, pardos e mulatos da capitania de São Paulo no contexto da guerra de restauração do Sul da América portuguesa, utilizou-se como fonte correspondências diversas trocadas entre os vários administradores portugueses durante 1765 e 1777. Verificou-se que cativos foram alistados e armados, levantaram-se companhias militares específicas para homens de cor e estes igualmente foram enquadrados em corpos ao lado de brancos e índios. O recrutamento, ademais, cumpria vários papéis naquela figuração social, dentre os quais o de controle social.

Palavras-chave: Homens livres de cor; recrutamento militar; mobilidade social.

4

RESUMEN

Esta monografía tiene como objetivo examinar el reclutamiento y la movilización militar de los homens livres de cor en la capitanía de São Paulo, entre 1765 y 1777. Como resultado de las fuertes tensiones europeas, los conflictos entre Portugal y España se agudizaron en la bacía del Plata; lo que provocó la reorganización de las estructuras defensivas en ambos reinos. Una de las posturas adoptadas por Portugal, fue la Carta Regia de 1776, en donde se ordenaba que ninguna persona debiera negarse al servicio militar. Además del autoritarismo y violencia típicos de los métodos de reclutamiento, este trabajo destacó la existencia de intereses que algunos de estos homens de cor tenían al ingresar a las tropas, ya que dichas tropas fueron un importante instrumento propiciador de movilidad social. En un esfuerzo de reconstruir la actuación social de los pretos, pardos y mulatos de la capitanía de São Paulo en el contexto de la guerra de restauración del Sur de la América portuguesa, se usó como fuente diversas correspondencias intercambiadas entre varios administradores portugueses durante el período iniciado de 1765 y 1777, en donde se verificó qué esclavos fueron alistados y armados; también se hizo el levantamiento de las compañías militares específicas para homens de cor, los que fueron igualmente encuadrados en las líneas de combate al lado de blancos e indios. Por otra parte, se verificó que el reclutamiento tenía varias funciones en aquella configuración social, entre las cuales se encuentra la del control social.

Palabras clave: Hombres libres de color; reclutamiento militar; movilidad social.

5

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 06 2 A GUERRA LUSO-CASTELHANA E A MILITARIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA: O CASO DE SÃO PAULO...........................................................

10

2.1 A organização militar da América portuguesa ........................................................... 10 2.2 Tensões nas partes meridionais da América portuguesa e a Guerra dos Sete Anos... 14 2.3 A reestruturação militar paulista nos planos de guerra portugueses .......................... 17 2.4 A carta régia de 1766 e os incentivos ao aumento de recrutas .................................. 22 3 OS HOMENS DE COR EM SÃO PAULO: NÚMEROS, DISCURSOS, ESTRATÉGIAS E POSSIBILIDADES....................................................................

26

3.1 A população de São Paulo na segunda metade do século XVIII: homens de cor e impactos do recrutamento militar ...............................................................................

26

3.2 Entre a “má gente” e “heróicos espíritos”. Discursos acerca dos paulistas e os homens de cor de São Paulo........................................................................................

30

3.3 Os negros da América portuguesa e possibil idades de mobilidade social............................................................................................................................

34

3.4 Mobilidade social a partir dos corpos militares: o caso do pardo Caetano Francisco Santiago.......................................................................................................................

37

4 A INCORPORAÇÃO DOS LIVRES DE COR NA ESTRUTURA MLITAR PAULISTA..................................................................................................................

43

4.1 Os homens de cor na estrutura militar paulista........................................................... 43 4.2 Violência no recrutamento.......................................................................................... 46 4.3 Recrutamento e controle social................................................................................... 49 4.4 Negros ao lado de brancos. A formação de tropas mistas.......................................... 52 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 58 FONTES........................................................................................................................... 60 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................... 62

6

1 – INTRODUÇÃO

O fim da União Ibérica, em 1640, instou Portugal e Castela a se colocarem como

reinos independentes. A demarcação dos limites entre as Américas portuguesa e hispânica

revelou-se marcada por tensões de toda ordem, e, não obstante a promulgação de tratados

bilaterais, estes territórios – em especial os da bacia platina – permaneceram em disputa até a

primeira metade do século XIX. Com a Guerra dos Sete Anos na Europa, entre 1756-1763, na

qual ambos encontravam-se em lados opostos, Portugal foi invadido por uma coalizão franco-

espanhola. Do outro lado do Atlântico, paralelamente, a Colônia do Sacramento foi assaltada

por forças espanholas, bem como alguns territórios do Rio Grande do Sul. Tinha inicio em

1762, desse modo, uma guerra que duraria até 1777 e para a qual a coroa lusitana mobilizaria

homens e capitais das várias partes de seu império. Em 1763 a capital do Brasil mudou de

Salvador para o Rio de Janeiro, e já em 1765 a capitania de São Paulo foi restaurada, posto

que estava subordinada ao Rio de Janeiro desde 1748. Estas medidas estavam relacionadas, de

alguma forma, à estratégia de guerra, a qual tinha como base a ação conjunta entre Rio de

Janeiro, Minas Gerais e São Paulo para a defesa das partes meridionais da América

portuguesa. 1 Nestas três unidades político-administrativas foi empreendida ampla

reestruturação militar, com destaque para o tamanho e intensidade do recrutamento. Tendo em

vista esta grande militarização, a presente monografia tem como tema o recrutamento militar

de homens de cor em São Paulo, entre 1765 e 1777, para a guerra luso-castelhana.

O magnífico conjunto de fontes contido nos Documentos Interessantes Para a História

e Costumes de São Paulo, onde se encontram transcritas milhares de correspondências ativas e

passivas dos governadores e capitães-generais de São Paulo, foi a base documental para a

pesquisa. Do mesmo modo, utilizaram-se manuscritos do Arquivo Histórico Ultramarino do

Projeto Resgate, bem como diversas cartas publicadas por Marcos Carneiro de Mendonça, em

Século XVIII, século pombalino no Brasil.2 A partir da leitura destas correspondências foi

possível notar um grande esforço das autoridades de São Paulo para enquadrar em corpos

militares os homens de cor, e, igualmente, verificar alguns casos de complexa negociação

1 MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. 2 MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII, século pombalino no Brasil. Rio de Janeiro : Xerox do Brasil, 1989.

7

entre governadores coloniais e capitães pardos. Estes aspectos, que envolvem tanto a inserção

quanto a mobilidade social ascendente propiciada a negros e pardos na referida capitania,

foram pouco notados pela historiografia. Talvez porque as informações a esse respeito

apareçam de modo muito fragmentado na documentação, acompanhando o fato de que as

tropas de pardos eram listadas à parte e não se incluíam em terços à época da guerra, ou, até

mesmo, pela dificuldade em classificar coisas provisórias, muitas vezes feitas aos atropelos.

De fato, várias e frutíferas tentativas de classificar, ordenar, interpretar ou dar sentido a

este corpo documental ocorreram na década de 1970, através do programa de pós-graduação

da Universidade de São Paulo. Elisabeth Rabello, com a obra As elites na sociedade paulista

na segunda metade do século XVIII, fruto de sua tese de doutoramento apresentada em 1973,

trabalhou com as listas nominativas e considerou seu trabalho como pioneiro. Por outro lado,

Nanci Leonzo lidou com aspectos relacionados às instituições militares da referida capitania

valendo-se do conjunto de fontes publicado pelo Arquivo Público do Estado de São Paulo, nos

Documentos Interessantes. Sua dissertação de mestrado As companhias de ordenanças na

capitania de São Paulo. Das origens ao governo do morgado de Mateus (1975), bem como a

tese de doutoramento, intitulada Defesa militar e controle social na capitania de São Paulo:

as milícias (1979), não destacaram e tampouco problematizaram a incorporação de homens de

cor a esta estrutura militar. Maria de Lourdes Ferreira Lins, por sua vez, defendeu sua tese de

doutoramento em 1977 – a qual infelizmente não tive acesso – intitulada A Legião de São

Paulo no Rio Grande do Sul (1775-1822). Dessa mesma leva, talvez o trabalho mais difundido

nos meios acadêmicos seja Autoridade e conflito no Brasil colonial: o governo do Morgado de

Mateus em São Paulo, 1765-1775 (1979), de Heloísa Liberalli Bellotto. Dos empreendimentos

baseados na ordenação e interpretação destas inúmeras fontes, a obra de Bellotto é a mais

exemplar acerca das opções de pesquisa então em voga: primeiramente, destaque-se a ênfase

das pesquisas ao momento de restauração e reestruturação da capitania em seus aspectos

institucionais, marcado por intensa militarização, além da ânsia em apreender no conjunto a

amplitude dos fragmentos daquele passado. Entretanto, ao buscarem muitas vezes sintetizar os

documentos, estes autores pouco acenaram para a presença dos homens de cor na estrutura

militar paulista. De modo análogo, pesquisas recentes têm analisado tanto a militarização de

São Paulo quanto a presença de homens de cor na capitania, livres e escravos, sob diferentes

vieses, mas pouco explorando aspectos referentes aos negros de São Paulo enquanto homens

8

de armas. Reporto-me à Evolução da sociedade e economia escravista de São Paulo, de 1750

a 1850, fruto da parceria entre Francisco V. Luna e Herbert S. Klein, bem como a dissertação

de mestrado de Karina da Silva, Os recrutamentos militares e as relações sociedade-estado na

capitania/província de São Paulo (1765-1828). Com efeito, esta monografia é um esforço,

dentro de suas limitações, para preencher esta lacuna historiográfica. Leva-se aqui em

consideração a noção primorosamente exposta por Juan Marchena Fernandez, segundo a qual

“los determinantes de la instituición [militar] fueron, pues, los mismos factores que afectaron

y conformaron el orden colonial en sí”, e, por conseguinte, “estudiar lo militar es estudiar a la

realidad del período en multitud de aspectos”.3

As principais discussões deste trabalho giraram em torno da presença de pardos e

mulatos na reestruturação militar paulista e na guerra luso-castelhana; da forma do

recrutamento militar; do exercício de controle social e possibilidades de mobilidade social

mediante enquadramento nas tropas; da associação entre o exercício de uma função militar e

atividades comerciais; das fugas e deserções; e da resistência dos brancos à sua incorporação

em tropas mistas.

A monografia está estruturada em três capítulos, cada qual dividido em quatro tópicos.

O capítulo inicial direciona-se a apresentar o contexto no qual operou-se o recrutamento de

homens de cor em São Paulo. Em primeiro lugar, cabe mostrar a organização militar da

América portuguesa no século XVIII. Para se compreender a guerra luso-castelhana de 1762-

1777 fez-se necessário discorrer sobre a indefinição das fronteiras na bacia do Prata desde o

fim da União Ibérica, em 1640, apontar para as formas e os motivos da política portuguesa

naquela região, bem como relacionar as tensões diplomáticas na Europa, na década de 1760,

ao agravamento dos conflitos nas partes Meridionais da América portuguesa. Em seguida

buscou-se sintetizar a reestruturação militar da capitania em questão e as estratégias de guerra

desenvolvidas por Portugal, desde a mobilização em termos imperiais até o plano de ação

conjunta envolvendo São Paulo, Minas Gerais, e encabeçado pelo Rio de Janeiro. A análise da

carta régia de 22 de março de 1766 que vinha a esclarecer que todos os indivíduos capazes de

levantar armas eram passiveis de ser recrutados é essencial para os fins deste trabalho.

3 FERNÁNDEZ, Juan Marchena. Ejército y milicias en el mundo colonial americano. Madrid: MAPFRE, 1992, p. 9.

9

Já o segundo capítulo destina-se ao exame de aspectos relacionados à presença dos

homens de cor, livres ou escravos, em São Paulo, além de contemplar a estratégia de oficiais

pardos em melhorar sua posição social mediante institucionalização da tropa. A partir de

dados numéricos acerca da população da capitania, observando-se o peso quantitativo dos

grupos de escravos e livres ou forros em relação ao conjunto dos habitantes, poder-se-á

averiguar as ligações entre o tráfico de escravos, a disponibilidade de homens de cor livres

para ingressar nas tropas, e a formação destas companhias militares. Há uma seção na qual

intentou-se, também, informar algo sobre a visão depreciativa que as autoridades mantinham a

respeito destes sujeitos e a partir daí estabelecer o contraste com os discursos exultando o

alistamento dos sertanejos paulistas. Em seguida indicou-se alguns pontos de vista na

historiografia concernentes às possibilidades de ascensão social aos negros da América

portuguesa, numa configuração social na qual estes grupos eram visivelmente mais

discriminados que outros. Este percurso leva a análise de casos em que homens de cor de São

Paulo se beneficiaram neste momento de efervescência militar para elevar-se socialmente e

afastar-se das máculas próprias à sua raça existentes no século XVIII.

O terceiro capítulo foi encaminhado para a discussão de aspectos respeitantes a

presença dos homens de cor na estrutura militar paulista entre 1765-1777. Houve um esforço

em mapear as companhias militares compostas por livres de cor e em compreender os papéis

atribuídos aos cativos neste contexto. As fontes indicaram, ademais, que o recrutamento servia

eficazmente à resolução de problemas internos. Delineou-se, então, uma perspectiva distinta

daquela sobre as possibilidades de mobilidade social aos negros, ou seja, chamou-se atenção

para as formas e os objetivos do recrutamento. Daí as seções dedicadas à relação entre

recrutamento e controle social, e outra sobre o recrutamento forçado. Destacou-se ainda a

inclusão de homens de cor em companhias militares não específicas para negros.

10

2 – A GUERRA LUSO-CASTELHANA E A MILITARIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA: O CASO

DE SÃO PAULO

2.1 A organização militar da América portuguesa.

A estrutura militar que se foi construindo na América portuguesa desde o século XVI,

e que operava ao longo do século XVIII, tinha como base a divisão entre tropas de primeira,

segunda e terceira linhas, termos estes utilizados mais recentemente.4 Nos dois primeiros casos

as companhias eram agrupadas de modo a organizarem-se em terços, mais tarde chamados

regimentos. O número de indivíduos e de tropas que constituíam os terços era bastante

variável, mas, em geral, buscava-se o número de mil homens inseridos em dez ou mais tropas,

o que constituía um terço dos três mil militares que compunham as legiões romanas. 5

Baseados na classificação das tropas em relação ao pagamento ou não do serviço militar, bem

como pela regularidade destes corpos, alguns autores chegaram a pôr no mesmo cesto tropas

de segunda e terceira linhas. Russel-Wood, por exemplo, entendeu que “com exceção da tropa

de linha e dos dragões, as forças armadas no Brasil não eram organizadas como um exército

permanente, mas como uma série de unidades sem soldo nem carga horária fixa, conhecidas

como milícia (a ‘segunda linha’) ou ordenanças e auxiliares (a ‘terceira linha’)”.6 A maioria

dos historiadores brasileiros, no entanto, estabelece uma certa equivalência entre as tropas

auxiliares e as milícias, considerando-as como a segunda linha. Estas três modalidades de

instituições militares apresentavam, ademais, as subdivisões entre infantaria e cavalaria.

Isto posto, as tropas de primeira linha eram formadas por soldados e oficiais

profissionais, que, em teoria, dedicavam-se às atividades militares integralmente, e por isso

eram pagos. Grande parte destas tropas regulares provinha do reino e é de se notar que seus

integrantes gozavam de privilégios, isenções e prestígio – sendo que este último aspecto

dependia muito do contexto – motivos pelos quais o acesso a elas era vetado para a maioria da

4 A exemplo Cf. PRADO Jr., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1994; RUSSEL-WOOD, A. J. R. Escravos e libertos no Brasil colonial. Trad. Maria Beatriz de Medina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005; SALGADO, Graça (Coord.). Fiscais e Meirinhos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, pp. 97-112, 1985. 5 LEONZO, Nanci. As companhias de ordenanças na capitania de São Paulo. Das origens ao governo do

Morgado de Mateus. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1975, p. 21. 6 RUSSEL-WOOD. Op.cit. p.131.

11

população luso-brasileira. Tal como o oficialato das tropas de segunda linha, a coroa

recomendava que as tropas pagas fossem compostas por “homens dos mais capazes”, em

posses e posições.

Por outro lado, as tropas de segunda linha, criadas a partir do século XVII, após a

restauração portuguesa frente à Espanha, eram denominadas tropas auxiliares e, mais para o

final do século XVIII, de milícias. Sua função primordial era guarnecer as fronteiras em caso

de guerra ou perigo eminente. Não eram remuneradas, além do que os próprios militares

deviam providenciar suas armas e fardas, e, no caso de pertencerem a uma companhia de

cavalaria, foram obrigados a sustentar o cavalo e um escravo para cuidar do animal.

Conseqüentemente, os militares auxiliares ocupavam-se em outras profissões e se lhes

recomendava que fizessem os exercícios militares aos finais de semana.

Já as tropas de terceira linha, as ordenanças, regulamentadas na década de 1570 e

presentes durante todo o período colonial, eram formadas por todos os homens capazes, entre

14 e 60 anos – embora a idade dos alistados variasse muito na prática – e que não estivessem

enquadrados nas tropas pagas ou auxiliares. Do mesmo modo que as tropas auxiliares, as de

ordenanças prestavam serviço militar não-remunerado, mas, ao contrário daquelas, não

poderiam ser removidas para serviço em lugares distantes de onde a companhia fosse formada.

Um outro dado interessante é que era principalmente pelas listas das ordenanças, produzidas

em São Paulo com maior precisão a partir de 1765, que se recrutavam soldados para as tropas

de auxiliares e as profissionais, buscando-se sempre manter os sujeitos mais velhos nas

ordenanças.

A formação dos primeiros terços de auxiliares e de ordenanças em São Paulo, então

capitania de São Vicente, data dos últimos anos do século XVII e teve relação direta com um

aumento do interesse da coroa na região centro-sul do Brasil. Até então houvera em São

Vicente algumas companhias de ordenanças, formadas já em 1592. Porém, as primeiras tropas

de auxiliares, já organizadas em um terço, bem como o primeiro terço de ordenanças, foram

levantados entre 1697 e 1698, período em que o governador e capitão-general do Rio de

Janeiro Arthur de Sá e Menezes esteve em São Vicente com o objetivo de montar “um

aparelho administrativo e fiscal para controle e exploração das jazidas dos sertões mineiros”.

12

Leonzo reuniu alguns indícios importantes para argumentar no sentido desta articulação.7 De

outro lado, as tropas de primeira linha foram criadas apenas em 1710. A partir de 1739, os

corpos de auxiliares paulistas ficaram por ordem régia praticamente restritos à costa marítima,

e, quando morgado de Mateus assumiu o governo da capitania, já em 1765, notou apenas

algumas poucas tropas pagas de infantaria e algumas companhias dispersas e desordenadas de

ordenanças.8

Aos homens de cor do Brasil colonial, fossem pretos, mulatos, pardos ou índios, o

acesso às tropas de primeira linha era vetado, como se pôde notar, e, embora Karina da Silva

tenha indicado alguns exemplos no sentido contrário, para a capitania de São Paulo do início

do século XIX, ela mesma entende que foram exceções.9 Nas tropas de segunda e terceira

linhas, entretanto, era comum o emprego destas pessoas, geralmente em companhias e

regimentos separados dos brancos e até mesmo de outros grupos formados por homens de cor.

Essa participação institucionalizada dos negros no sistema defensivo da América portuguesa

iniciou-se com o terço dos pretos e o regimento de mulatos e recrutas locais, comandados

respectivamente por Henrique Dias e João Fernandes Vieira, levantados em Pernambuco por

ocasião das guerras luso-holandesas de 1630-1640 e 1645-1654.10 Desde então as tropas de

auxiliares e ordenanças compostas por homens de cor espalharam-se pela América portuguesa,

tendo natureza, formas e destinos dos mais variados. Se em alguns casos estas companhias

foram “convocadas em uma emergência e dissolvidas assim que a crise passava”11, em outros

elas permaneceram em pé por longo período, passando por profundas mudanças, como

ocorreu com o Terço dos Henriques, de Pernambuco.12

Os escravos, por sua vez, não poderiam servir ao lado de pessoas livres, e, por

conseguinte, nas tropas de linha, auxiliares ou ordenanças. Embora boa parte dos homens

comandados por Henrique Dias em meados do século XVII fossem escravos, como se pôde

7 LEONZO, Nanci. Defesa militar e controle social na capitania de São Paulo: as milícias. Tese de Doutoramento apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1979, pp. 23-25. 8 Ibidem. p. 31. 9 SILVA, Karina da. Os recrutamentos militares e as relações sociedade-estado na capitania/província de São

Paulo (1765-1828). Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista, 2006, p. 131. 10 RUSSEL-WOOD. Op.cit. p.130. 11 RUSSEL-WOOD. Op.cit. p.131. 12 SILVA, Kalina Vanderlei. Os Henriques nas vilas açucareiras do estado do Brasil: tropas de homens negros em Pernambuco, séculos XVII e XVIII. In: Estudos de História, Franca, v. 9, n. 2, pp. 145-163, 2002.

13

notar acima mesmo o terço dos Henriques sofrera profundas mudanças, a tal ponto de tornar-

se proibida a participação de cativos naqueles corpos militares. No início do século XIX, a

composição social deste terço baseava-se em negros livres crioulos.13 Na segunda metade do

século XVIII os administradores, portugueses ou luso-brasileiros, admitiam sim a participação

militar de escravos em situações emergenciais, nunca, porém, efetuada no período da guerra

luso-castelhana. E é preciso esclarecer que neste momento, em São Paulo e em Minas Gerais,

por exemplo, senhores de escravos foram obrigados a providenciar armamento para seus

cativos, que passavam a constituir exércitos de reserva.

A partir desta brecha e dos outros apontamentos, pode-se perceber que a estrutura

militar da América portuguesa dava ampla margem ao improviso, ao provisório, à

irregularidade. Deste modo, para compreender parte do papel dos homens de cor nesta

estrutura é preciso atentar para o fato de que ela constantemente se transformava. Assim,

mudanças consideráveis são notadas na postura régia em relação à constituição de corpos

especiais para pardos ou bastardos em São Paulo, e em outras capitanias. Em 1731 a coroa

ordenara que não mais seriam formadas tropas específicas para estes sujeitos.14 Entretanto, em

um contexto já bastante diferenciado, a partir de 1765 os inconvenientes derivados da

constituição de tais corpos militares foram deixados de lado, a favor da mobilização dos

indivíduos de cor e de categorias sociais tidas como vadios, criminosos e bastardos. Nesse

sentido, constituíram-se várias companhias militares que de modo algum se encaixavam nas

três categorias de tropas já apresentadas. Muitas eram formadas às pressas, sujeitas que

estavam a todo tipo de improviso decorrente de uma situação de guerra. Havia a participação

de pardos em tropas pagas, chamadas de Aventureiros, que, no entanto, não eram consideradas

como de primeira linha. Existiram, inversamente, companhias de ordenanças compostas por

homens de cor bastante marginalizadas, a ponto de não se enquadrarem em terços e serem

listadas à parte. Faz-se necessário, por suposto, um exame dessa conjuntura, a qual tornou

necessária uma enérgica militarização da capitania de São Paulo.

13 SILVA, Kalina Vanderlei. Op.cit. 14 LEONZO, Nanci. As companhias de ordenanças na capitania de São Paulo. Das origens ao governo do

Morgado de Mateus, pp. 78-79.

14

2.2 Tensões nas partes meridionais da América portuguesa e a Guerra dos Sete Anos.

Os limites entre as Américas hispânica e portuguesa não estiveram claros, fixos e bem

definidos ao longo de todo o período colonial. Após o fim da União Ibérica houve declarado

interesse na região da bacia do Prata por ambas as coroas. De sua parte, Portugal implementou

ações concretas para estender seus territórios meridionais na década de 1680, com a fundação

da Colônia do Sacramento (1680) e de Laguna (1684).15 Tais medidas eram justificadas, em

boa medida, pelo fato de que, ao recém criado bispado do Rio de Janeiro, a Santa Sé atribuiu,

em 1676, o território diocesano que se estendia da capitania do Espírito Santo até o Rio da

Prata. Interessava aos lusitanos retomar as suntuosas relações comerciais em Buenos Aires que,

malgrado a forma de contrabando, lhes proporcionavam a cobiçada prata peruana.16 Situada

defronte a Buenos Aires, desde então Sacramento passou a ser alvo cotidiano de investidas

castelhanas, que ora se constituíam em pequenos assaltos às roças de portugueses, ora

tomavam a forma de cercos. Tão logo criada, em 1680 a Colônia do Sacramento foi tomada

pelos espanhóis, o que se repetiu em 1704-5. Entre 1735-7 foi novamente sitiada.17

Se a Colônia, o então extremo-sul da América portuguesa, permaneceu praticamente

isolada militar, econômica e administrativamente em relação aos demais territórios do Brasil,

existiu de fato um movimento colonizador no chamado Continente do Rio Grande de São

Pedro. A fundação desta capitania, em 1713, visava garantir a posse deste espaço e

proporcionar auxílio para a defesa e conservação de Sacramento. Contudo, apenas a partir de

1737 é que a administração portuguesa enviou algumas pessoas para colonizar o Presídio do

Rio Grande de São Pedro. Destaca-se, neste processo, o estímulo à vinda de casais açorianos,

em meados do século XVIII. Ainda assim a legitimidade da presença portuguesa na região era

questionada pela coroa espanhola. Houve, então, grande esforço em validar a ocupação dos

almejados territórios e em amenizar os conflitos por via diplomática: através do Tratado de

Madri, assinado em 1750, os portugueses renunciaram à Colônia do Sacramento, mas

garantiram o domínio das terras onde se localizavam os Sete Povos das Missões e de toda a

15 CUNHA, P. O. Carneiro da. Política e administração de 1640 a 1763. In: Holanda, S. B. de (Dir.). História

geral da civilização brasileira. (v. 2, t. 1). São Paulo: Difel, pp. 19-41, 1968. 16 HOLANDA, S. B. de. A Colônia do Sacramento e a expansão no extremo sul. In: HOLANDA, S. B. de. (Dir.). História Geral da Civilização Brasileira. (v. 1, t. 1). São Paulo: Difel, pp. 322-363, 1972. 17 Idem.

15

costa litorânea próxima à cidade espanhola de Montevidéu. 18 Porém, um novo acordo

estabelecido em 1761, o Tratado de El Pardo, anulou as disposições de 1750.

Neste clima instável os conflitos locais se acentuaram grandemente na década de 1760,

uma vez que neste amplo quadro de negociações entre Portugal e Espanha constavam também

questões relativas à política européia: ao longo da Guerra dos Sete Anos (1756-1763) a

Espanha permaneceu aliada à França, ao passo que Portugal, embora mantivesse uma frágil

neutralidade, pendia para o lado da Inglaterra. Em 1762, parte do reino português foi ocupado

por uma coalizão espanhola e francesa que visava fragilizar as relações entre lusitanos e

ingleses. Dada a notável debilidade do sistema defensivo, o primeiro ministro português,

conde de Oeiras – mais conhecido pelo título que ganhou em 1769, marquês de Pombal –,

solicitou o imediato auxílio militar inglês para repelir a invasão. Atendido em seu pedido,

Pombal negociou ainda a permanência de oficiais a serviço da Inglaterra após o conflito, os

quais seriam elementos chave na completa reestruturação militar planejada para Portugal.19 Do

outro lado do Atlântico, já em fins de 1762, as forças espanholas lideradas por D. Pedro de

Cevallos invadiram a Colônia do Sacramento, os fortes de São Miguel e de Santa Tereza, e

penetraram na vila de São Pedro em maio de 1763.20 Iniciou-se, desta forma, o chamado

período da dominação espanhola no Sul da América portuguesa – o qual duraria de 1763 a

1776, ano da retomada do Rio Grande de São Pedro. 21 Assim, como reflexo de uma

instabilidade nas relações diplomáticas na Europa, as pelejas na região do Prata tomaram

grandes proporções.

A guerra colonial luso-castelhana iniciada em 1762 perdurou até 1777, e deve ser vista

como fator significativo nas transformações geopolíticas operadas tanto na América

portuguesa quanto na hispânica. Com efeito, no período da guerra em questão, a capital do

Brasil mudou de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763, ao passo que, em 1776, criou-se o

vice-reino do Rio da Prata na América espanhola.22 Um outro dado auxilia na visualização das

18 REICHEL, H. J.; GUTFREIND, I. Fronteiras e guerras no Prata. São Paulo: Atual, 1995, p. 23. 19 MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, pp. 119-139. 20 LEONZO, Nanci. As companhias de ordenanças na capitania de São Paulo. Das origens ao governo do

Morgado de Mateus, p. 60. 21 KÜHN, Fábio. A fronteira em movimento: relações luso-castelhanas na segunda metade do século XVIII. In: Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre: PUCRS, v.25, n.2, pp. 91-112, dez./1999, p. 91. 22 Para o caso da América portuguesa ver MAXWELL, Kenneth. Op. cit. p. 126. Em relação a América espanhola, consultar BRADING, D. A. A Espanha dos Bourbons e seu império americano. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina. São Paulo: Edusp; Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 1997, pp. 405-406.

16

grandes dimensões desta guerra, não apenas nos termos de espaço e tempo, mas no fator

humano. Lins considera que as tropas portuguesas reunidas para este conflito, estacionadas nas

regiões fronteiriças e sob a denominação de Exército do Sul, eram constituídas por mais de

seis mil homens no total, formando “o maior [exército luso-brasileiro] até então organizado

em território americano”. 23 Num ritmo marcado por marchas e contramarchas, o esforço

lusitano em retomar para si o espaço ocupado pelos inimigos castelhanos efetivou-se a partir

de 1765, quando então os capitães-generais foram instruídos para repelir a força com força.24

As autoridades portuguesas tinham a percepção de que os palcos da guerra não se

restringiam às fronteiras do Rio Grande, pois temiam invasões à costa litorânea através da ilha

de Santa Catarina, das vilas de Paranaguá e Santos, e, sobretudo, ao Rio de Janeiro. De modo

semelhante, atentou-se para a fronteira oeste, na região do Mato Grosso. Daí constar da

estratégia de guerra lusitana a construção do presídio de Nossa Senhora dos Prazeres do

Iguatemi, em 1767, uma vez que este estabelecimento, segundo se esperava, provocaria o

deslocamento das forças espanholas para regiões distantes no sertão e as faria dividirem-se, e,

por conseguinte, enfraquecerem-se.25

Estes conflitos tornaram-se mais agudos entre 1774 e 1777, o que fica bastante nítido

nas correspondências trocadas entre as autoridades portuguesas, chegando mesmo ao pé de se

colocar em prática, em 1776, um plano emergencial de defesa na vila de Santos, território

afastado dos principais cenários da guerra. Isso tudo diante do temor a uma invasão espanhola

a capitania de São Paulo. O ano de 1774 marca efetivamente a contra-ofensiva luso-brasileira,

após uma grande incursão castelhana no Rio Grande de São Pedro que resultou na fundação da

colônia fortificada de Santa Tecla.26 Os luso-americanos restauraram o domínio sobre o Rio

Grande de São Pedro em 1776, mas, não obstante este sucesso e as demais precauções, o ano

seguinte foi marcado pela tomada da ilha de Santa Catarina, pela perda definitiva da Colônia

23 LINS, Maria de Lourdes Ferreira. Martim Lopes Lobo de Saldanha: a presença de São Paulo nas guerras do Sul. In: Anais do simpósio comemorativo do bicentenário da restauração do Rio Grande (1776-1976). Vol. I. RJ: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), 1979, p. 315. 24 Cf. “Artigos (cópias) das Instruções dadas pelo conde de Oeiras ao General da capitania (de São Paulo), D. Luis António de Sousa em ofício de 26 de janeiro de 1765”. Arquivo Histórico Ultramarino – Projeto Resgate (doravante AHU-SP), cx. 23, doc. 2221. Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, 26 de janeiro de 1765. 25 BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Autoridade e conflito no Brasil colonial: o governo do Morgado de Mateus em São Paulo (1765-1775). São Paulo: Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas, 1979, p. 119. 26 LEONZO, Nanci. Defesa militar e controle social na capitania de São Paulo: as milícias, pp. 105-106.

17

do Sacramento, e pela destruição do Iguatemi. Este último fato ocorreu após se ter firmado o

acordo de paz entre as coroas ibéricas, o Tratado de Santo Ildelfonso.27

2.3 A reestruturação militar paulista nos planos de guerra portugueses.

Com o agravamento das contendas entre espanhóis e portugueses e sua subseqüente

extensão para as Américas, o processo de profundas reformas e intensa mobilização militar

que se levava a efeito em Portugal foi imediata e emergencialmente estendido ao Brasil, com

vistas na recuperação dos territórios perdidos, bem como para a manutenção da segurança nos

principais portos e cidades coloniais. Assim, uma das primeiras e mais enérgicas medidas

tomadas por Pombal, o ministro “todo-poderoso” de Portugal, foi a já mencionada

transferência da capital de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763, objetivando agilizar o

controle e a gerência das partes Meridionais da América portuguesa. Em segundo lugar, dois

oficiais estrangeiros foram enviados ao Brasil para reparar e dirigir a estrutura de guerra,

Johann Heinrich Böhm e Jacques Funck, aos quais o historiador Maxwell atribui as qualidades

de “peritos militares reformistas”. Pombal encaminhou, ainda, dois aristocratas portugueses

experimentados na arte da guerra, posto que chefiaram tropas na campanha militar conduzida

por Graf Lippe quando da ocupação de Portugal pela frente franco-espanhola, em 1762. São

eles o marquês de Lavradio, nomeado governador e capitão-general da Bahia em 1768 e

capitão-general do Rio de Janeiro e vice-rei do Brasil no ano seguinte, e Dom Luís Antônio de

Souza Botelho Mourão, o morgado de Mateus, que assumiu o governo da capitania de São

Paulo em 1765.28 Num segundo momento, em 1774, quando da contra-ofensiva portuguesa,

vigorosas diretrizes foram expedidas pela coroa, fossem diretamente por Pombal ou pelo

Conselho Ultramarino. O vice-rei Lavradio foi investido, então, de plenos poderes para dirigir

a guerra contra os castelhanos. Na mesma ocasião ordenou-se o replacement de governadores

e capitães-generais em várias partes do Império português, como São Paulo, Minas Gerais,

Pernambuco, Bahia, Rio Grande, Santa Catarina e nas Ilhas dos Açores. Ainda mais, este

amplo projeto de investida militar contou também com o envio ao Rio Grande dos

27 BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Op. cit., p. 308. 28 MAXWELL, Kenneth. Op. cit., p. 126.

18

supracitados Böhm e Funck, nomeados, respectivamente, Tenente General e Marechal de

Campo, acompanhados que estavam dos três regimentos portugueses.29

Com os esforços de guerra, exigiu-se contribuições e mobilização da parte de várias

capitanias da América portuguesa, além de alguns territórios no Atlântico e mesmo do reino.

Pode-se citar aqui, por exemplo, o envio dos “três melhores regimentos portugueses (Maura,

Bragança e Estremoz)” 30, e, em 1774, o alistamento de voluntários nos Açores, remetidos ao

Brasil juntamente aos presos nas levas, com a finalidade de suprir de recrutas os Regimentos

da Guarnição do Rio de Janeiro.31 Envolvida nos conflitos por então ser região fronteiriça e

estar em disputa, à capitania de Mato Grosso foi encaminhado, já em 1765, um plano para a

organização do sistema defensivo, o qual previa assim a fundação de povoados como a

formação de corpos militares de aventureiros e pedestres.32 Mais distante dos focos da guerra,

nem por isso Pernambuco foi isenta de provar sua fidelidade à coroa lusitana nesta ocasião.

Além do aumento no número de tropas, efetivado, previa-se, ao longo de toda a guerra, a

cooperação militar da referida capitania através do envio de algumas companhias para o Rio

de Janeiro e Santa Catarina.33 De um modo ou de outro, as várias partes do império português

tiveram de arcar com esta estrutura de guerra. Contribuíram pesadamente à arrecadação de

fundos dirigidos ao Rio de Janeiro, por exemplo, as capitanias Bahia, Minas Gerais, Goiás,

São Paulo e Angola.34 Pode-se depreender, portanto, que a movimentação militar portuguesa

em torno da guerra com os espanhóis não se restringiu às ações conjuntas de São Paulo, Rio de

Janeiro e Minas Gerais. No entanto, é evidente que à estas três capitanias exigiu-se mais.

Pombal foi, pois, muito claro ao instruir o vice-rei conde da Cunha (1763-1767) no

sentido deste “cooperar com tudo que lhe for possível para a boa execução do que Sua

Majestade tem ordenado” ao capitão-general de São Paulo, o morgado de Mateus; “o mesmo

29 Cf. “Carta de D. José I para o marquês do Lavradio”. In.: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII,

século pombalino no Brasil. Rio de Janeiro : Xerox do Brasil, 1989, p. 607-608. Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, 9 de julho de 1774; “Carta do marquês de Pombal para o marquês do Lavradio”. In.: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII, op.cit., p. 608-610. Lisboa, 15 de julho de 1774. Ver também PAULA, L. F.; SILVA, L. G.; SOUZA, F. P. A guerra luso-castelhana e o recrutamento de pardos e pretos: uma análise comparativa (Minas Gerais, São Paulo e Pernambuco, 1775-1777). In: Jornadas Setecentistas, 2007, Curitiba. VII JORNADA SETECENTISTA. Curitiba, v. 1. pp. 1-2, 2007. 30 MAXWELL, Kenneth. Op. cit., p. 126. 31 Cf. “Carta de Martinho de Melo Castro para Antão de Almada”. In.: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII, op.cit., p. 597-598. Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, 25 de maio de 1774. 32

Cf. “Carta do conde de Azambuja para D. João Pedro da Câmara”. In.: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII, op.cit., p. 417-421. Pará, 8 de janeiro de 1765. 33 PAULA, L. F.; SILVA, L. G.; SOUZA, F. P. Op. cit. 34 LINS, Maria de Lourdes Ferreira. Op. cit., pp. 317-318.

19

acordo comum se deve praticar entre Vossa Excelência, Dom Luis Antonio de Souza, e com

Luiz Diogo Lobo da Silva [capitão-general de Minas Gerais], para que com a união de todos

os três governos, se possa consolidar uma força superior a que podem transportar deste

Continente os nossos voluntários inimigos”.35 Deste modo, além da mobilização ocorrida em

territórios mais afastados da região em conflito, estabeleceu-se um plano de ação conjunta

encabeçado pelo Rio de Janeiro na pessoa do vice-rei. O plano permaneceu um imperativo

mesmo com a substituição destes governadores.

Neste contexto é que a capitania de São Paulo foi restaurada, como se pôde observar, já

que esteve vinculada ao Rio de Janeiro de 1748 até 1765. Ao longo da guerra luso-espanhola

foi governada por D. Luis Antonio de Souza (1765-1775) e, em seguida, por Martim Lopes

Lobo de Saldanha (1775-1782). Ambos os capitães-generais receberam diversas cartas com as

instruções de governo, as quais reiteravam o papel atribuído à capitania no contexto das

guerras entre Portugal e Espanha. Mediante seus esforços para a retomada do Sul da América

portuguesa e, por outro lado, por se apresentar como uma muralha entre os castelhanos e as

Minas Gerais, é que a capitania de São Paulo faria jus a sua restituição.36 Em outros termos,

cabia à capitania assegurar a sua própria defesa, além do comprometimento com a guerra no

Sul. De fato, tanto o morgado de Mateus quanto Martim Saldanha empreenderam esforços

para pôr em prática as ordens da coroa, erigindo na capitania uma estrutura militar sem

precedentes. Atividades de intensa mobilização e recrutamento foram marcas da administração

destes dois governadores e capitães generais. Todavia, a capitania necessitava de uma obra de

reorganização não apenas militar, mas igualmente nos campos econômico 37 e político-

administrativo. Com alta dose de dramatização, o morgado de Mateus assim participou ao

vice-rei marquês de Lavradio, em 1772, sobre os problemas de seus trabalhos nesse intento:

“eu achei esta capitania morta e ressuscitá-la é mais difícil que criá-la de novo”.38

Para a constituição e manutenção de todo o aparato militar as atividades agrícolas

deviam ser cuidadosamente levadas em conta. Ora, neste período em que ocorria um

35 Cf. “Carta do Conde de Oeiras ao Conde da Cunha”. In.: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII,

op.cit., p. 425-427. Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, 26 de janeiro de 1765. 36 BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Op. cit., pp. 69-83. 37 Ibidem, pp. 203-233. 38 Ibidem, pp. 10.

20

“renascimento agrícola” na América portuguesa39, a produção devia destinar-se também ao

abastecimento das tropas, fossem elas as levantadas e em serviço na capitania, fossem aquelas

destacadas no Rio Grande e em Santa Catarina, ou até mesmo o vasto contingente proveniente

de Minas Gerais que transitou pelo interior de São Paulo, na ida e volta do Rio Grande.40

Como em outras regiões, quando os agricultores eram recrutados as necessidades de mais

homens de armas poderiam conflitar com as da produção de alimentos. A infra-estrutura

militar paulista incluiu também a construção de fortalezas, principalmente na costa litorânea,

embora a mais dispendiosa tenha sido o Presídio de Nossa Senhora dos Prazeres do Iguatemi,

localizado paradoxalmente na capitania de Mato Grosso. O Iguatemi fez parte da já referida

estratégia militar do morgado de Mateus em relação aos hispano-americanos. Aprovada de

início, a partir de 1772 a coroa teceria severas críticas e censuras, como o fez o sucessor

Martim Saldanha, à esta obra em que D. Luiz Antonio de Souza mais gastou sua energia e os

rendimentos da capitania.41 Assim, percebe-se que muitas das demais obras ocorriam não sem

protestos, como foi o caso das constantes queixas da população de Paranaguá por conta dos

exorbitantes impostos recolhidos para a ereção da fortaleza local.42

A abertura de caminhos e estradas foi outra tarefa a cargo da população regional, e

relacionava-se não apenas ao trânsito de tropas militares, mas em boa parte a dar acesso aos

vilarejos e povoações estrategicamente fundados, através dos quais expandia-se o território

português e formavam-se barreiras para os eventuais ataques indígenas e espanhóis pelo sertão.

Em realidade, uma das principais marcas do governo de D. Luis Antonio de Souza foi a

fundação de vilas, o que não ocorria na capitania desde 1705, bem como a busca em congregar

em povoados mais sólidos aquelas populações que viviam dispersas nos sertões, no modo dos

“sítios volantes”, e que aos olhos das autoridades não passavam de vadios e facinorosos. É

evidente que o capitão-general tinha em mente, além de outras coisas, a reorganização militar

39 ALDEN, Dauril. O período final do Brasil colônia (1750-1808). In: BETHEL, Leslie (Org.). América Latina

Colonial. Trad. Mary A. L. de Barros.; Magda Lopes. São Paulo: Edusp/FUNAG, pp. 527-592, 1999, pp. 556-584. 40 Em relação à passagem pela capitania de São Paulo dos militares das Minas Gerais com destino ao Rio Grande, consultar Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo (Doravante D.I.). Vol. LXXVIII e Vol. LXXIX. Já quanto ao retorno das tropas, ver DI. Vol. LXXXIV. 41 Cf. “Registro de minuta de correspondência a ser dirigida ao governador da capitania de São Paulo”. In.: PEREIRA, M. (Org.). Plano para sustentar a posse da parte meridional da América portuguesa (1772), p. 17-29. Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, 22 de abril de 1774. 42 Cf. “Representação dos oficiais da Câmara (da vila) de Paranaguá a (D. Maria I), expondo os prejuízos que o povo e a vila tem tido, que anteriormente contara ao governador, sem que este os tivesse resolvido”. AHU-SP, cx. 33, doc. 2846. Paranaguá, 18 de julho de 1778.

21

a que fora incumbido. O estabelecimento dos habitantes em povoados possibilitaria um maior

controle por parte das autoridades, e, pelo que se esperava, menos dificuldades à tarefa do

recrutamento militar e a sujeição do restante da população ao trabalho e à religião.43

Com efeito, partia destes povoados e freguesias as listas das ordenanças, verdadeiros

recenseamentos e instrumentos eficientes para o conhecimento da população disponível para a

atividade militar. Desde 1765 é que foram efetuados estes alistamentos anuais em que

constavam várias informações referentes aos fogos, tais como os nomes dos chefes de cada

família, da esposa, o número de filhos, com o nome e idade discriminados, e os bens possuídos.

Apontavam também o cargo que os indivíduos ocupavam nas esquadras e companhias. Em

outras palavras, todos os homens aptos ao serviço militar foram enquadrados em companhias

de ordenanças, desde que não servissem em tropas de primeira e segunda linhas. Há que se

destacar, por fim, a formação de tropas de primeira linha e, sobretudo, as de auxiliares,

mediante intensa atividade recrutadora.

Desse modo, os momentos chave da criação de corpos militares situam-se nos

primeiros anos de governo de ambos os capitães-generais, isto é, 1765-1766 e 1775-1777.

Morgado de Mateus declarou a Pombal ter concluído sua obra de arregimentação de homens,

em 1767, após coordenar a constituição ou reforma de um regimento de tropa regular, com

seis companhias destacadas em Santos, e de seis regimentos irregulares de tropas auxiliares,

divididas geograficamente entre as da Marinha e as de Serra Acima. Foram listadas também

algumas companhias de pardos e de mulatos.44 Posteriormente, as atividades de recrutamento

voltaram-se para a formação de tropas de sertanistas e de aventureiros, incumbidos da

colonização do Iguatemi e desbravamento dos campos de Guarapuava, Tibagi, e do sertão do

Ivaí. De outro lado, Martim Lopes Lobo de Saldanha ocupou-se irrestritamente da guerra no

Rio Grande e Santa Catarina. Com sua Instrução Militar em mãos, pela qual Martinho de

Melo e Castro lhe de ordenava nova reorganização militar, mediante reforma do regimento de

linha, formação da Legião de Voluntários Reais com 1.600 homens em tempo de guerra, e,

43 SANTOS, Antonio César de Almeida. O desbravamento dos sertões da capitania de São Paulo e a presença portuguesa na porção meridional da América. In: PEREIRA, M. R. de M. (Org.). Plano para sustentar a posse da

parte meridional da América portuguesa (1772). Curitiba: Casa Editorial Tetravento Ltda. (Aos quatro ventos), v. 1, pp. 01-14, 2003, pp. 5-9; TORRÃO FILHO, Amílcar. O “Milagre da onipotência” e a dispersão dos vadios: política urbanizadora e civilizadora em São Paulo na administração do morgado de Mateus (1765-1775). In: Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, v. 31, n. 1, pp. 145-165, jun./2005. 44 Cf. “Estado militar. Relatório enviado por D. Luis Antonio de Souza, morgado de Mateus, para Pombal”. D.I. Vol. XXIII, p. 85-98. São Paulo, 2 de janeiro de 1767.

22

ainda, pela criação de mais corpos de auxiliares, o capitão-general empreendeu uma colossal

arregimentação em São Paulo.45 Em uma carta de setembro de 1776, informou ao vice-rei

Lavradio a formação de seis terços de auxiliares, além de outras companhias avulsas, cerca de

3.200 homens.46 O intenso recrutamento persistiu até 1777, ano do fim dos conflitos com a

Espanha. A análise da carta régia de 22 de março 1766 é fundamental para a compreensão

deste processo de militarização da América portuguesa, ocorrido na segunda metade do século

XVIII e baseado na constituição de corpos de auxiliares.

2.4 A carta régia de 1766 e os incentivos ao aumento de recrutas.

Durante a guerra luso-castelhana, diante da imensidão de seu império nas Américas, foi

impossível à Espanha sustentar-se apenas com suas tropas profissionais européias. Recorreu,

então, amplamente às forças locais, recrutando na região da bacia platina pardos e morenos

livres47, e índios precariamente equipados, inclusive. Um bom exemplo a este respeito é que

em fins de 1773 foi elaborado um plano para o ataque à região da fronteira do Rio Pardo, o

qual previa a ação de mais de 400 homens, sendo 300 índios das Missões e apenas 100

militares de Corrientes. Este destacamento foi batido por forças portuguesas.48 Do outro lado a

situação não se diferenciava completamente, e o sistema defensivo da América portuguesa

fundou-se, sobretudo, em seus próprios habitantes. Esta condição era vista pelas autoridades

com muita clareza, e passou a ser transmitida aos capitães-generais e vice-reis, em suas

instruções de governo, mediante a atestação de três “princípios invariáveis”:

Primeiro: que o pequeno Continente de Portugal, tendo braços muito extensos, muito distantes e muito separados uns dos outros: quais são os seus Domínios Ultramarinos nas quatro partes do Mundo, não pode ter meios, nem forças com que se defenda a si próprio, e acuda ao mesmo tempo à preservação e segurança de cada um deles; Segundo: que nenhuma Potência do Universo, por mais formidável que seja, pode nem intentou até agora defender as suas Colônias, com as únicas forças do seu próprio continente; Terceiro: que o único meio que até hoje se tem

45 Cf. “Instrução Militar para Martim Lopes Lobo de Saldanha, Governador da Capitania de S. Paulo”. D.I. Vol. XLIII, p. 29-52. Salvaterra de Magos, 14 de janeiro de 1775. 46 Cf. “Para o mesmo Vice Rei, sobre a organização de mais forças nesta Capitania e escolha de seus officiaes”. D.I. Vol. XLII, p. 165-171. São Paulo, 23 de setembro de 1777. 47 FERNÁNDEZ, Juan Marchena. Ejército y milicias en el mundo colonial americano. Madrid: MAPFRE, 1992, pp. 119-124. 48 Cf. “Instrução expedida por Dom Francisco Bruno de Zavala, governador das Missões do Uruguai ao comandante Dom Antonio Gomes”. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII, op.cit., p. 583-585. Pueblo São Miguel, 30 de outubro de 1773; “Carta do Marquês do Lavradio para José Marcelino de Figueiredo”. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII, op.cit., p. 587-588. Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 1774.

23

descoberto e praticado para acorrer a sobredita impossibilidade, foi o de fazer servir as mesmas Colônias para a própria e natural defesa delas: e na inteligência deste inalterável princípio, as principais forças que hão de defender o Brasil, são as do mesmo Brasil.49

Nessa linha, a coroa lusitana teve que depositar suas esperanças tanto nas tropas

profissionais, fossem aquelas formadas no reino ou as do próprio Brasil, quanto, e em grande

medida, nas companhias de auxiliares e demais forças irregulares. Se é certo que essas forças

– e aqui se analisa as paulistas, em particular – apresentavam no conjunto muitas debilidades,

como a falta de elementos básicos para enfrentar uma guerra nos sertões – armas, alimentos,

treinamento, disciplina, etc. – foi com extremo otimismo que o marquês de Pombal à elas se

referiu ao vice-rei marquês do Lavradio, exaltando as principais virtudes destes sertanejos,

exatamente no momento da contra-ofensiva portuguesa (1774): “afrontando perigos, e

vencendo dificuldades da natureza através das espessuras dos matos, da oposição dos rios, e

dos passos mais escabrosos das montanhas: e sendo nesta consideração os Corpos Ligeiros, e

os Caçadores, e de Aventureiros do país as tropas mais naturais, e próprias para a guerra, que

se vai principiar no Sul”.50 Antes mesmo, em 1765, Pombal escreveu ao capitão-general de

São Paulo instruindo-o a se valer destas populações no combate ao inimigo castelhano,

pretendendo até que de Minas Gerais baixassem “vinte, ou trinta mil [negros], a caírem de

repente sobre os castelhanos”, não somente os oprimindo e destruindo, mas agindo de modo a

recuperar todo o território até a margem setentrional do Rio da Prata.51 No tocante à utilização

militar dos habitantes do Brasil, percebe-se que a administração portuguesa teve que lidar com

processos aparentemente divergentes entre si, quais sejam, o aumento e a reforma dos corpos

militares luso-brasileiros, e a diminuição dos gastos militares.

O alvará régio de 24 de fevereiro de 1764, como explicou Cristiane de Mello, detalhou

os métodos e condições ao recrutamento para a tropa de linha, ou paga, determinando que sua

base era constituída pelas listas das ordenanças. Destacam-se, especialmente, os inúmeros

privilégios e isenções previstas neste alvará.52 Outro era o caráter da carta régia expedida em

49 Cf. “Instrução de Martinho de Melo e Castro para Luis de Vasconcelos”. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII, op.cit., p. 753-754. Salvaterra de Magos, 27 de janeiro de 1779. 50 Cf. “Oficio do Marquês de Pombal para o Marquês do Lavradio”. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII, op.cit., p. 613-615. Lisboa, 8 de agosto de 1774. 51 Cf. “Artigos (cópias) das Instruções dadas pelo conde de Oeiras ao General da capitania (de São Paulo), D. Luis António de Sousa em ofício de 26 de janeiro de 1765”. AHU-SP, cx. 23, doc. 2221. Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, 26 de janeiro de 1765. 52 MELLO, Christiane Figueiredo Pagano de. Os corpos de ordenanças e auxiliares. Sobre as relações militares e políticas na América portuguesa. In: História: Questões & Debates, Curitiba, n. 45, pp. 29-56, 2006, pp. 47-56.

24

22 de março de 1766, que se destinava a todas as capitanias do Brasil visando aos corpos de

auxiliares e ordenanças. Seu texto, franco e direto, indicou primeiramente que, se de um lado o

governo português tinha conhecimento “da irregularidade, e falta de disciplina a que se acham

reduzidas as Tropas Auxiliares dessa capitania”, de outro atestou formarem estes corpos “uma

das principais forças, que tem a mesma capitania para se defender”. Ao contrário do que se

previa no alvará de 1764, ou seja, uma série de isenções de modo a não sobrecarregar as

receitas das capitanias e tampouco conflitar com os diversos interesses locais, as diretrizes da

carta de 1766 apontavam para um enorme alargamento do conjunto de sujeitos passíveis ao

recrutamento para as tropas de segunda e terceira linhas. Cada capitão-general foi obrigado,

lê-se na dita carta, “alistar todos os moradores das terras da vossa jurisdição que se acharem

em estado de poderem servir nas tropas auxiliares, sem exceção de nobres, plebeus, brancos,

mestiços, pretos, ingênuos, e libertos; e à proporção dos que tiver cada uma das referidas

classes, formeis terços de auxiliares, e ordenanças, assim de cavalaria, como de infantaria”.53

Nesta conjuntura marcada pelas conturbadas relações na Europa, pela guerra declarada com a

Espanha em territórios americanos e, não menos importante, pelo grande temor às

suspeitíssimas intenções de Inglaterra e França naquelas regiões54, objetivou-se com a carta

régia de 1766 colocar em prática as máximas segundo as quais deveriam “servir as mesmas

colônias para a própria e natural defesa delas”.55

Os recursos financeiros limitados das capitanias e as respostas das populações a este

chamado da coroa foram levados em conta. Se não se permitiram isenções ao recrutamento,

houve, em direção oposta, ampla concessão de privilégios e mercês ao oficialato de segunda e

terceira linhas. Diante das dificuldades para a constituição de tropas, fosse o desinteresse dos

homens, e por vezes aversão, ao enquadramento nas instituições militares, fosse a falta de

recursos para custear o armamento e as fardas de companhias não-remuneradas, como era o

caso dos auxiliares e ordenanças, foi com benefícios materiais e simbólicos, sobretudo, que a

administração lusitana buscou a adesão da parte das elites locais. Assim, a carta régia em

questão instruía aos capitães-generais para que os “serviços que fizerem os mesmos oficiais

desde o posto de alferes até o de mestre de campo sucessivamente sejam despachados como

53 Cf. “Carta de D. José I ao governador e capitão-general de São Paulo, morgado de Mateus”. AHU-SP, cx. 24, doc. 2354. Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, 22 de março de 1766. 54 MAXWELL, Kenneth. Op. cit., pp. 122-125. 55 Cf. “Instrução de Martinho de Melo e Castro para Luis de Vasconcelos”. In.: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII, op.cit., 1989, p. 753-754. Salvaterra de Magos, 27 de janeiro de 1779.

25

oficiais das tropas pagas”. Esta relativa equiparação às tropas profissionais, restrita aos oficiais,

estendeu-se ao modo como os militares faziam-se representar perante a corporação e a

sociedade como um todo: “que possam assim os ditos oficiais como os soldados usarem de

uniformes, divisas, e caireis no chapéu somente com diferença que as divisas e caireis dos

oficiais poderão ser de ouro ou prata, e as dos soldados não passarão de lã”. Privilégios e

benefícios serviam bem, como se vê, para marcar as diferenças de posições no interior de

corpos militares. Mas o fato é que a mesma carta régia de 22 de março de 1766 indicava a

contrapartida das regalias então conferidas às tropas de segunda e terceira linhas: “serão

obrigados todos os oficiais e soldados a terem à sua custa espadas e armas de um mesmo

adarme, e os de cavalaria a terem e sustentarem também a sua custa um cavalo e um escravo

para cuidarem nele”.

Ela igualmente suscitou respostas das mais diversas nas capitanias da América

portuguesa. Em Minas Gerais, por exemplo, camaristas e senhores de escravos questionavam a

ordem do então capitão-general Luís Diogo Lobo da Silva, enviada no mesmo bando pelo qual

se fazia conhecer a carta régia de 22 de março de 1766, no sentido de que os capitães de

ordenança contassem os escravos, e do número total armassem um quinto, afim de que

compusessem terços de escravos. Na argumentação contrária às ordens do governador havia o

temor de que ocorressem ações da parte dos negros armados contra seus senhores, além, é

claro, dos inconvenientes gerados pela perda de mão-de-obra.56 Já em São Paulo, uma das

questões que mais fez correr tinta nas penas daqueles que tiveram de lidar com as prescrições

da dita carta foi o pagamento aos oficiais de auxiliares, semelhante aos dos oficiais das tropas

pagas. Com efeito, a tarefa penosa de recolher fundos para esta finalidade coube às câmaras.

Estes eram obtidos através da alta tributação a que estavam sujeitos vários produtos e

atividades, e que, em última instância, saíam das mãos de todo e qualquer habitante. A

inquieta câmara de Paranaguá foi a mais enérgica nesse sentido.57 Cabe agora lançar um olhar

mais atento à população da capitania de São Paulo, de modo a entender quem afinal eram estes

sujeitos passíveis ao recrutamento militar, e particularmente aos homens de cor.

56 PAULA, L. F.; SILVA, L. G.; SOUZA, F. P. de. Op. cit.; MELLO, Christiane Figueiredo Pagano de. A guerra e o pacto: a política de intensa mobilização militar nas Minas Gerais. In: Castro, C.; Izecksohn, V.; Kraay, H. (Orgs.). Nova história militar brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV, pp. 67-86, 2004. 57 Cf. “Termo da Junta que se fez com os Procuradores das Câmaras das Villas pertencentes a Comarca de Parnaguá, a que asistiu o Ouvidor della, para effeito de se estabelecer rendimento para se pagarem os soldos do Sargento-mor, e Ajudante do Corpo de Infantaria de Parnaguá, na forma da Ordem de S. Mag.e de 22 de março de 1766”. D.I. Vol. XIX, p. 94-97. Paranaguá, 29 de maio de 1767.

26

3 – OS HOMENS DE COR EM SÃO PAULO: NÚMEROS, DISCURSOS, ESTRATÉGIAS E

POSSIBILIDADES

3.1 A população de São Paulo na segunda metade do século XVIII: homens de cor e impactos do

recrutamento militar.

A população de São Paulo em 1776, segundo as estimativas de Alden, perfazia o

número de 116.975 pessoas. Em termos numéricos, era superada com larga distância pelas

capitanias de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, para as quais o mesmo

historiador atribuiu a cifra de 319.769, 288.848, 239.713 e 215.678 almas, respectivamente.

Como se vê, a população da vizinha Rio de Janeiro, a quarta mais populosa do Brasil, quase

que dobrava a paulista. Outro abismo numérico é produzido quando se compara a população

de São Paulo com a do Ceará, a sexta capitania em termos de maior população contabilizada:

seus 61.408 habitantes equivaliam a 52,5% dos de São Paulo.58 Deste modo, a região aqui

ponderada apresentava-se como intermediária em termos de população total, em 1776, na

América portuguesa.

Considerando estes dados, torna-se parcialmente compreensível o recorrente lamento

dos governadores D. Luis Antonio de Souza e de Martim Saldanha relacionado ao reduzido

número de pessoas aptas para compor as tropas ao longo de 1765 e 1777. Ainda assim, quando

se mira as pouco mais de 20 mil pessoas que residiam no Rio Grande do Sul por esta época 59

é que melhor se percebe a validade dos encargos atribuídos a São Paulo na guerra luso-

castelhana, ou seja, o envio de aproximadamente 38% dos soldados que compunham o

Exército do Sul estacionado no Rio Grande, além da formação de tropas para a sua própria

defesa.60 A este respeito, Karina da Silva defende vigorosamente a idéia de que, a despeito de

toda a perturbação proporcionada pelos recrutamentos militares, a estrutura populacional

paulista não foi abalada entre os anos 1765 e 1830, uma vez que acompanhou o crescimento

econômico da capitania, chegando, no ano 1828, à cifra de 287.645 almas.61 Muito embora

reconheça um “desequilíbrio de gêneros” em São Paulo neste momento, entende-o como algo 58 ALDEN, Dauril. O período final do Brasil colônia (1750-1808), p. 529. 59 Idem. 60 LINS, Maria de Lourdes Ferreira. Martim Lopes Lobo de Saldanha: a presença de São Paulo nas guerras do Sul. Op. cit., p. 316. 61 SILVA, Karina da. Os recrutamentos militares e as relações sociedade-estado na capitania/província de São

Paulo (1765-1828). Op. cit., pp. 28-48.

27

estrutural, relacionado ao modo de vida e às atividades econômicas dos paulistas. Para Karina

da Silva, “no que se refere ao despovoamento da Província, sabemos que o fato não ocorreu,

pelo contrário, verificou-se um crescimento populacional acentuado desde a segunda metade

do século XVIII”.62 É certo, porém, que o intenso recrutamento militar causou grande impacto

naquela sociedade. Acredito ser coerente ir além desta visão geral que, sob a bandeira do

crescimento econômico e demográfico a longo prazo, omite as complexidades e o impacto a

que esta situação de guerra exerceu sobre a população da capitania.

Em 1780, portanto após findarem-se os conflitos entre hispano-americanos e luso-

brasileiros, o capitão-general Martim Saldanha tinha em mãos uma lista com os números da

população, divida por sexo e grupos de idade. 63 Impressiona a fenda na pirâmide etária: se o

número de rapazes entre sete e quatorze anos (12.398) assemelhava-se ao de raparigas na

mesma faixa etária (11.841), por um lado, houve, de outro, considerável distorção entre a

quantidade de homens e mulheres adultas. Estas, entre seus quinze aos quarenta anos, eram em

número de 26.897 pessoas, ao passo que para o número de homens ultrapassar esta cifra era

necessário estender nas contas a faixa etária para mais vinte anos. Dito de outro modo, o grupo

de homens adultos, que no relatório do governador formavam a terceira classe de habitantes,

contabilizava os indivíduos do sexo masculino desde os quinze aos sessenta anos e atingia um

total de 27.299 pessoas. Desta forma, vê-se um grande vazio populacional no grupo de

homens nessa faixa etária, que, por sinal, compreendia justamente os sujeitos passíveis de

serem recrutados. Esta desproporcionalidade aumentou, paradoxalmente, em uma época

caracterizada pela intensificação da introdução de cativos, crioulos e africanos, que abalou

profundamente o equilíbrio demográfico entre os escravos. Houve, portanto, um aumento

sensível na razão de masculinidade neste grupo. Já em 1795 as mulheres com idade de quinze

a quarenta anos eram em número de 39.634, ao passo que foram contados apenas 34.413

homens entre quinze e sessenta anos64.

Não se quer aqui, através destes poucos dados, contestar a idéia de que a capitania de

São Paulo foi marcada por alguma desproporção entre o número de homens e mulheres adultas, 62 SILVA, Karina da. Op. cit., pp. 148-149. 63 Cf. “Relação de todos os habitantes da capitania de São Paulo, divididos nas classes seguintes”. AHU-SP, Cx. 35, Doc. 2947. São Paulo, 1 de junho de 1780. 64 Cf. “Ofício do governador e capitão general da capitania de São Paulo, conde de Sarzedas, Bernardo José Maria da Silveira e Lorena, ao [secretário de estado da Marinha e Ultramar], visconde de Balsemão, Luís Pinto de Sousa Coutinho, informando que enviou a relação dos habitantes daquela capitania”. AHU-SP/Avulsos, Cx. 10, Doc. 27. São Paulo, 2 de julho de 1795.

28

durante o século XVIII. Pretende-se, ao contrário, marcar o papel que a militarização e a

atividade do recrutamento desempenharam, ao lado das atividades econômicas e ao modo de

vida dos paulistas, para tamanha distorção da pirâmide etária. Todavia, deve-se observar que

aqueles homens em constante movimento, comercializando no litoral, no caminho das tropas

ou na rota das monções, eram sim contabilizados nas listas de população, mas com a

observação de estarem ausentes. Com efeito, alguns milhares de homens foram recrutados e

enviados a combater no Rio Grande, Santa Catarina e no Iguatemi. Muitos foram vitimados ao

longo do caminho ou mesmo nos conflitos. O Iguatemi foi considerado o cemitério dos

paulistas. Outros tantos permaneceram vivos e estabeleceram-se no Rio Grande. Um número

talvez maior de homens não figurou nestas representações estatísticas da população por conta

do temor ao recrutamento. Haja vista que um dos grandes objetivos deste minucioso

mapeamento demográfico realizado na capitania, a partir de 1765, era mesmo obter o número

de pessoas aptas a servir nos corpos militares. A deserção, as fugas para “os matos”, e as

omissões de inúmeros chefes de fogos ao esconderem seus filhos parecem ser importantes

fatores para a explicação deste reduzido percentual de homens em relação às mulheres.

É interessante ter em vista que, do contingente de soldados em potencial,

contabilizados ou não, os homens de cor eram um grupo significativo na capitania durante a

segunda metade do século XVIII. A presença de africanos em São Paulo fez-se sentir desde os

primórdios da capitania65, mas em proporção mínima, se comparado aos outros grupos sociais

que habitavam-na nos dois séculos iniciais, quando o território constituía a capitania

hereditária de São Vicente. Dos processos amplos e conexos de crescimento econômico e

populacional pelos quais passou São Paulo no setecentos, dentre seus múltiplos aspectos, há

destaque para a incorporação de africanos e crioulos naquela sociedade. Porém, não houve

uma transição rápida e direta entre a estrutura de produção baseada no emprego de índios a

esta sustentada pela força de negros. Diversamente, o processo foi consumado apenas em fins

do século em questão66, acompanhando a cultura agro-exportadora da cana-de-açúcar. Se uma

parcela significativa dos indivíduos desembarcados no porto de Santos, ao longo da primeira

metade do século, era destinada às Gerais, estima-se, por outro lado, que neste mesmo período

65 BALHANA, Altiva Pilatti; WESTPHALEN, Cecília Maria. Negros, gentios da terra, ou negros d’África?. In: Revista da SBPH, Curitiba, n. 17, pp. 17-23, 2000. 66 MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, pp. 209-226, 1994, pp. 220s.

29

as taxas de crescimento natural entre os escravos fossem positivas, uma vez que o número de

homens e mulheres cativos era equilibrado.67

De um modo ou de outro, em carta enviada ao marquês de Pombal, pela qual o

Morgado de Mateus remeteu-lhe a lista dos escravos e rendimentos da capitania de São Paulo

para o ano de 1768, apontou-se a cifra de 23.323 pessoas cativas.68 Pouco tempo depois, em

1772, esse número chegava a 28.542 pretos – termo coetâneo utilizado muitas vezes como

sinônimo de escravo, e em alguns casos para escravo africano, especificamente –

representando cerca de 24,4 por cento de uma população estimada em 116.975 indivíduos.69

Esta camada social cresceu rapidamente entre 1777 e 1829, atingindo o número de 75 mil

pessoas.70 Paralelamente, desenvolveu-se uma classe formada por homens livres de cor, que

em 1772 chegava a 22.459 pessoas, ou 19,2 por cento da população total de São Paulo.71 Em

1803 vê-se que já ultrapassara em quantidade o total de escravos, com 46.913 homens de cor

livres, em oposição aos 44.131 cativos. Não superava o número de indivíduos classificados

como brancos, porém – cerca de 113 mil pessoas.72 De qualquer forma, essa camada de

homens livres composta por não-brancos aumentou de forma consistente na capitania desde o

último quartel do século XVIII, e foi “a categoria social que mais rapidamente cresceu na

sociedade brasileira do século XIX”. 73 Isso se deve, principalmente, as altas taxas de

crescimento vegetativo e a um “constante processo de emancipação”.74 O certo é que, em

suma, havia em São Paulo uma camada consistente formada por indivíduos livres de cor no

período em questão, e que muitas destas pessoas não foram contabilizadas nas listas

nominativas por conta do recrutamento e suas conseqüências. É interessante, agora, analisar os

discursos enunciados sobre aquela população pelas autoridades portuguesas,

fundamentalmente no que toca à utilização destas pessoas nos corpos militares.

67 LUNA, F. V.; KLEIN, H. S. Evolução da sociedade e economia escravista de São Paulo, de 1750 a 1850. São Paulo: EDUSP, 2006, pp. 45-46. 68 Cf. “Carta ao mesmo conde [de Oeiras] remettendo-lhe a lista dos escravos e rendimentos da capitania de S. Paulo”. D.I. Vol. XIX, p. 282-283. São Paulo, 22 de fevereiro de 1769. 69 ALDEN, Dauril. The Population of Brazil in the Late Eighteenth Century: A Preliminary Study. In: The

Hispanic American Historical Review, v. 43, n. 2, pp. 173-205, maio/1963, p. 196. 70 LUNA, F. V.; KLEIN, H. S. Op. cit., p. 167. 71 ALDEN, Dauril. The Population of Brazil in the Late Eighteenth Century: A Preliminary Study, p. 196. 72 KLEIN, Herbert S. Os homens livres de cor na sociedade escravista brasileira. Dados – Revista de Ciências

Sociais, n. 17, pp. 3-27, 1978, p. 9. 73 KLEIN, Herbert S. Op. cit., p. 10. 74 Idem.

30

3.2 Entre a “má gente” e “heróicos espíritos”. Discursos acerca dos paulistas e os homens de

cor de São Paulo.

Desde o início de seu governo, D. Luiz Antonio de Souza argumentava a Pombal que a

“qualidade dos povos” sob sua gerência se constituía no grande obstáculo para a

implementação daqueles projetos com os quais o governador e capitão-general buscava

transformar a capitania. A fundação de povoações e vilas, os incentivos a expansão e

diversificação agrícola mediante uso de novas técnicas, os planos de defesa da capitania: tudo

isso, afirmava seguro – “por me ajudarem já as luzes de uma mais clara, e bem advertida

experiência” –, se devia a “negligência, e preguiça dos naturais”. 75

Morgado de Mateus visava desconstruir um discurso segundo o qual a utilização do

arado e o plantio em terras já utilizadas não eram viáveis, ao que contrapunha com outro

discurso, o da preguiça e desinteresse dos filhos da terra.76 Para ele, havia também um círculo-

vicioso sustentado pela chegada de portugueses à capitania, de modo que estes se esforçavam

em trabalhos manuais até adquirirem escravos, e a partir daí, sustentados pelo suor dos cativos,

entregar-se-iam ao ócio.77 Já as povoações civis não logravam êxito porque, “dos povos”, “os

pequenos [...] querem viver na liberdade, na dissolução, e nos vícios, livres de todo o governo

de justiça” e “os maiores”, por outro lado, “querem servir-se daqueles mesmos debaixo do

nome de administrados, e tê-los como verdadeiros escravos”.78 Estes costumes eram, portanto,

um mal generalizado, próprio dos paulistas.

Se, aos olhos da principal autoridade da capitania, o trabalho ficava a cargo tão

somente dos escravos, fossem africanos, crioulos ou índios, em outra ocasião D. Luiz Antonio

de Souza reclamava que “nestas terras não há povo, e por isso não há quem sirva ao Estado:

exceto muito poucos mulatos, que usam de seus ofícios, todos os mais são senhores ou

escravos”. As mulheres, por sua vez, não exerciam ocupação alguma, segundo o governador,

“poucas costuram e fiam, exceto algumas mulatas”. 79 Nestes termos, houve algum destaque

para a representatividade da crescente camada constituída por pessoas livres de cor, aquela que

75 Cf. “Sobre o atrazo da lavoura em S. Paulo e suas cauzas”. D.I. Vol. XXIII, p. 374-377. São Paulo, 30 de janeiro 1768. 76 Cf. idem. 77 Cf. “N. 6. Sobre os costumes publicos de S. Paulo”. D.I. Vol. XXIII, p. 377-382. São Paulo, 31 de janeiro 1768. 78 Cf. “Sobre dificuldades de fundar povoações e lemites da Capitania ao Sul”. D.I. Vol. XXIII, p. 204-206. São Paulo, 7 de julho de 1767. 79 Cf. “N. 6. Sobre os costumes publicos de S. Paulo”. D.I. Vol. XXIII, p. 377-382. São Paulo, 31 de janeiro 1768.

31

nesta época representava cerca de 20% da população total de São Paulo, como observado

anteriormente. Isso não quer dizer, contudo, que este grupo era bem visto à autoridade.

Acusando a intensificação do tráfico de cativos africanos para a capitania, morgado de Mateus

apresentou a Pombal suas reflexões acerca dos danos, a longo prazo, que a presença destes

indivíduos ocasionaria tanto ao caráter da população do Estado do Brasil quanto aos cofres

portugueses:

Ainda que o Brasil cada vez se vai mais descobrindo, e carecendo mais número de negros para se laborar, contudo poderia vir a perder por tempo o assento deles, porque vão-se fazendo tantos casamentos de negros, e negras, e povoações nas fazendas, e lavras particulares que já multiplicam muito nas mesmas terras sem que precisem de vir de fora, e além de se ir povoando o Estado de má gente, poderá vir a ter todos os necessários e arruinar o comércio, e os direitos de Sua Majestade. 80

Dois aspectos desta fala, ao menos, são de especial interesse: em primeiro lugar, há

indícios da transformação pela qual passava a dinâmica da escravidão na capitania. Fez-se

menção ao padrão de reprodução escrava até a época, ou seja, através do crescimento natural –

o que caracterizaria esta população cativa como predominantemente crioula e sustentaria a

ampliação da classe dos homens livres de cor. Por outro lado, D. Luiz Antonio de Souza

apontou para a constante e larga entrada de africanos em São Paulo, um processo que tinha

início neste mesmo momento e chegaria a seu ápice no século XIX. O segundo aspecto a ser

notado é a própria qualificação extremamente pejorativa aos negros, a demonstração de

repugnância em relação a estas pessoas, que, independente da situação jurídica, chegavam a

representar quase 45 por cento dos habitantes da referida capitania em 1772. Tratar estas

pessoas como humanamente inferiores, de fato, não era novidade. O que se pretende chamar

atenção aqui é para a intercalação de discursos sobre a população em questão, no contexto da

guerra luso-castelhana.

A partir de 1774, como já foi notado, os investimentos na guerra aumentaram de lado a

lado. Aos administradores de São Paulo já havia sido transmitida a ordem para concentrarem

seus esforços no Sul da América portuguesa, e não mais no Oeste. Uma série de

correspondências trocadas entre as altas autoridades lusitanas – dentre os quais Pombal, o

vice-rei Lavradio e os capitães-generais – vinha a detalhar o plano geral de guerra. Nesse

contexto houve especial destaque ao imemorável caráter guerreiro dos paulistas. Por ocasião

80 Cf. “[Carta para o Conde de Oeiras] N. 5”. D.I. Vol. XIX, p. 282-284. São Paulo, 22 de fevereiro de 1769.

32

da comparação entre as forças terrestres disponíveis aos contendores, Pombal via vantagens

dos portugueses nas tropas já estacionadas no Rio Grande, bem como

nas muitas companhias de aventureiros, de caçadores e de sertanistas das capitanias de São Paulo e de Santos [sic], que se têm levantado e podem levantar, e sendo todos eles por si mesmos valorosíssimos e filhos e netos de pais e avós dotados daqueles heróicos espíritos que lhes ganharam a fama de serem nestas partes o terror [...].81

Toda esta retórica que fazia remontar à ação dos bandeirantes no século XVII foi

empregada neste momento visando o empenho tanto das autoridades quanto dos demais

habitantes de São Paulo. E o discurso acaba por se inverter: se D. Luiz Antonio justificava-se a

respeito do malogro de alguns de seus projetos mediante a desqualificação dos paulistas –

homens que vivem no ócio, metidos pelos matos e insubordinados – Pombal buscava

convencer e animar ao próprio Lavradio de que as forças militares luso-brasileiras, baseadas

em parte naqueles temíveis paulistas, eram suficientemente superiores às tropas espanholas

formadas por índios e habitantes de Corrientes. É evidente que, como se verá adiante, as

necessidades próprias de uma época extremamente conturbada deram margem a soluções

imediatas, que nem sempre levavam em conta qualquer retórica acerca dos paulistas.

Entretanto, até pela esperança da coroa depositada nestes homens, os governadores eram

instruídos “para os animar; por uma parte com estímulos da vaidade, que é neles genial,

prometendo-lhes, que serão atendidos por Sua Majestade com a mesma distinção dos grandes

serviços, que espera que lhe façam”, e por outra, através da permissão ao saque feito aos bens

dos inimigos.82 Sob esta tensão entre vícios e virtudes operou-se o recrutamento em São Paulo

para a guerra.

Já em relação a participação de negros nas batalhas, Pombal pouco indicou os

caminhos a serem seguidos por morgado de Mateus e Martim Saldanha. Entusiasmava-se mais

com o amplo contingente de homens livres de cor das Minas Gerais e Pernambuco83, ao que

vinha somar a tradição, sempre resgatada, dos feitos dos negros pernambucanos durante as

guerras contra os holandeses, em meados do século XVII. Alertou a Lavradio que Sua

Majestade “estima tanto aqueles vassalos pretos e pardos, que no ano passado, despachou com

81 Cf. “Ofício do marquês de Pombal ao marquês do Lavradio”. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século

XVIII, op.cit., p. 617-619. Lisboa, 18 de setembro de 1774. 82 Cf. “Ofício do marquês de Pombal ao marquês do Lavradio”. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século

XVIII, op.cit., p. 613-615. Lisboa, 8 de agosto de 1774. 83 Cf. ALDEN, Dauril. O período final do Brasil colônia (1750-1808), p. 529.

33

o Hábito de Santiago a um mestre de campo de um dos segundos deles”. Ademais, tendo em

vista o falatório no sentido de que “aos mesmos espanhóis europeus causam outro grande

terror e pânico os negros, de sorte que na ocasião em que fugiram de Vila Real, davam por

motivo da sua fugida, que vinha contra eles marchando um grande número de negros”84,

houve a convocação, em 1775, para que os terços dos pretos Henriques e o dos Pardos de

Pernambuco fossem destacados à Santa Catarina. Sabe-se, contudo, que apesar de mobilizados,

os pernambucanos não embarcaram para esta ilha em 1775.85 O vice-rei Lavradio, por sua vez,

orientava a Saldanha para que este formasse corpos de infantaria auxiliares, “sem exceção de

casados e solteiros, nem escolha entre brancos, mulatos e índios, contanto que sejam homens

fortes, robustos e desembaraçados”.86 O interessante é ter em vista que esta avaliação referente

aos paulistas enquanto valorosos homens de armas a combater nos sertões e matos, que se

reporta a um contexto bastante diverso, o do século XVII, era uma tradição recriada na

conjuntura da guerra luso-castelhana. A ela agregava-se, neste momento, o elemento africano

ou afro-americano. Os homens de cor da capitania, por certo, estavam no grupo dos paulistas e

partilhavam das mesmas qualidades. Além disso, é de se notar que este discurso não

funcionava pura e simplesmente como retórica para o recrutamento, parecia de fato estar como

certo na mente dos administradores portugueses, a despeito da marginalização daqueles

sujeitos. Em agosto de 1775, portanto após as conversações que teve com Lavradio acerca das

virtudes militares dos habitantes de São Paulo, Saldanha ordenava ao capitão-mor de

Paranaguá que este mantivesse prontas as ordenanças, “nas quais é preciso compreender os

administrados, e mulatos forros solteiros, e ainda fuscos, pois estes quero eu para a minha

Companhia do Coronel, porque são bons soldados para as campanhas da América”.87

Certamente que a realidade da capitania, com a dinamização recente do tráfico de

escravos africanos e o predomínio de uma economia de subsistência, por exemplo, teve

relações diretas com a enunciação destes discursos sobre seus habitantes. O esforço de guerra

caracterizou, de forma semelhante, a retórica acerca das qualidades militares dos paulistas. Por

conseguinte, tais fatores moldaram as formas específicas da incorporação de negros de São

84 Cf. “Carta do marquês de Pombal ao marquês do Lavradio”. In.: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século

XVIII, op.cit., p. 635-639. Lisboa, 9 de maio de 1775. Grifo no original. 85 PAULA, L. F.; SILVA, L. G.; SOUZA, F. P. de. Op. cit. 86 Cf. “Carta do marquês do Lavradio para Martim Lopes Lobo de Saldanha”. In.: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII, op.cit., p. 640-645. Rio de Janeiro, 27 de maio de 1775. 87 Cf. “P.a o Sarg.to Mor de Auxiliares da V.a de Parnaguá”. D.I. Vol. LXXIV, p. 81-82. São Paulo, 31 de agosto de 1775.

34

Paulo na estrutura militar. Tendo em vista estas oposições entre exaltação e desqualificação,

inserção e exclusão desta população, os tópicos que seguem visam abordar, primeiramente,

algumas possibilidades de ascensão social aos negros da América portuguesa anotadas pela

historiografia, e, mais detalhadamente, casos de mobilidade social ascendente a homens de cor

na capitania de São Paulo no contexto da guerra luso-castelhana.

3.3 Os negros da América portuguesa e possibilidades de mobilidade social

Em um universo no qual era fundamental a associação entre “ser” e “parecer” à

definição e constituição de indivíduos e grupos, marcas como cor e escravidão a muito custo

eram suprimidas. E os homens de cor da América portuguesa carregavam consigo os estigmas

do cativeiro, constantemente reiterados – e reconstruídos –, tanto a partir de estatutos jurídicos

que os colocavam em condição de nítida inferioridade aos brancos, cerceando-os em vários

aspectos, quanto em atitudes cotidianas, como as referências à cor que invariavelmente

acompanhavam o nome destes indivíduos. Este tópico visa a um exame das possibilidades e

estratégias dos homens de cor para a mobilidade social ascendente nesta sociedade de Antigo

Regime.

O antigo regime foi classificado por Hespanha como um “mundo social indisponível,

ossificado e de mudanças lentas e prefixadas”, no qual operava, de fato, uma lógica fundada

na associação de conceitos como honra, honestidade e justiça, visando a ordenação dos grupos

e indivíduos na sociedade.88 A condição social ocupada era considerada, pois, obra da natureza,

logo, justa. Mudanças poderiam acontecer, mas de duas formas bem distintas: paulatinamente,

com aquisição honesta de riqueza e aplicação de pecúlio em obras para o reino, ou por

intervenção direta e dramática do rei, o grande distribuidor de poder. Hespanha problematiza a

mobilidade social tendo em vista somente a nobilitação.

A integração e ascensão social destes sujeitos, na América portuguesa, eram

deliberadamente obstruídas pela política da Coroa portuguesa, segundo Russel-Wood.89 O

historiador afirma que “os libertos de ascendência africana eram discriminados por leis que

deixavam, freqüentemente, de distinguir escravos de libertos”. Estes eram impedidos de portar

88 HESPANHA, António Manuel. A mobilidade social na sociedade de Antigo Regime. Tempo, Niterói, v. 11, n. 21, pp. 121-143, 2006, p. 138. 89 RUSSEL-WOOD, A. J. R. Op. cit. p. 107.

35

armas, não sendo militares, e de se vestir com roupas luxuosas. “No nível local, a justiça para

os libertos de cor era arbitrária e, freqüentemente, violenta. Havia um conjunto de leis e

punições para brancos e outro para pessoas de cor”. 90 Considera, ademais, que “o serviço

público da Coroa, da municipalidade, do judiciário, a Igreja e as ordens religiosas estavam

fechadas a qualquer negro”.91 Após construir este quadro bastante generalizante, no qual

destaca a discriminação e marginalização sofrida pelos homens livres de cor, Russel-Wood

aponta para uma flexibilidade e certo grau de tolerância, variável de região para região, no que

concerne ao efetivo acesso de negros a cargos públicos. Sobressaiam aí as nomeações e

militares.92

Hebe Mattos, por sua vez, esforçou-se por demonstrar que esta política da Coroa em

relação aos negros do Brasil passou por mudanças consideráveis na virada do século XVII

para o XVIII. 93 Acompanhando a trajetória de oficiais do Terço dos Henriques que se

dirigiram de Pernambuco para Lisboa, na segunda metade do dezessete, a reivindicar o

reconhecimento de seus feitos nas batalhas contra índios, quilombolas dos Palmares e

holandeses, Mattos constatou que estes oficiais negros foram atendidos em seus pedidos e

receberam altas condecorações militares. Cabe salientar que os requerentes foram submetidos

às provanças sobre pais e avós, de modo que teriam que provar não serem descendentes de

cristãos-novos ou gentios. Seus “defeitos” acabaram sendo dispensados por ordem régia,

todavia, o que os facultou ao recebimento de comendas de Ordens Militares. Entretanto, a

partir de 1690 os pareceres em relação aos pedidos de títulos de nobreza da parte dos homens

de cor da América portuguesa cambiaram a direção. Passou-se então a rejeitar tais solicitações

sob um principio implícito de que os negros tampouco poderiam ser considerados cristãos-

velhos. Inaugurava-se um “novo padrão de impedimento para o recebimento das ordens

militares, o impedimento da cor”.94

Parece que uma ampla conjugação de fatores possibilitou a tamanha mobilidade social

daqueles poucos homens de cor. O apoio incontestável que estes indivíduos prestaram à

90 RUSSEL-WOOD, A. J. R. Op. cit. pp. 108-109. 91 Ibidem. p. 110. 92 Ibidem. pp. 112-113. 93 MATTOS, Hebe. Da guerra preta às hierarquias de cor no Atlântico Português. In: XXIV Simpósio Nacional de História, 2007, São Leopoldo. História e Multidisciplinaridade: territórios e deslocamentos. Anais Complementares, 2007. 94 Ibidem. p. 6.

36

manutenção da soberania portuguesa, comandando seus militares em momentos de guerra

extremamente tensos, combinaram-se a “uma economia política de privilégios” que se

dinamizava e era “viabilizada pela concessão de mercês e privilégios dispensados tanto ao

Brasil [...] quanto aos homens inter-relacionados pelo conjunto de políticas então articuladas

pela Coroa e seus vassalos”.95 Por outro lado, Mattos sugere que a consolidação de uma

sociedade escravista nas Américas levou a dissociação da idéia de “cor preta” em relação aos

padrões africanos. Não se trata mais de reconhecer a existência de elites africanas, mas de

atender ou indeferir a demandas de homens de cor do Brasil. “Em finais do século XVII, a

simples menção da cor preta passava a denotar presunção de origem escrava”.96 Claro está que

Mattos trata de estratégias individuais direcionadas para a nobilitação, e, evidentemente,

poucos foram os negros da América portuguesa que solicitaram diretamente ao rei o

reconhecimento de seus serviços, ainda mais quando se tratava de graças tão notáveis.

Em uma perspectiva diferente, Klein aborda a inserção social dos homens livres de cor

na sociedade escravista brasileira97, ou seja, não se restringe às condições e balizas temporais

do antigo regime. O processo de mobilidade, igualmente lento, tinha inicio antes mesmo da

emancipação, quando o indivíduo encontrava-se em cativeiro. Deste modo, o casamento de

cativos com pessoas forras, acompanhado pela geração de filhos, possibilitava certa

acumulação de bens graças ao trabalho familiar extra, e estes eram empregados na compra da

liberdade. Para os livres, já em condição social intermediária entre senhores e escravos, o

alistamento em unidades militares de segunda ou terceira linhas podia funcionar aos mais

destacados como “uma importante avenida de mobilidade social”.98 Além disso, o historiador

indica que muitas pessoas deste grupo passaram por um processo de mobilidade ocupacional,

pois encontrou significativas referências a indivíduos livres de cor desempenhando

importantes, complexos e reconhecidos ofícios naquela sociedade. 99 Marinheiros, oficiais

militares, pescadores, artesãos, professores, músicos e demais artistas negros são exemplos

95 GOUVÊA, M. F. S. Poder político e administração na formação do complexo atlântico português (1645-1808). In: GOUVEA, M. F.; FRAGOSO, J.; BICALHO, M. F. (Org.). O Antigo Regime nos Trópicos. A dinâmica

imperial portuguesa (séc.s XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 293. 96 MATOS, Hebe. Op. cit., p. 7. 97 KLEIN, Herbert. Os homens livres de cor na sociedade escravista brasileira. Dados – Revista de Ciências

Sociais, n. 17, pp. 3-27, 1978. 98 Ibidem, p. 4. 99 Ibidem, pp. 18-23.

37

mais comuns de mobilidade, dependente sobretudo do trabalho, experiência e estratégias

desenvolvidas pelos sujeitos, e que resultavam no reconhecimento social a nível local.

Luiz Geraldo Silva, de sua parte, aborda o aspecto da mobilidade social de homens de

cor, em Pernambuco, entre 1776 a 1814, através da inserção de cativos e livres em

corporações étnicas e profissionais, na medida em que era no interior destas, além das

irmandades religiosas, que fundamentalmente as pessoas de cor organizavam-se. 100 O

estabelecimento de laços e redes por meio destes corpos culminava na constituição

institucionalizada de rigorosas hierarquias encabeçadas pelos “bons negros”, aos quais as

autoridades passavam cartas-patentes reconhecendo a autoridade destes indivíduos sobre os

subordinados na corporação. Estas instituições, sob o ponto de vista dos negros, eram

importantes por propiciar identidade e auto-organização, ao passo que aos olhos das

autoridades elas funcionavam como meios de controle social.101 Por conseguinte, estas pessoas

não se preocupavam somente em melhorar de vida financeiramente, já que a perspectiva de

ocupar cargos de destaque entre os negros, enfim, de alcançar os bens simbólicos advindos de

uma posição privilegiada, era um fator tão ou mais importante para dar sentido as suas vidas.

Considerando a posição dos historiadores aqui em questão, pode-se notar uma base

comum em suas análises: a compreensão de que o estudo das possibilidades de ascendência

social dos negros da América portuguesa deve atentar para as múltiplas perspectivas dos

agentes envolvidos nestas relações, onde tanto os homens de cor quanto as autoridades

portuguesas desempenhavam papéis relevantes.

3.4 Mobilidade social a partir dos corpos militares: o caso do pardo Caetano Francisco Santiago.

Que a coroa portuguesa foi levada a recorrer aos habitantes de suas colônias para a

defesa destas regiões, e que, por conseguinte, este era um daqueles “princípios invariáveis”

através dos quais seus administradores gerenciariam as coisas da guerra, já foi notado neste

trabalho. Do mesmo modo, indicou-se aqui algumas das estratégias aplicadas por negros na

América portuguesa objetivando a ascendência social. A existência de uma camada de homens

livres de cor na capitania de São Paulo, sempre crescente ao longo da segunda metade do

100 SILVA, Luiz Geraldo. Da festa à sedição: sociabilidades, etnia e controle social na América portuguesa (1776-1814). In: História: Questões & Debates, Curitiba, n. 30, pp. 83-110, 1999. 101 Ibidem, p. 86.

38

século XVIII, foi outro aspecto considerado. Passo agora a problematizar alguns casos em que

o contexto de beligerância entre portugueses e espanhóis aventou possibilidades de sucesso e

mobilidade a alguns homens de cor da referida capitania, entre os anos 1765 e 1777.

Em uma correspondência enviada a Pombal, em 1765, vê-se o morgado de Mateus

informar a intenção para a constituição de uma tropa de pardos forros na vila de Santos. Para

este propósito, negociou com Caetano Francisco Santiago, então capitão dos aventureiros

pardos, a institucionalização desta companhia. Ao capitão Santiago competia reunir cem

homens, os quais deveriam por ele ser fardados e armados, formando assim uma tropa de

homens livres e pardos. Ademais, o trato previu a concessão de uma patente de capitão de

auxiliares ao dito Caetano, com a graduação de tenente. Ocorreu que, durante o período de

negociação, o capitão dos pardos não conseguiu juntar em sua companhia mais que sessenta

homens. De outra parte, não obstante a promessa feita pelo capitão-general no sentido de

passar-lhe uma “patente de capitão de auxiliares pardos, com graduação de tenente de

infantaria paga”, esta não lhe foi concedida, a princípio, pois o morgado de Mateus considerou

que isto “não podia ser do agrado de Sua Majestade”.102 Finalmente, D. Luis Antonio de

Souza aguardou o parecer do marquês de Pombal em relação à declaração de que “também

tenho esperança de formar outra [companhia] do mesmo modo na vila de São Vicente porque

já tenho outro capitão com o mesmo desejo”.103

À descrição do processo devem-se acrescentar algumas observações. Em primeiro

lugar, trata-se de um processo de institucionalização de companhias paramilitares, ou melhor,

unidades organizadas em torno de um indivíduo e dotadas, por isso mesmo, de um caráter

pessoal. Não por acaso a negociação se deu entre o governador e o chefe deste corpo militar.

Outro dado interessantíssimo é que houve, de fato, uma negociação. Diferentemente dos

demais processos para formação de companhias militares compostas por homens de cor,

baseadas no recrutamento forçado, como se verá adiante, aqui parece ter prevalecido – mais

que uma imposição – um acordo. Se Caetano Francisco Santiago não conseguiu incorporar

mais que sessenta e seis homens, dos cem requeridos, é “por não se descobrirem outros

capazes de servir nesta vila e suas vizinhanças”, e porque a violência não foi empregada para

102 Cf. “Carta ao Conde de Oeyras sobre formação de Companhias e diversos outros assuntos militares”. D.I. Vol. LXXII, p. 51-52. Santos, 10 de setembro de 1765. 103 Cf. “Carta ao Conde de Oeyras, sobre Fortaleza, e estado Militar da capitania”. D.I. Vol. LXXII, p. 45-47. Santos, 2 de agosto de 1765.

39

isso. Ao contrário, muitos dos soldados desta tropa possivelmente tinham interesses em

permanecer no grupo. Como verificou Silva, ao tratar de corporações paramilitares étnicas e

de trabalho em Recife e Olinda durante a segunda metade do século XVIII, os indivíduos que

estavam à frente das rigorosas hierarquias no interior destes corpos haviam, anteriormente,

passado por cargos inferiores.104 Tais associações serviam eficazmente para a organização

destas pessoas, homens sem senhor, recém egressos do cativeiro, ou, ao menos,

marginalizados e estigmatizados pelos brancos. Através delas criavam e legitimavam-se

rígidas hierarquias entre os homens de cor.

As respostas de Caetano Francisco Santiago, bem como a do outro individuo

mencionado por morgado de Mateus, o capitão dos pardos da vila de São Vicente, foram

positivas à perspectiva de receberem patentes militares com graduações nada menosprezáveis.

Segundo o capitão-general, ele, Santiago, “ficou muito satisfeito”. Recebeu, porém, uma carta-

patente provisória semelhante à concedida aos capitães de homens pardos do Rio de Janeiro.105

O preço a ser pago foi duplo: por um lado, Santiago foi encarregado de custear as despesas de

sua tropa e organizá-la rapidamente a fim de que D. Luis Antonio de Souza a inspecionasse. O

reconhecimento de sua cor, parda, por outro, foi um custo que pagou a si mesmo. Ora, se havia

a busca da parte destes homens de cor em destacarem-se no interior das corporações

compostas por pessoas de semelhante condição social, existia igualmente, sem dúvida, grande

interesse em transcender do ‘mundo dos negros’ e gozar dos mesmos privilégios e direitos dos

brancos. Nesta sociedade movediça há claros exemplos nesse sentido. O historiador Russell-

Wood cita a conversação entre Henry Koster – que esteve no Brasil no começo do século XIX

– e um mulato. Koster perguntou “se o capitão-mor do local também era mulato, e recebeu

como resposta: ‘ele era, mas não é mais’. Ao lhe pedir explicações, o informante acrescentou:

‘e pode lá um capitão-mor ser mulato?’”. 106 De modo análogo, Ferreira acompanhou a

trajetória de vida de Joaquim Barbosa das Neves, um pardo alfaiate que viveu na

capitania/província de São Paulo entre 1780 até a década de 1830, aproximadamente. Com o

104 SILVA, Luiz Geraldo. Da festa à sedição: sociabilidades, etnia e controle social na América portuguesa (1776-1814). In: História: Questões & Debates, Curitiba, n. 30, pp. 83-110, 1999, p. 91. 105 Cf. “Carta ao Conde de Oeyras, sobre Fortaleza, e estado Militar da capitania”. D.I. Vol. LXXII, p. 45-47. Santos, 2 de agosto de 1765. 106 RUSSEL-WOOD, A. J. R. Escravos e libertos no Brasil colonial. Trad. Maria Beatriz de Medina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, pp. 113-114. apud KOSTER, Henry. Travels in Brazil (Londres, 1816), p. 391.

40

passar do tempo este sujeito tornou-se soldado miliciano e ascendeu ao cargo de alferes,

chegou a ter 41 escravos e abandonou seu oficio, passando a dedicar-se, paralelamente, ao

comércio. Tão ou mais importante que estes cargos e bens, Joaquim Barbosa das Neves, em

1820, foi considerado um homem branco na lista nominativa.107

É coerente, sendo assim, considerar a aceitação da cor parda por Caetano Francisco

Santiago, em uma sociedade que lhe conferia perspectivas de alcançar o branqueamento social,

não apenas como uma contrapartida aos benefícios angariados com o posto de comando da

companhia de pardos forros de Santos, mas, para além disso, como uma estratégia visando

ascensão social. Tal como Joaquim Barbosa Neves no século XIX, Caetano Francisco

Santiago era, em 1765, um homem de “cabedais e de préstimo [...] homem pardo, e rico”.108

Nessa mesma linha, em uma década depois, entre outubro e novembro de 1776, o capitão-

general Saldanha lidou com curiosas questões envolvendo o tenente dos pardos da vila de

Santos, Inácio Francisco Lustoza. Primeiramente, indicou as providências quanto ao

“particular do tenente” 109; em seguida, após a notícia do seu falecimento, há todo um esforço

para dar conta das dívidas contraídas por Inácio Lustoza. O embaraço da situação não parou

por aí, uma vez que, diante das suspeitas de que a morte do tenente teria sido ocasionada por

um feitiço – “e que um preto seu já confessa” – o capitão-general ordenou que “se tire devassa,

fazendo auto, e corpo de delito”.110 Por ora é suficiente destacar que Lustoza além de ter sido

um militar pardo era senhor de escravos, e que contraiu dívida de alguma proporção, a ponto

de haver necessidade de intervenção do governador neste assunto.

Estes dois militares da companhia dos pardos de Santos – Santiago e Lustoza – eram

também comerciantes, tal como Barbosa Neves. Ambos investiram algum capital e tornaram-

se sócios de uma empresa de vulto, em 1767, ao lado de mais dezesseis homens. Tratava-se de

uma companhia de comércio situada em Santos. Caetano Francisco Santiago e Inácio

Francisco Lustoza mantinham vínculos fortes, através desta associação, com personalidades

107 FERREIRA, R. G. Trabalho, família, aliança e mobilidade social: estratégia de forros e seus descendentes. Vila de Porto Feliz, São Paulo, século XIX. In: V Congresso Brasileiro de História Econômica e VI Conferência Internacional de Empresas, 2003, Caxambu (MG). Anais... ABPHE, 2003. Caxambu: Associação Brasileira dos Pesquisadores de História Econômica, 2003, pp. 15-23. 108 Cf. “Carta ao Conde de Oeyras, sobre Fortaleza, e estado Militar da capitania”. D.I. Vol. LXXII, p. 45-47. Santos, 2 de agosto de 1765. 109 Cf. “P.a o Com.e da Praça de Santos [Francisco Aranha Barreto]”. D.I. Vol. LXXVI, p. 111-113. São Paulo, 14 de outubro de 1776. 110 Cf. “P.a o Com.e da V.a de Santos Fran.co Ar.a Barreto”. D.I. Vol. LXXVI, p. 158-160. São Paulo, 8 de novembro de 1776.

41

eminentes da capitania, dentre as quais o sargento-mor João Ferreira de Oliveira – o maior

investidor da companhia de comércio –, o sargento-mor Manoel Ângelo Figueira e o capitão

Bonifácio José de Andrade. Neste mesmo ano, os dezoito integrantes participaram a D. Luis

Antonio de Souza a intenção de ampliarem a empresa, mediante a inclusão dos comerciantes

da cidade de São Paulo. Pretendiam, ainda, o incentivo governamental através da

implementação de algumas monumentais “condições” propostas, entre as quais figuravam a

reforma do caminho que ligava Santos a São Paulo e o “não virem fazendas da Europa de

outros portos para este sem faculdade dos caixas das tais sociedades”.111 Em suma, até aqui se

reuniu algumas informações sobre a ocupação de dois oficiais da tropa dos pardos de Santos,

no período da guerra luso-castelhana, donde se conclui que, concomitantemente aos

importantes cargos militares que ocupavam, eles estavam entre os principais comerciantes da

região litorânea da capitania.

Estas questões todas são de suma importância, sobretudo quando se tem em vista

afirmações como a de Elisabeth Rabello, quando asseverou afirmou que “raramente

encontramos um ‘pardo’ desempenhando atividades econômicas importantes”. Para todo o

período que compreende a segunda metade do século XVIII, a autora cita apenas o caso do

pardo Manuel da Costa, um negociante em atividade no ano de 1798.112 Rabello constatou

também, por meio dos recenseamentos efetuados entre 1765 e 1798, que era freqüente a

associação entre o exercício de uma função militar a outras atividades agrícolas ou

comerciais. 113 Esta era uma realidade percebida pelos administradores portugueses e até

mesmo incentivada, como o demonstra a resolução do governador Martim Saldanha:

O serem os capitães de auxiliares negociantes, é assim forçoso em quase todo o Brasil, especialmente nesta Capitania onde uns são mercadores, outros traficantes, outros tropeiros, outros condutores, e poucos serão os isentos destes manejos, e se por isso não houverem de gozar dos privilégios da nobreza dos postos, e de tais regalias [...] poucos seriam os capitães, e nem uns quereriam tais postos [...] em uma palavra, eles não têm soldos e indispensavelmente hão de negociar, e traficar como Sua Majestade não ignora.114

111 Cf. “Cartas sobre o estado actual dos negocios desta Capitania”. D.I. Vol. XXIII, p. 389-392. Santos, 5 de julho de 1767. 112 RABELLO, Elisabeth Darwiche. As elites na sociedade paulista na segunda metade do século XVIII. São Paulo: Comercial Safady, 1980, p. 84. 113 Ibidem, p. 99. 114

Cf. “Para o D.or Juiz de Fora da Villa de Santos”. D.I. Vol. LXXV, p. 7-8. São Paulo, 2 de abril de 1776. Os grifos são meus.

42

De sua parte, Karina da Silva sugere que a partir de 1765 houve uma união de interesses entre

a Coroa e os grandes comerciantes locais. Para o poder central esta aliança era válida tanto

para otimizar o controle e a disciplina da população colonial, quanto para diminuir o poder

regional. Aos mercadores que investiriam seus capitais nas tropas, seriam concedidos

privilégios e isenções, além da elevação do status social e a possibilidade de nobilitação.115 E

isso era, fundamentalmente, o que buscavam Caetano Francisco Santiago e Inácio Francisco

Lustoza, ou seja, a vinculação desses sujeitos à tropa dos pardos, como oficiais, servia para

conferir-lhes um reconhecimento social elevado entre os homens de cor, um status não

proporcionado pela atividade econômica que desempenhavam com sucesso. Talvez as relações

que mantinham com pessoas influentes política, econômica e militarmente fossem por eles

direcionadas no sentido de eliminarem de si mesmos o pesado fardo do estigma social que

carregavam, e a cor parda pudesse, enfim, ser deixada de lado, trocada por outra. Fosse como

fosse, o certo é que ambos mantinham uma posição de destaque entre os homens de cor da

capitania. Aqueles que, muito ao contrário, não ficavam nada satisfeitos com o recrutamento

militar.

115 SILVA, Karina da. Os recrutamentos militares e as relações sociedade-estado na capitania/província de São

Paulo (1765-1828). Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista, 2006, p. 69.

43

4 – A INCORPORAÇÃO DOS LIVRES DE COR NA ESTRUTURA MLITAR PAULISTA

4.1 Os homens de cor na estrutura militar paulista.

Uma extraordinária mobilização militar foi promovida em São Paulo a partir de 1765.

Sua reestruturação militar e os trabalhos para levantar tropas durante a guerra luso-castelhana,

em termos gerais, tiveram três fases. A primeira teve início já em 1765, com o desembarque

de D. Luis Antonio de Souza na capitania e sua estadia provisória, ainda que por mais de um

ano, na vila de Santos. Em relatório enviado ao marquês de Pombal, em janeiro de 1767, dava

conta de ter concluído a atividade recrutadora na capitania, na medida em que “no estado atual

da sua possibilidade não se pode aumentar mais sem violência, e é a que basta para a

defesa”. 116 Entretanto, o plano de guerra do capitão-general, assentado sobremaneira na

militarização ao Oeste, no Iguatemi, fez com que ainda mais pessoas alistadas nas ordenanças

fossem incorporadas às tropas destinadas aquela fortaleza. Além das seis companhias pagas e

dos seis regimentos de auxiliares formados entre 1765 e 1766 e referidos no relatório

supracitado, houve a constituição de dezenas de companhias militares compostas por

sertanistas. Esta segunda fase encerrou-se por volta de 1774, quando então a coroa

rigidamente passou a censurar o envio de homens para o Iguatemi. A partir deste período a

postura portuguesa tornou-se mais enérgica, assim como a guerra no Sul. Aqui se entrelaçaram

as ordens para o envio de tropas ao Rio Grande e Santa Catarina com os cuidados defensivos

para a própria capitania. É o famoso período da “recruta grande”,117 que vai desde o final do

governo de morgado de Mateus até o término dos conflitos, em 1777, já na administração de

Martins Lopes Lobo de Saldanha.

Durante seu primeiro ano de governo na capitania de São Paulo, em 1765, D. Luis

Antonio de Souza comunicou ao conde de Oeiras a formação de uma companhia de pardos

forros na vila de Santos, uma de mulatos em São Sebastião, além da intenção de criar outra

tropa de pardos em São Vicente.118 Tais medidas, como se vê, foram tomadas antes da carta

116 Cf. “N. 3. Sobre ser sufficiente a força armada da Capitania”. D.I. Vol. XXIII, p. 100. São Paulo, 2 de janeiro de 1767. 117 BURMESTER, Ana Maria de Oliveira. Estado e população. O século XVIII em questão. In: Revista

Portuguesa de História, Coimbra, v. 33, pp. 113-151, 1999, p. 138. 118 Cf. “Carta ao Conde de Oeyras, sobre Fortaleza, e estado Militar da capitania”. D.I. Vol. LXXII, p. 45-47. Santos, 2 de agosto de 1765; “Carta ao Conde de Oeiras sobre formação de Companhias e diversos outros

44

régia de 1766, o que leva a crer que o morgado de Mateus já partira de Lisboa com a ordem de

alistar homens de cor nos corpos militares de São Paulo. Entre 1765 e 1777, encontramos

referências a outros semelhantes corpos, como as companhias de mulatos de Taubaté e de

Pindamonhangaba (1767), a tropa de pardos de Jundiaí (1772), as “companhias dos Pretos”, na

vila de Paranaguá (1776), e, principalmente à tropa de pardos de Santos.119 Em relação às

companhias de ordenanças, constatou-se a presença da companhia dos pardos na cidade de

São Paulo (1772), com 66 homens alistados, bem como a ordem para se formar uma de

mulatos forros e para que se remeta a lista dos mais capazes para os postos de oficiais

(1775).120

A transformação de escravos particulares em soldados ‘em potencial’, embora tratada

marginalmente nas obras que lidam com a militarização da capitania, foi um aspecto

importantíssimo e recorrente nos diversos momentos tanto da guerra luso-castelhana quanto da

reestruturação militar paulista. É bem verdade que a documentação referente ao alistamento de

escravos nesse contexto é escassa, mas, de outro lado, há referências suficientes para que se

afirme que eram os cativos armados um componente indispensável na estratégia de guerra. Em

momento algum, entretanto, julgou-se viável a participação de cativos enquanto corpo militar

nos conflitos no Rio Grande de São Pedro, Santa Catarina ou mesmo no Iguatemi, que, apesar

de ser palco de conflito apenas em 1777, quando então foi tomado pelos espanhóis, era tido

como um ponto de batalha iminente. Empregar-se-iam os escravos de São Paulo, como último

recurso, à defesa do litoral em caso de invasão.

Morgado de Mateus esclareceu já no início de seu governo que “os escravos não

devem, por causa da sujeição a que são obrigados, e menos em razão da sua cor, ser isentos de

pegar em armas quando a ocasião for tal que a isso seja necessário chegar, o que deve desde já

assuntos militares”. D.I. Vol. LXXII, p. 51-52. Santos, 10 de setembro de 1765; “Carta para o Conde de Oeyras, dando conta da primeira expedição da Companhia de Aventureiros Paulistas para Viamão, e outros assuntos de guerra e militares”. D.I. Vol. LXXII, p. 201-215. Santos, 30 de março de 1766. 119 Cf. “Carta descriptiva dos corpos existentes nesta capitania de S. Paulo”. D.I. Vol. XXIII, p. 87. São Paulo, 2 de Janeiro de 1767; “Para o Cap.m Mór de Jundiahy”. D.I. Vol. VII, p. 143-144. São Paulo, 16 de dezembro de 1772; “Para o Cap.m Francisco Aranha Barreto, Comandante da Praça de Santos”. D.I. Vol. LXXV, p. 27-28. São Paulo, 13 de abril de 1776. 120 Cf. “Lista da Compa. da Ordenança desta Cide. [São Paulo, 1772]”. In.: Revista do Instituto Histórico e

Geographico de São Paulo, Vol. XXXIV, p. 505-526. São Paulo, 6 de outubro de 1772; “Ordem para se formar nesta Cidade huma Companhia de Mulatos forros”. DI. Vol. XXXIII, p. 180-181. São Paulo, 4 de janeiro de 1775.

45

estar prevenido”.121 É bastante esclarecedor o fato de que idêntica consideração foi feita em

1775, o último ano de governo de D. Luis Antonio de Souza. Daí as ordens expedidas entre

1765 e 1775 no sentido de os proprietários armarem com dardos ou chuços todos os escravos

das regiões litorâneas e até mesmo da cidade de São Paulo, formando companhias,122 de tal

modo que listas com os dados dos escravos armados deveriam prontamente chegar às mãos do

capitão-general. Como medida de precaução, alertava-se aos senhores que a eles, e não a seus

escravos, competia a guarda das armas, que consistiam em nada mais que “chuços ou dardos

de ferro com haste de pau, de sorte que o tamanho desta com o dito chuço faça o número de

quatorze palmos”. Porém, é enganoso subestimar ou ignorar a força militar em potencial

destes cativos alistados. Haja vista que suas armas, por exemplo, eram semelhantes às da

maioria dos soldados das ordenanças, os quais podiam carregar consigo armas “de fogo ou de

pau ferrado [...] segundo as possibilidades que cada um tiver”.123

Com o governo de Martim Lopes Lobo de Saldanha intensificou-se o apelo ao

exército de reserva composto por cativos. Nos momentos mais tensos do conflito entre

portugueses e espanhóis, durante 1775 a 1777, diante do temor a uma invasão maciça de

espanhóis pelo Atlântico, reiterava-se a ordem de se mobilizar conjuntamente assim os

auxiliares e as ordenanças, como os escravos.124 Examinando esta documentação percebemos

que nestes vários momentos em que se considerou como último recurso a participação de

escravos nas batalhas, não se lhes ofertou nunca a liberdade. Ao contrário, estes pobres pardos,

pretos e mulatos cativos foram constantemente empregados em obras públicas, na infra-

estrutura militar. São inúmeros os indícios da atuação de escravos negros no transporte de

alimentos, armas e tropas. Da mesma forma, nas obras em fortalezas e na abertura de

caminhos pelo sertão. Entretanto, há exemplos da contribuição voluntária por parte destas

pessoas, o que se pode afigurar como interesses e estratégias naquelas contribuições: em 1777,

dois escravos residentes em São Sebastião informaram, espontaneamente, terem visto cerca de

121 Cf. “Bando do governador e capitão-general da capitania de São Paulo, D. Luis António de Sousa, ordenando a todos os senhores moradores na vila de Santos e seu termo, que tenham escravos tanto mulatos como negros, que mandem fazer cada um chuço ou dardo de ferro”. AHU-SP, cx. 23, doc. 2255. Santos, 7 de setembro de 1765. 122 Cf. “Carta ao Conde de Oeyras, sobre Fortaleza, e estado Militar da capitania”. D.I. Vol. LXXII, p. 45-47. Santos, 2 de agosto de 1765. 123 Cf. “Ordem para se armarem os corpos das Ordenanças”. D.I. Vol. XXXIII, p. 181-182. São Paulo, 3 de janeiro de 1775. 124 Cf. “P.a o Cap.m Com.e de Santos [Francisco Aranha Barreto]”. D.I. Vol. LXXVII, p. 68. São Paulo, 31 de dezembro de 1776; “P.a o Sarg.to Mor de Aux.es de Parnagua Francisco Jozé Monteyro”. D.I. Vol. LXXVII, p. 87-89. São Paulo, 15 de janeiro de 1777.

46

quarenta embarcações espanholas em direção ao Rio de Janeiro. 125 Em outra situação

emblemática houve a petição de três escravos fugidos, pertencentes à coroa, feita diretamente

ao governador Saldanha. Segundo o capitão-general “os três pretos de Sua Majestade aqui

vieram apresentar-se, dizendo estavam prontos para servirem em toda parte a seu senhor, mas

de nenhuma sorte ao comandante da fortaleza”, que os empregou numa fazenda sua. 126

Portanto, mesmo com o sucesso da fuga e sem se excluir o peso das penas impostas aos

cativos fujões, estes indivíduos optaram por se apresentar a uma autoridade superior, à qual

reivindicaram um emprego melhor.

Após esse percurso marcado pela tentativa de indicar algumas das tropas de segunda e

terceira linhas compostas por homens livres de cor, formadas e presentes no período da guerra

em questão, bem como apontar para a forma como os cativos foram incluídos neste esforço de

guerra, é necessário examinar os métodos de recrutamento operantes e a função do

enquadramento de indivíduos em corpos militares não apenas como mão-de-obra armada, mas

como mecanismo de controle social.

4.2 Violência no recrutamento.

Atendendo às demandas relacionadas à militarização portuguesa coordenada pelo

capitão-general de São Paulo na fronteira Oeste, nas proximidades do Paraguai – a segunda

fase da atividade recrutadora na capitania, como foi indicado anteriormente –, formaram-se

nas vilas de Jundiaí e Mogi Mirim, em 1772, companhias com “mulatos, bastardos e carijós

arranchados no sertão”.127 Em fins do mesmo ano reiterou-se a ordem para a formação de

tropas de sertanejos, retirados das companhias de auxiliares, das de pardos e ordenanças de

Jundiaí, Mogi Mirim e Mogi Guaçu. Nesta ocasião, o capitão José Gomes de Gouvêa foi

encarregado de “dar caça ao Gentio Cayapó no sertão do Rio Pardo e margens do Tietê”, com

125 Cf. “P.a o Sarg.to Mor Com.de de Santos [Francisco Aranha Barreto]”. D.I. Vol. LXXVII, p. 124-125. São Paulo, 7 de fevereiro de 1777. 126 Cf. “P.a o Sargento Mor Comandante de Santos [Francisco Aranha Barreto]”. D.I. Vol. LXXVIII, p. 180-181. São Paulo, 16 de maio de 1777; “Para o Sargento Mor Comandante de Santos [Francisco Aranha Barreto]”. D.I. Vol. LXXVIII, p. 194-196. São Paulo, 22 de maio de 1777. 127 Cf. “Ordem q.’ foy ao Sarg.to Mór de Jundiahy p.a formar huma comp.a de mulatos bastardos e carijós”. D.I. Vol. XXXIII, p. 60. São Paulo, 11 de maio de 1772; “P.a a Camr.a de Mogi Mirim”. D.I. Vol. LXIV, p. 55-56. São Paulo, 17 agosto de 1772.

47

a finalidade de desembaraçar o comércio com Cuiabá.128 Algum tempo depois, em janeiro de

1773, morgado de Mateus enviava uma missiva às principais autoridades do presídio do

Iguatemi instruindo-os como obrar quando da chegada do capitão-mor José Gomes Gouvêa

com seu corpo de tropas que ali devia estabelecer-se. Ordenou a reorganização militar do

presídio a partir de suas nove companhias, entre auxiliares, aventureiros e ordenanças. A

sétima companhia devia ser aquela dos pardos, conduzida por José Gouvêa.129 É bem provável

que a quase totalidade destes indivíduos fora recrutada à força, não tendo eles sequer idéia de

para onde estavam sendo conduzidos. O negro Joaquim Lopes, por exemplo, foi preso na

Paranaíba e enviado ao Iguatemi em 1770, por “não ter domicílio certo, viver metido pelos

matos, aparecer só de noite, e andar amancebado, como também não dar naturalidade nem

dizer se é cativo ou forro”.130 Sem hesitar, em abril de 1772 o mesmo governador advertia aos

capitães responsáveis pela tarefa do recrutamento sobre as resistências de suas caças e

indicava caminhos para um empreendimento eficaz, porque dissimulado. Para o capitão

Balthezar Reis Borba o morgado de Mateus foi explícito: “constando-lhe que os povos estão

sobressaltados com a notícia de se passar mostra para tirar gente para o Iguatemi: [...] cuide [...]

em sossegar a todos, tirando-lhes semelhante receio”.131 Deste modo autoritário é que a

maioria das pessoas foi parar ali, no inóspito Iguatemi.

Uma outra leva de presos, dezesseis desta vez, partiu para o para o presídio em 1773,

guiada pelo capitão Francisco Aranha Barreto. Seis deles eram forros e seriam empregados

como remadores ou agricultores, os demais foram listados sem qualquer informação além de

seus nomes.132 Ao cruzar estes dados com uma lista para o pagamento dos soldados do

Iguatemi é possível verificar que alguns destes presos foram incorporados à sétima companhia,

128 Cf. “Para o Cap.m Mór de Jundiahy”. D.I. Vol. VII, p. 143-144. São Paulo, 16 de dezembro de 1772. 129 Cf. “Ordens, e instrucçoens q.’ se dirigirão ao Ten.e Coronel João Miz Barros e ao Sarg.to Mor D. Jozé de Macedo sobre o estabelecimento de Guatemy q.’ novam.te se dão por copia ao Cap.m Mor Reg.e Jozé Gomes de Gouvêa com outras q.’ juntam.te lhe são expedidos por escripto; e de palavras p.a em virtude della fazer dar a sua devida, e cabal exc.am”. D.I. Vol VII, p. 160-163. São Paulo, 11 de janeiro de 1773. 130 Cf. “Relação dos prezos que se achão no corpo da guarda pela culpas que constão do 1.º da sala, e irão por ordem de S. Exc.a p.a Nova Povoação do Guatemy”. D.I. Vol. VI, p. 132-133. São Paulo, 31 de outubro de 1770. 131 Cf. “Para o Cap.m Balthezar Reis Borba pelo expediente de ordens”. D.I. Vol. VII, p. 96. São Paulo, 13 de abril de 1772. 132 Cf. “Rellação dos prezos, q.’ recebe o Capitão Francisco Ar.a Barreto deste Corpo da G.a dos quaes passa recibo, em que se obriga conduzilos p.a a Praça de Guatemy com toda a segurança em 26 de Fever.o de 1773”. D.I. Vol. VIII, p. 30-32. São Paulo, 26 de fevereiro de 1773.

48

agora comandada pelo capitão Caetano Francisco de Passos.133 Um dado bastante revelador

quanto a participação de homens de cor neste posto militar indica que a presença deles como

soldados extrapolava em muito a companhia dos pardos: no Diário da viagem que fez o

brigadeiro José Custódio de Sá e Faria, entre 1774 e 1775, consta que “tiradas as duas

companhias de tropa de infantaria, as mais são compostas de negros, mulatos e criminosos,

que têm pouco que perder, e a quem a honra não interessa e só a conveniência pôde

obrigar”.134 Aqui, pode-se perfeitamente substituir a palavra “conveniência” por “força”.

De fato, as violências e punições contra aqueles que, quando instados a se apresentar

nas ocasiões de formação de tropas, desertassem, foram componentes típicos do recrutamento

militar à época. Atingiam não apenas negros e pobres, mas ainda os membros das famílias

com maior prestígio social. Não somente aos desertores. Em verdade, era comum o

aprisionamento de familiares até que o fugitivo se apresentasse. Em 1776, alguns pais de

desertores estavam detidos na cadeia de Paranaguá e seriam remetidos à prisão de São Paulo.

Sabendo que se tratava de indivíduos “velhos e decrépitos”, Saldanha ordenou, portanto, que

não fossem enviados para tão longe, “porque assim se evita o invencível incomodo à velhice

deles, e a vossa mercê a despesa [...] para mandá-los”. Atendendo ao bem estar destes pobres-

diabos, a recomendação foi para que “os conservasse na cadeia desta vila, e não os

remetesse”.135 Semelhante expediente devia ser cumprido na circunstância do recrutamento

dos sertanejos que acompanharam José Gomes Gouvêa ao Iguatemi.136 Algum tempo depois,

em março de 1777, o capitão dos pardos Caetano Francisco de Passos, que já havia se retirado

com sua tropa do Iguatemi, recebeu uma proposta bastante instigante da parte do próprio

governador Martim Saldanha. Em breve carta, Saldanha expôs que “vossa mercê está em

ocasião de fazer uma grande fortuna, se acaso, imediatamente [...] aprontar os soldados

aventureiros de sua Companhia e a faz[er] bem numerosa para marchar a incorporar-se ao

133 Cf. “Relação do que importa o pagamento de seis meses de soldo para os Oficiais e Soldados das duas Companhias da Tropa Paga, e das cinco Companhias de Aventureiros, Vigários, dois Coadjutores, e Almoxarife que se acham na Praça de Yguatemy”. D.I. Vol. VIII, p. 118-133. São Paulo, 24 de junho de 1774. 134 Cf. “Diário da viagem que fez o brigadeiro José Custódio de Sá e Faria da Cidade de São Paulo à Praça de Nossa Senhora dos Prazeres do rio Iguatemy (1774-1775)”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro. Tomo 39, 1876, p. 218-219. 135 Cf. “Para o Sarg.to Mor Francisco José Monteiro. Em Paranaguá”. D.I. Vol. LXX, p. 294. São Paulo, 2 de abril de 1776. 136 Cf. “Para o Cap.m Joze Gomes de Gouvêa”. D.I. Vol. VII, p. 142-143. São Paulo, 16 de dezembro de 1772.

49

exército do Rio Grande de São Pedro, para rebatermos aos nossos inimigos”.137 Não obstante a

participação ativa do governador e capitão general na reorganização desta tropa, a amenização

das hostilidades entre portugueses e espanhóis tornou desnecessária a marcha da companhia de

Caetano Francisco de Passos. Daí as ordens para se pôr em liberdade três mulatas, mães de

soldados considerados desertores deste corpo militar.138 Se, por um lado, ao capitão haveria a

possibilidade de enriquecer e aumentar seu prestígio, de outro, aos homens de cor

selecionados caberia a dura realidade do recrutamento forçado e do aprisionamento de

familiares em caso de deserção.

4.3 Recrutamento e controle social.

Como já se observou, entre os sujeitos passíveis de recrutamento destacavam-se os

homens considerados brancos, maioria naquela população. Entretanto, além desta grande

diferença numérica entre os homens brancos e os de cor livres, havia na percepção das

autoridades certos grupos em que se congregavam brancos pobres, bastardos, pardos e mulatos,

aquelas pessoas, enfim, classificadas não apenas como “de cor”, mas ainda como vadios,

vagabundos, valentões, agitadores, criminosos e facinorosos. Estes grupos, formados por

descendentes diretos de índios, africanos, crioulos e brancos pobres, à margem do Estado, da

religião e do mercado, tornaram-se igualmente outro alvo da atividade do recrutamento.

Poucos eram os homens de cor que gozavam de status semelhante ao de Caetano Francisco

Santiago ou Inácio Francisco Lustoza. Este tópico visa analisar o recrutamento como

mecanismo propiciador de controle social, amplamente utilizado pelas autoridades em São

Paulo, durante os anos 1765 e 1777.

Havia duas formas não concorrentes, em termos gerais, através das quais a

incorporação de indivíduos aos corpos militares contribuiria para a manutenção da ordem a

nível local. Por um lado, a vivência militar inculcaria nos indivíduos certos padrões de

comportamento desejáveis pelas autoridades, como a disciplina, o respeito às hierarquias e o

137 Cf. “Para o Cap.m de Aventureiros Caetano Francisco de Passos = de Juquery”. D.I. Vol. LXXVII, p. 201. São Paulo, 27 de março de 1777. 138 Cf. “Para o Sargento Mor de Jundiahy, Antonio Jorge de Godoy”. D.I. Vol. LXXIX, p. 112. São Paulo, 28 de agosto de 1777.

50

costume pelo trabalho. Como militares explicitariam fidelidade ao rei. De outra parte, havia

um método para eliminar as ameaças internas bastante distinto daquela iniciativa de lapidar as

pessoas paulatinamente, através de exercícios e mostras militares. Em verdade, o método

consistia em retirá-las do seio da boa sociedade, deslocando-as para regiões onde pudessem

ser úteis ou, ao menos, para onde não pudessem causar desordens e contaminar com seus

exemplos a outros habitantes.

Em 1797 o capitão-general Antonio Manoel de Mello Castro e Mendonça informava ao

secretário de Estado D. Rodrigo de Souza Coutinho a formação de um regimento de sertanejos

em Itu, composto predominantemente por mulatos, “assim para ter em respeito os sertões

daquela vizinhança onde vem desembarcar a Estrada do Sul, ou Curitiba, como para

domesticar, e fazer sociáveis estes homens sujeitando-os à disciplina dos seus respectivos

cabos, com o que serão de grande importância na ocasião de algum rompimento de guerra”.139

Apesar de estarem em um contexto já diferenciado, estas palavras do governador

exemplificam o que foi dito anteriormente, ou seja, o recrutamento militar destes sujeitos teve

funções muito mais extensas do que simplesmente a preparação destes como soldados.

Com efeito, os projetos para a fundação de povoamentos estratégicos nos sertões

previam o deslocamento de pessoas consideradas incômodas ou inúteis em suas vilas para

estas fronteiras.140 Em 1773, o governador morgado de Mateus ordenou que se “convoque [...]

todos os forros, vadios, e vagabundos que [...] andam dispersos e não tem casa, nem domicílio

certo, nem são úteis à Republica, e os obrigue a ir povoar as ditas terras da Barra da

Paraybuna”.141 Para Francisco Barreto Leme, responsável por fundar a povoação de Campinas,

recomendava-se que obrigasse “todos os forros, carijós e administrados” a “ir povoar as ditas

terras” e para que os dirigisse “com paz e quietação”.142 As referências são ainda mais diretas

e explícitas quando se trata especificamente da inclusão desta camada social nos corpos

militares. Evidencia-se, pois, que o recrutamento forçado não se justificava apenas pela

necessidade de formar corpos militares numa situação de guerra. Aliás, travava-se na América 139 Cf. “N.º 47. Para o mesmo [Secretário de Estado, D. Rodrigo de Souza Coutinho]”. D.I. Vol. XXIX, p. 61. São Paulo, 26 de abril de 1798. 140 TORRÃO FILHO, Amílcar. O “Milagre da onipotência” e a dispersão dos vadios: política urbanizadora e civilizadora em São Paulo na administração do morgado de Mateus (1765-1775). In: Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, v. 31, n. 1, pp. 145-165, jun./2005. 141 Cf. “Ordem para ser fundada a povoação de Parahybuna”. D.I. Vol. XXXIII, p. 92-93. São Paulo, 23 de junho de 1773. 142 Cf. “P.a Francisco Barreto Leme ser Fundador e Director da nova Povoação das Campinas do Mato Grosso, Destr.o da V.a de Jundiahy”. D.I. Vol. XXXIII, p. 160. São Paulo, 27 de maio de 1774.

51

portuguesa, paralelamente, uma guerra pretensamente civilizatória, “pois é útil limpar-se a

capitania de vagabundos”, dizia Saldanha.143

Em 1776, Martim Saldanha demonstrou estar bastante atento ao comportamento dos

habitantes da capitania. Ordenou que o sargento-mor Francisco José Monteiro, de Paranaguá,

prendesse e remetesse “ao Benedicto Barbosa [...] já que é valentão, e bom para soldado”. Ao

mesmo ano, o capitão-general fez semelhante pedido em relação à “Matheus, pardo claro,

liberto”. Aos olhos da autoridade, este indivíduo foi classificado como “revoltoso, e

inquietador da vizinhança”.144 Aprovou-se, do mesmo modo, a ação do capitão-mor de Atibaia

em prender “aos vadios que na recruta passada se refugiaram” e o mesmo lhe foi recomendado

para com os “solteiros capazes de pegar em armas em que devem entrar todos os mal casados,

turbulentos e desinquietadores bastardos e ainda negros robustos, até alguns de papo”.145 O

caso já citado do negro Joaquim Lopes, preso na Paranaíba e enviado ao Iguatemi, em 1770, é

paradigmático da maneira encontrada pelas autoridades para exercer o controle social

mediante recrutamento. Nesta situação, por “não ter domicílio certo, viver metido pelos matos,

aparecer só de noite, e andar amancebado, como também não dar naturalidade nem dizer se é

cativo ou forro”, Joaquim foi enviado para um longínquo posto militar, de tal forma que

permaneceria distante de Parnaíba, onde provavelmente era alvo de olhares atentos quanto a

sua conduta, e, no entanto, se enquadraria em alguma companhia militar, prestando seus

serviços ao Estado e se emendando.146

Do lado oposto, é possível encontrar casos altamente peculiares de isenção da

prestação dos serviços militares a alguns homens de cor. Assim, “o mulato que [...] ajuda o

prático dos fumos” foi declarado isento, da mesma forma como o mulato Manoel Francisco

Fernandez, “vista a utilidade com que vive no Arrayal de Parnampanema”.147 Em suma,

143 Cf. “P.a o D.r Ouv.or de Parnaguá, Antonio Barbosa de Mattos Coutinho”. D.I. Vol. LXXIV, p. 295. São Paulo, 10 de novembro de 1775; TORRÃO FILHO, Amílcar., loc cit. 144 Cf. “P.a o Cap.m de Orden.a do Bairro N. Snr.a do Ó, Manoel Cavalheyro Leyte”. D.I. Vol. LXXVII, p. 37. São Paulo, 7 de dezembro de 1776. 145 Cf. “Para o Sarg.to mor Fran.co Jozé Montr.o de Parnagua”. D.I. Vol. LXXVI, p. 45-46. São Paulo, 22 de agosto de 1776; “P.a o Cap.m de Orden.a do Bairro de N. Snr.a do Ó Manoel Cavalheyro Leyte”. D.I. Vol. LXXVII, p. 37. São Paulo, 7 de dezembro de 1776; “Para o Cap.m Mor Lucas de Siqueira Franco = de S. João de Atibaya”. D.I. Vol. LXXVIII, p. 39. São Paulo, 10 de abril de 1777. 146 Cf. “Relação dos prezos que se achão no corpo da guarda pela culpas que constão do 1.º da sala, e irão por ordem de S. Exc.a p.a Nova Povoação do Guatemy”. D.I. Vol. VI, p. 132-133. São Paulo, 31 de outubro de 1770. 147 Cf. “Para o Juis, e mais oficiais da Camera de Ubatuba”. D.I. Vol. LXXVIII, p. 109-111. São Paulo, 24 de abril de 1777; “Para o Tenente Jozé Pereyra da Silva, S. Jozé dos Pinhaes”. D.I. Vol. LXXIX, p. 44-45. São Paulo, 7 de julho de 1777.

52

enquanto que os “vadios” deveriam ser irrevogavelmente presos e enquadrados nas tropas,

aqueles indivíduos que exercessem atividades econômicas consideradas relevantes poderiam

mesmo ser isentos.

Além de corpos militares destinados a defesa das fronteiras, as tropas de auxiliares

exerciam na prática outras funções. Ao lado das ordenanças e capitães do mato, eram

incumbidas de combater a índios, destruir quilombos, patrulhar caminhos, dar conta aos

inúmeros mandados de prisão, sobretudo a desertores, nesta época. E o ciclo se fechava: a caça

virava caçador. Todavia, estes grupos sociais não foram passivos em relação a estas prisões e

transmigrações forçadas. Alguns sujeitos se valiam de artifícios desde fingir ser surdo até o

extremo de mutilar-se148, mas o mais constante era a fuga para “os matos”, as deserções.

Exemplar a este respeito foi a ordem para que os auxiliares de Juquery efetuassem a prisão de

um casal formado pelo desertor Manoel João de Oliveira e a mulata Florência. Seus destinos

seriam abruptamente separados: ele ficaria retido na cadeia de São Paulo, enquanto Florência

seria enviada ao Iguatemi, para que o potencial de seu ventre fosse, enfim, utilizado para

ampliar aquela povoação.149 Florência provavelmente faria companhia a algumas mulheres

“fadistas que com escandaloso procedimento anda[va]m perturbando o sossego público” em

Sorocaba, e que em 1771 foram capturadas e remetidas ao Iguatemi, “porque será útil à terra e

serviço de Deus mandá-las ao Iguatemi, onde podem casar, e viver como Deus manda, sem

andar em tão estragada vida”.150 Passa-se, agora, a análise do recrutamento militar destinado

ao Iguatemi, para onde vários destes indivíduos indesejáveis foram enviados, fossem homens

ou mulheres.

4.4 Negros ao lado de brancos. A formação de tropas mistas.

Além das tropas específicas para homens de cor, já citadas anteriormente, como as de

auxiliares e as de aventureiros formadas por pardos forros, é de se notar que estes sujeitos

148 Cf. “P.a o Cap.m Aux.ar de pé da V.a de Ytú Fran.co X.er de Azevedo e Sylva”. D.I. Vol. LXXIV, p. 60-61. São Paulo, 23 de agosto de 1775; “P.a o Cap.m Mor de Guaratinguetá, Manoel da Silva Reys”. D.I. Vol. LXXIV, p. 232. São Paulo, 18 de outubro de 1775. 149 Cf. “Para o Cap.m Antonio da Silva Ortiz, em Juquiry”. D.I. Vol. LXX, p. 178-179. São Paulo, 3 de fevereiro de 1776. 150 Cf. “Para o Capitão Mor de Sorocaba”. D.I. Vol. VII, p. 47. São Paulo, 18 de novembro de 1771, apud

BURMESTER, Ana Maria de Oliveira. Estado e população. O século XVIII em questão. In: Revista Portuguesa

de História, Coimbra, v. 33, pp. 113-151, 1999, p. 133.

53

eram também enquadrados em companhias “mistas”. Este dado provoca uma série de questões

concernentes à forma com que estes indivíduos foram inseridos nos corpos e a implicação

desta participação, lado a lado, de homens de cor nascidos livres, daqueles emancipados, de

índios, bastardos e brancos.

Pelo que foi dito, o contexto de beligerância propiciou não apenas mudanças na

organização militar da capitania, mas mudanças sensíveis em seus habitantes. Ora, alguns

pardos receberam patentes militares através das quais desfrutariam das honras militares, outras

pessoas, porém, em quantidade muito superior, foram aprisionadas. Destas, outras tantas

sofreram com a transmigração forçada. Mesmo a classificação dos indivíduos em relação a cor

ia-se complexificando. Em 1768, D. Luiz Antonio aduzia que “não havia outra graduação até

o tempo que se levantaram as tropas senão a de branco, mulato, e negro: porque dentro destas

três diferenças ninguém se reconhecia”.151

Com efeito, Muriel Nazari analisou a composição, em termos de “raça”, da companhia

de ordenança do bairro de Santa Ana, pertencente a cidade de São Paulo, em 1768.152 Na lista

da companhia, os 206 homens foram divididos em quinze esquadras com número irregular de

indivíduos. Estes, quanto à cor de pele, foram agora classificados em cinco categorias, quais

sejam, brancos, bastardos, carijós, pardos e pretos. Os tidos como brancos eram maioria,

oitenta e uma pessoas, enquanto pretos e carijós eram em número de dez e seis pessoas apenas,

respectivamente. Já na lista nominativa referente aos bairros de Santa Ana e Nossa Senhora do

Ó, alguns destes sujeitos classificados como bastardos ou carijós aparecem como mulatos.

Vários pesquisadores escreveram sobre os critérios – bastante arbitrários, geralmente – destas

atribuições de cor às pessoas. O que se depreende destas reflexões é que, talvez mais

interessante que a tentativa de estabelecer números absolutos de pessoas divididas por cor, é

apreender as múltiplas funções sociais desempenhadas por estas “catalogações” de pessoas.

Nesta perspectiva, através da tabela 1.1, vê-se claramente que havia apenas três

esquadras da companhia de Santa Ana formadas exclusivamente por indivíduos de mesmo

grupo em relação a cor, duas delas eram compostas somente por brancos, ao passo que os

sujeitos que compunham a outra esquadra homogênea eram os dez pretos forros referidos. Em

oito esquadras havia uma mescla entre brancos e bastardos, enquanto que a combinação entre

151 Cf. “N. 6. Sobre os costumes publicos de S. Paulo”. DI. Vol. XXIII, p. 377-382. São Paulo, 31 de janeiro 1768. 152 NAZZARI, Muriel. Vanishing Indians: The social construction of race in colonial São Paulo. The Americas, v. 57, n. 4, pp. 497-524, abr./2001.

54

brancos, bastardos e pardos forros ocorreu apenas uma vez, com os brancos sempre sendo

minoria nestes últimos casos. Em verdade, não havia esquadras compostas apenas por brancos

e carijós, brancos e pardos, ou brancos e pretos. Aqui se está diante de um bom exemplo

acerca do modo como a organização militar servia para marcar as posições sociais. E os

brancos faziam questão de indicar a sua. Estas esquadras não se diferenciavam no que diz

respeito à profissão de seus membros, posto que a grande maioria destes homens aplicava-se a

agricultura. A recusa por parte dos brancos em serem alistados ao lado de forros é evidente,

mas o que mais chama a atenção é marginalização do grupo dos pretos através das fronteiras

definidas pela sua esquadra. Haja vista que tampouco os homens de cor classificados como

pardos e pretos, que tinham em comum as marcas ainda recentes do cativeiro, não se

misturavam nestas esquadras. E o fato dos pretos forros terem sido listados no último entre os

quinze grupamentos certamente não foi obra do acaso. Nota-se, por fim, que mesmo com a

composição mista de uma companhia de ordenanças, ocorriam rígidas diferenciações nas

esquadras.

TABELA 1 – COMPOSIÇÃO “RACIAL” DAS ESQUADRAS DA COMPANHIA DE ORDENANÇA DE

SANTANA/SP, 1798.

Raça (cor) Número de Esquadra Branco Bastardo Carijó Pardo Preto

Raça do Corpo Militar

1 17 Branco 2 10 2 4 Bastardo 3 9 6 Branco 4 1 12 1 Bastardo 5 7 4 Bastardo 6 1 2 9 Carijó 7 2 14 Pardo 1 14 Branco 2 14 1 Branco 3 1 12 Bastardo 4 14 1 Bastardo 5 10 3 Branco 6 13 3 Bastardo 7 1 2 6 Pardo 8 10 Preto Total 81 68 6 41 10 206

FONTE: NAZZARI, Muriel. Vanishing Indians: The social construction of race in colonial São Paulo. The

Americas, v. 57, n. 4, pp. 497-524, abr./2001, p. 507.

55

Este caráter das companhias de ordenanças estava já previsto na carta-circular,

expedida em 1767, visando a formação de mais companhias, “sem exceção de pessoas,

capazes de tomar armas”.153 Entretanto, logo após esse trecho onde se recomenda a inclusão

de todos os capazes, segue-se o “debaixo de diferentes esquadras”. O texto, em verdade, dava

margem a diferentes interpretações acerca da composição das esquadras, pois, em seu fim,

retoma a idéia de que entrariam nas ditas esquadras “toda a pessoa capaz de tomar as armas”,

mas agora agregando o texto “sem distinção de cor, ou qualidade de pessoa”. O certo é que a

carta fechava de modo muito claro ao indicar que “porém se advertirá que depois de

conduzidos ao campo dos exercícios, só então no dito campo separará os nobres dos que o não

forem”.

Com o agravamento dos conflitos no sul, a partir de 1774, e, sobretudo, após os

espanhóis tomarem para si a Ilha de Santa Catarina, já em 1777, inúmeras cartas foram

enviadas pelos capitães-generais às autoridades locais, transmitindo ordens para o

recrutamento de todos os súditos “capazes de pegar em armas”, fossem “brancos, pardos,

mulatos, e negros, e ainda os papudos” robustos. Saldanha buscava levantar tropas

rapidamente para remetê-las à Santa Catarina e, igualmente, defender sua capitania.154 Como

se vê, chegou-se ao ponto de recrutar os “papudos”, homens doentes, com bócio. A esta época,

no esforço de guerra, as autoridades recorriam a todo tipo de improvisos, gerando inúmeras

controvérsias entre camaristas, militares e os próprios capitães-generais. A esse respeito,

Saldanha acordou com o vice-rei Lavradio o retorno das quase quatro mil recrutas que, em

meados de 1777, das Minas Gerais atravessavam São Paulo rumo ao Rio Grande, por “ser

mais proveitoso ao Real Serviço fazê-las retroceder do que infestar a campanha do sul, com

um troço de gente quase inútil para o ministério da guerra”.155 Estes, em sua maioria pardos e

pretos, marchavam “inteiramente nus, sem mais que umas ceroulas e camisas, com muitas

153 Cf. “Carta-Circular para os Capitães-mores das vilas de Serra-acima, e para os da marinha”. D.I. Vol. XIX, p. 104-105. São Paulo, 27 de julho de 1767. 154 Cf. “Para o Sargento Mor Bento Lopes de Leão, de Taubaté”. D.I. Vol. LXXVIII, p. 8-9. São Paulo, 4 de abril de 1777; “Para o Sargento Mor Antonio Pacheco da Silva, de Itu”. D.I. Vol. LXXVIII, p. 24-25. São Paulo, 7 de abril de 1777; “Para o Sargento Mor Antonio Jorge de Godoy de Jundiahy”. D.I. Vol. LXXVIII, p. 25. São Paulo, 7 de abril de 1777. 155 Cf. “Para o Capitão Mor Antonio Correya Pinto, das Lages”. D.I. Vol. LXXVIII, p. 204. São Paulo, 2 de junho de 1777.

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poucas armas particulares, e estas desconcertadas”, segundo afirmava o governador de São

Paulo.156

Algumas medidas adotadas pelos governadores geraram amplo descontentamento em

determinadas camadas da sociedade paulista. Assim, as resistências por parte daqueles brancos

que serviriam nas tropas mistas, as quais se fez referência anteriormente, foram imediatas.

Entretanto, quando os soldados auxiliares de Itu protestaram pelo alistamento do filho de uma

mulata naquela companhia, Saldanha argumentou que “por Santa Lei novíssima de El Rey

nosso Senhor estão os mulatos forros habilitados para todas as honras civis, militares, e

eclesiásticas”, e que, por esta parte, tais procedimentos eram “inatendíveis e digno[s] de

castigo”.157 Provavelmente o governador se referia a lei de 16 de janeiro de 1773, a qual havia

libertado o ventre das mulheres escravas em Portugal. Contudo, Pombal e os governadores

coloniais procuraram deixar bastante claro que esta lei valia apenas para o Reino, e não para as

colônias. Utilizá-la no todo ou parte neste momento servia apenas para dar suporte a retórica

oficial do recrutamento.158

De outra parte, vê-se uma postura ativa destes sujeitos de cor, negociando a posição

dos indivíduos e do grupo, ainda que sob as condições do recrutamento baseado na violência.

Alguns moradores das proximidades de Taubaté, por exemplo, protestaram à Câmara local no

que diz respeito ao procedimento do alferes Francisco Matheus Christianes, dizendo “que

estavam prontos a virem voluntariamente servir a Sua Majestade, porém não em companhia

[...] [do dito alferes], porque lhes chamava de caboclos”.159

A partir da análise das fontes, foi possível notar que aspectos particulares da capitania,

como a dispersão de seus habitantes e o reduzido número de pessoas que compunham as vilas

e freguesias, pesaram, ao lado do esforço de guerra, para a conformação daquelas tropas

mistas. Além do “costume de mudar de sítio com muita facilidade e [do] vício de se meterem

pelos matos e viverem lá por muitos tempos”, morgado de Mateus apontava como outra

grande dificuldade à formação de tropas “as grandes distâncias em que estão as vilas e lugares 156 Cf. “Para o mesmo Vice-Rei, sobre a remessa de notícias, dos inimigos, prisão de trahidores e chegada de tropas vindas de Minas Gerais”. D.I. Vol. XLII, p. 244-247. São Paulo, 23 de abril de 1777. 157 Cf. “Oficio do General Martim Lopes Lobo de Saldanha para o Cap.am Romualdo Jozé de Pinho e Azevedo da V.a de Itu”. D.I. Vol. LXXVI, p. 37-38. São Paulo, 15 de agosto de 1776. Sobre a lei de 1773, ver SILVA, Luiz Geraldo. “Esperança de liberdade”. Interpretações populares da abolição ilustrada (1773-1774). Revista de

História. n. 144, 2001, pp. 107-149; e RUSSELL-WOOD, 2005, p. 139. 158 Cf. “Para o M.R.P.e e Sr. Jozé Correya Leite, em N. Snr.a do Rozario de Guaratinguetá”. D.I. Vol. LXXVIII, p. 30-31. São Paulo, 8 de abril de 1777. 159 Cf. “P.a o Alferes Fran.co Matheus Christianes”. D.I. Vol. LXXIV, p. 75. São Paulo, 27 de agosto de 1775.

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uns dos outros, havendo muito poucos em que se possa formar uma companhia inteira”.

Talvez uma solução para o caso fosse a inclusão de homens de cor, formando assim

companhias completas, por ser “muito desconveniente deixar uma companhia dividida”.160

Além disso, compreendendo a debilidade das forças militares do Estado do Brasil, a coroa,

através de instrumentos como a carta régia de 22 de março de 1766, estimulou a inserção de

homens de cor nas tropas, igualando-os em status aos militares das tropas pagas. Ordenou a

quebra de distinções em relação a cor para o serviço nas tropas de auxiliares, sem, contudo,

indicar se estes sujeitos deviam ser enquadrados em corpos à parte, ou junto aos brancos. A

presença de homens de cor em corpos militares ao lado de brancos, bastante polêmica, como

se viu, estava ligada menos a uma mudança na política portuguesa em relação aos negros ou a

uma condição social equivalente a dos brancos e mais as necessidades do momento.

160 Cf. “Carta ao Conde de Oeyras, sobre Fortaleza, e estado Militar da capitania”. D.I. Vol. LXXII, p. 45-47. Santos, 2 de agosto de 1765.

58

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Trilhado este longo caminho, algumas hipóteses e resultados foram esboçados. Os

homens de cor de São Paulo participaram ativamente da guerra luso-castelhana, mobilizados

para a defesa da capitania, em serviço na longínqua fortaleza do Iguatemi – próxima do

Paraguai – e foram mesmo instados a combater no Rio Grande. Homens e mulheres livres de

cor representavam cerca de 20% da população total de São Paulo em 1772, estimada em 110

mil indivíduos. Com efeito, a partir do último quartel do século XVIII o tráfico de escravos

para a referida capitania intensificou-se, paralelamente ao cultivo do açúcar. Tal como a

camada social formada por cativos, aquela constituída por forros e negros livres crescia ainda

mais. Constatou-se uma distorção na pirâmide etária por conta do reduzido número de pessoas

no grupo de homens entre 15 e 60 anos, justamente em idade de serviço militar. O

recrutamento militar e as fugas e deserções contribuíram para que estes homens não

aparecessem nas listas de população. Membros de companhias de auxiliares e de ordenanças

empreendiam verdadeiras caças a desertores, que, muitas vezes associados a escravos fugidos,

permaneciam arranchados “nos matos”, ou “aquilombados”. Nesta conturbada época, até

mesmo os familiares de homens que fugiam ao recrutamento eram presos, sobretudo suas

mães e esposas. O enquadramento em corpos militares funcionava como mecanismo de

controle social, fosse por inculcar nos indivíduos a disciplina militar, fosse por retirar da

sociedade os maus vassalos, conduzindo-os para regiões onde fossem militarmente úteis.

Havia corpos militares formados exclusivamente por homens de cor, e inclusive uma

espécie de “exército de reserva” formado por cativos armados com lanças para operar em

situações de emergência. Notou-se também que muitos homens de cor eram inseridos em

tropas mistas, ao lado de brancos e índios. Nos momentos mais tensos para os portugueses,

entre 1776 e 1777, quando se previa o ataque a Santa Catarina e invasões ao litoral paulista,

formaram-se várias companhias com esta composição mista. Logo apareceram resistências de

brancos que se indignavam por servir ao lado de negros. Estas reclamações, porém, não foram

atendidas pelo capitão-general Martim Saldanha. Parece mesmo que os improvisos marcaram

este esforço de guerra, pois também homens doentes, com bócio, foram incluídos nas tropas.

No Iguatemi é que predominaram os soldados pardos e mulatos, servindo em tropas

irregulares chamadas Aventureiros. Embora o nome de muitas delas não se referisse a cor de

seus componentes, no Diário da viagem de José Custódio de Sá e Faria, de 1775, consta que

59

“tiradas as duas companhias de tropa de infantaria, as mais são compostas de negros, mulatos

e criminosos, que têm pouco que perder, e a quem a honra não interessa e só a conveniência

pôde obrigar”.161 Aqui, pode-se perfeitamente substituir a palavra “conveniência” por “força”.

Outro era o caráter da tropa de pardos de Santos. Examinou-se a negociação entre o capitão

pardo Caetano Francisco Santiago e o governador morgado de Mateus visando formação desta

companhia. O interesse de Santiago, ao contrário do que se disse daqueles soldados do

Iguatemi, certamente era gozar dos mesmos privilégios previstos aos oficiais militares pela

carta régia de 22 de março 1766, ou seja, o capitão pardo buscava apresentar-se à sociedade

com as mesmas honras que um oficial militar das tropas pagas. Cruzando algumas fontes, foi

possível ver que este indivíduo, bem como o tenente dos pardos daquele batalhão, esteve

envolvido em altos negócios comerciais na vila de Santos, paralelamente ao exercício de suas

funções militares. Sem dúvida procuravam consolidar uma posição social de destaque, já

obtida graças a atividades comerciais, através da aquisição de honras militares. Estes homens

eram poucos em relação ao restante dos homens de cor de São Paulo, ou uma elite dentre eles.

O número relativamente reduzido destes sujeitos certamente teve correspondências no

caráter das companhias militares nas quais foram enquadrados. Do mesmo modo, considerou-

se aqui que o recrutamento militar em situação de guerra não somente poderia reproduzir as

condições e divisões sociais, mas, de outro ponto de vista, propiciar mudanças. Estas, se foram

apenas provisórias ou se construíram duradouros padrões de inserção social para os homens

livres de cor, só podem ser apreendidas mediante ampliação do recorte temporal desta

pesquisa, o que de fato será proposto em um futuro projeto para o mestrado.

161 Cf. “Diário da viagem que fez o brigadeiro José Custódio de Sá e Faria da Cidade de São Paulo à Praça de Nossa Senhora dos Prazeres do rio Iguatemy (1774-1775)”. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro. Tomo 39, 1876, p. 218-219.

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