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BOCAGE: 250 anos, de 1765 ao século XXI António Mateus Vilhena João Reis Ribeiro Maio.2015

Bocage 250 anos, de 1765 ao séc xxi (3)

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BOCAGE: 250 anos, de 1765 ao século XXI

António Mateus Vilhena João Reis Ribeiro

Maio.2015

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Com afecto, a quem nos ouve, esperando que dêem este tempo por bem utilizado…

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«Ironia de um destino infeliz que se prolongou para além da

morte, Bocage é hoje ainda para o rural analfabeto da mais remota aldeia, para o garoto precoce das ruas, para a regateira dos mercados de Lisboa, apenas um grande farçola, descarado e vadio, que dava respostas a tempo e tratava as coisas pelo nome. Se Bocage soubesse que o seu nome assina hoje tanta piada insulsa e ordinária, riria talvez – ele que em tantas vezes soube rir de si mesmo – […] com aquele riso de imortalidade que já antevia, ao sentir-se resvalar na decadência do fim.»

Esther de Lemos [n. 1929]

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Magro, de olhos azuis, carão moreno...

Júlio Pomar, 1983

Magro, de olhos azuis, carão moreno, Bem servido de pés, meão n’altura, Triste de facha, o mesmo de figura, Nariz alto no meio e não pequeno; Incapaz de assistir num só terreno, Mais propenso ao furor do que à ternura, Bebendo em níveas mãos por taça escura De zelos infernais letal veneno; Devoto incensador de mil deidades (Digo, de moças mil) num só momento, E somente no altar amando os frades; [Inimigo de hipócritas e frades; ] Eis Bocage, em quem luz algum talento: Saíram dele mesmo estas verdades Num dia em que se achou mais pachorrento. [Num dia em que se achou cagando ao vento.]

in Bocage, Rimas, 3º vol, 1804 // [ed. Inocêncio F. da Silva, 1854]

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Magro, de olhos azuis, carão moreno…

Henrique José da Silva (1805); Legrand (1841); O Panorama (1846, nº 13); Pedro Reis (1871); Fernando Santos (Bocage e as Musas, 1929); Luciano dos Santos

(Tríptico, 1957); Selos CTT (1965); Selo CTT (2015); Júlio Pomar (1983)

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Américo Ribeiro, Postais sobre Bocage, s/d

Registo de

Baptismo de

Bocage

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Em 15 de Setembro de 1765,

nesta casa, na Rua de

S.Domingos, terá nascido

Manuel Maria Barbosa du Bocage…

Archivo Pittoresco, 1860, nº 46

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A casa em que

terá nascido Bocage,

na Rua Edmond Bartissol…

1862 – Obras na casa, com armas

de bispo

1864 (Janeiro) – “Voz do Progresso” apelou à colocação de uma lápide

1864 (Abril) – Colocação da lápide

1886 (Maio) – “Gazeta Setubalense” anunciou a venda da casa

1887 (Abril) – “Semana Setubalense” noticiou a compra por Bartissol

1887 (Agosto) – Bartissol ofereceu a casa à Câmara para ser “biblioteca municipal ou museu bocagiano”

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Como era

Setúbal na

época de

Bocage?

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Setúbal em 1741 Juan Alvarez de Colmenar, Annales d’Espagne et de Portugal, 1741

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Janet Schaw [1731-1801]

escocesa, viajante, 44 anos – Visitou Setúbal em 1775 –

“O céu estava limpo e sereno – mais de 50 navios ancorados e mais de uma centena de barcos na pesca da sardinha – e ouvia-se cantar. A povoação estava

toda à vista, com muitos moinhos de vento a trabalhar lá no alto, o que dava um lindo efeito. A

costa é muito escarpada e os montes e terras altas cobertos de trigo ou pastagens, pareciam tão frescos

que deliciavam os sentidos.”

Vila “quase completamente arruinada, em grande parte devido ao pavoroso terramoto, e em parte devido aos efeitos ainda mais

horrorosos do despotismo.”

Há a “superstição grosseira, onde a religião é o mesmo que o chicote para os escravos e cada indivíduo tem um tribunal da Inquisição dentro

de si.”

* in Journal of a Lady of Quality, Being the Narrative of a Journey from Scotland to the West Indies, North Caroline and Portugal in the Years 1774 to 1776 (1921)

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Setúbal vista por Teotónio Banha [1785-1853]

1816

“Perspectiva da Vila de Setúbal vista da Casa do Trapixe, no sítio de Tróia”

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As quatro paróquias de Setúbal em 1758

Anunciada

800 fogos – 3223 adultos – 83 crianças

São Julião

690 fogos – 3167 habitantes

Sta. Maria

228 fogos – 718 habitantes

S. Sebastião

1148 fogos – 4458 adultos – 200 crianças

TOTAIS: 2866 fogos – 11849 habitantes Fonte: Memórias Paroquiais de 1758

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São Sebastião

Habitantes – 39,3%

Fortemente abalada pelo terramoto, especialmente a igreja

Produtos: sal (500 marinhas entre Setúbal e Alcácer) e peixe (“o mais saboroso pescado de toda a Europa”)

[1751 – nasceu Tomás Santos e Silva]

[1765 – nasceu Manuel Maria Barbosa du Bocage]

Algumas famílias importantes, como os Cabedos, e segundas residências

de fidalgos, pelos “grandes gastos da Corte”

“Toda esta vila está situada em campina ao longo da praia, menos esta freguesia de São Sebastião, que está situada em um monte com

escoante das águas e lavada dos ares, sendo, por isso, a mais sadia da terra.”

Fonte: P. Manuel Pereira de Carvalho, Memórias Paroquiais de 1758

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Contemporâneos setubalenses de Bocage

Santos e Silva (1751-1816, por F.T.Almeida, 1815) Morgado de Setúbal (1752-1809, por Luciano dos Santos, 1957)

Luísa Todi (1753-1833, por Louise Vigée-Lebrun, 1785) Teotónio Banha (1785-1853, M.J. Sendim, 1832)

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Ligações

de Bocage

à terra do

Sado

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A entrada de Bocage para o mundo da aventura futura – de partidas e chegadas, de conhecimento de mundos novos e de

intrigas, de amores e desamores, de prisões e contestações, de escrita e boémia – passou pelo gesto voluntário de assentar

praça em Setúbal. Estávamos em 1781…

JRR, 15Abr2005 JRR, 15Abr2005

JRR

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“Regimento de Infantaria de Setúbal – Em Setembro do ano de 1781 assentou praça voluntariamente nesta Unidade com a idade de 16 anos Manuel Maria

Barbosa du Bocage – Viria a ser um dos maiores poetas portugueses – 22-9-1980”

JRR, 15Abr2005

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Assento no Livro de Registo do Regimento de Infantaria de Setúbal

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Assento no Livro de Registo do Regimento de Infantaria de

Setúbal

Nº: 84 – 6ª Companhia

Nome: Manoel Maria Barbosa de Bocaje

Idade: 16

Altura: 5 pés e 4 polegadas

Serviço: Praça a 22 de Setembro de 1781

Cabelos: castanhos

Olhos: pardos

Nascimento: Setúbal

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Assento no Livro de Registo do Regimento de Infantaria de

Setúbal

Juramento: 22 de Setembro de 1781

Casualidades: Passagem a Goarda Marinha Sº te 8 por Despº de 5 de

Setembro de 1783

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Assento no Livro de Registo do Regimento de Infantaria de

Setúbal

Registo dos Licenciados

Do 1º te 15 de Agosto de 1782

De 26 de Junho te 15 de Julho de 1783

De 16 te 31 de Julho de 1783

21 de Agosto te 15 de Setembro de 1783

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Adeus, meu pátrio Sado...

Eu me ausento de ti, meu pátrio Sado,

Mansa corrente, deleitosa, amena,

Em cuja praia o nome de Filena

Mil vezes tenho escrito e mil beijado.

Nunca mais me verás entre o meu gado

Soprando a namorada e branda avena,

A cujo som descias mais serena,

Mais vagarosa para o mar salgado.

Devo, enfim, manejar por lei da Sorte

Cajados não, mortíferos alfanges

Nos campos do colérico Mavorte;

E talvez entre impávidas falanges

Testemunhas farei da minha morte

Remotas margens, que humedece o Ganges. JRR, 26Set2004

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Camões, grande Camões… e o Fado 1783 – Está na Academia dos Guardas-Marinhas. Vive em Lisboa, na Rua do Loreto. 1786 – Embarca para o Oriente, passando por Rio de Janeiro e Moçambique, até chegar a Goa.

1789 – Revolução Francesa. Desertor. Viaja na China e em Macau

1790 – Regresso a Lisboa. Entrada na “Nova Arcádia” (até 1793).

1791 – Publicação de “Rimas” (1º vol). 1797 – Primeira detenção (Limoeiro e cárceres do Santo Ofício). Inicia traduções.

«Lisboa, 7 de Outubro de 1971 – Visita melancólica ao Aljube, a recordar horas más do

passado, continuada no Limoeiro por intenção de Bocage, que a 10 de Agosto de 1797, como consta dum velho livro de assentos guardado na cave, deu entrada naquela casa. Afonso Lopes Vieira, em maus versos, que cito de cor, diz que «Os poetas portugueses que não passam pelas prisões / não são dignos descendentes de Camões». Assim é, de facto. Todos os que nesta terra empunham uma lira e se louvam no grande mestre, já que não podem acompanhá-lo nos arroubos do génio, seguem-lhe ao menos as passadas rebeldes. Assim lhe são fiéis. E que outra solução resta aos dirigentes dum país de conformados, senão meter na cadeia os raros inconformados que nele erguem a voz? Mas há uma coisa de que os governantes ainda se não lembraram, por ignorância, evidentemente: de lhes tirar, com a liberdade, a paisagem que se vê através das grades portuguesas. A que Bocage teve diante dos olhos é tão deslumbradora que até eu me senti roubado. Que faria Pina Manique, se soubesse que ela era assim…»

Miguel Torga [1907-1993], Diário – XI (1973)

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«Convenhamos [...] que não é caso de somenos ir eu a descer a Travessa de André Valente e

dar de rosto, quase ao virar a esquina, com o poeta Manuel Maria, mais conhecido por Bocage. São encontros que só podem ter-se madrugada alta, quando já ninguém anda pelas ruas ou só andam os predestinados a encontros tais. E não se pense que eu ia – como dizer? – bebido. De madrugada estou sempre lúcido, mesmo que os olhos se me fechem de sono e de fadiga. Ouço os meus passos e a minha respiração – e estou vivo, angustiadamente vivo, por obra e graça do silêncio e da descoberta de estar só, e outra vez só, até já não poder aguentar mais e procurar ao menos o reflexo de um vidro, uma presença visível, embora inexistente. Não sei se o Bocage era ali inexistente. Visível, sim. Dava-lhe na cara a luz de um candeeiro: magro, de olhos azuis. Reconheci-o logo. Olhou para mim, muito sério, mirou-me de alto a baixo e sorriu. Como quem não acredita no que vê ou sorri de si mesmo. Ainda agora não sei se ele estava lúcido – ou bêbedo. Deu-me as boas-noites e as palavras soaram-me como se tivessem sido ditas por um estrangeiro, como se viessem de país sotoposto a este no tempo. Respondi, e ele lá me entendeu. Afinal, falávamos a mesma língua. (…)»

José Saramago. Deste mundo e do outro.

1798 – “Reeducação” no Convento de S. Bento. Liberdade em Abril. 1799 – Publicação de “Rimas” (2º vol) 1802 – Vive na Tv. André Valente, em Lisboa.

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1805 – Já Bocage não sou…

… e, em Lisboa, em 21 de Dezembro, o frio invadiu a casa da Tv. André Valente…

JRR

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1804 – Grandes dificuldades financeiras. Publicação de “Rimas” (3º vol) 1805 – Morte da sobrinha, com 5 anos. Reconcilia-se com os adversários.

Poesias Selectas de Manuel Maria Barbosa du Bocage, J. S. da Silva Ferraz (1864)

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Ler Bocage

1812 – “Obras Poéticas”, por Desidério Marques Leão

1813 – “Verdadeiras Poesias Inéditas de M. M. B. Bocage”, por Nuno Álvares Pato Moniz

1853 – “Obras Completas”, por Inocêncio Francisco da Silva

1854 – “Poesias Eróticas, Satíricas e Burlescas”, por Inocêncio Francisco da Silva

1875 – “Obras Completas”, por Teófilo Braga

1968-1973 – “Opera Omnia” bocagiana, por Hernâni Cidade

2004-? – “Obra Completa”, por Daniel Pires [5 vols. até 2015]

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1871 – A memória em Setúbal (estátua de Bocage)

O poeta morrera, Trouxera a pena e instalara-se. Deram-lhe uma pedra fria como morada, Um pedaço de mármore para guardar as palavras. Derretiam-nas o sol. A praça ficara, de repente, animada. Os pombos esvoaçavam livremente, Apenas a liberdade voava com eles. No pedestal da vida, a morte aprisionou-o: Bocage está preso. A liberdade anda nas asas dos pombos… Soltem o poeta…

Nídia Jerónimo Martins [n. 1956], inédito

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1905 e 2005 – A memória em Setúbal (100 e 200 anos da morte de Bocage)

JRR, 13Mar2005

JRR, 13Mar2005

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Impressões sobre

Bocage

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«Bocage, outro Messias literário, ofusca, dispersa, quase aniquila toda a sinagoga arcádica. Forte igualmente com os idiomas da antiga e moderna Itália, e com o francês, de que sabe não colher senão o necessário, o útil e o bom, abelha delicada entre insectos impuros, que só venenos lhe sugavam dá a ouvir pela primeira vez aos ecos multiplicados e atónitos um falar altíquo e terso, claro e elegante, cheio e harmonioso como nenhum, em poesia, ainda por cá se ouvira, nem se tornou a ouvir.»

António Feliciano de Castilho [1800-1875]

«[...] Resgatou-se Bocage refugiando-se a só na dor da saudade ou nos raptos religiosos, que os tinha ardentíssimos como todos os infelizes.»

Camilo Castelo Branco [1825-1890]

«Este, quase desde a infância poeta, apareceu no mundo em toda a efervescência dos primeiros anos, ardente cantor das paixões, entusiasta, agitado do seu próprio natural violento, rápido, insofrido, sem cabal instrução para poeta, com todo o talento (raro, espantoso talento!) para improvisador. (…) Dos sonetos há grande cópia que não tem igual nem em português, nem em língua nenhuma, duma força, duma valentia, duma perfeição admirável.»

Almeida Garrett [1799-1854], Bosquejo da História da Poesia e Língua Portuguesa, 1826

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«Da transformação literária, representada por um rompimento definido com as tradições literárias portuguesas, pode-se considerar ponto de partida Antero de Quental e a Escola de Coimbra, embora necessariamente precedida de prenúncios e tentativas de tal modificação remontando até 1770, ao esquecido José Anastácio da Cunha (poeta superior ao exageradamente apreciado e insuportável Bocage)».

Fernando Pessoa [1888-1935], Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias

«O maior drama de Bocage, o mais pungente, foi o de ter vivido em tempo que lhe não convinha. Poeta grande, de vocação autêntica e precoce, viu-se forçado a arrastar o seu destino através de uma época de poesia medíocre. Nascido 30 ou 40 anos depois, não é difícil imaginar o espaço que lhe caberia no espaço do Romantismo.»

David Mourão-Ferreira [1927-1996]

«Mais do que em qualquer outro dos escritores portugueses seus contemporâneos, teve repercussão em Bocage, o agravamento profundo naquele momento histórico vivido em todas as nações da nossa cultura, do conflito permanente entre a ordem e a liberdade.»

Hernâni Cidade [1887-1975]

«O poeta consumiu-se na busca incessante de uma felicidade impossível, ora inventando mulheres quiméricas, ora evadindo-se pela volúpia dos sentimentos. A morte horroriza-o e ao mesmo tempo exerce nele uma poderosa sedução: ela é o esquecimento e a paz.»

Jacinto do Prado Coelho [1920-1984]

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“Irmãos”

de Bocage

Filinto Elísio [1734-1819]

António Maria Eusébio, O Calafate [1819-1911]

Maria Clementina [n. 1935]

Ary dos Santos [1937-1984]

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Sebastião da Gama (1924-1952) – I SÚPLICA

Quem me dera – ai, quem me dera! – ter o estro de Bocage p’ra esta paixão sincera, em verso, cantar e a laje do teu coração quebrar cessando, assim, meu penar. Moça gentil, como és, não acredito qu’exista em Portugal, lés a lés. Tu me ofuscaste a vista c’o’a beleza irradiante que posssuis, loira galante. Já que desdém te mereço apenas, oh amor meu, ajoelhado te peço: Deixa-me, ao menos, que eu te possa ver, e amar como a santa num altar.

inédito, Lisboa, 10 – IV – 1940

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Sebastião da Gama (1924-1952) – II

15 Set 1950 – Lugar de Bocage na Nossa Poesia de Amor, CMSetúbal – apresentada também em Estremoz (Abr 1951) e em Vila Viçosa (Jun 1951)

A ideia do Amor em Bocage:

• “resultante de um conhecimento directo, uma lição aprendida fora dos livros” • “o Amor foi-lhe uma coisa deleitosa, um risonho prazer. Eis o que o opõe a Camões: o contentamento de amar” • “O desejo percorre a sua poesia toda, sequioso mas terno. (…) Era a paixão em carne viva; nenhum romântico foi tão romântico; assim, é poderosamente que se assenhoreia dele o Ciúme; enche-lhe o Ciúme a boca de injúrias” • “Poesia feita de impulsos, de momentos, de estados de alma; não há pose na poesia de Bocage: aquilo que ali está é aquilo que foi. (…) Bocage diz de frente o que tem a dizer. (…) Seria um amante como Bocage o que encontraríamos, a descermos à essência de cada um.”

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Alexandre O’Neill (1924-1986)

“Auto-Retrato”

O’Neill (Alexandre), moreno português,

cabelo asa de corvo; da angústia da cara,

nariguete que sobrepuja de través

a ferida desdenhosa e não cicatrizada.

Se a visagem de tal sujeito é o que vês

(omita-se o olho triste e a testa iluminada)

o retrato moral também tem os seus quês

(aqui, uma pequena frase censurada…)

No amor? No amor crê (ou não fosse ele O’Neill!)

e tem a veleidade de o saber fazer

(pois amor não há feito) das maneiras mil

que são a semovente estátua do prazer.

Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se

do que neste soneto sobre si mesmo disse…

in Poemas com Endereço, 1962

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Ary dos Santos (1937-1984)

“Ao meu falecido irmão Manuel Maria Barbosa du Bocage”

Meu sacana de versos! Meu vadio, Fazes falta ao Rossio. Falta ao Nicola. Lisboa é uma sarjeta. É um vazio. E é raro o poeta que entre nós faz escola. Mastigam ruminando o desafio. São uns merdosos que nos pedem esmola. Aos vinte anos cheiram a bafio, têm joanetes culturais na tola. Que diria Camões, nosso padrinho, ou o Primo Fernando que acarinho como Pessoa viva à cabeceira? O que me vale é que não estou sozinho, ainda se encontram alguns pés de linho crescendo não sei como na estrumeira!

in VIII Sonetos, 1984

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Manuel Ângelo Ochoa (n. 1944)

Olhos castanhos, gordo, agreste cara; meio duro dos pés; alta postura; aspeito incerto, ou de alegria ou de tristura; nariz dobrado a meio, feroz, torto; ânimo vário, mais brando agora; co’a idade inclinado a mover-se do coração ferido; p’los cafés matando os dias; a sorrisos gentis, não insensível, digo, a cândidas musas; p’lo confesso tolerando padres: Eis Ochôa: Luas asas lhe deram desta a devaneio.

in EnconVoscoAve – É Bonito o Amor (2014)

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«Bocage continua vivo entre nós; e o seu sonho de imortalidade, que a nomeada grosseira caricaturou, realiza-se, afinal, na emoção com que escutamos ainda a sua voz ardente.»

Esther de Lemos [n. 1929], in Bocage – Gigantes da Literatura Universal, 1972

«Bocage [define-se] como poeta, na medida em que, servido por uma técnica excepcional, espontânea e fácil, se nos transmite, sem artifícios retóricos ou exageros emocionais, tal qual é. Esse modo directo de dar-se, vestido apenas pelo figurino do tempo, que ele consegue fazer esquecer de tal maneira o supera, será porventura o sinal do seu drama mais íntimo: Bocage foi um mendigo da ternura. (…) Ler os versos de Bocage (…) é sofrer a dolorosa vivência de um irmão que, servido por linguagem que não é a nossa, não pôde todavia esconder a sua humaníssima condição.»

Rogério Peres Claro [n. 1921], in Versos de Bocage – Antologia, 1965

«Em Portugal, a arte de fazer versos chegou ao apogeu com Bocage e depois dele decaiu. Da sua geração, e das que a precederam, foi ele o máximo cinzelador da métrica. [..] Depois dele, Portugal teve talvez poetas mais fortes, de surto mais alto, de mais fecunda imaginação. Mas nenhum o excedeu nem o igualou no brilho da expressão.»

Olavo Bilac [1865-1918], in Bocage, 1917

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… muito obrigado!