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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE VETERINÁRIA ESPECIALIZAÇÃO EM ANÁLISES CLÍNICAS VETERINÁRIAS INDICAÇÕES E EFEITOS DO INTERFERON EM HUMANOS E GATOS: REVISÃO DE LITERATURA Autora: Ana Elize Ribeiro D’Avila PORTO ALEGRE 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE VETERINÁRIA

ESPECIALIZAÇÃO EM ANÁLISES CLÍNICAS VETERINÁRIAS

INDICAÇÕES E EFEITOS DO INTERFERON EM HUMANOS E GATOS: REVISÃO

DE LITERATURA

Autora: Ana Elize Ribeiro D’Avila

PORTO ALEGRE

2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE VETERINÁRIA

ESPECIALIZAÇÃO EM ANÁLISES CLÍNICAS VETERINÁRIAS

INDICAÇÕES E EFEITOS DO INTERFERON EM HUMANOS E GATOS: REVISÃO

DE LITERATURA

Autora: Ana Elize Ribeiro D’Avila

Monografia apresentada à Faculdade de

Veterinária como requisito parcial no curso de

Especialização em Análises Clínicas Veterinárias

Orientadora: Eliane Dallegrave

PORTO ALEGRE

2009

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a minha família (Eni, Wilmar, Angela e Cristiano)

por todo apoio, atenção e amor que me proporcionaram ao longo dos anos. Sou eternamente grata

pelo carinho, paciência e compreensão, especialmente nessa etapa da minha vida.

À minha orientadora, professora Eliane Dallegrave, agradeço muitíssimo pelo apoio e

excelente orientação, e pelo grande exemplo de profissional, batalhadora e fonte de estímulo para

todos os profissionais e alunos de graduação que tiveram o privilégio em conhecê-la.

Aos colegas e professores da especialização, agradeço por tudo. Foram bons momentos

compartilhados durante as aulas e finais de semana.

Ao Pathos, pela oportunidade de estágio e pelos ensinamentos.

À equipe LACVet – UFRGS, pelo apoio, compreensão e ensinamentos ao longo dessa

minha trajetória acadêmica e profissional.

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RESUMO

O interferon faz parte da classe de citocinas produzidas por fibroblastos, células T e por outras

células em resposta a infecções virais e outros estímulos biológicos e sintéticos. Seus efeitos

estão relacionados à indução de enzimas, supressão da proliferação celular, inibição da

proliferação viral, intensificação da atividade fagocítica dos macrófagos e aumento da atividade

citotóxica dos linfócitos T. A redução da produção endógena de interferon pode dever-se a

algumas cepas de vírus. Estas condições podem acarretar em prejuízo na resposta imune do

hospedeiro contra novos insultos virais. Farmacologicamente, o interferon α, desenvolvido a

partir da tecnologia recombinante, tem um papel importante no tratamento de algumas doenças

virais e proliferativas. Este fármaco, classificado como imunomodulador, é aprovado pelo Food

and Drug Administration (FDA) para uso em humanos tratados para hepatites B e C crônicas,

leucemia de células cabeludas, leucemia mielógena crônica com cromossomo Philadelphia

positivo e sarcoma de Kaposi associado a HIV. Em medicina veterinária, o interferon tem sido

indicado como adjuvante no tratamento de doenças virais, entretanto, poucos ensaios clínicos tem

sustentado seu amplo uso para quaisquer patologias que afetam o sistema imunológico.

Considerando que ainda não tem aprovação para uso em animais, torna-se pertinente uma revisão

criteriosa da literatura sobre o tema em veterinária, como forma de sustentar sua indicação

baseada em evidências. O presente trabalho visa revisar as indicações e a real utilização do

interferon α-2a recombinante humano, no tratamento de diversas patologias, com enfoque nos

efeitos farmacológicos e adversos relatados em humanos e em gatos, objetivando sustentar uma

terapia mais racional.

Palavras-chave: interferon alfa, indicações, efeitos adversos, humanos, felinos.

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ABSTRACT

The interferon is part of the class of cytokines produced by fibroblasts, T cells and other cells in

response to viral infections and other biological and synthetic stimuli. Its effects are related to

induction of enzymes, suppression of cell proliferation, inhibition of viral spread, intensification

of phagocytic activity of macrophages and increased activity of cytotoxic lymphocytes T. The

reduction of endogenous production of interferon may be due to some strains of virus. These

conditions may lead to loss in the host immune response against new viral insults.

Pharmacologically, interferon α, developed from recombinant technology, has an important role

in the treatment of certain viral and proliferative diseases. This drug, classified as

immunomodulator, is approved by the Food and Drug Administration (FDA) for use in humans

treated for chronic hepatitis B and C, hairy cell leukemia, chronic leukemia myelogenic with

Philadelphia chromosome positive and Kaposi's sarcoma associated with HIV. In veterinary

medicine, the interferon has been indicated as an adjuvant in the treatment of viral diseases.

However, few clinical trials have supported its broad use for any diseases that affect the immune

system. Whereas it has not yet approved for use in animals, it is appropriate to carefully review

the literature on the topic in veterinary medicine as a way to support your statement based on

evidence. This paper aims to review the information and the actual use of interferon α-2a

recombinant human, for treatment of various diseases, with focus on pharmacological and

adverse effects reported in humans and cats, to support a more rational therapy.

Key-words: interferon alpha, indications, side effects, human, feline.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Classificação de interferons ................................................................................. 12

Tabela 2 Uso de alguns tipos de interferon e comentários ................................................. 31

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LISTA DE ABREVIATURAS, SÍMBOLOS E UNIDADES

2’ 5’ OAS 2’ 5’ oligoadenilato sintetase

AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

AINES Anti-inflamatórios não-esteroides

ALT Alanina amino transferase

AST Aspartato amino transferase

CVEF Vírus do coronavírus entérico felino

DNA Ácido desoxirribonucléico

FCV Vírus do coronavírus felino

FDA Food and Drug Administration

FeLV Vírus da leucemia felina

FIV Vírus da imunodeficiência felina

FHV-1 Vírus do herpesvírus felino-1

FPV Vírus da panleucopenia felina

GM-CSF Fator estimulante de colônia de granulócitos e macrófagos

HBeAg Antígeno “e” do vírus da hepatite B

HBcAg Antígeno do “core” do vírus da hepatite B

HBsAg Antígeno de superfície do vírus da hepatite B

HIV Vírus da imunodeficiência humana

HLA Antígenos leucocitários humanos

HPLC Cromatografia líquida de alta eficiência

IFN Interferon

IL Interleucina

IM Intramuscular

LMC Leucemia mielógena crônica

MHC Complexo principal de histocompatibilidade

PHA Fitohemaglutinina

PIF Peritonite infecciosa felina

PMA Éster de forbol

PO Por via oral

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RNA Ácido ribonucléico

RNAm RNA mensageiro

RNase L Ribonuclease L

SC Subcutâneo

SNC Sistema Nervoso Central

STAT: Signal Transducers and Activators of Transcription protein

UI Unidades Internacionais

V0 Volume de distribuição

VHB Vírus da hepatite B

VPIF Vírus da peritonite infecciosa felina

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..................................................................................................... 10

2 REVISÃO DE LITERATURA SOBRE O INTERFERON.............................. 11

2.1 Descoberta e Classificação.................................................................................... 11

2.2 Mecanismo de Ação e Cinética ............................................................................ 14

2.2.1 Mecanismo de Ação ................................................................................................ 14

2.2.2 Farmacocinética ....................................................................................................... 18

2.2.3 Vias de Administração – Controvérsias .................................................................. 20

2.3 Uso em Humanos ................................................................................................... 23

2.3.1 Indicações Terapêuticas ........................................................................................... 23

2.3.2 Efeitos Adversos ...................................................................................................... 25

2.4 Uso em Gatos .......................................................................................................... 30

2.4.1 Indicações Terapêuticas ........................................................................................... 30

2.4.1.1 Imunodeficiência Felina .......................................................................................... 31

2.4.1.2 Leucemia Viral Felina ............................................................................................. 33

2.4.1.3 Peritonite Infecciosa Felina ..................................................................................... 37

2.4.2 Efeitos Adversos ...................................................................................................... 40

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 41

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 44

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1 INTRODUÇÃO

Em meados de 1960, a descoberta de que infecções virais de células humanas induziam a

formação de substâncias com propriedades antivirais naturais, fez surgir uma esperança de

potencial terapêutico dessas. Na década de 1970, foi descoberto o efeito do interferon endógeno

sobre células infectadas por vírus. Os estudos subsequentes realizados demonstraram que os

interferons mostram-se ativos contra alguns tipos de vírus.

A dificuldade na produção dessas substâncias em quantidades suficientes tornou-se um viés

no progresso e na aplicação desse conhecimento à medicina humana e veterinária. Com o

desenvolvimento da tecnologia do DNA recombinante, houve a superação desse problema e,

atualmente, os interferons têm demonstrado eficácia no tratamento de infecções virais e processos

malignos no homem, como hepatites crônicas B e C, leucemia mielógena crônica, leucemia de

células cabeludas e sarcoma de Kaposi.

Em pequenos animais, principalmente em felinos, existe uma constante busca por

tratamentos alternativos e complementares que tragam aumento de sobrevida e bem-estar para

animais portadores de doenças virais, como vírus da leucemia felina (FeLV), vírus da peritonite

infecciosa felina (PIF) e vírus da imunodeficiência felina (FIV), como exemplos. Dessa forma,

tem-se verificado uma grande tendência na utilização de interferon α-2a recombinante humano,

em função de custos e disponibilidade no mercado, entretanto, poucos estudos têm suportado seu

uso para uma ampla variedade de doenças virais em gatos. Considerando que ainda não tem

aprovação para uso nesta espécie, é de extrema importância buscar evidências que sustentem sua

indicação terapêutica, considerando o potencial de risco escassamente avaliado.

Este trabalho visa apresentar uma análise criteriosa da literatura sobre o uso do interferon

α-2a humano, no tratamento de diversas patologias em felinos, com base nas indicações e efeitos

adversos relatados em humanos e em gatos.

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2 REVISÃO DE LITERATURA SOBRE O INTERFERON

2.1 Descoberta e classificação

O interferon faz parte da classe de citocinas protéicas e glicoprotéicas (com massa

molecular aproximado de 15 a 28 kDa), produzidas por fibroblastos, células T e por outras

células em resposta a infecções virais e outros estímulos biológicos e sintéticos (STEDMAN,

2003; BLOOD e STUDDERT, 2002; CHEINQUER, COELHO-BORGES e CHEINQUER,

1998; MARRONI, 1994).

Em 1957, Isaacs e Lindenmann investigaram um fenômeno descrito na década de 1930, a

interferência entre dois vírus. Após experimentos, concluíram que a substância que interferia na

replicação de um vírus não estava relacionada com o outro, mas sim, com a célula do hospedeiro.

Assim, o primeiro vírus induzia a produção de uma substância pela célula que iria depois

interferir na replicação do segundo (COSTA e GÓRNIAK, 2006). A substância em questão foi

então denominada de interferon. Isaacs e Lindenmann são considerados os descobridores do

interferon (CHEINQUER, COELHO-BORGES e CHEINQUER, 1998; MARRONI, 1994).

Segundo Cheinquer, Coelho-Borges e Cheinquer (1998), os interferons (IFNs) são uma

família de proteínas codificadas por diversos genes localizados em diferentes cromossomos,

sendo considerados um conjunto, por possuírem atividades semelhantes (antiviral,

imunomoduladora e antiproliferativa).

Existem vários tipos de interferon, e esses podem afetar uma variedade de funções

biológicas (WEISS, 1988; HOOKS, DETRICH-HOOKS e LEVINSON, 1982). A nomenclatura

α, β e γ para os tipos de interferon foi utilizada para designar os picos principais obtidos na

cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC), método de análise que serve para separar,

identificar, purificar e quantificar vários compostos, e, foi rapidamente adotada para classificar os

interferons obtidos de leucócitos, fibroblastos e outras células do sistema imune, respectivamente

(JONASCH e HALUSKA, 2001).

Em 1980, essa nomenclatura foi oficialmente aceita, e os interferons foram separados em

cinco grandes classes: alfa (α), beta (β), gama (γ), tau (τ) e ômega (ω) e em várias subclassses, de

acordo com as propriedades físico-químicas, células de origem, modo de indução e reações

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humorais (STEDMAN, 2003). A Tabela 1 mostra a classificação dos interferons e algumas de

suas propriedades.

Tabela 1. Classificação de interferons

Tipo IFN Categoria Tipo

Receptor Célula de

origem

Efeitos anti-proliferativos

diretos?

Estimula expressão

MHC classe I?

Estimula ativação células natural killer?

Alfa (α) I Leucócito Sim Sim Sim Beta (β) I Fibroblasto Sim Sim Sim Ômega (ω) I Leucócito Sim Sim Sim

Tipo I

Tao (τ) I Trofoblasto ovino

Tipo II Gama (γ) II Linfócitos T, células natural killer

Sim Sim Menos que os IFNs tipo I

Adaptado de Jonasch e Haluska (2001).

Mais recentemente, os IFNs foram separados em dois subgrupos principais, em virtude de

sua habilidade em ligar-se a alguns tipos de receptores. Os IFNs tipo I, que englobam IFN-α,

IFN-β, IFN-ω e IFN-τ, unem-se a um receptor de IFN tipo I, enquanto que o IFN-γ é o único IFN

tipo II e se liga a um distinto receptor tipo II (COLLADO et al., 2007; JONASCH e HALUSKA,

2001).

Baseados em seus aspectos estruturais, bioquímicos e antigênicos, os principais interferons

foram agrupados em: IFN-α, produzido por monócitos e linfócitos B em resposta a diversos

estímulos antigênicos e virais; IFN-β, produzido por fibroblastos em resposta à presença de

RNAs de dupla hélice, polirribonucleotídeos e alguns vírus; e IFN-γ, produzido por linfócitos T

em resposta a exposição a vários antígenos e mitógenos (COSTA e GÓRNIAK, 2006;

CHEINQUER, COELHO-BORGES e CHEINQUER, 1998; MARRONI, 1994; WEISS, 1988).

Interferons tipo I são uma classe de citocinas que incluem uma família de cerca de 25

interferons-α, assim como interferon-β e interferon-ω. Embora sejam derivados do mesmo gene,

existem muitas diferenças na sequência primária dessas moléculas, o que resulta em divergências

em suas funções biológicas (BLATT et al., 1996).

Os interferons tipo I são induzidos por vírus e produzidos por diversas células. Suas ações

principais são: inibição da replicação viral, inibição da proliferação celular, ativação das células

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natural killer, aumento da expressão de complexo principal de histocompatibilidade (MHC)

classe I (TIZARD, 2002). A indução de produção desses IFNs normalmente ocorre frente à

exposição a vírus de RNA dupla-fita (como da família Reoviridae e Birnaviridae, por exemplo),

polipeptídeos e citocinas (JONASCH e HALUSKA, 2001).

O IFN-α pode ser classificado em tipos 2a e 2b, diferindo apenas nas suas sequências

moleculares em um único aminoácido na posição 23 (JONASCH e HALUSKA, 2001).

O interferon-γ é uma citocina que regula resposta inflamatória. Ele é produzido por

linfócitos T (T helper e T citotóxicos), sua atividade é potencializada pelas interleucinas 2 e 12. É

o principal ativador de macrófagos, aumenta a expressão das moléculas do MHC classes I e II,

atua na diferenciação de linfócitos T e B e ativa células natural killer (TIZARD, 2002). O IFN-γ

é produzido devido a uma série de estímulos imunológicos, como enterotoxina estafilocócica A e

a combinação de fitohemaglutinina (PHA) e ésteres de forbol (PMA) (JONASCH e HALUSKA,

2001). O IFN-γ, contudo, não é comercializado (COSTA e GÓRNIAK, 2006).

Em função de todos esses efeitos, foi dirigida considerável atenção para a possibilidade do

desenvolvimento de drogas capazes de induzir a produção de interferon ou de utilizar interferon

exógeno para prevenir ou tratar as doenças por vírus (HUBER, 1992).

Antigamente, depois da descoberta do IFN, utilizavam-se preparações cruas que continham

menos que 1% de IFN por peso. Por volta de 1978, conseguiu-se purificar de soro humano e

obter quantidades suficientes de IFN capazes de permitir a caracterização química e física desse

grupo de substâncias (JONASCH e HALUSKA, 2001).

Mais recentemente, os avanços nas áreas da engenharia genética e da biologia molecular

possibilitaram sua síntese em laboratório, através da técnica de DNA recombinante. Com esse

advento, tornou-se possível a clonagem de genes humanos e a produção de grandes quantidades

de material altamente purificado para investigação clínica (CHEINQUER, COELHO-BORGES e

CHEINQUER, 1998; MARRONI, 1994). Inicialmente foi clonado IFN-β por Taniguchi, Fujii-

Kuriyama e Muramatsu, em 1980, e depois, IFN-α pelas equipes de Weissman e Goeddel

(FELDMAN, 2008).

Sabe-se que os genes responsáveis pela mensagem para síntese de interferons alfa e beta

residem no braço curto do cromossomo 9, enquanto os genes responsáveis pela mensagem para a

síntese de seus receptores se encontram no cromossomo 21. O gene para síntese do interferon

gama está localizado no cromossomo 12 (MARRONI, 1994).

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O interferon α-2a recombinante humano, tema de investigação do presente trabalho, é

manufaturado por tecnologia de DNA recombinante que utiliza uma bactéria (Escherichia coli)

modificada geneticamente que contém DNA que codifica para essa proteína humana. O

interferon recombinante alfa-2a é uma proteína altamente purificada que contém 165

aminoácidos e tem a massa molecular aproximado de 19.000 Da. A produção é efetuada em um

meio nutriente contendo hidrocloridrato de tetraciclina. Contudo, a presença do antibiótico não é

detectável no produto final, de acordo com o fabricante (ROFERON-A, 2008).

2. 2 Mecanismo de ação e cinética

2.2.1 Mecanismo de ação

O grupo das citocinas, no qual faz parte o interferon, é constituído por hormônios, proteínas

e peptídeos, que, em geral, são liberados das células após ativação (ou estimulação) celular.

Embora os efeitos nas células-alvo sejam similares, as citocinas apresentam diferenças com

relação aos seus mediadores celulares (TIZARD, 2002).

As citocinas ativam as células através da ligação de moléculas sinalizadoras a receptores

presentes na membrana celular das células-alvo. O complexo molécula sinalizadora-receptor é

internalizado ou conectado ao metabolismo celular intermediário através de sistemas envolvendo

segundos mensageiros (como a adenilciclase) (TIZARD, 2002).

Muitos receptores para citocinas são compartilhados entre diferentes membros desse grupo,

o que explica muitas vezes a semelhança de efeitos entre elas (TIZARD, 2002).

Com relação ao seu mecanismo de ação, as citocinas promovem a ativação ou inibição de

uma série de respostas biológicas, uma vez que uma molécula de um único tipo de citocina pode

agir sobre vários grupos de populações celulares, como exemplo. No entanto, elas costumam

atuar em conjunto (TIZARD, 2002).

Dessa forma, os interferons ligam-se a receptores específicos nas membranas celulares.

Seus efeitos estão relacionados à indução de enzimas, supressão da proliferação celular, inibição

da proliferação viral, intensificação da atividade fagocítica dos macrófagos e aumento da

atividade citotóxica e antitumoral pelos linfócitos T, células natural killer, macrófagos e outras

células envolvidas na citotoxicidade celular mediada por anticorpos. A citotoxicidade realizada

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pela célula natural killer é importante na resistência a infecções virais e tumores (STEDMAN,

2003; WEISS, 1988; HOOKS, DETRICK-HOOKS e LEVINSON, 1982). Em função disso, o

interferon é considerado uma parte importante do mecanismo de defesa natural e é reconhecido

como potente inibidor da replicação viral em cultivos celulares (HUBER, 1992; WEISS, 1988).

Os interferons têm de se ligar a receptores específicos, existentes na superfície de uma

grande variedade de células, para iniciar sua ação. Uma vez ligado ao seu receptor, o interferon é

transportado ao interior da célula por endocitose, induzindo a transcrição de RNA mensageiro

(RNAm) para a síntese das múltiplas proteínas que irão mediar seus efeitos (CHEINQUER,

COELHO-BORGES e CHEINQUER, 1998).

Tanto na célula normal como na neoplásica, os IFNs se ligam a receptores específicos, os

quais enviam sinais regulatórios ao núcleo, modulando a síntese protéica. A ação desencadeada

pode ser de caráter inibitório ou estimulante, e tem sido demonstrado que aproximadamente 100

de 1000 proteínas celulares são modificadas na presença de interferon alfa como, por exemplo, o

aumento na expressão de antígenos leucocitários humanos (HLA em humanos = MHC) classe I.

Além disto, os IFNs têm sido associados à modulação de antígenos de superfície em vários

tumores murinos e humanos em cultura (MARRONI, 1994).

A imunomodulação por IFNs parece seguir um modelo de reação bimodal à dosagem.

Dependendo da dosagem e do período de administração, os IFNs podem tanto estimular como

inibir funções imunológicas (MARRONI, 1994).

Outros efeitos induzidos pelo interferon são a inibição da atividade viral, efeito

antiproliferativo a um grande número de células neoplásicas, transformação e diferenciação

celular, modulação do metabolismo lipídico, inibição da angiogênese, regulação da expressão de

antígenos do MHC classes I e II e de receptores Fc para imunoglobulinas, aumento da

citotoxicidade das células T e das células natural killer (NK), além de outras funções

imunomodulatórias (MARRONI, 1994).

Os interferons atuam induzindo, nos ribossomos das células do hospedeiro, a produção de

enzimas que inibem a tradução do RNA mensageiro (mRNA) viral em proteínas virais. Além

disso, o interferon estimula a atividade citotóxica e fagocítica de macrófagos (COSTA e

GÓRNIAK, 2006)

Interferon suprime o crescimento de células normais e malignas in vitro e in vivo, altera o

estado de diferenciação celular, interfere com a expressão oncogênica e modifica a expressão

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antigênica de membrana de superfícies celulares, promovendo uma melhora na resposta imune

(WEISS, 1988; LEIKIN e PALOUCEK, 2007).

Todos os IFNs tipo I dividem um padrão comum de efeitos biológicos que iniciam com a

ligação do IFN a receptores na superfície celular. Após essa união, segue-se a ativação de tirosina

quinases, incluindo Janus tirosina quinases e proteínas STAT, que levam à produção de vários

produtos de genes estimulados por IFN. Esses produtos são responsáveis pelos efeitos biológicos

dos IFNs tipo I, que incluem efeitos antivirais, antiproliferativos e imunomodulatórios, indução

de citocinas e regulação de HLA classe I e classe II (BLATT et al., 1996).

Exemplos de produtos obtidos através da estimulação de IFN são a enzima 2’-5’

oligoadenilato sintetase (2-5 OAS), β2-microglobulina, neopterina, p68 quinases e proteína Mx

(BLATT et al., 1996). A principal proteína induzida pelos interferons é a 2’-5’ OAS, cuja função

é ativar uma enzima conhecida como ribonuclease L (RNase L), que tem a capacidade de inativar

o RNA viral (CHEINQUER, COELHO-BORGES e CHEINQUER, 1998; TIZARD, 2002;

BLOOD e STUDDERT, 2002).

Com relação ao efeito antiviral, o interferon alfa age em diversas etapas do ciclo de

replicação viral. Além de dificultar a entrada de vírus adicionais na célula, provoca uma

diminuição da síntese protéica viral e impede a montagem de novos vírus a partir das células

infectadas, por inibição da tradução do mRNA. O nível de indução da 2’-5’ OAS correlaciona-se

com a magnitude do efeito antiviral, razão pela qual têm sido pesquisadas substâncias capazes de

potencializar a ação do interferon através do aumento da produção desta enzima. Estudos

preliminares sugerem que o uso de anti-inflamatórios não-esteróides (AINES), através de seu

efeito de inibição de prostaglandinas, pode induzir uma maior síntese de 2’-5’ OAS

(CHEINQUER, COELHO-BORGES e CHEINQUER, 1998).

Com relação ao efeito imunomodulador, o interferon-alfa apresenta diversas ações sobre o

sistema imunológico, destacando-se dentre os principais a indução da expressão de antígenos

HLA classe I na membrana celular e o aumento na produção de várias citocinas (interleucina 1 e

2, fator de necrose tumoral, dentre outros). Além disso, ocorre um aumento na atividade dos

macrófagos, das células natural killer e dos linfócitos T citotóxicos. O resultado final deste efeito

imunomodulador é importante para o clareamento viral, pois, ao mesmo tempo em que auxilia a

célula a apresentar melhor os antígenos virais, promove uma ativação generalizada do sistema

imunológico no sentido de erradicar a infecção. Não obstante, algumas vezes o efeito

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imunomodulador pode ser também prejudicial, na medida em que favorece o surgimento de

doenças autoimunes em seres humanos (CHEINQUER, COELHO-BORGES e CHEINQUER,

1998).

O interferon é classificado como imunomodulador, ou seja, um fármaco que atua

moderando a resposta imunológica contra os vírus, ou que utiliza mecanismo imune para atingir

os mesmos (RANG et al., 2004).

Interferon pode ser produzido em quantidades normais durante a fase aguda de doenças

inflamatórias e pode modificar a quantidade e intensidade da resposta imune de maneira

apropriada. Contudo, a produção em excesso de interferon pode também contribuir para reações

imunológicas aberrantes, característica de doenças imunologicamente mediadas. Algumas das

anormalidades dessas doenças, como hipergamaglobulinemia, produção de autoanticorpos,

complexos imunes circulantes, e ativação policlonal de linfócitos B pode, ao menos em parte, ser

propagada por interferon circulante. Além disso, interferon pode ter participação na patogênese

de algumas doenças. Em um estudo com camundongos e ratos recém-nascidos que receberam

inoculação de interferon, alguns desses animais apresentaram glomerulonefrite por

imunocomplexos, progressiva e letal. Em outro estudo em que camundongos foram infectados

experimentalmente após seu nascimento com o vírus da coriomeningite linfocítica, alguns

animais que sobreviveram desenvolveram glomerulonefrite bem mais tarde. A administração de

anticorpos contra interferon inibiu essa alteração, indicando que alguns dos efeitos deletérios do

vírus da coriomeningite linfocítica eram, na verdade, causados por interferon que fora produzido

em resposta à infecção viral (HOOKS, DETRICK-HOOKS e LEVINSON, 1982).

Lúpus eritematoso sistêmico em camundongos pretos da Nova Zelândia pode ser acelerado

pela administração de interferon. Esses estudos em animais suportam a idéia que interferon pode

contribuir para algumas manifestações de lúpus eritematoso sistêmico em seres humanos

(HOOKS, DETRICK-HOOKS e LEVINSON, 1982).

Outro efeito do interferon é visto em reações de hipersensibilidade imediata (alérgicas). Em

estudos realizados, pode-se observar que interferon pode aumentar a movimentação de basófilos

para o local da infecção ou o local da estimulação antigênica. A interação de antígenos ou

alérgenos com imunoglobulina E fixada em basófilos na presença de interferon resultou em

aumento da liberação de mediadores farmacológicos de anafilaxia, como a histamina. Esses

estudos indicam que interferon produzido em resposta a vírus ou antígenos pode estar envolvido

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na patogênese de reações alérgicas, como a asma (HOOKS, DETRICK-HOOKS e LEVINSON,

1982).

Além da estimulação de células natural killer, IFNs tipo I são conhecidos por estimular

profundamente a produção de citocinas, como interleucina 1β (IL-1 β), IL-1ra e o antagonista do

receptor de IL-1, possivelmente afetando a resposta inflamatória (BLATT et al., 1996).

2.2.2 Farmacocinética

O IFN α-2a é filtrado e absorvido nos túbulos renais, e o volume de distribuição (V0) é de

0,223-0,748 L/kg (média de 0,400 L/kg). A biotransformação do interferon α-2a recombinante

humano é consistente com os interferons α em geral. O metabolismo é primariamente renal,

filtrado através dos glomérulos e depois ocorre rápida degradação proteolítica durante a

reabsorção tubular. Metabolismo hepático e excreção biliar são considerados como uma via de

eliminação que ocorre em pequena porcentagem (LEIKIN e PALOUCEK, 2007).

A absorção subcutânea do IFN-α e do IFN-γ é maior que 80%, enquanto que a absorção por

via intramuscular situa-se entre 30 e 70%. A biodisponibilidade do IFN-α é de 83% por via IM e

90% por via SC. Essas rotas de administração resultam em uma fase de distribuição prolongada,

com concentrações máximas de soro ou plasma ocorrendo depois de 1 a 8 horas, seguida de

concentrações mensuráveis por 4 a 24 horas depois da injeção de IFN-α. Administração

intravenosa de IFN-α ou IFN-β resulta em decréscimo biexponencial na concentração sérica,

enquanto que os níveis de IFN-γ diminuem monoexponencialmente. A meia-vida de eliminação

do IFN-α após uso intravenoso é de torno de 4 a 16 horas; 1 a 2 horas para o IFN-β e 25 a 35

minutos para o IFN-γ. Depois de aplicação intramuscular, os níveis de IFN-β apresentam pico

entre 3 e 15 horas, e uma meia-vida de eliminação de 10 horas. Os picos de IFN-α encontrados no

soro de pacientes humanos, após administração IM ou SC é de aproximadamente 6 a 8 horas

(LEIKIN e PALOUCEK, 2007; JONASCH e HALUSKA, 2001; WILLIS, 1990).

Em pessoas saudáveis, o interferon recombinante exibe clearance corporal total de 2,14 a

3,62 mL/min/kg (média de 2,79 mL/min/kg) depois de infusão intravenosa de 36 x 106 UI/kg. A

farmacocinética do interferon recombinante depois de doses únicas intramusculares para

pacientes com câncer disseminado foi similar à encontrada em voluntários saudáveis. Múltiplas

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doses intramusculares de interferon resultaram em acúmulo de duas a quatro vezes as

concentrações séricas das doses únicas (ROFERON-A, 2008).

O interferon se distribui por todo o organismo e é detectado no cérebro e líquido

cefalorraquidiano (COSTA e GÓRNIAK, 2006). Ele tem sido identificado em lavados de faringe,

saliva e lavados nasais de humanos, em lavados e secreções nasais de bovinos e em lavados

nasais de gatos. A maioria dos relatos cita títulos de interferon na cavidade nasal de mais de 100

unidades/mL, mesmo que diferentes ensaios, culturas celulares e agentes virais tenham sido

empregados (BEILHARZ, 2000; CUMMINS, BEILHARZ e KRAKOWKA, 1999).

Para alguns autores, o interferon é espécie-específico, ou seja, quando ele é produzido por

células de uma espécie, somente impede a multiplicação de vírus que infectam células dessa

(COSTA e GÓRNIAK, 2006). No entanto, segundo Hartmann (2006), os interferons não são

espécie-específicos. Para Andrade (2002), o interferon também apresenta bons efeitos em

espécies diferentes, tendendo a ser mais ativo na espécie em que foi sintetizado.

De acordo com Weiss (1988), alguns tipos de IFN têm demonstrado eficácia em células

heterólogas in vitro. Em vários estudos, interferon-α humano inibe o crescimento de FeLV em

cultivos de células felinas. A justificativa para o tratamento com IFN nos casos de FeLV são os

recentes achados de que a produção de IFN-γ é suprimida em células felinas saudáveis expostas a

uma cepa de FeLV inativada. Dessa forma, acredita-se que a inibição dessa citocina in vivo possa

contribuir para a função imune alterada em gatos infectados com FeLV. Em função do interferon

participar da resposta inicial das células contra um insulto viral, é sugerido que uma depressão ou

diminuição da atividade de IFN iria prejudicar potencialmente a resposta a doenças virais

(GARNER, 1982).

Segundo Pedretti et al. (2006), existem vários estudos envolvendo o uso de interferon-α

oral em humanos, vacas, porcos, cavalos e pequenos animais. Através disso, conseguem afirmar

que existe alta reatividade inter-espécies, ou seja, o interferon derivado de células de uma espécie

pode apresentar efeito in vitro e in vivo em células de outras espécies.

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20

2.2.3 Vias de Administração - Controvérsias

A forma mais tradicional de utilização de interferon é através da administração por via

parenteral (intravenosa, intramuscular, subcutânea, intranasal, intratecal, intralesional ou

oftálmica) no homem, podendo ser necessárias várias semanas de tratamento para que se possa

observar uma resposta clínica (STEDMAN, 2003).

Embora várias rotas de administração parenteral sejam usadas para a utilização de IFNs, em

geral, a via oral não foi usada por muito tempo pela não absorção em quantidades significativas

em sua forma original. Contudo, atualmente, existe uma série de estudos que apontam que a

administração oral de baixas doses de IFN em pacientes com doenças infecciosas e neoplasias

tem demonstrado exibir atividade antiviral e antitumoral dose-dependente. Em humanos, existe

uma grande expectativa na utilização de IFN por via oral no tratamento de hepatite viral crônica

(TOVEY, 2002).

Algumas vantagens encontradas para a utilização por essa via é a facilidade de

administração e a maior adesão dos pacientes ao tratamento, tanto seres humanos, quanto

animais, além da ausência de efeitos adversos no uso de altas doses, como o desenvolvimento de

mielossupressão, por exemplo (TOVEY, 2002). Em adição, de acordo com Hartmann (2006), o

uso repetido de IFN pela forma parenteral pode estimular a produção de anticorpos, o que o torna

ineficiente, deixando o paciente refratário ao efeito da droga. No entanto, para alguns autores, a

administração oral de IFNs para humanos não é prática em função da degradação proteolítica

(JONASCH e HALUSKA, 2001).

As diferenças de metabolização entre as vias e as doses utilizadas têm sido tema de

diversos estudos e experimentos. A dose e a via de administração também podem influenciar na

ação imunomodulatória específica do interferon in vivo (WEISS, 1988).

Em camundongos, a administração oral de IFN-α e IFN–β tem mostrado inibir a replicação

de alguns tipos de vírus, como vírus da encefalomiocardite, vírus da estomatite vesicular, vírus da

varicela Zoster, dentre outros (TOVEY, 2002).

Schafer et al. (1972) realizaram um dos mais antigos relatos sobre a utilização por via oral

do interferon. Após a injeção de um indutor de interferon em camundongos fêmeas gestantes, foi

verificada a presença de interferon no leite dessas, sendo que seus filhotes recém-nascidos

apresentaram uma taxa de sobrevida maior frente a exposição a um vírus letal. Nesse

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experimento, não foi utilizado um grupo controle, o que impede a comprovação da eficácia por

essa via. Esse estudo é considerado o primeiro relato de que baixas doses de interferon, oralmente

administradas, poderiam ter uma ação biológica in vivo.

Alguns estudos apontam que o uso oral de baixas doses de IFN-α, β ou γ exibem efeitos

sistêmicos em ratos, gatos, cães, vacas, cavalos, porcos, camundongos e cobaias. Outros estudos

relatam benefícios encontrados na utilização de baixas doses em pacientes humanos com AIDS,

esclerose múltipla, hepatite B, doenças neuromusculares, dentre outras patologias. Tem-se

observado que a dose para humanos é necessariamente maior que a utilizada para animais

(CUMMINS, BEILHARZ e KRAKOWKA, 1999).

Rollwagen e Baqar (1996) comentam que a administração oral de citocinas pode ser

utilizada para direcionar a substância em questão para a mucosa intestinal onde essa pode ter um

efeito local mais potente. A inativação por ácido gástrico e a digestão proteolítica pode não afetar

todas as moléculas de maneira igual. Sugere-se, ainda, que a administração oral de certas

citocinas (como o interferon) pode ser segura e efetiva, além de evitar as consequências deletérias

do uso sistêmico.

Cummins, Beilharz e Krakowka (1999) citam que, no caso da dose de interferon para

animais, quantidades menores têm demonstrado maior eficácia que maiores. Na opinião desses

autores, aparentemente, as doses de IFN que se aproximam da concentração de IFN que pode ser

induzida naturalmente na região nasal são as que apresentam maiores efeitos benéficos. Em um

estudo com cavalos que apresentavam doença inflamatória do trato respiratório, a administração

de 50 UI de IFN-α humano por via oral foi mais benéfica que 450 UI dessa substância.

No entanto, Rollwagen e Baqar (1996) citam que existem vários estudos que demonstram

maior eficácia com uma dose maior de interferon administrada por via oral, embora outras

pesquisas apontem que baixas doses sejam adequadas em diferentes modelos animais.

Cummins, Krakowka e Thompson (2005) sugerem que baixas doses de IFN-α humano não

podem exercer efeito antiviral direto in vivo, em função da digestão proteolítica no trato

gastrointestinal. Acredita-se que o efeito que exerce sobre a resposta imune ocorra principalmente

pela modulação de algumas citocinas importantes, como a IL-1 (interleucina 1), IL-5, IL-6, IL-8

e fator estimulante de colônia de granulócitos e macrófagos (GM-CSF). Segundo Tovey (2002), o

uso oral de IFNs que mostra maiores benefícios clínicos tem sido obtido com altas doses dessas

citocinas, assim como ocorre na administração parenteral.

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O mecanismo de ação da administração de interferon por via oral seria através da ativação

de populações celulares específicas na cavidade oral e posterior migração para o local de

replicação viral. Depois, quimocinas produzidas no tecido linfóide da cavidade oral entrariam na

circulação periférica e redirecionariam linfócitos ativados para eliminar as células infectadas por

vírus (TOVEY, 2002).

Em um estudo com camundongos expostos ao vírus da encefalomiocardite, observou-se

uma maior taxa de sobrevivência no grupo de camundongos tratados uma vez ao dia durante 4

dias com 1 x 105 UI de IFN-α (cerca de 100%) por via oral, que no grupo tratado com 2 UI (cerca

de 20%) (TOVEY, 2002).

Schellekens et al. (2001) relatam que a terapia oral de IFN apresentou eficiência equiparada

à via parenteral em animais infectados com uma baixa carga viral e expostos a vírus que

afetavam sistemicamente e de forma aguda e letal, enquanto que mostrou-se praticamente

ineficiente em animais infectados com uma alta carga viral. Também perceberam que, ao

contrário da terapia parenteral, o uso oral foi ineficiente quando administrado anteriormente (ou

seja, de forma profilática) à infecção viral experimental. Contudo, Tovey (2002) afirma que a

terapia oral tem mostrado eficiência equiparada ou até maior que a administração de vias

parenterais (intravenosa, intramuscular e subcutânea).

A relação entre dose e resposta biológica parece variar entre os tipos de patologias. Tem-se

investigado marcadores biológicos que possam definir melhor essa relação do IFN e que possam

confirmar a estimulação imunológica dessa citocina. Alguns desses marcadores são a enzima 2’-

5’ oligoadenilato sintetase (2-5 OAS), que é induzida por IFN-α e IFN-γ e está envolvida na

degradação do RNA viral pelos IFNs; neopterina, uma pteridina encontrada em culturas celulares

de linfócitos T estimulados e que se acredita que seus níveis séricos e na urina estão

correlacionados com as doses terapêuticas de IFN em pacientes tratados com leucemia de células

cabeludas; e β2 microglobulina (JONASCH e HALUSKA, 2001).

A administração oral de IFN-α recombinante, em algumas pesquisas, demonstra ausência

de níveis séricos detectáveis de IFN ativo biologicamente, mesmo que em grandes quantidades e

radiomarcados. Seguindo a mesma linha de resultados, outros estudos apontam nenhuma

alteração nos níveis da 2’-5’ OAS ou na expressão de MHC classe I em células mononucleares

no sangue periférico ou em linfócitos no baço de animais tratados com altas doses de IFN-α

administradas pela via oral. No entanto, o tratamento com baixas doses pela via intraperitoneal

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apresentou aumento marcante na atividade da 2’-5’ OAS e na expressão de MHC classe I

(MERITET et al., 1999).

Em comum às vias parenteral e oral, observa-se que o tratamento com interferon depende

de fatores fisiológicos, como a presença de receptores funcionais com alta afinidade (TOVEY,

2002).

2.3 Uso em humanos

2.3.1 Indicações terapêuticas

Em humanos, o interferon α é utilizado no tratamento das hepatites B e C crônicas,

leucemia de células cabeludas, leucemia mielógena crônica com cromossomo Philadelphia

positivo, sarcoma de Kaposi relacionado à AIDS, melanoma maligno, condiloma

acuminado/papilomatose respiratória recorrente por papilomavírus humano, sendo seu uso clínico

aprovado pela FDA (STEDMAN, 2003; LEIKIN e PALOUCEK, 2007; JONASCH e

HALUSKA, 2001). Mais especificamente, o interferon α-2a recombinante humano é aprovado

para uso em casos de hepatite C, leucemia mielógena crônica, sarcoma de Kaposi e leucemia de

células cabeludas (FDA, 2009).

Em estudo ainda, interferon α-2a pode ser utilizado como terapia adjuvante em casos de

melanoma maligno, trombocitopenia relacionada à AIDS, ulcerações cutâneas em doença de

Behûlet, tumores cerebrais, tumores carcinóides metastáticos no íleo, tumores cervicais e

colorretais, papiloma genital, crioglobulinemia mista idiopática, hemangioma, hepatite D,

carcinoma hepatocelular, síndrome eosinofílica idiopática, micose fungóide, síndrome de Sézary,

linfoma maligno não-Hodgkin de baixo grau, degeneração macular, mieloma múltiplo, carcinoma

renal celular, câncer de pele basal e escamoso, trombocitemia essencial e linfoma cutâneo de

células T (LEIKIN e PALOUCEK, 2007).

Altas doses de interferon α humano aplicada de forma parenteral têm causado regressão de

alguns tipos de neoplasias humanas, como tricoleucemia ou leucemia de células cabeludas (hairy-

cell leukemia), linfoma cutâneo de células T, leucemia mielógena crônica, sarcoma de Kaposi,

carcinoma de células escamosas da cérvice do útero, carcinoma celular renal, mieloma múltiplo,

câncer torácico, melanoma maligno, dentre outros (CUMMINS e PRUITT, 1999).

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Também são obtidos bons resultados com sua utilização no tratamento do papiloma juvenil

da laringe, afecções do aparelho respiratório, herpes (Zoster e simples), hepatite crônica por vírus

B e em alguns tipos de câncer (mieloma, carcinoma de mama, osteossarcoma, carcinoma de

bexiga e pele) (COSTA e GÓRNIAK, 2006). O tratamento com interferon tem demonstrado

eficácia em muitas infecções virais, incluindo as causadas por vírus da influenza, rinovírus,

herpesvírus e vírus do papiloma (PAPICH, HEIT e RIVIERE, 2003).

Nas hepatites crônicas humanas de etiologia viral, de acordo com seu mecanismo de ação,

destacam-se dois efeitos principais do interferon alfa que justificam seu uso: o efeito antiviral,

mais importante no tratamento da hepatite C, e o efeito imunomodulador, mais importante no

tratamento da hepatite B (CHEINQUER, COELHO-BORGES e CHEINQUER, 1998).

O objetivo principal do tratamento da hepatite crônica B é a supressão permanente da

replicação viral, com subsequentes remissões clínica, laboratorial e histológica da doença

hepática subjacente. Esta meta tem sido demonstrada pelo desaparecimento dos marcadores de

replicação viral, representados pela proteína precursora do antígeno “e” do vírus da hepatite B

(HBeAg), DNA do vírus medido por hibridização, e antígeno do “core” desse (HBcAg) no tecido

hepático (por imuno-histoquímica) (CHEINQUER, COELHO-BORGES e CHEINQUER, 1998).

A eliminação completa do vírus da hepatite B (VHB), evidenciada pela perda do antígeno

de superfície (HBsAg) com surgimento de anticorpos (anti-HBs), é um objetivo desejável, porém

mais difícil de ser alcançado. No entanto, estudos com seguimento a longo prazo após o término

do tratamento têm demonstrado que após a perda da replicação viral ocorre uma perda

progressiva do HBsAg, podendo alcançar taxas superiores a 65% em aproximadamente cinco

anos (CHEINQUER, COELHO-BORGES e CHEINQUER, 1998).

Estudos têm demonstrado que interferon α-2a recombinante humano pode normalizar a

enzima alanina aminotransferase (ALT) sérica, aumentar a estrutura histológica hepática e

reduzir a carga viral em pacientes com hepatite C crônica. Outros estudos apontam que ele pode

produzir importante regressão clínica tumoral ou estabilização da doença em pacientes com

leucemia de células cabeludas. Em leucemia mielógena crônica Ph-positiva, interferon α-2a

recombinante utilizado com agentes antineoplásicos intermitentes tem demonstrado

prolongamento do tempo de vida e atraso na evolução da doença quando comparado com

pacientes tratados somente com agentes anti-cancerígenos. Adicionalmente, ele tem demonstrado

produzir respostas citogenéticas completas em um pequeno subconjunto de pacientes com

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leucemia mielógena crônica (LMC) em fase crônica (CHEINQUER, COELHO-BORGES e

CHEINQUER, 1998).

O interferon gama apresenta menor atividade antiviral que os demais interferons,

mostrando-se ineficaz para o tratamento das hepatites crônicas virais, enquanto que o interferon

beta parece possuir boa atividade viral, porém está ainda em fase de estudos (CHEINQUER,

COELHO-BORGES e CHEINQUER, 1998).

2.3.2 Efeitos adversos

Um dos grandes problemas da administração de altas doses do interferon por via parenteral

é o aparecimento esporádico de efeitos adversos, além da formação de anticorpos (em seres

humanos). Alguns dos sinais de toxicidade mais citados são febre, mialgia, anorexia, suor frio,

falta de apetite e indisposição, sintomas semelhantes a uma gripe. Também tem sido relatado o

desenvolvimento de lesões de necrose nos locais de aplicação (CUMMINS e PRUITT, 1999). A

severidade dos efeitos adversos é dose dependente e reversível (ARNAUD, 2002; JONASCH e

HALUSKA, 2001; WILLIS, 1990)

Alguns autores elaboraram classificações para essas reações adversas. Cheinquer, Coelho-

Borges e Cheinquer (1998), separaram os efeitos adversos do IFN-α em precoces e tardios, de

acordo com o período de surgimento. Os efeitos precoces são aqueles que iniciam nos primeiros

dias de tratamento, cerca de 4 a 8 horas após cada injeção de IFN, podendo durar até 12 horas.

Ocorrem em praticamente todos os pacientes tratados, sendo definidos como uma síndrome do

tipo gripal, que engloba febre, calafrios, cefaléia, náuseas, mialgias, artralgias e fadiga (em 70 a

100% dos pacientes). Menos frequentemente são descritos anorexia (em 40 a 70% dos pacientes),

cólicas abdominais, diarréia, dificuldade de concentração, irritabilidade e insônia. Os efeitos são

maiores nas primeiras aplicações, tendendo a diminuir ou desaparecer a partir da terceira

aplicação. Seu surgimento pode ser bloqueado por uso prévio de acetaminofeno ou anti-

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inflamatórios não-esteróides, sendo que alguns pacientes preferem a administração parenteral de

interferon à noite para que os efeitos indesejáveis incidam no período do sono e passem

despercebidos (CHEINQUER, COELHO-BORGES e CHEINQUER, 1998; WALLER,

RENWICK e HILLIER, 2001; LEIKIN e PALOUCEK, 2007; STEDMAN, 2003).

Com tratamento prolongado e ininterrupto, a tolerância a esses sintomas pode ser

desenvolvida. No entanto, quando a terapia com IFN é interrompida e retomada após alguns dias

(como é preconizado em alguns métodos de tratamento), os tremores e calafrios reaparecem.

Neutropenia e o aumento das transaminases são achados laboratoriais encontrados após os

primeiros dias de tratamento, mas podem ser controlados através do ajuste da dose de IFN. Eles

resolvem-se rapidamente após a interrupção da terapia. Contudo, se o aumento nos níveis de

transaminases hepáticas não for tratado, pode resultar em hepatotoxicidade (JONASCH e

HALUSKA, 2001).

Ainda não está claro qual seria a exata etiologia da fadiga, mas suspeita-se que estejam

envolvidos componentes neuromusculares e psicológicos. A fadiga crônica geralmente piora com

a terapia com IFN, está relacionada com a dose e não responde com o uso de esteróides ou drogas

anti-inflamatórias (JONASCH e HALUSKA, 2001).

Já os efeitos tardios seriam aqueles que iniciam a partir da segunda semana de tratamento,

sendo menos frequentes que os efeitos precoces. Podem ser potencialmente graves. Na grande

maioria dos casos, uma vez interrompido o tratamento, estes efeitos são completamente

reversíveis. Eles são semelhantes aos precoces, mas podem prolongar-se por até

aproximadamente 2 meses após a suspensão do interferon. Como exemplo de efeitos tardios,

podem-se citar quadros de convulsão, insuficiência cardíaca e insuficiência renal (CHEINQUER,

COELHO-BORGES e CHEINQUER, 1998).

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Os efeitos hematológicos decorrem da ação mielossupressora do interferon, refletindo-se

em uma diminuição de 25 a 50% na contagem de leucócitos e plaquetas, porém raramente dos

eritrócitos. Estes parâmetros devem ser seguidos, no mínimo, mensalmente. Como regra geral,

deve-se interromper o tratamento se os neutrófilos estiverem abaixo de 750/mm3 e/ou as

plaquetas abaixo de 50.000/mm3. Pode ocorrer mielossupressão com tratamento prolongado

(STEDMAN, 2003; ROFERON-A, 2008).

A leucopenia induzida pelo interferon possibilita um risco aumentado de infecções

bacterianas, sendo as mais frequentes: sinusites, bronquites e infecções do trato urinário. Mais

raramente têm sido descritas infecções graves, como abscessos pulmonares ou peritonite,

minimizadas pela detecção precoce e pronta instituição de antimicrobianoterapia adequada

(ROFERON-A, 2008).

Podem desenvolver-se efeitos autoimunes. Cerca de 1-2% dos pacientes tratados com

interferon podem desenvolver algum tipo de manifestação autoimune, destacando-se tireoidite,

vasculite, púrpura trombocitopênica, vitiligo, psoríase, entre outras. O simples surgimento de

autoanticorpos não indica a suspensão do tratamento, porém o aparecimento da doença

autoimune, sim. Interferon induz a formação de anticorpos neutralizantes em aproximadamente

10 a 20% dos pacientes tratados (ARNAUD, 2002). Anticorpos contra interferon de leucócitos

humanos podem aparecer espontaneamente em certas condições clínicas (câncer, lúpus

eritematoso sistêmico, herpes Zoster) em pacientes que receberam interferon exógeno

(ROFERON-A, 2008).

Leikin e Paloucek (2007) classificaram os efeitos adversos do tratamento com IFN α-2a

recombinante por sistemas orgânicos envolvidos. Com relação ao sistema nervoso central (SNC),

pode ocorrer fadiga, mal-estar, desmaio, depressão, confusão, neuropatia sensorial, efeitos

psiquiátricos, dor de cabeça, visão embaçada, tremores, paralisia do nervo abducente, psicose,

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febre (LEIKIN e PALOUCEK, 2007). Como efeitos neuropsiquiátricos, podem ocorrer

parestesias, tremor de extremidade e alterações do humor, variando desde graus leves de

ansiedade até depressão grave. São raros, mas têm início insidioso e costumam ocorrer em

pacientes com história prévia de alcoolismo, uso de drogas ilícitas ou tratamento psiquiátrico. O

interferon deve ser evitado em pacientes com história pregressa de tentativa de suicídio. Pode ser

necessário o uso simultâneo de antidepressivos e, até mesmo, a suspensão do tratamento

(ROFERON-A, 2008). Sinais de toxicidade do sistema nervoso central englobam confusão,

letargia, sonolência, tonturas e diminuição no estado mental dos pacientes. Já os sinais do sistema

nervoso periférico incluem torpor e zunidos (JONASCH e HALUSKA, 2001). Jonasch e Haluska

(2001) afirmam que pacientes com câncer, em geral, têm um risco maior de desenvolver

depressão, sendo que uma minoria pode tentar suicídio. Existem vários relatos de caso

envolvendo desordens de temperamento com o uso de IFN, podendo ocorrer em pacientes sem

fatores predisponentes ou uma história passada de problemas psicológicos. Em pacientes não

oncológicos, a depressão está associada com alterações em outros sistemas orgânicos, incluindo o

sistema endócrino. O mecanismo pelo qual IFN causa distúrbios psiquiátricos ainda não está

completamente esclarecido, mas alguns estudos apontam que perturbação no eixo hipotalâmico-

tireóide-adrenal, alteração na produção de dopamina e serotonina e na secreção de algumas

citocinas, como interleucina 1, estão envolvidas (JONASCH e HALUSKA, 2001).

Os efeitos cardiovasculares que podem ocorrer com o uso de IFN α-2a recombinante

englobam taquicardia, arritmias cardíacas, hipotensão, edema, dor no peito, cardiomegalia,

cardiomiopatia, angina, falha cardíaca congestiva, depressão miocardíaca, taquicardia sinusal,

acrocianose (LEIKIN e PALOUCEK, 2007).

Com relação a sinais dermatológicos, alopecia, vitiligo, urticária são relatados. Sinais

endócrinos e metabólicos incluem aumento nos níveis de ácido úrico, doença de Graves,

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disfunção na tireóide e tireoidite autoimune. Sinais gastrointestinais incluem anorexia,

xerostomia, náusea, vômito, diarreia, dor abdominal, perda de peso, mudanças no gosto, gosto

metálico. Pacientes tratados com IFN α-2a podem apresentar impotência (LEIKIN e

PALOUCEK, 2007).

Leucopenia (principalmente por neutropenia), anemia, trombocitopenia, diminuição nos

níveis de hemoglobina, hematócrito e plaquetas, proteinúria, aumento em creatinina e uréia, e

aumento de alanina aminotransferase a aspartato aminotransferase já foram relatados (LEIKIN e

PALOUCEK, 2007).

Com relação aos sistemas neuromuscular e esquelético, pode ocorrer tremores, miastenia

gravis, artralgia e miopatia. Envolvendo o sistema respiratório, citam-se como exemplos de

efeitos adversos, tosse, congestão nasal, pneumonite, pneumonia. Existe a possibilidade, ainda,

de desenvolvimento de diaforese, tireoidite subaguda, artrite psoriática, síndrome semelhante ao

lúpus eritematoso sistêmico e herpes labial (LEIKIN e PALOUCEK, 2007).

Alguns sinais e sintomas de superdosagem são agranulocitose, bloqueio átrio-ventricular,

coma, encefalopatia, granulocitopenia, hiperglicemia, impotência, leucopenia e neutropenia

(LEIKIN e PALOUCEK, 2007).

Interferons alfa, incluindo interferon alfa-2a, causa ou agrava desordens infecciosas,

isquêmicas, autoimunes, neuropsiquiátricas. Pacientes devem ser monitorados com avaliações

laboratoriais e clínicas periódicas. Pacientes com sinais de piora ou sintomas decorrentes desses

quadros de desordem devem ser liberados da terapia. Em muitos, mas não em todos, essas

desordens desaparecem após cessação da terapia com interferon alfa-2a (ROFERON-A, 2008).

Esses fatos propiciaram a novos estudos envolvendo o uso de interferon α humano em

doses mais baixas em pacientes oncológicos. Em um desses estudos, Cummins e Pruitt (1999)

relatam que em pacientes tratados com diferentes doses de interferon humano (0,05 UI, 0,5 UI ou

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5 UI/kg de peso vivo) administrado por via oral, verificou-se que uma maior porcentagem de

pessoas tratadas com interferon α recombinante humano sobreviveu por um período mais longo

do que aqueles pacientes que faziam parte do grupo controle/placebo. Também existiram

reclamações de efeitos adversos como náuseas, vômito, palpitações cardíacas e insônia, porém

com menor frequência quando comparado a estudos que envolviam a utilização de altas doses de

IFN-α recombinante (CUMMINS e PRUITT, 1999).

2.4 Uso em gatos

2.4.1 Indicações terapêuticas

Os interferons, assim como outras substâncias imunomoduladoras, servem como meios não

específicos de estimular o sistema imune como uma tentativa de restituir imunocompetência e

controlar ou tratar infecções. Algumas aplicações da imunoterapia não-específica são contra

bactérias facultativas intracelulares, vírus, agentes fúngicos e parasitas metazoários, que não são

afetados por vacinas ou outros tipos de tratamentos (HARTMANN, 2006).

Costa e Górniak (2006) relatam que o emprego deste medicamento em Medicina

Veterinária se torna bastante limitado em função dos custos de produção, que são bastante

elevados até o momento.

Segundo Ravazzollo e Costa (2007), alguns estudos têm demonstrado resultados

promissores com o uso de interferon recombinante para o tratamento de doenças virais felinas,

aumentando a sobrevida dos animais tratados. O tratamento de felinos infectados com o vírus da

imunodeficiência felina (FIV) e o vírus da leucemia felina (FeLV) por 5 dias com interferon ω

recombinante felino, pela via subcutânea, aumentou duas vezes a chance de sobrevivência desses

pacientes. No entanto, esses autores citam que ainda são necessários estudos para comprovar a

eficácia do interferon em espécie heteróloga.

Segundo Gaskell et al. (2006), tem-se sugerido que o interferon seja útil contra infecções

virais agudas, porém existem poucas evidências documentadas para seu sucesso no tratamento de

gatos.

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Na Tabela 2, estão discriminados alguns tipos de vírus em que tem sido empregado

interferon de forma experimental.

No transcorrer do presente trabalho, serão discutidos o uso e comprovação de eficácia de

interferon α-2a recombinante humano em infecções pelo vírus da imunodeficiência felina (FIV),

vírus da leucemia felina (FeLV) e vírus da peritonite infecciosa felina (VPIF), em função da alta

prevalência desses patógenos na população em questão.

Tabela 2. Uso de alguns tipos de interferon e comentários.

Tipo de Infecção Eficácia Estudos Eficácia in Comentários Interferon in vitro? controlados vivo?

in vivo? IFN-α humano FIV sim não n.d. provavelmente ineficaz alta dose SC FHV-1 sim sim sim possivelmente eficaz FeLV, FIPV sim sim não ineficaz Papilomatose n.d. não n.d. possivelmente eficaz intralesionalmente IFN-α humano FeLV sim sim não ineficaz baixa dose PO FHV-1, FCV sim não n.d. provavelmente ineficaz FIV, FIPV sim não n.d. contraindicado IFN-ω felino FIV n.d. sim não ineficaz em períodos curtos

FeLV sim sim mais ou

menos provavelmente ineficaz em períodos curtos

FHV-1, FCV, FIPV

sim não n.d. possivelmente eficaz

FPV n.d. não n.d. possivelmente eficaz Papilomatose n.d. não n.d. possivelmente eficaz

n.d. (indefinido), FIV (vírus da imunodeficiência felina), FIPV (vírus da peritonite infecciosa felina), FeLV (vírus da leucemia felina), FHV-1 (vírus do herpervírus felino-1), FCV (vírus do coronavírus felino), FPV (vírus da panleucopenia felina). Fonte: adaptado de Hartmann (2006).

2.4.1.1 Imunodeficiência felina

O vírus da imunodeficiência felina (FIV) é um membro da família Retroviridae,

pertencente ao gênero lentivírus, em virtude das suas características morfológicas e bioquímicas,

como também, pela sua transcriptase reversa, tropismo celular, organização genética e

propriedades antigênicas (TEIXEIRA e SOUZA, 2003a). Este retrovírus pertence ao mesmo

gênero do vírus da imunodeficiência humana (HIV), causador da Síndrome da Imunodeficiência

Adquirida Humana (AIDS). O FIV é similar ao HIV morfologicamente e nas estruturas das

proteínas, mas difere nas propriedades antigênicas e na especificidade da espécie. O FIV é

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altamente espécie-específico, ou seja, só se replica em células felinas (TEIXEIRA e SOUZA,

2003a).

O vírus encontra-se presente na saliva, soro, plasma e líquido cefalorraquidiano de gatos

infectados, e em quantidades menores no sêmen e no leite. O modo de transmissão mais comum é

através de mordeduras ou feridas por brigas entre gatos infectados e gatos suscetíveis. A

transmissão placentária não é comum, mas pode ocorrer durante a fase aguda da infecção pelo

vírus em fêmeas prenhes. Existem trabalhos que relatam a infecção de filhotes via útero e pelo

leite infectado (infecção lactogênica) (TEIXEIRA e SOUZA, 2003a).

Algumas manifestações clínicas de gatos infectados pelo FIV são linfadenopatia,

estomatite, gengivite, lesões ulcerativas ou proliferativas na gengiva e mucosa oral, perda de

apetite, caquexia, alterações neurológicas motoras e comportamentais, tais como micção ou

defecação inapropriadas, comportamento compulsivo (lamber a si próprio diversas vezes), andar

estereotipado, demência, comportamento psicótico, como isolamento e agressividade em excesso,

dentre outros, nefropatia, uveíte, conjuntivite, enterite, diarreia persistente, anemia, e etc.

Doenças mieloproliferativas, linfoma e alguns tipos de sarcomas e carcinomas, principalmente o

carcinoma epidermóide, são neoplasias que tem grande correlação com infecção pelo FIV. Gatos

infectados com o FIV apresentam uma probabilidade de cerca de 6 vezes maior de desenvolver

linfoma ou leucemia do que gatos sadios, e se a infecção ocorrer concomitante com o FeLV, as

chances podem aumentar para 77,3 vezes. A maioria dos linfomas de gatos portadores de FIV

origina-se de linfócitos B (TEIXEIRA e SOUZA, 2003a).

É muito frequente a infecção concomitante entre FIV e FeLV, sendo que uma infecção pré-

existente pelo vírus da leucemia felina parece acentuar a replicação do FIV, propiciando a uma

maior carga do último, citopenias mais graves e depleção mais rápida das células CD4

(TEIXEIRA e SOUZA, 2003a).

Segundo Souza e Teixeira (2003a), o interferon alfa recombinante humano apresenta um

efeito antiviral em altas doses e efeito imunomodulador em baixas doses. O interferon α deve ser

administrado na dosagem de 15 a 30 UI/gato, por via oral, a cada 24 horas em semanas alternadas

(sete dias sendo administrado e sete dias não) ou diariamente, até que o animal se apresente

clinicamente normal, então o fármaco é descontinuado. Uma melhora clínica e um aumento no

apetite são observados em alguns gatos infectados tratados com esse protocolo.

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FIV é considerado um importante modelo de estudo para HIV em função da similaridade

apresentada entre esses dois vírus. Ambos se replicam em células agranulocíticas e causam

profunda imunossupressão que propicia ao desenvolvimento de infecções oportunistas

(PEDRETTI et al., 2006).

No estudo de Pedretti et al. (2006), foi observado que o uso de interferon α humano em

baixas doses por via oral (10 UI/kg) promoveu um período de sobrevivência maior e uma

melhora nas condições de vida de gatos infectados por FIV. No entanto, os autores afirmam que

as mudanças positivas no quadro clínico desses animais não ocorreram em virtude de uma

diminuição na viremia plasmática ou na carga viral nos leucócitos, mas sim a uma menor

suscetibilidade dos pacientes a adoecer por infecções oportunistas, em função do importante

papel que os interferons exercem nos mecanismos das citocinas inflamatórias.

2.4.1.2 Leucemia Viral Felina

O vírus da leucemia felina (FeLV) é um retrovírus que pertence ao gênero

Gammaretrovirus da família Retroviridae. Quando um gato é infectado por esse vírus, após

ocorrer replicação na região oronasal, ele se dissemina para o resto do organismo, ficando recluso

na medula óssea. Dentro da medula, o vírus infecta precursores de células hematopoiéticas e

tecidos linfóides. Em função disso, pode ocorrer o desenvolvimento de quadros anêmicos, além

de linfoma, leucemia e doenças imunomediadas (COLLADO et al., 2007).

Collado et al., (2007) afirmam que os sinais mais comuns envolvidos são anemia aplásica,

leucopenia e trombocitopenia, o que propicia a uma situação clínica de imunossupressão, que

resulta em caquexia e fraqueza progressiva. Por fim, as chances de esse animal vir a óbito tendem

a aumentar.

Alterações linfoproliferativas e mieloproliferativas, supressão de medula óssea ou displasia,

e algumas doenças imunomediadas podem ocorrer decorrentes de infecção por FeLV (COTTER,

1991; WEISS, 1988). A maioria dos outros problemas são infecções secundárias causadas por

bactérias, vírus, protozoários, riquétsias e fungos, em função do efeito imunossupressor do vírus

(COTTER, 1991).

FeLV é uma doença que tem preocupado veterinários, criadores e proprietários, uma vez

que um gato saudável pode ser FeLV positivo e não apresentar sintomatologia. Também existe

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uma grande gama de discussões com relação aos riscos que pode oferecer para outros gatos e

para seres humanos. No entanto, evidências de risco à saúde pública nunca foram comprovadas.

Membros da família Retroviridae caracterizam-se por serem espécie-específicos e não existem

relatos de pessoas que tenham se infectado com o vírus da FeLV ou terem desenvolvido alguma

doença depois da exposição à FeLV (COTTER, 1991; TEIXEIRA e SOUZA, 2003b).

O prognóstico do animal é um fator determinante para o seu tempo de sobrevida. Se FeLV

for primeiramente detectado quando o gato já demonstra sinais de doença, o prognóstico é

considerado reservado e dependente da causa desses sinais clínicos. Se FeLV for detectado por

um teste de rotina em um animal saudável, o prognóstico é bem melhor. A média de

sobrevivência para gatos saudáveis FeLV positivos é de aproximadamente 2 anos, com 20%

desses animais permanecendo vivos 3 anos depois do período em que foi detectada a doença e

que receberam cuidados especiais (COTTER, 1991).

Alguns autores acreditam que gatos que vivem isolados de outros animais, incluindo os da

sua espécie, têm chances maiores de não se infectarem pelo vírus e apresentarem uma vida mais

longa. Contudo, para Cotter (1991), não existe diferença significativa no aumento do período de

sobrevida de gatos FeLV positivos que foram criados e mantidos isolados de outros gatos

daqueles que são mantidos em grupo.

Embora existam várias pesquisas em busca da cura, não existe ainda um método de

tratamento que tenha demonstrado completa efetividade em eliminar o vírus. Vários agentes

antivirais quimioterápicos têm sido empregados, como a zidovudina. No entanto, a produção de

anemia não regenerativa e neutropenia, além de outros efeitos adversos relatados com a sua

utilização, tendem a agravar o quadro clínico de alguns pacientes. Além disso, Hartmann (2006)

apud Collado et al (2007) afirma que zidovudina parece ser mais efetiva em gatos que são

diagnosticados e tratados no início da infecção, além de ter uma eficácia terapêutica maior em

gatos infectados por FIV do que por FeLV.

De acordo com Cotter (1991), retrovírus têm características que fazem a infecção ser difícil

de ser tratada. Eles estão presentes no genoma de indivíduos afetados, e têm mecanismos para

escapar dos efeitos de drogas antivirais e da resposta imune do hospedeiro. Quando o ciclo de

vida do retrovírus é considerado, várias estratégias foram desenvolvidas para terapia antiviral,

que englobam alguma das fases da replicação viral. Uma dessas estratégias é a aplicação de

interferon.

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Como um método alternativo, foi proposta a utilização de interferons no tratamento de

gatos infectados por FeLV. IFN-α e IFN-ω têm mostrado eficiência em gatos positivos,

combinados com zidovudina ou administrados sozinhos (COLLADO et al., 2007).

Com bons cuidados veterinários e atenção, gatos virêmicos podem usufruir de boa

qualidade de vida por vários anos. Segundo Cotter (1991), embora a doença seja tratada de forma

rápida em casos de diagnóstico precoce, até o momento não existe nenhuma medicação que tenha

promovido o aumento de sobrevida de felinos ou que previna infecções ou outras doenças. O uso

de antibióticos de forma profilática não é recomendado, em função de causar um desequilíbrio na

flora gastrointestinal e pela indução de resistência contra microorganismos, como fungos e

bactérias. Corticosteroides não são indicados por causar imunossupressão e por existirem indícios

de que esteróides possam ativar infecção latente por FeLV. Eles podem ser usados, porém com

cautela, para o tratamento de doenças alérgicas ou autoimunes.

Interferon alfa age pelo mecanismo de interferência da liberação do vírus na célula, e inibe

a replicação in vitro do vírus da FeLV, mas aparentemente não tem efeito antiviral in vivo. A

infecção com o vírus da FeLV tem demonstrado uma diminuição na produção de interferon gama

e alfa (YASUDA, GOOD e NOORBIBI, 1987; COTTER, 1991). Interferon tem sido efetivo in

vitro ao mediar a lise de células natural killer de linfócitos B infectados. Linfócitos T infectados

por esse vírus aparentemente são mais resistentes à lise pelas células natural killer, e suspeita-se

que a atuação sobre essas células faça parte do mecanismo de ação dos IFNs contra o vírus

(WEISS, 1988). Em função do maior tropismo de FeLV, HIV e FIV por linfócitos T, alguns

autores acreditam no efeito limitado do uso de interferon em gatos ou em humanos (COTTER,

1991).

Os principais efeitos do IFN na resposta imune específica contra FeLV ainda não são

completamente entendidos. Contudo, o interferon media lise de células natural killer de linfócitos

B infectados por FeLV. Em função da replicação do FeLV em linfócitos B ser uma característica

de infecção persistente, sugere-se que a terapia com IFN seja mais eficiente em estágios pré-

leucêmicos, em infecções crônicas ou em linfomas de linfócitos B ao invés de casos de

malignidade em linfócitos T (WEISS, 1988).

Vários estudos foram desenvolvidos com o intuito de comprovar a aplicabilidade de

interferon humano e bovino em gatos infectados por FeLV com doenças neoplásicas ou

hematopoiéticas. Tompkins e Cummins (1982) administraram IFN-β bovino por via oral a quatro

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gatos que apresentavam anemia não regenerativa, e obtiveram uma resposta favorável, vista

através da redução de antígenos do vírus na circulação, melhora clínica e aumento no nível de

eritrócitos pós-tratamento. No entanto, em função do uso concomitante com antibióticos e a falta

de um grupo controle, torna-se difícil comprovar a eficácia do IFN.

Contudo, Cotter (1991) relata que gatos infectados com FeLV que foram tratados por via

oral ou parenteral com interferon alfa humano ou interferon beta bovino não apresentaram

mudanças no seu quadro virêmico ou clínico.

Em outro estudo em que houve a administração de zidovudina combinado com interferon

alfa e interleucina 2 em gatos expostos a um vírus isolado de FeLV, comprovou-se a eficácia de

zidovudina utilizada de forma isolada ou em combinação. No entanto, verificou-se que nos

grupos que foram tratados com interferon alfa e com interleucina 2 isolados, não houve diferença

significativa quando comparados com o grupo placebo (COTTER, 1991).

Kociba et al. (1995) utilizaram interferon α recombinante humano e interferon α natural

humano por via oral para o tratamento de gatos infectados experimentalmente com FeLV, porém

não houveram efeitos benéficos significativos, como diminuição da viremia, modificação no

curso da doença ou mudanças na contagem diferencial de leucócitos.

Para Weiss (1988), imunoterapia com o uso de interferon pode promover uma resposta

antitumoral adicional quando em combinação com antineoplásicos em alguns gatos com linfoma.

Essa conjunção pode permitir a diminuição na dose desses agentes anticancerígenos, evitando

uma exposição maior a sua toxicidade. Sabe-se que os antineoplásicos são mais eficientes contra

linfoma felino, mas imunoterapia poderia induzir, de certa forma, à remissão clínica de sinais em

alguns gatos.

Segundo Andrade (2002), gatos infectados por FeLV e tratados com interferon humano

tiveram melhora clínica significativa e os valores do hematócrito retornaram ao normal. No

entanto, a maioria dos gatos continuou persistentemente virêmica, não prevenindo o óbito.

Embora não existam evidências de que o IFN possa proteger gatos contra infecções por

FeLV depois da exposição natural, Weiss (1988) levanta a questão do uso profilático de IFN e

indutores de IFN em casos em que os gatos estão suscetíveis ao vírus, ou seja, em situações de

estresse agudo ou quando expostos a altas concentrações do vírus, como em abrigos, hospitais e

exposições.

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2.4.1.3 Peritonite Infecciosa Felina

Segundo Zanutto e Hagiwara (2007), a peritonite infecciosa felina (PIF) é uma doença

infecciosa muito comum em gatos, acometendo frequentemente animais com menos de três anos

de idade. Existem relatos de maior ocorrência em gatis de reprodução ou quando existe o

convívio em grupo dessa espécie. O agente envolvido é o vírus da peritonite infecciosa felina, ou

VPIF.

O vírus da peritonite infecciosa felina (VPIF) e o coronavírus entérico felino (CVEF)

pertencem ao grupo dos coronavírus felinos (FCoV), da família Coronaviridae, que se constitui

em uma família de vírus RNA simples. Existem duas teorias para explicar a relação entre eles,

alguns estudos relatam que os FCoV são morfologicamente semelhantes e que o VPIF surge

através de uma mutação no genoma do coronavírus entérico felino durante a sua replicação no

trato intestinal dos gatos infectados. Outra teoria afirma que eles são dois membros distintos da

mesma família (DAIHA, 2003; ZANUTTO e HAGIWARA, 2007).

De acordo com a primeira teoria, o VPIF seria originário da mutação do CVEF durante o

curso de infecção entérica, adquirindo a capacidade de replicar-se em macrófagos, o que

permitiria a produção de infecção sistêmica e viremia. A viremia persistente que se segue à

infecção e o envolvimento do sistema imune resultam numa reação de hipersensibilidade do tipo

III, com a deposição de imunocomplexos em diversos órgãos e sistemas. Pode ocorrer também,

concomitantemente ou não, reação de hipersensibilidade do tipo IV, que se caracteriza pela

formação de granulomas (ZANUTTO e HAGIWARA, 2007).

O modo de transmissão pode ser através de saliva, secreções respiratórias, urina e fezes de

gatos infectados pelo VPIF. Os portadores assintomáticos são um dos maiores responsáveis pela

disseminação do VPIF, em função de eliminarem partículas virais. Gatas portadoras

assintomáticas podem infectar seus filhotes via placentária ou no período neonatal (DAIHA,

2003).

Sinais clínicos não específicos que ocorrem em pacientes infectados com VPIF são febre,

anorexia, prostração, perda de peso, diarreia, desidratação, bem como linfoadenomegalia

mesentérica e icterícia (DAIHA, 2003; ZANUTTO e HAGIWARA, 2007). A PIF pode ser

dividida em duas formas clínicas: a PIF efusiva, na qual o animal apresenta inflamação

fibrinonecrótica exsudativa das serosas e efusão abdominal ou pleural, sendo que a abdominal é a

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mais frequente; e PIF não efusiva, na qual ocorre o desenvolvimento de granulomas em vários

órgãos viscerais, com ausência de efusão. O aparecimento de uma forma ou outra está

relacionado com o tipo de resposta imune que o animal desenvolve após uma prima infecção pelo

VPIF (DAIHA, 2003).

O sistema nervoso central, olhos e intestinos tornam-se principais alvos do vírus, tendo

como resultado o desenvolvimento de distúrbios neurológicos, uveíte ou coriorretinite

(ZANUTTO e HAGIWARA, 2007).

O diagnóstico de PIF baseia-se na observação dos sinais clínicos, histórico do paciente,

além de alterações em exames complementares, como exame histopatológico realizado a partir de

biópsia, ultrassonografia ou mesmo confirmação na necropsia. Alguns achados laboratoriais de

gatos infectados por PIF são anemia normocítica arregenerativa, leucocitose neutrofílica com

desvio à esquerda, trombocitopenia, linfopenia, hipergamaglobulinemia (relação

albumina/globulina menor que 0,4 é bastante sugestiva da doença) e presença de anticorpos

específicos na sorologia (DAIHA, 2003; ZANUTTO e HAGIWARA, 2007).

Existem vários estudos que tratam de comprovar a eficácia do interferon alfa-2a

recombinante humano frente ao vírus da peritonite infecciosa felina.

Zanutto e Hagiwara (2007) relatam o uso de interferon alfa recombinante humano em 8

felinos suspeitos de contágio por PIF, na dose de 30 UI, uma vez ao dia, por via oral durante 60

dias. Desse grupo, 7 animais estavam assintomáticos e um apresentava quadro diarreico

persistente. Seus títulos de anticorpos anti-coronavírus felino foram testados pela Reação de

imunofluorescência indireta, comprovando uma diminuição nesses títulos 4 meses após o início

do tratamento. No estudo, observa-se que a diminuição na titulação de anticorpos foi dependente

do nível de carga viral de cada paciente.

No entanto, o gato que apresentava quadro diarreico e que passou a ser tratado com

interferon, tratamento de suporte e medicação específica anti-Cystoisospora e Giardia, obteve

uma melhora temporária que se antecedeu a uma piora no quadro. A evolução desfavorável

motivou a eutanásia do animal. Segundo Zanutto e Hagiwara (2007), não é possível afirmar se a

utilização de interferon auxiliou na eliminação do vírus ou se a infecção seguiu seu curso natural,

ou seja, se os animais passaram a ser temporariamente imunes ao coronavírus responsável pelo

surto, o que resultou na diminuição da carga ambiental do vírus, fator bastante importante para

reduzir quadros de reinfecção.

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A utilização de interferon continua sendo motivo de controvérsia, existindo apenas sugestão

de uso, em função da inexistência de trabalhos comparando o uso desse imunomodulador e de um

grupo placebo de animais, a fim de verificar a evolução da mortalidade de pacientes infectados

pelo vírus da PIF (ZANUTTO e HAGIWARA, 2007).

Um grande número de tratamentos dúbios e não-específicos tem sido usado em pacientes

com PIF, quase sempre com um número de pacientes insuficiente, documentação inadequada de

infecção, ou falta de grupos placebo e estudo duplo cego, que são bastante importantes

(PEDERSEN, 2009). O vírus do PIF é muito sensível a interferons α e β humanos in vitro.

Interferon ω felino também aparenta ter efeitos contra esse vírus in vitro. Em um estudo, IFN-ω

felino induziu uma remissão parcial ou completa de dois terços dos gatos estudados com PIF. No

entanto, em um estudo maior e duplo cego, o tratamento demonstrou-se totalmente ineficiente.

Vários imunossupressores, como glicocorticoides e ciclofosfamida, têm sido usados, essas drogas

podem prolongar a vida, mas não alteram o curso fatal da doença. Imunoestimulantes, vitaminas

e vários nutracêuticos têm sido empregados, mas de igual forma não apresentam efeitos contra o

vírus (PEDERSEN, 2009).

Hartmann e Ritz (2008) afirmam que muitos veterinários prescrevem imunomoduladores

para tratar gatos com PIF sem nenhuma evidência controlada e documentada de eficácia. Tem

sido sugerido que esses agentes (incluindo os interferons) podem trazer benefícios aos animais

infectados por restaurar o sistema imune comprometido devido permitir um maior controle da

carga viral e assim recuperação dos sinais clínicos. Contudo, uma estimulação não-específica do

sistema imune, caso que ocorre na terapia com interferons, pode ser contra-indicada no momento

que os sinais clínicos se desenvolverem e progredirem como resultado de uma resposta

imunomediada ao VPIF.

O desenvolvimento de vacinas ainda é uma esperança para os pesquisadores da área. Gatos

que sobrevivem à infecção com aumentos progressivos na dose de vírus, começando com níveis

subletais, parecem desenvolver um tipo de imunidade. Contudo, essas deduções não são

aplicáveis clinicamente, em função de muitos gatos morrerem quando se tornam imunes ao vírus,

e a imunidade parece ser tênue. Alguns gatos que aparentam ser resistentes à doença

desenvolvem PIF meses ou anos depois, indicando persistência de infecções subclínicas

(PEDERSEN, 2009).

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2.4.2 Efeitos adversos

Pode-se dizer que são escassas as citações de efeitos adversos em animais tratados com

interferon recombinante pela via oral. Em vários livros de uso corrente em medicina veterinária,

cita-se que não foram observados ou relatados efeitos adversos em gatos com a administração

oral de IFN (PLUMB, 1999; PAPICH, 2007).

Em um grande estudo envolvendo gatos infectados por FIV na Itália e na Alemanha, não

foram observados efeitos adversos ao tratamento com IFN-α recombinante humano (PEDRETTI

et al., 2005). Contudo, diante dos inúmeros efeitos adversos observados em humanos e das

dificuldades em identificá-los nos animais, permanece a suspeita de sua existência e possível

relevância nos gatos.

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3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a descoberta do interferon, uma citocina produzida por mamíferos, que apresenta a

capacidade de interferir no sistema imune (ou seja, imunomodular), surgiram grandes

expectativas sobre o seu potencial terapêutico. A partir da invenção da tecnologia recombinante,

houve grandes avanços na área científica, e uma das consequências, foi a possibilidade de

obtenção em maior escala de interferon humano e animal a partir de bactérias (Escherichia coli).

A produção de interferon é induzida principalmente por leucócitos e outros tipos de células,

como fibroblastos, em resposta a estímulos antigênicos e virais. De forma geral, os vários tipos

de interferon apresentam efeitos antivirais, imunomodulatórios e antiproliferativos.

Tanto interferons naturais, quanto recombinantes, têm sido empregados em diversas

patologias humanas ao longo de décadas. O uso de IFN-α é aprovado pelo FDA para o tratamento

das hepatites B e C crônicas, leucemia de células cabeludas, leucemia mielógena crônica,

sarcoma de Kaposi relacionado à AIDS, melanoma maligno e condiloma acuminado, doenças

que têm em comum um caráter proliferativo e/ou viral. Verifica-se que a utilização em outros

tipos de patologias que não englobam essas características, muitas vezes, não apresenta

resultados satisfatórios.

Muitos estudos têm sido conduzidos para comprovar sua eficácia em espécies heterólogas,

gerando muita divergência no meio científico. Alguns autores afirmam que o interferon é

estritamente espécie-específico e somente apresentaria efeito em células produzidas na mesma

espécie em que foi obtido. No entanto, existem inúmeros relatos de que pode apresentar

benefícios ao sistema imune de espécies diferentes, como em humanos, vacas, porcos, cavalos e

pequenos animais, mesmo que não sejam benefícios equiparados aos da espécie homóloga.

Durante várias décadas, o interferon foi administrado através da via parenteral em seres

humanos. Em função da imensa relação de efeitos adversos que podem ser desenvolvidos durante

a terapia, alguns pesquisadores têm buscado novas alternativas, como a utilização por via oral.

Essa rota torna-se uma boa opção para a administração dessa substância, em função das inúmeras

vantagens mencionadas anteriormente. Contudo, ainda resta definir qual a dose (alta ou baixa)

que é mais eficaz para cada patologia, avaliando absorção do medicamento e biodisponibilidade

para o paciente, levando em conta que grande parte da medicação pode ser digerida no estômago,

sofrendo degradação proteolítica.

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Embora, tenha-se observado que existem poucos estudos relatando efeitos adversos de sua

administração e a comprovação da eficácia do interferon α-2a humano em animais, verifica-se

um crescente aumento na utilização desse medicamento no tratamento de várias doenças virais

felinas. A busca por alternativas que tragam um período de sobrevida maior e bem-estar a gatos

portadores de enfermidades, muitas vezes, fatais, impulsiona pesquisadores a utilizar esse

fármaco, procurando formas de comprovar sua ação em animais.

Diante dos dados referidos na literatura, pode-se considerar que não há ainda evidências

consistentes sobre o uso do interferon α-2a para diversas patologias em que o mesmo vem sendo

empregado clinicamente em gatos, como também sobre a possibilidade de ocorrência de efeitos

adversos relatados para humanos, nos animais. Estudos com humanos são mais facilmente

conduzidos e interpretados, em função dos pacientes poderem relatar alterações físicas e

comportamentais. Em animais, torna-se um verdadeiro desafio para pesquisadores e médicos

veterinários verificar efeitos adversos que provenham da terapia com IFN. São necessários novos

estudos que busquem a real existência desses efeitos em animais, o que gerará maior nível de

segurança na sua utilização.

Dessa forma, uma vez que os autores que tratam da questão do uso do interferon em gatos

não possuem posicionamento unânime a respeito, verifica-se ser válida a realização de mais

pesquisas. De um lado, alguns autores defendem a ampla utilização de interferon recombinante

humano em gatos, aceitando os resultados obtidos para humanos e em experiências próprias

envolvendo um pequeno grupo de animais (série de casos). Enquanto isso, outros autores, por sua

vez, entendem que deveriam ser realizados mais estudos experimentais antes de iniciar uma

utilização ampla desse medicamento, questionando-se em que medida a adoção de uma

substância humana seria benéfica e totalmente eficaz para pequenos animais, principalmente para

felinos. Muitos estudos anteriores não incluíam grupo placebo ou grupo controle, e na grande

maioria, os pacientes não eram tratados exclusivamente com interferon, mas sim, este era

empregado como adjuvante na terapias, em associação com antibacterianos, antineoplásicos,

corticosteroides e antiparasitários.

Seu uso em doenças virais proliferativas, como a FeLV, demonstra que este agente

terapêutico pode ser de grande valia quando sua utilização é fundamentada em estudos bem

conduzidos. A sua aplicação como adjuvante no tratamento de algumas enfermidades virais,

ainda é uma possibilidade.

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Sendo assim é possível a utilização racional do interferon α-2a para gatos, desde que seja

considerado o atual nível de desenvolvimento das pesquisas.

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