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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL LEIDILANE DE OLIVEIRA HONORATO A CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES (CUT) NO EMBATE DAS CONTRARREFORMAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL: contraposição ou consenso? NATAL/RN 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

LEIDILANE DE OLIVEIRA HONORATO

A CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES (CUT) NO EMBATE DAS

CONTRARREFORMAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL: contraposição ou

consenso?

NATAL/RN

2010

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LEIDILANE DE OLIVEIRA HONORATO

A CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES (CUT) NO EMBATE DAS

CONTRARREFORMAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL: contraposição ou

consenso?

Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Serviço Social, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Serviço Social.

Orientadora: Profª. Dra. Odília Sousa de Araújo

NATAL/RN

2010

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AGRADECIMENTOS

Na realização desse trabalho muitas pessoas foram de grande relevância

para concretização desse estudo. Pessoas sem as quais o caminho teria ficado mais

difícil e desafiador do que já fora. A essas pessoas tenho muito a agradecer.

Primeiramente a Deus, Meu Pai Celestial. Em muitos momentos somente

Ele me fez ter forças, ânimo e coragem para continuar esse caminho. Um caminho

que às vezes me parecia nebuloso, mas Ele sempre esteve por perto me

iluminando.

Depois aos meus familiares e parentes, especialmente, aos meus pais –

sempre tão carinhosos – ao meu esposo pela compreensão desse processo e

amabilidade e a minha tia Vera e sua família por ter me hospedado em sua casa

durante um bom tempo para que eu conseguisse continuar os estudos longe de

casa. Obrigada a vocês pelo apoio e confiança de sempre.

À minha orientadora, professora Odília pelas muitas contribuições que deu

durante todo o processo de pesquisa, as indicações de leitura, pela motivação com a

temática, por tudo. À professora Sâmya que foi uma das motivadoras para

realização desse estudo quando eu estava saindo da graduação. Obrigada por

sempre ter se mostrado disposta a contribuir em meu trabalho. Às professoras que

conheci durante as disciplinas do Mestrado que sempre davam significativas

contribuições para o estudo, direta ou indiretamente: Silvana Mara, Denise Câmara,

Rita de Lourdes, Eliana Guerra e Márcia Rocha. Obrigada pelo compromisso de

vocês com a pós graduação.

As minhas colegas de turma – Valmara, Marwyla, Sônia, Manuela, Cristina

Pereira, Cristina Otoch, Meirice, Laudilene, Brenda, Neila e Marilac – que sempre

nas aulas e reencontros nos corredores deixava o processo de estudo mais gostoso,

com as conversas, risadas e desabafos.

E não poderia esquecer a CUT Estadual que me recebeu muito bem,

principalmente, à secretária e, também, ao Departamento de Documentação da CUT

Nacional que me enviou documentos muito relevantes para minha análise, sem os

quais o processo teria sido mais difícil.

A vocês que foram fundamentais nesse processo o meu mais sincero

obrigada!

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RESUMO

Os direitos previdenciários foram resultantes de intensas lutas entre o capital e o trabalho, exigindo as intervenções do Estado para criação de um sistema de proteção social amplo. No Brasil a lei marco da Previdência Social data de 1923, a partir de então, muitos foram os avanços e extensões dessa política a diversas categorias. Entretanto, na década de 1990 o Governo brasileiro adotou, a exemplo de outros países desenvolvidos, o paradigma neoliberal o que implicou na realização de substanciais mudanças no papel do Estado, nos direitos alcançados e na própria organização das classes trabalhadoras. Para a Previdência Social as principais perdas se deram nos anos de 1998 e 2003, respectivamente nos Governos de FHC e Lula, com a realização de duas contrarreformas que restringiram os direitos previdenciários e incentivaram a privatização da previdência pública. Nesse cenário, a CUT, uma das entidades representantes das classes trabalhadoras, fundada em 1983, que sempre se mostrou atuante mudou seu direcionamento: de combativa à negociativa. Essa inflexão determinou o posicionamento dessa Central diante das propostas de contrarreformas da Previdência Social. O presente trabalho tem como objetivo analisar o contexto sociopolítico das lutas do movimento sindical brasileiro no período das conquistas e desmontes de direitos e, precipuamente analisar o posicionamento, atuação e propostas da CUT no período das contrarreformas da Previdência nos Governos FHC e Lula. Para realização desse estudo além da revisão bibliográfica essencial para fundamentar e aprofundar o tema, utilizamos, principalmente, a pesquisa documental através de páginas da internet, resoluções, informativos e outras publicações da CUT. A atuação da CUT nesses Governos deu-se de modo distinto: na contrarreforma do Governo FHC mostrou-se por meio de diversas ações, apesar de não haver homogeneidade em seu interior, contrária às políticas neoliberais desse governante, bem como à proposta de mudanças previdenciárias. Enquanto que durante o Governo Lula mostrou-se prioritariamente negociativa e propositiva.

Palavras chave: Direitos previdenciários. Contrarreformas da Previdência Social.

Neoliberalismo. Central Única dos Trabalhadores.

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ABSTRACT

The provident rights were results of intense fights in between the capital and work, claiming the interventions of the state for the creation of an ample social protection system. In Brazil the law, Providence Social mark, dated 1923, from then on, the advances and extensions were many, of this diverse categories of politics. Mean while, in the 1990‘s, the Brazilian government adopted the examples of other developed countries, the new pattern that hinted the realization of substantial changes on the states purpose, the reached rights and the proper organization of working classes. For the Social Providence, the principal loses turned out in 1998 and 2003; respectively in FHC governments and Lula, with the realization of two counter reforms that restricted the provident rights and motivated the privatization of public providence. In the scenery, the CUT, one of the representative organizations from working classes, founded in 1983, that has always itself with changed direction, from fighting to negotiating. This inflection determined the proposition of the center before the offers of the counter reforms, of Social Providence. The present work has the objective to analyze the social politic content of the fights from Brazilian union movement in the period of the conquests and disassembled rights and, to analyze the proposition, acting and offers from CUT in the counter reform period from Providence in the Government FHC and Lula. To perform this study beyond the essential bibliographical revision to found and deepen the subject, we use, the documental search through the internet pages, resolutions, informations and others publications from CUT. Using CUT in the governments worked in an elegant way, the FHC government against-reforms, showed itself through diverse actions, even though they didn‘t have homogeneous inside, contrary the neoliberalists politicians from this government, also the offers and precaution changers. While during the reign of Lula it shoved itself priority negociative and propositive.

Key word: Provident rights. Against-reforms of the Social Providence. Neoliberalism.

Union Center in the Workers.

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LISTA DE QUADROS

Quadro I – Gasto social federal no Governo Collor ..................................... 83

Quadro II – Lutas da CUT em torno da Previdência Social até o Governo

Collor .............................................................................................................

121

Quadro III – Posição da CUT, segundo setor de atividade atingido pela

reforma constitucional ...................................................................................

124

Quadro IV – A CUT e a previdência social no Governo Fernando Henrique

Cardoso.........................................................................................................

127

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LISTA DE SIGLAS

ACO – Associação Católica Operária

AIB – Ação Integralista Brasileira

ANAMPOS – Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindical

ANFIP – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social

ANL – Associação Nacional Libertadora

BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

CCQ – Círculo de Controle de Qualidade

CAP – Caixa de Aposentadorias e Pensões

CEB – Comunidade de Base

CEME – Central de Medicamentos

CGT – Comando Geral dos Trabalhadores / Confederação Geral dos Trabalhadores

/ Central Geral dos Trabalhadores

CGTB – Confederação Geral dos Trabalhadores Brasileiros

CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas

CNESF – Coordenação Nacional das Entidades de Servidores Federais

CNI – Confederação Nacional da Indústria

CNTI – Congresso da Confederação Nacional dos Trabalhadores Industriais

COB – Confederação Operária Brasileira

CONCLAT – Conferência Nacional da Classe Trabalhadora / Congresso Nacional da

Classe Trabalhadora / Coordenação Nacional das Classes Trabalhadoras

CONCUT – Congresso Nacional da Classe Trabalhadora

CONLUTAS – Coordenação Nacional de Lutas

CSUB – Confederação Sindical Unitária Brasileira

CUT – Central Única dos Trabalhadores

DATAPREV – Empresa de processamento de dados da Previdência Social

DRT – Delegacia Regional do Trabalho

EC n° 20 – Emenda Constitucional n° 20

EC n° 41 – Emenda Constitucional n° 41

EC nº 47 – Emenda Constitucional nº 47

EFPR – Entidades Fechadas de Previdência

ENTOES – Encontro Nacional dos Trabalhadores em Oposição à Estrutura Sindical

EUA – Estados Unidos da América

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FACR – Fundação Abrigo Cristo Redentor

FEBRABAN – Federação Brasileira de Associação de Bancos

FHC – Fernando Henrique Cardoso

FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo

FNPS – Fórum Nacional de previdência Social

FNT – Fórum Nacional do Trabalho

FPR – Fator Previdenciário

FMI – Fundo Monetário Internacional

FUNABEM – Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor

IAP – Instituto de Aposentadoria e Pensão

IAPAS – Instituto de Administração Financeira da Previdência Social

IAPB – Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Bancários

IAPC – Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários

IAPI – Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários

IAPM – Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Marítimos

IPASE– Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Servidores do Estado

IAPETEC – Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Empregados em Transporte de

Carga

INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

INSS – Instituto Nacional do Seguro Social

INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica Previdência Social

INPS – Instituto Nacional de Previdência Social

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LBA – Legião Brasileira de Assistência Social

LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social

LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social

MARE – Ministério da Administração da Reforma do Estado

MPS – Ministério da Previdência Social

MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

MTPS – Ministério do Trabalho e Previdência Social

MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto

MTL – Movimento Terra, trabalho e Liberdade

OEA – Organização dos Estados Americanos

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OIT – Organização Internacional do Trabalho

PCB – Partido Comunista Brasileiro

PCdoB – Partido Comunista do Brasil

PDT – Partido Democrático Brasileiro

PDRE – Plano Diretor da Reforma do Estado

PEC – Proposta de Emenda Constitucional

PIB – Produto Interno Bruto

PLP – Projeto de Lei Parlamentar

PMDB – Partido Moderado Democrático Brasileiro

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

PSB – Partido Socialista Brasileiro

PSD – Partido Social Democrático

PT – Partido dos Trabalhadores

PUA – Pacto de Unidade e Ação

PUI – Pacto de Unidade Intersindical

RGPS – Regime Geral de Previdência Social

RPPS – Regimes Próprios de Previdência Social

SINPAS – Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social

SUS – Sistema Único de Saúde

UDN – União Democrática Nacional

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................... 12

2 A INTERVENÇÃO DO ESTADO COM A CRIAÇÃO DOS SISTEMAS

DE PROTEÇÃO SOCIAL: DO PROTAGONISMO DAS CLASSES

TRABALHADORAS À CRIAÇÃO DA CUT..........................................

19

2.1 AS DETERMINAÇÕES DO CAPITAL SOBRE AS INTERVENÇÕES

DO ESTADO E NA ATUAÇÃO DAS CLASSES TRABALHADORAS...

19

2.1.1 O embate entre as classes fundamentais......................................... 29

2.2 O ESTADO BRASILEIRO E AS LUTAS DOS TRABALHADORES

POR DIREITO........................................................................................

35

2.3 A REORGANIZAÇÃO DO MOVIMENTO SINDICAL NOS ANOS 1980 55

2.4 AS CONTRIBUIÇÕES DA REORGANIZAÇÃO DO MOVIMENTO

SINDICAL PARA A CRIAÇÃO DA CUT................................................

61

2.4.1 CUT: lutas e mudanças ao longo da década de 1980...................... 65

3 A OFENSIVA NEOLIBERAL: DETERMINAÇÕES PARA A

INFLEXÃO DO ESTADO, TRANSFORMAÇÕES NA CUT E

DESMONTE DA PREVIDÊNCIA SOCIAL............................................

72

3.1 A PREVIDÊNCIA SOCIAL ANTES DAS CONTRARREFORMAS

PREVIDENCIÁRIAS: UMA CONQUISTA DOS TRABALHADORES....

73

3.2 A CONTRARREFORMA DO ESTADO BRASILEIRO..................... 81

3.3 AS PROPOSTAS NO DEBATE SOBRE AS CONTRARREFORMAS

PREVIDENCIÁRIAS..............................................................................

91

3.4 A CONFIGURAÇÃO DAS CLASSES TRABALHADORAS NO

CONTEXTO NEOLIBERAL...................................................................

94

3.4.1 A mudança de direcionamento da CUT no contexto neoliberal...... 102

3.5 AS CONTRARREFORMAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL:

DESMONTE DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES......................

107

3.5.1 As mudanças efetivadas nos direitos dos trabalhadores através

das contrarreformas da Previdência realizadas nos Governos

FHC e Lula............................................................................................

109

4 POSICIONAMENTOS DA CUT NO PERÍODO DAS

CONTRARREFORMAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL..........................

119

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4.1 GÊNESE DAS INTERVENÇÕES DA CUT NAS POLÍTICAS

PREVIDENCIÁRIAS..............................................................................

119

4.2 ATUAÇÕES DA CUT DIANTE DA CONTRARREFORMA

PREVIDENCIÁRIA NO GOVERNO FHC..............................................

122

4.3 POSICIONAMENTO E PROPOSTAS DA CUT NA

CONTRARREFORMA DA PREVIDÊNCIA NO GOVERNO LULA........

133

4.4 DESAFIOS PARA A CUT E AS CLASSES TRABALHADORAS PÓS

CONTRARREFORMAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL...........................

145

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 153

REFERÊNCIAS..................................................................................... 160

ANEXO A – Cronologia de Lutas da CUT 1981-2003........................ 167

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1 INTRODUÇÃO

A Previdência Social – juntamente com a Saúde e a Assistência Social –

constitui-se numa das políticas que formam o tripé da Seguridade Social brasileira,

sendo esta uma importante conquista das classes trabalhadoras consolidada na

Constituição Federal de 1988.

Entretanto, a Previdência Social, diferentemente dessas outras duas

políticas sociais, tem caráter contributivo, ou seja, está voltada para aqueles

trabalhadores que podem pagar, o que acaba, já de antemão, excluindo muitos

indivíduos do acesso aos benefícios e serviços previdenciários.

Esse quadro vem se agravando, desde a década de 1990, com a redefinição

do Estado a partir da perspectiva neoliberal, atingindo, principalmente, as camadas

mais pobres da população e, valorizando, cada vez mais, um mercado livre de

restrições, quer sejam políticas, econômicas ou culturais (IANNI, 1997). Desse

modo, esse modelo político ideológico, tem incidido fortemente sobre os direitos

sociais conquistados, especialmente, no que diz respeito à legislação previdenciária,

com as constantes mudanças, as quais objetivaram a minimização e/ou a retirada

paulatina de direitos.

A contrarreforma da Previdência Social é prova cabal dessas inflexões que

têm ocorrido em relação aos direitos sociais. Algumas dessas iminentes mudanças

foram: o aumento do tempo de contribuição e idade para a aposentadoria;

diminuição do valor da aposentadoria – principalmente, devido ao fator

previdenciário – e do teto; extinção das aposentadorias por tempo de serviço e

proporcional, dentre outras (SOUZA, 2004).

É importante salientar que os direitos civis, políticos e sociais hoje

legalizados são resultados de uma luta histórica da classe trabalhadora que

reivindicou seus direitos. A principio, essas lutas deram-se mais efetivamente no

âmbito da produção, através dos movimentos operários. Os trabalhadores

almejavam melhores condições de trabalho e buscaram o reconhecimento de

direitos trabalhistas.

Nesse processo, diversos autores – Associação Católica Operária (1984),

Antunes (1990), Rezende (1986) – mostram a relevância do movimento sindical ou

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operário para a conquista de direitos trabalhistas e também previdenciários –

especialmente, porque durante muito tempo a Previdência Social esteve voltada

prioritariamente, para os trabalhadores regulados formalmente e pode-se mesmo

dizer que, ainda hoje, a política previdenciária, tendo em vista o seu caráter

contributivo, está relacionada muito fortemente com o trabalho, isto é, para aqueles

trabalhadores que podem pagar.

É imprescindível ressaltar que os principais prejudicados com as duas

últimas contrarreformas da Previdência nos Governos Fernando Henrique Cardoso

(1998) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003 e 2005) foram os trabalhadores brasileiros,

em especial os servidores públicos, visto que essas mudanças retiraram ou

minimizaram direitos que foram duramente conquistados por setores organizados da

sociedade.

Portanto, partindo da perspectiva de que os direitos sociais,

especificamente, os previdenciários, são resultantes de um processo histórico de

luta, travado pela classe trabalhadora contra o capital e intermediado pelo Estado,

faz-se extremamente relevante analisar como atuou o movimento sindical diante das

duas últimas contrarreformas da Previdência no governo FHC, em 1998 e Lula, em

2003.

O interesse inicial pela temática da Previdência Social veio com a

aproximação com essa política no estágio curricular de dois anos no Instituto

Nacional do Seguro Social (INSS). E, a vontade de estudar a organização das

classes trabalhadoras veio, principalmente, com a participação como bolsista em

uma pesquisa cuja temática envolvia os Movimentos Sociais, através do Programa

de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), na graduação.

O desejo de se estudar esse tema partiu, também, de um estudo

monográfico realizado anteriormente, no qual analisamos as contrarreformas da

Previdência Social. Naquele momento, nossa análise girou em torno dos

instrumentos legais que sancionaram essas mudanças e suas implicações para os

direitos previdenciários. Contudo, como já foi enfatizado, partindo da perspectiva que

os direitos auferidos na conjuntura atual são conquistas dos movimentos das classes

trabalhadoras, principalmente dos movimentos sindicais, consideramos ser

indispensável não apenas analisar os aspectos legais e as contrarreformas já

efetivadas, mas também, e sobremaneira, analisar os movimentos trabalhistas em

torno desses direitos, aprofundando, assim, o assunto.

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Para isto, fizemos um ―recorte‖ nas lutas das classes trabalhadoras, para

melhor analisá-las, haja vista que nos voltamos para o seu posicionamento e

atuação diante de uma política social específica, a Previdência Social, contudo não

desconsideramos o movimento geral das lutas e embates travados, tendo em vista

que na atual conjuntura muitos são os desafios a serem vencidos.

Por compreendermos a grande diversidade do movimento sindical,

geralmente, dividido por categorias profissionais, tínhamos o desejo de contemplar

em nossa análise as discussões, propostas e lutas de algumas Centrais Sindicais

brasileiras, na perspectiva de que estas têm uma representação mais ampla das

classes trabalhadoras atingidas pelas contrarreformas. A princípio nos propomos a

analisar o posicionamento e contrapropostas de três Centrais Sindicais, as quais

eram: Central Única dos Trabalhadores (CUT), Coordenação Nacional de Lutas

(CONLUTAS) e Intersindical.

Entretanto, à medida que fomos nos aproximando da temática e conhecendo

um pouco mais dessas centrais sindicais, apreendemos que a pesquisa ficaria muito

ampla, sendo necessário fazer um novo recorte. Desejamos, ainda, permanecer com

duas centrais sindicais, a CUT e a CONLUTAS que representam duas vertentes

distintas do movimento sindical atual. Porém, como nosso objetivo era tratar do

posicionamento dessas centrais no período das contrarreformas realizadas,

acabamos abrindo mão da CONLUTAS que foi criada em 2006, oito anos após a

contrarreforma do Governo FHC e três anos depois da contrarreforma do Governo

Lula. Consideramos, ainda, para esse delineamento do objeto o prazo e a

viabilidade da pesquisa.

Assim, nos detemos em analisar o posicionamento, lutas e propostas nesses

períodos de contrarreformas da Previdência Social de uma única Central Sindical, a

Central Única dos Trabalhadores (CUT). O que é interessante, tendo em vista que

em sua gênese esta Central esteve articulada em diversos movimentos e embates

pela defesa dos direitos dos trabalhadores, porém nos últimos anos vem vivenciando

grandes mudanças ideopolíticas diferindo sobremaneira do período de sua

fundação.

Analisar o posicionamento dessa central sindical diante das contrarreformas

da Previdência Social é relevante, ainda, especialmente pelos períodos e governos

que estas ocorreram, a primeira em 1998 em um governo de oposição e a última em

2003, encabeçada por um governo apoiado pela CUT.

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Sendo assim, o estudo dessa temática é de grande relevância para o

movimento sindical, especialmente, as Centrais Sindicais brasileiras, com ênfase

para a CUT, para análise e reflexão de sua atuação, tendo em vista que no contexto

neoliberal faz-se, cada vez mais relevante a presença de movimentos fortes que não

se calem diante da retirada de direitos e que não se deixem enfraquecer pela

conjuntura adversa propugnada pelos valores da sociabilidade capitalista.

Este estudo é significativo, também, para todas as classes trabalhadoras

que dependem da Previdência Social, visto que todos os cidadãos, cedo ou tarde,

não mais poderão usufruir de sua força laboral para garantir condições de vida

digna, recorrendo então a esta política. Sendo essencial conhecer como está

configurada na atualidade e as discussões em torno dela para dificultar e diminuir,

ainda mais, o acesso. Bem como, da existência ou não de uma luta contrária a estas

mudanças.

No que concerne à Previdência Social, as lutas do Movimento sindical e dos

movimentos em geral, pela garantia e extensão dessa política é indispensável e

urgente, tendo em vista as duas últimas contrarreformas. A política previdenciária

constitui-se num direito social conquistado pelas lutas dos trabalhadores que não

podemos deixar ser minimizada, pelo contrário, devemos lutar por sua consolidação

e ampliação.

Para embasar a investigação fizemos uso de uma perspectiva teórico

metodológica que defende: a apreensão da relação entre aparência e essência; a

totalidade como aspecto essencial da realidade; a superação da dualidade entre o

subjetivo e o objetivo; a apreensão das relações entre o singular, o particular e o

universal; e o objeto como pólo regente do conhecimento.

Essa abordagem insere-se no âmbito do materialismo dialético e significa

um importante avanço na interpretação dos fenômenos, posto que considera a

história como fator relevante no desenvolvimento dos fenômenos sociais; analisa a

existência de relações contraditórias na sociedade; e preocupa-se com a análise da

totalidade social e de suas particularidades.

A abordagem marxiana ofereceu uma contribuição de leitura muito rica ao se

estudar o movimento sindical – uma forma de expressão das lutas das classes

trabalhadoras – e sua atuação diante das mudanças efetivadas no contexto

neoliberal nas políticas sociais, especialmente na política previdenciária, haja vista

que para essa concepção teórica metodológica os fatos que se dão na realidade não

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ocorrem de modo isolado, tornando-se imprescindível apreendermos os fenômenos

sociais como um todo estruturado que está em constante movimento, sofrendo

determinações, também, do processo histórico.

Foi relevante, ainda, nessa investigação a análise das contradições desse

sistema capitalista vigente, no qual a capacidade social de produzir riquezas e a

concentração destas cresce, cada vez mais, e concomitantemente registram-se altos

índices de pobreza e desemprego e mudanças na própria forma de organização das

classes trabalhadoras.

Privilegiamos a pesquisa qualitativa. Embora analisemos que nas pesquisas

com enfoque dialético as categorias quantidade-qualidade ―não se opõem, mas se

interrelacionam como duas fases do real num movimento cumulativo e

transformador‖ (GAMBOA, 2007, p. 105), contudo, como os procedimentos

metodológicos variam de acordo com o objeto a ser estudado e dos objetivos a

serem alcançados, nessa pesquisa trabalhamos, mais enfaticamente, com a

pesquisa qualitativa.

É interessante ressaltar que o percurso metodológico dessa pesquisa foi

repleto de idas e vindas, pela própria dinâmica da realidade e dificuldades que foram

se colocando diante da investigação, carecendo empreender mudanças para tornar

viável sua concretização.

A primeira delas foi o próprio delineamento do objeto, como já registramos,

visto que não há como iniciar uma pesquisa, sem ter claro o que se deseja saber,

buscar e quem procurar para saber disso. Esse foi um desafio tremendo para a

pesquisadora que adentrava em um universo novo para ela, que era o movimento

sindical, as centrais sindicais. Pois, enquanto o estudo da Previdência integrou boa

parte de sua vida acadêmica, a temática sindical constituía-se, com poucas

exceções, um verdadeiro desconhecido, um mundo a ser desbravado.

A definição pela CUT não foi menos desafiante, tendo em vista que

sabíamos muito pouco dessa Central Sindical histórica para as classes

trabalhadoras. Os questionamentos foram muitos, quem procurar? Onde encontrar?

Como entrar contato? Enfim, como contatar a CUT para ter acesso às informações

desejadas.

O segundo desafio foi a definição dos instrumentos para levantamento de

dados. No início da pesquisa pretendemos utilizar dois instrumentos para atingir os

objetivos da pesquisa: a pesquisa documental e a pesquisa de campo,

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especialmente, através das entrevistas a dirigentes da CUT para complementar os

documentos. Entretanto, encontramos muitos entraves e desafios para a realização

das entrevistas.

Fizemos duas visitas à CUT estadual presente em Natal. Pelas dificuldades

de encontro com dirigentes nacionais da CUT – o dirigente nacional da CUT mais

próximo ficava em Pernambuco – acreditamos ser possível entrevistar dirigentes

estaduais, apesar de termos sido muito bem recebidos pela secretária, a pessoa que

nos foi indicada por ela para conversarmos, ainda que cheia de boa vontade, não

compreendeu exatamente o nosso propósito. Naquele momento ficou nítido que os

dirigentes estaduais, talvez, pela pesquisa remeter a um período de atuação anterior

a sua gestão não tinha as informações que pretendíamos ter acesso. Além do que,

sabíamos que a atuação da CUT face às contrarreformas da Previdência Social foi

algo de âmbito nacional, sendo mais coerente entrevistar representantes nacionais.

Ainda buscamos o contato de alguns deles, mas a dificuldade de acesso e a

aproximação do término do prazo para finalização da pesquisa fizeram com que

decidíssemos optar exclusivamente, além da revisão de literatura, pela pesquisa

documental. Esta foi indispensável e fundamental para a consecução da pesquisa.

Utilizamos, portanto, como instrumento para levantamento de dados fontes

secundárias que permitiram analisar as mudanças ocorridas na CUT, seu

posicionamento e propostas, dentre as quais podemos citar: páginas da internet,

resoluções, informativos e outras publicações da CUT, as quais tornaram público

suas discussões e proposições no período dos debates das contrarreformas da

Previdência Social.

A pesquisa documental, também, foi desafiadora, visto que encontrávamos

pouco material contendo as informações das propostas e posicionamento da CUT

nas contrarreformas de FHC e Lula. Face os obstáculos, além de buscas contínuas

em sites da própria Central e de outras entidades, enviamos um email para o Setor

de comunicação da CUT, o qual foi reencaminhado para o Setor de Documentação

e Memória da Central. Uma das responsáveis por esse departamento nos

encaminhou alguns documentos – discussões e propostas da entidade– diante das

contrarreformas. Os documentos encaminhados pareceram poucos para representar

todo o processo de lutas dessa entidade em um período tão cruciante para as

classes trabalhadoras. Entretanto, tais contribuições, foram de grande relevância

para a consecução dessa pesquisa.

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Desse modo, esses desafios colocados para a concretização da

investigação precisam ser considerados quando analisamos os seus resultados.

Assim, visando atender nossos objetivos dividimos este estudo em três

seções, além desta introdução e da conclusão. Na primeira parte fazemos uma

análise das lutas das classes trabalhadoras na conquista de direitos, levando o

Estado e as classes dominantes a fazerem concessões e a criarem um sistema de

proteção social.

Partimos da perspectiva que tanto as intervenções do Estado no âmbito

social, atendendo alguns interesses dos trabalhadores, quanto a própria organização

e lutas das classes trabalhadoras sofreram determinações e impulso do capital.

Nessa análise partimos do âmbito mundial, para então apreendermos os

determinantes dessa configuração internacional nas intervenções do Estado

brasileiro, os direitos alcançados nessa parte do mundo e as influências sobre a

organização e lutas dos trabalhadores. Todo esse processo, principalmente, o

entorno da década de 1980 foi importante para a fundação de uma central nascida

para representar as classes trabalhadoras em suas lutas e embates: a CUT.

Na segunda seção tratamos de analisar as conquistas alcançadas nos

direitos previdenciários com as constantes mudanças efetivadas na Previdência,

com a contribuição das lutas dos trabalhadores, antes das contrarreformas

previdenciárias. Analisamos, ainda, as implicações da ofensiva neoliberal no Brasil

para as mudanças na configuração do Estado – construindo o solo para a realização

das contrarreformas da Previdência –, nos direitos previdenciários, e na organização

das classes trabalhadoras, inclusive na CUT. Empreendemos, também, uma análise

das principais propostas de diversas instituições nas discussões sobre as mudanças

de cunho neoliberais na Previdência e as principais perdas para os direitos

previdenciários dos trabalhadores com a concretização das contrarreformas.

Na última seção nos detemos em analisar o posicionamento, atuação e

propostas da CUT no período do debate e negociações para contrarreforma da

Previdência, em 1998 e 2003, analisando os desafios que perduram para esta

Central e para os movimentos das classes trabalhadoras como um todo no período

posterior às contrarreformas da Previdência Social.

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2 A INTERVENÇÃO DO ESTADO COM A CRIAÇÃO DOS SISTEMAS DE PROTEÇÃO SOCIAL: DO PROTAGONISMO DAS CLASSES TRABALHADORAS À CRIAÇÃO DA CUT

Para analisar o posicionamento e as propostas da Central Única dos

Trabalhadores (CUT) diante das contrarreformas da Previdência Social realizadas

nos Governos Fernando Henrique Cardoso, em 1998 e Luiz Inácio Lula da Silva, em

2003, é essencial apreendermos o processo político, econômico e social que

fundamentou a construção dos direitos sociais, principalmente da política

previdenciária e suas transformações, bem como das lutas efetivadas pelas classes

trabalhadoras nas conquistas de direitos até chegarmos ao desmonte do paradigma

neoliberal.

Apesar da CUT ter atuado em sua gênese (1983) de forma combativa e ter

sido fruto do recrudescimento do movimento sindical na década de 1980, como

analisaremos o seu posicionamento diante das ofensivas neoliberais, efetivadas na

Previdência Social – a qual foi constituída em um período anterior à criação da CUT

– faz-se relevante analisar as lutas anteriores das classes trabalhadoras na

construção dos direitos sociais, especificamente, os direitos previdenciários, para

apreendermos, assim, a sua atuação diante dessa política no final da década de

1990 e no início do século XXI.

É importante analisarmos que os direitos sociais foram sendo conquistados

durante todo o século XX através de lutas que foram travadas para pressionar o

Estado a formar um sistema de proteção social para, então, apreendermos melhor, a

essencialidade da luta das classes trabalhadoras no período que demarca a

inserção do neoliberalismo em nosso país, atingindo sobremaneira a política

previdenciária. Esse período careceu, mais do que nunca, de movimentos fortes

para barrar suas ações nefastas.

As sucessivas realizações dessas contrarreformas foram resultados de

diversas mudanças ocorridas historicamente e que devem ser analisadas com

cuidado, tendo em vista que estão fundadas em alterações significativas na relação

entre capital e trabalho intermediada pelas ações do Estado que atingiram os

direitos sociais.

2.1 AS DETERMINAÇÕES DO CAPITAL SOBRE AS INTERVENÇÕES DO

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ESTADO E NA ATUAÇÃO DAS CLASSES TRABALHADORAS

As formas de atuação do Estado sofreram progressivamente determinações

do capital, tendo em vista garantir o objetivo precípuo do sistema capitalista: o

aumento das taxas de lucro. Pois, como muito bem afirmou Antunes (2006, p.23)

O capital constitui uma poderosíssima estrutura totalizante de organização e controle do metabolismo societal, à qual todos, inclusive os seres humanos, devem se adaptar. Esse sistema mantém domínio e primazia sobre a totalidade dos seres sociais, sendo que suas mais profundas determinações estão orientadas para a expansão e impelidas pela acumulação.

Assim, a atuação do Estado, também, está articulada às estratégias

utilizadas pelo capital em resposta às suas crises.

É importante salientar que as intervenções do Estado anteriores à essa

época foram marcadas pela repressão, especialmente, voltada para os indigentes,

mendigos e pessoas sem trabalho. Na Inglaterra no início do século XVII foram

editadas as famosas Leis dos Pobres ―que tornavam as paróquias responsáveis pelo

sustento de ‗seus‘ pobres, ou seja, dos residentes que perdiam seus meios de vida.

A mesma lei também procurava dar trabalho aos destituídos‖ (SINGER, 2005, p.

193).

Outra solução encontrada foi a Workhouse (Casa do Trabalho) ―em que

mendigos e vagabundos eram internados e postos a trabalhar‖. Na França tais

instituições foram chamadas de ―hospital geral‖. (SINGER, 2005, p. 194-195). ―O que

todas essas tentativas de ‗resolver‘ o problema dos sem trabalho têm em comum é a

negação dos direitos aos mesmos‖ (SINGER, 2005, p. 195).

Somente no século XVIII, com o advento da Revolução Industrial – que

marcou a passagem do feudalismo para o capitalismo –, surgiu ―um vasto

proletariado fabril formado por ex-artesãos e grande número de pessoas sem

trabalho, antes dependentes da assistência paroquial ou sujeitos aos rigores das

Workhouses‖ (SINGER, 2005, p. 196). Esses trabalhadores lançaram-se à luta por

melhores condições de vida e de trabalho, diante das difíceis condições de trabalho

e salários baixíssimos. Era o prenúncio da luta por direitos que, assim como as

intervenções do Estado, foram determinadas pelo avanço do capitalismo.

No final do século XVIII foi formulado pelo inglês Adam Smith o ideário do

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liberalismo clássico. Segundo Nobre (2000) para a doutrina liberal, grande parte dos

problemas econômicos e sociais, decorriam da intervenção do Estado na economia,

argumentando que a melhor forma para atingir o ―bem comum‖ seria deixar que os

mecanismos ―naturais‖ de equilíbrio, alicerçados na lei da oferta e da procura,

funcionassem sem interferência. Existiria, portanto, o que se denominou de a ―mão

invisível‖ do mercado que equilibraria as disparidades e a economia se organizaria

por si mesma para o ―bem de todos‖, sem a necessidade de intervenção do Estado.

A ele, nesse período, cabia unicamente a tarefa de assegurar as funções básicas da

organização da sociedade, particularmente, a liberdade – para agir no mercado -, a

propriedade privada e a segurança.

O Estado devia ser apenas a instância fiscalizadora das relações de troca,

apoiando-se em um conjunto de leis que definiam seus limites (NOBRE, 2000). Essa

teoria dominou o pensamento dos países capitalistas desenvolvidos praticamente

durante todo o século XIX e início do século XX, sendo colocada em xeque com a

crise econômica mundial de 1929, quando as bolsas de valores dos Estados Unidos

da América (EUA) quebraram.

Nesse sentido, a atuação do Estado no âmbito sócioeconômico foi mais

evidente a partir dos anos 1930, buscando responder às tensões provocadas pelas

crises do capital. Os pressupostos liberais, que foram hegemônicos desde meados

do século XIX, começaram a entrar em crise, devido a uma ―produção descomunal

de mercadorias que não achavam compradores e a falência de inúmeros

capitalistas‖ (NOBRE, 2000, p. 3). Consequentemente, milhares de trabalhadores

ficaram desempregados.

Com mais uma crise estrutural inerente a esse sistema, o capitalismo

buscou reorganizar-se através de mecanismos que garantissem novamente sua

ascensão. Nesse sentido, adotou durante praticamente todo o século XX, sobretudo,

a partir da segunda década, o binômio taylorismo/fordismo, baseando-se na

produção em massa de mercadorias, estruturada de forma homogeneizada e

verticalizada, com trabalho parcelar e fragmentado e divisão de tarefas.

―Esse processo produtivo caracterizou-se, portanto, pela mescla da

produção em série fordista com o cronômetro taylorista, além da vigência de uma

superação nítida entre elaboração e execução‖ (ANTUNES, 2006, p. 37). Ainda

segundo Antunes (2006, p. 37) esse modo de produção foi tão forte que

―transformou a população industrial capitalista, expandindo-se a principio para toda

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indústria automobilística dos EUA e depois para praticamente todo o processo

industrial nos principais países capitalistas‖.

Entretanto, não somente, o modo de produzir mudou, mas todo o ideário

político econômico, como já foi assinalado. A organização do processo de trabalho

taylorista/fordista contou, também, com um acordo firmado entre o capital e o

trabalho, mediado pelo Estado e fundado no compromisso existente nessa relação.

Na realidade, esse compromisso era resultado, dentre outros elementos posteriores

à crise de 1930, da política keynesiana, a qual foi formulada pelo economista inglês

John Maynard Keynes em oposição à concepção liberal vigente no período anterior

à crise de 1930.

Diferentemente desta concepção o keynesianismo defendia uma política

econômica de Estado intervencionista, oferecendo uma saída para a crise

vivenciada. Esse pensamento foi a base para a construção do Estado de Bem Estar

Social em grande parcela dos países capitalistas avançados, sendo hegemônico nos

trinta anos pós Segunda Guerra Mundial1.

Essa nova relação entre capital e trabalho, possibilitou ganhos significativos

para os trabalhadores, desde melhores salários até o acesso a diferentes medidas

de proteção social, contudo, ao mesmo tempo, adaptava o movimento das classes

trabalhadoras às novas formas de controle e de acumulação de capital. Para

Antunes (2006, p. 39) o movimento operário na época foi convertido numa ―espécie

de engrenagem capitalista‖. Bihr (1999, p. 50) reforça essa idéia quando afirma que

O movimento operário progressivamente se transformou em estrutura mediadora do comando do capital sobre o proletariado. Foi desse modo que, durante o período fordista, os organismos sindicais e políticos tentaram canalizar a conflitualidade do proletariado, propondo e/ou impondo-lhe objetivos e saídas compatíveis com os termos do dito compromisso, combatendo violentamente toda tentativa de transbordamento desse compromisso.

Desse modo, o compromisso significou, também, o esforço em garantir a

hegemonia burguesa frente à ameaça socialista, à medida que fez com que as

classes dominantes estivessem mais predispostas a ―amparar‖ os trabalhadores, o

que se deu através de um crescimento no gasto social público. Vale salientar que

1 Esse período ficou conhecido como a Era de Ouro do Capitalismo, em virtude das altas taxas de

lucro e do crescimento econômico, resultante da forte intervenção do Estado, bem como do padrão taylorista/fordista de produção.

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esses ganhos sociais estavam voltados para os países centrais, enquanto que os

países do Terceiro Mundo estavam totalmente excluídos desses benefícios, e, ainda

eram explorados para sustentar tal compromisso (BIHR, 1999).

Assim, após a Segunda Guerra Mundial, se desenvolveu nos países

capitalistas do chamado Primeiro Mundo o Estado de Bem Estar Social ou Estado

Providência, o qual teve como características a promoção social e forte intervenção

na economia2. Neste sentido, o Estado assumiu um duplo papel: criar mecanismo

para a acumulação de capital – financiando novos investimentos ou criando outros,

tornando-se empresário em áreas que demandam alto investimento, reduzindo ou

eliminando tributos, etc – e garantir uma distribuição de renda, por meio de uma rede

de políticas sociais compensatórias.

Vianna (2000, p. 11) apontou uma característica que norteou as

intervenções do Estado de Bem Estar Social na esfera social, contraditoriamente ao

Estado liberal, qual seja:

O risco a que qualquer cidadão, em princípio, está sujeito – de não conseguir prover seu próprio sustento e cair na miséria – deixa de ser problema meramente individual, dele cidadão, e passa a constituir uma responsabilidade social, pública. O Estado de bem-estar assume a proteção social como direito de todos os cidadãos porque a coletividade decidiu pela incompatibilidade entre destituição e desenvolvimento.

Foi nesse momento que a Seguridade Social foi alicerçada efetivamente em

diversos países desenvolvidos, em virtude do crescimento das ações do Estado de

Bem Estar Social3. Entretanto, o marco inicial já havia sido dado na Alemanha,

desde o final do século XIX, pelo chanceler do Império Otto Von Bismarck, o qual

propôs ao parlamento um projeto de lei contra acidentes de trabalho, enfermidades,

2 Esse modelo de acumulação requereu, ainda, um consumo em massa da população, o qual foi

sustentado pelo poder estatal por meio da tomada de algumas medidas, como o aumento de salários,

a redução do desemprego, a criação do seguro-desemprego, dentre outras. 3 Vianna (2000, p. 58) ressalta que nem todos os países com um sistema de proteção social

avançado consideram como seguridade social idêntico conjunto de ações. Dessa forma, toma como exemplo sete países desenvolvidos: Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos, Espanha, Suécia, Japão e França. E destaca que ―dos 7 países, em 3 a seguridade abrange, além de outros benefícios, assistência médica e seguro-desemprego (Alemanha, Japão e França); noutros 2 (Inglaterra e Espanha), apenas o seguro-desemprego. Os Estados Unidos não incluem nem serviços de saúde, nem o seguro-desemprego na seguridade social. A atenção médica pública, nos EUA, é fornecida por dois programas seletivos – o Medicare, um seguro para idosos com mais de 65 anos e o Medicaid, serviço prestado para indigentes – e o desemprego constitui objeto de atuação estadual. Na Suécia, o serviço Nacional de Saúde, universal e gratuito, faz parte da seguridade, mas o seguro-desemprego está a cargo de fundos voluntários administrados pelos sindicatos‖.

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velhice e invalidez, porém, os direitos aos benefícios eram garantidos mediante

contribuição direta anterior, financiada pelos empregados e empregadores4.

Todavia foi na Grã Bretanha por uma lei de 1911, que surgiu o primeiro

germe do Estado de Bem Estar Social, trazendo algo de novo em relação à

legislação alemã, não somente nos 25 anos que as separam, mas principalmente

por que pressupõe o uso de recursos do erário público, enquanto que na Alemanha

o Parlamento exigia que os trabalhadores e empregadores cobrissem por inteiro os

custos com os benefícios.

Essas conquistas demonstraram que antes mesmo da Primeira guerra

Mundial já começava a se alicerçar uma rede de direitos sociais, não somente

nesses países, mas em muitos outros países europeus. Porém, a Primeira Guerra

Mundial e a vitória do Socialismo na Revolução Russa de 1917, impulsionaram a

luta por direitos pelos trabalhadores, o que tornou o Estado e as classes dominantes

mais predispostas a atender algumas reivindicações, temendo uma revolta da

população.

Outras conquistas foram sendo alcançadas nos anos seguintes, no âmbito

dos direitos sociais. Após a Primeira Guerra Mundial por disposição do Tratado de

Versalhes, em 1919 foi criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT), com a

finalidade de generalizar direitos sociais e universalizar condições de trabalho.

Entre 1941 e 1942 foi criado o Plano Beveridge, por um comitê

interministerial britânico, presidido por William Beveridge, o qual abordando a

concepção de pleno emprego de keynes inaugurou a Seguridade Social como

responsabilidade primordial do Estado e como direito universal a todos os cidadãos,

posto que, eram garantidos os mínimos sociais a todos aqueles que necessitavam e

o financiamento era proveniente dos tributos (orçamento fiscal) e a gestão era

pública/estatal (BOSCHETTI E SALVADOR, 2005). Os princípios desse relatório –

universalidade, unidade e uniformidade – influenciaram a concepção de Seguridade

Social em todo o mundo, inclusive no Brasil.

Ainda que estivesse havendo ampliação dos direitos sociais, esses avanços

ocorreram de modo diferenciado, de acordo com a influência que esses eventos

tiveram em cada país. Singer (2005, p. 239) chama a atenção para a desigualdade

4 Singer (2005) salientou que essa proposta foi como uma compensação aos trabalhadores, por sua

ação de tornar ilegal o partido operário, em face de sucessivos ganhos de cadeiras por socialistas no Parlamento.

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existente nos ―gastos sociais como parcela do PIB entre países igualmente

desenvolvidos e igualmente partícipes na história política e social do ocidente, a

partir das revoluções industriais‖. Salienta, ainda, como exemplo, que ―nos Estados

Unidos, que participaram apenas do final da Guerra Mundial e não foram palco de

batalhas, os efeitos da mobilização e do temor do bolchevismo foram muito menores

do que na Alemanha‖.

Entretanto, a partir dos anos 1970, observou-se que a organização

taylorista/fordista dava sinais de esgotamento. Iniciou-se, desse modo, uma nova

crise vivenciada no modo de acumulação capitalista, em que o capital não mais

conseguia manter suas altas taxas de lucro e o crescimento econômico.

Os traços mais evidentes desta crise foram a queda das taxas de lucro, pelo

aumento do preço da força de trabalho e intensificação das lutas sociais; o

esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção, em virtude

da incapacidade de responder à diminuição de consumo, devido ao desemprego;

hipertrofia da esfera financeira; maior concentração de capitais, haja vista, as

fusões entre empresas monopolistas e oligopolistas; crise do Estado de bem Estar

Social e de seus mecanismos de funcionamento; e incremento acentuado das

privatizações, desregulamentação e flexibilização do processo produtivo5

(ANTUNES, 2006).

A intensificação das lutas de classe, boicotando e resistindo ao trabalho

despótico, taylorizado e fordizado, somou-se aos fatores agravadores da crise. O

operário massa constituído durante o processo taylorista/fordista se recompõs de

uma nova consciência de classe que passou a confrontar o compromisso social-

democrático. Conforme Antunes (2006, p. 41)

No final dos anos 60 as ações dos trabalhadores atingiram seu ponto de ebulição, questionando os pilares constitutivos da sociabilidade do capital, particularmente no que concerne ao controle da produção. Com ações que não pouparam nenhuma das formações capitalistas desenvolvidas e anunciavam os limites históricos do ‗compromisso‘ fordista. [...] O taylorismo/fordismo realizava uma expropriação intensificada do operário-massa destituindo-o de qualquer participação na organização do processo de trabalho, que se resumia a uma atividade repetitiva e desprovida de sentido.

As formas de enfrentamento assumiram as mais diversas formas individuais

5 Para maiores informações sobre a crise do capital de 1970 ver Antunes (1995 e 2006).

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– absenteísmo, fuga do trabalho etc. – e coletivas – greves parciais, formação de

conselhos, contestações da divisão hierárquica, entre outras.

Nesse período, entretanto, o Estado, como um dos traços da crise do capital,

antes visto com um estabilizador político econômico, passou a ser objeto de críticas

profundas, surgindo a expressão denominada de "Crise do Estado de Bem Estar

social", a qual foi marcada por uma forte tendência ao esgotamento da capacidade

financiadora deste.

Vianna (2000, p. 61) ressaltou que

A crise do Welfare State se apresenta, então, sob pelo menos três ângulos. O primeiro é o da crise econômica, que se manifesta em termos de recessão, redução do PIB e aumento do desemprego: menos receitas e maiores gastos, portanto. O segundo reflete mudanças na estrutura demográfica, cujo perfil vem mostrando uma diminuição do contingente de população ativa em relação à inativa; menores taxas de natalidade e mais longevidade fazem com que os encargos com idosos, aposentados, doentes crônicos, etc., tornem-se pesados. A terceira dimensão da crise é política, e se expressa na insatisfação da população – ou seja, do eleitorado – com a atuação do Estado de bem-estar.

O modelo de Estado de Bem Estar Social exigia forte intervenção do Estado,

no âmbito social e econômico, contudo, com a crise no padrão de acumulação

capitalista, cresceu a demanda das pessoas por ações do Estado para sua

sobrevivência, nas mais diversas áreas – previdência, assistência, saúde entre

outras – em razão do aumento do desemprego, e o Estado não conseguiu mais dar

respostas satisfatórias.

A crise do Estado de Bem Estar Social, embora, restrita a alguns países, nos

quais ele se fez presente, foi preponderante para o avanço do paradigma neoliberal

em todo o mundo.

Esse cenário que se viveu pós 1970 acabou constituindo-se no ―solo

propício‖ para a propagação e implementação das ideias neoliberais elaboradas por

Friedrich Von Hayek, que, embora formuladas em 1944, não tiveram, na época,

adesão, pois esse período marcou o início dos anos dourados do capitalismo.

Os defensores destas ideias defenderam que a nova crise do capital deveu-

se às constantes pressões reivindicativas do movimento da classe trabalhadora para

que o Estado aumentasse sempre mais os gastos com o social6 (IANNI, 1997). ―O

6 Uma pioneira na implementação de políticas neoliberais foi a primeira ministra da Inglaterra,

Margaret Thatcher, conhecida como ―a dama de ferro‖ por suas posturas inflexíveis. Durante seu

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neoliberalismo ressuscita a metáfora da ‗mão invisível‘, que estaria cada vez mais

presente em todo o mundo‖ (IANNI, 1997, p. 263). Retomou o discurso de que é

preciso liberalizar sempre mais, pois o mercado é o melhor mecanismo para o

crescimento e para a satisfação das necessidades dos indivíduos.

Assim, foram fortalecidos os discursos marcados pelo ataque à intervenção

do Estado, na medida em que se considerou que esta limitava os mecanismos do

mercado, destruía a liberdade dos cidadãos e a possibilidade de concorrência,

inviabilizando o progresso de todos, haja vista que a desigualdade social, segundo

argumentam os seus defensores, é imprescindível para o desenvolvimento das

sociedades (ANDERSON, 2003). Neste sentido, o Estado diminuiu os gastos com o

social e diminuiu, também, o seu papel nas intervenções econômicas, isto é, quando

fosse conveniente para o capital.

Dentre as muitas propostas da política neoliberal, podemos destacar a

contrarreforma do Estado, a desestatização da economia, a privatização de

empresas produtivas e lucrativas governamentais e a abertura de mercados (IANNI,

1997). Essas ações têm levado o Estado a um verdadeiro repasse de

responsabilidades, já que praticamente tudo passou a girar em torno do mercado.

O capital, nesse período, também reorganizou a sua forma de acumulação por meio

de um novo padrão produtivo – com caráter flexível, emprego de terceirização e uso

de alta tecnologia. Antunes (2006, p. 31) destaca que

Como resposta à sua própria crise, iniciou-se um processo de reorganização de capital e de seu sistema ideológico e político de dominação, cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal, da qual a era Thatcher-Reagan foi expressão mais forte; a isso se seguiu também um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho, com vistas a dotar o capital do instrumental necessário para tentar repor os patamares de expansão anteriores.

Dentre os instrumentos utilizados para voltar ao padrão de acumulação

anterior destacou-se o toyotismo japonês.

O toyotismo ou ohnismo – derivado de Ohno, engenheiro que o criou – é

governo ocorreram diversas mudanças ―no parque produtivo, passando pela redução das empresas estatais, pela retração do setor industrial, pela expansão do setor de serviços privados, enfim, pela reconfiguração da Inglaterra na nova divisão internacional do trabalho. Houve também enormes repercussões na forma de ser da classe trabalhadora, de seu movimento sindical, de seus partidos, de seus movimentos sociais, de seus ideários e valores‖ (ANTUNES, 2006, p. 61).

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uma forma de organização do trabalho que nasceu na Toyota, no Japão logo após a

Segunda Guerra Mundial e que se propagou para outros países com a crise do

sistema produtivo vigente em 1970. Os seus traços principais, os quais se

diferenciavam do fordismo são: produção vinculada à demanda, por isso também

bastante variada e heterogênea, diferindo da produção em série e de massa do

taylorismo/fordismo e da homogeneidade fordista; o trabalho é realizado em equipe

e com multivariedades de funções; os trabalhadores são polivalentes, operando

simultaneamente várias máquinas; e busca-se o melhor aproveitamento do tempo

de produção.

Além desses, outros traços típicos do toyotismo são: os estoques mínimos

para evitar qualquer desperdício; a estrutura das empresas são horizontalizadas –

transferência para ―terceiros‖ de partes que antes eram produzidas dentro de seu

espaço produtivo – inclusive as terceirizadas; organização dos Círculos de Controle

de Qualidade (CCQs), criando estratégias para se apropriar dos conhecimento dos

trabalhadores, acerca do processo de trabalho; utilização, também, do ―emprego‖

vitalício‖ para uma parcela dos trabalhadores das grandes empresas, além de

ganhos salariais intimamente ligados ao aumento da produtividade (ANTUNES,

2006).

É evidente que, pelas próprias características de cada país, esses aspectos

do toyotismo vão sendo aperfeiçoados, ou mesmo, sendo assimilados

processualmente (ANTUNES, 2006). Todavia, é inegável que esse processo de

reestruturação produtiva, ainda que queira mostrar-se superior ao padrão

taylorista/fordista, posto que este era mais rígido e autoritário, enquanto que o

modelo flexível implica participação e envolvimento dos trabalhadores, ainda que

manipulado, trouxe uma intensificação da exploração do trabalho, requerendo um

trabalhador polivalente e multifacetado, de acordo com o ritmo produtivo e a

velocidade da cadeia produtiva. Conforme Chesnais (1996, p. 17) ―todas as virtudes

atribuídas ao ‗toyotismo‘ estão dirigidas a obter a máxima intensidade do trabalho e

o máximo rendimento de uma mão de obra totalmente flexível‖.

Essa flexibilização também tende a tornar o trabalho cada vez mais

precarizado, quer seja pela terceirização e subcontratação dos trabalhadores,

distanciando-os, ainda mais, das empresas principais, quer seja pela qualificação de

um número reduzido de trabalhadores, sendo que a grande maioria continua

executando trabalho desqualificado. Desse modo, o toyotismo, assemelhando-se ao

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modelo taylorista/fordista, mas seguindo um receituário diferente ―reinaugura um

novo patamar de intensificação do trabalho, combinando fortemente à forma relativa

e absoluta de extração da mais-valia‖ (ANTUNES, p. 2006, p. 56), utilizadas sem

nenhuma preocupação com as consequências para o aumento brutal do

desemprego (CHESNAIS, 1996).

Esse novo cenário vai ser palco de constantes desregulamentações e

quebras de direitos alcançados nas décadas anteriores, especialmente nos países

desenvolvidos, visto que

Na experiência fordista-keynesiana, os sistemas de seguridade social foram ampliados por força das negociações entre empresas e instituições do Estado, enquanto nas experiências pós-fordistas, sob o influxo das idéias neoliberais, a tendência é de privatizar os programas de previdência e saúde e ampliar os programas assistenciais, em sincronia com as mudanças no mundo do trabalho e com as propostas de redirecionamento da intervenção social do Estado (VIANNA, 2000, p. 13).

Nesse novo cenário os trabalhadores contestaram, cada vez mais, o direito

de organização sindical para lutar por seus direitos. É imprescindível ressaltar que a

literatura especializada que tratam dos direitos alcançados nessa época, salientam

sobremaneira a relevância das lutas das classes trabalhadoras, principalmente dos

sindicatos e associações, apesar de que em diversos momentos, estes tiveram sua

atuação restringida, quer seja por leis que proibiam suas ações ou por cooptação

dos mesmos pelos empregadores e pelo Estado.

É importante nesse momento abrir um parêntese para falar dos primórdios

dessa luta e do seu impacto sobre os direitos nos diversos países.

2.1.1 O embate entre as classes fundamentais

Os escritos de Karl Marx sobre classes sociais dividiram-nas, basicamente,

em duas grandes classes antagônicas (burgueses e proletários) ligados por uma

relação de exploração (opressores e oprimidos). No Manifesto do Partido Comunista

Marx afirmou: ―toda a sociedade está se dividindo, cada vez mais, em dois grandes

campos hostis, em duas grandes classes em confronto direto: a burguesia e o

proletariado‖ (MARX E ENGELS, 1998, p. 5). Já no 1° Manuscrito Econômico

filosófico, ele também destacou e reafirmou essa proposição, como vemos:

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a distinção entre capitalistas e proprietário fundiário, bem como entre trabalhador rural e trabalhador industrial, deixa de existir e toda a sociedade se deve dividir em duas classes, os possuidores de propriedade e os trabalhadores sem propriedade‖ (MARX, 1989, p. 157).

A divisão da sociedade em classes sociais é encarada por Marx como uma

categoria histórica7, visto que essa divisão não ocorreu em todas as sociedades

indistintamente, mas é resultante de um crescente desenvolvimento da divisão do

trabalho social e do surgimento da propriedade privada. Foi nesse momento que os

não produtores (detentores dos meios de produção) e os produtores diretos

(trabalhadores destituídos de propriedade, exceto sua força de trabalho) se

enfrentaram pela primeira vez na condição de explorados e exploradores, ―os

possuidores de propriedade e os trabalhadores sem propriedade‖ (MARX, 1989, p.

157).

Essa afirmação vem ratificar o que disse Santos (1991, p. 19): ―o conceito de

classes sociais se constitui teoricamente dentro do conceito de luta de classes. A

luta de classes é, pois o conceito-chave para se compreender as classes sociais‖.

Na sociedade capitalista as relações dos homens entre si são mediadas pela

propriedade e pelo uso dos meios de produção. Dessa forma, aqueles que detêm

esses meios (capitalistas) se beneficiam de modo diferenciado daqueles que não os

detêm (trabalhadores). Na realidade, as relações que se travam entre trabalhadores

e capitalistas são movidas por interesses notadamente distintos e antagônicos.

Como muito bem caracterizou Marx (1989, p. 116): ―o trabalhador, em

relação ao patrão, não se encontra de modo nenhum na situação de vendedor livre

[...] o capitalista é sempre livre para empregar o trabalho e o operário vê-se obrigado

a vendê-lo‖. A igualdade não passa de mera injunção formal presente na legislação.

Como o trabalhador é destituído dos meios de produção, vê-se obrigado a vender

sua única propriedade, sua força de trabalho, para sobreviver. Assim, sua força de

7 Conforme Galliano (1981, p. 210-211) ―[...] a divisão em classes é resultado da evolução histórica da

sociedade. [...] Quando Marx fala, por exemplo, de ‗proletariado‘ e ‗burguesia‘, esses termos têm para

ele um sentido específico e concreto conferido pela relação estrutural dessas duas classes dentro da

sociedade capitalista. Daí decorre que as classes sociais não são realidades imutáveis. À medida que

a sociedade evolui, novas classes sociais surgem, se desenvolvem e se modificam, enquanto outras

desaparecem. Reciprocamente, cada novo estágio do desenvolvimento da sociedade aparece como

resultado da ascensão e da luta das classes sociais que o caracterizam‖.

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trabalho torna-se também uma mercadoria, contudo, como esta não existe fora do

trabalhador, este cede sua disposição de trabalho por um tempo determinado em

troca de um salário. Esse salário reflete apenas a ínfima parte do produto do

trabalho, sendo apenas o indispensável para existirem como trabalhadores.

Desse modo, como os trabalhadores precisam garantir cotidianamente os

meios de subsistência precisam lutar pela possibilidade de realizarem sua atividade,

isto é, pela oportunidade de trabalharem, visto que é o capital que demanda

segundo os seus parâmetros de produtividade a absorção da força de trabalho.

O valor do trabalho fica completamente destruído se não for vendido a todo instante. O trabalho não pode nem ser acumulado nem poupado, ao contrário das autênticas mercadorias. O trabalho é vida e se não for todos os dias permutada por alimentos depressa sofre danos e morre (MARX, 1989, p. 116).

Pelo exposto é possível afirmar que os trabalhadores não podem ficar sem

trabalho, haja vista que dele necessita para sua existência. Os capitalistas sabem

disso e não somente fazem crescer o número de trabalhadores, mas criam, também,

uma superpopulação, a qual forma um grande exército industrial de reserva, à

espera de uma oportunidade de trabalho.

No consumo da força de trabalho pelo capital não somente o operariado

trabalha sobre o controle e disposição do capitalista, mas também o produto é

propriedade deste, não do produtor imediato, o trabalhador (MARX, 1983). Assim,

―quanto mais objetos o trabalhador produzir, menos ele pode possuir e mais se

submete ao domínio do capital‖ (MARX, 1989, p. 159). Segundo Marx a realização

do trabalho para o trabalhador se dá como alienação, visto que o trabalhador vê o

produto de seu trabalho como algo estranho a ele e nele não se reconhece, como

aponta:

[...] o trabalho é exterior ao trabalhador, quer dizer, não pertence à sua natureza, portanto ele não se afirma no trabalho, mas nega-se a si mesmo, não se sente bem, mas infeliz, não desenvolve livremente as energias físicas e mentais, mas arruína o espírito. Por conseguinte, o trabalhador só se sente em si fora do trabalho, enquanto no trabalho se sente fora de si. Assim, o seu trabalho não é voluntário, mas imposto, é trabalho forçado. Não constitui a satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio de satisfazer outras necessidades (MARX, 1989, p. 162).

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Enquanto para o trabalhador o trabalho é sacrifício para o capitalista é

sinônimo de garantia de mais riquezas. O emprego de trabalhadores pelos

capitalistas só faz sentido porque eles esperam não somente serem revertidos os

fundos aplicados em salários, matérias primas e objetos de trabalho, mas desejam

lucrar através de suas aplicações (MARX, 1989) e, mais do que isso, anseiam por

extrair mais valia do trabalho. Segundo Marx (1983, p. 162) ―a mais valia se origina

de um excedente quantitativo de trabalho, da duração prolongada do mesmo

processo de trabalho‖. Assim, apreendemos que os capitalistas buscam não a

satisfação de necessidade, mas o dinheiro acrescido, a acumulação de capital e

para isso se utilizam do trabalho como fonte criadora de valor.

Portanto, a relação que se estabelece entre trabalhadores e capitalistas

enriquece apenas estes, enquanto aumenta o domínio do capital sobre aqueles.

Torna-se perceptível, nesse momento, uma relação de oposição e antagonismo. O

trabalhador como sai perdendo nesse jogo rebela-se contra o capital e passa a lutar

pelo reconhecimento e garantia de direitos.

A origem da luta de classes para Marx (2008, p. 67) deu-se

À medida que a burguesia se desenvolve, desenvolve-se também no seu interior um proletariado moderno: desenvolve-se uma luta entre a classe operária e a classe burguesa, luta que antes de ser sentida por ambos os lados, percebida, avaliada, compreendida, confessada e proclamada abertamente, manifesta-se previamente apenas por conflitos parciais e momentâneos, por episódios subversivos.

Desse modo, segundo Marx a luta de classes materializou-se através de

lutas e conflitos concretos. Essas lutas em nível mundial se fizeram presentes,

especialmente, em meados do século XVIII, quando diversas invenções começaram

a revolucionar a manufatura e o transporte na Inglaterra, substituindo muitos

artesãos que produziam com ferramentas simples em suas próprias casas, devido

aos altos custos dos equipamentos para produção, que estavam fora do alcance

econômico da maioria dos trabalhadores. Com a Revolução Industrial, mudou

também o quadro urbano, com uma grande massa de trabalhadores morando nas

cidades em condições insalubres.

Surgiu, assim, um vasto operariado fabril formado por ex-artesãos e um

grande número de pessoas sem trabalho. ―Além disso, o trabalhador sente a cada

momento que o burguês o trata como uma coisa, como sua propriedade‖ (ENGELS,

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2008, p. 54), pois vivenciavam longas jornadas de trabalho, falta de higiene e

salários insuficientes para sanar suas necessidades e de suas famílias. Desse

modo, são impulsionados a lutar para assegurar uma melhor posição e uma

condição mais humana, apesar de que, até o final do século XVII e início do século

XIX, a organização de trabalhadores foi proibida em diversos países.

De acordo com Engels (2008) a primeira e mais brutal forma de luta foi o

crime e ressalta que, com a expansão da indústria o número anual de prisões

também cresceu. Contudo,

Os operários logo perceberam que o crime não ajudava em nada. O criminoso só podia protestar contra a sociedade existente sozinho, como indivíduo; todo o poder da sociedade caía sobre cada criminoso, e o esmagava com sua imensa superioridade. Além disso, o roubo [...] nunca se tornou a expressão universal da opinião pública dos trabalhadores, embora muitos deles pudessem aprová-lo em silêncio (ENGELS, 2008, p. 54).

Outra forma de luta das classes trabalhadoras foi a resistência à introdução

da maquinaria, o que foi levado a cabo através de perseguições aos primeiros

inventores e destruição de máquinas8. Essa forma de protesto ficou restrita a

algumas localidades e no fim somente os trabalhadores eram punidos, enquanto a

maquinaria era reintroduzida.

Foram resultados também de revoluções e motins no século XVIII,

significativas conquistas em vários países, de que são exemplos os Estados Unidos,

país pioneiro na construção de uma Constituição Federal baseada nos princípios de

cidadania, apesar das diversas restrições aos negros, mulheres e índios; e a França,

cuja população através dos diversos motins denunciou a situação de miséria e

desemprego, culminando na Carta Magna de 1791. Estas conquistas, embora

repletas, ainda, de concepções conservadoras, era o prenúncio de mudanças

substantivas (SINGER, 2005).

Na Inglaterra um importante avanço foi a aprovação da lei de 1824, a qual

concedeu o direito de associação e greve, que havia sido revogada no final do

século XVIII. Haja vista que, durante esse período toda organização dos

trabalhadores foi limitada, devido à clandestinidade e a necessidade de manter-se

em segredo.

8 Um movimento na Inglaterra que usou a quebra das máquinas e que ficou mundialmente conhecido

foi o movimento dos Ludditas – provavelmente porque o seu dirigente chamava-se Ned Ludd.

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Conforme Engels (2008, p. 55-56) na Inglaterra

Em todas as seções da indústria sindicatos foram formados com a intenção manifesta de proteger o operário isolado contra a tirania e negligência da burguesia. Seus fins eram negociar, en masse, como força, com os empregadores; regular a taxa de salários segundo o lucro dos últimos, elevá-la quando se oferecia a oportunidade, e mantê-la uniforme em cada ofício por todo o país.

Marx (2008, p. 62) corroborou com a afirmação de Engels ao falar sobre o

objetivo da organização sindical: ―os sindicatos têm por fim impedir que o nível de

salários desça abaixo da soma paga tradicionalmente nos diversos ramos da

indústria e que o preço da força de trabalho caia abaixo de seu valor‖. Contudo,

sabemos que essa finalidade até atendia os interesses e necessidades da época,

porém, hoje, com as diversas inflexões ocorridas no mundo do trabalho e mesmo na

esfera do Estado, as lutas do movimento sindical, precisam atuar nesse âmbito

também, mas, sobretudo, deve superá-la. Daí ser tão relevante sua atuação para

além dos direitos trabalhistas e corporativistas.

Foi no fim do século XIX e início do século XX que os direitos,

especificamente, os direitos sociais, contaram com amplo alargamento, como já

abordado, processo concomitante com a luta da classe trabalhadora que se fez

sempre presente. Ora de forma mais combativa, ora de forma mais pontual, devido

às diversas limitações e desafios colocados historicamente e diferenciadamente nos

diversos países do mundo9.

Entretanto para Marx as lutas das classes trabalhadoras só fazem sentido à

medida que tomam consciência de sua situação comum. Por isso, Marx faz uma

importante distinção entre consciência de classe em si e consciência de classe para

si:

A dominação do capital criou para essa massa uma situação comum, interesses comuns. Por isso, essa massa é já uma classe diante do capital, mas não o é ainda para si mesma. Na luta [...] essa massa reúne-se, constitui-se em classe para si mesma. Os interesses que defende tornam-se interesses de classe (MARX, 2008, p. 67).

Como classe em si os trabalhadores reconhecem-se como classe

9 As nações mais atuantes em termos de conquistas de direitos, nesse período, bem como de lutas

da classe trabalhadora, foram os países desenvolvidos, nos quais se destacaram Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos (SINGER, 2005).

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subalterna, com interesses comuns e antagônicos à classe burguesa. Porém,

somente quando os trabalhadores tomam consciência de sua situação e objetivos e

passam a lutar por seus objetivos, como sujeitos da história, tornam-se então classe

para si. Esses momentos que parecem distintos, na realidade não o são, Iamamoto

(2007) chama a atenção que estas dimensões são inseparáveis para a formação

histórica das classes em Marx, elas se dão em um processo de transição (de classe

em si para classe para si) e não de uma concepção de dualidade. Assim,

Em sua luta revolucionária, não basta o proletariado, assumir-se enquanto classe (consciência em si), mas é necessário assumir-se para além de si mesmo (consciência para si). Conceber-se não apenas como um grupo particular com interesses próprios dentro da ordem capitalista, mas também se colocar diante da tarefa histórica da superação dessa ordem. A verdadeira consciência de classe é fruto dessa dupla negação: num primeiro momento, o proletariado nega o capitalismo assumindo sua posição de classe para depois negar-se a si próprio enquanto classe, assumindo a luta de toda sociedade por sua emancipação contra o capital (IASI, 2007, p. 32).

A luta de classes na concepção de Marx é considerada como fator primordial

para a busca e consolidação de direitos e, mesmo que a vitória não seja o seu

resultado imediato, as lutas servem para unir, cada vez mais, os trabalhadores

(MARX E ENGELS, 1998). Contudo, embora para Marx essas lutas parciais e

momentâneas (motins, greves, entre outras) fossem importantes, era imprescindível

que a luta se estendesse para um âmbito mais geral de transformação da própria

realidade social como um todo. Essa luta daria origem a uma revolução que

destronaria a própria ordem social vigente.

Para esse autor eram os proletários que deveriam destruir a relação de

exploração pautada na propriedade privada, resultante do modo de produção

capitalista (MARX E ENGELS, 1998). Apesar de tantos anos passados, a frase de

encerramento do Manifesto do Partido Comunista (1998, p. 46) é extremamente

atual, numa sociedade notadamente marcada pela divisão de classes e

desigualdade social, e ainda ressoa em diversos movimentos de trabalhadores que

lutam contra a opressão e exploração: ―Proletários de todos os países, uni-vos!‖.

2.2 O ESTADO BRASILEIRO E AS LUTAS DOS TRABALHADORES POR DIREITOS

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No Brasil o Estado possui um legado histórico de repressão e autoritarismo,

contudo, temendo as movimentações e conflitos, diversas vezes precisou ceder e

criar, paulatinamente, e ainda que não tão amplamente quanto nos países

desenvolvidos, um sistema de proteção social, visando amenizar os conflitos e dar

legitimidade ao sistema de poder.

O processo de reconhecimento e garantia dos direitos sociais deu-se, mais

concretamente, no início do século XX, quando algumas necessidades da população

começaram a ser atendidas pelo Estado10. Esse processo foi determinado,

fundamentalmente, a exemplo do que aconteceu nos países desenvolvidos, pela

organização e lutas das classes trabalhadoras, representadas, principalmente, pelo

movimento operário e sindical, resistindo e denunciando a opressão que lhe era

imposta pela classe dominante e reivindicando a melhoria, tanto das condições de

trabalho, quanto de vida.

Nesse período, o Estado passou a regulamentar e garantir os direitos sociais

inspirados no padrão bismarckiano de origem alemã e posteriormente no

beveridgiano, inglês. Porém, desde o final do século XIX já se esboçavam alguns

direitos sociais, contudo, não ultrapassavam o âmbito dos profissionais do Estado.

É importante salientar que esse processo deu-se tardiamente, visto que

diversos países desenvolvidos já contavam com significativos avanços no campo

dos direitos. Aliás, o Brasil é marcado notadamente por sua inserção tardia em

diversos processos que nos países desenvolvidos já se faziam presentes desde

muito tempo, assim, podemos falar de capitalismo, industrialização, proteção social

e neoliberalismo tardios.

Esse fato ocorreu em virtude da própria história e cultura brasileira, na qual

durante muito tempo – desde o seu descobrimento até o século XIX – apresentou-se

como uma colônia de Portugal, tendo como principal atividade a agricultura, cuja

mão de obra era escrava.

Somente no final do século XIX, esse quadro começou a mudar, mais

substancialmente, com a abolição da escravatura e o fim do regime monárquico,

10

Ressalta-se, também, que ainda no século XIX e início do século XXI era vigente no país, a exemplo de outros países desenvolvidos o pensamento liberal formulado por Adam Smith, o qual pregava que no mercado os indivíduos eram juridicamente iguais e autônomos, sendo capazes de firmar acordos que não deviam interessar a ninguém para atender suas necessidades, não devendo o Estado intervir nessa relação. Apregoando a suposta premissa de que todos tinham as mesmas oportunidades e que era feita uma justa distribuição de bens, de acordo com a capacidade e talento de cada um.

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vivenciando o país um novo cenário: a instituição de um regime republicano

presidencialista e federalista, o incentivo ao trabalho livre assalariado executado, em

grande parte, por mão de obra estrangeira e o crescimento das indústrias, que foi

ainda maior durante a Primeira Guerra Mundial, já que nesse momento houve

diminuição da concorrência européia (FÜCHTNER, 1980).

O novo cenário social que se apresentava no país, conseqüentemente,

trouxe consigo tensões sociais crescentes e o surgimento de novos problemas

sociais, face às condições precárias de trabalho e de vida na época. A questão

social, já existente, embora não reconhecida, começou a revelar-se mais

intensamente. Nesse contexto, as classes trabalhadoras passaram a ser mais

presentes, reivindicando seus direitos.

Partilhamos da perspectiva utilizada por Netto (2001), o qual aborda a

questão social como constitutiva do desenvolvimento capitalista. Desse modo, ―a

‗questão social‘ está elementarmente determinada pelo traço próprio e peculiar da

relação capital/trabalho – a exploração‖ (NETTO, 2001, p. 45), não podendo ser

suprimida sem a eliminação do capital. Assim, cada novo estágio de

desenvolvimento do capitalismo traz consigo novas expressões da antiga questão

social. O Estado em meio às pressões dos trabalhadores passou a intervir mais

concretamente, ainda que por muito tempo, a questão social fosse questão de

polícia.

Portanto, a garantia e conquistas alcançadas no âmbito dos direitos no Brasil

deram-se permeadas pela organização e mobilização de determinados setores da

sociedade que lutaram pelo efetivo atendimento de suas necessidades e não foram

meros presentes do Estado. Santos (2005, p. 82) salientou a relevância da luta na

conquista de direitos:

A luta por direitos se realiza enquanto ação política, na medida em que a regulamentação de um determinado direito numa sociedade fundada no antagonismo de classe, não acontece naturalmente, mas é na maioria das vezes, produto da organização coletiva, da correlação de forças e da articulação entre luta institucional, parlamentar e luta popular, extra-parlamentar.

O estudo dessas lutas, manifestações e resistências demonstram

suficientemente que, aquilo que foi consubstanciado em leis não foram dádivas ou

benesses do Estado, mas um reconhecimento jurídico/legal das reivindicações dos

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trabalhadores.

Dessa forma, como se apreende foram as classes trabalhadoras por meio de

seu movimento operário e sindical, a força motriz de lutas que decorreram em

importantes conquistas de direitos, durante quase todo o século XX. No Brasil, de

acordo com Füchtner (1980) as primeiras associações de trabalhadores não foram

organizadas de acordo com as profissões, mas eram associações urbanas de

trabalhadores dos mais diversos ramos, nas quais eram realizados diversos

programas para melhoria da situação social destes. Tais associações eram o

prenúncio da resistência às condições de trabalho impostas pelo capitalismo

emergente no Brasil. Segundo ele, a primeira organização de trabalhadores,

baseada em profissões data de 1853: a Associação Tipográfica Fluminense, em

Niterói.

Rezende (1986, p. 9) afirma, também, que se pode buscar ―as ‗raízes

remotas‘ do movimento operário em sociedades de cunho mutualista, antes mesmo

de 1888‖. Morais Filho (1978) reforça essa idéia e acrescenta dois casos de

organizações operárias, com características de associação de classe, de trabalho

livre, com finalidade de reivindicações: a Liga Operária, fundada em 1870 e a União

Operária, instituída em 1880 pelos operários do Arsenal da Marinha. Morais Filho

(1978, p. 182) ressalta que

É bem compreensível essa quase ausência total de organismos de tal natureza nos tempos do Império. Numa sociedade escravocrata, toda ela baseada no trabalho servil, com a indústria em seus primeiros ensaios, espalhada por um longo território, com escassa densidade populacional, não era possível encontrar clima próprio à organização coletiva do trabalho. Pouco ainda possuíamos de trabalho verdadeiramente urbano, exercido em grandes centros, que justificasse a aproximação dos poucos ocupantes de profissões livres em coalizões ou reuniões para tratar de seus interesses.

Foi com o fim da escravatura e a proclamação da República que o quadro

começou a mudar. Nesse período cresceu, também, o número de trabalhadores

assalariados, especialmente na indústria, além do aumento na concentração urbana,

em torno das grandes fábricas. A exploração dos trabalhadores nesse período eram

as mais aviltantes, estando os operários da industrialização recente do país

submetidos a um verdadeiro esgotamento físico e diversos problemas de saúde

pelas intensas horas de trabalho e condições precárias, recebendo, ainda, em troca

salários ínfimos que permaneceram iguais durante muitos anos.

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Com o passar do tempo as condições de trabalho se agravaram, e, se era

necessário motivos para organizar-se, os operários tinham razões de sobra para

formarem as organizações operárias. Assim, foi primordialmente na transição do

século XIX para o século XX que o movimento operário, ganhou força na arena

social, face às próprias mudanças que eram presenciadas no país – crescimento da

indústria, aumento do operariado, rápida concentração urbana –, as quais não

traziam em contrapartida garantia de emprego para todos trabalhadores que

chegavam às grandes cidades, muito menos, boas condições de trabalho e de vida.

Nesse período os salários eram muito baixos e diversos direitos

posteriormente conquistados ainda não eram reconhecidos – férias, jornada de

trabalho de oito horas, proibição do trabalho de menores de idade, entre outros –

fazendo-se essencial as lutas das classes trabalhadoras. Desse modo, as

reivindicações mais freqüentes das classes trabalhadoras nesta época eram

referentes à redução da jornada de trabalho, regulamentação do trabalho da mulher

e do adolescente ao trabalho noturno e dos acidentes de trabalho (MORAIS FILHO,

1978).

As reivindicações eram expressas através de greves e manifestações, que

ao longo dos anos subseqüentes, foram se tornando, cada vez mais, freqüentes,

como veremos adiante.

À emergência e o desenvolvimento dessas organizações operárias que

lutavam pela constituição de uma legislação social, somaram-se um clima de

resistência à industrialização e ao capitalismo, pela atuação de novas correntes

política formadas, principalmente, por intelectuais e imigrantes, os quais traziam,

diversos pensamentos: socialista, positivista, evolucionista, marxista, socialista

utópico e anarquista. Pensamentos, esses, que começaram a se entrelaçar com os

programas das reivindicações operárias.

Entretanto, apesar da ampla ação política que vivia a luta operária os

obstáculos pelo estabelecimento de direitos, ainda eram muitos e o liberalismo ainda

predominava.

No ano de 1903 pelo Decreto Legislativo nº 979 de 06 de janeiro de1903 foi

aprovada a primeira lei sindical do país, a qual facultava aos profissionais da

agricultura e indústria rurais a organização de sindicatos para a defesa de seus

interesses. Apreendemos, aqui, que a legislação sindical brasileira, começou a

legislar sobre o fenômeno associativo pelo trabalho rural. Isso é interessante e faz

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todo sentido, tendo em vista sermos um país de formação agrícola, cujo percentual

de trabalhadores rurais, na época, era bem mais alta em relação aos urbanos

(MORAIS FILHO, 1978). Segundo a literatura especializada essa lei não teve grande

repercussão política.

A segunda lei sindical do país, editada através do Decreto 1.637 de 05 de

janeiro de 1907 criou as sociedades cooperativas e estendeu o direito de se associar

em sindicatos a todos os profissionais, inclusive, os liberais. Garantindo o direito de

se constituírem livremente, sem a autorização do Estado, contudo, mediante registro

em cartório.

Morais Filho (1978, p. 186) salienta que essa lei recebeu influência da lei

francesa de 1884, ―com o mesmo sentido de liberalismo individualista, de pluralidade

sindical e da mais absoluta autonomia‖. Entretanto, ambas as regulamentações

sobre os sindicatos não passaram de mera assistência aos associados, pois não se

pretendia, realmente, ―a criação de um espírito sindicalista, de resistência

profissional e de arregimentação de classe, e sim o de cooperação, de auxílio

mútuo, de assistência‖ (MORAIS FILHO, 1978, p. 186).

Importantes papéis representaram, nesse período, as federações e

confederações, regionais e nacionais na articulação e condução de greves –

principal forma de expressão do movimento operário – e também na realização de

congressos nacionais e regionais para definição de pautas de reivindicações e

formas de atuação. Inclusive, a primeira Federação criada no país foi fundada pelos

trabalhadores do Rio de Janeiro, chamava-se Federação das Associações de

Classe, mais tarde, chamada de Federação Operária Regional Brasileira (MORAIS

FILHO, 1978). E, a primeira Confederação foi denominada de Confederação

Operária Brasileira (COB) criada durante o I Congresso Operário Brasileiro, em

1906. A COB tinha um caráter combativo e anticapitalista, apesar do número de

operários na época, ainda, ser bem pequeno11.

11

Segundo Giannotti e Lopes Neto (1991, p. 11) depois da COB houve outras tentativas inexpressivas de se criar uma central sindical. Uma delas foi a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGTB), criada em 1929. Outra foi a Confederação Sindical Unitária Brasileira (CSUB), criada em 1935. Estas duas tentativas não influíram muito na história das classes trabalhadoras. Já em 1946 no pós Segunda Guerra Mundial foi criada outra central com o mesmo nome da que foi fundada em 1929, CGTB. ―Depois disso, até o nascimento da CUT, não temos mais nenhuma proposta de central sindical‖. Ainda que tenha havido experiências localizadas ou mesmo nacionais, não se propunham a englobar todas as classes, mas apenas algumas categorias específicas, como são os casos do Pacto de Unidade Intersindical (PUI), o Pacto de Unidade e Ação (PUA) e, principalmente, o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), de 1962.

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Apesar do pouco número de filiados, sua influência era sentida pelos

governantes, tanto é que em 1912, o presidente na época, Hermes da Fonseca,

tentando neutralizar a COB, influiu na realização de um congresso operário, cujo

objetivo era criar uma Confederação Brasileira do Trabalho. Apesar dessa tentativa

não ter dado certo, demonstrou o temor das lutas das classes trabalhadoras e o

prenúncio de um controle direto do Estado sob o movimento sindical (GIANNOTTI &

LOPES NETO, 1991; REZENDE, 1986).

Nesse período a questão social, como já sinalizamos, foi vista, pelo poder

público como caso de polícia, contudo, ainda que essa perspectiva não tenha

desaparecido, quando o Estado percebeu que era necessário ceder procurou

mesclar um pouco de concessão em suas ações, tendo em vista os conflitos

presentes.

A luta dos operários brasileiros por seus direitos tinha sido muito forte, principalmente, durante a guerra. O governo e os empresários estavam com medo dessa luta [...]. Aqui dentro e fora do Brasil, as lutas operárias estavam forçando o aparecimento de leis que reconhecessem os direitos dos trabalhadores. O governo e a burguesia tinham que ceder, pelo menos em parte, às exigências do proletariado. Por isso, já em 1919, apareceu no Brasil uma primeira lei, a de proteção nos casos de acidente no trabalho. Em 1923 apareceu a lei que dava estabilidade no emprego, pensão e aposentadoria para os ferroviários, e que, em 1926 foi estendida aos portuários. Em 1925 criou-se a lei de férias, 15 dias anuais, primeiro para os comerciários, e para todos os trabalhadores a partir de 1926. Também no fim de 1926, veio a lei sobre o trabalho de menores, proibindo o trabalho de menores de 14 anos e limitando a 6 horas diárias, o trabalho dos menores de 18 anos. Também muitas categorias de trabalhadores já haviam conquistado com suas lutas a jornada de 8 horas de trabalho [...]. Nenhuma dessas leis foi dada de presente [...] elas foram o resultado da luta incansável dos próprios trabalhadores (ASSOCIAÇÃO CATÓLICA OPERÁRIA, 1984, p. 23-24).

Como podemos apreender dessa citação as conquistas de direitos, inclusive,

direitos previdenciários deram-se envolvidas com os movimentos do proletariado.

Em 1919, foi promulgada a primeira lei brasileira ligada à Previdência – uma lei

contra acidentes de trabalho –, mas somente em 1923 foi aprovada a lei marco da

Previdência Social no Brasil, a Lei Eloy Chaves12, que criou as Caixas de

Aposentadorias e Pensões (CAPs) para os ferroviários, as quais foram estendendo-

se progressivamente a outras categorias e mais tarde foram sendo substituídos por

Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs).

12

Nas páginas seguintes abordaremos a relevância e marco dessa lei para Previdência Social.

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Acontecimentos mundiais contribuíram para evolução dos direitos no país. O

primeiro deles a assinatura do Tratado de Versailhes, no qual o Brasil como

signatário teve que cumprir, não somente um tratado de paz, mas, também,

determinadas recomendações a favor dos trabalhadores e se filiar à Organização

Internacional do Trabalho (OIT).

Outro acontecimento relevante nesse período foi a Primeira Guerra Mundial,

a qual influiu sobre a política econômica e desempenhou importante papel na

intensificação da legislação social, visto que os governos buscando a colaboração

dos trabalhadores na produção e temendo uma revolta nesse momento crítico, teve

uma atitude mais amena e passou a reconhecer certos direitos dos trabalhadores.

Somou-se a isso a Revolução Russa de 1917 que também teve grande

influência sobre os trabalhadores, principalmente nos centros de maior densidade

proletária, como Rio de Janeiro e São Paulo. A influência desses eventos foi tão

grande que, segundo Morais Filho (1978, p. 198) ―entre 1914 e 1920, duplicou o

número de associados dos sindicatos nas principais nações do mundo‖.

Esse autor analisa, ainda, em seu estudo as erupções de greves em todo o

Brasil no ano de 1919, resultando numa verdadeira greve geral, que paralisou as

atividades industriais e comerciais do país, demonstrando, mais uma vez, a força

dos trabalhadores ao reivindicar direitos.

Assim, como já registramos, diversos direitos foram reconhecidos, ainda,

nas duas primeiras décadas do século XX: a promulgação da lei que regulamentou

os acidentes no trabalho de 1919; a criação do conselho Nacional de Trabalho, para

organizar a legislação do trabalho e supervisionar sua aplicação em 1923; a lei Eloy

Chaves, que instituiu a Previdência, também em 1923; a lei de 15 dias de férias para

os trabalhadores, em 1925; entre outras.

Entretanto apesar do movimento operário ir avante, contava também com

algumas dificuldades, de que é apenas exemplo, a heterogeneidade existente no

próprio movimento. Os muitos autores que tratam sobre o tema (ANTUNES, 1990;

ACO, 1984: REZENDE, 1986) destacam entre as diversas tendências existentes, o

anarcossindicalismo e o comunismo, duas vertentes que, embora de esquerda,

dividiam os trabalhadores em dois grupos, e, invariavelmente, enfraquecia a luta.

Piletti (2002) ressalta que entre as correntes políticas existentes nessa

época algumas defendiam mudanças mais profundas e imediatas no Brasil. Dentre

elas destacaram-se o Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundado em 1922, o qual

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proibido de funcionar livremente passou a agir na ilegalidade. Apesar disso, segundo

Piletti (2002) o PCB tinha em torno de 10 mil filiados e simpatizantes que eram

chamados de ―vermelhos‖.

Os comunistas se uniram a outros grupos políticos e formaram a Aliança

Nacional Libertadora (ANL). Os integrantes da ANL eram chamados de aliancistas.

Essa corrente defendia a derrubada do governo e uma transformação profunda e

rápida no país.

Em oposição à ANL havia a Ação Integralista Brasileira (AIB). Os

integralistas eram ferrenhos anticomunistas e adeptos das idéias fascistas, sendo

chamados de ―galinhas verdes‖, por causa da cor do uniforme que usavam.

O governo Vargas combateu os comunistas fortemente. Assim, em julho de

1935, proibiu as atividades da ANL, acusando de subverter a ordem social. Mesmo

proibidos de existir legalmente, os aliancistas continuaram a agir na ilegalidade.

Outro desafio enfrentado pelo movimento foi o fato de os políticos brasileiros

tendo reconhecido que o movimento operário crescia e, temendo as constantes

revoltas passaram não somente a fazer concessões nos direitos, mas, também, a

requerer o apoio dos operários ao Estado, o que lhes trariam algumas vantagens.

Os governantes começaram a favorecer a criação de sindicatos liderados por

operários que fossem controlados por ele e servissem aos seus interesses, os

chamados ―líderes amarelos‖.

Entretanto, apesar das dificuldades e fragilidades do movimento ―como a

situação da classe era como sempre muito dura surgiam grupos que tentavam lutar,

apesar da confusão de idéias e da repressão policial. Nunca faltaram à Classe

Operária militantes que heroicamente lutavam pelos seus interesses‖ (ACO, 1984, p.

36).

Em 1930 através de uma revolução pelo alto – posto que a base não foi

transformada, mas apenas algumas reformas superficiais foram realizadas

reorganizando o Estado e reafirmando a dominação burguesa – Getúlio Vargas

assumiu o poder apoiado por forças bastante diversificadas (latifundiários do café,

proprietários de terra, os tenentes, a classe operária desorganizada e a burguesia

industrial).

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Ao tomar posse Vargas13 tentou atender, pelo menos em parte, aos diversos

interesses de grupos e classes sociais. E, principalmente, foi preciso atender as

reivindicações do movimento operário, afinal, conhecendo ele a história da luta

operária não podia arriscar-se a ter uma oposição forte dos trabalhadores, precisava

ganhar o apoio desse segmento e mantê-los sob controle.

Portanto, de um lado o Estado procurou ampliar a legislação que já havia

sido promulgada anos antes. Entre 1931 e 1934 criou várias leis – expansão aos

servidores públicos de estabilidade no emprego e sistema de aposentadoria e

pensões; extensão da jornada de trabalho de oito horas para outras categorias; a

regulamentação do trabalho de mulheres e de adolescentes; criação das juntas de

conciliação e julgamento para as questões trabalhistas; novas leis de férias dos

comerciários e operários; e a aprovação da Consolidação das Leis Trabalhistas

(CLT), a qual foi de grande relevância para os trabalhadores, apesar de suas

restrições14.

Por outro lado, concomitante às leis sociais criadas, o governo precisou criar

um meio de limitar a ação dos trabalhadores. Tendo em vista que a exploração

continuava, os trabalhadores não deixaram de lutar por mais direitos ou por uma

mudança mais profunda da sociedade. Tendo previsto isso, em 19 de março de

1931, o governo criou a Lei de Sindicalização que restringia substancialmente a

atuação dos sindicatos e atrelava sua criação e controle ao Estado, através do

Ministério do Trabalho, indústria e Comércio, recém criado, em 26 de novembro de

1930. Essa lei restringia substancialmente o Decreto 1.637, de janeiro de 1907, o

qual regia que os sindicatos profissionais podiam constituir-se livremente, não

precisando da autorização do Governo para organizar-se (MORAIS FILHO, 1978).

13

Em seu governo Getúlio Vargas vivenciou três momentos: exerceu o poder como chefe do governo provisório (1930-1934); em seguida com a promulgação da segunda Constituição do período republicano, de 1934, foi eleito pela Assembléia Constituinte presidente do país (1934-1937); e com a instalação da ditadura do Estado novo, Vargas manteve-se no poder de 1937 a 1945. 14

É importante salientar que a CLT contêm tanto normas protetivas do direito do trabalho, quanto normas que regulamentam a organização sindical. Isto é, por um lado ―as normas protetivas do trabalho visam limitar a autoridade, o arbítrio e a exploração que vitimam os trabalhadores [...]. Representam garantias mínimas conquistadas pelos trabalhadores de todo país ao longo de décadas de luta‖. Por outro lado, ―as normas que regulamentam a organização sindical, que compõem o Título V da CLT, visam disciplinar e controlar a organização e a luta sindical dos trabalhadores, de modo a reduzir a eficácia de sua ação reivindicativa. Essas normas, portanto, limitam a liberdade de ação dos trabalhadores, e não do empregador‖ (BOITO JR., 2005, 138).

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Através dessa lei de 1931 o governo Vargas marcou a intervenção normativa

do Estado brasileiro na organização do movimento sindical brasileiro, a qual perdura

até os dias atuais (início do século XXI).

Segundo Rezende (1986) as principais diretrizes da Lei de Sindicalização

foram: definir que o reconhecimento dos sindicatos deveria ser feito pelo Ministério

do Trabalho, mediante aprovação do estatuto; incentivar os sindicatos de patrões,

empregados e de operários a celebrar acordos entre si; proibir as organizações

sindicais de se vincularem às organizações internacionais, sem aprovação do

Ministério do Trabalho; e estabelecer que os sindicatos, as federações e as

confederações deveriam mandar anualmente um relatório para o Ministério do

Trabalho.

Nesse sentido, o Estado formulou uma política sindical cujo principal

elemento era o caráter controlador e desmobilizador, condição esta necessária não

só para que ―o movimento operário não ultrapassasse os limites impostos pela nova

ordem política, mas, também, para que se assegurem as condições mínimas

garantidoras da instauração de uma nova ordem econômica dirigida para

industrialização‖ (ANTUNES, 1990, p. 74). Esses aspectos mostram o caráter dúbio

da ação do governo, concedendo de um lado e cerceando de outro.

Através de uma série de leis sociais e trabalhistas, Vargas tentava criar a idéia de um Estado protetor da classe operária, generoso, apagando da memória dessa classe toda a sua luta anterior por melhores condições de vida e trabalho. Reforçava-se o Estado e abriam-se as portas para o crescimento da acumulação capitalista. Ideologicamente, fabricavam-se novos mitos e obscurecia-se o lugar da luta de classes (REZENDE, 1986, p. 34).

Entretanto, a implantação desse modelo de sindicatos não ocorreu como o

governo queria, mas houve muita resistência. Conforme a ACO (1984) até 1934 o

Ministério só tinha reconhecido 288 sindicatos, em 16 estados do Brasil, o que era

um número muito pequeno considerando-se a quantidade de fábricas. Apenas nas

pequenas cidades do interior onde a classe operária era bem reduzida e que o

movimento operário nunca tinha sido forte é que a nova linha sindical foi mais

facilmente aceita. Nesse período, os sindicatos livres continuaram atuando, apesar

de enfraquecidos devido às perseguições.

É importante ressaltar, também, que desde o início do século XX, o

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movimento operário manifestou suas lutas através de greves, às vezes gerais, às

vezes mais pontuais. Essas greves fizeram-se muito presentes no período de 1917 a

1919 – como já abordado – e, especialmente, teve seu apogeu em 1934, contudo

elas não desapareceram nos anos não mencionados. Ainda que nem sempre

saíssem vitoriosas, os movimentos grevistas serviram para pressionar o Estado e a

burguesia e demonstrar a organização da classe trabalhadora.

Para Antunes (1990), que fez um estudo mais detalhado dessas greves

intensas, tudo o que foi concretizado em lei pelo Estado, sem dúvida, teve como

essencial as manifestações grevistas aliadas à resistência do sindicalismo.

Em 12 de julho de 1934, Getúlio Vargas lançou um novo decreto, o 24.694,

visando o controle dos sindicatos, diminuindo novamente sua autonomia, além do

que só podiam filiar-se aos sindicatos os trabalhadores que tivessem carteira de

trabalho conforme a lei.

Em 1935 a ANL, de cunho comunista organizou uma revolta para novembro

de 1935. A rebelião que recebeu a denominação de Intentona Comunista teve início

nos quartéis. ―Mas apenas três quartéis se rebelaram: um em Natal, Rio Grande do

Norte (22/11), um em Recife, Pernambuco (24/11), e um no Rio de Janeiro (27/11)‖

(PILETTI, 2002, p. 58). O governo agiu rápido e prendeu a maioria dos agentes

dessa ação.

Com a insurreição de 1935 o governo passou a reprimir atividades políticas

que consideravam subversivas e toda organização popular era oprimida pela polícia.

Com o golpe dado por Getúlio em 1937, mais uma vez o controle sindical é

confirmado e reforçado pela ditadura, contudo manteve as leis sociais e até

complementou-as por meio de decretos.

Durante a ditadura do Estado Novo de Getúlio o governo apoiou a criação de

sindicatos, não como organizações de luta, mas como organizações de colaboração

entre si e com o governo para defender os ―interesses de toda a Nação‖15. O Estado

Novo

Tinha conseguido criar as melhores condições para que os capitalistas acumulassem mais capital e levassem a indústria nacional a crescer: os

15

Nesse período o peleguismo tornou-se uma praga no sindicalismo. Pelegos eram ―o tipo de dirigentes sindicais que foram favorecidos pelo tipo de sindicato imposto pelo governo. Tornavam-se quase funcionários do governo [...]. O papel dos pelegos era servir ao governo, e indiretamente aos patrões, acalmando e dominando as reivindicações operárias‖ (ACO, 1986, p. 107).

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sindicatos de trabalhadores bem controlados, a polícia vigilante [...], os salários mantidos no mínimo, os sindicatos de empresários influindo no governo e uma política geral de proteção à indústria ( ACO, 1984, p. 101).

O governo Vargas foi marcado por um discurso de compromisso com o povo

e obscurantismo da luta do movimento operário e de suas mobilizações. Um trecho

de um discurso falacioso de Getúlio (apud REZENDE, 1986, p. 52) denota esse fato:

Talvez seja o Brasil o único país do mundo onde a legislação trabalhista nasceu e se desenvolveu, não por influência direta do operariado organizado, mas por iniciativa do próprio governo, como realização de um ideal a que consagrei toda a minha vida pública e que procurei pôr em prática desde o momento em que a Revolução de 1930 me trouxe à magistratura suprema da nação.

Em 1943 Getúlio Vargas aprovou a CLT, que apesar de sua relevância para

as classes trabalhadoras, completou a estrutura sindical corporativa brasileira,

inaugurada, em 1931 com a Lei de Sindicalização16. Nesse mesmo ano a oposição à

ditadura Vargas, apesar da forte repressão existente, acentuou-se quando políticos

de Minas Gerais lançaram o Manifesto dos Mineiros e criaram a União Democrática

Nacional (UDN) partido de oposição à Getúlio.

Grande parte dos trabalhadores e estudantes manifestaram-se a favor da

redemocratização. Diante das pressões Getúlio convocou eleições para dezembro

de 1945 e permitiu a organização dos partidos que desejassem participar – inclusive

do PCB. Porém, concomitantemente, incentivou grupos políticos aliados a

promoverem manifestações públicas favoráveis à sua continuação no poder.

De outro lado, os militares e o ministro da guerra, Eurico Gaspar Dutra, que

desejava candidatar-se, planejaram uma forma de impedir sua continuidade no

poder. Getúlio foi destituído do poder em outubro de 1945. Nas eleições de

dezembro desse ano, saiu vencedor pelo Partido Social Democrático (PSD) e

apoiado por Vargas, Eurico Gaspar Dutra (1946-1951). Em setembro de 1946 foi

promulgada uma nova constituição, a qual consagrou liberdades que haviam sido

restringidas com a Carta Magna de 1937, sendo reconhecido o direito de greve e

considerado livre a associação sindical ou profissional.

Apesar desses aspectos não podemos nos enganar, pois o governo Dutra

16

Segundo Boito Jr. (2005, p. 47) ―de 1943 até os dias de hoje, o sindicalismo no Brasil tem existido sob um regime legal fundamentalmente inalterado‖.

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teve um caráter notadamente conservador e anticomunista. Entretanto, o movimento

operário prosseguiu em um processo de recuperação e expansão, crescendo o

número de associações de classe e o número de filiados a elas. Este cenário

continuou até 1947 quando o Brasil rompeu relações com a União soviética e

declarou ilegais o Partido Comunista Brasileiro (PCB)17, a Confederação dos

Trabalhadores do Brasil e todas as entidades a ela filiadas.

Inaugurou-se no país um novo período de estagnação do movimento

operário, marcado pelo recrudescimento do ―peleguismo‖ que exerceu o controle da

maioria das reivindicações operárias até o retorno de Vargas, em 1951. Isto é,

embora, a vigência de uma Constituição democrática e as críticas às práticas do

Estado Novo, a atitude do Estado face aos conflitos sociais pouco se modificou.

Apesar da repressão do Governo Dutra, os movimentos populares tiveram

grande força nesse período com inúmeras manifestações nas ruas.

Em 1951, Vargas retornou ao poder pelo voto. Vargas diante de um cenário

diferente daquele do Estado Novo optou por uma política populista e nacionalista,

favorecendo os trabalhadores e empresas nacionais. Em 1954, concedeu um

aumento de 100% aos trabalhadores, o que não agradou por outro lado aos grandes

empresários que afirmavam que seus lucros iam diminuir. Em 1953 criou a

Petrobras, dando a essa empresa brasileira o monopólio da exploração e do refino

do petróleo, agradando os nacionalistas, mas ferindo o interesse de grandes

empresas internacionais que desejavam explorar o petróleo brasileiro (PILLETI,

2002).

Essas e diversas outras medidas adotadas por Vargas agravaram os

conflitos entre grupos sociais e facções políticas, conduzindo ao fim prematuro do

mandato.

No que se refere ao movimento operário, antes mesmo de seu Governo

havia sido iniciado um processo de desalojamento dos pelegos, principalmente nos

grandes sindicatos, resistindo apenas nos sindicatos pequenos e nas federações.

Em 1953 proliferaram-se as greves e o movimento sindical ganhou um novo tom de

contestação, marcando o início de uma fase áurea do sindicalismo no Brasil, que se

17

O Partido Comunista foi criado em 1922, e teve desde sua criação certa oposição, atuando bem mais junto aos movimentos das classes trabalhadoras. Somente nas eleições de 02 de dezembro de 1945, o Partido dos trabalhadores pode participar pela primeira vez das eleições, lançando candidatos para todos os cargos. Em 1947, o partido foi extinto sob a alegação de fazer parte de uma organização internacional, formados pelos partidos comunistas de diversas partes do mundo, liderados pela União Soviética (PILLETI, 2002).

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estenderá até pós 1964 com o retorno do peleguismo e das intervenções ministeriais

nos sindicatos.

A mobilização das classes trabalhadoras fez-se, cada vez mais, presente

para combater o custo de vida, decorrente da inflação, e, para reivindicar aumentos

salariais. Resultado disso foram as grandes greves de 1953 e 1954 e depois a de

1957, que tinham na inflação o seu motivo principal. Inclusive, no campo, o

crescimento dos sindicatos rurais foi intenso (SIMÕES, 1986).

Vargas não conseguiu por muito tempo manter o apoio que lhe levou ao

poder, pressionado e fragilizado suicidou-se.

Após o período Vargas (1951-1954), no governo Juscelino Kubitschek

(1956-1960) é retomado o discurso do compromisso com os trabalhadores e

apresentado um projeto de cunho desenvolvimentista, denominado Plano de Metas,

porém, tal desenvolvimento não beneficiou os operários que acabaram sofrendo

com a política do governo, a qual tinha objetivos de crescimento, essencialmente,

econômicos. Diferentemente de Vargas, Juscelino assentou o desenvolvimento do

país em capitais e tecnologias estrangeiras.

A intensa mobilização das classes trabalhadoras expressou-se nas inúmeras

greves deflagradas durante o período nas principais cidades brasileiras Assim,

―houve um grande crescimento do número de greves entre 1956 e 1960, colocando

em questão o peleguismo existente e o próprio modelo econômico [...]. Em São

Paulo aconteceram greves que mobilizaram mais de quatrocentos mil trabalhadores‖

(REZENDE, 1986, p. 57).

No início dos anos 1960, o clima de tensão e inquietação já antecedia o

período ditatorial. Os trabalhadores continuavam na defensiva, pressionando o

governo e era marcante na área sindical. Nesse ano foi aprovada uma das mais

importantes leis que marcaram a evolução da previdência no país: a Lei Orgânica da

Previdência Social (LOPS). A mobilização dos trabalhadores rurais também foi

intensa no governo Juscelino Kubtsheki, sob a influência do PCB, reivindicando uma

legislação que protegesse essa categoria, a qual era sempre esquecida na

legislação social.

No governo Jânio Quadros (1961), empossado apenas sete meses, Jânio

defendeu as garantias e os direitos dos trabalhadores, desde que não interferissem

a harmonia social. Ou seja, apesar de Jânio ter incentivado a participação dos

trabalhadores nos sindicatos e também nos conselhos de políticas sociais receava a

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direção política das reivindicações trabalhistas. Isto é, permanecia o caráter

conservador em sua ideologia, embora algumas de suas ações tenham se

configurado para alguns autores como progressistas, tais como: restabeleceu as

relações diplomáticas com a União Soviética, iniciou um intercâmbio comercial com

a China comunista, assumiu posição contra a expulsão de Cuba – país socialista –

da Organização dos Estados Americanos (OEA) como desejavam os Estados

Unidos, dentre outras ações (PILETTI, 2002).

Em sua gestão, no que se refere às políticas sociais uma medida digna de

nota foi o desmembramento do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, criando

o Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS), o que configurou um avanço

para os direitos trabalhistas e previdenciários, nessa época, ainda, bastante

imbricados.

Quando João Goulart (1961-1964) assumiu a presidência do Brasil, depois

de um período de efervescência da oposição contra o seu governo, teve seus

poderes limitados pela ação do Congresso que tornou o sistema parlamentarista, ou

seja, quem governaria seria o primeiro ministro. Esta primeira fase, parlamentarista,

do governo de Goulart foi marcada pela agitação social, tendo em vista que não se

conseguiu compatibilizar os interesses dos diversos partidos e grupos sociais, e as

lutas dos sindicatos foram intensas cobrando as reformas prometidas na campanha

eleitoral.

Nesse período ocorreu a primeira greve geral de caráter político desde 1930,

uma resposta da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), criada em 1962, à

recusa do Congresso face à indicação de San Tiago Dantas por Goulart para ser o

primeiro ministro. Entre as reivindicações da CGT constavam: a realização de

plebiscito para retorno do regime presidencialista; Reforma Agrária; aumento de

100% do salário mínimo; congelamento dos preços de alimentos básicos; aprovação

de lei de greve mais favorável aos trabalhadores (REZENDE, 1984). Na realidade, o

ano de 1962 foi marcado por uma série de greves para pressionar o Congresso a

atender as reivindicações das classes trabalhadoras.

Alguns resultados foram alcançados, como por exemplo, 13º salário,

aumento de 75% para o salário mínimo, além de terem conseguido do Congresso a

aprovação para a realização do plebiscito em janeiro de 1963 (REZENDE, 1984).

Com o plebiscito a maioria dos eleitores apoiou Goulart, ―cerca de 10 milhões de

brasileiros votaram a favor do presidencialismo, contra apenas 1 milhão que votou a

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favor do parlamentarismo‖ (PILETTI, 2002, p. 87).

Ainda em 1963 foi instituído o Estatuto do Trabalhador Rural, finalmente, foi

estendido a essa categoria os direitos trabalhistas: férias, jornada de trabalho de 8

horas, segurança no trabalho, aviso prévio e organização sindical e mais tarde aos

benefícios de Previdência Social. Nesse mesmo ano, outras conquistas alcançadas

foram a instituição do salário família para todos os trabalhadores urbanos regidos

pela CLT e a criação do Conselho Nacional de Política salarial, responsável por gerir

os salários dos servidores públicos, em 1965, sua atuação foi estendida, também,

aos setores privados.

Goulart sem apoio político partidário da oposição que era contra suas

reformas de base, buscou a aclamação direta da população, promovendo uma série

de comícios. Em 13 de março de 1964, o presidente anunciou alguns itens da

reforma que realizaria, dentre eles destacam-se: a nacionalização das refinarias

particulares de petróleo; desapropriação para fins de reforma agrária, das

propriedades de mais de 100 hectares localizadas em uma faixa de 10 km a margem

de rodovia ou ferrovia federal, além das terras em torno de açudes públicos federais;

reforma tributária; o direito de voto para os analfabetos; entre outras (PILETTI,

2002).

Os primeiros meses do ano de 1964 foi um período marcado por intensa

mobilização política, demarcada pela oposição entre sindicatos e partidos que

lutavam por reformas de base e grupos sociais e partidos conservadores que

descaracterizavam as reformas, qualificando-as como instrumentos do Partido

Comunista e seus adeptos. Assim, em 31 de março de 1964 Goulart foi deposto,

através de um golpe de Estado arquitetado por militares e importantes setores da

sociedade civil.

Nos anos 1962-1964, a CGT foi considerada pelas classes trabalhadoras

uma arma poderosa, acreditava-se firmemente nesse comando sindical. Porém, a

CGT manteve uma atuação ambígua atrelando-se, também, ao governo, trazendo

diversas limitações para sua atuação – falta de enraizamento na base, falta de

representatividade, vinculação à estrutura oficial e dependência ideológica da

burguesia. Isto é, a direção da CGT – esperança dos trabalhadores – era

notadamente ―pelega‖ (GIANNOTTI & LOPES NETO, 1991).

Com a derrota de 1º de abril de 1964 (Golpe Militar) ficou claro que um novo

sindicalismo precisava ser construído, desatrelado do Estado, organizado nos locais

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de trabalho e separado dos interesses patronais. Os trabalhadores passaram a se

organizar na clandestinidade.

Castelo Branco (1964-1967), tão logo assumiu o poder, tornando-se o

primeiro presidente militar, tratou de revogar os decretos anteriores formulados por

João Goulart, cassou os direitos de diversos políticos, controlou rigidamente o

movimento operário e proibiu e reprimiu violentamente as greves.

O Estado vai aumentar ainda mais seu poder de fiscalização sobre os sindicatos, consolidando a eficácia de uma legislação profundamente autoritária que rege as relações de trabalho no Brasil e cerceia a organização política dos trabalhadores. O importante para o modelo de dominação pós-64 era despolitizar a sociedade, tornar os sindicatos órgãos assistencialistas e burocráticos, evitar greves, bem como a formação de centrais sindicais e atuação de lideranças combativas. A lei 4.330, publicada logo após o golpe, indicava bem o teor repressivo do Estado: qualquer greve geral seria ilegal. A classe operária, sob controle, garantiria o sucesso do modelo econômico a ser implantado pela tecnocracia (REZENDE, 1984, p. 66-67).

Com o golpe de 1964, as organizações sindicais foram as que mais sofreram

com as ações do governo para acabar com as lutas da classe operária. O

sindicalismo nesse período foi denominado por alguns autores como sindicalismo de

Estado, como é o caso de Boito Jr. (2005). Isso porque os sindicatos estavam sob

controle direto dos sucessivos governos militares. ―A grande maioria das diretorias

dos sindicatos oficiais era pelega (...). As poucas direções que ousavam confrontar a

política governamental eram exemplarmente depostas. Toda vida interna dos

sindicatos era rigidamente controlada‖ (BOITO JR, 2005, p. 81). Através dos Atos

Institucionais o governo militar controlava tudo, da forma como desejasse.

Como a preocupação com as possibilidades de movimentação sindical eram

grandes, o governo militar não aceitava nenhum sinal de vida combativo por parte do

movimento operário. Entretanto, apesar das dificuldades, nos anos 1964-1968

surgiram novos grupos de esquerda dispostos a quebrar o silêncio imposto pelo

sistema, ainda que reprimidos e reduzidos à clandestinidade.

Os governantes mesmo que agindo de forma repressiva e autoritária não

desconsideravam a presença desses grupos e as possibilidades de revolta. Em

1968 destacaram-se duas grandes greves e com forte adesão dos trabalhadores,

vivenciadas em São Paulo e Minas Gerais. A greve geral de abril, em Contagem e a

greve de julho, em Osasco. Essas greves, ainda que com suas limitações, foram

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bastante importantes, porque colocaram novas questões ao movimento operário,

rompeu com o período de desorganização e assustou o governo, já que se vivia em

um período no qual predominava a repressão (REZENDE, 1986).

Com a posse de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) ao poder a repressão

aumentou.

Diante da impossibilidade de fazer oposição pacífica ao governo – pois quem se manifestava era cassado ou preso – várias organizações decidiram partir para a prática de ações armadas, a chamada guerrilha. Seus líderes eram políticos cassados, como o ex-deputado Carlos Marighela, e ex-militares, como o capitão Carlos Lamarca. Os participantes dessas ações eram, em sua maioria, estudante e operários (PILETTI, 2002, p. 122).

Ao longo da década de 1970, sob a mais dura repressão pequenas lutas,

também, começaram a ser organizadas: abaixo assinados, operações tartarugas,

greves relâmpagos, entre outras.

Por outro lado, a economia do país de 1968 a 1973 cresceu muito, fruto dos

projetos financiados com capital internacional, a partir de 1966. Era o chamado

―milagre econômico‖. Nesse período o país viveu um momento de intensa

disparidade nos âmbitos econômico e social, muito bem expressa nas palavras de

Simões (1986, p. 77).

A riqueza nacional aumentou, criando condições para elevação da qualidade de vida dos trabalhadores [...]. Diminuiu o desemprego e aumentou a produtividade até por volta de 1973. A produção nacional crescia e se diferenciava, em proporções desconhecidas até então, mas o nível tecnológico não avançou na mesma medida. Os salários estagnaram e até diminuíram. O processo de trabalho tornou-se brutal e a taxa de acidentes e doenças do trabalho bateu recordes mundiais. As lideranças sindicais que tentaram resistir e reorganizar a classe, foram presas, ‗desapareceram‘ ou tiveram de exilar-se.

Ao passo que a economia do país crescia à custa dos trabalhadores, eram

justamente eles os que mais sofriam com esse suposto ―milagre‖. Essa situação vai

se estender durante todo o período ditatorial através, do que os trabalhadores

chamaram de ―arrocho‖ que trouxe sérias consequências, principalmente, nos

direitos trabalhistas e previdenciários (SIMÕES, 1986).

Nos anos de ditadura, também, houve um crescimento das legislações

sociais voltadas aos trabalhadores. Aliás, uma característica das políticas sociais

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brasileiras é que os progressos efetivos nas legislações coincidem com a existência

dos governos autoritários. De fato, nos governos ditatoriais e centralizadores

verificou-se significativo avanços nas políticas previdenciárias e trabalhistas,

constituindo-se, essas ações, em meios eficazes de arrefecimento das tensões

sociais. Assim, a concessão de alguns direitos foi realizada, também, para

compensar carências, amenizar conflitos e dar legitimidade ao poder. O que

configurou em um quadro de verdadeira ambigüidade: repressão versus assistência.

No que se refere à política previdenciária, os seus maiores avanços

ocorreram durante o Estado Novo e no pós 64. No primeiro, deu-se a

institucionalização dessa política, enquanto no segundo ocorreram grandes

progressos para sua universalização.

Assim, pode-se afirmar que apesar das dificuldades e perseguições, através

do controle violento ou disfarçado em proteções legais, as lutas dos trabalhadores

nunca foi abolida em sua totalidade. Embora, por vezes, cercada de limitações para

sua atuação – controle do Estado, peleguismo, heterogeneidade do movimento etc.

– tão logo tinham uma oportunidade ressurgiam as movimentações.

Só praticamente a partir de 1977, com a luta pela reposição sindical e com a falência dos milagres econômicos, é que se começou a vislumbrar a possibilidade de rearticular a luta, buscar alternativas, desmacarar o sistema dominante. Gradativamente o movimento operário vai reconstruindo a sua história de luta, para romper com a opressão do capital; luta que nunca deixou de existir, apesar de tudo (REZENDE, 1986, p. 81).

No governo do General Ernesto Geisel (1974-1979), considerado o início da

abertura política, ainda, havia limitações para mobilização, contudo, o 1º de maio de

1978, teve um caráter diferenciado quando o presidente encontrou-se com cerca de

800 sindicalistas para um jantar político, marcando o prenúncio de um novo período

que apenas iniciava-se (SIMÕES, 1986).

Entretanto, o marco na constituição de um novo sindicalismo foi a greve da

categoria metalúrgica de São Paulo em novembro de 1979.

Segundo Giannotti e Neto (1991) a constituição de um novo sindicalismo

entre fins de 1970 e nos anos 1980, e, a própria criação da CUT, deveu-se a

organizações sindicais que não estavam ligados ao PCB e ao PTB, antes de 1964,

e, também, às organizações políticas de esquerda18 clandestinas, ou seja, que não

18

Ridenti (2006, p. 24) de forma sucinta esclarece que ―o termo esquerda é usado para designar as

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faziam parte do sindicalismo oficial do Estado, constituídas pós 1964.

Nesse período, concomitante ao processo de constituição do novo

sindicalismo surgiu, também, os novos movimentos sociais, em um processo contra

a ditadura militar e o Estado autoritário, publicizando conflitos e demandas, exigindo

a inserção destes na agenda pública. É interessante notar que, até a década de

1970 os movimentos sociais giravam, prioritariamente, em torno do trabalho, tanto

que, geralmente, eram chamados de movimento operário e/ou representado pelos

sindicatos de categorias. É somente nessa década que começou a surgir os Novos

Movimentos Sociais, ou como denominou Bihr (1991) movimentos sociais

específicos, para lutar contra problemas (ambientais, de opressão de gênero, negro

etc.) que não estão diretamente ligados ao trabalho ou às relações capitalistas de

produção, ainda que decorrentes dela.

2.3 A REORGANIZAÇÃO DO MOVIMENTO SINDICAL NOS ANOS 1980

Como apreendemos da análise feita anteriormente, o movimento sindical,

desde sua gênese foi muito atuante no cenário brasileiro. Suas lutas contribuíram

imensamente para constituição de diversas conquistas: direitos, redemocratização

do país, Constituição, e, inclusive a fundação da Central Única dos Trabalhadores. O

governo e a burguesia sempre tentaram impedir os trabalhadores de criarem uma

Central. Assim, a formação da CUT no ano de 1983 deu-se em um contexto,

ditatorial, de proibições e repressões, apesar da abertura iniciada no governo Geisel.

Como vimos, no final dos anos 1970, quando a abertura política já tinha sido

sinalizada, as lideranças sindicais, oficiais ou não, começaram a se mobilizar para

construção de um novo cenário de lutas. Os anos 1980 marcaram uma mudança de

grande importância para o sindicalismo, visto que, segundo Boito Jr (1991, p. 47)

A principal – e praticamente única – atividade dos milhares de sindicatos oficiais no período de 1968-1978 consistiu em implantar ou expandir grandes e dispendiosos serviços assistenciais – serviços médico, odontológico, laboratoriais, jurídico, colônia de férias, bolsas de estudos, cooperativas de consumo, etc. – convertendo esses sindicatos, em espécies de agências da Previdência Social.

forças políticas críticas da ordem capitalista estabelecida, identificadas com as lutas dos trabalhadores pela transformação social‖.

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Durante boa parte do período ditatorial, como vemos, os sindicatos

assumiram atividades que nada tinham a ver com as reivindicações das classes

trabalhadoras, principal objetivo dessas entidades. Atividades, essas, que

competiam ao Estado desenvolver. Desse modo, é apenas com o afrouxamento do

controle governamental, que vai se processando uma mudança no organismo

sindical, ao longo de toda década de 1980.

Esse processo de inflexão do movimento sindical nos anos 1980, segundo

Boito Jr. (1991) teve alguns marcos relevantes: o ressurgimento das grandes greves

entre 1978-1980; a criação, em 1983, da Central Única dos Trabalhadores; a política

liberalizante iniciada pelo Ministro do Trabalho Almir Pazzionotto, em 1985, no

governo de José Sarney, marcando o fim do controle rígido do estado sobre os

sindicatos; e coroando esse processo de liberalização a Constituição Federal de

1988.

Analisemos, um pouco, cada um desses processos que demarcaram o novo

sindicalismo. No que se refere às grandes greves, Noronha (1991) em seu estudo

sobre a explosão das greves na década de 1980 ressalta o despertar dos

trabalhadores para a situação que vivenciavam de repressão, arrocho salarial e

desemprego, através dos movimentos grevistas, que no período ditatorial anterior a

essa década, tinham permanecido dentro do estritamente legal.

A ausência de canais de participação nas instituições governamentais e de

negociação nas empresas tornou a greve um dos instrumentos de reivindicação

mais utilizados para a luta das classes trabalhadoras – apesar de não ser o único,

pois devem ser considerados os movimentos sociais, a campanha pelas ―Diretas Já‖,

entre outros –, muito embora sua proibição e riscos decorrentes de sua realização.

As greves dos anos 1978-1979, embora, pouco numerosas, representaram o

marco do processo de transição brasileira. Nos anos posteriores esse instrumento

de luta foi sendo, cada vez mais, utilizado por diversas categorias – inicialmente

apenas do setor privado e a partir de 1983 incluiu, também o setor público.Tais

greves não ocorreram de forma constante, mas, contaram vez ou outra, de alguns

refluxos. Noronha (1991) revela que o período de greve pode ser definido em três

fases: a primeira de crescimento (1978-1979), a segunda de retração (1980-1982) e

a terceira de retomada (1983-1984). Salientado, ainda, que até 1984 o patamar de

greves manteve-se baixo ou médio, em relação aos índices internacionais, sendo

após 1985 que o Brasil passou a se situar entre os países de maiores taxas de

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greves.

É importante salientar que a greve sempre foi um importante instrumento de

luta utilizado pelos trabalhadores e, apesar de algumas derrotas vivenciadas em

muitos momentos de luta – tais como demissões em massa e descontos dos dias

parados (ENGELS, 2008) – essas greves trouxeram, por outro lado, importantes

conquistas. Pode-se até mesmo dizer que a grande maioria das conquistas

alcançadas pelas classes trabalhadoras foi sempre precedida por intensa

organização grevista. Não podendo, assim, ser depreciado esse instrumento que

trouxe ganhos tão significativos para as classes trabalhadoras.

Tal instrumento fez-se presente, também, no período Ditadura Militar, cujo

contexto era de inflação crescente, arrocho salarial e movimentação para a

realização de eleições diretas. O primeiro presidente civil, pós ditadura foi Tancredo

Neves, que venceu as eleições no dia 15 de janeiro de 1985, porém, não chegou a

assumir a presidência da república, morrendo repentinamente com um grave

problema de saúde. Assumiu, então, o vice presidente, José Sarney.

No campo do movimento sindical, esse ano trouxe uma conquista relevante

para os sindicatos: a eliminação do modelo ditatorial de controle do sindicalismo de

Estado. Boito Jr. (1991, 2005) chamou a atenção que esse movimento não libertou o

sindicalismo brasileiro da estrutura sindical vigente desde o início do populismo,

apesar das variações presenciadas nas diversas conjunturas em que viveram o país,

desde então.

Para Boito Jr. (1991, p. 50) a estrutura sindical

É o sistema de relações que assegura a subordinação dos sindicatos (oficiais) às cúpulas do aparelho de Estado – do Executivo, do Judiciário ou do Legislativo. O elemento essencial da estrutura sindical brasileira é a necessidade de reconhecimento oficial-legal do sindicato pelo Estado. Todas as demais relações que asseguram a subordinação dos sindicatos oficiais às cúpulas do Estado dependem desse elemento de base. Um determinado organismo sindical, para representar um segmento de trabalhadores, necessita obter um registro junto a um ramo do aparelho do Estado [...].

O movimento sindical da época lutou para arrebentar o modelo ditatorial de

sindicalismo de Estado, mas não a estrutura sindical vigente. Embora, esse fato não

tenha deixado de ser uma conquista, porém, ela ocorreu, ainda, dentro das amarras

do Estado, Essa é uma distinção relevante para analisarmos o perfil da organização

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sindical brasileira, visto que vai determinar, em grande medida, a atuação do

movimento sindical frente ao Estado no pós Ditadura Militar. Determinará, inclusive,

o posicionamento e as lutas da CUT.

Assim, em 1985, o Ministro do Trabalho Almir Pazzianotto editou algumas

medidas reformistas para os sindicatos que demonstraram os traços da estrutura

sindical, não da forma rígida, como o foi na Ditadura. Foi um controle mais flexível e

indireto do Estado sobre os sindicatos. Ele extinguiu o modelo detalhado de estatuto

padrão, suspendeu o controle direto e minucioso das Delegacias Regionais do

Trabalho (DRTs) sobre as eleições sindicais e reconheceu as Centrais Sindicais –

que haviam sido proibidas pela legislação da Ditadura Militar. Entretanto, há que

ressalvar que Pazzianotto, em importantes movimentos grevistas, reprimiu

violentamente ou aceitou a iniciativa repressora do governo (BOITO JR., 1991).

Essa ambigüidade de ações faz-nos reportar ao caráter das políticas sociais

brasileiras: repressão versus assistência. O Estado diante das mobilizações e

conflitos sociais pungentes lança mão de medidas concessórias, reivindicadas pelas

classes trabalhadoras, para atenuar os conflitos e legitimar o poder, sem, contudo,

desistir do controle.

Coroando a década de 1980, temos a promulgação da Constituição Federal

do Brasil, em 05 de outubro de 1988. A Carta Magna era uma antiga reivindicação

de diversos setores da sociedade, dentre eles, o movimento sindical. Assim, houve

intensa mobilização para participar da Constituinte, nas diversas comissões que se

formaram. Apesar de, ainda, existirem contradições e restrições, muitas foram as

conquistas, em diversas áreas, trazidas pela nova Carta.

Para o movimento sindical, a Constituição de 1988 preservou a estrutura

sindical vigente, mantendo no Artigo 8º a necessidade de reconhecimento do

sindicato pelo Estado, apesar de no inciso I afirmar

A lei não poderá exigir autorização do Estado para fundação de sindicato, ressalvado o registro no orgão competente, vedadas ao poder público a interferência e a intervenção na organização sindical.

O que expressa flagrante contradição, já que estabeleceu diretrizes e

características para funcionamento dos sindicatos, nos incisos que se seguem, tais

como: a unicidade sindical, as contribuições sindicais obrigatórias, a divisão do

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movimento sindical por categorias, seu retalhamento por municípios e tutela da

Justiça do Trabalho sob o movimento sindical, o que significa claramente a

intervenção do Poder Público na organização sindical.

Segundo Boito Jr (1991) para os legisladores esses dispositivos não são

encarados como intervenção, porque eles entendem como interferência, aquelas

próprias do modelo ditatorial – deposições de diretorias, eleições rigidamente

controladas, etc.. Ou seja, como são interferências mais amenas, se comparadas ao

período de Ditadura Militar, não são consideradas como tal.

O Artigo 9º assegura o direito de greve de modo bastante amplo,

consideradas algumas ressalvas: serviços considerados inadiáveis das

comunidades e os abusos cometidos seriam punidos, conforme regulamentações

posteriores. O Artigo 10 assegura, também, a participação dos trabalhadores nos

órgãos públicos de deliberação e discussão, que impliquem seus interesses, como

nos profissionais e previdenciários.

Conforme Boito Jr. (1991, p. 74) ao longo da década de 1980, a área

sindical, tem sido um dos temas que mais tiveram propostas e projetos de

mudanças. ―Em termos de propostas governamentais ‗renovadoras‘, talvez só perca

para o tema da reforma agrária‖.

Outra importante conquista da Constituição Federal de 1988, alardeada aos

quatro cantos, por diversos teóricos que tratam sobre o tema, e de grande relevância

para o nosso estudo, foi a constituição do conceito e diretrizes da Seguridade Social,

a qual passou a contar com três políticas, saúde, assistência social e Previdência

Social. Essa conquista demarcou um período novo para o Brasil, no que concerne

às políticas sociais, jamais visto, anteriormente. Preconizando a responsabilidade

precípua do Estado para com seu reconhecimento e garantia. Claro, que a exemplo

de muitos dispositivos, havia contradições.

A política previdenciária, por exemplo, ao mesmo tempo em que, estava sob

efeito dos princípios da Seguridade Social – universalidade, uniformidade,

seletividade, irredutibilidade, equidade, diversidade e caráter democrático e

descentralizado da administração – continuou tendo o caráter contributivo, excluindo

muitos trabalhadores do setor informal desse benefício. Além disso, o Artigo 202

autorizou o regime de previdência privada, de caráter complementar19, a qual vai ser

19

Abordaremos melhor esse tema no capítulo seguinte.

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expandida na década de 1990, através das contrarreformas da Previdência Social

que retiraram e diminuíram direitos conquistados pelas classes trabalhadoras20.

Assim, nos anos 1980 e início dos anos 1990 o sindicalismo passou por

diversas mudanças que demonstraram o fortalecimento e ampliação do movimento

sindical.

O sindicalismo expandiu-se bastante. Foram criados centenas de novos sindicatos oficiais no setor público, centenas de associações de caráter sindical. O sindicalismo diversificou-se. Difundiu-se pelo campo, juntamente com a difusão do trabalho assalariado na agricultura, e incorporou amplos setores das classes médias urbanas [...]. Ao longo dos anos 1990, outro traço marcante foi que o sindicalismo, manteve-se muito ativo. A incidência, a amplitude, a dimensão e a persistência da luta grevista de 1978 a 1991 fazem do Brasil, dentre os países mais populosos do planeta uma espécie de campeão em estatísticas de greve (BOITO JR., 2005, p. 79).

De fato, apesar da década de 1980, no sentido econômico, ser ―considerada

por muitos como a década perdida, em função das baixas taxas de crescimento do

PIB, da compressão dos salários e do aumento da concentração de riqueza‖ (MOTA,

2008, p. 62), por outro lado, principalmente a partir da segunda metade dessa

década, constatou-se um novo processo político, cujo principal protagonista foi a

ação organizada de expressivos setores da sociedade civil, o que caracterizou esse

período como ruptura das bases de sustentação da ditadura militar, resultando no

restabelecimento do Estado democrático. Inaugurando, também, uma redefinição

das práticas sociopolíticas das classes, burguesas e trabalhadoras, através dos

sindicatos, partidos e outros movimentos organizados (MOTA, 2008). As classes

trabalhadoras foram os

Sujeitos das principais lutas políticas da última década – de que são exemplos, o fim da ditadura militar, a luta pela instauração da democracia, a elaboração de uma nova constituição e outros movimentos reivindicatórios que possuíam corte anticapitalista –, os trabalhadores, por meio da ação política, tiveram, nelas um papel fundamental (MOTA, 2008, p. 142).

De outro modo, essa autora salienta que as ações das classes trabalhadoras

não foram suficientes para formar frentes políticas de peso, para vencer os efeitos

posteriores da crise. Mota acredita ser provável, que é devido à ideia preconizada

pela cultura da crise – de que tal crise afeta a todos igualmente, e que sendo assim,

20

Maiores detalhes sobre a política previdenciária e suas contrarreformas serão analisados no próximo capítulo.

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a sociedade como um todo, independente da condição de classe dos sujeitos deve

fazer sacrifícios – que a classe trabalhadora vem se destituindo do seu caráter de

movimento organizado.

Apesar disso, não se pode desconsiderar a pressão e resistência que os

trabalhadores impuseram à classe dominante para que direitos fossem reconhecidos

e garantidos. Como reforça a ACO (1984, p. 116): ―mais uma vez podemos verificar

que nada foi dado de graça ao proletariado: tudo o que existe, que dá um mínimo de

garantia, um mínimo de melhoria para a vida do trabalhador foi conquistado a duras

penas pela luta e coragem da própria classe operária‖.

O movimento operário e sindical historicamente se fez presente na luta e

constituição de direitos sociais. Estes últimos, ainda que por vezes cooptados e

funcionais ao Estado e às empresas – o que ainda hoje é presente – em diversos

momentos conseguiram mobilizar os trabalhadores combativamente para a luta.

A análise histórica do movimento operário mostra muito bem que a maioria das leis

sociais foi sempre precedida por grandes ondas de movimentações e reivindicações.

2.4 AS CONTRIBUIÇÕES DA REORGANIZAÇÃO DO MOVIMENTO SINDICAL PARA A CRIAÇÃO DA CUT

Para analisarmos a fundação da CUT, faz-se necessário, nos reportarmos

aos anos anteriores à sua criação, nos quais diversas mudanças nos dirigentes

sindicais passaram a ser gestadas para construção da CUT.

Segundo Rodrigues (1991) um marco para criação da CUT foi o V

Congresso da Confederação Nacional dos Trabalhadores Industriais (CNTI) que foi

realizado no Rio de Janeiro, em 1978. Nesse momento um grupo de dirigentes

sindicais se opôs à cúpula da CNTI, defendendo uma postura mais militante de

sindicalismo. Faziam parte desse grupo uma nova geração de dirigentes, entre eles

Luiz Inácio Lula da Silva – presidente do Sindicato de Metalúrgicos de São Bernardo

– e sindicalistas com vinculações partidárias, principalmente ao PCB. A partir dessa

reunião esse grupo passou a ser chamado de sindicalistas ―autênticos‖ ou

―independentes‖.

Ao término dessa reunião esse grupo de sindicalistas publicou uma Carta de

Princípios pedindo a redemocratização do país, convocação para Assembléia

Nacional Constituinte, direito de greve sem restrições, livre negociação com os

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empregadores, substituição do contrato individual de trabalho pelo contrato coletivo,

liberdade de filiação a organismos internacionais, entre outras (RODRIGUES, 1991).

Desse período, também, salienta-se a ―esquerdização‖ da Igreja Católica,

que embora tenha colaborado com o Golpe Militar, passou nesse momento a se

opor ao governo militar e também ao capitalismo, aproximando, inclusive, os

movimentos populares do movimento sindical. Sob a influência da Teologia da

Libertação21 se organizou um forte movimento de Comunidades de Base (CEBs) e

em 1974 surgiu a Pastoral Operária (RODRIGUES, 1991; GIANNOTTI & LOPES

NETO, 1991).

Muitos trabalhadores ligados aos grupos comunitários passaram a atuar nos sindicatos, geralmente nas oposições a diretorias consideradas excessivamente moderadas ou ‗pelegas, introduzindo novos conceitos e reivindicações no campo da militância sindical (democracia de base, autonomia sindical, organização a partir do local de trabalho e dos bairros, comissões de fábricas, etc) (RODRIGUES, 1991, p. 17).

Estavam envolvidos com a luta dos trabalhadores leigos, padres, agentes

pastorais em vários níveis e até setores ponderáveis da sua hierarquia.

Os estudiosos do tema ressaltam, ainda, a realização de diversos encontros

nacionais de líderes sindicais no início dos anos 1980, os quais foram importantes

para realização de deliberações e formulação de bandeiras de lutas para o

movimento sindical, tais como: o Encontro de João Monlevade (MG), em janeiro de

1980; o Encontro de São Bernardo realizado em Taboão da Serra (SP), em julho de

1980; o Encontro de Vitória (ES) em junho de 1981; e o Encontro em Goiânia (GO),

em junho de 198222. Participaram desses encontros dirigentes de sindicatos oficiais

e não oficiais, líderes de organizações católicas e movimentos populares.

O IV Encontro Nacional ―oficializou‖ a formação da Articulação Nacional dos

Movimentos Populares e Sindical (ANAMPOS), cujos encontros receberam esse

21

A teologia da libertação é uma corrente teológica que engloba diversas teologias cristãs desenvolvidas no Terceiro Mundo ou nas periferias pobres do Primeiro Mundo a partir dos anos 70 do século XX, baseadas na opção pelos pobres contra a pobreza e pela sua libertação. Desenvolveu-se inicialmente na América Latina. Estas teologias utilizam como ponto de partida de sua reflexão a situação de pobreza e exclusão social à luz da fé cristã. Esta situação é interpretada como produto de estruturas econômicas e sociais injustas, influenciada pela visão das ciências sociais, sobretudo a teoria da dependência na América Latina, que possui inspiração marxista. Estas teologias propõem o engajamento político dos cristãos na construção de uma sociedade mais justa e solidária, cujo projeto identifica-se com ideais da esquerda. 22

Para maiores informações sobre esses encontros nacionais, sua relevância e deliberações ver Rodrigues (1991).

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nome. Suas discussões estiveram centradas na realização do próximo Congresso

Nacional da Classe Trabalhadora (CONCLAT) e a luta pela criação da Central Única

dos Trabalhadores (CUT) – nosso objeto de estudo.

A proposta inicial era criar uma central que, diferentemente das demais, não

estivesse baseada nos sindicatos da estrutura oficial, mas, envolvesse, também, os

movimentos populares urbanos e rurais. No entanto, as dificuldades e oposição

para concretização desse desejo foram muitas (RODRIGUES, 1991).

Mais tarde, em setembro de 1980, durante o Encontro Nacional dos

Trabalhadores em Oposição à Estrutura Sindical (ENTOES)23, realizado em Nova

Iguaçu (RJ), o bloco dos sindicalistas ―autênticos‖ – oriundos dos sindicatos

metalúrgicos de São Bernardo - aproximou-se dos representantes da Oposição

sindical – dos metalúrgicos de São Paulo –, esse fato reforçou o bloco que deu

origem à CUT. Segundo Rodrigues (1991) ―é difícil avaliar se, de outro modo, a CUT

poderia ter sido criada, mas, seguramente, grande parte das características e da

cultura cutista resultou dessa aliança efetuada, em ampla medida, sob à égide da

Igreja Católica‖.

Os anos de 1980, também, foram marcados por intensa movimentação para

criação do Partido dos Trabalhadores (PT). As propostas a favor do novo partido

vinham de grupos de sindicalistas ligados às oposições sindicais e à Igreja Católica,

das vertentes mais radicais de formação marxista e dos sindicalistas liderados por

Lula.

A formação do PT acentuou as divergências já existentes no interior do

sindicalismo, o qual, embora combativo não era homogêneo, mas, havia, segundo

Rodrigues (1991) quatro grandes tendências, às vésperas da realização da I

CONCLAT: Unidade Sindical, embora de origem comunista tinha um caráter

tradicionalista, evitando, assim, o confronto e as greves gerais; o bloco dos

sindicalistas ―independentes‖, do qual Lula fazia parte, não estava política e

ideologicamente bem definido, mas eram contrários às normas que regulavam a

atividade sindical; a Oposição Sindical se opunham aos dirigentes pelegos e a

maioria estavam ligados à Igreja Católica; e a extrema esquerda, os que

compunham esse bloco visavam não somente à volta à democracia, mas sobretudo,

23

O ENTOES pretendia unir todas as forças combativas na luta por um sindicalismo livre e autônomo, porém não surtiu muitos efeitos, servindo para mostrar que o sindicalismo precisava dar passos mais largos, se não queriam continuar nas marcas do peleguismo e atrelado ao Estado (GIANNOTTI & LOPES NETO, 1991; RODRIGUES, 1991).

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64

a luta pelo socialismo, através de um sindicalismo radical e revolucionário

(RODRIGUES, 1991).

Apesar das divergências e conflitos todas as forças sindicais estiveram

presentes na I CONCLAT, realizada em Praia Grande (SP). Rodrigues (1991, p. 31)

reforça esse pensamento ao afirmar que ―a importância dessa CONCLAT advêm do

fato de ter sido a primeira (e última) grande conferência em que participaram

praticamente todas as facções militantes do meio sindical‖, somando no total 1.126

entidades e 5.247 delegados.

Nessa CONCLAT foi eleita uma Comissão Nacional Pró CUT, por meio de

uma chapa com membros das diversas tendências. Essa coordenação tinha que

organizar um congresso em 1982 para formação da central, porém os conflitos no

interior da comissão impossibilitaram o evento para esse ano. Ressalta-se nas

grandes discussões existentes na época para constituir a CUT, o desejo dos

trabalhadores, era realmente construir uma central ampla, composta pelas várias

tendências, porém unidas enquanto trabalhadores para romper o regime repressivo

e ditador e lutar pelos seus direitos e pela transformação social.

Entretanto, em agosto de 1983, quando aconteceu o congresso que deu

origem à CUT, o qual levou o nome, também de CONCLAT (Congresso Nacional da

Classe Trabalhadora), não mais se viam entre eles a participação da Unidade

Sindical e de outras tendências mais moderadas. Isso pode ser expresso em

números, pois, enquanto a I CONCLAT reuniu cinqüenta federações e quatro

confederações o CONCLAT contou apenas com uma federação e cinco

confederações24.

É evidente que na fundação da CUT, desvincularam-se dessa central, todas

as tendências que não tinham o objetivo de romper com a ordem estabelecida, mas

pretendiam continuar lutando dentro das amarras do sistema capitalista e muitas

vezes vinculado ao Estado. Permanecendo aqueles que, ainda, pretendiam lutar por

transformações mais profundas.

24

A sigla CONCLAT foi utilizada em diferentes momentos no início da década de 1980 na história do sindicalismo brasileiro. Além dos dois eventos mencionados: a I Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (CONCLAT), em 1981 e o Congresso Nacional das Classes Trabalhadoras (CONCLAT), que fundou a CUT, em 1983. Nesse mesmo ano, mas em novembro ―sob a direção de militantes do PMDB, dos dois partidos comunistas, do MR-8 e de algumas antigas lideranças pelegas ocorreu outro Congresso Nacional da Classe Trabalhadora – também CONCLAT. Este congresso criou a Coordenação Nacional das Classes Trabalhadoras, conservando a sigla CONCLAT. Esta CONCLAT, em 1986, daria origem à Central Geral dos Trabalhadores (CGT), em oposição à CUT‖ (FERRAZ, 2006, p. 63).

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Conforme Giannotti & Lopes Neto (1991) a CUT surgiu, então, com duas

raízes principais, duas vertentes do movimento sindical que lhe deram

direcionamento. De um lado, os sindicalistas ―autênticos‖ (assim chamados na

época) que eram dirigentes sindicais combativos, contrários ao peleguismo.

Defendiam mobilizações e ações de massas. A melhor figura desse bloco são as

ações dos metalúrgicos de São Bernardo, que em

Assembléias diárias decidem a continuidade da luta, sem medo de intervenção do governo federal, dos camburões da tropa de choque ou dos helicópteros do exército que em visível provocação sobrevoavam as assembléias em vôos quase rasantes (GIANNOTTI & LOPES NETO, 1991, p. 35)

Do outro lado, o bloco das Oposições Sindicais que passaram vários anos

fora da estrutura sindical oficial na crítica à estrutura sindical, conquistando depois

sindicatos de diversas categorias (metalúrgicos, bancários, petroleiros, entre outros).

Estavam assim alicerçadas as bases da CUT, as quais ao longo dos anos sofreram

grandes mudanças.

2.4.1 CUT: lutas e mudanças ao longo da década de 1980

A CUT nasceu resultante de um intenso processo de mobilização e da

constituição de um novo sindicalismo em nosso país. Assim, a CUT constitui uma

importante conquista das classes trabalhadoras, tendo em vista que, rompia com o

corporativismo presente no movimento sindical, defendia os direitos dos

trabalhadores, bem como, lutava por sua ampliação e consolidação, e, sobretudo,

pela transformação da ordem societária. Não se pode duvidar que a formação de

uma Central Única dos Trabalhadores – que na realidade nunca foi única porque o

movimento dos trabalhadores nunca foi homogêneo – no contexto da década de

1980 foi de extrema importância para os trabalhadores.

Pela formação dos seus dirigentes e pelo caráter combativo, por muito

tempo a CUT foi considerada por alguns membros da direita como radical. De fato, a

CUT gerada fora das leis vigentes na época, quando comparada a outras vertentes

do sindicalismo brasileiro, assumiu um ideário e uma prática, a princípio, diferentes,

como mostram os princípios norteadores de suas ações: classismo, independência

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de classe, socialismo; democracia como condição indispensável; sindicalismo de

base; sindicalismo de massas (GIANNOTTI & LOPES NETO, 1991).

Tais princípios presentes no Estatuto da CUT desde sua criação denotam

claramente suas intenções radicais. Contudo com o passar dos anos poucas foram

as ações combativas, frente ao Estado, por um sindicalismo autônomo e

independente, pela ampliação e consolidação de direitos e pelo fim da sociedade

capitalista.

Entretanto, esta não é uma opinião unívoca, para alguns avanços, para

outros retrocessos. Para analisar essas mudanças vejamos algumas deliberações e

bandeiras de lutas levantadas nos congressos da CUT (CONCUTs) realizados na

década de 198025.

No I CONCUT realizado no período de 24 a 26 de agosto de 1984, em São

Bernardo do Campo (SP), um ano após sua criação, contou-se com a presença de

5.222 delegados de todo o Brasil. Nesse Congresso, conforme a CUT (2009, p. 03)

as principais resoluções foram: ―organização de uma campanha nacional de luta em

torno das reivindicações imediatas, a luta pelas Diretas Já e a definição da greve

geral, como principal instrumento de luta dos trabalhadores‖.

É importante considerar que nesse período, além das lutas pela

redemocratização do país, havia um intenso processo de lutas por reajustes salariais

e reivindicações pela redução da jornada de trabalho. A economia estava passando

por um profundo processo de recessão iniciado no fim da década de 1970, em mais

uma crise do modo de produção capitalista, conforme já analisamos, o qual atingia

diversos setores e não somente a economia. O Brasil passou a sentir essas

mudanças, que já se davam em nível mundial nesse momento, com o fim do

―milagre econômico‖.

Nesse cenário, a exemplo de em outros momentos, a greve foi o grande

instrumento de reivindicações dos trabalhadores por melhorias nas condições do

trabalho e de vida. Desse modo, logo depois do I CONCUT

Os metalúrgicos do interior de São Paulo, liderados por Santo André e São

25

Vale ressaltar que não é nosso objetivo analisar detalhadamente os CONCUTs, ou a luta da CUT desde sua fundação, mas assinalar as principais lutas, discussões e deliberações, as quais contribuíram para a construção e transformação do perfil da CUT, e, assim, melhor analisarmos o posicionamento dessa Central diante das duas contrarreformas da Previdência Social em 1998 e 2003.

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Bernardo, iniciaram a luta pelas 40 horas semanais, com o célebre slogan ‗Trabalhar menos para viver melhor‘. Meses depois do início desta campanha, realizaram a chamada ‗Greve vaca brava‘ e como resultado disso foi quebrado o tabu das 48 horas. Começaram a conquistar as 44 horas. Em novembro deste ano, uma campanha salarial unificada em São Paulo, estenderá essa conquista, junto com o reajuste trimestral dos salários introduzido através de uma greve nacional dos bancários, para várias categorias da capital (GIANNOTTI & LOPES NETO, 1991, p. 41).

Eram as primeiras conquistas puxadas pela CUT. Contudo, este cenário não

durou muito tempo. Antes da realização do II CONCUT, realizado de 1 a 3 de agosto

de 1986, no Rio de Janeiro, abriu-se uma discussão sobre uma série de mudanças

estatutárias que a tendência majoritária da CUT propôs.

Foi neste Congresso que se estruturou as duas principais tendências da

CUT: a Articulação Sindical, majoritária e a CUT pela Base, minoritária. A primeira,

segundo Rodrigues (apud GIANNOTTI & LOPES NETO, 1991, p. 44) pretendia fazer

da CUT ―uma central de organizações sindicais, o que significa inexoravelmente e

qualquer que seja a retórica, aceitar os parâmetros da economia de mercado e da

ordem legal‖ e a segunda pretendia fazer da CUT ―uma central contra o sistema

capitalista‖.

Além dessa oposição, outros temas, também, provocaram divisões, tais

como: o papel da central na construção do socialismo e o pagamento da dívida

externa. Outra discussão colocada foi se os sindicatos deveriam lutar somente pelos

interesses imediatos ou se os sindicatos deveriam travar a luta por uma sociedade

socialista (GIANNOTTI & LOPES NETO, 1991). Esses aspectos demarcam as

diferenças de pensamento existente no seio da CUT, que já existiam desde sua

gênese, mas que se mostraram mais latentes nesse período.

Essas divergências no interior do II CONCUT se traduzem nas três chapas

candidatas para compor a Direção Executiva da Central.

Na cronologia de lutas da CUT26 (2009) nada se fala sobre essa disputa,

mencionando de forma genérica que as discussões giraram em torno da conjuntura

econômica e política do país, o projeto de uma nova estrutura sindical e mudanças

no estatuto. E, entre as principais resoluções se destacaram ―a luta pela

recuperação das perdas salariais impostas pelo Plano Cruzado, redução da jornada

de trabalho para 40 horas semanais sem redução de salário, direito de greve,

26

É bem verdade que a cronologia de lutas, retirada do site da CUT constitui-se apenas numa síntese das principais lutas travadas por essa central desde sua gênese até o ano de 2009 (ver ANEXO I).

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reforma agrária e participação popular na Constituinte‖ (CUT, 2009, p.4).

É importante ressaltar que nesse momento o país vivia uma situação difícil

política e economicamente. Muitos estudiosos do assunto destacam que a década

de 1980 foi um período rico em mobilizações e reivindicações de diversos setores da

sociedade civil, porém, no âmbito econômico acontecia o contrário. O cenário no

país era de inflação, cada vez mais crescente, e queda no valor dos salários, esses

aspectos somados ao período de repressão e restrições políticas com a Ditadura

Militar, explica os embates e organizações de diversos movimentos na época.

Em 1986 o governo Sarney tentando derrubar a inflação lançou um plano,

denominado Plano Cruzado. A princípio grande parte da população apoiou tal

medida, contudo, os problemas não demoraram a chegar. O governo não conseguiu

resolver os problemas decorrentes e a inflação voltou a subir no final de 1986. O

quadro era tão crítico que

O Ministro da Fazenda, Dílson Funaro, responsável pelo Plano Cruzado, demitiu-se e foi substituído por Luís Carlos Bresser Pereira. Bresser tentou, sem êxito, controlar a crise e também saiu do governo no final de 1987. Seu sucessor, Maílson da Nóbrega, também não obteve sucesso com o Plano Verão, de janeiro de 1989, que novamente congelou preços e salários e substituiu o cruzado novo. No final do governo Sarney a inflação chegou a 85% ao mês (PILETTI, 2002, p. 132).

Essa era a situação do país, em termos gerais, no período de realização dos

três primeiros CONCUTs e da luta dos trabalhadores nos anos 1980.

No período anterior ao III CONCUT algumas lutas da CUT demonstraram a

indignação dos trabalhadores com a situação do país. Destacaram-se na estratégia

de luta da CUT duas greves. Uma em dezembro de 1986, defendendo o salário,

congelamento dos preços, as empresas estatais e contra o Plano Cruzado e o

pagamento da Dívida Externa. Em agosto de 1987, outra greve foi organizada contra

o Plano Bresser. Essas greves paralisaram muitos trabalhadores em todo o país. Em

março de 1988 a CUT promoveu uma campanha pela recomposição das perdas

salariais, reivindicando ações do Governo Federal (CUT, 2009). Boito Jr. (2005, p.)

ressalta que

Ao todo foram quatro greves gerais nos anos 80. Todas foram realizadas em protesto contra a política de desenvolvimento, em resposta a alguma medida econômica antipopular, e todas elas agitaram a plataforma de transformações econômicas e sociais então defendidas pela CUT. A

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participação dos trabalhadores nessa greve foi crescendo ao longo da década. A primeira, a greve geral de julho de 1983, contou [...], com a participação de cerca de dois a três milhões de trabalhadores. A segunda greve geral, de dezembro de 1986, contou com a participação de cerca de dez milhões de grevistas, isto é, cinco vezes mais que o contingente da greve de 1983. A greve de agosto de 1987, terceira da série, manteve o mesmo nível de participação da greve geral de 1986. Finalmente, a quarta greve geral de protesto dos anos 80, realizada em março de 1989, deu um salto quantitativo, duplicando para 20 milhões o número de grevistas. Essa greve teve, ademais, a duração de dois dias, diferentemente das três anteriores que foram apenas de um dia.

O III CONCUT realizou-se no período de 07 a 11 de setembro de 1988, em

Belo Horizonte (MG). Embora, a CUT (2009) afirme que a central nesse congresso

tenha discutido a conjuntura, concepção e prática sindical e organização para o

próximo período, Giannotti &Lopes Neto (1991) afirmaram que o III CONCUT foi

sobremaneira influenciado pelo II CONCUT, prevalecendo as discussões sobre as

mudanças no estatuto.

Uma das poucas discussões políticas que esteve presente nesse CONCUT

foi a promulgação da nova Constituição de 1988. É interessante que a cronologia de

lutas da CUT (2009) nada mencione sobre a atuação da CUT diante desse fato

histórico em nosso país. Entretanto, Giannotti e Lopes Neto (1991) destacaram que

a CUT assumiu um papel semelhante ao MST, que se expressa no título sugestivo:

―Transformar em carvão a Constituição‖. Praticamente todos os setores da CUT

consideraram a Constituição conservadora, como esteve presente na justificativa da

CUT na época

Apesar de terem sido incorporadas à lei algumas reivindicações dos trabalhadores, essa Constituição mantêm o essencial do caráter conservador e da tutela militar, iguala a propriedade ao direito à vida, legaliza a continuidade dos assassinatos dos trabalhadores rurais e legitima a transição conservadora de Sarney (CUT apud GIANNNOTTI & LOPES NETO, 1991, p. 47).

No que se referem às resoluções desse CONCUT, as principais foram:

manifesto contra o pacto social, uma central sindical classista, uma CUT organizada

a partir dos locais de trabalho, conquistar a liberdade sindical, autonomia diante das

centrais sindicais internacionais. Ressalta-se que apesar de contar nos relatórios,

tais premissas não foram discutidas na plenária, pois a ênfase foi dada às mudanças

pretendidas no Estatuto (GIANNOTTI & LOPES NETO, 1991).

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Ainda segundo esses autores as principais mudanças introduzidas foram: a

representação para os congressos nacionais deixou de ser escolhida pela plenária

de base dando prioridade aos dirigentes; o número de delegados não mais seria

definido de acordo com a base da categoria – o que abrangia todos os

trabalhadores, sindicalizados ou não –, mas, apenas com o número de

sindicalizados; redução do peso da participação das oposições; as eleições dos

delegados aos Congressos Nacionais seriam feitas nos Congressos Estaduais –

retirando a possibilidade de um trabalhador de base participar.

Por outro lado, contraditoriamente, é reafirmada a luta pela emancipação

dos trabalhadores na perspectiva de superar a ordem capitalista e construir uma

sociedade socialista. Ao mesmo tempo em que no estatuto são introduzidos

elementos contrários à democracia defendida desde o começo pela central, a CUT

aprofundou a formulação do seu objetivo que é o socialismo. Sóhria-Silva (2006, p.

332) chamou a atenção que nesse congresso ficou aberto

A possibilidade de se justificar teoricamente a necessidade de se promover lutas pontuais, as negociações com o patronato e governo – em suma a prática de reformas –, sem ferir o posicionamento de fundo da central, qual seja impulsionar o projeto histórico do socialismo.

Se o III CONCUT se deu em um cenário repleto de uma nova perspectiva

que representava a Constituição Federal de 1988, marcando a redemocratização do

país e a inauguração, ainda que formal, de diversos direitos ainda não gozados por

diversos segmentos. O IV CONCUT realizado de 04 a 08 de agosto de 1991 em São

Paulo ocorreu numa conjuntura bem diferente e repleta de limitações em face do

quadro nacional de ofensiva neoliberal, com a posse do governo Fernando Collor de

Mello, além do clima internacional criado com o colapso do socialismo burocrático

nos países do Leste Europeu e na União Soviética.

A CUT que já vinha sofrendo sérias transformações no decorrer da década

de 1980 prosseguiu no processo de mudanças na década de 1990, determinando

sobremaneira sua atuação, bem como seu posicionamento diante das

contrarreformas da Previdência Social, fruto das inflexões gestadas logo após sua

fundação em 1983. Ou seja, a postura da CUT diante das contrarreformas da

previdência foi determinada pelas transformações de direcionamento desde sua

gênese, e, mais substancialmente, na década de 1990, perdurando e se

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aprofundando no início do século XXI.

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3 A OFENSIVA NEOLIBERAL: DETERMINAÇÕES PARA INFLEXÕES NO ESTADO, TRANSFORMAÇÕES NA CUT E DESMONTE DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

A década de 1990 trouxe um cenário novo para o Brasil, mas não foi um

quadro positivo, de avanços e conquistas, muito pelo contrário. A situação foi de

retrocesso, declínio, de muitos direitos alcançados nas décadas anteriores, direitos

esses, resultantes, não de forma mecânica, mas de uma correlação de força

atuante, principalmente, a partir dos anos 1930. Entretanto, com a chegada da

década de 1990, as inflexões foram muitas, saímos de um período ditatorial, início

da redemocratização do país notadamente marcada pela promulgação da

Constituição Federal de 1988, em cujos direitos civis, políticos e sociais foram

restaurados, e não somente, alguns foram ampliados.

Entretanto, na contramão da Constituição, avançou o neoliberalismo

defendendo a intervenção mínima do Estado, principalmente na área social,

promovendo assim, a crise do sistema de proteção social recém conquistado, cuja

garantia deveria ser assegurada pelos governantes. Na década de 1990 iniciou o

processo de contrarreforma do Estado, visto que o próprio Estado mudou o seu perfil

interventor – o que determinou mudanças em diversas áreas, com amplas

conseqüências para os direitos alcançados nas décadas anteriores, dentre eles a

Previdência Social, que também, foi alvo de sérias medidas, restringindo os direitos

previdenciários.

Assim, sofreram os trabalhadores que precisam desses direitos para terem

um mínimo de bem estar e segurança garantidos quando atingidos por um dos

riscos sociais – morte, velhice, invalidez, doença, acidente, reclusão.

Contudo, as inflexões se estenderam para além disso. Não somente mudou

a forma de intervenção do Estado e os direitos dos trabalhadores, mas, também, as

classes trabalhadoras sentiram as determinações do capital e viram suas forças

enfraquecidas. A luta tão relevante, especialmente, no contexto de corte e

minimização dos direitos conquistados, face ao neoliberalismo vem sendo

enfraquecida, como ressalta Araújo (2004, p. 76)

A partir da investida neoliberal, também se tem verificado modificações, não só no conjunto dos direitos sociais, mas das relações sociais, destacando-se a fragmentação da classe operária, que mina a sua identidade e

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enfraquece os seus movimentos.

A própria CUT que já vinha se transformando, ao longo dos anos 1980,

assumiu uma postura diferenciada de sua gênese, na década de 1990, se

estendendo também pelo início do século XXI.

É esse cenário que analisaremos nesse capítulo.

3.1 A PREVIDÊNCIA SOCIAL ANTES DAS CONTRARREFORMAS PREVIDENCIÁRIAS: UMA CONQUISTA DOS TRABALHADORES

Antes de nos adentrarmos no desmonte dos direitos previdenciários

determinados pela contrarreforma do Estado, através das assim chamadas reformas

da Previdência Social – que aqui de forma crítica utilizaremos o termo

contrarreforma da Previdência –, cabe deixarmos claro os muitos avanços

alcançados pela organização das classes trabalhadoras para essa política no

período anterior aos anos 1990, cujo marco é o ano de 1923, para então,

analisarmos o impacto da contrarreforma do Estado para a Previdência Social,

desmontando os direitos alcançados.

Como analisamos no capítulo anterior os direitos sociais conquistados,

dentre eles, a Previdência Social, foram reconhecimentos e garantias legais do

Estado frente às lutas dos movimentos organizados, especialmente, o movimento

sindical.

Foi em um cenário de luta na sociedade brasileira que se deu o marco da

Previdência Social no país, com a criação da Lei Eloy Chaves27, Decreto Legislativo

n° 4.682, em 1923, que instituiu em cada uma das empresas de estradas de ferro

existentes no país uma Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAP), para os seus

empregados, embora já anteriormente, em 1919, tenha sido promulgada a Lei de

Acidente de Trabalho, de iniciativa do senador paulista Adolpho Gordo, a qual

obrigava o empregador a indenizar o trabalhador em caso de acidentes de trabalho.

A Lei Eloy Chaves, assegurava aos ferroviários os seguintes benefícios:

assistência médica em caso de doença do empregado ou de um de seus

dependentes; medicamentos; aposentadoria por tempo de serviço, velhice ou

27

Essa lei recebeu esse nome, em virtude de ter sido formulada pelo deputado paulista Eloy Chaves (1875-1964).

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invalidez; e pensão para os dependentes em caso de morte. Os fundos que

formavam a Caixa vinham, principalmente, de uma contribuição mensal de 3% dos

respectivos vencimentos do empregado e uma contribuição anual de 1% da renda

bruta da empresa, os quais eram depositados numa conta bancária, retirando-se

apenas o necessário para pagamento de benefícios no momento.

Somente mais tarde essa lei foi ampliada por meio do Decreto n° 5.109 de

1926, que estendeu esses direitos aos marítimos e portuários.

Não foi por acaso que a lei dirigiu-se, inicialmente, apenas aos ferroviários,

tendo em vista que, os estudiosos do tema ressaltam que os trabalhadores das

estradas de ferro estavam entre os setores mais organizados e ativos dentre os

grupos de operários da época, os quais desempenharam um papel importante nas

greves e controlavam um serviço público de grande relevância para a economia

nacional. Uma greve na área, praticamente, paralisava a economia.

Assim, é importante destacar que nesse período, alguns benefícios

começaram a ser concedidos visando a desmobilização dos trabalhadores e

também o desvencilhamento das empresas com gastos relativos às pensões e

aposentadorias, devido às sociedades mutuais28.

As CAPs eram estruturadas como organizações privadas, supervisionadas

pelo governo e financiadas pelos trabalhadores, patronato e pela contribuição dos

usuários da rede ferroviária, via impostos, como vemos no Artigo 3º da Lei Eloy

Chaves os fundos que formavam a Caixa:

a) Uma contribuição mensal dos empregados, correspondente a 3% dos respectivos vencimentos;

b) Uma contribuição annual da empresa, correspondente a 1% da renda bruta; c) A somma que produzir um augmento de 1,5% sobre as tarifas de estradas de

ferro; d) As importancias das joias pagas pelos empregados na data da creação da

caixa e pelos admitidos posteriormente, equivalentes a em mez de vencimentos e pagas em 24 prestações mensaes;

e) As importancias pagas pelos empregados correspondentes à diferença no primeiro mez de vencimentos, quando promovidos ou aumentados de vencimentos, pagas tambem em 24 pretações mensaes;

f) O importe das sommas pagas a maior e não reclamadas pelo público dentro do prazo de um anno;

g) As multas que attinjam o público ou pessoal h) As verbas sob rubrica de venda de papel velho e varreduras;

28

Segundo Luca (2005) a diferença fundamental entre as CAPs e as Mutuais eram as origens das receitas, pois com as Mutuais as empresas tinham gastos, cada vez, maiores com os empregados inativos, enquanto que, com as CAPs sua responsabilidade limitava-se ao repasse da cota estipulada.

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i) Os donativos e legados feitos à Caixa; j) Os juros dos fundos acumulados [sic].

Apesar de significar uma conquista para os trabalhadores, essa lei, ainda era

por demais restritiva, primeiro porque estava voltada para uma única ou poucas

categorias, e, segundo, por se tratar de um compromisso firmado entre

trabalhadores e proprietários, ou seja, era indispensável o vínculo formal com a

empresa, se não perdia-se o direito como de que é exemplo o Art. 17 da Lei Eloy

Chaves: ―Não se concederá aposentadoria, em nenhum caso, por invalidez, aos que

requeiram depois de ter deixado o serviço da respectiva empresa‖.

Além de pensamentos conservadores típicos da cultura da época, como os

presentes no Art. 33, no qual o direito à pensão podia extinguir-se, caso o viúvo ou

viúva ―contraíssem novas núpcias‖ ou em caso de ―vida desonesta ou

vagabundagem do pensionista‖, dentre outros.

A expansão previdenciária ocorreu, posteriormente por meio da criação dos

Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), a partir de 1933, os quais vão

progressivamente substituindo as CAPs. Em 1933 foi organizado o Instituto de

Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM); em 1934 o Instituto de

Aposentadoria e Pensões dos Comerciários (IAPC) e o Instituto de Aposentadoria e

Pensão dos Bancários (IAPB); e em 1938, o Instituto de aposentadoria e pensões

dos Empregados em Transporte de Carga (IAPTEC), o Instituto de Aposentadoria e

Pensões dos Servidores do Estado (IPASE) e O Instituto de Aposentadoria e

Pensões dos industriários (IAPI). Este último, embora criado em 1936, somente

entrou em funcionamento dois anos depois (LUCA, 2005).

Os IAPs traziam algumas inovações em relação às CAPs, por não mais se

estruturarem em empresas, e sim, de acordo com categorias profissionais. Além

disso, constituíam-se em autarquia pública, mas preservaram a administração

colegiada e tinham seu financiamento em regime de repartição simples. Nesse

sistema, os benefícios de uma geração são garantidos pelas contribuições da

geração seguinte, também conhecido como solidariedade entre e intragerações ou

pacto entre gerações – a exemplo do sistema vigente hoje no Regime Geral de

Previdência Social (RGPS).

Entretanto, os IAPs ainda apresentavam diversas restrições, pois, embora

mais abrangentes, deixaram à margem os trabalhadores rurais, empregados

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domésticos, autônomos, subempregados, desempregados e todos aqueles que

exerciam profissões não regulamentadas (LUCA, 2005).

A Previdência era discriminatória e excludente, pois adotava como parâmetros e critérios de acesso aos benefícios o exercício e a comprovação de um trabalho regular, registrado na carteira profissional, e apenas para as profissões reconhecidas e regulamentadas em lei, o que levou a formulação da expressão ‗cidadania regulada‘ para designar este período (SALVADOR E BOSCHETTI, 2002, p. 119).

Santos (1987) um dos primeiros teóricos a utilizar a expressão cidadania

regulada afirmou que nesse período três parâmetros definiam os cidadãos dos não

cidadãos para acesso aos direitos: a regulamentação das profissões, a carteira

profissional e o sindicato público29. Observamos, assim, que, embora a política

previdenciária estivesse ampliando-se, muitas ainda eram suas limitações para

garantia de uma significativa proteção social.

Além disso, o crescimento dos recursos dos IAPs tornou-se um importante

instrumento de poder para a burocracia patronal e sindical, convertendo-se nas

décadas de 1950 e 1960, como analisamos no conhecido peleguismo dos

movimentos sindicais.

Entre 1945 e 1964 (início da Ditadura Militar) o único avanço da Previdência

Social foi a promulgação da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), no governo

de Juscelino Kubistchek, em 1960. O projeto dessa lei foi apresentado pelo

deputado da UDN, Aluízio Alves, e até sua aprovação foi muito modificado. A

proposta inicial visava, principalmente, uniformizar e/ou unificar o sistema

previdenciário oficial e absorver o seguro acidente do trabalho para o setor público.

Porém, a proposta aprovada colocou sob lei única os serviços e benefícios

previdenciários do sistema brasileiro, mas algumas lacunas permaneceram, como, a

não incorporação da tese de unificação dos IAPs e o acidente de trabalho

permaneceu nos setores privados.

Ressalta-se, ainda, que alguns grupos sociais antes excluídos, como os

profissionais liberais foram então abrangidos pelo novo sistema, contudo,

continuaram à margem da cobertura previdenciária os trabalhadores rurais e os

29

Segundo Santos (1987, p. 69) nessa época ―os direitos dos cidadãos são decorrência dos direitos das profissões e as profissões só existem via regulamentação estatal. O instrumento jurídico comprovante do contrato entre o Estado e a cidadania regulada é a carteira profissional que se torna, em realidade, mais do que uma evidência trabalhista, uma certidão de nascimento cívico‖.

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domésticos.

Somente em 21 de novembro de 1966, com a extinção dos IAPs, é criado o

Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), tornando-se o único orgão

responsável pela concessão de benefícios e serviços a todos segurados, baseado

em uma legislação unificada. O INPS marca ―o início de uma nova fase na

Previdência brasileira‖ (SALVADOR E BOSCHETTI, 2002, p. 119). Esse foi um

importante avanço administrativo organizacional. Entretanto, não para a

democratização da participação na gestão dessa política, pois foram afastados da

gerência da Previdência Social os representantes dos empregados. Simões (1986,

p. 85) destacou em seu trabalho esse ponto negativo da unificação e uniformização.

Para ele a junção dos benefícios e serviços previdenciários em um único instituto

Permitiu ao governo o controle geral do sistema de acordo com as diretrizes do novo trabalhismo, inclusive sem a resistência que os antigos IAPs poderiam opor, em sua heterogeneidade de organização e de benefícios, e em vista da participação dos sindicatos na administração.

Entretanto, pode parecer contraditório, mas, não podemos deixar de

considerar essa unificação como uma conquista, haja vista que sua administração

passou para o âmbito exclusivo do Estado, a instituição que deve arcar com as

prestações dos direitos à população.

No período de Ditadura Militar (1964-1984) o sistema previdenciário teve

diversos avanços30. A primeira e talvez mais importante conquista do período foi a

transferência da esfera privada para estatal do controle, administração e alocação

de recursos provenientes do seguro de acidente do trabalho, atendendo uma

reivindicação das classes trabalhadoras existente desde o governo Vargas. O

seguro acidente foi uma conquista de grande relevância, tendo em vista que durante

o ―milagre econômico‖ o número de acidentes no trabalho aumentou.

Em 1º de maio de 1969, foi editado o Decreto nº 564, instituindo o início da

Previdência Social Rural. Este decreto estendeu os benefícios previdenciários aos

trabalhadores rurais, entretanto restringiu sua implementação às áreas rurais com

algum nível de industrialização. Em 1972 os empregados domésticos foram

30

Esse aspecto nos remete às palavras de Oliveira (2002), a qual disse que a concessão de alguns direitos nesse período deu-se para compensar carências, amenizar conflitos e dar legitimidade ao poder.

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incorporados em caráter compulsório e os trabalhadores autônomos foram inseridos,

em 1973 (CABRAL, 2000).

Percebemos, conforme o registro de inclusão à Previdência Social de

categorias antes excluídas, uma relevante extensão da previdência nessa época.

Entretanto essa maior abrangência não alterou o padrão de seletividade que sempre

esteve presente nas políticas sociais brasileiras, determinada pela formalização do

emprego.

Posteriormente, em 1974, foi criado o Ministério da Previdência e

Assistência Social (MPAS) desmembrando-se do Ministério do Trabalho e

Previdência Social (MTPS). Uma conquista importante que desvinculou formalmente

as políticas trabalhistas e previdenciárias, salientando a relevância desta última nas

metas do governo ao criar um ministério próprio (SIMÕES, 1986). Contudo, a

estrutura do MPAS só foi organizada quando o Sistema Nacional de Previdência e

Assistência Social (SINPAS) foi instituído. Enquanto isso, esse ministério atuou

próximo do INPS. Nesse mesmo período, a cobertura especial dos acidentes de

trabalho foi estendida ao trabalhador rural (SIMÕES, 1986).

Após a criação do MPAS foi incorporado ao INPS o salário maternidade,

liberando as empresas dos custos da trabalhadora afastada, tendo em vista que

conforme a CLT, a licença gestação era financiada pelo empregador, por isso muitas

gestantes eram demitidas. Um mês depois foi instituído auxílio velhice – Renda

Mensal Vitalícia – para amparar às pessoas carentes de 70 anos ou mais de idade

ou inválidas31.

Em 1977 foi instituído o Sistema Nacional de Previdência e Assistência

Social (SINPAS), o qual conservou o INPS – concessão e manutenção de

benefícios; criou o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

(INAMPS) – assistência médica, farmacêutica e odontológica –, o Instituto de

Administração Financeira da Previdência Social (IAPAS) – arrecadação e

fiscalização –, a Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social

(DATAPREV), e a Central de Medicamentos (CEME); incorporou a Legião Brasileira

de Assistência Social (LBA), a Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor

(FUNABEM) e a Fundação Abrigo Cristo Redentor (FACR). O SINPAS tornou-se,

31

A Renda Mensal Vitalícia foi substituída pelo Benefício de Prestação Continuada em 1993. O benefício é devido às pessoas idosas de 65 anos ou mais ou deficiente, cuja renda per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo. O BPC constitui um benefício da Assistência Social, cuja execução é realizada, hoje, pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).

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79

assim, responsável pela execução da política de previdência e assistência médica,

farmacêutica e social, bem como pela supervisão dos órgãos que lhe são

subordinados e das entidades a ele vinculados.

Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que foi instituído o SINPAS foi

regulamentada também, a previdência complementar32 pela lei n° 6.435/1977

consolidando a desigualdade de acesso. Esse modelo foi incorporado pela

Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 202. Essas já se apresentavam como

tentativas de privatizar a Previdência Social, e foi um dos objetivos da realização das

contrarreformas da Previdência.

Cabral (2000) ressalta que, nesse período a Previdência Social passou por

um momento de crise em decorrência da ―instabilidade econômica marcada pela

falência do milagre brasileiro e pelas crises internacionais do petróleo‖ (p. 123) o que

trouxe conseqüências sobre a questão social: desemprego, aumento crescente da

pobreza entre outros.

No início dos anos 1980, novos sujeitos sociais entraram em cena em

movimentos de pressão ao Estado, exigindo o atendimento de suas necessidades.

Assim, um grande número de trabalhadores fez-se presente na Assembléia Nacional

Constituinte, participando das discussões, especialmente, no que concerne à

Seguridade Social. Uma importante conquista da Constituição Federal de 1988 foi a

elaboração do conceito de Seguridade Social, compreendendo-a como ―um conjunto

integrado de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinada a assegurar

os direitos relativos à saúde, assistência e previdência social‖ (Artigo 154), devendo

essas três políticas atuar de forma articulada.

A promulgação da Constituição Federal de 1988 foi, sem dúvida, muito

relevante para o reconhecimento da Previdência, enquanto política pública que

garanta direitos sociais, pois visou garantir aos trabalhadores e seus dependentes,

proteção social quando da perda, parcial ou permanente, de sua capacidade

laborativa – por morte, velhice, invalidez, doença, maternidade, reclusão.

Entretanto, pós Constituição Federal de 1988 muitos foram os limites

impostos à Previdência Social. As mudanças que sempre fizeram parte da política

32

Segundo Granemann (2006, p. 168) ―A previdência complementar apresenta-se sob duas modalidades: a aberta e a fechada. A aberta é praticada por instituições financeiras (bancos, seguradoras etc) e constitui-se na forma de sociedade anônima, com fins lucrativos. A fechada corriqueiramente conhecida por fundos de pensão é instituída por empresas e por entidades associativas do mundo do trabalho. Sua forma legal é a de entidade sem fins lucrativos‖.

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previdenciária continuaram, porém, não mais ampliando direitos, mas, conforme o

ideário neoliberal, restringindo-os. A primeira mudança pós Carta Magna foi a

criação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS),

através do Decreto nº 99.350 de 27/06/1990, o qual fundiu as responsabilidades do

INPS e IAPAS e extinguiu o INAMPS, por meio da Lei n. 8.689 de 27/07/1993.

Nesse período o governo Fernando Collor de Mello – seguindo as regras

ditadas pelos organismos internacionais, especialmente o Fundo Monetário

Internacional e o Banco Mundial – apresentou em 1991, uma ampla proposta de

contrarreforma, denominada Projeto Rossi – nome do Presidente do INSS na época

(CABRAL, 2000). Segundo Cabral (2000, p. 126) ―a principal característica deste

projeto era a transferência para o setor privado das faixas salariais acima de cinco

salários mínimos, bem como do seguro-acidente para o âmbito privado‖. Vê-se,

então que a Previdência Pública ficaria restrita a uma previdência básica, enquanto

o setor privado ficaria com as faixas salariais mais rentáveis.

A autora ressalta que Collor utilizou para argumentar essa contrarreforma,

justificativas não muito diferentes das que ouvimos posteriormente na realização das

duas últimas contrarreformas: a de que a previdência passava por uma crise que

colocaria em risco a manutenção dos benefícios, o que comprometeria todo o

sistema. Entretanto, com o grande processo de insatisfação, que culminou com o

seu impeachment, Collor ficou impossibilitado de levar sua proposta adiante

(CABRAL, 2000).

Outra mudança efetivada nesse período foi a promulgação de diversas

Medidas provisórias, desde 1992 até a realização da contrarreforma de 1998, as

quais reduziram ao máximo os direitos alcançados pelos trabalhadores. Segundo

Araújo (2004, p. 179) ―esse enxugamento se deu através de medidas provisórias

reeditadas várias vezes, até a promulgação de leis ordinárias que absorviam a

matéria constante dessas medidas‖. Isto é, essas medidas foram uma estratégia do

governo para diminuir direitos, enquanto a contrarreforma não era aprovada. Na

prática, diversos direitos foram alterados por essas medidas, tais como: auxílio

acidente, auxílio funeral, auxílio natalidade, abono de permanência em serviço,

pensão por morte, entre outros (ARAÚJO, 2004)33.

Essas foram as principais mudanças sofridas pela Previdência desde sua

33

Para uma melhor análise das Medidas Provisórias que alteravam direitos previdenciários aprovadas desde 1992 até a promulgação da contrarreforma de 1998 ver Araújo (2004).

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gênese até a realização da contrarreforma de 1998.

Na atual conjuntura, cabe ressaltar que, embora a Previdência Social

constitua uma importante conquista da luta da classe trabalhadora, é compreendida,

ainda, como uma política social excludente – enquanto sinônimo de seguro social –

tendo em vista que a dimensão do direito de acesso aos benefícios e serviços

previdenciários restringe-se aos cidadãos que contribuem diretamente para essa

política, com exceção dos trabalhadores rurais. Esse aspecto é extremamente

complicado em um país onde um grande número de trabalhadores encontra-se

desempregado ou na informalidade, devido aos baixos salários recebidos.

Portanto, a Previdência Social é permeada por contradições, na medida em

que atende algumas necessidades das classes trabalhadoras – imprescindíveis para

garantir condições de vida digna –, mas, ao mesmo tempo, tem um cunho

excludente, já que nem todos trabalhadores conseguem contribuir. Esse aspecto

tem causado insegurança aqueles que não podem pagar, pois estão excluídos

dessa proteção social.

Essa restrição dos direitos previdenciários tem sido grandemente

aprofundada, com a ofensiva neoliberal, materializada nas contrarreformas da

Previdência, realizadas no governo Fernando Henrique Cardoso em 1998 e no

governo Lula, em 2003. Têm sofrido com essas mudanças não somente os

trabalhadores excluídos dessa proteção, pois a vê, cada vez mais, distante, mas

também aqueles que contribuem ou contribuíram diretamente para a Previdência,

temendo a redução nas condições de vida ou a perda de direitos adquiridos.

O pontapé inicial para a efetivação dessas contrarreformas da Previdência e

a retirada de direitos conquistados pelos trabalhadores foi uma mudança substancial

no estado brasileiro, na década de 1990 com a adesão dos governantes ao

neoliberalismo.

3.2 A CONTRARREFORMA DO ESTADO BRASILEIRO

O neoliberalismo entrou na cena brasileira, somente em 1990, no Governo

de Fernando Collor de Mello, constituindo o que Behring (2002) chamou de

―neoliberalismo retardatário‖, considerando que em outros países apresentava-se

desde o final da década de 1970. Foi nos governos de Margareth Thatcher (1979),

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na Inglaterra e de Ronald Reagan (1982) nos Estados Unidos que se consolidou o

neoliberalismo em oposição ao Estado de Bem Estar Social.

No Brasil, Collor venceu a primeira eleição direta para presidente em 1989,

derrotando Luís Inácio Lula da Silva, candidato do Partido dos Trabalhadores (PT),

e, assumiu no dia 15 de março de 1990, sufocando o processo de democratização

pela implementação acelerada das estratégias neoliberais – sua maior intervenção –

principalmente, através de uma política industrial fundada na abertura comercial

facilitada para capitais externos. No Brasil,

a política neoliberal [...] esteve dirigida a permitir uma maior integração do país na lógica econômica internacional, transformando num espaço permeável a globalização. Tudo isso no entendimento de que se trata da única via capaz, nos dias de hoje de conduzir ao progresso e de tornar possível a modernidade (CARCANHOLO, 2002, p.87).

A década de 1980 foi marcada por uma grave crise econômica em

decorrência do endividamento externo, não somente no Brasil, mas em vários

países da América Latina. Com a crise da dívida e a possibilidade de colapso

financeiro internacional, impõe-se a necessidade dos ajustes fiscais e dos planos de

estabilização econômica a nível global. ―Houve uma espécie de coordenação da

reestruturação industrial e financeira nos países centrais, cujo custo foi pago

duramente pela periferia‖ (BEHRING, 2003, p. 136), visto que os benefícios ficaram

nas economias centrais.

Portanto, em síntese, de um ponto de vista econômico, têm-se, na entrada dos anos de 1990, um país derruído pela inflação – [...] e que será o fermento para possibilidade histórica da hegemonia neoliberal; paralisado pelo baixo nível de investimento privado e público; sem solução consistente para o problema do endividamento; e com uma situação social gravíssima (BEHRING, 2003. p. 137).

Desse modo, as atenções do Governo Collor se concentraram no plano

econômico. Algumas medidas tomadas no primeiro dia do governo foram: bloqueio

de grande parte do dinheiro que pessoas e empresas tinham nos bancos, com o

propósito de controlar a inflação. Além do objetivo de conter a inflação faziam parte

do plano econômico de Collor: privatização de empresas estatais; fechamento de

órgãos do governo e vendas de propriedades do Estado; abertura da economia ao

capital externo e às importações de produtos estrangeiros; e demissão de

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funcionários públicos (PILETTI, 2002). Como apreendemos dessas medidas as

políticas, efetivadas em seu governo eram de cunho notadamente neoliberais.

No que tange às políticas sociais, as ações interligavam redução nos gastos

sociais na esfera pública e privatização de setores mais rentáveis, como é típico das

políticas neoliberais. Entre suas estratégias destacaram-se: a complementação da

previdência pública básica, por esquemas públicos e privados voltados aos setores

de média e alta renda; inexistência de prioridade para implementação do Sistema

Único de Saúde (SUS); e deslocamento da política de Educação para a área de

reestruturação competitiva da economia (COSTA, 2000).

É importante ressaltar as diversas restrições nesse governo para a

Seguridade Social, recém conquistada e colocada em xeque pelas inúmeras ações

incompatíveis com o debate público do tema e com os avanços da Carta Magna.

Não é de se admirar, portanto, que por esse governo tenham sido vetados a Lei

Orgânica da Assistência Social (LOAS) que regulamentava a política de Assistência

e os projetos relativos ao plano de benefícios previdenciários e à organização e

custeio da Seguridade Social, bem como editou medidas provisórias, desvinculando

os benefícios previdenciários do salário mínimo.

No âmbito social, o governo Collor caracterizou-se por uma crescente

subordinação dos gastos sociais aos ajustes econômicos, provocando crescimento

do desemprego e o declínio dos níveis de renda, comprometendo com isso,

inclusive, o desempenho das receitas públicas.

Conforme tabela abaixo, analisamos a queda nos gastos sociais em vários

setores das políticas sociais durante o governo Collor.

Quadro I

Gasto social Federal no Governo Collor34

Setores 1990 1991 1992

Educação e cultura 7,8 4,9 4,0

Habitação e Urbanismo 0,1 0,2 0,1

Saúde 4,1 7,4 6,70

Saneamento 0,1 0,3 0,4

Proteção ao meio ambiente 0,1 0,0 0,1

Trabalho 3,9 3,6 4,3

34

Foram feitas algumas alterações na forma de apresentação do quadro, tais como, mudanças no título e abrangência, conforme melhor adequação ao nosso estudo.

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Assistência Social 1,6 1,7 1,4

Previdência 36,2 20,2 20,6

Total 53,9 38,3 37,5

FONTE: UNICEF (apud COSTA, 2000)

De acordo com o quadro acima, apreendemos que durante o governo Collor

os gastos com o social sofreram uma queda nos anos subseqüentes ou a elevação

foi irrisória. No que se refere às políticas constituintes da Seguridade Social, a

Saúde contou com uma pequena elevação de 1990 para 1991, porém sofreu uma

queda em 1992. A Assistência Social, também, teve um crescimento pouco

significativo em 1991 e caiu novamente em 1992. E, a Previdência Social sofreu

uma queda significativa de 1990 a 1992. Ao analisar todos os gastos com as

políticas sociais, em seu conjunto, apreendemos que o declínio foi constante, em

todos os anos, sendo de grande propensão de 1990 (53,8) para 1991 (38,3),

voltando a cair em 1992 (37,5).

A iniciativa neoliberalizante de Collor de Mello foi abalada pela grave

recessão, diminuição da atividade econômica, desemprego, e principalmente, pelos

escândalos de corrupção em seu governo.

Havia prometido governar para os ‗descamisados‘ e ‗pés descalços‘, mas não houve redistribuição de renda; jurou acabar com os ‗marajás‘ (funcionários públicos com altos salários e que pouco trabalhavam) e colocar os corruptos na cadeia, mas ele mesmo passou a usufruir de vantagens de uma rede de corrupção; comprometeu-se a pagar dignamente os aposentados, mas negou-lhes os reajustes devidos, levando-os às ruas, em passeatas e outras manifestações públicas, para exigir o respeito aos seus direitos (PILETTI, 2002, p. 134).

As denúncias contra o governo se avolumaram e milhares de pessoas no

país se mobilizaram em um protesto, cujo grito de ordem foi: ―Fora, Collor‖35. Em 29

de dezembro de 1992, já afastado para julgamento, percebendo que seria derrotado,

Collor renunciou ao seu mandato de presidente da República.

Assumiu a presidência da República, Itamar Franco (1993-1994). O principal

foco desse governo foi tentar baixar a inflação que tinha voltado a subir, criando uma

35

Muitos estudantes participaram desse movimento pintando o rosto com as cores da bandeira nacional, ficando conhecidos com os ―caras pintadas‖.

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moeda estável. Nesse sentido, foi elaborado o Plano Real36, em 1994, passando a

vigorar em etapas, sendo capitaneado pelo então Ministro da Fazenda Fernando

Henrique Cardoso.

Com promessas de estabilização econômica, FHC aproveitou a

oportunidade e alicerçou as bases para sua vitória nas eleições que se dariam em

breve, realizando uma chantagem eleitoral: era necessário votar no candidato do

Plano ou colocava-se em risco a estabilidade da moeda.

Os brasileiros traumatizados com uma inflação de 50% ao mês e esgotados com a incapacidade de planejar sua vida cotidiana, votaram na moeda e na promessa de que, com a estabilidade, viriam o crescimento e dias melhores (BEHRING, 2003, p. 155).

Entretanto, as esperanças que foram colocadas no Plano Real e também no

Governo FHC, foram pouco a pouco, se esvaindo. Segundo Behring (2003) o Plano

Real conseguiu manter a inflação sob controle, mas por outro lado, trouxe outros

prejuízos, dos quais se destacam o aumento do desemprego, em virtude das altas

taxas de juros – que favoreceram a queda no investimento produtivo – e a abertura

comercial, que incentivou a competitividade e a busca das empresas por novas

tecnologias poupadoras de mão-de-obra.

Como o Governo FHC (1995/1998 e 1999/2002) se encarregou de levar

avante as propostas neoliberais do governo Collor, argumentou-se a necessidade de

um ajuste fiscal, com elevada taxa de juros, para que houvesse a eliminação do

suposto déficit público – utilizado também para explicar a desvalorização do real – e

um corte nos gastos sociais para pagar a dívida pública. Isso acabou

comprometendo a prestação de serviços sociais, principalmente, nos estados e

municípios e também forçou os estados a privatizar empresas públicas, devido ao

arrocho fiscal imposto a essas unidades da federação.

Lesbaupin (1999, p. 7) sintetiza os retrocessos vividos, somente nos quatro

primeiro anos do governo FHC no país:

[...] o Brasil é um país imerso numa grave crise econômica, em pleno processo recessivo, submetido diretamente ao controle do Fundo Monetário

36

―O Plano Real consistiu na adoção de uma nova moeda, o real, que substituiu o cruzeiro real, em vigor no início do plano; o objetivo era manter a estabilidade da moeda, isto é, fazer com que o seu valor permanecesse o mesmo ou que variasse pouco‖ (PILETTI, 2002, p. 135).

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Internacional (FMI), tendo privatizado quase todas as suas empresas estatais, [...], tendo perdido grande parte de suas reservas cambiais, com um nível de desemprego alarmante e crescente, com uma evidente queda de renda salarial média e com acentuada deterioração dos serviços públicos de saúde, de educação, de assistência, de previdência, de moradia.

No Brasil a política neoliberal tem investido fortemente na organização de

uma contrarreforma do Estado, iniciada também no governo FHC, com o suposto

objetivo de vencer a crise fiscal do Estado, controlar a dívida pública e tornar eficaz

a intervenção estatal, especialmente na área social. Contudo não têm sido esses os

resultados obtidos, haja vista que, para concretizar esses objetivos, o Estado tem

realizado uma série de estratégias que dão ênfase ao aspecto econômico em

detrimento do social.

Neste sentido, o Estado tem aberto paulatinamente atividades econômicas

rentáveis, que eram de sua responsabilidade, aos investimentos privados,

ocasionando outras problemáticas, pois para se criar demanda para os serviços

privados é indispensável que os serviços fornecidos pelo setor público sejam

insuficientes ou de má qualidade. O Estado passou, assim, a fazer cortes nos gastos

sociais públicos, o que gerou, por sua vez, deterioração e precarização dos serviços

e crescente desprestígio das instituições públicas. Além disso, o Estado transferiu

muito dos recursos públicos para o pagamento de juros da dívida pública, à custa

das já precárias condições de vida da maioria da população (LAURELL, 2002).

Dessa forma, a ação do Estado, na área social, foi focalizada na compra de

serviços-benefícios do setor privado, com fundos públicos, por meio do

credenciamento desses serviços, deixando de investir no setor público; no

incremento da indústria de seguros privados, voltada para aqueles que podem

pagar; e na centralização dos gastos sociais em programas seletivos voltados aos

pobres.

Desse modo, Behring (2003), questiona a utilização do termo reforma do

Estado, para explicar essas ações do Estado.

Mesmo que o termo reforma seja apropriado pelo projeto em curso no país ao se auto-referir, partirei da perspectiva de que se está diante de uma apropriação indébita e fortemente ideológica da idéia reformista, a qual é destituída de seu conteúdo progressista e submetida ao uso pragmático, como se qualquer mudança significasse uma reforma, não importando seu sentido, suas conseqüências sociais e direção política (BEHRING, 2003, p. 128).

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Behring (2002) salienta que o conceito de reforma do Estado, em seu

sentido original, é uma bandeira da esquerda, pois ganhou sentido no debate do

movimento operário socialista e nas suas estratégias revolucionárias, contudo a

contrarreforma do Estado, presente nesse contexto, tenciona passar por

progressista aquilo que não o é, a não ser no discurso, visto que retira, cada vez

mais, direitos que foram conquistados pelas classes trabalhadoras e muda

substancialmente o caráter do Estado como principal garantidor das políticas sociais.

Assim, nesse contexto, não se pode falar de reforma, em seu sentido pleno,

mas de uma contrarreforma do Estado, tendo em vista que, as medidas até então

preconizadas, demonstram um retrocesso social que beneficia apenas uma minoria

(BEHRING, 2002). Portanto, para que se consiga empreender reformas

democráticas, num país como o Brasil, é indispensável a ultrapassagem do Estado

de direito burguês.

Seguindo esta argumentação é que utilizaremos o termo contrarreforma do

Estado nesse trabalho ao tratarmos das mudanças que tem se dado no Estado

brasileiro, especialmente, a partir dos anos 1990, sob a égide neoliberal.

A contrarreforma do Estado brasileiro se deu processualmente – fato que até

hoje ocorre – por meio de diversas medidas tomadas pelo Estado através de seus

governantes. Como já foi assinalado, o Governo FHC foi extremamente relevante

para o desenvolvimento dessa ação neoliberal, sendo que seu projeto de governo

incorporou a contrarreforma e consubstanciou-a no Plano Diretor da Reforma do

Estado do Ministério da Administração da Reforma do Estado (PDRE-MARE).

Behring (2003) abordou muitos aspectos essenciais e expressivos desse

Plano. O PDRE foi aprovado na Câmara da Reforma do Estado – órgão criado para

discutir e aprovar os termos necessários a contrarreforma do Estado – pelo MARE.

Como justificativa para sua elaboração e implementação está a crise do Estado, a

qual, no plano é resumida à crise fiscal, com o objetivo de resgatar sua autonomia

financeira e a capacidade de implementar políticas públicas. Para tanto, a

contrarreforma deve

[...] seguir por alguns caminhos: ajuste fiscal duradouro; reformas econômicas, orientadas para o mercado – abertura comercial e privatizações –, acompanhadas de uma política industrial e tecnológica que fortaleça a competitividade da indústria nacional; reforma da previdência; inovação dos instrumentos de política social; e reforma do aparelho do Estado, aumentando sua eficiência (BEHRING, 2003, p. 178).

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O Plano traz, ainda, a proposta de redefinição do papel do Estado,

defendendo ser necessária a transferência para o setor privado de atividades que

podem ser controladas pelo mercado – antes de responsabilidade do Estado – ou

mesmo a descentralização de serviços. Esta descentralização deve acontecer, por

meio de parcerias com entidades da sociedade sem envolver o poder do Estado,

pelo menos diretamente, visto que, comumente, são subsidiadas por ele. O

processo de privatização e transferência de responsabilidade é caracterizada no

PDRE, como publicização. Isso confirma o que disse Gusmão (2002, p. 97)

Com um discurso ideológico, a contra-reforma desmontou o serviço público e tem levado ao esvaziamento das responsabilidades públicas estatais, para entregá-las à iniciativa privada e a seus interesses, em resposta às orientações do grande capital, retirando direitos da classe trabalhadora – servidores e usuários.

O PDRE procurou, também, provar a tese de que a Constituição de 1988

tirou a capacidade operacional do governo e aumentou seu custo. Desse modo,

colocou o importante período de transição democrática, expresso nessa

Constituição, como um momento de retrocesso e entrave ao desenvolvimento.

Inclusive, o conceito de Seguridade Social, formado pelo tripé Saúde, Assistência

Social e Previdência Social foi ignorado, sendo cada uma de suas políticas vistas de

modo desarticulado e isolado.

A contrarreforma do Estado, apresentada por esse plano e a forma como

tem sido conduzida sugerem-nos a visão simplista de que, a mesma é necessária e

irreversível, quando na realidade representa uma escolha político econômica, ao

estilo das classes dominantes, e não um caminho natural, que impreterivelmente

precisa ser seguido, mediante os imperativos econômicos (BEHRING, 2003).

Entretanto, essa escolha traz diferenças significativas, posto que destrói os

poucos avanços que foram conquistados no cenário brasileiro, principalmente, no

que diz respeito aos direitos sociais. Mais especificamente, tem-se desmontado a

proposta de Seguridade Social inaugurado pela Constituição de 1988.

O atual governo representado por Luiz Inácio Lula da Silva – em seus dois

mandatos (2003-2006/2007-2010)37 – tem dado continuidade a esse processo de

37

Faz-se relevante salientar que não analisaremos ambos os mandatos do governo Lula, muito menos a densidade de suas atuações, mas nos deteremos ao período inicial de sua ascensão ao poder, principalmente em suas ações para efetivar a contrarreforma da Previdência Social em 2003,

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contrarreforma do Estado. É bem verdade que Lula chegou ao governo, tendo um

grande desafio: reverter o que ―setores de esquerda chamaram de herança maldita

de FHC‖ 38 (NETTO, 2004) – pelo menos, esperava-se isso. Entretanto não foi isso

que ocorreu.

Lula alcançou a posição de presidente do país, com uma consagrada vitória,

claro que devido a uma aliança de forças sociais e políticas. Coalizão essa que

conforme Netto (2004, p. 11) era inevitável e necessária.

Inevitável porque havia de envolver representantes de partidos e forças sociais que constituíram a base eleitoral e social de Luiz Inácio Lula da Silva no processo de 2002 e necessário – e este é o ponto mais decisivo – porque nenhum partido ou força política poderia enfrentar sozinho, apoiados apenas em seus próprios suportes, a herança da era FHC.

Em virtude dessa coalizão era necessária uma intensa negociação para se

manter as promessas e contratos feitos. Seria nessas negociações, com base nas

mobilizações das forças sociais, que o PT poderia ter vencido as condicionantes,

impostas pelo capital. Todavia, os primeiros meses de governo já assinalaram que o

―Executivo chefiado por Luiz Inácio Lula da Silva não se alterou senão para maior

abrangência, o comando do capital parasitário-financeiro‖ (NETTO, 2004, p. 12-13).

Iasi (2005, p. 525) em seu estudo sobre as mudanças ocorridas no PT, nos faz um

questionamento importante:

Como compreender um partido de trabalhadores que finalmente chega ao governo não mais para realizar um governo democrático e popular que implementaria reformas estruturais que se confundiam com o início de uma transição socialista, nem mesmo para executar um projeto anticapitalista, antimonopolista, antilatifundiárrio e antimperialista, mas para aplicar uma ruptura necessária com o neoliberalismo e, ao chegar ao governo, mantém, naquilo que é essencial, o modelo econômico neoliberal, o que o impede de aplicar até mesmo as modestas reformas que um ano antes considerava urgentes e inadiáveis?

O presidente nacional do PT, José Genoino (apud IASI, 2005, 526) tentou

explicar essa mudança, afirmando que, ―projeto político não pode ser entendido

como algo que necessariamente se realizará. Trata-se apenas de um dever-ser, de

especialmente a postura da CUT diante de um governo supostamente de esquerda. 38

Já vimos algumas dessas heranças, ainda nesse item: privatização, aumento da dívida do setor público, agravamento da vulnerabilidade do país, aumento do desemprego, entre outras.

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uma das possibilidades em relação ao futuro‖. Contudo anos antes, era ele mesmo

que afirmava que

a substância rebelde que constitui o PT é feita deste conflito social, desta necessidade de contestar o regime e de transgredir a realidade estabelecida. O PT não pode conciliar com esta ordem, nem a ela moldar-se (apud IASI, 2005, 357).

Entretanto, cabe ressaltar que a mudança de orientação do PT, dos seus

aliados e governantes não é recente – assim, como não é a mudança na CUT – e

nem pode ser pensada como uma simples mudança de orientação desses dirigentes

políticos. Esse processo de mudanças faz parte de um processo mais longo e mais

profundo. Juntamente com o PT mudou, também, as próprias classes populares39.

O fato é que o governo de Lula, contraditoriamente, assumiu as práticas

neoliberais que combateu frontalmente na era FHC, mantendo relações com o

Fundo Monetário Internacional (FMI) e conduzindo a contrarreforma, especialmente

pelo prosseguimento de contrarreformas nas políticas sociais, de que é exemplo, em

larga escala, a contrarreforma da Previdência.

O discurso governamental é marcado pelo retrocesso à cena de argumentos

utilizados por FHC, como a defesa da estabilidade econômica e a idéia de que a

solução para a dívida social é o crescimento econômico. Ao mesmo tempo, os

investimentos nas estratégias para amenizar a pobreza, miséria e desemprego têm

se mostrado medíocres. É nítido assim, que a política econômica tem sido mal

direcionada, não visando o real desenvolvimento econômico e social. De modo

geral,

Grande parte daquilo que faz hoje e os apoios políticos com que pode contar são, portanto, os mesmos utilizados por FHC. Lula herdou não só o modelo econômico, mas também a sua base de sustentação política. Herdou e reproduz o bloco no poder onde pontificam o grande capital, o capital estrangeiro e os bancos; herdou, também, os apoios que o neoliberalismo logrou obter no meio popular (BOITO JR., 2005, p. 258-259).

Ou seja, o governo Lula tem elevado a uma etapa superior o longo processo

de implantação do modelo capitalista neoliberal no Brasil.

Ambos os governantes contribuíram fundamentalmente para o declínio dos direitos

39

Para maiores esclarecimentos sobre a mudança ocorrida no PT ver Iasi (2008) e Boito Jr. (2005).

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previdenciários alcançados nas décadas anteriores pelo movimento dos

trabalhadores. Como vimos foram nesses governos que se gestaram as propostas e

se efetivaram as contrarreformas de Previdência Social.

3.3 AS PROPOSTAS NO DEBATE SOBRE AS CONTRARREFORMAS PREVIDENCIÁRIAS

Apesar da iniciativa de contrarreformar a Previdência Social ter nascido no

Governo Collor, foi no Governo FHC que as medidas neoliberais tomaram corpo. E

como as contrarreformas constituem-se em peça chave para o projeto neoliberal, as

alterações na Previdência, segundo o PDRE foi a primeira medida estratégica desse

governo para a implementação da contrarreforma do Estado brasileiro (BEHRING,

2003).

De acordo com Vianna (VIANNA, 1999, p. 111) ―reformar a Previdência faz

parte, hoje em dia, de qualquer receituário internacional de ajuste e, obviamente, é

condição ‗indispensável‘ de empréstimo para países emergentes‖ e como não é

possível a privatização total, o governo vale-se de severas limitações para ―mostrar

que está tentando com tenacidade, cumprir estes requisitos‖.

Os organismos responsáveis pelos empréstimos aos países dependentes de

sua ajuda financeira moldam as políticas das nações de acordo com os seus

princípios e regras. Tais mensagens são transmitidas através do relatório anual do

Banco Mundial. E os últimos governos brasileiros têm se rendido às regras impostas

por essa organização, desde o início dos anos 1990.

Assim, como apreendemos da assertiva, as iniciativas de contrarreformar a

Previdência datam do início da década de 1990. Tão logo adentramos os anos 1990

muitas foram as propostas de contrarreformas da Previdência Social apresentadas

por diversos organismos. Segundo Araújo (2004, p. 156)

a proposta do Ministério do Trabalho e Previdência Social, de 1991, consta de oito projetos de lei de reforma da previdência. [...] Ainda no âmbito do Executivo, a literatura registra outras quatro propostas de reforma da previdência, entre junho de 1991 e junho de 1992, de iniciativa do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento.

Em janeiro de 1992 – consoante as prerrogativas neoliberais – foi instalada

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na Câmara dos Deputados, uma Comissão Especial para Estudo do Sistema

Previdenciário, formada por lideranças dos partidos e de grupos representativos da

sociedade – empregadores, trabalhadores, funcionários públicos e aposentados – e

presidida pelo deputado Antônio Britto. As proposições do relatório desse estudo vão

servir de base para as propostas apresentadas na primeira tentativa de

contrarreforma da Previdência por FHC (SALVADOR E BOSCHETTI, 2002).

Todavia, foi somente entre 1995 e 1998 – período do primeiro mandato de FHC –

que este debate se efetivou.

Em março de 1995 – dando continuidade ao processo de contrarreforma do

Estado – foi encaminhado ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda

Constitucional (PEC) nº 21, a qual propunha alterações significas para o sistema

previdenciário. Sob a égide neoliberal os direitos são tratados como empecilhos para

o progresso do mercado, portanto, precisam ser restringidos.

No momento de discussão para aprovação da proposta de contrarreforma da

Previdência no Governo FHC, as mais variadas entidades formularam propostas

para as mudanças que se desejavam ensejar na Previdência Social, desde o grande

capital, os organismos internacionais e os trabalhadores40. Tais propostas

englobavam discussões acerca do conceito de seguridade social, regimes

previdenciários, gestão e controle dos regimes, clientela, filiação, benefícios,

financiamento do Regime, fontes de custeio da Seguridade, orçamento, arrecadação

e recolhimento, teto de contribuição, regimes de previdência – geral, próprio e

complementar – e regras de transição (ARAÚJO, 2004).

Dentre o capital destacou-se as propostas da Federação das Indústrias do

Estado de São Paulo (FIESP – uma das instituições mais representativas do

empresariado industrial brasileiro), cujo pensamento dominante era a privatização da

Previdência. A Federação Brasileira de Associações de Bancos (FEBRABAN- um

orgão representativo dos banqueiros), que, como tal, sua proposta esteve centrada

numa divisão entre a previdência básica e a previdência complementar. E o Instituto

Liberal do Rio de Janeiro (órgão de consultoria, estudo e pesquisas dos

empresários), também, formulou propostas, as quais, no geral, criticavam o modelo

de repartição simples e defendia o regime de capitalização.

Dentre as propostas dos organismos internacionais, fizeram-se presente o

40

Para um melhor detalhamento das propostas de cada uma dessas entidades ver Araújo (2004).

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Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID). Em suas propostas esses órgãos, geralmente, defenderam

uma clara divisão das políticas para aqueles trabalhadores que podem pagar

(privatização) e aqueles que não podem pagar (programas assistenciais ou uma

previdência básica e restrita).

Segundo Mota (2008) as propostas das classes trabalhadoras foram

pensadas por duas Centrais Sindicais, bastante atuantes na época, Força Sindical41

e Central Única dos Trabalhadores (CUT). Apesar de ambas representarem a

classe trabalhadora suas propostas demonstraram-se bem diferentes. A Força

Sindical, evitando o confronto e não saindo do plano das negociações entre patrões

e empregados, propôs dois planos de benefício, um básico e compulsório e outro

complementar e facultativo, apoiando a divisão público/privada proposta pelas

demais entidades empresariais e internacionais.

A Força Sindical representa o chamado sindicalismo de resultados ou de

negócios. Alguns pontos do ideário político desta central que demonstram o seu

direcionamento e funcionalidade são:

O reconhecimento da vitória do capitalismo e da inevitabilidade da lógica do mercado; a limitação e restrição da luta sindical, que se deve ater à busca de melhorias salariais e das condições de trabalho; a desvinculação dos partidos políticos; defesa da redução da intervenção do Estado em favor de uma política privatizante (MOTA apud ANTUNES, 2008, p. 210).

Essa autora salientou que apesar da CUT não ter apresentado nenhuma

proposta detalhada em contraposição à contrarreforma da Previdência de 1998, a

mesma, na época, esteve, de modo geral, voltada a defender uma previdência

pública ampla, fosse em suas campanhas, seminários ou documentos. Por outro

lado, no período de contrarreforma previdenciária no Governo Lula, não foi visto

grande oposição à iniciativa do governo de retirar mais direitos dos trabalhadores.

Seja pela afinidade com o PT e com o Lula, seja pela pouco tempo para discussão,

já que tão logo chega ao poder Lula, menos de um ano após, foi aprovada a

Emenda Constitucional nº 4142. Isso reflete a própria organização das classes

trabalhadoras nesse período neoliberal.

41

Abordaremos a constituição e perfil dessa central mais adiante. 42

No próximo capítulo analisaremos melhor o posicionamento e propostas da CUT no período de discussão das contrarreformas

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3.4 A CONFIGURAÇÃO DAS CLASSES TRABALHADORAS NO CONTEXTO NEOLIBERAL

Com a adoção do neoliberalismo não somente as configurações do Estado e

dos direitos conquistados sofreram mudanças, mas a própria organização das

classes trabalhadoras sofreu determinações que fizeram com que o seu perfil

combativo, mudasse bastante, quando comparado à década de 1980.

A análise dessa conjuntura nos remete ao cenário de transformação político

e ideológico desse período. A crise do sistema capitalista na década de 1970 nos

países desenvolvidos produziu grandes mudanças em seu modo de produção, para

que o padrão de acumulação fosse restabelecido, conforme analisado no primeiro

capítulo, e o pensamento dominante de intervenção estatal foi sendo substituído

pela noção de intervenção mínima, principalmente nas áreas sociais.

O fim do padrão ouro cria novas possibilidades para as regras monetárias, terminando por inviabilizar as perspectivas regulatórias. Apresenta-se uma conjuntura na economia mundial, aonde os lucros virão acompanhados de uma maior fragilidade dos fundamentos do sistema, necessitando de um permanente aumento dos níveis de exploração do trabalho (MOURA, 2008, p. 53).

Como vimos, no Brasil foi a partir dos anos 1990 que se deu de forma mais

explícita a implementação da agenda neoliberal – privatizações, redefinição das

políticas públicas, reestruturação produtiva, acumulação flexível. A implementação

dessas políticas no país trouxe determinações substanciais para as classes

trabalhadoras e o mundo do trabalho.

Nesse contexto presencia-se o aumento do desemprego em escalas inimagináveis; os trabalhadores precarizados, contratados temporariamente expandem-se. O trabalho informal torna-se parte constitutiva indispensável do processo geral de valorização do capital. Os ‗excluídos‘ de direitos são a expressão objetiva da realidade que impacta diretamente a classe trabalhadora (MOURA, 2008, p. 54).

Esses fatores são reflexos da reestruturação produtiva, que, embora iniciada

nos países desenvolvidos na década de 1970 atingiu o país, no fim da década de

1980 e avançou sobremaneira na década de 1990. Desse modo, como se não

bastassem as restrições nos parcos direitos sociais conquistados, os trabalhadores

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sofrem com a precarização, subcontratação, terceirização, polivalência,

informalidade, entre outros.

Esses aspectos decorrentes da reestruturação produtiva – cujo objetivo

precípuo é aumentar a produtividade do trabalho – trouxeram muita insegurança

para os trabalhadores, o que afetou sensivelmente sua organização e luta. Mattoso

(apud BEHRING, 2003, p. 40) elencou essas inseguranças dos trabalhadores:

Insegurança no mercado de trabalho, com a não prioridade ao pleno emprego como objetivo de governo, a destruição de empregos em plena expansão econômica, sobretudo no setor industrial, e a ampliação da desigualdade entre os desempregados em função da redução dos benefícios sociais; insegurança no emprego, que implica a redução da estabilidade e sub-contratação (formas atípicas ou contingenciais de emprego, diga-se, precárias); insegurança na renda, por meio da flexibilização dos salários, da diluição da relação entre salário e produtividade, da queda nos gastos sociais e fiscais das empresas, da deterioração da distribuição de renda, e, por fim, do crescimento da pobreza; insegurança na contratação do trabalho pela expansão do dualismo no mercado de trabalho; e, por fim, insegurança na representação do trabalho, com a redução dos níveis de sindicalização.

Esses são o que podemos denominar de fatores objetivos que contribuíram

para o arrefecimento da luta dos trabalhadores, para constituição de um verdadeiro

imobilismo no contexto neoliberal. Tal situação é apreensível quando recordamos as

palavras de Marx (1993, p. 39)

O primeiro pressuposto de toda a existência humana e, portanto, de toda história, é que os homens devem estar em condições de viver para poder ‗fazer história‘. Mas, para viver, é preciso antes de tudo comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação destas necessidades, a produção da própria vida material, e de fato é um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, como há milhares de anos, deve ser cumprido todos os dias e todas as horas, simplesmente para manter os homens vivos.

É bastante complicado requerer que os trabalhadores, sintam o desejo ou

vontade reivindicar seus direitos, quando suas preocupações não extrapolam o limite

da garantia de sua sobrevivência, e com razão, pois como ele vai lutar se não estiver

vivo. A luta pela sobrevivência tornou-se mais cruel, extenuante e complexa.

É com base, também, na garantia dessa sobrevivência que muitos

trabalhadores ausentam-se de reivindicações, muitas vezes para não correrem o

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risco de perderem seus empregos, arriscando a reprodução de sua vida e de sua

família. Ou ainda, existem muitos trabalhadores que se dividem na realização de

diversas atividades para complementação da renda, restando-lhe pouco tempo, até

mesmo para descansar. Assim, apreendemos que o crescimento do desemprego,

precarização do trabalho e miséria contribuem para a ausência de lutas.

Soma-se a isso o próprio descrédito dado aos movimentos sociais e

sindicais pela mídia que os tratam como bagunceiros e arruaceiros, e não, como

segmentos em busca de seus direitos. Os próprios trabalhadores envolvidos pela

cultura egoísta, individualista e possibilista43 da sociabilidade capitalista não

acreditam na organização, nas reivindicações, atribuindo unicamente ao Estado o

reconhecimento dos direitos sociais e esquecendo as lutas das classes

trabalhadoras. Segundo Boito Jr. (2005, p. 176) ―Há alguma coisa no neoliberalismo

que, na conjuntura atual, permitiu sua difusão junto às massas. Friso bem, na

conjuntura atual: foi essa conjuntura que propiciou as condições nas quais o

neoliberalismo se expandiu‖.

Muitos trabalhadores aderiram, inclusive, à lógica do mercado e

culpabilização dos indivíduos, aderindo à ideologia dominante capitalista. Por um

lado, muitos passaram a garantir via mercado algumas necessidades sociais –

Educação, Saúde, Previdência – antes de responsabilidade do Estado.

O antiestatismo que domina toda a superfície da ideologia neoliberal tem procurado, nos textos doutrinários e na sua propaganda midiática, apresentar-se com uma ―roupagem‖ popular. A ideologia espontânea das classes dominadas tende, como mostraram alguns estudiosos, para uma visão ―negativa‖ do Estado. No caso do Brasil, a intervenção do Estado desde a ditadura militar tem se dado de modo a favorecer, fundamentalmente, os monopólios, inclusive a burguesia de Estado que controla os monopólios estatais. O neoliberalismo pode aproveitar-se de tal situação, apresentando a política de privatização e de abertura ao capital estrangeiro como uma política popular – ―caça aos marajás‖, ―fim dos monopólios e dos favorecimentos‖ etc. (MOURA, 2008, p. 50).

Os indivíduos tornam-se os responsáveis pelo seu bem estar, como se todas

as pessoas tivessem as mesmas oportunidades e condições de vida. Assim, aqueles

que não conseguem adquirir certas mercadorias passam a se culpabilizarem por sua

43

Montaño (2002) descreve essa condição denominando-a de cultura do possibilismo, visto que a realidade é considerada como imodificável e a possibilidade real de superar o capitalismo é desprezada. Assim, as mudanças se dão de acordo com o estritamente possível. A luta se dá dentro e reforçando o capitalismo.

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situação ‗miserável‘. ―Na busca cotidiana por suas garantias individuais, diversos

sujeitos naturalizam suas condições subalternizadas e consideram perda de tempo

as reivindicações, ou mesmo não acreditam que ela possam modificar a atual

situação‖ (HONORATO, 2008, p. 48).

Contribuíram, ainda, para um refluxo dos movimentos organizados no

contexto neoliberal acontecimentos internacionais, como foi o colapso das

experiências socialistas em diversos países – Revolução Russa, em 1917, Chinesa,

em 1949 e Cubana, em 1959. As conquistas revolucionárias na época

representaram grandes avanços frente ao capitalismo e trouxeram boas

perspectivas e esperanças para o restante do mundo. Todavia, o desastre

econômico, político e ideológico dos países do chamado ‗socialismo real‘ tiveram

profunda repercussão na esquerda mundial.

O avanço neoliberal no cenário internacional representa o refluxo do movimento dos trabalhadores, a diminuição significativa dos sindicalizados, as derrotas eleitorais dos partidos comunistas na Europa, a desarticulação de conquistas trabalhistas e o endurecimento da repressão aos movimentos dos trabalhadores em todo o mundo. Os partidos históricos vinculados à classe trabalhadora nos países centrais, com raras exceções, perderam espaço político. Poder-se-ia dizer que os anos 90 representaram um recuo em relação aos movimentos de emancipação constituídos pela classe trabalhadora no século XX (MOURA, 2008, p. 57).

No Brasil, a exemplo de outros países, a década de 1990 inaugurou um

momento diferente do vivenciado na década de 1980 pelo movimento sindical. O

sindicalismo que nessa década afirmou a participação de base e a luta por direitos,

iniciando um amplo e vigoroso processo de mobilização, nos anos 1990 viu-se cada

vez mais um discurso de incorporação à ordem e de parceria entre trabalhadores e

patrões, caindo o número de sindicalização. Esse pensamento atingiu, inclusive, a

Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Partido dos Trabalhadores (PT), os

quais na sua criação significaram importantes representantes das classes

trabalhadoras, porém, nesse período começaram a ceder terreno para as ações

neoliberais.

A nova realidade da ofensiva capitalista deixa o movimento dos trabalhadores – os partidos de caráter socialista e os sindicatos cutistas – à frente de dois caminhos: enfrentar-se com as estratégias do capital articulando novos métodos de luta e reformulando um programa anticapitalista, ou buscar negociar pontualmente na tentativa de defender

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conquistas e direitos isoladamente (MOURA, 2008, p. 59).

Optar pelo segundo caminho foi uma estratégia bem mais fácil assumida

pelos movimentos sindicais. Sem desconsiderar o significado e relevância das

várias lutas operárias, na retomada da democracia a esquerda brasileira não

conseguiu gestar um novo projeto societário que rompesse o limite das lutas

econômicas corporativas e por reformas. Esse fato, fez com que as lutas durante

toda a década de 1990 tivessem um cunho pontual, sem transformar o rumo do país.

Druck (2006, p. 330) reforçou essa análise ao afirmar que nesse período

Observou-se, assim, um processo de despolitização crescente dos sindicatos, expresso, essencialmente, na incapacidade de avançar com propostas políticas de conteúdo ofensivo e que, principalmente, apontassem um caminho independente para a classe trabalhadora. Nesta medida, os sindicatos se transformaram num fim em si mesmos, e como tal, atuaram, cada vez mais, dentro da legalidade do capital, deixando de ser um meio para constituir uma legalidade própria da classe trabalhadora e que alimentasse a construção de um projeto político alternativo à hegemonia neoliberal.

Neste sentido, é evidente que os movimentos sociais, especialmente, os

movimentos sindicais perderam muito de sua vitalidade com a chegada do

neoliberalismo.

Em 2002, a eleição de Luz Inácio Lula da Silva, trouxe esperança de

superação desse cenário. Era a vitória de um líder operário e sindical, que contribuiu

para fundação da CUT e do PT. As expectativas eram da constituição de um

momento histórico novo que poderia inaugurar uma era pós neoliberal. Entretanto as

possibilidades logo se esvaneceram. O novo governo supostamente de esquerda

deu continuidade e aprofundou as políticas neoliberais iniciadas nos governos

anteriores.

O Governo Lula, além continuar com medidas neoliberais, contribuiu para

despolitização de amplos segmentos dos trabalhadores que apoiaram sua

candidatura. E muitos continuam defendendo sua gestão e argumentam

positivamente sobre suas ações.

Segundo Boito Jr. (2005) entre os setores populares que estão neutralizados

ou atraídos pelo discurso neoliberal encontram-se os trabalhadores das grandes

montadoras de veículos e de outras grandes multinacionais, petroleiros, bancários

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de grandes bancos privados e estatais e alguns outros setores. Trata de setores da

classe operária que conquistaram melhores condições de trabalho e um nível de

vida diferenciado quando comparados com a grande massa dos trabalhadores

brasileiros. Estes são alguns dos setores mais combativos do sindicalismo brasileiro

e muitas vezes são os principais dirigentes das correntes políticas que constituem o

PT e a CUT. Assim, para mantê-los sob controle, Lula e seus ministros cultivam a

ilusão que esses operários participam do poder, comparecendo com freqüência em

fábricas e eventos no ABC paulista.

Boito Jr. (2005, p. 228) ressaltou que Lula ganhou adeptos mesmo entre a

alta classe média, para a qual a política neoliberal é interessante, pois permitiu a

consecução de uma cidadania dual: um ramo público decadente para os setores de

baixa renda e um ramo privado para a burguesia e demais setores de alto

rendimento. Para esse segmento esta proposta é mais interessante do que a

expansão dos serviços públicos e dos direitos sociais, custosa – via impostos – e

desnecessária para ele.

Essa fração abastada da classe média votava, majoritariamente, contra o PT, mas na medida em que o candidato Lula começou a mudar o seu discurso já durante a campanha e que o seu governo revelou-se um continuador de FHC, os abastados da classe média iniciaram um processo de aproximação e de apoio ao governo.

Até mesmo as poucas reivindicações dos trabalhadores foram desaprovadas

por esse governante como mostrou as palavras do presidente Lula (apud NETTO,

2004, p.5): ―quando a gente é de oposição é fácil fazer bravata porque não vai poder

executar nada mesmo. Agora quando você é governo, tem de fazer, e aí não cabe a

bravata‖. Dessa forma, a atitude do governo tem sido restringir as práticas políticas

democráticas da classe trabalhadora. Até mesmo as propostas da oposição que

antes liderou, vem sedo desqualificadas pelo governo. O governo Lula

Com a base ideológica do neoliberalismo, vem atuando no sentido de desmobilizar os movimentos sociais, de anular a força autônoma e independente do movimento sindical, através de uma permanente cooptação de suas direções e de um processo de estatização das organizações de trabalhadores (sindicatos e partidos, especialmente o Partido dos Trabalhadores) (DRUCK, 2006, p. 331).

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Um bom exemplo disso foi o projeto de Contrarreforma Sindical44 debatido

pelo Fórum Nacional do Trabalho (FNT) – criado em 2003 – demonstrando a

continuidade e ampliação do controle do Estado sobre os sindicatos. Druck (2006)

identificou algumas proposições que esclarecem esse controle: continuidade da

unicidade sindical, que eles denominam de representação exclusiva; a

personalidade sindical das centrais sindicais deve ser reconhecida pelo Estado,

nessa proposta de mudança as centrais sindicais terão o poder de vetar e criar

sindicatos; determina o fim do Imposto Sindical, porém, propõe a sua substituição

financeira compulsória, agora denominada de Contribuição de Negociação Coletiva;

obriga a comunicação da greve com antecedência de 72 horas ao empregador e a

obrigação de continuidade dos serviços considerados essenciais. Esses são alguns

pontos que

Revelam uma relação política de tipo novo entre o Estado e os sindicatos, em que o governo negocia uma proposta de reforma sindical, cujo eixo está na institucionalização e estatização do que tinha de mais autônomo na organização sindical brasileira: as centrais sindicais que nasceram livres do controle do Estado. Agora não só incorporadas ao aparelho do Estado, mas com o poder de decidir acima e sobre o movimento sindical, na condição de membros do ‗poder público‘ ou do Estado (DRUCK, 2006, p. 337).

Na conjuntura neoliberal as centrais sindicais, dentre elas a CUT, também,

sofreram sensíveis mudanças que influenciaram sua atuação e postura nesse

período.

Nesse cenário neoliberal de refluxo das lutas é interessante notar o

surgimento de novos ―movimentos de massa e organizações associativas que

expressaram uma dinâmica política inovadora‖ e articularam ―um projeto estratégico

de luta por uma nova configuração societária, com a necessidade imediata de prover

condições materiais mínimas de sobrevivência para seus membros‖ (MOURA, 2008,

p. 60).

Moura (2008) e Boito Jr. (2005) chamaram a atenção para a existência de

movimentos inovadores nesse período, rompendo com a luta dentro da ordem,

movimentos esses que uniam a luta pela terra no campo, o desemprego e a miséria

nas cidades. O primeiro deles foi o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

(MST), que se mostrou atuante e combativo em suas lutas, não somente pela

44

Para mais informações sobre essa Contrarreforma Sindical ver Druck (2006).

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Reforma Agrária, mas na busca de modificações globais na sociedade brasileira. ―O

MST na atualidade destaca-se como o principal movimento de luta brasileiro. As

lutas abraçadas por esse segmento se universalizam ao representar um embate

direto com os interesses do capital‖ (MOURA, 2008, p. 61).

Além do MST esse autor denota a mobilização de outros movimentos de

classe de menor visibilidade nacional, como é o caso do Movimento dos

Trabalhadores Sem Teto (MTST) e o Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL).

Para Moura (2008) esses movimentos representam o início de novas possibilidades

de organização das classes trabalhadoras, especialmente por romper o

corporativismo do sindicalismo e incorporar diferentes sujeitos – desempregados,

contratados temporariamente e os terceirizados – que se apresentam na realidade

brasileira.

Boito Jr. (2005, p. 244) reafirmou que nesse contexto, apesar de tudo, não

foi a totalidade dos trabalhadores pauperizados que serviu de apoio ao modelo

neoliberal.

Uma parte importante desse setor está organizada e se colocando, em grau maior ou menor, contra aspectos importantes do capitalismo neoliberal – refiro-me ao movimento pela reforma agrária, dirigidos pelo MST, pelo MLST e outras organizações, aos movimentos pela moradia, dirigidos pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), pelo Movimento Moradia no Centro (MMC) de São Paulo e outros movimentos sociais que poderíamos denominar ‗movimento de urgência‘ – os movimentos de trabalhadores que tiveram, devido à perda da terra, do emprego ou da moradia, a sua sobrevivência física imediata posta em cheque pelo capitalismo neoliberal. Numa escala crescente desde o início do novo governo, os sem-terra estão promovendo ocupações em todo país, começam a alarmar os latifundiários, a burguesia e a imprensa, e exercem forte pressão sobre o governo Lula, do mesmo modo que já tinham feito durante o governo FHC.

Tais movimentos foram os grandes e poucos exemplos de organizações

combativas no cenário neoliberal.

Outra forma de confronto ao governo Lula, já em 2006, foi a formação da

Coordenação Nacional de lutas (CONLUTAS), constituída por sindicatos,

organizações populares e movimentos sociais de vários tipos. ―Desde a sua origem,

congrega não apenas sindicatos, mas todo tipo de organização disposta a lutar

contra a política neoliberal implementada pelo Governo Lula‖ (DRUCK, 2006, p.

339).

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Assim como os movimentos sociais – dentre eles o movimento sindical –

sofreram um refluxo em suas ações combativas no contexto neoliberal, a CUT

também mudou substancialmente o seu direcionamento, determinando seu

posicionamento diante das contrarreformas da Previdência Social.

3.4.1 A mudança de direcionamento da CUT no contexto neoliberal

As transformações ocorridas na CUT na década de 1990 e consolidadas no

início do século XXI determinaram grandemente sua forma de atuação e sua postura

diante da contrarreforma do Estado e de diversos outros setores, inclusive

determinaram o posicionamento da CUT no período das discussões para

contrarreforma da Previdência Social.

Boito Jr. (2005, p. 145-146) chamou atenção para o fato de que

A apologia do mercado e da empresa privada, como espaços da eficiência e da iniciativa inovadora progressista, e a correspondente condenação do Estado e das empresas públicas, como o espaço do desperdício, do burocratismo e dos privilégios, são idéias que ganharam a condição de verdadeiro ‗senso comum‘ difundindo-se e penetrando, de modo desigual e às vezes contraditório, porém largamente, no conjunto da sociedade brasileira, inclusive, portanto, nas classes populares.

Ou seja, os setores mais subalternizados tem se convencido dessa falácia

neoliberal difundida aos quatro cantos do país. Até mesmo o movimento sindical

sofreu o impacto da ascensão político ideológica do neoliberalismo no Brasil. Porém,

Boito Jr. (2005) ressaltou que esse impacto ocorreu de modo distinto no campo

pelego e no campo combativo do sindicalismo brasileiro.

Segundo esse autor desde os anos 1930 o movimento sindical brasileiro

esteve dividido em dois campos: o campo do peleguismo e o sindicalismo

combativo. Os pelegos são resultantes da estrutura sindical corporativa de Estado,

composto por dirigentes cuja prática é essencialmente governista. São politicamente

conservadores e suas ações vão desde passividade completa até a ação

reivindicativa localizada e moderada.

De outro lado, temos as correntes sindicais reformistas ou revolucionárias,

com uma orientação reivindicativa mais combativa. ―Estão ou estiveram nele os

comunistas, os nacionalistas e, mais recentemente, os cristãos de esquerda e os

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petistas. O sindicalismo combativo é, em termos numéricos, minoritário, mas é

hegemônico nos sindicatos mais importantes do país‖ (BOITO JR., 2005, p. 149).

A CUT desde sua criação em 1983 fez parte desse sindicalismo combativo.

Tanto é que desde o seu congresso de fundação até o seu terceiro congresso em

1988 foi consolidando uma plataforma de transformações econômicas e sociais

antagônica à política de desenvolvimento do Estado brasileiro, além de intervir de

modo ativo na luta pela democracia.

Em todos os primeiros congressos da CUT, apesar dessa plataforma não ser

levada inteiramente para a ação prática, foram se afirmando palavras de ordem,

referentes à economia e à política social, tais como: ―não pagamento da dívida

externa, estatização do sistema financeiro, estatização dos serviços de saúde, da

educação e do transporte coletivo, reforma agrária sob controle dos trabalhadores,

contra a privatização das estatais‖ (BOITO JR., 2005, p. 154).

Como identificamos no primeiro capítulo a CUT organizou nesse período

campanhas nacionais e internacionais e também greves gerais de protesto contra a

política econômica do governo. Desse modo, pode-se afirmar que a estratégia

sindical da CUT no período anterior à ofensiva neoliberal foi baseada em constante

oposição ao desenvolvimento do Estado brasileiro em bases neoliberais. Era nítido

que a ação não se esgotava nas lutas por melhores salários e condições de

trabalho, mas, apontava para a necessidade de alterar o próprio loco de poder que

ocupava o Estado.

Entretanto, apesar dessas lutas relevantes, a estratégia sindical cutista ainda

contava com muitas limitações.

No plano da ação, a CUT não rompeu com a estrutura sindical corporativa de Estado. A luta salarial nos anos 80 continuou segmentada, de acordo com as categorias profissionais estabelecidas em lei, dentro do calendário de datas-base e voltada, fundamentalmente, para Justiça do Trabalho. Os sindicatos, todos eles partem da estrutura sindical oficial, permaneceram entidades burocratizadas que, usufruindo vantagens aparentes da estrutura sindical (a arrecadação de fundos assegurada pelas taxas sindicais obrigatórias por força da lei e representatividade outorgada pela unicidade sindical), seguiram dispensando o enraizamento junto às bases. A dependência frente ao Estado inibiu a iniciativa da direção cutista (BOITO JR., 2005, p. 156-157).

Boito Jr. (2005) ressaltou que em nenhum momento o movimento sindical

lutou pelo rompimento da estrutura sindical corporativa de Estado e isso fez com que

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o sindicalismo brasileiro continuasse atrelado ao governo e tivesse suas ações

reduzidas como foi o caso da CUT. Permanecendo, ainda, o espaço dos pelegos

para minar as lutas dos trabalhadores.

Nesse sentido, a CUT durante alguns anos, pelo menos até a criação das

CGTs, foi a única central no país. Entre os anos de 1980/1990 viu-se estruturar

dentro das entranhas do governo uma nova central sindical: a Força Sindical45.

Giannotti e Lopes Neto (1991) ressaltaram que desde 1985 a corrente sindical

denominada ―Sindicalismo de resultados‖ ensaiou os seus passos para ser uma

alternativa ideológica à CUT. Tanto no discurso quanto na ação prática a Força

Sindical assumiu a defesa aberta das principais idéias e de boa parte das propostas

políticas neoliberais, constituindo no que Boito Jr. (2005) denominou de

neopeleguismo. Para esse autor

A Força Sindical é uma central pelega. O que a distingue do velho peleguismo varguista é que se trata de um peleguismo a serviço de governos neoliberais reacionários, e não de governos populistas, e numa época em que o movimento sindical brasileiro é mais forte. Por essa razão talvez convenha falar em neopeleguismo (BOITO JR., 2005, p. 149-150).

É importante ressaltar que a adesão do campo pelego ao neoliberalismo

atende um dos requisitos do neoliberalismo para obter sua hegemonia no Brasil. Isto

é, o neoliberalismo ao mesmo tempo é contra as intervenções do Estado nas

relações de trabalho porque limita a exploração capitalista, defende a estatização do

sindicalismo, visto que limita e tutela a organização dos trabalhadores.

Desse modo, a adesão dos sindicatos ao neoliberalismo reforça a

minimização dos direitos, tendo em vista que os sindicatos tendem a agir dentro das

amarras do poder.

A CUT, por sua vez, em seus debates teve que preocupar-se com o

crescimento dessa central sindical pelega, propondo formas de enfrentamento ao

45

Hoje o número de Centrais Sindicais existentes em nosso país em busca de legalização é grande. ―Algumas são antigas e conhecidas, como é o caso da CUT e da Força Sindical e outras mais recentes, como a União Geral dos Trabalhadores (UGT), que resultou de uma fusão da Social Democracia Sindical (SDS), Central Geral dos Trabalhadores (CGT), Central autônoma dos Trabalhadores (CAT) e parte da Força Sindical, a Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST), que reúne parte das federações e confederações oficiais, que defendem a atual estrutura sindical, a Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), ligada ao MR8, o Conlutas, ligado ao PSTU, (mas que não se apresenta enquanto central sindical) e mais recentemente, a Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB) ligada ao PCdoB‖ (FREITAS, 2008, p. 01) Essas são apenas algumas das muitas existentes.

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―Sindicalismo de resultados‖ pregado pela Força Sindical. Constituindo um

verdadeiro antagonismo dentro do sindicalismo brasileiro.

Além do crescimento de uma central sindical pelega, a CUT, também, foi

atingida pelas mudanças ocorridas na conjuntura do final dos anos 1980 e início da

década de 1990, no cenário nacional e internacional. No plano internacional

destacou-se a desintegração da União Soviética e do bloco dos países sob sua

hegemonia, quebrando a divisão dos blocos (socialista e capitalista) que marcou a

política internacional ao longo da maior parte do século XX.

Uma demonstração disso esteve presente no IV Congresso Nacional da

CUT (CONCUT), realizado em São Paulo, em setembro de 1991, que foi o único

congresso desde sua criação, no qual o hino da Internacional não foi cantado em

nenhum momento. No período, como, ainda há hoje defensores disso, houve uma

ampla proclamação do triunfo do capitalismo, vitória do ―Bem‖ sobre o ―Mal‖

(GIANNOTTI & LOPES NETO, 1991).

Por outro lado, a consagração eleitoral de uma plataforma neoliberal no

Governo Collor fez com que a CUT implantasse uma estratégia nova, fazendo

concessões à ideologia e à política neoliberal. Boito Jr. (2005) destacou que o

período realmente requeria que o movimento sindical recuasse, porque se

encontrava ameaçado, porém, isso não significava que o sindicalismo tivesse que

abandonar as lutas combativas.

No geral, a intervenção prática do sindicalismo tinha de mudar para uma estratégia sindical defensiva. Era necessário resistir, ponto por ponto, à plataforma neoliberal e à política recessiva a ela associada: assumir, acima de tudo, a defesa dos direitos sociais ameaçados, a defesa do emprego, das empresas públicas e dos setores da economia nacional ameaçados pela desnacionalização. E nesse recuo o sindicalismo deveria procurar ampliar suas alianças, explorando as contradições que viessem a surgir no seio das classes dominantes (BOITO JR., 2005, p. 162).

Essas eram as ações esperadas do sindicalismo combativo, principalmente,

da CUT. Contudo, nesse período a vertente majoritária da CUT a Articulação

Sindical passou a defender o abandono do ―sindicalismo defensivo‖ dos anos 1980 e

a adoção do ―sindicalismo propositivo‖, o qual consiste na proposição de alternativas

para todos os problemas importantes da política de desenvolvimento. Essa

estratégia saiu consolidada no IV CONCUT. Nesse congresso

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A principal questão era se a CUT deveria marchar para ser uma Central de negociação, de contratação apenas ou se deveria combinar seu papel de negociar com sua característica inicial de Central do enfrentamento, do confronto com o projeto global da burguesia. Essa questão não era nada acadêmica, ela se traduzia em decisões concretas de efeito imediato: sentar ou não sentar nas reuniões do Entendimento Nacional, com Governo e patrões? (GIANNOTTI & LOPES NETO, 1991, p. 66-67).

E o sindicalismo propositivo e participativo saiu vencedor. Entretanto,

contraditoriamente, o IV CONCUT manteve palavras de ordem típicas dos anos

1980, tais como: não pagamento da dívida externa, reforma agrária, luta contra

privatizações, combate à política neoliberal de Collor (BOITO JR., 2005), bem como,

a perspectiva de se alcançar o socialismo46.

A decisão da CUT de apresentar propostas de políticas, nos mais diversos

setores, marcou a mudança na concepção e estratégia da CUT.

Baseado nessa nova estratégia foi que a CUT passou a produzir ao longo da

década de 1990 e também no século XXI documentos com propostas de políticas

setoriais – dentre eles para a Previdência Social – e passou a lutar, também, pela

formação de fóruns tripartites – governos, associações patronais e sindicatos – e

particularmente pela ampliação das câmaras setoriais47 – bloco particular e

privilegiado do exercício do sindicalismo propositivo – que ensejaram governo,

associações patronais e sindicatos

Em um processo de parceria e de colaboração na gestão de problemas pontuais do setor econômico ao qual a câmara se vincula. Discute soluções para os problemas do setor, dentro dos limites impostos pela política de desenvolvimento (neoliberal) definida e implementada, unilateralmente, pelos monopólios e pelo Estado. Os sindicatos assumem a responsabilidade de contribuir para a resolução dos problemas de varejo das empresas, problemas decorrentes da política neoliberal sobre a qual os sindicatos não foram consultados. Trata-se, portanto de parceria e colaboração entre desiguais (BOITO JR., 2005, p. 230).

Assim, a luta sindical de massa, como aquela das greves nacionais de

46

Essa contradição diz respeito, principalmente, devido há luta de duas vertentes no interior da CUT. A partir de 1991 a estratégia propositiva foi dominante. Porém, outra ala resistiu a ela. Isso explica, de modo geral, a permanência de um discurso de oposição ao modelo econômico, contradizendo-se ao caráter participativo (BOITO JR., 2005). 47

As câmaras setoriais foram encaradas como alternativas estratégicas pelo sindicalismo brasileiro dos anos 1990, contudo, ―das 26 câmaras projetadas, a CUT obteve participação em cerca de 14. No final do processo, três lograram estabelecer acordos – a da construção naval, a do setor de máquinas e equipamentos agrícolas e a do setor automotivo. Hoje todas elas estão esvaziadas‖ (BOITO JR., 2005, p. 230).

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protesto ou das campanhas contra a política econômica do governo, foi substituída

pelo participacionismo (BOITO JR., 2005).

Esse autor ressaltou que até mesmo a concepção e linguagem da CUT

mudaram. Nos anos 1980 a oposição era entre as classes trabalhadoras e o bloco

formado por governo e empresários. Enquanto que os documentos dos anos 1990

estão centrados numa suposta oposição entre sociedade civil48 e o governo e não

mais entre capitalistas e trabalhadores. Essa visão neoliberal na relação entre

sociedade e Estado dominou os discursos da Central, a partir de então.

A CUT que durante anos após sua criação tinha sido referência em

movimento combativo cedeu espaço para a aprovação de políticas neoliberais. Boito

Jr. (2005) destacou o exemplo de uma proposta de política educacional lançada pela

Executiva nacional em agosto de 1996, na qual a CUT não somente, não defendeu o

ensino público e gratuito como solução para a educação brasileira, como também,

afirmou que a rede privada de ensino deveria continuar integrando o sistema

nacional de educação, assumindo, assim, uma das práticas mercantilistas do

neoliberalismo. Essas propostas mostram o impacto das concepções neoliberais no

interior dessa Central.

Esse posicionamento da CUT contribuiu para um arrefecimento das lutas e

não foi suficientemente forte para vetar a aprovação das duas contrarreformas da

Previdência Social, as quais tiveram amplas consequências para os direitos dos

trabalhadores.

Veremos nesse momento quais direitos previdenciários, conquistados pelas

lutas históricas das classes trabalhadoras foram restringidos e/ou minimizados,

atingindo trabalhadores tanto do setor privado, quanto do setor público.

3.5 AS CONTRARREFORMAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL: DESMONTE DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES

Desde sua gênese a Previdência Social brasileira foi marcada por avanços e

48

Montaño (2002, p. 275-276) em seu estudo defendeu uma perspectiva de sociedade civil como arena de lutas, visto que, a sociedade civil não é um corpo homogêneo, mas estão presentes nela ―organizações tanto dos trabalhadores, de ‗excluídos‘, das chamadas ‗minorias‘, dos defensores de direitos humanos, da mulher da criança e do adolescente, do meio ambiente, mas também comparecem organizações representantes do capital [...] e ainda mais, organizações fascistóides [...] instituições fanáticos religiosas [...] ou até fundamentalistas‖. Ou seja, a sociedade civil não pode ser vista, simplesmente, como representante dos trabalhadores, do cidadão ou dos ‗excluídos‘ ou como sujeito de lutas populares.

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inflexões – como vimos através do seu resgate histórico.

A primeira das mudanças deu-se pela transformação das Caixas de

Aposentadorias e Pensões em Institutos de Aposentadorias e Pensões, a partir de

1933; a segunda unificou a legislação através da promulgação da LOPS, em 1960; a

terceira reforma unificou os IAPs com a criação do INPS, em 1966; a quarta criou o

SINPAS, em 1977; a quinta realizou o desmonte do SINPAS, extinguindo o INPS,

IAPAS e INAMPS e criando o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em 1990;

a sexta mudança ocorreu através da aprovação de diversas medidas provisórias que

reduziam os direitos até então alcançados pelos trabalhadores, prenunciando o

desejo de realização das contrarreformas na previdência.

Entretanto em nossa análise nos deteremos, mais especificamente, nas

duas últimas contrarreformas da previdência. A primeira consumou-se no governo

FHC, com a aprovação da Emenda Constitucional n° 20 em 15/12/1998 e que foi

regulamentada pelo Decreto 3.048 de 19/05/1999. A segunda foi consolidada no

governo Lula por meio da Emenda Constitucional n° 41 de 31/12/2003 e ampliada

através da Emenda Constitucional nº 47 aprovada em 05/07/2005, a qual retroagiu

ao ano de 2003. Estas duas contrarreformas não criaram nem extinguiram

entidades, visando a ampliação do sistema previdenciário, mas trouxeram mudanças

substanciais aos direitos, construídos historicamente.

Algumas outras leis posteriores complementaram negativamente essas

contrarreformas, como foi o caso da Lei n° 9.876 que aprovou o Fator Previdenciário

(FPR) e o Projeto de Lei Parlamentar (PLP) 09/1999.

Segundo Araújo (2002, p. 79) ―as primeiras reformas foram direcionadas

para a reestruturação organizacional e modernização do sistema de proteção social

e ampliaram o elenco de direitos sociais‖. Entretanto as duas últimas foram

implementadas nos moldes seletivos de restrição de direitos – iniciadas já com as

Medidas Provisórias.

Essas contrarreformas com caráter restritivo para os direitos previdenciários

deram-se num momento de adesão do Estado brasileiro aos ideais neoliberais, que

já vinham avançando no mundo, desde a década de 1970. Desse modo, os sistemas

de proteção social, tanto nos países centrais, quanto na América Latina – estes,

especialmente na década de 1990 – têm passado por uma diluição gradual, claro

que através de processos variados, de acordo com os contextos econômicos,

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políticos e sociais de cada país49.

3.5.1 As mudanças efetivadas nos direitos dos trabalhadores através das contrarreformas da Previdência, nos Governos FHC e Lula

As contrarreformas realizadas nos governos FHC e Lula tiveram justificativas

semelhantes: a existência de um déficit na Previdência Social, em virtude da relação

desigual entre contribuintes e inativos, a qual supostamente provocou o desequilíbrio

entre receitas e despesas. Argumentaram para isso a mudança no perfil

demográfico, a qual registrou que os brasileiros estão vivendo mais, que a

população está ficando mais velha, em contrapartida à taxa de natalidade que tem

diminuído, contribuído, assim, para a relação desigual entre receitas e despesas

(HONORATO, 2008).

Esse argumento foi amplamente divulgado pela mídia, embora, dados

estatísticos da época, apontassem o contrário no que se refere à receita e gastos da

previdência. Estudos aprofundados sobre o tema, dentre os quais destacamos os de

Salvador e Boschetti (2002) Boschetti e Behring (2003), Granemman (2006), Gentil

(2007), Souza (2004) e a CNESF (2003) demonstraram que o desequilíbrio com

relação as contas da previdência deve-se a outros fatores, os quais deveriam ser

analisados e resolvidos antes de alterar os direitos previdenciários. Dentre esses

fatores destacamos: grande número de trabalhadores sem carteira assinada, devido

ao desemprego ou inserção no mercado informal de trabalho; desvio pela União dos

recursos da Seguridade Social para pagamento da dívida pública externa;

sonegação, fraude e isenções fiscais.

No que concerne à contrarreforma efetivada no governo FHC, em 1998, as

alterações enfocaram tanto os trabalhadores do Regime Geral de previdência Social

(RGPS), quanto os trabalhadores do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS),

atingindo, principalmente, os primeiros.

Para os trabalhadores do setor privado e regidos pela Consolidação de Leis

49 Segundo Gentil (2007, p. 1) ―nos países anglo-saxões (Grã-Bretanha, Nova Zelândia, Estados Unidos, Austrália e Canadá), programas mais radicais de reformas foram instituídos. Nos países escandinavos e da Europa Continental (França, Alemanha e Itália), o ajuste foi menos drástico‖. Já nos países da América Latina ―países como Chile (1981), Peru (1993), Argentina e Colômbia (1994), Uruguai (1996), Bolívia e México (1997), El Salvador (1998) e Costa Rica (2001) optaram por substituir, parcial ou integralmente, os sistemas públicos de repartição por sistemas privados obrigatórios de capitalização individual‖ (2007, p. 2).

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Trabalhistas (CLT), as principais mudanças foram: a substituição do tempo de

serviço necessário para aposentadoria pelo tempo de contribuição, restringindo o

acesso de milhares de trabalhadores à aposentadoria, mesmo considerando-se as

regras para transição. Isso fez com que o mercado de trabalho, marcado pelo

aumento crescente do desemprego e da informalidade, ficasse, ainda mais precário

com a impossibilidade de reposição de vagas desses trabalhadores, que passaram a

contribuir mais tempo para não terem seus benefícios reduzidos.

Para aumentar as perdas foi criado um teto – na época R$ 1.200, hoje R$

3.418,15 – para os benefícios previdenciários desvinculando-os, ainda, do salário

mínimo, rompendo com o princípio constitucional de irredutibilidade do valor dos

benefícios, fazendo com que os benefícios de muitos contribuintes fossem

achatados com essa medida.

Essa contrarreforma alterou, ainda, a estrutura de alguns benefícios: o

auxílio-reclusão e o salário-família, que passaram a destinar-se apenas aos

dependentes de baixa renda e o salário-maternidade que, embora estendido para os

trabalhadores autônomos e facultativos – donas-de-casa, estudantes – estabeleceu

a carência de doze meses para o acesso a esse direito, carência essa, inexistente

anteriormente a essa mudança.

Já em relação às alterações trazidas aos direitos dos trabalhadores do setor

público, podemos elencar: a exigência de comprovação de cinco anos em cargo

efetivo de servidor público para requerimento da aposentadoria (Artigo 201, inciso

IV); extinguiu a aposentadoria especial para professores universitários e também o

direito deles se aposentarem com o tempo de contribuição reduzido – passando a

diferenciar-se dos demais professores (Artigo 40, § 5º e Artigo 9º, § 2º); e, apesar

dessa contrarreforma não ter conseguido acabar com a aposentadoria integral dos

servidores públicos, houve uma restrição com a imposição de uma idade mínima (60

anos para homens e 55 anos mulheres); e introduziu um regime de aposentadoria

complementar (Artigo 202).

Os servidores públicos foram nessa contrarreforma, duramente tratados

como ―privilegiados‖ ou ―marajás‖, procurando o governo justificar, assim, as

restrições que estavam sendo feitas. A pretensão era passar para a população que o

funcionalismo público tinha privilégios injustificados quando comparados aos

contribuintes do setor privado (VIANNA, 1999). Entretanto, todos os direitos

alcançados por esse setor, também, são resultantes de lutas e embates travados

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para garantia e reconhecimento de seus direitos.

De outro modo, a Lei n° 9.876 de 26/11/1999 – vinculado à contrarreforma –

instituiu o Fator Previdenciário, mudando o cálculo de aposentadorias da

Previdência Social50, que antes se dava pela média dos últimos 36 salários de

contribuição do trabalhador, corrigidos monetariamente. ―Nas novas regras, o cálculo

passa a ser com base na média aritmética simples dos maiores salários de

contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo, o que tende a

baixar o benefício ao final‖ (BEHRING, 2003, p. 264).

O FPR leva em consideração quatro variáveis: a alíquota de contribuição, a

idade do segurado; o tempo de contribuição; e a expectativa de sobrevida do(a)

contribuinte. Segundo o Ministério da Previdência Social (2004, p. 66):

O fator previdenciário foi criado para tornar o sistema mais justo e equiparar a contribuição do segurado ao valor do benefício a ser pago, considerando-se o período que ele irá usufruir da aposentadoria. Sua principal função é minimizar distorções como as que existiam no modelo anterior e aproximar as regras do regime de capitalização.

O Fator Previdenciário ―introduz critérios atuariais, até então utilizados

apenas pela previdência privada‖ (SALVADOR E BOSCHETTI, 2002, p. 129), o que

é reforçado nas palavras do MPS, acima descritas, quando se explicita a intenção de

aproximar a previdência pública de um regime de capitalização, diferindo um pouco

do modelo de repartição51.

Com a implantação do fator previdenciário, criou-se uma espécie de prêmio

– melhor aposentadoria – para quem permanecer mais tempo em atividade,

enquanto que aquele que deixar de contribuir mais cedo receberá uma remuneração

menor, numa atitude punitiva.

Na análise de Salvador e Boschetti (2002), o fator previdenciário contribuiu

também para desestruturação do mercado de trabalho, incentivando a permanência

do trabalhador em atividade e, em contrapartida, agravou a dificuldade de absorção

50

O Fator Previdenciário serve para cálculo somente das aposentadorias por idade e por tempo de contribuição, sendo opcional na primeira e, obrigatório na segunda. 51

―A repartição consiste num método de financiamento da previdência cujo princípio é o de que as contribuições realizadas durante um dado período servem para pagar os benefícios daqueles que devem recebê-los neste mesmo período. Capitalização é um método de financiamento fundado na acumulação de reservas para o pagamento futuro de benefícios, embora possa ter o caráter coletivo, na maioria das vezes opera através de contas individuais‖ (VIANNA, 1999, p. 106).

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no mercado de trabalho, já que o trabalhador adiará, cada vez mais, a

aposentadoria, para não ter redução no valor do seu benefício, impossibilitando a

reposição das vagas pelos mais jovens.

Para completar esse cenário de abertura para privatização da previdência

em 1990 põe-se em discussão o PLP nº 09, o qual visava regulamentar a

Previdência Complementar, através dos fundos de pensão para os servidores da

União, Estados, Distrito Federal e municípios com vencimentos acima do teto do

regime geral da previdência social, em um verdadeiro mix público/privado.

Apreendemos, assim que, são os trabalhadores, de modo geral, que

sofreram e continuam a sofrer com essas alterações, sendo ―contraditoriamente‖

beneficiados os interesses do capital financeiro com o enfraquecimento da

Previdência Pública, incentivando e facilitando a privatização e a apropriação

privada desse fundo social que é o maior do nosso país.

Como se não bastassem as perdas e restrições ensejadas por essa

contrarreforma de 1998, no governo FHC, Luiz Inácio Lula da Silva deu continuidade

a esse processo de contrarreformas previdenciárias.

Nesse novo contexto político, o discurso da necessidade de uma nova

contrarreforma na Previdência é retomado com força e, mais uma vez, a Previdência

pública é vista como a causadora de desequilíbrio nas contas do país.

Lula assumiu, já de início, apresentando uma proposta de contrarreforma da

Previdência focada no receituário neoliberal. A proposta do governo restringiu os

direitos sociais dos trabalhadores, principalmente dos servidores públicos,

conseguindo, até mesmo, aprovar itens anteriormente propostos por FHC e nunca

alcançados, como a quebra da integralidade e a contribuição dos inativos.

Nesse sentido, assim como a contrarreforma do governo FHC, a proposta do

governo Lula, promulgada através da Emenda Constitucional n° 41 de 31/12/2003

realizou mudanças na Previdência Social pelo ângulo do corte e redução de direitos

em nome de ajustes fiscais, submetendo-se à lógica do mercado e reafirmando a

concepção de contrarreforma, como afirmou Behring (2003), já que nada tem de

democrática.

As mudanças nessa contrarreforma ocorreram, principalmente, no que

concerne aos direitos dos trabalhadores do setor público: ativos, inativos

(aposentados e pensionistas) e também de futuro servidores, mas trouxeram

também alguns poucos dispositivos tratando do trabalhador do setor privado. Na

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realidade, essas mudanças afloraram as penalidades já antes colocadas sobre os

servidores públicos, em 1998, no governo FHC.

Vejamos agora quais foram as principais mudanças trazidas pela EC n° 41.

Para os atuais servidores as principais mudanças se deram nas aposentadorias,

teto, criação de abonos de permanência e integralidade e paridade. No que se refere

aos critérios para aposentadoria, manteve-se a possibilidade dos servidores se

aposentarem com 53 anos de idade e 35 anos de contribuição, se homem e 48 anos

de idade e 30 anos de contribuição, se mulher, e mais o adicional de contribuição

equivalente a 20% sobre o tempo que faltava na data da publicação da emenda para

completar o tempo de contribuição, para ambos. Entretanto, estipulou-se um redutor

por ano antecipado em relação à idade de referência para aposentadoria (60 anos,

homem e 55 anos, mulher), como mostra o Artigo 2°, § 1° incisos I e II da EC n° 41:

I - três inteiros e cinco décimos por cento, para aquele que completar as exigências para aposentadoria na forma do caput até 31 de dezembro de 2005; II – cinco por cento, para aquele que completar as exigências para aposentadoria na forma do caput a partir de 1° de janeiro de 2006.

Além desse redutor de 5% (3,5% para aqueles que atingiram o direito à

aposentadoria até 2005) por ano antecipado, o cálculo do benefício é feito pela

média das contribuições, como ocorre no Regime Geral de Previdência Social

(RGPS) administrado pelo INSS.

Essa contrarreforma criou, também, um abono para aqueles servidores que

contem com, no mínimo, 25 anos de contribuição, se mulher, e 30 anos de

contribuição, se homem e que, embora tenham direito adquirido à aposentadoria

voluntária decidem permanecer em atividade. Esse abono de permanência é

equivalente à contribuição previdenciária (11%) e pode ser recebido até o momento

em que o servidor atingir a idade para a aposentadoria compulsória (70 anos) (Art.

3°, § 1° da EC n° 41).

É perceptível através dessas mudanças, quer nos critérios para

aposentadoria, quer no abono de permanência, que há um incentivo do trabalhador

do setor público para que permaneça em atividade, seja para não ver sua

aposentadoria reduzida, seja para incrementar a renda.

De acordo com dados divulgados na página oficial do Ministério da

Previdência Social, na Internet, a EC n° 41 prevê o direito adquirido à aposentadoria

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proporcional, podendo os servidores se aposentar ao completar 53 anos de idade e

30 de contribuição e 48 anos de idade e 25 anos de contribuição (mulheres) além do

pedágio (para ambos) de 40% sobre o teto que faltava na época para completar o

tempo de contribuição. Contudo, essa mudança extingue essa possibilidade para os

servidores ingressos antes de 16/12/1998.

Outra alteração, diz respeito ao direito à integralidade (correspondente à

totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a

aposentadoria) que passa a ser concedida, apenas aos que ingressaram no serviço

público até a data de publicação da EC n° 41, observando, ainda, algumas

condições:

I – Sessenta anos de idade, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade, se mulher; II – Trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher; III – Vinte anos de efetivo exercício no serviço público; IV - Dez anos de carreira e cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se der a aposentadoria (Art. 6° incisos I, II, III e IV da EC n° 41).

Dessa forma, retirou-se o direito de aposentadoria integral de todos os

demais servidores que ingressaram pós EC n° 41 e os que ainda ingressarão. Ou

seja, a aposentadoria integral tem sido mantida somente pra aqueles que têm direito

adquirido e será paulatinamente extinta.

Mota (2004, p. 139) ressalta que aposentadoria integral que foi um direito

que balizou a opção de milhares de trabalhadores pelo serviço público é agora

relegada à opção pelo servidor de associar-se a um fundo de previdência

complementar, ―o governo penaliza seus servidores, posto que esta poupança

compulsória onera, ainda mais, os defasados salários dos servidores‖.

Para os servidores inativos, o governo conseguiu aprovar o que já antes

havia sido tentado por FHC, mas sem êxito, que foi a instituição da contribuição

previdenciária dos proventos e pensões que superem 50% do teto máximo do

RGPS, para os servidores dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios e 60%

do teto máximo do RGPS para os servidores da União.

Essa proposta de contribuição dos servidores inativos e pensionistas foi

realizada com a justificativa falaciosa de reforçar o caráter contributivo e solidário do

regime previdenciário. Porém, é absurdo que trabalhadores que contribuíram

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durante toda vida ativa, ainda tenham que contribuir depois de adquirirem o direito à

aposentadoria ou pensão.

Para os que ingressarem futuramente no serviço público a EC n° 41 também

traz os seus efeitos negativos. O primeiro deles, diz respeito ao cálculo de

benefícios, pois com as mudanças referentes à aposentadoria integral, o cálculo dos

benefícios ocorrerá nos mesmos moldes do RGPS. Esse modelo, assim, como

acontece aos trabalhadores do setor privado provoca uma baixa no valor dos

benefícios recebidos.

Outra mudança realizada nos direitos dos futuros servidores é a fixação de

um teto, idêntico ao que foi aplicado aos trabalhadores filiados ao RGPS, colocando

como condição para isso a criação dos fundos de previdência complementar, que

embora já fizessem parte da EC n° 20 ainda não haviam sido regulamentadas.

Assim, essa contrarreforma criou também para os futuros servidores, entidades

fechadas de previdência (EFPR), os chamados Fundos de Pensão.

Em relação aos trabalhadores do setor privado, vinculados ao RGPS, a EC

n° 41 trouxe poucas modificações, diferentemente da EC n° 20 de 1998. Uma

dessas alterações foi, mais uma vez, a elevação do teto máximo de benefícios para

R$ 2.400,00 sendo que à parcela que excede o teto é aplicado um desconto de

30%.

A limitação do teto previdenciário faz com que o valor dos benefícios, em

alguns casos, seja achatado pela restrição do teto, ou empurrando esses

trabalhadores para os planos de previdência privada. Quanto menor o teto, maior o

número de trabalhadores que recorrerão à previdência privada, com o objetivo de

complementar seus salários.

As implicações dessa contrarreforma sobre os direitos dos servidores

públicos foram ampliados através da Emenda Constitucional nº 47 de 05/07/2005, na

qual a principal mudança foi que o servidor da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha

ingressado no serviço público até 16 de dezembro de 1998 poderão aposentar-se

com proventos integrais, desde que preencha, cumulativamente, as seguintes

condições:

I - Trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;

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II - Vinte e cinco anos de efetivo exercício no serviço público; III - Quinze anos de carreira e cinco anos no cargo em que se der a aposentadoria; (Art. 40, § 1º, inciso III, alínea "a", da EC nº 47).

Esses critérios aumentaram as regras para acesso ao direito. Além disso,

ela teve efeitos retroativos à data de vigência da Emenda Constitucional nº 41, de

2003.

Essa análise das contrarreformas dos governos FHC e Lula permitem

identificarmos que, ambas as contrarreforma da Previdência foram realizadas

baseadas na concepção de cessação de direitos sociais e garantias constitucionais.

Dessa forma abriram um amplo espaço para a privatização da Previdência Social,

seja através da regulamentação da previdência complementar, seja pelo incentivo

aos trabalhadores, de modo geral, a aderirem à ela, face às restrições nos direitos

previdenciários e a insegurança decorrente disso.

Granemann (2006, p. 10) em seu estudo sobre a privatização da previdência

desenvolveu a tese de que há uma relação intrínseca entre a ―crise‖ da previdência

pública e o crescimento da previdência privada. ―A lenta erosão da previdência

pública é condição econômico-financeira e político-ideológica e também produto

para/da construção da previdência complementar‖. Tendo em vista que as tentativas

de desmonte da previdência pública fazem com que se construa uma confiança na

iniciativa privada para a garantia das aposentadorias.

Como já salientamos os organismos internacionais são os principais

motivadores para essa privatização, com ênfase nas produções do Banco Mundial, o

qual tende a fazer diversas afirmações falaciosas defendendo a privatização da

previdência, em contrapartida à desconstrução da previdência pública. Dentre os

argumentos dessa organização internacional para o apoio à privatização estão: a

idéia de que a previdência privada é imprescindível aos tempos atuais; é a solução

para as economias modernas; é considerada como um grande sucesso em vários

países do mundo; para eles comprova o alcance de um estágio superior nas

relações capital-trabalho, como se os antagonismos entre as duas classes sociais

houvesse sido ultrapassado; e expressão definitiva de um ‗socialismo de mercado‘,

visto que os trabalhadores tornam-se ‗proprietários‘ de grande parcela da riqueza

mundial (GRANEMANN, 2006, p. 11-12).

Desde a década de 1970 as justificativas utilizadas para incentivar e

desenvolver a previdência privada foi a perspectiva de progresso para o país com a

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geração de uma poupança, o país poderia desenvolver-se, expandir a produção e

gerar emprego. Porém após duas tentativas nesse sentido, cabe perguntar onde

estão tais efeitos? Muito pelo contrário, o motivo para a aprovação das privatizações

da previdência diz respeito

Ao reconhecimento pelo capital de que partes do ‗seu lucro‘ são carreadas ao Estado para a formação do fundo público o faz mover-se na direção de produzir contra-reformas no âmbito das políticas sociais dentre as quais têm lugar privilegiado a previdência pública, não por outra razão senão a dos graúdos recursos que é capaz de mobilizar. Porém, para que as diversas formas de ‗previdência privada‘ possam prosperar é inescusável reduzir em eficácia e amplitude os direitos garantidos pela previdência pública (GRANEMANN, 2006, p. 39).

Desse modo, podemos apreender, compartilhando com os pensamentos de

Granemann (2006) que a previdência privada na realidade, não é previdência, tendo

em vista que o objetivo precípuo não é a proteção social do trabalhador, mas é a

aplicação ao capital de quantias gigantescas de dinheiro à procura de maior

lucratividade. No Brasil ―as quantidades de aposentadorias pagas e a abrangência

de trabalhadores do total da força de trabalho coberta por aposentadorias privadas,

especialmente pelos fundos de pensão, são impressionantemente baixas‖, apesar

do volume de dinheiro movimentado pela previdência privada ser bem superior até

mesmo à previdência pública (GRANEMANN, 2006, p. 37).

Com as contrarreformas da Previdência Social em 1998 e 2003 e os

incentivos à previdência complementar, cresceu no país o desenvolvimento de

fundos de pensões. Granemann e Saldanha (2003, p. 2-3) destacam sua

preocupação com esses fundos, com base em experiências frustrantes:

A Previdência Social, Pública e Solidária não tem risco de quebrar. Pois tudo o que é arrecadado é imediatamente distribuído (regime de repartição simples) para as aposentadorias da geração que já trabalhou (solidariedade entre gerações). Já as aposentadorias contratadas com Fundos de Pensão ficarão sempre ao sabor do que ocorra no mercado financeiro, dominado pela especulação. No Chile mais de 70% de tais Fundos faliram. Nos EUA e Inglaterra muitos deles estão em quebra e empresas como a Eron nos dão forte exemplo: a previdência dos trabalhadores não deve estar presa aos rodopios das bolsas de valores. Só nos EUA 470 mil trabalhadores já perderam suas aposentadorias.

É notório que a previdência complementar ou privada representa um risco

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aos trabalhadores, tendo em vista que não lhes dá segurança, quando da sua

aposentadoria.

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4 POSICIONAMENTOS DA CUT NO PERÍODO DAS CONTRARREFORMAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Sabendo das mudanças realizadas no direcionamento da CUT e das perdas

e restrições sofridas nos direitos dos trabalhadores, cabe-nos analisar neste

momento quais foram o posicionamento e propostas da CUT no período de

discussão dessas contrarreformas, para apreendermos, mais detidamente, porque

ficou mais fácil para os governantes concretizar tão grandes prejuízos para os

trabalhadores.

Antes de nos debruçarmos sobre essas proposições e atuação vale

respaldar que o envolvimento da CUT com as políticas sociais, especialmente, a

política previdenciária não é recente.

4.1 A GÊNESE DA INTERVENÇÃO DA CUT NA POLÍTICA PREVIDENCIÁRIA

Foi na década de 1990 que a CUT passou a inserir, mais nitidamente em

sua agenda sindical a temática das políticas sociais, fato que, também, foi

determinado pelas mudanças em seu direcionamento, de combativa à propositiva.

Apesar, de que no III CONCUT, em 1988, já tenha aparecido um item sobre as

políticas sociais, apresentando algumas deliberações e posicionamentos da CUT

defendendo ações contra a privatização das estatais; pela democratização de

serviços básicos; reforma urbana; políticas de saúde e Previdência Social; reforma

agrária; etc. (COSTA, 2000).

Costa (2000) realizou um estudo sobre a participação da CUT na definição e

gestão das políticas públicas, demonstrando a inserção dessa Central nesse

processo. Seu estudo revelou – algo já esperado, quando consideramos a inflexão

sofrida pela CUT – a relação que a CUT passou a ter com o Estado na construção

das políticas sociais: de conciliação e não embate.

Na perspectiva dessa autora a participação é positiva, tendo em vista que

contribui para edificação da cidadania, passando a se posicionar diante de políticas,

até então, esquecidas ou relegadas a outros movimentos sociais, tais como a

política afirmativa de gênero e contra a discriminação racial.

Desse modo, a partir, principalmente do IV CONCUT a Central Única dos

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Trabalhadores passou a apresentar linhas de ações relativas às políticas sociais,

nas mais diversas áreas (Meio Ambiente, Criança e Adolescente, Seguridade Social,

Habitação, entre outras).

No V CONCUT, em 1994, foi reconhecido que a Central deveria priorizar em

sua atuação pela luta das políticas públicas, superando o estágio dos sindicatos

filiados à CUT, os quais tem incluído em suas negociações com o patronato a

prestação de serviços privados na área da saúde e educação, e mais recentemente

Previdência, tanto os trabalhadores do setor privado, quanto do setor público. Esse

aspecto dos sindicatos filiados era contraditório com a luta pela Central de direitos

sociais, pois de um lado defendiam o papel do Estado para viabilizar as políticas

públicas e de outro os sindicatos encaminhavam acordos para garantias de seguro

saúde, planos de assistência médica e escolas privadas.

As táticas usadas pela CUT para interferir na definição e gestão das políticas

públicas foram os conselhos paritários, as Câmaras setoriais, a estruturação da

Secretaria de Políticas Sociais e mesmo propostas resultantes de discussões em

suas plenárias enviadas ao Senado e/ou Câmara dos Deputados.

Ao analisar essas formas de ação em torno das políticas sociais

apreendemos, também, conforme a configuração das políticas hoje e a atuação dos

sindicatos, que tais táticas tem desmobilizado os trabalhadores, porque trazem como

resultado a conciliação de classes, o não enfrentamento, porque ―transformam a luta

da Central em co-participação na gestão da falência do Estado‖ (COSTA, 2000).

Apesar disso há os que aprovam a participação nos conselhos

argumentando que a inserção da CUT é importante porque democratiza as políticas

públicas, concede oportunidade de participação popular, permite fiscalização e

controle e apresentação de propostas. Ao que nos parece, nesse sentido, o

sindicalismo cutista desvirtuou o seu papel resumindo sua atuação sindical a mera

participação e negociação. Que ainda que seja relevante nessa conjuntura, não

deve ser superiorizada como a forma ideal de luta.

Ao restringir a luta da central simplesmente à essas táticas conciliadoras a

CUT tem limitado suas ações a aspectos pontuais e não tem conseguido grandes

conquistas, como é exemplo sua atuação diante das mudanças efetivadas na

Previdência Social.

Entretanto, as ações da Central em estudo em torno da política

previdenciária não são recentes. Se retrocedermos à gênese da CUT, já vamos ver

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reivindicações em torno dessa política determinantes para os trabalhadores tanto no

presente, quanto no passado e, especialmente, no futuro.

Vejamos na tabela abaixo quais as ações que a CUT empreendeu em torno

da Previdência Social, antes mesmo de sua fundação até o Governo Collor.

Quadro II*

Lutas da CUT em torno da Previdência Social até o Governo Collor

EVENTO DATA AÇÃO

I CONCLAT

21, 22 e 23 de

Agosto de 1981.

Um dos temas discutidos foi a

Previdência Social

Protesto Contra o

Pacote da Previdência

02 de junho de 1982

Grande mobilização em Brasília

contra o Decreto Lei 1.910 sobre a Previdência Social. As

mobilizações se estenderam até 16 de junho, data da aprovação do

projeto.

Jornada de Abril contra o Governo

Collor

Abril de 1991

Em defesa da, entre outras

políticas, Previdência Social.

Dia Nacional de Luta

em Defesa da Previdência Social.

21 de fevereiro de

1992

Atos públicos e protestos em todo

o Brasil.

* Construído de acordo com a Cronologia de Lutas da CUT (2009).

Como podemos apreender desse quadro as ações da CUT em prol da

Previdência Social datam de período anterior até mesmo a sua criação, quando as

vertentes que darão origem à Central discutiram essa política no I Congresso

Nacional da Classe Trabalhadora, em 1981, no qual foi instituído a Comissão

Nacional Pró CUT. Em 1982 tal movimento invadiu as ruas contra a aprovação da

Lei 1.910, a qual definia a elevação das alíquotas de contribuição dos segurados e

das empresas em geral destinadas ao custeio da Previdência Social e a contribuição

dos aposentados em geral e dos pensionistas para custeio da assistência médica.

É interessante notar que durante quase toda a década de 1980 as lutas da

CUT em torno dessa política tenham sido tão poucas, fato que pode ser justificado

devido o crescimento e extensão da Previdência nesse período. Foi somente na

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década de 1990 que as lutas reapareceram durante o Governo Collor de Mello para

defesa da Previdência Social, tendo em vista que esse Governo marcou a adoção

de políticas neoliberais no Brasil e a primeira tentativa de contrarreformar a

Previdência Social, que foi, porém, impedida pela saída antecipada de Collor da

Presidência da República.

Como vimos anteriormente, foi especialmente, na década de 1990 que a

CUT passou por mudanças substanciais em seu direcionamento. Esse fato

contribuiu para determinar seu modo de atuação nos períodos de contrarreformas da

Previdência Social.

As lutas posteriores da Central pela defesa da Previdência Social se darão

no solo de discussões neoliberais para retirada e/ou minimização de direitos

previdenciários, durante os Governos de FHC e Lula.

Analisaremos agora qual foi o posicionamento da CUT diante das

discussões para as contrarreformas da Previdência em 1998 e 2003. A análise de

sua postura e propostas demonstra claramente a fraqueza de sua atuação, o que

resultou – sem atribuir unicamente à CUT essa derrota para os trabalhadores – nas

aprovações das contrarreformas propostas pelos Governos FHC e Lula e,

consequentemente, em perdas para os trabalhadores, os principais prejudicados

com essas inflexões na Previdência, como já analisamos.

4.2 ATUAÇÕES DA CUT DIANTE DA CONTRARREFORMA PREVIDENCIÁRIA NO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Apesar da mudança de direcionamento da CUT, de combativa à propositiva,

ocorrida no início dos anos 1990, durante boa parte do Governo Fernando Henrique

Cardoso houve clara oposição entre a CUT e o Governo, tendo em vista que a

direção da Central apoiou a candidatura de um partido de esquerda, o PT, enquanto

FHC era de direita.

Em 1995 logo após a posse de FHC, a CUT representada pela sua

Executiva Nacional, elaborou e encaminhou ao Governo um documento intitulado

―Propostas da Central Única dos Trabalhadores – dignidade e cidadania para quem

faz o país‖52, no qual continha propostas e posicionamentos da entidade diante de

52

Apesar dos contatos que fizemos com o Departamento de Arquivos da CUT e também nas buscas em diversos sites, não conseguimos ter acesso a esse documento.

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várias políticas, dentre elas a defesa da Previdência Social pública e oposição às

mudanças neoliberais (BOITO JR., 2005). Assim, a Central se posicionou contra a

retirada ou diminuição de direitos dos trabalhadores, dentre eles os previdenciários.

Segundo Costa (2002) as principais propostas da CUT nesse período foram:

um tratamento igualitário entre trabalhadores do setor público e do setor privado;

combate à sonegação e a realização de uma auditoria nas contas da Previdência;

ampliação do teto de benefícios para vinte salários mínimos; e a adoção de uma

política de equilíbrio entre o número de ativos e inativos. A proposta da CUT trazia

elementos mais gerais, também, sobre a Seguridade Social para recuperar o

conceito de Seguridade Social e da recomposição de suas políticas. Para a CUT não

havia como manter o caráter contributivo da Previdência sem recompor a saúde e

assistência social, visto que agindo assim beneficiam-se apenas os trabalhadores

empregados, enquanto que ficariam de lado os desempregados ou trabalhadores

inseridos no setor informal.

Há que ressaltar que o diálogo aberto nos governos anteriores com as

centrais, foi cortado no Governo FHC, de que são exemplos as câmaras setoriais,

abertas para discussão no Governo Itamar Franco e suspensas no Governo FHC.

Contudo, no início de 1996, considerando as dificuldades para aprovação da

contrarreforma da Previdência Social, O Governo FHC decidiu convocar as centrais

sindicais para negociar as mudanças no sistema previdenciário. Ou seja, ainda que

indiretamente – mesclando concessões e restrições – o Governo desejava ter o aval

dos representantes dos trabalhadores para levar adiante a contrarreforma da

Previdência.

Segundo Silva (2001), que fez uma análise dos avanços do sindicalismo

estatal na CUT, os setores que constituíam essa Central se dividiram, no período de

contrarreforma do Estado brasileiro, diante do questionamento: sentar ou não com o

Governo para negociar as mudanças? De acordo com esse autor, os servidores

públicos inseridos na CUT foram contra, em diversos momentos, às negociações da

Central com o Governo. Porém, como as mudanças na Previdência Social atingiam

não apenas o setor público, mas também o setor privado, as negociações foram

usadas como ―instrumento de luta‖, em detrimento do embate. Nas palavras de Silva

(2001, p. 14)

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Embora a postura defensiva em relação às reformas tenha predominado nas áreas em que apenas os trabalhadores do setor público eram afetados diretamente, nas outras áreas — em que tanto os trabalhadores do setor público quanto os do setor privado eram atingidos de forma direta ou indireta — predominou uma posição mais propositiva.

Tal posicionamento dos setores público e privado da Central é demonstrado

na tabela a seguir.

Quadro III

Posição da CUT, segundo Setor de Atividade Atingido pela Reforma Constitucional

Área Status quo Proposta/negociação

Diretamente Indiretamente

Monopólio estatal Público Privado Não

Reforma administrativa

Público Privado Não

Reforma da previdência

Público/Privado Sim

Reforma tributária Público/Privado Sim

Fonte: Silva (2001)

Conforme vemos neste quadro o debate e as negociações em torno da

contrarreforma da Previdência assumiram uma importância central no

posicionamento da CUT, tendo em vista que as propostas de mudanças na

Previdência aproximaram o setor privado e estatal que formam a CUT do caráter

propositivo.

Assim, no início de 1996 a CUT mudou de posição a respeito da Previdência

Social, passando a negociar com o governo FHC sobre a contrarreforma dessa

política. Nesse ano, Vicentinho, presidente da CUT, pertencente à corrente

Articulação Sindical tomou a iniciativa de negociar com o governo FHC nas

discussões sobre a contrarreforma que desejava implantar na Previdência Social.

Esse pacto causou grande alvoroço entre os setores que formavam a Central, até

mesmo entre os membros da Articulação Sindical. No período

O Governo FHC mostrava-se infenso a qualquer negociação com o movimento sindical. As inúmeras propostas de ‗política alternativa‘ da CUT caíam no vazio. A repercussão, aqui no Brasil, da greve geral francesa

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contra as mudanças neoliberais da Previdência daquele país e a relutância dos parlamentares, inclusive dos partidos governistas, em aprovar medidas impopulares em ano eleitoral fizeram o governo FHC mudar de postura. Quanto a Vicentinho, pareceu açodado ao ver chegar o momento pelo qual esperara desde que assumiu a direção da CUT em 1994: suspendeu a mobilização sindical já programada para o mês de janeiro [de 1996] e cedeu em tudo na negociação com o governo, assustando, inicialmente, até mesmo seus parceiros políticos da Articulação Sindical (BOITO JR., 2005, p. 181-182).

A primeira tentativa de negociação aconteceu em 11 de junho de 1996.

Participaram dessas discussões três centrais sindicais CGT, CUT e Força Sindical.

Dentre estas, apenas a Força Sindical, aceitou a proposta do Governo. Entretanto,

No decorrer do processo de negociação, tanto o governo quanto os sindicalistas passaram a flexibilizar suas posições. De um lado, o governo aceitou abandonar as propostas de limite de idade (60 anos), unificação dos critérios de concessão de benefícios (homens e mulheres) e fim da aposentadoria especial para os professores. De outro, o presidente da CUT, Vicentinho, comprometeu-se a defender os termos do acordo na direção nacional da Central, inclusive a aposentadoria por tempo de contribuição (SILVA, 2001, p. 15).

Desse modo, depois do acordo feito, entre dirigentes das centrais e Ministros

do Trabalho e Previdência Social restava agora oficializar, tal acordo, com a

presença do Presidente da República. Contudo, o sindicalismo cutista não recebeu

esse pacto com facilidade, o que suscitou amplo debate no interior da CUT e da

esquerda brasileira. Os termos contidos no pacto foram criticados não apenas pelas

correntes minoritárias da CUT, mas, até mesmo pela corrente política de Vicentinho,

a Articulação Sindical. Esse pacto foi criticado, também, por diversos partidos de

oposição ao governo: PT, Partido Democrático Trabalhista (PDT) e Partido

Comunista do Brasil (PCdoB).

As principais críticas do acordo diziam respeito à substituição da

aposentadoria por tempo de serviço pela aposentadoria por tempo de contribuição, o

fim da aposentadoria proporcional e da aposentadoria proporcional para os

professores universitários e às novas regras para aposentadoria integral no serviço

público (SILVA, 2001).

Dentre os setores que formavam a CUT os mais combativos e contrários ao

acordo foi o funcionalismo público, tendo em vista que eles foram os maiores

prejudicados com a aprovação da contrarreforma.

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Assim, sob forte oposição de servidores públicos, professores universitários, bancários, dirigentes das correntes minoritárias e dos partidos de esquerda, a direção nacional da CUT optou por não assinar o acordo e insistir na continuidade das negociações. Inaugura-se mais um período de ambigüidade na prática sindical cutista: de um lado Vicentinho procurava chegar a um acordo aceitável ao menos para os militantes de sua tendência política; de outro, as lideranças sindicais cutistas do setor público davam várias demonstrações da sua discordância com a política adotada pela direção da entidade (SILVA, 2001, p. 16).

Como apreendemos dessa citação, a discussão da CUT em torno do seu

posicionamento diante da contrarreforma da Previdência dividiu a Central, o que,

sem dúvida, enfraqueceu suas lutas pelos interesses do conjunto dos trabalhadores.

Dessa forma, as discussões na CUT sobre negociar ou não com o Governo

continuavam e as divergências eram muitas. Talvez essa confusão explique o fato

de que mesclada às negociações que uma parcela da Central fazia com os

governantes, outra parcela foi às ruas na defesa da Previdência pública.

Neste clima de crescente polarização política, a retomada das negociações, longe de caminhar para a conclusão do acordo, tornou-se cada vez mais marcada por desencontros, desmentidos e acusações recíprocas de intransigências. O fato é que não havia mais consenso, nem mesmo entre os pares, sobre os rumos que deveria tomar a reforma previdenciária: de um lado, havia um claro desentendimento entre o líder do governo, o ministro da Previdência e o relator da emenda da Previdência sobre os termos do acordo; de outro lado, na CUT, os modestos avanços alcançados nas negociações não eram suficientes para arrefecer a resistência de uma parcela expressiva dos dirigentes sindicais cutistas e, a cada nova reunião, tornava-se mais insustentável a permanência da Central no processo de negociação (SILVA, 2001, p.17).

A imprensa, as demais centrais sindicais e o Governo acusaram a CUT pelo

fracasso das negociações em torno da contrarreforma da Previdência Social. Para

eles a Central era refém dos trabalhadores do setor público. Para Silva (2001) isso

não é verdade, pois os dois maiores sindicatos filiados à CUT apoiaram as

negociações: o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e a Associação dos Professores

do Ensino Oficial de São Paulo (APEOESP), inclusive, este último é o maior

sindicato do setor público, o que demonstra que, também, o setor público não era

homogêneo.

Por outro lado, além desse impasse entre negociar ou não com os

governantes a CUT (2009) registrou diversas ações empreendidas durante esse

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Governo, tanto contrárias as contrarreformas empreendidas pelo Estado, quanto

pela defesa da Previdência pública para os trabalhadores. Vejamos a tabela abaixo.

Quadro IV*

A CUT e a Previdência Social no Governo Fernando Henrique Cardoso

EVENTO DATA AÇÃO

Campanha Nacional Contra as Reformas

neoliberais de FHC.

Março/maio de 1995

A campanha teve como um dos eixos principais a defesa da Previdência

pública.

Greve Nacional pela Manutenção de Direitos

21 de Junho de 1996

Contra as políticas neoliberais de FHC, tendo como uma de suas principais

reivindicações a aposentadoria digna e a manutenção dos direitos dos

trabalhadores.

VIII Plenária Nacional da CUT

29 a 30 de Agosto de

1996

Aprovou a realização da Campanha Reage Brasil, contra as políticas

neoliberais de FHC.

Campanha Reage Brasil Abril/maio de 1997

Foram deflagrados vários atos contra as políticas neoliberais de FHC.

Campanha Abra o Olho Brasil

25 de Julho de 1997

Atos públicos e passeatas em todo o país, defendendo, entre outras coisas, a Previdência pública e contra a reforma

neoliberal.

VI CONCUT 13 a 17 de Agosto de

1997

Decidiram articular a luta contra a aprovação das reformas administrativas

e previdenciárias de FHC.

Caravana Nacional em Defesa dos Trabalhadores

06 a 12 de Novembro

de1997

Essa caravana percorreu mais de 300 cidades em todo país em defesa dos

direitos dos trabalhadores, especialmente, a Previdência pública,

encerrando em Brasília com uma grande carreata que percorreu vários órgãos do

governo.

Encontro Popular Contra o Neoliberalismo por Terra,

Trabalho e Cidadania.

06 de Dezembro de 1997

A CUT reuniu entidades populares, partidos políticos de oposição e outros setores da sociedade para organizarem as lutas contra as políticas neoliberais

de FHC.

Marcha dos 100 Mil Sobre Brasília

26 de agosto de

1999

Foi a principal manifestação contra a política neoliberal de FHC.

Dia Nacional de Paralisação e Protesto em Defesa do Emprego e do

Brasil

10 de Novembro de 1999

Manifestação com várias reivindicações, dentre elas aposentadoria integral para

todos.

* Construído de acordo com a Cronologia de Lutas da CUT (2009).

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Ao analisarmos esse quadro, vemos certa contradição com o que foi

discutido anteriormente, visto que ele mostra clara oposição da CUT às

contrarreformas neoliberais de FHC, especialmente, a previdenciária que começou a

ser discutida, tão logo esse governante chegou ao poder, como um dos eixos da

contrarreforma do Estado.

Outro aspecto relevante é que em nenhum momento os eventos estiveram

centrados unicamente na Previdência Social, revelando a não prioridade das lutas

em torno dessa política em um momento crucial de restrições desses direitos. Ao

mesmo tempo, é compreensível, tendo em vista que o Governo lançou mão nesse

período de um verdadeiro leque de contrarreformas, nas mais diversas áreas, que

atingiam os trabalhadores.

O início de suas reivindicações começou em 1995 com uma Campanha

contra as contrarreformas neoliberais pretendidas por FHC, na qual uma das

defesas principais foi a Previdência pública. Era a primeira ação que refletia a

indignação diante da iniciativa do Governo de corrigir problemas na Previdência

Social, através de reduções nos direitos previdenciários e incentivo à previdência

complementar.

O ano de 1996 foi marcado por dois eventos. Um no primeiro semestre e

outro no segundo semestre. O primeiro deles foi uma Greve nacional pela defesa da

manutenção de direitos e, contrária às políticas neoliberais de FHC. Havia dentre as

principais reivindicações dessa greve o direito à aposentadoria digna, o que é

garantido pela manutenção ou ampliação dos direitos previdenciários.

O segundo evento foi a VIII Plenária Nacional da CUT, na qual foi aprovada

a realização de uma campanha, mais uma vez, contra as políticas neoliberais do

Governo. Note-se, novamente, que a ênfase principal dessas ações eram as

medidas neoliberais de FHC e não diretamente a Previdência Social.

O ano de 1997 foi o período em que mais ações foram realizadas contra a

política neoliberal e inflexões na Previdência Social. É interessante notar que foi

exatamente esse ano que antecedeu o ano da aprovação da contrarreforma

previdenciária. No início do ano foi colocada em prática a campanha Reage Brasil,

elaborada em 1996. No início do segundo semestre de 1997 nova campanha – Abra

o Olho Brasil – foi levada às ruas através de atos públicos e carreatas contra as

contrarreformas do neoliberalismo e pela defesa, dentre outras áreas, da previdência

pública.

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Em agosto de 1997 foi realizado o VI CONCUT, no qual foi decidido sobre a

articulação de lutas contra a aprovação da contrarreforma da Previdência Social e

de outras contrarreformas que estavam sendo discutidas pelos governantes. Assim,

em novembro desse mesmo ano foi realizada uma Caravana Nacional que percorreu

diversas cidades do país, empunhando a luta em defesa dos trabalhadores,

principalmente, da Previdência pública. Em dezembro de 1997 aconteceu um

Encontro Popular que reuniu diversos setores da sociedade, mais uma vez, contra

as políticas neoliberais de FHC.

No ano de 1998, ano da aprovação da primeira contrarreforma da

Previdência Social, nenhuma reivindicação foi registrada pela CUT (2009) em sua

síntese das principais lutas. Tanto é que este ano está ausente do quadro III, tendo

em vista que, segundo a CUT (2009) as principais reivindicações desse período

foram em torno de emprego (Ver anexo I).

Em um ano determinante para as lutas pela manutenção e ampliação das

conquistas previdenciárias a CUT esteve ausente, sem apresentar manifestações

contrárias a contrarreforma na Previdência? A resposta é não. Alguns documentos

da CUT demonstram isso.

Logo no início do ano em fevereiro um Informa CUT Extra, cuja manchete

era ‗URGENTE!!! Luta Contra a Reforma da Previdência‘ expunha que a Executiva

Nacional da CUT que estava reunida em Brasília acompanhando as discussões

sobre a contrarreforma da Previdência convidava os trabalhadores para o Dia

Nacional de Lutas Contra às mudanças na Previdência para o dia 10 de fevereiro. O

Informa CUT (1998, p. 01) anunciava que tinha sido a pressão exercida pela

―presença de vários dirigentes sindicais e a pressão exercida pelo Bloco de

Oposição, impediram que o governo conseguisse votar a Previdência ontem, na

Comissão especial da Câmara dos Deputados‖. A Executiva Nacional da CUT

reiterou nesse informativo que as CUT estaduais e demais entidades filiadas

deveriam

Intensificar a luta contra a Reforma da Previdência, reforçar as iniciativas de preparação do Dia Nacional de Lutas e realizar em todas as capitais grandes manifestações no dia 10 de fevereiro e garantir a presença de dirigentes e ativistas em Brasília no dia 11 de fevereiro, conforme orientações anteriores. A Executiva Nacional reitera, também que as entidades devem desenvolver todos os esforços para apoiar os Servidores Públicos Federais que organizarão um acampamento em Brasília, de 09 a 12 de fevereiro, contra as Reformas da Previdência e especialmente contra

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a Reforma Administrativa (INFORMA CUT, 1998).

Desse modo, podemos apreender que as ações continuaram durante o ano

de 1998. Nesse momento, inclusive, havia uma preocupação em acompanhar e

pressionar para não aprovação da Contrarreforma da Previdência, apoiando, além

disso, as mobilizações dos trabalhadores do setor público, muito atingidos por essas

mudanças no sistema previdenciário.

Algumas resoluções da Direção e Executiva Nacional da CUT, dirigidas às

CUT Estaduais, Federações e Confederações da CUT, Entidades Nacionais e

Sindicatos Filiados, também, retratam a presença de ações durante o ano de 1998.

Seguem-se respectivamente essas resoluções, a primeira data de 14 de abril de

1998 e a segunda de 08 de junho de 1998, como vemos abaixo:

A Direção nacional da CUT reitera a importância de manter as mobilizações contra a aprovação da Reforma da Previdência em segundo turno e, considerando que o governo não tem encontrado muita facilidade para encerrar o primeiro turno da votação, faltando ainda várias votações, todas as entidades devem preparar atividades para uma data provável da votação de destaques importantes ou ainda na data provável da votação da reforma em 2º turno. Ficam reafirmadas todas as orientações anteriores para se intensificar a campanha nos Estados, principalmente as de denúncia dos parlamentares que votaram com o governo (CUT, 1998).

O governo tentará colocar em votação a continuidade do segundo turno da emenda que reforma a Previdência no próximo dia 17 de junho. A Direção Nacional da CUT vem, portanto, reiterar mais uma vez a importância de manter as mobilizações contra a aprovação da Reforma da Previdência e convoca todas as entidades para a realização de manifestações neste dia, que deve ser organizado com várias manifestações como atos públicos nas capitais e grandes centros urbanos, panfletagens, fechamento de estradas, paralisações ou atraso na entrada aos locais de trabalho, entre outras iniciativas. As CUT Estaduais e entidades de base deverão intensificar o trabalho de pressão aos parlamentares nos estados, cercando-os nos aeroportos e ampliando a divulgação dos materiais que denunciam os deputados que votaram com o governo no primeiro turno. Além do que todas as entidades deverão garantir a presença de dirigentes e ativistas nas galerias da Câmara dos Deputados, para acompanhar a votação, pressionando os parlamentares (CUT, 1998).

É interessante notar nessas resoluções o caráter contrário da CUT à

proposta de contrarreforma da Previdência Social, pelo menos é o que demonstra os

documentos. Contudo, a primeira resolução não é muito clara às formas de

enfrentamento que deveriam ser envidadas pelo movimento cutista em todos os

estados do país, ficando explícita, apenas, a necessidade de manter e/ou organizar

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atividades e mobilizações contrárias à contrarreforma. Uma ação, principalmente,

que devia ser realizada ficou muito clara: denunciar os parlamentares que votaram a

favor das mudanças de cunho neoliberal na Previdência.

A segunda resolução é bem mais clara no que concerne às formas de

reivindicações que deveriam ser empreendidas para pressionar a não aprovação da

contrarreforma. As mobilizações pretendidas consistiam desde ações mais

moderadas: atos públicos e panfletagens até mobilizações mais combativas, como

paralisações ou atraso nos locais de trabalho e fechamento de estradas. Mais uma

vez, foi reafirmada nessa resolução a necessidade de intensificar a pressão junto

aos parlamentares, reforçando a divulgação, também, para população dos

deputados que votaram a favor do Governo.

Outro documento da CUT (1998, p. 01) trazia um convite da Executiva

Nacional para a participação das CUT estaduais, Federações e Confederações da

CUT, entidades nacionais e sindicatos filiados para participarem do Seminário

Nacional sobre a Reforma da Previdência que aconteceria nos dias 23 e 24 de

novembro de 1998 na sede nacional da Central, cujo objetivo era

Fazer um balanço da luta contra a Reforma da Previdência do governo FHC, permitir um aprofundamento das reformas dos sistemas de previdência no contexto internacional, além e principalmente, avaliar os desdobramentos da nova reforma da previdência articulada pelo governo e atualizar as propostas da CUT (CUT, 1998).

Menos de um mês após a realização desse seminário a Emenda

Constitucional nº 20, de 1998 foi aprovada, modificando cruelmente os direitos

previdenciários. É surpreendente que em um ano tão relevante para os

trabalhadores, que marcou lutas e perdas para Previdência Social – um direito

fundamental para as classes trabalhadoras – não esteja mencionado ou

contemplado na Cronologia das Lutas da CUT (2009). Isso nos faz pensar se tais

lutas foram de fato tão intensas.

Chama-nos a atenção, também, que não apareça no relato da CUT

nenhuma atividade das entidades em que as propostas de contrarreforma da

Previdência tenham sido discutidas entre os trabalhadores desempregados ou do

setor informal. O fato é que a CUT não conseguiu envolver os trabalhadores em um

amplo movimento de massas, apesar do calendário de mobilizações aprovado em

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seus fóruns deliberativos, muito menos travar o processo de contrarreforma da

Previdência53, apenas iniciado no Governo FHC.

Por outro lado, a oposição ao Governo FHC, de amplos segmentos da CUT

e de outras entidades de esquerda, pode justificar o fato que Fernando Henrique

Cardoso, não conseguiu aprovar medidas pretendidas por ele e, só conseguidas no

Governo Lula como foram as propostas de aposentadoria dos inativos e cessação

da aposentadoria integral. Não apenas as propostas não eram as mesmas do

projeto original, mas, além disso, a pressão exercida sobre essa contrarreforma,

também, pode ser analisada pelo tempo que ela levou para ser aprovada: mais de

três anos de intensas discussões e negociações.

Não somente a CUT foi contrária à contrarreforma da Previdência, mas os

partidos de esquerda – liderados pelo PT, partido que tem aliança com a CUT – e os

servidores públicos votavam, também, contra a agenda do Congresso. Até mesmo

Fernando Henrique teve que lidar com insurgências dentro de sua própria base aliada. Embora a maior parte dos deputados do PSDB e do PFL (atualmente, DEM), que representavam o núcleo de apoio ao governo, apoiasse as reformas, outros partidos, como o PMDB e PPB (atualmente, PP), freqüentemente alteravam suas posições, dependendo dos resultados da barganha política nas negociações com o Executivo (NAKAHODO & SAVOIA, 2008, p. 08).

As reivindicações em prol da Previdência por parte da CUT voltaram a

aparecer, em 1999, quando as mudanças nos direitos previdenciários já eram

realidade efetiva. Se foi difícil barrar a aprovação de medidas neoliberais nos

direitos, quão mais difícil não é reavê-los depois de suprimidos. Desse modo, em

agosto de 1999 a CUT realizou a Marcha dos 100 Mil sobre Brasília, manifestando-

se, outra vez, contra as políticas neoliberais de FHC. E, em novembro desse mesmo

ano fez um dia nacional de paralisação, na qual dentre as muitas reivindicações

estava a aposentadoria integral para todos, direito que foi restringido com a

contrarreforma aprovada no ano anterior.

Assim, no âmbito mais defensivo ou de ações mais combativas a CUT

deixou muito a desejar e não conseguiu agir de modo a vetar ou mesmo ameaçar a

não aprovação da contrarreforma no Governo FHC. Entretanto, não

53

Apreendemos que o processo de avanço neoliberal é muito forte e amplo, atingindo várias áreas, e, que não é a CUT, sozinha, que vai conseguir conter. Porém, suas ações em torno do processo de aprovação da contrarreforma da Previdência em 1998 deixaram muito a desejar.

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desconsideramos que diversas ações foram empreendidas nesse sentido. Na

realidade, a divisão existente no seio da própria CUT – entre sindicalistas a favor e

contrários à contrarreforma –, também, enfraqueceu esse movimento.

Se em 1998 – durante um governo nitidamente de direita – a CUT agiu

desse modo e passou a ceder espaço para o avanço da retirada de direitos

previdenciários, no ano de 2003 em pleno governo de um presidente supostamente

de esquerda, o que esperar?

4.3 POSICIONAMENTO E PROPOSTAS DA CUT NA CONTRARREFORMA DA PREVIDÊNCIA NO GOVERNO LULA

Diferentemente do Governo FHC que levou mais de três anos para aprovar a

contrarreforma da Previdência, Lula em dezembro de 2003, apenas oito meses após

ter submetido sua proposta para votação contou com o apoio decisivo dos partidos

que formavam a coalizão no governo Fernando Henrique Cardoso, como corrobora

Nakahodo e Savoia (2008, p. 09)

Em 2003, o governo federal não encontrou maiores dificuldades para apoiar a reforma no Senado: Lula tinha tanto o controle da maioria dos votos - com todos na base aliada, à exceção de um senador do PT, que votou a favor da emenda - como conseguiu assegurar o apoio de metade do PSDB.

Na realidade quando comparado o apoio total recebido por Lula e FHC em

suas contrarreformas da Previdência ―o primeiro tinha aproximadamente 55% de

todo o apoio institucional, enquanto o segundo contava com menos de 37% do

suporte dos atores considerados‖ (NAKAHODO & SAVOIA, 2008, p. 12). Ou seja, o

cenário que se deu a posse de Lula era extremamente propício para uma verdadeira

aceitação de suas ações, ainda que elas prejudicassem os direitos dos

trabalhadores, antes defendidos por ele. Aceitação essa tanto de diversos partidos,

quanto das classes trabalhadoras que, como vimos anteriormente, praticamente,

paralisou diante desse Governo.

As esperanças depositadas nesse governante por grande parte da

população, especialmente, da CUT, foram muitas, principalmente, por dois motivos.

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Por um lado, a CUT nasceu imbricada ao PT, partido do qual faz parte Lula54. Pode-

se dizer, até mesmo, que durante certo tempo as fronteiras entre um e outro não

estavam claramente definidas55. O PT expressou o movimento das massas, do

conjunto dos trabalhadores, que em geral não estavam ligados aos partidos

comunistas – representados no Brasil pós ditadura pelo Partido Comunista Brasileiro

(PCB) e pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

Salientamos que a relação estabelecida entre as Centrais Sindicais e

partidos políticos não é uma relação ruim, pelo contrário, tal relacionamento tende a

trazer benefícios quando se tem como interesse comum o atendimento das

necessidades dos trabalhadores. Esta relação perde o seu sentido quando o

movimento sindical alia-se a partidos que não defendem os interesses das classes

trabalhadoras e/ou perdem sua autonomia organizativa em face desse vínculo.

De outro lado, o próprio Lula era um representante dos trabalhadores –

metalúrgico e sindicalista – com uma história de luta anterior combativa e atrelada

aos setores das classes trabalhadoras. No entanto, tão logo chegou ao poder

encaminhou uma proposta de contrarreforma previdenciária. Lula seguindo o

exemplo dos governos anteriores deixou-se sucumbir pelos organismos

internacionais e tratou de rapidamente agradá-los, encaminhando ao Congresso

uma proposta de mudança na Previdência.

Assim, o que esperar de uma central tão atrelada ao presidente da

República e ao partido do governo? A CUT, como boa parte dos movimentos

organizados, permaneceram arrefecidas diante dessa ofensiva aos governos

neoliberais, nesse governo, talvez, mais do que nunca. O que esperar de uma

Central em que grande parte dos sindicalistas egressos da corrente Articulação

Sindical fazia parte da equipe governamental?56 A CUT arrefeceu suas lutas

tornando-se mais suscetível à discussão.

54

O PT foi criado em 1981 e a CUT em 1983. 55

Ressalta-se que não é apenas a CUT que tem vínculos com partido político. ―É inegável o fato que parcela dos dirigentes da CUT são filiados ao PT, assim como grande parte dos dirigentes da CTB são filiados ao PCdoB, da FS são filiados ao PDT, e assim por diante. A CUT apoiou Lula para presidente da República, entendendo ser o melhor candidato para fazer um governo voltado para os trabalhadores e setores mais explorados da população. A FS apoiou Geraldo Alckmin, o Conlutas e o PSOL apoiaram Heloisa Helena (FREITAS, 2008, p.06). 56

―Os ministros do Trabalho (petroquímico, da Previdência (bancário), da Fazenda (médico), da Comunicação Social (bancário), das Cidades (bancário), e o próprio Presidente da República (metalúrgico). Além desses nomes, pelo menos uma centena de sindicalistas originários da mesma corrente estão ocupando altos postos na administração e nas empresas públicas. Um órgão da imprensa escreveu que estaríamos assistindo à formação de uma ‗República dos sindicalistas‘ no Brasil‖ (BOITO JR., 2005, p. 231).

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Segundo Boito Jr. (2005, p. 259) tal inflexão se deu, porque, primeiro o

governo Lula criou uma ilusão de poder e participação no seio do operariado do

novo sindicalismo, representado pelos trabalhadores das montadoras de veículos do

ABC. Segundo, aproveitando a origem popular de parte de seus integrantes apostou

na divisão dos trabalhadores – divisão essa predominante, principalmente entre três

setores, trabalhadores empregados, desempregados e trabalhadores sem carteira

assinada e os trabalhadores do setor público. E, em terceiro lugar à ascensão de

Lula à Presidência ―eliminou a antiga resistência parlamentar ao neoliberalismo, que

era composta pelos partidos que, hoje, são a espinha dorsal da base parlamentar do

governo – PT, PSB, PCdoB‖, como analisamos anteriormente.

Além disso, Lula queria passar para os diversos setores da sociedade,

principalmente para as entidades representantes das classes trabalhadoras que

havia debates em torno da aprovação dessa contrarreforma, era uma forma de

convencer que as ações eram diferentes do governo anterior, quando, na verdade,

não eram.

Com base na experiência negativa da falta de debate público, que acabou prejudicando seu antecessor até os estágios finais de tramitação no Congresso, Lula enfatizou a importância da transparência e abertura na apresentação de sua proposta (NAKAHODO & SAVOIA, 2008, p.12).

A CUT, por sua vez, se na primeira contrarreforma da Previdência, no

Governo FHC, mesclou proposições com ações mais defensivas na contrarreforma

do Governo Lula, em 2003, ela foi substancialmente propositiva.

Antes de nos adentrarmos nas propostas e posicionamento da CUT durante

as discussões para a aprovação da Emenda nº 41, que efetivou a contrarreforma do

Governo Lula, cabe analisarmos que lutas, segundo a própria CUT (2009), foram

travadas nesse período pela Central, comprovando, mais uma vez, a agradabilidade

desse governante para a grande maioria dos sindicalistas cutistas.

O ano de 2002, ano eleitoral, a CUT em sua X Plenária Nacional conclamou

a Nação brasileira a votar em Lula para Presidente da República, o que demonstrou

nitidamente o apoio da Central ao candidato. No VIII CONCUT realizado no período

de 03 a 07 de junho de 2003, Lula fez-se presente nesse evento da Central, era a

primeira vez que um Presidente da República esteve em um congresso da CUT,

explicitando, outra vez, a proximidade de Lula e do PT dessa entidade

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representativa dos trabalhadores. Contraditoriamente, dentre as principais

resoluções desse congresso estava a defesa de uma mudança na previdência que

ampliasse direitos (Ver anexo I).

Aliás, esse posicionamento demonstrou significativa mudança em relação a

postura defendida na contrarreforma da Previdência, no Governo FHC. O grito de

ordem neste Governo foi ―Contra as reformas neoliberais de FHC e em defesa da

Previdência pública‖, a tônica no Governo Lula mudou, a reforma, agora, podia

acontecer, desde que ampliasse os direitos previdenciários. Essa mudança teria sido

uma conquista se a CUT tivesse agido de forma combativa por uma reforma que de

fato ampliasse direitos e não por pequenas concessões dentro de uma

contrarreforma, como aconteceu.

Em janeiro de 2003 a CUT fez um Resumo das Principais Propostas da

Entidade para Previdência Social para ser enviado ao novo governante, abordando o

conceito de Seguridade Social, o debate em torno da contrarreforma da Previdência

Social, aspectos referentes ao regime Geral de Previdência Social (RGPS) e

aspectos referentes ao Regime Próprio de previdência Social (RPPS). Tais

propostas situavam-se no âmbito mais teórico a respeito da Previdência e não eram

proposições que tinham influência direta na configuração dos direitos

previdenciários.

No que concerne à Seguridade Social o documento trouxe a proposta de

preservar as políticas constitutivas da Seguridade Social: Saúde, assistência Social

e Previdência Social de forma conjunta e articulada. Neste sentido a CUT afirmou a

necessidade de haver transparência no orçamento da Seguridade Social e

reinstalação do Conselho Nacional de seguridade Social

De modo não só a impedir a ‗sangria‘ que vem sendo importa ao setor nas últimas décadas, mas, também com o fim de tornar clara a existência repetida do superávit orçamentário, o que implica reconhecer que as contribuições criadas para o financiamento das 3 (três) áreas da Seguridade social são suficientes para assegurar o pagamento de todos os benefícios atuais, gerando ano após ano saldos orçamentários que deveriam constar no orçamento dos anos seguintes, possibilitando uma sensível melhoria nas políticas de saúde, assistência e previdência social (CUT, 2003, p. 01)

Em torno da contrarreforma da Previdência Social que o Governo pretendia

realizar a CUT (2003, p. 02) argumentou que não ia aceitar discussões pautadas em

um viés meramente econômico, mas que o debate deveria ser em torno de

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conceitos, não de números ―objetivando atingir uma efetiva justiça social e não

apenas o equilíbrio financeiro e atuarial‖. ―Ingênua pretensão‖ essa da CUT por

achar que por ser de um partido de esquerda o Governo cumpriria com isso.

A discussão da CUT em torno do RGPS abordava que os problemas

financeiros desse regime eram devidos a diversos aspectos, alguns já conhecidos e

analisados aqui: alto índice de trabalhadores no setor informal, sem carteira

assinada; significativo aumento da perspectiva de vida média dos brasileiros;

desvios praticados pelo Tesouro Nacional; altas taxas de sonegação; ineficácia da

Procuradoria do INSS em cobrar a dívida ativa previdenciária, estimada em 100

bilhões em 2002; e renúncia fiscal de várias entidades que não recolhem as

contribuições previdenciárias. Ou seja, antes de contrarreformar a Previdência é

indispensável corrigir essas distorções. Por que os trabalhadores é que tem que

perder sempre?

Em relação ao Regime dos servidores públicos a CUT afirmou que qualquer

mudança que seja processada nos direitos desses trabalhadores deveria ser para

definir critérios de equidade e justiça nas regras previdenciárias, não considerando a

unificação dos regimes fundamental para isso. Além disso, para a CUT (2003, p. 05)

era indispensável que fosse realizado

Um levantamento prévio sobre o período em que os servidores estavam regidos pela Lei 1.711/52 (no qual a obrigação de realizar as reservas/matemáticas destinadas a custear as aposentadorias dos servidores era do Estado), assim como do período laboral prestado por estes servidores sob a égide da CLT (para fins de compensação previdenciária).

A respeito dos direitos dos servidores públicos tratados pela mídia como

privilégios – aposentadoria integral e paridade entre ativos e inativos – a CUT não

concordou com esses termos e argumentou que o problema estava no fato de que

os recursos arrecadados ao longo de anos, não foram guardados de modo a suprir

os pagamentos futuros.

No fim das propostas para o RPPS a CUT (2003) mesclou proposições que

trariam avanços com outras que trariam recessões nos direitos previdenciários,

propondo

Respeito aos direitos adquiridos

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Respeito às expectativas de direito de forma diretamente proporcional;

Fixação de uma meta de definição de teto para os benefícios previdenciários

(incluídos os do RGPS), de 20 (vinte) salários mínimos;

As alterações do RPPS deveriam ser progressivas;

Regulamentação do fundo de ativos e bens destinados à cobertura adicional

das despesas do RPPS;

Revisão dos critérios de compensação previdenciária, definidos na Lei

9.717/99;

Revisão dos critérios de Previdência Complementar previstas no PL 09,

adotando-se o critério de “benefício definido” para a complementação das

aposentadorias dos servidores públicos

Gestão bipartite do regime básico e do eventual regime complementar de

aposentadoria.

Adoção de medidas de estímulo à permanência do servidor em atividade, tais

como a criação de um abono de permanência, a ser pago aos servidores que

mesmo tendo completado as condições para a aposentadoria prefiram

continuar em atividade.

Apreendemos dessas propostas para o RPPS que, se de um lado a CUT

exigiu a defesa dos direitos adquiridos e compensação previdenciária. De outro lado,

concordou com algumas restrições nos direitos previdenciários, desde que fossem

progressivos, sugeriu a delimitação de um teto de 20 salários mínimos para os

benefícios previdenciários, apoiou a iniciativa de regulamentar a previdência

complementar para os servidores públicos e, até mesmo, incentivou a criação de um

abono de permanência para o servidor que decidisse ficar mais tempo no serviço

público, mesmo que tivesse atingido os critérios exigidos para aposentadoria, o que

foi contemplado na Emenda nº 41 de 2003.

No VIII CONCUT, em junho de 2003, foi discutido propostas a serem

levadas à Câmara dos Deputados e ao Senado, para serem consideradas em suas

discussões de contrarreforma da Previdência. Nesse mesmo CONCUT foi eleito o

novo presidente da CUT Nacional, Luiz Marinho (apud JORNAL O POVO, 2003), o

qual tão logo eleito expressou o posicionamento dessa Central: ―a hora, ainda, é a

da negociação. Aprendemos que nem sempre é preciso deflagrar a greve para

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alcançar nossos objetivos. Mas, para alcançá-los será sempre preciso estar com a

greve preparada‖.

Podemos analisar dessa fala que, tal qual Vicentinho que queria negociar

com o Governo FHC, Luiz Marinho, também desejava negociar com o Governo Lula.

A esperança era que sendo um governo de esquerda, as propostas seriam mais

facilmente aceitas. Desse modo, a greve ou qualquer outra ação mais combativa

ficou em segundo plano, enquanto as negociações foram priorizadas. A rejeição à

contrarreforma da previdência não estava nos planos da CUT, como mostra Luiz

Marinho (apud JORNAL O POVO, 2003)

Nós fizemos ver ao governo e aos parlamentares que essas nossas propostas tinham o significado de uma pauta de reivindicações a ser submetida a um processo negocial. A entrega, na sequência de manifestação pública organizada na Esplanada dos Ministérios, teve o significado de uma abertura formal de negociações entre a CUT e os poderes Executivo e Legislativo federais. Teve o significado também de diferenciar a posição da CUT de outras entidades que querem simplesmente rejeitar a proposta de reforma apresentada pelo governo. Na nossa avaliação, considerando a conjuntura política vivenciada pelo País, esta posição é o caminho mais rápido para que as bandeiras que defendemos sejam derrotadas.

Para a CUT (apud JORNAL O POVO, 2003) a contrarreforma encaminhada

ao Congresso Nacional pelo Governo Federal foi fruto de uma discussão restrita aos

governadores e o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e possuía

inúmeros aspectos que prejudicavam os trabalhadores, tanto do setor público,

quanto do setor privado, por isso a CUT apresentou uma resolução com propostas

ao Plenário do VIII CONCUT, o qual tratava diretamente de quatorze dispositivos, a

maioria direcionada para os trabalhadores do setor público, já que estes foram os

principais prejudicados com a contrarreforma de 2003, quais sejam:

Abertura para participação da CUT nas discussões sobre a contrarreforma da

Previdência;

Teto dos benefícios previdenciários;

Previdência Complementar;

Idade Mínima exigida para aposentadoria;

Critério de cálculo do valor das aposentadorias e pensões;

Paridade entre ativos e inativos;

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Contribuição de Aposentados e pensionistas;

Regulamentação das atividades especiais no setor público;

Aposentadoria especial;

Estabelecimento de mecanismo de proteção para as aposentadorias do INSS;

Gestão democrática e paritária para todos os regimes previdenciários;

Seguro de Acidente de Trabalho;

Combate à sonegação e

Tratamento dos trabalhadores rurais.

Como analisamos dos temas contemplados nas propostas da CUT, primeiro,

ela defendeu a abertura imediata pelo Governo de um processo de negociação com

a CUT sobre a contrarreforma da Previdência, o que explicita, mais uma vez, o

desejo dessa Central de negociar com os governantes propostas alternativas, ainda

que não fossem muito ousadas.

A segunda proposta foi referente ao teto, a CUT continuou propondo a

fixação de um teto de vinte salários mínimos, o que segundo ela propiciaria

contemplar a grande maioria dos assalariados brasileiros, noventa e cinco por cento

(95%). É interessante notar que a CUT mostrou-se contra a enorme diferença que

existe entre as remunerações, defendendo a votação imediata da lei que definiria o

teto de remuneração dos três poderes.

A terceira proposta atingia os futuros servidores públicos, visto que a CUT

propôs que fosse criada entidades fechadas de previdência pública complementar,

os chamados fundos de pensão, geridas e financiadas por servidores e o Governo,

para aqueles trabalhadores que ingressassem no serviço público após à

contrarreforma. Essa foi uma estratégia utilizada também pelo Governo Lula, atacar

os direitos dos futuros servidores, acabando extinguindo direitos, com o passar dos

anos, como é o caso da aposentadoria integral, tendo em vista que como os atuais

servidores não seriam feridos, então não havia motivos para reivindicação.

Os defensores dos Fundos de pensões que os veem como alternativa para

complementar a remuneração dos servidores podem considerar essa proposta muito

pertinente, contudo, já discutimos anteriormente a insegurança e incerteza trazidas

pela previdência complementar. Desse modo, muda-se o foco da luta: em vez de

lutar pela ampliação da Previdência pública, propõem-se a complementaridade

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proporcionada pelos fundos de pensão, incentivando o processo de privatização da

Previdência Social.

No que concerne à idade para aposentadoria dos trabalhadores do setor

público a CUT (2003, p. 01) propôs

A manutenção das regras em vigor, para os servidores que ingressarem no serviço público após 16.12.1998 e do critério de transição vigente (para aqueles que já eram servidores em 1998), cuja idade mínima ficou fixada em 53 e 48 anos (homens e mulheres, respectivamente).

A CUT não propôs alterações aos critérios para aposentadoria formulados

na contrarreforma anterior, no Governo FHC. Parecia melhor deixar como estava do

que piorar a situação, como pretendia o Governo Lula.

Atitude semelhante aconteceu no que se refere aos critérios para cálculo do

valor das aposentadorias e pensões. A CUT defendeu a manutenção das regras de

cálculo balizadas pela integralidade em relação à última remuneração do servidor

em atividade. Contudo, mais uma vez, cedeu brecha para o prejuízo dos futuros

servidores, quando defendeu para os trabalhadores que ingressasse no serviço

público após a aprovação da Emenda, a fixação de um teto de aposentadoria no

valor de vinte salários mínimos – na época 4.800,00 – mais a ―oportunidade‖ de

contribuir para um fundo de previdência complementar se a remuneração excedesse

ao teto.

Com relação à paridade entre ativos e inativos a CUT defendeu a

manutenção do princípio da paridade, porém, fez uma ressalva

Que os benefícios ou vantagens salariais novas (não relacionadas com reajustes salariais destinados a repor o poder aquisitivo corroído pela inflação), sofram a incidência de contribuições assegurando o princípio contributivo, cabendo ao órgão previdenciário aplicar o cálculo atuarial para que o novo benefício seja devidamente financiado (CUT, 2003, p.02).

No que diz respeito a um dos fatores mais polêmicos na proposta do

Governo Lula: a contribuição dos aposentados e pensionistas, pretendida por FHC

e, felizmente, derrubada, mas não por muito tempo, a CUT manifestou-se contra tal

contribuição. Sem dúvida essa proposta foi absurda como expõe, muito bem Souza

(2004, p. 117-118)

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Em primeiro lugar, em nenhum país sério do mundo, quem já está aposentado ou é pensionista, contribui para o sistema previdenciário. [...] Seja pelo regime de capitalização ou de repartição, aposentou-se ou entrou em regime de pensão, está fora. [...] Em segundo, a cobrança é odiosa, é um atentado aos direitos humanos, aos direitos sociais, ao pacto entre gerações, é uma violação do princípio contributivo: ninguém deve contribuir para o que não lhe reverterá. Em terceiro, os aposentados e pensionistas, públicos e privados, não podem nem devem ser responsabilizados pelo déficit fiscal. Não foram eles os causadores do desequilíbrio das contas públicas. [...] Em quarto, a contribuição reivindicada será uma gota d‘água no oceano. Em termos de valores absolutos será inexpressiva. A contribuição dos ativos é de R$ 23 bilhões com inativos. A contribuição dos inativos seria de apenas R$ 1,8 bilhão. Não será por essa trilha que o Tesouro terá suas contas arrumadas.

Em relação às atividades realizadas pelos servidores públicos em condições

insalubres, perigosas, periculosas ou penosas a CUT considerou que precisava ser

regulamentada naquela contrarreforma prevendo aposentadoria aos 15, 20 e 25

anos de trabalho de acordo com o tipo de atividade desenvolvida, da mesma forma

como já era no serviço privado. O cerne da proposta da CUT era que as atividades

especiais no setor público precisavam de regulamentação, seguindo os mesmos

critérios e condições presentes no setor privado, na medida em que a natureza e a

lesão causada nos agentes são as mesmas.

Inclusive, a CUT defendia na proposta posterior a manutenção da

aposentadoria especial para aqueles servidores que sofressem desgaste físico e

mental ao exercer sua função, incluindo os professores do ensino fundamental e

médio.

Numa outra proposta a Central Única dos Trabalhadores (CUT) propôs o

estabelecimento de um mecanismo para proteger o valor das aposentadorias do

INSS, tendo em vista que com a aprovação do fator previdenciário, em 1999, houve

uma significativa redução no valor da aposentadoria, quando comparado ao último

salário em atividade, atingindo igualmente aposentados com rendas distintas.

Assim, objetivamente a CUT (2003, p. 02) propôs a alteração da forma de

cálculo dos benefícios do INSS, ―de modo a incorporar uma variável que defendesse

as menores faixas de renda, em especial se estas estivessem combinadas com

ingresso precoce no mercado de trabalho e renda média baixa durante a vida

laboral‖. Isto é, era um paliativo, uma alternativa diante da crueldade do fator

previdenciário, que na realidade, para melhor benefício do trabalhador deveria ser

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extinto57.

A CUT defendeu, também, nessa resolução do VIII CONCUT uma

verdadeira gestão democrática e paritária para todos os regimes previdenciários,

que embora, inscrita na Constituição desde 1988, entretanto, não tinha sido

implantada como deveria. Além da gestão democrática e paritária, era

imprescindível, e continua sendo, que houvesse transparência e acesso dos

trabalhadores às informações sobre o sistema previdenciário para o conhecimento

dos seus direitos.

Foram defendidas, ainda, pela CUT propostas como o seguro acidente –

benefício, tratamento e reabilitação – públicos; para combater a sonegação foi

proposta a realização de uma auditoria nas contas da Previdência e a introdução

mecanismos legais que coíbam a sonegação, um dos fatores que causam

desequilíbrios nas contas da Previdência; e, defendeu a ampliação dos direitos

previdenciários dos trabalhadores rurais assalariados e originários de agricultura

familiar, sem sugerir exatamente quais direitos seriam esses.

Na finalização da resolução garantiu-se que

A CUT, da mesma maneira como lutou contra a flexibilização de direitos da CLT e o ‗Fator Previdenciário‘, medidas que atingiam brutalmente o trabalhador da iniciativa privada, tudo fará para que esses pontos negativos da proposta do governo sejam alterados. Vamos mobilizar nossos sindicatos, pressionar os deputados, apresentar emendas, participar de audiências e atos públicos e utilizar todos os instrumentos de luta que fazem parte da nossa história (CUT, 2003).

Entretanto, em agosto de 2003 a CUT comemorou 20 anos de fundação,

não surpreendentemente, Lula, esteve presente na comemoração. Ou seja, era

notório que não havia enfrentamento real diante da contrarreforma da Previdência

proposta pelo Governo Lula, por parte da CUT. Esta Central, ainda, sugeriu algumas

proposições, contudo não foram suficientemente defensivas dos direitos dos

trabalhadores, assim, como não foram suas ações.

Diferentemente das diversas ações opostas à contrarreforma da Previdência

no Governo FHC presentes na cronologia de lutas da CUT (2009), no que concerne

à contrarreforma do Governo Lula, não há nenhum registro de ações mais

57

Tal proposta foi discutida esse ano (2010) pela Câmara dos Deputados e Senadores, aprovada pelo Congresso Nacional, porém, vetada por Lula.

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combativas da CUT no período que antecedeu sua aprovação, além das discussões

ocorridas no VIII CONCUT. A ausência de registro, não significa que não tenha

havido nenhuma ação por parte da entidade em torno da Previdência, mas denota a

pouca oposição dos sindicalistas cutistas ao Governo Lula, principalmente de sua

direção.

Indo mais além, em maio de 2005, na XI Plenária Nacional da CUT foram

reconhecidos pelos sindicalistas presentes, os avanços e conquistas do Governo

Lula, ao mesmo tempo, decidiram ampliar as mobilizações para estender os direitos.

Isso, não quer dizer, também, que todas as vertentes e sindicatos que compunham a

Central aprovou a negociação ou mesmo a atitude do Governo petista. A CUT como

já registramos, desde sua gênese nunca foi um campo homogêneo e diante das

discussões de contrarreforma da Previdência não foi diferente.

As discussões em torno do posicionamento da CUT diante do Governo Lula

provocaram descontentamento e divergências no interior da Central. O que gerou

posteriormente cisões nos próprios sindicatos e trabalhadores que formavam a

entidade, da qual muitos se desvincularam.

O maior exemplo dessa cisão foi a fundação em maio de 2006 da

Coordenação Nacional de Lutas (CONLUTAS), iniciando um novo ciclo histórico de

reorganização das classes trabalhadoras. Segundo Aguena (2008, p. 07) esse

momento foi importante por que tratou de iniciar a ―superação da crise de direção

aberta no movimento dos trabalhadores, desde a transformação da CUT num

instrumento de conciliação a serviço das classes dominantes, iniciada nos anos 90 e

concluída com a ascensão de Lula em 2002‖. A formação desse novo movimento

composto, em grande parte, por sindicalistas saídos da CUT demonstrou a

insatisfação com o posicionamento dessa Central diante do neoliberalismo e do

Governo Lula.

Entretanto, não somente alguns sindicatos no interior da CUT não

concordaram com a contrarreforma proposta por Lula, mas diversos partidários do

PT também mostraram sua discordância do projeto. Segundo Marques e Mendes

(2004, p. 10)

Na primeira votação realizada na Câmara de Deputados, 24 votaram com o partido (mas fizeram declaração de voto criticando a proposta e explicando que estavam votando devido à disciplina partidária), três votaram contra e oito optaram pela abstenção. Os que votaram contra, junto com a senadora

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Heloísa Helena (Alagoas), acabaram sendo expulsos do partido e os que se abstiveram foram suspensos.

Ou seja, a aceitação da contrarreforma da Previdência em 2003 e do próprio

Governo Lula não foi unívoca. Mas, muitos representantes dos trabalhadores

posicionaram-se contra, contudo não conseguiram vencer a disputa.

4.4 DESAFIOS PARA A CUT E AS CLASSES TRABALHADORAS NO CONTEXTO NEOLIBERAL

Passados quase sete anos da aprovação da última contrarreforma da

Previdência Social, em dezembro de 2003, já houve períodos de intensas

discussões sobre uma nova contrarreforma da Previdência. Afinal, a configuração

atual da Previdência brasileira, ainda, está longe do modelo pretendido pelos

organismos internacionais e empresas que lucrariam com a sua privatização ou

constante redução.

No final do primeiro mandato de Lula, já se ouvia algumas discussões,

embora, fosse somente especulação. A mídia, por sua vez, foi uma grande

propagadora da necessidade de mais alterações na Previdência, ainda com base no

falacioso déficit na Previdência Social.

Giambiagi et al (2004) realizaram um estudo intitulado ―Diagnóstico da

Previdência social no Brasil: o que foi feito e o que falta reformar?‖ sob a premissa

de que muitas mudanças, ainda, precisam ser feitas no sistema previdenciário

brasileiro. Em suas palavras:

Este texto parte do suposto de que a reforma previdenciária discutida no Brasil em 2003 [PEC (2003)] e aprovada no final daquele ano foi apenas um passo de um longo processo de reformas no setor, que teve início na gestão de Fernando Henrique Cardoso e que deverá ter continuidade em algum momento futuro indefinido com novas mudanças das regras de passagem à inatividade no INSS. Resumindo, o problema central é que o Brasil está muito longe de ter regras de aposentadoria que sejam consistentes com o equilíbrio do sistema previdenciário. Em que pese a circunstância de que a sucessão de reformas alimente em parte da opinião pública a idéia de que ―os aposentados estão sempre sendo prejudicados‖, o fato é que o país continua tendo regras muito benevolentes de aposentadoria. A rigor, em termos comparativos, as sucessivas reformas brasileiras foram muito tímidas vis-à-vis a intensidade das regras vigentes na maioria dos países.

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Para esses autores a Previdência pública brasileira necessita de novas

mudanças, ressalta-se, de cunhos neoliberais, para que possam se assemelhar a

maioria dos países. Para eles, as contrarreformas já realizadas no Brasil foram muito

tímidas precisando continuar até à inatividade do INSS, tendo em vista que segundo

eles o sistema, ainda, tem regras muito ―benevolentes‖.

De acordo com esses teóricos apesar das mudanças efetivadas nas

contrarreformas dos Governos FHC e Lula alguns problemas são remanescentes,

quais sejam: ausência de idade mínima no regime geral; aposentadoria precoce das

mulheres; aposentadoria precoce dos professores; vinculação entre o piso

previdenciário e o salário mínimo; e programas assistenciais com despesas

crescentes.

Assim, foi com base nesses supostos problemas, que persistem na

Previdência Social, que Giambiagi et al (2004) propuseram uma ―reforma

paramétrica‖58, segundo eles, mais adequada para o momento. Essas mudanças

incluiriam, no âmbito da Previdência Social

Adoção de uma idade mínima para aposentadoria no âmbito do INSS; elevação gradual dessa idade mínima ao longo do tempo, com extensão dessa elevação ao caso dos servidores; redução da diferença entre homens e mulheres referente aos anos requeridos para aposentadoria; redução gradual, até a sua eliminação, da diferença existente entre professores e não-professores referente aos anos requeridos para aposentadoria; redução gradual do bônus concedido às mulheres e aos professores para efeito de contagem do tempo de serviço no cálculo do ―fator previdenciário‖, cujo valor passaria a refletir, ao longo do tempo, essa diminuição gradativa do bônus; e desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo. No âmbito da assistência social, defendem-se as seguintes mudanças: aumento para 70 anos da idade de concessão para novos Loas; e adicionalmente, poderia ser examinada a possibilidade de redução, de 100% para um percentual inferior (por exemplo, 70% ou80 %) da proporção do benefício assistencial em relação ao piso previdenciário) dos novos benefícios assistenciais do Loas [sic].

Como apreendemos dessas propostas os principais prejudicados com essa

mudanças seriam as mulheres, os professores e os usuários do Benefício de

Prestação Continuada (BPC) da LOAS.

58

A reforma paramétrica é diferente da reforma estrutural. Enquanto nesta a transformação ocorre na própria estrutura, no alicerce do sistema, como seria, por exemplo, a transformação de um regime de repartição por um regime de capitalização, naquela o sistema mantém basicamente sua natureza original, mudando apenas alguns de seus parâmetros de funcionamento como, por exemplo, o aumento do tempo de contribuição (GIAMBIAGI et al, 2004).

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147

Em 2007, novas discussões vieram à tona. Foi instituído um Fórum Nacional

de Previdência Social (FNPS) – hoje, segundo o site do Ministério da Previdência

Social, paralisado – composto pelo governo, trabalhadores, empregadores e

aposentados59, no qual o debate sobre a necessidade de novas mudanças na

Previdência se fortaleceu. Esse Fórum, segundo a ANFIP (2007) estava elaborando

uma proposta, que seria efetivada em longo prazo – 20 ou 30 anos – e que teria

efeito sobre as futuras gerações de segurados. Naquela época, o Ministro da

Previdência Social assumiu o discurso de que a contrarreforma da Previdência em

estudo visava garantir o pagamento de benefícios para as próximas gerações.

Nesse período durante as reuniões do Fórum uma versão foi apresentada

pelo economista e técnico do Instituto de Economia Aplicada (IPEA), Fábio

Giamgiagi.

As principais propostas, todas voltadas para o Regime Geral de Previdência Social, são as seguintes: 1) idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres), 2) aumento progressivo da idade mínima, 3) aumento da aposentadoria por idade para 67 anos, 4) aumento do período contributivo, 5) redução de 70% para futuras pensões, 6) redução da diferença entre homem e mulher para dois anos, 7) fim da aposentadoria rural, 8) fim do regime especial para professores, 9) a futuros beneficiados da LOAS – redução do valor do benefício para 75% do piso (salário-mínimo) do Benefício de Prestação Continuada (BPC), e 10) a futuros beneficiados da LOAS – idade mínima de 70 anos com 10 anos de transição (ANFIP, 2007, p. 9).

Tais propostas como apreendemos, mais uma vez, restringiam os direitos

previdenciários, dificultando, cada vez mais, o acesso à proteção social dos

59

Segundo o Artigo 2o do Decreto nº 6.019 que instituiu o FNPS, ele seria composto por

representantes indicados pelos seguintes segmentos: do Governo Federal, representado pelos

seguintes órgãos: Ministério da Previdência Social; Casa Civil da Presidência da República; Ministério

do Trabalho e Emprego; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Ministério da

Fazenda; Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; e Secretaria Especial de

Políticas para as Mulheres, da Presidência da República. Dos trabalhadores ativos, aposentados e

pensionistas, representados pelos seguintes órgãos: Central Autônoma de Trabalhadores - CAT;

Central Geral dos Trabalhadores - CGT; Central Geral de Trabalhadores do Brasil - CGTB; Central

Única dos Trabalhadores – CUT; Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos -

COBAP. Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG; Força Sindical - FS;

Nova Central Sindical de Trabalhadores - NCST; e Social Democracia Social – SDS. Dos

empregadores, representados pelos seguintes órgãos: Confederação Nacional da Agricultura e

Pecuária do Brasil - CNA; Confederação Nacional do Comércio – CNC; Confederação Nacional das

Instituições Financeiras - CNF; Confederação Nacional da Indústria - CNI; e Confederação Nacional

do Transporte - CNT.

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trabalhadores, que teriam que permanecer, ainda mais tempo em atividade,

perdendo muitas de suas conquistas.

Esse período passou. Contudo, como ficar tranqüilo se pensarmos nas

inúmeras restrições anteriores, que foram concretizadas nos direitos previdenciários,

com objetivos semelhantes? Recentemente a mídia voltou a abordar a necessidade

de uma nova contrarreforma da Previdência Social. Contudo, como estamos às

vésperas de uma eleição presidencial sabemos que essa discussão ficará adiada,

pelo menos até o próximo Governo. Não há como não temer a proposição de novas

mudanças na Previdência pelo novo governante.

Embora não saibamos quando uma nova contrarreforma será proposta pelos

nossos governantes, precisamos ficar atentos, pois, cedo ou tarde, ela poderá surgir,

para mais uma vez atender os interesses dos organismos internacionais,

ameaçando concretamente os direitos previdenciários, visto que, na conjuntura atual

tem permanecido a lógica de corte de direitos para resolução de problemas

financeiros. Na opinião de Benedito Marcílio, ―não se vê intenção de corrigir

distorções como as aposentadorias que estão defasadas, tampouco a revogação de

critérios perversos como o fator previdenciário, nem de corrigir os proventos dos

aposentados de maneira uniforme‖ (apud ANFIP, 2007, p. 9).

Neste sentido, é essencial que os trabalhadores, tanto do setor privado,

quanto do setor público e também os aposentados e pensionistas se mobilizem em

movimentos de pressão ao Estado para que tais propostas restritivas não sejam

propostas pelo Governo e se forem, não sejam aprovadas pelo Congresso Nacional.

Os desafios são muitos para as classes trabalhadoras. Desafios de romper

com 20 anos de neoliberalismo que impactaram, não somente, as políticas sociais e,

consequentemente, os direitos sociais, mas também contribuíram para um

verdadeiro descenso dos movimentos sociais e sindicais, perdendo muito do seu

caráter reivindicativo e propositivo, especialmente com a chegada de Lula à

Presidência da República. Segundo Boschetti e Behring nos apontaram, em 2003,

mas que ainda é muito atual, indispensável e urgente é a

[...] defesa dos direitos, nas ruas, fazendo passeatas e mobilizações, posicionando-nos na imprensa de forma articulada. Outro caminho é o da construção de canais setoriais de diálogo, fortalecendo os segmentos comprometidos que lá estão, e tensionando o Governo, no sentido de uma efetiva reforma democrática, da qual é elemento fundamental a implementação das políticas de seguridade social, a partir de seus

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princípios constitutivos e com ampliação de direitos (2003, p. 20).

Tal desafio é sobremaneira grandioso para CUT que a partir da década de

1990 passou a agir de modo mais propositivo e cada vez menos combativo. Como

analisamos anteriormente, as ações não tem conseguido atender sequer os

interesses imediatos – exceto uns poucos.

De fato com a mudança de direcionamento da CUT nos anos 1990, de

combativa à participativa e propositiva, ela passou a se pronunciar sobre temas que

estavam sendo colocados na ordem do dia pelo Governo.

Um bom exemplo disso foram as tentativas de inserirem nas contrarreformas

da Previdência propostas que representassem os interesses das classes

trabalhadoras. Nesse período a CUT tratou de enviar ao Congresso e à Câmara

Nacional discussões e propostas de dispositivos para serem considerados no

processo de contrarreforma, porém, salvo poucas exceções, não somaram a essa

ação uma atuação mais combativa e reivindicativa que viesse a derrubar a própria

contrarreforma e/ou que pressionasse para o atendimento dos interesses reais dos

trabalhadores.

Segundo Boito Jr. (2005, p. 100)

A CUT apresenta suas posições como se as classes populares integrassem o bloco no poder. Às vezes apresenta ao governo propostas visivelmente inaceitáveis para as classes representadas pela equipe governamental, como é o caso da proposta cutista de reforma da Previdência Social. Alimenta, assim, ilusões quanto à natureza de classe do governo e desvia o movimento sindical da luta contra a política neoliberal. Porém, nas propostas da CUT o que tem predominado é o ‗realismo político‘: procura-se elaborar propostas que possam, no entender da corrente Articulação Sindical, ser assimiladas pelo bloco no poder. É a lógica dos fóruns tripartites: ela pressiona na direção de uma discussão ‗realista‘ e produtiva com o governo e com os grandes capitalistas.

Foi nessa lógica que a CUT enviou suas propostas para serem analisadas

pelos governantes. Elaboraram propostas que pudessem, aparentemente, ser

aceitas pelo Governo, dentro do possível, contudo, poucas foram suas ações além

delas.

Apesar de Boito Jr. ser incisivo na contrariedade das ações baseadas na

formulação de propostas que enfatizam o caráter propositivo da CUT. Acreditamos e

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defendemos aqui que as contrapropostas60 seriam pertinentes se além delas

somassem-se movimentos mais amplos de combate à retirada de direitos.

Movimentos que pressionassem a derrubada das contrarreformas previdenciárias ou

mesmo pela inserção de proposições, que no mínimo, refletissem as necessidades

históricas dos trabalhadores.

Constituiu-se, também, num grande desafio para CUT, que muitas vezes

obstacularizou suas ações, as divergências de posicionamento existentes em seu

interior. Diferenças essas, que enfraquecem a luta e dividem os trabalhadores entre

segmentos a favor ou não do governo e, principalmente segmenta os setores que

compõem a Central, especialmente entre o público e o privado. Isso sem falar na

não inserção nas reivindicações dos trabalhadores temporariamente fora do

mercado do trabalho, os desempregados, ou de quaisquer outros segmentos não

filiados à Central. Agindo assim, as lutas perdem o propósito de beneficiar as

classes trabalhadoras, para tratar de interesses que beneficiam apenas algumas

categorias.

Além do que, de modo mais amplo, as ações da CUT não tem extrapolado

os limites das lutas imediatas por direitos, apesar de seus fundamentos, presente

em seu Estatuto desde sua criação no Artigo 2º, sejam:

O compromisso com a defesa dos interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora, a luta por melhores condições de vida e trabalho e o engajamento no processo de transformação da sociedade brasileira em direção à democracia e ao socialismo.

Nesse sentido, as ações da CUT têm englobado, simplesmente, as lutas

pelos diversos direitos sociais e trabalhistas, enquanto que os interesses históricos

das classes trabalhadoras e as lutas pela constituição de uma nova ordem societária

foram relegados a segundo plano. Nesse momento podemos até recordar as

palavras de Marx (2008) quando afirmou que o movimento operário de sua época

estava lutando simplesmente por aumento de salários e pela redução da jornada de

trabalho, exagerando aos seus olhos os resultados finais dessas lutas diárias, ao

fazê-lo o movimento esquecia-se que lutava, apenas contra os efeitos e não contra

60

Um exemplo de contrapropostas que defendem os interesses dos principais interessados foram as contrapropostas da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES) para realização de uma reforma universitária que ampliasse e garantisse direitos e não o contrário.

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as causas desses efeitos, aplicando medidas paliativas, mas não curando a

enfermidade. É isso que acontece quando as lutas por direitos sociais tornam-se o

fim último para as classes trabalhadoras.

Ressaltamos que, ainda que as reivindicações em torno dos direitos sejam

importantes, não devem configurar-se como um fim em si mesmo. Como abordou

muito bem Tonet (2000, p. 01)

A luta pelos chamados Direitos Humanos só adquire seu pleno e mais progressista sentido se tiver como fim último a extinção dos próprios diretos humanos. Portanto, não se estiver voltada para o aperfeiçoamento da cidadania e da democracia, mas para a superação radical da ordem social capitalista, da qual as dimensões jurídica e política – onde se encontram a cidadania e a democracia – são parte intimamente integrantes.

A tese de Tonet é importante e interessante quando relembramos que os

direitos só têm fundamento numa sociedade desigual e opressora, como a que

vivemos, na qual a maioria dos indivíduos não tem as mesmas oportunidades e

condições de vida, mas precisam de garantias externas a eles – Estado – para

terem um mínimo de bem estar e segurança. Assim, uma vez superada a

desigualdade social, os direitos não mais serão necessários porque se darão

naturalmente.

Onde algo efetivamente existe por força da natureza das coisas, não pode existir como direito. Por exemplo: onde todos podem apropriar-se da riqueza universal – porque ela existe em abundância e sob forma adequada a uma vida humana, historicamente falando, digna – esta apropriação já não necessita de nenhuma garantia jurídico-política. Deixa de existir o direito à propriedade para existir simplesmente o acesso natural à riqueza. O mesmo se dá em relação a todos os outros direitos (TONET, 2000, p. 13).

Apesar dessa perspectiva utilizada por esse autor, ele não dispensa ou

minimiza a luta dos trabalhadores por direitos. Mas, enfatiza que os trabalhadores

nessa sociedade precisam fazer uso desse meio, senão acabam cedendo espaço

para o capital, pois entende que os direitos conquistados

Se de um lado servem [...] para reprodução da sociabilidade capitalista, de outro lado, eles também possibilitam a defesa e a ampliação do espaço de realização do indivíduo [...]. De modo que a luta pelos Direitos Humanos, como pelo conjunto das objetivações democrático-cidadãs, não só é válida como pode ter um papel muito importante (TONET, 2000, p. 14).

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Entretanto, ao se empreender a luta por tais direitos é necessário que os

movimentos organizados não encarem tais conquistas como a essência das lutas. É

nessa armadilha que a CUT tem caído, pois tais lutas podem ter um caráter

revolucionário ou reformista.

Terá um caráter reformista e, portanto, contribuirá para reprodução desta ordem social e desumana se tiver como fim último o aperfeiçoamento da cidadania e democracia. Terá um caráter revolucionário se tiver clareza quanto aos seus limites e se estiver articulada com lutas clara e radicalmente anti-capitalistas (TONET, 2000, p. 14).

Infelizmente, nas lutas travadas nos últimos tempos pelas classes

trabalhadoras, especialmente pela CUT, tem predominado a primeira perspectiva, o

que tem limitado sua atuação. A CUT quando voltou sua atuação para as lutas

imediatas – por direitos – e esqueceu-se das lutas mais amplas pela superação da

ordem capitalista – não conseguiu suprimir a opressão, exploração e desigualdade

social. Esse aspecto foi agravado pelo fato de que não somente deixou-se de lutar

pela construção de uma nova ordem social, mas mesmo as lutas por direitos sociais

têm sido levantadas, tendo como base precípua a negociação entre desiguais

(trabalhadores, Estado, empregadores).

É importante não esquecer que o direcionamento presente na CUT hoje foi

fruto de uma opção política, e como toda opção, podem ser feitas mudanças. Para

tanto, o caminho é cheio de desafios que precisam ser superados para que essa

entidade volte a representar combativa e autonomamente os interesses das classes

que ousou um dia defender.

Entretanto, enquanto esse processo não é travado é essencial que se

construam espaços e movimentos – como já tem sidos criados – que não se calem

diante das ameaças e que representem legitimamente os interesses das classes

trabalhadoras, lutando pela ampliação e consolidação dos direitos e pela

transformação dessa sociedade desigual e injusta.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo precípuo analisar o contexto

sociopolítico e a luta do Movimento Sindical brasileiro nas conquistas e desmontes

dos direitos previdenciários, enfocando as lutas travadas pela Central Única dos

Trabalhadores (CUT) nesse processo, como representante das classes

trabalhadoras, principalmente, identificando e analisando o posicionamento dessa

Central nas contrarreformas da Previdência efetivadas nos Governos FHC e Lula.

Quando a CUT foi criada em 1983 a grande gama dos direitos

previdenciários que formam esse sistema hoje já haviam sido criadas. Entretanto,

tais direitos, foram resultantes de um intenso e constante processo de luta travado

pelas classes trabalhadoras.

A intervenção do Estado criando sistemas de proteção, bem como a

organização das classes trabalhadoras e ampliação dos direitos sociais foi em

grande medida determinada pelo desenvolvimento e crises cíclicas pelas quais

passaram o modo de produção capitalista e, também, por acontecimentos que

tiveram influências internacionais.

No Brasil, a criação de um sistema de proteção social tornou-se mais

eminente a partir dos anos 1930, contudo, a Previdência Social tem sua lei marco no

ano de 1923. A partir de então muitos foram os avanços e extensão dessa política

aos trabalhadores. Foi somente na década de 1990 com a adesão do Governo

brasileiro ao padrão ideopolítico neoliberal, já presente em muitos outros países

desenvolvidos desde a década de 1970, que esse quadro começou a mudar.

As conquistas tão recentemente adquiridas com o fim da Ditadura Militar e o

início da redemocratização do país marcadas pela Promulgação da Constituição

Federal de 1988, que garantiu dentre os seus dispositivos diversos direitos sociais,

que até então não haviam recebido clara atenção foram sendo paulatinamente

desconstruídos com o avanço das políticas neoliberais no país.

A ofensiva neoliberal trouxe sérias inflexões tanto sobre o Estado –

mudando seu papel, repassando muitas de suas responsabilidades e diminuindo ou

ampliando sua atuação onde fosse mais vantajoso para o capital – quanto sobre a

organização e lutas das classes trabalhadoras, especialmente, dos movimentos

sindicais que nesse período sofreram uma inflexão, não enfrentando

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combativamente as ações neoliberais como fizeram nas décadas anteriores. Assim,

os trabalhadores foram os maiores prejudicados com essas mudanças de cunho

neoliberal.

Nesse período com base no paradigma neoliberal foi iniciada a

contrarreforma no Estado brasileiro principiada no Governo Collor, mas levada

avante, principalmente no Governo FHC, o qual instituiu nesse período um Ministério

de Administração e Reforma do Estado (MARE) que elaborou um Plano de Diretor

de Reforma do Estado (PDRE) seguindo as diretrizes dos organismos

internacionais. O Governo Lula também deu sequência a esse processo de

contrarreforma neoliberal em suas ações políticas e sociais.

Diversas foram as conseqüências dessa contrarreforma do Estado, dentre

elas podemos destacar: desmonte da Seguridade Social e das demais políticas

sociais, mudanças no mercado de trabalho (desemprego, informalidade, sub-

contratação) e privatização de amplos setores antes administrados por órgãos

públicos. Tais inflexões acabam prejudicando a garantia de proteção social,

sobremaneira da Previdência Social.

Neste sentido, os Governos de FHC e Lula com base na superação de um

suposto déficit previdenciário proporam duas contrarreformas na Previdência, em

seus respectivos Governos. Ambas essas propostas tinham como objetivo resolver

problemas fiscais e tributários através da efetivação de diversas restrições e perdas

nos direitos previdenciários, tendo em vista que o sistema previdenciário é um dos

que mais arrecadam em nosso país. Em nenhum momento pensou-se em resolver

os reais problemas que causam o desequilíbrio nas contas da Seguridade Social.

Desse modo, tais mudanças atingiram duramente os direitos dos

trabalhadores, tanto setor público, quanto do setor privado. E causou até mesmo

uma divisão nas lutas dos trabalhadores, tendo em vista que cada uma dessas

contrarreformas centralizou suas ações em um setor específico.

A primeira delas aprovada em 1998 no Governo FHC trouxe muitas

alterações para os direitos previdenciários. As principais mudanças foram: no RGPS,

substituição da aposentadoria por tempo de serviço pela aposentadoria por tempo

de contribuição; mudança na forma de cálculo dos benefícios; instituição de um teto

para os benefícios; para os funcionários ativos passaria a haver uma idade mínima

para a aposentadoria — de 53 anos para os homens e 48 para as mulheres —

complementada através de regra de transição baseada em ―pedágios‖ sobre o

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tempo faltante para a aposentadoria por tempo de contribuição integral e

proporcional; e os que ainda ingressariam no sistema passariam a estar sujeitos a

uma idade mínima para aposentadoria por tempo de contribuição — de 60 anos para

os homens e 55 para as mulheres — mantida a redução de cinco anos no caso dos

professores de primeiro e segundo graus, prevista na Constituição. Posteriormente e

como parte dessa contrarreforma foi instituído o Fator Previdenciário, que achata o

valor dos benefícios.

A contrarreforma efetivada em 2003 no Governo Lula e ampliada em 2005

através da aprovação de nova Emenda Constitucional atingiu primordialmente os

servidores públicos. As principais alterações foram: taxação dos rendimentos dos

inativos em 11% do valor excedente ao teto do INSS; fixação de um teto igual ao do

INSS para as futuras aposentadorias daqueles que vierem a ingressar no setor

público após a aprovação da emenda e que trabalharem em entidades que tiverem

instituído previdência complementar; antecipação imediata de idade mínima de 60

anos para os homens e 55 para as mulheres, mantida a redução de cinco anos para

os professores de primeiro e segundo graus, para recebimento da aposentadoria

integral; modificação da fórmula de cálculo do benefício em moldes similares ao que

ocorre no INSS e não mais com base no salário de final de carreira; definição de um

teto para o valor das aposentadorias, limitado ao máximo salário de cada Poder em

cada uma das instâncias da federação; e elevou o teto do RGPS.

Os impactos trazidos por essas contrarreformas foram bastante amplos, no

que concerne às restrições e perdas de direitos contidos na Constituição Federal de

1988 para os trabalhadores, de modo geral, tanto do setor público quanto do setor

privado e principalmente para os primeiros.

Dessa forma, ambas as contrarreformas da Previdência Social com o

enfoque neoliberal, de um lado diminuíram os gastos da previdência pública,

restringindo os direitos previdenciários conquistados pelas lutas das classes

trabalhadoras e dificultando o seu acesso e, de outro, incentivou a privatização

dessa política bem como a adesão dos trabalhos a esses planos privados. Nesse

contexto, os principais prejudicados foram os trabalhadores, que vem o resultado

quando vão requer algum benefício.

No período de discussão para aprovação dessas contrarreformas da

Previdência, muitas entidades – representantes tanto do capital quanto das classes

trabalhadoras – apresentaram propostas a serem negociadas. A grande maioria

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delas foram favoráveis às restrições nos direitos previdenciários e à privatização,

mesmo entre as entidades do Movimento Sindical.

Não havia dúvidas de que tendo sido os direitos previdenciários conquistas

das lutas das classes trabalhadoras através de suas reivindicações e lutas

historicamente, era principalmente esse setor que deveria ser contra as medidas

neoliberais combatendo sua aprovação. Entretanto, a ação do movimento dos

trabalhadores que foram imprescindíveis na construção dos direitos previdenciários

viu-se no contexto neoliberal mais negociativa e moderada e não tão combativa. Tal

refluxo facilitou a conjuntura de desmonte desses direitos.

A CUT uma das Centrais Sindicais representantes das classes trabalhadoras

e que foi bastante atuante e combativa desde sua criação em 1983 e durante quase

toda a década de 1980, assim como o conjunto das classes trabalhadoras, também,

sofreu inflexões com a ofensiva neoliberal no Brasil, mudando seu direcionamento

ideopolítico, principalmente a partir da década de 1990: de combativa e defensiva à

negociativa e propositiva. Essa inflexão determinou fundamentalmente a forma como

se posicionou durante o debate para concretização das contrarreformas da

previdência Social nos dois Governos.

O posicionamento da CUT nos Governos FHC e Lula deu-se de modo

distinto. No primeiro, a CUT representou a oposição a FHC e suas políticas

neoliberais. Ele era de direita e a CUT representava a esquerda, mostrando desde o

início do mandato desse governante em um documento e em suas ações sua

contrariedade nas políticas neoliberais.

Entretanto, como a CUT nunca foi uma entidade homogênea, sob a direção

de Vicentinho houve amplo debate se deveria ou não negociar com o Governo

propostas para contrarreformar a Previdência. Como as divergências permaneceram

a CUT saiu da mesa das negociações e empreendeu, conforme mostra os registros

diversas ações – campanhas, greve, atos públicos, reuniões – contra as mudanças

na Previdência, apesar das lutas por essa política nunca ter sido priorizada.

Além das ações que foram empreendidas, algumas proposições, também

foram gestadas: um tratamento igualitário entre trabalhadores do setor público e do

setor privado; combate à sonegação e a realização de uma auditoria nas contas da

Previdência; ampliação do teto de benefícios para vinte salários mínimos; e a

adoção de uma política de equilíbrio entre o número de ativos e inativos.

Apesar das ações realizadas as divergências no interior da CUT e também a

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não incorporação nas discussões de setores não vinculados à Central, como os

desempregados e trabalhadores do setor informal, fizeram com que as

reivindicações não tenham tido grande êxito em vetar a provação dessa

contrarreforma.

Nas discussões para realizar mudanças na Previdência no Governo Lula a

CUT, apesar de não haver homogeneidade, mostrou-se substancialmente atrelada

ao Governo seja pelos vínculos que possuía com o Presidente do País – apoiado

claramente por ela – seja pela proximidade com o PT. Se no Governo FHC, vacilou

na tentativa de negociar, mas voltou a empreender ações mais combativas, ainda

que moderadas, no Governo Lula, a CUT não demonstrou-se, em nenhum momento

contrária à contrarreforma da Previdência, muito pelo contrário, apoiou

consistentemente sua participação nas negociações. Nesse período, conforme os

documentos analisados não foi realizado nenhuma ação pela CUT em confronto às

propostas apresentadas nas discussões. A atuação da Central nesse Governo ficou

restrita à apresentação de propostas que desejavam que fossem inseridas nas

mudanças.

Aliás, algumas dessas propostas são absolutamente questionáveis. Se por

um lado foi contra a contribuição dos aposentados e pensionistas e defendeu o

direito adquirido, Por outro lado, propôs, também, a criação de fundos de pensão

para complementação da renda dos servidores e concordou com as mudanças no

RPPS, desde que elas fossem progressivas.

As principais propostas enviadas pela CUT ao Congresso Nacional foram:

abertura para participação da CUT nas discussões sobre a contrarreforma da

Previdência; proposição de um Teto dos benefícios previdenciários de vinte salários

mínimos; criação de entidades fechadas de Previdência Complementar para os

trabalhadores que ingressarem no serviço público pós aprovação da contrarreforma;

manutenção das regras em vigor desde 1998 para idade mínima exigida para

aposentadoria e, também, para os critérios de cálculo do valor das aposentadorias e

pensões; defendeu a paridade entre ativos e inativos, com algumas ressalvas; foi

contrária a contribuição de aposentados e pensionistas; defendeu a regulamentação

das atividades especiais no setor público e da aposentadoria especial devida a

desgaste físico e mental; propôs o estabelecimento de mecanismo de proteção para

as aposentadorias do INSS e a gestão democrática e paritária para todos os regimes

previdenciários; e defendeu o seguro de acidente de trabalho público, combate à

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sonegação e ampliação dos direitos dos trabalhadores rurais.

Portanto, se a CUT agiu de forma moderada no período da contrarreforma

da Previdência no governo FHC. No governo Lula ela foi eminentemente, com

poucas exceções, negociativa e propositiva. Na primeira, a CUT ainda conseguiu

manter e realizar diversas ações reivindicativas contrárias à contrarreforma que tinha

o cunho notadamente neoliberal. Na segunda não intentou derrubar a contrarreforma

e não se falou que as mudanças propostas pelo Governo Lula eram neoliberais e

davam continuidade ao processo de contrarreforma iniciado por FHC, apenas

considerava que alguns dispositivos precisavam ser alterados para melhor

contemplar os interesses dos trabalhadores.

A diferença de posicionamento da CUT e de outras entidades a essa

contrarreforma é nítida quando analisamos que FHC demorou quase três anos para

ter a aprovação da contrarreforma da Previdência e esta tinha mudado bastante do

seu projeto original. Enquanto Lula conseguiu aprovar sua proposta em praticamente

oito meses apenas, depois de sua posse.

A CUT não conseguiu travar a aprovação dessas contrarreformas, nem se

mostrou consistentemente contrária às mudanças na Previdência e a favor dos

interesses dos trabalhadores. No Governo FHC foi mais contraposta à

contrarreforma e no Governo Lula agiu, praticamente, de modo consensual ao

Governo. É necessário despertar que novos debates continuam sendo realizados

para realização de novos ―cortes‖ nos direitos previdenciários e não podemos

esperar de braços cruzados a aprovação de mais uma contrarreforma e

conseqüente negação de direitos.

Esse é o momento das classes trabalhadoras – como um todo – combinar

resistência e contraproposições, inteirando-se das discussões que estiverem sendo

realizadas para aprovação de uma nova contrarreforma previdenciária. Participando

desse processo no sentido da mobilização pela garantia dos direitos previdenciários

e propondo, sim, uma reforma, no sentido real do termo, que amplie e garanta

direitos, que atenda os interesses históricos das classes trabalhadoras nesse

governo ou em qualquer outro que tenha o objetivo de restringi-los.

Esperamos, ainda, que a realização desse estudo possa suscitar o interesse

da realização de outras pesquisas que aprofundem a temática em questão, talvez,

abrangendo um maior número de entidades que representem as classes

trabalhadoras, analisando a existência de contrapropostas de entidades que

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representem os interesses históricos dos trabalhadores ou investigações que

analisem a organização das classes trabalhadoras diante do desmonte dos direitos

sociais conquistados.

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ANEXO A

CRONOLOGIA DAS LUTAS 1981 – 2003

Escrito por CUT Nacional

24/03/2009

APRESENTAÇÃO

Nesta publicação apresentamos uma cronologia das principais lutas e mobilizações de âmbito nacional organizadas pela Comissão Nacional Pró-CUT e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) com a participação de entidades dos movimentos democrático, sindical e popular. A sua apresentação tem um objetivo apenas referencial, sendo que o aprofundamento das pesquisas pode ser feito no Centro de Documentação e Memória Sindical da CUT. 1981 1ª CONFERÊNCIA NACIONAL DAS CLASSES TRABALHADORAS (CONCLAT) SURGE A COMISSÃO NACIONAL PRÓ-CUT - 21 A 23 DE AGOSTO DE 1981 A 1ª CONCLAT, realizada nos dias 21, 22 e 23 de agosto de 1981, em Praia Grande, Estado de São Paulo, reuniu 5.036 delegados, representando 1.091 entidades sindicais, sendo a primeira grande reunião intersindical no Brasil desde 1964. Os temas discutidos na conferência foram: direito ao trabalho, sindicalismo, saúde e previdência social, política salarial, política econômica, política agrária e problemas nacionais. Os delegados aprovaram no plano de ação a convocação do dia nacional de luta para 1.º de outubro e a indicação de uma greve geral. A CONCLAT deliberou pela criação da Comissão Nacional Pró-Central Única dos Trabalhadores (Pró-CUT). DIA NACIONAL DE LUTA (1º DE OUTUBRO DE 1981) Primeira grande manifestação nacional convocada pela Comissão Nacional Pró-CUT. O manifesto entregue ao governo militar, em Brasília, exigia o fim do desemprego, da carestia, reforma agrária, direito à moradia, liberdade e autonomia sindical, e liberdades democráticas. Ocorreram manifestações em vários Estados e cidades, com maior expressão na cidade do Rio de Janeiro, no Largo da Carioca, e em São Paulo, na Praça da Sé. Cada uma reuniu em torno de cinco mil pessoas. 1982 PROTESTO CONTRA O PACOTE DA PREVIDÊNCIA (02 DE JUNHO DE 1982) Grande manifestação em Brasília convocada pela Comissão Nacional Pró-CUT, 388 entidades sindicais e quatro confederações nacionais de trabalhadores contra o Decreto-Lei 1.910, sobre a Previdência Social. As mobilizações se estenderam até o dia 16 de junho, data na qual o projeto foi votado na Câmara Federal.

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1983

GREVE GERAL (21 DE JULHO DE 1983) A greve geral contra o arrocho salarial foi organizada pela Comissão Nacional Pró-CUT e paralisou em todo o Brasil aproximadamente três milhões de trabalhadores de importantes categorias, como: metalúrgicos, bancários, metroviários, comerciários, servidores públicos etc. Ocorreram manifestações nas principais capitais e regiões metropolitanas, com passeatas, arrastões e piquetes. O governo militar reprimiu duramente o movimento, intervindo em sindicatos, cassando dirigentes e prendendo trabalhadores. 1º CONGRESSO NACIONAL DA CLASSE TRABALHADORA NASCE A CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES (CUT) 26 A 28 DE AGOSTO DE 1983 O congresso foi convocado pelo setor combativo da Comissão Nacional Pró-CUT e aconteceu em São Bernardo do Campo, Estado de São Paulo. Mais de cinco mil delegados de todo o país exigiram o fim da Lei de Segurança Nacional e Eleições Diretas para presidente da república. Os delegados aprovaram o combate às políticas econômica e salarial do governo, a luta contra o desemprego, pela reforma agrária, em defesa da liberdade e autonomia sindical, com o fim das intervenções nos sindicatos. No dia 28 de agosto nasceu a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e foi eleita a direção nacional colegiada, tendo como coordenador-geral o metalúrgico Jair Meneguelli. 1984

PLENÁRIA NACIONAL DA CUT - LUTA PELAS DIRETAS JÁ! (18 DE MAIO DE 1984) A Plenária Nacional aconteceu na cidade de São Paulo e reuniu delegações de 18 Estados. Os delegados fizeram um balanço da atuação e do crescimento da CUT. A Plenária reafirmou a posição de exigir o boicote dos parlamentares ao Colégio Eleitoral e definiu o dia 25 de maio como o Dia Nacional de Luta e Greve Geral, como forma de retomar a luta pelas Diretas Já para presidente da república. 1º CONGRESSO NACIONAL DA CUT 24 A 26 DE AGOSTO DE 1984 Realizado em São Bernardo do Campo, Estado de São Paulo, com a presença de 5.222 delegados de todo o Brasil. O Concut, como passou a ser chamado, avaliou o primeiro ano de implantação da CUT e a situação econômica e social do país. Suas principais resoluções foram: organização de uma campanha nacional de luta em torno das reivindicações imediatas, a luta pelas Diretas Já e a definição da greve geral como principal instrumento de luta dos trabalhadores. Eleita a direção nacional da CUT, tendo como primeiro presidente Jair Meneguelli.

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MARCHA À BRASÍLIA POR DIRETAS JÁ - 10 DE OUTUBRO DE 1984 A marcha foi organizada pela CUT e agregou outras reivindicações: reforma agrária, salário-desemprego, reajuste trimestral e contra o Decreto-Lei 2.065 que arrochava os salários. Os trabalhadores manifestaram-se no Congresso Nacional e entregaram aos deputados um projeto de redução de jornada de trabalho para 40 horas semanais. A marcha também serviu para o lançamento da "Campanha Nacional de Luta" pelas 40 horas semanais de trabalho sem redução de salário. 1985 PLENÁRIA NACIONAL DA CUT (13 A 15 DE DEZEMBRO DE 1985) A plenária aconteceu em São Bernardo do Campo, Estado de São Paulo, e reuniu 232 delegados que aprovaram a realização de uma campanha nacional de lutas e, entre outras reivindicações, exigiram: convocação de uma Constituinte livre e soberana, e reforma agrária. Os delegados também aprovaram um modelo de organização sindical baseado na Convenção 87 da OIT, que seria encaminhado para discussão no 2º Concut. 1986

2º CONGRESSO NACIONAL DA CUT - 01 A 03 DE AGOSTO DE 1986 O 2º Concut, na cidade do Rio de Janeiro, reuniu 5.564 delegados que discutiram a conjuntura econômica e política do país, o projeto de uma nova estrutura sindical e mudanças no estatuto da CUT. As principais resoluções foram a luta pela recuperação das perdas salariais impostas pelo Plano Cruzado, redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução de salário, direito de greve, reforma agrária e participação popular na Constituinte. Jair Meneguelli foi reeleito presidente da CUT. GREVE GERAL (12 DE DEZEMBRO DE 1986) A greve geral foi convocada pela CUT e CGT (Central Geral dos Trabalhadores) em defesa do salário, pelo congelamento geral dos preços, em defesa das estatais, contra o Plano Cruzado e o pagamento da dívida externa. Contou com a adesão de 25 milhões de trabalhadores que realizaram manifestações por todo o país, em algumas regiões, como no ABC paulista, a paralisação foi total. 1987 PLENÁRIA NACIONAL DA CUT (05 A 07 DE JUNHO DE 1987) A Plenária, em São Bernardo do Campo, Estado de São Paulo, reuniu 227 delegados, que aprovaram a deflagração de uma Jornada Nacional de Lutas como preparação à greve geral e a intensificação da coleta de assinaturas de apoio às propostas populares de emendas à Constituição.

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GREVE GERAL (20 DE AGOSTO DE 1987) A greve geral, organizada pela CUT e CGT, protestava contra o Plano Bresser que arrochava os salários. Milhões de trabalhadores, novamente, cruzaram os braços em todo o país. Em várias capitais e grandes cidades ocorreram manifestações. 1988 CAMPANHA NACIONAL PELA RECOMPOSIÇÃO DAS PERDAS SALARIAIS - 15 DE MARÇO DE 1988 A Campanha reivindicava reposição salarial, segundo a tabela do DIEESE, reajuste mensal de salários, jornada de 40 horas semanais, estabilidade com garantia no emprego, liberdade de organização no local de trabalho, contrato coletivo de trabalho e unificação das datas-base. No dia 15 de março, a CUT entregou pautas de reivindicações ao Governo Federal e aos governos estaduais e realizou manifestações em várias regiões do país. 3º CONGRESSO NACIONAL DA CUT (07 A 11 DE SETEMBRO DE 1988) O Congresso, em Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, reuniu 6.247 delegados, representando 1.143 entidades sindicais. Os delegados discutiram a conjuntura, concepção e prática sindical, questões organizativas e as tarefas da CUT para o próximo período, entre estas a disposição de diálogo com o governo e empresários a partir da apresentação das reivindicações dos trabalhadores na forma de um Contrato Coletivo de Trabalho Nacional. Foi o maior encontro sindical ocorrido no Brasil em todos os tempos. Jair Meneguelli foi novamente reeleito presidente da Central. DIA NACIONAL DE LUTA - 20 DE OUTUBRO DE 1988 Nesse dia, representantes da Direção Nacional da CUT entregaram aos empresários uma minuta de contrato coletivo de trabalho e a pauta de reivindicações aprovadas no 3º CONCUT. Ao mesmo tempo sindicato e trabalhadores representados pela CUT se manifestaram em todo país em defesa de suas reivindicações, contra a política econômica do governo, a dívida externa e a violência no campo 1989 GREVE GERAL - 14 E 15 DE MARÇO DE 1989 A CUT e a CGT se uniram para a realização desta greve geral contra o plano econômico denominado Plano Verão, a recessão e o desemprego, pela recuperação das perdas salariais e reajuste mensal de salários de acordo com a inflação, além do congelamento real dos preços dos produtos de primeira necessidade. Cerca de 35 milhões de trabalhadores aderiram ao movimento com grandes manifestações nas capitais e regiões metropolitanas. PLENÁRIA NACIONAL DA CUT - 04 A 06 DE AGOSTO DE 1989

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A Plenária foi realizada em São Bernardo do Campo, Estado de São Paulo, com a presença de 202 delegados. Eles aprovaram um plano de lutas contra a inflação e a especulação financeira, em defesa dos salários, pela reforma agrária e o não pagamento da dívida externa. No plano de ação constava a preparação de uma nova greve geral e a unificação das campanhas salariais. 1990 GREVE NACIONAL DAS CATEGORIAS EM LUTA - 12 DE JUNHO DE 1990 Greve organizada pela CUT, Confederação Geral dos Trabalhadores e Central Geral dos Trabalhadores, que reivindicou reposição mensal da inflação e das perdas salariais, fim das demissões, contrato coletivo de trabalho, desapropriação das terras cadastradas no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), defesa dos serviços públicos e não pagamento da dívida externa. Manifestações em grandes cidades de diversos Estados. PLENÁRIA NACIONAL DA CUT - 17 A 19 DE AGOSTO DE 1990 A Plenária realizada em Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, contou com a participação de 168 delegados que aprovaram uma campanha em defesa dos salários, do emprego, do patrimônio público, da democracia e da reforma agrária. Como parte do plano de ação foi aprovada a realização de uma "Campanha Salarial Nacional Unificada" de todos os trabalhadores da base sindical da CUT e que deveria ser articulada com as lutas dos setores populares e democráticos da sociedade civil. DIA NACIONAL DE LUTA PELA SEGURIDADE SOCIAL - 07 DE NOVEMBRO DE 1990 A CUT, a Confederação Nacional de Associações de Moradores (CONAM), a Plenária Nacional da Saúde e diversas entidades da sociedade civil realizaram manifestações contra os vetos do presidente da república Fernando Collor à Lei Orgânica da Seguridade Social. Num corpo-a-corpo com os parlamentares no Congresso Nacional e nas suas bases eleitorais, sindicalistas reivindicaram o voto a favor dos direitos dos trabalhadores. 1991 DIA NACIONAL DE PROTESTO E LUTA - 15 DE MARÇO DE 1991 No dia em que o governo Collor completou um ano a CUT convocou os trabalhadores e a população em geral a se manifestarem com paralisações, passeatas, panelaços e grandes atos públicos. As principais palavras de ordem eram: chega de arrocho salarial, chega de miséria, chega de desemprego, construir a greve geral. JORNADA DE ABRIL CONTRA O GOVERNO COLLOR - ABRIL DE 1991 Em defesa dos salários, da previdência social, aposentadoria por tempo de serviço,

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saúde pública gratuita, defesa do serviço e ensino públicos e pela reforma agrária. Realização de assembléias em todas as instâncias da CUT, passeatas e atos públicos em todo o país, culminando em grandes manifestações populares no dia 1º de Maio. GREVE GERAL - 22 E 23 DE MAIO DE 1991 Convocada pela CUT, Confederação Geral dos Trabalhadores e Central Geral dos Trabalhadores, exigia reposição das perdas salariais, garantia de emprego, defesa dos serviços públicos, reforma agrária, fim do aumento abusivo nos preços dos aluguéis e prestações da casa própria e defesa da democracia. Várias categorias paralisaram suas atividades em todo o país, envolvendo cerca de 19,5 milhões de trabalhadores. 4º CONGRESSO NACIONAL DA CUT - 04 A 08 DE SETEMBRO DE 1991 O 4º Concut realizado na cidade de São Paulo reuniu 1.554 delegados. Eles aprovaram um plano de lutas de combate ao projeto neoliberal do governo Collor, contra o veto presidencial à política salarial e contra as privatizações das estatais. Também foram discutidos novos temas que afetavam o movimento sindical, como a integração regional, MERCOSUL e reestruturação produtiva. Mais uma vez, Jair Meneguelli foi reeleito à presidência da Central. 1992

DIA NACIONAL DE LUTA EM DEFESA DA PREVIDÊNCIA - 21 DE FEVEREIRO DE 1992 Em todo o Brasil ocorreram atos públicos e várias formas de mobilizações e protestos. Os trabalhadores aposentados também organizaram o "Dia Nacional de Lutas dos Aposentados em Defesa da Previdência Social" e pelo pagamento do reajuste de 147,06% expurgado pelo governo Fernando Collor. DIA NACIONAL DE PROTESTO - 13 DE MARÇO DE 1992 A Campanha Nacional Por uma Vida Melhor, com Liberdade e Democracia foi promovida pela CUT, partidos políticos e movimentos sociais e teve seu auge no dia 13 de março. Entre as reivindicações constavam salário e emprego para todos, defesa das estatais e do serviço público, reforma agrária, contra a violência e a corrupção, contra o FMI e o não pagamento da dívida externa. Ocorreram manifestações em todo o país, sendo que na cidade de São Paulo um ato público reuniu 10 mil pessoas. 5º PLENÁRIA NACIONAL DA CUT - 15 A 18 DE JULHO DE 1992 A Plenária na cidade de São Paulo reuniu 297 delegados que decidiram sobre temas polêmicos como a filiação da CUT à Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres (CIOSL), a participação da CUT nas Câmaras Setoriais, a substituição dos Departamentos da CUT por Federações/Confederações por ramos de atividades. Também aprovaram a realização da Campanha Nacional de Luta por

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salário, emprego e reforma agrária. Foram aprovadas as seguintes palavras de ordem: Basta de Corrupção! CPI prá valer! Impeachment já! Pelo Fim do Governo Collor! CAMPANHA PELO IMPEACHMENT DE COLLOR - MOVIMENTO PELA ÉTICA NA POLÍTICA - JUNHO - OUTUBRO DE 1992 A campanha nacional pelo impeachment do presidente Fernando Collor reuniu a CUT, partidos políticos e movimentos sociais. Todos pediam ética na política, voto aberto dos deputados federais no processo de impeachment e o fim da corrupção. As manifestações ocorreram nas principais cidades brasileiras, entre julho e outubro, reunindo milhares de pessoas. A campanha culminou com o afastamento de Fernando Collor da presidência da república. 1993 6ª PLENÁRIA NACIONAL DA CUT - 24 A 28 DE AGOSTO DE 1993 Ao completar 10 anos, a CUT realizou esta Plenária na cidade de São Paulo com a presença de 349 delegados. As principais resoluções foram a participação ativa na "Campanha contra a Fome e a Miséria", a confirmação da participação da CUT nas Câmaras Setoriais, o combate à revisão constitucional e a aprovação da cota mínima de 30% de mulheres nas instâncias de direção da Central. MOVIMENTO NACIONAL CONTRA A REVISÃO CONSTITUCIONAL - SETEMBRO - NOVEMBRO DE 1993 O movimento contra a reforma constitucional da Carta de 1988 foi organizado pela CUT, partidos políticos, movimentos sociais e outras centrais sindicais. Ocorreram manifestações, um plebiscito nacional e atos públicos contra a retirada dos direitos dos trabalhadores da Constituição. O dia 05 de outubro de 1993 foi marcado pela ocupação de Brasília por milhares de militantes. 1994 DIA NACIONAL DE PROTESTO CONTRA O PLANO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO 23 DE MARÇO DE 1994 Atendendo à convocação da CUT, milhares de trabalhadores foram às ruas em várias cidades, no dia 23 de março, para protestar contra o arrocho salarial provocado pelo plano de estabilização econômica do governo Itamar Franco e do seu ministro Fernando Henrique Cardoso (FHC), que instituiu a Unidade Real de Valor (URV). JORNADA NACIONAL DE LUTA - ABRIL - MAIO DE 1994 Este foi um período de intensa agitação contra o plano econômico do ministro Fernando Henrique Cardoso, contra as privatizações e a revisão constitucional. Os servidores públicos federais fizeram greve no mês de abril. No dia 11 de maio

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aconteceu um dia nacional de luta em defesa das reivindicações, com manifestações em todo o país. A CUT, a CONTAG, o MST e outros movimentos sociais organizaram, em maio, o 1º Grito da Terra Brasil contra a fome, a miséria, pelo emprego e reforma agrária. 5º CONGRESSO NACIONAL DA CUT - 19 A 22 DE MAIO DE 1994 Participaram do congresso, na cidade de São Paulo, 1.918 delegados que aprovaram a luta pela recuperação dos salários, pela redução da jornada de trabalho, por moradia, saúde e emprego dignos, reforma agrária e por um novo modelo econômico para o Brasil. O congresso também decidiu que a CUT deveria priorizar as lutas nas questões de gênero e política racial. O metalúrgico Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, foi eleito presidente da CUT. 1995 CAMPANHA NACIONAL CONTRA AS REFORMAS NEOLIBERAIS DE FHC - MARÇO - MAIO DE 1995 A campanha teve como um dos eixos principais à defesa da Previdência Pública. Nos dias 05 e 27 de abril aconteceram manifestações em todo o Brasil. O dia 1º de Maio refletiu a insatisfação popular contra as reformas neoliberais. No dia 03 de maio teve início à greve dos trabalhadores do setor público e das estatais, sobretudo dos petroleiros, com duração de 32 dias, considerada a principal luta de resistência à política de privatizações do Estado promovida pelo governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). 7ª PLENÁRIA NACIONAL DA CUT - ZUMBI DOS PALMARES - 30 DE AGOSTO A 02 DE SETEMBRO DE 1995 Nesta Plenária, realizada na cidade de São Paulo, a CUT e os 369 delegados homenagearam o líder negro Zumbi, que viveu no século XVII e comandou a resistência à escravidão no Nordeste brasileiro. Uma das principais resoluções tratou do Sistema Democrático de Relações do Trabalho, que pretendia modernizar a legislação sindical do país. Um momento importante foi o ato de filiação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) à CUT. 1996 GREVE NACIONAL PELA MANUTENÇÃO DOS DIREITOS - 21 DE JUNHO DE 1996 A greve nacional contra as políticas neoliberais de FHC foi deflagrada com sucesso em todo o país. Organizada pela CUT, CGT e Força Sindical, tinha como principais reivindicações: emprego, salário, aposentadoria digna, reforma agrária e manutenção dos direitos sociais dos trabalhadores. Aproximadamente 12 milhões de trabalhadores paralisaram os serviços em todo o Brasil. 8ª PLENÁRIA NACIONAL DA CUT – CANUDOS / 29 A 30 DE AGOSTO DE 1996

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Esta Plenária homenageou Canudos, movimento popular que aconteceu no Nordeste brasileiro nos últimos anos do século XIX. Os 371 participantes reunidos na cidade de São Paulo discutiram e aprovaram a realização da campanha "Reage Brasil - Contra as Políticas Neoliberais de FHC". A CUT apresentou aos movimentos sociais organizados a proposta de realização de uma Conferência Nacional em Defesa da Terra, do Emprego e da Cidadania. 1997

CAMPANHA REAGE BRASIL - CONTRA AS POLÍTICAS NEOLIBERAIS DE FHC - ABRIL - MAIO DE 1997 Entre os dias 2 e 4 de abril foi realizada em Brasília a Conferência Nacional em Defesa da Terra, do Emprego e da Cidadania, dando origem ao Fórum Nacional de Lutas. No dia 17 de abril aconteceu o Dia Nacional de Lutas, marcado por manifestações, paralisações e um grande ato em Brasília com mais de 50 mil pessoas. O 4º Grito da Terra Brasil, organizado pela CUT, CONTAG e outras entidades, também fez parte dessa campanha e teve como principais reivindicações o piso salarial para o trabalhador rural, política de assentamentos e desapropriações e o estabelecimento de uma política agrícola para os pequenos produtores. CAMPANHA ABRA O OLHO, BRASIL! - 25 DE JULHO DE 1997 Campanha por trabalho, terra, moradia, salário, previdência pública e justiça social e contra as reformas neoliberais de FHC. Ela foi organizada pela CUT, entidades sociais e partidos políticos de oposição. O auge da campanha foi nas comemorações do dia do trabalhador rural, 25 de julho, com atos públicos e passeatas em todo o país. 6º CONGRESSO NACIONAL DA CUT - 13 A 17 DE AGOSTO DE 1997 Os 2.266 delegados presentes no congresso realizado na cidade de São Paulo decidiram articular a luta contra a aprovação das reformas administrativa e previdenciária de FHC e impulsionar a luta contra o desemprego e pela redução da jornada de trabalho sem redução de salários. Mais uma vez a política econômica e neoliberal do governo FHC foi condenada. Os delegados decidiram, por aclamação, denominar o 6º Concut como Congresso Herbert de Souza, devido a todo o seu trabalho contra a fome, a miséria e o desemprego. Vicentinho foi novamente conduzido à presidência da CUT. CARAVANA NACIONAL EM DEFESA DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES - 06 A 12 DE NOVEMBRO DE 1997 Passando por mais de 300 cidades em todo território nacional, a caravana em defesa dos direitos dos trabalhadores, em especial da Previdência Pública, terminou em Brasília com uma grande carreata que percorreu vários órgãos do governo, incluindo o Palácio do Planalto e os Ministérios. ENCONTRO POPULAR CONTRA O NEOLIBERALISMO, POR TERRA, TRABALHO E CIDADANIA - 06 DE DEZEMBRO DE 1997

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Convidados pela CUT, entidades populares, partidos políticos de oposição e outros setores organizados da sociedade, cerca de quatro mil delegados de todos os estados brasileiros participaram deste encontro, em São Paulo, para organizarem as lutas contra as políticas neoliberais de FHC. Foi aprovado o Manifesto por Trabalho, Terra e Cidadania e as entidades presentes constituíram uma Coordenação Permanente para o Fórum Nacional de Lutas. 1998 JORNADA NACIONAL DE LUTAS POR EMPREGO E DIREITOS SOCIAIS - MARÇO A SETEMBRO DE 1998 Durante esta longa Jornada, a CUT e as demais entidades do Fórum Nacional de Lutas concentraram seus esforços na luta contra o desemprego. Foram constituídos Fóruns Estaduais de Luta, organizadas caravanas para Brasília, montados acampamentos e também foi criado um sistema para cadastramento dos desempregados. O auge das manifestações aconteceu no mês de maio: dia 1º houve o lançamento das caravanas, no dia 13 teve início o acampamento organizado pelo movimento negro em Brasília, e no dia 20 aconteceu um grande ato público, também no Distrito Federal. MARATONA NACIONAL CONTRA O PACOTE E PELO EMPREGO - DIA 13 DE NOVEMBRO DE 1998 A CUT e as demais entidades do Fórum Nacional de Lutas promoveram, em todo o Brasil, atos públicos, passeatas, reuniões e panfletagens em repúdio ao Pacote Fiscal do governo FHC e em defesa do emprego e dos trabalhadores. 1999 DIA NACIONAL DE LUTA EM DEFESA DO BRASIL - 26 DE MARÇO DE 1999 O Dia Nacional de Luta organizado pela CUT e Fórum Nacional de Lutas contra a política econômica de FHC reuniu mais de 100 mil pessoas em manifestações em todo o território nacional. As reivindicações: basta de FHC e do FMI, em defesa do emprego, dos salários e pela valorização do salário-mínimo, em defesa da terra, pela efetiva reforma agrária, serviram para mobilizar a convocação do dia 1º de Maio em todo o país. 9ª PLENÁRIA NACIONAL DA CUT - SANTO DIAS - 17 A 20 DE AGOSTO DE 1999 A 9ª Plenária Nacional da CUT homenageou o metalúrgico Santo Dias, assassinado durante uma greve em São Paulo no ano de 1979. Os 454 delegados reunidos na cidade de São Paulo aprovaram a organização de uma série de mobilizações, entre elas a Marcha dos 100 mil sobre Brasília. Também aprovaram a mobilização contra a guerra fiscal, um dia nacional de paralisação e o repúdio à implantação da Área de Livre Comércio das Américas, a ALCA. MARCHA DOS 100 MIL SOBRE BRASÍLIA - 26 DE AGOSTO DE 1999

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A Marcha dos Cem Mil foi à principal manifestação, movida até então, contra a política neoliberal de FHC. A CUT e as entidades do Fórum Nacional de Lutas entregaram ao presidente da Câmara dos Deputados um abaixo-assinado com um milhão e trezentas mil assinaturas exigindo o enquadramento de FHC em crime de responsabilidade e a abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional para investigar a privatização do Sistema Telebrás. Também era exigida a mudança da política econômica com a retomada do crescimento, empregos e melhores salários, a redução da jornada para 40 horas semanais e a reforma agrária. DIA NACIONAL DE PARALISAÇÃO E PROTESTO EM DEFESA DO EMPREGO E DO BRASIL - 10 DE NOVEMBRO DE 1999 Este dia nacional de luta, convocado pela CUT e pelo Fórum Nacional de Lutas, contou com a participação de aproximadamente 1,5 milhões de trabalhadores que se manifestaram em todo o país. As principais reivindicações eram: contra FHC e sua política econômica, por emprego, redução da jornada de trabalho sem redução de salário, saúde e educação de qualidade, reforma agrária, aposentadoria integral para todos, investimento nas áreas sociais e pelo não pagamento da dívida externa. 2000

JORNADA EM DEFESA DO BRASIL - ABRIL DE 2000 A CUT e o Fórum Nacional de Lutas desencadearam esta jornada exigindo a suspensão do pagamento da dívida externa e dos seus juros, a redução da jornada de trabalho sem redução de salário, reforma agrária e política agrícola, aumento geral dos salários e do salário-mínimo, defesa dos direitos dos trabalhadores, fortalecimento e expansão das redes públicas de saúde e do ensino e a construção de casas populares. A primeira etapa da jornada culminou com a realização de grandes atos de 1º de Maio, tendo como referência nacional o Ato no histórico Estádio de Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, no Estado de São Paulo. 7º CONGRESSO NACIONAL DA CUT - 15 A 19 DE AGOSTO DE 2000 Realizado em Serra Negra, interior do Estado de São Paulo, com a presença de 2.309 delegados. O congresso aprovou campanhas de lutas contra a precarização do trabalho, a luta pela redução da jornada de trabalho sem redução de salário, contra o banco de horas e as horas-extras. Novamente a política neoliberal do governo FHC foi duramente condenada. O professor João Antonio Felício foi eleito o novo presidente da CUT. 2001 MARCHA À BRASÍLIA PELA INSTALAÇÃO DA CPI DA CORRUPÇÃO - 05 DE ABRIL DE 2001 No dia 05 de abril mais de 20 mil pessoas protestaram em Brasília pela instalação da CPI da Corrupção e também pelo pagamento imediato e sem desconto da

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correção das contas expurgadas do FGTS e por reajustes salariais aos servidores públicos, que estavam com os salários congelados há sete anos. A mobilização foi organizada pela CUT e pelo Fórum Nacional de Lutas e também reuniu outros setores organizados da sociedade civil. CAMPANHA UMA LUZ PARA O BRASIL - CONTRA O APAGÃO E A CORRUPÇÃO - 27 DE JUNHO DE 2001 A Marcha à Brasília organizada pela CUT e pelo Fórum Nacional de Lutas tinha como eixos de mobilização as palavras de ordem "Xô Corrupção, Chega de Privatização e de FHC". Mais de 60 mil pessoas fizeram passeata e ocuparam a Esplanada dos Ministérios exigindo o fim do apagão, condenando a política de racionamento de energia devido à falta de investimentos, e denunciando a corrupção. Mais uma vez a política econômica de FHC foi condenada como a verdadeira causadora da crise social. 2002 DIA NACIONAL DE LUTA CONTRA A FLEXIBILIZAÇÃO DA CLT - 21 DE MARÇO DE 2002 Contra as reformas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) propostas pelo governo FHC, que retirava direitos assegurados aos trabalhadores. Ocorreram paralisações, manifestações e passeatas em todo o país. Todas essas mobilizações conseguiram impor uma derrota ao governo e no seu Ministro do Trabalho, e também na Força Sindical, que defendiam a flexibilização na legislação trabalhista. 10ª PLENÁRIA NACIONAL DA CUT - 08 A 11 DE MAIO DE 2002 Os 414 delegados reunidos na cidade de São Paulo discutiram e aprovaram temas relativos à estrutura sindical, as políticas permanentes da Central, questões estatutárias e reafirmaram o compromisso da CUT com os interesses históricos da classe trabalhadora conclamando a Nação brasileira a votar em Lula para presidente da república. 2003 8º CONGRESSO NACIONAL DA CUT - 03 A 07 DE JUNHO DE 2003 O Congresso foi realizado em São Paulo com a presença de 2.712 delegados que definiram a estratégia da CUT frente ao governo Lula. As principais resoluções aprovadas foram à defesa de uma reforma da previdência que ampliasse direitos, contra a ALCA e a defesa de uma integração regional que atendesse aos interesses dos trabalhadores. Também defenderam a reforma agrária e agrícola. Pela primeira vez um presidente da república, o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, eleito com o apoio da Central no final de 2002, esteve em um congresso da CUT. O Congresso elegeu o metalúrgico Luiz Marinho como novo presidente da CUT. CUT 20 ANOS

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25 A 29 DE AGOSTO DE 2003 Semana de comemorações dos 20 anos de fundação da CUT, com destaque para o ato no Pavilhão Vera Cruz, em São Bernardo do Campo, local de seu nascimento, com presença de todos os ex-presidentes da Central e do presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva. Foi lançado um CD ROM com as resoluções da Conclat, dos Congressos e Plenárias da CUT. CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E MEMÓRIA SINDICAL DA CUT