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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE BIOCIÊNCIAS CURSO DE BIOMEDICINA RÍZIA VARGAS LUCIANO DE SOUSA ANALGESIA POR ACUPUNTURA: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA DOS PRINCIPAIS MECANISMOS BIOQUÍMICOS E NEUROFISIOLÓGICOS Natal Novembro de 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE BIOCIÊNCIAS

CURSO DE BIOMEDICINA

RÍZIA VARGAS LUCIANO DE SOUSA

ANALGESIA POR ACUPUNTURA:

UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA DOS PRINCIPAIS MECANISMOS

BIOQUÍMICOS E NEUROFISIOLÓGICOS

Natal

Novembro de 2015

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RÍZIA VARGAS LUCIANO DE SOUSA

ANALGESIA POR ACUPUNTURA:

UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA DOS PRINCIPAIS MECANISMOS

BIOQUÍMICOS E NEUROFISIOLÓGICOS

Monografia Apresentada à Coordenação

do Curso de Biomedicina da

Universidade Federal do Rio Grande do

Norte, como Requisito Parcial à

Obtenção do Título de Bacharel em

Biomedicina.

Orientador: Prof. Dr. Flávio César Bezerra da Silva

Co-orientador: Prof. Dr. Daniel Carlos Ferreira Lanza

Natal

Novembro de 2015

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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do Centro de Biociências

Sousa, Rízia Vargas Luciano de.

Analgesia por acupuntura: uma revisão bibliográfica dos principais mecanismos

bioquímicos e neurofisiológicos / Rízia Vargas Luciano de Sousa. – Natal, RN, 2015.

66 f.: il.

Orientador: Prof. Dr. Flávio César Bezerra da Silva.

Coorientador: Prof. Dr. Daniel Carlos Ferreira Lanza.

Monografia (Graduação) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro

de Biociências. Curso de Biomedicina.

1. Acupuntura. – Monografia. 2. Analgesia. – Monografia. 3. Dor. – Monografia. I.

Silva, Flávio César Bezerra da. II. Lanza, Daniel Carlos Ferreira. III. Universidade

Federal do Rio Grande do Norte. IV. Título.

RN/UF/BSE-CB CDU 615.814.1

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE BIOCIÊNCIAS

CURSO DE BIOMEDICINA

A Monografia Analgesia por acupuntura: uma revisão bibliográfica dos

principais mecanismos bioquímicos e neurofisiológicos

elaborada por Rízia Vargas Luciano de Sousa

foi aprovada por todos os membros da Banca examinadora foi aceita pelo Curso de

Biomedicina e homologada pelos membros da banca, como requisito parcial à

obtenção do título de

BACHAREL EM BIOMEDICINA

Natal, 04 de NOVEMBRO de 2015

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________

Prof. Dr. Flávio César Bezerra da Silva (Escola de Saúde)

___________________________________________________

Prof. Dr. Daniel Carlos F. Lanza (Departamento de Bioquímica)

___________________________________________________

Profª. Drª. Maricele N. Barbosa (Departamento de Fisiologia)

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AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

Agradeço primeiramente a Deus, meu Pai e melhor amigo, que me fortaleceu

sempre que achei que seria o fim e sempre providenciou um recomeço. A ti Senhor,

dedico minha vida, meu amor maior e tudo o que tenho e sou te pertencem, pois

reconheço que sem o teu amor e zelo eu não teria chegado até aqui. Obrigada é

pouco demais para o que tens feito por mim!

Ao meu pai, Luciano, e à minha mãe Sherley, minha eterna gratidão por terem

me permitido vir ao mundo. Obrigada por terem me criado da forma como me

criaram. Eu sei que fizeram o melhor por mim e pelo meu irmão, da forma como

poderiam. Sou grata por tudo o que têm feito por mim e por meu esposo neste

momento, sem a ajuda de vocês nos últimos dias tudo estaria mais difícil. Sei o

quanto essa minha conquista também é de vocês! Vocês merecem!

Ao meu irmão, Thiago Vargas, gratidão por tudo! Por ser meu irmão, por ser

esse homem tão maravilhoso, honesto, trabalhador e o melhor filho e irmão do

mundo! Obrigada por ter-me auxiliado com os seus notebooks durante toda a minha

graduação. Jamais esquecerei que pude contar com você. Teria sido mais difícil se

eu não tivesse você como irmão!

Sou grata ao meu esposo, Alexandre, por dividir ao meu lado 10 anos de

sonhos, lutas, muitas lágrimas e inúmeras vitórias. Você também faz parte disso.

Você, além de Deus e eu, é a pessoa que mais sabe como foi para eu conseguir

chegar até aqui. Muito obrigada por tudo, por todos esses anos, pela amizade e

companhia.

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AGRADECIMENTOS

À Universidade Federal do Rio Grande do Norte, por ter sido o local onde

meus conhecimentos foram e continuam sendo formados durante esta graduação no

nome das pessoas que estiveram e estão à frente dessa instituição e a catedráticas

(os) das diferentes áreas do saber indispensáveis à minha formação profissional.

Ao meu orientador, Dr. Flávio César, meu muito obrigada por acreditar em

mim e aceitar a missão de me orientar neste TCC. Obrigada pela confiança e pelas

palavras encorajadoras sempre.

Ao meu querido Co-Orientador e vice coordenador do curso de Biomedicina,

Dr. Daniel Lanza minha gratidão! Se hoje sou apaixonada por bioquímica, é porque

tive o privilégio de tê-lo como mestre e “pai na ciência”. Obrigada por todas as vezes

que me ouviu, pela paciência em me receber e acalmar sempre que eu chegava em

sua sala apreensiva com as atividades avaliativas. Obrigada pela amizade, pelo

respeito, por acreditar em mim e me incentivar na busca pelo conhecimento!

Minha gratidão à querida professora Drª Maricele Barbosa, pela dedicação,

carinho e competência! Foi em suas aulas que me apaixonei por neurofisiologia! É

uma honra compartilhar desse momento com a senhora, uma referência para mim.

Meus agradecimentos também ao professor João Maria Fraga, do Lógico

Cursos Aliados, por me contemplar com uma bolsa de estudos integral, para que eu

pudesse estudar para o vestibular de Biomedicina em 2009.

A todos os professores que compõem o corpo docente da Biomedicina na

UFRN, meus sinceros agradecimentos a cada um de vocês.

A todos os meus colegas de curso e de turma, meus agradecimentos por

dividirem estes 5 anos e meio ao meu lado! Em especial aos amigos de turma e da

vida: Gabriel Amaral, Tayza Vianna, Jacqueline Patrícia e Camila Louíse, obrigada!

À amiga Suzete Rovira, minha gratidão pelas inúmeras oportunidades, pelo

apoio e, principalmente por me mostrar o quanto sou capaz e que tudo poderia ser

mais fácil. Hoje sei que em nenhum outro local deu certo meu estágio em

Acupuntura porque eu precisava lhe conhecer este ano!

Haiane Cavalcante, “minha nossa senhora”, gratidão pela confiança, amizade,

carinho e pela linda oportunidade! Namastê!!

À todos que em algum momento participaram desse processo, mas que por

questão de espaço não foram mencionados, minha profunda e sincera gratidão!

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“Eu o Senhor, te chamei em justiça, e te tomarei

pela mão, e te guardarei, e te darei por concerto

do povo e para luz dos gentios; para abrir os

olhos dos cegos, para tirar da prisão os presos, e

do cárcere, os que jazem em trevas. Eu sou o

Senhor; este é meu nome”. Isaías 42: 6,7,8.

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RESUMO

A acupuntura é uma técnica que descende da Medicina Tradicional Chinesa (MTC),

cuja prática é executada há mais de 4.500 anos de acordo com os registros

arqueológicos. Na atualidade, uma preocupação é a utilização exacerbada de

fármacos, neste caso, os analgésicos. Estes fármacos têm provocado contaminação

das águas, do solo e consequente intoxicação do homem, dos animais e das plantas

com graves efeitos indesejados. No cerne da discussão sobre o reconhecimento da

Acupuntura no Brasil, salienta-se a importância da Biomedicina em prol da

regulamentação da técnica e também em prol de novas descobertas científicas que

tracem elos entre a Medicina Tradicional Chinesa e a Medicina Ocidental. A dor é

uma experiência emocional sensorial subjetiva, cuja função é atuar como

mecanismo de proteção ao organismo. Entretanto, em determinadas condições, a

dor deixa de ser fisiológica e torna-se patológica, causando sofrimento, debilidade e

imobilidade, afetando ainda mais os aspectos emocionais do indivíduo. Este trabalho

teve como objetivo apresentar uma revisão bibliográfica a respeito dos principais

mecanismos envolvidos na neurofisiologia e bioquímica da Analgesia por

Acupuntura (AA). De acordo com a literatura, a acupuntura age estimulando

mecanismos endógenos pré-existentes capazes de promover alterações na

homeostasia em níveis: energético, eletrofisiológico, humoral, neural e imunológico.

Os mecanismos mais estudados até o presente momento são os eletrofisiológicos

(menor resistência elétrica nos acupontos), Humorais (Beta-endorfina), e neurais

(Serotonina). Recentemente, várias outros alvos da Acupuntura têm sido

descobertos, como por exemplo, a Adenosina, as vias ERK, MAPK, MEK, NFKB e

IKBα. Também foi descoberto que esta técnica estimula a produção de IL-10, uma

potente citocina anti-inflamatória, além de promover alterações no mRNA-339, nas

proteínas SIRT2 e FOXO1. Os trabalhos revisados respaldam cientificamente a

técnica de AA, no entanto, é necessário mais estudos na área, a fim de elucidar

cada vez mais os mecanismos de ação da Acupuntura, em especial, o analgésico.

Palavras chave: Acupuntura, Analgesia, Bioquímica, Dor, Neurofisiologia, Medicina

Tradicional Chinesa

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ABSTRACT

Acupuncture is a technique that descends from Traditional Chinese Medicine (TCM),

whose practice is performed for more than 4500 years according to the

archaeological record. Currently, a preoccupation is exacerbated use of drugsin this

case the pain meds. These drugs have caused contamination of water, soil and

consequent intoxication of humans, animals and plants by serious unwanted effects.

At the center of the discussion on the recognition of acupuncture in Brazil,

emphasizes the importance of biomedicine in favor of the technical regulations and

also towards new scientific discoveries to plot links between Traditional Chinese

Medicine and west Medicine. Pain is a subjective sensory emotional experience,

whose function is to operate as a protective mechanism to the organism. However,

under certain conditions, the pain ceases to be physiological and becomes

pathological, causing suffering, weakness and immobility, further affecting the

emotional aspects of the individual. This study aimed to present a literature review

about the main mechanisms involved in neurophysiology and biochemistry of

Acupuncture Analgesia (AA). According to the literature, acupuncture works by

stimulating pre-existing endogenous mechanisms to promote changes in the

homeostasis at levels: energetic, electrophysiological, humoral, neural and

immunological The mechanisms most studied to the present time are the

electrophysiological (lower electrical resistance in acupoints), Humoral (Beta-

endorphin), and neural (Serotonin). Recently, several other targets of acupuncture

have been discovered, for example, adenosine, the ERK, MAPK, MEK, NFKB and

IKBα pathways. It was also found that this technique stimulates IL-10 production,

potent anti-inflammatory cytokine, in addition to promoting changes in mRNA-339, in

SIRT2 and FoxO proteins 1.

Keywords: Acupuncture, Analgesia, Biochemistry, Pain, Neurophysiology,

Traditional Chinese Medicine.

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SUMÁRIO

LISTA DE ABREVIATURAS ............................................................................... xi

LISTA DE TABELAS .......................................................................................... xiii

LISTA DE FIGURAS ........................................................................................... xiv

1 – INTRODUÇÃO .............................................................................................. 15

2 – JUSTIFICATIVAS............................................................................................ 17

3 – BASES FILOSÓFICAS DA MTC .................................................................. 18

3.1 TEORIA YIN-YANG .................................................................................. 18

3.2 TEORIA DOS CINCO ELEMENTOS ........................................................ 18

3.2.1 Ciclo de Geração (Shen) .................................................................... 19

3.2.2 Ciclo de Dominância (Ke) .................................................................. 19

3.2.3 Ciclo de Contradominância (Wu) ....................................................... 20

3.3 TEORIA DOS MERIDIANOS .................................................................... 20

3.4 Zang-Fu (Órgãos e Vísceras) .................................................................... 21

3.5 SUBSTÂNCIAS VITAIS ............................................................................. 23

3.5.1 Qi (Energia) ........................................................................................ 23

3.5.2 Jing (Essência) .................................................................................. 24

3.5.3 Xue (Sangue) ..................................................................................... 25

3.5.4 Jin Ye (Fluidos Orgânicos) ................................................................. 26

3.5.5 Shen (Estrutura Mental) ..................................................................... 26

4 – HISTÓRICO DA ACUPUNTURA .................................................................. 27

4.1 A ORIGEM DA ACUPUNTURA ................................................................ 27

4.2 A ACUPUNTURA NO OCIDENTE ............................................................ 29

4.3 A ACUPUNTURA NO BRASIL .................................................................. 30

4.3.1 Regulamentação da Acupuntura no Brasil ......................................... 31

5 – DOR .............................................................................................................. 33

5.1 – DEFINIÇÕES DE DOR .......................................................................... 33

5.2 – TIPOS DE DOR ..................................................................................... 34

6 – PRINCIPAIS MECANISMOS DE AÇÃO DA ANALGESIA POR

ACUPUNTURA...................................................................................................... 36

6.1 – SÍTIOS DE AÇÃO DA ACUPUNTURA ................................................... 44

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6.2 – VIAS ASCENDENTES E DESCENDENTES DA ANALGESIA POR

ACUPUNTURA .................................................................................................... 49

7 – COMPROVAÇÕES CIENTÍFICAS MAIS RECENTES ................................. 51

8 – RESULTADOS .............................................................................................. 57

9 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 59

REFERÊNCIAS ................................................................................................... 61

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AA – Analgesia por Acupuntura

ABA – Associação Brasileira de Acupuntura

ADP – Adenosina Difosfato

AF – Acupuntura Falsa

AINEs – Anti-inflamatórios Não Esteroidais

AM – Acupuntura Manual

AMP – Adenosina Monofosfato

ATP – Adenosina Trifosfato

AV – Acupuntura Verdadeira

CBC – Colégio Brasileiro de Cirurgiões

CBO – Classificação Brasileira de Ocupações

CFBM – Conselho Federal de Biomedicina

CIUO – Classificação Internacional Uniforme de Ocupações

CNA – Controle Não Acupuntura

CNS – Conselho Nacional de Saúde

COFITTO – Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional

DPIS – Sistema Inibitório Descendente da Dor

EA – Eletroacupuntura

ECR – Ensaios Clínicos Randomizados

ERK – Proteína Quinase Ativada por Sinal Extracelular

GABA - Ácido ƴ-aminobutírico

IBRA – Instituto Brasileiro de Acupuntura

IC – Intervalo de Confiança

IRMf – Imagem de Ressonância Magnética funcional

IkBα – Cadeia alfa do Inibidor do Gene Potencializador da Cadeia Leve kappa nas

Células B

IL-10 – Interleucina 10

ISA (International Society acupuncture)

M1 – Macrófagos pró-inflamatórios

M2 – Macrófagos anti-inflamatórios

MTC – Medicina Tradicional Chinesa

MTE – Ministério do Trabalho e Emprego

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NE – Norepinefrina

NFkB – Fator Nuclear da Cadeia Leve kappa de células B

OIT – Organização Internacional do Trabalho

OMS – Organização Mundial de Saúde

PET – Tomografia por Emissão de Pósitron

S1 – Córtex Somestésico Primário

SIA – Sistema de Informações Ambulatoriais

SIRT-2 – Proteína Sirtuina 2

SNA – Sistema Nervoso Autônomo

SNC – Sistema Nervoso Central

SNP – Sistema Nervoso Periférico

SUS – Sistema Único de Saúde

TENS – Transcutaneous Electrical Nerve Stimulation

TOC – Tratamento Ortopédico Convencional

UNESCO - Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura

UNA – Unidades Neuroativas da Acupuntura

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LISTA DE TABELAS TABELA 1. ZANG FU .......................................................................................... 22

TABELA 2. Correspondências ............................................................................. 23

TABELA 3. Estudos disponíveis em bases de dados e periódicos oriundos da

revisão ................................................................................................................. 52

TABELA 4. Principais mecanismos de ação da analgesia por acupuntura............ 57

TABELA 5. Descobertas e comprovações científicas mais recentes..................... 58

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1. Modelo de efeitos terapêuticos da Analgesia por Acupuntura.............. 44

FIGURA 2.Representação esquemática dos principais mediadores neuroativos não

neuronais e seus receptores correspondentes envolvidos na modulação de impulsos

aferentes das UNA.................................................................................................. 45

FIGURA 3. O hipotálamo e outras áreas corticais superiores .............................. 47

FIGURA 4. Hierarquias cerebrais funcionais das funções motora e sensitiva....... 48

FIGURA 5. Localização anatômica Acupunto VB34 em camundongo ................ 54

FIGURA 6. Localização anatômica do acuponto BP6 em camundongos ............ 55

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1- INTRODUÇÃO

A revisão de literatura é um instrumento de obtenção, identificação, análise e

síntese da literatura direcionada a um tema específico. Isto permite a construção de

análise ampla de conhecimentos produzidos, como também discussões sobre

métodos e resultados dos estudos analisados (GARUZI et al., 2014).

A acupuntura é uma das técnicas da Medicina Tradicional Chinesa (MTC),

cujos princípios estão bem fundamentos na filosofia Taoísta e dos quais não pode

ser dissociada (DULCETTI JÚNIOR, 2001; PALMEIRA, 1990; CORDEIRO, 2001).

A palavra acupuntura origina-se do latim, em que acus significa agulha e

punctura significa literalmente picada. No entanto, o termo original Zhen Jiu Fa

(Chen Chiu) oferece um significado mais amplo de utilização de metal e calor

(DULCETTI JÚNIOR, 2001; SOUZA, 2007). Além das agulhas, a MTC utiliza ervas,

massagens, exercícios físicos, e dietas alimentares, e prescreve normas higiênicas

de conduta (PALMEIRA, 1990; DULCETTI JÚNIOR, 2001; SOUZA, 2007).

Souza (2007) relata que os pontos de acupuntura distribuídos pelo corpo

podem ser puncionados com agulhas ou aquecidos com o calor produzido pela

queima da erva Artemisia vulgaris. Esta erva sofre combustão através de uma

técnica chamada de moxabustão e também podem ser estimulados por ventosas

(vácuo), acupressão (pressão com os dedos), estímulos elétricos (eletroacupuntura)

e lasers.

No decorrer de quase cinco mil anos, a comunidade médica chinesa

descobriu cerca de mil pontos de acupuntura, destes, trezentos e sessenta e cinco

foram classificados em quatorze grupos principais e cada um dos grupos se

interconectam por uma linha imaginária na superfície do corpo que recebe a

denominação meridiano (SOUZA, 2007).

De acordo com o conhecimento tradicional chinês passado de geração em

geração durante todos esses anos, cada meridiano funciona como uma rede

condutora da energia que existe no corpo (DULCETTI JÚNIOR, 2001). É justamente

a parte energética ou Qi (Chi) que circularia nestes meridianos, através dos quais, o

Qi percorre na forma de duas energias opostas e complementares, denominadas Yin

e Yang. A partir do desequilíbrio dessas duas formas de energia surgem as

patologias (SOUZA, 2007; WEN, 2008; YUAN, 2012)

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16

A acupuntura tem como objetivo proporcionar através dos estímulos

promovidos pelas agulhas, que o próprio organismo produza condições internas

para retorno de seu equilíbrio, sem a necessidade de administrar medicamentos, o

que leva a uma das vantagens da acupuntura, a ausência de efeitos colaterais

(SOUZA, 2007).

As recentes pesquisas demonstram que as velhas fórmulas e princípios da

acupuntura não foram ainda superados. Desse modo, aqueles que a praticam

devem compenetrar-se de sua importância, estudar profundamente seus

ensinamentos e diretrizes. Somente assimilando-os, poderão contribuir para a

evolução dessa antiga arte de curar (WEN, 1985).

Assim sendo, a finalidade deste trabalho consiste em apresentar uma revisão

bibliográfica a respeito dos principais mecanismos envolvidos na neurofisiologia e

bioquímica da Analgesia por Acupuntura (AA). Considerando-se esta como uma

técnica segura, pouco invasiva, capaz de produzir grandes efeitos terapêuticos, com

a vantagem de não produzir toxicidade, dependência e multiresistência por parte dos

microorganismos. Isto se configura uma estratégia preventiva ou curativa, com

perspectiva distinta da terapia farmacológica.

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2 – JUSTIFICATIVAS

O presente trabalho apresenta primeiramente como justificativa a importância

de apresentar uma visão que destoa do ceticismo da comunidade científica

ocidental, a qual, apesar dos inúmeros trabalhos satisfatórios desenvolvidos em prol

da elucidação dos mecanismos promovidos pela acupuntura e demais técnicas da

MTC, continua considerando a técnica citada como charlatanismo e curandeirismo.

Justifica-se também pela observação do uso abusivo de fármacos pela

medicina ocidental e a utilização indiscriminada de medicamentos pela população, a

qual não têm levado em consideração os efeitos adversos e toxicidade dos

fármacos, que comprometem a saúde. Além disso, essa cultura alopática interfere

no meio ambiente e em toda a cadeia alimentar envolvida; devido à possibilidade de

dependência química, e do crescente surgimento de microorganismos

multirresistentes decorrente da administração de antibióticos muitas vezes

desnecessários.

Salienta-se que estes fármacos têm provocado contaminação das águas, do

solo e consequente intoxicação do homem, dos animais e das plantas com graves

efeitos indesejados. Assim, surgiu a necessidade de se pesquisar uma forma de

promover a saúde sem agredir os seres vivos e a biosfera fomentando a capacidade

de entender o processo saúde-doença como sendo a consequência do desequilíbrio

entre homem e natureza, a partir do momento em que passa-se a reinserir o

indivíduo como parte da natureza.

Aqui cabe ressaltar a necessidade de apresentar a importância da

Biomedicina na Acupuntura e virce-versa, uma vez que existe uma correlação entre

os conhecimentos ocidentais e conhecimentos chineses tradicionais. Esta

justificativa vê no biomédico um profissional completo, com experiência de

laboratório e com acesso à habilitação em Acupuntura. Justificando-se, portanto, a

necessidade de maior participação em pesquisas científicas para elucidar cada vez

mais os mecanismos de ação da técnica, seja na clínica, seja através de ensaios

laboratoriais. Isto se fundamenta no entendimento de que os profissionais

Biomédicos têm contribuído de forma árdua para o avanço da regulamentação da

Acupuntura no Brasil, assim como para o seu reconhecimento científico através de

suas pesquisas científicas sérias e para a redução da toxicidade farmacológica e

resistência microbiana.

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3 – BASES FILOSÓFICAS DA MTC

3.1 – TEORIA YIN-YANG

O Yin e o Yang são duas formas de energia opostas e complementares. De

acordo com a filosofia Taoísta, na qual se fundamenta esta teoria, cada uma dessas

formas necessita da coexistência da outra no universo e, da alternância entre si,

uma vez que, dentro do Yin há o Yang e dentro do Yang existe o Yin, de modo que

nada é totalmente Yin ou totalmente Yang (CORDEIRO, 2009; CHONGHUO, 1985;

DULCETTI JÚNIOR, 2001; PING, 2002; WEN, 1985).

Para os chineses, as estruturas do organismo se encontram originalmente em

equilíbrio pela atuação das energias Yin (de polaridade negativa) e Yang (de

polaridade positiva), todavia, uma vez que ocorre desequilíbrio entre ambas, a

consequência é alteração da homeostase, o que leva ao surgimento das patologias.

Esta teoria é utilizada para a observação do pulso radial do paciente, regras de

diagnóstico e escolha da terapêutica, localização dos pontos e meridianos, além da

interpretação dos sintomas, que resulta da manifestação ternária do Yin/Yang no

organismo (CORDEIRO, 2009; DULCETTI JÚNIOR, 2001; WEN, 1985; PING, 2002).

3.2 – TEORIA DOS CINCO ELEMENTOS

A teoria dos Cinco Elementos constitui o segundo pilar da filosofia e da

medicina chinesa. A intertransformação entre Yin e Yang é uma lei universal que

governa o processo de desenvolvimento e a mudança das substâncias em geral. A

alteração das quatro estações do ano é um bom exemplo. A primavera começa

quando o gelado inverno atinge seu auge; o frio outono chega quando o calor do

verão atinge seu clímax (WEN, 1985; TETAU e LERNOUT, 1985; MACIOCIA, 1996;

YAMAMURA, 2004).

Seguindo a dinâmica cíclica entre as energias Yin e Yang, manifestados no

dia, mês, estação, ano, originou-se o ciclo dos cinco elementos também chamados

de cinco movimentos, que são na realidade, os cinco elementos básicos que

constituem a natureza. Existe uma interdependência e uma inter-restrição que

determinam os estados de constante movimento e mutação entre a madeira, o fogo,

a terra, o metal e a água (DULCETTI JÚNIOR, 2001; WEN, 1985).

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Nesta teoria, a Madeira simboliza o início do Yang, do ciclo vegetal, da

primavera. A Madeira gera o Fogo, emblema do Yang em máxima atividade. A Terra,

o declínio do Yang, gerando o elemento Metal, que simboliza o início do Yin, que

cresce e gera o elemento Água, que por sua vez representa o máximo do Yin, a

noite, o inverno (CORDEIRO, 2009; DULCETTI JÚNIOR, 2001; WEN, 1985).

Esta teoria ocupa um lugar importante na MTC, haja vista que todos os

fenômenos dos tecidos e órgãos, da fisiologia e da patologia do corpo humano,

estão classificados e são interpretados pelas inter-relações desses elementos. A

MTC constatou essa realidade e, de acordo com ela, fez a correlação entre a

fisiopatologia dos órgãos e tecidos e alguns fenômenos da natureza., utilizando essa

teoria como guia na prática médica chinesa, tanto no diagnóstico energético, como

na terapêutica (WEN, 1985; PING, 2002).

3.2.1- Ciclo de geração (Shen)

A noção de geração envolve o processo de produzir, crescer e promover.

Seguindo essa ordem, a Madeira gera o Fogo, o Fogo gera a Terra, a Terra gera o

Metal, o Metal gera a Água e a Água gera a Madeira. Com base nos conhecimentos

gerais é fácil entender que a Madeira, por sua combustão, é capaz de gerar o Fogo,

assim como promover sua intensidade. Após a combustão da Madeira, restam as

cinzas, que são incorporadas à Terra. Ao longo dos anos, a Terra, sob o efeito de

grandes pressões, produz os Metais. E dos metais e rochas brotam as fontes de

Água. Por outro lado, a Água dá vida aos vegetais e, gerando a Madeira, fecha o

ciclo da natureza. A esse tipo de relacionamento, no qual cada elemento gerado dá

existência a outro elemento, os antigos denominavam relação Mãe-Filho. Mãe é o

elemento que gera o elemento seguinte, no caso, Filho. Assim, a Água é Mãe da

Madeira, e obviamente, esta é Filha da Água (DULCETTI JÚNIOR, 2001; WEN,

1985; YAMAMURA, 2004).

3.2.2 – Ciclo de dominância (Ke)

O ciclo de dominância também é chamado de relação “Avô-Neto”, através da

qual a Madeira inibe a Terra, a Terra inibe a Água, a Água inibe o Fogo, o Fogo inibe

o Metal e o Metal inibe a Madeira. Na concepção antiga sobre a natureza, o Metal

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tem a capacidade de cortar a Madeira, e, além disso, as rochas e metais no solo

podem impedir o crescimento da raiz das árvores (Madeira). A Madeira cresce

absorvendo os nutrientes da Terra, empobrecendo-a, e as raízes das árvores,

quando muito longas , perfuram e racham a Terra. A Terra, por sua vez, impede que

a Água se espalhe, absorvendo-a. Que a Água inibe o Fogo é muito compreensível.

O Fogo inibe o Metal, pois o Metal é derretido pelo Fogo. Neste tipo de relação, o

elemento dominante é dito “Avô” e o elemento dominado é o “Neto”. (DULCETTI

JÚNIOR, 2001; WEN, 1985; YAMAMURA, 2004).

3.2.3 – Ciclo de contradominância (Wu)

O ciclo de contradominância é um ciclo patológico, que ocorre quando a ação

do dominado predomina sobre a ação do elemento dominante. Neste caso, o

elemento contradominante é o “Neto”, enquanto o contradominado é o “Avô”. Em

outras palavras, o inibidor está sendo inibido. Por exemplo, normalmente a Água é

inibidora do Fogo, mas se este se apresentar intenso e a Água em pouca

quantidade, haverá uma inibição da Água (DULCETTI JÚNIOR, 2001; WEN, 1985).

Todas essas relações só ocorrem sob certas condições. Assim, para gerar, é

necessário que o elemento não se encontre deficiente. Para inibir, é necessário que

esteja numa boa condição energética (WEN, 1985).

3.3 – TEORIA DOS MERIDIANOS

Na medicina chinesa, a referência mais antiga à Teoria dos Meridianos

encontra-se no livro Hwang Ti Nei Jing que contém descrições precisas sobre seus

princípios. No entanto, até hoje, a forma como foi criada a Teoria dos Meridianos,

continua um mistério, sendo muito provável que a Acupuntura e as Qi-Gong (artes

marciais) tenham contribuído para sua formação. Pressupõe-se que esta teoria seja

fruto da experiência e da observação de muitos desde os primórdios da MTC (WEN,

1985). Eles representam os trajetos por onde transita a energia humana (TETEU;

LERNOUT, 1985).

Wen (1985) explica que ao estimular certos pontos de acupuntura constata-se

que a sensação de calor e parestesias seguem direções predeterminadas. Os

antigos já mencionavam uma sensação de calor que percorria certas vias do corpo,

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durante a prática de Qi-Gong. Constatou-se também que numa doença, os sintomas

podem manifestar-se em outros lugares, seguindo uma via precisa de inter-

relacionamento.

Há no corpo humano muitos pontos cujos efeitos à aplicação da acupuntura

são semelhantes, talvez por pertencerem a dermátomos iguais. Ao se traçarem

linhas conectando esses diversos pontos análogos, obtiveram-se linhas ou

trajetórias longitudinais que foram denominadas Tsing (meridianos) e trajetórias

horizontais, denominadas Lo (comunicações). A experiência clínica demonstrou que

havia uma nítida relação entre os órgãos e os meridianos do corpo. Assim, traçaram-

se doze meridianos ordinários, que possuem relação direta com os órgãos e

vísceras do corpo. Além deles, estabeleceram-se oito meridianos denominados

extrameridianos, usados em diversas patologias (Wen, 1985).

3.4 – Zang Fu (Órgãos e Vísceras)

Dentro da parte energética do corpo humano, existem zonas de amplificação

das energias e de grande atividade funcional Yin/Yang que são os órgãos internos

(conforme chamamos aqui no Ocidente) e sob a ótica acadêmico-universitária

tratam-se de estruturas morfofuncionais, diferente da visão da MTC, que não se

limita a uma determinada região topográfica. Para a fisiologia tradicional chinesa, as

leis que governam as energias do Macrocosmos são as mesmas que governam as

energias no homem – Microcosmos (DULCETTI, JÚNIOR, 2001).

A concepção da MTC sobre os órgãos internos é diferente da Ocidental.

Consideram-se três aspectos distintos: o energético, o funcional e o orgânico; os

dois últimos correspondendo à fisiologia, à histologia e à anatomia patológica

estudadas no Ocidente; o enfoque energético é sui generis quer nas características

Yang/Yin quer nas funções que essas energias exercem no corpo e na mente. A

MTC denomina de Zang-Fu o estudo dos Órgãos e das Vísceras sob esses três

aspectos (YAMAMURA, 2004; PING, 2002).

Assim, a MTC distingue dois grupos de funções energéticas, os de natureza

Yin (Zang) e os de natureza Yang (Fu) (DULCETTI JÚNIOR, 2001). Os seis Zang e

os seis Fu acoplados, são apresentados na Tabela 1, juntamente com o nome

chinês, nome ocidental e abreviação ocidental para cada um:

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Tabela 1. Zang Fu

Fonte: Ross, 1985

As Vísceras (Fu) constituem as estruturas tubulares e ocas que têm função de

receber, transformar e assimilar os alimentos, além de promover a eliminação de

dejetos. São o Wei (Estômago), Pang Guang (Bexiga), Dan (Vesícula Biliar), Xiao

Chang (Intestino Delgado), Da Chang (Intestino Grosso) e essas estruturas são

englobadas por um elemento altamente energético, Yang do Yang, o San Jiao

(Triplo Aquecedor), que tem a finalidade de manter a funcionalidade de todos os

órgãos internos (CORDEIRO, 2009; DULCETTI JÚNIOR, 2001; PING, 2002; ROSS,

1986; YAMAMURA, 2004).

Os Órgãos (Zang) são aqueles que têm a função de armazenar a essência

dos alimentos, aquela que proporciona o dinamismo físico, visceral e mental. São

estruturas geradoras e transformadoras do Qi e do Shen (Consciência) que constitui,

no exterior, a manifestação da energia interior. São o Xin (Coração), Fei (Pulmão),

Gan (Fígado), Pi (Baço/Pâncreas) e Shen (Rins), são as estruturas essenciais do

organismo, responsáveis pela formação, crescimento, desenvolvimento e

manutenção do corpo físico e da mente. Cada Órgão que representa um dos Cinco

Movimentos tem função de constituir e de comandar tecidos e uma parcela da

energia mental - psiquismo (CORDEIRO 2009; DULCETTI JÚNIOR, 2001; PING,

2002; ROSS, 1986; YAMAMURA, 2004). Há ainda uma sexta função que não possui

Zang representativo e que corresponde a Xin Bao (circulação-sexualidade)

(CORDEIRO, 2009).

Além disso, há ainda as Vísceras Curiosas ou extraordinárias, estruturas que

não se enquadram nas características mencionadas. São elas: o Dan (Vesícula

Biliar), os Vasos Sanguíneos, o Útero, os Ossos, a Medula Óssea, a Medula Espinal

e o Encéfalo. Levam o nome de vísceras porque possuem formas similares a estas,

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porém, suas funções são semelhantes as dos Órgãos (PING, 2002; YAMAMURA,

2004).

Os acoplamentos dos sistemas Zang e Fu têm importância clínica

considerável (Ver Tabela 2). Existem ligações íntimas entre o Dan e o Gan, entre o

Pi e o Wei, e entre o Shen e o Pang Guang (ROSS, 1985).

Tabela 2. Correspondências dos Cinco Movimentos com Zang Fu, as estruturas

orgânicas e com o psiquismo (Mente).

Fonte: Yamamura, 2004 (Adaptado)

3.5 – SUBSTÂNCIAS VITAIS

3.5.1 - Qi (Energia)

Todas essas tentativas de explicações, seja Teoria do Yin-Yang, seja Teoria

dos Cinco Elementos, só são possíveis e compreensíveis ao se supor a existência

do que os chineses chamam Qi, energia (TYMOWSKI, 1986).

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Maciocia (1996) relata que a palavra Qi possui inúmeras traduções, porém,

nenhuma delas aproxima-se de sua verdadeira essência. O motivo da dificuldade

em se traduzir esta palavra reside em sua natureza fluida, capaz de assumir

diferentes formas nas mais diversas situações. Assim sendo, o modo como pode ser

traduzida depende do ponto de vista a ser empregado.

Muitos médicos concordariam que Qi pode ser designada como energia, desde

que expresse uma continuidade da matéria. A proximidade do conceito de Qi e energia

foi realçada por um artigo que tratava a respeito da natureza de Qi, publicado por um

professor eminente do INSTITUTE OF HIGH ENERGY PHYSICS OF CHINA. De

acordo com Needham, Qi também pode ser considerada como “ondas etéreas” ou

“emanações radioativas” na linguagem moderna (MACIOCIA, 1996).

O Qi aparece como o símbolo da força, mas é também a matéria essencial e

universal comum a tudo o que existe. Os chineses dizem: "Tudo no universo é

constituído por Qi”. Essa teoria revela-se de uma grande atualidade, pois a ciência

moderna nos ensina que matéria e energia são uma mesma coisa e podem,

portanto, transformar-se uma na outra, por exemplo: a madeira que queima e o

átomo que perde sua massa liberando energia. Daí uma particularidade da energia,

o seu dinamismo (TYMOWSKI, 1986).

A MTC considera que Qi promove a manutenção das funções vitais, pois, flui

através dos canais energéticos ou meridianos. Para fins didáticos há três tipos

básicos de Qi, de acordo com a função exercida em: Yong Qi (energia alimentar),

Wei Qi (energia defensiva) e Yuan Qi (energia ancestral) (DULCETTI JÚNIOR,

2001).

3.5.2 - Jing (Essência)

A tradução tradicional de Jing é “Essência” (MACIOCIA, 1996). Para Dulcetti

Júnior (2001), o termo correto é Jing Qi, cuja tradução seria energia essencial,

também conhecida como quinta essência.

De acordo com Maciocia (1996), a literatura chinesa classifica três formas de

Jing: 1. Jing inato ou Pré-Celestial ou ainda ancestral, 2. Jing Pós Celestial ou

adquirido ou de nutrição e, 3. o Jing do Shen (Rim):

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1. O Jing inato, também chamado de Pré Celestial ou ancestral é o Jing que

herdamos de nossos ancestrais, desde o momento da concepção através da fusão

dos gametas masculino e feminino e, durante toda a gestação a partir da interação

entre energias da mãe com as energias celestes e terrestres, pois, o Jing Pré-

Celestial é o que nutre o embrião e, posteriormente o feto em formação até o

momento do nascimento, uma vez que é dependente da nutrição derivada do Rim

(Shen) da mãe. É o único tipo de essência no feto, haja vista que este ainda não

apresenta atividade fisiológica independente (DULCETTI JÚNIOR, 2001; MACIOCIA,

1996; ROSS, 1985).

2. Ao nascimento, o neonato realiza sua primeira troca gasosa, depois passa

a alimentar-se e a beber. Seus Pulmões (Fei), Estômago (Wei) e Baço/Pâncreas (Pi)

passam então a funcionar e produzir o Qi a partir dos alimentos, dos líquidos e do ar

(MACIOCIA, 1996). As energias dessas essências compõem o Jing do céu posterior,

ou Jing adquirido ou da nutrição (DULCETTI JÚNIOR, 2001).

3. O Jing do Shen (Rim) é o resultado da associação entre o Jing inato e o

Jing adquirido e, assim como o Jing ancestral também é hereditário, determinando a

constituição do indivíduo. Entretanto, diferentemente do Jing Pré Celestial, o Jing do

Shen (Rim) apresenta interação com o Jing Pós Celestial, podendo ser reabastecido

por este. Esta essência é armazenada no Rim (Shen), porém, apresenta um fluido

natural que circula por todo o organismo. É o Jing do Shen que determina o

crescimento, reprodução, desenvolvimento, maturação sexual, concepção e

gravidez (MACIOCIA, 1996).

3.5.3 – Xue (Sangue)

De acordo com a MTC, há duas características importantes na manufatura

do sangue: uma delas é que a transformação do Qi dos alimentos em Xue é

auxiliada pelo Qi original. A outra se deve ao fato de o Rim (Shen) armazenar a

essência (Jing) que produz a medula, que por sua vez, gera a medula óssea, que

contribui para a formação do Xue (MACIOCIA, 1996; ROSS, 1985).

Diferentemente do Qi, o Xue possui uma função hidratante, uma vez que

possui a capacidade de irrigar os tecidos. Por exemplo: o Xue do Fígado (Gan)

umedece os olhos e as unhas, proporcionando-lhes brilho e saúde, pois o Xue

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assegura que os tecidos não sequem. Além disso, o Xue tem a importância de

proporcionar o fundamento material para a mente. O Xue envolve a mente

permitindo que esta se floresça (MACIOCIA, 1996).

3.5.4 – Jin Ye (Fluidos Orgânicos)

Os fluidos orgânicos são chamados de Jin Ye em chinês, sendo que Jin

significa “úmido” ou “saliva”, e Ye significa “fluido”. O Jin Ye origina-se dos alimentos

e dos líquidos, os quais são transformados e separados pelo Baço/Pâncreas (Pi).

3.5.5 – Shen (Estrutura Mental)

O Shen, afirma o médico e sinólogo Denis Colin é o “espírito”, não

considerado no sentido de psiquismo, mas aquele de uma dimensão transcendental.

No entanto, de acordo com o Dr. Lavier, o Shen se equivale ao que ele denomina de

consciência imediata iluminativa (e não intuitiva, pois, se trataria de um outro plano)

que se pode chamar hiperconsciente, que coloca o homem nessa função em contato

direto com o Tao. O Shen representa o nível Céu, que contém o mental do homem e

permite a este ter a sua própria consciência e a consciência de sua ligação com o

Tao (DULCETTI JÚNIOR, 2001).

Ross (1985) também relata que o Shen representa o espírito, a consciência,

e o classifica em Shen pré-natal, herdado dos pais e, Shen pós-natal derivado da

interação entre Jing e Qi. De acordo com ele, o Sangue do Coração (Xin Xue) e Yin

do Coração (Xin Yin) fornecem moradia para o Shen (espírito), uma vez que na MTC

a consciência não reside no cérebro e sim, no coração (Xin). O Shen vitaliza o corpo

e a consciência, e fornece a personalidade. Portanto, nesta concepção, o Shen

significa algo material, o que diverge da ideia Ocidental de espírito, uma vez que na

visão da MTC, o espírito não está dissociado do corpo mas, dele faz parte.

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4 - HISTÓRICO DA ACUPUNTURA

4.1 - A ORIGEM DA ACUPUNTURA

De acordo com Wen (1985) e Dulcetti Júnior (2001), não há uma

documentação precisa que comprove o surgimento da acupuntura, entretanto, sabe-

se que se trata de uma arte milenar já praticada pelos chineses há cerca de 4.500

anos, e cujo conhecimento vem sendo difundido de geração em geração.

Wen (1985) relata que em várias partes da China foram encontrados Zhem

Shih — agulhas de pedra — que datam da Idade da Pedra. Essas agulhas diferem

das de costura e, por terem sido encontradas juntamente com outros instrumentos

de cura, presume-se que a Acupuntura já era praticada naquela época. Na

atualidade as agulhas utilizadas são de ligas de prata, de ouro ou de aço inoxidável.

Paralelamente, houve também um desenvolvimento no uso da moxa, seja por meio

da utilização de plantas até o infravermelho, ultra-som, corrente elétrica e raio laser.

Segundo Dulcetti Júnior (2001), as várias terapias que constituem a MTC são

atribuídas a imperadores chineses que teriam vivido em uma época lendária,

recentemente confirmada através de descobertas arqueológicas históricas

registradas.

A literatura informa que Fu Xi (2.852 a. C.) teria sido o primeiro imperador,

conhecido como imperador vermelho, quem estruturou todo o estado, ensinou a

pescar, cozinhar e por isso é tido como o “estadista iluminado”, “pai da cultura e

civilização chinesa”, uma vez que estruturou inclusive instituições de governos. É de

sua autoria o clássico Yi Jing (O canônico das mutações) e a escrita das linhas que

perfazem os trigramas e hexagramas (Ba Gua). A partir daí, surgem dois

importantes personagens, aos quais se atribuem as obras da MTC e da filosofia

Taoísta: o Imperador Amarelo (Huang Di) e o Divino Laborioso (Shen Nong)

(DULCETTI JÚNIOR, 2001).

A Era do Imperador Amarelo compreende o período 2704-2010 a.C.,

reconhecido pelos escritos em cascos de tartaruga que demonstram que a

acupuntura não apenas possuía suas bases, mas já era bem desenvolvida e

praticada (WEN, 1985). Em seguida o Nei Jing estabelece uma condensação da

tradição transmitida verbalmente dos médicos chineses aos seus discípulos e está

dividido em duas partes: o Su Wen (Questões básicas) e Ling Shu (Pivô espiritual),

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que além de tratar a respeito da acupuntura, ainda fala sobre a dietética, fitoterapia,

massagem, etc (DULCETTI JÚNIOR, 2001).

Wen (1985) realça que nas dinastias Chin, Han, Huei que compreendem o

período 221 a.C. - 264 d.C. Tsan Kung (180 a.C.) deixou 25 relatórios médicos

contendo descrições sobre o uso das agulhas no tratamento das doenças. Além

disso, deu nome a vários pontos dos meridianos. Chang Tsung Jing é o livro que

descreve o tratamento da malária pela Acupuntura, dando também uma noção da

aplicação da moxa, bem como de citar o uso concomitante de ervas e de

quimioterápicos.

Da dinastia dos Han, Hua Tuo destacou-se por ter preconizado fórmulas

anestésicas de fitoterapia para cirurgias abdominais e criou a unidade de medida

individual – “Cun” (Tsun) (DULCETTI JÚNIOR, 2001).

Subsequente a esta época, Dulcetti Júnior (2001) relata que Wang Shu He

(210 – 285) foi o autor do livro “Tratado dos pulsos” (Mai Jing), através do qual

codifica o diagnóstico pelo pulso radial a partir das características Yin-Yang e

desenvolve os 28 pulsos patológicos. Relatos apontam que na dinastia Tang, surgiu

Sun Si miao (590 – 682), o qual desenvolveu a dietética, a aplicação dos pontos

antigos de acordo com os binômios e descreveu pela primeira vez os pontos Ashi.

Durante a dinastia Sung (960 – 1279 d. C.), um fato importante diz respeito ao

rei Sung Jen Tsung, que ficou gravemente doente e foi curado através da

Acupuntura. Passou, então, a dar-lhe grande importância, ordenando a Wang Wei

Yi, um médico famoso, que organizasse escritos sobre esse assunto, avaliando seus

valores, criando mapas e diagramas dos meridianos presentes no corpo humano.

Desta forma, o imperador ordenou a criação de estátuas de bronze com os pontos e

trajetos dos meridianos. Este foi um período de avanço na imprensa chinesa e de

desenvolvimento da acupuntura. (WEN, 1985; DULCETTI JÚNIOR, 2001).

Em meados do século XVII, os jesuítas introduzem na China elementos da

medicina ocidental; a partir disso, a ciência ocidental penetra mais e mais a ciência

chinesa (DULCETTI JÚNIOR, 2001).

Cabe mencionar que durante o governo de Chiang Kai Sheik, o apoio

financeiro destinado ao ensinamento da MTC foi retirado. No entanto, devido aos

resultados positivos obtidos através da acupuntura no tratamento contra o câncer

em Mao Tsé, durante a revolução comunista na China (1949), a medicina chinesa

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voltou a ser destaque e, em 1958, Mao Tsé declarou que a medicina chinesa era

“uma grande casa de tesouro” (DULCETTI JÚNIOR, 2001).

Desde então, a medicina chinesa foi sistematizada e reduzida a uma medicina

de massas, como se o objetivo da MTC não tivesse caráter preventivo e o

acupunturista não ganharia seus honorários quando um cliente seu viesse adoecer.

O Maoísmo vê nas bases fundamentais, como Yin-Yang, uma dialética ultrapassada

e que os cinco elementos conduziam àqueles que a utilizavam a se afundarem no

idealismo e na metafísica. (DULCETTI JÚNIOR, 2001; PALMEIRA, 1990).

Nessa mesma época, a china adotou a política dos “três caminhos”, composta

pela medicina ocidental, chinesa e a hibridação entre ambas denominada de

“Medicina Chinesa Moderna” ou “nova acupuntura” (DULCETTI JÚNIOR, 2001).

4.2 - A ACUPUNTURA NO OCIDENTE

Os europeus foram os primeiros a conhecerem a MTC, mas, somente no

século XVII, ou seja, 4000 anos após a acupuntura ser utilizada na China

(DULCETTI JÚNIOR, 2001).

Após o retorno dos primeiros jesuítas franceses em missão científica enviados

a Pequim por Luiz XIV, os europeus, mais particularmente os franceses, receberam

os primeiros ensinamentos chineses (CORDEIRO, 2009; DULCETTI JÚNIOR, 2001).

De acordo com Dulcetti Júnior (2001), o francês George Soulié de Morant foi

o grande difusor da MTC no mundo ocidental, quando no início do século XX Soulié

foi enviado a Shang Hai como cônsul da França na China. Na época, havia uma

epidemia de cólera asiática em Yunan Fu, a população era tratada com acupuntura

e, Soulié decidiu estudar e aplicar a técnica.

Após 20 anos estudando e aplicando acupuntura na China, Soulié voltou à

França. Em 1928 publicou seu primeiro livro que trata a respeito do diagnóstico

chinês pelo pulso. Foi ele quem traduziu os textos antigos da MTC para o idioma

francês. Criou a correspondência alfanumérica dos pontos de acupuntura, inventou o

termo Meridiano para os “condutores da energia vital” (em chinês Tsing ou Jing),

realizou as primeiras pesquisas científicas sobre a eletricidade da pele nos

acupontos e inventou o primeiro disparador de agulhas (DULCETTI JÚNIOR, 2001).

Conforme relata Kwang (2014), o diplomata Soulié de Morant foi cofundador

da primeira escola e Associação de Acupuntura no Ocidente, chamada de

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International Society Acupuncture (ISA), que desde sua fundação em 1930

permaneceu como única em todo o Ocidente, mantendo 54 filiais até 1973, incluindo

a Associação Brasileira de Acupuntura (ABA) no Brasil (DULCETTI JÚNIOR, 2001).

Em seguida, a acupuntura disseminou-se pela Europa e pelo mundo. Na

América, a acupuntura foi inserida primeiramente na Argentina em 1955. Foi

introduzida na Alemanha, e depois, por volta de 1960 na Inglaterra. Nos Estados

Unidos, Felix Mann e o Dr. Tymowski foram convidados para uma conferência sobre

acupuntura com a finalidade de preparar a equipe de viagem do presidente Nixon à

China, em 1971 (DULCETTI JÚNIOR, 2001).

Dulcetti Júnior (2001) relata que em 1972, o repórter da revista New York

Times, que acompanhava Nixon, foi operado de emergência, na China, de

apendicite. No pós-operatório, foi tratado com acupuntura, que curou seus sintomas

com apenas um ponto (IG-11). Depois disso, uma cirurgia cardíaca sob analgesia

por acupuntura em um paciente chinês foi televisionada para os EUA, despertando o

interesse dos médicos americanos.

4.3 - A ACUPUNTURA NO BRASIL

Antes de 1500, registros históricos comprovam que os índios brasileiros já

praticavam técnicas rudimentares muito semelhantes à Acupuntura, antes mesmo

da chegada de Pedro Álvares Cabral, através da implantação de espinhos no corpo

(CARLI, 2002; SOUZA, 2007; KWANG, 2014).

Conforme Kwang (2014), no ano de 1810 os imigrantes chineses que

aportaram no Rio de Janeiro para cultivar a lavoura do chá trouxeram também a

MTC. Naqueles tempos remotos, os pioneiros imigrantes vindos do outro lado do

mundo trouxeram na bagagem uma cultura milenar que contribuiu de maneira

significativa não só para o desenvolvimento das terapias naturais, como também das

artes plásticas e marciais, da culinária, da religião, da ciência, da tecnologia, da

filosofia e do pensamento. Com eles chegaram a acupuntura, o Do–In e novos

conhecimentos na utilização das ervas. Além disso, houve inserção das técnicas do

Kung Fu, Tai Chi Chuan, Qi Gong e o Feng Shui, como também influências na

poesia, na literatura e na pintura. Enfim, novas formas de ver o mundo e contemplar

a natureza foram absorvidas pela população brasileira da época (CARLI, 2002).

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A história da imigração chinesa para o país remonta ao ano de 1812 quando,

por sugestão do Conde de Linhares, D. João VI autorizou a entrada de 2.000

chineses. Vieram apenas 400 e foram destinados às plantações experimentais de

chá do Jardim Botânico e da Fazenda Imperial de Santa Cruz, no Rio de Janeiro,

ambas sob controle do Governo (CARLI, 2002).

Em 1895, devido o final do Período Feudal no Japão, muitos ficaram sem

trabalho. O governo de lá decidiu incentivar a saída de seus cidadãos do país. Foi

firmado o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação entre Brasil e Japão (CARLI,

2002). O navio Kassato Maru chegou em 1908 trazendo os primeiros japoneses, que

introduziram também sua técnica de Acupuntura (CARLI, 2002; KWANG, 2014). Os

imigrantes foram para as fazendas de café. Entre 1910 e 1914, chegaram cerca de

14.200 imigrantes. Entre 1925 e 1935, mais de 140.000 vieram. Hoje a comunidade

japonesa ultrapassa a marca de 1 milhão de pessoas (CARLI, 2002).

A acupuntura chegou ao Brasil através dos imigrantes orientais, mas só

passou a ser utilizada e estudada a partir de 1950, por intermédio do professor

Frederich Spaeth, cofundador da ABA e do Instituto Brasileiro de Acupuntura (IBRA)

(DULCETTI JÚNIOR, 2001; SOUZA, 2007).

Concernente aos coreanos, sua imigração para o Brasil teve início em

fevereiro de 1963, mas antes dessa data, pequenos grupos de coreanos que haviam

sido prisioneiros na Guerra da Coréia (1950-1953) já viviam no Brasil. A maior

imigração ocorreu nos anos pós-guerra (1964). Quando os primeiros imigrantes

aportaram no porto de Santos, SP, na condição de colonos agrícolas, trouxeram na

bagagem um tipo de acupuntura bastante diferenciado da chinesa e da japonesa

(CARLI, 2002).

4.3.1 –Regulamentação da Acupuntura no Brasil

Em termos de profissionalismo, em 1966 a Organização Internacional do

Trabalho (OIT) classifica o Acupunturista como uma das profissões da Classificação

Internacional Uniforme de Ocupações (CIUO) (CARLI, 2002; SOUZA, 2007;

KWANG, 2014). Enquanto isso no Brasil, muitos profissionais foram perseguidos por

prática de charlatanismo, presos e acusados de curandeirismo. Nossa legislação

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não entendia que esta prática fosse saudável e que pudesse trazer benefícios à

população (CARLI, 2002).

Assim, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em convênio com a OIT e

a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO),

definiu a profissão de Acupunturista em 1977 sob o código Nº0-79.15, na

Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) através do Projeto BRA/70/550. A

CBO foi reconfirmada no Diário Oficial do dia 11/02/94, Seção 1 (CARLI, 2002;

SOUZA, 2007, KWANG, 2014).

No contexto dessa discussão, o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia

Ocupacional (COFITTO), decidiu em 29/10/85, através da Resolução COFITTO-60,

habilitar os fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais para a prática de acupuntura.

Quatro meses depois, o Conselho Federal de Biomedicina (CFBM) passa a habilitar

seus profissionais à prática da milenar ciência das agulhas, no dia 2 de fevereiro de

1986, através da Resolução nº 02/86 (CARLI, 2002; CONSELHO FEDERAL DE

BIOMEDICINA, 1986; SANTOS, 2009; SOUZA, 2007; KWANG, 2014).

Salienta-se que a primeira habilitação em acupuntura expedida por um

Conselho Federal foi concedida ao Biomédico Sérgio Franceschini Filho. Um marco

de pioneirismo do CFBM que abriu caminhos para que outros profissionais de saúde

recebessem registro definitivo como acupunturista (CARLI, 2002; SOUZA, 2007).

No ano de 1995, o CFBM reafirma a resolução de 1986 e publica nova

normatização com o objetivo de disciplinar a prática da acupuntura pelo biomédico

(CARLI, 2002; SOUZA, 2007; KWANG, 2014).

Já em 2001, durante o 38º Congresso Mundial de Saúde e Terapias

Complementares no Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC), dentistas, médicos,

veterinários, biomédicos e fisioterapeutas presentes optaram por uma ação conjunta

ao assinar a Declaração do Rio de Janeiro. O documento mostra o apoio dos

profissionais de saúde à regulamentação da prática da acupuntura no Brasil. Com as

mais de 500 assinaturas favoráveis à regulamentação do método oriental no Brasil,

a Declaração foi encaminhada à OMS (CARLI, 2002).

Em meados do ano de 2006, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) por meio

da ATA da 162ª reunião ordinária, deixou claro quais profissões àquela época

poderiam exercer a atuação da acupuntura. Desta maneira, consta neste

documento, entre as linhas de número 2854 a 2868, considerações acerca da

atuação profissional da acupuntura no Brasil. Na referida ATA está descrito em seu

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item 4.1, diretriz 5, a regulamentação dos códigos SIA/SUS para registro dos

procedimentos de acupuntura realizados pelas categorias de profissionais no âmbito

do SUS: Biomedicina, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia,

Medicina e Psicologia (BRASIL, 2006).

Assim, o MTE divulga o novo CBO, o qual altera e substitui o divulgado em

1994. O diferencial deste CBO é a efetiva participação dos comitês de profissionais

da área de acupuntura na elaboração do código. O MTE afirmou que a melhor

descrição é aquela realizada por profissionais que realmente atuam em cada área.

Ressalta-se que o novo e mais completo CBO da profissão de acupunturista é o

3221-05 (MTE, 2005; SOUZA, 2007). Entretanto, no último dia do ano ao terminar

sua 51.a legislatura, o Senado Federal arquiva, por decurso de prazo, o PLC 67\95,

que tratava da regulamentação da profissão de acupunturista no Brasil (SOUZA,

2007; KWANG, 2014).

5 – DOR

5.1 – DEFINIÇÕES DE DOR

Na visão chinesa, a dor é uma das manifestações clínicas mais frequentes. É

um sintoma que surge toda vez que ocorre agressão física, química, mecânica ou

psíquica contra o corpo. Dentro da concepção energética, esses fatores promovem

concentração maior de polaridade positiva (Yang) ou negativa (Yin) que estimulará

os diferentes tipos de receptores da dor espalhados pelo organismo, principalmente

nas camadas superficiais, mas também presentes em tecidos mais internos, como

periósteo, cápsulas e ligamentos articulares e paredes arteriais (YAMAMURA, 2004).

Para a medicina ocidental, a maior parte das doenças corporais causa dor. A

dor representa um mecanismo de demarcação de limites para o organismo, e de

aviso sobre a ocorrência de estímulos lesivos provenientes do meio externo ou do

próprio organismo. A dor é a consequência perceptual final do processamento neural

de determinada informação sensorial. (GOLAN, 2012; GUYTON, 2006; LENT, 2010).

De acordo com Yamamura (2004), o processo de adoecimento inicia-se com

a desarmonia do Yang e do Yin que pode ocorrer no nível dos canais de energia ou

dos Zang Fu (Órgãos/Vísceras). Conforme o local de acometimento, o agente

causador do adoecimento primário pode ser considerado interno (endógeno) ou

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externo (exógeno). A alimentação desregrada, o estresse, as emoções reprimidas,

as intoxicações, as fadigas (física, mental e sexual) são fatores que enfraquecem a

energia vital dos Zang Fu (Órgãos/Vísceras) e, por sua vez, dos canais de energia.

Nessa circunstância, o Qi dos Canais de Energia tende a circular com dificuldade,

promovendo manifestações de vazio de Qi (impotência funcional), ou mesmo,

levando à estagnação e bloqueio na circulação de Qi (plenitude), provocando dor.

5.2 – TIPOS DE DOR

Levando-se em consideração o conceito de dor pelo ângulo de visão da MTC,

Yamamura (2004) classifica a dor em três diferentes tipos, dependendo dos fatores

energéticos causais:

Fator Yang, que apresenta polaridade positiva provoca o aparecimento de

dor aguda, intensa, localizada, do tipo pontada. Pode manifestar-se por dor

latejante, sensação de choque elétrico ou de cólica.

Fator Falso-Yang, que também aumenta a polaridade positiva, mas partindo

de deficiência do Yin Qi. Manifesta-se por dor tipo queimação e ardor. É

uma algia com características intermediárias entre o tipo Yin e o Yang.

Fator Yin, que aumenta a polaridade negativa consequente à presença de

Frio e de Umidade. Provoca o aparecimento de dor contínua, insidiosa, de

localização pouco nítida que não é sentida na superfície, mas sim no interior

do corpo, sendo profunda com graus variáveis de intensidade. A esse

grupo pertencem a dor tipo em peso, constritiva ou em aperto.

Por outro lado, partindo do ponto de vista neurofisiológico, existem dois tipos

de dor: a dor rápida ou aguda, que cessa com a interrupção do estímulo e, a dor

lenta ou crônica, que persiste mesmo após o término do estímulo. Os

neurocientistas verificaram que cada um desses dois tipos de dor envolve

mecanismos celulares diferentes e é veiculado por diferentes receptores e vias

ascendentes (GUYTON, 2006; LENT, 2010). Por sua vez, Golan (2012), classifica a

dor em fisiológica, inflamatória, neuropática e disfuncional e ressalta que cada tipo é

provocado por mecanismos diferentes.

Os receptores da dor, chamados de nociceptores, são neurônios sensoriais

que podem ser ativados por diferentes estímulos: mecânicos, térmicos e químicos.

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Esta classe de receptores representa a submodalidade somestésica da dor, por

colocarem em risco a integridade do organismo, causando lesões nas células e nos

tecidos, (GUYTON, 2006; LENT 2010). Os nociceptores possuem em suas

membranas celulares, receptores para substâncias, como a bradicinina, que são

liberadas quando células adjacentes sofrem lesão (GOLAN, 2012).

Estes receptores estão amplamente distribuídos nas camadas superficiais da

pele e também de certos tecidos internos, tais como periósteo, paredes arteriais,

superfícies articulares e na foice e tentório da calota craniana. A maior parte dos

outros tecidos profundos tem inervação pobre de terminações sensíveis à dor. No

entanto, uma lesão tecidual difusa e ampla pode, por somação, causar um tipo de

dor contínua, crônica e lenta nessas áreas (GUYTON, 2006).

A dor rápida ativa majoritariamente terminações livres de fibras do tipo A-delta

(finas, com pouca mielina). Algumas dessas terminações livres podem ser sensíveis

a estímulos mecânicos, outras a estímulos térmicos. Em ambos os casos ocorrerá

um potencial receptor nas extremidades livres, e estes serão codificados em

potenciais de ação, que trafegarão ao longo das fibras A-delta através dos nervos

espinhais até a medula, ou através dos ramos do trigêmeo em direção ao tronco

encefálico (GUYTON, 2006; LENT, 2010).

Por sua vez, a dor lenta é complexa. É provocada por lesão dos tecidos que

circundam os nociceptores, produzindo vários fenômenos celulares que acentuam e

prolongam a dor, na superficie cutânea, na parede das vísceras ocas, no

parênquima das vísceras sólidas, na vasculatura, nos ossos e nas articulações, na

córnea e nas raízes dentárias. Este tipo de dor é provocada por estumulação das

fibras C (GUYTON, 2006; LENT, 2010).

A despolarização dos nociceptores provoca a secreção - pelas próprias

terminações nervosas - de prostaglandinas e neuropeptídeos com ação

vasodilatadora local, que acentuam a vermelhidão e o edema, prolongando a dor.

Esta ação neurossecretora resulta na reação inflamatória neurogênica, que

acompanha a reação inflamatória primária causada pelo primeiro estímulo lesivo

sobre o tecido (GUYTON, 2006; LENT, 2010).

Guyton (2006) destaca que quanto à localização da dor, ela pode ser

classificada em dor referida e dor visceral. A dor referida ocorre quando o indivíduo

sente dor em uma parte do corpo que fica distante do tecido causador da dor, por

exemplo, a dor em algum órgão pode ser referida a uma área específica na

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superfície do corpo. Em se tratando de dor visceral, esta é provocada por qualquer

estímulo que excite as terminações nervosas para a dor em áreas difusas das

vísceras. Geralmente, as vísceras só possuem nociceptores, não sendo encontrados

quaisquer outros tipos de receptores sensoriais.

Há ainda um terceiro tipo de dor de acordo com a localização, a dor parietal,

conforme descreve Guyton (2006). Quando uma doença afeta uma víscera, o

processo doloroso geralmente se dissemina para o peritônio, pleura ou pericárdio

parietal. Estas superfícies parietais, como a pele, são supridas por extensa

inervação dolorosa oriunda dos nervos espinhais periféricos. Por este motivo, a dor

da parede parietal sobre uma víscera é geralmente aguda.

6 – PRINCIPAIS MECANISMOS DE AÇÃO DA ANALGESIA POR ACUPUNTURA

A acupuntura estimula fibras nervosas nos músculos, de onde partem

impulsos para a medula espinal e ativam três centros: medula espinal, mesencéfalo,

hipotálamo/hipófise para promover analgesia (STUX; HAMMERSCHLAG, 2005).

Entretanto, Yamamura (2004) relata que, para se compreender o mecanismo

de ação da Acupuntura, deve-se reportar a duas forças energéticas básicas: o Yang

e o Yin, e à evolução destes em sua transmutação, que passa sucessivamente por

fases intermediárias representadas pelo Yang do Yin e Yin do Yang. Quando essas

formas de energia interagem no mecanismo de ação da acupuntura, tem-se os

seguintes estágios energéticos:

1. Yang do Yang: representa os estímulos que promovem a ação da

Acupuntura e que estão relacionados com os Canais de Energia.

2. Yin do Yang: representa o substrato anatomofisiológico da condução dos

estímulos da Acupuntura (Canais de Energia) e está relacionado à

condução dos estímulos gerados pela agulha de acupuntura por meio das

fibras nervosas.

3. Yang do Yin: representa os estímulos de acupuntura que chegam aos Zang

Fu e que aí promovem a formação ou a ativação do Qi. O Qi dos Zang Fu é

distribuído pelo corpo através de duas vias: a dos Canais de Energia e a do

Xue. Nesta, o Qi circula sob a forma de Xue Qi (Energia do Sangue). Essa

via constitui a via humoral do mecanismo de ação da Acupuntura e é

resultante dos efeitos energéticos da acupuntura produzidos nos Zang Fu.

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4. Yin do Yin: os estímulos da acupuntura chegando aos Zang Fu (Órgãos e

Vísceras) além de estimularem energeticamente essas estruturas,

promovem também suas atividades funcionais, cujo resultado é a produção

de substâncias químicas de ação local ou sistêmica. É o que ocorre, por

exemplo, na formação da renina, atriopeptina, prostaglandinas, hormônios

cerebrais (endorfinas, encefalinas, etc.). Essas substâncias, produzidas

sob estímulo energético, percorrem o corpo via corrente sanguínea,

constituindo também a via humoral do mecanismo de ação da acupuntura.

Durante milênios, acreditou-se que o mecanismo de ação da acupuntura

fosse somente energético. Aceitava-se apenas a concepção dos Canais de Energia.

No entanto, com a difusão da MTC no Ocidente, muitos pesquisadores começaram

a questionar sobre a participação de estruturas orgânicas no mecanismo da ação da

acupuntura, e o desenvolvimento de pesquisas científicas nesta área evidenciou

íntima relação dos efeitos da acupuntura com o SNC, o SNP, bem como com vários

tipos de neurotransmissores. Desta forma, esse novo conhecimento permite que

hoje se aceitem três mecanismos para explicar a ação da acupuntura: mecanismo

energético, mecanismo humoral e mecanismo neural (YAMAMURA, 2004).

O mecanismo energético corresponde às clássicas concepções milenares de

Zang Fu e Canais de Energia e os outros dois mecanismos, humoral e neural, em

última análise, relacionam-se com o SNC (YAMAMURA, 2004).

Por sua vez, o mecanismo humoral diz respeito à produção de substâncias,

geralmente neurohormônios, neurotransmissores e hormônios, que são secretados

no sangue, em resposta à acupuntura. Essa ação pode ser demonstrada,

experimentalmente, com a obtenção de efeitos analgésicos idênticos em dois

animais submetidos à circulação sanguínea cruzada, mesmo que a acupuntura

tenha sido efetuada em apenas um. O efeito humoral depende também

indiretamente do SNC, que determina a liberação, à nível endócrino, das

substâncias encontradas no sangue (YAMAMURA, 2004).

Numerosas publicações e teses mostram o interesse também dos veterinários

por essa ciência. Elas constituem não somente depoimentos sobre os excelentes

resultados terapêuticos, mas também um propósito de pesquisas fisiológicas. Em

particular, Chifuya Takeshige, da Universidade de Showa (Japão), realizou em

circulação cruzada a anestesia por acupuntura de dois coelhos: um foi agulhado e o

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outro sentiu os mesmos sintomas, o que fez considerar-se a liberação de

substâncias via corrente sanguínea (TYMOWSKI, 1986).

Por último, há também o mecanismo neural. Recentes pesquisas

neurofisiológicas sobre o mecanismo de ação da analgesia por acupuntura

trouxeram grandes subsídios ao entendimento de seu mecanismo de ação. Isso fez

com que as milenares teorias filosóficas chinesas do Yin-Yang, dos Cinco

Movimentos, dos Zang Fu e dos Jing Luo passassem a ter fundamento científico

(YAMAMURA, 2004; STUX; HAMMERSCHLAG, 2005).

Os principais neurotransmissores capazes de amenizar ou bloquear a dor são

os peptídios opióides, a norepinefrina, a serotonina (5-HT), a glicina e o áciodo ƴ-

aminobutírico (GABA). Mas outros compostos, os canabinóides endógenos, também

desempenham papéis reguladores na medula espinal. (GOLAN, 2012).

Assim sendo, Yamamura (2004) relata que, inserindo-se uma agulha em um

ponto de acupuntura, sempre se está desencadeando uma ação que abrange os

níveis energético, neural e humoral. Dependendo da função de cada ponto da

acupuntura, um desses mecanismos prevalece sobre os demais e, desse modo,

entende-se a concepção da indicação dos diversos pontos de acupuntura para as

mais diversas patologias.

Grande parte dos conceitos intuitivamente preconizados pela MTC pode, hoje,

ser explicada à luz da neuroanatomia e da neurofisiologia, permitindo que a fisiologia

do ser humano possa ser estudada de modo global. A compreensão das interações

do corpo e da mente e suas interações com o meio ambiente, preconizadas por esta

medicina, dá um significado diferente ao corpo humano, que, na concepção

Ocidental, ainda se fundamenta nas leis newtonianas (YAMAMURA, 2004).

Com base em pesquisas realizadas no campo da eletrofisiologia, sabe-se,

hoje, que algumas áreas da pele, comparadas com regiões adjacentes, apresentam

melhor condutibilidade elétrica por diminuição de resistência. Niboyet mostrou que

essas áreas de menor resistência elétrica correspondem exatamente aos pontos de

acupuntura descritos pela MTC (SUSSMANN, 1995; YAMAMURA, 2004). Desta é

possível explicar o papel da dispersão e da tonificação (TYMOWSKI, 1986).

Essas áreas são coincidentes com a descrição clássica dos pontos de

acupuntura. Observou-se também, que a diferença de potencial elétrico da pele

nesses pontos específicos não é constante, variando de acordo com a influência de

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fatores internos do corpo humano e também fatores ambientais (YAMAMURA,

2004).

Yamamura (2004) destaca que entre os fatores ambientais, foram

identificados, principalmente, a temperatura do ambiente, as estações do ano e o

ciclo horário. Entre os fatores internos, destacam-se as doenças dos órgãos

internos, as fadigas e as emoções. O autor destaca ainda que essas condições

capazes de interferir nas características elétricas da pele, observadas pelos

pesquisadores ocidentais, coincidem com os fatores que a MTC descreve como

etiopatogênicos, capazes de promover o processo de adoecimento.

Pesquisas histológicas demonstraram que a concentração de terminações

nervosas livres e encapsuladas, de receptores articulares, ôrgão tendinoso de Golgi

e fusos musculares, é maior nas áreas do corpo correspondentes aos pontos de

acupuntura que nos tecidos adjacentes. Os estímulos que as agulhas de acupuntura

desencadeiam nos diferentes receptores nervosos podem explicar os múltiplos

efeitos observados, pois o sistema nervoso é específico em relação à via de

condução dos estímulos e, consequentemente, as respostas também são

específicas (YAMAMURA, 2004).

Segundo Stux e Hammerschlag (2005), a inserção local de agulhas

(segmentar) produz, normalmente, uma analgesia mais intensa que a inserção de

agulhas distais (não-segmentar), porque utiliza os três centros. Em geral, os dois

tipos de introdução de agulhas (local e distal) são utilizados juntos em cada paciente

para potencializar o efeito.

Para Yamamura (2004), o estímulo originado pela agulha de acupuntura pode

variar amplamente, de acordo com a manipulação efetuada ao se inserir essa

agulha, no que refere à intensidade, ao movimento giratório no sentido horário ou

anti-horário e à frequência. Desta forma, o autor explica como esses fatores devem

determinar a liberação de neurotransmissores específicos nas sinapses, excitando-

as ou inibindo-as, desencadeando respostas diferentes.

Em 1975 foram realizados estudos do material da agulha na formação do

campo elétrico e verificou-se que materiais como ouro, platina e aço cromado

formam um campo positivo com um efeito transmissor de energia, isto é, têm efeito

tonificador, ao passo que de prata, cobre, ferro e alumínio formam campo

eletronegativo, que absorve energia, um efeito dispersor (YAMAMURA, 2004).

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Assim, compreende-se por que a MTC preconizava que, para se tonificar um

ponto de acupuntura, deve-se fazer um movimento giratório da agulha inserida no

sentido horário ou direcioná-Ia obliquamente no sentido da corrente de energia no

Canal de Energia e, para sedar, se deveria proceder de modo inverso. Essas formas

específicas de manipulação e as diversas respostas obtidas (tonificação ou sedação

dos órgãos internos) encontram respaldo científico, uma vez que, em última

instância, cada forma de estímulo gerado pela manipulação da agulha pode liberar

neurotransmissores específicos, que podem inibir ou excitar as várias sinapses em

todo sistema nervoso e promover respostas específicas (YAMAMURA, 2004).

Yamamura (2004) explica que, a agulha de acupuntura, sendo um objeto

metálico pontiagudo, eletricamente carregado, concentra as cargas elétricas em sua

ponta, obedecendo ao "princípio das pontas" descrito pela física e que deu origem à

concepção de pára-raios. O potencial elétrico formado na ponta da agulha, além da

diferença de constituição metálica do cabo e corpo/ponta, depende, também, dos

efeitos das ondas eletromagnéticas do ambiente, que agem sobre a agulha de

acupuntura, transformando-a em uma espécie de antena receptora.

A agulha de acupuntura, obedecendo ao princípio da íntima relação existente

entre energia e matéria, é composta de matéria (aço inoxidável) e de energia

(cargas elétricas). A agulha-matéria incorpora a energia, funcionando como veículo

desta, enquanto durar a inserção da agulha de acupuntura no corpo. A polaridade do

meio ambiente e os estímulos locais ou a distância subsequentes (vibração, calor,

imã, imposição da mão), que agem sobre a agulha de acupuntura, atuam como

transmissores dos estímulos, polarizando a agulha (YAMAMURA, 2004).

Para Yamamura (2004), o conjunto de todas as radiações naturais (ondas

eletromagnéticas do cosmos e particularmente do sol, radiações infravermelhas,

ultravioletas, gama, luz visível, raios X, ondas térmicas e sonoras, ultra-som,

eletricidade, etc) e artificiais (cabos de alta tensão, ultra-som, ondas curtas, raios X,

raios y das explosões atômicas) interagem com o efeito antena da agulha de

acupuntura, transmitindo-se ao ser humano. Assim, as energias cósmicas, hoje bem

conhecidas, podem ser consideradas o que a milenar MTC denominou de Energia

Celeste ou Qi Celeste, que varia de acordo com as estações do ano, dia e noite,

calor e frio, umidade, latitude, longitude e campo eletromagnético.

A Acupuntura não está voltada diretamente para os agentes agressores

externos e, por isso, seu tratamento não visa apenas a tratar o local comprometido

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no corpo, mas age sobre todo o sistema nervoso, estimulando o mecanismo de

compensação e equilíbrio em todo o corpo, a fim de sanar a doença. No caso de

doenças dolorosas, o tratamento implica não só o controle da dor em si, mas

também a busca e a cura de sua causa (WEN, 1985).

Como visto, os investigadores científicos tentam estabelecer um elo entre a

medicina chinesa e a medicina ocidental. Nos diferentes níveis do sistema nervoso

foram evidenciados sistemas inibitórios, que consistem em zonas de controle que

podem impedir a difusão das informações dolorosas da periferia para o cérebro.

Esses sistemas são, segundo tudo leva a crer, os que são estimulados pela

acupuntura. A partir desses dados, a acupuntura torna-se explicável em linguagem

neurofisiológica (TYMOWSKI, 1986).

Tymowski (1986) revela que, em 1825, o Dr. Sarlandière criou a palavra

"eletropuntura" abrindo caminho para o estudo da relação entre a eletricidade e a

acupuntura e para a experimentação em acupuntura, sendo, por isso, considerado o

pai da AA e da eletroacupuntura (EA). Portanto, há muito tempo foi evidenciada a

existência de fenômenos elétricos na matéria viva, como por exemplo, as práticas de

eletrocardiogramas e eletroencefalogramas, bastante antigas. Isto mostra que, cada

fenômeno biológico é um fenômeno de ionização e de polarização.

. Esta particularidade física persiste mesmo no cadáver. Não está então

ligada a uma secreção de eletrólitos pelas glândulas sudoríferas, mas a

particularidades físicas da estrutura da pele (TETAU; LERNOUT, 1985). A

comprovação das propriedades físicas e elétricas dos pontos e a pesquisa sobre a

impedância cutânea feita pelo Dr. Niboyet e pelo Dr. Grall incentivaram várias teses

de doutorado em medicina (TYMOWSKI, 1986).

Stux e Hammerschlag (2005) destacam que três fenômenos dignos de nota

foram detectados na AA cirúrgica, produzida por estírnulo elétrico de baixa

frequêncìa em pontos de acupuntura: (1) a consciência é mantida, permitindo ao

paciente falar durante a cirurgia; (2) o estímulo de pontos específicos de acupuntura

é essencial para manter a analgesia; e (3) a analgesia persiste muito tempo após o

término do estímulo, permitindo ao paciente locomover-se sem dor após a cirurgia.

A partir dessas observações da resistência elétrica da pele, foram lançados

no comércio aparelhos denominados de "localizadores de pontos", sondas com

forma de lápis, com ponta de metal, ligadas por fio elétrico a um ohmímetro. O

circuito é completado por um segundo eletrodo em um cilindro metálico seguro pela

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mão (com amplo contato com a pele da palma suada e com baixa resistência da

ordem de 1.000 ohms). O localizador em geral mede a resistência com base na lei

de Ohms (I=VR). Uma voltagem constante é aplicada ao fio elétrico, a corrente

resultante (V) é medida, e sua resistência (R), instantaneamente registrada,

permitindo ao clínico mexer o lápis, explorando a superfície do corpo enquanto ouve

os tons (STUX; HAMMERSCHLAG, 2005).

Tymowski (1986) explica que, ao inserir uma agulha (um condutor metálico)

em qualquer ponto do corpo, a parte fixada no corpo é levada a certa temperatura.

Estabelece-se, portanto, uma diferença de temperatura entre a ponta e a parte

metálica que permanece ao ar livre, o que provoca uma polarização da ponta,

resultante do fenômeno termelétrico. Esse eletrodo positivo polarizará o contingente

de íons negativos em redor do eletrodo, promovendo redução da concentração de

eletrólitos, o que faria diminuir a resistência ôhmica local e aumentar a condução

elétrica. Isso corresponde à dispersão, que seria uma repartição diferente de íons.

Portanto, o fato de plantar uma agulha cria uma nova condição.

A tonificação é o inverso, e a esse efeito de tropismo eletroIítico acrescenta-

se um efeito de despolarização-repolarização que se propaga segundo uma onda

sinusoidal. Se a excitação se faz num ponto do meridiano, ela seguirá sobre todo o

seu comprimento, porquanto, sabe-se que o meridiano apresenta uma zona de

menor resistência elétrica. Por isso os textos antigos aconselham aquecer a agulha

com moxa ou girar a agulha para procurar a energia (TYMOWSKI, 1986).

Um dos marcos mais importantes no estudo de controle da dor foi a

descoberta de que a estimulação das grandes fibras sensoriais A-beta (comportas

da dor), provenientes de receptores sensoriais táteis periféricos, bloqueia a

transmissão dos sinais dolorosos. Esse efeito é provavelmente resultante de um tipo

de inibição lateral local. Isso explica por que manobras simples, tais como a

massagem da pele próxima das áreas doloridas, são bastante eficazes para aliviar a

dor. Esse mecanismo, junto com a excitação psicogênica simultânea do sistema

central da analgesia, funciona, provavelmente, como a principal base para o alívio

da dor pela acupuntura (GUYTON, 2006).

A agulha do acupuntor, transformando-se em estímulo nociceptivo, revela o

poder reativo do organismo, quer por via direta, ou seja, o estímulo doloroso sobe ao

longo das vias sensitivas até o córtex, sendo seguido de uma resposta motora, ou

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secretória, ou metabólica; quer, também, por aprendizagem límbica e pela função

associativa do córtex pré-frontal (TYMOWSKI, 1986).

A figura 1 é um esquema auto-explicativo que resume os efeitos da

acupuntura desde o estímulo provocado pela inserção da agulha até a ativação das

áreas corticais e a consequente cascata de respostas de regulação homeostática:

Figura 1. Modelo de efeitos terapêuticos da AA

Fonte: Stux e Hammerschlag, (2005) (Adaptado)

A importância da projeção cortical dos estímulos por acupuntura é

apresentada como possibilidade de integração endócrina, autonômica e regulação

neuroquímica pelo hipotálamo, com atividades de outros centros superiores, como o

córtex pré-frontal e o sistema límbico (STUX; HAMMERSCHLAG, 2005).

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6.1 – SÍTIOS DE AÇÃO DA ACUPUNTURA

As fibras A-delta, ou do grupo III, e as fibras C ou do grupo IV, são os

principais tipos de fibras relacionadas com a condução do estímulo da agulha de

acupuntura (YAMAMURA, 2004).

Os efeitos da agulha de acupuntura dependem da profundidade de sua

inserção, pois os tipos de receptores nervosos são distribuídos de modo diferente,

de acordo com os planos da estratigrafia. A inserção superficial atingirá,

predominantemente, os receptores nervosos associados às fibras A-delta, que

fazem a mediação para as dores agudas e a termocepção, enquanto a inserção

profunda estimulará as fibras nervosas do fuso muscular e as fibras A-delta e C, que

estão localizadas mais profundamente e devem ser utilizadas nas doenças de

instalação mais consolidada ou "doenças profundas" (YAMAMURA, 2004).

Yamamura (2004) relata que a inserção da agulha no ponto de acupuntura

pode provocar uma série de reações sensitivas concomitantes - dor, queimação,

choque - constituindo o que se chama "Te Qi' ou "sensação de acupuntura", que,

neurofisiologicamente, pode ser decorrente do estímulo dos vários tipos de

receptores nervosos, correlacionados ao ponto de acupuntura. O estímulo das fibras

A-delta superficiais pode promover sensação de dor, das fibras nervosas de

localização mais profunda, no nível dos músculos e dos tendões, provocar sensação

de peso, e o das fibras C provocar, predominantemente, reações autônomas, como

formigamento e parestesia.

A inserção das agulhas de acupuntura determina três efeitos locais: elétrico,

neuroquímico (por ação mecânica, a agulha lesa os tecidos e libera substâncias), e

misto, correspondendo a uma associação dos dois primeiros (YAMAMURA, 2004).

A inserção e a manipulação da agulha de acupuntura causam lesões

celulares que provocam, no nível local, o aparecimento de substâncias bioquímicas,

como a substância P, e transformação do ácido araquidônico em leucotrienos, em

tromboxano dos tipos A, B e prostaglandinas PGE, PGD. Essas substâncias

algógenas estimulam os quimiorreceptores. A substância P, em especial, sendo um

neurotransmissor, ativa os mastócitos a liberarem histamina, estimulando as fibras C

e promovendo vasodilatação à nível capilar. Além da histamina, são liberados

bradicinina, serotonina, íons potássio e prostaglandinas, que também estimularão os

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quimiorreceptores, diminuindo o limiar de excitação (YAMAMURA, 2004; ZHANG et

al, 2012).

Os tecidos não neuronais e células que liberam esses mediadores capazes

de modular a transmissão da fibra aferente quando estimulada por uma agulha de

acupuntura (Figura 2), foram denominados por Zhang et al (2012) de Unidades

Neuroativas da Acupuntura (UNA).

Figura 2: Representação esquemática dos principais mediadores neuroativos não

neuronais e seus receptores correspondentes envolvidos na modulação de impulsos

aferentes das UNA

. Fonte: Zhang et al. 2012

As moléculas na cor vermelha, verde e violeta representam estimuladores,

inibitórios, e ambos os efeitos sobre excitabilidade da fibra aferente,

respectivamente. Autoreceptores a ser identificados são indicados com símbolos de

interrogação (?). A1, receptor de adenosina A1; ACh, acetilcolina; Auto-R,

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autoreceptor; B1/2, receptores 1 e 2 de bradicinina; BK, bradiquinina; Peptideo

relacionado com o gene da calcitonina-CGRP; β-END, beta-endorfina; EP, receptor

de prostaglandina E; GABA, ácido-gama-aminobutírico; Glu, glutamato; H1/H2,

H1/receptores de histamina H2; HIS, histamina; 5-HT, 5-hidroxitriptamina; IL,

interleucina; M2, receptor muscarínico M2; NA, noradrenalina; NO, óxido nítrico; PG,

prostaglandinas; P2X / P2Y, receptores purinérgicos P2X e P2Y; α2-R, receptor

adrenérgico α2; SP, substância P; SS, somatostatina; SSR, receptor de

somatostatina; TNF-α, fator de necrose tumoral-α (Zhang et al. 2012).

Yamamura (2004) explica que, no nível do corno posterior da medula, os

estímulos aferentes conduzidos por fibras somáticas, tanto aqueles nociceptivos

quanto os da Acupuntura, estabelecerão sinapses: com neurônios motores

homolaterais e/ou contralaterais, para formar o arco reflexo somatossomático. Com

neurônios pré-ganglionares simpáticos, para formar o arco reflexo somatovisceral,

sendo essa via particularmente importante na ação da acupuntura sobre os vasos

sanguíneos periféricos e representa também uma entre as muitas vias que a

acupuntura utiliza para atuar sobre os órgãos internos. E também com neurônios do

trato próprio-espinal, que estabelece, ao nível medular, associações de segmentos

superiores com os inferiores, conectando os plexos braquial, lombar e sacral.

Assim, ao se estimularem pontos de acupuntura no membro superior ou

inferior, o estímulo pode atingir estruturas cuja inervação se relaciona a um plexo

diferente. Esses estímulos são projetados da medula espinal para o encéfalo,

ativando ou inibindo várias estruturas importantes, como a formação reticular, via

trato espinorreticular (espinotalâmico) e trato paleoespinotalâmico, daí, interagindo

com a modulação do sistema nervoso autônomo (SNA), no nível do hipotálamo

(YAMAMURA, 2004).

De acordo com Stux e Hammerschlag (2005), o centro espinal utiliza

encefalina e dinorfina para bloquear os estímulos aferentes de baixa frequência e

outros neurotransmissores (talvez o GABA), com estimulação de alta frequência. De

acordo com Tetau e Lernout (1985), aqui intervém o "Gate Control System" de

Melzack e Wall, situado na substância gelatinosa do corno dorsal da medula espinal.

Por sua vez, o mesencéfalo utiliza a encefalina para ativar a via descendente

inibitória da dor através do sistema da rafe pelo sinergismo entre as monoaminas NE

e 5HT. O mesencéfalo também possui um circuito que evita as ligações

endorfinérgicas em estímulos de alta frequência (STUX; HAMMERSCHLAG, 2005).

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Finalmente, no terceiro centro (hipotálamo/hipófise), a hipófise libera

beta-endorfina no sangue e no líquido cefalorraquidiano promovendo analgesia à

distância. Além disso, o hipotálamo envia axônios longos para o mesencéfalo e ativa

a via descendente de analgesia pela beta-endorfina. Esse terceiro centro só é

ativado por estímulos de baixa frequência (STUX; HAMMERSCHLAG, 2005).

Ao nível dos receptores morfínicos, estudos têm mostrado que o naloxone,

antagonista da morfina, torna a acupuntura ineficiente sobre a dor. Isso permite

considerar que um dos mecanismos da ação antálgica da acupuntura é a

estimulação da secreção de endorfinas hipofisárias que se fixam sobre esses

morfínicos e provocam assim a formação de neuromediadores que inibem a

transmissão dolorosa (TETAU; LERNOUT, 1985).

Em termos de mecanismos neurobiológicos, a teoria da beta-endorfina, a

mais conhecida, é apresentada de forma esquemática na figura 3:

Figura 3. O hipotálamo e outras áreas corticais superiores

Fonte: Stux e Hammerschlag, 2005 (Adaptado)

O hipotálamo e outras áreas corticais superiores estão envolvidos na

liberação de B-endorfina, bem como outros opiáceos e neurotransmissores. Sugere-

se envolvimento de áreas corticais superiores, como o córtex sensitivo e o córtex

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frontal, sobretudo o córtex pré-frontal e as áreas límbicas (STUX;

HAMMERSCHLAG, 2005).

O avanço significativo dessas descobertas é que o estímulo por acupuntura é

projetado para as áreas superiores do cérebro tais como os córtices visual e

auditivo. As informações são passadas desses sítios para outras áreas chave de

processamento, inclusive o córtex pré-frontal e o sistema límbico. É provável que os

sinais de acupuntura nessas áreas corticais superiores induzam a modulação da

dor, como postulado anteriormente, mas também podem afetar outras funções

relacionadas à sobrevivência. Essas observações podem esclarecer aspectos

obscuros para muitos pesquisadores da acupuntura, a saber, como a

acupuntura trata várias enfermidades além do alívio da dor (STUX;

HAMMERSCHLAG, 2005).

A figura 4 representa esse modelo de hierarquia sensorial acoplada à

hierarquia motora via sistema hipotálamo límbico ou sistema límbico total. No

esquema, descrito por Stux e Hammerschlag (2005), o centro executivo final é o

hipotálamo, que controla três sistemas relacionados à sobrevivência: funções

endócrinas, autônomas e neuromodulatórias.

Figura 4. Hierarquias cerebrais funcionais das funções motora e sensitiva

Fonte: Stux; Hammerschlag, 2005 (Adaptado)

Para ilustrar o possível envolvimento do efeito do tratamento de doenças por

acupuntura, o sistema límbico é inserido corno um mediador entre o córtex pré-

frontal e o córtex associativo sensitivo multimodal. Sinais de acupuntura são

projetados para o córtex sensitivo e o hipotálamo controla três sistemas principais

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relacionados à sobrevivência: endócrino, SNA e funções modulatórias

neuroquímicas difusas (STUX; HAMMERSCHLAG, 2005).

Stux e Hammerschlag, (2005) concluem que, esses indícios dos mecanismos

básicos subjacentes a várias práticas milenares da acupuntura são revelados pelas

técnicas científicas modernas de imagem como a Tomografia por Emissão de

Pósitron (PET) e a IRMf.

Segundo Yamamura (2004), a MTC tem o importante mérito de haver

conseguido identificar onde e como fazer estimulações na parte somática, para obter

resultados específicos sobre os órgãos internos e as várias estruturas do corpo

humano. Assim, para obter o efeito de acalmar a função visceral, insere-se a agulha

no ponto de acupuntura correspondente à viscera, no sentido de contracorrente ou

antidrômico das fibras nervosas (YAMAMURA, 2004). Por outro lado, a analgesia

para dor muito intensa pode ser obtida fazendo-se a inserção seguida de estímulos

fortes, os quais terão ação sobre as fibras A-delta e sobre o trato neo-

espinotalâmico, produzindo efeito analgésico por liberação de substâncias opióides

(YAMAMURA, 2004).

6.2 – VIAS ASCENDENTES E DESCENDENTES DA ANALGESIA POR

ACUPUNTURA

As estruturas neuronais envolvidas na via cerebral de produção da AA podem

ser identificadas mediante estímulo de um microeletrodo que induz uma analgesia

que mimetiza a AA e também através de ablação tecidual que resulta em

subsequente bloqueio da AA (STUX; HAMMERSCHLAG, 2005).

Entretanto, a natureza da analgesia produzida depende das áreas cerebrais

estimuladas e pode ser classificada em duas categorias: a primeira inclui a analgesia

reversível por naloxone, a qual desaparece após hipofisectomia, persiste muito

tempo após o estímulo do ponto de acupuntura haver terminado, e apresenta

variação individual em termos de eficácia. Os potenciais do cérebro são evocados

por estímulo de pontos de acupuntura nas mesmas áreas que produzem analgesia e

há envolvimento da hipófise. Por essas razões, esta categoria compreende a via

aferente da acupuntura (STUX; HAMMERSCHLAG, 2005).

Por sua vez, a segunda categoria produz analgesia que não é reversível por

naloxone, não é afetada por hipofisectomia, só é produzida durante o estímulo e não

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apresenta variação individual de eficácia. Potenciais evocados não são obtidos das

regiões cerebrais envolvidas e não há participação da hipófise, mas atividades

neuronais não sincronizadas são obtidas por estímulo de pontos de acupuntura.

Esta constitui a via eferente da acupuntura. As regiões do cérebro que produzem

analgesia associada a essa via parecem estar ligadas ao Sistema Inibitório

Descendente da Dor (DPIS), que é excitado por estímulos em pontos de acupuntura

específicos através de urna via própria conectada ao DPIS (STUX;

HAMMERSCHLAG, 2005).

Os estímulos da acupuntura são conduzidos, em grande parte, por meio dos

tratos espinotalâmicos, e sua modalidade de ação depende do tipo de fibras

nervosas estimuladas. As fibras A-delta (finas, com pouca mielina) projetam seus

estímulos, principalmente pelo trato neo-espinotalâmico, fazem a mediação da dor

aguda, têm velocidade de condução mais rápida e estão, predominantemente,

ligadas aos mecanismos de defesa e fuga. Já as fibras C (calibrosas e amielínicas)

projetam seus estímulos principalmente pelo trato paleoespinotalâmico, conduzem

lentamente, e estão associadas, entre outros, à dor crônica e aos estímulos viscerais

(YAMAMURA, 2004; TETAU; LERNOUT, 1985).

Na projeção dos estímulos da medula espinal até o encéfalo, as vias nervosas

fazem conexões com várias partes do SNC. De modo que por meio dessas vias a

acupuntura pode estimular ou inibir estruturas como: formação reticular (sobretudo

nos níveis da substância cinzenta periaquedutal e do núcleo magno da rafe),

hipotálamo, sistema límbico e áreas corticais. Portanto, a inserção da agulha na

parte somática pode interagir no SNC, constituindo uma modalidade de tratamento

para afecções desse setor, como é o caso, por exemplo, de alterações emocionais

do tipo ansiedade, tensão, medo e pânico, que respondem bem ao tratamento pela

acupuntura (YAMAMURA, 2004).

Neste contexto, Han e Xie, em 1987, mostraram que os melhores resultados

da acupuntura sobre o sistema límbico são obtidos quando se fazem estímulos com

frequência abaixo de 5 Hz nos pontos de acupuntura, provavelmente porque nessas

condições ocorre um estímulo mais direcionado às fibras nervosas do tipo C,

relacionadas a esses pontos (HAN; XIE, 1987 apud YAMAMURA, 2004).

Yamamura (2004) explica que a ação da acupuntura sobre a parte emocional

do indivíduo é feita por meio da formação reticular e do sistema límbico, os quais

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manifestam, também, respostas no SNA e no eixo hipotálamo-hipófise, promovendo

a homeostase neuroendócrina.

Stux e Hammerschlag (2005) revelaram que a AA é produzida por ativação

do DPIS através de uma via específica conectada aos pontos de acupuntura,

enquanto se mantém a consciência e, que os pontos e não-pontos de acupuntura

podem ser distinguidos por suas vias anatomicamente distintas no cérebro.

Por outro lado, destaca Yamamura (2004), experimentalmente, foi

determinado que estímulos com frequência em torno de 100 Hz promovem efeito de

analgesia. Se a frequência é em torno de 300 Hz, o efeito de analgesia é mais

profundo. Esse comportamento deve-se ao fato de que estímulos nessas diferentes

frequências induzem a liberação de substâncias opióides específicas, tanto na

substância gelatinosa, como no núcleo magno da rafe.

As respostas corticais aos estímulos da acupuntura são projetadas,

principalmente por meio da via serotoninérgica e da via encefalinérgica. Esta, em

sua porção terminal no nível do corno posterior da medula espinal, libera encefalina,

excitando o interneurônio inibitório da susbtância P, na lâmina II de Rexed,

bloqueando a condução do estímulo da dor e promovendo o estado de analgesia na

região medular (YAMAMURA, 2004).

Para Stux e Hammerschlag (2005) não há dúvida da participação das

monoaminas (5HT e NE) na AA, haja vista que, as projeções da 5-HT da rafe para

centros superiores podem mediar a AA e, além disso, projeções descendentes para

a medula espinal via DLT podem operar de forma sinérgica com os efeitos

descendentes da NE, bloqueando a transmissão da dor na medula espinal.

O efeito analgésico da acupuntura inibe, também, os arcos reflexos

somatossomáticos indutores de contraturas musculares causadoras de alterações

biodinâmicas intra e extra-articulares, e que constituem estímulos para um ciclo

vicioso de perpetuação da dor (YAMAMURA, 2004).

Diante do exposto pesquisou-se publicações científicas nos últimos cinco

anos, em bases de dados científicos no intuito de considerar estudos atuais no

contexto dos principais mecanismos bioquímicos e neurofisiológicos da analgesia

por meio da acupuntura.

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7 – COMPROVAÇÕES CIENTÍFICAS MAIS RECENTES

Assim sendo, após leitura minuciosa dos artigos relevantes relativos ao foco

da presente revisão bibliográfica, selecionou-se publicações que estão descritas a

seguir.

No contexto dessa discussão, Molsberger et al. (2010) realizaram um

experimento randomizado, pragmático controlado e multi-cego de acupuntura para

dor crônica no ombro com 424 pacientes em um ambiente de atendimento

ambulatorial na Alemanha. Para o estudo, os voluntários foram divididos em três

grupos, de acordo com o tipo de terapia proposta (Acupuntura Verdadeira- AV,

Acupuntura Falsa - AF, ou Tratamento Ortopédico Convencional - TOC) que ocorreu

ao longo de 6 semanas. Os dois grupos que receberam acupuntura como tratamento

não tomaram conhecimento se a acupuntura era falsa ou verdadeira.

Foram realizadas análises em dois momentos. Sendo uma análise imediata,

logo após cada sessão e, uma segunda análise três meses após o término do

tratamento. Constatou-se nas duas análises que a acupuntura obteve maior êxito

quando comparada às outras duas formas de terapia, como segue na tabela 3:

Tabela 3. Análise comparativa entre Acupuntura Verdadeira, Acupuntura Falsa e

Tratamento Ortopédico Convencional na dor crônica de ombro

Análise primária (Imediata) Análise secundária (3 meses após)

AV 65% (IC 95% 56-74%) AV 68% (IC 95% 58-77%) (n = 92)

TOC 37% (IC de 95% 24-

50%) (n = 50)

AF 40% (IC 95% 27-53%) (n = 53)

AF 24% (IC 95% 9-39%) TOC 28% (95% IC 14-42%) (n = 38)

Fonte: Autoria própria

Os autores concluíram que o ensaio indica que a acupuntura clássica chinesa

é uma alternativa eficaz para o TOC para dor crônica no ombro. Além disso, foi

consenso que quinze sessões de acupuntura chinesa durante 6 semanas são mais

eficazes do que a terapia padrão convencional com os Anti-infamatórios Não

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Esteroidais (AINEs) e fisioterapia. Após o final do tratamento, o efeito terapêutico da

AV tem a duração de 3 meses.

Naquele mesmo ano, através de ensaios laboratoriais, Goldman et al. (2010),

em seu estudo verificaram que a adenosina, um neuromodulador com propriedades

anti-nociceptivas apresentou elevação durante sessões de acupuntura em ratos e

que suas ações anti-nociceptivas são necessárias para a expressão do receptor de

adenosina A1. Através da injeção direta de um agonista do receptor de adenosina

A1 observaram aumento do efeito analgésico da acupuntura.

Através desta pesquisa, os autores descobriram que o receptor A1 do

agonista CCPA reduz drasticamente dor inflamatória e dor neurogênica e que a

supressão de dor mediada pela acupuntura requer a expressão do receptor de

adenosina A1. Os mesmos relataram que a inserção e rotação manual das agulhas

de acupuntura provocaram um aumento geral na concentração extracelular de

purinas, incluindo adenosina.

A quantificação de purina extracelular em amostras de microdiálise coletada

nas proximidades do ponto de acupuntura revelou que a concentração extracelular

de adenosina aumentou após o lançamento de ATP, que foi desfosforilado a ADP,

AMP e adenosina por potentes ectonucleotidases, e que a taxa de desfosforilação

do AMP representa a etapa limitante nesta reação.

No tocante à neurofisiologia da acupuntura, Zhang et al. (2012), realizaram

uma revisão de trabalhos que abordavam seus mecanismos e efeitos. Em uma de

suas conclusões, os autores mencionam que os receptores somatossensoriais e

suas fibras aferentes são os principais componentes neurais das UNA e possuem o

papel central na produção de sinais aferentes. Além disso, definem um novo

conceito, dos componentes neuroativos de UNA como tecidos não neuronais e

células que liberam vários mediadores capazes de modular sinais aferentes locais

via cascatas de reações bioquímicas.

O estudo ressalta ainda que as reações biofísicas são provocadas por

ativação de mecanorreceptores em UNA devido à pressão mecânica e distorção do

tecido induzida durante a manipulação manual. Os autores concluem que o

mecanismo local das UNA desempenha igualmente um papel importante na AA

tanto como os mecanismos centrais.

Além disso, VICKERS et al. (2012), em sua revisão sistemática utilizou

Ensaios Clínicos Randomizados (ECR) de acupuntura para dor crônica nos ombros,

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nas costas, no pescoço, osteoartrite, e cefaléia crônica. Para tanto, foram eleitos 29

de 31 ensaios elegíveis, totalizando 17.992 pacientes analisados. Na análise

primária, incluindo todos os ECR elegíveis, os efeitos da AV foram superiores aos da

AF e aos efeitos do controle não-acupuntura (CNA) para cada condição de dor.

De acordo com o estudo, a acupuntura é eficaz para o tratamento de dor

crónica e, por conseguinte, é uma opção de referência. Os autores também

concluem que, diferenças significativas entre AV e placebo indicam que a resposta

decorrente de AV é significativa e possui fundamentos fisiológicos quando

comparada com os resultados proveninetes de placebo.

Ao direcionar sua atenção à bioquímica molecular, Park et al. (2014)

analisaram experimentalmente se a sinalização molecular em torno do acuponto

VB34 (ver figura 5) após inserção da agulha de acupuntura seria essencial para

iniciar o efeito da acupuntura. Para testar esta hipótese, os objetivos do estudo

foram identificar entidades moleculares procedentes do agulhamento por acupuntura

à nível local na pele e investigar o papel de tais moléculas nos efeitos analgésicos

da acupuntura.

Para tanto, no primeiro momento, foi realizada uma análise através de

microarray em todo o genoma da camada isolada da pele no acuponto VB34 de

ratinhos C57BL/6 e, 1 hora após o tratamento, descobriram que um total de 236

genes haviam sido alterados. Ademais, foi constatado que a modulação ocorreu por

meio de sinal da Proteína Quinase Ativada por Sinal Extracelular (ERK) em resposta

à ativação extracelular. Além da ERK, a análise de DNA complementar (cDNA) por

microarray sugeriu que outros bio-candidatos podem estar relacionados com o

agulhamento nos acupontos.

Figura 5. Localização anatômica Acupunto VB34 em camundongo

Fonte: Park, 2014

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Em um segundo momento foi utilizado o teste de formalina e adjuvante

completo de Freund e, verificou-se que houve atenuação do comportamento

nociceptivo e da alodinia mecânica após a acupuntura. No entanto, estes efeitos

foram bloqueados quando a cascata bioquímica de sinalização da ERK foi

interrompida em resposta à administração de U0126 (0,8 ug / uL), inibidor das

proteínas quinases ativadas por mitógeno MAPK e MEK. Neste estudo, U0126,

diminuiu os níveis de expressão do Fator Nuclear da Cadeia leve kappa de Células

B (NFkB) e da Cadeia alfa do Inibidor do Gene Potencializador da Cadeia Leve

kappa nas Células B (IkBα).

Estes resultados indicam que a ativação de ERK pode estar relacionada à

sinalização de NFkB / IkB. A partir daí, os autores sugeriram que a fosforilação da

ERK após inserção da agulha de acupuntura é o start bioquímico necessário para

desencadeamento dos efeitos da acupuntura, entre eles, a analgesia.

Além das pesquisas apresentadas, Da Silva et al. (2015) investigaram os

efeitos da Acupuntura Manual (AM) no acuponto Baço/Pâncreas 6 (BP6) após

injeção de Carragena – um indutor de resposta inflamatória caracterizada por

hiperalgesia mecânica e edema – no músculo gastrocnêmio de ratinhos. A AM do

acuponto BP6 (ver figura 6) reduz comportamentos nociceptivos, calor e hiperalgesia

mecânica e o edema que o acompanha, e aprimora escape/evitação. Tratamentos

diários repetidos com AM em BP6 induziram uma modulação fenotípica de

macrófagos musculares promovendo redução de macrófagos M1 (células pró-

inflamatórias) e aumento de macrófagos M2 (células anti-inflamatórias e importante

fonte de interleucina10 – IL10).

Figura 6. Localização anatômica do acuponto BP6 em camundongos

Fonte: Zurron, 2012

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Tal experimento buscou identificar se AM em BP6 poderia reduzir dores

musculares e inflamação e, se este efeito foi mediado por IL-10. Para tanto, foi

utilizado um modelo bem caracterizado de inflamação muscular induzida por

carragenina para demonstrar os efeitos analgésicos e anti-inflamatórios de AM em

BP6. A participação de M2 e IL-10 foi analisada através da utilização de IL-10 em

ratinhos e imuno-histoquímica em nocautes (IL-10 - / -), respectivamente. O estudo

demonstra, pela primeira vez, um aumento do teor de IL-10 no músculo durante a

AM e que os efeitos anti-inflamatórios e anti-hiperalgésicos da AM não ocorrem em

ratos IL-10 - / -, sugerindo que produz resposta localmente no músculo.

Assim, a ativação de vias inibitórias centrais do hipotálamo podem estar

subjacentes a uma interação neuroimune que aciona macrófagos através da

ativação do SNA. Alternativamente, a liberação local de neurotransmissores poderia

alterar o microambiente imediato para modular o fenótipo de macrófagos. Mediante

os resultados, os autores concluem que a acupuntura pode ser uma alternativa aos

medicamentos por estimular vias endógenas para promover a cicatrização e reduzir

a dor.

Seguindo a mesma linha de investigação, Jia-You et al. (2015) em seu

experimento, investigaram a relação entre o microRNA (miRNA) miR-339 e a

proteína sirtuina 2 (SIRT2) em células SH-SY5Y de humanos e células PC12 de

ratos. SIRT2 é membro da família de sirtuinas (SIRT1-7), conhecida por ser mais

predominantemente expressa no cérebro e tem sido implicada como um regulador

de uma variedade de importantes processos fisiológicos, como o envelhecimento,

metabolismo e resistência ao estresse.

O objetivo primário do estudo foi observar se um dos alvos regulados por

acupuntura, SIRT2, seria um provável alvo direto de miR-339 regulado por

acupuntura em neurônios. Além disso, o ensaio demonstrou que a expressão de

SIRT2 alterada por miR-339 ativa seus alvos, como NF-kB e FOXO1 através do

aumento da sua acetilação. Os autores relatam em seus resultados que a

acupuntura pode agir através de mudanças epigenéticas e ações subsequentes por

meio de seus alvos, tais como miRNA- 339 / SIRT2 / NFkB eixo / FOXO1.

Portanto, esses resultados revelam que a SIRT2 presente é um provável alvo

direto de miR-339, o que leva a uma melhor elucidação dos mecanismos pelos quais

a acupuntura regula a expressão de miR-339 acompanhada da regulação negativa

da expressão de SIRT2 através da acupuntura em ratos hipertensos. Em suma, os

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autores concluem que a acupuntura exerce o seu efeito terapêutico por meio de uma

série de processos biológicos incluindo (1) As mudanças de miRNA (tais como miR-

339); (2) A mudança de alvos (como SIRT2); e (3) Alteração dos níveis de SIRT2

para ativar os seus alvos, tais como expressão de NFkB e FOXO1. De acordo com

os autores, estes eventos resultam em efeitos terapêuticos notavelmente

observados in vivo.

8 – RESULTADOS

Os estudos expostos tornam mais fácil a elucidação e compreensão sobre os

mecanismos de ação da acupuntura no que diz respeito à sua função analgésica. De

acordo com a literatura, o primeiro mecanismo elucidado foi o mecanismo elétrico

promovido pelo contato da agulha com os acupontos devido à melhor

condutibilidade elétrica por redução da resistência da pele nesses pontos.

Conforme observado, a inserção de uma agulha de acupuntura é capaz de

desencadear efeitos energéticos, humorais e neurais à nível local e central,

dependendo do modo com que se manipula tal agulha, uma vez que para a

liberação de neurotransmissores específicos são requeridas manipulações

específicas.

O desenvolvimento dessas e de inúmeras pesquisas científicas estabelecem

explicações sobre como a acupuntura age estimulando os sistemas endógenos de

analgesia através do SNP, SNC e sistema imunológico, como resume a tabela 4:

TABELA 4. PRINCIPAIS MECANISMOS DE AÇÃO DA ANALGESIA POR ACUPUNTURA

VIA MECANISMOS SÍTIO ALVO DA ACUPUNTURA

Energética Concepções clássicas de Qi da MTC

Yin-Yang, Cinco Elementos, Meridianos, Zang-Fu, Substâncias vitais

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Eletrofisiológica Fenômenos de Ionização e Polarização Melhor condutibilidade elétrica da pele nos acupontos Fenômenos Termelétricos

Ondas eletromagnéticas Menor resistência nos acupontos Alterações de temperatura

Humoral Substâncias secretadas no sangue: Hormônios, Neurohormônios, Neurotransmissores.

Substância P, TBXA, TBXB, PGD, PGE, Histamina, Bradicinina, K+, Beta-endorfina, Dinorfina, Encefalina, NO, Citocinas

Neurotransmissora SNP SNC Princiapais Neurotransmissores inibidores da dor

Estimulação das comportas da dor (Fibras A-Beta) Córtex sensitivo, Córtex pré-frontal, Sistema Límbico, SNA Peptídios Opióides Endógenos, Norepinefrina (NE), Serotonina (5-HT), Glicina, Áciodo ƴ-aminobutírico (GABA), Endocanabinóides

Fonte: Autoria própria

Recentemente, outras pesquisas foram realizadas com o objetivo de

encontrar novas explicações e alvos moleculares da acupuntura. Foi observada a

participação de proteínas, neurotransmissores e, moduladores imunológicos que

atuam como avos moleculares da acupuntura com a finalidade de suprimir a

inflamação e, consequentemente, inibir a dor. Nesta perspectiva, observa-se na

tabela 5 as mais recentes descobertas científicas:

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TABELA 5. DESCOBERTAS E COMPROVAÇÕES CIENTÍFICAS MAIS RECENTTES

ALVOS DA ACUPUNTURA

FUNÇÕES DOS ALVOS EFEITOS DA ACUPUNTURA SOBRE OS ALVOS

ADENOSINA Neuromodulador antinociceptivo

Reduz drasticamente dor inflamatória e neurogênica

ERK, MAPK e MEK, NFKB, IKBα

Vias anti-inflamatórias Fosforilação da ERK é o Start bioquímico para a Analgesia por Acupuntura

IL-10 Interleucina com propriedades anti-inflamatórias e antihiperálgésicos

Acupuntura reduz M1, aumenta M2 e IL-10 reduzindo a dor e promovendo cicatrização

miR-339, FOXO1, SIRT2

Regulação do metabolismo, resistência ao estresse e envelhecimento

Promove mudanças de mRNA, alteração quali e quantitativa de proteínas alvo in vivo

Fonte: Autoria própria

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9 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

A dor é uma experiência emocional sensorial subjetiva, que representa um

mecanismo de proteção ao organismo. Enquanto sinal vital, tem a finalidade de

alerta para restauração da homeostasia prejudicada por algum estímulo, o qual pode

ser proveniente tanto do meio externo como provocado pelo próprio organismo. Em

suma, trata-se de um fenômeno fisiológico complexo, dependente de multifatores,

como grau de percepção somato-sensorial, visceral, estado emocional e biológico, e

cuja percepção é variável e está associada a uma lesão tecidual real ou potencial.

No entanto, em determinadas condições, a dor deixa de ser fisiológica e torna-se

patológica, causando sofrimento, debilidade e imobilidade, afetando ainda mais os

aspectos emocionais do indivíduo.

Muitas pesquisas vêm sendo desenvolvidas no âmbito da analgesia e, sabe-

se com clareza dos mecanismos intrínsecos de controle da dor. Na atualidade, uma

preocupação é a utilização exacerbada de fármacos, neste caso, os analgésicos.

Portanto, faz-se necessário um trabalho sério de conscientização de toda a

população, bem como dos profissionais da área da saúde, como forma de alerta

para o perigo que representa o uso indiscriminado dessas drogas.

Vários pesquisadores têm alertado para o preocupante impacto ambiental

através de estudos ecotoxicológicos, tendo em vista que o risco é eminente desde a

fabricação dos medicamentos, passando pelos micropoluentes produzidos pelo

descarte sanitário e industrial nas Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs), que

contaminam os recursos hídricos, o solo, os animais, e as residências abastecidas

por essas águas “tratadas”. Ademais, os efeitos colaterais esperados e os

inesperados dos medicamentos e de seus metabólitos no ser humano, ou

excretados nos esgotos, têm levado a muitas discussões sobre o risco-benefício da

farmacoterapia.

Na perspectiva de aliviar o sofrimento do próximo, a MTC substancia há mais

de 4 mil anos uma medicina capaz de integrar homem e natureza, compreendendo o

ser humano como um todo, tratando de suas causas energéticas, emocionais e

físicas, com a finalidade de estimular os mecanismos intrínsecos de controle da

homeostasia. Muitas pesquisas vêm sendo realizadas com a finalidade de elucidar

os mecanismos pelos quais a acupuntura age e, muitas conquistas científicas à nível

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neurofisiológico e bioquímico têm embasado esta vertente da MTC com sucesso,

apesar do ceticismo científico ocidental.

Os resultados dos estudos desenvolvidos na temática da analgesia por meio

da acupuntura, apresentados na revisão de literatura realizada neste trabalho,

promovem suporte científico e empírico para validar a aplicabilidade da referida

técnica em prol do alívio da dor. Todavia, sugere-se que sejam realizadas mais

pesquisas, cujo objetivo seja o de elucidar cada vez mais os mecanismos de ação

da acupuntura, principalmente no que diz respeito à AA, ressaltando-se sempre a

importância de discernir e comparar os efeitos da AV com os da AF, do placebo e

das terapias convencionais. Sugere-se também mais estudos desenvolvidos

cientificamente nesta área tão promissora por profissionais biomédicos, contribuindo

de maneira sustentável na redução de toxicidade e resistência microbiológica com

suas pesquisas sérias.

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