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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Dannyel Brunno Herculano Rezende Da política no vídeo à videopolítica: um estudo hermenêutico do programa Jornal do Dia (Natal/RN) Natal/RN 2012

Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro … · detallado de sus noticias, como los "hechos políticos" del Estado, entendida ... Corroboramos com o destacado autor da trilogia

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

Dannyel Brunno Herculano Rezende

Da política no vídeo à videopolítica: um estudo hermenêutico do programa Jornal do Dia (Natal/RN)

Natal/RN 2012

Dannyel Brunno Herculano Rezende

Da política no vídeo à videopolítica: um estudo hermenêutico do programa Jornal do Dia (Natal/RN)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) como requisito parcial para obtenção do título de Mestre.

Orientador: Professor Doutor José Antônio

Spinelli.

Natal/RN 2012

Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).

Rezende, Dannyel Brunno Herculano.

Da política no vídeo à videopolítica : um estudo hermenêutico do programa : Jornal do Dia (Natal-RN) / Dannyel Brunno Herculano Rezende. – 2012.

122 f.: il. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal

do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais, 2012. Orientador: Prof. Dr. José Antônio Spinelli. Área de concentração: Sociologia.

1. TV Ponta Negra – Natal (RN). 2. Jornal do Dia – Programa de Televisão. 3. Sociologia da Comunicação. 4. Hermenêutica de profundidade - Método. I. Spinelli, José Antônio. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BSE-CCHLA CDU 316.77 (813.2)

Dannyel Brunno Herculano Rezende

Da política no vídeo à videopolítica: um estudo hermenêutico do programa Jornal do Dia (Natal/RN)

Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Aprovado em ___/___/___

_________________________________________

Prof. Dr. José Antônio Spinelli Orientador (UFRN).

_________________________________________

Prof. Dr. Francisco de Assis Brandão Examinador (UFPE).

________________________________________

Prof. Dr. Homero de Oliveira Costa

Examinador (UFRN).

Agradecimentos

Ao Professor José Antônio Spinelli, orientador e amigo, pela dedicação conferida ao

longo do curso e pelo aprendizado que tem sido constante.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte (PPGCS-UFRN), Lincoln Moraes de Souza, Homero de

Oliveira Costa, José Willington Germano, João Emanuel Evangelista e Norma Takeuti, com

os quais mantive importantes contatos e muito contribuíram para o meu enriquecimento

cultural.

Ao professor Adriano Cruz, do Departamento de Jornalismo da UFRN, pelas

sugestões metodológicas iniciais, pelos diálogos e pela amizade conquistada.

Ao professor Gabriel Eduardo Vitullo, professor pelo Departamento de Ciências

Sociais da UFRN, pela rica orientação ao cumprimento das atividades de bolsa, também ao

despertar o gosto pelo cinema e pela prática educativa emancipatória.

Aos colegas de curso e de universidade, Erico Pinheiro Fernandez, Julianna Azevedo,

Gustavo Vilella Whately, Bruno César Ferreira e Josemar Damasceno, pelo convívio e

amizade que se estende para muito mais.

Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN e ao Programa de

Bolsas de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) que tornaram

possível a realização do Mestrado.

Aos meus pais, Rosilda Herculano Rezende e Juarez Rezende, e demais familiares que

contribuíram de forma valiosíssima para minha formação.

Tudo o que se nos apresenta, no mundo social-histórico,

está indissociavelmente entrelaçado com o simbólico.

Cornelius Castoriadis (2007, p. 142).

Resumo

A presente pesquisa procura realizar um estudo acerca do telejornal “Jornal do Dia” da TV Ponta Negra, afiliada à Rede SBT de televisão com sede em Natal/Rio Grande do Norte. O trabalho procura avaliar, a partir de uma perspectiva crítica, o comportamento da seção política do referido telejornal respeitante à cobertura que tem efetuado acerca dos acontecimentos políticos do estado. Especificamente, interessa-nos saber, através do estudo detalhado de suas matérias jornalísticas, como os “fatos políticos” do estado, entendido estes como a prática política noticiada, são apresentados por seu telejornal. Do ponto de vista metodológico, a pesquisa faz a opção pelo uso da Hermenêutica de Profundidade (HP) proposta por Thompson (2007) em seu livro “Ideologia e cultura moderna”. A HP é sugerida por se tratar de um referencial de análise de grande eficácia para o estudo dos meios de comunicação de massa e, em particular, da ideologia. Desse modo, como se trata de uma investigação sobre “formas simbólicas”, acreditamos estar de posse de uma importante ferramenta metodológica capaz de possibilitar a compreensão e a interpretação das notícias cotidianamente “teleplasmadas”.

Palavras-chave: TV Ponta Negra. Jornal do Dia. Ideologia. Hermenêutica de Profundidade.

Resumen

Esta investigación tiene como objetivo realizar un estudio sobre el noticiero "Jornal do Dia" de la TV Ponta Negra, afiliada a la cadena de televisión SBT con sede en Natal / Rio Grande do Norte. El estudio evalúa, desde una perspectiva crítica, el comportamiento de la sección política de ese noticiero sobre la cobertura que ha estado haciendo sobre los acontecimientos políticos en el estado. Específicamente, estamos interesados en conocer, a través del estudio detallado de sus noticias, como los "hechos políticos" del Estado, entendida como una práctica política que se informó, se presentan en su noticiero. Del punto de vista metodológico, la investigación se toma la decisión de utilizar la hermenéutica de profundidad (HP) como propuesto por Thompson (2007) en su libro "La ideología y la cultura moderna". Sugerimosla HP porque es una referencial de alta eficacia analítica para el estudio de los medios de comunicación y en particularde la ideología. De este modo, como se versade una investigación sobre las "formas simbólicas" creemos que estamos en posesión de una importante herramienta metodológica capaz de permitir la comprensión e interpretación de las noticias diariamente "teleplasmadas".

Palabras clave: TV Ponta Negra. Jornal do Dia, Ideología, Hermenéutica de Profundidad

Sumário

Introdução................................................................................................................................11 1. Do alicerce geral da investigação científica: os pressupostos epistemológicos,

metodológicos e conceituais........................................................................................18

1.1. Para uma fundamentação epistemológica e metodológica da pesquisa............................................................................................................18

1.1.1. Epistemologia....................................................................................................18

1.1.2. Metodologia......................................................................................................25

1.2. Alguns elementos conceituais imprescindíveis à consecução da pesquisa: a

noção de Formas Simbólicas, Ideologia e Poder...........................................39 1.2.1. Referências conceituais da pesquisa..................................................................39

2. Da comunicação mediada: a televisão e o segmento jornalístico............................52

2.1. Do advento midiático e da interação mediada: aspectos históricos e interacionais dos meios de comunicação de massa...................................................52

2.1.1. O advento midiático..........................................................................................52 2.1.2. A interação mediada..........................................................................................54 2.2. Globalização contemporânea e desenvolvimento midiático: avanços e transformações nos mass media.................................................................................58

2.3. Televisão, telejornalismo e notícias: canais de transmissão das ideologias......................................................................................................................66

3. Da tríplice análise da pesquisa...................................................................................73

3.1. Da análise sócio-histórica: a TV Ponta Negra e o telejornal Jornal do Dia.....................................................................................................................73

3.1.1 A TV Ponta Negra.............................................................................................73 3.1.2 O Jornal do Dia..................................................................................................78

3.2. Da análise formal ou discursiva: por dentro das notícias............................80

3.3. Para uma interpretação/reinterpretação dos conteúdos

midiáticos.......................................................................................................104

Conclusão...............................................................................................................................112

Bibliografia............................................................................................................................116

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Introdução

[…] Ela [a televisão] pode fazer existir ideias ou representações, mas também

grupos. As variedades, os incidentes ou os acidentes cotidianos podem estar

carregados de implicações políticas, éticas etc. capazes de desencadear sentimentos

fortes […] e a simples narração, o fato de relatar, to record, como repórter, implica

sempre uma construção social da realidade capaz de exercer efeitos sociais de

mobilização (ou desmobilização).

Pierre Bourdieu (1997, p. 28)

“Teoria e pesquisa só servem se têm a capacidade de dar sentido à observação de seu

objeto de estudo”, disse Manuel Castells (1999) em Prefácio à edição de 2010 de “A

sociedade em rede” (Volume 1). Corroboramos com o destacado autor da trilogia “A era da

informação: economia, sociedade e cultura”, pois não há virtude em qualquer

empreendimento científico se uma forte incongruência separa aquilo que se procura estudar

daquilo que “calça” seu entendimento e o estimula a uma importante e coerente investigação.

Pensamos, então, que teoria e pesquisa são fundamentais quando se trata de encontrar

explicações e atingir objetivos de trabalho. Sem uma teoria dificilmente haveria questões

justificáveis do ponto de vista da razão científica e provavelmente não poderíamos falar de

pesquisa no sentido específico do termo: estudo metódico orientado pela noção de ciência.

O que pretendemos aqui realizar é uma pesquisa e, claro, fazer uso de teorias e,

também, de teóricos. Mas, antes de tudo, indagamos: o que se almeja pesquisar? Qual o

porquê da pesquisa? Como será realizada? Trata-se de três questionamentos básicos,

introdutórios, importantes para um bom entendimento de um trabalho.

Assim, a nossa pesquisa, obra de caráter acadêmico-dissertativo, vem expor algumas

inquietações referentes (por que não dizermos?) ao “universo” da televisão e mais

detalhadamente ao “mundo” do telejornalismo1. Nesse sentido, nos dispomos a investigar um

canal de comunicação, a TV Ponta Negra ― afiliada à Rede SBT de Televisão e com sede em

Natal/Rio Grande do Norte ―, e, assim, a realizar um importante estudo acerca de seu

telejornal, o “Jornal do Dia”. Com isso, nos propomos integralmente a examinar o

comportamentoda sua seção política respeitante à cobertura que vem efetuando acerca dos

1Compreendemos que embora estejamos tratando de um canal local, nem por isso seja elemento impeditivo de pensar a televisão no geral, isto é, os desafios que aqui serão elencados não possam, por isso mesmo, ser representativos de muitos estados brasileiros onde a relação entre mídia e política seja bastante estreita, principalmente, no que concerne à apropriação dos meios de comunicação por grupos políticos ou mesmo ligados à política e que deles fazem uso, reproduzindo ideias, formulando suas representações e escolhas políticas, mais que isso fornecendo valores e orientações de ordem social relevantes para a formação de uma determinada concepção de mundo.

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acontecimentos políticos do RN. Em outras palavras, objetivamos saber, através do estudo

detalhado de suas matérias jornalísticas, como os “fatos políticos” do estado, entendido estes

como a prática política noticiada, são apresentados por seu telejornal.

Ambicionamos averiguar, em que medida, por exemplo, encontram-se relacionadas

não só televisão e telejornalismo, mas também política, tendo nossa reflexão origem ― ainda

que limitadamente ― no estudo de um caso particular: a emissora geradora de televisão TV

Ponta Negra, como bem a assinalamos acima. Tratamos, portanto, em efetuar uma análise

hermenêutica do seu programa Jornal do Dia em sua cobertura política local, ciosos por

decifrar os possíveis vieses que informam a prática política estadual do RN, o chamado

“cotidiano da política”.

Ora, o que revelam, nesse sentido, as “notícias” ou as “matérias jornalísticas” editadas

pelo supra-referido telejornal a respeito dos “fatos” e “acontecimentos públicos” do estado?

Que interpretação, ou interpretações, o jornal vem construindo acerca dos assuntos políticos

recorrentemente “teleplasmado”? (SARTORI, 2000). É possível deslindar estratégias de

poder, e, assim, relações sociais de assimetria, tão comum a uma “telepolítica”? (SARTORI,

2000). De fato, como o jornal vem avaliando a prática política local? São, portanto, alguns

questionamentos sobre os quais nos dedicaremos a entender.

Antes, porém, buscamos deixar claro que o presente trabalho parte da compreensão de

que vivemos uma atualidade em que os meios de comunicação encontram-se amplamente

desenvolvidos. Não é à toa que inúmeros autores, entre eles John Thompson (2007), vêm se

debruçando com afinco para tentar entender a contemporaneidade em sua realidade social

transbordante de comunicação e informação. Conforme assinala, o estágio societário em que

nos encontramos apresenta-se simultaneamente atravessado pela força e onipresença dos

meios de massa ou mass media2.

Thompson, assim, tem chamado a atenção para as importantes alterações que vêm

ocorrendo nos meios de comunicação, especialmente, a partir das últimas décadas do século

XX. Segundo ele, as mudanças operadas na economia capitalista e na tecnologia, de modo

geral, afetaram sobremaneira a organização dos mass media pelo mundo e as maneiras de

transmissão e recepção de suas mensagens. Nessas condições, a concentração dos meios de

comunicação, a sua globalização e as inovações tecnológicas, entre outras, foram decisivas

2 Consideramoscomo sendo cada vez mais crescente a centralidade da mídia na sociedade atual, todavia, por assumir tal posição, não compartilhamos da interpretação de atribuir aos meios de comunicação poderes desmedidos em face de sua conexão com a contemporaneidade.

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para o fortalecimento e expansão das empresas midiáticas, tornando-as mais poderosas e

presentes na maior parte do globo.

Em sua análise do desenvolvimento da mídia, o autor tem, ainda, destacado a

importância e o impacto das novas formas de interação criadas pelos meios de comunicação.

Conforme observa, o advento dos meios de comunicação, no século XV, e o seu conseqüente

desenvolvimento aos dias atuais, trouxeram consigo novas possibilidades de interação que

difere de um contato “face a face” para o que chama de uma “interação mediada” e “quase-

interação mediada”.

No caso desta última forma, ele se refere às possibilidades de contato entre os homens,

criadas por meios como livros, revistas, jornais, rádio e televisão, reportando-se, com isso, a

uma situação social através da qual as pessoas são conectadas por meio de um processo de

veiculação de “formas simbólicas” de caráter preponderantemente monológico.

Neste sentido, Thompson tem conferido um importante destaque à televisão como um

meio interacional de grande centralidade na sociedade atual. Observa como esse veículo

apresenta uma grande capacidade de impactar as relações sociais, na medida em que se

configura como um canal de alcance de massas e cujas características permitem

relacionamentos pautados, por exemplo, no distanciamento espaço-temporal, na publicidade

e/ou na visibilidade de imagens para um número indefinido de pessoas, entre outros.

Dado o elevado grau de penetração que a televisão vem apresentando no mundo social

e, por isso mesmo, sobressaindo-se como um grande produtor e difusor de formas simbólicas,

o autor ressalta a sua importância no que se refere à propagação de ideias e informações.

Conforme salienta, os meios de comunicação se constituem, nas sociedades hodiernas, como

sendo os locais privilegiados de produção e difusão das ideologias (embora não sejam os

únicos). Com o desenvolvimento dos meios de massa, as formas simbólicas passaram, então,

a atingir um número maior de pessoas e, deste modo, o raio de ação das ideologias foi

também ampliado.

No entanto, é fundamental que se diga que as formas simbólicas não são de antemão

ideológicas, uma vez que o caráter ideológico das mensagens encontra-se no modo como o

sentido é mobilizado contextualmente, prestando-se, assim, ao estabelecimento ou ao sustento

de relações de poder e assimetria social. Outrossim, as formas simbólicas são consideradas

ideológicas se o significado por elas engendradas presta-se ao serviço de pessoas e grupos que

ocupam posição de poder na sociedade.

O estudo que hora oferecemos, preocupa-se, então, com o importante espaço que a

mídia eletrônica vem adquirindo na sociedade atual, notadamente, no que diz respeito a sua

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capacidade em produzir e difundir informações. Mais que isso, os mass media têm se

destacado como os principais veículos de “construção social da realidade” (BERGER e

LUCKMANN, 2004). Vale dizer, que o papel mais relevante da mídia decorre, justamente, de

sua capacidade de elaborar e difundir representações, dos mais diferentes aspectos da vida

humana ― das etnias (branco/negro), dos gêneros (masculino/feminino), das gerações

(novo/velho), da estética (feio/bonito), entre outros, ― e, em especial, da política (LIMA,

2006, p. 55).

Nesse sentido, o nosso interesse em fazer uma análise do conteúdo jornalístico de tal

programa, reside no fato de ter consciência que os meios de comunicação se constituem em

instrumentos importantes de socialização.

É mister assim falar, para uma melhor reflexão, que a socialização corresponde a um

processo contínuo que vai desde a infância à velhice e é por meio dela que o indivíduo

internaliza a cultura de seu grupo e incorpora as normas sociais. Uma comparação da

relevância de diferentes instituições sociais no processo de socialização, alude Lima (2006, p.

55), revelaria que nos últimos 30 anos a família, as igrejas, as escolas e os grupos de amigos

estariam crescentemente perdendo espaço para os meios de massa.

Igualmente, Luis Felipe Miguel (2004, p. 332) raciocina que as representações que

possuímos do mundo, é fruto das maneiras de vê-lo, ou melhor, que incorporamos, já que elas

nos são socializadas. Porém, importa observar que essas representações são, e este é o fato

mais relevante, ativas. “Nós agimos no mundo de acordo com a maneira como o vemos ou o

conhecemos, assim a conservação ou a transformação da sociedade depende, em maior parte,

dessas representações, sendo elas cada vez mais disseminadas pelos meios de comunicação”.

Pode-se dizer, com isso, que, por um lado, é cada vez mais forte a idéia de que muito

de nossa maneira de ver o mundo e atuar nesse mundo depende da mídia, e, acrescente-se, ao

contrário do que pode parecer, ela não transmite apenas “fatos”, mas também julgamentos,

valores e interpretações (MIGUEL, 2004, p. 331); por outro, se os meios são elementos

relevantes na estruturação de nossas representações, conseqüentemente, a realidade que nos

cerca não existe simplesmente, ela é também construída pela nossa maneira de vê-la.

A mídia, então, como procura deixar claro Thompson (1998; 2007), passa a ter uma

centralidade medrada na atualidade e a “midiação” da sociedade vem acompanhada pelo

destaque da TV em relação aos outros meios de massa. Nesse sentido, Alessandra Aldé

(2004) destaca a televisão como uma fonte significativa de orientação política, isto por saber

que a maior parte das informações que a nossa população têm acesso advém da televisão,

sendo o telejornalismo um segmento que atinge fortemente os lares. Segundo a autora, a

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televisão é o meio que interpela as famílias, porque alcança diretamente os indivíduos e se

constituem como “repertórios de exemplos”, fornecendo explicações prontas para uma

variabilidade de questionamentos.

Por isso, pensamos como sendo extremamente necessário e atual realizarmos uma

investigação sobre a TV Ponta Negra, especificamente, o seu programa Jornal do Dia, como

bem acentuamos, dentro da proposta de querer saber como estão sendo apresentados os

acontecimentos da política potiguar, os quais se tornam matérias jornalísticas e são

amplamente difundidos no estado.

É, pois, bastante comum a mídia nas suas inúmeras mensagens televisivas disseminar

informações especificas, sugerir e legitimar determinados pressupostos sobre a política, não

sendo assim demais pensarmos, hipoteticamente, que, no caso do Jornal do Dia, os

acontecimentos que são, em grande parte, midiatizados pela TV Ponta Negra procura atender

a interesses específicos no estado, contribuindo, dessa maneira, para a formulação de uma

ordem que legitima o poder e o status quo na sociedade.

É, então, partindo dessa realidade que o atual trabalho procura se inserir em um campo

de investigação interdisciplinar e/ou multidisciplinar, isto é, como se trata de uma pesquisa

que reconhece a insuficiência de análise em uma única área do saber científico, — área esta

que seja ela capaz de fornecer “orientações integrais” acerca do tema em foco ou mesmo que

possa se caracterizar por um “bastar-se por si mesma” —, procuramos percorrer campos

variados como é o caso da Sociologia, da Ciência Política e da Comunicação Social.

Nessas condições, damos importantes passos quando dialogamos com áreas amplas,

como são os estudos midiáticos e também com áreas específicas, como são as pesquisas que

incorporam as reflexões sobre mídia e política. Porém, ao reconhecermos o caráter

interdisciplinar da pesquisa, isso não invalida o “tom” que imprimimos ao nosso trabalho a

partir do pensamento das chamadas Ciências Sociais, campo de formação amplo e de grande

abrangência em termos de incorporação de autores e pensamentos, o que nos fornece maiores

possibilidades e segurança de fundamentação teórica e metodológica.

Valendo-se então disso, o trabalho em pauta faz uso de uma metodologia que trafega,

ao mesmo tempo, no campo das Ciências Sociais e no Jornalismo. Trata-se aqui de um

referencial metodológico, conhecido como “hermenêutica de profundidade” (HP), o qual é

sugerido por Thompson (2007) em seu livro “Ideologia e cultura moderna”. Segundo o autor,

é um referencial de análise que está orientado para interpretação (ou reinterpretação) de

fenômenos significativos, como são as formas simbólicas difundidas pelos meios de

comunicação, em contextos estruturados.

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Expressa, como característica importante, entre outras, o fato de o pesquisador não

pretender desvelar uma “verdade oculta” em sua investigação, mas de procurar fazer uma

leitura qualificadada realidade social, no nível do sentido apreendido pelo fenômeno, no

campo investigado, isto é, uma análise que seja plausível acerca das formas simbólicas

examinadas, procurando sempre propor sentidos e argumentando.

Assim, a hermenêutica de Thompson compreende três etapas principais: a “análise

sócio-histórica” que se preocupa com as condições sociais relativas às formas simbólicas, a

“análise discursiva ou formal”, voltada para as questões mais estruturais e a

“interpretação/reinterpretação” que significa a compreensão e a produção de sentidos críticos

ao já sentido das produções simbólicas. Essas fases, que estabelecem importantes relações

entre si, foram sugeridas pelo autor para o estudo das formas simbólicas em geral e em

particular para o exame da ideologia, “com o objetivo de realçar o caráter ideológico das

formas simbólicas, isto é, [...] as maneiras como o sentido serve para estabelecer e sustentar

relações de dominação” (THOMPSON, 2007, p. 35).

Acrescentamos aqui que, o autor, além de constituir-se como o nome que marca o

método hermenêutico, se configura, ainda, como a principal referência teórica acerca do

desenvolvimento dos meios de comunicação. Nesse sentido, salientamos que fazemos uso

também de sua outra obra “A mídia e a modernidade” (1998) na qual Thompson contribui de

forma decisiva para pensarmos os meios de comunicação de massa, as formas simbólicas,

entre outros.

Desse modo, a nossa pesquisa encontra-se organizada em três capítulos, de forma que,

no primeiro deles, intitulado “Do alicerce geral da investigação científica: os pressupostos

epistemológicos, metodológicos e conceituais”, procuramos expor os elementos basilares de

nossa investigação. Assim, buscamos expressar, de maneira evidente e detalhada, não só

como concebemos o conhecimento, mas, principalmente, como realizamos a pesquisa.

Neste marco, defendemos que o enfoque epistemológico adotado por um investigador

determina, em muito, a escolha dos procedimentos e métodos de elucidação do real. Por isso,

achamos necessário definir a nossa postura epistemológica já que estamos tratando de uma

metodologia de características das ciências humanas. Procuramos, ainda, deixar claro a nossa

metodologia, tendo a oportunidade de explorar a hermenêutica em maiores detalhes e, desse

modo, expor como ela está sendo utilizada em pesquisa. Definimos também o referencial

teórico (e conceitual) e os procedimentos técnicos.

No segundo capítulo, denominado “Da comunicação mediada: a televisão e o

segmento jornalístico”, tendo já visto os elementos metodológicos acima, nos debruçamos em

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uma compreensão teórica sobre o desenvolvimento dos meios de comunicação. Buscamos

contextualizar a pesquisa ao discutir o advento dos meios de massa, da interação mediada, e

seu processo de transformações ao longo da história. Momento importante em que

acentuamos os processos de transformações do capitalismo e da globalização contemporânea,

fundamental para que os meios de massa encontrassem hoje fortalecidos e tão presentes na

vida social. Apontamos também para a possibilidade e característica dos mass media como

formuladores e difusores da ideologia.

No último e terceiro capítulo, chamado “Da tríplice análise da pesquisa”, abordamos

propriamente a investigação. Aqui, fazemos uso das três etapas metodológicas da

hermenêutica de profundidade, consoante Thompson, voltando-se criticamente para as

questões ideológicas. O intuito foi lançar uma (re) interpretação sobre as formas simbólicas

examinadas. Para tanto, realizamos uma análise sócio-histórica da TV Ponta Negra e do

Jornal do Dia e uma análise discursiva de seus conteúdos midiáticos. Como veremos à frente,

importante foi o teórico Patrick Charaudeau (2008; 2009), estudioso do discurso, ao qual nos

valemos das suas orientações para uma análise narrativa e argumentativa da mídia. Dois livros

desse autor nos foram úteis, como deixamos claro a diante, “Linguagem e discurso” e

“Discurso das mídias”.

Assim, nos preocupamos com o sentido que as notícias imprimiram acerca dos

acontecimentos políticos no Rio Grande do Norte. A tríplice análise está voltada justamente

para o entendimento das formas simbólicas propagadas pelos mass media, onde buscamos

sobre os significados da televisão propor novos significados, considerando aqueles como

sendo ideológicos, já que denotam o fortalecimento de injustiças e assimetrias sociais. Esse

exercício por nos realizado, consoante Veronese e Guareschi (2006), é potencialmente

transformador do mundo social e mostra-se potente também como ferramenta para a pesquisa

social que pretenda conhecer e entender um “campo-sujeito”.

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1. Do alicerce geral da investigação científica: os pressupostos epistemológicos, metodológicos e conceituais

1.1. Para uma fundamentação epistemológica e metodológica da pesquisa

1.1.1. Epistemologia

Em ciências humanas, ao tratarmos um qualquer problema a um nível suficientemente geral, encontramo-nos num círculo que é a expressão do facto de o próprio investigador fazer parte da sociedade que se propõem estudar [...]. Se, porém, não existe nisso nem círculo vicioso nem obstáculo intransponível, não deixa de se tratar de uma situação particular das ciências humanas, à qual nenhum investigador pode fugire que implica certas conseqüências epistemológicas e metodológicas [...] (GOLDMANN, 1984, p. 21).

Por detrás de todo e qualquer trabalho que se deseje científico há sempre uma

concepção de conhecimento e de metodologia. Assim, achamos pertinente esposar, antes de

qualquer outro assunto, a nossa percepção do saber ― enquanto conhecimento

investigativopresenteao fazer científico ― e a nossa orientação metodológica― conforme

referencial teórico e metodológico que nos assiste. Consideramos ambas as vertentes

indispensáveis ao pleno entendimento da pesquisa, porquanto que também a

percebemosemsua fundamental relevânciaao constituir-se nos fundamentos de nossotrabalho.

Informamos, então, desde já que a concepção do conhecimento, por nós construída,

tem a simples pretensão de ser aceita como um suporte geral de orientação epistemológica,

isto é, um referencial conceitual compreensível que seja capaz de orientar-nos ao longo

dapesquisa. Portanto, tencionamos apenas circunscrever uma concepção acerca do

conhecimento, deixando claro a todos o posicionamento epistemológico por nós adotado, uma

vez, também, que as conceitualizações expressas não pretendemser definitivas, nem muito

menos exaustivas.

Assim, procuramos entender o conhecimento do ponto de vista da dialética, ou seja,

conforme pensa o filósofo tcheco Karel Kosik (2002), a concepção dialética do conhecimento

engloba a ideia de que o “conhecer” humano é, acima de tudo, práxis. Como considera, a

dialética trata da “coisa em si”, mas como “a coisa em si” ou “as coisas” não se apresentam ao

homem diretamente, tal qual são, e, também, como o homem não tem a faculdade de ver as

coisas na sua essência, a humanidade procura fazer um detóur para conhecê-las.

O homem, assim, para conhecer as coisas, deve, então, transformá-las de “coisa em si”

em “coisa para si”. Para tanto, deve submetê-las à práxis humana. Neste sentido, o

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conhecimento não pode nunca ser contemplação, pois a contemplação do mundo se baseia,

antes, nos resultados da práxis humana (KOSIK, 2002, p.27-8):

A atitude primordial e imediata do homem, em face da realidade, não é de um abstrato sujeito cognoscente, de uma mente pensante que examina a realidade especulativamente, porém, a de um ser que age objetiva e praticamente, de um indivíduo histórico que exerce sua atividade prática no trato com a natureza e com os outros homens, tendo em vista a consecução dos próprios fins e interesses, dentro de um determinado conjunto de relações sociais. Portanto, a realidade não se apresenta aos homens, à primeira vista, sob o aspecto de um objeto que cumpre intuir, analisar e compreender teoricamente, cujo pólo oposto e complementar seja justamente o abstrato sujeito cognoscente, que existe fora do mundo e apartado do mundo; apresenta-se como o campo em que se exercita a sua atividade prático-sensível, sobre cujo fundamento surgirá a imediata intuição prática da realidade. No trato prático-utilitário com as coisas [...] o indivíduo “em situação” cria suas próprias representações das coisas e elabora todo um sistema correlativo de noções que capta e fixa o aspecto fenomênico da realidade (KOSIK, 2002, p. 13).

Entretanto, ao proceder no sentido do conhecimento, o homem, necessariamente, deve

perceber que cada coisa sobre a qual concentra seu olhar ou a sua avaliação emerge de um

determinado todo que a circunda. Todo este que o homem percebe como um pano de fundo

indeterminado ou como uma conexão imaginária, obscuramente intuída. Os objetos, assim,

aparentemente isolados, não podem sercompreendidos como únicos e absolutamente

desconexos. O homem, ao contrário, deve considerá-los no horizonte de um determinado

todo, visto que, este todo, é fundamentalmente “a luz” que ilumina e revela o objeto singular

observado na sua particularidade e significado (KOSIK, 2002, p. 31).

Karel Kosik (2002, p. 36) salienta, assim, que “o caminho entre a ‘caótica

representação do todo’ e a ‘rica totalidade da multiplicidade das determinações e das relações’

coincide com a compreensão da realidade” pelo homem. Sabe que o todo não é imediatamente

cognoscível, ainda que seja dado ao homem imediatamente em forma sensível (na

representação, na opinião e na experiência). Daí a necessidade de o homem em realizar um

detóur: “o concreto se torna compreensível através da mediação do abstrato, o todo através da

mediação da parte” (KOSIK, 2002, p. 36).

O pensamentomovimenta-se, então, do abstrato ao concreto. Movimento que ocorre na

abstração e não pode ser concebido como a passagem de um plano (sensível) para outro

(racional). É um movimento no pensamento e do pensamento. É negação da imediatidade, da

evidência e da concreticidade sensível. A ascensão do abstrato ao concreto é um movimento

para o qual todo início é abstrato e cuja dialética consiste na superação desta abstratividade.

Movimento, em geral, “da parte para o todo e do todo para parte; do fenômeno para essência e

da essência para o fenômeno; da totalidade para a contradição e da contradição para a

20

totalidade; do objeto para o sujeito e do sujeito para o objeto”. Como método materialista do

conhecimento, este processo é visto como “a dialética da totalidade concreta”, que procura

reproduzir idealmente a realidade em todas as suas dimensões3 (KOSIK, 2002, p. 37).

Partindo dessas contribuições, Kosik argumentaque,ao contrário de uma concepção

“sistemático-aditiva” do conhecimento, típico do racionalismo e do empirismo, o

conhecimento humano, na sua acepção dialética, se processa num movimento em espiral, do

qual cada início é abstrato e relativo:

Se a realidade é um todo dialético e estruturado, o conhecimento concreto da realidade não consiste em um acrescentamento sistemático de fatos a outros fatos, e de noções a outras noções. É um processo de concretização que procede do todo para as partes e das partes para o todo [...] justamente nesse processo de correlações em espiral no qual todos os conceitos entram em movimento recíproco e se elucidam mutuamente, atinge a concreticidade. O conhecimento dialético da realidade não deixa intactos os conceitos no ulterior caminho do conhecer, não é uma sistematização dos conceitos que procede por somas, [...] é um processo em espiral de mútua compenetração e elucidação dos conceitos, no qual a abstratividade dos aspectos é superada em uma correlação dialética, quantitativo-qualitativa, regressivo-progressiva (KOSIK, 2002, p. 50).

Dessa forma, o conhecimento não é resultado de um processo que age de maneira

sistemática, por adição ou soma, porém dialeticamente e em circularidade.

Por outro lado, podemos dizer, à semelhança de Steren (1991, p. 35), que

“concebemos a realidadecomo o produto da relação estabelecida entre o desenvolvimento

material e a ação humana”. A realidade, consoante a sua interpretação, não pode ser

apreendida como um cristal fixo, ―um ser de permanência ou imutabilidade―, apresenta-se,

ao contrário, como uma entidade dialética e contraditória e que deve ser investigada em seu

constante devir.

A realidadeé fruto daaçãoconsciente do homemsobre o mundo, compreendida esta

ação sob os mais diversos modos humanos deagir e interagir com o mundo. A esta asserção,

Peter Berger (1985) e Peter Berger e Thomas Luckmann (2004) nos revelam como acontece a

interação do homem com a realidade, em sua intensa fabricação, apresentando-se composta

por três etapas classificadas em exteriorização, objetivação e interiorização. In verbis:

O processo dialético fundamental da sociedade consiste em três momentos, ou passos [...]. A exteriorização é a contínua efusão do ser humano sobre o mundo, quer

3 O conhecimento é práxis na medida em que o pensamento dialético reproduz espiritual e intelectualmente a realidade, explicita os fenômenos culturais a partir da atividade prática do homem histórico (Kosik, 2002, p.39). Para que o conhecimento, então, se realize, enquanto conhecimento da “coisa em si” ou separação de fenômeno e essência, é importante a decomposição do todo. “Esta decomposição do todo que é elemento constitutivo do pensamento filosófico – sem decomposição não há conhecimento – demonstra uma estrutura análoga à do agir humano: também a ação se baseia na decomposição do todo (Kosik, 2002, p.18).

21

na atividade física quer na atividade mental dos homens. A objetivação é a conquista por parte dos produtos dessa atividade (física e mental) de uma realidade que se defronta com seus produtores originais como facticidade exterior e distinta deles. A interiorização é a reapropriação dessa mesma realidade por parte dos homens, transformando-a novamente de estruturas do mundo objetivo em estruturas da consciência subjetiva (BERGER, 1985, p. 16).

Esta realidade humanamente construída, é antes, como assinala Kosik, uma totalidade.

Mas, o que é a realidade quando se diz que é concreticidade ou totalidade concreta? “Na

dialética da totalidade concreta” Karel Kosik (2002, p. 43-4) salienta que a realidade é

concreticidade quando é apreciada como um todo estruturado em processo de

desenvolvimento e autocriação. Isto é, um todo dialético que possui sua própria estrutura e

que não é caótico; que se desenvolve, não sendo imutável ou absoluto e que, também, se vai

criando ou construindo não sendo perfeito ou acabado.

Do ponto de vista do conhecimento, a totalidade da realidade não significa o conhecer

do conjunto de todos os fatos ou relações da realidade. Denota, sim, que um aspecto (s) da

realidadeestáligado a um todo mais amplo e complexo (LÖWY, 1985) ou que um fenômeno

só poderá ser compreendido como momento de um todo, ou um fato (s) de um contexto

(KOSIK, 2002, p. 49-57).

Assim, entendemos que:

A dialética da totalidade concreta não é um método que pretende ingenuamente conhecer todos os aspectos da realidade, sem exceções, e oferecer um quadro total da realidade, na infinidade de seus aspectos e propriedades; é uma teoria da realidade e do conhecimento que dela se tem como realidade. A totalidade concreta não é um método para captar e exaurir todos os aspectos, caracteres, propriedades, relações e processos da realidade; é a teoria da realidade como totalidade concreta (KOSIK, 2002, p. 44).

Portanto, entender a realidade como possível soma de todos os fatos conduz a uma

apreensão do conhecimento por um processo “sistemático-analítico” das partes do real, como

bem assegura Kosik, sendo o todo da realidade incognoscível. Esta (in)compreensão, salienta

Steren (1991, p. 44),tem conduzido, inclusive, a muitos pesquisadoresa propor, como

alternativa, a realização de estudos especializados, limitados e atomizados no campo da

ciência; uma vez que aos que a ela se filiam consideram, ceticamente, que conhecer a

realidade nas suas múltiplas determinações étarefa quase inviável.

Partindo, então, dessas reflexões, podemos acrescentarà interpretação que fazemos do

conhecimento, como a superação da velha dicotomia sujeito-objeto. Observamos, assim, que

não há um sujeito em si que conhece por conta própria, como também não existe um objeto

em si, isolado de tudo, existente por si mesmo (GUARESCHI, 2003). O que há, ao contrário,é

22

uma contínua dialética entre conhecedor e conhecido; entre um sujeito que conhece em pleno

intercâmbio a um objeto conhecido por esse sujeito. Steren (1991, p. 36) esclarece este

raciocínio da seguinte maneira:

Na relação cognitiva tanto o sujeito quanto o objeto atua um sobre o outro. Esta interação produze-se no enquadramento da prática social do sujeito que aprende o objeto na e pela sua atividade [...]. O sujeito, dessa forma, não é um elemento passivo e contemplativo; ao contrário, sua açãoé um componente primordial na construção do conhecimento. [...] a relação entre ambos é dialética, onde o sujeito determinado social e economicamente, sempre incorpora um fator subjetivo e prático, as determinações objetivas estão organicamente relacionadas com as intenções subjetivas dos atores socais (STEREN, 1991, p. 36).

Na linha destas reflexões, não poderíamos deixar de lembrar que três grandes

pensadoresderam fundamentais contribuições ao romper com a tradicional distinção de

orientação mecanicista e idealista, ―a qual ora privilegiava o objeto ou o sujeito no processo

do conhecimento―, enfatizaram o caráter dialético da relação sujeito-objeto, a saber, Paulo

Freire (2006), educador brasileiro; Lev Vygotsky (1984; 1987), psicólogo russo e Mikhail

Bakhtin (2009), sociolinguista de também nacionalidade russa.

Autores de forte influência materialista, compartilhavam da ideia deque a ação do

sujeito ― tratadacomo práxis―era central ao processo de desenvolvimento do conhecimento.

Salientaramque o homem, ser histórico no mundo, é produto das relações sociais, não sendo

elepuramente contemplativo, éatravés da sua prática e por intermédio da linguagem que

desenvolve oconhecimento.

A rigor, Vygotsky (1984) mais que deixou claro que a consciência humana é

produzida socialmente, a partir das relações que os homens estabelecem entre si, por meio da

atividade sígnica. Os signos, interpretados como expedientes específicos, agem internamente

no homem transformando-osde seres biológicos em seres sócio-históricos. Não existemsignos

internos à consciência que não tenham sido elaborados, antes, na trama ideológica da

sociedade. Sendo, então, o signo uma estrutura de natureza social e ideológica, Bakhtin

(2009) chegou a conclusãode que alinguagemé responsável por determinar, até certo ponto, a

consciência do homem, isto é, a sua atividade mental4.

Épor meioda linguagem, entendida como puro signo, assinala Freire (2006), que o

homem elabora a palavra e teceimportantediálogo com os seus semelhantes e com o mundo.

4É fundamental deixar claro que para o autor é impossível conceber a formação ideológica do homem livre de sua relação dialética com as estruturas sociais a que pertence, uma vez que a linguagem reflete a relação estrutura e superestrutura.

23

Em intercambio com este mundo, constróitambém a sua consciência. Porém, a uma relação

dialógica, em que se produza o conhecimento, é necessário a coesãodialética entresujeito-

objeto, subjetivo-objetivo (teórico/abstrato—prático/concreto). O pensamento, segundo

Freire, que rompendo com esta unidade submeteo objeto ao sujeito / o objetivo ao subjetivo,

tende conseqüentemente a um forte idealismo; a consciência que ao contrário sobrepõe o

objeto ao sujeito ou o objetivo ao subjetivo acaba por adotar o mecanicismo.

Compreendemostambém, a partir da leitura que fazemos de Minayo (1996, p. 21), que

tanto o sujeito, como o objeto do conhecimento, no caso das ciências do homem, possuem a

mesma natureza e, assim, estão extremamente interligados. O sujeito pela própria condição de

se estudar a si próprio, uma vez que sendo humano estuda fenômenos também humanos, deve

procurar entender que a relação de conhecimento, desde o inicio da construção do seu objeto

até o resultado dapesquisa, está fortemente implicada de visões de mundo, tanto sua, enquanto

sujeitoinvestigador, como do objetopor eleinvestigado. Esta situação bastante peculiar nas

ciências sociais, como bem assinala Steren (1991, p. 37), torna “difícil eliminar do processo

de investigação, valores, concepções de mundo e ideologias presentes no contexto social, no

qual o pesquisador está situado”.

Daí defendermosa opinião de que não existe neutralidade nas ciências sociais. Pois, o

papel do investigador social, determinado por uma estrutura e inserido numa conjuntura

específica, sublinha Steren (1991, p. 39), não é o de mero observador imparcial que se ocupa

em entender simplesmente fatos da realidade. O pesquisador não pode ser pensado como

“neutro”, acima dos interesses de classe, isso seria um grande equívoco. O cientista social,

como salienta Löwy (1985), ao contrário, está imbuído de valores e concepções de mundo que

tende a impregnar fortemente a sua trajetória teórica e metodológica.

Compartilhamos, assim, da reflexão de Steren (1991, p. 41) quando assevera que não é

preciso abandonar valores, ideologiasou visões de mundo aopretender fazer pesquisa com

coerência cientifica e objetividade em relação à realidade que se examina. Podemos, sim,

assumir a não-neutralidade ou o “compromisso” e pretender, ao mesmo tempo, ser “objetivo”

em nossas investigações. Pois, o conceito de objetividade é entendido, por nós, a partir de

uma reformulação crítica do termoque tradicionalmentefoiinterpretado pela literatura

sociológica como “sinônimo” de neutralidade científica5.

5 No que se refere à discussão conceitual, Pedro Demo (1981, p. 96) se posiciona da seguinte maneira: “Na relação entre sujeito e objeto, neutralidade está mais na perspectiva do sujeito, enquanto a objetividade está mais na perspectiva do objeto. No processo de conhecimento ambas se correspondem e são muitas vezes tomadas por sinônimos. Significam, de todos os modos, a possibilidade real de refletir a realidade assim como ela é. [...]”.

24

Como diz Oliveira, apud Steren (1991, p. 40-1):

O conceito mesmo de objetividade e rigor científicos devem ser redefinidos e aperfeiçoados. Diante de uma realidade marcada por relações de dominação e de privilégio entre pessoas e grupos sociais, objetividade não significa mais ser sinônimo de descomprometimento e de instabilidade. Diante da posição entre dominantes e dominados, ser objetivo significa reconhecer e analisar este enfrentamento inscrito na realidade e colocar-se a serviço da superação das estruturas que mantém ou reforçam o autoritarismo e a desigualdade.

Evidente, que não existindo à toa, esta “nova” postura de objetividade requer a

utilização de procedimentos que conduzam os pesquisadores em direção à construção de

conhecimentos cientificamente válidos.

Portanto, observa Steren, há a necessidade de manter, entre muitas ações

metodológicasde pesquisa, a “vigilância epistemológica”, a construção de uma

“problemática” utilizando-se de conceitos teóricos (BOURDIEU, 1999), a adoção de uma

atitude de intensa “reflexividade” (BOURDIEU, 2003) durante a investigação, entre outras.

Os critérios de objetividade são muitos, haja vista, também, as indicações de Umberto Eco,

citadas pela autora, que tem a intenção de superar o empirismo que privilegia a explicação

imediata e aparente dos fenômenos sociais, tão comuns em análises sociológicas desprovidas

de maiores rigores.

Pedro Demo (1981) intitula de “objetivação” a postura científica que, agindo

semelhante aesta nova objetividade, procurafazer uso rigoroso de instrumental teórico e

técnicoadequado a atingir a realidade. Isto é, como a objetividade é impossível, a

“objetivação” seria o esforço de conhecer a realidade de “preferência” naquilo que ela é, e não

no que gostaríamos que fosse. A objetivação, segundo Minayo (1996), nos orienta a evitar as

armadilhasdo discurso malicioso da neutralidade e ao mesmo tempo a buscar uma visão

crítica do trabalho científico a partir da utilização de instrumentos metodológico que

permitam elaborações mais objetivadas da realidade.

Fazendo dessas argumentações nossas palavras, concluímos por acreditar não haver

possibilidade alguma de neutralidade em nossos estudos, haja vista se tratar aqui de reflexões

sobreformas simbólicas, bem comoa aplicação de um método que se sustenta dos sentidosde

tais construções, como se pretende a um procedimento de caráter hermenêutico. Desse jeito,

as interpretações feitas em presente tarefa estão imbuídas das concepções de mundo do autor,

mas isso não significa traduções “à tôrta e à direita” já que para tanto fazemos uso coerente de

um arsenal teórico e metodológico adequado; estaremos em constante “vigilância

epistemológica” e/ou influenciados por uma necessidade de “objetivação” na pesquisa.

25

1.1.2. Metodologia

Entendemos por metodologia o caminho e o instrumental próprios de abordagem da realidade. Neste sentido, a metodologia ocupa lugar central no interior das teorias sociais, pois ela faz parte intrínseca da visão social de mundo veiculada na teoria. Em face da dialética, por exemplo, o método é o próprio processo de desenvolvimento das coisas. Lênin nos ensina que o método não é a forma exterior, é a própria alma do conteúdo porque ele faz a relação entre o pensamento e a existência e vice-versa (MINAYO, 1996, p.22).

Pensamos também que a metodologia não só deva compor a visão social de mundo de

uma teoria, a qual enquanto pesquisadores e cientistas sociais podemos compartilhar, mas

acreditamos também ser relevante que esta metodologia se correlacione com a realidade a

qual se planeja examinar, isto é, é fundamental que façamos, em face de determinada

investigação, a seleção adequada e sempre coerente dos procedimentos metodológicos,

considerando a sua real correspondência com o objeto investigado.

Isso, porém, não pode ser entendido como a tentativa de querer “encaixar”

forçosamente o método ao objeto de pesquisa, como uma espécie de “sapato metodológico”

que se procura adequar aos “pés” da realidade. A questão é outra, ela aponta para um desafio

fundamental que está no próprio caráter do objeto do conhecimento das ciências sociais: o ser

humano, a sociedade e especialmente, aqui, as formas simbólicas. O que, evidentemente,

demanda metodologias apropriadas.

Pensando desta maneira podemos, então, dizer que os princípios metodológicos que

orientam a nossa investigação fundam-se “em uma forte valorização da pesquisa qualitativa

nas ciências sociais” (MINAYO, 1996), esta valorização vem ocorrendo atualmente no

interior de um movimento teórico amplo, filosófico e antropológico, que toma como aspecto

central o que Granger, apud Minayo (1996, p. 32), chama de “o vivido”, isto é, “a experiência

que é capitada não como predicado de um objeto, mas como fluxo de cuja essência temos

consciência em forma de relembranças: atitudes, motivações, valores e significados

subjetivos” (grifos nossos).

Neste contexto, observa Minayo (1996) que o homem, enquanto ator social, ganha

força e faz emergir uma ciência social que se preocupa com os significados: “Trata-se de uma

ênfase [...] em que se fortifica a introspecção do homem, a observação de si mesmo e se

ressaltam questões antes passadas despercebidas” (MINAYO, 1996, p. 33). Por conseguinte, o

método que quantifica, muito utilizado pelo pensamento sociológico de viés positivista, é

deixado um pouco de lado, não menosprezado totalmente, mas utilizado como um dos

elementos da compreensão no todo, transposto, agora, como suporte quantitativo.

26

Assim, o sentido, o significado substancial é o que predomina nas análises sociais, não

é à toa que inúmeras correntes de pensamento, características do final do século XIX e início

do século XX, fortalecem-se com um olhar atento voltado para o sentido, a exemplo do

funcionalismo, à sociologia compreensiva de Weber, à fenomenologia e até mesmo o

marxismo, que interpreta a realidade como uma totalidade, onde as representações sociais

integram e configuram um modo de vida condicionado pelo modo de produção (MINAYO,

1996, p. 34).

Deste modo, as abordagens descritas reconhecem no significado parte importante dos

fenômenos sociais. Muitas delas, embora em contínuo embate com o positivismo clássico,

ainda assim percebem que a realidade vai mais além, “trabalham com dados qualitativos que

trazem para o interior da análise, o subjetivo e o objetivo, os atores sociais e o próprio sistema

de valores do cientista, os fatos e seus significados, a ordem e os conflitos” (MINAYO, 1996,

p. 35).Claro está, entretanto, que cada corrente elabora tudo isso a seu modo.

É, pois, voltado para a valorização do sentido, do significado dos fenômenos sociais,

que as nossas preocupações, de ordem metodológica, se articulam, uma vez que o objeto de

nossa produção constitui-se por ser aquilo que Thompson (2007; 1998) denominou de

“formas simbólicas”, isto é, “[...] expressões lingüísticas, gestos, ações, [...]” (THOMPSON,

2007, p. 9) ou “[...] falas, textos que, por serem construções significativas, podem ser

compreendidas [...]” (THOMPSON, 2007, p. 357). Isso significa que ao situarmos as

imagens, os discursos, os textos, constantemente veiculados pelos meios de comunicação,

como sendo formas simbólicas, abre-se claramente espaço para estudá-los e entendê-los como

estruturas passíveis de interpretação. Thompson (2007, p. 357), neste ínterim, foi quem mais

enfatizou o caráter do exame das formas simbólicas ser, inevitavelmente, um problema de

compreensão e interpretação.

Assim, diante desta explanação, nada mais natural que elegermos uma metodologia

que procure dar sustentação a presente pesquisa, como bem acentua Minayo (1994), um

método que além de apropriado ao objeto de investigação e capaz de oferecer elementos

teóricos para a análise, seja ele também operacionalmente exeqüível. Sugerimos, então, pelo

caráter específico de nosso objeto, a utilização do referencial metodológico proposto por

Thompson (2007) como “hermenêutica de profundidade” (HP).

27

1.1.2.1.A Hermenêutica de Profundidade (HP)

A Hermenêutica de Profundidade, como apresentada por Thompson, caracteriza-se por

ser uma metodologia voltada para interpretação das construções simbólicas. Ao procurar

desenvolver seu referencial metodológico, Thompson inicialmente salienta que seus alicerces

estão fundamentados na tradição da hermenêutica antiga, cuja origem remonta os debates

literários da Grécia Clássica e desenvolve-se até atingir os recentes séculos XIX e XX, com

destaque para o pensamento dos filósofos modernos como Dilthey, Heidegger, Gadamer e

Ricoeur.

Esses autores procuraram destacar algumas características hermenêuticas que foram

selecionadas e organizadas por Thompson como quatro condições importantes da

investigação sócio-histórica, a saber, (a) o fato de o estudo das formas simbólicas ser, como já

dissemos, um desafio de compreensão e interpretação; (b) o objeto de preocupação da

hermenêutica se constituir como um território pré-interpretado; (c) os sujeitos que formam “o

campo-sujeito-objeto” de um exame, serem eles mesmos, também, capazes de interpretar e

agir de acordo com as interpretações que fazem das formas simbólicas em campo; e por fim,

(d) entender que todos nós, sujeitos, que constituem o mundo social, estamos inseridos em

tradições históricas (THOMPSON, 2007, p. 357-61).

Pautando-se nas contribuições dos filósofos hermenêuticos modernos, mas, sobretudo,

nos trabalhos de Paul Ricoeur, Thompson procura argumentar que a hermenêutica se constitui

como um referencial de análise geral, que apresenta grande eficácia para o estudo da cultura,

dos meios de comunicação de massa e, em particular, da ideologia. Nesse sentido, salienta

que foi este pensador que mais procurou mostrar que a hermenêutica poderia “oferecer tanto

uma reflexão filosófica sobre o ser e a compreensão, como também uma reflexão

metodológica sobre a natureza e tarefas da interpretação na pesquisa social” (THOPSON,

2007, p. 362).

A ideia subjacente de Ricoeur, para o que cunhou, originalmente, de “Hermenêutica

de Profundidade”, é que, na investigação social, o processo de interpretação pode ser mediado

por uma gama de métodos “explanatórios ou objetivantes”. Isso porque, em um campo

movido pela força e significado, o padrão distintivo oferece condições possíveis de mediar o

processo de interpretação através do emprego de técnicas explanatórias e objetivantes, sem

necessariamente serem excludentes; antes, os percebem como complementares (THOPSON,

2007, p. 362).

28

Thompson (2007, p. 362), porém, anota que seu marco referencial hermenêutico é

significativamente diferente, embora concorde com as reflexões metodológicas de Ricoeur,

em seus objetivos mais gerais, procura, não obstante, dar ênfase aquilo que o autor tem

deixado de lado em suas análises textuais, isto é, as condições sócio-históricas em que as

formas simbólicas são produzidas e recebidas. Daí, como veremos mais a frente, a sua

hermenêutica apresentar fundamentos sociais mais completos e bastante sólidos.

A hermenêutica, então, formulada por Thompson, procura contemplar duas formas

substanciais de análise: o estudo da doxa (ou o que intitula de “Hermenêutica da Vida

Quotidiana”) e o método mais completo deexame das formas simbólicas, ou seja, o enfoque

tríplice de análise, concebido, agora, sim, como o “Referencial Metodológico da

Hermenêutica de Profundidade”.

No que se refere à interpretação da doxa, Thompson (2007, p. 364) a observa como

“uma interpretação das opiniões, crenças e compreensões que são sustentadas e partilhadas

pelas pessoas que constituem o mundo social”. Para o autor o enfoque da HP deve se basear, o

quanto possível, sobre a elucidação das maneiras como as formas simbólicas são interpretadas

e compreendidas pelas pessoas que as produzem e as recebem no decorrer de suas vidas

cotidianas. Trata-se, com efeito, de um momento etnográfico da pesquisa em que se pode,

fazendo uso de entrevistas, observação participante, etc., reconstruir, em importância e

conhecimento, as maneiras como as formas simbólicas são compreendidas nos vários

contextos da vida social.

Todavia, como salienta, não se pode ficar apenas por aí. Thompson argumenta que

outras dimensões das formas simbólicas devem ser estudadas e analisadas, além, claro, de sua

dimensão significativa, elaborada e interpretada pelo “campo-sujeito-objeto”. As formas

simbólicas são também construções estruturadas de maneira definida e que estão inseridas em

condições sociais e históricas específicas, daí ser fundamental “uma ruptura metodológica

com a hermenêutica da vida quotidiana” (THOPSON, 2007, p. 364-5) e engajar-se em tipos

de estudos mais profundos que se enquadre no referencial metodológico da HP, isto é na

tríplice análise.

Assim, como entende o autor, a metodologia da HP apresenta três fases ou

procedimentos principais que foram descritas da seguinte forma: “análise sócio-histórica”,

“análise discursiva ou formal” e “interpretação/reinterpretação”. Cada fase não pode ser vista

simplesmente como etapa separada de um método seqüencial, mas como dimensão analítica

distinta de um processo complexo, onde tais etapas estabelecem conexões e diálogos entre si,

não sendo, portanto, estanques.

29

Cabe, por outro lado, ao pesquisadorprocurar a maneira mais eficiente de aplicar, na

prática, as três fases de análises, levando em conta sempre o seu estudo, seus objetivos e

circunstâncias específicas do seu trabalho, isso porque cada fase do enfoque da HP coloca à

disposição uma variedade de métodos de investigação, sendo que alguns métodos podem ser

mais adequados que outros.

A primeira fase da HP, nesse sentido, descrita como “análise sócio-histórica”, parte da

ideia de que as “formas simbólicas não subsistem no vácuo, elas são produzidas, transmitidas

e recebidas em condições sociais e históricas específicas”. O principal objetivo desse tipo de

estudo é “[...] reconstituir as condições sociais e históricas de produção, circulação e recepção

das formas simbólicas” (THOMPSON, 2007, p. 366). Pensando dessa maneira, Thompson

sugere alguns aspectos dos contextos sociais, por ele já discutido em livro, que podem ser

úteis em um exame de tal natureza, destarte, reproduzimos: os “espaço-temporais”, os

“campos de interação”, as “instituições sociais”, a “estrutura social” e os “meios técnicos de

transmissão”.

Cada aspecto abarca um campo de análise metodológica com objetivos próprios e se

constituem como maneiras diferenciadas de compreender a contextualização social das

formas simbólicas. A HP, em sua primeira fase, empreende desse jeito, de maneira conjunta e

ampla, um exame de regras e convenções, de relações sociais e instituições, de distribuições

de poder, de estrutura de classe e de outras formas mais. Trata-se, resumidamente, de uma

análise das formas simbólicas inseridas em contextos históricos e socialmente estruturados.

A segunda fase, por sua vez, intitulada de “análise discursiva” ou “formal”, busca

concentrar-se nos aspectos mais discursivos das formas simbólicas. A expressão “Análise

discursiva” é utilizada pelo autor para se referir, em tais casos, ao exame das características

estruturais e das relações do discurso; já o termo “discurso”, de um modo geral, é utilizado

para se reportar às instâncias de comunicação correntemente presentes na sociedade. O objeto

da análise discursiva, como bem lembra Thompson, refere-se “a casos concretos da

comunicação do dia-dia, uma conversação entre amigos, uma interação na sala de aula, um

editorial jornalístico, um programa de televisão” (THOMPSON, 2007, p. 370).

De fato, na análise formal, bem como ocorre para a análise sócio-histórica, há uma

variabilidade de métodos ou propostas de investigações críveis de serem utilizadas. Mais uma

vez, fica a depender do pesquisador e das características particulares de sua pesquisa, cabe,

nesse sentido, ao estudioso procurar alternativas metodológicas que mais se adéqüem ao seu

trabalho. Desta maneira, Thompson lista as possibilidades de investigações metodológicas da

30

análise discursiva em: “análise semiótica”, “análise de conversação”, “análise sintática”,

“análise narrativa” e “análise argumentativa”.

Por fim, a terceira e última fase da HP é destacada pelo autor como sendo de

“interpretação/reinterpretação. Esse estágio de investigação parte do estudoprecedente, a

análise formal, mas se distingue dela. Conforme Thompson, os métodos da análise discursiva

procedem por análise, isto é, ruptura, quebra, divisão, desconstrução. A interpretação, ao

contrário, busca em meio a um processo de síntese (aqui síntese interpretativa), construir

significados por sobre os resultados da análise formal e sócio-histórica das formas simbólicas.

Trata-se, assim, de construir criativamente virtuais sentidos, de explicitar aquilo que

nas formas “discursivas” ou “simbólicas” o autor chama de “caráter referencial”, isto é,

constructos que representam algo, dizem algo, referem-se a alguma coisa (THOMPSON,

2007, p. 375). A grande importância da fase da interpretação/reinterpretação, avalia Guareschi

(2003, p. 87), é porque há a necessidade de “referendar” o que foi analisado, “referenciá-lo”,

colocar-lhe um endereço e mostrar onde ele se situa no grande quadro do conjunto maior.

Thompson (2007, p. 376) observaque “o processo de interpretação é simultaneamente

um processo de reinterpretação”, bem como o processo de interpretação é também um

processo de risco. Como salienta, as formas simbólicas fazem parte de um campo pré-

interpretado, elas são já interpretadas pelos sujeitos que constitui o mundo sócio-histórico e

“como uma reinterpretação de um campo objetivo pré-interpretado, o processo de

interpretação é necessariamente arriscado, cheio de conflitos e discussão” (THOMPSON,

2007, p. 376), cabe, nesse sentido, a quem interpreta, que justifique sua interpretação, que

consiga suficientes razões para legitimar tal interpretação. Cabe também a quem lê a

interpretação e não concordar com ela, o direito e o dever de reinterpretá-la, de acrescentar ao

que foi dito, sua interpretação da realidade, mas também justificando-a (GUARESCHI, 2003,

p. 23-4).

A HP como formulada por Thompson, através das três etapas acima descritas, é, com

efeito, muito promissora, pois possibilita à pesquisa social um amplo leque de possibilidades

de análises em cada fase particular, ao mesmo tempo em que abre caminhos múltiplos para a

construção criativa de sentidos ou interpretações por parte do investigador. Thompson, nesse

sentido, ao propor esse esquema intelectual de interpretação sistemática das formas

simbólicas, formulou, sabiamente, sua plena empregabilidade para fins de interpretar a

ideologia buscando, acima de tudo, imprimir a seu estudo uma dimensão crítica.

Pela, então, importância como componente de análise em nosso trabalho, nos

deteremos, ainda que sumariamente, sobre a compreensão de Thompson sobre o assunto,

31

deixando, porém, saltar aos lhos de todos, desde já, que o autor da metodologia da

hermenêutica a incorpora sobre o enfoque da tríplice análise e em uma apreciação

exponencialmente mais detalhada do que a nossa.

De fato, de acordo com o próprio Thompson (2007, p. 377-8), a interpretação da

ideologia, forma particular da HP, pode se apoiar sobre cada uma das fases do enfoque da

hermenêutica, mas tomando essas fases com a finalidade de realçar as maneiras como o

significado serve para estabelecer e sustentar relações de dominação. Procura explicitar, em

circunstâncias específicas, como o sentido mobilizado pelas formas simbólicas sustenta a

posse e o exercício do poder. Marca, deste modo, com a inflexão crítica sobre as diferentes

fases da HP ao propor como finalidade identificar o significado que está a serviço de pessoas

e grupos que ocupam posições de poder.

Thompson apresenta em sua obra (“Ideologia e cultura moderna”) uma teoria bastante

complexa sobre a ideologia, o que pelas nossas limitações, neste exato momento, não será

possível discuti-las em sua plenitude, todavia o mais importante é explicitar a sua

contribuição no que se refere ao entrecruzamento das formas simbólicas com as relações de

dominação (VERONESE; GUARESCHI, 2006).

Antes, relembramos o fato de que as formas simbólicas não são, por si só,

necessariamente ideológicas, mas, como interpreta o autor, “desde que” sirvam, em certas

circunstâncias, para estabelecer relações de poder, apresentam o caráter ideológico. Neste

sentido, a formulação de Thompson sobre a ideologia toma o viés de sua interpretação crítica

do mundo social, quando sustenta a idéia de que “os fenômenos simbólicos” são “fenômenos

ideológicos” quando, em contextos sócio-históricos, ― e aí podemos analisá-las enquanto

ideológicas ―, estabelecem relações de poder. Retomaremos esta discussão um pouco mais a

frente nas questões conceituais.

Assim posto, sobre o estudo da ideologia, o autor propõe a sua utilização em cada fase

da hermenêutica. A rigor, sugere a possibilidade de ser efetuado em cada etapa da HP, por

exemplo, no caso da análise sócio-histórica, pode-se “prestar atenção particular às relações de

dominação que caracterizam as instituições sociais e os campos de interação”, uma vez que o

interesse surge em querer entender “as maneiras como essas relações são alimentadas e

sustentadas pelas formas simbólicas que circulam no campo social” (THOMPSON, 2007, p.

378).

Na análise formal, o exame ideológico é mobilizado para procurar identificar “as

características estruturais das formas simbólicas que facilitam a mobilização do significado”,

isto pode ser feito, inclusive, como bem demonstra, através de uma relação entre as maneiras

32

como as formas simbólicas apresentam-se estruturalmente, verbos “nominalizados” e

“apassivados”, por exemplo, e os modos e estratégias de ação da ideologia para sustentar

relações de poder, no caso a “reificação” que, articulada em construções verbais como essas,

transforma situações transitórias, históricas em permanentes ou eternas (THOMPSON, 2007,

p. 378).

A interpretação caminha também neste sentido, isto é, procura observar a “conexão

entre o sentido mobilizado pelas formas simbólicas e as relações de dominação que este

sentido ajuda a estabelecer e sustentar” (THOMPSON, 2007, p. 379). Como já dissemos, é o

momento de síntese da análise e, por isso, exige do pesquisador conhecimentos e

sensibilidade sobre as características das construções simbólicas e as relações estruturais

estabelecidas entre pessoas e grupos na sociedade contemporânea. A partir daí é possível

fazer a ligação da maneira como estão sendo mobilizadas as formas simbólicas e as relações

de poder existentes em condições sócio-históricas, percebendo-se o engendramento de

ideologias para fins de dominação.

A análise da ideologia, portanto, se constitui como um referencial metodológico

bastante prático para o exame das formas simbólicas. Contudo, sabemos também, assim como

o autor (THOMPSON, 2007, p. 380-1), que a interpretação ideológica é arriscada e

conflituosa, na medida em que sugerimos uma interpretação, não dada de antemão, e que pode

divergir de outras interpretações, daí a necessidade de ser bem argumentada.

Também reconhecemos que uma interpretação, é mais que uma sugestão de

significados, é antes uma intervenção no mundo social que pode, inclusive, promover

mudanças no campo do objeto analisado, nas relações que o próprio objeto serve para

sustentar. É, por fim, estar aberto à crítica, não só de outras interpretações, mas

principalmente, às relações de dominação as quais se inserem os sujeitos.

Partindo, então, do marco referencial metodológico proposto por Thompson como HP,

salientamos que onosso trabalhoencontra-se organizadode forma a fazer uso das três etapas

sugeridas pelo autorcom destaque para a análise ideológica.

Nesse sentido, na primeira fase metodológica, a análise sócio-histórica,

buscamoscaracterizar, ainda quede forma rápida e limitada, a TV Ponta Negra e o Jornal do

Dia,atentado para o contexto das relações econômicas, sociais e políticas em que se

inserem.Não deixamos, assim, de notar, como adequadamente salientou Damasceno (2008),

para questões referentes ao nicho do capital, da cultura empresarial e da correlação de forças

33

político-ideológicas a que estão incluídasa emissora e o referido telejornal6.A esta etapa

chamamosde “análise institucional”.

Na segunda fase da HP, buscamos empreender como metodologia discursiva ou

formal a análise “narrativa” e “argumentativa”, como foi sugerida anteriormente por

Thompson entre algumas alternativas. Nessas condições, nos valemos dos estudosdiscursivos

desenvolvidos por Patrick Charaudeau (2008; 2009) que procura incorporaramplamente as

reflexões sobre mídias, dado que entre os diferentes “modos de organização do discurso”, o

narrativo e o argumentativoencontram-se perfeitamente inscritos no gênero de “Imprensa”

como as noticias e os comentários que ora estudamos.

Assim, conforme pensa o autor, a narrativa “corresponde a finalidade do ‘que é

contar’?, e para fazê-lo, descreve, ao mesmo tempo, ações e qualificações”. Contar, entre

muitas definições, é uma atividade posterior à existência de uma realidade que se apresenta

como passada (mesmo quando é pura invenção), e, ao mesmo tempo, essa atividade tem a

propriedade de fazer surgir, em seu conjunto, um universo, “o universo contado”, que

predomina sobre a outra realidade, a qual passa a existir somente através desse universo

(CHARAUDEAU, 2008, p. 153-6).

Para que haja uma narrativa é necessário um contador (narrador, escritor, testemunha,

etc.), investido de uma intencionalidade, isto é, de querer transmitir alguma coisa a alguém,

um destinatário, e, de certa maneira, reunindo tudo que dará sentido a sua narrativa.

Nãoexcluindo daí, inclusive, todasas significações não conscientes das quais o contador

poderia ser o portador involuntário (CHARAUDEAU, 2008, p. 153).

Já a argumentação é uma atividade discursiva que está ligadaàbusca de racionalidade e

influência, isto é, tem uma finalidade persuasiva. A argumentação, conforme Charaudeau

(2008, p. 205), não significa simplesmente uma seqüência de frases ligadas por conectores

lógicos.Para que haja argumentação é necessário queexista uma proposta sobre o mundo que

provoque um questionamento a alguém quanto à sua legitimidade, um sujeito que se engaje

em relação a esse questionamento e desenvolva um raciocínio para tentar estabelecer uma

“verdade” e um outro sujeito que constitua-se no alvo da argumentação, ou seja, uma pessoa a

quem se argumenta, na esperança de conduzi-la a compartilhar dessa “verdade”, sabendo que

ela pode aceitar ou refutar a argumentação.

Emse tratando de situação de comunicação midiática ou, mais precisamente, de um

discurso de informação (a notícia), como a nossa pesquisa procura avaliar, tanto a narração 6Entendemos que, embora haja uma ampla estrutura social e histórica em que se insere nosso objeto, não ambicionamos abordar a magnitude do problema, pois estamos limitados por tempo e espaço.

34

como a argumentação são estudadas a partir dos “relatos” e “comentários” dos

acontecimentos públicos. Assim, anossa dissertação trabalha com os conceitos de

“acontecimento relatado” e “acontecimento comentado” proposto por Charaudeau (2009).

Para o autor, relatar (narrar) o acontecimento tem como conseqüência construí-lo

midiaticamente, isto é, fabricar uma notícia. O acontecimento relatado compreende “fatos” e

“ditos”. Fatos que têm relação, por exemplo, com comportamentos e ações humanas como

“casos de corrupção”, etc. e ditos que têm relação com pronunciamentos diversos que

adquirem, também, valores variados, como testemunhos, decisão, entre outros. Já comentar o

acontecimento é uma atividade discursiva, complementar ao relato, que consiste em um

exercício das faculdades de raciocínio para analisar o porquê e o como de tal acontecimento.

Na realidade, de acordo com Charaudeau, tanto o relato quanto o comentário estão

intrinsecamente ligados, a ponto de os teóricos da linguagem se dividirem entre os que

sustentam que “tudo é narrativa” (na linha de Paul Ricoeur) e os que afirmam que “tudo é

argumentação” (na linha de Oswald Ducrot). O fato é que “a visada informativa de fazer

saber” engloba, ao mesmo tempo, a existência dos fatos e a sua razão de ser. Não é possível,

portanto, informar se não se pode, ao mesmo tempo, dar garantias sobre a veracidade das

informações transmitidas, logo, fazer saber implica, necessariamente, um “explicar”

(CHARAUDEAU, 2009, p. 177).

Sobre a análise interpretativa, última etapa hermenêutica, procedemos a seleção de

determinadas matérias ou notícias jornalísticas (o que definimosmais detalhadamente à frente)

e, em seguida, a realizamos o seu exame em correspondência ao que foi feito nas duas

primeiras etapas.

Sobre esta fase da interpretação, destacamosde importante que ela guarda certa

autonomia por possibilitar maiores aberturas de estudo ao pesquisador, pois conforme salienta

Guareschi (2003, p. 87) “[...] é o autor do trabalho quem fala, quem escreve, quem se expõe.

Nesse momento, ele procura acrescentar uma nova compreensão do fato e cria, assim, novos

conhecimentos. Esse é o ‘novo’ do processo interpretativo”.Estamosinterpretando formas

simbólicas pré-interpretadas que estarão abertas a novas (re)interpretações. Outrossim, cada

interpretação dessa é justificada à luz de teorias, conceitos, categorias e reflexões de autores,

além de metodologias procedimentais que apresentam também um caráter organizativo.

Finalmente, a tudo que já foi dito sobre a hermenêutica, acrescentamos que ela não

tem o caráter de rigidez metodológica comum a muitos métodos no campo das ciências

sociais. Ela abre-se às possibilidades de pesquisa, de objeto e de investigação e fornece ao

35

investigador, desde que coerentemente, potencialidades para adaptar métodos e construir,

criativamente, alternativas procedimentais e interpretativas.

1.1.2.2. Referencial teórico de pesquisa

A nossa metodologia, conforme sugere Minayo (1996, p. 22-3), inclui ainda, “as

concepções teóricas de abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a apreensão da

realidade e também o potencial criativo do pesquisador”. As concepções teóricas e o conjunto

de técnicas formulam uma importante relação que encaminham o abstrato em direção ao

prático-concreto tornando factível a pesquisa, já o potencial criativo joga com a capacidade

criadora e a experiência do investigador que, entre outras coisas, pode relativizar o

instrumental técnico e os procedimentos metodológicos elencados em uma investigação

científica.

Teoria e técnicas de pesquisa, com efeito, são indispensáveis a uma boa investigação

científica. Não obstante, considerar a excessiva teorização e a pouca disposição de

instrumentos para abordar a realidade, provenientes de um trabalho pouco heurístico, pode

conduzir-nos a divagações abstratas e pouco precisas em relação ao objeto de estudo. Por

outro lado, o endeusamento e a reificação do instrumental técnico possibilita-nos um

direcionamento a um rigoroso empirismo científico ainda proeminente nas ciências sociais

(MINAYO, 1996, p. 23).

Somos, assim, de opinião que o interessante seria contemplar, em equilíbrio, a

importante relação teoria e técnicas de pesquisa e procurar, pari passu, “apostar” na

capacidade pessoal e criadora do pesquisador ao empreender a sua investigação.

Reconhecemosque o momento do referencial teórico é tão importante quanto às técnicas

investigativas, não sendoà toa que procuramos estampar, aqui, igual significância a ambas as

etapas e valorizarnosso potencial criativo de pesquisador ao fazer da HP a utilização de uma

metodologia científica que, como dissemos, nos possibilita real abertura de análise.

Aprendemos com Minayo (1994, p. 18) que a teoria é construída para explicar ou

compreender um fenômeno ou processo, ou mesmo fenômenos e processos, que circunscreve

o domínio empírico da teoria, uma vez que esta tem um caráter essencialmente abstrato. Em

resumo, é um conhecimento de que nos servimos durante a pesquisa como um sistema

organizado de proposições e conceitos que orientam a avaliação dos dados e veiculam

sentidos (MINAYO, 1994, p. 18).

36

A nossa investigação, com efeito, compartilha de concepções teóricas e de teóricos,

sendoa principal referência, como já procuramos expor na introdução, a “Teoria Social

Crítica” de Thompson (2007; 1998).

A sua elaboração teórica serve para pensarmosacerca do desenvolvimento dos meios

de comunicação, das formas simbólicas, da ideologia ― em seus modos e estratégias que

possam estar associadas às formas simbólicas ―, da cultura midiática e dos processos de

interação entre os homens.

Nesse sentido, sua contribuição é avaliada como sendo fundamental, uma vez que é

por meio dela que buscamos erguer questões e hipóteses com maior propriedade, fornecer

maior clareza na organização e na análise dos dados colhidos e esclarecer melhor nosso objeto

de estudo. Diríamos até que suas reflexões constituem-se como a “espinha dorsal” de toda a

dissertação. Nãosendo, portanto, irrefletidamente que os conceitos principaisque utilizamos,

como “formas simbólicas”, “ideologia” e “poder”, pertencem ao arcabouço intelectual do

autor — ou estão, de alguma forma, articulados a sua teoria — e são norteadores da presente

discussão.

Finalmente, para uma compreensão que envolva o debate sobre os meios de

comunicação, — o que contempla também as teorias sobre o jornalismo—, destacamos de

maneira ampla, além do próprio Thompson (2007; 1998), referências teóricas como Luis

Felipe Miguel (2002; 2004ab), Venício de Lima (2004;2006), Adauto Novais (1991), Felipe

Pena (2008), Marcondes Filho (2009), Carlos Eduardo Silva (1985), Max Horkheimere

Theodor Adorno (1982), Pierre Bourdieu (1997), Giovanni Sartori (2000), e Patrick

Charaudeau (2007).

1.1.2.3. Procedimentos técnicos de pesquisa

Segundo Bauer e Aarts (2003, p. 39) “toda pesquisa social empírica seleciona

evidência para argumentar e necessita justificar a seleção que é a base de investigação,

descrição, demonstração, prova ou refutação de uma afirmação específica”. Em se tratando de

nosso trabalho, o “corpus” de estudo (BARTHES apud BAUER; AARTS, 2003), conforme já

foi mencionado, é construído a partir de notícias jornalísticas ou formas simbólicas de caráter

público correspondentes às veiculações diárias do Jornal do Dia da TV Ponta Negra.

Assim, o período destacado para exame vaido dia 16 de novembro a15 de dezembro

de 2011 e marca uma fase de intensos eventos na política do Rio Grande do Norte. São

acontecimentos de caráter político e social que circularam nos mais variados meios de

37

comunicação e que se tornaramalvo do interesse da grande mídia potiguar como, por

exemplo, as matérias respeitante à CEI (Comissão Especial de Inquérito) que tinham como

foco o andamento da investigaçãodos contratos realizados pela prefeitura municipal de Natal

em 2011 sob a administração da prefeita Micarla de Sousa.

Nesse sentido, a escolha do mencionado período para análise, correspondente a final

de ano (2011), se justifica por considerarmos um momento em que importantes assuntos

como esse (e outros como veremos à frente), — que envolvem casos de corrupção, com

suposto envolvimento da prefeita em desvio de verbas—, foram veiculados paratodo o estado.

Ao mesmo tempo, trata-se de um período que acontece em um ano considerado ainda não

eleitoral, o que confere um “ar” de maior “normalidade” à cobertura jornalística da emissora,

dado que o propósito da pesquisa é justamente tentar entender o comportamento do Jornal do

Dia dentro de uma certa cotidianidadeda política,ou seja, fora de épocas eleitorais, período,

inclusive,que já ficou registrado, em muitos trabalhos, o envolvimento da emissora com as

eleições (Cf. NEGREIROS, 2008; VASCONCELOS e OLIVEIRA LIMA, 2007, entre

outros).

O desafio, portanto, é tentar entender o jornal em momentos não eleitorais para melhor

traduzir o seu comportamento livre de “interferências” mais imediatas da política. O que

reconhecemos como sendo uma tarefa difícil já que vivemos em momento histórico em que os

meios de comunicação estão intimamente relacionados com a política, onde esses campos

influenciam um ao outro, todavia, diminuir-se-iam os riscos a uma possível militância aberta.

Assim, o estudo do material empírico se deusobre a gravação de quatro semanas

seguidas do programa Jornal do Dia (1ª e 2ª edição) ecorrespondeua um período de 22 dias de

matérias para serem analisadas (segunda a sexta). Nesse sentido, durante a análise do material

fora constatado uma quantidade expressiva de matérias que, conforme Charaudeau (2009, p.

132), ainda que retomem o acontecimento passado, são consideradas como “notícias”, em seu

caráter de novidade, desde que venham, necessariamente, acrescidas de um componente

“novo” ouum elemento que seja considerado, até então, desconhecido pelo público7.

O que observamos, é que na maior parte dos casos analisados, esse elemento “novo”

se caracterizava como uma informação de pouca monta, isto é, a notícia que reconstituía a

matéria, uma vez transmitida, acrescentava algo ou uma informação de pouco significado para

a análise. Desta forma, ela apresentava um caráter muito grande de repetição, embora não

7 Conforme Charaudeau (2009) é considerado como um dos critérios para que a informação seja uma notícia, é o seu caráter de novidade.

38

pudesse ser considerada, conforme o autor, como sendo matéria repetida, justamente, por

adicionar esse “novo” à matéria.

Como exemplos, podemos mencionar as notícias sobre corrupção que retomavam o

acontecido, — às vezes, parcialmente ou, às vezes, totalmente —, daquilo que já foi editado,

em imagens e palavras, e acrescia uma nota sobre a situação mais atual dos acusados ou algo

referido a eles.

Essa característica de editoração/apresentação da notícia expressou-se fortemente no

acompanhamento do material mediado, de maneira que muitas notícias como a Operação

Sinal Fechado, a greve do ITEP, a construção do aeroporto de São Gonçalo do Amarante,

entre outras, deixassem de ser, necessariamente, requisito de análise, em seu conjunto, isto é,

todas as notícias divulgadas no período mencionado sobre a Operação Sinal Fechado, todas as

notícias sobre a greve do ITEP, etc., dado, o seu caráter de acréscimo apresentar-se de pouca

significância.

Isso, com efeito, fez com que não considerássemos em análise grande parte dessas

notícias, uma vez que seria um esforço desnecessário e tornaria o estudo repetitivo. Como,

critério prático de análise, optamosem trabalhar com a sua representatividade, isto é,

procuramos trazer para a pesquisa a notícia mais significativa para exame, estabelecendo

como balisa o seu caráter explicitamente ideológico, ou seja, a que melhor transparece como

ideológica. Evidentemente, partindo da concepção de ideologia de Thompson que se preocupa

como o sentido está sendo mobilizadoem favor de pessoas ou relações de desigualdade e

poder, como melhor veremos à frente.

Assim, foram acompanhadas (vistas, selecionadas e estudadas) um número de 52

notícias nos 22 dias de programas jornalísticos8, sendo 32 delas consideradas reconstituições.

Foram desconsideradas as matérias repetidas que iam ao ar, normalmente, na 2ª edição do

jornal ou nas edições do dia seguinte. Das 52 matérias, consideradas como notícias, por haver

algonovo, em termos de acréscimo de informação, destacamos para atual análise 19 matérias

por seu caráter de representatividade.

Sobre esse procedimento, Lakatos observa que a escolha de determinados elementos

em um conjuntoocorre por diversos motivos, mas principalmente pela impossibilidade do

levantamento de todos os dados, sua não necessidade e/ou, também, pelo caráter

derepresentação da amostra a um todo. Determinamos, assim, o processo de amostragem

como sendo não-probabilístico e intencional (MARCONI; LAKATOS, 1990, p. 47; DIEHL; 8 Consideramos somente o gênero “notícia” e relacionada à política, não incluindo aíoutros gêneros de informação como entrevistas, debates, etc.

39

TATIM, 2004, p. 65), já que desconsideramos formas aleatórias de seleção e levamos em

consideração o perfil ideológico das mensagens para a definição da escolhadas notícias.

Assim, asmatérias analisadas, todas apresentam caráter ideológico, todavia

acentuamos as amostras mais representativas, evitando tornar o estudo cansativo ou repetitivo

como observamos. Organizamos, então, a análise em quatro temas gerais, tendo em vista uma

melhor sistematização da pesquisa: “corrupção na política”, “greve no estado”, “atividades do

executivo e do legislativo municipal e estadual” e “atuações político-partidária” como

veremos no capítulo quatro.

1.2. Alguns elementos conceituais imprescindíveis à consecução da pesquisa: a noção de Formas Simbólicas, Ideologia e Poder

1.2.1. Referências conceituais da pesquisa

O “referencial conceitual” é aqui parte integrante do “referencial teórico” da pesquisa,

isto é, a complementação conceitual empregada por nós respeitante às elaborações e

contribuições dos autores — em teorias, ideias e principalmente conceitos — pertinentes ao

nosso trabalho.

De modo geral, sobre a relevância dos “conceitos” em uma investigação, Minayo

(1994, p. 20) defende que “servem para ordenar os objetos e os processos e fixar melhor o

recorte que deve ou não ser examinado e construído”. As funções dos conceitos podem ser

classificadas em: “cognitivas”, por seu caráter delimitador (restritivo) no uso de um

empreendimento científico e, enquanto valorativos, definidores de conotações; “pragmáticas”,

por ter o conceito um caráter operativo ao permitir ao investigador sua utilização em campo; e

“comunicativas”, onde deve ser o “conceito claro, específico e abrangente que permita sua

compreensão pelos interlocutores participantes de uma mesma área de interesse” (MINAYO,

1994, p. 20).

Segundo Kaplan apud Minayo (1994, p. 21) os conceitos são também ordenados

conforme níveis variados de abstração, indo dos mais operacionais aos mais abstratos. Em se

tratando de estudos como o nosso, os conceitos instrumentalizados podem ser classificados

como “conceitos teóricos” que, conforme ainda o autor, situam-se em planos completos de

abstração e caracterizam-se por ser articuladores de proposições e ideias.

Os conceitos, assim, que buscamos desenvolver, apresentam, de fato, uma carga

teórica muito forte, possuem história e peso ideológico, carregam sentidos e significados bem

definidos e não podem ser confundidos como simples “jogo de palavras”, têm finalidades e

40

procuram responder a necessidades da pesquisa, estão a contribuir, principalmente, para uma

melhor compreensão da realidade estudada. Dada a sua importância, demandam

fundamentação teórica sólida. Corroboramos, então, com Minayo quando observa que como

qualquer linguagem, devem ser elaborados recuperando suas dimensões históricas e até

mesmo ideológicas. Pois, cada corrente teórica apresenta seu próprio acervo de conceitos e

para entendê-los temos que nos apropriar muitas vezes do contexto em que foram gerados

(MINAYO, 1994, p. 21).

Entendemos, finalmente, que os conceitos, uma vezbem fundamentados, possibilitam-

nos a desenvolver e alicerçar melhor nossa investigação, dando maior consistência às

indagações por nós levantadas, às hipóteses lançadas, os argumentos construídos e as

respostas engendradas. Compreendemos que toda tarefa científica deve-se firmar em

referenciais teóricos. Como parte substancial de nossos referenciais, articulamos os conceitos

de “ideologia”, “formas simbólicas” e “poder”.

1.2.1.1. As formas simbólicas

As formas simbólicas, como havíamos dito, foram caracterizadas por Thompson como

“construções” significativas de vários tipos, isto é, ações, objetos, expressões, textos e obras

de artes, entre outros, que são produzidas, transmitidas e recebidas socialmente. Thompson, a

rigor, ao formular originalmente a sua compreensão do que entende por construções

simbólicas, procurou realizá-la no interior de uma instigante revisão histórica do conceito de

cultura. Sua proposta ancora-se na ambição em realçar algumas das principais dimensões de

utilização do termo e daí em diante a estabelecer a sua própria interpretação conceitual. Ao

proceder de tal maneira, entende o autor, que as principais reflexões acerca do universo

simbólico vêm sendo travadas no âmbito dos estudos culturais.

Thompson, assim, busca distinguir quatro tipos básicos de significados para o termo

em debate, o que os intitulou de concepção “clássica”, “descritiva”, “simbólica” e “estrutural”

da cultura. Foi, entrementes, com esta última formulação que imprimiu a sua interpretaçãoe

extraiu dela a sua percepção das formas simbólicas.

Ao expressarmos aqui o raciocínio do autor a tal respeito, podemos afirmar,

sumariamente, que a primeira concepção de cultura, pontuada como clássica, emergiu nos

debates dos séculos XVIII e XIX tendo como destaque o pensamento de historiadores e

filósofos alemães. Thompson recorda que nas discussões sobre tal conceito, a expressão

“cultura” era normalmente utilizada para se referir a um processo de desenvolvimento

41

espiritual que diferia, em certos aspectos, do conceito de “civilização” 9. Para o autor, essa

tradução definia a cultura como “o processo de desenvolvimento e enobrecimento das

faculdades humanas, processo facilitado pela assimilação de trabalhos acadêmicos e artísticos

e ligado ao caráter progressista da era moderna” (THOMPSON, 2007, p. 170).

As duas outras interpretações subseqüentes chamadas de “concepções antropológicas”

da cultura tiveram também, segundo Thompson, enormes repercussão intelectual: a

concepção descritiva, derivada das reflexões acadêmico-antropológicas do final do século

XIX, com a presença de pesquisadores de renomes como Tylor, Malinowski e outros, foi

sumarizada pelo autor como designando a cultura por “um conjunto de crenças, costumes,

ideias e valores, bem como artefatos e instrumentos materiais” pertencentes a um determinado

grupo ou sociedade (THOMPSON, 2007, p.173); e a concepção simbólica, cujo foco foi

direcionado para o simbolismo e para a interpretação dos sentidos, seu principal expoente é o

estudioso da cultura, Clifford Geertz. Thompson (2007, p. 176) caracterizou esta formulação

da seguinte maneira: “cultura é o padrão de significados incorporados nas formas simbólicas”

incluindo ações, manifestações verbais e objetos significativos de vários tipos, pelos quais os

homens se comunicam e compartilham o mundo ao seu redor.

Para Thompson a acepção simbólica construída por Geertz é um ponto de referência

importante em suas discussões, pois muito adequada para se referir ao caráter simbólico da

vida social e “aos padrões de significados incorporados às formas simbólicas”. Todavia,

bastante limitado para uma reflexão mais crítica acerca da cultura e da sociedade de modo

geral. Segundo o autor, a ênfase no caráter simbólico da vida social, presente no pensamento

de Geertz, deve ser complementada pela evidência de que as formas simbólicas estão

inseridas em “contextos sociais estruturados”, contextos esses que incluem relações de poder,

formas de conflito e desigualdades em termos de distribuição de recursos entre outros. Daí,

então, a extrema necessidade de elaboração de uma outra interpretação do conceito de cultura,

desafio esse que ganha sentido através de uma acepção “estrutural” do termo, isto é, uma

interpretação que procura dar “ênfase tanto ao caráter simbólico dos fenômenos culturais

como ao fato de tais fenômenos estarem sempre inseridos em contexto sociais estruturados”

(THOMPSON, 2007, p. 181).

9Este designava, na França e Inglaterra do período, um movimento em direção ao refinamento e à “ordem”. Ambos, inteiramente intercambiáveis, mas divergentes na Alemanha, pois Kultur apresentava uma “tonalidade” positiva, ligada a produtos intelectuais e artísticos enquanto Zivilisation, negativamente, referia-se a polidez e a refinamentos de maneiras e, assim, estavam associados, para uma intelligentsia da época, a comportamentos superficiais de caráter aristocráticos (THOMPSON, 2007, p. 170).

42

A análise cultural, conforme a proposta de Thompson, passa, então, a significar o

estudo das formas simbólicas em relação a contextos e processos historicamente específicos e

socialmente estruturados e os fenômenos culturais são tratados como formas simbólicas

inseridos em tais contextos.

Para o autor, a sua concepção estrutural das formas simbólicas contempla ainda cinco

características importantes a sua constituição, as quais foram denominadas de aspectos

“intencionais”, “convencionais”, “estruturais”, “referenciais” e “contextuais”. Faremos

assimuma avaliação rápida sobre cada uma delas, pleiteando evidenciar suas principais

qualidades. Informamos, antes, que os quatro primeiros aspectos, como bem salienta

Thompson (2007, p. 183), dão ênfase ao “sentido” ou “significado” dos fenômenos

simbólicos e o último, embora também relevante em questões de interpretação, se destaca por

acentuar “as características socialmente estruturadas das formas simbólicas que são

normalmente negligenciadas nas discussões sobre significados e interpretação, características

que são, no mínimo, cruciais à análise da cultura”.

Assim se referindo, o aspecto intencional distingue-se por apresentar-se relacionado à

ideia de “intenção” e/ou “intencionalidade”. Ao evidenciar esta característica, Thompson

(2007, p. 183) a descreve como a relação em que “as formas simbólicas são produzidas,

construídas e empregadas por um sujeito, que ao produzir e empregar tais formas, está

buscando certos objetivos e propósito e tentando expressar aquilo que ele ‘quer dizer’ ou

‘tenciona’ nas e pelas formas assim produzidas”. É, porém, necessário ter em mente que as

formas simbólicas produzidas e recebidas socialmente, só serão compreendidas como tais, isto

é como objetos significativos, se se pressupõe que sejam produzidas ou empregadas de um

sujeito para outro ou que seja ela percebida como construída dessa forma pelo sujeito que a

recebe; também, o significado de uma forma simbólica não é necessariamente idêntico aquilo

que o sujeito-produtor tencionou ou quis dizer ao produzir a forma simbólica. O significado é,

antes, um fenômeno complexo que depende e é determinado por uma variedade grande de

fatores, sendo a intenção do sujeito apenas um destes.

O aspecto convencional, por sua vez, refere-se ao fato de que “a produção, construção

ou emprego das formas simbólicas, bem como a interpretação da mesma pelos sujeitos que a

recebem, [...] envolvem a aplicação de regras, códigos ou convenções de vários tipos”

(THOMPSON, 2007, p. 185). Isso significa que as construções simbólicas, não

diferentemente das demais manifestações de caráter social, existem no entrelaçamento de

várias regras e convenções humanas. Essas regras variam muito e podem estar, por exemplo,

relacionadas a aplicações de tipos gramaticais, de estilo ou de expressão, a códigos que se

43

referem a letras ou a números e a gestos ou ações que denotam interpretações na inter-relação

entre pessoas, etc. Pode ainda significar os processos de “codificação” e “decodificação”,

naturalmente e socialmente, aplicados por todos em seu dia a dia para a produção e

interpretação de formas e expressões simbólicas e que está, também, relacionada a

conhecimentos tácitos e sanções quando forem infringidas, entre outras.

Já o aspecto estrutural se sobressai por identificar as formas simbólicas com

“construções que apresentam uma estrutura articulada [...] no sentido de que consistem,

tipicamente, de elementos que se colocam em determinadas relações uns com outros”

(THOMPSON, 2007, p. 187). Isto é, a estrutura de uma forma simbólica apresenta-se como

um padrão de elementos passíveis de ser discernidos concretamente, como é o caso de

efetivas manifestações verbais, textuais, imagéticas, etc. Thompson, a isso, se refere à

possibilidade de uma análise estrutural sobre uma forma simbólica, considerando seus

elementos e suas inter-relações. Por exemplo, cita o exame da “justa posição de palavras ou

de imagens em uma figura”. Esse aspecto é importante, pois permite ao investigador

aprofundar o conhecimento do sentido das formas simbólicas uma vez que estas são

construídas, em seus significados, a partir de traços estruturais.

Quanto ao aspecto referencial, o autor procura demonstrar que as formas simbólicas

são “construções que [...] representam algo, referem-se a algo, dizem algo sobre alguma

coisa” (THOMPSON, 2007, p, 190). Salienta, assim, que o caráter de referência de uma

construção simbólica sobressai por sua especificidade em que pode, em um determinado

contexto, substituir ou representar um objeto, indivíduo ou situação. Desse jeito, por exemplo,

uma figura em um jornal político (uma charge), pode, em casos específicos, se referir a um

ator político ou ao Estado-nação, uma expressão lingüística em um determinado discurso, se

referir, a dado momento e lugar, a determinado objeto, uma imagem em um quadro, a

específicos temas, e assim por diante. Esse caráter referencial, também, sempre, diz algo

sobre o referente, isto é, afirma ou declara algo sobre o objeto referenciado, projeta ou declara

alguma coisa sobre indivíduos ou situações determinadas.

Por fim, o aspecto contextual, já presente em nossas discussões iniciais. Agora, pela

oportunidade, nos deteremos um pouco mais sobre sua constituição. De fato, como dizíamos

anteriormente “as formas simbólicas estão sempre inseridas em processos e contextos sócio-

históricos específicos dentro dos quais e por meio dos quais elas são produzidas, transmitidas

e recebidas” (THOMSON, 2007, p. 192). Essa maneira de pensar as formas simbólicas,

caracterizada por Thompson, torna evidente o aspecto de contexto em que tais fenômenos

encontram-se inseridos. O autor argumenta, por exemplo, que formas simbólicas complexas,

44

como os programas de televisão, entre outros, pressupõem uma variedade de instituições

específicas, dentro das quais e por meio das quais, são produzidas, transmitidas e recebidas.

O que as formas simbólicas são, nesse sentido, as maneiras como são construídas e

recebidas socialmente, o sentido e o valor que possuem para aqueles que as recebem ou

interpretam, dependem, em certa medida, dos contextos e instituições que a geram, medeiam e

as mantêm (THOMSON, 2007, p. 192). O aspecto contextual procura, então, dar atenção aos

processos, instituições e contextos sociais dentro dos quais discursos, palavras, imagens,

programas televisivos, etc., são formulados, transmitidos e recebidos. Consoante a reflexão de

Thompson (2007, p. 192-3), também, está aí incluso a “análise das relações de poder, formas

de autoridade, tipos de recursos e outras características desses contextos”.

1.2.1.2. A concepção de ideologia

Circula entre nós um alentado consenso de que o conceito de “ideologia” é um dos

mais ambíguos e polissêmicos conceitoscorrente nas ciências sociais. A sua profusão de

significados tem sido normalmente reputada ao sinuoso itinerário histórico do termo, que

desde o seu surgimento — no século XIX — até os dias atuais fora responsável por imprimir

uma multiplicidade de sentidos ao conceito e, por vezes, a mergulhá-lo em difíceis nuanças de

caráter intelectual (LÖWY, 1985; EAGLETON, 1997; THOMPSON, 2007; CHAUÍ, 1980;

KONDER, 2002).

Obviamente que não nos interessa recobrar aqui o longo caminho percorrido por tal

expressão: “ideologia”. Sabemos bem o quão longo e tortuoso foi o seu caminho:

originalmente foi debitado ao francês iluminista Destutt de Tracy, passando por nomes de

destaques na história, como Napoleão Bonaparte, Karl Marx, Karl Mannheim, entre outros,

até atingir os inumeráveis estudiosos de hoje que, de uma forma ou de outra, buscaram

enfrentar àquilo que Konder (2002), desafiadoramente, intitulou de “a questão da ideologia”.

Nosso propósito neste momento, evidentemente, é outro. Concentrar-nos-emos na formulação

desenvolvida por Thompson, pois acreditamos ser ela bastante útil a nossa pesquisa, ainda

porque, ao que já sublinhamos preliminarmente, complementa-se adequadamente ao estudo

da hermenêutica de profundidade.

Dito isto, observamos que Thompson (2007) ao desenvolver seu enfoque de análise

acerca da ideologia procurou, antes, situá-la em um campo fundamental de distinções a partir

do qual dois tipos gerais de concepções se destacam: o que chamou, primeiramente, de

“concepções neutras” e, segundo, de “concepções críticas” de ideologia.

45

Na primeira concepção, o autor procurou elencar teóricos e versões que despem do

conceito noções que a assemelham a “fenômenos enganadores e ilusórios” ou ligados aos

interesses de algum grupo particular. As ideologias podem ser assim vistas como “sistemas de

pensamentos” ou “crenças” que se referem à ação social ou à prática política, sem, por isso,

implicar obrigatoriamentequalquer juízo de valor10. Thompson (2007, p. 73) se refere a

concepções de ideologias desenvolvidas pelos estudiosos Destutt de Tracy, Lênin, Lukács e

Mannheim (na sua acepção total).

Na segunda concepção, elenca pensadores e pensamentos que associam à ideologia um

sentido negativo, crítico ou pejorativo. “Diferentemente das concepções neutras, as

concepções críticas implicam que o fenômeno caracterizado como [...] ideológico é

enganador, ilusório ou parcial; e a própria caracterização [...] como ideologia carrega consigo

um criticismo implícito ou a própria condenação desses fenômenos” (THOMPSON, 2007, p.

73). Para o autor, são concepções críticas as formulações oferecidas por Napoleão, Marx e

Mannheim (na acepção restrita da ideologia).

É por meio destas distinções que ao autor faz emergir a sua interpretação do que

entende por ideologia. Para assim formular o que chama “de uma concepção alternativa”,

Thompson combate as concepções neutras e procura resgatar das concepções críticas alguns

elementos considerados imprescindíveis a sua formulação. Consoante o seu pensamento, não

se trata de reabilitar alguma tradução particular de ideologia, nem também em propor alguma

síntese ampla e globalizante do termo, o que se pretende é construir uma nova formulação do

conceito que possa ser vista como uma “concepção crítica da ideologia”, isto é, uma

formulação que retoma a conotação negativa da ideologia, conforme organizada por seus

pensadores, e relaciona sua análise à questão da crítica (THOMPSON, 2007, p. 71).

Trata-se, a seu juízo, de uma proposta de exame da ideologia que está interessada nas

maneiras como as formas simbólicas se entrecruzam com as relações de poder; como o

sentido é mobilizado no mundo social e histórico e presta, assim, ao reforço de pessoas e

grupos que ocupam posições de poder. Numa definição mais acabada do enfoque do autor:

“estudar a ideologia é estudar as maneiras como o sentido serve para estabelecer e sustentar

relações de dominação” (THOMPSON, 2007, p. 76).

10

A ideologia, nesse sentido, conforme pensa Thompson (2007, p. 72-3), pode estar presente, por exemplo, em qualquer programa político, sem implicar, necessariamente, que ele seja orientado para a revolução, a restauração ou a reforma, independentemente de querer a transformação ou a conservação da ordem ou pode ser útil para as classes dominantes em sua luta contra as classes subalternas ou, ao contrário, servir as camadas subalternas para fazer frente às classes dominantes.

46

Thompson, com toda certeza, ao formular a sua concepção de ideologia, vai se apoiar

nas reflexões desenvolvidas por Karl Marx. Nesse sentido, é mais que sintomático que o

caráter negativo assimilado por sua formulação vaiamparar-seno “critério de sustentação das

relações de dominação” derivada da “concepção latente” que faz do autor11.

Todavia, em sua interpretação, procura tornar contingente o fato de que asformas

simbólicas sejam necessariamente errôneas e ilusórias para que possam ser consideradas

como ideológicas. Caracterizar uma forma simbólica como ideológica, não significa, em sua

avaliação, provar fundamentalmente que seja “falsa” ou “ilusória”; até porque, sabe

Thompson, assim como nos ensina Marilena Chauí (2007, p. 15), que não se pode classificar

simplesmente uma ideologia como sinônimo de ilusão ou falsidade, haja vista que esta se

apresenta como algo muito mais complexo do que isso.

Finalmente, gostaríamos de explicitar, ainda que sumariamente, alguns “modos gerais

de operação da ideologia” que foram elencados pelo autor ao desenvolver o seu conceito e sua

teoria. Thompson salienta, antecipadamente, que ao identificar algumas modalidades de

operação ideológica, assim como algumas maneiras pelas quais podem estar associadas a

estratégias de construção simbólicas, não quer por isso afirmar que são elas as únicas formas

sociais de operação da ideologia, nem que cada maneira está associada, exclusivamente, a

certas estratégias de construção simbólica, se quer, ainda, que tais estratégias sejam, per se,

intrinsecamente ideológicas.

O autor, portanto, distingue cinco modos gerais através dos quais a ideologia pode

operar, isto é, a “legitimação”, “dissimulação”, “unificação”, “fragmentação” e “reificação” e

as relacionam, conforme aduzimos anteriormente, a alguns instrumentos de construção

simbólica que facilitam os sentidos.

Sem procurar nos estender no assunto, podemos dizer que a legitimação, isto é, um

fundamento baseado no direito, na razão ou na justiça, considerado um modo de operação da

ideologia, pode, por exemplo, está articulada a estratégias de construção de formas simbólicas

como a “racionalização”, “universalização” e “narrativização” e, assim, tornar plausível uma

relação de dominação. Max Weber (2000) sabia muito bem que relações de dominação são

mais bem mantidas e sustentadas quando representadas como legítimas, a exemplo dos tipos

puros de dominação: “tradicional”, “legal” e “carismática”.

A dissimulação, por sua vez, entendida como ocultamento astucioso ou encobrimento,

negação ou mesmo obscurecimento de relações de dominação (THOMPSON, 2007, p. 83),

11 Sobre a concepção latente de ideologia Cf. THOMPSON, 2007, p. 57-62.

47

conseguintemente, apresenta a possibilidade de valer-se de estratégias como o

“deslocamento”, a “eufemização” e o “tropo”. Já a unificação, forma de interligação dos

indivíduos numa identidade coletiva, livre de diferenças e divisões (THOMPSON, 2007, p.

86), permite utilizar-se de estratégias como a “padronização” e a “simbolização de unidade”,

objetivando estabelecer e sustentar relações de dominação. A fragmentação, ao contrário da

unificação, pode ser entendida como segmentação, fracionamento ou divisão, por exemplo, de

interesses de indivíduos e grupos que pleiteia a superação de desafios frente a forças

dominantes. Estratégias mais comuns desse tipo de operação são a “diferenciação” e o

“expurgo do outro” como mecanismos ideológicos de dominação.

Por fim, a reificação, entendida como um modo particular de manifestação da

alienação (MÉSZÁROS, 2006), encontra-se intimamente relacionada com o fenômeno da

ideologia. Segundo Thompson (2007, p. 86), relações de dominação facultam ser sustentadas

por estratégias de “naturalização” e “eternalização”, pois processos são retratados como

coisas ou algo natural, de tal forma que seu caráter social e histórico é eclipsado. Ademais,

pode-seter em vista estratégias de construção simbólica como a que já citamos: a

“nominalização” e a “passivização” que tendem a apagar atores e ações em discursos e

situações e transformar tudo em coisas e contextos sem sujeitos, entre outras.

1.2.1.3. A noção de poder

Assim como ocorre com muitas das noções fundamentais das ciências sociais, também a noção de poder revela-se tão complexa quanto vaga. Não é surpresa que haja um vasto número de livros e artigos dedicado à análise desse conceito central em muitas disciplinas (Dijk, 2008).

A exemplo do conceito de ideologia, a noção de poder apresenta-se, também,bastante

nuançada, seus significados e sentidos são verdadeiramente múltiplos e seu percurso

nahistória estárepletode descontinuidades e reviravoltas. Nesse sentido, émais que importante

que focalizemosnaquelas interpretações de poder que sejam diretamenterelevantes ao

nossotrabalho, isto é, nas traduções que sirvamao campo de estudo sobre o qual estamos

nosdebruçando: as reflexões sobre os meios de comunicação.

Norberto Bobbio (1998)—em seu “Dicionário de política”— observa que, no

significado mais usual, a palavra poder designa “a capacidade ou a possibilidade de agir, de

produzir efeitos. Tanto pode ser referida a indivíduos e a grupos humanos como a objetos ou a

fenômenos naturais”. Se a entendermos, observa ainda o autor, “em sentido especificamente

social, ou seja, na sua relação com a vida do homem em sociedade, o poder torna-se mais

48

preciso, e seu espaço conceptual pode ir desde a capacidade geral de agir, até à capacidade do

homem em determinar o comportamento do homem: poder do homem sobre o homem”

(BOBBIO, 1998, p. 933).

O homem, dessa maneira, não é só sujeito, mas também é objeto do poder. É poder

social, na avaliação de Bobbio, a capacidade que um pai, por exemplo, tem para dar ordens

aos filhos ou então, como bem adita, “a capacidade de um Governo de dar ordens aos

cidadãos”. Nãosendo poder social, por outro lado, a capacidade que o homem tem em

dominar a natureza, nem a utilização que faz dos recursos naturais, emboracompreendao autor

que a relação do homem com a natureza seja muito importante.

É, contudo, reconhecidamente expresso que há uma forte relação entre o poder sobre o

homem e o poder sobre a natureza ou as coisas e muitas vezes, conforme pensa o autor, o

segundo é condição para realização do primeiro ou vice-versa. O que é mais significativo

notar, entretanto, é que se trata de dois tipos distintos de poder e que o poder sobre as coisas é

extremamente relevanteao estudo do poder social na medida em que ele pode vir a se

transformar num recurso para exercer o poder sobre o homem.

Nesse sentido, Bobbio oferece uma reflexão substancial, ao sublinhar o caráter

relacional do poder, mais que isso, lembra que o poder não é uma coisa que se possui, como

um objeto ou uma substância qualquer, — interpretação corrente na tradição hobbesiana12—,

mas uma relação entre pessoas que podem, sim, fazer uso de meios materiais para conseguir o

que se deseja. Sem o outro não há como haver poder, nem mesmo sem o comportamento

deste outro na satisfação do desejo alheio, há relações consistentes depoder.

Ora, essencial para nós, é que há no autor, uma definição, ainda que inicial, mas

transparente, sobre o poder e é justamente essa compreensão do poder, em sua dimensão

social, e não outra, que nos interessapara oexame dos meios de comunicação. É a partir de

talinterpretação que poderemos, por exemplo, identificar a eminência ou não do mesmoe suas

qualidades nas formas simbólicas que são rotineiramente produzidas, comercializadas ou

difundidasem todo o estado do RN pela emissora e o programa jornalístico por nós destacado.

Como esse poder é exercido, manifestado, descrito, disfarçado ou mesmo legitimado pelas

12Conforme Bobbio (1998, p. 934) “a definição de Hobbes, tal como se lê no princípio do capítulo décimo do Leviatã, é a seguinte: ‘O Poder de um homem... consiste nos meios de alcançar alguma aparente vantagem futura’. Não é diferente, por exemplo, o que Gumplowicz afirmou: que a essência do Poder ‘consiste na posse dos meios de satisfazer as necessidades humanas e na possibilidade de dispor livremente de tais meios’. Em definições como estas, o Poder é entendido como algo que se possui: como um objeto ou uma substância — observou alguém — que se guarda num recipiente”.

49

formas simbólicas? Éum interessante questionamento que, de uma forma ou de outra,

buscaremosresponder.

Sobre esta classificação de poder, há, porém, muito ainda a se acrescentar. Teun van

Dijk (2008, p. 40-3), — holandês, estudioso do discurso—, observa em seu livro “Discurso e

poder” algumas características que são também importantes para o nosso estudo. Porém,

como ele mesmo salienta, deve-se ter em mente que a noção complexa de poder não pode

simplesmente ser esgotada em uma definição singela, necessitade uma teoria madura e

interdisciplinar que possa se apropriar das implicações e aplicações do conceito. Resumimos

abaixo suas contribuições em torno do referido termo:

1) Poder social é uma característica da relação entre grupos, classes ou outras formações

sociais, ou entre pessoas na qualidade de membros sociais.

2) Em um nível elementar, mas essencial da análise, as relações de poder social

manifestam-se, tipicamente, na interação. Desse modo, pode-se dizer que o grupo A

(ou seus membros) possui poder sobre o grupo B (ou seus membros) quando as ações

reais ou potenciais de A exercem um controle social sobre B.

3) Exceto no caso do exercício da força física, o poder social é geralmente indireto e age

por meio da “mente” das pessoas, controlando as informações ou opiniões necessárias

de que precisam para planejar e executar suas ações. É comum, então, falar emcontrole

por meio da persuasão e outras formas de comunicação discursiva, ou resultante do

medo de sanções a serem impostas por A no caso de B não atender seus desejos. A

“mediação mental” do poder, por outro lado, deixa espaço para graus variáveis de

liberdade e resistência daqueles que estão subjugados pelo exercício de poder.

4) O poder é uma forma de controle social se sua base for constituída de recursos

socialmente relevantes (esses recursos consistem geralmente em atributos ou bens

socialmente valorizados, mas desigualmente distribuídos, tais como riquezas, posição,

posto, status, autoridade, conhecimento, habilidade, privilégios ou mesmo o mero

pertencimento a um grupo dominante ou hegemônico). Quem exerce o poder o faz

para atender a interesses pessoais ou de grupos.

5) Ao poder há também a dimensão, nada desprezível, da resistência. Grupos dominados

e seus membros raramente se mostram totalmente impotentes. Sob condições

socioeconômicas, históricas ou culturais específicas, tais grupos podem se envolver

com várias formas de resistências ou contrapoder e tornar o poderoso menos poderoso

ou vulnerável. O poder precisa, então, ser analisado em relação às várias formas de

50

contrapoder vindas dos grupos hegemonizados, o que é uma condição para a análise

dos desafios e mudanças sociais e históricas.

6) O exercício e a manutenção do poder social pressupõem uma estrutura ideológica.

Essa estrutura é socialmente compartilhada e relacionada aos interesses de um grupo e

seus membros, é adquirida, confirmada ou alterada, principalmente, por meio da

comunicação ou do discurso (formas simbólicas).

Com efeito, essa percepçãodo poder, nos dámaior embasamento para construir,

agregar e fortalecer, junto às interpretações de Thompson, um referencial teórico mais claro

acerca do conceito. Entendemos que as elaborações dos autores supracitados

contribuemporprojetar claridade à formulação de Thompson que, como a compreendemos, o

autor não se detémem maiores detalhes ao termo, haja vista, o que faz é construir ou elaborar

uma concepção bastante ampla acerca do poder. Reflexão, inclusive, diferenteda que a temos

em relação ao conceito de “ideologia”, expressão que, como observamos o autor a incorpora

sob sólidas argumentações.

Portanto, como avalia o tema em seu livro, o “poder” é entendido como a capacidade

de um grupo ou pessoa agir na busca de seus objetivos e interesses (THOMPSON, 2007,

p.199). Esse poder, entretanto, está necessariamente vinculado a um contexto social amplo,

contexto esse, ao qual já mencionamos anteriormente, como sendo uma das características

fundamentais das formas simbólicas. Para Thompsona inserção das formas simbólicas em

contextos sociais implica revelar que, além de serem expressões de sujeitos, as formas

simbólicas são antes, rigorosamente, produzidas por agentes (pessoas ou grupos) situados

dentro de contextos sócio-históricos específicos e dotados, principalmente, de recursos e

capacidades diferentes para realizar seus objetivos.

Essa característicasugere que a capacidade de ação por um grupo ou pessoa depende

em muito da posição do agente dentro de um campo ou instituição, por isso que o “poder”

étambém descrito como “a capacidade que ‘possibilita’ ou ‘capacita’ alguns indivíduos a

tomarem decisões, perseguirem certos fins ou realizarem interesses; capacita-os de tal forma

que, sem a capacidade oferecida por sua posição [...] eles não seriam capazes de levar adiante

sua importante trajetória” (THOMPSON, 2007, p. 199). Quando, porém, essas relações de

poder são “sistematicamente assimétricas”, a situação, então, pode serdescrita de outra forma,

isto é, como uma “dominação”. Nesse ínterim, segundo Thompson, é dominação quando

pessoas ou grupos possuem um poder de maneira estável, de tal forma, que exclua outras

pessoas ou grupos de pessoas, não importando a basesobre a qual se efetivatalexclusão. Pode-

51

se falarde grupos dominantes e subordinados, assim como grupos intermediáriosque atuam

em virtude de seu acesso parcial a recursosque conferempoder (THOMPSON, 2007, p. 2000).

Uma variante do poder social, importantíssima para nossa investigação, que

estádiretamenteligada ao controle ou acesso a determinados recursos (sobretudo aos recursos

de caráter comunicacional, como é o caso do acessoà falapública, ao discurso e aos mais

variados meios de comunicação, como jornais, revistas, rádios, TVs, livros, etc.)é o “poder

simbólico”. Conforme van Dijk (2008) salienta, inspirado no sociólogo francês Pierre

Bourdieu, o poder simbólico, conferido na maior parte pelo “capital simbólico”, é o tipo de

poder que determinadas pessoas ou grupos, nas sociedades ocidentais contemporâneas (como

políticos, jornalistas, advogados, professores, artistas, entre outras pessoas e grupos,

reconhecidas como“elites simbólicas”) possuem, em virtude de seu acesso diferenciado ao

discurso e/ou ao controle de sua prestigiosaprodução.

Os detentores de poder, — que podem, claramente, derivar esse poder de outras

formas, como o poder político, material, conhecimento, etc. —, possuem a capacidade óbvia

de influenciara agenda pública, de determinar a relevância dos tópicos, controlar a quantidade

e o tipo da informação, decidir quem deve ou não ganhar destaque publicamente e de que

forma isso acontece. São, portanto, os formuladores do conhecimento, dos padrões morais,

das crenças, atitudes e ideologias, seu poder simbólico é, assim, reconhecidamente um poder

ideológico (DIJK, 2008, p. 44-5).

Como essas elites simbólicas, conforme adita van Dijk (2008, p. 46), apresentam-se

em sua maior parte controladas pelo Estado ou por empresas particulares, a sua voz é

freqüentemente a voz do patrão empresarial ou institucional. Seusinteresses e ideologias não

são, em geral, diferentes dos interesses e ideologias dos que pagam os seus salários ou lhes

dão apoio13.Ao contrário, eles representam, normalmente,notáveisveículos de comunicação de

massa e seus proprietários, defendem também grupos sociais e até mesmo classes sociais

determinadas. Portanto, não éimpensadamente quesituamos comosendo extremamente

relevanteacompreensãode suas formas simbólicas, isto é, pleitear entendê-las naquilo que

identificamos que seja mais substancial em uma investigação—e por incrível que pareçapassa,

corriqueiramente, despercebida a toda população, “a ideologia” —, é, per se, uma grande

tarefa.

13 “Apenas alguns grupos (por exemplo, os romancistas e alguns acadêmicos) dispõem da possibilidade de exercer um contra poder, que ainda precisa ser manifestado dentro dos limites da publicação. A dependência das elites é tipicamente escondida em termos ideológicos [...], por exemplo, por meio da crença disseminada na ‘liberdade de expressão’ dos meios de comunicação de massa” (Dijk, 2008, p. 46).

52

2. Da comunicação mediada: a televisão e o segmento jornalístico

2.1. Do advento midiático e da interação mediada: aspectos históricos e interacionais dos meios de comunicação de massa

2.1.1. O advento midiático

Parte-seda compreensão e anuência de que o mundo por nós inicialmente focalizado é

o mundo ocidental europeu de raízes históricas modernas, a partir do século XV, em direção a

uma contemporaneidade. Nesse sentido, fundamental é situar a emergência da comunicação

mediada em suas origens passadas, aproximadamente no ano de 1450 quando da invenção ou

surgimento da imprensa a qual foi, reconhecidamente, atribuída a Johann Gutenberg.

O advento da imprensa gráfica no marco histórico da modernidade veio, sem sombra

de dúvida, revolucionar a vida européia a partir do século XV. Como perfeitamente observou

Asa Briggs e Peter Burke (2006, p. 24-31) a “revolução da impressão gráfica” significou

transformações profundas ao longo de três séculos e repercutiu decisivamente nos séculos

posteriores. As inovações tecnológicas ocorridas com a prensa gráfica significaram a

produção ampliada de textos e publicações variadas e conseqüentemente a circulação de um

volume cada vez maior de informação, haja vista que o que predominava até então, eram,

basicamente, as atividades de escribas e religiosos nos mosteiros espalhados pela Europa.

De fato, as raízes mais relevantes para se pensar o atual nível de desenvolvimento dos

meios de comunicação são buscadas na Europa, no século XV, início da Modernidade. Foi

com o advento da impressa de Gutenberg e posterior utilização, sofisticação e expansão de

suas técnicas de produção, em séculos seguintes, XVI à XIX, pelo que, a partir daí, veio a se

configurar em indústrias da mídia, que se tem como resultado o estado mais atual de

aperfeiçoamento e radicalidade dos meios de massa.

Nesse sentido, como bem observa Thompson (2007), “as instituições da mídia”, isto é,

as inúmeras organizações (jornais, revistas, cinema, televisão, etc.) que se interessam pela

exploração comercial de formas simbólicas, foram responsáveis por reformular e,

fundamentalmente, por propagar, em escala cada vez mais ampla, um conjunto de produtos de

caráter extremamente simbólico, trata-se dos produtos da mídia como jornais, filmes,

programas de televisão, entre outros.

É, sobretudo, por meio desses produtos que as formas simbólicas foram e continua

sendo amplamente divulgadas, recebidase também assimiladaspor diversas pessoas no curso

53

de suas vidas cotidianas. Para Thompson, fundamental nessas transformações foram o

surgimento do comércio de notícias e os processos de difusão das informações14.

Observou-se, no primeiro momento, o aparecimento na Europa (séculos XVI e XVII)

de uma variedade de publicações periódicas que expunham eventos e transmitiam

informações de cunho político e comercial. Com o avanço da imprensa, particular

desenvolvimento da indústria do jornal nos séculos posteriores, mormente, XIX e XX, as

matérias noticiosas estiveram, assim, sob novas dinâmicas. Thompson (2007, p. 234), em

conformidade com este pensamento, assinala o desenvolvimento e circulação massiva de

jornais e a crescente internacionalização das atividades de coleta das notícias, tendências

consideráveis e que fortemente caracterizou o momento.

Em um segundo instante, a emergência da difusão foi responsável por revolucionar a

maneira como vinha sendo feita a transmissão das informações. O emprego de ondas

eletromagnéticas e a não mais obrigatoriedade do uso dos fios de transmissão, utilizado até o

final do século XIX, aumentou, sobremaneira, o potencial de comunicação dos meios de

informação. Sua utilização no rádio, inicialmente nos Estados Unidos em 1920, e,

especialmente, na televisão nas décadas de 1940 e 1950 propiciou condições extremamente

desejáveis para uma perfeita e profunda modificação na veiculação das informações de caráter

massivo.

Sem sombra de dúvida, foi com o crescimento da televisão que as alterações nas

indústrias da mídia, e conseqüentemente na transmissão das formas simbólicas, foram

substancialmente radicalizadas. Todavia, é na contemporaneidade, século XX e dias atuais,

que os meios de massa ou “mass media” (COSTA LIMA, 1982) passaram a apresentar amplas

e significativas mudanças.

É, justamente, sobre tais alterações que nos debruçaremos um pouco mais à frente, a

partir, principalmente, da leitura que faz Thompson do assunto. De antemão, expressamos que

é impossível não notar para o fato de que as transformações que vêm se processando no

universo midiático têm colaborado, de forma decisiva, para estruturação de novas maneiras de

relacionamento e interação social, onde o simbólico vem se configurando como um modo

extremamente relevante de mediação que se realiza entre os homens e entre estes e o mundo.

14 “Isto é, a transmissão de sinais via ondas eletromagnéticas para uma audiência indeterminada e potencialmente ampla, em vez de para um receptor específico” (THOMPSON, 1995, p. 242).

54

2.1.2. A interação mediada

Thompson (1998; 2007) tem chamado a atenção para o fato de que o desenvolvimento

da comunicação de massa passou a afetar de diferentes modos a organização social da vida

cotidiana, pois com o advento e o avanço dos mass media tornaram-se possível ao homem

experenciar novas formas de relação e interação no mundo social.

Segundo o autor, a partir do momento em que as pessoas passaram a utilizar os meios

de comunicação, elas entram em contato com tipos de interação que diferem das formas de

interação “face a face”, características das relações cotidianas, e começaram a fazer uso da

interação “mediada” ou “quase-interação” mediada, isso representou, entre outras coisas,

profundas alterações na organização espacial e temporal da vida social, novas possibilidades

de ação e também novas maneiras de exercíciodo poder que não está mais ligado ao

compartilhamento do local comum.

Neste sentido, dada a importância das formas de interação pontuadas pelo autor,

faremos uma breve caracterização do assunto;mas, antes, destacamos que o desenvolvimento

e utilização dos meios de comunicação não devem ser vistos como meros suplementos às

relações sociais preexistentes, como se fossem a introdução de canais neutros que difundem

bens simbólicos e deixam, dessa forma, as relações sociais intactas. Ao contrário, o

desenvolvimento dos meios técnicos, como os mass media, possui um impacto fundamental

nas maneiras como as pessoas agem e interagem umas com as outras (THOMPSON, 2007, p.

296).

Nestas condições, é que o surgimento da televisão, como meio técnico específico, é

considerado um avanço de grande repercussão na sociedade. A televisão, não somente

apresenta a sua importância no que diz respeito ao sentido das mensagens que transmite

(embora saibamos que se trata de uma dimensão preponderante de sua relevância social), mas

se destaca, também, pela forma que assume enquanto meio técnico e serve para organizar e

reconstituir a interação social. Deste modo, não é irrefletidamente que o autor assinala a

importância de entender as características da quase-interação mediada.

Para explorar, então, os tipos de situação interativa surgidas com o advento e

irradiação do mass media, Thompson (1998) estabelece a distinção entre a interação face a

face, a interação mediada e a quase-interação mediada. Estas últimas, conforme pontua, são as

formas interacionais que se tornaram comuns na sociedade de “cultura moderna”

(THOMPSON, 2007, p. 279).

55

Assim, a interação face a face acontece em um “contexto de co-presença”, onde os

participantes compartilham um mesmo sistema referencial de espaço e tempo. Esse tipo de

interação ocorre comumente nos diálogos travados pelas pessoas no dia a dia, elas podem,

inclusive, se utilizar de expressões denotativas como “aqui”, “agora”, “este”, “esse”, entre

outros e serem facilmente compreendidas.

O caráter dialógico da conversação é marca característica deste tipo de interação na

medida em que as pessoas envolvidas trocam diretamenteinformações, significando um fluxo

de ida e volta de mensagens entre produtores e receptores específicos que são ambos, ao

mesmo tempo, os produtores e os receptores das informações permutadas.

Com o desenvolvimento dos meios de comunicação a partir do século XV em diante,

porém a interação se dissocia do ambiente físico, portanto, do contexto de co-presença e as

pessoas podem interagir umas com as outras em contextos diferentes ou em ambientes

espaço-temporalmente não partilhados15.

Thompson, assim, contrasta a interação face a face com a interação mediada, com as

quais indica formas interacionais como cartas, conversas telefônicas, etc. Essas maneiras de

interação caracterizam-se por ser dialógicas e implicam sempre um meio técnico (papel, fios,

ondas eletromagnéticas, etc.) que possibilitam a transmissão de informação e conteúdo

simbólico para pessoas situadas remotamente no espaço e no tempo. Os participantes a uma

interação mediada podem, deste modo, estar situados em contextos distintos e não

compartilharem o mesmo referencial de espaço e tempo.

Os meios de comunicação, contudo, na sua ampla maioria, têm sido também

responsáveis por conferir às relações sociais existentes formas de quase-interação mediadas.

Na verdade, quando Thompson fala em “meios de comunicação de massa” ele está se

referindo, preponderantemente, a jornais, livros, revistas e a vários tipos de meios eletrônicos

como o rádio e a televisão, entre outros, que por suas características são responsáveis por

instituir modos de relacionamentos típicos de uma quase-interação.

Nesse sentido, os meios de massa, conforme salienta, particularizam-se pela

“produção institucionalizada e difusão generalizada de bens simbólicos através da fixação e

transmissão de informação ou conteúdo simbólico” (THOMPSON, 1998, p. 32), isso implica

15 É importante que se entenda que “antes do início do período moderno na Europa, e até recentemente em

algumas partes do mundo, o intercâmbio de informação e conteúdo simbólico era, para maioria das pessoas, um processo que acontecia dentro de situações contextuais face a face. Formas de interação mediadas e quase-interação mediada existiam, mas eram restritas a setores relativamente pequenos da população. Participar de interação ou quase-interação mediadas exigia habilidades especiais – tais como a capacidade de ler ou escrever – reservadas quase sempre a elites políticas, comerciais e eclesiásticas (THOMPSON, 1998, p. 82).

56

necessariamente, a caracterização dos meios de comunicação a partir de alguns aspectos: a

“difusão” ou “transmissão” institucionalizada das formas simbólicas (isto é, o caráter

institucional e, geralmente, monológico de propagação das mensagens); a ruptura entre

produção e recepção de bens simbólicos (ou seja, os bens simbólicos são produzidos para

receptores que, normalmente, não estão presentes no local da produção e transmissão); a

acessibilidade de formas simbólicas no tempo e no espaço; e, por fim, a circulação pública das

formas simbólicas (significando a disponibilização de produtos midiáticos a uma pluralidade

de receptores potenciais) (THOMPSON, 2007, p. 287-94).

De tais definições, segundo Thompson, destacam-se dois aspectos-chave que se

diferenciam das demais interações e singulariza-a como uma quase interação. Vejamos,

enquanto a interação face a face e a interação mediada são dialógicas, a quase-interação

mediada é monológica, isto é, o fluxo da “comunicação” é predominantemente de sentido

único, isto acontece, por exemplo, a meios como o livro ou a televisão onde as mensagens

difundidas trafegam, quase que exclusivamente, do produtor para o receptor, dificultando a

estes a manifestar suas opiniões a respeito da informação recebida.

Assim, não há o grau de reciprocidade das outras formas de interação, embora

continue sendo um tipo de interação. Por isso, Thompson (1998, p. 288) adverte que é mais

apropriado falar em “difusão” ou “transmissão” de mensagens, em vez de “comunicação”

como tal.

O outro aspecto importante diz respeito ao fato de que os participantes de uma

interação face a face ou de uma interação mediada são orientados para outros específicos, para

quem eles produzem ações, afirmações, etc., no caso da quase-interação mediada, as formas

simbólicas são produzidas para um número indefinido de receptores potenciais. Essa

característica sugere a circulação pública das formas simbólicas, as quais, nas outras formas

de interação, encontram-se restritas a um público singular de receptores, dificultando também

sua abrangência e interferência no mundo social.

Com efeito, o surgimento dos meios de comunicação e o seu subseqüente

desenvolvimento, com destaque para a emergência dos veículos eletrônicos de difusão no

século XX, fez com que a interação face a face fosse sendo cada vez mais suplementada por

formas de interação e quase-interação mediadas (THOMPSON, 1998, p. 81).

Neste sentido, se observarmos, um pouco mais detidamente, veremos que o mundo

social hoje presencia, em proporção sempre crescente, a transmissão de informação e

conteúdo simbólico em contexto de quase-interação, isso tem colocado a televisão enquanto

57

dispositivo técnico de grande aceitação, em importante posição de destaque na interação

social.

A televisão tem se mostrando de grande penetrabilidade no mundo social, não é à toa

que ela é considerada, segundo o autor, como um dos meios técnicos mais presentes quando

se trata da organização do intercâmbio e da interação social. Através da televisão, por

exemplo, a visibilidade social hoje, ou melhor, a “televisibilidade” pode ser facilmente

construída, bem como são construídas as “personalidades” sociais e políticas que comumente

aparecem no universo midiático.

Sobre esse assunto, segundo Thompson (1998, p. 91), “a característica distintiva da

televisibilidade é que ela combina presença audiovisual com distância espaço-temporal”. Ora,

esta característica que associa presença e ausência, ao mesmo tempo, é constitutiva da relação

que as pessoas, em geral, têm com as “figuras” que transitam normalmente nos programas de

televisão. São pessoas que, pelo local ocupado e/ou posição ocupada nestes veículos de

comunicação, fazem-se presentes aos receptores, sendo, então, comumente visíveis ao

público, mas ausentes do contexto de recepção.

As “personalidades” sociais e políticas, em uma “sociedade midiática” (RUBIM,

2001ab), são também, em boa parte, construídas e cultivadas desta maneira, isto é, a partir de

uma visibilidade elaborada à distância. Inclusive, a imagem freqüente no meio midiático e o

distanciamento entre produtores e receptores, conferido pela natureza da quase-interação,

contribui bastante para a construção de uma “aura” em torno das personalidades da TV

(THOMPSON, 1998, p. 91).

Conforme salienta Thompson, para os receptores as personalidades são pessoas com as

quais eles podem simpatizar ou antipatizar, gostar ou desgostar, detestar ou reverenciar, mas

os traços dessas personalidades não podem ser retocados ou controvertidos por esse tipo de

quase-interação, uma vez que não se trata de uma dialogicidade, isto é, a aura de uma

personalidade se sustenta em parte pela distância que separa produtores e receptores.

A Televisão, assim, contribui bastante para isso e os políticos os quais nos

defrontamos cotidianamente pela televisão, são hoje, em sua maior parte, “personalidades”

que buscam vencer eleições, formulam constantemente uma imagem nos meios de

comunicação e procuram persuadir, com seus discursos, uma audiência.

Aliás, a história recente do universo televisivo e da política local no Rio Grande do

Norte tem mostrado como uma versão da visibilidade nos meios de comunicação, sobretudo

na TV, contribui, de forma decisiva, para a construção de uma imagem política, o que

“pincelaremos” um pouco mais a frente, mas, para os propósitos mais gerais, sabemos que a

58

visibilidade midiática incorpora fortemente o mundo da política, como um todo, o que

estabelece com ela novas interações e novas formas de relacionamentos que repercutem no

modo ou na maneira como o cidadão comum lida com a política, como é explicitamente o

caso da televisão e da cobertura que se faz dos fatos políticos (ALDÉ, 2005).

2.2. Globalização contemporânea e desenvolvimento midiático: avanços e transformações nos mass media

De acordo com Immanuel Wallerstein (1985) “o capitalismo é antes e acima de tudo um

sistema social histórico”. Suas raízes remontam a Europa do final do século XV, quando

começou a formar-se o mercado mundial e a estabelecer-se a divisão internacional do

trabalho. Para o autor, a capacidade de acumulação de capital em países como a Inglaterra e a

França possibilitou a expansão global das relações econômicas, integrando ao sistema,já no

século XIX, tanto as potências industriais da época quanto as demais nações e regiões

agrícolas do mundo (WALLERSTEIN apud MONIZ BANDEIRA, 2007).

No século seguinte (século XX), conforme acentuou Octavio Ianni (2011; 2000), o

capitalismo continuou a desenvolver-secomo um modo de produção material e espiritual.

Com o seu poder avassalador, influenciou e transformou importantes formas de organização

do trabalho e de vida social, estabeleceu novas dinâmicas para as forças produtivas e

continuou, entre muitas outras atividades, a fortalecer a lógica de concentração e centralização

do capital.

Não resta dúvida que o seu desenvolvimento no decorrer de todos estes séculos tenha

promovido importantes alterações na economia e na sociedade de forma geral. Não obstante,

ressaltamos que é na contemporaneidadeque ele tem se revelado um inigualável produtor e

propulsor de transformações nunca antes observadas em sua conformação, haja vista, as

importantes análises elaboradas e discutidas por David Harvey (2008).

De fato, para o acadêmico marxista, o capitalismo do século XX tem apresentado

indícios bastante claros de mudanças em sua configuração, pois “[...] são abundantes os sinais

e marcas de modificações radicais em processos de trabalho, hábitos de consumo,

configurações geográficas e geopolíticas, poderes e práticas do Estado, etc.” (HARVEY,

2008, p. 117).

Essas alterações, e outras manifestações mais de mudanças na economia política,

encontram-se amplamente vinculadas ao que denomina como o fim da “longa onda

expansiva” do capital (1945-1973), baseada no modelo “fordista-keynesiano”, e o surgimento

59

— a partir de 1973 — de uma nova fase flexível de acumulação (HARVEY, 2008). A

passagem do fordismo ao modo de acumulação flexível estaria, assim, na raiz de um conjunto

de transformações observadas na hodiernidade e que passou a afetar amplamente a política, a

cultura e a sociedade, de um modo geral.

Para se ter uma ideia panorâmica que seja de tais alterações, de 1973 para cá,conforme

sublinhou Harvey (2008, p. 146), vem se desenhando no conjunto das sociedades capitalistas

uma radical reestruturação no mercado de trabalho com regimes e contratos mais flexíveis;

surgiram novas técnicas e novas formas organizacionais de produção que permitiram uma

aceleração no ritmo da inovação do produto e a redução do tempo de giro do capital;

acentuou-se, também, o desenvolvimento técnico e científico e no campo das comunicações,

entre outros, observou-se a ampliação dos processos de concentração do poder

empresarial.Pois, como bem colocou o autor, “o controle do fluxo de informações”, “a

espantosa concentração de poder econômico na edição de livros, na mídia e na imprensa” foi

outra área de desenvolvimento de grande repercussão, uma vez que significou o aumento do

poder das grandes corporações no domínio do marketing, da publicidade e do capital

(HARVEY, 2008, p. 152).

Outrossim, uma visão importante que emerge do contexto de transformação do século

XX e do contínuo processo de desenvolvimento do sistema capitalista é a globalização

contemporânea. Nesse sentido, como acentua Ianni (2011, p. 55), “a história do capitalismo

pode ser vista como a história da mundialização, da globalização do mundo”. Ela representa a

dinâmica do capitalismo que principia em séculos anteriores, conforme já assinalamos, mas

que na altura da contemporaneidade se intensifica e se expande; apresenta, fortes traços

econômicos, políticos, sociais e culturais e vem acompanhando os ritmos de transformações

da sociedade como um todo. Assim, está a impulsionar o projeto capitalistao mais

longinquamente possível (IANNI, 2011; 2000).

Podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que a globalização tem transformado a

presente realidade, pois, vive-se o momento da reprodução cada vez mais ampliada do capital

com sua crescente concentração e centralização; do poder aviltante das empresas

multinacionais, corporações e conglomerados transnacionais. Eles se constituíram, em grande

parte, como os responsáveis pela “internacionalização do capital” (IANNI, 2000, p. 56-7) ou,

de outro modo, pela “mundialização do capital”, na interpretação que faz François Chesnais

(1996), ao se referir a ela como um novo ciclo do capitalismo, a partir de 1980, que tem na

financeirização da economia o comando do novo estilo de acumulação capitalista, entre

outros.

60

A globalização a qual estamos nos referindo, entretanto, caracteriza-se, em parte

substancial, pelos avanços e transformações no campo da comunicação e da informação.

Nesse sentido, Thompson (2007) mais que tem salientado para as importantes alterações que

vêm se processando sobre os mass media, principalmente, apartir das últimas décadas do

século XX. Pois, para o autor, as mudanças nas indústrias da mídia são o resultado de

desenvolvimentos em dois níveis: no nível da economia política e no nível da tecnologia.

Assim, observa:

As indústrias da mídia nas sociedades ocidentais são, em muitos casos, organizações comerciais ou quase comerciais, operando num mercado competitivo e sujeito a pressões financeiras e a incentivos de vários tipos; por isso, mudanças nas indústrias da mídia são, até certo ponto, respostas a imperativos econômicos e pressões políticas que afetam essas indústrias enquanto interesses comerciais. Mas as indústrias da mídia são, também, fortemente dependentes da tecnologia e da inovação tecnológica (THOMPSON, 2007, p. 253-4).

Acompanhando, dessa maneira, as mudanças que vêm se operando no âmbito da

economia capitalista, Thompson observa que além dos processos de desregulamentação das

indústrias midiáticas, vêm se tornando cada vez mais crescente a sua concentração,

diversificação e globalização pelo mundo.

Neste ínterim, a sua desregulamentação, fazendo parte de um contexto mais geral do

universo empresarial capitalista, significou uma tentativa no campo dos mass media em

aumentar a competitividade e remover uma legislação que era vista como restritiva aos

interesses comerciais. Esse processo foi, também, impulsionado pelo desenvolvimento de

novas tecnologias na esfera das telecomunicações. Consoante o autor,

Com o progresso nos sistemas de transmissão por cabo e por satélite, os argumentos tradicionais sobre o número limitado de canais [...] começaram a ter menos peso. Essas novas tecnologias criaram a possibilidade de uma proliferação de canais de transmissão, de tal modo que as razões para restringir o direito de transmitir a um [...] pequeno número de organizações estritamente regulamentadas, começou a aparecer menos plausível. Ainda mais: as organizações comerciais foram inteligentes na exploração das novas tecnologias e pressionaram fortemente a favor de um referencial mais aberto em que pudessem trabalhar (THOMPSON, 2007, p. 266).

Assim, a tendência para a desregulamentação foi particularmente acentuada nas

décadas de 70 e 80 no setor de difusão que, normalmente, se desenvolveu em um contexto de

fortes controles estatais. Na Europa a difusão por rádio e televisão era estritamente regulada

pelo Estado que concedia permissões às instituições difusoras, distribuía o alcance das ondas

e controlava o conteúdo das transmissões.

61

Os argumentos comumente levantados para o estabelecimento e manutenção desta

situação giravam em torno da existência de poucos canais a disposição e de que essa atividade

era essencialmente pública e que uma vez tornada comercializável poderia gerar

conseqüências danosas e perturbadoras a uma possível difusão descontrolada. Nos Estados

Unidos, onde a desregulamentação foi tradicionalmente mais fraca, houve tentativas, no final

da década de 1970, mas, sobretudo, na década de 1980, para diminuir os controles sobre a

difusão do rádio e da televisão por meio da diminuição de exigências para transmissão de

serviços públicos e permitir a veiculação de mais mensagens comerciais nos mass media

(THOMPSON, 2007, p. 264-265).

Não obstante, conforme tem alertado Thompson, uma das principais críticas feitas aos

processos de desregulamentação é que eles têm se tornado um caminho de aceleração da

concentração das indústrias midiáticas. Pois, “ao abrir a difusão e as novas tecnologias à

exploração comercial, a desregulamentação pode fazer com que os conglomerados da

comunicação aumentem seu papel de dominação na nova economia global da informação e da

comunicação” (THOMPSON, 2007, p. 266). O que, de fato, tem contribuído para a crescente

concentração dos meios de massa em toda parte.

Argemiro Ferreira, jornalista de destaque nacional, em um importante trabalho, “As

redes de TV e os senhores da aldeia global”, recolhido por Adauto Novais (1991) no livro

“Rede imaginária” 16, observou como a dinâmica da concentração empresarial no ramo das

comunicações apresentava-se já bastante promissora para o fim da década de 90. À época em

que publicou seu artigo, salientava que os estudos e pesquisas já previam que até o fim da

década de 1990 algumas poucas megaempresas controlariam as redes mundiais de informação

e entretenimento, inclusive, já se constituíam elas, na época, em verdadeiros “senhores da

aldeia global” 17.

Ferreira, nesse sentido, observava que os progressos tecnológicos nas comunicações

por satélite e a cabo, aliados à onda de desregulamentação que passou a varrer o continente

europeu, até então, sobre o poder dos monopólios estatais, começaram a abrir as brechas do

sistema e permitir o estabelecimento das corporações gigantes a partir da Inglaterra.

A França privatizou sua principal rede pública, enquanto a Itália e a Alemanha

reformulavam a legislação no campo das telecomunicações para permitir a criação de

emissoras privadas, sustentadas pela veiculação de anúncios. Nos Estados Unidos, Thompson

16 Estamos tratando da primeira edição do livro organizado por Adauto Novais “Rede imaginária” pela Companhia das letras em 1991. 17 Expressão que toma emprestado do especialista em comunicações Bem H. Bagdikian.

62

(2007) tem observado um quadro de concentração crescente das grandes corporações em

diários, revistas, livros, televisão e filmes. Conforme aponta em livro, no inicio da década de

1980, 46 grandes corporações controlavam a maior parte desses meios, no final da década, o

número de firmas controlando metade ou mais dos negócios tinha encolhido pela metade, de

46 para 23 (THOMPSON, 2007, p. 254-5).

No caso do Brasil, a importação do modelo norte-americano de informação e

comunicação, especialmente no que se refere à televisão e, sobretudo, com a Rede Globo,

estabeleceu certos vínculos a uma possível invasão das corporações estrangeiras. Entretanto,

as regras constitucionais do país apresentavam certas dificuldades ao processo, uma vez que

proibia a instalação de empresas internacionais em setores considerados estratégicos como as

telecomunicações. De qualquer modo, houve inícios da presença estrangeira no país com os

acordos da Globo com o grupo Time-Life. Inclusive, nunca é demais relembrar que Roberto

Marinho, no processo de implantação da emissora e na construção de seu futuro império,

contou com o apoio dos governos da época (Juscelino Kubitschek e João Goulart),

principalmente, do regime militar (NOVAIS, 1991, p. 161).

Além da crescente concentração, as indústrias da mídia têm passado por um intenso

processo de diversificação, isto é, expandido suas atividades para diferentes campos ou linhas

de produção ou por meio da obtenção de companhias que operam nesses campos ou, ainda,

investindo capital em novos desenvolvimentos. Conforme situa Thompson, quando a

diversificação se dá em campos interligados (exemplo, editores adquirindo designers,

empresas gráficas, etc.), tem-se aí uma boa estratégia para controlar os diversos estágios no

desenvolvimento de um produto ou quando a diversificação envolve a expansão para setores

não relacionados (exemplo, empresas do ramo midiático se expande no campo dos hotéis,

restaurantes, etc.), busca-se, então, aumentar lucros, evitar crises econômicas ou mesmo

declínio de certas atividades (THOMPSON, 2007, p. 257).

O que se tem observado, contudo, é que a diversificação das empresas midiáticas

juntamente com a sua concentração, bastante operante até nos dias atuais, têm estimulado a

formação dos conglomerados de comunicação que apresenta interesses numa variedade de

indústrias ligadas à informação e a comunicação. Inclusive, os estudos sobre o universo

midiático vêm apontando os nomes dos grandes conglomerados empresariaiscomo, por

63

exemplo, a tão mencionada fusão, lembrada por muitos analistas a respeito da Time Warner,

resultado da junção da Time Inc. e Warner Communication em 198918.

O que, entrementes, é de maior necessidade salientar é que a globalização

contemporânea tem estimulado uma nova dinâmica para expansão e fortalecimento das

empresas, grupos e corporações envolvidos com os meios de comunicação. Não é à toa que

Thompson (2007, p. 261) vem apontado para o fato de que “nas últimas décadas a

globalização das atividades das indústrias da mídia assumiu novas formas, tornou-se muito

mais ampla e com características de onipresença”. Isso significa que a mídia globalizada, vem

se tornando mais poderosa e mais presente na maior parte do globo.

As indústrias da mídia vêm, assim, se integrando cada vez mais aos conglomerados da

comunicação que são, também, cada vez mais transnacionais em termos de abrangência de

suas operações. Essas empresas, também, vêm desenvolvendo um papel cada vez mais

voltado para produção e exportação de bens midiáticos para o mercado internacional e que

juntamente com os desenvolvimentos tecnológicos ampliou, em escala nunca antes vista, a

difusão transnacional da informação e da comunicação.

Thompson, porém, nos alerta que a globalização dos mass media, não é algo novo,

pois materiais impressos sempre puderam ser transportados de uma nação para outra, no

entanto, a produção e a globalização tecnológica se acentuaram tanto nas últimas décadas que

fizeram com que a presença informacional e comunicacional, na contemporaneidade,

setornassem uma realidade para milhões e milhões de pessoas em todo mundo e isso tem

representado o estabelecimento de novas formas de interação, novos relacionamentos e até

mesmo novas condições de sociabilidade, pautada e engendrada pelos mass media.

Nesse sentido, no campo das tecnologias as mudanças observadas caminham em

várias direções, pois como se sabe são muitas as transformações que se processaram e vêm se

processando no interior dos meios de comunicação. Thompson tem apontado duas

transformações fundamentais que atingiram, especialmente, o segmento da televisão e,

obviamente, trouxeram conseqüências nas maneiras de transmissão e recepção de suas

mensagens, são eles: o desenvolvimento do sistema a caboe a transmissão via satélite.

Trata-se de tecnologias que a partir da década de 1970 passaram a ser plenamente

utilizadas e que, por conseguinte, foram responsáveis por ampliar a circulação das

18Sabemos, contudo, que não cabe a nós, pelo menos neste momento, a citá-los todos aqui ou detalhá-los em estudo, até porque muitos autores já fizeram isso com maior propriedade do que nós, é o caso do próprio Thompson (2007) e de inúmeros outros autores reunidos na publicação de Novais (1991), além, mesmo, de trabalhos mais atuais como Castells (1999), entre outros.

64

informações e da comunicação em todo mundo. Os cabos coaxiais e mais recentemente os de

fibra ótica aumentaram grandemente a potencialidade da televisão em criar novos canais de

difusão para programas televisivos.

Como se sabe, eles significaram uma maior capacidade de transmissão das mensagens

que juntamente com os desenvolvimentos por satélites representaram um salto ainda maior na

capacidade de transmissão das informações. Thompson (2007, p. 275-7), desse modo, elenca

quatro grandes características advindas de tais tecnologias as quais, por nossas limitações,

serão citadas rapidamente.

Assim, menciona que o desenvolvimento dos sistemas por cabos e satélites foram

responsáveis por aumentar enormemente a capacidade de transmissão de material audiovisual,

uma vez que “os sistemas tradicionais de difusão eram baseados num número limitado de

canais de suprimento (em alguns casos apenas dois ou três)”; promovem, também, a

ampliação de seu caráter transnacional de transmissão, isto porque “ao comunicar sinais via

satélite, ampliam a disponibilidade do material audiovisual no espaço e ao mesmo tempo

conservam o caráter virtualmente instantâneo da telecomunicação”.

Possibilitam, ainda, um conjunto integrado, cada vez maior, de serviços de

comunicação e informação, já que “está associada [...] com o desenvolvimento de sofisticados

sistema por cabo, empregando a tecnologia da fibra ótica, mas ela está ligada de maneira mais

geral com a codificação da informação e comunicação numa forma digital” 19 e, por fim, essas

tecnologias apresentam “a possibilidade de uma forma de comunicação mais personalizada e

interativa”, no sentido de que fornecem aos receptores maiores possibilidades de escolhas na

seleção dos canais e serviços e maior capacidade de transmitir mensagens próprias através do

sistema20.

Sinceramente, embora estejamos nos concentrando no estudo dos meios de

comunicação de massa, que é considerado por muitos como sendo “as mídias tradicionais” 21,

sabemos, entretanto, que a “revolução da tecnologia da informação”, como bem assinala

Castells (1999), tem apresentado avanços muito mais amplos do que se pretende até então. A

19 Thompson está se referindo a mudança de sistemas analógicos para sistemas digitais de codificação da informação, o que segundo sua avaliação, feita na década de 1990, ainda estava ausente na maioria das sociedades modernas (THOMPSON, 2007, p. 276). 20Thompson reconhece, entretanto, que o debate sobre a interatividade é coisa do futuro e que a maior parte da comunicação por cabo e satélite continua sendo, quase que totalmente, unidirecional (THOMPSON, 2007, p. 276-7). 21Expressão de Castells para se referir, mais especificamente, à televisão, o rádio e os jornais impressos. O autor considera os novos meios de comunicação como a internet, etc., sendo também meios de comunicação de massa, pois os vê com grande potencial de utilização em âmbito global. Ao contrário, entende não ser estes tradicionais, justamente, por apresentar uma capacidade real de interatividade.

65

rigor, tais transformações foram contempladas no que o autor entende por tecnologia da

informação e da comunicação:

Como tecnologia, entendo, em linha direta com Harvey Brooks e Daniel Bell, “o uso de conhecimentos científicos para especificar as vias de se fazerem as coisas de uma maneira reproduzível”. Entre as tecnologias da informação, incluo, como todos, o conjunto convergente de tecnologias em microeletrônica, computação (software e hardware), telecomunicações/radiodifusão, e optoeletrônica. [...] também incluo nos domínios da tecnologia da informação a engenharia genética e seu crescente conjunto de desenvolvimentos e aplicações. [...] Ao redor deste núcleo de tecnologias da informação [...] houve uma constelação de grandes avanços tecnológicos, nas duas últimas décadas do século XX, no que se refere a materiais avançados, fontes de energia, aplicações na medicina, técnicas de produção e tecnologias de transportes, entre outros. (CASTELLS, 1999, p. 67-8).

A revolução tecnológica com que nos fala Castells, surge nos Estados Unidos, na

década de 1970, e desenvolve-se intensamente a partir de 1990. Essa revolução assenta-se

fortemente no pilar das redes de computadores e da internet que juntamente com a telefonia

móvel têm propiciado, à sociedade, meios para a realização de uma comunicação muito mais

interativa. Com isso, um dos desafios que vem se apresentando em âmbito global é o da sua

relação com os tradicionais meios de comunicação de massa.

Castells (1999), nesse sentido, nos chama a atenção para a tendência à interpenetração

entre os meios de comunicação de massa, tradicionais, e as redes de comunicação baseada na

internet. A confluência de diferentes tipos de comunicação tem feito com que a televisão

esteja sendo transformada pela internet, muito embora “continue sendo o principal meio de

comunicação de massa, por enquanto, mas a sua difusão e seu formato estão sendo

transformados”.

Para se ter uma ideia razoável sobre tais processos, o autor chama atenção para o fato

de que:

As mídias tradicionais estão usando blogs e redes interativas para distribuir seu conteúdo e interagir com a audiência, misturando modos de comunicação verticais e horizontais. No entanto, existem muitos exemplos em que as mídias tradicionais, como a TV a cabo, são alimentadas pela produção autônoma de conteúdo usando a capacidade digital para produzir e distribuir muitas variedades de conteúdo. Assim, a crescente interação entre redes verticais e horizontais de comunicação não significa que a mídia tradicional está dominando as formas novas e autônomas de geração e distribuição de conteúdo. Significa que há um processo de convergência que gera uma nova realidade midiática cujos contornos e efeitos serão, em última instância, decididos pelas lutas políticas e comerciais [...] (CASTELLS, 1999)

22.

22 Prefácio, p. XV.

66

De qualquer modo, o importanteaqui é registrarmos o conjunto das alterações que vem

se produzindo no universo midiático. Pois, trata-se, antes de tudo, em perceber o quão

avançado e presente são os meios de comunicação nas sociedades urbanas contemporâneas e

o que isso pode e significa em termos de interações entre os homens. Até porque, como

vimos, os meios de massa ganham relevância cada vez mais crescente e a televisão, ainda,

sobressai, conforme Castells, como um veículo de grande centralidade social. Portanto, há

uma necessidade em buscar entender mais sobre os meios de massa, o que faremos,

agora,especificamente, como canais de transmissão de formas simbólicas.

2.3. Televisão, telejornalismo e notícias: canais de transmissão das ideologias

Dado, então, a importância dos meios de comunicação de massa, Thompson (2007)

observa que nas sociedades atuais, os meios de comunicação se constituem como sendo as

instâncias centrais de produção e difusão das ideologias (muito embora não sejam

considerados os únicos locais de operação das mesmas). Assim, em virtude de seu grande

avanço nos últimos anos, os mass media foram responsáveis por ampliar o raio de ação das

ideologias, uma vez que possibilitaram que as formas simbólicas fossem transmitidas a

extensas audiências no tempo e no espaço.

Com o desenvolvimento dos meios impressos de massa, os fenômenos ideológicos,

que antes estavam restritos a locais particulares ou a estratos específicos da sociedade,

puderam, então, emergir a condição de fenômenos de massa, posteriormente, com a chegada

dos meios eletrônicos, e especialmente a televisão, o caráter e o potencial de massa dos

fenômenos ideológicos acentuaram-se ainda mais. Thompson observa que:

Os meios eletrônicos possibilitaram às formas simbólicas circularem numa escala sem precedentes, alcançarem vastas audiências, invadirem o espaço de uma maneira mais ou menos simultânea. Nunca, anteriormente, a capacidade de circulação das formas simbólicas foi tão grande como na era da comunicação de massa mediada eletronicamente (THOMPSON, 2007, p. 344).

O desenvolvimento da comunicação eletrônica foi, assim, fundamental para

propagação das formas simbólicas e conseqüentemente das ideologias, não é irrefletidamente

que o autor considera que:

Vivemos, hoje, em sociedades em que a difusão de formas simbólicas através dos meios eletrônicos se tornou um modo de transmissão cultural comum e, sob certos aspectos, fundamental. A cultura moderna é, de uma maneira cada vez maior, uma cultura eletronicamente mediada, em que os modos de transmissão orais e escritos

67

foram suplementados – e até certo ponto substituídos – por modos de transmissão baseados nos meios eletrônicos (THOMPSON, 2007, p. 297).

Em meio a este cenário, como já expressamos, a televisão tem se constituído como o

principal meio de comunicação, uma vez que se destaca por sua capilaridade no mundo social.

Segundo Thompson, isso se justifica pelo fato de que, até certo ponto, o aparelho de TV, se

apresenta como “um componente doméstico que ocupa uma posição central na casa, e que é

um ponto ao redor do qual muita interação social se dá”. Ainda mais, “as habilidades

necessárias para decodificar as mensagens [...], são, muitas vezes, menos sofisticadas e

implicam menos treino especializado do que as exigidas para decodificar as mensagens

transmitidas por outros meios, tal como o material impresso” (THOMPSON, 2007, p. 344-5).

A televisão, segundo Theodor Adorno (1978b), insere-se no âmbito da indústria

cultural e, enquanto combinação de filme e rádio leva a diante o seu interesse em cercar e

capturar a consciência do público por todos os lados. É a combinação de “imagem e fala, fala

e imagem” da qual nos orienta Charaudeau (2009) e que deriva a singular estruturação

semiológica das formas simbólicas por ela difundidas. Outrossim, conforme o autor citado,

“dessa combinação de imagem e palavra nasce um produto, talvez mais apto do que outros a

fabricar imaginário para o grande público”. Com efeito, como veículo de produção e difusão

de sentidos, a televisão se apresenta como um poderoso instrumento de atratividade social.

A televisão, como foi dito, faz parte da tão discutida “indústria cultural” que, com este

termo, Max Horkheimer e Theodor Adorno (1982) buscaram designar a produção e a

organização da cultura no contexto das relações capitalistas de produção. A cultura, como

mercadoria integral, é lançada num vasto mercado e consumida por um grande público e os

meios de comunicação, — sobretudo a televisão — ora funcionando como produto e como

principal veículo de massa —, são orientados no sentido de insuflar cada vez mais o espírito

do consumo.

A questão que se impõem, não obstante, é que a indústria cultural, através da televisão,

difunde, enormemente, inúmeras idéias, representações e ideologias de uma ordem

extremamente afinada ao capital e aos interesses de alguns poderosos. Adorno observa que

através da ideologia da indústria cultural “o conformismo substitui a consciência”, pois “as

idéias de ordem que ela inculca são sempre as do status-quo”. Assim, “as elucubrações da

indústria cultural não são nem regra para uma vida feliz, nem uma nova arte da

responsabilidade moral, mas exortações a conformar-se naquilo atrás do qual estão os

interesses poderosos” (ADORNO, 1978a, p. 293).

68

Reconhecer a televisão como produto da indústria cultural é, não obstante, utilizar uma

designação que a descreve apropriadamente. Entretanto, conforme salienta Carlos Eduardo

Silva (1985), jornalista e autor de “Muito além do jardim botânico”, não se pode deixar

conduzir pela maneira acrítica com que tal referência foi sendo incorporada por muitos

estudiosos ao longo dos anos, o que, por sua vez, acabou por condenar a “indústria cultural”,

enquanto conceito, a carregar o fardo do determinismo:

Quase todos que a utiliza o fazem como se os meios de comunicação de massa fossem instrumentos de controle e manipulação do pensamento coletivo que representam monoliticamente a ideologia dominante absorvida de forma passiva e ordeira por uma ignara massa de espectadores alienados. [...] O erro deste tipo de interpretação, tão corrente nos textos que ainda hoje lidam com o fenômeno da comunicação (apesar de tantas úteis revisões do trabalho da Escola de Frankfurt), reside numa apreensão equivocada da história da cultura humana (SILVA, 1985, p. 20).

Nesse sentido, ainda que haja uma considerável carga pejorativa sobre tal termo, a

utilização que fazemos, procura desvencilhar-se de uma leitura fatalista da “indústria

cultural”. Por isso, traduzimos, primeiramente, que os efeitos regressivos dos meios de massa,

tão acentuados pelos autores da Escola de Frankfurt, não diz respeito em si, enquanto

aparelhos técnicos de comunicação, mas a utilização instrumental que o homem faz deles 23.

Ademais, em nossa interpretação, a indústria cultural veicula nos bens que produz, e

são consumidos pelo público, uma ideologia hegemonicamente burguesa. Ela é, na maior

parte dos países capitalistas, o principal instrumento através do qual se reproduzem os valores

culturais e ideológicos indispensáveis para a manutenção do poder da burguesia sobre as

demais classes sociais.

Contudo, para que tal hegemonia seja efetiva, é necessário que haja espaços para

expressão de pensamentos conflitantes. Dessa forma, não se pode concluir que ela divulga

uma visão ideológica de mundo de caráter monolítico, dado que em seu interior, há a presença

permanente de contradições, uma luta de classes que reflete e influencia a da sociedade como

um todo (SILVA, 1985, p. 21-2).

No que toca ao caráter de recepção das mensagens transmitidas pela indústria cultural,

uma análise atenciosa dos meios de massa leva em consideração o critério ativo e

23 Em virtude da critica incisiva que os autores desenvolvem sobre os meios de comunicação, surgiram inúmeras interpretações nessa ordem, as quais, defendemos, não é a dos autores. Ao contrário é impossível não reconhecer a importância dos meios de massa para toda a sociedade, sua relevância e utilidade para a comunicação contemporânea.

69

diferenciado da recepção midiática, não deixando de considerar, por outro lado, a força e o

poder ideológico dos meios de comunicação na sociedade.

Entendemos que o processo de recepção das informações acontece através de

diferentes interpretações e reelaborações que as pessoas e as classes sociais formulam sobre as

mensagens no ato de ver e ouví-las. Thompson (2007, p. 409), inclusive, chama atenção para

a idéia falaciosa de que os receptores de mensagens midiáticas são espectadores passivos,

considerados “esponjas” que simplesmente absorvem o material jogado sobre eles. Ao

contrário, a apropriação das formas simbólicas é um processo ativo e potencialmente crítico

que, entre outras características, apresenta-se de maneira contextualizada, isto é, considera-se

que a recepção de mensagens procura responder a questionamentos como: quem interpreta?

Como? Em que lugar? Quando? Com quem? Que grupo pertence? etc., são evidências da

dimensão sócio-histórica da apropriação das mensagens midiáticas.

A televisão, dessa forma, sendo parte fundamental da indústria cultural, é responsável

por elaborar e transmitir inúmeros programas como filmes, novelas, documentários,

reportagens especiais, programas humorísticos e de esportes. Em fim, um conjunto vasto de

construções simbólicas que, somados à programação de comerciais, divulga informações e

pensamentos que se colocam, naturalmente, como capazes de orientar o público em suas mais

diversas necessidades.

Não obstante, muitos pesquisadores salientam que, conquanto este tipo de

programação represente parte significativa da televisão, ela não pode ser considerada uma

indústria do entretenimentopuro; a televisão é, antes, a combinação de todas as dimensões da

cultura de massa, sendo, também, dotadapelo setor da informação (GOMES, 2004, p. 344).

Inclusive, é importante que se diga que os programas informativosque mais têm se destacado

na TV, hoje em dia (o que não foi sempre assim24), são os telejornais. Aliás, conforme

observa o jornalista Marcondes Filho (2009, p. 79), o telejornal como gênero jornalístico, não

só é o mais importante em matéria de noticiário da televisão, como é a melhor síntese do

formato televisivo contemporâneo.

O telejornalismo, segundo o autor, foi, em seu inicio, uma variante do jornalismo

impresso, uma espécie de leitura televisionada de notícias da imprensa. Com a criação da

linguagem própria da TV, resultado de seu desenvolvimento técnico a partir dos anos 60, o

telejornal passou a ganhar uma roupagem própria, transformando-se de uma simples leitura de

notícias a um “show televisivo”. Como resultado de muitos investimentos no campo e de,

24 Cf. SILVA, 1985.

70

também, desenvolvimentos tecnológicos verificados nos meios de massa, os jornais, desde

então, vêm crescentementese aprimorando e apresentando, também, uma produção

jornalística padronizada em todo mundo (MARCONDES FILHO, 2009, p. 79).

Neste ínterim, para Charaudeau (2009, p. 228) um telejornal é um gênero quese

particulariza por apresentar, entre outros, um “propósito marcado pela atualidade, voltado

para os acontecimentos do dia que são notícias, apresentados numa espécie de cardápio do

que se terá para mastigar, seja bom ou mau”:

Espera-se do telejornal um recorte do mundo evenemencial em pequenos pedaços, recorte que mostraria o que ocorreu no espaço público, durante uma unidade de tempo – o cotidiano – a qual seria a mesma para todos os telespectadores. O telejornal procede a uma fragmentação temática que pretende corresponder à fragmentação do cotidiano do espaço público, mas que na realidade, é uma fragmentação convencional do mundo midiático, uma racionalização, imposta como um pensamento único do que são os acontecimentos do mundo (CHARAUDEAU, 2009, p. 228-9).

De acordo com Charaudeau, o gênero telejornal caracteriza-se por uma preocupação

referencial, a qual é captada e representada por meio do formato da notícia. Todavia, o

telejornal sob a proposta de tornar visíveis os acontecimentos que surgem no mundo ou na

vida pública, nada mais faz do que entregar já pronto um mundo “evenemencial” 25 construído

por ele próprio e em fragmentos. Trata-se de uma ilusão de realismo ou de um simulacro da

realidade produzido pela televisão. Mas, “é através desse ‘fazer crer’ que o telejornal se

define” (CHARAUDEAU, 2009, p. 230).

Essa construção é bastante oportuna, uma vez que o autor põe em evidência o fato,

nem sempre óbvio, de que a notícia configura-se como uma realidade fragmentária,

fundamentalmente construída por meio das atividades de produção de um programa de

telejornal. Essa percepção, por mais simples que pareça, rompe com a ideia, ainda corrente e

muito difundida pelos mass media, de que “o jornalismo reflete a realidade. Ou seja, as

notícias são do jeito que as conhecemos porque a realidade assim a determina. A imprensa

funciona como o espelho do real, apresentando um reflexo claro dos acontecimentos do

cotidiano” (PENA, 2008, p. 126).

Essa reflexão, bastante conhecida como “teoria do espelho” e que foi desenvolvida nos

Estados Unidos a partir da segunda metade do século XIX, entra em confronto com

perspectivas mais atuais como o “newsmaking” muito estudado por autores como Gaye

Tuchman, Mauro Wolf e Nelson Traquina. Para estes teóricos, ao contrário, “o jornalismo

25Expressão que se refere à descrição do que ocorre ou ocorreu em uma enunciação informativa.

71

está longe de ser o espelho do real. É, antes, a construção social de uma suposta realidade”,

dado que “é no trabalho de enunciação que os jornalistas produzem os discursos, que

submetidos a uma serie de operações e pressões sociais, constituem o que o senso comum das

redações chama de notícia. Assim, a imprensa não reflete a realidade, mas ajuda a construí-la”

(PENA, 2008, p. 128).

Esta perspectiva é fundamental para o presente trabalho, porque procura tratar a

notícia como parte de uma “construção social da realidade” (BERGER; LUCKMANN, 2004)

e não como algo simplesmente natural ou mesmo a-histórico, desmistificando conceitos

extremamente ideológicos que estão na base da teoria do espelho, tais como: “objetividade” e

“imparcialidade”.

Assim, da determinação do que é o acontecimento à construção da notícia, a

interferência do jornalista se faz presente em quase todos os momentos, sendo, inclusive, um

ponto crucial na realização de seu trabalho o processo de seleção das noticias. Neste sentido,

conforme adita Luis Felipe Miguel (2004), primeiro, tem-se o desafio em decidir quais dos

fatos que chegam à redação, entre incontáveis opções, são os mais “relevantes” 26; segundo,

em definir quais aspectos do acontecimento serão abordados na construção da notícia.

De acordo com o mesmo autor, os procedimentos de mediação sobre os

acontecimentos, como o enquadramento da câmera e a edição, são tidos como determinantes

que o espectador em geral ignora. Imagens que passam por processos sofisticados de

trucagem e retocagem, quase sempre estão emolduradas por discursos lingüísticos que

induzem a interpretação (MIGUEL, 2004, p. 334-5).

Assim,

Na rotina produtiva diária das redações de todo o mundo, há um excesso de fatos que chegam ao conhecimento dos jornalistas. Mas apenas uma pequena parte deles é publicada ou veiculada. Ou seja, apenas uma pequena parte vira notícia. O que pode levar qualquer leitor ou telespectador a perguntar: afinal, qual é o critério utilizado pelos profissionais da imprensa para escolher que fatos devem ou não virar notícias? (PENA, 2008, p. 71).

Trata-se de um fato que, por si só, daria uma nova discussão, o que não é essa a nossa

intenção aqui, da mesma forma que não há espaço para tanto. Todavia, reflete bem o caso

inquietante que está na base do significado do que é a notícia e, é obvio, existem muitas

teorias e práticas que guardam suas definições específicas.

26Podemos até citar como exemplo os importantes critérios de “noticiabilidade”, como são os famosos “valores-notícia”, tão acentuados pelos pesquisadores Wolf e Traquina. Conf. PENA, 2008.

72

Em todo caso, sem entrar em discussão sobre a amplitude do termo, podemos entender

a notícia, a princípio, como um “relato curto de um fato” (NOBLAT, apud PENA, 2008, p.

76) que se constitui como sendo a matéria-prima de um telejornal. Nesse sentido, Charaudeau

a conceitua, de maneira bastante apropriada, como sendo “[...] um conjunto de informações

que se relaciona a um mesmo espaço temático, tendo um caráter de novidade, proveniente de

uma determinada fonte e podendo ser diversamente tratado” (CHARAUDEAU, 2009, p.

132).

Assim, conforme o autor, um mesmo “espaço temático”, significa que o

acontecimento é um fato que se inscreve num certo domínio do espaço público e que pode ser

reportado sob a forma de um minirrelato. Um caráter de “novidade” se refere, sempre, a um

elemento novo na notícia, portanto, desconhecido do público, ainda que se tenha falado

anteriormente do acontecimento. Já uma “fonte” se reporta a uma determinada instância que

transforma o acontecimento em informação e que esta, será, inclusive, avaliada em termos de

credibilidade pela natureza da fonte. Por fim, o que Charaudeau entende por “diversamente

tratado” significa que a notícia é tratada sob uma forma discursiva que descreve o que passou,

reporta a reações e analisa os fatos (CHARAUDEAU, 2009, p. 132).

Como, porém, é também importante entendê-la do ponto de vista de sua construção,

pode-se dizer, ainda, que a notícia, como a concebemos, é resultado da interação de múltiplas

ações:

Ação pessoal: as notícias resultam parcialmente das pessoas e suas intenções; Ação social: as notícias são fruto das dinâmicas e dos constrangimentos o sistema social; Ação ideológica: as notícias têm origem nas forças de interesse que dão coesão aos grupos; Ação cultural: as notícias são produto do sistema cultural em que são produzidas; Ação do meio físico: as notícias dependem dos dispositivos tecnológicos que são usados na sua fabricação; Ação histórica: as notícias são um produto da história, durante a qual interagem as outras cinco forças (SOUZA, apud PENA, 2008, p. 132, grifo nosso).

Observem que a notícia é resultado não apenas da ação das pessoas, como os

jornalistas e possivelmente suas intenções. Mas, também, tem origem no campo ideológico

em que as forças de interesses na sociedadese fazem presentes. A notícia, nesse ínterim,

como está associada, de algum modo, à “indústria cultural”, reflete no seu interior a luta de

classes na sociedade. É, portanto, um espaço de veiculação de ideologias.

73

3. Da tríplice análise da pesquisa

3.1. Da análise sócio-histórica: a TV Ponta Negra e o telejornal Jornal do Dia

3.1.1. A TV Ponta Negra

A TV Ponta Negra é considerada a primeira emissora comercial do estado do Rio

Grande do Norte, sendo fundada em Natal, a 15 de Março de 1987, pelo ex-senador e

comunicador Carlos Alberto de Sousa (1945-1998) 27. Pertence à família Sousa28 da qual a ex-

deputada e atual prefeita de Natal, Micarla de Sousa (PV), é dirigente e integrante familiar. É

destacada, ainda, como uma das primeiras afiliadas do SBT (Sistema Brasileiro de Televisão)

no Brasil e a segunda geradora a ser implantada na capital do RN.

Conforme assinalou Josemar Damasceno (2007) sobre esse assunto, a TV Ponta

Negra, à década de 1980, vinha a configurar o cenário da mídia televisiva em Natal e

municípios próximos juntamente com duas concorrentes: a TV Tropical, fundada em 1986 (a

primeira TV a ser instalada no estado) sob a égide da família Maia e a TV Cabugi, hoje

InterTV Cabugi, fundada em Setembro de 1987 (terceira no RN) sob o controle da família

Alves.

Dado, hoje, o avanço de propagação dos meios de comunicação de massa, a TV Ponta

Negra e suas duas principais competidoras mencionadas, encontram-se inseridas em um

campo midiático muito mais competitivo do que antes, passaram a contar também com a

presença de outras fortes difusoras no estado, como a TV Novos Tempos (afiliada da TV

Bandeirantes), a TV Universitária ou TVU (TV da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte), a Multi TV Comunicações (Afiliada da Rede TV!), entre outras.

Atualmente, algumas mudanças internas vêm se processando no interior da emissora,

principalmente, a partir de 2011 com a contratação do executivo Cacá Martins ao cargo de

superintendente da TV, o qual, desde a sua vinda em Março do referido ano, vem realizando

alterações na forma da administração da empresa. Nesse contexto, desde o início, a mídia

local tem criado enormes expectativas no sentido de uma “modernização” da TV Ponta Negra

com estímulos a uma projeção maior no estado, conseguida por meio de uma gestão mais

27Consta na literatura que na época de sua fundação o evento de estréia a ser noticiado foi a posse do então governador do estado Geraldo Melo, transmitida ao vivo e com o auxílio de uma câmera emprestada pelo empresário Sílvio Santos. 28 Após o falecimento de Carlos Alberto de Sousa ficaram responsáveis pela emissora a esposa Miriam de Sousa (atual diretora da TV) e as filhas Micarla , Priscila e Rose de Sousa.

74

“profissionalizada” e com significativas “reformulação no jornalismo da TV, através da

implantação de processos internos” (ARAÚJO, 2011).

Como resultado, tem-se divulgado bastante, inclusive, no próprio site da TV Ponta

Negra que a emissora vem investindo na transmissão via satélite e, assim, ampliando a sua

abrangência de sinal para muitos municípios do Rio Grande do Norte, com expectativas

renovadas para implantação do seu sinal digital29.

É importante salientar que a emissora, ainda, não possui o aparato tecnológico de suas

duas principais concorrentes, uma vez que elas passaram a contar, um pouco mais cedo, com

o sinal digital no estado. A InterTV Cabugi, foi a primeira a funcionar com o sinal,

inaugurando essa tecnologia na capital em 2010, e a TV Tropical realizou seus primeiros

testes em Maio de 2011, sendo suas primeiras transmissões em Julho. Outras TVs no estado

têm pleiteado, também, acompanhar essas transformações, melhorando a qualidade de suas

transmissões e procurando aumentar o espectro de abrangência de suas difusões no RN30.

Com respeito a sua programação, alguns sites e blogs na internet “pro - TV Ponta

Negra” observam que a emissora veio, desde o início, “para marcar uma história de mudança

na programação do estado”, pois ao entrar no ar, ainda naquele período, “permitiu ao povo

potiguar assistir, pela primeira vez, programas e propagandas locais, acabando com o

monopólio de repetidoras que raramente mostravam a realidade potiguar” (SOARES, 2011).

A TV passou desde cedo a apresentar uma programação diferente, chegando a atingir,

atualmente, a marca de possuidora da maior grade local da televisão do estado:

Atingindo 90% da população a primeira emissora comercial do estado, detém o segundo lugar em audiência, com o dobro da audiência da terceira colocada. Mensalmente 90 horas de programação local são levadas ao ar por nossos profissionais, que somadas a grade nacional garantem o retorno a nossos clientes, que recebem um atendimento personalizado, otimizando suas verbas e desta forma, dando mais visibilidade ao seu produto (TV PONTA NEGRA, 2012a)

31.

29 Cf. o site www.tvpontanegra.com.br. O seu sinal atinge 90% dos 167 municípios potiguares via satélite. A TV conta com uma sucursal em Mossoró, segundo maior município do estado, e negocia a reabertura de uma sucursal no Seridó, região que congrega 17 municípios. 30 No site do Ministério das Comunicações é possível acompanhar um pouco dessas e outras transformações que vem ocorrendo em todo país. Em nosso caso, a matéria “TV digital agora está em Natal” traz informações sobre as mudanças ocorridas em 2010 no estado com a inauguração do sinal digital realizada pela InterTV Cabugi, além de assinaturas de outorgas para transmissão em alta definição a muitas emissoras do RN. Cf. TV PONTA NEGRA. “TV digital agora está em Natal”. Disponível em<http://www.mc.gov.br/noticias-do-site/22470-tv-digital-agora-esta-em-natal>. Acesso em 13 de fev. 2012. 31Embora o site não mencione explicitamente as duas outras rivais no mercado, tal vez por uma política interna, sabe-se que em termos de audiência no estado a primeira colocada é a InterTV Cabugi e a terceira colocada é a TV tropical.

75

A programação local a que se refere a emissora, encontra-se elencada logo abaixo.

Esta programação é, como pontuada acima, intercalada com as veiculações advindas do SBT.

Em Natal e alguns municípios as transmissões da TV Ponta Negra ocorre através do Canal 13

em VHF (pelo sistema analógico), variando na maior parte dos demais municípios32.

PROGRAMAÇÃO LOCAL – TV PONTA NEGRA/RN

Nº PROGRAMAS “GÊNEROS” EXIBIÇÃO SEMANAL

01 Patrulha da Cidade Jornalismo Segunda a sexta

02 60 Minutos Jornalismo Segunda a sexta

03 Jornal do Dia (1ª Edição) Jornalismo Segunda a sexta

04 Tudo de Bom Variedades Segunda a sexta

05 Versátil Social Segunda a sexta

06 Arena Esporte Segunda a sexta

07 Repórter Cidadão Jornalismo Segunda a sexta

08 Jornal do Dia (2ª Edição) Jornalismo Segunda a sexta

09 Mais Auditório Sábado

10 Sala Vip Social Sábado

11 Viver Bem Jornalismo Domingo

Fonte: TV Ponta Negra.

Sobre esta programação observamos a ênfase que a TV vem conferindo ao segmento

jornalístico, pois dos oito programas enumerados, que são exibidos ao vivo de segunda a

sexta, — contabilizando diariamente mais de quatro horas de programação local —, cinco

destes pertencem ao campo denominado “jornalismo”. Considerando a sua totalidade, o

telespectador pode, aos domingos, acompanhar ainda, a mais uma produção do gênero,

somando, assim, seis programações de mesmo estilo. O que faz saltar aos olhos a importância

conferida pela TV a este segmento da comunicação no Rio Grande do Norte.

Podemos, então, aduzir, ainda que de forma geral e com base em alguns autores e

publicações do campo, que este segmento da informação, dentro do capitalismo, vem

crescendo a cada ano e tem conseguido ampliar significativamente os lucros das empresas

televisivas no país (GOMES, 2004; LIMA, 2004). Não é à toa, inclusive, que o programa

popularesco “Patrulha da cidade” de viés jornalístico, com formato de registro policial, é

32 Cf. site da emissora: www.tvpontanegra.com.br

76

considerado o programa mais assistido fora da Rede Globo local33. De certo modo, uma das

explicações para tal “sucesso”, seja a proposta da TV Ponta Negra em “apostar” na

“informação” que deve chegar aos lares no estado, construindo paralelamente a imagem do

jornal, conforme acentuou Damasceno (2007, p. 45), como sendo “a voz da comunidade” 34.

Temos, então, procurado acentuar ao longo deste trabalho o quanto os meios de

comunicação de massa vêm crescendo ultimamente e quão grande é o poder que tem

conseguido acumular em suas mãos. Neste sentido, o que tem nos preocupado, embora em

âmbito local, refere-se justamente à penetração da emissora TV Ponta Negra — como

instituição da mídia que detém relativos poderes — no Rio Grande do Norte e, assim, o

estabelecimento de relações e interações na sociedade e na política potiguar.

Sabemos, pois, que a TV Ponta Negra vem se mostrado presente no Rio Grande do

Norte desde a sua fundação, sendo uma das emissoras mais vista no estado e principalmente

na capital. Isso tem conferido a ela maior credibilidade e poder de penetração nos lares com a

divulgação de suas mensagens e ideias. Para se manter no mercado midiático a emissora,

inclusive, vem dispondo de muitas estratégias: ora investindo em sua estrutura física e

administrativa, ora projetando alguns programas com vista a alcançar uma maior audiência e

assim auferir maiores lucros, ou mesmo, ora se utilizando de “recursos” políticos a que

sempre teve acesso para viabilizar sua permanência e ampliação no estado.

Lembremos, afinal de contas, que no Rio Grande do Norte tornou-se mais que tradição

os principais grupos políticos do estado serem, também, donos dos meios de comunicação

(CORTEZ; SPINELLI, 2010ab; SPINELLI, 2010).

As duas principais concorrentes da TV Ponta Negra, como ficou indicado

inicialmente, pertencem a famílias que há muito estão no poder como é o caso das principais

lideranças, não só a nível local, mas também nacional: José Agripino Maia, atual Senador,

líder dos Democratas e principal opositor do governo em Brasília. Um dos donos da TV

Tropical, possui forte influência no jornal Diário de Natal e é proprietário de outras mídias de

grande alcance no estado; Henrique Eduardo Alves e Garibaldi Alves Filho, o primeiro,

Deputado Federal pelo PMDB e líder do partido na Câmara, o segundo, Senador pela mesma

33 Pesquisa divulgada na data 19/06/ 2012 pelo Instituto IBOPE “confirmou a TV Ponta Negra, afiliada do SBT no Rio Grande do Norte, como líder absoluta em audiência, de segunda a sexta, no horário das 12h às 13h30. A emissora atingiu 26 pontos de audiência contra 23 da emissora segunda colocada - até então líder absoluta em audiência na faixa horária – a emissora G”. Cf.: TV PONTA NEGRA. “patrulha da cidade é líder de audiência” Disponível em: <http://www.tvpontanegra.com.br/noticia>. Acesso em 20 de Jun. 2012. 34 Ainda que a “informação” que estejamos aqui falando seja uma informação de cobertura policial e com um conjunto de implicações e interesses obscuros, o jornal se utiliza, como procura demonstrar em seu trabalho o autor citado, de um conjunto de elementos sociais, imaginários, pessoais e midiáticos para atrair o telespectador e difundir os fatos da área no Rio Grande do Norte.

77

legenda e atual Ministro da Previdência Social do governo Dilma, ambos sócios da InterTV

Cabugi, da Tribuna do Norte e de outros veículos de comunicação no RN35.

Com a TV Ponta Negra não é diferente, o respaldo político que possui foi fundamental

para o seu estabelecimento e crescimento no estado. Ademais, um passeio, por menor que

seja, na história política do estado, desde a fundação da emissora, até os dias atuais,

demonstra o quanto esse veículo de comunicação está intimamente relacionado com o poder.

A prática política local mais recente tem ressaltado a força das relações da emissora

com a política e os grupos políticos do estado. Para se ter uma rápida ideia, nas eleições de

2006 no Rio Grande do Norte ficou patente as intervenções diretas do poder público sobre a

emissora quando foi preciso o TRE-RN tirá-la do ar por duas vezes, sob a acusação de

práticas de proselitismo político (OLIVEIRA LIMA; VASCOCELOS, 2007). Já nas eleições

2008 para prefeitura da capital, as relações entre televisão e política se estreitaram ao máximo

possível, como nunca antes visto em Natal e em todo o estado, com a TV Ponta Negra

desempenhando um papel fundamental na eleição de sua proprietária Micarla de Sousa

(SPINELLI, 2010b).

Segundo Tiago Negreiros (2008), “a emissora de Micarla, inclusive, foi multada pela

Justiça Eleitoral em 40 mil reais por realizar propaganda ilegal”:

No dia 11 de setembro, a TV veiculou em um de seus noticiários o trabalho do Instituto Ponte da Vida, pertencente à deputada estadual. "A matéria jornalística ecoou a propaganda eleitoral, de modo a ensejar à referida candidata um espaço a mais, que não foi dado a qualquer outro candidato, propiciando que o eleitor-telespectador apreciasse o trabalho da entidade de iniciativa da candidata Micarla e de sua família", escreveu a juíza eleitoral Martha Danyelle, na decisão liminar (NEGREIROS, 2008).

Ainda conforme o autor:

Enquanto pré-candidata à prefeitura de Natal, Micarla de Sousa apresentava na TV Ponta Negra o diário 60 minutos, programa que, de acordo com o pesquisador em comunicação Rui Rocha, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), contava com uma boa produção, mas era "visível que Micarla se afastava dos padrões éticos do jornalismo". "As duas funções (político e jornalista) não podem ser exercidas juntas. Aqui (em Natal) é diferente do que a gente vê em outras capitais do país. Os políticos não estão só satisfeitos por possuírem uma emissora de televisão. Aqui eles fazem questão de aparecer para o público. É uma vantagem desproporcional" (NEGREIROS, 2008).

35 Estamos tratando de duas famílias tradicionais na política do estado, para maiores detalhes sobre esses grupos políticos conferir os trabalhos mencionados de José Antônio Spinelli (2010), e em publicação organizada com Hugo Cortez (2010ab). Outro trabalho que menciona especificamente os grupos políticos em sua relação com a mídia no RN é o de Maria Érica de Oliveira Lima e João Carlos Araújo de Vasconcelos (2007) com o título “Coronelismo televisivo em Natal”.

78

De certo modo, são algumas das relações mais visíveis estabelecidas entre a emissora

e a política que vem se praticando no estado em épocas de eleições. O que, porém, nos chama

a atenção neste momento, é saber como o telejornalismo que a emissora possui vem

realizando a cobertura dos fatos cotidianos da política no estado, uma vez que é bastante

comum ao referido veículo de comunicação cobrar, sempre que possível, responsabilidade,

imparcialidade, transparência e verdade em sua programação:

A TV Ponta Negra, desde sua fundação, assumiu importantes compromissos com seu público: a transparência, a verdade, e acima de tudo, a contribuição para o desenvolvimento do Rio Grande do Norte com ações efetivas. Nossas diretrizes estão presentes em nossa missão: "Comunicar com qualidade, responsabilidade e credibilidade. Ter prosperidade, crescer com confiança e contribuir para a transformação do mundo” (TV PONTA NEGRA, 2012a). Este ano comemoramos 25 anos de muita criatividade, trabalho duro e dedicação para mostramos a história de forma imparcial, ao povo do Rio Grande do Norte (TV PONTA NEGRA, 2012b).

3.1.2. O Jornal do Dia

O telejornal “Jornal do Dia” caracteriza-se por apresentar um perfil editorial

fortemente político. Vai ao ar em duas edições diárias, de segunda a sexta, com início às

13h15 (1ª edição com Geórgia Nery e Luis Henrique) e às 19h15 (2ª edição com Renata

Passos, havendo rodízio de outros apresentadores às sextas-feiras). Procura realizar uma

interpretação dos diversos acontecimentos da sociedade do estado, priorizando as questões

políticas do RN (eleições, movimentações partidárias, atuações dos principais agentes

políticos, etc.). A cobertura que faz, principalmente sobre Natal, é destaque em seu noticiário,

pois encontra na capital (mas, também, em outras cidades maiores, como Mossoró e

Parnamirim) a matéria-prima de suas elaborações, assim como a considera também um espaço

privilegiado de divulgação de suas idéias.

Dados retirados da TV Ponta Negra, sobre pesquisas realizadas em Natal em 2010,

apontam para o jornal uma audiência domiciliar de 14 % com 93.537 telespectadores36. De

modo geral, o perfil do telespectador do Jornal do Dia, no que diz respeito ao sexo, apresenta-

se bastante equilibrado, ainda que com um leve percentual do público feminino (48 % HH e

52 % MM). A classe social mais atingida pelo telejornal foi indicada como sendo a classe

36 Essas informações foram retiradas do site do programa no dia 08/03/12, até então não havia renovação da pesquisa levantada pelo IBOPE sobre o telejornal Jornal do Dia. São, portanto, os dados mais recentes fornecidos pela emissora sobre o JD.

79

“C”, com 61% dos telespectadores, conforme demonstra o quadro abaixo. O telejornal

também atinge um público mais maduro com 44% entre os 25-49 anos e 28 % acima dos 50.

Fonte: TV Ponta Negra (dados IBOPE / Maio 2010 / Praça Natal-RN) De maneira fundamental, esses dados revelam um público predominante de adultos e

em sua maioria composta por trabalhadores ou pessoas que pertencem, segundo os próprios

meios de comunicação de massa, a tão divulgada “nova classe emergente” ou classe “C” no

Brasil37. Por outro lado, é também um telejornal que atinge igualmente os extremos, os

setores mais elitizados (“AB” com 19 %) e os mais empobrecidos da capital do estado (“DE”

com 20 %). Podemos dizer que é um programa claramente de perfil popular, pois atinge

amplamente as classes “C, D e E” que somadas conferem ao telejornal uma participação de

81%.

Esses dados, ainda que circunscritos a capital, são importantes porque sabemos que de

alguma forma o telejornal endereça suas atenções para um determinado público, isso significa

a editoração de um programa carregado de mensagens e notícias voltadas ao atendimento ou

informação dos setores sociais mais populares da cidade. Isso requer uma formatação

específica, uma linguagem determinada e a elaboração de notícias que tenham a capacidade

de ser compreendidas pelo telespectador, que possa informá-lo dos fatos e acontecimentos da

cidade.

O Jornal do Dia se define ainda por apresentar, assim como a emissora, certo grau de

“profissionalismo” e assim se orgulha por realizar um “[...] telejornalismo crítico, analítico,

abrangente, imparcial que aprofunda a notícia por meio de entrevistas, comentários,

37 Não entramos no mérito da discussão se existe ou não a tão mencionada classe “C” no país tendo em vista os recentes desenvolvimentos da economia a partir do primeiro mandato do governo Lula. Essa discussão vem sendo desenvolvida por pesquisadores como, por exemplo, Márcio Pochmann “Nova classe media?”, Marcelo Neri “A Nova Classe Média: o Lado Brilhante da Base da Pirâmide”, Jessé Souza “Os Batalhadores Brasileiros”, entre outros.

TOTAL DE TELESPECTADORES 93.537

PERFIL DO TELESPECTADOR

SEXO CLASSE SOCIAL

HH MM AB C DE

48% 52% 19% 61% 20%

FAIXA ETÁRIA

04-11 12-17 18-24 25-49 50+

8% 8% 12% 44% 28%

80

reportagens e séries especiais” 38. Um programa, então, que procura transparecer ao público

um perfil de seriedade na cobertura de suas notícias e no comentário dos fatos públicos do

estado.

Nesse sentido, o Jornal do Dia se apresenta com o “clássico” discurso da

imparcialidade: ao elaborar suas matérias, realizar suas apresentações e análises, os faz de

maneira “isenta” ao que é exigido de um bom telejornal. Como, porém, não compartilhamos

aqui da ideia de imparcialidade, dado entender, anteriormente, que as notícias são resultados

de processos internos à atividade jornalística e como tal, o Jornal do Dia é um programa

vinculado a uma instituição cuja trajetória histórica é de fortes relações políticas, torna-se,

então, importante compreender a que finalidade corresponde tais conceitos.

Seria, apenas — numa primeira vista —, termos que servem para construir uma

legitimidade e uma credibilidade ao trabalho jornalístico, como se este fosse regrado por

procedimentos altamente científicos que manuseados corretamente garantem uma perfeita

imparcialidade ou neutralidade no tratamento e no relato dos acontecimentos? que outra

finalidade atenderia tais expressões? Ou a quem serviria tais discursos? É o que, de certa

maneira, estaremos a responder.

3.2. Da análise formal ou discursiva: por dentro das notícias

De acordo com Thompson (2007), como o estudo da hermenêutica não pode

prescindir apenas do entendimento das condições sociais e históricas em que as formas

simbólicas são produzidas, faremos, neste exato momento, a decomposição da estrutura

interna dos conteúdos midiáticos, levando em consideração a análise sócio-histórica

anteriormente realizada.

Dessa forma, não apenas nos distanciaremos da chamada “falácia do reducionismo”,

que apregoa que as formas simbólicas podem ser entendidas em função, simplesmente, do

contexto de produção e/ou recepção das mensagens midiáticas 39, como também da conhecida

“falácia do internalismo”, que significa a tentativa de pretender inferir conseqüências das

mensagens a partir, unicamente, da estrutura e conteúdo das mesmas.

Assim, passamos, propriamente, à análise das notícias veiculadas pelo Jornal do Dia

em sua cobertura dos acontecimentos políticos do Rio Grande do Norte. Nosso propósito

38 www.tv.pontanegra.com.br 39 Embora citemos estudos de recepção, temos claridade que o presente trabalho não se trata de tal pesquisa.

81

nesta fase é buscar entender como, através da estrutura narrativa e argumentativa das matérias

jornalísticas, o referido telejornal vem realizando o tratamento dos fatos políticos do estado.

Para tanto, reproduzimos os relatos das notícias abaixo e sobre eles efetuamos uma

primeira análise. Procedemos, também, a sua organização, em quatro temas gerais, como

sublinhamos na metodologia (“corrupção na política”, “greve no estado”, “atividades do

executivo e do legislativo municipal e estadual” e “atuações político-partidária” no estado),

tendo em vista um melhor estudo e interpretação do material midiático que ocorrerá logo em

seguida. Vejamos:

No dia 24 de Novembro de 2011 um escândalo de corrupção em Natal envolvendo

políticos do Rio Grande do Norte ganha repercussão nos noticiários do estado: a “Operação

Sinal Fechado” (OSF). Operação realizada pelo Ministério Público do Estado (MPE) que

investigou um esquema de fraude no processo de implantação da inspeção veicular no RN.

Três nomes de políticos se destacaram nos meios de comunicação: o ex-deputado federal João

Faustino (PSDB), o ex-governador Iberê Ferreira de Souza (PSB), e a ex-governadora Wilma

de Faria (PSB).

A questão, entretanto, é a maneira como o acontecimento político foi veiculado pela

emissora. Abaixo, transcrevemos um trecho da matéria, referente à data mencionada, como

exemplo do relato do acontecimento:

Geórgia Nery: as denúncias que revelaram uma suposta articulação de ação fraudulenta investigada pelo MP vincularam também nomes de políticos do estado. Luis Henrique: os nomes dos ex-governadores Wilma de Faria e Iberê Ferreira de Sousa são apontados no envolvimento do esquema. Iberê e o filho de Wilma, Lauro Maia, teriam recebido propina da empresa vencedora da licitação. Repórter (Riccelli Araújo): Caso tivesse vigorado o contrato do governo do estado com a empresa “Inspar”, que iria efetuar a inspeção na frota de veículos em todo o Rio Grande do Norte, o lucro no prazo de vinte anos seria de 1 bilhão de reais, esse é um dos dados revelados pelas investigações do MPE divulgados, hoje, durante a operação Sinal Fechado [...]. A investigação descobriu que o contrato foi fraudado desde o processo de elaboração da lei até o momento da licitação. Os promotores de justiça chegaram ainda a identificar como líder da quadrilha o empresário, advogado e lobista George Anderson Olímpio da Silveira. Os nomes dos ex-governadores do Rio Grande do Norte, Wilma de Faria, Iberê Ferreira de Sousa e do então diretor geral do DETRAN, à época dos acontecimentos, Carlos Teodorico de Carvalho Bezerra, foram apontados como beneficiários pelo esquema. De acordo com a nota oficial divulgada pelo MPE, George Anderson teria efetuado o pagamento de propina ao ex-governador Iberê Ferreira de Sousa, ao advogado e filho da ex-governadora Wilma de Faria, Lauro Maia, a Marcos Vinícius Furtado, Procurador Geral do DETRAN e ao ex-deputado federal e suplente de senador João Faustino Ferreira Neto, detido na manhã de hoje: Entrevista (João Faustino Ferreira Neto): tô sendo vítima de um grande equívoco que não sei ainda traduzir sua dimensão, mas espero e confio na justiça, entendo que haverá, no momento oportuno, uma decisão que haverá de elucidar todo esse processo Kafkiano, não sei exatamente nem a origem, nem o meio, nem o fim.

82

Além do ex-parlamentar, foram detidos empresários, contadores e advogados no esquema [...]. O senador José Agripino externou por meio do micro blog tuwitter solidariedade ao correligionário político. Na postagem José Agripino afirma, abre aspas: o passado de João Faustino é suficiente para garantir credibilidade ao que ele venha a dizer sobre o assunto, fecha aspas.

Conforme pensa Charaudeau (2009, p. 157) os meios de comunicação se constituem

como uma espécie de “meganarrador” compósito, onde a narrativa que produz é resultado da

fonte de informação a que tem origem a notícia, do jornalista que a redige e também da

redação que a insere numa determinada encenação40. Essa composição torna-se aqui

particularmente útil, uma vez que a empregamos para se referir ao Jornal do Dia, evitando-se,

também, em responsabilizar, individualmente, o jornalista apresentador do programa ou o

repórter que normalmente emprestam a sua voz para a efetivação do discurso midiático.

Partindo-se, assim, da presença do referido narrador na construção do discurso

televisivo, podemos observar que o fato relatado, abre-se, através da enunciação dos

jornalistas (Geórgia Nery e Luis Henrique), com uma revelação, cuja linguagem corrente a

definiria como sendo “bombástica” e tem, justamente, por intenção impactar o telespectador:

a vinculação de nomes políticos de destaque no estado a um caso de corrupção. Trata-se de

uma notícia, conforme acentua Thompson (2002), referente a “um escândalo político”.

Essa narrativa, porém, apresenta um viés claro, ela se sustenta em uma denúncia de

corrupção que, apesar de várias pessoas encontrarem-se envolvidas, centra-se nos nomes dos

ex-governadores Wilma de Faria e Iberê Ferreira de Sousa, o que, até certo ponto, poderia ser

justificada por se tratar de pessoas públicas no estado (outro nome, também, bastante citado

nas matérias concernentes à OSF é a do ex-deputado federal João Faustino, porém

comumente atreladas a ressalvas).

Assim, da forma como foi construída, a narrativa acima procura seguir uma ordem

cronológica de apresentação da denúncia que incorpore fatos desconhecidos do público,

associadas a explicações parciais do acontecimento, sendo objetivo da notícia tornar o mais

claro possível o envolvimento de tais políticos no caso.

Por outro lado, a matéria faz uso vasto de recursos como suposições impactantes (o

possível lucro de 1bilhão, em 20 anos, que renderia aos acusados) e termos valorativos (como

“fraude”, “propina”, “quadrilha”, “esquema”, etc.) que associados aos nomes dos políticos,

40Conforme o autor essa característica midiática coloca em pauta uma importante questão: quem é o responsável pela narrativa? Juridicamente, é o organismo de informação, mas discursivamente não se sabe. Essa é uma grande diferença em relação às narrativas de romances onde se apresentam, mais claramente, um narrador e um autor.

83

ajudam a desconstruir uma imagem que é a fonte de prestígio social ou o “capital simbólico”

de qualquer pessoa pública, e sem os quais a atividade política não se sustentaria.

Observamos também, que sendo bastante comum aos meios de comunicação abrir

espaço (evidentemente, até certo ponto) ao discurso adversário, o que oportunamente acaba

por incorporar a si uma imagem “democrática” 41, o relato do acontecimento, entretanto, não

apresenta, ao menos da forma como está sendo expresso, a voz de justificação dos acusados

políticos como Iberê e Wilma diante de tais acusações. Também, a notícia não apresenta ao

telespectador as razões de tal ausência, o que deixa a suspeitar, ainda mais, a maneira como

vem sendo conduzida a informação.

Um outro ponto, é que ao “fechar” a notícia, não só João Faustino (PSDB) encontra

espaço para uma real justificação do ocorrido, como, principalmente, a narrativa midiática

expressa ao seu favor o discurso do correligionário político, o senador José Agripino Maia

(DEM), o qual gozando de significativo prestígio no estado, realiza a sua ampla defesa.

O que queremos evidenciar, é que, embora não se deixe transparecer em tal narrativa

(dado o caráter ideológico, fragmentário e descontextualizado da mesma), ambos os políticos

do PSB (Iberê e Wilma) se caracterizam como adversários e oposição no estado; já João

Faustino é reconhecidamente (ao menos até o momento do acontecimento) um aliado forte do

grupo governista, na capital e no estado, estes representados pelo senador José Agripino, a

governadora Rosalba Ciarline Rosado (DEM) e a prefeita Micarla de Sousa (PV).

Obviamente, não se trata de negar ou afirmar a responsabilidade de “tal e qual”

político envolvido na denúncia, até porque não é essa a nossa função, mas de perceber como a

notícia está sendo estruturada, isto é, a quem interessa tal construção?

Com efeito, a narrativa não seria o bastante se não fosse os comentários do Jornalista

Ricardo Rosado em um quadro político chamado “Opinião”. Trata-se de um comentário

rápido que ocorre logo após a uma matéria específica, julgada importante pelo telejornal, e

que “necessita” da opinião de um profissional da área. Ricardo Rosado é Jornalista e

Professor de Comunicação Social da UFRN, pertence à família Rosado, um grupo político do

interior do estado, mas com forte presença na capital. Salientamos que a governadora Rosalba

Ciarline (Rosado) é a atual representante desse grupo que tem se articulado, claramente, com

o senador José Agripino.

41 O que muitos meios de comunicação têm feito com relativo sucesso. Na maioria das vezes essa fórmula mais esconde do que demonstra as reais intenções, já que se tenta almejar, com isso, a tão sonhada “imparcialidade” midiática.

84

Ricardo Rosado – [...] esperança..., esperança na polícia, esperança na justiça, que foi uma mulher, tomou a decisão de mandar prender, mandar investigar o assunto, em fim, esse assunto foi tema polêmico no começo do ano, na mudança para o novo governo, essas coisas começaram a pipocar, a gente comentou nos blogs, nas redes sociais o que era o absurdo esse contrato entre o consórcio “Inspar” e o governo do estado, esperança, por exemplo, a governadora não pode fazer um bom governo, “um governo revolucionário”, mas que pelo menos seja um governo honesto já que mandou cancelar um contrato absurdo como esse [...].

O fragmento acima tem como pretensão tecer um comentário sobre a OSF, para tanto,

apresenta como asserção inicial a decisão de se investigar o referente caso de corrupção.

Partindo-se de tal fato (e pautando-se em um “sentimento de justiça”), o jornalista Ricardo

Rosado faz uma defesa política clara, argumentando em favor do governo Rosalba. Elogia o

fato de a governadora ter cancelado o contrato com a empresa Inspar, utilizando-se, para

tanto, de estratégias ideológicas como a ironia e a metáfora, expressas em palavras como

“bom governo” ou “um governo revolucionário” ao se referir à administração anterior 42 e

termos morais como “esperança” e “honestidade”. Pode-se daí depreender que a corrupção

pertence ao governo anterior e que o governo atual possui uma qualidade que o outro não teve

que é a honestidade.

Assim, a maneira como avalia o fato político distancia-se da tão pretensa neutralidade

jornalística que insiste em anunciar o jornal, entretanto, a parcialidade política do comentário

que desenvolve atende claramente a interesses de grupo, possibilitando-nos a questionar: a

que vem tal notícia? Legitimar simbolicamente um grupo no poder?

Observemos, então, outra matéria nesse mesmo sentido, isto é, de denúncias sobre

possíveis casos de corrupção no estado. A notícia refere-se ao executivo municipal e diz

respeito à Comissão Especial de Inquérito (CEI) que investiga os contratos realizados pela

prefeitura municipal de Natal durante o ano de 2011. A matéria foi publicada no dia 25 de

Novembro:

Geórgia Nery: Mais uma rodada de depoimentos. A Comissão Especial de Inquérito que investiga os contratos da prefeitura de Natal ouviu novos representantes do executivo. Luis Henrique: entre os que responderam os questionamentos dos vereadores estão os representantes da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social, da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social e da Secretaria da Saúde. Repórter (Riccelli Araújo): Mais uma manhã de depoimentos na CEI que investiga os contratos realizados por diversas secretarias do município de Natal. Dessa vez, o espaço foi aberto aos depoentes que não compareceram e justificaram a ausência em data marcada anteriormente. O primeiro depoimento a presidente da CEI, a vereadora Júlia Arruda, foi do Secretario Municipal de Trabalho e Ação Social, Alcedo Borges de Melo Júnior, ele falou dos contratos de locação de imóveis

42Wilma de Faria foi a governadora do estado na administração anterior (2006-2009), tendo como vice Iberê Ferreira de Sousa.

85

utilizados pela CENTAS e também do contrato do município com a ONG ATIVA. A atividade no palácio padre Miguelinho vai continuar no horário da tarde.

A CEI foi organizada em virtude dos protestos do movimento “fora Micarla” que

ocupou a Câmara Municipal de Natal e exigiu a formação de um comitê para analisar os

contratos realizados na atual gestão da prefeita Micarla de Sousa43. Aparentemente o relato

acima não revela “fatos” ou “ditos” que possam ser considerados comprometedores à

instância midiática, pois a notícia apresenta, em um primeiro momento, uma narrativa

“despretensiosa”. Observemos que o assunto sobre a CEI se refere aos depoimentos que não

foram realizados. A narrativa faz uma reconstituição da informação (CEI), com uma abertura

bem “marcada” (definindo o que se trata), explicações globais e um fechamento que indica a

continuidade do acontecimento, revelando a possibilidade de reativação da notícia.

O que chama atenção, porém, é que embora estejamos diante de uma notícia bastante

divulgada pelos meios de comunicação (sobretudo pela internet), ela poderia não ser coberta

pelo Jornal do Dia, já que se trata de uma emissora cuja proprietária é a prefeita Micarla e,

principalmente, de um processo de investigação que põem em descrédito a sua administração,

uma vez que esta, já goza de baixos índices de popularidade na capital 44.

Pela análise da notícia, onde expõe uma narrativa de caráter geral ou generalizante,

estamos diante daquilo que Pierre Bourdieu (1997) chama de “ocultar mostrando”, isto é,

“mostrando o que é preciso mostrar, mas de tal maneira que não é mostrado ou se torna

insignificante, ou construindo-o de tal maneira que adquire um sentido que não corresponde

absolutamente à realidade”. A notícia, assim, não realiza uma cobertura de maneira mais

crítica em abordar o assunto, explicitando conteúdos mais relevantes e esclarecedores, já que

se trata de um fato que envolve a administração pública e diz respeito a todos.

Agora, diante de outra matéria, com o tema de greve no estado, a situação observada,

de que o fato político adquire determinadas características, a depender da forma como é

43O movimento “fora Micarla” teve início nas redes sociais e rapidamente alcançou as ruas de Natal ao final de Maio e começo de Junho de 2011. Sob a alegação de uma administração vazia, indícios de irregularidades em contratos públicos e problemas de infra-estrutura na cidade, estudantes universitários ocuparam, no dia 7 de Junho, o pátio da Câmara Municipal da cidade e passaram a reivindicar a abertura de um processo de impeachment contra a prefeita, uma audiência pública e abertura de uma Comissão de Investigação Especial (CEI). Após muitos embates, no dia 22 de Junho os manifestantes conseguiram a instalação oficial da CEI que ficou registrada nos meios de comunicação como a “CEI dos contratos”. 44 Talvez o próprio fato de ser um assunto muito divulgado nos mass media e resultado do protesto “fora Micarla”, as matérias se impuseram no próprio veículo de comunicação da família Sousa. Já o protesto, em si, apresentou, em seu telejornal, uma cobertura marcada por apenas algumas matériainiciais, o que depois já não foi mais coberto. É importante lembrar que a administração de Micarla registrou, durante 2011, altos índices de desaprovação, chegando a alcançar os 84,5% (91,2% entre os que possuem curso superior), segundo pesquisa do Instituto Consult realizada entre 17 a 23 de março em Natal. Cf.: Tribuna do Norte, Natal, 25 de mar. 2011.

86

construída, parece se confirmar na notícia referente à greve do ITEP exibida em 22 de

Novembro de 2011. A matéria, transcrita logo abaixo, foi ao ar na 2ª edição do programa:

Renata Passos: Servidores do Instituto Técnico e Científico de Polícia, o ITEP, paralisaram as atividades por advertência, por 48hrs. Hoje quem procurou o serviço do órgão ficou sem atendimento. Repórter (Rogério Fernandes): na frente do ITEP, no bairro da Ribeira em Natal, no prédio onde funciona o necrotério e a perícia, uma faixa deixava bastante claro: “estamos em greve”. A paralisação é por dois dias e abrange todos os serviços da instituição, com exceção dos flagrantes e da remoção de corpos. Aqui na COID (Coordenadoria de Identificação), que fica numa rua por trás do necrotério do ITEP, a situação é a mesma. A faixa já diz: “estamos em greve”, nada funciona!!!. É aqui que são emitidas as carteiras de identidades, o RG, primeira e segunda via. Mas olha só, o funcionamento normal seria esse das 8 às 14 horas, de segunda a sexta, mas quem chega aqui não consegue fazer nada, volta!!! Lá dentro, tudo vazio!!! nada funciona. [...] enquanto isso, na sede do sindicato dos policiais civis, no centro da cidade, o plenário lotado de funcionários do ITEP e uma determinação: que o governo do estado cumpra com a promessa, feita no começo do ano, portanto no começo do governo e envie para a assembléia legislativa o projeto que trata do estatuto do órgão.

Segundo Charaudeau (2009, p. 159) é comum à narrativa midiática introduzir sua

“abertura” por um processo de “ataque”, como se diz no jargão jornalístico. Isso corresponde

a uma entrada dramatizante, como a que se observa acima. A maneira inquietante de o

repórter iniciar o relato tem por objetivo criar um clima de suspense para atrair e ao mesmo

tempo apreender a atenção do telespectador.

A notícia segue uma ordem cronológica que facilita bem a assimilação do público,

justamente por corresponder a uma lógica de encadeamento mais próxima da experiência

ingênua. Essa reconstituição dos fatos é feita com muitos qualificativos dramatizantes (“Lá

dentro, tudo vazio!!! nada funciona”) até alcançar-se o “clímax” da notícia diante de tanto

suspense: todos reunidos exigindo o cumprimento da promessa feita pelo governo em enviar à

assembléia legislativa “o projeto que trata do estatuto do órgão”.

O desafio, entretanto, está na forma como o fato está sendo construído, isto é, pautado

na espetacularização da notícia e no exagero de sua dramatização, assim a informação

transmitida acaba por gerar certo pânico na população. Além do mais, como não há uma real

problematização do assunto, com o possível motivo da greve sendo situado no último instante

da notícia, produze-se a desqualificação do movimento dos trabalhadores do ITEP,

conferindo-lhes um aspecto de irresponsabilidade. Outrossim, a maneira como vem sendo

posta o acontecimento, coloca a população contra os grevistas.

Acrescentamos outra notícia semelhante, tornada pública em 09 de Dezembro de

2011, para que não reste dúvida do fato:

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Renata Passos – mesmo após a justiça decretar a ilegalidade da greve dos servidores do ITEP os serviços do Instituto ainda não foram restabelecidos, quem procurou o órgão, hoje, continuou sem atendimento. Repórter (Rogério Fernandes): Miriam Barbosa foi espancada pelo marido, ela veio de santa cruz para fazer o exame de corpo de delito, mas vai voltar para a cidade de mãos vazias: Entrevista (Miriam Barbosa): vim fazer o exame de corpo de delito, quando cheguei aqui tudo em greve, isso é uma falta de vergonha do governo, não é?, vou voltar na mesma. Repórter (Rogério Fernandes): Por causa da greve do ITEP, serviços como emissão de identidade, atestado de antecedentes criminais e exames de corpo de delito estão suspensos, os 30% obrigatórios por lei de funcionamento estão concentrados apenas para registro de flagrantes e para o setor de necrotério [...]. Repórter (Rogério Fernandes): Na tarde desta quinta-feira o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte decretou a ilegalidade da greve. O desembargador Rafael Godeiro ainda determinou a volta imediata dos servidores ao trabalho sob multa diária no valor de 50 mil reais.

O acontecimento relatado procede de maneira aproximada ao relato anterior. Não

obstante, discorrendo sobre o mesmo assunto, a narrativa se concentra nas conseqüências da

greve. Observamos a presença da entrevistada Miriam Barbosa que, com seu discurso inserido

na narrativa, confirma o acontecimento e o “dano” causado à população. Tem-se, também, o

fechamento da notícia, que não significa o fechamento do fato, uma vez que é apresentado o

movimento como ilegal e estando “desconforme com a lei”, porém, não se tendo a resposta ao

cumprimento da “ordem”.

Com efeito, ao que dizíamos anteriormente, não há uma problematização do assunto

abordando, neste caso, o motivo da greve e esclarecendo o porquê do movimento ser

considerado ilegal. A narrativa, expressa de tal forma, acaba também por insuflar a população

a dispor-se contrária à paralisação, já que ela não tem acesso aos serviços que, por direito, são

seus. Como não há uma explicação clara sobre o acontecimento, ponderando-se, também, o

direito constitucional à greve, conferido a todas as categorias de trabalho no país —,

excetuando-se, obviamente, algumas delas como os militares —, a narrativa, assim expressa,

nos conduz a questionar: a quem interessa tal estruturação discursiva ou, mesmo, o fim da

greve?

Vejamos um tema diferente, agora, uma notícia sobre a atividade do governo no

estado. Esta notícia foi ao ar no dia 22 de Novembro e reporta-se a um exercício, ainda que

tímido, de accountability, isto é, uma “prestação de contas” do governo Rosalba ao

cumprimento de metas fiscais da LDO referentes ao segundo quadrimestre de 2011. A notícia

“mereceu”, também, o comentário do jornalista Ricardo Rosado no quadro “opinião”:

88

Luis Henrique: o governo apresentou hoje o demonstrativo e a avaliação do cumprimento de metas do segundo quadrimestre deste ano. Geórgia Nery: o documento foi entregue durante uma audiência pública promovida pela Comissão de Finanças e Fiscalização da Assembléia Legislativa e foi questionado o baixo percentual de investimento. Repórter (Riccelli Araújo): Cumprindo a legislação, representantes do governo do estado compareceram na manhã de hoje à Comissão de Finanças da Assembléia Legislativa para apresentar o relatório quadrimestral do cumprimento de metas fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) deste ano. [...] Deputado de oposição ao governo do estado, George Soares indagou quanto ao aumento na folha de pagamento: Entrevista (George Soares - PR): o governo tem dito muita vezes que tem reduzido isso, que não tem tido condições de implementar o cargo de carreira do funcionalismo público (sic), então, a gente questionou por que esse acréscimo nas despesas com pessoal. Repórter (Riccelli Araújo): A explicação do governo foi a seguinte: Entrevista (Obery Rodrigues – Secretario de Planejamento e Finanças): as despesas de pessoal de estado, elas decorrem dos reajustes que foram concedidos pelas leis que foram aprovadas na Assembléia Legislativa no ano passado, que foram... uma parte da... das parcelas previstas foram pagas ainda no ano passado. O estado, o governo nesse ano de 2011 teve que cumprir também algumas obrigações decorrentes dessas leis de servidores que foram convocados o ano passado, mas que não foram implantados na folha. Então, tudo isso tem reflexo na despesa de pessoal deste exercício de 2011. Repórter (Riccelli Araújo): o presidente da comissão, o deputado José Dias, se mostrou preocupado com os números revelados: Entrevista (José Dias - PMDB): Como cidadão, como norte-rio-grandense, eu me sinto é muito triste. Eu me sinto quase que deprimido quando eu vejo que nós temos um índice de investimento de 1,14. Isso significa quase nada, diante das nossas necessidades, eu acho que nós estamos caminhando para o buraco infinito.

Estamos diante de uma narrativa que apresenta algumas características gerais. Trata-

se, primordialmente, em apresentar uma informação cujo cerne é tornar público as atividades

do governo, realizando a cobertura do cumprimento de metas fiscais da administração

Rosalba, consoante indicado acima. A construção da notícia, entretanto, é o foco de nossa

análise: como é comum à instância midiática, a narrativa é introduzida por uma encenação

discursiva de tom dramático (“Cumprindo a legislação, ...”) e marcado; ao acontecimento

relatado, a narrativa apresenta, também, o dito relatado que se manifesta sob a forma de

citações (entrevistas) propiciando sobre a narrativa um efeito de objetivação; e, por fim, um

fechamento súbito, por meio da última entrevista, ao tom de uma avaliação negativa (o

conflito da narrativa).

Levando-se em consideração que uma das mais importantes finalidades da notícia é

informar, prestar esclarecimentos sobre o assunto não é, no entanto, o que acontece acima.

Sobre o cumprimento das metas fiscais da LDO nada foi dito, só se pode concluir algo de

maneira implícita e ao longo da narrativa, dado os discursos proferidos pelas entrevistas.

Assim, a notícia que apresenta um tema essencial à vida pública passa a informação de forma

89

fragmentada e generalizada, isto é, oculta mostrando (BOURDIEU, 1997). Com que interesse

vela-se informação tão importante? A quem interessa tal narrativa?

Ricardo Rosado: É... eu, pela primeira vez, desde que eu estou aqui, eu acho que a gente vai conversar sobre um assunto misterioso. Essa questão de relatório bimestral, orçamento para o próximo ano, é uma coisa assim, apesar de ser números.., às vezes os números são bem eloqüentes, não é?, Mas, veja bem... a Assembléia estranha que haja despesas com pessoal, mas foi a própria Assembléia que votou as leis que aumentou as despesas com o pessoal, o executivo, por sua vez, anuncia todo mês um aumento em arrecadação; vem o deputado e diz tá triste porque só tem 1%, a capacidade de 1%, em investimentos... é os servidores, por sua vez, também reclamam que não têm seus reajustes. Ora, se tem aumento, se não teve aumento de salários, se só tem 1% de investimentos, é um mistério... que eu espero, por exemplo, quando for discutir pra valer.. (eu) apareça lá .. para contratar um detetive, um tradutor ou a ACROL, aquela empresa que investiga para entender qual é o mistério que se esconde, porque se continuar assim, 1% de investimento, não vai ser só a tristeza do deputado que vai nos atingir, né? Nós vamos transformar um governador, transformar um prefeito num mero gerente de folha de pessoal, um pagador de contas. Chega no final do mês, junta, paga e pronto. A capacidade de investir do município, do estado, simplesmente desapareceu. Alguma coisa tá errada, alguma coisa precisa ser modificada... ou é o orçamento Geórgia que todo mundo diz, que você conhece bem a cobertura da Assembléia, fala que os orçamentos são peças de ficção, não é? Então esperar que essa ficção nos dê algum momento de alegria que a tristeza está estampada na cara do deputado.

Debruçando-nos sobre o comentário do acontecimento, observamos que o jornalista

Ricardo Rosado procura tecer uma avaliação, que se pretende “crítica”, sobre o fato político.

Deste modo, como o faz a partir da cobertura da notícia, centra-se no caso dos investimentos

do governo (1%) e procura, a partir daí, problematizar seu propósito (“Ora, se tem aumento, se

não teve aumento de salários, se só tem 1% de investimentos, é um mistério...”). Esta asserção

é resultado de um processo de elucidação que, no texto acima (ver trecho: “Mas, veja bem... a

Assembléia estranha que...”), acontece por meio de uma reconstituição de uma seqüência de

fatos, que seguem uma relação de causa e conseqüência, cuja origem, pressupõe, já conhecida

pelo jornalista.

Para, então, argumentar a ausência de investimentos, considerada como um “mistério”,

o comentador utiliza-se de diversos argumentos (“não vai ser só a tristeza do deputado que vai

nos atingir, né?”, “transformar um governador [...] num mero [...] pagador de contas”, “A

capacidade de investir [...] desapareceu”, etc.), demonstrando, finalmente, a sua insatisfação

com tal situação (“Alguma coisa tá errada, [...]”).

Se, conforme Charaudeau (2009, p. 177), a “mecânica argumentativa” requer uma

problematização, uma elucidação e uma avaliação sobre um propósito, a análise da estrutura

argumentativa recai sobre o conjunto do comentário.

Dessa maneira, do ponto de vista da persuasão, identificamos que os argumentos

apresentam um caráter ideológico na medida em que, dada a linguagem espetacularizada,

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procede-se por meio de simplificações (“transformar um governador [...] num mero [...]

pagador de contas”) e generalizações (“ou é o orçamento Geórgia que todo mundo diz [...] são

peças de ficção, não é?”) como se fosse possível tal fato.

Do ponto de vista mais geral, podemos avaliar que a “crítica” que o comentador

apresenta sobre o governo Rosalba, não só mistifica a política como realiza sobre ela um

processo de dissimulação, pois ao sugerir um possível “mistério” e conduzi-lo, de tal forma, a

não desvelá-lo (o que é possível perceber na afirmação de que “alguma coisa tá errada,

alguma coisa precisa ser modificada...”), acaba por construí-lo de maneira ideológica,

mistificando, assim, a política. Porém, ao não apontar o desafio, nem a possível solução da

questão, ao contrário, desviando o problema para o “orçamento” como uma “peça de ficção”,

dissimula tal realidade. Por isso mesmo que a crítica supracitada não pode ser contundente,

embora até pareça (há sutilezas na argumentação do autor).

Sobre o mesmo tema, isto é, referente à atuação do governo no estado, reproduzimos

também outra notícia, cujo assunto é a construção do aeroporto de São Gonçalo do Amarante.

Sobre ela, há o comentário do jornalista Ricardo Rosado, onde podemos observar mais

claramente a maneira como a prática política é apresentada pelo telejornal.

Matéria exibida no dia 28 de Novembro de 2011:

Luis Henrique: o aeroporto de São Gonçalo do Amarante recebeu hoje o primeiro pouso oficial. Geórgia Nery: a presidenta Dilma Rousself chegou ao estado para assinar a concessão do novo terminal. Por telefone Cleber Teixeira nos traz outras informações. Boa tarde Cleber? Repórter (Riccelli Araújo): boa tarde Geórgia. É Riccelli quem está falando. Geórgia, terminou agora a pouco a solenidade de assinatura do contrato de concessão para construção do aeroporto de São Gonçalo do Amarante com presença de Dilma Rousself. A aeronave da presidência da República pousou exatamente às 10h55 da manhã [...]. O dispositivo contou com a presença de praticamente toda a bancada federal do Rio Grande do Norte. Ministros, Governadora, ex-governadora, e os prefeitos Jaime Calado e Micarla de Sousa. Discursaram para uma multidão o prefeito de São Gonçalo, o representante do consórcio “Inframérica”, o ministro da aviação civil, a governadora Rosalba Ciarline e a presidenta Dilma Rousself. No discurso, Dilma destacou o modelo de concessão como o primeiro a ser instalado no país para a construção de estruturas aeroportuárias. A importância da retro-área do aeroporto como ponto estratégico para a atração de empresas e a qualificação e geração de emprego e renda para o Rio Grande do Norte [...].

Consoante Charaudeau (2009), estamos diante de um acontecimento relatado em que

se destaca claramente o fato relatado e o dito relatado. Observamos que a narrativa tem por

assunto a assinatura do contrato de concessão para construção do aeroporto de São Gonçalo.

Este fato político é relatado pela instância midiática de maneira a descrever o acontecimento e

acentuar, sobretudo, o nome de alguns representantes políticos: Jaime Calado, Micarla de

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Sousa, Rosalba Ciarline e Dilma Rousself. Embora presente, o nome da ex-governadora

Wilma de Faria não foi mencionado, marcado apenas pela designação do cargo a que ocupou

anteriormente enquanto pessoa pública.

O dito relatado refere-se ao discurso de Dilma onde o repórter ressalta o modelo de

concessão (implicitamente, uma concessão a uma empresa privada) e a importância do

aeroporto na atração de empresas, emprego e renda para o estado. O discurso da presidenta,

integrado nas palavras do repórter, imprime, conforme o autor supracitado, um “efeito de

decisão”, isto é, como se trata de uma autoridade, “a declaração é, ao mesmo tempo, a

realização de uma ação”. O que, com efeito, acaba por empolgar quem ouve a notícia, dado a

certeza do acontecimento.

É, pois, mais ou menos, por esta sensação que os jornalistas da emissora tecem,

empolgados, seus comentários no quadro “opinião”:

Luis Henrique: e aqui conosco Ricardo Rosado!!! Ricardo Rosado, hoje é um dia importante, porque a gente já teve tanta, recentemente, tanta história, tanta força política, mas com pouca concretização, digamos assim, mas agora a gente se vê diante de algo concreto. Ricardo Rosado: eu acho que a gente está num momento histórico, duplamente, não é? Histórico porque a decisão de privatizar o aeroporto, que ele seja gerido, que ele seja construído pela iniciativa privada, muda o formato do uso dos aeroportos do país inteiro...que sempre tinha a ver com a presença do estado, então, é o primeiro aeroporto privado do país que vai ser gerido por uma iniciativa privada, então já é uma mudança significativa. No caso da gente aqui, essa discussão se o aeroporto vinha... se não vinha..se era mais importante o aeroporto ou a refinaria ... e que o aeroporto ia ser pequeno...chegou!!! [...]. Porque Geórgia ninguém melhor do que o empresário tem interesse de que ele funcione, que é o primeiro grande evento que ele vai ter o retorno de parte do investimento que ele fez...então.. mas o mais importante, além de ter essa porta de entrada nas Américas, é que, se você percebeu a declaração dele, o aproveitamento da mão-de-obra... é os investimentos vão ser em torno de 650 milhões só para o aeroporto, coloque aí mais uns 350, 400 milhões para e umas obras de estruturas, para é...as obras de acesso.. 1 bilhão de reais ... 20mil empregos diretos ou indiretos, em fim [...], é uma mudança muito grande na grande natal [...] é uma obra de estrutura importante, talvez a mais importante obra de estrutura do Rio Grande do Norte.

Ao comentar o acontecimento político, observamos que o jornalista Ricardo Rosado

inicia a problematização do assunto por meio de um questionamento de tom tocante ou

emocional (“eu acho que a gente está num momento histórico, duplamente, não é?”). A partir

de então, argumenta em favor da construção do aeroporto de São Gonçalo. O que se

posiciona, desde o início, como favorável ao acontecimento.

Para então persuadir o telespectador em prol de seu propósito, Ricardo Rosado

enfatiza a privatização do aeroporto como um fato importante e o seu significado em

investimentos e geração de empregos no estado. O comentador, na verdade, está direcionando

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a sua opinião a um modelo de concessão, novo no país, em que uma empresa privada substitui

o estado na construção e administração de tal serviço, localizado no setor aéreo. Visto, por

ele, evidentemente, com bons olhos.

Observamos, assim, que o comentário se vale, fundamentalmente, da ideologia da

privatização para argumentar em favor da importância do aeroporto. Nesse sentido, utiliza-se

de um discurso ideológico que sugere a crença de que “aquilo que é privado é bom, é o que

funciona”. Podemos notar isso, claramente, em algumas passagens acima, por exemplo, no

fato de que privatizar e não haver mais ligação com o Estado “já é uma mudança

significativa” e também na ideia de que “ninguém melhor do que o empresário tem interesse

de que ele funcione”, entre outros.

Como, também, “nenhuma argumentação terá impacto se não despertar o interesse do

consumidor de informação e se não tocar a sua afetividade”, observamos que Ricardo Rosado

faz uso, conforme salienta Charaudeau (2009, p. 180-1), de modos de raciocínio simples e

motivadores com objetivo de implicar mais diretamente o telespectador. O fato, por exemplo,

de tentar elucidar seus argumentos, faz com que recorra a comparações entre a “refinaria” e o

“aeroporto” Essa forma de proceder (simples) lança luz sobre a argumentação que

desenvolve, justamente por aproximar fatos da experiência política recente do estado e ainda

fortemente presente na memória da população.

O que também é uma estratégia ideológica, que desde o inicio, com as palavras do

jornalista Luis Henrique, faz referência a ex-governadora Wilma de Faria, que sob sua

administração não foi possível politicamente implantar a refinaria de petróleo no estado.

Outra estratégia observada no comentário está no uso motivador que o jornalista faz

dos argumentos de privatização, os quais são escolhidos, justamente, em função do seu

potencial de crença, uma vez que as crenças são amplamente compartilhadas pelo grande

público e comumente difundidas pelos meios de comunicação. Os “lugares-comuns” como

poderia sugerir implicitamente a leitura em seu comentário de que “o público não funciona”,

dado que “o que funciona é o privado”.

Como sabemos, o discurso da privatização, do ponto de vista político e ideológico, é

sustentado claramente por alguns partidos e lideranças políticas no estado, como é o caso do

Partido Democrata (DEM) e dos representantes políticos, o senador José Agripino e a

governadora Rosalba Ciarline. Nesse sentido, a defesa enfática do jornalista Ricardo Rosado

apresenta um viés claro.

Pode-se dizer, então, que sob tal comentário, a notícia acima agora ganha outra

conotação, pois se trata da veiculação de um acontecimento político que aparentemente

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apresenta uma neutralidade, mas que representa a veiculação de interesses sociais seccionais,

exaltados sob o disfarce do bem público.

A votação do projeto “Pró-importe RN” na Assembléia Legislativa do estado foi

também notícia no Jornal do Dia:

Geórgia Nery: o projeto de lei que trata do plano de apóio às importações do exterior e desenvolvimento portuário, pró-importe RN, foi votado hoje na assembléia legislativa. Luis Henrique: a lei vai assegurar a concessão de financiamento a empresas importadoras cuja atividade seja desenvolvida por meio da estrutura portuária e aeroportuária no estado. Repórter (Riccelli Araújo): o projeto que trata do plano de apóio às importações do exterior e desenvolvimento portuário, voltou com um novo nome. Deixou de ser “pró-importe”, agora se chama “importe RN”, de interesse do governo do estado, foi apresentado a casa com o aval do presidente da assembléia Ricardo Motta. A redação passou por mudanças: Entrevistas (Ricardo Motta - PMN): além de ter ouvido as classes produtoras, seria trazer para essa mesa redonda, essa formação desta câmara gestora, que é formada pelas federações, conforme eu disse, agricultura, federação do comércio, federação das indústrias, federação dos transportes e também o governo do estado, seria esse comitê gestor. [...]. Repórter (Riccelli Araújo): a presidência da casa aguarda o posicionamento do colegiado de líderes. O interesse é dispensar a tramitação nas comissões técnicas. Entrevista: (Ricardo Motta - PMN): nós estamos mantendo o entendimento com líderes partidários e vários deles estão se cercando de medidas ou ouvindo as pessoas ou seus assessores, principalmente, as classes produtoras do Rio Grande do Norte, e eu tenho convicção pessoal de que nós possamos aprovar esse projeto o mais rápido possível. Repórter (Riccelli Araújo): o colegiado de líderes é formado pelos deputados estaduais Walter Alves, Ezequiel Ferreira, Raimundo Fernandes e Márcia Maia. Dos quatro, apenas a parlamentar do PSB ainda não liberou o projeto importe RN de tramitar nas comissões técnicas da casa.

Esta notícia foi publicada no dia 30 de Novembro de 2011 e refere-se à atuação do

legislativo estadual respeitante à votação do referido projeto. Esta discussão já vinha sendo

desenvolvida há algum tempo pelos parlamentares e veiculada através dos meios de

comunicação do estado.

Analisando a sua narrativa, observamos que ela foi construída em torno de um conflito

principal: a aprovação direta do projeto para a votação final, sem passar pelas comissões

técnicas da câmara que analisam as suas condições e a possível não liberação do projeto pelo

corpo de líderes que o avaliam. Essa oposição é mais claramente expressa entre o interesse do

governo, que quer a aprovação rápida do projeto, este representado pelo presidente da

Assembléia Ricardo Motta, e a oposição, que expressa o desejo em avaliar tal projeto nas

comissões, representada pela deputada Márcia Maia.

O relato do acontecimento, desde a sua abertura, procura ser bastante claro e fácil de

ser compreendido pela reconstituição cronológica dos fatos e as simultâneas explicações sobre

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o acontecimento, ainda que apresentadas sucintamente, dado se tratar de uma notícia. A

narrativa ainda faz uso das citações, que ocorrem por meio das entrevistas aos representantes

políticos. Estes responsáveis por protagonizarem o embate na câmara, imprimindo com seus

depoimentos (o que emprestam ao discurso midiático) um forte efeito de opinião, já que se

trata de personalidades políticas realizando seus julgamentos.

Entretanto, o que destacamos ao relato do acontecimento é a maneira como os fatos

foram construídos e, portanto, apresentados. Antes de qualquer outra coisa, trata-se da

veiculação de uma proposta liberal que visa a atender a interesses empresariais,

explicitamente expressos na narrativa, o que significa uma escolha. Mas, o mais importante

para a nossa análise é o sentido do discurso narrativo que imprime de forma favorável o

projeto para toda a sociedade, com isso parecendo existir um empecilho a sua concretização

expresso, portanto, sobre a forma do conflito.

O discurso narrativo, dessa forma, concede ao projeto de lei Pró-importe e ao seu

representante político, Ricardo Motta, um caráter extremamente democrático e conciliador,

favorecendo a narrativa com a presença de seus depoimentos, onde sobressaem na noticia

pelo espaço que lhe é concedido.

Assim, ao construir de forma favorável o projeto, apresenta de maneira ideológica o

acontecimento de que “apenas a parlamentar do PSB ainda não liberou o projeto importe RN

de tramitar nas comissões técnicas da casa”, lhes conferido um tom de atitude negativa e

reprovável. É conforme Thompson (2007, p. 86-7), um modo de operação da ideologia

pautado na “fragmentação” e na “diferenciação”, isto é, quando os grupos dominantes dirigem

forças a um alvo que é projetado como perigoso ou ameaçador. Isto, entretanto, é feito de

forma sutil.

O discurso narrativo, assim, procura legitimar socialmente, através da instância

midiática, interesses empresariais que ganham representações na câmara estadual. O próprio

fato de selecionar o acontecimento e “enquadrá-lo” (PORTO, 2002) é o suficiente para

interrogarmos a quem interessa tal notícia.

Abaixo, transcrevemos um trecho do comentário feito por Ricardo Rosado que encerra

qualquer dúvida a esse respeito:

Ricardo Rosado: Olhe eu acho bom dizer que.. assim, político tem um jeito de dizer as coisa só que, às vezes, aparentemente, a gente fica até convencido. Na verdade, há um problema político dentro da assembléia legislativa ... é o PSB, está resistindo politicamente a dispensar os trâmites legais... isso significa que se tiver que passar pelas comissões, se tiver que passar pela comissão de justiça, finanças. Esse projeto, este ano, não será aprovado na assembléia. Há um problema político, localizado no PSB, até por irritações de fora da assembléia, mas a conversa com as entidades

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patronais já houve, desta vez o governo teve o cuidado de convidar as entidades, federações para que elas apresentassem sugestões [...]. Em fim, do ponto de vista político, é onde está o problema, é onde está a questão. O presidente da assembléia, deputado Ricardo Motta, gestor... ele não conseguiu ser presidente, se ele não conseguir convencer seu pares (sic), acho que ele tem pouco tempo, mas acredito que, quem conhece a assembléia [...].

Com efeito, a leitura do comentário político corrobora o sentido apresentado

anteriormente pela notícia. Realizando uma análise argumentativa de tal comentário,

evidencia-se que sobre a seguinte proposição: “Na verdade, há um problema político dentro

da assembléia legislativa... é o PSB”, concentram-se todos os argumentos do jornalista para

persuadir o telespectador em defesa de tal projeto, o que representa, evidentemente, interesses

específicos.

Os argumentos em apóio procuram, de maneira ideológica, desconstruir o PSB e

legitimar, mais especificamente, a atuação de Ricardo Motta. Para tanto, primeiramente,

identifica a mencionada legenda como sendo o local do “problema”, sem, no entanto,

problematizar o porquê da necessidade de o projeto ser avaliado nas comissões,

independentemente de se tratar de embates políticos motivados por outra natureza, conhecidos

ou não pelo telespectador. Em segundo, tal comentário busca tornar salientes as qualidades

políticas do deputado ao mencionar sua capacidade em articular-se com as entidades patronais

e a sua competência enquanto presidente da Assembléia Legislativa, construindo, de tal

maneira, uma imagem de político democrático e competente, e, portanto, legitimando o

projeto.

Acompanhemos, também, a seguinte notícia: Geórgia Nery: os deputados concluíram no inicio da noite de ontem a votação do Orçamento Geral do Estado para 2012. Luis Henrique: a matéria foi aprovada por unanimidade entre os 22 deputados presentes no plenário Repórter (Rogério Fernandes): a calmaria no plenário da Assembléia Legislativa em dia de votações importantes tem nome: consenso e muitas conversas de bastidores, [...] e foi por unanimidade que os deputados estaduais aprovaram o orçamento para 2012. O governo do Estado terá para custear as despesas e investir em obras 9,4 milhões de reais. Durante a votação, também, ficou definido o valor de 1milhão e meio de reais para as emendas individuais de cada parlamentar. Ao todo foram inseridas no orçamento 258 emendas aprovadas por consenso, somente uma foi rejeitada, a de autoria do deputado Fernando Mineiro, reduzindo o percentual de remanejamento do governo do estado do orçamento que hoje é de 15 para 5 %. De acordo com o líder da bancada governista, a medida poderia engessar o orçamento, uma derrota que representaria o desprestígio do atual governo na casa legislativa: Entrevista (Getúlio Rego – DEM): nós é, apenas respondemos as expectativas do executivo para o enfrentamento da sua responsabilidade administrativa do próximo ano com mais flexibilidade, diminuindo a finalização dos projetos pela burocracia que hoje emperra a administração. Luiz Henrique: uma correção, o orçamento é de 4,9 Bilhões

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Estamos diante de uma notícia que foi veiculada no dia 15 de Dezembro de 2011 e diz

respeito, como visto, à votação do Orçamento Geral do Estado (OGE). Procedendo, então, ao

exame de sua estrutura narrativa, observamos que a instância midiática ao relatar tal

acontecimento expõe o processo de votação como consenso. O relato apresenta, assim, uma

entrada dramática que exibe a notícia em duas formas: como resultado pelos jornalistas

(“unanimidade entre os 22 deputados”) e como consenso e diálogo pelo repórter (“a calmaria

no plenário [...] tem nome: consenso e muitas conversas de bastidores”).

Após esta abertura, entretanto, a reconstituição dos fatos é realizada por meio da

construção de um conflito ou uma insinuação a um conflito entre o governo do estado e a

oposição (esta representada pelo deputado Fernando Mineiro do PT). Trata-se, na verdade, de

um recurso ideológico semelhante ao que observamos anteriormente, a fragmentação. O relato

do acontecimento, nesse sentido, passa a apresentar um viés claro.

Observamos que ao citar o deputado do Partido dos Trabalhadores na notícia, único a

ter a emenda rejeitada, representa-o ideologicamente como um político “do contra”, um

“burocrático”. Ao contrário, a narrativa ao tomar emprestado por “integração”

(CHARAUDEAU, 2009) o discurso do líder da bancada governista, o deputado Getúlio Rego

(DEM), acaba por afirmar a superioridade do governo (Rosalba).

O fechamento da narrativa ocorre também mediante a entrevista do mencionado

deputado do DEM que explicita o seu julgamento da votação fundamentados em termos como

“flexibilidade” e “burocracia”, o que remete o discurso à oposição. Concluímos, assim, que

diante de tal narrativa fica difícil não questionar as reais intenções que perpassam a instância

midiática.

Em 15 de Dezembro de 2011 o Jornal do Dia publicou também uma matéria sobre a

votação da Lei Orçamentária Anual do município do Natal (LOA). As discussões sobre a lei

se constituíram como outro assunto amplamente divulgado pelo meio de comunicação.

Assim, reproduzimos um exemplo das notícias apresentadas no referido telejornal:

Geórgia Nery: acontece neste momento na câmara municipal de Natal o processo de discussão da Lei Orçamentária Anual. Luis Henrique: a previsão é que no próximo ano a administração municipal conte com a receita de 2 bilhões e 100 milhões de reais [...]. Repórter (Riccelli Araujo): a lei que vai para plenário em segunda discussão e encerram os trabalhos legislativos deste ano, deve, na opinião do vereador (Ney Lopes), encontrar um consenso entre os parlamentares: Entrevista (Ney Lopes - DEM): Os vereadores apresentaram 48 emendas. As emendas foram aprovadas com ressalvas necessárias, apenas algumas adequações pelo que exige a Constituição Federal e fruto da audiência pública, surgiram mais três emendas que, esta sim, serão todas consensuais. Eu acredito que a votação das emendas, na sua grande maioria, todas devem ser votadas, consensualmente, apenas

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umas três ou quatro deverão estabelecer um debate mais acirrado no plenário da câmara. Repórter (Riccelli Araujo): a previsão de encerramento da Lei Orçamentária Anual para o município de natal que estabelece um montante superior a 2 bilhões de reais para 2012 deve ocorrer até o final da tarde de hoje. [...].

A matéria acima, cujo objetivo é trazer informações respeitantes à LOA, apresenta, de

modo geral, um fato da política sem grandes questionamentos, isto é, dentro de uma certa

normalidade ou naturalidade da atividade política. Na verdade, a narrativa abre-se com um

dado impactante (“no próximo ano a administração municipal conte com a receita de 2

bilhões e 100 milhões de reais”) que chama a atenção do telespectador, mas sem forte

repercussão ao longo da notícia, dada a própria maneira da instância midiática em administrar,

ao longo de todo o relato, tais dados inicialmente revelados.

A notícia, que segue uma cronologia temporal (“a lei que vai para plenário em

segunda discussão e encerram os trabalhos legislativos deste ano”), em um raciocínio de fácil

apreensão, apresenta a informação da votação da lei como um consenso parlamentar. Para

tanto, utiliza-se da citação do vereador do DEM, Ney Lopes Jr., a confirmar tal apresentação

num excelente recurso de verossimilhança e “objetividade” ao que está sendo dito pela

instância midiática. Já o fechamento da notícia, ocorre através da retomada de sua abertura,

adicionada à informação do encerramento da votação pela casa legislativa.

Quando, porém, tal narrativa é confrontada a uma análise ideológica, a apresentação

da notícia nos revela o caráter generalista ou superficial da informação. Isto acontece no

momento em que o anúncio sobre o montante superior a 2 bilhões em receita é enunciado sem

haver qualquer aprofundamento do assunto, o que poderia, entre outras sugestões, ao menos,

indicar uma ou outra importante destinação da verba pública. Ademais, a matéria que se

propõe a informar sobre as discussões da LOA, não põe em evidência, se quer, o debate das

principais emendas ou a de maior relevância à população ou ainda a que terá, possivelmente,

maior efeito na vida social do natalense.

A notícia, desta forma, possui um caráter conservador ao não revelar criticamente o

acontecimento político, assemelhando-se ao que Bourdieu (1997, p. 63-4) chama de “fatos-

ônibus”, a informação é construída para satisfazer o publico sem problematizar a realidade, o

que acaba, por sua vez, a “homogeneizar”, “banalizar”, “conformizar” e “despolitizar”, etc.

Um outro ponto a ser explicitado diz respeito à construção posicionada da notícia.

Segundo Charaudeau (2009), tendo em vista o número elevado de atores no espaço público

que dão declarações, é preciso proceder a uma seleção, esta, contudo, se faz em função da

identidade do declarante e do valor do seu dito.

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A palavra, assim, conferida a um representante político, no caso do DEM, apresenta,

pois, um efeito amplo no discurso: trata-se de uma personalidade política, que detém um saber

do campo e que relata sua opinião. Portanto, uma autoridade que possui um conhecimento

reconhecido socialmente e que declara sua posição política. Fazendo tal escolha, a instância

midiática não pode declarar-se desinteressada ou mesmo neutra a um público qualquer.

Seguindo em frente, a matéria abaixo, publicada em 17 de Novembro de 2011, se

refere à atuação da prefeitura municipal do Natal concernente à divulgação do projeto

“mulheres: mãos que constroem”. Vejamos:

Repórter (Ariane Viana): a aula magna abriu oficialmente as turmas do projeto “Mulheres mãos que constroem”. A iniciativa da Secretaria de Políticas Públicas para as mulheres pretende qualificar mulheres para trabalhar na construção civil. Entrevista (Rose de Sousa – Secretária da SEMUL): então, esse é nosso objetivo principal, que as mulheres tenham sua autonomia financeira para que muitas delas que foram encaminhadas pelos centros de referências de mulheres vítimas da violência, então, essa é uma oportunidade da mulher se firmar como profissional, buscar sua autonomia financeira, quebrar os ciclos de violência e aí viver com dignidade[...]. Repórter (Ariane Viana): o projeto oferece cursos de qualificação em eletricista predial, encanadora, pintora de obras e pedreiro de investimento [...]. Entrevista (Micarla de Sousa - Prefeita): a nossa meta é de qualificarmos 5000 mulheres para a construção civil, focado para a copa do mundo, porque nós temos aí uma..., a projeção que se faz é que a copa ela tenha, ela precise de 15000 trabalhadores da construção civil e para que esses 15 mil trabalhadores sejam formados, nós precisamos que as mulheres também estejam envolvidas nesse propósito.

Analisando a estrutura narrativa do discurso acima, observa-se que a informação

transmitida é construída de maneira transparente e de fácil apreensão pelo público. Assim, a

partir da abertura da notícia, tem-se a enunciação do referente, isto é, aquilo que se trata, em

termos do acontecimento político (“projeto ‘Mulheres mãos que constroem’) e do

protagonista público responsável pelo projeto (Secretaria de Políticas Públicas), cuja

intencionalidade demonstrada está na qualificação de mulheres para o trabalho na construção

civil.

O discurso narrativo, cronologicamente organizado, valoriza fortemente a descrição e

a explicação do acontecimento. O relato procura, então, tornar saliente os objetivos da

administração municipal, através da Secretaria de Políticas Públicas, mostrando os detalhes do

projeto e sua validade social. O que finaliza a notícia com a entrevista da prefeita Micarla de

Sousa, a qual retoma, como sua, a intencionalidade da secretaria em capacitar mulheres para

participar do mercado de trabalho no ramo da construção civil direcionado para a copa.

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Assim, do ponto de vista da estrutura da sua narração, a notícia encontra-se bem

articulada. Agora, comparemos esta matéria com a notícia seguinte e façamos uma avaliação

de ambas:

Renata passos: Natal ganhou esta tarde o centro de referencia “Mulher cidadã”, localizado na Zona Norte da capital Repórter (Amanda Fernandes): a Zona Norte agora conta com o espaço dedicado as mulheres vítimas de violência, que é o Centro de Referência Elisabete Nasser, situado na Av. Caraú, conjunto Panatis, bairro do Potengi. Na implantação do centro foram investidos mais de 200 mil reais. A unidade vai desenvolver ações de prevenção, assistência ao enfrentamento à violência, promovendo a auto-estima e a cidadania feminina. Entrevista (Micarla de Sousa – Prefeita): então, aqui no centro, elas terão toda a assistência que realmente..., um atendimento de primeira qualidade, nosso pessoal treinado para atender a mulher, a mulher em situação de risco, a mulher dona de casa, a mulher que quer ter seu espaço no mercado de trabalho, em fim, aqui, com certeza é um lugar que é, eu não tenho a menor dúvida, que as mulheres, que virão aqui, se sentirão satisfeitas com o serviço prestado pela prefeitura.

O jornal do dia cobriu esta matéria e a divulgou no dia 28 de Novembro de 2011.

Assim, do mesmo modo como a anterior, ela faz referência a uma ação pública voltada para

as mulheres. Mais especificamente, se refere à implantação de um centro de referência

feminino na Zona Norte de Natal como resultado da atuação da prefeitura municipal.

O relato do acontecimento abre-se com a divulgação de implantação do centro de

referencia “Mulher cidadã”, de modo bem marcado para que se chame a atenção do

telespectador ao fato inédito na cidade: a construção do referido centro. É, portanto, uma

narrativa curta que apresenta uma seqüência linear dos fatos narrados e uma elucidação rápida

dos mesmos com o intuito de situar o telespectador sobre o assunto político. Já o fechamento

da notícia, dar-se por meio de uma entrevista da prefeita Micarla de Sousa que enfatiza a

relevância e a qualidade do centro para as mulheres natalense.

Com efeito, tanto o primeiro como o segundo relato procedem de modo semelhante:

são narrativas curtas; reportam-se à atuação pública no campo social; direcionam-se a

políticas femininas; a construção de sua narrativa é de fácil assimilação e, finalmente,

apresentam como citação, arrematadora, a declaração da prefeita Micarla de Sousa sobre tais

assuntos. Do ponto de vista ideológico, entretanto, a construção do fato político, elaborado

pelo Jornal do Dia, orienta toda a ação pública de modo a vinculá-la diretamente à imagem da

prefeita, o que lhe confere importante credibilidade social.

Neste sentido, conforme assinala Alessandra Aldé (2004), trata-se de um mecanismo

psicológico, recorrente nos meios de comunicação, onde os fatos e os acontecimentos

políticos passam por um processo de “personalização”. O foco da informação não é

100

conduzido pela marca da impessoalidade da ação do estado ou das instituições públicas, mas

traduzido por indivíduos do cotidiano da política, o que denota o enquadramento jornalístico.

Assim, neste caso em específico, as notícias que cobrem as políticas populares e as

articulam a um discurso, também popular, de uma personagem que no momento é central à

política natalense (e proprietária do referido meio de comunicação), denota, no mínimo,

alguns questionamentos. Isto porque, “quanto mais os meios utilizam-se de mecanismos

cognitivos de fácil assimilação pelos cidadãos para enquadrar as notícias, maior a

probabilidade de influir, na hora da escolha da explicação mais plausível para determinado

cenário político” (ALDÉ, 2004, p. 176).

A cobertura realizada pelo então jornal, noticiou também acontecimentos de ordem

político-partidária no estado. Neste sentido, a matéria que se segue foi transmitida em 07 de

Dezembro de 2011 e refere-se à recondução do senador José Agripino à presidência do DEM

Nacional. Vejamos como a instância midiática procedeu à construção da notícia:

Luis Henrique: aconteceu ontem em Brasília a convenção nacional dos Democratas Geórgia Nery: na ocasião, foi confirmado o nome do senador potiguar José Agripino Maia para presidente do partido até dezembro de 2014. Repórter (Riccelli Araújo): principal legenda de oposição ao governo federal, democratas se reuniu nessa terça-feira, em Brasília, e reconduziu o senador do Rio Grande do Norte José Agripino Maia à presidência do partido. O parlamentar acumula também a presidência do DEM aqui no estado. A governadora Rosalba Ciarline participou do processo e destacou os ideais democratas: Entrevista (Rosalba - DEM): aqui, nós estamos reafirmando nossa disposição de luta, uma luta democrática, republicana, pelo nosso Brasil. Da nossa resistência e gritando liberdade. [...]. Repórter (Riccelli Araújo): Aclamado para presidir a legenda até 2014, José Agripino falou que o programa está consolidado e que vai sobreviver em nome dos ideais. Ele destacou que os democratas têm no quadro de liderança bons nomes para a disputa presidencial de 2014: Entrevista (José Agripino - DEM): nomes nós temos, então, não nos faltam nenhum pré-requisito, nem nos falta unidade, nem nos falta discurso, nem respeitabilidade e como eu tô convencido que nós vamos crescer 2012/2014, não nos falta também quadro para disputar. Agora, quem é quadro? Quem é candidato? Quem é o interprete? O tempo vai mostrar. Geórgia Nery: e lideranças locais do partido comentaram a recondução do senador José Agripino à presidência nacional do partido: Entrevista (Ney Lopes Junior - DEM): o senador José Agripino hoje não é mais um senador do Rio Grande do Norte, é um senador do Brasil. É um político de grande expressão, é um político responsável, é um político habilidoso, que vem conduzindo os trabalhos dos democratas com muita habilidade hoje. É o partido que representa, no seu maior número, a oposição no Brasil, mas uma oposição responsável, sempre sobre a condução firme do senador José Agripino. Então, para o RN, é motivo de muito orgulho ter um senador do porte, da estatura do senador José Agripino presidindo um partido como democratas [...].

Com uma abertura clara, a presente matéria procura tornar pública a convenção

nacional do partido Democrata em Brasília, para tanto toma como cerne da informação o

101

retorno do senador José Agripino à presidência da legenda nacional. A notícia, que tem

origem na capital do país é, então, divulgada no Rio Grande do Norte pelo jornal.

Examinando a sua organização narrativa, observa-se, de imediato, a ênfase que o

relato midiático concede ao protagonista José Agripino. A matéria, assim, apresenta a

informação do acontecimento em um encadeamento sucessivo e recorre com freqüência a

citações para legitimar sua interpretação encenada pelo discurso narrativo. Com efeito, este

prestigia enormemente o citado parlamentar, tornando-se bastante claro a sua posição ao

longo de toda a narrativa, principalmente, pelo encerramento da matéria, que é feita por meio

da declaração do correligionário local Ney Lopes Jr (DEM).

Uma vez que tal matéria não deixa dúvida do posicionamento da instância midiática

(não sendo, porém, este um exclusivo problema), cabe-nos, ainda, elucidar a maneira pela

qual o presente relato legitima a figura do senador e de seu partido DEM através da

construção de tal forma simbólica.

Neste sentido, fazendo uso de estratégias ideológicas e construções discursivas

carregadas de valor, nada é mais exemplar do que a declaração do vereador Ney Lopes, o

qual, em arremate ao conjunto da narrativa, procede a uma universalização da figura do

parlamentar, declarando que o mesmo “não é mais um senador do Rio Grande do Norte, é um

senador do Brasil”. De acordo com Thompson (2007), a universalização consiste em uma

estratégia ideológica que procura transformar interesses ou objetivos particulares em gerais.

Outrossim, a instância midiática, por meio da declaração do supracitado vereador,

utiliza-se de procedimentos argumentativos que objetivam persuadir o telespectador. Valores

expressos como: “responsável”, “habilidoso”, tem “porte” e “estatura”, quando remetidos ao

senador e ao seu partido, contribuem decisivamente para legitimá-los diante do público. Com

efeito, é possível, então, interrogar com que interesses veicula-se tal notícia?

Acompanhemos uma outra notícia neste mesmo tom, divulgada em 09 de Dezembro

de 2011. Agora, o foco está direcionado para o encontro nacional do Partido Verde que

aconteceu em Natal:

Geórgia Nery: mais de vinte países estão reunidos no encontro nacional dos Partidos Verdes das Américas que aconteceu em Natal. Luis Henrique: na noite de ontem a prefeita Micarla de Sousa recebeu os convidados na cerimônia de abertura do encontro Repórter (Kleber Teixeira): com um tom informal e em vários idiomas, líderes do Partido Verde se confraternizaram no hotel onde estão hospedados e que é cede do evento. A federação dos Partidos Verdes da América se reúne anualmente. O encontro, em 2011, vai discutir os preparativos para o III Global Green, o encontro mundial dos verdes, [...] para os representantes da legenda no país o debate proporciona ampla troca de experiência: Entrevista (Marcelo Silva – presidente do PV no Ceará): o partido verde é um partido que tem uma polaridade muito grande no planeta todo. Estamos organizados

102

em mais de 140 países e aqui na América do Sul nós estamos passando por um processo de implantação e de vida desse partido e em vários países como na Colômbia, na Argentina, no Peru, Chile e aqui no Brasil [...]. Repórter (Kleber Teixeira): E os segmentos jovens do partido também participam da reunião. A Secretária Nacional de Juventude do PV observa essa participação: Entrevista (Juliana Duppre – Sec. Nac. da Juv. do PV): eu acho que é um aprendizado, na verdade, eu acho assim, que para a juventude têm que estar próxima de nossos líderes, as pessoas que conversam que decidem o nosso futuro. Agente aqui está até brincando que essa reunião vai, de fato, amanhã definir o destino do universo, porque aqui agente está com todas as bandeiras verdes do mundo[...]. Repórter (Kleber Teixeira): Em uma rápida solenidade a prefeita Micarla de Sousa, a única da legenda a administrar uma capital nos país, foi homenageada pela defesa de políticas ecológicas nas Américas. A presidente do PV no Rio Grande do Norte disse que o encontro serve para alinhar o posicionamento político do partido internacionalmente. Entrevista (Micarla de Sousa): o Partido Verde, óbvio, por já ter este pressuposto na defesa do verde, mas essa língua que nos une, como eu estava falando, é a língua dessa defesa que não deve ser só do Partido Verde e sim, não apenas de outros partidos, mas também de toda a população desse planeta terra.

Esta notícia apresenta uma narrativa muito semelhante à matéria anterior. Já em sua

entrada (de acordo com os jornalistas: Geórgia Nery, Luis Henrique e Kleber Teixeira)

observamos o tom dramático do discurso conferido à dimensão continental do encontro e ao

propósito para discutir assuntos que dizem respeito a todo planeta (“o III Global Green”). Esta

abertura é também fortemente assinalada pelo o nome da prefeita Micarla de Sousa a qual,

como vimos anteriormente, comunga do Partido Verde.

Com uma sucessão lógica marcada pela cronologia dos acontecimentos (quem confere

o tom do discurso é o jornalista Kleber Teixeira), a instância midiática constrói, amplamente,

o relato do acontecimento fundamentado no recurso das citações. Estas, como vimos,

imprimem sobre o discurso narrativo, não apenas um caráter de factualidade do que está

sendo dito, mas também um efeito valorativo, que no caso, tem por conseqüência a

capacidade de “credenciar” as informações alegadas pela instância midiática.

De modo geral, é notável na apresentação do Jornal do Dia uma legitimação do

Partido Verde e de seus representantes, alicerçadas em valores e estratégias ideológicas que

quando inseridas no discurso, conforme vimos anteriormente, buscam persuadir o

telespectador pela maneira como apresenta a informação. No caso acima, há que se notar,

ainda, a veiculação da presença e voz da prefeita de Natal, a qual, pela forma em que a

instância midiática conduz à narrativa, confere-lhe importante credibilidade, já que sua

imagem está sendo vinculada à preservação da natureza.

Observa-se, assim, a articulação de valores ao partido e lideranças que podem ser

expressas em ideais como: “partido que cresce em todo mundo”, “luta pela preservação”,

“pensamento no futuro da humanidade”, entre outros. Destacam-se, também, estratégias de

103

universalização de interesses, como são os projetos do PV e do grupo político vinculado a

legenda, denotados em: “Agente aqui está até brincando que essa reunião vai [...] definir o

destino do universo, porque aqui a gente está com todas as bandeiras verdes do mundo”

(Juliana), a defesa do verde deve ser a “língua” “[...] de toda a população desse planeta terra”

(Micarla).

Finalmente, estamos diante da última notícia a ser examinada por nós. Ela foi ao ar no

dia 12 de Dezembro de 2011 e refere-se à visita do senador Aécio Neves (PSDB-MG) a

Natal:

Geórgia Nery: durante o fim de semana o senador Aécio Neves do PSDB de Minas Gerais esteve em Natal e participou de um encontro com lideranças políticas e empresariais. Luis Henrique: o parlamentar aproveitou o momento para falar sobre as eleições do próximo ano e também de planos para 2014. Repórter (Riccelli Araújo): a disputa presidencial acontece somente em 2014, mas o senador do PSDB de Minas Gerais, Aécio Neves, já percorre o país como pré-candidato. Embora não afirme a decisão, no último sábado ele participou em Natal de um evento político e fez críticas ao governo da presidenta Dilma Rousself, a principal adversária na corrida pelo palácio do planalto. No encontro com correligionários para falar sobre choque de gestão na administração pública, ele foi prestigiado por autoridades como o senador José Agripino do DEM e o presidente da Assembléia Ricardo Motta. Aécio Neves também comentou os escândalos envolvendo os auxiliares da presidenta Dilma. Entrevista (Aécio Neves): Esses escândalos sucessivos são decorrência clara dessa grande armadilha, é o governo aparelhado, aparelhado pela militância do PT e por seus aliados. Repórter (Riccelli Araújo): O senador Aécio Neves administrou o estado de Minas Gerais por dois mandatos, agora o parlamentar é herdeiro político do ex-presidente da república, Tranquedo Neves; viabiliza a pré-candidatura a presidência em 2014, apostando que não vai enfrentar, na convenção do PSDB, o correligionário José Serra [...].

Fazendo um estudo sobre o relato do acontecimento acima, observamos,

primeiramente, que a abertura da narrativa acontece de forma marcada e dramática, sobretudo,

no relato discursivo do repórter Riccelli Araújo (“a disputa presidencial acontece somente em

2014, mas [...]”). A partir de então, acentuamos que sua narrativa apresenta como núcleo

(enredo) o encontro do senador Aécio Neves, em Natal, com políticos e empresários locais. A

notícia, que relata em sucessão o acontecimento, é construída sobre um grande eixo: a

militância política de Aécio Neves visando a disputa presidencial em 2014. Apresenta, não

obstante, um forte caráter ideológico.

Tem-se, assim, por um lado, a desconstrução da presidenta Dilma Rousself e do

Partido dos Trabalhadores com o uso de termos que os associam a uma “grande armadilha”, a

um “governo aparelhado”. Por outro lado, uma visibilidade e a construção de um discurso

104

favorável a lideranças políticas estaduais, como José Agripino e Ricardo Motta, assinalado

pelo seguinte trecho em citação na notícia: “ele foi prestigiado por autoridades como o

senador José Agripino do DEM e o presidente da Assembléia Ricardo Motta”.

O encerramento do relato, conforme a instância midiática, dar-se pela construção do

histórico político do senador Aécio Neves e da continuidade de sua candidatura, apontando

assim para o passado e para o futuro, redramatizando o acontecimento e sugerindo novas

possibilidades.

De modo geral, levando-se em conta que não são raras as alianças políticas entre as

legendas DEM e PSDB, a narrativa construída apresenta um viés claro de militância política,

pois favorece a interesses no poder.

3.3. Para uma interpretação/reinterpretação dos conteúdos midiáticos

Tendo em vista a conclusão das duas primeiras fases da HP (a análise sócio-histórica e

a análise discursiva), procederemos agora, em acordo com Thompson (2007), a realização da

etapa de interpretação/reinterpretação das formas simbólicas. Esta fase hermenêutica se apóia

claramente no exame institucional feito acerca da TV Ponta Negra e na análise narrativa e

argumentativa dos acontecimentos políticos precedentes que foram notícias no Jornal do Dia.

Assim, consideramos primeiramente que a política a qual faz referência o Jornal do

Dia corresponde ao que Gramsci chama de “pequena política”, isto é, à “política do dia-a-dia”

ou à “política parlamentar”. Pois, como vimos no capítulo precedente, refere-se àquela

política que se exerce no interior de uma estrutura já estabelecida, onde se faz constante a luta

por predominância entre as diferentes frações de uma mesma classe política (GRAMSCI,

2007, p. 21).

Com efeito, a prática política coberta pelo telejornal, reporta-se à política que

acontece, sobretudo, no âmbito da administração da cidade, do executivo e legislativo

estadual e municipal, em sua maior parte na capital do estado. Também, à atuação partidária e

institucional diária. Esta política, que de fato já estabelecida, diz respeito aos agrupamentos de

poder já consolidados e à atuação de uma classe política estadual, histórica, de pouca

renovação em seus quadros representativos, que medem constantemente as suas forças no

interior das instituições do estado45.

45 Aqui estamos considerando, de maneira geral, a prática política no estado sem pretender ir mais além. Para ter uma ideia da dinâmica política que acontece no Rio Grande do Norte, como as alianças, as sucessões, os acordos, as possíveis renovações no quadro político do estado e da capital, entre outras, pode-se conferir os

105

É, portanto, sobre tal perfil de política que o referido telejornal retira suas informações

e as veiculam amplamente no estado, transformando o fato político em um acontecimento de

caráter mediado. Assim, o Jornal do Dia realiza sobre as imagens que recolhem, como todo

telejornal, os processos de “mediação” dos fatos (MIGUEL, 2004): as notícias passam a

apresentar, não apenas, um determinado “enquadramento” e edição, mas também, uma

linguagem específica ou um vocabulário próprio que são fortemente direcionados às camadas

populares do estado.

Detendo-nos, então, à análise das matérias precedentes, podemos começar a observar

que as notícias referentes à OSF e à CEI, as quais podem ser agrupadas sobre a categoria

corrupção na política, revelam dois modos distintos de proceder da informação, isto é, um

primeiro modo, onde os interesses que perpassam a notícia encontram-se claramente

explicitados, como é o caso da OSF. E um segundo modo, onde os interesses incorporados à

notícia acham-se ocultados ou engenhosamente implícitos à mensagem, como é o caso da

CEI.

Como foram analisadas anteriormente, ambas as matérias respondem a interesses

políticos específicos no estado. Para isto, elas se valem de estratégias de caráter ideológico

que procuram dar suporte a maneira posicionada do jornal em apresentar os acontecimentos

políticos. Assim, podemos destacar que respeitante à OSF o relato e o comentário do

acontecimento apresentam-se carregados de termos valorativos e palavras ideológicas que

associadas a uma estrutura discursiva ampla, produz, simbolicamente, o direcionamento da

notícia.

No que se refere à CEI, o “ocultar mostrando” que, consoante Bourdieu (1997),

configura-se em um forte mecanismo anônimo ou invisível de poder simbólico, revela

estrategicamente o exercício ideológico de uma censura sobre tudo que ficou oculto ou que

poderia ser mostrado pelo telejornal, já que se tratava de um caso de corrupção na

administração municipal a qual foi ao ar na mídia local mediante intensos protestos. Com

efeito, “uma maneira formidável de fazer da televisão um instrumento de manutenção da

ordem simbólica” (BOURDIEU, 1997, p. 20).

A análise das matérias precedentes nos revela, também, o modo como a sessão política

do mencionado telejornal conduziu as notícias sobre a paralisação do ITEP. Assim, sob o

tema de greve no estado, três elementos do discurso jornalístico se sobressaíram durante a

trabalhos de José Antônio Spinelli, em livro organizado em parceria com Hugo Cortez (2010ab), onde os momentos que contextualizam as eleições são bastante proveitosos para esse fim.

106

narrativa midiática: a ausência de uma problematização do assunto, a desqualificação do

movimento grevista e a construção ideológica do relato em opor a população ao movimento.

Entre essas maneiras de proceder da narrativa, destacamos o modo de operar da

ideologia que por meio da fragmentação, pôs em oposição grevistas e usuários do serviço

público do ITEP. A notícia orientada de forma a antagonizar os direitos do cidadão e sua real

efetivação pública, promove o expurgo ao movimento de paralisação, com uma clara tentativa

de enfraquecê-lo.

De forma geral, a maneira de o jornal conduzir os relatos dos acontecimentos põe em

evidência o exercício da ação simbólica ou do poder simbólico em favor de uma pretensa

“ordem” social. Ordem esta que desconsidera historicamente direitos de organização

trabalhista e preza pela manutenção de uma estrutura de poder manifesta pela desconforme

luta no interior do Estado: uma categoria de trabalhadores ou um setor da classe trabalhadora

em enfrentamento ao grupo no poder, o governo Rosalba.

Sobre as matérias que podemos elencar como correspondentes às atividades do

executivo e do legislativo em âmbito municipal e estadual, evidenciam-se um discurso

jornalístico que procura, claramente, reforçar atuações e projetos favoráveis a determinados

agrupamentos de poder, isto é, a interesses políticos seccionais que pertencem ou são

representados por lideranças de destaques no estado como o senador José Agripino, a atual

governadora Rosalba Ciarline e a prefeita de Natal Micarla de Sousa.

As matérias que têm como foco o cumprimento de metas fiscais da administração

Rosalba, a construção do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, o projeto Pró-importe RN,

a votação do OGE e da LOA e, também, as atividades desenvolvidas pela administração

Micarla na capital, apresentam, assim, um direcionamento claro do fato político como ficou

demonstrado através do relato e do comentário dos acontecimentos.

É possível, então, identificar um discurso midiático que, por um lado, manifesta-se

propício à atuação e à imagem de políticos e legendas relacionadas aos já referenciados

representantes no poder, e por outro, a desconstrução de políticos e partidos que,

possivelmente, estejam na oposição ou que expressem interesses contrários, como nos

embates ocorridos no interior do legislativo, os quais têm se tornado mais freqüentes em

relação aos políticos vinculados ao PSB e ao PT ou as próprias instituições partidárias.

Salientamos, ainda, que a prática política mediada pelo referido telejornal é

caracterizada por um forte discurso ideológico que ressalta valores políticos de origem liberal

ou neoliberal como as privatizações; expressa, também, os interesses da classe proprietária do

estado, através do mencionado projeto de importação; promove, conforme visto, a uma

107

mistificação da política e, ainda, por não problematizar o acontecimento midiatizado,

contribui para uma conformização e/ou despolitização do telespectador do jornal. Tudo isso,

isto é, a maneira como apresenta a política estadual, faze-se através de modos de operação e

estratégias ideológicas como a fragmentação, a diferenciação, a dissimulação, a

universalização, entre outras.

O exame das notícias que põe em evidência a atuação partidária no estado e na capital

não nega muitas dessas observações. Podemos, assim, observar que a apresentação das

matérias, formalmente analisadas, revela ser recorrente a construção do acontecimento

político de modo a privilegiar os representantes e as legendas partidárias mencionadas, bem

como desconstruir os possíveis adversários políticos.

Como acentuamos em outros momentos, o uso de estratégias como a universalização

põe em evidência os interesses dos grupos partidários (DEM, PV, PSDB) como sendo gerais

que, juntamente a todo um discurso, articulado em ideias e termos valorativos, apresentam

como favoráveis os referidos partidos e políticos (bem como seus projetos e ideias), do

mesmo modo que descaracterizam outros, como tem sido freqüente em relação ao Partido dos

Trabalhadores (PT).

É fundamental ainda observar que, juntamente à veiculação das matérias jornalísticas,

a cobertura realizada pelo Jornal do Dia apresenta o comentário do jornalista Ricardo Rosado

no mencionado quadro “Opinião”.

Rosado por apresentar uma posição destacada no telejornal, caracterizada por uma

participação especial, onde tece opiniões sobre determinadas notícias escolhidas previamente,

faz uso de um discurso bastante articulado, propositivo e incisivo que difunde ideias e

representações acerca da sociedade e da política em afinidade às imagens e discursos

respeitantes aos mencionados representantes da política estadual e municipal (Natal). Estes,

por sua vez, representam as classes economicamente mais poderosas no estado.

Assim, por meio de argumentações calcadas em estratégias ideológicas que procuram

racionalizar as ideias, generalizar ou simplificar determinadas asserções, ou mesmo, proceder

a uma fragmentação dos grupos que, possivelmente, se constituam como oposição ao poder,

entre outros, Rosado procura legitimar projetos e ações de âmbito político, econômico e/ou

social salvaguardados por partidos e políticos como os já supracitados, bem como proceder à

desconstrução de também já referenciadas legendas e representantes da política estadual.

É, assim, uma estratégia do discurso de Rosado mobilizar as crenças do telespectador

e com isso introduzir, mais facilmente, os interesses de classe que perpassam as notícias. A

própria linguagem, inclusive, é um recurso importante para realização de tal tarefa. Pois,

108

apesar do elevado nível de instrução do jornalista (e, tal vez, por isso mesmo), procura,

sempre que possível, se adequar ao discurso popular com o objetivo de atingir mais

diretamente o público.

É, assim, comum à fala do jornalista expressões coloquiais como “né?”, “tá”, “a

gente”, “essas coisas começaram a pipocar”, entre outras, que diferem de um discurso mais

elaborado, voltado para o meio acadêmico, por exemplo, já que Rosado é, também, professor

universitário e poderia se “preocupar” com um maior rigor ou mesmo manter um certo grau

de rebuscamento nas palavras.

Isso tudo, nos permite fazer uma reflexão ainda mais ampla sobre o Jornal do Dia, a

partir do conjunto de elementos mostrados e da participação de Rosado como defensor e

propagador de determinadas ideias e pensamentos acerca da política. Podemos vislumbrar,

nesse sentido, conforme as leituras de Gramsci (2004), que o jornal, de modo geral, faz a vez

de um “intelectual orgânico” e, assim, cumpre uma função determinada no campo social e

político do capitalismo.

Como sabemos, o conceito de intelectual para o autor é bastante nuançado, todavia

podemos buscar entendê-lo naquilo que é essencial, pois conforme Gramsci, o critério mais

importante para distinguir uma atividade intelectual deve ser buscado não no que é “intrínseco

às atividades intelectuais”, mas “no conjunto do sistema de relações no qual estas atividades

(e, portanto, os grupos que as personificam) se encontram no conjunto geral das relações

sociais” (GRAMSCI, 2004, p. 18).

Neste sentido, Gramsci afirma, por exemplo, que o que caracteriza o operário não é

especificamente o trabalho manual ou instrumental que realiza, mas por realizar este trabalho

em determinadas condições e relações sociais (sabendo-se que não existe atividade manual

pura, pois todo trabalho necessita do mínimo de atividade intelectual). Da mesma forma, o

que caracteriza o empresário não é o fato de possuir certa qualificação para sua atividade

(embora seja necessária), mas a sua posição no conjunto das relações sociais gerais, isto é, a

posição de empresário na indústria (GRAMSCI, 2004, p. 18).

Por isso, seria possível dizer que todos os homens são intelectuais, mas nem todos os homens têm na sociedade a função de intelectuais (assim, o fato de que alguém possa, em determinado momento, fritar dois ovos ou costurar um rasgão no paletó não significa que todos sejam cozinheiros ou alfaiates). Formam-se assim, historicamente, categorias especializadas para o exercício da função de intelectual; forma-se em conexão com todos os grupos sociais, mas, sobretudo, em conexão com os grupos sociais mais importantes, e sofrem elaborações mais amplas e complexas com o grupo social dominante (GRAMSCI, 2004, p. 18-9).

109

Conforme o autor, o intelectual pode ser visto como uma “categoria especializada para

o exercício da função de intelectual”. Como, porém, os intelectuais não constituem uma classe

propriamente dita, mas grupos vinculados às diferentes classes, pois, “não existe uma classe

independente de intelectuais, mas cada grupo social possui sua própria camada de intelectuais

ou tende a formá-la” (GRAMSCI, apud PORTELLI, 2002, p. 105), decorre daí a questão da

organicidade e da representação da classe, o que, para nós, torna a função do intelectual na

sociedade mais clara:

Todo grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e político (GRAMSCI, 2004, p. 15).

Para Gramsci, o vinculo entre o intelectual e a classe é particularmente estreito,

“orgânico”, quando o intelectual se origina da classe que representa e isto se expressa

essencialmente na atividade que ele exerce no seio da superestrutura para tornar essa classe

hegemônica e homogênea (PORTELLI, 2002, p. 109).

Podemos dizer que o intelectual, organicamente ligado a uma classe, exerce uma

função superestrutural na sociedade. Com efeito, esta função toma o aspecto de consenso, de

direção e organização, quando a classe (fundamental) aspira à hegemonia e à dominação, o

que, consoante o filósofo italiano, ocorre através de dois grandes planos superestruturais: a

sociedade civil e a sociedade política ou Estado (GRAMSCI, 2004, p. 20-1).

Portanto,

Os intelectuais são as células vivas da sociedade civil e da sociedade política: são eles que elaboram a ideologia da classe dominante, dando-lhe assim consciência de seu papel e a transformam em “concepção de mundo” que impregna todo corpo social. No nível da difusão da ideologia, os intelectuais são os encarregados de animar e gerir a “estrutura ideológica” da calasse dominante no seio das organizações da sociedade civil (igrejas, sistema escolar, sindicatos, partidos etc.) e de seu material de difusão (mass media). [...] são igualmente os agentes da sociedade política, encarregados da gestão do aparelho do estado e das forças armadas (homens políticos, funcionários etc.) (PORTELLI, 2002, p. 109).

Podemos, então, afirmar que o Jornal do Dia ao representar, de modo geral, os

interesses da “classe fundamental”, nos coloca em posição de considerá-lo um intelectual

gramsciano. Ao realizar o exercício e difusão de formas simbólicas, o jornal,

ideologicamente, representa interesses particulares no estado, os quais são identificados como

projetos de caráter dominantes na sociedade potiguar.

110

As notícias veiculadas apresentam um relato e um comentário do acontecimento de

forma a satisfazer a interesses específicos na sociedade, pois a maneira como vem sendo

construído o fato político procura beneficiar determinados agrupamentos de poder, como os já

mencionados políticos, e assim a satisfazer interesses de classe.

Desse modo, como conseqüência principal de tal atuação, vislumbra-se a construção

e/ou a perpetuação de uma estrutura social hierárquica que privilegia grupos socialmente e

politicamente dominantes no estado. Isso fica evidente pelo fato de que as formas simbólicas

compartilhadas, — uma vez constituídas como estruturas ideológicas de poder e de acesso

diferenciado a “elites simbólicas” (como é o caso de Rosado e dos políticos supracitados,

entre outros) —, legitimam interesses particulares ou de minorias políticas (DIJK, 2008).

Os detentores de poder, assim, conforme citamos van Dijk (2008, p. 44-5), possuem a

capacidade de influenciar a agenda pública, selecionar a informação e/ou de decidir pela

visibilidade na televisão. Colocando-se, portanto, como formuladores de conhecimentos,

crenças, ideologias, entre outros.

Podemos, então, dizer que a estas características da apresentação dos acontecimentos

pelo telejornal, considerando-se como um uso instrumentalizado da notícia, põe em evidência

um papel político desempenhado pela televisão, na media que pode, até certo ponto, significar

a construção da opinião do telespectador sobre a política, condicionando uma visão da coisa

pública, expressa por meio de narrativas e opiniões como situação 46.

Assim, podemos pensar como Sartori (2000, p. 50), resguardadas as devidas

proporções de seu pensamento, que se trata de uma “videopolítica” ou “telepolítica”, isto é, a

capacidade que a TV Ponta Negra, em especial o Jornal do Dia, tem em conduzir a

informação pública na sociedade, o que é um poder político socialmente expresso.

É possível, também, refletirmos no sentido de que as formas simbólicas difundidas

pelo telejornal não são neutras ou objetivas como pretende a referida emissora. Pelo contrário,

a presente análise nos revela, entre outros, um posicionamento claro a respeito do relato e do

comentário do fato político, sendo agora falso afirmar que o jornal se limita em apresentar

apenas o ocorrido político, uma vez que ela mesma promove interpretações e inspira

constantemente ideias.

Ao que indicamos anteriormente, contudo, a questão não é simplesmente a forma

parcial ou tendenciosa da informação jornalística, até por que não acreditamos em

46 Embora não citemos, mas sabe-se que as imagens televisivas apresentam-se como elementos de forte convencimento social, se constituindo para muitos, consoante Alessandra Aldé (2004), como importante “critério da verdade”.

111

neutralidade, porém indagamos sobre a maneira como estão sendo apresentadas as notícias de

modo a beneficiar grupos políticos específicos e a contribuir para a construção e manutenção

de uma estrutura ampla de dominação e poder no Rio Grande do Norte.

112

Conclusão

Acentuamos, ao longo do presente trabalho, o quão desenvolvido encontram-se os

meios de comunicação de massa na contemporaneidade. Nesse sentido, sua expansão e

fortalecimento, calcados nas transformações da economia capitalista e nas recentes inovações

tecnológicas, foram responsáveis por propiciar condições desejáveis para que se tornassem, na

atualidade, veículos bastante poderosos e onipresentes (mas, não onipotentes — é importante

que frisemos isso mais uma vez), dado o seu caráter global e globalizante.

Assim, é que observamos como sendo praticamente incomensurável o fluxo de

informações, imagens, palavras e idéias que aparecem em nosso cotidiano, advindos

justamente de meios como a televisão, o rádio, jornais e revistas impressos, entre outros. Por

isso alguns estudiosos acentuam que os mass media são os principais responsáveis por

engendrar e operar um processo de ampliação do uso e valorização das formas simbólicas na

sociedade de forma geral (DAMASCENO, 2007).

Nessas condições, como bem observa Damasceno (2007), esses meios de transmissão

de formas simbólicas, apesar de serem resultantes de uma concessão pública, pertencem a

grupos privados dominantes economicamente e dirigentes politicamente, é o caso, por

exemplo, da TV Ponta Negra ao qual viemos estudando. A sua produção simbólica fica

restrita a um específico grupo social, uma vez que o acesso a tais veículos de comunicação

representa o alcance de poder, por abrir ao indivíduo ou ao grupo ao qual pertence, a

possibilidade, através da exposição de significantes, de produzir ou difundir idéias e

representações no e acerca do mundo.

Com efeito, trata-se do poder simbólico (BOURDIEU, 1997; DIJK, 2008), como

dissemos a pouco, que determinadas pessoas ou grupos sociais possuem em virtude do

controle ou acesso aos recursos comunicacionais, notadamente, por sua disponibilidade à fala

pública, ao discurso, que ocorre através dos meios de comunicação de massa. Assim,

acentuamos que os “guardiões” do poder simbólico apresentam o potencial de influenciar, até

certo ponto (já que somos de opinião que os receptores de mensagens não são “espojas”), a

opinião do telespectador ao elaborar e difundir as formas simbólicas.

A presente pesquisa pautando-se, então, nessas reflexões procurou realizar um estudo

sobre o Jornal do Dia da TV Ponta Negra, emissora comercial do Rio Grande do Norte e

afiliada da Rede SBT de televisão. Indagamos sobre o comportamento de sua seção política,

respeitante a maneira como vem efetuando a cobertura dos assuntos políticos do estado.

113

Assim, procuramos saber como os acontecimentos políticos do Rio Grande do Norte,

entendido estes como a prática política noticiada, são apresentados pelo referido telejornal.

Neste sentido, a hipótese que lançamos é que os acontecimentos que viram notícias no Jornal

do Dia são apresentados, em sua grande parte, de forma instrumentalizada com objetivo de

atender a interesses específicos no estado e assim a contribuir decisivamente para a

manutenção de uma estrutura de poder e status quo na sociedade potiguar.

Observamos, então, de maneira bastante ampla, que as matérias têm sido comumente

direcionadas ora para desconstruir possíveis oposições políticas, ora para legitimar atuações e

personalidades de poder, neste último caso, a satisfazer os interesses políticos e sociais que

pertencem ou são representados por lideranças de destaque no estado como o mencionado

senador José Agripino, a governadora Rosalba Ciarline e a prefeita de Natal Micarla de

Sousa.

Neste sentido, foi possível também notar que o caráter de instrumentalização da

notícia se vale amplamente do manejo ideológico que o jornal faz dos acontecimentos

políticos. A construção da matéria jornalística, tendo em vista a prática política cotidiana

estadual, é apresentada em meio a um conjunto de estratégias ideológicas que ressaltam —

ora implicitamente, ora explicitamente — o direcionamento da notícia a favorecer interesses

políticos e sociais seccionais. Isto é percebido no momento em que tal prática política ou tal

político é desconstruído por sua narrativa ou, ainda, tal fato deixa de ser dito numa

argumentação em favor das relações de confiança e interesses que perpassam a política e

atinge os meios de comunicação de massa.

Pelas matérias analisadas, é possível ainda questionar o ocultamento de informações

bastante preciosas num momento histórico do desenvolvimento dos meios de massa, como

são os dias atuais, em que o espaço midiático é extremamente necessário e caro para a

divulgação de idéias e críticas pertinentes à sociedade.

Nessas condições, muitas das notícias tomam o viés de “fatos-ônibus”, conforme

pensa Bourdieu (1997), o que ocupam o precioso tempo da televisão e deixa de passar

informações que de fato importa para a população. Trata-se, consoante o autor, de uma ação

simbólica promovida pela televisão que tem repercussão na vida cotidiana do telespectador,

na medida em que a mensagem é produzida, sem problematizar o assunto, para simplesmente

satisfazer o público, acaba, assim, por produzir efeitos desmobilizadores, conformizadores ou

despolitizadores, segundo assinalamos.

Através de Bourdieu (1997, p. 22) foi possível, também, atentar para os “mecanismos

anônimos” que fazem da televisão um instrumento de violência simbólica ou mantedor da

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ordem simbólica. Desse modo, observamos como o referido meio de comunicação se valeu do

“ocultar mostrando”, ao construir uma determinada representação sobre o acontecimento

político de maneira a não deixar vir à tona o que de fato poderia ser mostrado. Com isso,

observamos que se, por um lado, o jornal oferece elementos discursivos que distraem o

telespectador e, por outro, dissimula a realidade que está a sua volta, como seguimento de tal

postura, tem-se a permanência de uma estrutura social assimétrica que beneficia políticos e

administradores públicos no estado.

Destacou-se também na apresentação das notícias a exposição de pensamentos do

jornalista Ricardo Rosado que conforme visto, por meio de muitas argumentações e

raciocínios, procurou legitimar projetos e ações de âmbito político, econômico e social

salvaguardados por partidos e políticos como os já mencionados DEM, PSDB, PV, entre

outros e representantes como Rosalba, Agripino, etc., bem como procedeu à forte

desconstrução de também já referenciadas legendas (PT e PSB) e representantes da política

estadual e municipal.

Tudo isso, como viemos assinalando, contribui decisivamente para a organização e/ou

manutenção de uma estrutura de status quo na sociedade potiguar. O que pode ser traduzido

como a representação de grupos e classes no meio midiático, onde se expressa o predomínio

de interesses sociais privados sobrepostos a vontades coletivas, o resultado é sempre a

edificação e/ou a continuidade de uma estrutura social assimétrica, legitimadora de grupos no

poder.

Como assinalamos anteriormente o tão destacado caráter de “imparcialidade” e

“objetividade” no tratamento da notícia que o telejornal faz questão de ressaltar,

reiteradamente, não existe. Não existe, não apenas, pela própria impossibilidade de

objetividade e imparcialidade presentes ao campo jornalístico, mas pela clara maneira

conducente ou facciosa de o referido telejornal em construir a matéria política. Tais conceitos,

em nosso entender, se apresentam, antes, como termos altamente “dissimuladores” da

realidade (BOURDIEU, 2008) que, da forma como estão sendo utilizadas, acabam por

contribuir para permanência de uma realidade socialmente constituída.

Portanto, o exame das matérias jornalísticas revela um caráter fortemente assimétrico e

que fazendo uso de uma áurea de imparcialidade e ou neutralidade esconde relações de

dominação e de poder na medida em que os discursos midiáticos estão a serviço, em um

primeiro instante, de específicos grupos políticos ou de uma pequena parcela da sociedade,

que representa interesses econômicos e sociais seccionais.

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A televisão em nosso entender não pode de forma alguma se transformar em um

instrumento de opressão simbólica, de fortalecimento de pessoas, grupos e classes sociais, de

legitimação de estruturas de status quo ou edificação de relações sociais assimétricas calcadas

na desconforme distribuição de poder, mas, conforme pensa Bourdieu (1997), num

instrumento de realização da democracia.

É importante ressaltar que essas características que dispõe a televisão hoje em dia,

como a TV Ponta Negra, representa um forte poder político, já que tem conseqüências amplas

na sociedade, uma vez que estamos tratando de um meio de difusão de formas simbólicas de

grande alcance e repercussão (influência) social, como bem ficou registrado no trabalho, daí

Giovanni Sartori chamar atenção para a dimensão da “vídeopolítica” na contemporaneidade.

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