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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE ARTES CURSO DE LICENCIATURA EM DANÇA BIBIANA ANDRADE ESTEVES DANÇA FLAMENCA: CORPO, TÉCNICA E ESTÉTICA NATAL, RN 2013

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · conceito de técnica em Mauss (2003), Aristóteles (1984) e Heidegger (2007) assim como o conceito de corpo em Descartes (2009),

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES

CURSO DE LICENCIATURA EM DANÇA

BIBIANA ANDRADE ESTEVES

DANÇA FLAMENCA: CORPO, TÉCNICA E ESTÉTICA

NATAL, RN

2013

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BIBIANA ANDRADE ESTEVES

DANÇA FLAMENCA: CORPO, TÉCNICA E ESTÉTICA

Artigo científico apresentado como Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Dança, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Licenciado em Dança. Orientador: Dr. Marcílio de Souza Vieira Coorientador(a): Drª Evanir O. Pinheiro

NATAL, RN

2013

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BIBIANA ANDRADE ESTEVES

DANÇA FLAMENCA: Corpo, técnica e estética

Artigo científico apresentado como trabalho de conclusão do Curso de Graduação em Dança, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Licenciado em Dança. Orientador: Prof. Dr. Marcílio de Souza Vieira Coorientador(a): Prof. Drª Evanir Oliveira Pinheiro

Aprovado pela Banca Examinadora em Novembro de 2013.

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Dr. Marcílio de Souza Vieira

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

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Dra. Evanir de Oliveira Pinheiro

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

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Dr. Robson Hardchpack

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

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A Deus, Luz do meu caminhar.

A meu pai Denir, eterna inspiração do meu viver.

A meu filho Thiago, motivação maior do meu dançar.

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AGRADECIMENTOS

A meu namorado, amante e melhor amigo, Claudio Cesar Sugliani que muito me

apoiou. Sua presença amiga me inspira e renova as forças de minha alma.

A família Wolff que cuidou com paciência e amor de meu filho. Os melhores ex-sogros

que uma mãe poderia desejar.

Ao Curso de Licenciatura em Dança do Departamento de Artes, na pessoa do Chefe

de Departamento Professor Marcos Alberto Andruchak, a todos os professores e

servidores que tornaram de alguma forma este trabalho possível.

Ao Profº Drº Marcílio de Souza Vieira, por não ter desistido de mim e com toda a

paciência, coragem e profissionalismo acreditou no meu tema...sou eternamente grata

a ti.

A Profª Drª Evanir Oliveira Pinheiro pelo apoio incondicional, carinho e energia que

me levaram a recuperar a fé nas pessoas e na educação.

As minhas alunas, ex-alunas e colegas de dança flamenca. Minha eterna gratidão por

existirem no meu caminhar de professora.

A minha eterna musa inspiradora, terra amada por mim muito querida: Brasil! O melhor

país que existe para se viver.

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...E vi o par da dança flamenca. Não sei de outra em que a rivalidade entre homem e

mulher se pusesse tão a nu. Tão declarada é a guerra que não importam os ardis:

por momentos a mulher se torna quase masculina, e o homem a olha admirado. Se

o mouro em terra espanhola é o mouro, a moura perdeu diante da aspereza basca a

moleza fácil; a moura espanhola é um galo até que o amor a transforme em Maja.

A conquista difícil nessa dança. Enquanto o dançarino fala com os pés teimosos, a

dançarina percorrerá a aura do próprio corpo com as mãos em ventarola: assim ela

se imanta, assim ela se prepara para tornar-se tocável e intocável. Mas, quando

menos se espera, sua botina de mulher avançara e marcará de súbito três

pancadas. O dançarino se arrepia diante dessa crua palavra, recua, imobiliza-se.

Há um silêncio de dança. Aos poucos o homem ergue de novo os braços e,

precavido – com temor e não pudor -, tenta com as mãos espalmadas sombrear a

cabeça orgulhosa da companheira. Rodeia-a várias vezes e por momentos já se

expões quase de costas para ela, arriscando-se quem sabe a que punhalada.

E se não foi apunhalado é que a dançarina de súbito recolheu lhe a coragem:

este então é o seu homem. Ela bate os pés, de cabeça erguida, em primeiro grito de

amor: finalmente encontrou seu companheiro e inimigo. Os dois recuam eriçados.

Reconheceram-se.

Eles se amam.

Clarice Lispector

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RESUMO

Este artigo é uma revisão filosófica dialética sobre a técnica aplicada na dança

flamenca imbricada às temáticas de corpo e estética desta arte tão característica.

Utilizo como problemática central a necessidade de se ter descendência ou

nacionalidade espanhola para se dominar a dança flamenca, como um paradigma que

compromete o desenvolvimento pleno de alunas de dança flamenca em academias

potiguares. A problemática central abordada surgiu a partir da minha experiência

como professora e aluna de dança flamenca, onde pude vivenciar metodologias de

ensino que aceitam e reafirmam posturas de depreciação do fazer artístico flamenco

latino americano, geralmente baseados em determinismos biológicos pouco

confiáveis. Acredito que a tentativa de elucidá-las, proposta deste trabalho, pode

talvez permitir novos processos, abordagens e estratégias didáticas que de fato

proporcionem um ensino-aprendizagem mais salutares quanto à valorização do

educando e da arte flamenca em si. O ponto de relevância deste trabalho é identificar

a técnica corporal presente na dança flamenca a partir da contextualização e

apreciação epistemológica do conceito em Mauss (2003), Aristóteles (1984),

Heidegger (2007), Bourdieu (1988), Descartes (2009) e Merleaut-Ponty (2009) sobre

corpo e técnica relacionando-os a trabalhos acadêmicos de relevância na área-tema.

O trabalho se justifica pelo fato de que a dança flamenca vem paulatinamente

conquistando novos adeptos e espaços no Brasil e também por se tratar da

modalidade artística que me dediquei como pesquisadora e intérprete de dança nos

últimos dez anos.

Palavras-chaves: Dança Flamenca. Técnica. Corpo. Estética. Dança.

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RESUMEN

Este artículo es una revisión filosófica dialéctica de la técnica utilizada en el

baile flamenco entrelazados con el temático cuerpo y estética tan característica de

este arte. Utilicé como elemento central, la necesidad de tener la nacionalidad

española, o de descenso, como imprescindible a dominar el baile flamenco. Un

paradigma que socava el desarrollo integral de los estudiantes de las academias de

baile flamenco en Natal. El tema central abordado vino de mi experiencia como

profesora y estudiosa de la danza flamenca , donde pude experimentar metodologías

que aceptan y reafirman posturas de depreciación de la práctica artística de flamenco

dicho ‘sudaca’, a menudo basadas en el determinismo biológico fiable. Yo creo que el

intento de dilucidar ellos, propuesto en este artículo, puede quizás permitir que nuevos

procesos, métodos y estrategias de enseñanza realmente ofrezcan una educación

más sana de educar y que valora la danza flamenca como arte mayor. El punto de la

relevancia de este trabajo es identificar la técnica corporal en el baile flamenco a partir

del contexto y la evaluación epistemológica del concepto de Mauss ( 2003 ) ,

Aristóteles ( 1984 ) , Heidegger ( 2007), Bourdieu ( 1988 ) , Descartes (2009) y

Merleaut -Ponty ( 2009 ) del cuerpo y técnica en relación con los trabajos académicos

de relevancia en el área temática del flamenco. El trabajo se justifica por el hecho de

que el flamenco está ganando nuevos aficionados y espacios en Brasil y también

porque este és el deporte artístico que me dediqué como artista e maestra de la danza

en los últimos diez años.

Palabras clave: Baile Flamenco. Técnica. Cuerpo. Estética. Danza.

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Sumário

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................ 10

2. CORPO ........................................................................................................... 17

2.1. Corpo habitat x corpo objeto............................................................................ 18

2.2. O hábitus da técnica corporal .......................................................................... 19

2.3. Os três hábitus do corpo flamenco .................................................................. 20

2.4. O ensino do ‘duende’ ....................................................................................... 23

3. TÉCNICA ......................................................................................................... 24

3.1. A essência da técnica ...................................................................................... 24

3.2. A técnica na dança flamenca........................................................................... 29

4. ESTÉTICA ....................................................................................................... 34

4.1. A busca pela beleza vista: a estética flamenca ............................................... 34

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 37

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 38

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1. INTRODUÇÃO

Este artigo é uma revisão filosófica dialética sobre a técnica aplicada na dança

flamenca imbricada às temáticas de corpo e estética desta arte tão característica.

Utilizo como problemática central a necessidade de se ter descendência ou

nacionalidade espanhola para se dominar a dança flamenca, como um paradigma que

compromete o desenvolvimento pleno de alunas de dança flamenca em academias

potiguares. A problemática central abordada surgiu a partir da minha experiência

como professora e aluna de dança flamenca, onde pude vivenciar metodologias de

ensino que aceitam e reafirmam posturas de depreciação do fazer artístico flamenco

latino americano, geralmente baseados em determinismos biológicos pouco

confiáveis. Os conceitos norteadores sobre técnica, corpo e estética oriundos da

antropologia e filosofia dialogam com a dança e a educação. Optei pela dança

flamenca pois ela vem paulatinamente conquistando novos adeptos e espaços no

Brasil e também por se tratar da modalidade artística que me dediquei como

pesquisadora e intérprete de dança nos últimos dez anos.

O ponto de relevância deste trabalho é identificar a técnica corporal presente

na dança flamenca a partir da contextualização e apreciação epistemológica do

conceito de técnica em Mauss (2003), Aristóteles (1984) e Heidegger (2007) assim

como o conceito de corpo em Descartes (2009), Merleaut-Ponty (2009) e Bourdieu

(1988), relacionando-os a trabalhos acadêmicos de relevância no flamenco.

Também faz parte de nossa proposta contribuir para o desenvolvimento e melhoria do

ensino da dança flamenca no país, principalmente na capital potiguar.

A pesquisa para elaboração deste trabalho foi executada no período de um ano

e o desenho metodológico adotado foi de caráter qualitativo dialético com base no

levantamento bibliográfico pertinente ao flamenco, corpo, técnica e estética. Utilizo o

levantamento bibliográfico no campo da filosofia e antropologia para análise dos

paradigmas, com suas teorias conflitantes presentes nos discursos de estudiosos e

professores tradicionais do flamenco, e os comparo com os estudos sobre o tema em

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trabalhos acadêmicos julgados como pertinentes e confiáveis como referencial

teórico.

Os citados paradigmas são: a não existência de uma técnica flamenca aplicável

e genuinamente eficiente como meio expressivo e a necessidade de uma legitimidade

corporal concebida apenas por nascimento, ou descendência, que geralmente é

identificada como primordial aspecto de validação estética do verdadeiro flamenco. O

contato com estas concepções como ‘embasamento teórico’ ocorreu ao longo de

minha carreira de dançarina, aprendiz e professora desta dança. Senti os efeitos

destas ideias, como barreiras no meu processo de aprendizagem ao comprometer

minha auto confiança. Acredito que a tentativa de elucidar esses paradigmas,

propostos neste trabalho, podem talvez permitir novos processos, abordagens e

estratégias didáticas que de fato proporcionem um ensino-aprendizagem mais

salutares quanto à valorização do educando e da arte flamenca em si.

Para falar da relevância do tema escolhido é mister definir o flamenco, o

surgimento das academias de dança e escolas especializadas no Brasil a partir do

século XX e o quanto uma abordagem tradicional pedagógica perpetuadora destas

ideias comprometem o seu desenvolvimento quanto arte no cenário potiguar.

O flamenco é uma manifestação artística que tem sua origem provável datada

em meados do século XVII. Como arte se manifesta através do canto, da música

instrumental e da dança. Surgiu na província de Andaluzia, graças a junção cultural

de danças folclóricas e cantos populares de vários grupos étnicos que formaram o

povo andaluz como ciganos, judeus, árabes, africanos e latinos. A dança flamenca

seguiu sobrevivendo aos conflitos políticos, modismos históricos e mercantilismos

culturais, adaptando-se e reinventando-se graças aos artistas e suas apresentações

nas festas familiares ciganas, salões de corte, feiras populares, arenas de touradas,

cafés e tabernas turísticas, teatros, auditórios de agremiações culturais,

universidades, programas de rádio e televisão, filmes e internet. Isso proporcionou o

surgimento em progressão geométrica de festivais, locais de apresentações e escolas

especializadas, primeiro dentro da Espanha e a partir do século XX fora das fronteiras

ibéricas.

Se hoje a dança flamenca é conhecida pelo mundo como uma modalidade

cênica isso se deve ao processo de adaptação aos meios de massa que sofreu ao

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longo de sua história. Isso lhe proporcionou uma ampla propagação, desenvolvimento

e divulgação. Entre os países que o flamenco alcançou, está o Brasil.

O flamenco como arte ficou mais conhecido no Brasil, principalmente nas

grandes capitais, através dos filmes de Carlos Saura e a música de Gypsy King, na

década de oitenta do século XX. Contudo isso, não levou a uma busca massiva de

brasileiros interessados em praticar a difícil arte andaluza, apesar de ter cativado

plateias e consequentemente permitido que artistas estrangeiros tivessem suas

apresentações com ‘casa cheia’ em território brasileiro.

Dentre estes artistas, que esporadicamente se apresentavam nos teatros e

Centro de convenções, alguns adotaram o Brasil como pátria e foi, a partir de sua

permanência, que a dança flamenca começou a fazer parte do cenário pedagógico

informal. Artistas como a argentina Amália Moreira ‘La Morita’ e os espanhóis Pepe

de Córdoba, Ana Esmeralda e Maruja Vieytes fundaram suas escolas no referido

período e puderam contar com o aumento significativo de pessoas ávidas em

experimentar aquela dança de folclore espanhol vista nas reportagens, espetáculos e

programas de televisão. Sem o empreendedorismo destes pioneiros nas capitais

como São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre não teria se desenvolvido o

flamenco no Brasil. Atualmente há várias gerações de dançarinos e dançarinas

brasileiras perpetuando o flamenco nacional.

A partir destas primeiras turmas é que a dança flamenca começou,

paulatinamente a pertencer ao cenário artístico-pedagógico brasileiro e como os

citados pioneiros eram oriundos de grupos folclóricos ou companhias de dança

profissional, a pedagogia que tais espaços apresentavam eram semelhantes a

ensaios para montagem de repertório cênico de apresentação. Em outras palavras,

as escolas formavam grupos para divulgar o baile folclórico espanhol. Tomemos como

exemplo minha própria formação.

Meu primeiro contato com a dança flamenca foi na década de noventa do

século XX através da Escola de La Morita e Santa Ana situada em Curitiba, no Paraná.

Lá, o processo de ensino era bem semelhante, quanto à forma e ambiente, ao descrito

pela dançarina brasileira Daniela Libâneo sobre sua experiência como aluna de uma

tradicional escola de dança flamenca em Madri, Espanha. As aulas eram sempre

diante de um espelho. O professor posicionado na frente da turma, fazendo gestos e

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passos para depois os alunos imitarem. Uma pedagogia baseada na memorização,

cópia e repetição. (LIBÂNEO, 1999). Contudo na escola paranaense, diferente da

escola madrilenha, havia um conjunto de coreografias a serem aprendidas à exaustão,

não se estimulava o improviso em nenhum momento. Aquelas alunas que

alcançassem os padrões de alinhamento corporal, velocidade e ritmo exigido pela

professora integravam o grupo de apresentação. Passei três anos com ‘La Morita’

buscando alcançar a perfeição técnica naquelas coreografias, sem medir esforços

físicos ou emocionais, na esperança de pertencer ao grupo.

Paulo Freire define este tipo de pedagogia como educação bancária onde o

educando é recipiente a ser enchido pelo educador num processo mecânico de

memorização do conteúdo ensinado. Este processo não implica em um estímulo a

criatividade, a reinvenção, a busca inquieta e permanente pelo saber (FREIRE, 2005)

e isso, consequentemente, pode tornar o educando intimidado e dependente do

ambiente e do educador.

Anos depois vivendo em Natal, me vi na condição de professora. Tomei o

ensino e aprendizado da dança flamenca como profissão e acabei reproduzindo por

vários anos, o modelo de educação bancária que vivenciei. A necessidade me levou

a pesquisa virtual, pois já não era muito estimulante oferecer sempre a mesma

coreografia e a mesma música as alunas. Foi então que me deparei, pela primeira

vez, com um formato de pedagogia diferente do que eu aprendera.

Tratava-se de desenvolver primeiro o conteúdo de exercícios divididos em

segmentos corporais para só depois constituir frases coreográficas dentro das

estruturas específicas de algum gênero musical flamenco disponibilizados que

encontrei na internet. Os segmentos eram: braços, corpo, pés e palmas. Os exercícios

de braço consistiam em realizar movimentos de abdução, adução, hiperextensão,

flexão e circundação dos ombros, mantendo os cotovelos flexionados enquanto os

punhos executavam movimentos de circundação medial ou lateral. As sequências de

corpo mostravam passos e gestos oriundos de rotações, inclinações, extensões e

flexões do tronco, cabeça e membros inferiores, assim como pequenos saltos e giros.

Os exercícios de sapateado atribuíam nomes à dorsiflexão, extensão plantar, e flexão

do joelho facilitando a compreensão das pequenas e exaustivas sequências aplicadas

em compassos metrificados pelo ritmo que eram executados por um ou dois

instrumentos de percussão. Os exercícios de palmas seguiam a mesma metrificação

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dos exercícios de sapateado, com a diferença do enfoque ser a capacidade de marcar

o tempo ou o contratempo. Estes exercícios se encontravam em formato de vídeo ou

áudio, outros eu encontrava descritos em websites com imagens.

A descoberta destes poucos exercícios me faziam crer que existia uma

metodologia fundamentada em uma técnica e esta poderia ser ensinada antes de

qualquer construção coreográfica. Eu me via questionando e corporalmente

construindo uma aprendizagem mais consciente e contextualizada do meu fazer

pedagógico e artístico, mesmo a uma distância física considerável de qualquer escola,

agremiação cultural ou instituto de arte flamenco espanhol. Meu corpo não era mais

um simples depósito de movimentos repetitivos mas um espaço de investigação e

construção artística mais amplo e estimulado, graças ao contato com aquelas

informações disponíveis pois, até certo ponto, proporcionavam exemplos imitáveis

mais inspiradores.

Vale salientar que ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa

a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo

(FREIRE, 2005, p.79). Ou seja, através da mediação proporcionada pela internet, dei

continuidade ao processo de formação como artista e professora de dança flamenca

contando indiretamente com novos mestres virtualmente disponíveis, portanto não o

caracterizo como autodidatismo.

No entanto estas informações virtuais práticas eram resumos em sua totalidade

e apesar de serem facilitadores da pesquisa corporal, dentro da grande complexidade

que é o flamenco, não contemplavam aspectos específicos como a expressividade

em se ápice. Este estado especial que alguns artistas possuem em transmitir o espírito

oculto da dolorosa Espanha, capaz de aprisionar a atenção da plateia por completo,

é que esteticamente diferenciaria uma ‘bela ginástica’ em sua perfeição técnica de

uma dança expressiva e realmente flamenca. Ele é denominado no meio flamenco

espanhol por ‘duende’. Sem o ‘duende’ não há flamenco, segundo os tradicionais.

Para chegar a, um dia, ter este ‘duende’ é Sua existência em uma apresentação é o

que esteticamente diferenciaria uma ‘bela ginástica’ flamenca de uma ‘dança

genuinamente’ flamenca. Segundo os tradicionais para chegar a, um dia, ter este

‘duende’ é preciso desaprender o aprendido, ter uma capacidade expressiva acima

de qualquer virtuosismo, uma identidade individual que transmita os valores coletivos,

domínio de seus códigos e estruturas para fazer uso no improviso (PEÑA, 2010).

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O ‘duende’ é um ‘fazer arrebatar’, é a essência da arte andaluza. Ele foi pela

primeira vez utilizado por Federico Garcia Lorca em 1922 no texto Teoría y juego del

duende:

En toda Andalucia, roca de Jaen o caracola de Cádiz, la gente habla constantemente del duende y lo descubre em cuanto sale com instinto eficaz. El maravilloso cantaor El Lebrijano, creados de la Debla, decia: іlos días que yo canto com duende no hay quien pueda conmigo! La vieja bailarina gitana La Malena exclamó um día oyendo tocar Brailowsky um fragmento de Bach: іOlé! іEsto tiene duende!, y estuvo aburrida con Gluck y con Darius Millaud. Y Manoel Torre, el hombre de mayor cultura em la sangre que he conocido, dijo, escuchando a próprio Falla su Nocturno de Generalife, esta espléndida frase: Todo lo que tiene sonidos negros tiene duende. Y no hay verdad más grande. (2003, p.01).1

Com o passar dos anos a presença do ‘duende’ nas apresentações se tornou

uma espécie de característica de reconhecimento de um flamenco puro, original,

autêntico, antigo e primitivo. Ele era herdado ao valoroso povo espanhol e transmitido

como um dom familiar segundo Juan Verguillo (1999 apud PERALTA, 2011, p.14).

Esta condição genética e cultural imutável de que jamais se poderia fazer um flamenco

em toda sua plenitude e essência por falta de um corpo culturalmente desde

o nascimento dentro da cultura andaluza já se fazia subentendida na gênese do termo

que até os dias de hoje é utilizado como o ápice da capacidade expressiva do genuíno

flamenco dramático.

Mas uma inusitada reportagem me arrancou desta desagradável zona de

conforto do determinismo biológico. Costumeiramente buscando vídeos e textos para

material de aula, me deparei com uma reportagem de Alicia Rodriguez Mediavilla

sobre a presença da arte flamenca no Japão e do exitoso desempenho de alguns

músicos e dançarinas da terra do sol nascente na Bienal de Sevilha. Esta reportagem

do site ‘EsFlamenco’ acessei em 2004 e me levou ao vídeo de uma apresentação de

2003 da dançarina Eiko Takahashi na ‘La Plateria’, uma agremiação cultural de

1 Em toda Andaluzia, pedra de Jaen ou concha de Cádiz, a gente fala constantemente do ‘duende’ e o descobre

graças a eficácia do instinto. O maravilhoso cantor o ‘Lebrijano’, criador da ‘Debla’, dizia: Os dias que canto com ‘duende’ ninguém pode comigo; a velha dançarina cigana ‘La Malena’ exclamou um dia ouvindo Brailowsky tocar um trecho de Bach: Olé! Isso tem ‘duende’!, e ficou entediada com Gluck e Darius Millaud. E Manoel Torre, o homem com mais cultura no sangue que eu conheci, disse, escutando ao próprio Falla tocar seu Noturno de Generalife, essa esplêndida frase: Tudo que possui som negro tem ‘duende’. Não há maior verdade nisso. N.T(Nota de Tradução).

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Granada. Bem longe de ser puramente uma apresentação técnica, se não fosse sua

típica compleição anatômica japonesa se passaria como uma cigana ou andaluza

espanhola despreocupadamente.

Em outro momento, anos depois, encontrei um artigo de opinião do músico

argentino Manolo Yglesias, na sua coluna do website Revista ‘Flamenco en

Argentina’, ano 2008, que defendia uma visão contrária ao do determinismo genético,

postulado por Lorca, como critério estético. Segundo o músico esta arte, como na vida,

se aprende imitando e segundo a quantidade e qualidade dos exemplos que se tenha

imitado se desenvolverá a inteligência e o talento na mesma proporção do próprio

empenho em busca da autenticidade estética (YGLESIAS, 2005). Sua argumentação,

muito semelhante à do antropólogo Marcel Mauss descreveu como técnica corporal,

me levou a muitas dúvidas quanto ao real significado de técnica em dança e qual a

sua relação com a expressividade, a estética e o virtuosismo.

Essas felizes descobertas virtuais se apresentaram como uma abertura a novas

perspectivas no ensino-aprendizagem da dança flamenca fora das fronteiras ibéricas,

permitindo, assim, sua maior valorização e desenvolvimento como arte, por isso o

tomei como relevante.

Para fundamentação deste trabalho nos deparamos com um extenso material

virtual a respeito do flamenco o que tornou a pesquisa sobre a temática bastante

exaustiva. Foram lidos aproximadamente 45 trabalhos e selecionados 20 publicações,

disponíveis virtualmente, por abordarem especificamente a técnica, a história da

dança flamenca, sua estética na perspectiva da educação ou da antropologia social.

Destas 20 publicações: 04 dissertações de doutorado sendo 02 em português; 04

teses de mestrado; 05 artigos científicos; 1 caderno digitalizado com 06 artigos; 03

livros digitais e 04 artigos de opinião foram as obras tidas como relevantes. Também

recorremos a publicações impressas que conseguimos ter contato: 02 livros em

português, 1 dicionário de flamenco em espanhol e 02 livros sobre dança folclórica e

canto flamenco em espanhol.

Os que citamos no corpo do artigo estão em referências. A partir deste primeiro

levantamento, buscamos os postulados de Mauss (2003), Aristóteles (1984) e

Heidegger (2007) sobre técnica assim como os escritos de Descartes (2009),

Merleaut-Ponty (2009) e Bourdieu (1988) sobre corpo, para fundamentar teoricamente

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o que reconhecemos nos trabalhos encontrados como a prova da existência da

técnica na dança flamenca e evidenciamos seu papel na construção estética em

corpos não espanhóis. O resultado é esta tentativa de síntese de fundamentação

argumentativa dialética para justificar a conclusão que este trabalho chegou.

Quanto a textos que se detém à compreensão dos aspectos técnicos e

estéticos relacionados a praticantes de flamenco de origem ou descendência não

espanhola, não foi encontrado estudos acadêmicos que pudéssemos coabitar com o

presente artigo. A reportagem de Alicia Rodriguez Mediavilla (2004) e o artigo de

opinião de Manolo Yglesias (2009) são os que nos levaram aos questionamentos,

contudo não foram tomados como fontes de embasamento teórico.

Antes de adentrar na técnica, e sua existência na dança flamenca, para maiores

esclarecimentos, apresento perspectivas filosóficas sobre o corpo que surgiram a

partir da era moderna. Estes conceitos estão inerentes à epistemologia antropológica

de Mauss (2003).

2. CORPO

Segundo Paulo Freire, se ensina ensinando e neste ensinar há ideologias

sendo confirmadas ou modificadas através do fazer pedagógico (FREIRE, 2010).

Ensinar dança também ensina o que é corpo, mesmo que não seja o foco de conteúdo

em uma aula técnica. Variadas foram as concepções de corpo ao longo da história da

humanidade e provavelmente uma delas é adotada, consciente ou inconscientemente

pelo professor de dança flamenca. Não caberia neste trabalho pormenorizar esta

questão, apenas a tomemos como factual. Nossa intenção é focar na importância que

Marcel Mauss deu ao corpo pois já está implícito dois interessantes conceitos

filosóficos - corpo-objeto e corpo-habitat - que exerceram alguma influência às

práticas pedagógicas da dança flamenca na era moderna.

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2.1. Corpo habitat x corpo objeto

Para Mauss ‘o primeiro e mais natural objeto técnico, ao mesmo tempo meio

técnico do homem é seu corpo’ (2005), ou seja, o corpo visto como objeto (objeto

técnico) e como habitat (meio técnico). Sucintamente diferenciaremos as duas

correntes filosóficas inerentes a esta afirmação.

O filósofo francês René Descartes(1596-1650) defendia a perspectiva de se

entender o corpo como objeto, oriundo da dicotomia entre corpo e alma. No seu texto

‘Tratado do homem’, ele compara o funcionamento de uma máquina hidráulica com o

funcionamento dos órgãos e estruturas anatômicas humanas:

...e, verdadeiramente, pode-se muito bem comparar os nervos da máquina que descrevo aos tubos das máquinas dessas fontes, seus músculos e seus tendões, aos outros diferentes engenhos e energias que servem para movê-la. Seus espíritos animais, à água que as move, cujo coração é a nascente e as concavidades do cérebro são as aberturas. (DESCARTES apud NOBREGA,2009, p.42)

A partir desta metáfora, construída dentro da perspectiva do cogito racionalista,

o ser humano passou a ser considerado uma divina máquina perfeita, sendo o corpo

um instrumento da alma a serviço da lógica. “Em Descartes, a alma está ligada ao

pensamento e não ao funcionamento do corpo”. (NÓBREGA, 2009, p.43).

Consequentemente o movimento corporal passou a ser entendido como uma ação

mecânica desprovida de intencionalidade, uma mera reação de um estímulo externo.

A outra concepção de corpo que podemos entender como implícita na

afirmação de Mauss, (meio da técnica) pode ser comparada com a concepção de

corpo da fenomenologia de Merleau-Ponty (1908-1961). Ele foi o que elegeu o corpo

com uma questão filosófica, entre os filósofos do século XX. Na obra ‘A fenomenologia

da percepção’, Merleaut- Ponty afirma que o corpo humano é semelhante a uma obra

de arte, enquanto habitat de todos os significados moderações das expressões e

comunicações subjetivas humanas no mundo vivenciado. O filósofo moderno parte do

pressuposto que não se pode distinguir o corpo da consciência, o sujeito-alma do

objeto-corpo, da mesma forma que não se pode distinguir a expressão do expresso.

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E o sentido atribuído ao corpo só é acessível por um contato com o nó de significações

a ele aplicado através do pensamento:

O uso que o ser humano faz de seu corpo ultrapassa o nível biológico, o nível dos instintos, ele cria um mundo simbólico, de significações. O ser humano não está aprisionado, como os animais, nos limites de suas condições naturais, ele as amplia, variando os pontos de vista, reconhecendo numa mesma coisa diferentes perspectivas. Em outras palavras, cria cultura, porém o mundo cultural não se sobrepõem ao mundo natural, mas forma uma unidade. (MERLEAUT-PONTY, apud NOBREGA, 2009, p.71)

Corpo é indissociável e total por ser fenômeno biológico, cultural e intelectual.

Assim a fenomenologia o compreende. Consequentemente o movimento corporal

pode ser entendido como uma ação simbólica segundo a sua intencionalidade, uma

linguagem ou signo comunicante utilizado pelo sujeito para o mundo externo.

2.2. O hábitus da técnica corporal

No conceito de técnica corporal de Mauss, a concepção ideológica do corpo faz

parte do ‘como’ se está ensinando. Ela estará perceptível no que ele reconheceu como

o hábitus da técnica corporal. Esses hábitus se diversificam sobretudo com as

sociedades, didáticas de ensino, modas, prestígios e a maneira como os indivíduos

os adquirem graças as imitações. O antropólogo frisa o uso do verbete em latim, em

referência ao conceito na obra ‘Ética a Nicômaco’ de Aristóteles. Na citada obra, o

filósofo grego denomina hábitus como a ‘virtude intelectual que via de regra se adquire

através do ensino’ (ARISTÓTELES, 1984), sendo constituída por três elementos: o

Ethos, o Eidos e a Héxis que abordaremos mais adiante.

Influenciado pela filosofia de Merleau-Ponty, o sociólogo francês Bourdieu

(1988) retoma o conceito de hábitus aristotélico e o amplia. Ao invés de uma virtude,

o define como um sistema de disposições contraídas pedagogicamente de forma

implícita ou explícita que permite o desenvolvimento de estratégias em harmonia com

os objetivos dos seus autores principalmente se não o conceberam com esta

finalidade. Tanto como virtude quanto como sistema, ele funcionará como um

regulador, por reproduzir na técnica as práticas, gestualidades e valores inerentes a

ela. (BOURDIEU apud CARRIÓN, 2011, p.35).

20

As três dimensões do hábitus, relacionados ao corpo na perspectiva fenomenológica

merleaut-pontiana é por ele assim definido.

Ethos é a porção relacionado a ética prática, a dimensão das sensações e

sentimentos. É o que desperta a necessidade de respeitar as normas e valores

contidos no hábitus. O eidos é a parte lógica e sistêmica que classifica, ou seja, o

pensamento e racionalizações. É o que permite estabelecer parâmetros de

julgamentos morais e estéticos seguidos pela técnica. A hexis é a internalização e a

forma como a técnica se manifesta socialmente através do corpo. A parte física e

tangível. É o que vemos nos gestos e ouvimos no discurso, o que identifica no corpo

como lugar da técnica criada pelo ‘ser’. (ALBURQUERQUE,2005).

Realizado este levantamento das questões de corporeidade que permeiam a

técnica corporal de Mauss, o mais citado autor de referência sobre o assunto em

artigos de dança. Nos deteremos agora o olhar para o corpo da dança flamenca,

enquanto habitat do hábitus corporal e as concepções ideológicas intrínsecas ao seu

ensino.

2.3. Os três hábitus do corpo flamenco

Carrión (2009) pontuou três funcionalidades do corpo simbólico cultural, a partir

de sua análise documental do período pré flamenco (século XVII) até a chamada Idade

de Ouro (1840-1860). Este período analisado, que corresponde à primeira etapa na

história do flamenco, é interessante, pois foi a partir daí que se criou o modelo estético,

tanto no canto quanto no baile pelo seu caráter popular folclórico com forte influência

dos povos ciganos. A chamada Idade de Ouro, que corresponde à primeira metade

do século XVIII foi o período onde ocorreu a valorização das apresentações de grupos

flamencos ciganos pela aristocracia espanhola e isso contribuiu para o

desenvolvimento cênico do flamenco. Neste período surgiram as casas de

apresentação conhecidas como ‘cafés cantantes’ que seduziram viajantes e artistas

do mundo inteiro e a formatação das primeiras academias de dança que prometiam

ensinar a original e sedutora dança espanhola. (CARRIÓN, 2009). Este modelo

estético corporal é o mais recorrente até os dias de hoje, principalmente nas

apresentações de flamenco denominadas de espontâneas:

21

En esos momientos anteriores [século XVI] a su codificacíon no és más que una singular forma folclórica. (...) Así se configuró, hasta constituírse en un arte popular, extremamente complejo y a la vez sencillo. De aparencia espontánea pero fina y firmemente reglado, sujeto desde la cuna a las exigencias del ritmos. (...) Fue entonces su primera definición patrimonial hacía lo clássico, por el último tercio del siglo XX. (GARCÍA, 2010 p.4).2

Carrión (2009) afirma que a ideologia pertinente ao corpo que dança flamenco

naquela época permitiu o surgimento destas três funcionalidades ainda permissivas

nos corpos contemporâneos: o corpo flamenco como instrumento do trabalho, com

locus simbólico cultural e como meio de heterodoxias. Os expliquemos então.

O corpo flamenco como instrumento laboral, é o corpo que dança a própria

personificação da força de trabalho do povo humilde em seu valor moral mais

importante: gerar riquezas à nação com o suor de sua testa e os calos de suas mãos

não importando se isso custe vidas. Ela está nos cantos laborais dos mineiros,

ferreiros, marinheiros e campesinos que foram transpassados para as danças

flamencas até hoje presentes em repertórios de espetáculos. Este corpo ‘de trabalho’

valoriza a consolidação do modo de produção capitalista, tem um caráter de

patriotismo e também abriga a dimensão de consciência política. O mais comum é

sua manifestação de contestação, confronto de classes, que pedem por mudanças

como os lamentos ciganos em dança e canto, que soam como denúncias sociais

contra a discriminação até hoje por eles vivenciados.

A segunda funcionalidade é a de locus do simbólico cultural. O corpo

personifica o imaginário coletivo e a identidade social espanhola. No corpo flamenco

há a distinção dos papéis de gênero como há na própria sociedade, ou seja, uma

forma de dançar masculina diferente da feminina que delimita funções artísticas e

sociais. Também é nesta funcionalidade que encontramos os critérios de idoneidade

e aceitação. Se os executantes possuem atitudes, discurso e características

anatômicas que os aproximem ou assemelhem aos flamencos, ou seja, os povos

2 Neste período anterior à sua codificação não era mais do que uma singular forma folclórica (...) Assim se

configurou, até se constituir em uma arte popular, extremamente complexa e ao mesmo tempo simples. Aparente espontaneidade mas fina e firmemente normatizada, submetida desde seu berço às exigências dos ritmos. (...) Foi então [nos cafés cantantes] sua primeira herança descritiva patrimonial e foi a forma tomada como clássica até o último terço do século XX. N. T.

22

andaluzes ciganos são aceitos pelo modo de vida flamenco e reconhecidos como ‘com

garbo’3, ‘salerosas’4.

A terceira e última funcionalidade pertinente ao corpo da dança flamenca é a

de heterodoxia ou contestação estética. Trata-se da função transgressora do

tradicionalismo:

Durante años, los cuerpos de bailaores y bailaoras, por ejemplo, se han servidos de unas plantillas tradicionales de evoluciones, pazos y mudanzas que generan figuras clássicas [...] el arte flamenco se utilizan de sus cuerpos para lá revisión e incluso la negación de figuras empuestas por la tradicion...” (CARRIÓN, 2009, p.26)5

Estas funcionalidades estão implícitas na corporeidade da dança flamenca.

Todas elas são desempenhadas no momento em que se pisa no palco por delimitarem

o seu modelo estético. Pelas características e descrições, as entendemos como

hábitus, perceptíveis através das hexis corporais.

As hexis corporais são adquiridas no momento em que se recebe, vivencia e

aprimora a técnica. Elas permanecem na imagem corporal. São os gestos, a qualidade

de movimento que se reconhece como flamenco, o olhar expressivo, o jeito de

caminhar, o uso dos adereços e figurinos semelhante ao modo das andaluzas ou

ciganas, um algo que demonstra ter a capacidade plástica de alcançar o ‘duende’. No

Brasil é mais predominante a funcionalidade de locus6 simbólico cultural já que o

processo de contato é necessariamente cognitivo:

Uma criança andaluza, por exemplo, mesmo que não receba de sua família a cultura do flamenco, vive, é socializada nessa cultura informalmente, na rua, através dos amigos, músicas tocadas no rádio, nas festas populares já citadas. Já o brasileiro que quer dançar flamenco não tem essa vivência. Precisa, então, conhece-la ‘cognitivamente. (LIBÂNEO, 1999 p.122)

3 Com graciosidade, com porte suntuoso, com elegância. 4 Graça natural que uma mulher tem no corpo, requebro, molejo, tempero. 5Durante anos os corpos das dançarinas e dançarinos, por exemplo, tem servido como modelo tradicional para

evoluções de passos e movimentos que geram novos ícones clássicos [...] a arte flamenca se utiliza de seus corpos para a revisão e até mesmo a negação de ícones impostos pela tradição. N.T. 6 Locus (plural de loci) significa lugar, em latim.

23

Contudo isso não significa que as demais funcionalidades, ou hábitus, não se

façam presentes. A partir do reconhecimento das características inerentes da técnica

presente na dança flamenca, é possível buscar metodologias que as privilegie não

somente nos aspectos externos cênicos como adereços, figurinos ou cenários que

reproduzem o ambiente espanhol. Mas para tal, é necessário escolher estratégias

pedagógica que desenvolvam concepções sobre corpo mais salutares a esta proposta

de valorização dos três hábitus flamencos.

2.4. O ensino do ‘duende’

Resiste em alguns cursos de dança flamenca de academias a visão tradicional

de ensino bancário, cuja repetição de uma estrutura coreográfica pré-estabelecida é

o foco do conteúdo. Neste formado o corpo é visto geralmente como objeto e isso

pouco ou nada contribui para a compreensão dos educandos quanto a rica

funcionalidade simbólica da corporeidade na dança flamenca. Em outras palavras

quando um corpo é objeto para o educador, os educandos não adquirem a capacidade

expressiva ou a autonomia para o improviso que desenvolveria o ‘duende’.

Uma abordagem fenomenológica, que busca estimular no educando a ideia de

que ele é sujeito e suporte de sua dança, o reconhece em toda a sua pluralidade

simbólica cultural. Isso torna o ensino da dança mais contextualizado e talvez mais

estimulante. Tentar transmitir as funcionalidades do corpo flamenco em metodologias

que façam os educandos se reconhecerem como seres críticos em sua dimensão

mais ampla, é valorizar também a dança flamenca em toda a sua beleza sem

imposições culturais preconceituosas.

O educador que faz com que seu educando se reconheça como cidadão, que

o estimula a entender a importância como indivíduo para seu grupo social e o leva a

reconhecer sua capacidade de atos de transgressão contra tradicionalismos arcaicos,

sabe transmitir valores sociais universais através da dança flamenca na sua prática

de ensino em toda sua autenticidade.

24

3. TÉCNICA

Na dança a palavra técnica se tornou um complexo conceito aparentemente

cheio de contraditórios postulados.

É comum pensar que a técnica é um conjunto de exercícios aplicados em

treinamentos de dançarinos, cuja didática está pautada na repetição e imitação para

se conseguir um virtuosismo. Há autores como Foster (1997), Louppe (2000),

Sanches (2005) e Soter (1999) que contestam isso e afirmam que as técnicas de

dança não se limitariam apenas à função de virtuosismos mas a qualquer finalidade

estética. Para Strazzacappa (1994) a técnica é a própria forma que codifica e estrutura

no corpo um modo específico e pessoal de fazer dança e Mauss (2005) fala de técnica

como todos os ‘modos de se servir do corpo’7. Além destas contraditórias concepções,

nas danças chamadas de contemporâneas a técnica é mais um meio para a

desconstrução do que um fim de construção. Não raro o discurso é de desqualificar

qualquer formato codificado de movimento. O importante é o improviso, o natural, o

espontâneo, o que não foi codificado. Mas será realmente que o problema está no

formato codificado? Existiria um formato codificado de dança flamenca? Primeiro

responderemos: o que é técnica?

3.1. A essência da técnica

Em busca de respostas que talvez explicariam, por que na dança a técnica se

configurou como uma prática repetitiva e de uniformização estética, ao que é

compreendida como padrão de beleza aceitável, e acima de tudo, tentando esclarecer

a que definição de técnica nos embasamos para justificar sua existência na dança

flamenca, se faz necessário revisitar a definição de técnica e seus desdobramentos

filosóficos e antropológicos.

7 Apud. AGUIAR, 2008, p.47

25

Oriunda da palavra grega ‘techne’, técnica a princípio tratava-se de uma

faculdade inerente a natureza ética do ser humano, uma virtude da alma. Para

Aristóteles as virtudes são entendidas como um conjunto de princípios de mediação

que pertencem ao nosso senso de julgamento do que é bom e do que é mal. São

estas que conduzem o ser humano a felicidade: o sumo bem, a maior das virtudes

(ARISTÓTELES, 1984). Nesta perspectiva, a técnica é a ação de intencionalmente

buscarmos meios para alcançar o que é bom e verdadeiro na criação.

A técnica na dança, dentro da visão aristotélica, pode ser entendida como um

‘reto fazer’ para tornar/trazer o corpo a coreografia nele oculto, ou seja, ela traz à tona

ou desabriga a dança. Mas dentro deste ‘reto fazer’ implicam-se conceitos muito mais

abrangentes que meios para fins, pois na visão aristotélica o que é feito tem uma

relação de causalidade com o quem o faz. Esta relação de causas está presente tanto

no processo quanto no produto, sendo quádrupla e inerente a capacidade que a

técnica tem de revelar o que está oculto. São estas: a causa formal que define a forma

ou a essência de algo; a causa material que é a matéria que constitui algo; a causa

eficiente que tornou possível algo existir e a causa final, a razão de existência

(ARISTÓTELES,1984).

A partir da mudança de paradigmas ocidentais provocada pela Idade Moderna,

a técnica ganhou uma outra conotação:

A técnica moderna também desabriga. O desabrigar que domina a técnica moderna, no entanto, não se desdobra num levar à frente no sentido da techne. O desabrigar imperante na técnica moderna é um desafiar que estabelece, para a natureza, a exigência de fornecer energia suscetível de ser extraída e armazenada enquanto tal. (HEIDEGGER, 2007, p.81)

O que antes era um trazer/tornar visível, respeitando a relação de causalidade

entre o que era feito com quem o fez, e respeitando a natureza dos recursos, agora

se faz uso desta causalidade para o explorar e destacar, ou seja, uma perspectiva de

desafio, superação e exploração. É o máximo de rendimento a partir do mínimo

esforço para suprir demandas. A isso Heidegger chamou de ‘armação’, que ele

considerou como a essência da técnica moderna. Na concepção heideggeriana o

importante na técnica na era moderna é o desafio, o problema a ser superado usando

recursos da práxis das ciências.

26

Na dança se o movimento é o recurso, e dele se pode alcançar alto rendimento

em flexibilidade, força, velocidade ou capacidade de emocionar, seria a técnica

precisamente o meio de extração e o corpo o ambiente a ser explorado. O fazer

permanece sob o crivo da busca da verdade, contudo o bom se tornou sinônimo de

eficiente, e já não se fala em felicidade ou virtudes da alma e sim em demandas a

serem criativamente supridas. Estes recursos quer seja para demonstrar grande

virtuosismo, quer seja para expressivamente comunicar estados da alma, espelham

as especificidades estéticas ideais de um corpo que dança.

Incluo nesta discussão a expressividade como recurso pois não poucos foram

os artistas na dança que se focaram em desenvolver técnicas cuja a causa de

finalidade residia na expressividade. Exemplos como a percussora da dança moderna,

Isadora Ducan, geralmente reconhecida como a ‘que não havia elaborado uma técnica

nem doutrina específica’ mas que fazia uso de ‘gestos naturais, andar, correr, saltar’

para ‘reencontrar o ritmo dos movimentos inatos do homem, perdidos há anos’

(BOUCIER, 2001, p.248), ou seja, o foco de Isadora, como causa eficiente, era o

expressivo. Seria uma técnica a forma como ela aplicava seus gestos naturais?

Quem primeiro relacionou a técnica como algo especificamente relacionada ao

fazer corporal foi Marcel Mauss (1934). Ele não a restringe como um elemento

pedagógico das artes. A técnica estaria muito mais presente em nosso cotidiano do

que se pode supor, pois cada sociedade em cada época desenvolve maneiras ‘de se

servir do corpo como instrumento’. Em outras palavras, cada povo desenvolve formas

de andar, comer, amar, nascer, morrer, curar, limpar, dormir, descansar, conseguir

alimentos e tantas outras atividades complexas que nos permite viver em sociedade.

Estas maneiras de uso do corpo são transmitidas através da imitação de forma

tradicional aos descendentes, por alguém considerado autoridade (MAUSS,2003).

Este conjunto de técnicas corporais são condicionadas por três elementos

indissoluvelmente concatenados: biológicos, mágico-religiosos e sociográficos. Estas

técnicas são perpetuadas pelos processos pedagógicos contínuos que se iniciam a

partir da mais tenra idade até a última fase de vida. Não existe, portanto, maneiras

naturais do uso do corpo pois cada indivíduo, independente da sociedade, época ou

gênero ‘efetua suas séries de atos montados a partir de toda a sua educação

transmitida por toda a sociedade que faz parte conforme o lugar que nela ocupa’

(MAUSS, 2005, p.408).

27

Do conceito antropológico de técnicas do corpo desenvolvida por Mauss, Barba

e Savarese realizaram um importante estudo do comportamento humano

desempenhado pelo indivíduo quando este faz uso do seu corpo em uma situação

organizada de representação cênica e não cotidiana. A resultante deste estudo foi a

criação da Antropologia Teatral, cujo o grande valor foi ‘de detectar pontos comuns

entre diversas e diferentes técnicas codificadas e sistematizadas em um conjunto de

regras.’ (VIEIRA, 2003, p.43).

As técnicas que são desenvolvidas pelos povos para melhor uso do corpo em

atividades cotidianas cujo a pedagogia é transmitida por imitação desde o nascimento,

Barba e Savarese denominaram como técnicas cotidianas. As técnicas aplicadas nas

infinitas e distintas situações de natureza estética, com foco na apreciação, e que são

sistematicamente ensinadas por metodologias racionalmente criadas para tornar o

corpo apto e representativo de um modelo ideal, eles denominaram como técnicas

extracotidianas.

Pode-se dizer que na Antropologia Teatral o conceito de técnica harmonizou a

natureza de virtude aristotélica com a essência heideggeriana de ‘armação’. Em

outras palavras, na arte, a técnica, pode tanto ser o conjunto de procedimentos

aplicados para se alcançar resultados (natureza de desafio), como um meio de

conseguir o bom no belo (natureza de virtude). Também os autores foram além,

demonstrando que as técnicas do corpo especificamente desenvolvidas para as áreas

cênicas, as técnicas extracotidianas, são ‘consequência de uma mudança de

equilíbrio da técnica cotidiana, do ponto de vista artístico’ (VIEIRA, 2003). Portanto, o

movimento utilizado em cena é sempre resultante da dilatação de alguma técnica

desenvolvida no cotidiano.

As técnicas cotidianas têm a função de comunicar algo, e dentro da perspectiva

heideggeriana utilizam o mínimo de energia para o máximo de rendimento, e são

indispensáveis a sobrevivência do ser humano. As técnicas extracotidianas têm a

função de informar algo, sua natureza é estética, utilizam o máximo de energia para o

mínimo de rendimento e são o aporte da expressão artística (VIEIRA, 2003).

Mas então se a técnica é o recurso construtor de toda e qualquer dança no

corpo do dançarino, então o que diferencia uma apresentação de natureza codificada

da de natureza espontânea? Segundo Barba e Savarese seria a sua forma

28

pedagógica. Quando a arte cênica extracotidiana é espontânea, ou seja, vem de uma

técnica de dentro para fora, Barba os autores a definiram como técnica de

inculturação. Se a mesma é codificada, vem de uma técnica ensinada de fora para

dentro é conceituada como de aculturação:

Barba fala de uma técnica de inculturação e outra de aculturação. No primeiro caso, ‘o ator-bailarino utiliza sua espontaneidade o que lhe é natural, segundo um comportamento que ele absorveu desde o nascimento na cultura e no meio social a que ele pertence’ (Barba, 1989, p.29). No segundo, a técnica de aculturação, ‘os bailarinos clássicos ou modernos, os mímicos, ou os atores de teatro tradicional do Oriente renegam seu ‘natural’ e se impõem um outro modo de comportamento cênico. Eles se submetem a um processo de ‘aculturação’ forçado, imposto de fora, com uma maneira própria de se colocar em pé, de andar, de parar, de olhar, de estar sentado, distinta do cotidiano. (BURNIER, 2001, p.27)

Aqui esclarecemos que a codificação é entendida como ‘forma precisa que

deve ser respeitada, padrão preestabelecido que deve se repetir’ (BURNIER, 2001,

p.66). Portanto são as danças codificadas as que possuem metodologias estruturadas

e desenvolvidas com movimentos e gestos corporais específicos para sua

representatividade estética. Elas são carregadas de uma simbologia histórica, de uma

estética que as identifica e uma dinâmica que as padroniza independente da

nacionalidade ou descendência do artista. Uma dança que passou pelo processo de

codificação, é artificial na sua natureza técnica de aculturação e extracotidiana em seu

caráter corporal.

Provavelmente quando sua causa de finalidade reside apenas na essência da

técnica moderna heideggeriana, ela se converte em virtuosismo. Sua função não é

mais informar, mas sim de assombrar o apreciador em uma condição de

demonstração de habilidades. (VIEIRA, 2003) Nos parece, portanto, que o

questionamento histórico do pouco valor expressivo nas danças codificadas está não

na codificação em si, mas na perigosa tendência de focar o treinamento apenas com

a finalidade de rendimento perfeccionista dos parâmetros anatômicos e biomecânicos

de alta performance espetacular.

Segundo Burnier (2001), as técnicas de natureza pedagógica de inculturação,

que são extracotidianas, são mais árduas, difíceis e demoradas, pois se pautam no

desenvolvimento de uma técnica própria e pessoal que parte dos movimentos

cotidianos, ou naturais, contudo oriunda do esgotamento de todas as possibilidades

29

físicas, psíquicas e intelectuais. Ele difere isso do trabalho desenvolvido por

improvisação.

Concordo com o autor, diretor e ator brasileiro, quando coloca que a

improvisação não é a mesma coisa que criação. A improvisação é a mistura de

códigos conhecido pelo artista e aplicados dentro de uma estrutura estabelecida. Em

seu texto ‘A arte de ator: da técnica a representação’ ele compara a improvisação nas

artes cênicas à nossa capacidade de usar sentenças fonéticas para nos comunicar

usando a nossa língua natural (a que adquirimos no lugar de nosso nascimento).

Combinamos palavras em frases e expressões para nos comunicar mas não

necessariamente as inventamos. Em improvisação na dança se faz uso de sequências

de movimentos a partir de um estímulo geralmente sonoro e dentro daquela estrutura

musical reconhecida, contudo não significa que se está criando movimentos novos ou

estruturas novas, e sim criando novas possibilidades em frases coreográficas. A

improvisação pode tanto ocorrer em danças codificadas quanto em danças

espontâneas.

Isso esclarecido reforçamos que a inculturação é a criação de algo novo, quer

seja de movimentos desenvolvidos a partir de movimentos nunca antes levados ao

palco, e dilatados para isso, ou uma nova estrutura que abriga movimentos

culturalmente familiares e não codificados. Sua natureza é focada na espontaneidade

e geralmente há a preservação da cultura do dançarino.

Apliquemos, pois, o levantamento teórico sobre a técnica nas especificidades

da dança flamenca.

3.2. A técnica na dança flamenca

Eulália Pablo Lozano descreve a dança flamenca dotada de vários estilos e que

os mesmos podem ser classificados a partir de critérios distintos: musicais, sócio

geográfica, formais, de gênero e conteúdo. Ana Moya e Montserrat Franco (2013) em

seu artigo sobre a descrição de uma metodologia para ‘técnica básica’ de ‘baile

flamenco’ faz uso de movimentos codificados do balé clássico. Eva Peña (2010), em

seu artigo de opinião, diz que na dança flamenca se deve aprender a técnica e

esquecê-la.

30

Em nenhum destes exemplos é contestado de que não existe uma técnica no dançar

flamenco, contudo não se evidencia, com clareza, a natureza, essência e sua

funcionalidade prática real. Utilizemos os referenciais teóricos filosóficos para então

buscar uma melhor configuração do que é, de fato, a técnica do flamenco no dançar.

A técnica da dança flamenca, conceituando aristotelicamente, seria feita de

movimentos (causa formal), executada pelos dançarinos (causa material) graças ao

aprendido com os familiares ou coreógrafos (causa eficiente) com o propósito de ser

arte (causa final). Sem a técnica, tomando como exemplo o defendido por Eva Peña,

não há todos os elementos que permitam o ‘duende’. Portanto a questão não é a

técnica em si, mas as causas finais e formais que são nela aplicadas.

Antropologicamente existe uma técnica corporal flamenca, como já

evidenciamos na explanação a respeito do hábitus flamenco. Ou seja, desde os

primeiros contatos do indivíduo com o meio social já lhe são transmitidas técnicas

corporais que condicionam o corpo ao grupo que o indivíduo integra, qualquer

movimento pensado para uma música terá a influência de uma técnica cotidiana. Esta

é ensinada pelo processo de imitação e observação por convívio cultural. Tomemos

como exemplo o seguinte relato:

Em uma das aulas (...) chegaram três mulheres ciganas com um garoto de 6 ou 7 anos. Após conversarem com o professor, o menino foi colocado na primeira fila, em frente ao espelho (...). Apesar da atenção especial do professor, o menino não conseguia fazer um único movimento, nem seguir a música (...). Então o professor parou a aula e pediu que ele ‘bailasse’ como quisesse, com acompanhamento dos músicos. E ele sincronizado com a música, improvisando de maneira clara e precisa, de forma que o guitarrista conseguia improvisar junto com ele, sem nunca terem se visto antes. (LIBANEO, 1999, p.63)

Isto posto leva-se a crer que este garoto recebeu o flamenco cultural familiar, o

flamenco como técnica corporal. Apesar de não ser capaz, ainda, de realizar

movimentos propostos pelo professor em uma pedagogia de natureza extracotidiana,

soube dançar acompanhando com desenvoltura o ritmo proposto pelos músicos o que

demonstra a existência e permanência de uma técnica corporal cotidiana até os dias

atuais.

Quanto à perspectiva de Heidegger também detectamos a existência de uma

técnica focada no virtuosismo. Esta, se faz presente na produção artística para

atender às demandas de festivais, agremiações, casas de espetáculos e restaurantes.

31

Do corpo é extraído o máximo, se formam os dançarinos de alto rendimento que

alimentam toda uma verdadeira indústria cultural que se formou em torno do flamenco.

O foco destes treinamentos estão apenas no virtuosismo, as danças flamencas ficam

comprometidas em sua totalidade funcional simbólica mas paradoxalmente, por mais

questionáveis que sejam, seguem presentes e em exibição.

Dentro da perspectiva da Antropologia Teatral, pode-se dizer que a dança

flamenca também reconhece a presença de uma técnica quando a mesma é realizada

no espaço cênico, porque toda e qualquer forma de dança para cena, quer tenha a

sua causa de finalidade artística concentrada no produto ou no processo, possui uma

técnica e esta é sempre extracotidiana. Quanto à técnica extracotidiana ela tem uma

natureza de aculturação fora das fronteiras espanholas pois faz com que o educando

precise abandonar o que lhe é natural, anatomicamente confortável e emocionalmente

conhecido. Isso é reconhecido no discurso de Daniela Libâneo, após um workshop

com a dançarina espanhola Lola Trajano:

Sei que Lola é espanhola, por mais que não tenha crescido em um ambiente flamenco, teve um maior contato com esta cultura do que nós brasileiros. Tenho consciência que o nosso flamenco é diferente, lembrando novamente as palavras do bailarino Adrián Galia: um flamenco brasileiro. Entretanto, penso que há uma relação entre uma coreografia dançada de fora para dentro e o seu oposto, ou seja, a qualidade de movimentos...(1999, p109.)

Ela reconhece, uma dança que nasce ‘de fora para dentro’ e outra que nasce

‘de dentro para fora’. A técnica de aculturação poderia ser entendida como a

pedagogia que ensina de fora para dentro pois, como conceituamos anteriormente,

ela corresponde a um desenvolvimento por meio de uma expressão externa sob corpo

do dançarino. Enquanto que a técnica de inculturação podemos associar a ideia de

ensino que nasce de dentro para fora, pois a imitação e o contato com a dança nos

meios sociais familiares é que permite o aprendizado. Mas não significa que uma

dança que nasce de dentro para fora será mais verdadeira ou autêntica que a outra,

pois quando de fato o indivíduo se apropria de uma técnica de aculturação ela passa

a ser sua por hábitus. Tanto uma técnica aculturada, como uma inculturada, permite

a condução para uma dança autêntica, isso depende sempre do uso que se faz dela.

Em outras palavras, em ambas as técnicas é preciso entender que o educando dança

com o que o educador ensinou e não como o educador instruiu. Só assim é possível

uma arte sem amputações de suas particularidades estéticas.

32

Na sua busca pela expressividade ainda não alcançada, Daniela usou o recurso

da improvisação na metodologia de ensino que foi apresentado em sua tese de

mestrado. Isso reforça o ponto de vista antropológico teatral de que não é a

espontaneidade no improviso que a fará do tipo cotidiana já que o recurso de

improvisação, bastante válido e largamente usado pelos professores espanhóis nas

escolas e academias especializadas em ensino do flamenco para cena, mostrou sua

eficácia quanto à transmissão dos hábitus pertinentes as funcionalidades do corpo

flamenco.

Eva Peña também defende a improvisação para a técnica da dança flamenca

que reconhecemos como extracotidiana. Ela deixa implícito a valorização da

capacidade de improviso como o meio de se alcançar o ‘duende’:

Los profesores de baile flamenco tenemos una misión más allá que enseñar pasos, compás, movimientos, técnica, hay que dotar todas las enseñanzas de un duende, el duende no se puede enseñar, pero si se puede entregar la brújula para encontrar cada un@ esos caminos maravillosos que te llevan a tu estudio interior. Enseñar un movimiento y que cada alumno luego lo interprete y lo haga suyo, y consiga hacerlo tan suyo que no habrá dos iguales aunque sea el mismo paso.” (PEÑA, 2004, p.1).8

A partir do que foi apresentado, falta pontuar que de fato é reconhecido como

técnica em sua relação com a construção da estética flamenca. Tracemos este

caminho tomando como base o que Eulália Lozano configurou como os as

considerações técnicas da dança flamenca. Ela realiza um paralelo entre os estilos de

canto flamenco, aos estilos de baile flamenco. Ambos possuem em comum uma

diversidade de ‘palos’ ou estilos, com uma personalidade e estética próprias e bem

diferenciadas. Estes ‘palos’ é que imprimem na dança flamenca suas características

de ritmo e força expressiva.

Os ‘palos’ são gêneros musicais. O verbete, literalmente, significa galho ou pau

e metaforicamente se refere as ramificações e derivações que um estilo de canto tem

em relação a outro. Neste tipo de definição, mais recorrente e mais aplicável também

8Nós professores de dança temos a missão de ensinar muito mais do que passos, ritmos, movimentos, técnica,

temos que fornecer todos os meios de se alcançar o ‘duende’. Ele em si não se pode ensinar, mas se pode entregar a bússola para que cada um o encontre. Esses caminhos maravilhosos que te levam a interiorizar o aprendido. Ensine um movimento e, em seguida, cada aluno interpreta e faz com que seja o seu próprio, e levá-lo para fazê-lo de modo

que não haverá duas pessoas iguais, mesmo sendo o mesmo passo. N.T.

33

nos livros que descrevem a dança flamenca nas publicações nacionais brasileiras, os

movimentos são estudados e subordinados a música.

Para melhor pormenorizar a forma dos estilos de dança, ela recorre a uma

classificação segundo critérios que seriam: musicais, formais (coreográfico), sócio

geográficos, de gênero e conteúdo.

Na classificação do tipo musical, as danças são dividias em binárias, ternárias,

mistas e livre. É o tipo de classificação mais científica e rigorosa, já que permite incluir

todos os estilos de acordo com os gêneros musicais (‘palos’). No estilo denominado

como livre na classificação musical, englobam-se as interpretações mais

contemporâneas, onde o intérprete não subordina seu ritmo corporal ao ritmo musical,

ou seja os movimentos seguem em um compasso diferente do ouvido. (LOZANO,

2010).

Na classificação formal, as danças seriam do tipo espontâneas ou estruturadas.

Os bailes de estilo espontâneos seriam descritos como os de procedência popular,

que privilegiam a improvisação e o domínio do ritmo provavelmente apenas possíveis

quando aprendidos dentro do meio familiar. Os bailes estruturados são descritos como

a maioria das danças presentes nos espetáculos para o público, cujo desenho

coreográfico parece acoplar-se a uma sequência pré estabelecida. Na classificação

que ocorre quanto a diferenciação de gênero a dança masculina é distinta da dança

feminina. A técnica para homens teriam a predominância de giros e sapateado e a

dança feminina mais rica em movimentos de braços e o uso de adereços como leques,

saias e xales. (LOZANO,2010).

Nas danças segundo os critérios sócio geográficos, assim ela as descreve:

La ubicación geográfica o el lugar de nacimiento y formación de los bailaores impregna sus formas y movimentos de las características antropológicas de sus habitantes, imprimiéndoles también um sello de identidade. Hoy no és difícil apreciar la escuela sevillana, granadina, gaditana o jerezana.(LOZANO, 2010, p.67).9

9 A localização geográfica, ou o local de nascimento e formação dos dançarinos, se impregna no seu movimento

como formas de caracterizações antropológicas do habitante, imprimindo também um selo em cada um, uma identidade. Hoje é possível identificar a escola de Sevilha, de Granada, de Cádiz ou de Jerez. N.T.

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Nas danças classificadas quanto ao conteúdo, há uma relação direta com a

estética. Ela pontua que são diferenciados segundo a mensagem que tentam

transmitir. Isso afina a coreografia com a melodia e o figurino. Seriam de dois tipos:

dramáticos ou festivos. Os estilos para serem classificados pelo conteúdo leva-se em

conta o andamento e o tom musical. Se o tom for maior e com andamento alegro, é

preterido movimentos que visualmente demonstrem alegria e festejo e,

consequentemente, os figurinos e adereços terão colorações claras e vivas. O oposto

também se aplica.

De acordo com o descrito, é possível identificar a técnica extracotidiana nas

danças estruturadas e a técnica cotidiana nas danças espontâneas. Características

da inculturação nas danças de aspectos sócio geográficos e no estilo contemporâneo

livre e aculturação nas codificadas. O flamenco dançado por pessoas não-espanholas

ou dentro dos ditames da técnica extracotidiana terão características de aculturação.

4. ESTÉTICA

Compreender a relação entre o fenômeno por trás do arquétipo que se tornou

a figura da bailarina de flamenco e sua relação com a técnica não é uma tarefa simples

em um trabalho acadêmico de graduação, pois se esbarra na falta de uma clara

codificação detalhada do ensino técnico flamenco, que é predominantemente de

natureza oral, tendo em vista que os estudos da flamenco focados na dança são muito

recentes. Seria necessário uns bons anos de estudo e pesquisa para elucidar os

aspectos estéticos inerentes a imagem da sedutora bailarina. Mas é inegável que há

um modelo e a técnica o transmite.

4.1. A busca pela beleza vista: a estética flamenca

A imagem da sedutora espanhola, ou cigana, encantando a plateia com seus

movimentos, enquanto varões infligem no ar suas vozes guturais e seus acordes

musicais dramáticos é o que mais povoa as descrições de viajantes que presenciam

o flamenco na sua primeira etapa histórica (século XVII até a Idade de Ouro):

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“En estos relatos se caraterizó la visión de ‘lo andaluz’ como sinécdoque de ‘lo español’, la entronaización de los tipos populares que ya había quedado en la literatura de cordel y se desarrollaría en el casticismo realista nacionalista, y el voyeurismo masculino, como veremos em pautas, fundamentales para entender las descripciones realizadas sobre las mujeres andaluzas.” (CARRIÓN, 2009, p.61)10

Os próprios meios de comunicação de massa da era moderna, como o cinema

e a televisão, perpetuam esta imagem da dançarina de flamenco como uma espécie

de adorno estético. Os fatores que influenciam esta predominância iconográfica

feminina na dança flamenca se dão pelo fato de que era o corpo feminino o estandarte

de ideais religiosos e políticos em propagandas de natureza nacionalista, tornando o

flamenco como um patrimônio da identidade espanhola, o que se pode evidenciar na

quantidade maior de imagens de corpos femininos em cartazes e propagandas cuja

temática é o flamenco.

A relação entre técnica e estética está tão intricada na dança flamenca que elas

quase se confundem nos corpos dos dançarinos e dançarinas de flamenco como

evidenciamos ao descrever o hábitus flamenco que confere uma funcionalidade de

heterodoxia no corpo.

O modelo que se configurou após o primeiro período histórico do flamenco

(século XVII até a Idade de Ouro), que apresentamos acima, está subjugado aos

estilos pessoais e circunstancias: a partir dos artistas mais influentes em épocas

anteriores, o modelo estético é estabelecido e tido como parâmetro tradicional até que

surja um novo inspirado com sede de transgressão e delimite um outro modelo

estético para as gerações futuras. A exemplo disso é recorrente citar a dançarina

espanhola Carmen Amaya (1918-1963) que vestiu uma calça e sapateou em uma

época onde calças e sapateado eram exclusividades do baile flamenco do gênero

masculino. Atualmente não há dançarina prestigiada internacionalmente, e premiada

nos grandes festivais, que não tenha feito uma coreografia usando calça ou

sapateado.

10 ‘Nos relatos se caracteriza a visão de ‘andaluz’ como sinédoque de ‘espanhol’. O entronamento dos

tipos populares que estavam na literatura de cordel e se desenvolveriam dentro do tradicionalismo nacionalista realista, e o voyeurismo masculino, como diretrizes, são fundamentais para entender as descrições das mulheres andaluzas’. N.T

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No Brasil, a imagem da espanhola vestida em trajes do início do século XX

tenta se harmonizar com as modernas composições coreográficas trazidas pelos

artistas espanhóis que, anualmente, visitam os festivais e academias nacionais,

oferecendo disputados cursos e workshops. Aos professores de dança flamenca que

não podem usufruir destes workshops resta tomar de exemplo as danças flamencas

dos vídeos disponíveis pela internet. Tentar trazer um folclorismo antigo ao flamenco

brasileiro é de um paradoxo gritante já que para a tradicional e ortodoxa visão de

flamenco ‘puro’ e ‘antigo’, esta dança só está ao alcance dos que tem ‘sangre gitano’.

Mesmo em solo ibérico, há os que já elevam esta discursão, sobre a estética

da dança flamenca ao fato de ela estar subordinada às técnicas corporais cotidianas

ou valorizam o aspecto eidos (parâmetros racionalizantes) no hábitus como o

verdadeiro parâmetro estético, a retóricas de contrassenso à própria natureza do

flamenco:

Éste uso equívoco, ha provocado entre los profesionales y la sociedade ésta falsa identidade de lo que es considerado para la gran mayoria la estética del baile flamenco. Mirar el flamenco desde esta perspectiva (...) em um arte hibrido desde su origen está más cercano a la ignorância de pensamentos cerrados y conservadores...(PERALTA, 2011, p.15)11

Ao longo do artigo deixamos implícito a relação entre a técnica e a estética.

Dos trabalhos sobre flamenco consultados para uns a técnica leva ao alcance da

estética, para outros a prejudica. Para os mais ortodoxos se deve privilegiar a estética

popular antiga, para os heterodoxos a natureza híbrida e de funcionalidade

transgressora toma a técnica como uma aliada e detentora do caminho mais plausível

para a improvisação ou o desenvolvimento de livres formas de expressão estéticas

flamencas.

11 Este uso equivocado, tem provocado entre os profissionais e a sociedade essa falsa identificação do que se

pode considerar como a estética da dança flamenca. Olhar o flamenco nesta perspectiva (...) em uma arte híbrida desde sua origem está mais próximo da ignorância de pensamentos fechados e conservadores... N.T.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo me fez compreender que há técnica na arte flamenca em toda sua

complexidade. Segundo os vários pontos de vista conceituais abordados e

apresentados, a dança flamenca possui uma técnica que terá variantes segundo a

sua natureza, localização, grupo sócio geográfico envolvido e causas adotadas. Ela

pode ser cotidiana ou extracotidiana. Virtuosa ou expressiva. Espontânea ou

codificada. Tudo dependerá do seu contexto.

Na técnica flamenca há uma estrutura particular de funcionalidades inerentes

ao corpo como símbolo social, seu hábitus, o que evidencia sua existência e

importância. Estes hábitus constroem hexis corporais universalmente reconhecidas

como pertinentes à sua identidade e serão estas os que realmente devem ser levados

em conta quanto a legitimidade e autenticidade estética como arte.

Quanto ao flamenco que é levado para a cena, ele se configura com uma

técnica extracotidiana e necessariamente de aculturação. Por mais contato que se

tenha com a cultura espanhola é necessário ter consciência disso, assim como

reconhecer a natureza híbrida da estética flamenca. Desde sua origem, o flamenco,

se configurou em uma manifestação oriunda dos cantos e danças populares de

distintos povos que formaram a Espanha andaluza. Andaluzia não é cigana, não é

mourisca, não é latina ou apenas católica, portanto, não se pode exigir pureza para

excluir outros povos de algo que não nasceu ‘puro’. Até a natureza eidos de sua

funcionalidade heterodoxa é transgressora.

É legítimo supor que ciganos andaluzes espanhóis, por receberem a técnica

flamenca cotidiana e espontânea, estarão mais em contato com os hábitus sociais

flamencos. Eles terão grande vantagem em relação a qualquer praticante não-

espanhol. Mas o determinante não é genético e sim pedagógico e cultural. Quanto

mais contato com o hábitus flamenco, quanto melhor o corpo aprimorar suas

funcionalidades culturais a partir do convívio dos valores flamencos que estão na

história, nas estruturas, nas músicas, nas poesias, nas danças e no canto, mais o

corpo se tornará flamenco, como se tivesse nascido em berço ibérico. Isso fica

demostrado pelas dançarinas japonesas, que nenhuma descendência ibérica

possuem e seguem exitosas em festivais espanhóis de pequeno porte.

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É legítimo considerar que cada país, em busca da virtude inerente ao ‘bem

fazer’ possível através de bons exemplos provenientes da Espanha, configurará o seu

flamenco tão cheio de expressividade e simbologia, tal como o original, pois na técnica

estão as sementes, a essência, o caminho. A verdadeira estética flamenca depende

disso, de ser plural em sua diversidade cultural desde sua gênese e transgressora em

seu modelo estético tão plasticamente metamórfico.

Quanto ao ensino da dança flamenca nas academias e escolas especializadas

potiguares, defendo o uso da técnica dentro de uma perspectiva de corpo

fenomenológica e que apresentem propostas estéticas não de fossilização ou

estereotipia, mas de continuidade e renovação da pluralidade, ritmo, caráter e força

expressiva que o flamenco possui.

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