Natureza de Descartes

Embed Size (px)

Citation preview

FILOSOFIA, TICA E MEIO AMBIENTE BERGSON X DESCARTES: A CRTICA AO MODELO MECANICISTA E ANTROPOCENTRISTA DE COMPREENSO DA NATUREZA E A ABERTURA DE NOVAS PERSPECTIVAS PARA A TICA AMBIENTAL Tarcsio Jorge Santos Pinto11 Doutor em Filosofia pela USP. Professor da Faculdade de Educao/UFJF, da Faculdade Machado Sobrinho, das Faculdades Integradas Vianna Jnior e da FACSUM. (email: [email protected])

Resumo: Pretendemos com esse texto, primeiramente, delinear o modelo mecanicista de compreenso da natureza, segundo Ren Descartes (15961650), modelo este que depois foi desenvolvido tambm por outros filsofos e cientistas a partir do sculo XVII, reforando uma concepo que apresenta o homem como o ser mais importante do universo depois de Deus, e para quem toda a natureza foi criada. Procuraremos mostrar que tal modelo exerceu grande influncia at os nossos dias, servindo muitas vezes de base ideolgica, mesmo que inconsciente, para justificar a explorao desmedida e irresponsvel da natureza pelo homem. Como exemplo de contraposio a esse mecanicismo cartesiano, apresentaremos a concepo de natureza desenvolvida por Henri Bergson (18591941), a qual se estrutura propondo uma integrao maior entre o homem e o seu meio ambiente, capaz de nos abrir uma outra perspectiva tica ambiental, no mais excessivamente antropocntrica. PALAVRAS CHAVE: Bergson; Descartes; intuio; razo; tica Ambiental Philosophy, Ethics and Environment Bergson x Descartes: The criticism to the mechanicist and anthropocentrist model of nature comprehension and the new perspectives to the Environmental Ethics Abstract: We intend with this article, firstly, to draw the mechanicist model of nature comprehension, according Ren Descartes (1596 -1650), model that after a while was also developed by other philosophers and scientists from the XVII century on, reinforcing a conception that presents the man as the most important been of the universe after God, and for who all the nature was created. We will seek to show that the mentioned model had great influence until the modern days, being taken for many times as an ideological basis, even though unconsciously, to justify the immeasurable and irresponsible exploration of nature by the man. As an example of contraposition to this Cartesian mechanism, we will present the conception of nature developed by Henri Bergson (1859 -1941), which has a structure that proposes a greater integration between man and his environment, capable to open us another environmental ethics perspective, no longer excessively anthropocentric. Key Words: Bergson; Descartes; Intuition, reason, Environmental Ethics

INTRODUO Os filsofos gregos desenvolvem uma sofisticada concepo da natureza como um organismo vivo, e esta concepo herdada pelos estudiosos medievais. Embora haja muito debate em torno dos detalhes, a noo de que tudo que existe tem a sua alma, a sua substncia prpria mesmo os seres mais inferiores, como uma simples larva, e at mesmo uma planta ou seja, a doutrina do animismo, ocupa posio central no pensamento do homem grego a respeito da natureza. Os grandes filsofos antigos defendem que o mundo natural um todo vivo porque possui um movimento de transformao incessante. Mesmo Plato que considera a transformao como algo menos importante, se comparado perfeio das ideias eternas e imutveis, acredita no movimento vivo de todas as coisas. No geral, os pensadores gregos concebem tal movimento de mudana e transformao dos seres como sendo regular, obedecendo a uma ordem inteligente que o homem pode conhecer. A natureza assim vista, segundo a denominao grega, como um cosmos, como um todo equilibrado, organizado, no qual cada coisa possui sua alma e tem o seu lugar prprio para manter a harmonia do conjunto. E tudo isso poderia ser objeto de conhecimento da razo humana (SHELDRAKE, 1995) 2.2 Rupert 3 Rupert

Sheldrake cita COLLINGWOOD, R.G. The Idea of Nature. Oxford: Oxford University Press, 1945. Sheldrake cita a este respeito GILSON, Etienne. The philosophy of St. Thomas Aquinos. Nova York: Dorset Press, 1930.

A Filosofia ortodoxa da natureza ensinada na Idade Mdia nas escolas das catedrais e nas universidades, continuando a tradio grega, tambm animista. Ou seja, para os medievais, todas as criaturas vivas tm alma e mais do que isto, nelas no a alma que est dentro do corpo, mas o corpo que est dentro da alma que permeia todas as suas partes (SHELDRAKE, 1995) 3. tambm a alma a responsvel pelo crescimento e desenvolvimento do embrio, de modo que o organismo possa assumir a forma caracterstica da espcie qual pertence. Por exemplo, uma semente brota e se torna um carvalho porque atrada em direo forma madura da rvore por sua alma, a alma do carvalho. Em uma linguagem filosfica aristotlica, no ser material (matria) e no ser espiritual (forma) da semente, j podemos encontrar a potncia capaz de torn-la uma rvore em ato. Os filsofos medievais diferenciam a alma vegetativa da alma sensitiva ou animal e estas da alma humana que, alm dos instintos animais, possui a mente ou o intelecto como principal componente. Mas no homem, o intelecto no separado das almas animal e vegetativa; em vez disso, a

mente racional est ligada aos aspectos animal e corporal da mesma alma que so inconscientes. Em outras palavras, para os medievais, a alma humana inclui tanto a mente consciente de uma pessoa, ou seja, sua essncia espiritual, como a vida do corpo, os sentidos, as atividades corpreas (vegetativas) e os instintos animais (SHELDRAKE, 1995) 4. Enfim, como na Filosofia grega antiga, na Filosofia medieval se defende que todos os seres vivos possuem sua alma prpria e devem ser vistos como microcosmos de um grande organismo que a natureza, o macrocosmo.

4 Rupert

Sheldrake cita COLLINGWOOD, R.G. The Idea of Nature. Oxford: Oxford University Press, 1945.

Na Filosofia e cincia modernas, por meio da revoluo mecanicista que procura compreender a natureza atravs dos princpios da matemtica, o modelo antigo e medieval do cosmos vivo gradativamente substitudo pela ideia do universo como mquina, uma mquina que obedece a leis deterministas e universais. De acordo com essa nova concepo, a natureza em geral no tem vida prpria, sendo desprovida de alma e destituda de qualquer espontaneidade. Ela antes de mais nada matria fsica, movendo-se em obedincia s leis matemticas eternas dadas por Deus, que passa a ser concebido como um Deus que se guia por um pensamento racional e mecnico. Dentro desta tradio moderna, Ren Descartes o pensador quem primeiro sistematiza o paradigma mecanicista de compreenso da Natureza. 1. A CONCEPO CARTESIANA DE NATUREZA Nas obras Discurso do Mtodo, Meditaes Metafsicas e Tratado das Paixes da Alma, Descartes desconstri a noo de forma substancial aristotlica, colocando no seu lugar uma concepo puramente mecnica do universo. Como sabemos, nas filosofias de Plato e Aristteles, a noo de matria representa toda a parte acidental (sujeita ao acaso) e irracional das diversas coisas existentes: a matria, assim, representa o que da realidade ainda h de impenetrvel razo humana. De modo oposto, na fsica cartesiana, sustenta-se a ideia de que a matria extenso geomtrica, cujas leis so plenamente passveis de serem conhecidas. Tudo na natureza visto ento como matria inanimada que se desenvolve de forma constante, no havendo lugar para algo que ultrapassasse a razo humana. Todas as diversas manifestaes dos diversos seres existentes, percebidas de forma mltipla pelos rgos dos sentidos, so consideradas por Descartes como diversas apenas na aparncia. Na verdade, para Descartes essas diversas manifestaes materiais so unas e devem ser

consideradas de forma genrica, j que tudo extenso e tem por base leis matemticas aplicveis a todas as coisas, compondo suas verdadeiras realidades. Na filosofia cartesiana, as almas so eliminadas da totalidade do mundo natural. Toda natureza considerada como inanimada e desprovida de espiritualidade. A alma tambm retirada do corpo humano, que se converteria num perfeito autmato mecnico, se no houvesse, numa pequena regio do crebro, a glndula pineal onde est alojada, segundo Descartes, a mente consciente, que promove a relao da alma com o corpo e vice-versa. Nas Meditaes Metafsicas, ele toma como primeiro princpio de sua Filosofia e cincia a ideia do cogito (penso, logo existo) e sustenta a partir dessa ideia que sua mente pensante essencialmente desencarnada. Vemos, assim, dentro da Filosofia cartesiana, um desprezo explcito pelo corpo em todas as suas manifestaes e uma valorizao excessiva da razo e de seu potencial de conhecimento. Para o filsofo francs, tudo o que nos vem atravs do corpo confuso e obscuro se comparado clareza e distino das ideias que nossa razo produz por si mesma. Na cadeia de raciocnios que Descartes desenvolve nas Meditaes, a certeza da existncia do corpo terciria: s podemos reconhecer sua existncia depois de provadas as existncias do pensamento e de Deus, realidades, inclusive, mais fceis de serem conhecidas do que o corpo, segundo o que escreve o filsofo francs. Descartes salienta, no Tratado das Paixes da Alma e no Discurso do Mtodo, que o corpo pode ser visto como uma mquina perfeita criada por Deus. Ele compara os nervos do corpo a canos de gua, as cavidades do crebro a reservatrios, os msculos a molas mecnicas, a respirao aos movimentos de um relgio. S o calor interior distinguiria a matria do corpo vivo de um cadver. Ambos so substncias extensas para Descartes. O homem se no possusse alma, em quase nada se distinguiria dos animais e seria uma simples mquina, apenas um pouco mais complexa. Como ao corpo humano se une uma alma, o homem pensa, imagina, sente e sujeito a paixes. Justamente por possuir alma, segundo Descartes, o homem um ser vivo que se distingue dos demais e, por esta razo, deve ser considerado a mais importante criao de Deus. Os animais e as plantas, para ele, so considerados ento como simples mecanismos que, por no possurem alma, no podem sentir realmente, uma vez que o sentimento, nessa tica cartesiana, estaria relacionado diretamente ao pensamento, ou seja, alma racional. Neste contexto, as reaes das plantas e dos animais so sempre vistas por este filsofo francs e seus seguidores como reflexos de seus corpos-mquina, uma vez que os animais e as plantas so supostamente inanimados, os homens estariam livres de qualquer suspeita de crime, por maior que fossem as atrocidades s quais os submetessem. Por conseguinte, no deveria haver dvidas quanto ao direito do

homem de tirar proveitos das criaes brutas; os homens, por serem seres superiores, teriam o direito de dominar a natureza em geral e todos os seres que dela fazem parte, garantido por Deus; pode a utilizar conforme suas mais variadas pretenses. Alguns dos continuadores do pensamento cartesiano negavam, explicitamente, que os animais pudessem sentir dor. O grito de um co espancado, por exemplo, no constituiria uma prova mais satisfatria de que ele sofrera do que o som de um rgo provaria que o instrumento sentia dor quando tocado (SHELDRAKE, 1995) 5.

5 Rupert

Sheldrake cita a este respeito THOMAS, K. Man and the Natural World: changing attitudes in England 1500 1800. Harmondsworth: Penguin Books, 1984.

No Discurso do Mtodo, Descartes escreve que os animais funcionam, segundo a disposio de seus rgos, assim com um relgio, que composto apenas de rodas e molas. Para o filsofo francs, os animais participam apenas da realidade material extensa e, por isso, no sentem ou pensam. Os autmatos (imagem aplicvel aos animais e ao corpo humano sem alma), assinala Descartes na mesma obra, nunca poderiam usar palavras, nem outros sinais, compondo-os, como fazemos para declarar aos outros os nossos pensamentos. Desta forma, o uso da linguagem certamente, no cartesianismo, outro trao de distino entre os homens e os animais. A doutrina dos animaismquina atende, segundo HANSEN (1996), a um duplo propsito no pensamento de Descartes: de um lado, aos interesses da cincia moderna; de outro, s verdades da f. Uma tese que atribusse racionalidade aos animais poderia colocar em questo a imortalidade da alma. O mecanicismo cartesiano, ao contrrio, preserva a religio e, ao mesmo tempo, institui a separao entre o corpo e alma em benefcio da cincia moderna, desde ento liberada das causas finais da tradio aristotlica. Para Descartes, portanto, a fsica inteira dos corpos celestes, dos corpos terrestres e dos corpos viventes, no o no fim das contas mais que um mecanismo cujas leis fundamentais se deduzem de uma metafsica ela mesma matematicamente evidente (GILSON, 1954, p. 9). De acordo com o pensamento cartesiano, o homem , atravs de sua razo, semelhante a Deus. Ele pode conhecer racionalmente as leis da Natureza e, desse modo, participar da mente matemtica do prprio Deus. Imaginando seu verdadeiro eu como um observador desencarnado e no como um coparticipante incorporado a um mundo vivo, Descartes proporciona a base filosfica para o ideal de desprendimento cientfico responsvel pelo desenvolvimento de uma tica antropocntrica de explorao da Natureza. Segundo o que escreve Maria Luza Landim, Descartes, no campo da realidade, situa sobre planos opostos as substncias designadas pelos termos genricos de alma e corpo. O mundo corpreo

corresponde ideia de natureza como alguma coisa exterior ao homem. Na realidade a oposio se d entre o que propriamente humano, a alma, e seu exterior, que abrange todas as coisas materiais, inclusive o corpo humano. Dessa forma, a ruptura radical entre o homem e a natureza se instalou no nvel filosfico. O que representa tambm a inaugurao do antropocentrismo moderno. (...) A razo descobriu o modo de submeter toda a realidade (os entes em sua totalidade) sua vontade. A razo tecno-cientfica, ento, reduziu a realidade a um estoque de energias, antes inacessveis. O ser humano, por sua vez, submisso tecno-cincia, obriga a realidade a se objetivar numa diversidade de produtos de consumo. o antropocentrismo puro e simples que faz do homem mestre e senhor da natureza (LANDIM, 2001, pp. 148 e 150; grifos do autor) 2. OS DESDOBRAMENTOS DO MECANICISMO CARTESIANO E A CRTICA DE HENRI BERGSON Esta forma de compreender a natureza em geral e os seres vivos, em particular preponderante na cincia e Filosofia modernas a partir de Descartes, atinge seu pice com a fsica newtoniana no sculo XVII. Newton consegue dar uma forma mais bem acabada teoria mecanicista, fundamentando-a em leis expressas matematicamente por meio das quais os fenmenos naturais so explicados. Ao mesmo tempo, a partir da fsica newtoniana so desenvolvidas muitas aplicaes prticas, e sua influncia perdura por muitos anos no meio cientfico-filosfico e na sociedade em geral. O modelo newtoniano chega ao sculo XIX e se faz sentir diretamente no pensamento positivista que se desenvolve nesta poca. O positivismo passa a defender que somente verdadeiro o conhecimento construdo a partir de dados diretamente observveis na natureza, passveis de serem compreendidos atravs de um mtodo experimental de mensurao que os ligue numa cadeia rigorosa de causas e efeitos. Por outro lado, de acordo com essa doutrina, os fenmenos devem ser estudados de forma generalista, buscando-se alcanar leis cientficas universais e imutveis. Conforme destaca Jos Amrico de Motta Pessanha, nessa poca o edifcio todo da cincia aparecia regido por frreo determinismo, no dando margem a qualquer arbtrio (divino ou humano) ou ao impondervel (BERGSON, 1984, p. 9). Procura-se tambm, neste momento, restringir cada vez mais o papel da Filosofia no processo do conhecimento. Ela passa a ser vista como mera auxiliar das cincias, tendo a funo de ajudar a generalizar suas concluses. Influenciados por Kant, que constri sua Filosofia a partir do modelo de cincia desenvolvido por Newton, os positivistas acreditam no fim da metafsica. Eles passam a aplicar o mecanicismo cientificista inclusive no estudo da sociedade,

procurando traduzi-la em leis deterministas. Podemos ver isso claramente em Auguste COMTE (1984, pp. 3-20). Por fim, a partir da influncia do positivismo, so estudados at mesmo os fenmenos psicolgicos, que acabam tambm sendo submetidos medio. Na segunda metade do sculo XIX, desenvolve-se, ento, uma psicologia associacionista, cujos principais representantes, Gustav Fechner e Ernst Weber, defendem que o eu psicolgico humano passvel de ser compreendido a partir da associao s leis que regem o funcionamento da matria. Fechner e Weber buscam, como a tendncia nesta poca, representar a estrutura dos fenmenos observveis em leis universais expressas em linguagem matemtica, aplicveis a todos. Eles elaboram, por exemplo, a lei segundo a qual qualquer sensao seria diretamente proporcional ao logaritmo de seu estmulo (BERGSON, 1984, p. 9). Influenciadas tambm pelas propostas do positivismo, as cincias do sculo XIX comeam a se particularizar, criando saberes especficos. Apoiadas pelo desenvolvimento das tcnicas, muitas descobertas so feitas nos mais diversos campos, particularmente no das Cincias Biolgicas. A Biologia inclusive ganha cada vez mais importncia, e os conhecimentos por ela gerados vo revolucionando a compreenso da realidade que cerca o homem. neste ambiente de efervescncia cientfica que surge o pensamento de Henri Bergson. Ele nasce em Paris em 1859 e, desde quando comea seus estudos, mostra-se bastante interessado pela Filosofia e pelas cincias. Bergson dedicase Filosofia, mas, com o tempo, no encontra na tradio filosfica nenhuma linha de pensamento que deseje seguir. V, nas diversas teorias filosficas, um excesso de racionalismo abstrato e generalista. No encontra nada, em princpio, que julga poder atender s necessidades de seu tempo: para ele, uma filosofia que expresse realmente a realidade da vida, apoiando-se nas grandes descobertas que as cincias de sua poca esto efetivando6. Bergson mostra, desde o incio, a inteno de tornar a prpria Filosofia um saber que consiga se impor ao esprito humano com a mesma fora da cincia. Isso vai se tornar um trao caracterstico do seu pensamento, manifestandose depois no momento da publicao de cada uma de suas obras filosficas. Henri Gouhier destaca que aos olhos de Bergson, a Filosofia uma cincia, cada livro traz em si o resultado de pesquisas metodicamente conduzidas e este resultado no deve ser publicado seno quando puder se impor a todos os leitores competentes... (BERGSON, 1991, p. 9). Na linha de Descartes, de quem tanto vai se distinguir, Bergson almeja que a metafsica6 Cf.

Jos Amrico M. Pessanha na introduo ao volume Bergson da coleo Os Pensadores e Henri Gouhier na introduo Oeuvres de Bergson (dition du Centenaire).

seja tomada como science rigoureuse. Tambm como Descartes, concebe que h uma continuidade, ou melhor, uma complementaridade entre cincia e Filosofia, esta entendida como metafsica. Mas enquanto o primeiro tem como paradigma de cincia a matemtica (por causa da certeza e evidncia de suas razes... 7), o segundo busca, na Biologia, os dados para dar sustentao ao seu discurso filosfico. Por esse motivo, constata Henri Gouhier: a Filosofia cincia maneira das matemticas segundo Descartes, maneira da Biologia segundo Bergson (BERGSON, 1991, p. 12) 8.7 Ren

Descartes, Discours de la mthode, 1a parte, p. 7.

Gouhier, introduo Oeuvres. Madeleine Barthlemy-Madante, em Bergson (p.97), escreve tambm que a obra bergsoniana no se desenvolve maneira de um sistema que estende seus tentculos hipottico-dedutivos, mas seguindo o mtodo do biologista que observa, experimenta, coloca hipteses diretivas, sempre pronto a precisar o confuso, a enriquecer o contorno de seu universo. Temos ainda as prprias palavras de Bergson: preciso romper os quadros matemticos, levar em conta as cincias biolgicas, psicolgicas, sociolgicas, e sobre esta mais larga base edificar uma metafsica capaz de subir mais e mais alto atravs do esforo contnuo, progressivo, organizado, de todos os filsofos associados no mesmo respeito experincia (Le paralllisme psycho-physique et la mtaphysique positive, Bulletin de la Socit Franaise de Philosophie, 2 mai 1901, in Mlanges,p.488).8 Henri

Mostrando-se insatisfeito com a filosofia positivista de seu tempo, influenciada diretamente pelo mecanicismo cartesiano de cunho matemtico, Bergson defende a necessidade de uma Filosofia que se distancie dessa tendncia de pensamento, aproxime-me mais das cincias da vida e recupere o valor da metafsica. ento, nesse estado de insatisfao frente tradio, que ele acaba tomando contato com o pensamento de Herbert Spencer e descobre que este filsofo ingls escreve uma vasta obra na qual as cincias da vida passam a ser referncia bsica, ocupando a ideia de evoluo um lugar central. Spencer defende o evolucionismo como inerente no s Biologia, mas tambm a outros campos de conhecimento, tais como o da tica e o da sociologia. Ele comea a defender a ideia de evoluo num ensaio denominado A Hiptese do Desenvolvimento (1852) e na obra Princpios da Psicologia (1855), antes mesmo de Darwin publicar A Origem das Espcies em 1859. Bergson, ao ler a obra seguinte de Spencer Os Primeiros Princpios (1864) , acredita encontrar, nesse pensador, a orientao para a Filosofia que deseja construir. Fascina-o de imediato a ideia de evoluo que Spencer apresenta perpassando tudo na natureza, tanto a materialidade, quanto a espiritualidade, e tudo sendo tecido a partir de dados concretos. No entanto, logo que comea a estudar mais profundamente, na obra citada, a noo de tempo na qual esse pensador fundamenta sua concepo de evoluo, Bergson chega concluso de que tal concepo sustenta-se tambm no mecanicismo de tradio cartesiana e newtoniana,

no descrevendo realmente a vida, mas dando dela apenas uma representao artificial. A partir disso, acaba tornando-se crtico dessa noo de tempo mecnico e cria um novo conceito para representar propriamente o tempo da vida, o qual denomina de durao (la dure), defendendo que s sustentados nesta realidade podemos descrever verdadeiramente a natureza em geral. Baseado ento na realidade da durao, Bergson fundamenta uma nova Filosofia. Atravs dela, busca recuperar o sentido prprio da metafsica, coloca em questo toda a tradio filosfica e desenvolve uma outra concepo de evoluo da vida, oposta ao mecanicismo de tradio cartesiana e ao evolucionismo de Spencer, que passa a ser considerada como um falso evolucionismo. 3. A NOVA METAFSICA DO TEMPO E DA NATUREZA PROPOSTA POR BERGSON Opondo-se a Descartes, Bergson desenvolve sua concepo metafsica numa outra direo. Sustentando-se, conforme j mencionamos nos dados das cincias de sua poca, ele defende que a essncia da realidade a durao, que o ser devir e que, no universo, vigora a liberdade e a evoluo contnua que criam a cada momento algo novo, em ltima instncia incomensurvel ao que antes existia. Neste universo, a materialidade e a espiritualidade se apresentam como as duas formas nas quais o impulso originrio da vida (o lan vital) se desdobra. Ou seja, matria e esprito so, para Bergson, as duas formas de apresentao da energia existente no universo (embora, segundo ele, a noo de energia seja apenas aproximativa) que se permeiam desde o incio da evoluo, cada qual se desenvolvendo de forma contrria outra: enquanto a primeira caracteriza-se pela condensao da energia, a segunda permanece como energia pura, da qual a primeira se origina. Neste sentido, Bergson defende que o universo no pode ser concebido apenas como matria e nem tampouco se pode pensar a matria de forma mecnica (BERGSON, 1991, p. 578 e ss.). Diferentemente da concepo de Descartes, para Bergson, a matria como um fluxo de energia a partir do qual nossa percepo isola imagens de objetos, em funo daquilo que se configura como til s nossas aes. Segundo ele nos mostra, medida que a fsica moderna se desenvolve em sua poca, torna-se cada vez mais clara a impossibilidade de se representar a matria a partir de partculas elementares e individuais baseado naquilo que percepcionamos.

Quanto mais a fsica progride, mais se apaga a individualidade dos corpos e at das partculas nas quais a imaginao cientfica comeara por os decompor; corpos e corpsculos tendem a fundir-se numa interao universal. As nossas percepes do-nos o desenho da nossa ao possvel sobre as coisas, muito mais do que o das prprias coisas (BERGSON, 1991, pp. 655 e 803) 9.

escreve em Matire et Mmoire que a matria, para ns, um conjunto de imagens. E por imagem entendemos uma certa existncia que mais que aquilo que o idealista denomina uma representao, mas menos que aquilo que o realista denomina uma coisa, uma existncia situada a meio caminho entre a coisa e a representao. (BERGSON, 1991, p.161); e ainda Chamo matria o conjunto das imagens, e percepo da matria estas mesmas imagens relacionadas ao possvel de uma certa imagem determinada, meu corpo. (BERGSON, 1991, p. 173).9 Bergson

Para desenvolver a metafsica na outra direo, ou seja, naquela que se fundamenta na durao, segundo Bergson, necessrio inverter a marcha habitual do trabalho do pensamento, deixando de considerar a realidade a partir dos recortes da inteligncia ou razo para pens-la a partir daquilo que ela realmente enquanto movimento contnuo de criao e liberdade que se desdobra no tempo. Para tanto, Bergson defende que a Filosofia deve apoiar-se fundamentalmente na intuio, pois a intuio que nos permite acompanhar o devir e a durao que caracterizam a prpria substncia da realidade. Mas importante entendermos, antes de mais nada, que em Bergson esta noo de intuio pensada dentro de um contexto especfico. Bergson pensa a intuio a partir do estudo da evoluo das formas de conhecimento na natureza, procurando unir teoria do conhecimento e teoria da vida. De acordo com o que Bergson escreve, a inteligncia ou o entendimento ou a razo que, conforme j notamos, querem dizer o mesmo para ele na sua evoluo, no consegue compreender realmente a realidade da vida. Por estar voltada conscincia, ela tem at a capacidade para isto, mas aprisionando-se no hbito adquirido na ao junto matria, s consegue ter do verdadeiro movimento vital uma compreenso superficial e, por assim dizer, exterior. O instinto, por outro lado, tem com esse movimento uma relao ntima e direta. Se pudesse desenvolver-se ao ponto de transformar em conhecimento consciente aquilo que sempre por ele exteriorizado em ao, conseguiria compreender realmente a realidade da vida. Mas, por no conseguir tornar-se plenamente consciente, o instinto no efetiva tal fato. Por conseguinte, segundo Bergson, o homem s consegue ter conscincia daquilo que caracterizamos ser prprio da ordem vital, do movimento de evoluo criadora que a vida, quando une o potencial de simpatia vida do instinto com o potencial de conscincia da inteligncia. Isto s lhe possvel atravs do exerccio da intuio:

o instinto simpatia. Se esta simpatia pudesse alargar o seu objeto e refletir-se assim sobre si prpria, teramos a chave das operaes vitais, da mesma forma que pela inteligncia, desenvolvida e corrigida, somos introduzidos na matria. Porque, nunca ser demais repeti-lo, a inteligncia e o instinto acham-se voltados em sentidos opostos, aquela para a matria inerte, este para a vida. A inteligncia, por intermdio da cincia, que sua obra, cada vez nos dar mais completamente o segredo das operaes fsicas; mas, da vida, s nos d, e no pretende, alis, outra coisa, uma traduo em termos de inrcia. Rodeia-a, tomando, de fora, o maior nmero possvel de imagens desse objeto que chama a si, em vez de nele penetrar. Mas ao prprio interior da vida que nos conduziria a intuio, isto , o instinto tornado desinteressado, consciente de si prprio, capaz de refletir sobre o seu objeto e de o alargar indefinidamente (BERGSON, 1991, p. 645).

Bergson observa que um exemplo de que o exerccio da intuio possvel, e mais do que isto, que permanentemente utilizado, est no fato de o artista conseguir muitas vezes, pela intuio, captar o que h de vital num determinado acontecimento e transform-lo numa obra de arte (BERGSON, 1991, p. 645). , talvez, tambm atravs da intuio, segundo pensamos, que conseguimos, ao contemplarmos esta mesma obra, aproximarmo-nos da inteno do artista subjacente a ela e como que recompormos, por uma simpatia, o movimento criativo do seu esprito. Este tipo de intuio esttica que se direciona a uma obra de arte em particular, conforme reflete Bergson, pode e deve ser ampliada na formao de uma intuio mais abrangente, sendo por meio desta ampliao que o homem chega ao conhecimento da verdadeira durao, do tempo da vida. essa intuio que nos permite tambm ver a evoluo da natureza, o fluxo contnuo que une todos os seres vivos e que torna clara a semelhana ntima existente entre a durao da conscincia humana e a durao existente na natureza como um todo. S ela, segundo Bergson, d-nos acesso verdadeira essncia do movimento que a continuidade. No divide esse movimento em uma srie de espaos que depois so justapostos para buscar recomp-lo, como o faz naturalmente a inteligncia, objetivando possibilitar a ao eficaz do homem. Conforme Bergson ressalta, se o objeto maior da filosofia justamente o de aproximar-se ao mximo da realidade da vida, , ento, na intuio que ela deve apoiar-se. Para ele, inclusive, a intuio sempre foi o ponto de partida da Filosofia e da cincia, e na intuio que cincia e filosofia se encontram. S que depois de inturem algo do vital, na realidade movente, tanto os grandes filsofos, quanto os grandes cientistas buscavam, por intermdio da inteligncia, primeiro traduzir as intuies em conceitos estanques e universais e depois, a partir desses conceitos, criarem todo um sistema de relaes abstratas e simblicas, semelhantes s relaes geomtricas, que acabavam distanciando-se da realidade concreta da

vida10. Bergson observa que, em relao cincia, tal atitude mostra-se necessria para a constituio de um saber prtico que possibilite ao homem a criao de instrumentos artificiais. Mas no caso da Filosofia que se caracteriza por no ter finalidade prtica, por ser justamente o que, praticamente, no serve a nada (BERGSON, 1991, p.1347) , a traduo da realidade movente em conceitos que procuram exprimi-la de forma definitiva torna-se um procedimento equivocado e este, segundo o que ele observa, certamente foi o procedimento desenvolvido por Descartes. Para Bergson, a utilizao da inteligncia imprescindvel para a elaborao de qualquer conhecimento, inclusive o filosfico, mas, neste caso, no deve tornar-se isolada, e sim, estar a servio da intuio continuada para auxili-la na representao daquilo que por ela vislumbrado. , ento, a intuio que conduz a um alargamento do conhecimento inteligente e que permite ao pensamento elaborar efetivamente uma filosofia da vida. Certamente o conhecimento intuitivo nunca consegue ter a mesma exatido que o conhecimento produzido pela inteligncia, assinala Bergson. Do mesmo modo, a Filosofia nunca tem a mesma preciso que encontramos na cincia. No entanto, poderamos perguntar: a vida algo exato e preciso? Pelo contrrio, diria Bergson. Por isto, deve-se compreender que cincia e Filosofia so dois conhecimentos de natureza diversa, assim como intuio e inteligncia representam duas atitudes distintas do esprito. No entanto, segundo ele, tanto no primeiro, quanto no segundo caso, h uma necessria complementao. Todos esses aspectos concernentes ao conhecimento filosfico e ao conhecimento cientfico naquilo que se relacionam intuio e inteligncia ficam bem esclarecidos por essas palavras essenciais de Bergson:

10 Em

Introduction a la mtaphysique, Bergson escreve sobre isto, remetendo-se intuio na cincia matemtica (proposioVII), transposio das intuies para conceitos na cincia e na metafsica (proposio VIII) e, finalmente, a como a intuio acontece como um ato simples e no tem nada de misterioso.(BERGSON, 1991, pp. 1422-1424,1431-1432). Bergson ainda reflete a questo em relao histria da filosofia, relatando inclusive a funo da dialtica da inteligncia em Lvolution Cratrice (BERGSON, 1991, p.697 e 698). Por fim, fundamental destacarmos a referncia de Lintuition philosophique, onde ele escreve sobre esse tema e mostra como os filsofos partem de intuies simples para depois procurar traduzi-la em conceitos, dando para isso os exemplos da filosofia de Espinosa e Berkeley (BERGSON, 1991, pp.1346 a 1363).

No h dvida de que esta filosofia (a filosofia fundamentada na intuio) nunca poder alcanar um conhecimento do seu objeto comparvel ao que a cincia tem do dela. A inteligncia permanece o ncleo luminoso em torno do qual o instinto, mesmo alargado e depurado como intuio, constitui apenas uma vaga nebulosidade. Mas, na ausncia do conhecimento propriamente dito, reservado pura inteligncia, a intuio poder fazer-nos apreender aquilo para que os dados da inteligncia sejam aqui insuficientes,

e deixar-nos entrever os meios de complet-los. Por um lado, com efeito, utilizar o prprio mecanismo da inteligncia para mostrar como os moldes intelectuais j no tm aqui a sua exata aplicao, e, por outro lado, pelo seu trabalho prprio, sugerir-nos- pelo menos o vago sentimento do que necessrio substituir aos quadros intelectuais. Assim, poder levar a inteligncia a reconhecer que a vida no entra inteiramente nem na categoria do mltiplo nem na do uno, que nem a causalidade mecnica nem a finalidade oferecem uma traduo suficiente do processo vital. Em seguida, pela comunicao simptica que estabelecer entre ns e o resto dos seres vivos, pela dilatao que efetuar em nossa conscincia, introduzir-nos- no prprio mundo da vida, que a compenetrao recproca, criao indefinidamente continuada. Mas se assim ultrapassar a inteligncia, desta que ter vindo o abalo graas ao qual a intuio se ter erguido ao ponto alcanado. Sem a inteligncia teria ficado amarrada, sob a forma de instinto, ao objeto especial que a interessa praticamente, e exteriorizada por ele em movimentos de locomoo (BERGSON, 1991, pp.645 e 646). CONSIDERAES FINAIS Bergson prope que o campo da intuio no o da representao intelectual, mas o da experincia concreta, do devir e da durao. Neste campo, mesmo que no possa alcanar a verdade clara e distinta cartesiana, a intuio pode levar a Filosofia ou a Metafsica (que para Bergson quer dizer o mesmo) a alcanar um conhecimento que tem uma probabilidade crescente de aproximar-se da verdade. Conhecimento provvel que, para Bergson, no busca promover a indiferena prpria coisa e no quer sacrificar a realidade dada atravs da experincia ao conhecimento universal, abstrato e conceitual da pura razo que, em ltima instncia, est ainda mais longe da verdade, no sendo seno um conhecimento possvel. Neste sentido, escreve: que no se espere desta metafsica (da metafsica intuitiva que ele procura efetivar) concluses simples ou solues radicais. Isto seria pedir-lhe que se ativesse ainda a uma manipulao de conceitos. Seria tambm deix-la na regio do puro possvel. No terreno da experincia, ao contrrio, com solues incompletas e concluses provisrias, ela atingir uma probabilidade crescente que poder equivaler finalmente certeza (BERGSON, 1984, p. 124) 11.11 Como

exemplo esclarecedor da aplicao do mtodo de Bergson e de sua vinculao com a probabilidade, podemos citar o seu exame do problema da relao entre a alma e o corpo (BERGSON, A alma e o corpo, p.89 e ss Col. Os Pensadores). Ainda a respeito da significao do probabilismo em Bergson, importante o que escreve Gilles Deleuze em Bergsonismo, cap. 1 (A intuio como mtodo), pp. 20 e 21.

Inserindo-se na durao e fundamentando-se na experincia, o mtodo intuitivo de Bergson procura abarcar a realidade concreta em toda a sua amplitude, naquilo que nela h de espiritual e material. Para tanto, segundo ele, necessrio colher o mximo de dados possveis em relao a determinado problema a ser investigado, auxiliando-se das cincias, deixando de lado o que preconcebido e evitando as concluses precipitadas e demasiado gerais. S assim a metafsica pode se efetivar como a experincia integral (BERGSON, 1991, p.1432). Diferentemente de Descartes que, vinculado a um determinado contexto histrico, julgava ser possvel construir, atravs de sua prpria razo, todo o edifcio da metafsica e mesmo da cincia (KOYR, 1980, p.48 e SS) 12, Bergson julga que a metafsica no pode ser obra de um nico pensador; pelo contrrio, ela se aprofunda e se enriquece atravs da contribuio de diferentes pensadores vinculados aos campos da cincia e da Filosofia. Alm disso, para ele, uma tal metafsica no pode ser acabada e no se esgota na aplicao de princpios gerais aos mais diversos objetos, mas deve ser construda continuamente por meio do esforo e da experincia renovados na investigao de cada novo problema (BERGSON, 1984, p. 136 e ss., e p.151).

12 Embora

talvez seja por demais audacioso o empreendimento de Descartes, no se pode deixar de ressaltar, no entanto, de acordo com o que pertinentemente destaca Alexandre Koyr, que ele foi responsvel por uma verdadeira revoluo na histria da cincia e da Filosofia (cf. KOYR, 1980, particularmente os captulos 1 e 2, em especial pp. 66, 67 e 68).

Certamente toda esta concepo bergsoniana, irmanada a outras concepes cientficas e filosficas contemporneas, delineia uma nova forma de compreenso da natureza e da relao que o homem deve estabelecer com ela. Com efeito, sobretudo ao longo do sculo XX, vemos se estruturar um novo horizonte para a tica ambiental que, desde o princpio, visa contrapor-se tica antropocntrica, fundamentada nas razes determinsticas e mecanicistas originadas no pensamento cartesiano. Vemos hoje que, para o desenvolvimento desta nova teoria tica relacionada ao meio ambiente, construda necessariamente por meio de uma reflexo crtica do desenvolvimento da cincia e da tecnologia, empreendido a partir da modernidade, contamos com a contribuio de numerosos filsofos e cientistas dos sculos XIX e XX, dentre os quais podemos citar, alm de Henri Bergson, Albert Einstein, Martin Heidegger, os filsofos da Escola de Frankfurt (Theodor Adorno e Max Horkheimer, por exemplo), Hans Jonas, Fritjof Capra, Michel Serres, Luc Ferry, Leonardo Boff, entre outros. Todos esses grandes pensadores apontam a importncia de estarmos repensando o que o homem em sua relao com a natureza e com a vida social e qual o sentido do conhecimento

filosfico-cientfico e tecnolgico, questionando em que medida tal conhecimento estaria, de fato, contribuindo para o engrandecimento do ser humano e para o equilbrio de sua relao com a natureza, ou o reificando e destruindo-o. Temos, assim, inmeras teorias sobre esta questo tica, importante e urgente, sobretudo no nosso tempo, que se abrem a estudos renovados e nos apresentam elementos valiosos para transformarmos nossa viso de mundo e redirecionarmos nossa vida prtica. Procuramos aqui, neste pequeno texto, apenas apresentar uma destas perspectivas, a elaborada pelo filsofo francs Henri Bergson, medida que ela traz conceitos fundamentais para a renovao do pensamento filosfico e cientfico num sentido amplo e, em particular, para a renovao crtica do horizonte tico ambiental, delineado a partir do cartesianismo. Esperamos que ele tenha, ao menos, estimulado a curiosidade em torno destas questes. REFERNCIAS BARTHLEMY- MADANTE, Madeleine. Bergson. Paris: Seiul, 1967. BERGSON, Henri. Cartas, conferncias e outros escritos. Traduo de Franklin Leopoldo e Silva e Nathanael Caxeiro. 2 edio. So Paulo: Abril Cultural, 1984. (Coleo Os Pensadores). ______. Essai sur les Donnes Immdiates de la Conscience in Oeuvres. dition du Centenaire. 5 e dition. Paris: P.U.F., 1991. ______. La Pense et le Mouvant in Oeuvres. dition du Centenaire. 5 e dition. Paris: P.U.F., 1991. ______. Les Deux Sources de la Morale et de la Religion in Oeuvres. dition du Centenaire. 5e dition. Paris: P.U.F., 1991. ______. Lvolution Cratrice in Oeuvres. dition du Centenaire. 5 e dition. Paris: P.U.F., 1991. ______. Matire et Mmoire in Oeuvres. dition du Centenaire. 5 e dition. Paris: P.U.F., 1991. ______. Mlanges. dition du Centenaire. Paris: P.U.F., 1972. COMTE, Auguste. Curso de Filosofia Positiva. 2edio. So Paulo: Abril, 1984. (Coleo Os Pensadores). DELEUZE, Gilles. Bergsonismo. So Paulo: Editora 34, 1999. (Coleo TRANS). DESCARTES, Ren. De lhomme in Oeuvres et Lettres. Paris: ditions Gallimard, 1953.

______. Discours de la Mthode (avec introduction et notes par Etienne Gilson). Paris: Vrin, 1954. ______. Le monde in Oeuvres et Lettres. Paris: ditions Gallimard, 1953. ______. Rgles pour la direction de lesprit in Oeuvres et Lettres. Paris: ditions Gallimard, 1953. ______. So Paulo: Abril, 1973. (Coleo Os Pensadores). HANSEN, Fbio Carvalho. Mquinas Cartesianas. Folha de So Paulo, So Paulo, 24 de maro de 1996. Caderno Mais!. KOYR, Alexandre. Consideraes sobre Descartes. Lisboa: Editorial Presena, 1980. LANDIM, Maria Luiza P. F. tica fechada e tica aberta segundo Bergson. In: HHNE, Leda M.(Org). tica. Rio de Janeiro: UAP, 1997. PHILONENKO, Alexis. Bergson ou de la philosophie comme science rigoureuse. Passages. Paris: Cerf, 1994. SHELDRAKE, Rupert. O renascimento da natureza o reflorescimento da Cincia e de Deus. So Paulo: Cultrix, 1995. SANTOS PINTO, Tarcsio J. O mtodo da intuio em Bergson e sua dimenso tica e pedaggica. So Paulo: Loyola, 2010. SPENCER, Herbert. Les Prmiers Principes - traduits por M. Cazelles.1 fort.vol.cart. Paris: Libraire Germer-Baillire, 1879. SILVA, Franklin Leopoldo e. Bergson Intuio e discurso filosfico. So Paulo: Brasiliense, 1994. (Coleo Filosofia, 31)