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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE ESCOLA DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
JOSÉ WELLIGTON SOUSA DE CASTRO
A JORNADA DE UM COMPOSITOR: do Bottom-up ao Top-down
VOLUME I: DISSERTAÇÃO
NATAL – RN 2019
JOSÉ WELLIGTON SOUSA DE CASTRO
A JORNADA DE UM COMPOSITOR: do bottom-up ao top-down
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música (PPGMUS) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como requisito obrigatório para a aprovação no exame de qualificação, na linha de pesquisa Processos e Dimensões da Produção Artística, área de concentração Composição.
Orientador: Prof. Dr. Alexandre Reche e Silva.
NATAL – RN 2019
i
Catalogação da Publicação na Fonte
Biblioteca Setorial Pe. Jaime Diniz - Escola de Música da UFRN
C355j Castro, José Welligton Sousa de.
A Jornada de um compositor: do bottom-up ao top-down / José
Welligton Sousa de Castro. – Natal, 2020.
2 v. : il.; 30 cm.
Orientador: Alexandre Reche e Silva.
Artigo (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
Escola de Música, Programa de Pós-Graduação em Música 2020.
1. Composição musical – Dissertação. 2. Música – Processo compositivo – Dissertação. I. Silva, Alexandre Reche e. II. Título.
RN/BS/EMUFRN CDU 781.6
Elaborada por: Elizabeth Sachi Kanzaki – CRB-15/Insc. 293
JOSE WELLIGTON SOUSA DE CASTRO
A JORNADA DE UM COMPOSITOR: do bottom-up ao top-down
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música (PPGMUS) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como requisito obrigatório para a aprovação no exame de qualificação, na linha de pesquisa Processos e Dimensões da Produção Artística, área de concentração Composição.
Aprovada em: __/__/__
BANCA EXAMINADORA:
________________________________________________________ PROF. DR. ALEXANDRE RECHE E SILVA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE (UFRN) (ORIENTADOR)
________________________________________________________ PROF. DR. MARCUS ANDRÉ VARELA VASCONCELOS
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE (UFRN) (MEMBRO DA BANCA)
______________________________________________________ PROF. DR. ELI ERI LUIZ DE MOURA
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA (UFPB) (MEMBRO DA BANCA)
ii
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela minha vida e por me dar forças para superar as dificuldades.
Aos meus pais (Maria Helena Sousa de Castro e José Wilame Pereira de
Castro), pela ajuda, apoio e torcida.
À minha esposa (Jéssica Maria dos Santos Albino), pelo amor, dedicação,
compreensão, paciência e apoio, principalmente, durante os 2 anos de realização do
curso de Mestrado, com viagens semanais de Pindoretama - CE1 a Natal - RN2.
Ao professor Alexandre Reche e Silva, pelos valiosos ensinamentos em
composição.
Aos colegas músicos, que me ajudaram na realização dos recitais. São eles:
Willian Ciriaco e a Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual do Ceará, Roberto
Ramos, Abraão Sales (Cello), Gabriel Vasco (Cello), Ivson da Conceição (Cello), Laís
Oliveira (Cello), Maria Bellorin (Cello), Jean Carlos (Trompete), Emerson Pereira
(Trompete), minha irmã - Williane Sousa (Trompa), Djacir Vasconcelos (Trombone),
Caio Ramires (Tuba), Washington Florêncio (Sax), João Simplício (Trompete), Bruno
Farias (Trombone), Silas Barreto (Eufônio), Marco Cezar (Bandolim), Rodrigo de
Castro (Violão), Cláudia Cunha (Soprano), Antônio Renato (Violino), Mariana de
Oliveira (Viola), Airton Bezerra (Contrabaixo), Walter Célio e a Banda de Música de
Pacatuba (CE), Everton Castro (Oboé), Francisco Sousa (Fagote), Jônatas Gaudêncio
(Clarinete), Lucas Daniel (Trompete), Vanniellyson Vilker (Trompa), Júlio César
(Tuba), Isaac Santos (Fagote), Antônio Wendel (Clarinete) e Joabe Oliveira (Oboé).
À Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que, por meio do
Programa de Pós-Graduação em Música (PPGMUS), me propiciou novas
experiências e um aprendizado intenso.
1Ceará (CE). 2Rio Grande do Norte (RN).
iii
RESUMO
Apresenta o desenvolvimento da prática compositiva do autor na forma de
memoriais de composição. O objetivo principal é relatar o deslocamento do fazer
criativo do autor, que era mais voltado à manipulação de materiais por meio de
técnicas, para uma abordagem com foco em metas e princípios compositivos.
Apresenta uma fundamentação teórica organizada segundo as instâncias do modelo
de acompanhamento do processo composicional proposto por Silva (2010a), listando
Metas, Princípios, Materiais e Técnicas que congregam elementos gerais utilizados
nas composições aqui apresentadas. Apresenta os memoriais das obras Uirapuru,
para quinteto de flautas-doce, Algoritmico, para quinteto de metais, Hircus, para
quinteto de cellos, Tapioca, para quinteto de metais, Momentos Eternos, para grupo
misto, Mandioca, para trio de sopros e Autóctones, para saxofone solo. Os
memoriais das obras foram confeccionados com base no Modelo de Silva (2010a),
listando as instâncias do modelo como seções que descrevem o percurso criativo de
cada obra e, por fim, comentário conclusivos sobre cada composição.
Palavras-chave: Composição Musical. Processo Compositivo. Modelo de
acompanhamento do processo composicional. Bottom-up. Top-down.
iv
ABSTRACT
It presents the development of the author's compositional practice in the form
of composition memoirs. The main objective is to report the displacement of the
author’s creative making, which was more focused on the manipulation of materials
through techniques, for an approach focused on goals and principles. It presents a
theoretical foundation organized according to the instances of the model of
accompaniment of the compositional process proposed by Silva (2010a), listing
Goals, Principles, Materials and Techniques that bring together general elements
used in the compositions presented here. Presents the memoirs of the works
Uirapuru, for recorder quintet, Algoritmico, for brass quintet, Hircus, for cellos quintet,
Tapioca, for brass quintet, Momentos Eternos, for mixed ensemble, Mandioca, for
woodwinds trio and Autoctones, for solo saxophone. The memoirs of the works were
made based on the model by Silva (2010a), listing the instances of the model as
sections that describe the creative path of each work and, finally, conclusive
comments on each composition.
Keywords: Musical composition. Compositional process. Model of accompaniment of
the compositional process. Bottom-up.; Top-down.
v
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - O modelo de acompanhamento do processo composicional
proposto por Silva (2010a)............................................................ 19
Figura 2 - Cálculo da proporção áurea de um segmento de medida............. 23
Figura 3 - Principais abordagens de design compositivo do Modelo de Silva
(2010a): top-down e bottom-up, respectivamente................ 28
Figura 4 - Transcrição do canto do Uirapuru................................................ 42
Figura 5 - Primeiro segmento da obra Algoritmico (cc. 1-4).......................... 53
Figura 6 - Segundo segmento da obra Algoritmico (cc. 5-8)......................... 53
Figura 7 - Terceiro segmento da obra Algoritmico (cc. 9-10)......................... 53
Figura 8 - Quarto segmento da obra Algoritmico (cc. 11-12)......................... 53
Figura 9 - Quinto segmento da obra Algoritmico (cc. 13-15)......................... 53
Figura 10 - Sexto segmento da obra Algoritmico (c. 18).................................. 54
Figura 11 - Durações do primeiro segmento da obra Hircus........................... 58
Figura 12 - Durações do segundo segmento da obra Hircus.......................... 58
Figura 13 - Durações do terceiro segmento da obra Hircus............................ 58
Figura 14 - Durações do quarto segmento da obra Hircus.............................. 58
Figura 15 - Durações do quinto segmento da obra Hircus.............................. 58
Figura 16 - Durações do sexto segmento da obra Hircus................................ 59
Figura 17 - Escala nordestina......................................................................... 59
Figura 18 - Primeiro segmento da obra Hircus (cc.1-5)................................... 59
Figura 19 - Segundo segmento da obra Hircus (cc. 6-10)............................... 59
Figura 20 - Terceiro segmento da obra Hircus (cc. 10-13).............................. 59
Figura 21 - Quarto segmento da obra Hircus (cc. 14-17)................................ 59
Figura 22 - Quinto segmento da obra Hircus (cc.18-25).................................. 60
Figura 23 - Sexto segmento da obra Hircus (cc. 33-35).................................. 60
Figura 24 - Petruska, First Tableau, compassos 42 a 62, redução para piano
a 4 mãos....................................................................................... 64
Figura 25 - Ressignificação do trecho entre os compassos 42 a 62 (First
Tableau) de Petruska na obra Hircus............................................ 64
Figura 26 - Baião (bombo e vareta)................................................................ 70
Figura 27 - Célula rítmica (a,b): Baião (bombo e vareta) (1)............................ 72
vi
Figura 28 - Célula rítmica (c,b): Boi de Mamão (reco-reco)............................. 72
Figura 29 - Resultado da operação de distribuição justapositiva entre Baião
(bombo e vareta) e Boi de Mamão (reco-reco).............................. 72
Figura 30 - Célula rítmica (a,b): Baião (bombo e vareta) (2)............................ 72
Figura 31 - Célula rítmica (d): Maxixe (bombo)............................................... 72
Figura 32 - Resultado da operação de distribuição justapositiva entre Baião
(bombo e vareta) e Maxixe (bombo)............................................. 73
Figura 33 - Célula rítmica (a,b): Baião (bombo e vareta) (3)............................ 73
Figura 34 - Célula rítmica (b,b,e,b): Maracatu estilizado (agogô).................... 73
Figura 35 - Resultado da operação de distribuição justapositiva entre Baião
(bombo e vareta) e Maracatu estilizado (agogô)........................... 73
Figura 36 - Célula rítmica (a,b): Baião (bombo e vareta) (4)............................ 74
Figura 37 - Célula rítmica (e,e): Carimbó (tambor surdo)................................ 74
Figura 38 - Resultado da operação de distribuição justapositiva entre Baião
(bombo e vareta) e Carimbó (tambor surdo)................................. 74
Figura 39 - Célula rítmica (a,b): Baião (bombo e vareta) (5)............................ 74
Figura 40 - Célula rítmica (e,b,e,f): Maracatu de baque – virado..................... 74
Figura 41 - Resultado da operação de distribuição justapositiva entre Baião
(bombo e vareta) e Maracatu de baque-virado............................. 75
Figura 42 - Fragmento do primeiro segmento da obra Tapioca (cc. 1-2)......... 75
Figura 43 - Segundo segmento da obra Tapioca (cc. 5-10)............................ 75
Figura 44 - Terceiro segmento da obra Tapioca (cc. 11-18)............................ 75
Figura 45 - Quarto segmento da obra Tapioca (cc. 19-22).............................. 76
Figura 46 - Quinto segmento da obra Tapioca (cc. 23-30).............................. 76
Figura 47 - Primeiro segmento (original) da obra Momentos Eternos............. 81
Figura 48 - Segundo segmento (original) da obra Momentos Eternos............ 81
Figura 49 - Terceiro segmento (original) da obra Momentos Eternos............. 81
Figura 50 - Quarto segmento (original) da obra Momentos Eternos................ 81
Figura 51 - Célula rítmica (a,b): Chula Gaúcha, sapateado (c. 8) (1).............. 91
Figura 52 - Célula rítmica (c,d): Ciranda, caixa............................................... 91
Figura 53 - Resultado da operação de distribuição justapositiva entre Chula
Gaúcha (sapateado) e Ciranda (caixa)......................................... 91
Figura 54 - Célula rítmica (d,e): Chimarrita Balão, surdo (2)........................... 91
vii
Figura 55 - Célula rítmica (f): Chula Gaúcha, bombo (c. 1)............................. 91
Figura 56 - Resultado da operação de distribuição justapositiva entre
Chimarrita Balão (surdo) e Chula Gaúcha (bombo)...................... 92
Figura 57 - Célula rítmica (g,h): Chimarrita Balão, caixa (3)............................ 92
Figura 58 - Célula rítmica (i): Cateretê (sem anacruse)................................... 92
Figura 59 - Resultado da operação de distribuição justapositiva entre
Chimarrita Balão, caixa e Cateretê (sem anacruse e alterado)..... 92
Figura 60 - Célula rítmica (j,k): Baião, pandeiro (4)......................................... 93
Figura 61 - Célula rítmica (l,m): Toada Moderna, tamborim........................... 93
Figura 62 - Resultado da operação de distribuição justapositiva entre Baião,
pandeiro e Toada Moderna, tamborim.......................................... 93
Figura 63 - Célula rítmica (a): Maxixe, cabaça (apenas os acentos)............... 101
Figura 64 - Célula rítmica (b): Xote, zabumba (desconsiderando a vareta)..... 101
Figura 65 - Célula rítmica (c,d): Ciranda (Recife – PE), caixa......................... 101
Figura 66 - Célula rítmica (e): imposição arbitrária.......................................... 101
Figura 67 - Resultado da operação de distribuição justapositiva nas
durações do primeiro e terceiro movimentos da obra
Autóctones.................................................................................... 102
Figura 68 - Célula rítmica a = d (oriundo da Ciranda (Recife – PE), caixa
(desconsiderando a primeira parte).............................................. 103
Figura 69 - Célula rítmica (b): Xote, zabumba (desconsiderando a vareta)..... 103
Figura 70 - Célula rítmica c = a (oriundo do Maxixe, cabaça (apenas os
acentos)........................................................................................ 103
Figura 71 - Célula rítmica d = c (oriundo da Ciranda (Recife – PE), caixa
(desconsiderando a segunda parte)............................................. 103
Figura 72 - Célula rítmica (e): imposição arbitrária.......................................... 103
Figura 73 - Resultado da operação de distribuição justapositiva nas
durações do segundo movimento da obra Autóctones.................. 104
Figura 74 - Exemplo de somas rítmicas nas durações das melodias da obra
Autóctones: primeiro e último movimento..................................... 105
Figura 75 - Exemplo de somas rítmicas nas durações das melodias da obra
Autóctones: segundo movimento.................................................. 105
viii
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Instâncias do Modelo de Silva (2010a)........................................ 20
Quadro 2 - Escala de intensidades (dinâmicas)............................................ 34
Quadro 3 - Termos que evocam subjetividade em tomadas de decisões
criativas....................................................................................... 40
Quadro 4 - Matriz de transposição e inversão desenvolvida para a
composição da obra Uirapuru (desconsiderando relações
intervalares)................................................................................ 45
Quadro 5 - Aplicação do Modelo de Silva (2010a) na obra Uirapuru............. 47
Quadro 6 - Matriz de transposição e inversão desenvolvida para a
composição da obra Algoritmico................................................. 50
Quadro 7 - Aplicação do Modelo de Silva (2010a) na obra Algoritmico......... 55
Quadro 8 - Aplicação do Modelo de Silva (2010a) na obra Hircus................. 66
Quadro 9 - Aplicação do Modelo de Silva (2010a) na obra Tapioca.............. 78
Quadro 10 - Aplicação do Modelo de Silva (2010a) na obra Momentos
Eternos....................................................................................... 88
Quadro 11 - Aplicação do Modelo de Silva (2010a) na obra Mandioca........... 95
Quadro 12 - A forma dos movimentos da obra Autóctones............................. 99
Quadro 13 - Contorno de intensidades do primeiro movimento da obra
Autóctones.................................................................................. 100
Quadro 14 - Aplicação do Modelo de Silva (2010a) na obra Autóctones......... 108
Quadro 15 - Aplicação do Modelo de Silva (2010a) nos memoriais................ 112
ix
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Escala de intensidades numeralizadas........................................ 35
Tabela 2 - Distribuição de intensidades da obra Algoritmico......................... 51
Tabela 3 - A forma da obra Algoritmico......................................................... 52
Tabela 4 - Intensidades associadas a cada segmento da obra Hircus.......... 61
Tabela 5 - A forma da obra Hircus................................................................ 61
Tabela 6 - Combinações instrumentais da obra Hircus................................ 62
Tabela 7 - Papéis texturais, onde M é melodia, A é acompanhamento e C
é contracanto............................................................................... 82
Tabela 8 - Disposição dos grupos de instrumentos que crescem na
numeração, conforme seu peso instrumental............................... 84
Tabela 9 - Variações de somas rítmicas do primeiro segmento da obra
Momentos Eternos...................................................................... 85
Tabela 10 - Variações de somas rítmicas do segundo segmento da obra
Momentos Eternos...................................................................... 85
Tabela 11 - Variações de somas rítmicas do terceiro segmento da obra
Momentos Eternos...................................................................... 85
Tabela 12 - Variações de somas rítmicas do quarto segmento da obra
Momentos Eternos...................................................................... 85
Tabela 13 - Ponto áureo de 8 seções e 32 segmentos.................................... 86
Tabela 14 - Ponto culminante da obra Momentos Eternos............................. 86
Tabela 15 - Aplicação de zonas de transposição e mudança de modo da
obra Momentos Eternos............................................................... 87
Tabela 16 - Disposição dos instrumentos ao longo da obra Mandioca............ 90
Tabela 17 - Variações de somas rítmicas do primeiro segmento da obra
Mandioca...................................................................................... 93
x
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Espectro do canto do Uirapuru no software SPEAR.................. 42
Gráfico 2 - Sonograma da obra Uirapuru extraído a partir do MIDI.............. 46
Gráfico 3 - Sonograma da obra Algoritmico extraído a partir do MIDI........... 54
Gráfico 4 - Sonograma da obra Hircus extraído a partir do MIDI.................. 65
Gráfico 5 - Sonograma da obra Tapioca extraído a partir do MIDI................ 69
Gráfico 6 - Sonograma da obra Momentos Eternos extraído a partir do
MIDI............................................................................................ 80
Gráfico 7 - Sonograma da obra Mandioca extraído a partir do MIDI............. 94
Gráfico 8 - Sonograma da obra Autóctones, 1º movimento, extraído a
partir do MIDI.............................................................................. 97
Gráfico 9 - Sonograma da obra Autóctones, 2º movimento, extraído a
partir do MIDI.............................................................................. 97
Gráfico 10 - Sonograma da obra Autóctones, 3º movimento, extraído a
partir do MIDI.............................................................................. 98
Gráfico 11 - Transposições do primeiro movimento da obra Autóctones....... 107
Gráfico 12 - Transposições do segundo movimento da obra Autóctones....... 107
xi
SUMÁRIO
VOLUME I
1 INTRODUÇÃO.................................................................................... 17
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.......................................................... 19
2.1 O Modelo de Silva (2010a)................................................................. 19
2.2 Metas.................................................................................................. 21
2.2.1 O clímax............................................................................................... 21
2.2.2 Aplicação de proporção áurea............................................................. 23
2.2.3 A grande linha e a manutenção do fluxo musical.................................. 24
2.3 Princípios........................................................................................... 26
2.3.1 Abordagem de design compositivo...................................................... 26
2.3.2 Negociação.......................................................................................... 29
2.3.3 Composição baseada em exemplos ou em regras............................. 31
2.3.4 Analogia............................................................................................... 32
2.3.5 Ressignificação................................................................................... 33
2.4 Materiais............................................................................................. 33
2.4.1 Paleta de qualidades musicais utilizadas............................................ 34
2.4.2 Numeralização de quantidades de uma qualidade musical.................. 34
2.5 Técnicas............................................................................................. 35
2.5.1 Operações sobre listas........................................................................ 36
2.5.1.1 Justaposição........................................................................................ 37
2.5.1.2 Permutação......................................................................................... 37
3 MEMORIAIS DAS OBRAS.................................................................. 39
3.1 Processo compositivo da obra Uirapuru, para quinteto de
flautas-doce....................................................................................... 40
3.1.1 Ideias................................................................................................... 41
3.1.2 Materiais.............................................................................................. 41
3.1.2.1 Alturas................................................................................................ 41
3.1.2.2 Durações............................................................................................ 42
3.1.2.3 Forma.................................................................................................. 43
3.1.3 Técnicas.............................................................................................. 43
3.1.3.1 Operações sobre as durações.......................................................... 43
3.1.3.2 Justaposição de segmentos............................................................. 44
xii
3.1.3.3 Matriz de transposição e inversão.................................................... 45
3.1.4 Princípios............................................................................................. 46
3.1.5 Metas................................................................................................... 46
3.1.6 Resultados........................................................................................... 47
3.1.7 Comentários conclusivos..................................................................... 47
3.2 Processo compositivo da obra Algoritmico, para quinteto de
metais................................................................................................. 49
3.2.1 Ideias................................................................................................... 49
3.2.2 Materiais.............................................................................................. 49
3.2.2.1 Durações............................................................................................. 49
3.2.2.2 Alturas.................................................................................................. 50
3.2.2.3 Forma.................................................................................................. 50
3.2.2.4 Transposições e textura...................................................................... 50
3.2.2.5 Intensidades........................................................................................ 50
3.2.3 Técnicas.............................................................................................. 51
3.2.3.1 Permutação de durações.................................................................... 51
3.2.3.2 Justaposição de segmentos............................................................... 52
3.2.3.3 Sincronização de alturas e durações.................................................. 53
3.2.4 Princípios............................................................................................. 54
3.2.5 Metas................................................................................................... 54
3.2.6 Resultados........................................................................................... 55
3.2.7 Comentários conclusivos..................................................................... 55
3.3 Processo compositivo da obra Hircus, para quinteto de cellos..... 55
3.3.1 Ideias................................................................................................... 56
3.3.2 Materiais.............................................................................................. 56
3.3.2.1 Textura................................................................................................. 57
3.3.2.2 Transposições..................................................................................... 57
3.3.2.3 Intensidades........................................................................................ 57
3.3.2.4 Timbres................................................................................................ 57
3.3.2.5 Forma.................................................................................................. 57
3.3.2.6 Durações e alturas............................................................................... 58
3.3.3 Técnicas.............................................................................................. 60
3.3.3.1 Aplicação de contorno......................................................................... 60
xiii
3.3.3.2 Justaposição de segmentos................................................................ 61
3.3.3.3 Combinações instrumentais................................................................ 62
3.3.4 Princípios............................................................................................. 63
3.3.5 Metas................................................................................................... 65
3.3.6 Resultados........................................................................................... 65
3.3.7 Comentários conclusivos..................................................................... 65
3.4 Processo compositivo da obra Tapioca, para quinteto de metais. 67
3.4.1 Ideias................................................................................................... 67
3.4.2 Metas................................................................................................... 68
3.4.3 Princípios............................................................................................. 69
3.4.4 Materiais.............................................................................................. 70
3.4.4.1 Durações............................................................................................. 70
3.4.4.2 Alturas................................................................................................. 70
3.4.4.3 Forma.................................................................................................. 71
3.4.4.4 Textura................................................................................................ 71
3.4.5 Técnicas.............................................................................................. 71
3.4.5.1 Distribuição justapositiva.................................................................... 71
3.4.5.2 Sincronização entre alturas e durações............................................. 75
3.4.5.3 Justaposição de segmentos............................................................... 76
3.4.6 Resultados........................................................................................... 77
3.4.7 Comentários conclusivos..................................................................... 77
3.5 Processo compositivo da obra Momentos Eternos, para grupo
misto................................................................................................... 79
3.5.1 Ideias................................................................................................... 79
3.5.2 Princípios............................................................................................. 79
3.5.3 Metas................................................................................................... 80
3.5.4 Materiais.............................................................................................. 80
3.5.4.1 Timbres................................................................................................ 81
3.5.4.2 Durações............................................................................................. 81
3.5.4.3 Forma.................................................................................................. 82
3.5.4.4 Textura................................................................................................ 82
3.5.4.5 Texto da obra...................................................................................... 82
3.5.5 Técnicas.............................................................................................. 83
xiv
3.5.5.1 Combinações de timbres..................................................................... 83
3.5.5.2 Somas rítmicas.................................................................................... 85
3.5.5.3 Justaposição de segmentos................................................................. 86
3.5.5.4 Transposições e mudanças de modo................................................. 87
3.5.6 Resultados........................................................................................... 87
3.5.7 Comentários conclusivos..................................................................... 87
3.6 Processo compositivo da obra Mandioca, para trio de sopros...... 89
3.6.1 Ideias................................................................................................... 89
3.6.2 Materiais.............................................................................................. 89
3.6.2.1 Timbres................................................................................................ 90
3.6.2.2 Durações............................................................................................. 90
3.6.3 Técnicas.............................................................................................. 90
3.6.3.1 Distribuição justapositiva..................................................................... 90
3.6.3.2 Somas rítmicas.................................................................................... 93
3.6.4 Demais instâncias................................................................................ 94
3.6.5 Resultados........................................................................................... 95
3.6.6 Comentários conclusivos..................................................................... 95
3.7 Processo compositivo da obra Autóctones, para saxofone solo.. 96
3.7.1 Ideias................................................................................................... 96
3.7.2 Metas................................................................................................... 97
3.7.3 Princípios............................................................................................. 98
3.7.4 Materiais.............................................................................................. 98
3.7.4.1 Durações............................................................................................. 98
3.7.4.2 Alturas................................................................................................. 99
3.7.4.3 Forma.................................................................................................. 99
3.7.4.4 Intensidades....................................................................................... 99
3.7.5 Técnicas.............................................................................................. 100
3.7.5.1 Distribuição justapositiva................................................................. 101
3.7.5.2 Somas rítmicas.................................................................................. 105
3.7.5.3 Aplicação de proporção áurea nas transposições.......................... 106
3.7.5.4 Técnicas estendidas.......................................................................... 107
3.7.6 Resultados........................................................................................... 108
3.7.7 Comentários conclusivos..................................................................... 108
xv
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................ 110
REFERÊNCIAS................................................................................... 114
VOLUME II
APÊNDICE A – PARTITURA DA OBRA UIRAPURU......................... 121
APÊNDICE B – PARTITURA DA OBRA ALGORITMICO................... 134
APÊNDICE C – PARTITURA DA OBRA HIRCUS.............................. 143
APÊNDICE D – PARTITURA DA OBRA TAPIOCA............................ 162
APÊNDICE E – PARTITURA DA OBRA MOMENTOS ETERNOS..... 183
APÊNDICE F – PARTITURA DA OBRA MANDIOCA......................... 214
APÊNDICE G – PARTITURA DA OBRA AUTÓCTONES................... 223
xvi
17
1 INTRODUÇÃO
Ao atentar para a nossa jornada criativa, percebeu-se que nosso modus
operandi, até então, se baseou, principalmente, no emprego de técnicas compositivas
sobre materiais musicais. Grande parte do processo esteve ligada a operações sobre
materiais (excetuando-se uma organização, geralmente, prevista pela escolha da
forma musical). Segundo Reynolds (2002 apud LIMA, 2014, p. 54): “se não houver
uma coerente ‘rede de conectividade’ entre o material escolhido e a forma designada,
o resultado será necessariamente imperfeito, menor do que poderia ter sido”
Em nosso Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)3, descrevemos técnicas e
materiais utilizados para compor a obra Naturalis. Todo o percurso criativo se baseou
em operar os motivos e temas através de algumas técnicas compositivas. A estrutura
formal e os contornos gerais, em última análise, foram uma consequência do trabalho
realizado sobre temas. Não houve grandes planejamentos sobre o plano estrutural da
obra. Com isso, dificuldades como direcionalidade, elementos unificadores e
coerência formal surgiram. Essas dificuldades foram resolvidas da maneira que
achamos mais adequada, infelizmente sem uma lógica amparada por um projeto
geral.
Apesar dos esforços empregados nessa direção, restava adicionar ao processo
compositivo uma perspectiva mais ampla na organização dos elementos de uma
composição musical. Eis aí o problema desta pesquisa.
Assim, o objetivo principal deste trabalho é relatar o deslocamento do nosso
fazer criativo (mais voltado à manipulação de materiais por meio de técnicas) para
uma abordagem com foco em metas e princípios compositivos.
Quanto à metodologia empregada, aplicou-se, como ferramenta principal, o
desígnio de metas bem como a observação de princípios que possibilitou um
manuseio mais consciente dos próprios materiais e resultados prévios, dentro de um
planejamento mais abrangente.
Ao longo dos respectivos memoriais, detalhou-se com, cada vez mais ênfase,
elementos de uma visão, cada vez mais panorâmica, no processo compositivo. O
portfólio de composições, apresentado neste trabalho, descreve esta jornada
enquanto uma mudança de perspectiva. Isto resultou na aprendizagem de uma
3 (Castro, 2012)
18
alternativa à situação inicial. Neste sentido, passou-se a organizar, previamente, as
estruturas das obras e a operacionalizar várias qualidades músicas (tantas quantas
fossem desejadas). Criou-se planos estruturais que facilitaram a implementação de
algumas composições e quem ligam a primeira nota à última (COPLAND, 1974)
criando sentidos (ou direções) em diversos níveis das obras.
Este trabalho está organizado em 4 capítulos.
No capítulo 1, apresenta-se a introdução da pesquisa, descrevendo uma visão
geral sobre o trabalho que foi desenvolvido.
No capítulo 2, descreve-se a fundamentação teórica do trabalho. Para isso,
utilizou-se 5 das instâncias do modelo de acompanhamento de processo
composicional (SILVA, 2010a), a saber: Metas, Princípios, Materiais e Técnicas para
explicitar conceitos utilizados nas composições.
No capítulo 3, apresenta-se os memoriais das obras que foram compostas
entre 2018 e 2019, período de realização do curso de Mestrado em Música da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Selecionou-se algumas das
obras compostas ao longo do Curso para melhor evidenciar o deslocamento do fazer
compositivo, do bottom-up ao top-down. As obras descritas neste trabalho são:
Uirapuru (para quinteto de flautas-doce), Algoritmico (para quinteto de metais), Hircus
(para quinteto de cellos), Tapioca (para quinteto de metais), Momentos Eternos (para
grupo misto), Mandioca (para trio de sopros) e Autóctones (para saxofone alto solo).
Por fim, no capítulo 4, tece-se as considerações finais sobre o trabalho
desenvolvido, evidenciando resultados e perspectivas abertas por esta pesquisa além
de discutir as suas contribuições para o campo da composição musical.
19
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Este capítulo apresentará o modelo de acompanhamento de processo
composicional de Silva (2010a) e alguns dos conceitos gerais que foram utilizados
durante os processos compositivos das obras listadas no capítulo 3 – Memoriais das
obras. Estes conceitos serão apresentados em algumas das instâncias do modelo de
Silva (2010a).
Serão apresentadas as metas, os princípios, os materiais e as técnicas. As
instâncias, ideias e resultados serão apresentadas no capítulo 3, no memorial de cada
obra.
2.1 O Modelo de Silva (2010a)
Para o desenvolvimento dos memoriais compositivos, o trabalho se apoiou no
modelo de acompanhamento do processo composicional proposto por Silva (2010a).
Figura 1 – O modelo de acompanhamento do processo composicional de Silva (2010a)
Fonte: Silva (2010a, p. 19).
O modelo permite organizar passos adotados durante a composição de uma
obra, registrando informações em suas instâncias: Ideias, Princípios, Metas,
Materiais, Técnicas e Resultados. O modelo permitiu ainda uma “[...] visão
panorâmica e em larga escala” (SILVA, 2010a, p. 19) do percurso realizado
20
durante a composição das obras desta pesquisa. Serviu também como um diário de
bordo onde se pôde descrever o passo-a-passo do processo compositivo.
Dentro do modelo há duas principais abordagens possíveis, são elas: bottom-
up e top-down. Na subseção 2.3.1 será aprofundada a Abordagem de design
compositivo.
Sobre as instâncias do modelo, Silva (2010a) escreve:
Quadro 1 – Instâncias do Modelo de Silva (2010a)
IDEIAS
São “[...] concepções provedoras de sentidos e imagens ao processo de realização de uma obra” (SILVA, 2010a, p. 20). Exemplos: “Planejamento esquemático; resolução de problemas; roteirização” (SILVA, 2010a, p. 20).
PRINCÍPIOS
São uma “[...] coleção de critérios que subsidiam tomadas de decisões ao longo do processo. Tais decisões lidam com atitudes geralmente automáticas, a priori, ou que não costumam ser levadas em conta (senão tácita ou de alguma maneira não consciente)” (SILVA, 2010a, p. 20). Exemplos: “Aninhamento (de contornos); mapeamento entre domínios; negociação; repetição variada; surpresa” (SILVA, 2010a, p. 20).
METAS
São “[...] pontos que definem o contorno (o perfil) de gestos ou eventos. Metas possuem medidas (que as dispõem no espaço/tempo do plano composicional) e formas de acesso (que são maneiras de se alcançar suas medidas)” (SILVA, 2010a, p. 20). Exemplos: “Medidas (metades, terços e seções áureas); formas de acesso (crescimento resistente)” (SILVA, 2010a, p. 20).
MATERIAIS São “[...] dados brutos ou elementos básicos submetidos a transformação, sínteses” (SILVA, 2010a, p. 20). Exemplos: “Agregado; natureza timbrística; ritmos” (SILVA, 2010a, p. 21).
TÉCNICAS
São “[...] operações sobre materiais, orientadas por princípios para o alcance de metas” SILVA, 2010a, p. 21). Exemplos: “Combinatória; defasagem (phasing); expansão/contração intervalar; melodia de timbres (Klangfarbenmelodie); polirritimia; politonalismo; heterofonia; permutação; serialismo; síntese sonora” (SILVA, 2010a, p. 21, grifo do autor).
RESULTADOS
São as saídas do processo composicional, “essa instância funciona como um repositório dinâmico de resultados parciais. Ela também serve de centro nervoso, conectando as demais instâncias” (SILVA, 2010a, p. 21). Exemplos: “Obras de arte, composições; esboços composicionais; gestos e amostras sonoras (tratadas ou sintetizadas)” (SILVA, 2010a, p. 21).
Fonte: Silva (2010a, p. 20-21). Nota: Quadro 1 adaptado pelo autor (2019).
Silva (2010a, p. 11) sugere o impacto do modelo sobre o campo da
Composição, do ponto de vista da criatividade, quando diz que:
Um processo composicional assistido por um modelo que auxilie na varredura desse campo e que viabilize um enfoque global do próprio processo, traz vantagens do ponto de vista da fluência criativa, ajudando na superação do ‘terror das possibilidades infinitas’.
21
Este enfoque global do processo é desejável quando se intenta aprofundar na
habilidade da composição musical.
A utilização do Modelo de Silva (2010a), neste trabalho, se justifica pelo fato de
fornecer uma consciência mais apurada do processo compositivo além de servir como
um diário de bordo, onde registrou-se, em suas instâncias, as estratégias tomadas ao
longo do percurso criativo. Também serviu para a organização dos conceitos,
técnicas, materiais e objetivos envolvidos na confecção de uma composição.
As seções a seguir são: Metas, Princípios, Materiais e Técnicas, segundo as
instâncias do Modelo de Silva (2010a). Elas congregam elementos que foram
utilizados na composição das obras listadas no capítulo 3. As instâncias Ideias e
Resultados terão suas descrições contempladas no memorial de cada obra.
2.2 Metas
Durante o trabalho compositivo descrito nos memoriais das obras cuja
abordagem se aproximou mais de uma visão panorâmica (top-down), algumas metas
foram preestabelecidas. Para estas obras aplicou-se a proporção áurea para
estabelecer um ponto de clímax máximo em um local significativo. O caminho, até
este ponto, foi construído em ondas, ou seja, aplicando-se certa resistência até
alcançá-lo. E, ao longo deste caminho, buscou-se estabelecer pontos reconhecíveis
que garantissem o fluxo musical.
As metas listadas, a seguir, são o clímax, aplicação de proporção áurea, a
grande linha e a manutenção do fluxo musical.
2.2.1 O clímax
O clímax de uma obra pode ser definido com um ponto de adensamento das
estruturas musicais. Ou seja, um ponto onde as qualidades musicais crescem em suas
grandezas (intensidade, textura, tensão harmônica, velocidade (andamento) ou outras
qualidades).
Em uma obra musical podem haver vários clímaces que precedem um clímax
principal. Estes clímaces podem ser em “[...] uma frase, uma seção ou um movimento
22
inteiro" (BELKIN, 2008, p. 29, tradução nossa4). O caminho até o clímax mais
importante de uma composição é feito utilizando curvas de crescimento de grandezas
musicais. Essas curvas, além de preparar o clímax principal, auxiliam o ouvinte na
compreensão geral da obra.
Belkin (2008, p. 47, tradução nossa) acentua que:
Impor uma progressão nos picos de vários clímaces sucessivos chama a atenção do ouvinte para relacionamentos de larga escala, encorajando uma visão panorâmica da forma. Isso facilita a compreensão geral e ajuda a situar o ouvinte5.
Em algumas obras do século XIX ocorre expressão Stringendo, que “[...] indica
o desenvolvimento em direção a algum clímax” (FALLOWS, 2001, tradução nossa6,7).
Por exemplo, Guillaume Tell (ROSSINI, [1829]), Nabucco (VERDI, 1841), Die Walküre
(WAGNER, 1874), Sinfonia n. 1 (BRAHMS, 1877), 1812 Overture, op. 49
(TCHAIKOVSKY, 1882), Sinfonia n. 9, op. 95 (DVOŘÁK, 1894), entre outras.
A expressão Stringendo implica em um aumento no andamento. Em muitas
composições, ela vem em conjunto com um crescendo. Contudo, a utilização deste
caráter não é a única maneira de impor um crescimento até um clímax. Outras
qualidades musicais podem ser operadas (como intensidades, alturas e combinações
instrumentais) visando o adensamento das estruturas até o ápice de uma música.
Durante a composição das obras listadas no capítulo 3, entrelaçou-se a
organização da forma com a operacionalização de outras qualidades musicais que
foram articuladas visando atingir um clímax e depois esmaecer. Esta
operacionalização de qualidades se define como um desenho de contornos de curvas
dramáticas que perfazem variações de instrumentação, intensidade, transposição e
outras qualidades, de modo a atingir o ápice e dele retornar.
4“[...] a phrase, a section, or a whole movement.” (BELKIN, 2008, p. 29). 5“Imposing a progression on the peaks of several successive climaxes draws the listener's attention to
large scale relationships, encouraging a bird's eye view of the form. This makes overall comprehension easier and helps situate the listener.” (BELKIN, 2008, p. 47).
6“[…] to indicate the development towards some climax.” (FALLOWS, 2001). 7Documento online não paginado.
23
2.2.2 Aplicação de proporção áurea
A proporção áurea, também conhecida número de ouro, é uma constante
algébrica, frequentemente representada pela letra grega Φ (phi). Esta proporção
algébrica está presente em diversas estruturas naturais, como em flores, crescimento
de conchas e “entre as partes de uma figura humana” (FENERICH, 2015, p. 19). Por
este motivo, “essa constante foi por muitos séculos adotada para determinar qual seria
o ideal da beleza” (FISCHER, 2017, p. 139). A constante tem valor aproximado de
0,618 e está presente ainda na razão entre os números da Série Fibonacci
(1,1,2,3,5,8,13,...).
Lendvai (1971, p. 17, tradução nossa8) acredita que:
Seção áurea [...] significa a divisão de uma distância de forma que a proporção do comprimento total da parte maior corresponda geometricamente à proporção da parte maior à menor [...] um cálculo simples mostra que, se o comprimento total for tomado como unidade, o valor da parte maior será de 0,618... Assim, a parte maior de qualquer comprimento dividido pela seção áurea é igual ao comprimento total multiplicado por 0,618...
Figura 2 – Cálculo da proporção áurea de um segmento de medida
Fonte: O autor (2019).
Diversos são os compositores que se utilizaram desta proporção para a
elaboração de suas obras.
Lendvai (1971) analisa a presença da proporção áurea na construção de obras
de Bela Bartók. Ele escreve que “o método de Bartók, em sua construção de forma e
8“Golden Section […] means the division of a distance in such a way that the proportion of the whole
lenght ot the larger part corresponds geometrically to the proportion of the large to the smaller parts (...) A simple calculation show that if the whole lenght is take as unity, the value of the larger section is 0, 618... Thus, the larger part of any lenght divided into GS is equal to the whole multiplied by 0, 618...” (LENDVAI, 1971, p. 17).
24
harmonia, está intimamente ligado a lei da seção áurea” (LENDVAI, 1971, p. 18,
tradução nossa9).
Outro compositor que utilizou a proporção áurea foi Stravinsky (1924). Borém
(2001) analisou a proporção áurea presente nos movimentos Pequeno Coral, Canção
do Diabo e Grande Coral, da obra História do Soldado (STRAVINSKY, 1924),
escrevendo que:
Curiosamente, esta passagem [...] ocorre a cerca de 2/3 do início do movimento Grande Coral, numa proporção que nos remete à seção áurea, característica matemática que, em música, muitas vezes, coincide com a ocorrência do clímax da obra [...]. Esse clímax inclui as três danças (Tango, Ragtime, Valsa), a Canção do Diabo e o Pequeno Coral (subintitulado ‘O Abraço’), que coincidem, aproximadamente, com os primeiros 2/3 da obra (STRAVINSKY, 1924 apud BORÉM, 2001, p. 141-142, grifos do autor).
Como poderá ser observado no capítulo 3, na organização estrutural de
algumas obras, colocou-se o clímax mais importante em um local que consideramos
significativo. Este local foi escolhido segundo cálculos da proporção áurea. O ponto
áureo foi predeterminado em aproximadamente em 62% da medida dos segmentos
da obra. Como em algumas composições ocorrem variações no andamento, o ponto
áureo não coincide exatamente em 62% de tempo de música. Este cálculo atuou no
planejamento estrutural da forma sobre a quantidade de segmentos, multiplicando-os
pelo número 0,618. Ocorreu uma negociação com o resultado do cálculo, pois a
multiplicação com 0,618 gera números decimais. Esses números decimais foram
arredondados ou simplesmente truncados10.
2.2.3 A grande linha e a manutenção do fluxo musical
“A grande linha" descrita por Copland (1974, p. 34) se refere a algo que pode
contribuir com a construção de um sentido para uma obra musical. Esta construção
formal, "tem um grande objetivo a alcançar" (COPLAND, 1974, p. 35).
A música deve sempre fluir, porque isso é parte da sua própria essência, mas a criação dessa continuidade e desse fluxo — da
9“Bartok's method, in his construction of form and harmony, is closely connected with the law of the […]
(Golden Section)” (LENDVAI, 1971, p. 18). 10Desprezo de número de dígitos, isto é, após a vírgula.
25
grande linha — constitui o desespero e a última recompensa da vida de um compositor (COPLAND, 1974, p. 34).
Belkin (2008, p. 9, tradução nossa11) escreve que: “o primeiro e mais
fundamental problema do compositor é, portanto, garantir o fluxo geral da peça, do
começo ao fim. No entanto, o grau de novidade deve ser variado em diferentes
pontos”. Ou seja, a familiaridade entre os elementos e seu surgimento dentro do fluxo
musical é algo importante para a coerência de uma obra. “Elementos unificadores”
(SCHOENBERG, 1996, p. 47) precisam ser evidenciados e estes conectarão
segmentos contrastantes (BELKIN, 2008, p. 24).
Copland (1974, p. 34) escreve que "toda boa peça de música deve dar a
impressão de fluência - deve ter um sentido de continuidade que ligue a primeira nota
à ultima".
Assim, um elemento importante são os “pontos de referência” (BELKIN, 2008,
p. 29, tradução nossa12), pois através deles o ouvinte pode entender a coerência da
obra. Belkin (tradução nossa13) escreve que: “a música depende de uma teia de
memórias e associações que ficam mais ricas à medida que a peça progride”. Esta
teia de memórias e associações são alcançadas através da repetição. Sobre isto,
Schoenberg (1996, p. 47) escreve que: “a inteligibilidade musical parece ser algo
impossível de se obter sem o recurso da repetição”.
Como poderá ser observado, no capítulo 3, criou-se segmentos com certo grau
de familiaridade entre si. Este procedimento se deu de maneira espontânea (intuitiva),
nas primeiras obras (Uirapuru, Algoritmico e Hircus). Nas demais, buscou-se
racionalizar a similaridade entre os segmentos14 e outro recurso foi criar melodias
variadas através de somas de durações15.
11“first and most fundamental problem is therefore to ensure the overall flow of the piece, from beginning
to end. However the degree of novelty must be varied at different points.” (BELKIN, 2008, p. 9). 12 “Points of reference” (BELKIN, 2008, p. 29) 13“Music depends on a web of memories and associations that gets richer as the piece progresses.”
(BELKIN, 2008, p. 9). 14Cf. as seções 3.1.3.1 Operações sobre as durações (Uirapuru), 3.2.3.1 Permutação de durações
(Algoritmico) e 3.3.2.6 Durações e alturas (Hircus). 15Cf. as seções 0 3.5.5.2 Somas rítmicas (Momentos Eternos) e 3.6.3.2 Somas rítmicas (Mandioca).
26
2.3 Princípios
Os princípios listados a seguir são: a abordagem de design compositivo (SILVA,
2010a), negociação, composição baseada em exemplos e em regras (LASKE, 1991),
analogia e ressignificação.
Nas primeiras obras listadas no capítulo 3, cujas abordagens de design
compositivo são ou se aproximam do bottom-up, a instância Princípios foi ignorada
durante o processo compositivo. O conteúdo desta instância, nos memoriais, foi
relatado a partir de uma reflexão posterior à implementação da obra.
2.3.1 Abordagem de design compositivo
Durante o processo de composição de uma obra, um compositor pode ir
mudando o foco da sua lente criativa afim de acessar diferentes dimensões de
planejamento.
Para Laske (1991, p. 251), um dos principais objetivos do design compositivo é
o de convergir às dimensões temporais de uma música. Na abordagem bottom-up,
prevalece as decisões micro estruturais sobre o tempo, enquanto que, na top-down,
as macroestruturais dominam. Existem várias possibilidades entre estas duas
abordagens extremas.
Para Reynolds (2002), a estrutura formal da música está em um nível mais
amplo enquanto que o material está em um nível básico. A “intenção expressiva” (p.
5, tradução nossa16) reside na maneira de como trabalhar com a forma ou com os
materiais de uma obra. Porém, vale ressaltar que, em qualquer processo compositivo,
o mais importante é o aspecto geral, ou seja, o “gerenciamento da experiência total
que o ouvinte deve ter” (p. 21, tradução nossa17).
Moura (2003), menciona uma visão, hora microscópica, hora panorâmica, ao
descrever o percurso compositivo de sua obra Noite dos Tambores Silenciosos ao se
utilizar de processos denominados Zoom In (Zin) e Zoom Out (Zout).
16“expressive intentions e expressive intent” (REYNOLDS, 2002, p. 5). 17“the management of the total experience that the listener is to have” (REYNOLDS, 2002, p. 21).
27
Moura (2003, p. 13, grifo nosso, tradução nossa18) esclarece que:
Zin consiste em desconstruir, separar temporalmente e 'fisicamente' (de maneira metafórica) os componentes constituintes dos elementos, separando, ainda mais, as 'fatias de som' microscópicas e dando-lhes olhares cada vez mais próximos, de modo que, digamos, um timbre específico (ou mesmo apenas um aspecto particular de um timbre) pode ser identificado e visto (ou ouvido!) como uma entidade separada. O procedimento é paralelo ao ato de se aproximar muito de uma pintura, a um ponto em que não são percebidos contornos desenhados de maneira significativa, mas sim, textura, pinceladas e detalhes da própria tela. Zout aplicado ao contrário o processo de reconstrução, de reunir, gradualmente, as fatias de som, componentes e elementos da fonte de referência. A ideia de aplicar esse procedimento é que, em comparação com Zin, é possível reconhecer a partir de uma certa gestalt musical 'distanciada' (isto é, os elementos em suas formas holísticas), da mesma forma que, na pintura, é possível delinear imagens claras e significativas.
Isto se aplica, e.g.19, na maneira como o contorno geral de uma obra é
planejado assim como os contornos específicos em cada melodia, ou em
subestruturas da composição.
Martins (1994), ao realizar entrevistas com alunos-compositores e compositor-
professor, mostra como compositores percebem sua atividade de criação.
[...] há momentos nos quais ele (o compositor) reflete sobre o que fez até então e faz planificações de suas ações a nível mais geral. Podemos perceber que nessa atuação passa a evidenciar-se o movimento top-down da ação cognitiva do sujeito, pois ele se detém em pensar em algo que poderia ser feito, sem saber ainda quais objetos utilizaria (...) Na seqüência das ações, volta a se evidenciar o movimento bottom-up pois o compositor retoma a busca de características do objeto musical dado inicialmente (MARTINS, 1994, p. 71-72).
18“Zin consists of deconstructing, separating temporally and 'physically' (in a metaphorical way) the
elements' constituent components, further detaching microscopie 'slices of sound' and giving them closer and closer glances, so that, let's say, a specific timbre (or even just a particular aspect of a timbre) can be identified and viewed (or heard!) as a separate entity. The procedure parallels the act of getting very close to a painting, to a point that no meaningfully drawn outlines but rather texture, paintbrush strokes, and details of the canvas itself are perceived. Zout applies to the reverse, the process of reconstruction, of assembling gradually the slices of sound, components and elements of the reference source. The idea in applying this procedure is that, in comparison with Zin, one can recognize from a certain 'distance' musical gestalts (i.e. the elements in their holistic forms), similarly as, in painting, one can delineate clear and meaningful images.” (MOURA, 2003, p. 13).
19 exemplī grātiā (e.g.) = por exemplo.
28
Portanto, percebe-se a possibilidade de uma mudança dinâmica de escopo no
fazer criativo, transitando entre o mais geral e o mais específico, durante o processo
compositivo.
Essas duas abordagens (bottom-up e top-down) referem-se ao foco dado a
determinados objetos de uma obra. A bottom-up foca nos objetos mais específicos,
como durações, alturas, motivos, melodias, entre outros materiais a serem
manipulados. A top-down consiste em uma visão mais ampla, como o planejamento
dos elementos musicais subordinados a estruturas, de maneira mais holística.
Silva (2010a) também define estes tipos de abordagem de design:
(1) bottom-up, que consiste na:
[...] usinagem de materiais através de técnicas, produzindo resultados (parciais). Em seguida, estes resultados podem ser avaliados com a finalidade de extrair deles mesmos o desígnio de metas, e o aclaramento de ideias. Se tais ações não se mostrarem suficientes para a realização da obra, ruma-se a uma nova rodada de geração de resultados, até que esses se mostrem em acordo razoável com a expectativa do compositor (SILVA, 2010a, p. 23-24).
(2) top-down, que:
[...] parte de um diálogo entre ideias e o desígnio de metas. Tal diálogo já contribui com resultados (parciais) [...]. Neste ir e vir, decisões são reavaliadas à luz dos produtos que vão sendo gerados [...]. Novas rodadas de refinamento acontecem até que um resultado (final) seja obtido (SILVA, 2010a, p. 22-23).
Figura 3 – Principais abordagens de design compositivo do Modelo de Silva (2010a): top-down e bottom-up, respectivamente.
Fonte: Silva (2010a, p. 23-24).
29
Do trabalho de Silva (2010a), entende-se que a abordagem top-down
estimula o compositor a se concentrar em metas, o que o leva a um planejamento pré-
compositivo e a uma visão mais panorâmica da obra. Tal visão se concentra em
estruturas maiores (e.g. forma, pontos de adensamento (clímax), planejamento de
transposições). Na abordagem bottom-up, leva diretamente à manipulação de
materiais através de técnicas, ou seja, a uma visão mais focada em objetos
específicos (e.g. alturas e durações de melodias). Também pode haver um (possível)
planejamento que poderá ir sendo construído e alterado ao longo do processo. Silva
(2010a, p. 24) ainda menciona que “excessos nas duas opções são indesejados”20.
Ao atentar para o nosso percurso criativo, observou-se que o nosso fazer
compositivo vem se deslocando, cada vez mais, de uma abordagem bottom-up para
a top-down. Inicialmente, o emprego de técnicas sobre materiais, gerava resultados
pontuais. Uma soma deles era colecionada no sentido de se gerar um todo (de
maneira intuitiva). Comumente, há aqui uma tendência a não ficar claro o caminho
percorrido (até que ele se estabeleça na versão final da obra). Posteriormente, o
desígnio de metas e a observação de princípios passou a guiar o trabalho musical de
maneira mais consciente. Isto possibilitou um maior controle sobre os materiais e/ou
resultados prévios que estão subordinados a um esquema maior – chamada de “la
grand ligne” por Copland (1974, p. 34). O deslocamento da abordagem de design
compositivo poderá ser observado com maiores detalhes nos memoriais das obras
listadas no capítulo 3.
2.3.2 Negociação
O princípio da negociação permite um diálogo entre normas estabelecidas e
possíveis exceções; ajustes entre o planejamento (prévio) e resultados parciais e final.
O uso do princípio da negociação também visa adequar o resultado de
operações a certos contextos, como, e.g. à extensão de um instrumento a uma
harmonia, a duração de um trecho, ou, simplesmente, ao gosto do compositor.
A negociação pode ser utilizada como um critério para uma abordagem de
design compositivo meio-termo.
Silva (2010a, p. 24) escreveu:
20A discussão referente a uma abordagem meio-termo será retomada na seção 2.3.2 Negociação.
30
Há toda uma gradação entre as duas abordagens apresentadas (bottom-up e top-down). Desnecessário é dizer que excessos nas duas opções são indesejados. Por um lado, numa ênfase exageradamente top-down, correríamos o risco de uma estruturação rigorosa, porém, infrutífera, devido à possibilidade de detalhamento em demasia, criando dificuldades à própria implementação. Por outro lado, teríamos uma ênfase exagerada na abordagem bottom-up, tendendo a apresentar resultados isolados, desconexos ou incoerentes (que geralmente acabam ‘colados com duréx’). Mais interessante é contribuir com a instauração de uma via de mão dupla que permita nos beneficiarmos dos proveitos de cada uma delas.
Uma das diferenças entre as abordagens de design top-down e bottom-up
reside na forma como o princípio da negociação atua sobre a implementação da
composição.
Em obras cujas abordagens são exclusivamente bottom-up, dado seu pouco
(ou nenhum) planejamento prévio, vão ocorrendo diversas rodadas de negociação
com os resultados parciais das operações sobre os materiais musicais. Ainda nesta
abordagem, podem ocorrer rodadas de planejamento, ao longo do processo
compositivo, que visam adequar os resultados aos desejos do compositor.
Em outras composições, cujas abordagens são top-down, a negociação pode
ou não atuar. Ela é encarada, conscientemente, como um recurso possível que pode
ser acionado quando o compositor desejar. Quando este princípio não atua, a
composição pode se tornar, demasiadamente, difícil de ser implementada. Quando
ela atua, pode vir de maneira especifica, em locais pontuais, pois o planejamento pré-
compositivo já estabeleceu os seus limites.
Durante o percurso criativo das composições listadas no capítulo 3 e
apêndices, a negociação se deu na forma de alterações de alturas, durações, ajustes
dos segmentos, entre outras qualidades musicais, conforme achamos mais
conveniente. Em uma reflexão posterior ao relato das primeiras obras listadas nos
memoriais (Uirapuru, Algoritmico e Hircus) bem como às primeiras composições
desenvolvemos (mesmo antes do ingresso nesta pesquisa no Mestrado), observou-
se que este princípio foi bastante utilizado, haja vista que rodadas de manipulações
de materiais foram feitas até atender nosso gosto. Na medida em que se rumou para
uma abordagem top-down, buscou-se usar menos este princípio. Isto não significa
que ele seja completamente ignorado, mas sim utilizado com mais consciência e em
pontos cada vez mais específicos.
31
2.3.3 Composição baseada em exemplos ou em regras
Laske (1991) escreve que tanto a composição baseada em exemplos como a
baseada em regras se baseiam em modelos. Diante disto, complementa afirmando
que, o primeiro se baseia em modelo de objetos musicais existentes, enquanto que o
segundo se ampara no próprio processo musical do compositor ou no de outra pessoa.
É importante observar que a composição baseada em exemplos e em regras
não são opostos absolutos, mesmo que ambos confiem no modelo de suas
experiências, habilidades e materiais de um compositor.
Laske (1991, p. 5, tradução nossa21) escreve que:
Quando um compositor decide trabalhar de uma maneira baseada em regras, ele aceita a perda de certas habilidades, já que ele sente que a perda é compensada pelo ganho de outras habilidades mais relevantes. Ao usar uma estratégia de controle baseada em exemplos, o compositor decide favorecer habilidades de adaptação (de objetos) de músicas existentes, enquanto ao seguir uma estratégia de controle baseada em regras, ele opta por habilidades de formular, implementar e depurar ideias processuais abstratas.
Do mesmo modo, durante esta jornada criativa de desenvolvimento estrutural
pré-compositivo, optou-se por definir metas ao invés de trabalhar apenas com
materiais e técnicas. Esta decisão foi se tornando, cada vez mais, efetiva durante as
composições das obras. Assim, nas obras listadas no capítulo 3, pode ser observado
que se adicionou mais complexidade ao planejamento. Isto significa que mais
qualidades musicais foram sendo operacionalizadas, criando mais diretivas que atuam
sobre os elementos da música.
A estratégia para o desenvolvido na criação das obras listadas, no capítulo 3,
seguiu as duas abordagens. Inicialmente, trabalhou-se com exemplos já existentes.
(ou em última análise, com a percepção (memória) auditiva dos exemplos).
Posteriormente, rumou-se para uma estratégia na qual as regras preestabelecidas
guiaram o processo. Por fim, a estrutura pré-compositiva desenvolvida serve como
21“When a composer decides to work in a rule-based fashion, he accepts the loss of certain abilities
since he feels the loss is offset by the gain of other, more relevant abilities. When using an example-based control strategy, the composer decides to favor abilities of adapting (objects of) existing musics, while when following a rule-based control strategy, he opts in favor of abilities of formulating, implementing, and debugging abstract procedural ideas.” (LASKE, 1991, p. 5).
32
uma espécie de molde para a implementação da obra em questão e também de outras
obras. Assim, pode-se dizer que a estrutura também é um resultado do processo. Esta
estrutura engendra uma série de qualidades musicais que foram operacionalizadas e
servem como uma espécie de algoritmo para a composição. As possibilidades
(resultados) na implementação da obra variam conforme os materiais trabalhados.
2.3.4 Analogia
A analogia é uma relação de similaridade entre objetos. Este princípio presume
“implicitamente a existência de relações subjacentes” (DAVID; KRAMER, 2002, p. 30).
Ela “abarca itens como alegoria, comparação, metáfora, símile, etc.” (PORTO, 2018,
p. 42).
Em música, existem vários exemplos da aplicação deste princípio. Exemplifica-
se com Prélude à l'après-midi d'un Faune (DEBUSSY, [1895]). Segundo descreve
Piedade (2009, p. 152, grifo nosso):
Claude Debussy compôs o Prélude à l´Aprés-midi d´un faune em 1894 por encomenda da Société Nationale de Musique. Foi o próprio Mallarmé que instigou seu amigo compositor a compor essa peça, a qual se tornou um sucesso imediato. Debussy é muitas vezes descrito como um compositor intuitivo, improvisador, sonhador de imagens musicais. No entanto, era igualmente um construtor de estruturas, minucioso quanto às proporções. Dessa forma, na própria estrutura musical do Prélude pode estar ancorada, como uma resposta formal no nível do timbre, a estrutura poética do poema de Mallarmé.
Outro exemplo é Syrinx (DEBUSSY, 1927). Santos (2014, p. 94) escreve que o
autor a compôs “em 1913, originalmente como música incidental, inspirada na estátua
‘Dernier Soupier de Pan’ (o último suspiro de Pan), buscando ilustrar a peça teatral de
Gabriel Mourey ‘Psyqué”. Notadamente, ao ser inspirado pela estátua de um fauno,
pelo texto da peça teatral e, certamente, pela lenda grega, o compositor buscou
expressar em música este contexto fictício.
Este princípio foi utilizado na composição da obra Tapioca. Notadamente, na
utilização da imagem de uma tapioca para a organização da estrutura formal.
33
2.3.5 Ressignificação
A ressignificação trata da reconstrução com base em material dado provendo-
lhe um novo significado. Tal princípio se constitui, na verdade, na ação da
intertextualidade. A intertextualidade, por sua vez, é a reelaboração a partir de objetos
presentes em outras obras, fornecendo outras perspectivas. Este conceito abarca a
alusão, conotação, versão, plágio, pastiche, citação, paródia, entre outras formas.
Sobre isso, Silva (2002, p. 34) escreve que:
A ressignificação implica na presença das relações e sentidos originais, todavia, imersos num contexto criativo diferenciado, visualizando perspectivas de desenvolvimento a partir de um diálogo com a leitura original. [...] A ressignificação faz parte do aprendizado do compositor e é tão tradicional quando o próprio ato de compor, embora enseje menos comentários que o esperado. De certa forma, os compositores sempre ressignificaram uns aos outros.
Um exemplo musical ocorre na obra Abertura 1812 (TCHAIKOVSKY, 1882).
Nela, Tchaikovsky se utiliza da obra La Marseillaise (LISLE, 1792) para representar
as tropas francesas. Também, outras músicas tradicionais russas e da igreja ortodoxa,
como o hino: Deus, salve o Tsar (ALEKSEY, 1833, tradução nossa22,23). Notadamente,
Tchaikovsky (1882) fez citação destas músicas para contar, musicalmente, a história
da Batalha de Borodino, que ocorreu em 7 de setembro de 1812 (VIEIRA, 2013).
Este princípio foi utilizado, especificamente, na obra Hircus. Seu uso buscou
reelaborar o trecho entre os compassos 42-62 (First Tableau) de Petruska
(STRAVINSKY,1911)24.
2.4 Materiais
Os materiais de uma composição são os insumos do fazer musical. Estes serão
moldados através de técnicas. Dentro do Modelo de Silva (2010a), pode-se alocar
conteúdos de outras instâncias tornando-os materiais, por exemplo, que passarão por
processos definidos pelas técnicas. Assim, serão listadas a seguir, qualidades
musicais (materiais) que foram utilizadas nas composições listadas nos memoriais do
22“Боже, Царя храни” (ALEKSEY, 1833). 23Documento online não paginado. 24A explicação do princípio será realizada na subseção 3.3 Processo compositivo na obra Hircus, para
quinteto de cellos.
34
capítulo 3. A estratégia para a sua quantificação foi a numeralização de quantidades
de uma qualidade musical.
2.4.1 Paleta de qualidades musicais utilizadas
A seguir será listado os materiais que foram trabalhados nos memoriais tanto
de maneira bottom-up, com rodadas de negociações e com a inclusão posterior,
quanto de maneira top-down, com um plano predefinido.
Forma (segmentos e seções);
Andamento;
Durações (que também abarcam combinações de figuras rítmicas);
Alturas (notas, frequências);
Combinações instrumentais;
Textura (resultado de combinações entre melodia, acompanhamento e
contraponto);
Contorno de motivos de altura (resultado de transposições);
Modos; e
Intensidades.
2.4.2 Numeralização de quantidades de uma qualidade musical
Uma qualidade musical pode ser representada em uma escala, a fim de que
sua grandeza possa ser medida em um contínuo de quantidades. Por exemplo, as
intensidades têm sua escala de grandeza:
Quadro 2 – Escala de intensidades (dinâmicas) Pp p mp mf f ff
Fonte: O autor (2019).
Como estratégia para a operacionalização da qualidade da intensidade
(dinâmica), podem ser atribuídos números, começando com o elemento com menos
proeminência. A ele é atribuído o algarismo 1. Os demais ganham sua numeração à
medida em que crescem em sua grandeza. Assim, esta escala de intensidades
numeralizadas fica:
35
Tabela 1 – Escala de intensidades numeralizadas pp p mp mf f ff
1 2 3 4 5 6
Fonte: O autor (2019).
A partir disto, estas intensidades podem ser submetidas a diversas operações
matemáticas. Obviamente, para esta e outras qualidades musicais, é preciso haver
certa cautela, pois os resultados matemáticos podem não ser possíveis de serem
(re)atribuídos às qualidades musicais (e.g. utilizando a Tabela 1: 5 x 6 = 30. O que
significaria 30?)
A partir da estratégia de numeralização das qualidades musicais para as
durações, atribuiu-se números, conforme as durações proporcionais. A unidade de
ritmo é associada ao número 1. As demais durações são obtidas proporcionalmente.
Aplicou-se operações sobre estes números e os resultados compõem o conjunto de
durações dos segmentos.
Para a forma, atribuiu-se números aos segmentos. Estes números foram
embaralhados, utilizando-se operação de permutação. Por fim, agrupou-se os
segmentos resultantes em seções.
Outra qualidade musical numeralizada foi a instrumentação. Associou-se
ordinalmente, por grandeza, números aos conjuntos de instrumentos que foram
obtidos através de análise combinatória. Contudo, os números associados a
combinações instrumentais não podem ser submetidos, diretamente, à operações que
alterem seus valores.
Os resultados das operações sobre as qualidades poderão ser observados nos
memoriais listados no capítulo 3.
2.5 Técnicas
As técnicas compositivas são ações sobre o material musical. Durante o
percurso criativo que gerou os memoriais listados no capítulo 3, algumas técnicas
foram utilizadas para a transformação dos materiais. Dependendo de qual abordagem
estava sendo adotada (bottom-up ou top-down), havia um controle prévio (ou não)
sobre a adoção destas técnicas.
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2.5.1 Operações sobre listas
Por assim dizer, até aqui, nossa tendência era de operar sobre insumos,
transformar matérias-primas, ou seja, empregar técnicas sobre materiais. Um passo
seguinte, caminhou no sentido de se assimilar uma sistematização desta tendência.
Isso se deu de modo a abordar os materiais enquanto qualidades musicais (SILVA,
2016).
Além disso, cada uma destas qualidades tende a variar, quanto a sua
magnitude, ao longo de uma obra. Isto engendra o conceito de quantidade (que está,
diretamente, ligado ao de qualidade). As quantidades que descrevem o quão presente
se fazem de uma determinada qualidade que podem ser representadas na forma de
listas numéricas, conforme descritas na subseção 2.4.2 Numeralização de
quantidades de uma qualidade musical. Parte do trabalho compositivo, de geração de
resultados prévios, pode ser descrito como a utilização de operações que incidem
sobre estas listas.
A respeito desse modus operandi, Silva (2016, p. 58, tradução nossa25)
escreve:
Empregar operações sobre listas pode ser estrategicamente usado para fins musicais, produzindo uma riqueza de material pré-compositivo. É também uma maneira de resumir técnicas de composição, sugerindo outro modo de formalizar o conhecimento para o campo da Composição Musical. Uma vez que a variação quantitativa descrita pelas qualidades musicais é representada numericamente, ela pode ser submetida a uma variedade de recursos matemáticos. Ainda assim, essa abordagem pode ser aplicada a qualquer qualidade musical.
A prática foi se aclarando rumo a uma dinâmica de operações sobre listas.
Operando com, cada vez mais qualidades musicais, de maneira prévia. Em um
momento posterior, esta sistematização ganhou ainda mais fôlego quando os
resultados obtidos ganharam uma forma mais abrangente quanto à sua organização
musical.
25“Employing operations on lists can be strategically used for musical ends, producing a wealth of pre-
compositional material. It is also a way to summarize composition techniques, suggesting another manner of formalizing knowledge to the field of music composition. Once quantitative variation described by musical qualities is numerically represented, it can be subjected to a variety of mathematical resources. Still, this approach can be applied to any musical quality.” (SILVA, 2016, p. 58).
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2.5.1.1 Justaposição
A justaposição refere-se à junção sequencial (um após o outro) de objetos
(simétricos ou assimétricos entre si).
Um problema relacionado ao uso desta operação para a forma reside no fato
de que ela pode ocasionar a quebra da continuidade no fluxo da música.
Schoenberg (1996, p. 47, grifo nosso) escreve que: “Enquanto a repetição sem
variação pode facilmente engendrar monotonia, a justaposição de elementos com
pouca afinidade pode, com facilidade, resultar em absurdo, especialmente, se os
elementos unificadores forem omitidos”.
Do mesmo modo, Belkin (2008, p. 9, tradução nossa26) escreve que: “[...] se
houver muitos ajustes e inícios, as descontinuidades vão quebrar a coerência do
trabalho”.
Este problema foi resolvido nas obras, justapondo segmentos com certo grau
de similaridade entre si27, o que diminui as quebras de continuidade do fluxo.
Esta operação pode ser operada em conjunto com outra, como, e.g. a
permutação. A subseção 2.5.1.2. trata desta operação.
2.5.1.2 Permutação
A operação de permutação trata de combinações entre a sequência dos
elementos de um conjunto.
Sobre o procedimento de justaposição de segmentos permutados, Downie
(2017, p. 50, grifo nosso, tradução nossa28) escreve:
A função exata (permutação) e os métodos empregados (justaposição e sobreposição) demonstraram ser tão variados quanto a imaginação permitiria. No entanto [...] a reconhecibilidade do material e, portanto, a sua capacidade de ser contrastada, é vital para o design formal.
26“[…] if there are too many fits and starts, the discontinuities will break up the work's coherence.”
(BELKIN, 2008, p. 9). 27Para maiores detalhes, verificar as subseções 3.4.5.1 Distribuição justapositiva (Tapioca) e 3.6.3.1
Distribuição Justapositiva (Mandioca). 28“The exact function (permutation) and methods employed have been shown to be as varied as one’s
imagination will allow. However […] the recognisability of material, and hence its ability to be contrasted, is vital to the formal design.” (DOWNIE, 2017, p. 50).
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O embaralhamento dos segmentos, combinados com outras qualidades
musicais operacionalizadas, resultaram em "pontos de referência" (BELKIN, 2008, p.
29), mas sem criar monotonia na obra.
Inicialmente, a operacionalização foi implementada com menos consciência e
organização prévia. Mais adiante, será visto, com maiores detalhes, como foi realizada
permutação dos segmentos bem como a operacionalização de outras qualidades
musicais.
A justaposição de segmentos permutados se caracteriza, principalmente, como
uma técnica de composição, cujo resultado é a sucessão de partes da obra, ou seja,
sua estrutura formal. Sua operacionalização com outros materiais compositivos
resulta em variabilidade, fazendo com que as reaparições dos segmentos sejam
variadas, evitando assim a monotonia (SCHOENBERG, 1996; p. 47; BELKIN, 2008,
p. 9).
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3 MEMORIAIS DAS OBRAS
Os memoriais, a seguir, foram construídos utilizando o modelo de
acompanhamento composicional proposto por Silva (2010a). Tal modelo serviu como
organizador para o registro dos passos adotados ao longo do percurso criativo.
Nos memoriais utilizou-se as instâncias do modelo como seções para
descrever o processo compositivo adotado em cada obra. Doravante, a ordem das
subseções que descrevem o conteúdo dos memoriais, seguem a abordagem de
design compositivo adotada. Para tanto, relata-se ideias, materiais, técnicas, metas,
princípios e resultados. Além de comentários conclusivos em cada memorial onde
estão as lições aprendidas após a implementação da composição.
Observa-se, de maneira geral, que o nosso processo compositivo vem
migrando do bottom-up para top-down. Isto se deu à medida em que se foi se
manipulando mais qualidades musicais, i.e.29, os materiais da composição, como
contorno de alturas, instrumentação, textura, etc. Esta migração esteve a par e passo
como o planejamento prévio (e em larga escala) destas qual