85
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL – UFRGS ESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA – ESEF LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA EDUARDO GOTTEMS PERGHER A HEGEMONIA DO ESPORTE NA ESCOLA Porto Alegre 2008

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL – UFRGS … Pergher.pdf · 2 universidade federal do rio grande do sul – ufrgs escola de educaÇÃo fÍsica – esef licenciatura em

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL – UFRGSESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA – ESEFLICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA

EDUARDO GOTTEMS PERGHER

A HEGEMONIA DO ESPORTE NA ESCOLA

Porto Alegre

2008

2

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL – UFRGSESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA – ESEFLICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA

Eduardo Gottems Pergher

A HEGEMONIA DO ESPORTE NA ESCOLA

Trabalho de conclusão de curso apresentado como exigência final para obtenção da titulação de licenciado em Educação Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Orientador: Prof. Dr. Vicente Molina NetoCo-orientador: Prof. Mestrando Giovanni Frizzo

Porto Alegre

2008

3

Eduardo Gottems Pergher

HEGEMONIA DO ESPORTE NA ESCOLA

Trabalho de Conclusão do Curso de Educação FísicaUniversidade Federal do Rio Grande do Sul

_____________________________Estudante Eduardo Gottems Pergher

_________________________________Orientador: Prof. Dr. Vicente Molina Neto

________________________________Avaliador: Prof Dr. Alberto R. Reppold Filho

Trabalho entregue dia 17 de novembro de 2008Apresentação dia 03 de dezembro de 2008

4

Agradecimentos:

Ao povo brasileiro, que paga seus impostos, no intuito de que o Estado reverta esses em melhorias para a sociedade, tenho uma dívida eterna com vocês;A todas e todos que lutaram e lutam pela Universidade Pública, Gratuita e de Qualidade, pois sem ela dificilmente estaria escrevendo essas palavras;A meu pai, Eno José Pergher, minha mãe, Jania Inês Gottems, meu irmão, Rodrigo Pergher e minha irmã Sheila Pergher, minha querida família, que muitas vezes não compreendeu, mas aceitou, a distância que nos separa, e que me auxiliaram em tudo desde sempre para que conseguisse chegar hoje aqui;Ao meu orientador, Professor Molina Neto, companheiro, que busca compreender meus anseios, e tem me ensinado, me ajudado, me auxiliado nessa caminhada;Ao meu co-orientador, Geová, que tem me ajudado, a partir das nossas discussões, a avançar nessa empreitada;A companheirada do grupo de pesquisa F3p-Efice, pela força;Ao Movimento Estudantil de Luta, Organizado e Combativo, que não rebaixa suas bandeiras e luta com a classe trabalhadora por dias melhores;À companheirada que toca o ME no DCE da UFRGS nas últimas gestões: Dani, Bernardo, Raka, Gabi, Vico, Fernada, Kcarol, Ana, Rodolfo, Barbara, Beliza, Baggio, Thiago, Lemes, Hulk, Jéssica, Bino, Glauco, Juzinha, Paulo, Tita, Paula, Gabi, Fábio, entre tantos...À companheirada do Movimento Estudantil de Educação Física, o MEEF, com certeza esquecerei alguns nomes, mas farei um esforço de lembrá-los: Mel, Xisão, Carlão, Pamplona, Gabrielzinho, Monstro, Vivi, Cíntia, Emyly, Camila, Adriano Abu, Fuchs, Gika, Eduardo, Guilherme, Fran, Mineiro, Tocha, Laércio, Gabriel, Andressa, Pequeno, Diego, Jomar, Morena, Marcello, Afonso, Amandinha, Youself, Samile, Gaspar, Laryssa, Sara, Luis Milonga, Tiago, Jo, Anderson, entre tantas... À companheirada que coordenou nacionalmente a Executiva Nacional de Estudantes de Educação Física (ExNEEF) nas duas últimas gestões: Canguru, Carol, Fabão, Luis Gustavo, Xisinho, Alan Jonh, Linna e Rafael Góes.Ao camarada Shin Pinto Nishimura, que coordenou a ExNEEF comigo, que sempre soubemos divergir, porém na hora da peleia, sempre nos atirávamos abraçados.À gurizada que vem transformando a ESEF/UFRGS num dos maiores pólos de resistência estudantil do Brasil: Gil, Geová, Shin, Lari, Luth, Vico, Berna, Dessa, Carol, Zingano, Diel, Andrade, Wando, Piranha, Pedro, Taty, Nessa, Isa, Duran, Fred, Ju, Abib, Vivi, Marina, Régis, Renatinha, Salsa, Marião, Tolloti, Maurício e ao Ílson, onde quer que ele esteja...

5

Que para todos haja sempre pão para iluminar a mesaEducação para aliviar a ignorância

Saúde para espantar a morteTerra para colher o fruto

Teto para abrigar a esperançaE trabalho, para fazer dignas as mãos

(EZLN, 1996)

6

SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS...............................................................................8

1 APROXIMAÇÃO AO PROBLEMA..................................................................................101.1 Breve contextualização da sociedade em que vivemos .................................................101.2 Escola e trabalho...............................................................................................................151.3 Esporte e trabalho.............................................................................................................201.4 Esporte na escola...............................................................................................................241.4.1 Tema polêmico: a Revista Movimento discutindo o esporte na escola e esporte de rendimento................................................................................................................................251.4.1.1 Esporte: uma abordagem com a fenomenologia ......................................................271.4.1.2 Esporte na escola e esporte de rendimento................................................................271.4.1.3 Sobre o esporte para crianças e jovens......................................................................291.4.1.4 Desporto educacional: realidade e possibilidades das políticas governamentais e das práticas pedagógicas nas escolas públicas......................................................................311.4.1.5 Relações entre o esporte de rendimento e o esporte na escola.................................341.4.1.6 Técnica, esporte, rendimento......................................................................................361.4.2 Intelectuais da educação física.......................................................................................37

2 DECISÕES METODOLÓGICAS......................................................................................392.1 Problema da pesquisa........................................................................................................392.2 Caracterização do estudo..................................................................................................402.2.1 Análise de documentos...................................................................................................412.2.2 Observação participante................................................................................................422.2.3 Entrevistas semi-estruturadas.......................................................................................432.2.4 A Escola escolhida...........................................................................................................442.2.5 Os professores colaboradores........................................................................................45

3 ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES: A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO ESPORTE NA ESCOLA...................................................................................................................................463.1 Prática pedagógica nas aulas de educação física............................................................463.2 Esporte como conteúdo hegemônico ...............................................................................543.3 Lógica do esporte de rendimento presente na escola......................................................583.4 Jogos escolares: o desfile de pobreza...............................................................................65

CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................71

REFERÊNCIAS ......................................................................................................................76

APÊNDICES............................................................................................................................82ROTEIRO BÁSICO DE ENTREVISTAS.............................................................................82TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO.........................................83DECLARAÇÃO DE CONSENTIMENTO...........................................................................85

ANEXOS..................................................................................................................................86

7

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar o esporte dentro da escola, buscando apontar as implicações que esse fenômeno social, no contexto escolar, traz a partir da prática pedagógica dos professores de educação física. Assim, fizemos uma contextualização da sociedade que vivemos, seguida de uma breve revisão de literatura sobre a Escola, fazendo o resgate histórico e o relacionando com a sociedade. Articulamos essa discussão com a de esporte, que será apresentada com mais ênfase, tendo em vista a relevância que o mesmo tomou mundialmente, abordando seu processo histórico especifico como fenômeno, apresentando os fatores internos e externos que o influenciam e direcionam. Nos aproximamos também da discussão crítica ao esporte feita no Brasil na década de 1980 e início da década de 1990, bem como examinamos seus efeitos nos dias de hoje. Após essa revisão bibliográfica, discutimos o esporte dentro da área do conhecimento da educação física, e desenvolvemos o trabalho de campo em uma escola pública. A partir das referências teóricas e da contribuição de professores de educação física que atuam nela, estreitando assim os laços da teoria com a prática social a partir do trabalho pedagógico dos professores de educação física, construímos um processo analítico consistente que procura dar conta de compreender e propor possibilidades para o esporte na escola. A partir dessas constatações, analisamos a prática pedagógica de professores de educação física na escola pública. Utilizamos como principais instrumentos de coleta de informações, a análise de documentos, a observação participante e entrevistas semi-estruturadas, constituindo dessa forma um estudo de caso. Finalmente relacionamos as informações coletadas do trabalho de campo com o aporte teórico, buscando dessa forma a síntese acerca das reflexões propostas por esse estudo, bem como apontando as implicações da temática para formação de professores.

Palavras-chave: Escola. Esporte. Prática Pedagógica. Hegemonia.

8

CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

O presente trabalho tem por objetivo analisar o esporte dentro da escola, buscando

apontar as implicações que esse fenômeno social, no contexto escolar, traz a partir da prática

pedagógica dos professores de educação física.

Assim, apresentamos1 no primeiro capítulo uma contextualização geral da sociedade

em que vivemos, buscando apresentar alguns apontamentos em relação ao modo de produção

capitalista.

Após traçamos uma breve revisão de literatura sobre a Escola, fazendo o resgate

histórico e o relacionando com a sociedade. Tratamos também dos processos que contribuíram

com sua consolidação, contextualizando-a na sociedade atual e os fatores externos e internos

que a influenciam e demarcam na ação junto as crianças, jovens e adolescentes.

Articulamos essa discussão com a de esporte, que será apresentada com mais ênfase,

tendo em vista a relevância que o mesmo tomou mundialmente, abordando seu processo

histórico específico como fenômeno, apresentando os fatores internos e externos que o

influenciam e direcionam. Referenciamos o debate promovido pela Revista Movimento, na

seção Temas Polêmicos de 2000 e 2001, intitulado Esporte na Escola e Esporte de

Rendimento, para apresentar uma discussão mais aprofundada sobre esporte na escola.

Pretendemos também nos aproximar da discussão crítica ao esporte feita no Brasil na década

de 1980 e início da década de 1990, bem como examinar seus efeitos nos dias de hoje.

No segundo capítulo desenvolvemos as nossas decisões metodológicas,

caracterizando o problema de pesquisa. Faremos uso, como principais instrumentos de coleta

de informações, a análise de documentos, a observação participante e entrevistas semi-

estruturadas, constituindo dessa forma um estudo de caso. É nesse momento que apresentamos

também nossos colaboradores, e a escola envolvida no trabalho.

O terceiro capítulo é o momento em que analisamos as informações do campo a partir

das referências teóricas e da contribuição de professores de educação física que atuam nela,

estreitando assim os laços da teoria com a prática social a partir do trabalho pedagógico dos

professores de educação física. Esperamos construir um processo analítico consistente que dê

conta de explicar e propor possibilidades para o esporte na escola.

1Por mais que eu tenha escrito, feito o trabalho de campo, as leituras, e tudo mais, opto por utilizar os verbos, dentro do possível, na primeira pessoa do plural, por entender esse trabalho como uma construção coletiva, em que várias outras pessoas contribuíram, sem dúvida alguma em alguns momentos serei impedido dessa opção, tendo que utilizar o verbo no singular, porém dentro do possível acato a posição acima.

9

A partir dessas constatações, pretendemos analisar a prática pedagógica de

professores de educação física na escola pública.

Finalmente relacionaremos as informações coletadas do trabalho de campo com o

aporte teórico e com nossas formulações, buscando a síntese acerca das reflexões propostas

por esse estudo, bem como apontando as implicações da temática.

10

1 APROXIMAÇÃO AO PROBLEMA

Para fazer uma análise relacionada ao esporte na escola, é necessário pautarmos

brevemente o contexto em que as duas instituições, a escola e o esporte, estão inseridas, bem

como resgatarmos a história das mesmas e a íntima ligação entre elas. Dessa forma, iniciamos

com uma breve discussão acerca da sociedade, seguida de uma discussão sobre a escola,

entendendo esta como uma instituição maior em relação ao esporte, em que o mesmo se

insere, buscando entender sua função quando começa a ser organizada durante a Revolução

Industrial, bem como o papel desempenhado hoje. A discussão do esporte segue essa mesma

linha de raciocínio, porém, a relevância remetida ao esporte hoje enquanto fenômeno social

acarreta uma análise bem mais aprofundada.

1.1 Breve contextualização da sociedade que vivemos

Para compreender as implicações do esporte no contexto escolar é necessário

discutirmos brevemente o modo de produção a que essas duas instituições se submetem,

trazendo pressupostos acerca da sociedade em que estão inseridos, tratando a conjuntura,

entendendo que não podemos fazer uma análise dos mesmos de forma isolada, sem fazer uma

relação com a totalidade.

Nesse sentido, faremos aqui uma breve análise do modo de produção da existência

vigente na sociedade: o capitalismo. Este sistema, pautado na divisão da sociedade em classes,

busca a acumulação de capital, seja qual for a maneira para isso se concretizar. As classes

presentes nesse contexto são classes antagônicas, de um lado a burguesia, que se constitui em

uma minoria, detentora dos meios de produção; de outro, a classe trabalhadora, a maior

parcela da sociedade, que vende sua força de trabalho com objetivo de garantir o seu sustento.

Os interesses dessas classes também são antagônicos e podem ser classificados, segundo

Souza (1987, p.11) “tanto como imediatos quanto históricos”: a acumulação de riqueza, a

exploração dos recursos naturais cada vez mais escassos, a ampliação do consumo, do

patrimônio, etc. são os interesses imediatos da classe dominante, acompanhado do interesse

histórico de manter-se no local privilegiado a fim de garantir o poder e a qualidade de vida

deferida a partir desse privilégio. A necessidade de sobrevivência, a luta pelo emprego,

melhoria nas condições de trabalho, acompanhada das reivindicações pelos direitos

11

trabalhistas, constituem-se nos interesses imediatos da classe trabalhadora. A tomada da

direção da sociedade constitui-se enquanto interesse histórico da classe trabalhadora, através

da luta e da vontade política, a fim de chegar a um sociedade justa, apropriando-se do produto

de seu trabalho.

Um dos principais mecanismos que determinam esse processo de divisão de classe é

através da expropriação do produto do trabalho, pelo capitalista, do trabalhador. Marx, ao

tratar desse ponto, diz que:

[ . . . ] na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e á qual correspondem formas sociais determinadas de consciência (2007, p.45).

Dessa forma, observamos a relação/articulação entre os três níveis gerais da

sociedade: 1) a base econômica ou estrutura, em que estão as relações entre os homens e a

natureza, e entre os homens com os homens, sendo assim relações sociais; que condiciona a

superestrutura, dividida em 2) sociedade civil2, configurando-se em diversas esferas da vida,

tais como: escolas, imprensa, igreja, sindicatos, partidos, entre outras, em que exercem, como

um campo de domínio da ideologia; e 3) sociedade política ou Estado3, enquanto

superestrutura política, presentes neste todo aparato estatal desde o governo, parlamento, até o

aparato militar. Gramsci elucida melhor acerca da superestrutura quando diz que

[ . . . ] pode se fixar dois grandes “planos” superestruturais: o que pode ser chamado de “sociedade civil” (isto é, o conjunto de organismos chamados comumente de “privados”) e o da “sociedade política ou Estado”, que correspondem à função de “hegemonia” que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela de “domínio direto” ou de comando, que se expressa no Estado e no governo juridico”. (1978, p.13-14).

Essa relação/articulação demonstra o que Gramsci chamou de “bloco histórico”,

enquanto um conjunto complexo e contraditório. Essa relação/articulação não se dá de forma

mecânica e unilateral, pelo contrário, acontece de forma recíproca, orgânica e contraditória,

sendo através da contradição que se problematizam as relações sociais de produção, ou mais

2 Entendida na citação de Marx como superestrutura jurídica, e podendo ser utilizada o termo de consciência social também. Porém utilizaremos neste trabalho o termo sociedade civil, nos aproximando assim a formulação de Gramsci.3 No sentido estrito.

12

especificamente de exploração. Da mesma forma que Marx (2008) em suas formulações deixa

entendido que a superestrutura não é autônoma nem desligada da estrutura, Gramsci ao trazer

à tona a contribuição acerca da superestrutura, é enfático ao dizer que não podemos nos pautar

unicamente na estrutura e na relação direta de poder – o Estado – e dá um peso maior4 do que

Marx nessa questão:

No desenvolvimento de uma classe nacional, ao lado do processo de formação no terreno econômico, deve-se levar em conta o desenvolvimento paralelo nos terrenos ideológicos, jurídico, religioso, intelectual,, filosófico: aliás, deve se dizer que não existe desenvolvimento no terreno econômico sem estes outros desenvolvimentos paralelos (GRAMSCI, 1978 p.47).

Sendo assim, o papel da superestrutura é fundamental na manutenção das relações

sociais, no modelo de sociedade que estamos pautando aqui, o capitalismo, forjado na

exploração do homem pelo homem. Essa manutenção não se dá de forma pacífica e “natural”,

pelo contrário, se dá “através de meios não-econômicos”. Esses mecanismos podem ser tanto

diretos, pela coerção do Estado, chegando à utilização da força, quanto mecanismos indiretos,

e ideológicos, situados na sociedade civil, agindo no sentido de garantir consenso,

“objetivando a negação da exploração e divisão de classes, através de um discurso

pretensamente universal, igualitário, e, portanto, falsamente idêntico e homogêneo” (CURY,

2000, p.47).

Portanto, percebemos a partir das constatações acima trabalhadas brevemente, a

necessidade da burguesia de manter a sua exploração, após assumir o poder do Estado, através

de uma direção ideológica e cultural. Ora, se ela dependesse unicamente da força estatal,

através da coerção, utilizando a força e a repressão, o desgaste frente à classe explorada seria

imenso tendo em vista que a mesma não conceberia viver sob uma forte coerção estatal,

colocando em jogo mais rapidamente o poder da burguesia enquanto classe detentora do poder

político. Dessa forma ela busca criar meios ideológicos, no sentido de ter a direção cultural e

ideológica da sociedade civil através da construção da hegemonia.

A partir de uma leitura de Gramsci, Cury traça o “conceito” aproximado do que seria a

conceituação do termo hegemonia, entendendo a mesma como:

[ . . . ] a capacidade de direção cultural e ideológica que é apropriada por uma classe, exercida sobre o conjunto da sociedade civil, articulando seus interesses particulares com os das demais classes de modo que eles venham a se constituir em interesse

4 Segundo Gadotti (1992).

13

geral [ . . . ] (2000, p.48).

O conceito de hegemonia, relacionado ao consenso “espontâneo”, nos permite, “que se

capte, a complexidade dos planos superestruturais, assim como a complexidade de todo

desenvolvimento da formação econômico-social” (GRUPPI, 2000 p.90).

Essa leitura é atual, ficando explícito ao analisarmos a forma como o capitalismo se

coloca hoje, no sentido de entender que o mesmo, por viver em contradição vem gerando e

atravessando crises ao longo dos anos. Marx (2006) ao tratar dessa questão diz que “a

sociedade burguesa moderna que gerou, como por encanto, meios de produção e de troca tão

poderosos assemelha-se ao feiticeiro que já não consegue dominar as potências demoníacas

que evocara”, apontando, assim, que “nas crises eclode uma epidemia social que teria parecido

um contra-senso a todas as épocas anteriores: a epidemia da superprodução”. Como o capital

gera essas crises, a própria burguesia busca superar as mesmas, anunciada de modo explícito

no Manifesto do Partido Comunista no ano de 1848:

[ . . . ] de uma parte, pela aniquilação forçada de um enorme contingente de forças produtivas; de outro pela conquista de novos mercados e pela exploração mais acirradas dos antigos [ . . . ] preparando crises mais extensas e mais violentas e reduzindo os meios preveni-las [...] (MARX, 2006, p. 34).

A necessidade de resgatarmos esses precedentes históricos se faz para situarmos o

momento que vivemos hoje. Após a Segunda Guerra Mundial, os estados europeus deflagram

a política de bem estar social, em que, através da intervenção do Estado, buscam atender aos

trabalhadores garantias sociais, bem como garantir o crescimento econômico, tendo nas

décadas de 1950 e 1960 os chamados “anos de ouro”, em que as taxas de crescimento foram

as mais rápidas da história.

Porém, o mundo avança novamente para outra crise, e no início dos anos 70 as taxas de

crescimento voltam a cair seguido de altas taxas de juros. A partir daí, entra em vigor a face

mais perversa do capitalismo, que vem no sentido de remediar a crise: o neoliberalismo. Este

se constitui num modelo hegemônico, uma forma de dominação de classe adequada às

relações tanto econômicas, quanto sociais, ideológicas e políticas (ANDERSON, 2008), em

que acontece uma desresponsabilização do Estado (Estado mínimo) pela garantia do bem estar

da sociedade e das políticas sociais, tais como saúde, educação, lazer, segurança, entre outros,

remetendo para o setor privado essa demanda, resultando em uma sociedade regida pelas

regras do mercado, sem a mediação do Estado. Passamos por um período de implementação

14

de reformas neoliberais também, onde cada vez mais os direitos trabalhistas são retirados,

conjuntamente com uma onda de privatizações desencadeadas na década de 1990. O

neoliberalismo através de suas políticas e de sua ideologia avança no sentido de transformar

tudo em mercadoria, desde o trabalhador, os seus direitos conquistados historicamente, seu

tempo de lazer, entre outros.

Aqui podemos estabelecer uma relação íntima acerca da discussão que tratamos

anteriormente sobre a questão da sociedade civil e do Estado. É através do processo de

consentimento e consenso, deflagrado na sociedade civil, que a burguesia consegue criar uma

idéia de demonização do Estado. A mensagem de que o “público” não funciona, é lento,

burocrático e gasta muito mais é difundida em favor do setor privado. Isso busca garantir uma

das grandes metas dessa face do capitalismo intitulada neoliberalismo, que consiste no

processo de privatização do Estado, da entrega do mesmo ao mercado, seja através da

privatização de empresas estatais, através de bens estatais, através de serviços do Estado,

deixando-o forte unicamente no sentido da coerção, na garantia da manutenção da ordem. Em

uma análise minuciosa feita por Anderson (2008) através de um Balanço do Neoliberalismo5 o

mesmo conclui que um dos grandes triunfos do neoliberalismo, além da questão social – em

que o mesmo atingiu níveis de desigualdades extremos – foi política e ideologicamente.

Analisando a implementação do neoliberalismo no Brasil, percebemos que diversas

esferas da vida passam por um processo acelerado de sucateamento através das reformas do

Estado ou já foram entregues à iniciativa privada sendo privatizadas, como a segurança, a

saúde, a previdência, a educação superior, que passam por um processo gradual de

privatização, como demonstram Pergher e Nishimura (2008) através da reforma universitária,

entre outros exemplos que explicitam muito bem essa questão.

Com a educação básica pública não é diferente, pois há hoje um amplo processo de

sucateamento das escolas públicas, demonstrando um total descaso por parte do Estado para

com a educação básica, acompanhado de um processo de privatização. Como dado relevante,

é necessário termos clareza da relevância da escola pública, que atende 87% dos estudantes do

Brasil, segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Os

salários indignos, o número excessivo de alunos nas salas de aula e a falta de infra-estrutura

são grandes problemas vividos no cotidiano escolar, explanados de forma sistematizada no

documento, gerado a partir de uma pesquisa, intitulado Retrato da Escola, construído pela

5 Título do artigo do mesmo autor no livro de SADER, E. at all. Pós-Neoliberalismo. As Políticas Sociais e o Estado Democrático. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

15

CNTE. A pesquisa do Fundo das Nações Unidas para Educação e Cultura (Unesco) e da

Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), citada no mesmo

documento da CNTE, revela que os trabalhadores da educação têm um dos piores salários

entre 32 países de economia equivalente, sendo a média dos salários girando entre R$ 500,00

e R$ 700,00. A privatização, citada com certa ênfase pelos professores consultados na

pesquisa, vem se apresentando, como os mesmos colocam, através dos contratos temporários,

dos estagiários ocupando o espaço do professor e tendo que desenvolver tarefas que não

competem a eles, criando assim dificuldades no processo de formação dos mesmos,

conjuntamente com a elevação de contratações terceirizadas no segmento de funcionários. O

aluguel das dependências das escolas para atividade com outros objetivos também é algo

presente, conjuntamente com a política de parcerias privadas, o que demonstra indícios do

processo de privatização.

Esse processo acompanhado na escola também acontece no esporte, em que podemos

presenciar essas questões relacionadas a uma onda mercantilizadora. As escassas áreas para a

prática de atividades esportivas nas cidades são um exemplo, já que o espaço antes público vai

sendo cedido para outros setores, principalmente privados, conjuntamente com o

sucateamento dos mesmos atrelados à falta de manutenção. Os próprios direcionamentos

governamentais presenciados no último período, em que o governo federal investiu bilhões

nos Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro e após o evento grande parte das estruturas

construídas foram repassadas para a iniciativa privada. A vinda da Copa do Mundo de Futebol

de 2014 para o Brasil também já remete a grandes investimentos públicos para o esporte de

alto rendimento.

A partir dessas considerações e das aproximações seguintes, conseguimos situar a

escola enquanto esfera presente na sociedade civil, conjuntamente com o esporte, que além de

estar inserido na escola, tem grande influência e atuação fora da escola, contribuindo para a

construção da hegemonia da classe dominante, enquanto direcionamento cultural e ideológico.

1.2 Escola e trabalho

Durante o movimento histórico da humanidade, a escola desempenhou uma função

muito importante para a sociedade, principalmente no período da revolução industrial, como

assinala Enguita (1989), debatendo acerca da implementação – no advento do capital e para a

16

sua reprodução – do trabalho assalariado e da nova organização do trabalho. É através da

discussão do trabalho que se torna possível contextualizar o papel desempenhado pela escola

na sociedade.

O período pré-industrial era caracterizado pela organização do trabalho artesanal e de

subsistência, no qual o trabalhador se apropriava do resultado do seu trabalho, bem como tinha

consciência do processo e o organizava segundo suas demandas. Com a revolução industrial, o

trabalho artesanal e de subsistência cedem espaço para o trabalho industrial, pautado na linha

de montagem, acarretando em diversas mudanças sociais no trabalho e na vida do operário e

do camponês.

Essa nova organização do trabalho remetia à submissão do operário ao tempo, e era

diferente das outras duas formas, em que o trabalhador trabalhava o necessário para

subsistência, o remetia a grandes jornadas de trabalho, muitas vezes sem intervalos. Outro

grande diferencial era a desapropriação por parte do trabalhador do controle do processo de

trabalho, em que o mesmo acabava perdendo o senso criativo que havia nas outras

organizações de trabalho já citadas cedendo espaço para uma pré-organização ditada de forma

vertical, onde a autonomia dava espaço para a submissão.

Isso levava à divisão do trabalho, fator esse determinante que acaba por gerar a

alienação do trabalhador, sendo que o mesmo não se reconhece mais no trabalho, mas

consegue somente se sentir fora dele quando deixa o macacão da fábrica e veste sua roupa

para retornar ao seu lar. O produto final do trabalho também é retirado do trabalhador, ficando

para o capitalista o produto de todo o processo. A constatação é que, com o advento da forma

de organização do capital, o capitalista além de se apropriar da produção, organiza o trabalho,

tendo total controle de todo o processo, desde o início até o final.

Porém houve resistência por parte da classe trabalhadora frente à implementação

desse método de organização do trabalho. Essa resistência foi pautada na negação da

subordinação ao trabalho assalariado. Os trabalhadores não tinham inculcado em si o

pressuposto da acumulação que vinha sendo amplamente difundido com a nova organização

da sociedade, pois os mesmos viviam ainda num processo de trabalhar pela subsistência. Não

aceitavam trabalhar longas jornadas, bem como dedicavam mais tempo ao ócio (ENGUITA,

1989). Dessa forma, o Estado interviu, de forma arbitrária, taxando os que não se adaptavam

ao sistema de vagabundos, empregando-lhes leis que os obrigavam a trabalhar e se utilizando,

além da ordem, da via moral para “naturalizar” essas relações.

17

É nesse momento que a escola ganha um papel importante no processo todo, pois a

partir dessa recusa por parte dos trabalhadores ao trabalho assalariado e à nova ordem de

organização da vida – o capitalismo – os burgueses ativamente interessados na consolidação

do capital se remetem à educação formal como instrumento estratégico para garantir seus

interesses enquanto classe e preparar o futuro trabalhador para a fábrica. O objetivo é utilizar a

escola como espaço estruturador do novo trabalhador, em que os pensadores da burguesia

consensuavam que o povo deveria ser educado para operar máquinas e adotar hábitos

higiênicos.

Diversos eram os objetivos com a escola, todos com intuito de modelar o novo

trabalhador, reproduzindo assim os valores da sociedade que estavam se formando. Entre eles

a ordem era o primordial, pois diversos eram os casos de desobediência e a ordem era

pressuposto para o progresso, dentro de uma lógica positivista ou conservadora. Através da

ordem conseguiriam modelar moralmente, bem como já configuravam para que quando essas

crianças chegassem na idade apta ao trabalho assalariado, não questionassem as longas

jornadas de trabalho e já tivessem a pontualidade como algo a ser cumprido, mantendo-as,

assim, ocupadas na escola permanentemente, entendendo as crianças como futura mão de obra

disciplinada. Essa função foi desempenhada pela escola, e dessa forma ela foi difundida e

espalhada tanto para a burguesia quanto para a classe trabalhadora.

Esse papel não era difícil para a escola, pois ela recebia, como recebe hoje, uma

legitimidade concedida pela sociedade, alicerçada na idéia de que ela é um dos caminhos,

senão o principal, para que o indivíduo consiga “sucesso”. Isso acaba por reforçar também a

lógica da responsabilidade pessoal, pois a forma de organização da escola remete a isso,

tornando como grande responsável, pela desgraça ou pelo sucesso, o próprio indivíduo. Isso se

dá através do processo meritocrático em que está pautada a escola, que através do processo de

avaliação, acaba por já dividir entre os aptos e os não aptos.

[ . . . ] na realidade a escola é hoje o principal mecanismo de legitimação meritocrática de nossa sociedade, pois supõe-se que através dela tem lugar uma seleção objetiva dos mais capazes para o desempenho das funções mais relevantes,às quais se associam também recompensas mais elevadas (ENGUITA, 1989, p.192).

Assim, a escola contribui também com o individualismo, isolando através do

processo meritocrático, em que somente o aluno é responsável pelo seu sucesso, criando assim

uma rivalidade entre os mesmos, que também será presenciada após o período escolar,

disputando o pouco espaço que resta no mercado do trabalho.

18

Dessa forma a escola desempenha funções claras dentro do sistema capitalista, como

ressalta Enguita ao dizer que

a educação formal serve para muitas outras coisas além da qualificação da força de trabalho: é um estacionamento onde deixar as crianças, oculta o desemprego real, forma bons cidadãos, educa futuros consumidores, adestra trabalhadores dóceis, facilita a justificação meritocrática da divisão em classes da sociedade capitalista, permite que a propriedade se esconda atrás do emaranhado da administração, oferece uma oportunidade a capitais improdutivos, satisfaz a demanda popular de cultura e distrai a população de outros problemas mais importantes etc. (1993, p.197).

O que fica constatado através desses apontamentos é a destinação a segundo plano

dos conteúdos escolares, ficando num primeiro plano a manutenção da ordem e a difusão dos

valores burgueses. Temos acordo com Freire, de que “não é a educação que modela a

sociedade mas, ao contrário, a sociedade é que modela a educação segundo os interesses dos

que detêm o poder” (1986, p.46).

A escola passará por diversas transformações ao longo dos tempos, porém muito das

suas reais funções vigoram ainda, por isso muitas vezes ao caracterizarmos a escola dos

primórdios, da revolução industrial – por mais que ela tenha passado por grandes

transformações como a passagem da unidocência para o método seriado – a essência acaba por

ser a mesma, a submissão ao capital atendendo aos interesses da classe dominante

(MÉSZÁROS, 2005).

A divisão do trabalho também é uma característica na escola. Um exemplo disso é o

processo de implementação do conteúdo por disciplina ditado por especialistas aos

professores, distanciando dessa forma os que estão no dia-a-dia da escola com o trabalho

intelectual, ocasionando sua proletarização (GIROUX, 1987). A divisão do trabalho acontece

também em outros pontos referentes à escola, em que a criança participa minimamente da

escolha do que aprender e do porquê aprender determinada disciplina, ficando a seu encargo

somente aceitar o que está sendo imposto. Essa caracterização contribui no entendimento da

escola como uma quase fábrica, concebendo o aluno como um operário, com a rigidez da

carga horária, da pontualidade, da ordem, da atenção destinada, contribuindo para a alienação,

em que o processo e o fim são pré-determinados de forma alheia.

Grande parte dos que buscam pensar a escola e dos professores que nela atuam,

equivocadamente, entendem a mesma como uma ilha isolada do resto do mundo, que não

sofre influências e não está sujeita à intervenção do mundo exterior à mesma. Os argumentos

19

citados acima auxiliam na compreensão de que forças exteriores à mesma atuam pelos

interesses de determinada classe.

É nesse sentido também que é necessário cuidado no debate acerca da escola, para não

nos perdermos na curva do pessimismo e abandonar a mesma. Diversas são as teorias que

versam sobre a escola, sendo que existem as teorias não críticas – entendendo a escola como

autônoma – e as teorias crítico-reprodutivistas, como assinala Saviani (2006). A crítica que

Saviani faz às teorias crítico-reprodutivistas remete muito ao pessimismo das mesmas.

Tratando da pedagogia histórico-crítica, compromissada com a transformação da sociedade,

atendendo aos anseios da classe trabalhadora, Saviani ao tratar da escola diz que

a escola é, pois, compreendida a partir do desenvolvimento histórico da sociedade; assim compreendida, torna-se possível a sua articulação com a superação da sociedade vigente em direção a uma sociedade sem classes, a uma sociedade socialista. É dessa forma que se articula a concepção Político Socialista com a concepção Pedagógica Histórico-crítica, ambas fundadas no mesmo conceito geral de realidade, que envolve compreensão da realidade humana como sendo construída pelos próprios homens (1997 p.120).

Nessa linha que Pérez Gómes (1998, p.24) diz que “o desafio educativo da escola

contemporânea é atenuar, em parte, os efeitos da desigualdade e preparar cada indivíduo para

lutar e se defender, nas melhores condições possíveis, no cenário social”.

Pistrak (2005) é mais incisivo em sua argumentação, tratando de dois pilares de

aprendizado para as crianças: lutar e construir. Segundo o autor, “isto deveria ser aprendido

por cada um de nossos alunos”, apontando assim que a escola deve tomar partido frente à

realidade atual, os alunos devem se armar dos conhecimentos e os conteúdos de ensino servem

para “armar a criança para a luta e para a criação da nova ordem”.

Dessa forma, estes autores apontam um caminho para a atuação, articulando os

interesses da escola com os interesses populares, o que não significa que vamos superar o

antagonismo de classes e a lógica do capital através da transformação da escola. Essa tarefa

caberá à organização coletiva dos trabalhadores, porém, temos que nos apropriar desse espaço

de transmissão de valores que é a escola (MÉSZÁROS, 2005).

1.3 Esporte e trabalho

É nesse contexto que o esporte está inserido – além dos demais locais em que se

20

apresenta – atuando e sofrendo intervenção da escola e da sociedade em seu processo. O

esporte constitui hoje um dos maiores fenômenos sociais, visto que o mundo pára apreciando

duelos, sejam na Copa do Mundo de Futebol ou nos Jogos Olímpicos, movimentando

fortunas. Os Jogos Olímpicos de Pequim 2008, igual a outros, se constituem em um ensaio à

hipocrisia. Os governos se utilizam destes eventos para auto-promoção, auto-afirmação

mundialmente enquanto potências, e também para mascarar problemas sociais e econômicos.

A censura à liberdade de informação, principalmente no país sede, e o ufanismo presente em

cada delegação são também exemplos da manipulação do esporte com objetivos geo-políticos.

No Brasil, em um certo espaço de tempo a cada quatro anos, mais especificamente na

realização da Copa do Mundo de Futebol, em que os problemas do nosso país somem

momentaneamente. Para Molina Neto, ao tratar especificamente do esporte no Brasil

direcionado aos Jogos Olímpicos, a busca de medalhas “como forma de afirmação do país no

exterior traz perversas conseqüências no comportamento de toda sociedade brasileira” (1996,

p.9).

Brohm (1978) trata da mistificação relacionada à “doutrina nacional do esporte”, em

que traz a questão ufanista no setor esportivo, utilizado pelos países no âmbito internacional. A

intervenção do Estado no esporte é intensa, como observa Bracht (2005), elucidando o fato do

esporte ser objeto de atenção do Estado no sentido de garantir a reprodução do capital, função

básica do Estado nas sociedades capitalistas. Cavalcanti, tendo acordo com os autores, diz que

“o Estado utiliza de certa forma consciente o espetáculo esportivo com fins políticos, tendo

em vista um obscurecimento ideológico e procurando camuflar ou embelezar a realidade

social” (1984, p. 53).

A esfera do esporte tem um papel muito importante, pois na forma como

presenciamos o esporte difundido hoje fica evidente a questão da manutenção do capital e a

teoria da alienação de Marx nos propicia a compreensão desse fenômeno de tão grande

abrangência universal, quando diz que

Alienação é um conceito eminentemente histórico. Se o homem é alienado, deve sê-lo em relação a alguma coisa, em conseqüência de certas causas — o jogo mútuo dos acontecimentos e circunstâncias em relação ao homem como sujeito dessa alienação — que se manifestam num contexto histórico. Da mesma forma, a "transcendência da alienação" é um conceito inerentemente histórico, que prevê a realização bem-sucedida de um processo que leva a uma situação qualitativamente diferente (MÉSZÁROS, 1981).

.

Portanto, nessa análise, também o esporte serve de instrumento para crítica das

21

relações estabelecidas pelo modo de produção capitalista. O contraponto da ideologia

contrária à dominação se faz presente; entretanto, só pode materializar-se na luta de classes,

no concreto das contradições do cotidiano e, principalmente, no concreto da luta pela

apropriação das mercadorias para a satisfação da objetivação e existência.

À medida que, no capitalismo, o modo de viver e produzir é permeado pela forma

mercadoria, esta se torna a mediadora por excelência, a forma das relações sociais,

transformando-se na aparência de relações entre coisas, coisificando-se. O esporte enquanto

mercadoria a ser consumida ramifica-se como fetiche e, hoje, se expressa no aprofundamento

da alienação, que tem como pilar fundamental, o estranhamento. Esse estranhamento é

entendido, segundo Lukács (1981), como a existência de barreiras sociais que se opõem ao

desenvolvimento da individualidade em direção à omnilateralidade humana, à individualidade

emancipada. O capital contemporâneo, ao mesmo tempo em que pode, através do avanço

tecnológico e informacional, potencializar as capacidades humanas, faz expandir o fenômeno

social do estranhamento. Aqui podemos localizar o chamado esgotamento das possibilidades

humanizadoras do capital, isto é, uma época em que a ciência e o desenvolvimento econômico

produzem os maiores instrumentos para a emancipação humana, porém o que se percebe é a

exploração, alienação e opressão cada vez mais exacerbada por esse sistema.

O que fica evidenciado é que o esporte não é uma instituição autônoma, pois

enquanto produção histórico-cultural, “o esporte subordina-se aos códigos e significados que

lhe imprime a sociedade capitalista e por isso não pode ser afastado das condições a ela

inerentes” (COLETIVO DE AUTORES, 2005, p.70). É nesse sentido que se faz necessário, ao

iniciar a discussão de esporte, que se faça uma contextualização histórica desde a sua origem

até os dias de hoje, pois ao verificarmos as contradições presentes no atual contexto,

recorremos à história para buscar explicações sobre o desenvolvimento dos fenômenos sociais

tão difundidos na atualidade.

Dessa forma apresentamos a discussão acerca do surgimento do esporte, bem como o

contexto no qual estava inserido, seguido de uma análise da conjuntura atual e do papel que o

esporte desempenha hoje na sociedade, e nas práticas pedagógicas escolares. Por entender que

no campo da história do esporte existem divergências em relação a duas correntes de

pensamento – a da continuidade e a da ruptura – pretendemos fazer um resgate teórico sobre

as duas teses, expondo a idéia de alguns autores.

Stigger (2005) resgata de forma aprofundada e embasada essa divergência. É

22

necessário apresentar minimamente essa divergência e seus autores buscando situar, assim, o

nascedouro do esporte.

Compreendendo o esporte como algo praticado em cada momento da história,

defendendo a tese da continuidade, considerando o que se conhece hoje por esporte como

“esporte moderno”, advogando em favor dessa autores como Guttmann e Mandell (STIGGER,

2005, p.12). Guttmann (1978) auxilia a compreender essa tese ao comparar os esportes

praticados em determinados contextos históricos: esporte primitivo, esporte grego, esporte

romano, esporte medieval e esporte moderno. A partir da organização de um quadro em que o

autor relaciona o esporte praticado em determinadas épocas, leva a considerar que o esporte

moderno difere dos demais por comportar amplamente tais categorias, essas estabelecidas a

priori: secularização, igualdade, especialização, racionalização, burocracia, quantificação e

recorde. A conclusão do autor é a de que sempre existiu o esporte, sendo o que existe hoje uma

versão moderna do que eram as práticas esportivas das civilizações mais antigas.

Autores como Elias e Dunning (1992), Hobsbawm (1984), Bourdieu (1983),

apresentam o esporte partindo de outra perspectiva, a da ruptura, em que o esporte surge no

fervilhão da Inglaterra industrializante do século XVIII. Segundo estes autores, havia uma

necessidade, naquele momento, de tornar os jogos praticados pela população em geral menos

violentos e regulados por regras com objetivo de controlar essa violência, tirando como

conclusão que o esporte é resultado de um processo de civilização, com objetivo de

sensibilizar a população em relação à violência (ELIAS, 1992). Dá assim uma caracterização

do fenômeno de forma institucionalizada para os jogos e passatempos da sociedade inglesa.

A partir da transformação dos jogos populares desregrados em práticas corporais

formalizadas por regras, nas public schools6, surgem as primeiras formas de esporte com os

contornos hoje conhecidos. Surge com objetivo de controlar a agressividade das crianças, num

momento de turbulência total na sociedade, em que a Revolução Industrial estava sendo

desencadeada.

Ambos os autores, que defendem tanto a tese da continuidade quanto a da ruptura,

têm unanimidade em dizer que o esporte (moderno) teve seu surgimento num contexto bem

específico: a Inglaterra industrializante do século XVIII (STIGGER, 2005).

Esse surgimento na Revolução Industrial, conjuntamente com todo o processo de

mudança no processo produtivo, que teve desdobramentos não só no setor econômico, mas

6 Escolas inglesas destinadas aos filhos da burguesia inglesa. Eram conhecidas pelas suas desordens, principalmente nos jogos.

23

também nos setores culturais, político e sociais influenciou muito o esporte. Houve um grande

deslocamento da população do meio rural para o meio urbano acarretando na constituição de

periferias urbanas e precárias condições de moradias.

A produção, mais especificamente, deixava de ser artesanal para tornar-se industrial,

onde o operário cada vez mais sofria o processo nas fábricas com altas jornadas de trabalho,

sendo esse feito em etapas, distanciando cada vez mais o trabalhador do produto final do seu

trabalho. Isso caracteriza um entendimento funcionalista da sociedade, em que cada um tem

uma função, reforçando dessa forma a alienação do trabalhador, com objetivo de manter as

relações antagônicas de classe na sociedade. Essa Revolução Industrial constitui-se em uma

revolução burguesa, ficando claro quem realmente estava a ganhar com a mesma.

A partir disso, o esporte é difundido pelo mundo juntamente com os ideais e os

valores da Revolução Industrial desencadeada na Inglaterra. O esporte sofre diversas

transformações nessa difusão a nível mundial, passando a ser praticado e privado em

ambientes de associativismo (clubes, federações, confederações, associações, etc.), praticado

de forma amadora pela elite que possuía tempo livre para a prática. Logo após, difundiu-se de

maneira muito rápida enquanto mercadoria, tomando proporções imensuráveis em nível de

mercado mundial, movendo montanhas de dinheiro, consagrando diversos nomes conhecidos

na humanidade.

Entendendo o esporte como reprodutor dessa realidade, com funções estabelecidas

dentro da sociedade capitalista, Brohm tece críticas nesse sentido, entendendo o esporte

moderno como a reprodução da sociedade capitalista, ficando explícito esse pensamento

quando afirma que o “desporto é uma parte integrada na totalidade concreta: a sociedade

capitalista e seu dinamismo”, sendo que a “sua função social e política (...) lhe é ditada pelo

lugar que ocupa dentro da totalidade de relações sociais” enfatizando que “o destino do

esporte é um destino capitalista” (1978, p.18).

No esporte percebemos esse avanço também, pois valores do modelo de sociedade

atual, tais como: sobrepujança, rendimento, comparação, especialização, instrumentalização e

padronização, comparação de resultados a partir de um ideal (KUNZ, 2006), individualismo,

competitividade, burocratização, regramento; estão cada vez mais explícitos nas práticas

esportivas. Segundo Hildebrandt-Stramann (2005), o esporte enquanto um sistema, no sentido

da redução da sua complexidade, se caracteriza, segundo este autor, por duas regras básicas:

“a regra do sobrepujar (no sentido de vencer) e a regra da comparação objetiva”.

24

O problema da especialização precoce está presente no esporte, em que a criança é

subordinada a cargas de treinamentos sistemáticas em determinadas modalidades, a repetição

para a absorção da técnica é elemento fundamental, não estimulando a criatividade das

mesmas. Assim a criança acaba por ter uma formação escolar deficiente, tem reduzida

participação em atividades, brincadeiras e jogos do mundo infantil, devido à dedicação de

tempo para aperfeiçoar-se na determinada prática esportiva (Kunz, 2006).

O processo de esportivização é desencadeado nesse contexto, que é visto hoje em

diversas manifestações culturais, como é o caso da capoeira, perdendo dessa forma todo o

acúmulo histórico que traz determinada prática corporal. Remodela-se a própria prática para a

espetacularização e o amadorismo cede espaço para o profissionalismo, enquanto categoria do

trabalho, correspondendo aos anseios do mercado, pautado no alto rendimento.

A clareza para buscar o entendimento da demanda de discussão acerca de currículos

que desmistifiquem o esporte como conteúdo “sufocante” das demais manifestações da cultura

corporal é uma necessidade dentro da academia. O esporte que nos é apresentado dentro da

universidade segue uma lógica alinhada com os interesses da burguesia: o esporte de alto-

rendimento; isso é fato quando analisamos os currículos de formação de diversos cursos de

educação física.

A partir dessa análise podemos situar a esfera do esporte no contexto da sociedade

hoje, quais os reais objetivos e interesses com o esporte e a quem realmente ele está

favorecendo. A constatação dos objetivos, tantos imediatos quanto históricos, da classe

dominante nos permite compreender objetivamente e fazer uma reflexão do esporte que

presenciamos hoje na escola.

1.4 Esporte na escola

Tendo em vista essas questões levantadas, por entender o esporte enquanto prática

social construída historicamente (COLETIVO DE AUTORES, 2005), entendendo assim a

importância da inserção do esporte em âmbito escolar, bem como nas demais esferas sociais,

se faz necessário discutir os rumos tomados pelo mesmo.

As críticas ao esporte na escola têm sido amplamente suscitadas a partir das

discussões que oxigenaram a educação física a partir da segunda metade da década de 1980.

Foi nesse período, que caracterizou a abertura política do país, vindo de uma repressiva

25

ditadura civil-militar, que os trabalhos de Cavalcanti (1984)7 e Bracht (1986), podem se

configurar como os “pioneiros” nesse sentido. As críticas mais contundentes eram remetidas

ao caráter funcionalista que o esporte tinha no contexto escolar e fora dele. A esse movimento

na área da educação física, alguns termos são usadas para caracterizá-lo, tal como Betti (1991)

chama de “discursos pedagógicos inovadores”, Castellani Filho (2007) como a “tendência

histórico-crítica” da educação física, e Bracht (1992), chamando de “educação física

revolucionária”.

As questões relacionadas ao esporte na escola que vêm suscitando discussões ao

longo dos anos giram em torno da exacerbação da técnica ligada à busca de rendimento,

ajustados a uma visão hegemônica do esporte enquanto conteúdo da educação física. Dessa

forma, diversos são os espaços, sejam na escola, na academia, nos congressos, seminários,

encontros de professores ou estudantes em que esse debate vem sendo pautado, se

constituindo assim num tema polêmico da área, por apresentar diversas posições, muitas vezes

divergentes, ao extremo em determinados pontos, e que têm reflexos diretos e indiretos na

prática pedagógica de professoras e professores de educação física. Assim há uma necessidade

de problematizarmos cada vez mais essa relação – esporte na escola X esporte de rendimento

– objetivando traçarmos pontos comuns, o que seriam as convergências, e a partir da

problematização em cima das divergências, avançarmos do debate para a prática pedagógica

efetivamente.

1.4.1 Tema polêmico: a Revista Movimento discutindo o esporte na escola e esporte de

rendimento

A Revista Movimento da Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul (ESEF/UFRGS), fazendo uma leitura da necessidade de abordar esse tema, traz

nas edições de 2000 (números 1 e 2), 2001 (números 1 e 2), na seção Temas Polêmicos, o

debate à tona. Entendemos essa discussão como uma reoxigenação8 das discussões acerca

desse tema para a educação física, tendo em vista a relevância da temática, a forma como se

organizou, trazendo algumas perspectivas teóricas da área, e por ser até esse momento, o

último debate sistematizado acerca do tema.

7 Por mais que esse não se detenha especificamente ao âmbito escolar, tratando mais detalhadamente do programa Esporte Para Todos, que se deteve na esfera do lazer.8 A relevância desse debate foi tamanha, que será lançado um livro pela Editora Autores Associados, com os autores envolvidos no mesmo.

26

Esta publicação se organizou através de artigos, sempre dois por revista, sendo a

última com um artigo somente (todos os artigos de autoria individual) Para a produção desses

artigos foram chamados os professores Valter Bracht (2000/n.1), Elenor Kunz (2000/n.1),

Marco Paulo Stigger (2001/n.1), Adroaldo Gaya (2000/n.2), Alexandre Vaz (2001/n.1), Hugo

Lovisolo (2001/n.2) e a professora Celi Taffarel (2000/n.2)9.

Nos utilizaremos dessa discussão sistematizada da Revista Movimento para fazer a

discussão sobre esporte na escola10. Tentaremos apresentar um pouco das discussões e

apontamentos relevantes dos trabalhos11, especialmente no que diz respeito ao tema tratado

nesse sub-capítulo, e os pontos que atravessam ou não o mesmo, como o esporte de

rendimento. Essa primeira observação se faz necessária, por entendermos que a partir da

leitura dos textos percebemos que alguns autores não se detiveram na polêmica, e trouxeram

outros elementos que tangenciam ou se distanciam da questão central. Sendo assim, temos

acordo com Lovisolo – que na discussão assume um caráter de mediador – afirmando a “falta

de estrutura que permitisse a organização da polêmica”, resultando assim em textos sem “eixo

comum”. Este mesmo autor, mais adiante, diz que os leitores podem ter a impressão de que

cada autor organizou seu texto de forma independente.

Mais uma vez acordando com Lovisolo, a partir da leitura atenta ao debate, fica

evidenciado que somente Bracht, Gaya e Taffarel assumiram o caráter de debate, em que se

detiveram dentro da temática proposta pela revista. Os outros autores escaparam para outros

temas, relevantes também, mas específicos demais se relacionados ao que estava propondo a

Revista Movimento. Portanto, o desenvolvimento das idéias desses três autores será mais

extensa, tendo em vista a detenção dos mesmos na temática. Procuramos nesse espaço nos

determos nas idéias principais dos autores, sendo assim necessário, para garantir ao máximo a

fidedignidade das mesmas, transpormos para esse trechos, e articularmos as mesmas a partir

das citações dos autores. Seguiremos a ordem dos textos proposto pela Revista Movimento,

utilizando nos subtítulos a seguir os títulos originais dos artigos. O último texto, de Hugo

Lovisolo, por se tratar da mediação da discussão, por mais que o autor traga elementos seus

9 As citações feitas nesse subcapítulo (a partir dessas já feitas) que se referem às edições da Revista Movimento que abordam essa temática nos temas polêmicos, não seguirão as normas técnicas referentes ao ano por motivos de dinamização do debate. Quando houver a referência (ano) ao lado do nome significa que é outro trabalho do mesmo autor.10 Deixamos claro que nosso aporte teórico referente a esporte na escola não é condicionado somente a esses textos. Entendemos a importância dos mesmos, mas buscaremos interagir com outros autores e outros trabalhos que trouxeram e trazem também avanços significativos nas suas formulações para a área.11 Faremos um esforço para não entrarmos nesse momento no debate, buscando apresentar os pontos de vista acerca da discussão, e em determinados momentos confrontando as perspectivas dos autores entre si.

27

para ampliar e contribuir com o debate, mas no exercício de mediação, tende a utilizar muito

dos demais autores. Dessa forma não o utilizaremos na discussão aqui, para não acabar por

repetir pontos já tratados, nos detendo exclusivamente nos demais.

1.4.1.1 Esporte: uma abordagem com a fenomenologia

Iniciamos a partir do texto de Kunz (2000), em que o mesmo busca relacionar o

esporte com a abordagem fenomenológica. Acaba o autor por deter muito do espaço no texto

para a caracterização da fenomenologia, porém traça apontamentos relevantes acerca da

discussão, tratando do esporte no chamado “leque olímpico”, em que segundo o autor mesmo

quando praticado por não-atletas ou profissionais, “como prática de lazer ou na escola, tem

seus princípios de desenvolvimento fundados sobre valores físicos como força, velocidade,

resistência, coordenação e flexibilidade entre outros”, apresentando assim como regras básicas

a sobrepujança e a comparação objetiva. Desenvolve a partir dessas duas regras “medidas para

atender a otimização de rendimentos e a maximização de resultados, como a especialização; o

selecionamento; e a instrumentalização”. Assim o autor defende enquanto “partes inerentes

em todas as fases de realização de movimentos e condutas deste esporte a sensibilidade,

percepção e intuição” tratando-as como “decisivas na qualidade da execução de diferentes

movimentos” desenvolvendo o restante do texto, a partir da explicação dessas manifestações

humanas à luz da fenomenologia, articulando com a prática esportiva num âmbito mais geral,

não se detendo principalmente na escola.

1.4.1.2 Esporte na escola e esporte de rendimento

Seguindo para o texto de Bracht, este autor introduz a discussão com questionamentos

relacionados à polêmica do tema, e conclui que o “reascendimento da polêmica é suscitada

muito mais pelas ações ligadas a política para o setor dos últimos dois governos federais

através do INDESP” que busca uma efetivação dos ganhos de medalhas olímpicas

principalmente para o Brasil, investindo no âmbito das Ciências do Esporte relacionando aos

Centros de Excelência, que segundo o autor objetivam, dentre outras coisas, detectar talentos

esportivos.

Nas suas demarcações, Bracht destaca que o “objeto não é propriamente o esporte de

28

rendimento e sim, a relação entre o esporte de rendimento e a educação física, entendida esta

enquanto uma prática pedagógica”. O autor é categórico ao dizer que o “esporte de

rendimento foi colocado sob suspeita” a partir do desenvolvimento no âmbito da sociologia da

educação, das teorias da reprodução, enfatizando assim o papel conservador do sistema

educacional nas sociedades capitalistas, trazendo “na sua estrutura interna, os mesmos

elementos que estruturam também as relações sociais”. A partir dessas críticas feitas,

principalmente da década de 1980, o autor aborda em seu texto o que ele chama de

“equívocos/mal entendidos”, desenvolvendo quatro deles.

O primeiro equívoco/mal-entendido, segundo Bracht, ficaria direcionado a “quem

critica o esporte é contra o esporte” criando dessa forma “uma visão maniqueísta: ou se é a

favor, ou se é contra o esporte”. Para o autor, essa visão é considerada tosca, pois “trabalha

com pressupostos de que o esporte é algo a-histórico”, divergindo dessa forma dos autores que

falam em “essência do esporte” ou “natureza do esporte”. O autor apresenta o esporte como

algo construído pelo homem histórico-socialmente em “constantes transformações e fruto de

múltiplas determinações”, o que remete a que as “críticas ao esporte só podem ser endereçadas

ao seu sendo, a como ele se apresenta historicamente”, buscando colaborar para que o “esporte

assuma outras características, mais adequadas a uma outra concepção de homem e sociedade”.

Por final desse tópico o autor esclarece que “negar o esporte não vai ao sentido de aboli-lo” ou

de “negá-lo enquanto conteúdo das aulas de educação física”, pelo contrário, o autor defende

que a modificação pretendida se dará através do trato pedagógico numa perspectiva crítica.

O segundo equívoco/mal-entendido é relacionado à negação da técnica por parte dos

críticos do esporte nas aulas de educação física. O autor deixa claro que “é fundamental

perceber que a técnica é (deve ser assim considerada) sempre um meio para atingir fins” e não

como ela vem se colocando, atingindo “grande centralidade” no sistema esportivo, reforçando

essa proposta dizendo que:

a pedagogia crítica em EF propôs/propõe, não é a abolição do ensino das técnicas, ou seja, a abolição da aprendizagem de destrezas motoras esportivas. Propõe sim, o ensino de destrezas motoras esportivas dotadas de novos sentidos, subordinadas a novos objetivos/fins, a serem construídos junto com um novo sentido para o próprio esporte (2000, p.XVI).

O terceiro equívoco/mal-entendido remete à contraposição entre o rendimento e o

lúdico. Aqui Bracht alerta para as idealizações do lúdico e ressalta que este não existe na sua

forma pura, sendo assim moldado culturalmente. Observa também, enquanto conseqüência

29

paralela a acusação àqueles que “defendem o esporte enquanto jogo, de negarem a aptidão

física ou a atividade física enquanto promotora de saúde”. O autor esclarece que “não se trata

de negar os beneficios das práticas corporais para a saúde” mas sim “de não reduzir o sentido

destas práticas a este objetivo e também, de não entender a especificidade da EF (e sua função

na escola) seria exatamente a promoção da saúde”.

Finalizando os equívocos/mal-entendidos, ele traz que o trato crítico do esporte

acarretaria em “abandonar o movimento em favor da reflexão”, transformando assim “as aulas

de EF em aulas de sociologia/filosofia do esporte” dentro da sala de aula. Segundo o autor,

“não se trata de substituir o movimento pela reflexão, mas de fazer esta acompanhar aquele”,

conjuntamente a um processo de reconstrução.

Em suas considerações finais Bracht enfatiza que, no seu entendimento, “o esporte na

escola só tem sentido se integrado ao projeto político-pedagógico”, sendo que esse deve

entender “como problemático educar no sentido da integração ao sistema societal” pois

somente assim “a maioria das críticas ao esporte de rendimento feitas pela pedagogia crítica

fazem sentido”.

Por fim o autor ressalta que “pedagogizar o esporte tornou-se um problema para o

sistema esportivo”, pois esse gera um confronto “com os princípios, com a lógica que orienta

as ações no âmbito do esporte”, defendendo que se deva privilegiar na escola o esporte com

“significado menos central ao rendimento máximo e à competição” e sim ao “rendimento

possível e a cooperação”.

1.4.1.3 Sobre o esporte para crianças e jovens

O artigo de Gaya traz no seu cerne a pluralidade acerca das visões relacionadas ao

esporte, sustentada na afirmação de Jorge Bento12 de que “o esporte é polissêmico e

polimorfo”, não podendo dessa forma “ser apreendido em sua complexidade de formas e

sentidos por qualquer teoria unificadora”. Dessa forma o autor entende “que as práticas

esportivas através de suas diferenciadas formas de expressão propiciam diversos sentidos ou

significados que diferem a partir dos objetivos, dos sentidos e das necessidades atribuídas por

seus praticantes”. Tem influência de dois autores portugueses, Boaventura Souza Santos e

Leonardo Coimbra, em que ambos utilizaram de espelhos como “objeto para criar uma

12 No texto original o autor faz a citação sem colocar a referência exata como ano, página, livro ou artigo, etc.

30

imagem metafórica por demais interessante para explicitar suas idéias” sendo assim o autor

utiliza dos espelhos “para introduzir meus argumentos de ordem epistemológica no debate

sobre o esporte na escola e o esporte de rendimento”.

Inicia assim uma história relacionada a uma viagem que o mesmo fez para uma cidade

do interior do Rio Grande do Sul, em que em determinado momento autores “cujo interesse

em estudar o esporte originam-se em áreas diversas das ciências do esporte” acompanham o

mesmo na viagem. Professores ligados à fisiologia do esporte, biomecânica, aprendizagem e

desenvolvimento motor, treinamento esportivo ou aptidão física, psicologia, história,

antropologia e social13 são citados, mostrando rapidamente o que seria a descrição de cada

grupo de professores no mesmo contexto, apresentando diversos discursos sobre o esporte. Ao

final desse espaço tece uma crítica à pedagogia crítica sustentada por Bracht em seu artigo, a

partir dos espelhos novamente, intitulando a mesma de “espelho super-ego”.

O autor refere quatro expressões para o esporte: esporte de excelência, esporte escolar,

esporte de lazer e esporte de reabilitação e reeducação. Se detém no texto seguindo as

orientações propostas pela Revista Movimento, no esporte de excelência, termo que o autor

tem preferência em relação a esporte de rendimento e esporte na escola.

Gaya remete à dificuldade de comunicação, em grande parte, o motivo das desavenças

relacionadas ao esporte de excelência, conjuntamente na falta de consenso na definição do

esporte de alto rendimento, motivando “interpretações muito diversas o que acaba por

proporcionar um debate entre estudiosos que usam as mesmas palavras, todavia com

significados distintos”. Assume a definição de DaCosta, acerca do esporte de excelência,

sendo esse uma “expressão na qual predomina aspectos parciais do comportamento corporal e

motor, objetiváveis e mensuráveis” e nas palavras de DaCosta apud Gaya “expressão corporal

e motora em que se evidencia um fluxo contínuo de ações com comportamentos ordenados e

estáveis, aos quais se aplicam os propósitos fundamentais de padronização, sincronização e

maximização”.

A partir dessa definição o autor observa que, pautado nos objetivos do esporte de

rendimento, enfatizando a maximização de desempenho, ele é “inadequado para constituir-se

como conteúdo da educação física escolar”. Porém diverge de Kunz e Bracht, entendendo

“que o esporte de excelência não deixa de proporcionar a seus praticantes mais jovens

aspectos de alto sentido formativo e educacional”.

13 Os termos são utilizados dessa forma pelo autor.

31

A discussão sobre o talento esportivo também ganha espaço no texto do autor, dizendo

que “não é uma questão que possa ser tratada no âmbito da educação física escolar”. As

demais divergências são direcionadas a Bracht, no que diz respeito à obsessão pela vitória e à

forma como os profissionais atuam em relação ao esporte de rendimento nos programas de

treinamento.

Enfatiza o autor que, divergindo de Bracht e Kunz, não compartilha da necessidade da

reformulação do esporte enquanto conteúdo da educação física. Deixa claro assim que não tem

acordo com as propostas que buscam minimizar as categorias centrais como rendimento e

competição. O desacordo principal do autor é relacionado à imputação sobre as práticas

esportivas dos valores críticos referentes às ideologias dominantes.

Mais além no texto o autor converge com os autores da pedagogia crítica, se referindo

à utilização das aulas de educação física para treinamento de equipes, se colocando contrário a

essas práticas. Ressalta que o esporte na escola tem objetivos distintos do esporte de

excelência, porém deixa claro que “na escola, e aqui não vai nenhuma novidade, o esporte

deve ser orientado pelo princípio do auto-rendimento. Onde todos tenham a oportunidade para

aprendê-lo e atingir os melhores níveis possíveis, se assim o desejarem”. Aumenta mais a

polêmica ainda quando defende o “esporte escolar como disciplina”, deixando claro que essa

proposta não se confunde com formação de equipes, não possuindo assim, segundo o autor,

“qualquer caráter de exclusão por critério de performance”. Por fim, o autor defende, desde

que hajam condições, a “incrementação nas escolas dos clubes esportivos”.

1.4.1.4 Desporto educacional: realidade e possibilidades das políticas governamentais e das

práticas pedagógicas nas escolas públicas

Passamos agora para o artigo da Taffarel. Ela inicia colocando as três dimensões a

serem levadas em conta na reflexão crítica direcionada ao desporto14 educacional, sendo elas a

gênese do desporto, a análise das políticas públicas e as práticas pedagógicas. A autora discute

a articulação entre os interesses políticos e econômicos de exploração do mercado, colocando

a escola como espaço privilegiado para a introdução e ampliação desse mercado, sendo

enfática ao dizer que “a estratégia para tal é máxima: escola é celeiro de atletas”. Seguindo o

texto, reconhece as estratégias de recomposição da hegemonia do capital, elencando três

14 A autora opta por utilizar o termo desporto, deixando claro que tanto desporto com esporte têm o mesmo sentido.

32

pontos: a) reestruturação produtiva, ligada à organização do mundo do trabalho na garantia

das relações de produção; b) a formação do Estado, em que através das reformas e de ajustes

estruturais, garantam as relações na sociedade de classes, garantindo a supremacia imperialista

estadunidense e; c) formação de consciências, adequadas as tais reestruturações e ajustes,

recorrendo a tudo que possa sustentar essas posições privilegiadas da burguesia, inclusive o

desporto.

Taffarel diz que na passagem dos Jogos Olímpicos Modernos de 1896 para as empresas

patrocinadoras dos Jogos Olímpicos, submeteu o esporte a uma lógica produtivista, ligada ao

rendimento, e a seu modo de avaliação, a moeda. Dessa forma a autora coloca o agravamento

do fenômeno subordinado as leis econômicas, em que o “capital transnacional assumindo a

direção das empresas esportivas lucrativas e a eliminação exclusão do considerado não

rentável”. Alertando para que num dos grandes bolsões de miséria da América Latina15, a

educação física e esportes na universidade e no Sistema Nacional de Educação Pública, “esta

sendo considerado imediatamente não-rentável”, e que o rentável está localizado no âmbito de

consumo de produtos da indústria cultural esportiva. A partir dessa constatação de ordem

econômica, elenca três movimentos que auxiliaram nesse sentido:

a) esporte aparecendo como uma espécie de nova religião, o único modo de comunicação universal e acessível, oferecendo investimentos afetivos, resguardando símbolos e alimentando mitos e ainda, prestando-se a dramaturgia – manipulação do imaginário popular -pelos meios de comunicação de massa, via televisiva; b) (...) a manipulação dos “valores esportivos” como lealdade, o senso de responsabilidade, o esforço pessoal, o espírito de equipe, caros as novas formas de gerenciamento cientifico da produtividade e da exploração da mais-valia. c) criação de necessidades, com a emergência de um tempo livre e o desenvolvimento do mito do corpo, criando-se um verdadeiro setor econômico (2000, p.XVII).

Ao tratar dos questionamentos que o desporto vem sofrendo, seja relacionado às

políticas pública, remetendo à figura do então presidente da República16 Fernando Henrique

Cardoso, ou relacionada às práticas dos professores, ressaltando as péssimas condições

objetivas de trabalho, a falta de financiamento, a inacessibilidade ao conhecimento cientifico,

a precarização tanto da formação inicial quanto da continuada. Assim ela diz que o desporto

educacional vem sendo questionado devido à atual caracterização hegemônica que ele tem,

não contribuindo “para debelar a revoltante e desumana desigualdade social e não está

sintonizado com os anseios de uma sociedade justa, pelo contrário, acentua e assegura

15 Referindo-se ao nordeste brasileiro.16 Na época da escrita do artigo.

33

desigualdades”. A autora entra em acordo com Kunz (1994) quando resume as críticas ao

esporte, seja na sociedade ou na escola: o esporte não apresenta elementos de formação geral,

na sua prática hegemônica; quando ensinado na escola seguindo a lógica das competições ou

do rendimento, fomenta vivências de sucesso para uma minoria, e fracasso ou insucesso para a

grande maioria; isso é considerado pelos autores como uma irresponsabilidade pedagógica por

parte dos professores que fomentam essas vivências; e o esporte de rendimento segue os

princípios básicos da sobrepujança e das comparações objetivas; defendendo ao final, a autora,

a reinvenção do esporte.

Dessa forma Taffarel confronta em seu texto, dados referentes ao desporto no Brasil,

retirados do Diagnóstico da Educação Física/Desporto realizado em 1969 com os atuais. Os

dados são relacionados à política do governo, política nacional, formação de professores,

inserção da educação física nas escolas, educação física no ensino superior, espaços urbanos,

organização desportiva, participação feminina, escolas de preparação de professores

(denominadas escolas normais) e questões jurídicas. A constatação é que “contraditoriamente

muitas das variáveis estudadas continuam hoje apresentado, na essência, os resultados trágicos

da década de 60” confirmando, segundo a autora, as “tendências à destruição, à degeneração, à

desagregação, à precarização e, só aparentemente, podem ser visualizadas superações nos

indicadores estudados”.

A partir desses levantamentos, Taffarel ressalta as dimensões básicas a serem atingidas,

em que enfatiza que sem as quais compromete qualquer intenção política no âmbito

educacional:

1. sólida formação inicial e continuada dos profissionais propiciada por consistente base teórica; 2. as condições objetivas de trabalho; 3. alterações a organização do processo de trabalho 4.salários dignos e plano de cargos e salários para os trabalhadores da educação; 5. consistente base organizativa, reivindicatória e confrontacional dos setores envolvidos e interessados pela qualidade na educação e na educação física (2000 p.XXIII).

Esclarecendo que o desporto não pode estar desarticulado das políticas públicas da

educação e de bem estar da população, não podendo também estar fora do projeto político

pedagógico da escola, e por final “fora do grande esforço de reinvenção da própria sociedade.”

Portanto a autora começa a trilhar o caminho para a reinvenção do esporte, inicialmente

através do acesso real à cultura corporal, entendendo o esporte enquanto uma produto dos

homens e mulheres, ou seja, “sua realidade e suas possibilidades estão inseridas na aventura

34

humana”, diferente do entendimento natural. A superação, no plano de políticas públicas,

sustentada por Bracht, da idéia da pirâmide esportiva são indicações da autora, ao lado da

reorientação das relações com a cultura, lazer e esporte, no sentido de uma perspectiva de

formação cultural crítica e divertida intimamente relacionada à auto organização e

participação.

Vale destacar que a autora adverte, juntamente com Castellani Filho (2002), “que a

desesportivização da educação física não deve conduzir a desconsideração e abandono do

esporte enquanto conteúdo dela”, mas sim levar a uma crítica à mentalidade esportiva.

Ressalta o resgate da ludicidade como possibilidade no sentido da reinvenção do esporte, e

conclui dizendo que o “desporto educacional não pode ser discutido, pesquisado, vivenciado

fora da teoria pedagógica”, e indo mais além “fora do marco político, ideológico, da luta de

classes reduz a possibilidade de compreensão das problemáticas significativas relacionadas ao

desporto educacional”.

1.4.1.5 Relações entre o esporte de rendimento e o esporte na escola.

O artigo de Stigger inicia convergindo com Bracht em relação aos “motivos externos”

para o reascendimento da polêmica, mas diz que buscará contribuir, a partir de razões internas,

as quais, para o autor “contribuem para o seu renascimento”.

Começa o debate apresentando a discussão contemporânea do esporte visto numa

perspectiva sociocultural, sustentando em vários autores, estabelecendo dois campos: a

homogeneidade e a heterogeneidade do esporte.

O privilegio de aspectos estruturais da sociedade, remetendo especial atenção à

questões sociais, políticas e econômicas caracterizam a visão homogênea do esporte,

caracterizando assim o “esporte como uma realidade cultural específica”. O autor traça como

um dado em comum nessa abordagem “é a origem das suas análises, as quais têm como

referências fundamentais as observações e reflexões relacionadas com competições esportivas

de grande evidência”. Dessa forma, segundo Stigger, esses autores criticam o esporte moderno

pelo excesso de competitividade, “ideologicamente reprodutor dos valores dominantes, e fator

de alienação e exclusão social”. Finaliza o autor nesse ponto, dizendo que a partir dessa

abordagem, o esporte se identificaria como uma atividade desenvolvida numa “perspectiva

monocultural”, se expressando de uma maneira, “independente dos locais em que fosse

35

praticado, assim como das características, interesses e motivações dos seus praticantes”.

A segunda perspectiva, da heterogeneidade, segundo o autor, volta-se para “aspectos

individuais e subjetivos dos atores sociais”. Para a gama de autores que defendem essa

posição, tal como o autor do artigo, “o esporte poderia ser visto como uma prática social

passível de ser apropriada de forma diferente em diversas realidades específicas, na medida

em que fosse praticado por grupos particulares”. Diferente da outra perspectiva, explica

Stigger, essa última “ao invés de apresentar a sociedade como um todo de valores e funções

sociais, que conferem coerência e funcionalidade ao sistema, destaca as relações de conflito

entre diferentes grupos sociais”. Dessa forma, é identificada, pelos autores, na prática de

esportes possibilidades “de se desenvolver numa perspectiva multicultural” se expressando na

diversidade das manifestações, pra além do esporte espetáculo, ocorrendo “vinculado ao

contexto cultural em que o esporte fosse praticado, assim como às características dos seus

praticantes”.

O autor passa para o próximo ponto do artigo, trazendo referências da discussão na

educação física brasileira, dizendo que prevalece a perspectiva homogênea do esporte nas

formulações que emergem da década de 1980, alertando para que, mesmo com alguns

movimentos partindo dos autores no sentido de propostas motivados por um otimismo prático

(KUNZ, 1994, p.6) voltadas para uma visão multicultural do esporte, o que prevalece no

pensamento da comunidade é um “pessimismo teórico” (ibid.).

Desenvolvendo brevemente pontos relacionados a perspectiva heterogênea, com

exemplos empíricos feitos em trabalho anterior, o autor, que privilegiou aspectos

microssociais do esporte, caracterizando por ser uma “análise interpretativa da cultura, a qual

não esta à procura de leis sociais, mas preocupada em compreender o significado que está

prática social tem para os seus praticantes, em universos culturais específicos”, observa a

discussão da categoria rendimento, comprovando através dos depoimentos dos seus

colaboradores do trabalho de campo a falta de preocupação em relação a esse tema, dizendo

que a mesma não é central para aqueles grupos estudados. Assume a posição próxima àqueles

que defendem a transformação do esporte na escola, pautando a educação física enquanto uma

prática pedagógica, que objetiva tematizar, no contexto escolar, os conteúdos da cultura

corporal, entre eles o esporte. Ao final do texto apresenta um trabalho desenvolvido por

Molina Neto17 com os estudantes da graduação da Escola de Educação Física da Universidade

17 Trabalho sistematizado e publicado em forma de artigo na revista Movimento de 1995.

36

Federal do Rio Grande do Sul. Através da problematização, buscou relacionar o conhecimento

que os alunos tinham com possibilidades ou alternativas àquele modelo, em que ao final do

trabalho, o autor pode identificar mudanças de comportamento “em relação as possibilidades

educacionais do ensino do futebol e das expectativas que os alunos tinham da disciplina”.

Concluindo, o autor diz reconhecer a validade de muitos aspectos das formulações dos

trabalhos acadêmicos, porém alerta que muitas de suas “conclusões são muitas vezes frutos de

reflexões teóricas e de observações distanciadas do espaço concreto onde o esporte acontece”

tendo muitas vezes suas formulações sustentadas por “reflexões realizadas sobre competições

esportivas oficiais”.

1.4.1.6 Técnica, esporte, rendimento

O artigo de Vaz inicia dizendo que “o debate acadêmico nem sempre foi tranqüilo,

também porque ao questionar o esporte, ele colocou sob suspeita (moral?, política?) aqueles

que se ocupavam com sua prática, desestruturando uma das mais fortes fontes de identidade

dos professores e professoras de educação física”. Busca inspiração na obra de Theodor W.

Adorno, detendo-se principalmente na questão da técnica, algo que para o autor parece

fundamental, porém insuficientemente discutido.

O autor cita a linguagem matematizada , na análise da busca do rendimento cada vez

maior no esporte, dizendo que “construímos, é bom que se lembre, uma sociedade que ama

grandes números, e detalhadas estatísticas”. Assim, para ele

a preocupação com rendimento traduzido em números, obedecendo a lógica do progresso quantificável, aparece em nossas diversas manifestações sobre o fenômeno que, tecnificados, parecem perder sua qualidade intrínseca, seu conteúdo internos, degradados em números (2001, p.93).

Dessa forma, o autor deixa claro que a questão da “fascinação pela técnica e pelo

progresso” não se limita , não se esgota no esporte. Segundo Vaz,

[...]o esporte apenas radicaliza essa fascinação, reforçando a fé de que o progresso do corpo é infinito. Talvez isso aconteça porque oe sporte tende a tornar tudo passível de mensuração, o que facilita a comparação objetiva, sem a qual a idéia de rendimento se tornaria inócua (20001, p. 93).

Assim, o autor destaca que os elementos da cultura corporal e o esporte “devem ser

37

duplamente aprendidos: por um lado pela mediação reflexiva sobre os temas relacionados ao

corpo e à corporeidade; por outro lado pelas dimensões técnica e mimética, pela aproximação

estética entre sujeito e objeto (2001, p. 95).

1.4.2 Intelectuais da educação física

A partir das leituras feitas tanto no que tange a produção da Revista Movimento,

relacionado aos Temas Polêmicos, quanto aos demais, situamos os autores dessas produções

com intelectuais da educação física. Deixamos claro que não entendemos eles como os únicos

formuladores do direcionamento ideológico que a educação física vem tendo, mas como

alguns dos principais. Isso se deve ao fato desses atuarem em universidades que formam

futuros professores e ampliando o alcance pra além do espaço em que eles se encontram,

formularem a partir de suas concepções e produções acadêmicas, difundidas através de

artigos, livros, revistas, entre outros, defendendo dessa forma teorias que são utilizadas por

outros professores em outros espaços.

Gramsci (1978, p.10) em suas formulações desenvolve o conceito de intelectual

partindo da premissa de que “todos os homens são intelectuais; mas nem todos os homens

desempenham na sociedade a função de intelectuais”. O autor traz que cada classe cria seus

intelectuais:

Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo e de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político (1978, p.7).

Diante disso, Gramsci descreve que os intelectuais são os responsáveis pela tarefa de

tratar das funções da hegemonia social e do domínio político, sendo que esses dois pontos

dizem respeito, respectivamente a:

1) do consenso “espontâneo” das grandes massas da população quanto à orientação impressa pelo grupo fundamental dominante, à vida social, consenso que nasce “ historicamente” do prestigio (e, portanto, da confiança) que o grupo dominante obtém, por causa de sua posição e de sua função no mundo da produção; 2) do aparato de coerção estatal, que assegura “legalmente” a disciplina dos grupos que não “consentem”, nem ativa nem passivamente, mas que é constituído para toda a sociedade, na previsão dos momentos de crise no comando e na direção, nos quais fracassa o consenso espontâneo (1978, p. 14).

38

Dessa forma, Gramsci explica que os intelectuais – ligados à classe dominante – são os

responsáveis por manter a coesão do bloco histórico, elaborando e construindo a hegemonia

que mantém a classe dominante na direção da sociedade, que sem essa hegemonia através dos

canais já citados, se daria através da força repressiva. Dias (2006) desenvolvendo acerca dos

intelectuais, enquanto direção, ressalta que:

os intelectuais formados por esses saberes de classe tornam-se disponíveis para o exercício de elaboração/manutenção da ordem intelectual e política dominante. São eles que ditam o universo das questões, o que ler, os que julgam a legitimidade intelectual podendo desqualificar o pensamento do(s) outro(s). ao proceder desse modo, se expressam sempre na forma da expansão/defesa das classes dirigentes/dominantes. Trabalham no interior da ordem (2006, p.109).

Giroux, relacionado o conceito com os intelectuais da educação, mais precisamente os

educadores radicais, a partir dos papéis contraditórios realizados pelos educadores dentro das

escolas, destaca a “posição paradoxal” enfrentada pelos educadores tanto na escola como na

universidade. Apresentando dessa forma os dois lados da questão, por um deles o fato de que

esses intelectuais estão submetidos a uma instituição – a escola ou a universidade – que tem

por objetivo desempenhar um papel fundamental na produção da cultura dominante, e por

outro, ao definirem seu terreno político, oferecem a seus alunos “discursos alternativos e

práticas sociais críticas, cujos interesses estão frequentemente em dissonância com o papel

hegemônico da escola e com a sociedade que a mesma apóia”(1987, p.40).

A relação da aproximação teórica feita com os artigos da Revista Movimento e com as

idéias de Gramsci, especificamente na busca do consenso “espontâneo”, nos auxilia a buscar

alguns apontamentos dos motivos que levam o esporte a assumir o espaço enquanto conteúdo

hegemônico das aulas de educação física. Os intelectuais da educação física, especificamente

os formuladores das abordagens, tendências, metodologias, daí para além dos citados, e para

além daqueles artigos, entrando no desenvolvimento das formulações e produções acadêmicas

mais ampliadas daqueles autores e os direcionamentos que elas geram, principalmente no

processo de formação inicial, deixando claro que esse direcionamento não acontece de forma

mecânica e unilateral, mas de forma dialética, conseguimos iniciar a procura dos motivos que

possibilitam a compreensão do esporte enquanto conteúdo hegemônico nas aulas de educação

física. O que queremos evidenciar aqui é que essa construção foi e vem sendo feita por

homens e mulheres, sujeitos históricos agentes da transformação e sendo assim, não é algo

natural, dado ou irreversível.

39

2 DECISÕES METODOLÓGICAS

As decisões metodológicas, em determinado estudo, constituem-se em importantes

“passos” ao longo da “caminhada”. Concordamos com Freitas (1995) e Triviños (2001)

quando afirmam que no processo de estudo a teoria do conhecimento orienta o mesmo,

precedendo questões e decisões metodológicas. Dessa forma, utilizamos da teoria crítico-

superadora, apresentada principalmente no Coletivo de Autores (2005). Essa escolha é feita

partindo de alguns pressupostos: 1) o entendimento do avanço qualitativo que significou para

a educação física, a partir do acúmulo da segunda metade da década de 1980; 2) por também

tratar o esporte e a educação física a partir de uma perspectiva transformadora, não se

limitando em analisá-lo unicamente, mas propondo intervenções nesse sentido; 3) por tratar

também, segundo Castellani Filho (2002), de uma das concepções propositivas sistematizadas,

ao lado da aptidão física18.

Os apontamentos acima reforçam a constatação de que todo o método implica em uma

teoria. Deixamos claro dessa maneira que esse estudo se pauta numa perspectiva crítica e

superadora às relações sociais determinadas, buscando traçar apontamentos, tendo como

referência a prática pedagógica da educação física no bojo do processo de compreensão do

modo de produção no qual vivemos, dessa forma tendo clareza das relações de explorações

postas na sociedade, apontando assim as contradições do esporte na escola, para intervir no

sentido de mudá-lo e transformá-lo.

2.1 Problema da pesquisa

O problema de pesquisa que direcionou todo o processo referente a essa pesquisa é

descrito da seguinte maneira: Quais as implicações que o esporte, enquanto conteúdo

hegemônico da prática pedagógica dos professores de educação física na escola,

acarretam para a educação física?

Acreditamos que a aproximação, tanto da literatura quanto ao campo, possibilitou

desdobramentos referentes tanto à temática do esporte, quanto da prática pedagógica em

educação física, como da própria formação de professores, entre outros.

18 Ver mais em Castellani Filho (2002).

40

2.2 Caracterização do estudo

Analisamos nesse estudo, a prática pedagógica relacionada ao esporte, dos professores

de educação física, de uma escola da rede estadual gaúcha. Nos detivemos nas quatro séries

finais do ensino fundamental, pois é em uma dessas séries que acontece a passagem da

unidocência para a de um professor por disciplina, e também por entendermos que o esporte

começa a ser trabalhado efetivamente nas aulas de educação física, tomando proporções

maiores. É a partir daí que a crianças já começam a ter mais autonomia na escola e reivindicar

mais o esporte como conteúdo, e também trabalhar com o mesmo implica em menos

dificuldades do que nas séries iniciais, devido ao próprio desenvolvimento corporal dos

estudantes. É nesse momento que fica mais claro as questões relacionadas à inserção nas

práticas esportivas e as reais implicações que o ensino do esporte na escola apresenta.

Assim, optamos por uma turma de cada série, sendo uma 5.ª série, uma 6.ª série, uma

7.ª série e uma 8.ª série. As quatro turmas possuem professores distintos, dessa forma, tendo

quatro colaboradores. A divisão dos períodos não era algo homogêneo, ou seja, igual nas

quatro séries.

Para analisar a prática pedagógica de professores de educação física, relacionada ao

esporte, na escola pública, realizamos um estudo de caso, tendo como principais instrumentos

de coleta de informações a análise de documentos, a observação participante e entrevistas

semi-estruturadas. Para Molina (2004, p.99) “no âmbito educativo, o estudo de caso pode ser

definido como sendo aquele que se ocupa da compreensão de uma ação educativa em uma

dimensão especifica” tendo como grande vantagem “o fato desse conectar-se rapidamente com

a realidade” possibilitando maior interação “teórico-prática e por isso, afastar mais os riscos

de simplificações”, em que através dele “podemos teorizar a partir da prática, teorizar sobre a

prática ou teorizar quanto a transformação desta”. É partindo dessa constatação, alicerçada na

teoria já citada acima, que buscamos não somente compreender o fenômeno, mas apontando

possibilidades para uma mudança.

Para Triviños (1987) o estudo de caso é um “tipo de pesquisa cujo objeto é uma

unidade que se analisa profundamente” dessa forma determinando “duas condições básicas

dele: a abrangência da unidade e também sua complexidade”. André (1998), sintetizando

idéias de vários autores, coloca que o estudo de caso deve ser usado: 1) quando se está

interessado numa instância em particular, isto é, numa determinada instituição, numa pessoa

41

ou num específico programa ou currículo; 2) quando se deseja conhecer profundamente essa

instância em particular em sua complexidade e totalidade; 3) quando se estiver mais

interessado naquilo que está ocorrendo e no como está ocorrendo do que nos seus resultados;

4) quando se busca descobrir novas hipóteses teóricas, novas relações, novos conceitos sobre

um determinado fenômeno; e 5) quando se quer retratar o dinamismo de uma situação numa

forma muito próxima do seu acontecer natural.

Foi dado ênfase, como já dito anteriormente, a três elementos de coleta de informações

para desenvolver esse estudo: análise de documentos, observação participante e entrevista

semi-estruturada.

2.2.1 Análise de documentos

A análise de documentos, por mais que não seja muito explorada, pode se constituir

“numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos, seja complementando as

informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou

problema” (ANDRÉ; LÜDKE, 1986, p.38).

A análise de documentos procurou buscar dados e informações referentes a escola,

professorado, alunos, conjuntura tanto local quanto em níveis mais amplos, dando o suporte

teórico, principalmente histórico, com informações sobre os aspectos que envolvem a

temática, com a finalidade tanto de situar o local específico de realização da pesquisa,

expondo suas características peculiares e sua descrição mais aproximada do real, quanto de

buscar elementos que auxiliem na discussão que propomos nesse trabalho. Os principais

foram o Projeto Político Pedagógico do Instituto de Educação Estadual Paulo da Gama, as

orientações da Secretaria Estadual da Educação do Estado do Rio Grande do Sul, o plano de

trabalho dos professores de educação física da escola, as políticas do Estado, as aproximações

ao currículo de formação dos professores do ano de 2008, a Leis de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, os Parâmetros Curriculares Nacionais, os regimentos dos jogos escolares,

tanto dos Jogos Escolares do Rio Grande do Sul (JERGS) quanto do projeto Guri Bom de

Bola.

42

2.2.2 Observação participante

A observação consistiu – em linhas gerais – na vivência do investigador no contexto

que pretende investigar (STIGGER, 2002). O objetivo dessa técnica é observar com

determinada atenção traços e manifestações que o campo possa trazer para o estudo. Ela

possibilita “um contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado”

(LUDKE; ANDRÉ, 1986, p.26).

Dessa forma, inseri-me no contexto escolar em que realizei o estudo, buscando uma

interação social com os colaboradores. Isso contribuiu para reduzir a imagem de “estranho”

que poderia vir a gerar a minha inserção. Para Triviños (2001) isso é “uma oportunidade de

compreender melhor o espírito, os valores, os costumes que caracterizam essas pessoas” e essa

análise contribuirá para “descobrir [ . . . ] elementos básicos que poderão ser aproveitados para

alcançar o êxito na realização de sua pesquisa”.

Ressalto que estou me referindo a uma observação participante e não a uma mera

observação, em virtude de que já acompanho, como monitor, turmas de estagiários da Prática

de Ensino de educação física, disciplina obrigatória do curso de Licenciatura em Educação

Física na ESEF/UFRGS. Sendo assim, em diversos momentos, durante a prática das aulas, me

coloco como interventor nos processos de ensino-aprendizagem junto aos alunos da escola. É

nesse momento, então, que se caracteriza a participação deste pesquisador que observa uma

realidade, sendo que todas essas situações compõem o conteúdo do referido diário de campo.

Esse é um elemento muito importante no processo, que diz respeito à questão da

observação: o diário de campo. Optei por um caderno pequeno, para não chamar a atenção das

crianças. Ele serviu para transcrever todas as anotações relacionadas ao campo, desde o

primeiro até o último momento. Nele estão registradas questões desde os trâmites burocráticos

de inserção no âmbito escolar, as próprias constatações referentes à estrutura física das aulas,

apontamentos referentes às professoras, aos estudantes e tudo o mais que achar importante

para o estudo. Apontamentos de ordem pessoal do pesquisador estão registrados nesse espaço

também, tais como dúvidas, sentimentos, reflexões, essencialmente anotações descritivas.

Após analisar as anotações do diário de campo é que percebi o quanto ele pode contribuir com

o estudo.

43

2.2.3 Entrevistas semi-estruturadas

As entrevistas me deram o suporte necessário, pois através delas tomei contato com os

colaboradores. Ouvi a partir do ponto de vista deles, da opinião direta dos mesmos. Entrevistei

agentes do processo sendo esse método privilegiado, pois:

o que torna a entrevista um instrumento privilegiado de coleta de informações para as ciências sociais é a possibilidade de a fala ser reveladora de condições estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos e ao mesmo tempo ter a magia de transmitir, através de um porta-voz, as representações de grupos determinados, em condições históricas, socioeconômicas e culturais específicas (MINAYO, 1996, p. 109 – 110).

Para Lüdke e André a entrevista tem uma grande vantagem sobre outras técnicas, pois

“ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com

qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos” (1986, p.34).

O grau de liberdade também presente nesse ponto é relevante, segundo Triviños (1987,

p.146), pois estabeleceu uma relação entre o pesquisador e o entrevistado que possibilitou a

obtenção de informações precisas e necessárias ao estudo, “valorizando assim a presença do

investigador”, oferecendo “todas as perspectivas possíveis para que o informante alcance a

liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação”, sendo nesse estudo

optado pela entrevista semi-estruturada, tendo uma gama de perguntas traçadas, porém com

flexibilidade no sentido de ampliar essa gama de perguntas, dependendo do andamento do

dialogo, transformando a entrevista, como ressalta Triviños (2001, p.86) “num diálogo vivo do

qual participam duas pessoas com objetivos diferentes, mas que podem se tornar

convergentes” procurando “construir um conhecimento relativamente comum para

determinada realidade pessoal e coletiva”.

Essas entrevistas foram gravadas, sendo esse um passo importante, segundo Triviños

(2001) pois em primeiro lugar “o entrevistado pode escutar o que disse e introduzir nesse texto

as modificações que considere pertinentes” e em segundo lugar “a gravação permite a

transcrição da entrevista”. Elas foram realizadas individualmente, após a assinatura do Termo

de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice), pelo colaborador.

Após a transcrição das entrevistas elas foram remetidas para os colaboradores que

fizeram suas ressalvas e mudanças na descrição, constituindo isso também uma intervenção do

colaborador, contribuindo com o conteúdo da entrevista.

44

2.2.4 A Escola escolhida

Optamos pelo Instituto de Educação Estadual (IEE) Paulo da Gama por alguns motivos

que consideramos de relevância para o estudo. Foi nessa escola que realizei a Prática de

Ensino, no primeiro semestre de 2007, disciplina curricular obrigatória do curso de

licenciatura plena de educação física da ESEF/UFRGS. Após ter concluído a prática de

ensino, ingressei como monitor voluntário na mesma disciplina, me inserindo nessa mesma

escola, acompanhando por um ano as atividades desenvolvidas pela disciplina, o que facilitou

o acesso ao campo de estudos. Algumas pesquisas do grupo de pesquisa no qual faço parte, o

Grupo de Estudos Qualitativos de Formação de Professores e Prática Pedagógica em

Educação Física e Ciências do Esporte (F3P -EFICE) e Trabalhos de Conclusão de Curso

(TCC) da ESEF/UFRGS também foram realizados na mesma instituição, o que possibilita, a

partir desse estudo, avanços no trato do conhecimento já produzido pelo grupo de pesquisa e

pela ESEF/UFRGS. A “parceria” com a escola proporcionou os subsídios necessários para o

desenvolvimento do estudo, devido à aproximação já existente com os professores da mesma,

com os próprios estudantes, já acostumados com os estagiários da Prática de Ensino, e com os

pesquisadores do grupo.

O IEE Paulo da Gama, está situado em uma zona que poderíamos considerar de tensão,

tendo em vista os quartéis da Brigada Militar que a envolvem, tendo o do Batalhão de

Operações Especiais (BOE) à frente e ao lado, conjuntamente com o canil da Brigada Militar

numa das laterais também. Outro prédio que interfere também o cotidiano escolar é o Presídio

Central de Porto Alegre, situado a poucos metros da escola. Esse contexto todo tem

interferência significativa na realidade escolar. Um elevado número de crianças tendo seus

pais ou outros parentes detidos residem nos arredores do presídio, da mesa forma que a escola

comporta também filhos de brigadianos19 que moram nos arredores dos quartéis. Ao lado do

fato da escola estar situada na periferia de Porto alegre, atendendo principalmente crianças de

classe média baixa e baixa, segundos os dados do Projeto Político Pedagógico.

A escola possui três quadras poliesportivas, sendo duas que poderíamos chamar de

abertas, pois não possuem telas na sua volta, e uma fechada, conhecida como a “gaiola”,

levando esse nome devido às altas telas que a cercam. Há também o saguão do bar da escola,

19 É como são conhecidos os policiais militares no Estado do Rio Grande do Sul.

45

que é utilizado para algumas práticas, porém vem sendo discutido entre os professores, a não

utilização desse espaço para práticas de educação física, devido ao barulho que atrapalha as

demais aulas. Existe ainda o estacionamento, que se divide em dois espaços abaixo das

quadras, sendo que em alguns momentos várias turmas utilizam o pátio, e o estacionamento se

divide em três. Há uma discussão também acerca desse espaço, pois alguns professores da

escola reivindicam esse espaço para poderem estacionar seus automóveis, devido à falta de

segurança em deixá-los na rua, a partir de alguns casos de arrombamento de carros em frente à

escola. Porém o espaço estava sendo utilizado pela educação física. O “areião”, ao lado da

“gaiola”, também se configura como espaço para as aulas de educação física, além do saguão

destinado às turmas de 1.ª a 4.ª séries.

Por mais que as duas quadras tenham sido reformadas nesse ano, o principal espaço da

educação física na escola é a “gaiola”. Além das telas que auxiliam para que durante o jogo a

bola não vá para longe, a quadra também é boa, gerando a preferência por parte das crianças.

2.2.5 Os professores colaboradores

Contamos nesse trabalho com a colaboração de quatro professores. Optamos por trocar

seus nomes verdadeiros por nomes fictícios, a fim de preservar suas identidades. Abaixo

apresentamos um quadro com algumas informações sobre os professores, que consideramos

relevantes para o estudo.

Nome Série obs. Carga horária no Estado

Carga horária fora da escola

Tempo de serviço

Prof.ª Carla 5.ª 20 h 15 h Não informadoProf. Sílvio 6.ª 49 h Não possui 30 anos

Prof.ª Roberta 7.ª 20 h 20 h 13 anos

Prof.ª Amália 8.ª 32 h 15 h 6 anosQuadro 1: Professores colaboradores do estudo

46

3 ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES: A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO ESPORTE NA

ESCOLA

Nesse espaço do trabalho, estabelecemos a relação entre a literatura e as informações

empíricas, conjuntamente com as nossas formulações, buscando sínteses relacionadas ao

problema que está direcionando este trabalho. Dessa forma, a partir das análises da literatura

referente à temática esporte na escola, bem como com a leitura sistemática das informações do

campo referente a análise de documentos, as observações e as entrevistas, elencamos enquanto

categorias o esporte como conteúdo hegemônico na escola, conjuntamente com o esporte na

lógica do rendimento, sendo outra categoria. A prática pedagógica nas aulas de educação física

surge a partir da análise principalmente da realidade observada, relacionada também com o

aporte teórico a que nos aproximamos. Por fim, algo que emergiu principalmente do campo,

são os jogos competitivos escolares, que está elencado como categoria também, porém, com

outro nome chamado aqui de desfile de pobreza.

Optamos aqui por elencá-las tendo como primeiro a prática pedagógica, seguido do

esporte enquanto conteúdo hegemônico na escola, lógica do rendimento, e por fim os jogos

competitivos.

3.1 Prática pedagógica nas aulas de educação física

A prática pedagógica da aula de educação física sofre diversas interferências, tal como

as demais disciplinas, porém, tem uma peculiaridade em relação a essas pois em grande parte

suas atividades são realizadas fora da sala de aula, se tornando assim, como relatou a Prof.ª

Roberta, as aulas de educação física bem transparente, “diferente das outras que fecham a

porta e tu não sabe o ta acontecendo lá dentro”, caracterizando a aula como “uma vitrine”.

O barulho que atormenta a escola, seja nos treinamentos do BOE no campo da frente,

com cachorros, tiros, bombas, ou helicópteros, seja com as sirenes das viaturas em alta

velocidade, trazendo ou levando detentos para o presídio, interfere nas aulas na escola, e mais

precisamente nas aulas de educação física, sendo estas realizadas no pátio da escola, quase

sempre podendo ser visualizadas as ações acontecidas.

A discussão relacionada a estrutura propiciada pela escola para desenvolvimento das

aulas de educação física nos chamou muito a atenção. O IEE Paulo da Gama possui uma

47

estrutura física adequada, constatando isso a partir das observações realizadas, e também por

ter desenvolvido a prática de ensino nessa escola. Salvo alguns momentos em que muitas

turmas estavam no pátio, quando acontecia de o espaço diminuir demais, as duas quadras

junto com o estacionamento, mais a “gaiola”, aparentemente tende a mostrar uma estrutura

adequada para as aulas. Analisando as entrevistas, percebemos que os professores corroboram

com essa idéia, porém com uma ressalva, como explicam a Prof.ª. Carla, a Prof.ª. Roberta e a

Prof.ª. Amália dizendo que

O espaço físico da escola eu acho excelente, comparado com outras escolas acho que ele é muito bom (Prof.ª Carla 06/10/2008) [grifos meus].

O Paulo da Gama é uma escola grande então ele tem bastante espaço físico em relação a outras escolas que já trabalhei, tem bastante quadra, a gente consegue se organizar entre outros professores, organizar o espaço que a gente vai usar (Prof.ª Roberta 06/10/2008) [grifos meus].

Aqui nessa escola, eu considero uma situação relativamente boa, o espaço é bem amplo, a única coisa que nos falta é cobertura, espaço coberto, a gente só tem aqui o saguão do bar e a nossa sala de Educação Física, mas em relação a espaço tem bastante (Prof.ª Amália 08/10/2008)[grifos meus].

Tendo como única divergência com o professor Sílvio que considera “o espaço físico

é um problema, não só nessa escola que eu trabalho, mas também na maioria das escolas do

Estado, é muito pobre a estrutura física” (07/10/2008). Os grifos feitos foram para apontar a

ressalva, que consiste em mesmo considerando o espaço adequado, isso se dá sempre

relacionado a realidades de outras escolas que os professores já vivenciaram, o que podemos

perceber, que está bom em relação a outras, o que pode significar que não esteja da melhor

forma possível, a ponto de garantir efetivamente condições estruturais suficientes para as aulas

de educação física. Recentemente as quadras foram pintadas e reformadas; porém, as tabelas

de basquetebol, os canos que sustentam as redes de vôlei e as goleiras não foram trocadas, e

em alguns casos, como as tabelas e os canos das redes, nem existem mais. A falta de materiais

vem a somar ao leque de problemas para o desenvolvimento do trabalho dos professores,

como constatado nas entrevistas e nas observações, a precariedade e falta dos materiais.

O número elevado de crianças também foi algo relatado pelos professores.

Acompanhando as aulas, era visível a dificuldade para o desenvolvimento das aulas pelo

elevado número de crianças. Isso não significa que seja o único problema, mas na busca de

melhorias percebemos que dois professores dividiam a turma, entre guris e gurias, para

conseguir intervir pedagogicamente, sendo esse o caso da Prof.ª Roberta e do Prof. Silvio. O

48

caso de Sílvio foi percebido a partir das observações das aulas, dividindo a turma e

direcionando o trato pedagógico de determinada modalidade para determinado grupo,

enquanto o outro tinha aula livre, da mesma maneira que a Prof.ª Roberta, porém ela invertia

os grupos ou na próxima aula, ou no próximo período em alguns momentos. No diálogo com a

Prof.ª Roberta a mesma explicou a opção:

Eu optei por trabalhar assim, dividido, já trabalhei com eles juntos, mas a maioria das vezes eu separo por que eu prefiro, eles tem mais atenção em grupos menores, por que as vezes eles estão em grupos maiores, tu ta falando na quadra eles não estão te ouvindo, eles tão neh, numa idade assim complicada, então as vezes eles não te escutam, então tu passa o tempo todo gritando uma coisa que uns te escutam outros não, então prefiro trabalhar em grupos pequenos (Prof.ª Roberta 06/10/2008).

O número de alunos por turma dessa forma se torna um problema para o

desenvolvimento da prática pedagógica na escola, pois para que o professor consiga organizar

seu trabalho, dentro de suas limitações, ele é obrigado a privilegiar alguns alunos em

determinado momento, enquanto outros ficam livres da atividade. Por mais que ocorra a troca

de papéis dos grupos em momentos posterior, isso significa, tendo em vista que atividade livre

não é aula, que as crianças têm somente a metade das aulas que são designadas.

A Prof.ª Carla, ao tratar sobre esse ponto, dizendo que “com a enturmação aumentaram

os alunos (...) e com um número muito grande de alunos é difícil tu fazer um trabalho bom”

(06/10/2008), fala sobre a política do governo do Estado do Rio Grande do Sul, do último

período, chamada de enturmação que vem para agravar mais ainda a situação. A enturmação

vem na contramão de resolver os problemas que estamos contextualizando aqui, pois ela visa

a diminuição de turmas, para diminuir os gastos do governo com a educação, através do

aumento de alunos por turma, diminuindo assim as turmas e conseqüentemente os professores,

chegando em algumas escolas a propor o número de 50 alunos por turma segundo o Centro de

Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CEPRS/Sindicato) (2007). Para o

CPERS/Sindicato

só quem não tem contato real com as escolas e com processo pedagógico pode pensar em amontoar 40 alunos ou mais em uma sala de aula e achar que pedagogicamente isso dará bons resultados. Ignoram que o excesso de alunos em aula compromete a qualidade do ensino [ . . . ] (2007).

Em diálogos estabelecidos com as professoras da escola, disseram que a enturmação

não atingiu o IEE Paulo da Gama como atingiu outras escolas, sendo que o aumento foi de 3 a

49

5 alunos por turma, porém alguns reflexos, como esse relatado pela Prof.ª Carla nos dá

indícios dos efeitos dessa política e das suas conseqüências.

Algo que surgiu também após a escolha das turmas a serem observadas, foi o fato das

4 turmas terem educação física somente uma vez por semana. Uma 5.ª e uma 6.ª séries tem 3

períodos consecutivos, e as 7.ª e 8.ª séries, 2 períodos no mesmo dia também. A Prof.ª Roberta

explica o motivo da 7.ª e 8.ª não terem os 3 períodos de educação física semanais:

A escola Paulo da Gama, tem um currículo diferente, com uma disciplina diferente, que eu acho que senão me engano, é desenho geométrico, entra dentro da matemática, mas aqui no Paulo da Gama, é uma matéria separada, no momento que tu tem essa matéria separada,acho que ate deve ter outras, então diminui um período da Educação Física, porque uma matéria a mais no currículo deles (ROBERTA, 06/10/2008).

Questionada sobre isso, as professoras Roberta e Amália, respectivamente dizem que:

[...]depende de cada escola, mas não desmerecendo a nossa profissão, mas pra trabalhar a matemática, ou seja la qual for a mateira, com turmas enormes, grandes, onde tu tem muito conteúdo pra trabalhar com as crianças, eu acho que o certo, se tu conseguir separar as disciplinas melhor, que foi o que aconteceu com desenho geométrico e matemática, pra que as crianças possam ter um maior, maior atendimento maior atenção, né, e ai o que fica ruim é que o que vai tirar deles, a educação física, por que as outras são mais importantes né, mas também não foi um total, eles tem 2 períodos, continuam, não foi um corte tão grande (06/10/2008).

[...] é, eu acho que é pouco, porque eu considero pra eles praticarem uma atividade física, mas acho que pelo que eles tem de conteúdo na escola, carência de matérias eu acho que a nossa disciplina pelo menos entrando em dois períodos já ta bom, pior é não ter (08/10/2008).

Em relação a isso o caso dos professores Sílvio e Carla são problemáticos também.

Eles têm educação física somente uma vez por semana, porém três períodos consecutivos. O

professor Sílvio é enfático ao tratar disso, dizendo que,

[...] isso é totalmente antipedagógico, pelo menos na minha concepção, concentrar a EFI em 3 períodos seguidos, eu acho um absurdo, mas são aquelas coisas que a gente vai aceitando ou vai tendo que aceitar, ao longo do tempo essa questão do acertar o horário, a disponibilidade, então se faz essas coisas as vezes de fazer 3 períodos seguidos, claro que em termos de treinamento, que não é o caso da escola neh, pedagogicamente mesmo, acho que não é o ideal se concentrar, acho até nas outras matérias, não é muito produtivo, se acumular 3 períodos seguidos, ideal seria que fossem dias alternados, eu acho neh, mas enfim tem que se aceitar, essas imposições da estrutura neh (09/10/2008).

Para a Prof.ª Carla o problema se concentra no cansaço gerado por estar à frente da

mesma turma por três períodos seguidos, por “não ser muito pedagógico”, não havendo a

50

retomada dos conteúdos como ela bem relata na passagem da entrevista que

[...] acaba sendo ruim , no meu caso de pegar uma turma de 3 períodos, que eu pego 3 períodos, com o, até tem o intervalo do recreio, mas eu tenho turma que são 3 períodos e é bem complicado, não é tão complicado porque a turma é uma turma muito boa de trabalhar, mas com outra, ou outras turmas, acho que, acho não, sei que é bem complicado, principalmente no verão, fica muito cansativo pra mim e pra eles, não é muito pedagógico, não tem uma retomada de atividades, é uma coisa que acaba numa semana e só vai recomeçar na outra então isso acho bem ruim de trabalhar (06/10/2008)

Como alguns já elencaram em suas falas, a não retomada dos conteúdos num período

de tempo menor que uma semana, ao lado do extenso espaço no caso dos três períodos, ou no

caso de somente dois períodos semanais, comprometem a construção do conhecimento por

parte dos alunos na disciplina de educação física. Mais especificamente no caso dos

professores que trabalham três períodos seguidos, recordo das primeiras observações

realizadas em que eu saía completamente desgastado. E numa delas, fiz um esforço abstrato de

me colocar no lugar do professor que ministrava a aula, e indo mais além dialoguei com a

professora Carla sobre essa questão, e a mesma me relatou um profundo cansaço gerado pela

maratona dos três períodos, por mais que a turma fosse comportada, mas barulhenta como ela

mesma dizia, sendo obrigada a utilizar medicações para suportar as dores de cabeça, e mostrou

também a utilização de uma meia medicinal que abrangia a perna e parte da coxa esquerda,

que a atormentava com dores sistemáticas. Aqui observamos os efeitos perversos desse

procedimento pedagógico adotado, para a saúde dos trabalhador da escola.

Os baixos salários acabam também forçando os professores a buscarem fora da escola

um complemento salarial. Excetuando-se o Prof. Silvio, que está em vias de se aposentar e

hoje tem um contrato de quarenta e nove horas no Estado, as demais colaboradoras têm

empregos fora da escola, ou mais horas em outra escola, como é o caso de Amália, que além

das vinte horas feitas do Paulo da Gama, tem mais doze em outra escola, trabalha como

personal trainer em uma academia e como personal cooker20 aos finais de semana. As

professoras Roberta e Carla trabalham com hidroginástica e ginástica laboral,

respectivamente. Isso consiste em ultra-trabalhadores, se desdobrando em diversos espaços

de trabalho e que tem que garantir um processo de formação para inúmeras crianças.

A formação acadêmica também foi levantada nas entrevistas, buscando traçar

apontamentos no sentido de perceber a relação que a formação acadêmica tem com o chão da

20 “Organização de cardápios” segundo a professora Amália.

51

escola. Dentre os colaboradores, as professoras Amália e Roberta tiveram sua formação inicial

no Instituto Porto Alegre da Igreja Metodista (IPA) formadas respectivamente nos anos de

1988 e 1999 e os professores Sílvio e Carla são formados pela ESEF/UFRGS, nos anos de

1978 e 1996, respectivamente. Ao relatarem suas experiências com a formação acadêmica,

eles tratam da base que a formação deu, mas especificamente do leque aberto pra além da

escola:

[...] olha eu acho que até naquela época me deu bastante base inclusive pra modalidades que eu não conhecia, como ginástica artística, handebol mesmo eu acabei pegando mais na faculdade, futebol de campo, inclusive eu engravidei no ultimo semestre, e tava com barriga jogando e , depois fiquei de técnica no banco, mas eu acho que deu uma base boa, mas eu senti necessidade de fazer cursos de especialização por fora, principalmente pra área que eu trabalhava que era ginástica neh, localizada e corretiva, eu fiz especialização em ginástica corretiva, coluna e joelho ah, porque eu trabalhava basicamente com isso, até hoje, todas as pessoas que estão com problemas vem pra mim na academia neh, e eu gosto muito dessa parte, mas foi uma base boa (Prof.ª AMÁLIA, 08/10/2008).

na faculdade a gente descobre outros caminhos outros leques, né, não é só escola, tem outras coisas que a gente pode trabalhar né, durante a faculdade foi muito bom, a gente passa por todas as opções, e ai depois tu escolhe, como eu já tinha o magistério, então prendi pra esse lado da escola, mas claro tenho 20 horas na escola e , e fiquei com vontade de fazer outras coisas, então já trabalhei, agora trabalho com hidro, mas já trabalhei em acadêmica, já trabalhei cm ginástica laboral, já trabalhei com personal, então sempre, no outro turno eu sempre quis fazer alguma coisa fora da escola (Prof.ª ROBERTA, 06/10/2008).

participei de mais de 20 congressos e cursos, fiz dois pós, um em 1979 de treinamento esportivo, na área do futebol la na ESEF mesmo, em 2001 fiz um curso de administração esportiva, na PUC e claro que todo curso, todo congresso que se participa, todo livro que se lê, traz conhecimento, quem quer saber mais vai atrás esses conhecimentos, mas é a bagagem cultural que a gente busca, que facilita neh, o conhecimento, a experiência, o professor, quanto mais informado, mais atualizado, ele vai saber mais, ele vai passar mais conhecimento para os alunos, então tudo o que estudei eu procuro aplicar neh, esse embasamento cientifico, que eu tive, eu procuro aplicar na minha aula (Prof. SÍLVIO, 08/10/2008).

a ver com a Educação Física escolar, tem a ver agora com a minha prática aqui na escola e, fora isso, algumas cadeiras la na ESEF, com a prof Miriam de ginástica pré-escolar e escolar, que a gente fez um estágio na creche da UFRGS, então essa foi a minha experiência assim em termos, que tem mais a ver com a prática escolar. [...] eu posso te citar a cadeira de recreação que eu tive com a prof Diná, e ai a cadeira, de, ginástica, pré-escolar e escolar , que tem mais a ver assim com tu montar o plano de aula e bota em prática esse plano de aula, pré escolar , talvez uma prática de ensino, mas eu fiz poucas acabei pegando práticas de ensino assim numas cadeiras, de esgrima, meio fora, não que seja impossível, mas é meio fora da prática aqui da escola, então acho que contribuiu pouco pra mim, e eu também de repente, , falto um pouco de discernimento de tu procurar, fazer cadeiras, porque na verdade quando eu fiz o curso eu não tava ainda focada em que eu iria trabalhar, então hoje em dia seria bem diferente a minha escolha (Prof.ª CARLA, 06/10/2008).

52

A partir desses relatos, conjuntamente com o diálogo feito com os professores, em

meio as aulas, no caso do Prof. Sílvio, podemos mapear o viés dado ao esporte pelo processo

de formação enquanto um conteúdo prioritário. Se nos detivermos no currículo da licenciatura

da ESEF/UFRGS hoje, podemos evidenciar esse viés prioritário, em que as disciplinas, tidas

como as práticas do currículo são distribuídas em forma de modalidades esportivas, e

ministradas em grande parte por profissionais formados ligados às modalidades esportivas.

Isso pode ser chamado de esportivização do currículo, e tem reflexos diretos na prática

pedagógica dos futuros professores.

A afirmação da educação física enquanto disciplina curricular dentro da escola também

é motivo de questionamentos e tensionamentos. O objetivo implícito da disciplina como eixo

direcionador tem diversos efeitos. Por mais que a Prof.ª Carla diga que

o importante é eles [crianças] saberem que a Educação Física é como qualquer outra disciplina em termos de trabalho em conjunto, eles não tem matemática separados, então tem que deixar isso claro eles são uma turma e vão aprender juntos aprender a respeitar as diferenças entre eles com respeito (06/10/2008) [grifo meu],

quando se refere à divisão de gênero na turma, mas enfatizando que é uma disciplina como as

outras, o trato dado a ela não condiz com essa afirmação. Mapeamos isso, e percebemos os

reflexos na prática pedagógica principalmente em diversos momentos, seja nas observações

das aulas ou nas próprias entrevistas. Quando a aula de educação física do dia 2 de Setembro

de 2008, segundo o Diário de Campo, foi interrompida, independente da atividade que estava

acontecendo, para que outras séries ensaiassem o Hino Nacional no pátio por alguns minutos .

O relato da Prof.ª Roberta vai nesse sentido também, em que a mesma diz que quando os

alunos estão com notas baixas,

não tem a educação física, o que é ruim pra nós professores cortar o aluno da educação física, mas a gente sabe que aquilo ali é pra ajudar, neh então o aluno ama educação física mas ta com vermelho em todas matérias então, prof vai la da um jeito de cortar a educação física ou até chamar os pais, os pais autorizam a eles pra eles poderem melhorar neh [...] (07/10/2008).

E indo mais além nessa questão ela traz que,

uma vez que outra, um prof de história ou matemática por exemplo e diz ah, essa turma não ta muito legal na matéria, tão bagunceiros, não tão se comportando, então eu acho que hoje se tu não te importar eu vou ficar no teu período com eles continuar trabalhando a matéria, por que eles não tão se comportando, não tão querendo estudar, ai eu acho certo o professor vir falar comigo neh falar na frente deles e eles saberem que eles não tão se comportando por isso que eles não ter aquele período de educação física (06/10/2008).

53

A professora deixa claro que isso não pode acontecer sempre, pois ela também tem um

currículo para seguir. Tratando especificamente da importância que o esporte tem na educação

física, dentro da escola, apareceu na entrevista da Prof.ª Carla o relato de um fato que a deixou

profundamente chateada, em que, para a equipe da escola treinar, ela foi obrigada a se retirar

da quadra onde estava lecionando sua aula:

um outro porém que pra acontecer esses esportes [relacionando as equipes da escola] o espaço de Educação Física escolar é usado, e as vezes a gente fica até sem o espaço, pois tem que ceder o espaço pro pessoal que tem que treinar, já aconteceu de me tirarem da quadra, que eu tava dando aula, com a minha turma, sai porque tem que treinar, daí fica eu, andando para um lado e pro outro tentando achar um espaço, então, pra mim interfere na Educação Física escolar, de uma maneira negativa (06/10/2008) [grifo meus].

Uma das possíveis justificativas para essa questão, acreditamos ser a falta de

entendimento, muitas vezes dos professores e da comunidade escolar, do objeto de estudo da

educação física, fruto como podemos perceber no aporte teórico feito nesse trabalho das

inúmeras tendências e abordagens que existem hoje na educação física brasileira,

conjuntamente da intensa abordagem relacionada ao esporte também, que acaba sendo tratado

como algo natural, sem uma devida reflexão que venha a problematizar realmente os

interesses colocados e objetivados na sua disseminação. Isso partindo da formação inicial,

acaba por se reproduzir, surtindo efeitos na pratica pedagógica, como podemos também ver,

além desses exemplo citado anteriormente, com o exemplo citado da retirada de um dos

períodos da educação física para criar outra disciplina no IEE Paulo da Gama. A defesa da

pluralidade nas discussões em relação ao esporte, feita por Gaya (2000) pode ser transposta

para a educação física, pois na defesa dessa tese, ele se remete a abordagens feitas à educação

física, que contribuem no nosso entendimento para o que vinha sendo relatado. Assim temos

acordo com Castelani Filho, quando trata dos que defendem o “pensamento plural, buscam-se

construir práticas consensuais desde que essa pluralidade não macule a ordem estabelecida e o

consenso seja obtido em torno do pensamento dominante, comprometido com a manutenção

do status quo” (2002, p.77).

54

3.2 Esporte como conteúdo hegemônico da escola

A afirmação do esporte como conteúdo hegemônico nas aulas de educação física em

escolas tem sido característica em diversos espaços de discussões, em congressos, seminários,

encontros, aulas de faculdades, grupos de pesquisas, entre outros. Alguns autores também já

fizeram a mesma afirmação, tais como Castellani Filho (2007), Assis de Oliveira (2005),

Bracht (1992, 2000 e 2005), Betti (1991).

No trabalho de campo evidenciaram-se essas afirmações, que auxiliam no

entendimento dos interesses do esporte como um consenso dentro das aulas de educação

física, como afirmou um dos nossos colaboradores “o nosso meio de trabalho, a nossa grande

ferramenta” (SILVIO 03/10/2008), podemos perceber também, a partir do Plano de Trabalho

(2008) dos professores, que fica explícita a importância remetida ao esporte. A divisão do ano

escolar é feita em trimestres, e a cada trimestre é trabalhada uma modalidade esportiva.

Analisando atentamente o Plano de Trabalho (2008), no desenvolvimento do programa,

relacionado aos conhecimentos, dez pontos são elencados sendo que um relacionado a jogos,

um a ginástica, um a recreação e atividades rítmicas, um a organização de gincanas e torneios,

um de trabalho de lateralidade e motricidade fina e cinco pontos dizem respeito a esporte,

respectivamente a voleibol, futsal, basquetebol, handebol e atletismo. As entrevistas

confirmam também que todos os professores afirmaram ser o esporte o conteúdo trabalhado:

normalmente no inicio do ano os professores se reúnem e fazem uma planejamento anual da sua área de trabalho, educação física, geografia, matemática enfim todos professores, fazem planejamento anual no inicio do ano, e ali então, a partir dali cada um com seu conhecimento com a sua, objetivo neh, vai então planejar, normalmente em termos de trimestres se trabalha, pelo menos nas escolas que eu trabalho, então se faz atividades a partir das condições estruturais que se tem e dos objetivos, então se faz esse planejamento trimestral a partir do anual, que é variável, é a partir da estrutura que se tem normalmente uma quadra e do material também neh de trabalho, bola, bastões e colchonetes, então se faz a partir disso se faz o objetivo, o planejamento, que é basicamente trabalhar com esporte, vôlei, futsal, basket neh, eu normalmente o que eu tenho trabalhado é o que se tem condições, estruturas aqui pra se trabalhar, então basicamente o que eu tenho feito é um traballho de iniciação não é de competição, de grandes jogos, basicamente futsal e vôlei (Prof. SÍLVIO, 09/10/2008).

[...]bom a gente geralmente faz um planejamento anual, no inicio do ano uma reunião com todos professores, pelas disciplinas, desculpa, pelas séries, e, como eu sou coordenadora, geralmente a gente vai trocando alguma coisa por ano, esse ano a gente mudo muito pouca coisa do ano passado, eu tento seguir aquele plano, mas as vezes foge um pouco[...] basicamente é vôlei, futsal,handebol e basket (Prof.ª AMÁLIA, 08/10/2008)

[...]claro que a gente sabe que o futebol é uma coisa que a gente não consegue se

55

desligar nunca, eles jogam sempre, ou as atividades livres que gostam mais de jogar, tem escola, eu já passei por outras escolas, que tem escolas que tu encontra que os alunos só jogam futebol, e as gurias só handebol, vôlei nem pensar, ai tu vai em outra escola, ah as meninas é vôlei, e os guris futebol, futebol tem sempre, e aquelas outras modalidades ficam assim com deficiência, então por mais que, aqui no Paulo da Gama, é quando eu entrei, aqui era o futebol e o vôlei, o handebol as gurias, os guris nem sabiam, então eu procuro trabalhar com as modalidades, eu procuro distribuir no trimestre, essas modalidades e eles saberem, que eles estão sendo avaliados naquilo ali, independente deles jogarem futebol, né, independente disso, claro vai ter um momento que o futebol vai ser trabalhado mais detalhadamente, mas independente de eles estarem jogando quase que todo ano praticamente, eles jogam futebol eles sabem que vão ser avaliados no handebol, vão ser avaliados no vôlei, no basket (Prof.ª ROBERTA 06/10/2008).

[...]é agora to trabalhando, eu dividi o ano, com a 524 em 3 esportes, não que eu me foque só nos esportes, mas é, to tentando ensinar pra eles alguns fundamentos , algumas regras assim, nada muito especifico, mas a regra básica pra na aula de Educação Física aprenderem a joga, tanto que tem regras que eu nem tenho conhecimento,[...] que não seja também só jogo, mas eu tento deixar o final da aula, o ultimo período, pra fazer um desporto, esse trimestre a gente dividiu, pra trabalhar no primeiro trimestre voleibol, no segundo trimestre futsal e agora nesse ultimo trimestre eu to trabalhando o handebol, então são essas modalidades que eles preferiram e eu tenho um pouco mais de conhecimento (Prof.ª CARLA, 06/10/2008).

O consenso em relação ao esporte enquanto prioridade já acontece na academia,

quando o futuro professor buscará se apropriar dos conhecimentos construídos pelo homem e

se defronta com currículos que privilegiam o esporte como conteúdo. Nas entrevistas os

colaboradores deixam claro que os conteúdos principais trabalhados no processo de formação

inicial eram modalidades esportivas, em que os mesmos afirmam que um dos pontos positivos

da formação acadêmica foi a aproximação a modalidades esportivas que eles não tinham

conhecimento.

Novamente ressaltamos que o esporte não tem autonomia, e se há uma busca desse

consenso, dessa direção em relação a hegemonia enquanto conteúdo, isso tem motivos e

interesses. Ao tornar-se conteúdo hegemônico, ele influencia a educação física, se sobrepondo

a ela, como afirma Bracht: “o esporte se impõe à educação física, ou seja instrumentaliza a

educação física para o atingimento de objetivos que são definidos e próprios do sistema

esportivo” (2000, p.XV). A construção dessa hegemonia frente à educação física foi feita,

segundo Assis de Oliveira (2005), após a 2º Guerra Mundial, em que o esporte se afirma como

elemento hegemônico da cultural corporal. Bracht ao tratar desse ponto diz que,

ao analisarmos através da literatura especifica a forma cultural do movimento corporal que tem sido objeto da educação física no Brasil, veremos que inicialmente havia o predomínio do exercício ginástico – principalmente de orientação militarista

56

– que a partir de então cede lugar progressivamente ao movimento de forma cultural do esporte. É lógico que outras expressões da cultura corporal ou de movimento, estiveram/estão presentes ou são tematizadas na educação física, como a dança os jogos e brincadeiras populares. Parece-me no entanto que estas expressões constituem a minoria, e que podemos falar da ginástica e posteriormente do esporte como atividades, nos respectivos momentos históricos, que se apresentam como hegemônicos da educação física (1992, p.17).

Para Freitas (1991) a educação física e os esportes desempenharam a função, durante o

período da ditadura militar, de cansar os indivíduos e tirá-los do foco de discussão política,

que poderia vir a comprometer a ordem vigente. Para Cavalcanti (1984) o esporte desempenha

a função de

ocupar esse espaço cognitivo, afastando as pessoas das preocupações reais para engajá-las em pseudo-atividades sérias. Considerando uma droga, o esporte não enfraquece o individuo como as outras drogas, mas tem a mesma função: fuga e evasão das contingências sociais (1984, p.54).

Trazendo a discussão para os dias atuais, em que não vivemos tempos de coerção

estatal21 tão intensa como a ditadura militar, percebemos que o esporte continua sendo

utilizado pelo Estado e pela classe dominante para manutenção do status quo.

Podemos citar, como exemplo, a Copa do Mundo de Futebol de 1994, enquanto o

mundo delirava com o futebol dos jogadores Romário e Bebeto pela seleção brasileira,

Roberto Baggio e Maldini pela seleção italiana, Batistuta e Maradona pela seleção argentina,

Mathaus e Klinsmann pela seleção alemã, Ruanda ardia em meio a uma guerra civil, em que

mais de 800.000 pessoas foram assassinadas, ficando conhecido como o Genocídio de

Ruanda. Isso não significa dizer que é culpa do esporte, mas a população mundial estava

entretida com o futebol naquele momento, e pouco espaço a mídia deu para esses fatos, no

sentido de garantir uma intervenção que pudesse minimizar os efeitos dessa guerra.

A mídia desempenha um papel central na difusão do esporte. Partindo da premissa,

segundo Cavalcanti (1984 p. 55) de que “o esporte é concebido como um meio neutro de

diálogo entre as classes” em que ele “minimiza as barreiras sociais, temporariamente, por

ocasião dos encontros esportivos”, aqui poderíamos tratar também dos jogos de futebol das

ligas ou campeonatos internos e externos dos países22 em que, no estádio, todos são iguais e

estão por um mesmo objetivo. Freitas (1991 p.112) ao discorrer sobre a mídia, a intitula como

um dos “demônios burgueses, que busca, a priori, fazer nascer uma nova necessidade nos 21 Se analisarmos a forma como a Brigada Militar tratou as últimas manifestações, poderemos ver que a coerção estatal, no estado do RS, remetido aos Movimentos Sociais de luta da classe trabalhadora vem se acentuando.22 A exemplo do campeonato brasileiro.

57

indivíduos”.

Ao revisitar o debate acerca de Esporte na escola e Esporte de rendimento, Taffarel diz

que:

O esporte, enquanto conteúdo cultural, socialmente produzido e historicamente acumulado, apropriado pelo estado burguês, pela mídia privatizada, pela indústria cultural de massas, pela escola capitalista, vem sim, servindo para sustentar um sistema violento de destruição das forças produtivas (2008, p.3).

Em todas as observações das aulas, sendo na quadra ou em sala, o esporte foi tratado

quase que na totalidade do tempo, ficando evidenciado a prática de vôlei e futsal, mais

precisamente nas aulas livres, isso pode ser remetido ao planejamento trimestral, mas como os

professores mesmo relataram, quando a aula era livre, o futsal e o vôlei ganhavam proporções

maiores em relação a outros esportes. Durante as observações o Prof. Sílvio levou raquetes e

bolinhas para jogar com as crianças algo próximo ao tênis, porém, como tinha apenas duas

raquetes e três bolinhas, sendo uma perdida com dez minutos de atividade, ficou limitado o

desenvolvimento da prática para um conjunto menor de crianças (DIÁRIO DE CAMPO

25/09/2008). Em relação à Prof.ª Carla, ela buscou trabalhar mais recreação, partindo sempre

de uma parte mais ampla, afunilando até chegar ao esporte, que no caso era o futsal e, em

relação a ela, de forma efetiva para guris e gurias.

A estrutura da escola também contribui nesse sentido. Se atentarmos a análise da

estrutura propiciada, veremos que essa vem reforçar o esporte enquanto conteúdo prioritário.

Os únicos materiais que fogem a uma lógica esportiva seriam os colchonetes, os saquinhos de

areia, os cones, os arcos e os bastões. Os demais estão alinhados ao esporte: bolas de várias

modalidades, quadras poliesportivas, redes de vôlei, entre outros. Isso não significa que seja

condicionante, mas vem a contribuir.

A constatação do esporte como conteúdo único se aproxima da formulação de Gaya

(2000) na defesa da disciplina de esporte escolar também, sem descartar a educação física. O

que estamos acompanhando é que este processo já está acontecendo, e a educação física, na

sua totalidade, sendo amputada da gama de conhecimentos construídos historicamente.

Assim, o esporte acaba por sufocar as demais manifestações da cultura corporal,

tornando-se dessa forma hegemônico frente à demais práticas corporais. As crianças deixam

de se aproximar, de tomar conhecimento, de se apropriar, das manifestações da cultura

corporal pra além do esporte, tais como a dança, as lutas, os jogos, entre outros.

58

A constatação do direcionamento ideológico e cultural dado ao esporte o coloca na

sociedade civil, descrita por Gramsci23, mais precisamente na discussão que estamos fazendo

aqui relacionada à escola, que também está inserida nesses aparatos ideológicos e culturais do

Estado como um todo. Assim, busca inculcar nas consciências dos sujeitos a ideologia

dominante, através desses dois canais, o esporte e a escola, construindo a “própria influência

ideal, a própria capacidade de plasmar as consciências de toda a coletividade, a própria

hegemonia” (GRUPPI, 2000 p.68).

Ao analisar a conjuntura relacionada ao esporte, Taffarel apoiando-se em Mészáros

(2005), identifica que “se intensificam as práticas esportivas e os processos de construção da

subjetividade humana e da internalização de valores adequadas à manutenção do modo

hegemônico do capital organizar a vida” (2008, p.4) Porém essa dominação ideológica entra

em contradição, a partir da realidade delas com a concepção de mundo que elas estão sendo

educadas (GRUPPI, 2000 p.68).

3.3 A lógica do esporte de rendimento presente na escola

Concordando com a perspectiva de Bracht acerca do esporte de rendimento, em que

“traz na sua estrutura interna, os mesmos elementos que estruturam também as relações

sociais de nossa sociedade: forte orientação no rendimento e na competição, seletividade via

concorrência, igualdade formal perante leis ou regras etc.” (2000, p.XV) e avançando nesses

elementos apresentando outros como: produtividade, busca pela vitória, da individualização

dos participantes, o regramento e a padronização, da especialização das atividades através de

um sistema de exercício pautados na repetição como forma de aprendizagem, como uma

mercadoria ditada pelas regras do mercado, da exacerbação da técnica. Sendo assim, os

apontamentos que trouxemos aqui, obviamente não são condicionados única e exclusivamente

à difusão e reprodução do esporte de rendimento no âmbito escolar. Se tivesse, a mudança

emergencial do esporte de rendimento na escola, mudaria as relações pelas quais as crianças se

submetem também. Da mesma maneira que a escola não é uma ilha isolada, o esporte também

não o é, reforçando a constatação de que ele não tem autonomia e é condicionado pelas

relações sociais, já desenvolvidas anteriormente nesse trabalho. Essas relações se reproduzem

para além das aulas de educação física, seja nas suas casas, famílias, outras aulas, na escola,

23 Discutida no capítulo 1.

59

vizinhança, entre outros espaços que as crianças freqüentam ou possam vir a freqüentar.

Porém, na escola, ao adentrar as aulas de educação física, o esporte

é de tal magnitude que temos, não o esporte da escola, mas sim o esporte na escola. Isso indica a subordinação da educação física aos códigos/sentidos da instituição esportiva, caracterizando-se o esporte na escola como um prolongamento da instituição esportiva: esporte olímpico, sistema desportivo nacional e internacional. Esses códigos podem ser resumidos em: princípios de rendimento atlético/desportivo, competição, comparação de rendimento e recordes, regulamentação rígida, sucesso no esporte como sinônimo de vitória, racionalização de meios e técnicas etc. (COLETIVO DE AUTORES, 2005 p.12).

Dessa forma a educação que a prática esportiva dentro do contexto escolar evidencia

também é alvo de debate e, como já dito, é justificativa para a inserção do esporte enquanto

conteúdo escolar na educação física. Na mesma linha, Bracht (1986, p.64) traça a discussão

acerca da educação pelo esporte alertando que “precisamos entender que as atitudes, normas e

valores que o indivíduo assume através do processo de socialização no esporte, estão

relacionados com o sistema de significados e valores mais amplos, que se estendem para além

da situação imediata do esporte”. O que este autor procura esclarecer nesse ponto é que o

esporte na escola vem desempenhando um papel íntimo com o sistema esportivo. Dessa

forma, percebemos o papel que a escola desempenha para o cenário esportivo, em que assume

a base da pirâmide esportiva, sendo nela o “local onde o talento esportivo vai ser descoberto, e

o esporte na escola o braço prolongado da própria instituição esportiva” (BRACHT, 1992). Ao

afirmar isso não significa dizer que essa relação do esporte de rendimento com o contexto

escolar acontece somente quando é visível a relação com a competição, entre escolas ou entre

turmas, a partir de campeonatos ou torneios, ou que os clubes tenham que estar dentro das

escolas para essas relações serem estabelecidas. Elas acontecem no cotidiano escolar, nas

aulas de educação física, nos simples jogos de quaisquer esportes e atividades que não sejam

práticas esportivas, seja de forma explícita, objetivada e direcionada, ou de maneira implícita,

sem que numa primeira análise possa ser percebido.

Durante as observações, nos remetendo ao Diário de Campo, constatamos que diversas

foram as vezes que presenciamos crianças do lado de fora, que não participavam da atividade,

ou participavam somente das atividades mais gerais, mas quando chegava a parte final24 da

aula que seria o jogo, elas ficavam de lado. Mais precisamente no caso do futsal, praticado

24 O final aqui pode ser questionado, pois como já apontamos, dois colaboradores optavam na maioria das vezes por dividir a turma e deixar como atividade livre um grupo, e outro colaborador deixava a turma mais solta na maioria das vezes.

60

pelos guris, em três das quatro turmas observadas, em que o jogo era mais solto, sem a

intervenção efetiva dos professores,

[..] o futsal é direcionado pelos melhores, pois pelo que percebemos (nas aulas observadas) os mesmos sempre começam jogando. Ser o próximo a jogar consistia em 2 dos 6 que estavam fora, entrar em algum dos 2 times que já estavam jogando (DIÁRIO DE CAMPO).

Percebemos que por ser o melhor ou um dos melhores no jogo, garantia a permanência

na quadra, dentro das regras estabelecidas pelos alunos de que o time ficava na quadra por

mais rodadas enquanto estivesse vencendo, por mais que alguns teriam que esperar duas ou

três rodadas para entrar em algum dos times, e daí entrar quadra. Outro caso também relatado

no Diário de Campo, foi quando a Prof.ª Amália estava tratando, em sala de aula, de algumas

considerações de regras sobre handebol e o torneio interno da escola, e os levou ao pátio, já

com apenas meio período para a prática esportiva. Dividiram os times os guris e iniciaram o

jogo de futsal. Alguns fora da quadra esperando para jogar, e quando chegou o momento de

entrarem dois dos quatro alunos que aguardavam, surge um aluno de outra turma, que havia

saído da sua sala para ir ao banheiro, e passando pela quadra avistou alguns ex-colegas,

segundo pude perceber, e se aproximou da quadra, e em meio a organização da próxima

partida, ele entrou num dos times, para jogar rapidinho, como o mesmo disse. O motivo da

entrada dele na quadra, que ficou constatada a partir do início do jogo, era que a habilidade

dele se sobressaia em relação aos outros. Ele jogou alguns minutos e acabou o período, sendo

que alguns nem tiveram a oportunidade de participar da partida. A professora não se

encontrava no espaço, atendendo as alunas que jogavam vôlei em outra quadra (24/08/2008).

O fator condicionante desses tratamentos era ditado pela busca da vitória, dos que

estavam jogando, a qualquer custo, por mais que alguns jogavam muito menos do que outros,

ou que não jogavam em momento algum. Esses por sua vez se inseriam no jogo das gurias,

que era o vôlei, buscando assim um mínimo de espaço. As gurias que não jogavam, pois isso

se reproduzia também no jogo delas também, ficavam de fora de vez, pois não seria no espaço

masculino que elas buscariam uma inserção, tendo em vista as relações existentes entre eles.

Ora, entendendo que tendo a vitória, como elemento central da atividade, essas relações são

entendidas como necessárias para o processo.

Outro fator importante também observado, tanto no futsal quanto no vôlei, é o

individualismo exacerbado que acontece por parte das crianças. Querer vencer, querer mostrar

61

eficiência, querer ser o ou a melhor na atividade, consistia em centralizar em si as funções

mais expressivas – dentro dessa lógica do esporte de rendimento em que o resultado é

maximizado – sendo essas designadas como o ataque em ambos os esportes, a cortada ou a

passada da bola para outra quadra, que poderia vir a gerar o ponto no vôlei e o gol no futsal. A

disputa por essa colocação dentro da quadra sempre envolvia os mais habilidosos, ninguém

disputava quem seria o goleiro, ou como escrevemos no Diário de Campo, o goleiro era

sempre o menos habilidoso, e o menor da turma (04/09/2008). Essa busca exacerbada pela

performance direcionada pelo rendimento é discutida por Taffarel:

Em uma concepção elitista da educação física, somente os considerados mais capazes ou mais dotados é que teriam oportunidade de demonstrar seus talentos, treinar suas habilidades e capacidades e assim demonstrar serem os mais velozes, mais altos e mais fortes. Os menos capazes seriam relegados a um segundo plano, como se não lhe fosse dado o direito de valerem-se dos benefícios da educação física (1985, p.12).

Isso auxilia também na compreensão de outro apontamento, o fato de que estar na

quadra, a inserção no jogo, não garante a plena participação no mesmo. Observando

atentamente os jogos, ficava claro os que tinham mais dificuldades com o futsal, eram

renegados a ficar atrás, na marcação ou defesa, participando do processo de tentar retirar a

bola do adversário, evitando que ele fizesse gol. Sendo essa uma tarefa que pode ser feita com

pouca habilidade dentro de um jogo, o simples atrapalhar, ou se colocar a frente já contribui

para a desestabilização da jogada. Isso pode até ser entendido como uma participação plena do

jogo, mas analisando após o momento de defesa, que resulta ou não no gol, o momento de

atacar, ficava explícito que os menos habilidosos não participavam da troca de passes que

envolveria o outro time com objetivo de fazer gol. Nesse caso, a diferenciação técnica se

caracteriza como uma forma de discriminação. Oliveira questiona essa discriminação ao

discutir sobre

O fascínio pela superação, intrinsecamente, não é um fato bom nem mau. Levado a extremos, cria sérias deformações. Nas escolas, a busca de campeões conduz a especialização prematura, inibindo o desenvolvimento do potencial psicomotor das crianças. Destas, passa a ser cobrada uma perfeição técnica na execução dos gestos esportivos. Os alunos passam a ser encarados como futuros atletas e não, simplesmente, como pessoa. As influências tecnicistas fazem com que a atividade do jogo esteja sistematicamente voltada para o desempenho e para os resultados de alto nível. Nesse caso, os menos habilidosos, que seriam os maiores beneficiários do esporte, são marginalizados e preteridos em benefício dos talentos. A educação física pode permitir essa discriminação? (1993, p.77).

62

No vôlei também aconteciam casos como esses relatados. Por mais que houvesse uma

intervenção constante dos professores Sílvio e Roberta durante o jogo de vôlei, mais no

sentido de garantir uma movimentação dentro da quadra, inserção de um gesto, arbitragem do

jogo, apresentação de regras, havia dificuldades no desenvolvimento desse jogo, pois as

crianças não tinham domínio mínimo para desenvolver a prática. Elas sempre queriam jogar,

mas não sabiam jogar, acabando o jogo de vôlei virando um ping-pong em que a bola ia de um

campo ao outro, a partir de um toque somente, não acontecendo um mínimo de

desenvolvimento da prática através de troca de passes. A inserção de uma prática esportiva

que requer elementos táticos e técnicos como o vôlei sem um desenvolvimento mínimo que

garanta o jogo acaba tornando a prática maçante e desprazerosa. Isso não significa centrarmos

esforços somente no desenvolvimento de habilidades. Dessa forma as que detinham um

mínimo de controle do jogo eram que conseguiam fazer com que a bola passasse para o outro

lado, as demais permaneciam em quadra e participavam minimamente quando a bola vinha na

sua direção.

Essa segregação também tinha reflexos na divisão por gênero nas aulas de educação

física. Nas observações das aulas, à exceção das aulas da Prof.ª Carla, que buscava

desenvolvê-las conjuntamente entre guris e gurias, apesar de não ser regra, nas demais, ficou

evidenciada a divisão de gênero. Em se tratando de aula livre, era algo dado, presente na

totalidade – guris no futsal, e gurias no vôlei. Já com a intervenção mais efetiva dos

professores, como já relatamos devido ao número de alunos, a divisão de gênero também

acontecia. Para o Prof. Sílvio, quando chegava a parte de desporto da aula os guris se

envolviam com o futsal e as gurias ficavam no vôlei, em que ele destinava sua intervenção

pedagógica. A Prof.ª Roberta realizava uma divisão por gênero na prática esportiva, que

segundo ela também não era algo constante e irreversível, porém a intervenção pedagógica

dela se destinava a um segmento por dia ou por período25, enquanto o outro poderia escolher a

atividade que queria praticar. Com a Prof.ª Amália, a divisão acontecia em grande parte das

aulas também, mas não era engessada a modalidade para cada segmento. Ao discorrer sobre

essas questões, os professores mostraram opiniões diferentes:

[...]a gente tenta trabalhar a maioria das vezes juntos, mas não é sempre tem alguns momentos que eu separo a turma, deixo os meninos jogarem entre eles, as meninas jogarem entre elas, mas o importante é eles saberem que a Educação Física é como qualquer outra disciplina em termos de trabalho em conjunto, eles não tem

25 Dependendo da aula.

63

matemática separados, então tem que deixar isso claro eles são uma turma e vão aprender juntos, aprender a respeitar as diferenças entre eles com respeito os meninos tem que entender que as meninas são mais frágeis, que tem outros órgãos então podem se machucar com uma bolada , e eles tem que respeitar essas diferenças e tentar trabalhar juntos (Prof.ª CARLA, 06/10/2008).

[...] separo as gurias dos guris, não por nada assim até pra trabalhar melhor, até pra que eles entendam melhor neh, então procuro fazer isso, já que tem dois períodos, eu separo, trabalho uma coisa, trabalho outra sabe, pra naquele momento ali eles estão sendo avaliados e tal, então eles foram seguindo essa minha linha de trabalho, não que num dia qualquer eu não possa dar uma aula inteira com eles todos, não tem problema, se eu disser ó, hoje toda a turma tal esporte eu sei que eles vão la e vão fazer (Prof.ª ROBERTA, 06/10/2008).

Essa divisão de gênero acarretava outras questões pra além do relatado pela Prof.ª

Carla na sua intervenção, superando a questão da discriminação, respeitando as diferenças

entre eles, tem intervenções relacionadas a questões pra além da aula ou do momento dela.

Analisando a divisão de espaços tanto para guris, quanto para gurias, quando as aulas eram em

volta da “gaiola”, que era o melhor espaço para a prática da educação física, com telas ao

redor da quadra, e o piso dela mais adequado em relação aos outros espaços, ficava nítida a

supremacia dos guris sobre as gurias. Quando a aula era livre, elas ficavam do lado de fora, no

“areião”, jogando vôlei e os guris na quadra jogando futsal, desfrutando do melhor espaço.

Essa relação não acontecia devido às condições, no caso de só poder praticar o futsal dentro da

quadra; pelo contrário, tanto futsal como vôlei poderiam ser praticados dentro ou fora da

quadra. O que constatamos é que as relações de opressão do homem em relação a mulher se

fazem presentes também nas aulas de educação física, sendo potencializadas pela lógica do

rendimento, em que na busca por melhores resultados e performances, homens e mulheres não

ocupam os mesmos espaços, e mais ainda, os homens oprimem as mulheres. Em relação a essa

divisão, Engels diz que,

[...] a primeira divisão do trabalho é a que se fez entre o homem e a mulher para a procriação dos filhos. Hoje posso acrescentar: o primeiro antagonismo de classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre homem e a mulher na monogamia; e a primeira opressão de classes, com a opressão do sexo feminino pelo masculino (s/d p.67).

Em um dos relatos descrito no Diário de Campo, fica visível essa questão quando, após

o sorteio dos espaços para realização da aula, entre guris e gurias, realizado pelo Prof.ª

Amália, em que as gurias ganharam na sorte o direito de usufruir, naquela aula, do espaço

físico da “gaiola”, e os guris ficaram remetidos à utilização das outras quadras, pois como não

64

estavam sendo utilizadas por outra turma de educação física, elas puderam ser apropriadas

para a aula, não necessitando fazer a aula no “areião”. Na oportunidade, os guris, não

aceitando a derrota ocasionada pela sorte, correram na frente das gurias, entraram e ocuparam

a quadra da “gaiola”, inciando o jogo, gerando um conflito com as gurias, que reivindicavam a

utilização da quadra. No processo de negociação mediado pela Prof.ª Amália, foi cogitada e

defendida por algumas gurias a propostas delas cederem o espaço para o guris, porém algumas

não aceitaram, dando continuidade a discussão, e até o momento em que a Prof.ª Amália,

percebendo que a negociação estava atingindo seus limites, resolveu encerrar a aula no pátio e

levá-los de volta para a sala. Nesse momento, os guris cederam nas suas proposições e se

encaminharam para as outras quadras (24/09/2008).

A intimidação das gurias por parte dos guris, principalmente através da força, também

reforça a questão da opressão implícita na divisão de gênero. Quando as gurias buscavam

participar do jogo de futsal, em que as professores não acompanhavam efetivamente, era

através de chutes fortes, de chegada firmes, da não participação feminina das jogadas, somado

a exacerbação de jogadas individuais, no sentido de mostrar a superioridade técnica, que

caracterizavam esse jogo. Na aula do Prof. Silvio, havia uma aluna que tinha preferência em

jogar futsal em relação ao vôlei, nesse sentido ela buscava espaço em meio aos guris, para

satisfazer sua vontade de jogar futsal. O que acontecia é que, por mais que ela demonstrasse

uma habilidade considerável, ela era remetida a se enquadrar na lógica posta no jogo, esperar

a derrota de um time, daí trocava dois ou três indivíduos no time derrotado, e após algumas

rodadas ela se inseria no jogo.

Percebemos também a violência gerada no jogo. Ela se materializava ou em jogadas

violentas, gestos violentos, palavras violentas, ou através de promessas de violência, tanto de

guris com guris, como de gurias com gurias e guris com gurias. A Prof.ª Carla, ao dizer que os

esporte é às vezes muito traiçoeiro, traz à tona essas questões, dizendo que já trabalhou com

turmas que ao final da atividade, “só faltavam terminar o jogo e partir para a violência, e se

pegar mesmo, porque não tem essa coisa de brincadeira para alguns alunos” (06/10/2008). A

violência é algo presente no cotidiano da comunidade como já relatamos; porém, há um

reforço dessa tendência, quando colocamos a vitória ou a derrota em jogo, sendo que ao final

alguns sairão de cabeça erguida, e outros sendo zoados pelos colegas. É nesse sentido que ela

buscava direcionar suas aulas, para um lado mais da cooperação, como sempre ressaltava, de

respeito entre os colegas. As aulas da Prof.ª Carla eram as que mais tentavam distanciamento

65

da lógica do rendimento. As atividades e as conversas com as crianças buscavam

problematizar as questões levantadas anteriormente, que permeiam a lógica do rendimento e

seus efeitos. A defesa da Prof.ª Carla é que a intervenção do professor deve ser constante, que

é a condução das aulas que pode garantir que essa lógica atue no sentido da discriminação, do

desrespeito, para não ser o “esporte pelo esporte” (06/10/2008).

3.4 Jogos escolares: o desfile da pobreza

O termo desfile da pobreza provém da entrevista do Prof. Sílvio (09/10/2008),

referindo-se aos jogos escolares. Mais especificamente estava se referindo aos Jogos Escolares

do Rio Grande do Sul (JERGS) e ao Guri Bom de Bola. Nessa categoria do trabalho,

desenvolveremos acerca dos jogos escolares, nos detendo nesses dois citados acima, que são

jogos externos que o IEE Paulo da Gama participa, e o torneio interno da escola.

Iniciando pelo JERGS, buscando fazer uma síntese breve do que são esses jogos, a

partir do Regulamento Geral JERGS (2008), podemos ter uma noção geral. Esses jogos são

promovidos pela Secretaria da Educação, através da Coordenação de Educação Física, Esporte

e Lazer do Departamento Pedagógico, executados pelas Coordenadorias Regionais de

Educação, com o apoio das Prefeituras Municipais e da comunidade gaúcha escolar

envolvendo as escolas públicas municipais, estaduais e federais. Dentre seus propósitos

justificadores para a realização desses jogos, segundo o documento, a finalidade é estimular a

prática esportiva em todas escolas públicas do Estado. A justificativa principal, contida no

artigo IV do regulamento é a seguinte:

Justifica-se a execução dos JERGS, porque, através deles, estaremos proporcionando aos alunos da rede pública escolar a prática do desporto educacional e, com esta prática, reforçamos a sua cidadania, direcionando-os à construção de um mundo melhor, livres de qualquer tipo de discriminação e dentro do espírito de compreensão mútua, fraternidade, solidariedade e cultura da paz. Através dos JERGS e o meio de representação que é o desporto, pretende-se levar todos os participantes a construir seus valores, seus conceitos, aprenderem a respeitar a si mesmo e ao outro e, principalmente, a vivenciarem realidades diferentes daquelas de seu cotidiano (JERGS, 2008).

Após a justificativa geral, elenca os objetivos dos JERGS:

I - Fomentar a prática do desporto educacional, contextualizando-o como meio de educação; II - Estimular a iniciação e a prática esportiva entre os escolares, da rede

66

pública de ensino; III - Contribuir para o desenvolvimento integral do educando como ser social, estimulando o pleno exercício da cidadania, através do esporte; IV - Fomentar a ocupação do tempo do educando, tendo por fim o acesso a essa prática; V- Incentivar a integração entre a escola e a comunidade escolar, através das atividades esportivas, reforçando o espírito de grupo entre as escolas participantes (JERGS, 2008).

É desenvolvido em forma de três categorias por idade – mirim, infantil e juvenil – e

jogado nas seguintes modalidades: futsal, handebol, voleibol, basquetebol, atletismo, xadrez e

futebol, sempre masculino e feminino.

O segundo campeonato externo que a escola participa é o Guri Bom de Bola,

promovido pela Rede Brasil Sul de Televisão (RBS TV), sendo executado pelas Secretarias

Municipais de Educação, sendo destinado a escolas públicas e privadas. O artigo III do

Regulamento Geral do Guri Bom de Bola apresenta as finalidades do projeto:

Promover a continuidade do processo pedagógico vivenciado nas aulas de Educação Física; Desenvolver os princípios que norteiam o esporte educacional do Rio Grande do Sul: educação, integração, cooperação e participação; Situar a escola como centro esportivo e formativo da comunidade; Consolidar a parceria dos Governos Municipais com a iniciativa privada, em nível esportivo (Guri Bom de Bola, 2008).

É desenvolvido em categoria única para atletas, tanto masculinos quanto femininos,

tendo somente a modalidade de futebol a ser disputada.

O torneio interno é realizado na escola desde 2005, segundo a Prof.ª Amália,

idealizadora da proposta e responsável pela criação do mesmo. Ele é realizado todo ano na

semana de aniversário da escola. Comportava sempre quatro dias de atividades, porém nesse

ano será somente em três dias, tendo como modalidades o vôlei misto e o futsal masculino e

feminino. É dividido por turmas. Objetiva, segundo os relatos dos professores, atender a uma

gama maior de crianças, que não conseguiram ser selecionadas para os jogos fora da escola.

Esse tópico, em relação aos jogos escolares, apresentou bastante divergências por parte

dos colaboradores, mais precisamente relacionado aos jogos externos que a escola participa.

No diálogo com as professoras Amália e Roberta, elas se colocaram favoráveis aos jogos,

apontando pontos positivos que justificavam a participação nesse espaços. O Prof. Sílvio

relatou que já participou dos jogos, mas hoje tem uma idéia mais crítica em relação a eles e a

Prof.ª Carla teceu duras críticas aos jogos, optando por não participar dos jogos fora da escola.

As entrevistas nos auxiliam a visualizar as argumentações dos colaboradores:

67

Eu comecei trabalhando no JERGS, em 2003 aqui, e na época eu vou te ser bem sincera, eu entrei pro convite, e acabei levando equipes fora dos meus alunos pra ter a primeira experiência e gostei, eu gosto neh, de participar e eu acabo aprendendo muito com isso tanto que hoje eu virei técnica de futsal, virei técnica de futsal, pelo fator de ter que aprender pelos alunos, a necessidade de estudar o futsal, por eles, e acabei gostando, e na quando eu entrei na Educação Física, futsal era quase ultimo lugar pra mim sempre foi o vôlei, e agora eu não fico fora de nenhum torneio (Prof.ª AMÁLIA 08/10/208)

[...] acho isso importante o aluno não achar que neh, que é só aquilo ali dentro da escola, que ele pode ver coisas diferentes fora neh, conhecer novos, até novas modalidades esportivas neh, com esses campeonatos que tem, as vezes a gente trabalha algumas coisas, aqui na escola, que, em outros torneios, eles vêem que tem coisas diferentes, e eles tem vontade, e a gente procura por um lado aqui tentar fazer, como que eles participem, mesmo que seja alguma coisa que a gente não trabalhe aqui, a gente trabalha um pouquinho de cada coisa neh (Prof.ª ROBERTA 06/10/2008).

Eu já participei varias vezes com equipes das escolas que eu trabalhava praticamente todas as escolas que trabalhei, inscrevia e levava equipes equipes para participar de alguns desses jogos, hoje eu tenho uma idéia mais critica da participação de equipes das escolas nesses torneios eu vejo hoje que são estratégia de marketings de algumas empresas que buscam a participação das escolas, dos alunos nos jogos, simplesmente como um recurso de marketing de empresas, então hoje eu critico, não é o objetivo da escola fazer equipes pra competir, eu acho que o esporte escolar tem que ser formativo não competitivo (Prof. SÍLVIO 09/10/2008).

Como eu não participo, e por opção ,porque eu não me disponho a ta indo fim de semana, a ir ver a gurizada jogar, porque eu acho que, nesses jogos a gente daí tem a real certeza de que não é uma coisa saudável, não vejo o esporte competitivo como uma coisa boa, para se trabalhar na escola, porque sempre da confusão, os alunos tão num nível que eu não gosto de trabalhar com esse tipo de coisa, sempre da briga, sempre da confusão, sempre os professores saem das outras escolas assim meio que linchados, sendo ameaçados (Prof.ª CARLA 06/10/2008).

Esses argumentos explicam a divergência em relação à questão das competições fora

da escola. O argumento do conhecimento de novas modalidades é bastante pautado na defesa

da participação nesses espaços. A Prof.ª Roberta cita o exemplo da participação feminina na

categoria de futebol de campo, nos jogos Guri Bom de Bola, em que elas tiveram a

experiência da prática, tendo em vista que o IEE Paulo da Gama não conta com estrutura que

possa vir a proporcionar o desenvolvimento da modalidade de futebol de campo, salvo vezes

em que o BOE empresta o campo de futebol, mas segundo a própria professora, são raríssimas

as vezes. Para a Prof.ª Amália, esses campeonatos é que direcionam toda a sua atividade na

escola. Isso fica visível na entrevista, que em diversos momentos ela ressalta ser a professora

que treina e leva as crianças para os campeonatos. Dessa forma, a direção da escola, alicerçada

no Ofício Circular n.º 4 de 2008, da Coordenadoria de Educação Física, Esporte e Lazer,

68

respaldada pela Secretaria da Educação do Estado, que implanta a destinação de carga horária

para treinamento de equipes esportivas e grupos de danças para apresentações, destina três

horas da carga horária da Prof.ª Amália para que ela treine as equipes da escola para participar

do campeonatos fora, prioritariamente, segundo o oficio anteriormente citado, a participação

no JERGS. Segundo a própria Prof.ª Amália: “como eu tenho a necessidade de treinar os

alunos para jogos fora, a direção me passou carga horária só pra isso, então eu sou a única

professora do Paulo da Gama que tenho treinamento na carga horária, eu sou paga pra isso”.

Ressalta a importância de manter as duas coisas, educação física e treino, pois para ela, para

ter uma visão para fora, só a educação física não vai dar a base, sendo enfática ao dizer que

“sem isso tu não motiva, fica sempre naquela mesma aula, na mesmice da educação física”

(09/10/2008). O Prof. Sílvio, além das questões relacionadas as questões de marketing

apresenta os problemas sociais também como um ponto controverso desses campeonatos.

Segundo ele vê

ali que é um desfile de pobreza, as escolas do Estado normalmente com a gurizada com calção de cada cor, vai se cruzar com escolas particulares, é aquela diferença social que fica exposta ali visivelmente neh daí chegam lá os barbadões com 12 ou 13 anos bem nutridos, bem vestidos, e a gente lá com umas crianças subnutridas, sem uniforme, sem dinheiro para um lanche, eu não sei, com tudo isso ai, não sei não é válido não vejo muita validade nesses torneios e eventos (09/10/2008).

A Prof.ª Carla, ao considerar esses campeonatos como algo não saudável, diz que há

uma interferência negativa na educação física,

porque eu acho que pros alunos não acrescenta nada pois não há organização, não tem uma segurança pra eles, e aqui é na parte da educação física escolar atrapalha porque eles acabam tirando , os espaços pra educação física escolar desvia o enfoque da educação pelo esporte e os alunos acabam entendendo errado o valor do esporte e o que se pode aprender através da sua prática (06/10/2008).

Outro ponto que pode ser considerado é a demanda criada a partir da representação da

escola na pessoa da Prof.ª Amália frente a esses jogos externos. Durante as observações,

houve dois casos de ausência desta professora por estar envolvida em reuniões sobre o

JERGS, o que ela relata na entrevista ao tratar da falta de tempo para organização das

atividades: “como eu participo de jogos, as vezes acaba não tendo, tempo disponível pra fazer

tudo isso, então acabo improvisando alguma coisa mas tento acompanhar, agora por exemplo

já tava atrasado vôlei, eu tive que retomar o conteúdo de vôlei, com a 8.º” (08/10/2008).

A forma de escolha dos participantes também gera divergências entre as professoras. O

69

método utilizado pela Prof.ª Amália é o peneirão, em que ela abre o leque das modalidades

para a escola, segundo relatos através de cartazes espalhados pelos corredores, se constituindo

assim num espaço democrático. Porém o peneirão se detém no desempenho das crianças, o

que para a Prof.ª Roberta tem um efeito negativo, pois leva “os bom de bola, que não são bom

de comportamento ou bom de estudo”, em que é categórica ao dizer que “são sempre os

mesmos” (06/10/2008). A Prof.ª Carla relata que às vezes as escola acaba premiando uns

alunos que “aprontam o ano inteiro”, dizendo que tem alunos que “matam aula, desrespeitam

professor, se envolvem em brigas, daí chega na hora do campeonato é ele que ta selecionado

pra participar” (06/10/2008).

Ao dialogar sobre os que ficam de fora desses espaços, que não passam com sucesso

pelo peneirão, a Prof.ª Amália justifica dizendo que para o futebol de campo, do Guri Bom de

Bola, podem ser levados até vinte crianças, e que assim poucos ficam fora. A Prof.ª Roberta

ao falar disso traz novamente a discussão sobre os que não deveriam ir, na concepção dela, e

que ao estarem presentes nesses jogos, por não terem ou um comportamento bom ou estarem

com notas ruins, acaba acontecendo um choque entre os professores, e remete os que não

conseguem passar pelo peneirão ao torneio interno (06/10/2008). Para a Prof.ª Carla a

frustração é o sentimento dos que ficam fora desses espaços e que gostariam de participar.

Num esforço de ser propositiva em relação a essa questão a Prof.ª Carla faz alguns

apontamentos, no sentido de propor uma seleção envolvendo outras qualidades, que não se

detivessem na questão da técnica e do rendimento, olhando mais para o lado da cooperação,

dos alunos que não se metem em confusão, que respeitam e é clara ao final em dizer que “é ir

pro campeonato sabendo que tu vai perder” (06/10/2008).

Um ponto importante de ser levantado aqui é que, mais precisamente no JERGS, que

possui mais de uma modalidade, no regulamento fica claro que uma criança pode participar de

todas as modalidades. Dessa forma, como nos relatos ficou evidenciado, poucos ocupam

muitas vagas, e mascaram os números, além de impedir a presença de mais crianças nesses

espaços.

Os jogos internos realizados na escola são os que possuem uma maior aceitação e

aderência entre os colaboradores. Os quatro participaram da organização e efetivação das

atividades. Tive a oportunidade, em uma das aulas observadas, de participar do repasse dos

jogos para a turma da 8.ª série. A Prof.ª Amália, objetivando preparar o time para o torneio

interno, se adiantou em relação aos outros professores. Esse adiantamento consistia em

70

direcionar as aulas até o dia dos jogos para que a equipe que saísse da turma pudesse utilizar a

aula de educação física para treinar. Os outros professores tratavam do assunto, mas não com

a ênfase dada pela Prof.ª Amália. Como já dito, o torneio interno objetiva também contemplar

aquelas crianças que não foram selecionados nos peneirões para representar a escola nos jogos

externos. As turmas que possuem uma demanda maior podem inscrever dois times em cada

modalidade. Mesmo assim, pensando nos que não são selecionados também para esses

torneios e entendendo o mesmo como atividade aula, criou-se um forma de contemplá-los.

Esses ficam responsáveis pela organização das torcidas, ou entram nas equipes de apoio, que

são grupos que buscam auxiliar os que estão jogando, com água para que eles não precisem se

deslocar até o bebedouro durante o jogo, gelo, para caso aconteça alguma lesão, buscar a bola,

caso ela transcenda a tela de proteção, etc.

Como já alertamos, há uma divergência presente acerca dos jogos escolares. Sobre o

torneio interno há uma convergência geral pelos professores; porém, sobre os externos fica

explícita a divergência. Dessa forma, a partir dos relatos, fica claro a interferência que os

jogos escolares, tanto os externos como o interno tem na prática pedagógica dos professores

de educação física. Seja na questão estrutural, relacionada aos espaços, seja na forma como

está sendo organizado, quem está participando, o que esta reproduzindo essa maneira de

organização.

71

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise feita nesse trabalho, relacionando sociedade-escola-esporte-escola-sociedade,

nos apresentou problemas. Entender a conexão e a relação entre a sociedade e esses canais é

algo que devemos ter para conseguir formular propostas que visem reformulações,

reinvenções, transformações tanto no âmbito do esporte, como da escola e também da

sociedade. Nosso propósito não é negar o esporte, ou fazer críticas a ponto de retirá-lo das

aulas de educação física; queremos sim é problematizá-lo, com objetivos de auxiliar em

proposições superadoras.

Entendemos a limitação desse trabalho, por ser um Trabalho de Conclusão de Curso, e

por ousar se apropriar de uma teoria que está cada vez mais sendo negada dentro da

universidade: o marxismo. Temos clareza de que o problema dessa pesquisa requer uma

análise mais profunda, e que discuta mais com a teoria, e com o próprio campo. Porém,

mesmo com essas limitações, nesse momento, a aproximação com a literatura e as

informações obtidas no campo, nos mostram apontamentos relevantes para o debate:

1. as questões econômicas e sociais interferem no cotidiano da escola, da mesma

maneira que essa interfere também nessas questões;

2. as condições de trabalho dos professores estão cada vez mais precárias. Os salários

estão baixos, as turmas estão super-lotadas, a enturmação da política do Governo

do Estado tem efeitos perversos. Nesse momento que encerro o trabalho, o CPERS

Sindicato, em assembléia geral, com mais de 10 mil professores, entra em greve. O

motivo é a forma como a governadora Yeda (PSDB) resolveu aderir ao piso

nacional para a categoria, estipulado pelo Governo Federal em R$ 950,00, em que

ela adere ao piso nacional, porém incluindo nele todas as vantagens da carreira, o

que a categoria está rechaçando;

3. a aula de educação física uma vez por semana é um problema, por não ser possível

avançar efetivamente no conteúdo e ter uma retomada, juntamente com os três

períodos seguidos, vistos em duas das quatro turmas observadas, o que é

considerado como antipedagógico pelos professores;

4. o esporte se impõe à educação física enquanto conteúdo hegemônico, através do

consenso “espontâneo”, sufocando as demais manifestações da cultura corporal,

fazendo com que as crianças não tenham aproximações e apropriações do

72

conhecimento construído e acumulado por homens e mulheres durante o

movimento histórico da humanidade em relação à cultura corporal;

5. esse consenso “espontâneo” não é fruto único e exclusivo dos professores que estão

ministrando as aulas de educação física nas escolas, mas sim é algo que vem sendo

construído em estruturas maiores, no sentido de difundir através do esporte valores

e significados da sociedade vigente, para a manutenção do status quo;

6. as universidades têm um papel fundamental nesse sentido, pois é nelas que os

futuros professores e professoras estarão buscando apropriar-se e construir o

conhecimento para trabalhar posteriormente nas escolas. Assim, as universidades

devem estar ligadas intimamente às escolas públicas, para que as contribuições

sejam efetivadas em todos os sentidos;

7. nesse sentido os intelectuais orgânicos da educação física devem girar suas

formulações e produções para entender a educação física não como uma ilha

isolada do resto do mundo, que termina em si mesma, mas sim como um dos canais

que podem atuar no sentido de disputar as consciências para problematizar

questões, para buscar superar as relações de exploração;

8. a lógica do esporte de rendimento está presente nas aulas de educação física. Essa

lógica não aparece exclusivamente no treinamento de equipes ou em campeonatos,

seja interno ou externo, mas sim no cotidiano das aulas;

9. os melhores têm a oportunidade de praticar e de se apropriar das atividades, e

condicionam a atividade quando ela é o jogo propriamente dito;

10. a presença da lógica do rendimento vem contribuindo para gerar o individualismo

nas aulas, em que há um fortalecimento do jogar contra, e ganhar custe o que

custar;

11. a violência é reflexo também dessa forma como o esporte é tratado e difundido;

12. a divisão de gênero é reforçada pelo tratamento dado ao esporte;

13. os jogos escolares interferem na prática pedagógica dos professores de educação

física;

14. na escolha das equipes, através do peneirão, o desempenho no esporte é que

condiciona a participação ou não;

15. esses jogos estão premiando, em grande parte, alunos que são considerados

problemáticos nas aulas. Pois são os alunos mais bagunceiros, e/ou com notas mais

73

baixas, que são os escolhidos, devido a performance, para representar a escola nos

campeonatos externos.

Assim, percebemos como um problema o esporte como conteúdo hegemônico na

escola. O problema se agrava mais ainda quando está pautado na lógica do esporte de

rendimento. O diálogo com a literatura já vem apontando esses problemas, porém, sentimos

falta de trabalhos que tratem dessa temática, partindo da abordagem que esse trabalho

pretendeu, precisamente falando da sala de aula, do chão da escola. Nesse sentido, a partir da

relação do que vimos, presenciamos, analisamos, conversamos, entrevistamos, a prática

pedagógica dos professores, constatamos que o esporte como está sendo tratado vem trazendo

problemas significativos, e necessita ser problematizado e reinventado.

A forma como o esporte vem sendo tratado na escola, como conteúdo hegemônico das

aulas de educação física, alinhado à lógica do rendimento, gera um verdadeiro apartheid26 nas

aulas de educação física. O apartheid se diferencia do conceito de exclusão, pois no esporte

como na sociedade, refletindo os valores e o modelo de sociedade do capital, para que as

relações sociais aconteçam, é necessário a submissão, a exploração, a separação de outros. É

necessário ter quem dominar, quem vencer, por isso ele não está excluindo, mas sim deixando

dentro do processo, separado, relegado a uma posição necessária para que as relações se

perpetuem. No esporte na escola isso acontece, como pudemos ver nesse trabalho. As crianças

ficam de fora, para que algumas outras de alguns times consigam saborear a vitória. As

crianças não têm o acesso à cultura produzida pelo homem e a mulher, sendo enclausuradas

numa única prática corporal, ditada pelo sistema. Desde o nascimento de cada um, o esporte se

insere nas nossas vidas desse jeito devastador, ou traiçoeiro, como prefere designar a Prof.ª

Carla, sendo reafirmado veementemente quando atravessamos a universidade, para

aperfeiçoarmos e nos aproximarmos dos conhecimentos produzidos pela humanidade, e lá

somos amputados mais uma vez de conhecer, usufruir, poder nos apropriarmos das práticas

corporais, e o reflexo disso pode ser visto na escola.

Há a necessidade de resgatar as outras manifestações da cultura corporal, para que ao

lado do esporte, a ginástica, a dança, os jogos, as lutas, entre outras, possam ter espaço, e ser

aproximadas do contexto das crianças, para que elas possam tomar, conhecer, modificar,

problematizar para desenvolvê-las da melhor maneira.

26 Apartheid é uma palavra de origem africana que significa vida separada, muito utilizada pra designar um regime instaurado na África do Sul, no qual os “brancos” possuíam o poder e os demais povos eram obrigados a viver separadamente.

74

Temos acordo com as formulações de Bracht (2000), na discussão feita na Revista

Movimento. Necessitamos criticar, problematizar o esporte, e em acordo com Castellani Filho

(2002), em relação à desesportivização da educação física, atentando para a não negação ou

abandono do esporte como conteúdo. As críticas e formulações feitas nesse trabalho, se num

momento remetem a um pessimismo muitas vezes enfatizado, e que acaba por sufocar as

possibilidades de transformação, deixamos claro aqui que vislumbramos possibilidades reais

de transformação do esporte. Dessa forma nos aproximamos de Taffarel (2000) e de Assis de

Oliveira (2005), e reivindicamos a reinvenção do esporte.

Nesse sentido, um dos pontos que ressaltamos aqui, é o entendimento de que os

professores e professoras da escola pública, enquanto intelectuais, devem ser orgânicos e

formularem, a partir das suas realidades e do conhecimento construído historicamente, seus

conteúdos, suas metodologias, suas reivindicações, rompendo assim com um dos processos de

divisão do trabalho existente na escola, que visa alienar o professorado. O exemplo do Estado

do Paraná pode elucidar o que estamos tentando dizer. O Livro Didático Público, construído

coletivamente pelos professores e professoras da rede Estadual de Ensino do Paraná para as

escolas públicas. Ele demonstra a necessidade do professorado das escolas públicas

assumirem um papel de protagonistas no processo educacional para além das salas de aula.

Mais que um livro didático, ele busca uma interação e desafia as crianças a ir além dele (Livro

Didático Público 2006).

A partir do momento que o professorado se entender como intelectuais orgânicos, que

esse entendimento esteja ligado intimamente à universidade e aos intelectuais que lá estão,

sendo a universidade comprometida com os anseios da classe trabalhadora, é que

conseguiremos avançar efetivamente na reinvenção do esporte, atingindo estruturas maiores,

questionando políticas públicas relacionadas ao esporte, efetivadas pelo Estado, bem como

processos de formação ligados ao mercado, que estão abandonando o trato pedagógico

direcionado à escola.

A reinvenção do esporte deverá trazer no seu cerne o processo de auto-organização das

crianças, em que elas consigam pensar, construir, efetivar as atividades a partir de seus

anseios, esses problematizados pra além da prática esportiva momentânea, pra além dos muros

da escola, adentrando nas relações da sociedade, nas políticas dos governos e do Estado.

Deverá garantir que as crianças tenham acesso à cultura corporal, bem como do esporte

inserido nessa, produto de homens e mulheres. Deverá apontar para a problematização da

75

lógica do rendimento e da técnica, buscando diminuir essas categorias, que são centrais hoje,

não a ponto de negá-las, mas a ponto de que todas e todos possam participar da prática

esportiva, sem que se sintam relegados dentro dessa a posições inferiores, e assim podendo ter

uma participação mais ativa no jogo, contribuindo para o direcionamento do mesmo. Deverá

estar conectada com a prática pedagógica dos professores e professoras das escolas, no sentido

de resgatar a ludicidade, privilegiando a solidariedade. A reinvenção do esporte não poderá

tolerar que nossas crianças sejam usadas como meras mercadorias, fontes de lucro, a serem

descobertas em testes e tabelas de laboratórios. Ela terá que saber a melhor maneira de

organizar os jogos escolares, para que aconteça a socialização efetivamente, e que não se torne

um campo de batalha, ou um espaço para poucos, para que mais crianças possam ter uma

participação ativa, que não seja algo feito para atingir números e propagandear empresas, ou

que alguns poucos sairão felizes ao final, em detrimento de muitos. A reinvenção do esporte

deverá se desenvolver no sentido de estar ligada aos anseios da classe trabalhadora, por uma

sociedade justa e igualitária, buscando difundir outros valores e significados.

76

REFERÊNCIAS

ANDERSON, P. Balanço do neoliberalismo. In SADER, E. at all. Pós-Neoliberalismo. As Políticas Sociais e o Estado Democrático. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

ANDRÉ, M. Etnografia da Prática Escolar. 2ª edição (1ªedição: 1995). Campinas-SP: Papirus Editora, 1998.

ASSIS DE OLIVEIRA, Sávio. Reinventando o esporte: possibilidades da prática pedagógica. Campinas SP: Autores Associados, chancela editorial do Colégio Brasileiro de Ciencias do Esporte, 2005.

BETTI, Mauro. Educação física e sociedade. São Paulo. Movimento, 1991

BRACHT, Valter. A criança que pratica esporte respeita as regras do jogo...capitalista. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. São Paulo: v.7 n.2, 1986.

______. Educação Física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992

______. Esporte na escola e esporte de rendimento. In: Movimento. Ano VI, nº 12, Porto Alegre - RS: ESEF/UFRGS, 2000.

______. Sociologia crítica do esporte: uma introdução. 3 ed. Ijuí: Unijuí, 2005.

BOURDIEU, Pierre. Como é possível ser esportivo? In BOURDIEU, Pierre (org.) Questões de sociologia. Rio de Janeiro, Marco zero, 1983.

BROHM, Jean-Marie. Sociologia política del deporte. In: Deporte, Cultura y Repressión. Barcelona: Editorial Gustavo Gilli, 1978.

CASTELLANI FILHO, Lino. Política educacional e educação física. 2º ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2002.

CASTELLANI FILHO , Lino. Educação física no Brasil: a história que não se conta. 14ª ed. Campinas, SP: Papirus 2007.

CAVALCANTI, Kátia B. Esporte para todos: um discurso ideológico. SP:IBRASA, 1984.

COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino de educação física. 12º ed. São Paulo, S P: Cortez, 2005.

CURY, Carlos R. J. Educação e contradição: elementos metodológicos para uma teoria crírica do fenômeno educativo. 7ª ed. São Paulo, Cortez, 2000.

DIAS, Edmundo F. Política brasileira: embate de projetos hegemônicos.São Paulo: Ed. I. J. L. e R. Sundermann, 2006.

ELIAS, Norbert. A gênese do desporto; um problema sociológico. In ELIAS, Norbert e

77

DUNNING, Eric. A busca pela excitação. Lisboa: Difel. 1992.

ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado. in.: Obras escolhidas de Karl Marx e Friedrich Engels. São Paulo: Alfa omega, S/d.

ENGUITA, Mariano F. A face oculta da escola. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

ENGUITA, M. F. Trabalho, Escola e Ideologia. Porto Alegre, Artes Médicas, 1993.

FREIRE, Paulo. Medo e ousadia. São Paulo, Paz e terra, 1986.

FREITAS, F.M.C. A miséria da educação física. Campinas, SP: Papitus, 1991.

FREITAS, L. C. Crítica da Organização do trabalho pedagógico e da Didática. Campinas, SP, Ed. Papirus: 1995.

GAYA, A. Sobre o esporte para crianças e jovens. In: Movimento. Ano VI, n.º 13, Porto Alegre - RS: ESEF/UFRGS, 2000.

GIROUX, Henry. Escola crítica e política cultural. São Paulo: Cortez: 1987.

GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. SP: Civilização brasileira. 1978.

GRUPPI, Luciano. O conceito de hegemonia em Gramsci. 4. ed. Rio de Janeiro: Grall. 200

GUTMANN, Allen. From ritual to record: the nature of modern sports. New York: Columbia University Press, 1978.

HILDEBRANDT- STRAMANN, Reiner. Textos pedagógicos sobre ensino da educação física. Ijuí, Editora Unijuí, 2005.

JERGS. Regulamento Geral. 2008

KUNZ, Elenor. Esporte: uma abordagem com a fenomenologia. In: Movimento. Ano VI, n.º 12, Porto Alegre - RS: ESEF/UFRGS, 2000.

KUNZ, Elenor. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí: Unijuí, 2006.

LOVISOLO, Hugo. Mediação: esporte rendimento e esporte da escola. In: Movimento. Ano VII, n.º 15, Porto Alegre - RS: ESEF/UFRGS, 2001.

LÜDKE, Menga & ANDRÉ, Marli; Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas; São Paulo; EPU; 1986

LUKÁCS, G. Per una ontologia dell' essere sociale. Vol II Roma: Riuniti, 1981. [Foi utilizada a tradução de Ivo Tonet para o capitulo III e a de Sergio Lessa para o capitulo IV].

78

MARX, Karl; ENGELS, Friederich. Manifesto do Partido Comunista. Porto Alegre: L&M, 2006.

MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. 2 ed. SP: Expressão popular, 2007

MARX, Karl. O 18 brumário de Luís Bonaparte. In: A revolução antes da revolução. SP: Expressão popular, 2008

MÉSZÁROS, Istvan. Marx: A Teoria da alienação, Rio de Janeiro, Editora Zahar, 1981.

MESZÁROS, Istvan; Educação Para Além do Capital; ed. Boitempo; São Paulo – SP; 2005.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo, 1996.

MOLINA, Rosane M. K..O enfoque teórico metodológico qualitativo e o estudo de caso: uma reflexão introdutória. In: MOLINA NETO, V.; TRIVIÑOS, A.N.S. (orgs.). A pesquisa qualitativa na educação física: alternativas metodológicas. 2 ed. Porto Alegre: UFRGS/Sulina, p. 95 – 107.

MOLINA NETO, Vicente. A prática do esporte nas escolas de 1º e 2º graus. Porto Alegre: UFRGS, 1996

OLIVEIRA, Vitor M. O que é educação física. 10 ed. São Paulo: Brasiliense, 1993.

PADIGLIONE, Vicenzo. Diversidad y Pluralidad en el escenario deportivo. In: Educación Física y deports. Barcelona, INEF de Catalunya, nº 41, 1995.

PÉREZ GÓMES, A. I. As Funções Sociais da Escola: da reprodução à reconstrução crítica do conhecimento e da experiência. In Gimeno Sacristán, J. & Pérez Gómes, A.I. Compreender e transformar o ensino. 4 ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

PERGHER, E. G., NISHIMURA, S.P. Conjuntura história e resistência estudantil num período de ofensivas neoliberais. In.: Caderno de Debates X. ExNEEF, 2008.

PISTRAK. Fundamentos da escola do trabalho. São Paulo. Expressão Popular: 2005.

PORTELLI, Hugres. Gramsci e o Bloco Histórico. 5ª ed.Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1990.

GURI BOM DE BOLA, Projeto. Regulamento Geral. 2008.

SAVIANI, Demerval. Escola e democracia. Campinas, SP: Autores Associados, 2006.

SAVIANI, Demerval. Pedagogia histórico crítica: primeiras aproximações. 6ª ed. Campinas, S: Autores Associados, 1997.

SOUZA, João Fransisco de. Uma Pedagogia da Revolução. São Paulo, SP: Cortez/Autores

79

Associados, 1987.

STIGGER, Marco Paulo. Esporte, Lazer e Estilos de Vida: um estudo etnográfico. Campinas, SP: Autores Associados, chancela editorial do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE), 2002.

STIGGER, Marco Paulo. Educação física, esporte e diversidade. Campinas, SP: Autores Associados, 2005.

STIGGER, Marco Paulo. Relações entre o esporte de rendimento e o esporte na escola. In: Movimento. Ano VII, n.º 14, Porto Alegre - RS: ESEF/UFRGS, 2001.

TAFFAREL, Celi N. Z. Criatividade as aulas de educação física. Rio de Janeiro: Ao livro técnico, 1985.

TAFFAREL, Celi N. Z. Desporto educacional: realidade e possibilidades das políticas governamentais e das praticas pedagógicas nas escolas públicas. In: Movimento. Ano VI, n.º 13, Porto Alegre - RS: ESEF/UFRGS, 2000.

TAFFAREL, Celi N.Z. Esporte na escola e o esporte de rendimento: reafirmando o marxismo contra as ilusões e as imposturas intelectuais. In.: www.faced.ufba.br/rascunho_digital/ visitado em 15 de novembro de 2008.

TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em educação; São Paulo; Atlas; 1987.

______________. Bases teórico-metodológicas preliminares da pesquisa qualitativa em ciências sociais. 1. ed. Porto Alegre: Faculdades Integradas Ritter dos Reis, 2001.

VÁRIOS AUTORES. Livro didático público: educação física. Curitiba -PR: SEED, 2006.

VAZ, Alexandre F. Técnica, esporte, rendimento. In: Movimento. Ano VII, n.º 14, Porto Alegre - RS: ESEF/UFRGS, 2001.

80

APÊNDICES

Roteiro básico de entrevistas

1) Apresentação geral, com nome, idade, carga horária.

2) Se trabalha em outro lugar ou outra escola?

3) Formada por qual faculdade ou universidade?

4) Fala sobre a tua trajetória até ingressar na faculdade.

5) Fala sobre a tua formação acadêmica.

6) Fala sobre as condições de trabalhos dos professores hoje.

7) Fala sobre as condições estruturais da escola.

8) Como tu organiza as atividades, os conteúdos que tu trabalha?

9) Como o esporte interfere na formação das crianças?

10) Fala sobre os jogos escolares?

11) Como se dá a relação rendimento - competição com as aulas de educação física

12) Teria mais algum ponto que tu considere relevante de ser tratado?

81

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado a participar de um estudo sobre esporte na prática pedagógica de professores do IEE Paulo da Gama . Peço que você leia este documento e esclareça suas dúvidas antes de consentir, com a sua assinatura, sua participação neste estudo. Você receberá uma cópia deste Termo, para que possa questionar eventuais dúvidas que venham a surgir, a qualquer momento, se assim o desejar.

Objetivos do estudo:

Quais as implicações que o esporte, enquanto conteúdo hegemônico da prática

pedagógica dos professores de educação física na escola, acarretam para a educação?

Procedimentos:

Durante a realização do trabalho de campo, as informações serão coletadas através de observações, registros em diários de campo, entrevistas e análise de documentos. As observações serão feitas no horário de funcionamento da escola e de realização das atividades docentes como aulas, reuniões, conselhos de classe e intervalos. Serão feitos registros em diários de campo do que for observado. Os registros serão de forma descritiva, não emitindo juízo de valor sobre as observações.

As entrevistas serão previamente agendadas, a ser realizada em seu ambiente de trabalho ou em algum local de sua preferência, com duração máxima de uma hora. Esta entrevista será gravada, transcrita e devolvida para sua confirmação e, se necessário, correção das informações coletadas.

O relatório final deste estudo também lhe será devolvido para leitura e apreciação das informações coletadas e interpretações realizadas.

Riscos e benefícios do estudo:

1º) Sua adesão como colaborador deste estudo não oferece risco à sua saúde e não lhe submeterá a nenhum tipo de constrangimento;

2º) Você receberá cópia da sua entrevista para validar, retirar ou modificar as informações, a seu critério, antes do texto ser transformado em fonte de pesquisa;

3º) Este estudo poderá contribuir no entendimento dos problemas relacionados com os processos de ensinar e aprender, vivenciados pelos educadores, principalmente em âmbitos escolares;

4º) Você será convidado a assistir a apresentação deste estudo para a banca examinadora em data a ser agendada pela Comissão de Graduação da Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul;

5º) A apresentação do relatório final deste estudo também será realizada em sua escola de modo a socializar e discutir com a comunidade escolar os achados da investigação.

82

Confidencialidade:

Todas as informações coletadas, sob a responsabilidade do pesquisador, preservarão a identificação dos sujeitos pesquisados e ficarão protegidas de utilização não autorizadas.

Voluntariedade:

A recusa do participante em seguir contribuindo com o estudo será sempre respeitada, possibilitando que seja interrompido o processo de coleta das informações a qualquer momento, se assim o for desejado.

Novas Informações:

A qualquer momento os participantes do estudo poderão requisitar informações esclarecedoras sobre o projeto de pesquisa e as contribuições prestadas, através ed contato com o pesquisador.

Contatos:

1) Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Escola de Educação Física

Endereço: Rua Felizardo, nº 750, Jardim Botânico, Porto Alegre-RS.

Telefone: (51) 3308-5821

Vicente Molina Neto

Orientador do trabalho

2) UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL – COMITÊ DE ÉTICA DA UFRGS

Endereço: Av. Paulo Gama, 110 - 7° andar - Porto Alegre/RS

Telefone: (51) 3308.4085

83

DECLARAÇÃO DE CONSENTIMENTO

Eu _________________________________________________________, professor da

Escola Municipal de Ensino Fundamental _________________________________________

tendo lido as informações oferecidas acima e tendo sido esclarecido das questões referentes à

pesquisa, concordo, livremente, em participar do estudo.

Assinatura: _____________________________________________

Data: __ / __ / _____ .

84

ANEXOS

Anexo 1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SULESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA

GRUPO DE ESTUDOS QUALITATIVOS FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PRÁTICA PEDAGÓGICA EM EDUCAÇÃO FÍSICA E CIÊNCIAS DO ESPORTE

DECLARAÇÃO

NOME DA ESCOLA: ______________________________________________________Nome do(a) Diretor(a):_____________________________________________________Endereço:________________________________________________________________CEP:_____________ Cidade: __________________ Telefone: ______________

Declaro que o Professor Vicente Molina Neto, juntamente com seu bolsista de graduação, Eduardo Pergher, está autorizado a realizar coleta de dados para a pesquisa intitulada: “Esporte na escola: impliações na educação física” no segundo semestre de 2008, nesta Escola.

Tenho conhecimento de que a pesquisa objetiva compreender quais implicações o esporte enquanto conteúdo da prática pedagógica das aulas de educação física na escola acarreta. Para efetivar a coleta de dados, o pesquisador terá permissão para realizar entrevistas com os professores de educação física.

Estou ciente de que o pesquisador preservará a identidade dos sujeitos colaboradores e observará os procedimentos éticos no manejo das informações obtidas.

As atividades do pesquisador deverão ser executadas com planejamento prévio e sem prejuízo nas atividades da comunidade escolar.

Porto Alegre,............... de agosto de 2008.

___________________________________________ (Assinatura e carimbo do Representante Legal da Escola)

85

Anexo 2

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SULESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA

GRUPO DE ESTUDOS QUALITATIVOS FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PRÁTICA PEDAGÓGICA EM EDUCAÇÃO FÍSICA E CIÊNCIAS DO ESPORTE

CARTA DE ANUÊNCIA DA ESCOLA IDENTIFICADA EM PRESENTE PROJETO DE PESQUISA.

NOME DA ESCOLA: ______________________________________________________Endereço:________________________________________________________________CEP:_____________ Cidade: __________________ Telefone: ______________

Pelo presente instrumento comprometo-me a permitir o acesso do Dr. Vicente Molina Neto e seus estudantes de Mestrado, Doutorado e Bolsistas de Iniciação Científica aos estagiários aqui lotados bem como ao grupo de crianças e adolescentes aqui matriculados, participantes que forem identificados com o perfil de interesse do Projeto de Pesquisa intitulado: “Esporte na escola: implicações na educação física”. O acesso será negociado, em seus detalhamentos, tais como o número de pessoas envolvidas, número de horas de entrevistas, número de observações, forma de retorno das informações à escola, locais e horários nos quais se dará a coleta das informações, etc. após a aprovação Comissão de Pesquisa da ESEF/UFRGS e pelo Comitê de Ética da UFRGS”.

Caberá ao professor pesquisador obter a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), de todos os atores que compuserem o grupo pesquisado.

Porto Alegre,............... de agosto de 2008.

___________________________________________(Nome, assinatura e carimbo do Representante Legal da Escola)